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1. Introdução
A definição de Hume inclui três condições para algo ser considerado uma
causa: prioridade temporal, contiguidade espaço-temporal e uma relação
nomológica (“Todos os objetos como a causa produzem sempre algum
objeto como o efeito.”)
(a) Prioridade temporal
O ato de Deus de querer que o Big Bang ocorra não é contíguo espaço-
temporalmente ao Big Bang uma vez que este ato da vontade não possui
coordenadas espaciais. c e e são contíguos espaço-temporalmente
somente se as coordenadas espaciais x, y e z que situam c em relação a
múltiplos eventos são ou idênticas às coordenadas x’, y’ e z’ de e, ou situam
c na vizinhança de e.
Por exemplo, Carl Hempel escreve [3]: “uma ‘causa’ deve ser autorizada a
ser um conjunto de circunstâncias ou eventos mais ou menos complexos,
que podem ser descritos por um conjunto de enunciados C1, C2,…,Ck…
Portanto a explicação causal afirma implicitamente que existem leis gerais
— digamos, L1, L2, … Lk — em virtude das quais a ocorrência dos
antecedentes causais mencionados em C1, C2,…,Ck é uma condição
suficiente para a ocorrência do evento a ser explicado.”
Uma lei probabilística L também pode ser permitida, caso em que “ser
deduzida da” seria substituído por “ser indutivamente respaldado por”.
Além disso, o fato de que a vontade de Deus é onipotente torna “o Big Bang
ocorre” dedutível de “Deus quer que o Big Bang ocorra” apenas, sem a
necessidade de qualquer premissa nomológica suplementar, dessa forma
invalidando a condição de que uma premissa nomológica é uma condição
logicamente necessária para a derivação da conclusão de que o efeito existe
a partir das premissas uma das quais é que o evento causal ocorre.
Na verdade, a causidade não pode ser nada físico, já que Deus é não-físico.
Tampouco pode a causidade ser algo não-físico, já que o Big Bang é
completamente físico. Assim, parece não existir candidato viável para a
causidade transferida.
Seriam a volição divina e o Big Bang eventos? Segundo J. Kim [8], um evento
é uma substância exemplificando uma propriedade n-ádica num dado
momento. Mesmo que a existência do tempo não seja anterior a do
universo, isto não necessariamente exclui a aplicabilidade da definição de
Kim para a volição divina, já que podemos interpretar a volição de Deus
como simultânea ao Big Bang.
Mas isto implica que a definição de Lewis não pode ser instanciada pela
vontade de Deus de que o Big Bang ocorra, uma vez que se c tivesse
ocorrido (se Deus tivesse desejado o Big Bang) então isto necessariamente
teria causado e (o Big Bang); Deus é onipotente e sua vontade é
necessariamente efetiva.
Resumindo, as considerações acima sugerem que não há definições
existentes de causalidade que sejam satisfeitas pela vontade de Deus de
que o Big Bang ocorra; acredito que uma investigação das definições
adicionais existentes mostraria que a maior parte delas inclui pelo menos
uma das condições mencionadas acima (contiguidade, uma condição
nomológica, etc.) que são violadas pela volição divina.
As que não incluem uma das condições supracitadas incluem alguma outra
condição que é violada pela volição divina; por exemplo, a definição de J.
Mackie de uma condição INUS implica que uma causa c não é nem
necessária nem suficiente para seu efeito e mas é, em vez disso, uma parte
insuficiente e não-redundante de uma desnecessária mas suficiente
condição para e [14].
Pode ser respondido nesta conjuntura que o fracasso da criação do Big Bang
por Deus em satisfazer qualquer das definições existentes de causalidade
não implica que o ato volitivo de Deus não é uma causa do Big Bang. Pode
ser que a definição correta de causalidade ainda não tenha sido descoberta,
e que a vontade de Deus de que o Big Bang ocorra satisfaz esta definição
correta inédita.
Meu argumento de que Deus não pode ser uma causa do universo é na
melhor das hipóteses um “argumento indutivo fraco” baseado nas
definições formuladas até o presente momento.
Além disso, as considerações precedentes sugerem uma definição
específica de causalidade que é satisfeita pela volição originatória divina,
independentemente de se ou não esta definição tenha sido defendida por
qualquer um. Esta definição declara: c é uma causa de e se e somente se c
é uma condição suficiente de e, e c é anterior a e.
Mas é logicamente possível que o tempo exista antes do Big Bang e que
uma divindade temporal realize uma volição que tanto ocorra antes do Big
Bang quanto seja uma condição suficiente para a ocorrência do Big Bang.
(Deus pode fazer tudo que é logicamente possível; Deus não pode criar uma
pedra tão pesada que não possa erguê-la, mas criar tal pedra não é uma
possibilidade lógica. Deus nunca desejaria que algo ocorresse se a
ocorrência desse algo fosse logicamente impossível — Deus é onisciente e
onibenevolente e não empreenderia intencionalmente qualquer esforço
fútil.)
(Obj. 1) Pode-se objetar que toda causa pode ser descrita de maneira a
implicar logicamente a ocorrência de seu efeito, e, portanto, que as volições
divinas não são diferentes de causas. Por exemplo, a causa, a explosão que
incendiou a casa, torna logicamente necessário seu efeito, o incêndio da
casa, uma vez que é uma contradição lógica afirmar que “existe uma
explosão que incendiou a casa e, todavia, não existe o evento da casa
incendiada.”
Mas esta objeção é falaciosa pois “a explosão que incendiou a casa” não se
refere apenas a causa, mas também ao efeito. Uma descrição precisa que
se refere apenas ao evento causal pode ser satisfeita consistentemente
com a não-ocorrência do efeito; por exemplo, a descrição precisa, “a
explosão que ocorreu na casa”, pode ser consistentemente satisfeita com a
não-satisfação de “o incêndio da casa”.
A falaciosidade desta objeção pode ser explicada mais acuradamente em
termos de contextos referencialmente transparentes e referencialmente
opacos. A descrição precisa, “a explosão que resultou no incêndio da casa”,
é um contexto referencialmente transparente; isto implica que “o incêndio
da casa” ocupa uma posição que está aberta à substituição e quantificação
em “a explosão que resultou no incêndio da casa”.
Por outro lado, a descrição precisa, “a vontade divina de que o Big Bang
ocorra”, é um contexto referencialmente opaco e refere-se apenas à
volição divina. Esta descrição é referencialmente opaca uma vez que é uma
construção de atitude proposicional, e posições internas a construções de
atitudes não são abertas à substituição e quantificação. [16]
Dada esta distinção, podemos dizer que uma definição precisa D de uma
causa também se refere ao efeito se e somente se D inclui um termo para
o efeito que é aberto à substituição e à quantificação.
A descrição “a vontade que tem por objetivo a efetivação do Big Bang” pode
ser usada como uma definição precisa da volição divina relevante e “ocorre
a vontade que tem por objetivo a efetivação do Big Bang, mas o Big Bang
não é efetivado” não é uma contradição lógica. Segue-se (a objeção
continua) que a vontade de Deus não precisa ser considerada uma condição
logicamente suficiente do Big Bang.
Mas esta objeção é inválida, uma vez que a existência de uma descrição da
volição divina que não implica logicamente que o Big Bang ocorra é
consistente com a volição divina possuindo necessariamente a propriedade
relacional de ser associada à ocorrência do Big Bang.
Esta consistência é um exemplo do princípio mais amplo de que “algo que
necessariamente possui uma propriedade específica F pode ser descrito por
uma descrição precisa D que não inclui F entre suas condições descritivas,
e D não implicará que o que quer que satisfaça D necessariamente possui
F”.
Quando Sosa diz que isto “parece ser uma forma genuína de causação” [19],
ele parece estar equivocado. Na verdade, os filósofos contemporâneos e os
cientistas iriam todos enfática e corretamente declarar que estes não são
casos genuínos de causação. Mas em justiça a Sosa, ele reconhece este
ponto, e faz algumas observações plausíveis neste contexto:
“Pode-se objetar que muito do que foi mencionado acima não passa de um
artifício terminológico, que simplesmente toma o que os filósofos tem há
muito denominado causação, renomeia como ‘causação nomológica’, e
prossegue classificando-a ao lado de relações completamente diversas que
os filósofos até então não haviam chamado de relações causais.
E talvez possa ser que a palavra ‘causa’ e seus cognatos tenham sido tão
íntima e persistentemente associados com a causação nomológica pelos
filósofos que eles devam capitular. Mas mesmo assim a questão básica
permaneceria, pois a causação nomológica é uma relação entre uma
origem e uma consequência ou resultado, e assim é a causação material
(por exemplo, geração), assim é a causação consequencialista (por exemplo,
a maçã ser cromaticamente colorida como resultado de ser vermelha) e
assim é a causação inclusiva… Todas estas são relações origem-
consequência ou relações resultado-produto.” [20]
Dizemos que a vontade de Deus é um evento mental que “tem por objetivo
trazer outro evento à existência”. Contudo, o significado literal da frase
sobre tencionar um objetivo implica que “é logicamente possível que este
objetivo não seja alcançado”.
Mas isto não é o mesmo que dizer que não podemos falar de forma
inteligível sobre Deus e sua relação com o Big Bang. Parece que podemos
dizer ao menos que existe alguma propriedade F n-ádica exemplificada por
Deus, tal que em virtude de exemplificar esta propriedade, Deus está numa
relação com o Big Bang de ser uma condição logicamente suficiente do Big
Bang.
Talvez possamos até mesmo ser mais precisos e dizer que F é alguma
propriedade mental, onde “mental” é compreendido em termos de
intencionalidade (na tradição de Brentano, Husserl, Chisholm e Searle).
Além disso, podemos dizer que este ato intencional experimentado por
Deus possui uma propriedade específica como seu objeto intencional, a
propriedade, ser o Big Bang.
Falar de “ato intencional” aqui pode ser literal, uma vez que estes são
termos técnicos na literatura filosófica e aqui “ato” possui um significado
diferente de “ato” em “Jane agiu rapidamente para remediar a situação”
ou “o último ato da peça foi decepcionante”.
Se for objetado que “ato intencional” não possui um significado unívoco
entre “humanos (corpóreos, não-oniscientes e não-onipotentes) realizam
atos intencionais” e “Deus (incorpóreo, onisciente e onipotente) realiza
atos intencionais”, então podemos lançar mão de um nível mais geral de
discussão.
Podemos dizer que existe uma relação específica R a qual Deus mantém
com a propriedade “ser o Big Bang”, tal que em virtude de Deus estar em R
com ser o Big Bang, é logicamente necessário que ser o Big Bang seja
exemplificada.
Resumindo, estamos seguros em dizer que Deus não causa o Big Bang, mas
R-iza o Big Bang, onde “Deus R-iza o Big Bang” significa que Deus está numa
relação específica R com ser o Big Bang, tal que em virtude de manter esta
relação com esta propriedade, é logicamente necessário que esta
propriedade seja exemplificada. (Para facilitar, eu às vezes falarei
grosseiramente nas seções seguintes de Deus mantendo R com o Big Bang,
mas tal discussão deve ser estritamente analisada da maneira que analisei
“Deus R-iza o Big Bang”.)
Primeira Objeção
Pode-se objetar que a relação divina R não pode ser apenas a de ser uma
condição logicamente suficiente do Big Bang. Deus manter esta relação
lógica com o Big Bang não é similar ao sol ser amarelo estar em relação com
o sol ser colorido como uma condição logicamente suficiente.
A exemplificação pelo sol de ser amarelo em nenhum sentido acarreta ou
produz a exemplificação pelo sol de ser colorido. Mas a exemplificação por
Deus de R acarreta o Big Bang.
Mas isto equivale a recuar para uma teoria da inefabilidade. Agora temos a
teoria. “Deus não causa literalmente o Big Bang, mas em algum sentido
metafórico causa o Big Bang, apesar de ser impossível especificar
literalmente a analogia entre a causação e a relação entre Deus e o Big Bang
que justifique a metáfora.”
A teoria da inefabilidade é que Deus R-ando o Big Bang é uma relação com
duas propriedades; uma das propriedades de Deus R-ando o Big Bang é que
R-ar o Big Bang é uma condição logicamente suficiente para o Big Bang, e a
segunda propriedade é uma propriedade indescritível, a qual podemos
chamar uma propriedade X, tal que a propriedade X é uma propriedade de
Deus R-ar que tornar R-ar análoga à relação causal num aspecto relevante.
A única justificação aparente pode ser que alguém tenha tido uma
experiência mística e “contemplado” diretamente Deus R-ando o Big Bang
e “contemplado” a propriedade X desta R-ação, mas que ao relatar esta
intuição, apercebera-se de que não existem palavras adequadas e utilizadas
literalmente que poderiam descrever a propriedade X.
Segunda objeção
Mas estes são exatamente os eventos cuja natureza causal está em disputa.
Presumir, diante dos argumentos que apresentei, que estes atos sejam
relações causais é petição de princípio.
(2) Existe uma razão suficiente J para acreditar que existe uma definição
correta de causação que seja singularista, não-contiguista e que permita
relações lógicas.
Portanto,
Esta objeção fracassa uma vez que o defensor da tese “não pode existir uma
causa divina” possui um argumento não-circular para a falsidade de (3). O
argumento é que todos os casos de causação que não estão em discussão
são inconsistentes com a hipótese de que existe uma definição correta do
tipo mencionado em (2).
Terceira objeção
Um problema com esta definição disjuntiva é que ela classifica o sol ser
amarelo como uma causa do sol ser colorido. De maneira que não funciona
por esta razão, assim como pelas outras razões mencionadas em minha
discussão da explicação de causação oferecida por Sosa.
John ser um organismo vivo (ou John ser encarnado num corpo mortal no
instante t) é tanto temporalmente anterior a, quanto é uma condição
logicamente suficiente para João estar morto, mas João ser um organismo
vivo (ou João estar encarnado num corpo mortal no instante t) não é a causa
de sua morte.
Sua morte é causada, digamos, por um atropelamento ao atravessar a rua.
O conceito expresso por “é um organismo vivo” analiticamente inclui o
conceito expresso por “é mortal” e as verdades lógicas relevantes (por
exemplo, “se x é um organismo que morre, então x morre”) podem ser
obtidas por substituição de sinônimos.
Suponha que nos tornemos ainda mais específicos e em vez disso digamos:
c é uma causa de e se e somente se OU c é Deus na relação R com e OU c
não é uma condição logicamente suficiente de e e satisfaz (digamos) as
condições humeanas. Mas esta tentativa de produzir uma definição
satisfatória fracassa por duas razões interrelacionadas:
Quarta Objeção
À primeira vista, pode parecer que o argumento deste artigo nos diz mais
sobre a natureza da causação e a natureza de Deus do que sobre a disputa
ateísmo versus teísmo. “Um estado divino não pode causar o começo da
existência do universo” não implica que Deus não existe ou que o Big Bang
não seja o resultado lógico de um estado divino.
Ele implica meramente que não podemos descrever um estado divino como
a causa originária do universo.
Portanto,
Desta definição resulta que é uma propriedade essencial de Deus que ele
R-iza qualquer universo que exista. Como esta propriedade é essencial a
Deus, não existe mundo possível no qual é verdadeiro tanto que Deus exista
quanto que exista um universo com o qual Deus não mantém uma relação
R.
Portanto,
(8) É uma propriedade essencial de Deus que ele R-iza qualquer universo
que exista.
(13) O universo foi causado a existir por algum(ns) ser(es) inteligente(s) com
algum propósito em mente.
Notas
2. Vale a pena notar que a teoria de Michael Tooley implica que uma causa
exige uma lei da natureza subjacente, mas que a causa não é especificada
unicamente pela lei da natureza e pelos fatos não-causais. Apesar de a
definição de Tooley diferir das definições redutivas tradicionais, sua
inclusão de uma condição nomológica impede que ela seja satisfeita por
uma volição divina. Veja ‘Causation: A Realist Approach’ (Oxford: Clarendon
Press, 1987).
3. Carl Hempel, Aspects of Scientific Explanation (New York: The Free Press,
1965), pp. 348-49.
5. Ducasse, p. 127.
9. Brian Leftow, Time and Eternity (Ithaca: Cornell University Press, 1993).
11. Nicholas Wolterstorff, “God Everlasting” in God and the Good, ed. C.
Orlebeke and I. Smedes (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1975) 1979; Quentin
Smith, Language and Time (New York: Oxford University Press, 1993).
14. John Mackie, The Cement of the Universe (Oxford: Clarendon Press,
1974).
22. William Lane Craig and Quentin Smith, Theism, Atheism and Big Bang
Cosmology (Oxford: Clarendon Press, 1993), p. 57.