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Síntese de “Fase documental: memória arquivada” em “A memória, a

história e o esquecimento” de Paul Ricoeur.

1.1 A fase documental: as formas (espaço e tempo)

O filósofo irá dividir o capítulo que fala sobre a primeira etapa da operação
historiográfica em cinco partes: o espaço habitado; o tempo histórico; o
testemunho; o arquivo histórico e; a prova documental. De acordo com o autor,
essas cinco partes podem ser agrupadas em dois conjuntos, que são: as formas
; e os conteúdos ( o testemunho , o arquivo histórico e a prova documental).
A começar pelo tempo, a memória (tanto a individual como a coletiva)
consagra alguns locais como pontos de referência, de lembrança, logo a noção
de lugar necessita ser discutida de maneira que possa ser entendida de maneira
clara no processo de operação historiográfica. Nesse sentido, o autor recorre ás
reflexões engendradas no meio das discussões da arquitetura e, em especial,
na geografia, cujos reflexos serão sentidos nas abordagens dadas às paisagens
nos escritos dos historiadores dos Annales, tendo como seu principal
representante nesse quesito Fernand Braudel.
Antes de tudo, é necessário expor que o espaço envolve
indissociavelmente a presença do corpo, a corporeidade. Sendo assim, do lado
da arquitetura discute-se dois atos que são complementares: o ato de habitar e
o ato de construir. Dado essa necessidade de proteger os corpos, o humano
altera a paisagem e inscreve em sua superfície as construções que podem e
devem ser lidas como um livro aberto a ser lido/interpretado.
Pelo lado da abordagem do espaço, agora não mais na arquitetura e a
discussão entre espaço habitado e espaço geométrico, nas ciências humanas,
o filósofo destaca a importância da discussão do tópico na geografia e suas
consequências no pensar e no fazer histórico dos historiadores do século XX.
Do lado da geografia, as discussões giraram em torno das permanências
e mudanças das paisagens e as ações humanas que vieram a moldá-las. Essa
discussão de mudanças e permanências (em especial, esse último elemento)
será decisiva na reelaboração metodológica empreendida pelos Annales, dando
especial destaque à noção de longa duração que será amplamente trabalhada
nas obras de Braudel.
Referente ao tempo, Ricoeur irá fazer um levantamento do que se
pensava a respeito do tempo e baseará a sua reflexão no trabalho de Krystof
Pomian. De acordo com Pomian, podemos entender o tempo em quatro signos:
cronometria, cronologia, cronografia e cronosofia.
A cronometria e a cronologia são constituintes daquilo que podemos,
convencionalmente, chamar de tempo cronológico, sendo a cronometria
responsável pelos períodos de curta duração, enquanto a cronologia será aquela
que abordará os períodos de longa duração .
Os outros dois signos são problemáticos, pois envolvem a interpretação
dos fenômenos históricos, o que gerou e, ainda gera, bastante controvérsias. No
que tange a cronografia, essa tenta estabelecer na longa duração as eras que
serão estabelecidos de acordo com os critérios dados pelo seu intérprete. Já a
cronosofia irá para o lado de interpretar a racionalidade e intencionalidade da
história, tentando responder as perguntas sobre a razão da história e engendra
discussões se o tempo histórico é linear – a humanidade caminha em direção à
salvação pela fé (história sagrada), ou ao progresso (historicismo) ou à revolução
(marxismo).
Para Ricoeur, essas discussões dadas pelos entendimentos da
cronografia e da cronosofia serão incontornáveis pelo historiador, pois o seu
próprio ofício envolve a interpretação constante do tempo passado e de seus
vestígios para compor a sua escrita da história.

1.2 A fase documental: o conteúdo (o testemunho, o arquivo e a prova


documental)

Nessa parte, Ricoeur irá abordar, de início, a questão dos testemunhos,


levantando a seguinte constatação: nem todo testemunho é testemunho
histórico, pois ele pode ser, inicialmente, um testemunho judiciário. Porém, feito
a distinção entre essas duas finalidades do testemunho, o filósofo coloca que o
testemunho, como memória declarada, envolve os seguintes aspectos: I) ele
sempre será suspeito; II) ele sempre estará acoplada ao sujeito que o declara;
III) ele é sempre de natureza dialógica; IV) sempre aceitará ser exposto ao
contraditório; V) a confiabilidade do testemunho se dará pela consistência do
testemunho no tempo; VI) por fim, se confiável, o testemunho é o alicerce das
relações sociais.
No momento que o testemunho adentra o recinto dos arquivos, ele passa
ser parte de uma massa documental heterogênea que necessita de alguém para
pesquisar, questionar e escrever suas narrativas lá contidas. É ali que se inicia
o processo de escrita da História, propriamente dito. Para poder ir adiante,
Ricoeur se utiliza da argumentação de Marc Bloch a respeito dos testemunhos
(escritos e não-escritos) e a sua interpretação. Para Bloch, há dois painéis das
relações entre a história e o testemunho presente nos arquivos.
No primeiro, faz-se a “observação histórica” , onde o historiador examina
a massa documental com o auxílio de técnicas derivadas de disciplinas auxiliares
para discerni-las e encaixá-las em uma narrativa, em um exercício de
pensamento “ás avessas” ( o método reconstrutivo). Em segundo momento, há
a “crítica” no qual todos os testemunhos são colocados em suspeição sobre o
que nele consta, tentando decifrar qualquer espécie de fraude, falsificação ou
logro.
Porém, mesmo que seja feito todo esse processo de crítica, há em
testemunhos silêncios, omissões que, também, devem ser considerados na
escrita da História. Assim , Ricoeur recorre a Carlo Ginzburg e seu “paradigma
indiciário” no qual, o historiador italiano contrapõe a história como uma ciência
indiciária, ou seja, aquela que não pode ser construída através de
experimentações empíricas, mas sim através de indícios/ rastros a serem
decifrados.
E, para encerrar o capítulo, temos a prova documental. Nessa parte, o
autor defende que os testemunhos não falam por si mesmo, sendo necessário
aos historiadores, nessa etapa da operação historiográfica, chegar aos
documentos com perguntas e obter desses questionamentos as respostas e, por
fim, essas deveram ser corroboradas com o que foi dado pelo próprio
testemunho do passado. Ou seja, é aí que reside o que distingue a história da
ficção histórica, a própria prova documental.
1.3 Considerações finais: do uso para o futuro projeto de pesquisa no
ProfHistória.

Em meu futuro projeto de pesquisa, devo atentar ao que é dado por


Ricoeur principalmente no que tange à segunda parte (os conteúdos) com o
testemunho, os arquivos históricos e as provas documentais.
O assunto a ser abordado (no caso, a Guerra do Contestado) tem as
seguintes peculiaridades: os testemunhos contemporâneos são bastante
volumosos, porém eles são dados por pessoas envolvidas no conflito do lado do
Exército e da Igreja e não dos caboclos rebeldes das cidades santas, assim
esses testemunhos são eivados de preconceitos em relação ao lado derrotado
da guerra; e, os testemunhos dados por ex-combatentes da guerra do lado
rebelde foram recolhidos apenas algumas décadas depois do acontecimento, o
que resultava em esquecimentos, sobreposições de memórias e, até mesmo,
demonização da lembrança de certos acontecimentos.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

RICOEUR, Paul (Ed.). Fase documental: a memória arquivada. In: A Memória,


a História, O Esquecimento. Campinas,SP: Editora da Unicamp, 2007.
(Espaços Da Memória).

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