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1 DISCIPLINA DE EXTENSÃO E COMUNICAÇÃO – DEAER/CCR/UFSM - PROF.

VIVIEN, 2012

APORTES DA TEORIA DA DIFUSÃO DE INOVAÇÕES À


EXTENSÃO RURAL I: O PAPEL DO EXTENSIONISTA

1. Teoria da Difusão de Inovações: Do que estamos falando?


A “difusão” foi, originalmente, uma temática estudada pela
Antropologia quando esta buscava explicar a evolução da(s) sociedade(s).
Tratava-se, então, de investigar a importância das “trocas” entre as
diferentes culturas como fator determinante da trajetória de evolução
cultural.1
Para fins da nossa disciplina cabe reconhecer a consolidação de
uma área de pesquisa sobre a difusão de inovações na agricultura nas
primeiras décadas do século XX nos Estados Unidos. Pesquisadores da
Sociologia e Comunicação2 buscavam entender os condicionantes e as
características dos processos de inovação tecnológica no meio rural nos
EUA, visando subsidiar a intervenção orientada a acelerar o processo de
difusão e adoção de inovações.
Contextualizando-se historicamente as pesquisas sobre difusão,
identifica-se que estas ocorreram simultaneamente à institucionalização e
consolidação dos serviços de extensão rural nos EUA. Tal contextualização
é importante para identificar que, uma vez consolidado o serviço de
extensão rural, já em 1920 os norteamericanos começam a fazer
pesquisas empíricas com levantamentos de dados sobre fatores que
influenciam na adoção. No final da década de 1930 e início da de 1940
foram realizadas pesquisas que estabeleceram os fundamentos da atual
teoria da Difusão de Inovações na agricultura. Nestas pesquisas ressaltam-
se as contribuições das investigações sobre a difusão das sementes de
1
Neste sentido cita-se, por exemplo, o trabalho de A. L. Kroeber intitulado “Difusionismo”, publicado
originalmente em 1937.
2
O capítulo I do livro de Everett M. Rogers, publicado em 1966 e o capítulo 2 na versão de 2003 de sua
obra apresenta com detalhes a história da pesquisa sobre Difusão de Inovações. O que será exposto
nesse material de apoio didático refere-se à teoria da difusão e adoção de inovações relativas a área da
Sociologia Rural, especialmente no que se refere as contribuições de Everett Rogers, que partem de
estudos pioneiros realizados nos EUA .
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milho híbrido. O estudo sobre a difusão do milho híbrido, originalmente


publicado em 1943, foi um importante ponto de partida para a teoria da
Difusão de Inovações.
O autor-chave na formulação da teoria da Difusão de Inovações foi o
americano Everett Rogers. Esse autor acompanhou iniciativas em prol do
desenvolvimento agrícola tanto nos Estados Unidos quanto em países
“atrasados” ou “subdesenvolvidos”. Ressalta-se, também, que E. Rogers
acompanhou a evolução das pesquisas sobre difusão por cerca de cinco
décadas, realizando a revisão das formulações teóricas originais quando
necessário.
As obras de Rogers que podem ser consultadas para melhor
conhecimento da teoria da Difusão de Inovações são:
-“Elementos del cambio social en America Latina: Difusion de Inovaciones”
publicada em 1966, na Colômbia, pela Faculdad de Sociologia da
Universidad Nacional; e
- “Diffusion of Innovations” (em várias edições sendo consultada a 5.ed.
publicada pela Free Press em 2003 para fins de elaboração desse material
didático).

2. O “pano de fundo” da formulação e aplicação da Teoria da Difusão


de Inovações
Trata-se de abordar aqui as representações sobre o desenvolvimento
orientadoras da intervenção da “extensão”, especialmente no período do
pós guerra.

Inicialmente cabe assinalar que, nessa época houve um significativo


esforço acadêmico para interpretar os processos de desenvolvimento. Em
sua busca de modelos teóricos úteis para a interpretação do avanço dos
“mundos” menos desenvolvidos em direção aos “mais desenvolvidos” 3 os
pesquisadores encontraram subsídios nas formulações teóricas anteriores
do evolucionismo. Formularam, a partir daí, a(s) teoria(s) da

3
Ao tratar-se das questões relativas às concepções de desenvolvimento vigentes no período pós-guerra
há de se reconhecer a formação de disciplinas acadêmicas específicas para o estudo do tema tais como:
Economia do Desenvolvimento, Sociologia do Desenvolvimento e Antropologia do Desenvolvimento.
Mesmo que as disciplinas e as proposições teóricas dos autores fossem diversas e singulares, houve no
período um certo consenso em torno à equivalência do processo de desenvolvimento com o de
“modernização”.
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modernização, que compartilhavam, segundo Sztompka (1998)4, alguns


pressupostos comuns ao evolucionismo:
(1) consideravam que as mudanças [de desenvolvimento] são unilineares,
(2) consideravam que as mudanças [de desenvolvimento] são irreversíveis
e apontam inexoravelmente na direção da modernidade,
(3) consideravam que as mudanças [de desenvolvimento] são graduais,
incrementais, pacíficas e sem rupturas,
(4) consideravam que a mudança [de desenvolvimento] ocorre segundo
uma sequência regular de estágios que não poderiam ser “saltados”,
(5) consideravam que a mudança [de desenvolvimento] se caracteriza por
diferenciação estrutural e funcional com causação endógena
(6) consideravam a mudança [de desenvolvimento] sob a ótica do
progressivismo ( pressupondo mudança para melhor).
Assim, a noção de “progresso” ganha novo fôlego e passa a ser
inspiradora e justificadora das intervenções na sociedade rural.

4
SZTOMPKA, P. A sociologia da mudança social. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
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Algumas formulações no âmbito da Sociologia do Desenvolvimento,


tais como aquelas propostas por Germani (1967)5 detalharam as
mudanças - sociais, de personalidade, econômicas - esperadas com a
modernização. O autor apresenta essas mudanças a partir de uma
contraposição das características da “sociedade tradicional”
(correspondentes a situação atual dos países “atrasados” ou
“subdesenvolvidos”) às da “sociedade industrial” (do futuro, pos
modernização). O quadro apresentado a seguir mostra algumas das
mudanças esperadas no âmbito da economia.

5
GERMANI, G. Analise da transição. In: COSTA PINTO, L.A.; BAZANELLA, W. Teoria do
Desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.
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Setor Sociedade tradicional Sociedade moderna

. Economia de subsistência . Economia de produção para a mudança


Produção para satisfazer necessidades Produção para satisfazer uma “demanda”, um público
concretas, de indivíduos ou grupos comprador e abstrato
concretos, num nível tradicional

ECONOMIA .Economia de mercado


Traços gerais Economia de mercado e novas formas de
regulamentação
Ênfase na produção
Publicidade
Ênfase no consumo

. Economia “natural” .Economia monetária


Caráter estatico da economia Caráter dinâmico da economia
Unidades produtoras autosuficientes Interdependência crescente
Crises econômicas

Princípios e fatos ESFERA DO ECONÔMICO A ESFERA DO ECONÔMICO SE ESPECIALIZA –


que regem a INDIFERENCIADA DO SISTEMA SOCIAL FUNCIONALIZAÇÂO E ESPECIALIZAÇÂO DAS
organização ATIVIDADES
econômica
.Divisão do trabalho tradicional, . Divisão do trabalho funcional segundo critérios
segundo status atribuídos por sexo e racionais – Procura da eficiência
idade Importância da produção

Fonte: GERMANI, G. Analise da transição. In: COSTA PINTO, L.A.; BAZANELLA, W. Teoria do
Desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.

Para Molina Filho 6 (1989, p.104)


A maioria dos estudos sobre difusão, explícita ou implicitamente,
considera a existência de dois mundos: o tradicional e o moderno. Assim,
modernização individual é sair do mundo tradicional e passar a ter valores
e atitudes modernos, os quais, por sua vez, facilitam e promovem o
desenvolvimento do sistema social.

A passagem de uma economia de subsistência à uma economia de


mercado e a ampliação das escalas de produção, dadas como inevitáveis,
por certo requerem grandes mudanças de valores e atitudes por parte
dos agricultores. Além disto, a especialização funcional e
“profissionalização”, via de regra, vem acompanhas da adoção de novas
técnicas de produção, aportadas pela pesquisa científica. Estes, entre
outros, serão os “encargos” profissionais dos extensionistas (como bem
assinala a literatura da história da extensão como Fonseca (1985) 7 e Neves

6
MOLINA FILHO, J. Difusão de Inovações: críticas e Alternativas ao modelo dominante. Cad. Dif.
Tecnol., Brasilia, v.6, n.1, p.101-115, jan./abr. 1989.
7
FONSECA, M. T L. Da. A extensão rural no Brasil, um projeto educativo para o capital. São Paulo:
Loyola, 1985
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(1987)8. Neste caso, a educação “extensionista” tanto pode buscar


adaptar o agricultor à esse novo contexto que se impõe quanto trabalhar,
mais especificamente, na sua profissionalização para desempenho de
funções específicas, adotando uma concepção técnico-burocrática do
processo educativo.

3. O estabelecimento de uma normatividade relativa ao papel do


extensionista na Difusao de Inovações
O extensionista é visto como “agente de mudança” e sua atuação é
prevista em Rogers, E. “Diffusion of Innovations” (2003, p.269-270).
Segundo essa normatividade, cabe ao extensionista:

. Criar uma necessidade pela mudança . Um agente de extensão muitas


vezes ajuda o cliente a tornar-se consciente da necessidade de alterar o
seu comportamento. Com vistas a dar início a um processo de inovação, o
agente coloca novas alternativas para os problemas existentes, enfatiza a
importância desses problemas e pode assegurar aos clientes que eles são
capazes de enfrentar estes problemas. Nesta fase o agente de mudança
tanto levanta as necessidades dos clientes quanto pode ajudar a criar
necessidades.

. Estabelecer uma relação de troca de informações. Uma vez que a


necessidade por mudança é criada, um agente de mudança deve
desenvolver comunicação com seus clientes. O agente de mudanças pode
reforçar estas relações se for percebido como verdadeiro, competente e
confiável e por mostrar empatia com as necessidades e problemas dos
clientes. Clientes muitas vezes precisam primeiro aceitar o agente de
mudanças para depois aceitar as inovações que ele ou ela estão
promovendo. As inovações são julgadas, em parte, com base na forma
como o agente de mudanças é percebido.

. Diagnosticar os problemas. O agente de mudanças é responsável por


analisar os problemas dos clientes de forma a determinar porque as
alternativas existentes não atendem às suas necessidades. Para chegar a

8
NEVES, D. P. As políticas agrícolas e a construção do produtor moderno. Cad. Dif. Tecnol., Brasilia,
v.43, n.3, p. 343-367, set./dez. 1987.
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uma conclusão, o agente de mudança deve colocar-se no lugar do cliente


(empatia) para ver a situação sob a sua perspectiva.

. Criar uma intenção de mudança no cliente. Depois que um agente de


mudança investiga as várias opções do cliente para atingir seus objetivos,
o agente de mudança procura direcionar seu interesse para a inovação.

. Traduzir uma intenção em ação. Um agente de mudança procura


influenciar a mudança de comportamento do cliente em acordo com as
recomendações baseadas nas necessidades do cliente. Redes
interpessoais de influência são as mais importantes nas fases de
convencimento e decisão no processo de inovação. O agente de mudança
pode operar somente indiretamente aqui, trabalhando com líderes de
opinião para ativar as redes de influência interpessoal locais. Ou talvez o
próprio agente de mudança constitua um líder de opinião e assim pode
encorajar a comunicação entre pares.

. Para consolidar a adoção e prevenir descontinuidades. Os agentes de


mudança podem consolidar novos comportamentos reforçando
mensagens aos clientes que já adotaram. Esta assistência é dada quando
um cliente está na fase de implementação ou confirmação no processo de
inovação-decisão.

. Alcançar a autosuficiência. O objetivo final para um agente de mudança


é desenvolver um comportamento de auto-suficiência por parte dos
clientes eliminando a dependência para com ele.

Percebe-se a ênfase dada na promoção do “desejo de mudança” e o


apoio para a concretização da mudança de comportamento.

A descrição de Sousa (1987, p.190)9 exemplifica como se deu essa


atuação do extensionista na Difusão de Inovações no contexto da
modernização da agricultura no caso brasileiro:

9
Sousa, I.S.F.de Difusão de tecnologia para o setor agropecuário: a experiência brasileira. Cad. Dif. De
Tecnologia, Brasilia, v.4, n.2, p.187-196, mai-ago. 1987.
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