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Doze lições sobre a história

Os tempos da História

A História do Tempo

O tempo da história está incorporado às questões, documentos e fatos. Não se trata de


unidade de medida, moldura externa nem resultado da percepção subjetiva. Apesar disso, a
história serve-se de um tempo social, sendo o tempo dos historiadores de hoje o tempo que
progride, que avança, e a sua formação respeita razões históricas. Ou seja, o tempo da
história e a temporalidade moderna são produtos da história.

A unificação do tempo: a era cristã

O tempo da nossa história é o tempo ordenado, tem uma origem e um sentido. Nele é possível
classificar os fatos e os acontecimentos num tempo comum. Com a cristandade tem-se uma
leta tomada de consciência da unidade da humanidade, a emergência do universal. O tempo
cristão não é o tempo da própria ordem das coisas ou ordenado pela liturgia ou pelo trabalho
agrícola, mas tem a pretensão de ser o mesmo para todos, o tempo unificado.

Um tempo orientado

O tempo cristão unificado foi, assim, fundamental para a formação do tempo moderno. No
entanto, antes do tempo moderno, o tempo cíclico continuava a habitar o tempo unificado.
Apesar de ter uma origem e um sentido, o tempo cristão não carregava mudanças. A noção
pré-moderna do tempo estabelecia que os homens de diferentes épocas eram semelhantes,
para os pré-modernos, entre ontem e hoje, não haveria diferença.

Já o tempo moderno é o tempo que muda, que progride, prenhe de novidades. Sua origem
perpassa as transformações históricas, primeiramente, do renascimento e, depois, do
iluminismo. Os humanistas recortaram a história em três períodos diferentes: a antiguidade,
período de excelência; a Idade Média, tempo intermediário marcado negativamente como
tempo da perda do padrão dos antigos e o seu tempo, no qual eles deveriam buscar essa
excelência perdida. No entanto, sua noção ainda não era de um tempo que progride, pois o
nível dos antojes deveria ser alcançado, não superado. Em meados do séc. XVI começa a
surgir a possibilidade de se superar a excelência da antiguidade e é no iluminismo que
podemos acompanhar a evolução da ideia moderna de tempo, coma fé no progresso
indubitável: o futuro não será apenas diferente, mas melhor.

Apesar dos acontecimentos do séc. XX que abalaram a crença do progresso indubitável, nossos
contemporâneos ainda percebem um tempo que avança, ascendente, portador de novidades e
surpresas.

A construção do tempo pela história

Para ser utilizado pelos historiadores, o tempo precisa ser objetivado, ou seja, deve ser
dotado de certa estabilidade para que possa ser percorrido ao sabor do trabalho do
historiador. O tempo dos historiadores é estruturado na pesquisa, tomado à distância . Além
disso não tem no antes as razões do depois, ou seja, não tem como referência um estado ideal
para o qual o tempo estaria orientado, mesmo sendo dotado de movimento e tendo um
sentido, do modo que é possível sobre ele fazer prognósticos.

“Objetivado, colocado à distância e orientado para um futuro que não o domina


retroativamente, mas cujas linhas prováveis de evolução podem ser discernidas.” (p.106)

A memória também serve-se de um tempo já percorrido, no entanto, sua força não reside no
distanciamento e na objetivação, mas justamente na aproximação e subjetivação o que a dota
de uma carga afetiva que não deve ser determinante para o trabalho do historiador, mas pode
servi-lo de objeto. “O tempo da história constrói-se contra o da memória” (p.106)

O Trabalho sobre o tempo. A periodização.

O tempo do historiador é construído por um trabalho próprio ao seu ofício. (p.106)

Flexibilizando, detalhando e interpretando, o historiador não escapa de trabalhar com a


cronologia. Classificando os acontecimentos na ordem do tempo, o historiador também deve
periodizá-lo, dada a impossibilidade de abranger toda a totalidade sem dividi-la. Ele então
deve ser capaz de “substituir a continuidade imperceptível do tempo por uma estrutura
significante” (p.107), desse modo pode pensar e continuidades e rupturas.

Mas periodização constitui um problema. Não deve ser o período pré-fabricado, mas deve ser
significado pela própria pesquisa, no entanto, o historiador pode se fazer valer do trabalho de
outros historiadores na periodização e de alguns consensos da profissão. Sendo já articulado e
estruturado, o tempo dos historiadores “não é justaposição acidental, mas relação entre fatos
de diversas ordens” (p.109). O período deve ser então problematizado para que não seja um
confinamento em si ou desconsidere que a temporalidade moderna e a da
contemporaneidade do não contemporâneo na medida em que se distende o tempo no
espaço.

A pluralidade do tempo

Cada objeto histórico tem sua própria periodização, desse modo a periodização carrega uma
contradição que devemos assumir e tornar fecunda, pois, pesar dos perigos, não seria
inteligente negar os períodos: Como trabalhar a periodização quando cada objeto tem sua
própria temporalidade?

“O importante consiste em levar em consideração a temporalidade própria a cada série de


fenômenos na busca de sua articulação. As diversas séries de fenômenos evoluem de forma
diferenciada; cada uma tem seu próprio andar, seu ritmo específico que a define em ligação
com outros traços característicos” (p.113)

“Além de uma colocação em ordem, de uma classificação cronológica e de uma estruturação


em períodos, trata-se de uma hierarquização dos fenômenos em função do ritmo da
mudança de cada um deles. O tempo da história não é uma reta, nem uma linha quebrada
feita por uma sucessão de períodos, nem mesmo um plano: as linhas entrecruzadas por ele
compõem um relevo. Ele tem espessura e profundidade.

Além de se fazer a partir do tempo, a história é uma refleão sobre ele (...)” (p.114)

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