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Crónica de D.

João I – Fernão Lopes

Quem é Fernão Lopes?


Fernão Lopes nasceu em 1418 e foi escrivão, tabelião, guarda-mor da Torre do Tombo e cronista oficial do reino de
Portugal. De origem plebeia, foi através dos serviços prestados à Coroa, que recebeu carta de nobreza. Distinguiu-se dos
seus predecessores, dada a importância que dava à análise crítica e à comprovação documental dos eventos, procurando
relatar os factos tal como aconteceram, com verdade e objetividade. Além disso, e inovadoramente, mostrou o povo
como um importante agente da História, minimizando o protagonismo dos reis e da aristocracia, sendo, por isso,
considerado um renovador do género da crónica histórica.

Contexto histórico

Considerada como a crónica medieval portuguesa mais importante, a Crónica de D. João I foi escrita durante o reinado de D.
Duarte e está organizada em duas partes:

 1ª parte – período de tempo desde a morte de D. Fernando até à eleição de D. João I;


 2ª parte – reinado de D. João I até à paz com Castela (1411).

Conhecimento de parte do reinado de D. Fernando (1367-1383) e o período interregno e de revolução que se lhe seguiu e
que representou a crise de 1383-1385:

 Casamento de D. Fernando com D. Leonor Teles, tendo D. Beatriz sido a única filha sobrevivente;
 Sucessivas guerras com Castela, que empobreceram o reino e culminaram com a assinatura do Tratado de Salvaterra de
Magos, que determinou o casamento de D. Beatriz com o rei João I de Castela, pondo em causa a independência do
reino;
 Grave crise económica, que se tentou resolver através da desvalorização da moeda, de legislação para aumentar a
produção agrícola e do fomento e proteção do comércio naval.

A crise de 1383-85 resultou, então, numa nova dinastia (de Avis), com a aclamação do Mestre de Avis como rei. Esta crónica,
ao relatar de forma pormenorizada e intensa todos os eventos desta crise, os que a sucederam e os que a antecederam,
representa a legitimação dessa nova dinastia.

Afirmação da consciência coletiva

Nas crónicas de Fernão Lopes, é retratada a sociedade do deu tempo, vendo-se, sobretudo, a movimentação, o sentir e a
força de uma massa – o povo. Assim, é possível afirmar que o verdadeiro herói, nestes textos, é um herói coletivo. Foi, aliás,
através do povo que veio a legitimação da nova dinastia, representando este todos aqueles que manifestavam um profundo
amor à sua terra, querendo, por isso, preservar a independência de Portugal.

Assim, neste sentido, a Crónica de D. João I constitui uma afirmação da consciência coletiva. Fernão Lopes descreve com
realismo, vivacidade, pormenor descritivo e emotividade o povo que se revolta, que irrompe pelas ruas de Lisboa à procura
do Mestre, que defende a cidade contra os castelhanos, que passa fome e privações por causa do cerco.

Atores individuais e coletivos

 Atores coletivos:
o Povo – herói coletivo, através do qual se legitimou a nova dinastia.
 Atores individuais:
o Mestre de Avis – homem que se mostra receoso, no seguimento do assassinato do conde Andeiro. No entanto, é
também acarinhado e apoiado pelo povo de Lisboa, e revela-se um líder resoluto, mas também solidário com a
população, aquando do cerco da cidade.
o Álvaro Pais – burguês que espalha pelas ruas de Lisboa que estão a matar o Mestre, influenciando o povo a correr
em seu auxílio.
o D. Leonor Teles – mulher que gera ódios na população.
o Pajem do Mestre – homem que desencadeia toda a movimentação.
Capítulo 11

 Protagonista do capítulo: povo. São relatadas as suas movimentações através de sensações auditivas e visuais.
 Concentração espacial (rua – paço – janela), que coincide com uma gradação e um ritmo crescentes das ações (apelo do
pajem e de Álvaro Pais – alvoroço da população, que está confusa e nervosa), culminando com o aparecimento do
Mestre à janela.
 Após a visualização do Mestre, o ritmo narrativo diminui e o estado de espírito da população passa a ser de alegria e
alívio.
 Sentimentos da população realçados através das falas, que contribuem para o realismo e expressividade do episódio.
 Narrador subjetivo, com demonstrada simpatia pelo povo e defesa do Mestre (legitimação da nova dinastia).

Capitulo 115

 Tema principal: defesa da cidade. Refere-se a defesa dos muros, das torres, das portas da cidade e do rio. Há uma
abundância de pormenores descritivos e de termos técnicos associados ao campo semântico da guerra.
 Destaque dos atores de defesa – atores coletivos.
 Evidência da afirmação da consciência coletiva – consciência pela defesa da cidade contra o inimigo.
 Destaque do Mestre de Avis (ator individual) enquanto ator diligente, determinado e capaz de dar apoio à população.

Capitulo 148

 Tema principal: cerco de Lisboa.


 Protagonista: povo/gentes de Lisboa (ator coletivo), que vive momentos atrozes por causa da fome que assola a cidade,
uma vez que muitas pessoas nela se refugiaram.
 Narração e descrição pormenorizadas do sofrimento da população:
o Procura arriscada de trigo;
o Expulsão dos que não podiam combater, judeus e prostitutas;
o Recusa dos castelhanos em receber no seu acampamento os que eram expulsos;
o Procura desesperada de algo que comer e beber;
o Angústia dos pais ao verem os filhos sem alimento;
o Preces a Deus.

Linguagem e estilo

 Visualismo e dinamismo – através de recursos expressivos (adjetivação, enumeração, comparação, …), apelo às
sensações ou do uso de verbos de movimento. Há grande atenção aos pormenores.
 Coloquialismo – uso da 2ª pessoa do plural, linguagem popular e carregada de insinuações, evidente nas interrogações
retóricas, uso do imperativo.
 Rigor do pormenor.
 Conjugação de planos – planos gerais da cidade e planos de pormenor.

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