EDF0289 - Introdução aos Estudos da Educação: Enfoque Sociológico
(2023)
Professora Maria da Graça Jacintho Setton
Turma: 2023122
Aluno/NUSP: Rafaela Cristina da Silva Gonçalves – 12704219
Fichamento do texto: BOURDIEU, Pierre. Uma ciência que perturba. In:
Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983
A sociologia tem todas as propriedades de uma ciência – pode ser uma
disciplina “dispersa” (sentido estatístico), o que explica sua aparência dividida, próxima da filosofia. Mas a sociologia deve incomodar; por que é tão difícil ter uma cientificidade reconhecida?
Imperialismo sociológico: o que é esta ciência que se permite submeter
a exame de outras ciências? Contesta-se sua existência como ciência e sua própria existência – muitos trabalham na intenção de destruí-la, ao mesmo tempo que disseminam ideias em nome da ciência para se favorecerem (ex.: positivismo, sociologia de August Comte).
A sociologia traz à superfície questões escondidas – por exemplo, como
o sucesso escolar justificado pela “inteligência” está ligado a origem social/capital cultural herdado da família –, verdades que tecnocratas e epistemocratas não querem ouvir. É uma ciência porque tem sistemas coerentes de hipóteses, conceitos, métodos de verificação – fato que é importante de se notar considerando que uma das maneiras de afastar verdades incômodas é dizer que não são científicas.
O “atraso” do surgimento da sociologia deveria ser ligado não ao fato de
que é menor, mas justamente por ser uma ciência especialmente difícil, improvável. Seus objetos de estudo são coisas que se escondem e censuram. Quem pratica a sociologia rapidamente se desencanta junto ao medo do que pode encontrar; existem realidades rudes – é uma ciência oposta a ciências “puras” (artes, literatura e música). Seu objeto de estudo são os campos de lutas (além das de classes, as científicas). Assim, é de suma importância considerar que 1. o sociólogo ocupa um lugar de detentor de uma classe social/capital econômico e cultural e 2. tem um capital cultural no campo da produção cultural (subcampo: sociologia), pois ter isso em mente nos faz entender o que sua prática deve à sua posição social; sociologia da sociologia. O erro do sociólogo é não entender o que a visão do objeto deve ao ponto de vista, visto que é necessário trazer à tona, produzir a verdade; querer e ter capacidade para tal.
O sociólogo estará armado para “des-cobrir” o escondido se bem
armado cientificamente, o que significa saber usar bem o capital de conceitos, métodos e técnicas acumulados por seus predecessores (Marx, Durkheim, Weber, etc.), somado à intensidade de seu interesse de revelar a verdade do que é censurado. Se a sociologia não avança mais depressa, talvez seja por esses dois fatores variarem inversamente.
Como falar de neutralidade se o sociólogo é movido a algo que o faz ter
interesse na busca pela verdade? E esse algo pode provir de qualquer valor moral, resultando na busca pela verdade através de caminhos e procedimentos não muito “puros”.
“Interesses” e “paixões” podem ser argumentos para os defensores
dessa neutralidade? — Bordieu nos diz que eles só valem para a revelação da verdade se caminharem com um conhecimento científico e souberem não ultrapassar o limite entre verdade conhecida e emoção.
As armas da crítica devem ser científicas para serem eficazes. Mas em
sociologia, toda contraproposição pode ser suspeita de preconceito ideológico, de tomada de partido político, pois toca nos interesses sociais – dos dominantes, cúmplices do silêncio; do Bom-senso; dos portavozes de necessidade de ideias simples, de estereótipos. Por isso, ao sociólogo se pede mil vezes mais provas do que ao portavoz do Bom-senso. Essa crítica tem a seu favor a ordem social que tenta recobrir o que tinha sido descoberto. Portanto, só podemos avançar na ciência se fizermos conversar teorias opostas, mesmo que seja mais fácil e confortável permanecer numa tradição única. A lógica da investigação conduz a superar a oposição, remontando a raiz comum. Marx estabeleceu uma verdade objetiva (≠ subjetiva) do mundo como sendo uma relação de forças.
Muito do que impede a comunicação é sociológico. Mas a negação faz
parte da aceitação, porque primeiro se nega para poder aceitar o novo, o outro.
Então uma sociologia conservadora será para sempre superficial? —
Bordieu ressalta a importância de lembrarmos de que o tipo de ciência social que podemos fazer depende da relação que mantemos com o mundo social, portanto da posição que ocupamos nesse mundo. Essa relação com o mundo é a função que o investigador atribui, consciente ou não, à sua prática, e que direciona suas estratégias de investigação. Pode-se colocar a sociologia ao serviço da gestão da ordem estabelecida, por exemplo, se quiser técnicas que permitam manipular o mundo social. A ideia é a de que, dependendo do objeto de análise, outros objetos são apenas aspectos complementares do objeto-sistema.
Os governos precisam de uma ciência que racionalizem (raciocínio e divisão) a
dominação para assegurá-la e legitimá-la – “ciência política”, sociologia das organizações (positivismo) –, e quem fornece são os engenheiros sociais (≠ sociólogos). Pensando nisso, a função científica da sociologia não é servir alguém (conceder poder), mas apenas compreender o mundo social, a começar pelo poder. Essa operação não é totalmente neutra e preenche uma função social. A exemplo da sociologia e as ciências vizinhas, vemos que as análises qualitativas/literárias são capitais para compreender as estatísticas, que apenas mostram.
A sociedade existe sob duas formas inseparáveis: 1. instituições que
tomam formas físicas materiais e *2. instituições que tomam formas vivas para obterem maneiras duradouras de ser ou de fazer, encarnando em corpos (nós). Divisões da ciência social em psicologia, psicologia social e sociologia não são ideais; falamos na psicologia como o que está no meio da biologia (corpo socializado: indivíduo/pessoa – uma das formas de existência da sociedade) e da sociologia. Lembremos que o coletivo também está dentro de cada indivíduo em disposições duradouras, como as estruturas mentais (ex.: relação entre as classes sociais e os sistemas de classificação incorporados (o que é quente/frio/, grande/pequeno, pesado/leve, etc.)).
O biológico e o psicológico na sociologia é um dado que deve ser
observado no mundo social e como ele o transforma e transfigura. O homem tem um corpo e esse corpo é mortal; o imortal é o que passa por ele (“*2.” acima).
Etnologia e sociologia é uma “falsa fronteira”; essa diferença é um puro
produto da história colonial. O melhor que um sociólogo pode fazer é tornar seu objeto os efeitos inevitáveis das técnicas de objetificação que é obrigado a empregar, não projetar a própria consciência em um objeto de análise (um primitivo, feiticeira, proletário).
Mas a relação de exterioridade ao seu objeto de estudo na etnografia é
marcada — Bordieu diz que sim, pois adota-se a visão do estrangeiro, mas nem sempre. As vezes se incluem, e as vezes os sociólogos, de modo inverso, se afastam bem mais do objeto, por exemplo, na distância de classe. Essa distância não é mais poderosa que a distância cultural. No objetivismo, o interessante é que o objeto de estudo pode ser apenas uma estatística, mas o informador do etnólogo é um personagem iminente, frequentado, aprofundado nas entrevistas.
Uma objetividade mais elevada é aquela que também dá lugar à
subjetividade, à experiência pessoal do indivíduo frente a uma mesma situação. A sociologia lembra que não é a palavra que age, nem a pessoa que a pronuncia (eu te batizo, eu vos declaro marido e mulher, eu declaro que, eu ordeno que), mas a instituição. Ela é quem tem o verdadeiro poder que nós, cada um dentro de um molde, suscitamos e estabelecemos. A crença é sempre importante; não há sistema que não possua a crença no fato de poder funcionar. E o que lhe dá direito de privar as pessoas de suas ilusões? — Pois bem, seria esse universo claro e transparente habitável, vivível? Bordieu acredita que as relações sociais seriam muito menos infelizes, uma vez que as pessoas poderiam controlar os mecanismos que fazem com que contribuam para a própria miséria.
Por fim, no que toca à economia e a sociologia, afirmar a existência do
interesse ou da função no fundamento de toda instituição/prática é afirmar o princípio de razão suficiente, qual quer que haja uma causa ou uma razão permitindo explicar ou compreender por que x prática é assim e não daquele jeito. Mas esse interesse não tem nada de natural/universal, como afirmam os economistas neoclássicos – o homos economicus é, na verdade, a universalização do homus capitalisticus. A instituição é um investimento a longo prazo de uma economia. E o investimento é o efeito histórico do acordo entre os dois princípios sociais: as coisas (instituições) e os corpos (incorporações, indivíduos).