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CANROBERT PENN LOPES COSTA NETO

De Marx à agroecologia
A transição sociotécnica na reforma agrária brasileira

1ª edição
2018

Copyright © 2018 por Canrobert Penn Lopes Costa Neto


CAPA, REVISÃO E DIAGRAMAÇÃO
Equipe Cia do eBook
ISBN 9788555851360
EDITORA CIA DO EBOOK

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“Se se conseguir estabelecer um laço lógico, orgânico, não
formal, entre as metamorfoses do trabalho, o desperdício
acelerado da força de trabalho e os parâmetros da crise
ecológica planetária, esse encontro poderá tornar-se o ponto de
partida para uma nova aliança teórica”.
BENSAÏD, Daniel. Marx, l‟Intempestif. Grandeurs et misères d‟une
aventure critique. Paris, Fayard, 1995. [Edição Brasileira: Marx, o
Intempestivo. Grandezas e Misérias de Uma Aventura Crítica. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999, p. 484.]

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Sumário

Capa

Epígrafe

Introdução

Parte 1: MARX E A AGROECOLOGIA: CONTRADIÇÕES OU


COMPLEMENTARIDADES?

Parte 2: MARX E A FALHA METABÓLICA NO PROCESSO


HISTÓRICO CAPITALISTA

Parte 3: AGROECOLOGIA: TEORIA CRÍTICA DO


DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO AGRÁRIO

Parte 4: MARX E A AGROECOLOGIA: RELAÇÃO DIALÉTCA


E PERSPECTIVA SISTÊMICA ENTRE HUMANIDADE E
NATUREZA; PROCESSO HISTÓRICO MARXISTA E SISTEMA
AMBIENTAL AGROECOLÓGICO: AGROECOLOGIA
MARXISTA?

Parte 5: TRANSIÇÃO SOCIOTÉCNICA EM PROCESSOS


HISTÓRICOS CONSTITUÍDOS POR SISTEMAS
METABÓLICOS (AGRO)AMBIENTAIS: SÍNTESE DIALÉTICA
PROCESSUAL/SISTÊMICA E APROXIMAÇÃO
EPISTEMOLÓGICA ENTRE AS TEORIAS DE MARX E DA
AGROECOLOGIA. TRÊS CENÁRIOS INTERPRETATIVOS.

Parte 6: CAPITALISMO AGRÁRIO NO BRASIL: DIALÉTICA


PROCESSUAL/SISTÊMICA DOS TRÊS CENÁRIOS DE
ORGANIZAÇÃO AGRÁRIA

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Parte 7: REFORMAS AGRÁRIAS NO PROCESSO HISTÓRICO
CAPITALISTA NO CAMPO BRASILEIRO: DAS LIGAS
CAMPONESAS DAS DÉCADAS DE 1950/60 AOS
ASSENTAMENTOS RURAIS DA DÉCADA DE 1980 EM
DIANTE: PROJETOS EMANCIPATÓRIOS DOS
TRABALHADORES RURAIS E REAÇÃO CONSERVADORA
DO CAPITALISMO AGRÁRIO

Parte 8: MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA NO BRASIL:


TECNOLOGIAS DA REVOLUÇÃO VERDE NO SISTEMA
METABÓLICO AGROAMBIENTAL EM PROCESSO
HISTÓRICO DE DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO
AGRÁRIO; DESCAMPESINIZAÇÃO ACELERADA

Parte 9: A SEGUNDA REFORMA AGRÁRIA DO PROCESSO


HISTÓRICO DE DESENVOLVIMENTO DAS FORÇAS
PRODUTIVAS NO CAMPO BRASILEIRO: ATITUDES DE
RESISTÊNCIA FRENTE À PRODUÇÃO DESTRUTIVA SÓCIO-
AGRO-AMBIENTAL

Parte 10: A ORIGEM DO MST E AS BASES SOCIAIS E


TECNOLÓGICAS DA REFORMA AGRÁRIA DA DÉCADA DE
1980 EM DIANTE NO BRASIL

Parte 11: REFORMA AGRÁRIA POPULAR DO MST/LVC:


AGROINDUSTRIALIZAÇÃO PELA VIA DA COLETIVIZAÇÃO
COOPERATIVISTA DA PRODUÇÃO/DISTRIBUIÇÃO NOS
ASSENTAMENTOS

Parte 12: TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA EM


ASSENTAMENTOS RURAIS DO MST: READEQUAÇÃO DA
MATRIZ TECNOLÓGICA DE PRODUÇÃO NO “PROJETO DE
TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA” NO ASSENTAMENTO
FAZENDA PIRITUBA II

Parte 13: O “PROJETO DE TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA”


NO ASSENTAMENTO FAZENDA PIRITUBA II:
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MODIFICAÇÃO DA MATRIZ TECNOLÓGICA DE
PRODUÇÃO EM COOPERATIVAS COLETIVIZADAS;
TRABALHO SOCIAL COLETIVO PARA O PRODUTIVISMO
MERCANTIL AGROINDUSTRIAL OU RESISTÊNCIA AO
AGRONEGÓCIO?

Parte 14: A COOPERATIVA DE PRODUÇÃO COPANOSSA E A


TRANSIÇÃO TECNOLÓGICA AGROPECUÁRIA NO
ASSENTAMENTAMENTO FAZENDA PIRITUBA II:
COLETIVIZAÇÃO, ECOLOGIZAÇÃO,
DESCAMPESINIZAÇÃO

Parte 15: CONFIGURAÇÕES SOCIOAMBIENTAIS PARA


ALÉM DOS LIMITES TECNOLÓGICOS DO “PROJETO DE
TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA” NA COPANOSSA: O
COLETIVO DE MULHERES

Parte 16: PRODUÇÃO E ESCOAMENTO DISTRIBUTIVO EM


SISTEMA METABÓLICO AGROFLORESTAL NO
ASSENTAMENTO FAZENDA PIRITUBA II: O CASO DO SÍTIO
PANELA CHEIA E OS OBSTÁCULOS À
RECAMPESINIZAÇÃO ASSOCIATIVA/COOPERADA DO
TRABALHO SOCIAL AGRÁRIO

Parte 17: RECAMPESINIZAÇÃO ESPONTÂNEA NÃO


COOPERADA/ASSOCIADA; AUTO-SUFICIÊNCA
SOCIAL/PRODUTIVA; CONFIANÇA EM ORGANIZAÇÕES DE
PESQUISA/EXTENSÃO ECOLÓGICAS; DESCONFIANÇA NO
TRABALHO INTER FAMILIAR E NA PRODUÇÃO
COLETIVISTA: O CASO DO SITIO MORADA DO CURUPIRA

Parte 18: METODOLOGIA PARA QUESTIONAR O PROCESSO


HISTÓRICO CAPITALISTA AGRÁRIO EM ASSENTAMENTOS
RURAIS DE REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL -
POLITICAMENTE INFLUENCIADOS PELO MST/LVC:
TERRITORIALIZAÇÃO; ESPACIALIZAÇÃO; FUNÇÃO
SOCIAL DA TERRA
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Parte 19: AGROECOLOGIA EM ASSENTAMENTOS RURAIS
DA REFORMA AGRÁRIA POPULAR DO MST/LVC NO
BRASIL: APROPRIAÇÕES AGROECOSSISTÊMICAS PARA A
TRANSFORMAÇÃO, CONSUMO E DISTRIBUIÇÃO
LIBERADORES DO FLUXO METABÓLICO DE ENERGIA E
MATERIAIS? OU MATRIZES TECNOLÓGICAS DE
PRODUÇÃO ADAPTADAS AO TRABALHO SOCIAL
AGRÁRIO ABSTRATO PRODUTIVISTA MERCANTIL -
CAPITALISTA OU COLETIVISTA – SÓCIO-AGRO-
AMBIENTALMENTE INSUSTENTÁVEIS?

Parte 20: O METABOLISMO SOCIAL AGRÁRIO EM MARX E


NA AGROECOLOGIA NO SÉCULO XXI: A TRANSIÇÃO
SOCIOTÉCNICA NO SENTIDO DA EMANCIPAÇÃO DO
TRABALHO SOCIAL E DA SUSTENTABILIDADE DO
AMBIENTE NATURAL

Referências bibliográficas

Anexos

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INTRODUÇÃO

Este livro subdivide-se em vinte partes. As cinco primeiras se


propõem a fazer analogias das concepções de trabalho e tecnologia
entre obras de Marx e dos principais autores teóricos da corrente
agroecológica contemporânea.
As analogias em questão identificam aproximações e
distanciamentos teóricos entre as referidas correntes. É possível
perceber, no entanto, diversas sínteses dialético-materiais entre as
mencionadas concepções teóricas. Estas sínteses são proporcionadas
pela noção compartilhada entre as abordagens em questão – na
realidade, originárias da obra de Marx, revisitada neste livro, e
incorporadas pela crítica teórica agroecológica ao capitalismo
agrário – acerca da persistência de uma falha metabólica no
desenvolvimento capitalista, desde seus primórdios agrários na
Europa.
A crítica ao capitalismo agrário e a necessidade de se propor outras
formas de desenvolvimento agrário, para além do capitalismo no
campo, promove uma interseção entre a obra de Marx e o
pensamento teórico agroecológico. Para ambos, a transição
sociotécnica contida na evolução do capitalismo agrário – desde
suas origens históricas, até a contemporaneidade globalizada – está
esgotada, tanto em termos das formas capitalistas de exploração do
trabalho social agrário, quanto em relação aos métodos utilizados
para esta reprodução capitalista através da espoliação da natureza,
transformada em fonte de recursos econômicos.
A superação da falha metabólica, em termos dialético-materiais, é
uma aspiração comum à obra de Marx e à agroecologia. No quarto
capítulo deste livro vislumbra-se a síntese teórica entre Marx e a
agroecologia: a emergência de uma teoria agroecológica “marxista”.
Daí resulta a hipótese pela qual Marx e a agroecologia convergem
para a proposição de um processo de transição sociotécnica para
além do capitalismo agrário, a partir da constatação comum às duas
correntes interpretativas, de que o capitalismo agrário aprofunda
cada vez mais a falha metabólica entre humanidade e natureza
através de atividades sociotécnicas de caráter destrutivo. O quinto
capítulo deste livro aborda esta questão e detém-se na perspectiva
8
pela qual o embrionário método teórico agroecológico
marxista pode vir a auxiliar na identificação e localização de outras
formas de transição sociotécnica no agro, capazes de promover a
superação das condições sociotécnicas características ao
desenvolvimento do capitalismo agrário.
Com o propósito de levar adiante, ao longo deste livro, a hipótese
aqui aventada, o sexto capítulo conduz a uma inflexão teórico-
metodológica: passa-se a utilizar o método dialético
processual/sistêmico – agroecológico marxista – para interpretar a
gênese e o ulterior desenvolvimento capitalista agrário no Brasil.
Visando operacionalizar esta proposição analítica, os capítulos 7 a 9
vão situar a dinâmica da modernização conservadora, inerente à
transição sociotécnica capitalista agrária brasileira, como um todo,
nas experiências de reforma agrária no Brasil – desde as ligas
camponesas, das décadas de 1950 e 60, até as lutas de resistência à
referida modernização capitalista agrária, da década de 1980,
chegando à atualidade.
A parte 10 deste livro passa a perscrutar as bases sociais e
tecnológicas da reforma agrária brasileira do final da década de
1980 em diante, tomando como referência o principal movimento
social agrário brasileiro deste período: o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST. Pelo viés
interpretativo agroecológico marxista, a parte onze desta obra
enfoca a crítica da reforma agrária popular, proposta e executada
pelo MST, no contexto de sua inserção política na Via Campesina
do Brasil e internacional. A crítica processual/sistêmica, na parte
onze, centra-se nas contradições identificadas nas práticas do MST,
em torno da proposta de agroindustrialização
coletivista/cooperativada em assentamentos rurais de reforma
agrária sob sua influência política.
A parte 12 refere-se ao caráter reducionista, contido nas diretrizes
da reforma agrária popular do MST, atribuído à noção de transição
agroecológica. Esta transição é percebida, de fato, pelo MST e seus
parceiros técnico-políticos, como uma readequação a determinada
matriz tecnológica da produção em assentamentos rurais, no caso
específico, no mais significativo assentamento rural do MST, do

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ponto de vista ocupacional e produtivo, situado no estado de São
Paulo, região sudeste do Brasil.
Desde a parte 13, até a 17, este livro examina – sempre pelo viés
analítico processual/sistêmico do assinalado método
dialético agroecológico marxista – os caminhos da transição
sociotécnica percorridos contemporaneamente, em determinadas
experiências produtivas/distributivas, ao longo da execução de
projetos de transição agroecológica, no contexto de intervenções
agroindustrializantes propostas nas diretrizes político-produtivas da
chamada reforma agrária popular do MST. Constata-se que as
referidas diretrizes vão ao encontro da inserção dos trabalhadores
rurais na transição sociotécnica de caráter capitalista agrário nos
assentamentos, gerando consequências já previstas e esboçadas em
capítulos anteriores deste livro, tais quais a intensificação de
cenários de produção e distribuição de mercadorias de contornos
destrutivos, do ponto de vista das formas de reprodução da força de
trabalho social e da relação com o ambiente natural. A abordagem
espacial e metodológica das partes mencionadas do livro mantém-se
vinculada a situações concretas vivenciadas no aludido
assentamento rural do estado de São Paulo.
A parte 18 do livro utiliza-se dos referenciais metodológicos
teóricos e empíricos, aqui abordados, para assinalar a possiblidade
de questionamentos, por parte do MST, ao processo de
desenvolvimento capitalista agrário no conjunto de assentamentos
rurais politicamente influenciados pelo Movimento. Através da
constatação da existência de uma situação histórica de
espacialização, territorialização e respeito à função social da terra,
comum a todos os assentamentos dirigidos pelo MST no Brasil, as
experiências produtivas e distributivas de
caráter agroecológico, manifestadas de maneira incipiente no
assentamento rural enfocado na pesquisa, poderiam vir a ser
replicadas em assentamentos de outras regiões do país, podendo
chegar a constituir núcleos de estruturação de processos alternativos
de desenvolvimento agrário, que avançassem para além dos marcos
estabelecidos pela dinâmica evolutiva da transição sociotécnica –
necessariamente destrutiva – do capitalismo agrário no Brasil.

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Na parte 19 deste livro recoloca-se, a título de síntese dialética
processual/sistêmica, a questão das práticas tidas como
agroecológicas em assentamentos do MST e levanta-se a seguinte
problematização: a agroecologia em assentamentos rurais
da reforma agrária popular do MST no Brasil visa a realizar
apropriações agroecossistêmicas para a transformação, consumo e
distribuição, liberadoras do fluxo metabólico de energia e materiais,
ou se restringe a incorporar matrizes tecnológicas de produção
adaptadas ao trabalho social agrário produtivista, mercantil –
capitalista ou coletivista – sócio-agro-ambientalmente
insustentável?
Conclui-se, na parte 20, que a síntese dialética em torno do
metabolismo social agrário em Marx e na teoria agroecológica, no
século XXI, aponta para condições históricas de transições
sociotécnicas, tais quais as vislumbradas nas experiências concretas
examinadas ao longo deste livro, em assentamento rural da reforma
agrária brasileira – consideradas suas especificidades de
operacionalização efetiva e possibilidades de replicação espacial-
territorial no âmbito da própria reforma agrária brasileira – no
sentido da emancipação do trabalho social e da sustentabilidade
do ambiente natural.

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Parte 1

MARX E A AGROECOLOGIA: CONTRADIÇÕES OU


COMPLEMENTARIDADES?

A obra de Karl Marx e a perspectiva agroecológica de


desenvolvimento rural são áreas de conhecimento que se integram,
potencialmente, ou estão em conflito permanente ou até mesmo em
rota de colisão teórica e historicamente?
Esta questão se coloca nas estruturações de assentamentos de
reforma agrária no Brasil contemporâneo. Para debater a temática
faz-se necessário analisar diversos aspectos da relação apontada.
Em primeiro lugar, é necessário considerar um possível empecilho
para a convergência analítica, entre as correntes apresentadas, que
se origina da noção de incomensurabilidade prático-teórica entre as
temáticas de cunho ambiental-ecológico e as de caraterísticas
socioeconômicas (BENSAÏD, 1999, cap. 11, p. 484).
À primeira vista, este seria o caso da relação entre a agroecologia e
alguns textos clássicos, da obra de Marx. A agroecologia partiria de
uma proposta de conhecimento, proveniente da abordagem de
situações naturais e agrárias, que trata de relacionar natureza e
sociedade a partir do olhar crítico sobre formas de apropriação da
natureza pela sociedade em distintas épocas.
A agroecologia teria, então, uma interpretação pela qual as
sociedades em geral, mais especificamente a sociedade capitalista,
intervêm destrutivamente na natureza através de meios de produção
que a artificializam muito além do necessário para a sua reprodução
sistêmica.
Marx, por outro lado, privilegiaria o caráter histórico processual da
relação sociedade/natureza ao propor a formulação da noção de
desenvolvimento das forças produtivas. Este tipo de
desenvolvimento teria por mote garantir o avanço técnico e social
pela constante ampliação dos sistemas produtivos, incluindo aí a
agricultura em termos capitalistas, sem se preocupar, ao menos
aparentemente, com a destruição causada à natureza física pela
intervenção produtiva.

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Assim sendo, a premissa agroecológica enfatizaria a crítica ao
desenvolvimento tecnológico ilimitado das organizações produtivas
capitalistas, considerando que a destruição da natureza física seria o
estágio último de todo o tipo de desenvolvimento das condições
técnicas das sociedades.
O capitalismo, então, geraria destruição do ambiente natural pelo
desenvolvimento ilimitado da produção – e da produtividade
agropecuária –, via a ampliação inadequada de meios técnicos de
operacionalidade.
Seria demonstrável, à primeira vista, que a agroecologia procede do
referencial físico/natural para suas elaborações prático-teóricas,
apresentando o binômio, natureza física/sociedade humana, com
prioridade evidente para a garantia plena das condições de
manutenção e reprodução da vida natural.
Isso quer dizer que a preocupação com a manutenção, não intocada,
da natureza física precederia, em termos agroecológicos, a extensão
ampliada da produção para fins sociais humanos, com a finalidade
da distribuição de produtos provenientes do agro, o que seria a
tônica dos textos da maturidade de Marx.
Então, a agroecologia seria proveniente do conhecimento ambiental
para expandir-se criticamente em direção a questões produtivas. Ela
iria do natural ao social. A obra de Marx, desde suas origens,
partiria do socioeconômico, que contém os elementos da produção
agrária, para o natural, privilegiando o caráter da necessidade
histórica das sociedades em abastecerem suas bases de produção e
consumo, em permanente desafio com a natureza física com a qual
se deparam.
Partindo-se destas características, frequentemente atribuídas a cada
uma das correntes de ação e pensamento em questão, seria forçoso
resignar-se ao fato de que elas são mesmo inconciliáveis
analiticamente e, portanto, incomensuráveis.
Seus objetos de referência seriam absolutamente distintos, pois
partiriam de óticas opostas de apreensão da realidade: a
agroecologia conteria um enfoque naturalista; a obra de Marx se
sustentaria em uma abordagem economicista ou produtivista, de
qualquer forma com ênfase no social e não no natural.

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Marx, no caso da interpretação dos aspectos de sua obra que dizem
respeito diretamente à relação entre natureza e sociedade, elege o
trabalho e as classes sociais como elementos centrais de seu
enfoque. A agroecologia se constitui a partir da introdução de
elementos relativos aos fluxos de energia e materiais na relação
entre natureza e sociedade.
Dois pontos teóricos, e da práxis, poderiam, no entanto, assinalar
uma convergência mais explícita entre as abordagens examinandas:
as noções de metabolismo entre humanidade e natureza e a
categoria histórica dos produtores associados.
DO METABOLISMO SOCIAL AOS PRODUTORES
ASSOCIADOS: A POSSÍVEL CONFLUÊNCIA ENTRE MARX E
A AGROECOLOGIA
Na obra de Marx é possível identificar diversas passagens, nas quais
o que ele define como intercâmbio entre humanidade e natureza – e
que delimita, posteriormente, como metabolismo social –
(BELLAMY FOSTER, 2005, cap. 5, p. 201-202) perpassa os seus
escritos do princípio ao fim. O conceito de produtor associado
(BELLAMY FOSTER, op. cit., cap. 5, p. 237-238) enquanto
trabalhador socialmente emancipado – e emancipador da natureza –
vem relacionado àquilo que Marx define como os caminhos a serem
percorridos historicamente para que a humanidade, como um todo,
supere o que seria uma falha metabólica (BELLAMY FOSTER, op.
cit., cap. 5, p. 218).
Esta falha metabólica, que afetaria a relação entre humanidade e
natureza, gerando a ruptura entre campo e cidade, seria originada
das relações sociais de produção capitalistas e sua inevitável
expansão – espacial e territorial – em níveis mundiais.
Através da falha metabólica, seria suprimida a “unidade da
humanidade, viva e ativa com as condições naturais, inorgânicas, da
sua troca metabólica com a natureza, e daí sua apropriação da
natureza”, gerando “a separação entre estas condições inorgânicas
da existência humana e esta existência ativa, uma separação que é
integralmente postulada apenas na relação do trabalho assalariado
com o capital” (BELLAMY FOSTER, op. cit., cap.5, p. 223;
MARX, 2011b, p. 648).

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Para Marx, portanto, o metabolismo – o permanente intercâmbio ou
troca, incessantemente realizado pela unidade intrínseca de
humanidade e natureza – se torna corrompido quando da separação
provocada pela introdução das relações de trabalho capitalistas.
Assim, a apropriação da natureza pela humanidade, que não se fazia
até então enquanto processo histórico capitalista, deixa de ser
resultado da interação absoluta, incondicional, entre a existência
ativa da humanidade e as suas próprias condições inorgânicas de
existência. (BELLAMY FOSTER, op. cit., cap. 5, p. 223; MARX,
op. cit., p. 647-648).
As condições inorgânicas de existência humana são intrínsecas à
própria existência humana. Isto é, a troca metabólica – interrompida
a partir do processo histórico desencadeado pelo advento do
capitalismo fabril, industrial, assalariado agrário e urbano –
significava, até então, a indissolúvel correlação entre humanidade e
natureza.
A “relação do trabalho assalariado com o capital” inaugurou um
processo histórico no qual as condições naturais, inorgânicas, da
existência humana foram radicalmente separadas da existência ativa
desta mesma existência humana. (BELLAMY FOSTER, op. cit.,
cap. 5, p. 223; MARX, op. cit., p. 647-648). A partir de então, da
introdução da relação do trabalho assalariado com o capital, a
história das relações entre humanidade e natureza se modificou
totalmente.

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Parte 2

MARX E A FALHA METABÓLICA NO PROCESSO


HISTÓRICO CAPITALISTA

A apropriação da natureza pela humanidade já não mais obedecia à


unidade viva e ativa desta humanidade com as condições naturais,
inorgânicas, de sua existência. A separação, a ruptura, a falha
metabólica entre humanidade e natureza, somente pode ser
explicada, de acordo com Marx, pela supressão da troca metabólica
ente humanidade e natureza.
O que adquire grande relevância para a análise da interpretação
marxista da relação entre humanidade e natureza é o que é possível
depreender de uma afirmação, contida nos Grundrisse, segundo a
qual a apropriação da natureza pela humanidade, até a eclosão do
processo histórico capitalista agrário – quando se introduzem as
formas capitalistas de produção e o correspondente trabalho
assalariado – se fazia de forma integrada, onde as condições
orgânicas e inorgânicas da humanidade operavam em unidade
dialética (MARX, op. cit., p. 648-649).
A separação desta unidade – a falha metabólica pela ruptura da
troca metabólica entre humanidade e natureza – altera
completamente o caráter da apropriação da natureza pela sociedade
humana, sob o capitalismo (agro) industrial.
Desde então, quem, como e para que se apropria – e com qual
finalidade – da natureza, não é mais a humanidade em sua unidade
viva e ativa com as condições naturais de existência. Esta
apropriação, agora, em termos de processo histórico capitalista,
resulta da imposição da humanidade, separada de suas condições
naturais, inorgânicas, de existência, a uma natureza
metabolicamente afastada da relação intrínseca, até então
insubstituível, com esta mesma humanidade.
Em processo histórico capitalista, sob as relações capitalistas de
produção, as condições naturais de existência da humanidade são
afetadas e a apropriação da natureza pela humanidade
desnaturalizada passa a ser um ato decorrente exatamente da
separação entre humanidade e natureza.
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Para Marx, o trabalho assalariado, introduzido pelo processo
histórico capitalista, é o agente da separação integral entre as
condições inorgânicas da existência humana e sua existência ativa.
A apropriação da natureza pela humanidade, pela via do trabalho
assalariado pelo capital, é essencialmente distinta de todas as formas
anteriores e, não obstante contemporâneas, em muitos casos, ao
advento do capitalismo.
No capitalismo, a apropriação da natureza pela humanidade não
mais ocorre como a troca metabólica que garantia a manutenção das
condições naturais, inorgânicas, da humanidade, e sim como uma
imposição da humanidade – destituída de suas condições naturais de
existência – a uma natureza dissociada desta humanidade, desunida
desta pela separação imposta a ela pelo capital, por intermédio do
trabalho assalariado.
Isso significa que, para Marx, sob as condições de prevalência das
formas capitalistas de produção e circulação de mercadorias, a
natureza encontra-se desumanizada – exteriorizada em relação à
humanidade – por isso mesmo, isolada e desprotegida frente a
investidas apropriadoras de caráter destrutivo, (BENSAÏD, op. cit.,
cap. 11, p. 485) visando a sua utilização como manancial de
recursos no sentido de sua própria expansão, ou mesmo a
sobrevivência, enquanto sociedades humanas.
No capitalismo, para Marx, a prática das intervenções produtivas
ocorre em contradição com as condições naturais de existência, pois
estas foram desumanizadas. Não há mais nenhuma barreira ou
entrave à destruição progressiva das condições naturais
desumanizadas, pelo avanço inexorável da produção e circulação de
mercadorias no processo histórico capitalista.
Neste sentido, é impossível avaliar que, na obra de Marx, a questão
do desenvolvimento das forças produtivas da humanidade tivesse
sido tratada, em qualquer momento de sua elaboração, de maneira
neutra ou inocente. Ao contrário, Marx tinha plena consciência de
que as forças produtivas da humanidade, uma vez descarnadas de
condições naturais de existência, se desenvolveriam contra estas
mesmas condições naturais, destruindo-as paulatinamente.
O marxismo do próprio Marx do Manifesto Comunista, dos
Grundrisse, de O Capital, da Ideologia Alemã, dentre outros, se
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baseia na dialética produção/destruição da natureza exteriorizada
pela marcha do desenvolvimento do modo de produção capitalista.
Quando o capital rompe com o sistema de trocas metabólicas entre
humanidade e natureza, desfazendo a totalidade ontológica deste
binômio, ele desencadeia o processo histórico que resulta no
desenvolvimento das forças produtivas da humanidade. O
desenvolvimento das forças produtivas, no entanto, se faz pela
separação entre a humanidade e suas, até então, condições naturais
de existência.
O pertencimento da natureza à humanidade e vice-versa, expresso
no intercâmbio metabólico entre a atividade orgânica da
humanidade e sua complementaridade inorgânica – as condições
naturais de existência – foi interrompido com o processo histórico
capitalista, gerando a falha metabólica.
A referida falha, de acordo com Marx, só tenderia a se ampliar,
comprometendo não somente as condições naturais de existência
humana, como também, em contrapartida, as próprias condições
humanas de existência.
HUMANIDADE, CONDIÇÕES NATURAIS DE EXISTÊNCIA E
FORÇAS PRODUTIVAS NO PROCESSO HISTÓRICO
CAPITALISTA
Daí a célebre formulação de Marx, acerca da relação entre
desenvolvimento das forças produtivas da humanidade, em
contradição com as suas próprias condições naturais de existência –
engendradas pelo capital enquanto processo histórico – e as relações
sociais de produção capitalistas. Marx considerava que o
capitalismo desenvolveria forças produtivas capazes de prolongar a
existência humana, em sociedade, porque neste desenvolvimento
estaria contido o avanço tecnológico.
As tecnologias emergentes, na era do capital, resultavam da
intervenção humana na natureza já não mais humanizada em sua
existência. O trabalho assalariado instituído pelo capital era agora o
agente da apropriação das condições naturais de existência humana
pela própria humanidade desnaturalizada.
Produzir, em termos capitalistas, significava, ao mesmo tempo,
aperfeiçoar técnicas científicas, geradoras de tecnologias, por um
lado e, por outro, transformar a realidade material pela apropriação
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unilateral das condições naturais de existência já não mais
humanizadas.
Assim sendo, a falha metabólica – a separação entre a humanidade e
suas condições naturais, inorgânicas, de existência – jamais poderia
ser superada ou corrigida pelo desenvolvimento incessante das
forças produtivas no capitalismo, pois estas tinham sua origem na
própria falha metabólica, resultante da ruptura da unidade da
humanidade viva e ativa com as condições naturais, inorgânicas, de
sua troca metabólica com a natureza, a qual tornava a apropriação
da natureza pela humanidade algo “natural”.
O processo histórico, resultante da introdução de formas de
apropriação capitalistas das condições naturais de existência, através
da relação do trabalho assalariado com o capital, gera forças
produtivas capazes de acelerar o ritmo das transformações das
condições naturais de existência desumanizadas.
As transformações das condições naturais de existência humana – já
então desumanizadas – através da apropriação destas mesmas
condições naturais de existência humana pelo capital, pela via do
impulso ao trabalho assalariado, geram um tipo de desenvolvimento
de forças produtivas responsável pela criação de novas condições de
existência humana desnaturalizada.
A FALHA METABÓLICA NO PROCESSO HISTÓRICO
CAPITALISTA E O TRABALHO ASSALARIADO
Em síntese, segundo Marx, a relação do trabalho assalariado com o
capital dá margem à formação de um processo histórico da
humanidade no qual as sociedades humanas deixam de praticar,
integralmente, a troca metabólica com as suas condições naturais,
inorgânicas, na medida em que passa a ocorrer uma separação entre
humanidade e naturalidade.
Este processo histórico permite o desenvolvimento de forças
produtivas impulsionadas pelo trabalho assalariado, pela primeira
vez na história da humanidade. É necessário procurar compreender
por que – e como – Marx percebe as relações de trabalho
assalariadas no capitalismo gerando o processo histórico no qual as
forças produtivas se desenvolvem.
É preciso, em primeiro lugar, frisar que o processo histórico
capitalista, que engloba o desenvolvimento das forças produtivas da
19
humanidade, ocorre de maneira desnaturalizada, isto é, sem a
conexão entre as condições de existência humana e natural,
material, das sociedades humanas.
Disso decorre que a humanidade, em sociedades capitalistas, atua
contra a natureza material exteriorizada e não como parte integrante
dela. O corpo inorgânico do Homem tornou-se algo que passou a
pairar fora dele, como se tivesse sido arrancado. As apropriações da
natureza pela humanidade já não correspondem, no capitalismo
(agro) industrial, à extensão da humanidade em relação às suas
próprias condições naturais.
O TRABALHO ABSTRATO (BENSAÏD, op. cit., cap. 11, p. 445-
483; MARX, op. cit., p. 653-659) CONTRA AS CONDIÇÕES
NATURAIS DE EXISTÊNCIA HUMANA: A QUESTÃO DOS
LIMITES NATURAIS À INTERVENÇÃO HUMANA
O caráter da dominação da natureza pela humanidade passa a ser de
espécie radicalmente distinta da que era até o advento do
capitalismo. Para Marx, o trabalho assalariado representa o
mecanismo pelo qual as sociedades humanas, no capitalismo,
impõem às condições naturais de existência, já então
completamente separadas das condições humanas de existência,
uma dominação exterior, abstrata.
Neste sentido, o trabalho humano torna-se, nestas situações
históricas, um tipo de trabalho – apropriação e transformação
permanente da natureza exteriorizada da humanidade – social,
material, abstrato. Marx assinala que a lei geral da acumulação
capitalista corresponde a métodos de aumento da força produtiva
social do trabalho.
A referida ação ocorre à custa do trabalhador individual, cujo tempo
de vida é transformado em tempo de trabalho. O trabalho humano
abstrato, no capitalismo, ao mesmo tempo em que promove o
desenvolvimento das forças produtivas da humanidade o faz de
forma dialeticamente contraditória, contra a natureza exteriorizada.
A desagregação histórica entre o trabalho humano/social,
materialmente abstrato e a natureza, como fonte de recursos naturais
e matérias-primas a serem industrialmente transformados, é o que
Marx denomina de falha metabólica entre humanidade e natureza.

20
O trabalho metamorfoseado em mercadoria é praticado sobre a
humanidade e contra a natureza, também ela mercantilizada. Então,
para Marx, quanto mais trabalho social, material, abstrato, o capital
impõe à humanidade e à natureza, mais se acentua a falha
metabólica entre humanidade e natureza exteriorizada.
Por isso, a consequência do raciocínio materialmente dialético de
Marx é que a correção da falha metabólica entre humanidade e
natureza – ou o restabelecimento da troca metabólica entre elas –
passa pela emancipação do trabalho humano frente ao capital que o
gerou e a correspondente (re) interação humanidade-natureza.
Marx estabelece, de maneira indireta, uma concepção de limite
natural para as condições de existência humana sob o capitalismo,
quando assinala que toda e qualquer ação humana, em processo
histórico conduzido pelo capital, não considera os efeitos das
transformações impostas à natureza desumanizada.
A consequência, para a humanidade, da instalação do processo
histórico capitalista e de sua relação constitutiva com o trabalho
assalariado é a drástica ruptura com a naturalização da humanidade
– que vinha a ser o traço característico das sociedades anteriores à
formação do modo de produção capitalista e, por extensão, do
surgimento do processo histórico cuja marca essencial é a relação
do trabalho assalariado com o capital.
Assim sendo, pode-se depreender que Marx vê na desnaturalização
da humanidade, na falha metabólica resultante da implantação do
processo histórico capitalista – pela introdução do trabalho
assalariado – o desaparecimento de limites para a intervenção
transformadora da humanidade frente à natureza exteriorizada.
Tal intervenção passava a estar historicamente desamparada dos
limites anteriormente impostos às referidas transformações, pela
imbricação essencial entre a humanidade e suas próprias condições
naturais de existência.
A dialética de Marx sintetiza-se na seguinte formulação: no
processo histórico capitalista a humanidade afasta-se de suas
condições naturais de existência para poder desenvolver forças
produtivas sociais e tecnológicas, mas aprisiona-se pela constatação
de que o trabalho transformador – que caracteriza cada forma de
apropriação da natureza exteriorizada em relação à existência
21
material humana – não tem limites em sua atividade transformadora,
a ponto de subjugar a natureza exteriorizada da humanidade de
forma a comprometer a integralidade da existência material da
própria natureza desumanizada.
Marx considerava que o trabalho assalariado, no capitalismo,
representava um estímulo ao desenvolvimento das forças produtivas
da humanidade e encaminharia a ampliação, através da formatação
de um processo histórico, até então inédito, capaz de permitir ou até
mesmo estimular o trabalho social, material.
Este trabalho teria condições de agregar tecnologias voltadas para o
desenvolvimento humano, a partir da transformação, sem
precedentes históricos, das condições naturais já então
exteriorizadas em relação à humanidade (SCHMIDT, 1977, p. 177).
A contrapartida, e de certa forma o preço, do desenvolvimento das
forças produtivas, pela ação do trabalho assalariado, nas relações
capitalistas de produção/circulação de mercadorias, é a falha
metabólica: a ruptura histórica do intercâmbio entre a humanidade e
suas condições naturais de existência. Disso resultaria a constatação
pela qual deixava de haver, no processo histórico capitalista, limites
de qualquer ordem para a apropriação transformadora das condições
naturais de existência humana.
JORNADA DE TRABALHO, EXPLORAÇÃO SOCIAL E
DETERIORAÇÃO DAS CONDIÇÕES NATURAIS DE
EXISTÊNCIA HUMANA
Tal constatação levaria Marx a insistir, reiteradamente, na
necessidade de que as organizações de trabalhadores lutassem
constantemente pela redução da jornada de trabalho. Esta redução
da jornada era essencial para Marx, pois ele demonstrava convicção
de que o trabalho social, material – de caráter abstrato – no processo
histórico capitalista, acentuava a exploração econômica, e até
mesmo física, da força de trabalho humana, como também
redundava em possível dilapidação das condições naturais de
existência humana – ou seja, da própria natureza exteriorizada de
sua condição humana pelo predomínio da relação do trabalho
assalariado com o capital.
A deterioração progressiva das condições naturais de existência
humana seria causada pelo descontrole em relação a sua utilização
22
como meio de obtenção de fontes de matérias-primas para as
indústrias de transformação, apoiadas pela introdução sistemática de
novas tecnologias.
NATUREZA, FORÇAS PRODUTIVAS E TRABALHO SOCIAL
ABSTRATO NO PROCESSO HISTÓRICO CAPITALISTA
Percebe-se, então, o seguinte conjunto de situações, a partir da
definição de Natureza, por Marx: o desenvolvimento das forças
produtivas decorre da ampliação e generalização do trabalho social,
material, de caráter abstrato, no capitalismo. Este tipo de trabalho
transforma radicalmente as condições naturais de existência das
sociedades humanas ao proporcionar avanços técnico-científicos e,
consequentemente, de novas tecnologias, capazes de garantir a
sobrevivência e a reprodução das sociedades humanas
desnaturalizadas.
O desenvolvimento das forças produtivas, no processo histórico
capitalista, entretanto, ocorre de acordo com a forma capitalista de
trabalho assalariado: de apropriação das condições naturais de
existência humana. Para que aconteça a apropriação capitalista das
condições naturais deve ocorrer previamente a expropriação da
natureza exteriorizada em relação à humanidade e, em
consequência, ao caráter natural de existência humana.
No capitalismo, o trabalho material, abstrato, na mesma medida em
que socializa a humanidade, e gera tecnologias mais avançadas – no
âmbito do desenvolvimento das forças produtivas – também
desumaniza e, por isto mesmo, isola a condição natural de
existência humana, criando uma fonte aparentemente inesgotável de
recursos, sob a forma de uma natureza exterior à humanidade.
A DIALÉTICA DO DESENVOLVIMENTO DAS FORÇAS
PRODUTIVAS E DA DESNATURALIZAÇÃO DAS
CONDIÇÕES DE EXISTÊNCIA HUMANAS
A separação entre as condições inorgânicas, naturais, da existência
humana e a humanidade propriamente dita – alcançada em torno do
trabalho social, material, abstrato em relações sociais de trabalho no
processo histórico capitalista – propicia, ao mesmo tempo, o
desenvolvimento das forças produtivas, a destruição da existência
viva e ativa da humanidade, pela desnaturalização das condições de
existência humana, e a espoliação continuada, e aparentemente
23
ilimitada, da natureza desumanizada que emerge da aludida
separação.
Então, percebe-se que a superação dialética, em Marx, do binômio
desenvolvimento das forças produtivas da humanidade/destruição
física e social das condições naturais da existência humana – falha
metabólica – passa pela concepção da necessidade de estruturação
de outro tipo de processo histórico.
Para Marx, a comprovada inexistência ou impossibilidade de
existência de qualquer outro processo histórico, anterior à
instituição da relação de trabalho assalariado com o capital, não
permitiria perceber que no processo histórico capitalista o que
prevalece “não é a unidade do ser humano vivo e ativo com as
condições naturais, inorgânicas, do seu metabolismo com a
natureza” (MARX, op. cit., p. 648).
As formas de reapropriação, pelas sociedades humanas, da natureza
desumanizada não poderiam, todavia, voltar a ser realizadas no
âmbito de relações sociais de produção pré-capitalistas. Isso porque
somente a relação do trabalho com o capital agrupa, socializando
em torno da atividade de transformação (agro) industrial em grande
escala, contingentes humanos unidos pelo assalariamento e
proletarização fabril. Apenas nestas condições Marx identificava os
meios de desenvolvimento das forças produtivas.
Dialeticamente, porém, Marx constatava a necessidade premente do
restabelecimento da unidade entre a humanidade viva e ativa e as
suas condições naturais, que havia sido rompida nas relações sociais
capitalistas e proporcionava formas de apropriação da natureza
exteriorizada, pelas sociedades humanas, capazes de ameaçar a
existência das próprias condições naturais e, em decorrência disso,
da existência humana viva e ativa.
Os limites do processo histórico capitalista eram, para Marx, de
ordem natural e humana. A dialética entre humanidade e
naturalidade havia sido instituída e repelida, a um só tempo, através
do estabelecimento do processo histórico capitalista.
Marx adotava o aforismo “a roda da história não anda para trás”.
Isto queria dizer que, para ele, o processo histórico capitalista, que
desencadeava o desenvolvimento das forças produtivas, somente
poderia ser superado por outro processo histórico capaz de estimular
24
o desenvolvimento capaz de acelerar as forças produtivas da
humanidade e da natureza, e não o contrário.
A DIALÉTICA DAS FORMAÇÕES SOCIAIS PRÉ-
CAPITALISTAS: UNIDADE VIVA E ATIVA DA
HUMANIDADE COM AS SUAS CONDIÇÕES NATURAIS DE
EXISTÊNCIA; GÊNESE DO PROCESSO HISTÓRICO DE
DESENVOLVIMENTO (SCHMIDT, op. cit., p. 197-230; MARX,
op. cit., p. 647-685).
Marx sempre considerou, ao longo de sua obra, porém, mais
notadamente, nos Grundrisse, que aquilo por ele denominado de
formações sociais pré-capitalistas não constituía um processo
histórico, não sendo capaz, por si só, de promover o
desenvolvimento das forças produtivas da humanidade.
Por outro lado, nestas formações pré-capitalistas ocorria a unidade
viva e ativa da humanidade com as condições naturais. O trabalho
humano, não assalariado, nestas formações sociais não separava as
condições inorgânicas da existência humana da existência ativa.
A apropriação da natureza pela humanidade, nas formações sociais
pré-capitalistas, ocorria em função da transformação da natureza
pelo trabalho humano não assalariado. Era um tipo de apropriação
transformadora da natureza humanizada, a qual garantia a
reprodução da troca metabólica da humanidade, viva e ativa, com as
condições naturais de existência.
Os limites naturais e humanos da apropriação da natureza pela
humanidade eram dados, nas atividades pré-capitalistas, pela troca
metabólica ininterrupta entre a humanidade e as condições naturais,
inorgânicas, que viabilizavam sua existência e reprodução.
Nas sociedades humanas, regidas pela relação do trabalho
assalariado com o capital, os limites naturais e humanos da
apropriação desaparecem. O processo histórico capitalista e o
desenvolvimento das forças produtivas, daí decorrentes,
desconhecem quaisquer limites para a apropriação da natureza pela
humanidade.
Natureza e humanidade se separam no capitalismo e a falha
metabólica se institui definitivamente no processo histórico
capitalista. Como superar a falha metabólica? Marx aponta como
caminho para o desbloqueio do intercâmbio entre sociedade humana
25
e suas condições naturais, inorgânicas, a emergência de outro
processo histórico, conflitivo, até mesmo contraditório, com o
processo histórico capitalista, mas originado deste primeiro
processo histórico.
Ou seja, Marx considera que o processo histórico capitalista – capaz
de concentrar as atividades de trabalho em termos industriais fabris
ou agroindustriais, mas também responsável pela ruptura entre
humanidade e natureza e a resultante exposição da natureza
exteriorizada, desumanizada, a espoliações cada vez mais
destrutivas – deve ser substituído por outro processo histórico que
incorpore as conquistas técnico-científicas, geradoras de tecnologias
cada vez mais avançadas, e que seja capaz, por isso mesmo, de
reduzir drasticamente as formas de apropriação da natureza
exteriorizada pela ação do trabalho abstrato, social, material.
Marx refere-se ao reino das necessidades humanas como sendo um
estágio da vida em sociedade no qual o trabalho material, social,
seria necessário para produzir e distribuir as fontes de
abastecimento das sociedades humanas.
A partir da ruptura das sociedades humanas constituídas no
processo histórico capitalista – com o trabalho assalariado e com o
próprio capitalismo – o trabalho social, material, destinado a suprir
as carências sociais da humanidade, deveria ser preservado, mas
tenderia a ser progressivamente reduzido.
Marx sugere que esta mencionada readequação do tempo de
trabalho material, social, da humanidade, antes e durante as rupturas
revolucionárias das sociedades humanas com o capitalismo, seria a
pré-condição para a posterior restituição das condições naturais de
existência da humanidade.
A grande diferença entre a nova etapa da estruturação das
sociedades humanas e o processo histórico capitalista é que este
novo estágio de evolução sociotécnica da humanidade seria outro
tipo de processo histórico, também aglutinador da força de trabalho
tal qual ocorre no processo histórico capitalista.
Marx não contemplava a possiblidade da volta, pura e simples, a
situações de trabalho nas quais este trabalho humano, transformador
das condições naturais de existência, não concentrasse as atividades
do próprio trabalho e da produção.
26
Marx rejeitava, por ser historicamente inviável, a substituição do
trabalho praticado no processo histórico capitalista por formas de
trabalho de sociedades cuja característica principal era exatamente a
atomização da organização do trabalho. Marx realçava que o
trabalho assalariado, em sua relação com o capital, concentrou a
classe operária, pela primeira vez, gerando assim um processo
histórico determinado: o capitalismo internacional.
Ir além do trabalho assalariado possuía, para Marx, condições
prévias: a criação de condições sócio-materiais para a superação do
processo histórico capitalista, em conformidade com o avanço
expressivo – quantitativo e qualitativo – das tecnologias geradas
pelo trabalho assalariado. Isso significava que o desenvolvimento
das forças produtivas não poderia encontrar entraves depois de
superar a fase capitalista de produção e reprodução ampliada.
As tecnologias geradas e a concentração da força de trabalho
humana, alcançadas durante a vigência do processo histórico
capitalista, deveriam ser devidamente preservadas. Para que isso
acontecesse, se fazia necessário surgir um novo processo histórico e
não a pulverização do trabalho nas formas de apropriação da
natureza pela humanidade, nos moldes anteriores à estruturação do
processo histórico capitalista.
Nos países nos quais o desenvolvimento das forças produtivas, na
era capitalista, fosse mais elevado tecnologicamente, em termos
sociais e materiais, o próximo processo histórico, que deveria
suceder o capitalismo, estaria maduro para instalar-se. Ao contrário,
nas regiões onde o desenvolvimento das forças produtivas fosse
insuficiente, o processo histórico capitalista teria meios de se
preservar por mais tempo.
A fórmula de Marx para a revolução mundial baseava-se no apoio
ou colaboração entre trabalhadores proletários de países de graus de
desenvolvimento diferentes. Este apoio, ou solidariedade
internacional do trabalho, permitiria que o conhecimento
tecnológico de ponta fosse transferido pelos próprios trabalhadores,
unificando assim o processo histórico e garantindo a manutenção,
ou recuperação, do desenvolvimento das forças produtivas.
AS CLASSES SOCIAIS ANTAGÔNICAS NO CAPITALISMO
(AGRO) INDUSTRIAL (MARX, 1996, VOL. 1, p. 90-103) E A
27
SUPERAÇÃO DO PROCESSO HISTÓRICO CAPITALISTA DE
DESENVOLVIMENTO DAS FORÇAS PRODUTIVAS
Marx identifica, então, duas classes sociais antagônicas no processo
histórico capitalista. A classe capitalista, detentora dos meios de
produção material e os trabalhadores assalariados proletários, que
vendem a força de trabalho. Os trabalhadores exercem diretamente
o papel de agentes da transformação da natureza exteriorizada
através de sua atividade assalariada. Nas cidades, nas fábricas
industriais. No campo, no sistema agroindustrial.
A forma de apropriação capitalista se caracteriza, portanto, pela
atividade operária de transformação produtiva e distributiva,
visando direcionar as forças da humanidade e da natureza para
atividades em prol do desenvolvimento tecnológico, com a
finalidade de transformar em mercadoria a produção advinda da
transformação incessante, sem limites, da natureza exteriorizada.
Marx percebe que as classes fundamentais da sociedade capitalista
vivem um constante conflito entre elas. Este conflito deriva da
relação de exploração da classe trabalhadora assalariada pela classe
burguesa, detentora dos meios de produção.
O conflito latente tende a tornar-se o que Marx denomina de luta de
classes. As classes passam a enfrentar-se e o desfecho desta luta de
classes seria necessariamente, para Marx, a emergência de um
processo histórico mundial, no qual a classe dos trabalhadores
assalariados expropriaria a classe até então detentora dos meios de
produção.
Para Marx a eliminação da falha metabólica, que reintegraria
humanidade e natureza, deriva das condições históricas de
superação do trabalho produtivo humano das características de
mercantilização – o fetichismo da mercadoria – que o trabalho
abstrato, imposto pelo capital ao trabalhador, contém (BENSAÏD,
op. cit., cap. 4, p. 173; MARX, op. cit., vol. 1, p. 90-103).
Marx afirma que o proletariado vive somente do trabalho, de sua
força de trabalho (BENSAÏD, op. cit., cap. 4, p. 143; MARX, op.
cit., vol. 1, p. 90-103). Daí resulta a luta de classes entre aqueles que
vivem da venda de sua força de trabalho – os trabalhadores – e os
detentores dos meios de produção – os capitalistas.

28
PRODUÇÃO, CIRCULAÇÃO E REPRODUÇÃO
CAPITALISTAS: JORNADA DE TRABALHO E LUTA DE
CLASSES
Mas esta seria apenas a primeira determinação conceitual de Marx
para situar historicamente a luta de classes em sociedades que
opõem o capital ao trabalho. Este seria o nível da produção
capitalista, no qual se estabelece a oposição entre trabalho
assalariado e capital. Trata-se então do primeiro nível de abstração
determinada: a esfera da produção. No âmbito da produção
capitalista ocorre, para Marx, a primeira determinação das relações
de classe.
As classes, na definição de Marx, “revelam-se no e pelo movimento
do capital” (BENSAÏD, op. cit., cap. 4, p. 153) a partir do processo
histórico de produção capitalista. A polarização entre as classes
ocorre em função da jornada de trabalho.
A regulamentação da jornada de trabalho apresenta-se como “a luta
pelos limites da jornada de trabalho” (MARX, op. cit., vol. 1, livro
1, p. 378-415; BENSAÏD, op. cit., cap. 4, p. 153), luta esta que opõe
o capitalista global ao trabalho global. A relação capital/trabalho vai
do terreno da produção propriamente dita para o nível das lutas, isto
é, da constituição e desenvolvimento das classes sociais no
capitalismo. Isto pressupõe conflito permanente entre trabalho
necessário e trabalho excedente, (BENSAÏD, op. cit., cap. 4, p. 153)
já não mais no plano da produção em si, mas da reprodução global
do capital.
Assim sendo, “o sistema de relações estruturado pela luta”,
estabelecido ao longo do processo histórico de circulação e
reprodução global do capital, indo assim além da produção
capitalista, “pressupõe a luta de classes e a determinação do tempo
de trabalho socialmente necessário” (BENSAÏD, op. cit., cap. 4, p.
155).
Marx desvenda então a lei geral da acumulação capitalista, a qual
corresponde aos métodos de aumento da força produtiva social do
trabalho. Esta ação do capital desenrola-se à custa do trabalhador
individual: “transformaram todo o seu tempo de vida (do
trabalhador) em tempo de trabalho” (BENSAÏD, op. cit., cap. 4, p.
154).
29
A luta de classes engendra o confronto político entre capital e
trabalho, a partir da relação de exploração aí existente. A luta de
classes determina o tempo de trabalho necessário à reprodução da
força de trabalho.
As relações de classe se operacionalizam na unidade da produção e
da circulação do capital. O enfrentamento entre as classes centra-se
na relação conflitual em torno do caráter da força de trabalho
enquanto mercadoria. Neste sentido, a descoberta do tempo de
trabalho abstrato conduz ao fetichismo da mercadoria (BENSAÏD,
op. cit., cap. 4, p. 173).
De acordo com Marx, o capital reveste-se de três determinações
específicas, nas quais são expostas as relações de classe entre
capital e trabalho. A primeira determinação, assinalada no Livro I
de O Capital, é a relação de exploração entre capital e trabalho.
A segunda determinação vem exposta no Livro II (BENSAÏD, op.
cit., cap. 4, p. 155), sobre a circulação do capital. É a que trata do
trabalho produtivo. No Livro III (BENSAÏD, op. cit., cap. 4, p.
153), no qual estuda a reprodução global, as classes são
determinadas pela combinação das relações de exploração na
produção, da relação salarial e da produtividade/não produtividade
do trabalho na circulação do capital e da distribuição da renda na
reprodução global.
A síntese da abordagem de Marx, quanto à relação de classes na
sociedade capitalista, pode ser apresentada como a determinação do
tempo de trabalho socialmente necessário à reprodução da força de
trabalho.
Do ponto de vista dos trabalhadores, submetidos à
subordinação real ou formal do trabalho ao capital (MARX, 1978,
cap. VI, p. 51-70) a essência da luta de classes passa a ser a de
arrancar limitações a capitalistas individuais por greves –
movimento econômico – e pela conquista da legislação da jornada
de trabalho de oito horas semanais – movimento político
(BENSAÏD, op. cit., cap. 4, p. 162-163; MARX, 1985, cap. 2,
parágrafo 5).
Marx também identifica, entre as relações de produção e o Estado,
diferenciações de frações de classe nas quais “elaboram-se as

30
representações políticas e tramam-se as alianças” (BENSAÏD, op.
cit., cap. 4, p. 159).
Em síntese pode-se afirmar que Marx utilizou-se de diversas
determinações dialéticas para reconhecer os meandros da
constituição, desenvolvimento e conflito das classes sociais, e entre
elas e suas respectivas frações correspondentes.
Por esta interpretação, cabe assinalar que Marx não se utilizou
apenas da noção de renda e suas diferenciações na sociedade
capitalista para determinar a existência e atuação das classes. Assim
sendo, reafirma-se que Marx sempre se preocupou em situar as
classes, e suas frações, enquanto relação de classe, na dinâmica
conflitual e não como classe isolada. Para Marx, as classes não
existem como realidades separáveis, mas somente na dialética de
sua luta.
Marx interpreta o papel desempenhado pelas classes sociais em
processo histórico no qual prevalece a lei de acumulação capitalista
ou, em casos excepcionais, onde o desenvolvimento das forças
produtivas ocorre anteriormente, ou por fora do estabelecimento de
padrões socioeconômicos tipicamente inseridos na acumulação de
capital – como durante a Comuna de Paris ou na Rússia czarista,
respectivamente.
Também seria possível, a meu ver, uma extrapolação conceitual e
factual que permitisse supor situações político-econômicas de
reforma agrária como eixos de desenvolvimento de forças
produtivas, em condições não inteiramente abrangidas pelas leis do
valor, ou da plena vigência da acumulação capitalista, mas
envolvidas em processos históricos. Voltarei a essa questão mais
adiante no texto.
O próprio Marx, em carta de 1852 (MARX, 1982a), refere-se às
classes sociais em processo histórico capitalista a partir de três fases
de desenvolvimento. A primeira fase seria a das “particularidades
históricas do desenvolvimento da produção” (MARX, op. cit.).
A segunda a da luta de classes, propriamente dita, que conduziria a
um processo histórico pós-capitalista com base na ditadura do
proletariado (MARX, op. cit.). A terceira e última fase dos
processos históricos seria a da “transição” da ditadura do

31
proletariado “para a abolição de todas as classes, para uma
sociedade sem classes” (BENSAÏD, op. cit., cap. 4, p. 169).
TRABALHO, TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO DAS
FORÇAS PRODUTIVAS NO PROCESSO HISTÓRICO
CAPITALISTA: CARÁTER DESTRUTIVO DA
PRODUÇÃO SOBRE A HUMANIDADE E CONTRA A
NATUREZA EXTERIORIZADA
A dialética de Marx, entretanto, evita que se considere o processo
histórico em questão de forma linear, pelo contrário, a transição
sugerida parece indicar que o desenvolvimento da produção – das
forças produtivas – ao possuir particularidades históricas,
corresponderia a situações de passagem das formas capitalistas de
produção para experiências sociotécnicas nas quais o trabalho e a
tecnologia se relacionariam mutuamente, promovendo formas
específicas ou particulares de desenvolvimento histórico das forças
produtivas.
O caráter destrutivo deste desenvolvimento ficaria por conta da
inserção do processo histórico nas leis de acumulação capitalista,
cuja perspectiva é sempre, historicamente, para Marx, a de
intensificar o ritmo de trabalho humano e atuar sobre a humanidade
e contra a natureza exteriorizada – de maneira indefinida no tempo e
no espaço – induzindo com isso a criação de tecnologias adaptadas
ao contínuo e incessante ritmo de trabalho necessário à acumulação
capitalista.
Assim, o caráter destrutivo do desenvolvimento das forças
produtivas humanas, desnaturalizadas, no processo histórico
capitalista, atingiria não somente a natureza exteriorizada com os
saques e as espoliações da natureza inorgânica da humanidade, mas
tenderia a desfazer paulatinamente a unidade da classe trabalhadora
e a própria centralidade desta nos contextos da produção capitalista.
A classe trabalhadora, nos centros urbanos e no campo, foi
associada entre si pela estruturação das formas capitalistas de
produção em torno das fábricas e das empresas agroindustriais. O
sentido produtivo direto ou indireto das atividades de trabalho
dependeria necessariamente da aglutinação histórica da classe
trabalhadora nas cidades e no agro – tanto em condições históricas
de subordinação real do trabalho ao capital ou em situações,
32
notadamente agrárias, de subsunção formal, como no caso do
campesinato submetido à subordinação formal de sua força de
trabalho ao capital.
Em Marx, pode-se verificar que existem “mediações entre o
produtor truncado e fragmentado e a classe plenamente
determinada” (BENSAÏD, 1999, cap. 4, p. 154). Marx quer dizer
que somente a associação dos produtores da cidade e do campo – os
trabalhadores – pode transformá-los em uma classe social. Isto é
exatamente o que faz o capitalismo quando engendra as condições
de desenvolvimento da produção, submetendo total ou parcial,
direta ou indiretamente, os trabalhadores ao seu ritmo de produção.
Como destacado anteriormente, este ritmo imprime dialeticamente
um sentido de associação organizativa da força de trabalho, em
torno da mercantilização em processo, no mesmo passo em que
tende, ao longo do tempo historicamente transcorrido, a propiciar a
dispersão do trabalho social.
Esta dispersão é uma tendência destrutiva inerente ao processo
histórico de desenvolvimento capitalista das forças produtivas do
trabalho, particularmente no campo. Isto ocorre pela intensificação
da jornada de trabalho com o objetivo de alcançar maiores índices
de produtividade do trabalho.
Acontece que a elevação – constante e indefinida – da atividade
apropriadora e transformadora da natureza exteriorizada rompe
historicamente com o associativismo responsável pela passagem do
produtor truncado e fragmentado, pré-capitalista, para a classe
plenamente determinada, em luta contra o capitalismo, exatamente
sob a forma do combate pela redução, econômica e política, da
jornada de trabalho.
Quando Marx analisa a questão da luta de classes no campo ele
afirma que quando se tratam de “milhões de famílias camponesas
em condições econômicas que as separam umas das outras e opõem
seu gênero de vida e sua cultura às das outras classes da sociedade”,
estes camponeses constituem uma classe social. Porém, para Marx,
nas condições em que estes “camponeses parcelares com laço local”
cujos “interesses não criam nenhuma comunidade, nenhuma ligação
nacional, nenhuma organização política” (MARX, 2011a, cap. VII;

33
BENSAÏD, op. cit., cap. 4, p. 168), não constituem uma classe
social.
OS PROCESSOS HISTÓRICOS DE DESENVOLVIMENTO DAS
FORÇAS PRODUTIVAS E A SUPERAÇÃO OU
APROFUNDAMENTO DA FALHA METABÓLICA ENTRE
HUMANIDADE E NATUREZA (MARX, 2011b, p. 653-659)
O processo histórico capitalista e sua relação com o trabalho
assalariado seria suprimido, na concepção de Marx, em favor da
classe dos, até então, operários industriais da cidade e do campo. O
processo histórico capitalista assalariado tenderia à supressão e seria
substituído por outro processo histórico, de caráter socialista, no
qual o trabalho assalariado – para a transformação da natureza
exteriorizada e a criação de tecnologias capazes de suprir a
produção de bens essenciais para a sociedade – deveria dar lugar a
outro tipo de trabalho, não mais assalariado e, consequentemente, de
outras formas de apropriação e transformação da natureza – em
transição para a superação de seu caráter exteriorizado em relação à
humanidade.
Marx identificava no processo histórico socialista as virtudes da
centralização da classe trabalhadora, de maneira autônoma, e a
expansão acelerada do desenvolvimento das forças produtivas da
humanidade. Estes fatores estariam diretamente vinculados no
processo histórico socialista. Tratava-se então de um processo
histórico de transição entre as formas de apropriação e
transformação produtivas capitalistas, assalariadas, e a apropriação
e transformação comunistas.
A diferença essencial, para Marx, entre o processo histórico
transitório socialista e o processo histórico comunista é que, neste
último, o reino da necessidade, da persistência do trabalho social,
material, daria espaço de convivência cada vez mais acentuado ao
reino da liberdade, no qual o trabalho material, social estaria
reduzido ao mínimo necessário, sendo gradativamente substituído –
nunca integralmente – pelo trabalho livre de coerções sociais de
qualquer ordem.
O processo histórico comunista somente estaria maduro para
projetar-se, como instância organizativa da sociedade, quando o
processo histórico socialista houvesse promovido o amplo
34
desenvolvimento das forças produtivas geradoras de tecnologias
necessárias e suficientes para suprir as necessidades das sociedades
humanas.
A classe trabalhadora no poder, durante o processo histórico
socialista, garantiria a centralização da produção e dos canais de
distribuição dos produtos, não mais sob a forma de mercadorias. O
processo histórico socialista teria a finalidade de promover a mais
ampla e generalizada expansão das forças produtivas da
humanidade.
Pode-se interpretar, da obra de Marx, que o desenvolvimento das
forças produtivas, no processo histórico socialista, alcançaria níveis
de tecnologia da produção que alterariam substancialmente, ao
longo do tempo, as formas de apropriação e transformação da
natureza exteriorizada, pelas sociedades humanas.
O processo histórico pós-capitalista, porém, oriundo da luta de
classes entre trabalhadores assalariados e o capital, não poderia por
si só restabelecer a unidade da humanidade viva e ativa com as
condições naturais inorgânicas, isto é, de sua troca metabólica com
a natureza e daí a sua apropriação humanizada.
Não se tratava ainda, para Marx, da superação da falha metabólica,
mas de um processo de transição neste sentido. Somente quando as
tecnologias resultantes do pleno desenvolvimento das forças
produtivas, no processo histórico socialista, fossem capazes de
liberar a força de trabalho humana de sua função transformadora da
natureza exteriorizada é que a separação entre as condições
inorgânicas da existência humana e a sua existência viva e ativa
seria superada.
Marx percebia que o trabalho transformador da natureza,
proveniente de formas de apropriação da mesma, no processo
histórico socialista, não imporia limites à exploração produtiva da
natureza, mantendo as condições naturais de existência humana
dissociadas da condição humana de existência.
Era necessário que as tecnologias emanadas da atividade técnico-
científica no processo histórico socialista, pós-assalariado,
suprissem, em grande medida, a necessidade de abastecimento dos
contingentes humanos, substituindo, assim, gradativamente, o
trabalho produtivo transformador da natureza exteriorizada,
35
garantindo quantitativa e qualitativamente a oferta de bens e
serviços das sociedades humanas socializadas.
Nos processos históricos, capitalista e socialista, portanto, de acordo
com Marx, as forças produtivas da humanidade se desenvolveriam
de formas análogas, mas distintas. No capitalismo, o trabalho
assalariado proletário, gerador da mais-valia, essencial à reprodução
do próprio capital, seria a pedra de toque do processo histórico
(MARX, 1978, cap. VI, p. 1-50).
No processo em questão, as tecnologias, resultantes das pesquisas
técnico-científicas, comporiam uma faceta ainda secundária na
reprodução do sistema. O trabalho assalariado, concentrado espacial
e territorialmente em indústrias fabris, deveria permanecer como a
principal fonte de transformação da natureza exteriorizada.
A condição natural de existência humana, nestes casos, estaria à
mercê de toda e qualquer espoliação humana, pois ainda não
compunha a unidade da humanidade, viva e ativa com as suas
condições naturais. A natureza exteriorizada, no processo de
trabalho capitalista, não representava, portanto, para Marx, as
condições inorgânicas da existência humana.
No processo histórico socialista, a apropriação da natureza pelas
sociedades humanas tampouco representaria a referida unidade e a
consequente regeneração da troca metabólica entre humanidade e
natureza.
A falha metabólica persistiria enquanto a natureza, exteriorizada em
relação às condições inorgânicas de existência humana,
permanecesse subjugada pelos interesses de espoliação de suas
propriedades pelas sociedades humanas, sob a forma de recursos
naturais mercantilizáveis.
O processo histórico socialista já não assalariaria a força de
trabalho, deixando de depender da mais-valia para a sua reprodução,
como ocorria no processo capitalista. O processo socialista herdaria
do capitalismo a concentração da força de trabalho, mas não o seu
assalariamento.
Haveria uma inversão das prioridades produtivas. O trabalho
humano social, concentrado em indústrias estatais socialistas,
deveria continuar representando uma fonte inesgotável, dentro deste
processo, para o desenvolvimento das forças produtivas da
36
humanidade. Porém, caberia às tecnologias o papel central no
processo de produção e reprodução (SCHMIDT, op. cit., p. 177-
178).
As pesquisas técnico-científicas deveriam passar a ser o elemento
decisivo no desenvolvimento das forças produtivas, visando gerar
tecnologias capazes de acompanhar a redução paulatina do emprego
da força de trabalho humana na apropriação e transformação das
condições naturais de existência humana.
O emprego de tecnologias mais elaboradas do que aquelas
remanescentes do processo histórico capitalista seria condição
fundamental para o desenvolvimento das forças produtivas no
socialismo. Mas estas tecnologias não substituiriam o trabalho
social humano, submetido à centralização estatal, na tarefa de
transformar a natureza exteriorizada e desenvolver forças
produtivas.
A apropriação da natureza exteriorizada continuaria, no socialismo,
a ser necessária do ponto de vista da realização de transformações,
no sentido de aumentar a capacidade produtiva da sociedade
humana. Marx supunha que o socialismo seria um processo
histórico de transição para o comunismo, do ponto de vista do
trabalho e das forças produtivas. Quanto mais as forças produtivas
tivessem avançado, pela introdução de novas tecnologias, menos o
trabalho transformador da natureza exteriorizada seria exigido como
forma de apropriação desta natureza.
TRABALHO, TECNOLOGIA E NATUREZA NO PROCESSO
HISTÓRICO SOCIALISTA DE TRANSIÇÃO AO COMUNISMO
Pode-se afirmar, então, com base em Marx, que no processo
histórico socialista o desenvolvimento das forças produtivas
permaneceria sendo impulsionado, como no capitalismo, por
trabalho e tecnologia. A grande diferença é que o trabalho, mesmo
mantendo-se concentrado pelas atividades fabris, já não
desempenharia a principal parte na tarefa de desenvolver forças
produtivas, cabendo estas, agora, às tecnologias de ponta.
O trabalho deveria ir modificando sua essência, deixando de ser
uma atividade típica do proletariado, do trabalho assalariado em sua
relação com o capital, para superar esta situação histórica. Ocorre
que, mesmo no socialismo, o proletariado, enquanto criatura do
37
capitalismo não deixaria de existir, agora como fração de classe
dominante à frente da máquina estatal socialista.
Assim, o proletariado socialista mesmo tendo deixado de ser uma
fração de classe social explorada, como no capitalismo, seguia
reproduzindo características do desenvolvimento das forças
produtivas tipicamente capitalistas como, fundamentalmente, a
separação entre a existência viva e ativa da humanidade e as
condições inorgânicas, naturais, da existência humana. Para que o
trabalho deixasse der submetido aos ditames de uma fração de
classe apoiada na máquina de estado, seria necessário promover o
mais acelerado desenvolvimento das forças produtivas.
Enquanto este desenvolvimento não criasse as condições
necessárias para a supressão das carências sociais e econômicas da
humanidade, as forças produtivas deveriam continuar se
expandindo. Esta expansão demandaria, no entanto, a partir de
agora mais das tecnologias que do trabalho.
Quanto “mais tecnologia, menos trabalho”. Este parecia ser o lema
de Marx. Ele supunha que a relação entre as tecnologias e o trabalho
faria com que a condição proletária da classe dominante estatal, no
processo histórico socialista, se reduzisse na medida em que as
formas proletárias, pós-capitalistas, de organização do trabalho se
tornariam ociosas quando as carências sociais e econômicas da
humanidade pudessem ser supridas por menos trabalho e mais
tecnologia.
O “menos trabalho” significa cada vez menos apropriação da
natureza exteriorizada da humanidade, com fins reprodutivos de
transformação das condições naturais. A transição do processo
histórico socialista para o comunismo seria também a transição da
separação das condições inorgânicas da existência humana para a
reunificação da humanidade viva e ativa com as condições naturais,
inorgânicas.
O processo histórico comunista significaria a correção da falha
metabólica, permitindo e incentivando a troca metabólica com a
natureza e uma forma integrada de apropriação – não mais da
natureza pela humanidade – das condições inorgânicas da existência
humana com a existência humana viva e ativa.

38
Dessa forma, constata-se que a expectativa de Marx era que o
comunismo – mesmo não suprimindo de todo o trabalho social,
material – o reduzisse ao mínimo necessário para a existência
humana, viva e ativa. Isto estabeleceria limites à atividade
apropriadora e transformadora da humanidade em relação às suas
condições naturais de existência.
Tais limites viriam da racionalização do trabalho humano, já que
este trabalho, na vigência do processo histórico comunista, estaria
inserido na unidade da humanidade viva e ativa com as condições
naturais, as quais seriam as condições inorgânicas da existência
humana. A apropriação da natureza pela humanidade, neste caso,
significaria que a transformação da natureza, daí decorrente, seria a
transformação do próprio Homem. De uma sociedade de proletários
ocorreria uma transição para a sociedade dos produtores associados
(MARX; ENGELS, 1998, cap. II) representantes da unidade
dialética entre natureza e humanidade. Só então os limites para a
ação espoliadora contra a natureza exteriorizada, pelo trabalho
humano, estariam postos.
As apropriações e transformações, inerentes às atividades de
trabalho humano contra a natureza seriam, daí em diante,
racionalizadas. As tecnologias cumpririam seu papel de dotar a
humanidade do acesso à natureza, em lugar do trabalho
transformador da própria natureza. O trabalho social, material
permaneceria existindo residualmente. O trabalho livre o substituiria
paulatinamente, embora nunca de forma integral.
As forças produtivas, então integradas à natureza interiorizada à
humanidade, já não mais atuariam como forças destrutivas de uma
natureza exteriorizada – no sentido de agirem de forma separada e
oposta à natureza exteriorizada.
O comunismo, a prevalência do reino da liberdade sobre o da
necessidade, sem a supressão completa deste, conduziria a
humanidade à unificação com a natureza até então exteriorizada. As
forças produtivas passariam a ser, daí para a frente, forças da
humanidade e da natureza. A troca metabólica entre humanidade e
natureza estaria consumada.
Ocorre que o processo histórico socialista, pressuposto por Marx,
manteria no controle das atividades produtivas e redistributivas a
39
classe operária, proletária. O proletariado urbano fabril, e o
agroindustrial, mesmo depois da eliminação da classe capitalista
burguesa, preservaria sua condição de fração de classe social,
mesmo sem nenhum antagonismo aparente.
Isso significa que o operariado, no controle da máquina estatal,
continuaria agindo como fração de classe, tanto quanto no período
capitalista. À classe operária das cidades e do campo caberia agora
o direcionamento da produção.
Marx sempre considerou em sua obra que o processo histórico
socialista seria iniciado em função da revolução proletária, vitoriosa
nos países capitalistas mais desenvolvidos do ponto de vista das
forças produtivas da humanidade. O socialismo deveria incorporar
os avanços tecnológicos dessas sociedades, mantendo e ampliando o
nível de concentração da força de trabalho operária, urbana e rural.
A supressão do trabalho assalariado e o fim da luta de classes entre
proletariado e burguesia, não significava, portanto, para Marx, a
supressão imediata da classe operária, nem do Estado a quem ela
controlaria de forma centralizada. O trabalho não assalariado
continuaria existindo, social e materialmente.
Mesmo quando Marx, nas correspondências com a militante russa
Vera Zassulich (MALAGODI, 2003, nº 2, vol. 22), admitiu que o
socialismo poderia surgir em uma sociedade na qual o
desenvolvimento das forças produtivas não fosse o mais elevado
possível – que seria o caso da própria Rússia – ele ressaltou dois
aspectos fundamentais: a revolução na Rússia semifeudal não
poderia ocorrer, ou teria imensas dificuldades em se viabilizar, se
não contasse com a transferência do conhecimento tecnológico de
países muito mais avançados, neste sentido, do que a própria
Rússia. Para isto, era necessário que houvessem revoluções
operárias bem-sucedidas também nestes países.
O segundo aspecto, não menos fundamental, para Marx, era o que
dizia respeito à questão agrária na Rússia pré-revolucionária. No
mais longo borrador da carta posteriormente enviada a Vera
Zassulich (FERNANDES, 1982, p. 169-194), Marx assinala com
bastante clareza que o campesinato das comunas revolucionárias
pré-capitalistas estaria em condições de liderar a revolução
socialista no campo devido, única e exclusivamente, ao fato de que
40
a comuna era capaz de concentrar, espacial e territorialmente, a
força de trabalho agrária russa.
Marx, porém, é absolutamente claro quando afirma que a revolução
agrária na Rússia deveria opor politicamente o campesinato
abastado ao proletariado rural que se constituiria durante o processo
revolucionário, cabendo então a este último tomar as rédeas do
referido processo revolucionário agrário.
Marx insistia na argumentação pela qual a luta de classes, ao fim e
ao cabo, colocaria o proletariado na vanguarda de qualquer
atividade revolucionária. Isto quer dizer que Marx considerava que,
em qualquer situação revolucionária, o proletariado vencedor da
luta de classes assumiria as tarefas da produção socialista, enquanto
classe social oriunda da sociedade capitalista, ou até mesmo
predominantemente pré-capitalista, que o havia precedido
historicamente.
O desenvolvimento das forças produtivas, em países onde o
capitalismo mais avançara na concentração operária do trabalho e,
consequentemente, das conquistas tecnológicas da produção, seria
direcionado prioritariamente para o desenvolvimento tecnológico da
produção. Isto implicaria em “menos trabalho” – social material – e
“mais tecnologia”, gradativamente, até que as forças produtivas da
humanidade, em um vindouro processo histórico comunista, se
transformassem em forças produtivas da humanidade e da natureza.
O que deve ficar bem nítido, no pensamento revolucionário de
Marx, é que ele sempre considerou que a fase socialista da
revolução teria o comando e o controle proletários dos meios de
produção, através do Estado Operário.
Dessa maneira, o trabalho social continuaria sendo fundamental
para o desenvolvimento das forças produtivas e, mais do que isto, o
trabalho concentrador das atividades produtivas operárias manteria
as características de classe dos períodos capitalista ou pré-capitalista
que o antecedeu.
Assim, caberia ao processo histórico socialista desenvolver as
forças produtivas, em quaisquer situações históricas, de forma
operária, com a máxima valorização do trabalho humano – como
ente apropriador e transformador da natureza –, ainda que o papel
destinado às tecnologias passasse a adquirir muito mais relevo, na
41
composição do desenvolvimento das forças produtivas, em relação
ao processo histórico capitalista.
TEORIA DE MARX E PROCESSO HISTÓRICO SOCIALISTA
NO SÉCULO XX: UMA CONTRADIÇÃO?
Parece residir aí uma contradição entre a teoria de Marx e a
execução plena do processo histórico “socialista real” no século
XX. Marx dava a entender, em sua obra, que as tecnologias
suplantariam o trabalho transformador das sociedades humanas
organizadas em processos históricos contra a natureza exteriorizada,
permitindo em algum momento que se fizesse a unidade da
humanidade viva e ativa com as suas condições naturais,
inorgânicas. No entanto, Marx tornava explícito o ponto de vista
pelo qual a revolução socialista seria operária e, assim sendo, o
Estado Operário seria a representação de classe do proletariado
urbano e rural.
A classe operária provém da concentração do trabalho em
sociedades capitalistas de avançado desenvolvimento das forças
produtivas. As atividades de apropriação e transformação da
natureza pelo trabalho humano sempre foram um traço definidor da
existência desta classe (BENSAÏD, op. cit., cap. 4, p. 154). Como a
classe operária se desincumbiria do trabalho produtivo,
transformador da natureza, para substituí-lo, enquanto classe,
mesmo que gradativamente, pelo emprego de novas tecnologias?
Esta questão da superação do conteúdo de classe dos trabalhadores
no processo histórico socialista marca todo este processo. O
socialismo soviético, a partir de Stalin, por exemplo, apela para a
coletivização das fábricas e dos campos com o objetivo não só de
concentrar absolutamente a classe operária, mas de utilizar esta
concentração para intensificar, cada vez mais, o trabalho
apropriador e transformador da natureza exteriorizada em relação à
humanidade.
No caso soviético, as tecnologias não supriram as condições de
desenvolvimento das forças produtivas, em relação à redução
continuada do tempo de trabalho social, material. Seria possível
interpretar, com base em Marx, que a revolução soviética careceu
do desenvolvimento adequado das forças produtivas, tanto do ponto

42
de vista da concentração operária do trabalho como das inovações
tecnológicas?
Seria razoável postular, por outro lado, tendo Marx como referência,
que o caráter de classe do operariado, absolutamente indispensável
para a eclosão revolucionária socialista, tenha orientado o
desenvolvimento das forças produtivas, pelo menos no “socialismo
real” da União Soviética, para a intensificação das atividades
apropriadoras e modificadoras da natureza exteriorizada, tornando-
as peças-chave do processo histórico socialista. Então, ao menos
neste caso, o processo histórico socialista instituiu a sociedade
humana do “mais trabalho” como suporte para o desenvolvimento
das forças produtivas, naquela formação socioeconômica.
TRABALHO ABSTRATO, MERCADORIA, PRODUTIVIDADE
E TECNOLOGIA CONTRA A CONDIÇÃO NATURAL DE
EXISTÊNCIA HUMANA
Como se pode inferir da dialética de Marx, quanto mais intenso o
ritmo e o tempo de trabalho abstrato para a produção de
mercadorias, mais a tecnologia utilizada tende a se adaptar a este
tempo e ritmo de trabalho social, material, abstrato (PIKETTY,
2013, p. 14-18; DUARTE, 1986, p. 77-86). Em decorrência disso,
maiores seriam as possibilidades de espoliação de uma natureza
separada das condições inorgânicas da existência humana e sujeita à
intensificação de ritmos de trabalho contra ela – de características
mercantis produtivistas.
A ausência de limites naturais para a apropriação e a transformação
da natureza exteriorizada, notadamente no regime político stalinista
soviético, foi um fator preponderante no processo histórico
socialista no século XX.
A falha metabólica não estava sendo corrigida. Ao contrário, ela
parecia se acentuar no socialismo real soviético, da coletivização
forçada no campo (METT, 1975, p. 51-80; MOREAU, 1992, p. 05-
15). A classe operária parecia cada vez mais distante de ser
substituída, ali, por uma sociedade de produtores associados
comunistas, ao contrário do que previra Marx no século XIX.
DESENVOLVIMENTO DAS FORÇAS PRODUTIVAS NO
PROCESSO HISTÓRICO CAPITALISTA AGRÁRIO

43
No campo, em termos agrários, o desenvolvimento das forças
produtivas no processo histórico capitalista, de acordo com Marx,
seria levado adiante, do ponto de vista das tecnologias e da
concentração de trabalho operário, no interior do sistema (agro)
industrial capitalista.
Marx projetara que, com a concentração da classe operária agrária
no espaço-território agroindustrial, esta fração de classe social
explorada em seu trabalho assalariado romperia,
revolucionariamente, com a burguesia agrária e suprimiria o
trabalho assalariado.
Marx considerava, portanto, que somente o proletariado rural
poderia revolucionar o modo de produção capitalista no campo,
expropriando a burguesia agrária e instituindo o processo histórico
socialista agrário.
O proletariado rural era a fração de classe, por excelência, da
revolução agrária porque fora concentrado pelo sistema
agroindustrial capitalista e por isso podia ter acesso às tecnologias
mais avançadas desenvolvidas pelo capital agrário. Assim, o
proletariado agrário reunia todas as condições indispensáveis para
levar adiante o desenvolvimento das forças produtivas, iniciado no
processo histórico capitalista agrário.
Por outro lado, Marx tinha pleno conhecimento que a agroindústria,
capitalista ou socialista, sob o controle produtivo da burguesia ou do
proletariado agrário, persistia na falha metabólica entre humanidade
e natureza exteriorizada.
Não somente não a superava como poderia ampliá-la, através da
utilização do trabalho apropriador e transformador da natureza
exteriorizada – em relação ao uso de tecnologias que viessem a
proporcionar menos atividade produtiva agropecuária – sob a forma
de trabalho assalariado capitalista ou de trabalho não assalariado
coletivista socialista.
É importante salientar uma vez mais que Marx insistiu em diversas
ocasiões, em sua obra, na necessidade da classe operária reivindicar
a redução da jornada de trabalho. Era a fórmula já mencionada:
“menos trabalho, mais tecnologia” – esta última adequada aos
ritmos e tempos do “menos trabalho” social.

44
AGROINDUSTRIALIZAÇÃO, TRABALHO E TECNOLOGIA: O
APROFUNDAMENTO DA FALHA METABÓLICA
Ocorre que o proletariado rural, na medida em que se mantinha
estruturalmente limitado ao sistema agroindustrial, não poderia
viabilizar este conjunto de ações, nem sob o capitalismo, nem sob o
socialismo.
Se Marx havia enfatizado que os processos históricos é que seriam
capazes de proporcionar o desenvolvimento das forças produtivas,
tanto o capitalista, quanto o socialista e o processo histórico agrário
resumia-se ao sistema agroindustrial – fortemente calcado na
exploração do trabalho operário assalariado e na espoliação da
natureza exteriorizada – é difícil supor que o proletariado rural, no
socialismo estatal, se transformasse em uma fração de classe do
“menos trabalho”.
Então, a correção da falha metabólica parecia ficar mais distante das
expectativas de Marx, quanto mais o desenvolvimento das forças
produtivas no campo fosse um atributo do sistema agroindustrial
capitalista e do consequente fortalecimento do proletariado rural
enquanto fração de classe social antagônica e emancipadora em
relação à burguesia agrária. Cabe ressaltar que Marx atribuía grande
importância sociopolítica à atividade agroindustrial, pois esta
aglutinava a força de trabalho proletária que expropriaria a
burguesia agrária – até então dominante como fração de classe do
“mais trabalho” no campo – além de promover o desenvolvimento
tecnológico, com todas as restrições que o próprio Marx fez, em sua
obra, ao conjunto tecnológico agroindustrial capitalista.
O binômio produtivo da classe proletária rural, pós-capitalista,
tendeu para “mais tecnologia e mais trabalho social, abstrato e não
menos trabalho” – contrariando o caminho indicado por Marx no
sentido da correção da falha metabólica entre humanidade e
natureza. O que parece não se realizar historicamente, até aqui, é a
conjunção marxista entre desenvolvimento das forças produtivas,
“menos trabalho, mais tecnologia”, processo histórico
comunista/correção da falha metabólica entre humanidade e
natureza.
O processo histórico capitalista, evidentemente, mantém e amplifica
a falha metabólica, através do “mais trabalho” assalariado, da mais-
45
valia do trabalho operário e da consequente espoliação, sem limites,
da natureza exteriorizada.
O processo histórico socialista, preconizado por Marx, resultante da
luta de classes entre burguesia e proletariado, propõe-se a eliminar o
trabalho assalariado. Mesmo sem o trabalho assalariado, no entanto,
o socialismo investe em “mais trabalho” da classe operária – urbana
e rural – contrariando os prognósticos de Marx acerca do caráter
transitório entre os processos históricos, socialista e comunista, no
que diz respeito à correção gradativa da falha metabólica entre
humanidade e natureza desumanizada, exteriorizada e a perspectiva
de constituição da sociedade dos produtores associados do campo e
da cidade.
DESENVOLVIMENTO DAS FORÇAS PRODUTIVAS NO
CAMPO: FALHA METABÓLICA, PRODUTIVISMO E
TECNOLOGIA
Uma questão deve ser introduzida no debate sobre o “marxismo de
Marx”: o desenvolvimento das forças produtivas no campo e a
persistência, ou correção, da falha metabólica, e o papel
desempenhado pela tecnologia.
As tecnologias utilizadas nas atividades agroindustriais capitalistas
sempre se basearam em técnicas voltadas para a apropriação e
transformação produtivista da natureza, pela via do trabalho
assalariado do proletariado rural.
Este trabalho assalariado proporciona à burguesia agrária, detentora
dos meios de produção do modelo agroindustrial, a extração da
mais-valia do trabalhador operário da agroindústria. Por apropriação
e transformação produtiva e redistributiva da natureza exteriorizada
deve-se entender o “mais trabalho” aplicado a esta mesma natureza
e aos trabalhadores que o executam.
Quanto mais trabalho para se apropriar e transformar a natureza
exteriorizada, maior a exploração social obtida da relação de
trabalho pelo capitalista agrário. Se as apropriações e
transformações da natureza exteriorizada correspondem à
necessidade da burguesia agrária em explorar o trabalho social
exercido sobre a humanidade e contra a natureza exteriorizada,
então exploração social e transformação espoliativa da natureza
desumanizada andariam de mãos dadas.
46
As tecnologias empregadas pelo conjunto das atividades
agroindustriais capitalistas teriam que ser, necessariamente,
tecnologias de caráter quantitativo, produtivista, isto é, que fossem
empregadas para garantir “mais trabalho”, do proletário rural, mais
transformação espoliativa da natureza exteriorizada.
Estas tecnologias seriam então de caráter produtivista, de acordo
com o tipo de apropriação e transformação que não reduzisse a
carga de trabalho, ao contrário, que a acelerasse, em benefício da
exploração socioeconômica da força de trabalho agroindustrial.
Exatamente por essa razão, Marx conclamava os trabalhadores
assalariados, inclusive aqueles das agroindústrias, a exigir a redução
da jornada de trabalho. Quanto menor a jornada de trabalho, menor
a exploração da força de trabalho.
A questão é que as tecnologias, geradas através das pesquisas tecno-
cientificas, na agroindústria capitalista, são de ordem
quantitativa/produtivista e não contribuem para a redução da
jornada de trabalho: elas são tecnologias adaptadas ao “mais
trabalho”. Dessa forma, são capazes de aumentar não somente o
volume econômico da exploração do trabalho humano, como
também de exigir da natureza exteriorizada um desgaste cada vez
maior de suas condições de existência desumanizadas. Aqui, no
caso da agroindústria, a fórmula “mais trabalho/mais tecnologia”
adquire outra conotação. Trata-se agora de criar mais tecnologia
para garantir ou estimular o mais trabalho e não o contrário.
Relembre-se a fórmula de Marx: “menos trabalho, mais tecnologia”.
O que acontece no sistema agroindustrial capitalista é, na prática, o
inverso deste binômio. A tecnologia produtivista é concebida e
aplicada para gerar mais trabalho. Somente com mais trabalho o
capitalista agroindustrial pode manter o ritmo de acumulação de
capital sempre em expansão.
Sendo assim, o que ocorre na agroindústria, no decorrer do processo
histórico capitalista, não é essencialmente diferente do que acontece
com a agroindústria no processo histórico socialista. A agroindústria
socialista não preserva o trabalho assalariado, e a fração de classe
proletária rural assume o controle das atividades de trabalho.
Como já registrado neste texto, o trabalho operário na agroindústria
do socialismo real do século XX foi tão acentuado quanto o que
47
ocorreu na indústria fabril urbana dos países socialistas. Nestes
casos, o desenvolvimento das forças produtivas baseava-se na
intensificação do trabalho social abstrato, como herança de classe
do proletariado rural da fase capitalista do sistema agroindustrial.
Pois essa herança de classe dos trabalhadores socialistas
agroindustriais, em relação ao período da agroindústria capitalista,
estendeu-se à utilização das tecnologias agroindustriais. Estas
tecnologias foram literalmente transpostas da agroindústria
capitalista para a socialista, como o próprio Marx considerava que
deveria ocorrer. Então, o tipo de tecnologia empregada na
agroindústria do “socialismo real” era uma continuidade técnica da
utilizada no complexo agroindustrial capitalista.
Se no capitalismo agrário as novas tecnologias deveriam estar
imbricadas com o aumento da jornada de trabalho, o que passou a
ocorrer no socialismo real foi que a tecnologia, que deveria
gradativamente ajudar a reduzir o trabalho social, de caráter
abstrato, apropriador e transformador da natureza – pela
humanidade – passou a ter a mesma finalidade do processo histórico
capitalista agrário: aumentar o ritmo de atividade do trabalho
operário agrícola e também ampliar, proporcionalmente, a
espoliação da natureza exteriorizada, concebida então como mera
fonte de recursos naturais da humanidade desnaturalizada.
Nada mais distante da fórmula de Marx. As agroindústrias
capitalistas e do socialismo real mantiveram inalterado o binômio
“mais tecnologia, mais trabalho social”. Quanto mais tecnologia,
maior a jornada de trabalho.
O desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo agrário
transferia-se, na prática, para o socialismo no campo. A transição
sociotécnica, antevista por Marx, do capitalismo agrário para o
comunismo, pela via do socialismo agroindustrial, não parecia se
viabilizar historicamente.
A sociedade dos produtores associados (BELLAMY FOSTER, op.
cit., cap. 5, p. 237-246), da predominância do trabalho livre sobre o
trabalho social, material, abstrato – da correção da falha metabólica
entre humanidade e sociedade –, parecia tornar-se uma utopia
(SCHMIDT, op. cit., p. 149-192) de um futuro incerto e longínquo.

48
A coletivização agrária, com o estabelecimento das grandes
fazendas coletivas do período stalinista na União Soviética, chegou
a ser considerada, por autor não marxista (POLANYI, 2000, p.
286), como o momento mais significativo da estruturação da
revolução social e do processo histórico socialista que ela ensejou
naquela formação econômico-social. Isto dá a dimensão da
relevância do modelo agroindustrial e sua manutenção ampliada,
para além do processo histórico capitalista.
O trabalho social abstrato, pela via da exploração da mais-valia da
força de trabalho operária no capitalismo – ou sua utilização
exacerbada no socialismo real do coletivismo agrário – sempre foi
uma pedra de toque dos sistemas econômicos baseados na atividade
(agro) industrial.
Marx estava ciente das implicações futuras do emprego da força de
trabalho e da própria aceleração das formas (agro) industriais de
apropriação e transformação da natureza exteriorizada. Ele se
preocupava com essa questão, a ponto de cobrar das organizações
operárias no capitalismo a palavra de ordem da redução da jornada
de trabalho, como assinalado anteriormente.
A redução da carga de trabalho almejava reduzir progressivamente a
extração da mais-valia dos trabalhadores, mas também objetivava
impor limites, ainda que insuficientes, para o uso abusivo da
natureza exteriorizada em relação à humanidade, tanto no processo
histórico capitalista, como no socialista – principalmente neste.
PROCESSOS HISTÓRICOS – CAPITALISTA E SOCIALISTA –
AGRÁRIOS: MAIS TRABALHO SOCIAL/MAIS TECNOLOGIA
ADAPTADA
Já foi enfatizado que as tecnologias – as quais poderiam influir na
redução do trabalho social abstrato contra a natureza exteriorizada –
eram concebidas no capitalismo agrário para adequar-se ao “mais
trabalho”. Esta situação prolongou-se na experiência socialista, a
partir da utilização de tecnologias adaptadas ao “mais trabalho”
pelos regimes socialistas, especialmente na União Soviética
stalinista.
Independentemente do fator tecnológico – ou abstraindo este fator –
o que é fundamental registrar é o fato da obra de Marx permitir
interpretar a luta de classes no capitalismo – e a supressão das
49
classes no socialismo comunista – como a interligação material
dialética entre humanidade e natureza, e não apenas uma elaboração
de ordem econômica.
A própria noção de desenvolvimento das forças produtivas continha
a premissa da interação entre humanidade e natureza e não a
imposição da força produtiva humana à natureza exteriorizada –
reduzida à condição de recursos naturais apropriáveis pela
humanidade desnaturalizada.
A percepção de Marx sobre a falha metabólica confirma esta
avaliação. Enquanto persistisse historicamente a falha metabólica
entre humanidade e natureza – representando a impossibilidade do
intercâmbio metabólico entre a humanidade e suas condições
naturais de existência – as forças naturais, dissociadas da
humanidade, seriam passíveis de apropriações e transformações
pelo trabalho humano abstrato, de maneira unilateral. Isto é, as
forças produtivas humanas entrariam em conflito permanente com
as forças da natureza exteriorizada.
Este panorama só poderia ser alterado no contexto da luta de classes
sociais, no qual a exploração socioeconômica da força de trabalho
operária seria suprimida pelo socialismo com o fim do trabalho
assalariado, permitindo a racionalização do trabalho humano
enquanto atividade apropriadora e transformadora das condições
naturais de existência humana.
Mesmo nestas condições, a falha metabólica não seria corrigida e o
desenvolvimento das forças produtivas continuaria a ser o
desenvolvimento das forças da humanidade mobilizadas pelo
trabalho social, contra a natureza desumanizada, com a
incorporação desta natureza exteriorizada como força produtiva da
humanidade desnaturalizada.
Esta situação exigiria o controle, pelo Homem, de suas condições
naturais de existência, fazendo que a estas fossem postas a serviço
da humanidade desnaturalizada e não que se integrasse a ela pelo
movimento das trocas metabólicas.
Somente a supressão de todas as classes sociais, notadamente da
classe operária, no poder – e de seus métodos de apropriação e
transformação através do trabalho social abstrato e das tecnologias a
ele adaptadas, herdados da luta de classes do período capitalista –, é
50
que tornaria possível o desenvolvimento das forças produtivas da
humanidade e da natureza a ela interiorizada enquanto condição
natural da existência humana.
Mas seria o próprio o desenvolvimento das forças produtivas
humanas – ainda desnaturalizadas –, como movimento incessante,
que conduziria ao processo histórico comunista, de supressão das
classes, da radical redução da jornada de trabalho social, material e
sua consequente substituição – não total, mas sempre
gradativamente intensa – pelo trabalho livre.
Somente a prevalência do trabalho livre e a interação metabólica
entre humanidade e natureza, seriam capazes de impor limites
efetivos e duradouros a qualquer possibilidade de espoliação das
condições naturais de existência da humanidade.
O ininterrupto desenvolvimento das forças produtivas da
humanidade desnaturalizada, nos processos históricos, capitalista e
socialista, se fazia à revelia da preservação das condições naturais
de existência humana.
Marx tinha tanta consciência disso, quanto tinha convicção na
superação dialética deste estágio de desenvolvimento humano, além
da inviabilidade do prolongamento indefinido deste estado de coisas
– sob pena do desenvolvimento das forças produtivas tornar-se,
como efetivamente ocorre hoje, um desenvolvimento destrutivo.
Se a fórmula marxista do “menos trabalho social, mais tecnologia”
– para orientar os rumos da luta de classes anticapitalista e o
desenvolvimento das forças produtivas da humanidade
desnaturalizada – enfrentava o paradoxo da questão tecnológica no
industrialismo fabril urbano, palco por excelência do trabalho
operário, o desafio à formulação marxista parecia ser muito mais
elevado quando o panorama se voltava para os segmentos
agroindustriais socialistas.
Procurando sintetizar a concepção de Marx acerca da relação entre
trabalho, tecnologia, natureza, formas de apropriação e
transformação produtivas e distributivas – em processos históricos
capitalistas e socialistas agrários – vou tratar de abordagens
referentes à questão. Em primeiro lugar, para Marx, a forma de
trabalho determina, dialeticamente, a tecnologia correspondente.
Isto é, as condições de apropriação da natureza exteriorizada frente
51
à humanidade desnaturalizada, e sua transformação produtiva e
redistributiva, são orientadas pelo tipo de trabalho empregado.
O trabalho pode ser assalariado, proporcionando ao capitalista
agrário a exploração socioeconômica do proletário rural. Nestes
casos, ocorre o que Marx poderia definir como uma situação de
prevalência do “mais trabalho”. Quanto mais trabalho operário,
assalariado, mais intensa a exploração da força de trabalho
proletária nas atividades agroindustriais.
A tecnologia empregada deve então corresponder, ou ser
dialeticamente determinada, à forma de apropriação em questão. Em
uma situação histórica de “mais trabalho”, a tecnologia
correspondente tem por função respaldar a atividade produtiva e de
circulação – no ciclo de reprodução do capital – permitindo que o
trabalho seja cada vez mais intensificado, e não o contrário.
Entende-se por “mais trabalho”, em Marx, tanto a capacidade da
exploração continuada e ampliada da força de trabalho, quanto uma
intensificação da atividade de trabalho social sobre a humanidade
e contra a natureza desumanizada, sem levar em conta quaisquer
limites naturais.
A dilapidação espoliativa da natureza exteriorizada, no processo
histórico capitalista, é provocada pela ação do trabalho social
abstrato apropriador, transformador e integrado à circulação de
mercadorias, associado à introdução de novas tecnologias
coerentemente adaptadas a esta lógica de exploração.
Nos processos históricos socialistas, Marx projetava além da
supressão da exploração socioeconômica do trabalhador – pelo fim
do trabalho assalariado –, que ocorresse em breve espaço de tempo
a supressão também da própria classe operária, no caso aqui
enfocado, do proletariado rural.
TRANSIÇÃO SOCIOTÉCNICA PARA A PRODUÇÃO
ASSOCIADA: MENOS TRABALHO SOCIAL/MAIS
TECNOLOGIA ADAPTADA
Assim, se iniciaria a transição sociotécnica em direção à sociedade
dos produtores associados, na qual o binômio seria “menos trabalho
social/mais tecnologia”, adaptada à redução do ritmo e intensidade
da referida forma de trabalho.

52
O importante é registrar que Marx supunha que a adaptação
tecnológica se submeteria às necessidades de menos trabalho social
porque já não fazia sentido explorar a força de trabalho, libertada da
exploração socioeconômica, e também devido ao fato de que a
natureza exteriorizada precisava ser preservada, gradativamente, da
intervenção humana com o objetivo de – na culminância da
transição sociotécnica – tornar-se condição natural da existência
humana corrigindo, assim, a falha metabólica entre humanidade e
natureza.
Se o “socialismo real” não seguiu estas projeções, isto não pode ser
imputado a Marx. São outras questões envolvidas – que vêm sendo
amplamente debatidas antes mesmo da derrocada da esmagadora
maioria das sociedades ditas socialistas ao redor do mundo.
Prosseguindo nesta interpretação da transição sociotécnica dos
processos históricos na obra de Marx é importante assinalar que, na
direção oposta à forma tomada pela relação entre trabalho e
tecnologia no processo histórico capitalista analisado por Marx, a
ligação entre trabalho e tecnologia – visualizada por ele para o
processo histórico socialista – supunha menos trabalho e mais
tecnologia.
Aqui reside um grande desafio analítico para o próprio Marx e para
todos os seus intérpretes: se as tecnologias do processo histórico
socialista são herdadas do empreendimento agroindustrial
capitalista, de maneira cumulativa, como poderiam então estas
mesmas tecnologias adaptar-se à necessidade de redução da jornada
de trabalho insistentemente preconizada por Marx?
Caso Marx fosse um determinista histórico, ele aboliria a premissa
do menos trabalho social para construir sua teoria do
desenvolvimento das forças produtivas. Como Marx provou ao
longo de sua obra, notadamente nas questões relacionadas ao mundo
agrário e às relações humanidade-natureza, que não é um
determinista, mas um materialista dialético – utilizando-se
constantemente dessa metodologia para fazer suas análises do real –
é que se faz necessário problematizar a referida questão.
COMO DESENVOLVER AS FORÇAS PRODUTIVAS DA
HUMANIDADE E DA NATUREZA? OS IMPASSES DO
PROCESSO HISTÓRICO SOCIALISTA AGRÁRIO
53
Marx considerava que o desenvolvimento das forças produtivas
deveria continuar sendo, como no capitalismo, o desenvolvimento
de forças da humanidade contra a natureza e sobre os próprios
trabalhadores? Ou ele partia do pressuposto pelo qual as forças da
humanidade teriam que se identificar com as forças da natureza para
superar dialeticamente a falha metabólica instaurada pelas relações
capitalistas de produção, circulação e reprodução ampliada do
capital?
Por tudo que já foi avaliado neste texto, cabe somente a segunda
opção: a do Marx dialético, não determinista. O desenvolvimento
das forças produtivas, para Marx, a meu ver, implica em considerar
que este desenvolvimento, durante e depois do capitalismo, teria
que ser realizado com a redução do trabalho social empregado e a
consequente utilização de tecnologias, no caso agrário, qualitativas,
ou seja, não quantitativas ou produtivistas – no sentido da
intensificação do trabalho social. As tecnologias qualitativas são as
únicas coerentes com o “menos trabalho social”.
A perspectiva de “mais tecnologia”, no caso da fórmula de Marx,
não poderia ser uma mera herança tecnológica, sequencial, do
capitalismo agrário nos segmentos agroindustriais. As novas
tecnologias no campo, capazes de impulsionar o desenvolvimento
das forças produtivas – ainda que exclusivamente humano, abstrato
e “antinatural” – em necessária transição para o caráter humano-
natural, teriam necessariamente que ser qualitativas – não
produtivistas –, isto é, apropriadas à redução da jornada de trabalho
na atividade agroindustrial capitalista, como um todo.
Do contrário, as forças produtivas, conduzidas pelo trabalho social
abstrato, sobre os trabalhadores e contra a natureza exteriorizada,
jamais poderiam chegar ao estágio de desenvolvimento no qual o
tempo de trabalho social, material, fosse sensivelmente menor do
que aquele do trabalho livre, não inteiramente direcionado para a
sociedade como um todo.
Isso só seria possível em sociedades humanas naturalizadas, onde as
tecnologias qualitativas fossem necessárias e suficientes para apoiar
com eficiência a redução drástica do tempo de trabalho dedicado à
sociedade – e passível de exploração da força de trabalho humana e
de espoliação da natureza exteriorizada.
54
Para concluir esta análise da obra de Marx, no que se refere às
relações entre humanidade e natureza, deve-se destacar pontos que
permitam constituir uma teoria marxista – a partir da própria obra
de Marx – do desenvolvimento do capitalismo agrário.
Pode-se dizer que Marx via o capitalismo agrário como parte de um
processo histórico no qual ocorre um permanente desenvolvimento
das forças produtivas no campo. Estas forças seriam forças da
humanidade atuando incessantemente, de maneira dialética, sobre a
própria humanidade e contra a natureza separada das condições
naturais de existência humana.
A natureza exteriorizada, desamparada de uma relação intrínseca
com a humanidade, ficaria à mercê da ação humana desnaturalizada,
no sentido de ser suscetível à produção e reprodução ampliada do
capital, através de apropriações, transformações e circulação
distributiva de recursos naturais transmutados em mercadorias.
TRABALHO SOCIAL ABSTRATO NO PROCESSO HISTÓRICO
CAPITALISTA AGRÁRIO: DESUMANIZAÇÃO DA
NATUREZA EXTERIORIZADA; MERCANTILIZAÇÃO DA
FORÇA DE TRABALHO E DA TECNOLOGIA ADAPTADA
O trabalho social agrário, utilizado para promover as referidas
apropriações e transformações da natureza, deveria então ser cada
vez mais realizado pela força de trabalho do proletariado rural
oriundo do estabelecimento do capitalismo agrário, através da
formação de sistemas agroindustriais.
Assim, o proletariado rural, socialmente emergente no século XIX,
tenderia a encorpar-se estimulado pela própria burguesia agrária – e
suas necessidades históricas de extração da mais-valia desta força
de trabalho – e de reunir mão de obra, cada vez mais numerosa e
concentrada, para apropriar-se continuamente de partes da natureza
exteriorizada, com o objetivo de promover a transformação
produtiva desta natureza desumanizada e mercantilizar tanto a força
de trabalho operária agrária como a própria natureza exteriorizada.
O processo histórico capitalista agrário seria assim baseado na
intensificação produtiva do trabalho agrário praticado pelo
proletariado rural, combinada com a utilização de tecnologias
apropriadas e adaptadas ao esforço produtivista, apropriador e
transformador da natureza exteriorizada.
55
Assim sendo, pode-se afirmar que o tipo de trabalho exercido no
capitalismo agrário condiciona, dialeticamente, a tecnologia
empregada para promovê-lo. Quanto mais trabalho social, mais
tecnologia, o que redunda em cada vez mais trabalho, produtivismo
e mercadoria.
Tal situação histórica conduziria à espoliação destrutiva da natureza
exteriorizada pela humanidade desnaturalizada, de maneira
progressiva, e a exploração indefinida da força de trabalho. Desta
forma, o desenvolvimento das forças produtivas da humanidade
acontece, no capitalismo agrário, com a destruição sistemática da
natureza desumanizada e da própria humanidade, enquanto força de
trabalho.
O trabalho social, material, abstrato, empregado na apropriação e
transformação da natureza exteriorizada, tenderia a ser sempre mais
exigido dos trabalhadores agrários nas atividades agroindustriais
capitalistas.
Ao mesmo tempo em que o capitalismo agrário avançaria no
desenvolvimento das forças produtivas – concentração fabril
agroindustrial da força de trabalho; pesquisas técnico-científicas
geradoras de novas tecnologias; divisão social do trabalho entre
classes sociais antagônicas – também se aglutinaria e se expandiria
sistematicamente.
A classe operária agrária teria então a missão histórica de reverter,
revolucionariamente, tanto a exploração de sua força de trabalho,
quanto a espoliação da natureza exteriorizada, apontando um limite
para esta situação.
O limite em questão viria da redução progressiva da atividade de
trabalho social, material no campo, paralelamente à introdução de
tecnologias capazes de reduzir a exploração da força de trabalho e a
espoliação da natureza.
O chamado de Marx à redução da jornada de trabalho do
proletariado como um todo, e especificamente do proletariado rural,
tinha como finalidade proporcionar meios de garantir condições de
sobrevivência aos trabalhadores e de limitação da ação do capital
agrário contra a natureza desumanizada.
A revolução agrária, advinda da organização da classe operária no
campo, nas atividades agroindustriais, deveria prosseguir com a
56
tarefa histórica de reduzir a jornada de trabalho e gerar, via
pesquisas técnico-científicas, tecnologias que fossem adaptáveis à
própria redução sistemática da atividade produtiva apropriadora e
transformadora da natureza – coerentemente com a premissa pela
qual é sempre a forma de trabalho social, material que determina
dialeticamente a função da tecnologia a ser empregada na atividade
apropriadora e transformadora.
No caso do capitalismo agrário, à intensificação do trabalho agrário
correspondia a utilização de tecnologias voltadas para proporcionar
meios técnicos nos quais o trabalho social fosse indefinidamente
intensificado.
O trabalho social, material executado pela força de trabalho do
proletariado rural teria que ser reduzido paulatinamente para
proporcionar condições de se alcançar a meta de correção da falha
metabólica entre humanidade e natureza.
TRANSIÇÃO SOCIOTÉCNICA PARA O DESENVOLVIMENTO
DAS FORÇAS PRODUTIVAS DA HUMANIDADE E DA
NATUREZA NO CAPITALISMO E NO SOCIALISMO
AGRÁRIOS
Na obra de Marx é nítido que a correção da falha metabólica não
viria de uma única vez, por assim dizer, com a supressão de todas as
classes sociais, durante o processo histórico socialista, mas ocorreria
parcialmente ao longo do próprio processo histórico capitalista.
Estaríamos então diante de uma transição sociotécnica na qual
deveria ocorrer o redirecionamento progressivo do caráter do
desenvolvimento das forças produtivas. Elas deixariam de pertencer
estritamente à humanidade para virem a se tornar humanas e
naturais.
Claro que esta transição somente teria o seu desfecho, para Marx,
como já assinalado, com a instauração da sociedade dos produtores
associados, a única capaz de superar a falha metabólica. Porém, o
desenvolvimento das forças produtivas da humanidade não era visto
por Marx, como muitos supõem, como algo absolutamente linear.
Ao contrário, mesmo que Marx considerasse que o desenvolvimento
das forças produtivas da humanidade desnaturalizada, contra a
natureza exteriorizada – e, por isso mesmo, enfrentando a
resistência desta – fosse inevitável em qualquer processo histórico
57
constituído por classes sociais, ele se preocupava em opor ao
mencionado tipo de desenvolvimento outro tipo qualitativamente
diferente, que seria o desenvolvimento ancorado na redução
sistemática da jornada de trabalho.
A este desenvolvimento deveriam corresponder tecnologias
adequadas, consonantes com o ritmo de trabalho a ser empregado na
produção e reprodução do capital pela força de trabalho, através de
formas correspondentes de apropriação e transformação da natureza.
De qualquer maneira, a fração de classe social agrária que deveria
conduzir a transição sociotécnica, de um processo histórico a outro,
seria – para Marx – indiscutivelmente o proletariado rural,
historicamente originário do capitalismo agrário nos sistemas
agroindustriais.
Afinal, as forças produtivas da humanidade tinham que se
transformar, ainda que gradualmente, em forças produtivas da
humanidade e da natureza. O processo histórico socialista somente
estaria concluído quando a classe operária agrária fosse suprimida e
o processo histórico comunista, conduzido historicamente pelos
produtores associados, corrigisse a falha metabólica entre
humanidade e natureza.

58
Parte 3

AGROECOLOGIA: TEORIA CRÍTICA DO


DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO AGRÁRIO

Mais de um século depois dos últimos escritos de Marx, começou a


ser elaborada uma nova teoria crítica do desenvolvimento agrário
capitalista. Trata-se da teoria agroecológica. Seus autores partem da
“teoria agroecológica do desenvolvimento do capitalismo no
campo” (GUZMÁN CASADO; GONZÁLEZ DE MOLINA, 2006,
p. 368-371), a partir de uma releitura da teoria do desenvolvimento
do capitalismo agrário, esboçada por Marx.
Por este viés, os autores questionam a ulterior teoria marxista do
desenvolvimento agrário capitalista “em seu vaticínio de que o
campesinato desapareceria com a industrialização da agricultura”
(GUZMÁN CASADO; GONZÁLEZ DE MOLINA, op. cit., p.
370).
Eles ponderam que isso somente teria ocorrido “naqueles territórios
onde se completou tal processo, mas que a desaparição não teve
lugar mediante a proletarização dos pequenos cultivadores e sim da
transformação de sua natureza social” (GUZMÁN CASADO;
GONZÁLEZ DE MOLINA, op. cit., p. 370).
O CAMPESINATO E O AVANÇO DA INDUSTRIALIZAÇÃO
DA AGRICULTURA NO SÉCULO XX: DA ECONOMIA DE
BASE ENERGÉTICA À PEQUENA PRODUÇÃO DE
MERCADORIAS
Assim, os abordados autores da teoria agroecológica consideram
que a produção camponesa “entendida como aquela forma de
manejo dos recursos naturais, mais adaptada às condições de uma
economia de base energética orgânica (...) foi perdendo seus traços
característicos até converter-se, com o avanço da industrialização da
agricultura em um empresário familiar ou um pequeno produtor de
mercadorias; com natureza e traços sociais qualitativamente
distintos, ainda que com tamanhos de exploração semelhantes”
(GUZMÁN CASADO; GONZÁLEZ DE MOLINA, op. cit., p.
370).

59
Esta interpretação reelabora, portanto, a concepção marxista de
diferenciação camponesa, típica do avanço da industrialização
capitalista agrária (GUZMÁN CASADO; GONZÁLEZ DE
MOLINA, op. cit., p. 370-371) pela qual os camponeses deixariam
de existir historicamente, pois se converteriam em proletários rurais
ou em burguesia agrária proprietária dos meios de produção capazes
de estruturar sistemas agroindustriais.
A teoria agroecológica não confirma, então, o pressuposto marxista
pelo qual a penetração do capitalismo na agricultura estaria
vinculada à progressão da grande exploração agrária e à destruição
das pequenas (GUZMÁN CASADO; GONZÁLEZ DE MOLINA,
op. cit., p. 369).
A constatação dos autores em questão é alicerçada em estudos de
história ambiental e agronomia, realizados em regiões do sul da
Espanha. Estas são áreas nas quais o processo histórico capitalista
agrário não foi completado, de acordo com os próprios autores.
Dessa maneira, o que prevaleceu ali foi uma organização agrária de
base camponesa: a pequena produção de mercadorias.
Teoricamente, no entanto, seria possível, para a concepção
agroecológica, sustentada pelos autores em questão, que a
mercantilização da produção tivesse provocado a total separação
dos produtores em relação ao agroecossistema (GLIESSMAN,
2005, seção I, cap. 2, p. 61-81) e a sua completa dependência em
relação ao mercado. Tal situação explicaria, para a teoria
agroecológica, “o tratamento pouco ecológico que os agricultores,
entre eles os pequenos, dispensam ao meio ambiente agrário”.
(GUZMÁN CASADO; GONZÁLEZ DE MOLINA, op. cit., p.
371).
A NOÇÃO DE AGROECOSSISTEMA
A noção de agroecossistema é chave para a compreensão da teoria
agroecológica crítica do desenvolvimento capitalista agrário. A
ciência ecológica, cujos primórdios, no século XIX, foi
contemporânea aos escritos de O Capital, de Marx, desenvolveu a
noção geral de ecossistema para referir-se à relação da coabitação
entre humanidade e natureza, em função da aplicação terminológica
da teoria dos sistemas entre sociedade e ambiente.

60
A concepção agroecológica, na qual se baseia a crítica teórica
agroecológica ao desenvolvimento agrário capitalista, introduziu
uma espécie de adendo à teoria ecossistêmica da ciência ecológica.
Este adendo terminológico, conceitual, é o que passou a ser
chamado, no âmbito da ciência natural agrária agroecológica de
agroecossistema.
O agroecossistema seria todo ecossistema agrário em constante
transformação produtiva agropecuária. Ou seja, o agroecossistema
significa o lugar onde ocorre o processo contínuo de apropriação e
transformação do ambiente agrário pela humanidade. É onde a
agricultura humana artificializa o ambiente natural gerando
produtos alimentares para a satisfação das necessidades humanas.
Esta artificialização pode ser de caráter biótico, praticada por uma
agricultura de base energética, orgânica; ou abiótico, realizada por
uma agricultura industrializada ou em transição para a
industrialização agrícola.
DO CAMPESINATO À PEQUENA PRODUÇÃO MERCANTIL E
À AGRICULTURA INDUSTRIALIZADA EMPRESARIAL
FAMILIAR: A DESAGROECOLOGIZAÇÃO DOS
AGROECOSSISTEMAS
A separação dos produtores agrícolas em relação aos seus
agroecossistemas e sua reprodução dependente do mercado
(GUZMÁN CASADO; GONZÁLEZ DE MOLINA, op. cit., p.
371), pode ser compreendida, pela ótica dos autores da teoria
agroecológica, como uma transição histórica da pequena produção
mercantil para a agricultura industrializada do empresário familiar.
O decisivo, a meu ver, é que os autores da teoria agroecológica
vislumbram na expansão mercantil o desenvolvimento capitalista
agrário. Esta expansão mercantil seria então a responsável pelas
apropriações e transformações dos agroecossistemas produtivos.
A passagem de uma agricultura não mercantilizada, organicamente
integrada ao produtor, respeitando a base energética da prática
agrícola, para a sua progressiva mercantilização, seria a causa do
tratamento pouco ecológico dos agricultores durante o processo
histórico de desenvolvimento capitalista agrário.
Este movimento de transição de um tipo de agricultura para outro,
provocado pelo desenvolvimento capitalista no campo é que teria
61
conduzido a separação progressiva entre o produtor e o seu
agroecossistema.
A teoria agroecológica do desenvolvimento do capitalismo agrário
considera que “conforme aumentou a produtividade, tanto da terra
como do trabalho entendida como um mero aumento da produção
comercializável por trabalhador ou por unidade de superfície, foi
descendendo de maneira paralela à estabilidade ecológica do
agroecossistema” (GUZMÁN CASADO; GONZÁLEZ DE
MOLINA, op. cit., p. 372).
Neste sentido “(...) qualquer interpretação do desenvolvimento da
agricultura, no mundo contemporâneo, não pode omitir um
pronunciamento sobre as transformações agrárias em termos de
sustentabilidade (...) de uma degradação dos agroecossistemas e de
uma diminuição paralela dos níveis de sustentabilidade desde que se
iniciaram as transformações agrárias no começo do século XIX”
(GUZMÁN CASADO; GONZÁLEZ DE MOLINA, op. cit., p.
373).
OS ACRÉSCIMOS DE PRODUTIVIDADE DA TERRA E DO
TRABALHO E A (IN) SUSTENTABILIDADE
AGROECOLÓGICA DOS AGROECOSSISTEMAS
Então, a noção de sustentabilidade dos agroecossistemas está
associada, na teoria agroecológica, à relação entre terra, trabalho e
produtividade. No caso do sistemático acréscimo de produtividade
da terra e do trabalho é possível caracterizar esta situação, a meu
ver, como insustentável do ponto de vista socioambiental para a
teoria agroecológica. Extrapolando este referencial, pode-se dizer
que a produtividade da terra está associada ao incremento de
tecnologias que garantam o avanço acelerado da capacidade
produtiva do agroecossistema no desenvolvimento capitalista
agrário.
Trata-se da aplicação de tecnologias agropecuárias que visam
garantir a elevação da produção comercializável. O efeito das
práticas tecnológicas, nestas condições, é o desgaste da própria terra
pela intensificação do proveito de sua utilização, no plano
mercantil, pelo capital.
As tecnologias adotadas devem então contribuir, ao mesmo tempo,
para a elevação da produtividade mercantil e a utilização do solo e
62
subsolo da terra com esta finalidade. Verifica-se, portanto, que a
insustentabilidade provocada pela utilização de tecnologias de
transformação da terra relaciona-se com a “(...) capacidade
expansiva, pois a dinâmica social que gera está determinada pela
acumulação (de capital) e, portanto, pela geração constante de
benefícios monetários” (GUZMÁN CASADO; GONZÁLEZ DE
MOLINA, op. cit., p. 372).
A TEORIA AGROECOLÓGICA E A QUESTÃO DAS
TECNOLOGIAS E DO TRABALHO NO CAMPO: A NOÇÃO DE
INSUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL DO
DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA AGRÁRIO
As tecnologias do desenvolvimento do capitalismo agrário são
insustentáveis socioambientalmente, de acordo com a teoria
agroecológica. Isto quer dizer que as tecnologias em questão
desgastam a terra. E quanto ao trabalho?
O trabalho no campo se faz acompanhar, ao longo do
desenvolvimento capitalista agrário, de acordo com a teoria
agroecológica, por estas mesmas tecnologias, com os mesmos
objetivos. Como assinalado, os referidos objetivos são a obtenção,
pelo capital, de lucros monetários através da elevação da
produtividade do trabalho e da terra.
A produtividade da terra está associada, nestes casos, ao emprego de
tecnologias de produção agropecuária capitalista. A produtividade
do trabalho é obtida pela exploração da mão de obra agrária, em
condições de assalariamento. Então, quanto mais exploração da
força de trabalho, mais desgaste da terra pelo emprego de
tecnologias de alto impacto ambiental.
Esta é a equação clássica dos aparatos agroindustriais capitalistas,
de acordo com a interpretação da teoria de Marx, exposta neste
texto. Na agroindústria capitalista, o trabalho, acompanhado de
tecnologias adaptadas, exerce um duplo papel: garantir a
acumulação de capital pela exploração direta da força de trabalho
assalariada, e avançar – com o apoio das tecnologias, em constante
evolução – sobre a terra, transformando-a radicalmente, em
benefício da própria acumulação de capital.
Aqui, o aporte da teoria agroecológica causa uma contribuição ao
debate teórico sobre a acumulação de capital no campo. Os autores
63
da teoria agroecológica afirmam: “(...) até o presente, a acumulação
esteve relacionada ao crescimento econômico, quer dizer, ao
incremento da base física da economia, consumindo quantidades
crescentes de energias e materiais do subsolo” (GUZMÁN
CASADO; GONZÁLEZ DE MOLINA, op. cit., p. 372).
Por isso, de acordo com a hipótese em que se baseiam os autores da
teoria agroecológica “(...) o desenvolvimento do capitalismo foi o
causador direto da expulsão de grande número de agricultores do
setor, dos custos sociais e ambientais que isto trouxe consigo e é
responsável, na atualidade, por uma tendência até agora
incontrolável para sua desaparição física” (GUZMÁN CASADO;
GONZÁLEZ DE MOLINA, op. cit., p. 372).
Assim sendo, “a progressão do capitalismo no campo e a
degradação das bases sociais e ecológicas foram duas caras da
mesma moeda”. Os autores da teoria agroecológica ressalvam,
porém, que isso “(...) não quer dizer que o capitalismo siga no
futuro os mesmos caminhos. É defensável a hipótese de uma nova
adaptação do sistema às condições de crise ecológica e à geração de
valor e lucros por outras vias não tão materiais” (GUZMÁN
CASADO; GONZÁLEZ DE MOLINA, op. cit., p. 372-373).
Os autores reafirmam sua convicção em uma interpretação
agroecológica do processo de acumulação do capitalismo agrário:
“Conforme aumentou o grau de mercantilização e a produção
começou a depender cada vez mais de insumos externos de capital,
a reprodução social entre os agricultores tendeu a vincular-se de
maneira crescente com a exploração da natureza e com a
externalização dos custos ambientais” (GUZMÁN CASADO;
GONZÁLEZ DE MOLINA, op. cit., p. 373).
Para seguir “no encalço da insustentabilidade”, como propõem os
autores do texto em questão, faz-se necessário acompanhar as
motivações que teriam feito com que o desenvolvimento do
capitalismo agrário tivesse passado por uma radical mudança de
curso, em pleno século XX – quando as atividades agroindustriais
capitalistas pareciam ter sido consolidadas ainda no século XIX.
O DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA AGRÁRIO, A
INSUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL E A

64
SUBSUNÇÃO FORMAL DA PRODUÇÃO AO CAPITAL NO
AGRO
A profunda alteração constatada nos padrões de acumulação do
desenvolvimento capitalista agrário é o que a teoria agroecológica
designa como a instauração de outro processo, não linear, de
insustentabilidade socioambiental no agro. O outro
desenvolvimento capitalista no campo – não exclusivo, mas de certa
forma paralelo ao desenvolvimento convencional em torno da
agroindústria como meio de acumulação mais típico do processo
histórico – teria como motivação, de acordo com a teoria
agroecológica, aqui esboçada, aspectos ecológico-ambientais da
produção agrícola em geral.
Para os autores da teoria agroecológica, aqui referidos, a análise por
eles levada a cabo tendo em vista a situação ocorrida na região da
Andaluzia, no sul da Espanha, entre os séculos XIX e XX “permite
entender os ritmos desiguais de penetração do capitalismo e a
diferença que estabelecera Marx entre a subsunção formal e real da
produção ao capital” (GUZMÁN CASADO; GONZÁLEZ DE
MOLINA, op. cit., p. 388).
É interessante perceber que os autores referem-se à produção, de
maneira geral e não ao trabalho transformador da terra e da
natureza. Marx considerava, como assinalado em diversas
passagens deste texto, que o trabalho humano é utilizado para a
apropriação e a transformação produtiva da natureza.
Marx enfatizava o caráter preponderante do trabalho humano e, por
consequência, as formas que o trabalho adquiria antes e depois da
instauração progressiva do processo histórico capitalista.
Fruto da relevância atribuída ao trabalho humano, Marx
preocupava-se em determinar quais classes sociais, do processo
histórico capitalista agrário, estavam realmente envolvidas nas
atividades apropriadoras e transformadoras da natureza.
Assim, Marx caracterizou o desenvolvimento agrário capitalista a
partir da dupla referência à participação de classes sociais no
processo: aqueles trabalhadores que “realmente” eram explorados
pelo emprego direto de sua força de trabalho em atividades de
transformação da terra; e os trabalhadores que eram “formalmente”

65
submetidos a regimes de trabalho nos quais prevaleciam a
cooperação e a manufatura, pré-industriais.
TEORIA AGROECOLÓGICA: PREVALÊNCIA DA
SUBSUNÇÃO FORMAL DA PRODUÇÃO AO CAPITAL NO
CAMPO
É importante registrar que os autores agroecológicos resgatam as
categorias formais e reais da atividade produtiva, com a finalidade
precípua de demonstrar as consequências socioambientais das
formas de desenvolvimento originárias destes ritmos desiguais de
penetração do capitalismo no campo.
A preocupação dos autores é mais centrada na atividade capitalista
em relação à natureza – o ambiente natural –, no caso, a terra de
cultivo, do que nas formas de trabalho praticadas. Esta diferença,
sutilmente observada no deslocamento da noção de trabalho pela de
produção, vai se constituir em uma marca registrada da abordagem
teórica dos autores da teoria agroecológica.
Seria como se a produção em si fosse o ponto de partida das
apropriações e transformações da natureza pelo capital. Marx –
insisto neste ponto – faz da análise das formas de trabalho algo que
precede todo o processo produtivo. Por isso, Marx identifica no
operário agrário o agente, por excelência, e a própria razão de ser,
em última instância, do processo histórico de acumulação capitalista
no agro. Evidentemente, Marx está mirando o capitalismo mais
avançado em termos produtivos, aquele capitalismo agrário onde o
desenvolvimento das forças produtivas no campo está mais
acelerado.
Enfatizei, porém, anteriormente, que Marx não desprezou em
nenhum momento de sua obra o fato de que este desenvolvimento
das forças produtivas no campo, tanto quanto nas fábricas
industriais urbanas, redundava em mais exploração da força de
trabalho real e formal – esta mais notadamente nas formações
sociais menos desenvolvidas do ponto de vista das forças
produtivas.
Além disso, e até mesmo em função disso, as tecnologias
empregadas em condições de exploração mais intensa da força de
trabalho tendiam a se adaptar a esta exploração do trabalho humano,
fazendo com que sua utilização significasse um desgaste sempre
66
mais intenso e prolongado da própria natureza exteriorizada –
desacoplada de qualquer traço de humanização – como já abordado
insistentemente neste texto.
Assim sendo, os caminhos das subsunções real e formal do trabalho
ao capital podem ter se separado a partir de determinado ponto do
desenvolvimento da produção no agro, gerando dois tipos de
desenvolvimento produtivo, ou mesmo limitando o
desenvolvimento da forma capitalista clássica, calcada no modelo
da atividade agroindustrial: a subsunção real do trabalho produtivo
ao capital. Esta parece ser uma interessante hipótese traçada pelos
autores agroecológicos a qual vou acompanhar para esclarecer e
aprofundar, daqui para frente.
TEORIA AGROECOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO DO
CAPITALISMO AGRÁRIO: DISTANCIAMENTO ENTRE
TEMPO DE PRODUÇÃO E TEMPO DA NATUREZA; RITMO
LENTO DA SUBSUNÇÃO FORMAL DA PRODUÇÃO DE
BASE ENERGÉTICA ORGÂNICA AO CAPITAL; RITMO
ACELERADO DA SUBSUNÇÃO REAL DA PRODUÇÃO
AGRÁRIA – PARA ALÉM DA BASE ENERGÉTICA
ORGÂNICA CAMPONESA – AO CAPITAL
A teoria agroecológica aplicada pelos autores em questão assinala
que “os obstáculos que uma agricultura de base energética orgânica
opõe à penetração do mercado e do capital são distintos e mais
difíceis de enfrentar do que uma agricultura já industrializada, ou
em vias de sê-lo” (GUZMÁN CASADO; GONZÁLEZ DE
MOLINA, op. cit., p. 388).
Os autores esclarecem que tais limitações são determinadas “pelo
ritmo necessariamente lento da rotação do capital, imposto pelos
processos físico-biológicos que ocorrem na produção agrária (por
exemplo, pela necessidade das rotações e do repouso da terra)”
(GUZMÁN CASADO; GONZÁLEZ DE MOLINA, op. cit., p.
388).
Neste sentido, os autores reforçam o caráter significativo, até
mesmo determinante, dos “tempos da natureza e da produção”
(GUZMÁN CASADO; GONZÁLEZ DE MOLINA, op. cit., p.
388). No caso de uma economia de base energética, orgânica, os
referidos tempos estão integrados, harmonizados entre si. Mas
67
quando se trata das economias agrárias mais industrializadas “o
tempo de produção se reduz” tornando-se relativamente
independente “dos tempos da natureza, dos processos físico
biológicos, mediante a incorporação de combustíveis, fertilizantes,
inseticidas, herbicidas e sementes melhoradas provenientes do
exterior do agroecossistema” (GUZMÁN CASADO; GONZÁLEZ
DE MOLINA, op. cit., p. 388).
Os autores concluem que o “ritmo lento”, no caso da economia de
base energética resulta em que a “subsunção ao capital seja
meramente formal, (...) enquanto que a aceleração do ritmo permite
a subordinação real da produção agrária ao capital” (GUZMÁN
CASADO; GONZÁLEZ DE MOLINA, op. cit., p. 388).
No estudo de caso em questão, no sul da Espanha, outro fator para a
separação entre produção e agroecossistema foi, segundo os autores,
“o desacoplamento geral que a penetração do mercado e do
desenvolvimento do capitalismo produz entre a produção e o
agroecossistema” e “a independência da produção em relação aos
recursos locais, à dinâmica da população, ao conhecimento local e,
inclusive, ao valor intrínseco (energético) dos alimentos”
(GUZMÁN CASADO; GONZÁLEZ DE MOLINA, op. cit., p.
389).
Daí eles constatarem que o distanciamento causado pela expansão
das atividades produtivas capitalistas no campo, pelo menos em
relação ao seu estudo de caso, levou à expulsão da força de trabalho
agrícola de seu habitat de organização de vida e produção.
Os autores enfatizam, porém, na ótica da crítica agroecológica ao
desenvolvimento do capitalismo agrário, que o mais significativo na
referida forma de desenvolvimento foram “as mudanças paulatinas
da paisagem” (GUZMÁN CASADO; GONZÁLEZ DE MOLINA,
op. cit., p. 388).
Mas qual seriam as caraterísticas socioambientais dos trabalhadores
agrícolas despojados pelo avanço da produção e da técnica
capitalistas no agro? Pode-se interpretar a situação a qual se referem
os autores agroecológicos da seguinte maneira: havia, na região da
Andaluzia, sul da Espanha, um contingente de camponeses livres
apropriando-se e, consequentemente, modificando o
agroecossistema no qual habitavam.
68
As formas de apropriação, transformação, consumo e também, na
sequência, distribuição, do agroecossistema eram essencialmente de
perfil energético, orgânico, típico de uma economia agrária de
pouca ou nenhuma monetarização. Quando os autores em questão
referem-se à subsunção formal deste tipo de produção ao capital,
eles não se remetem ao fato social, ou socioeconômico, dos
camponeses serem trabalhadores para si mesmos e para o capital.
Os autores não discordam, aparentemente, desta definição, mas não
a priorizam. A sutil distinção, em relação a Marx, da noção de
subsunção formal da produção e não, especificamente, do trabalho,
e a prioridade atribuída à deterioração da paisagem – e não à
constatada expulsão dos camponeses de seus territórios
agroecossistêmicos – revelam, a meu ver, a influência da
abordagem teórico-metodológica baseada na perspectiva ecológico-
ambiental dos autores agroecológicos.
No entanto, se se retoma a leitura clássica de Marx, em relação à
sua definição de subsunção formal ou real, identifica-se a distinção
feita pelo próprio Marx entre os produtores específicos, isto é,
aqueles que praticam efetivamente a produção, apropriando-se,
transformando e (re) distribuindo partes da natureza exteriorizada
em relação às condições de existência humanas.
O que a teoria agroecológica, esboçada pelos autores em questão,
denomina de agroecossistema, Marx chamava de natureza,
exteriorizada ou não, – no caso agrário, a própria terra de cultivo –,
transformada pelo trabalho humano.
Então, para Marx, a noção de subsunção formal do trabalho
específico – e não da produção em geral – ao capital, no campo,
implicava definir que tipo de trabalho era este e de que forma era
exercido.
No caso das sociedades agrárias de caráter produtivo, estruturadas
sobre a base energética, orgânica, Marx as definiu como sociedades
onde se praticava o trabalho apropriador, transformador e
redistributivo da terra enquanto natureza, pela via dos produtores
camponeses.
Marx, em suas já referidas passagens acerca das FORMEN nos
Grundrisse de O Capital (MARX, 2011b, p. 672-685), revelou um
conhecimento avant la lettre do que seria depois definido
69
teoricamente, pela corrente agroecológica, como sendo
agroecossistemas de base energética, orgânica.
Marx chega a utilizar literalmente esta noção de base orgânica para
definir o modo de relação entre o trabalho produtivo camponês, pré-
capitalista, e seu entorno natural. Marx considerava que a atividade
apropriadora, transformadora, através do trabalho camponês, fazia
do campesinato um segmento social em cujas atividades produtivas
preponderava a integração metabólica entre humanidade e natureza.
Assim sendo, as comunidades camponesas antes de se vincularem
de qualquer maneira ao capital – portanto ainda não submetidas a
subsunções por parte deste – constituíam o exemplo mais
significativo da interação entre a humanidade e as condições
naturais de existência, inorgânicas, de sua existência viva e ativa,
como tantas vezes foi mencionado neste texto.
A própria teoria agroecológica do desenvolvimento capitalista
agrário, ou do que seus autores também denominam de
modernização capitalista no campo, considera em outra passagem
do texto aqui analisado, que a diferenciação camponesa, realmente
existente no período modernizador da agricultura capitalista, seria
aquela que passaria a existir – em uma relação socioambiental
agrária marcada pela subsunção formal da produção agrícola ao
capital –, em situações históricas nas quais viria a predominar não o
campesinato de base energética, pré-capitalista, mas a pequena
produção mercantil, por um lado e a agricultura familiar
empresarial, por outro.
Para os autores agroecológicos, aqui referidos, a esta desigualdade
social entre produtores agrícolas de pequena escala acrescentava-se,
necessariamente, a insustentabilidade socioambiental dos
agroecossistemas.
A teoria agroecológica afirma que “(...) até a aparição dos
fertilizantes químicos e da entrada de fluxos de energia e materiais
de fora (do agroecossistema) com caráter estrutural, a desigualdade
social se fundamentava na posse desigual da propriedade da terra e
do gado e na combinação destas com as pessoas em uma estratégia
reprodutiva. Neste contexto o elemento determinante da
intensificação produtiva e da penetração do próprio capitalismo era

70
a iniquidade interna” (GUZMÁN CASADO; GONZÁLEZ DE
MOLINA, op. cit., p. 393).
DIFERENCIAÇÃO ENTRE PRODUTORES MERCANTIS
SIMPLES E EMPRESÁRIOS FAMILIARES EM SITUAÇÕES DE
SUBSUNÇÃO FORMAL DA PRODUÇÃO AO CAPITALISMO
AGRÁRIO: ORIGEM DA INSUSTENTABILIDADE
AGROECOLÓGICA EM AGROECOSSISTEMAS
APROPRIADOS E TRANSFORMADOS
É importante perceber e registrar que a marcha histórica da
subsunção da produção agrária ao capital, do ponto de vista da
corrente agroecológica, conduziu à diferenciação interna entre
produtores mercantis simples e empresários familiares – ambos
submetidos à subsunção formal de suas atividades produtivas ao
capitalismo agrário.
A teoria agroecológica interpreta que “(...) conforme foi necessário
importar através do mercado fatores essenciais da produção como
os nutrientes, a alimentação animal ou os combustíveis, o mercado
foi se convertendo no mecanismo fundamental de exploração do
trabalho agrícola e da transferência de parte do valor obtido na
agricultura a outros setores de atividade: a indústria de insumos, a
grande distribuição ou a indústria agroalimentar” (GUZMÁN
CASADO; GONZÁLEZ DE MOLINA, op. cit., p. 394).
Assim sendo, cabe avaliar que na modernização da agricultura no
século XX, notadamente em regiões como a do sul da Espanha,
onde não prevalecia a grande produção e sim a produção em
pequena escala, o capitalismo penetrou através de mecanismos de
subsunção formal, desencadeando ao mesmo tempo a diferenciação
e a desigualdade social entre eles e a insustentabilidade ecológico-
ambiental.
Para os autores da teoria agroecológica “a implantação do
capitalismo em uma economia de base energética orgânica provoca
desigualdade interna que não pode ser compensada por aumentos
generalizados da produção e da produtividade devido a limitação da
aplicação de energia e materiais a sua área circundante” (GUZMÁN
CASADO; GONZÁLEZ DE MOLINA, op. cit., p. 394).
Os autores vão além: “(...) o desenvolvimento do capitalismo no
campo significou a passagem progressiva da exploração do trabalho
71
à „exploração‟ da natureza, processo mediante o qual os resultados
da exploração do trabalho puderam se multiplicar graças a
deterioração da natureza” (GUZMÁN CASADO; GONZÁLEZ DE
MOLINA, 2006, p. 394).
O que me parece mais relevante, nesta interpretação do
desenvolvimento tecnologicamente modernizador do capitalismo no
campo, é que se pode constatar que a clássica diferenciação –
visualizada por Marx em economias agrícolas do capitalismo
agrário produtivamente mais avançado de sua época – não se
aplicava da mesma maneira a condições históricas de
desenvolvimento do capitalismo agrário onde persistiram as formas
de trabalho baseadas na pequena produção mercantil e, depois, na
produção capitalista empresarial familiar (NEVES, 1985, p. 220-
241).
O estudo de caso agroecológico do sul da Espanha demonstra que a
diferenciação entre produtores ampliou a desigualdade social
interna nos agroecossistemas, ao mesmo em que se ampliava
também, proporcionalmente, a insustentabilidade ecológico-
ambiental destes mesmos agroecossistemas.
A diferenciação social clássica do campesinato submetido à
subsunção formal ao capital – entre burguesia agrária e proletariado
rural, em condições de produção em larga escala – característica do
século XIX na Europa ocidental não só não teria se reproduzido, ao
longo do século XX, em outras partes da agricultura europeia, como
poderia haver sido superada ao longo do processo histórico
capitalista global.
O que o estudo agroecológico pretende assinalar é que o capitalismo
agrário passou a adquirir novos contornos socioambientais no
século XX. Ao invés da dialética entre grande burguesia agrária e
proletariado rural, passou a vigorar a relação entre capitalismo
agrário, sem distinção entre pequena ou grande escala de produção,
e trabalhadores agrícolas em regime de permanente intensificação
produtiva, tanto socioeconômica quanto ecológico-ambiental.
A abordagem agroecológica, como crítica do desenvolvimento do
capitalismo no campo, incorporou a interpretação pela qual o
referido desenvolvimento é inerentemente insustentável do ponto de
vista ecológico-ambiental.
72
Para os autores mencionados, “o crescimento agrário provoca uma
reprodução ampliada da dependência mercantil do agroecossistema
de energia e materiais não somente para satisfazer déficits
produzidos pela superação de suas capacidades, mas também a
deterioração das mesmas. Esta é a razão pela qual a crise ecológica,
com o esgotamento e a degradação dos recursos está vinculada
intimamente ao crescimento econômico” (GUZMÁN CASADO;
GONZÁLEZ DE MOLINA, op. cit., p. 395).
CORRENTE TEÓRICA AGROECOLÓGICA ACERCA DO
DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO
AGROINDUSTRIAL: DESTRUIÇÃO DO AMBIENTE
NATURAL E DO METABOLISMO SOCIAL ENTRE
NATUREZA E SOCIEDADE
Em outro texto, publicado um ano depois, um dos autores
agroecológicos em questão (TOLEDO; GONZÁLEZ DE MOLINA,
2007, p. 85-112) volta a abordar o tema do metabolismo social,
enquanto relação entre a sociedade e a natureza. Nessa obra, este
autor agroecológico ao qual venho me referindo, afirma: “A mútua
relação entre sociedade e natureza esteve ausente da maioria das
teorias de raiz ilustrada como o liberalismo, o marxismo, o
anarquismo, etc., que justamente por isso podiam ser qualificados
de idealistas” (TOLEDO; GONZÁLEZ DE MOLINA, op. cit., p.
85). Ele exemplifica com a noção de sistema econômico cujas
citadas teorias compartilham “de uma forma ou de outra e que
coloca a economia em um mundo ideal onde os recursos naturais
são ilimitados e os serviços ambientais nunca se degradam”
(TOLEDO; GONZÁLEZ DE MOLINA, op. cit., p. 85).
O autor em questão apoia-se, teoricamente, para caracterizar a
mencionada “mútua relação entre sociedade e natureza” em outro
autor (TOLEDO; GONZÁLEZ DE MOLINA, op. cit., p. 89), de
inspiração e formação em Marx, para desenvolver o conceito de
metabolismo entre natureza e sociedade.
A passagem do autor inspirado na noção de Marx referente ao
metabolismo, utilizada pelo autor agroecológico é a seguinte: “O
metabolismo entre a natureza e a sociedade é independente de
qualquer forma histórica porque aparece previamente sob as

73
condições pré-sociais e histórico-naturais dos seres humanos”
(TOLEDO; GONZÁLEZ DE MOLINA, op. cit., p. 89).
Assim sendo, para o autor agroecológico, com base no autor (in)
formado por Marx “as sociedades humanas produzem e reproduzem
suas condições naturais de existência a partir de seu metabolismo
com a natureza, uma condição que aparece como pré-social, natural
e eterna” (TOLEDO; GONZÁLEZ DE MOLINA, op. cit., p. 89).
Como o próprio autor agroecológico afirma “tudo indica que o
primeiro a utilizar este conceito (de metabolismo) nas ciências
sociais foi K. Marx. O conceito de metabolismo foi adotado por
Marx a partir de suas leituras dos naturalistas da época,
principalmente do holandês Möleschot e constituiu uma ferramenta
fundamental em sua análise econômica e política do capitalismo”
(TOLEDO; GONZÁLEZ DE MOLINA, op. cit., p. 92).
Para o autor agroecológico, o conceito de metabolismo social ou
socioeconômico pode ser utilizado nos dias de hoje “em analogia
com a noção biológica de metabolismo” (TOLEDO; GONZÁLEZ
DE MOLINA, op. cit., p. 91). Desta forma, o metabolismo como
“conceito utilizado no estudo das relações entre sociedade e
natureza descreve e quantifica os fluxos de matéria e energia entre
conglomerados sociais, particulares e concretos e o meio natural
(ecossistemas)” (TOLEDO; GONZÁLEZ DE MOLINA, op. cit., p.
91-92).
O metabolismo então implica hoje no conjunto de processos por
meio dos quais os seres humanos organizados em sociedade,
independentemente de sua situação no espaço (formação social) e
no tempo (momento histórico), se apropriam, circulam,
transformam, consomem e excretam materiais e/ou energias
provenientes do mundo natural (TOLEDO; GONZÁLEZ DE
MOLINA, op. cit., p. 89; SEVILLA GUZMÁN, 2011, p. 103-104).
A meu ver, por interpretação pessoal dos textos dos autores
agroecológicos nos quais eu me apoio neste momento, o conceito
agroecológico de metabolismo emana de situações espaciais e
temporais nas quais o ato de apropriação humana da natureza
desarticula ou desorganiza os ecossistemas de que se apropria para
introduzir conjuntos de espécies domesticadas ou em processo de
domesticação, tal e como sucede com todas as formas de
74
agricultura, pecuária, florestação de plantações e aquacultura
(TOLEDO; GONZÁLEZ DE MOLINA, op. cit., p. 85-112).
Assim sendo, interpreto que toda e qualquer apropriação
desarticuladora e desorganizadora dos ecossistemas naturais pode
levar à constituição de agroecossistemas – notadamente, mas não
exclusivamente, no caso da introdução das práticas agrícolas.
Então, o ecossistema apropriado e transformado pela humanidade
torna-se um agroecossistema que, como assinalado anteriormente, é
o conceito chave da interpretação agroecológica dos autores a que
estou me referindo neste texto. A concepção agroecológica do
desenvolvimento do capitalismo no campo parte, assim, do conceito
metabólico de agroecossistema para a crítica do próprio capitalismo
agrário.
Pode-se dizer então que a apropriação e a transformação provocadas
pelo desenvolvimento do capitalismo no agro são de ordem
metabólica agroecossistêmica, podendo ser criticada do ponto de
vista agroecológico como formas de apropriação e transformação de
materiais e/ou energias provenientes do mundo natural.
As apropriações e transformações do mundo natural pela introdução
e expansão de formas de desenvolvimento produtivo capitalista na
agricultura, pecuária, florestação e aquacultura, modificam
radicalmente o fluxo de materiais e energia oriundos do mundo
natural.
A agroecologia, isto é, a teoria dos agroecossistemas em constantes
transformações por apropriações produtivas humanas, encara a
expansão capitalista no campo como fatalmente predisposta a
gerar outputs agroecossistêmicos excretores que inviabilizam o
fluxo aberto de materiais e energia desde a natureza.
A obstrução do fluxo energético e de materiais da natureza pelo
acúmulo de excreções, geradas a partir das formas de apropriação
humanas sociais, introduzidas historicamente pelo advento das
forças produtivas liberadas pelo capitalismo agrário, caracteriza o
núcleo da crítica agroecológica ao desenvolvimento do capitalismo
agrário.
Para a interpretação agroecológica, aqui referida, todas as formas de
apropriação agroecossistêmica realizadas pelo capitalismo no
campo, para a obtenção de produtos a serem transformados em
75
mercadorias de consumo e troca, trazem consigo defeitos inerentes:
a obstrução metabólica de cada agroecossistema submetido ao
avanço das formas capitalistas agrárias de produção; o bloqueio,
pelo acúmulo de excreção, dos fluxos agroecossistêmicos de
energias e/ou materiais provenientes do mundo natural apropriado e
transformado pela expansão das formas capitalistas agroindustriais
de produção de mercadorias no campo.
Dessa forma, o desenvolvimento das forças produtivas no
capitalismo agrário pode ser interpretado, de acordo com a corrente
teórica agroecológica aqui exposta, como um meio sistemático de
destruição do ambiente natural.
Nestas condições, os agroecossistemas, submetidos ao
desenvolvimento agrário capitalista, são constantemente
pressionados a ponto de gerarem,
incessantemente, outputs ambientais sistêmicos nos quais
predominam as excreções poluentes que acabam por determinar o
ritmo das próximas apropriações, transformações e distribuições
agroecossistêmicas e não ser determinado por elas.
O resultado disso seria a criação de um permanente ciclo vicioso de
desenvolvimento insustentável do capitalismo no agro. Seria
possível extrapolar esta concepção para falar da formação inevitável
de uma condição ambiental capitalista no campo, na qual forças
produtivas humanas desencadeariam situações de degradação
ecológica destruidoras do próprio ambiente em que produzem.
CONCEPÇÃO AGROECOLÓGICA: REGENERAÇÃO
ECOLÓGICA DA PRODUÇÃO DESTRUTIVA DO
CAPITALISMO AGRÁRIO; RECUPERAÇÃO TECNOLÓGICA
DOS AGROECOSSISTEMAS SOCIALMENTE APROPRIADOS
E TRANSFORMADOS
Do ponto de vista agroecológico, a alternativa a este beco sem saída
da produção destrutiva estaria na regeneração agroecossistêmica
proporcionada pelo emprego de tecnologias capazes de permitir a
regeneração ecológica dos agroecossistemas em processo ambiental
destrutivo (TOLEDO e BARRERA-BASSOLS, 2008, p. 195-197).
O emprego de outras tecnologias agrícolas, no entanto, ficaria na
dependência da iniciativa de forças sociais humanas no agro que
propusessem outro padrão de desenvolvimento agrário não nocivo
76
ecologicamente. A questão que se coloca é: que grupo ou grupos
sociais tomariam esta iniciativa?
A teoria agroecológica volta-se inteiramente para a possibilidade da
recuperação/revalidação de formas camponesas tradicionais e/ou
indígenas-nativas de produção agropecuária, florestal e
aquacultural.
Estas formas sociais seriam, aparentemente, para a teoria
agroecológica, as bases sociais da mudança radical do sistema
ambiental no sentido da superação do impasse agroecossistêmico
gerado pelas crises energético-ecológicas, desencadeadas pelo
vicioso desenvolvimento das forças produtivas da humanidade no
capitalismo.
As pesquisas técnico-científicas agroecológicas tratariam de
promover as tecnologias necessárias e suficientes para fazer cessar o
bloqueio do fluxo de energia e materiais causado pela expansão
ilimitada e, por isso mesmo descontrolada, das forças produtivas no
capitalismo contemporâneo.
REORGANIZAÇÃO ECOLÓGICO-PRODUTIVA DA BASE
SOCIAL CAMPONESA – PRÉ-CAPITALISTA – COMO
ALTERNATIVA AGROECOLÓGICA À
INSUSTENTABILIDADE DO DESENVOLVIMENTO
CAPITALISTA/AGRÁRIO
Percebe-se, assim, que a teoria agroecológica vai buscar nas
organizações ecológico-produtivas das populações nativas a saída
para a crise socioambiental. O que se deve indagar então é o
seguinte: até que ponto estas organizações ecológico-produtivas
nativas, não capitalistas, podem propor alguma forma produtiva
sustentável que sirva de alternativa às formas ambientalmente
insustentáveis do desenvolvimento capitalista agrário.
O que se destaca na perspectiva teórica agroecológica é a firme
determinação de enfrentar as forças destrutivas da produção
capitalista que bloqueia – com dejetos poluentes de origem
transformadora/produtiva e distributiva/reprodutiva – a dinâmica
agroecossistêmica ambiental pela qual o input sistêmico deve gerar,
via fluxo aberto de energia e materiais, um output no qual a
excreção ambiental agroecossistêmica não seja nunca superior à
capacidade de regeneração ambiental do sistema.
77
Em síntese, a inevitável excreção – resultante da atividade
transformadora/distributiva na agricultura, pecuária, floresta e
aquacultura – não pode bloquear os próximos ciclos de
transformação/distribuição agroecossistêmicos, ao contrário, precisa
ser condicionada por eles, para que se estabeleçam ciclos virtuosos,
e não viciosos, ambientalmente falando, de atividade produtiva no
campo.
As tecnologias a serem empregadas necessitam então estar em
harmonia com o ambiente natural. Esta caraterização da produção
capitalista agrária – como algo intrinsecamente obstruidor dos
sistemas agroambientais pela introdução de práticas incompatíveis
com a regeneração ambiental dos agroecossistemas – leva à
conclusão que o desenvolvimento capitalista agrário sofre um vício
de origem: a incapacidade de promover um desenvolvimento
ambientalmente sustentável, por ser portador de forças produtivas
inviabilizadoras do fluxo agroecossistêmico de energia e materiais e
do controle efetivo da expansão destruidora do ambiente natural –
contida na geração continuada e desmensurada de dejetos poluentes
na natureza, desproporcionais às reais necessidades de
transformação e distribuição no âmbito destes mesmos ambientes.
CRÍTICA AGROECOLÓGICA À AGROINDUSTRIALIZAÇÃO:
INVIABILIZAÇÃO TRANSFORMADORA/DISTRIBUTIVA
DOS CICLOS REPRODUTIVOS ECOLÓGICO-ENERGÉTICOS
DOS SISTEMAS METABÓLICOS AGROAMBIENTAIS
A teoria agroecológica, dos autores até aqui referidos, critica a
agroindústria por trazer consigo uma intervenção transformadora no
ambiente natural agrário diretamente responsável pela
inviabilização dos ciclos ecológico-energéticos dos sistemas
ambientais. O desenvolvimento do capitalismo agrário é então por
eles apontado como padrão clássico de desenvolvimento das forças
produtivas no campo.
Este progresso das forças produtivas seria sinônimo de mudanças
quantitativas e qualitativas no âmbito das tecnologias empregadas
na produção agrícola, pecuária etc. Tais alterações tecnológicas
viriam sempre a aprofundar o fosso existente
entre input e output agroecossistêmicos, interrompendo

78
drasticamente o fluxo de energia e materiais nos agroecossistemas
submetidos à produção agroindustrial.
A grande questão daqui para frente, a meu ver, refere-se à seguinte
indagação: para a teoria agroecológica, qual seria a(s) base(s) social
(is) responsável (is) pelas apropriações do ambiente natural que
pudesse fazer frente ou constituir-se em alternativa agroecológica ao
desenvolvimento das forças produtivas/destrutivas desencadeadas
pelo avanço do capitalismo agroindustrial?
Já me referi ao campesinato tradicional, povos indígenas e nativos
pelo mundo afora, como sendo as bases sociais por excelência das
atividades agrárias, “contra-agroindustriais”, portanto,
agroecológicas, ambientalmente sustentáveis.
O problema teórico que se passa a enfrentar é que estas categoriais
sociais não convivem diretamente com os complexos
agroindustriais, no mesmo processo histórico de desenvolvimento.
Na realidade, nunca conviveram.
Então, as tecnologias agroindustriais vão sendo empregadas em
substituição às formas de organização produtiva socioecológica
destes povos. Assim, é cada vez mais comum a expansão
tecnológica agroindustrial ocorrer em detrimento da preservação
organizativa e produtiva de povos que praticam a agricultura
ecológica, mas que não se relacionam historicamente com os
complexos agroindustriais capitalistas.
PROCESSO HISTÓRICO CAPITALISTA AGRÁRIO:
CONVIVÊNCIA E INFLUÊNCIAS ENTRE COMPLEXOS
AGROINDUSTRIAIS E FORMAÇÕES SOCIOECONÔMICAS
DE BASE CAMPONESA; RECRIAÇÃO E REAPROPRIAÇÃO
DE FORMAS TECNOLÓGICAS CAMPONESAS A SERVIÇO
DOS COMPLEXOS AGROINDUSTRIAIS
O que desejo apresentar, como problematização inicial aos
postulados da teoria agroecológica, do ponto de vista
socioeconômico é a realidade, cada vez mais concreta, na qual as
agroindústrias empresariais convivem – no mesmo processo
histórico capitalista agrário – com formações socioeconômicas
diretamente influenciadas pela ação destes setores agroindustriais.
Estou considerando a existência de formas camponesas recriadas
pelo contato histórico com a agroindústria capitalista e suas
79
aplicações tecnológicas. Aí teríamos o contingente cada vez mais
expressivo de agricultores familiares envolvidos em cadeias
produtivas do capitalismo agrário e – por que não? – os setores do
proletariado rural agroindustrial, e até mesmo os trabalhadores
rurais coletivizados em experiências socioprodutivas
assumidamente socialistas ou socializantes.
Estes grupos sociais aparentemente reproduzem o modelo de
acumulação agroindustrial ou estão efetivamente imbricados no
mesmo processo histórico. No caso dos agricultores familiares
tecnificados trata-se de uma versão contemporânea, como
demonstrarei detalhadamente, mais adiante, da subsunção formal do
trabalho ao capital.
Então, cabe aqui aprofundar a indagação: se categorias capitalistas e
não capitalistas convivem em um mesmo processo histórico,
espacial e territorialmente demarcado, quais seriam as formas
adquiridas pelo trabalho produtivo na função de se apropriar,
transformar e (re) distribuir produtos e mercadorias no interior deste
processo histórico?
Este é um questionamento que a teoria agroecológica não faz. Na
verdade, a teoria agroecológica, aqui referida e descrita, em linhas
gerais, não parece se preocupar com as nuances das formas de
trabalho encontradas no entorno dos setores agroindustriais.
A apropriação do ambiente natural e sua consequente transformação
redistributiva é sempre atribuída, pela concepção agroecológica em
tela, ao desenvolvimento ambientalmente insustentável do
capitalismo agrário, como um todo, sem abordar os matizes
socioprodutivos existentes em processo histórico onde prevalece a
dinâmica produtiva agroindustrial e suas respectivas tecnologias.
Assim sendo, a noção de desenvolvimento das forças produtivas –
admitida pela corrente agroecológica crítica – está centrada no
emprego cada vez mais aprofundado de tecnologias agroindustriais
provenientes de pesquisas técnico-científicas patrocinadas e
aplicadas estritamente pelas cadeias agroindustriais.
O que se questiona aqui é se as forças produtivas do capitalismo
agroindustrial resumem-se ao desenvolvimento de novas
tecnologias ambientalmente insustentáveis, no campo – a serem
adotadas sempre, unicamente, pelo capitalismo agrário nas
80
atividades agroindustriais – ou se este desenvolvimento ocorre
abrangendo setores não necessariamente capitalizados, mas
tributários, de uma forma ou de outra, da capitalização das
atividades agrárias.
O processo histórico originado pela expansão das forças produtivas
do capital tende a ir além da constituição de áreas de atividades
agroindustriais tecnologizadas, completamente inseridas nas plantas
produtivas dos complexos agroindustriais capitalistas. Se assim o
fosse, o proletariado industrial teria mantido a relevância histórica a
ele dedicada por Marx, por exemplo.
A própria teoria agroecológica rejeita, coerentemente, o papel
protagonista do proletariado agroindustrial contemporâneo, mas não
parece observar que o processo histórico engendrado pela expansão
produtiva do capital agrário concentra, em torno de si, diversos
setores de trabalho que vão se encarregar, juntamente com o próprio
proletariado rural, da apropriação e transformação redistributiva dos
bens ambientais da natureza para a agroindústria.
Estes segmentos são cada vez mais amiúde aqueles característicos
de formações socioprodutivas oriundas da dispersão tanto do
campesinato tradicional – submetido às regras do processo histórico
gerado pela expansão da agroindústria capitalista – quanto da
conversão histórica de grandes camadas do proletariado
agroindustrial, ressignificado pela introdução de formas de
acumulação não tipicamente capitalistas – mas geradoras de
mercadorias – tais como o proletariado rural coletivizado em
experiências históricas socialistas ou socializantes.
Os agricultores familiares incorporados pela via das cadeias
produtivas do moderníssimo agronegócio financeiro internacional e
os trabalhadores rurais coletivizados, caudatários dos complexos
agroindustriais, são exemplos vivos e atualíssimos dessa realidade.
Assinalei, em parágrafos anteriores deste texto, que poderia haver
entraves de ordem ontológica e epistemológica para a convergência
analítica entre as correntes apresentadas, que se origina da noção de
incomensurabilidade prático-teórica entre temáticas de cunho
ambiental-ecológico e as de caraterísticas socioeconômicas.
Neste sentido, sugeri neste texto que a agroecologia provém do
conhecimento ambiental para expandir-se em direção às questões
81
produtivas. Ela iria “do natural ao social”. O marxismo partiria do
socioeconômico que contém os elementos da produção agrícola,
para o natural, privilegiando o caráter da necessidade histórica das
sociedades em proverem suas bases de produção e consumo, em
permanente desafio com a natureza exteriorizada com a qual se
deparam.
Segui afirmando que se fôssemos tomar estas características,
aparentemente atribuíveis a cada uma das correntes de ação e
pensamento em questão, obviamente seríamos forçados a nos
resignar ao fato de que elas são mesmo inconciliáveis
analiticamente, portanto, incomensuráveis.
Assim sendo seus objetos de referência seriam absolutamente
distintos, pois partiriam de óticas opostas de apreensão da realidade.
A agroecologia conteria um enfoque naturalista; o marxismo
proveria de uma abordagem economicista ou produtivista, de
qualquer forma com ênfase no social e não no natural.
A incompatibilidade entre as abordagens em questão, ou a
incomensurabilidade entre elas, poderia ser, entretanto, matizada,
pois apesar do marxismo, em passagens fundamentais da obra de
Marx, eleger o trabalho e as classes sociais como elementos centrais
de seu enfoque e a agroecologia, pelo viés interpretativo de autores
referenciais dessa abordagem teórica constituir-se a partir da
introdução de aspectos relativos aos fluxos de energia e materiais
entre natureza e sociedade (GONZÁLEZ DE MOLINA; SEVILLA
GUZMÁN, 1993, p. 94), observa-se dois elementos teóricos e da
práxis que poderiam assinalar uma convergência mais explícita
entre as abordagens.
Trata-se, a princípio, neste texto, da associação que tanto Marx
quanto a corrente epistemológica da agroecologia poderiam
estabelecer frente às noções de metabolismo entre natureza e
sociedade e da categoria histórica dos produtores associados.
Observe-se então se as premissas hipotéticas do texto em questão
confirmam-se ou podem ser refutadas a partir da elaboração
desenvolvida até aqui. O grande desafio, a meu ver, para superar os
limites de uma hipotética incomensurabilidade entre o “marxismo
de Marx” e a teoria crítica agroecológica é ir além de referenciais
tais como natural e social.
82
Parte 4

MARX E A AGROECOLOGIA: RELAÇÃO DIALÉTICA E


PERSPECTIVA SISTÊMICA ENTRE HUMANIDADE E
NATUREZA; PROCESSO HISTÓRICO MARXISTA E
SISTEMA AMBIENTAL
AGROECOLÓGICO: AGROECOLOGIA MARXISTA?

Considero que a concepção desenvolvida por Marx acerca da


relação dialética entre a natureza e a humanidade social, e a
perspectiva sistêmica da agroecologia diante do binômio natureza-
sociedade afastam-se e aproximam-se, em termos dialéticos,
epistemologicamente.
O enfoque de Marx é estruturado conceitualmente pela noção de
processo histórico, enquanto a agroecologia parte da caracterização
de sistema ambiental. Cabe então problematizar de que maneira, e
até que ponto, o que denominamos de marxismo – tomando como
referencial especificamente os escritos de Marx – e a agroecologia,
de acordo com as definições apontadas neste texto, são conciliáveis
em termos ontológicos, epistemológicos e metodológicos, apesar da
distância entre seus objetos de análise.
O desafio deste texto, daqui para frente será então o de projetar
aquilo que poderíamos denominar livremente de agroecologia
marxista, a qual somente se materializaria na concretude de ações
envolvendo grupos sociais em permanente contato com ambientes
naturais, e as transformações destes mesmos grupos e ambientes a
partir de realidades derivadas da existência, dialeticamente
conflitiva, de processos históricos e sistemas (agro) ambientais.
Pela ótica de Marx, o capitalismo industrial foi o primeiro processo
histórico da humanidade. Marx concebia um processo histórico
como aquele no qual as forças produtivas da humanidade se
desenvolveriam a partir de sua concentração social em locais de
trabalho.
Esta concentração das forças produtivas humanas, no contexto de
um determinado processo histórico, provocaria o desenvolvimento
das relações sociais no sentido de proporcionar avanços
tecnológicos necessários à elevação qualitativa e quantitativa da
83
produção de bens intercambiáveis de consumo – no caso do
processo histórico capitalista, a produção de mercadorias.
É importante frisar que Marx referia-se ao desenvolvimento das
forças produtivas, no processo histórico capitalista, como forças
humanas de produção, não integradas à natureza exteriorizada, ao
contrário, atuando contra a própria natureza desumanizada e, devido
a esta condição, tendo que subjugar a natureza exteriorizada, que se
apresenta como força contrária, hostil, ao avanço do capitalismo. O
trabalho humano, submetido à imposição de formas capitalistas de
organização da produção, é concentrado para que se obtenha dele o
máximo rendimento possível nas fábricas (agro) industriais.
A força de trabalho concentrada pelo capitalismo industrial significa
ao mesmo tempo exploração da atividade produtiva dos
trabalhadores, sob a forma de horas trabalhadas na produção não
correspondidas à sua remuneração econômica por parte dos
capitalistas (agro) industriais – a mais-valia, de acordo com Marx –
e a espoliação da natureza exteriorizada, em termos da incessante
atividade produtiva decorrente das necessidades históricas de
produção e reprodução ampliada do capital (agro) industrial.
Assim sendo, as tecnologias resultantes do desenvolvimento das
forças produtivas da humanidade, gerado pela inédita concentração
de trabalho em torno dessas mesmas atividades produtivas, sempre
foram moldadas pelo capital visando reproduzir indefinidamente, de
maneira literal, o processo histórico de produção capitalista.
As tecnologias geradas pelo capital são então obtidas através do
emprego sistemático do trabalho executado pelas forças da
humanidade, representadas no operário (agro) industrial,
concentrado nas fábricas da cidade e do campo, e conectado pelo
processo histórico criado pela necessidade de expansão acelerada e
continuada do capital.
As tecnologias assim obtidas visam em primeiro lugar garantir ao
capital as condições de operacionalidade para a exploração
econômica do proletariado industrial internacional e do domínio,
potencialmente destrutivo, da natureza exteriorizada que é a fonte –
aparentemente inesgotável para o capital – das matérias-primas que
são transformadas produtivamente pelo trabalhador industrial
proletário.
84
Por essas razões as tecnologias, incorporadas incessantemente pelo
capital à produção, estão forçosamente adaptadas tanto à exploração
da força de trabalho humana, concentrada e conectada pelo capital,
como ao domínio sistematicamente ampliado da natureza –
exteriorizada em relação à humanidade pelo movimento do capital
na constituição do processo histórico que associou, de acordo com
Marx, pela primeira vez na história da humanidade e da natureza, a
força de trabalho produtiva.
A dialética de Marx, apresentada na interpretação do
desenvolvimento das forças produtivas no capitalismo industrial,
permite captar a aparente contradição entre forças produtivas da
humanidade, historicamente associadas e forças produtivas da
humanidade e da natureza, historicamente desintegradas. Este duplo
movimento do capital, percebido pela dialética materialista de
Marx, não é contraditório, ao contrário, faz parte do mesmo
processo histórico de produção e reprodução do próprio capital.
O mesmo capital que conecta historicamente os trabalhadores para a
produção ilimitada de bens a serem transformados em mercadoria –
inclusive a própria força de trabalho humana – é aquele que
depende sempre mais da natureza exteriorizada para prover os
recursos com os quais ele promove os ciclos de desenvolvimento da
produção.
No contexto processual histórico do desenvolvimento capitalista das
forças produtivas da humanidade, as tecnologias são peças da
mesma engrenagem. Isto é, as tecnologias resultantes dos esforços
intelectuais humanos para o aprimoramento técnico-científico
adaptam-se, necessariamente, às condições promovidas pelo capital
para o progresso tecnológico.
Tais condições correspondem a uma premissa básica: as tecnologias
geradas pelo capital devem estar sempre voltadas a proporcionar
condições de reprodução do trabalho, exigidas pelo capital, para a
geração de produtos mercantilizáveis. E este trabalho é tão
inesgotável quanto intenso. Então, quanto maior a intensidade de
trabalho humano aplicado à natureza, mais necessidade de
tecnologias capazes de reproduzir esta intensidade inesgotável de
trabalho.

85
Por isso, as tecnologias geradas pelo capital são sempre tecnologias
que permitem a ampliação do trabalho humano dispendido contra a
natureza exteriorizada enquanto fonte contínua de recursos ditos
naturais a serem dilapidados pela necessidade histórica de expansão
do capital.
Para o capital, quanto mais trabalho, mais tecnologia para ampliar o
trabalho, e não o contrário. No capitalismo, a tecnologia não
substitui ou ameniza o trabalho humano, ao invés disso, permite e
acompanha a sua intensificação.
MARX: NO METABOLISMO DO PROCESSO HISTÓRICO
CAPITALISTA O TRABALHO HUMANO CONDICIONA A
TECNOLOGIA E TRANSFORMA A NATUREZA
EXTERIORIZADA; CONCEPÇÃO AGROECOLÓGICA:
TECNOLOGIAS DETERMINAM O RITMO METABÓLICO
DOS FLUXOS DE ENERGIA E MATERIAIS
Em síntese, a tecnologia, para Marx, é parte intrínseca do processo
histórico de trabalho na perspectiva do capital. No capitalismo
(agro) industrial, quanto mais trabalho, mais tecnologia. Quanto
mais tecnologia, mais trabalho humano sobre a humanidade
e contra a natureza.
Forma-se assim o ciclo vicioso do desenvolvimento das forças
produtivas, criado pelo capital. O processo histórico capitalista
promove ao mesmo tempo mais trabalho produtivo e pacotes de
tecnologias sempre correspondentes à necessidade deste mais
trabalho, para fazer frente às exigências de reprodução prolongada e
indefinida do próprio capital.
Na relação entre capital-trabalho-tecnologia Marx identifica a falha
metabólica – ou a interrupção das trocas metabólicas – entre
humanidade desnaturalizada e natureza exteriorizada de suas
condições humanas de existência, o que ocorre no mesmo
movimento instaurador do inédito processo histórico de produção
capitalista.
A agroecologia, por outro lado, alicerça a noção de bloqueio
(agroeco) sistêmico do metabolismo social agrário na crítica ao
desenvolvimento do capitalismo no campo, sem concessões. O
metabolismo da natureza, na interpretação agroecológica, é
interrompido pela produção capitalista.
86
O desenvolvimento capitalista agroindustrial, assim como todo o
desenvolvimento capitalista industrial urbano conduz, do ponto de
vista agroecológico, a um sistemático entrave dos fluxos ambientais
de energia e materiais no ambiente natural. A humanidade, em
função do modo de produção capitalista (agro)industrial,
atua contra a natureza.
Para a corrente agroecológica, cada input sistêmico caracterizado
pela apropriação do ambiente natural, em termos capitalistas, gera
um output, no qual as transformações ocorridas durante o desenrolar
da operação sistêmica no ambiente natural provocam dejetos
excretáveis no ambiente natural, superiores à capacidade de
reabsorção dos fluxos até então liberados – em termos energéticos e
de materiais – pelo próprio sistema.
Dito em outras palavras: o ambiente natural no qual habitam os
seres humanos é permanentemente poluído por descargas excretadas
pelos dejetos emanados pela via das atividades agroindustriais
capitalistas. Para a utilização de defensivos químicos e maquinários
pesados no solo não há, agroecologicamente falando, solução dentro
do sistema (agro) ambiental.
A energia do sistema se dissipa, sua ecologia interna se perturba. A
resultante do que deveria ser o contínuo fluxo energético e de
materiais – o output sistêmico – não retroalimenta o próprio
sistema, porque as transformações produtivas e as circulações
distributivas no interior do sistema ambiental agem no sentido de
bloquear o fluxo energético, isto é, a continuação da
operacionalidade do sistema.
Daí deriva, em termos agroecológicos, que as práticas capitalistas
agroindustriais provocam ciclos viciosos no que deveriam ser
sistemas abertos, reprodutivos dos fluxos energéticos e de materiais
em permanente tentativa de passagem pelo ambiente natural.
O que se depreende disso é que a teoria agroecológica centra toda a
sua crítica no desenvolvimento agroindustrial capitalista – pela ação
deletéria dos seus fatores de produção e distribuição de mercadorias
– em termos dos prejuízos causados por este tipo de
desenvolvimento ao metabolismo primordial do sistema ambiental –
originalmente constituído por fluxos abertos e reprodutíveis de

87
energia e materiais provenientes do ambiente natural, onde se
reproduz a vida humana.
Marx também constata como já mencionado, a formação de ciclos
viciosos entre a humanidade desnaturalizada e a natureza
exteriorizada. Marx percebe no desenvolvimento das forças de
produção da humanidade desnaturalizada, no processo histórico
capitalista, a imposição de formas de transformação da natureza
pela humanidade – através do emprego cada vez mais intenso do
trabalho humano socialmente explorado – que redundam em danos
para a natureza exteriorizada em relação à própria humanidade.
Marx vê no trabalho produtivo, conduzido no interesse da
acumulação de riquezas pelo capital, um potencial risco para a
preservação espacial e temporal da natureza exteriorizada em
processo histórico capitalista.
Assim, a falha metabólica entre humanidade e natureza, para Marx
– a qual separaria a força humana da força natural – é um construto
do advento do modo de produção capitalista e do processo histórico
no qual ele garante incessantemente sua reprodução ampliada, à
custa de mais quantidade de trabalho empregada e da geração de
tecnologias sempre adaptadas à intensificação do trabalho e não de
sua progressiva redução.
A teoria agroecológica do desenvolvimento do capitalismo no
campo parte então da premissa pela qual as incessantes
transformações causadas pela intervenção capitalista na natureza
desvirtuam e degeneram o sistema (agro) ambiental, inviabilizando
sua reprodução metabólica.
Ocorre aí a interrupção ou o bloqueio dos fluxos energéticos e de
materiais pelo acúmulo de dejetos poluentes causados, os quais
passam a condicionar viciosamente os próximos movimentos de
transformação e distribuição sistêmicas do ambiente natural.
A teoria de Marx do desenvolvimento do capitalismo agrário
identifica na aplicação de mais trabalho, à humanidade e à natureza
exteriorizada, a forma clássica do processo histórico capitalista
reproduzir-se explorando tanto o trabalho humano – a força humana
de transformação da natureza – quanto a natureza exteriorizada,
apartada desta força humana: a força natural da transformação
humana.
88
Se no metabolismo do processo histórico capitalista, para Marx, o
trabalho condiciona a tecnologia, no sentido pelo qual a tecnologia
acompanha o ritmo do circuito produtivo/distributivo no qual o
trabalho humano executa a tarefa de transformação incessante da
natureza exteriorizada – que lhe é estranha –, no metabolismo social
agrário, originário da concepção agroecológica, é a tecnologia
empregada quem determina o ritmo metabólico dos fluxos de
energia e materiais.
Para a agroecologia, de acordo com as obras e autores aqui
referidos, se a tecnologia aplicada na transformação produtiva do
sistema agroambiental é compatível com o fluxo aberto de energias
e materiais, então o sistema se retroalimenta renovando sua
capacidade de reproduzir-se materialmente.
Assim, estabelece-se um ciclo virtuoso no interior do sistema
ambiental metabólico. Ocorre que este não é o caso da atividade
transformadora produtiva vigente no desenvolvimento das forças
produtivas no capitalismo (agro) industrial.
Os princípios agroecológicos correspondem aos do marxismo, na
obra de Marx, até porque isso é admitido pelos autores
agroecológicos utilizados neste texto. A crítica agroecológica ao
desenvolvimento do capitalismo agrário baseia-se na noção
apresentada por Marx de metabolismo social.
METABOLISMO SOCIAL AGRÁRIO: DA ABORDAGEM
PROCESSUAL DE MARX À INTERPRETAÇÃO SISTÊMICA
DA TEORIA AGROECOLÓGICA
Todas estas nuances, em termos da caracterização da aplicação do
conceito de metabolismo social, diferenciam a perspectiva de Marx
daquela adotada pela corrente agroecológica. Na realidade, as duas
concepções são definitivamente críticas do modo de produção
capitalista – particularmente em sua faceta agrária.
As duas noções de metabolismo, assim sendo, poderiam
complementar-se na avaliação que fazem dos prejuízos causados à
relação humanidade/natureza pela adoção societária das formas
capitalistas de produção.
Porém, o que distingue, na prática, de forma mais saliente, as
noções de metabolismo em Marx e na agroecologia continua sendo,
a meu ver, as noções de processo histórico, em Marx e de sistema
89
agroambiental, na agroecologia, e a caracterização que cada
corrente teórica faz da base social responsável pelo enfrentamento
da situação anômala provocada pela expansão capitalista no campo.
A resultante mais expressiva dessa distinção conceitual está
precisamente na caracterização de quais agentes sociais
protagonizam a superação dialética – processual ou sistêmica –
(DEMO, 1985, p. 85-100) da ordem
produtiva/distributiva/reprodutiva do capital.
Marx, apoiado na noção de processo histórico, percebe no
desenvolvimento do capitalismo agrário o caminho para o avanço
das forças produtivas da humanidade até que estas se tornem forças
produtivas da humanidade e da natureza.
O capitalismo, para Marx, como observado, gera tecnologias que se
adaptam à necessidade histórica do capitalismo em promover seu
desenvolvimento, através da intensificação do trabalho
humano, contra a natureza exteriorizada em relação à humanidade.
Desta forma, o desenvolvimento geral do capitalismo e, no caso
específico da abordagem deste texto, do capitalismo agrário em
particular, amplia viciosamente a produção com a finalidade de se
auto reproduzir indefinidamente.
Na medida em que Marx considera que o capitalismo agrário, tanto
quanto o industrial/urbano, cria um processo histórico no qual o
trabalho humano se concentra em torno de forças produtivas da
humanidade, desnaturalizadas, geradoras de tecnologias adaptadas
ao seu ritmo de desenvolvimento, este capitalismo agrário só pode
ser superado pelo agrupamento histórico derivado do próprio
capitalismo agrário.
A agroecologia, por outro lado, abstrai o processo histórico, tão
fundamental para a análise de Marx e, tangenciando-o, vai direto
aos universos sistêmicos das relações capitalistas e não capitalistas
de produção.
A teoria agroecológica dos sistemas agroambientais resgata a base
material de inspiração marxista e a incorpora à dialética inerente à
concepção sistêmica utilizada (DEMO, 1985 op. cit., p. 109-112),
mas rejeita conscientemente a historicidade processual de Marx,
com a finalidade de poder eleger como base social de referência
analítica exatamente os “povos sem história”, assim caracterizados
90
por Marx (MARX, 1982b; MARX, 2011b, p. 667-671; SCHMIDT,
op. cit., p. 197-229; GUIMARÃES; MIRANDA; FIGUEIRA,
2015).
Os “povos sem história”, conforme a caracterização de Marx,
transportados para o referencial analítico da agroecologia sistêmica
– que não os caracteriza desta forma – seriam: os camponeses
tradicionais, as populações indígenas e as comunidades nativas.
O que a agroecologia faz, teoricamente, é empregar elementos da
teoria dos sistemas, posterior à Marx, na qual a dialética marxista é
preservada no sentido material, ainda que a questão do processo
histórico tenha sido relevada – o que virá a ser um dos contrapontos
da agroecologia em relação ao “marxismo de Marx”. O
metabolismo social agrário não é contraditório, mas dialeticamente
complementar, à concepção de metabolismo social de Marx.
A noção de agroecossistema – ou sistema (agro) ambiental –
permite visualizar teórico- metodologicamente o sistema metabólico
social agrário em todas as suas nuances, principalmente pela
introdução, novedosa em relação ao marxismo, dos aspectos
energéticos dos referidos (agroeco) sistemas.
Os agroecossistemas correspondem, como assinalado, a conjuntos
sistêmicos nos quais o capitalismo agrário ou o reformismo agrário
alternativo, no caso específico que vou interpretar neste texto,
apropriam-se, consomem, transformam e, eventualmente,
distribuem produtos originados do trabalho material, social/agrário,
e da utilização do ambiente natural como recurso a ser apropriado e
transformado.
Se as apropriações e transformações, além da distribuição de
produtos, geram dejetos que bloqueiam e interrompem os fluxos de
energia e materiais, o agroecossistema em questão revela-se
agroecologicamente inadequado ou não agroecológico.
Um agroecossistema só pode ser considerado agroecológico se as
apropriações, transformações e eventuais distribuições de produtos
gerados em seu interior não bloqueiam ou interrompem, por
acúmulo de dejetos, o ciclo metabólico estabelecido.
Nas ocasiões, historicamente muito frequentes em formações sociais
nas quais prevalece o capitalismo agrário, em que ocorre o bloqueio
do fluxo e, consequentemente, o agroecossistema não se
91
retroalimenta, os danos ambientais à natureza e à humanidade são
extremamente sensíveis.
Cabe à agroecologia, através de expediente ecológico-ambiental
denominado metabolismo social agrário, verificar pela via da
realização de balanços energéticos se o agroecossistema em questão
encontra-se, ou não, submetido a bloqueios que interrompem o
fluxo de energia e de materiais.
A agroecologização destes agroecossistemas passa pelo diagnóstico
da situação e pela correspondente ação, no sentido de corrigir o
problema. A noção de metabolismo social agrário, de base
agroecológica, vai ao encontro, a meu ver, da formulação clássica
de Marx acerca da troca metabólica entre humanidade e natureza,
suprimida pela introdução das formas capitalistas de
desenvolvimento das forças produtivas.
As formas capitalistas agrárias se constituíram, por isto mesmo,
para Marx, em forças também destrutivas, tanto em relação à
separação dicotômica entre humanidade e natureza, quanto do ponto
de vista da própria desumanização da natureza inorgânica da
humanidade, em si.
A correção do problema, a que me refiro, consistiria – no caso da
agroecologia – em reverter a obstrução metabólica de
agroecossistemas, causada pelos dejetos poluentes gerados por seu
acúmulo em relação ao fluxo de energia e de materiais próprio de
cada agroecossistema em questão.
A abordagem agroecológica considera que os sistemas
agroindustriais capitalistas tendem, necessariamente, a interromper
o ciclo virtuoso de energia e materiais dos agroecossistemas,
introduzindo – através do acúmulo de dejetos gerados pela
transformação/distribuição agroindustrial de produtos agrários – um
ciclo vicioso na atividade produtiva, capaz de inviabilizar toda a
manutenção e reprodução agroecossistêmca.
Daí a crítica agroecológica às formas agroindustriais capitalistas e a
exaltação de sistemas de produção pré-capitalistas tais como os de
origem indígena ou camponesa tradicional das formações sociais
periféricas do capitalismo internacional contemporâneo.
Marx, por outro lado, sempre deixou nítida sua convicção sobre a
falha metabólica, no sentido de interpretá-la como uma herança da
92
introdução, a partir do século XIX, das formas capitalistas (agro)
industriais de produção.
De acordo com Marx, a falha metabólica seria a responsável pela
completa separação entre humanidade e natureza. A superação da
falha metabólica somente poderia advir da ruptura revolucionária
com as formas capitalistas de produção.
O capitalismo, no caso, a agroindústria capitalista, engendrara
historicamente o desenvolvimento das forças produtivas no agro, a
partir do século XIX, à custa da destruição do equilíbrio dialético
entre humanidade e natureza, como já registrado em diversas
passagens deste texto.
Caberia então à classe trabalhadora agroindustrial – à fração de
classe dos trabalhadores rurais assalariados, em subsunção real ao
capital agrário – e às respectivas frações de classe submetidas de
maneira formal, não diretamente assalariada, nos sistemas
agroindustriais, unirem-se na luta pela revolução socialista no
campo e a consequente superação do capitalismo agrário, pela via
do que seria denominado de ditadura do proletariado (MARX,
1982a).
Trata-se, então, tanto para a teoria agroecológica – crítica radical do
desenvolvimento da agroindústria capitalista enquanto causadora de
bloqueios aos fluxos metabólicos de energia e materiais em
agroecossistemas – quanto para a concepção de Marx, acerca do
impulso ao desenvolvimento não destrutivo das forças produtivas da
humanidade/natureza nas relações sociais de produção no agro, de
promover a transição para sistemas agrários capazes de garantir a
retroalimentação ecológica e energética dos agroecossistemas –
caso da teoria agroecológica – e o desenvolvimento das forças
produtivas da humanidade/natureza, despojado do caráter destrutivo
deste desenvolvimento, nas relações sociais de produção
capitalistas.
A transição sociotécnica, em questão, aponta então para a
introdução de mecanismos ecológicos que proporcionem condições
de retroalimentação agroecossistêmica, superando assim o bloqueio
causado à reprodução dos agroecossistemas pelos dejetos poluentes
resultantes da produção/distribuição de produtos/mercadorias na
agroindústria capitalista. O caminho para a superação das formas
93
agroindustriais seria, agroecologicamente falando, a transição em
direção à revalorização de práticas e saberes camponeses e
indígenas, pré-capitalistas.
A teoria agroecológica da transição em relação ao capitalismo
agrário centra-se, portanto, na proposição do restabelecimento de
formas de produção/distribuição, em agroecossistemas metabólicos,
visando a reintrodução progressiva – ou a revalorização específica –
de técnicas produtivas e meios de distribuição correspondentes, de
caráter agroecológico.
Então, a perspectiva de transição agroecológica é, acima de tudo,
movida pela intenção de substituir radicalmente as tecnologias
agroindustriais capitalistas por tecnologias ecossociais não
capitalistas ou pré-capitalistas, típicas de formações sociais nas
quais predominam grupos sociais camponeses ou indígenas.
Cabe ressaltar que estes grupos sociais aludidos não estariam
submetidos, nem sequer formalmente, ao capitalismo agrário, o que
justificaria considerá-los pré ou não capitalistas. Em outras palavras,
recorrendo mais uma vez à designação teórica de Marx, os
camponeses e indígenas agroecologizados não estariam inseridos no
processo histórico de desenvolvimento capitalista agrário.
A questão a ser levantada, sobre a qual será possível debater, ainda
neste texto, pode ser resumida no seguinte ponto: se os referidos
grupos sociais agroecológicos poderiam ser enquadrados em algum
outro tipo de processo histórico contemporâneo – não identificado
exclusivamente com as formas capitalistas agroindustriais de
produção/distribuição – ou se permaneceriam, conforme a
caracterização de Marx, como “povos sem história”, isto é, alheios a
qualquer processo histórico de desenvolvimento?
De qualquer forma, em suma, pode-se argumentar que a noção de
transição, na teoria agroecológica, visa a estabelecer parâmetros
tecnológicos para a reabilitação de agroecossistemas, necessários e
suficientes para proporcionar a retroalimentação ecológico-
energética destes agroecossistemas, agroecologizando-os afinal.
A transição agroecológica, em relação à produção/distribuição de
produtos/mercadorias na agroindústria capitalista se direciona à
ruptura, mais ou menos acelerada, dos padrões tecnológicos típicos
da acumulação capitalista agroindustrial.
94
A transição agroecológica resume-se, portanto, acima de tudo, a
uma transição erigida a partir da base sociocultural camponesa
tradicional e/ou indígena. A adaptação técnico-científica, geradora
de tecnologias agroecológicas, porém, vai além das características
intrinsicamente pré-capitalistas da produção/distribuição
agroecossistêmicas.
A agroecologia técnico-científica preocupa-se em gerar artefatos
tecnológicos inspirados em saberes, camponeses e indígenas, mas
não se restringe a estas categorias sociais. Assim sendo, a transição
sociotécnica, de base agroecológica, deveria ser considerada para
além das formas pré-capitalistas, envolvendo-se em processo
histórico no qual estão situadas a produção agroindustrial capitalista
de larga escala, a proletarização rural e as frações de classe
formalmente submetidas ao desenvolvimento capitalista agrário –
notadamente setores de agricultura familiar camponesa ou de
origem nativa, passíveis de serem englobados em processo histórico
não estritamente capitalista, como os oriundos de situações de
reforma agrária, a serem abordadas neste texto.
Com isto, se buscam respostas para a indagação anterior a respeito
da possibilidade de inserção – ou não – da transição
agroecossistêmica agroecológica em processo histórico capitalista
agrário ou potencialmente alternativo ao capitalismo agroindustrial.
BASES SOCIAIS ORIGINÁRIAS DA SUPERAÇÃO DO
CAPITALISMO AGRÁRIO – PARA MARX – E DA
INSUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL – PARA A
TEORIA AGROECOLÓGICA. MARX: FRAÇÃO DE CLASSE
SOCIAL PROLETÁRIA RURAL ASSALARIADA; TEORIA
AGROECOLÓGICA: CAMPESINATO E COMUNIDADES
TRADICIONAIS AGRÁRIAS
A agroecologia afirma a necessidade de ruptura socioambiental, no
campo, entre produção agroindustrial e atividades produtivas pré-
capitalistas ou não capitalistas. Então, que segmento social seria
eleito, agroecologicamente, para levar adiante um projeto de
sustentabilidade socioambiental antiagroindustrial capitalista? A
resposta é simples e direta: os camponeses e comunidades
tradicionais em geral.

95
Marx, como foi visto em diversas passagens deste texto, elege a
classe social proletária rural como o segmento capaz de propor um
caminho de superação em relação ao capitalismo agrário, com vistas
à transição para a sociedade sem classes.
Marx, neste sentido, diferentemente da corrente agroecológica
clássica, percebe o movimento emancipatório anticapitalista a partir
da incorporação, pelo proletariado rural, de conquistas sociais e
tecnológicas alcançadas ao longo do desenvolvimento das forças
produtivas no campo.
Para Marx, as conquistas sociotecnológicas proporcionadas pelo
advento e expansão da agroindústria capitalista seriam: a
concentração aglutinadora da força de trabalho agroindustrial e o
respectivo aprendizado, e assimilação, das técnicas empregadas nas
atividades agroindustriais.
A transição para uma sociedade de produtores associados passaria,
assim, pelo enfrentamento político entre a fração dominante da
classe submetida à exploração de sua força de trabalho – o
proletariado (agro) industrial – e a classe empresarial (agro)
industrial, detentora dos meios de produção no campo, e respectivas
frações concretas das classes sociais em oposição.
Marx considerava que o sistema agroindustrial criava as condições
para o estabelecimento de um processo histórico no qual as forças
produtivas da humanidade – metabolicamente dissociadas da
natureza – se desenvolveriam até proporcionar condições objetivas e
subjetivas para a superação das formas capitalistas de dominação da
sociedade e da natureza.
A resultante deste processo histórico, da perspectiva da
harmonização entre humanidade e natureza, seria a formação do
conjunto dos produtores associados. Então, para Marx, o tripé
constituído pelo desenvolvimento das forças produtivas, em
processo histórico gerado pela acumulação capitalista –
agroindustrial – e a consequente luta de classes entre trabalhadores
do campo e capitalistas agrários, seria o caminho para que se
chegasse, futuramente, à sociedade sem classes.
PROCESSO HISTÓRICO E CLASSES SOCIAIS – E FRAÇÕES –
NA TEORIA DE MARX DO DESENVOLVIMENTO DAS
FORÇAS PRODUTIVAS/DESTRUTIVAS (MARX, 1982b) NO
96
CAMPO E A QUESTÃO DA FALHA METABÓLICA ENTRE
HUMANIDADE E NATUREZA EXTERIORIZADA
É como se o capitalismo formulasse a sua sentença de
desaparecimento, como modo de produção historicamente
estabelecido, ao emanar de suas entranhas uma classe social tão
necessária à reprodução dele – capital – quanto tão letal para este
mesmo capital.
Na ótica de Marx, ou do marxismo em sua real origem, o
proletariado agrário, bem como o urbano fabril, seria a classe
protagonista da superação dialética do capital. Caberia, entretanto,
como assinalado anteriormente, ao proletariado agrário, uma vez
superado o entrave histórico representado pelas formas capitalistas
de produção no agro, alterar radicalmente o ritmo do
desenvolvimento das forças produtivas no campo, concebendo
tecnologias apropriadas ao tipo de trabalho que visasse a conciliar
humanidade e natureza em um processo histórico superador do
capitalismo.
Marx visualizava o proletariado rural como a representação da
classe social capaz de inverter historicamente a polaridade imposta
pelo domínio do capitalismo, especificamente o agrário, contra a
natureza exteriorizada, através do trabalho humano. O proletariado
rural, para Marx, teria a missão histórica de reverter o processo no
qual o trabalho humano tinha que ser cada vez mais intenso, a fim
de ser explorado social e economicamente pelo capital.
Com isto, o proletariado rural passaria a controlar o processo
produtivo com o objetivo histórico de inverter a fórmula capitalista
da exploração do próprio trabalho humano sob as condições de
deterioração progressiva da natureza exteriorizada.
Para Marx, na vigência do estado operário, o proletariado agrário –
como fração de classe dominante do novo processo histórico –,
tenderia necessariamente a tornar compatíveis ritmos de trabalho e
tecnologia capazes de permitir a transição histórica da relação entre
humanidade e natureza de um patamar de afastamento para uma
condição de efetiva integração entre elas.
Para que isso ocorresse seria necessário que o proletariado do
campo engendrasse tecnologias de produção voltadas para suportar
um ritmo menos intenso de trabalho humano contra a natureza
97
exteriorizada, até que ao longo do processo histórico conduzido pela
fração de classe proletária rural, a natureza inorgânica da
humanidade e a humanidade propriamente dita se (re) integrassem.
Marx enxergava, portanto, no proletariado do agro, originado
historicamente pela concentração das forças produtivas da
humanidade na agroindústria capitalista, a fração de classe que faria
a superação material da dominação capitalista sobre o trabalho e as
tecnologias.
Marx, no entanto, vislumbrava pelo menos outra fração de classe,
formalmente submetida ao capital agrário: o campesinato produtor
de mercadorias. Este campesinato encontrava-se então envolvido no
processo histórico redundante da expansão do capitalismo agrário.
Qual o papel desta fração de classe na transição das formas
capitalistas agrárias para o socialismo no campo, na ótica de Marx?
Marx não elabora profundamente esta situação, mas o
reconhecimento da existência de um setor agrário para além do
proletariado rural sinalizava, em meu entender, a possiblidade da
superação do capitalismo agrário pelo desempenho histórico de
mais de uma categoria social no campo.
Marx não faz referência a sistemas socio ou agroambientais. Ele não
conviveu com a teoria dos sistemas, cuja abordagem dialética, no
entanto, é caudatária do método marxista, como reconhecem
diversas fontes. Marx também não se aprofundou nas então
incipientes concepções de energia, materiais e na própria ecologia,
como ramificação da ciência biológica, que despontava no início da
segunda metade do século XIX.
Reafirmando o que já foi diretamente assinalado em passagens
anteriores deste texto, a dialética material de Marx aponta para uma
progressiva, mas irreversível, característica do processo histórico de
desenvolvimento das forças produtivas, pela qual o trabalho social,
material – introduzido pelas relações capitalistas de produção –
deveria ser reduzido e não ampliado. Esta interpretação da
abordagem de Marx me parece indubitável, mas gerou um grande
mal-entendido entre seguidores da doutrina de Marx. Marx concebia
o trabalho abstrato como algo característico de sociedades
estruturadas no predomínio das formas mercantis e da consequente
“fetichização” destas formas de acumulação de capital. Este seria o
98
elemento essencial para o entrave ao desenvolvimento das forças
produtivas, para além do processo histórico capitalista,
especificamente, no caso agora abordado, do capitalismo agrário.
O entrave ou bloqueio ao desenvolvimento das forças produtivas –
que somente poderia ser rompido emancipatoriamente pela luta das
classes contra o trabalho social abstrato no campo – gerado pela
necessidade de acumulação de capital, estaria centrado na
imposição, determinada pela expansão capitalista, pela via dos
sistemas agroindustriais, da intensificação do trabalho agrário e do
condicionamento das tecnologias a serviço desta intensificação
apropriadora e transformadora da humanidade e da natureza
exteriorizada pelo capital. Marx faz então referência a forças
destrutivas (MARX; ENGELS, 2007, p. 422-423).
Quais seriam estas forças destrutivas? É possível sintetizar a
questão da seguinte maneira: com a estruturação do modo de
produção capitalista, as forças produtivas geradas e desenvolvidas
ao longo do processo histórico recém-instaurado adquirem um
caráter de desenvolvimento baseado naquilo que Marx define como
falha metabólica entre humanidade e natureza exteriorizada. Esta
falha metabólica consiste, como visto anteriormente neste texto, em
uma radical dicotomia entre a humanidade e a natureza. Então o
capitalismo, observado pela angulação dialética de Marx, instaura
um processo histórico ao mesmo tempo em que subverte a relação
metabólica entre humanidade e natureza, a qual se exterioriza,
eliminando as trocas metabólicas entre elas.
A falha metabólica no processo histórico capitalista é determinada
por pelo menos dois fatores interligados entre si e diretamente
vinculados à questão do desenvolvimento das forças produtivas: a
exploração da força de trabalho assalariada, pelo capital; a
espoliação predatória da natureza exteriorizada, pelos contínuos
esforços de acesso aos recursos naturais, visando a acumulação de
capital.
A concentração da classe operária, urbana e rural, em fábricas e
agroindústrias, no entanto, permitiria que esta pudesse organizar-se
no sentido de emancipar-se do controle capitalista. Por outro lado,
seria necessário que o processo histórico resultante da superação do
capitalismo pelo proletariado no campo tendesse a reduzir
99
progressivamente o emprego da força de trabalho humana, em
termos das apropriações e transformações da natureza exteriorizada.
Este seria o caminho histórico para a superação da falha metabólica:
a redução da atividade transformadora do trabalho social,
gradualmente substituída pela utilização de tecnologias que
proporcionassem condições para esta redução, e não o contrário,
como prevalece no capitalismo, em geral, particularmente no
agrário.
A questão é que as forças produtivas deveriam, de acordo com
Marx, ser redirecionadas historicamente para um processo histórico
pós-capitalista – o socialismo – no qual a concentração do
proletariado fabril e agroindustrial seria preservada, garantindo
supostamente – esta era a expectativa de Marx – a redução do ritmo
de trabalho social, material, frente à natureza exteriorizada. Este
seria o caminho para a correção futura da falha metabólica
assinalada.
Na vigência do processo histórico capitalista e, por consequência,
em condições de falha metabólica entre humanidade e natureza, o
desenvolvimento das forças produtivas ocorre à revelia de toda e
qualquer vinculação e comprometimento com a manutenção da
capacidade regenerativa da natureza exteriorizada.
As forças produtivas, neste caso, de acordo com Marx, atuariam
como forças produtivas da humanidade desnaturalizada,
necessitando dominar e controlar absolutamente as forças naturais
compreendidas – não como natureza inorgânica do Homem – como
mero manancial, aparentemente inesgotável, de recursos naturais
para o progresso da humanidade, estranha à sua própria condição
natural de existência.
Então, um dos aspectos que compõem o quadro destrutivo do
desenvolvimento das forças produtivas em processo histórico
capitalista é o representado pela destruição da natureza
exteriorizada, através da intensificação do trabalho apropriador e
transformador da natureza, agregado à utilização de tecnologias
sempre compatíveis com a referida intensificação, destrutivamente
transformadora.
Outro ponto do caráter dialeticamente destrutivo das forças
produtivas em relações sociais de produção capitalista é o que se
100
verifica em relação à força de trabalho. O desenvolvimento do
capitalismo agrário implica em mais trabalho social, com o objetivo
de garantir a exploração socioeconômica do trabalhador
proletarizado.
Para a obtenção desta finalidade, o capitalismo industrial – fabril e
agrário – precisa concentrar a força de trabalho, seja nas fábricas
urbanas, seja nas unidades de transformação agroindustriais.
Ao associar os trabalhadores, o capitalismo (agro) industrial cria a
sua própria contradição dialética e gera os meios pelos quais os
trabalhadores podem reverter a situação de exploração de sua força
de trabalho, rompendo revolucionariamente com a forma de
dominação capitalista. Porém, se o processo histórico capitalista se
mantém indefinidamente preservado – mesmo avançando sobre seus
próprios limites produtivos – a falha metabólica se agudiza,
agigantando-se.
Já foi assinalada a destruição provocada contra a natureza
exteriorizada, dissociada da humanidade, devido ao efeito gerado
pela ampliação da falha metabólica. Mas a destruição, ao longo do
tempo de permanência do processo histórico capitalista, não se
restringe à natureza desumanizada pela ação transformadora do
capitalismo. Esta destruição estende-se para a organização da força
de trabalho.
Os trabalhadores – especificamente, os agrários – tenderam,
historicamente, a desconcentrar-se em suas atividades de
transformação, rompendo com o associativismo inerente às formas
capitalistas de produção. Trata-se da destruição da identidade
vinculante da força de trabalho proletária, enquanto fração de classe
social de resistência e superação da imposição do trabalho social
abstrato pelo capital.
O capitalismo agrário rompe com a sua própria essência e, para
sobreviver, amplia o foco da exploração. Esta situação de
desenvolvimento destrutivo, em relação à integração entre o
trabalho humano e a natureza inorgânica da humanidade – a
natureza exteriorizada – verificada no estágio mais avançado das
forças produtivas – em relações sociais de produção capitalistas no
campo – pode ser mais bem avaliado, em todas as suas facetas,

101
desde a análise de processos históricos de desenvolvimento das
forças produtivas/destrutivas no capitalismo agrário.
No capitalismo agrário, a tendência que se verifica é a pulverização
do trabalho proletário assalariado no campo. Isto quer dizer que, no
agro capitalista, nas agroindústrias, a subordinação real do trabalho
ao capital, mantenedora histórica do proletariado rural concentrado
e associado pelo capital, vai sendo reconvertida historicamente em
subordinação formal do trabalho ao capital agrário.
O proletariado rural dos complexos agroindustriais capitalistas
passa por uma constante desconcentração associativa e vai cedendo
lugar, no processo histórico das transformações capitalistas agrárias,
a formas de trabalho – tão ou mais intensivas em relação à
destruição da natureza inorgânica da humanidade – não realmente
capitalistas. Isto é: formas não estritamente assalariadas, mas
formalmente reestruturadas pelo movimento do capital no campo.
O campesinato se diferencia como previra Marx, porém, de forma
mais complexa e diversificada do que se poderia supor a princípio.
Parte considerável do contingente camponês, que havia deixado o
agro, tende a regressar e se reestabelecer de maneira mercantilizada
– pela intervenção do capital no campo – passando a coabitar os
espaços dos quais fora expulso pelo sistemático desenvolvimento
das forças produtivas no agro. Paralelamente, o trabalho
agroindustrial assalariado mantém-se preservado, em parte, da
destruição completa de seu caráter de classe, enquanto fração da
classe que se opõe ao trabalho social abstrato. Assim sendo, a
dominação do modo de produção capitalista no campo permanece
mantendo, e até ampliando, o trabalho agrário explorado, mas não
somente pelo assalariamento direto.
A quantidade de trabalho empregada na apropriação, transformação
e distribuição das mercadorias produzidas pelo capital acentua-se ao
invés de se reduzir. O fetichismo da mercadoria é cada vez mais
reforçado nos processos históricos capitalistas no agro.
Em consequência destes movimentos do capital no campo, a
destruição da natureza exteriorizada – pela via do trabalho
assalariado e não assalariado – também se amplia
proporcionalmente à intensificação da exploração direta ou indireta
– real ou formal – da força de trabalho no campo – ainda
102
proletarizada e/ou em processo de transição sociotécnica – com a
ascensão de frações de classe, de origens camponesas, integradas
cada vez mais às formações sociais agrárias capitalistas em seus
complexos produtivos/distributivos. As tecnologias empregadas
nestes setores produtivos/distributivos do capital tinham que se
adequar aos esforços de elevação da produtividade da força de
trabalho empregada. Assim sendo, o capitalismo agrário utilizou-se
de tecnologias voltadas para a otimização da produção.
Como já foi referido anteriormente, o desenvolvimento das forças
produtivas/destrutivas da humanidade no processo histórico de
acumulação de capital no agro, através da apropriação e
transformação da natureza exteriorizada e da instauração das
formas/mercadoria nas relações sociais de produção capitalistas –
real ou formalmente a elas submetidas – tornou- se a única maneira
de conceber-se o desenvolvimento das atividades de
produção/circulação distributiva.
O trabalho empregado – sobre a humanidade e contra a natureza
exteriorizada – era necessariamente acompanhado da elaboração
sistemática, para utilização automática, de tecnologias de produção
que oferecessem suporte às ininterruptas transformações da natureza
desumanizada, a qual resistia ao progresso capitalista no campo.
Foi assim que surgiram ao longo dos períodos de revoluções
agrícolas, em processo histórico capitalista, tecnologias de produção
cuja grande finalidade seria elevar constantemente a produtividade
do trabalho social humano, impondo o domínio sobre a humanidade
e contra a natureza exteriorizada.
Nos modernos complexos agroindustriais capitalistas,
(WILKINSON, 2008, p. 205-211) as tecnologias de produção foram
se sofisticando, sem nunca perder de vista o objetivo de se apoderar
mais efetivamente das terras, até então inexploradas, na marcha do
desenvolvimento das forças produtivas/destrutivas da humanidade.
O maquinário empregado – tratores, colheitadeiras etc. – passou a se
relacionar com o uso indiscriminado de defensivos agrícolas –
adubos, agrotóxicos etc. Deriva daí o fato de que a transição
sociotécnica, experimentada pelo capitalismo agrário ao longo dos
séculos XIX e XXI, pautou-se pela intensificação da exploração da
força de trabalho, utilizada nos complexos agroindustriais, aliada à
103
ampliação sistemática da expansão das apropriações
transformadoras da natureza exteriorizada.
O capitalismo agrário sempre se utilizou do binômio mais
trabalho/mais tecnologia. Este moto contínuo caracteriza todo o
processo histórico no qual as transformações capitalistas estão
presentes, no campo.
Então, elaborando uma nova síntese neste texto, faço os seguintes
questionamentos: qual a configuração de classes sociais resultante
do processo histórico de desenvolvimento das forças
produtivas/destrutivas no agro capitalista?
Até que ponto a transição sociotécnica implementada pelo capital é
praticada por uma ou mais frações das classes sociais agrárias em
conflito histórico; ou é resultante do surgimento e consolidação de
frações de classe do capitalismo agrário – cujo espectro constitutivo
abrange o deslocamento de contingentes expressivos de segmentos
sociais do campo, até então estranhos ao universo produtivo do
capitalismo agrário em direção a este? Vou procurar responder a
estes questionamentos utilizando categorias de análise
proporcionadas pela compreensão da interpretação de Marx e da
teoria agroecológica, quando ambas as abordagens se afunilam no
sentido de estabelecer uma visão crítica, embora diferenciada em
muitos aspectos, do desenvolvimento do capitalismo agrário.
Reafirmo que a teoria de Marx, em relação ao desenvolvimento das
forças produtivas/destrutivas do capitalismo agrário, insiste na
percepção pela qual o capitalismo agrário, tanto quanto o
capitalismo fabril/industrial, necessita elevar indefinidamente a
produtividade, no caso específico a de caráter agropecuário.
Para isso, o capitalismo no agro instaura um processo histórico no
qual a fração de classe capitalista dominante – a burguesia agrária –
estrutura-se em torno dos referidos complexos agroindustriais. A
primeira grande questão que se coloca diz respeito ao tipo de
dominação exercida pela classe capitalista agrária, com o objetivo
de organizar a força de trabalho e submeter a natureza exteriorizada,
prevendo novos ciclos expansionistas de apropriação, transformação
e distribuição de mercadorias.
Por um lado, é fundamental que se observe quais classes ou frações
de uma mesma classe resistem objetiva e subjetivamente à expansão
104
da dominação capitalista no campo. Por outro lado, a classe
capitalista, controladora dos meios de produção no agro, organiza-se
em torno de atividades tipicamente capitalistas, desde o século XIX,
em processos históricos nos quais prevalece o trabalho assalariado.
Estabelecem-se aí as duas classes fundamentais, para Marx, no
processo histórico capitalista: o capitalismo agrário, como criador, e
o proletariado rural, como criatura. O assalariamento da mão de
obra provoca a similitude com o capitalismo urbano fabril
industrial.
Mais do que isso, a delimitação espacial do capitalismo agrário, em
torno de complexos agroindustriais, desde os mais remotos tempos
da penetração do capital no campo, garante a comparação
inequívoca com os sistemas fabris urbano-industriais capitalistas.
Contudo, as inferências em relação a uma e a outras formas de
acumulação de capital – no capitalismo fabril/industrial e no
capitalismo agroindustrial – não permitem todo o tipo de
extrapolação possível e imaginável.
Faz-se necessário delimitar as características históricas e dos
ambientes naturais que tornam específicas as relações de produção
capitalistas no agro. Somente procedendo analiticamente desta
forma é que se pode dar conta de debater as questões anteriormente
formuladas, acerca das classes e das formas de trabalho e
tecnologias por elas empregadas nos limites estabelecidos pelo
processo histórico de desenvolvimento das forças
produtivas/destrutivas do capitalismo agrário.
POSSÍVEL CONFLUÊNCIA ENTRE AGROECOLOGIA E
TEORIA DE MARX: SISTEMAS METABÓLICOS
AGROAMBIENTAIS EM PROCESSOS HISTÓRICOS DE
DESENVOLVIMENTO DAS FORÇAS PRODUTIVAS NO
CAMPO
A teoria agroecológica, surgida cerca de um século depois da obra
de Marx ser escrita, apoia-se na então moderna teoria dos sistemas,
de base dialético-material. Porém, diferentemente da abordagem do
marxismo clássico, edificado no século XIX, a agroecologia não
incorporou a historicidade social dos escritos de Marx.
A noção de processo histórico, abrangendo em seu contexto o
desenvolvimento de forças produtivas e a luta de classes entre
105
capital e trabalho é estranha ao corpus agroecológico. Ao contrário,
a agroecologia parte do referencial erigido em torno da noção de
sistema (agro) ambiental e elege, por isso mesmo – como base
social da existência material deste sistema – segmentos da
sociedade que existem por fora do processo histórico capitalista
agrário, definido por Marx.
A base social da agroecologia é o campesinato tradicional e suas
derivações, tais como as populações nativas e indígenas excluídas
da dinâmica processual histórica estabelecida pela ascensão
capitalista da segunda metade do século XIX, na Europa e América
do Norte. Ou seja, a base social da concepção sistêmica
agroecológica é o que Marx denominava de “povos sem história”,
isto é, aqueles agrupamentos sociais que se constituíam à margem
do processo histórico capitalista agrário.
Ao mesmo tempo em que situava o campesinato tradicional pré-
capitalista e as populações nativas e indígenas como “povos sem
história”, descolados do processo histórico civilizatório criado pelo
capitalismo ocidental, Marx reconhecia nestes povos o mérito de se
organizarem em harmonia com a natureza inorgânica da
humanidade, de ser uma extensão desta natureza, como já
assinalado anteriormente.
Os “povos sem história”, para Marx, faziam de sua condição de
existência uma forma metabolicamente interiorizada à natureza. A
falha metabólica, provocada pela ascensão do processo histórico
capitalista, nunca atingiu estes povos exatamente porque eles, em
seu pré-capitalismo, não eram passíveis de nenhum tipo de
desenvolvimento histórico capaz de complexificar suas relações
internas – a ponto de gerar a existência de classes sociais mediadas
pelo trabalho humano, praticado contra a natureza inorgânica da
humanidade. Assim sendo, não havia a possibilidade – nos “povos
sem história” – de nenhum desenvolvimento de forças produtivas da
humanidade em enfrentamento com a natureza exteriorizada da
existência humana.
O trabalho transformador da natureza era praticado pelos “povos
sem história” de forma integrada com a natureza, sem corromper a
condição natural de existência humana. O pecado original contido
no advento do capitalismo (agro) industrial ocidental maculou
106
definitivamente, para Marx, a história da humanidade e da relação
com sua natureza inorgânica exteriorizada.
O capital impôs, de acordo com o método de análise dialético
material de Marx, uma lógica produtiva à natureza inorgânica da
humanidade na qual o trabalho e as classes sociais – derivadas das
relações materiais-históricas do trabalho – em seu contínuo
enfrentamento, promoviam o desenvolvimento acelerado destas
relações materiais.
Esta situação provocava, ao mesmo tempo, de forma dialeticamente
contraditória, a articulação e a negação entre as classes
historicizadas pelo processo de trabalho produtivo. Para Marx,
como já mencionado neste texto, “a roda da história não anda para
trás”. Isto queria dizer que os “povos sem história” seriam uma
reminiscência da relação humanidade/natureza pré-capitalista.
Ao mesmo tempo, dialeticamente, a finalidade histórica de
superação do capitalismo pela luta de classes que o
desenvolvimento das forças produtivas da humanidade –
engendradas pelo próprio capitalismo, em sua inexorável marcha
pelo domínio absoluto da natureza inorgânica da humanidade –
provocava, deveria necessariamente reabilitar pressupostos
materiais só encontrados em civilizações até então apartadas do
desenvolvimento histórico capitalista.
Dialeticamente, para Marx, as condições materiais de existência dos
“povos sem história” poderiam reaparecer sob a forma de uma
sociedade natural-humana, pós-capitalista, derivada do
desenvolvimento historicamente promovido pelo capitalismo.
O capitalismo agrário estaria então fadado a ser historicamente
sucedido, não imediatamente, pelo proletariado rural – cujo papel
seria o de garantir um processo histórico transitório, em termos
sociotécnicos, para uma ordem societária natural-humana, na qual a
base social fosse o produtor de bens de consumo, historicamente
associado.
Mais uma vez, neste caso, a dialética material de Marx tinha que se
apoiar no processo histórico resultante do desenvolvimento de
forças produtivas, estimuladas pelas formas capitalistas de produção
ou por alguma outra forma histórica de desenvolvimento social
humano – correlata ao processo histórico tipicamente capitalista –
107
para além da estudada detidamente por Marx, no caso das
sociedades capitalistas da Europa Ocidental e da América do Norte
no século XIX.
No caso de uma forma histórica de desenvolvimento social humano
alternativa ao processo histórico capitalista agrário, as categorias
sociais dela resultantes não estariam incluídas, a princípio, em
nenhum processo histórico plenamente constituído, de acordo com a
interpretação de Marx. Seriam grupos sociais pré-capitalistas.
Assim sendo, a questão que se coloca novamente como desafio para
este texto é a seguinte: agroecologia e marxismo são
complementares ou excludentes entre si? A hipótese a ser verificada
ao longo deste livro é que sistema metabólico (agro) ambiental –
para a teoria agroecológica – e o processo histórico – para a
concepção teórica de Marx – podem e devem complementar-se, em
torno de uma agroecologia marxista.
As duas abordagens unificam-se na crítica ao desenvolvimento
capitalista no campo, embora com diferentes matizes. A partir das
nuances diferenciadoras poder-se-ia chegar à conclusão pela qual a
agroecologia e a teoria de Marx são inconciliáveis.
Porém, se se toma as bases sociais e ambientais das duas correntes,
observa-se que tanto o proletariado rural, no caso de Marx, quanto
formas camponesas ou indígenas, tradicionais, eleitas como
protagonistas sociais pela agroecologia contêm elementos de síntese
entre elas.
Tanto a teoria de Marx quanto a agroecológica possuem, como já
assinalado, fundamentos dialéticos e materiais. O que as distingue é
a historicidade processual da análise de Marx e o recorte sistêmico
(agro) ambiental da agroecologia.
Considero viável abordar as duas formas de conhecimento,
aproximando e integrando as noções de processo histórico e sistema
metabólico (agro) ambiental. De fato proponho teórico-
metodologicamente, incorporar a noção de sistema (agro) ambiental
em um determinado processo histórico específico.
Recorro mais uma vez ao aparato conceitual de Marx. Ele rejeita a
proposição pela qual a crítica ao capitalismo possa reavivar
historicamente categorias a-históricas (SCHMIDT, op. cit., p. 197-
230) como o campesinato tradicional ou os grupos indígenas.
108
Para Marx, estas categorias tendem a ser objetivamente
ultrapassadas, do ponto de vista histórico, a partir da instauração,
pelo capital, de processo histórico que estimula o desenvolvimento
das forças produtivas da humanidade, no sentido da concentração e
integração da força de trabalho humana no espaço social da fábrica
(agro) industrial.
A teoria agroecológica insiste na atualidade do campesinato
tradicional como portador da chave para a superação das formas
capitalistas de produção no campo. A agroecologia se mostra
irredutível neste argumento, como assinalado anteriormente –
calcada na crítica à instalação de atividades agroindustriais, pois
estas seriam produtivamente inviáveis devido a suas limitações de
caráter ecológico-ambientais.
O aparente impasse teórico-epistemológico-metodológico entre as
teorias de Marx e da agroecologia seria, em minha avaliação, na
realidade, uma superável contradição dialética entre as referidas
abordagens. Parto do pressuposto, a ser verificado empiricamente,
neste texto, de que as bases sociais, a princípio concebidas como
inalteráveis, do marxismo agrário – o proletariado rural – e da
concepção sistêmica agroecológica – formas diversas de
campesinato tradicional e indígena – constituem fases de
estruturação socio(agro)ambientais transitórias.
Se se projeta os sistemas (agro) ambientais no contexto de processos
históricos pode-se perceber que a tendência a ser seguida será a da
superação da rigidez conceitual em torno de referências
socionaturais agrárias, tais como o proletariado rural ou o
campesinato tradicional.
A meu ver, a agroecologia e a concepção teórica, e da práxis, em
Marx evoluem para uma mesma síntese de base social desde que o
método utilizado, para aferir esta possibilidade prático-teórica de
interpretação, seja o de relacionar dialeticamente os sistemas (agro)
ambientais a processos históricos determinados.
A concepção teórica agroecológica não faz referência às
diferenciações entre classes ou frações de classe. Também não
opera com a noção de desenvolvimento das forças produtivas, nem
de processo histórico.

109
Toda esta conceituação, elaborada por Marx, é estranha ao
arcabouço teórico da agroecologia, enquanto teoria crítica do
capitalismo agrário. Porém, insisto, há uma potencial possibilidade
de aproximação teórica entre as concepções de Marx e a dos autores
da teoria agroecológica.
Considero que esta aproximação é potencial ou virtual, pois se trata
de estabelecer nexos entre conceitos que só se materializariam em
condições de tempo futuro. As noções de falha metabólica, de Marx
e de sistemas metabólicos bloqueados, dos autores agroecológicos,
remetem à possibilidade de configuração do que seria para Marx,
além do capitalismo e do próprio socialismo, a sociedade dos
produtores associados.
Do ponto de vista da agroecologia, esta sociedade de produtores
associados, no agro, especificamente, deveria ser conformada a
partir da crítica radical da agroindústria capitalista. Isto é, a
interpretação agroecológica considera a introdução e a vigência de
sistemas – metabólicos – agroindustriais como uma forma de
insustentabilidade metabólica de todos e quaisquer sistemas
metabólicos possíveis.
Isto quer dizer que a agroindústria capitalista bloqueia a
retroalimentação dos sistemas metabólicos nos quais interfere,
tornando-os necessariamente, e incontornavelmente, insustentáveis,
do ponto de vista socio(agro)ambiental.
Assim sendo, não haveria condições de reprodução sustentável em
sistemas metabólicos influenciados pela atividade agroindustrial
assalariada. Para que prospere um sistema sustentavelmente
retroalimentado, isto é, agroecológico, a teoria agroecológica exclui
definitivamente qualquer ingerência de modelos de acumulação
capitalista agroindustrial.
FINALIDADES PROCESSUAIS/SISTÊMICAS DAS TEORIAS
DE MARX E DA AGROECOLOGIA
Desta forma, o grande desafio, daqui para frente, deste texto será o
de sistematizar o conteúdo até aqui desenvolvido e, a partir daí,
indicar uma metodologia analítica que aponte para proposições
interpretativas das críticas ao desenvolvimento do capitalismo
agrário.

110
As correntes interpretadas teoricamente até agora são o marxismo,
mais especificamente textos filosóficos e econômicos do próprio
Marx, e a agroecologia, através de algumas obras já referidas de
autores diretamente envolvidos com diagnósticos e prognósticos
acerca das limitações ecológico-ambientais-energéticas do
capitalismo agrário, e suas perspectivas de futuro metabolicamente
insustentáveis.
O intento teórico-metodológico deste texto é o de formatar uma
proposta estruturadora de compreensão acerca daquilo já
denominado, anteriormente, de agroecologia marxista. Então quais,
a meu ver, seriam os contornos estruturantes, em termos histórico-
políticos, socioeconômicos, filosóficos, ecológicos, ambientais,
energéticos, de uma hipotética agroecologia marxista?
Onde ela se aplica ou pode vir a ser potencialmente utilizada? Quais
os segmentos sociais envolvidos? Existiria a possibilidade de
afirmação de uma corrente ou mais correntes de pensamento e ação
para absorver conscientemente os pressupostos materialmente
embutidos nesta proposta?
Marxismo e agroecologia possuem em comum, como já ressaltado,
princípios e finalidades em relação à crítica do desenvolvimento do
capitalismo agrário. Os princípios de Marx, acerca da falha
metabólica, quando transportados para a questão da terra e da
mercadoria no agro, apontam para a perspectiva da superação
dialética das relações sociais de produção no campo.
Estes princípios, teórico-políticos, concentram-se na percepção pela
qual o capitalismo agrário promove dialeticamente – em um único
movimento – o desenvolvimento das forças produtivas, com base na
expansão indefinida do trabalho abstrato, material, social, e na
consequente apropriação e transformação da natureza exteriorizada
pelo capital, em processo histórico capitaneado produtivamente
pelas forças sociais do capital.
Marx não revela explicitamente, mas é possível inferir de suas
obras, que este movimento dialético de controle do trabalho
humano, e de domínio da natureza exteriorizada, além de registrar
uma falha no metabolismo entre humanidade e natureza, como
assinalado em mais de uma passagem deste texto, aponta para o

111
reconhecimento de limites sociais e naturais para a expansão
capitalista.
A finalidade de Marx, partindo dos princípios indicados é delinear a
forma potencial a ser alcançada pela força de trabalho em
sociedades futuras. O trabalho material, social, de acordo com
Marx, deveria ser reduzido progressivamente, sendo substituído por
tecnologias que estivessem em consonância com tal redução do
tempo de trabalho material nas sociedades capitalistas.
Assim, as apropriações e transformações realizadas pelo movimento
do capital estariam limitadas ao alcance atingido pelo
desenvolvimento das forças produtivas da humanidade, em
contramão à reconciliação metabólica com as forças da natureza –
contidas originariamente na própria humanidade e dela afastada pela
introdução do trabalho assalariado abstrato e o fetichismo da
mercadoria no capitalismo.
A luta de classes se delineia, para Marx, entre capital e trabalho –
ou entre as exigências históricas do capital em impor à força de
trabalho e à natureza exteriorizada, jornadas de trabalho cada vez
mais intensas – e a resistência dos trabalhadores no sentido de
limitar a expansão continuada da intensificação do trabalho, e a
consequente exploração da força de trabalho humana, simultâneas à
imposição de transformações à natureza exteriorizada – espoliando-
a cada vez mais.
Estas imposições ocorrem tanto pela ação direta do trabalho
humano, quanto pela adoção de tecnologias capazes de proporcionar
meios de intensificação do trabalho material, social, de caráter
abstrato, e não o contrário.
É necessário voltar a acentuar que, para Marx, independentemente
do que estudiosos e militantes marxistas podem considerar, o
desenvolvimento das forças produtivas se dá em função das
condições de trabalho – concentração associativa do proletariado
fabril e rural pela subsunção real do trabalho ao capital – e das
tecnologias criadas para impulsionar cada vez mais adiante as
conquistas históricas do capital, no contexto do processo por ele
instaurado no século XIX na Inglaterra.
As tecnologias, porém, do ponto de vista da interpretação de Marx
nunca foram neutras. Ou elas acompanhavam o ritmo do
112
desenvolvimento capitalista com vistas ao progresso econômico, o
que sempre aconteceu na história do capitalismo agrário –
especificamente em seus primórdios à contemporaneidade atual –,
ou seria utilizada para conter a intensificação do trabalho social,
material e seus vínculos com a sociedade da mercadoria que
caracterizou, desde o início, a Era capitalista.
As tecnologias do “mais-trabalho” capitalista, resultantes do
desenvolvimento das forças produtivas desatadas pelo capitalismo
(agro) industrial geraram impactos, tanto na natureza exteriorizada,
dissociada da humanidade pelo capital – o comprometimento do
solo agricultável, por exemplo – como na desestruturação da fração
de classe proletária rural, que foi sendo alijada de seu papel
protagonista no processo histórico de desenvolvimento capitalista
agrário, até ser destituída do caráter aglutinador, introduzido
anteriormente, de forma incisiva, pelo movimento do capital e do
mundo da mercadoria no campo.
Aparentemente, foram as próprias tecnologias as responsáveis
primordiais pela desagregação do trabalho agrário, na medida em
que tornaram nítidas as limitações ecológico-ambientais da forma
produtivista de organização capitalista do trabalho, visando
apropriações e transformações distributivas da produção
agropecuária de larga escala para atender às necessidades de
acumulação de capital, pela via do escoamento cada vez mais
ampliado e contínuo de mercadorias. Uma releitura mais atenta da
obra de Marx, e de alguns de seus comentadores, faz perceber,
entretanto, que o que ocorre, na realidade, é uma relação dialética
entre trabalho e tecnologia.
É exatamente o fator representado pelo “mais-trabalho”, para extrair
a mais-valia da força de trabalho e dominar, espoliando, a natureza
exteriorizada – metabolicamente em condições conjunturais de
exterioridade frente à humanidade – reduzida a fonte incessante de
recursos naturais para a humanidade – controlada
socioeconomicamente pelo capital – que gera a necessidade
histórica de compatibilização entre a ideologia do “mais-trabalho” e
a introdução de tecnologias adaptadas e condicionadas pela
exigência deste mesmo “mais- trabalho”. Neste ponto, o que pode
parecer uma distinção insuperável entre a obra de Marx e a
113
agroecologia é mais uma vez, dialeticamente, um sinal de
aproximação.
É sabido que Marx caracterizava o campesinato tradicional europeu
como “povo sem história”. Ele queria dizer com isso que o
campesinato pré-capitalista não conformava uma classe social no
sentido político-econômico, pois não estava inserido no processo
histórico de desenvolvimento capitalista das forças produtivas, ao
não ser enquadrado, nem muito menos organizado, estruturalmente
por ele. As tecnologias da atividade camponesa, para Marx, não
possuíam a capacidade transformadora inerente àquelas geradas em
processos históricos dirigidos e controlados pelo capital.
Neste ponto a dialética material, histórica, utilizada como método
por Marx distingue o campesinato do proletariado pela incapacidade
histórica do primeiro, devido ao seu isolamento social, em participar
ativamente do processo de desenvolvimento das forças produtivas,
mais especificamente, no âmbito deste texto, agrárias.
Marx, todavia, sempre apontou na direção de uma formação social
para além do proletariado rural – e do urbano, por suposto – que
seria a dos produtores associados. No campo, os produtores
associados derivariam histórico/materialmente, do proletariado rural
revolucionário.
Isto do ponto de vista da fração de classe que deveria empunhar a
bandeira da redução da jornada de trabalho exercida pelo
capitalismo agrário sobre a força humana de trabalho explorada
e contra a natureza exteriorizada espoliada. Então, para o
aprofundamento da teoria marxista das classes e frações de classe,
deve-se considerar que não exclusivamente o proletariado rural era
alvo da observação analítica de Marx do capitalismo no campo.
O proletariado rural, enquanto força de trabalho da produção
capitalista agrária de larga escala, constituía para Marx,
indubitavelmente, a fração de classe protagonista, dentre as demais
frações de classe vinculadas historicamente pela luta em prol da
redução da jornada de trabalho nas agroindústrias capitalistas.
Porém, é fundamental registrar que Marx incluía além da fração de
classe proletária rural – cuja formação decorria historicamente do
processo de subsunção real do trabalho agrário ao capital no campo
– pelo menos outra fração de classe em luta contra a exploração da
114
força de trabalho humana e da espoliação da natureza exteriorizada,
pelo capital: trata-se da fração de classe dos trabalhadores
agropecuários de base social camponesa, integrados ao processo
histórico capitalista. Estes estavam submetidos, de acordo com
Marx, à subsunção formal, indireta, de sua força de trabalho
produtiva, às necessidades históricas de acumulação de capital no
campo.
Voltando à finalidade agroecológica, os agroecossistemas somente
poderiam ser desobstruídos, em termos da liberação plena de seus
fluxos de energia e materiais, quando cessasse definitivamente a
intervenção capitalista na atividade produtiva agrária. Até lá os
agroecossistemas, como apontado, sofreriam com o excesso de
dejetos poluentes causados pelas apropriações, transformações e
distribuição de produtos sob a forma de mercadoria mundial.
Se o capitalismo agrário, como um todo, tende a inviabilizar a
operacionalidade plena dos agroecossistemas metabólicos então não
restaria outra possibilidade, do ponto de vista agroecológico, a não
ser agir produtiva e tecnologicamente por fora do sistema
metabólico (agro) ambiental capitalista.
A questão que se coloca a partir daí é a seguinte: qual segmento
social seria capaz de redimir o sistema metabólico afetado
radicalmente em seu funcionamento pelo desenvolvimento do
capitalismo agrário? A resposta aponta evidentemente para o único
setor social produtivo agrário verdadeiramente excluído, pelo
capital, de seu processo histórico de desenvolvimento: o
campesinato tradicional das áreas não afetadas pela expansão do
capitalismo agrário.
Diferentemente da abordagem, aqui referida, de Marx, a teoria
agroecológica de desenvolvimento agrário elege, como que por
exclusão, as formas camponesas tradicionais – os “povos sem
história” na definição de Marx – como aquelas capazes de
redirecionar a produção e as tecnologias no sentido da redução
significativa da carga ecológica provocada pela característica
produtivista do capitalismo agrário.
Assim sendo, a agroecologia, enquanto perspectiva sociopolítica
para a regeneração metabólica dos agroecossistemas identifica no
campesinato pré-capitalista o setor social adequado para romper
115
com as amarras metabólicas impostas aos agroecossistemas pela
expansão capitalista continuada e pelas tecnologias de produção
correspondentes.
A finalidade agroecológica resume-se então no esforço para
organizar setores sociais que seriam os responsáveis pela superação
dos entraves produtivo/tecnológicos ao pleno transcorrer dos fluxos
energéticos e de materiais dos agroecossistemas.
Se se compara a finalidade social agroecológica com a finalidade
social perceptível na obra de Marx, percebe-se que ambas as
perspectivas apontam, através de diferentes caminhos, para uma
mesma direção: a instituição de condições de desenvolvimento que
superem as amarras impostas, à produção e às tecnologias
correspondentes, pelo processo histórico capitalista agrário.
Mesmo que a teoria agroecológica de desenvolvimento sustentável
não considere, teoricamente, a possibilidade de enfrentamento
direto com as formas capitalistas de produção, na prática ao propor
o restabelecimento de atividades produtivas e tecnológicas de
caráter pré-capitalista – como o único caminho para superar os
obstáculos à meta da sustentabilidade agroecossistêmica –, a
corrente agroecológica vislumbra um caminho de reconciliação
histórica da produção no campo que reaproxime as formas
camponesas clássicas com a humanização da natureza.
A finalidade de Marx, como foi vista exaustivamente até aqui,
aproxima-se inequivocamente desta perspectiva. Marx direciona os
projetos da humanidade no sentido histórico da superação das
formas capitalistas de produção, especificamente no agro.
Marx, em sua concepção de classes sociais, em luta permanente,
vislumbra a constituição futura da fração agrária de uma classe
social voltada para o objetivo histórico de limitar a abrangência do
trabalho, social, material e resgatá-lo do caráter abstrato por ele
assumido no processo histórico capitalista agrário de
desenvolvimento das forças produtivas no campo.
Na realidade, Marx vê nesta fração de classe o cumprimento
histórico do referido objetivo. Esta fração de classe tenderia a se
transformar na própria classe e se transmutar dialeticamente na
negação de toda ou qualquer condição de classe social.

116
Somente em uma situação histórica socionatural, com estas
características definitivamente superadoras das formas capitalistas
de produção, é que a falha metabólica entre humanidade e natureza
poderia vir a ser corrigida, (re) aproximando historicamente as
referidas formas de produção alternativas ao capitalismo agrário.
O segmento social a que Marx se refere é o dos produtores
associados, como já mencionado em passagens deste texto. Os
produtores associados, para Marx, emanariam da dissolução
histórica do proletariado rural e das demais frações de
classe formalmente submetidas ao capitalismo agrário. Na
sociedade dos produtores associados inclusive a separação entre
campo e cidade, assim como entre humanidade e natureza, seriam
abolidas.
A meu ver, as finalidades de Marx e da agroecologia, bem como
seus princípios metabólicos, coincidem em certo sentido. As
diferenças de abordagem ocorrem no transcurso para a efetivação
dessas finalidades. Marx vê na luta de classes, no interior de
processos históricos nos quais predominam as formas capitalistas de
produção agrárias, o caminho para a superação histórica do
capitalismo agrário.
A agroecologia rejeita toda e qualquer relação de contato, mesmo
que do ponto de vista do enfrentamento direto – como avalia Marx –
com o capitalismo agrário e, por isso mesmo, molda-se e espelha-se
nas formas pré-capitalistas de produção como único meio de
recuperar a harmonia agroecossistêmica com o ambiente natural,
rompida pela ascensão do capitalismo agrário.
Porém, como o campesinato pré-capitalista não está representado de
forma pura e absoluta nas sociedades capitalistas, teria que ocorrer
um tipo de recampesinização (VAN DER PLOEG, 2008, p. 23;
SEVILLA GUZMÁN; SOLER; GALLAR; VARA; CALLE, 2012,
p. 23-45) nestas sociedades para que daí derivasse uma nova forma
de produção adequada ao equilíbrio e sustentabilidade
agroecossistêmicas.
CONCEPÇÕES DE MARX E DA TEORIA AGROECOLÓGICA:
TEORIAS CRÍTICAS DO DESENVOLVIMENTO
CAPITALISTA AGRÁRIO; DA RECAMPESINIZAÇÃO À
SOCIEDADE DOS PRODUTORES ASSOCIADOS
117
Estabelece-se como pressuposto daqui para a frente, neste texto, que
a agroecologia e o marxismo de Marx são teorias críticas, análogas,
em relação ao desenvolvimento do capitalismo agrário, nas quais os
princípios e finalidades são coerentes e derivados. Em síntese, a
meu ver, Marx e a agroecologia tendem a postular o mesmo
objetivo: alcançar as condições de realização de uma sociedade na
qual campo e cidade, humanidade e natureza se reencontrem. Para
Marx trata-se de alcançar a sociedade dos produtores associados.
Para a agroecologia, a sociedade dos novos camponeses ou da
recampesinização (VAN DER PLOEG, op. cit., p. 17-28;
BERNSTEIN, 2011, p. 124-148).
Quais, então, as características teórico-metodológicas que
estruturam, em minha interpretação, uma agroecologia marxista?
Como se aplicaria esta noção de desenvolvimento agrário
alternativo ao desenvolvimento do capitalismo no campo? Qual o
ambiente histórico no qual vou propor tal avaliação? Estas são as
questões-chave para estabelecer nexos duradouros, ou até mesmo
permanentes, entre a teoria agroecológica de desenvolvimento
agrário e a concepção de Marx acerca da perspectiva histórico-
material de superação dialética do capitalismo agrário.
A premissa da qual se parte, neste texto, para a interpretação
proposta é a de que a agroecologia marxista é necessariamente
operacionalizada no contexto de processos históricos bem definidos.
Resgatando um elemento central do debate exposto até aqui,
reafirmo a definição de Marx pela qual o desenvolvimento das
forças produtivas, e o consequente embate entre as classes e suas
frações, ocorrem em processos históricos. O desenvolvimento
clássico do capitalismo no campo acontece historicamente, isto é,
pela dinâmica dos interesses antagônicos de classe, proporcionada
pela expansão do capitalismo agrário.
Marx faz uma distinção essencial entre processo histórico capitalista
agrário, plenamente constituído, onde impera o desenvolvimento
acelerado das forças produtivas/destrutivas – no qual o trabalho
social, material, abstrato encontra-se concentrado a tal ponto que
permite a viabilização da exploração deste trabalho assalariado nas
agroindústrias, pelo capital – proporcionando o correspondente
avanço nas tecnologias adaptadas ao ritmo de exploração da força
118
de trabalho proletária – e a inerente espoliação da natureza
exteriorizada da humanidade, sob condições históricas específicas,
no agro, nas quais as forças produtivas do trabalho e das tecnologias
ainda são incipientes.

119
Parte 5

TRANSIÇÃO SOCIOTÉCNICA EM PROCESSOS


HISTÓRICOS CONSTITUÍDOS POR SISTEMAS
METABÓLICOS (AGRO)AMBIENTAIS: SÍNTESE
DIALÉTICA PROCESSUAL/SISTÊMICA E
APROXIMAÇÃO EPISTEMOLÓGICA ENTRE AS TEORIAS
DE MARX E DA AGROECOLOGIA. TRÊS CENÁRIOS
INTERPRETATIVOS.

A princípio, então, teoricamente, a transição sociotécnica para


situações ecológico-ambientais-energéticas de (re) equilíbrio
metabólico em agroecossistemas pode transitar em processos
históricos, de acordo com pelo menos três cenários interpretativos.
O primeiro cenário seria aquele no qual os agroecossistemas em
questão encontram-se isolados em relação a qualquer processo
histórico, seja ele capitalista agroindustrial ou alternativo a toda e
qualquer forma de acumulação capitalista no agro. Seria este o
cenário em que prevalecem relações sociais de produção as quais
Marx considerava a-históricas ou sem história.
Nestes casos, os grupos sociais envolvidos praticam formas de
produção que podem ser consideradas como pré-capitalistas, na
medida em que não contribuem para o desenvolvimento das forças
produtivas no campo e nem permitem a estruturação de classes
sociais antagônicas.
O trabalho material, social é residual ou inexistente, imperando o
trabalho livre, não associado, comunal ou familiar. Existe
autonomia plena por parte dos produtores. Em situações deste tipo o
metabolismo agroecossistêmico está preservado de bloqueios pelo
excesso de dejetos, havendo retroalimentação, constante e
ininterrupta, do ciclo de energia e materiais.
As tecnologias resultantes de atividades de trabalho, como as
descritas neste cenário produtivo são agroecologicamente
adequadas, embora possam ser intercambiadas entre cientistas e
produtores no sentido de mútuo aprendizado participativo em
experiências concretas de apropriação e transformação metabólicas
dos agroecossistemas envolvidos.
120
O segundo cenário – mais desafiador para a agroecologização
metabólica – é aquele no qual predominam relações sociais
capitalistas agrárias de produção. Nestes casos, a produção ocorre
em processo histórico capitalista, com desenvolvimento de forças
produtivas/destrutivas; dissociação entre humanidade e natureza; e a
prevalência da luta de classes e frações entre grupos sociais
antagônicos.
Aqui, a tendência é a formação de barreiras ecológico-ambientais-
energéticas à plena retroalimentação agroecossistêmica. Os
agroecossistemas ao se reproduzirem pela via das apropriações,
transformações e canais de distribuição de produtos são submetidos
ao acúmulo de dejetos gerados neste ciclo.
As excreções ou dejetos provocados pela dinâmica metabólica
agroecossistêmica tendem a bloquear o sistema (agro) ambiental em
questão, interrompendo assim a retroalimentação agroecossistêmica.
A crítica agroecológica à agroindústria capitalista centra-se
exatamente neste ponto. A concepção agroecológica considera que a
agroindústria, por suas próprias características de produção em larga
escala – visando gerar mercadorias a partir dos produtos obtidos –
inviabiliza a reprodução eco regulável da atividade produtiva
agrária (BENSAÏD, op. cit., cap. 11, p. 452-453).
As tecnologias empregadas, em atividades deste tipo, teriam que
agroecologizar-se para agirem em prol da liberação ecológico-
ambiental-energética dos agroecossistemas contaminados pelo
bloqueio metabólico, imposto por condições de produção
agroindustriais capitalistas.
Um terceiro cenário agroecossistêmico seria aquele em cujo
processo histórico ocorrem as apropriações, transformações e
distribuição de produtos, o qual não se caracteriza plenamente como
capitalista.
Em algum hipotético processo histórico alternativo, como aquele
originário de determinadas situações de reforma agrária, o trabalho
não é todo ele realmente submetido aos padrões de acumulação de
capital no campo (GONZÁLEZ DE MOLINA; SEVILLA
GUZMÁN 1993, p. 82/83; WILKINSON, 2008, p. 213-216;
MARX, 1978, capítulo VI, p. 50-70).

121
Parte do trabalho resultante da apropriação, transformação e
distribuição cíclicas da produção não se torna mercadoria. Parcelas
do trabalho empregado não são diretamente produtivas porque são
submetidas formalmente ao processo histórico capitalista agrário.
Em condições de transição sociotécnica para um determinado
processo histórico alternativo, em conflito com o capitalismo
agrário, o desenvolvimento das forças produtivas acontece de forma
parcial, truncada, não se completando.
As classes sociais envolvidas no conflito latente, adquirem grande
complexidade em suas inter-relações gerando frações de classe que
se rearticulam em função dos movimentos ou contra-movimentos de
apoio ou resistência à penetração das formas capitalistas agrárias de
produção.
A agroecologia intervém, a princípio, de maneira geral, com o
objetivo de propor redesenhos produtivos tecnológicos a serem
capazes de redefinir as condições de reprodução agroecossistêmicas.
Isso ocorre no sentido de liberar o fluxo de energia e materiais que
estaria bloqueado e interrompido pelo excesso de dejetos
excretáveis provocados por apropriações transformadoras e
reprodutivas, advindas da expansão de atividades cíclicas – tanto do
capitalismo agrário em si, como de formas de atividades agrárias
alternativas ou conflitantes com o processo histórico capitalista
instalado no campo.
Nestes casos a agroindústria conviveria, então, historicamente com
atividades de trabalho não essencialmente capitalistas, portadoras de
características tecnológicas até certo ponto adequadas à
autorregeneração agroecossistêmica e a sua consequente
agroecologização tecnológica.
TRANSIÇÃO SOCIOTÉCNICA: MATERIALIDADE
AGROECOLÓGICA E HISTORICIDADE DIALÉTICA
MARXISTA
Considerados os três cenários possíveis para transições
sociotécnicas, de base agroecológica – intervenções ecológico-
ambientais-energéticas no sentido de alcançar a desobstrução dos
fluxos de energia e materiais nos agroecossistemas e garantir a
retroalimentação metabólica destes agroecossistemas – e suas
nuances dialéticas, percebe-se que transições sociotécnicas podem
122
ocorrer em situações espaço-temporais absolutamente diversas,
além de interpenetrarem-se em cenários múltiplos, constituídos pela
realidade dinâmica nas quais se operacionalizam.
A meu ver, a noção teórico-metodológica de transição
agroecológica, amiúde empregada como uma espécie de sinônimo
de transição sociotécnica, carece da complementaridade da
interpretação socioeconômica que revele o conteúdo histórico das
situações espaciais e temporais nas quais atuam os intérpretes
sociais que povoam e vivenciam os agroecossistemas.
Acredito ser necessário confrontar a análise interpretativa da teoria
agroecológica com pressupostos e projeções provenientes da
concepção histórico-material, de base dialética, cujo referencial,
conforme apresentado, pode ser encontrado em uma revisita da obra
de Marx. Em outras palavras, cabe sobrepor à materialidade
agroecológica, a historicidade dialética do pensamento e ação da
práxis-teórica de Marx.
Quero dizer com isso que a sobreposição de conceitos e categorias,
encontrada na obra de Marx é essencial para complementar – e dar
suporte sócio-histórico – as premissas técnico-científicas da crítica
agroecológica ao desenvolvimento agrário capitalista – mais
notadamente ao advento da agroindustrialização.
Com o objetivo de submeter a teoria agroecológica ao crivo da
análise calcada no raciocínio de Marx, deve-se inserir na
interpretação agroecológica alguns referenciais emanados da obra
de Marx.
Minha proposta é a de reinterpretar, teoricamente, os possíveis
cenários acima descritos, nos quais a teoria agroecológica aplica
seus fundamentos epistemológicos à realidade concreta dos fatos
sociais em suas interfaces com a natureza de base ambiental-
ecológica- energética.
Reutilizarei, nesta abordagem, noções de Marx anteriormente
aludidas, tais como trabalho material, social, processos históricos,
desenvolvimento das forças produtivas, classes sociais antagônicas
e respectivas frações de classe. Minha meta teórico-metodológica,
ou a hipótese com a qual manejarei, é norteada pela possibilidade de
oferecer parâmetros interpretativos que imbriquem humanidade e
natureza no mesmo terreno analítico.
123
A resultante deste expediente teórico metodológico poderá ser a
confirmação da síntese entre a teoria agroecológica e o “marxismo
de Marx” – reinterpretado à luz da revisão teórico-metodológica da
obra do próprio Marx – apoiada intelectualmente em leituras e
releituras de alguns de seus mais instigantes comentadores
contemporâneos.
PRIMEIRO CENÁRIO DE TRANSIÇÃO SOCIOTÉCNICA:
AUSÊNCIA DE PROCESSO HISTÓRICO DE
DESENVOLVIMENTO DAS FORÇAS PRODUTIVAS EM
SISTEMAS (AGRO) AMBIENTAIS METABÓLICOS
TRADICIONAIS – CAMPONESES E/OU NATIVOS
Sobrepondo, para efeito analítico, o primeiro cenário da transição
sociotécnica, referido neste texto, ao crivo das categorias
interpretativas de Marx, verifica-se que a metodologia utilizada pela
teoria agroecológica é transferida para situações espaciais e
temporais, nas quais predominam o que Marx definiria como sendo
um cenário no qual inexistem condições materiais onde pudessem
figurar as classes sociais em antagonismo. Em tal cenário se
prescinde de processo histórico capaz de abrigar qualquer forma de
desenvolvimento das forças produtivas.
Além disso, e por isso mesmo, a exigência do trabalho material,
social cobrado da sociedade em questão também inexiste. Trata-se,
para Marx, como assinalado anteriormente, de uma realidade
material a-histórica, pois o atomismo e o particularismo da
produção não permitem qualquer perspectiva analítica apoiada na
noção de desenvolvimento.
Em situações espaço-temporais, como as mencionadas neste
primeiro cenário de transição sociotécnica, prevalecem categorias
sociais estanques do ponto de vista organizativo/produtivo. Trata-se,
transportando definitivamente o cenário em transição para o
referencial teórico de Marx, do campesinato pré-capitalista em
estado puro.
Refiro-me aqui àqueles contingentes sociais que Marx denominou
de “povos sem história”. A ausência de historicidade do
campesinato tradicional pré-capitalista reside no fato pelo qual, nas
sociedades camponesas clássicas, não se estabelece um processo
histórico no qual possam se ancorar forças da humanidade e da
124
natureza, em harmonia ou tensão conflitiva, sempre em relação
dialética entre elas, capaz de promover o desenvolvimento das
forças em direção ao provimento de bens de consumo, voltados para
a satisfação das necessidades materiais de sociedades mais
complexas – do ponto de vista produtivo-organizativo – tais como
as sociedades capitalistas.
Para Marx, portanto, as sociedades camponesas, pré-capitalistas,
estão destituídas da capacidade histórica de alavancar qualquer tipo
de desenvolvimento da produção, pela via do trabalho social,
material. Por outro lado, Marx reconhece nas sociedades
camponesas a unidade dialético-material das forças humanas e
naturais, em estado latente. O metabolismo entre humanidade e
natureza encontra-se absolutamente conservado em sociedades
tipicamente pré-capitalistas, como as camponesas tradicionais.
O grande desafio teórico de Marx, por ele mesmo várias vezes
aludido ao longo de sua obra, é o de identificar as condições
humanísticas e naturais necessárias e suficientes para a
reconciliação entre humanidade e natureza, isto é, para a correção
da falha metabólica provocada pelo advento da sociedade capitalista
(agro) industrial.
No caso específico do arranjo teórico-explicativo aqui proposto, eu
vou me concentrar mais adiante em situações nas quais prevalecem
sistemas agroindustriais, sob o capitalismo agrário. Antes, porém,
volto ao primeiro cenário de transição sociotécnica enunciado.
O cenário em questão, de predominância do campesinato tradicional
– inclusive de determinadas formas indígenas de produção – de
acordo com a interpretação de Marx, é constituído por formações
sociais, as quais não abrigam classes ou frações de classe sociais,
pois o trabalho material, social, revertido para a sociedade como um
todo, é comunitário, não sendo passível de controle por parte de
qualquer grupo social que se coloque à frente da estruturação
organizativa da sociedade em questão.
Não há divisão entre campo e cidade. As comunidades, envolvidas
na produção alimentar e energética, de uma maneira geral,
encontram-se em ambientes – espaço-temporais – agrários. O
cenário, no qual acontecem apropriações e transformações da
natureza pela humanidade, organiza-se de maneira localizada, com
125
muito pouca ou nenhuma interação entre os grupos sociais
envolvidos, não se configurando, para Marx, em um processo
histórico.
O campesinato, mesmo com aspectos comunitários de organização
social, tende a priorizar as formas parcelárias e/ou familiares de
estruturação. Em condições de vida como estas a economia política
de tais sociedades não abrange o desenvolvimento histórico das
forças produtivas.
O metabolismo humanidade/natureza, em sociedades tipicamente
organizadas em torno de atividades de trabalho camponesas – onde
o trabalho material, social limita-se a gerar trocas locais, intra e/ou
interfamiliares de produtos e artefatos – encontra-se preservado.
As sociedades parcelárias/comunais em questão não se apropriam e
transformam a natureza com o objetivo de reduzir todo o ciclo de
apropriação, transformação e distribuição de produtos em
mercadoria.
Os próprios camponeses não são redutíveis a mercadorias, enquanto
força de trabalho socialmente explorada. A exploração do trabalho
social por grupos diversos se dá – em sociedades tipicamente
camponesas – de forma também localizada, por algum tipo de
imposição temporária de realização de trabalho por grupos
diretamente dominados.
Não há prevalência estruturada de grupos, uns sobre os outros.
Neste sentido não se formam classes antagônicas – e suas
respectivas frações – em torno da disputa pelo controle da força de
trabalho enquanto mercadoria negociável, nem tampouco sobre os
próprios produtos do trabalho social, que permanece, como
assinalado, residual e contingente. O trabalho social incipiente não
está submetido, real ou formalmente, a qualquer grupo social
dominante.
A teoria agroecológica parte de uma caracterização de sociedades
comunitárias/parcelárias camponesas que pode ser considerada
muito semelhante à de Marx. A teoria agroecológica situa o
campesinato como grupo social dominante em sociedades agrárias.
Em tais sociedades, o metabolismo social agrário assinala o ciclo
virtuoso da produção camponesa, em termos da realização de fluxos
de energia e materiais.
126
Não há interrupções metabólicas na produção agrícola local
camponesa. O fluxo metabólico em questão encontra-se
permanentemente desobstruído. Ocorre constante troca metabólica,
através da retroalimentação sistêmica.
Os produtos e artefatos gerados a partir da apropriação e
transformação – ecologicamente adequadas – da produção garantem
a continuidade indefinida de ciclos de produção, nos quais a
transformação/distribuição dos bens gerados não resulta na
formação de excedentes econômico-ecológicos de produção – sob a
forma de dejetos ou excreções poluidores dos agroecossistemas –
que bloqueiem de maneira sistemática a prática de novas
transformações/distribuições de paisagens naturais pela ação
humana. Onde Marx não percebe qualquer falha metabólica na
relação entre humanidade e natureza, a agroecologia identifica o
ciclo virtuoso da produção/distribuição em termos ambientais,
ecológicos e energéticos.
Entretanto, enquanto a teoria de Marx aponta para a incompletude
social e histórica de sociedades predominantemente camponesas –
socialmente incapazes de gerar ou conduzir processos históricos de
ampliação e concentração da força de trabalho social, material, que
seria condição indispensável para o desenvolvimento das forças
produtivas e a estruturação de classes e frações antagônicas – a
teoria agroecológica postula um papel de grande relevância para o
campesinato tradicional e formas congêneres de organização social:
sociedades camponesas, isto é, agrupamentos sociais nos quais não
há separação entre campo e cidade, seriam então
agroecologicamente adequadas. Por isso, os agroecossistemas nas
sociedades de base comunitária camponesa estão absolutamente
agroecologizados, podendo servir de parâmetro para toda e qualquer
organização produtiva.
TEORIA AGROECOLÓGICA: AGROECOSSISTEMAS E
DIÁLOGO DE SABERES; DESENVOLVIMENTO
TECNOLÓGICO DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS –
CAMPONESAS E/OU NATIVAS?
Para a teoria agroecológica, os referenciais histórico-processuais
não representam uma condição para a vigência dos
agroecossistemas. Para ser agroecológico, um agroecossistema deve
127
preencher o requisito de promover a autorregeneração
produtiva/distributiva dos fluxos de energia e materiais emanados
de atividades humanas de
apropriação/transformação/consumo/distribuição no ambiente
natural.
Os aspectos socioeconômicos limitam-se, do ponto de vista
agroecológico, ao ato em si da humanidade em se apropriar,
consumir, transformar e distribuir partes do ambiente natural em
prol da vivência humana. Mas o que é fundamental para a
abordagem material agroecológica é a capacidade do
agroecossistema em se retroalimentar, evitando o acúmulo de
excreções poluentes, na forma de dejetos da produção/distribuição.
Em suma, as sociedades camponesas pré ou não capitalistas
possuem um funcionamento agroecologicamente correto e são
vistas, por isso mesmo, pela teoria agroecológica, como paradigmas
da produção/distribuição agroecológica dos agroecossistêmicas da
humanidade no ambiente natural.
Caberiam, entretanto, ações de caráter técnico-científico por parte
de profissionais das ciências agrárias – adeptos da teoria
agroecológica – no sentido de propor aperfeiçoamentos no processo
produtivo dos camponeses, ao mesmo tempo em que os próprios
camponeses subsidiariam estes profissionais, em relação à
demonstração de práticas agrícolas camponesas passíveis de
influenciar o conjunto de técnicas a ser levadas adiante pela ciência.
Trata-se aí do denominado diálogo de saberes entre os camponeses
e a ciência. Além disso, profissionais e militantes agrários
“campesinistas” recorreriam ao método da ação social coletiva, de
caráter participativo, visando aprofundar este diálogo, estendendo-o
ao plano político, no sentido de realçar a unidade entre campo e
cidade.
Evidentemente estou me referindo, no mundo contemporâneo, a
áreas periféricas do desenvolvimento agrário capitalista nas quais o
campesinato – não (agro) industrializado, nem submetido à
condição de mercadoria – predomina no campo, exercendo papel
preponderante na estrutura social agrária na qual se encontra
envolvido.

128
SEGUNDO CENÁRIO DE TRANSIÇÃO SOCIOTÉCNICA:
PROCESSO HISTÓRICO CAPITALISTA
AGROINDUSTRIAL/SISTEMA METABÓLICO (AGRO)
AMBIENTAL DESAGROECOLOGIZADO
O segundo cenário, ao qual fiz menção, é aquele onde prevalecem
as relações sociais capitalistas agrárias. Neste cenário já ocorre uma
separação entre campo e cidade. Marx localiza no capitalismo
agrário e, consequentemente na agroindústria, o primeiro processo
histórico no qual o trabalho social, abstrato é exigido dos
agricultores por meio de sua crescente mercantilização produtivista.
A força de trabalho social, material iria se concentrar
especificamente nas atividades agroindustriais assalariadas e o
campesinato, do primeiro cenário, tenderia então ao progressivo
desaparecimento – de acordo com a teoria da diferenciação social
camponesa, de Marx.
MARX: DIFERENCIAÇÃO SOCIAL CAMPONESA;
MERCANTILIZAÇÃO PRODUTIVISTA E FORÇA DE
TRABALHO AGROINDUSTRIALIZADA
Marx estabelece a noção da diferenciação camponesa sob as
condições de mercantilização e agroindustrialização do campo,
notadamente nas áreas mais dinâmicas do capitalismo agrário. O
campesinato seria transformado em força de trabalho agroindustrial
assalariada ou se incorporaria através da acumulação de capital, à
fração de classe da burguesia agrária.
Com o processo histórico capitalista agrário viria uma possibilidade
de desenvolvimento das forças produtivas no campo – no caso do
capitalismo agrário, ao qual estou me referindo agora – alicerçado
na concentração da força de trabalho proletária, pela atividade
agroindustrial e na consequente expansão do conhecimento
tecnológico, derivado da pesquisa técnico-científica patrocinada
pelos capitais acumulados nas atividades capitalistas agrárias.
É necessário registrar que Marx, conforme procurei apontar
anteriormente neste texto, identifica no processo histórico de
desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo em geral – no
campo e nas fábricas – e mais detidamente no capitalismo agrário,
uma premissa essencial: o capitalismo agrário se expande através da
intensificação do trabalho social, material, de caráter abstrato,
129
alicerçado na mercantilização produtivista contida na força de
trabalho proletária agroindustrializada.
Assim, para Marx, é o trabalho social, sempre estimulado, que
acarreta o desenvolvimento das forças produtivas. Estas forças
produtivas seriam constituídas pelo próprio trabalho social em
expansão, através da concentração da força de trabalho no contexto
agroindustrial e pelas tecnologias, sempre adaptadas ao ritmo de
concentração e expansão da força de trabalho agroindustrial.
As classes sociais em crescente antagonismo histórico se
estabeleceriam em função da necessidade de exploração da força de
trabalho pelo capitalismo no campo. As classes sociais
fundamentais, emanadas do desenvolvimento das forças produtivas
no agro seriam os capitalistas agrários, detentores dos meios de
produção – e suas respectivas frações concretas – por um lado, e o
proletariado agroindustrial – com suas frações historicamente
específicas – mercantilizado pelas relações sociais capitalistas de
produção, por outro. Marx enfatiza esta existência de frações de
classe correspondentes às classes fundamentais em conflito latente.
O capitalismo agrário se organiza para obter o máximo trabalho
social possível dos trabalhadores, com o objetivo de garantir a mais-
valia pela exploração direta da força de trabalho agroindustrial
proletária realmente submetida ao capitalismo agrário
(BERNSTEIN, op. cit., p. 32-33).
Pode-se afirmar que Marx identificava, no conjunto do proletariado
rural, as frações da classe socialmente explorada pela intensificação
do trabalho social. Este trabalho social, requerido pela elevação
sistemática – ou abrupta – das jornadas de trabalho no campo,
determinava a vivência disciplinada e concentrada das frações de
classe submetidas diretamente à exploração de sua força de
trabalho.
No mesmo processo histórico de desenvolvimento do capitalismo
agrário, outra fração de classe, gerada pela imposição do trabalho
abstrato, mercantilizado, produtivista emergia: a fração de classe de
base social camponesa formalmente submetida ao capitalismo
agrário. No caminho para a diferenciação social, prevista por Marx,
o campesinato em metamorfose social, originário de relações sociais
anteriores à constituição do capitalismo agrário, tornava-se – tanto
130
quanto o proletariado rural – uma força de trabalho para o
desenvolvimento do capitalismo no agro.
Marx situa o advento do processo histórico capitalista agrário como
o momento no qual ocorre a falha metabólica entre humanidade e
natureza. Tal falha metabólica é provocada pela imposição do
máximo trabalho social, material, à sociedade como forma de
garantir o desenvolvimento das forças produtivas.
Neste sentido, Marx reconhece que as forças produtivas do
capitalismo – agrário e fabril – são forças produtivas da humanidade
– contra a natureza exteriorizada, dissociada da própria humanidade,
pelo efeito da falha metabólica.
O trabalho social, material, sempre acentuado em termos de ritmo e
duração pelo capitalismo agrário, servia para
explorar real e formalmente a força de trabalho humana, como
também espoliava a natureza exteriorizada, em busca da máxima
produtividade, em termos da obtenção de matérias-primas e áreas de
expansão da produção. Por isso, Marx adverte que as forças
produtivas da humanidade contra a natureza exteriorizada, geradas
no capitalismo agrário, adquirem historicamente caráter destrutivo.
A PRODUÇÃO DESTRUTIVA NO CAPITALISMO
AGRÁRIO: CONTRA A NATUREZA INORGÂNICA DA
HUMANIDADE; SOBRE A FORÇA DE TRABALHO DAS
FRAÇÕES DE CLASSE SUBMETIDAS AO TRABALHO
SOCIAL ABSTRATO
A destruição, a que faz referência Marx, atingiria não somente a
natureza inorgânica da humanidade, através de sua crescente e
continuada espoliação, mas também alcançaria a própria força de
trabalho, na medida em que o trabalho social, abstrato –
incorporando tecnologias condicionadas e adaptadas à expansão
vertiginosa deste trabalho social – tenderiam a provocar a
desestruturação das formas organizacionais do proletariado rural,
descaracterizando as frações assalariadas desta classe social
submetida, como um todo, ao regime de trabalho agrário abstrato.
Marx antevia no que ele define como força destrutiva do capital, a
crescente influência de tecnologias para a produção, circulação e
reprodução do capital, voltadas para a ampliação da exploração do

131
trabalho social humano e da espoliação da natureza exteriorizada, e
não o contrário.
As tecnologias não substituiriam o trabalho social explorado, mas
atuariam para viabilizá-lo cada vez mais. O que ocorre,
interpretando-se a avaliação de Marx, é que a concentração, a
associação organizativa de classe, que o proletariado rural havia
adquirido com o advento da agroindustrialização capitalista, estaria
cada vez mais comprometida pela introdução de formas
tecnológicas coerentes com a necessidade histórica do capital
agrário em comprometer, sempre mais intensamente, o trabalho
abstrato agrário.
As forças produtivas tornavam-se, no mesmo movimento, também
destrutivas, tanto em relação à natureza exteriorizada, quanto à
própria forma estruturante atribuída à força de trabalho
agroindustrial assalariada.
As novas tecnologias alicerçantes do “mais-trabalho” social tendiam
a tornar obsoletas as formas clássicas de relações de produção,
circulação e reprodução ampliada do capitalismo agrário. A
progressiva desestruturação da força produtiva humana, configurada
nas frações de classe assalariadas do campo – pela via da
descaracterização de sua estruturação interna – levaria o próprio
capitalismo agrário à destruição?
O capitalismo agrário resistiria airosamente a uma possível ameaça
de destruição pelo rearranjo engendrado a partir de suas próprias
forças produtivas em mutação. Se a exploração de classe do
proletariado rural assalariado já não surtia todo o efeito dos
primeiros tempos da relação capital-trabalho no campo, agora o
capitalismo agrário voltava-se para incorporar – ao sistema de
dominação e exploração de classe – a fração de classe cujo papel na
produção agroindustrial poderia ser considerado indireto, formal,
não necessariamente assalariado: a fração de origem camponesa,
resistente à diferenciação plena, prevista por Marx. Por que um
contingente do campesinato se desloca, como fração de classe do
trabalho, social, abstrato, para o capitalismo agrário?
A destruição progressiva das bases históricas do proletariado rural
pode ser a chave para esta explicação. Marx, como assinalado,
antevia a possibilidade de uma migração da fração de classe, de
132
base social camponesa, em direção à sustentação histórica do
capitalismo agrário, em tempos de crise de dominação deste mesmo
capitalismo sobre sua criatura histórica: as frações assalariadas do
proletariado rural, como um todo.
As forças produtivas/destrutivas da humanidade agiam objetiva e
incontrolavelmente para desarticular a organização histórica do
proletariado rural, implodindo sua unidade territorial-espacial, no
âmbito das atividades de produção/circulação/reprodução ampliada
gerenciada pelo próprio capitalismo agrário.
A dialética da produção/destruição atingia, em cheio, os
mecanismos clássicos de reprodução do capitalismo agrário, isto é,
a base histórica de sua reprodução: a mais-valia diretamente
extraída da força de trabalho proletária rural através da
subsunção real deste trabalho material, social, abstrato ao
capitalismo agroindustrial.
A partir daí ocorre o movimento do capitalismo agrário em direção
à incorporação da força de trabalho camponesa não
assalariada, formalmente submetida ao capital nos modernos
complexos agroindustriais capitalistas.
Como será analisada detalhadamente, mais adiante, neste texto, a
subsunção formal do trabalho camponês ao capitalismo agrário, sem
a dissolução completa da subsunção real do trabalho assalariado do
proletariado rural, acrescenta à acumulação capitalista no agro um
fator essencial à sua reprodução.
Quando da verificação mais detida da relação entre capitalismo
agrário e cadeias produtivas, e de circulação/distribuição de
mercadorias, será possível ampliar o escopo explicativo dessa
abordagem, na qual o papel desempenhado por setores não
diretamente assalariados, pela fração de classe capitalista
agroindustrial, vai ocupar posição de destaque em torno dos
próprios complexos agroindustriais capitalistas.
O que não se deve perder de vista é a premissa, lançada por Marx,
pela qual o capitalismo (agro) industrial baseia-se na permanente
necessidade de acumular capital através da intensificação do
trabalho social, abstrato – real ou formalmente submetido – do
proletariado assalariado e/ou da fração de classe a ser incorporada
ao espectro mais amplo da exploração capitalista agrária, sobre toda
133
ou qualquer forma de força de trabalho estruturada, em
desestruturação ou em vias de reestruturação.
PRODUÇÃO DESTRUTIVA E INCORPORAÇÃO DA FRAÇÃO
DE CLASSE DE ORIGEM CAMPONESA AO PROCESSO
HISTÓRICO DE ACUMULAÇÃO CAPITALISTA AGRÁRIA
Assim, uma fração de classe de base camponesa incorpora-se ao
processo de acumulação do capitalismo agrário. As tecnologias
resultantes da reorientação do processo histórico de
desenvolvimento do capitalismo agrário são inevitável e
necessariamente – de acordo com a interpretação da leitura de Marx
– tecnologias voltadas a exercer a função de operacionalizar as
condições de reprodução ampliada do capital agrário, via o estímulo
e o aporte para a expansão do trabalho direta ou indiretamente
produtivo – assalariado ou não – do conjunto da força de trabalho
submetida real ou formalmente ao processo produtivo/distributivo
do capital no campo.
Este processo histórico, em reconstituição, baliza-se pela perda de
influência e poder organizativo do proletariado rural – cuja
estruturação nas agroindústrias, típicas dos primeiros tempos do
capitalismo (agro) industrial, vai sendo solapada exatamente pela
introdução contínua de tecnologias de
produção/distribuição/reprodução ampliada, acopladas à função de
garantir e generalizar o “mais-trabalho” social, abstrato no campo.
No decorrer do processo histórico capitalista agrário, o proletariado
rural assalariado – enquanto fração preponderante da classe
submetida ao trabalho abstrato – não se extingue, mas perde a
centralidade protagonista dos primórdios da acumulação capitalista
no campo. A partir de um determinado momento histórico – da
implantação dos complexos agroindustriais no século XX – a
exploração da força de trabalho no agro estende-se para a fração de
classe de origem camponesa, em mutação histórica, cujo hibridismo
e ambiguidade fazem com que se situe numa posição de fração de
classe intermediária: entre o proletariado rural em crise estrutural –
pela via da subsunção formal, em cadeias produtivas, de seu
sobretrabalho social, pela classe capitalista agroindustrial – e o
próprio conjunto dominante representado pelo capitalismo
agroindustrial – através de sua inclusão nos complexos
134
agroindustriais, na condição de partícipe das cadeias
produtivas/distributivas do capitalismo agrário, já sob a égide do
agronegócio (BERNSTEIN, op. cit., p. 142-151).
Por outro lado, no mesmo processo histórico, conduzido pelo
capitalismo agroindustrial, a espoliação da natureza exteriorizada –
pela via do “mais-trabalho” social produtivo e “mais-tecnologia”
apropriada às condições materiais da intensificação do trabalho
social – amplia a falha metabólica observada por Marx entre
humanidade e natureza.
O desenvolvimento das forças produtivas no capitalismo agrário é
também o desenvolvimento que vai destruir progressivamente a
natureza exteriorizada, dissociada da humanidade, compreendida
pelo capitalismo agrário como recurso natural eternamente
disponível para a espoliação pela própria humanidade
desnaturalizada.
TEORIA AGROECOLÓGICA CRÍTICA DA
AGROINDUSTRIALIZAÇÃO CAPITALISTA: SOBRECARGA
METABÓLICA EM AGROECOSSISTEMAS
ECORREGULADOS
A teoria agroecológica do desenvolvimento agrário foca suas
críticas na agroindustrialização capitalista. A abordagem
agroecológica, como assinalado anteriormente, parte do princípio
pelo qual a agricultura em geral é ecorregulada, não cabendo
nenhum tipo de industrialização produtiva em atividades agrárias,
sob pena de que a agroindustrialização acarrete uma sobrecarga no
sistema metabólico como um todo, gerando excreções ou dejetos
poluentes no ambiente natural, capazes de inviabilizar a
retroalimentação dos agroecossistemas submetidos a qualquer forma
de (agro) industrialização.
Um agroecossistema agroecológico é aquele – como já referido
neste texto – onde apropriação e transformação produtiva do
ambiente natural pela humanidade se fazem de forma
ecologicamente sustentável, isto é, sem causar bloqueios à
reprodução agroecológica dos agroecossistemas.
A reprodução agroecológica ocorre, nos agroecossistemas, toda vez
que as apropriações do ambiente natural, e suas consequentes

135
transformações, delineiam um ciclo virtuoso de produção e
distribuição de bens de consumo alimentar e/ou energético.
Nestes casos, os níveis de excreção dos sistemas são
necessariamente compatíveis, em termos dos fluxos de energia e
materiais, com a regeneração do próprio sistema em si, ou seja, de
sua capacidade de retroalimentação sistêmica.
No cenário que estou analisando – predomínio das relações de
produção capitalistas agrárias – a agroindustrialização induz os
agroecossistemas a performances agroecologicamente negativas.
Neste cenário de agroindustrialização, os dejetos gerados em nível
de transformação e distribuição nas atividades agrárias suplanta, em
geral, a capacidade de carga energética e de materiais dos
agroecossistemas, fazendo com que estes adquiram uma quantidade
ecologicamente insustentável de dejetos, resultantes do caráter da
produção empregada.
METABOLISMO SOCIAL EM MARX E NA AGROECOLOGIA:
CONVERGÊNCIA TEÓRICA NA CRÍTICA AO
DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA AGRÁRIO
Percebe-se aqui – guardadas as proporções dos referenciais teórico-
metodológicos entre elas – aproximações pontuais entre a
perspectiva histórico-material, contida na obra dialética de Marx e o
conteúdo ecológico-energético-ambiental expresso na abordagem
material-dialética da teoria dos sistemas, adaptada ao universo das
atividades produtivas e distributivas no agro.
A crítica agroecológica ao desenvolvimento do capitalismo agrário
revela elementos que tendem a aproximar a corrente agroecológica
da interpretação de Marx. Como já assinalado, as duas concepções
partem da noção de metabolismo social.
No caso de Marx, o que prevalece é a preocupação em determinar a
existência da falha metabólica entre humanidade e natureza,
apontando a origem histórica desta falha pela introdução das formas
capitalistas agrárias, causadoras da separação entre campo e cidade.
Marx utiliza-se do referencial teórico pelo qual o capitalismo
agrário opera, dialeticamente, em torno do movimento entre
produção, circulação e reprodução ampliada do próprio capital.
A noção de sistema metabólico, utilizada pela teoria agroecológica,
estabelece quatro níveis de análise dos agroecossistemas: a
136
apropriação do ambiente natural pela humanidade; a transformação
deste ambiente natural; o consumo; a distribuição dos bens
produzidos.
Por livre analogia, pode-se considerar factível relacionar os níveis
de análise agroecológicos com as fases de produção, circulação e
reprodução do capital, de Marx, notadamente quando se interpreta
este cenário, no qual predominam as relações sociais de produção
capitalistas agrárias.
Avançando na analogia proposta, entre Marx e a agroecologia, em
termos teórico-metodológicos, deve-se fazer uma inferência entre
processo histórico capitalista agrário e agroecossistemas
metabólicos.
Sugere-se a existência de uma correlação, não necessariamente
intencional, mas certamente influenciada pela abrangência
conceitual entre as concepções de Marx – acerca da falha
metabólica – e a noção de sistema metabólico da teoria
agroecológica.
PROCESSO HISTÓRICO DE PRODUÇÃO/CIRCULAÇÃO DE
MERCADORIAS; SISTEMA METABÓLICO DE
APROPRIAÇÃO/TRANSFORMAÇÃO/DISTRIBUIÇÃO NOS
AGROECOSSISTEMAS CAPITALISTAS AGRÁRIOS
A correspondência que se visualiza entre as duas perspectivas
analíticas é a seguinte: a apropriação/transformação dos
agroecossistemas no capitalismo agrário teria um rebatimento
teórico na noção de produção, de Marx; o nível de distribuição,
identificado pela concepção agroecológica, estaria vinculado à
noção de circulação de mercadorias e a subsequente necessidade
histórica do capitalismo em promover a reprodução ampliada do
capital.
No capitalismo agrário, a terra é passível de apropriação produtiva,
no âmbito da geração de mercadoria. A transformação produtiva
ocorreria pela utilização de ferramentas, sementes, fertilizantes e
todo o maquinário necessário para apoiar tecnologicamente a
atividade de produção transformadora da natureza pela humanidade.
A distribuição/circulação de mercadorias-reprodução ampliada de
capital relaciona-se à cadeia de transportes de produtos/mercadorias
em grandes distâncias – o que se poderia denominar – stricto
137
sensu – de circuitos longos de produção/distribuição (SEVILLA
GUZMÁN, SOLER, GALLAR, VARA, CALLE, op. cit., p. 45-47).
A redução de todo o ciclo de transformação/produção e
distribuição/circulação/reprodução ao âmbito do mundo das
mercadorias, geradas e controladas pelo capitalismo agrário,
aproxima a crítica agroecológica daquela que é feita pela teoria de
Marx.
Na mesma proporção em que Marx atribui um caráter destrutivo –
do trabalho social, abstrato e da natureza dissociada da humanidade
– ao capitalismo agrário, a teoria agroecológica percebe na
agroindustrialização o agente econômico-ecológico da
inviabilização da regeneração retroalimentadora dos
agroecossistemas.
Os dejetos gerados pelos circuitos longos de transformação
distributiva de mercadorias, no capitalismo agrário, pelas
agroindústrias, correspondem à destruição da natureza exteriorizada
e à desestruturação do trabalho social pela marcha do
desenvolvimento destrutivo das forças produtivas, tal qual
interpretado por Marx.
Em uma frase pode-se arriscar, de maneira bastante calculada, a
correlação teórica entre a análise de Marx e a moderna teoria
agroecológica: o sistema metabólico opera em falha no capitalismo
agrário e esta falha metabólica pode ser percebida pela destruição
do ambiente natural, pela via do emprego de tecnologias que
bloqueiam, através do acúmulo de dejetos, a retroalimentação de
fluxos de energia e materiais nos agroecossistemas.
A falha metabólica no capitalismo agrário é originada pela
imposição de ritmos de produção/circulação/reprodução do mundo
das mercadorias nos quais o trabalho social e as tecnologias
correspondentes são direcionados para a ampliação indefinida, à
intensificação absoluta.
O processo histórico no qual predominam as regras do capitalismo
agrário é insustentável, tanto para a moderna teoria agroecológica –
enquanto sistema metabólico agroambientalmente obstruído –, da
segunda metade do século XX, em diante, quanto para uma releitura
da obra de Marx.

138
A grande diferença entre a abordagem teórica de Marx e a corrente
de pensamento e ação agroecológica reside no fato de que Marx
estabelece uma relação material-dialética de base histórico-
processual, entre humanidade e natureza exteriorizada.
Na dialética marxista, natureza e humanidade são intrinsicamente
complementares, mas operam em total exclusão entre si na dinâmica
do processo histórico capitalista. Para Marx, o capitalismo (agro)
industrial promoveu a separação, radical e artificial, entre campo e
cidade, ao mesmo tempo em que, no mesmo movimento, seccionava
humanidade e natureza.
Em função desta constatação, Marx se apercebe da falha metabólica
entre humanidade-natureza e campo-cidade, provocada pelo
advento do capitalismo agrário. Ao aprofundar-se no estudo da
formação histórica do capitalismo agrário, Marx (re) constrói o seu
aparato conceitual a partir do qual analisa e projeta, até mesmo
através de digressões histórico-dialéticas, as condições nas quais o
capitalismo (agro) industrial se estabelece e as suas contradições
inerentes e os caminhos para a sua superação.
Já foi mencionado neste texto que o aparato conceitual de Marx
funda-se no seguinte eixo: imposição pelo capitalismo (agro)
industrial de trabalho social, material, abstrato em níveis
elevadíssimos de atividade; constituição de um processo histórico
de desenvolvimento das forças produtivas da humanidade
desnaturalizada.
Como constata Marx, com a dicotomia imposta pelas leis
capitalistas de produção entre humanidade e natureza, todo e
qualquer processo de desenvolvimento da produção capitalista
obedece ao impulso objetivo de agir contra a natureza exteriorizada
e sobre o trabalho social ampliado.
A resultante histórica do processo em questão é o surgimento de
classes e frações de classes sociais que vão se antagonizar, no
processo histórico capitalista agrário, em torno da luta por maior ou
menor quantidade de trabalho social, material a ser realizado pelos
trabalhadores submetidos, real ou formalmente à marcha do
desenvolvimento – neste caso específico, no agro – do capitalismo
industrial.

139
A luta de classes, no processo histórico gerado pela construção das
bases de produção/circulação/reprodução ampliada do capitalismo
agrário vai opor, em qualquer época histórica, na qual predomine o
capitalismo agrário, a classe capitalista agrária e suas frações
correspondentes – unificadas pelo objetivo de explorar
socioeconomicamente o trabalho social, pela via da intensificação
da jornada de trabalho no campo.
Paralela e concomitantemente espolia a natureza exteriorizada,
através da mesma imposição de “mais-trabalho” abstrato
apropriador e transformador da própria natureza – reduzida à
condição de fonte inesgotável de matéria-prima para o usufruto da
humanidade, visando à expansão das formas capitalistas de
produção – a uma classe social e suas frações, historicamente
configuradas, de resistência e superação ao trabalho social abstrato,
imposto pelo capitalismo agrário à humanidade desnaturalizada e à
natureza exteriorizada.
TRABALHO SOCIAL ABSTRATO E TECNOLOGIAS NA
PRODUÇÃO DESTRUTIVA DO CAPITALISMO AGRÁRIO
Ao trabalho social intensificado – o “mais-trabalho abstrato” –
correspondem tecnologias criadas técnico-cientificamente em
função das necessidades de reprodução capitalista na agroindústria.
Estas tecnologias não são neutras, nem autônomas em relação ao
ritmo imprimido ao trabalho social abstrato pelo capitalismo
agrário. Ao contrário, as tecnologias adaptadas ao “mais-trabalho”
social, material conformam um todo perfeitamente coerente com as
características deste tipo de trabalho social intensificado.
Não é possível distinguir entre trabalho social e tecnologias
empregadas na sua execução. Estas tecnologias do desenvolvimento
do capitalismo agrário, portanto, são sempre funcionais ao próprio
ritmo de utilização maximizada do trabalho social pelo capital.
No século XIX, a luta de classes no campo deveria opor,
objetivamente, a fração de classe proletária rural, na medida em que
esta, de acordo com Marx, representava a bandeira da redução do
tempo de trabalho social, por um lado – e a burguesia capitalista
agrária, já organizada em torno das unidades agroindustriais de
produção, por outro.

140
Seria, por assim dizer, o enfrentamento da criatura e do criador,
historicamente referidos. Ocorre que o proletariado rural nunca
obteve efetivamente a conquista da redução do tempo de trabalho
social, no decorrer do processo no qual as tecnologias empregadas
pelo capitalismo agroindustrial desempenhavam, dialeticamente, o
papel de acentuar, e não de atenuar, a jornada de trabalho social.
Ao longo do processo histórico do capitalismo agrário, do século
XIX ao XXI, o desenvolvimento das forças produtivas no campo –
conduzido pelo binômio “mais-trabalho” social material/“mais-
tecnologias” correspondentes ao “mais-trabalho” – proporcionou o
emprego das tecnologias de produção/reprodução do capital e
acentuou a utilização de cada vez “mais-trabalho” social sobre a
humanidade e contra a natureza, ao invés de seguir o caminho de
reaproximar a humanidade de sua natureza material, inorgânica.
Neste sentido, as forças produtivas emanadas do desenvolvimento
do capitalismo agrário tornaram-se destrutivas em relação às formas
sociais clássicas de resistência histórica ao capital – a classe de
trabalhadores integrados na luta pela redução sistemática do
trabalho social e a fração, até então preponderante desta classe: o
proletariado agroindustrial assalariado.
A destruição provocada pelo avanço material da ideologia de classe
do capitalismo agroindustrial atingiria também a natureza
exteriorizada, em seu papel de mantenedora de recursos tidos como
inesgotáveis para promover este desenvolvimento.
O desenvolvimento das forças produtivas passa, então, a ser
conduzido contra a natureza exteriorizada, historicamente
dissociada da humanidade, e não em harmonia com ela. Mas esta
síntese que se faz do pensamento de Marx, em diversas fases de sua
obra, visa a que se permita detectar não mais a confluência, já
assinalada, entre as premissas e caracterizações de Marx, no século
XIX, no alvorecer do processo histórico capitalista – acerca da
relação humanidade/natureza e seus desdobramentos até as
considerações sobre a luta de classes no campo – entre Marx e a
corrente teórica agroecológica da segunda metade do século XX, em
diante, mas de uma grande discrepância, aparentemente superável,
no âmbito da lógica dialética, entre as duas abordagens em questão.

141
PRIMEIRO E SEGUNDO CENÁRIOS: APROXIMAÇÃO OU
DISTANCIAMENTO ENTRE AS TEORIAS DE MARX E DA
AGROECOLOGIA? PRIMEIRO CENÁRIO: PLENA
CORRESPONDÊNCIA ENTRE TRABALHO MATERIAL
COMUNITÁRIO E TECNOLOGIAS AGRÁRIAS
O primeiro cenário que propus para análise, neste texto, refere-se,
como assinalado, à predominância organizativa/produtiva do
campesinato tradicional, de base energética. Assinalam-se as
condições de produção/distribuição de bens de consumo
estritamente relacionados à prática do valor de uso da produção –
antecedendo temporalmente e distanciado espacialmente: da
disseminação da propriedade privada dos meios de produção; da
introdução das formas generalizadas de mercadoria; da subsunção
capitalista agroindustrial da força de trabalho real ou formalmente
submetida ao capital; do desenvolvimento das forças
produtivas/destrutivas da humanidade sobre o trabalhador
social desumanizado e contra a natureza exteriorizada; e o
consequente surgimento das classes e frações de classe socialmente
antagônicas, além da permanente latência de situações de
enfrentamento entre elas. Esta avaliação está em conformidade com
a interpretação, oferecida por Marx, acerca das condições de
organização e produção não condizentes com o processo histórico
capitalista agrário.
É exatamente em relação a contextos socioterritoriais como o
descrito acima, ao qual me referi como primeiro cenário analítico,
que a teoria agroecológica centra mais decisivamente seu campo de
análise. No primeiro cenário, as tecnologias de transformação
correspondem integralmente à prática de trabalho material
comunitário, concreto, socialmente limitado ao espaço-território das
comunidades e/ou parcelas camponesas.
Em termos agroecológicos, a apropriação da natureza, para as
transformações necessárias à realização da produção de bens
materiais de subsistência comunitária, não representa uma
apropriação privada do ambiente natural pela humanidade.
Marx admite que em um cenário como este, o qual originariamente
antecede a implementação do processo histórico capitalista agrário,

142
prevalece uma identidade entre humanidade e natureza, como
assinalado em passagens anteriores deste texto.
A teoria agroecológica da segunda metade do século XX centra-se
na caracterização do referido cenário para elaborar seu arcabouço
sistêmico de análise. Ali, trabalho comunitário, trabalho livre,
humanidade, natureza, técnicas pré-científicas de produção,
escoamento localizado do material produzido sob a forma de bens
de consumo direto – alimentares ou energéticos – convivem
comunitariamente.
Da apropriação à excreção, o sistema metabólico camponês de
transformação/distribuição da natureza, e os produtos dela
extraídos, não resulta em qualquer restrição ao funcionamento
equilibrado da relação sociedade/natureza. As tecnologias, ou mais
precisamente as técnicas sociais comunitárias camponesas, não
obstruem os agroecossistemas camponeses, ao contrário, permitem
a plena retroalimentação sistêmica deles.
TEORIA SISTÊMICA AGROECOLÓGICA NO PRIMEIRO
CENÁRIO: TRABALHO E TECNOLOGIA ECORREGULADOS,
SEM RELAÇÃO CAUSAL ENTRE ELES
No caso do primeiro cenário, portanto, o trabalho humano na
natureza é realizado pela utilização de técnicas – tecnologias
ecológico/sociais – correspondentes ao próprio trabalho. Isto é,
trabalho e tecnologias operacionais camponesas integram a natureza
à humanidade e vice-versa, dialeticamente.
Não há distinção de práticas e propósitos entre trabalho e
tecnologias camponeses. O trabalho camponês, e das demais
comunidades tradicionais, é (agro) ecológico na medida em que
utiliza-se de tecnologias adequadas à permanente restauração
ecológico-ambiental-energética do ambiente natural no qual são
empregados.
As tecnologias camponesas se limitam a gerar transformações de
base solar energética na natureza modificada. É uma atividade
produtiva ecorregulada, adequada à interação entre sociedade e
natureza, na perspectiva agroecológica.
O paradigma produtivo camponês – não capitalista – da teoria
agroecológica faz com que esta teoria rejeite, decididamente, a

143
introdução de formas de apropriação/transformação da natureza pela
sociedade humana, que não sejam ecorreguladas.
Assim, a teoria agroecológica critica, de maneira contundente, a
introdução de formas capitalistas agroindustriais de produção.
Como a teoria sistêmica agroecológica fixa-se nas práticas
tecnológicas de produção no agro, esta teoria analítica não
estabelece nenhuma relação causal entre trabalho e tecnologia.
TEORIA SISTÊMICA AGROECOLÓGICA NO SEGUNDO
CENÁRIO: AGROECOSSISTEMAS NÃO ECORREGULADOS;
TECNOLOGIAS NÃO APROPRIADAS À REGENERAÇÃO
METABÓLICO/ENERGÉTICA. TEORIA DE MARX:
CONDICIONAMENTO DIALÉTICO DAS TECNOLOGIAS
PELO TRABALHO SOCIAL ABSTRATO; INVIABILIZAÇÃO
DA TROCA METABÓLICA ENTRE HUMANIDADE E
NATUREZA EXTERIORIZADA
Quando se desloca o foco de interpretação para o segundo cenário,
no qual prevalecem as relações sociais de produção capitalistas
agrárias, a tendência é que o enfoque agroecológico passe a se
distanciar analiticamente do de Marx. Então, por que isto ocorre? A
meu ver, a teoria agroecológica restringe-se, do ponto de vista
sistêmico/metabólico, a verificar se os agroecossistemas ali
estruturados estão tecnologicamente aptos, ou não, a conduzir os
sistemas metabólicos aos seus adequados movimentos funcionais:
isto é, se as tecnologias praticadas permitem, ou até estimulam, a
retroalimentação agroecossistêmica, no sentido de garantir o fluxo
de energia e materiais no seu interior, de forma ininterrupta. Em
outras palavras: à teoria agroecológica cabe discernir entre
tecnologias, cujas aplicações resultam em agroecossistemas nos
quais as apropriações e transformações decorrentes – praticadas no
ambiente natural – geram excreções poluentes capazes de bloquear
o referido fluxo; ou se estas excreções são passíveis de serem
diluídas no interior dos agroecossistemas avaliados.
A teoria agroecológica utiliza-se, então, teórico-metodologicamente,
do recurso a aferições agroecossistêmicas com base no referencial
analítico denominado metabolismo social agrário, que inclui a
realização de balanços energéticos destinados a aferir exatamente a
capacidade de retroalimentação agroecossistêmica.
144
As tecnologias utilizadas nas agroindústrias do capitalismo agrário
certamente não são ecorreguláveis e por isso mesmo não passam
pelo crivo dos balanços energéticos e do metabolismo social
agrário, de cunho agroecológico.
O que se percebe, então, é que a teoria agroecológica centra toda a
preocupação, teórico-metodológica – no segundo cenário em
questão – em avaliar a capacidade das tecnologias em proporcionar
garantias, ou não, à reprodução agroecológica dos agroecossistemas
avaliados. Tudo depende então das características das tecnologias
adotadas para a transformação dos agroecossistemas.
A ausência do referencial analítico representado pela introdução do
trabalho social, material, abstrato nas relações capitalistas de
produção agrárias, distancia, a meu ver, a corrente agroecológica da
elaboração teórica de Marx, pois isola o fator tecnológico em
relação a sua imbricação com toda e qualquer forma de trabalho
exercida nas atividades de
apropriação/transformação/consumo/distribuição produtiva da
natureza exteriorizada, pela humanidade desnaturalizada.
O ambiente natural, na abordagem agroecológica, está e sempre
estará dissociado da humanidade – passível, portanto de ser
influenciado por ela, tanto em condições sistêmicas adequadas à
preservação do ambiente natural, quanto em condições inadequadas,
como se constata na interpretação analítica dos agroecossistemas
submetidos à produção agroindustrial.
Quando, no segundo cenário analisado, as tecnologias de
transformação tornam-se – na leitura que faz este texto, da obra de
Marx – dependentes historicamente do tipo de intensidade a elas
requerida pela prática do trabalho social, material – ou seja, quando
em condições históricas nas quais o trabalho social, abstrato,
condiciona histórico/dialeticamente as tecnologias correspondentes
a seu ritmo sempre expansivo de produção – a teoria agroecológica
centra-se no desempenho tecnológico dos agroecossistemas e as
consequências daí derivadas, desconsiderando, ou ao menos
minimizando, o papel prévio desempenhado pelo trabalho social e
as exigências de adaptação das tecnologias utilizadas, sob tais
condições, ao trabalho social historicamente abstrato, em questão.

145
No cenário do desenvolvimento agrário capitalista, a teoria
agroecológica centra sua crítica a esta forma de desenvolvimento,
dissociando trabalho social de tecnologia. As tecnologias de
transformação assumem relevância decisiva no contexto da crítica
agroecológica ao desenvolvimento agrário capitalista e às
alternativas produtivas/distributivas de base agroecológica.
As tecnologias agroindustriais são consideradas as responsáveis
diretas pelo bloqueio do fluxo de energia e materiais no
metabolismo agroecossistêmico. As tecnologias de produção
agroindustriais acarretam, portanto, apropriações e transformações
da natureza de características anti-agroecológicas.
Se o próprio ambiente natural ecorregula toda e qualquer atividade
apropriadora/transformadora realizada pela humanidade, as práticas
tecnológicas implementadas na agroindustrialização contêm um
vício de origem: não são ecorreguláveis. A teoria agroecológica vai
tender a derivar daí apreciações acerca do papel das tecnologias que
delimitam estas ações ao escopo ecológico-ambiental-energético.
Então, o sistema agroecologicamente correto é aquele no qual as
tecnologias adotadas visam, acima de tudo, não gerar excreções
quantitativamente maiores do que a capacidade de reprodução dos
agroecossistemas em constante modificação, devido à introdução
destas tecnologias.
A teoria agroecológica propõe medidas de controle das quantidades
de dejetos excretáveis. Daí derivam a noção de metabolismo social
agrário e o balanço energético resultante. A técnico-ciência de base
agroecológica, inspirada em seus primórdios na organização
produtiva/distributiva camponesa pré-capitalista, sofistica-se para
alcançar padrões científicos agrários de mensuração e controle das
excreções geradas nas atividades de apropriação
transformadora/distributiva da sociedade em relação à natureza.
Emergem desta estruturação técnico-científica agroecológica pelo
menos dois aspectos a serem salientados: a teoria agroecológica
elabora meios de transformação tecnológica do ambiente natural,
que sejam convenientemente adequados e funcionais a atividades
ecorreguladas de transformação/distribuição de produtos originários
desta transformação agroecossistêmica; as tecnologias a serem
empregadas nas atividades agrárias entram em conflito com as
146
tecnologias de produção agroindustriais, devido ao fato de que estas
tecnologias não são ecorreguladas.
SEGUNDO CENÁRIO: TRABALHO SOCIAL AGRÁRIO –
REAL OU FORMAL – ABSTRATO; TECNOLOGIAS DE
PRODUÇÃO/CIRCULAÇÃO DIALETICAMENTE
ADAPTADAS AO TRABALHO SOCIAL AGRÁRIO
CORRESPONDENTE; EMPREGO DE TECNOLOGIAS DE
BASE ECOLÓGICA; AUSÊNCIA DE AMBIENTES NATURAIS
METABÓLICOS ECORREGULADOS
A primeira questão que se pode levantar, para confrontar a
concepção agroecológica da primazia do caráter tecnológico da
produção é a seguinte: considerando a interpretação adotada neste
texto da concepção da relação trabalho/tecnologia na obra de Marx,
pela qual o ritmo de trabalho social, material, abstrato imposto à
humanidade/natureza, no processo histórico capitalista agrário, é
dialeticamente determinante para a feição tecnológica das atividades
produtivas e distributivas de bens metamorfoseados em mercadorias
– e não o inverso – até que ponto a busca agroecológica por
tecnologias cada vez mais adequadas à produção ecorregulada leva
em conta a possibilidade – no caso específico do desenvolvimento
agrário capitalista – das tecnologias agroecológicas não redundarem
na restauração de ambientes naturais metabólicos ecorreguláveis?
Isto ocorreria pelo fato de que o trabalho social, material, imposto
pelo capitalismo agrário aos trabalhadores rurais, dentro de sua
lógica socialmente reprodutiva, precede o uso das tecnologias e
tende, portanto, a provocar sempre a adaptação – descaracterizadora
das tecnologias agroecológicas ecorreguláveis – ao ritmo intensivo
de trabalho social, inviabilizando assim a regeneração dos
agroecossistemas.
Em outras palavras, a título de síntese: a caracterização que se faz
neste texto – da assimetria entre ritmo intensivo de trabalho social
no capitalismo agrário e atividades tecnológicas agroecológicas
ecorreguláveis – efetivamente acontece na realidade, pois as
atividades agroindustriais não podem passar por nenhuma
regeneração agroecossistêmica decorrente, pura e simplesmente, da
busca pelo emprego de tecnologias agroecológicas ecorreguláveis.

147
Assim sendo, estas tecnologias tenderão a ser rejeitadas ou
descaracterizadas nas atividades transformadoras/distributivas
agrárias capitalistas, enquanto os agroecossistemas agroindustriais
não forem destituídos de suas condições básicas de existência e
funcionamento – pela redução sistemática ou abrupta,
revolucionária, do ritmo de trabalho social, material, abstrato que é
a própria razão de ser do desenvolvimento agroindustrial capitalista,
ao qual adaptam-se tecnologias que correspondem à manutenção e
ao aprimoramento tecnológico das relações de trabalho
agroindustriais capitalistas.
Assim sendo, a ecorregulação agroecológica torna-se historicamente
inviável em condições de predomínio das relações sociais
capitalistas de produção agrárias, se consideradas as ponderações,
desde Marx, acerca dos condicionamentos das tecnologias aos
ritmos de trabalho social, material impostos pela necessidade de
expansão indefinida da produção/circulação/reprodução ampliada
do capitalismo, especificamente aquele que se desenvolve no
campo.
Marx distinguiu, em sua obra, entre duas situações englobadas na
dinâmica do processo histórico capitalista. A primeira situação
corresponde ao desenvolvimento das forças produtivas em sua
plenitude, ou marchando para isto – casos da Europa Ocidental e
Estados Unidos, pós-guerra civil.
A segunda situação referida prevalece aonde relações capitalistas de
produção no campo e nas cidades conduzam a um desenvolvimento
das forças produtivas – tanto em relação à concentração fabril do
proletariado, rural e urbano, quanto ao crescimento quantitativo e à
capacitação qualitativa das tecnologias de produção – no qual ainda
não se houvesse alcançado a mesma maturidade econômico-social
da primeira situação histórica mencionada.
O segundo cenário, ora abordado, corresponde a um momento do
processo histórico capitalista (agro)industrial no qual este encontra-
se plenamente desenvolvido. Neste cenário, as tecnologias de
produção no campo adquirem feições características dos processos
agroindustriais capitalistas de ponta.
As tecnologias, então, foram moldadas às condições de reprodução
do capitalismo agrário. O desenvolvimento das forças produtivas no
148
campo, em tais condições, coincide com as características mais
entranhadas da agroindustrialização.
Um aspecto, porém, de grande relevância, deve ser assinalado.
Mesmo nas condições de desenvolvimento clássicas do capitalismo
agrário, o modelo capitalismo/força de trabalho assalariada, que
caracteriza, indiscutivelmente, do ponto de vista de Marx, o período
agroindustrial de acumulação capitalista, não se apresenta de forma
pura.
Tanto naquilo que se denominou, no século XX, de complexo
agroindustrial, quanto no agronegócio – típico desdobramento
comercial-financeiro das relações de produção capitalistas agrárias
do século XXI – a reprodução clássica do capitalismo, pela via da
mais-valia obtida pelo capitalismo agrário na exploração direta do
trabalho produtivo do assalariado rural: a subsunção real do trabalho
ao capital no campo – conviveu e convive, historicamente, com a
subsunção formal de produtores relacionados, de diversas formas,
ao capitalismo agrário, notadamente em cadeias produtivas e
distributivas de mercadorias.
O que a meu ver, com base na interpretação que se faz desta
releitura de Marx, unifica as práticas agroindustriais, e do
subsequente agronegócio, em termos do desenvolvimento do
capitalismo agrário, não é o progresso linear das tecnologias
agroindustriais – e seus efeitos deletérios sobre a reprodução social
e ecológica da humanidade e da natureza dissociadas entre si –, mas
é algo que precede historicamente a esta situação: a imposição pelo
capitalismo agrário à humanidade e à natureza exteriorizada, como
um todo, de uma crescente atividade de trabalho social –
acompanhada pela introdução de formas tecnológicas sempre
adaptadas e dialeticamente condicionadas ao ritmo acelerado e
continuado do trabalho material obtido pela inserção da força de
trabalho – em termos reais e/ou formais – às condições capitalistas
de produção agrária, e do controle das fontes inesgotáveis de
recursos conseguidas através da espoliação, em permanente
ampliação, da natureza inorgânica da humanidade.
As tecnologias do capitalismo agrário, mesmo em um cenário no
qual as forças produtivas estão desenvolvidas ao máximo de sua
capacidade – principalmente nestas condições –, visam a
149
proporcionar, ao capitalismo agrário, os meios mais adequados e
convenientes para o domínio sobre a força de trabalho humana, e a
natureza exteriorizada enquanto fonte de recurso para a expansão do
trabalho social, material, abstrato.
Assim, tais tecnologias não substituem o trabalho social, pelo
contrário, são criadas e geridas pelo capitalismo agrário no sentido
de proporcionar as melhores oportunidades para o incremento da
atividade produtiva, com base no próprio trabalho social cada vez
mais exigido da sociedade.
Assim sendo, o capitalismo agrário adquire o formato de um
desenvolvimento destrutivo das forças produtivas dele emanadas,
tanto em termos sociais – a desfiguração da organização do trabalho
agroindustrial – como em termos ecológico-ambientais – a
espoliação mercantil/produtivista da natureza exteriorizada.
A falha metabólica, assinalada por Marx, e a interrupção dos fluxos
de energia e materiais – causadores do bloqueio da retroalimentação
agroecossistêmica metabólica, apontadas pela teoria agroecológica
– encontram-se nos seus limites de insustentabilidade devido ao
desenvolvimento do capitalismo agrário sobre a força de
trabalho desumanizada, no campo, e contra a natureza exteriorizada.
A reconciliação entre humanidade e natureza está inviabilizada, no
processo de desenvolvimento do capitalismo agrário. Tanto a teoria
de Marx, quanto a da corrente agroecológica atestam esta situação.
TERCEIRO CENÁRIO: DESENVOLVIMENTO DAS FORÇAS
PRODUTIVAS NO CAPITALISMO AGRÁRIO; HIBRIDISMO
DAS FORMAS CAMPONESAS E PROLETÁRIAS DE
ORGANIZAÇÃO PARA A PRODUÇÃO; CONVERGÊNCIA
ENTRE CONDIÇÕES DE SUBSUNÇÃO FORMAL E REAL DO
TRABALHO SOCIAL AO CAPITALISMO AGRÁRIO
Observe-se agora um terceiro cenário de desenvolvimento agrário.
Neste cenário de desenvolvimento agrário prevalecem, em última
instância, as condições de desenvolvimento das forças produtivas
características do desenvolvimento agrário capitalista.
A diferença essencial em relação ao segundo cenário, teoricamente
analisado, reside na especificidade da territorialização e
espacialização de movimentos sociais agrários na construção de
reformas agrárias (FERNANDES, 2001, p. 59-65).
150
Estes movimentos – até certo ponto descolados da influência
absoluta das formas de desenvolvimento, capitalistas agrárias, mas
dialeticamente contidos nestas mesmas formas – caracterizam
propostas alternativas, mas sempre inconclusas, de superação do
capitalismo agrário, pela vigência de condições de
trabalho formalmente submetidas, em última análise, ao processo
histórico capitalista agrário. Eles surgem em um cenário no qual o
hibridismo das formas camponesas e proletárias de organização para
a produção apresenta-se mais nitidamente configurado.
Exatamente devido ao caráter metamorfoseado que adquirem as
categorias sociais agrárias, passíveis da subsunção real ou formal,
de suas forças de trabalho é que é possível visualizar uma situação
histórica emanada de um contexto mais abrangente, de perfil
dominante, cujo controle social encontra-se em permanente crise de
autoridade, proporcionando reações de setores sociais
historicamente dominados.
A complexidade deste terceiro cenário de desenvolvimento rural – o
das reformas agrárias politicamente desafiadoras da predominância
absoluta do desenvolvimento do capitalismo agrário – pode ser
aferida pelo fato de que neste cenário a luta de classes – mais
precisamente entre frações de classe historicamente determinadas –
no campo, adquire contornos bem mais específicos, mas também
aparentemente diluídos, de aproximações e afastamentos, ou
rupturas, entre segmentos sociais, à primeira vista mais
identificados socialmente, ou com tendências inerentes às
dissociações entre eles.
CENÁRIO DAS REFORMAS AGRÁRIAS DO SÉCULO XXI:
READEQUAÇÕES E ARTICULAÇÕES ENTRE CLASSES
SOCIAIS – E FRAÇÕES – EM RELAÇÃO À SUBSUNÇÃO DO
TRABALHO SOCIAL – REAL E/OU FORMAL – AO
CAPITALISMO AGRÁRIO
No universo das reformas agrárias ocorre uma readequação das
classes e frações envolvidas em articulações sociais. Os
comportamentos políticos, econômicos, ambientais dos grupos em
questão não estão bem definidos, em uma observação mais
superficial das dinâmicas internas ao processo histórico capitalista
agrário em sua especificidade.
151
O que é inegável, nas condições históricas de reforma agrária, que
incorporam movimentos sociais críticos da estruturação do
capitalismo agrário, é a diversidade de propósitos dos atores sociais
envolvidos e, muitas vezes, como pretendo demonstrar
empiricamente, os conflitos momentâneos ou duradouros no interior
de movimentos representativos de uma ou outra fração classe –
proletária/camponesa, camponesa/pequeno burguesa – dos setores
sociais que protagonizam as reformas.
O que se percebe, indiscutivelmente, é que as reformas agrárias –
geradoras de situações históricas dialeticamente
alternativas/dependentes em relação ao processo histórico
dominante, representado pelo capitalismo agrário – ganham corpo
apenas em situações de desenvolvimento rural nas quais o
capitalismo agrário enfrenta crise de dominação.
Em tais condições, os movimentos sociais agrários obtêm meios
políticos para reivindicar a reordenação espacial/territorial, a qual
interfere de formas mais ou menos intensas nos rumos do processo
histórico de desenvolvimento rural capitalista.
Somente em formações sociais onde as forças produtivas da
humanidade, sob a égide de relações sociais de produção capitalistas
agrárias, não se consolidaram historicamente – isto é,
nas franjas periféricas do desenvolvimento rural capitalista – e, por
isso, não avançaram suficientemente – ou retrocederam
historicamente – é que o debate e a aplicação de políticas agrárias
reformistas prosperam contemporaneamente.
O cenário da reforma agrária, nos quais movimentos sociais se
territorializam e espacializam nas formações sociais em que atuam,
possui características próprias em relação aos dois cenários
anteriores, sobre os quais nos debruçamos até aqui, neste texto.
O mencionado cenário da reforma agrária se diferencia daquele da
agricultura predominantemente camponesa por se constituir em
situação agrária originária e caudatária do processo histórico
fundador – capitalista agrário –, todavia capaz de se sobrepor ao
processo capitalista agrário, na medida em que os movimentos pela
reforma agrária ocupam uma brecha deixada pelo próprio processo
capitalista, no sentido da não resolução da questão do
desenvolvimento das forças produtivas pelo capitalismo agrário.
152
As forças produtivas não se desenvolvem em determinadas relações
sociais de produção agrária por algumas razões fundamentais: ou
persiste uma imaturidade da organização capitalista agrária para a
estruturação de polos de desenvolvimento em torno da
subsunção real, assalariada, da força de trabalho operária agrária –
pela via da adoção de ritmos de trabalho cada vez mais intensos,
alicerçados na concentração máxima da atividade produtiva,
acoplados a tecnologias sempre consistentes com a intensidade
destes ritmos de “mais-trabalho” e, consequentemente, mais
exploração direta do trabalho assalariado, real, do proletariado
agrário clássico –; ou, por isso mesmo, sobrevivem formas de
organização de trabalho que remontam a situações de organização
da produção estranhas, ou temporalmente precedentes, às formas
capitalistas de desenvolvimento – as típicas condições de
reprodução social camponesa e afins –; uma terceira razão, contida
nas anteriores, seria a própria tendência à desestruturação, já
referida, das formas assalariadas de organização para a produção,
emanadas do desenvolvimento histórico do capitalismo agrário.
Faço referência ao caráter destrutivo do desenvolvimento das forças
produtivas no agro, devido à imposição, pelo capitalismo agrário, de
ritmos de trabalho assalariado cada vez mais intensos, que requerem
a concepção e utilização de tecnologias funcionalmente adequadas a
estes ritmos crescentes de produção, circulação e reprodução do
capital.
Os ritmos acelerados de trabalho agrário, necessários à garantia da
produtividade cada vez mais acentuada do capital agrário investido,
conduzem à promoção de atividades com base em tecnologias que
vão, por sua própria natureza produtivista, desagregando a atividade
de trabalho agroindustrial, sem alterar os rumos da intensidade da
exploração da força de trabalho envolvida, e da espoliação
permanente da natureza exteriorizada – identificada como fonte de
recursos para a indefinida e incontrolável necessidade de expansão
produtiva do capitalismo agrário.
DESENVOLVIMENTO LIMITADO DAS FORÇAS
PRODUTIVAS DO CAPITALISMO AGRÁRIO: MARX E A
AGROECOLOGIA NO CONTEXTO DE SISTEMAS

153
METABÓLICOS EM CONDIÇÕES HISTÓRICAS DE
REFORMA AGRÁRIA
Nas aludidas condições históricas, as classes sociais em luta podem
até mesmo se confundir com suas respectivas frações, como será o
caso, a meu ver, ao abordar a situação de classe em condição
histórica de precário desenvolvimento das forças produtivas.
Marx considera este momento histórico, quando é instado por
marxistas e populistas russos a opinar sobre a possibilidade da
revolução agrária, naquele país, vir a ocorrer sem o respectivo
desenvolvimento pleno das forças produtivas.
Marx abre uma espécie de exceção à regra, por ele mesmo
formulada, pela qual a superação do capitalismo agrário somente
ocorreria a partir do nível máximo de desenvolvimento das forças
produtivas no capitalismo agrário – grande concentração associativa
do trabalho proletário rural e utilização de tecnologias adequadas à
transformação radical da natureza exteriorizada.
Marx admite que a comuna russa estaria apta a exercer o papel até
então exclusivamente destinado ao capitalismo agrário nos países
ocidentais com alto grau de desenvolvimento das forças produtivas:
o de promover a concentração e a associação dos trabalhadores
rurais e de setores dos camponeses parcelários.
Daí se originariam as frações de classe exploradas. Ao proletariado
rural, a ser (re) criado no processo histórico comunal russo do final
do século XIX, caberia a centralidade protagonista do referido
processo, englobando uma das frações de classe dos camponeses,
que se desmembrariam entre aquelas correspondentes aos interesses
de classe da burguesia agrária ou do proletariado rural.
O fundamental do processo histórico comunal da Rússia é que nele,
para Marx, as forças produtivas poderiam expandir-se sem o
impulso destrutivo do “mais-trabalho” sobre a humanidade
e contra a natureza, tal como o promovido pelo capitalismo agrário
nas agroindústrias tipicamente capitalistas da Europa Ocidental.
Considero que raciocínio análogo pode ser estabelecido quando se
apresentam situações como as de reforma agrária, nos séculos XX e
XXI, em países ou regiões de desenvolvimento pouco expressivo –
ou historicamente bloqueado – das forças produtivas do capitalismo
agrário. Vou partir teórico-metodologicamente da interpretação pela
154
qual determinada reforma agrária desempenha papel semelhante,
nos dias de hoje, ao da comuna russa do final do século XIX.
Quando se analisa a reforma agrária (BERNSTEIN, op. cit., p. 118 a
121; 146-147) se constata que movimentos sociais exercem
atividades de centralização sócio/político/espacial/territorial. É
possível, por esta avaliação, comparar as reformas em questão – e
os movimentos nela atuantes – como integrantes de uma situação
histórica na qual ocorre o desenvolvimento das forças produtivas no
agro, e a respectiva estruturação de classes e frações
correspondentes a interesses e objetivos socioeconômicos distintos
e/ou aproximados.
No caso das condições históricas onde se insere uma reforma
agrária, com as características mencionadas, não estão presentes de
forma plena e concluída elementos centrais da acumulação
capitalista no campo.
A fração de classe proletária rural não exerce a centralidade e o
protagonismo histórico no contexto da reforma agrária, aqui
caracterizado, mesmo que esta viesse a ser implementada ao longo
da expansão do próprio processo histórico capitalista agroindustrial.
A fração de classe proletária rural tende a coabitar o espaço-
território da reforma agrária com frações de classe camponesas
parcelárias.
Percebe-se que a concentração de classe do trabalho socialmente
submetido não é proporcionada pela típica expansão da
agroindústria capitalista, mas ocorre muito mais em função da
realocação espacial-territorial provocada pela organização de
movimentos sociais no âmbito da reforma agrária.
As tecnologias derivadas do processo histórico no qual se situa um
movimento de reforma agrária são múltiplas e disputam influência
entre si, não conformando um desenvolvimento linear típico do
processo histórico característico do desenvolvimento do capitalismo
agrário nas regiões e/ou países de capitalismo mais avançado, em
termos do desenvolvimento clássico das forças produtivas.
Assinalei anteriormente que, de acordo com a obra de Marx, o
trabalho material, social, abstrato, o desenvolvimento das forças
produtivas, o conjunto de classes sociais em disputa ou conflito
latente, estão inseridos, necessariamente, em algum processo
155
histórico – o capitalista agrário ou outra forma, alternativa, de
produção.
No caso que vou abordar mais adiante, o processo histórico em
questão adquire feições transitórias do ponto de vista sociotécnico e
está representado pela atuação de movimentos sociais rurais em
contextos específicos de reforma agrária, sob as condições de
predomínio do capitalismo no campo.
Por que me encontro diante da necessidade de delimitar
historicamente o processo, a ser apresentado e interpretado, a uma
situação cujas referências são os movimentos sociais
socioterritorializados, a partir de suas inserções em contextos de
reforma agrária?
Porque na formação social para a qual dirijo minha atenção, o
desenvolvimento capitalista das forças produtivas/destrutivas não
alcançou o patamar sociotécnico das formações sociais capitalistas
mais desenvolvidas.
Isso configura uma inexpressividade quantitativa de aglutinação
espacial-territorial do proletariado rural em atividades
agroindustriais; o relativo equilíbrio de forças entre classes e frações
na disputa por espaço-território no agro; a não capacitação plena de
formas tecnológicas de produção capazes de agregar mais trabalho
material aos esforços produtivistas da agroindústria capitalista, no
sentido de garantir a ampliação continuada da dominação sobre os
trabalhadores, e a máxima absorção dos recursos produtivos
emanados das transformações destrutivas da natureza exteriorizada.
Ainda que todos os fatores elencados se encontrem potencialmente
aptos a se transformarem radicalmente – no âmbito do processo
histórico capitalista agrário, que engloba a formação social a ser
analisada – eles não se constituem em um todo afirmado do ponto
de vista da produção agrária que envolve: a subsunção formal do
trabalho social/material sempre em expansão; classes e frações em
disputa por espaço-território com a afirmação dominante da classe e
frações representativas do capitalismo agrário; tecnologias
adaptadas à permanente intensificação do trabalho social, material,
abstrato e ao consequente predomínio de classe das frações
capitalistas agrárias.

156
A formação social periférica, do ponto de vista da acumulação
capitalista mundial, que vou avaliar, não comtempla o pleno
desenvolvimento das forças produtivas/destrutivas, o que enseja a
possibilidade da constituição de um processo histórico alternativo –
embora englobado no desenvolvimento do capitalismo agrário – no
contexto de reformas agrárias. As reformas agrárias redundam,
portanto, em processo histórico no qual as condições de acumulação
capitalista estão problematizadas, embora não necessariamente
tenham sido suprimidas, substituídas ou até mesmo enfraquecidas
historicamente.
Há uma disputa entre classes e frações, no processo histórico
transitório engendrado pela reforma agrária, por espaço-território,
no sentido da luta pela reconfiguração do papel das classes e frações
no âmbito das sociedades como um todo.
A finalidade agroecológica passa, entretanto, como assinalado
anteriormente, pela determinação da categoria social representada
pelo campesinato tradicional existente na América Latina, e em
muitas regiões da África e da Ásia, na atualidade.
Assim sendo, da perspectiva da teoria agroecológica, as formações
sociais em situações de reforma agrária são constituídas,
materialmente, por agroecossistemas que possuem um
funcionamento específico em relação ao verificado em uma situação
histórico/social característica do desenvolvimento do capitalismo
agrário.
CONCEPÇÃO AGROECOLÓGICA DO TERCEIRO CENÁRIO:
RESGATE DAS CONDIÇÕES TECNOLÓGICAS VIGENTES
NOS SISTEMAS METABÓLICOS DE
TRANSFORMAÇÃO/DISTRIBUIÇÃO DO PRIMEIRO
CENÁRIO ABORDADO; RECAMPESINIZAÇÃO
AGROECOLÓGICA
A interpretação agroecológica deste terceiro cenário de
desenvolvimento agrário – do surgimento da reforma agrária em
formações sociais com desenvolvimento limitado, portanto
inconcluso, das forças produtivas no campo – tende a fixar-se no
aspecto tecnológico, em detrimento da abordagem de Marx, que
prioriza as relações de trabalho e as classes sociais, sem rejeitar,
porém, como já assinalado, o fator tecnológico.
157
A teoria agroecológica, apartada da leitura de Marx acerca da
conexão histórica entre trabalho e tecnologia, nas atividades
agrárias – onde o primeiro condiciona dialeticamente a segunda –
preocupa-se em situar as tecnologias aplicadas à produção e
eventual distribuição dos bens agrícolas e/ou energéticos
produzidos, independentemente das condições nas quais a
produção/distribuição opera em termos da força de trabalho
utilizada.
No cenário da reforma agrária, as tecnologias adotadas são diversas
e podem até mesmo operar em contradição umas com as outras.
Este cenário, tanto quanto o segundo cenário – de predominância do
desenvolvimento do capitalismo agrário clássico – difere do
primeiro cenário, no qual as relações sociais de produção agrárias
capitalistas não estão historicamente constituídas enquanto processo
de desenvolvimento das forças produtivas no campo e predominam
relações de produção tipicamente camponesas ou comunitárias. Em
tais condições, trabalho e tecnologia não se diferenciam, conforme
assinalado anteriormente. Isto é, as tecnologias geradas para a
utilização nas atividades produtivas/distributivas,
camponesas/comunitárias não correspondem a formas de trabalho
que entrariam em contradição e abririam caminho para a
constituição de classes – e frações – antagônicas, em estado latente
ou manifesto de enfrentamento e superação, como ocorre,
interpretando Marx, nos segundo e terceiro cenários de
desenvolvimento agrário aqui propostos.
A teoria agroecológica, então, centra sua análise a partir das linhas
teórico-metodológicas fundadas na apreciação das condições de
transformação/distribuição em sociedades de bases
camponesas/comunitárias, pré ou não capitalistas.
Ao interpretar os segundo e terceiro cenários, aqui apresentados, de
desenvolvimento agrário, a teoria agroecológica atua teórico-
metodologicamente como se estivesse buscando soluções
tecnológicas para resolver o impasse provocado pela interrupção do
fluxo de energia e materiais nos agroecossistemas metabólicos,
causado, a princípio, pela disfunção agroecológica provocada por
tecnologias de transformação/distribuição agroindustriais, não
ecorreguladas.
158
Neste sentido, tanto o segundo quanto o terceiro cenários de
desenvolvimento agrário deveriam ser teórico-metodologicamente
confrontados com a crítica agroecológica quanto ao funcionamento
tecnológico dos agroecossistemas ali instituídos.
A teoria agroecológica, não inspirada nas concepções de Marx
acerca da relação entre trabalho-classes-tecnologias, empreende
uma busca pela retomada de condições tecnologicamente propícias
ao reestabelecimento, ou manutenção prolongada e
tecnologicamente aperfeiçoada, de formações sociais camponesas
e/ou comunitárias ao redor do mundo.
A meu ver – a partir do olhar informado pelo postulado de Marx
acerca da relação entre trabalho e tecnologia em sociedades de
grande complexidade de seus sistemas produtivos/distributivos –
onde o trabalho invariavelmente condiciona a tecnologia,
precedendo-a historicamente o que, reafirmo, não ocorre em
sociedades pré-capitalistas, pregressas ou contemporâneas,
apartadas de processos históricos de desenvolvimento das forças
produtivas no agro – a teoria agroecológica visa a propor a
transferência de formas tecnológicas de produção, características de
sistemas de produção/distribuição, tais como os camponeses-
comunitários.
Neste sentido, a teoria agroecológica não leva em consideração as
modificações ocorridas nas relações de trabalho, responsáveis por
alterar estruturalmente as bases tecnológicas de sociedades nas
quais estas relações não influenciam a decisão sobre as tecnologias
a serem empregadas na produção e distribuição de bens de consumo
imediato, não transformados historicamente em mercadorias.
O terceiro cenário, o da reforma agrária com movimentos sociais
espacializados e territorializados, em formações sociais expostas à
crítica das relações de produção capitalistas agrárias, não condiz, a
meu ver, com uma abordagem pela qual objetiva-se replicar, pura e
simplesmente, as formas tecnológicas de produção/distribuição
prevalecentes em condições de organização camponesa/comunitária.
A complexidade deste cenário de reforma agrária em formações
sociais de produção capitalistas – reafirmo – não permite que se
abra mão, teórico-metodologicamente, de correlacionar trabalho e
tecnologia sem privilegiar, em termos absolutos, os aspectos
159
tecnológicos da produção/distribuição, ignorando ou subestimando
a influência exercida sobre tais aspectos pelas atividades de trabalho
que – insisto – precedem historicamente a própria introdução das
tecnologias em questão já que, como venho demonstrando
teoricamente, as tecnologias são sempre adaptáveis aos ritmos de
trabalho imprimidos pelos agentes sociais dominantes – para mais
ou para menos – e não o inverso.
Neste sentido, tanto no segundo como no terceiro cenários – em
processos históricos nos quais prevalecem, concomitantemente, o
capitalismo agrário, sem mediações, e a reforma agrária no contexto
do próprio capitalismo agrário, mas sob a influência político-
organizativa de movimentos sociais espacializados e
territorializados – as tecnologias estariam, de acordo com esta
interpretação, passíveis de serem direcionadas para um ou outro
lado do espectro produtivo agrário: do ritmo cada vez mais intenso
de trabalho social, material, visando o aumento incessante da
produtividade do trabalho, através da permanente subsunção, real ou
formal, do trabalho; do ritmo progressivamente menos intenso da
atividade de trabalho social, com a redução sistemática da
exploração da força de trabalho, assalariada ou não, e
consequentemente da menor espoliação ambiental da natureza
exteriorizada concebida como fonte de recursos naturais nos
processos históricos de desenvolvimento agrário capitalista – muitas
vezes com as mediações de agentes sociais, tais como nos casos de
reforma agrária protagonizados por movimentos sociais críticos da
acumulação capitalista agrária.
Assim sendo, a abordagem agroecológica, que se orienta pela
função exercida por tecnologias agrárias para definir o caminho
mais condizente em direção à sustentabilidade ecológico-ambiental-
energética dos agroecossistemas, pode ser relacionada – pelo caráter
adquirido por tecnologias de transformação e distribuição agrárias,
o qual aparentemente aponta para a sustentabilidade dos
agroecossistemas em questão – à desobstrução do fluxo de energia e
materiais promovida pelo emprego de determinadas tecnologias
“limpas”.
As tecnologias sofrem o constante e incessante condicionamento
pelas formas de trabalho social, material, como percebia Marx.
160
Neste sentido, o approach da teoria agroecológica – pelo qual são as
tecnologias dos agroecossistemas tradicionais, de produção
camponesa, que devem servir de parâmetro para toda e qualquer
transição –, ao ser transposto para cenários produtivo/distributivos
dominados ou influenciados pelo desenvolvimento capitalista
agrário, tende necessariamente a submetê-los à crítica tecnológica,
redefinindo-os no sentido de propor a reversão da insustentabilidade
energético-ecológico-ambiental dos mesmos.
CONCEPÇÃO AGROECOLÓGICA E TEORIA DE MARX NO
TERCEIRO CENÁRIO: CONTRADIÇÃO – SUPERÁVEL? –
ENTRE A PREVALÊNCIA SISTÊMICA METABÓLICA DAS
TECNOLOGIAS E A DIALÉTICA PROCESSUAL
METABÓLICA ENTRE TRABALHO E TECNOLOGIAS
Estaríamos, então, novamente, diante de uma contradição
teórico/metodológica entre as teorias de Marx e da agroecologia.
Mas esta contradição não me parece irreversível se se aprofundam
alguns aspectos centrais do debate.
Caso a teoria agroecológica viesse a adotar um
posicionamento historicista, com base teórica em Marx, e admitisse
interpretar dialeticamente a relação entre trabalho social/tecnologia
– produtiva/distributiva, ela poderia escapar da armadilha
representada pela “tentação tecnológica” de reduzir todas as formas
de trabalho agrário ao manejo técnico-científico das transformações
na produção e distribuição agrárias.
O grande risco que corre, a meu ver, a teoria agroecológica não
marxista é o de fetichizar as tecnologias agrárias, ao considerar que
o simples movimento de redirecionar tecnicamente determinado
arranjo produtivo/distributivo agrário implica, necessariamente, na
redefinição causal, automática, das formas de exploração da força
de trabalho, e espoliação do ambiente natural, presentes no processo
histórico típico, de acumulação capitalista agrária.
Em outras palavras, a teoria agroecológica, com a “visão embaçada”
pelo fetiche tecnológico, não identifica o que Marx já percebera
muito antes: os ritmos de trabalho não são alteráveis de acordo com
o emprego, puro e simples, de novas tecnologias, por mais
sustentáveis que pareçam ser estas tecnologias, pois as tecnologias

161
sofrem metamorfoses de acordo com as formas de trabalho às quais
necessitam se adaptar continuamente.
Neste sentido, as tecnologias adquirem na prática
produtiva/distributiva no processo histórico de desenvolvimento
agrário capitalista um caráter “camaleônico”. O paroxismo destas
situações concretas ocorre quando tecnologias sustentáveis –
elaboradas agroecologicamente com a finalidade de liberar o fluxo
energético e de materiais, para favorecer a desobstrução
agroecossistêmica e a correspondente retroalimentação do mesmo –
são empregadas para garantir e estimular o processo histórico
capitalista agrário nos quais o trabalho social é praticado em ritmo
absolutamente intenso, utilizando-se meios de exploração social e
espoliação ambiental para além das tecnologias utilizadas.
Então, em casos assim, as tecnologias sustentáveis,
agroecologicamente corretas, estariam a serviço da manutenção e
ampliação de espaços agrários capitalistas baseados em formas de
produção e/ou distribuição de produtos mercantilizados.
O ciclo, aparentemente virtuoso, entre apropriação e excreção
material agroecossistêmica volta a se tornar vicioso, apesar da
intenção tecnológica da agroecologia em impedir que a excreção
energética e de materiais, acumulada nos agroecossistemas do
“mais-trabalho” capitalista agroindustrial e do agronegócio
comercial-financeiro bloqueie – como fatalmente ocorre – o livre
fluxo de energia e materiais, adequado à reprodução permanente dos
agroecossistemas em questão.
Tecnologias concebidas para desobstruir, energética e
materialmente, os agroecossistemas tendem a registrar um efeito
contrário a esta proposição quando expostas ao processo histórico
de trabalho social no capitalismo agrário, nos quais prevalece o
ritmo mais intenso de trabalho, e não o contrário.
O grande legado, não intencional, mas histórico, da obra de Marx
para a corrente teórica agroecológica – as bases para
uma agroecologia marxista? –, com a qual o próprio Marx nunca
conviveu temporalmente, é exatamente o de “dessacralizar” ou
“desfetichizar” as tecnologias, demostrando que entre a produção
camponesa e a agroindústria capitalista – esta à época de Marx bem

162
menos complexa do que em tempos contemporâneos – ergue-se um
fosso entre trabalho social abstrato e tecnologias.
A obra de Marx faz enxergar a inviabilidade histórica de transportar
a organização produtiva tipicamente camponesa para situações de
produção além das formas capitalistas vigentes. As experiências
comunais e de reformas agrárias – o terceiro cenário de
desenvolvimento agrário – comprovam a inviabilidade histórica da
reorganização camponesa tradicional, mas alentam a possibilidade
de estruturação de formas alternativas, amalgamadoras, de
produção/distribuição que iriam além do capitalismo agrário –
retomando determinados princípios organizativos/produtivos
inspirados em formas de produção/distribuição de origem
camponesa –, por apresentarem características de controle do
trabalho social por organizações políticas resistentes ao emprego de
trabalho material em ritmos cada vez mais intensos, como ocorre
invariavelmente em processo histórico no qual predomina a
ideologia da produção/circulação capitalista agrária.
Sugiro, então fazer, daqui para frente, nesta obra, a correlação entre
sistemas (agro) ambientais e processo histórico – em condições de
reforma agrária no Brasil – em área de assentamento rural
hegemonizado pelo movimento social integrado à corrente política
internacional La Via Campesina.
No caso brasileiro, a corrente hegemônica que será confrontada é o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), em
alianças pontuais com setores do movimento sindical agrário
brasileiro, ONGs, organismos nacionais e internacionais estatais ou
paraestatais etc.
Minha hipótese é que, recorrendo ao método indicado, será possível
vislumbrar uma convergência dos referenciais socionaturais da
agroecologia e da teoria de Marx no campo brasileiro, através da
formatação sistêmica e processual/histórica de uma categoria social
em formação: os produtores agrários associados, recampesinizados.
Estes produtores seriam, hipoteticamente, resultantes da transição
do proletariado rural e do campesinato tradicional para uma forma
social híbrida capaz de aproximar ou, até mesmo – em certos casos
mais específicos a serem aqui abordados – englobar material,

163
dialética e historicamente a teoria agroecológica e a concepção de
Marx.

164
Parte 6

CAPITALISMO AGRÁRIO NO BRASIL: DIALÉTICA


PROCESSUAL/SISTÊMICA DOS TRÊS CENÁRIOS DE
ORGANIZAÇÃO AGRÁRIA

O capitalismo agrário no Brasil – formação social de características


semicoloniais, resultante do desenvolvimento desigual e combinado
originário da expansão capitalista mundial – se estabelece ao longo
da segunda metade do século XX.
O processo histórico correspondente à acumulação capitalista no
campo, no caso brasileiro, está marcado por peculiaridades em
relação ao processo similar no século XIX na Europa Ocidental e
Estados Unidos da América, detidamente estudado por Marx.
Vou procurar demonstrar que o processo histórico capitalista agrário
no Brasil, em sua origem, esteve muito mais aproximado das
condições de desenvolvimento das forças produtivas de outras
formações sociais semicoloniais, tais como a Rússia czarista, do que
em relação ao capitalismo agrário que se projetou na Europa
Ocidental e nos Estados Unidos da América.
No Brasil, o processo histórico agrário capitalista é gestado a partir
de condições diversas em relação ao capitalismo agrário das
potências ocidentais europeias e norte-americana, porque no Brasil
o campesinato foi sendo transformado em uma espécie de “proto-
proletariado” rural, até que despontasse o camponês-proletário, cuja
identidade de fração de classe foi amalgamada no processo histórico
de constituição do capitalismo agrário no Brasil. Assim sendo, no
Brasil, nem o campesinato tradicional permaneceu descolado do
capitalismo agrário, nem tampouco o proletariado rural se apartou
de suas origens camponesas.
A emergência de um processo histórico capitalista agrário no Brasil
correspondeu, desde a criação das Ligas Camponesas (MEDEIROS,
1989, cap. II.; JULIÃO, 2012; STEDILE, 2006; MORAIS, 2003)
nas décadas de 1950 e 60, notadamente no Nordeste do país, a uma
hibridação de frações de classe resultante na força de trabalho para
o capital, formada pelo contingente agrário personificado na figura
histórica do camponês-proletário.
165
A relevância política desta caracterização reside na constatação pela
qual a vertente semicolonial brasileira, do processo histórico
capitalista agrário, a um só tempo não prescindiu da incorporação
de grandes parcelas da força de trabalho camponesa, pré-existente
em relação à configuração desse processo histórico no país, como
não resultou na formação de um proletariado rural estritamente
assalariado que rompesse com as bases sociais do campesinato.
A justificativa para o hibridismo de classe, nas origens e
desenvolvimento do processo histórico capitalista agrário no Brasil,
encontra-se fundamentalmente na forma que assumiu o
desenvolvimento das forças produtivas agrárias no país.
A formação social agrária no Brasil, desde os primórdios do
processo histórico capitalista no país, gerou forças produtivas de
caráter destrutivo não apenas em relação à exploração direta, por
assalariamento e extração de mais-valia do proletariado rural, mas
também, concomitantemente, pela descaracterização do próprio
sentido de classe deste proletariado. O proletariado rural brasileiro
nunca foi, pura e simplesmente, o contraponto da burguesia agrária
no país (IANNI, 1984, p. 100-190).
O proletariado rural, em questão, já se constitui, desde suas origens,
em um setor agrário que incorpora formas camponesas pré-
existentes. Por outro lado, como reflexo desta situação, a burguesia
agrária no Brasil não rompe com o latifúndio multissecular do país,
para implantar objetivamente o processo histórico capitalista agrário
na formação social brasileira.
A face camponesa do proletariado rural preserva-se indefinidamente
na persistente evolução do processo histórico capitalista agrário no
país. O proletariado rural no Brasil, independentemente de suas
nuances regionais e locais pelo país, nunca chegou a se constituir
em uma fração de classe social plenamente desenvolvida do ponto
de vista de suas forças produtivas – a subsunção real ao capital
agrário, a concentração e divisão social de trabalho, as tecnologias
empregadas na produção. Ao contrário, o proletariado rural já surge
no país, enquanto fator de produção e acumulação da burguesia
agrária, como um segmento social não exclusivamente assalariado.
Mesmo assim o proletariado rural assume o caráter de fração da
classe trabalhadora, responsável pela reprodução da burguesia
166
agrária e do próprio latifúndio, quando da emergência do processo
histórico capitalista no campo brasileiro.
Pode-se dizer, então, que o processo histórico agrário capitalista no
Brasil provocou a seguinte confluência de frações de classes: o
campesinato incorpora-se ao processo histórico capitalista agrário e
o proletariado rural emergente não rompe com as suas origens
camponesas, vindo a constituir-se em fração de classe camponesa-
proletária rural no país, em plena formação do processo histórico
capitalista no campo.
É necessário registrar que esta hibridação de frações de classes no
campo brasileiro é consequência, acima de tudo, do processo
histórico de produção destrutiva, imposto socioeconômica e
politicamente pela burguesia agrária ao proletariado rural, no caso
brasileiro.
Enfatizando o que já foi afirmado, assim como o proletariado rural,
em sua origem no país, não rompe com o campesinato, ao invés
disto o incorpora ao processo histórico em formação, a burguesia
agrária não prescinde, em momento nenhum, da manutenção dos
arraigados laços que a unem ao latifúndio no Brasil. O
desenvolvimento destrutivo das forças produtivas no Brasil, no
contexto do processo histórico capitalista agrário no país, é
implantado a partir da instalação do chamado complexo
agroindustrial.
A agroindústria resultante da fusão “pelo alto” entre latifúndio
modernizado e burguesia agrária emergente adquiriu, por isso
mesmo, um caráter suis generis no campo brasileiro. O complexo
agroindustrial capitalista utilizou força de trabalho assalariada – a
típica relação de subsunção real do trabalho ao capital –, mas
também passou a interagir socioeconomicamente, de forma não
realmente assalariada, com esta mesma força de trabalho: relação de
subsunção formal do trabalho ao capital no campo.
A já referida fração de classe social dos camponeses proletários
possuía esta dupla característica: era um setor que se descolava,
parcialmente, da organização camponesa para o complexo
agroindustrial capitalista latifundiário-empresarial rural, passando a
exercer funções que, muitas vezes, no âmbito da própria estrutura
familiar, variavam entre o assalariamento proletário e o não
167
assalariamento, proporcionado pelo exercício de atividades
produtivas no âmbito do complexo agroindustrial – que lhes
permitiam conservar seus laços familiares e de cooperação.
As cadeias produtivas do complexo agroindustrial brasileiro
passaram a representar, no contexto do processo histórico capitalista
agrário no país, um papel socioeconômico relevante. Através destas
cadeias produtivas, a diferenciação camponesa adquiriu, na
formação social brasileira, outra caracterização em relação ao
desenvolvimento clássico das forças produtivas no capitalismo
agrário europeu ocidental do século XIX.
Aqui, o campesinato não migrou diretamente para a classe burguesa
agrária ou para a classe proletária rural. O campesinato no Brasil,
ressalvadas suas especificidades regionais ou locais, incorporou-se –
ou, mais precisamente, foi incorporado – ao movimento do
capitalismo no campo brasileiro, que veio a constituir o processo
histórico agrário correspondente. Isto é, tanto a proletarização como
o aburguesamento de setores do campesinato no Brasil são
movimentos inconclusos.
O campesinato não se proletariza completamente, nem deixa de
aproximar-se da burguesia agrária. O importante é fixar que o
campesinato se ramifica e se adapta às circunstâncias processuais
históricas do desenvolvimento combinado e desigual das forças
produtivas na formação social semicolonial brasileira.
O mais significativo não é buscar as razões que justifiquem a
diferenciação heterodoxa do campesinato brasileiro, mas atentar
para o fato pelo qual o campesinato se acopla em função deste seu
outro tipo de diferenciação parcial – entre proletários e empresários
rurais – ao processo histórico capitalista agrário.
A diferenciação camponesa, neste caso, não impediu, por um lado,
que o campesinato pudesse adentrar as relações sociais de produção
capitalistas, constituindo-se em um segmento próprio no contexto
do processo histórico capitalista agrário. Por outro lado, porém, esta
outra forma de diferenciação frente ao proletariado e à burguesia
rural nos complexos agroindustriais, redimensionou o papel do
campesinato.
O camponês originário da situação anterior à introdução do
processo histórico capitalista agrário no Brasil ramificou-se em
168
camponês/proletário – resultante da incorporação camponesa ao
processo histórico capitaneado pelo complexo agroindustrial – e em
camponês/pequeno burguês – produtor simples de mercadoria,
proprietário de terras, vinculado diretamente às redes de produção
do capitalismo agrário ou, indiretamente, às cadeias produtivas da
agroindústria capitalista.
O “camponês aburguesado” daí advindo – mais apropriadamente,
pequeno burguês – se diferencia sobremaneira do camponês que se
proletariza, muito embora as duas formas sociais pudessem ainda
conviver nas mesmas pessoas e mesmas famílias de trabalhadores
agropecuários.
Todavia, mesmo quando aparentemente os camponeses se
aproximam da condição empresarial por serem proprietários de terra
e detentores dos meios de produção, este segmento social não se
efetiva como empresário capitalista de fato, pois o camponês –
diferenciado enquanto empresário capitalista agrário – na realidade
ocupa um lugar e uma função, no processo histórico de acumulação
capitalista agrário, que é o de garantir a ampliação do espectro de
dominação e exploração da força de trabalho, visando criar
condições de acumulação de capital por parte da classe social
empresarial agrária, e de suas frações específicas.
As cadeias produtivas do capitalismo agrário, ao mesmo tempo em
que incorporam o campesinato ao processo histórico capitalista, o
absorvem como força de trabalho não assalariada. Assim sendo, a
incorporação camponesa pelo capital agrário, em seu processo
histórico de desenvolvimento, no âmbito do complexo
agroindustrial, descaracteriza o campesinato em suas
particularidades mais autônomas.
A inserção diferenciada de amplos setores do campesinato ao
processo histórico capitalista agrário os descampesiniza. Da mesma
forma, o proletariado rural, originário da diferenciação camponesa
geradora do camponês proletário, desvincula-se do modelo clássico
das classes sociais rurais do século XIX na Europa ocidental.
Ocorre então, no caso da formação social brasileira, uma faceta do
processo histórico capitalista agrário marcada desde sua origem, no
complexo agroindustrial, pela dialética da incorporação camponesa
tipificada pela descampesinização progressiva, em favor da
169
instalação de uma agricultura familiar pequeno-burguesa cuja
inserção nas cadeias produtivas do grande capital agrário
agroindustrial permite a este a intensificação da exploração da
referida força de trabalho, pela via da subsunção formal do trabalho
ao capital agrário.
Simultaneamente, o camponês proletário, diretamente assalariado –
não poucas vezes representado no processo histórico capitalista
agrário pelo próprio pequeno burguês familiar descampesinizado
(COSTA NETO, 2010b) – não pode ser considerado plenamente um
proletário rural, pois conserva características camponesas como o
acesso a terra enquanto arrendatário ou posseiro e o controle dos
meios de produção para sua reprodução familiar imediata – a
apropriação da terra e dos equipamentos técnico-produtivos de
transformação da natureza exteriorizada.
Enquanto proletário rural assalariado este trabalhador rural
encontra-se em subsunção real ao capital. De qualquer forma, o
desenvolvimento destrutivo das forças produtivas no campo
brasileiro elimina algumas características básicas do proletariado
rural, como fração de classe submetida à plena subsunção real pelo
capitalismo agrário: a divisão de trabalho típica do processo
histórico capitalista agrário europeu entre burguesia agrária e
proletariado rural, exclusivamente pelo assalariamento da força de
trabalho; a concentração fabril do trabalho agrário, que já não
ocorre predominantemente no processo histórico de
desenvolvimento das forças produtivas no capitalismo agrário
brasileiro.
Neste sentido, o que passa a ocorrer é a desproletarização rural
advinda do papel exercido, na produção agrária capitalista no Brasil,
pelo camponês proletário, identificado como força de trabalho não
exclusivamente assalariada no complexo agroindustrial brasileiro.
O processo histórico pelo qual convergem a descampesinização e a
desproletarização é marcado pela utilização, por parte do
empresariado agroindustrial, de tecnologias da revolução verde
(ANDRADES e GANIMI, 2010) perfeitamente adaptadas ao
trabalho intensivo dos camponeses proletários – e a permanente
transformação da natureza exteriorizada por métodos de intervenção

170
relacionados ao uso de defensivos químicos para o solo e a
utilização de maquinário pesado.
A produção em si, no agro, não diferencia as escalas de apropriação.
Grande, média e pequena produção estão interligadas no processo
histórico capitalista agrário na formação social brasileira, mesmo
que não de forma homogênea em todo o território nacional.
A produtividade obtida pela utilização de agrotóxicos permeia todas
as camadas de trabalho produtivo em todas as escalas de produção
possíveis. Os camponeses proletários rurais constituem a força de
trabalho do conjunto da atividade agroindustrial.
Entre o trabalho assalariado e o trabalho em cadeias produtivas, os
proletários camponeses executam suas funções com tecnologias
apropriadas às necessidades de acumulação e reprodução ampliada
do capital agroindustrial.
Os defensivos químicos e o maquinário de última geração garantem
a produtividade, do plantio à colheita, em todas as escalas de
produção do processo histórico. Produtores rurais
descampesinizados, atrelados à produção no e para o complexo
agroindustrial capitalista, e operários agrícolas desproletarizados, no
sentido da descaracterização do papel espacialmente concentrado da
atividade – o que implica necessariamente em uma divisão de
trabalho na qual o proletariado rural já não corresponde a uma
fração de classe social perfeitamente delineada no processo
histórico capitalista, e ocupa agora uma função difusa, não
exatamente proletária, mas remotamente camponesa – formam o
núcleo híbrido das frações de classe do trabalho, e da resistência
objetiva ao “mais-trabalho”, estruturadas a partir da constituição do
complexo agroindustrial, correspondente à implantação do processo
histórico capitalista de formação de classes e frações, e do
desenvolvimento das forças produtivas no campo brasileiro.
DIFERENCIAÇÃO SOCIAL DESCAMPESINIZADORA NO
COMPLEXO AGROINDUSTRIAL BRASILEIRO:
AGRICULTURA FAMILIAR PEQUENO-BURGUESA E
PROLETARIADO RURAL
A noção de complexo agroindustrial compreende dois setores de
produção interligados: a indústria de máquinas e insumos agrícolas
– indústria para a agricultura – e o processamento agroindustrial de
171
matérias-primas agrícolas – agroindústria (GOODMAN; SORJ;
WILKINSON, 2008, cap. 1, 2, 3). Pode-se dizer que o proletariado
fabril urbano e, eventualmente, o rural são a força de trabalho
utilizada na indústria para a agricultura, cuja subsunção ao capital
ocorre de forma real, estritamente assalariada.
Na agroindústria, propriamente dita, a subsunção do trabalho ao
capital vai desde atividades assalariadas por parte do capital agrário,
até o exercício de tarefas produtivas de caráter não necessariamente
operário, nem diretamente assalariado, tais como a obtenção de
matérias-primas agrícolas visando a transformação agroindustrial do
produto, com a finalidade de gerar mercadoria intercambiável.
Neste último caso, a subsunção do trabalho ao capital ocorre de
maneira formal, sem que os capitalistas agrários remunerem a força
de trabalho empregada através de pagamento de salário monetário.
Ao invés disso, o que predomina em situações como esta é o
estabelecimento de cadeias produtivas que vinculam setores
camponeses ou mais especificamente, no caso brasileiro, grupos
familiares agrários – geralmente proprietários legais de terra – ao
complexo agroindustrial demandante de matérias-primas a serem
processadas agroindustrialmente.
Assim sendo, as matérias-primas são disponibilizadas ao empresário
capitalista agrário, via remuneração monetária ou participação dos
fornecedores de matérias-primas nos lucros do negócio
agroindustrial – neste caso, por parte de agricultores familiares
descampesinizados, amiúde proprietários legais de terra, os quais
constituem o que já foi denominado neste texto de pequena-
burguesia agrária – funcional ao complexo capitalista agroindustrial
–, uma fração de classe capitalista agrária.
Os aludidos agricultores familiares, integrados pela via das cadeias
produtivas de fornecimento de matérias-primas ao complexo
agroindustrial, representam a diferenciação social, já assinalada, dos
camponeses em condições de descampesinização.
A outra ponta desta diferenciação camponesa está no operário
agroindustrial ou proletário rural, sob o regime de assalariamento,
nas próprias atividades produtivas de processamento agroindustrial
das matérias-primas agropecuárias adquiridas junto a agricultores
familiares.
172
PROCESSO HISTÓRICO CAPITALISTA AGRÁRIO NO
BRASIL. DÉCADAS DE 1950 A 1990: INSTALAÇÃO E
CONSOLIDAÇÃO DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL.
DÉCADA DE 1990 EM DIANTE: ESTABELECIMENTO DO
AGRONEGÓCIO INTERNACIONAL GLOBALIZADO
O processo histórico capitalista agrário inicia-se no Brasil entre as
décadas de 1950 e 70 com a instalação do referido complexo
agroindustrial. Da década de 50 do século XX, até meados da
década de 90, o complexo agroindustrial no Brasil adquiriu
características específicas e contornos regionais e locais pelo país.
Da década de 1990, em diante, até meados da década de 2010, pelo
menos, o Brasil passou a ser palco de outra modalidade de
acumulação de capital absolutamente inserida na globalização ou
mundialização do capital internacional (CHESNAIS, 2001; IANNI,
2001, cap. 8, p. 169-202), notadamente, no caso em questão, do
capitalismo agroindustrial em suas já mencionadas ramificações
produtivas (DELGADO, 2012, parte III, cap. 5-6, conclusões
finais). Trata-se do agronegócio internacional (DELGADO, op. cit.,
parte III, cap. 4, p. 77-88).
A principal característica do agronegócio no Brasil é a produção e
exportação de commodities agropecuárias/florestais – mercadorias
com preços internacionais flutuantes, de acordo com demandas pela
utilização destes produtos por diversos países ao redor do mundo.
Os preços das commodities de exportação são regulados em
aparatos político-econômicos de bolsas de valores monetários
internacionais.
DIFERENCIAÇÃO SOCIAL DESCAMPESINIZADORA NO
AGRONEGÓCIO GLOBALIZADO NO BRASIL:
PROLETARIZAÇÃO AGROPECUÁRIA; AGRICULTURA
FAMILIAR – INSERIDA EM CADEIAS PRODUTIVAS
AGROPECUÁRIAS – PRODUTORA DE MATÉRIAS-PRIMAS
O processo histórico brasileiro de expansão do capitalismo agrário
amplia-se e sofistica-se desde os anos 50 do século XX até a década
de 2010. Da revolução verde dos 50/60, passando pelo período de
consolidação do complexo agroindustrial durante a ditadura militar
brasileira – 1964/1985 – quando ocorre a denominada modernização
conservadora (DELGADO, op. cit., parte III, cap. 1-4) no país, até a
173
retomada das políticas neoliberais, as quais possibilitam a
estruturação do agronegócio internacional no país, gera-se o que se
pode chamar livremente de produção destrutiva (DELGADO, op.
cit. p. 111-134; MÉSZAROS, 2011, parte III, cap. 16, p. 675-700).
Entende-se por produção destrutiva o processo histórico capitalista
agrário de desenvolvimento das forças produtivas no campo
brasileiro, permeado estruturalmente de caráter destrutivo, no
sentido dialético-material da criação de condições históricas de
formação da classe operária agroindustrial e seu caráter, ao mesmo
tempo, desproletarizado – pela manutenção de características
camponesas, espacialmente fragmentárias, de sua constituição
histórica anteriormente assinalada.
O caráter destrutivo das forças produtivas sociais no processo
histórico envolve assim o próprio contingente camponês brasileiro,
que se incorpora ao processo histórico capitalista agrário de forma
diferenciada, isto é, ora adaptando-se às condições sociais de
proletarização parcial, que lhe é imposta pelo tipo de
desenvolvimento capitalista agrário adotado no país, ora
descolando-se da condição camponesa proletária para transformar-
se, também parcialmente, em um tipo de agricultor familiar
conectado ao capital agroindustrial e ao agronegócio – através de
sua participação em cadeias produtivas agropecuárias, dirigidas pelo
capital agrário, sob a forma de produtor de matérias-primas a serem
processadas pela agroindústria.
PAPEL DAS TECNOLOGIAS NO DESENVOLVIMENTO DAS
FORÇAS PRODUTIVAS NO CAPITALISMO AGRÁRIO
BRASILEIRO: À SERVIÇO DO PRODUTIVISMO
MERCANTIL; CONTRIBUIÇÃO PARA A PRODUÇÃO
DESTRUTIVA DO AMBIENTE NATURAL/NATUREZA
EXTERIORIZADA.
Do ponto de vista das tecnologias, o desenvolvimento das forças
produtivas no Brasil, desde os primórdios da revolução verde, no
contexto da modernização conservadora, revela-se uma produção
destrutiva do ambiente natural.
As tecnologias empregadas neste processo visam, acima de tudo,
gerar o máximo de produtividade para garantir a maior lucratividade
possível das mercadorias resultantes da aplicação de trabalho
174
humano em contextos agrários, nos quais predominam o complexo
agroindustrial e o agronegócio capitalista internacional.
Neste sentido, as tecnologias empregadas concentram-se na
transformação acelerada do ambiente natural no país. A
transformação destrutiva do ambiente natural é um pré-requisito da
expansão do processo histórico capitalista agrário no Brasil nos
termos da revolução verde, até o advento e consolidação do
complexo agroindustrial no país, a partir da modernização
conservadora das décadas de 60 a 80 do século XX (DELGADO,
op. cit. p. 13-20).
Mais recentemente, com a ascensão do agronegócio, não somente as
tecnologias agroindustriais, em si, exercem papel destrutivo do
ambiente natural. O agronegócio de commodities internacionais
complexificou a caracterização das forças produtivas/destrutivas no
processo histórico do capitalismo agrário brasileiro. Isto porque, a
partir da estruturação do agronegócio, não somente as tecnologias
de produção adquirem caráter destrutivo do ambiente natural em
que são empregadas.
Agregam-se à transformação destrutiva do ambiente natural, pelas
tecnologias, outras formas de destruição produtiva da humanidade
desnaturalizada e do ambiente natural – desumanizado –,
acompanhando o ritmo intenso de aplicação do trabalho social à
humanidade e à natureza exteriorizada.
AGRONEGÓCIO GLOBALIZADO NO BRASIL:
PRODUTIVISMO LUCRATIVO E DESTRUTIVIDADE
PRODUTIVA
No caso brasileiro, a produção destrutiva de commodities passa a
incluir itens, até então minimizados em relação ao seu teor
destrutivo, para além das transformações tecnológicas. Trata-se da
verificação do sentido destrutivo alcançado pela comercialização e
financeirização internacionais levadas adiante no processo histórico
capitalista agrário no Brasil, em sua fase mais avançada de
produtividade lucrativa e destrutividade produtiva: o das empresas
do agronegócio internacional (PINHEIRO MACHADO;
PINHEIRO MACHADO FILHO, 2014. cap. 4, p. 51-63).
No século XXI, o processo histórico capitalista agrário brasileiro
passa a se estabelecer por meio de frações de classe do capital e do
175
trabalho. A classe do capital agrário é aquela na qual se impõe o
mais trabalho agrário abstrato aos trabalhadores agropecuários,
através de subsunções reais e formais do trabalho agrário ao capital.
A classe do trabalho é aquela que sofre a imposição deste mais
trabalho social abstrato e resiste – na medida em que as relações de
força política permitem – à imposição do trabalho cada vez mais
intenso nas atividades agrárias no país. As frações de classe do
capitalismo agrário são as já mencionadas, indústria da agricultura,
agroindústria e agronegócio, empresariais e/ou familiares, cada qual
com suas peculiaridades específicas anteriormente reveladas neste
texto.
Conforme mencionado acima, além das frações de classe
empresarias – grandes proprietárias ou arrendatárias de vastas
extensões de terra – a classe capitalista agrária conta ainda com
setores de produção agropecuária constituídos por agricultores
familiares, proprietários de terra, que integram as cadeias produtivas
do complexo agroindustrial e do agronegócio comercial-financeiro,
exportador de matérias-primas e produtos com valor agregado –
todos voltados a cumprirem a função de acumulação de capital no
campo.
A fração de classe capitalista agrária de base familiar no Brasil
origina-se, amiúde, da diferenciação sócio-histórica do campesinato
brasileiro, notadamente a partir do estabelecimento do agronegócio
globalizado no contexto do desenvolvimento do processo histórico
capitalista agrário no Brasil.
A referida agricultura familiar, de origem camponesa, é um típico
exemplo de descampesinização no agro brasileiro. Ela se adapta ao
capitalismo agrário como parceira na produção de matérias-primas
agropecuárias que são transformadas em mercadoria no Complexo
Agroindustrial (CAI) e/ou no agronegócio, podendo, neste segundo
caso, ir além da condição de mercadoria para circulação interna no
país, vindo a representar commodities internacionais de extrema
lucratividade.
O papel e o caráter da agricultura familiar descampesinizada, no
entanto, permanecem ambíguos. O segmento de agricultores
familiares, originário da diferenciação descampesinizadora
promovida pela introdução do complexo agroindustrial, não explora
176
o “mais-trabalho” de nenhuma outra fração de classe – a não ser
pelo eventual assalariamento de mão de obra proletarizada –, mas
possui o seu próprio “mais-trabalho” formalmente submetido a
outras frações de classe – empresariais – da classe agroindustrial,
tanto em termos da produção em si, como da circulação de
mercadorias.
Além disso, estes mesmos proprietários, produtores de matérias-
primas agropecuárias para o capital agrário empresarial, vendem,
não poucas vezes, sua força de trabalho dentro e fora dos complexos
agroindustriais. Nesta situação, estes agricultores são
metamorfoseados em proletários rurais, ao mesmo tempo em que
muitas vezes eles próprios assalariam ou desfrutam de parceiros
precarizados entre camponeses proletários rurais sem-terra ou
posseiros – e até em alguns casos eles estabelecem contratos para
submeter o “mais-trabalho” de outros proprietários legais de terra
(COSTA NETO, 2010a).
Nas frações de classe constituídas por camponeses proletarizados
ocorre uma metamorfose, que é o “outro lado da moeda” da
diferenciação camponesa no processo histórico agroindustrial
brasileiro. É importante fixar que a diferenciação social camponesa,
no processo histórico agroindustrial brasileiro – o qual precede
historicamente a constituição do agronegócio globalizado no país –,
incorpora formas camponesas diferenciadas, ao invés de eliminá-
las, tanto em relação à formação da pequena-burguesia agrária,
proprietária de terra – que se vincula socioeconomicamente ao
capitalismo empresarial agrário, enquanto fração de classe – como
através do tipo de descampesinização que leva o camponês à
proletarização rural, sem abolir a sua condição camponesa e a
própria lógica identitária camponesa.
Isto é, o camponês não deixa de ser produtor de bens de
autoconsumo, nem de gerar excedentes de produção eventualmente
comercializável. Por outro lado, este proletário camponês adquire
renda monetária, via assalariamento, o que lhe permite consumir
mercadorias produzidas eventualmente por ele mesmo, enquanto
proletário rural. Evidentemente, os beneficiários econômicos, no
sentido da exploração da força de trabalho operária rural, e do lucro
auferido pela compra e venda das mercadorias, são seus
177
empregadores, ou seja, as frações de classe empresariais e
familiares do capitalismo agrário no Brasil.
AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL: SISTEMA
METABÓLICO AGROAMBIENTAL EM PROCESSO
HISTÓRICO AGROINDUSTRIAL E DO AGRONEGÓCIO NO
BRASIL
O sistema metabólico do processo histórico capitalista agrário
insere-se, a meu ver, na relação entre indústria da agricultura,
agroindústria, agronegócio comercial, financeiro globalizado e o
Estado (CAMPOS, 2011, cap. 4; p. 101-132).
A indústria da agricultura é formada pela indústria de máquinas e de
insumos que tem na agricultura seu mercado, enquanto a
agroindústria é a indústria processadora de matérias-primas de
origem agrícola. O Complexo Agroindustrial – CAI – engloba a
articulação com o setor financeiro e segmentos comerciais – o
agronegócio – e o Estado (DELGADO, op. cit. p. 13-20).
Interpretando as características do agronegócio brasileiro do final da
década de oitenta do século XX, em diante, dentro de uma
perspectiva analítica fundada na metodologia de desenvolvimento
rural agroecológico, crítica do desenvolvimento agrário capitalista –
que se consubstancia no agronegócio e todas as suas ramificações –
me proponho a promover uma análise do sistema metabólico agrário
brasileiro, o qual opera em processo histórico capitalista agrário.
Para efeito analítico, subdividirei o sistema metabólico do processo
histórico capitalista agrário no Brasil em duas partes: a primeira,
constituída pela indústria da agricultura, a agroindústria e o
agronegócio, isto é, pelas empresas agropecuárias capitalistas, com
suas características próprias; a segunda parte a ser abordada é
aquela na qual os trabalhadores do campo inserem-se
familiar/comunitariamente, ou por meio de seus movimentos e
organizações, na dinâmica desenvolvimentista do capitalismo
agrário como um todo.
SISTEMA METABÓLICO AGROAMBIENTAL NA INDÚSTRIA
DA AGRICULTURA, NA AGROINDÚSTRIA E NO
AGRONEGÓCIO NO BRASIL: O EFEITO DAS TECNOLOGIAS
NAS TRANSFORMAÇÕES PRODUTIVAS

178
No primeiro caso, as empresas agropecuárias apropriam-se
diretamente da terra, através do direito à propriedade sobre ela ou de
políticas de arrendamento de terras. As terras apropriadas pelas
empresas agrícolas capitalistas são incorporadas ao capitalismo
agrário e produzem mercadorias (DELGADO, op. cit. p. 45-73; 97-
102).
As transformações operadas na terra são efetivadas por meio de
tecnologias de produção adaptadas à intensificação do trabalho
social agrário abstrato. Estas tecnologias visam a gerar a máxima
produtividade possível das grandes extensões de terra colocadas a
serviço da atividade agroindustrial.
Os defensivos agrícolas e a adubação química estão no centro das
tecnologias geradoras de matérias-primas agropecuárias. Os
produtos agrícolas, provenientes da introdução de tecnologias de
alta produtividade, são transformados em mercadorias pela
agroindústria, a qual agrega valor a estes produtos através do
processamento agroindustrial das matérias-primas obtidas na
produção agrícola.
Paralelamente à introdução das referidas tecnologias do campo, as
empresas capitalistas se utilizam de maquinário pesado elaborado
pela indústria da agricultura. Assim sendo, tecnologias
agroindustriais e maquinário industrial agrícola somam-se no
esforço de transformação do produto agrícola in natura, com
elevado grau de produtividade, em mercadoria capitalista geradora
de mais-valia do trabalho empregado em sua confecção – e lucro –
nas transações comerciais, a serem posteriormente incorporadas ao
processo histórico agroindustrial e do agronegócio.
TRANSFORMAÇÃO DOS PRODUTOS EM MERCADORIAS:
PRODUÇÃO DESTRUTIVA DA FORÇA DE TRABALHO E DO
AMBIENTE NATURAL
As consequências destrutivas do desenvolvimento das forças
produtivas, no que diz respeito às transformações dos produtos em
mercadorias, são bastante nítidas. No que tange à destruição
progressiva da força de trabalho no campo, a utilização de mão de
obra especializada para a realização de tarefas de transformação
produtiva – uma vez incorporadas tecnologias e maquinário às
atividades produtivas – resulta em uma concentração da força de
179
trabalho numericamente inferior à anteriormente empregada – antes
das tecnologias e do maquinário da revolução verde – e
qualitativamente diferenciada da situação imediatamente anterior.
O trabalho nas áreas empresariais industriais e agroindustriais passa
a ser estritamente assalariado. As exigências de produtividade, cada
vez mais elevadas, fazem com que os operários agrícolas e
pecuários tenham que dedicar-se plenamente às atividades de
transformação produtiva, passando por experiências na lida
produtiva/transformadora que os habilitam a serem os únicos a
executarem as funções produtivas industriais e agroindustriais.
Assim sendo, a força de trabalho especializada é necessariamente
reduzida e concentrada nos espaços fabris específicos. A destruição
da força de trabalho pode ser medida pela drástica redução do
número de trabalhadores atuantes no setor produtivo. Desta forma, o
“mais-trabalho” é imposto a um número cada vez mais restrito de
trabalhadores rurais especializados no uso de tecnologias e
maquinário de transformação produtiva.
Portanto, as tecnologias e o maquinário da modernização
conservadora são funcionais ao regime de “mais-trabalho” de um
contingente cada vez menos expressivo de trabalhadores. O
desemprego crônico da força de trabalho nas atividades industriais e
agroindustriais torna-se assim uma marca evidente da destruição dos
postos de trabalho e do próprio caráter, até então aglutinador, da
classe operária rural no processo histórico do capitalismo agrário.
Por outro lado, paralelamente, o ambiente natural é duplamente
atingido pela expansão de tecnologias e maquinário, em substituição
ao trabalho humano. As tecnologias empregadas – os já referidos
defensivos agrícolas contra pragas em lavouras e rebanhos e a
adubação química – levam ao desgaste do solo, dilapidando-o
constantemente.
O maquinário pesado estimula a compactação do solo, tornando-o
cada vez menos apropriado a atividades agrícolas que não envolvam
as referidas garantias tecnológicas. A produtividade a todo o custo,
visando à lucratividade – relacionada à exploração econômica do
trabalho assalariado em níveis organizacionais muito aprimorados –
faz com que as transformações produtivas conduzam à ampliação da
falha metabólica entre humanidade e natureza exteriorizada,
180
conforme antecipado por Marx e corroborado, de certa forma, pela
corrente agroecológica contemporânea.
A MERCANTILIZAÇÃO DO CONSUMO NO SISTEMA
METABÓLICO AGROAMBIENTAL DO CAPITALISMO
AGRÁRIO NO BRASIL: CONSUMO DESTRUTIVO DA FORÇA
DE TRABALHO E DO AMBIENTE NATURAL; AUSÊNCIA DE
SOBERANIA E SEGURANÇA ALIMENTARES
Do ponto de vista do consumo percebe-se que, nas instalações
industriais e agroindustriais do campo brasileiro, não se consome o
que se produz. Isto significa que a produção está totalmente
orientada para a mercantilização, não visando à produção alimentar
para o consumo próprio da força de trabalho ocupada.
Os assalariados do campo não produzem alimentos para si, ou para
quaisquer outros consumidores do próprio campo ou da cidade.
Cada vez mais, da década de oitenta do século XX, em diante, na
área agroindustrial do campo brasileiro, a produção não está voltada
para enfrentar as demandas e carências de consumo alimentar
populacional.
Ao contrário, na agricultura plantam-se matérias-primas
mercantilizáveis e colhem-se commodities internacionais. Na
pecuária, a alimentação está voltada à engorda bovina e não ao
consumo humano. Não existe produção para consumo alimentar
humano nas áreas de indústria e agroindústria.
O consumo dos trabalhadores do campo nestas áreas é feito em
regime de compra e venda de mercadorias, quase sempre
processadas agroindustrialmente, a serem adquiridas no próprio
mercado capitalista de varejo e/ou atacado. Não só o trabalho é
submetido às leis de acumulação capitalistas, mas também as
condições básicas de reprodução da força de trabalho o são.
Tudo é mercadoria na atividade industrial e agroindustrial das
empresas agrícolas e pecuárias no Brasil. Assim sendo, a força de
trabalho operária na indústria da agricultura e na agroindústria
capitalista transforma-se em mercadoria a ser negociada e passa a
ter um preço no mercado capitalista. Se o consumo da classe
trabalhadora assalariada, relacionada às atividades agropastoris, se
faz no mercado capitalista agroindustrial de produtos processados, o
ciclo vicioso de operação da força de trabalho se fecha.
181
Isto é, o trabalhador é assalariado para gerir a aplicação de
tecnologias agropecuárias e conduzir o maquinário em grandes
extensões de terra. Este assalariamento deve embutir um ganho
adicional ao contratante da força de trabalho e ao mesmo tempo
garantir a reprodução da própria força de trabalho e de sua família.
Se o consumo alimentar, que é parcela vital desta reprodução, deve
ser obtido com a aquisição de mercadorias a preços que incorporem
os custos industriais e agroindustriais de produção, a força de
trabalho fica extraordinariamente onerada. Desta forma, a
reprodução social da força de trabalho é prejudicada. Como o
assalariamento empresarial não prevê ampliações de custos salariais
que descaracterizem o perfil de mercadoria da força de trabalho
resta aos trabalhadores arcarem com estes custos provocados pelo
montante do salário a ser despendido no mercado consumidor de
bens de alimentação.
O caráter destrutivo do valor da força de trabalho, neste caso,
advém do bloqueio da expansão continuada da reprodução da força
de trabalho operária assalariada na indústria da agricultura e na
agroindústria, representada pelos preços de mercado dos produtos
alimentares transformados em mercadoria.
Se os trabalhadores pudessem consumir o que produzem, o custo da
reprodução social familiar da força de trabalho empregada no
campo – ou para o campo – permitiria a manutenção mais
equilibrada, para o capitalista, desta reprodução, sem reduzir os
ganhos capitalistas com a mais-valia a ser obtida pela via do
trabalho industrial e agroindustrial executado.
Do ponto de vista da destruição produtiva, contra a natureza
exteriorizada, a produção capitalista em grandes extensões além de
não incluir produtos alimentares humanos in natura, como já
assinalado, baseia-se em tecnologias de produção agroindustrial e
maquinário pesado. Os efeitos deletérios para o solo e a paisagem
são evidentes.
Em síntese, na produção empresarial industrial capitalista, o campo
deixa de cumprir a função de reprodução da própria força de
trabalho assalariada empregada, bem como se exime de manter ou
ampliar o ambiente natural propício à vida das pessoas –
deteriorando-o continuamente através da intensificação da
182
exploração da mercadoria força de trabalho e da expansão
indefinida do avanço espacial sobre áreas até então não exploradas
pela atividade capitalista de transformação. Nestas condições, o
consumo populacional no campo faz-se de forma quase que
totalmente exógena à vida agrária, deturpando-a aceleradamente.
Conceitos como o de soberania e/ou segurança alimentares são
completamente inaplicáveis a situações de transformação e
consumo como as aqui referidas.
DISTRIBUIÇÃO DE MERCADORIAS NO COMPLEXO
AGROINDUSTRIAL NO BRASIL E EMERGÊNCIA DO
AGRONEGÓCIO COMERCIAL/FINANCEIRO
GLOBALIZADO: AMPLIAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DA
PRODUÇÃO DESTRUTIVA
A distribuição das mercadorias requer, cada vez mais, instrumentos
de crédito públicos, estatais ou privados, que assegurem a
comercialização economicamente rentável para os setores
industriais e agroindustriais envolvidos nestas transações.
É a partir do fenômeno da globalização mundial que a produção de
grãos para colocação no mercado internacional se acelera e passa a
engendrar sofisticados mecanismos de financiamento. A partir da
década de 90 do século XX estrutura-se definitivamente o
agronegócio no Brasil.
O agronegócio será o responsável, a partir de então, pela formação
das chamadas cadeias de suprimentos da produção agropecuária,
tendo em vista criar condições de estímulo e viabilidade para o
ingresso da agroindústria – no contexto do CAI – no mercado
internacional de commodities, precificado em bolsas mercantis
internacionais, com sede nos países mais desenvolvidos do
capitalismo mundial.
A atuação do agronegócio volta-se para a inserção sempre mais
aprofundada das mercadorias agroindustriais no mercado
internacional. As cadeias de suprimentos do agronegócio no Brasil
ficam então responsáveis pelo financiamento monetário das
mercadorias agroindustriais.
Essencialmente, a intervenção do agronegócio vai permitir que os
investidores internacionais adquiram os produtos agroindustriais e
os financiem nos mercados mundiais. Assim é que, no ramo
183
agroindustrial, o agronegócio desbrava as fronteiras nacionais,
acelerando a exportação de bens de consumo originários da
agroindústria no Brasil.
A soja, o milho, a carne, o açúcar, o álcool, e até mesmo a madeira,
estão em um primeiro momento à frente da atividade
agroexportadora do agronegócio. Uma das principais funções do
agronegócio é estruturar a malha de transportes, amplamente
financiada por créditos e investimentos proporcionados pelas
instâncias distributivas manejadas pelo agronegócio.
O agronegócio no Brasil não intermedia apenas o financiamento e a
logística de transporte das mercadorias agroindustriais para o
exterior. O mercado interno de commodities também é operado
pelas cadeias de suprimentos do agronegócio. Todavia, as
exportações são o carro chefe das atividades distributivas de
comercialização de mercadorias conduzida pelo agronegócio no
Brasil.
Percebe-se, por esta definição de agronegócio, que tal vertente da
atividade mercantil capitalista agroindustrial não está diretamente
vinculada ao setor estritamente produtivo da indústria da agricultura
e da agroindústria de transformação e consumo anteriormente
analisadas.
O agronegócio é responsável pela operação de distribuição das
mercadorias produzidas, fazendo com que todo e qualquer produto
comercializável atenda aos requisitos de acumulação de capital,
baseados no conceito internacional de commodities agropecuárias.
Neste sentido, produtividade e a lucratividade de mercado
caminham necessariamente juntas.
O agronegócio, então, caracteriza-se pela formação de circuitos
longos de distribuição de mercadorias comercializáveis
enquanto commodities, interna e, principalmente, externamente,
graças a uma sofisticada rede de transportes, notadamente
marítimos.
Além disso, é preciso identificar o tipo de força de trabalho com a
qual lida o agronegócio. Diferentemente do tradicional proletariado
urbano e rural da indústria da agricultura e da agroindústria,
respectivamente, a fração de classe trabalhadora assalariada, que
interage com as instâncias decisórias do agronegócio, constitui-se
184
de um amplo setor de serviços situados predominantemente fora das
áreas rurais.
O agronegócio, tal como é aqui definido, não se baseia na
imposição da subsunção real do trabalho ao capital em suas redes
operacionais, pois não lida diretamente com a produção
propriamente dita, embora assalarie a mão de obra empregada nas
atividades terciárias, de serviços, como assinalado.
O agronegócio, reafirmo, estrutura-se para dar sustentação de
financiamento e transporte aos produtos transformados em
mercadorias na agroindústria de processamento de matérias-primas,
no campo. É o caráter distributivo comercial/mercantil/financeiro
que orienta os desígnios do agronegócio no Brasil, desde o início da
década de 1990 até meados da década de 2010, pelo menos.
Em termos da interpretação que busco fazer, do caráter de produção
destrutiva – da distribuição, no caso específico do agronegócio – e
de seus efeitos sobre os fluxos de energia e materiais dos sistemas
metabólicos envolvidos no processo histórico capitalista agrário no
Brasil contemporâneo, ocorrem algumas peculiaridades que vou
procurar identificar e problematizar.
O agronegócio distributivo, como já referido, não emprega trabalho
diretamente produtivo, operário. Pode-se afirmar que a partir do
advento do agronegócio distributivo financeiro no Brasil, o setor
operacional, de serviços, comporta-se como a fração de classe
trabalhadora submetida ao mais trabalho capitalista agrário,
superando quantitativamente o trabalho industrial e agroindustrial
produtivo operário fabril – concentrados nos ramos industriais e
agroindustriais empresariais.
No caso do ramo empresarial do agronegócio, a lucratividade dos
empreendimentos realizados decorre das transações monetárias
efetivadas. É claro que a composição salarial da fração de classe
trabalhadora de serviços para o agronegócio permite, às empresas,
margens de lucro ampliadas pela exploração deste tipo de força de
trabalho.
O que deve ser assinalado é que, no agronegócio distributivo, o
caráter de centralidade da força de trabalho produtiva industrial – o
proletariado fabril urbano e rural – é substituído pela atividade de

185
trabalho social, material, abstrata concentrada no setor de serviços e
não na indústria de transformação e consumo.
Isto significa que a produção destrutiva no agronegócio financeiro
distributivo é praticada de forma indireta. Ela ocorre na medida em
que o protagonismo do trabalho operário é substituído, no
agronegócio, pelo trabalho não industrial, mas de serviços.
Esta perda de protagonismo e centralidade do trabalho produtivo
proletário nas redes de distribuição de mercadorias do agronegócio
é, por si só, mais um elemento de redução do papel desempenhado
pelo proletariado da indústria da agricultura e da agroindústria no
processo histórico capitalista agrário no Brasil, na última década do
século XX e nas duas primeiras do terceiro milênio.
Em relação à interferência da distribuição de mercadorias no
sistema metabólico agroambiental, o impacto ambiental sobre o
fluxo de energia e materiais é evidentemente nocivo ao adequado
movimento deste fluxo.
A poluição, emanada por combustíveis fósseis liberados por meios
de transporte, tais como navios e caminhões, além de aeronaves é
uma fonte permanente de bloqueio da transmissão de energia e
materiais no ambiente natural, a partir de atividades originárias do
campo ou decorrentes deste.
Além disso, o balanço energético agrário tende a mensurar o
consumo de água proveniente da criação de gado, por exemplo, em
função da expansão desta produção alimentada, literalmente, por
milhões de grãos intercambiados regional e nacionalmente para a
nutrição destes animais de corte.
Ademais, as tecnologias agropecuárias que visam ampliar
indefinidamente a produtividade dos referidos setores econômicos
mercantis – tais como o já mencionado uso de defensivos e insumos
químicos e, mais recentemente, dos organismos geneticamente
modificados, transgênicos – provocam questionamentos sobre os
efeitos e influências destes procedimentos sobre a saúde dos
consumidores humanos de tais produtos de origem agrícola e
animal.
Em suma, a distribuição operacionalizada pelas cadeias de
suprimentos do agronegócio globalizado faz com que a
mercantilização capitalista produtivista se espalhe pelo mundo em
186
um ritmo incompatível com quaisquer dispositivos de segurança
alimentar, em comprovável discrepância com a livre circulação de
materiais e energia no ambiente natural.
A SUBSUNÇÃO FORMAL DO TRABALHO AO CAPITAL NO
PROCESSO HISTÓRICO DE DESENVOLVIMENTO DAS
FORÇAS PRODUTIVAS/DESTRUTIVAS NO BRASIL
Como assinalado anteriormente, a busca desenfreada, por parte do
capitalismo agrário no Brasil, pela máxima produtividade gerou
duas formas de padrão de acumulação de capital no campo – e para
o campo – do final da década de 1980 em diante, acentuando-se ao
longo deste período, bifurcando o processo histórico capitalista
agrário, iniciado no país algumas décadas antes.
A primeira linha desta bifurcação, eu acabo de sintetizar: é a
clássica subsunção real do trabalho agrário ao capital. A segunda
linha, antevista também por Marx, quando tratava de analisar o
desenvolvimento das forças produtivas na Europa ocidental, é a que
ele denominou de subsunção formal do trabalho ao capital,
abordada anteriormente neste texto. Nesta segunda relação social, o
trabalho assalariado produtivo – a subsunção real do trabalho ao
capital – não é o único, nem o principal elemento constitutivo do
desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo agrário. No
caso brasileiro, que estou abordando, a subsunção formal vem sendo
empregada no campo de forma cada vez mais expressiva.
Ela decorre do empenho do capitalismo agrário em incorporar
amplos setores do campo ao processo histórico de desenvolvimento
das forças produtivas. Assim sendo, na década de 1970, os governos
militares no Brasil impuseram políticas de colonização agrária
visando expandir as áreas de fronteira agropecuária do país. Isso
provocou, além do clássico estabelecimento de setores industriais e
agroindustriais no campo e para o campo, um efeito secundário, mas
extremamente significativo, da aplicação de políticas públicas de
Estado. Trata-se da expulsão de expressivos contingentes de
camponeses de suas atividades tradicionais de autoconsumo. Os
trabalhadores sem-terra dirigiram-se, desde então, para áreas
urbanas periféricas, passando a constituir-se em potenciais exércitos
industriais e agroindustriais de reserva.

187
Porém, a intervenção estatal dos governos militares, notadamente na
década de 1970, também motivou a descaracterização social de
outros tantos camponeses que passaram a compor uma fração de
classe da burguesia agrária brasileira – em uma adaptação histórica
da célebre formulação de Marx acerca da diferenciação camponesa
nas sociedades agrárias ocidentais do século XIX – deixando de ser
camponeses stricto sensu, na medida em que obtinham a titulação
de suas terras.
Uma significativa parcela de agricultores passava, então, a produzir
para o capital, constituindo-se assim em fração de classe de base
familiar da burguesa agrária, a qual abrangia também as frações de
classe agroindustriais empresariais e, mais adiante, o agronegócio
financeiro comercial.
A anteriormente referida camada de pequena burguesia agrária no
Brasil seria então incorporada ao processo histórico de
desenvolvimento do capitalismo agrário no país. Esta incorporação
iria ocorrer, e ainda está ocorrendo, de forma cada vez mais intensa,
sem resistências significativas – ao contrário, com adesões nada
sutis ao modelo de acumulação capitalista, notadamente a partir do
estabelecimento do agronegócio no Brasil.
Disso resulta que a apropriação de terras para a expansão da
produtividade capitalista no país, em se tratando da
vertente formal da subsunção do trabalho ao capital no Brasil, pelo
menos a partir da década de 1990 em diante, incorpora diferentes
setores e formas de propriedade e produção agropecuárias.
A apropriação de terras para a produção, nos termos da
subsunção formal do trabalho ao capital, revela o traçado do
processo histórico de desenvolvimento das forças produtivas no país
desde, pelo menos, a última década do século XX.
A DESCAMPESINIZAÇÃO DA AGRICULTURA FAMILIAR: A
PEQUENA BURGUESIA AGRÁRIA DE BASE FAMILIAR NO
BRASIL
Os agricultores descampesinizados subdividem-se em duas
correntes. A primeira corrente, que se incorpora ao processo
histórico do capitalismo agrário no Brasil – pela via do acesso ao
direito à propriedade agrária e o crescente envolvimento com as
pautas produtivistas do complexo agroindustrial e de suas
188
ramificações comerciais e financeiras, estruturadas pela introdução
do agronegócio no Brasil; a outra corrente descampesinizada é
aquela formada por camponeses despossuídos que foram se
urbanizando à sua revelia, desde os anos de 1970.
A primeira corrente de agricultores descampesinizados são os que
passaram a ser denominados, inclusive oficialmente, pelo Estado,
para efeito de acesso a políticas públicas, de agricultores familiares.
A então designada agricultura familiar é proprietária jurídica de
terras e orienta sua produção para o mercado consumidor de
produtos alimentares e não alimentares. Nos dois casos a agricultura
familiar interfere na reprodução do proletariado rural.
Ela produz bens de consumo alimentar que serão consumidos nos
mercados pelos trabalhadores agropecuários proletarizados,
assalariados, os quais deixaram a condição camponesa tradicional e
não produzem mais para si mesmos e suas famílias.
A agricultura familiar, por outro lado, concomitantemente, concorre
com o proletariado rural ao produzir e distribuir, em associação com
os setores da burguesia agrária estabelecida, ou em casos menos
frequentes de forma independente destes setores, bens de consumo e
capital, como registrarei mais à frente.
Neste caso, a agricultura familiar vincula-se formalmente ao
capitalismo agrário e substitui, até certo ponto, a participação do
trabalho assalariado rural no processo histórico de desenvolvimento
das forças produtivas do capitalismo agrário no Brasil.
Na realidade, os ditos agricultores familiares incorporam-se ao
capitalismo no campo, sem deixar de ser os próprios os
trabalhadores da produção, geralmente em família. Com o apelo
mercantil pela máxima produtividade, estes agricultores também
contratam os chamados diaristas – assalariados rurais ou urbanos
sem-terra, ou membros da própria família.
A complexidade destas relações não esconde, porém, o fato do
agricultor familiar mercantilizado atuar como uma fração da classe
dominante do capitalismo agrário, ao mesmo tempo em que utiliza
sua força de trabalho familiar – e a eventualmente contratada por
salário ou regime de parceria – para gerar renda e auferir lucros no
mercado capitalista. Assim sendo, a burguesia agrária, como classe
social detentora do controle do trabalho social, obtém seus ganhos
189
monetários cada vez mais através da subsunção formal do trabalho
agrário ao capital, valendo-se das inovações tecnológicas da
indústria da agricultura e da agroindústria do grande capital, as
quais ela absorve.
Percebe-se que, também por esta via, heterodoxa, da acumulação
capitalista no campo, o trabalho assalariado, proletário, já não é a
principal referência para a acumulação e o consequente
desenvolvimento das forças produtivas no campo brasileiro.
TRANSFORMAÇÃO PRODUTIVA E PRODUTIVISMO
DESTRUTIVO EM SISTEMAS METABÓLICOS
AGROAMBIENTAIS: TRABALHO SOCIAL ABSTRATO;
ATIVIDADE AGROINDUSTRIAL; TRANSIÇÃO DA MATRIZ
TECNOLÓGICA DE PRODUÇÃO NA AGRICULTURA
FAMILIAR NO BRASIL
A transformação produtiva do campo no Brasil, no processo
histórico de desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo
agrário, no que diz respeito à subsunção formal do trabalho ao
capital, incidiu de diversas formas sobre o sistema metabólico
agroambiental. Em se tratando da agricultura familiar pequeno-
burguesa, as transformações seguem majoritariamente, desde a
década de 1980 em diante, o padrão tecnológico propagado pela
revolução verde, levado adiante pela indústria da agricultura e a
agroindústria.
Os agricultores familiares, proprietários de terra, relativamente
capitalizados e tecnificados, adquirem agrotóxicos para as lavouras
e compram maquinário, correspondentes às dimensões de seus
territórios de produção. A imersão no mundo mercantil capitalista é
concluída, ciclicamente, pela venda dos bens produzidos,
diretamente no mercado consumidor ou a intermediários.
Entre os agricultores familiares, a chamada transição
agroecológica também foi incentivada, desde a década de 1990 ou
mesmo antes disso. A transição agroecológica, compreendida em
termos estritamente tecnológicos, produtivos, enfrenta restrições
quanto à produtividade exigida dos agricultores que se dedicam a
este tipo de tecnologia.
Assim sendo, com o predomínio, até o momento, na produção
agrícola e nas atividades pecuárias, de técnicas de produção
190
identificadas com o uso de defensivos e adubação de origem
industrial e agroindustrial, o sistema metabólico, em termos do
critério da transformação do ambiente natural e de suas implicações
sobre o metabolismo energético dos agroecossistemas, segue
afetado negativamente.
O predomínio dos métodos industriais e agroindustriais sobre as
formas ecológicas de produção contribuem decisivamente para o
bloqueio continuado do fluxo ecológico-ambiental de materiais e
energia nos sistemas metabólicos. O caráter destrutivo do
desenvolvimento das forças produtivas permanece preponderante,
em zonas de subsunção formal do trabalho ao capital, no que diz
respeito à dicotomia entre humanidade e natureza exteriorizada.
O que é importante ressaltar é o fato pelo qual os produtores
agrários formalmente submetidos ao capital, no campo e para o
campo, são coagidos no processo histórico capitalista agrário a gerar
uma produtividade de suas lavouras e pastagens, que seja absorvida
pelo mercado de forma a remunerar a todos os envolvidos na
questão produtiva. Desta forma, o trabalho exercido, tanto em
condições de transformação industrial e agroindustrial
como agroecológica, é passível do crivo da mais alta produtividade
possível, que atenda aos mercados convencionais, no primeiro caso,
e aos nichos cada vez mais numerosos, mercadologicamente, de
produção alternativa, de produtos orgânicos e afins. Assim sendo, o
trabalho de todos os produtores formalmente submetidos às regras
do processo histórico capitalista agrário é inserido em cadeias
produtivas deste tipo de capital, redundando em uma maneira de
alavancar estes setores no contexto dos esforços pela produtividade
a ser gerada a partir da transformação do ambiente natural.
Em síntese, a transformação do ambiente natural pelas atividades
agrícolas e pecuárias obedece a estratégias produtivistas em
quaisquer circunstâncias, fazendo com que muitas vezes até mesmo
aqueles produtores em transição agroecológica transformem o
ambiente natural em ritmos mais impositivos e contundentes do que
seria de se esperar de uma produção que não almejasse sempre a
máxima produtividade mercantil.
O produtivismo mercantil tem sido, portanto, uma característica das
atividades guiadas pela subsunção formal do trabalho ao capital, no
191
processo histórico de desenvolvimento das forças produtivas do
capitalismo agrário no Brasil.
Percebe-se, assim, que mesmo onde o sistema metabólico
ecológico-ambiental parece contemplado por ações de desbloqueio
tecnológico dos fluxos de energia e materiais, esta desobstrução
tende a não se consumar efetivamente devido à necessidade de
produção cada vez mais eficiente em termos mercadológicos.
Por isso, a transição agroecológica, interpretada como matriz
tecnológica da produção agropecuária (CARVALHO, 2007) – do
ponto de vista das transformações produtivas na agricultura familiar
– não é suficiente para liberar os fluxos energéticos e de materiais
agroecológicos dos sistemas metabólicos em questão, embora seja
absolutamente necessária para isso.
A transição tecnológica tende a ser inconclusa enquanto estiver
submetida, ainda que formalmente, às necessidades de reprodução
do capitalismo agrário e aos condicionamentos histórico-processuais
do desenvolvimento de suas forças produtivas.
A produtividade máxima só pode ser adquirida pelo capitalismo
agrário de duas maneiras: pela subsunção real do trabalho
assalariado produtivo, ou formal, por vinculação da atividade
agropecuária a cadeias produtivas do capitalismo agrário; pela via
da elevação qualitativa das condições de desenvolvimento
tecnológico, sempre adaptadas às referidas formas de trabalho
agrário.
A intensificação da jornada de trabalho no campo deve ser,
portanto, complementada e subsidiada por avanços tecnológicos
correspondentes. Estas expansões quantitativas e qualitativas do
aparato tecnológico ocorrem tanto na perspectiva convencional
como na de transição agroecológica da agricultura familiar e, como
assinalarei mais adiante neste texto, em assentamentos de reforma
agrária.
A técnico-ciência convencional – industrial e agroindustrial – e
aquela da agricultura ecológica são estimuladas a gerar métodos e
técnicas compatíveis, adequados à produtividade cada vez mais
acelerada exigida pelo capitalismo agrário em sua marcha de
desenvolvimento das forças produtivas no campo.

192
Como se constatou anteriormente neste texto, a forma de trabalho
aplicada à produção sempre condiciona o tipo de tecnologia
empregada. O “mais-trabalho” agrário – ou para o agro – requer
tecnologias que se amoldem e ao mesmo tempo aperfeiçoem cada
prática de trabalho adotada.
Nestes casos, a tendência é que o trabalho seja incorporado à
tecnologia em uma metamorfose que vai se consolidando através de
impulsos tecnológicos, que podem servir a situações de
subsunção real e/ou formal do trabalho ao capital.
O trabalho absolutamente tecnologizado – cada vez mais amiúde
prescindindo da força de trabalho, operária ou não –, é de grande
destrutividade, pois atinge amplamente a estruturação e
sobrevivência da força de trabalho e se volta contra o ambiente
natural, representando assim uma forma de produção antiecológico/
ambiental.
Situações como estas levam ao paroxismo a fórmula de produção e
organização do trabalho que privilegia a alta tecnologia de ponta. A
mais-valia relativa decorre e complementa a mais-valia absoluta no
contexto do processo histórico capitalista agrário de
desenvolvimento – destrutivo – das forças produtivas.
A CIRCULARIDADE DA TRANSFORMAÇÃO DO AMBIENTE
NATURAL E DO CONSUMO MERCANTILIZADO:
PRODUÇÃO DESTRUTIVA E OBSTRUÇÃO PERMANENTE
DO FLUXO METABÓLICO DE ENERGIA E DE MATERIAIS
NOS AGROECOSSISTEMAS DA AGRICULTURA FAMILIAR
NO BRASIL
O consumo na agricultura familiar mercantilizada reflete as
transformações produtivas em condições de subsunção formal do
trabalho ao capital no processo histórico capitalista agrário no
Brasil. Reduziu-se ao mínimo necessário a produção para o
autoconsumo nas famílias destes produtores. Os gêneros alimentares
são adquiridos também em mercado, in-natura ou,
predominantemente, sob a forma de produtos processados
agroindustrialmente. Os eventuais trabalhadores assalariados das
propriedades agrícolas – os diaristas rurais – enquanto trabalhadores
pluriativos (WANDERLEY, 2000, v.15, p. 87-145; COSTA NETO,
2010a) e multifuncionais (CAZELLA, BONNAL, MALUF, 2009,
193
p. 23-110), que obtêm renda com a venda de sua força de trabalho
em atividades rurais e ou urbanas, articulam-se às transformações
produtivas na órbita de controle do capital agrário, pela via do
consumo de produtos mediado pelo mercado capitalista.
Ocorre uma circularidade entre trabalho produtivo transformador da
natureza, incluídos aí necessariamente os aportes cada vez mais
extraordinários de tecnologia, e o consumo das famílias que
vinculam suas atividades de trabalho, de maneira real ou formal, às
estratégias de reprodução ampliada do capitalismo industrial e
agroindustrial.
A agroindústria processa, através de trabalho produtivo assalariado,
produtos que se tornarão mercadoria a ser consumida no campo e na
cidade. Os agricultores familiares e o próprio proletariado rural
confeccionam as matérias-primas agropecuárias, que vão suprir a
agroindústria transformadora/processadora destes produtos. O
destino desta produção é o mercado consumidor rural/urbano.
Transformação produtiva e consumo articulam-se através do
amálgama da mercantilização da produção.
Daí ser indispensável, para o desenvolvimento do capitalismo
agrário no Brasil, que o máximo possível daquilo que é produzido
pelo binômio trabalho/tecnologia seja mercantilizado. O
autoconsumo de produtos agropecuários, em processo histórico de
desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo agrário, só
pode ser tolerado, nestas condições, como algo meramente residual.
A produção, visando à acumulação capitalista agrária, requer a
imersão da economia e da ecologia do campo no processo histórico
capitalista e isto só ocorre se o que for produzido, e transformado
por processamento agroindustrial, for consumido de forma
mercantil. Então, os trabalhadores agropecuários produzem,
processam e consomem em circuitos sempre mercantilizados.
Formam-se círculos de transformação humana do ambiente natural
que vinculam produção e consumo no próprio espaço agrário. A
produtividade agropecuária se operacionaliza em primeiro lugar
pelo consumo mercantil das famílias do campo, para só então
espraiar-se pelos ambientes urbanos.
A produção destrutiva se caracteriza, neste caso, pela imposição do
consumo mercantil a produtores que poderiam estar usufruindo
194
daquilo que eles mesmos produzem, no caso da produção
agropecuária alimentar.
No lugar da soberania alimentar destes produtores é inserida a
mercantilização da transformação produtiva, muitas vezes
processada agroindustrialmente por contingentes de trabalhadores
do campo que aderem, à sua revelia, ao processo de mercantilização
da agropecuária, desde a atividade produtiva até o ato do consumo
próprio desta mesma produção que já lhe é estranha. Assim, os
trabalhadores, mesmo organizacionalmente cada vez mais
dissociados no e pelo processo histórico, tornam-se eles mesmo
parte do conjunto de mercadorias produzidas e consumidas.
Como a circularidade produção/consumo é necessariamente fechada
e automaticamente retroalimentada em si mesma, isto significa que
o fluxo de energia e de materiais resultante desta articulação está
permanentemente obstruído, sob qualquer circunstância produtiva,
transformadora e de consumo do desenvolvimento das forças
produtivas no processo histórico do capitalismo agrário,
especificamente no caso brasileiro, ora interpretado neste texto.
CÍRCULOS CONCÊNTRICOS DE TRANSFORMAÇÃO
PRODUTIVA, CONSUMO E DISTRIBUIÇÃO NA
AGRICULTURA FAMILIAR MERCANTILIZADA NO BRASIL
A distribuição da produção, em contextos do processo histórico
capitalista agrário de desenvolvimento das forças produtivas nos
quais prevalece uma subsunção formal do trabalho ao capital, revela
outro círculo concêntrico que amplia a circularidade entre produção
e consumo, como observado acima.
A circularidade entre transformação produtiva, consumo e
distribuição em condições de existência da agricultura familiar
mercantilizada e de assentamentos de reforma agrária no Brasil das
últimas quatro décadas, também se retroalimenta internamente, tal
como ocorre em situações históricas que envolvem a
subsunção real do trabalho produtivo ao capital agrário – onde
predomina o trabalho assalariado do proletariado rural.
A distribuição da produção agropecuária é realizada no Brasil,
desde o início da década de 1990, de forma internacionalmente
estruturada por mecanismos introduzidos pela globalização da
economia mundial, através do agronegócio.
195
Como foi assinalado anteriormente – quando tratei da atuação
comercializadora financeira do processo produtivo capitalista
agrário em condições de predomínio da indústria da agricultura e da
agroindústria no Brasil, com a respectiva subsunção real do trabalho
assalariado do proletariado rural no país – o agronegócio estende
sua influência organizativa sobre os setores nos quais prevalece a
subsunção formal, não assalariada, do trabalho agropecuário ao
capital agrário: casos da agricultura familiar e dos assentamentos de
reforma agrária, integrados ao mercado capitalista de
transformação, consumo e distribuição de produtos com
características mercantis.
A INFLUÊNCIA DO AGRONEGÓCIO NA AGRICULTURA
FAMILIAR MERCANTILIZADA E NOS ASSENTAMENTOS
DE REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL: PRODUTIVISMO
MERCANTIL EM CADEIAS DE SUPRIMENTO DO
AGRONEGÓCIO
O agronegócio no Brasil é constituído por uma rede de empresas
que tratam de garantir a maior lucratividade possível daquilo que é
produzido pela agropecuária no país. Para que a lucratividade
compense a operacionalidade dos canais financeiros comerciais do
agronegócio é necessário que todos os setores produtivos,
envolvidos nestas transações financeiras comerciais, apresentem um
ritmo de produção que garanta a produtividade máxima no campo.
A produtividade deve ser obtida pela utilização de tecnologias e
maquinário correspondentes às áreas e escalas de produção
específicas. Grosso modo, nas escalas produtivas da indústria da
agricultura e da agroindústria predomina o trabalho assalariado. São
empresas de transformação que englobam o consumo mercantil da
produção.
Nas escalas de produção da agricultura familiar, e dos
assentamentos de reforma agrária, tende a prevalecer o trabalho não
assalariado. O maquinário aí empregado é menos pesado
fisicamente e menos custoso financeiramente para o produtor. As
tecnologias variam desde as mais convencionais até aquelas
consideradas alternativas, baseadas em técnicas de produção
orgânicas – e afins – da chamada agricultura ecológica.

196
Porém, o que deve ficar nítido é que o agronegócio capitalista
abarca, ou se propõe a abranger, sob a forma de cadeias
produtivas/distributivas de suprimentos para comercialização
financeira, nacional e internacional, todo o conjunto da agropecuária
mercantilizada no Brasil.
Como já destaquei anteriormente, as mercadorias são financiadas
pela estrutura do agronegócio com o objetivo de alcançar preços
internacionalmente cotados em bolsas de valores específicas para
transações de mercadorias agropecuárias. Os trabalhadores do
campo – assalariados e não assalariados – inserem-se
definitivamente no mercado capitalista através da adesão às
instâncias de financiamento comercial do agronegócio.
Reitero que o agronegócio exige, para financiar a comercialização
da produção, que esta seja a mais elevada possível, em termos
quantitativos. Assim sendo, para ingressar nos ramos de distribuição
controlados pelo agronegócio, todos e quaisquer agricultores
precisam estar imbuídos da consciência produtivista, de mercado, da
produção que executam.
As cadeias de distribuição de suprimentos de origem agropecuária
para o mercado estão necessariamente submetidas às diretrizes de
alta produtividade do agronegócio. O princípio básico do
agronegócio, para a incorporação da agricultura familiar e dos
assentamentos de reforma agrária, à sua estrutura internacional de
distribuição da produção é a produtividade da atividade – tudo deve
ser produzido, com qualquer tecnologia disponível, sejam matérias-
primas ou produtos de valor agregado que venham a ser
precificados nacional e internacionalmente.
AGRONEGÓCIO DISTRIBUTIVO/COMERCIAL/FINANCEIRO:
ABRANGÊNCIA DA PRODUÇÃO CONVENCIONAL
AGROINDUSTRIAL E DAS MATRIZES TECNOLÓGICAS
ALTERNATIVAS NA AGRICULTURA FAMILIAR
MERCANTILIZADA
O agronegócio não faz distinção entre produção convencional e
produção orgânica, ou ecológica em geral. Certamente estes tipos de
produção são completamente diferentes do ponto de vista
tecnológico, mas devem se igualar em capacidade produtiva para
distribuição em mercados – através de mecanismos de
197
financiamento da comercialização – operacionalizados pelas
instâncias organizativas do agronegócio.
O agronegócio, em suma, mercantiliza toda a produção para colocá-
la em mercados consumidores os mais diversos, em quaisquer partes
onde esta distribuição possa alcançar. E a capacidade distributiva do
agronegócio financeiro mercantil é mundial, como se sabe. Por esta
razão, a produção englobada pelas ramificações distributivas do
agronegócio internacional dá preferência a determinadas
mercadorias, cujos preços internacionais são os mais favoráveis aos
intermediadores financeiros e, supostamente, aos próprios
produtores estruturados nas cadeias de suprimentos do agronegócio.
Pode-se dizer que todos os agricultores do Brasil envolvidos no
processo histórico de desenvolvimento das forças produtivas
capitalistas agrárias estão mercantilizados, em maior ou menor grau.
Os ramos técnico-científicos, integrantes deste processo, se
responsabilizam, e são financiados para isto, pelo aprimoramento de
tecnologias capazes de atender a demandas nacionais e
internacionais de matérias-primas e produtos processados a serem
comercializados pelo agronegócio.
O agronegócio capitalista interfere nas pesquisas de tecnologias, em
todos os níveis de abrangência técnica possíveis. As tecno-ciências,
no Brasil, portanto, também se veem na contingência de aderir ao
universo da mercantilização produtivista coordenada pelas cadeias
de financiamento e comercialização do agronegócio no Brasil.

198
Parte 7

REFORMAS AGRÁRIAS NO PROCESSO HISTÓRICO


CAPITALISTA NO CAMPO BRASILEIRO: DAS LIGAS
CAMPONESAS DAS DÉCADAS DE 1950/60 AOS
ASSENTAMENTOS RURAIS DA DÉCADA DE 1980 EM
DIANTE; PROJETOS EMANCIPATÓRIOS DOS
TRABALHADORES RURAIS E REAÇÃO
CONSERVADORA DO CAPITALISMO AGRÁRIO

A reforma agrária no Brasil foi levada a efeito, pela primeira vez, na


década de 1950. Localizou-se mais especificamente na região
nordeste do país e ocorreu por iniciativa dos trabalhadores rurais.
Não foi um projeto da burguesia agrária latifundiária recém-
instalada no campo brasileiro.
Foi exatamente naquele momento de aglutinação de classe, no
sentido de promover a reconfiguração das condições gerais de
trabalho agrário no país, que o processo histórico de
desenvolvimento das forças produtivas no agro brasileiro teve
início.
Diferentemente do que ocorrera na Europa Ocidental agrária do
século XIX – detidamente estudada por Marx – a organização dos
trabalhadores do campo, e a decorrente formação das frações de
classe dos trabalhadores rurais no Brasil, aconteceram
concomitantemente à implantação do processo histórico capitalista
agrário no país.
Isto é, a classe trabalhadora agrária no Brasil se constituiu ao
mesmo tempo em que se formava a burguesia agroindustrial
latifundiária no país. Isto resulta do caráter desigual e combinado do
desenvolvimento das forças produtivas na formação econômico-
social semicolonial brasileira (BIANCHI, 2013; CHILCOTE, 2012,
número 34, p. 87-110).
Os camponeses posseiros transformam-se aceleradamente em
trabalhadores rurais assalariados do complexo agroindustrial
latifundiário, construído na área de produção canavieira do nordeste
brasileiro em meados do século XX.

199
A condição operária nos engenhos, entretanto, não retira do
incipiente proletariado rural as características socioeconômicas-
político-culturais camponesas destes trabalhadores rurais. Inclusive
o status de camponês posseiro da terra estava preservado naquele
momento. Trata-se da formação simultânea da burguesia e do
proletariado agrários no país.
A complexidade social do processo histórico capitalista agrário no
Brasil reside na constatação pela qual o capitalista agrário
permanece sendo o latifundiário, enquanto o trabalhador assalariado
rural continua sendo o camponês posseiro, legalmente destituído de
terra.
A luta de classes no campo brasileiro opõe, na reforma agrária das
décadas de 50 e 60 do século XX, as frações de classe da imposição
do trabalho social abstrato – a burguesia agrária latifundiária,
possuidora legal de terra e dos meios de produção para a
transformação agroindustrial da humanidade e da natureza
exteriorizada – e as frações de classe da resistência e superação do
trabalho social agrário abstrato – os camponeses posseiros
proletarizados nos complexos agroindustriais.
LIGAS CAMPONESAS NO BRASIL: REFORMA AGRÁRIA
CAMPONESA PROLETÁRIA; RESISTÊNCIA OBJETIVA À
IMPOSIÇÃO DO “MAIS- TRABALHO” SOCIAL PELO
LATIFÚNDIO AGROINDUSTRIALIZADO AOS CAMPONESES
PROLETÁRIOS
O caráter multifacetado do alcance das exigências dos trabalhadores
dos engenhos nordestinos brasileiros pode ser aferido nas demandas
reivindicativas das organizações sociais – movimentos e partidos –
dos trabalhadores rurais, no contexto da operacionalidade das já
mencionadas Ligas Camponesas no Brasil (ver tópico anterior deste
texto: CAPITALISMO AGRÁRIO NO BRASIL: DIALÉTICA
PROCESSUAL/SISTÊMICA DOS TRÊS CENÁRIOS DE
ORGANIZAÇÃO AGRÁRIA).
A própria nomenclatura desta organização sociopolítica revela o
conteúdo ambíguo da mesma. A reforma agrária unilateral dos
trabalhadores rurais autodenominava-se camponesa, mas era tratada
em nível partidário – no Partido Comunista Brasileiro (PCB) –

200
como uma bandeira de luta para a emancipação do campesinato em
relação a sua própria condição de existência.
A reivindicação de terra para quem nela trabalha estava atrelada, e
nitidamente submetida, no contexto da luta de classes no campo, à
crítica contundente das condições de trabalho dos camponeses
proletários nos engenhos agroindustriais de cana-de-açúcar.
A luta de classes, naquele contexto do processo histórico capitalista
agrário no Brasil, na realidade, não opunha o latifundiário ao
campesinato, pura e simplesmente. O enfrentamento de classes
provocado pela constituição política das Ligas Camponesas
nordestinas ocorria entre as organizações sociopolíticas
representantes dos camponeses proletários e suas frações, e a
representação político social dos empresários agroindustriais
latifundiários.
No cerne da luta de classes estava o questionamento das condições
de trabalho camponesas proletárias. O que as Ligas Camponesas
exigiam era, acima de tudo – sem formular pragmaticamente desta
maneira –, a redução radical da imposição prática do trabalho social
ao campesinato proletarizado sem-terra, pelos empresários
capitalistas latifundiários, no âmbito do sistema metabólico
agroambiental de apropriação, transformação, consumo, distribuição
e excreção, da agroindústria açucareira.
O Estado deveria ser o fiel da balança. Ao tentar intervir como
poder moderador no conflito de classe, o Estado Federal Brasileiro,
encarnado no governo de frente popular (TOLEDO, 2004, vol. 24,
n. 47, p. 13-28) do início da década de 1960, foi confrontado com o
poder político e econômico da burguesia agroindustrial latifundiária
brasileira, que se uniu para exigir a supressão da luta de classes no
campo, através da eliminação das Ligas Camponesas.
O golpe militar de 1964 no Brasil representou, neste sentido, a
primeira intervenção política nos rumos do processo histórico
capitalista agrário no país. A burguesia agrária precisou articular-se
contra a organização de partidos e movimentos em prol da reforma
agrária de cunho camponês proletário.
A debilidade histórica da burguesia agrária brasileira foi
demonstrada pelo fato de que a luta entre as frações de classe
representantes da imposição do trabalho social abstrato nas
201
agroindústrias capitalistas mais avançadas da época, na formação
social brasileira, e as frações de classe antagônicas, personificadas
na resistência a este projeto, só foi decidida pela intervenção militar
bonapartista (DEMIER, 2014, vol. 11, n. 17, p. 166-182) no Estado
Federal Brasileiro.
O empresariado latifundiário foi incapaz de resolver, por si mesmo,
o conflito gerado pela proletarização do campesinato, ao contrário
do que ocorria antes da formação do processo histórico capitalista
agrário no Brasil, quando o latifúndio pré-capitalista impunha-se,
controlando e/ou reprimindo, os camponeses posseiros.
É necessário assinalar que as vanguardas político-partidárias, e dos
movimentos sociais caudatários delas, tinham a intenção de estender
a proletarização do campesinato posseiro. Não havia, no horizonte
político destes partidos e movimentos outro objetivo senão o de
aprofundar o caráter proletário rural do campesinato.
LIGAS CAMPONESAS: DESCAMPESINIZAÇÃO,
PROLETARIZAÇÃO E RESISTÊNCIA – SEM PERSPECTIVA
DE SUPERAÇÃO – AO TRABALHO SOCIAL ABSTRATO NO
AGRO BRASILEIRO
A descampesinização no contexto das Ligas Camponesas é um fato
que se evidencia nas atitudes das direções políticas das organizações
envolvidas na constituição das Ligas. O processo histórico
capitalista agrário não era efetivamente questionado.
A luta de classes limitava-se à resistência ao trabalho social abstrato
explorador da força de trabalho. Nesta perspectiva, a superação do
trabalho abstrato não ocorreria durante a vigência histórica do
capitalismo agrário no Brasil. Pelo contrário, a inviabilização desta
superação seria apontada como a principal contradição do
capitalismo agrário.
A função civilizadora de desenvolver as forças produtivas – sociais
e tecnológicas – continuaria a cargo do capital agrário, no entender
das próprias organizações dos trabalhadores rurais. Para as correntes
socialistas da época, notadamente na região específica em que se
formam as Ligas Camponesas, a luta contra o trabalho abstrato,
gerado pela consolidação do capitalismo agroindustrial, confundia-
se com o enfrentamento ao latifúndio.

202
O ESTATUTO DA TERRA: A CONTRARREFORMA AGRÁRIA
DO REGIME MILITAR BRASILEIRO E A REARTICULAÇÃO
DAS FRAÇÕES DE CLASSE DOMINANTES SOBRE O
TRABALHO SOCIAL AGRÁRIO NO PROCESSO HISTÓRICO
CAPITALISTA NO CAMPO BRASILEIRO
A proletarização camponesa passava – na concepção das direções
político-sindicais das Ligas – pela eliminação ou enfraquecimento
progressivo das relações latifúndio-campesinato. Neste sentido, os
governos militares, ao promoverem as condições mais adequadas à
expansão das forças produtivas no campo, pela via do Estatuto da
Terra (MEDEIROS, 1989. cap. III; LEI Nº 4.504, 1964; BRUNO,
1995, p. 5-31), não deixavam de cumprir o seu papel “civilizatório”.
Assim sendo, o capitalismo agrário deveria se consolidar em todos
os níveis, de acordo com esta política. A temporária supressão manu
militari da luta de classes no campo brasileiro, ao mesmo tempo em
que impunha a elevação quantitativa do trabalho social agrário,
espoliador da natureza exteriorizada e explorador da força de
trabalho, impunha limites sociopolítico-econômicos ao latifúndio
tradicional.
O Estatuto da Terra, do primeiro governo do período militar
brasileiro de duas décadas, ameaçava o latifúndio pré-capitalista
incrustado no capitalismo agrário, o qual despontava no próprio
contexto histórico da reforma agrária.
Ou seja, o latifúndio somente poderia persistir desde que abrisse
espaço e se integrasse ao capitalismo agroindustrial modernizante.
A ameaça contida no Estatuto da Terra era uma atitude política
frente à mescla entre latifúndio e capitalismo agrário, especialmente
na região nordeste do Brasil, naquele instante de criação do
processo histórico capitalista agrário.
No Brasil, os governos bonapartistas foram os responsáveis pela
consolidação do capitalismo agrário – e não os próprios capitalistas
agrários – no âmbito da luta de classes que se instaurava no campo
brasileiro.
Por outro lado, sem a luta de classes vigente, o proletariado rural
que emergia do capitalismo agrário, “pelo alto”, era submetido a
níveis tão elevados, como desestruturantes, de exploração de sua
força de trabalho, pelo trabalho social agrário a ele imposto.
203
O campesinato proletário brasileiro não se proletariza de fato, isto é,
não rompe com a condição de trabalhador camponês da terra, com a
posse precarizada desta. A interrupção da luta de classes no campo,
promovida pelos governos militares bonapartistas, sinaliza a
incompletude que viria a caracterizar o proletariado rural tardio no
Brasil.
A prevalência – sem resistência efetiva e muito menos qualquer
projeto de superação histórica que o confrontasse – do trabalho
social abstrato no campo brasileiro tornou o proletariado rural um
apêndice do campesinato de onde ele migrara em sua formação.
No Brasil, a contrarreforma agrária, contida no bojo do Estatuto da
Terra nunca foi aplicada, pois o capitalismo agrário emanado do
latifúndio não era acossado na luta de classes do campo pelo
proletariado rural independente.
Sem a vigência da luta de classes, a contrarreforma agrária tornava-
se letra morta, de fato, mas o proletariado rural, essencial ao avanço
do capitalismo agroindustrial, não se descampesinizou e passou a
conviver entre o latifúndio arcaico – sob a forma de posseiro da
terra – e o capitalismo agroindustrial – na condição de trabalhador
assalariado.
O processo histórico agrário brasileiro inicia-se, portanto, sem um
proletariado rural fortalecido pela luta de classes contra o trabalho
social abstrato. O campesinato posseiro sobreviveu à margem do
processo histórico instalado no campo brasileiro. A proletarização
deste campesinato não se consolida, ao contrário, definha
historicamente comprometendo o projeto de estruturação definitiva
de uma situação de desenvolvimento capitalista das forças
produtivas no agro brasileiro.
ESTATUTO DA TERRA, COLONIZAÇÃO INTERNA E
EXPANSÃO DA FRONTEIRA AGROPECUÁRIA NO BRASIL:
A MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA DAS FRAÇÕES DE
CLASSE DA BURGUESIA AGRÁRIA; PREDOMÍNIO DA
SUBSUNÇÃO FORMAL DO TRABALHO SOCIAL AO
CAPITALISMO AGRÁRIO
Por outro lado, os governos do regime militar de 1964 a 85,
ancorados no Estatuto da Terra por eles concebido, promoveram,
notadamente a partir do início da década de 1970, uma (contra)
204
reforma agrária colonizadora, expandindo a fronteira agropecuária
em direção ao centro-oeste e norte do país, com a finalidade de
ocupar uma parte da região amazônica legal brasileira. Esta
migração interna foi bastante significativa para os rumos da
consolidação do processo histórico capitalista agrário no Brasil.
Os migrantes do sul do país eram incentivados a se deslocar com
suas famílias para as referidas áreas geográficas. Havia forte apoio
logístico e de infraestrutura socioeconômica da parte do Estado. As
levas de famílias de agricultores e pecuaristas instalaram-se, ao
longo de duas décadas, nas regiões mencionadas, colonizando estas
áreas. A fronteira agropecuária do país expandiu-se através de
famílias que se tornaram agropecuaristas, utilizando-se dos mais
variados níveis de extensão territorial e de escala de produção em
suas novas propriedades legais.
O movimento migratório induzido por políticas públicas dos
governos militares esteve na origem da modernização conservadora
do campo brasileiro. O desenvolvimento das forças produtivas do
capitalismo agrário contava agora com uma força de trabalho
proprietária de terras, a qual se beneficiava da política oficial de
créditos para o estabelecimento duradouro em seus novos habitats.
A questão de escala de produção das propriedades já não era,
portanto, tão determinante quanto havia sido alguns anos antes do
empreendimento migratório colonizador desenvolvimentista em
tela. O trabalho abstrato agrário não era questionado pelos novos
proprietários de terra, que se capitalizavam aceleradamente
produzindo gêneros agrícolas como matérias-primas para a
transformação agroindustrial subsequente, viabilizada pela
intermediação financeira creditícia e logística do Estado.
Estava-se diante da experiência da subsunção formal do trabalho ao
capital, levada a efeito por uma burguesia agrária ainda incipiente,
livre de condicionamentos provocados pela relação intrínseca com o
latifúndio não industrial, típica da situação do nordeste brasileiro
com as Ligas Camponesas que antecederam o golpe militar de 1964.
A fração de classe capitalista agrária, proveniente do fluxo
migratório colonizador, teve origem em contingentes de condição
social camponesa – o colonato do sul do país (URIARTT, 2015.
cap. V-VI) – cujas características não possuíam a mesma marca do
205
campesinato nordestino relacionado e submetido ao latifúndio pré-
capitalista.
De qualquer forma, tratava-se de um processo histórico de
desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo agrário no
Brasil baseado na descampesinização radical do país. Percebe-se
que o trabalho assalariado típico do proletariado rural em formações
econômico-sociais da Europa Ocidental do século XIX não é o
único – e nem sequer o mais significativo – meio de acumulação de
capital no campo brasileiro, pelo menos a partir da década de 1970,
quando se consolida a expansão colonizadora para o centro-oeste e
norte do país. A subsunção real do trabalho ao capital passava agora
a competir com a subsunção formal.
A fração de classe, de base familiar, da burguesia agrária, muito
distante das amarras do latifúndio pré-capitalista, ou da exclusiva
subsunção real da força de trabalho assalariada, passou a produzir
no campo de forma cada vez mais intensa.

Parte 8

MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA NO BRASIL:


TECNOLOGIAS DA REVOLUÇÃO VERDE NO SISTEMA
METABÓLICO AGROAMBIENTAL EM PROCESSO
HISTÓRICO DE DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO
AGRÁRIO; DESCAMPESINIZAÇÃO ACELERADA

O fator que impulsiona a expansão da referida fração de classe da


burguesia agropecuária do centro-oeste/norte brasileiro é o acesso a
tecnologias de ponta no campo. A chamada revolução verde
proporcionou aos colonizadores capitalizados as tecnologias mais
sofisticadas, geradoras de grande produtividade agropecuária e
lucratividade capitalista para os seus empreendimentos. A
mecanização pesada e os defensivos agrícolas abriram caminho,
literalmente, para a expansão continuada, de ritmo cada vez mais
acelerado, do capitalismo agrário brasileiro modernizado.
Completava-se, assim, o ciclo metabólico de afirmação do
capitalismo agrário no Brasil. O Estado brasileiro do regime militar,

206
desde a década de 1970, fundamentalmente, garantiu as condições
de desenvolvimento capitalista agrário no país.
A descampesinização esteve no centro da instauração do processo
histórico capitalista agrário no país. No nordeste, a
descampesinização se deu através da proletarização parcial do
campo e dos limites impostos ao latifúndio pré-capitalista. Emergiu
ali o campesinato proletário.
Em parte do centro-oeste e norte do país a descampesinização
ocorreu pela expulsão, literal ou induzida, com o apoio do Estado,
de amplos núcleos camponeses, muitos deles de origem indígena ou
cabocla. Outra forma de descampesinização, mais sutil e menos
perceptível a uma primeira análise, ocorreu quando da instauração
mesma do fluxo migratório do sul para o centro-oeste/norte do país.
Os “novos” colonos migrantes do sul eram originários dos “velhos”
colonos do século XIX – o campesinato do sul brasileiro. Pode-se
dizer que o produtor capitalista agrário das áreas de expansão da
fronteira agropecuária da década de 1970, seria o camponês-
pequeno burguês – socialmente metamorfoseado: uma espécie de
protótipo do agricultor familiar modernizado, tecnificado, cada vez
mais capitalizado.
Neste caso, somente arraigados hábitos culturais ainda faziam
lembrar o campesinismo destes produtores capitalistas agrários das
mais diversas escalas de produção. Em parte significativa da região
centro-oeste – e, em menor medida, do norte do país – esta fração
de classe da burguesia agrária prescindiu, pelo menos em um
primeiro momento, da força de trabalho assalariada para praticar o
trabalho social abstrato.
O trabalho social agrário foi predominante – até o início da década
de 1990 – na agricultura de base familiar, independentemente da
escala de produção ou da extensão física de seus territórios de
atividade agropecuária.
Ali, o trabalho abstrato realizava-se no âmbito das cadeias
produtivas do capitalismo agrário, conforme já demonstrado, em
termos teóricos, neste texto. A luta de classes, pela contenção do
ritmo do trabalho social não era significativa, pois o proletariado
rural, como fração de classe social, estava praticamente ausente do

207
processo histórico de desenvolvimento das forças produtivas no
campo, nas referidas regiões.
O trabalho social agrário era posto em prática pelo próprio grupo
familiar do proprietário capitalista de terras (AZEVEDO;
SCHMIDT; KARAM, 2011, v. 6, n. 3, p. 81-106), controlador dos
meios de produção e implementador das tecnologias funcionalmente
adequadas à imposição deste trabalho social.
Isto não quer dizer que as cadeias produtivas geradoras de
mercadorias não envolvessem mão de obra assalariada, mas isso
ocorria amiúde fora dos limites territoriais regionais abordados,
como veremos mais adiante neste texto.
As tecnologias correspondentes – tanto no caso do nordeste, como
do centro-oeste e norte brasileiros – à forma de trabalho social
empregado refletiam o grau de desenvolvimento das forças
produtivas capitalistas agrárias nas três regiões mencionadas.
No nordeste, as tecnologias da revolução verde mesclavam-se a
técnicas ancestrais de produção. Em parte considerável do centro-
oeste e do norte do país, agropecuariamente capitalizados, as
tecnologias da modernização conservadora predominaram desde o
primeiro momento no cenário produtivo destas regiões.
No sul do país, a descampesinização permaneceu inconclusa,
mesmo depois da onda migratória para o oeste e o norte do país, na
década de 1970. Populações indígenas, mestiças ou de antigos
colonos, as quais não migraram para novas terras, persistiram na
região como um todo, gerando tensões que derivariam, desde o final
da década de 1970 em diante, em novo surto reformista agrário no
contexto do desenvolvimento rural capitalista brasileiro.
No sul do país, a partir da década de 1970, prevaleceu o latifúndio
agropecuário relativamente modernizado, associado a cadeias
produtivas do capitalismo agrário, e instalou-se uma burguesia
agrária voltada para a produção de mercadorias exportáveis,
eventualmente recorrendo à força de trabalho assalariada –
subsunção real do trabalho ao capital –, mas muitas vezes atuando
como seus conterrâneos que haviam migrado: isto é, através da
subsunção formal do trabalho ao capital – pela via das cadeias
produtivas familiares ou com os setores mais capitalizados das

208
agroindústrias de processamento e transformação de mercadorias
agropecuárias.
Também no sul, portanto, prevaleceu o trabalho abstrato típico das
relações capitalistas de produção agropecuária. Os produtores
agrários do sul do país, de maneira semelhante em relação às
situações expostas nas outras regiões referidas até aqui, diluíram-se
entre grupos descampesinizados, metamorfoseados em empresários
agrários; população camponesa nativa de origem étnica indígena ou
afrodescendente – ou mesmo europeia – virtualmente transformados
em trabalhadores sem-terra, proletarizados.
A diluição provocada pela instauração do processo histórico
capitalista agrário na região sob o controle político do regime
militar, causou uma aparente invisibilidade dos personagens das
frações de classe de trabalhadores descampesinizados,
objetivamente identificados com a resistência ao avanço das formas
de trabalho agrário abstrato.
Do final da década de 1970 em diante, esta invisibilidade das
frações de classe dos trabalhadores descampesinizados do sul do
país foi se reduzindo pela atividade político-social de organizações
emanadas das aludidas frações de não possuidores legais de terra e
de trabalhadores submetidos de modo real ou formal ao capitalismo
agrário.
Percebeu-se, a partir daí, que a descampesinização no sul do país,
tanto quanto no centro-oeste, norte e nordeste, estava historicamente
inconclusa, encoberta por fatores de ordem socioeconômica e
política. A região sudeste do Brasil reuniu, por seu turno, desde
meados da década de 1960, um conjunto de relações sociais agrárias
as quais agruparam todas as características das demais regiões
indicadas.
MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA E
DESCAMPESINIZAÇÃO NO BRASIL: A EMERGÊNCIA DA
FRAÇÃO DE CLASSE CAPITALISTA AGRÁRIA DE BASE
FAMILIAR; CONSOLIDAÇÃO DA SUBSUNÇÃO FORMAL DO
TRABALHO SOCIAL AO CAPITALISMO AGRÁRIO
A descampesinização inconclusa, promovida pelo advento do
processo histórico capitalista agrário na região sudeste brasileira
atingiu, evidentemente, os grandes contingentes de camponeses
209
posseiros e/ou parceiros e arrendatários em latifúndios de
monocultura, notadamente do café, da cana-de-açúcar e, mais
recentemente, da soja. Parte relativamente escassa do referido
contingente do campesinato pré-capitalista preservou-se à margem
do processo histórico capitalista agrário ou como potencial reserva
de mão-de-obra do mesmo.
O latifúndio tradicional agropecuário manteve-se intacto nas
primeiras décadas de convivência com o processo histórico em
questão. Depois disso foi sendo transformado em reduto da
burguesia agrária em expansão. A modernização conservadora
capitalista agrária, ancorada no Estado, notadamente durante o
regime militar, reuniu o latifúndio, o empreendimento familiar
empresarial e as modernas agroindústrias de transformação da
produção agropecuária.
Do ponto de vista da classe trabalhadora,
submetida real ou formalmente ao capital, passaram a conviver no
agro do sudeste brasileiro os camponeses proletários, sob a forma de
diaristas, parceiros e arrendatários dos latifúndios capitalizados.
Também proliferaram, ao longo do tempo, os arrendatários e
assalariados das empresas capitalistas agroindustriais. Estas
empresas passaram a atuar no agro sob a forma da propriedade de
terra, em diversas escalas de produção e extensão territorial, muitas
delas de caráter familiar, originárias da dissolução diferenciadora do
campesinato tradicional, já abordadas no texto.
A fração de classe capitalista agrária, de base familiar, produzia
bens agropecuários para o mercado de forma direta, ou vinculava-se
a cadeias produtivas das indústrias agropecuárias do grande capital,
utilizando a própria força de trabalho familiar e incorporando cada
vez mais a força de trabalho do campesinato proletário.
A mercantilização da produção agropecuária na região sudeste do
Brasil foi marcada pela busca desenfreada de produtividade das
lavouras e pastagens. Percebe-se, pela sucinta descrição que, além
de utilizar-se de todos os referenciais de produção encontrados em
outras regiões, o capitalismo agrário, no sudeste brasileiro,
introduziu a grande empresa capitalista, altamente tecnificada,
responsável pela transformação qualitativa da produção gerada em
áreas de cultivo e pecuária, muitas delas localizadas na própria
210
região. Neste sentido, a tecnologia da revolução verde foi essencial
para a constituição e o impulso inicial destes empreendimentos
capitalistas agrários nessa região.
Mais uma vez nota-se que o desenvolvimento das forças produtivas
do capitalismo agrário, no Brasil, se faz através da imposição do
trabalho social abstrato à força de trabalho atuante, seja sob a forma
assalariada clássica do proletariado rural em latifúndios e empresas,
seja sob as condições formais de subsunção entre as cadeias
produtivas do pequeno, médio e grande capital agrário.
PROCESSO HISTÓRICO DE DESENVOLVIMENTO DAS
FORÇAS PRODUTIVAS DO CAPITALISMO AGRÁRIO NO
BRASIL: ARTICULAÇÃO DA FRAÇÃO DE CLASSE DOS
TRABALHADORES SEM-TERRA EM REAÇÃO À
SUBSUNÇÃO REAL E FORMAL DO TRABALHO AO
CAPITAL NO CAMPO BRASILEIRO
A partir da primeira metade da década de 1980, ganha corpo um
movimento de articulação para a organização dos trabalhadores
sem-terra, incluindo aí camponeses posseiros, parceiros,
arrendatários, diaristas e proletários rurais de empresas capitalistas
agrárias. Este agrupamento de famílias sem-terra mobiliza esforços
no sentido de enfrentar a situação de exclusão social à qual estavam
submetidas, desde a introdução do processo histórico de
desenvolvimento das forças produtivas pelo capitalismo agrário no
Brasil.
A referida mobilização foi particularmente intensa, no período
aludido, no estado de São Paulo, o mais agroindustrializado da
região sudeste e do próprio país. Nascia ali, em torno da demanda
pela desapropriação de terras de latifúndios e de empresas
agropecuárias da região, a terceira iniciativa de reforma agrária – a
segunda tentativa sob o impulso da classe trabalhadora rural – desde
os primórdios da instalação do processo histórico capitalista agrário
no Brasil, na década de 1950.
Retomava-se, assim, na região sudeste, bem como já começara a
ocorrer na região sul, o confronto aberto entre capitalismo agrário e
trabalhadores rurais sem-terra. A mediação do Estado, tanto em
nível federal como estadual foi necessária para moderar o conflito.

211
A luta de classes pela intensificação ou limitação do trabalho social,
material, imposto pelo capitalismo agrário, estava de volta à cena
política brasileira, quase vinte anos depois das primeiras
escaramuças neste sentido, levadas a efeito pelas Ligas Camponesas
nordestinas. Agora, na década de 1980, o cenário privilegiado do
embate seria não mais a região nordeste e seus tradicionais
latifúndios, em incipiente modernização capitalista, mas as regiões
sul e sudeste, de elevados níveis de desenvolvimento das forças
produtivas do capitalismo agrário, fundamentalmente no que diz
respeito ao emprego de tecnologias amplamente adaptadas à nova
fase de expansão do capitalismo agrário no Brasil.
Por outro lado, acentuava-se o caráter multifacetado da força de
trabalho agrária, onde o proletariado rural não detinha a centralidade
do enfrentamento, mas surgia como uma das frações da classe que
lutava pela contenção da subsunção real de sua força de trabalho
pelo capitalismo agrário. A classe trabalhadora agrária,
personificada em diferentes frações – em luta contra a intensificação
do trabalho social no campo – passava a se organizar através de
movimentos sociais e partidários.
A luta de classes no campo brasileiro apontava, na década de 1980,
para uma articulação de forças sociais agrárias visando o
enfrentamento político ao latifúndio modernizado e às empresas
capitalistas agrárias – também estruturados em frações de classe –
que impunham o trabalho social abstrato ao conjunto dos
trabalhadores rurais. A intervenção estatal, mais uma vez, não
tardou em se manifestar no caso dos conflitos por terra e trabalho no
sudeste brasileiro. Esta situação será retomada mais adiante neste
texto.
PRODUÇÃO DESTRUTIVA NA AGROPECUÁRIA
BRASILEIRA: TRABALHO SOCIAL ABSTRATO;
PRODUTIVISMO MERCANTIL; FALHA METABÓLICA;
OBSTRUÇÃO DOS FLUXOS DE ENERGIA E DE MATERIAIS
DOS AGROECOSSISTEMAS
Pode-se considerar a produção agropecuária, originária desta intensa
movimentação de contingentes humanos e capital no Brasil,
especialmente da década de 1970 em diante, como um processo

212
histórico capitalista agrário de desenvolvimento das forças
produtivas no campo, de caráter destrutivo?
Eu afirmo que se trata exatamente disso, no sentido dado por Marx
a esta caracterização teórica. O ciclo metabólico da produção
capitalista agrária brasileira, da década de 70 do século XX em
diante, é destrutivamente vicioso, ainda que garanta a produtividade
agropecuária e a consequente lucratividade decorrente disso – e é
metabolicamente destrutivo exatamente por isso.
Em primeiro lugar, a falha metabólica, de acordo com Marx, ou o
bloqueio metabólico dos fluxos de energia e de materiais, pela
interpretação agroecológica, estão relacionados, a meu ver, ao
predomínio do trabalho social material abstrato nas relações de
produção do agro brasileiro, como um todo, no período assinalado.
Considerando que a movimentação dos fluxos de energia e
materiais nos agroecossistemas está relacionada ao emprego de
matrizes tecnológicas de produção e distribuição, cujos formatos
estão dialeticamente determinados pelo tipo de trabalho praticado e
sua interação subordinada – real ou formal – ao capital, no caso de
processo histórico capitalista agrário, como o analisado no Brasil,
esta movimentação metabólica tende a estar obstruída, do ponto de
vista agroecológico, no caso em questão.
As tecnologias da revolução verde, aqui aludidas, passaram a ser
empregadas no Brasil em consonância com a instalação do processo
histórico capitalista agrário no país. Assim sendo, burguesias
agrárias, derivadas ou não do latifúndio multissecular pré-capitalista
e o proletariado rural – parcialmente descolado do campesinato
posseiro e arrendatário do século XX – passaram a interagir, da
década de 1970 em diante, sem que a luta de classes pela limitação
ou controle do trabalho social, empregado naquelas agroindústrias
fosse exercida – devido ao silenciamento político imposto pelo
regime militar às organizações dos trabalhadores rurais.
A luta de classes no campo brasileiro, autoritariamente estancada no
período de vigência do regime militar – meados da década de 1960
a meados dos anos 1980 – não iria se restringir a partir da abertura
do regime político brasileiro, na segunda metade da década de 1980.
O Estado brasileiro, sob a forma de governos militares
bonapartistas, impulsionou o desenvolvimento das forças produtivas
213
do capitalismo agrário no país. A fração de classe proletária rural
não conquistou a centralidade socioeconômica, e muito menos
política, da classe trabalhadora rural, durante os vinte anos de
duração do regime militar. Não só porque suas organizações foram
silenciadas autoritariamente, mas devido à diluição das condições
de exploração do trabalho social agrário, conjugada com a
espoliação da natureza exteriorizada.
Esta diluição pode ser observada na brevíssima síntese que elaborei
acima, em relação à estruturação produtiva no campo brasileiro a
partir da introdução do processo histórico capitalista agrário no país.
Em determinadas regiões geopolíticas passou a predominar a
produção agropecuária, estruturada na fração de classe capitalista
agrária, de base familiar, gerada pela contrarreforma agrária
colonizadora dos regimes militares.
A referida fração de classe, sem diferenciações de escalas de
produção ou extensões territoriais, produzia bens agropecuários de
diversas maneiras – inicialmente através do próprio trabalho
familiar em cadeias produtivas da agroindústria capitalista.
Paralelamente à acumulação de capital, por parte da mencionada
fração de classe, determinados setores da burguesia agrária – mais
capitalizados – empregavam mão de obra assalariada para gerir
equipamentos de alta tecnologia, visando produzir mercadorias
agropecuárias com elevada produtividade e grandes margens de
lucratividade.
A fração de classe proletária rural, nestes casos, tornou-se rarefeita,
tanto em termos numéricos, quanto de concentração espacial-
territorial. As tecnologias de ponta adaptaram-se ao trabalho
proletário nas fazendas e empresas agroindustriais da recém-
estabelecida burguesia agrária brasileira.
A subsunção real do trabalho ao capital agrário, proveniente do
assalariamento da força de trabalho no campo, foi perdendo
relevância frente à subsunção formal da agricultura familiar não
assalariada e pela crescente utilização de insumos tecnologicamente
avançados, perfeitamente adaptados à mercantilização,
produtividade e lucratividade das frações de classe – empresarial
e/ou familiar – da burguesia agrária brasileira.

214
DESPROLETARIZAÇÃO RURAL: CARACTERÍSTICA
DESTRUTIVA DA FORÇA DE TRABALHO ASSALARIADA
NO PROCESSO HISTÓRICO CAPITALISTA AGRÁRIO DE
DESENVOLVIMENTO DAS FORÇAS PRODUTIVAS NO
CAMPO BRASILEIRO
Considero que a desproletarização rural, em curso no período do
regime militar brasileiro, tornou-se uma marca definitiva do
processo histórico capitalista agrário no Brasil. Quando menciono a
desproletarização não quero me referir à liquidação do proletariado
rural, enquanto fração da classe trabalhadora rural brasileira, como
um todo.
Pelo contrário, o proletariado rural permaneceria como um elemento
constituinte do referido processo histórico agrário capitalista
brasileiro. Refiro-me à desproletarização rural como a uma perda da
centralidade político-econômica desta fração de classe, em relação
às demais frações da classe – do trabalho e do capital –, as quais
emergem no ocaso do regime militar.
O trabalho abstrato, imposto pelo capitalismo agrário ao conjunto da
classe trabalhadora rural, tendeu a reunificar objetivamente a classe
trabalhadora do campo, mesmo que as frações desta classe
pudessem não estar necessariamente conectadas entre si. Esta é uma
característica destrutiva do processo histórico capitalista agrário
brasileiro que emerge do regime militar. Tal destrutividade atinge,
dialeticamente, o próprio processo histórico capitalista agrário.
Sem a subsunção real ao capital agrário, como algo determinante
para a acumulação capitalista no campo brasileiro, o proletariado
rural torna-se rarefeito. A burguesia agrária e as demais frações da
classe capitalista no campo brasileiro buscavam saídas para garantir
sua reprodução, além do uso de tecnologias cada vez mais
sofisticadas.
A exploração da força de trabalho, aliada à espoliação da natureza
exteriorizada, necessitava então de novos mecanismos – e novos
agentes – para a imposição do trabalho social abstrato no campo. É
neste contexto de destruição das formas clássicas de imposição do
trabalho social abstrato, pela burguesia agrária, aos trabalhadores
rurais – não mais somente aos proletários assalariados – que
recrudesce a luta de classes no campo brasileiro.
215
A mencionada reforma agrária, que se inicia no fim do regime
militar no sul e sudeste brasileiros, de forma mais estruturada, e que
logo se espalharia por todo o país, até vir a ser regulamentada pela
Constituição brasileira do final da década de 1980, foi e ainda é o
palco do enfrentamento que opõe as frações de classe do capital
agrário e o conjunto das frações da classe trabalhadora rural no país.
PRODUÇÃO/DISTRIBUIÇÃO DESTRUTIVAS DO
CAPITALISMO AGRÁRIO: RUPTURA COM OS LIMITES
METABÓLICOS NOS AGROECOSSISTEMAS SUBMETIDOS
AO PROCESSO HISTÓRICO DE DESENVOLVIMENTO DAS
FORÇAS PRODUTIVAS NO BRASIL
Antes de começar a interpretar a reforma agrária, da década de 1980
em diante, é necessário frisar que o caráter destrutivo do processo
histórico de desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo
agrário no Brasil, em todas as regiões geopolíticas, com as suas
peculiaridades já mencionadas, se estende ao ambiente natural.
A destruição da natureza exteriorizada ocorre paralelamente e em
função da imposição do trabalho social abstrato a todos os
trabalhadores rurais, não se concentrando apenas nos núcleos de
trabalho assalariado proletário de fazendas e empresas. O
movimento do capital em direção à aceleração da acumulação de
riquezas se faz acompanhar por tecnologias pertinentes à execução
de políticas fundadas no trabalho social abstrato.
Resulta desta ação, coordenada pelo capitalismo agrário, uma
ampliação de territórios conquistados pelos latifúndios
modernizados, fazendas e empresas agroindustriais de produção e
transformação de produtos em mercadorias, com alta produtividade
e lucratividade capitalista correspondente – e até mesmo territórios
dominados pela fração de classe capitalista agrária de base familiar:
os agricultores familiares tecnificados, de diversas escalas de
produção e extensão territorial, cujo trabalho familiar desempenha o
papel de gerar produtos agropecuários, os quais se tornam
mercadorias nas cadeias produtivas integradas a setores da
agroindústria capitalista.
As referidas frações de classe do capitalismo agrário se expandem
livremente pelos espaços agrários do país, utilizando-se de
tecnologias de distintas procedências, rompendo necessariamente
216
com os limites metabólicos de agroecossistemas, nos quais ocorre o
fluxo de energia e materiais.
Do ponto de vista agroecológico – em função, a meu ver, da
imposição do trabalho social abstrato a todas as áreas de expansão
do capitalismo agrário em seu processo histórico de
desenvolvimento das forças produtivas no campo brasileiro – a
tendência à obstrução metabólica permanente, e cada vez mais
acentuada, do fluxo de energia e materiais nos agroecossistemas
afetados é tão inevitável quanto, ecologicamente, desastrosa. Nestas
condições, a falha metabólica preconizada por Marx no século XIX
para a Europa Ocidental chega ao Brasil em dimensões muito
ampliadas e em plena expansão.

Parte 9

A SEGUNDA REFORMA AGRÁRIA DO PROCESSO


HISTÓRICO DE DESENVOLVIMENTO DAS FORÇAS
PRODUTIVAS NO CAMPO BRASILEIRO: ATITUDES DE
RESISTÊNCIA FRENTE À PRODUÇÃO DESTRUTIVA
SOCIO (AGRO)AMBIENTAL

Como a segunda reforma agrária – proposta e perpetrada pelos


trabalhadores rurais – no processo histórico capitalista no campo
brasileiro lidou, e ainda lida, com a situação de destruição
socioambiental no agro brasileiro, na marcha do desenvolvimento
das forças produtivas agrárias no país?
O que estou denominado de segunda reforma agrária se inicia na
região sul do país no final da década de 1970. Em consequência da
descampesinização inconclusa – ocorrida no rastro da instalação
acelerada, durante aquela década, do complexo agroindustrial no
Brasil, como registrado anteriormente neste texto – uma
217
significativa parcela de camponeses posseiros – que ocupavam a
terra sem os direitos legais reconhecidos – não é absorvida pela
proletarização, parcial e limitada, promovida no bojo da expansão
do processo histórico capitalista agrário no sul do país.
Os camponeses em questão ficaram em um limbo entre a
desterritorialização de suas áreas de produção para o autoconsumo e
o não engajamento em atividades produtivas de mercado, tais como
a proletarização rural nos latifúndios ou nas empresas
agroindustriais. Na ânsia de permanecer no campo, estes
trabalhadores, territorialmente despossuídos e, socioprodutivamente
marginalizados, passaram a reivindicar o retorno à terra.
Era um movimento objetivo em direção à retomada da
campesinização. A princípio, pelas características regionais e locais
do processo histórico capitalista agrário no sul do país, na época em
tela, estes camponeses desterritorializados não tinham mais espaço
no campo. Restava a eles resignarem-se e migrarem para os
entornos periféricos dos centros urbanos. Mas eles resistiram em sua
marcha pela volta à condição camponesa, como posseiros da terra,
não proprietários em termos jurídicos.
O embrião da luta de classes no campo em pleno regime militar
autoritário, no final da década de 1970, contou com o apoio
logístico, político-organizativo, de setores da igreja católica,
conhecidos como clero progressista.
A organização dos trabalhadores sem-terra no sul do país foi
encabeçada politicamente por estes setores. Houve movimento de
ocupação de fazendas do latifúndio e, com a interferência da Igreja
como mediadora política, estes camponeses obtiveram acesso à
terra. O que aconteceu a partir daí é que um núcleo de camponeses
expropriados, desterritorializados, se reagrupou no agro, contendo
momentaneamente o ritmo avassalador da expansão desenfreada do
processo histórico capitalista agrário, cuja meta era eliminar os
entraves “pré-capitalistas” à sua expansão incontrolável no campo.
DA DESTERRITORIALIZAÇÃO À RECAMPESINIZAÇÃO
DOS TRABALHADORES SEM-TERRA NO SUL DO BRASIL:
OS PRIMÓRDIOS DA REFORMA AGRÁRIA NO FINAL DA
DÉCADA DE 1970

218
O capitalismo agrário, personificado em suas referidas frações de
classe, não podia intervir naquele núcleo camponês não mercantil,
não produtivista, o qual, portanto, não submetia sua força de
trabalho – real ou formalmente – ao capitalismo agrário. A reforma
agrária específica, localizada naquele acontecimento de 1979,
rompia com a lógica do capitalismo agrário cuidadosamente
cultivado, social e politicamente, por quase duas décadas de regime
militar. A luta de classes no campo ressurgia três décadas depois da
experiência abortada das Ligas Camponesas nordestinas em uma
região geopolítica, e em uma situação histórica, completamente
diferenciada.
A peculiaridade da luta de classes, na situação concreta do sul do
país, do regime militar, no processo histórico capitalista agrário em
expansão, é que os camponeses excluídos voltavam a ser
camponeses e o reconhecimento deste fato fazia com que, naquele
momento e naquela situação concreta, os completamente invisíveis
começassem a adquirir contornos de visibilidade.
Ali, onde os camponeses se reagrupavam, não prevalecia a
mercantilização da produção, a produtividade mercantil e muito
menos a lucratividade de mercado, isto é, não havia trabalho social
abstrato a ser socialmente explorado por outra classe social agrária
ou, mais especificamente, por qualquer uma das frações
representativas do capital agrário.
Uma questão que vai nortear o debate, daqui para frente, neste texto,
surge nos primórdios da aludida reforma agrária no processo
histórico capitalista agrário no Brasil. A reivindicação de um
contingente de camponeses sem-terra para a ocupação, e posterior
fixação, em uma fazenda na região sul do Brasil, reaviva a luta de
classes no campo brasileiro (DICKEL, 2015).
O campesinato, que havia sido expulso das terras que ocupava como
posseiro ou arrendatário, e tornara-se socialmente marginalizado por
esta razão, furava o bloqueio do autoritarismo estatal militar para
exigir novos territórios de moradia e produção.
VIABILIDADE HISTÓRICA OU ISOLAMENTO
TERRITORIAL/ESPACIAL DO PROJETO DE RESISTÊNCIA
CAMPONESA AO PREDOMÍNIO DAS FRAÇÕES DE CLASSE

219
MERCANTILISTAS/PRODUTIVISTAS DO CAPITALISMO
AGRÁRIO?
A resistência camponesa à expansão dos projetos agroindustriais – e
da permanência do latifúndio tradicional modernizado – vai “na
contramão” do próprio processo histórico capitalista agrário em
expansão desenfreada na região sul do Brasil. A mediação estatal,
política e judicial, garantiu a conquista pontual e localizada dos
camponeses neste embate específico.
A questão que se coloca a meu ver é a seguinte: o projeto camponês
poderia fazer frente às frações de classe, representativas da
imposição do trabalho abstrato mercantilizado/produtivista, pela via
da subsunção real ou formal do trabalho social ao capital?
O possível isolamento da experiência camponesa do “antimercado”
não poderia ser fatal para suas pretensões de permanência na terra, a
partir de uma reterritorialização não mercantilista e muito menos
produtivista?
A discussão em torno destas questões me parece decisiva para
delinear os caminhos do debate relacionado aos projetos de
resistência, e eventual superação, das amarras do trabalho social
abstrato no campo brasileiro como um todo.
O que passou a ocorrer desde então foram ações sociais
compartilhadas por organizações e instituições, em prol do
assentamento de famílias camponesas sem-terra. A conquista da
terra, neste caso, representou uma reterritorialização tipicamente
camponesa, isto é, voltada para atividades organizativas e
produtivas de caráter intrinsicamente camponês.
A divisão social de trabalho, no território constituído, privilegiava a
estruturação de base familiar camponesa. Se houvesse algum tipo de
assalariamento, este seria exógeno ao assentamento. As famílias
poderiam obter renda monetária em atividades pluriativas nas áreas
contíguas rurais ou urbanas, mas a produção visava a satisfazer o
autoconsumo, sem prejuízo de trocas de produtos entre as famílias
assentadas.
Enfim, a forma camponesa predominava nesta experiência intra e
interfamiliar. A vida como posseiro ou arrendatário se reproduzia no
território conquistado. Isto reflete o papel da Igreja Católica como a
principal instituição mediadora do projeto.
220
O reformismo de base religiosa progressista questionava a
usurpação dos camponeses, devido ao avanço indiscriminado do
capitalismo agrário na região, mas não apresentava qualquer
perspectiva de inserção – subordinada ou autônoma – destes
camponeses no processo histórico de desenvolvimento das forças
produtivas no agro brasileiro.
Nestes termos, a luta de classes, gerada no episódio em questão
possuía, a meu ver, uma assimetria fundamental: de um lado
agrupavam-se as frações mercantilistas, produtivistas, da classe
social capitalista agrária, que controlavam a imposição do trabalho
abstrato no campo; de outro lado havia a resistência camponesa,
sem um projeto de enfrentamento à exploração do trabalho, mas
com uma postura de negação da mercantilização, do produtivismo e
da lucratividade, enfim, da própria razão de ser do trabalho social
abstrato. Situava-se ali, frente a frente – com mediações
institucionais muito particulares – o embate entre a classe do
controle e imposição do trabalho agrário abstrato e os camponeses
organizados para resistir a toda e qualquer investida da classe –
personificada em suas frações – que controlava e assegurava o
predomínio sobre o trabalho social abstrato, o qual, por si só,
tenderia a eliminar o modo de vida camponês – anterior à expansão
do processo histórico capitalista agrário.
SOCIABILIDADE INTRA E INTERFAMILIAR CAMPONESA;
REPRODUÇÃO SOCIOECONÔMICA / CULTURAL /
ECOLÓGICA CAMPONESA; DESCAMPESINIZAÇÃO E
SUBSUNÇÃO FORMAL DO TRABALHO SOCIAL AO
CAPITALISMO AGRÁRIO NO BRASIL
Seria razoável projetar para todo o sul do Brasil e, por extensão,
para o conjunto do agro brasileiro, a ampliação da experiência
camponesa e o recuo, até a supressão, das formas capitalistas de
trabalho agrário abstrato?
Para começar a desenvolver o raciocínio em torno deste
questionamento é necessário considerar que as formas camponesas
tradicionais no Brasil – inclusive o já referido colonato do sul do
país – não possuem, por sua própria condição de existência,
compromisso com qualquer tipo de trabalho social – abstrato ou não
– para além de seus núcleos intra e interfamiliares.
221
O trabalho concreto (CHAGAS, 2010), dos camponeses, anterior ao
predomínio do capitalismo agrário, destina-se a garantir a
reprodução socioeconômica/cultural/ecológica destes mesmos
núcleos familiares, ou seja: criar um Valor de uso. Assim sendo, o
trabalho social, gerador de mais-valia, de caráter abstrato, não se
realiza na atividade camponesa tradicional, pré-capitalista. Por isso
mesmo, este campesinato não dispõe de elementos constitutivos
para que possa se tornar uma fração da classe em luta contra o
trabalho abstrato capitalista agrário – não sendo, assim, capaz de
oferecer resistência efetiva ao avanço do capitalismo agrário no
processo histórico de desenvolvimento das forças produtivas.
A resistência camponesa é um fator da luta de classes no agro, mas
não concebe um projeto alternativo de trabalho social – nem o mais
limitado possível – ao predomínio avassalador do projeto capitalista
agrário, seja em termos da divisão social do trabalho, determinada
pelo capitalismo agrário, seja do ponto de vista das técnicas de
produção utilizadas.
A inferência que se pode extrair destas correlações entre capitalismo
agrário e campesinato, para o caso brasileiro, a partir do exemplo do
enfrentamento ocorrido no sul do Brasil, é que o campesinato não
dispõe de todos os meios de impor o seu trabalho concreto como
alternativa ao trabalho agrário capitalista abstrato.
O campesinato tradicional, por suas próprias características, carece
de uma divisão social do trabalho que vá além – por se posicionar
historicamente aquém – do capitalismo agrário. É necessário
pontuar que o trabalho abstrato no campo, de maneira geral, possui
uma abrangência social que o trabalho agrário camponês não
dispõe, por sua própria gênese constitutiva, como mencionado
anteriormente. A base social do embrião da referida reforma agrária
no Brasil foi o campesinato socialmente diluído e economicamente
excluído – do sul do país no final da década de 1970 em diante.
Setores politicamente progressistas da Igreja Católica no Brasil
atuaram como mediadores das demandas pela volta à terra de
produção dos grupos familiares camponeses, os quais haviam sido
marginalizados no contexto do processo histórico agrário capitalista.
A conquista da terra, enquanto território para a organização da vida

222
no campo e as atividades produtivas de autossubsistência, foi o
próprio ápice da conquista política.
PRIMEIRA E SEGUNDA REFORMAS AGRÁRIAS SOB O
CONTROLE DAS ORGANIZAÇÕES DE TRABALHADORES
DO CAMPO NO BRASIL: DISTINÇÕES E REAPROXIMAÇÕES
ENTRE AS BASES SOCIAIS EM CADA EXPERIÊNCIA
HISTÓRICA
No caso da primeira reforma agrária – a das Ligas Camponesas
nordestinas – a base social foi o campesinato proletarizado nos
latifúndios agroindustriais da atividade canavieira. Quem esteve à
frente da organização política do movimento foram quadros do
partido comunista brasileiro (PCB), apontando para um projeto de
inserção proletária camponesa no processo histórico capitalista
agrário, ainda incipiente na época e na região geopolítica em
questão.
A conquista da terra era o passo inicial daquele projeto político em
andamento. O enfoque principal da política de reforma agrária das
Ligas era o do controle do regime de trabalho, nas agroindústrias,
pelo proletariado rural. Organizar a classe operária no campo, a
partir do enfrentamento das condições de trabalho impostas pela
burguesia latifundiária, era a meta política da reforma.
Neste sentido, a luta de classes ganhava o status de um
enfrentamento do proletariado contra a burguesia no campo. A base
social permitia o desafio politicamente organizado ao trabalho
abstrato, submetido de maneira real, ao capitalismo agrário. É
preciso pontuar que a concepção política das principais direções do
movimento das Ligas era o de garantir o desenvolvimento das
forças produtivas nas áreas de engenhos e usinas.
A luta pela terra era o enfrentamento com o latifúndio e a luta por
melhores condições de trabalho assalariado. A utilização de técnicas
de produção mais adequadas às atividades produtivas dos
trabalhadores agrários era a forma de pressão sobre a burguesia
agrária, no sentido da modernização da atividade capitalista agrária,
a qual se encontrava sob a influência direta desta mesma burguesia
agrária.
A proposta das direções políticas mais relevantes das Ligas era a de
garantir a transição socioeconômica do poder do latifúndio para o
223
predomínio da burguesia agrária. O projeto do PCB, através de seus
braços políticos nos movimentos sociais dos trabalhadores do
campo, era fazer avançar o processo histórico capitalista agrário,
acirrando suas contradições.
Não havia um projeto autônomo em reação à prática capitalista
agrária da imposição do “mais-trabalho” social. A demanda
reivindicatória de melhores condições de trabalho não inviabilizava
politicamente, do ponto de vista das direções políticas do
partido/movimento, o apoio de fato ao pretenso avanço da burguesia
agroindustrial sobre o latifúndio pré-capitalista.
A territorialização tipicamente camponesa fazia frente ao latifúndio,
enquanto as demandas por um trabalho agrário mais condizente com
a condição proletária rural estabeleciam a distância considerada
necessária e suficiente para a relação política com a burguesia
agrária.
A luta de classes não opunha exatamente o capital ao trabalho, ao
contrário, incentivava esta relação como historicamente
fundamental à superação do projeto latifundiário/camponês na
região. Quanto às técnicas de produção, as direções políticas mais
influentes das Ligas não obstavam, em absoluto, a utilização de
maquinário que substituísse, ainda que gradativamente, o trabalho
camponês – submetido à ordem latifundiária – pelo trabalho
proletário, mesmo que este estivesse sendo submetido de
maneira real ao capital agrário.
Por isto, a chegada de técnicas de produção agrícola da revolução
verde, ainda que timidamente, nas relações de produção agrárias do
nordeste brasileiro, trazidas pela burguesia agrária “anti-
latifundiária”, não mereceu atenção ou críticas por parte dos
representantes políticos da classe trabalhadora.
Como já afirmado diversas vezes neste texto, as tecnologias
adaptam-se à forma de trabalho em cada momento do processo
histórico do capitalismo agrário. No caso das Ligas, as tecnologias
poderiam ser interpretadas como modernizadoras das relações
sociais de produção naquele que parecia, até a eclosão do golpe
militar, o grande embate político da época: a disputa entre o projeto
do latifúndio ancestral e o da burguesia agrária. Esta última, com
suas técnicas de produção agroindustrial era vista, pelas direções
224
político-partidárias e movimentistas mais influentes das Ligas,
como fator de desentrave do desenvolvimento das forças produtivas.
Por estas interpretações, não havia nada de destrutivo no
desenvolvimento rural proposto, e em execução ainda precária, pela
burguesia agroindustrial.
O processo histórico capitalista agrário, trazendo o trabalho fabril
para o campo nordestino, seria o sopro de vida do proletariado rural.
A luta de classes da época baseava-se na crítica ao trabalho abstrato
– enquanto exploração desenfreada do proletariado –, mas não
questionava o papel econômico e social do processo histórico
agroindustrial na região. Afinal, sem agroindústria não haveria
proletariado rural.
Então, a crítica ao trabalho abstrato não chegava sequer às
tecnologias empregadas. Ao contrário, pelas concepções
predominantes à época, estas tecnologias poderiam servir como
atenuante à exploração socioeconômica da classe operária agrária,
na medida em que a intensificação tecnológica agrária contribuísse
para a ampliação da produtividade e dos rendimentos da burguesia
agrária.
A subsunção real do trabalho ao capital, no contexto da
modernização tecnológica no campo daí resultante, poderia, na
interpretação clássica e ortodoxa socialista das direções comunistas,
aliviar a carga de trabalho social imposta pelo capital agrário ao
proletariado rural no complexo agroindustrial nordestino do início
da década de 1960.
Voltando para a segunda reforma agrária, embrionariamente
iniciada no final da década de 1970 no sul do país, desenrolada a
partir da década de 1980, qual seria a base social da referida
reforma? No final do regime militar havia se consolidado, no campo
brasileiro, a descampesinização inconclusa e a proletarização rural
interrompida – restrita a setores específicos da agroindústria de
transformação de matérias-primas.
A classe operária rural, assalariada, tecnologicamente adaptada,
submetia-se à prática do trabalho social abstrato de maneira real.
Contribuía de fato para a mercantilização da produção, a expansão
da produtividade e a geração de lucros para o empresariado
agropecuário capitalista.
225
Ocorre que a absorção de mão de obra pela agroindústria de
transformação de matérias-primas agropecuárias era limitada,
deixando um considerável contingente de camponeses excluído da
atividade produtiva agrária.
O campesinato tradicional, que não se proletarizou e nem se tornou
fração de classe capitalista agrária de base familiar – na realidade,
no Brasil, este tipo de diferenciação camponesa ocorreu mais
localizadamente entre agricultores do sul do país que colonizaram o
centro-oeste/norte do país, e de algumas áreas do sudeste –, foi
perdendo o acesso à terra. Os camponeses desterritorializados, não
proletarizados, em pleno êxodo rural, tornaram-se a base social por
excelência dos projetos de reforma agrária no Brasil da década de
1980 em diante.
O papel aglutinador do clero progressista, reformista, foi sendo
substituído por organizações do campo, não necessariamente de
caráter partidário ou sindical. Dentre este setor de organizadores
políticos da reforma agrária sobressaiu um movimento social
derivado da experiência embrionária do final da década de 1970, na
região sul do país: o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-
Terra (MST) (MEDEIROS, op. cit., cap. V; STÉDILE, 1997. p. 11-
76; 95-110) que é fundado em Congresso realizado em 1984, um
ano antes do fim do regime militar no país.

226
Parte 10

A ORIGEM DO MST E AS BASES SOCIAIS DA REFORMA


AGRÁRIA DA DÉCADA DE 1980 EM DIANTE NO BRASIL

O MST possuía inicialmente a influência deixada pela atuação do


clero progressista na retomada da luta de classes no campo
brasileiro, nos episódios ocorridos desde o final da década de 1970.
A base social da direção política mais relevante e influente do
movimento era constituída de camponeses colonos do sul país,
identificados com as primeiras manifestações e conquistas dos
trabalhadores agrários camponeses.
Havia por parte de alguns destes dirigentes uma formação híbrida:
provinham do contato direto com setores do clero progressista e
possuíam formação política e intelectual oriunda de experiências
formativas em universidades brasileiras e do exterior – nestes casos,

227
proveniente de períodos de exílio durante os anos de chumbo do
regime militar.
Então, a direção política do Movimento recebia a influência da
vivência com a instituição clerical aglutinadora da primeira
organização de camponeses desterritorializados, e uma formação
intelectual, militante, marxista-leninista-castrista, associada a uma
origem social no campesinato colono do sul do país – exatamente
onde alguns anos antes a luta de classes no campo havia sido
retomada com relativo sucesso, conforme sumariamente relatado
acima.
Esta caracterização da direção nacional do MST me parece
oportuna, pois alguns destes quadros de direção do Movimento
mantêm-se atuantes, até o momento, à frente da própria organização
agrária por eles mesmos fundada.
Durante a década de 1980, o MST inicia uma arrojada expansão
organizativa que garante – através de mobilizações de massa e
ocupações de terra por milhares de trabalhadores de origem
camponesa, desterritorializados ao longo da implementação do
processo histórico capitalista agrário no país – a territorialização de
parte destes contingentes e o início da espacialização nacional do
Movimento.
A referida espacialização permitiu que o MST, até o final da década
de 1990, estivesse implantado social e politicamente em quase todo
o campo brasileiro, em todas as suas regiões geopolíticas. Novas
lideranças regionais e nacionais foram surgindo, representando as
distintas características do campesinato brasileiro despossuído da
terra e socialmente marginalizado.
Através da mediação da própria Igreja Católica e de sindicatos de
trabalhadores rurais, sob a influência política de uma ala do Partido
dos Trabalhadores (PT), o MST chega à Assembleia Constituinte
Brasileira de 1986 reivindicando a ampliação das conquistas obtidas
no ano anterior.
O acesso à terra, pela via da reforma agrária assumida pelo Estado
brasileiro, pós regime militar, era tido pelo MST como sua bandeira
de luta essencial. O Estado brasileiro, representado pelo primeiro
governo civil, após duas décadas de intervenção militar, assimila a
pressão organizada pelo MST, e outras organizações do campo, e
228
leva adiante um projeto de reforma agrária para assentar os
camponeses sem-terra.
Em contrapartida, articula-se a União Democrática Ruralista (UDR)
(BRUNO, 2009; RODRIGUES, 2000), que representa os interesses
políticos do latifúndio modernizado e da burguesia agropecuária em
todo o país. A constituinte de 1986 resulta na Constituição Federal
de 1988. A luta de classes no campo brasileiro, como se percebe,
opõe diametralmente organizações dos trabalhadores sem-terra, de
origem camponesa, e setores representativos dos interesses das
frações de classe do capitalismo agrário.
A CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988 E OS
RUMOS DA REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL:
PRODUTIVISMO E FUNÇÃO SOCIAL DA TERRA NOS
ASSENTAMENTOS RURAIS
Três grandes questões vão pautar a nova Constituição brasileira e a
estruturação do MST. No âmbito da Constituinte, o embate de
classes no campo apontou para duas caracterizações jurídicas
incorporadas à Constituição que ganharam, portanto, força legal. A
UDR obteve uma expressiva vitória política ao delimitar as
desapropriações estatais para fins de reforma agrária a áreas
consideradas economicamente improdutivas.
Estabelece-se, inclusive, a quantificação dos índices de
produtividade a serem atingidas pelas fazendas. Se o espaço agrário
em questão fosse considerado produtivo (ALMEIDA, 2011;
CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988, 2016, título
VII, Capítulo III, art. 185), do ponto de vista econômico-social, a
fazenda ou o estabelecimento agropecuário empresarial não poderia
ser desapropriado. Esta foi uma grande derrota institucional para o
MST e demais organizações agrárias dos sem-terra. Por outro lado,
a Constituição incorporou uma medida legal de grande efeito para a
luta de classes no campo, daí para a frente: foi definida, em termos
legais, a função social da terra (REIS, 2008).
A terra, quando considerada improdutiva, deveria ser redistribuída
para cumprir a função de promover a equidade social distributiva
dos bens ali produzidos. As propriedades juridicamente legais, em
qualquer escala de produção, mesmo que estivessem voltadas para o

229
mercado capitalista e não tivessem que cumprir qualquer função
social redistributiva, poderiam ser consideradas produtivas.
Percebe-se uma contradição nos dispositivos legais da Constituição
de 1988, em relação à normatização da reforma agrária. A noção de
terras produtivas consagrava o princípio do produtivismo
econômico agrário e da consequente prerrogativa mercadológica de
escoamento da produção, em termos da distribuição comercial dos
bens produzidos transformados em mercadoria lucrativa.
A função social da terra ficava relegada às terras ditas improdutivas.
Ao mesmo tempo em que abria uma brecha para o não produtivismo
nas áreas reformadas no campo, a legislação, adotada a partir de
1988, privilegiava imensamente o capital agrário representado por
suas frações de classe.
Se a função social da terra fosse estendida legalmente às terras ditas
produtivas, isto representaria uma grande ameaça à classe
controladora e executora do “mais-trabalho” social agrário, pois o
produtivismo agrário, aliado à distribuição mercantil, era o pilar do
trabalho social abstrato no campo e o eixo do processo histórico de
desenvolvimento das forças produtivas capitalistas no agro
brasileiro.
MST: INFLUIR NA ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ECONÔMICA
DOS ASSENTAMENTOS RURAIS DE REFORMA AGRÁRIA
OU ATER-SE À ESTRUTURAÇÃO DOS ACAMPAMENTOS?
Depois de seu primeiro Congresso, realizado na primeira metade da
década de 1980, na região sul do país, o MST defrontou-se com
uma questão que seria decisiva não só para os rumos do Movimento
quanto para a execução de projetos de reforma agrária no país.
Trata-se da tomada de decisão em torno do tema de exercer, ou não,
influência político-material na organização socioeconômica dos
assentamentos rurais. Este debate ocorreu após os acampamentos,
coordenados pelo MST, terem sido transformados em
assentamentos dotados de apoio creditício, entre outros mecanismos
de consolidação agrária.
A princípio, dirigentes do MST resistiram em permanecer à frente
da coordenação dos assentamentos preferindo que o Movimento
continuasse a se preocupar, exclusivamente, em organizar
ocupações de terra – que resultavam em acampamentos quase
230
sempre muito precários e submetidos a todo o tipo de pressão
desestabilizadora por parte de latifundiários e empresas do capital
agrário.
Os esforços no sentido de organizar a luta de classes no campo
consumiam o tempo e a energia política dos quadros do MST.
Quando os acampamentos se transformavam em áreas legalizadas
no contexto da reforma agrária oficial, patrocinada pelo Estado
brasileiro, setores da direção do movimento consideravam a
“missão cumprida”.
Era como se a luta de classes fosse vitoriosa naqueles lugares onde
os acampamentos se tornaram assentamentos legalmente
reconhecidos, no âmbito da política de reforma agrária. Caberia
então aos quadros organizativos do Movimento preparar-se para
novas investidas, no sentido de organizar outros focos de luta, sob a
forma de acampamentos, os quais deveriam preceder a estruturação
dos assentamentos rurais.
Porém, prosperou a noção pela qual o MST deveria atuar também
na estruturação organizativa dos próprios assentamentos, indo além
do impulso para a formação de acampamentos. Esta decisão,
principalmente após a entrada em vigor da Constituição Federal de
1988, implicou na amplitude qualitativa da intervenção do MST na
prática da reforma agrária no país, haja vista que passou a vigorar,
como assinalado, o dispositivo constitucional da função social da
terra.
Paralelamente à decisão de permanecer à frente da organização
política dos assentamentos, o MST empreendia ações que
resultavam em ampliação de seus quadros e geravam cada vez mais
ocupações de terras e acampamentos nas áreas ocupadas – como
forma de pressionar o Estado a tornar estas áreas passíveis de
desapropriação para fins de reforma agrária – alterando o status de
acampamentos provisórios, não reconhecidos oficialmente para a
condição de assentamentos de reforma agrária com direitos
assegurados na legislação.
A passagem da situação de acampados para a de assentados
significava a territorialização dos trabalhadores sem-terra. Muitas
fazendas oriundas do desmembramento do latifúndio tradicional,
tido legalmente como improdutivo, e até mesmo empresas do
231
capital agrário economicamente falidas, foram desapropriadas para
fins de reforma agrária, garantindo a chamada territorialização dos
assentados.
Outro fator de consolidação do MST foi sua abrangência em nível
nacional. Até o final da década de 1990, o MST estava presente em
acampamentos e assentamentos de reforma agrária em praticamente
todos os estados da federação.
Isto significava que o movimento havia se espacializado pelo país.
Esta espacialização conferia ao MST o poder de exercer influência
nos rumos político-organizativos dos assentamentos em regiões as
quais se distinguiam entre si na maneira de produzir, consumir e
distribuir os gêneros agropecuários.
TRABALHO, TECNOLOGIA E COLETIVIZAÇÃO AGRÁRIA
NOS ASSENTAMENTOS RURAIS COORDENADOS PELO
MST ÀS VÉSPERAS DA ESTRUTURAÇÃO DO
AGRONEGÓCIO NO BRASIL: A PROLETARIZAÇÃO DOS
CAMPONESES ASSENTADOS
Trabalho e tecnologia em assentamentos de diversas procedências
no Brasil, em todas as regiões geopolíticas do país, passaram a ser
responsabilidade compartilhada de trabalhadores assentados, dentre
eles muitos membros do MST. No início da década de 1990, a
globalização capitalista começava a chegar ao campo brasileiro e
com ela vieram os primórdios do que viria a ser, mas adiante, a
estruturação plena do referido agronegócio.
Desde o final da década de 1980, até a segunda metade dos anos de
1990, o MST assumiu diretrizes em relação à condução do tipo de
trabalho e de tecnologia a serem utilizados nos assentamentos de
reforma agrária, que variariam de acordo com o cenário
internacional da concentração de capital e das inovações
tecnológicas no campo, conduzidas pelas aludidas empresas de
transformação da produção.
Em relação à prática de trabalho a ser sugerida e, na maior parte dos
casos, implementada pelo MST nos assentamentos, predominava a
coletivização dos meios de produção dos assentamentos. A
coletivização implicava em uma produção socializada do trabalho
agrícola.

232
A coletivização agrária ficou internacionalmente conhecida, ao
longo do século XX, como uma forma de trabalho que se opunha ao
caráter politicamente autônomo e socioeconomicamente disperso do
campesinato em geral.
Coletivizar os meios de produção significava controlar toda a
atividade produtiva e distributiva dos assentamentos. A
coletivização proposta pelos membros do MST e muitas vezes
efetivamente aplicada aos assentamentos visava, na prática,
proletarizar o campesinato nos assentamentos.
Evidentemente, esta proletarização não tinha o caráter de
assalariamento da força de trabalho que toda a proletarização
capitalista embute. Tratava-se de uma proletarização socializante,
inspirada no modelo soviético e, mais aproximadamente, naquele
praticado em Cuba, desde os anos de 1960.
Na concepção dos quadros leninistas-castristas do MST, a única
forma de se opor à crescente capitalização no campo, supostamente
acompanhada da inevitável proletarização rural correspondente,
pela fórmula teórica castrista estalinista, era incentivar a
coletivização rural em assentamentos de reforma agrária que
combatiam as formas capitalistas de organização agrária.
A luta de classes no campo, pela concepção predominante na
militância do MST, na década de 1990, passaria pela constituição e
fortalecimento do proletariado agrário no interior dos
assentamentos, para opor resistência ao capitalismo agrário.
O MST E A COOPERATIVIZAÇÃO COLETIVIZADA DA
PRODUÇÃO NOS ASSENTAMENTOS RURAIS:
PROLETARIZAÇÃO DESCAMPESINIZADORA
Como proletarizar os trabalhadores rurais sem o assalariamento
capitalista da força de trabalho, tal qual ocorria nas fazendas e
empresas da burguesia agrária? A resposta a esta questão se
encontrava em textos como aqueles registrados nos cadernos de
formação do MST para os assentamentos, sob a sua influência
político-organizativa e socioprodutiva. Estes cadernos de formação
– especialmente o caderno de número 11 (ELEMENTOS SOBRE A
TEORIA DA ORGANIZAÇÃO NO CAMPO, 1986; THOMAZ,
2009, p. 1-16) elaborado por Clodomir dos Santos Morais,
veterano comunista, responsável pela política de proletarização rural
233
do PCB/ULTAB, no contexto das Ligas Camponesas nordestinas no
início da década de 1960 – propunham a execução de projetos de
formação nos assentamentos influenciados pelo MST, denominados
de laboratórios, os quais deveriam ser utilizados nas cooperativas de
produção dos assentamentos.
A cooperativização coletivizada da produção equivaleria, de acordo
com esta concepção, à proletarização da força de trabalho nos
assentamentos, ao mesmo tempo em que eliminaria os resquícios de
campesinização não proletária, familiar, individualista, nos
assentamentos. Assim, supostamente, a classe operária rural nos
assentamentos se constituiria como fração hegemônica na luta de
classes frente ao capitalismo agrário.
O reconhecimento tácito, pelo qual nas cooperativas de produção o
trabalho agrário poderia ter alguma equivalência àquele praticado
nas fazendas e empresas do capitalismo agrário – constituindo-se,
sem que isso fosse efetivamente admitido, em um sucedâneo
socializante do assalariamento no agro – é algo a ser considerado
como um fator decisivo na forma de trabalho a ser adotada a partir
de então de maneira preferencial, quando não a única, nos
assentamentos coordenados pelo MST.
A estratégia de criar cooperativas coletivizadas em assentamentos
rurais, sob sua coordenação ou influência política direta, gerou um
impasse para o MST, em nível nacional: a base social dos
assentamentos possuía origem camponesa e não proletária rural,
descampesinizada.
A PROLETARIZAÇÃO COLETIVISTA COOPERATIVISTA
NOS ASSENTAMENTOS RURAIS DO MST E A PERDA DE
CENTRALIDADE DA PROLETARIZAÇÃO NO PROCESSO
HISTÓRICO CAPITALISTA AGRÁRIO NO BRASIL
A coletivização centralizadora da organização produtiva feria,
amiúde, as características constitutivas dos grupos familiares
assentados. A cooperativização encontrava resistência nos
assentados que não pertenciam ao MST, e até mesmo entre alguns
de seus militantes; por outro lado, o proletariado rural no processo
histórico capitalista agrário, já não ocupava, no final da década de
1980, um papel de centralidade no desenvolvimento das forças
produtivas no campo brasileiro, como anteriormente assinalado.
234
A peculiaridade do desenvolvimento rural capitalista agrário no
Brasil, ao longo do regime militar de vinte anos de duração, levou a
que se prescindisse, até certo ponto, da subsunção real do trabalho
agrário ao capital, por parte das empresas capitalistas no agro
brasileiro. Como anteriormente frisado, a subsunção real do trabalho
ao capital agrário, pela via do assalariamento da força de trabalho
contratada, deixou de ser, no referido período do processo histórico
capitalista agrário no Brasil, a única ou a mais relevante forma de
acumulação capitalista agrária.
O trabalho social abstrato no campo passou a incluir as cadeias
produtivas das agroindústrias e, na sequência, as do agronegócio
financeiro, constituídas por produtores autônomos – os proprietários
de terra que acumulavam capital produzindo e negociando a
produção de forma mercantil, objetivando a maximização da
produção para a geração da acumulação de capital.
As empresas de cunho familiar, já aludidas, utilizando-se de força
de trabalho predominantemente familiar acessaram, por meio de
crédito e demais tipos de incentivos financeiros, os grandes circuitos
produtivos e distributivos do capital agrário, em seu processo
histórico de desenvolvimento das forças produtivas no agro
brasileiro.
O proletariado rural foi sendo confinado a apenas um dos ramos da
atividade agroindustrial – o setor mais industrializado – que era a
agroindústria da transformação qualitativa das matérias-primas
agropecuárias. Além disso, ou em consequência disso, o capital
agrário passou a se utilizar cada vez mais de avanços tecnológicos
para obter a acumulação de capital por meio da inovação
tecnológica de ponta, o que garantia, essencialmente, o acelerado
ritmo de produtividade das atividades agropecuárias e do
escoamento da produção sob a forma mercantil.
A combinação da subsunção formal do trabalho abstrato agrário ao
capital agroindustrial e da revolução tecnológica na produção,
conectada à comercialização e financeirização agropecuária, minou
as bases de sustentação da centralidade do proletariado rural no
campo brasileiro, para efeito da reprodução ampliada do capitalismo
agrário.

235
Quando o MST decidiu intervir politicamente na produção e
comercialização nos assentamentos sob sua influência o fez visando
transformar os assentados em uma espécie de proletariado não
assalariado, que centralizaria a atividade produtiva e de distribuição,
em substituição aos métodos descentralizados e individualizados
típicos do campesinato.
O MST do final da década de 1980 considerava o campesinato
tradicional um entrave ao desenvolvimento das forças produtivas
nos assentamentos e a proletarização coletivista seria a solução para
promover este desenvolvimento, o mais aceleradamente possível.
Inspirado fundamentalmente no modelo cubano em execução
naquele momento, o MST aspirava superar o campesinismo,
inibidor do desenvolvimento da produção, através da coletivização
dos meios de produção sob o controle do proletariado fabril oriundo
das cooperativas de produção.
Se esta estratégia desenvolvimentista fosse colocada em prática
vinte anos antes, como conceberam setores socialistas das Ligas
Camponesas, por exemplo, para além das resistências dos
camponeses não proletarizados, havia possibilidades dos
assentamentos efetivamente se agroindustrializarem paralelamente –
em padrão e ritmo análogos – aos segmentos privados do
capitalismo agrário, em formação na época.
No final da década de 1980 predominavam outros padrões e ritmos
de acumulação capitalista no campo brasileiro, os quais já tornavam
obsoletas as formas intrinsicamente proletárias – ou coletivistas, no
caso dos assentamentos – de desenvolvimento rural.
COLETIVISMO COOPERATIVISTA AGROINDUSTRIAL EM
ASSENTAMENTOS RURAIS DO MST NAS DÉCADAS DE
1980/90: PRODUTIVISMO MERCANTIL; MATRIZ
TECNOLÓGICA DA REVOLUÇÃO VERDE;
PRODUÇÃO/DISTRIBUIÇÃO DESTRUTIVA
O MST passou a adotar a fórmula coletivista proletária, a qual
procurava garantir a centralidade do proletariado rural, em formação
nos assentamentos, em termos de seu projeto de desenvolvimento
agrário. Enquanto isso, o capitalismo agrário expandia-se
explorando o trabalho social abstrato de proletários rurais e de
outros tipos de trabalho agrário, pela via da mercantilização
236
associada à máxima produtividade – vinculadas aos avanços
tecnológicos de ponta.
O MST propunha então como estratégia de desenvolvimento das
forças produtivas nos assentamentos exatamente a produtividade
mais elevada possível, a mercantilização da produção e a
distribuição da lucratividade auferida de forma coletiva, fabril,
agroindustrial, cooperativada, ou seja, os mesmos mecanismos de
controle do trabalho social, material, abstrato praticados no
capitalismo agrário.
O planejamento da produção nos assentamentos do MST, com a
centralidade do proletariado coletivizado, inseria-se, portanto,
totalmente, no processo histórico de desenvolvimento das forças
produtivas do capitalismo agrário sem, contudo, expandir-se para
além do padrão de acumulação a ser “financiado” exclusivamente
pela força de trabalho proletária, oriunda da coletivização
cooperativista.
Sem perceber – presumivelmente devido ao viés ideológico de suas
direções políticas – que o capitalismo agrário já avançara muito
além da proletarização stricto sensu, no campo brasileiro, os
assentamentos produtivamente mais bem-sucedidos do MST
buscavam concorrer com o modelo agroindustrial capitalista
vigente.
A inserção aprofundada na matriz tecnológica agroindustrial,
equivalente a do capital agrário, e a produção em larga escala
decorrente do modelo agroindustrial coletivista, cooperativista,
proletarizante, levaram os assentamentos mais comprometidos com
este modelo ao emprego sistemático e ampliado de tecnologias
destrutivas da força de trabalho e do ambiente natural.
FINANCIAMENTO DA PRODUÇÃO/COMERCIALIZAÇÃO
NOS ASSENTAMENTOS DO MST: DA DESESTRUTURAÇÃO
DOS MECANISMOS DE CRÉDITO ESTATAL PARA AS
COOPERATIVAS DE PRODUÇÃO/COMERCIALIZAÇÃO
DO MOVIMENTO AO ACESSO A FINANCIAMENTOS PARA
A AGRICULTURA FAMILIAR
Mas o que verdadeiramente passou a bloquear a investida
agroindustrial das cooperativas de produção do MST foi o custo
financeiro do acesso a estas tecnologias de ponta. As direções do
237
MST começaram então a se aperceber de que o modelo
agroindustrial capitalista se retroalimentava de formas – até então
não correspondentes às utilizadas pelo capitalismo agrário no Brasil
– de acumulação de capital, viabilizadoras do financiamento
tecnológico da produção e comercialização.
Os assentamentos rurais de reforma agrária jamais poderiam
alcançar ou competir com esta nova fórmula de desenvolvimento
agrário. A falência das cooperativas de produção do MST começa a
acontecer como um “efeito dominó” a partir de meados da década
de 1990, especialmente desde a segunda metade da referida década.
O crédito estatal para o financiamento da produção agropecuária
praticada nas cooperativas coletivizadas do MST provinha do
PROCERA (REZENDE, 1999), programa governamental de crédito
para as cooperativas de assentamentos rurais.
No final da década de 1990, já com a crise financeira instalada nas
cooperativas de produção, na maior parte dos assentamentos rurais
influenciados pelo MST, o governo neoliberal da época eliminou
este tipo de financiamento da produção – exclusivo para
assentamentos de reforma agrária – e estendeu aos assentamentos
rurais um outro tipo de crédito, que vinha sendo utilizado para
financiar a chamada agricultura familiar no Brasil: o PRONAF
(PRONAF, 2018; GAZOLLA, SCHNEIDER, 2013).
O referido instrumento creditício era voltado, até então, apenas para
agricultores que demonstrassem possuir legalmente a terra de
produção. Ao ser estendido aos assentados de reforma agrária, este
tipo de financiamento da produção ampliou seu escopo para
produtores não proprietários jurídico-legais de terra – os assentados
possuem o acesso à terra sob a forma de concessão de uso para
cumprir a função social da terra, isto é, produzir para si mesmos e
para a sociedade.
No caso dos assentamentos de reforma agrária geridos pelo MST,
em muitas ocasiões a concessão de terra era feita diretamente para
as cooperativas de produção, durante a vigência do crédito para as
cooperativas – PROCERA. Quando as cooperativas de produção
começaram a se desestruturar, o PRONAF passou a ser utilizado
pelos trabalhadores agropecuários assentados.

238
Por outro lado, a concessão de terra para os assentados, em termos
legais, pode transformar-se em direito de propriedade a partir da
emancipação financeira de cada assentado. Isto pode ocorrer em
casos muito específicos e após um longo tempo de atividades
produtivas e de comercialização do assentado, que lhe garanta renda
suficiente para que se emancipe da condição de assentado e se torne
proprietário jurídico-legal do lote de terra concedido.
Nestes casos, a função social, como condição obrigatória para o
acesso e usufruto da terra, desaparece e o assentado se transforma
em proprietário de terra, ou seja, ele se torna um agricultor familiar
privado como qualquer outro proprietário de terra.
Então, o PRONAF, nos assentamentos, antes de ser uma
contradição era uma expectativa política do Estado neoliberal de
acelerar a emancipação dos assentados que se demonstrassem aptos
a ingressar plenamente na agricultura capitalista de mercado.
Como anteriormente comentado neste texto, a agricultura familiar
no Brasil – independentemente da escala de produção ou da
extensão territorial de cada propriedade rural – é um segmento da
cadeia produtiva da classe exploradora do trabalho social abstrato,
inserindo-se como fração de classe da burguesia agrária, não
somente pelo caráter de propriedade jurídico-legal da terra que
ostenta como pela inserção em cadeias produtivas da agroindústria
e, mais recentemente, do agronegócio financeiro.
ASSENTAMENTOS RURAIS DO MST: DA
DESCAMPESINIZAÇÃO PELA PROLETARIZAÇÃO
COLETIVISTA À DESCAMPESINIZAÇÃO PELA INSERÇÃO
COOPERATIVISTA NAS CADEIAS PRODUTIVAS DO
CAPITALISMO AGRÁRIO
Assim sendo, os assentamentos do MST, no início do terceiro
milênio, passaram de uma estratégia político-produtiva de
descampesinização pela via da proletarização coletivista, para a
descampesinização através do acesso a instrumentos de crédito que
visavam atrelar os assentamentos rurais à expansão das cadeias
produtivas do capitalismo agrário.
Reafirmo que a cláusula constitucional determinante do uso da terra
para função social, e não propriedade privada, nos assentamentos,

239
constituía-se em uma barreira para este objetivo político
governamental.
Mesmo assim, nos assentamentos do MST, a condição camponesa
era limitada, em parte, pela vigência das cooperativas de produção
e, em direção paralela, mas não necessariamente antagônica, pela
introdução de mecanismos estatais de crédito para o financiamento
da produção – voltados a favorecer formas de acumulação de capital
aos assentados, análogas às previstas para os proprietários privados
do campo.
O MST não reagiu a esta situação – ou porque não teve força
política para enfrentar esta guinada radical nos financiamentos dos
assentamentos sob sua influência, ou porque considerou que o
crédito para os agricultores familiares viria a preencher a lacuna da
falta de financiamento da reforma agrária pelo Estado.
No começo da primeira década do século XXI, o MST não mais
contava com incentivo de ordem econômica, nem apoios internos ou
externos aos assentamentos, para insistir na política de criação e
estruturação econômico-produtiva, sob a forma de cooperativas de
produção.
Este fato será de grande relevância para o futuro do Movimento e de
sua inserção nos assentamentos. A crise organizativa, política e
econômica do sistema de cooperativas de produção nos
assentamentos, geridos ou influenciados politicamente pelo MST,
provocou pelo menos dois efeitos cruciais.
A CRISE DO SISTEMA DE COOPERATIVAS DE PRODUÇÃO
E A PROPOSTA DE TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA NOS
ASSENTAMENTOS RURAIS DE REFORMA AGRÁRIA DO
MST/LVC: UMA RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO?
O primeiro e mais visível efeito foi uma deliberação pela
substituição gradual da matriz tecnológica de produção aplicada aos
assentamentos rurais. Desde seu Congresso realizado no ano 2000,
o MST decidiu aderir à denominada transição agroecológica
(BORGES, 2007, cap. 4) nos assentamentos rurais de reforma
agrária. É preciso situar que já no Congresso de 1995, o Movimento
se comprometia com algumas causas ecológicas (COSTA NETO e
CANAVESI, 2002, p. 203-215), provavelmente em função da

240
adesão, naquele ano, à Via Campesina internacional (LVC), da qual,
aliás, o próprio MST foi um dos signatários de sua formação.
Quero pontuar aqui um aspecto que me parece dos mais
sintomáticos da aparente virada de posicionamento do MST em
relação às origens cooperativistas da organização. O movimento
social que se autodenominava dos trabalhadores rurais sem-terra,
mesmo não alterando a tradicional sigla, passa a um discurso
político público no qual se referencia como representante dos
camponeses assentados.
A pura e simples adesão a uma organização internacional em
formação, no caso específico a referida Via Campesina, não
justificaria tamanha guinada de formulação política. Até pouco
antes das duas décadas anteriores, os mencionados cadernos de
formação cooperativista e os laboratórios de produção concebidos
pelo “castrista” Clodomir (FERREIRA, 2009, p. 163-189) deixavam
absolutamente nítida a postura ideológica do movimento de negação
absoluta do campesinismo não proletário.
Daí a criação das cooperativas de produção e o esforço coletivista
proletário da primeira década de ações do MST, como já referido.
Do ano 2000 em diante, provavelmente em função do acesso ao
PRONAF e não mais ao PROCERA, aliado à crise do sistema
cooperativo de produção, o Movimento parecia projetar uma
recampesinização, a partir da transformação do caráter do assentado
em agricultor familiar e à possibilidade de acesso a créditos de
produção daí advindos.
Eu insisto que esta hipotética recampesinização não prosperou nos
assentamentos do MST. O primeiro motivo para que isto não
ocorresse foi o entendimento das direções do Movimento de que a
mudança do paradigma tecnológico da produção – da agricultura
convencional para a agricultura ecológica – tivesse como efeito
automático esta recampesinização. De fato, a Via Campesina
lançava diretrizes para a ruptura com a matriz tecnológica
da revolução verde, em nome da sustentabilidade que poderia advir
do retorno a práticas produtivas de origens camponesas.
Por outro lado, o exercício da função social da terra (MINGUIM,
2016) nos assentamentos de reforma agrária poderia induzir ao
bloqueio da pretensão estatal de submeter formalmente o trabalho
241
rural dos assentados ao capitalismo agrário. Mas o objetivo e o
alcance políticos governamentais da extensão do PRONAF aos
assentamentos era exatamente o de promover este tipo de
subsunção formal do trabalho agrário ao capital.
A AMEAÇA DO AGRONEGÓCIO E O APROFUNDAMENTO
DA AGROECOLOGIZAÇÃO COMO SUBSTITUIÇÃO DA
MATRIZ TECNOLÓGICA DE INSUMOS AGROPECUÁRIOS
NOS ASSENTAMENTOS RURAIS DO MST
A agroecologização dos assentamentos rurais, coordenados pelo
MST, aprofundou-se quando o agronegócio passou a manipular
geneticamente e a controlar política e economicamente as sementes
para a produção agrícola.
O salto tecnológico da revolução verde e da modernização
conservadora do campo, para o domínio absoluto das formas de
produzir no agro, na realidade brasileira, atingiu “em cheio” os
assentamentos rurais, e o MST reagiu propondo a ecologização
camponesa da produção de sementes. E eram exatamente os
camponeses tradicionais, e apenas eles, que poderiam manejar as
chamadas sementes crioulas (LONDRES, 2009; CARVALHO,
2003, p. 15-18). MST/La Via Campesina passaram então a se
posicionar contra as grandes empresas de manipulação genética de
sementes no Brasil. A questão não era primordialmente ecológica,
mas político-econômica.
As sementes transgênicas não poderiam entrar nos assentamentos do
MST, pois caso isso acontecesse haveria a iminente implosão do
sistema de assentamentos rurais e, por extensão, da reforma agrária,
como era concebida politicamente até então.
O discurso agroecológico (BORSATTO, 2011; BARCELLOS,
2010; GOMES, 2011) campesinista, antiagronegócio, do MST/La
Via Campesina, na primeira década do século XXI, está diretamente
relacionado à luta pela sobrevivência destas organizações em
assentamentos de reforma agrária, diante da prevalência econômica
das grandes multinacionais em relação ao controle absoluto da
confecção e, principalmente, da imposição de preços de mercado
para as sementes.
A tendência, vislumbrada por MST e LVC, de pulverização dos
assentamentos, e de suas direções políticas, pela ofensiva do
242
agronegócio das sementes geneticamente modificadas, provocou a
reação agressiva e a resistência ao avassalador ataque aos seus
domínios de ação política.
O campesinismo político-social, e a consequente agroecologização
tecnológico-produtiva, passaram a ser as bandeiras salvacionistas
destes Movimentos frente à ameaça devastadora representada pelo
agronegócio das sementes transgênicas nos assentamentos rurais de
reforma agrária.
A agroecologia passou então a ser concebida por MST/La Via
Campesina como matriz tecnológica da produção agropecuária no
Brasil, revelando-se para intelectuais orgânicos (CARVALHO,
2007) a preocupação com o fato de que a agroecologia – na
realidade, as técnicas de produção da agropecuária ecológica – não
fosse capaz de ser suficientemente produtiva para atender às
necessidades de consumo nacionais e internacionais.
A agroecologia não foi interpretada pelos referidos movimentos
sociais como uma alternativa de desenvolvimento rural para além
do capitalismo agrário e, por suposto, em relação à agroindústria e
ao agronegócio, como estou buscando assinalar neste texto.
O hipotético desenvolvimento rural alternativo, a que me refiro – o
qual não foi sequer cogitado pelo MST/LVC –, seria aquele no qual
a agroecologia incorporaria as técnicas de produção da agricultura
ecológica, desde que estas estivessem a serviço da crítica em prol da
transição sociotécnica visando tangenciar, para superar
historicamente, o capitalismo agropecuário industrial e o
agronegócio daí decorrente.
Por isso mesmo esta ambiguidade terminológica, semântica,
derivada do caráter polissêmico deste conceito em construção – a
agroecologia – pode ser também compreendida como contraditória
em seus termos. Não somente o desenvolvimento rural
agroecológico, alternativo ao desenvolvimento capitalista agrário,
incorpora técnicas de produção e de distribuição da agropecuária
ecológica.
O desenvolvimento capitalista agropecuário, industrial, de negócios,
também pode se utilizar, e já vem se utilizando, de tecnologias
resultantes de pesquisas técnico-científicas no âmbito da
agropecuária ecológica. Portanto, a meu ver, o desenvolvimento
243
rural agroecológico e as tecnologias de produção da agropecuária
ecológica não podem ser resumidos a meros sinônimos
terminológicos. O MST/La Via Campesina incorrem neste equívoco
interpretativo e tratam a agroecologia como um conjunto de técnicas
que podem levar ao desenvolvimento sustentável das forças
produtivas do capitalismo agrário.
RECAMPESINIZAÇÃO COLETIVISTA DA ATIVIDADE
SOCIOECONÔMICA NOS ASSENTAMENTOS RURAIS DO
MST/LVC NO BRASIL – UMA CONTRADIÇÃO?
A meu ver, apoiado em autores e obras aludidos na primeira parte
deste texto, o desenvolvimento sustentável das forças produtivas
somente pode ser almejado em um processo histórico superador
daquele correspondente ao capitalismo agrário.
As forças produtivas do capitalismo agrário, no mundo
contemporâneo, são essencialmente destrutivas da humanidade que
as compõe e, por extensão, da natureza exteriorizada da qual se
apropriam e transformam, de maneira mercantil, produtivista –
tendo em vista a lucratividade econômico-financeira.
Em relação ao campesinismo político-social, o MST/La Via
Campesina não percebem que a noção de campesinato não deriva
das tecnologias empregadas por este determinado segmento social
específico, mas apoia-se na forma de trabalho praticada.
O campesinato tradicional no Brasil, com as variações regionais já
assinaladas, não submete seu trabalho real ou formalmente ao
capital, portanto, não gera nem reproduz o trabalho social abstrato –
a não ser em situações excepcionais, localizadas. Por esta razão o
campesinato tradicional brasileiro não se insere no processo
histórico capitalista agrário, constituído no país desde a década de
1950, como referido e justificado anteriormente neste texto.
Assim sendo, o campesinato tradicional é cada vez mais passível de
ser destituído de suas características mais genuínas pela expansão
acelerada do capitalismo agrário, como vem ocorrendo nitidamente
– notadamente a partir da década de 1970 em diante – no agro
brasileiro.
Há que se registrar também que o campesinato no Brasil não
constitui, por si só, nenhum processo histórico próprio de
desenvolvimento das forças produtivas, que possa fazer frente ao
244
desenvolvimento destrutivo das forças produtivas do capitalismo
agrário no Brasil.
As reformas agrárias das décadas de 1960 e 1980 aproximaram o
campesinato de outros segmentos sociais submetidos política e
economicamente ao capitalismo agrário, fundamentalmente o
proletariado rural, o qual se constitui historicamente, como
assinalado, em função da própria descampesinização provocada
pelo avanço do capitalismo no campo brasileiro.
A reforma agrária da década de 1980, que permitiu a construção e
consolidação do MST, como principal movimento social agrário no
país, incorporou aos acampamentos, e logo em seguida aos
assentamentos rurais, massas de camponeses originários da
dispersão provocada pela ascensão do processo histórico de
desenvolvimento das forças produtivas capitalistas agrárias no
Brasil.
Ocorre que, quando estes camponeses sem-terra chegam aos
acampamentos do MST, e principalmente quando se tornam
assentados rurais da reforma agrária, eles passam a praticar um
trabalho necessariamente social – o que, enquanto eram camponeses
posseiros “livres” ou arrendatários/parceiros de proprietários de
terra, não lhes era imposto como condição sine qua non de trabalho.
Nos assentamentos, do ponto de vista legal, constitucional, no país,
como já frisei diversas vezes, predomina a função social da terra,
pela qual o trabalhador assentado deve produzir, de alguma forma,
para atender à demanda de sua produção por outros segmentos da
sociedade, no campo e nas cidades.
Se este trabalho estiver submetido às regras de produção e
distribuição ditadas pela necessidade de reprodução socioeconômica
do capitalismo agrário, então estes trabalhadores, de base social
camponesa, passam a submeter seu trabalho social ao capitalismo
agrário, mesmo que seja sob algum tipo de mediação produtiva e
distributiva praticada pelos próprios assentados, ou emanada da
conduta política de suas instâncias organizativas.
Assim, o campesinato dos assentamentos rurais da reforma agrária
já não conserva as mesmas características originárias enquanto
produtores posseiros, arrendatários ou parceiros. A
recampesinização (VAN DER PLOEG, op. cit., p. 23), portanto,
245
pode ocorrer nos assentamentos mas terá condicionamentos a
cumprir: o camponês deve sempre gerar e reproduzir socialmente o
seu trabalho, para além do núcleo estritamente familiar ou de
circunvizinhança.
O camponês, de origem, passa a ser um assentado rural que deve
considerar a produção e a distribuição agropecuária, do ponto de
vista da função social mais ampla destas atividades, nas terras que
lhe foram destinadas.
A reterritorialização camponesa nos assentamentos de reforma
agrária no Brasil corresponde a exigências de cunho social às quais
os camponeses originários, tradicionais, não estavam submetidos.
Agora, eles são trabalhadores rurais assentados de base social
camponesa.
O trabalho intra e interfamiliar, que sempre os caracterizou como
camponeses precisa ser ampliado, nos assentamentos, para prover
outras necessidades sociais de acesso aos bens produzidos para
serem consumidos e distribuídos socialmente.
Se os assentamentos rurais estiverem submetidos ao processo
histórico capitalista agrário, então os trabalhadores de origem
camponesa ficam passíveis de ser metamorfoseados em membros de
uma comunidade coletivizada, que busca reproduzir as condições
proletárias de organização da produção e distribuição, sob a forma
de cooperativas de produção.
Neste caso específico, já referido anteriormente, o trabalho social de
base camponesa passa a ser um trabalho abstrato – não somente pela
proletarização coletivista em si mesma, mas pela decorrência desta
situação – ou seja: a mercantilização e o produtivismo exigidos dos
trabalhadores que se submetem ao trabalho abstrato imposto pelo
processo histórico de desenvolvimento das forças produtivas no
capitalismo agrário.
Nestes casos, a recampesinização promovida nos assentamentos
rurais vai se transformando, dialeticamente, em outra forma de
descampesinização, não provocada dessa vez pelo contato direto
com o capitalismo agrário, mas pela mediação coletivista das
instâncias de organização político-econômicas dos assentamentos
rurais de reforma agrária no Brasil, especificamente aqueles

246
coordenados ou influenciados politicamente pelo MST/La Via
Campesina.
O MST, A FRENTE POPULAR E O AGRONEGÓCIO NO
BRASIL: AMPLIAÇÃO DA REFORMA AGRÁRIA OU
ESTRUTURAÇÃO SOCIOECONÔMICA DOS
ASSENTAMENTOS RURAIS?
A partir de 2003, o Estado brasileiro passa a ser governado por um
regime político de frente popular. O MST apoiou decididamente a
eleição deste governo e criou a expectativa de que a reforma agrária,
já existente legalmente, ampliasse em cerca de um milhão de
famílias o número de trabalhadores, de origem camponesa
expropriada, nos assentamentos rurais.
As ocupações de fazendas do latifúndio e de empresas consideradas
improdutivas multiplicaram-se enormemente no primeiro ano do
novo governo. Além disso, o MST fez a indicação do presidente do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA –
no que despertou a contrariedade de setores do empresariado agrário
brasileiro.
A reação das frações de classe controladoras da exploração do
trabalho abstrato no campo – latifundiários e empresários
agroindustriais – foi radical e violenta, com resistência física às
ocupações e acampamentos do MST.
O governo federal da frente popular passou a tentar moderar a
situação, cedendo à classe exploradora do trabalho abstrato, ao
recuar da indicação do presidente do INCRA, o que sinalizou para o
MST que o governo eleito não se comprometeria, de forma tão
incisiva, com as metas de reforma agrária do Movimento que o
apoiara eleitoralmente. Daí para frente, o MST e o governo federal
mantiveram o diálogo sobre a reforma agrária, mas os números de
novos assentados, ao fim do primeiro governo da frente popular,
eram menos expressivos do que aqueles ostentados pelos governos
neoliberais imediatamente anteriores (OLIVEIRA, 2006).
O MST continuou apoiando politicamente os governos da frente
popular, mesmo com a reforma agrária praticamente estagnada em
termos numéricos. A contrapartida do governo federal ao não
incremento das desapropriações, para fins de reforma agrária, foi a
instituição de mecanismos de acesso a crédito rural e a geração de
247
um mercado consumidor para a produção emanada dos
assentamentos já existentes no país.
A ação governamental foi recebida pelo MST como uma espécie de
política compensatória, qualitativa, para a estruturação dos
assentamentos existentes. Um fato que chama a atenção e aponta
para esta interpretação é a continuidade do PRONAF e não a
retomada do PROCERA durante o regime político da frente
popular.
A crise do sistema de cooperativas de produção do MST, em nível
nacional, antecedeu, como registrado neste texto, a supressão do
PROCERA e sua substituição pelo PRONAF. Este é um dado
essencial para que se compreenda porque o MST não pressionou o
governo federal por uma política mais agressiva de implantação de
novos assentamentos rurais.
Na realidade, os assentamentos do MST, diante da crise do sistema
cooperativista, corriam o risco de desestruturação político-
econômica. Os dirigentes do MST provavelmente avaliaram que
uma política econômico-financeira do Estado – que permitisse a
reestruturação e a estabilização dos assentamentos mais referenciais
do MST em nível nacional – supriria, naquele momento, uma lacuna
essencial na construção do Movimento enquanto principal polo de
mobilização da reforma agrária no país.
Acontece que a contrapartida governamental, em relação ao MST e
à política de assentamentos rurais no país, naquele instante, estava
atrelada às expectativas de expansão do agronegócio
agroindustrial/latifundiário no campo brasileiro.
Neste contexto, o PRONAF – e até mesmo as medidas para a
criação de mercados consumidores dos produtos agropecuários dos
assentamentos – era uma estratégia dos governos da frente popular
para aproximar o projeto de reforma agrária do agronegócio
industrial latifundiário mercantilista, produtivista.
Os governos da frente popular no Brasil, de 2003 em diante,
esforçaram-se para garantir a continuidade da reforma agrária,
mesmo que fosse como um apêndice do desenvolvimento das forças
produtivas do capitalismo agrário capitaneado, naquela altura, pelo
agronegócio capitalista exportador, responsável por grande parte das
divisas internacionais do país.
248
O MST, ao mesmo tempo em que criticava e denunciava o
agronegócio, resignava-se a esta situação – devido às contrapartidas
econômicas de sustentação dos assentamentos e aos compromissos
político-ideológicos com os governos da frente popular, tais como
manter-se politicamente fiel às diretrizes advindas das políticas
governamentais para a agropecuária brasileira.
A decorrência disso foi que o MST e, consequentemente, a Via
Campesina no Brasil, acataram as deliberações governamentais no
sentido de inserir os assentamentos rurais no processo histórico
capitalista de desenvolvimento agrário, tendo que tolerar, portanto,
a convivência com as instituições do agronegócio no país.
MST/LVC NO BRASIL: REFLUXO POLÍTICO-
ORGANIZATIVO DOS TRABALHADORES RURAIS OU
PARALISIA DA LUTA DE CLASSES CONTRA O
AGRONEGÓCIO EXPROPRIADOR DO TRABALHO SOCIAL
ABSTRATO?
O discurso político das lideranças nacionais do MST/LVC no Brasil
– no sentido de que os trabalhadores rurais estavam em refluxo
político-organizativo (FERNANDES, 2011) – reflete, a meu ver, a
postura destes dirigentes diante da situação imposta pela
intervenção dos governos da frente popular nos rumos da reforma
agrária brasileira. O que deve ser analisado é até que ponto este
refluxo, se é que ele realmente ocorria, não seria causado, nos
assentamentos rurais, sob a influência política do MST, pelo
congelamento da luta de classes no campo.
A paralisia da luta de classes, a meu ver, derivaria da
subsunção formal e real do trabalho ao capital agrário nos
assentamentos rurais. A luta de classes no campo brasileiro, com
base na concepção teórica que subsidia este texto, somente poderia
ser viabilizada se fosse gerada nos assentamentos uma disposição de
enfrentamento ao agronegócio em termos
sociopolítico/econômico/cultural/ambiental. Isto é, a luta de classes
deveria objetivar a denúncia e a consequente resistência superadora
da imposição do “mais- trabalho” social, de caráter abstrato, pelo
capitalismo agrário aos assentados rurais.
Ao longo dos governos da frente popular (2003-2015) o que se vê
nos assentamentos é a tentativa de consolidar e ampliar o trabalho
249
social dos assentados, em prol da expansão do capitalismo agrário já
então capitaneado pelo agronegócio exportador.
Todas as frações de classes nos assentamentos passaram a atuar na
direção de intensificar, e não de reduzir, o ritmo do trabalho social
ali empregado. As políticas públicas dos governos da frente popular
apontavam no sentido de escancarar os assentamentos à
mercantilização plena da atividade produtiva, de viés produtivista,
no sentido de alcançar a máxima produtividade na geração de bens
agropecuários.
Em tais condições, a luta de classes já não mais fazia sentido nos
assentamentos. Um fator da imersão absoluta dos assentamentos
rurais no processo histórico capitalista agrário era a caracterização
do crédito público. O PRONAF, pela própria nomenclatura, estava
destinado à agricultura familiar e não ao campesinato, que havia
desaparecido das políticas governamentais para os assentamentos.
ASSENTADOS RURAIS, AGRICULTORES FAMILIARES E A
FUNÇÃO SOCIAL DA TERRA
Os assentados rurais de reforma agrária, em geral, passaram a ser
tratados como agricultores familiares. Sabe-se que a agricultura
familiar no Brasil possui uma “genética” pequeno-burguesa de
adaptação indissociável à burguesia agrária, no contexto do
processo histórico de desenvolvimento rural brasileiro.
A agricultura familiar, no Brasil, independentemente da extensão de
suas terras ou da escala de produção é uma fração de classe, de base
familiar, do capitalismo agrário. Se os assentados rurais da reforma
agrária acessam o mesmo sistema de crédito e de alcance a
mercados que a agricultura familiar pequeno-burguesa, o que os
diferencia desta – que justificaria a retomada da luta de classes –
como fração de classe de enfrentamento ao agronegócio?
O que diferencia os assentados de reforma agrária, em geral, da
agricultura familiar de mercado – conectada por cadeias produtivas
e assalariamento de mão de obra agropecuária, ao capitalismo
agrário e ao trabalho social abstrato – é o preceito constitucional da
função social da terra nos assentamentos de reforma agrária.
O que amplia – ou deveria ampliar – esta diferenciação no caso dos
assentamentos coordenados pelo MST é a territorialização e a
espacialização do Movimento pelo país. O MST possui todos os
250
requisitos suficientes e necessários para fazer frente ao capitalismo
agrário nos territórios e espaços de reforma agrária, nos quais
exerce influência político-organizativa.
A questão que se coloca é por que o MST não se comporta
politicamente como quem se identifique, enquanto movimento
social, com a causa da recampesinização dos assentamentos? Para o
MST, os assentados rurais são todos camponeses, para os quais deve
ser oferecida a possibilidade de exercer atividades produtivas de
caráter coletivo e onde a coletivização dos meios de produção deve
ser estimulada, mesmo em condições de brusca guinada de
orientação tecnológica da produção e distribuição agropecuárias.

Parte 11

REFORMA AGRÁRIA POPULAR DO MST/LVC:


AGROINDUSTRIALIZAÇÃO PELA VIA DA
COLETIVIZAÇÃO COOPERATIVISTA DA
PRODUÇÃO/DISTRIBUIÇÃO NOS ASSENTAMENTOS

No final da primeira década do século XXI, o MST/La Via


Campesina do Brasil definiu-se pelo que denominou de Reforma
Agrária Popular (STÉDILE, 2011; PINTO, 2015, p. 294- 21). Isto
seria uma reorientação política indicada para sua militância no
contexto legal da mesma reforma agrária oficialmente existente até
então.
Mantidas a função social da terra – que inibe, na prática, a
transformação do camponês assentado em agricultor familiar de
251
mercado –, a territorialização e a espacialização do Movimento em
nível nacional, o MST anunciava uma espécie de renúncia à política
de luta por mais terra para a reforma agrária.
Dali para frente o que importava era a consolidação dos
assentamentos existentes além, é claro, da viabilização de
assentamentos em áreas de acampamentos não regularizados
fundiariamente, no âmbito da reforma agrária estatal legalmente
existente.
Três princípios políticos deveriam nortear os rumos da reforma
agrária na ótica do MST: a agroindustrialização, a cooperativização
e a agroecologização dos assentamentos rurais. Para consumar este
tipo de proposta o MST deveria necessariamente estimular a
coletivização da base camponesa, insistindo na política de
proletarização não assalariada da força de trabalho nos
assentamentos.
Não existe agroindustrialização, dentro ou fora das práticas
assalariadas capitalistas agrárias, que não seja de uma forma ou de
outra, proletarizante da força de trabalho envolvida. No caso de uma
situação de não assalariamento da força de trabalho, a alternativa
restante seria a cooperativização coletivista da mesma.
COOPERATIVAS DE PRODUÇÃO AGROPECUÁRIAS
INDUSTRIAIS DO MST/LVC NO BRASIL: CADEIAS
PRODUTIVAS DO AGRONEGÓCIO E
MATRIZ AGROECOLÓGICA DE TECNOLOGIA DA
PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA
Esta prática faria o MST voltar a insistir no modelo, questionado
anteriormente por camadas dos próprios assentados, de cooperativas
de produção agropecuárias industriais nos assentamentos e no
escoamento da produção em cadeias produtivas, direta ou
indiretamente vinculadas ao agronegócio capitalista.
A diferença observada pela direção política nacional do MST/LVC,
em relação à experiência anterior, não tão bem-sucedida entre os
assentados de base social camponesa é que a “nova” proposta de
agroindustrialização cooperativista seria implementada a partir da
introdução de uma matriz tecnológica da produção agropecuária,
radicalmente distinta da anteriormente utilizada.

252
A agroecologização tecnológica preveniria, por si só, o descontrole
dos assentados em relação aos meios de produção utilizados. Isto é,
no caso das sementes, por exemplo, elas seriam produzidas de
forma agroecológica – através de bancos de sementes nativas ou da
produção de sementes orgânicas pelos próprios assentados.
O uso de sementes, não produzidas nem controladas pelas empresas
transnacionais do agronegócio internacional capitalista, seria a
prevenção para que os assentados não fossem inteiramente
incorporados ao mercado capitalista de produção/distribuição
agropecuários – tal qual já ocorria com a agricultura familiar em
geral no Brasil.
O que se pode questionar neste raciocínio é a contradição causada, a
meu ver, por um vício de origem interpretativo acerca do caráter da
agroecologia como matriz tecnológica da produção. A interpretação
da noção de agroecologia a qual estou utilizando teoricamente neste
texto, não se restringe ao conteúdo tecnológico agronômico do
conceito em formação. A contradição que eu aponto na premissa
utilizada pelo MST, na postulação da reforma agrária popular é o
fato da agroecologia ser limitada – e drasticamente reduzida em seu
alcance efetivo – a uma matriz tecnológica de produção
agropecuária.
AGROECOLOGIA: MATRIZ TECNOLÓGICA DA PRODUÇÃO
AGROPECUÁRIA OU CRÍTICA À
AGROINDUSTRIALIZAÇÃO CAPITALISTA
ASSALARIADA/COOPERATIVISTA COLETIVISTA?
A concepção agroecológica que utilizo neste texto rejeita a
agroindustrialização capitalista assalariada e a agroindustrialização
cooperativista coletivista. Para a agroecologia, enquanto crítica da
produção destrutiva do ambiente natural que interfere
negativamente nos ciclos de retroalimentação de energia e materiais
dos agroecossistemas metabólicos, qualquer forma de
agroindustrialização deve ser inteiramente questionada.
O que o MST demonstra entender pela noção de agroecologia é a
utilização de tipos de tecnologias não convencionais também
designadas como ecológicas agrárias. Assim sendo, a proposta da
reforma agrária popular do MST para os assentamentos rurais é uma
retomada da tão criticada coletivização cooperativista
253
agroindustrial, agora sob o controle econômico-ambiental, do ponto
de vista tecnológico, dos assentados rurais.
Ao invés da coletivização tecnologicamente apoiada na utilização
de insumos químicos e sementes geneticamente modificadas –
produzidas e distribuídas por laboratórios do agronegócio capitalista
internacional – o MST aponta para uma transição agroecológica no
sentido de incentivar a coletivização, tecnologicamente calcada em
métodos alternativos aos agrotóxicos e aos organismos
geneticamente modificados.
A grande questão desta inversão de valores tecnológicos é que isto
ocorre em uma situação de descampesinização, com a retomada da
perspectiva, já tão autocriticada pelo próprio Movimento e
eventualmente abandonada – ou de fato, como se percebe,
temporariamente substituída nos assentamentos rurais do MST: a da
coletivização cooperativista da produção e distribuição
agropecuárias.
Parece que o controle político-organizativo da utilização de
sementes nos assentamentos do MST/LVC do Brasil é o que
efetivamente norteia o estímulo à passagem para a produção e
distribuição agropecuária de caráter agroecológico.
MODELO PRODUTIVISTA/COLETIVISTA – DE MERCADO –
DA REFORMA AGRÁRIA POPULAR DO MST/LVC NO
BRASIL: INSERÇÃO NO PROCESSO HISTÓRICO
CAPITALISTA AGRÁRIO DE DESENVOLVIMENTO DAS
FORÇAS PRODUTIVAS
A concepção de luta de classes do MST/LVCB, proveniente da
atitude de enfrentamento político-tecnológico com o grande
agronegócio capitalista, não rompe, ao contrário acentua, a
dependência dos assentamentos à política mais ampla do
capitalismo agrário, a qual se apoia na imposição do trabalho social
abstrato, materializado na produtividade mercantilista, a “todo o
vapor”.
A proletarização coletivista dos assentamentos é ainda mais
restritiva do que o escopo representado pelo trabalho abstrato nas
unidades de produção familiar de base camponesa, nas quais o
trabalho social é obtido dos trabalhadores através da
subsunção formal do trabalho ao capital agrário.
254
Nos assentamentos coletivamente proletarizados, as
subsunções formal e real se confundem no esforço produtivista dos
trabalhadores coletivizados e na busca por lucro de mercado,
proveniente da distribuição mercadológica ampla e indiferenciada
da produção – mesmo sob as condições tecnológicas de produção
baseadas na agropecuária não convencional, de base ecológica – que
vai ser finalizado nos circuitos longos de produção/distribuição do
capitalismo agrário.
Assim sendo, o modelo produtivista/coletivista, de mercado,
adotado nos assentamentos rurais do MST/LVCB, a partir da
reforma agrária popular, enquadra-se perfeitamente no processo
histórico capitalista agrário de desenvolvimento das forças
produtivas no campo. Os assentamentos rurais, supostamente
constituídos por camponeses, passam pela descampesinização
provocada por fatores relacionados ao coletivismo cooperativista da
produção, visando implantar a agroindústria.
A base tecnológica que, dentre outras características, visaria a
preservar o controle das sementes para a produção – frente à ameaça
da perda de controle político-econômico para as grandes empresas
multinacionais do agronegócio internacional –, não pode ser
confundida com a proposta de estruturação agroecológica dos
assentamentos.
TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA EM ASSENTAMENTOS
RURAIS DE REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL;
RECAMPESINIZAÇÃO PRODUTIVA OU
AGROINDUSTRIALIZAÇÃO?
Para que um assentamento rural de reforma agrária no Brasil possa
ser considerado em transição sociotécnica para a agroecologia é
absolutamente necessário que esteja em curso uma transição política
para a recampesinização dos assentamentos e não o contrário.
A transição agroecológica, encarada como transformação
tecnológica, stricto sensu, ocorre no âmbito do processo histórico
capitalista agrário. Qualquer agroindustrialização é frontalmente
antiagroecológica. Em termos tecnológicos, ela acaba por levar ao
bloqueio inevitável do ciclo metabólico de energia e materiais no
agro, fazendo com que os dejetos excretáveis causados pela
transformação, consumo e distribuição mercadológicos, supere a
255
capacidade de regeneração metabólica do agroecossistema em
questão.
Do ponto de vista social, a agroindustrialização é anti
agroecológica, pois desestimula a recampesinização nos
assentamentos pela adoção da forma político-organizativa
cooperativista coletivista. A produtividade a ser alcançada pela via
da agroindustrialização de mercado, ainda que se realize sob a base
tecnológica não convencional, alternativa, enquadra-se na premissa
de continuidade indefinida do “mais-trabalho” social e não da
redução acentuada e continuada deste tipo de trabalho.
Enfatizo que a luta de classes no campo fica atenuada, senão
paralisada, quando não há o confronto entre frações de diferentes
classes sociais que se enfrentam para ampliar ou atenuar a
intensidade do trabalho social, de caráter abstrato.
AGROINDUSTRIALIZAÇÃO COOPERATIVISTA
COLETIVISTA EM ASSENTAMENTOS RURAIS DO
MST/LVC: LUTA DE CLASSES CONTRA O “MAIS-
TRABALHO” SOCIAL ABSTRATO OU ENFRENTAMENTO
POLÍTICO ENTRE FRAÇÕES DA MESMA CLASSE SOCIAL
PRODUTIVISTA – DE MERCADO?
No caso da agroindustrialização cooperativista coletivista – nos
assentamentos rurais com tal perfil sócio-organizativo – a luta de
classes fica restrita ao enfrentamento entre frações de uma mesma
classe social, pois todos os lados em disputa convergem para a
ampliação produtivista, de mercado, do trabalho social abstrato.
Em síntese, a maneira atual de conceber a reforma agrária em
assentamentos rurais, por parte do MST/LVCB constitui-se, a meu
ver, em um retrocesso na luta de classes contra a expansão e
prolongamento do trabalho social abstrato nos assentamentos rurais.
RECAMPESINIZAÇÃO EM ASSENTAMENTOS RURAIS DE
REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL: DA CAMPESINIDADE
TRADICIONAL À COOPERAÇÃO ASSOCIATIVA PELA
FUNÇÃO SOCIAL DA TERRA; TRANSIÇÃO SOCIOTÉCNICA
AGROECOLÓGICA PARA O ENFRENTAMENTO DE CLASSE
COM O TRABALHO SOCIAL ABSTRATO
PRODUTIVISTA/MERCANTIL

256
Por outro lado, é inegável que a recampesinização incondicional dos
assentamentos rurais no Brasil também acarretaria riscos de ordem
social, política e econômica. Já mencionei o fato de que os
camponeses tradicionais operam, produtiva e distributivamente, em
condições nas quais o trabalho realizado não possui,
necessariamente, perfil social, na medida em que este trabalho
camponês tradicional – a-histórico – volta-se prioritariamente para
os seus núcleos intra e interfamiliares.
A produção pode até vir a ser distribuída para além dos referidos
núcleos, mas esta não é uma condição sine qua non da atividade
camponesa. Nestes casos, portanto, a função social da terra não é
um atributo inerente à campesinidade tradicional.
Assim sendo, quando me refiro à recampesinização em
assentamentos rurais de reforma agrária no Brasil, estou
considerando que esta recampesinização contém um aspecto que
está ausente, a priori, no campesinato tradicional: o associativismo.
A recampesinização associativa seria o contraponto, nos
assentamentos, à descampesinização coletivista cooperativista. A
cooperação associativa é o caminho agroecológico da ruptura
sociotecnológica com os princípios produtivistas mercantis, que são
os pilares do trabalho abstrato.
A cooperação camponesa associativa, nos assentamentos, incorpora
sempre o trabalho social, mas visa a se distanciar, ainda que de
forma transitória, do caráter abstrato deste trabalho. Neste sentido, a
recampesinização associativa restauraria as condições históricas
para a luta de classes no campo, representada por frações
específicas de classes sociais em oposição, e possível confronto.
Uma questão que poderia ser arguida seria: até que ponto a
recampesinização associativa estimula o desenvolvimento das
forças produtivas no agro? Historicamente, os assentamentos rurais
de reforma agrária no Brasil, desde a formação do MST em meados
da década de 1980, e mais especificamente até o final da década
seguinte, passaram pela territorialização e espacialização, obtidas
pelo MST, posteriormente com a adesão da Via Campesina – desde
sua imbricação com o próprio MST, em meados da década de 1990,
como já referido no texto.

257
DESENVOLVIMENTO DAS FORÇAS PRODUTIVAS NO
AGRO BRASILEIRO: REDIMENSIONAMENTO E
READEQUAÇÃO DO CONCEITO DE MARX PARA A
SITUAÇÃO HISTÓRICA DA REFORMA AGRÁRIA
BRASILEIRA DO SÉCULO XXI: A QUESTÃO DA PRODUÇÃO
DESTRUTIVA
Se se considera que a interpretação de Marx, acerca da noção de
forças produtivas inclui o trabalho associado, as tecnologias mais
avançadas, a divisão social do trabalho – e, até a sua época, o capital
agrário e o assalariamento que este impunha ao trabalho social
abstrato do proletariado rural de então – é necessário redimensionar
este conceito.
Estou partindo do pressuposto, antevisto por Marx, como já
abordado na parte teórica deste texto, que o capitalismo agrário
executa uma produção destrutiva. Isso significa que o
desenvolvimento das forças produtivas no processo histórico
capitalista agrário tornou-se inexoravelmente destrutivo.
Este tipo de desenvolvimento rural, baseado na agroindústria e no
agronegócio, concentradores de capital é, em primeiro lugar,
autodestrutivo, pois enfraquece as bases do proletariado agrário,
debilitando-o como agente central da reprodução ampliada do
capitalismo agrário.
O capitalismo agrário, como já assinalado, incorporou outras
frações de classe ao seu conjunto de classe social no campo. O
trabalho social abstrato não mais se restringe à subsunção real do
trabalho ao capital agrário.
As tecnologias, como enfatizado diversas vezes neste texto,
adaptam-se sejam elas quais forem – desde as absolutamente
convencionais ao capital agrário, até as mais ecologicamente
alternativas – à produção, com base no trabalho abstrato, conduzida
pelas frações de classe do capitalismo agrário, e imposta às frações
de classe dos trabalhadores agrários.
A divisão social do trabalho no campo alterou-se substancialmente
com a ampliação do escopo produtivo/tecnológico de reprodução do
capital. Passou-se do binômio capitalista agrário/proletário rural,
para outras formas de organização socioeconômicas, culturais,
políticas e ambientais.
258
Como estou assinalando neste texto, identifico variações
associativas de origens camponesas incorporando-se ao
desenvolvimento das forças produtivas no campo, de forma
potencialmente desestabilizadora para o indefinido prosseguimento
da organização clássica do capitalismo no agro.
O processo histórico capitalista agrário, dialeticamente se auto
deteriora com a perda de centralidade do proletariado rural – ainda
que encontre soluções para se reproduzir sob outras formas de
divisão social do trabalho agrário – e destrói a natureza
exteriorizada enquanto condição inorgânica de existência da
humanidade, na ânsia da lucratividade produtivista, de mercado, que
leva ao paroxismo o trabalho social abstrato no campo.
No contexto teórico exposto, a reforma agrária popular, reivindicada
pelo MST, carece da compreensão pela qual a coletivização dos
meios de produção nos assentamentos rurais afasta os camponeses
assentados da luta de classes pela redução sistemática do trabalho
social, de caráter abstrato, que lhes é imposto no decorrer do
processo histórico capitalista agrário no Brasil.
A cooperativização agroindustrial, contida na proposta de reforma
agrária popular do MST, ao invés de capacitar o campesinato
assentado para o enfrentamento de classe com a mercantilização
produtivista – típica da imposição do trabalho social abstrato pelo
capitalismo agrário às frações de classe do campo a ele submetidas
– o desabilita para este confronto.
A aparente presunção pela qual a proletarização dos camponeses
seja um elemento de estímulo à luta de classes no campo, conduz o
MST a adotar esta linha de pensamento e ação nos assentamentos
sob a sua influência político-organizativa. Ao contrário disso, as
cooperativas de produção coletivistas, dirigidas a mercados de
transformação e distribuição capitalistas, atuam no sentido de
estimular a máxima produtividade agropecuária dos assentados.
Tanto a mercantilização quanto o produtivismo são elementos
constitutivos do trabalho social abstrato no campo, e não a sua
crítica. Os assentamentos que assim procedem assumem o risco de
tornarem-se correias de transmissão do capitalismo agrário em seu
interior.

259
A noção pela qual o desenvolvimento das forças produtivas no
campo passa necessariamente pela proletarização e tecnologização
em ambientes de mercantilização e produtivismo não avalia
devidamente o impacto destes procedimentos na retração da luta de
classes contra a imposição do “mais-trabalho” – pelo capitalismo
agrário – aos assentados rurais.
ASSENTAMENTOS RURAIS DE REFORMA AGRÁRIA NO
BRASIL: DA PROLETARIZAÇÃO DA BASE SOCIAL
CAMPONESA À RECAMPESINIZAÇÃO ASSOCIATIVA NÃO
PROLETÁRIA; A FUNÇÃO SOCIAL DA TERRA NO
DESENVOLVIMENTO DAS FORÇAS PRODUTIVAS NO
CAMPO
Nos assentamentos rurais de reforma agrária no Brasil, em geral,
predominam contingentes sociais oriundos do campesinato posseiro,
parceiro e arrendatário, como anteriormente mencionado no texto.
Ocorre que este campesinato, quando se torna assentado, sofre
modificações em sua essência social.
A base social camponesa dos assentamentos desloca-se para funções
econômico-produtivas o que a aproxima de outras categorias
agrárias. A proletarização camponesa, pela via da coletivização
cooperativista, é um exemplo.
Os camponeses proletários são instados a exercerem atividades
capazes de garantir a mais elevada produtividade, visando o
escoamento da produção em mercados consumidores capitalistas
agrários e, eventualmente, urbanos.
Há casos, também, que analisarei mais adiante neste texto, nos quais
os camponeses mantêm-se como grupos familiares voltados para a
sua própria reprodução social, como o faziam antes de ingressar nos
assentamentos. Em outras situações, a condição camponesa se dilui,
e até certo ponto se atenua, na forma do associativismo não
cooperativo, coletivista ou proletário.
No último caso mencionado acima, os camponeses permanecem
como produtores, atuando no limite econômico-social do processo
histórico capitalista agrário, sem ingressar inteiramente nele. Estes
camponeses tendem a tornarem-se produtores associados entre si,
mas, sobretudo, diferenciam-se dos camponeses estritamente
familiares pelo exercício da função social da terra.
260
Eles produzem para além de seus núcleos familiares, constituindo
espaços de produção, consumo e distribuição voltados para a
ampliação de suas redes de abrangência. Nestes casos, os assentados
em questão não se integram efetivamente ao processo histórico
capitalista agrário, pois sua atividade produtiva tangencia as
exigências do trabalho abstrato – pelas quais a mercantilização
produtivista agropecuária é uma imposição absoluta do capitalismo
agrário aos assentados – no interior dos próprios assentamentos.
Assim sendo, entre os assentados camponeses associados seria
possível vislumbrar um caminho alternativo ao do processo
histórico capitalista agrário no Brasil. Esta via camponesa associada
representaria, nos assentamentos do MST/LVC, a possibilidade de
outro encaminhamento para o desenvolvimento das forças
produtivas no campo brasileiro: aquele que não contivesse as
características da produção destrutiva, as quais acompanham
inevitavelmente o processo histórico capitalista agrário.
ASSENTAMENTOS RURAIS DO MST/LVC NO BRASIL E AS
PERSPECTIVAS DE TRANSIÇÃO SOCIOTÉCNICA PARA
ALÉM DO CAPITALISMO AGRÁRIO: FUNÇÃO SOCIAL DA
TERRA, TERRITORIALIZAÇÃO E ESPACIALIZAÇÃO
Por que eu me refiro especificamente aos assentamentos dirigidos
ou influenciados pelo MST/LVC no Brasil? Porque somente os
assentamentos rurais do MST/LVC, desde o final da década de
1990, possuem três características necessárias e suficientes para
promover a transição sociotécnica em direção à formatação de
agroecossistemas agroecológicos – caracterizados pelo livre fluxo
metabólico de energia e materiais – sob as condições de redução
sistemática do trabalho social, de caráter abstrato, visando a
constante superação da dependência estrutural frente à
mercantilização produtivista, típica do capitalismo agrário. As
referidas características são as seguintes: não propriedade jurídica
individual ou coletivista sobre a terra, garantida pela determinação
da função social da terra nos assentamentos rurais de reforma
agrária – exigência legal/constitucional para todos os assentamentos
de reforma agrária no Brasil; territorialização dos trabalhadores
rurais em assentamentos do MST; espacialização dos assentamentos
rurais do MST por todas as regiões do país.
261
Estes três requisitos fazem dos assentamentos do MST/LVC nichos
de organização capazes de gerar as condições essenciais para o
enfrentamento de classe contra a imposição do “mais-trabalho”
social abstrato, produtivista/mercantil, aos trabalhadores assentados
de origem social camponesa.
ASSENTAMENTOS RURAIS DO MST/LVC NO BRASIL:
REFORMA AGRÁRIA POPULAR;
AGROINDUSTRIALIZAÇÃO COOPERATIVISTA
COLETIVISTA; PROLETARIZAÇÃO CAMPONESA; NÃO
ENFRENTAMENTO AO TRABALHO ABSTRATO IMPOSTO
PELO AGRONEGÓCIO; NÃO AGROECOLOGIZAÇÃO DOS
AGROECOSSISTEMAS
Na realidade, o MST/LVC dispõe das condições objetivas de
direcionar a luta de classes no campo para o questionamento
político do agronegócio. Ocorre que a bandeira da reforma agrária
popular – ao retomar a agroindustrialização cooperativista, de
concepção coletivista, nos assentamentos dirigidos pelo MST/LVC
–, afasta-se da perspectiva agroecológica, mesmo propondo a
utilização de tecnologias de base ecológico-ambientais.
Volto a frisar, para ser enfático neste tema, que o estímulo à
agroindustrialização, pela via das cooperativas de produção
coletivistas, submete os produtores assentados às normas vigentes
no agronegócio capitalista, pelas quais predomina e se reproduz o
trabalho social abstrato mercantil/produtivista.
A proletarização camponesa, resultante da agroindustrialização,
impõe aos assentados da reforma agrária a subsunção formal de seu
trabalho social abstrato ao capitalismo agrário. Nestas condições, os
agroecossistemas em questão não adquirem o perfil agroecológico,
pois tendem necessariamente a bloquear o fluxo metabólico de
energia e materiais em seu interior.
Mais uma vez enuncia-se o postulado que orienta teoricamente este
texto: a forma do trabalho sempre condiciona, dialeticamente, a
tecnologia correspondente. A reforma agrária popular comete o
equívoco de contrariar esta premissa, oriunda da obra de Marx, ao
considerar que a tecnologia não convencional, em transição para os
métodos ecológico-ambientais da produção agropecuária, por si só,
previne as mazelas ecológicas provocadas pela agroindustrialização.
262
O que ocorre aqui é uma inversão de valores: é como se as
tecnologias ecologicamente aceitáveis eliminassem o caráter
destrutivo, social e ambientalmente, da produção agroindustrial
produtivista/mercantil. Ao contrário das premissas contidas na
noção política de reforma agrária popular do MST/LVC, as
tecnologias ditas agroecológicas – submetidas ao trabalho social
abstrato praticado em condições de produção agroindustrial nos
assentamentos – contribuem para a reprodução contínua e indefinida
das formas de acumulação capitalista no campo, centradas na
produção destrutiva.
A alternativa agroecológica, de base camponesa, nos assentamentos
rurais, passa pela estruturação – objetivamente possível, conforme
demonstrado neste texto – do associativismo de base camponesa nos
assentamentos, o que necessita ser precedido da descoletivização
dos meios de produção.
Isto redundaria na crítica agroecológica da organização coletivista
cooperativista, agroindustrial, que é o cerne da reprodução do
trabalho social abstrato, de caráter mercantil/produtivista, típico do
desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo agrário no
processo histórico em marcha no campo.
ASSENTAMENTOS RURAIS DO MST/LVC NO BRASIL:
CAMPONESES PROLETÁRIOS/ASSOCIADOS/NÃO
ASSOCIADOS; TRANSIÇÃO SOCIOTÉCNICA – DAS
FORMAS DE TRABALHO E DAS TECNOLOGIAS
EMPREGADAS
Reconheço, no entanto, que o redirecionamento político-
organizativo que está sendo aqui descortinado esbarra – como
poderá ser percebido concretamente nas seções deste texto sobre a
atividade produtiva em um determinado assentamento do
MST/LVC – na estreita vinculação entre as diversas formas
camponesas, vigentes nos assentamentos rurais em geral, o que leva
a sobreposições, na prática, entre assentados camponeses
proletários, associados e não associados.
Isto significa que qualquer direcionamento deva ser negociado com
os assentados, levando em conta as inclinações de produção em suas
atividades de campo. Devido a esta complexidade estrutural dos
assentamentos, em função das pressões exógenas a eles, eu insisto
263
que a política para os assentados deve prever um viés de
transitoriedade sociotécnica.
A convergência entre a forma de trabalho que implique uma
resistência efetiva, de classe, à prática do trabalho social abstrato
nos assentamentos, com as tecnologias correspondentes – capazes
de permitir o livre fluxo agroecológico de energia e materiais nos
agroecossistemas dos assentamentos –, depende do
redirecionamento do desenvolvimento das forças produtivas nos
assentamentos, com o objetivo de superar as limitações a elas
impostas pelo processo histórico capitalista agrário.
A REFORMA AGRÁRIA BRASILEIRA NO CONTEXTO DO
DESENVOLVIMENTO DAS FORÇAS PRODUTIVAS NO
PROCESSO HISTÓRICO CAPITALISTA AGRÁRIO:
TRANSIÇÃO SOCIOTÉCNICA NOS SISTEMAS
METABÓLICOS AGROAMBIENTAIS DE ASSENTAMENTOS
RURAIS NO SÉCULO XXI; REPROLETARIZAÇÃO
DESCAMPESINIZADORA E TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA
O desenvolvimento das forças produtivas, pela definição de Marx,
em processo histórico capitalista agrário, ou alternativo, depende
como já assinalado da associação entre trabalhadores rurais,
tecnologias adequadas ao desenvolvimento da produção, divisão
social do trabalho – capitalista agrária ou alternativa – e acumulação
de capital agrário, ou alguma forma não capitalista de estruturação
produtiva.
O objetivo de Marx seria apontar para a superação do capitalismo
agrário a partir do pleno desenvolvimento das forças produtivas no
campo. A constatação, pelo próprio Marx, como demonstrado neste
texto, pela qual a tendência do capitalismo agrário seria a de
conduzir a produção agropecuária à elevação cada vez mais
acentuada da falha metabólica entre humanidade e natureza, permite
avaliar que a tendência do processo histórico capitalista agrário
seria a de atingir níveis de destruição produtiva cada vez mais
intensos.
A agroecologia – enquanto alternativa ecológico-ambiental ao
capitalismo agrário – é uma decorrência da crítica ao caráter
metabolicamente objetivo da produção destrutiva causada pela

264
permanência, temporalmente indefinida, do capitalismo agrário
como processo histórico único e absoluto de desenvolvimento rural.
Recapitulando, o processo histórico capitalista agrário, no Brasil das
últimas quatro décadas, pelo menos, passa a ser integrado pelo
contingente social formado por trabalhadores sem-terra. Os não
juridicamente proprietários de terra ou estariam à margem do
processo histórico capitalista agrário – como os posseiros rurais
camponeses – ou se distribuiriam, fora do campo, em periferias
urbanas dos grandes centros metropolitanos.
Na década de 1980, imediatamente antes e logo depois da
promulgação da Constituição Federal de 1988, a luta política pela
reforma agrária obteve avanços significativos no país, permitindo a
reincorporação ao campo de numerosas famílias de trabalhadores
sem-terra, abrigando posseiros camponeses em suas fileiras.
A reforma agrária, capitaneada por movimentos sociais agrários,
notadamente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra,
MST, teve como efeito a incorporação de grandes massas de
produtores rurais ao processo histórico capitalista agrário no Brasil.
As organizações sociopolíticas do campo, mais especificamente no
caso do MST, direcionaram nas décadas de 1980 e 90 o
desenvolvimento das forças produtivas agrárias em suas áreas de
gestão – os acampamentos e assentamentos de reforma agrária –
para uma espécie de tentativa de reproletarização dos trabalhadores
rurais.
A função social da terra foi politicamente interpretada no sentido de
que os produtores rurais inseridos nos projetos de reforma agrária se
estruturassem, não como proprietários de terra capitalizados, nem
como posseiros camponeses, mas como trabalhadores rurais
coletivizados em torno de cooperativas de produção agropecuária –
dirigidas politicamente pelas organizações sociais que viabilizavam
legalmente o acesso destes trabalhadores ao espaço agrário
produtivo e, em última análise à própria terra, de fato. A
reproletarização não significava que o trabalho destes proletários
agrários seria assalariado, mas que eles seriam remunerados
cooperativamente, de forma a mais equitativa possível, pela sua
produção.

265
Qual, porém, o destino desta produção? Indiscutivelmente, o
mercado de bens de consumo capitalista. Assim sendo, a
coletivização por cooperativas de produção deveria inserir os
trabalhadores reproletarizados no mercado capitalista,
aprofundando, através desta inserção, a mercantilização da força de
trabalho agrária das áreas reformadas.
Assim sendo, o trabalho assalariado do proletariado rural clássico
seria ressignificado no caso da reinserção dos trabalhadores sem-
terra na atividade produtiva agrária em assentamentos rurais no
Brasil, nas duas últimas décadas do século passado.
Paralelamente, as apropriações privadas de terra, no âmbito do
processo histórico capitalista agrário das décadas de 1980 e 1990,
caracterizavam-se por um tipo de desenvolvimento das forças
produtivas, no campo brasileiro, indutor da descaracterização do
trabalho proletário agrário, no sentido de dissociá-lo das
características assalariadas que faziam com que este trabalho
proletário fosse fonte essencial e indispensável da acumulação
capitalista no campo – através da subsunção real do trabalho ao
capital agrário. No caso da reforma agrária, os assentados foram
induzidos a produzir agroindustrialmente, de forma coletivizada e
cooperativada, como já assinalei, até o final da década de 1990. A
partir de então, movimentos sociais agrários, como o MST,
passaram a difundir métodos de produção mais ecologicamente
adequados.
A introdução da agricultura ecológica levou produtores de diversos
assentamentos a produzirem sem agrotóxicos, ou a reduzir
gradativamente a sua utilização – a chamada transição
agroecológica. Em tais situações, também o maquinário foi
readequado às necessidades dos lotes de produção e das hortas no
entorno destes lotes. Em alguns casos, o maquinário foi substituído
por tração animal, ou trabalho humano diretamente aplicado ao
solo.
Em outros casos, sequer foram utilizadas máquinas nos
assentamentos, nas áreas de transformação produtiva que recorriam
a técnicas de produção orgânica, ou similares, da agricultura
ecológica. Entretanto, nem mesmo depois do incentivo político e
econômico à produção de características ecológicas não (agro)
266
industriais, os assentamentos do MST – notadamente na região
sudeste do Brasil, e particularmente no estado de São Paulo, o mais
agroindustrializado do país, como já referido – deixaram de recorrer
às técnicas da agricultura convencional não ecológica. Atividades
produtivas, baseadas na utilização de insumos e de defensivos
químicos e maquinário continuaram sendo empregadas em lavouras
e pastagens destes assentamentos. A reforma agrária no Brasil
constituiu agroecossistemas metabólicos correspondentes a cada
experiência concreta.
Nos agroecossistemas dos assentamentos rurais disseminaram-se,
produtiva e distributivamente, frações de classe sociais, criando um
mosaico socioeconômico/político/cultural/ambiental/ecológico
extremamente diversificado em termos sociais e tecnológicos.
A reforma agrária brasileira – e os atores sociais nela envolvidos –
atravessou várias etapas de articulações políticas com múltiplos
desdobramentos em relação às formas de trabalho empregadas, face
aos próprios trabalhadores envolvidos e ao ambiente natural
apropriado e modificado – ora mais intensas, ora mais moderadas.
As tecnologias adotadas tenderam a reproduzir um ritmo mais
intenso de trabalho social abstrato de 1988 a 1996, grosso modo –
revelando a ação direcionada pelo movimento social preponderante:
o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST).
Como frisado anteriormente, a partir da primeira década do século
XXI, o MST/LVC do Brasil adota nos assentamentos rurais, sob sua
influência político-administrativa, a transição agroecológica –
percebida pelo Movimento como transição para uma matriz
tecnológica de produção oposta à que vinha sendo praticada, até
então, nos assentamentos, por iniciativa
político/econômica/ambiental do próprio MST.

267
Parte 12

TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA EM ASSENTAMENTOS


RURAIS DO MST: READEQUAÇÃO DA MATRIZ
TECNOLÓGICA DE PRODUÇÃO NO “PROJETO DE
TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA” NO ASSENTAMENTO
FAZENDA PIRITUBA II

A referida etapa foi caracterizada como de transição agroecológica –


na realidade, a meu ver, uma transição tecnológica e não de caráter
sociotécnico, como caberia à situação envolvendo a agroecologia
enquanto crítica do desenvolvimento rural capitalista agrário, e suas
formas correspondentes de imposição do trabalho social abstrato
nos assentamentos.

268
Na fase daquilo que as lideranças do MST/LVC interpretavam
como transição agroecológica – readequação da matriz tecnológica
de produção –, além da militância do MST conviviam nestas áreas
de acampamentos/assentamentos de reforma agrária no Brasil, em
particular no estado de São Paulo, outros agentes
sociopolíticos/tecnológicos, tais como técnicos governamentais
voltados para a aplicação e monitoramento da aplicação da reforma
agrária; estudantes e professores de Universidades brasileiras que
auxiliavam na reestruturação agroecológica dos assentamentos –
dialogando, enquanto extensionistas rurais oficialmente acreditados,
com os acampados e assentados da reforma agrária e com os
próprios militantes políticos dos movimentos sociais; havia ainda a
participação efetiva de profissionais de organizações não-
governamentais, diretamente envolvidos na formatação organizativa
da reforma agrária como apoiadores sociopolíticos e consultores
tecnológicos. Todos estes grupos interagiam participativamente na
reelaboração de políticas de desenvolvimento rural capitalista
agrário em assentamentos, como nos casos específicos destes
assentamentos no estado de São Paulo.
Com base em toda a argumentação sustentada teoricamente neste
texto, até aqui, considero criticamente que a transição
agroecológica, em reforma agrária conduzida por movimentos
sociais territorializados e espacializados, principalmente pelo
MST/LVC do Brasil – mais especificamente em formações sociais
onde predominavam relações capitalistas de produção
agroindustriais, como no caso de assentamentos do estado de São
Paulo – não poderia se resumir a buscar alternativas ecológico-
energéticas no contexto do capitalismo agrário, mas deveria ser
situada em um ambiente sociopolítico de polarização de classes
sociais, frente à necessidade de readequação dos ritmos de trabalho
social abstrato nos modernos complexos agroindustriais.
DA TRANSIÇÃO TECNOLÓGICA À TRANSIÇÃO
SOCIOTÉCNICA EM ASSENTAMENTOS DE REFORMA
AGRÁRIA NO BRASIL: A AGROECOLOGIA COMO CRÍTICA
DA PRODUÇÃO DESTRUTIVA E DO TRABALHO AGRÁRIO
ABSTRATO

269
A transição sociotécnica deveria, então, nestas situações, se alinhar
na busca por alternativas de produção/distribuição de bens
energético-alimentares que questionassem o trabalho social abstrato,
centrado na produção de mercadorias e a sua distribuição em
circuitos longos.
Isto é, que enfrentasse a organização capitalista agrária – voltada
exclusivamente para a produtividade no campo, através da
intensificação do trabalho social, material e da inovação, ou
conservação tecnológica, funcionalmente correspondente ao
trabalho social exercido pelos assentados.
Assim, a partir da releitura que está sendo feita neste texto, da obra
de Marx, a teoria agroecológica seria confrontada com o desafio de
propor a limitação do tempo de trabalho social, sem a sua supressão
definitiva, incentivando inovações tecnológicas adaptáveis a ritmos
cada vez menos intensos de atividade produtiva/distributiva.
Este me parece ser o único caminho viável para a transição
sociotécnica visando à supressão da falha metabólica entre
humanidade e natureza. Para tanto, a teoria agroecológica
necessitaria incorporar conceitos derivados da obra de Marx.
Isto representaria a aproximação entre a agroecologia e correntes de
pensamento e ação existentes no universo agrário a ser estudado –
sob a forma da organização crítica objetiva ao desenvolvimento
destrutivo das forças produtivas da humanidade e da natureza
exteriorizada, pelo capitalismo agrário.
Estas seriam as bases, teórico-metodológicas, para a formulação, e
consequente localização, de elementos constitutivos da transição
sociotécnica entre o capitalismo agrário e novas formas de
desenvolvimento rural, cujo aparato social e tecnológico exprimisse
a superação das limitações apresentadas no processo histórico
agrário tipicamente capitalista, em termos da readequação
metabólica, tanto no sentido social, como em seus aspectos
tecnológicos.
No prolongamento deste texto, eu analisarei a instalação de
assentamentos rurais de reforma agrária no Brasil, sob a égide do
MST, especialmente no estado mais agroindustrializado do país – a
região onde se localiza o estado de São Paulo.

270
Estudarei, então, as condições de produção agropecuária e
reprodução social – vis a vis com as características sociotécnicas
agroecológicas do projeto de transição em curso – em um
determinado assentamento rural do mencionado estado federativo
brasileiro, no qual atuei como pesquisador e extensionista, no
período em que o MST/LVC aprovava, e procurava implementar, a
reforma agrária popular em seus assentamentos – no início da
segunda década do século XXI.
O PROJETO PARA A TRANSIÇÃO DA MATRIZ
TECNOLÓGICA DE PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA NO
ASSENTAMENTO DO MST/LVC FAZENDA PIRITUBA II - NO
ESTADO DE SÃO PAULO, REGIÃO SUDESTE DO BRASIL:
UMA TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA? (PROGERA, 2008;
COSTA NETO, 2009; ANEXO 1)
A autodenominada transição agroecológica se inicia no
assentamento rural Fazenda Pirituba II, situado na parte sul do
Estado de São Paulo, por iniciativa política do MST/LVC e
condução tecnológica de ONGs e instituições governamentais, no
final da primeira metade da década de 2000.
No referido período, o assentamento Fazenda Pirituba II estava
estruturado em cooperativas de produção, internas ao assentamento
– e de distribuição, que envolviam assentados e agricultores
proprietários de terra da circunvizinhança do assentamento.
As cooperativas de produção do assentamento em questão estavam
sendo operacionalizadas em áreas anexas às das moradias dos
assentados. Havia naquele momento três cooperativas de produção e
uma de comercialização – esta de caráter misto, com agricultores de
fora do assentamento, como assinalado.
Tais cooperativas possuíam sede em diferentes agrovilas,
incorporando assentados das respectivas áreas, basicamente, a não
ser no caso da cooperativa de comercialização que, pela sua própria
característica, mantinha um núcleo mais abrangente de integrantes
não se restringindo aos assentados rurais.
Desde a década de 1980, quando o assentamento começou a ser
constituído, e ao longo de toda década de 1990 até os primórdios da
primeira década de 2000, as cooperativas de produção, que iam

271
sendo formadas, recorriam a tecnologias advindas das tecno
ciências convencionais agrárias.
Isto é, orientavam-se tecnologicamente pelos princípios da
revolução verde. Assim sendo, do ponto de vista técnico-científico,
as cooperativas de produção do MST, no referido assentamento,
empregavam quase que exclusivamente métodos de produção
baseados na utilização de insumos e defensivos químicos.
As sementes híbridas eram adquiridas no mercado capitalista,
estabelecido no entorno do assentamento e que servia
primordialmente aos agricultores empresariais e/ou familiares
capitalistas, cujas escalas de produção e dimensões territoriais eram
as mais variadas.
O assentamento, portanto, antes das primeiras experiências com
a transição agroecológica reproduzia, tecnologicamente, a forma de
produzir e comercializar da agricultura do seu entorno, amplamente
voltada a atividades agroindustriais.
AS COOPERATIVAS DE PRODUÇÃO
EMPRESARIAL/COLETIVISTAS DO MST E O EXERCÍCIO DA
FUNÇÃO SOCIAL DA TERRA NO ASSENTAMENTO
FAZENDA PIRITUBA II (PIMENTEL; EID, 2000; CÂMARA;
MOTA; MARQUES; SPINOSA, 2016-2017, p. 417-443).
Do ponto de vista político-organizativo, o assentamento rural
dirigido pelo MST, durante todo o período que antecedeu o início da
conversão tecnológica da matriz produtiva, pautou-se pela gestão
tipicamente empresarial/coletivista.
O acesso jurídico-legal à terra, por parte dos assentados que se
tornavam membros das cooperativas de produção no referido
assentamento, era feito por delegação às cooperativas de produção.
A função social da terra passava a ser exercida pela cooperativa e
não pelos assentados cooperados em seus lotes.
Os assentados cooperativados não eram assalariados, mas não
tinham direito a produzir e comercializar seus produtos de forma
autônoma, exceto em pequenas parcelas normalmente
transformadas em hortas caseiras, fundamentalmente voltadas para
o autoconsumo familiar ou trocas não monetárias.
A remuneração financeira, o acesso à renda monetária pelos
assentados, advinha do cálculo feito, pela administração das
272
cooperativas, do número de horas trabalhadas pelos assentados em
atividades agrícolas e pecuárias nas áreas de produção coletiva do
assentamento.
A comercialização normalmente era encaminhada pela cooperativa
de distribuição, em consonância com as possibilidades de produção
das cooperativas voltadas para este fim. Os produtos eram então
obtidos de atividades remuneradas dos assentados cooperativados
em espaços físicos do assentamento que correspondiam ao
somatório das áreas físicas destinadas à produção destes assentados.
Desta forma, a produção coletiva se fazia em larga escala, embora
os assentados residissem em lotes próprios, especificamente
demarcados. Durante a década de 1990, fundamentalmente, quando
as cooperativas de produção do assentamento obtiveram seus
resultados mais expressivos do ponto de vista quantitativo, a
produção de grãos adquiriu grande impulso, chegando a concorrer
em termos de produtividade com empresas capitalistas agrárias da
região.
Pode-se dizer que o assentamento, a seu modo, coletivizadamente,
tornou-se um polo de alta produtividade mercantil. A produção
destinava-se, em grande medida, ao mercado capitalista que,
evidentemente, aferia a qualidade dos produtos e arbitrava os preços
para as cooperativas.
A lógica produtivista/coletivista das cooperativas de produção do
assentamento Fazenda Pirituba II, notadamente durante a década de
1990, almejava ombrear-se com o que havia de mais avançado, do
ponto de vista organizacional e tecnológico, nos complexos
agroindustriais capitalistas da região e das áreas de escoamento de
mercado para onde se destinava a produção transformada em
mercadoria precificada.
Enquanto os preços dos insumos podiam ser cobertos pelo crédito
da reforma agrária – o PROCERA, já referido neste texto – a
competitividade econômico-financeira das cooperativas de
produção deslanchava, deixando os assentados campesinizados, não
cooperativados, em situação econômica desvantajosamente precária
frente à pujança das cooperativas de produção.
O ADVENTO DO AGRONEGÓCIO FINANCEIRO
COMERCIAL NO ESTADO DE SÃO PAULO – DA DÉCADA
273
DE 1990 EM DIANTE – E OS IMPACTOS SOCIOTÉCNICOS
NA ORGANIZAÇÃO DO ASSENTAMENTO FAZENDA
PIRITUBA II
Em meados da década de 1990, porém, o capitalismo agrário no
Brasil – principalmente na região Sudeste, e mais especificamente
no estado de São Paulo, onde se localizava o assentamento
abordado – alterou bruscamente suas características produtivas e de
comercialização financeira.
O complexo agroindustrial capitalista, do qual as cooperativas
empresariais coletivistas dependiam para abastecer-se de insumos e
tecnologia, foi sendo rapidamente transformado em agronegócio
financeiro comercial, como já descrito anteriormente neste texto.
O advento do agronegócio na região fortemente capitalizada, da
área que circundava o assentamento, gerou um sobressalto para a
forma de produzir e comercializar das cooperativas do
assentamento. Os preços dos insumos dispararam e as sementes, em
particular, tiveram alteradas suas composições bioquímicas. As
sementes híbridas eram substituídas, de maneira veloz, pelas
sementes geneticamente modificadas, transgênicas.
Não somente os preços de mercado das sementes começaram a ficar
proibitivos para as cooperativas de produção do assentamento,
como também o controle político-econômico-financeiro sobre as
sementes passou a ser exercido por empresas oligopólicas
transnacionais.
A lógica coletivista/produtivista, de mercado, das cooperativas de
produção foi subitamente subvertida. A analogia desta lógica de
produção transformadora, e de distribuição, coletivista das
cooperativas de produção do assentamento, com a lógica capitalista
das agroindústrias privadas não mais resistia, na prática, à
avassaladora imposição da metodologia concentradora e
manipuladora do agronegócio comercial/financeiro.
OS PRECEDENTES ORGANIZATIVOS DO ASSENTAMENTO
FAZENDA PIRITUBA II EM RELAÇÃO À INTRODUÇÃO DAS
FORMAS DE ESTRUTURAÇÃO DO AGRONEGÓCIO NO
ESTADO DE SÃO PAULO: TRABALHO COLETIVIZADO EM
COOPERATIVAS DE PRODUÇÃO; PROLETARIZAÇÃO
RURAL NÃO ASSALARIADA –
274
AGROINDUSTRIAL/PRODUTIVISTA;
DESCAMPESINIZAÇÃO ACELERADA
Na virada do século XX para o XXI, a estrutura solidamente
montada em torno das cooperativas de produção do assentamento
Fazenda Pirituba II – uma espécie de assentamento
coletivista/cooperativista modelo, do MST –, autêntica vitrine
nacional da força da produção coletivizada agroindustrial, iniciou o
que seria uma profunda crise em seus alicerces, até então
solidamente estruturados.
Enquanto durou o apogeu do cooperativismo produtivista concebido
e aplicado pelo MST no assentamento Fazenda Pirituba II, da
segunda metade da década de 1980 até o início do século XXI, o
assentamento esteve inserido, de forma majoritária, no processo
histórico de desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo
agrário.
O coletivismo cooperativista adotado em grande parte do
assentamento, no período registrado, estabelecia uma tentativa de
concorrência com o sistema agroindustrial capitalista, que o cercava
fisicamente, de maneira literal, e servia de parâmetro econômico e
tecnológico de desenvolvimento.
As resistências tipicamente camponesas, entre assentados não
cooperativados produtivamente, não ofereciam risco ao
planejamento estratégico da coletivização como um todo. As
cooperativas de produção coletivizavam o trabalho, impondo um
ritmo fabril à atividade de transformação social e da natureza
exteriorizada.
A proletarização não assalariada – pela via da subsunção formal do
trabalho ao capital – avançava celeremente. O ritmo de trabalho
estabelecido visava o produtivismo máximo, que deveria
proporcionar ganhos expressivos, em forma de acesso à renda
monetária de mercado, por parte dos assentados cooperativados.
A descampesinização era flagrante no assentamento. Os núcleos de
agricultores camponeses não coletivizados tornaram-se residuais,
embora persistentes. Parece-me fundamental assinalar a oposição
que se criou no assentamento, no período do avanço da
cooperativização coletivista/produtivista, entre camponeses
proletarizados e camponeses não associados ou semi-associados – a
275
semi-associação ocorria quando famílias de trabalhadores
camponeses aderiam às cooperativas de distribuição ou se
associavam inter ou intra familiarmente, no âmbito do
assentamento.
INCORPORAÇÃO DA AGROINDÚSTRIA CAPITALISTA AO
AGRONEGÓCIO NA REGIÃO QUE ABRANGE O
ASSENTAMENTO FAZENDA PIRITUBA II: CERCO E
ASFIXIA DO CAPITALISMO AGRÁRIO AO PROJETO DE
DESENVOLVIMENTO DO ASSENTAMENTO
Quando o modelo da agroindústria capitalista de grande escala –
externa ao assentamento – incorporou os princípios produtivos,
financeiro/comerciais e tecnológicos do agronegócio, o cerco ao
assentamento – que não era percebido desta maneira, nem pelos
próprios assentados das cooperativas de produção e muito menos
pelas direções político-administrativas do assentamento – tornou-se
asfixiante para o desenvolvimento econômico-financeiro daquele
assentamento de reforma agrária.
Até então, o trabalho social, material, praticado pelos assentados em
cooperativas de produção possuía caráter abstrato, pois a
produtividade requerida pelo mercado capitalista não permitia que
os produtores em cooperativa controlassem o ritmo do trabalho
aplicado à produção.
A resultante deste trabalho não era o produto em si, mas a
mercadoria a ser capitalizada em quantidades (agro) industriais. As
forças produtivas do assentamento caracterizavam-se, de forma
expressiva, pelo trabalho abstrato, produtivista, de mercado.
A divisão social do trabalho “imitava” aquela praticada nos
contextos fabris das agroindústrias capitalistas: a força de trabalho
camponesa coletivizada se proletarizava frente às exigências
produtivistas de mercado do capitalismo agroindustrial.
Os traços de campesinidade familiar organizativa eram cada vez
mais tênues e incipientes frente à proletarização coletivista, não
assalariada, dos assentados sob o regime de cooperativas de
produção e distribuição.
A matriz tecnológica da produção, outra componente essencial do
desenvolvimento das forças produtivas, na acepção de Marx, era a
da agricultura convencional – com as mercadorias a serem
276
adquiridas financeiramente –, inclusive sob a forma dos mais
variados tipos de crédito para a produção.
Insumos químicos – incluindo as sementes híbridas e o maquinário
pesado para trabalho em grande escala de produção, no caso,
coletivista, não estritamente capitalista – eram comprados no varejo
que se formava no entorno do assentamento, com ofertas que
refletiam a dinâmica de um mercado agropecuário capitalista
competitivo, o qual permitia aos assentados cooperativizados
inserir-se nele, sem qualquer discriminação em relação aos preços
exigidos pelas mercadorias necessárias ao avanço acelerado da
produção.
O agronegócio, derivado dos complexos agroindustriais, modificou
drasticamente o panorama das relações de produção e
comercialização no assentamento Fazenda Pirituba II. A primeira
amostragem, por si só estarrecedora, da mudança de enfoque do
capitalismo agrário na região abordada, materializou-se na
dificuldade, praticamente intransponível para os assentados
coletivizados em cooperativas de produção, em continuar
acessando, via mercado capitalista, as matérias-primas e o
maquinário a fim de levar adiante a produção no ritmo de trabalho
social até então praticado.
Os preços das mercadorias tornaram-se proibitivos para os
assentados e os mecanismos de crédito governamental, já no final
do século XX, foram interrompidos até serem completamente
inviabilizados, no que tange ao acesso a eles por parte dos
trabalhadores assentados, coletivamente proletarizados.
A concentração de grandes capitais agroindustriais internacionais,
resultante da estrutura montada em torno do agronegócio, passou a
regular os preços das mercadorias agropecuárias de uma maneira
pela qual os agricultores descapitalizados, tais como os assentados
de reforma agrária – mesmo os mais coletivizados – já não
poderiam acompanhar.
O cerco agroindustrial capitalista se tornava um bloqueio asfixiante
para o sistema cooperativo de produção no assentamento Fazenda
Pirituba II, particularmente. As dívidas das cooperativas foram em
um crescendo impossível de ser acompanhado pelos assentados das
cooperativas.
277
REAÇÃO DAS COOPERATIVAS DE PRODUÇÃO DO MST NO
ASSENTAMENTO FAZENDA PIRITUBA II AO IMPACTO DO
AGRONEGÓCIO: A TRANSIÇÃO DA MATRIZ
TECNOLÓGICA VIGENTE PARA FORMAS ALTERNATIVAS
DE PRODUÇÃO
A reação das direções das cooperativas e do próprio núcleo
dirigente do MST – que as influenciava político-organizativamente
– foi a de responder com a única alternativa visualizada à época:
modificar estruturalmente – sem romper imediatamente, nem
completamente – a matriz tecnológica de produção no
assentamento.
Aí começam as experiências com as novas matrizes tecnológicas de
produção, e seus meios correspondentes de distribuição, no
assentamento rural Fazenda Pirituba II. Para encaminhar esta
aparente solução do problema, o MST/LVC precisava recorrer a
instâncias de operacionalização da substituição de acesso a insumos
e maquinário, que até então eram estranhos ao assentamento: as
ONGs e as instituições estatais agroecológicas, dispostas a ingressar
no assentamento para auxiliar na capacitação de quadros
agropecuários oriundos do próprio contingente de trabalhadores
assentados.
Como esta estratégia de diversificar o padrão tecnológico do
assentamento, para a drástica redução de custos no curto ou médio
prazo, poderia se viabilizar? A resposta começou a ser encontrada a
partir da ascensão ao poder político estatal federal de um
agrupamento político oriundo de uma aglutinação político-eleitoral,
da qual o MST/LVC havia participado ativamente.
VIABILIZAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA DA
DIVERSIFICAÇÃO DO PADRÃO TECNOLÓGICO DE
PRODUÇÃO NO ASSENTAMENTO FAZENDA PIRITUBA II
No ano de 2003 chega à Presidência da República do Brasil o
governo de frente popular encabeçado por Luís Inácio da Silva, o
Lula, liderando uma coalização encabeçada pelo Partido dos
Trabalhadores (QUARTIM DE MORAES, 2013; COGGIOLA,
2013).
A complexidade da situação político-econômico-produtiva era tanta,
naquele momento, que a primeira preocupação do MST foi a de
278
ampliar expressivamente o número de trabalhadores assentados no
país, pela extensão quantitativa da reforma agrária.
O governo federal da frente popular, no entanto, enxergava no
agronegócio, em franca expansão, um meio infalível de garantir
governabilidade e sucesso prolongado aos novos detentores do
poder político no país.
Então, o cerco asfixiante ao assentamento modelo de produção
coletivista do MST – desde a década de 1980 – estaria mesmo
fadado ao fracasso? A resposta à crise econômico-financeira do
assentamento Fazenda Pirituba II passou por um gesto de
conciliação no plano nacional, por parte do novo governo da frente
popular.
O agronegócio continuaria asfixiando o assentamento em questão,
mas o governo federal acenava com um inusitado plano de incentivo
à substituição da matriz tecnológica de produção – que havia sido
diagnosticada como a causa de todos os males que afligiam o
assentamento. Moral da história: o agronegócio capitalista se
firmava do lado de fora do assentamento, enquanto internamente as
cooperativas de produção tentavam resistir à falência econômico-
financeira.
O caminho para a superação da crise do assentamento modelo
passava pelo acesso a créditos destinados aos agricultores familiares
em geral, o que já vinha ocorrendo tropegamente desde o governo
neoliberal, anterior à frente popular. Mas era necessário ir além dos
créditos governamentais para salvar as cooperativas e o próprio
assentamento abordado.
Os mediadores político-organizativos do assentamento Fazenda
Pirituba II passaram a conviver no assentamento – e a incentivar
cada vez mais este convívio – com outros tipos de mediadores: as já
referidas ONGs e instituições estatais de pesquisa agropecuária,
além de extensionistas rurais advindos de Universidades brasileiras.
O FINANCIAMENTO PARA A SUBSTITUIÇÃO DE INSUMOS
E MAQUINÁRIO NO ASSENTAMENTO FAZENDA PIRITUBA
II: PROJETOS ESTATAIS DE CARÁTER
ECONÔMICO/ECOLÓGICO/AMBIENTAL; CRÉDITOS PARA
A AGRICULTURA FAMILIAR

279
Como foi possível viabilizar economicamente esta investida política
no assentamento com o objetivo de implantar a substituição
gradativa de insumos e maquinário, que barateassem e
revitalizassem a produção e a comercialização no assentamento?
A resposta, a partir do final dos meados da primeira década do
século XXI foi clara e insofismável: os novos projetos
governamentais de financiamento, de caráter econômico-ecológico-
ambiental, os quais foram sendo garantidos pelo governo federal da
frente popular.
Este é o começo da jornada que vai detonar o salto qualitativo no
assentamento modelo do MST/LVC Fazenda Pirituba II, no sentido
da implantação do que foi denominado de Transição
Agroecológica no assentamento – a qual era compreendida, por
todos os mediadores envolvidos na questão, como um meio de
implantar o instrumental tecnológico capaz de alterar
significativamente a matriz de produção do assentamento: da
agricultura convencional para a agricultura ecológica, de base
orgânica, fundamentalmente.
Então, a forma concebida pelo MST/LVC para transpor a barreira
econômico-financeira, imposta pelo agronegócio agroindustrial
mercantil, foi intervir, para alterar, a matriz tecnológica, baseada na
agricultura convencional, que operava “a todo vapor” no
assentamento em questão, sob o paradigma da revolução verde.
O MST e lideranças político-organizativas do assentamento partem
então para iniciar experimentações de cunho tecnológico/ambiental
no assentamento. Para isto, utilizam-se dos novos recursos de
crédito e do financiamento de projetos pelo Governo Federal e de
instituições nacionais e internacionais de fomento para projetos
ecológicos no campo (STÉDILE, 2014; BERNARDO, 2012;
RODRIGUES, 2014, capítulo 3).
O MST gestava naquele momento o que viria – pouco tempo depois
– a ser denominado de reforma agrária popular. Esta modalidade de
reforma agrária não questionava e, por isso mesmo, não interferia
no plano estatal de reforma agrária em vigência desde a
promulgação da Constituição Federal de 1988.
O que a nova interpretação propunha, em depoimentos e textos de
dirigentes do Movimento, era a implantação gradual de tecnologias
280
não convencionais nos assentamentos rurais de reforma agrária do
MST, como já assinalado anteriormente neste texto.
Dessa maneira, seria possível, de acordo com a interpretação das
direções do Movimento, enfrentar a crise provocada pela
oligopolização internacional da produção e distribuição de insumos,
principalmente de sementes geneticamente modificadas, cujo efeito
nos assentamentos de reforma agrária em geral era devastador, pois
retirava qualquer expectativa de autonomia financeira e governança
política dos próprios assentados e, de maneira particular, de suas
direções.
Assim sendo, tratava-se de combater o agronegócio e sua influência
deletéria em relação à estrutura montada nos assentamentos pela via
da gradativa, mas continuada e preferencialmente ampliada,
substituição da matriz tecnológica em curso, por outra menos
custosa e mais palatável às exigências ecológico-ambientais das
agências de financiamento e dos organismos de crédito.
A aproximação com ONGs, instituições públicas e privadas de
pesquisa e áreas de extensão rural universitárias foi imediatamente
implantada pelo MST. Tratava-se, enfim, de enfrentar o
agronegócio através da introdução de projetos que se propunham a
alterar as tecnologias empregadas nos assentamentos.
ASSENTAMENTO FAZENDA PIRITUBA II: REFORMA
AGRÁRIA POPULAR DO MST/LVC; TRANSIÇÃO DA
MATRIZ TECNOLÓGICA AGROPECUÁRIA DA REVOLUÇÃO
VERDE PARA A DA PRODUÇÃO ORGÂNICA E AFINS;
AGROINDUSTRIALIZAÇÃO
COOPERATIVADA/COLETIVISTA COM SUBSTITUIÇÃO DE
INSUMOS DE PRODUÇÃO
Foi o que ocorreu, de forma até certo ponto pioneira, no
assentamento Fazenda Pirituba II. Como procurarei demonstrar
mais adiante neste texto as bases constitutivas da reforma agrária
popular foram testadas no referido assentamento.
Ali, a proposta de promover a transição agroecológica – na prática,
a tentativa de substituir a matriz agropecuária de insumos
convencional pelas matrizes orgânica e afins – foi combinada com a
manutenção ou fortalecimento das instâncias cooperativadas.

281
A agroindustrialização, outro pilar do que viria a ser a reforma
agrária popular, também foi incentivada, mesmo que se procurasse
substituir os insumos nela utilizados. Em síntese, como será
detalhado à frente, alterava-se a proposta tecnológica, mas não se
modificava a sustentação político-organizativa da produção e
distribuição no assentamento.
O trabalho coletivo, cooperativado, permanecia inalterado em
alguns dos projetos de transição agroecológica. As organizações da
sociedade civil que adentravam o assentamento não questionavam,
de forma alguma, situações como aquelas nas quais a substituição
de insumos – do convencional para os orgânicos – fosse
operacionalizada em cooperativas de produção coletivizadas.
A proletarização agroindustrial continuava a ser a meta da atividade
econômica no assentamento. A descampesinização, iniciada uma
década antes, não era posta em dúvida, ainda que algumas das
experiências mais bem-sucedidas, em termos tecnológicos, de
substituição de insumos, tivessem ocorrido exatamente em áreas
não coletivizadas do assentamento – nos espaços de produção de
agricultores de origem camponesa, não associados, ou semi-
associados, como será demonstrado.
O trabalho social, material era praticado no assentamento em
atividades junto às cooperativas de produção. Por outro lado – nas
experiências com os camponeses não associados – o trabalho social
mais abrangente poderia até não estar sendo exercido, pois a
tendência, já assinalada, do campesinato tradicional, é o não
compromisso com nenhuma forma de trabalho social, que não sejam
aqueles delimitados por relações intra e/ou interfamiliares.
Em suma, o pressuposto teórico pelo qual a tecnologia é sempre
dialeticamente condicionada pela forma de trabalho predominante, e
não o contrário confirmou-se cabalmente, a meu ver, na observação
participativa em que eu estive envolvido quando da avaliação da
atividade de transição agroecológica no assentamento – já sob a
regulação do MST/LVC pelos princípios da reforma agrária
popular.
A consigna soberania alimentar dos trabalhadores do campo frente à
imposição – pelo agronegócio – da globalização das atividades de
produção e distribuição nos assentamentos, foi adotada no
282
assentamento Fazenda Pirituba II, na perspectiva da substituição de
insumos – a ser praticada ao longo da trajetória de implantação dos
projetos para alteração da matriz tecnológica de produção,
designados como transição agroecológica.
PROPOSTA POLÍTICO-ORGANIZATIVA DO MST/LVC PARA
A ESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO ASSENTAMENTO
FAZENDA PIRITUBA II: SOBERANIA ALIMENTAR COM
TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA E PADRÃO
AGROINDUSTRIAL PRODUTIVISTA MERCANTIL: UMA
CONTRADIÇÃO?
A soberania alimentar, a ser conquistada na marcha da transição
agroecológica, contraditava com o assédio econômico-financeiro do
agronegócio em relação ao assentamento, mas não se opunha
politicamente, do ponto de vista de classe social, à organização
padrão da agroindústria, então incorporada pelo próprio
agronegócio: o produtivismo mercantil, inerente ao capitalismo
agrário em seu processo histórico.
O trabalho social, material, abstrato, extraído dos trabalhadores
assentados, passava então a prosperar em um ambiente natural
“mais preservado” ecologicamente. A soberania alimentar teria que
brotar do trabalho coletivizado, em cooperativas de produção, as
quais eram também o palco daquilo que se denominava transição
agroecológica.
As tecnologias ambientalmente equilibradas estariam a serviço do
trabalho abstrato agroindustrial, coletivizado. O assentamento
continuaria opondo, em nome da transição agroecológica para a
soberania alimentar, camponeses proletarizados a camponeses não
associados.
A diferença, agora, é que o estigma da campesinização não mais
abrangia os camponeses não associados, já que estes figuravam
como modelos de produção ecologicamente adequada, ainda que
não fossem vistos, pelas direções políticas do assentamento, como
construtores ativos da luta dos assentados coletivizados contra o
agronegócio e pela soberania alimentar. As mesmas tecnologias
ecológicas discutidas e empregadas, junto aos camponeses
proletários das cooperativas, eram abordadas na relação com os
camponeses não proletários do assentamento.
283
A distinção entre estes residia na forma de trabalho executada, mas
isto não era uma questão a ser nem sequer debatida no âmbito das
organizações que atuavam em prol da chamada transição
agroecológica e, em decorrência, da soberania alimentar no
assentamento.
Observei, inclusive, que esta situação passava despercebida de
agentes responsáveis pela implantação e execução de projetos
designados como de transição agroecológica, especificamente
naquele assentamento, à época.
REFORMA AGRÁRIA POPULAR: DEBILITAÇÃO DA
TERRITORIALIZAÇÃO, ESPACIALIZAÇÃO E FUNÇÃO
SOCIAL DA TERRA NOS ASSENTAMENTOS RURAIS DO
MST/LVC
Outra característica marcante da reforma agrária popular do
MST/LVC no Brasil é o arrefecimento da territorialização e,
consequentemente, da espacialização ampliada do Movimento em
termos nacionais. Alguns dos principais dirigentes e interlocutores
com a sociedade, do MST/LVC, manifestam-se, a partir da segunda
metade da primeira década do século XXI, no sentido de afirmar
literalmente que a reforma agrária brasileira não necessitava,
daquele momento em diante, da incorporação de “novas terras”
(STÉDILE, 2012).
É possível depreender daí que a reforma agrária
brasileira popular teria que conviver necessariamente com o
latifúndio e o agronegócio. Esta nova abordagem, ao mesmo tempo
em que reafirma a importância essencial dos projetos de
financiamento e da política de créditos para os assentamentos
constituídos enfraquece, a meu ver, de forma comprometedora – ao
isolá-lo contextualmente – o mais significativo pilar da política de
reforma agrária adotada até então pelo próprio MST: a função social
da terra. Sem expansão territorial e espacialização da reforma, sob o
controle político do MST, a função social da terra, a qual distingue
efetivamente o assentamento rural da propriedade privada agrária,
passa a esboroar-se.
Não foi à toa que, a partir da implantação da noção de reforma
agrária popular, os assentamentos do MST começaram a conviver
internamente com aquilo que até então os diferenciava dos
284
territórios da burguesia agrária: a descampesinização, pela
passagem da condição de trabalhadores assentados para a de
agricultores familiares de mercado.
O acesso ao crédito governamental, oriundo do período político
neoliberal, mantido intocado pelos governos da frente popular – o
PRONAF –, foi sendo estimulado acriticamente pelas direções do
Movimento, paralelamente à entrada de recursos financeiros nos
assentamentos – advindos dos projetos de financiamento para a
transformação da matriz tecnológica agropecuária,
equivocadamente confundida com a agroecologia – como já
assinalado e justificado neste texto – e de projetos de educação do
campo, em parcerias com instituições públicas e privadas de ensino,
pesquisa e extensão.
A ausência, politicamente assumida, de continuidade da
territorialização e espacialização ampliada, combinada com a
relativização política da função social da terra nos assentamentos,
foi uma herança da implantação da reforma agrária popular do
MST/LVC.
RELATIVIZAÇÃO DA FUNÇÃO SOCIAL DA TERRA NO
ASSENTAMENTO FAZENDA PIRITUBA II: DILUIÇÃO
POLÍTICO/ORGANIZATIVA ENTRE ASSENTADOS DA
REFORMA AGRÁRIA E AGRICULTORES FAMILIARES
MERCANTIS DESCAMPESINIZADOS
O assentamento Fazenda Pirituba II passou a se constituir, então, no
período assinalado, em um campo de testes – uma área de
experimentos da reforma agrária popular. Ali se combinavam as
políticas de mudança da matriz tecnológica, por iniciativa de
projetos de “transição agroecológica para a soberania alimentar”,
com a reafirmação do coletivismo das cooperativas de produção –
que ficaram à frente destes projetos, limitando-os estruturalmente –
e a ampliação do acesso ao PRONAF por assentados das próprias
cooperativas, e os de fora delas: os camponeses não associados ou
semi-associados.
A diferenciação entre assentados da reforma agrária e agricultores
familiares descampesinizados ia progressivamente se diluindo nos
assentamentos da reforma agrária popular. A distinção entre
trabalhadores assentados e agricultores de mercado foi sendo
285
descaracterizada – o que reduzia a significação da função social da
terra.
Ao mesmo tempo, o avanço da territorialização e da espacialização
dos assentamentos era minimizado pela suposição de que chegara o
momento dos assentamentos, já instalados, se estruturarem
economicamente para fazer frente ao agronegócio.
REFORMA AGRÁRIA POPULAR E AGROECOLOGIA NO
ASSENTAMENTO FAZENDA PIRITUBA II; ALTERAÇÃO DA
MATRIZ TECNOLÓGICA DE PRODUÇÃO EM
COOPERATIVAS COLETIVISTAS COM PRÁTICAS
AGROINDUSTRIAIS; RECAMPESINIZAÇÃO ASSOCIADA OU
DESCAMPESINIZAÇÃO PROLETÁRIA – DE MERCADO?
A meu ver, a principal contradição da reforma agrária popular, que
ficou patente no assentamento Fazenda Pirituba II, foi a condução
da mudança da matriz tecnológica no âmbito da manutenção e do
fortalecimento das cooperativas coletivistas, e do estímulo às
práticas agroindustriais – em nome da agroecologia.
A segunda grande contradição, na minha interpretação, consistiu na
insistência em designar como camponeses, em sentido amplo, os
trabalhadores assentados proletarizados das cooperativas de
produção e os assentados não associados ou semi-associados,
dependentes de créditos governamentais: isto empurrava estes
últimos em direção ao mercado controlado, direta ou indiretamente
– pela via das cadeias produtivas de mercadorias – pelo
agronegócio.
Afirmava-se, politicamente, a designação de camponeses para
caracterizar trabalhadores assentados cada vez menos
comprometidos com a função social da terra, isolados – do ponto de
vista produtivo – de outros contingentes regionais de assentados,
pela recusa da expansão da territorialização e da espacialização
do Movimento social que os dirigia politicamente.
O somatório das contradições apontava para a descampesinização
em nome da campesinidade! A descampesinização ocorria
aceleradamente através da proletarização coletivista, agora
tecnologicamente redimensionada, por um lado, e por outro lado
pelo incentivo ao acesso a mercados de escoamento de produtos

286
conectados com as instâncias produtivas e distributivas do
agronegócio industrial.
Como propor uma política de recampesinização a todos os
trabalhadores sem terra do assentamento em questão se estes já
eram considerados, a priori, camponeses? Isto seria uma
redundância, um truísmo político, do ponto de vista da perspectiva
emanada dos princípios da reforma agrária popular.
Do ponto de vista da prática do trabalho social abstrato, os
trabalhadores proletarizados coletivamente, em cooperativas de
produção, e os agricultores – de mercado – não cooperativados, do
assentamento, já não se distinguiam essencialmente dos
trabalhadores proletarizados e dos agricultores familiares de
mercado – das cadeias produtivas dos complexos agroindustriais do
agronegócio do grande capital – não assentados de reforma agrária.
O cerco asfixiante ao assentamento parecia ter esgotado toda ou
qualquer capacidade de reação efetiva dos assentados em relação ao
agronegócio. A prática do trabalho social abstrato ou, na outra
ponta, a simples ausência de qualquer compromisso com o trabalho
social ampliado, para além dos núcleos intra e interfamiliares – no
caso da cada vez mais residual parcela de
camponeses originários que resistiam no assentamento – delimitava
o assentamento na fronteira entre a completa absorção do trabalho
social, de caráter abstrato, pelo processo histórico capitalista agrário
– gerido de acordo com as premissas produtivas e distributivas do
agronegócio capitalista – e a ausência de qualquer processo
histórico alternativo, resultante de algum projeto político de
recampesinização organizativa, para o enfrentamento de classe com
o agronegócio, no interior do assentamento em questão,
especificamente, ou no conjunto de assentamentos da reforma
agrária popular do MST/LVC.
PLANO DE SOBERANIA ALIMENTAR PELA VIA DAS
EXPERIMENTAÇÕES TECNOLÓGICAS NO
ASSENTAMENTO FAZENDA PIRITUBA II: EFETIVA
RESISTÊNCIA DOS TRABALHADORES ASSENTADOS AO
AGRONEGÓCIO CAPITALISTA?
As experimentações tecnológicas, com o objetivo de alcançar a
soberania alimentar frente ao agronegócio, através da substituição
287
de insumos convencionais por orgânicos ou afins – ecologicamente
corretos da perspectiva ambiental e economicamente viáveis para o
assentamento rural, em sua nova estratégia de sobrevivência diante
da ameaça representada pela penetração do agronegócio –
escancarava as limitações políticas da pretensa resistência do
trabalho ao capital no assentamento em questão.
A complexidade interna do assentamento, por mim observada,
participativamente, durante o período imediatamente posterior à
introdução desta política no assentamento – durante a fase de
avaliação da auto referida transição agroecológica, anteriormente
iniciada – permitiu vislumbrar caminhos, até então ocultos, para a
superação dialética das contradições apontadas, a partir de
iniciativas dos próprios assentados em suas conflitivas relações
cotidianas.
A possibilidade histórica de superação das contradições poderia
sugerir novos caminhos para o assentamento, e uma até então
insuspeitada rearticulação de classe e divisão social do trabalho –
recampesinizadora – no interior do assentamento, que fosse para
muito além das limitações socioeconômico-ecológicas impostas
pelo agronegócio industrial capitalista ao conjunto dos assentados
da Fazenda Pirituba II.

Parte 13

O “PROJETO DE TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA” NO


ASSENTAMENTO FAZENDA PIRITUBA II:
MODIFICAÇÃO DA MATRIZ TECNOLÓGICA DE
PRODUÇÃO EM COOPERATIVAS COLETIVIZADAS;
TRABALHO SOCIAL COLETIVO PARA O
PRODUTIVISMO MERCANTIL AGROINDUSTRIAL OU
RESISTÊNCIA AO AGRONEGÓCIO?

288
Em meados da primeira década do século XXI iniciam-se nas
agrovilas do assentamento Fazenda Pirituba II, no sul do estado de
São Paulo as primeiras experiências do “Projeto de Transição
Agroecológica”, conduzidas por ONGs e Institutos de Pesquisa
agropecuária estatais. Vou abordar, inicialmente, a situação que
evolveu a ONG Giramundo Mutuando e sua tentativa de implantar o
que ela denominava de transição agroecológica no assentamento em
questão.
A referida ONG, sob os auspícios de lideranças do MST/LVC no
assentamento, concorre e obtém o acesso ao financiamento de um
projeto para começar a transição agroecológica em agrovilas do
assentamento Fazenda Pirituba II.
A mencionada ONG passa então a coordenar e implementar ações
no sentido de promover a modificação da matriz tecnológica
majoritariamente utilizada no assentamento, especialmente nas
áreas coletivizadas das cooperativas de produção.
Como anteriormente assinalado, nas cooperativas de produção do
assentamento a divisão social do trabalho pautava-se pela relação
entre trabalho social, material e capital agrário. A coletivização das
cooperativas fazia com que predominasse o produtivismo mercantil,
voltado para a obtenção de renda através do trabalho coletivo
gerador de mercadorias que seriam apropriadas, pelas instâncias
organizativas do capitalismo agrário, fora do assentamento.
Por isso, considero que o coletivismo cooperativado conduzia à
proletarização dos camponeses assentados, enquanto trabalhadores
das cooperativas de produção. Ocorria então, nas cooperativas
coletivizadas do assentamento a intencional e consciente
descampesinização dos assentados, em prol da proletarização não
diretamente assalariada dos mesmos.
O trabalho nas cooperativas, neste sentido, mantinha intacto seu
caráter abstrato, deslocado da prática do produtor assentado – sem
nenhuma perspectiva de transição para a resistência ou superação
desta condição abstrata – mesmo permanecendo social e material.
Em situações de cooperativismo coletivista, como a descrita no
referido assentamento, o “projeto de transição agroecológica” que
não opusesse resistência política a tal situação de organização
estrutural da produção – ou que pelo menos não propusesse um
289
diálogo crítico com as direções políticas do Movimento social que
influenciava estas deliberações – se encontraria diante de uma
contradição aparentemente insuperável: como propor e implantar a
transição do modelo produtivo sem se preocupar com o resgate do
papel social protagonista dos produtores – no sentido da transição
para o enfrentamento e superação do trabalho social abstrato e da
divisão social coletivista do trabalho?
A realidade é que este questionamento político básico não foi
levado adiante, até por razões óbvias de não criar arestas que
inviabilizassem a execução financiada do projeto. A transição
agroecológica, despolitizada, passou a ser implementada pela ONG
em acordo com os assentados das cooperativas.
A meta de transição era, portanto, tecnológica. O assentamento
deveria continuar produzindo, ou voltar a produzir, em larga escala
pela via dos circuitos longos de produção/distribuição mercantil
capitalista agrária. A larga escala de produção – e sua conexão com
os circuitos longos – no assentamento derivava da amplitude das
áreas utilizadas para plantio, pastagens, colheitas, etc., em regime de
coletivização cooperativada.
A coletivização descampesinizadora impunha à transição
agroecológica limites de ação para a transformação das matrizes
tecnológicas agropecuárias no assentamento. A questão de fundo,
subjacente, não abordada, muito menos revelada na prática era a
seguinte: como garantir a mais alta produtividade possível, geradora
do maior acúmulo de produtos a serem transformados
agroindustrialmente dentro, ou principalmente fora, do
assentamento, no grande circuito comercial-financeiro do
agronegócio capitalista circundante?
TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA OU ECOLOGIZAÇÃO
PRODUTIVISTA NAS COOPERATIVAS COLETIVIZADAS? A
PROLETARIZAÇÃO COLETIVISTA DAS COOPERATIVAS DE
PRODUÇÃO PARA A TRANSIÇÃO DAS MATRIZES
TECNOLÓGICAS NO ASSENTAMENTO FAZENDA PIRITUBA
II
O “projeto de transição agroecológica” deveria garantir a
ecologização produtivista das áreas coletivamente cooperativadas
no assentamento. A proletarização coletivista das cooperativas de
290
produção requeria, necessariamente, a produtividade a todo o custo
das áreas em transição das matrizes tecnológicas agropecuárias.
Para cumprir este objetivo central – a manutenção, ou mesmo a
expansão da produtividade mercantil nas áreas das cooperativas de
produção do assentamento – fazia-se necessário estimular a
produção agropecuária de caráter agroindustrial, fabril, coletivizada.
O que deveria se colocar como questão – e que, ao que tudo indica,
não foi objeto de qualquer aferição anterior à entrada em vigência
dos projetos de transição agroecológica no assentamento – é se
havia alguma coerência entre a disposição de ecologizar a produção,
e o grau da “pegada ecológica” daí resultante, e os anseios em
manter no nível mais elevado possível a capacidade produtiva
mercantil das áreas das cooperativas envolvidas nos projetos de
transição das matrizes tecnológicas.
Em suma, a ecologização, mesmo tendo como meta a substituição
de insumos convencionais químicos por orgânicos ou afins, deveria
redundar em elevação da capacidade de produção nos espaços
agrários coletivizados do assentamento.
Nestes termos, qualquer pretensão de recampesinização, ainda que
transitória, nas áreas coletivizadas do assentamento, estaria fadada
ao fracasso. A transição agroecológica deveria então ocorrer em
regime de coletivização, visando alcançar metas produtivistas de
mercado, utilizando-se de tecnologias de produção agropecuárias
ecologicamente adequadas, as quais levariam ao principal objetivo
das direções políticas das cooperativas: o controle da confecção e
reprodução dos meios de produção agropecuária no interior do
assentamento.
O conflito de classes entre assentamentos e agronegócio poderia –
na interpretação vigente entre as direções político-administrativas
das cooperativas – ser resolvido favoravelmente aos primeiros,
desde que a produção orgânica, ecológica, suprisse as necessidades
de redução dos custos de produção e da retomada dos ritmos
produtivistas de mercado, anteriores à hegemonia do agronegócio
no campo frente à organização interna dos assentamentos.
À ecologia produtivista, em condições de coletivização
proletarizadora/descampesinizadora, caberia enfrentar o dilema da
“baixa produtividade” – e da consequente falta de competitividade
291
mercadológica – das áreas de cooperativas de produção no
assentamento Fazenda Pirituba II.
Caberia questionar até que ponto poderia existir de fato
uma ecologia produtivista. Esta avaliação, como já assinalado, não
foi feita de maneira prévia à implantação do “projeto de transição
agroecológica” nas áreas de produção coletivizadas do
assentamento em questão.
“PROJETO DE TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA”: NÃO
EXPLICITAÇÃO DA LUTA DE CLASSES ENTRE OS
TRABALHADORES ASSENTADOS DA REFORMA AGRÁRIA
E O AGRONEGÓCIO CAPITALISTA PRODUTIVISTA;
NEGAÇÃO DO PROCESSO DE SUPERAÇÃO DA
SUBSUNÇÃO FORMAL DO TRABALHO AO CAPITAL
AGRÁRIO, PELA VIA DA TRANSIÇÃO SOCIOTÉCNICA
Toda esta expectativa, de certa forma utópica, dos mediadores
políticos do assentamento e dos agentes técnicos da transição
agroecológica acabava por escamotear, no assentamento, a única
perspectiva para a luta de classes entre assentados rurais de reforma
agrária e agronegócio produtivista, de mercado: o enfrentamento
para a redução continuada do trabalho social
imposto formalmente pelo agronegócio industrial capitalista aos
assentados da reforma agrária, isto é, a transição sociotécnica das
condições de produtivismo tecnológico de mercado para a produção
autônoma dos trabalhadores do campo – no caso, dos assentados
rurais de reforma agrária, cuja função social da terra deveria
implicar no redirecionamento da produção e distribuição para o
consumo de outros trabalhadores rurais e urbanos, e não para a
reprodução ampliada do capitalismo agrário como um todo.
A experiência concreta, em torno do “projeto de transição
agroecológica” no assentamento Fazenda Pirituba II, em meados da
primeira década do século XXI, abrangeu tentativas de alterar o
caráter da matriz tecnológica – até então preponderante nas áreas
coletivizadas do assentamento – em quase todas as suas áreas de
produção.
Além disso, o projeto conduzido pela ONG Giramundo Mutuando
prestou assistência a grupos de famílias de trabalhadores assentados
não cooperativados – ou os que tentavam se organizar sob a forma
292
associativa interna ao assentamento – e até mesmo em relação a
assentados de viés camponês tradicional, os quais procuravam
apartar-se das instâncias organizativas do assentamento e buscavam
autossuficiência produtiva e distributiva.
No que diz respeito à proposta de transição agroecológica nas áreas
cooperativadas, coletivizadas, do assentamento, a referida ONG
aproximou-se das principais cooperativas de produção do
assentamento para implantar o projeto com o aval e a
corresponsabilidade das direções destas cooperativas.

Parte 14

A COOPERATIVA DE PRODUÇÃO COPANOSSA E A


TRANSIÇÃO TECNOLÓGICA AGROPECUÁRIA NO
ASSENTAMENTO FAZENDA PIRITUBA II:
COLETIVIZAÇÃO, ECOLOGIZAÇÃO,
DESCAMPESINIZAÇÃO

Vou ilustrar esta avaliação com alguns elementos teóricos extraídos


da prática desenvolvida em conjunto pela ONG em questão e os
assentados coletivizados reunidos na cooperativa de produção
COPANOSSA (CANHOLI, 2009. p. 78-82).
293
Os agentes técnicos e extensionistas rurais projetaram a transição
agroecológica, com os cooperados da COPANOSSA, para obter a
gradual substituição de insumos convencionais, químicos, de
mercado, inclusive as próprias sementes, até então adquiridos e
utilizados nas atividades agrícolas dos assentados cooperativados.
O carro-chefe, porém, desta experiência concreta foi uma proposta
de alteração radical da forma de condução da atividade pecuária,
leiteira e de corte, mantida pelos assentados coletivizados, em torno
da cooperativa de produção COPANOSSA (CANHOLI, op. cit., p.
82-105).
O planejamento para sanear as condições de bem-estar animal do
rebanho da cooperativa incluía uma série de medidas voltadas para a
sanidade animal, desde as condições de confinamento até a
retificação das áreas de pastagem, incluindo aí a preocupação com a
alimentação do gado.
É preciso pontuar que a experiência em questão, no caso
da agroecologização progressiva das pastagens ocorria em
condições de coletivização. Portanto, o projeto de transição
tecnológica incidia sobre o conjunto da pastagem dos rebanhos de
todas as famílias cooperativadas dispostas a submeter seu rebanho a
esta experiência.
Parece-me essencial assinalar o caráter coletivista da transformação
agropecuária proposta no projeto, pois não se tratava de indicar
cuidados aos animais do rebanho de cada família envolvida, mas,
reafirmo, abrangia o rebanho completo da cooperativa. Neste caso,
era necessário que os agentes técnicos e extensionistas envolvidos
no projeto concebessem métodos coletivistas de produção,
adequados às características da atividade e sua finalidade.
Neste sentido, a reestruturação da pastagem, por exemplo, incluiu a
técnica considerada economicamente mais viável e considerada
ambientalmente a mais correta para quaisquer tipos de pecuária –
em termos de extensão de terreno e de escala de produção.
O chamado pastoreio Voisin (CANHOLI, op. cit. 48-50) foi
proposto como a técnica a ser utilizada nas pastagens reformadas. O
sistema de rotação do referido método tecnológico pode ser
executado, teoricamente, sob todas as formas de organização
agrária, sendo indicado inclusive para grandes áreas de pastagens.
294
No caso da transição agroecológica em área coletivizada, em espaço
físico mais extenso, o método seria perfeitamente assimilável tanto
pelo gado em si quanto pelos assentados coletivizados daquela
cooperativa de produção específica. Inclusive, o sistema de rotação
do gado na pastagem, proposto e praticado no projeto, é considerado
por seus idealizadores e/ou divulgadores no Brasil como ideal para
pastagens mais amplas, em termos de extensão e escala, como
assinalei acima.
Os aludidos idealizadores e propagandistas do método (PINHEIRO
MACHADO, Luiz Carlos e PINHEIRO MACHADO FILHO, Luiz
Carlos, op. cit., cap. 5, p. 69-70; cap. 8, p. 126-128, cap. 4, p. 51-63)
chegam, em suas publicações a respeito do método, a desdenhar e
desqualificar a atividade camponesa quando exaltam as qualidades
da prática de rotação do gado em pastagem, sugerindo que o método
empregado prescinde completamente do caráter camponês do
produtor para ser implementado, tanto em termos do número de
cabeças de gado, quanto da extensão territorial da propriedade ou da
área de atividade envolvida.
Este tipo de avaliação é ilustrativo da adoção de métodos de
produção agropecuária ecológicos, tecno-cientificamente adaptados
a formas de trabalho não camponesas. No caso, formas coletivistas
tais como as praticadas em ambiente de trabalho coletivamente
cooperativado.
“PROJETO DE TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA” NA
COPANOSSA: COLETIVIZAÇÃO
MERCANTIL; ECOLOGIZAÇÃO PRODUTIVISTA DOS
AGROECOSSISTEMAS ENVOLVIDOS
A agroecologia, do projeto de transição em questão, não se atém à
forma de trabalho executada na produção. O que predomina na
avaliação do projeto é a eficiência ecológica da atividade
transformadora da produção proposta.
O objetivo dos cooperativados é obter o máximo de eficiência da
produção para que a produtividade da atividade seja a mais elevada
possível, garantindo potencialmente a elevação da renda da
cooperativa e, consequentemente, dos próprios assentados
cooperativados.

295
A descampesinização resultante da coletivização cooperativada não
foi uma questão abordada, técnico-cientificamente, pelos executores
do projeto. A proletarização coletivista dos assentados
cooperativados reflete-se, e é reforçada, pelo emprego de
tecnologias de produção capazes de reafirmar o caráter proletário
coletivista dos assentados reunidos em torno do projeto em questão.
É o caso do emprego do método de rotação de pastagem abordado.
Se este método não é em si mesmo descampesinizador, ele, ao
mesmo tempo, em nada contribui para a recampesinização dos
assentados, especialmente daqueles enquadrados no regime
cooperativista coletivista.
Neste caso, as tecnologias de produção resultantes da proposta
de transição agroecológica reforçam as bases da coletivização
produtivista, de mercado, apoiadas na permanência da divisão social
de trabalho clássica do capitalismo agrário: o trabalho social,
abstrato, proletarizado – ainda que no caso da coletivização, não
assalariado – submetido às conveniências do capitalismo agrário,
tanto em termos da produção como da comercialização financeira
das mercadorias geradas.
Em síntese, o projeto de transição agroecológica, no caso da
experiência tecnológica da ONG com os assentados cooperativados
na COPANOSSA não contribuiu, a meu ver, para o questionamento
das bases coletivistas, produtivistas, de mercado, pois induziu a
utilização de métodos de produção que não apontavam para a
recampesinização agroecológica dos agroecossistemas envolvidos
nas atividades realizadas.
COLETIVIZAÇÃO PRODUTIVISTA NÃO AGROECOLÓGICA
– OBSTRUÇÃO DO FLUXO METABÓLICO
AGROECOSSISTÊMICO; SUBSUNÇÃO FORMAL DO
TRABALHO AGROPECUÁRIO AO CAPITALISMO
AGROINDUSTRIAL E AO AGRONEGÓCIO
Do ponto de vista da noção de agroecologia, que norteia
teoricamente este texto, tanto a transformação produtiva quanto a
distribuição daí decorrente não permitem supor, por si só, o
desbloqueio dos fluxos de energia e de materiais nos
agroecossistemas envolvidos.

296
Neste caso, a tecno-ciência agrária conduz a formas tecnológicas
que se adequam acriticamente às condições de subsunção formal do
trabalho ao capital por assentados coletivizados. Assim sendo, o
caráter agroindustrial da transformação produtiva é preservado e,
até mesmo, incentivado em nome da transição agroecológica.
Reafirmo que a tecnologia considerada ecológica, efetivamente
contraposta a formas tecnológicas convencionais típicas da
revolução verde do capitalismo agrário – utilizada nas experiências
transformadoras e de distribuição na cooperativa em questão –
encaixa-se na concepção produtivista do capitalismo agrário, em sua
forma de trabalho abstrato, na divisão social capitalista/coletivista
de trabalho.
As tecnologias derivadas das pesquisas técnico-científicas
ecológicas não necessariamente redundam em transformações
produtivas de cunho agroecológico, se se interpretar a agroecologia,
da maneira como o faço, aqui neste texto, como uma forma de
desenvolvimento rural questionadora da organização
capitalista/coletivista, em termos da estruturação sobre a base do
trabalho social, material, abstrato, de viés produtivista, de mercado
– responsável pela permanente obstrução, não agroecológica, do
fluxo metabólico de energia e de materiais.
O que advém da referida organização agrária não são a produção e a
distribuição de caráter agroecossistêmico agroecológico, mas o seu
oposto: a produção destrutiva da relação humanidade/natureza,
aprofundadora da falha metabólica historicamente introduzida nesta
relação pelo capitalismo agrário, e da consequente exteriorização da
natureza em relação à humanidade.
Parte 15

CONFIGURAÇÕES SOCIOAMBIENTAIS PARA ALÉM DOS


LIMITES TECNOLÓGICOS DO “PROJETO DE
TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA” NA COPANOSSA:
O COLETIVO DE MULHERES

A complexidade das relações socioambientais no interior do


assentamento Fazenda Pirituba II provocou, entretanto, situações
que foram além do âmbito das diretrizes tecnológicas propostas para
297
atividades transformadoras da produção, em contextos de
coletivismo cooperativo.
No caso ao qual venho fazendo referência – do “projeto de transição
agroecológica” com os assentados da COPANOSSA –, eu pude
perceber que, de forma subjacente à introdução de conhecimentos
técnico-científicos pela equipe da ONG encarregada do projeto,
foram surgindo configurações socioambientais não necessariamente
previstas na concepção do referido projeto.
Refiro-me a dois momentos da relação entre a equipe da ONG –
técnicos e extensionistas rurais – e assentados de base da área do
projeto. Já fiz menção ao fato pelo qual a transição
agroecológica junto à COPANOSSA objetivava redimensionar,
econômico-ecologicamente, as condições de salubridade e
eficiência produtiva do rebanho comum aos assentados cooperados
e as respectivas pastagens. Assinalei também a rotação de
pastagens, a meu ver adaptada ao modelo coletivista, em dimensão
de espaço e escala, e ao produtivismo visado com o emprego desta
metodologia de trabalho agropecuário.
Ocorre que para garantir mais salubridade do rebanho, com
eficiência produtiva econômico-ecológica, não bastava aderir aos
métodos de rotação implantados. Neste sentido, técnicos,
extensionistas e os próprios assentados da base precisaram recorrer
criativamente a formas de obtenção de insumos
veterinários/zootécnicos que tangenciassem os custos de produção
da manutenção do rebanho de leite e corte.
A saída para este tipo de substituição de insumos medicamentosos,
curativos e preventivos de enfermidades da criação animal dos
cooperados, foi utilizar receitas caseiras de produtos com a
mencionada finalidade.
Para tanto, os técnicos entraram em contato com um grupo de
mulheres cooperadas da COPANOSSA – cujas famílias estavam
envolvidas na criação de gado e/ou em atividades agrícolas da
cooperativa – responsáveis pela confecção de produtos fitoterápicos.
O conhecimento, deste grupo de mulheres da COPANOSSA, acerca
dos produtos com base em propriedades terapêuticas de plantas
medicinais, encontradas em seus próprios lotes de moradia e na área
das agrovilas do assentamento, provinha de longa data.
298
Tratava-se do que até então era denominado coletivo de
mulheres (SILVA, 2013; GALDINO; STAMATO; TASSI;
MOREIRA; PESTELLI; BERGAMO; PEREIRA, 2007, p. 380-
383) do assentamento. A origem do contato deste grupo de
mulheres com as plantas medicinais, e suas características
preventivas e curativas de doenças em humanos e animais, decorria
de ocasiões anteriores, ainda do tempo do acampamento de reforma
agrária na própria Fazenda Pirituba II, nas últimas décadas do
século XX.
O esforço para obter produtos, que amenizassem não somente os
efeitos de doenças em crianças de tenra idade do acampamento, mas
que também pudessem ser utilizados para o fortalecimento da saúde
das mesmas – frente às condições sanitariamente adversas dos
acampados de então – levou um primeiro núcleo de mulheres
acampadas a envolver-se no conhecimento e geração de produtos
com estas características.
Os primeiros resultados positivos das experiências com as plantas
medicinais animaram estas mulheres acampadas a insistirem no
procedimento e avançarem na qualificação destes produtos. Já na
fase de assentamento, as mulheres de diferentes agrovilas
permaneceram unidas e ampliaram gradativamente o número de
integrantes do chamado coletivo.
Aqui há uma questão de nomenclatura a ser esclarecida.
O coletivo de mulheres, vigente desde os tempos de acampamento,
não constituía uma cooperativa de produção própria, nem mesmo
durante a época do “projeto de transição agroecológica”, proposto
pela referida ONG, que estou agora analisando.
Na realidade, as mulheres do coletivo eram mães, avós, filhas,
netas, sobrinhas, noras etc. de cooperados de base e de direção da
COPANOSSA, os chamados chefes de família, ou seus
descendentes masculinos.
Durante o “projeto de transição agroecológica” na primeira década
do século XXI, o coletivo de mulheres do assentamento Fazenda
Pirituba II foi acionado, pelos técnicos e extensionistas rurais da
ONG responsável pelo projeto agroecológico, para preparar
compostos derivados dos conhecimentos acumulados por décadas
(CANHOLI, op. cit., p. 105-107), com a finalidade de utilizar na
299
cura e eventual prevenção de enfermidades do rebanho das famílias
membro da COPANOSSA – das quais elas próprias eram parte
integrante.
Então, o coletivo de mulheres passou a produzir, e testar no rebanho
da cooperativa de produção – COPANOSSA –, pomadas e
unguentos de origem artesanal, com base em propriedades
observadas e extraídas de determinadas plantas consideradas
medicinais.
Esta atividade do “coletivo” passou a ser de grande importância no
âmbito do projeto, pois influenciava, beneficamente, em dois
aspectos cruciais do mesmo: em termos econômicos; podia ser uma
alternativa aos medicamentos farmacológicos de mercado, cujos
preços elevados provocavam instabilidade financeira/orçamentária
para a cooperativa; no aspecto estritamente ecológico, apoiava o
reequilíbrio gradativo do agroecossistema em questão, na medida
em que ajudava a controlar e/ou reabilitar a sanidade animal tão
prejudicada pelas precárias condições de manejo, tradicionalmente
praticadas junto ao rebanho, tanto antes quanto depois da instalação
da cooperativa.
A meu ver, além de todas as destacadas características virtuosas,
provenientes da inserção do grupo de mulheres organizadas em
“coletivo” relativamente informal, no interior da cooperativa,
destaca-se um ponto que desejo enfatizar: as mulheres do coletivo
de plantas medicinais organizavam-se a partir de uma divisão social
do trabalho diferenciada frente à divisão social predominante na
cooperativa coletivista COPANOSSA – da qual elas faziam parte
como integrantes das famílias cooperativadas, mas da qual se
distinguiam socialmente pela prática do trabalho socialmente
repartido de outra forma.
DA COLETIVIZAÇÃO COOPERATIVADA PRODUTIVISTA A
OUTRA DINÂMICA DE CLASSE: RUMO À TRANSIÇÃO
SOCIOTÉCNICA DE BASE AGROECOLÓGICA?
Aqui surge um debate dos mais profícuos, a meu ver, em relação às
formas de trabalho que se sobrepõem no assentamento. Já me referi,
até muito contundentemente, ao fato pelo qual a coletivização
cooperativada da produção, no assentamento em questão, almejava
a máxima produtividade concorrencial, de mercado, equivalente às
300
aspirações produtivas/distributivas das agroindústrias capitalistas
circunvizinhas ao assentamento.
A divisão social do trabalho da mencionada cooperativa de
produção, como um todo, opunha o trabalho social, material,
abstrato, de seus integrantes efetivos e suas respectivas famílias, a
um retorno compensador, sob a forma de renda monetária
proveniente do escoamento econômico da produção para o mercado
capitalista agrário.
A subsunção formal do trabalho rural dos assentados cooperativados
da COPANOSSA ao capitalismo agrário fechava seu ciclo na
metamorfose do produto em mercadoria. A renda a ser gerada pela
produção passava, assim, pelos filtros do mercado capitalista e pelo
grau de produtivismo incorporado na confecção dos produtos – no
caso em questão, na quantidade de leite e derivados, além da própria
carne em natura ou, eventualmente, da negociação do gado vivo.
A renda a ser obtida, por cada cooperado e sua família dependia,
portanto, do ritmo cada vez mais ampliado da produção para o
mercado. A divisão social do trabalho, na cooperativa em questão, e
nas demais, por extensão, baseava-se na relação trabalho abstrato
produtivista/mercado capitalista rural e urbano.
Os trabalhadores assentados cooperativados se proletarizavam
frente ao mercado, pois sua remuneração final dependia deste. O
“projeto de transição agroecológica” poderia, se vingasse
plenamente – ao longo de seu tempo de duração previsto pelo
financiamento a que estava vinculado –, reduzir os custos de
produção dos cooperativados, ao contribuir, supostamente, para o
reequilíbrio das condições ecológicas de produção e distribuição –
fazendo assim com que se imprimisse uma racionalidade
econômico-ecológica às atividades produtivas/distributivas da
cooperativa.
Eu interpreto, para além das consequências do projeto, em relação à
sobrevivência econômico-financeira da cooperativa, que um projeto
com estas características econômico-ecológicas – aplicado a uma
estrutura cooperativada coletivizada, como é o caso em questão –
não arranha a dimensão essencial da divisão social do trabalho,
clássica do capitalismo agrário, na qual o trabalho abstrato dos

301
assentados é socialmente transferido, via mercado, para as
instâncias de reprodução do capitalismo agrário.
Um “projeto de transição agroecológica” que não vise superar a
dependência mercadológica dos assentados e, ao invés disso,
colabore para imprimir um ritmo de trabalho condizente com a
máxima produtividade possível da força de trabalho envolvida está
fadado ao fracasso econômico-ecológico em si, ao se comprometer
cada vez mais com a subsunção formal do trabalho rural dos
assentados ao capitalismo agrário, representado pela
industrialização agropecuária e o agronegócio.
No caso do assentamento Fazenda Pirituba II, a intervenção
do coletivo de mulheres introduzia um fator novo à dinâmica de
classes sociais do assentamento, no contexto do “projeto de
transição agroecológica”. Não se tratava tão somente de um grupo
de mulheres, de famílias de assentados cooperativados, empenhado
na redução dos custos de produção da atividade econômica, no que
tange à salubridade do rebanho bovino da cooperativa
COPANOSSA. As referidas mulheres constituíam um setor ad
hoc no interior da cooperativa.
O grupo em questão possuía uma característica social, econômica,
ambiental e politicamente híbrida no âmbito da cooperativa. Ao
mesmo tempo em que faziam parte estrutural da COPANOSSA,
devido ao envolvimento familiar com a cooperativa, e acatavam
suas regras coletivistas de gerenciamento, essas mulheres atuavam
de forma relativamente autônoma em relação ao espectro
organizativo da cooperativa.
O coletivo em questão não afrontava diretamente as regras
cooperativistas coletivistas que regiam a relação das famílias
integradas à COPANOSSA. Porém, representava uma espécie de
nicho de atuação político-econômico-ecológica com o potencial de
promover alterações nos rumos pré-estabelecidos pela cooperativa,
no sentido de situar-se, até certo ponto, à margem das orientações
emanadas da direção político-organizativa da cooperativa.
A introdução do “projeto de transição agroecológica”, com as
limitações econômico-ecológicas e também políticas já assinaladas,
fez com que emergisse o denominado coletivo de gênero como um
movimento próprio de organização para a produção e distribuição
302
de produtos no espaço da cooperativa e, por extensão, do próprio
assentamento.
Inicialmente, a atividade fim do coletivo de mulheres era a de
subsidiar o projeto em relação à confecção de produtos preventivos
e curativos para o gado das famílias cooperadas. Desta forma,
o coletivo de mulheres exercia um tipo de trabalho cuja finalidade
era a de apoiar o projeto da cooperativa com o abastecimento de
produtos farmacológicos veterinários-zootécnicos, alternativos
econômica e ecologicamente aos de mercado, exteriores ao
assentamento.
A destinação da atividade pecuária proveniente das premissas
metodológicas do “projeto de transição agroecológica”, em si, não
afetava o grupo das mulheres engajadas na produção para a
profilaxia do rebanho da cooperativa.
Isto quer dizer que o coletivo de mulheres agia produtivamente de
forma dissociada do mercado capitalista agrário, que iria apropriar-
se comercial e financeiramente dos resultados do “projeto de
transição agroecológica”, como um todo (THOMAZ, 2011, p. 140-
142).
Além disso, o trabalho farmacêutico/veterinário das mulheres
do coletivo, inserido na cooperativa de produção, não possuía
caráter intrinsicamente produtivista, isto é, não estava atrelado a
metas de produção que exigissem o “mais-trabalho” social daquele
grupo específico.
Por extensão, pode-se inferir que o trabalho do coletivo de
mulheres, stricto sensu, tangenciava em certa medida o aspecto
abstrato, atribuído a toda e qualquer outra forma de trabalho
praticada pelo conjunto dos assentados cooperados no contexto do
“projeto de transição agroecológica”.
Na realidade, se havia alguma transição sociotécnica, de feição
agroecológica, no projeto abarcado pela cooperativa, este provinha
especificamente do ainda incipiente trabalho social não diretamente
submetido ao produtivismo de mercado, capitalista agrário, do
autodenominado coletivo de mulheres do assentamento Fazenda
Pirituba II.
Eu tendo a considerar que a prática do coletivo de
mulheres oportunizada e incentivada meritoriamente no nível do
303
“projeto de transição agroecológica”, afetou de maneira tão
espontânea, quanto politicamente não consciente – devido a já
alegada incipiência da atividade do coletivo, mesmo no âmbito do
projeto em questão – a dinâmica de classes e frações no interior do
assentamento, revelando brechas na estrutura coletivista
verticalizada da cooperativa de produção analisada.
DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO, QUESTÃO DE GÊNERO E
LÓGICA DE ORGANIZAÇÃO PRODUTIVA/DISTRIBUTIVA
DE BASE CAMPONESA: UM CAMINHO PARA A
RECAMPESINIZAÇÃO ASSOCIATIVA DE CARÁTER
AGROECOLÓGICO
A divisão social do trabalho, no coletivo de mulheres, não se
coadunava – embora tivesse que conviver – com aquela advinda das
regras de funcionamento da cooperativa COPANOSSA. Era como
se no coletivo de mulheres – ao contrário do que ocorria na
cooperativa coletivista, na qual o referido coletivo estava envolvido
estruturalmente – prevalecesse uma espécie de trabalho coletivo
horizontalizado, ao contrário da já referida verticalização
hierárquica do coletivismo instituído e praticado na cooperativa de
produção. A meu ver, o papel do coletivo de mulheres, no interior
da COPANOSSA, apontava para uma situação potencialmente
configuradora do surgimento de uma fração de classe social
caracterizada pela resistência articulada à hegemonia sócio-político-
econômica do regime de exploração cada vez mais intensificada do
trabalho social, de caráter abstrato, imposto aos assentados
cooperativados, pela via da subsunção formal do trabalho ao capital
agrário. Neste sentido, a atitude política do coletivo de mulheres
adquiria, naquele contexto, um perfil politicamente contra-
hegemônico.
A presença ativa das mulheres, à frente do até então
autodenominado coletivo, não se restringe a uma questão de gênero,
muito embora o abranja efetivamente. Quero ponderar no sentido de
que a divisão social de trabalho observada nas ações do coletivo de
mulheres, pelo menos durante a vigência do “projeto de transição
agroecológica”, representou, a meu ver, a retomada de alguns
valores identitários característicos da organização social camponesa,
da qual muitas daquelas famílias – inseridas tanto na cooperativa
304
COPANOSSA, como no “projeto de transição agroecológica”, mais
especificamente – traziam consigo, como traços de vivências
anteriores.
A reaparição de formas de organização coletivas participativas,
politicamente horizontalizadas – não hierarquizadas – pela via da
atuação relativamente autônoma do coletivo de mulheres, em
relação às limitações impostas pela organização cooperativista à
qual o coletivo estava incorporado – durante a duração do “projeto
de transição agroecológica” –, reavivou a lógica de organização
produtiva de base camponesa, anterior até mesmo à constituição do
próprio assentamento.
A recampesinização, vislumbrada na atividade do coletivo de
mulheres, incorporava um sentido de classe superador do ambiente
social camponês, caracterizado por condições de organização
produtiva que não extrapolam necessariamente as interações intra e
interfamiliares.
As mulheres do coletivo recorriam espontaneamente – como forma
objetiva de resistência à expropriação de seu trabalho social pelo
mercado – a uma maneira de se organizar para a produção que era
absolutamente peculiar, tanto em relação às normas cooperativistas
de organização do trabalho, quanto no que diz respeito ao
confinamento social derivado de condutas organizacionais
tipicamente camponesas não associadas – tais como as restrições à
integração social mais ampla, provenientes de condutas de trabalho
circunscritas às relações intra e interfamiliares.
Assim sendo, percebo nas práticas de trabalho social do coletivo de
mulheres, ao longo da execução do “projeto de transição
agroecológica”, o estabelecimento de uma forma de divisão social
do trabalho que remete à lógica camponesa de organização para a
produção, mas não se limita nem se restringe completamente a esta
lógica, pois vai além dela. A participação exclusiva de mulheres no
referido coletivo deve-se à sensação de pertencimento das mulheres
aos cuidados com a moradia e seus entornos (RIBEIRO, 2016).
Não se pode deixar de repisar a origem do coletivo de mulheres, já
aludido anteriormente, a qual faz uma nítida interface com a
abordagem recampesinizadora da concepção de soberania alimentar
humana. Observo que a tendência à recampesinização associativa,
305
levada adiante pelo coletivo de mulheres, na vigência do “projeto de
transição agroecológica” em tela, inaugura, no assentamento, uma
divisão social do trabalho, que é de gênero por remeter a uma lógica
camponesa.
Extrapola, porém, o caráter de gênero – sem deixar de preservá-lo
como valor essencial – ao reagir, objetivamente, a formas de
estruturação social pós-camponesas, as quais redundam na divisão
social do trabalho clássica do capitalismo agrário – da
subsunção real ou formal do trabalho ao capital – que têm
continuidade na organização verticalizada das formas
cooperativistas coletivistas de produção, praticadas no assentamento
em questão e em diversos outros assentamentos rurais no conjunto
da reforma agrária brasileira da década de 1980 em diante.
RECAMPESINIZAÇÃO ASSOCIATIVA EM CIRCUITOS
CURTOS DE PRODUÇÃO/DISTRIBUIÇÃO: CONTROLE
SOCIOAMBIENTAL DO FLUXO METABÓLICO.
DESCAMPESINIZAÇÃO EM CIRCUITOS LONGOS:
DESCONTROLE SOCIOAMBIENTAL PELA OBSTRUÇÃO
METABÓLICA
A resistência do coletivo de mulheres ao trabalho social abstrato,
produtivista, de mercado, se operacionalizava, objetivamente,
durante a vigência do “projeto de transição agroecológica”, junto à
COPANOSSA, pela realização de atividades produtivas e
distributivas, relacionadas à confecção e distribuição dos produtos
farmacêuticos derivados das plantas medicinais, em circuitos curtos
de trabalho.
O “projeto de transição agroecológica” demandava a produção e se
encarregava da utilização dos produtos fitoterápicos antes que estes
viessem a ser comercializados mercadologicamente. Neste sentido,
a produção e utilização de tais produtos não se inseriam
completamente no ritmo de trabalho produtivista, abstrato,
controlado mercadologicamente.
As mulheres do coletivo submetiam-se, enquanto membros das
famílias cooperadas, às regras do banco de horas da cooperativa, na
produção como um todo, mas não incluíam a atividade de produção
e distribuição dos medicamentos na sistemática produtiva e de
comercialização da COPANOSSA.
306
Quem ditava o ritmo da produção e o tempo da distribuição dos
medicamentos para o rebanho dos cooperados eram as próprias
mulheres produtoras. Os organizadores do projeto, técnicos e
extensionistas rurais, não assentados, auxiliavam na prática da
aplicação dos medicamentos no rebanho, chegando mesmo a tomar
a frente destas iniciativas.
Às mulheres do coletivo cabia elaborar a confecção dos produtos
laboratorialmente, no interior do próprio assentamento, onde eram
aplicadas as dosagens ao rebanho. O circuito de
produção/distribuição dos medicamentos pelo coletivo, no marco do
“projeto de transição agroecológica”, limitava-se aos quadrantes do
próprio assentamento.
O circuito curto de produção/circulação distributiva dos
medicamentos no “projeto de transição agroecológica”, no interior
da COPANOSSA, do assentamento Fazenda Pirituba II, não
representava apenas a distância – delimitada espacialmente entre as
partes constitutivas da operação –, mas fundamentalmente
significava o controle, ainda que parcial, momentâneo, específico,
de um coletivo horizontalizado e relativamente autônomo, do seu
trabalho em relação à organização cooperativa coletivista que o
abrangia, mas não determinava seus rumos estratégicos, em termos
político-organizativos.
Esta situação aponta para uma generalização dedutiva pela qual
decorre que, nos circuitos curtos de produção/distribuição, os
materiais e energia metabolicamente circulantes não
necessariamente, ou apenas eventualmente, metamorfoseiam-se em
mercadoria.
Nos circuitos curtos os trabalhadores podem exercer certo domínio,
embora evidentemente não irrestrito, sobre pelo menos algumas das
etapas do processo de trabalho a que estejam submetidos. A
produtividade do trabalho, nestas ocasiões, não requer o
produtivismo, isto é, o envolvimento absoluto do (a) trabalhador (a)
– não somente na elaboração do produto e em sua distribuição – na
transformação do produto, e do próprio produtor, em mercadoria
passível de precificação mercadológica.
A exploração da força de trabalho prevalece nos circuitos longos de
formação de mercadoria, acarretando a subserviência do
307
produtor/distribuidor a ritmos e tempos de trabalho para a
produção/distribuição que lhes são estranhos, abstratos,
determinados pelas exigências de acumulação do capitalismo no
agro – no caso dos trabalhadores rurais, assalariados ou não.
Tal situação implica, necessariamente, como consequência inerente
ao processo histórico de desenvolvimento das forças produtivas do
capitalismo agrário, na inevitável e inelutável tendência – a ser
comprovada empiricamente – de bloqueio permanente dos fluxos
metabólicos de energia e materiais nos agroecossistemas
envolvidos, inibindo a concretização de um tipo de
desenvolvimento rural de caráter agroecológico,
socioambientalmente sustentável.
TRANSIÇÃO SOCIOTÉCNICA E RENDA MONETÁRIA:
DO COLETIVO DE MULHERES À COOPLANTAS
A transição sociotécnica para além do capitalismo agrário necessita,
por outro lado, contemplar a obtenção de renda monetária do
trabalhador agropecuário. O trabalho em cooperativa de produção
teria, dentre outras, esta finalidade. As mulheres do
mencionado coletivo do assentamento em questão são também
protagonistas de vidas familiares com seus maridos, filhos e outras
pessoas eventualmente agregadas.
A renda familiar proveniente do trabalho na cooperativa
dificilmente poderia ser considerada suficiente para estas mulheres e
suas famílias. Deve-se destacar sempre que as mulheres
do coletivo de plantas medicinais, ao longo da duração do “projeto
de transição agroecológica”, aqui abordado, não auferiam renda
monetária da produção/distribuição dos medicamentos que
confeccionavam para utilização da cooperativa de produção, através
do referido projeto.
Havia então uma sobrecarga de trabalho social, não exatamente das
próprias mulheres do coletivo – as quais direcionavam seu tempo de
atividade na fabricação dos medicamentos de forma racionalizada,
frente aos afazeres domésticos familiares e dos encargos na
atividade da cooperativa –, mas das famílias destas mulheres como
um todo, que colocavam as suas forças de trabalho à disposição das
práticas produtivas/distributivas da cooperativa COPANOSSA.

308
A possiblidade da geração de renda monetária familiar, a ser obtida
no mercado dos produtos farmacêuticos do coletivo, interno e
notadamente externo ao assentamento, fez com que estas mulheres
iniciassem uma tentativa de alcançar condições de
produção/distribuição dos medicamentos capaz de proporcionar a si
mesmas, e a suas respectivas famílias, uma renda extra, específica
desta atividade.
Tal oportunidade surgiu exatamente depois que o “projeto de
transição agroecológica” foi encerrado, ao fim do seu período
anteriormente aprazado de financiamento, e imediatamente após o
fechamento das atividades da própria COPANOSSA, que não
resistiu às turbulências mercadológicas de suas atividades
coletivistas/produtivistas – mesmo com o emprego de tecnologias
de base ecológica – e teve que ser jurídico-legalmente extinta.
Na prática, o mais significativo acontecimento relacionado à
desabilitação da cooperativa foi o retorno dos trabalhadores
cooperados aos lotes familiares. A partir daí, a função social da
terra, na área de atuação da COPANOSSA, voltou a ser exercida
pelos trabalhadores agropecuários em seus próprios lotes e espaços
familiares de produção.
O coletivo de mulheres buscou então alternativas, fora de projetos
mais abrangentes como aquele da transição agroecológica, a partir
da elaboração de um projeto próprio de atuação relacionada ao
cultivo de plantas medicinais voltadas para a produção de fármacos
diversos para uso humano e animal, em geral.
Algumas mulheres do coletivo estavam naquele momento
integradas, por vínculo marital e/ou familiar diverso a outra
cooperativa do assentamento – COPAVA – (THOMAZ, op. cit., p.
67-177), especializada na produção de grãos agrícolas direcionados
ao mercado consumidor externo ao assentamento, com a utilização
de tecnologias convencionais da revolução verde.
As referidas mulheres tentaram convencer os dirigentes da
mencionada cooperativa a conceder a chancela formal da COPAVA
aos produtos confeccionados pelo coletivo, com a finalidade de
poder distribuí-los no mercado, obtendo assim uma renda para
o coletivo e as famílias de assentados nele envolvidas, além de

309
poder proporcionar novas adesões, por convênios, ao
próprio coletivo.
A negociação entre o coletivo de mulheres e a COPAVA não
evoluiu e chegou mesmo a gerar indisposições entre as mulheres do
coletivo e os dirigentes da cooperativa. Estes argumentaram que as
mulheres não poderiam se utilizar da cooperativa para formar,
dentro dela, uma “cooperativazinha” (THOMAZ, op. cit., p. 142)
cujas integrantes não seguiriam o ritmo de trabalho coletivista – que
eu estou chamando de verticalizado – da COPAVA.
A negativa da COPAVA em chancelar o coletivo de mulheres, para
que este pudesse comercializar sua produção em nível de mercado,
levou o coletivo a tomar a iniciativa de transformar seu caráter
estatutário de coletivo para cooperativa. Surgia assim, no final da
primeira década do século XXI, no assentamento Fazenda Pirituba
II, a COOPLANTAS (COSTA NETO, 2011, ANEXO 2), originária
do coletivo de mulheres.
As bases estatutárias da COOPLANTAS não diferiam
significativamente, em termos formais, do regimento da COPAVA,
por exemplo, mas a divisão social do trabalho – familiar e de gênero
– da COOPLANTAS se distinguia amplamente da divisão social do
trabalho das demais cooperativas de produção vigentes, ou
anteriormente existentes no assentamento.
Assim como no coletivo, a cooperativa das mulheres não se pautava
pela clássica distinção entre trabalho coletivista agroindustrialmente
proletarizado, produtivista, por um lado e mercado capitalista do
agronegócio, de outro.
A primeira grande distinção entre estas formas cooperativadas
estava no já referido uso, pela COOPLANTAS, da estratégia
produtiva/distributiva baseada nos circuitos curtos de origem
camponesa familiar e de gênero, mas também associativa nos
moldes do cooperativismo.
No caso da COOPLANTAS tratava-se de uma forma de cooperação
recampesinizadora, pois incorporava exatamente os elementos de
trabalho familiar e de gênero típicos da atividade camponesa, não
coletivista, nem proletária ou agroindustrial.
A tecnologia adotada, de base orgânica, ecológica, era aquela que se
contrapunha aos princípios da revolução verde do capitalismo
310
agrário. A COOPLANTAS aliava, portanto, resistência de origem
camponesa, percebida na sua divisão social de trabalho – em relação
à prática do trabalho social, material, abstrato –, com emprego de
tecnologias perfeitamente adaptadas ao modo camponês de produzir
e distribuir os frutos da produção.
A inevitabilidade do acesso ao mercado – fator limitante, mas
inerente à transição sociotécnica de características agroecológicas –
para além do horizonte produtivo/distributivo do capitalismo
agroindustrial e do agronegócio comercial/financeiro teria que ser
equacionada no âmbito do circuito curto de produção/distribuição
da cooperativa.
TRANSIÇÃO SOCIOTÉCNICA DE BASE AGROECOLÓGICA E
DIVISÃO SOCIAL CAMPONESA/ASSOCIATIVA/DE GÊNERO
NA COOPLANTAS: RENDA MONETÁRIA; CIRCUITOS
CURTOS DE TRABALHO; SISTEMA DE PARTICIPAÇÃO E
GARANTIA
Como obter, simultaneamente, renda monetária sem recorrer aos
mecanismos “naturais” dos circuitos longos do produtivismo
capitalista agrário? Na segunda metade da primeira década do
século XXI, as mulheres assentadas, organizadas em torno da
COOPLANTAS, obtiveram o selo para a distribuição comercial em
nichos de mercado de produtos orgânicos, denominado SPG –
Sistema de Participação e Garantia – (CUÉLLAR PADILLA, 2008;
PRODUTOS ORGÂNICOS: SISTEMAS PARTICIPATIVOS DE
GARANTIA, 2008), que lhes permitia vender seus produtos em
mercados orgânicos específicos e, até mesmo, em mercados de
produtos convencionais, a preços superiores aos praticados em
média nestes mercados.
O selo de qualidade, obtido através do SPG, realçava o caráter
associativo/participativo do grupo de cooperadas, pois são os
próprios agricultores de produtos orgânicos, vinculados a
cooperativas e associações acreditadas em determinado Instituto –
credenciado para a validação deste tipo de selo –, os responsáveis
pela fiscalização da produção de caráter orgânico ou, no caso,
biodinâmico, da produção realizada.
Este tipo de capacitação, conferida aos produtores não
convencionais, para a avaliação dos produtos, permite aos
311
produtores agrícolas identificados com estas formas alternativas de
produção tecnológica agrária não somente aferir, associadamente,
em conjunto, a qualidade dos produtos submetidos a sua própria
inspeção, mas – precedendo a esta característica – garante aos(às)
produtores(as), envolvidos nestas ações participativas, exercer
alguma forma de controle sobre o seu próprio processo de trabalho
– da produção à distribuição –, como também de interagir, com a
finalidade de inspecionar o trabalho de diversos outros produtores.
Assim sendo, a COOPLANTAS passou a se inserir no mercado de
produtos orgânicos/biodinâmicos de maneira participativa,
associativa.
Além disso, o caráter local e/ou regional do controle da referida
produção/distribuição, pelos próprios entes do sistema de avaliação
– montado no entorno das sedes das cooperativas de produtores da
região –, proporcionava e até mesmo dinamizava a execução de
mecanismos de produção/distribuição, com base nas premissas
correspondentes aos circuitos curtos.
O circuito curto de produção/distribuição, aliado à comercialização
de mercado fiscalizada participativamente, de maneira associativa,
tornou a COOPLANTAS a única entidade cooperativa do
assentamento Fazenda Pirituba II a poder vir a ser identificada como
uma organização não verticalizada do ponto de vista coletivo.
Decorria daí uma consequência direta da divisão social camponesa
do trabalho – não proletária coletivista – da COOPLANTAS. O
perfil sociocultural, de gênero, da cooperativa revelava – volto a
insistir agora – o viés recampesinista associativo de sua estrutura
organizativa.
A tendência da COOPLANTAS seria a de se envolver no mercado
capitalista de produtos de base ecológica, sem submeter plenamente,
de maneira acrítica, a força de trabalho nela constituída ao caráter
abstrato inerente a toda produção/distribuição capitalista agrária.
As mediações entre trabalho social e mercado, nas atividades de
produção/distribuição comercial da COOPLANTAS – o circuito
curto e o Sistema de Participação e Garantia – refletiam a
resistência político-organizativa, da cooperativa em questão, ao
predomínio absoluto do capitalismo agrário sobre o trabalho nas
relações de produção e distribuição.
312
Esta resistência contra-hegemônica amortecia, até certo ponto, o
impacto do trabalho social abstrato sobre os(as) produtores(as),
caracterizando um elemento de transição sociotécnica, ainda
incipiente, para além do capitalismo agrário.
RECAMPESINIZAÇÃO ASSOCIATIVA, DE GÊNERO, DAS
ASSENTADAS DA COOPLANTAS: CIRCUITOS CURTOS;
SPG; FUNÇÃO SOCIAL DA TERRA; TERRITORIALIZAÇÃO;
ESPACIALIZAÇÃO
O que poderia, contudo, diferenciar a COOPLANTAS de outras
cooperativas e associações de produtores não assentados que
também produzissem e distribuíssem, para o mercado, com base nos
métodos do circuito curto e do SPG?
O fato de a COOPLANTAS ser uma cooperativa de
produção/distribuição formada por trabalhadoras assentadas rurais
de reforma agrária a distinguia, politicamente, dos demais
produtores “ecologicamente corretos” do ponto de vista de suas
práticas tecnológicas e organizativas.
A grande distinção entre agricultores familiares de produtos
orgânicos, proprietários jurídico-legais de terras, e as trabalhadoras
assentadas residia no fato destas, ao serem assentadas, se
comprometerem com a função social da terra e não pertencer,
individualmente, a qualquer grupo de produtores proprietários –
familiares e/ou empresariais –, de qualquer escala de produção ou
extensão territorial.
Outro fato significativo para a distinção entre agricultores familiares
e assentados da Fazenda Pirituba II, do ponto de vista da produção
para o mercado e da comercialização dos produtos, é que estes
assentados(as) pertenciam aos quadros militantes do MST/LVC,
cuja territorialização e espacialização potencializava a possibilidade
de que os métodos de produção e distribuição da COOPLANTAS
pudessem ser replicados em outros assentamentos já
territorializados e daqueles que ainda viessem a ser incorporados –
no bojo do avanço da reforma agrária no Brasil – pelo MST/LVC.
Não bastava, portanto, à COOPLANTAS, ser uma cooperativa que
operava com produtos tecnologicamente amigáveis ao ambiente
natural e os distribuísse de forma controlada do ponto de vista das
etapas produtiva e distributiva do processo de trabalho, mas era
313
necessário que a COOPLANTAS fosse uma organização de
assentadas caracterizadas pela função social da terra, em
assentamento da reforma agrária, e fortalecidas pela expansão
potencialmente advinda do caráter territorializado e espacializado,
imprimido pelo MST/LVC aos assentamentos sob a sua influência
político-organizativa.
A propósito, depois que a COOPLANTAS foi constituída, e
principalmente após haver obtido o selo de qualidade de
participação e garantia, as disputas internas com outras instâncias
diretivas cooperativadas do assentamento arrefeceram.
A COOPLANTAS, já em meados da segunda década do século
XXI, obteve o acesso a um núcleo físico de produção na terra que
havia sido inicialmente destinado a um assentado não integrante da
COOPLANTAS, o qual cedeu sua área de produção agrícola para as
atividades de campo e laboratoriais da cooperativa.
A autonomização da COOPLANTAS, no próprio espaço agrário do
assentamento, foi um grande estímulo ao avanço de suas atividades
produtivas/distributivas comerciais, ao mesmo tempo em que a
COOPLANTAS consolidava parcerias anteriormente seladas com
ONGs, institutos de pesquisa e extensão rural nacionais, o que
serviu para projetar e incentivar a atividade desenvolvida pela
cooperativa, de cunho social e, transitoriamente, de mercado.

Parte 16

PRODUÇÃO E ESCOAMENTO DISTRIBUTIVO EM


SISTEMA METABÓLICO AGROFLORESTAL NO
ASSENTAMENTO FAZENDA PIRITUBA II: O CASO
DO SÍTIO PANELA CHEIA E OS OBSTÁCULOS À
RECAMPESINIZAÇÃO ASSOCIATIVA/COOPERADA DO
TRABALHO SOCIAL AGRÁRIO

As contradições da inserção do assentamento Fazenda Pirituba II


não cessavam na experiência, politicamente atritada, entre as
assentadas cooperadas em torno da COOPLANTAS e algumas das
direções de outras cooperativas do próprio assentamento.
314
Outras experiências produtivas/distributivas, por exemplo, tiveram
encaminhamento diverso daquele registrado com a COOPLANTAS,
no interior do assentamento Fazenda Pirituba II, ao longo da
primeira e segunda décadas do século XXI.
Ainda durante o período de vigência do “projeto de transição
agroecológica”, na década de 2000, no assentamento em questão, a
família, mais especificamente o cônjuge, de uma das fundadoras
do coletivo de mulheres (COSTA NETO, 2011, ANEXO 3) do
assentamento criou e desenvolveu uma atividade de produção
calcada na tecnologia alternativa conhecida como sistema
agroflorestal (SAF).
Este sistema consiste, grosso modo, em gerar produtos
ecologicamente adaptados ao meio ambiente – com a utilização de
sementes nativas, não hibridizadas, nem geneticamente modificadas
– para a geração de paisagem arbórea em meio à qual se produzem
diversas variedades agrícolas, de características alimentares
(NAREZI; BESKOW, 2007; COSTA NETO, op. cit.).
O escoamento deste tipo de produção caberia à cooperativa de
distribuição de produtos do assentamento e dos agricultores
familiares do entorno – COAPRI – que estava à frente da destinação
da produção agropecuária ao mercado.
Os produtos comercializados pela COAPRI, transformados em
mercadorias, eram basicamente aqueles produzidos pelas
cooperativas de produção já existentes no assentamento, que
produziam de forma convencional utilizando-se de matérias-primas
extraídas pela via do instrumental produtivo da revolução verde
capitalista agrária.
O assentado da área agroflorestal, ao qual me refiro, tentou por
diversas vezes obter junto à cooperativa de distribuição do
assentamento o direito ao reconhecimento formal da distinção
tecnológica de sua produção, para fins de inserção tecnicamente
diferenciada no mercado abrangido pelos canais de comercialização
da cooperativa.
Os dirigentes e os cooperados de base não negavam explicitamente
tal possiblidade, mas a verdade é que a questão não foi realmente
debatida, e muito menos encaminhada favoravelmente à demanda
do agricultor agroflorestal.
315
Em um determinado momento, o referido assentado parece haver se
resignado com a situação e admitiu, em entrevista de pesquisa, que
o feijão por ele produzido em agroecossistema tecnologicamente
adaptado (COSTA NETO, op. cit., ANEXO 4) às condições
necessárias e suficientes para a reprodução equilibrada das espécies
arbóreas e agrícolas – portanto um produto, a seu ver, diferenciado
positivamente da quase totalidade dos outros produtos dos demais
agricultores da cooperativa, assentados ou não, tais como o feijão
por ele plantado e colhido agroflorestalmente –, seria
comercializado da mesma forma que todos os demais produtos
mercantilizados pela cooperativa.
O feijão sem agrotóxicos do agricultor agroflorestal do sítio panela
cheia juntava-se ao conjunto dos feijões produzidos e encaminhados
para comercialização pela cooperativa, com o mesmo preço de
mercado do feijão produzido com defensivos químicos, de forma
convencional.
O que o agricultor assentado pretendia obter era o atestado, por
parte da cooperativa, de que seu produto era diferenciado
ecologicamente dos demais. Isto significaria para ele um preço de
mercado mais elevado, que o incentivasse a continuar produzindo
agroflorestalmente de maneira ecologicamente adequada.
O mencionado produtor assentado queixava-se também do fato de
que a sua produção estava cercada de “veneno” dos produtos dos
demais agricultores convencionais do assentamento e não seria
diferenciado destes produtos nocivos à saúde humana e ao meio
ambiente, quando se destinasse – via a cooperativa – ao mercado.
Enfim, o assentado em questão buscava conseguir, junto à
cooperativa de distribuição, quase a mesma coisa que sua mulher,
enquanto integrante do coletivo de mulheres, tentava obter, junto à
cooperativa de produção, para os fármacos do coletivo: o apoio das
cooperativas para a diferenciação qualitativa de produtos não
convencionais, com o objetivo de alcançar preços diferenciados a
estes produtos em nível de mercado.
O agricultor assentado, no caso específico da produção
agroflorestal, procurava exercer uma pressão sobre o grupo
cooperativo ao qual ele estava integrado. A intenção do agricultor
agroflorestal era conseguir a intermediação da cooperativa de
316
distribuição para a obtenção do selo SPG – o mesmo que o coletivo
de mulheres somente conseguiu obter quando se transformou em
cooperativa jurídico-legal específica: a referida COOPLANTAS.
O produtor assentado agroflorestal procurou constituir, neste
ínterim, uma organização de produção e comercialização própria
para produtores agroecológicos: a associação Agrovida. (COSTA
NETO, op. cit., ANEXO 5). Ainda que esta tivesse sido realmente
criada, o assentado não conseguiu – ao menos no período flagrado
pela elaboração deste texto – capacitar-se para a obtenção do selo
SPG e continuou a produzir ecologicamente, do ponto de vista
tecnológico, através do sistema agroflorestal em seu
agroecossistema específico: o sítio panela cheia (COSTA NETO,
op. cit., ANEXO 6).
O escoamento distributivo, comercial, de mercado, dos produtos
agroflorestais permaneceu indiferenciado em relação a todos os
demais produtos agropecuários dos cooperativados do assentamento
Fazenda Pirituba II.
Analisando a situação do produtor assentado do sítio panela
cheia percebe-se que, tecnologicamente, sua produção era
efetivamente diferenciada daquela dos assentados que produziam
com “veneno”. Do ponto de vista da divisão social do trabalho, este
agricultor não estava proletarizado, nem era produtivista.
Por outro lado, quando não encontra meios de diferenciar sua
produção, no contexto da distribuição comercial, este agricultor
recai na mesma condição de submissão aos padrões impostos aos
demais trabalhadores das cooperativas produtivistas: “mais-
trabalho”, de caráter abstrato, fora do seu controle – cooperado ou
familiar – em relação a qualquer etapa do processo de trabalho,
além da fase de produção.
O agricultor em questão buscou objetivamente uma
recampesinização associativa ou cooperada, mas ficou isolado em
sua atividade produtiva, perdendo qualquer possibilidade de
interferir nas fases de distribuição comercial, de mercado, de sua
produção qualitativamente diferenciada.
A indiferenciação da produção, em nível da realização comercial é
essencialmente descampesinizadora, pois desestimula o produtor a

317
prosseguir buscando alternativas tecnológicas de distinção no
âmbito da produção em si.
O fato do assentado específico, agroflorestal, não pertencer a
nenhum sistema cooperativo de produção no assentamento o isolou,
por um lado, em relação àqueles assentados inseridos nestas
instâncias de cooperação.
Por outro lado, este assentado não se diferenciou dos demais pela
excelência qualitativa ecológica – e até mesmo econômica – de sua
forma de produzir, na medida em que não conseguiu convencer os
cooperativados de distribuição a aceitar – e a endossar – a sua
reivindicação de produtor qualitativamente diferenciado do ponto de
vista tecnológico.
O produtor assentado em questão continuou trabalhando em sua
área de produção, garantindo a autossubsistência de sua família e
manteve-se integrado à cooperativa de distribuição do assentamento
– mesmo em condições não suficientemente favoráveis ao
reconhecimento mercadológico de sua produção específica.
A recampesinização associativa ou cooperativa deste assentado
ficou inviabilizada pela incapacidade do mesmo em promover uma
divisão social do trabalho referenciada na perspectiva camponesa:
produção tecnologicamente vinculada à terra enquanto ambiente
natural bioticamente respeitado; distribuição controlada, em nível
do processo de trabalho executado, da produção agropecuária – que
tendesse à integração com os demais assentados cooperados ou
associados ou com grupos destes.
O trabalhador assentado em questão não conseguiu percorrer o
caminho que ligasse a produção tecnologicamente diferenciada com
o mercado consumidor, através de canais curtos de comercialização
da produção, devido ao não reconhecimento legal desta distinção
produtiva em relação ao escoamento da produção para o mercado
consumidor.
Os canais de comercialização de sua produção o submeteram, ao
fim e ao cabo, às mesmas limitações produtivas e distributivas dos
outros assentados cooperados. Na divisão social de trabalho do
assentamento, o agricultor agroflorestal ecológico foi submetido às
mesmas regras de mercado de todos os demais produtores, exceção
feita às produtoras da COOPLANTAS como já demonstrado.
318
RECAMPESINIZAÇÃO COOPERADA/ASSOCIATIVA E
TRANSIÇÃO SOCIOTÉCNICA AGROECOLÓGICA: OS
LIMITES REPRESENTADOS PELOS CIRCUITOS LONGOS DE
PRODUÇÃO/DISTRIBUIÇÃO E PELO CICLO DE PRODUÇÃO
SOCIOAMBIENTALMENTE DESTRUTIVO
A recampesinização cooperada/associativa, objetivamente
percorrida pelo referido assentado do sítio agroflorestal panela
cheia ficou inconclusa. Tecnologicamente, do ponto de vista
estritamente produtivo, esta recampesinização evoluiu, mas em
relação à cooperação com fins de distribuição cooperativa ou
associada da produção não houve nenhum avanço significativo.
Neste sentido, a operacionalidade agroecológica – apregoada no
discurso político das cooperativas de produção e distribuição do
assentamento – não foi incentivada na prática, gerando desestímulo
a quem pretendeu interagir produtiva e distributivamente com as
instâncias político-organizativas das cooperativas já constituídas no
assentamento ou que – em um segundo momento – procurou criar
uma forma própria, alternativa, de cooperação associada tolerada,
todavia, não efetivamente respaldada, no âmbito das atividades
produtivas e de comercialização do assentamento.
O cumprimento da função social da terra, inerente à condição de
todos os assentados de reforma agrária no Brasil, foi até certo ponto
alcançado, no caso do produtor em questão, na medida em que a
produção de base ecológica foi distribuída comercialmente em nível
de mercado, proporcionando geração de renda para o agricultor
assentado e abastecendo a sociedade, de uma forma ou de outra.
Paralelamente a isto, porém, o trabalho social do produtor
permaneceu irredutivelmente abstrato, pois o escoamento
distributivo da produção continuou sendo realizado no mercado
capitalista – em circuitos longos de produção/distribuição – de
maneira indiferenciada, como assinalado, em relação aos demais
produtos gerados no assentamento, baseados nas técnicas de
produção convencionais.
A absorção da produção ecologizada, pela via da exposição às
dinâmicas de mercado capitalista – sem qualquer distinção das
formas tecnológicas empregadas na atividade produtiva e, muito
menos, qualquer mecanismo de controle sobre o processo de
319
trabalho como um todo – restringe-se ao que se pode caracterizar
como ciclo de produção socioambientalmente destrutiva.
No ciclo abordado, o fluxo metabólico de energia e materiais
encontra-se obstruído e os dejetos excretáveis acumulados nos
agroecossistemas envolvidos, tendem a superar a capacidade de
suporte e reprodução destes agroecossistemas.
Sob tais condições, no caso específico do produtor assentado
mencionado neste exemplo, a extensão plena do processo de
trabalho produtivo/distributivo é algo que o produtor não controla,
tornando-se assim estranho a ele próprio.

Parte 17

RECAMPESINIZAÇÃO ESPONTÂNEA NÃO


COOPERADA/ASSOCIADA; AUTOSSUFICIÊNCIA
SOCIAL/PRODUTIVA; CONFIANÇA EM ORGANIZAÇÕES
DE PESQUISA/EXTENSÃO ECOLÓGICAS;
DESCONFIANÇA NO TRABALHO INTERFAMILIAR E NA
PRODUÇÃO COLETIVISTA: O CASO DO SÍTIO MORADA
DO CURUPIRA

Uma terceira vertente do trabalho produtivo/distributivo, no


assentamento Fazenda Pirituba II, é aquela na qual o produtor se
recampesina espontaneamente, de maneira familiar, se dissociando
320
literalmente de toda e qualquer forma de cooperação associada no
assentamento.
O assentado que vou identificar como sendo aquele do sítio morada
do curupira (COSTA NETO, 2011; ANEXO 7; MOREIRA;
COSTA NETO, 2011; ANEXO 8) é um exemplo de produtor
consciente de sua condição camponesa familiar. Ele e sua família
resgataram conjuntamente, ao longo do período de
acampamento/assentamento de reforma agrária na Fazenda Pirituba
II, a condição camponesa de suas origens agrárias e estruturaram
uma área de produção tecnologicamente diferenciada de
praticamente todas as outras do assentamento.
Este fato chamou a atenção de institutos de pesquisa e ONGs que
foram ao encontro dos produtores daquela que poderia vir a ser a
denominada a morada do curupira. Em duas áreas não contíguas de
produção, a aludida família de produtores assentados reproduziu
formas ancestrais de relação com a terra incorporando, com o passar
do tempo – e o suporte continuado de técnicos e extensionistas
rurais das instituições de apoio e acompanhamento –, tecnologias
ecologicamente aperfeiçoadas para o trato produtivo
ambientalmente equilibrado da terra.
Os hábitos camponeses da família de produtores, especialmente do
casal assentado, conferiram à produção traços característicos de
identidade com a terra e sua transformação qualitativa.
A transição tecnológica para formas diretamente ecológicas de
produção agropecuária ocorreu rapidamente, de maneira exitosa e
harmoniosa, especialmente no que se refere à montagem e
conservação ampliada da área de produção destinada aos
experimentos agroflorestais.
Do ponto de vista da cooperação, a família foi se afastando, de
forma cada vez mais voluntária, das instâncias de produção coletiva
e da própria cooperativa de distribuição do assentamento. Até
mesmo o contato com outras famílias produtoras, inclusive aquelas
interessadas em produzir ecologicamente, foi sempre muito
rarefeito.
A família de produtores assentados da morada do curupira
desenvolveu, a meu ver, duas características senão contraditórias
entre si, pelo menos suis generis, em relação aos demais produtores
321
daquele assentamento: por um lado, a dinâmica social do grupo de
parentesco apontava para uma relação de produção, consumo e
distribuição de molde intrafamiliar.
A família demonstrava uma autossuficiência social e produtiva – em
relação aos demais assentados e instâncias de direção e deliberação
político/institucionais/organizativas do assentamento; na outra
ponta, o procedimento de adesão e confiança, frente às sistemáticas
abordagens de grupos de pesquisadores e extensionistas, era
diametralmente oposto à desconfiança em relação a outras famílias
de assentados e em particular a qualquer proposta de filiação a
formas de cooperação interfamiliares – também tipicamente
camponesas –, ou mais especificamente ainda quando se tratava de
algum tipo de assédio, no sentido de se estabelecer formas
cooperadas coletivas em cooperativas de produção e/ou distribuição
de produtos agropecuários a serem comercializados.
A resultante deste comportamento, socialmente ambíguo, da família
de produtores assentados aqui referidos, face às aproximações de
caráter produtivo – intercâmbio bem aceito – e distributivo – relação
rejeitada ou restringida – não tardou a tornar-se nítida.
A recampesinização não associativa – do ponto de vista, já frisado,
de contatos com pessoas, famílias e notadamente instituições intra
corporis ao próprio assentamento, nos aspectos da produção e
distribuição –, levou esta família de assentados a ser cada vez mais
receptiva aos apelos de colaboração produtiva e distributiva de
instituições externas ao assentamento.
Da perspectiva da produção, stricto sensu, a família em questão
beneficiou-se largamente dos contatos institucionais, aprimorando
tecnologias de base camponesa e adquirindo informações de grande
utilidade para ampliar o escopo produtivo.
Em relação à circulação dos produtos, a primeira fase da atividade
consistiu na distribuição comercial da produção, para além da
parcela destinada ao autoconsumo, na participação em feiras
regionais ou locais nas quais os seus produtos – ecologicamente
diferenciados – logo se destacaram e passaram a ser procurados por
um público consumidor – notadamente urbano – cada vez mais
ávido em obter seus produtos, ainda que a preços relativamente
mais elevados em termos de mercado. Muitos dos consumidores das
322
feiras passaram a vir a adquirir os produtos no próprio lote da
família, no assentamento.
DESCAMPESINIZAÇÃO COOPERATIVISTA: CERTIFICAÇÃO
ECOLÓGICA PRODUTIVISTA; CIRCUITO LONGO DO
PROCESSO DE TRABALHO; DILUIÇÃO DA FUNÇÃO
SOCIAL DA TERRA; MERCANTILIZAÇÃO DA PRODUÇÃO
ECOLÓGICA
Mais adiante no tempo, a família passou a manter contato com uma
instituição voltada à certificação ecológica, orgânica/biodinâmica,
de produtos agropecuários da região na qual se encontra o
assentamento.
O referido contato passou rapidamente à condição de aproximação
efetiva entre as partes, até que a morada do curupira começou a ser
cliente da certificadora de produção para a distribuição
COPERORGÂNICA (AGRONEGÓCIO PRODUTOS
ORGÂNICOS, 2009; SILVA; SILVA; LOPES; FRANCO;
CANUTO, 2014). Esta cooperativa de produtores, completamente
externa ao assentamento, tinha como uma de suas finalidades
certificar produtos como orgânicos, sem o uso de agrotóxicos. A
cooperativa cobra uma taxa do produtor, para avaliar os produtos, e
o auxilia a colocá-los em nichos de mercado orgânicos.
A certificação de produtos orgânicos/biodinâmicos é um mecanismo
de comercialização mercadológica que não visa os circuitos curtos
de produção – ao contrário, privilegia os circuitos longos que,
conforme assinalado anteriormente, não se restringem a distâncias
mais curtas ou mais longas de circulação dos produtos, mas na
transformação destes em mercadorias, cujo processo de trabalho
para sua confecção e distribuição não é controlado pelo produtor, e
sim pela instituição que habilita a produção, a qual se torna
responsável por garantir a sua colocação no mercado a preços
condizentes com seu caráter ecologicamente diferenciado.
A certificadora, na realidade, é uma instância de intermediação da
produção de base ecológica. É a própria instituição, e não os seus
membros produtores, que determina a normatização da produção e
as condições da comercialização mercadológica.
Neste aspecto há uma imensa diferença entre instituições
certificadoras de caráter e escopo internacional, como a
323
COPERORGÂNICA, e as práticas do Sistema de Participação e
Garantia, a qual confere selos de qualidade a produtos a partir de
condições de acompanhamento geridas e controladas pelos próprios
produtores.
A adesão dos produtores assentados familiares da morada do
curupira à COPERORGÂNICA, estimulou a família em questão a
produzir mais quantidade de determinados produtos, os quais
poderiam obter preços de mercado mais compensadores. Foi o caso
da produção de abacaxi da referida família assentada, que passou a
ser um dos carros chefe da produção de mercado desta família de
agricultores assentados, tendo em vista suprir uma fatia de mercado
intermediada pela mencionada certificadora.
O circuito longo do processo de trabalho, neste caso, tendeu
ironicamente a ter um efeito descampesinizador na família
produtora, pois os laços camponeses entre humanidade e natureza
ficariam menos intensos com a imersão dos produtores no mercado
capitalista de produtos orgânicos (SEVERO e PEDROZO, 2007, p.
340-367; COM AGRICULTURA FAMILIAR, MST ENTRA NO
MERCADO CAPITALISTA, 2013), via a cooperativa de produção
intermediadora.
Ainda assim foi possível constatar que o caráter camponês do
empreendimento familiar mantém-se, todavia, bastante preservado,
embora não estivesse passando incólume pela relação com a
intermediadora da distribuição certificada.
O que mais chamou a atenção, neste caso, foi o afastamento quase
que completo da família em relação às instâncias de produção e
distribuição, coletivistas ou não, do assentamento. A aproximação e
posterior adesão a uma instituição distributiva, com o perfil
mercadológico da COPERORGÂNICA, por parte da família
camponesa observada, levou a uma forma de cooperativização
associativa pela qual a função social da terra, específica dos
assentamentos rurais no Brasil, se diluiu profundamente.
O trabalho social passou a ser praticado pela família de produtores
assentados, com uma mediação externa que representou a perda de
contato direto do produtor com o seu produto. A mercadoria, na
qual o produto foi transformado, adquiriu caráter abstrato para o
produtor. O curioso, neste caso, é perceber que os produtores
324
assentados migram de uma situação na qual os seus vínculos sociais
– e de produção e consumo – são praticamente restritos à sua
própria família, o que os afasta de uma condição de
recampesinização associativa/ cooperada, para estabelecer relações
fortemente associativas, de mercado, fora do assentamento.
Em um primeiro momento – estritamente camponês – praticamente
não havia cooperação, para além do sentido intrafamiliar e, em
função disso, também não havia compromisso com o trabalho social
produtivo/distributivo fora dos limites intra ou, no máximo,
interfamiliares. Algum tempo depois, a cooperação associativa já
extrapolava os limites do assentamento e o trabalho social ia além
da função social da terra, permitindo àquela família uma interação
mercadológica, senão realmente produtivista, certamente abstrata,
no sentido dos laços cada vez mais intensos de dependência
econômico-financeira frente ao mercado capitalista formado por
nichos de consumo – nacionais e internacionais – de produtos
certificados de procedência orgânica e base ecológica, através de
critérios de avaliação tecnológica, cada vez mais estranhos às
características dos produtores de fato.

Parte 18

METODOLOGIA PARA QUESTIONAR O PROCESSO


HISTÓRICO CAPITALISTA AGRÁRIO EM
ASSENTAMENTOS RURAIS DE REFORMA AGRÁRIA NO
BRASIL POLITICAMENTE INFLUENCIADOS PELO
MST/LVC: TERRITORIALIZAÇÃO; ESPACIALIZAÇÃO;
FUNÇÃO SOCIAL DA TERRA

É possível inferir dos exemplos dos casos acima descritos –


coletados em diferentes áreas e períodos junto a assentados rurais
coletivizados, cooperativados, associados e familiares na Fazenda
Pirituba II – um método de interpretação passível de ser aplicado a
325
situações nas quais o processo histórico capitalista agrário no Brasil
proporciona brechas para seu questionamento objetivo e, até certo
ponto, consciente, por parte de assentados de base, que pode ser
extrapolado no sentido de influenciar tomadas de decisão político-
organizativa por assentados de reforma agrária pelo país,
notadamente naqueles assentamentos cujas direções políticas
estejam filiadas à corrente MST/LVC.
E por que vislumbrar, em primeiro plano, os assentamentos
dirigidos pelo MST? Porque o MST/LVC está territorializado em
todas as regiões geopolíticas do país, tendo assim alcançado uma
ampla espacialização em nível nacional.
A partir desta referência à territorialização e espacialização do
MST/LVC faz-se necessário agregar o dispositivo jurídico-legal
constante da Constituição Federal brasileira pelo qual os assentados
rurais de reforma agrária no país devem cumprir a função social da
terra, isto é, necessitam produzir e distribuir socialmente o que
produzem, para além do autoconsumo (CONSTITUIÇÃO
FEDERAL BRASILEIRA, 1988, artigo 184, capítulo III, p. 113;
CAMPOS, 2011. cap. 4; p. 125).
O mencionado procedimento só se torna possível se se considera
que os assentados estão regidos por normas de acesso à terra que os
diferenciam dos proprietários agrários brasileiros em geral – em
qualquer escala de produção e extensão territorial –, os quais detêm
títulos individuais de propriedade jurídico-legal sobre a parcela de
terra que lhes corresponde, oriunda da relação de compra e venda
estabelecida em nível de mercado.
Estes três fatores interligados são os pilares de sustentação
estrutural para o questionamento do processo histórico capitalista
agrário de desenvolvimento das forças produtivas, no caso brasileiro
contemporâneo.
A função social da terra impõe aos assentados rurais que produzam
não somente para si e suas famílias, ou para os demais produtores
do próprio assentamento ou, ainda, visando a lucratividade de
mercado como atividade fim.
Ao contrário, a função social da terra de cada assentado, em seu lote
e/ou agrovila, além de não fazê-lo proprietário jurídico-legal da

326
terra prevê responsabilidades no sentido de produzir para o conjunto
da sociedade.
Agregando-se a este fator a capacidade demonstrada ao longo de
décadas pelo MST – posteriormente aliado à LVC – de
territorialização e espacialização, consistentes e prolongadas,
percebe-se que seria possível cogitar – em centenas de
assentamentos, e áreas de acampamentos pré-reforma agrária
politicamente dirigidos pelo MST/LVC – a superação do controle
social e do submetimento econômico exercido pelo agronegócio
industrial internacional sobre eles.
Para que possa surgir efetivamente uma possibilidade de
estruturação de um processo histórico, ao mesmo tempo paralelo e
contraditório ao vigente, no campo brasileiro, se faz indispensável
que outros itens sejam relacionados aos aqui mencionados.
Os exemplos a que me referi acima, extraídos de um único, mas
muito significativo assentamento – dirigido politicamente pelo
MST/LVC no Estado de São Paulo, núcleo duro do agronegócio
industrial no país – ajudam a elencar os desafios interpostos à
formação e consolidação territorial/espacial de um conjunto de
assentamentos rurais de reforma agrária no Brasil, capaz de fazer
frente ao predomínio absoluto do processo histórico capitalista
agrário no país.
Os elementos constitutivos emanados da exemplificação registrada
nas experiências de grupos de assentados, e sua relação com as
direções políticas do assentamento e com o mercado capitalista –
controlado pelas aspirações de desenvolvimento rural expandido do
agronegócio – revelam algumas situações das quais é possível
antever características próprias ao estabelecimento de contextos
socioambientais, nos quais prosperaria um processo histórico
autônomo em relação ao vivenciado pelo predomínio absoluto das
demandas e retornos advindos do agronegócio.
A base de toda a expectativa, em torno da perspectiva de
constituição de um processo histórico que reaja à marcha –
aparentemente inexorável e inelutável – do capitalismo agrário no
campo brasileiro, funda-se na função social da terra nos
assentamentos de reforma agrária e expande-se pela capacidade de

327
territorialização e espacialização do MST/LVC nos assentamentos
sob a sua influência política.
AGRONEGÓCIO E TRABALHADORES RURAIS NOS
ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL:
LUTA DE CLASSES OU CONFLITO ENTRE FRAÇÕES DA
MESMA CLASSE SOCIAL AGRÁRIA?
A partir destes pilares de sustentação erguem-se outros fatores
essenciais a uma proposição de caminho para a transição
sociotécnica no agro brasileiro, que não seja dependente das
premissas do capitalismo agrário.
O agronegócio no Brasil – como corolário
financeiro/comercial/mercadológico da expansão globalizante da
agroindústria – necessita impor um ritmo de trabalho no campo que
corresponda às expectativas produtivistas de máximo rendimento da
atividade de trabalho, aliado a aparatos tecnológicos que
proporcionem suporte a esta expectativa de geração de produtos em
quantidade (agro) industrial.
A capacidade produtiva do agronegócio depende fundamentalmente
da prática de trabalho – no caso dos assentamentos de reforma
agrária no Brasil – em ritmos e condições produtivistas, com fins
mercadológicos.
O trabalho abstrato, consubstanciado na mercadoria que gera
mercadoria, na era do agronegócio, já não mais depende tão
somente da exploração direta do trabalho assalariado –
subsunção real do trabalho ao capital agrário –, mas incorporou
plenamente a subsunção formal do trabalho rural ao capitalismo
agrário.
O agronegócio pode prescindir da plena proletarização do campo,
em função da imposição do trabalho social abstrato ao conjunto de
trabalhadores agrários, associando formas diversas e, às vezes,
aparentemente contraditórias, de tecnologização agrária.
No caso dos assentamentos com as características assinaladas e
exemplificadas, as tecnologias agropecuárias extrapolavam aquelas
formas clássicas da revolução verde, mas, mesmo assim, como já
analisado, foram submetidas à mercantilização, controlada pelo
agronegócio – tanto em termos, estritamente, da transformação
produtiva – ou, o que se tornou mais comum, no plano da
328
distribuição comercial/financeira/mercantil dos produtos. Foi visto
que produtores, tecnologicamente desapegados do modelo clássico
da revolução verde capitalista agrária, mantinham-se submetidos ao
controle do agronegócio por integrarem, conscientemente ou à sua
revelia, cadeias produtivas nacionais e internacionais do
agronegócio – as quais operam nos circuitos longos de controle do
trabalho social sobre a produção agrária – e nas certificações de
produtos orgânicos, as quais viabilizam a inserção dos produtos
tecnologicamente alternativos no mercado internacional capitalista
agroindustrial capitaneado pelo agronegócio.
O enfrentamento dos assentamentos com o agronegócio passa
necessariamente pela formação, ainda que incipiente e transitória,
de um processo histórico de desenvolvimento das forças produtivas
no campo que almeje a contraposição, social, econômica,
ecológico/ambiental ao agronegócio internacional.
A luta de classes entre trabalhadores rurais –
submetidos real ou formalmente ao agronegócio capitalista agrário
nos assentamentos de reforma agrária no Brasil – e o próprio
agronegócio passa pela conscientização e intervenção dos
trabalhadores nos mecanismos econômico/ecológicos de dominação
do agronegócio no campo brasileiro, que estão representados pela
subsunção – real ou formal – da força de trabalho no campo.
A constituição de uma classe, e sua respectiva fração específica, que
se oponha objetiva e, cada vez mais, conscientemente, à prática do
trabalho social abstrato nos assentamentos de reforma agrária –
como extensão do que ocorre com os trabalhadores do campo, como
um todo, no Brasil – é a condição da resistência à produção
destrutiva conduzida pelos interesses produtivistas, mercantis, de
acumulação de capital no campo, pela via do agronegócio industrial
internacional.
O que ocorre hoje – e fica demonstrado, a meu ver, nos exemplos
empíricos apresentados e avaliados, no assentamento referenciado –
é uma situação na qual as direções políticas dos assentamentos – no
caso específico do assentamento referido, as direções do MST/LVC
– partem para o enfrentamento com o agronegócio, enquanto fração
conflitiva de uma mesma classe social: a do “mais-trabalho”.

329
No caso do assentamento em questão, constata-se que a política
adotada pela reforma agrária popular do MST/LVC, a qual
estabelece como parâmetros as cooperativas de produção
coletivistas, agroindustriais, fundadas na matriz de produção
tecnológica agroecológica, delimita, ainda que não explicitamente,
uma proposta de desenvolvimento de forças produtivas na qual se
privilegia o cooperativismo como forma de sociabilidade do
trabalho produtivo, de caráter coletivo, agroindustrial.
AGROINDÚSTRIAS CAPITALISTAS OU COLETIVISTAS
COOPERATIVADAS: PROLETARIZAÇÃO DA FORÇA DE
TRABALHO; CIRCUITO LONGO DE
PRODUÇÃO/DISTRIBUIÇÃO; PRODUTIVISMO MERCANTIL
Assim sendo, a produção coletiva é proletarizada, mesmo que sem o
regime de assalariamento da força de trabalho – no caso, dos
próprios assentados rurais cooperativados, de reforma agrária.
Os trabalhadores rurais assentados, sob estas condições, atuam
coletivamente para produzir mercadorias que vão ser escoadas
distributivamente, a fim de gerar montantes financeiros capazes de
manter a estrutura das cooperativas de produção e distribuição e
garantir renda monetária aos assentados cooperativados.
Estes assentados cooperativados produzem para o mercado
capitalista sem nenhum instrumento que lhes garanta controlar,
minimamente, o resultado de seu trabalho. Nestas condições, a
comercialização da produção ocorre em circuitos longos de
distribuição, tanto no sentido do distanciamento físico das
mercadorias transacionadas, como também em termos do caráter
abstrato do trabalho executado.
O circuito longo, em relação ao distanciamento do produtor frente
ao trabalho social executado, é análogo à atividade fabril
agroindustrial do capitalismo agrário. A diferença pontual reside no
fato de que na agroindústria capitalista é o assalariamento que
distancia o trabalhador dos meios de produção – a subsunção real do
trabalho ao capital agrário –, enquanto na agroindústria
cooperativada coletivista, o trabalho social do produtor assentado
permanece absolutamente abstrato, na medida em que ele não
desenvolve mecanismos de controle sobre o processo de produção e,
por isso mesmo, não acompanha a formação dos preços das
330
mercadorias comercializadas, predominando aí a
subsunção formal do trabalho ao capital agrário.
O trabalho agroindustrial possui perfil majoritariamente proletário,
operando em circuitos longos de produção e distribuição de
mercadorias. A consequência direta deste fator é que a divisão
social de trabalho na agroindústria opõe, sob qualquer forma de
produção – capitalista assalariada ou coletivista cooperativada
agrária –, o trabalho proletário rural, em escala de produção fabril,
ao capital agrário.
O processo de trabalho em circuito longo de produção e distribuição
foge ao domínio do trabalhador, caracterizando uma situação de
trabalho social, material, abstrato. Assim, a divisão social do
trabalho, em condições de coletivização cooperativada da produção
agroindustrial é regida pelo trabalho abstrato, produtivista, pelo qual
o ritmo de trabalho imposto aos produtores – pelo sistema de
produção determinado pelas necessidades de expansão dos circuitos
longos de mercado – mantém-se sempre em nível constantemente
acelerado.

Parte 19

AGROECOLOGIA EM ASSENTAMENTOS RURAIS DA


REFORMA AGRÁRIA POPULAR DO MST/LVC NO
BRASIL: APROPRIAÇÕES AGROECOSSISTÊMICAS
PARA A TRANSFORMAÇÃO, CONSUMO E
DISTRIBUIÇÃO LIBERADORES DO FLUXO
METABÓLICO DE ENERGIA E MATERIAIS? OU
MATRIZES TECNOLÓGICAS DE PRODUÇÃO
ADAPTADAS AO TRABALHO SOCIAL AGRÁRIO
ABSTRATO PRODUTIVISTA MERCANTIL –

331
CAPITALISTA OU COLETIVISTA – SÓCIO-AGRO-
AMBIENTALMENTE INSUSTENTÁVEIS?

A matriz tecnológica de produção proposta na reforma agrária


popular é denominada de agroecológica, mas como ela pode ser
agroecológica, no sentido do livre fluxo metabólico de energia e
materiais circulantes nos agroecossistemas, se o que predomina, em
termos de trabalho social são os circuitos longos de
produção/distribuição de mercadorias?
Estabelece-se assim uma contradição conceitual: ou
a agroecologia limita-se conceitualmente a um tipo de matriz
tecnológica da produção, adaptável a toda e qualquer forma de
trabalho social e correspondente a todo e qualquer tipo de divisão
social do trabalho – inclusive a proletária, seja a capitalista agrária
ou a coletivista cooperativada – sempre em ritmos produtivistas
para o mercado em circuito longo; ou a agroecologia vai além,
conceitualmente, das matrizes tecnológicas de produção
convencionais ou alternativas – embora as abarque –, e não se
adeque, por definição, a formas de divisão social agroindustriais do
trabalho agrário, que englobam a proletarização do trabalho
produtivo – seja em condições de capitalismo agrário ou de
coletivismo cooperativado, pois ambas as modalidades de produção
priorizam os circuitos longos de produção e distribuição de
mercadorias, sendo, por esta razão, sempre passíveis das exigências
de ritmos produtivistas de trabalho social, material.
Enfim, o que quero afirmar é que a noção reducionista de
agroecologia, como sinônimo de matriz tecnológica da produção
debilita o sentido mais amplo e abrangente da definição de
agroecologia que estou utilizando neste texto.
A agroecologia, compreendida do ponto de vista dos fluxos
metabólicos em agroecossistemas opõe-se, por princípio teórico-
metodológico, ao desenvolvimento capitalista agrário das forças
produtivas, pois este tipo de desenvolvimento conduz
inexoravelmente ao bloqueio agroindustrial produtivista,
distributivo, em circuitos longos, dos fluxos metabólicos
agroecossistêmicos de energia e materiais, de caráter
socioambientalmente sustentáveis, livres de obstruções em suas
332
trajetórias de apropriação, transformação, consumo, distribuição em
ambiente natural, moldado pela ação social humana através de
práticas de trabalho agrário.
Do ponto de vista agroecológico, os dejetos excretáveis, resultantes
das atividades humanas no ambiente natural acima descritas, não
podem bloquear o fluxo metabólico de energia e materiais dos
agroecossistemas (re) constituídos ao longo de suas etapas de
formação.
As tecnologias, a serem utilizadas para a obtenção de fluxos
socioambientalmente sustentáveis de energia e materiais,
condizentes com a autorregeneração prolongada de
agroecossistemas são condicionadas pela introdução de formas de
trabalho social cujas características promovam esta sustentabilidade.
Em outras palavras: as tecnologias em si mesmas não são
sustentáveis, o que as faz serem sustentáveis, em termos
agroecológicos, socioambientais, é a forma de trabalho a que estão
dialeticamente condicionadas.
O processo histórico capitalista agrário de desenvolvimento das
forças produtivas, na concepção de Marx, continha o vício de
origem da falha metabólica, pois tendia a separar a humanidade da
natureza que assim se exteriorizava em relação à própria
humanidade.
A agroecologia inspira-se em Marx quando aponta para a
inevitabilidade do bloqueio metabólico dos fluxos de energia nos
agroecossistemas, em condições de trabalho social sob as formas
capitalistas de produção/distribuição de mercadorias em circuitos
longos de operacionalidade.
Então, não são as tecnologias que provocam ou previnem as falhas
metabólicas nos agroecossistemas, mas as formas de trabalho que
agem condicionando estas tecnologias. O desenvolvimento das
forças produtivas no capitalismo agrário contemporâneo utiliza-se
de tecnologias convencionais e alternativas, indistintamente, para a
reprodução de meios de manutenção, fortalecimento e expansão do
trabalho social abstrato.
Esta forma de trabalho abstrato é antiagroecológica por definição.
Então como poderia uma tecnologia submetida a esta forma de
trabalho ser considerada agroecológica? Quando se desagrega,
333
interpretativamente, a tecnologia em relação à forma de trabalho a
que ela se encontra dialeticamente condicionada – a tecnologia de
base ecológica, não convencional frente ao trabalho social abstrato –
corre-se o risco de se cometer equívocos conceituais. É o caso do
referido reducionismo conceitual praticado quando se define
como agroecológicas as matrizes tecnológicas utilizadas na
produção capitalista agrária ou coletivista cooperativada.
Nestes casos, a matriz tecnológica não pode, sob nenhuma
circunstância, ser considerada agroecológica pois se encontra, em
última instância, submetida ao processo histórico capitalista agrário,
no qual se exige que o trabalho social adquira contornos
produtivistas, pela lógica da constante e indefinida intensificação
dos ritmos e tempos de trabalho. Isso conduz, necessariamente, ao
bloqueio do fluxo metabólico de energia e materiais dos
agroecossistemas envolvidos.
As matrizes tecnológicas, nas condições referidas, mesmo quando
ecologicamente corretas, não são por si mesmas agroecológicas,
pois atuam em sintonia com a insustentabilidade socioambiental
agroecossistêmica.
Em suma, o desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo
agrário no Brasil, que engloba experiências localizadas de
coletivismo cooperativista agroindustrial não assalariado, ocorre no
contexto de um processo histórico, no qual determinadas formas de
produção e distribuição de mercadorias assumem feições
ecologicamente favoráveis à preservação e o fortalecimento das
relações da humanidade com o ambiente natural, gerando uma
aparência de atividade sócio ambientalmente sustentável.
A matriz tecnológica de produção, com estas feições, está inserida
no referido processo histórico – tanto quanto qualquer outra matriz
tecnológica – funcional ao capitalismo agrário, em confronto aberto,
do ponto de vista ecológico, com o ambiente socionatural.
PRODUÇÃO DESTRUTIVA NAS MATRIZES TECNOLÓGICAS
DO PROCESSO HISTÓRICO DE DESENVOLVIMENTO
CAPITALISTA E COLETIVISTA AGRÁRIOS NO BRASIL:
FRAÇÕES DE CLASSE CONFLITANTES ENTRE
AGRONEGÓCIO E COLETIVISMO AGRÁRIO OU LUTA DE

334
CLASSES PARA A TRANSIÇÃO SOCIOTÉCNICA NÃO
DESTRUTIVA?
Em situações como essas, as fases de apropriação, transformação,
consumo e distribuição – nas quais se inserem as diferentes matrizes
tecnológicas a serviço do desenvolvimento das forças produtivas do
capitalismo agrário – assumem um viés destrutivo, solapando as
bases do trabalho social empregado no processo histórico em
questão e avançando de forma deletéria sobre o ambiente natural.
Mas a grande indagação que se coloca é a seguinte: se o processo
histórico capitalista agrário no Brasil contemporâneo – desde seus
primórdios, na década de 1950, como assinalado anteriormente –
leva necessariamente à produção destrutiva – de maneira cada vez
mais acelerada –, então estamos diante de um fatalismo histórico, no
qual desponta uma única classe social agrária, cujas frações
disputam espaços e territórios no campo para levar adiante formas
de produzir que podem ser conflitantes, mas que também possuem
características de complementariedade entre elas?
Eu reafirmo que, teoricamente, existe contemporaneamente, no
Brasil, uma classe social dominante, capitalista agrária, e frações
desta classe, configuradas em setores agroindustriais englobados no
aparato político-financeiro do agronegócio internacional, mas
também frações de classe críticas dos métodos do agronegócio,
porém adeptas do trabalho social coletivista, cooperativista,
produtivista, agroindustrial.
A classe social para a qual todas estas frações de classe convergem,
mesmo com graves embates entre elas, é a classe social agrária que
se estrutura a partir da relação estabelecida com formas de trabalho
abstrato, produtivistas, de mercado.
Esta classe e suas frações em disputa vão além da proletarização
assalariada da força de trabalho, mas recorrem a cadeias
produtivas/distributivas/mercantis em circuitos longos de
operacionalidade; apoiam-se na divisão social do trabalho que
reflete a oposição de classe entre o proletariado rural e o capitalismo
agrário, contendo nuances relacionadas, notadamente no caso do
agronegócio industrial, com a formação das referidas cadeias
produtivas formadas por trabalhadores não assalariados.

335
As tecnologias adotadas por quaisquer das frações de classe do
capitalismo agrário, em confronto político, variam desde aquelas
nas quais prevalece a matriz convencional da produção capitalista
no campo: baseada em insumos e defensivos, químicos, e
maquinário pesado. E, cada vez mais amiúde, abrangem setores da
matriz alternativa, de base agropecuária ecológica – composta por
insumos biológicos e maquinário leve ou ausência de maquinário.
PERSPECTIVAS DE SUPERAÇÃO DO PROCESSO
HISTÓRICO CAPITALISTA AGRÁRIO DE
DESENVOLVIMENTO DESTRUTIVO DAS FORÇAS
PRODUTIVAS A PARTIR DE ASSENTAMENTOS DE
REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL: A REDEFINIÇÃO DA
DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO AGRÁRIO PELA
RECAMPESINIZAÇÃO ASSOCIATIVA
Sendo assim, outro questionamento se coloca: a luta de classes no
campo está necessariamente restrita ao embate entre as frações de
classe do “mais-trabalho” social, de caráter abstrato, ou existe
alguma perspectiva histórica de superação do atual processo de
desenvolvimento destrutivo das forças produtivas no campo – e da
consequente instauração de outra etapa de luta de classes – que
oponha historicamente os que se alinham, de uma maneira ou de
outra, ao trabalho social produtivista, aos que resistem e buscam
uma saída, como classe social, para esta situação?
O trabalho agrário abstrato socioambientalmente destrutivo e, em
decorrência disso, insustentável econômica e ecologicamente, não
pode ser enfrentado a partir de formas tecnologicamente alternativas
de produção e distribuição de mercadorias em circuitos longos.
À classe social do trabalho agrário abstrato somente pode se opor
outra classe social, que contenha características tecnológicas
ecologicamente corretas, que reagrupe socialmente os trabalhadores
agrários, viabilizando assim a redefinição da divisão social do
trabalho no campo, para além do capitalismo agrário social e
tecnológico.
Refiro-me aqui à possibilidade histórica, no Brasil, de uma
recampesinização associativa a partir de algumas pré-condições
sociais, antevistas por Marx – quando de sua análise da transição da

336
comuna russa para o capitalismo, ou diretamente em direção a
alguma forma de socialismo (SEGRILLO, 2017. p. 479-496).
As pré-condições para que isso ocorra já demonstradas neste texto
como viáveis, pelo menos em relação à reforma agrária vigente no
país, seriam: a função social da terra, a territorialização dos
trabalhadores agrários e a espacialização da reforma agrária com
seu espraiamento por todas as áreas geopolíticas do país. Estas
seriam condições básicas, mas não suficientes, a meu ver, para fazer
despontar uma nova classe, de resistência e de superação do
trabalho agrário abstrato no campo brasileiro.
CARACTERÍSTICAS DA CLASSE SOCIAL DA TRANSIÇÃO
SOCIOTÉCNICA – PARA ALÉM DO CAPITALISMO
AGRÁRIO – EM ASSENTAMENTOS RURAIS NO BRASIL:
LUTA DE CLASSE CONTRA O PRODUTIVISMO;
TRANSIÇÃO PARA CIRCUITOS CURTOS DO PROCESSO DE
TRABALHO; CONTROLE SOCIAL E POLÍTICO DOS TEMPOS
E RITMOS DE TRABALHO PARA A TRANSFORMAÇÃO E
DISTRIBUIÇÃO DOS PRODUTOS; AGROECOLOGIZAÇÃO
DOS FLUXOS METABÓLICOS AGROECOSSISTÊMICOS
As demais condições para a transição sociotécnica, no sentido de
superar o predomínio absoluto da classe capitalista agrária e de suas
respectivas frações, seriam a luta contra o produtivismo econômico,
pela via da transição da produção/distribuição de mercadorias para
circuitos curtos de operacionalização e, em decorrência disso, a
busca continuada pelo controle social e político dos tempos e ritmos
de trabalho necessários à confecção e distribuição dos produtos.
Isto é, a procura pelo caminho em direção ao circuito curto,
tecnologicamente ecologizado, que capacite os trabalhadores rurais
– no caso específico, os assentados da reforma agrária brasileira – a
reduzirem a dependência e ampliarem a autonomia, cada vez mais
intensamente, em relação ao processo de trabalho social ao qual
estão submetidos.
Paralelamente, nestas condições, tende a ocorrer uma redução
sistemática dos ritmos agroindustriais do trabalho social e a
consequente agroecologização dos assentamentos, pois a tendência,
neste caso, é que as etapas de apropriação, transformação, consumo
e distribuição passem a ser regidas pelo circuito curto de produção e
337
circulação de mercadorias – já durante a transição sociotécnica em
operacionalidade – provocando uma tendência, a ser mensurada, de
desobstrução do fluxo metabólico de energia e materiais nos
agroecossistemas em questão, devido à redução progressiva dos
dejetos excretáveis oriundos das fases de produção/circulação de
mercadorias.
A transição sociotécnica, em marcha, embute o potencial para fazer
com que se estabeleça em futuro ainda não vislumbrável, a figura
social do produtor associado, antevisto por Marx como o ser social
histórico que protagonizaria a sociedade pós-capitalista agrária, de
fato, para além das classes sociais em antagonismo.
O PRODUTOR ASSOCIADO “GERMINADO” EM
ASSENTAMENTOS RURAIS DE REFORMA AGRÁRIA NO
BRASIL: UM SENTIDO HISTÓRICO, DIALÉTICO,
MATERIAL, PARA A SUPERAÇÃO DA FALHA
METABÓLICA ENTRE HUMANIDADE E NATUREZA
EXTERIORIZADA; E PARA A DESOBSTRUÇÃO
AGROECOLÓGICA DOS FLUXOS METABÓLICOS DE
ENERGIA E MATERIAIS EM AGROECOSSISTEMAS
A origem do produtor associado, e da sociedade na qual a falha
metabólica entre humanidade e natureza tenda a ser suprimida, já se
encontra em germe, a meu ver, nas experiências concretas aqui
apresentadas e examinadas, de um assentamento rural da reforma
agrária brasileira vigente, cujas orientações políticas são discutidas
e transmitidas no âmbito do principal – e mais influente –
movimento agrário brasileiro das últimas três décadas: o MST/LVC.
Para concluir, retorno à questão inicial deste texto: a obra de Marx e
a da corrente agroecológica de pensamento e ação podem conviver,
teórica e politicamente, ou estão fadadas a se contraditarem?
Tomando o referencial teórico que subsidia este texto – e anexando
a ele a análise da situação concreta das nuances socioeconômicas
ecológico/ambientais em um determinado assentamento rural de
reforma agrária no Brasil – é possível reavaliar este questionamento.
A obra de Marx, aqui revisitada, parte da noção de falha metabólica
entre humanidade e natureza exteriorizada para definir o processo
histórico inaugurado pelo capitalismo agrário na Europa ocidental
da segunda metade do século XIX.
338
Marx afirma que o capitalismo agrário, ao mesmo tempo em que
promovia o desenvolvimento das forças produtivas da humanidade,
explorava a força de trabalho social e espoliava a natureza
exteriorizada em busca de riquezas que permitissem a constante
acumulação de capital.
As forças produtivas desencadeadas pelo capitalismo agrário eram
compostas por trabalhadores assalariados proletarizados do campo,
agrupados em atividades fabris agroindustriais; tecnologias de
produção e distribuição das mercadorias geradas pela atividade
agroindustrial, incorporadas aos produtos, a partir de pesquisas,
técnico-científicas e a decorrente divisão social do trabalho entre as
classes burguesa agrária e proletária rural.
O proletariado rural do século XIX na Europa ocidental teria – na
concepção de Marx – a função de reverter o caráter abstrato do
trabalho social, material, tomando revolucionariamente a frente dos
avanços, socioeconômicos e tecnológicos, proporcionados pelo
desenvolvimento das forças produtivas.
Marx, porém, alertava para o fato de que a tendência histórica do
desenvolvimento das forças produtivas, sob o controle da burguesia
agrária, seria a de provocar a ampliação da referida falha
metabólica, gerando uma situação pela qual o desenvolvimento da
produção passaria a ter um viés destrutivo.
Ao longo do século XX este vaticínio de Marx se confirmou: o
capitalismo agroindustrial não foi superado revolucionariamente, no
sentido de eliminar o trabalho abstrato, produtivista, que impunha
ritmos de produção social, cada vez mais intensos, ao mesmo tempo
em que espoliava a natureza exteriorizada.
Na segunda metade do século XX, em consequência dos rumos
destrutivos da produção capitalista agrária – alicerçada no trabalho
abstrato, subserviente às determinações do mercado capitalista
internacional – surgem os primeiros movimentos ecológico-
ambientais como reação à destrutividade física do ambiente natural,
causada pela produção destrutiva do capitalismo agrário.
Naquele momento, o capitalismo agrário já se mostrava
autodestrutivo – social e ecologicamente –, pois sua expansão e
aceleração, visando a acumulação de riquezas, conduziu à
atomização do proletariado rural, anteriormente o grande pilar de
339
sustentação reprodutiva do processo histórico de acumulação
capitalista agrária.
A agroecologia, compreendida aqui como uma vertente do
ecologismo, preocupada em diagnosticar a intensidade da produção
destrutiva capitalista agrária, denuncia o bloqueio metabólico dos
fluxos de energia e materiais nos agroecossistemas socioambientais,
em termos de suas capacidades de autorregeneração frente a formas
de apropriação, transformação, consumo e distribuição de produtos
agropecuários industrializados – ou mesmo em relação à circulação
produtiva de matérias-primas confeccionadas no campo.

Parte 20

O METABOLISMO SOCIAL AGRÁRIO EM MARX E NA


AGROECOLOGIA NO SÉCULO XXI: A TRANSIÇÃO
SOCIOTÉCNICA NO SENTIDO DA EMANCIPAÇÃO DO
TRABALHO SOCIAL E DA SUSTENTABILIDADE DO
AMBIENTE NATURAL
340
A agroecologia, já no século XXI, sistematiza esta elaboração
teórica e assinala o risco dos agroecossistemas não mais se
autorregenerarem, devido à prevalência dos dejetos excretáveis,
gerados no ciclo produtivista – para o mercado – do capitalismo
agrário. Os agroecossistemas estariam então em risco permanente
porque os dejetos da produção capitalista agrária obstruiriam sua
capacidade de reabsorção metabólica.
A agroecologia teria como meta alertar para o problema, identificá-
lo localizadamente nos agroecossistemas específicos e propor
soluções para eles. A meu ver a agroecologia recupera e aprimora,
atualizando temporalmente, a abordagem contida na obra de Marx,
pela qual o capitalismo agrário tornaria o desenvolvimento das
forças produtivas no campo algo metabolicamente destrutivo, do
ponto de vista da relação entre humanidade e natureza. Utilizando
uma terminologia ecológica que não estava ao alcance de Marx,
mas que pode ser projetada de sua obra, o capitalismo agrário se
tornara insustentável em sua marcha de desenvolvimento
produtivista.
As críticas agroecológicas à agroindustrialização capitalista, já no
século XXI, corroboram o cenário antevisto por Marx, um século e
meio antes, no qual a exploração capitalista do trabalho abstrato
agrário se imbricaria com o ataque generalizado às fontes de
matéria-prima da natureza, pela apropriação capitalista agrária das
mesmas; com transformações produtivistas alavancadas por
tecnologias adaptadas a estas transformações, baseadas no controle
social pelo capitalismo agrário sobre os ritmos de trabalho abstrato
da classe trabalhadora no campo; pela distribuição comercial-
financeira global de mercadorias geradoras de acumulação
capitalista agrária em escala mundial.
A resultante deste processo histórico, descortinado no século XXI,
aproxima a crítica revelada e denunciada pela corrente
agroecológica – acerca da destruição metabólica dos
agroecossistemas gerada pelo acúmulo de dejetos lançados ao longo
do desenvolvimento da produção destrutiva – da noção de Marx
sobre a falha metabólica entre humanidade e natureza, inerente ao

341
desenvolvimento das forças produtivas/destrutivas do capitalismo
agrário.
A vinculação entre as concepções de Marx e a corrente
agroecológica pode ser aferida no estudo de caso que este texto
promoveu em alguns agroecossistemas do assentamento rural da
reforma agrária brasileira no século XXI, abordado anteriormente.
Ali se apresentam formas de apropriação, baseadas na função social
da terra, na territorialização e na espacialização agrárias,
correspondentes a uma oposição objetiva em relação às formas
capitalistas de imposição do trabalho social abstrato àquelas
populações agrárias.
Experiências bem-sucedidas de adoção, por parte de coletivos de
assentados, dos circuitos curtos de produção/distribuição de
mercadorias revelam uma atenção com o controle social sobre o
trabalho praticado sob a forma de transformações produtivas da
natureza pela humanidade.
Trata-se, neste caso, de uma atitude de resguardo das
transformações produtivas frente às ameaças representadas pelo
trabalho social abstrato, em termos da imposição de ritmos e tempos
de trabalho social produtivo, coerentes com as expectativas
produtivistas, por parte do capitalismo agrário, como um todo, de
expansão mercantil socioambientalmente, desequilibrada.
As tecnologias de base ecológica, aplicadas de formas bem-
sucedidas em alguns casos e desvirtuadas produtiva e
mercadologicamente em outros, refletem o caráter questionador da
organização social do trabalho abstrato, vigente no entorno do
assentamento e, até certo ponto, reproduzido no interior dele.
A divisão social do trabalho, resultante da resistência objetiva de
determinados assentados à imposição do trabalho social abstrato
tendeu, em mais de uma situação analisada, a reconfigurar a relação
interna do assentamento, no sentido de resgatar o associativismo em
uma perspectiva recampesinizadora, como foi verificado e
assinalado anteriormente.
A distribuição dos produtos não deixou de ter o mercado capitalista
agrário como referência de escoamento da produção, mas colocou
limites nesta correlação. O próprio circuito curto, de produção e
distribuição utilizado, fez com que as mercadorias, oriundas da
342
produção de certos grupos de assentados, passassem pelo crivo
destes trabalhadores, em termos de quantidade e qualidade da
distribuição comercial.
A ruptura, ainda que parcial, em fase de transição sociotécnica, opôs
uma até então insuspeitada reação aos canais longos de distribuição,
cujo controle desde a transformação produtiva era exercido de fora
para dentro do assentamento, pelas instâncias de intermediação da
produção/distribuição – e do trabalho social abstrato, inerente ao
processo – sempre atribuídas ao agronegócio industrial, comercial-
financeiro e suas cadeias produtivas/distributivas de suprimentos e
mercadorias.
Ao menos na experiência avaliada concretamente neste texto, Marx
e a agroecologia aparecem como abordagens teóricas, e de
intervenção nas realidades socioambientais, complementares entre
si.
A noção de metabolismo social agrário, que embasa ambas as
teorias, admite que elas caminhem juntas no sentido de recolocar
aquilo que Marx projetou no século XIX e que agora a agroecologia
permite endossar em suas formulações, pesquisas e práticas
humanístico/naturais: a emergência histórico/social/ecológica do
produtor associado no campo, como uma espécie de arauto da
resistência emancipadora/superadora – de classe – das formas de
trabalho social abstrato.
Cabe aos mediadores sociais e ecológicos contemporâneos
debruçarem-se sobre esta complexa realidade do campo, em
particular na situação brasileira, para adquirirem a melhor
compreensão possível da realidade na qual estão envolvidos, a fim
de se posicionarem à altura de propor saídas para os impasses
sociais e ecológicos que se tornam cada vez mais agudos e que vêm
encontrando – como penso haver demonstrado, de certa forma,
neste texto – resistências potencialmente capazes de afrontar o
predomínio de formas ecológica e socialmente destrutivas à
humanidade e à natureza ainda exteriorizada.

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ANEXOS

ANEXO 1
TRECHO EXTRAÍDO DO CORPO DO PROJETO:
“Transição Agroecológica: sistematização e avaliação das estratégias de ATER do
Programa de Extensão Rural Agroecológica – PROGERA no centro-sul e sudoeste do
Estado de São Paulo.”
Edital MCT/CNPq/MDA/SAF/Dater Nº 033/2009 Processo: 558640/2009-5
Coordenador: Prof. Dr. Canrobert Penn Lopes Costa Neto Referências correspondentes à
Parte 12, deste livro:
TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA EM ASSENTAMENTOS RURAIS DO MST:
READEQUAÇÃO DA MATRIZ TECNOLÓGICA DE PRODUÇÃO NO “PROJETO DE
TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA” NO ASSENTAMENTO FAZENDA PIRITUBA II
O projeto “Transição Agroecológica: sistematização e avaliação das estratégias de ATER
do Programa de Extensão Rural Agroecológica – PROGERA no centro-sul e sudoeste do
Estado de São Paulo” desenvolveu as atividades com as famílias agricultoras das regionais
de Iaras, Itapeva, Botucatu e Pardinho, contemplando cada meta do projeto e
desenvolvendo atividades de reuniões de sensibilização ao projeto em cada regional,
entrevistas semiestruturada com as famílias beneficiadas pelo PROGERA, analise dos
agroecossistemas das propriedades agroecológicas de referência, dias de campo,
portal/Blog específico do projeto http://www.transicaoagroecologica.org/portal/, eventos
de mobilização e intercâmbio e o início da construção do caderno de monitoramento das
propriedades de referência.
O relatório será apresentado de acordo com as metas estabelecida, que são: 1) Avaliação da
tomada de consciência dos beneficiários do PROGERA; 2) Sistematização e avaliação das
metodologias, práticas e estratégias de ATER Agroecológica utilizadas pelo PROGERA;

364
3) Auxilio no planejamento das organizações dos agricultores familiares para o
fortalecimento da transição agroecológica nos seus agroecossistemas; 4) Análise da
conjuntura para a transição agroecológica nas áreas de atuação do PROGERA; 5)
Consolidação das condições para o desenvolvimento de 5 Unidades de Experimentação
Participativa; 6) Ampliação das referências metodológicas para se fomentar processos de
transição agroecológica; 7) Intercâmbio sobre Metodologias para a Transição
Agroecológica entre entidades ligadas as articulações de Agroecologia dos estados do Rio
de Janeiro e São Paulo.
2. Metodologia Geral do Projeto
A metodologia utilizada no desenvolvimento das atividades foi baseada na Investigação
Ação Participativa (IAP), um processo contínuo e organizado de comunicação e discussão,
entre os membros de uma comunidade, a respeito de ações, planejamento, avaliação,
monitoramento e ajustes necessários. Segundo a metodologia, as ferramentas ou técnicas
participativas estão fundamentadas no diálogo entre os membros do grupo e devem
respeitar um princípio fundamental: todos os participantes devem ser considerados como
sujeitos ativos na construção do conhecimento a partir das informações que trazem, bem
como sujeitos na análise de seus problemas, na decisão das soluções e na livre expressão
de suas opiniões, pois todos os atores são motivados a se envolverem no processo,
contribuindo com seus conhecimentos, práticas e experiências.
Tais técnicas são previstas para serem utilizadas de forma grupal e com enfoque
interdisciplinar, desenhadas para produzir informações que refletem, de forma quantitativa
e qualitativa, as características da realidade de onde se parte na Investigação. A idéia geral
é provocar curiosidade, estimular a discussão, fazer um determinado grupo refletir e fazer
emergir os conhecimentos locais e as capacidades de cada um do grupo, bem como o
desejo de entender e ajudar para que se avance na direção da melhoria de suas realidades.
Foram utilizadas as seguintes técnicas participativas:
• Dinâmicas de Grupo;
• Comunicação Oral;
• Visualização;
• Observação de Campo.
A Dinâmica de Grupo, fundamental para trabalhar com grupos de pessoas, proporciona a
vivência do conteúdo que se pretende trabalhar, bem como a interação entre os
participantes e a mobilização das emoções relativas ao tema discutido.
A Comunicação Oral está presente durante todo o processo de ATER, geralmente
permeando outras técnicas; mas também está presente na forma de questionários,
entrevistas e fichas de monitoramento a campo. Principalmente na comunicação oral, se
requer uma postura dialógica e aberta por parte dos/as comunicadores/as, para que se
estabeleça, realmente, uma relação autenticamente horizontal na troca e construção de
conhecimentos.
As Técnicas de Visualização têm grande importância na sistematização dos
conhecimentos, no auxílio para a busca de consensos e na participação de pessoas com
diferentes níveis de formação (alfabetizados ou não). Algumas representações gráficas
utilizadas no projeto podem ser reunidas em quatro grupos: a) Matrizes; b) Mapas; c)
Fluxogramas; e d) Diagramas Temporais.
A metodologia específica do Projeto envolveu a mobilização dos agricultores familiares e
suas organizações, a entrevista semiestruturada, a análise de agroecossistemas, a realização
de dias de campo para intercâmbio, evento de intercâmbio e a construção de um caderno de
monitoramento.

365
2.1 Metodologia de Mobilização dos (as) produtores (as) para o envolvimento e
participação no projeto:
A metodologia utilizada na primeira fase do projeto foi a de mobilização, onde a equipe
executora entrou em contato com os agricultores (as) beneficiários (as) do PROGERA e as
instituições locais de ATER parceiras, por meio de:
• Ligação telefônica.
• Visitas nas propriedades rurais.
• Visitas nas instituições.
• Convite via Email.
• Reuniões coletivas e individuais
2.2 Metodologia de entrevista e de sistematização das atividades e metodologias do
PROGERA:
A metodologia utilizada nesse segundo momento do projeto foi a uma entrevista semi-
estruturada, baseada num roteiro previamente construído na fase de mobilização,
envolvendo a participação das organizações parceiras. O objetivo central era acessar o grau
de “consciência camponesa agroecológica” das famílias, tendo como referência o estudo
das características tipológicas de cada família expressas no roteiro de entrevista abaixo e
em contraste com a análise sobre a participação dos entrevistados no PROGERA.
- Roteiro de Entrevista Semiestruturada
1. Processo de Trabalho e Práticas Culturais: Apoio mútuo; juventude; mulher; parcerias
com vizinhos, parceiros/meeiros; Festas; Música;
Perguntas:
• Como é o seu trabalho aqui? Quer dizer, você trabalha sozinho ou a família ajuda no
trabalho?
• Você trabalha em conjunto com vizinhos ou outros parentes?
• Você trabalha com meeiros ou diaristas?
• Você tem filhos? Eles participam do trabalho? Seus filhos vivem no campo ou na cidade?
Como vocês se comunicam?
• Sua família participa de festas ou atividades religiosas?
• Você tem hábitos de ouvir música, cantar ou tocar instrumentos?
2. Autonomia/autossuficiência: Insumos externos; Insumos Locais; renda não
monetária/monetária; externalidades negativas (degradação/contaminação do solo; água;
florestas); relação com o crédito;
Perguntas:
• Quais os produtos são vendidos para o mercado;
• O que produz para consumo da família? O que?
• Como você consegue os adubos?
• Você acha que o adubo prejudica a plantação?
• Você acha que o agrotóxico prejudica a terra?
• Qual o seu maior gasto na produção?
3. Uso Múltiplo do Território: sistemas de produção; integração entre sistemas;
policultivos x monocultivos; grau de modernização; diversificação da atividade produtiva e
pluriatividade; incorporação dos pacotes tecnológicos; degradação e contaminação dos
recursos naturais; construção e reconstrução inspirados em sistemas energéticos
tradicionais; rede organizacionais (ATER; canais de comercialização; canais de
comunicação; grandes culturas do agronegócio; associativismo);
Perguntas:
• Usa maquinário? Qual?
• Como faz o plantio (convencional – aração/gradeação; semeadura direta);

366
• De onde vem sua renda?
• Você recebe alguma assistência técnica? Se recebe, é de que tipo?
• Recebe indicação para usar veneno? Que tipo de agrotóxico?
• Como é que você vende/comercializa seus produtos?
• As grandes empresas querem fazer parcerias com você?
• Como você se comunica com a cidade? E com os outros produtores?
No final da entrevista, realizamos uma avaliação rápida sobre em quais atividades e
metodologias do PROGERA as famílias agricultoras participaram, baseado nos resultados
da sistematização inicial realizada por meio de levantamento documental, fornecido pelo
Instituto Giramundo Mutuando.
Para auxílio na avaliação da tomada de consciência a partir das atividades do PROGERA,
foram realizadas as seguintes perguntas complementares:
• Como se envolveu nas atividades do PROGERA (Giramundo), quem te indicou?
• O que você aprendeu/achou interessante?
• O está praticando daquilo que achou interessante?
• Repassou a prática/aprendizado/conhecimento para alguém?
• O que você não gostou nas atividades?
• Teve alguma influência na sua vida? Na vida da família?
2.3 Metodologia de Análise de Agroecossistema
A metodologia utilizada no campo nessa terceira etapa foi a de iniciar um diálogo com as
famílias, despertando o interesse para a ferramenta de análise dos agroecossistemas como
ferramenta não somente de análise, mas de planejamento atual e futuro da propriedade.
Com essa metodologia, buscamos entender, ainda, o grau de incorporação de inovações
agroecológicas nos agroecossistemas e o potencial de desenvolvimento de uma unidade de
referência para a experimentação participativa. Foram eleitos, baseado na primeira e
segunda fase da entrevista, cerca de 10 propriedades a serem analisadas. Destas, foram
escolhidas 4 propriedades a serem relatadas, cujos potenciais encontrados sugeriam a
possibilidade de desenvolvimento de uma unidade de referência.
Perguntas mediadoras e passos da Análise de Agroecossistema:
1. Conversar sobre o histórico, inovações, o que mudou e o objetivo do trabalho.
2. Como monitora a produção? Melhorou?
3. Perguntar se o agricultor quer aprender uma ferramenta?
4. Análise de Agroecossistemas: mapa de subsistemas, insumos e produtos, renda,
trabalho, inovações;
5. No final fazer lista de indicadores preliminares.
6. O que indica que houve avanço ou melhoras na produção e vida das pessoas?
A partir desse diálogo inicial, procedeu-se as dinâmicas participativas:
• Mapa dos sistemas produtivos:
No centro é sempre a família e em volta é colocado o sistema como um todo e desenhado
os subsistemas (cada produção) do agroecossistema em questão: a casa da família (no
centro), parcelas cultivadas, pasto, roça, horta, galinheiros, galpão, curral, etc. Uma vez
terminado o desenho, tivemos a estrutura básica do agroecossistema.
A partir dessa representação esquemática, geramos com as famílias alguns fluxogramas
(diagramas de fluxo) que nos permitem entender o funcionamento do agroecossistema,
para, a partir disso, avaliar e propor inovações e visualizar o quanto o sistema está
interligado.
Figura 1. Esquema Básico do Agroecossistema

367
Fonte: A Cartilha Agroecológica, 2005
Perguntas mediadoras aos agricultores:
1. O que dá pra gente entender nesse desenho? Identificar a renda monetária e não
monetária.
2. Quais inovações podem ser realizadas?
• Fluxograma de insumos e produtos:
A partir do esquema desenhado anteriormente, começamos a analisar os subsistemas,
indicando todos os produtos e insumos que entram e saem e analisando de onde vêm e para
onde vão, dentro e fora do agroecossistema. Como no exemplo ao lado, do “pasto” saem os
produtos leite e carne, que são vendidos no mercado e consumidos pela família. Do mesmo
subsistema “pasto” sai o insumo “esterco”, que vai para o “composto” (subsistema e
mediador). O subsistema “pasto”, por sua vez, recebe nutriente (insumos) do subsistema
“adução verde”.
Figura 2. Fluxograma de Insumos de Produtos

Fonte: A Cartilha Agroecológica, 2005.


Perguntas mediadoras aos agricultores:
1. O que podemos observar?
2. O que significa o tanto de seta que está saindo?
3. O que veio depois do nosso trabalho, o que modificou desde 2005 até hoje?

368
• Fluxograma de renda:
Ainda com base na estrutura do agroecossistema, indicamos, com flechas, todas as rendas
geradas no agroecossistema, sejam elas monetárias ou não monetárias e não agrícolas. É
importante levar em conta que a flecha que representa a renda monetária sempre deve vir
do mercado para família, assinalando, através de numeração, qual o subsistema que origina
a renda representada. A flecha que representa a origem da renda não monetária parte
sempre dos subsistemas em direção à família (casa), pois representam os produtos que são
produzidos para o consumo.
Finalmente, para representar a renda não agrícola, utilizamos flechas que saem de outros
serviços realizados pela família, dentro ou fora do agroecossistema. Foram representadas,
também, as rendas provenientes de todas as outras fontes.
Figura 3: Fluxograma de Renda

Fonte: A Cartilha Agroecológica, 2005.


• Fluxograma de trabalho:
Este fluxograma representou o trabalho que cada membro da família empregou em cada
subsistema. Deve-se diferenciar o trabalho familiar e o trabalho contratado, o trabalho
realizado pelos homens, mulheres, idosos e jovens.
Figura 4. Fluxograma do Trabalho

369
Fonte: A Cartilha Agroecológica, 2005.
Perguntas mediadoras aos agricultores:
1. Listar com a família o que é importante e ficou claro, o que indica que tua produção está
melhor.
2. A ideia é criar uma rede de produtores para intercâmbios e experimentos participativos,
unidades de referência.
Uma vez que realizamos a análise do agroecossistema, é possível iniciar o planejamento de
algumas inovações agroecológicas apontadas pelo grupo de agricultores (as) e técnicos
(as). Essas inovações visam trazer maior sustentabilidade ao agroecossistema e iniciar
experiências agroecológicas, as quais mostrarão, na prática, os caminhos possíveis para a
transição agroecológica naquele agroecossistema.

370
ANEXO 2

TRECHO EXTRAÍDO DO RELATORIO TÉCNICO FINAL DO PROJETO:


“Transição Agroecológica: sistematização e avaliação das estratégias de ATER do
Programa de Extensão Rural Agroecológica – PROGERA no centro-sul e sudoeste do
Estado de São Paulo.”
Edital MCT/CNPq/MDA/SAF/Dater Nº 033/2009 Processo: 558640/2009-5
Coordenador: Prof. Dr. Canrobert Penn Lopes Costa Neto Referências correspondentes à
Parte 15 deste livro:
CONFIGURAÇÕES SOCIOAMBIENTAIS PARA ALÉM DOS LIMITES
TECNOLÓGICOS DO “PROJETO DE TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA” NA
COPANOSSA: O COLETIVO DE MULHERES
5.1 Análises do agroecossistema referência: Cooperativa de mulheres Cooplantas
Regional: Itapeva
Local: Assentamento Fazenda Pirituba
a. Linha tempo:
Tabela 4: Linha do Tempo do Coletivo de Mulheres
2004 2005 2006 2007
11 - 16 17 e 18 Janeiro 19- 21 Maio IV EAPA Janeiro Oficina de
Outubro Diagnóstico rápido FCA homeopatia
DRP Bio participativo Botucatu
Agosto - levantamento de Julho - Encontro Ana Boas práticas - Curso
uso de fitoterápicos com de manipulação de
animais de produção medicamentos
Setembro

371
Experimentos
Fitoterápicos com
vacas de leite
Novembro Visita em
Itaberá produtores de
leite
Oficina de projetos 2
módulos (outubro e
novembro)
Reunião
COPANOSSA
Curso pecuária de
leite ecológico
Fechamento
2008 2009 2010 2011
Construção de mais Reiniciou o coletivo de Agosto - Conquista Abril - dia de
uma horta mulheres (amortecimento projeto de aquisição campo
trabalho demanda) de materiais de
laboratório e
construção
Perda das mulheres Início do projeto Rompimento PSF Projeto para novo
para a cooperativa laboratório espaço
(diminuiu)
Inserção no processo Juntou grupo 1, 2, 3, Não foi contemplada Finalizar
de trabalho coletivo 4, 5 e 6 a construção laboratório
(detalhes)
Acabou a Fortalecimento com Agrovila V início Treinamento
COPANOSSA oficina do PROGERA, grupo trabalhando operação das
projeto de construção máquinas
laboratório,
levantamento da
demanda
Início SAF II (SAF), Verba laboratório
III (horta), V (SAF,
horta).
Conquista abertura Mercado
debate FIOCRUZ/ comercialização
refazer um novo
projeto
Horta corpo humano Gênero
III
Dezembro - Reunião Capacitação

372
planejamento administrativa
Levantamento
parceiros
* 2007, 2008 e 2009
Frustração com o
projeto que chegou
FIOCRUZ.
b. Fluxogramas:
Figura 5: Diagrama de Venn do Coletivo de Mulheres

Fonte: Dados do Projeto


Esse diagrama foi realizado para observar as parcerias locais que estão mais próximas do
grupo, sendo elas: ILS, UFSCAR, CATI, COPROCOL, Prefeitura, MST, rádio camponesa,
Laticínio, INCRA, COPAFASP, Médicos, Embrapa, Copava, Giramundo, Cooperorgânica,
ITESP, UNESP, farmácia e laboratório, SUS, COAPRI.
Figura 6: Fluxograma de Insumos e Produtos

373
Fonte: Dados do Projeto
Nesse fluxograma foram analisadas as interações entre os grupos e as agrovilas onde as
mulheres desenvolvem trabalhos com as plantas medicinais, pôde se observar que existe
um múltiplo apoio no local. Os fitoterápicos saem para venda da agrovila III e V. Existem
hortas medicinais na agrovila III, II, V.
Entradas de insumos: Adubação verde; Álcool de cereais; Matéria prima (vasilhas, potes,
refil, cerca etc.).
Saídas de produtos: Tintura, Sabonete, Pomadas, Xarope, Xampu, Ervas desidratadas,
Ervas frescas e Óleos essenciais
a. Positivos e negativos:
Positivos: Debate da Transição Agroecológica; Reorganização/retomada do Grupo.
Negativo: Curto período do Projeto; Poucas atividades de capacitação.
b. Perguntas mediadoras:
- O que mostra a produtividade?
A produtividade é medida pela procura dos produtos. Consumidores satisfeitos, retorno
econômico para fazer girar a produção, quantidade de produção, menos gastos com
compras de remédios, expansão na área de produção (campo).
- Como observamos se nossa produção está diversa?
Pela quantidade de produtos e diversificação da produção.
- Como sei se minha produção está dependente para produzir?
Quando começo a consumir insumos de fora da propriedade. Depende de algo externo. Ex:
consome algumas matérias primas como embalagem para os remédios.
- Como posso medir a resistência da produção a pragas, clima etc.?
• Manejo adequado, monitoramento da produção.
• Observação do clima
• Plantas do bioma
• Rotação de cultura
• Plantas repelentes e atrativas dos insetos para evitar que se alastre em outras plantas
exemplo: citronela e cravo de defunto.

374
- Como sei que minha família se dedica igual no trabalho?
• É um grupo de mulheres.
• As mulheres se preocupam com a saúde da família e estende esse conhecimento e retorna
para a família o econômico, saúde e social.
c. Planejamento futuro da propriedade:
• Maior retorno financeiro.
• Organização da produção.
• Capacitação com o tema patógeno.
• Diminuir o uso de remédios convencionais.
• Inserir os fitoterápicos da cooperativa na rede SUS.
• Conscientizar jovens.
• Produzir cosméticos a partir de ervas medicinais.
• Terminar a infraestrutura do laboratório.
• Exportar produtos para outros países.
• Inserir os produtos na rede de economia solidaria.
• Capacitação com a articulação nacional de agroecologia – ANA.
• Trabalhar com os eixos educação, economia e social.
• Capacitação dos produtores.
• PIRITUBA ITAPEVA
Como foi possível observar por meio do exame da descrição das experiências
agroecológicas desenvolvidas pelos grupos de agricultores, concluímos que as mesmas
apresentaram resultados interessantes desde o ponto de vista agronômico, até o ponto de
vista social. Os coletivos das cooperativas de produção, bem como aqueles mais informais
ligados à organicidade do MST, foram incentivados a resgatar o trabalho de
experimentação em grupo e individual, embora alguns coletivos tenham tido dificuldades
com a metodologia consensuada com a Direção do MST. No entanto, outros se motivaram
a continuar este trabalho e atualmente desenvolvem experiências produtivas de base
ecológica ligado a produção de hortaliças para o Programa de Aquisição de Alimentos da
Conab.
No entanto, ficou claro também que as práticas agroecológicas que foram utilizadas são de
difícil adesão devido ao enfrentamento com a monocultura e com a descampesinização que
se verifica junto as cooperativas do MST. Diversos agricultores demoram a entender que é
preciso se desvencilhar do pensamento imediatista que a monocultura impôs e iniciar uma
caminhada rumo à “cura da terra”; e não à simples substituição de insumos e tecnologias
ditas convencionais por insumos e tecnologias mais ecológicas. Apesar de experiências em
monocultivo ecológico apresentarem resultados considerados bons, nem sempre práticas
ecológicas em monocultivo atingem os resultados esperados segundo a lógica da produção
convencional em escala.
Digna de destaque é a experiência da Escola de Agroecologia do MST. Localizada na
região central do Assentamento, diversas atividades educativas com estudantes, técnicos e
trabalhadores foram desenvolvidas pelo PROGERA e devem continuar sendo realizadas
para se dar continuidade às propostas de Transição Agroecológica no Assentamento.
Produto das avaliações do PROGERA junto ao MST e suas organizações, temos as
seguintes recomendações para o aprofundamento da TA local:
- Fortalecer as capacidades técnicas locais do MST, em particular da Escola de
Agroecologia e da COAPRI, para o acompanhamento, escalonamento (incremento) e
monitoramento participativo das experiências agroecológicas não somente nos grupos, mas
principalmente junto a indivíduos que já estão no caminho da Transição Agroecológica,
mas que seguem “desapercebidos” pelo próprio MST;

375
- Realizar novo DRP com objetivo de identificar mais experiências individuais que se
aproximam da agroecologia dentro do assentamento e que ainda estão na invisibilidade;
- Realizar dias de campo, mutirões e visitas de intercâmbio em Agroecologia com os/as
assentados/as da Pirituba;
- Fortalecer as experiências agroecológicas já existentes para que essas se tornem Unidades
de Referência em Agroecologia, em rede com outras experiências da região, com caráter
educativo e de pesquisa participativa;
- Utilizar a Rádio Camponesa como instrumento de ATER Agroecológica e de
comunicação dos avanços e desafios para a Transição Agroecológica;
- Trabalhar as perspectivas de acesso aos mercados locais de produtos agroecológicos na
Região, entre eles as doações simultâneas a partir dos programas da Conab e as feiras
(comercialização direta) e entrepostos de produtos orgânicos (Federação dos Orgânicos de
Itapeva), a partir de uma organização de controle social (OCS) para a garantia da qualidade
orgânica dos alimentos já comercializados com a Conab;
- Fortalecer os trabalhos de gênero dos Coletivos de Mulheres na perspectiva da
Agroecologia e do avanço organizativo da COOPLANTAS;
- Contribuir na formação agroecológica junto a Escola e para a realização de novas turmas
de Agroecologia;
- Fomentar a produção local de “insumos locais agroecológicos” para incentivar novas
experiências agroecológicas;
- Contribuir na formulação de projetos de PRONAF Agroecologia para aquelas famílias
que estão aptas e que gostariam de acessar o PRONAF no sentido da Transição
Agroecológica;
- Aproveitar iniciativas como a do Laticínio da Coapri na lógica da diversificação da
produção no assentamento;
Unidade de Referência: Cooperativa de mulheres Cooplantas.
Data: 28/09/2011
Local: Sede da Cooplantas área V.
Participantes: ITESP, INCRA, assentados (as), equipe do projeto, MST, estudantes da
UNESP e COOPLANTAS.
Parcerias: ITESP, INCRA, UNESP, Instituto Giramundo, Prefeitura de Itaberá (Sec.
Agricultura); Ângela (Sec. Meio Ambiente), Terezinha, COOPAFASP. Raquel
(Centroflora).
Recursos Próprios: Água para a irrigação, palha (matéria orgânica seca) para proteção das
mudas, calcário e composto para o plantio nos berços.
Alimentação: A alimentação foi realizada pela Cooplantas com recursos próprios e do
projeto.
Recursos próprios: Mudas: Estacas de hibisco; capuchinha; cavalinha; losna; malva;
balsamo; hortelã; arruda; alecrim; pulmonária; cânfora; sabugueiro; confrei; manjericão;
calêndola; mil folhas; novalgina; boldo (alumã); poejo; guaco; capim cidreira; vick;
melissa; citronela; atreveram, babosa; chapéu de couro.
O mutirão foi precedido de um pequeno mutirão para plantação de adubação verde, cerca
de 30 dias antes. Nesta atividade, teve-se o início com o repasse da Patrícia sobre a
inscrição do projeto para a cooperativa, que foi enviado ao MDA via CEDAF e CONSAD.
Como sequência foi seguida a programação do cronograma previamente organizado.
Nessa atividade, o ITESP apoiou com cerca de 350 mudas de nativas para a implantação,
além da verba da Natura para as frutíferas.
O sistema implantado foi em quincôncio (plantação de árvores, em grupos de cinco,
ficando uma no centro) diversificado e intercalado com 10 espécies de árvores nativas

376
medicinais no espaçamento 4x4 entre as mudas e entre as linhas de 2,5x2,5 em 10 linhas,
em uma área de 70m de comprimento e 40m de largura. A juçara e o Angico Vermelho não
foram plantados no momento, serão utilizadas em área coberta por não suportar área aberta
exposta ao sol.
Espécies nativas plantadas: Pitanga, Sangra dágua, Ipê vermelho, Neem, Uvaia, Bauínia,
Palmito, Cambará, loro, (Angico Vermelho e Juçara.).
Implantação do sistema:
Esquema 1: Plantio do Sistema Agroflorestal Medicinal
P-Pitanga, – B-Bauínia,
S-Sangra d‟água – P-Palmito,
N-Neem, – C-Cambará,
I-Ipê vermelho, – L-loro,
U-Uvaia, – *Estacas amora/oropronóbis

Fonte: Dados do Projeto


A área foi cercada com cerca e costaneira nas bordas, sendo plantadas estacas de
oropronóbis e amora em um espaçamento de 1x1.
Ao final a equipe orientou sobre os cuidados importantes após o plantio:
• Amarrar as mudas – vento.
• Irrigação das mudas.
• Colocar mais palha nas mudas.
• Monitorar o sistema
Pontos positivos e negativos / Método FOFA:
Tabela 8: Análise FOFA Coletivo de Mulheres
Fortalezas Oportunidades
• Rapidez • A longo prazo das espécies
• Preparação da área • SAF
• Planejamento • Plantar árvore
• Contribuição dos companheiros • Conhecer o grupo
• Fortalecimento grupo • Agroecologia na região
• Almoço • Juntar o grupo feminino e masculino
• Histórico cooperativa • Diálogo/Parceria/ Benefício ao meio ambiente
• Acúmulo de experiências e os netos/ livre escolha
• Mobilização
• Coletivo e ser agradecido
Fraquezas Ameaças
• Irrigação • Galinha – costaneira
• Mais apoio ao grupo instantaneamente • Poço aberto – tampa cinzenta
• Transporte • Formiga estudo de alternativas
• Falta de verba, matéria prima • Grandes empresas (remédio)
• Pouca fala nos momentos de • Mídia distorce
oportunidade em eventos
• Assumir o grupo, identificar as
fraquezas e como superá-las

377
Fonte: Dados do Projeto

ANEXO 3

TRECHO EXTRAÍDO DO RELATORIO TÉCNICO FINAL DO PROJETO:


“Transição Agroecológica: sistematização e avaliação das estratégias de ATER do
Programa de Extensão Rural Agroecológica – PROGERA no centro-sul e sudoeste do
Estado de São Paulo.”
Edital MCT/CNPq/MDA/SAF/Dater Nº 033/2009 Processo: 558640/2009-5
Coordenador: Prof. Dr. Canrobert Penn Lopes Costa Neto Referências correspondentes à
Parte 16, deste livro:
PRODUÇÃO E ESCOAMENTO DISTRIBUTIVO EM SISTEMA METABÓLICO
AGROFLORESTAL NO ASSENTAMENTO FAZENDA PIRITUBA II: O CASO DO
SÍTIO PANELA CHEIA E OS OBSTÁCULOS À RECAMPESINIZAÇÃO
ASSOCIATIVA/COOPERADA DO TRABALHO SOCIAL AGRÁRIO
Entrevista – Dona Nazareth
O banco vetou o acesso de crédito agrofloresta somente em pinnus e eucalipto, somente
libera para SAFs de fato. O crédito agrofloresta ainda não foi acessado por dificuldades
justamente na viabilidade econômica no banco.
De tudo utiliza para gasto e tem excedente também. A ideia do panela cheia é ter uma mesa
farta. Teve vez que num dia colheu 26 produtos e hoje encontra 15 produtos. É ter panela
cheia em qualquer dia do ano. Tem gado para esterco e galinha que usa como esterco.
A adubação planta no inverno com aveia e nabo forrageiro e na horta usam húmus e
esterco.

378
ANEXO 4

TRECHO EXTRAÍDO DO RELATORIO TÉCNICO FINAL DO PROJETO:


“Transição Agroecológica: sistematização e avaliação das estratégias de ATER do
Programa de Extensão Rural Agroecológica – PROGERA no centro-sul e sudoeste do
Estado de São Paulo.”
Edital MCT/CNPq/MDA/SAF/Dater Nº 033/2009 Processo: 558640/2009-5
Coordenador: Prof. Dr. Canrobert Penn Lopes Costa Neto Referências correspondentes à
Parte 16, deste livro:
PRODUÇÃO E ESCOAMENTO DISTRIBUTIVO EM SISTEMA METABÓLICO
AGROFLORESTAL NO ASSENTAMENTO FAZENDA PIRITUBA II: O CASO DO
SÍTIO PANELA CHEIA E OS OBSTÁCULOS À RECAMPESINIZAÇÃO
ASSOCIATIVA/COOPERADA DO TRABALHO SOCIAL AGRÁRIO
Entrevista – Tião Caminhada
1) Processo de Trabalho e Práticas Culturais: Apoio mutuo; juventude; mulher; parcerias
com vizinhos; parceiros/meeiros; Festas; Música;
Vai fazer lote modelo. Lóte está propício. Vai fazer uma bola, quem precisa de remédio é
quem ta doente. Vai fazer um lote agroecológico rodeado de veneno, para fazer a
contradição.
Tem galinha, pato e ganso. Tem galinheiro móvel, proposto pela Embrapa, mas ainda não
botou em prática. Água corre da mina e quer colocar uma bomba. O lote era coletivo,
conforme a Cooperativa determinou na época, e depois dividiram.

379
2) Autonomia/autossuficiência: Insumos externos; Insumos Locais; renda não
monetária/monetária; externalidades negativas (degradação/contaminação solo, água e
florestas); relação com o crédito
De um lado já está protegido pela mata, tem banana e milho. Tem seis alqueires. Dois
hectares são agroecológico, tem 500 pés de banana, tem mamão junto e horta. Quer fazer
cozinha comunitária para fazer sítio modelo pro Brasil e pro Mundo. Está fazendo
biodigestor para esterco de vaca e porco. Consiste numa unidade familiar, de até 10
pessoas, para gás de cozinha.
Tem um minhocário que serve para a horta. Saiu bastante estilozante e insistiram muito no
“estimulante”. Passou um técnico da Embrapa que disse que não ia vigorar, porque era um
Campo Grande. Se fosse nascer a quantidade de semente que tem ia ficar bom. Ele não
domina a braquiária.
3) Uso Múltiplo do Território: sistemas de produção; integração entre sistemas;
policultivos x monocultivos; grau de modernização; diversificação da atividade produtiva e
pluriatividade; incorporação dos pacotes tecnológicos; degradação e contaminação
recursos naturais; construção e reconstrução inspirados em sistemas energéticos
tradicionais; rede organizacional (ATER; canais de comercialização; canais de
comunicação; grandes culturas do agronegócio; associativismo);
Tem pasto dividido em três partes e está começando piqueteamento baseado no trabalho do
Giramundo. Silvipastoril dos sonhos na prática e com fio elétrico conduz o rebanho. Cada
piquete terá 600 metros 20m x 30m e vai colocar um SAF. Um SAF que implantou as
formigas comeram.
Tem criação de abelhas, com 11 caixas, mas não pagaram nem os juros ainda. Tem um
laguinho que a água chega por gravidade. Nasceram 21 porquinhos e ficaram 10. A ideia é
fazer um pastinho para os porcos, colocar uma cerca elétrica. Está querendo soltar os
porquinhos, fazer um buraco. Dá cana picada, substituindo o açúcar.
Atividades PROGERA – DRPs, mutirões de plantio, monitoramento, cursos agrofloresta e
pecuária leiteira, ERA, oficinas de adubação verde e caldas e
biofertilizantes AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS, POTENCIALIDAES, LIMITES E
GRAUS DE ARTICULAÇÃO CAMPONESA DAS EXPERIÊNCIAS SOCIOTÉCNICAS
POTENCIALIDADES: “De tudo utiliza para gasto e tem excedente também. A ideia do
Panela Cheia é ter uma mesa farta. Teve vez que num dia colheu 26 produtos e hoje
encontra 15 produtos. É ter panela cheia em qualquer dia do ano. Tem gado para esterco e
galinha que usa como esterco. A adubação plantam no inverno com aveia e nabo forrageiro
e na horta usam húmus e esterco. No verão plantaram o tremoço. A idéia agora é plantar
um SAF”; agora tem o PAA da CONAB que vendem pelo preço mínimo”; “biofertilizante
ainda usa, sempre plantam nabo forrageiro como adubação verde, estacas que já está
virando palanque, minhocário. Biodigestor está em construção. Rotação de culturas e de
pastagem”; “Tem galinha, pato e ganso. Tem galinheiro móvel, proposto pela Embrapa,
mas ainda não botou em prática. Água corre da mina e quer colocar uma bomba”; “De um
lado já está protegido pela mata, tem banana e milho. Tem seis alqueires. Dois hectares são
agroecológico, tem 500 pés de banana, tem mamão junto e horta. Quer fazer cozinha
comunitária para fazer sítio modelo pro Brasil e pro Mundo. Está fazendo biodigestor para
esterco de vaca e porco. Consiste numa unidade familiar, de até 10 pessoas, para gás de
cozinha. Tem um minhocário que serve para a horta. Saiu bastante estilozante e insistiram
muito no “estimulante”; tem pasto dividido em três partes e está começando piqueteamento
baseado no trabalho do Giramundo. Silvipastoril dos sonhos na prática e com fio elétrico
conduz o rebanho. Cada piquete terá 600 metros 20m x 30m e vai colocar um SAF. Um
SAF que implantou as formigas comeram. Tem criação de abelhas, com 11 caixas, mas

380
não pagaram nem os juros ainda. Tem um laguinho que a água chega por gravidade.
Nasceram 21 porquinhos e ficaram 10. A ideia é fazer um pastinho para os porcos, colocar
uma cerca elétrica. está querendo soltar os porquinhos, fazer um buraco. Dá cana picada,
substituindo o açúcar”
LIMITES: “O Vagner gosta muito da agroecologia e nos finais de semana ele ajuda na
lida. Ele tem um planejamento futuro do lote e se tivessem um pouco mais de recurso, na
linha de crédito da agroecologia que não ajuda muito, não estariam mais plantando um pé
de milho convencional”; “Defende o trabalho coletivo e foi contra a dissolução da
cooperativa. Acho que acabou porque deu muita sorte. Tínhamos um patrimônio muito
grande, tínhamos máquina, caminhão, caminhonete, colheitadeira. Em 96, o movimento
tinha um discurso que os pequenos tinham que competir com os grandes. Todo recurso que
pegaram no PROCERA foi às máquinas. Enquanto a máquina era nova, por um tempo, deu
uma falsa sobra, comeram a depreciação das máquinas. Sobrava um dinheirinho,
construíram casas, compraram uns carrinhos velhos e em alta escala chegaram a produzir
igual os grandes da região, que a terra é boa. De uns tempos para cá, conforme a
conjuntura mudou o discurso, começou a ter divergência de opinião. Uns queriam plantar
banana, outros fazer horta, outros vaca de leite, outros continuar a plantar do mesmo jeito e
tiveram que dividir os lotes. Tentaram diversificar o pasto, fazer piquete e não deu certo”;
“Pegou custeio para o feijão e pro milho. Se tivesse uma linha de crédito com carência boa
não faziam mais o convencional. O pronaf agroecologia não foi acessado por não haver
coeficientes econômicos suficientes para ser acessado pelos assentados. O banco não
aceita”; “O que tem adubação química é a área do milho. Defende a agroecologia com
tecnologia, se tentar fazer só na enxada sofre muito. Tem que ter carreta e maquinário
adaptado. Tem que facilitar a vida. Para isso precisa capitalizar”; “O custo na agroecologia
é quase autônomo. Hoje não temos pomar na escala comercial. A formiga comeu pomar de
mais de 150 pés. Benzimento e simpatia não resolvem”; “A assistência técnica tem que ser
criada porque quem se forma hoje é para usar veneno”; “Vai fazer lote modelo. Lóte está
propício. Vai fazer uma bola, quem precisa de remédio é quem está doente. Vai fazer um
lote agroecológico rodeado de veneno, para fazer a contradição”.

381
ANEXO 5

TRECHO EXTRAÍDO DO RELATORIO TÉCNICO FINAL DO PROJETO:


“Transição Agroecológica: sistematização e avaliação das estratégias de ATER do
Programa de Extensão Rural Agroecológica – PROGERA no centro-sul e sudoeste do
Estado de São Paulo.”
Edital MCT/CNPq/MDA/SAF/Dater Nº 033/2009 Processo: 558640/2009-5
Coordenador: Prof. Dr. Canrobert Penn Lopes Costa Neto Referências correspondentes à
Parte 16, deste livro:
PRODUÇÃO E ESCOAMENTO DISTRIBUTIVO EM SISTEMA METABÓLICO
AGROFLORESTAL NO ASSENTAMENTO FAZENDA PIRITUBA II: O CASO DO
SÍTIO PANELA CHEIA E OS OBSTÁCULOS À RECAMPESINIZAÇÃO
ASSOCIATIVA/COOPERADA DO TRABALHO SOCIAL AGRÁRIO
1. Avaliação da tomada de consciência dos beneficiários do PROGERA
1.1 Entrevistas
SISTEMATIZAÇÃO DAS POTENCIALIDADES E LIMITES DAS EXPERIÊNCIAS;
ROTEIRO PARA A PERCEPÇÃO DOS GRAUS DE ARTICULAÇÃO CAMPONESA
DAS EXPERIÊNCIAS SOCIOTÉCNICAS NO CONTEXTO DA UNIDADE DE
PRODUÇÃO FAMILIAR E/OU DA ÁREA COOPERADA
Entrevista – Dona Nazareth
1. Processo de Trabalho e Práticas Culturais: Apoio mutuo; juventude; mulher; parcerias
com vizinhos; parceiros/meeiros; Festas; Música;

382
Tem 02 filhos, o Vagner que presta serviço para o INCRA faz cinco anos e a Alessandra
formou-se em direito, os dois não moram junto. Tem 02 netos. Quem trabalha mesmo é ele
e a Nazareth ajuda na horta. O Vagner gosta muito da agroecologia e nos finais de semana
ele ajuda na lida. Ele tem um planejamento futuro do lote e se tivessem um pouco mais de
recurso, na linha de crédito da agroecologia que não ajuda muito, não estariam mais
plantando um pé de milho convencional.
Defende o trabalho coletivo e foi contra a dissolução da cooperativa. Acho que acabou
porque deu muita sorte. Tínhamos um patrimônio muito grande, tínhamos máquina,
caminhão, caminhonete, colheitadeira.
Em 96, o movimento tinha um discurso que os pequenos tinham que competir com os
grandes. Todo recurso que pegaram no PROCERA foi às máquinas. Enquanto a máquina
era nova, por um tempo, deu uma falsa sobra, comeram a depreciação das máquinas.
Sobrava um dinheirinho, construíram casas, compraram uns carrinhos velhos e em alta
escala chegaram a produzir igual os grandes da região, que a terra é boa. De uns tempos
para cá, conforme a conjuntura mudou o discurso, começou a ter divergência de opinião.
Uns queriam plantar banana, outros fazer horta, outros vaca de leite, outros continuar a
plantar do mesmo jeito e tiveram que dividir os lotes. Tentaram diversificar o pasto, fazer
piquete e não deu certo.
Na Pirituba que é 360 famílias assentadas, todos já trabalharam coletivo e hoje só 20
famílias, ainda trabalham 100% COLETIVO na COOPAVA. A Coprocol continua, mas os
lotes viraram individual. Se você trabalha sozinho você vira escravo de você mesmo.
2. Autonomia/autossuficiência: Insumos externos; Insumos Locais; renda não
monetária/monetária; externalidades negativas (degradação/contaminação solo, água e
florestas); relação com o crédito
Pegou custeio para o feijão e pro milho. Se tivesse uma linha de crédito com carência boa
não faziam mais o convencional. O Pronaf agroecologia não foi acessado por não haver
coeficientes econômicos suficientes para ser acessado pelos assentados. O banco não
aceita.
O banco vetou o acesso de crédito agrofloresta somente em pinnus e eucalipto, somente
libera para SAFs de fato. O crédito agrofloresta ainda não foi acessado por dificuldades
justamente na viabilidade econômica no banco.
De tudo utiliza para gasto e tem excedente também. A ideia do Panela Cheia é ter uma
mesa farta. Teve vez que num dia colheu 26 produtos e hoje encontra 15 produtos. É ter
panela cheia em qualquer dia do ano. Tem gado para esterco e galinha que usa como
esterco.
A adubação plantam no inverno com aveia e nabo forrageiro e na horta usam húmus e
esterco. No verão plantaram o tremoço. A idéia agora é plantar um SAF. O que tem
adubação química é a área do milho. Defende a agroecologia com tecnologia, se tentar
fazer só na enxada sofre muito. Tem que ter carreta e maquinário adaptado. Tem que
facilitar a vida. Para isso precisa capitalizar. Compara a agroecologia com o namoro e o
casamento. O namoro é a agroecologia que tem romantismo. O casamento é a vida real e é
aí que você tem que pôr em prática e mostrar eficácia.
Agora tem o PAA da CONAB que vendem pelo preço mínimo. O feijão colheu quase que
sem agrotóxico nenhum e vendeu pelo mesmo preço, a vantagem é a vontade da produção
limpa.
Trabalhamos quinze anos no coletivo e fechamos os anos pagando todos os fornecedores.
Não teve muito lucro. Hoje dependemos de alguma infraestrutura. Não maquiamos nada.
Ter um resultado econômico no trabalho com a terra, tendo água e terra boa. Precisamos
hoje de uma roda d‟água, um microtrator, uma encanteiradeira e tem que ter um pequenos

383
capital de giro. Hoje somos agricultores modernos, temos luz, gás, telefone, chuveiro
elétrico. Mesmo na zona rural ta muito urbanizado, não usamos mais fogão de lenha,
cavalo, não comemos nem a banha do porco. O sistema é tão danado que convence todo
mundo a viver no interior. O capitalismo também fez coisa boa.
O custo na agroecologia é quase autônomo. Hoje não temos pomar na escala comercial. A
formiga comeu pomar de mais de 150 pés. Benzimento e simpatia não resolvem. Quanto
maior a produção maior vai ser o resultado prático. Falta mais incentivo, mais gente
fazendo. Agroecologia é como time de futebol ou religião, quanto mais gente fazendo e
seguindo mais pôde dar certo.
3. Uso Múltiplo do Território: sistemas de produção; integração entre sistemas;
policultivos x monocultivos; grau de modernização; diversificação da atividade produtiva e
pluriatividade; incorporação dos pacotes tecnológicos; degradação e contaminação
recursos naturais; construção e reconstrução inspirados em sistemas energéticos
tradicionais; rede organizacional (ATER; canais de comercialização; canais de
comunicação; grandes culturas do agronegócio; associativismo);
Tem objetivo de criar uma associação intitulada Agrovida para trabalhar com agroecologia.
A ideia era criar uma entidade cujo primeiro passo seria conscientizar um grupo de
pessoas, criar uma ferramenta e pegar parceiros para captar recursos nas ONGs pelo
mundo, pois via banco está difícil.
A Agrovida deu uma parada no registro, o Hélio deu uma esfriada, achou melhor dar um
tempo pois haviam acabado de sair de uma cooperativa. Existe o grupo e pretendem
registrar em curto prazo.
A Agroecologia é tudo que não prejudica o meio ambiente, o princípio é manter o
ambiente onde você vive. Não é olhando muito o lado econômico, porque o pequeno
produtor não pode sonhar que vai enricar. O maior ganho é ter uma vida saudável. O
produto químico vai levar doença.
A assistência técnica tem que ser criada porque quem se forma hoje é para usar veneno.
Agradece o Giramundo pelo que utilizam hoje. O Fernandinho de Sorocaba ajudou em dias
de campo. O pessoal do ITESP é quem se responsabiliza pelo assentamento. Tem um ou
outro que orientam na base da agroecologia, mas eles vivem outra realidade.
Maioria dos assentados fizeram parceria para a ORSA em dois hectares por lote. Foi contra
e eles pararam de plantar no assentamento. O ITESP não permite mais plantar. Era uma
parceria ORSA, ITESP e assentado.
A Agroecologia tem lugar em qualquer circunstância desde que o grupo de vai trabalhar
mude a cabeça. Todo o sistema vai ser mudado. Voce não vai fazer agroecologia com
plantio direto e colheitadeira. Se no coletivo comprar maquinários menores em produção
diversificada pode dar certo.
Atividades PROGERA: DRP, plantios, monitoramento, Intercâmbio Cananéia, pecuária
leiteira, ERA, biofertilizantes, adubação verde.
Achou interessante: preocupação com o meio ambiente, com a vida. Às vezes as pessoas
destroem sem saber que estão destruindo. Nas conversas com o Giramundo despertou
muita consciência. O neto, se falar que não tem veneno, come tudo da horta. Você começa
a conviver com a natureza você começa a aprender com ela. Você vê a planta crescer, da
flor e fruto. O que sobrou do trabalho com o Giramundo é o que tem de agroecologia hoje.
Saiu à escola de agroecologia, que vai formar a primeira turma. Se não tem outra escola
criaram a deles mesmo.
Prática: biofertilizante ainda usa, sempre plantam nabo forrageiro como adubação verde,
estacas que já está virando palanque, minhocário. Biodigestor está em construção.Rotação
de culturas e de pastagem.

384
Repassou/papel multiplicador: Já passou muita gente inclusive representantes de 14 países.
Levaram sementes nabo. Fizeram intercâmbio com Sepé Tiaraju em Ribeirão Preto.
Continua com a ideia, está viva. Espera parceria para transformar o lote agroecológico.
Não gostou PROGERA: Falta de continuidade. Gastaram muito dinheiro com formação e
pouca prática. Tem que ter teoria e prática. Se você não pratica você esquece.

ANEXO 6

TRECHO EXTRAÍDO DO RELATORIO TÉCNICO FINAL DO PROJETO:


“Transição Agroecológica: sistematização e avaliação das estratégias de ATER do
Programa de Extensão Rural Agroecológica – PROGERA no centro-sul e sudoeste do
Estado de São Paulo.”
Edital MCT/CNPq/MDA/SAF/Dater Nº 033/2009 Processo: 558640/2009-5
Coordenador: Prof. Dr. Canrobert Penn Lopes Costa Neto Referências correspondentes à
Parte 16, deste livro:
PRODUÇÃO E ESCOAMENTO DISTRIBUTIVO EM SISTEMA METABÓLICO
AGROFLORESTAL NO ASSENTAMENTO FAZENDA PIRITUBA II: O CASO DO
SÍTIO PANELA CHEIA E OS OBSTÁCULOS À RECAMPESINIZAÇÃO
ASSOCIATIVA/COOPERADA DO TRABALHO SOCIAL AGRÁRIO
Análises do agroecossistema Referência: Família Tião e Nazaré.
Regional: Itapeva
Local: Assentamento Fazenda Pirituba
a. Linha do tempo
Tabela 8: Linha do Tempo do Trabalho com a Família Tião e Nazareth

385
Fonte: Dados do Projeto
b. Fluxogramas
Figura 9. Fluxograma de Insumos e Produtos da Família Tião e Nazareth

386
Fonte: Dados do Projeto
• Seta vermelha: Insumos e produtos de consumo da família: leite, roça, carne de suíno,
apicultura, SAF, horta, aves, feijão, milho, abobora.
• Seta roxa: Interação entre os subsistemas: Usa água da nascente para irrigar o SAF /
utiliza água do poço para irrigação do SAF, os dejetos do pasto reutilizam nas áreas de
produção (roça).
• Seta verde: Renda monetária (venda de produtos): leite, produtos da roça, apicultura,
feijão, milho, abobora e quiabo.
• Quadro com entradas e saídas de produtos e insumos:
Entradas: Sementes adubação verde; Herbicida glifosate; Veneno foliar; Sal mineral;
Pagamento de hora/maquina; Remédio controle verme; Remédio controle mosca; Vacina
das criações; Sementes milho e feijão; Diarista na época de colheita.
Saídas: Grãos: milho e feijão; Roça: banana, melancia, quiabo, abobora, leite; Carne:
suína, gado; Hortaliça; Banana chip; Doce de leite; Conserva; Mel.
Figura 10. Fluxograma do Trabalho da Família Tião e Nazareth

Fonte: Dados do Projeto


• Seta vermelha/trabalho do homem: trabalha em todos os setores.
• Seta verde/trabalho do jovem: trabalha na horta, criação e na roça.
• Seta roxa/trabalho da mulher: trabalha na agroindústria, doméstica, compromissos
políticos do MST.

387
c. Positivos e Negativos sobre o trabalho agroecológico.
Positivos: Saúde; Semente; Retorno financeiro; Mercado; Água; Aproveitamento dos
espaços para educação de jovens; Diversidade na produção; Ciclo das culturas; Produção
mensal e produção de banana e horta; Preservação do meio ambiente e das nascentes;
Pessoas conhecendo agroecologia; Contribuição com idéias de fora; Produtos diários para
colheita e venda; Microclima próprio do sistema; 22 produtos diferentes na propriedade;
Estágio de vivência (UNESP); a procura de pessoas para visitas; Visita de outros países;
Procura por produtos orgânicos pelo mercado; Escoamento da produção diariamente;
Manejo agroecológico e adequado; Melhoria no solo; Relacionamento com vizinhos e
MST; Alimento vivo.
Negativos: O mal que o agrotóxico faz a saúde; Difícil acesso à semente criola; Sementes
com veneno e transgênicos; Pessoas morrendo no campo; Resistência de outros produtores
para a produção Agroecológicas; Custo de produção; Falta de ATER
Solo viciado por adubos químicos; Falta de metas; Compra de remédios Falta apoio;
Difícil fazer agroecologia sozinho.
d. Perguntas mediadoras:
- O que mostra a produtividade?
• Você se sente bem, saudável, trabalha para a família e para outras pessoas terem uma
alimentação saudável.
- Como observamos se nossa produção está diversa?
• Está diversificada, mas falta financiamento.
• Recebe visitas de pessoas de fora do país.
- Como sei se minha produção está dependente para produzir?
• Observando retorno financeiro.
- Como posso medir a resistência da produção a pragas, clima etc.?
• Plantas fortes e viçosas.
- Como sei que minha família se dedica igual no trabalho?
• A saúde da família.
• Todos se dedicam e dividem tarefas do campo.
e. Planejamento futuro da propriedade:
• Melhorar infraestrutura.
• Deixar de produzir monocultura de grãos.
• Receber mais pessoas para conhecer a propriedade.
• Apoio das ONGs.
• Produzir mais diversificado.
• Montar uma pequena agroindústria para alimentos caseiros.
Fonte: Dados do Projeto
Referência Família Tião e Nazaré.
Data: 14/09/2011
Local: Lote de produção “Panela cheia” Itapeva Assentamento Fazenda Pirituba
Participantes: ITESP, INCRA, assentados, família, equipe do projeto, MST, estudantes da
UNESP e COOPLANTAS.
Parcerias: ITESP, INCRA, UNESP, Instituto Giramundo.
Recursos Próprios: Água para a irrigação, palha (matéria orgânica seca) para proteção das
mudas, calcário e composto para o plantio nas covas.
Alimentação: A alimentação foi realizada pela própria família com recursos próprios e
recursos do projeto.
Para o trabalho prático o grupo foi subdividido em 5 grupos:
• Grupo 1: Abrir os berços (buraco das mudas).

388
• Grupo 2: Levar as mudas (cores da estaca) para os berços.
• Grupo3: Plantio das nativas e das estacas.
• Grupo 4: Colocar palha em volta das mudas.
• Grupo 5: Adubação e Irrigação nas mudas.
Ao final a equipe orientou sobre os cuidados importantes após o plantio:
• Amarrar as mudas – vento.
• Controle de formiga.
• Irrigação das mudas.
• Terminar o plantio restante.
• Colocar mais palha nas mudas.
• Monitorar o sistema
Implantação do sistema.
O sistema implantado foi o de aleias diversificando e intercalando 97 mudas de frutas
comerciais e 12 espécies de nativas no espaçamento de 8x8 em 10 linhas em uma área de
3.000 m².
Espécies nativas: Araçá, Gurucáia, Ipê vermelho, Uvaia, Palmito Juçara, Araucária,
Angico Vermelho, Bauínia, Cambará, Ingá Peludo, Pau Jacaré, Bracatinga.
Frutas: Laranja Lima, Manga Palmer, Uva Niágara, Acerola, Atemóia, Fruta do Conde,
Abacate, Jabuticaba.
Esquema 3 – Desenho do Sistema Agroflorestal da Familia Tiao e Nazareth
N - Árvore Nativa
F - Árvore Frutífera
Desenho do Sistema:

Fonte: Dados do Projeto


Após a implantação a família vai plantar roça e adubação verde de verão nos espaçamentos
entre as aleias e nas bordas, estão planejando de plantar alguma cultura com a função de
quebra vento para proteger dos herbicidas de outras propriedades vizinhas o vento e a
geada no sistema.
Pontos positivos e negativos da atividade
Tabela 10: Pontos positivos e negativos do Trabalho com Agroecologia
Positivos Negativos
Presença das instituições locais Não houve pontos negativos
Diversidade de mudas
Trabalho coletivo
Planejamento realizado por inteiro

389
ANEXO 7

TRECHO EXTRAÍDO DO RELATORIO TÉCNICO FINAL DO PROJETO:


“Transição Agroecológica: sistematização e avaliação das estratégias de ATER do
Programa de Extensão Rural Agroecológica – PROGERA no centro-sul e sudoeste do
Estado de São Paulo.”
Edital MCT/CNPq/MDA/SAF/Dater Nº 033/2009 Processo: 558640/2009-5
Coordenador: Prof. Dr. Canrobert Penn Lopes Costa Neto
Referências correspondentes à Parte 17 deste livro: RECAMPESINIZAÇÃO
ESPONTÂNEA NÃO COOPERADA/ASSOCIADA; AUTO-SUFICIÊNCA
SOCIAL/PRODUTIVA; CONFIANÇA EM ORGANIZAÇÕES DE
PESQUISA/EXTENSÃO ECOLÓGICAS; DESCONFIANÇA NO TRABALHO INTER
FAMILIAR E NA PRODUÇÃO COLETIVISTA: O CASO DO SITIO MORADA DO
CURUPIRA
Análises do agroecossistema referência: Família João Boieiro e Dona Eva.
Regional: Itapeva
Local: Assentamento Fazenda Pirituba
a. Dinâmica linha do tempo:
Tabela 6: Linha do Tempo com o Trabalho com a Família Silva
2004 2005 2006 2007
11 - 16 17, 18 14-18 1,2 Dezembro Oficina de Calda
Janeiro Novembro
Outubro DRP - DRP-Bio ERA Oficina Bordalesa
Bio Agrovila Agrovila 1, 2, Agrofloresta
1, 4
3, 5, 6
2008 2009 2010
- Crédito INCRA - Melhoria na produção de Venda dos abacaxis para escola /
(Casa) Ataque de lobo abacaxi e Atemóia; projeto SAF;
500 a 600 abacaxi foi - Plantio de uva; - Grãos Orgânicos;
perdido - Conseguiu plantar barreira - Produção Aumentou;
- Carência de de eucalipto no lote; - As pessoas começaram a buscar
Acompanhamento - Primeira venda da os produtos na sua casa;
- Desequilíbrio produção de citrus (pokan); - Aumento da banana (qualidade e
- Embrapa não tinha - Plantio jabuticaba; quantidade);
projeto para cerca. - Certificação Orgânica - Compra geladeira para resfriar
- Não conseguiu (lote). produtos
vender nesse ano,
- No final do ano
começou a melhorar.
- Plantio citrus
- Construção casa
b. Fluxogramas:
Figura 11: Fluxograma do Trabalho da Família Silva

390
Fonte: Dados do Projeto.
• Sistemas produtivos: cavalo, suíno, SAF, citrus, consorcio de feijão, milho e girassol,
consorcio de frutas, eucalipto, poço, framboesa, consorcio de adubo verde, abacaxi, cana e
amora, galinheiro, roça, experiência com amendoim forrageiro.
• Todos trabalham igualitariamente na propriedade.
• Questão de gênero equilibrada e respeitosa.
• Os filhos contribuem no trabalho de campo.
• Quadro com entradas e saídas de produtos e insumos.
Entradas: Acesso ao Crédito do INCRA, Cinza; Diarista (época de colheita); Água e
Energia Elétrica; Materiais para construção (casa); Embalagens; Mudas enxertadas e de
eucalipto; Vacinas para animais; Ferramentas (eventualmente); Roupas (eventualmente) e
Mercado (eventualmente).
Saídas: Frutas: pokan, framboesa, abacaxi, banana, amora, jabuticaba, laranja, manga,
atemóia, pitanga; Ovo; Outras frutas da época; Galinha e Porco (sobra); Madeira (futuro).
Figura 12. Fluxograma do Insumos e Produtos da Família Silva

391
Fonte: dados do projeto.
• Seta vermelha / venda: A renda principal é obtida por meio da venda no mercado: porco,
frutas do SAF, eucalipto, framboesa, abacaxi, cana, amora, ovo caipira.
• Seta roxa / consumo: O consumo em geral da família vem de seus próprios sistemas:
horta, suínos, frutas do SAF, citrus, feijão, vagem, girassol, eucalipto, poço, mandioca e
framboesa.
• Seta verde / interações entre os sistemas: O cavalo ajuda no trabalho no campo / o porco,
galinha, cavalo e a produção das culturas anuais e bianuais utilizam água do poço e o pasto
e ao mesmo tempo seus dejetos viram adubo para as plantas.
c. Positivos e Negativos sobre o trabalho agroecológico.
Positivos: Tem a produção diferenciada na comunidade; Aplica os conhecimentos para
outros agricultores (as); Tem clareza do caminho que a família segue; Reconstruiu o lote
para a produção agroecológica; Formação de pessoas (jovens); Consomem o que
produzem; Usa as tecnologias a seu favor; Aumentou a produção; Realiza a venda direta e
integrada; Assistência técnica e extensão rural; Diversificação dos produtos; Críticas
construtivas; e Evolução e conscientização da família.
Negativos: É diferente e não integra com a comunidade; Pessoas que não praticam e só
criticam; Muita conversa e pouca prática; A região não teve muitos avanços na
agroecologia; Desafiador; Falta de estrutura; Falta de transporte; Falta conscientização no
campo; Alimento mais caro; Falta de assistência técnica e extensão rural; Achavam que era
mais difícil as técnicas agroecológicas do que as convencionais.
d. Perguntas mediadoras:
- O que mostra a produtividade?
• O peso, preço e sabor dos produtos (abacaxi);
• O consumidor satisfeito;
• Confiança de quem vem comprar os produtos;
• A família compra apenas café no mercado, sendo o mesmo também plantado em sua
propriedade em processo de maturação, futuramente terá colheita do grão de café e não
terá a necessidade de comprar fora.

392
- Como observamos se nossa produção está diversa?
• Pela quantidade de produtos no sistema;
• Em seu lote produtivo foi implantado um sistema agroflorestal, onde já possui 6 anos de
produção;
• Sempre tem o que colher, cada cultura tem um ciclo, isso é positivo para manter o ritmo
de produção e venda direta e para o PAA.
• A busca de alimento dos animais silvestres no SAF.
- Como sei se minha produção está dependente para produzir?
• A autossuficiência (autonomia): o quanto tem que comprar fora, conforme a produção se
diversificava e produzia a situação foi melhorando com o tempo.
- Como posso medir a resistência da produção a pragas, clima etc.?
• Saúdes das plantas que nunca ficam doentes;
• Solo fértil e compostado com 100% de cobertura
• Resistência das plantas por serem diversificadas
• Aparecimentos de plantas espontâneas e indicadoras.
• Quanto mais diversidade mais resistência.
- Como sei que minha família se dedica igual no trabalho?
• Todos na família trabalham de forma igual, a intensidade do trabalho diminuiu, existe
mais flexibilidade e conforto nas atividades de campo.
e. Planejamento futuro da propriedade:
• Acesso ao crédito PRONAF.
• Aquisição de maquinário com a própria renda da propriedade.
• Realizar processamento caseiro.
• Investimento em produção de grãos para o tratamento das aves e suínos.
• Limpara o nome no SPC para poder acessar créditos.
• Terminar a casa.
• Construir uma cisterna.
• Adquirir câmara fria.
• Investir no plantio de framboesa.
• Plantio de eucalipto e árvores nativas, napiê e cana nas bordas do lote.
• Poda drástica no SAF.
• Criar a marca “Morada do Curupira”.

393
ANEXO 8

TRECHO EXTRAÍDO DO RELATORIO TÉCNICO FINAL DO PROJETO:


“Transição Agroecológica: sistematização e avaliação das estratégias de ATER do
Programa de Extensão Rural Agroecológica – PROGERA no centro-sul e sudoeste do
Estado de São Paulo.”
Edital MCT/CNPq/MDA/SAF/Dater Nº 033/2009 Processo: 558640/2009-5
Coordenador: Prof. Dr. Canrobert Penn Lopes Costa Neto
Referências correspondentes à Parte 17 deste livro: RECAMPESINIZAÇÃO
ESPONTÂNEA NÃO COOPERADA/ASSOCIADA; AUTO-SUFICIÊNCA
SOCIAL/PRODUTIVA; CONFIANÇA EM ORGANIZAÇÕES DE
PESQUISA/EXTENSÃO ECOLÓGICAS; DESCONFIANÇA NO TRABALHO INTER
FAMILIAR E NA PRODUÇÃO COLETIVISTA: O CASO DO SITIO MORADA DO
CURUPIRA

Instituto Giramundo Mutuando


CADERNO DE ANÁLISE E SISTEMATIZAÇÃO
DE EXPERIÊNCIAS AGROECOLÓGICAS DO PROGERA
Rodrigo Machado Moreira
Canrobert Penn Lopes Costa Neto
BOTUCATU – SP
JANEIRO – 2011
RESUMO: Sistematizar as práticas do Programa de Extensão Rural Agroecológica –
PROGERA, desenvolvido entre os anos de 2004 e 2008 junto a 10 famílias de agricultores
das regiões centro-sul e sudoeste do Estado de São Paulo.
PALAVRAS-CHAVE: Transição Agroecológica, agroecossistema, agroecologia
1. CONTEXTO: (onde, quem e porque, histórico)
A propriedade do Sr. João Boieiro e Dona Eva localiza-se na Área I do assentamento
Pirituba, próximo à cidade de Itapeva.
É de mão de obra familiar (Casal entre 40-50anos, um filho adolescente sendo formado na
escola de agroecologia mantida pelo MST, outros dois filhos mais velhos formados em
direito e agronomia não moram na propriedade) e tem como base produtiva um Sistema
Agroflorestal de aproximadamente 5 anos consorciando abacaxi, atemoia, goiaba, pitanga,
banana, citrus, uva, jabuticaba, framboesa, com árvores nativas e exóticas.
Possui certificação orgânica desde 2009 e conseguem incluir seus produtos (não
reconhecidos como orgânicos) no Programa de Aquisição de Alimentos mantido pela
Conab.
2. DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA: (o que foi feito, por quem e como foi realizado)
Referência
João Boieiro e sua esposa Dona Eva.

394
Endereço:
Assentamento Pirituba, Agrovila I, Itapeva.
Técnicos participantes:
Diego Barbosa
Roteiro de diagnóstico
1. Aspectos geográficos: Coordenadas geográficas do SAF: UTM 22J 694827 / 7331583;
altitude média de 870 m.
2. Área (ha):
3. Facilidade de acesso: Estrada boa.
4. Estrutura de comunicação – fone, email, etc. (15) 97163104
5. Objetivo do SAF: Diversidade de produção e recuperação do solo.
6. Espécies cultivadas: Banana (700), café (50), abacaxi (2000), ananás (20), pitanga (25),
amora (5), jabuticaba (5), hibisco (50), fruta-do-conde (8), Glyricídia (15), atemóia (10),
nêspera (10), barbatimão (4), abacate (4), manga (8), oreia-de-macaco (100), Guapuruvu
(5), aroeira (15), graviola (5), pau-d alho (10), pau viola (15), Genipapo (15), açoita-cavalo
(8), sangra d água (15), babosa branca (8), angico branco e vermelho (8), alecrinzeiro (8),
ingá de metro e mirim (35), margaridão (100), guandu, araucária (6), goiaba branca e
vermelha (30), jequitibá branco e rosa (12), cedro (4), ipê roxo, rosa e amarelo (30),
paineira com espinho e sem espinho (50), fumo bravo (30), jurubeba (10), açaí (10),
pupunha (10), pêssego branco (2), casca-de-anta (8).
7. Espécies principais / comerciais: Mexerica poncan, fruta do conde, Abacaxi, café,
ananás, banana.
8. Estágio sucessional:
9. Estado de manejo: Estratos – 4 a 5 estratos.
10. Quem maneja, há quanto tempo à mão-de-obra trabalha com SAF: A família.
11. Insumos utilizados: Adubação ecológica, palhadas, adubação verde.
12. Como é a integração do SAF com o restante da propriedade: SAF integrado com a
casa.
13. Há mutirões, envolvimento de outros agricultores: Não, o mutirão é familiar.
14. Produtividade / Quais produtos e quanto:
15. Como colhe: Manualmente.
16. Para onde vende, para quem: Mercado e venda direta ao consumidor.
17. Está vinculado a algum grupo/coletivo: Não.
18. O grupo é organizado – oficial: Não.
19. O produtor está ligado a alguma rede, se comunica com outros produtores de SAF,
outras regiões: Experiência com a EMBRAPA no lote.
20. Viveiros próximos: Não.
21. Matéria orgânica no sistema: 100% solo bem coberto.
22. Aspectos físicos/paisagem – detalhamento:
- Solo: Cor vermelha, textura argilosa, estrutura fisicamente ruim, mesofauna em atividade,
porém baixa. Matéria orgânica de cobertura em evolução, incorporada biologicamente em
fase inicial. Alta compactação, temperatura fresca +/- 32 ºC e umidade parcialmente
equilibrada.
- Vegetação:
- Tamanho / altura: De 50 cm a 3-4 metros 58 cm a 3 – 9 metros.
Saúde das plantas: Pragas e doenças existem em diversas culturas, porém não atingem
danos significativos às culturas;
Espécies indicadoras: Brachiaria decumbens, guanxuma, picão-preto, buva; Diversidade:
Alta;

395
Espaçamento: Entre linhas de 1 a 2 metros, na linha sem espaçamento definido – plantio
com muvuca, mas em geral de 2 a 5 plantas por metro linear entre espécies
adubadeiras/companheiras e espécies de produção;
Tamanho das folhas: Em geral espécies com folhas pequenas a médias devido a
características edafoclimáticas da região; Caducifólia – Tamboril.
- Fauna: Presença de insetos – Serrador (serra pau), joaninha, grilídios, arapuá, abelhas,
maribondo tatu, Aves – Beija-flor, Siriema, Tiziu, tico-tico, perdiz, nambu, titica, curruira,
chupim, canário da terra, curiango, pomba, tesourinha, codorna; Mamíferos – lebres, tatu e
lobos.
- Clima:
Chuvas – Bem distribuídas, exceto no inverno que às vezes tem períodos prolongados de
estiagem – junho / julho / agosto;
Temperatura – médias anuais 29ºC, média máxima 32,6ºC, média mínima 15ºC;
Ventos – Freqüentes principalmente ventos sul;
Geadas – Sim no inverno, mas não todos os anos.
23. Aspectos culturais:
- Práticas anteriores: Mecanização.
- Histórico de uso da área: Antes da implantação do SAF, solo explorado por cerca de 20
anos de forma intensiva através de culturas de grãos, mecanização pesada e agroquímicos.
Área circundada por plantios convencionais.
- Atualmente: Rotação de culturas – Milho-grão, milho-pipoca, feijão, tremoço-branco,
aveia-preta, nabo-forregeiro, girassol e outros adubos verdes de verão. Medicinais: capim
cidreira, pulmonar, orégano, manjerona, alfavaca, cana- de-açúcar, babosa, malva, mil
folhas, poejo, hortelã, catinga-de-mulata, alecrim, arruda, dente-de-leão, rubi, serralha,
quebra pedra, mentraste (erva-de-são João).
24. Aspectos socioeconômicos:
- Renda familiar = R$ 150/mês;
- % da agricultura na renda familiar = 100%;
- Mão-de-obra familiar = Sim – 100%.
3. RESULTADOS:
Inserção de produtos na merenda da Escola de Agroecologia e junto à Conab, pelo
Programa de Aquisição de Alimentos.
Um ótimo exemplo de trabalho individual de sucesso é o da família do Sr. João Boieiro,
assentada na agrovila I. Esta família participou de um projeto de implantação de um
sistema agroeflorestal em parceria com a Embrapa Meio Ambiente. Em apenas dezoito
meses de projeto o desenho do sistema agroflorestal implantado já apresenta grande
produção de adubos verdes, abacaxis e grãos (milho, feijão, etc.).
Atualmente a família já conseguiu realizar as primeiras vendas destes produtos, e mesmo
que de forma convencional atingiram bons preços em seus produtos.
A família se tornou referência no assentamento e apresenta um perfil promissor no
processo da transição agroecológica em que se encontra inserida. Atualmente o projeto
com a Embrapa já foi encerrado, mas a família demonstra que se apropriou dos conceitos
da agroecologia e demonstra com os frutos a proposta da continuidade.
O mais importante em citar esta referência está na temática da independência do agricultor
acerca dos projetos de curto prazo. Nota-se que no caso do Progera muitos agricultores
ainda se encontram dependentes do financiamento das áreas experimentais e não souberam
investir o investimento realizado em itens de maior durabilidade no agroecossistema.
Considera-se que há a possibilidade da agricultura orgânica de grande escala ser uma
alternativa para a produção comercial do assentamento rural Fazenda Pirituba. Entretanto

396
que esta deve representar apenas a primeira fase num processo de transição agroecológica.
Tudo porque, para se obter um efetivo projeto de desenvolvimento rural se faz necessária
uma diversidade de opções e formas de reprodução da vida no meio rural, não
necessariamente de caráter agrícola.
Neste caso, cabe ressaltar que as famílias que adotaram o projeto do fomento florestal não
o fizeram porque suas terras se encontram inadequadas para a produção agrícola ou
pastoril como considera a empresa responsável, mas sim porque não possuíam alternativas
econômicas para financiar suas produções. Assim, o fomento florestal surge como uma
alternativa econômica de curto prazo, mas que não tira o agricultor da situação de
dependência.
Pelo contrário, as famílias passam pelo processo de luta pela terra, conquistam o direito de
uso e ocupação, mas voltam a vender seu trabalho e disponibilizam a sua terra para o
interesse da grande indústria. Dessa mesma forma também segue a lógica da produção
orgânica baseadas somente na substituição de insumos de objetivos meramente comerciais,
ou seja, o agricultor não irá trabalhar para recuperar o solo ou para melhorar sua
alimentação, mas simpara exportar o seu trabalho, seu produto e sua mão de obra.
4. POTENCIALIDADES E LIMITES DA EXPERIENCIAS REALIZADAS
• Acesso ao crédito SAF;
• Aquisição de maquinário com a renda do lote;
• Processamento caseiro;
• Investir nos grãos para alimentar galinhas e porcos;
• Limpar o nome na praça;
• Terminar a casa;
• Usar madeira para investimento;
• Construir cisterna;
• Adquirir câmara fria;
• Investir no plantio de framboesa
• Plantio nas bordas de eucalipto, arbóreas nativas, capim elefante (Napier), cana de
açúcar;
• Poda drástica no SAF
• Criar marca MORADA DO CURUPIRA;
5. ANÁLISE ATUAL DO AGROECOSSISTEMA
5.1 Insumos e Produtos

397
398
5.2 Trabalho

399
400
5.3 Renda

401
402
6. INOVAÇÕES PRETENDIDAS
Planejamento futuro
• Acesso ao pronaf saf
• Aquisição maquinário, com a própria renda
• Processamento caseiro
• Investir nos grãos para trato de galinha e porco
• Limpar o nome para poder acessar credito
• Terminar a casa
• Usar madeira para investimento
• Cisterna
• Investir numa câmara fria
• Investir na framboesa
• Plantio nas bordas, eucalipto, e arvores nativas, napier, cana
• Poda drástica saf
• Marca: morada do curupira
Referência Família João Boieiro e Dona Eva.
Data: 21/09/2011
Local: lote produção da família área I
Participantes: ITESP, INCRA, assentados (as), equipe do projeto, MST, estudantes da
UNESP e COOPLANTAS.
Parcerias: ITESP, INCRA, UNESP, Instituto Giramundo.
Recursos Próprios: Água para a irrigação, palha (matéria orgânica seca) para proteção das
mudas, calcário e composto para o plantio nos berços.
Alimentação: A alimentação foi realizada por Dona Eva e equipe executora, com recursos
próprios e do projeto.
Esta atividade foi precedida de três visitas de planejamento e um mutirão de adubação
verde e plantio de abacaxi.
Nesta atividade, o sistema implantado foi o de aleias, diversificando-se e intercalando-
se 97 mudas de frutas comerciais e 12 espécies de nativas no espaçamento, de 8x8m em 10
linhas, em uma área de 5.500m².
Espécies nativas: Araçá, Gurucáia, Ipê vermelho, Uvaia, Palmito Juçara, Araucária,
Angico Vermelho, Bauínia, Cambará, Ingá Peludo, Pau Jacaré, Bracatinga.
Frutas: Laranja Lima, Manga Palmer, Uva Niágara, Acerola, Atemóia, Fruta do Conde,
Abacate, Jabuticaba.
Esquema 2:Desenho do plantio de aumento do Sistema Agroflorestal da Família
N - Árvore Nativa
F- Árvore
Des. do Sistema
Frutífera

Fonte: Dados do Projeto.


Após a implantação, a família vai continuar enriquecendo o sistema plantando roça,
abóbora e adubação verde de verão nos espaçamentos entre as aleias e nas bordas.
Pontos positivos e negativos da atividade

403
Tabela 9: Pontos negativos e positivos do trabalho com Agroecologia
Positivos Negativos
Feliz Poucos produtores
Rápida produção Faltou plantar as estacas
Diversidade
Almoço bom
Oportunidade
Feliz em participar
Aprendeu mais
Agradecimento
Interação entre as instituições
Retomada do Instituo Giramundo
Fonte: Dados do Projeto

404

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