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Fonte para estudo de caso 2

Código de Hamurabi, a produção de leis na Mesopotâmia Antiga


e os diferentes status sociais
Introdução
O Código de Hamurabi representa um conjunto de leis escritas, sendo um dos
exemplos mais bem preservados desse tipo de texto oriundo da Mesopotâmia
[Antiga]. Acredita-se que foi escrito pelo rei Hamurabi, aproximadamente em
1772 a.C. [A principal cópia do texto] foi encontrada por uma expedição francesa
em 1901 na região da antiga Mesopotâmia, correspondente à cidade de Susa, no
sudoeste do Irã. É um monumento monolítico talhado em rocha de diorito, sobre
o qual se dispõem 46 colunas de escrita cuneiforme acádica, com 282 leis em
3600 linhas [além de um prólogo e um epílogo]. (...)
[Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%B3digo_de_Hamurabi]

Texto
[Bouzon, Emanuel. O código de Hammurabi. Vozes, 1992, p.39-45, 222-224].
Obs.1: Palavras em negrito estão explicadas no glossário depois do texto.

Prólogo
Quando o sublime Anum, rei dos Anunnaku, (e) Enlil, o senhor do céu e da
terra, aquele que determina o destino do país, assinalaram a Marduk, filho
primogênito de Ea, a dignidade de Enlil sobre todos os homens, (quando) eles o
glorificaram entre os Igigu (quando) eles pronunciaram o nome sublime de Babel
(e) a fizeram poderosa no universo, (quando) estabeleceram para ele em seu meio
uma realeza eterna, cujos fundamentos são firmes como o céu e a terra, naquele
dia Anum e Enlil pronunciaram o meu nome, para alegrar os homens,
Hammurabi, o príncipe piedoso, temente a deus, para fazer surgir justiça na terra,
para eliminar o mau e o perverso, para que o forte não oprima o fraco, para, como
o sol, levantar-se sobre os cabeças-pretas e iluminar o país. 1
Eu (sou) Hammurabi, o pastor, chamado por Enlil, aquele que acumula
opulência e prosperidade, aquele que realiza todas as coisas para Nippur,
Duranki, guarda piedoso da e Ekur, o rei eficiente que restaurou Eridu em seu
lugar, aquele que purifica o culto do templo de Eabzu, conquistador dos quatro
cantos da terra, aquele que magnífica o nome de Babel, que alegra o coração de
Marduk, seu senhor, que todos os dias está a serviço da Esagila, descendência
real, que Sin criou, aquele que faz prospera a cidade de Ur, humilde suplicante,
que traz abundancia para o templo de Sin, o rei inteligente, obediente a Shamash,
o forte, aquele que consolidou os fundamentos de Sippar, aquele que cobriu de
verde a capela de Ayya, aquele que traçou o plano do templo da casa brilhante
[E.BABBAR], que é como a habitação dos céus (...)
(Eu sou) o primeiro dos reis, aquele que subjugou as regiões do Eufrates sob
as ordens de Dagan, seu criador, aquele que poupou os povos de Mari e Tutul,
(eu sou) o príncipe piedoso, que fez brilhar a face de Tispak, aquele que
estabeleceu oferendas puras para Ninazu, aquele que salvou seus homens da
desgraça, aquele que estabeleceu seus fundamentos no meio de Babel em paz,
pastor dos povos, aquele cujas obras agradam a Inshtar, aquele que estabeleceu
Inshtar na Eulmas, no meio da praça de Acade, aquele que faz a verdade
aparecer, aquele que dirige os povos, aquele que conduziu sua boa protetora para
Assur, aquele que silencia os gritadores, o rei que proclamou em Nínive as ordens
de Ishtar no Emesmesh.
(Eu sou) o piedoso, aquele que fervorosamente suplica aos grandes deuses, o
descendente de Sumu-la-il, o poderoso herdeiro de Sin-muballit, semente eterna
de realeza, rei forte, o sol de Babel, aquele que faz surgir a luz para o país de
Sumer e Acade, o rei que traz à obediência os quatro cantos da terra, o protegido
de Ishtar. Quando o deus Marduk encarregou-me de fazer justiça aos povos, de
ensinar o bom caminho ao país, eu estabeleci a verdade e o direito na linguagem
Estela com o Código de Hamurabi e
do país, eu promovi o bem-estar do povo.
alguns de seus detalhes
Naquele dia:
Sentenças: § 279: Se um awīlum comprou um escravo ou uma escrava
(...) e recebeu reivindicação, seu vendedor deverá responder à
§ 196: Se um awīlum destruiu o olho de um (outro) reivindicação.
awīlum, destruirão o seu olho. § 280: Se um awīlum comprou, em um país estrangeiro,
§ 197: Se quebrou o osso de um awīlum, quebrarão o seu um escravo ou uma escrava de um (outro) awīlum, e,
osso. quando voltou ao país, o proprietário do escravo ou da
§ 198: Se destruiu o olho de um mushkênum ou quebrou escrava reconheceu o seu escravo ou a sua escrava, se o
o osso de um mushkênum, pesará uma mina de prata. escravo ou a escrava são filhos do pais, será realizada a
§ 199: Se destruiu o olho do escravo de um awīlum ou sua libertação sem (pagamento de) prata.
quebrou o osso do escravo de um awīlum, pesará a metade § 281: Se são filhos de um outro país, o comprador
de seu preço. declarará diante de deus a (quantidade de) prata que pagou
§ 200: Se um awīlum arrancou um dente de um awīlum e o proprietário do escravo ou da escrava dará ao mercador
igual a ele, arrancarão o seu dente. a (quantidade de) prata que ele pagou e resgatará o seu
§ 201: Se arrancou o dente de um mushkênum, pesará 1/3 escravo ou a sua escrava.
de uma mina de prata. § 282: Se um escravo disse a seu proprietário: “Tu não és
§ 202: Se um awīlum bateu na face de um awīlum que lhe o meu o senhor”, ele comprovará que é o seu escravo e
é superior, só será açoitado 60 (vezes), na assembleia, com seu proprietário cortar-lhe-á a sua orelha.
um chicote (de couro) de boi.
§ 203: Se um awīlum bateu na face de (outro) awīlum, que Epílogo
é igual a ele, pesará uma mina de prata. (Estas são) as sentenças de justiça, que Hammurabi, o
§ 204: Se um mushkênum bateu na face de um (outro) rei forte, estabeleceu e que fez o país tomar um caminho
mushkênum, pesará 10 siclos de praia. seguro e uma direção boa.
§ 205: Se o escravo de um awīlum bateu na face de um Eu (sou) Hamurabi, o rei perfeito. Para com os cabeças
awīlum, cortarão a sua orelha. pretas, que Enlil me deu de presente e dos quais Marduk
§ 206: Se um awīlum, em uma briga, bateu em um (outro) me deu o pastoreio, não fui negligente, nem deixei cair os
awīlum e lhe infligiu um ferimento, esse awīlum deverá braços; eu lhes procurei sempre lugares de paz, resolvi
jurar: “Não bati (nele) deliberadamente”, e pagará o dificuldades graves, fiz-lhes aparecer a luz. Com a arma
médico. poderosa que Zababa e Ishtar me outorgaram, com a
§ 207: Se ele morreu por causa de sua pancada, deverá sabedoria que Ea me destinou, com a habilidade que
jurar e, se foi um awīlum, pesará a metade de uma mina Marduk me deu, aniquilei os inimigos em cima e embaixo 2
de prata. acabei com as lutas, promovi o bem-estar do país. Eu fiz
§ 208: Se foi um mushkênum, pesará 1/3 de uma mina de os povos dos lugarejos habitar em verdes prados, ninguém
prata. os atormentará. Os grandes deuses chamaram-me, eu sou
§ 209: Se um awīlum bateu na filha de um awīlum e a fez o pastor salvador, cujo cetro e reto, minha sombra benéfica
expelir o (fruto) de seu seio, pesará 10 sidos de prata pelo está estendida sobre minha cidade. Eu encerrei em meu
(fruto) de seu seio. seio os povos do país de Sumer e Acade, sob minha
§ 210: Se essa mulher morreu, matarão a sua filha. divindade protetora eles prosperaram, eu sempre os
§ 211: Se pela pancada fez a filha de um mushkênum governei em paz, em minha sabedoria eu os abriguei. Para
expelir o (fruto) de seu seio, ele pesará 5 siclos de prata. que o forte não oprima o fraco, para fazer justiça ao órfão
§ 212: Se essa mulher morreu, ele pesará 1/2 mina de e a viúva, para proclamar o direito do pais em Babel, a
prata. cidade cuja cabeça Anum e Enlil levantaram, na Esagila,
§ 213: Se bateu na escrava de um awīlum e a fez expelir o o templo cujos fundamentos são tão firmes como o céu e
(fruto) de seu seio, ele pesará 2 sidos de prata. a terra, para proclamar as leis do país, para fazer direito
§ 214: Se essa escrava morreu, ele pesará 1/3 de uma mina aos oprimidos, escrevi minhas preciosas palavras em
de prata. minha esteia e coloquei-a diante de minha estátua de rei da
(...) justiça.
§ 226: Se um barbeiro, sem o consentimento do dono do Eu sou o rei que é imensamente grande entre os reis.
escravo, raspou a marca de um escravo que não é seu, Minhas palavras são escolhidas, minha habilidade não tem
cortarão a mão desse barbeiro. rival. Por ordem de Shamash, o grande juiz do céu e da
§ 227: Se um awīlum coagiu um barbeiro e ele raspou a terra, possa minha justiça manifestar-se no país, pela
marca de um escravo que não é seu, matarão esse awīlum palavra de Marduk, meu Senhor, possam meus estatutos
e o suspenderão em sua porta; o barbeiro deverá jurar: “Eu não ter opositor, possa o meu nome ser pronunciado para
não raspei deliberadamente” e será livre. sempre com honra na Esagila que eu amo.
(...) Que o homem oprimido, que está implicado em um
§ 278: Se um awīlum comprou um escravo ou uma escrava processo, venha diante da minha estátua de rei da justiça,
e, antes e completar o seu mês, foi acometido de epilepsia, leia, atentamente, minha estela escrita e ouça minhas
ele (o) reconduzirá ao seu vendedor e o comprador palavras preciosas. Que minha estela resolva sua questão,
receberá a prata que tiver pesado, ele veja o seu direito, o seu coração se dilate! “Hammurabi
é o senhor, que é como um pai carnal para os povos, ele
preocupou-se intensamente com a palavra de Marduk, Eu sou Hammurabi, o rei da justiça, a quem Shamash
seu senhor, e conseguiu o triunfo de Marduk em cima e deu a verdade. Minhas palavras são escolhidas, minhas
em baixo, e assim assegurou para sempre a felicidade do obras não têm igual; só para o tolo elas são vazias, para o
povo e obteve justiça no país”. Possa ele proclamar isto sábio elas conduzem à gloria.
diante de Marduk, meu Senhor, e de Sarpanitum, minha Se esse homem respeitar as minhas palavras que
senhora, e abençoar-me de todo coração. Possam a escrevi em minha estela, não rescindir minha lei, não
divindade protetora, a Lamassu, os deuses que entram na revogar minhas palavras e não alterar os meus estatutos,
Esagila, o tijolo da Esagila favorecer cada dia minha esse homem (será) como eu um rei de justiça. Que
reputação diante de Marduk, meu senhor, e de Shamash alongue o seu cetro, que ele apascente o seu
Sarpanitum, minha senhora! povo na justiça.
Que nos dias futuros, para sempre, um rei que surgir no Se esse homem não respeitar as minhas palavras que
país observe as palavras de justiça que escrevi em minha escrevi em minha esteia, desprezar minhas maldições, não
esteia, que ele não mude a lei do país que eu promulguei, temer as maldições dos deuses, anular o direito que
as sentenças do país que eu decidi, que ele não altere os promulguei e revogar as minhas palavras, alterar os meus
meus estatutos! Se esse homem tem inteligência e é capaz estatutos, apagar o meu nome escrito e escrever o seu
de dirigir em paz o seu país, que atenda para as palavras nome (ou) por causa destas maldições mandar um outro
que escrevi em minha estela, e que esta esteia lhe mostre (fazer), esse homem, seja ele rei, senhor, governador ou
o caminho, a direção, a lei do país que eu promulguei e as qualquer pessoa chamada com um nome, que o grande
sentenças do país que eu decidi, que ele dirija na justiça os Anum, o pai dos deuses, aquele que pronunciou o meu
cabeças-pretas, que ele promulgue o seu direito, que ele governo, só tire-lhe o brilho da realeza, quebre o seu cetro,
proclame as suas sentenças, que ele assegure o bem-estar amaldiçoe o seu destino.
de seu povo.

Glossário

Acade: cidade fundada por Sargão, o grande. Epílogo: parte final, comentário conclusivo, de um
Anum: divindade suprema do panteão sumério. texto.
Anunnaku: termo que designa o conjunto das Eridu: cidade suméria. 3
divindades de terra. Esagila: nome do complexo de templos e do
Assur: cidade capital do Império Assírio. Zigurate de Marduk na Babilônia.
Awīlum: homem livrem, autônomo, que possui Eshnunna: cidade suméria.
autoridade sobre si mesmo e seu próprio domínio; Eulmas: templo da deusa Isthar na antiga cidade de
cidadão. Acade.
Ayya: deusa esposa de Shamash. Igigu: termo que designa o conjunto das divindades
Babel: cidade da Babilônia, capital do reino de do céu.
Hammurabi. Inanna: divindade suméria ligada à guerra e ao
Cabeças-pretas: expressão idiomática suméria amor sexual, corresponde à acadiana Isthar.
para se referir aos “homens” em geral, mais Ishtar: divindade acadiana ligada à guerra e ao
especificamente ao povo sumério. amor sexual, corresponde à suméria Inanna.
Casa Brilhante [E.BABBAR]: templo de Shamash Isin: cidade ao sul de Nippur.
em Sippar. Kish: cidade a leste da Babilônia;
Dagan: deus semita ocidental do grão. Lamassu: divindade protetora.
Duranki: nome do Zigurate de Enlil em Nippur. Larsa: Cidade ao sul da babilônia onde também
Ea: deus da sabedoria e das águas doces, pai de havia um templo à Shamash.
Marduk. Marduk: divindade principal da cidade da
Eabzu: nome do templo de Ea em Eridu. Babilônia.
Eanna: nome do templo principal de Uruk, onde Mari: cidade às margens do rio Eufrates.
eram cultuados Anum e Inanna. Mushkênum: dependente do palácio ou do templo.
Egalmah: nome do templo de Ninisin em Isin. Ninazu: deus da medicina.
Ekur: nome do templo de Enlil em Nippur. Nínive: cidade assíria nas margens do rio Tigre.
Emesmesh: templo de Ishtar em Nínive. Nippur: cidade suméria.
Enlil: importante divindade suméria, “senhor do Prólogo: introdução de um texto, parte preliminar.
vento”. Sarpanitum: deusa esposa de Marduk, por isso
deusa principal da Babilônia.
Shamash: deus solar sumério. Sumu-la-il: primeiro rei da dinastia
Siclos: moeda de prata usada em diversas regiões do paleobabilônica, antecessor de Hammurabi.
crescente fértil. Tispak: deus principal da cidade de Eshnunna.
Sin-muballit: rei da Babilônia, bisneto de Sumu-la- Tutul: cidade às margens do rio Eufrates.
il, pai de Hammurabi. Ur: cidade suméria.
Sippar: cidade ao norte da Babilônia onde ficava o Uruk: cidade suméria.
templo de Shamash. Zababa: deus principal da cidade de Kish.
Sumer: Suméria.

Roteiro de questões para análise deste estudo de caso:


1. Uma das discussões centrais sobre o uso do “código de Hamurabi” enquanto fonte histórica trata da sua
aplicação real na sociedade babilônica diz respeito ao que se tratava, em essência, o texto. Sobre isso:
a. Identifique e explique a interpretação que tanto Bouzon quanto Liverani identificam como
predominante sobre o texto.
b. Explique a diferença entre as funções da codificação moderna de leis e a listagem de sentenças
presentes no “código de Hamurabi”.
2. Ambos autores apontam o uso da composição do “código” como forma de legitimação e exaltação
política de Hamurabi. Sobre isso:
a. Explique como este texto poderia exercer este papel político.
b. Identifique e analise passagens do prólogo e do epílogo que podem ser usados para demonstrar
este interesse político em sua composição.
3. O “código de Hamurabi” é famoso pela aplicação do princípio da “lei de talião”. Sobre isso:
a. Explique a interpretação dos autores sobre qual era a intenção dos legisladores da região na
aplicação desses princípios.
b. Identifique e explique como a partir das sentenças citadas acima é possível fazer um mapeamento
das diferentes categorias sociais em que as pessoas estavam enquadradas na sociedade 4
babilônica.
4. Existem pontos das análises de Bouzon ou de Liverani que você discorda, mesmo que parcialmente?
Identifique-as e explique sua discordância.
5. Que outros elementos te chamaram atenção nestes documentos históricos e como você acredita ser
possível identificar e entender fatos e processos históricos da época em que ele foi produzido?
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