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Curso de Licenciatura em SERVIÇO SOCIAL Documento de

Unidade Curricular de Introdução às Ciências Sociais trabalho nº 7


DOCENTE: TELMO HUMBERTO L. CARIA [DT7]
Considerações e comentários a propósito do DT6,
complementares ao ponto 1 do TA3:
1-as “afirmações 1, 2 e 3” estão construídas num pressuposto de negação das possibilidades de
desenvolver as CS; enquanto que o enunciado da “conclusão” coloca a hipótese inversa, relativa às
condições em que há possibilidade de desenvolver as CS;

2-as “afirmações 1 e 2” são propositadamente deslocadas do tempo presente, porque a afirmação de que
é impossível desenvolver as CS é em si mesma falsa, dado que as CS hoje estão institucionalizadas, tal
como as CFN;

3-as “afirmações 1 e 2” tomam como referência um tempo passado, há cerca de um século atrás, quando
as CS ainda não estavam suficientemente instituídas nas universidades europeias e eram facilmente
confundidas com a filosofia; aliás muitos filósofos desta época acabaram por ser considerados, mais tarde,
percursores/fundadores de várias CS;

4-o argumento usado nas “afirmações 1 e 2” de que as pessoas (os objetos de estudo das CS) não podem
ser investigadas (uso de métodos) e explicadas como os objetos de estudo das CFN, parece ser algo óbvio
para o senso comum; logo o problema está em saber como é que de um ponto de vista científico este
assunto é tratado ao longo da história das CS?

5-há cerca de um século atrás, numa primeira abordagem, o argumento deu origem a um amplo debate,
onde uns subscreviam esta impossibilidade, enquanto outros afirmavam que era possível desenvolver as
CS, embora os problemas levantados fizessem com que as ciências da sociedade tivessem “menos
objetividade” do que as CFN;

6-a ideia (errada) de que as CS seriam menos objetivas do que as CFN foi ficando e perdurou por muito
tempo, pois entendia-se (erradamente, como vimos no módulo 1) que a natureza (ao contrário da
sociedade) não tinha história, não mudava; seguia leis/padrões/uma ordem que pressuponham que a vida
natural e física se repetia continuadamente sempre do mesmo modo e de uma forma exata, isto é, nas
CFN haveria uma total previsibilidade das coisas (provada pelo uso da fórmulas matemáticas), enquanto
nas CS essa previsibilidade só poderia ser atingida parcialmente, porque a grande a variação existente nas
sociedades, fruto da história ou da grande diferenciação entre os indivíduos, implicava muita dificuldade
em encontrar padrões e uma ordem nos acontecimentos sociais;

7-ainda que com dificuldades e muitas dúvidas, persistiu-se no desenvolvimento das CS baseados na ideia
de que as formas de explicação e os métodos das CFN poderiam ser aplicados à sociedade (as CS deveriam
copiar o modelo de objetividade das CFN), dado que o comportamento humano ao ser constrangido pela
sociedade (somos socializados pela cultura em que nascemos) faria com que os nossos comportamentos
acabassem por seguir um padrão e uma ordem (ainda que provisórios, devido entretanto às mudanças
históricas das sociedades) e por isso também capazes de serem descritos e explicados a partir do uso da
matemática;

8-Hoje podemos dizer que há métodos das CFN que simplificam e simulam a realidade natural (método
experimental e uso dos computadores para reproduzir o real) que não são aplicáveis nas CS, dado que
estas partem sempre das condições reais em que os fatos sociais ocorrem. Mas como o inverso também
pode acontecer, como veremos mais à frente no programa, então o uso (ou não) de certos métodos deixa
de poder ser argumento para se afirmar a menor objetividade das CS; por outro lado, como vimos no
módulo 1, história e mudança e padrões de regularidades que não são absolutamente certos, hoje
também, se reconhece existir na vida natural e física, daí que a coexistência que sempre existiu na
sociedade entre ordem e desordem, fazendo o conhecimento científico ser provisório, deixa de ser
argumento para se afirmar a menor objetividade das CS.

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9- Finalmente, falta ainda rebater o último argumento sobre a menor objetividade das CS: o da variação
inter individual. Como vimos no módulo 1 variação dentro de um certo padrão também existe nas CFN.
Mas, mais importante, importa não esquecer que as coisas da vida natural e física apesar de variarem,
essa variação não depende da subjetividade/consciência/pensamento das entidades vivas que são
estudadas pelas CFN. O homem é a única espécie animal que constrói conhecimento e portanto as CS
quando abordam a variação dentro dos padrões sociais existentes têm que tomar em consideração, nos
seus métodos, algo que as CFN nunca tiveram que considerar: ao contrário do homem as pedras, os astros
e as bactérias não pensam sobre si e sobre o ambiente onde vivem, dado que não têm consciência e logo
também não têm (inter)subjetividade. Com este argumento quase que podemos dizer o inverso: é às CFN
(e há realidade natural e física que estuda) que, em comparação, parece faltar algo, e não às CS.

10-Mas para além deste argumento ainda temos que afirmar um outro, que é uma premissa central das
CS: o que interessa às CS não são os pensamentos e as emoções íntimos de cada indivíduo (não é a
subjetividade particular de cada um). Os indivíduos como um todo, incluindo as suas características
pessoais mais íntimas (onde é mais reconhecido a grande variação existente), não interessam às CS. O
que interessa às CS (o que é cientificamente objetivável em fatos) é a parte da subjetividade de cada
indivíduo que é partilhada e trocada na interação com outros na vida social (intersubjetividade). E.
portanto, as pessoas tornam-se objetos das CS quando as emoções e pensamentos individuais se tornam
sociais (são exprimidos e partilhados com os outros, incluindo na resposta a inquéritos) e estão sujeitos
aos constrangimentos/influências que os outros exercem sobre nós, ou que nós exercemos sobre os
outros, tanto para preservar uma ordem social (nos padrões de comportamento dos indivíduos quando
interagem uns com os outros) como para poder mudar alguma coisa na ordem social (existência de
incerteza e diferenciação dentro de uma ordem ou padrão social).

11-Como vimos no uso estatístico que foi dado às respostas do DT1 e do DT6 (ver DT1b e DT6b) o
comportamento humano (mesmo quando se trata de responder a um inquérito) organiza-se em torno de
tendências maioritárias que, como vimos nas tabelas de contingência, podem indicar padrões de
comportamento que são predominantes, evidenciando regularidades entre factos. Este uso da
matemática/estatística centra-se na parte objetiva do conhecimento humano e para este efeito as CS
podem observar os fatos (à distância, como objetos, como é referido no enunciado da afirmação 3) como
se existissem independentemente de nós; porque o comportamento de cada um é agrupado num número
que mede a frequência com que ele ocorre na sociedade em certas condições, sem se preocupar em saber
onde é que cada um está (cada sujeito foi objetivado num número que é exterior a si) e quais as razões e
ideias (intersubjetivas) que estão associados às respostas/comportamentos observados e medidos;

12-Em conclusão, as CS para desenvolverem estudos completos sobre a vida social não se podem
circunscrever apenas à parte objetiva e observável da vida social (os fatos relativos a comportamentos e
a acontecimentos ou opiniões, passíveis de serem quantificados). No DT1 e no DT6, para além do
questionário que objetivava uma parte do problema em estudo, também se pedia a cada um que
exprimisse as ideias e razões que justificavam as suas respostas. Esta parte intersubjetiva e qualitativa das
respostas ao DT1 e do DT6 pode ser descrita e analisada procurando encontrar, em comparação, o que
existe de comum e variável entre elas. Através deste processo de descrição e análise - centrado nas ideias
e significados (nos fatos qualitativos) e não na frequência quantitativa das respostas - a distância face aos
indivíduos (evidenciada através da medida estatística) deixa de ser uma vantagem. Pelo contrário, é a
proximidade e a familiaridade (permitida, por exemplo, através de uma conversa informal, ver vídeo C)
que melhor permite compreender as ideias e as razões que estão associadas aos comportamentos e
acontecimentos observados ou opiniões medidas. Para este efeito, como referimos atrás, as CS
precisaram de inventar métodos próprios, de natureza qualitativa, para recolha e análise da
intersubjetividade.

Depois de tudo isto, pode-se perguntar: ao referir-se erradamente, no DT6, que as CS são menos objetivas
que as CFN, qual é o significado que se está a querer dar ao vocábulo objetividade?

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