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Sem, Com, ao mesmo Tempo.

Gabriel Leme.

Existe um problema lógico filosófico que roda a academia contra um


atributo de Deus concernente ao chronos divino e incide em defrontar a
atemporalidade com a existência lógica de Deus. Esse breve comentário
pretende enunciar o paradoxo e oferecer uma resposta lógica para esse
problema entusiasmante e desafiador.

A maioria dos estudiosos em filosofia endossa a temporalidade


divina como transcendente e imanente necessários reciprocamente (cf
Aquino). Esse binômio flutua ligado a imaterialidade da eternidade passada
e a materialidade presente, isto é, a manifestação do tempo inaugura o
universo (melhor discernido cosmos: o que remente inclusive sua
participação no chronos; cf A física - Aristóteles).

Para uma simplificação lógica de reconhecimento e enunciado do


paradoxo a ser descrito, dividiremos os atributos do Deus atemporal e do
Deus temporal em dois grupos:

A. Um ser atemporal que B. Um ser temporal que


não é capaz de criar, não pode criar o tempo
visto que criar é ação e estando ele já no tempo.
esta demanda tempo.

Estando clara a posição do paradoxo dado acima (a temporalidade do


verbo enquanto atemporal e a temporalidade estando o ser temporal que
não é capaz de criar o tempo a partir do qual ele cria), existe uma
complicação (ao que parece) cronológica no evento da criação.

Existe incoerência na criação -visto que inclusive na obtenção única


do binômio cronológico seu conjugado insatisfaria a premissa-? Se
obtemos o confronto lógico a partir da premissa A e da premissa B, então
elas mutuamente anulam-se. Vamos à lógica: “Deus existe fora do tempo
quando não há universo e Deus existe dentro do tempo quando há”
contém uma conjunção, a saber: quando, que pode levar a alguns
equívocos no cerne da palavra, o que implicaria num tempo antes da
criação, sendo isso um erro lógico sabendo-se que o tempo começa sempre
com um primeiro evento. Para não criar arcabouço lógico em cima de um
espantalho, convém que honestamente a frase defendida pelos filósofos
cristãos seja “Deus é atemporal sem o universo e temporal no universo”,
esse enunciado é o que deveria ser combatido pelos materialistas e não o
anterior criado por eles mesmos. O sustentáculo da primeira parte da
proposição –Deus é atemporal sem o universo- repousa no entendimento da
impossibilidade de uma regressão temporal infinita de eventos; Isso
contradiria a teoria relacional do tempo (defendida pelos próprios
materialistas) quando esta mesma afirma que na falta de quaisquer eventos
o tempo não existiria, o evento e o tempo estão intrinsecamente ligados.

Sabendo disso é desnecessário propugnar a existência de dois deuses,


mas entendendo a relação entre tempo e criação a partir da própria teoria
relacional das coisas evidenciar um só Deus com duas características.
Assim podemos retomar a defesa do Deus atemporal (A) e do Deus
temporal (B) garantindo a veracidade da fundamentação teórica.

Comecemos pelo paradoxo B: um ser que existe no tempo não é


capaz de criar o tempo a partir do qual ele cria (cf Leftow, filósofo de
Oxford). Leftow entende que se for contingentemente temporal, Deus não
pode num dado tempo criar o tempo, visto que o criar já estaria inserido no
próprio tempo de criação. Leftow se esquece da premissa da teoria
relacional do tempo que confere a um evento a capacidade de inaugurar o
tempo (veja-se o mesmo paradoxo com a teoria do BigBang), isto é, este
“tempo” é logicamente posterior a um evento. Na sucessão invertida do
tempo pautado pelos eventos que o criam sempre existirá um primeiro
motor (cf Aristóteles) que inicia a contagem do primeiro movimento (ie, o
tempo) e, a partir daí, todos os intervalos serão pontuais de acordo com os
eventos que se sucedem. Dessa maneira a ação volitiva de Deus é
explicitamente anterior a existência do tempo, sendo-a o primeiro motor (o
logos divino: εν αρχη ην ο λογος και ο λογος ην προς τον θεον και θεος ην ο
λογος . Jo1:1) . Ao agir como palavra (‫אמר‬, hebraico “disse”, cf Gn1) e
.

por meio dela criar, dando início ao tempo lógico como atos de criação e
também ao estar no tempo –visto no logos divino acima-) e, a partir da
criação, a abrangência lógica do organismo que a criou colocando-o no
próprio tempo, tornando-o também existente em tempo. Leftow, assim
como Dawkins, Dennett e Hitchens compartilham uma mesma visão
errônea onde a relação entre Deus e o universo é de sujeito e objeto, não a
relação genuína do transcendente e imanente. O Deus verdadeiro (e não o
espantalho) é transcendente e, por lógica, aquilo que transcende (ie
υπερβατικός, aquilo que atravessa) -por natureza- abrange (cf Aristóteles) o
objeto transcendido, logo dá-se imanente a este mesmo (para um Deus, a
criação e existência nela seria efeito próprio da transcendência, cf At
17:28 – citação filosófica grega pós aristotélica).

Voltemos, munidos dessas informações, para o paradoxo A: um ser


atemporal não pode criar o universo, visto que criar é uma ação temporal. É
necessário para que exista exatidão no pensamento a ser descrito um
trabalho de tornar menos ambíguo a proposição do paradoxo A,
distinguindo entre:

C. É impossível (ou não é D. Deus é atemporal e é


possível) que [Deus seja impossível (ou não é
atemporal e crie o possível) que ele crie o
universo] universo.

Algebricamente, temos um caso de ambiguidade lógica do tipo


~S(t)→O versus S(t) ~→O. Podemos observar melhor esse confronto
semântico numa analogia mais simplificada: (Onde E e F são analogia
respectivas de C e D).

E. Não é possível ao Rio F. Não é possível ao Rio


Negro ser tanto Rio Negro tornar-se Mar.
quanto Mar.

Percebam a ambiguidade explícita entre ser e tornar-se,


ambiguidade essa que permanece no espantalho materialista no
paradoxo A onde um ser atemporal não pode criar o universo, visto
que criar é uma ação temporal. Incorre um erro lógico de base, pois
se não há criação fora do tempo, nem mesmo o tempo é criado
(absurdo). Isso contradiz novamente o cerne da teoria relacional do
tempo. Não obstante, é possível inclusive estender a percepção do
tempo para duas grandes teorias que o envolvem: A teoria dinâmica
do tempo e a teoria estática do tempo (cf McTaggart, Craig, Kim,
Sosa e Rosenkrantz).
Na teoria dinâmica do tempo (ou teoria conjugada do tempo),
o tempo e os eventos nele inscritos são ordenados em passado,
presente e futuro, sendo esses os aspectos reais e objetivos da
realidade, ou seja, o passado já não existe, o presente é real e o futuro
ainda não existe, portanto, não é real. Dessa maneira, o futuro não
está a frente, dedica-se a ser mero potencial do presente contínuo.
Então as coisas no tempo começam e deixam de existir, existindo
apenas um verdadeiro e objetivo “tornar-se” temporal no cosmos, o
que explicaria a função da linguagem no presente (verbo, logos,
ação), passado (que já foi e causa apenas a impressão presente no
ser) e futuro (que objetiva e anseia a existência no presente
almejando o “vir a ser” (cf Heráclito, Hegel)) que tem como objetivo
moldar a realidade de acordo com a compreensão de causa atual e
observável no ser que a contém, de fato é a observação mais
popularizada do tempo, próximo a concepção grega do chronos
(Κρόνος).
A teoria estática do tempo afirma que a diferença entre passado,
presente e futuro é apenas uma ilusão da consciência humana, isto
significa que todos os momentos do tempo são igualmente reais e
existentes. O futuro é tão real quanto o presente e o passado, isto é,
para pessoas em 1994, 1994 é real e nós estamos no futuro. Para
pessoas em 2050, 2050 é real e estamos no passado. Mas todos esses
são apenas pontos de vista subjetivos aos observadores. Se
pudéssemos infinitamente afastar-nos e enxergar as coisas do ponto
de vista de Deus, todos os momentos no tempo seriam igualmente
reais e o “tornar-se” temporal apenas um aspecto psicológico
subjetivo na consciência humana. Dessa maneira o universo se
comportaria como um bloco quadridimensional que existe
atemporalmente (mecanismo filosófico que ampara a concepção
incerta da mecânica quântica, cf Heisenberg). O vínculo entre os
eventos nessa teoria é a relação perceptiva do “antes de” e do
“depois de” (eg, seu nascimento é sempre anterior a sua morte;
ninguém morre antes de nascer, independentemente da cadência de
eventos entre os dois polos.) sendo essa uma relação real e objetiva.
Essa mesma perspectiva é enunciada pela palavra kairós (καιρός) e
pela presença do aoristo como forma verbal. Existem alguns
problemas conceituais lógicos com os fundamentos da teoria estática
do tempo e pretendo enuncia-las em um outro texto.

Pela teoria estática do tempo, Deus pode criar o universo onde,


a fim de existir, o universo dependa contingentemente de Deus. Deus
existiria fora do “bloco” quadridimensional e sustenta sua existência
(dada que a existência quadridimensional coloca, no próprio bloco,
um ente temporal que só pode existir a partir de um primeiro motor).
Nesse quesito, criar não seria uma atribuição temporal, então Deus
poderia criar atemporalmente.

Em contrapartida, pela teoria dinâmica do tempo, no primeiro


evento (primeiro tempo, primeiro momento) da existência o universo
passa a existir, então a relação causal de Deus com o cosmos será
nova para ele (Deus) neste momento, isto é, no instante da criação a
relação torna-o temporal já que o “vir a ser” (característica da
volição, cf Augusto, Aquino, Leibniz e Newton) torna-o Criador, o
que, nesse ato, inaugura o tempo. De acordo com a teoria dinâmica
do tempo a proposição C é verdadeira (ao criar o cosmos Deus é
temporal). A proposição D (de acordo com a teoria dinâmica do
tempo), a alegação de que se Deus fosse atemporal lhe seria
impossível criar o universo se baseia na suposição de que a
atemporalidade seria uma propriedade não contingencial, mas
necessária de Deus. Esse pensamento não poderia ser mais
equivocado em tomar por ambiguidade (mostrado nas analogias E e
F), visto que a temporalidade e atemporalidade podem, sim, ser
contingentes a vontade divina (volição, supracitado) assim como
para a teoria materialista o primeiro motor passou da atemporalidade
(singularidade) para temporalidade. Ao existir atemporalmente Deus
pode desejar não criar e necessariamente não o fazer, ou pode querer
criar o cosmos e, dessa maneira, o “tornar-se” temporal é aplicado
tornando-o imanente a própria criação no tempo.

Portanto, a proposta silogística mais factível é que Deus existe


atemporalmente sem criar o cosmos e com a intenção de criar o
universo como princípio (vir a ser), exerce seu poder causador
(tornar-se) e o tempo passa a existir juntamente com o primeiro
estado do cosmos, sendo ele (o tempo) a primeira criação de Deus.
Como o transcendente é o que abrange automaticamente, em
imanência (obviamente), torna-se, concomitantemente, temporal.

Fontes:

A companion to Metaphysics – Kim, Sosa e Rosenkrantz

A física – Aristóteles (ed Lucas Angioni)

Discurso de Metafísica – Gottfried Leibniz

Metafísica – Aristóteles

Reasonable Faith – Willian Lane Craig

The Kalam Cosmological Argument – Willian Lane Craig

The Philosophy of Time – Oxford Reading in Phylosophy

The Time Origins – Hegel

Time and Eternity – Brian Leftow

Time and Eternity – Willian Lane Craig

Ver também https://www.youtube.com/watch?v=0e9KLmqubc8 -


God, Time, and Relativity: William Lane Craig's Lecture

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