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Adriana Amaral
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
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Visões Perigosas:
Para uma genealogia do cyberpunk
Adriana Amaral1
Universidade Tuiuti do Paraná
adriamaral@yahoo.com
1Doutora em Comunicação Social pela PUCRS com Estágio de Doutorado (Bolsa Sanduíche
CNPq) no Boston College, Estados Unidos. Professora e pesquisadora do Mestrado em
Comunicação da UTP, Universidade Tuiuti do Paraná.
Revista da Associação Nacional dos
Programas de Pós-Graduação em Comunicação
2Otechnoir é a mistura entre tecnologia e o estilo cinematográfico noir (dos anos 40), muito
comumente visto em filmes como Blade Runner, Cidade das Sombras e Sin City, entre outros.
Não vemos seres com implantes de chips nos cérebros, mas enviamos
arquivos, mensagens, vídeos, fotos e músicas com a rapidez de um toque do polegar;
vestimos tecidos inteligentes; colaboramos com o jornalismo open source,
escrevemos blogs; reconfiguramos nossos corpos com cirurgias plásticas. Mesmo
assim, os conceitos, as características e a própria influência do cyberpunk nesse
contexto, parecem continuar encobertas por um manto negro de confusão eletrônica,
que perpassam teorias que vão da crítica literária à sociologia. Esse artigo visa uma
genealogia desses conceitos, destacando sua importância e influência na
comunicação.
na atitude cyberpunk. Belo Horizonte - MG. 01/07/1999. 1v. 110p. Mestrado. Universidade
Federal de Minas Gerais – Comunicação Social. A segunda delas é de FERNANDES, Fábio. A
construção do imaginário cyber: William Gibson, criador da cibercultura. São Paulo – SP.
03/05/2004. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. A primeira trata das questões
referentes à sociabilidade entre os grupos a partir do imaginário cyberpunk, utilizando a
sociologia compreensiva de Michel Maffesoli,enquanto a segunda analisa a obra de William
Gibson pelo viés da semiótica.
8Nesse sentido Muniz Sodré aparece como um dos pioneiros com a obra: A ficção no tempo:
novela, que tenha entre 2.000 a 15.000 palavras. Segundo ele, a short-story possui
publicada em novembro de 1984 na revista Amazing Stories, mas seu uso foi
popularizado alguns meses mais tarde pelo jornalista do Washington Post, Gardner
Dozois no seu artigo de 30 de dezembro de 1984, intitulado, “FC nos Anos 80”
(SHINER apud DYENS, 2001, p. 105).
influências realistas, mas também surrealistas. É um gênero literário que difere do conto e da
novela, tipicamente na língua inglesa. No Brasil, não há correlato para o termo, uma vez que
as características do conto são diferentes.
12 Vejamos algumas explicações para esses rótulos: The Movement: Para não utilizar o termo cyberpunk, que ele
julgava um rótulo por demais comercial, o escritor John Shirley começou a referir-se a ele
como “O movimento”; Mirrorshades movement; Essa etiqueta foi cunhada pelo escritor
Lewis Shiner, e remete à citação do autor mainstream J.G. Ballard, “the future´s so bright I
have to wear shades” (O futuro é tão brilhante que é preciso usar óculos escuros) e também ao
fato de que muitos personagens nas estórias cyberpunk usam óculos espelhados e alguns dos
escritores como Lewis Shiner e Bruce Sterling também adotaram esse visual; Newromancers:
Rótulo que remete ao livro de Gibson e que passou a ser utilizado após a publicação do artigo
do teórico Istvan Csicsery-Ronay Jr chamado Cyberpunk and Neuromanticism de 1988.
nesse caso é o que Thornton (1996) chama de autenticidade de uma subcultura13, cujo
valor está diretamente ligado à legitimação dos seus participantes. Com a intensa
popularização das temáticas e elementos do cyberpunk espalhados por diversas
mídias, muitos autores quiseram “pegar carona” em seu apelo comercial, repetindo
imagens e narrativas, tornando o estilo um clichê de si mesmo. Ele também se
desdobrou em sub-subgêneros que se distanciaram bastante da proposta original.
TABELA 1
Sub-estilos de cyberpunk14:
13 Um outro fato importante e que difere a geração de escritores cyberpunk das anteriores é o
aspecto mercadológico da FC, que foi difundido através de suas manifestações micro-
midiáticas (THORNTON, 1996, p. 137).como flyers, fanzines, listas, etc.
14A principal fonte para a elaboração dessa tabela foi a Wikipedia (www.wikipedia.org)
15McHale (1992, p. 257) traça um paralelo entre o biopunk e o gótico: “Não é difícil de ver que
EUA/Ing.).
Splatterpunk Subgênero de horror (e não de FC) surgido O escritor mais conhecido é Clive Barker,
paralelamente ao cyberpunk, que mostra embora aquele que seja considerado o mais
cenas de violência apresentadas de forma inovador seja David Schow.
ainda mais gráfica e detalhista do que as
gerações anteriores18.
Mannerpunk Subgênero de fantasia, cunhado pelo Entre os principais autores estão Pamela Dean
crítico Donald G. Keller em um artigo e Steve Brust.
chamado Tha manner of fantasy publicado
na Revista The New York Review of
Science Fiction em 1991. Tem sua
inspiração nas comédias de maneiras
(maneirismo de autores como Jane Austen
e Oscar Wilde) tanto como nos autores de
fantasia como J.R.R. Tolkien. Mistura
também aventura, intriga, magia e ficção
histórica.
FONTE – AMARAL (2005)
identificado pela primeira vez na Convenção Mundial de Fantasia de 1986 (...) David J. Schow
“decidira que o horror gráfico que estave sendo produzido pelos escritores jovens, mórbidos e
ávidos do gênero precisava de uma designação. O termo “cyberpunk” já havia sido cunhado
para descrever a nova tendência fria e pessimista da ficção científica que iria introduzir uma
era de realidades alternativas gerada por computador. Meio que de zombaria, Schow sugeriu
que a nova geração selvagem do horror deveria ser definida como splatterpunk. O termo não
vingou, mas (...) foi utilizado em determinadas ocasiões como um insulto a escritores que
privilegiavam o sexo, a selvageria, os sobressaltos. (...) O splatterpunk trata de rebeldia,
juventude e excitação, substituindo os clichês tradicionais do horror por referências da cultura
trash atual na forma de programas de TV, fast food e rock n´roll” (Baddeley, 2005, p. 78-79).
19Editores da revista Ctheory (www.ctheory.net)
21Sobre o assunto ver algumas autoras como Haraway (1991) e Braidotti (2004).
22Ver as relações entre o romantismo gótico e o cyberpunk em AMARAL, Adriana. Espectros
da ficção científica. A herança sobrenatural do gótico no cyberpunk. Revista Verso e
Reverso, São Leopoldo, v. 38, ago. 2004. Disponível em:
<http://www.versoereverso.unisinos.br/index.php?e=2&s=9&a=15> Acesso em: 08 ago.
2004.
23Além da ligação entre os cyberpunks da ficção e os hackers das ruas, existem as subculturas
juvenis de cunho artístico como a subcultura “industrial” (seus participantes são chamados de
rivetheads ou cybergóticos). Ela tem como foco a mistura entre o sintético e o analógico,
principalmente em relação à música ( o rock industrial, ou os gêneros eletrônicos como EBM,
synthpop, technodark, etc). Uma análise mais aprofundada e comparativa dessas subculturas
encontra-se em AMARAL, Adriana. Visões obscuras do underground – hackers e rivetheads, o
cyberpunk como subcultura híbrida. Revista 404notFound, Salvador, n.47, jul. 2005.
Disponível em:<http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/404nOtF0und/404_47.htm>.
24 DERY (1996) chama a música industrial ou rock industrial de “metal machine music' e
afirma que ela faz parte do contexto estético do cyberpunk devido á sonoridade que mistura o
sintético com o analógico e também devido ao visual das bandas, fetichista e ao mesmo tempo
distópico que reflete a própria FC do período, sem contar a influência da música nos
escritores cyberpunks. Já MONROE (1999) atenta para a hibridização e para os gênero e
subgêneros que misturam o rock e o eletrônico.
sombria, mal iluminada, ameaçadora e perigosa, em cujo útero foi gerado o espaço
terminal (Bukatman, 1993) da existência humana e cujas ruas e construções abrigam
seres híbridos, humanos e máquinas. O grande útero metropolitano encontra-se
infectado pela tecnologia, necrosado e em vias de ser abandonado, tentando
converter-se em dados, bytes, em informação pura a fim de transcender sua
existência física em direção à alucinação consensual (Gibson, 1984) chamada
ciberespaço.
Essa idéia da cidade obscura e perigosa que aparece nas imagens repetidas
pelos filmes, nos videoclipes, games, etc, parece agora se transferir para aspectos
mais lúdicos e disseminados através dos sistemas móveis de comunicação, como se
em vez de termos invadido completamente o ciberespaço, o ciberespaço é que invadiu
as ruas através das tecnologias wireless e wi-fi, liberando-nos da cultura presa ao
computador pessoal em direção à liberdade de movimentação permitida pelas redes
móveis, computadores vestíveis, etc.
O punk e o cyberpunk “usam a tecnologia como uma arma contra ela mesma
e tentam reduzir o controle de sua forma a partir dos efeitos da indústria da mídia e
restabelecer um senso de ameaça, de intensidade” (McCAFFERY, 1994, p. 289). No
sentido de uma abertura para uma possível conexão no que diz respeito à audiência
que o movimento cyberpunk atingiu, Suvin (1991) explicitou.
fora não está em contato. Ele cita o caso do fenômeno do cyberpunk no Japão: “Em
Tóquio eles tratam o cyberpunk como cultura pop em vez de um fenômeno de
gênero”. Imagens fortes são os mangás e animações (animes) que usam a temática
cyberpunk como Ghost in the Shell 1 e 229, Geno Cyber, Cyberweapon, Cyber City
Oedo, Akira, Aeon Flux, Akira, Robotech, Tetsuo e outros. Até Neuromancer ganhou
sua versão quadrinizada.O uso da tecnologia pelas ruas, através das subculturas30
nos permite traçar algumas inferências a respeito da a configuração de um estilo
cyberpunk, ou seja, uma espécie de hibridização, ou para utilizar um termo musical,
um crossover entre as subculturas que lhe antecederam, e que lhe são
contemporâneas. Observa-se o entrecruzamento de forças e de valores que geraram
um fenômeno que ultrapassou as barreiras literárias e atingiu a visibilidade do social
e que, ao mesmo tempo, equilibra-se entre o underground e o mainstream, entre as
ruas e a imaginação dos autores de ficção-científica, entre a tecnologia e os
movimentos sociais.
29Em Ghost in the Shell 2 – Innocence, que estreou em 2004, são inúmeras as citações a
autores como Donna Haraway (que é a personagem que cuida dos ciborgues), Descartes, Isaac
Asimov e outros. A temática dos animais falsos nos remete diretamente à PKD,
principalmente em Do androids?/Blade Runner. Disponível em
<http://www.gofishpictures.com/GITS2/main.html>
30A importância do conceito de subcultura na concepção de cyberpunk encontra-sem
Referências:
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