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12/03/2023, 12:07 Espaço de experiência e horizonte de expectativa – Wikipédia, a enciclopédia livre

Espaço de experiência e horizonte de


expectativa
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Espaço de experiência e horizonte de expectativa são categorias que o historiador alemão


Reinhart Koselleck propôs para contribuir com a análise da experiência humana do tempo
histórico.[1] Com fins analíticos, não são articuladas separadamente e não acontecem uma sem a
outra.[2] A utilização dos termos "espaço" e "horizonte" decorrem da necessidade de expressar o
tempo a partir de metáforas espaciais que conseguissem diferenciar aquilo que está no passado
(espaço de experiência) daquilo que está no futuro (horizonte de expectativa).[3]

As categorias de experiência e expectativa dão sentido a uma condição compartilhada por todos os
seres humanos, sem a qual seria impossível conceber a história. Em outras palavras, o par
experiência e expectativa é uma condição prévia à existência humana.[4] Estas categorias têm uma
dimensão meta-histórica que as define antropologicamente, fazendo com que sejam
compreendidas como elementos que servem à compreensão histórica, mas não definem, nem se
permitem definir como, os próprios acontecimentos.[5] Como categorias, não têm existência
comprovada nas fontes históricas, mas servem à análise das próprias fontes, auxiliando na
conceitualização e definição de fatos históricos.[6] Assim, se compreende que a vida humana se
constitui a partir das experiências e expectativas que relacionam passado e futuro no presente.[7]

Por mais que estejam relacionadas, as duas categorias têm formas de ser diferentes entre si.[8] Da
mesma forma que o passado e o futuro nunca se encontram, a expectativa não deve ser reduzida ao
resultado óbvio daquilo que foi experienciado: o futuro não deve ser entendido como uma simples
consequência do passado.[8][9] Sendo diferentes entre si, não devem ser levadas como opostas, pois
é a partir de seus diferentes modos de ser e da tensão que desta diferença resulta, que pode se
atribuir sentido ao tempo histórico.[10]

Experiência
A experiência é o passado sobre o qual há lembranças e cujos acontecimentos foram incorporados
na atualidade, fazendo parte do presente.[11][12] Além de ter um caráter inconsciente, a experiência
é passada adiante por gerações e instituições, estabelecendo-se coletivamente, também a partir da
experiência de outras pessoas. Por conta disso, a história pode ser entendida como o conhecimento
adquirido a partir da experiência construída pelos outros.[8]

Por definição, da experiência é possível tomar expectativas e experimentações.[3] Desta forma, a


experiência toma corpo na elaboração sobre que aconteceu no passado e o consequente
estabelecimento destes acontecimentos como base, por exemplo, para o conhecimento sobre aquilo
que foi bom ou mau, constituindo um comportamento.[9] Uma experiência pode ser considerada
completa quando as causas que a gestaram fazem parte do passado e o futuro que dela advém é
decomposto em momentos temporais infinitos.[8]

Metáfora espacial

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A metáfora espacial espaço de experiência relaciona-se à


aglomeração da experiência adquirida no passado para formar
diversas camadas temporais, chamadas de estratos de tempo, que
acontecem simultaneamente no presente de maneira desordenada e
não-linear. Por conta disso, é impossível medir a experiência
cronologicamente.[3]

“ Cronologicamente, toda experiência salta por cima dos


tempos, ela não cria continuidade no sentido de uma
elaboração aditiva do passado. Utilizando uma imagem
de Christian Méier, pode ser comparada a um olho
mágico de uma máquina de lavar, atrás do qual de vez
em quando aparece esta ou aquela peça colorida de
toda a roupa que está contida na cuba ” Máquina de lavar roupas
com um olho mágico.
—  Koselleck, Reinhardt (2015). Futuro Passado: contribuição à semântica dos Metáfora utilizada por
tempos históricos, p. 311. Reinhart Koselleck para
explicar o que é o espaço
de experiência.
Expectativa
A expectativa é o presente do futuro.[13] Assim como a experiência, a expectativa acontece no
presente, concomitantemente nos planos individual e coletivo. Diferencia-se da experiência ao ser,
em vez de um passado que está no presente, um futuro presentificado. A expectativa é voltada
àquilo que ainda não ocorreu, nem foi experimentado, e estabelece-se como uma previsão, no
campo da possibilidade. Fazem parte da expectativa a esperança, o medo, o desejo, a vontade, a
curiosidade, a inquietude e a análise racional.[8]

Outra forma como a expectativa diferencia-se da experiência é a possibilidade de ser


constantemente modificada, enquanto a experiência passada acaba por recolher-se. No entanto, é
necessário observar que, como parte da existência humana, da expectativa também é possível
tomar experiência.[9]

Foto do horizonte, metáfora espacial utilizada por


Reinhart Koselleck para atribuir a expectativa ao
futuro, em Maspalomas, Grã-Canária.

Metáfora espacial

A metáfora espacial do horizonte de expectativa relaciona-se à intenção de atribuir as ideias de


futuro e de possibilidade à expectativa. O limite daquilo que pode ser pensado em relação ao futuro
é absoluto, já que a possibilidade não pode ser, de fato, vivida no momento em que foi concebida.[3]

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“ Horizonte quer dizer aquela linha por trás da qual se abre no futuro um novo espaço
de experiência, mas um espaço que ainda não pode ser contemplado. ”
—  Koselleck, Reinhardt (2015). Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos, p. 311.

Tempo histórico
Experiência e expectativa estruturam-se temporalmente de
maneiras distintas. Enquanto as experiências definem-se pela
mutabilidade e pela flexibilidade de suas interpretações ao longo
do tempo, a expectativa não pode ser adquirida sem a
experiência. Desta forma, a relação entre as duas categorias é
caracterizada por infinitas possibilidades e impossibilidades
limitadas entre si.[14]

Um elemento que desloca esta relação é a surpresa: o que


surpreende, o faz por não ser esperado; isto significa que as
expectativas geradas por determinada experiência não foram
cumpridas. Assim, estaríamos diante de uma nova experiência,
que supera o campo das possibilidades previstas pela
expectativa. Esta expectativa, por sua vez, foi gerada por
experiências anteriores. Com a superação temporal das
expectativas, o espaço de experiência e o horizonte de O relógio do carro da história, de
expectativa reorganizam-se. É deste deslocamento e Carlo Franzoni. Escultura feita em
reorganização da tensão entre o passado e o futuro que nasce o mármore e exposta no Capitólio,
tempo histórico.[15] Em outras palavras, é na distância entre EUA. A obra retrata Clio
experiência e expectativa que o tempo histórico é gestado.[16] documentando os acontecimentos
históricos na medida em que se
Desta forma, o entendimento daquilo que é ou não verossímil desdobram.
como possibilidade de futuro é resultado da organização das
informações disponíveis sobre o passado (experiência). Com isso, as experiências estariam abertas
ao futuro e em sua direção orientam os prognósticos. Contudo, o próprio prognóstico abre espaço
para que novas expectativas sejam geradas. Portanto, mesmo que sejam fruto das formas como as
informações sobre o pretérito foram assimiladas, nem todas as expectativas sobre o futuro
decorrem da experiência. Isto significa que o espaço de experiência que anteriormente existia não
toma um papel determinante sobre quais expectativas serão tomadas.[15]

Em outras palavras, a diferença temporal estabelecida entre o espaço de experiência e o horizonte


de expectativa dizem respeito apenas ao presente no qual ela acontece. Os entrelaçamentos entre
passado e futuro não ocorrem, nem ocorreram, igualmente no tempo histórico. Este, por definição,
constantemente se modifica na medida em que futuro e passado passam a ser articulados de
maneiras diferentes.[17]

Modernidade

A modernidade é marcada por uma experiência do tempo histórico que aponta para um progressivo
distanciamento entre o espaço de experiência e o horizonte de expectativa. Este distanciamento
progressivo entre passado e futuro é entendido como o elemento nuclear que permite o
entendimento de que a modernidade existe.[17] Em relação às periodizações anteriores, a
modernidade apresenta-se como uma novidade na forma de experienciar o tempo histórico. Com o
avanço das técnicas, das ciências náuticas e da colonização, a experiência de uma vida camponesa e
artesanal já não servia mais aos prognósticos sobre o futuro. Enquanto os medievais baseavam-se

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nas vidas e nas ações de seus antepassados para saber como deveriam agir e quais seriam as
possibilidades de futuro, o avanço tecnológico fazia com que cada vez mais rápido a experiência
acumulada se tornasse insuficiente para a construção de uma expectativa sobre o futuro.[18]

É a partir do sentimento de insuficiência do passado como


um mestre que orienta a ação humana que foi desenvolvido,
no final do século XVIII, o conceito de progresso. A
demanda que ele veio a suprir foi a necessidade de organizar
todas aquelas muitas experiências acumuladas desde o
século XV. Era preciso reunir as diversas experiências
singulares, ou subjetivas, que foram acumuladas com o
advento da modernidade. O efeito gerado por esta profusão
de experiências ficou conhecido como a contemporaneidade
do não contemporâneo: muitas novas experiências, distintas
e superadas entre si, foram tratadas como parte de um
Queda da Bastilha, 1789. Evento que mesmo passado, estabelecido em relação a um mesmo
marca o começo da Revolução ponto de referência, o presente. No entanto, o diferente
Francesa. estágio de desenvolvimento das técnicas entre diferentes
lugares do mundo levou à ideia de que o progresso
caminharia linearmente, fazendo com que o lugar onde as técnicas estavam mais bem
desenvolvidas fosse tomado como estando em um estágio superior do progresso.[19]

Na modernidade, portanto, o olhar para o futuro desvinculou-se daquilo que o passado poderia
oferecer como possibilidade. Desta forma, qualquer nova experiência era rapidamente superada,
sem entregar ao presente qualquer ideia sobre o que poderia ser esperado do futuro. Assim, o
espaço de experiência desvinculou-se do horizonte de expectativa, e o acontecimento que marca
esta desvinculação é a Revolução Francesa.[20][21]

“ A Revolução Francesa foi para o mundo um fenômeno que pareceu desafiar toda a
sabedoria histórica, e a partir dela desenvolveram-se cada dia novos fenômenos,
que cada vez menos podiam ser objetos de indagação da história. ”
—  Woltman, K.L. (1800). Geschichte und Politik. t. I, p. 3

Após a Revolução Francesa, a história passa a ser entendida como um "singular coletivo". Se,
anteriormente, as diversas histórias relativas a contextos locais e específicos, contadas a partir de
crônicas, serviam como ferramenta pedagógica e orientadora da vida humana, agora a história
passava a ser um processo único, uma realidade universal.[22]

“ Da experiência do passado, das histórias e crônicas que ensinavam as lições da


história, emerge, após a Revolução Francesa, um conceito de história como
realidade unificada e processual. A história passa a ser entendida como singular
coletivo; "além da histórias, há a História", escreve, no século XIX, Gustav Droysen.
Nessa nova forma de se relacionar com o tempo, as luzes vêm do futuro e o
passado deve ser avaliado, posto em dúvida. Surge daí uma consciência crítica em
relação ao espaço de experiência, traduzido por um sentimento de distância e
diferença em relação ao passado ”
—  Nicodemo, Thiago; Santos, Pedro; Pereira, Matheus (2018). Uma introdução à história da historiografia
brasileira, p. 13.

Regime de historicidade

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12/03/2023, 12:07 Espaço de experiência e horizonte de expectativa – Wikipédia, a enciclopédia livre

Regime de historicidade é uma categoria formulada pelo historiador francês François Hartog para
estudar as diferentes tensões entre experiência e expectativa vigentes em cada período da
história.[23] Destas tensões, acaba por sobrepor-se uma temporalidade às outras possíveis. À
modernidade, por exemplo, por ser o presente sua historicidade dominante, é atribuído o regime de
historicidade "presentista".[24] No livro Regimes de Historicidade: presentismo e experiências do
tempo, Hartog afirma que

“ O tempo histórico, se seguirmos Reinhart Koselleck, é produzido pela distância


criada entre o campo da experiência, de um lado, e o horizonte da expectativa, de
outro: ele é gerado pela tensão entre os dois lados. É essa tensão que o regime de
historicidade propõe-se a esclarecer, e é dessa distância que essas páginas se
ocupam. Mais precisamente ainda, dos tipos de distância e modos de tensão. ”
—  Hartog, François (2013). Regimes de Historicidade: presentismo e experiências do tempo, p. 39.

Ver também
História dos conceitos
Teoria da história

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Regime de historicidade

Referências
1. Hartog 2013a, p. 28.
2. Koselleck 2015, p. 307.
3. Koselleck 2015, p. 311.
4. Koselleck 2015, p. 308.
5. Koselleck 2015, p. 306.
6. Koselleck 2015, p. 305.
7. Mateus 2014, p. 60.
8. Koselleck 2015, p. 310.
9. Koselleck 2015, p. 312.
10. Koselleck 2015, p. 212.
11. Koselleck 2015, p. 309.
12. Prado 2016, p. 330.
13. Hartog 2013, p. 12.
14. Mateus 2014, p. 61.
15. Koselleck 2015, p. 313.
16. Hartog 2013a, p. 39.
17. Koselleck 2015, p. 314.
18. Koselleck 2015, p. 315.
19. Koselleck 2015, p. 17.
20. Koselleck 2015, p. 318.
21. Koselleck 2015, p. 319.
22. Nicodemo et al. 2018, p. 13.
23. Araujo & Pereira 2016, p. 278.
24. Hartog 2013b, p. 28.

Bibliografia

Periódicos
Araujo, Valdei; Pereira, Mateus (2016). «Reconfigurações do tempo histórico: Presentismo,
atualismo e solidão na modernidade digital» (https://seer.ufmg.br/index.php/revistadaufmg/articl
e/view/11006/8330). Belo Horizonte. Rev. UFMG. 23 (1): 270-297
Hartog, François (2013b). «Experiências do tempo: da história universal à história global?» (htt
p://periodicos.unb.br/index.php/hh/article/view/9367/6959). história, histórias. 1 (1): 164-179.
ISSN 2318-1729 (https://www.worldcat.org/issn/2318-1729)
Mateus, João Gabriel da Fonseca (2014). «Espaço de Experiência, Horizonte de Expectativas
e Consciência Histórica em Belchior» (https://www.revista.ueg.br/index.php/revistapluraisvirtual/
article/view/2755/1765). Plurais Virtual. 4 (1): 58-81. ISSN 2238-3751 (https://www.worldcat.org/
issn/2238-3751)
Prado, Solange Faria (2016). « "Espaço de experiência" e "horizonte de expectativas": relações
de poder na colônia de ingleses no sul da província do Espírito Santo no Oitocentos» (http://per
iodicos.pucminas.br/index.php/cadernoshistoria/article/view/P.2237-8871.2016v17n27p327/104

https://pt.wikipedia.org/wiki/Espaço_de_experiência_e_horizonte_de_expectativa 6/7
12/03/2023, 12:07 Espaço de experiência e horizonte de expectativa – Wikipédia, a enciclopédia livre

42). Cadernos de História. 17 (27): 327-341. doi:10.5752/P.2237-8871.2016v17n27p327 (http


s://dx.doi.org/10.5752%2FP.2237-8871.2016v17n27p327)

Livros e capítulos de livro


Hartog, François (2013a). Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo.
Belo Horizonte: Autêntica. ISBN 9788565381468
Nicodemo, Thiago Lima; Pereira, Mateus Henrique; Santos, Pedro Afonso (2018). Uma
introdução à historiografia brasileira (1870-1970). Rio de Janeiro, RJ: FGV. pp. 7–229.
ISBN 978-85-225-2071-8
Koselleck, Reinhart (2015). «Espaço de experiência e horizonte de expectativa: duas
categorias históricas». In: Koselleck, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos
tempos históricos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto. pp. 305–328. ISBN 85-85910-83-6
Woltmann, K.L (1800). Geschichte und Politik. Berlim: Eine Zeitschrift

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