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I.
II.
“Progresso”
Menor experiência + maior expectativa = estrutura temporal da modernidade
KOSELLECK, Reinhart. História dos conceitos e história social. In: ______. Futuro
passado. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006.
“Não são os fatos que abalam os homens, mas sim o que se escreve sobre eles” Epiteto.
Qual a diferença entre história dos conceitos e história social? A primeira parece
se ocupar dos textos e vocábulos, ao passo que a outra se serve dos textos apenas para
deduzir, a partir deles, a existência de fatos e dinâmicas que não estão presentes nos
próprios textos. Constitui objeto da história social a investigação das formações das
sociedades, as estruturas constitucionais, as relações entre grupos, circunstâncias de
determinados eventos, teoremas econômicos que podem questionar eventos singulares.
Ou seja, os textos, assim como as circunstâncias de origem têm apenas um caráter de
referência. Por outro lado, o método da historia dos conceitos vem da história da
terminologia filosófica (estudo e adequada aplicação dos termos e do que tem
significado), da gramática e filologia históricas (estudo das linguagens em fontes
históricas escritas), da semasiologia (estudo da significação) e da onomasiologia (estudo
das relações lexicais de uma mesma noção dentro de uma ou mais línguas). Seus
resultados podem ser comprovados pela retomada de exegese textual (análise e
explicação detalhada e cuidadosa de uma obra textual), remontando sempre de volta a
ela.
Essas explicações são superficiais. O autor indica que sem conceitos comuns não
pode haver uma sociedade, e nem unidade de ação política. Por outro lado, os conceitos
fundamentam-se em sistemas político-sociais que são mais complexos do que a
compreensão de que são comunidades linguísticas organizadas sob determinados
conceitos-chave. Uma sociedade e seus conceitos encontram-se em uma relação de
polarização que caracteriza também as disciplinas históricas a eles associados (p.
98). O autor aponta dois pressupostos para o ensaio: não se tratará nele da história
da língua, nem mesmo como parte da história social, mas sim da terminologia política e
social considerada relevante para o campo da experiência da história social. Ele também
considerará conceitos cuja capacidade semântica se estenda para além das palavras
utilizadas comumente no campo político e social.
Koselleck começa essa parte dizendo que tentará provar que a história social não
pode prescindir do auxílio que lhe é prestado pelas implicações histórico-críticas da
história dos conceitos. Após a Revolução Francesa, a Prússia deveria ser reorganizada
do ponto de vista econômico e social. Hardenberg diz sobre isso que deve existir uma
hierarquia racional que não favoreça uma ordem em prejuízo das outras, mas que
indique aos cidadãos de todas as ordens o seu lugar, determinado conforme a hierarquia
de classes e de acordo com as verdadeiras necessidades do Estado. Para entender os
princípios pragmáticos futuros de Hardenberg, é necessária uma exegese baseada na
crítica de fontes que decifre os conceitos nele contidos. O que chama atenção é ele opor
à estratificação vertical de ordens ou estamentos uma estrutura horizontal baseada
na hierarquia de classes. Os cidadãos do estado permanecem membros do estamento,
no entanto suas funções não serão mais definidas a partir desses mesmos estamentos,
mas sim conforme uma hierarquia de classes, resultando o surgimento de uma
hierarquia racional (ambiguidade semântica). No lugar de uma sociedade estamental
tradicional deve entrar uma sociedade de cidadãos do Estado (formalmente igualitária)
cuja filiação a classes possibilite uma nova hierarquia de estado. O sentido exato pode
ser depreendido do contexto do diário de Hardenberg, da situação do autor e dos
destinatários, e é preciso que se considere a situação politica e social da Prússia na
época. Essas questões, é claro, pertencem ao método histórico-crítico tradicional.
Quando Hardenberg fala de cidadãos do estado, ele usa um termo técnico que tinha
acabado de ser cunhado, que polemizava contra a velha sociedade estamental. Tratava-
se de um conceito engajado que se dirige contra a desigualdade de ordens, sem que
existisse naquela época um direito civil que conferisse direitos políticos a um cidadão
prussiano. A expressão era atual e com apelo ao futuro, aludindo a um modelo
constitucional que, a partir daquele momento, estava por se realizar (classe =
expectativa; estamento = experiência).
A investigação do campo semântico de cada um dos conceitos principais
revela um ponto de vista polêmico orientado para o presente, assim como um
componente de planejamento futuro, ao lado de determinados elementos de longa
duração da constituição social e originários do passado. O sentido da frase de
Hardenberg só é de fato extraído a partir da organização de todos esses elementos.
Na multiplicidade cronológica do aspecto semântico reside, portanto, a força
expressiva da história. Os momentos de duração, alteração e futuridade contidos
em uma situação política concreta são apreendidos por sua realização no nível
linguístico (p. 101).
Torna-se, portanto, relevante, saber a partir de quando os conceitos passam a
poder ser empregados de forma tão rigorosa como indicadores de transformações, de
profundidade histórica, que transformam o campo de experiência e define novos
horizontes de expectativa. Desde a Revolução Francesa, a batalha semântica, que reflete
uma luta pela designação da nova estrutura social, se intensificou: os conceitos não
servem mais para apreender os fatos de tal ou tal maneira, eles apontam para o futuro. A
co-incidencia do conteúdo empírico e o campo de expectativa diminuía cada vez mais.
E desde que a sociedade atingiu o desenvolvimento industrial, a semântica política dos
conceitos fornece uma chave de compreensão sem a qual os fenômenos do passado não
poderiam ser entendidos hoje. Nesse caso, a história dos conceitos torna-se parte
integrante da história social. Veja o exemplo: o conceito de revolução em sua origem
indicava uma formula modular do possível retorno dos acontecimentos. O sentido do
termo foi reformulado, passando a indicar um conceito teleológico de caráter histórico-
filosófico, a par de uma segunda e nova significação como conceito de ação política,
tornando-se o indicador de uma alteração estrutural.
A história dos conceitos é, em primeiro lugar, um método especializado da
crítica de fontes que atenta para o emprego de termos relevantes do ponto de vista social
e político e que analisa expressões fundamentais de conteúdo social e político.
Exigência metodológica mínima: compreender os conflitos sociais e políticos do
passado por meio das delimitações conceituais e da interpretação dos usos da linguagem
feitos pelos contemporâneos de então. A semântica e os conteúdos que a ultrapassam
em termos linguísticos são igualmente importantes.
Por fim, Koselleck diz que a história dos conceitos não tem um fim em si
mesma, apesar de seu aparato metodológico próprio. Ela é uma parte autônoma da
pesquisa social e histórica, e contém premissas teóricas comuns à história social.
Koselleck, em sua história dos conceitos, parece construir uma interação entre história
das ideias e história social. O autor, ao estudar a modernidade, restitui a trama de
acontecimentos que torna possível o uso linguístico contemporâneo. Ele avalia a
passagem de tempo através da linguagem, mais especificamente, dos conceitos.
Em sua contribuição para a teoria da história, Koselleck afirma que há dois níveis de
conceitos, ou dois planos através dos quais o historiador se movimenta em sua prática
historiográfica: o plano das suas próprias reflexões e construções historiográficas, e o
plano histórico que está sendo examinado. Os historiadores lidam com conceitos criados
numa determinada época para explicar a si própria, e com conceitos elaborados por
historiadores em épocas diversas, para explicar historiograficamente a uma determinada
época. A História Conceitual pode, assim, se interessar pelos conceitos da história e
pelos conceitos da historiografia.
Os conceitos possuem potencial para transformar a história, ao mesmo tempo em que a
retrata, na criação da “experiência”. Nesse caso, não se trata mais de conceitos que
classificam experiências, mas de conceitos que criam experiências” (koselleck, 2006, p.
324). (*assim como entendemos o cinema, como influenciador da experiência através
da formação de um imaginário imagético, midiático, etc, ao mesmo tempo em que
representa uma experiência de uma sociedade)
O historiador alemão, ainda neste mesmo ensaio, dá o exemplo do conceito de “republicanismo”, criado
por Kant na obra Paz Perpétua (1795) para expressar um “movimento” que se impulsiona em direção à
República (2006, p.69). O conceito, tal como indica Koselleck, “servia para antecipar teoricamente o
movimento histórico e in²uenciá-lo praticamente” (p.325). Logo depois, no século XIX e mais além, no
século XX, surgiriam outros “conceitos de movimento” (o que, para Koselleck, já constitui, aliás, um
traço da modernidade). “Socialismo”, “democratismo”, “liberalismo”, “comunismo”, “Fascismos” – eis
aqui uma série de conceitos que passam a “in²uir diretamente no acontecer político” (p.325).
Através do estudo dos conceitos é também possível redefinir a relação entre história e
História, em que se mede a diferença e convergência entre os conceitos antigos e as
atuais categorias de conhecimento. Com ele, pode-se compreender uma sociedade
através do surgimento e modificação dos conceitos.
Outra contribuição da história dos conceitos é a possibilidade de examinar as diferentes
recepções e sensibilidades diante de certos conceitos, como o Tempo e as instâncias de
temporalidade. Para Koselleck, cada Presente não apenas reconstrói o Passado a partir
de problematizações feitas na atualidade, mas cada Presente resinifica tanto o Passado
(campo da experiência) como o Futuro (horizonte de expectativa). Ainda, cada Presente
concebe também, de uma nova maneira, a relação entre Futuro e Passado, ou a
assimetria entre essas duas instâncias de temporalidade. Para o autor, há sempre uma
tensão entre o espaço de experiência e o horizonte de expectativas, que é própria da
elaboração do conhecimento historiográfico e das múltiplas leituras sobre o fenômeno
da temporalidade que surgem a cada época, inclusive a nível das pessoas comuns.
O que é o tempo? (*na minha concepção é a percepção da mudança, e talvez, da
continuidade, que quantificamos e delimitamos conforme nossas experiências, e por isso
a percepção das instâncias temporais mudam.) Para Koselleck e para outros estudiosos,
o Tempo é uma construção humana, coletiva e individual, que moldam as sensações
sobre passagem do tempo, desaceleração, Passado, Presente, Futuro e suas relações.
Para Hannah Arendt, o passado para os antigos romanos passa a adquirir o peso de uma
autoridade. Para os romanos, o passado deixa de ter a leveza de um ensinamento e a
urgência de uma preservação da memória (como os gregos enxergavam), para adquirir o
peso de uma autoridade que deve interferir no mundo dos vivos. Através da Tradição, o
Presente precisa ser diuturnamente religado a este Passado que se acha sacralizado por
um grande momento fundador, estabelecendo uma religio. Nos tempos contemporâneos,
esta religio – religação com o passado – mostra-se rompida na percepção mais corrente
do tempo (barros, p. 45-46). Arendt diz que para os romanos, a passagem do tempo e a
chegada da velhice significava um crescimento não para o futuro, mas para o passado, já
que o homem velho tinha mais próximo de si o passado. Esse exemplo corrobora com a
ideia de Koselleck de que as sociedades e os indivíduos em momentos distintos
constroem formas diferentes de perceber, apreender, sentir, compreender o tempo.
O autor delineia dois conceitos para compreender a sensibilidade humana diante do
tempo: experiência e expectativa. As duas categorias entrelaçam passado e futuro
(koselleck, 2006, p.308) mostram que cada uma das temporalidades – Passado,
Presente, Futuro – pode se alterar, contrair, expandir, o que ocorre em cada época ou
sociedade, modificando-se também a maneira como são pensadas e sentidas as relações
entre eles (o tempo histórico se modifica com a história, cuja modificação pode ser
deduzida da variável entre experiência e expectativa). A experiência pertence ao
passado e se concretiza no Presente, através da memória, dos vestígios, das
permanências e das fontes históricas.
A experiência é o passado atual, aquele no qual acontecimentos foram incorporados e podem ser
lembrados. Na experiência se fundem tanto a elaboração racional quanto as formas inconscientes de
comportamento, que não estão mais, que não precisam estar mais presentes no conhecimento. Além
disso, na experiência de cada um, transmitida por gerações e instituições, sempre está contida e é
preservada uma experiência alheia. Neste sentido, também a história é desde sempre concebida como
conhecimento de experiências alheias (Koselleck, 2006, p.309-310).