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Projeto de pesquisa
Modalidade Bacharelado Interdisciplinar em Artes e Design
L. U. P.
Juiz de Fora
08 / 2022
Introdução
Em meio ao cenário atual de cibercultura, conceitos como cripto-propriedade estão cada vez
mais se aproximando da cultura mainstream¹ - e junto com isso, vemos cada vez mais palavras
como Metaverso ou identidade 2.0 sendo lançadas ao ar. Metaverso é um termo que foi
originalmente criado por Neal Stephenson em seu livro de ficção Snow Crash (1992), e descreve
um espaço virtual onde os usuários criam e desenvolvem suas próprias atrações, lares, e
existências virtuais - apresentando a si próprios como são, ou como um alter-ego criado. Por
definição, é um espaço open-source² - visto que são os usuários que criam grande parte do
conteúdo ali presente. Os Metaversos que companhias de tecnologia tentam anunciar agora são
fundamentalmente diferentes - Tem como base plataforma fechada, ou seja, a criação não está na
mão dos usuários. Outro desenvolvimento é que a maioria deles revolve ao redor de
cripto-propriedade - diferente do Metaverso original, que não possuía escassez artificial.
O objetivo desta pesquisa é demonstrar que, além do farfalhar das propagandas e intervenções
corporativas, o Metaverso já era algo presente na Internet - Diversas subculturas online, como
therians ou furries, historicamente minoritárias de identidade de gênero e sexualidade, possuem
há décadas já seus próprios espaços e universos virtuais, dignos do título de Metaverso. Ou, ao
menos, proto-metaversos.
Teremos como foco principal o desenvolvimento dos metaversos da fandom³ Furry - a criação de
identidades, mundos narrativos e movimentos artísticos contidos dentro da mesma. A fandom
furry revolve ao redor de animais antropomórficos (com características humanas). Integrantes da
fandom costumam criar uma fursona (furry + persona) - geralmente uma representação ou
idealização do próprio - que serve como identidade digital. As criações artísticas encontradas
dentro da fandom vão desde o roleplay (criação de histórias e faz de contas) à ilustrações e
literatura. Existe uma gama variada de expressão artística e criação narrativa dentro deste
universo, publicado e compartilhado majoritariamente online. A atribuição de características
antropomórficas a animais é tão antiga quanto à própria humanidade, mas a fandom furry se
destaca pelo seu caráter específico online - datado desde os primórdios da internet, como em
chats de IRC - e seu foco pleno em personagens zooantropomórficos.
1:Mainstream, em relação à cultura, é o oposto de underground - ou seja, expressa as tendências de moda e cultura
dominante.
2: Open-source se refere a um programa de código aberto - geralmente são colaborativos, sendo possível para a
comunidade ver o código do programa e ampliá-lo a seu próprio gosto.
3: Fandom: portmanteau de fan kingdom (reino de fãs). Termo usado online para descrever o coletivo total de fãs de
qualquer dado objeto - como filmes, jogos, séries, artistas, grupos musicais, movimentos, etc.
Objetivos
Objetivo geral
Identificar e registrar as realidades virtuais criadas por subculturas online, e como elas
estabelecem seus próprios mundos e identidades paralelas, além de compreender os laços
precursores que essas mesmas firmaram para as realidades virtuais sendo desenvolvidas
presentemente, e analisar seu possível status como vanguarda artística da realidade e identidade
virtual.
Objetivos Específicos
Investigar como a neuro-divergência, além da divergência de sexualidade e gênero afetam e
impulsionam a construção dessas identidades e realidades virtuais.
Justificativa
Através desta pesquisa trabalharemos no reconhecimento histórico dos predecessores dos
conceitos de metaverso e propriedade digital aplicados ao mundo real, além de estabelecer as
criações artísticas e narrativas contidas dentro do universo da fandom furry como movimento e
vanguarda artística de seu tempo. Sobretudo, criar um registro acadêmico para impedir que a
crescente sanitização dos meios digitais de informação impulsionada pelo corporativismo
predatório cause o apagamento destes movimentos que são primariamente de natureza queer.
Referencial Teórico
Polson (2003) marca o início das comunidades Otherkin em meados dos anos 90, após terem
crescido de dentro das comunidades online de elfos. Ainda na época da Usenet, o conceito de
Metaverso era algo recente. As comunidades furries tiveram seu início em tempo similar, por
meados dos anos 80 (Patten, 2012), comumente atribuído a publicação da revista Albedo
Antropomorphics embora o conceito de antropomorfismo animal seja tão antigo quanto a própria
humanidade, um exemplo sendo a estatueta de Löwenmensch.
O fator comum dessas subculturas é a adoção de alter-egos de animais não humanos, ou míticos.
Uma característica delas é sua presença majoritariamente online, com os participantes
compartilhando literatura e arte de seus personagens, além de engajarem em role-play, o clássico
faz-de-conta. Efetivamente, criando suas próprias identidades, mas também suas próprias
realidades através da internet. Seus próprios Metaversos. Existe uma grande porção da
comunidade que se enquadra na população transgênero e neuro-divergente, e encontramos
diversos relatos de participantes que encontram euforia de imagem e afirmação em suas
identidades digitais pós-humanas, como visto no excerto a seguir publicado por uma artista furry
na rede social twitter:
“Deus pode ter te criado em Sua imagem mas eu criei a MIM em MINHA”
(@Nyanoraptor, 2021)
Essas comunidades são basicamente o Manifesto Ciborgue (Haraway, 1985) trazido à realidade.
Parte máquina, parte animal - como gotas de chuva que escorrem em uma janela, conectando-se,
sem ao menos saber o nome um dos outros - mas ainda assim, expressando seu interior mais
genuíno. quando o próprio conceito de humanidade é rejeitado, que chances os construtos de
gênero ou sexualidade podem ter? Desta maneira, a comunidade furry especificamente se torna
solo fértil para experimentação em todas as direções. Entretanto, é uma subcultura que esteve em
relativa obscuridade durante as últimas duas décadas, com suas poucas aparições na mídia
mainstream sendo majoritariamente satíricas ou de má-representação; A atitude progressista e
aberta em relação a sexualidade e gênero também marcou a mesma como alvo de intensa
homofobia nos anos 2000, sendo efetivamente relegada a ser o saco de pancadas da internet.
(Austin, 2018).
Ainda assim, seguindo firme com os avanços tecnológicos, a subcultura furry se manteve firme,
estando sempre presente em diversos espaços virtuais, seja em jogos online, fóruns e redes
sociais, ou espaços de pura socialização virtual (onde sua presença costuma ser majoritária),
como em Second Life (2003), ou VRChat (2017) - Este último podendo ser considerado como o
primeiro real Metaverso, visto que marca todas as caixas inicialmente propostas na ficção de
Stephenson - Um espaço de realidade aumentada onde os usuários criam suas próprias
identidades e espaços.
Enquanto corporações entram na corrida do metaverso e correm para criar espaços sanitizados
amigáveis para anunciantes, a participação da fandom furry na criação do Metaverso como
conhecemos hoje corre o risco de apagamento - Embora a cultura furry não corra o risco de
extinção, Não seria a primeira vez que espaços online predominantemente queers sofrem com a
sanitização corporativa (Byron, 2019) - E deixar seu trabalho como vanguarda da realidade
virtual ser simplesmente esquecido não estaria correto.
Metodologia
Para obter uma ampla visão do recorte social e histórico dessas subculturas, a metodologia irá
contar com uma pesquisa bibliográfica e documental, também com a possibilidade de uma
pesquisa de campo para ouvir os membros dessas comunidades e fandoms.
Bibliografia:
(@Nyanoraptor) ““god may have created you in His image but I created ME in MINE” is such a
raw line it’s surprising it came from me” 30 out. 2021, 10:01 AM. Tweet.
BYRON, Paul. ‘How could you write your name below that?’ The queer life and death of
Tumblr; Porn Studies Vol. 6; Publicação 3. Oxfordshire, Inglaterra: Routledge, 2019.
PATTEN, Fred. Retrospective: An Illustrated Chronology of Furry Fandom Yarf! Vol. 46; Los
Angeles, Estados Unidos. [s.n.] 1997.
POGGIOLI, Renato. Teoria dell'arte d'Avanguardia; Roma, Itália: Biblioteca d'Orfeo, 2014.
POLSON, Willow. The Veil's Edge: Exploring the Boundaries of Magic; Nova Iorque,
Estados Unidos: Citadel, 2003. p. 95.