Génesis de Eridu
O Génesis de Eridu é um texto sumério que trata dos mesmos temas que os famosos primeiros
capítulos da Bíblia: a criação do Homem e um Grande Dilúvio. A acção principal da narrativa é a
história de um herói, Ziusudra, que sobrevive a um Grande Dilúvio.
Já nos debruçámos sobre o Épico de Atrahasis e sobre o Épico de Gilgamesh (em que o herói
chama-se Utnapishtin), ambos referindo um Grande Dilúvio tal como o Génesis de Eridu. Estes
textos têm muito em comum. A referência à cidade de Shuruppak como centro da ação nas três
narrativas não é coincidência, mas evidência de que são versões da mesma história escritas em
épocas diferentes, sendo o Génesis de Eridu a mais antiga destas três versões mesopotâmicas.
Para além dos textos mesopotâmicos, o Génesis de Eridu inspirou também a narrativa bíblica do
Dilúvio, e algumas fontes gregas e romanas. Beroso, o conhecido autor babilónico do século III
AEC, escreveu, em grego, sobre o herói Ziusudra (Xisuthros).
O Génesis de Eridu terá sido redigido na Suméria, a parte sul da antiga Babilónia. Foi encontrado
numa tábua com escrita suméria cuneiforme do século XVII AEC, da qual apenas cerca de um
terço do texto sobreviveu.
Devido ao elevado estado de degradação da tábua cuneiforme, o texto apresenta muitas lacunas.
O texto original deveria começar com a criação do Homem, continuando com o estabelecimento
da realeza e uma lista de cidades. Em seguida, vem uma lista dos governantes antediluvianos e a
decisão suprema do deus Enlil de destruir a humanidade. A razão invocada pelo deus está em
falta no texto degradado, mas pode ser inferido a partir das versões posteriores de Atrahasis e
Gilgamesh: o incómodo barulho produzido pelos homens.
Ziusudra
Ziusudra é rei de Shuruppak e vidente que, numa visão, testemunha o conselho dos deuses e a
sua decisão, e entende que algo terrível está prestes a acontecer. Depois disso, o deus Enki,
falando do outro lado de uma parede, explica a Ziusudra o que ele já entendeu.
O conselho de Enki, para construir um barco grande, deve ter sido mencionado, mas encontra-se
em falta. A história continua com uma descrição do Dilúvio, que dura sete dias e noites. Depois de
deixar a arca, Ziusudra sacrifica e encontra Utu, o deus do sol. O final da história é um discurso de
Enki, e a apoteose de Ziusudra, que viverá para sempre no país mitológico de Dilmun, no extremo
leste, onde Utu ergue-se.
O texto
A adaptação aqui do Génesis de Eridu foi feita a partir de uma tradução de Thorkild Jacobson.
Começa após uma longa lacuna, na qual a criação do homem deve ter sido descrita.
Criação da realeza
[ ...] "Que eu o aconselhe, que eu o faça supervisionar o trabalho deles, que ele ensine a nação a
segui-lo, fielmente, como gado!"
Quando o ceptro real descia do céu, a coroa augusta e o trono real já estavam descendo do céu,
o rei exerceu regularmente em perfeição os augustos serviços e cargos divinos, e colocou os
tijolos das cidades em locais puros.
Elas foram chamadas por nome e foram lhes atribuídas cestas de meio-alqueire.
As primeiras cidades
A primeiro das cidades, Eridu, ela deu ao líder Nudimmud,
o segundo, Bad-Tibira, ela deu ao Príncipe e ao Sagrado,
O terceiro, Larak, ela deu a Pahilsag,
O quarto, Sippar, deu ao galante Utu,
O quinto, Shuruppak, ela deu a Ansud.
A essas cidades, que foram intituladas pelos nomes, foram atribuídas cestas de meio-alqueire,
foram limpos os canais, revestidos de blocos de argila purpúrea seca ao vento, que conduziam a
água.
A limpeza dos canais estabeleceu um crescimento abundante.
[Parte grande perdida, na qual os reis antediluvianos devem ter sido mencionados. Trabalhando
nos canais e nos campos, eles produziram tanto barulho, que o supremo deus Enlil persuadiu os
outros deuses a destruir a humanidade.]
Naquele dia, Nintur chorou sobre suas criaturas e a santa Inanna estava cheia de tristeza sobre o
povo dela, mas Enki tomou conselho com seu próprio coração.
An, Enlil, Enki e Ninhursaga, os deuses do céu e da terra, juraram pelos nomes de An e Enlil.
Visão de Ziusudra
Naquela época, Ziusudra era rei e sacerdote de purificação. Ele esculpiu, sendo um vidente, o
deus da vertigem e ficou em admiração ao lado dele, redigindo seus desejos com humildade.
Enquanto ele permanecia lá regularmente, dia após dia, algo que não era um sonho aparecia:
uma conversa, um juramento de juramentos pelo céu e pela terra, um toque de gargantas
[juramento pela vida], e os deuses trazendo seus inimigos para Kiur.
Conselho de Enki
E enquanto Ziusudra estava ali ao lado, continuou ouvindo:
"Volta-te para a parede à minha esquerda e escuta!
Deixa-me falar uma palavra no muro para que possas entender o que eu digo. Tu podes prestar
atenção ao meu conselho! Pela nossa mão, uma enchente irá varrer as cidades das cestas de
meio-alqueire e o país. A decisão, de que a humanidade deve ser destruída, foi feita. Um
veredicto, um comando da assembleia, não pode ser revogado, nenhuma ordem de An e Enlil
ficou conhecida por ter sido cancelada. Nunca o seu reinado, o seu termo, foi retirado; ...
Agora ... o que te tenho a dizer... "
[Lacuna; Enki ordena que Ziusudra construa a arca e carregue com pares de animais.]
O dilúvio
Todos os ventos malignos, todos os ventos tormentosos se juntaram num só e, com eles, o Dilúvio
varreu as cidades das cestas de meio-alqueire por sete dias e sete noites.
Depois do dilúvio ter varrido o país, depois que o vento maligno lançou o grande barco nas
grandes águas, o sol saiu espalhando luz sobre o céu e a terra.
O sacrifício de Ziusudra
Ziusudra então abriu uma janela no grande barco e o gentil Utu enviou sua luz para o interior do
grande barco.
Ziusudra, o rei, subiu a Utu, e beijou o chão perante ele.
O rei sacrificou bois, foi pródigo com as ovelhas, com bolos de cevada, ... ele repartiu com ele ... o
zimbro, a planta pura das montanhas, ele colocou no fogo...
[Lacuna; Enlil irado por encontrar sobreviventes, mas Enki explica-se]
Fim do discurso de Enki
"Tu aqui juraste pelo sopro da vida do céu, pelo sopro da vida da terra que ele realmente está aliado
contigo; vocês lá, An e Enlil, juraram pelo sopro da vida do céu, o sopro da vida da terra, que ele está
aliado com todos vocês. Ele desembarcará os pequenos animais que surgiram da terra!"
Recompensa de Ziusudra
O rei Ziusudra subiu perante de An e Enlil, beijando o chão;
An e Enlil, depois de homenageá-lo, concederam-lhe vida como a de um deus,
fizeram um sopro duradouro de vida, como o de um deus, descer para ele.
Naquele dia fizeram o rei Ziusudra, conservador dos pequenos animais e da semente da
humanidade, ir viver para o leste sobre as montanhas de Dilmun.