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SÍNTESE DOS CONTEÚDOS PROGRAMÁTICOS DA SELEÇÃO

Caro cursista,

Este material foi elaborado a partir dos conteúdos programáticos cobrados nos últimos
processos seletivos para o Mestrado Profissional em Ensino de História (Profhistória). Com o
objetivo de trazer uma síntese deste conteúdo, fizemos uma pesquisa bibliográfica, utilizando-
se de livros, artigos, teses e dissertações que tinham como escopo temático o conteúdo alvo da
seleção.

Destacamos, todavia, que toda síntese incorre no perigo da extrema objetividade, o que pode
dificultar o entendimento de alguns conteúdos. Recomendamos o acompanhamento às aulas
de análises de livros que foram disponibilizados na plataforma do curso. Nestas aulas, são
frequentes os exemplos extraídos de documentários, entrevistas etc.

Este material está dividido em quatro partes:

Parte 1 - A construção do conhecimento histórico;

Parte 2 - Os tempos históricos;

Parte 3 - História, memória e identidade;

Parte 4 - Ensino de história, cidadania e diversidade cultural;

Abordaremos agora a Parte 2. Você será notificado nos dias das postagens das demais partes.

É proibida a reprodução e comercialização deste material sem a autorização do administrador


do Curso Preparatório para a Seleção Profhistória 2022.

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Bons estudos!

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PARTE 2 – Os tempos históricos

Diversas formas de entender o Tempo foram conhecidas tanto na História (isto é, na realidade
histórica das diversas sociedades humanas) como pela Historiografia (isto é, pelos
historiadores). De um lado, sociedades as mais diversas
elaboraram variadas representações do Tempo. De outro
lado, os próprios historiadores – ao escreverem a
Historiografia em diversas épocas – também conceberam
variadamente a possibilidade de representar o tempo e de
incorporá-lo às suas narrativas. Vamos iniciar aqui falando
do tempo mítico.

Diferentemente da perspectiva do tempo linear, medido cronologicamente, o tempo Mítico, de


modo geral, apresenta uma estrutura circular. Trata-se de
um tempo reversível – se não através do próprio mito, que
realiza o retorno em sua própria narrativa ou repetição
cíclica, ao menos através do “rito”, que corresponde a um
retorno ritual às origens. A passagem do tempo e o seu
ritmo também são bem distintos do que se dará com o
tempo linear, medido cronologicamente. Com o Mito não
se tem propriamente uma cronologia, mas sim uma
“genealogia”.

O padrão circular acima representado, alternando dois momentos, é apenas exemplificativo. Há


mitos que articulam três, quatro, doze, ou mais momentos em sua narrativa cíclica. O ciclo
natural das quatro estações, por exemplo, pode dar sustentação a uma narrativa mítica, ou
também as fases da lua. Uma observação sistemática do céu em sociedades antigas como a dos
maias ou astecas podia levar à percepção do retorno regular de determinado corpo celeste, tal
como a reaparição de um cometa a grandes intervalos de tempo, e daí se originar uma narrativa
mítica menos ou mais complexa.

Tanto com Heródoto como com Tulcídides, o que se tem é o que equivaleria hoje a uma História
do Tempo Presente (ou, ao menos, do tempo recente), de modo que não ocorre aqui, ainda, a
preocupação com uma temporalidade mais extensa. O objetivo principal da História, conforme
formulado por Heródoto era evitar que fossem esquecidas “as grandes façanhas dos gregos e
dos bárbaros”; tratava-se de preservar aquilo que merecia ser lembrado do destino comum a
todas as coisas, que era ser levado pelas correntezas do Lethes, o “rio do esquecimento”. Deste
modo, Heródoto, e ainda Tulcídides, estavam muito mais preocupados com o seu passado
recente, de modo que a sua história não trabalha com a noção de tempo.

Já posteriormente, com o desenvolvimento dos gêneros proto-historiográficos da cronologia e


da genealogia, a noção de temporalidade adentra definitivamente, com importância definitiva,
o conceito de História.

Os hebreus, com seu “monoteísmo profético”, estariam entre os primeiros – seguidos pelos
cristãos – a introduzir como concepção de ordenação cósmica um tempo linear, irreversível,
teleológico, através do qual os eventos datados e localizados desempenhariam um papel
fundamental para as narrativas bíblicas. Ao substituir pela ‘salvação futura’ prevista nas
profecias a ‘redenção na origem’ que era proposta pelos rituais e concepções míticas, e ao

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introduzir os eventos como peças-chave neste caminho linear em direção ao grande
acontecimento do Juízo Final, os hebreus e cristãos preparam, tal como observam autores
vários, a ideia de Tempo que logo permitiria o surgimento da História.

Inventava-se com os judeus um novo tipo de História, orientada por uma linha única e voltada
para o futuro, na qual a única macro-narrativa que tinha importância era a que se referia à
trajetória do povo eleito. Contra o pano de fundo das pequenas histórias dos pagãos, os hebreus
traziam a sua própria história a primeiro plano. Todos os eventos, mesmo os mais adversos,
eram conclamados a participar de um plano que Deus tinha para um único povo, e até as mais
ultrajantes derrotas perante os inimigos, como tão bem assinala Reinhart Koselleck no capítulo
VI de Futuro Passado (1979), eram agora incorporadas como peças-chave neste enredo maior:
nas narrativas judaicas estas derrotas tornavam-se penitência, “castigos que [os hebreus] foram
capazes de suportar” (KOSELLECK, 2006, p.127).

Confirmando a tradição judaica recebida através do Velho Testamento, já é de fato um novo


modelo de História – uma história universal com sentido único, e que aponta escatologicamente
para um futuro no qual se eternizarão a salvação ou a condenação – aquele que é introduzido
por Santo Agostinho em Cidade
de Deus, e que, passando na
Idade Média por Gioachino da
Fiore (1145-1202), chegará até o
século XVII e a primeira metade
do século XVIII com Bossuet (1681) e Lessing.

Trata-se de um passo além do modelo hebreu, precisamente porque o modelo agostiniano


refere-se a uma história de todo o gênero humano, e não mais a uma contraposição entre a
história de um povo eleito e as histórias menores dos pagãos.

De resto, esta História – que Santo Agostinho concebe em seis etapas por paralelismo com o
modelo da Criação do Mundo em seis dias – parece situar o Futuro de fato como um “outro
mundo”, radicalmente distinto deste complexo de Presente-Passado que corresponde à
aventura humana em direção à salvação ou à condenação. O Futuro corresponderá ao momento
em que finalmente o tempo histórico poderá ser interrompido, tal como se interrompera o
tempo da Criação naquele “sétimo dia” no qual Deus pudera finalmente descansar após o
trabalho da Criação.

No padrão de temporalidade proposto pelo modelo histórico-teológico do Cristianismo, o


Tempo é linear é “teleológico”, isto é, possui um “telos”, um “fim” a ser atingido. Este tempo
linear é enquadrado por duas datas: a da Criação e a do Juízo Final, e no seu decorrer é
pontilhado por eventos que expressam a Vontade Deus. Já não importa tanto o número de
etapas que constituem este percurso – as “seis idades do mundo” de Santo Agostinho ou as três
épocas de Gioachino da Fiore – mas sim o fato de que as diversas doutrinas das idades do mundo
eram concebidas de tal modo que, depois do nascimento de Cristo, estava-se vivendo já a última
delas, o que implicava que “desde então não poderia acontecer mais nada de novo, pois o
mundo se encontrava sob a perspectiva do Juízo Final”.

A função dos eventos em tal estrutura de tempo é singular. Cada evento só adquire seu real
sentido quando inserido e compreendido no interior desta sequência relacionada ao futuro
teológico. Trata-se, de fato, de uma história “transcendente” – isto é, conduzida de fora pela
vontade divina. Sobre este aspecto providencial da história, podemos citar a questão 14,
aplicada no Exame Nacional de Acesso de 2019.

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Reparem que a musa grega da história, Clio, está explicando os feitos heroicos de Napoleão a
um grupo de homens vistos como alunos. Os alunos estariam então aprendendo com os
exemplos retirados da história (passada) de Napoleão. A história se mostra, dessa forma, como
magistra vitae (mestre da vida, opção “a”).

No que concerne à Temporalidade – isto é, no que se refere à relação entre passado, presente
e futuro, que se estabelece a partir da escatologia cristã – o futuro constitui um outro mundo,
distinto do presente-passado, embora este se conduza para aquele.

Por fim, pode-se dizer que o tempo historiográfico do historiador-teólogo (isto é, o terceiro
tempo que é produzido pela história-conhecimento de um ponto de vista teológico-cristão) é
reconstituído a partir de diversas histórias, que ilustram os vícios e virtudes e esclarecem a
vontade de Deus (providência divina). Vejamos mais uma questão. Esta foi aplicada no Exame
Nacional de Acesso de 2020.

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Pelo que nós podemos observar nos fragmentos, há claramente uma concepção de história
providencial (opção c): “Ele mesmo regula e governa[...]”, “[...] política celeste que comanda
toda a natureza [...]”, “[...] o gênio da história (e do mundo) que conduz o gênero humano por
caminhos [...]”.

Posteriormente, e acompanhando a mesma linearidade e teleologia, os iluministas do século


XVIII proporiam o seu ajuste: substituir pela “utopia sócio-política a escatologia, substituir pelo
“Reino da Razão” o Paraíso Prometido no final da linha, e introduzir no interior da linearidade
teleológica, agora “imanente”, um Espírito Absoluto, ao invés do Deus transcendente que
intervém na História através de revelações e milagres inscritos nos eventos.

Estes exemplos, por ora, valem-nos para ressaltar que a diversidade das ideias de tempo não se
refere apenas aos pensadores das várias
escolas filosóficas e historiográficas, mas
também se refere ao confronto entre
civilizações e culturas humanas
diversificadas, ou mesmo entre formas
distintas de religiosidade.

Emmanuel Kant, filósofo que, como Hegel, atribuía uma importância particular à História, pode
ser destacado como exemplo do modelo iluminista. Para ele, a História caminha na direção do
melhor. Em sua interpretação específica, a competição entre os seres humanos constitui o
grande motor da história – gerando discórdias e concórdias entre os homens e, por uma razão
ou por outra, conduzindo-os coletivamente através do Progresso. E se as ações humanas
incluem as pequenas mesquinharias, os interesses privados, os movimentos individualistas e os
vícios humanos, a história termina por transmudar em utilidade coletiva todo este entrelaçado
de ações humanas.

De todo modo, o modelo de tempo que aqui se pressupõe é o do vetor que aponta para um
futuro antecipável: o da vitória da Razão
Humana. A história, em Hegel, é movida
por uma combinação entre as paixões
humanas e a ‘astúcia da Razão’, e não é
por acaso que o filósofo, a certa altura,
utiliza a metáfora dos “vapores” e do “vento”. As paixões dos indivíduos constituem as energias
que surgem na história e que darão movimento a esta mesma história, mas é a ‘astúcia da Razão’
que as jogará umas contra outras, produzindo uma determinada direção que, ao fim das contas,
resulta em progresso.

A concepção histórica de Hegel também concede um lugar importante aos grandes indivíduos,
cumprindo notar que a grandeza destes está precisamente no fato de que eles se tornam
“expressão de forças coletivas”. Através destes grandes homens, mas também através das
paixões humanas que são levadas a se entrechocar com vistas a serem conduzidas a uma
racionalidade oculta, uma força irresistível vai se impondo à História. Forçando a sua entrada de
modo a irromper como novo Presente e a romper com o Passado em um processo dialético, no
qual uma nova semente como que busca destruir e renovar a sua casca, “o espírito escondido
bate às portas do presente” (HEGEL).

Das contradições surge o movimento da História, em uma interpretação dialética do tempo


histórico que, ao contrário da que se verá em Marx, é ainda idealista, originada no Espírito em
sua caminhada para a liberdade cada vez maior em relação às limitações humanas. Linear em

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simples linha reta, como pode ser imaginado a partir da perspectiva de alguns iluministas, ou,
ainda linear, mas, com Hegel, articulado a pequenos circuitos dialéticos que impulsionam a
história para frente através do confronto entre Teses e Antíteses com vistas a atingir a Síntese e
gerar novos recomeços a partir de um novo ponto. O Tempo se apresenta aqui como o inevitável
caminho a ser percorrido pela Humanidade em sua marcha para o Progresso, para a Liberdade,
e para a plena realização da Razão Humana. O Real é Racional, e a história efetiva e a consciência
histórica coincidem, de modo que “fazer história” e “fazer a história” são experiências que se
recobrem.

Em uma modernidade que acelera o tempo em direção ao futuro realizador da máxima


Liberdade, o projeto iluminista facilmente sacrifica o passado-presente no altar da Deusa Razão
com vistas à realização deste futuro pleno, de modo que a revolução, a violência contra o
Presente em nome do Futuro, encontra-se plenamente justificada. Se retornarmos aos tempos
da Revolução Francesa, podemos facilmente compreender sob esta perspectiva de aceleração
em direção ao futuro a radical violência contra o Presente-Passado que foi consubstanciada no
período do Terror.

Para Koselleck, com a transformação no campo da cultura e das ideias, na Europa ocidental, no
período que se seguiu ao século XVIII, a filosofia racionalista tomou o lugar da perspectiva
religiosa como norte orientador das reflexões e ações humanas, marcando a inflexão presente
numa longa transformação ocorrida nos campos da cultura e das ideias que se desenvolviam
desde o período Medieval europeu. Neste sentido, o tempo acelerou agudamente a partir dos
acontecimentos relacionados à Revolução Francesa e à Revolução Industrial. A primeira delas
fez emergirem transformações rápidas e constantes num curto período de tempo, sobretudo no
que toca à política, uma vez que esse período experimentou alternâncias e alternativas de poder
num curto espaço de tempo

A Revolução Industrial fez as cidades funcionarem num ritmo que contribuía para a
intensificação da “vida nervosa”, o que promoveu transformações sociais de grande vulto na
passagem do século XVIII para o XIX, produzindo nas pessoas uma mudança cognitiva em relação
ao cotidiano.

O argumento principal de Koselleck, neste caso, é que essas experiências vividas pela Europa
ocidental (e outras menos destacadas pelo autor) contribuíram para alterar o horizonte de
expectativa das pessoas. Como consequência, emergiu a percepção de um futuro em aberto e
que prometia àqueles seres humanos pensarem no progresso sem se sentirem limitados pela
perspectiva escatológica.

Como vimos, o passado deixa de ser o exemplo a ser seguido. O tempo presente se liberta desta
dependência, assumindo claramente a perspectiva de mudança e de progresso, inclusive em
relação ao passado, visto agora como ultra-passado. A questão 11, do Exame Nacional de Acesso
de 2018 nos revela esta mudança.

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Pessoal, depois do que vimos, acredito que a resposta à questão acima se mostra de forma clara
(opção b). De fato, a noção de tempo ganhou uma semântica diferente depois do século XVIII e
XIX, sobretudo na Europa ocidental. Primeiro, porque houve uma maior valorização do presente
como possibilidade de mudança. Tendo em vista que o espaço de experiência sofria alterações
rápidas e numa escala nunca antes vista, o tempo presente começou a ser enxergado como
singular, peculiar, inédito, não mais como repetição, conforme o período da história mestra da
vida. Segundo, porque, com o deslocamento da pressão exercida pelo pensamento religioso e o
crescimento da influência da filosofia Iluminista, o tempo presente foi, gradativamente,
encarado como possibilidade aberta e a ser construído pelas pessoas (não pelos desígnios
orquestrados por Deus).

Diante do que foi exposto, a questão 8 do Exame Nacional de Acesso de 2016 se mostra bastante
simples.

É muito relevante, na análise de Koselleck, mostrar o quanto a noção processo (opção b)


histórico se desenvolveu a partir dos eventos cruciais que marcaram a História Contemporânea

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europeia. A partir do século XVIII, emergiu uma noção de processo (temporal) diferente da que
pode ser observada no período da história mestra da vida1.

O Tempo Positivista, tal como o Tempo Iluminista, segue sendo progressivo, mas não é mais
Acelerado como no tempo revolucionário dos iluministas. Isto porque o Positivismo não
apresenta um projeto revolucionário, mas sim um projeto evolucionista. Seu objetivo é a
‘conciliação de classes’ sob a égide de uma burguesia industrial já assentada no poder, e não a
‘luta de classes’ (como ocorrera na época da Revolução Francesa sob a liderança de uma
burguesia então revolucionária).

Os tempos, agora, são outros. Por isso o Tempo Positivista segue sendo Teleológico, mas é já
anti-revolucionário (um vetor apontando para um futuro de Racionalidade Plena, que,
pretensamente, já começa a se ver realizado à medida que as diversas ciências, uma a uma, vão
passando dos estados inferiores (teológico e metafísico) para o Estágio Positivo.

No limite final, temos a realização plena do positivismo, quando as Ciências Sociais se tornarem
elas mesmas inteiramente positivas como a Física e as Ciências da Natureza. No que se referem
à elaboração da história-conhecimento, os Eventos do Passado devem ser imobilizados pelo
Historiador, para não se tornarem nocivos e explosivos no Presente-Futuro do Estado Positivo
em formação.

Desta maneira, a função dos historiadores no Positivismo seria explicar os eventos, estabelecer
sobre eles um controle através do seu enquadramento em Leis Gerais das sociedades humanas
a serem descobertas pelos historiadores e sociólogos positivistas.

O Tempo Historicista não é difícil de representar visualmente. Abrindo mão de uma concepção
universalista da História, os historicistas estarão preocupados com a elaboração de suas
histórias nacionais, e procuram não pensar muito em um futuro teleológico. No que concerne à
preocupação com as histórias nacionais e com as singularidades locais, por oposição à obsessão
pela unidade histórica universal dos iluministas, os historicistas já tinham tido um precursor no
século anterior, um filósofo da história que habitualmente é classificado como um romântico do
século XVIII chamado Johann G. Herder (1744-1803).

Herder escrevera nesta direção duas obras importantes: em 1774, um livro intitulado Ainda uma
Filosofia da História para a Educação da Humanidade, e posteriormente outra obra intitulada
Ideias para uma Filosofia da História da Humanidade (1794). Os protagonistas do grande
movimento histórico seriam para ele os “Espíritos dos Povos”, através dos quais, Deus se
manifesta – e nem uma Providência transcendental como queriam os historiadores teólogos, ou
um Espírito da Razão como queriam os iluministas universalistas. Surge aqui o que mais tarde,
no século seguinte, se tornaria um paradigma alternativo através dos historicistas oitocentistas:
a consideração e o respeito pelas diferenças nacionais.

1
Na fase da história exemplar (Magistra Vitae), ou seja, desde a Antiguidade Grega até o século XVII, a
forma basilar e primaz de perceber o tempo era a partir dos fatos do passado, cujos elementos eram
vistos como repetitivos na vida presente das pessoas. Desse modo, os acontecimentos eram vividos e
notados menos sob o ângulo de seu ineditismo, de sua singularidade. Logo, esses acontecimentos eram
encarados como exemplares de um passado tradicional e, com isso, não guardavam em si uma perspectiva
de futuro ligado ao progresso. Em outros termos, a história deveria servir de ‘mestra da vida’, oferecendo
exemplos para o presente, como vimos em uma questão 8 mais acima, em que Clio mostra a seus “alunos”
os feitos de Napoleão, servindo, assim, de exemplo.
Fora da Alemanha, onde o predomínio da concepção historicista é evidente, teremos inúmeros
outros exemplos de historiadores que, através da perspectiva historicista, buscam “reconstituir”
uma história que situa a sua própria época como o melhor dos mundos que poderia ser atingido,
resultando que a partir daí as transformações deveriam se dar através de reformas no quadro
da política tradicional.

O Historicismo Relativista, nas suas várias versões, irá aprofundar de uma nova maneira a
concepção do tempo histórico. Para o historicismo presentista de fins do século XIX ou do século
XX, através de nomes como os de Benedetto Croce (1866-1952) ou Collingwood (1889-1943) –
mas também para outras correntes de pensamento como a do “pragmatismo” de John Dewey
(1859-1952) – cada Presente possui o seu Passado, reescrevendo a sua história. Já não há aqui
nenhuma pretensão de “narrar os fatos tal como eles se deram”, mas sim o objetivo de narrar
os fatos de acordo com o ponto de vista e o interesse e motivações de uma época, de uma escola
historiográfica nacional, ou mesmo de um historiador.

O Passado tornar-se-á construção do Presente. Esta leitura também será mais tarde incorporada
pela Escola dos Annales, sendo que se frisará naquele movimento que o Passado é construção
problematizada do Presente. Será esta, também, a posição da escola presentista americana,
através de historiadores como Charles Beard (1874-1948) e Carl Becker (1873- 1945).

Em uma questão do Exame Nacional de Acesso de 2016, temos um trecho retirado de um livro,
no qual é feita uma crítica à perspectiva linear de se abordar os tempos históricos. A autora
defende justamente a visão historicista vista acima em detrimento à sequencialidade das linhas
do tempo.

A opção a ser marcada é a “b” (sequencialidade). A autora tece críticas à segmentação do tempo
de maneira sucessiva (sequencial), pois esta faz com que o passado não “dialogue com
referências tangíveis do presente”.

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Assim como podemos contar o tempo através do tempo cronológico, usando relógios ou
calendários, temos ainda outros tipos de tempo: o tempo geológico, que se refere às mudanças
ocorridas na crosta terrestre, e o tempo histórico que está relacionado às mudanças nas
sociedades humanas.

O tempo histórico tem como agentes os grupos humanos, os quais provocam as mudanças
sociais, ao mesmo tempo em que são modificados por elas. O modo de medir e dividir o tempo
varia de acordo com a crença, a cultura e os costumes de cada povo. Os cristãos, por
exemplo, datam a história da humanidade a partir do nascimento de Jesus Cristo. Esse tipo de
calendário é utilizado por quase todos os povos do mundo, incluindo o Brasil.

É importante destacar que a função do calendário não se restringia à mera organização do


tempo. No que diz respeito ao uso do calendário, temos a seguinte questão, aplicada no Exame
Nacional de Acesso de 2018:

Repare que mesmo sem um estudo prévio sobre as funções dos calendários, suas origens etc.,
uma leitura atenta do fragmento de texto presente na questão destaca a opção correta a ser
marcada (opção “a”). A interferência do poder político (o edito de Hamurabi ao seu ministro,
ordenando-lhe a alteração do nome do mês) na ordem econômica (a cobrança de impostos à
Babilônia) se reflete na organização e disposição do calendário.

Nas correções das provas objetivas, sempre destaco a importância desta leitura atenta aos
fragmentos de textos que estão nos enunciados das questões. Reparem que o uso de imagens
como fotografias e desenhos é recorrente neste exame, sendo muitas vezes exigida uma
compreensão que leve em conta a junção das duas linguagens (verbal e imagética).

Um exemplo que ilustra bem este aspecto multimodal nas questões do Profhistória está na
seguinte questão, aplicada no Exame Nacional de Acesso de 2019:

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Trata-se de uma questão que requer um olhar bastante atencioso nos traços da pintura e, sem
deixar de perder de vista, é óbvio, os relógios. Os relógios que se derretem representam um
tempo que passa de forma diferente. Ao contrário dos relógios normais, que marcam com
precisão a passagem dos segundos, estes relógios de Dalí possuem marcações distintas, pois os
seus ponteiros estão derretidos e trazem uma noção distorcida dos segundos.
Quando olhamos para os relógios, reconhecemos este objeto, porém, ele nos causa estranheza,
pois está destituído do seu formato e uso convencionais. Essa estranheza gera uma reflexão
sobre o próprio objeto e a sua função. É importante destacar que temos a visão do artista no
tocante à questão do tempo. Essa dimensão, se mostra, portanto, relativa ao indivíduo (opção
b). A mosca que aparece pousada sobre um dos relógios é mais uma confirmação de que o artista
trata a questão do tempo nessa obra.
A noção subjetiva (que vem de cada sujeito, sendo, portanto, relativa) do tempo é explorada
por Dalí neste quadro. A própria figura do pintor aparece dormindo embaixo de um relógio
derretido. O lugar do sonho, da vigília, é também um lugar onde a temporalidade assume outras
realidades.
O relógio é um objeto banal que todos já vimos e provavelmente usamos. Geralmente não
prestamos muita atenção nele, mesmo que seja responsável por marcar, dar o passo do nosso
dia e dos nossos compromissos. Quando Dalí transfigura o relógio, ele nos faz perceber como
esse pequeno objeto tem uma importância tão grande em nossa vida.
O inseto simboliza a passagem dos ciclos e nos lembra que “o tempo voa”, ainda que de forma
variável para cada indivíduo.

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Vejamos outra questão que trada do uso do calendário. Assim como na questão anteriormente
analisada, o gabarito da questão que se segue pode ser encontrando com uma leitura atenta do
fragmento de texto. Vejamos, então, a questão aplicada no Exame Nacional de Acesso de 2019:

Interpretando o fragmento, temos: “O dia com o qual começa um novo calendário funciona
como um acelerador histórico”. Temos aqui a perspectiva de um começo histórico a partir de
um novo calendário. Como o antigo calendário gregoriano tinha por base eventos cristãos, os
revolucionários franceses pretenderam criar um novo calendário que representasse a visão de
mundo da burguesia. Para isso seria necessário usar do racionalismo e eliminar as referências
religiosas da marcação do tempo2.

A comparação com os feriados é bem sugestiva. Temos recomeços com os feriados, pois, a partir
deles, a história “se acelera”. Reparem que com o “término do primeiro dia de combate”,
teríamos iniciado um novo momento (ou uma nova história). Os relógios, que representavam o
tempo cronológico, exato, a ordem que estava sendo combatida, foram destruídos, pois a partir
daquele momento, um novo ciclo iria se iniciar (recorrer – voltar ao início/origem). A concepção
de tempo do calendário, representada no fragmento, é recorrente (opção a).

2
Este calendário eliminou ainda os feriados religiosos, bem como os domingos utilizados pelos
cristãos como dia de adoração a Deus. O resultado foi a oposição da população ao calendário,
já que a sua maioria era cristã. Com a chegada de Napoleão ao poder, foram ordenados o fim
da utilização do calendário revolucionário e a volta do calendário gregoriano a partir de 31 de
dezembro de 1805. O calendário revolucionário francês seria reutilizado somente nos dois
meses de vigência da Comuna de Paris, em 1871. 12
Referências bibliográficas

BARROS, José D’Assunção. Os tempos da história: do tempo mítico às representações


historiográficas do século XIX. Revista História Crítica. Ano I, Nº 2, Dezembro/2010.

KOSELLECK, R. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Tradução de


Wilma Patrícia Maas, Carlos Almeida Pereira. Revisão da tradução de César Benjamin. Rio de
Janeiro: Contraponto/Editora PUC Rio, 2006.

LE GOFF, Jacques. A História deve ser dividida em pedaços? (Tradução de Nícia Adan Bonatti).
São Paulo: Editora UNESP, 2015.

PALERMO, Luís Claudio. A aceleração do tempo e processo histórico em Reinhart Koselleck e


Timothy Brook. Revista Transversos. “Dossiê: Vulnerabilidades: pluralidade e cidadania
cultural”. Rio de Janeiro, nº. 09, pp. 300-325, ano 04. abr. 2017. Disponível em: ISSN 2179-7528.
DOI: 10.12957/transversos.2017.27375.

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