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Resumo
O debate educacional realizado no Brasil nas décadas de 1920, 30 e 40, começando pela
movimentação de educadores e outros intelectuais em torno das reformas de ensino regionais,
passando pelo Manifesto dos Pioneiros de 1932 e pelas investidas do Ministério da Educação e
Saúde em torno da nacionalização do ensino, fornecem-nos elementos significativos para
reconstituir projetos, ações e discursos que, apesar de se autoproclamarem enquanto
redefinidores do papel e da estrutura escolar, mostraram-se carregados de interesses, atitudes e
realizações no campo mais ampliado da intervenção social.
Os desafios, portanto, nasceram com a própria escolha do material de pesquisa, uma vez que
teríamos que nos concentrar em referências escritas de intenções e idealizações, por não
dispormos de um corpus documental de programas radiofônicos. Este conjunto de documentos,
por sua vez, foram basicamente colhidos dos arquivos Gustavo Capanema e Lourenço Filho do
CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil -
compostos de decretos, projetos, relatórios e correspondências, de referências contidas na
revista Cultura Política e nos textos "Rádio e Educação" de Ariosto Espinheira (1934) e "A
História do Brasil em Cinco Lições" de Roberto Macedo (1943)2.
Os discursos e projetos vislumbrados nestas leituras, provenientes de textos preservados em
arquivos oficiais e de participantes do governo Vargas, como ministros, colaboradores ou
defensores de uma investida regulamentadora do Estado sobre a diversidade de manifestações
culturais, informam uma linguagem sacralizadora da educação e práticas de censura e controle.
Nesse campo de atuação, figuras como Roquette-Pinto, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho,
Gustavo Capanema, Paschoal Lemme, Venâncio Filho, Jônathas Serrano, entre outros,
circulavam com freqüência a fim de dar direção ao funcionamento da radiodifusão nacional e de
moldá-la sob parâmetros técnicos e filosóficos da Escola Nova. Como princípios reguladores
das emissões, destacam-se, para além da censura aos "elementos nocivos à radiodifusão", os
apelos à sua uniformização e o desejo de convencimento dos ouvintes (escolares ou não), via
recursos sonoros, para uma audição e absorção voluntária de valores morais e imagens mentais
de autodisciplina e de amor à pátria e ao trabalho.
A linguagem, nessa perspectiva, encontra-se elaborada nos símbolos a serem absorvidos nas
lições, pela determinação e identificação dos sujeitos que "aparecem" no desfile dos
acontecimentos históricos e sobretudo nas imagens onipresentes do Estado enquanto condutor
da História, fornecendo indícios da criação de uma oficialização da História a ser estudada nos
bancos escolares e apreendida nos espaços públicos de sociabilidade ou no cotidiano
doméstico atingido pelo rádio. Numa outra dimensão, as técnicas de irradiação, responsáveis
pela assimilação destas imagens e valores, pode ser lida nas constantes referências aos modos
de transmissão, nos modelos adequados de programas para sensibilizar alunos e professores
ou na relação íntima que se construía entre o presente triunfante do Estado Novo, a
materialização do progresso na história, vivenciada nas manifestações públicas, discursos e
comemorações de datas nacionais, em simbiose com um passado reconstituído para a sua
legitimação.
Bem apresentadas, estas scenas virão mesmo tornar a vida de outrora tão familiar
aos alumnos que elles poderão aproximal-a, na sua imaginação, da sua propria
vida e estabelecer comparações preciosas para a conservação destes dados na
memoria7.
Para muitos, as reconstituições deste genero parecerão por vezes artificiaes; ellas
exigem em todo o caso muita imaginação. De uso constante nos paizes
germanicos e anglo-saxões ellas parecem contar com sympathia nos paizes
latinos8.
Como exemplo, Espinheira nos aponta alguns fragmentos de aulas radiofônicas direcionados à
absorção dessas sensações:
História - Esta materia pode ser dada sob a forma de narrativa, descripção ou
dramatisação, obedecendo mais ou menos ao seguinte programa. (...) a vida de um
povo selvagem: habitação, alimentação, vestuario. Falta de associação e auxilio
mutuo. As grandes populações actuaes: os edificios, os moveis, o commercio, os
armazens, as fabricas, o dinheiro, meios de locomoção e communicação.
Espetaculos publicos, as festas, o esporte. (...) a familia, os povos, as autoridades,
as leis o exercito e a marinha10.
Os sujeitos diluídos no drama são predeterminados numa história dividida entre o atraso e o
progresso, sendo o primeiro grupo, característico de povos em que o atraso é medido pela
ausência de "associação e espirito mútuo", atribuições perseguidas pelos povos civilizados do
presente - a década de 30. Este é identificado como o progresso material, possibilitado pela
indústria e distribuído pelos meios de comunicação, com papéis definidos pelas instituições,
consagradas pelas autoridades, leis e forças armadas.
A narração é intercalada por alguns períodos curtos, concluindo ou anunciando uma versão
definitiva sobre o emaranhado de fatos e nomes próprios de padres, governadores-gerais,
heróis, presidentes e intelectuais: "o interesse alheio nos foi útil"; "Desabrocham os primeiros
amores célebres"; "Fica o Brasil entregue a si próprio".
Em outras palavras, sem o outro não haveria o nós. Ao contrário de trabalhadores nacionais e
imigrantes, escravos, índios, mulheres e mesmo a categoria povo, a construção da nação
percorre um caminho em que todas as diferenças dão lugar a uma comunidade de valores,
nascida de raças diferentes mas imbuídas da mesma vontade. O múltiplo é recambiado na
geração do uno, no qual todos se integram à mesma tradição para assumirem papéis de uma
massa de figurantes na encenação da memória nacional. Nós e o Brasil, portanto, simbolizam a
pátria una e indivisível que vence todas as lutas para reafirmar o espírito de ordem e de paz que
formaria o caráter do brasileiro: "(...) lutamos pela Independência com exclusivo intuito de
emancipação civil, sem deixar margem para ódios futuros"13.
A projeção da pátria como família ou, dito de outra forma, "a pátria mãe gentil" esteve bastante
presente nos discursos e projetos nacionalizantes no período abordado, ganhando destaque no
Estado Novo quando da discussão do Decreto-Lei 3.200, de 1941, sobre o Estatuto da Família.
Nele foi declarado o apoio do Estado à procriação e proliferação da família por meio do
casamento, unindo desse modo os valores cristãos ao controle do Estado sobre a família, o qual
destinaria o papel da mulher, a educação da família e a política populacional. Elaborado pelo
Ministério da Educação e Saúde, embora o projeto não tenha sido aprovado por discordâncias
no próprio governo, a idealização da família harmoniosa como núcleo do sentimento da pátria já
vinha sendo objeto de intervenção nos vários departamentos do MES, sobretudo através da
censura aos meios de comunicação que "atacassem" a família. A preocupação do ministro
Capanema incorporava-se ao raio de ação do SRE (Serviço de Radiodifusão Educativa), do
INCE (Instituto Nacional do Cinema Educativo) e do próprio DIP (Departamento de Imprensa e
Propaganda), traduzindo-se em termos de memória histórica nos livros e aulas radiofônicas, por
intermédio do espírito de conciliação e da geração dos brasileiros como fruto de amores
devidamente despidos de sensualidade, de desejos individuais ou de qualquer forma de
violência sexual: "Desabrocham os primeiros amores célebres, fontes das mais antigas
mestiçagens na família brasileira: os casais Diogo Alvares e Paraguassú, João Ramalho e
Bartira, Jerônimo de Albuquerque e Arcoverde"15.
Assim, a moralização dos hábitos por meio da História do Brasil fica expressa no percurso
traçado por Macedo. O Brasil - a "Pátria-Mãe" - nasce em 1500, cresce e amadurece nos
séculos seguintes, até chegar à fase adulta no Estado Novo. O uso das metáforas procura criar
um ambiente de conciliação e paz, no qual todos os sentidos devem convergir para a adoração
da nação16.
Elevar o povo a uma concepção de vida mais harmoniosa e mais humana: faze-lo
compreender os laços que unem os povos e desperta-lo para um espirito de
compreensão universal; quebrar o isolamento em que vivem milhões de brasileiros
(...) despertar o sentimento de nacionalidade e de solidariedade humana17.
a- a excessiva dispersão dos grupos demográficos, fazendo com que muitos dos
seus elementos vivam em completo isolamento social, o que provoca muitas vezes
profunda degradação física e moral;
Numa listagem de trinta e três itens, dentre estes selecionados, foram admitidos tantos
"desvios", que indicam muito mais um efêmero nacionalismo do que a capacidade dos
instrumentos de comunicação "civilizarem o Brasil". As entrelinhas deste discurso realçam
grupos sociais dispersos, autônomos, que vivem sem os tentáculos do Estado, sem registro,
assistindo a filmes sem o carimbo do M.E.S e que não são atingidos pelos meios formais de
sociabilidade e de diversão. Interessa-nos, porém, a apreensão dessas diferentes iniciativas
para a propagação da nação homogênea, as quais iam bem mais além da Legislação
Trabalhista, do atrelamento dos sindicatos ao Estado ou da própria nacionalização do ensino.
Ao lado de "ensinamentos morais e cívicos", de aulas sobre higiene e de combate ao álcool e
sobretudo noções técnicas sobre o trabalho, o S.R.E indica o ensino de História Pátria a fim de
propagar junto ao público analfabeto da cidade e do campo o modelo de nação produtiva,
devidamente legitimada pelo discurso unificador das tradições e da memória coletiva.
A manipulação que Macedo realiza em relação ao passado procura introduzir essa versão
desqualificante acerca do trabalhador: passível de preparação para o trabalho organizado e
diluído no ideal comum de progresso da nação, a massa de sujeitos anônimos só adquire o
direito de aparecer na história quando submetidos à liderança indiscutível de intelectuais e
políticos. Nesse sentido, a recuperação da Independência do Brasil e do sistema político
instaurado logo após, parece indicar a justificativa para o status quo do momento da edição do
livro: "Homens eminentes, compreenderam que o Brasil não estava em condições de escolher
pelo voto seus dirigentes"19.
A comunhão entre brancos, negros e índios, realizada pelo autor para "vencer os inimigos", se
faz naturalmente ou pela derrota dos grupos rebeldes. Os índios sucumbem diante do
"desbravamento" dos bandeirantes e os negros de Palmares pela ação de "Domingos Jorge
velho, sertanista bravio" que "exterminou os foragidos". A resistência é então submetida ao
espírito nacional, restando aos "rebeldes" a possibilidade de recuperação: "o negro tinha
capacidade de reação e de associação, podendo, pois, ser assimilado à sociedade pelo fator
educativo"21.
Nesse processo de "seleção natural" via educação, a figura do imigrante sequer aparece no
texto de Macedo, num momento em que os únicos brancos estrangeiros absorvidos foram os
antigos "agressores" franceses, holandeses e portugueses que, derrotados, "preferiram ficar no
Brasil do que voltar à pátria de origem".
Quanto à ocupação do território, Macedo exalta o papel dos bandeirantes, verdadeiros heróis
anônimos, "enfrentando miasmas, feras, selvagens (índios)", a fim de lançarem "os fundamentos
da penetração do progresso e a grandeza territorial do Brasil". Curioso notar a recuperação
desse mesmo discurso sobre a unificação territorial nas décadas de 30 e 40, denominado
"Marcha para o Oeste". A imagem desbravadora das bandeiras imprimia, segundo Cassiano
Ricardo, um dos articulistas da revista Cultura Política, publicação divulgadora do Estado Novo,
o espírito de comunhão racial, cultural, política e econômica a ser conquistado. Colocava-se a
nação em movimento para abrigar a todos os brasileiros, estendendo-se as fronteiras agrícolas
(e recrutando mão-de-obra para a indústria) e estabelecendo-se sistemas de comunicação à
distância para "levar o Brasil aos brasileiros". Na bandeira todos são soldados disciplinados que
lutam contra o desconhecido, guiados por um incansável comandante. O sentido de participação
coletiva no movimento, efetuada com obediência e disciplina, conduziria a massa anônima, mas
militarmente organizada, à integração nacional22.
O segundo elemento que cumpre destacar na elaboração da nação pelas "Cinco lições" é a
idealização do herói para personificar o sentimento brasileiro. Na sua narração, Macedo procura
traduzir o anseio de liberdade como um desejo de homens especiais, num processo em que se
cruzam a teologia e a metafísica.
(...) o mais grandioso, o que fala mais nitidamente em independência, o que visa
objetivos de alcance moral, político e social, é a Inconfidência Mineira, ou, mais
propriamente, a conspiração de Tiradentes, porque foi esse obscuro alferes o
verdadeiro heroi da tragédia. Grande homem na morte, Joaquim José da Silva
Xavier resumiu, ele só, quasi três séculos de evolução nacional e representou os
anseios que quatro milhões de criaturas não tinham o desassombro de exprimir
com a mesma altaneria23.
Por outro lado, outros episódios, como a execução de Frei Caneca, foram marcados pela
violência e derramamento de sangue, cenas que Macedo não aprovaria na audição de suas
"Cinco Lições". Conforme Carvalho, Frei Caneca morrera como
herói desafiador, quase arrogante, num ritual de fuzilamento. Foi um mártir rebelde,
acusador, agressivo. Não morreu como vítima, como portador das dores de um
povo. Morreu como líder cívico e não como mártir religioso, embora, ironicamente,
se tratasse de um frade24.
A guerra contra o "intruso" instaura-se no plano de uma nação que já ensaia a consciência de si
mesma. Narradas em forma dramática, conforme sugestão indicada por Espinheira em 1934, as
guerras contra os invasores estrangeiros no século XVII apresentam-se como recurso
aglutinador das raças para combater o inimigo comum: " Foi aí que nasceu o espírito brasileiro:
o branco, o índio e o negro, somados na desgraça". A guerra, apesar de seu conteúdo violento,
comporta o sentimento de defesa do território e de instauração da ordem e da paz.
No Brasil da década de 40, em que pese a adesão oficial aos "aliados" e a reconhecida
afinidade com o nazi-fascismo26, a configuração de um canal formal entre o Estado e os
ouvintes para dizer a guerra, operaria o espírito de patriotismo, divulgando impressões heróicas
sobre os Pracinhas da FEB nos campos da Itália e ao mesmo tempo sedimentado a proliferação
de "exércitos" de crianças e jovens em desfiles cívicos e dos soldados do trabalho, disciplinados
e produzindo para o "esforço de guerra". O essencial, portanto, não era definir o inimigo, mas
criar a necessidade de sua existência, utilizando-se da guerra para a descaracterização de
conflitos sociais e subjacentemente produzir a corporativização da sociedade.
A partir desses elementos podemos novamente recuar ao sentido de defesa da pátria narrado
por Macedo, ao tratar das invasões estrangeiras no século XVII. Se, para o autor, "o interesse
alheio nos foi útil", naquele momento, nada mais comum que imprimir à guerra um dimensão
aglutinadora para sedimentar o caráter nacional e destruir resistências internas28.
Assim, diante das incursões realizadas sobre as conexões entre o rádio e o ensino de História
nos anos 30 e 40, emerge um quadro de investidas articuladas de intelectuais, educadores,
membros do Estado e técnicos da radiodifusão, no sentido de experimentar e divulgar uma só
linguagem sobre a memória histórica, tornando previsíveis os canais de apreensão do passado,
reelaborado segundo os interesses oficiais.
Como a maior parte das fontes estudadas são provenientes desses arquivos oficiais, as falas
procuram induzir o leitor a imaginar um movimento coeso, entusiasmado e vitorioso, mostrando
esperanças de que as experiências não efetivadas pudessem ser entendidas e concretizadas
pelas "novas gerações".
O uso da tecnologia para atingir grupos sociais que se encontravam distantes da escolarização
e da vida urbana industrial, bem como para submeter professores e alunos a processos de
ensino/aprendizagem sob controle, mostrou-se muito menos um "recurso auxiliar de ensino" do
que instrumento de intervenção social. Pretendia-se, com estas ações regulamentadoras,
desfazer o perfil recreativo, de lazer e de informação do rádio para a construção de uma "escola
sem professores", na qual o professor fosse um mero aplicador de programas curriculares e
subordinado aos sons do civismo e do patriotismo.
Todavia, apesar de não termos nos aproximado diretamente das impressões e reações de
professores e alunos sobre estas experiências, notamos a presença, em alguns fragmentos, de
uma falta de sintonia nesse processo. Na medida em que os dirigentes e intelectuais
procuravam dar forma racional e padronizada à educação, centralizando e legislando sobre as
práticas educativas, buscava-se também eliminar as indeterminações dos espaços de produção
e apreensão de saberes. Ao rádio educativo coube a elaboração deste modelo, no sentido de
habituar speakers e professores ao mesmo padrão de linguagem sobre as imagens e sensações
adequadas de como "falar e ouvir o Brasil".
Considerações Finais
A continuidade dos encontros entre pesquisadores sobre o ensino de História tem demonstrado
a viabilidade e a importância deste campo de estudos. Ao mesmo tempo em que abre a
possibilidade de releituras sobre a História do Brasil por outras fontes e perspectivas de análise,
a recuperação de práticas educacionais ligadas ao ensinar e aprender História realiza um
encontro nada tranqüilo entre o historiador, a sua profissão e o seu passado.
Neste percurso, são tecidos conflitos sócio-culturais do espaço escolar mas que dizem respeito
sobretudo às disputas pela apropriação de saberes e linguagens, à construção de enfoques
narrativos que procuram homogeneizar o passado e às práticas sociais que procuraram
estabelecer campos alternativos de como interpretar o passado e o presente sobre si mesmos.
Em termos de espaço escolar, a pesquisa contribui para a melhoria do ensino, requalificados a
partir de sua interação, ao oferecer "espelhos" que introduzam indagações, novas investigações,
revisões, reflexões na sala de aula e reflexões sobre a sala de aula.
No que se refere ao conteúdo deste texto, embora não desprezemos a perda de importância das
estações radioeducativas e a multiplicação de imagens televisivas nos últimos tempos, a
produção de uma memória sacralizada, heróica e nacionalizante sobre o Brasil continua sendo
exercida sob novas roupagens.
A separação entre o fazer e o aprender História, por exemplo, típica das aulas livrescas e
decorativas, ainda preserva muitas características das "Cinco Lições" de Roberto Macedo, o que
vem realçar a necessidade de insistentes incursões na construção de saberes e linguagens
institucionalizados no ensino da História. Apesar de distantes, mais de cinqüenta anos,
deparamo-nos com duas situações que podem exemplificar a incorporação desta leitura
tradicional.
O primeiro programa deste ano (1998) da TV Globo da série Telecurso 2000, apresentado por
Zezé Macedo, introduz uma linguagem até certo ponto inovadora, fazendo referências à
investigação, ao espírito de "detetive" do historiador, ao "método investigativo" e às fontes
históricas, as quais não seriam apenas as dos arquivos oficiais, mas todas as formas de
registro, ou de que "tudo pode ser fonte". Em seguida, afirma que "todos fazem história", "você
está construindo a história hoje". Para realçar esta suposta participação do aluno, aparece uma
curiosa tele-aluna, passageira de um táxi, que "achava que a história fosse uma coisa muito
distante", sendo respondida pelo motorista que a "história está em todo lugar", passando a
mostrar as construções antigas e os nomes de ruas.
A narradora, então, reafirma o espírito da aula e passa a mostrar uma linha de tempo da História
do Brasil, de 1500 aos nossos dias, e para "facilitar a investigação" organiza a história em
etapas e com um "tema em comum a toda a nossa História - a liberdade: assim, "lutamos contra
os portugueses e deixamos de ser colônia"; "lutamos para acabar com a escravidão";
"proclamamos a República para que todos tivessem emprego e pudessem votar".
O que a princípio pode ser visto como novidade - dada a qualidade de imagens e efeitos e à
introdução de frases soltas para aproximar a história da realidade dos telespectadores - serve
na verdade como reforço a condicionamentos bastante antigos para a reprodução de mais
espectadores, uma vez que a produção da história fica remetida à função exclusiva do "detetive"
ou especialista que anuncia os grandes fatos e das montagens visuais que procuram atrair o
aluno e transformar o ensino de História em alguma coisa menos chata. O recurso à primeira
pessoa do plural procura diminuir esta "distância", para que todos se sintam atados pelas
mesmas origens, "lutas" e destinos.
A questão procura muito mais apreender informações sobre as atividades dos professores e da
relação professor-aluno, do que propriamente diagnosticar as "dificuldades" de aprendizagem,
as quais estão obrigatoriamente presentes, autonomamente, em qualquer sala de aula. Ao aluno
cabe o exercício de manifestar-se se gosta ou não do professor, procurando redimensionar
papéis, afetividades e insatisfações, canalizando a educação e a responsabilidade pelos seus
fracassos aos professores. Numa outra dimensão, a avaliação busca testar os conhecimentos
históricos do aluno, entre os quais nos deparamos com o seguinte:
Nesta prova, a história percorre marcos consagrados, partindo da colonização até chegar à
questão sobre o Plano Real e aos seus "efeitos positivos". O Estado Novo é então tratado como
"perturbação" desse destino do povo brasileiro. O que é buscado nas entrelinhas destas
questões são as habilidades de memorização dos alunos, a fim de testar e averiguar possíveis
"estrangulamentos" do que se convencionou tratar como a história a ser ensinada nas escolas.