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Charles H. Crosby, imagens de Ulysses S. Grant, Abraham Lincoln e George Washington. EUA.

Repositório Digital
Histórico Livre. http://www.historicalstockphotos.com/images/xsmall/29_ulysses_s_grant_abraham_lincoln_and_
george_washington.jpg
DOI: 10.5433/2237-9126.2013ano6n12p83

O Filme Avatar Sob o Olhar do Pensamento


Complexo

Fabiana Tavolaro Maiorino


Mestre em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Atualmente, é professora titular da Universidade Paulista. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase
em Psicologia Social e na linha da fenomenologia existencial, atuando principalmente nos seguintes temas:
história da psicologia, epistemologia, psicologia da educação, ética e filosofia. Desenvolve atividades de
estudos dirigidos sobre Filosofia em Nietzsche. 

Simone de Oliveira Camillo


Doutora em Ciências pela Coordenação dos Institutos de Pesquisa da Secretaria do Estado da Saúde de São
Paulo. É docente pela Faculdade de Medicina da Fundação do ABC-FMABC/Santo André/SP. É também
pesquisadora do Núcleo Interinstitucional de Investigação da Complexidade (NIIC) e do Grupo de Pesquisa
em Educação e Complexidade (GRUPEC). 

Resumo
O artigo é um ensaio que objetiva realizar uma análise compreensiva sob o olhar da Complexidade
de Edgar Morin, da película “Avatar”, considerada como um instrumento semiótico e educacional.
Enfocou-se o princípio sistêmico do Pensamento Complexo. A partir disso, o filme mostrou ser um
texto fecundo, pois funciona como uma escola da vida, permitindo uma identificação e projeção
dos sujeitos contemporâneos, para refletir sobre suas problemáticas psicossociais. “Avatar”
revelou-se um objeto analítico rico, pois permitiu um diálogo intertextual, que explicitou a luta
entre o modelo moderno inflexível e predatório, com os novos elos relacionais e éticos, mais
fluidos e complexos da contemporaneidade. O diretor Cameron acusa uma inicial falência do
modelo científico e utilitário e, ao mesmo tempo, a necessidade de se buscar outro modo mais
humano de se relacionar com o mundo, no qual se inclui a natureza e os hábitos socioculturais
em um viés sistêmico, resultando num modo de ser e estar no mundo terreno e solidário.
Palavras-chave: Cinema. Ética. Cidadania. 

Abstract
The article is an essay that aims at a comprehensive analysis, under the Complexity of Edgar Morin,
of the film “Avatar”, considered as a semiotic and educational tool. It focuses on the principle
of systemic Complex Thinking. From there, the film proved to be a fruitful text because it works
like a school of life, allowing identification and projection of contemporary subjects to reflect on
their psychosocial problems. “Avatar” has proved a rich analytical object, it allowed intertextual
dialogue that explained that the struggle between the modern model inflexible and predatory,
with new links relational and ethical, more fluid and complex contemporary. Director Cameron
accuses an initial failure of the scientific and utilitarian model and, at the same time, the need
to seek another more human way of relating to the world, which includes the nature and socio-
cultural habits in a systemic bias, resulting in a mode of being in the earthly world and solidarity. 
Keywords: Cinema. Ethics. Citizenship. 

Recebido em: 07/02/2013 Aprovado em: 25/05/2013

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Fabiana Tavolaro Maiorino et Simone de Oliveira Camillo

Introdução do ser humano com o outro, a sociedade


e o mundo, convidando-nos a explorar de
Recentemente assistimos a um modo mais profundo a dimensão poética
fenômeno de interesse mundial por uma da vida. Portanto, além de se tornar um
obra cinematográfica, produzida pelo já objeto semiótico ou gramatical, um filme
consagrado diretor norte americano James pode ser considerado uma escola de vida,
Cameron: o filme “Avatar”, produzido a contendo uma função pedagógica: ensina-
partir da cultura ocidental do século XXI, nos a viver. Por exemplo, pode ser meio para a
nos Estados Unidos da América em 2009. descoberta de si mesmo, pois o homem pode
Obteve inúmeras premiações pelos efeitos se reconhecer (identificando e projetando-
tecnológicos, como os recursos em terceira se) na trama das películas e desvelar suas
dimensão. É atualmente o filme com maior próprias verdades.
bilheteria da história, superando o até então Desse modo, para Morin (2003),
famoso filme “Titanic” (1997), do mesmo compreender a mídia cinemática envolve
diretor. Desse modo, Avatar mostra-se primordialmente aproximar-se de um meio
como um objeto de forte e significativo comunicativo que explicita a possibilidade
apelo comunicativo, o que despertou nosso da compreensão humana. Portanto, uma
interesse em compreendê-lo sob o olhar do arte que, possível e potencialmente, revela
Pensamento Complexo. os problemas e as dificuldades de viver em
O cinema, como mídia de alcance um mundo terreno. É a partir dessa premissa
popularesco, comunica-se com milhões de morianiana que se faz possível analisar um
viventes do século XXI, tornando-se um filme que aborda o futuro, pois ele oferece
suporte interessante aos nossos olhares um plano de projeção atemporal, que
de pensadores contemporâneos. Essa permite reflexões sobre os modos de vida da
experiência comunicativa midiática e sensível contemporaneidade, sob alegorias distintas,
nos revela interessantes dimensões dos com roupagem futurística, mas que nos
diferentes modos de ser e estar no mundo convida a pensar sobre dilemas vivenciais do
na atualidade – por exemplo, a dialogia mundo atual.
entre a preocupação ecológica no horizonte Lidar com o filme como um fenômeno
existencial do homem, e concomitantemente, complexo implica em compreendê-lo
a valorização do agir instrumental e técnico, inserido em três contextos contemporâneos:
que favorece a fragmentação do olhar do informacional, comunicacional e do
homem sobre o mundo. conhecimento. Morin (2003) nos convida
Morin (2003) em sua proposta de a refletir que não existe privilégio único,
reforma do pensamento ocidental comenta pois convivemos, nos e com, esses três
sobre as contribuições da cultura promovida universos concomitantemente, do aparato
pelas artes, incluindo o cinema, como uma físico que dá suporte à informação (por
nova plataforma de ser no mundo, ocupando exemplo, a tela do cinema ou o computador
lugar singular e fecundo para a mudança de conectado à rede) ao processo de elaboração
mentalidade, pois nos remete à complexidade da informação do homem no mundo (por
da condição humana. exemplo, a identificação com a personagem
O cinema, segundo Morin (2010), é uma protagonista). Porém, Morin (2003) nos
das artes que melhor explicita as relações alerta frente a um paradoxo dos novos

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O Filme Avatar Sob o Olhar do Pensamento Complexo

tempos:
Deste modo, posto a relevância do filme
Ao discurso eufórico que a tudo comunica como um objeto complexo, partimos em
oponho outra afirmação: quanto mais
desenvolvidos são os meios de comunicação,
direção ao nosso texto olhado, a película
menos há compreensão entre as pessoas. A “Avatar” e sua contextualização, pois
compreensão não está ligada à materialidade Morin (2010) afirma a necessidade do
da comunicação, mas ao social, ao político,
princípio da reintrodução do conhecimento
ao existencial, a outras coisas (MORIN, 2003,
p. 8). no conhecimento, ou seja, operar a inserção
de um conhecimento de uma obra em
Desse modo, Morin (2003) nos apresenta seu contexto, explicitando o tempo e o
um alarmante aviso, em tempos “áureos” espaço de sua produção. Assim como o
da comunicação avançada – da Internet diálogo intertextual dessa obra com outras,
à mobilidade mágica dos celulares – não que possuem princípios organizadores
se assegura com essas materialidades semelhantes.
tecnológicas qualidade afetiva e humana Segundo Knight e Kninght (2003), “ler”
na arte da compreensão da vida. Para um texto fílmico implica em realizar uma
isso, é preciso rever, desconstruir e análise do gênero a oqual este pertence. No
superar paradigmas reducionistas, como o caso de “Avatar”, podemos elencar várias
cartesiano, que influi, ainda hoje, nos campos películas que retratam o gênero de ficção,
institucionais da saúde e da educação. com matizes de romance e aventura, tais
Nessa direção, um filme, quando bem como : a saga “Matrix”, “eXistenZ”, “Os
abordado, elaborado e dialogado, num Substitutos”, “A Ilha”, “Blade Runner”,
contexto de ensino aprendizagem, com “Transfer”, entre outros. Assim como “Matrix”
uma abertura epistêmica e afetiva, pode (1999), recente sucesso do cinema norte
se revelar como instrumento fecundo para americano, “Avatar” também pode ser lido
a compreensão humana. Pois, conforme o como uma narrativa de busca que combina
próprio pensador francês reafirma, o cinema temas clássicos, tais como a descoberta, a
com sua mídia cinemática pode promover iniciação, a total auto realização do herói e o
projeções e identificações amplas sobre triunfo do bem sobre o mal.
nossos modos de ser e estar no mundo, Com relação aos papéis comunicacionais-
propiciando um novo pensamento acerca enunciativos trazidos por “Avatar”, podemos
da nossa cidadania terrena. Como Morin identificar como emissor (definido como
(2010) comenta ao afirmar que o filme pode o lugar discursivo que produz o texto), as
vir a ser uma escola para o exercício pleno da vozes enunciativas, que produzem o filme
compreensão humana, pois: em seus diferentes aspectos: da montagem
das cenas à sonografia. Já como receptores
No âmago da leitura ou do espetáculo possíveis (aqueles lugares discursivos que
cinematográfico, a magia do livro ou do recebem o texto), encontramos as escutas
filme, faz-nos compreender o que não
compreendemos na vida comum. Nessa vida sociais dos adolescentes e os adultos jovens
comum, percebemos os outros apenas de da contemporaneidade, primordialmente, da
forma exterior, ao passo que na tela e nas cultural ocidental. Podemos especificar que
páginas do livro eles nos surgem em todas
são principalmente, aqueles que apreciam o
as suas dimensões, subjetivas e objetivas.
(MORIN, 2010, p. 50). uso das novas tecnologias, visto que o filme se

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utiliza de um forte chamamento tecnológico os humanos e os na’vis, dos primeiros em


em sua exposição: o uso de telas em 3D (três busca de riqueza e do outro lado, desejo
dimensões), além dos efeitos cinemáticos dos nativos pela permanência do equilíbrio
avançados, trazidos pelas imagens explícitas ecossistêmico de Pandora. Segue sua ficha
no filme (BRONCKART, 1999). técnica, divulgada nas mídias sociais e sites
Temos a convivência desses receptores sobre cinema:
potenciais com os discursos sociais
provindos desse lugar do emissor, pois Quadro 1 - Ficha técnica: Avatar
ambos constituem-se no século XXI, tempo Diretor: James Cameron.
em que a comunicação e a revolução da Elenco:  Sam Worthington, Sigourney
informação são temáticas recorrentes. Weaver, Michelle Rodriguez, Zoe Saldana,
Portanto, é possível o diálogo entre eles, Giovanni Ribisi, Joel Moore.
Produção: James Cameron, Jon Landau.
pois os emissores possuem e se utilizam de
Roteiro: James Cameron.
semelhantes modos discursivos e valorativos Fotografia: Mauro Fiore.
para comunicarem seu produto (o filme) para Trilha Sonora: James Horner.
o possível receptor ocidental da atualidade Duração: 162 min.
(BRONCKART, 1999) . Ano: 2009.
O filme relata uma história épica no ano País: EUA.
Gênero: Ação.
de 2154 d.C. de dominação humana frente
Cor: Colorido.
ao mundo de Pandora. Protagonizado por
Distribuidora: Fox Film.
Jake Sully, soldado que ficou paraplégico Estúdio: Twentieth Century Fox Film Cor-
após uma batalha na Terra. A partir disso, poration/Lightstorm Entertainment/Dune
ele é escolhido para compor o programa Entertainment/Ingenious Film Partners.
Avatar, substituindo seu irmão gêmeo, agora Classificação: 12 anos.
falecido. Jake viaja para o planeta Pandora, Fonte: Avatar (2012).

onde se depara com um cenário pitoresco:


animais extraordinários e estranhas formas Como há pouco apontado, utilizamos o
de vida. Essa lua extraterrena é habitada por filme “Avatar” como suporte de discussão
um povo primitivo chamado Na’vi (composto ética e social na experiência de um contexto
de seres com 3 metros de altura, coloração de ensino-aprendizagem, que tem sido
azul e muito fortes fisicamente), que são um recurso psicopedagógico usado por
arraigados à natureza e à sua cultura mítica. muitos pensadores das ciências humanas
Em contraponto, a mineradora humanoide e educacionais, que reafirmam o lugar das
RDA quer explorar Pandora para conseguir obras audiovisuais como recursos potentes
um rico minério (Unobtainium). Para isso, na educação.
uma equipe de cientistas, coordenados A escolha por essa película se deu devido
pela Dra. Grace Augustine, cria o programa ao interesse acadêmico e às inquietações
Avatar, para construírem seres semelhantes das duas pesquisadoras docentes, que
aos na’vis, governados mentalmente pelos ministram conteúdos programáticos nos
humanos. Nessa empreitada de colonização cursos de psicologia e de enfermagem em
dos na’vis, Jake conhece uma nativa chamada duas universidades particulares da Grande
Neyriti, pela qual se apaixona. O filme São Paulo. Diante dessa prática docente,
relata uma história épica e dramática entre relacionaram o filme com temas programáticos

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das disciplinas de Relacionamento modo mais humano e compreensivo para


Interpessoal, Ética e Cidadania. Desse modo, abordar o desenvolvimento cognitivo, social,
decidiu-se construir uma reflexão complexa cultural, espiritual e cosmológico do homem
e sensível para contemplar as temáticas na relação com a sua morada co-existencial,
trazidas pelo filme, usando-o para propor a Terra. Aprendemos a compreender o
uma compreensão, através do Pensamento outro e ao mundo, ao viver e depender
Complexo, da condição terrena. Para isso, dessa comunidade terrena e do seu lócus,
analisaremos o modo de pertencimento assim, dependendo uns aos outros. Somos
humano e nativo ao mundo complexo de unidos – homens, objetos, natureza, animais,
Pandora, o cenário imaginário em que reside coisas, teorias e instrumentos – por elos
o drama de “Avatar”. sutis de organicidade e pelo dever, invisível e
Essa reflexão partiu da visão da existencial, de nos cuidar, em direção a uma
Complexidade, arquitetada pelo pensador cidadania plena, global e terrena.
Edgar Morin, que tem se colocado à mercê Essa via de compreensão da complexidade
do seu tempo histórico na busca intermitente parte de uma frente teórica epistêmica em
por uma reforma do pensamento humano que se fazem presentes diferentes influências,
na contemporaneidade. Petraglia (2002) como a visão cibernética de Weaver, a teoria
apresenta-o como pensador transdisciplinar, da informação de Shannon nos anos de 1950
autor da chamada Epistemologia da e a teoria da linguagem contemporânea
Complexidade, que irá se opor ao paradigma de Wittgenstein, fora as contribuições da
tradicional do cartesianismo, com os psicologia social francesa e da antropologia
traços costumeiros do pensamento linear, pós estruturalista (MORIN, 2002).
reducionista e disjuntivo. Morin (2010, p. 93-96) empreende sete
A Complexidade, em sua proposta princípios organizadores para consolidar
ontológica e epistêmica, parte do que o a reforma do pensamento proposta por
próprio Morin (2010) denominou como um ele, os quais são responsáveis pela ligação
processo em que os componentes constituem efetiva para rumarmos em direção a uma
um todo, seja ele social, cultural, afetivo ou cidadania terrena e hominizada. São eles
econômico, constituindo “[...] um tecido respectivamente: (1) princípio sistêmico ou
interdependente, interativo e inter retroativo organizacional, “[...] como aquele que liga o
entre as partes e o todo, o todo e as partes conhecimento das partes ao conhecimento
[...]” (MORIN, 2010, p. 14). Dessa maneira, do todo [...]”; (2) princípio hologrâmico, “[...]
a Complexidade para Morin (2005, p. 13) que põe em evidência este aparente paradoxo
é “[...] tecido de acontecimentos, ações, das organizações complexas, em que não
interações, retroações, determinações, apenas a parte está no todo, como o todo está
acasos, que constituem nosso mundo inscrito na parte [...]”; (3) princípio do circuito
fenomênico”. retroativo, no qual se supera a linearidade, e
A educação tem sido o cenário privilegiado compreende-se que os fenômenos possuem
de atuação de Morin, que tem contribuído uma causalidade circular e autorreguladora,
continuamente com a reformulação dos ou seja, “[...] a causa age sobre o efeito, e o
saberes, propondo uma reviravolta no efeito age sobre a causa [...]”; (4) princípio
processo de ensino-aprendizagem. É preciso, do circuito recursivo, no qual “[...] o circuito
segundo o pensador francês, propor um gerador em que os produtos e os efeitos,

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são eles mesmos, produtores e causadores para problematizar de forma inteligível


daquilo que os produz [...]”; (5) princípio qualquer sistema, não se deve reduzi-lo a
de autonomia e dependência, no qual “[...] apenas uma dessas noções, é necessário
os seres vivos são seres auto organizadores, ter sempre a perspectiva do Pensamento
que não param de se auto reproduzir e, por Complexo (MORIN, 2008). A partir dessa
isso mesmo, dependem da energia para compreensão, é que Morin (2005) nos revela
manter sua autonomia [...]”; (6) princípio três aspectos contraditórios e necessários que
dialógico, de inspiração grega de Heráclito, compõe uma visão sistêmica. Seriam eles: (1)
considerado pai da dialética, no qual se unem centralidade da noção de sistema como um
dois princípios que poderiam se excluir, porém todo complexo, que não se reduz a simples
indissociáveis em um mesmo plano real e (7) soma das partes constituintes; (2) considerar
o princípio da reintrodução do conhecimento a noção de sistema como algo fantástico,
sobre todo conhecimento, quando acontece sem a reduzir ao aspecto formal e (3) situar
a restauração do sujeito, explicitando o sistema numa dimensão transdisciplinar,
um problema cognitivo, importante, que ou seja, contemplando os fenômenos de
revela que “[...] todo conhecimento é associação e organização.
uma reconstrução/tradução feita por uma Podemos transpor nossos olhares para
mente/cérebro, em uma cultura e época Pandora e iniciar nossa análise compreensiva
determinadas [...]”. sob o viés sistêmico, ressaltando que no filme
Diante da amplitude do nosso objeto “Avatar”, os emissores (encarnado, nesse
de estudo e da Teoria da Complexidade caso, na equipe de produção e direção do
de Edgar Morin, optou-se nesse ensaio filme) nos apresentaram aquele planeta
dialógico por selecionar um eixo analítico distante como um sistema aberto, com
compreensivo e de interessante abrangência, trocas vivas e orgânicas que animam o
sendo denominado pelo próprio pensador cotidiano terreno daquele solo. Ao mesmo
como raiz da complexidade (2008): o tempo, Pandora representa um sistema
princípio sistêmico ou organizacional. estável, pois mantém sua identidade, ou
seja, é reconhecido por seus habitantes, e
inclusive pelos estranhos, como os humanos,
A Compreensão Sistêmica de Avatar pelo que o nominam de assustador. A partir
olhar da complexidade disso, Pandora revela-se como aquela caixa
mítica grega que se abre e nos convida a
Morin (2010, p. 93) elege o princípio mergulhar no inesperado e assustador mundo
sistêmico ou organizacional, “[...] como da dialogia cósmica, repleta de horrores
aquele que liga o conhecimento das partes e belezas. Há o traço da caoticidade, que
ao conhecimento do todo [...]”. Para o autor, desestrutura e aniquila, com sua natureza viva
foi imprescindível observar a teoria dos e auto protetora, convivendo com o calor da
sistemas e a cibernética para constituir esse esperança amorosa e da solidariedade ética e
fundamento da complexidade. relacional de uma tribo nativa, com sua mítica
A noção de sistema não é simples, muito festiva e cuidadosa.
menos absoluta. A denominação de sistema Vivemos em Pandora, aquele universo
comporta noções de relatividade, dualidade, mágico e colorido desenhado em movimentos
multiplicidade, cisão, antagonismo, ou seja, imagéticos e sonoros nas telas de cinema, que

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nos revela nosso possível duplo, estampado momento em que o humano estava sendo
no medo que temos das nossas facetas mais atacado por cães ferozes de Pandora. Nesse
odiosas, que tem marcado nossos tempos instante, Neyriti interfere no equilíbrio
com eventos horripilantes, pois como não ecossistêmico daquele lugar da floresta e
os caracterizar assim, diante dos genocídios acaba matando um dos animais. Sua ação
recentes na África. Mas ao mesmo tempo, naquele pedaço da natureza de Pandora
nosso duplo também nos revela nossas romperia com a filosofia complexa dos na’vis,
faces solidárias e afáveis, que se mostram na qual todos os seres estão interligados, e
em fenômenos poéticos dos novos tempos, quando se interrompe esse elo, rompe-se
como, por exemplo, nas reuniões entre jovens com a integridade e equilíbrio do planeta.
para lutarem contra a devastação ecológica, Existe, ainda, outra cena elencada (aos
nos movimentos para mantermos uma 65 minutos), na qual se ilustra a relação
economia sustentável no planeta, ou ainda, de Jake com Neyriti. Depois de passar por
na solidariedade trazida em momentos de um aprendizado cultural e étnico, a nativa
conturbação ecológica, como os terremotos reconhece que Jake está pronto para ser
ou maremotos recentes na Ásia. um na’vi. Os dois estão caçando e ele mata
Temos Pandora como a projeção de um um animal com sua flecha. A partir disso,
futuro distante em um possível presente, Jake reage como um nativo, fazendo uma
como um sistema poroso e que vive oração e proferindo as seguintes palavras:
dinamicamente com sua natureza, em um “Eu vejo você, meu irmão, e o agradeço, sua
devir vivaz e instável. Pandora não seria um alma irá retornar para Eywa, mas seu corpo
sistema fechado, pois como Morin (2005) permanecerá aqui, para então servir de
salienta, os sistemas fechados são aqueles alimento ao povo na’vi”.
que se encontram em total homeostase, ou Nessas passagens, começamos a localizar
seja, as trocas de energia e matéria com o os valores da cultura do personagem dos
exterior são nulas. na’vis. Há a valorização da integração dos
Em “Avatar”, Pandora apresenta-se nativos com a natureza, animais e outros
com uma natureza singularizada pela sua seres de Pandora, assim como a valorização
qualidade entrelaçada e interdependente da solidariedade entre eles e a natureza, a
entre os seres nativos, os chamados na’vis, os lealdade e o respeito com o lugar em que
animais, a floresta e com os humanos, recém vivem.
chegados. Dentre as várias tribos, o filme Morin (2005) ressalta ainda a importância
enfoca a organização dos Onamaticayas, no da informação em movimento para a
qual Jake Sully é inserido como membro novo compreensão de um sistema. Ele afirma
para aprender a ser um deles. que a apreensão de sentido gerada em
Podemos usar duas cenas típicas para uma rede de informações favorece uma
iluminar dois traços do princípio sistêmico abertura comunicacional, que não é fator
aqui abordados, ou seja, sua abertura e suficiente, mas necessário para a arte da
interdependência. Segue sua descrição: compreensão. Por exemplo, em Pandora
Na primeira cena escolhida (aos 32 e sua biosfera encontramos um sistema
minutos e 31 segundos do filme), Neyriti, aberto, como já apresentado, na qual
quando conhece Jake, fica emocionalmente existe uma rede intrínseca de informações
incomodada, pois teve que intervir num que se retroalimentam. Tudo em Pandora

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se comunica. As plantas, os pássaros, as embebedado da natureza estonteante


cachoeiras, os animais, entre outros. Essa daquele planeta, dos animais ora grotescos,
intercomunicação em rede é presenciada e ora mansos e solidários com os nativos. Quem
“medida” pelos humanos, numa tentativa não desejou voar num Banshee e tocar as
cartesiana de explicação empírica e linear. sementes da alma de Ewya, ou mesmo, ser
Para ilustrar isso, podemos citar a cena um na’vi correndo e caindo por sobre as
em que a Dra. Augustine mede a energia cachoeiras das Montanhas Aleluias?
eletroquímica entre as raízes da densa O regime das trocas entre os elementos
floresta do planeta, explicitando que existe constituintes nesse sistema vivo de Pandora
vida pulsando em rede em Pandora (aos é sinalizado durante toda a película. Na
24 minutos e 20 segundos). Esse dado elaboração enunciativa do filme tomou-se
informativo por si só pode colaborar para um cuidado estético ao simbolizá-la com
uma suposta compreensão dos humanos o chamado Tsu helu (o elo). Esse elo está
sobre o modo de vida em Pandora, porém imageticamente disposto no filme em
isso não ocorrerá. diferentes cenas, basta observar a forma física
Existe em Pandora um sistema aberto, e orgânica dos Na’vis, que possuem corpos
que se auto-eco-organiza, conforme Morin azuis, fortes e bem torneados, com um rabo
(2005) nos ensinou, ao comentar que esse enorme, que realiza um elo ontológico com
traço está presente em sistemas abertos, vivos as coisas da natureza, tais como os animais
e que permitem trocas de energia e matéria. alados, as árvores sagradas, conotando a
Essa abertura promove, dialogicamente, um força dessa ligação.
fechamento, pois é somente a partir dela Há de se destacar uma das últimas cenas,
que os seres em Pandora se reconhecem e a em que Jake em sua forma humana está
identificam como sua morada co-existencial, nu, deitado próximo à Árvore Sagrada, para
ou seja, existe um relativo equilíbrio também um ritual de passagem para a permanência
que permite que o planeta se mantenha no corpo de um ser na’vi. Nesse ritual, há a
unificado. Em sistemas auto-eco-organizados, ligação com a força de Ewya e com os seres
como Pandora, existe uma relação saudável nativos em rede, o que revelaria um novo
com o desequilíbrio, ele constitui a busca nascimento de Jake, o que no filme se ilustrou
pela organização, em busca de estabilidade com a enunciação do Wake Up (que significa
e continuidade (MORIN, 2005). o despertar, às 2 horas, 33 minutos e 54
Podemos vislumbrar esse rico e complexo segundos do filme).
movimento observando a natureza de Essa marca das trocas (ligação com dos
Pandora em relação com a antropologia na’vi com os seres de Pandora) está permeando
do lugar: há uma interdependência instável todo o filme, inclusive no arado humano. Por
entre os elementos constituintes, entre os exemplo, nas conexões, nos dispositivos
nativos, entre as criaturas animais que os quânticos que controlam os avatares, nos
assolam, as mudanças naturais, os lugares biolaboratórios da Dra. Augustine. Porém,
do sagrado, o movimento das sementes da há de se destacar um movimento intrigante:
alma de Pandora. a conexão dos humanos com os seus
Pandora também nos alegra com sua avatares não é contínua, existem desconexões
cromaticidade. O azul distoante por todo repetidas vezes, talvez enunciando um
o filme nos joga num cenário onírico, movimento contemporâneo terreno, o qual

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cada vez mais fica mais difícil de realizar: o da da qual eles fazem parte. Há uma visão
desconexão com o mundo da comunicação. solidária terrena do mundo na abordagem
Já em Pandora, ocorre o contrário, pois a de Cameron para Pandora, em contraposição
conexão dos na’vis com a natureza e de todo ao antropocentrismo do homem no novo
esse ecossistema acontece continuamente, planeta.
numa rede instável e viva. Podemos afirmar que, em Pandora, a
O tema da conexão eco-organizadora em cultura na’vi possui uma disponibilidade e
Pandora pode ser imageticamente ilustrado abertura diante o Outro, buscando uma
por diferentes e intrigantes cenas no filme. Por maior solidariedade, condição essencial
exemplo, naquela em que os na’vis se ligam para promover a arte da compreensão
com os Banshees, seus animais de poder, a terrena. Para ilustrar essa possibilidade
conexão dos nativos com a Árvore das almas, observa-se (aos 41 minutos e 18 segundos
que conecta esses seres com toda a rede de do filme) o contrato intercultural entre Jake
força do planeta. Podemos ainda apontar (representando o líder do povo do céu,
a força dessa temática numa das cenas homens) e os Na’vis (representados pelo pai
finais, em que os nativos de diferentes clãs e mãe de Neyriti). Nessa cena, é oferecido
só conseguem reaver Pandora quando essa aos nativos uma oferta cultural de Jake Sully,
grande rede de energia se comunica, ou seja, os ensinamentos de sua “tribo”, sobre suas
se conecta, e Ewya toma partido e mobiliza técnicas militares. Aqui se revela o objeto de
as forças naturais para combater a ambição valor de troca oferecido ao povo de Pandora.
humana (às 2 horas e 18 minutos do filme). Jake chega junto com Neyriti à Grande
No mundo mítico de Pandora, explicita-se Árvore dos primitivos, onde ocorre uma
a visão de mundo sistêmico, interdependente acolhida desconfiada, pois os líderes dos
e solidário, pois os seres de Pandora acreditam na’vis não queriam mais o “povo do céu”
que “[...] a energia que flui de todas as coisas (humanos) em seu território. A Xamã, mãe
vivas é só emprestada e deve ser um dia de Neyriti, avalia Jake em seu avatar para
devolvida [...]”. O nativo não se coloca acima sancionar ou não a sua permanência junto a
dos demais seres da natureza, pois acreditam eles. A Tsa´hik, como é chamada essa mulher
que são apenas parte de um todo. Os com poderes místicos, vai avaliar a sorte de
seres azuis respeitam os outros seres, como Jake para receber a mensagem de Ewya,
respeitam a sua espécie. O que importa é o a grande alma mantenedora da energia
equilíbrio interativo e respeitoso entre tudo cósmica de Pandora. Jake emite um convite
o que é vivo. sedutor, dizendo a ela que veio para aprender.
O povo de Pandora não usa a razão A mulher na’vi responde dizendo que “é difícil
utilitarista para explicar a sua existência, como encher uma taça que já está cheia”. O humano
os humanos no filme o fazem, e diríamos, no em sua roupagem nativa azul retruca que sua
cotidiano atual e presencial também. A cena “taça está vazia” e se apresenta como um
que mostra todos de braços dados em uma guerreiro do clã dos homens do céu, chamado
comemoração simboliza essa conexão entre de Cabeças de Pregos. Nesse instante (aos
todos os indivíduos e a importância dada 46 minutos do filme), o líder dos na’vis
ao coletivo e ao todo. Todas as decisões e interrompe sua esposa, a xamã, e afirma
resoluções da espécie são tomadas frente que será interessante aprender com Jake os
à comunidade e em respeito à energia modos de ser desse clã, sancionando sua

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permanência junto à tribo primitiva dos seres das competências pragmáticas com Neyriti
azuis. Nesse contexto é oferecida ao humano (aos 64 minutos do filme), e afirma em seu
uma possibilidade de compreensão. Veremos vídeo diário que “a linguagem dos na’vis é
que, num primeiro momento, esse contrato chata”. Compara a sua aprendizagem com o
fracassará, pois Jake estará ainda implicado processo mecânico de desmontar uma arma,
com interesses escusos, tais como denunciar onde o que importa é a repetição dos passos.
os pontos fracos da tribo Onomaticaya para Essa lógica trazida pelo filme nos remete ao
os militares em sua base. império da visão técnica, fragmentada e
A visão humana em Pandora pode ser mecânica predominante na Modernidade,
identificada como o lugar do estrangeiro, instaurada pelo pensamento cartesiano
denominado como “o povo do céu”, que gera, aliado ao positivismo criminoso levado às
como ilustrado aqui, a recusa dos nativos, últimas consequências.
que já tiveram experiências interculturais Pandora intertextualiza, portanto, a
desastrosas. Essa tribo humana é figurada história recente do Ocidente europeu,
pelo jovem Jake Sully, que lidera os “cabeças retomando a América colonizada do século
de pregos”, referência simbólica à rigidez XV, convidando-nos, por exemplo, a reviver
da natureza humana. Podemos realizar nossa história brasileira, em que num
aqui uma reflexão da condição humana em processo agressivo de dominação europeia,
Pandora, sinalizando que esta sofre do que alimentado pelo enriquecimento, pela
Morin (2005) denominou de patologia da exploração das nossas matérias-primas,
razão. Quadro tipológico marcado pelo matou e ignorou a solidariedade com a terra
viés instrumentalista, que busca manter e seus nativos. Fizemos das Américas na
uma coerência racionalizadora sobre suas Modernidade o palco de um combate desleal
atividades, ou seja, o homem em “Avatar” é e sangrento, que até hoje ainda ressoa em
alimentado apenas pela ambição, diante da nossos olhares, diante da luta desigual entre
riqueza e do controle territorial. Em função os poucos nativos que temos e os interesses
disso, constrói e age diante o mundo, no latifundiários.
sentido do controle das variáveis, sem lidar O filme Avatar e o modo de existir em que
com a incerteza e a caoticidade que a vida o homem é relatado nos convidam, conforme
em movimento desperta. Podemos ilustrar Morin (2005) nos ensinou, a compreender
a valorização técnica-racional em várias que nossas sociedades humanas são máquinas
imagens do filme, tais como: o cuidado com o não triviais, pois elas necessariamente lidam
arsenal exploratório mantido pelos militares; com eventos imprevisíveis, ou seja, passam
o manuseio seduzido das armas robustas em e conhecem diferentes momentos de crises
verdadeiros simulacros de guerra; o contexto sociais, culturais ou econômicas. Diferente
do biolaboratório, altamente tecnológico; de uma máquina trivial, em que podemos
assim como as naves e helicópteros equipados conhecer todos os circuitos de entrada e
com um arsenal bélico impressionante. saída, o homem e suas sociedades não
Toda uma engrenagem técnico-científica podem ser descritas como um sistema
em busca de domínio e sucesso da missão fechado e previsível. Viver uma crise significa
implementada. aprender a lidar com as incertezas que dela
Há de se destacar uma cena em que Jake decorrem, pois os controles falham, a ordem
encontra-se em situação de apropriação é desordenada e os conflitos atualizam-se.

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O Filme Avatar Sob o Olhar do Pensamento Complexo

Esse é o momento em que vivemos, Nesse sentido, o filme Avatar se faz


polemizado e visualizado no cenário intrigante e, por isso, seu sucesso avassalador,
futurístico de “Avatar”, mas que nos reconduz porque nos remete indubitavelmente a uma
ao presente em uma era de transição e crises história familiar e cosmológica sobre a nossa
multifacetadas, em que a racionalização identidade terrena.
se mostra como um modo infecundo de O filme implica-nos frente às nossas
lidar com as incertezas e as novidades questões éticas, aos dilemas coexistenciais
humanas e sociais. É preciso provocar uma frente à crise da relação do homem com a
abertura ontológica e societal para que natureza, às consequências funestas dessa
possamos enfrentar os novos tempos com ação predatória de tempos modernos que
maior solidariedade, ética e compreensão não cessaram. Assim como também a falta
planetária, repletos de desafios e novos de compreensão, os fundamentalismos
modelos co-existenciais. irracionais e mentecaptos e a violência
decorrente desses cenários complexos.
Pandora traduz o momento de transição
Considerações Finais que vivemos com a convivência de modelos
intersubjetivos e sociais distoantes e insolúveis.
Na pós-modernidade, o filme “Avatar” Assim como também nos fornece material
mostrou ser um texto projetivo rico, pois figurativo para mobilizar-nos em direção
revela a enunciação da dialogia, como a às novas responsabilidades existenciais e
convivência de diferentes modos de ser e terrenas que nos cabe, ao habitarmos nosso
estar no mundo, ou seja, de um lado temos universo antro-bio-fisico e cultural, do qual
um sistema vivo, aberto, contagiante e somos parte em um todo hologramático, em
integrado organicamente dos Na’vi e de constante movimento, num sistema aberto
outro, o modo fragmentado e utilitarista e vivo.
dos humanos, com enfoque predatório e O que talvez ainda não nos demos
instrumental. Entretanto, é também possível conta é que a beleza singular de Pandora
visualizarmos a existência de um modo de não está longínqua, e se encontra ainda em
se fazer ciência mais humano e respeitoso. nossos pertences terrenos, nosso planeta
Dessa maneira, presenciamos uma dialogia interligado com nosso ser cósmico, com nossa
viva e tenaz projetada naquele planeta galáxia. E, portanto, ainda nos consagra com
distante de nós. essa diversidade poética e frágil, mas que
Pandora, um planeta a priori distante, precisa urgente e afetivamente ser cuidada e
em um tempo futurístico, transforma-se aos respeitada. Somente assim poderemos lidar
poucos na película Avatar em nossa morada com uma vida terrena mais equitativa social
co-existencial: a Terra. Um lugar repleto de e calorosamente afetiva em nosso cotidiano
contradições insolúveis, que acorda a cada dia humano e sistêmico. Sem esse cuidado com
colhendo e revivendo os frutos de décadas, nossa condição terrena e finita, a reforma do
e por que não dizer, de séculos de ações pensamento se faz inviável. Então, no lugar
exploratórias irresponsáveis e aniquiladoras, privilegiado do educar, faz-se necessário
sem se ater aos elos de interdependência mobilizar os olhares institucionais e humanos
entre os seres constituintes desse organismo para um novo modo de se compreender o
vivo e dialógico. mundo.

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Fabiana Tavolaro Maiorino et Simone de Oliveira Camillo

É preciso educar os seres humanos MORIN, Edgar. A comunicação pelo meio


para uma nova relação com a existência (teoria complexa da comunicação). Revista
ecossistêmica, reconsiderando os conceitos Famecos, Porto Alegre, v. 1, n. 20, p. 7-12,
de dever e agir mediante ao estar no mundo abr. 2003.
com suas finitas possibilidades existenciais e
naturais. MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento
Dessa forma, será necessário consideramos complexo. Rio Grande do Sul: Sulinas, 2005.
um projeto de vida contemporâneo mais
flexível e possível para deixar o homem ir e vir MORIN, Edgar. O método 1: a natureza da
no seu labirinto co-existencial, constituindo, natureza. Rio Grande do Sul: Sulinas, 2008.
então, uma morada rizomática em permanente
metamorfose e em sintonia com as outras MORIN, Edgar. O problema epistemológico
dimensões da vida, incluindo a natureza. da complexidade. Portugal: Publicações
Desse modo, finalizamos, recomendando a Europa-América, 2002.
necessidade da compreensão da existência
como uma balsa e não mais como uma prisão PETRAGLIA, Izabel. Edgar Morin: a educação
panóptica. Para isso, faz-se necessário investir e a complexidade do ser e do saber. Rio de
em políticas públicas de saúde e educação, Janeiro: Vozes, 2002.
compreendendo que existem outros recursos,
como os filmes, que podem vir a educar crítica
e solidamente nossos sujeitos.

Referências

AVATA R . W i k i p e d i a . D i s p o n í v e l
em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/
Avatar_%28filme%29>. Acesso em: 2
nov. 2012.

BRONCKART, Jean. Atividade de linguagem,


textos e discursos: por um interacionismo
simbólico. São Paulo: EDUCA, 1999.

KNIGHT, Débora; KNINGHT, George. Gênero


real e filosofia virtual. In: IRWIN, W. Matrix:
bem vindo ao deserto do real. São Paulo:
Madras, 2003.

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar


a reforma, reformar o pensamento. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.

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