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DIREITO COMERCIAL I
RESUMOS
INTRODUÇÃO
1 Evolução histórica
1) O Direito Comercial, enquanto tal, surgiu na Idade Média, no século XXII, nas cidades italianas. Esta
era uma “época de fraco poder político central e forte ressurgimento do comércio”, e as necessidades dos
comerciantes da época fizeram surgir um direito próprio, que continha regras em matéria de juros, títulos
de créditos, etc. Estas regras surgem através de (i) estatuto das corporações, (ii) costumes e usos que os
comerciantes iam respeitando e (iii) jurisprudência (tribunais consulares, integrados pelos comerciantes).
A destacar:
• Tendência do direito comercial para a auto-normação (ex: criação dos estatutos elaborados pelas
próprias corporações) e para a auto-jurisdição (foro próprio: tribunais consulares, mais tarde
comerciais).
• O direito comercial italiano medievo era um direito de cariz subjectivo – disciplinava os
comerciantes e os actos destes relativos ao seu comércio –, um direito de casta.
2) Nos inícios do século XVII, começam a surgir laivos de objectivismo, isto é, o direito comercial
começa a preocupar-se com certos actos, independentemente de quem os pratica. Surgem as
“ordonnances du commerce” francesas, e, a propósito de uma questão processual (competência do
tribunal), recorrem à natureza de certos actos. Os tribunais de comércio teriam assim competência em
função da natureza de certos actos, o que representou um passo muito importante para a evolução do
direito comercial.
Em momentos anteriores já tinha havido uma evolução neste sentido, novamente a propósito da
competência dos tribunais consulares – muitos habitantes do burgo decidiram começar a praticar actos
semelhantes às dos membros da corporações, sem nelas estarem inscritos. Razões de igualdade de justiça
levaram a um alargamento da competência dos tribunais.
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/2015
3) No século XIX, dá-se uma alteração no sistema jurídico francês: surge o Código Comercial francês
(1807), que é encarado como um código objectivo (atende à natureza do acto). Este Código marca o início
da etapa contemporânea na evolução do direito comercial. Sendo pós-revolucionário, realizava os
valores da liberdade (não restrição do acesso à actividade comercial através da inscrição numa
corporação) e igualdade (não compatível com o velho subjectivismo da Idade Média, de direito de casta).
O objectivismo é mais facilmente conciliável com o princípio da igualdade: ficam sujeitos à lei todos os
que praticarem aqueles actos. Assim, o código qualificava como comerciantes aqueles que fizessem da
prática de actos de comércio a sua profissão.
“Os nossos códigos comerciais oitocentistas filiam-se também no referido sistema objectivo” – quer o de
1833 (Ferreira Borges), quer o de 1888 (Veiga Beirão).
Os códigos objectivistas do século XIX (Espanha, Itália, Portugal) não evitaram que a questão da
autonomia do direito comercial se colocasse. É possível associar estas flutuações (objectivismo /
subjectivismo) a tendências da vida económica dos povos: objectivismo – liberdade, dinamismo;
subjectivismo – predomínio de classes.
4) No final do século XIX, na Alemanha, há uma forte tendência para o subjectivismo: o que garante a
autonomia do direito comercial será a defesa de um subjectivismo, em torno do comerciante-empresário.
As correntes que têm impacto no início do século XX são as correntes empresarialistas, que ainda hoje
têm relevância: o que caracteriza o direito comercial e permite afirmar a autonomia é a ideia de que o
direito comercial está orientado para a prática de actos em massa, sendo que é a empresa que o permite.
5) No século XX, houve legislações que consagraram um pensamento unitarista: o direito civil e direito
comercial deveriam ser o mesmo. Isto porque houve vários mecanismos do direito comercial que
acabaram por se generalizar para o direito civil, pondo em causa a autonomia do direito comercial. Na
Suíça, surge o código das obrigações, que abrange matéria mercantil; em Itália, o Codice Civile abrange o
regime das empresas. Isto não significa que, materialmente, não haja diferenças, ainda que formalmente
tenhamos um código unitário.
Esta discussão, acerca da autonomia do direito comercial, mantém-se ainda hoje – sobretudo entre nós,
onde se justifica uma reforma legislativa.
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6) No último século, o direito comercial tem sofrido vários desenvolvimentos, entre os quais se destaca a
tendência para a sua internacionalização-uniformização. Cada vez mais o direito comercial se
internacionaliza, desde logo por força de muitos textos de direito internacional – ex: convenção
internacional sobre a compra e venda internacional de mercadorias. As convenções internacionais, que
regulam o comércio internacional, são importantíssimas: aumentam a celeridade das trocas.
No plano das fontes internacionais, temos ainda de contar com as directrizes e regulamentos da UE
(principalmente no direito das sociedades).
Atendendo ao nosso sistema jurídico, podemos definir o direito comercial como “o sistema jurídico-
normativo que disciplina de modo especial os actos de comércio e os comerciantes”. Assim, o nosso
direito comercial é um direito dos acto do comércio e dos comerciantes: recolheu aspectos positivos da
orientação subjectivista e objectivista. Podemos dizer, no entanto, que há uma orientação mais forte do
objectivismo.
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O art. 1.º diz que a lei comercial rege os actos do comércio, sejam ou não praticados por comerciantes –
temos um ponto de partida objectivista. “Todavia, a lei mercantil regula fenómenos que não são actos
comerciais nem seus efeitos directos – por exemplo, obrigações especiais dos comerciantes (firmas,
escrituração mercantil) e organização interna das sociedades. Por outro lado, a mesma lei, apesar de
apresentar como ponto de partida uma concepção objectiva, visa sobretudo os comerciantes”:
• Art. 2.º: considera actos de comércio “todos os contratos e obrigações dos comerciantes”.
• Art. 13.º e ss.: discrimina os comerciantes.
• Art. 18.º e ss.: identifica várias obrigações dos comerciantes. Hoje, muitas das exigências
previstas para comerciantes acabaram por se generalizar para não comerciantes.
Embora o nosso direito tenha uma componente fortemente objectivista, este objectivismo não é assim tão
objectivo quanto isso. Há fronteiras de incerteza – claro no regime da compra e venda mercantil, um
contrato central. Há quem diga que o comércio é a interposição das trocas: o art. 463.º do CC regula esta
figura, “compra de coisas móveis para revender”. Parece muito objectivo, mas se é para revender estamos
a olhar para a finalidade do acto: isto é tudo menos objectivo.
O critério a seguir será objecto de muita discussão, mas a marca-de-água parece ser realmente a existência
uma empresa. É um direito que tem mais sentido dirigido aos contratos em torno da empresa. Isto não
significa que sejam apenas actos que se dirijam às empresas.
Coloca-se a questão de saber se, em vez de direito dos actos de comércio e dos comerciantes, não será
preferível definir o direito comercial como o direito das empresas. A concepção empresarialista do
direito comercial foi cunhada por Wieland e Mossa e continuada por Heck, Radbruch e Locher, e teve
grande repercussão nas legislações e doutrinas europeias a partir dos anos vinte.
Esta ideia acaba por ser frágil para a defesa da autonomia do direito comercial: a ideia de que o direito
comercial é um direito de empresa remete para as actividades onde existe uma empresa. Há muitas
matérias do direito comercial abertas à actuação de sujeitos sem empresas – assim, o critério da
empresarialidade, por si só, não chega e deixa de fora áreas vastíssimas necessárias para assegurar a
autonomia do direito comercial (ex: títulos de crédito, regime da insolvência).
Assim, o empresarialismo estrito foi perdendo força e entrou em crise a partir dos anos cinquenta. Porém,
na Alemanha, onde o direito comercial é marcado pelo objectivismo e a generalidade dos comerciantes
tem empresas, vários autores continuaram a defender o empresarialismo. Podemos encontrar “quer um
empresarialismo estrito, quer – tendo em conta as tendências modernas do direito comercial para a ‘re-
objectivação’ – um menos estrito: neste sentido, mais que ‘das empresas’, o direito mercantil será ‘à volta
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das empresas”, pois não exclui certos actos ocasionais de comércio (designadamente no domínio dos
títulos de crédito e das operações de bolsa)”.
“Pode dizer-se, na verdade, que o núcleo do direito mercantil está na empresa comercial, constituindo
ela o “princípio energético” a que todas as legislações (integráveis nos sistemas subjectivo, objectivo ou
misto) prestam homenagem ... É defensável que o nosso direito comercial – reformado – deve ser um
direito à volta das empresas (um direito do estatuto dos empresários singulares e colectivos, dos direitos
e negócios sobre as empresas e da tutela destas, dos negócios jurídicos de organização das empresas ...). E
não parecem ser obstáculos intransponíveis a esta defesa as imprecisões que se vêm manifestando na
determinação das empresas, nem o facto de haver empresas não comerciais, empresários não
comerciantes e até comerciantes não empresários.
Todavia, o direito comercial português actual, além de admitir comerciantes não empresários, regula
actos esporádicos ou ocasionais que não têm que ver com empresas mercantis e cuja disciplina não
poderá dizer-se (globalmente) determinada por interesses ligados à empresarialidade”. É exemplo a fiança
(art. 101.º). Embora estes sejam fenómenos marginais, “uma definição rigorosa do direito comercial
vigente não pode desconsiderá-los. Por isso prefiro defini-lo como direito dos actos de comércio e dos
comerciantes – embora actos e sujeitos em regra ligados às empresas comerciais”.
A questão da autonomia do direito comercial é sobretudo uma questão de autonomia material. Desde o
século XIX, vem-se manifestando um forte movimento doutrinal que defende a unificação do direito
comercial e civil, com base na generalização de institutos tradicionalmente jurídico-comerciai (ex: letras
de câmbio, sociedades, seguros, sinais distintivos do comércio, etc.). Esta generalização denota a
tendência para a “comercialização” do direito privado, caracterizada pela incorporação no direito civil de
regras e princípios tradicionais do direito comercial (ex: princípio do reforço do crédito e princípio da
maior protecção da confiança).
Porém, a unificação do direito privado ao nível das obrigações não afasta a necessidade de um disciplina
especial para os empresários comerciais. “No entanto: uma disciplina subjectiva do tipo da italiana
(relativa a registo, escrituração, execução concursal) não parece bastante para afirmar a autonomia
substancial do direito mercantil; por outro lado, já demos conta de que também ao nível dos empresários
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(comerciais e não comerciais) se vem verificando uma progressiva unificação; por outro lado ainda, a
disciplina tradicionalmente aplicável a empresários vai-se estendendo a alguns não empresários”. Assim,
um direito comercial baseado nas empresas não tem de ser tendencialmente autónomo, embora a
autonomia didáctica e científica esteja salvaguardada.
Recentemente, vários autores têm defendido que se tem vindo a assistir a uma reafirmação da autonomia
substancial do direito comercia enquanto direito privado da empresa, baseados no fenómeno do recurso
aos contratos comerciais como contratos de empresa.
Em suma: pese embora o elevado grau de unificação do direito privado patrimonial, e a consequente
redução do círculo de autonomia substancial do direito comercial...
• As nossas leis mantêm ainda um regime especial comum aplicável aos actos de comércio em
geral.
• Existem algumas regras específicas para os actos de comércio em especial.
• Os comerciantes têm um estatuto algo diverso dos não comerciantes.
! Fontes externas:
• Convenções internacionais.
• Regulamentos e directivas.
Apesar de terem valor infra-constitucional, as normas das convenções internacionais e de direito supra-
nacional prevalecem sobre a lei ordinária interna.
! Fontes internas:
• Leis (em sentido amplo). As principais fontes do direito comercial são as leis ordinárias e os
decretos-lei.
• Regulamentos.
• CRP: contém algumas normas atinentes ao direito comercial.
• Jurisprudência e doutrina.
• Usos e costumes: apesar de serem muito menos significativos que em outras épocas, têm ainda
alguma importância.
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O art. 3.º prevê um critério geral de integração da lei comercial: a lei civil é aplicável a questões
comerciais, subsidiariamente, enquanto direito privado comum, quando a lei comercial não chega. Note-
se que não está aqui em causa a integração de lacunas: o direito comercial é um direito especial e
fragmentário, logo muitas das omissões são compreensíveis, remetendo para a aplicação do regime geral
do direito comum.
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CAPÍTULO I
1. Introdução
O direito comercial começou por ser um direito de comerciantes, para depois – a partir do momento em
que se estadualizou – ser retirado da esfera privativa dos mercadores comerciantes, objectivando-se.
Certos actos, por estarem previstos na lei, deveriam ser qualificados como actos de comércio, sujeitos a
uma jurisdição especial.
Hoje, temos um direito misto, composto por regulação de actos e comerciantes. Assim, justifica-se que
estudemos os actos de comércio e os comerciantes – ainda existe um regime especial para os actos de
comércio. O regime especial comum aos actos de comércio revela-se no seguinte:
• Art. 15.º: as dívidas dos comerciantes casados, derivadas de actos comerciais, presumem-se
contraídas no exercício dos respectivos comércios. Este artigo, ao estabelecer uma presunção, vai
fazer accionar o art. 1691.º/1/d) do Código Civil.
• Art. 100.º: em regra, nas obrigações comerciais (i.e., resultantes de actos comerciais), os co-
obrigados são solidários.
• Art. 102.º, § 3º e 5º: estabelece um regime específico para os juros de que sejam titulares as
empresas comerciais.
• A qualificação como actos comerciais importa para qualificar de comerciais outros actos, pela
ligação que mantêm com os primeiros. Ou seja, para sabermos se certo acto é comercial, temos de
saber se é comercial outro acto. Ex: art. 101.º (fiança mercantil: se a obrigação garantida for
mercantil, temos um regime específico).
• A qualificação como comerciais de actos interessa ainda para qualificar sujeitos como
comerciantes (art. 13.º).
O art. 2.º do Código Comercial é uma “norma delimitadora básica dos actos de comércio”: “Serão
considerados actos de comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste Código [1ª
parte], e, além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza
exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar [2ª parte]”. A primeira parte refere-se
aos actos de comércio objectivos (apesar de a comercialidade objectiva não se esgotar nos actos
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especialmente regulados no Código), enquanto que a segunda parte prevê os requisitos dos actos de
comércio subjectivos.
O art. 2.º é insuficiente, desde logo, pela impossibilidade de termos um conceito unitário, homogéneo,
de acto comercial. Do próprio enunciado resulta a impossibilidade de um conceito unitário de acto
comercial. Isto deve-se a dois factores:
1) As diversas fontes de acto de comércio objectivo vão para além do art. 2.º.
2) Há actos de comércio que são considerados pelo facto de serem praticados por comerciantes – actos
de comércio subjectivo.
Quanto à 2ª parte, em rigor, não é “além deles” – os actos comerciais objectivos também podem ser
subjectivos. Porém, a comercialidade subjectiva tem como grande importância e objectivo permitir que
actos que não são objectivos possam ainda ser actos de comércio – temos os actos de comércio
objectivos e ainda podem ser comerciais os actos subjectivos. Isto não significa que haja exclusão, ou
seja, um acto de comércio pode ser subjectivo ou objectivo: em regra, até são, uma vez que os actos de
comércio subjectivo são geralmente praticados por comerciantes.
Ao longo dos tempo, alguns autores têm defendido conceitos unitários de acto de comércio. Os principais
critérios utilizados para um conceito unitário de acto de comércio são:
1. Finalidade especulativa ou lucrativa.
2. Interposição nas trocas – nomeadamente, de mercadorias, títulos, prédios, etc.
3. Existência de uma empresa.
Hoje, recusamos a possibilidade de algum destes critérios dar origem a uma noção unitária:
1. Primeiro critério:
a. Existem actos com finalidade lucrativa que não são, para nós, deduzíveis como
comerciais. Entendemos que os actos na agricultura, por ex., são actividades não
comerciais, pois temos elementos na lei que nos permitem qualificar como civis. Não
existe uma conexão entre especulação/lucro e comercialidade.
b. Existem actos comerciais que não são lucrativos – o Estado pode praticar actos de
comércio sem tais finalidades; e existem entidades cooperativas que não aspiram ao lucro
e praticam actos de comércio.
c. O próprio Código Comercial admite explicitamente actos de comércio sem qualquer
escopo especulativo, art. 404.º.
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2. Segundo critério:
a. Há actos comerciais previstos na lei como de comércio objectivo que não são actos de
interposição nas trocas – por ex., a fiança, a compra não dirigida a venda, o penhor, etc.
b. Quanto às empresas, estas não podem ser vistas como comerciais com base em poderem
ser vistas como actos de interposição na troca do trabalho.
3. Terceiro critério:
a. Também não serve, apesar de geralmente o direito comercial ser o dos actos praticados
no âmbito da exploração no quadro de uma empresa. Há muita comercialidade que não
implica empresarialidade – por ex., os actos esporádicos e os actos/contratos não
praticados no âmbito da exploração de uma empresa.
O mais importante não é definir uma noção unitária, mas perceber quais os modos de manifestação de
comercialidade objectiva. Não existe um critério único, temos aqui uma categoria heterogénea. A
comercialidade económica (interposição nas trocas) não esgota a comercialidade jurídica.
1) Em primeiro lugar, são factos jurídicos negociais, a saber contratos e negócios jurídicos bilaterais. Os
contratos são aqueles que podem aparecer mais vezes – o Livro II do Código Comercial fala dos contratos
especiais do comércio. Nos negócios jurídicos bilaterais, temos negócios constituintes de sociedades e
negócios jurídicos cambiários.
2) Em segundo lugar, temos simples actos jurídicos. São exemplos: notificações e avisos no âmbito das
sociedades, art. 203.º, 3, 204.º, etc. e protesto no domínio cambiário, art. 44.º da Lei Uniforme das Letras
e Livranças.
3) Temos o facto jurídico ilícito, desde que esteja expressamente previsto na lei. Isto significa que, sendo
ilícito, é acto comercial porque prevê uma obrigação de indemnização prevista na lei, que vai ser uma
obrigação mercantil. Exemplos:
• Abalroação culposa de navios, art. 605.º e segs. do CC.
• Também arts. 235.º, 236.º, 238.º, 245.º, 253.º, 264.º, 665.º e segs do CC.
• Outro exemplo, fora do Código Comercial, é a responsabilidade civil societária dos
administradores e gerentes, 72.º e segs. do CSC.
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Fora dos actos de comércio ficam os factos jurídicos não voluntários ou naturais: é exemplo o regime
previsto para a prescrição, art. 174.º do CSC e 70.º da LULL. O decurso do tempo que leva à prescrição
depende da declaração de vontade, logo não pode ir para o grupo dos actos de comércio por falta de
declaração.
A 1ª parte do art. 2.º dispõe que “são considerados actos de comércio todos aqueles que se acharem
especialmente regulados neste Código”. Esta é uma definição por enumeração ou catálogo. Porém, serão
actos de comércio objectivos apenas os especialmente regulados no Código Comercial? “Esta
formulação faria algum sentido em 1888. Não é, contudo, razoável petrificar um catálogo de actos num
código datado, há-de ser possível leis posteriores, acompanhando a evolução económica, preverem novos
actos comerciais” (COUTINHO DE ABREU, p. 77).
Assim, hoje, a doutrina entende que a 1ª parte do art. 2.º deve ser interpretada extensivamente,
abrangendo três outros modos de manifestação da comercialidade objectiva:
1) Leis que substituem ou revogam o Código Comercial.
2) Leis que qualificam, directa ou indirectamente, o acto ou contrato como acto de comércio.
3) Analogia.
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ficamo-nos por aí. Não sendo um acto comercial, temos um acto civil – ao qual se aplica o regime geral.
Está em causa, como tal, saber se podemos ou não aplicar a especialidade do regime comercial.
2) Leis que substituíram ou revogaram o Código Comercial. O art. 4.º da Carta de Lei diz que tudo o
que é substitutivo ou revogatório faz parte do Código, ou seja, legitima este modo de manifestação. Um
exemplo muito claro é o relativo às sociedades comerciais: o art. 104.º e segs. foi revogado pelo Codigo
das Sociedades Comerciais, mas então não podemos ter actos de comércio previstos no CSC? Sim, por
este modo de manifestação. Assim, o CSC é lei substitutiva ou revogatória no qual podemos encontrar
actos de comércio por extensão do art. 2.º, 1ª parte (exemplo: constituição de uma sociedade por quotas
unipessoal, art. 270.º-A e segs.).
Outras leis que vieram substituir o Código Comercial e, como tal, são qualificadoras de actos comerciais,
são:
• Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças;
• Lei Uniforme relativa ao Cheque;
• Código Corporativo;
• Código dos Valores Mobiliários;
• Diversa legislação para o contrato de transporte por mar.
Porém, nem todas as leis substitutas de artigos do Código Comercial são comerciais e, como tais,
qualificadoras de actos de comércio. Existem alguns casos duvidoso:
• O DL 231/81, relativo ao contrato de associação em participação, veio revogar o regime da conta
em participação (art. 224.º e segs.). Entendemos que este diploma não pode atribuir a qualidade
de acto de comércio, pois veio trazer um regime que exclui a comercialidade, por dois aspectos:
já não se exige que o associante seja comerciante, nem que a actividade dele seja comercial. Por
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outro lado, “o regime estabelecido não é unitário e não parece ser de direito (privado) especial;
mais: o art. 22.º, 1, estatui que ... não se presume a solidariedade dos débitos” (COUTINHO DE
ABREU, p. 79).
• Outro exemplo discutível é o seguro mercantil. Em 2008, surgiu o regime geral do contrato de
seguro, previsto no DL 72/2001. Para COUTINHO DE ABREU, este regime é uma lei substitutiva;
porém, para RICARDO COSTA, este parece ser um regime geral que não tem especialidade
suficiente para qualificar como acto de comércio, por isso temos de ir antes pela terceira via.
3) Leis que, de forma directa ou indirecta, qualifiquem o acto ou contrato como acto de comércio.
Se uma lei visar prosseguir interesses de comércio, ou seja, se tiver objecto mercantil (lei comercial),
podemos identificar o contrato nela previsto como comercial. Assim, temos de atender ao objecto de
regulação da lei primeiro, para depois vermos se podemos qualificar o acto como acto de comércio.
Existem várias leis que a doutrina reconhece como pacífico que podem servir como expediente
qualificador de actos de comércio. São exemplos:
• O Código Civil, nos arts. 1108.º e segs. (alterados pela Lei /2006, que aprovou o Novo Regime do
Arrendamento Urbano), contém disposições especiais do arrendamento para fins não
habitacionais, nomeadamente o comércio, regulando a locação e o trespasse de estabelecimentos
comerciais. Estes devem considerar-se actos de comércio objectivos especialmente regulados em
lei comercial. RICARDO COSTA defende ainda (apesar de ser doutrinalmente discutido) que o
arrendamento para fins comerciais pode ser visto como acto de comércio objectivo através desta
regulamentação.
• DL 19/82, relativo ao transporte aéreo.
• DL 178/86, relativo ao contrato de agência.
• DL 171/95, relativo à locação financeira.
• DL 298/83, relativo à actividade portuária.
• Lei 144/2006, relativa à actividade seguradora.
• DL 108/2009, relativa à animação turística.
• Etc.
Quanto à actividade seguradora, para RICARDO COSTA, podemos ir antes pela terceira via. Assim, temos
leis que qualificam o contrato de seguro indirectamente como mercantil:
• DL 94-B/98. A actividade seguradora só pode ser exercida por sociedade anónima, logo o objecto
destas sociedades é comercial. Assim, o diploma está a qualificar indirectamente esta actividade
comercial, logo a celebração do contrato de seguro é comercial (abrange os contratos de seguro e
os contratos paralelos).
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Em relação ao contrato de agência, impõem-se mais algumas notas quanto à sua qualificação:
• Se a actividade de agenciamento for exercida através de uma empresa, então a qualificação como
acto de comércio é feita pelo art. 230.º, § 3º.
• Se o contrato de agência não for celebrado por um empresário, então temos ainda dois modos que
cumulativamente servem para qualificar o contrato como acto de comércio objectivo: a analogia
juris (ver abaixo), e o diploma 178/86.
4) Analogia: é o modo mais discutido. Quando os outros três modos não servem, podemos recorrer à
analogia com os actos previstos nos outros três modos para os qualificar como comerciais?
Tradicionalmente, a resposta era negativa, com base nos seguintes argumentos:
• A letra da lei do art. 2.º falava em “especialmente regulados” e “além deles”, logo parece excluir
a analogia.
• Por uma razão histórica, pois este artigo se inspira no “Código de Comercio” espanhol, que
admite a analogia. Se o Código Comercial português não a menciona, é porque a exclui.
• Finalmente, os defensores desta tese convocam razões de certeza e segurança jurídicas.
Assim, admitimos a analogia, seja a analogia legis (art. 10.º/1 e 2 do CC), seja a analogia juris. A
primeira implica que se recorre a uma concreta norma legal, que considera como acto comercial um acto
análogo ao acto omisso; a segunda é mais complexa, pois implica identificar princípios normativos gerais
de qualificação, que traduzem uma espécie de teleologia. COUTINHO DE ABREU é o principal defensor da
analogia juris, defendendo o princípio mercantil segundo o qual os contratos e actos de prestação de
serviços são actos de comércio objectivo – logo, tudo o que é prestação de serviços é acto comercial.
Fazemos uma indução de princípio.
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Note-se que estamos a falar, não de lacunas de regulação (é o problema que temos na aplicação
subsidiária da lei civil, art. 3.º), mas de lacunas de qualificação.
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3.2 Art. 230.º do Código Comercial: significado no quadro dos actos de comércio
1) Qual é o alcance do art. 230.º na nossa tarefa de qualificação de actos de comércio? Uma corrente
doutrinária, partilhada pelos primeiros comentaristas do Código, defendia que as empresas previstas neste
artigo correspondiam a empresários, logo estaríamos a qualificar comerciantes.
Há uma visão que se estabilizou mais tarde, que defende que estas empresas não são mais que uma série
ou complexo de actos objectivos. Trata-se aqui de actos reiterados, e que traduzem a exploração da
empresa. O artigo passou a ter, assim, uma interpretação objectiva de acto e não subjectiva de
comerciante. É a visão por nós adoptada: as empresas do art. 230.º são um conjunto ou séries de actos
de comércio objectivos, ainda que enquadrados numa empresa, ou seja, integrados numa organização.
O art. 230.º integra-se no art. 2.º e serve para qualificar os actos de comércio objectivos. Apesar de o
enunciado normativo e de a interpretação literal favorecer o sentido de pessoa ou empresário para
empresa, outros elementos de interpretação (histórico, sistemático e teleológico) favorecem esta tese.
Encontramos ainda uma visão intermédia, de uma empresa em sentido objectivo. Temos um empresário,
mas o artigo qualifica-o objectivamente, em função do objecto das suas actividades.
2) Que actos são abrangidos? Só os contratos em que o exercício da empresa tipicamente se traduz? Ou
permite, numa interpretação extensiva, todos os actos e contratos conexionados com a actividade de
exploração da empresa? Para COUTINHO DE ABREU, devemos fazer uma interpretação extensiva: o art.
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230.º abrange não só os actos em que tipicamente se traduzem a actividade, mas também todos os
actos, contratos e negócios praticados na exploração destas empresas (por ex., a compra de uniformes
para os trabalhadores).
• Por um lado, o art. 230.º parece basear a tipificação de algumas empresas em factos não jurídico-
negociais. Assim sendo, seria difícil delimitar os actos objectivamente comerciais dos actos
subjectivamente comerciais.
• Por outro lado, a visão orgânica dos diversos actos em que a empresa se a traduz favorece
igualmente esta tese.
• Finalmente, as empresas referidas no artigo podem ser exploradas por não comerciantes, não
havendo lugar para os actos subjectivamente comerciais.
A alternativa seria reconduzir estes últimos actos à comercialidade subjectiva – assim, para nós, integram-
se ainda na comercialidade objectiva. Exemplo: a aquisição de uma máquina para alisar o terreno é um
acto de comércio objectivo segundo o art. 230.º, 6.º.
O art. 230.º pode ser aplicado analogicamente? Quanto à analogia legis, sim; quanto à analogia juris, já é
mais duvidoso (COUTINHO DE ABREU defende que sim). Todos os actos que permitem a exploração de
uma empresa prevista no art. 230.º são qualificados como actos comerciais.
! Interpretação analógica
2) Quanto ao n.º 2, a lei não fala de géneros agrícolas e alimentares, mas esta foi a interpretação
tradicional. Na visão do legislador histórico, isto era encarado de uma perspectiva alimentar. Como o
Código começou a ser escasso, este número começou a ser uma fonte para, através de interpretação
extensiva ou analógica, ir buscar outros actos – por ex., actos de fornecimento de água, gás, electricidade
e outros bens ditos primários de consumo permanente (por interpretação extensiva).
Por analogia legis, entra no n.º 2 serviços como empresas hoteleiras, publicidade, gestão de bens,
tratamento de beleza, etc. Estamos no âmbito muito lato de fornecimento de serviços, uma vez que se
entende que o que levou o legislador a qualificar de comerciais as empresas mencionadas no n.º 2 foi a de
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/2015
haver aqui um certo risco, originado pelo facto de interceder um período de tempo entre o momento da
fixação do preço e o dos múltiplos actos sucessivos de fornecimento. Os contratos de serviço
caracterizados por esta nota temporal e contratual são os contratos de fornecimento de serviços, e
distinguem-se dos contratos de prestação de serviços. Os contratos de fornecimento de serviços são
qualificados como actos de comércio objectivos por analogia legis do art. 230.º/2..
Estão delimitados no art. 2.º, 2ª parte. São três os requisitos que têm de estar preenchidos para termos um
acto de comércio subjectivo:
• Acto dos comerciantes.
• Que não seja de natureza exclusivamente civil.
• Se o contrário do próprio acto não resultar.
1) Actos dos comerciantes. O primeiro requisito refere-se à atinência ao comerciante, logo é necessário
saber quem é comerciante (remissão para o capítulo seguinte). A lei fala de “todos os contratos e
obrigações dos comerciante”, que não é a melhor formulação uma vez que nem todos os actos dos
comerciantes são contratos; e as obrigações não são actos, mas sim consequências dos actos. Devemos
interpretar a formulação como “todos os actos dos comerciantes”.
Porém, a referência às obrigações pode ter algum efeito útil, pois nem todas as obrigações dos
comerciantes derivam de actos comerciais e a afirmação da comercialidade de tais obrigações pode
conduzir à aplicação, por exemplo, do art. 15.º.
2) Não podem ser de natureza exclusivamente civil. Este segundo requisito é o mais discutido pela
doutrina, e, segundo o entendimento tradicional, seriam de natureza exclusivamente civil os actos apenas
regulados pelo Código Civil (já não os acto regulados pela lei comercial ou por ambas). COUTINHO DE
ABREU rejeita esta tese, com base nos seguintes argumentos (p. 100):
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/2015
• O preceito refere-se a actos que não sejam de natureza civil, não a actos que não estejam
regulados na lei civil; e pode haver actos regulados na lei civil mas de natureza não civil.
• O art. 2.º já contempla na sua 1ª parte os actos expressamente previstos no Código Comercial,
logo se a 2ª parte se referisse aos actos regulados na lei comercial teria pouca utilidade.
• Há actos omissos, não regulados nem na lei comercial nem na lei civil, aos quais não pode ser
negada a comercialidade.
• É razoável que o preceito pretenda sujeitar ao regime do direito comercial actos e obrigações
conexionáveis com o comércio profissional, ainda que não previstos na lei comercial.
Assim, em consonância com a doutrina italiana, COUTINHO DE ABREU defende “serem actos (e
obrigações) de natureza exclusivamente civis os que, por sua natureza ou essência não são
conexionáveis com o exercício do comércio, não se concebendo (juridicamente) nem dirigidos a
auxiliar, promover ou levar a cabo o exercício do comércio, nem a deste dependerem”. É um requisito
averiguado em abstracto: o acto tem uma conexão, em abstracto, com o comércio?
São, como tal, actos exclusivamente civis os actos de natureza extrapatrimonial como o casamento, a
perfilhação e a designação de tutor pelos pais.
Há determinados actos que, por lhes faltar natureza exclusivamente civil, podem ser actos
subjectivamente comerciais desde que praticados por comerciantes e em conexão com o comércio:
doações; rendas perpétuas e vitalícias; factos ilícitos gerados de responsabilidade extracontratual.
3) Se o contrário do próprio acto não resultar. Este requisito assenta numa averiguação, em concreto,
da conexão do acto com o comércio do autor desse acto. Este requisito pode desdobrar-se em três
hipóteses:
• Se do próprio acto resulta a ligação com o comércio, o requisito está preenchido.
• Se do próprio acto não resulta a não ligação, o requisito também está preenchido. Nem resulta a
ligação, nem resulta a não ligação.
• Se do próprio acto resulta a não ligação, o requisito não está preenchido. Há uma evidência de
que não vai para o comércio do autor.
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/2015
• O mesmo proprietário compra o automóvel e nada declara. Não se sabe se é para uso pessoal ou
comercial, logo o acto é subjectivamente comercial.
• O mesmo proprietário declara que o automóvel vai ser utilizado pela mulher, no âmbito das
actividades familiares. O acto não é subjectivamente comercial: a ligação com o comércio do
autor foi contrariada.
! Como é que estas circunstâncias vão ser atendidas? Através dos critérios gerais de interpretação do
negócio jurídico, art. 236.º/1 (teoria da impressão do destinatário). A ponderação destes elementos deve
ser feita pelo critério geral da impressão do destinatário. Significa isto que as circunstâncias que vão ser
analisadas são as conhecidas ou cognoscíveis por um declaratário normal e diligente, colocado na posição
do declaratário real. Também aqui se aplica o art. 236.º/2 (se ambos conheciam a vontade real, é essa que
vale).
É muito discutido saber se o art. 2.º estabelece a presunção de que os actos dos comerciantes se presumem
comerciantes, ou se é antes uma norma imperativa. Entre nós, entendemos que esta é uma norma
imperativa e não uma presunção: estabelece a comercialidade de actos e obrigações que preencham três
requisitos; se esses requisitos estiverem preenchidos, temos actos subjectivamente comerciais.
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/2015
1) Actos acessórios: enquanto que, nos actos de comércio autónomos, estes são qualificados como tal por
si mesmos, os actos de comércio acessórios devem a sua comercialidade ao facto de se ligarem ou
conexionarem a actos comerciais. O CCom. prevê alguns actos acessórios: fiança (art. 101.º), mandato
(art. 231º), empréstimo (art. 394.º), penhor (art. 397.º) e depósito (art. 403.º).
COUTINHO DE ABREU rejeita a teoria do acessório, segundo a qual todo um acto de um não comerciante
efectivamente conexionado com um acto objectivamente comercial é acto de comércio. “Dada a diversificada índole
destes actos, não parece legítimo afirmar um princípio geral segundo o qual todo e qualquer acto de não
comerciantes seria mercantil quando conexionado com actos objectivos de comércio (não há aqui lugar para a
analogia juris). Não obstante, já nos parece legítimo qualificar de comerciais certos actos de não comerciantes por
serem análogos a actos acessórios de comércio previstos na lei (analogia legis)” (COUTINHO DE ABREU, p. 106).
2) Actos formalmente comerciais: são esquemas negociais que são utilizáveis por comerciantes e não
comerciantes, para a realização de actos de comércio ou não, estando contudo especialmente regulados na
lei comercial. Na sua substância não são comerciais. O exemplo típico é o de negócios cambiários.
Qual o regime jurídico aplicável aos actos unilateralmente comerciais? A lei, no art. 99.º, estabelece que
nos actos de comércio unilaterais o regime aplicável a ambos os contratantes é o regime comercial, com
excepção das normas que só se apliquem aquele em relação ao qual o acto é comercial. O único preceito
nestas condições é o art. 100.º: a solidariedade dos co-obrigados só respeita às partes em relação às
quais o acto seja mercantil. Se dois comerciantes comprarem a dois artesãos peças de artesanato, este
acto é unilateralmente comercial e os artesãos não são devedores solidários quanto à entrega das peças.
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/2015
CAPÍTULO II
DOS COMERCIANTES
1. Introdução
Apesar de o estatuto dos comerciantes não ser muito significativo, tem algumas notas importantes.
• Os actos dos comerciantes são subjectivamente comerciais (art. 2.º, 2ª parte).
• As dívidas comerciais dos comerciantes casados presumem-se contraídas no exercício dos
respectivos comércios, art. 15.º, e serão em princípio responsáveis os comerciantes e seus cônjuges,
1691.º/1/b) CCiv.
• A prova de certos factos em que intervêm comerciantes é facilitada (art. 396.º).
• Prescrevem no prazo mais curto de 2 anos determinados créditos dos comerciantes (art. 317.º/b) do
CCiv).
• Nos termos do art. 18.º, os comerciantes estão sujeitos a certas obrigações.
Havendo um estatuto, é necessário saber como qualificar um sujeito como comerciante. O preceito
básico para esta qualificação é o art. 13.º: o preceito compreende pessoas singulares, mas também pessoas
colectivas, como iremos ver.
Quando é que pessoas singulares são consideradas comerciantes? Nos termos do art. 13.º, nº 1º, têm de
estar preenchidos quatro requisitos:
1. Capacidade.
2. Para a prática de actos de comércio.
3. Fazer da prática de actos de comércio a sua profissão.
4. Exercício da actividade em nome próprio.
1) Capacidade: entendemos aqui que é capacidade de exercício (aptidão para actuar juridicamente, por
acto próprio ou mediante procurador), e não a capacidade jurídica ou de gozo (aptidão para se ser sujeito de
relações jurídicas). O art. 13.º deve ser conjugado com o art. 7.º, que fala expressamente da capacidade de
exercício.
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/2015
Sendo assim, aqueles que não têm capacidade de exercício (menores não emancipados, interditos e
inabilitados) nunca podem ser comerciantes? Podem –se analisarmos o regime dos incapazes, em certas
circunstâncias podem ser qualificados como comerciantes:
• Os pais, enquanto representantes do menor e autorizados pelo Ministério Público, podem adquirir
estabelecimento comercial ou continuar a exploração do que o filho haja recebido por sucessão ou
doação (art. 1889.º/1/c) do CCiv., conjugado com o art. 2.º/1/b) do DL 272/2002). O mesmo é
permitido, havendo autorização do M.P., ao tutor representante de menor (art. 1938.º, 1, a) e f) do
CCiv.) ou de interdito (art. 139.º do CCiv.).
• O inabilitado, assistido pelo curador, pode não só continuar a explorar o estabelecimento
comercial, como também adquirir empresa e explorá-la (art. 153.º do CCiv.).
• O curador, quando é administrador de bens (representante), com autorização do M.P., pode
continuar a explorar empresas do inabilitado, bem como adquirir empresa (art. 156.º do CCiv.).
Os incapazes que exerçam o comércio através de representantes legais devidamente autorizados pelo M.P.
são considerados comerciantes. Não são os representantes comerciais dos incapazes que são comerciantes,
são os próprios incapazes.
2) Prática de actos de comércio: os sujeitos têm de praticar actos de comércio objectivos. Notas:
• Não dão qualificação como comerciantes os actos formalmente comerciais.
• O mesmo sucede com os actos acessórios. Porém, há casos em que a prática de actos acessórios
pode dar a qualificação como comerciantes (ex: uma pessoa explora um armazém onde são
depositadas mercadorias destinadas a serem revendidas pelos depositantes, art. 403.º).
• Por outro lado, nem todos os actos de comércio objectivos, substanciais e autónomos, possibilitam
a qualificação de pessoas como comerciantes – é o que sucede com a conta corrente (art. 344.º e
segs) e as compras de participações sociais não destinadas à revenda ou as vendas de participações
sociais não adquiridas com intuito de revenda (art. 463.º/5).
3) Fazer da prática de actos de comércio a sua profissão: a actividade comercial tem de ser praticada de
modo habitual, reiterada ou sistemática. Não podemos ter comerciantes quando a actividade é ocasional ou
esporádica, mas pode ser descontínua, ou seja, com interrupções (ex: actividades sazonais). Para além
disto, não se exige que a profissão comercial seja a única exercida pelo sujeito, ou seja, não tem de ser a
actividade principal, pode ser meramente secundária.
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/2015
! Outras notas
A qualidade de comerciante implica a de empresário? Apesar de isto ser tendencialmente correcto, não é
inteiramente: há comerciantes que o são sem explorar uma empresa – é o caso típico do vendedor
ambulante. Por outro lado, uma pessoa pode ser considerada comerciante mesmo antes de criar a sua
empresa.
A partir de que momento é que se retira a qualidade de comerciante? Entende-se que esse início se
determina quando se pratica o acto ou conjunto de actos que revela o propósito e a intenção de a pessoa se
dedicar ao exercício reiterado de uma actividade comercial. Por ex., um sujeito que quer ser concessionário
contrata trabalhadores e arrenda um espaço.
A questão apresenta maior relevo a propósito dos comerciantes-empresários: tem-se entendido entre nós
que, a partir do momento em que temos actos preparatórios e preliminares da constituição de uma empresa
futura, basta isto para termos comerciantes. Ou seja, quando se cria a empresa ou denota a intenção de vir a
explorar uma.
Isto é importante pois a partir deste momento os actos podem ser qualificados como subjectivamente
comerciais, e para a aplicação do estatuto.
Já vimos que também pode incluir-se no art. 13.º outras entidades diferentes de pessoas singulares: desde
logo, pessoas colectivas que sejam sociedades comerciais – as sociedades comerciais, nos termos do art.
13.º/2, são sempre comerciantes. As sociedades civis, que exploram uma actividade económica civil, e as
sociedades civis sob forma comercial, que adoptam o tipo de sociedades comerciais mas não se dedicam à
prática de actos de comércio, não são qualificadas como comerciantes. Assim, para que uma sociedade seja
qualificada como sociedade comercial (art. 1.º, nº 2º do CSC):
• Tem de praticar actos de comércio.
• E adoptar um dos tipos ou formas das sociedades comerciais (sociedade em nome colectivo,
sociedade por quotas, sociedade anónima e sociedade em comandita simples ou por acções).
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/2015
As sociedades comerciais adquirem a qualidade de comerciantes pelo menos a partir do momento em que
adquirem personalidade jurídica (art. 5.º do CSC).
Tirando as sociedades comerciais, entendemos que o art. 13.º/1 admite outras entidades como
comerciantes. Esta tese é sustentada nos seguintes argumentos:
• Quando a lei fala em pessoas, não exclui as positivas nem restringe às singulares. A própria
legislação comercial emprega o substantivo “pessoas” para abranger também pessoas colectivas –
arts. 68.º/1, 75.º, 344.º e 368.º do CCom.; e art 7.º/2, in fine, conjugado com o art. 488.º/1 do CSC.
• Há aqui uma referência à profissão, que remete para pessoas singulares – mas profissão aqui deve
significar exercício de actividade de pessoas jurídicas, “profissão” enquanto exercício de comércio.
Está em causa a profissionalidade, sistematicidade, no exercício do comércio.
• Diz-se ainda que profissão implica o lucro. Mas entendemos que o lucro não é pressuposto
essencial da profissão do exercício comercial, numa interpretação objectivo-actualista que tenha
em consideração a teleologia e as novas realidades económico-empresariais.
Todas estas entidades podem ser qualificadas como comerciantes desde que a sua actividade possa ser
qualificada como comercial.
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/2015
Não são comerciais os que exercem actividades não comerciais. Como tal, com COUTINHO DE ABREU,
entendemos que empresarialidade não equivale a comercialidade. Esta tese é sustentada em argumentos
legais, que assentam na exclusão de certas actividades, empresariais, do âmbito da comercialidade:
• Actividade agrícola: a agricultura (conceito amplo) não é uma actividade comercial para nós.
Argumentos:
o Art. 230.º, § 1º e 2º. No parágrafo 1º, inclui-se o explorador agrícola que reserva parte dos
seus produtos, por ex., para fazer compotas. É uma actividade acessória – a indústria
transformadora é secundária da indústria agrícola, entendendo-se que isto não chega para
qualificar a actividade no seu todo como comercial.
o Art. 464.º, n.º 2º e 4º: se a venda de produtos agrícolas não é comercial, a actividade de
base também não é.
o Conjunto de legislação sobre as sociedades de agricultura de grupo, agrupamentos de
exploração agrícola, etc: DL 336/89; 339/90. São reguladoras de formas de exploração de
actividade agrícola sob a forma societária, sendo que ambos os diplomas dizem que só
podem ser sociedades civis sob a forma de sociedade por quotas.
Há um conjunto vasto de autores que dizem que a actividade agrícola é comercial quando for
exercida através de uma empresa. Entendemos que não é a empresarialidade que qualifica a
comercialidade, mas sim a lei. De jure condendo, é defensável que as empresas agrícolas são
comerciais, mas não é esse o nosso estado.
• Artesãos:
o Também não são comerciantes os artesãos, ou seja, os produtores que utilizam
predominantemente o trabalho manual. O art. 230.º, § 1º, 2ª parte, e 464.º, nº 3º, exclui
do comércio a actividade artesanal industrial-transformadora, exercida directamente
pelos artesãos (oleiros, sapateiros, costureiras, etc.).
o Por sua vez, há também os chamados serviços artesanais que, para este efeito, entram no
conceito de artesão apesar de serem prestações de serviços, e quando exercidas
directamente pelos artesãos – ex: cabeleireiro, costureira, sapateiro, etc. Estas actividades
não são comerciais, uma vez que não se encontram especialmente reguladas na lei
comercial e são análogas às actividades do art. 230.º, § 1º.
o O DL 41/2001 (art. 12.º) veio dizer que esta actividade podia ser exercida através de uma
sociedade comercial. Entendemos que a lei se quis referir à sociedade civil sob forma
comercial, em nome da unidade do sistema jurídico – fazemos uma interpretação restritiva.
• Profissionais liberais: são também excluídos da comercialidade, quer as pessoas singulares, quer
as pessoas colectivas cujo objecto consista numa actividade profissional-liberal. Além de os actos
típicos das actividades respectivas nunca serem qualificados legislativamente de comerciais, os
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/2015
regimes jurídicos destas actividades nunca admitem sociedades comerciais. Ex: art. 1.º, 2 do DL
229/2994, que diz que “as sociedades de advogados são sociedades civis”; art. 94.º/1 do DL
487/99, segundo o qual “as sociedades de revisores revestem a natureza de sociedades civis”, etc.
• Próximo destes encontram-se uma série de trabalhadores autónomos, e que devem ser qualificados
como não comerciantes, pois as suas actividades em nenhum lugar são qualificados como
comerciais – escritores, músicos, etc. Podemos também convocar um argumento de analogia com o
art. 230.º, § 3º.
Para além disto, nem todos os exercitantes de actividades comerciais são comerciantes. O art. 17.º diz que
as pessoas colectivas territoriais (Estado, regiões autónomas, autarquias locais) não podem ser
comerciantes, ainda que pratiquem actos de comércio de forma reiterada e sistemática. Este artigo deve ser
interpretado extensivamente, para incluir nesta impossibilidade de serem comerciantes as pessoas
colectivas públicas de tipo institucional e associativo, com excepção das EPE.
O § único do art. 17.º acrescenta que as associações e fundações de direito privado com fim desinteressado
ou altruísta podem, no limite das suas atribuições, praticar actos de comércio, mas não podem adquirir a
qualidade de comerciantes.
O art. 14.º diz que não podem ser comerciantes as associações sem interesses materiais. O intuito deste
preceito não é o de impedir que estas associações pratiquem actos de comércio, mas sim o de lhes vedar o
estatuto de comerciantes. Devemos fazer um juízo individual em relação a cada um dos tipos de
associações:
• Associações de escopo desinteressado: não podem ser comerciantes, uma vez que não têm por
objecto interesses materiais. Entram no art. 14.º, 1.º e aplica-se-lhes também o § único do art. 17.º.
• Associações de fim interessado, mas ideal: são aquelas associações em que a obtenção de receitas é
um meio instrumental. Prosseguem fins não materiais, logo entram também no art. 14.º, 1.º e não
podem ser qualificadas como comerciantes.
• Associações de fim interessado, com escopo económico mas não lucrativo: não entram no art. 14.º,
uma vez que já não se pode dizer que tenham por objecto interesses materiais. Porém, continuam a
ser não comerciantes, uma vez que não fazem do comércio sua profissão (art. 13.º).
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/2015
Imaginemos que uma associação extravasa o seu objecto e começa a ter um escopo comercial – pode ser
qualificada como comerciante? Não: a actividade fica fora da capacidade de gozo (art. 160.º/1 do CCiv.) e
os actos praticados são nulos, sendo que não podemos basear a qualificação como comerciante em actos
nulos. A associação deve ser extinta.
O art 14.º, nº 2º, estabelece que é proibida a profissão do comércio “aos que por lei ou disposições especiais
não possam comerciar”. Este artigo refere-se às incompatibilidades para ser comerciante –
incompatibilidade é uma impossibilidade legal de exercício de comércio por determinado sujeito exercer
certas funções ou ter determinado estatuto ou posição jurídica.
Imaginemos que uma pessoa proibida por lei viola a proibição. De acordo com a lei, não pode exercer esta
actividade; porém, exercendo-a, pode ser qualificado como comerciante? A doutrina aqui divide-se.
Estamos na corrente que diz que sim, que pode ser comerciante quem violar a incompatibilidade: tem
capacidade; faz disso profissão; e, acima de tudo, estes actos não são inválidos nem eficazes. A
incompatibilidade não fere a validade nem a eficácia dos actos praticados: o que surge aqui são sanções,
penalidades pela violação das proibições legais. A lei prevê sanções para a violação das proibições:
destituição, responsabilidade civil, penas disciplinares, etc.
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/2015
O processo de insolvência “é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação
dos credores” (art. 1.º do CIRE, Código da Insolvência e Recuperação de Empresas). Os credores dispõem
de duas vias para a satisfação dos seus interesses:
• A via da liquidação dos bens integrantes da massa insolvente;
• E a via da recuperação, que passa pela elaboração de um plano de insolvência onde os credores
regulam o modo por que serão satisfeitos os seus interesses.
O art. 1.º do CIRE sofreu uma reforma em 2012, e a nova redacção coloca alguns problemas.
1) A 1ª parte do art. 1.º dá-nos a ideia de que um processo de insolvência terá sempre um plano de
insolvência (quer de recuperação, quer de liquidação), no entanto, esta afirmação geral do art. 1.º vai
ser desmentida pelo resto do Código, designadamente pelas normas aplicáveis ao plano de insolvência.
• Não existe plano de insolvência para as pessoas singulares não empresárias ou titulares de
pequenas empresas, art. 250.º do CIRE. Quanto ao âmbito deste artigo, é necessário ter em conta
que, por um lado, o conceito de pequena empresa é o conceito com o conteúdo identificado no art.
249.º; por outro, embora a epígrafe do capítulo II faça referência aos titulares de pequenas
empresas, o art. 249.º mostra que não é necessário ser titular no sentido de proprietário (fala em
titular da exploração).
• Os sujeitos legitimados para apresentar o plano de insolvência não têm o dever de o fazer (art.
193.º).
• O plano de insolvência começa por ser proposto e é aprovado em assembleia dos credores, logo
podemos não ter plano de insolvência por não ser aprovado (art. 209.º e segs.).
• Quanto à liquidação, esta processa-se nos termos da lei (art. 156.º e segs.), salvo se existir plano de
insolvência (art. 192.º/1).
2) Em relação à 2ª parte do artigo, enquanto que na anterior redacção a via da recuperação e da liquidação
apareciam como vias alternativas, com a reforma de 2012 o plano de recuperação aparece numa posição
privilegiada em relação ao plano de liquidação. A versão anterior era mais liberal e os credores é que
decidiam se havia recuperação ou liquidação.
O teor deste artigo resulta da ideia de que, em ambiente de crise, recuperar tem outras vantagens,
nomeadamente a manutenção de postos de trabalho e diminuição das despesas do Estado com
desempregados. Porém, nada na lei obriga os credores a aprovarem planos de recuperação, ou seja,
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/2015
continuam livres de optar pela liquidação, e a mesma coisa se passa em relação ao papel do juiz quando
vai controlar o plano.
Relativamente ao conteúdo do plano de insolvência, pode ser muito variado – a lei não prevê um elenco
taxativo de medidas. Pode ser um plano de recuperação, de liquidação, e ainda um plano misto. É possível,
em relação ao mesmo devedor, ter um plano de liquidação e de recuperação. Note-se que a liquidação
prevista no plano de insolvência pode conter desvios às regras legais do CIRE em matéria de liquidação.
O art. 2.º define o âmbito subjectivo do plano de insolvência, ou seja, quem pode ser sujeito a uma
declaração de insolvência. Podemos agrupar os sujeitos em três grupos:
1. Quaisquer pessoas singulares ou colectivas.
2. Sujeitos de natureza colectiva mas não personalizados, al. c), d), e) e f).
3. Herança jacente, al. b), estabelecimento individual de responsabilidade limitada, al. b) e quaisquer
outros patrimónios autónomos, al. h).
Notas:
• Pese embora a epígrafe use o termo “sujeitos”, as várias alíneas prevêem realidades que não são
sujeitos. O próprio corpo do artigo fala, não em “sujeitos”, mas sim em “objecto” – há aqui alguma
incoerência.
• Os sujeitos passivos da declaração de insolvência não têm de ser comerciantes nem empresários.
Porém, há aspectos do regime da insolvência dependentes da existência ou inexistência de empresa
(ex: art. 18.º/2, 171.º, 233.º e segs., 251.º e segs. e 249.º).
O art. 2.º/2 exclui do âmbito do processo de insolvência várias entidades. Note-se a al. b), que diz que estas
entidades estão excluídas “na medida em que seja incompatível com os regimes especiais previstos para
tais entidades” (é o que sucede, por ex., com as instituições de crédito).
Quando aos sujeitos activos da declaração de insolvência, a insolvência de um determinado devedor pode
ser requerida:
• Desde logo, pelo próprio devedor (em certos casos, tem mesmo o dever de apresentação à
insolvência, art. 18.º, com a excepção do n.º 2).
• O art. 20.º prevê outros legitimados a requerer a apresentação à insolvência: quem for legalmente
responsável pelas dívidas do devedor (ex: sócios, numa ideia de “não deixar crescer a bola de
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/2015
neve”); qualquer credor, ainda que condicional (é muito discutido saber se um credor titular de um
crédito litigioso pode ou não requerer); e o Ministério Público.
Há aqui um conjunto de circunstâncias que têm de estar verificadas para estes sujeitos terem legitimidade –
a jurisprudência entende que as várias alíneas do art. 20.º/1 constituem factos indiciários que permitem
presumir uma situação de insolvência. A al. h), por ex., revela a importância do depósito das contas.
Para que um devedor seja declarado insolvente, tem de estar numa situação de insolvência ou equiparada.
Segundo o art. 3.º/1, “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado
de cumprir as suas obrigações vencidas” – (1) insolvência actual. Notas:
• Para se saber se o devedor está numa situação de insolvência ou não, só relevam as obrigações
vencidas; no entanto, a doutrina entende que as obrigações ainda não vencidas podem ser tidas em
conta como elementos de prova acerca da impossibilidade ou possibilidade de cumprir as já
vencidas.
• O n.º 1 também não exige textualmente a totalidade das obrigações vencidas, mas entende-se que
deve ser pelo menos a parte essencial das obrigações.
Assim, é possível um devedor ter passivo superior ao activo mas nem por isso estar em situação de
insolvência, bastando para tal ir obtendo os meios necessários ao cumprimento das suas obrigações.
O art. 3.º, n.º 2, prevê uma segunda forma de insolvência, identificando um conjunto de obrigações em que
(ao contrário da insolvência actual) se faz a comparação entre o passivo e o activo dos devedores. Assim, as
pessoas colectivas e os patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda
pessoa e ilimitadamente são consideradas insolventes quando (2) o passivo seja manifestamente superior
ao activo, segundo as normas contabilísticas aplicáveis. Notas:
• Esta forma de insolvência só se aplica, como tal, a certo tipo de devedores – apenas para certas
pessoas colectivas e certos patrimónios autónomos, quando nenhuma pessoa singular responda
pessoal e ilimitadamente pelas suas dívidas. Por ex., na sociedade por quotas a responsabilidade
dos sócios não é uma responsabilidade pela dívida da sociedade, uma vez que é limitada pelo valor
de entrada – é apenas uma responsabilidade perante a sociedade e não perante os seus credores; já
numa sociedade em nome colectivo, podemos ter como sócios pessoas singulares, e estes vão
responder pelas dívidas da sociedade.
• Note-se que o n.º 2 do art. 3.º não diz que se tem de chegar à conclusão segundo o último balanço
aprovado, pode ser um balanço ad hoc – é importante para relacionar o art. 3.º com o art. 20.º. A
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/2015
legitimidade pode-se basear no último balanço aprovado (al. h), logo pode-se fazer um pedido de
declaração de insolvência com base neste plano e, entretanto, a situação alterar-se e o devedor
provar que o activo é manifestamente superior ao passivo.
• Chega-se a este resultando aplicando as normas contabilísticas comuns.
Nos termos do n.º 3 do art. 3.º, pode-se afastar a declaração de insolvência se, na realidade, se conseguir
demonstrar que o activo é superior ao passivo aplicando outros critérios de avaliação que não tenham sido
respeitados de acordo com as normas contabilísticas aplicadas. Nomeadamente, são consideráveis outros
elementos para além dos constantes no balanço, pelo seu justo valor (al. a)). Notas:
• É preciso notar que as normas do n.º 2 vão-se alterando, logo podem fazer aplicar já o n.º 3.
• JOÃO LABAREDA entende que este regime favorece o infractor, pois o sujeito que não incluiu no
balanço um determinado elemento estaria a violar as normas contabilísticas aplicadas. SOVERAL
MARTINS entende que, se o elemento não estava incluído, é porque não devia estar – se as normas
do n.º 2 foram aplicadas, já constavam todos os elementos que tinham de constar. Por outro lado,
só conduzirá a resultados diferentes se, ao abrigo das normas aplicáveis, não se recorra ao justo
valor.
O art. 3.º/4 estabelece que se equipara à situação de insolvência actual a que seja meramente iminente – (3)
insolvência iminente. Apesar de o preceito não definir a situação de insolvência iminente, entende-se que
existe esta situação quando se antevê como provável que o devedor não terá meios para cumprir a
generalidade das suas obrigações no momento em que se vençam. Note-se que apenas o devedor tem
legitimidade para apresentar o pedido de insolvência com base na insolvência iminente, o que pretende
evitar que os credores coloquem sob pressão um devedor ainda não insolvente. Porém, em certos casos,
credores e outras entidades têm legitimidade para requererem a declaração de insolvência quando há apenas
um risco de insolvência iminente (ex: art. 20.º/1/d) e h)).
Este artigo coloca uma dificuldade, a de saber se a insolvência actual é a do n.º 1 ou também a do n.º 2.
A insolvência iminente não é aquela em que o devedor tenha apenas um receio; mas sim aquela em que um
juízo de prognose permita dizer que o devedor muito provavelmente não estará em condições de cumprir as
suas obrigações vencidas. Há aqui vários aspectos duvidosos:
• Quanto é que podemos dizer que é provável que no futuro o devedor não possa cumprir as suas
obrigações? SOVERAL MARTINS propõe que se recorra a um critério, usado pela doutrina alemã,
que tem em conta o grau de probabilidade de conseguir cumprir as suas obrigações e o grau de
probabilidade que não o consiga fazê-lo. Temos de comparar estes dois graus – a doutrina aqui
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/2015
divide-se, havendo quem exija mais de 50% ou 75%, sendo que SOVERAL MARTINS entende que
apenas tem de ser superior.
• Falámos em obrigações que se vencerão no futuro, mas qual é o lapso temporal que o juízo de
prognose terá em conta? Saber qual é o período de tempo que devemos ter em conta depende de
cada devedor, logo será o julgador a encontrar o período de tempo que ache mais adequado.
• Não há dúvidas que vamos ter em conta as obrigações que já existem. E as que não existem?
SOVERAL MARTINS entende que devemos ter em consideração as obrigações não existentes mas
que se prevê que seja necessário contraí-las no período de tempo considerado.
! Processo de insolvência
1) Vimos que o processo de insolvência se pode iniciar por um pedido apresentado pelo devedor ou por
um dos sujeitos do art. 20.º, o que terá consequências no andamento processual – o art. 25.º só se aplica
aos outros legitimados; no art. 28.º, é dito que a apresentação à insolvência por parte do devedor implica o
reconhecimento, por este, da sua situação de insolvência, e essa insolvência é decidida no terceiro dia
seguinte. Note-se que este Código contém várias afirmações contraditórias: nem sempre acontece o
disposto no art. 28.º: o art. 201.º prevê justamente a possibilidade de o devedor apresentar-se à insolvência
com um plano (o art. 255.º diz que, se o devedor pretende que seja aprovado o plano, pode haver uma
suspensão do processo de insolvência). A aprovação do plano está prevista no art. 209.º e segs., e pode
demorar muito mais do que os 3 dias úteis do art. 28.º.
2) Supondo que não há indeferimento liminar do requerimento (feito por outro sujeito que não o devedor),
o natural é o devedor ser citado para se pronunciar (art. 29.º). O art. 12.º, no entanto, vai permitir que,
verificadas certas circunstâncias, a audiência do devedor possa ser dispensada, e mesmo a própria citação.
O n.º 3, porém, diz que o disposto no n.º anterior se aplica ao administrador do devedor, alargando o âmbito
de aplicação às pessoas colectivas.
3) Segue-se a possibilidade de o devedor deduzir oposição, art. 30.º. O n.º 2 diz que o devedor tem de
juntar com a oposição a lista dos seus cinco maiores credores, sob pena de não recebimento da oposição,
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sendo que há jurisprudência que entende que este preceito é inconstitucional. Entende-se que o juiz deve
dar um tempo para aperfeiçoamento da oposição para que seja junta a lista.
E se o devedor não apresentar oposição? O n.º 5 diz que se consideram confessados os factos alegados na
petição inicial.
4) O art. 35.º prevê uma audiência para discussão e julgamento. Se, no decurso do processo, o juiz
concluir que existe uma situação de insolvência, decreta a insolvência – mais uma vez, apenas na hipótese
de o requerimento ter sido apresentado por outra entidade que não o devedor!
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/2015
“Na sentença de declaração de insolvência ou em momento posterior pode o juiz declarar aberto o
incidente de qualificação da insolvência (arts. 36.º/1/i) e 188.º/1, 36.º/4), a fim de apurar se ela é culposa
ou fortuita”. Para além disto, num momento posterior à sentença, SOVERAL MARTINS entende que o art.
188.º não impede o juiz de, oficiosamente, declarar aberto o incidente se entretanto o processo tiver
elementos para o fazer. Se, num momento ainda prematuro (a sentença), o juiz já pode abrir o incidente,
por maioria de razão, se todos os elementos do processo formarem uma opinião ainda mais forte, o juiz
também o pode fazer.
Neste incidente, o juiz decide se a insolvência é culposa ou não, sendo que segundo o art. 186.º/1 a
insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada, com dolo ou culpa grave, pelo
devedor ou seus administradores nos três anos anteriores.
Se o juiz não abre o incidente, é necessário ter em atenção o regime do encerramento do processo de
insolvência, art. 230.º e segs. Quais os efeitos do encerramento? O art. 233.º/6 diz que a insolvência vai ser
qualificada como fortuita.
Se a insolvência é qualificada como culposa, isso vai ter efeitos muito significativos, art. 189.º. O juiz
deve, desde logo, identificar as pessoas afectadas pela qualificação, al. a). Interessa-nos a al. c) do n.º 2
do art. 189.º: o juiz deve declarar essas pessoas inibidas para o exercício do comércio durante um
período de 2 a 10 anos.
Assim, se um sujeito foi declarado insolvente, e se foi aberto o incidente e nesse incidente a insolvência foi
considerada culposa, segue daí a inibição para o exercício do comércio. A al. a) diz que o juiz deve
identificar as pessoas afectadas pela qualificação, sendo que não é necessariamente apenas o devedor,
pode ser também os seus administrados, ROC, TOC, etc. Todos estes sujeitos podem ser abrangidos pela
qualificação da insolvência como culposa e afectados por essa qualificação, ficando assim inibidas para o
exercício do comércio.
Se estas pessoas praticarem actos de comércio no período de inibição, terão a qualidade de comerciante?
A leitura que parece preferível é a de que, se a inibição existe para defender os credores (as pessoas
afectadas pela qualificação representam um risco para o comércio e para o crédito associado ao
comércio), faz sentido não adquirir a qualidade de comerciante.
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O art. 186.º diz que, para qualificar a insolvência como culposa, se deve atender ao devedor e aos seus
administradores. Porém, o art. 189.º permite abranger outras pessoas por esta qualificação. A questão que
se coloca é: devemos ler o art. 186.º à luz do art. 189.º? COUTINHO DE ABREU entende que sim; SOVERAL
MARTINS discorda. Compreendem-se as hipóteses do art. 186.º: se for o devedor a actuar com culpa grave
ou com dolo, a sua insolvência deve ser qualificada como culposa; o mesmo se dizendo para a actuação dos
administradores. Porém, no caso do TOC, ROC, ou outros sujeitos, não se compreende que a sua actuação
acarrete a qualificação da insolvência do devedor como culposa. Mas se o TOC ou ROC excederem o
âmbito normal da sua actuação e passarem a ser administradores de facto, já se aplica o art. 186.º e não há
necessidade de o ler à luz do art. 189.º.
O mandato comercial está previsto no art. 231.º e segs., traduzindo-se num contrato no qual o mandatário
pratica um ou mais actos de comerciais em nome do mandante. Tendo poderes de representação, os efeitos
desse acto vão produzir-se na esfera jurídica do representado (art. 258.º do CCiv.). A doutrina, quase
unanimemente, entende não serem comerciantes os mandatários:
• Do ponto de vista dos efeitos jurídicos, é o mandante quem pratica os actos, sendo comerciante se
o faz de forma profissional.
• O mandato comercial não é um comércio para efeitos do art. 13.º, sendo “comercial” uma vez que
o mandatário é encarregado de praticar actos de comércio.
O art. 248.º e segs. refere-se aos gerentes, auxiliares e caixeiros de comerciantes. Apesar de estes serem
qualificados pelo CCom. como mandatários comerciais com representação, esta qualificação é hoje
insubsistente, assentando na velha ideia de que os poderes de representação voluntária tinham de assentar
num contrato de mandato. Hoje em dia, os gerentes, auxiliares e caixeiros são em regra trabalhadores
dependentes, advindo os poderes de representação do contrato de trabalho. Exercem actividade mercantil
em nome da empresa (art. 248.º e 250.º, 1ª parte), logo não são comerciantes por faltar o requisito de
actuação em nome próprio.
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É necessário distinguir o mandato com poderes de representação da comissão (art. 266.º e segs.) – segundo
o art. 266.º, dá-se contrato de comissão quando o mandatário executa o mandato mercantil sem menção ao
mandante. Assim, o contrato de comissão mercantil é um contrato de mandato mercantil sem
representação: é o comissário quem, em seu próprio nome, pratica os actos e se responsabiliza directamente
perante os terceiros com quem contrata. O comissário terá depois de praticar os actos necessários para
transferir os efeitos jurídicos para a esfera do comitente. O comissário mercantil também não adquire a
qualidade de comerciante, uma vez que apenas é comerciante quem exerce o comércio em nome e por
conta própria.
Esta questão está hoje ultrapassada, uma vez que os corretores de bolsa individuais já não existem. Hoje,
são sociedades que desenvolvem esta actividade, que são sociedades comerciais – têm objecto comercial,
estando previsto no CVM, que é uma lei substitutiva das normas do CCom. relativas às operações de bolsa
(segunda forma de manifestação da comercialidade objectiva).
Tanto os mediadores como os agentes comerciais são comerciantes na medida em que desenvolvem
actividades de interposição nas trocas. Os mediadores são sujeitos que estabelecem a ligação entre vários
outros sujeitos, promovendo a celebração de negócios entre eles; já os agentes comerciais promovem por
conta de outrem a celebração de contratos de modo autónomo e estável, mediante retribuição. Uma
corrente doutrinal defende que estes sujeitos só são comerciantes quando exploram uma empresa comercial
do tipo das previstas no art. 230.º, n.º 3º; porém, para COUTINHO DE ABREU, estes sujeitos são sempre
comerciantes uma vez que desenvolvem uma actividade de interposição de trocas.
5.6 Farmacêuticos
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É consensual o entendimento de que os sócios das sociedades anónimas por quotas e anónimas não são
comerciantes – comerciantes são as próprias sociedades, que, através dos órgãos respectivos, exercem o
comércio (art. 13.º, n.º 2º).
Já quanto aos sócios de responsabilidade ilimitada, não se verifica o mesmo consenso – segundo certos
autores, estes seriam comerciantes. COUTINHO DE ABREU critica esta posição, que assentaria em
pressupostos erróneos:
• Em primeiro lugar, numa confusão entre o património social e o de cada um dos sócios. Não se
confunde o património das sociedades em nome colectivo e em comandita com o dos sócios de
responsabilidade ilimitada: a responsabilidade dos sócios é subsidiária e as sociedades constituem
sujeitos distintos.
• Tradicional regra segundo a qual a declaração de falência das sociedades em nome colectivo e em
comandita envolve a dos sócios de responsabilidade ilimitada. No actual regime, a falência
estende-se indistintamente aos comerciantes e não comerciantes.
Para além disto, o art. 5.º do CSC reconhece personalidade jurídica a todas as sociedades comerciais. Isto
não era totalmente claro na vigência do CCom., pelo que surgia a dúvida de saber que um sócio de uma
sociedade com responsabilidade ilimitada era ou não comerciante. Hoje, a dúvida já não tem razão de ser
uma vez que, pelo art. 5.º do CSC, as sociedades são entidades autónomas que praticam os actos comerciais
através dos seus órgãos de representação.
As sociedades comerciais gozam de personalidade jurídica a partir da data do registo definitivo: antes desse
registo, as sociedades não têm personalidade jurídica (sociedades irregulares). A questão que se coloca é se
as sociedades comerciais sem personalidade jurídica podem ou não ser consideradas comerciantes.
A doutrina maioritária considera que as sociedades irregulares não são comerciantes. Este problema diz
desde logo respeito à interpretação do art. 5.º do CSC, que estabelece que as sociedades “existem como
tais” depois da data do registo definitivo. Isto não significa que existam com personalidade jurídica, mas
sim como sociedades comerciais. Como tal, na opinião de SOVERAL MARTINS, o legislador quis usar o art.
5.º como estímulo para que as sociedades comerciais terminassem o seu processo, e não se aplica antes da
constituição o art. 13.º/2.
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COUTINHO DE ABREU discorda, afirmando que as sociedades comerciais sem personalidade jurídica podem
ser comerciantes, adquirindo esta qualidade com a prática do ou dos actos reveladores do propósito de se
dedicarem ao exercício habitual de uma actividade mercantil.
6.1.1 Noção
Todos os comerciantes devem adoptar firma ou denominação, art. 18.º/1. Hoje em dia, nesta parte o art.
18.º tem de ser lido com alguma cautela, na medida em que hoje o regime das firmas consta essencialmente
do RRNPC. Tradicionalmente, definia-se firma como “o nome comercial dos comerciantes, o sinal que os
individualiza ou identifica”. Porém, esta noção é insuficiente, uma vez que o RRNPC estabelece que:
• Há não comerciantes que têm firma – ver art. 37.º, para as sociedades civis sob forma comercial; e
art. 39.º, para os empresários em nome individual que desenvolvem uma actividade económica não
comercial.
• Há comerciantes que têm, não uma firma, mas uma denominação (ex: cooperativas, art. 12.º/1/c),
13.º/a) e 14.º do CCoop.).
A regra que importa destacar é a de que cada comerciante em nome individual só pode adoptar uma firma
– princípio da unidade de firma. Em relação às pessoas singulares, este princípio vai sofrer uma excepção
relativa ao art. 40.º: um comerciante em nome individual pode simultaneamente desenvolver uma
actividade comercial através do e.i.r.l., adoptando para tal uma firma; e outra actividade fora da actividade
do e.i.r.l., adoptando para tal outra firma.
6.1.2 Composição
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• O comerciante pode ainda aditar ao nome alcunha ou expressão alusiva à actividade exercida (art.
38.º/1).
• O n.º 3 deste artigo, parte final, diz que o comerciante não pode abreviar o seu nome de forma a
que fique uma só palavra, a não ser que haja outros elementos que o tornem individualizador.
• Tratando-se de titular de um e.i.r.l., ver art. 40.º/1 e 2.
2) Firma das sociedades comerciais: relativamente às firmas de sociedades comerciais, temos de recorrer
ao CSC, que tem de ser lido em articulação com o RRNPC.
O art. 10.º do CSC estabelece os requisitos das firmas. Há aqui alguns aspectos que importa referir, e que
afectam a composição da firma e o princípio da novidade ou exclusividade. O n.º 2 parece estabelecer
requisitos adicionais no caso das firmas das sociedades que sejam nomes. Este requisito deve ser
interpretado em conformidade com o regime do RRNPC.
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parte final foi eliminada pelo art. 17.º do DL 111/2005, que permite que se opte por firma
constituída por expressão de fantasia previamente criada e reservada a favor do Estado.
! Quanto à firma das sociedades em comandita, também vamos encontrar normas específicas, art. 467.º e
segs.
• Mais uma vez, vamos encontrar a necessidade de a firma conter o nome ou firma de um dos
sócios comanditados, que respondem pelas dívidas da sociedade. Para os credores e terceiros em
geral, interessa saber o nome de pelo menos um dos sócios.
• O n.º 3 do art. 467.º estende a responsabilidade aos sujeitos que deixem que o seu nome ou firma
constem da firma, salvo nos casos em que não se justifique um regime tão pesado. Normalmente,
estes sujeitos deixam que o nome conste para reforçar o crédito que a sociedade consiga obter.
• A firma das sociedades em comandita pode ainda integrar expressões alusivas ao objecto social.
Um aspecto importante do regime das firmas das sociedades comerciais é o que resulta do art. 32.º/5:
quando deixe de ser associado o sócio cujo nome conste na firma, deve tal firma ou denominação ser
alterada no prazo de 1 ano. Durante aquele ano, continua a ser lícito utilizar a firma com o nome ou firma
do sócio que saiu; a não ser que o sócio ou herdeiros consintam na utilização – direito ao nome. Se não der
o consentimento, a sociedade tem de alterar o acto constitutivo, onde consta a firma. O que se pretende é
garantir que os terceiros não sejam de alguma forma enganados por constar da firma o nome ou firma de
um sócio que já não faz parte. Se não houver alteração, O RNPC deve declarar a perda do direito ao uso da
firma nos termos do art. 60.º/1; e ainda declaração de nulidade por violação da norma imperativa do art.
32.º/5.
1) Princípio da unidade
Segundo este princípio, cada comerciante em nome individual só pode adoptar uma firma, com a
excepção prevista para o e.i.r.l. (art. 40.º do RRNPC).
Há quem defenda, por ex., que o comerciante deve ter uma firma para cada estabelecimento que explora. O
art. 44.º/4 do RRNPC mostra qual poderia ser a utilidade deste regime: a firma é transmissível; porém, é
proibida a transmissão de uma firma sem o estabelecimento a que se acha ligada. Como vale entre nós o
princípio da unidade da firma, quem queira transmitir o estabelecimento tem de adoptar uma nova firma, o
que implica todo um novo esforço a nível do marketing. O princípio da unidade acarreta, como tal, várias
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/2015
dificuldades. O art. 44.º/2 possibilita a transmissão de firma de sociedade comercial, porém é necessária a
autorização do sócio.
2) Princípio da verdade
Está previsto no art. 32.º/1 do RRNPC, e diz-nos que os elementos componentes das firmas e
denominações devem ser verdadeiros e não induzir em erro sobre a identificação, natureza ou actividade
do seu titular. Uma firma ou denominação não precisa de utilizar apenas vocábulos que correspondam à
verdade, pode utilizar expressões de fantasia, mas não pode é induzir em erro sobre a sua natureza (por
ex. uma sociedade comercial não pode conter na sua firma a expressão “associação” ou “fundação”) ou
actividade (uma sociedade de comércio de automóveis não pode dizer que se dedica ao comércio de
electrodomésticos).
O art. 32.º/4, als. b), c) e d) não estão propriamente ligadas ao princípio da verdade.
Este princípio está previsto no art. 33.º/1 do RRNPC, e diz-nos que as firmas não podem ser iguais ou
susceptíveis de erro ou confusão, no mesmo âmbito territorial de exclusividade. Existem três
possibilidades de erros:
• Tomar-se uma firma por outra;
• Tomar-se um comerciante por outro;
• Ou pensar-se erradamente que aquelas duas entidades têm especial relações.
O exemplo de escola é a existência de relações de grupos: pode alguém aceitar comprar obrigações
pensando que aquela sociedade está integrada num determinado grupo de sociedades.
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Assim, se alguém obtém o registo da sua firma, tem o direito ao uso exclusivo da firma. Notas:
• Este princípio não se aplica ao comerciante em nome individual que só adoptou como firma o
seu nome (art. 38.º/4 e art. 33.º). Só têm direito aqueles que adoptem um sinal que contenha mais
do que o nome.
• Os comerciantes individuais têm direito ao uso exclusivo das suas firmas apenas no concelho onde
se encontre o estabelecimento principal (art. 38.º/4); enquanto que as sociedades comerciais têm
direito em todo o território (art. 37.º/2).
! O art. 10.º/2 do CSC diz que, quando a firma das sociedades for constituída exclusivamente por nomes
ou firmas de todos ou alguns sócios, deve ser completamente distinta das que já se acharem registadas.
Este regime não exige que as firmas não tenham um único elemento comum; o que exige é que, ainda que
tenham elementos em comum, estas firmas não sejam susceptíveis de induzir em erro ou confusão. Este
artigo deve ser lido do ponto de vista de um legislador razoável (se levássemos este artigo à letra, as firmas
não poderiam ter sequer letras em comum); e deve ser lido à luz do art. 33.º, na medida em que o que
interessa é a susceptibilidade de induzir em erro ou confusão o público médio.
! Mas qual é o critério para saber se as firmas são confundíveis ou induzem em erro? “Dizemos que uma
firma não é nova em relação a outra quando, atendendo à grafia das palavras, ao efeito fonético das
expressões, ao núcleo caracterizante ou à forma oficiosa dos signos, o público médio as não consegue
distinguir ... ou crê erroneamente referirem-se a comerciantes distintos mas especialmente relacionados”.
! Este princípio vale apenas no âmbito de actividades concorrentes, ou vale também fora desse âmbito
(perante comerciantes que adoptem actividades não concorrentes)? No âmbito de actividades concorrentes,
não há dúvida: aplica-se. E no âmbito de actividades não concorrentes? Parece razoável dizer que sim,
existindo fortes argumentos a favor desta tese:
• Ainda que sejam actividades completamente distintas, continua a ser possível o risco de confusão
ou erro, nomeadamente naquela terceira vertente (relações especiais entre os comerciantes em
causa).
• Existe ainda um risco associável ao seu bom nome, se o comerciante que regista em segundo lugar
a firma for declarado insolvente.
• Também o n.º 2 do art. 33.º diz que a proximidade é um dos critérios, não o único, para ponderar
da susceptibilidade de confusão.
Isto sobretudo quando se trate de firmas oficiosas muito conhecidas (SIC, SONAE, etc.).
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As firmas e as denominações devem ter uma capacidade diferenciadora, permitindo identificar o seu titular.
O art. 33.º/3 diz respeito, já não ao princípio da novidade mas sim ao princípio da capacidade distintiva.
Isto está relacionado com a função diferenciadora, mas também está relacionado com outro aspecto
importante, não mencionado nas Lições – trata-se de impedir um monopólio injustificado sobre estes sinais,
garantindo que não se procure obter um monopólio sobre sinais sem qualquer justificação objectiva. Para a
economia em geral, isto seria prejudicial.
5) Princípio da licitude
Este princípio é um princípio residual, na medida em que o que não for proibido pelos outros princípios
poderá ser proibido por este – ver art. art. 32.º/4, als. c), d) e e).
6.15 Transmissão
A firma pode ter considerável valor económico; porém, a livre transmissibilidade das firmas sem a
transmissão das empresas daria azo a enganos no público. Assim, a transmissão da firma entre vivos
obedece aos seguintes requisitos:
• Em primeiro lugar, tem de fazer-se com o estabelecimento comercial a que esteja ligada (art.
44.º/4 do RRNPC). A transmissão pode ser feita por qualquer título – por ex., negócio de
transmissão definitiva ou temporária.
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• É necessário o acordo das partes, por escrito. Quando o transmitente seja uma sociedade, cuja firma
contenha nome de sócio, é ainda indispensável a autorização do titular do nome (art. 44.º/2 do
RRNPC).
• Finalmente, o adquirente deve aditar à sua própria firma a menção da sucessão e a firma adquirida
(art. 38.º/2 do RRNPC).
Para SOVERAL MARTINS, podem autonomizar-se duas questões: uma é a aquisição da firma; outra é a
possibilidade de o adquirente utilizar a firma. O art. 44.º/1 diz que o adquirente pode adquirir a firma mas
não a poder utilizar – para tal, é necessária autorização. É necessária a transmissão e a autorização para
utilizar a firma. O regime do n.º 2 do art. 44.º refere-se igualmente à autorização.
No caso de aquisição mortis causa (n.º 3), o adquirente pode aditar a menção de haver sucedido noutra
firma.
Apesar de o art. 44.º se referir apenas à transmissão de firma, aplica-se também à transmissão de
denominação.
A tutela do direito à firma ou denominação é feita através de meios preventivos e repressivos. Quanto à
tutela preventiva, destacam-se os certificados de admissibilidade de firmas e denominações, emitidos pelo
Registo Nacional das Pessoas Colectivas (art. 1.º, 45.º e segs. e 78.º/1 do RRNPC). Estes certificados são
emitidos com base no “ficheiro central de pessoas colectivas”, art. 2.º do RRNPC, que nos dá informações
sobre as firmas que podem ser adoptadas ou não. Também encontramos informações sobre comerciantes
individuais, art. 4.º/1/g). Os certificados de admissibilidade são necessários para a constituição da
sociedade (é nulo o acto sem certificado, art. 55.º/1/b) do RRNPC); sendo também exigido para o registo.
Os processo de constituição de sociedades por quotas e anónimas têm regimes jurídicos específicos, que
prevê a existência de base de dados de firmas. Esta é, na verdade, uma base de dados de expressões de
fantasias que estão reservadas para o Estado. Isto evita esperar pela emissão de certificados e a constituição
de uma sociedade torna-se mais célere.
Em relação à tutela repressiva, quando haja violação do direito à firma, o titular da firma pode reagir.
• É possível intentar acções judiciais que levem eventualmente à revogação do registo.
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• O art. 60.º do RRNPC também prevê a competência do RNPC para declarar a perda do direito ao
uso de firmas e denominações quando os princípios do art. 32.º e 33.º sejam violados. Não é
necessário esperar por uma sentença transitada em julgado.
• O art. 62.º do RRNPC confere aos interessados o direito de exigir a proibição da utilização da
firma, bem como uma indemnização.
Em certas circunstâncias, é admissível a protecção de firmas ainda não registadas – um sujeito que usa uma
firma não registada e vê outro sujeito a usar a mesma firma, não registada, pode reagir (art. 317.º do CPI,
concorrência desleal).
Outra via é a fornecida pela Convenção da União de Paris. O art 8.º diz que o nome comercial será
protegido em todos os países da União de Paris, sem obrigação de registo. Isto gera confusão: há
pressupostos para esta protecção ser possível. Colocam-se várias questões: é necessário que a firma tenha
sido constituída validamente noutro país da União? Parece que sim. Para merecer a tutela em Portugal, tem
de ser utilizada em Portugal ou ser notoriamente conhecida? Há jurisprudência e doutrina significativas
nesta matéria. Um caso muito conhecido foi o do El Corte Inglés, quando ainda não tinha actividade em
Portugal – este merecia a tutela do art. 8.º em Portugal, não estando cá registado? Deve entender-se que
sim.
Se a actividade comercial cessa porque o comerciante falece, extingue-se a firma no caso de ele não ter
deixado estabelecimento comercial. Se tiver deixado empresa mercantil, colocam-se três hipóteses:
• O estabelecimento comercial é transmitido, mas sem a firma – esta extingue-se.
• O estabelecimento comercial é transmitido com a firma – extingue-se na medida em que se integra
na firma do adquirente (art. 44.º/3 do RRNPC).
• Não é transmitido o estabelecimento comercial, que é liquidado – a firma extingue-se.
Se a actividade do comerciante cessa porque este assim o quis, temos novamente várias hipóteses:
• O comerciante transmite o estabelecimento comercial com a firma – esta extingue-se porque é
incorporada numa nova.
• O comerciante transmite o estabelecimento comercial sem a firma – esta perdura, a não ser que o
RNPC declare a sua perda nos termos do art. 61.º, n.º 1/b) e a), 2 do RRNPC.
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• Cessando a sua actividade sem que as sociedades se extingam, as respectivas firmas extinguem-se
quando se transmitam os estabelecimentos.
• Caso a transmissão não se dê, os sinais podem perdurar.
• Se os sujeitos se extinguem, extinguem-se também as firmas e denominações.
Há uma teoria que considera que é um direito de personalidade, o que não faz sentido, desde logo por ser
transmissível. A leitura que parece ser aceitável, numa concepção moderna dos direitos reais, é a de
considerar a firma um bem incorpóreo e admitir o direito de propriedade sobre este bem.
Antes de 2006, o CCom. prescrevia a obrigatoriedade de quatro livros de escrituração; com o DL 76-
A/2006, nos termos do art. 30.º o comerciante pode escolher o modo de organização da escrituração
mercantil, bem como o seu suporte físico. Assim, o art. 30.º do CCom. consagra, como regra geral, o
princípio da liberdade de organização da escrituração mercantil. Contudo, embora o art. 30.º diga que se
pode escolher o modo de escrituração, é necessário ter em conta as exigências que resultam da legislação
fiscal, directa ou indirectamente. Ou seja, esta liberdade é limitada.
O Dl 76-A/2006 também veio alterar o art. 41.º, que estabelecia o carácter secreto dos livros de
escrituração. A afirmação crescente das necessidades de informação tem vindo a acentuar o carácter não
secreto da escrituração mercantil, e o art. 41.º hoje prevê a possibilidade de autoridades analisarem se o
comerciante organiza ou não devidamente a sua escrituração mercantil.
O art. 44.º estabelece um regime especial quanto à força probatória dos livros de escrituração mercantil.
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/2015
A obrigação de prestar contas e dar balanço está prevista para os comerciantes em geral no art. 18.º/4. O
balanço é o documento onde se compara o activo com o passivo para relevar o valor do capital próprio ou
situação líquida, e é um dos principais documentos de prestação de contas. Apesar de o art. 18.º e 62.º
preverem esta obrigação, nem todos os comerciantes têm o dever de prestar anualmente contas – é o caso
dos comerciantes individuais (art. 10.º do DL 158/2009).
A obrigação de prestar contas encontra-se regulada com grande desenvolvimento para as sociedades
comerciais.
A obrigação de inscrição no registo comercial está prevista no art. 18.º, nº 3º, e é regulada essencialmente
pelo Código do Registo Comercial.
O art. 168.º é um artigo muito importante, assim como as normas referentes ao registo de actos que
incidam sobre quotas de sociedades por quotas.
O art. 1.º do CRCom. diz que o registo comercial se destina a dar publicidade a certos factos respeitantes a
determinado sujeitos, tendo em vista a segurança do comércio jurídico. Os factos e entidades sujeitos a
registo são os previstos na lei (art. 1.º a 10.º do CRCom.). Depois da reforma de 2006 (DL 76-A/2006), há
duas formas de registo: o registo por transição e o registo por depósito. O art. 47.º do CRCom. diz que a
validade do pedido do registo a efectuar por transição deve ser apreciada – assim, o princípio da legalidade
só diz respeito a este registo, e não ao por depósito, o que levanta problemas sérios na prática.
O CRCom. prevê ainda casos em que o registo é obrigatório e não obrigatório, art. 15.º. Não encontramos
menção aos factos que estão identificados no art. 2.º, que é o que trata dos comerciantes individuais (o art.
18.º diz que os comerciantes individuais estão obrigados a inscrever no registo, porém o art. 2.º remete para
o art. 15.º que não fala dos comerciantes individuais).
6.4.1 Princípios
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/2015
• Princípio da tipicidade: o que é registável é aquilo que a lei prevê como tal.
• Princípio da publicidade: qualquer pessoa pode pedir certidões dos actos de registo e dos
documentos arquivados, bem como pedir informações sobre o seu conteúdo (art. 73.º/1 do
CRCom.).
6.4.2 Efeitos
Efeitos do registo:
• Presunção segundo a qual o que está registado corresponde à realidade: o art. 11.º do CRCom.
diz que o registo por transcrição consiste presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos
termos em que é definida. Não vale para todos os registos, apenas para o por transcrição, na medida
em que apenas este faz funcionar o princípio da legalidade.
• Efeito central de condição de eficácia em relação a terceiros: está previsto no art. 14.º, que em
relação às sociedades comerciais tem de ser lido com o art. 68.º do CSC. Existem diferenças
relativamente a actos sujeitos a registos e publicação, sendo que a sociedade pode invocar a seu
favor um acto ainda não publicado mas registado. O registo só é verdadeiramente eficaz se basta o
registo, se se exige ainda a publicação o registo não tem este efeito só por si.
• Efeito sanante (não mencionado nas lições), art. 42.º CSC: relaciona-se com o acto constitutivo,
que pode sofrer de causas de invalidade. O art. 42.º vem dizer que, para as sociedades por quotas,
anónimas e em comandita por acções, depois de efectuado o registo definitivo, o contrato só pode
se declarado nulo por algum dos vícios previstos. Ou seja, com o registo, o acto só pode ser
declarado nulo por algum dos referidos nulos. Entende-se que também estão afectadas as causas de
anulabilidade. Assim, o registo sana:
o Causas de nulidade não previstas.
o Causas de anulabilidade.
O CCiv. (art. 1691.º/1/d)) diz que são da responsabilidade de ambos os cônjuges, quando casados sob o
regime da comunhão de adquiridos e da comunhão de bens, as dívidas contraídas por cada um deles no
exercício do comércio, salvo se se provar que não foram contraídas as dívidas no proveito comum. Por
estas dívidas respondem os bens comuns do casal, e, na falta ou suficiência destes, solidariamente os bens
próprios dos cônjuges.
Este é um regime que tutela os interesses do comércio, porque os credores daqueles que exercem o
comércio não têm de provar que as dívidas foram contraídas no proveito comum do casal (não têm de ir
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para a alínea c)). Por outro lado, a garantia patrimonial dos credores aumenta, uma vez que mais bens
respondem pelas dívidas. Isto promove a actividade mercantil, uma vez que os comerciantes negoceiam
com mais confiança.
O cônjuges podem sempre demonstrar que esta dívida, esta responsabilidade, não foi contraída para
benefício do casal (proveito comum); porém, esta é um prova difícil. Só em circunstâncias residuais é que
esta prova pode ser feita: o mais provável é que o exercício do comércio e a contracção de dívidas visem o
proveito da família em que está integrado o cônjuge comerciante autor da dívida. O proveito do casal é um
proveito não só económico, mas de qualquer outra ordem (por ex., intelectual); e afere-se tendo em conta o
resultado (satisfação das necessidades familiares).
Decorre do art. 1691.º/d) que os credores, para irem buscar a garantia patrimonial conjunta, teriam de
provar que as dívidas foram contraídas no exercício do comércio. Porém, isto não tem de ser assim – este
artigo tem de ser articulado com o art. 15.º do CCom., que diz que as dívidas comerciais do cônjuge
comerciante presumem-se contraídas no exercício do comércio, ou seja, temos uma presunção de uma
dívida ser contraída no exercício do comércio. Esta presunção permite preencher o art. 1691.º/1/d) do CCiv.
O credor não tem de provar que a dívida resultou do exercício do comércio concreto daquele cônjuge,
desde que prove que:
1. A dívida resulte de um acto de comércio.
2. O cônjuge é comerciante.
Com isto está a reforçar-se ainda mais a tutela dos credores, uma vez que esta é uma prova mais fácil – é
mais fácil provar que um acto é comercial do que provar que esse acto foi praticado no exercício do
comércio do seu autor. Por ex., esta presunção do art. 15.º é aplicável a dívidas cambiárias (resultantes da
subscrição de letras e livranças), que são actos de comércio objectivos e formais – não há conexão
necessária destes actos com o exercício do comércio. Podemos ter uma dívida comercial que não está
relacionada com o exercício do comércio, mas ainda assim preencher a presunção e fazer aplicar o art.
1691.º.
Significa isto que o cônjuge não pode depois obstar à presunção? Pode: esta é uma presunção ilidível,
provando que a dívida, apesar de comercial, não foi contraída no exercício do comércio do comerciante
devedor (exploração empresarial daquele cônjuge comerciante). Ao afastar a presunção, fica afastada a
aplicação do art. 1691º/1/d) e transforma a dívida numa dívida própria.
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Para que se aplique o regime dos juros comerciais, o art. 102.º, corpo, estabelece o requisito de se (1) tratar
de uma dívida comercial (proveniente de acto de comércio). Tratando-se de dívida comercial, o primeiro
cenário é dado pelo parágrafo 3º e 4º; o segundo pelo parágrafo 3º e 5º. Em ambos os casos, (2) o credor é
uma empresa comercial: onde se distinguem é no devedor. Começamos pelo cenário do parágrafo 3º e 5º.
1) Cenário do parágrafo 3º e 5º: o art. 5º remete para o DL 62/2013, que alarga o âmbito de aplicação do
regime dos juros comerciais. Isto porque o diploma apenas fala em actividades económicas, logo as
empresas podem ser comerciais ou não (art. 3.º, b) do DL). Este diploma não obedece à comercialidade da
empresa, mas sim à economicidade; traz para o regime dos juros comerciais situações de empresas não
comerciais. Assim: o credor é empresa comercial e o devedor é empresa comercial ou não comercial ou
entidade pública.
Porém, o DL 63/2013 não diz que o credor tem de ser uma empresa comercial, logo o regime dos juros
moratórios previstos no parágrafo 3º e 5º aplica-se também quando os credores são titulares de empresas
não comerciais (ex: agricultores, profissionais liberais, artesão), quando esteja em causa o fornecimento
de bens e prestação de serviços (art 3.º/b) do DL 63/2013).
2) Cenário do parágrafo 3º e 4º: este cenário aplica-se a todos as outras situações, ou seja, aos casos em
que o credor é uma empresa comercial e o devedor é tudo o resto, nomeadamente consumidores não
empresários.
3) Cenário supletivo: não se aplicando nenhuma destas situações, aplica-se o regime supletivo civil (art.
559.º do CC). A taxa está estabelecida na portaria 291/2003, que diz que a taxa anual é de 4%.
Existe uma dúvida doutrinal, se saber de que empresa estamos a falar: empresa em sentido objectivo
(estrutura económico-produtiva utilizada para a actividade de que resultou o crédito) ou subjectivo
(exercício de uma actividade mercantil, não estruturada numa empresa). COUTINHO DE ABREU e MENEZES
CORDEIRO são minoritariamente apoiantes da visão mais ampla; a doutrina maioritária, na qual
RICARDO COSTA se integra, defende que se deve tratar de uma empresa em sentido objectivo. O acto de
comércio do qual resulta a dívida tem de estar conexionado com uma actividade empresarial do credor.
Assim, o sujeito que exerce uma actividade mercantil sem empresa entra no juro civil, uma vez que não
obedece ao segundo requisito (comum aos dois cenários) de o credor ser uma empresa comercial.
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CAPÍTULO III
DAS EMPRESAS
“Para resolver o problema da determinação da empresa em sentido jurídico (saber em que consiste ela, o
que a caracteriza e distingue de outros fenómenos jurídicos), começam muitos autores por definições da
empresa em sentido meta ou pré-jurídico”. COUTINHO DE ABREU rejeita este método: a empresa, enquanto
categoria jurídica, deve ser definida partindo de dados jurídicos.
Assim, a definição pré-jurídica de empresa não nos interessa, uma vez que o direito não a pode receber. Há
uma evidente autonomia entre o direito e as outras realidades extrajurídicas: o direito não reflecte essas
realidades. Assim, temos de atender aos dados normativos, que nos permite distinguir vários domínios:
• Quanto ao seu objecto: empresas comerciais e não comerciais.
• Quanto aos sujeitos: empresas públicas, privadas, etc.
Os negócios sobre empresas incidem sobre todos estes elementos. Há elementos essenciais que fazem com
que o todo não circule (ex: a marca do produto). Por ex., se quisermos negociar um restaurante mas
tirarmos o contrato de trabalho com o seu chef, se calhar não vamos estar a negociar a empresa do
restaurante, por ser o chef que o distingue. Há um conjunto de elementos que estão no âmbito de domínio
que não podem ser afastados, sob pena de não estarmos a negociar o estabelecimento como o todo.
Esta é a lógica essencial da teoria da empresa: ver a empresa como um todo incindível, diferente dos
elementos que o compõem.
2.1 Terminologia
Para este efeito, começamos pela terminologia. Pergunta-se se é possível e legítima a utilização, como
sinónimos, dos vocábulos empresa e estabelecimento. Com efeito, em várias leis (CCiv., CCom., CSC,
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legislação extravagante, etc.), utilizam-se estes vocábulos como sinónimos. Em tese geral, usamos de forma
sinonímica os dois vocábulos – para COUTINHO DE ABREU, é legítima a utilização sinonímica dos dois
vocábulos, embora use preferencialmente empresa, por ter uma significação mais ampla.
Isto a não ser quando se quer utilizar estabelecimento com um sentido mais restritivo: só aqui é que faz
sentido fazer a distinção. Neste sentido, o estabelecimento é visto como parte da empresa: por ex., o CT
fala em “trabalho prestado noutro estabelecimento da mesma empresa”, ou seja, numa sucursal da empresa.
Podemos falar de duas acepções de empresa – empresa em sentido subjectivo e empresa em sentido
objectivo.
• Em sentido subjectivo: fala-se aqui da empresa enquanto sujeito jurídico que exerce a actividade
económica.
• Em sentido objectivo: a empresa é vista como instrumento ou estrutura económico-produtiva,
objecto de direitos e negócios.
A empresa sujeito implica a empresa objecto na maioria dos casos. Porém, estas duas acepções não se
confundem – por ex., o vendedor ambulante é uma empresa em sentido subjectivo mas não tem uma
estrutura. Estas situações são no entanto residuais, uma vez que quase sempre há uma relação de
coincidência.
Daqui concluímos que não é possível um conceito unitário de empresa, desde logo porque a unidade é
frustrada por haver estas duas acepções.
Estas duas acepções podem ter importâncias diferentes. No direito de defesa de concorrência, a acepção
que é tida em conta é a de empresa em sentido subjectivo. A noção de empresa vigente no direito europeu
da concorrência influenciou a correspondente noção portuguesa de empresa, tendo o legislador português
previsto na L 18/2003 e 19/2012 uma “noção de empresa” (art. 2.º e 3.º, respectivamente). Segundo o art.
3.º/1 da L 19/2012, “considera-se empresa, nos termos da presente lei, qualquer entidade que exerça uma
actividade económica que consista na oferta de bens ou serviços num determinado mercado,
independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento”. Esta definição é amplamente
criticada por COUTINHO DE ABREU.
Porém, predominante na lei é o conceito de empresa em sentido objectivo, logo é com este que nos vamos
preocupar.
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Podemos ainda identificar outro conceito de empresa, restrito a um único normativo – o art. 230.º do
CCom. Ainda é empresa em sentido objectivo, com uma nota: uma série de actos enquadrados
organizatoriamente.
1.3.2.1 Caracterização
1) Empresa-bem: a empresa ou estabelecimento é, desde logo, um bem complexo, feito por vários bens ou
elementos, que variam em função do tipo ou forma de empresa.
Variam ainda de empresa para empresa dentro do mesmo tipo; e ao longo da vida da empresa. No entanto,
podemos em termos gerais estabelecer as principais categorias de alguns destes elementos:
• Coisas corpóreas: imóveis, máquinas, ferramentas, mobiliário, matérias-primas, mercadorias, etc.
• Coisas incorpóreas: invenções patenteadas, modelos de unidade, modelos e desenhos industriais,
marcas, logótipos, etc.
• Bens não coisificáveis: prestações de trabalho, prestações de serviços e as chamadas situações de
facto com valor económico ou patrimonial. Nestas incluímos como elementos das empresas o
know-how (saber fazer ou experiências do negócio). Há outras situações de facto que entendemos
não serem elementos da empresa.
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• Um bem reconhecível e irredutível, desde logo porque é objecto de negócio para além dos seus
próprios bens.
2) Empresa-organização: para além disto, é uma organização de elementos e meios empresariais, numa
relação de complementaridade com vista à prossecução de um fim económico. É uma organização
estabelecida num sistema, que é um complexo de elementos em interacção entre eles que dá origem a uma
unidade. É aqui que se costuma dizer que o estabelecimento como um todo é mais do que a mera soma das
suas partes (i.e., dos seus elementos).
Em função disto, quer-se saber qual a natureza jurídica da empresa. Aqui, há várias teorias – uns dizem que
é uma universalidade jurídica (facto ou de direito); nós entendemos que não. Não é universalidade de facto
uma vez que não compreende, em regra, apenas coisas móveis; e não é universalidade de direito, uma vez
que esta é definida como um “conjunto de bens que não desempenham qualquer função económica
própria”.
Para nós, a empresa é uma coisa enquanto tal, e uma coisa imaterial e impura. É coisa à luz do art 202.º do
CCiv., e é uma coisa imaterial ou incorpórea, de natureza complexa – isto porque, apesar de não dispensar
coisas corpóreas, o estabelecimento é mais do que a mera soma dos seus elementos. Como coisa imaterial
que é, é susceptível de ser objecto do direito de propriedade, do qual decorre três corolários:
• Admissibilidade de ser objecto de acção de reivindicação, art. 1311.º e segs.
• Admissibilidade de ser susceptível de posse.
• Susceptibilidade de ser objecto de responsabilidade civil por factos ilíticos.
Destas ideias vamos retirar vários corolários. Por ex., há um incêndio numa fábrica. Pode-se continuar a
entender a fábrica como um todo negociável ou, tendo em conta que alguns elementos foram destruídos,
tem de negociar cada elemento por si? A identidade da fábrica acabou, logo só pode negociar elemento a
elemento e não como um todo. Isto é importante – existem regimes jurídicos somente aplicáveis se os
negócios forem feitos sobre o todo.
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Em suma, “a empresa ou estabelecimento comercial (em sentido objectivo) é uma unidade jurídica
fundada em organização de meios que constitui um instrumento de exercício relativamente estável e
autónomo de uma actividade comercial”.
Ainda dentro da empresa em sentido objectivo, os elementos ou bens empresariais são instrumentos
estrutural ou funcionalmente inseridos na organização produtiva da empresa.
Ou seja: com COUTINHO DE ABREU, “limitamos os elementos ou meios das empresas aos ‘factores
produtivos’ – os objectos e instrumentos de trabalho ou capital, e o trabalho –, e a outros bens que
primordialmente (ou também) individualizam ou identificam as empresas – v.g., logótipos,
recompensas, marcas”.
Porém, esta não é a posição adoptada por todos os autores: há que defenda que as empresas são compostas
pelas situações e relações de facto com valor económico, por coisas (corpóreas e incorpóreas), direitos (de
crédito, reais e outros de carácter absoluto) e obrigações (ligadas à exploração das empresas).
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/2015
Quanto à inclusão ou não das situações de facto com valor patrimonial na empresa, adoptamos uma posição
restritiva – entendemos, com COUTINHO DE Abreu, que só são elementos empresariais a primeira
categoria. Entendemos que as outras duas não estão relacionadas com a organização produtiva da empresa,
são externas à mesma, e como tal não são bens empresariais, elementos componentes da empresa.
A este propósito, tem-se discutido muito para saber se a clientela é elemento empresarial: pode ser definida
como o círculo de pessoas consumidores que contactam e se relacionam com determinada empresa. Esses
consumidores podem ser habituais ou fixos (clientela fiel ou orgânica) ou ocasionais (clientela de
passagem).
Esta clientela é algo constituinte da empresa? Só se for assim é que pode ser bem empresarial. Entendemos
que não: a clientela não é algo que seja instrumento inserido na organização como tal, é algo
consequente à exploração da empresa. Os clientes são a consequência, os destinatários, da organização
produtiva. A clientela é imprescindível à manutenção da empresa como instrumento de produção ou
prestação de serviços e é manifestação do aviamento da empresa – aptidão produtiva para realizar o fim
que foi criado. Quanto maior o aviamento, maior o valor de negociação da empresa.
É praticamente indiferente dizer falar, quanto aos elementos empresariais, numa máquina ou direito de
propriedade sobre ela, no trabalho ou direito de crédito às prestações laborais. Porém, já não é indiferente
dizer que a generalidade dos contratos são elementos empresariais: só o são se os seus objectos forem
meios do estabelecimento. O que interessa é o meio objecto desses contratos.
! Dinheiro
Entendemos ainda que o crédito (dinheiro) não é um bem empresarial, uma vez que é exterior à
organização produtiva. Porém, se estiver em causa uma empresa bancária, os créditos já são elementos
empresariais porque são factores de produção. Ou seja, o dinheiro não é elemento empresarial excepto em
algumas específicas actividades, a saber a bancária e seguradora.
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Note-se que a posição maioritária considera, porém, todos estes elementos empresariais; porém, a nossa
visão é uma visão restritiva. Isto é importante para nós por causa do âmbito de domínio: aqui só entram
elementos empresariais, não entram créditos e débitos.
Os elementos empresariais vão ser organizados e relacionados entre si para dar origem a uma organização
nova; para isso, quem constitui a empresa selecciona os elementos, dá-lhes uma racionalidade, etc. Esta
composição dos elementos empresariais para que possa dar origem à empresa chama-se valores de
organização. Quando estes se projectam para o exterior, surge o aviamento. Quando se relaciona com o
exterior, e se explora a empresa em relacionamento com os clientes, fornecedores e financiadores, surgem
os chamados valores de exploração. Costuma-se dizer que o valor de exploração mais relevante é a
clientela.
Estes conceitos são relevantes para analisarmos as situações de fronteira entre o que é empresa e o que
não é. Vamos ver quatro casos.
1) Estabelecimento com valores de organização mas sem valores de exploração: por ex., temos um
restaurante que está pronto a funcionar, mas ainda não aberto ao público – apenas abre para a semana.
Hoje, temos empresa? A nossa resposta passa por três pontos.
- Temos uma organização produtiva apta a funcionar, mais ainda não entrou em funcionamento: já temos
valores de organização mas não valores de exploração, nomeadamente a clientela. A questão que se coloca
é: os valores de organização chegam? Se identificarmos a clientela como um elemento empresarial, não
teríamos empresa; o mesmo sucedendo se considerássemos que a razão determinante da tutela jurídica do
estabelecimento está no seu aviamento – porém, a nossa posição não é essa. Desde que tenhamos valores
de organização, minimamente aptos a realizar um fim económico produtivo que lhe garanta clientela
pelo facto de se já conseguir a actividade produtiva, temos empresa.
- Porquê? Porque, sendo assim, temos de afirmar que já temos um bem jurídico novo, não redutível à
mera soma dos elementos agregados. O direito não pode deixar de ver aqui uma empresa, um bem jurídico
novo, e por isso negociável como tal. Logo, é susceptível de integração nos regimes que exigem este todo.
- Já há aviamento? Há quem entenda que só há aviamento quando há projecção para o exterior. O curso
entende que não, que já existe aviamento, porque o estabelecimento aviado é aquele já está preparado
para se relacionar com o exterior – a força ou qualidade do aviamento existe no momento em que existe
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2) Estabelecimento ainda não integralmente formado nos seus elementos de organização. Esta é a
questão mais delicada: estamos perante um estabelecimento ainda em formação, cujos valores de
organização estão incompletos.
Entendemos que, ainda que incompleto, estamos já perante um conjunto de bens heterogéneos e
complementares, devidamente organizados com vista à prossecução de um determinado fim e que já
conseguem projectar uma imagem de um elemento novo. Podemos assim qualificar como uma empresa.
Mas qual é o mínimo de valores necessário para termos uma empresa? Temos de seguir o critério do
âmbito de domínio: temos de conseguir identificar nessa empresa um conjunto de bens que projectem a
imagem de uma nova organização com potencial para funcionar autonomamente.
3) Empresa em funcionamento, que adquiriu valores de exploração, com clientela, e foi negociada
com exclusão pelas partes de alguns elementos: não é possível dar uma resposta a priori, só é possível
dar uma resposta em concreto. Mesmo que esteja em causa bens que ponham em crise a possibilidade de
funcionamento imediato, o conjunto de bens pode ser ainda assim suficiente para projectar no público a
existência da organização produtiva identificada como aquela empresa. Mais – quanto mais a empresa
funcionou em tempo, menos dependência ela tem dos seus elementos ou bens empresariais, dos seus
valores ostensivos. Em suma, nunca podem ser excluídos os bens necessários para exprimir a permanência
da empresa como um todo, diferente da mera junção das partes.
4) Empresa que vê os seus meios corpóreos totalmente destruídos: aquilo que sobra (patentes, marcas,
logótipos, contratos de trabalho, etc.) chega? Sim – isto chega para identificar a empresa. Além disto,
quanto tal sucede há algo que se mantém que é essencial para a aptidão produtiva: os valores de
exploração.
A secção da empresa é uma divisão ou repartição necessária ou útil para a organização empresarial. Uma
parte mais ampla é geralmente denominada como sucursal (entre a secção e a empresa): caracteriza-se pela
dependência em relação à empresa, mas por outro lado por uma certa independência – goza de separação
espacial, tem personalidade judiciária, tem liberdade de gestão, competência para celebrar negócios, etc.
Isto permite que estas sucursais deixam de se identificar como um todo, assumam autonomia e possam ser
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“Os bens de um ‘normal’ estabelecimento comercial pertencente a (e explorado por) uma pessoa singular
respondem quer pelas dívidas contraídas na exploração desse estabelecimento quer por quaisquer outras do
respectivo titular; por sua vez, pelas dívidas resultantes da exploração dessa empresa tanto respondem os
bens a ela afectados como outros bens do empresário”.
O e.i.r.l. foi assim criado, através do DL 248/86, com a intenção de fornecer às pessoas singulares um
instrumento de organização de actividades económicas com o benefício da responsabilidade limitada. O
e.i.r.l. é um património autónomo e separado do restante património do comerciante individual:
• Os bens afectados ao estabelecimento respondem apenas pelas dívidas contraídas no
desenvolvimento das actividades contraídas no desenvolvimento das actividades de que ele é
instrumento (art. 10.º/1).
• Por estas dívidas respondem somente aqueles bens (art. 11.º/1).
O e.i.r.l. foi criado porque, na altura, entendia-se que não se devia distorcer o expediente societário,
permitindo sociedades fossem exploradas por um só sócio. Até à criação deste instituto, tentou encontrar-se
um mecanismo que permitisse tornar imune o património imune às responsabilidades das dívidas da
empresa – havia para tal duas vias, a da sociedade ou a do património autónomo. Quanto a este último, a
questão era se se dava ou não personalidade ao património autónomo, ou seja, se se construía uma nova
pessoa jurídica ou um património sem personalidade jurídica, porque esta pertencia à pessoa singular.
Mais tarde, a UE veio dizer para criar a sociedade por quotas individual, que veio retirar a importância ao
e.i.r.l. Hoje, o e.i.r.l. é um instrumento residual, uma vez que é pouco vantajoso, por várias razões:
• A autonomia patrimonial do e.i.r.l. não é perfeita. Acontece que a autonomia acabou por não ser
perfeita, uma vez que a lei estabelece excepções.
o Primeiro segmente da autonomia: o art. 22.º diz que na execução contra o titular por
dívidas fora do estabelecimento, se os bens forem insuficientes, o credor pode ir buscar os
bens ao e.i.r.l.. Há uma responsabilidade subsidiária.
o Segundo segmento o da autonomia: o art. 11.º/2 estabelece uma excepção à segunda parte
da autonomia, pois no caso de haver insolvência do estabelecimento e tiver havido
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O e.i.r.l., sendo um património autónomo, ainda é considerado uma empresa? Sim: no início da
exploração do e.i.r.l., podemos ainda não ter todos os elementos empresariais, podemos ter algo
incompleto. Porém, é necessariamente constituído para ao exercício de uma actividade comercial (art.
1.º/1), com a especificidade de estar construído como um património autónomo do autor. A lei, no art. 21.º,
entende claramente o e.i.r.l.como um bem jurídico unitário, uma coisa complexa que é objecto de direitos
reais, obrigacionais, e actos jurídicos unitários.
Assim, o e.i.r.l. uma empresa, ainda que com a especificidade de estar construído como um património
autónomo do autor.
A empresa não denota necessariamente comercialidade; esta é compatível com empresa e não empresa; e
também a não comercialidade é compatível com a empresa e não empresa.
Em primeiro lugar, coloca-se a questão de saber se são comerciais as empresas da indústria extractiva,
designadamente as que exploram recursos geológicos. Em regra, estas empresas são não comerciais, ou
seja, empresas civis: o art. 230.º não se refere a elas; e nenhuma norma no CCom. as regula. Isto com a
excepção das piscatórias, que são comerciais, art. 1º do D 20 677 (salvo as actividades piscatórias
artesanais, que são não comerciais).
Poderia qualificar-se estas empresas como comerciais por analogia? Quanto à analogia legis, poderia
pensar-se em estabelecer com as empresas piscatórias, mas esta é uma norma excepcional, não admitindo
por isso integração analógica. Também está afastada a analogia juris, porque não há aqui uma verdadeira
lacuna de qualificação: “não se vêem as disposições legais admitindo no domínio comercial manifestações
diversas de actividades industrial-extractivas, de modo a possibilitar um princípio geral que tornasse claro
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estar a comercialidade das nossas empresas de exploração de recursos geológicos de acordo com o plano
legal”.
! Empresas agrícolas
Temos aqui as empresas agrícolas em sentido estrito (exploração do solo) e em sentido amplo (abrangendo
a actividade pecuária e silvícola). Estas empresas não são comerciais, com apoio em vários dados
legislativos:
• Art. 230.º, § 1º: a actividade agrícola continua a ser não comercial ainda que tenha acessoriamente
associada uma actividade comercial (transformativa).
• Art. 230.º, § 2º: o explorador agrícola que vende os seus produtos não se inclui no fornecimento de
géneros e não é comercial.
• Art. 464.º/2: não são consideradas comerciais as vendas que o proprietário ou explorador rural faça
dos produtos de propriedade sua ou por ele explorada.
• Legislação relativa às sociedades de agricultura de grupo, agrupamentos de produção agrícola e
empresas familiares agrícolas reconhecidas (DL 336/89 e 339/90): só podem ser sociedades civis
sob forma de sociedade por quotas, logo têm necessariamente actividade não comercial.
! Artesãos
Quando desenvolverem a sua actividade recorrendo empresas, estas não são comerciais, como resulta do
art. 230.º, § 1º. A noção de artesão apresenta fronteiras imprecisas, sendo que podemos definir artesão
como o “produtor qualificado que, podendo embora servir-se de máquinas, utiliza prevalecentemente o seu
trabalho manual e, como instrumentos, ferramentas”. Se utilizar a maquinaria de forma predominante,
temos uma actividade transformadora comercial e uma empresa comercial. O mais difícil é estabelecer a
fronteira: tem de haver predomínio do trabalho manual e não da maquinaria.
Temos ainda um conjunto de serviços analogicamente equiparados a artesanato por serem explorados
directamente pelos prestadores de serviços (ex: cabeleireiro). A haver empresas, também são não
comerciais.
! Profissionais liberais
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Como vimos acima, existe um conjunto de indícios legislativos que apontam para a não comercialidade das
profissões liberais (têm estatutos jurídicos, e quando estes regulam a exploração societária destas
profissões, o legislador entende que estas são actividades não comerciais).
Mas podemos ter empresas quando se exercem profissões liberais? Em regra, os consultórios, gabinetes,
etc. não são empresas – uma vez que avulta aí uma nota de personalização; não está em causa um complexo
produtivo; os instrumentos de trabalho a que recorrem não têm autonomia funcional suficiente para levar à
congregação de uma empresa; e a actividade do sujeito exaure o processo produtivo.
Em regra, por isso, não há aqui empresas. Mas pode have: por ex., as grandes sociedades de advogados,
que até podem ter sucursais; ou ainda as grandes clínicas médicas. Estas são empresas, e podem até ser
consideradas comerciais por desenvolverem actividades de prestação de serviços que não médicos.
! Introdução
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Por sua vez, o art. 2.º/2 diz que “o sector empresarial do estado integra as empresas públicas e as empresas
participadas”. Assim, para além das empresas públicas, art. 5.º (empresas públicas societárias e EPEs),
temos ainda as empresas participadas, art. 7.º. Estas empresas não e integram verdadeiramente no sector
empresarial do Estado, as participações daquelas entidades nas empresas (privadas, normalmente) é que se
integram (art.. 8.º/2).
Entretanto, o RSPE é ainda aplicável às “organizações empresariais” que, não sendo EP propriamente ditas,
sejam “criadas, constituídas, ou detidas por qualquer entidade administrativa ou empresarial pública” que
sobre elas exerça “uma influência dominante” (art. 3.º).
! Noção
O RSPE não oferece uma noção unitária de empresa pública. Apresentas antes duas noções, uma de EP
societárias, outra de EPE (arts. 5º e 56.º).
1) Empresa pública societária (EP): segundo art. 5.º/1, “são empresas públicas as organizações
empresariais constituídas sob a forma de sociedade de responsabilidade limitada, nos termos da lei
comercial, nas quais o Estado ou outras entidades públicas possam exercer, isolada ou conjuntamente,
de forma direta ou indireta, influência dominante”. A influência dominante das entidades públicas nas
sociedades existe nas quatro hipóteses do art. 9.º/1, sendo as mais importantes as duas primeiras: a) tenham
uma participação social correspondente a mais de metade do capital; e b) “disponham da maioria dos
direitos de votos”.
efeitos de imputação (indireta) de direitos de voto, v. o no 2 (com cinco alíneas) do art. 9o (está deslocada a
referencia, na al. a), aos direitos de voto detidos ou exercidos por terceiro em nome(...) do titular da
supervisão (quando lhe compita designar e destituir os administradores) e à comissão de auditoria (quando
os seus membros sejam maioritários no conselho de administração) – mas v. (2).
O art. 5.º/1 diz ainda que as EP são organizações “constituídas sob a forma de sociedade de
responsabilidade limitada nos termos da lei comercial”. As sociedades de “responsabilidade limitada” são
as sociedades por quotas e as sociedades anónimas. As sociedades em comandita não entram no campo de
aplicação do art. 5.º.
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Finalmente, as EP não têm de ser “constituídas nos termos da lei comercial”, também podem ser
constituídas sociedades de capitais públicos por decreto-lei. O próprio RSPE o reconhece no art. 35.º/1,
logo é necessário fazer uma interpretação extensiva do art. 5.º/1 nesta parte.
2) Entidades públicas empresariais (EPE): as EPE são pessoas coletivas de direito público com
denominação parcialmente taxativo-exclusiva criadas pelo Estado que formam e/ou exploram organizações
de meios produtivos de bens para a troca, de modo a satisfazerem interesses público-estaduais (art. 56.º).
As EPE são, pois, pessoas jurídicas com:
• as correspondentes “capacidade jurídica” (limitada pelo objeto: art. 58o, 2) e
• “autonomia administrativa [entendível em sentido amplo, como capacidade para gerir e praticar
atos jurídicos],
• financeira [com receitas próprias e direito de delas dispor segundo orçamento próprio]
• e patrimonial” [com património privativo, mobilizável só (e em princípio só ele) para o
cumprimento das respetivas obrigações]: art. 58o, 1. E pessoas jurídicas “de direito público” (o
que durante muito tempo foi controvertido fica agora claro pelos dizeres do art. 56o)
Outras notas:
• A criação de EPE é feita por decreto-lei, art. 57.º/1. O capital inicial é atribuído pelo Estado para
responder às necessidades permanentes da empresa e pode ser aumentado ou reduzido nos termos
previstos nos estatutos (art. 59º/1 e 2).
• A denominação destas pessoas coletivas deve integrar a expressão “entidade pública empresarial”
ou as iniciais “E.P.E.” (art. 57.º/2).
! Dialética empresa-sujeito/empresa-objeto
Estamos aqui a falar de empresas em sentido subjectivo – “mas estes fenómenos empresariais não se
reduzem à dimensão subjetiva. Por norma, eles são simultaneamente instrumentos objetivos de sujeitos, são
organizações de meios produtivos, empresas em sentido objetivo”.
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A grande pedra de toque destas empresas públicas, sejam as societárias, sejam as institucionais, é a
circunstância de, não obstante serem regidas em geral pelo direito privado, art. 14.º/1 (direito privado em
geral e direito público aplicado em especial às entidades privadas, nomeadamente regras de tributação),
estão submetidas à superintendência e tutela de origem governamental que comprime a autonomia
deliberativa e de gestão destas empresas. Ou seja, porque são públicas, dominadas pelo Estado ou
entidades públicas, e visam finalidades públicas, e legislação sempre incorporou um conjunto de regras
para que as entidades dominantes controlem a gestão e a vida destas empresas públicas.
Como? Através, nomeadamente, do instrumento de emissão de orientações, que vão ter tradução nas
deliberações das assembleias gerais das empresas e sociedades, nos actos de gestão dos administradores e
gerentes, e ainda nos contratos de gestão a celebrar com os administradores.
Isto significa uma restrição da autonomia da gestão destas empresas, o que é claro no art. 25.º/1. O art.
25.º/1 deve ser articulado com o art. 30.º/2, que diz que, acabando todo o domínio das orientações, tem de
haver abstenção de interferência no órgão de gestão. Como afirma COUTINHO DE ABREU, “parece razoável
defender que, estando aqui em causa a gestão de recursos públicos e a satisfação de interesses coletivos, a
autonomia própria (ou tradicional) do privado há de ser limitada por imperativos do público”. Esta restrição
não lhes retira, contudo, a sua empresarialidade.
Conclusão: temos um conjunto de orientações e deveres que limitam fortemente o poder dos gestores e
administradores das empresas públicas. Isto porque se entende que, estando em causa a gestão de
interesses e recursos públicos, a autonomia tem de ser limitada.
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Para além desta autonomia mitigada pelas orientações governamentais, outras duas notas caracterizam as
EP e EPE:
• Controlo financeiro exercido pelo Tribunal de Contas e Inspecção Geral das Finanças, art. 26.º.
• Vinculação a diversos deveres de informação ao público e ao governo. Ver arts. 25.º/2 e 3, 44.º a
46.º, 47.º/1 e 53.º e 54.º. Muitos destes deveres dizem respeito à transparência sobre o grau de
cumprimento dos objectivos e de prestação dos serviços a que estão vinculados.
Será que as empresas públicas têm de ter fins lucrativos? É o intuito lucrativo essencial? A questão deve ser
resolvida em função dos dados legais.
Assim, o RSPE dá-nos indícios contraditórias: por um lado, devem ser criadas em função de uma certa
actividade económico-financeira, o que é um indício a favor do lucro; por outro, as empresas públicas são
vocacionadas, de acordo com a lei, para, por um lado, prestações de serviço público ou de interesse geral
(art. 48.º e art. 50.º e segs.), sendo que aqui o interesse lucrativo está excluído.
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são constituídas por lei ou decreto-lei, pode o acto constituinte afastar o intuito lucrativo.
• EPE: não são criadas pela lei para ter lucro.
Destes vários indícios, podemos dizer que o escopo lucrativo não é uma nota essencial das empresas
públicas, mesmo as societárias.
As empresas locai, ao contrário das empresas públicas do Estado, são apenas e só configuradas através de
sociedades, o que foi uma novidade do RAEL, que aboliu as entidades públicas locais (art. 19.º/1 e 2). Nos
termos do art. 19.º/1, “são empresas locais as sociedades constituídas ou participadas nos termos da lei
comercial, nas quais as entidades públicas participantes possam exercer, de forma directa ou indirecta, uma
influência dominante”. Notas:
• As entidades públicas participantes são os municípios, associações de municípios e áreas
metropolitanas (art. 2.º e 5.º). As empresas locais, de acordo com o art. 19.º/4, têm natureza
municipal, intermunicipal ou metropolitana, consoante a entidade que exerça a influência
dominante. Note-se que as firmas variam – EM, IM ou EMT (respectivamente), art. 19.º/5
• Estas sociedades devem ser de responsabilidade limitada (art. 19.º/6), mais precisamente
sociedades por quotas ou anónimas.
• Podemos ter sociedades de empresas locais unipessoais ou plurais, ao contrário do que é admitido
em regra. Ou seja, pode haver sociedades anónimas unipessoais (art. 19.º/2), o que constitui uma
excepção à regra.
Outra nota importante é a de que as empresas locais societárias têm objectivo exclusivo, art 20.º. A partir
de 2012, só podem ter como objecto exclusivo:
• As actividades de interesse geral, previstas no art. 45.º;
• E as actividades de promoção de desenvolvimento regional ou local, art. 48.º.
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Também aqui encontramos novamente a autonomia limitada pelo instrumento das orientações, art. 37.º (n.º
1, 2 e 4). As orientações estratégicas dão origem a orientações anuais, que vão vincular os administradores
e gestores. Existe igualmente neste domínio controlo financeiro, art. 39.º.
No domínio das relações negociais externas, actuam sob o jugo do direito privado, art. 41.º. Aplicam-se as
regras de defesa da concorrência, art. 44.º.
Finalmente, o escopo lucrativo também não deve ser considerado elemento essencial da noção de empresa
local. É mais delicado dizer isto porque uma vez que as empresas locais são sempre sociedades; no entanto,
o que a lei exige é uma gestão dirigida a assegurar a viabilidade económica, o equilíbrio financeiro (art.
31.º). Ora, o princípio do equilíbrio económico-financeiro não exige o lucro, bastando uma gestão dirigida
a alcançar o equilíbrio entre custos e receitas da produção. Isto não significa que não possa haver lucro,
uma vez que aquele princípio não o exclui; no entanto, parece que a própria lei proíbe empresas com intuito
exclusivamente lucrativo, art. 20.º/1. Porém, note-se que algumas empresas locais têm de actuar sem poder
ter lucro, art. 50.º/2 e 3 – o que sucede quando tenham de desenvolver actividades, não a preços de
mercado, mas sim a preços subsidiados na óptica do interesse geral.
Além das empresas locais, existem ainda os serviços municipalizados, reguladas nos arts. 8.º a 18.º. Notas:
• São empresas municipais, agora em sentido objectivo.
• Não têm personalidade jurídica, antes integram a estrutura organizacional do município (art. 8.º/2).
• Têm por objecto possível as actividades taxativamente previstas na lei (art. 10.º).
• Podem ser empresas que concorrem com as empresas públicas societárias – as câmaras devem
optar entre sociedades ou serviços municipalizados.
O primeiro grupo de empresas privadas é aquele cuja propriedade ou gestão pertence a uma pessoa
singular, ou a mais do que uma pessoa singular:
• Pessoa singular (empresa em nome individual);
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Nos casos para além da empresa individual, temos co-titulares das empresas.
Dentro deste sector, encontramos: empresas cooperativas; e, em menor número, empresas e autogestão,
empresas comunitárias, e empresas de entidades colectivas sem carácter lucrativo e com fins de
solidariedade social. Vamos apenas ver as primeiras.
As cooperativas encontram-se reguladas no Código Cooperativo. O art. 2.º/1 do CCoop. dá-nos a noção de
cooperativa: “pessoa colectiva autónoma, de livre constituição, de capital e composições variáveis, que,
através da cooperação e entreajuda dos seus membros, com obediência aos princípios cooperativos, visam,
sem fins lucrativos, a satisfação das necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais daqueles”.
Desta noção decorre a possibilidade de algumas cooperativas acturarem sem empresas, o que não é a regra.
Em função do objecto de várias cooperativas, encontramos no CCoop. legislação sectorial (agrícola,
artesanato, etc.).
A lei diz que as cooperativas não têm intuito lucrativo, mas em várias circunstâncias (cooperativas de
consumo, produção e venda) podem gerar-se excedentes. Nestes casos, devemos entender que estes
excedentes não devem ser qualificados, económica ou juridicamente, como lucro.
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“Se não é possível um conceito genérico de empresa, já um conceito geral de empresa em sentido objectivo
– compreendendo empresas comerciais e não comerciais, de pessoas ou grupos de pessoas singulares e de
pessoas colectivas públicas, privadas, etc. – é possível”. Assim, podemos dizer que empresa em sentido
objectivo é “a unidade jurídica fundada em organização de meios que constitui um instrumento de
exercício relativamente estável e autónomo de uma actividade de produção para a troca”.
Note-se que nenhuma destas notas distintivas está o lucro. Claro que é impensável que as empresas não
sejam normalmente constituídas e exploradas como instrumento para a aquisição de lucros, aliás, é natural
que as empresas privadas estejam pensadas para a obtenção de lucro. Porém, como vimos, o escopo
lucrativo não é essencial à definição de diversas espécies públicas empresariais.
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