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11/01/2022
Ver filmes não está na minha lista de prioridades. Mas, quando a companhia é boa, os itens
da tal lista mudam de lugar e dão ensejo a ótimas tardes chuvosas diante da TV ou noites
no aconchego das almofadas. Foi assim que assisti a quase 100% dos filmes anotados nos
últimos três anos; também foi assim que conheci ótimas tramas e bons elencos, em especial
no tema da edição, da leitura, dos livros e da escrita. Monotemática, eu? Com orgulho.
Passei grande parte da pandemia (que está em curso, frisemos) trancada em casa,
trabalhando triplicado, sem ser vista pela vizinhança, quase perdendo o rumo do local de
trabalho presencial, lidando com fortes sensações de medo e alívio, ambiguidade ainda não
resolvida. De vez em quando, parei para assistir a algum filme que constasse num livro bem
especial chamado Edição, livros e leitura no cinema, organizado por Letícia Santana
Gomes e publicado pela pequena e brava Contafios, numa sacada genial. A perspectiva é
editorial, claro, e a paleta de filmes que aparece no sumário se transformou numa espécie
de missão que eu deveria cumprir. E cumpri, descontando os filmes que já conhecia antes
de ler o livro.
No entanto, não é de lá minha última experiência desse tipo. A obra não dá conta de tudo,
é claro, mas nos anima a procurar por películas temáticas muito interessantes para a
discussão ampla sobre edição livro e leitura geralmente com foco na publicação de livros
discussão ampla sobre edição, livro e leitura, geralmente com foco na publicação de livros
escritos por autores conhecidos. Não se deixa de mirar no leitor, no entanto. A leitura
protagoniza muitas e belas histórias no cinema, revolucionárias, em sentido micro ou
macro, ajudando a clarear esse aspecto político e civilizatório que a leitura tem.
A produção canadense My Salinger year está disponível na Netflix e andou também pelas
salas de cinema. Lançada em 2021, teve direção e roteiro de Philippe Falardeau, inspirado
no livro de Joanna Smith Rakoff (o velho e sempre atual caminho livro-filme). Contou
com um elenco estrelado, protagonizado pela jovem Margaret Qualley em interação
constante com a veterana Sigourney Weaver (nada de alienígenas, por ora… quer dizer,
mais ou menos). Não pude deixar de sentir um tequinho de O diabo veste Prada na
atuação da respeitada agente literária, fria, dura, convencional e editorialmente
conservadora, vivida por Weaver. No entanto, o foco estava na jovem Joanna, espécie de
estagiária da agência literária da reputada Margaret (personagem de Sigourney), que
administrava nada menos que a obra de J. D. Salinger, um escritor best-seller e cheio de
idiossincrasias, tratado a pão de ló.
Pelo menos dois conflitos ficam evidentes na trama, para além das morrinhentas vidas
amorosas da jovem Joanna ou da de sua chefe: os tensionamentos tecnológicos no mercado
editorial, provocadores de mudanças importantes nos modos de produzir e fazer circular
livros na virada do milênio, e a ambiguidade interna vivida pela protagonista, que almejava
ser, afinal, escritora, e não editora ou agente literária (aqui, velhas polarizações). Ao longo
do filme, fica claro que escritoras são evitadas nas vagas para estágio na agência. Escritoras
se metem, querem ter as vidas dos agenciados, não se contêm, não se contentam, querem
crescer mais do que o devido ou, como diria o revisor de textos Raimundo, personagem
célebre de Saramago, são sapateiros que sobem acima das chinelas. A despeito dos avisos,
Joanna estabelece interações com fãs de Salinger e com o próprio autor, por telefone, para
além do permitido, enquanto, em sua vida privada, escreve poemas e tece suas redes
intelectuais que a levarão a publicar na mais importante e desejada revista literária de Nova
York, a The New Yorker (alerta de spoiler). Bom, mas até chegar aí tem muito chão, muita
paciência e muita reflexão. E cá da realidade sabemos: é filme, é uma viagem, é delirante,
não é tão fácil assim.
Vale a viagem
Água com açúcar, mamão com mel e quetais. Uma protagonista recém-formada em
literatura parte para uma das cidades mais badaladas do mundo e fisga um emprego
invejável, isto é, para quem gosta da coisa, na agência de um dos mais famosos escritores do
planeta. Mesmo escrevendo à máquina em plenos anos 1990, no berço da computação, e
redigindo cartas à mão, Joanna consegue amolecer um pouco o coração da chefa e mover
algumas montanhas nas práticas profissionais cristalizadas ali. Salinger? É pano de fundo,
embora permeie tudo o que rola na história. Joanna? Precisa se decidir; e se decide.
Detalhar demais é chato. Já dei spoiler que chega. Dica para tardes de sábado chuvoso,
noites infinitas de domingo, de preferência sem sono. Dizem as fichas técnicas que se trata
de um drama. Ecos de outras películas, atrizes notáveis, paisagens urbanas, sonhos de
muita gente: escrever, publicar e ser bem-sucedida. Nuanças de uma profissão ainda pouco
g p ç p p
Ú LT I M AS E D I Ç Õ E S
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