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Universidade Federal Fluminense- UFF

Integrantes do grupo: Gabriel Tiago, Emanuel Muniz, Fabrício Teles, Mateus


Camacho, Mariana Almeida e Rafael Corrêa

Guia de leitura do livro História e Memória, capítulo Documento/Monumento

Sobre o autor

Jacques Le Goff é uma das principais referências dos estudos medievais


desenvolvidos no Brasil (livros, biografias, manuais escolares, prefácios, etc). Ele
elaborou reflexões do caráter técnico-metodológico, tornando-se um dos principais
pensadores da chamada 3º geração dos Annales, movimento historiográfico que
cresceu e ainda cresce, com grande influência nas pesquisas. Nasceu em Toulon,
na França, no dia 01 de janeiro de 1924 e sua morte foi o dia 01 de abril de 2014.
Ele viveu na cidade de seu nascimento até a Segunda Guerra Mundial, lugar onde
fez os seus estudos, sendo aluno de Henri Michel.

Com o fim da guerra, estabeleceu-se em Paris, ali cursou a École Normale,


na qual iniciou sua carreira de historiador e obteve a sua licenciatura. Entre os anos
de 1945 e 1958, dedicou seus estudos ao período medieval, complementando a sua
pesquisa e pesquisando a região de Praga, Oxford e Roma. Iniciou as suas
atividades docentes na Universidade de Lille, em 1958

O medievalista, ao longo de sua trajetória, interagiu com diversas influências,


que são destacadas em primeiro lugar o grupo ligado aos Annales: Marc Bloch,
Lefebvre, Braudel, entre outros. As ideias de tais autores foram fundamentais para
as suas formulações sobre Idade Média. Além destes, outros intelectuais
contribuíram para as pesquisas do francês como Walter Scolt, Michelet, Polany e
Kula

Resumo geral sobre a obra

No texto “Documento/Monumento”, Le Goff, historiador francês do grupo da


“Escola dos Annales”, analisa o processo de institucionalização dos monumentos e
dos documentos, como fontes pela historiografia e discute a questão do próprio
objeto da História. Este percurso é feito em três etapas: inicialmente, resgata a
conceituação tradicional de monumento e de documento.

Em seguida, Le Goff apresenta as mudanças radicais do século XX, que ele


chamou de “revolução documental”. Enquanto no positivismo o documento escrito
triunfa, com a História Nova ocorre uma revolução na própria concepção de
documento, enriquecendo e ampliando seu conteúdo.

Com a revolução documental, há uma dilatação da memória escrita; é uma


revolução quantitativa e qualitativa. Essa ampliação se dá em dois níveis: no nível
do documento em si, ou seja, não são considerados apenas os documentos oficiais,
diplomáticos, militares, mas uma diversidade de fontes. Outro nível de mudanças é a
introdução do computador possibilitando ao historiador trabalhar com uma farta
documentação; nasce a História Quantitativa e a História Serial. Dessa forma,
inaugura-se a era da documentação de massa, altera-se o estatuto do documento,
valoriza-se a memória coletiva. Por último, o autor demonstra a necessidade de uma
crítica mais profunda em relação ao documento enquanto monumento. Recolhido
pela memória coletiva e transformada em documento pela História tradicional ou
transformada em dado nos novos sistemas de montagem da História serial, o
documento deve ser submetido a uma crítica mais radical. A crítica tradicional ao
documento era apenas uma procura por sua autenticidade. No entanto, para os
historiadores dos “Annales” - desde a primeira geração - havia a necessidade de
uma crítica em profundidade da noção de documento.

O livro História e Memória foi lançado no Brasil em 1994 pela Editora da


Unicamp. O texto tem como ponto principal as relações entre “história vivida” e a
“história conhecimento”. Nesse sentido, o autor constrói uma história da História,
traçando reflexões sobre as concepções e dinâmicas do tempo; discutindo as
transformações históricas e refletindo acerca da memória e demais registros sobre
o passado.

1º tópico: Os materiais da memória coletiva e da história


Le Goff começa a sua analisa trazendo a idéia de o que são monumentos e
documentos buscando referências através das etimologias das palavras.
Monumentos: herança do passado; Documentos: escolha do historiador

“A palavra latina monuentum remete para a raiz indo-européia men, que


exprime uma das funções essenciais do espírito (mens), a memória (meminí). O
verbo monere significa 'fazer recordar', de onde 'avisar', 'iluminar', 'instruir'. O
monumentum é um sinal do passado. Atendendo às suas origens filológicas, o
monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação, por
exemplo, os atos escritos. Quando Cícero fala dos monumenta hujus ordinis
[Philippicae, XIV, 41], designa os atos comemorativos, quer dizer, os decretos do
senado. Mas desde a Antiguidade romana o monumentum tende a especializar-se
em dois sentidos: 1) uma obra comemorativa de arquitetura ou de escultura: arco de
triunfo, coluna, troféu, pórtico, etc.; 2) um monumento funerário destinado a
perpetuar a recordação de uma pessoa no domínio em que a memória é
particularmente valorizada: a morte” (página 536). Monumento em latim liga-se a
‘fazer’, ‘recordar’, ‘avisar’, ‘iluminar’, ‘instruir’; herança do passado; sinal do passado.
É tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação (uma obra
comemorativa de arquitetura ou de escultura, ou ainda um monumento funerário).

Característica do monumento: se ligar ao poder de perpetuação, voluntária ou


involuntária, de sociedades históricas (um legado a memória coletiva) e o reenviar
de testemunhos que em uma mínima parcela são testemunhos escritos

“O termo latino documentum, derivado de docere 'ensinar', evoluiu para o


significado de 'prova' e é amplamente usado no vocabulário legislativo. É no século
XVII que se difunde, na linguagem jurídica francesa, a expressão titres et documents
e o sentido moderno de testemunho histórico data apenas do início do século XIX. O
significado de "papel justificativo", especialmente no domínio policial, na língua
italiana, por exemplo, demonstra a origem e a evolução do termo. O documento que,
para a escola histórica positivista do fim do século XIX e do início do século XX, será
o fundamento do fato histórico, ainda que resulte da escolha, de uma decisão do
historiador, parece apresentar-se por si mesmo como prova histórica. A sua
objetividade parece opor-se à intencionalidade do monumento. Além do mais,
afirma-se essencialmente como um testemunho escrito” (página 537). Documento
tem originariamente o sentido de ‘prova’, de ‘ensino’. Para a História Positivista, o
documento é o fundamento do fato histórico, ainda que resulte da escolha, de uma
decisão do historiador. Apresenta-se por si mesmo, como prova histórica, que se
afirma necessariamente como documento escrito. Nessa perspectiva, o termo
monumento era usado para grandes coleções de documentos

No final do século XIX, Fuzil de Coulanges pode ser um testemunho válido


para mostrar como documentos e monumentos se transformaram para os
historiadores, no livro “La monarquie franque”. Para ele a única habilidade do
historiador é tirar tudo o que contém nos documentos sem acrescentar mais nada do
que ele não tem, para ele o melhor historiador é aquele que se mantém o mais
próximo possível dos textos. Por ele ser positivista o que vale é documento= texto

Utiliza Don Jean Mabillon, no século XVII, quando publica o “De re


diplomática”, como um exemplo de como o monumento pode se transformar em
documento a partir da utilização crítica dele. O texto de Mabillon ainda cita a criação
do depósito geral de direito público que mostra que o termo monumento é
compreendido como um sinônimo de grande coleção de documentos.

Le Goff quando cita Daniel van Paperbroeck, faz um estudo de quando que o
termo ‘documento’ iria se colocar em primeiro plano

No fim desse subtítulo, Le Goff destaca que no século XVII, a historiografia


institucional dos países europeus encontrava-se em duas séries paralelas:
monumentos em declínio e documentos em ascensão

2º tópico: O século XX: do triunfo do documento à revolução documental

Le Goff começa fazendo a citação de Samaran do Livro “L’histoirie et ses


méthodes”, pois além de enunciar os princípios do método histórico ele declara no
prefácio de sua obra que “Não há história sem documentos” (Página 540)

Ainda cita a obra de Lefebvre, “La nassance de l’historiographie moderne”, em


que ele afirma que: “Não há notícia histórica sem documentos” (Página 540)

Le Goff trás a idéia da Revista dos Annales como um exemplo de escola que
viu a necessidade de ampliar a noção que se tinha de documento. Então o francês
vai mostrando que a forma com o que os historiadores lidavam com os documentos
não mudou, mas sim a forma do entendimento que eles tinham em cima desses
documentos. Com isso o autor começa a defender que nem tudo vai estar escrito em
documentos, mas todas as formas de manifestação do homem são uma forma de se
fazer história, mostrando que história não é somente aquilo que está escrito, e essas
manifestações precisam ser usadas pelo historiador, assim como pensava Marc
Bloch.

Nos anos 60 surge a noção de Revolução Documental, que é ao mesmo


tempo quantitativa e qualitativa. “Da confluência das duas revoluções nasce a
história quantitativa, que põe novamente em causa a noção de documento e o seu
tratamento. Desejada em primeiro lugar pelos historiadores da economia, obrigados
a tomar como documentos de base séries de cifras ou de dados numéricos [cf.
Marczewski, 19611, introduzida depois na arqueologia [cf. Gardin, 1971] e na
história da cultura [cf., por exemplo, Furet e Ozouf, 1977], a história quantitativa
altera o estatuto do documento. "O documento, o dado já não existem por si
próprios, mas em relação com a série que os precede e os segue, é o seu valor
relativo que se toma objetivo e não a sua relação com uma inapreensível substância
real" [Furet, 1974, pp. 47-48]. (Página 541)

Ele finaliza esse subtítulo falando que a revolução documental também tende
a promover uma nova unidade de informação: algo que conduz ao acontecimento e
a uma história linear

3º tópico: A crítica dos documentos: em direção aos documentos/monumentos

Apresenta uma crítica para a noção de revolução documental

Cita Certeau para explicar que a memória coletiva que foi transformada em
documento pela história tradicional deve ser submetida a uma crítica mais radical

Cita também Lorenzo Valia e volta a citar Don Jean Mabillon e Daniel van
Paperbroeck para exemplificar a longa duração de um monumento crítico para com
um documento

Cita novamente a revista do Annales, principalmente Bloch, para explicar o


pioneirismo deles na crítica em profundidade dos documentos, é uma crítica que tem
como objetivo analisar a transmissão, as ausências e as intencionalidades
Le Goff também traz a ideia de Paul Zumthor para a sua análise para
exemplificar a noção da distinção dos monumentos lingüísticos e simples
documentos. Confrontando os textos latinos e os testemunhos em língua vulgar da
época, Paul Zumthor quase identificou escrito e monumento: "O escrito, o texto é
mais freqüentemente movimento do que documento". Mas, mais adiante, admite
"que houve monumentos a nível de expressão vulgar e oral' e que existiram
"tradições monumentais orais" [ibid., p. 6] (Página 544). Ele descobre o que
transforma o documento em monumento através da análise dos reinos da Alta Idade
Média e com isso viu que o que transforma é utilização do poder. E ainda falava que
todo documento era um monumento

Le Goff então afirma que a concepção documento/monumento é


independente da revolução documental e um dos seus objetivos está o de evitar que
essa revolução necessária se transforme num derivativo e desvie o historiador da
crítica do documento enquanto monumento, que é o seu dever principal. Essa
análise do documento enquanto monumento permite que ele seja recuperado pela
memória coletiva e que seja usado cientificamente pelo historiador.

Para provar essa tese, ele cita Michel Foucault, pois declara que os
problemas da história se resumem em uma palavra/frase: “o questionar do
documento" [1969, p. 13] (Página 545). E logo recorda: "O documento não é o feliz
instrumento de uma história que seja em si própria e com pleno direito, memória: a
história é certa maneira de uma sociedade dar estatuto e elaboração a uma massa
documental de que se não separa" [ibid., p. 13] (Página 546). E ele então apresenta
uma nova versão para a noção de revolução documental: "A história, na sua forma
tradicional, dedicava-se a 'memorizar' os monumentos do passado, a transformá-los
em documentos e em fazer falar os traços que, por si próprios, muitas vezes não são
absolutamente verbais, ou dizem em silêncio outra coisa diferente do que dizem; nos
nossos dias, a história é o que transforma os documentos em monumentos e o que,
onde dantes se decifravam traços deixados pelos homens, onde dantes se tentava
reconhecer em negativo o que eles tinham sido, apresenta agora uma massa de
elementos que é preciso depois isolar, reagrupar, tomar pertinentes, colocar em
relação, constituir em conjunto" [ibid., pp. 13- 14]. (Página 546)
Le Goff cita Monique Clavel-Lévèque que interpreta o documento como um
composto de inconsciente cultural que é decisivo para influenciar nas
representações, apreensões e significados de alguns elementos, como ele aborda
citando as representações da Gália.

Para finalizar ele faz a citação de seu livro junto com Pierre Toubeit. Os dois
pensam que o documento não é algo inócuo. O próprio documento quando estiver
sujeito à análise e crítica não deve ser isolado das condições históricas das quais
ele foi produzido. Deve ser identificado como monumento, pois ele também foi
produzido e pensado para o futuro. Como são pensados de forma inerente a
intencionalidade dos indivíduos, o historiador deve levar em consideração que o
documento/monumento é mentira, mas não deve pensar nisso de uma forma
pejorativa e sim para que sempre fique atento não sendo ingênuo para com os
propósitos esses documentos/monumentos foram forjados.

Bibliografia

LE GOFF, J. História e memória: Documento/monumento. Tradução Bernardo


Leitão,Campinas, SP Editora da UNICAMP, 1990

https://secure.unisagrado.edu.br/static/biblioteca/mimesis/
mimesis_v20_n1_1999_art_11.pdf

https://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair/article/view/1173/926

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