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Telmo H. Caria
Ao longo dos anos em que sou docente de Sociologia e Antropologia na UTAD, produzi muitos textos com
finalidades didáticos de apoio às aulas, que geralmente denomino de Textos de Apontamentos (TA). Muitos
destes textos foram escritos e reescritos ao longo do tempo, acompanhando de perto o desenvolvimento da
minha reflexão teórica e metodológica em Ciências Sociais. Entretanto, alguns destes textos com o tempo e uso
repetido em vários cursos começaram a ganhar um valor mais generalista e mais transversal a toda a minha
atividade docente, tendo ao mesmo tempo começado a sofrer menos reformulações. Assim, na falta de tempo
para, até ao momento, escrever um livro de reflexão sobre a minha experiência de docente universitário de mais
de 30 anos, decidi tornar públicos alguns destes TA, esperando que tenham valor didático e pedagógico para
outros, em especial docentes e estudantes universitários.
No cimo da primeira página do TA que se segue encontra-se informação sobre o curso em que este texto foi
usado pela última vez.
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Curso de Licenciatura em SERVIÇO SOCIAL Texto de
Unidade Curricular de Introdução às Ciências Sociais apontamentos nº 1
DOCENTE: TELMO HUMBERTO L. CARIA [TA1]
1. Construir conhecimento
Quando mostramos e dizemos que conhecemos e sabemos algo, isso implica associarmos
ideias e palavras a coisas, acções e experiências, isto é, associarmos ideias a algo que
podemos dizer que existe porque ocorre independentemente da vontade e da
subjectividade de cada pessoa: não é apenas fruto da imaginação, da opinião, da vontade,
do desejo e do sonho de cada sujeito.
Coisas, acções e experiências existem (são objectivas!) na medida em que podem ser
observados-ouvidos por outros (incluindo a observação de sentimentos e emoções
colectivas de medo, surpresa, dúvida, identificação, hostilidade, desconfiança,
solidariedade, etc.). Ao que existe e é observado-ouvido (factos e fenómenos objectivos)
associamos ideias e palavras (que dão significado a coisas, acções e experiências), e
então, nesse momento, podemos dizer que construímos conhecimento ou que temos
conhecimento sobre algo: coisas/acções/experiências + ideias/palavras/imagens
mentais=conhecimento
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sobre a que se deve dar atenção (ser observado, ser ouvido, ser sentido, etc) para que as
coisas-ações-emoções tenham significado na vida social, isto é, estarem associadas a
ideias (linguagem, palavras e imagens mentais) que são reconhecidas por todos como
sendo a realidade.
2. Tipos de conhecimento
Deste modo, cada uma das perguntas corresponde a formas diversas de construção de
conhecimento, isto é, a diferentes tipos de conhecimento, que se podem ou não associar:
científico, técnico e/ou tecnológico, filosófico e conhecimento quotidiano experiencial
(também designado de senso comum). Esta listagem de tipos de conhecimento não esgota
os tipos de conhecimento que poderemos considerar. Por exemplo, com base em outras
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perguntas também poderemos falar de conhecimento artístico, de conhecimento religioso e
de conhecimento profissional, etc.
Em conclusão, todo o conhecimento tem por base algo real que pode ser observado, ouvido
ou comunicado (dada atenção) e por isso reconhecido por outras pessoas como algo que
ocorre e que, portanto, se pode dizer que existe ou pode passar a existir. Neste sentido
aquilo que é real e objectivo, independente da vontade e desejo de uma dada pessoa,
torna-se real na medida em que é intersubjectivo (é de diferentes pessoas-sujeitos): real
para todos os que observam, ouvem e sentem quando dão atenção aos (seleccionam os)
mesmos aspectos da realidade,
E esta pergunta tanto se pode aplicar à explicação da sociedade (aos factos sociais) como
se pode aplicar à explicação da natureza (aos factos naturais-físicos).
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Ao contrário, na linguagem científica, há a preocupação de se ser preciso, rigoroso e de se
duvidar do que se julga conhecer [ver TA3], e deste modo o simples acto de gerar acordo-
consenso na comunicação oral não é suficiente para desenvolver um conhecimento
científico da realidade. Na ciência a selecção de características-critérios-propriedade-
qualidades nas coisas observadas e ouvidas, é transformada em metodologias de
investigação (formas sistemáticas e coerentes de recolher e analisar informação) e o seu
resultado final é registado e fixado através do escrito, tornando-se independente da
comunicação oral.
É claro que uma parte dos conhecimentos científicos escritos são objecto de comunicação
oral dentro da própria comunidade científica (entre cientistas) e deste modo também podem
ser transformados em acordos e consensos orais intersubjectivos, agora apenas entre
cientistas e circunscritos ao conhecimento que se entende já ter sido provado e que,
portanto, sobre ele não incidem dúvidas-outras hipóteses, no momento. É este facto que
permite ensiná-lo no ensino superior e apresentá-lo nos manuais-textos das disciplinas
científicas como consensual, ainda que possa ser apenas transitório, isto é, ser
completamente verdadeiro apenas durante algumas décadas.
Sendo assim, poderemos dizer que o senso comum, em geral, não se opõe ao
conhecimento científico do social, pois ambos cumprem funções diferenciadas na
sociedade: um permite garantir convicção e certeza (mesmo com ambiguidades envolvidas)
naquilo que se faz e comunica oralmente no quotidiano (incluindo o ensino científico numa
aula). O outro permite introduzir de modo metódico a dúvida sobre o que se julga saber e
portanto pode melhor contribuir para ajudar a pensar mudanças no modo como se vê e age
a/na realidade: como se percepciona a realidade.
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4. A diferenciação das ciências como construção realizada pelos cientistas
Existem exemplos de disciplinas científicas que mostram que a própria diferença entre CFN
e CS não é assim tão evidente quanto pode parecer à primeira vista. Como prova a
Psicologia, a mente humana é em grande medida uma síntese entre biologia/natureza e
cultura/sociedade, e como prova a Geografia a descrição e a explicação das populações
humanas não pode esquecer as características físicas e culturais dos espaços e dos
territórios.
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• um conjunto de pessoas que trabalham em universidades, laboratórios e institutos que
são designados e reconhecidos como cientistas;
Se olharmos para o que os cientistas hoje fazem nestes lugares, podemos perceber que o
conhecimento científico tem principalmente em vista explicar para nos fazer colocar outras
hipóteses (duvidar primeiro e só depois provar) sobre o que pensamos conhecer: a
explicação em ciência sobre o porquê das coisas evidencia padrões e regularidades, mas
nunca é definitiva, nem absolutamente exacta, porque depende de probabilidades e de
adaptações-variações ambientais-contextuais.
Sendo assim, hoje, para o cidadão comum, a ciência deve ser entendida como um
conhecimento capaz de explicar/compreender melhor os factos que entende serem
problema para a vida humana - que antes ignorava ou que julgava já conhecer – e capaz de
o alertar para a necessidade de dar mais atenção a fenómenos, que já sendo seus
conhecidos, considere não poderem ser mudados, por serem demasiado comuns, banais e
irrelevantes, ou por serem, simplesmente, confundidos com outros.