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o 25 | 2016 | [ 9 - 30 ]
e-ISSN 2182-1453
Resumo | O artigo pretende avaliar a pertinência da ciência do turismo, através da apropriação dos
conceitos, das teorias, dos métodos e modelos. A visão tradicional do estudo do turismo, influenciada
pela propositura epistemológica, constitui um objeto interdisciplinar, pelo conjunto de fatores culturais,
sociais, econômicos, políticos e antropológicos. O artigo apresenta três eixos primordiais. O primeiro
eixo centra-se numa discussão sobre a possibilidade de o turismo ser uma disciplina tecida nos anos 1980,
e os modelos explicativos pela teoria sistêmica como o SISTUR. O segundo aborda a teoria da comple-
xidade, com a concepção epistêmica da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade pelas mãos de Edgar
Morin (2000) e E. Jantsch (1980). O objetivo deste eixo é mostrar que o saber de turismo não é linear,
que o turismo é inter e transdisciplinar e o princípio de auto-eco-organização tem valor hologramático,
a fim de libertar o turismo das amarras disciplinares. Isso explica o terceiro eixo, que incide sobre os
esforços feitos sob a teoria da complexidade como o sistema orgânico do turismo: ecossistema turístico
e a reconstrução das categorias do objeto do turismo cuja totalidade se expressa como fenômeno humano.
1 Esteartigo encontra-se parcialmente reproduzido no congresso da ANPTUR realizado em 2015 na Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, Brasil
* Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo. Livre Docente em Turismo pela Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Docente no curso da pós-graduação em Turismo na Universidade
de Brasília. Coordenador do Projeto de Pesquisa – Desenvolvimento Territorial, endogenia e redes de cooperação a partir
do Programa de Regionalização do Turismo – Roteiros do Brasil do Ministério do Turismo
** Doutora em Comunicação e Turismo pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Professora
Adjunta da Universidade de Brasília, na graduação em Turismo e no Programa de Mestrado em Turismo e coordenadora
do Mestrado Profissional em Turismo da Universidade de Brasília e líder do Núcleo de Políticas Públicas em Turismo do
Programa de Mestrado em Turismo (NPPTUR).
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ceituações reducionistas sob olhar disciplinar que dade. Hoje, dentro dos desafios do mundo con-
o caracterizam como setor/atividade dos estudos temporâneo, urge desvelar as relações ecossociais
de econometria. dos sistemas complexos em que se constitui o Tu-
Os estudos de uma episteme do turismo de- rismo.
monstram que o seu epicentro é de caráter hu- Compreender a problemática do desenvolvi-
mano, pois são os turistas que se deslocam e não mento crescente do turismo é relevante não só
as mercadorias. Isso implica, posteriormente, o es- à medida que seus produtores, vendedores, inter-
forço de uma argumentação sistemática desta re- mediários e consumidores continuam produzindo,
alidade no que tange ao seu conhecimento. Basta vendendo e consumindo sem limites ou critérios,
que se pense na série importante de inter-relações sem outro fim que o próprio benefício do primeiro e
sociais que derivam do comportamento “consumi- a satisfação egoísta do consumidor, mas pela per-
dor–turista”, com as comunidades dos destinos tu- sistência do problema, disfarçado nas conceções
rísticos e todo o complicado processo de identifi- implícitas do seu conceito como negócio, que in-
cação do turista com o grupo ideal (a exemplo da vade o tratamento das localidades e culturas, como
segmentação turística), ou efetivo, que determina as demarcam as ações das políticas publicas.
a escolha da localidade de destino. Essa postura, de uma cultura de mercado ca-
O que leva a busca de novas trilhas teórico- pitalística, desconhece e desconsidera a essência
metodológicas na construção de uma epistemo- do fenómeno turístico, o qual exerce uma pressão
logia do turismo, as quais já foram desbravadas crescente sobre a produção da subjetividade so-
desde os anos de 1980, quando pesquisadores bra- cial, o ecossistema, o modo estético e a herança
sileiros, preocupados com a apreensão científica do cultural, existentes nas localidades, gerando agen-
objeto do turismo e seus modelos interpretativos, ciamentos possíveis de ressignificação junto à reali-
construíram, para além de uma visão disciplinar dade, através da relação entre visitantes e visitados
e restrita, modelos sistémicos e categorias analíti- cada vez mais fugaz. Turismo é processo humano,
cas. Essas teorias foram publicadas em obras como ultrapassa o entendimento enquanto função de um
Análise Estrutural do Turismo (1988) e A Produ- sistema económico. Como um processo singular,
ção do Saber do Turismo (2000), entre outras. necessita de ressignificação às relações impositivas,
O artigo proposto trata-se de uma análise teó- aos códigos capitalísticos e aos valores colocados
rica com pressupostos da sociologia compreensiva como patrimonialização cultural.
e da teoria da complexidade (Morin), por auxi-
liar no desvelamento deste caminho epistemológico
contribuindo, de forma tangencial ou direta, para a
compreensão da complexidade do Turismo: um fe- 2. As bases epistemológicas do Turismo
nómeno marcadamente multissetorial na sua pro-
dução objetiva, subjetivo na sua prática social e Cabe colocar a compreensão de epistemolo-
transdisciplinar na sua teoria. gia, a qual tratar-se-á nesse artigo, em como e
Construir um novo campo teórico para o Tu- sob que condições de objetividade do conheci-
rismo requer um método que avance na conceção mento científico, dos modos de observação e de
do que seria conhecimento, ciência e teoria. O experimentação que examinam as relações que as
tratamento disciplinar que vem sendo dado ao es- ciências estabelecem entre os fatos. Proporciona
tudo do Turismo tem dificultado em sua superação os pressupostos gerais em que se apoiaria a criação
como setor económico e fez parte do contexto da de uma teoria particular –teorias do turismo.
produção do conhecimento científico na moderni- As doutrinas que fundamentam a elaboração
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3. A Teoria sistémica na construção da epis- aborda seu objeto sob a forma coerente e globali-
temologia do turismo zante de uma rede de relações. Tal quadro tende a
prestar contas da totalidade das realidades sociais
A Teoria Geral dos Sistemas preconizada por estudadas, privilegiando seus aspectos estruturais,
Von Bertalanffy busca entender a parte a partir do querendo aprende-los através do conjunto e das re-
todo, e aceita que o universo só é conhecido pelas lações mútuas entre estes últimos. O todo social
relações entre suas partes, sempre em mudança, é visto como sistemas de indivíduos relacionados
inter-relacionadas, organizadas em sistemas. Iden- entre si.
tifica propriedades estruturais que se manifestam Para o quadro interpretativo sistémico toda
em sistemas de diferentes campos científicos. Par- coisa é um sistema, ou um componente de algum
tindo do princípio de que as partes não podem ser sistema, onde um sistema é desde sua génese um
conhecidas de forma isolada, mas sim dentro do objeto complexo cujas partes se mantêm unidas
sistema aberto a que pertencem, que as relações por vínculos de uma ou mais classes. Em particu-
não são causais e unidirecionadas, mas circulares, lar, todas as características da sociedade –econó-
e que o todo é diferente da soma entre as partes. micas, culturais, e políticas – formam uma peça
A Teoria Geral dos Sistemas foi uma concep- única. Mesmo distintas, são inseparáveis. O sis-
ção básica para o estudo das organizações. Os temismo claramente engloba tanto ao individua-
sistemas penetram em diversos campos científicos lismo, pois tem em conta a composição, com ao
e tecnológicos. Thomas Kuhn (1975) afirma que holismo, dado que enfatiza a estrutura da organi-
representou uma revolução científica, um novo pa- zação.
radigma no pensamento científico, um novo modo Os funcionalistas sistémicos, a exemplo de
de pensar. “Um sistema é um conjunto do qual Parsons, entendem que a sociedade forma um
nenhum dos elementos pode ser modificado sem todo funcional, sistémico; consequentemente, o
provocar uma modificação nos demais” (Abbate, Turismo passa a ser um subsistema económico
1978, p.). dentro do mercado produtivo internacional. A
Já o método analítico consiste em dar um mesma conceção metodológica é proposta por Lei-
modelo que mostre o real como construído, per (1979) o qual propõem uma abordagem de sis-
considerando-se seus elementos e base. Para en- temas ao estudo académico do turismo por ter im-
contrar um modelo adequado, os pesquisadores plicações potenciais em diversas áreas e em muitos
tentam determinar todos os componentes de um níveis de análise. Para o autor na pesquisa aca-
sistema para reconstruí-lo. Costuma-se opor esse démica o sistemismo pode servir como ponto de
método ao “método sistémico”, que se interessa referência para estudos gerais e específicos, permi-
menos pela reconstrução de um sistema de base tindo estudar sua estrutura e a ênfase em cone-
em seus componentes, mas privilegia a compre- xões existentes entre, e dentro de vários elemen-
ensão do sistema como um todo. Segundo esse tos do sistema: como impactos comerciais, apli-
método, consideram-se como primordiais as inte- cações potencias em diversas áreas da indústria
rações entre os componentes, a ponto de conside- turística, principalmente em empresas multisetori-
rar o sistema como uma caixa preta sobre a qual ais que operam em diversas locações. Pode ser
se vai avaliar o efeito dos diferentes inputs sobre particularmente útil para o planejamento do mar-
os outputs. keting, assim como um governo pode usar a es-
O quadro sistémico de análise reconhece numa trutura para reconhecer relações de sua unidade
problemática qualquer de pesquisa a predominân- eleitoral geográfica no sistema turístico completa
cia do todo sobre as partes e, por conseguinte, Leiper (1979).
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Lanquar (1984) aplica a teoria dos sistemas à organismo, ecossistemas, rede de comunicações, e
gestão dos recursos humanos na organização tu- sistemas sociais: como empresas, escolas, organi-
rística, pois para ele é uma abordagem moderna zações religiosas, governos ou ONGs.
que trata a empresa como um conjunto ou sistema O conceito de sistema é central na sociologia
de partes e subsistemas (estes subdivisíveis) e de porque toda a pessoa forma parte de vários círcu-
variáveis mutuamente independentes, onde a em- los (sistemas), e se comporta de modo diferente
presa turística é uma parte do sistema econômico, quando atuam em diferentes sistemas. Estes por
e social, que pode ser considerada como um con- sua vez estão influenciados por seus componentes.
junto de organizações decorrentes e cooperantes, Em resumo, não existe nenhuma atuação fora de
assim a empresa é o repartidor último dos recursos um sistema e não existe um sistema sem atuação
ou a célula última do sistema de inputs-outputs. e, por consequência, sem mudanças. Não existem
Com frequência o sistemismo se confunde com o redes sem pessoas e não existem pessoas fora de
holismo, em particular com o conceito de sistemas todas as redes.
de ação de Talcott Parsons (1951). Sua versão ho- Sob o ângulo metodológico um sistema com-
lista e idealista do conceito de sistema, além de sua porta pelo menos, segundo Bruyne (1977) a iden-
obscura teoria, produziu o descrédito da própria tificação dos elementos que o compõem (conjunto
palavra sistema entre os estudiosos da sociedade. de unidades e objetos), a especificação das carac-
Parsons coloca que a sociedade pode ser com- terísticas ou das propriedades dos elementos, em
parada a um sistema autorregulável. Sentencia relação às quais os estados dos sistemas podem
um otimismo quanto à estabilização das econo- ser descritos, a especificação das regras ou das leis
mias em crescimento e o progresso social. Todas que regem as interações dos elementos ou de suas
as crises, revoluções, são vistas como rearranjos in- propriedades assim como a sucessão dos estados
ternos tendo como horizonte a otimização do de- dos sistemas.
sempenho da sociedade. Para sua teoria a soci- As sociedades tem necessidades e enfrentam
edade é una, um todo consistente, um sistema, problemas para manter sua estrutura (institucio-
um conjunto de elementos ordenados pela razão, nalizada), problemas que são resolvidos graças a
organizada através da imposição dos limites sobre ação de certos mecanismos “homeostáticos” intrín-
as partes. Estes limites demarcam os campos do secos, capazes de operar de maneira automática;
saber e do poder, como espaços sociais diferenci- ou as classes sociais equivalem a uma seleção na-
ados, construindo uma visão reducionista e unidi- tural, fruto da luta competitiva, que impele mais
mensional da relação existente entre saber-poder. ou menos automaticamente aos mais aptos ou me-
Tal visão impõe uma mutilação do real, na qual o lhor classificados, e assim ocupam as posições es-
outro é uma parte do todo, una e, portanto, tra- senciais, desde o ponto de vista funcional, para a
duzível em produto mercantilizável. sobrevivência da sociedade.
O conceito de sistema está tão vivo nas ci- Os elementos constitutivos de um sistema po-
ências sociais como na matemática, nas ciências dem ser qualquer coisa, desde que haja entre eles
naturais e na tecnologia, segundo Bunge (2000). uma ordem, uma interdependência, um caráter re-
A razão do descrédito do conceito sistema é que lacional. A noção de sistema não remete a uma
toda a ciência e toda a tecnologia trata de sistemas coisa, mas a uma ordem de coisas entre aconteci-
de um tipo ou outro, sejam conceituais ou mate- mentos, fenômenos, variáveis. Por constituir um
riais: sistemas de números, famílias de funções, conjunto o sistema implica que seus elementos te-
multiplicidades ou sistemas hipotéticos dedutivos nham propriedades comuns em vez de únicas. A
(teorias), sistemas físicos como os átomos: células, ordem que caracteriza o sistema concerne antes
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de tudo às relações entre as propriedades de seus soma de suas partes (indivíduos), existem propri-
elementos, suas qualidades ou seus estados, não edades de grupos que se repetem, e os resultados
entre unidades concretas como tais. da análise dos segmentos isolados não pode se
O paradigma teórico sistêmico embasa as análi- aplicar ao conjunto como um todo.
ses das organizações, ambos compreendidos como O paradigma funcionalista aplicado na análise
sistemas abertos que se influenciam mutuamente, de sistemas traz em si um conteúdo altamente
permitindo cotidianamente a existência da prática conservador em termos de valores, concebendo o
do poder enquanto relação mencionada por Fou- sujeito como simples detentor de status e desem-
cault. penhador de papéis, em função da manutenção do
Um sistema ou complexidade organizada pode sistema vigente.
ser definido pela existência de fortes interações ou A viagem, o tempo livre, o lazer, o fazer tu-
de interações não triviais, isto é, não lineares. Des- rismo, para os teóricos desse paradigma, têm a
tas considerações decorre a necessidade de estudar função reparadora do trabalho, como analisado
não somente partes e processos isoladamente, mas por Moesch (2004). Sua finalidade única é a
também resolver os decisivos problemas encontra- de melhorar o desempenho dos papéis individuais
dos na organização e na ordem que os unifica, produtivos, visando assim a otimização da relação
resultante da interação dinâmica das partes, tor- global entre os seus input e output. Compartimen-
nando o comportamento destas diferentes quando taliza o campo do trabalho e o campo do tempo
estudado isoladamente e quando tratado no todo. livre como se fossem duas partes estanques de um
A análise dos sistemas trata a organização todo, com funções determinadas.
como um sistema de variáveis mutuamente depen- A relação trabalho-tempo livre - turismo, na
dentes. São características da organização, quer visão funcionalista sistêmica, não considera a or-
de organismos vivos, quer de uma sociedade, no- dem causal do tempo - a não ser no sentido da
ções como as de crescimento, diferenciação, or- recuperação das forças - em que o tempo anterior
dem hierárquica, dominância, controle, competi- determina o seguinte, não levando em conta que
ção, etc., noções que não aparecem na física con- a alienação em um dos campos vem gerar atitudes
vencional, paradigma da metodologia analítica. de evasão ou compensação do outro. Apresenta-
O paradigma sistêmico, ao propor a ideia de se aqui um metadiscurso impondo uma verdade
que efeitos podem ser retroalimentadores de suas injusta: a vida e seus prazeres são reduzidos ao
supostas causas dentro de um sistema e que obser- império da racionalização econômica. A compre-
vadores podem modificar pela via interativa o que ensão do objeto turístico é una. O Turismo passa
estão a observar, criou um novo marco epistemo- a ser uma parte de um todo: o sistema econômico,
lógico, nos anos 1950, para referenciar os estudos, tomado como subsistema produtivo. Essa abor-
para pensar fenômenos tanto na física quanto na dagem diminui sua complexidade, ocasionando
química, na biologia e nas ciências humanas em enquanto objeto de conhecimento, uma derivação
geral, através de conceitos de integralidade e circu- simplificada como ’atividade’ do campo produtivo.
laridade, ou seja, partes em interação, e do homem A falta de uma preocupação epistemológica por
tratado não como um autômato ou robô reagente parte dos autores que estudam o turismo como
,mas como um sistema de personalidade ativa. sistema não os permitiu romper com a comparti-
A Teoria Geral dos Sistemas também é um mentação analítica em seus estudos.
marco referencial que sustenta o estudo da dinâ- Como síntese, desse limite epistemológico,
mica dos grupos sociais, baseada na noção de que onde o método sistêmico se sobrepôs ao objeto,
um grupo não pode ser entendido como a mera estão as teses elaboradas a partir da Teoria Geral
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dos Sistemas quanto a metodologia de apreensão "Em cada um desses casos, uma disciplina científica
do objeto turístico pelos autores Alberto Sessa, nasce como uma nova maneira de considerar o mundo e
Pierre Lainé, Sérgio Molina, Boullón, Martinez, essa nova maneira se estrutura em ressonância com as
entre outros. Suas contribuições teóricas repre- condições culturais, econômicas e sociais de uma época.”
sentam o momento pré - paradigmático na teoria (Fourez:1995, p.105)
do Turismo.
As razões que balizam esse enquadramento Para a construção de uma disciplina científica
epistemológico aos modelos dos pesquisadores ci- existe um certo número de regras, princípios, es-
tados, estão sustentadas pela concepção desenvol- truturas mentais, instrumentos, normas culturais
vida por Gerard Fourez (1995) sobre a construção e/ ou práticas, que organizam o mundo antes de
de uma matriz disciplinar ou um paradigma, o qual seu estudo aprofundado.
define como uma estrutura mental, consciente ou
não, que serve para classificar o mundo e poder “O objeto de uma disciplina não existe, portanto antes
abordá-lo. Assim, para efetuar uma pesquisa no da existência dessa própria disciplina; ele é construído por
domínio do Turismo, é preciso possuir algumas ela...uma disciplina científica não é definida pelo objeto que
ideias a respeito da questão, o que foi acessado estuda, mas é ela que o determina... e na evolução de uma
pelo empirismo e pelas análises sistêmicas. A disci- disciplina esse objeto pode variar.” (Fourez:1995, p.106)
plina que nascer dessas pesquisas sobre o Turismo
estruturar-se-á em torno dessas ideias prévias. O Os pesquisadores que utilizaram a Teoria Geral
conceito de Turismo não é algo dado, mas provém de Sistemas contribuíram na estruturação de um
de uma certa maneira de contar o que é vivenci- método de abordagem do fenômeno turístico nas
ado por meio de relatos, da experiência do sujeito suas diferentes facetas. Permitiram assim operar
turista sobre o Turismo e seu desenvolvimento. distinções, que produziram novas classificações so-
O Turismo será influenciado por uma certa bre o Turismo a ponto de servirem de base e de
ideia, partilhada por um dado conjunto cultural, referência ao pensamento subsequente sobre ecos-
da diferença entre o sujeito (turista) que se des- sistema e turismo. Essas evidências são um efeito
loca no tempo (nomadismo), que vai ao encontro que sobrevém somente após o estabelecimento de
de um determinado espaço e retorna ao local de uma disciplina científica.
origem (sedentarismo), essas categorias sociais e
culturais estão na base da disciplina que se deno-
mina turismologia; fazem parte de seu paradigma,
pois são constituintes, formatadoras do seu objeto. 4. A apreensão do Turismo como sistema
É importante entendermos que há objetos de complexo
estudos que só aparecem num dado momento his-
tórico. Segundo Fourez (1995) a psicologia urge O tratamento disciplinar que vem sendo dado
quando se concebe o ser humano como indivíduo, ao estudo do Turismo – e daí a dificuldade em
a informática estrutura-se em torno de uma téc- sua compreensão como uma totalidade fenomê-
nica determinada o computador, possibilitando a nica – faz parte do contexto da produção do co-
criação de uma tecnologia intelectual, que permite nhecimento científico moderno. Entende-se aqui
pensar os problemas da comunicação e da infor- totalidade fenomênica como a atualidade ime-
mação, redefinindo para ela a comunicação e a diatamente dada à observação empírica efetiva,
informação. E o Turismo? positivamente efetuada, manifestando-se numa
constatação (Japiassu, 2002, p.21). A disciplinari-
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dade é consequência do uso do paradigma analítico afirma Morin (1998), a racionalização originada
na construção dos saberes; até bem pouco tempo, na trindade: técnica, ciência e razão – as quais já
este paradigma era tido como único e incontestá- forneceram a luz para esclarecer os caminhos do
vel. futuro – estão equivocadas, mutiladas, por conter
O método analítico divide problemas grandes rupturas internas. Hoje sabemos que a ciência
ou complexos em partes, acreditando, assim, di- produziu coisas boas e fecundas, mas também
minuir sua complexidade ao diminuir a intensidade permitiu que, pela primeira vez, a humanidade
das informações e relações. O problema maior é vislumbrasse a possibilidade da destruição total do
dividido em questões menores; repartindo-o em planeta, pelo excessivo consumo de todos bens
partes independentes, para alcançar uma maior que essa mesma tecnologia produz. Quer dizer,
compreensão. Por quê? Para resolver problemas, há problemas dentro da razão, como afirma Morin
nesta lógica, seria separar, solucionar os proble- (1998).
mas de cada uma das partes ou setores e, assim, A tradição dos estudos monodisciplinares
capacitar pelo conhecimento científico, ao enfren- trouxe ao turismo um reducionismo na compre-
tamento a um problema maior. ensão de sua episteme, como uma banalização em
Não podemos negar que a ciência moderna per- suas conceituações e consequentemente sua deno-
mitiu grandes avanços ao pensamento humano, minação ora como indústria, negócio, atividade,
devido a essa abordagem analítica, chamada de setor, entre outras, devido a falta diálogo entre
cartesiana, por ter em Descartes um dos seus prin- as disciplinas e apropriação metodológica de cada
cipais teóricos. Mas hoje, o cartesianismo não dá campo disciplinar de forma interdisciplinar ao de-
conta, quanto se trata de uma maior aproxima- linear seu objeto e método.
ção dos problemas sociais contemporâneos. Como
componentes básicos e as funções primárias atu- que parcelas de massa e de energia fiquem armaze-
antes em cada um dos conjuntos e em interação nadas em diversos setores, por lapsos de tempo das
constante no sistema total. mais diversas escalas, constituindo reservas para o
Como a energia desse sistema é vinda da rela- funcionamento do sistema. Dessa forma, no con-
ção entre oferta-demanda estabelecida pelo mer- junto há quantidades de massa e de energia que es-
cado, o fluxo de massa e de energia no interior do tão constantemente circulando, se transformando
sistema processa-se através de “canais de comuni- ou temporariamente retidas, conforme o modelo
cação” que, muitas vezes, não são claramente de- de Beni (1998), expressa na figura 3:
lineados. No transcorrer desse fluxo, pode ocorrer
O sistema turístico, assim entendido, é um sis- uma finalidade, uma complexidade estável.
tema aberto, contrapondo-se a concepção histó- Na visão sistêmica adotada no modelo do SIS-
rica sobre sistemas fechados, utilizados pelos fí- TUR desenhado, em 1998, as relações internas e
sicos e biólogos. Para os físicos, tudo iniciou externas a um sistema podem depender do sistema
muito certo, simplificado, em um mundo que ca- em si ou de seu ambiente. Se um sistema é sub-
minha para a desordem (máxima entropia). Já metido inevitavelmente a diversos determinismos
para a Biologia, os organismos se formam organi- de seu ambiente, esses determinismos terão sobre
zadamente, dando a impressão de caminham rumo ele várias influências diferentes em função de suas
a uma crescente organização. Tanto na concep- capacidades próprias de reação. Essas capacida-
ção física como a biologia dos sistemas abertos des do sistema introduzem as noções de regulação
há necessidade de muita energia: eles interagem, e de controle, que podem ser nulas ou, ao contrá-
eles consomem energia, até atingir certo equilíbrio, rio, extremamente desenvolvidas. Convém tam-
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bém salientar a noção de hierarquia necessária nas teórico (formulação teórica do objeto, explicitação
estruturas e nas finalidades; sendo assim as unida- conceitual), pois não foram suficientes para além
des de regulação, de reação e de colocação devem de uma idealidade irrealizável, no sentido kanti-
estar em coerência. ano. Razão da escolha do paradigma holístico da
Como todo modelo, o SISTUR foi se mos- interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade, ex-
trando insuficiente para o objetivo proposto de se pressa por essa discussão, como necessidade para
compreender o turismo em sua complexidade nos uma ação na construção da epistemologia do tu-
diferentes territórios e em suas diferentes formas de rismo.
desenvolvimento. A exemplo da análise dos dados A prática científica não se reduz a uma sequên-
a partir das suas categorias, descrevendo como se cia de operações, de procedimentos necessários e
configurava cada um dos subsistemas, objetivava- imutáveis, de protocolos codificados, o que faz da
se com a soma das partes obter o diagnóstico do metodologia científica uma simples tecnologia. As
todo o sistema turístico, o que diante da conce- "pesquisas"em turismo, assim, apreendidas, fre-
ção complexa do conhecimento (transdisciplinar) quentemente se convertem em estudos descriti-
não foi possível, pois a simples soma das partes vos estatísticos preocupados em responder ao mer-
não revela a complexidade de suas conexões e a cado( uma das facetas do fenômeno) sem com-
dinâmica das relações. promisso com a realidade das comunidades onde
A própria concepção do objeto turístico tra- atuam e seus ambiente socioculturais, colocando
tado como fenômeno necessita inserir o sujeito em segundo plano as concepções utilizadas, e de
produtor-reprodutor do processo turístico tendo forma quase “desnecessária”, ou protocolar, explici-
que ir além do resultado do somatório de recur- tam suas metodologias,(entenda-se aqui por meto-
sos naturais do meio ambiente, culturais, sociais e dologias o conjunto de relações entre sujeito e ob-
econômicos, tem campo de estudo super abran- jeto de conhecimento e de intervenção, admitindo-
gente, complexo e pluricausal (Beni 1998). Se se a distinção entre o processo de produção de co-
por um lado a divisão do SISTUR em conjuntos nhecimento e o processo da prática interventiva),
e subsistemas facilita a coleta de dados, pois os raros são os estudos que apresentam noções ope-
indicadores e componentes que caracterizam cada ratórias ou categorias como forma de suas inter-
um dos subsistemas pode ser utilizado como um pretações.
roteiro de pesquisa, não é suficiente para enten- Certamente, não é possível conhecer tudo so-
der sua trama no tecido social onde as relações bre o fenômeno do turismo, nem aprender suas
de poder se fazem presentes e contextualizam sua multiformes transformações. Mas, por difícil que
historicidade. seja o conhecimento dos problemas chaves do tu-
Ao olhar da complexidade é importante notar rismo este deve ser tentado, para não cairmos na
que o todo é mais do que a soma das partes, não imbecilidade cognitiva. Tanto mais que hoje o con-
como um produto de adição, mas como um pro- texto de todo conhecimento político, econômico,
duto de uma dinâmica interna auto-organizacional, social, antropológico e ecológico é o próprio conhe-
uma dinâmica conjunta envolvendo as diversas cimento do mundo. A era planetária necessita si-
partes (Morin 2002). tuar tudo no contexto planetário. O conhecimento
A limitação dos modelos sistêmicos diante da do mundo como tal tornou-se uma necessidade ao
dinâmica das práticas do turismo (a coisa em si) mesmo tempo intelectual e vital. Trata-se de um
se transformou numa necessidade de ampliação problema que se apresenta a todo o cidadão: como
do seu conhecimento, cobrando seu pleno sentido ter acesso ás informações sobre o mundo, e como
epistemológico (construção do objeto científico) e ter a possibilidade de articulá-las. Faz-se neces-
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sário uma reforma do pensamento (Morin, 2000) onais que abordam desde questões de ciências já
razão pela qual acredita-se que objetos interdisci- consolidadas como a Sociologia, Economia, Geo-
plinares estão no turbilhão dessa reforma. grafia como também em outros campos do conhe-
O estudo do Turismo requer um questiona- cimento: questões ambientais, internacionalização
mento sistemático de tudo que envolve o fazer- de fluxos de capitais, antropologia, segurança, ter-
saber turístico, e do que se quer fazer; o saber rorismo, religião, saúde pública, entre outras. Mui-
turístico é e será objeto de desconstrução perma- tas dessas novas discussões se pautam em concei-
nente. Esse pressuposto aponta uma virtude, tipi- tos e categorias de análise alternativas àqueles em-
camente metodológica do conhecimento dialético, pregados tradicionalmente nos debates de mains-
diante da análise da realidade turística, entendê-la tream.
como dinâmica, viva, orgânica, sempre em muta- A interdisciplinaridade trata da síntese de duas
ção. Construir uma teoria que dê conta das práti- ou várias disciplinas, instaurando um novo nível do
cas turísticas deve ser uma conquista transdiscipli- discurso (metanível), caracterizado por uma nova
nar, em que a cada momento é, simultaneamente, linguagem descritiva e novas relações estruturais.
produzido o conhecimento e o produtor da ação Diferente da multi ou pluridiciplinaridade, a in-
desse conhecimento, numa recursão organizacio- terdisciplinaridade possibilita geração de novas dis-
nal, na qual a parte está no todo e o todo está na ciplinas o surgimento de novos conceitos e catego-
parte. rias de análise, o emprego de variáveis de ciên-
cias consolidadas como instrumentalização teórica
para novas abordagens científicas, ocorrendo nesse
5. A transdisciplinaridade como possibilidade caso, a transdiciplinaridade, ou seja, aquilo que
de construção de um objeto as teorias do tu- está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através
rismo das diferentes disciplinas e além das disciplinas.
O exemplo apresenta-se no campo das concei-
Para Jantsch (1980) há equívocos e interpreta- tuações tomando o turismo como um elaborado e
ções confusas entre os conceitos de pluri ou mul- complexo processo de decisão sobre o que visitar,
tidisciplinaridade, esta é a justaposição de várias onde, como e a que preço. Nesse intervém inúme-
disciplinas sem nenhuma tentativa de síntese. Elas ros fatores de realização pessoal e social, de natu-
dizem respeito à transferência de métodos de uma reza motivacional, econômica, cultural, ecológica e
disciplina para outra. científica que ditam a escolha dos destinos, a per-
Exemplos de multidisciplinaridade já exercita- manência, os meios de transporte e o alojamento,
dos nos estudos do turismo, por exemplo, em rela- bem como o objetivo da viagem em si, para fruição
ção aos métodos quali-quantitativos matemáticos tanto material como subjetiva dos conteúdos de
transferidos para o desempenho de gestão pública sonhos, desejos, de imaginação projetiva, de enri-
ou privados para análise de desempenho de redu- quecimento existencial histórico-humanístico, pro-
ção de custo, definição de prioridades, alcance e fissional e de expansão de negócios.
cobrança de resultados. Ou ainda instrumentos Entender o Turismo como um campo de prá-
de gestão como “Balanced Score Card”, que trans- ticas histórico-sociais, que pressupõem o desloca-
forma a gestão em princípios estratégicos focando mento do(s) sujeito(s), em tempos e espaços pro-
as ações na implementação de políticas mais efi- duzidos de forma objetiva, mas possibilitador de
cazes. Ou nas Relações Internacionais que sur- afastamentos simbólicos do cotidiano, coberto de
gem com domínio teórico na Ciência Política, as subjetividades, e explicitador de uma estética di-
novas exigências temáticas nos estudos internaci- ante da busca do prazer é posicionar-se a partir de
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sua complexidade, numa atitude interdisciplinar. epistemológica adotada por Moesch (2000, 2004)
A preocupação de construir uma Ciência do Tu- quando da construção de uma teoria do Turismo
rismo para fundamentar um corpo de conhecimen- como ciência.
tos com entidade teórico-metodológica particular, Jantsch (1980) ao explicar o porquê da trans-
dentro da complexidade de suas relações práticas, disciplinaridade, partiu da fragmentação do saber
impõe uma rutura epistemológica, onde o modo de em setores distintos e fechados, que para ele são
produção dos conhecimentos turísticos de forma características de um enfoque particular real e de
disciplinar, até então utilizado, que considera só um sistema específico de relações dos seres hu-
interesses setorializados permanecendo sempre no manos com seu entorno, ao contestar essa visão
domínio da linguagem restrita: marketing turís- parcial que corresponde a uma visão racional de
tico, economia do turismo, geografia do turismo, um mundo estável e estático, que foi imposta
gestão de negócios turísticos, entre outras; muito como última verdade da ciência moderna. Essa
aquém de uma conceção sistêmica de um fenô- conceção tendeu a abafar e rechaçar outra espécie
meno cujo objeto é interdisciplinar e complexo. de enfoque devido ao sucesso tecnológico e econô-
A reflexão epistemológica impõe aos próprios mico que reforçou a visão segundo a qual ciência
pesquisadores, sobre os instrumentos de conheci- seria uma abordagem mais verdadeira que aquela
mento dos quais as ciências dispõem, reflexão com desenvolvida por outras culturas que enfatizam a
vista a superar as crises revendo a pertinência dos inter-relação de tudo com tudo, ou outra cosmo-
conceitos, das teorias e dos métodos diante das visão.
problemáticas que são objeto de suas investiga- A realidade é mais complexa, depende de uma
ções. A visão sistêmica complexa, onde o todo é infraestrutura fisiológica, orgânica, que vai além
mais que a soma das partes, isto é, no nível do todo do fenômeno dado empiricamente, a atualidade
organizado há emergências em qualidades que não da vida psíquica subjacente. Essa complexidade
existem no nível das partes quando isoladas, o ob- só pode ser abordada pela interdisciplinaridade.
jeto da ciência se transforma: não é mais algo De uma parte, é preciso complementar o pen-
isolado, é um sistema complexo, pode ser uma das samento que separa por um pensamento que une.
pegadas metodológicas a ser reconstruída. Complexus significa “o que está tecido junto”. O
Impõem-se o paradigma da interdisciplinari- pensamento complexo é um pensamento que busca
dade, esse nasceu da tomada de consciência cujas ao mesmo tempo distinguir – mas sem separar –
“lunetas” disciplinares (de cada disciplina social e e unir. De outra parte, é preciso lidar com a in-
humana) tornam-se impotentes para estudar pro- certeza. O dogma de um determinismo universal
blemas cada vez mais complexos (Japiassu, 2002). deve ser superado. O universo não está submetido
Destina a criar um novo discurso que seria trans- à soberania absoluta da ordem, ele é o campo de
cendente às disciplinas particulares, isto quer dizer, uma relação dialógica (ao mesmo tempo antagô-
não é criar uma nova disciplina não científica, mas nica, concorrente e complementar) entre a ordem,
sim desenvolver práticas que podem ser negocia- a desordem e a organização. (Morin, 2000).
das entre diferentes pontos de vista ou interesses Como essa atitude interdisciplinar permite co-
disciplinares sob um fenômeno ou objeto propondo locar o turismo como um fenômeno contemporâ-
práticas políticas novas no campo de ação daquele neo, de uma sociedade plugada em redes, convive
conhecimento aplicado. com formas de uso do tempo liberado, das fé-
A interdisciplinaridade é para a elaboração rias familiares/individuais – garantidas pelas leis
de melhores representações do objeto em estudo trabalhistas aos cidadãos ainda empregados –, ao
sendo capaz, assim, de passar a ação, atitude mochileiro, às novas experiências permitidas pela
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ciências. Transdisciplinaridade, segundo Jantsch da confrontação das disciplinas dados novos que
(1980) é o reconhecimento da interdependência as articulam entre si, oferecendo uma nova visão
de todos os aspetos da realidade, a consequência da natureza e da realidade. Ela não procura o
normal da síntese dialética provocada pela inter- domínio sobre as disciplinas, mas o caminho de
disciplinaridade, quando esta for bem-sucedida. abertura de todas elas àquilo que as atravessa e
Um novo tipo de ciência está nascendo, não as ultrapassa. É preciso viver efetivamente a ex-
mecanicista, holística, a partir de Smuts (1986), periência do transmitir e aprender em união total,
e orienta-se em primeiro lugar pelos modelos vi- onde a herança acumulada do passado é reinter-
vos, levando em consideração a mudança e se pretada e visualizada apenas no que permanece
resumindo a noções tais como autodetermina- de universal e para todos, que se erigiu a par-
ção, auto-organização e autorrenovação, reco- tir do princípio dialógico-hologramático de Morin
nhecimento de uma interdependência sistêmica e (2000b) a reconstrução do sistema turístico. Onde
muitos outros aspetos. Há um sentido que é o a dinâmica da realidade impôs uma revisão de seus
sentido da vida, o que, junto com a alegria, são conjuntos de sistemas e subsistemas como partes
inerentes a essa nova visão transdisciplinar. Por- de um todo, de um “modelo explicativo”, em uma
que não caberia nesse movimento epistêmico das totalidade/partes do todo, representadas pela fi-
ciências em geral propor a continuidade da trilha gura 4 como objetos de um “eixo epistemológico
na construção de uma ciência do turismo? complexo”.
A inter e a transdisciplinaridade faz emergir
volvimento conceitual proporcionado pela ideia de dem, desordem e organização, mediante inume-
auto-organização. ráveis inter-retroacções, está constantemente em
Em sua teoria dos autômatos auto- ação nos mundos físico, biológicos e humano.
organizadores, Von Neumann (apud Morin, 2000) De outra forma, Prigogine (apud Morin, 2000)
questiona a diferença entre as máquinas artificiais introduziu a ideia de organização a partir da de-
e “máquinas viventes”. E assinala esse paradoxo: sordem. No exemplo dos turbilhões de Bernard,
os elementos das máquinas artificiais são muito podemos observar como estruturas coerentes se
bem fabricados, super afeiçoados, mas se degra- constituem e se auto mantem, a partir de certo li-
dam desde que a máquina começa a funcionar. miar de agitação e abaixo de outro limiar. “Para se
Por outro lado, as máquinas viventes são compos- manter, essas organizações necessitam alimentar-
tas de elementos pouquíssimos confiáveis, como se de energia, consumi-la e “dissipá-la”. No caso
as proteínas, que se degradam sem cessar; mas do ser vivo, este tem suficiente autonomia para ex-
essas máquinas possuem a estranha propriedade trair energia de seu meio ambiente, e inclusive dele
de se desenvolver, de se reproduzir, de se autor- colher informações e absorver sua organização –,
regenerar, substituindo por novas as moléculas processo que Morin (2000b) denominou auto eco
degradadas e as células mortas. A máquina artifi- organização.
cial não pode consertar a si mesma, enquanto que Portanto, a teoria da complexidade de Morin
a máquina vivente está sempre se regenerando, a (1986) se apresenta como um edifício de vários
partir da morte de suas células, segundo a fórmula andares. A base é formada a partir das três teo-
de Heráclito: “Viver de morte, morrer de vida”. rias (informação, cibernética e sistemas) e contém
“A contribuição de Von Foerster consiste na elementos necessários para uma teoria da organi-
descoberta do princípio da ordem a partir do ruído” zação. Em seguida vem o segundo andar com as
(apud Morin,1986). Se agitarmos uma caixa con- ideias de Von Neumann, Von Foerster, Atlan e Pri-
tendo cubos com duas faces montadas e dispostas gogine sobre à auto-organização. A esse edifício
desordenadamente, constataremos que esses cu- ele acrescentou elementos suplementares como os
bos irão formar espontaneamente um conjunto três princípios: o dialógico, o da recursão e o ho-
coerente. Assim, basta um princípio de ordem logramático.
(a imantação) e uma energia desordenada para O princípio dialógico une dois princípios ou no-
compor uma organização ordenada. Trata-se, ções antagônicas, que aparentemente deveriam re-
portanto, da criação de uma ordem a partir da pelir uma à outra, mas que são indissociáveis e
desordem. imprescindíveis para compreender uma mesma re-
Atlan (apud Morin, 2000) concebeu a teoria alidade. Pascal afirmava: “O contrário de uma
do “acaso organizador”. Observa-se uma relação verdade não é o erro, mas uma verdade contrá-
dialógica ordem/desordem/organização no nasci- ria.”
mento do universo a partir de uma agitação ca- Morin traduziu-o a sua maneira. “O contrário
lorífica (encontros por casualidade), princípios de de uma verdade trivial é um erro estúpido, mas o
ordem permitem a formação de núcleos, átomos, contrário de uma verdade profunda é sempre outra
galáxias e estrelas. Observa-se essa relação di- verdade profunda.” (apud Bohr, 2000a , p. 204). O
alógica também na emergência da vida, por en- problema é unir noções antagônicas para analisar
contros entre macromoléculas dentro de uma es- os processos organizadores e criadores no mundo
pécie de curva autoprodutora que terminará por complexo da vida e da história humana.
se tornar auto-organizadora vivente. Sob as for- O princípio da recursão organizacional vai além
mas mais diversas, a relação dialógica entre or- do princípio da retroação (feedback), ultrapassa a
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A falta de reflexão sobre o que desvelar, está mercado capitalística, desconhece a essência do fe-
na intencionalidade dos pesquisadores em indagar. nómeno turístico, o qual exerce uma pressão cres-
Trata-se do ponto de partida do ato completo do cente sobre a produção da subjetividade social, o
pensamento. ecossistema, o modo estético e a herança cultu-
A amplitude do objeto desafia o entendimento ral, existentes nas localidades visitadas, gerando
humano simplificador; esse objeto que, simultane- agenciamentos possíveis de ressignificação junto à
amente, é exterior a nós. Está em nós e interage realidade, através da relação entre visitantes e vi-
connosco, suporta mal o isolamento do sujeito em sitados.
relação ao seu objeto, o que nos leva a busca de Turismo é processo humano, ultrapassa o en-
um método transdisciplinar para a compreensão do tendimento enquanto função de um sistema eco-
objeto do turismo. nómico. Como um processo singular, necessita de
ressignificação às relações impositivas, aos códigos
capitalísticos e aos valores colocados como bens
culturais. Ainda, considerando o imbricamento ou
6. A teoria da Complexidade e o Ecossistema sobreposição de sistemas, bem como a visualiza-
do turismo ção hologramática, percebemos trocas energéti-
cas, materiais e informacionais que ocorrem entre
Construir um novo campo teórico para o Tu- o sistema e o ambiente, permitindo que ele inter-
rismo requer um método que avance na conceção nalize tudo o que necessita para que possa manter
do que seria conhecimento, ciência e teoria. O tra- a sua organização e estrutura em funcionamento.
tamento disciplinar que vem sendo dado ao estudo Na contemporaneidade, para melhor compre-
do Turismo – e daí a dificuldade na sua superação ender o conceito de sistema, é preciso reconhe-
como setor económico e/ou atividade mercadoló- cer os parâmetros: ambiente em rede, conectivi-
gica – faz parte do contexto da produção do co- dade, interatividade, auto-eco-organização, recur-
nhecimento científico contemporâneo, que desvela sividade, autonomia, complexidade, entre outros.
as relações ecosociais dos sistemas complexos. A complexidade para Morin constituiria, assim,
A ciência moderna com seu paradigma raciona- o tecido, o pano de fundo, a trama, as interações
lista produziu coisas boas e fecundas, mas também que por acaso ocorrem, se no tecido é onde ocor-
permitiu que, pela primeira vez, a humanidade vis- rem os acontecimentos, podemos então considerar
lumbrasse a possibilidade da destruição total do que a complexidade é um fator constitutivo da vida
planeta, com a bomba atómica. Quer dizer, há correspondente a esse entrelaçamento de fenóme-
problemas dentro da razão, como afirma Morin nos e processos que constituem a sua dinâmica na-
(1996). tural em diferentes níveis de ascenso e descenso.
Compreender a problemática do desenvolvi- O princípio do círculo recursivo ultrapassa a
mento crescente do turismo é relevante não só noção de regulagem para a de auto produção e de
à medida que seus produtores, vendedores, inter- autorregulação. Os produtos e os efeitos são, eles
mediários e consumidores continuam produzindo, próprios, vistos como os produtores e causadores
vendendo e consumindo sem limites ou critérios, daquilo que os produz. Na construção dos mode-
sem outro fim que o próprio benefício do primeiro e los de apreensão do fenómeno turístico de forma
a satisfação egoísta do consumidor, mas pela per- sistémica, explicita-se a necessidade da existência
sistência do problema, disfarçado nas conceções de uma estrutura, como um feixe de relações en-
implícitas destes conceitos. tre elementos que o compõem. Esses elementos
Essa postura, emergente de uma cultura de são complementares na sua distribuição, o todo
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vos de fluxos (deslocamento/viagem/transportes), Borh, N. (1924). The theory of spectra and atomic consti-
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