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UNIDADE I

A ESCRITA DA
HISTÓRIA
A escrita da História
Historiografia

A escrita da História, ou então, historiografia, não se dá de forma meramente natural


ou espontânea, ela exige um rigor teórico e metodológico. Nesta aula, teremos a
oportunidade de aprender um pouco mais sobre aspectos conceituais que dizem
respeito ao “fazer história”, desde suas origens. Veremos o encadeamento da História
como disciplina, bem como a utilização adequada das fontes, o compromisso com a
verdade e como a leitura que se tem de algum fato, pode variar as interpretações de
acordo com a cosmovisão que se tem, ou seja, dada a teoria que se assume na hora
de construir a pesquisa histórica.
A escrita da História
Fatos históricos

Um fato é considerado histórico quando designa um fenômeno que teve relevância


para determinada comunidade, sociedade, nação, ou até mesmo para a
humanidade. Nessa medida, o resgate de relatos do cotidiano de um
desconhecido pode revelar em tempos futuros detalhes do momento histórico a
que pertence, constituindo a memória das vivências de um cotidiano passado,
ajudando na compreensão daquela sociedade. Tais fatos, como objeto da História,
exercem influência sobre acontecimentos posteriores.

Podemos dizer que as investigações históricas evitam que os atos humanos


caiam no esquecimento. Estamos inseridos a todo momento no processo histórico,
como por exemplo agora, numa relação de ensino e aprendizagem.
A escrita da História
Heródoto

Foi o político romano Marco Túlio Cícero (106 a.C - 43 a.C) que atribuiu a Heródoto (485 a.C -
425 a.C) o epíteto de "Pai da História". Heródoto é assim chamado por ser o primeiro de
que se tem notícia, a produzir uma investigação consciente sobre o passado humano em
registros escritos.

De acordo com o historiador alemão Leopold Von Ranke (1795-1886), Heródoto, apesar de
não ter vivenciado, tinha fresco na memória a invasão persa na Grécia antiga, as grandes
batalhas já haviam sido travadas e vivia-se as suas consequências, e foi assim que
tivemos a primeira verdadeira história escrita.
A escrita da História
Heródoto

Podemos afirmar, dessa forma, que temos nos gregos a primeira preocupação efetiva em
escrever sobre o passado de forma cuidadosa, visando separar mitos e relatos orais de
forma a aproveitar a profundidade de algo concreto e substancial a respeito do passado.
Esse método desenvolvido na Grécia clássica, implicava a escrita da história numa busca
de concretude dos acontecimentos. Escrevia-se agora com enfoque sobre os homens, e
não nas divindades mitológicas.

Mas afinal, a História em si própria, quando foi que constituiu-se em ciência?


A escrita da História
A História enquanto ciência

Os séculos XVI e XVII posicionaram a História num descrédito intelectual


generalizado, sendo relegada ao estatuto de “curiosidade”, o mais distante
possível da produção de um conhecimento. Tal colocação, é herdada devido ao
período medieval, onde a constituição desse campo se dava atrelada de forma
inevitável à religião. Com o eclodir dos Estados Modernos, a crise do ceticismo
da era moderna e as investidas da nova ciência e da filosofia mecânica, à
História reservou-se um mar de incertezas.
A escrita da História
A História enquanto ciência

No século XVIII, com o advento do iluminismo e uma sequência de marcos como a


Revolução Industrial e a Revolução Francesa, experimentamos uma série de
transformações na nossa forma de perceber o ser humano e o mundo, propiciadora de
novas concepções e conceitos, como a importância da liberdade, do intelecto e o
cientificismo. E com a História, não foi diferente.

O século XIX, traz consigo um apelo importante ao caráter científico do conhecimento, e é


preciso se encaixar para obtenção de triunfos. Vale lembrar que, toda ciência, pressupõe
um rigor metodológico, respaldado em critérios lógicos.
A escrita da História
A História enquanto ciência

Voltaire, com suas análises e interpretações de teorias newtonianas e cartesianas, terá um


destaque especial no âmbito desse descolamento da História para a constituição como
disciplina, emancipada de outras ciências, onde se visa a análise do homem no tempo.

A partir daí, o século XIX travará uma disputa entre França e Prússia para o
estabelecimento do campo conceitual da História. A França nesse período, era um país já
constituído politicamente e unificado em seus territórios geográficos. Lá, os historiadores
possuíam amplas liberdades.

Já a Prússia, hoje região da Alemanha, apesar de representar uma grande potência


econômica da época, não estava plenamente estabelecida e buscava a constituição de
uma identidade nacional. Houve então um movimento de construção dessa identidade,
A escrita da História
A História enquanto ciência

Em Berlim, temos o surgimento de um discurso flexível de uma corrente histórica denominada


pelo historicismo, caracterizado por uma hermenêutica do sujeito, onde visa-se a possibilidade
de uma escrita da História mais subjetiva, dada as particularidades daquele que a faz,
colocando em xeque a rigidez que pressupõe um método. Leopold Von Ranke (1795 - 1886),
pertenceu a essa escola, mas, elaborou seu próprio método, fundando a Escola Histórica
Alemã. A identidade teórica de Ranke, visa uma crítica documental amparada pelo positivismo
de Auguste Comte (1798 - 1857).
A escrita da História
O Positivismo e a História

No quesito historiográfico, a corrente positivista influenciará a História dos


“grandes feitos” e “grandes personagens”, ou seja, amparada numa
valorização de nação e priorização do método e do registro documental
político, a atenção é dada para as figuras consideradas relevantes por sua
importância geralmente política ou econômica, a quem responsabiliza-se o
desdobrar de grandes eventos históricos rumo ao desenvolvimento.
A escrita da História
O Positivismo e a História

Ao apropriar-se do método de Comte para a escrita da História, Ranke propõe uma


metodologia rigorosa e científica do fazer história, onde prioriza-se o registro dos grandes
eventos políticos, acompanhados de grandes personagens. As fontes constituem-se em
documentos oficiais, e a perspectiva da História aparece como linear e desenvolvimentista,
rumo ao progresso.

Nessa visão de mundo, o homem é colocado como subdesenvolvido em tempos passados,


atingindo seu ápice na Era das Revoluções. A evolução pessoal, acompanha o campo do
social, econômico e político, onde progride-se num tempo cronológico. Assim, a História
torna-se uma disciplina emancipada das demais ciências.
A escrita da História
O Positivismo e a História

Na França, o historicismo de Ranke ficaria conhecido como escola metódica, e no caso do


Brasil, a influência do positivismo se deu na organização da sociedade republicana, ainda no
século XIX, propiciando o culto ao cientificismo, desafiando a autoridade da Igreja Católica. O
eclodir dessa corrente filosófica, permitiu ainda a criação do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (IHGB), em outubro de 1838, tendo como desígnio a instituição de um órgão que
objetivava a pensar a constituição do Brasil como uma nação
A escrita da História
As fontes históricas

O método instituído a partir de Ranke, amparado pela escola positivista, privilegiou a história
baseada em documentos oficiais. Isso implica que, a história foi escrita a partir da perspectiva dos
vencedores, estabelecendo os grandes personagens, ou heróis, como únicos responsáveis pelo
eclodir de grandes eventos.

Essa perspectiva, descaracteriza o papel da sociedade e dos indivíduos que a compõem. Pois
sabemos a importância que todos temos na composição de movimentos históricos, fazendo parte e
atuando de forma direta ou indireta. Além disso, os testemunhos que se recolhem para a redação
da História, devem ser verídicos e não partidários. Quando se coloca em primeiro plano a história
dos vencedores, isso se torna controverso, pois a palavra final que conta é da autoridade.
A escrita da História
As fontes históricas

Dito isso, é preciso considerar diversos materiais na hora de se


comprometer com o passado. E mais ainda, questionar-se em três pontos
básicos ao confrontar-se com o documento: Quem escreve? Para quem
escreve? E quando escreve? Ou seja, qual a intencionalidade do autor, o
público que ele almeja atingir e em qual contexto redigiu-se tal fonte.
A escrita da História
A pesquisa histórica

Assim, podemos classificar a pesquisa histórica como um processo nunca pronto ou


acabado. Estabelecem-se os critérios e a partir de muitos debates e estudos chega-se a
consensos na historiografia, no entanto, a todo momento, a descoberta de novos
documentos podem agregar e enriquecer ainda mais detalhadamente nossa pesquisa.

Um dos grandes responsáveis por essa virada no fazer História, ao considerar e valorizar
as diversas fontes possíveis, foi o historiador francês Marc Bloch (1886 - 1944), que junto
com Lucien Febvre (1878 - 1956), fundou a Escola dos Annales.
A escrita da História
Marc Bloch – “História problema”

Bloch inaugurou o que chamamos de “História problema”. Para o autor, o


passado não era objeto da história e sim as indagações do presente, que
movimentam o historiador nesse movimento de ir ao passado, investigar e
compor uma espécie de quebra-cabeça, por meio de um método regressivo
que na ida ao passado, delimitada por temas do presente, possibilita esse
resgate. (BLOCH, 2001, p.5)
A escrita da História
Lucian Febvre e Marc Bloch

De acordo com Febvre, a "história era filha de seu tempo", o que demonstrou a intenção do
grupo dos Annales em problematizar o próprio "fazer histórico" e sua capacidade de
observação. Tal postura crítica, estendeu-se também a análise dos documentos. Ao contrário da
versão positivista de então, na visão dos Annales, a fonte não era mais considerada como um
documento imaculado, inalterável, com fim em si mesmo. Assim, o passado não era mais rígido,
e sim passível de modificação. De acordo com Bloch, “mesmo o mais claro e complacente dos
documentos não fala senão quando se sabe interrogá-lo. É a pergunta que fazemos que
condiciona a análise e, no limite, eleva ou diminui a importância de um texto retirado de um
momento afastado” (BLOCH, 2001, p.8).
A escrita da História
Ampliação das fontes

Agora, tinha-se a visão da História como uma disciplina interdisciplinar, ou seja, ativa na
comunicação com outras matérias, como a geografia, sociologia, filosofia, demais ciências
humanas, e por que não, exatas. Afinal, a arte do “fazer história”, nos permite diversas técnicas
e maneiras de pesquisa, uma vez dito que a pesquisa bibliográfica é privilegiada, há também
outras maneiras de se fazer pesquisa histórica, como a utilização de gráficos e números, ao que
chamamos de enfoque qualitativo. No campo da educação, por exemplo, os índices de
desenvolvimento, entre outros dados numéricos, nos possibilitam debruçar em temas de
orçamentos governamentais e com o auxílio de outras fontes, investigar a qualidade
educacional de nosso país.
A escrita da História
Annales e as fontes históricas

É certo dizer que a perspectiva dos Annales, nos deu abertura para pensar
nas diversas possibilidades de fontes históricas. É a partir de então que, não
mais apenas os documentos oficiais podem ser utilizados para a análise e
composição do saber histórico, como também fotografias, textos literários,
filmes - ao demonstrar o contexto que se narra de uma obra, por exemplo -,
músicas, e é claro, fontes não oficiais
Fonte Histórica é tudo aquilo que, por ter sido produzido pelos seres humanos
ou por trazer vestígios de suas ações e interferência, pode nos proporcionar um
acesso significativo à compreensão do passado humano e de seus
desdobramentos no presente. As fontes históricas são as marcas da história.
Quando um indivíduo escreve um texto, ou retorce um galho de árvore de modo
a que este sirva de sinalização aos caminhantes em certa trilha; quando um
povo constrói seus instrumentos e utensílios, mas também nos momentos em
que modifica a paisagem e o meio ambiente à sua volta – em todos estes
momentos, e em muitos outros, os homens e mulheres deixam vestígios,
resíduos ou registros de suas ações no mundo social e natural. (BARROS,
2019, p.1)
A escrita da História
O compromisso do historiador

Cada época elenca novos temas, que no fundo falam mais de suas próprias inquietações e
convicções que de tempos memoráveis. Dito isso, é preciso ter em mente que a escolha do
historiador, apesar de atrelada com sua visão de mundo, deve ter acima de tudo o compromisso
com as evidências, pretendemos também, uma compreensão das mudanças e permanências
nos períodos estudados, bem como o desenvolvimento de conceitos e alterações na sociedade
que influem na formação dos indivíduos.
A escrita da História
O compromisso do historiador

Trabalhar com o passado ao compor uma narrativa histórica, exige para além do rigor metodológico, o
compromisso acima de tudo, com a verdade. Independente do ponto de vista que se assume, deve estar no
horizonte do historiador a tão almejada imparcialidade dos fatos. A memória é o fundamental nesse
processo, que permeia o campo do individual e do coletivo.

Como indivíduos diferentes, e variadas vivências, nossa percepção de mundo também se compõe de
maneira diversa. Isso ocorre em escala particular e também em contexto coletivo, de pequenos grupos,
sociedades, e contextos que atravessam a História, e é por isso que ao longo do tempo surgiram diferentes
teorias que aplicam-se na composição historiográfica. Mas, mesmo assumindo tais divergências, é
necessário um compromisso com a ética social, ou seja, um espírito de pesquisador que esteja consciente
com o significado e impacto da construção dos saberes que se dão na tessitura da História.
Ao elaborar uma escrita sobre o passado, o historiador serve-se de uma série
de ferramentas teóricas e metodológicas criteriosamente reconhecidas pela
academia e com um forte viés científico. O historiador não possui o monopólio
na elaboração do conhecimento sobre o passado, mas com certeza atribui-se a
ele um elevado status de autoridade. Essa autoridade, logo, deve ser
administrada de maneira consciente, responsável e ética, pois o lugar último de
uma historiografia é o público. Nunca se atua com memórias alheias de
maneira completamente impune: o público, especializado ou não, pode querer
resguardar, reivindicar ou criticar a maneira como as memórias são trabalhadas
e apresentadas. (BARRONCAS, 2012, p.135)
A escrita da História
O compromisso do historiador

Sabemos que, tais dificuldades apresentadas, se tornam ainda mais vívidas quando estamos lidando com uma
história do tempo presente, a qual estamos ligados. É difícil, por vezes, nos desvincularmos daquilo que
pertencemos e vivenciamos cotidianamente. Mas, independente do tempo histórico que se estuda, ao fazer
História, devemos ter em mente seus pressupostos, e o seu fio condutor indispensável, deve ser a veracidade.

No âmbito profissional, é fundamental que um pesquisador tenha essa distinção de afastar-se do senso comum
para compreender verdadeiramente os fatos. Mais que isso, além do comprometimento da pesquisa, há também a
responsabilidade do professor em sala de aula, em comprometer-se para que seus alunos saibam a importância
de disseminar apenas fatos embasados em conhecimento averiguado, não prejudicando assim a percepção dos
demais membros da sociedade. A educação e a História devem ser referenciais criteriosos de parâmetros
fundamentados e comprometidos com o bem comum da sociedade.
A escrita da História
Referências Bibliográficas

BARRONCAS, Ramon. A memória, o esquecimento e o compromisso do historiador. PPGHIS/Unb,


Brasília, v. 2, n. 21, p. 124 136, dez. 2012.

BARROS, JOSÉ D’ASSUNÇÃO. Fontes Históricas - Uma introdução aos seus usos
Historiográficos. Rio de Janeiro: ANPUH, 2019.

BLOCH, Marc. Apologia da história ou do ofício de historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed,
2001

RANKE, Leopold von. Heródoto e Tucídides. História da Historiografia: International Journal of


Theory and History of Historiography, Ouro Preto, v. 4, n. 6, p. 252–259, 2011. Disponível em:
https://www.historiadahistoriografia.com.br/revista/article/view/236. Acesso em: 1 out. 2022.

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