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PROFA.

LUCIANA SILVA REIS – TEORIA DO DIREITO (19/05/2023)


GRUPO: ANA CLARA HORÁCIO LOURENÇO (12221DIR046)
ISABELLA ESQUIVEL ESPOSITO (12221DIR048)
JOÃO PEDRO CARVALHO DE MATOS (12221DIR021)
PAULO DE SOUSA TAVARES (12221DIR009)
VINÍCIUS PATRÍCIO QUEIROZ (12221DIR017)

ESQUEMA DE TEXTO – SEMINÁRIO 5

HART, H. L. A. O formalismo e o ceticismo em relação às normas, seções 1-3. In: O conceito de direito.
Tradução de Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 161-191.

1. A textura aberta do direito


1.1. Segundo Hart, os padrões de conduta, normas gerais e princípios, em um qualquer grupo numeroso,
são o principal instrumento de controle social.
1.1.1. Sem essa transmissão de padrões de conduta compreensíveis para multidões de indivíduos, os quais
exigem deles certos comportamentos em determinadas circunstâncias, não seria possível existir o que
hoje se entende por direito.
1.1.2. Tendo isto em vista, o direito deve referir-se, prioritariamente, embora não unicamente, a classes de
pessoas e a classes de condutas, coisas e circunstâncias.
1.1.3. Sua efetividade de atuação nas diversas esferas sociais depende de uma capacidade difusa de reconhecer
certos atos, coisas e circunstâncias como manifestações das classificações gerais feitas pelas leis.
1.2. Nesse sentido, duas estratégias principais vêm sendo usadas para comunicar desses padrões gerais de
conduta, anteriormente as situações de sua aplicação.
1.2.1. Assim pode-se realizar uma aplicação máxima, sendo esta a legislação, ou uma aplicação mínima,
sendo esta o precedente nos termos classificatórios gerais.
1.2.2. Partindo de um exemplo não jurídico, um pai que instrui um filho que todos os homens e meninos
devem retirar o chapéu da cabeça antes de entrar na igreja dirige a criança o modo correto de se portar
em determinada situação.
1.2.3. Nesse contexto, deve-se considerar que o pai e outros indivíduos, seguem o padrão geral de
comportamento preestabelecidos sem adicionar novas condutas a estes.
1.2.4. Ao se atentar ao exemplo, a criança se prende aos aspectos gerais do padrão de comportamento que a
situação exige, mas pode abrir um leque de indagações sobre procedimentos específicos a serem
adotados, como se faria diferença a rapidez com que a ação seria executada.
1.3. Tendo em vista o caráter impreciso dos exemplos, a transmissão de padrões gerais de conduta por meio de
fórmulas gerais linguísticas explícitas parece clara, confiável e segura.
1.3.1. Tais aspectos devem ser tomados como orientadores gerais de comportamento e são identificados
por meio de palavras, não deixados mesclados com outros em um exemplo concreto.
1.3.1.1. Para agir em outra situação semelhante a criança não precisa mais se indagar o que merecerá
aprovação.
1.3.1.2. Ou seja, nesses parâmetros há uma disposição verbal que pode ser usada para detectar qual ação
deverá ser tomada no futuro e o modo de fazê-lo.
1.3.1.3. Nesse sentido, a criança utilizada no exemplo dispõe de uma norma que ele mesma pode aplicar à
sua própria pessoa, passando a integrar um ponto de vista interno.
1.4. Grande parte da teoria do direito do século XX consistiu na gradativa compreensão de que a diferença entre
as incertezas da comunicação feita por precedentes por um lado e as certezas da transmissão feita por
legislação é muito menos sólida que sugere a contraposição ingênua.
1.4.1. Mesmo quando são utilizadas normas gerais verbais podem surgir incertezas quanto ao tipo de
comportamento por elas exigido.
1.5. Hart afirma que, em todos os campos da existência, há um limite, inerente a natureza da linguagem, para a
orientação que a linguagem geral pode oferecer.
1.5.1. É certo que existem casos claros aos quais as fórmulas gerais são nitidamente aplicáveis, como a
consideração de que (“Se algo é um veículo, um automóvel o é’’).
1.5.2. No entanto, também existem casos em que não está claro se essas fórmulas gerais se aplicam ou não
(“A palavra aqui usada, ‘veículo’, incluirá bicicletas, aviões, patins?’’)
1.6. Os cânones gerais de interpretação não podem eliminar essas incertezas que podem surgir em certos
casos concretos, pois constituem em si próprios normas gerais para o uso da linguagem e empregam termos
gerais que exigem eles próprios interpretação.
1.7. Os casos simples, em que os termos gerais não parecem carecer de interpretação e reconhecimento de
exemplos parece automático, são apenas os familiares, que reaparecem continuamente em contextos
semelhantes, já existindo uma decisão quanto à aplicabilidade de termos classificatórios.
1.7.1. Os termos gerais não teriam utilidade como meio de comunicação caso não houvesse esses casos
familiares.
1.7.1.1. As variações também precisam ser classificadas de acordo com os termos gerais que fazem parte
dos nossos recursos linguísticos.
1.8. Nesse sentido, há um paradoxo, o qual gera uma crise na comunicação, pois existem razões tanto a favor
quanto contra o emprego de um termo geral e nenhuma convenção firme ou concordância geral
determina seu uso pela pessoa encarregada de fazer a classificação.
1.8.1. Para realizar o esclarecimento de dúvidas a pessoa deve operar como que realizando uma escolha entre
alternativas abertas.
1.9. Nesse cenário, a linguagem geral em que a norma se expressa consegue somente fornecer uma orientação
incerta.
1.9.1. É desbancada a teoria de que a linguagem da norma habilitará a simplesmente identificar exemplos
facilmente reconhecíveis.
1.9.2. A inclusão de um caso particular dentro de uma norma e a inferência de uma conclusão silogística já
não caracterizam a essência do raciocínio envolvido na decisão de qual o procedimento correto a ser
tomado.
1.10. A linguagem da norma parece apenas assinalar um exemplo vinculante, ou seja, constituído por um caso
evidente, podendo ser usado de forma semelhante ao precedente, embora a linguagem da norma seja mais
permanente e rigorosa que o precedente.
1.10.1. Como quando uma pessoa encarregada de responder se a proibição de veículos no parque é aplicável a
uma determinada situação, deve analisar o quanto essa situação se assemelha ao caso simples em seus
aspectos pertinentes.
1.10.1.1. Assim, esta faz uma escolha sobre a acresção desse novo caso a uma sucessão de outros, devido a
semelhanças que podem ser pertinentes do ponto de vista jurídico e próximas do ponto de vista
factual.
1.10.2. Desse modo, as normas jurídicas, os critérios de pertinência e proximidade por semelhança dependem
do objetivo atribuído a norma.
1.11. Nesse sentido, tanto a legislação quanto o precedente, embora funcionem na maioria dos casos comuns,
poderão se mostrar imprecisos em alguns pontos, quando sua aplicação for posta em dúvida, o que é
chamado de textura aberta.
1.11.1. No caso da legislação, que é uma característica geral da linguagem humana, o preço a pagar, pelo uso
de termos classificatórios gerais em qualquer forma de comunicação, é a incerteza.
1.11.1.1. Como exemplo tem-se o inglês como língua natural detentora de uma textura aberta.
1.11.2. Entretanto, deve-se considerar, que, excluída essa dependência da linguagem com textura aberta, não
se deve acalentar a concepção de uma norma tão detalhada que a dúvida de sua aplicabilidade já tenha
sido sanada anteriormente, envolvendo uma nova escolha entre alternativas abertas.
1.11.2.1. Essas escolhas nos são impostas pois somos homens e não deuses.
1.11.3. É característico da natureza humana e da legislação que haja duas desvantagens no momento da
interligação de alguma esfera de comportamento, através de um padrão geral, que possa ser usado sem
orientação posterior em ocasiões específicas.
1.11.3.1. A primeira desvantagem consiste na relativa ignorância dos fatos e a segunda na imprecisão do
objetivo.
1.11.3.2. Se, no mundo que vivemos, existissem apenas um número finito de características
cognoscíveis poderiam ser previstas de antemão todas as possibilidades.
1.11.3.2.1. Sendo assim, esse seria um mundo ideal a uma jurisprudência “mecânica”
1.12. Os legisladores não possuem o conhecimento das possíveis circunstâncias que no futuro ocorrerão.
1.12.1. Isso gera uma imprecisão dos objetivos.
1.12.2. Nesse sentido, quando se tenta formular alguma norma geral de conduta, a linguagem utilizada
determina atos para estarem incluídos na norma.
1.12.2.1. Assim, certos exemplos dessa norma podem estar nas nossas mentes.
1.12.2.2. Trata-se de casos paradigmáticos, pois o objetivo é ser preciso, já que se fez a escolha pela paz
e pela tranquilidade em relação ao exemplo do parque.
1.12.3. Entretanto, quando um novo problema surgir, que outrora não fora previsto, e ele justapor-se ao
objetivo da tranquilidade. Então, esse objetivo será indeterminado.
1.12.3.1. Assim, se o desejo de permitir que esse novo caso venha a ocorrer, porém conflitando com o
objetivo principal da tranquilidade, por exemplo, teremos que decidir qual a melhor alternativa
para nos satisfazer.
1.12.3.2. Quando isso ocorrer, a necessidade do objetivo inicial tornara-se mais fundamental, solucionando,
acidentalmente, o termo genérico dessa norma.
1.13. Sistemas jurídicos diferentes, ou o mesmo sistema em épocas diferentes, podem não serem suficientes para
reconhecer a necessidade do exercício de escolha de normas gerais a casos específicos.
1.13.1. A teoria do direito possui um vício conhecido de formalismo ou conceptualismo, que busca minimizar
e disfarçar a necessidade de tal escolha.
1.13.1.1. Uma maneira de fazer-se isso é congelando o sentido da norma, de modo que os termos gerais
tenham o mesmo sentido em outros casos em aplicação.
1.13.1.2. Para isso, pode-se agarrar às características do caso mais evidente e afirmar que elas são, ao mesmo
tempo, necessárias e suficientes para enquadrar dentro da norma qualquer coisa que possua tais
características.
1.13.1.2.1. Isso permite certa certeza ou previsibilidade ainda que prejulgue casos futuros.
1.13.1.3. Assim, pode-se, no escuro, solucionar problemas de modo antecipado que só podem ser sanados
quando surgem e são identificados.
1.13.1.3.1. Essa técnica permite elencar dentro da norma casos que outrora seriam excluídos, já que a
linguagem, as vezes usada de modo mais fixa, torna a norma rígida.
1.14. Consumando esse processo, chegaríamos no “paraíso dos conceitos” do jurista, no qual se pode atribuir a
um termo geral o mesmo sentido quando relacionado a uma norma especifica ou a todas as normas do
sistema jurídico.
1.14.1. Assim, não haveria a necessidade de esforço para interpretar diferentes acontecimentos.
1.15. Todos os sistemas conciliam duas necessidades sociais de modos distintos:
1.15.1. A primeira, é a necessidade de certas normas que os indivíduos possam aplicar para si.
1.15.2. A segunda, é de deixar problemas em aberto para serem posteriormente resolvidos quando
ocorrer o caso concreto.
1.16. Em certas épocas e sistemas jurídicos, pode ser que se sacrifique, por desejo de perpetuar a segurança, um
número considerável coisas e que a interpretação jurídica das leis ou dos casos que só são visíveis quando
estes são observados à luz dos objetivos sociais.
1.17. Ainda assim, em outros sistemas e outras épocas pode ser que se deixe em abertos um número excessivo de
coisas e que se respeite muito pouco os limites da linguagem legislativa.
1.17.1. A razão de se deixar aberto deve-se ao fato de deixar aos tribunais a revisão em função dos precedentes.
1.18. A teoria do direito historicamente oscila entre o ignorar e o exagerar na indeterminação das normas
jurídicas.
1.18.1. Para evitar essas variações, devemos lembrar que a incapacidade humana de prever acontecimentos
futuros possui graus variáveis em diversos campos do comportamento e que os sistemas jurídicos
suprem essa incapacidade com uma variedade de técnicas.
1.19. Se reconhece que as características dos casos individuais variam tanto que o poder legislativo não pode
criar normas uniformes a serem aplicadas caso a caso.
1.20. Hart entende que o poder estabelece padrões bastante gerais, mas delega a um órgão específico, e conhecedor
de vários casos, o trabalho de formular normas adequadas a cada caso.
1.20.1. Assim, o poder legislativo pode exigir certos comportamentos de setores da economia.
1.20.1.1. Por exemplo, que elas cobrem tarifas razoáveis ou ofereçam segurança de trabalho.
1.20.2. Não permitindo que as empresas apliquem por contra própria padrões vagos e não correndo o risco de
descobrir, ex post facto, tendo sido esses violados.
1.20.3. Com isso, pode-se preferir adiar a aplicação da sanção por infrações à norma até que a entidade
administrativa determine, por meio de regulamentação, o que será considerado “tarifa razoável” e
“segurança de trabalho”.
1.20.4. Esse poder normativo só pode ser exercido pela esfera judicial dos fatos relativos àquela esfera da
economia, após terem ouvidos os argumentos pró e contra aquela regulamentação.
1.21. Mesmo que os padrões sejam muito gerais, haverá casos em que daquilo que os satisfaz ou não.
1.22. Casos extremos de “tarifa razoável” e “segurança de trabalho” poderão ser identificados ab initio.
1.22.1. Nesse caso, haverá uma quantidade infinita de casos, por um lado, que uma tarifa será tão alta que
tornará a população refém de um serviço indispensável e o lucro da empresa exorbitante.
1.22.2. Por outro lado, tarifas muito baixas não incentivariam o funcionamento da empresa.
1.22.3. Isso, na prática, é pouco provável e a grande maioria dos casos está situada entre esses dois extremos.
1.23. Diante da incapacidade de prever tarifas justas e determinar condições ideias de trabalho só é possível
estabelecer decisões oficiais posteriormente.
1.24. Nesses casos, a autoridade competente deve exercer sua discricionaridade e não há a possibilidade de
estabelecer uma decisão única, uma vez que se busca o equilíbrio razoável entre os diversos interesses
conflitantes.
1.25. A lei pode lançar mão sobre o que é “razoável”, por meio de normas simples, quando a natureza da esfera
a ser controlada impossibilita a identificação de uma classe de atos específicos.
1.25.1. Essa técnica coloca aos indivíduos a tarefa de apreciar as exigências pelo equilíbrio razoável entre as
exigências sociais.
1.26. Nesse caso, exige-se que obedeçam a um padrão antes que ele tenha sido oficialmente definido,
1.26.1. Mas pode ser que só o ex post facto o tribunal os informe de que violaram um padrão de cumprimento
que lhes era exigido.
1.27. Quando as decisões do tribunal são consideradas precedentes, sua especificação assemelha-se
muito ao poder de fixar normas outorgado a um órgão administrativo.
1.28. No direito anglo-americano, em caso de falta de zelo, o exemplo mais famoso é o uso do padrão da devida
precaução (due care).
1.28.1. Podem ser aplicadas sanções civis e, com menor frequência, criminais aos que não tomam precauções
antes de permitir danos físicos a outras pessoas.
1.28.2. Para prevenir situações que causam danos a outrem, o autor propõe a prática de “parar, olhar e escutar”
em lugares onde se sabe da existência de tráfego.
1.28.3. Entretanto, o autor entende que isso não basta, porque há situações em que o ato de olhar não elimina
o perigo.
1.29. O objetivo de estabelecer padrões de devida precaução é que se evite prejuízos substanciais, mas que outros
interesses maiores não percam espaço para o peso da precaução.
1.29.1. O autor aponta, por exemplo, que uma pessoa em estágio de hemorragia fatal não pode esperar a prática
de “parar, olhar e escutar”.
1.29.2. Porém, devido a grande variedade de casos possíveis que pedem por precaução, não se pode prever os
prejuízos, prever ab initio as circunstâncias possíveis de ocorrerem e nem quais são os interesses serão
prejudicados.
1.30. Portanto, é impossível avaliar antes que aconteçam casos particulares quais sacrifícios ou soluções de
meio-termo teremos que tomar para reduzir o risco de infligir danos.
1.30.1. Somente a experiência é capaz de dar certeza à imprecisão que o objetivo de proteger as pessoas contra
todo dano causa.
1.30.1.1. Com a decisão tomada, então, será possível tornar concreto o nosso objetivo de proteger as
pessoas sem nenhuma dúvida.
1.31. Com a reflexão dessas duas técnicas é possível realçar as características daquelas áreas que podem ser
controladas com precisão, ab initio, por meio de normas que exigem ações especificas e têm apenas uma
pequena margem de textura aberta.
1.32. A reflexão sobre essas duas técnicas realça, por contraste, as características daquelas amplas áreas de
comportamento que se podem controlar com êxito;
1.32.1. Esse controle pode ser efetuado por meio de normas que exigem ações específicas e tem apenas uma
pequena margem de textura aberta;
1.32.1.1. Certas ações, comportamentos ou situações notáveis tem tamanha importância prática para nós,
que pouquíssimas circunstâncias concomitantes nos predispõem a considerá-las de forma
diferente;
1.32.1.1.1. O exemplo mais claro é o assassinato de um ser humano. Embora sejam muito variadas as
circunstâncias em que os seres humanos matam uns aos outros, são pouquíssimos os fatores
que nos fazem superar a importância de proteger a vida para reconsiderar nosso julgamento
a respeito.
1.32.1.1.2. O ato de matar domina os fatores que possam acompanhá-lo, mas naturalmente ocorrem
exceções que sobressaem o princípio dominante.
1.32.1.1.2.1. Existem a legítima defesa e outras formas de homicídio justificáveis, mas são
poucas e identificáveis em termos relativamente simples.
1.32.2. O status dominante de algum ato, acontecimento ou situação facilmente identificável pode ser
convencional ou artificial, e não devido à sua importância “natural” ou “intrínseca” para os seres
humanos.
1.32.2.1. É extremamente importante e necessário que existam procedimentos uniformes e facilmente
identificáveis e, consequentemente, um correto e outro errado para resolver questões relevantes,
como leis de tráfego e transferência de propriedade.
1.32.2.1.1. Quando o procedimento tiver sido prescrito pela lei, a importância de observá-lo será (com
poucas exceções) suprema, uma vez que existem poucas circunstâncias que possam se
prevalecer, e as que existem serão logo identificadas como exceções e reduzidas à norma;
1.33. A transmissão de normas gerais por meio de exemplos autorizados traz em si indeterminações de um tipo
mais complexo
1.33.1. O reconhecimento do precedente como critério de validade jurídica tem significados diferentes em
sistemas diversos e até no interior de um mesmo sistema;
1.33.1.1. As descrições da “teoria” inglesa do precedente são ainda, em certos pontos, altamente discutíveis;
1.33.2. Qualquer descrição fiel do uso do precedente no direito inglês deve considerar os seguintes pares de
fatos contrastantes;
1.33.2.1. Em primeiro lugar, não existe um método único para se determinar a norma derivada de um
precedente, apesar de existir pouca dúvida a esse respeito;
1.33.2.2. Em segundo lugar, não se pode extrair dos casos decididos nenhuma formulação vinculante ou
exclusivamente correta de qualquer norma. Entretanto, em diversas ocasiões existe certo
consenso quanto à adequação quando pertinentes em casos posteriores;
1.33.2.3. Em terceiro lugar, qualquer que seja a autoridade da norma derivada de um precedente, ela é
compatível com o exercício da atividade criadora ou legislativa por parte de tribunais sujeitos a
ela;
1.33.2.3.1. Por um lado, os tribunais que julguem uma causa posterior podem chegar a uma decisão
oposta à contida no precedente, para tanto, restringem a norma extraída do precedente,
admitindo exceções não consideradas anteriormente ou, se consideradas, deixadas em
aberto.
1.33.2.3.2. Por outro lado, ao seguir um precedente já estabelecido, os tribunais podem desconsiderar
uma restrição encontrada na norma, com a justificativa de que não é exigida por nenhuma
norma estabelecida mediante lei positivada, a fim de ampliar seu alcance.
1.33.2.3.3. Apesar dessas duas formas de atividade normativa, deixadas em aberto pela força
obrigatória do precedente, o sistema inglês produziu pelo uso um conjunto de normas tão
precisas quanto às normas legisladas, com alterações possíveis mediante apenas nova
legislação.
1.33.3. A textura aberta do direito significa que existem várias áreas de comportamento nas quais muitas coisas
devem ser decididas por autoridades administrativas ou judiciais para que, em função das circunstâncias,
busquem obter um equilíbrio entre os interesses conflitantes.
1.33.3.1. Entretanto, a vida do direito consiste em orientar tanto as autoridades quanto os indivíduos
através de normas precisas, que, diferenciando de padrões variáveis, não lhes exijam uma nova
decisão a cada caso.
1.33.3.1.1. Esse fato evidente da vida social permanece verdadeiro mesmo que possam surgir dúvidas
quanto a aplicabilidade de qualquer norma em um caso concreto;
1.33.3.1.2. Nisso, à margem das normas e nos espaços deixados em aberto pela teoria dos precedentes,
os tribunais desempenham uma função normativa (também desempenhada nuclearmente
pelos órgãos administrativos) ao elaborar padrões variáveis.
1.33.3.1.2.1. Na Inglaterra, a função é muitas vezes obscurecida pelo formalismo verbal, pois
os tribunais desmentem essa função criadora ao insistirem que a função adequada
da interpretação jurídica e do uso do precedente são, respectivamente, buscar a
“intenção do legislador” e fazer referência ao direito já existente.

2. Tipos de Ceticismo em relação às normas


2.1. Todo sistema jurídico deixa em aberto um campo vasto e de grande importância para que os tribunais possam
usar sua discricionaridade;
2.1.1. Esse artificio é usado no sentido de tomar mais precisos os padrões inicialmente vagos, dirimir as
incertezas contidas na lei ou, ainda, ampliar ou restringir a aplicação de normas transmitidas de modo
vago pelos precedentes autorizados;
2.1.2. No entanto, essa atividade não deve disfarçar tanto o contexto que se insere quanto seu principal produto
final, que se conclui nas normas gerais;
2.1.2.1. Trata-se de normas cuja aplicação os indivíduos podem perceber eles próprios casos após caso,
sem a necessidade de recurso contra a discricionaridade oficial;
2.2. Pode parecer estranho que alguma vez se tenha duvidado seriamente que as normas ocupam lugar
central em um sistema jurídico.
2.2.1. Entretanto, o “ceticismo em relação às normas” ou o discurso sobre estas serem um mito ocultam a
verdade de que o direito consiste apenas nas decisões dos tribunais e nas previsões a respeito dessas
decisões.
2.2.1.1. O argumento é incoerente, uma vez que a afirmação de que existem decisões tomadas por
tribunais não pode ser coerente associada à negação da existência de quaisquer normas,
sejam elas primárias ou secundárias.
2.2.1.1.1. A própria existência de um tribunal envolve a existência de normas secundárias que
outorgam jurisdição a uma sucessão variável de indivíduos, tornando suas decisões
vinculantes.
2.2.1.1.2. Em uma comunidade que as pessoas tenham assimilado apenas as noções de decisão e
previsibilidade, mas não a ideia de norma, faltaria a noção de decisão autorizada e, com isso,
a ideia de tribunal.
2.2.1.1.2.1. Nada existiria para diferenciar a decisão de um indivíduo daquela do tribunal;
2.2.1.1.3. Poderíamos tentar suprir o problema da previsibilidade das decisões com a noção de
“obediência habitual”, entretanto, ao fazermos isso perceberíamos que há insuficiência do
hábito como norma que outorga poderes legislativos, assunto já abordado no Capítulo IV.
2.2.1.2. Algumas versões da teoria admitem que se há tribunais, deve haver normas jurídicas que os
instituem, não podendo ser, elas próprias, simples previsões das decisões dos tribunais.
2.2.1.2.1. A afirmação que as leis não são direito, mas fontes do direito até que sejam aplicadas por
um tribunal, é típico dessa teoria, mas torna-se incoerente com a afirmação de as únicas
normas existentes são aquelas que visam instituir tribunais.
2.2.1.2.1.1. Portanto, deve haver também normas secundárias que outorguem poderes
legislativos a sucessão mutável de indivíduos, já que, a teoria não nega a existência
das leis, mas apenas lhe dá recusa o caráter de direito até que seja aplicada.
2.2.1.3. Pode ser que o ceticismo em relação às normas nunca tenha pretendido negar a existência
de normas secundárias que outorgam poder judicial e legislativo ou demonstrar que não passam
de decisões ou previsões das decisões judiciais.
2.2.1.3.1. Entretanto, mesmo que essas noções sejam consideradas como verdadeiras, não há dúvidas
que em relação a algumas esferas de comportamento, as pessoas manifestam condutas e
atitudes denominadas ponto de vista interno.
2.2.1.3.1.1. As leis atuam na vida dos indivíduos não apenas como hábitos ou como
instrumentos para prever as decisões dos tribunais, mas também como padrões
jurídicos aceitos de conduta.
2.2.1.3.1.2. As pessoas não agem com razoável regularidade da forma exigida pelo direito, mas
o consideram um padrão jurídico de comportamento, referindo-se a ele ao criticar
outras pessoas, justificar suas exigências ou aceitar críticas;
2.2.1.3.1.2.1. A utilização das normas dessa forma normativa faz com que os
indivíduos pressuponham que os tribunais e outras autoridades seguirão
proferindo decisões de forma regular e previsível, de acordo com as
normas estabelecidas pelo sistema.
2.2.1.3.1.2.1.1. No entanto, sabe-se que na vida social, os indivíduos vão além de
prever e observar as decisões dos tribunais ou a possibilidade de
sanções; os indivíduos não se limitam ao ponto de vista externo.
2.2.1.3.1.2.1.2. Os indivíduos manifestam a aceitação do direito como uma
orientação para a conduta.
2.2.1.3.2. O capítulo III debateu extensivamente a suposição de que termos normativos como
“obrigação”, se limitam apenas a prever o comportamento oficial.
2.2.1.3.2.1. No entanto, se essa suposição estiver incorreta, como foi sustentada pelo autor, as
normas jurídicas não são utilizadas como descrições de hábitos ou previsões, e sim
como normas de textura aberta.
2.2.1.3.2.1.1. Nos pontos em que essa textura é aberta, os indivíduos só podem fazer
previsões sobre a conduta dos tribunais e ajustar seu comportamento de
acordo com essas previsões.
2.3. A dúvida acerca das normas é digna de atenção, porém somente como uma teoria sobre a atribuição das
normas na sentença judicial.
2.3.1. De acordo com o autor, apesar das objeções apresentadas, essa teoria se resume a afirmar que, no que
diz respeito aos tribunais, não há limites claros para a interpretação da lei.
2.3.1.1. Por isso, não é correto e nem sensato pensar que os juízes são obrigados a seguir normas
específicas ao decidir casos.
2.3.1.2. Os juízes podem atuar de forma previsível, uniforme e regular, permitindo que as pessoas vivam
de acordo com as decisões dos tribunais como se fossem normas. Além disso, eles são capazes de
sentir uma compulsão para a tomada de decisões, o que também pode ser previsível.
2.3.1.2.1. No entanto, o autor enfatiza que não há nada que possa ser considerada uma norma a ser
seguida, já que não existem padrões de procedimentos judiciais corretos estabelecidos pelos
tribunais.
2.3.1.3. Logo, isso mostra que os juízes não possuem o ponto de vista interno específico da aceitação
de normas.
2.3.2. A teoria se baseia em numerosas e diferentes observações de relevância diversificada.
2.3.2.1. O autor exemplifica isso ao realizar uma comparação entre o indivíduo cético acerca das normas
e um absolutista frustrado.
2.3.2.1.1. Esses indivíduos esperam que as normas sejam perfeitas e possam prever todas as
combinações possíveis de fatos, como se os homens fossem deuses e como se a textura
aberta não se tratasse de um atributo essencial das normas.
2.3.2.1.1.1. Logo, a ideia do cético em relação à existência de uma norma pode ser vista como um
objetivo impossível de alcançar.
2.3.2.1.1.2. Por conseguinte, quando percebe que as normas não conseguem atingir esse objetivo, o
cético pode expressar sua frustração negando a existência ou a possibilidade de existência
de qualquer norma.
2.4. O autor argumenta que o ceticismo em relação às normas é justificado pelo fato de que elas possuem uma
textura aberta.
2.4.1. As normas permitem exceções que não podem ser previstas de forma exaustiva e antecipada. Além
disso, a violação dessas normas não acarretará sanção física contra o juiz.
2.4.1.1. Hebert Hart evidencia a existência desses aspectos para demonstrar a tese de Karl N Llewellyn,
segundo o qual: “as normas só são importantes na medida em que possam ajudar a prever o que
os juízes farão. Essa é toda a sua importância; fora isso, não passam de brinquedos bonitinhos.”
2.4.1.1.1. De acordo com o autor, expor argumentos dessa maneira é desconsiderar a verdadeira
natureza das normas, seja em qualquer contexto da realidade social.
2.4.1.1.2. Essa ideia implica em um falso dilema: sugerir que as normas são representações de
correntes ou que elas simplesmente não existem, sendo apenas deliberações ou
comportamentos padronizados que podem ser previstos.
2.4.1.1.2.1. O autor apresenta um exemplo em que a necessidade de cuidar de uma pessoa doente
pode justificar o descumprimento de uma promessa previamente feita.
2.4.1.1.2.1.1. No entanto, ele destaca que isso não significa que não existam normas sobre o
assunto, mas sim que essas normas podem admitir exceções não previstas.
2.4.1.1.3. É necessário evidenciar que, mesmo que existem exceções, a norma continua existindo.
2.5. Às vezes, nega-se a existência de normas vinculantes para tribunais devido à confusão entre aceitação de uma
norma e processos psicológicos relacionados ao pensamento antes ou durante a ação.
2.5.1. O indivíduo, ao aceitar uma norma como vinculante, é capaz de perceber de forma intuitiva o que a
norma exige em determinada situação e age de acordo, sem precisar pensar na norma.
2.5.1.1. Por exemplo, ao mover uma peça de xadrez ou parar diante de um sinal vermelho, ocorre a
obediência à norma de forma direta e automática, sem pensar nas regras.
2.5.1.1.1. Isso demonstra a aplicação da norma de maneira autêntica em circunstâncias específicas, seja
antes, durante ou após a ação.
2.5.1.1.2. Se o comportamento for criticado, existe uma tendência de justificá-lo referenciando a
norma.
2.6. A autenticidade da aceitação da norma pode ser demonstrada pelo reconhecimento geral da norma,
pela obediência a ela e críticas quando os indivíduos a infringem.
2.6.1. O autor afirma que o que realmente possui importância para distinguir um ato de obediência autêntica
à norma de um simples ato coincidente é o fato do comportamento se enquadrar nas circunstâncias
adequadas, não necessariamente acompanhado por uma lembrança explícita da norma.
2.6.1.1. Por exemplo, em um jogo de xadrez, pode-se diferenciar o movimento de um jogador adulto, que
obedece às regras, do ato de um bebê que empurra uma peça para o lugar certo. O bebê não está
consciente das regras, mas coincidentemente as segue.
2.6.2. Isso não significa que não existam falhas nas tentativas empíricas de verificar se alguém está
realmente agindo de acordo com a norma.
2.6.2.1. Esses testes são inerentemente falíveis, embora não necessariamente.
2.6.2.2. É viável que, em determinada sociedade, os juízes frequentemente cheguem inicialmente a suas
decisões de forma intuitiva e, em seguida, selecionem, dentre um conjunto de normas jurídicas,
aquela que se adequam ao caso em julgamento.
2.6.2.2.1. Eles podem alegar que essa norma foi a responsável por sua decisão, embora não haja
indícios de que a consideram obrigatória para si mesmos.
2.6.2.2.2. Alguns vereditos judiciais podem ser proferidos dessa maneira, porém a maioria das decisões,
assim como os movimentos do jogador de xadrez, são resultado de um esforço em obedecer
às normas que são conscientemente aceitas como padrões.
2.6.2.2.2.1. Ou, se decididas de forma intuitiva, são justificadas por normas que o juiz já estava
predisposto a obedecer e cuja aplicabilidade é geralmente identificada.
2.7. A última forma de ceticismo acerca das normas se baseia no aspecto de que as decisões dos tribunais são
únicas e providas de autoridade.
2.7.1. No caso dos supremos tribunais, decisões consideradas peremptórias.
2.7.2. Essa perspectiva teórica, implícita na frase do bispo Hoadly, frequentemente citada por Gray em seu
livro "The Nature and Sources of Law" será abordada na próxima sessão.
2.7.2.1. O bispo argumenta que aquele que detém autoridade absoluta para interpretar leis, sejam elas
escritas ou orais, exerce o papel de legislador e supera até mesmo quem as criou ou formulou
originalmente.

3. O caráter definitivo e a infalibilidade na decisão judicial


3.1. Ao proferir uma sentença, um supremo tribunal possui o poder de estabelecer o significado de direito e, uma
vez que a decisão é tomada, a alegação de que o tribunal cometeu um erro não tem consequências no
sistema jurídico.
3.1.1. A afirmação não tem a capacidade de modificar os direitos ou deveres dos indivíduos.
3.1.2. A legislação pode impedir a efetividade da decisão do tribunal, mas a necessidade disso mostra a
inutilidade, do ponto de vista legal, da afirmação de que o tribunal cometeu um erro.
3.1.3. No caso da decisão de um supremo tribunal, o exame desses fatos torna a diferenciação entre caráter
definitivo e infalibilidade da decisão parecer irrelevante.
3.1.4. Isso leva a uma outra maneira de negar que os tribunais são limitados por normas em suas deliberações:
a lei ou a constituição é definida pelos tribunais.
3.1.4.1. Essa teoria é ambígua ao realizar a afirmação e é importante notar que a teoria deve dar uma
explicação coerente sobre a relação entre enunciados jurídicos não oficiais e as declarações oficiais
de um tribunal.
3.1.4.2. Com o intuito de promover a compreensão da ambiguidade da afirmação enunciada, o autor
exemplifica a situação de um jogo.
3.1.4.2.1. No contexto de jogos competitivos, muitas vezes não há uma pessoa designada para a
marcação de pontos.
3.1.4.2.2. Os jogadores geralmente conseguem aplicar as regras de pontuação de forma justa,
resolvendo a maioria dos conflitos sem necessidade de intervenção externa.
3.1.4.2.3. Antes de um marcador oficial ser instituído, a contagem dos pontos feita por um jogador
honesto é uma tentativa de estimar o progresso do jogo de acordo com as regras aceitas.
3.1.4.2.3.1. Essas estimativas são enunciados internos que aplicam a norma de contagem de pontos,
mas não fazem declarações ou previsões sobre o comportamento dos jogadores em
relação às regras.
3.1.4.2.4. A criação de regras secundárias para estabelecer um marcador oficial com decisões
definitivas institui um novo tipo de enunciado interno, semelhante às mudanças de um
regime consuetudinário para um sistema jurídico maduro.
3.1.4.2.4.1. Enquanto as declarações dos jogadores a respeito da contagem de pontos podem ser
contestadas, as decisões do marcador não podem, já que possuem um status irrecorrível
devido às normas secundárias.
3.1.4.2.5. Para os objetivos do jogo, o marcador é quem determina o placar.
3.1.4.2.5.1. No entanto, é fundamental ressaltar que a regra de contagem deve ser aplicada pelo
marcador da melhor maneira possível.
3.1.4.2.5.2. Se a frase "o placar é o que o marcador declara ser" significasse que não há regra para a
contagem de pontos, além daquela escolhida pelo marcador, ela seria falsa.
3.1.4.2.5.2.1. De acordo com o autor, um jogo poderia ser disputado dessa forma, mas seria
diferente e poderia ser chamado de "jogo ao arbítrio do marcador".
3.1.4.2.6. O autor aborda as possíveis dificuldades que surgem com a introdução de um marcador
em jogos competitivos.
3.1.4.2.6.1. Os jogadores podem se sentir conflitantes em relação ao desejo de seguir a regra de
contagem de pontos e a necessidade de decisões definitivas e vinculantes em caso de
dúvida.
3.1.4.2.6.2. O marcador pode cometer erros por boa-fé, estar bêbado ou não cumprir
adequadamente seu dever.
3.1.4.2.6.3. Mesmo que haja um modo de retificar a deliberação, por meio de uma autoridade
superior, essa decisão final ainda pode estar sujeita ao mesmo risco de erros humanos.
3.1.4.2.6.3.1. Portanto, é impossível criar uma regra que corrija as infrações de todas as regras.
3.2. A criação de uma autoridade que tenha o poder final e definitivo de aplicar regras pode apresentar riscos em
todas as esferas.
3.2.1. O autor usa o exemplo do jogo para ilustrar a importância de entender essa forma de autoridade
3.2.1.1. Quando um marcador oficial é nomeado, suas decisões sobre o placar são finais, e as opiniões de
jogadores ou outras pessoas não têm influência no resultado do jogo.
3.2.1.1.1. Se houver discordância, a decisão do marcador oficial deve prevalecer.
3.2.1.2. É imprescindível não classificar as opiniões dos jogadores como previsões da decisão final, pois
isso distorceria a natureza da autoridade.
3.2.1.3. Após a nomeação do marcador oficial, o jogador continua avaliando a evolução do jogo da mesma
forma que antes, mas agora tomando a regra de contagem de pontos como referência.
3.3. A diferença entre o marcador oficial e jogador, não é que um esteja predizendo o que o outro vai dizer,
mas que as declarações dos jogadores constituem aplicações não-oficiais das regras.
3.3.1. É importante observar que, se o jogo fosse disputado “ao arbítrio do marcador”, a relação entre as
declarações oficiais e não-oficiais seria necessariamente diferente;
3.3.2. As declarações dos jogadores não apenas seriam uma previsão da decisão do marcador, mas não
poderiam também ser outra coisa.
3.3.3. Pois nesse caso, “o placar é aquele que o marcador diz que é” seria a própria regra de pontuação.
3.3.4. As decisões deste seriam então ao mesmo tempo finais e infalíveis.
3.3.5. Mas, num jogo comum, “o placar é o que o marcador diz que é” não constitui a regra de pontuação:
3.3.5.1. É uma regra que dispõe sobre a autoridade e o caráter definitivo de sua aplicação da regra de
pontuação a casos particulares.
3.4. A segunda lição decorrente desse exemplo de decisão dotada de autoridade toca algumas questões mais
fundamentais.
3.4.1. Conseguimos distinguir um jogo normal de outro “ao arbítrio do marcador” simplesmente porque
embora a regra de contagem, como todas as outras normas, possua sua área de textura aberta.
3.4.1.1. É deste último que o marcador não tem a liberdade de se desviar, e é ele que, até onde se aplica,
constitui o padrão para a contagem, quanto para contagem correta ou incorreta de pontos.
3.4.1.1.1. Tanto para o jogador, quando expressa seu juízo não-oficial sobre a contagem, quanto para
o marcador.
3.5. Até certo ponto, o fato de algumas decisões tomadas por um marcador de pontos estarem claramente erradas
não impede o prosseguimento do jogo;
3.5.1. Elas têm o mesmo valor de decisões obviamente corretas.
3.5.2. O fato de que aberrações oficiais isoladas ou excepcionais sejam toleradas não significa que o jogo de
críquete ou beisebol não esteja mais sendo jogado.
3.5.2.1. Por outro lado, se essas aberrações forem frequentes, haverá um momento em que ou os jogadores
não mais aceitarão as decisões anômalas, ou se fizerem, o jogo terá mudado.
3.5.2.1.1. Já não será mais críquete ou beisebol, mas um “jogo ao arbítrio do marcador”.
3.5.3. Podemos imaginar uma situação em que diríamos que, na verdade, o jogo que estava sendo disputado
era o “jogo ao arbítrio do marcador”;
3.5.3.1. Mas o fato de que em todos os jogos a decisão deste seja definitiva não significa que todos os
jogos sejam assim.
3.6. Ao analisarmos a forma de ceticismo quanto as normas baseadas no status singular da decisão de um tribunal
como declaração final e autorizada do que constitui direito em caso específico.
3.6.1. A textura aberta do direito outorga aos tribunais um poder de criar o direito muito mais amplo e
muito mais importante.
3.6.1.1. Do que aquele concedido aos marcadores de pontos.
3.7. Qualquer que seja a decisão de um tribunal, tanto sobre questões situadas naquela parte da norma que
pareça clara para todos quanto sobre aquelas situadas em sua fronteira sujeita a contestação.
3.7.1. Sobre a interpretação desta, os tribunais terão mais uma vez a palavra final autorizada.
3.7.2. Persiste ainda uma diferença entre uma constituição que, após criar um sistema de tribunais, dispõe que
o direito será tudo o que o supremo tribunal julgue adequado e a verdadeira Constituição dos Estados
Unidos.
3.7.2.1. A frase “A constituição (ou o direito) é aquilo que os juízes dizem que é” será falsa.
3.7.2.1.1. A qualquer momento os juízes, mesmos os de um supremo tribunal, fazem parte de um
sistema cujas normas são, em seu cerne, suficientemente precisas para oferecer padrões de
decisão judicial correta.
3.7.2.1.2. Esses padrões são encarados pelos tribunais como algo que eles não têm a liberdade de
ignorar no exercício da autoridade.
3.7.3. Ao assumir suas funções, qualquer juiz individual encontra, tal como o marcador ao assumir as suas,
uma norma, semelhante àquela segundo a qual os atos legislativos promulgados por delegação da Coroa
constituem direito, estabelecida como tradição e aceita como o padrão para o desempenho de sua
função.
3.7.3.1. Isso limita, tanto quanto possibilita, a atividade criadora de seus ocupantes.
3.7.3.2. Esses padrões não poderiam de fato continuar a existir a menos que a maior parte dos juízes os
aceitasse.
3.7.3.2.1. Mas isso não torna o juiz que os usa autor desses padrões, ou, na linguagem de Hoadly, um
“legislador” competente para sentenciar.
3.8. É possível que, escudando-se nas normas que tornam as decisões judiciais finais e definitivas, os juízes
concordassem em rejeitar as normas existentes e deixassem de considerar que mesmo os Atos do Parlamento
mais eloquentes constituem limites a suas decisões.
3.8.1. Nenhuma norma oferece garantias contra seu descumprimento ou repúdio, pois os seres humanos
sempre têm a possibilidade psicológica ou física de repudiá-las ou descumpri-las.
3.8.1.1. E se um número suficiente de pessoas o fizer durante um certo tempo, as normas deixarão de
existir.
3.8.2. Dizer que num determinado momento existe uma norma exigindo que os juízes aceitem como direito
as leis feitas pelo Parlamento ou pelo Congresso.
3.8.2.1. Requer, em primeiro lugar, que haja uma obediência geral a essa exigência e que sejam raras a
infração ou o repúdio por parte de juízes individuais.
3.8.2.2. Em segundo, que, se e quando isso ocorrer, será ou seria tratado por uma maioria
preponderante como uma atitude sujeita a graves críticas e como algo errado, mesmo que as
consequências da decisão resultante em um caso particular não possam, devido à lei relativa ao
caráter final das decisões, ser anuladas a não ser por uma legislação que garanta sua validade, mas
não sua correção.
3.8.3. É logicamente possível que os seres humanos descumpram todas as suas promessas; a princípio,
talvez, com a consciência de que isso é errado e, depois, sem tal consciência.
3.8.3.1. Nesse caso, a norma que torna obrigatório o cumprimento de promessas deixaria de existir.
3.8.3.1.1. Isso, entretanto, constituiria uma base precária para o argumento de que atualmente essa
norma não existe e de que as promessas não são vinculantes.
3.8.3.1.1.1. O argumento paralelo, no caso dos juízes, baseado na possiblidade de eles tramarem a
destruição do sistema atual, é tão fraco quanto esse.
3.9. Antes de deixarmos o tópico do ceticismo quanto às normas, devemos dizer uma última palavra sobre sua
tese positiva de que as normas constituem prognósticos das decisões dadas pelos tribunais.
3.9.1. É claro, e tem sido muitas vezes assinalado, que qualquer verdade que porventura exista nessa afirmativa
pode, na melhor das hipóteses, aplicar-se aos enunciados de direito feitos por indivíduos particulares
ou seus consultores jurídicos.
3.9.2. Tais pronunciamentos, conforme argumentavam os “realistas” mais radicais, podem ser um disfarce
verbal para o exercício de uma discricionaridade irrestrita.
3.9.2.1. Mas podem, por outro lado, constituir a formulação de normas genuinamente consideradas pelos
tribunais, ponto de vista interno, como um padrão para decisões corretas.
3.9.2.1.1. É certo que as previsões a respeito das decisões judiciais ocupam um lugar importante no
direito.
3.9.3. Quando se atinge a área de textura aberta, muitas vezes tudo o que podemos oferecer como resposta à
pergunta "Qual é o direito existente sobre: esse assunto?" é uma previsão cautelosa sobre a atuação
futura dos tribunais.
3.9.3.1. Além do mais, mesmo quando as exigências das normas jurídicas são claras para todos, uma
afirmação a esse respeito pode frequentemente assumir a forma de uma previsão sobre a decisão
dos tribunais.
3.9.3.2. Mas é importante observar que, principalmente no último caso, e, em grau variável, no primeiro,
o fundamento de tal previsão é o conhecimento de que os tribunais consideram as normas jurídicas
não como previsões, mas como padrões que devem ser seguidos nas decisões.
3.9.3.2.1. E como padrões suficientemente precisos, apesar de sua textura aberta, para limitar, embora
não para excluir, a discricionariedade do tribunal.
3.9.4. Consequentemente, em muitos casos, as previsões a respeito do que o tribunal fará são semelhantes
à que fazemos quando "prevemos" que os jogadores de xadrez vão movimentar o bispo em diagonal.
3.9.4.1. Apoiam-se, em última análise, numa avaliação do aspecto não preditivo das normas e no ponto de
vista interno, segundo o qual as normas são padrões aceitas por aqueles a quem as previsões se
referem.
3.9.5. Isso é apenas mais um aspecto do fato, já ressaltado no capítulo V.
3.9.6. Embora a existência das normas em qualquer grupo social possibilite previsões frequentemente
confiáveis, normas e previsões não podem ser confundidas.

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