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Navios, falucas, batéis, vapores, barcos e balsas – todo esse conjunto diz algo
importante sobre o nosso tempo. Como afirma Márcio Seligmann-Silva, é
possível entender a história da modernidade «como história do Unbehagen
(mal-estar, desabrigo)» pois ela se desdobra e se deixa narrar a partir de
muitos navios [2]. Historicamente, em nosso mar se banharam três etnias
fundadoras – indígenas, muitas vezes representados como aqueles que
habitavam as bordas do continente, a fronteira entre o mar e a terra; africanos,
trazidos à força pelo oceano no bojo do projeto colonialista; e portugueses,
conquistadores ultramarinos e supostos navegantes por vocação. Todos de
alguma forma se relacionando com as já referidas embarcações, esses
«pedaços de espaço flutuantes», como Foucault define os navios [3].
O assunto surge como pauta obrigatória A criança fora reportada com o nome de
nas discussões de hoje, em que Aylan Kurdi, mas depois identificado
nacionalismos se agudizam, o crescente como Alan Kurdi.
fechamento de fronteiras é preocupante,
e a atitude de exclusão contra migrantes e refugiados se torna visível em
discursos ensandecidos como os de Donald Trump, entre outros. Uma massa
de mais de 65 milhões de pessoas vive atualmente a situação de deriva e
desabrigo. É preciso dar visibilidade, convocar o olhar e a indignação diante
de tanta atrocidade. Porque tudo isso está muito perto, mas vem de longe.
São histórias de migrações forçadas, diásporas individuais e coletivas,
relações assimétricas entre colonizadores e colonizados. E o mar como
estrada líquida.
O limite é delicado, e consiste em pensar como figurar poeticamente essa
dura condição. Como toda crise humana, pode e deve ser contemplada pela
arte para que se possa ir além do mero documento ou da retórica da boa
vontade. Para que se evite que o Outro se torne o “dócil corpo da diferença”
nos discursos contemporâneos do multiculturalismo, como alerta o crítico
Homi Bhabha [6]. Para que não vire oportunismo midiático, mero assunto,
simples renovação de pauta. É preciso mais, é necessária antes de mais nada
uma postura ética diante dessas imagens.