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Aula 01

Direito Constitucional p/ PC-CE (Delegado)

Felipo Livio Lemos Luz


DIREITO CONSTITUCIONAL
Teoria e Questões
Prof. Felipo Luz

DIREITO CONSTITUCIONAL

Sumário
Sumário .................................................................................................. 1
1 – Teoria dos direitos fundamentais ........................................................... 4
2 – Classificação dos direitos fundamentais .................................................. 6
2.1 – Gerações ou dimensões dos direitos fundamentais ............................. 6
2.2 – Características dos direitos fundamentais ......................................... 9
2.3 – Diferença entre direitos e garantias fundamentais ............................ 12
2.4. – Dupla fundamentalidade dos direitos fundamentais ......................... 13
2.4.1 – Dimensões objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais ............. 16
2.5 – Titularidade dos direitos fundamentais ........................................... 18
2.6 – A teoria dos Status de Jellinek ....................................................... 21
2.7 – Limites aos direitos fundamentais e a tese dos limites dos limites ...... 23
2.8 – Eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas (Eficácia
horizontal) .......................................................................................... 26
3 - Direitos Fundamentais em espécie ....................................................... 31
3.1 - Direito à vida ............................................................................... 31
3.2 - Direito à igualdade ....................................................................... 38
3.3 - Direito à liberdade ........................................................................ 47
3.4 – Liberdade de ação........................................................................ 48
3.5 – Liberdade de manifestação do pensamento e expressão (intelectual,
artística, científica e de comunicação)..................................................... 49
3.6 – Liberdade de consciência e liberdade religiosa ................................ 54
3.7 - Direito à intimidade e vida privada, honra e imagem ........................ 56
3.8 Inviolabilidade de domiciliar ............................................................. 63
3.9 – Inviolabilidade do sigilo da correspondência, das comunicações de dados
telegráficas e telefônicas ....................................................................... 67

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3.10 – Liberdade de profissão ................................................................ 82


3.11 – Liberdade de informação ............................................................. 84
3.12 – Liberdade de locomoção ............................................................. 88
3.13 - Direito de Reunião ...................................................................... 93
3.14 - Liberdade de Associação .............................................................. 94
3.15 - Direito de propriedade ................................................................ 97
3.16 - Propriedade intelectual .............................................................. 101
5.17 - Direito de herança .................................................................... 103
3.18 - Direito do consumidor ............................................................... 104
3.19 - Direito de petição ..................................................................... 106
3.20 - Direito de obtenção de certidões do poder público ........................ 110
3.21 - Direito de acesso à Justiça ......................................................... 112
3.22 - Direito à segurança jurídica ....................................................... 117
3.23 - Direito ao juiz natural, tribunal do júri e proibição dos tribunais de
exceção ............................................................................................ 124
3.24 - Princípio da legalidade e irretroatividade da lei penal gravosa ........ 128
3.25 - Tratamento Constitucional das penas .......................................... 131
3.26 – Extradição ............................................................................... 135
3.27 - Devido processo legal, contraditório e ampla defesa ..................... 137
3.28 - Vedação às provas ilícitas .......................................................... 143
3.29 - Presunção de Inocência ............................................................. 146
3.30 - Identificação Civil ..................................................................... 150
3.31 - Ação Penal Privada Subsidiária da Pública .................................... 151
3.32 - Publicidade dos atos processuais ................................................ 152
3.33 - Prisão Civil .............................................................................. 153
3.33 – Assistência jurídica integral e gratuita ........................................ 154
3.34 – Erro judiciário .......................................................................... 155
3.35 – Gratuidade das certidões de nascimento e de óbito ...................... 155
3.36 – Gratuidade das certidões de habeas corpus e habeas data ............ 156
3.37 – Celeridade processual ............................................................... 156
4 – Questões ........................................................................................ 157
4.1 – Questões cobradas recentemente (2017)Erro! Indicador não
definido.
4.2 – Questões de anos anteriores ................ Erro! Indicador não definido.

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4.3 – Questões cobradas recentemente (2017)Erro! Indicador não


definido.
4.4 – Questões de anos anteriores ....................................................... 199
5 – Antecipando a discursiva .................................................................. 207

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AULA 01 – DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS


1 – Teoria dos direitos fundamentais

Ao tentarmos definir o significado do termo “direitos fundamentais”, parece


intuitivo delimitar aquele núcleo mínimo “indevassável”, cuja proteção em
face da interferência estatal permitiria uma maior amplitude de ação por parte
do indivíduo. Autores como Hugo Grócio e Samuel Puffendorf tentaram, sob
inspiração do direito natural, buscar de maneira objetiva um padrão mínimo, à
luz da razão humana, que pudesse ser suficiente para definir o conteúdo
elementar dos direitos de um indivíduo. Não é preciso ressaltar a difícil tarefa
que é atingir um grau de consenso quando lidamos com objetivismos em
situações que tratam de valores. O tempo acaba modificando algumas de
nossas premissas e valores estabelecidos no passado, sendo bastante
improvável alcançarmos sucesso na busca por um critério absoluto e atemporal
no campo axiológico (valorativo). Com efeito, na lição de Norberto Bobbio,
“da finalidade visada pela busca de fundamento, nasce a ilusão do
fundamento absoluto, ou seja, a ilusão de que – de tanto acumular
e elaborar razões e argumentos – terminaremos por encontrar a
razão e o argumento irresistível, ao qual ninguém poderá recusar a
própria adesão”. (A era dos direitos, Editora Campus, São Paulo,
13 tiragem p. 16).

Nesse contexto, cabe perquirir sobre uma possível diferença de


nomenclatura: A expressão “direitos fundamentais”
teria o mesmo significado do termo “direitos
humanos” ou seria razoável apontarmos uma
diferença? Parte da doutrina não atribui significativa diferença entre as
expressões, embora outra parcela postule que os direitos fundamentais dizem
respeito à uma ordem jurídica específica concretizadora das prerrogativas que
poderiam ser invocadas pelos indivíduos em sua relação com o Estado
(dimensão vertical) ou até mesmo em situações de conflito com os demais
indivíduos (dimensão horizontal), assunto eu trataremos mais adiante.
Em suma, quando a constituição de um Estado define a parcela dos direitos que
pertencem aos que se encontram sob seu domínio, dizemos que tais
prerrogativas possuem o nome de direitos fundamentais. Por outro lado, a
definição dos direitos humanos possui um profundo cunho universal de
inspiração jusnaturalista, sendo tratado pela doutrina como aqueles
pertencentes aos indivíduos em geral, independentemente de limites
geográficos, sendo estabelecidos globalmente pela simples fato de partilharmos

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os valores de uma comunidade humana. Como exposto anteriormente,


caracterizar direitos de maneira objetiva e universal é questão tormentosa, que
encontra profunda resistência na heterogeneidade cultural e no diferente
grau de desenvolvimento socioeconômico característicos de uma sociedade
humana com acentuado pluralismo.
Bernardo Gonçalves ao discorrer sobre o tema acentua que a leitura mais
recorrente e atual sobre o tema, é aquela que afirma que “os direitos
fundamentais” e os “direitos humanos” se separariam apenas pelo plano de
sua positivação, sendo, portanto, normas jurídicas exigíveis, os primeiros no
plano interno do Estado, e os segundos no plano do Direito Internacional,
e, por isso, positivados nos instrumentos de normatividade internacional (como
os Tratados e Convenções Internacionais, por exemplo).
==5ab0==

Sob a perspectiva didática, o mesmo autor estabelece a diferença entre os


termos “direitos do homem” (no sentido de direitos naturais, não positivados
ou ainda não positivados), “direitos humanos” (reconhecidos e positivados na
esfera do direito internacional) e “direitos fundamentais” (direitos positivados
e protegidos pelo direito constitucional interno de cada Estado).
Nomenclatura bastante utilizada pelos autores franceses em substituição ao
termo “direito fundamental” é “liberdade pública”. A doutrina, no entanto,
se apercebe de uma dificuldade nesse conceito, porquanto não seria suficiente
para abarcar os novos direitos econômicos e sociais que acompanharam a
evolução do papel do Estado, sendo, característicos, de um Estado
eminentemente liberal (Estado-Gendarme).
Por fim, importa assinalarmos a profunda comunicação entre direitos
humanos e direitos fundamentais apesar da conceituação diversa estabelecida.
Com efeito, na lição de Gilmar Mendes:
“essa distinção conceitual não significa que os direitos humanos e
os direitos fundamentais estejam em esferas estanques,
incomunicáveis entre si. Há uma interação recíproca entre eles. Os
direitos humanos internacionais encontram, muitas vezes, matriz
nos direitos fundamentais consagrados pelos Estados e estes, de
seu turno, não raro acolhem no seu catálogo de direitos
fundamentais os direitos humanos proclamados em diplomas e
declarações internacionais. É de ressaltar a importância da
Declaração Universal de 1948 na inspiração de tantas constituições
do Pós-Guerra”.

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2 – Classificação dos direitos fundamentais

2.1 – Gerações ou dimensões dos direitos


fundamentais

A Doutrina aponta como marco da teoria geracional uma palestra proferida por
Karel Vasak em conferência de 1979, evento em que o celebrado autor
subdividiu e classificou os direitos humanos em três gerações com
características específicas, sendo cada qual associada ao lema da Revolução
Francesa:

2ª geração
"igualdade"

A 1ª geração abarca os direitos relacionados às prestações negativas do


Estado, representados pela ausência de ingerência estatal no campo das
liberdades clássicas (direitos civis e políticos). Representam, nesse aspecto, um
autêntico “direito de defesa” do indivíduo contra as interferências ilegítimas
do Estado em sua autonomia privada. Como cediço, são os direitos
característicos do Estado Gendarme, polícia ou guarda noturno, próprio dos
movimentos liberais das revoluções Americana e Francesa do século XVIII.
Estão nessa geração, por exemplo, o direito à liberdade, propriedade,
intimidade e segurança, característicos de uma atuação essencialmente
reguladora do Estado, consoante explanado.

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Dissentindo um pouco dessa visão e aprofundando o tema, André de Carvalho


Ramos percebe uma característica não apenas passiva do Estado no campo das
liberdades, pois estas, na sua visão, demandariam tanto um papel passivo
quanto uma atuação positiva (ativa) na busca de efetiva concretização. O autor
afirma, nessa linha, que
o papel do Estado na defesa dos direitos de primeira geração é
tanto o tradicional papel passivo (abstenção em violar os direitos
humanos, ou seja, prestações negativas) quanto ativo, pois há de
se exigir ações do Estado para garantia da segurança pública,
administração da justiça, entre outras.

A 2ª geração de direitos (igualdade) denota o aspecto evolutivo do Estado,


contemplando uma característica mais participativa (ativa) desse ente na busca
pela efetiva materialização dos direitos sociais e econômicos e estabelecidos nas
constituições surgidas a partir do século XX. São marcos dessa perspectiva, a
Constituição Mexicana de 1917 (estabelecendo normas de direito do trabalho e
previdenciário) e a Constituição alemã de Weimar de 1919 (regulando os
deveres do Estado no campo social).
É importante ressaltar que os direitos de segunda geração encontram certa
resistência no campo de seu reconhecimento por impactarem de maneira
evidente o caráter econômico-orçamentário da atividade estatal, sendo muitas
vezes levantado na defesa do erário o princípio da reserva do possível,
oriundo da doutrina alemã.
Como afirma Marcelo Novelino,
a implementação das prestações materiais e jurídicas exigíveis
para a redução das desigualdades no plano fático, por
dependerem, em certa medida, da disponibilidade orçamentária do
Estado (“reserva do possível”), faz com que estes direitos tenham
uma efetividade menor que os direitos de defesa.

A defesa de uma maior concretização dos direitos de segunda geração


(princípio da igualdade) faz com que Paulo Bonavides afirme a necessidade do
surgimento de “garantias institucionais” que objetivem servir de proteção
contra o esvaziamento das normas de caráter social, definindo, de seu turno,
um novo conteúdo aos direitos fundamentais.
Para Novelino, no entanto,
as garantias institucionais, embora consagradas nas Constituições,
não se configuram como direitos subjetivos atribuídos diretamente
ao indivíduo, mas como normas protetivas de instituições
enquanto realidades sociais objetivas, tais como a família, a
imprensa livre e o funcionalismo público. Por não garantirem

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aos particulares posições subjetivas autônomas, não lhes é


aplicado o regime de direitos fundamentais [grifo nosso].

No campo do princípio da fraternidade ou solidariedade (direitos de


terceira geração) temos as prerrogativas inerentes à comunidade política, de
titularidade coletiva (transindividual) e consubstanciados nos valores inerentes
à sobrevivência do homem enquanto espécie inserida numa sociedade
organizada. Podemos citar como direitos dessa geração, o direito ao
desenvolvimento, direito à autodeterminação dos povos, direito à paz,
ao meio ambiente equilibrado e o direito à comunicação.
Para André de Carvalho Ramos, os direitos de terceira geração
são oriundos da constatação da vinculação do homem ao
planeta Terra, com recursos finitos, divisão absolutamente
desigual de riquezas em verdadeiros círculos viciosos de miséria e
ameaças cada vez mais concretas à sobrevivência da espécie
humana [grifo nosso].

No contexto de sociedades complexas e globalizadas, alguns autores postulam


novas gerações no campo dos direitos fundamentais. Para Bonavides, o
direito à democracia, o direito à informação e ao pluralismo formariam
uma quarta geração de direitos, diferindo da limitação anteriormente
estabelecida pela doutrina tradicional. Autores como Norberto Bobbio colocam
nessa geração os direitos relacionados ao desenvolvimento biotecnológico
da humanidade, como o direito contra manipulações genéticas.
Paulo Bonavides incorpora ainda uma quinta geração, visualizando o direito à
paz como ente autônomo em relação aos demais, discordando, em essência, da
classificação desse direito como pertencente à terceira geração, conforme
exposto anteriormente.
Algumas críticas são tecidas à subdivisão dos direitos
fundamentais/humanos em gerações, adotando alguns autores o conceito de
dimensões de direitos (e.g., Bonavides), porquanto a ideia de gerações pode,
erroneamente, caracterizar a substituição de um grupo de direitos por outros ao
longo do tempo. Ademais, como aponta André de Carvalho Ramos, o termo é
bastante criticável em face das novas interpretações sobre o conteúdo dos
direitos. O autor promove a seguinte indagação:
Como classificar o direito à vida? Em tese, seria um
direito tradicionalmente inserido na primeira geração
de Vasak, mas hoje há vários precedentes
internacionais e nacionais que exigem que o Estado
realize diversas prestações positivas para assegurar uma vida digna
(e.g.,fornecimento de saúde, moradia, educação, etc.), o que colocaria o

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direito à vida, de certo modo, na segunda geração de direitos. É o que a


doutrina denomina de dupla acepção do direito à vida, porquanto não só
uma existência biológica tem que ser assegurada pelo Estado, devendo a
atividade governamental contemplar a possibilidade de desenvolvimento
completo do indivíduo, característica alcançada apenas com a realização de
seus múltiplos projetos de vida.
Na prova do MPE-PR (Promotor de Justiça) foi perguntado na prova discursiva:
Qual a dupla acepção do direito à vida? Na prova da
DPU desse ano o examinador perguntou:
(CESPE / DPU – 2016) O direito fundamental à vida
também se manifesta por meio da garantia de condições para uma existência
digna. Item correto.
A ideia de fragmentariedade também é muito presente na classificação dos
direitos em gerações, violando o aspecto de indivisibilidade, característica
que veremos a seguir. Por fim, para criticar mesmo a subdivisão em dimensões
de direitos fundamentais, afirma o autor que “apesar da mudança de
terminologia, restaria a crítica da ofensa à indivisibilidade dos direitos humanos
e aos novos conteúdos dos direitos protegidos (...)”.
Em suma, vimos que o critério de dimensões/gerações de direito são passíveis
de controvérsias, embora as diferentes classificações sejam um importante
instrumento para a compreensão dos direitos fundamentais. É importante que o
candidato conheça não somente a classificação geracional/dimensional do
direito, mas, também, as críticas dirigidas a esta subdivisão. Tomando como
exemplo, essa análise crítica foi cobrada pelo examinador de Constitucional na
última prova oral do TRF1.

2.2 – Características dos direitos fundamentais

De acordo com a doutrina majoritária, podemos enumerar as


características dos direitos fundamentais, enquanto critério autônomo na
relação com os demais direitos do ordenamento constitucional:
a) Universalidade, pois qualquer indivíduo se encontra sob a égide dos
direitos fundamentais, mormente quando observado o princípio da
dignidade da pessoa humana, cujos contornos são dotados de
aplicabilidade universal;
b) Imprescritibilidade, pois os direitos fundamentais não são afetados
pelo decurso do tempo pelo fato de não serem invocados pelo seu
titular.

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c) Relatividade, posto que não gozam de um valor absoluto, sendo


possível uma ponderação e limitação de direitos quando cotejados com
outros direitos também fundamentais;
d) Irrenunciabilidade, em regra, pois os direitos não podem ser objeto
de renúncia pelo titular. È importante considerar, entretanto, que a
irrenunciabilidade não inviabiliza a autolimitação voluntária de direitos
em uma situação concreta específica. Caso emblemático seria a
limitação de direitos relacionados à intimidade em programas de “reality
show”.
e) Historicidade, já que os direitos humanos são fruto de um lento e
gradual processo histórico. Importante salientar a posição de Bernardo
Gonçalves ao afirmar que “a conclusão é que os direitos fundamentais
historicamente vão não só se agregando (acréscimo de novos direitos)
devido a novas querelas sociais, mas também pela mutabiidade se
reinterpretando (redefinição dos direitos já existentes) a novos
contextos (paradigmas) ou novas realidades sociais”.
f) Inalienabilidade, de maneira que constata-se a impossibilidade de
transferência de um direito fundamental para novos titulares,
característica inerente ao princípio da dignidade da pessoa humana.
g) Inviolabilidade, posto que seus preceitos não podem ser infirmados
por atos do poder público, sob pena de nulificação.
h) Complementaridade, demandando, por isso, uma exegese sistemática
dessas prerrogativas, a fim de que não ocorra uma interpretação isolada
e sem sentido das normas do ordenamento.
i) Efetividade, porquanto, a atuação do poder público deve ser pautada
na garantia e cumprimento dos direitos fundamentais.
j) Aplicabilidade imediata, nos termos do Art. 5º, §1º do texto
constitucional. Cabe apontar, no entanto, a controvérsia desse
dispositivo, asseverando alguns autores que os direitos fundamentais só
possuem aplicação imediata se as normas que os definem estiverem
completas na hipótese e no dispositivo.
k) Enumeração aberta, uma vez que, nas palavras de Leonardo Vizeu
Figueiredo, “os direitos fundamentais constituem categoria jurídica
aberta e mutável, sujeita à influência de necessidade e valores políticos,
sociais e históricos (art. 5º, §2º, da CRFB)”.
l) Indivisibilidade, segundo André Carvalho Ramos, consiste no
reconhecimento de que todos os direitos humanos possuem a mesma
proteção jurídica, uma vez que são essenciais para uma vida digna.

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Assim, qualquer geração de direitos merece idêntica proteção por parte


do Estado, não devendo haver ordem de preferência ou preterição no
combate às suas violações.

Universalidade

DIREITOS FUNDAMENTAIS Imprescritibilidade

Relatividade
CARACTERÍSTICAS DOS

Irrenunciabilidade

Historicidade

Inalienabilidade

Inviolabilidade

Complementaridade

Efetividade

Aplicabilidade
imediata

Enumeração aberta

Indivisibilidade

Na prova da defensoria pública de Goiás de 2014 (banca UFG) foi cobrada a


classificação acima:

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Questão 11. A Constituição Federal de 1988 é conhecida


como a “Constituição Cidadã” em função de seu vasto rol de
direitos e garantias fundamentais. Nesse sentido, a
característica principal dos direitos fundamentais é a
indivisibilidade, o que significa reconhecer que os direitos
fundamentais não comportam divisão no tempo, sendo,
portanto, imprescritíveis.
Comentário: Como vimos, a indivisibilidade obriga um dever
de proteção estatal a todos os direitos e não o
reconhecimento de que os direitos são imprescritíveis, tendo
essa característica fundamento próprio.

2.3 – Diferença entre direitos e garantias


fundamentais

A doutrina estabelece a distinção entre direitos e garantias fundamentais.


Como definição genérica, podemos dizer que as garantias servem como
instrumentos de consecução dos direitos fundamentais, ou seja, permite que os
mesmos sejam efetivamente assegurados. Ao esmiuçar o tema, Guilherme Peña
de Moraes estabelece cinco diferenças principais:
“Em primeiro lugar, quanto à natureza da regra de positivação,
as regras de direitos fundamentais são qualificadas como
dispositivos declaratórios, dado que reconhecem direitos e a eles
concedem existência normativa, ao passo que as regras de
garantias constitucionais são reputadas como disposições
assecuratórias, eis que estabelecem limitações ao poder em defesa
de direitos. Em segundo lugar, quanto à limitação espacial, os
direitos fundamentais, mormente os direitos de fraternidade, não
são providos de limitação espacial, enquanto as garantias
constitucionais somente existem dentro do Estado. Em terceiro
lugar, quanto à atribuição de prerrogativas, as normas de direitos
fundamentais atribuem, a seus destinatários, uma faculdade de
agir ou de exigir em proveito próprio ou do grupo social a que
pertencem, ao passo que as normas de garantias constitucionais
não atribuem nenhuma faculdade jurídica, limitando-se a um
sentido organizatório objetivo. Em quarto lugar, quanto à função,
os direitos fundamentais desempenham uma função principal,
porquanto constituem um fim em si mesmo, enquanto as garantias
constitucionais desenvolvem uma função instrumental, conquanto
sejam instrumentos para o asseguramento daqueles. Por fim,
quanto ao conteúdo, as regras de direitos fundamentais

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podem ter conteúdo positivo ou negativo, posto que concernentes


a um facere ou non facere, ao passo que as regras de garantias
constitucionais têm sempre conteúdo positivo, visto que
determinam a atuação do Estado ou dos próprios indivíduos”.

Na prova objetiva de Defensor Público do Estado de Goiás (2014) foi cobrada a


distinção entre direitos e garantias fundamentais:

Os direitos fundamentais diferenciam-se das garantias


fundamentais na medida em que os direitos se declaram,
enquanto as garantias têm um conteúdo assecuratório
daqueles. (gabarito correto)
Comentário: Exatamente o que foi enunciado no item acima,
tendo os direitos natureza declaratória e as garantias
assecuratória.

Na prova discursiva do TJRS (2012) para o cargo de Juiz de Direito, o


examinador perquiriu aos candidatos sobre a mesma diferença:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer


natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes do país a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade
(Constituição Federal, art. 5º, caput)”.
Estabeleça a distinção entre direitos e garantias individuais
segundo a doutrina.

2.4. – Dupla fundamentalidade dos direitos


fundamentais

Entende Ingo Sarlet que “direitos fundamentais são posições jurídicas


reconhecidas e protegidas na perspectiva do direito constitucional
interno dos Estados”. Em continuidade, assevera o autor que a nota distintiva
da fundamentalidade, ou seja, o que qualifica um direito como fundamental é a
circunstância de ter uma especial proteção tanto do ponto de vista formal
quanto material. Em suma, a fundamentalidade de um direito é
simultaneamente formal e material.
Nesse contexto, a fundamentalidade formal encontra-se ligada ao direito
constitucional positivo, tanto de forma expressa ou implicitamente

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considerado, denotando um regime jurídico qualificado por alguns


elementos:
a) Como parte integrante da constituição escrita, os direitos
fundamentais situam-se no ápice de todo o ordenamento jurídico,
gozando da supremacia hierárquica das normas
constitucionais(lembrando que embora existam direitos
fundamentais constitucionais nem todos direitos fundamentais são
constitucionais);

b) Na qualidade de normas constitucionais, encontram-se submetidos


aos limites formais (procedimento agravado) e materiais (cláusulas
pétreas) da reforma constitucional (art. 60 da CF), muito embora se
possa controverter a respeito dos limites da proteção outorgada pelo
constituinte;

c) Além disso, as normas de direitos fundamentais são diretamente


aplicáveis e vinculam de forma imediata as entidades públicas e,
mediante as necessárias ressalvas e ajustes, também os atores
privados (art. 5º, §1º, da CF).

Por outro lado, segue Sarlet, a fundamentalidadematerial implica análise do


conteúdo dos direitos, isto é, da circunstância de conterem, ou não, decisões
fundamentais sobre a estrutura do Estado e da sociedade, de modo especial,
porém, no que diz com a posição nestes ocupada pela pessoa humana.
Assim, a dupla fundamentalidade dos direitos fundamentais na constituição
brasileira é caracterizada pela perspectiva tanto formal quanto material
dessas prerrogativas constitucionais.
Tema que suscita debate também nessa seara é a
possibilidade ou não de que direitos
fundamentais sejam reconhecidos apenas em sua
perspectiva material, ou seja, que posições jurídicas
relevantes por seu conteúdo ou significado sejam também caracterizadas como
fundamentais a despeito de não ter assento em uma constituição formal,
principalmente pela existência de norma de extensão contida no § 2º do art. 5º
da CF, ao asseverar que “os direitos e garantias expressos nesta
Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios
por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte”.
Nesse ponto, poder-se-ia argumentar a existência de uma diferenciação entre
direitos fundamentais em sentido formal e material, como bem aponta

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Canotilho ao afirmar que “direitos fundamentais em sentido material são


aqueles que, apesar de se encontrarem fora do catálogo, por seu conteúdo e
por sua importância podem ser equiparados aos direitos formalmente (e
materialmente) fundamentais”.
Sarlet, inspirado em Jorge Miranda, argumenta que “o reconhecimento da
diferença entre direitos formal e materialmente fundamentais traduz a ideia de
que o direito constitucional brasileiro (assim como o lusitano) aderiu a certa
ordem de valores e de princípios, que, por sua vez, não se encontra
necessariamente na dependência do Constituinte, mas que também encontram
respaldo na ideia dominante de Constituição e no senso jurídico coletivo”.
Sistematicamente, portanto, teríamos:
a) Direitos formalmente e materialmente fundamentais, mesmo que de
maneira implícita;
b) Direitos apenas materialmente constitucionais, no sentido de que se
encontram ausentes do texto constitucional.
Ressalte-se ainda importante doutrina que advoga a tese da existência de
direitos apenas formalmente constitucionais, que seriam aqueles constantes
no “catálogo” elencado pela Constituição, mas que não teriam relação direta
com a dignidade da pessoa humana e outros bens e valores fundamentais
compartilhados pela sociedade brasileira e pela comunidade internacional.
Nesse diapasão, por exemplo, Ricardo Lobo Torres leciona que “os direitos
sociais, notadamente os que não correspondem às exigências do mínimo
existencial e na medida em que vão além de tal mínimo, embora previstos no
texto constitucional não são verdadeiros direitos fundamentais”.
Cabe ainda a indagação sobre a existência ou não de direitos fundamentais
positivados apenas na legislação infraconstitucional.
Ao aludir que Jorge Miranda admite essa possibilidade, Ingo Sarlet propõe
cautela sobre o tema, porquanto “ao legislador infraconstitucional cabe, em
primeira linha, o papel de concretizar e regulamentar (eventualmente
restringir) os direitos fundamentais positivados na Constituição (...) também a
tradição (sem qualquer exceção) do nosso direito constitucional aponta para
uma exclusão da legislação infraconstitucional como fonte de direitos
materialmente fundamentais, até mesmo pelo fato de nunca havido referência à
lei nos dispositivos que consagraram a abertura de nosso catálogo de direitos,
de tal sorte que nos posicionamos, em princípio, pela inadmissibilidade dessa
espécie de direitos fundamentais em nossa ordem constitucional”.
Por fim, importante o registro do mesmo autor de que muitas vezes o direito
fundamental elencado na legislação infraconstitucional, nada mais é do que a

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explicitação de direitos originados na própria Constituição, ainda que de


maneira implícita. Pode-se tomar como exemplo o direito fundamental
constitucional aos alimentos que, em última análise, poderia ser deduzido
do direito à vida com dignidade.

2.4.1 – Dimensões objetiva e subjetiva dos direitos


fundamentais

Na doutrina alemã é possível encontrar uma dupla orientação a respeito das


diferentes dimensões dos direitos fundamentais, mormente em seus aspectos
objetivos e subjetivos.
Na vertente subjetiva, o tratamento dos direitos fundamentais revela
contornos de posição jurídica, impondo uma atuação positiva ou negativa do
poder público de acordo com a situação jurídica em que se encontram os
indivíduos.
No paradigma objetivo, a observância da efetividade dos direitos fundamentais
deve assegurar a aplicação dos valores predominantes em uma comunidade,
devendo o poder público assegurar a promoção desses mesmos valores, ainda
que não vislumbre uma agressão efetiva a direitos subjetivos fundamentais.
É o que a doutrina nomeia de “eficácia irradiante” dos direitos fundamentais,
na medida em que não apenas as situações concretas devem ser orientadas
pelo respeito aos direitos fundamentais, devendo sua observância perpassar
todo o ordenamento e servir de orientação, por exemplo, ao Poder Legislativo
na elaboração de leis, ao Poder Executivo no trato e administração da “res
publica” e, por fim, ao Poder Judiciário no processo interpretativo das leis.
Nesses termos, como aponta Bernardo Gonçalves,
os direitos fundamentais seriam vistos não só como direitos de
defesa (garantias negativas), ligados a um dever de omissão, (um
não fazer ou não interferir do estado no universo privado dos
cidadãos), e direitos de prestações (garantias positivas) para o
exercício de liberdades (...), mas, além disso, nos termos
objetivos, eles, como base do ordenamento, seriam um “vetor” a
ser seguido (pelos poderes públicos e particulares) para
interpretação e aplicação de todas as normas constitucionais [grifo
nosso].

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Tema que encontra alguma controvérsia em âmbito


doutrinário é a caracterização dos direitos
sociais como direitos fundamentais e a
possibilidade de aplicação das dimensões subjetiva
e objetiva a essa espécie de norma, mormente pelo fato de que sua
concretude depende de uma atuação positiva do Estado que muitas vezes
encontram limitações decorrentes daquilo que por convenção denomina-se de
princípio da reserva do possível.
Com efeito, a expressão “reserva do possível”
(VorbehaltdesMöglichen) foi utilizada pela primeira vez
pelo Tribunal Constitucional Federal Alemão, em
julgamento proferido em 18 de julho de 1972. Trata-se de decisão que
analisou a constitucionalidade, em controle concreto, de normas de
direito estadual que regulamentavam a admissão aos cursos superiores de
medicina nas universidades de Hamburgo e da Baviera nos anos de 1969 e
1970. Em razão do exaurimento da capacidade de ensino dos cursos de
medicina, foram estabelecidas limitações absolutas de admissão. Em sentido
oposto, argumentava-se estar diante de ofensa ao artigo 12, I, da Lei
Fundamental alemã, que cuida da liberdade profissional e dispõe que “todos os
alemães têm o direito de livremente escolher profissão, local de trabalho e de
formação profissional. O exercício profissional pode ser regulamentado por lei
ou com base em lei. O Tribunal, por sua vez, entendeu ser possível restringir o
acesso aos cursos de medicina, porquanto os direitos sociais de participação em
benefícios estatais “se encontram sob a reserva do possível, no sentido de
estabelecer o que pode o indivíduo, racionalmente falando, exigir da
coletividade.”
Destarte, a expressão reserva do possível parece sustentar a ideia de que não
é possível conceder aos indivíduos tudo o que pretendem, pois há pleitos
cuja exigência não é razoável. A despeito disso, parte da doutrina parece
sustentar a ideia de que o “regime geral” dos direitos fundamentais
permanece aplicável mesmo diante de direitos de natureza social.
Nessa perspectiva, Ingo Sarlet aduz que
aos direitos sociais também se aplica (...) o disposto no art. 5º, §
1º, da CF, de tal sorte que, a exemplo das demais normas de
direitos fundamentais, as normas consagradoras de direitos sociais
possuem aplicabilidade direta, ainda que o alcance de sua eficácia
deva ser avaliado sempre no contexto de cada direito social e em
harmonia com outros direitos fundamentais (sociais ou não),
princípios e mesmos interesses públicos e privados.

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Mais adiante, o mesmo autor argumenta que também deve ser aplicável aos
direitos fundamentais sociais a proteção contra o poder de reforma
constitucional e contra intervenções restritivas por parte dos órgãos
estatais, já que na esfera dos direitos fundamentais sociais, passou a ganhar
espaço a tese da proibição do retrocesso (efeito cliquet) como “garantia
implícita” dessas mesmas prerrogativas, corroborando a percepção de que
mesmo essa espécie de direitos fundamentas encontra guarida contra
mudanças que busquem afetar seu núcleo essencial (entricheiramento ou
preservação do mínimo já concretizado dos direitos fundamentais).
Para o celebrado autor, os direitos de natureza social também apresentam uma
dimensão subjetiva e objetiva (dupla dimensão). Como decorrência da
primeira, como visto, os direitos fundamentais são posições jurídicas
passíveis de exigência por parte de seus titulares, a despeito de alguma
dificuldade ou objeção, como atentamos na parte em que comentamos o
princípio da reserva do possível. A doutrina e jurisprudência brasileiras possuem
uma forte percepção de que argumentos de natureza econômico-pragmáticas
não podem afetar a esfera do mínimo existencial dessa espécie de direito,
concebendo essa premissa como uma garantia das condições materiais mínimas
para uma vida com dignidade, especialmente no tratamento jurisprudencial do
direito à saúde e educação.
Na perspectiva objetiva, ainda levando em conta a lição de Sarlet, a tutela dos
direitos sociais “reflete o estreito liame desses direitos com o sistema de
fins e valores constitucionais a serem respeitados e concretizados por
toda a sociedade (princípio da dignidade da pessoa humana, superação das
desigualdades sociais e regionais, construção de uma sociedade livre, justa e
solidária). Nessa esfera (...) também as normas de direitos sociais (sendo
normas de direitos fundamentais) possuem uma eficácia dirigente ou
irradiante, decorrente da perspectiva objetiva, que impõe ao Estado o dever
de permanente realização dos direitos sociais, além de permitir às normas de
direitos sociais operarem como parâmetro, tanto para a aplicação e
interpretação do direito constitucional, quanto para a criação e o
desenvolvimento de instituições, organizações e procedimentos voltados à
proteção e promoção dos direitos sociais”.

2.5 – Titularidade dos direitos fundamentais

Enfoque recente tanto sob o viés doutrinário quanto jurisprudencial, diz respeito
à faculdade de gozo de direitos e garantias fundamentais, ou seja,

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perquirir sobre os indivíduos ou entidades a quem as prerrogativas inerentes à


titularidade de direitos fundamentais são direcionados.
Somente as pessoas físicas possuem esses atributos?
Órgãos públicos poderiam ter garantias
fundamentais? Pessoas jurídicas podem sofrer
danos em sua personalidade? Estrangeiros
poderiam gozar de algumas garantias constitucionais ao se
encontrarem em território nacional?
O artigo 5º, caput, da Constituição de 88 afirma que todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
dos incisos posteriores. 5

De uma leitura rápida do artigo poderíamos chegar à errônea conclusão de


que as pessoas jurídicas (por exemplo, partidos políticos, poder publico, etc.),
bem como os estrangeiros não-residentes, se encontrariam excluídos do
âmbito de proteção dos direitos fundamentais. Nada mais equivocado! A
doutrina e a jurisprudência mediante uma interpretação sistemática desse
artigo vêm adotando uma interpretação extensiva dos sujeitos por ele
abrangidos, de modo que os estrangeiros não residentes, apátridas e as
pessoas jurídicas de direito público ou privado podem, em determinadas
situações, gozar das faculdades abarcadas pelos direitos fundamentais e,
também, das garantias a eles inerentes.
Exemplo da interpretação ampliativa no âmbito da jurisprudência é a súmula
227 do STJ que afirma: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”. No caso de
pessoas jurídicas de direito público, o mesmo tribunal rechaçou a ideia de que
tais entes pudessem sofrer ofensas no que tange aos direitos de personalidade
(honra). Pela importância do tema, transcrevemos a decisão publicada no
informativo 534 de fevereiro de 2014:

A pessoa jurídica de direito público não tem direito à indenização por danos
morais relacionados à violação da honra ou da imagem. A reparação integral do
dano moral, a qual transitava de forma hesitante na doutrina e jurisprudência,
somente foi acolhida expressamente no ordenamento jurídico brasileiro com a
CF/1988, que alçou ao catálogo dos direitos fundamentais aquele relativo à
indenização pelo dano moral decorrente de ofensa à honra, imagem, violação da vida
privada e intimidade das pessoas (art. 5º, V e X). Por essa abordagem, no atual

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cenário constitucional, a indagação sobre a aptidão de alguém de sofrer dano moral


passa necessariamente pela investigação da possibilidade teórica de titularização de
direitos fundamentais. Ocorre que a inspiração imediata da positivação de direitos
fundamentais resulta precipuamente da necessidade de proteção da esfera individual
da pessoa humana contra ataques tradicionalmente praticados pelo Estado. Em razão
disso, de modo geral, a doutrina e jurisprudência nacionais só têm reconhecido às
pessoas jurídicas de direito público direitos fundamentais de caráter
processual ou relacionados à proteção constitucional da autonomia,
prerrogativas ou competência de entidades e órgãos públicos, ou seja,
direitos oponíveis ao próprio Estado, e não ao particular. Porém, em se tratando
de direitos fundamentais de natureza material pretensamente oponíveis contra
particulares, a jurisprudência do STF nunca referendou a tese de titularização por
pessoa jurídica de direito público. Com efeito, o reconhecimento de direitos
fundamentais – ou faculdades análogas a eles – a pessoas jurídicas de direito público
a
não pode jamais conduzir à subversão da própria essência desses direitos, que é o
feixe de faculdades e garantias exercitáveis principalmente contra o Estado, sob pena
de confusão ou de paradoxo consistente em ter, na mesma pessoa, idêntica posição
jurídica de titular ativo e passivo, de credor e, a um só tempo, devedor de direitos
fundamentais. Finalmente, cumpre dizer que não socorrem os entes de direito público
os próprios fundamentos utilizados pela jurisprudência do STJ e pela doutrina para
sufragar o dano moral da pessoa jurídica. Nesse contexto, registre-se que a Súmula
227 do STJ (“A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”) constitui solução pragmática
à recomposição de danos de ordem material de difícil liquidação. Trata-se de
resguardar a credibilidade mercadológica ou a reputação negocial da empresa, que
poderiam ser paulatinamente fragmentadas por violações de sua imagem, o que, ao
fim, conduziria a uma perda pecuniária na atividade empresarial. Porém, esse cenário
não se verifica no caso de suposta violação da imagem ou da honra de pessoa jurídica
de direito público. REsp 1.258.389-PB, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado
em 17/12/2013.

No âmbito dos tribunais superiores, as decisões gravitam no sentido de permitir


às pessoas jurídicas de direito público o gozo de prerrogativas processuais,
assim como garantir a defesa das instituições contra violações originadas pelo
próprio poder público, ainda que o órgão público afetado não tenha
personalidade jurídica constituída - a doutrina assenta a diferença entre
personalidade jurídica (ordem material) e personalidade judiciária de natureza
processual. Como afirma a recente súmula 525 do STJ:
“A Câmara de Vereadores não possui personalidade jurídica,
apenas personalidade judiciária, somente podendo demandar em
juízo para defender os seus direitos institucionais”.

No caso de estrangeiros não residentes, o STF já assegurou a possibilidade


de ajuizamento de Habeas Corpus no caso de eventuais violações no direito

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de locomoção:
É inquestionável o direito de súditos estrangeiros ajuizarem, em
causa própria, a ação de ‘habeas corpus’, eis que esse remédio
constitucional – por qualificar-se como verdadeira ação popular – pode ser
utilizado por qualquer pessoa, independentemente da condição jurídica
resultante de sua origem nacional. (RTJ 164/193-194, Rel. Min. CELSO DE
MELLO).

A respeito da possibilidade de estrangeiros residentes usufruírem benefícios de


natureza assistencial (LOAS), a matéria se encontra submetida ao regime de
repercussão geral no STF (tema 173), julgamento que certamente será cobrado
em certames futuros.
Esse tema foi cobrado na prova de Defensor Público do Estado de Goiás (2014):
b
Os direitos fundamentais são de titularidade exclusiva das
pessoas naturais, dado que decorrentes do princípio da
dignidade da pessoa humana.
Comentário: Conforme explicado não apenas as pessoas
naturais são titulares de direitos fundamentais, porquanto as
pessoas jurídicas de direito público e privado também possuem
tal prerrogativa. Assertiva incorreta.

2.6 – A teoria dos Status de Jellinek

Teoria que merece ser destacada por relevante cobrança em concursos é a


teoria dos quatro status dos direitos fundamentais concebida por Georg
Jellinek no século XIX. Para tal teoria, o indivíduo no bojo de uma relação mista
de direitos e deveres frente ao Estado se encontra em quatro posições (status)
principais, quais sejam: a) status passivo ou subjectionis; b) status
negativo ou libertatis; c) status positivo ou civitatis; d) status ativo ou
activus.
No status passivo, o indivíduo encontra-se em estado de completa
subordinação ou submissão na sua relação com o Estado, possuindo apenas
deveres a serem cumpridos para a consecução do bem comum. Destarte, o
Estado vincula o indivíduo através de mandamentos, proibições e limitações
de sua conduta com objetivos finalísticos.
No status negativo é possível vislumbrar a possibilidade de resistência do
indivíduo em face da conduta dos poderes públicos, uma vez que a ação do
Estado encontra limites em prerrogativas reconhecidas pelo ordenamento
jurídico aos indivíduos. Nesse status é direito do indivíduo exigir uma

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abstenção estatal no conteúdo mínimo intransponível de sua autonomia ou


liberdade, obviamente, se esse limite não interferir na esfera de liberdade
alheia, caso em que torna-se imperiosa a interferência do Estado. Como aponta
Jorge Miranda ao citar Jellinek, o poder do Estado é exercido sobre “homens
livres”.
A terceira situação é chamada de status positivo, no qual o indivíduo tem o
faculdade de exigir o cumprimento de prestação positivas (dever de ação) por
parte do Estado, objetivando, outrossim, o atendimento de suas necessidades.
Vemos aqui que a função liberal clássica de abstenção estatal (obrigação de não
fazer) adquire novos contornos, de maneira que, a partir dessa nova
configuração, é possível ao indivíduo interferir no comportamento dos poderes
públicos em busca da satisfação de seus pleitos.
No quarto status, chamado ativo, 0 é possível ao indivíduo participar
ativamente na vontade política do Estado, sendo incluída nessa abordagem,
por exemplo, a possibilidade de ocupação de cargos públicos. O STF, ao citar
textualmente a teoria de Jellinek no RE 598.099/MS, decidiu que a
Administração pública está vinculada ao número de vagas previstas no Edital de
concursos públicos. O Tribunal concluiu que o candidato aprovado dentro do
número de vagas previstas possui direito subjetivo à nomeação no cargo
almejado, tendo em vista que o poder público também deve obediência aos
princípios da boa-fé e da confiança legítima (faceta do princípio da segurança
jurídica), sendo a “acessibilidade aos cargos públicos um direito fundamental
expressivo da cidadania (...) uma das faces mais importantes dos status activus
dos cidadãos conforme a conhecida “teoria dos status” de Jellinek”.

Status passivo ou subjectionis


JELLINEK

Status negativo ou libertatis

Status positivo ou civitatis

Status ativo ou activus

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Bernardo Gonçalves correlaciona a teoria dos status com a classificação em


funções dos direitos fundamentais, subdividindo-os a partir desse critério em:
“direitos de defesa (são, em linhas gerais, aqueles em que se
caracterizam por impor ao Estado um dever de abstenção ou de
não interferência no espaço de autodeterminação do indivíduo.
Como exemplos: art 5º, II, III, IV e VI da CR/88), de prestação
(são, em linhas gerais, aqueles que exigem uma atuação para
atenuar as desigualdades. Com isso, requerem uma atuação
positiva no sentido de redução das desigualdades faticossociais,
justamente para que os indivíduos possam desfrutar das
liberdades alcançadas pela efetivação dos clássicos direitos de
defesa), e, para alguns autores, também teríamos os direitos de
participação (são aqueles que visam a garantir a participação
do indivíduo como um cidadão ativo na formação da vontade
política do Estado e da sociedade)”.

Por fim, o mesmo autor, com fundamento na doutrina de autores americanos -


propriamente Cass Sustein e Stephen Holmes, afirma que a dicotomia
direitos de defesa X direitos de prestação não é cerrada, defendendo
mesmo a sua superação, na medida em que para a efetivação dos direitos de
defesa, por exemplo, o Estado direciona recursos públicos, o que demandaria
uma atuação positiva e não apenas uma abstenção estatal clássica (e.g, a
defesa do direito de propriedade requer gastos em segurança pública com um
efetivo policial nas ruas).
Na prova discursiva do TJDFT (2007) para o cargo de Juiz de Direito o
examinador exigiu o conhecimento da teoria dos status:

“Dissertação. Tema: As diferentes funções dos direitos


fundamentais na ordem jurídica a partir da “Teoria dos quatro
status” de Jellinek”.

2.7 – Limites aos direitos fundamentais e a tese dos


limites dos limites

Dentro da característica de relatividade dos direitos fundamentais, cabe agora


explicitar as teorias dominantes a respeito da possibilidade de restrição do seu
âmbito de proteção. De fato, a própria definição do âmbito de proteção é tarefa
deveras tormentosa, podendo abarcar uma interpretação sistemática de
diversas disposições constitucionais conflitantes, onde é costumeira a utilização
da técnica da ponderação. Por vezes, a norma constitucional confere ao
legislador um amplo poder de conformação ou regulação do direito

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fundamental, o que, doutrinariamente, é denominado de âmbito de proteção


estritamente normativo (e.g., a pequena propriedade definida por lei, direitos
dos autores em relação a suas obras pelo tempo estabelecido por lei, etc.). Na
importante definição de Gilmar Mendes,
como essa categoria de direito fundamental confia ao legislado,
primordialmente, o mister de definir, em essência, o próprio
conteúdo do direito regulado, fala-se, nesses casos, de regulação
ou de conformação em lugar de restrição [grifo nosso].

Em outros dispositivos, a constituição efetua uma restrição dos direitos


fundamentais em seu próprio corpo (superação da inviolabilidade do domicílio
em caso de desastre, socorro, flagrante delito ou determinação judicial) ou
invoca o legislador infraconstitucional para que efetue essa tarefa (e.g, o sigilo
das comunicações poderá ser levantado por lei, é livre o exercício de qualquer
trabalho desde que atendidas as qualificações legais, etc.).
Cabe afirmar que essa segunda situação (restrição a direitos) só existe para
os adeptos da denominada teoria externa. Com efeito, para os defensores
dessa visão, teríamos duas entidades distintas, quais sejam, o direito e
suas restrições em determinadas situações. Marcelo Novelino ao tratar do
tema delineia as operações necessárias para a definição do conteúdo protegido
de um direito fundamental:
“A determinação do conteúdo definitivamente protegido por um
direito fundamental envolve duas etapas claramente distintas. A
primeira consiste na identificação do conteúdo inicialmente
protegido (âmbito de proteção), o qual deve ser determinado da
forma mais ampla possível. A segunda, na definição dos limites
externos (restrições) decorrentes da necessidade de conciliar o
direito com outros direitos e bens constitucionalmente protegidos”.

Uma consequência da teoria externa e a possibilidade de restrições de direitos


é a ligação muitas vezes salientada no âmbito da doutrina e jurisprudência
entre direitos fundamentais e a teoria dos princípios. Nesse sentido, Novelino
afirma que “a teoria externa pressupõe uma distinção entre direito prima facie e
direito definitivo, como a adotada na teoria dos princípios”.
Na definição de ALEXY, os princípios, enquanto mandamentos de otimização,
consagram um direito prima facie que poderá ser restringido por outras normas
em sentido oposto. Portanto, sob esse prisma, a determinação do direito
definitivo somente será possível diante de um caso concreto, após a ponderação
entre os princípios colidentes ou a aplicação de regras que integram o postulado
da proporcionalidade.

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Uma pergunta, no entanto, deve ser respondida no contexto


da teoria externa: Quais seriam os limites das
restrições impostas aos direitos fundamentais?
Existiria um núcleo essencial que serviria como
limite instransponível às possíveis restrições decorrentes da análise do
caso concreto?
Como resposta a essa indagação surge a teoria dos limites dos limites (em
alemão Schranken-Schranken) que serve de guia à ação do legislador quando
restringe direitos fundamentais. Bernardo Gonçalves expõe os critérios a serem
observados para que ocorra a sobredita restrição a direitos:
1) Qualquer limitação (restrição) aos direitos fundamentais tem que
respeitar o núcleo essencial destes, ou seja, o núcleo essencial que
envolve diretamente os direitos fundamentais e por derivação a noção de
dignidade da pessoa humana, que não pode ser abalada. O controle
desses limites, então, fica a cargo do poder judiciário;
2) Pesa uma exigência de clareza e precisão (...) como forma de proteção
da segurança jurídica (...);
3) As limitações, em regra, devem ser de cunho geral e abstrato (...)
logo, mostra-se proibido o uso da legislação como forma de criar
limitações casuísticas (...);
4) As limitações devem ser proporcionais, e, para tanto, devem obedecer
ao instrumental da proporcionalidade. Com isso, as mesmas devem estar
em consonância com o princípio (máxima, postulado ou mais
corretamente regra) da proporcionalidade e seus subprincípios (máximas,
postulados ou mais corretamente sub-regras): adequação (meio que
deve ser apto ao fim visado), necessidade (não deve haver outro meio
menos gravoso para se atingir o objetivo, ou seja, a única forma de
atingir o fim visado deve ser pela restrição ou limitação do DF, visto que
não há outro meio menos gravoso) e proporcionalidade em sentido
estrito (relação custo/benefício), ou seja, o ônus com a medida restritiva
(que obviamente causa ônus) deve ser menor que o bônus. Nesse caso, a
restrição (ou limitação) irá desenvolver mais do que prejudicar o direito
fundamental em questão(ou os direitos fundamentais em questão)”.
Como contraponto à teoria externa temos a denominada teoria interna, na
qual definir o âmbito de proteção de um direito é o mesmo que delimitar seus
limites. Não há, portanto, a distinção entre direitos e restrições como na teoria
externa, pois o direito e seus limites (não restrições!) fazem parte de uma
unidade indistinguível, cabendo ao intérprete averiguar de forma definitiva o
âmbito de proteção do direito protegido em conjunto com seus limites

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imanentes. Daí por que, no campo da teoria interna, não há lugar para a
ponderação (sopesamento) de princípios através da aplicação do postulado da
proporcionalidade, eis que os direitos fundamentais são definitivos quando
interpretados corretamente.

2.8 – Eficácia dos direitos fundamentais nas relações


privadas (Eficácia horizontal)

Anteriormente, explicamos que os direitos


fundamentais comportam duas dimensões, quais
sejam, subjetiva e objetiva. A constatação de uma
dimensão objetiva dessas posições jurídicas de vantagem suscita, entretanto,
uma nova indagação, muito bem observada por Canotilho: as normas
constitucionais consagradoras de direitos, liberdades e garantias (e
direitos análogos) devem ou não ser obrigatoriamente observadas e
cumpridas pelas pessoas privadas (individuais ou coletivas) quando
estabelecem relações jurídicas com outros sujeitos jurídicos privados?
É dizer: seria possível, com fundamento na dimensão objetiva, a intervenção do
Estado com o objetivo de assegurar direitos fundamentais em relações jurídicas
entabuladas no campo privado?
Em compasso com o constitucionalista português - que admite a possibilidade
desse tipo de intervenção, podemos elencar duas teorias que, conquanto
estabeleçam modos distintos de atuação, preconizam alguma interferência
estatal também nesse tipo de relação:
1) Eficácia direta e imediata (direkteDrittwirkung), na qual, como o
próprio nome já permite deduzir, os direitos fundamentais estabelecidos
na constituição são passíveis de aplicação plena na relação entre
particulares, sendo desnecessária a interposição legislativa no tocante ao
direito privado, porquanto o texto constitucional possui máxima
efetividade também na esfera particular. Essa é a teoria dominante no
cenário nacional.
2) Eficácia indireta e mediata (indirekteDrittwirkung), na qual os direitos
fundamentais atuam no domínio das relações privadas por intermédio de
leis infraconstitucionais que delineiam conceitos jurídicos indeterminados
ou cláusulas gerais do direito privado voltadas para regular tais relações.
É a tese predominante na doutrina alemã sendo utilizada pelo respectivo
Tribunal Constitucional no julgamento do emblemático caso Lüth, situação
em que a corte definiu que os preceitos de direito civil aplicados nas
relações privadas deveriam ser interpretados à luz do direito

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constitucional, exercendo este um papel de verdadeiro filtro das normas


de direito privado.
Em suma, de acordo com a teoria da eficácia direta, os direitos, liberdades
e garantias aplicam-se de forma obrigatória e direta entre particulares
ou entidades privadas, tendo, assim, eficácia absoluta e, por corolário, não
necessitando de qualquer mediação concretizadora do poder público para
utilizar essas prerrogativas, embora seja possível a sua atuação plena –
principalmente através do Poder Judiciário - para a sua defesa.
Por outro lado, a teoria indireta postula que a eficácia horizontal dos
direitos fundamentais se dá através da força conformadora do Estado,
vinculando, a princípio, o legislador, que seria obrigado a atuar para
conformar as suscitadas relações obedecendo aos princípios previstos
no ordenamento constitucional e em conformidade com os direitos
fundamentais. Essa eficácia, segundo parte da doutrina, também se daria por
meio da intermediação interpretativa de cláusulas gerais do direito civil
nas relações entre particulares. Perceba que esse enfoque da abordagem
indireta utiliza o próprio direito civil como critério hermenêutico – a partir da
utilização de cláusulas gerais –, que, de forma concatenada, utiliza o filtro
constitucional obrigatório que essa interpretação requer, porquanto não é mais
possível, nos moldes da teoria, a atuação do direito civil em descompasso com
o direito constitucional.
Exemplo clássico da aplicação mediata dos direitos fundamentais em âmbito
privado é, como dito, o caso Luth, julgado pelo Tribunal Constitucional alemão:

BVERFGE 7, 198
(LÜTH-URTEIL)
RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL CONTRA DECISÃO JUDICIAL
15/01/1958
MATÉRIA:
O cidadão alemão Erich Lüth, conclamou, no início da década de cinqüenta (à
época crítico de cinema e diretor do Clube da Imprensa da Cidade Livre e
Hanseática de Hamburgo), todos os distribuidores de filmes cinematográficos,
bem como o público em geral, ao boicote do filme lançado à época por Veit
Harlan, uma antiga celebridade do filme nazista e coresponsável pelo
incitamento à violência praticada contra o povo judeu (principalmente por meio
de seu filme “Jud Süß”, de 1941). Harlan e os parceiros comerciais do seu novo
filme (produtora e distribuidora) ajuizaram uma ação cominatória contra Lüth,
com base no § 826 BGB. O referido dispositivo da lei civil alemã obriga todo

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aquele que, por ação imoral, causar dano a outrem, a uma prestação negativa
(deixar de fazer algo, no caso, a conclamação ao boicote), sob cominação de
uma pena pecuniária. Esta ação foi julgada procedente pelo Tribunal Estadual
de Hamburgo. Contra ela, ele interpôs um recurso de apelação junto ao
Tribunal Superior de Hamburgo e, ao mesmo tempo, sua Reclamação
Constitucional, alegando violação do seu direito fundamental à liberdade de
expressão do pensamento, garantida pelo Art. 5 I 1 GG.
O TCF julgou a Reclamação procedente e revogou a decisão do Tribunal
Estadual. Trata-se, talvez, da decisão mais conhecida e citada da
jurisprudência do TCF. Nela, foram lançadas as bases, não somente da
dogmática do direito fundamental da liberdade de expressão e seus limites,
como também de uma dogmática geral (Parte Geral) dos direitos
fundamentais. Nela, por exemplo, os direitos fundamentais foram, pela
primeira vez, claramente apresentados, ao mesmo tempo, como direitos
públicos subjetivos de resistência, direcionados contra o Estado e como ordem
ou ordenamento axiológico objetivo. Também foram lançadas as bases
dogmáticas das figuras da Drittwirkung e Ausstrahlungswirkung (eficácia
horizontal) dos direitos fundamentais, do efeito limitador dos direitos
fundamentais em face de seus limites (Wechselwirkung), da exigência de
ponderação no caso concreto e da questão processual do alcance da
competência do TCF no julgamento de uma Reclamação Constitucional contra
uma decisão judicial civil.
1. Os direitos fundamentais são, em primeira linha, direitos de
resistência do cidadão contra o Estado. Não obstante, às normas de
direito fundamental incorpora-se também um ordenamento axiológico
objetivo, que vale para todas as áreas do direito como uma
fundamental decisão constitucional.
2. No direito civil, o conteúdo jurídico dos direitos fundamentais
desenvolve-se de modo mediato, por intermédio das normas de direito
privado. Ele interfere, sobretudo, nas prescrições de caráter cogente e
é realizável pelo juiz, sobretudo pela via das cláusulas gerais.
3. O juiz de varas cíveis pode, por meio de sua decisão, violar direitos
fundamentais (§ 90 BVerfGG), quando ignorar a influência dos direitos
fundamentais sobre o direito civil. O Tribunal Constitucional Federal
revisa decisões cíveis somente no que tange a tais violações de direitos
fundamentais, mas não no que tange a erros jurídicos em geral.
4. As normas do direito civil também podem ser “leis gerais” na
acepção do Art. 5 II GG e, destarte, limitar o direito fundamental à
liberdade de expressão do pensamento.
5. As “leis gerais” têm que ser interpretadas à luz do significado
especial do direito fundamental à livre expressão do pensamento para
o Estado livre e democrático.
6. O Direito fundamental do Art. 5 GG não protege somente a
expressão de uma opinião enquanto tal, mas também o efeito
intelectual a ser alcançado por sua expressão.
7. Uma expressão do pensamento que contenha uma convocação ao
boicote não viola necessariamente os bons costumes na acepção do §

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826 BGB; ela pode ser justificada constitucionalmente, em sede da


ponderação de todos os fatores envolvidos no caso, por meio da
liberdade de expressão do pensamento.
Decisão (Urteil) do Primeiro Senado de 15 de janeiro de 1958. Trecho extraído
do site:

https://direitosfundamentais.net/2008/05/13/50-anos-do-caso-luth-o-caso-
mais-importante-da-historia-do-constitucionalismo-alemao-pos-guerra/

Na jurisprudência do STF, podemos encontrar manifestações a respeito da tese


da eficácia direta no campo privado, sendo exemplo os seguintes julgados:

RE 201.819-RJ (informativo 405): Expulsão de associado da União Brasileira de


Compositores sem a observância do devido processo legal, contraditório e ampla
defesa, utilizando como paradigma o citado caso Lüth:
“Um entendimento segundo o qual os direitos fundamentais atuam de forma unilateral
na relação entre cidadão e o Estado acaba por legitimar a ideia de que haveria para o
cidadão sempre um espaço livre de qualquer ingerência estatal. A adoção dessa
orientação suscitaria problemas de difícil solução tanto no plano teórico, como no
plano prático. O próprio campo do Direito Civil está prenhe de conflitos de interesses
com repercussão no âmbito dos direitos fundamentais. O benefício concedido a um
cidadão configura, não raras vezes, a imposição de restrição de outrem (...) Em 1950,
o Presidente do Clube de Imprensa de Hamburgo, Erich Lüth, defendeu um boicote
contra o filme ‘Unsterbliche Geliebte’, de Veit Harlan, diretor do filme ‘Jud Süs’,
produzido durante o 3º Reich. Harlan logrou decisãp do Tribunal estadual de
Hamburgo no sentido de determinar que Lüth se abstivesse de conclamar o boicote
contra o referido filme com base no § 826 do Código Civil (BGB). Contra essa decisão
foi interposto recurso constitucional (Verfassungbeschwerde) perante o
Bundesverfassungsgericht. A Corte Constitucional deu pela procedência do recurso,
enfatizando que decisões de tribunais civis, com base em leis gerais de natureza
privada, podem lesar o direito de livre manifestação de opinião consagrado no art. 5,
1, da Lei Fundamental. Os tribunais ordinários estariam obrigados a levar em
consideração o significado dos direitos fundamentais em face dos bens juridicamente
tutelados pelas keis gerais (juízo de ponderação). Na espécie, entendeu a corte que,
ao apreciar a conduta do recorrente, o Tribunal estadual teria desconsiderado
(verkannt) o especial significado que se atribui ao direito de livre manifestação de
opinião também nos casos em que ele confronta com interesses privados”.

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RE 161.243 / DF: Nesse julgado, o tribunal entendeu violado o princípio da igualdade


(direito fundamental), na adoção de tratamento diferenciado entre funcionários
brasileiros e estrangeiros, por parte de empresa privada:
“Ao recorrente, por não ser francês, não obstante trabalhar para a empresa francesa,
no Brasil, não foi aplicado o Estatuto do Pessoal da Empresa, que concede vantagens
aos empregados, cuja aplicabilidade seria restrita ao empregado de nacionalidade
francesa. Ofensa ao princípio da igualdade: C.F., 1967, art. 153, §1º; C.F.. 1988, art
5º, caput) “.

RE 175.161 / SP: onde o Tribunal assegurou a aplicação do princípio da


proporcionalidade / razoabilidade no caso de devolução nominal dos valores pagos
(sem correção monetária), em razão de desistência de consorciado:
“Mostra-se consentâneo com o arcabouço normativo constitucional, ante os princípios
da proporcionalidade e da razoabilidade, decisão no sentido de, ao término do grupo,
do fechamento respectivo, o consorciado desistente substituído vir a receber as cotas
satisfeitas devidamente corrigidas. Descabe evocar cláusula do contrato de adesão
firmado consoante a qual a devolução far-se-á pelo valor nominal. Precedente:
Verbete nº 35 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: "Incide correção monetária
sobre as prestações pagas, quando de sua restituição em virtude de retirada ou
exclusão do participante de plano de consórcio".

Esse tema foi cobrado recentemente em provas discursivas:


(MPMG – 2017 – Promotor) Discorra sobre a eficácia
horizontal dos direitos fundamentais e o seu
reconhecimento (ou não) no Brasil. Responda de
forma fundamentada e indique, se houver, o(s) dispositivo(s)
constitucional(is) que embasa(m) a resposta. Apresente exemplos.
Caminhando para a conclusão desse tópico, resta saber se os direitos
fundamentais têm eficácia nas relações jurídicas civis como direitos
subjetivos privados ou como direitos subjetivos públicos. Ao analisar essa
perspectiva, Canotilho aponta que, geralmente, a resposta vai ao encontro do
primeiro sentido, mormente se aplicada a tese da eficácia mediata, como
visto alhures.
No entanto, para o autor essa ideia parte de dois pressupostos que entende
questionáveis, quais sejam:
1. Os direitos subjetivos públicos só se concebem nas relações Estado –
Cidadão;
2. Os direitos, liberdades e garantias, como direitos subjetivos públicos,
derivam imperativamente da lei.

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