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KOSELLECK, Reinhart.

Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos


históricos. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006

Já no prefácio do livro Koselleck expõe a hipótese central de sua argumentação. Para


ele, é na relação entre o passado e o futuro, na distinção entre ambos que se constitui o tempo
histórico. Partindo de uma terminologia antropológica o autor define: “… entre experiência e
expectativa, constitui-se algo como um „tempo histórico‟” (p. 16). Isto é, na forma como cada
geração lidou com seu passado (formando seu campo de experiência) e com seu futuro
(construindo um horizonte de expectativa) surgiu uma relação com o tempo que permite que o
caracterizemos como tempo histórico. A modernidade, diz Koselleck, caracteriza-se pelo
progressivo afastamento entre experiência e expectativa: “só se pode conceber a modernidade
como um tempo novo a partir do momento em que as expectativas passam a distanciar-se
cada vez mais das experiências feitas até então” (p. 314). Este, por sua vez, é um tempo não
apenas histórico, mas historicizado, de vez que a forma como cada geração operou esta
relação entre passado e futuro pôde ser alterada. Assim sendo, Koselleck afirma que “à
medida que o homem experimentava o tempo como um tempo sempre inédito, como um
„novo tempo‟ moderno, o futuro lhe parecia cada vez mais desafiador” (p. 16). A experiência
do novo, imprevisto, parece ter se acentuado no contexto da revolução francesa. Ali o tempo
histórico sofreria uma mudança de orientação, e é por isso que o autor concentra-se na análise
deste período, observando como esta nova consciência pôde ser expressa através da
linguagem, na criação de conceitos de movimentos que pareciam emancipados do passado:
ruptura radical, que marca ainda hoje nossa relação como o passado e com o futuro. Vale
dizer: com o tempo histórico.
Koselleck fornece, portanto, as duas ideias centrais da nossa modernidade
(inaugurada, no que diz respeito à questão do tempo histórico, pela filosofia da história): um
futuro inédito e um tempo passível de aceleração (pp. 35-36). Segundo o autor, foi
predominante na cristandade ocidental, até o século XVI, a expectativa do fim do mundo (p.
24), cujo adiamento constante não destruía (pelo contrário, até reforçava) sua certeza e espera.
A modernidade define uma nova forma de relacionamento dos homens com o tempo e, de
alguma forma, com a história.
A emancipação do futuro em relação ao passado é observada de forma muito arguta
por Koselleck ao estudar as transformações conceituais por que passaram as ideias de
“história” e “revolução”. O autor aponta que, no âmbito da língua alemã, o termo estrangeiro
Historie “que significava predominantemente o relato, a narrativa de algo acontecido” foi
sendo preterido pela palavra alemã Geschitchte, significando
originalmente o acontecimento em si ou, respectivamente, uma série de ações
cometidas ou sofridas. A expressão alude antes ao acontecimento [Geschehen] em si do que a
seu relato. No entanto, já há muito tempo ‘Geschichte’ vem designando também o relato,
assim como ‘Historie’ designa também o acontecimento. (p. 48)
Esta substituição no seio da língua alemã acusa a superação (ou, pelo menos, o
desgaste) das noções tradicionais de história, que a dotavam da capacidade pedagógica e
exemplar: a história magistra vitæ. Já o conceito de “revolução”, que designava,
originalmente, um movimento circular, passa a apontar – a partir da revolução francesa – para
um estado de organização que não mais retornará à sua origem. Abre-se ao desconhecido,
inaugura um novo horizonte de expectativa que não mais está desenhado no campo de
experiência. Por fim, é necessário assinalar que o conceito traz junto de si uma ideia de
aceleração do tempo (p. 68). Se hoje tal ideia nos parece normal, no advento desta
modernidade de que vimos falando ela possuía um significado importantíssimo:
Quando Robespierre conclamou seus cidadãos a apressar a revolução para trazer a
liberdade à força, pode-se enxergar por trás disso um processo inconsciente de secularização
das expectativas apocalípticas de salvação. (p. 69)
É assim que, para o autor, pode-se inferir da disputa linguística uma nova consciência
do tempo por partes dos agentes. Com isso, acreditamos que é possível obtermos uma ideia
geral sobre a forma como Koselleck aborda a questão do tempo histórico: mostrando-o como
uma criação histórica, por isso mesmo suscetível as modificações ao longo da própria história.

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