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XXII REUNIÃO ANUAL DA ANPOCS

CAXAMBU, MG, 27-31 DE OUTROBRO DE 1998-08-31

GRUPO DE TRABALHO: RELIGIÃO E SOCIEDADE (16)

PEREGRINAÇÃO E TURISMO:
O NATAL EM GRAMADO E CANELA

Dr. Carlos Alberto Steil


Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Resumo: Este trabalho analisa as relações entre peregrinação e turismo a partir dos
eventos: o Natal Luz, de Gramado e o Sonho de Natal, de Canela, no Rio Grande do Sul.
Tomando como referência estudos que relacionam peregrinação e turismo, procura
compreender as transformações que vêm ocorrendo no campo religioso a partir da
incorporação de elementos de caráter turístico. Para efeitos de análise, peregrinação e
turismo são tomados como estruturas de significados, ou “tipos ideais”, no sentido
weberiano, que apontariam para duas possibilidades extrema de vivenciar a experiência
da peregrinação ou do turismo religioso. Enquanto a peregrinação remete para uma
performance onde ator e espectador se confundem, o turismo enfatiza o espetáculo,
estabelecendo uma diferenciação e exterioridade dos peregrinos-turistas em relação ao
evento.

A relação entre peregrinação e turismo é um destes objetos de pesquisa que se


apresentam como um ponto de interceção nodal, onde se pode verificar a tensão entre
múltiplos significados que colocam em tela aspectos fundamentais da cultura. Embora,
como pretendemos mostrar, estes universos estejam intrinsecamente relacionados, são
poucos os estudos que buscam destacar as implicações que decorrem desta articulação. Um
dos primeiros trabalhos que podemos citar no campo da antropologia, é o de Dean
MacCannell (1973, 1976)1. A partir de um enfoque novo sobre o comportamento turístico,
este autor mostra que o turismo moderno pode ser visto como uma continuação das
peregrinações tradicionais, carregando sentidos e valores que em outros momentos
estiveram condensados nesta experiência religiosa. Seguindo um veio deixado por

1
Antes da publicação de MacCannell, as Ciências Sociais tendiam a ver o turismo como um fenômeno
superficial, que não merecia um estudo sério por parte de seus pesquisadores (Cohen, 1983b).
2

Durkheim, MacCannell vê o turismo como um substituto moderno da religião tradicional:


“o turismo” - afirma o autor, citando Durkheim – “é uma forma de respeito ritual para
com a sociedade, absorvendo algumas das funções da religião no mundo moderno” (1973:
13).
Cohen (1983) é outro autor que tem procurado estabelecer esta mesma comparação
entre turismo e peregrinação. Propõe uma análise do turismo a partir do modelo estrutural,
enfatizando a experiência do distanciamento do cotidiano como um elemento comum à
peregrinação e ao turismo. Evocando a etimologia da palavra “peregrino”, lembra que este
termo designa o estrangeiro, aquele que vem de outro lugar, que não pertence à sociedade
autóctone. Traz, portanto, como sentido original a alteridade, o surgimento do “outro” e a
criação do estranho. No jogo dos espelhos invertidos, afirma que a peregrinação e o turismo
reiventam uma experiência que permite às pessoas, ao defrontar-se com o “outro”, tomarem
um distanciamento crítico em relação aos valores, às idéias e às instituições que regem suas
vidas cotidianas.
Mas, talvez seja Rachid Amirou, em seu livro Imaginaire touristique et sociabilités
du voyage (1995), quem leva mais longe esta linha de análise. Para este autor, turismo e
peregrinação são tomadas não apenas como experiências históricas de múltiplas formas de
deslocamento espacial, mas sobretudo como categorias explicativas e de compreensão da
realidade que condensam estruturas de significados que estão sendo atualizadas e
reavaliadas na prática social. Trata-se, portanto, de idealizações opostas, ou tipos ideais, no
sentido weberiano. Ou seja, a tese de Amirou é que, enquanto a peregrinação evoca o
modelo convivial da comunidade emocional e religiosa, que Victor Turner chamou de
communitas (1978)2, o turismo remete-nos fundamentalmente ao modelo da sociedade de
corte, marcado por um tipo de convivência que poderia ser expresso pela idéia de societas,
da forma como a entende Norbert Elias (1995)3. Procedendo desta forma, o autor toma as

2
A contribuição de Turner ao estudo das peregrinações, pensadas como communitas serviu de base para
estudos feitos em diferentes contextos. No entanto, como pudemos constatar em nosso estudo de Bom Jesus
da Lapa, embora a communitas seja efetivamente uma dimensão da romaria, ela não esgota o seu sentido, o
qual se apresenta sempre múltiplo a partir dos diferentes investimentos afetivos e simbólicos que são
canalizados para este evento (Steil, 1996).
3
Communitas e societas são, na verdade, dois modelos, dois tipos abstratos ou duas virtualidades. Não se
pode tomá-los como formas empíricas de sociabilidades, embora se atualizem em determinadas sociedades ou
grupos sociais.
3

peregrinações e o turismo como duas narrativas meta-sociais que demarcam fronteiras e


condensam traços fundamentais de duas formas diversas de sociabilidade.
Dentro deste modelo construído por Victor Turner, pode-se falar de uma estrutura
peregrínica, que nos remete necessariamente à experiência da communitas, produtora de
um espaço simbólico onde as regras sociais, as hierarquias e os constrangimentos morais
são abrogados. O que torna a peregrinação, na sua forma tradicional, uma crítica à
sociabilidade do cotidiano e à vida moderna, que se organiza a partir da divisão social do
trabalho e da produção de múltiplos status sociais. Esta crítica, contudo, não se dá pela
imposição de dogmas religiosos e morais ou de um corpus ideológico e doutrinário, mas
por uma performance que se expressa através dos corpos, das emoções e dos afetos que
circulam entre os peregrinos nas viagens e nos locais sagrados. Performance esta que nos
remete imediatamente ao caráter festivo, lúdico e transgressivo das peregrinações,
enfatizado pelos autores que têm escrito sobre este fenômeno (Sanchis, 1983, Fernandes,
1982, Steil, 1996).
Em contrapartida, o turismo, na medida em que está relacionado com o modelo da
societas, reafirma um ethos moderno, muito próximo ao que encontramos noutros domínios
da vida contemporânea, que se caracteriza pela construção de diferenciações sociais a partir
de valores como o bom comportamento, a higiene, o uso correto das etiquetas, as condições
materiais etc. De modo que, ao contrário da peregrinação, o turismo acaba reforçando uma
sociabilidade de corte que se instituiu através de um processo pedagógico que visa integrar
o indivíduo, de uma maneira sutil, ritualizada e codificada, na sua sociedade de origem4.
Uma das condições básicas para ser reconhecido ou reconhecer-se como turista, é
adquirir este saber-ver ou este olhar exótico de ordem cultural que possibilitam um
distanciamento simbólico em relação aos outros que não compõem o próprio grupo.
Viaja-se, portanto, não apenas para conhecer o modus vivendi de outros grupos sociais ou
regiões, mas também para iniciar-se na forma de ser de sua classe ou grupo social.
Trata-se, na verdade, de uma aprendizagem relacional, onde a transação cultural com o
outro permite estabelecer uma melhor definição de si e reforçar o sentimento de
pertencimento ao seu próprio grupo. O estatuto de turista cria, assim, um contexto
específico de distanciamento simbólico onde as nuances são transformadas em contrastes,
4

as diferenças relativas em absolutas e o seu “lugar social” passa a ser visto como definitivo.
Como afirma Amirou, “o olhar turístico torna-se uma máquina de produzir a diferença”
(1995: 224).
O distanciamento produzido pelo turismo, no entanto, não acontece apenas em
relação ao outro, mas também ao seu próprio passado. O distanciamento temporal opera do
mesmo modo que o distanciamento cultural e simbólico, estabelecendo diferenças e
reforçando contrastes. Viajar é revisitar memórias e evocar tempos nostálgicos, de modo
que o passado se transforme numa visão de sonho, de inocência perdida e de simplicidade
natural. O que é evocado também é idealizado, fazendo desenhar-se diante dos olhos a
imagem de um mundo que se recompõe com os fragmentos positivos de sua própria
biografia.
No entanto, se podemos distinguir em termos analíticos duas estruturas de valores e
sentidos associados ao campo da peregrinação e do turismo, ao nível empírico, estes
campos aparecem sempre imbricados, tornando suas fronteiras bastante fluidas e
indefinidas. O que torna, segundo Alphonse Dupront, a tentativa de estabelecer limites
objetivos, neste “universo do coletivo pânico”, uma verdadeira ficção. Mesmo porque,
entendemos que não se trata de experiências justapostas como pontos contíguos numa linha
espacial ou temporal, mas de estruturas de significados que se articulam, produzindo
múltiplas possibilidades de combinações e arranjos sincréticos. Lógicas contemporâneas
que emergem em determinadas situações, dando aos eventos diferentes configurações e
sentidos. De modo que, podemos ver surgir no campo da religião uma estrutura turística de
significados e valores que acaba encompassando, mesmo que inconscientemente, a tradição
peregrínica, produzindo um outro evento, que poderíamos chamar de turismo religioso.

Turismo religioso
É dentro da categoria de turismo religioso que pretendemos situar o Natal Luz em
Gramado e o Sonho de Natal em Canela, no Rio Grande do Sul. Estes eventos, na medida
em que se associam inextrincávelmente ao turismo, estariam apontando para uma
transformação fundamental da representação social da peregrinação. Ou seja, sentidos,
vivências e rituais, que no universo tradicional se expressam através das peregrinações, no

4
Segundo Norbert Elias, o turismo retira sua legitimidade das antigas “sociedades de corte”, que é o dado
5

contexto moderno e secularizado desses pólos de atração de pessoas, assumem uma forma
truística de expressão. Assim, ao invés de tomar o turismo como um universo exterior ao
campo religioso, que estaria introduzindo aí elementos estranhos ou deturpando um sentido
original de peregrinação, procuraremos compreender a sua emergência neste campo como
uma expressão moderna de “peregrinação” que estaria exigindo, ela mesma, a inclusão de
elementos profanos, provenientes do mundo do turismo.
No entanto, o fato de o turismo ser incorporado como um valor positivo no campo
religioso, encompassando a própria peregrinação, não significa ausência de tensões ou de
resistências a esta nova forma de sociabilidade que o turismo impõe. Mesmo porque, a
representação mística e fusional, que constitui o núcleo central de significados e valores da
tradição peregrínica, não é anulada, mas se mantém como uma estrutura de longa
duração - no sentido dado por Braudel, de códigos culturais ou de um sistema de signos -
que, embora inconsciente, permanece como um filão encoberto de circulação de sentidos
que organiza a ação humana.
Observa-se, então, que o turismo, ao introduzir a experiência de uma certa
exterioridade em relação ao evento, trabalha no sentido da diluição da mística da
communitas, estabelecendo um outro programa de percepção que visa desautorizar os
sentidos construídos sob o modelo de relações fusinonais. É neste sentido que buscamos
interpretar a centralidade da dimensão do espetáculo nos eventos de Natal que pretendemos
analisar. Na verdade, para o turista que se dirige a Gramado e Canela neste período, já não
se trata de deslocar-se em busca da experiência pessoal da communitas, mas de se colocar
como um observador externo, na qualidade de espectador. O que se torna possível na
medida em que esta forma de turismo acontece num contexto moderno, onde os sentidos e
valores referidos a um sistema religioso tradicional se tornaram particularmente vulneráveis
pela ação da lógica econômica que preside os empreendimentos turísticos.
Surge, assim, uma nova categoria de peregrinos-turistas, ou de turistas religiosos,
que se diferenciam dos peregrinos tradicionais não apenas pelo conjunto de motivações que
os incitam a deslocar-se para os locais de peregrinação, mas sobretudo pelas estruturas de

constante não falado dos comportamentos turísticos.


6

significados dentro das quais inserem sua experiência 5 . Esta experiência, por sua vez,
permite perceber não apenas uma reinvenção das peregrinações nos contextos turísticos,
mas, também, aponta para as transformações que vêm ocorrendo na própria vivência
moderna do religioso que, ao incorporar o turismo como mediação do sagrado, acaba
aborvendo elementos mercadológicos e de consumo a ele associados. Cria-se, assim, uma
linguagem religiosa que precisa do turismo, e de tudo que ele implica, para produzir
significados e sentimentos espirituais. De modo que, eliminar o turismo do evento de Natal
de Gramado e Canela, em certo sentido, eliminar o próprio espírito do Natal.
A hipótese que queremos trabalhar, portanto, é de que a conformação da
peregrinação ao turismo atualiza um modelo de religião que está centrado na afirmação do
indivíduo e na produção de diferenças, acionando, assim, no campo religioso, a mesma
lógica do distanciamento e da identidade que encontramos noutros domínios da vida
moderna e que se contrapõe à lógica da communitas, que opera no sentido da fusão dos
peregrinos numa totalidade idílica. Estas lógicas, no entanto, não são excludentes, mas
constituem os pólos de tensão entre duas estruturas de significados que nos remetem para as
múltiplas possibilidades de arranjos sincréticos entre tradição e modernidade.

Consumo e espetáculo: o Natal em Gramado e Canela


Desde 1986, nos meses de novembro e dezembro, em torno de quinhentas mil
pessoas deslocam-se de diferentes pontos do país para Gramado e Canela, no Rio Grande
do Sul, atraídos pelo espetáculo de luzes e sonhos do Natal. Trata-se, na verdade, do
principal evento dentro do calendário de atrações promovidas na região das Serras
Gaúchas, um dos grandes pólos turísticos do Sul do país6. Embora o festival de cinema de
Gramado seja um evento consolidado na agenda cultural latino-americana, em termos do
fluxo de turistas, não se compara às festas natalinas. A única época do ano que o número de

5
Acreditamos que, se o objetivo declarado da viagem já não constitui um elemento importante de
classificação para distinguir peregrinos de turistas, devemos buscar nas estruturas de significados, a que cada
um está referido e aciona ao participar do evento, o critério possível de classificação.
6
Segundo o secretário de Turismo de Gramado, Luiz Carlos Tomazeli, o calendário turístico da cidade deve
ser muito variado para atrair visitantes durante todo o ano. Para se ter uma idéia, Tomazeli cita os principais
eventos: Janeiro, Festa dos Reis e campeonato de paraglider. Em fevereiro Carnaval ao estilo de Veneza e
Festa da Colônia. Em março e abril Festival Nacional do Chocolate e Páscoa. Em maio Semana do Artezanato
Gramadense. Em junho ballet clássico. Em julho Festival de Inverno. Em agosto Festival do Cinema. Em
setembro Festival Farroupilha e Festa das Flores. Em novembro Feira de Malhas. Em dezembro Natal Luz.
7

turistas ultrapassa ao do Natal, é na alta temporada de inverno, quando somam-se ao


contingente turístico, os veranistas que possuem casas e apartamentos na Serra.
Separadas por seis quilômetros de asfalto, Gramado e Canela disputam a produção
do melhor e mais criativo espetáculo de Natal. Assim, o Natal Luz que se iniciou em
Gramado, logo teve uma versão em Canela, o Sonho de Natal. A rivalidade entre as duas
cidades, alimentada pela mídia através das permanentes comparações entre as cifras de
turistas que cada uma consegue atrair, insere-se na lógica da economia de mercado que
estrutura o turismo. A concorrência, que parece ter raízes históricas no período em que
estas cidades eram duas vilas coloniais, é hoje estimulada apenas como um jogo, visto
como um fator importante para o desenvolvimento da região7. Na verdade, trata-se de uma
competição de beleza e hospitalidade que, longe de dividir as cidades, tem promovido um
sistema integrado de trocas de serviços e investimentos. O Monumento de Integração,
inaugurado em 1990 e localizado no limite dos dois municípios, que exibe dois homens de
concreto segurando um ramalhete de hortênsias, surge como um símbolo desta consciência
da necessidade de aprofundar a sua integração, aprimorar os serviços e diversificar a oferta
de bens culturais e de entretenimento para que a região possa competir efetivamente com
outros pólos turísticos do país e do Mercosul.

Feiras e consumo
Para responder à intensa demanda de consumo dos turistas, o Natal de Gramado e
Canela inclui em sua programação três grandes feiras, abarcando setores diferenciados do
consumo: a Feira de Natal, denominada Christkindlesmarket; o Parque de Natal, também
designidado Weihnachtspark, e a Feira Gastronômica, que apresenta uma variedade de
pratos alemães e italianos. Inspiradas no modelo de celebração do Natal em algumas
cidades da Alemanha, estas feiras não só movimentam um volume significativo de dinheiro
no comércio local, mas também fazem circular signos e sentidos étnicos que são associados
às condições de vida do primeiro mundo. O que é reforçado pela presença destas etnias

7
Pertencentes a Taquara antes da emancipação, obtida em 1944 por Canela e em 1954 por Gramado, os
municípios têm rixas que datam de sua condição de vila. A diretora do Arquivo Histórico Municipal de
Gramado, Iraci Koppe, lembra da acirrada competição que havia no passado. "Eram comuns os comentários
sobre qual moça se vestia melhor", recorda. "Algumas mães, ao comprarem tecido para o traje das filhas,
levavam a peça inteira para evitar que outra pessoa tivesse roupa igual." (Zero Hora, 26/04/98)
8

européias na composição social da população local e pela sua identificação com valores
como trabalho, ordem e progresso. O esteriótipo positivo, construído no país sobre o sul, é
reafirmado pela organização, exuberância e fartura que se materializam em inúmeros e
diversificados produtos que são comercializados nestas feiras.
O Natal Luz abre com a Feira de Natal, montada nas principais ruas da cidade que
são tomadas por cerca de 30 stands, no formato de casinhas de madeira, onde são vendidos
uma grande variedade de produtos natalinos, na sua maioria produzidos por artesãos e
indústrias locais, tais como: panetones, chocolate, bolachas de natal, árvores de natal,
imagens de Papai Noel, bonecos de neve, enfeites, guirlandas, brinquedos, bruxinhas e
gnomos e os famosos gorros de Papai Noel, em diferentes modelos, alguns até mesmo com
direito a luzes, campeães em venda8. Já o Weihnachtspark, uma mistura de feira natalina
com parque de diversões, montada na Praça das Comunicações, inclui, além dos produtos
natalinos, uma série de entretenimentos voltados especialmente para as crianças. A Feira
Gastronômica, por sua vez, tem como base os inúmeros restaurantes especializados não
apenas em pratos da culinária alemã e italiana, mas também as churrascarias, outro traço da
cultura gaúcha.
O acesso a estes produtos e a paisagem local, que evocam um modelo europeu,
reforçados pela cobertura da imprensa, permitem que aos turistas realizarem, de um modo
imaginário, talvez a mais forte das utopias da classe média contemporânea, que é poder
desfrutar das condições de vida do primeiro mundo. Como comenta uma turista vinda de
Florianópolis, "só falta a neve para eu me sentir em um país europeu". Mas, possivelmente,
até este desejo esteja sendo atendido pelos derrames de flocos de papel e isopor que
recriam, no verão subtropical, a neve indispensável para completar o típico cenário de natal
do Hemisfério Norte. Para outra turista, professora de Porto Alegre, esta variedade de
produtos de consumo, diversão e culturais que compõem o evento Natal Luz e Sonho de
Natal se expressa na exclamação: "Indescritível. O maior espetáculo da Terra. Um
verdadeiro sonho. Acho que estou no céu". Poder-se-ia falar de uma forma de êxtase
moderno, no qual o "espírito de Natal" aparece associado à diversão, ao consumo e ao
espetáculo.

8
Dados publicados pelo Jornal Zero Hora referem-se a uma estimativa de 500 mil toucas de natal
confecciondas para serem vendidas no Natal de 1997 (ZH, 03/11/1997).
9

Constitui-se, assim, uma cadeia de espelhos, na qual, se Gramado e Canela refletem


os modelos do Primeiro Mundo. Ao reproduzir o Natal destes países, elas mesmas se
tornam modelos para os pólos turísticos menos importantes do Estado. De forma que,
podemos ver outras cidades imitando o mesmo evento: Natal dos Anjos, em Dois Irmãos;
Natal Louvor, em Nova Petrópolis; Natal das Ondas, na cidade de Rio Grande etc. Mas,
além das cidades, o mesmo modelo de Natal se reproduz na forma de iluminação de ruas,
casas e praças, como mostra a matéria do Zero Hora intitulada de: "Natal ilumina o
Estado":
"Nunca tantas luzes se acenderam num fim de ano. O Rio Grande do Sul está
iluminado à espera do Natal. Um show de luzes tomou conta de ruas, prédios,
residências, carros e monumentos. (...) O fascínio das luzes também deixou mais
radiante a Igreja de São Miguel, em São Miguel das Missões, e o Teatro São Pedro,
em Porto Alegre. Além do teatro, a Capital tem brilhos especiais no Jardim
Lindóia, no bairro Tristeza, na Rua Tauphic Saad (bairro Bela Vista). Em Cruz
Alta, a febre dos enfeites enfeita a casa do médico João Carlos Donaduzzi, com 3
mil lâmpadas. O espírito de Natal contaminou os moradores da Rua Gaspar de
Lemos, no bairro Lar Gaúcho, em Rio Grande, decorado com mais de 20 mil luzes.
Uma praça com 460 mil lâmpadas, importadas da China, tem fascinado os
moradores de Passo Fundo" (Zero Hora: 14/12/1996).

Isto nos faz pensar numa versão ocidental do mito do centro exemplar que Geertz
encontra no Bali. De modo que, não se trata apenas de refletir o padrão de vida e o modelo
cultural dos países centrais, mas de tomar os seus rituais de consumo como paradigmáticos
da ordem social a ser instaurada (Geertz, 1991). Os próprios turistas vivem o espetáculo em
Gramado e Canela, ou se inserem nas celebrações de Natal dos outros lugares, como uma
cópia do modelo ideal que está na Europa e Estados Unidos, ao qual poucos possivelmente
têm acesso, apesar do crescente processo de globalização que interconecta as nações dentro
de um mundo onde as transações econômicas têm facilitado as viagens internacionais.
Cooperam para que os turistas possam sentir-se no Primeiro Mundo, além da paisagem
e dos múltiplos simulacros acionados, a origem étnicas dos habitantes locais que, graças ao
seu biotipo, se encaixam perfeitamente no cenário de Natal europeu, construído em
Gramado e Canela. Embora, eles mesmos sejam vistos como uma cópia dos verdadeiros e
genuínos exemplares europeus9. Este componente étnico, por sua vez, para além de um

9
Referimo-nos aqui ao europeu idealizado, nórdico especialmente, que corresponde a uma determinada
imagem presente na cultura brasileira e que é reafirmada e reinventada pela mídia.
10

dado objetivo ou histórico, também se institui através do olhar do turista que produz a
diferenciação, transformando nuances em contraste e diferenças mínimas em diferenças de
essência. Trata-se, portanto, de diferenças atribuídas desde fora, mas que também são
assumidas pelos habitantes locais, articulando-se com um movimento mais geral, forte no
Rio Grande do Sul, de afirmação de uma identidade regional10.
Uma manchete de Zero Hora, intitulada “Natal e Páscoa viram sinônimo de turismo na
região das hortênsias” (26/04/1998), nos faz refletir sobre a ação da mídia na
transformação dos sentidos destas duas festas maiores do calendário cristão. Ao identificar
o Natal e a Páscoa com o turismo, ainda que de forma metafórica, produz uma
ressemantização dos eventos e rituais religiosos. Como um Midas que transforma tudo o
que toca em ouro, a Mídia, aliada aos interesses de mercado, transforma todas as datas,
acontecimentos, experiências e relações que emergem em Gramado e Canela num produto
que possa circular no mercado turístico. Estimuladas pelas possibilidades econômicas que
decorrem do desenvolvimento engendrado pelo turismo, estas cidades têm sido
constantemente apresentadas como centros turísticos exemplares pela sua capacidade de
transformar seus valores, tradições e engenhos em mercadorias.
Os símbolos acionados no período do Natal passam a integrar o conjunto diversificado
de bens simbólicos e culturais de diferentes naturezas que, ao serem transformados em
mercadorias, podem ser vendidos e comprados (Greenwood, 1989). Capturados pela lógica
do mercado, estes símbolos se multiplicam a cada ano, num processo frenético de
inovações que visam atrair um número cada vez maior de turistas. Como afirma Tomazeli,
secretário de turismo de Gramado e principal mentor do Natal Luz, “não se pode atrair as
mesmas pessoas três ou quatro vezes se não houver novas atrações todos os anos” (Zero
Hora, 25/03/97)11. De modo que o turismo, ao encompassar o Natal, não só reproduz e
atualiza os símbolos natalinos, mas também potencializa o processo de invenção das
tradições de Natal.

10
O Natal Luz incorpora o Natal do Sul, ou o Natal gaudério. Ao lado da apresentação dos corais e orquestras
que reproduzem canções européias e um repertório conhecido de músicas clássicas, há uma versão nativista
do natal que junta os clássicos do cancioneiro natalino com músicas e ritmos nativistas do tradicionalismo
gaúcho. As manchetes de Zero Hora de 21/12/1996 retratam bem esta mistura: "Tradições gaúchas e
natalinas se unem na celebração do Natal" e "Natal Luz gaudério em família".
11
Estamos, como se pode ver, muito longe de uma estrutura peregrínica que se caracteriza pela repetição e
manutenção de um código ritual e simbólico tradicional, condição indispensável para que os peregrinos
11

A começar pelas luzes, cuja número vai aumentando ano a ano: em 1995 fala-se em 1
milhão de lâmpadas, em 96 3 milhões e em 97 6 milhões. O Papai Noel é outro personagem
forte desta festa. Em 1996, a prefeitura de Gramado, juntamente com os patrocinadores do
Natal Luz, trazem o "único, o genuíno, o legítimo Papai Noel, aquele que vive no meio da
neve da Lapônia" (Zero Hora, 30/11/96). Em Canela, o Papai Noel não só aumenta seus
bens a cada ano: tem oficina, casa, e, a partir de 1997, já possui uma aldeia permanente que
pode ser visitada durante todo o ano, mas também o seu séquito. Cada vez que aparece em
público vem acompanhado por um exército crescente de anjos, duendes, gnomos, bruxas e
fadas que, se de um lado evocam uma memória infantil, associada ao Natal, por outro
adaptam o evento ao imaginário religioso da Nova Era.
De fato, estes parecem ser os dois nichos principais de mercado nos quais se situa o
evento: a criança e a religiosidade difusa e eclética representada pela Nova Era. A criança é
apresentada como o centro da festa, numa evocação constante do mito cristão da
encarnação de Deus, representado na figura plácida e humilde do Menino Jesus 12 . O
marketing em torno deste universo simbólico vai desde a proclamação dos direitos da
criança, realizada na celebração de uma missa, até as atrações dos parques de diversão e
distribuição de brinquedos.
Quanto à forma de religiosidade que é incentivada, podemos dizer que, em sintonia com
uma religião do self, os recursos expressivos acionados pelo evento buscam resgatar o
sensitivo e valorizar a subjetividade. Como afirma Amaral, "a diversão e o consumo, no seu
sentido moderno, são consubstanciais à espiritualidade Nova Era, sem os quais ela não se
realizaria" (1998: 7). A própria condição de turistas, ao mesmo tempo que os torna
consumidores de bens simbólicos e culturais que provêm de outras partes e de outras
pessoas, também aponta para a busca de si através destas mesmas tradições e culturas.
Pode-se afirmar em relação ao turismo, o que Campbell observa em relação ao consumo
moderno, que ele é inspirado por uma fantasia de auto-realização e de auto-expressão que
repousa numa atitude de descontentamento e desejo, rumo ao aprimoramento do self ou
identidade autêntica.

possam integrar-se numa totalidade fusional. A novidade produz uma perda de controle sobre este código e
desorienta o peregrino.
12
Uma atração importante neste sentido, é o Auto de Natal, uma encenação do nascimento de Jesus que
acontece na principal praça de Canela. Em Gramado, por sua vez, há a representação do Presépio Vivo.
12

Tendo a pensar que a oferta e o consumo dos signos e símbolos que circulam no Natal
inserem-se num movimento de religiosidade difusa que permite identificar o “espírito de
Natal” com o sagrado, entendido como pleno potencial de vida. Ou seja, um sagrado que se
apresenta disperso, polimorfo e livre de qualquer tipo de monopólio institucional. Trata-se,
portanto, de um sagrado que transcende as tradições e os rituais religiosos, embora não os
exclua necessariamente, e aponta para uma comunidade difusa, que não se funda mais
sobre dogmas religiosos ou morais, mas encontra no próprio mercado seu princípio de
coesão e sua fonte principal de sentidos. Um sagrado que contagia, podendo vir a instaurar
uma experiência da communitas, sem romper, contudo, com o sentimento e o olhar de
exterioridade turística. De modo que, se a communitas é evocada, o é enquanto uma
estrutura inconsciente que também conforma o evento, como vimos anteriormente.
Em suma, se o objetivo dos turistas, ao viajarem para Gramado e Canela neste período,
é deixar-se invadir pelo “espírito de natal”, cabe a comunidade local produzir este espírito
e transmiti-lo através de um sistema integrado de bens e serviços. E esta o faz através do
mercado, uma vez que não existe nenhuma instituição religiosa que detenha o monopólio
desta mediação. De modo que, o Natal se produz dentro da lógica do mercado, visando
antes de mais nada carrear lucros para aqueles que podem investir na sua produção. Um
mercado turístico que movimenta cerca de 25 milhões de reais no comércio local e onde -
segundo um estudo do Sindicato de Hotelaria e Gastronomia da Região das Hortênsias -
cada visitante gasta em média sessenta e seis reais por dia em serviços de turismo (Zero
Hora, 03/11/97).
Ao entrar como mediador do sagrado, o mercado, na verdade, seleciona aqueles que
poderão alcançar este “espírito do Natal”, operando uma seleção de bens simbólicos e
inventando tradições que sejam conformes ao padrão de vida das camadas médias.
Reproduzindo, portanto, no campo do sagrado, os mesmos mecanismos de exclusão social
com que o mercado opera noutros campos da vida social. O que nos permite afirmar que, se
o evento de natal em Gramado e Canela é tão eficaz na atração desses estratos sociais, é
justamente porque adequa as significações dos rituais e símbolos acionados ao sistema de
representação desses segmentos. As camadas médias nele se identificam e se refletem. Os
turistas parecem encontrar-se a si mesmos em todo esse cenário mediado pelo marketing.
Afinal, se é possível pensar neste fenômeno como uma experiência religiosa, é preciso
13

ressaltar que é uma experiência restrita aqueles que tem condições financeiras de participar
do evento

O espetáculo
Duas matérias, selecionadas do Jornal Zero Hora, retratam bem a dimensão de
espetáculo de que se reveste o evento de natal. A primeira descreve a abertura do Natal
Luz, em Gramado, e a segunda a do Sonho de Natal, em Canela:
"Cerca de 5 mil pessoas acompanharam a chegada do Papai Noel em Gramado,
marcando a abertura oficial do 12º Natal Luz e o primeiro desfile de Natal. A
parada iniciou às 21hs, com o carro de som entoando músicas natalinas e um
grupo de patinadores fazendo evoluções. Depois, biscoitos, casas bávaras, kikitos,
papais noéis, anjos, duendes, bonecos de neve, bolachas e carros iluminados
invadiram a Rua Garibaldi, palco do desfile. Os personagens anunciavam a
chegada do Papai Noel, que vinha em um trenó cercado por um séquito de Mamães
Noéis. (...) O desfile terminou no Largo da Prefeitura, onde o prefeito Nelson
Dinnebier aguardava Papai Noel para lhe entregar a chave da cidade e, assim,
oficializar o início do evento" (Zero Hora,30/11/96).

"Uma interjeição coletiva de espanto foi ouvida no momento em que uma menina de
nove anos vestida de fadinha foi erguida por cordas até o alto da catedral para
despertar o Papai Noel, que surgiu de trás da cruz, na torre da igreja, a 60 metros
de altura. Acompanhado pela fadinha e por mais 12 duendes, pendurados por toda
a fachada da catedral, o Papai Noel radical fez piruetas e desceu ao chão, sob
aplausos entusiasmados. A iluminação da Catedral de Pedra e os fogos de artifício
encheram os olhos dos espectadores ao final do show" (Zero Hora, 08/12/1997).

O agenda deste período é intensa, com a apresentação de um programa extenso e


variado de atividades culturais e artísticas. Uma programação bastante eclética, que mistura
uma grande variedade de estilos e gêneros, visando atender a um turismo de massa, pouco
exigente em termos culturais. A listagem de alguns destes espetáculos nos oferece uma
visão do que se pode ver em Gramado e Canela: sarau de natal, árvore cantante (coral
disposto em forma de árvore que entoa cânticos natalinos), presépio vivo, desfile com
centenas de figurantes, alegorias iluminadas, trenós e patins pelas ruas da cidade, concertos
com mil ou até duas mil vozes, dez toneladas de fogos de artifício, corais infantis,
orquestras sinfônicas, shows com artistas de renome nacional (Guilherme Arantes a Daniela
Mércury), shows de música nativista e de talentos locais etc. A lista é interminável e a cada
ano se acrescentam novas atrações, com o objetivo de garantir a presença dos turistas.
14

No Natal transformado em espetáculo multimídia, cuja audiência privilegiada são os


turistas, o centro da cena é ocupado pela própria cidade, que se oferece como objeto do
espetáculo. É a cidade que se apronta para receber os turistas e se “prepara como um
presente” (Zero Hora, 12/12/1997). A produção é gigantesca, exigindo um exército de
profissionais altamente qualificados e grandes investimentos de empresas de porte regional
e nacional. São cerca de mil pessoas, entre engenheiros, arquitetos, decoradores,
eletricistas, artistas, técnicos etc. que são envolvidos diretamente na preparação da cidade
para receber os turistas. As principais empresas que patrocinam o evento são: Banco
Meridional, Jornal Zero Hora, Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), Instituto
Brasileiro de Turismo (EMBRATUR) e Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. A
estas se somam as empresas locais, especialmente o comércio, que têm interesses diretos na
festa.
Os moradores atuam como uma espécie de figurantes do espetáculo. Uma posição que
nem sempre é tranqüila ou aceita sem constrangimentos. As críticas a grande
comercialização em torno do Natal aparecem especialmente entre os moradores da cidade
que participam da comunidade católica13. Esta mesma posição é partilhada pelo clero, que
sente a perda do controle da instituição sobre os sentidos que são associados ao evento do
natal, na medida em que este ganha a dimensão de um grande espetáculo voltado para um
público massivo de turistas. Numa entrevista ao Jornal Correio do Povo, o pároco de
Gramado afirmava que "a festa máxima da cristandade não está sendo valorizada no seu
aspecto religioso", e propõe então, segundo a mesma matéria, a prática do "marketing da
fé", para recuperar o sentido sagrado da festa (09/03/97). Curioso notar que, ao mesmo
tempo que o mercado é apontado pelo padre como elemento deturpador do sentido do natal,
justamente uma prática de mercado - o marketing - é proposta como instrumento de uma
possível recuperação do sentido sagrado da festa: marketing da fé. Isto nos faz pensar que o
próprio clero estaria reconhecendo a necessidade do mercado como mediação para o
sagrado. E, que, talvez, mais do que a natureza da mediação, o que incomoda aos agentes
religiosos seja a perda do monopólio institucional sobre a mediação do sagrado.

13
Dispomos de uma série de vinte questionários com questões abertas que foram respondidos por membros
atuantes da comunidade católica e que foram aplicados por Celestino Fritzen, que atuou, por vários anos,
como vigário na Paróquia de Canela.
15

Conclusão
Nossa reflexão até aqui, como se pode ver, aponta para uma ação profunda e
secularizadora do turismo não apenas sobre a peregrinação, mas também sobre a religião de
um modo geral. No entanto, como os caminhos a que esta ação pode levar são incertos e
variados, de sorte que devemos deixar aos visionários a tarefa de prever o seu ponto de
chegada, preferimos concluir este artigo com uma pergunta: a transformação do natal em
Gramado e Canela numa forma de turismo religioso, estaria apontando para a emergência
de uma nova forma religiosa, ou de espiritualidade, onde a mediação do mercado para o
sagrado é buscada como uma coisa positiva? Desta maneira, o que podemos concluir é
que, apesar da centralidade do mercado para o evento, a busca da experiência religiosa,
expressa através do desejo de ser invadido pelo "espírito de natal", é buscada não para além
dos signos e do consumo de bens simbólicos e culturais que são oferecidos, mas através
deles.
O consumo reveste-se, assim, de um valor positivo em termos da experiência
religiosa. Como afirma Campbell, o ethos do consumo moderno caracteriza-se por uma
busca constante para novas e variadas experiências de consumo, através da prática contínua
de adquirir o que se deseja como uma atitude positiva. De modo que, segundo este autor, o
consumo não tem um fim em si mesmo, mas se apresenta como um meio capaz de acionar
memórias, emoção e admiração. O que nos remete à possibilidade de um turismo religioso
que, ao incorporar o consumo, mesmo se distanciando do modelo tradicional de
peregrinação, guarda uma de suas referências fundamentais, que é deslocamento em busca
de uma experiência religiosa que deverá ser alcançada fora das regras, obrigações, crenças
ou normas da estrutura social que rege a vida cotidiana.
Portanto, acredito que o turismo, no que pesem sua motivação econômica e estímulo
ao consumo, pode ser pensado como uma mediação para o sagrado. Este sagrado que se
torna acessível via o mercado e que dever ser qualificado como um sagrado que traz as
marcas de um tempo moderno de dispersão da experiência religiosa. Um sagrado ancorado
na religião do self, nas formas destradicionalizadas, onde as mercadorias, o lazer, o
espetáculo, se tornam os instrumentos indispensáveis para produzir significados espirituais
e morais.
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Referências Bibliográficas

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(Texto apresentado no GT 31: Perspectivas antropológicas da religião).

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pânica (séculos XVIII-XX)”. In: BERGERON, Louis (org.) Níveis de cultura e grupos
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1994 (1974).
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Dados sobre o autor:

Carlos Alberto Steil


Professor do Departamento de Antropologia e do Programa de Antropologia Social da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Doutor em Antropologia Social pelo Museu Nacional/UFRJ.
Livro publicado: O Sertão das Romarias. Vozes, 1996.
Linha de pesquisa: Antropologia da Religião, com ênfase em catolicismo, peregrinação e
turismo. Antropologia Política, com ênfase em movimentos sociais.

Endereço:
Rua Fernando Gomes, 38/12
Moinhos de Vento
90510-010 – Porto Alegre, RS

Tel. resid.: (051) 395-2758


Tel. trab. (051) 316-6866 Fax 316-6638
e-mail: casteil@portoweb.com.br

Porto Alegre, 31 de agosto de 1998.

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