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O OLHAR SOCIOLÓGICO
O entendimento está no núcleo da vida social. Segundo o filósofo Charles Taylor,
podemos utilizar esse conceito em dois sentidos. Em primeiro lugar, há o entendimento
das coisas no que diz respeito a seu lugar em uma ordem dotada de significados. O que
pode no início parecer enigmático e mesmo ameaçador passa então a ser compreendido
em termos de suas relações com aqueles aspectos que nos são mais familiares ao longo
de nossa vida. Vimos em nossa viagem que há ocorrências e práticas muitas vezes
tomadas como alheias e ameaçadoras.
Pensar sociologicamente é central para essa tarefa, mas seu sucesso depende dos
factores externos à influência de toda a disciplina. Problemas de enquadramento que
exigem agir e encontrar soluções apropriadas constituem tarefa contínua e exigem
disposição para ouvir e agir, assim como a capacidade de promover mudanças. O papel
da sociologia como modo disciplinado de pensar é dar forma a esse processo. Nessa
medida, ela oferece algo fundamental à vida social em geral: uma interpretação das
experiências por meio dos processos de entendimento e de explicação.
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Sociológico. Em primeiro lugar, no fato de que se trata de uma "ciência". Embora se
tenha demonstrado que a prática real científica não se mantém fiel a esses critérios, ela
assume em geral a seguinte forma: a ciência é uma colecção de práticas que reivindica
ou deve reivindicar clara - e, como tal, tácita - superioridade sobre outras formas de
conhecimento e pode produzir informação confiável e válida em nome da verdade.
Essa expectativa nasce de uma crença no "cientificismo", que, como observou Jürgen
Habermas, é "a convicção de que já não podemos compreender a ciência como uma
forma possível do conhecimento, mas que antes devemos identificar conhecimento e
ciência". A sociologia é vista então como uma forma "faça você mesmo" de dar
instruções, com seus livros cheios de informações irrefutáveis sobre como proceder bem
na vida, na qual o sucesso é medido em termos de como conseguir o que queremos e
superar ou contornar o que possa estar em nosso caminho. Isso ganha forma com a
crença de que a liberdade é derivada da habilidade de controlar uma situação e, com
isso, subordiná-la a nossos propósitos.
Émile Durkheim procurou nada menos que uma base para a sociologia no interior de
um conjunto coeso de disciplinas sociais visando a fornecer base racional, sistemática e
empírica para a religião da sociedade civil. Nesse processo, ele perseguiu um modelo de
ciência caracterizado sobretudo por sua capacidade de tratar o objecto de estudo como
algo estritamente destacado do sujeito que estuda. Os fatos sociais. Trata-se dos
fenómenos.
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O sujeito, dessa maneira, focaliza um objecto "lá fora", que pode ser observado e
descrito em linguagem neutra e distinta. Desse ponto de vista, as disciplinas científicas
Não diferem no método, mas em sua ênfase sobre diferentes áreas da realidade. O
mundo, assim, é dividido em lotes, cada um a ser pesquisado por uma disciplina
científica que trace fronteiras em torno de seu objecto de curiosidade.
A sociologia, de acordo com esse modelo, é como um explorador das grandes
navegações, em busca de terras sobre as quais ninguém tenha reivindicado soberania.
Durkheim as encontrou nos fatos sociais. Trata-se dos fenómenos colectivos,
irredutíveis a um indivíduo em particular.
Desse modo, Weber argumentou que uma mente racional pode reconhecer-se em outra
mente racional. E mais: sendo as acções estudadas racionais, no sentido do cálculo e da
orientação para uma finalidade, elas podem ser racionalmente entendidas, pelo
postulado de um sentido e não de uma causa. Por isso, o conhecimento sociológico tem
uma clara vantagem sobre a ciência tradicional no fato de que pode não só descrever,
mas também compreender seus objectos. Por mais completamente explorado que seja o
mundo descrito pela ciência, ele permanece sem sentido, mas a sociologia, no processo
de suas descobertas, recupera o sentido da realidade
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Há ainda uma terceira estratégia que não é replicação, reflexão nem modificação, mas
pode ser caracterizada como demonstração pelo efeito. O objectivo nesse caso é mostrar
que a sociologia tem aplicações práticas directas e efectivas. A tendência a perseguir
esse fim coube aos pioneiros da sociologia nos Estados Unidos. Por quê? Porque os
Estados Unidos se destacam por sua mentalidade pragmática e por ver o sucesso prático
como critério supremo de valor e de verdade. Segundo o filósofo pragmatista William
James, "é bastante evidente que nossa obrigação de reconhecer a verdade, bem longe de
ser incondicional, é extremamente condicionada". Com esses argumentos, a pesquisa
sociológica é capaz de fornecer um conhecimento cujos resultados poderão ser julgados
por aqueles que buscam fins particulares. Dessa maneira, ela pode ser empregada para
"manipular" a realidade e mudá-la, de maneira que concorde com as necessidades e as
intenções, sejam elas quais forem e independentemente de seu processo de definição e
selecção.
Isso não significa sugerir que ela detenha o monopólio da sabedoria no que diz respeito
àquelas experiências - muito embora sem dúvida as enriqueça nos ajudando a
compreender melhor com os outros e por meio dos outros. Na verdade, aprender a
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pensar sociologicamente amplia nossos horizontes de compreensão porque essa acção
não se contenta com a exclusividade e a necessidade de ser definitiva - qualidades
exigidas de qualquer interpretação. Ela também enfatiza, antes de mais nada, o custo das
tentativas de acarretar essa situação Para alguns, isso significa que a sociologia se pode
somar à ambivalência porque não se juntará àqueles que procuram "congelar o fluxo"
na busca de objectivos delimitados. Abordada dessa maneira, ela pode ser considerada
parte do problema, e não a solução. Entretanto, se uma sociedade é séria em seu desejo
de aprender, autorizará a forma de entendimento que melhor nos equipa para enfrentar o
futuro. O grande serviço que a sociologia está preparada para oferecer
à vida humana e à coabitação dos homens é a promoção do entendimento mútuo e da
tolerância como condição suprema da liberdade compartilhada.