Texto 1C
Tema 1: Introdução ao estudo da História  Tópico 1.2: Para que serve a História?
História  Professor José E. M. Knust
1° ano do Ensino Médio Integrado.
Experiência do tempo, consciência histórica e identidade
os fundamentos da ciência histórica. 1a reimpressão. Brasília: Editora UNB, 2010, p.55-67.
A consciência histórica deve ser entendida como parte
do cotidiano humano. Isto quer dizer que ela é uma forma
de pensamento humano que tem a ver com a vida prática.
A consciência histórica é o resultado de como nós
interpretamos nossa experiência de mudança de nós
mesmos e do nosso mundo com o passar do tempo. Nós
fazemos essas interpretações para podermos determinar
quais intenções queremos atingir com nossas ações nesse
transcorrer do tempo.
Meu ponto de partida é a ideia de que o ser humano
precisa agir intencionalmente para poder viver. Os seres
humanos agem e essas ações têm intenções. Essa
intencionalidade nos define como um ser que precisa
pensar além do simples ocorrido em um momento para
poder lidar com isso que está acontecendo nesse momento.
Alguma coisa acontece agora, mas nós não nos limitamos
ao que acontece agora para pensar sobre essa coisa. O
mundo e nós mesmos mudamos com o tempo, e o ser
humano precisa interpretar essas mudanças para poder agir
ao longo desse tempo. Por isso, o ser humano não pensa
apenas no mero presente, ele o relaciona com uma
interpretação do passado e um projeto de futuro.
A consciência histórica é guiada pela intenção de
controlar o tempo. Isso é necessário porque o tempo põe
ao ser humano uma ameaça de perder-se na transformação
do mundo e dele mesmo. Para evitar isso, os humanos
organizam uma narrativa, contam uma história, que dá
sentido a essas transformações. Esta narrativa é a sua
consciência da história. Como se dá a formação da
consciência histórica na forma de uma narrativa? Como se
constrói um sentido sobre a experiência do tempo através
de uma narrativa que trata de “realidade” e não de
“imaginação” (ficcional)?
A narrativa constrói a consciência histórica recorrendo
a lembranças para interpretar as experiências do tempo. E
é essa relação com a experiência que a distingue da
narrativa ficcional. A construção da consciência histórica
pela narrativa histórica, contudo, não se limita à
recuperação do passado pela lembrança. Os problemas do
presente é que dão o impulso para esse retorno, para esse
resgate do passado. O quão profundo e por quais caminhos
a busca pelo passado se dará são sempre determinados
pelas experiências do tempo presente. A consciência
histórica é o local em que o passado é levado a falar; o
passado só vem a falar quando questionado; e a pergunta
que o faz falar é criada pela necessidade de orientação da
vida prática no presente diante das experiências no tempo.
A consciência histórica não é idêntica, portanto, à
lembrança. Para que a consciência histórica se forme, é
necessária uma relação do presente com o passado – ou
Adaptado de Jörn Rüsen. Razão Histórica. Teoria da História:
seja, a construção mental de uma narrativa (histórica). A
narrativa histórica relembra o passado sempre tendo como
preocupação a experiência do presente e, por essa relação
com o presente, estabelece as expectativas de futuro
formuladas pelas intenções de suas ações.
Seria erado, pois, entender por consciência histórica
apenas uma consciência do passado: trata-se de uma
consciência do passado que possui uma relação com a
interpretação do presente e com a expectativa e o projeto
de futuro. A narrativa histórica constrói a consciência
histórica através da relação entre interpretação do passado,
entendimento do presente e expectativa do futuro, todas
elas integradas por uma percepção de continuidade, de
algo que se mantém e conecta passado, presente e futuro.
O que é que tem essa continuidade? Na construção de
sentido sobre a experiência do tempo através da narrativa
histórica, o que está em jogo é a identidade daqueles que
produzem essa narrativa histórica. Toda narrativa histórica
está marcada pela intenção básica do narrador de não se
perder nas mudanças de si mesmo e de seu mundo, de
manter-se seguro e firme no fluxo do tempo.
Os humanos têm de interpretar as mudanças temporais
em que estão enredados* a fim de continuarem seguros
de si e de não terem de temer perder-se nestas mudanças.
A resistência dos humanos à perda de si e seu esforço de
autoafirmação criam identidades* através do
estabelecimento de noções de continuidade no tempo. Isto
é, a construção de ideias de continuidade depende da
identificação de uma permanência de si mesmo no meio
das mudanças que ocorrem no transcorrer do tempo. A
narrativa histórica é um meio de constituição da identidade
humana.
Glossário:
Enredar: criar um enredo, estabelecer uma história que
conecta diferentes fatos como tendo relação entre si por
causa do sentido daquela história.
Identidade: Conjunto de características que definem uma
pessoa, criando um vínculo de pertencimento com outras
pessoas que compartilham das mesmas características.