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Analfabetismo e Variáveis

Sociais no Teste I NV

ÉDYLA MÁRCIA CROSARA *

I Parte

1. Dos motivos. 2. Do histórico.


3. Dos objetivos. 4. Conclusões.
5. Dos objetivos e hipótese. 6. De
amostragem. 7. Das variáveis.
8. Tratamento estatístico.

I
1. Dos MOTIVOS
I
Diversas são as pesquisas feitas ém todos os lugares, onde há preo-
cupação com o assunto, sôbre nível mental. Estas pesquisas visam If
principalmente:

I
a) organizar escalas que permitam situar qualquer indivíduo em
relação à média de sua idade;
b) determinar o crescimento e envelhecimento mental;
c) determinar diferenças individuais herdadas ou adquiridas; f
d) determinar o nível intelectual necessário ao êxito em tarefa.s
diversas.
E muito dos resultados dessas pesquisas é ainda motivo de de-
I
I
bates. Entre outros um problema colocado se refere à natureza dos
!
'" Da FAFI, UFMG. !
Arq. bras. Psic. apli., Rio de Janeiro, 23(2): 103-112, abr./jun. 1971
instrumentos de medida empregados para se alcançar êsses objeti.
vos. De certa forma êsses instrumentos dificilmente isolam a
variável nível intelectual.
O nível mental tem sido estabelecido através de testes verbais
ou não-verbais. Entretanto, em todos êsses instrumentos tem sido
impossível, embora tentado, avaliar quais e em que grau variáveis
outras podem influenciar nos rendimentos nestes testes. Pergunta-se
pois, que variáveis podem acarretar um determinado nível mental.
Que variáveis podemos ou devemos levar em conta quando depa-
rarnos em analisar o nível mental de uma determinada população
ou indivíduo.
Além de tantos outros elementos que poderíamos citar aqui, um
dêstes, especificamente, tem merecido atenção de diversos autores
- a escolaridade, justamente porque os instrumentos de medida da
inteligência - testes verbais em sua maioria - atualmente, depen-
dem de leitura e escrita. Pergunta-se então até que ponto uma me-
lhor capacidade de leitura e escrita acarretaria melhor rendimento
em tais testes.
Das pesquisas efetuadas nesse sentido e que vêm confirmar nossa
preocupação podemos citar:
Anastasi, quando discute o nível intelectual e mental dos deficientes
mentais, critica a inadequação dos instrumentos utilizados, uma vez
que êles requerem boa inteligência abstrata e bastante verbal;
J. M. Faverge e J. C. Falmagne nos relatam diversas anotações de
vários autores a êste respeito:
S. Biesheuvel na monografia African Intelligence mostra que a in-
fluência do meio cultural sôbre os resultados dos testes tem sido
subestimada.
André Ombredane, em 1956, numa pesquisa sôbre a população negra,
demonstra que o teste de inteligência é dificilmente separável do
nível de instrução, isto é, da duração da escolaridade dessa popu-
lação; os resultados do teste não-verbal aplicado demonstra que real-
mente os melhores resultados são os daqueles cuja escolaridade era
mais longa.
Em pesquisas posteriores do mesmo autor o mesmo ponto de
vista é confirmado, ou seja, constatou-se que a média em resultados
aumenta regularmente com o nível de escolaridade.
Otto Klineberg na tentativa de diferenciação de raças conclui que
o nível mental avaliado por meio de testes é tão saturado de outras
variáveis e, principalmente, do grau de instrução, que seria um difícil
critério para tal diferenciação.
Também no Brasil, diversos debates se referem à natureza dos testes
empregados, os quais mesmo quando não exigem o uso da leitura
e da eSGrita conservam ainda um aspecto escolar ao qual certos

101 A,B,P.A. 2(71


grupos estão mais acostumados que outros, e são justamente êsses
outros que dão resultados menores. Torna-se necessário pois, a
criação de instrumentos de medida menos carregados de tais in-
fluências. l

2. Do HISTÓRICO

Tentando alcançar tal tipo de instrumento em 1951 na Sociedade


Pestalozzi do Brasil inicia-se a construção de um teste não-verbal
de inteligência. ~ste seria posteriormente aplicado numa pesquisa
de âmbito nacional; em 1953 faz-se um anteprojeto do plano na-
cional de pesquisa; em 1955 estabelece o Estado de Sergipe para
servir de experiência-pilóto. Neste mesmo ano há a instalação das
Comissões ,e treinamento dos examinadores. Inicia-se a aplicação
que levou quase dois anos. E em 1957 fêz-se a codificação das fôlhas
individuais que foram posteriormente transformadas em fichas
do IBM.
I
3. Dos OBJETIVOS 1
Nessa pesquisa pretendemos os seguintes objetivos:

a) Construir um teste nacional de nível mental que permita situar


I
~
qualquer indivíduo a partir de seis anos de idade em relação à
média:

da população brasileira, em geral, sexo e idade;


de sua região, se necessário;
do seu grupo cultural.

b) Estabelecer a curva de evolução da inteligência, dos seis anos


até a velhice, na população brasileira.
c) Conhecer as diferenças entre as médias, no teste de inteligência,
entre os vários grupos, a saber:

1 Esta é uma pesquisa sõbre analfabetos e variáveis sociais. Constitui uma


continuação da pesquisa efetuada, há anos atrás, no Brasil, sõbre o nível
mantal da população brasileira, sob a direção do Professor Pierre Weil.
O desenvolvimento mental tem sido, no nosso século, submetido a diversos
estudos e pesquisas; hipóteses são formuladas sõbre a influência de fatõres
hereditários e culturais nesse desenvolvimento.
A nossa intenção é justamente considerar a influência de uma dessas variá-
veis sociais - a ·ascolaridade - sõbre o nível mental da população brasileira,
avaliado pelo teste não-verbal INV de Pierre Weil.

ClIl4Jfqbetismq li! variáveis sociais 105


zonas de moradia;
grupo profissional;
côr.

d) Conhecer o nível mental em função da renda.


e) Conhecer as diferenças do nível mental em função de:

número de irmãos;
ordem de nascimento;
categoria profissional e grau de instrução do pai.

f) Conhecer a proporção de retardados pedagógicos;


g) Estabelecer a distribuição geográfica da inteligência, segundo
regiões e altitude.

4. CONCLUSÕES

Após computação e tratamento estatístico dos dados, chegou-se às


seguintes conclusões:

Igualdade de resultados de brasileiros e estrangeiros;


Paralelismo entre médias obtidas e o desenvolvimento econômico
das ~egiões do país e zonas de residência;
Quase ausência de evolução das médias nos grupos de analfabetos;
Fenômenos evolutivos e involutivos, comprovando assim resultados
de outras pesquisas;
Paralelismo entre altitude e os resultados;
Igualdade dos resultados entre as côres, o nível cultural, ecológico
e socioeconômico idênticos;
Correlação entre a renda e o resultado no teste;
Influência do nível profissional e escolar dos pais nos resultados
dos filhos;
Diferença muito grande entre os que freqüentam a escola e os que
não freqüentam;
Influência da seleção socioeconômica nas ,escolas particulares sôbre
os resultados;
Provável presença de 3 a 15% de retardados pedagógicos;
Leve superioridade do filho único e o decréscimo progressivo das
médias proporcionais à densidade familiar.
106 A.B.P.A. 2171
II Parte

5. Dos OBJETIVOS· E HIPÓTESE

o nosso trabalho será agora trabalhar os resultados obtidos nessa


pesquisa sõbre o nível mental da população brasileira.
Como já foi demonstrado na França, no Brasil também, por essa
pesquisa, os resultados nos alertam para a influência da escolaridade
nos mesmos.
Isto quer dizer que entre as médias dos indivíduos que freqüen-
taram a escola e os que não freqüentaram há uma diferença muito
grande, como demonstra a Tabela 1. Se o teste é de nível mental e
I
não exige escolaridade tal diferença não deveria existir.
Outro ponto a salientar é também a diferença demonstrada na i
população entre as diversas zonas de moradia: urbana, suburbana e !
rural, como demonstra .a Tabela 2. I
Ora, sabemos que no Brasil as deficiências escolares, em têr-
mos de preparo dos professõres, pessoal capacitado, de número de
escolas, de matéria utilizável, equipamento e facilidades, e ainda

II
diversos outros fatôres, se concentram nas zonas rurais muito mais
do que nas zonas urbanas. É evidente que quatro anos numa escola
rural não equivalem a quatro anos numa escola urbana. Não pode-
mos supor que a instrução recebida é essencialmente a mesma nos
dois casos.
Portanto, essas duas variáveis representam uma situação, qual ~
i
seja, o maior número de analfabetos nas zonas rurais.
Klineberg, considerando os mesmos pontos de vista por nós
I
i
citados acima, diz o seguinte:
"Não há dúvida de que existe uma correspondência bastante I
grande entre o grau de instrução e a posição nos testes. ~ste fato
foi claramente demonstrado pela primeira vez pelos aplicadores dos
testes do Exército. Fizeram-se depois numerosos estudos que deram
II
os mesmos resultados. Gerth, Lovelady e Smith obtiveram uma cor-
relação de + 0,845 entre inteligência e a realização escolar. Davis !
também demonstrou uma íntima relação entre os quocientes de inte- i
ligência dos estudantes de uma escola secundária particular de ne- I
t
gros e o número de meses que êles freqüentavam a escola."
Mas, voltemos à nossa pesquisa. O que dissemos anteriormente nos ,i,
levaria a perguntar: serão essas deficiências a causa dos diferentes
resultados obtidos no teste INV? Ou melhor falando, se isolarmos
a variável escolaridade, que resultados iremos obter para as três
!
zonas de moradia? Portanto, pelos fundamentos já apontados quanto
à influência da escolaridade nos resultados de teste, podemos supor
que os analfabetos, onde a escolaridade inexiste, das três zonas de
(lnalfabetismo e variávl?is sociai~ l07
I
moradia, obtiveram resultados equivalente~ num teste não-verbal
de inteligência qU(; no nosso caso é o INV. de Pierre Weil.
Portanto, temos especificamente como objetivo da nossa pes-
quisa verificar qual a influência do fator escolaridade nas diferenças
encontradas na pesquisa anterior ,entre zonas urbanas e suburbanas
e rural.
E como Hipótese. "Indiv íduos analfabetos de zonas urbanas, subur-
banas e rural apresentam rendimentos iguais no teste INV dt'
Piem:, Weil". .

III Parte

6. DA AMOSTRAGEM

Serviram como nossa ame stra 6.360 casos considerados analfabetos


na pesquisa anterior.

7. DAS VARIÁVEIS

Tendo em vista nossos objetivos levamos em conta duas variáveis


que são: idade - a partir de seis anos de idade e zonas de moradia
- urbana, suburbana e rural.

8. TRATAMENTO ESTATÍSTICO

Os dados foram primeiramente computados por zonas de moradia.


Fêz-se o cálculo da média e desvio-padrão.
Fêz-se o cálculo da diferença entre as médias (razão crítica).

9. CONCLUSÕES

zonas urbana e suburbana zona rural

Média - 19,65 Média - 20,43


C. P. 10,5 D. P. 11,5

O cálculo da diferença entre essas duas médias nos deu o re-


sultado de 1,95.

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TABELA 1
40

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ALF;BETIZAJoS

30
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AL~ABETIZAÇÃO

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7 13 15 17 19 21 23 25
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O o 40 45 50 55 60 65
6 8 10 12 14 16 18 <O 22 24 30 35

IDADES

TABELA 2
40
---

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urbanâ e suburbana
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-- -- -- RURAL I
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I
10
MORADIA
I I

Ii
TESTE lNV

9 11 13 15 17 19 1 23 25
O
6 8 10 12 14 16 18 2Q 22 24 30 35 40 45 50 55 60 65

IDADES

analfabetismo e variáveis sociais 109


TABELA 3
ZONA RURAL

1.000

950

900

850

800

750

700

650

600

550

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Z MIODIA - 20,43
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PONTOS EM I NV

110 A.B.P.A. 2171


TABELA 3 (cont.)
ZONA URBANA E SUBURBANA
200

190

180

170

160

150

140

130

120

<I( 110
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100

LL 90 MlôDIA - 19,65

80

70

60

50

40

30

20.

10

9
o
10

PONTOS EM INV.
analfabetismo e variáveis sociais 111
Diferenças iguais ou maiores do que -esta (1,95), nós encontra-
mos em quase 3% das amostras iguais à nossa.
Ao nível 5% (Tabela 3) a diferença é significativa, rejeitando-se
assim a nossa hipótese nula. Entretanto, êsse é um nível bastante
elevado para um tipo de pesquisa como a nossa.
Ao nível 1% (Tabela 3) a diferença encontrada não é significa-
tiva, logo .aceita-se a hipótese nula. Conseqüentemente, os resulta-
dos nos permitem afirmar que, sendo que "Indivíduos analfabetos
de zonas urbanas, suburbanas e rural apresentam rendimento igual
no teste INV de Pierre Weil, a escolaridade influi nos resultados, o
que justifica a disparidade de resultados entre os analfabetos e os
alfabetizados" .
Devemos entretanto salientar que os dados não dão uma curva
normal, como demonstram as tabelas 5 e 6; sendo assim, a proba-
bilidade não se distribui igualmente nas duas partes da curva, porém
por carência de tratamento estatístico os resultados foram tratados
como se tivessem dado uma curva normal.
Justamente por isso nossa afirmação não pode ser consio.erada cate-
górica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Editõra Herder, 1965.
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Cultura. v. 1 e 2.
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WEIL, Pierre. Que mesurons-nous: niveau intellectuel, niveau scolaire ou niveau
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SELLTIZ, C., J,AHADA, M., DEUTSCH, M. & CoOK, S. M. Métodos de Pesquisa das
Relações Sociais. São Paulo, Editõra Herder, 1955.

INTRODUÇÃO AOS TESTES PISICOLOGICOS de Ruth Scheeffer -


2." edição. Excelente iniciação à aplicação dos testes psicológicos na
moderna seleção de pessoal, procura suprir a escassez da literatura
especializada em nosso idioma.

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