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POPULAÇÃO LGBTQIA+
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
Presidente
Ministro Luiz Fux
Corregedora Nacional de Justiça
Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura
Conselheiros e Conselheiras
Ministro Vieira de Mello Filho
Mauro Martins
Salise Sanchotene
Jane Granzoto
Richard Pae Kim
Marcio Luiz Freitas
Giovanni Olsson
Sidney Pessoa Madruga
João Paulo Santos Schoucair
Marcos Vinícius Jardim
Marcello Terto e Silva
Mário Goulart Maia
Luiz Fernando Bandeira de Mello
Secretário-Geral
Valter Shuenquener de Araújo
Secretário Especial de Programas
Marcus Livio Gomes
Diretor-Geral
Johaness Eck
EXPEDIENTE
2022
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
SAF SUL Quadra 2 Lotes 5/6 - CEP: 70070-600
Endereço eletrônico: www.cnj.jus.br
REL ATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
DEPARTAMENTO DE PESQUISAS JUDICIÁRIAS EQUIPE PROJETO PNUD E CNJ 19/012 RESPONSÁVEL PELA
ELABORAÇÃO DO MATERIAL
Juízas Coordenadoras Andressa Kutschenko Nahas
Ana Lúcia Andrade de Aguiar Bruna Braz Cavalcante Marques Ramalho
Lívia Cristina Marques Peres Daniela Dora Eilberg
Karolina Alves Pereira de Castro
Lucia Sestokas
Diretora Executiva Rafaela Bueno
Gabriela de Azevedo Soares Wesley de Jesus Silva
Diretor de Projetos
Wilfredo Enrique Pires Pacheco CONSULTORAS DA PESQUISA DE CAMPO
Diretor Técnico Olívia Alves Gomes Pessoa
Antônio Augusto Silva Martins Silvia Aguião Rodrigues
FICHA CATALOGRÁFICA
C755d
1. Poder Judiciário, diagnóstico 2. LGBTfobia. I. Título II. Programa das Nações Unidas para o Desen-
volvimento
CDD: 340
DISCLAIMER
No presente relatório é utilizada a sigla LGBTQIA+, abarcando o grupo composto por
lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, transexuais e travestis, queer, intersexuais,
assexuais e outras identidades de gênero ou orientação sexual não compreendidas pelas
letras da sigla. A escolha pelo uso da sigla foi feita no momento da concepção da pesquisa,
em 2021. Posteriormente, outras siglas também passaram a ser utilizadas oficialmente,
como LGBTQIAPN+. Ao longo do texto, respeitaremos a utilização de diferentes siglas e
denominações utilizadas nos diversos materiais aqui citados.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Totais de textos com ocorrências das palavras-chave LGBTQIA+ 25
Quadro 2 – Relação dos sistemas e Tribunais Estaduais utilizados em cada estado brasileiro 27
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Distribuição dos processos criminais por tribunal de Justiça estadual 53
Tabela 2 – Distribuição da identidade LGBTQIA+ das vítimas e dos respectivos óbitos 55
Tabela 3 – Distribuição em percentual de cada crime sofrido entre as identidades LGBTQIA+ das vítimas 56
Tabela 4 – Percentual de crimes sofrido por perfil de vítima pela identidade LGBTQIA+. 57
Tabela 5 – Relação do tipo penal dos processos judiciais 61
Tabela 6 – Vítimas cuja caracterização da LGBTfobia do caso se identifica a partir do tipo da violência sofrida
por tipo penal 63
Tabela 7 – Vítimas cuja caracterização da LGBTfobia do caso se identifica a partir do desrespeito à orientação
sexual por identidade LGBTQIA+ 64
Tabela 8 – Vítimas cuja caracterização da LGBTfobia foi reconhecida pela autoridade judicial 64
1. INTRODUÇÃO 13
2. METODOLOGIA 21
3. REFERENCIAL TEÓRICO 43
5. ATORES-CHAVE E OS DIÁLOGOS
POSSÍVEIS 67
7. RECOMENDAÇÕES 117
APÊNDICES 131
POPULAÇÃO LGBTQIA+
1. INTRODUÇÃO
13
1. Introdução
Sob a mesma ótica, a violência contra a po- Figura 1 – Violência contra LGBTQIA+
pulação LGBTQIA+ apresentou significa-
tivo crescimento, conforme evidenciado
pelos dados do mesmo ano: 35,2% a mais
de agressões, 7,2% a mais de homicídios e
88,4% a mais de estupros das pessoas iden-
tificadas como tais (FBSP, 2022). Conforme
a Figura 1, a violência contra a população
LGBTQIA+1 está estritamente relacionada
à discriminação contra essa população,
o que foi cunhado com o termo “LGBTfo-
bia”, definido como “todo e qualquer tipo
de conduta decorrente de uma aversão
à identidade de gênero2 e/ou orientação
sexual3 de alguém que possa gerar dano
moral ou patrimonial, lesão ou qualquer
Fonte: FBSP (2022, p.15).
tipo de sofrimento físico, psicológico e/
ou sexual ou morte” (GONÇALVES et al.,
2020, p. 7). A ilustração da diferenciação
entre identidade de gênero, orientação
sexual, sexo e expressão de gênero pode
ser observada na Figura 2.
1 A sigla LGBTQIA+ (GONÇALVES et al., 2020), abarca o grupo composto por lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, transexuais e
travestis, queer, intersexuais, assexuais e outras identidades de gênero ou orientação sexual não compreendidas pelas letras da sigla.
O presente texto priorizará a sigla LGBTQIA+, contudo respeitará o uso de outras denominações utilizadas nos diversos materiais
aqui citados.
2 Identidade de gênero é definida como uma experiência individual e interna de cada pessoa que pode ou não corresponder ao
sexo designado ao nascimento. Há duas classificações: cisgênero e transgênero. A primeira se refere à identificação de gênero que
corresponde às expectativas do sexo atribuído ao nascer. Já a segunda se refere à identificação de gênero divergente do sexo atribuído
ao nascer.
3 Orientação sexual é a atração física, sexual e afetiva por indivíduos que podem ser de gênero diferente, do mesmo gênero ou de
mais de um gênero.
14
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
4 Para uma listagem não exaustiva da jurisprudência do STF em temas relacionados à diversidade, cf. BRASIL, 2020.
15
1. Introdução
16
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
8 O primeiro survey foi realizado durante a Parada do Orgulho LGBT do Rio de Janeiro no ano de 2003 e reproduzido no ano de 2004.
Desde então versões do mesmo questionário fechado já foram aplicadas, através de diferentes parcerias, em eventos comemorativos
do orgulho LGBTQIA+ em várias cidades do Brasil e em algumas capitais de outros países da América Latina. Os resultados de um desses
levantamentos mais recentes estão em CARRARA et al. (2017). Para outras pesquisas nesse mesmo sentido, cf. FIGARI et al. (2005),
CARRARA et al. (2004, 2005, 2006, 2007), BARRIENTOS (2008), BRITO (2012), IOSA (2011), entre outras que podem ser encontradas em
www.clam.org.br.
9 O relatório pode ser acessado em:
BULGARELLI, Lucas; FONTGALAND, Arthur; MOTA, Juliana; PACHECO, Dennis; WOLF, Leona. LGBTIfobia no Brasil: barreiras para o
reconhecimento institucional da criminalização. São Paulo. All Out e Instituto Matizes. 2021. Disponível em: https://s3.amazonaws.
com/s3.allout.org/images/LGBTIfobia_no_Brasil_-_All_Out_e_Instituto_Matizes.pdf. Acesso em: 03 ago. 2022.
17
1. Introdução
carta pelo dia do Orgulho LGBTQIA+10, su- segurança pública ao sistema de justiça
geriu, entre outros pontos, a realização de para corroborar com futuras políticas ju-
uma pesquisa sobre violência ao público diciárias de prevenção de risco às pessoas
LGBTQIA+ ao Departamento de Pesquisas LGBTQIA+.
Judiciárias (DPJ/CNJ).
Desenvolvida no âmbito do Laboratório de
A partir da sugestão, o Ministro Luiz Fux Inovação e dos ODS do Conselho Nacional
instituiu Grupo de Trabalho, definido de Justiça, em parceria com o Programa
pela Portaria CNJ n. 181/2021, para criar das Nações Unidas para o Desenvolvimen-
um formulário especial para o levanta- to, essa iniciativa está em acordo com a
mento de informações e a avaliação de agenda de Objetivos de Desenvolvimento
risco em relação à violência cometida Sustentável proposta pela Organização
contra a população LGBTQIA+ no Brasil. O das Nações Unidas e a Meta Nacional n. 9
formulário Registro de Ocorrência Geral do Poder Judiciário, buscando promover o
de Emergência e Risco Iminente à Comu- acesso à justiça e a construção de institui-
nidade LGBTQIA+, batizado de “Rogéria”, ções eficazes, responsáveis e inclusivas a
em homenagem à atriz e cantora travesti todos os níveis.
falecida em 2017, é inspirado no “Formu-
Para o desenvolvimento do presente do-
lário Frida” de avaliação e risco para vio-
cumento, em um primeiro momento, su-
lência sexual, doméstica e familiar, cuja
geriu-se uma análise de ações penais ins-
aplicação está estabelecida pela Lei n.
tauradas em diversos estados brasileiros,
14.149/2021. O formulário de avaliação de
a fim de extrair informações caracterís-
risco tem como objetivo identificar situa-
ticas dos processos, tais como tempo de
ções de violência pelas quais passam pes-
tramitação processual, resultado da deci-
soas LGBTQIA+, possibilitando mapear a
são judicial (absolvição ou condenação),
situação da vítima e da pessoa agressora,
pena aplicada (privação de liberdade ou
juntamente a outros fatores que possibili-
restritiva de direitos) com considerações
tem compreender a situação da violência
temporais, e/ou existência de medida cau-
contra essa população no país.
telar contra o(a) agressor(a), entre outros.
A presente pesquisa visa a contribuir para Possibilitou-se, assim, construir bases
o mapeamento dos dados registrados de para o debate sobre a questão no sistema
casos de violência contra a população de justiça, inclusive inserindo o tema nas
LGBTQIA+ que foram judicializados. Ob- Escolas de Magistratura.
jetiva-se, assim, compreender a dinâmi-
Foi também identificada a necessidade
ca de discriminação e violência sofridas
de ouvir as delegacias de polícia especia-
por essa população desde o sistema de
lizadas em causas LGBTQIA+ (homofobia
18
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
e transfobia), uma vez que seria possível sido motivados, direta ou indiretamente,
identificar casos com esse recorte temá- por LGBTfobia. Em seguida, são apresen-
tico. Os Centros de Referência11 presentes tados os recortes metodológicos para re-
em algumas unidades da Federação tam- alização das entrevistas com operadores
bém constam como objeto de pesquisa do sistema de justiça e segurança pública
para que se faça entender a dinâmica do e os desafios para alcance das vítimas de
processo de discriminação e violência violências LGBTfóbicas a serem ouvidas.
contra o público LGBTQIA+.
No terceiro capítulo, apresenta-se breve
Portanto, a equipe no âmbito do “Projeto revisão bibliográfica no tema da violência
BRA 19/012 – Consolidação dos Labora- contra a população LGBTQIA+, especifica-
tórios de Inovação no Poder Judiciário” mente sobre algumas análises acerca do
seguiu uma série de caminhos metodo- atendimento da população LGBTQIA+ em
lógicos para mapear os casos judiciali- serviços de atenção especializados, dele-
zados de violências sofridas pela popu- gacias e processos judiciais. Em seguida,
lação LGBTQIA+, ou seja, desafios foram no capítulo quatro, é apresentada uma
enfrentados com relação ao conjunto de análise pormenorizada das ações penais
processos penais que envolviam violên- identificadas como foco desta pesquisa e
cias e restrições de direitos da população as possibilidades de inferências jurídicas
LGBTQIA+, gerando diversas frentes meto- que se poderiam fazer a respeito da temá-
dológicas e adaptações da forma de coleta tica. Há uma seção específica destinada às
das informações. Os entraves metodoló- vítimas – em que a violência doméstica é
gicos já apontam para importante acha- também explorada – e outra seção destina-
do da pesquisa: há grande dificuldade de da às partes autoras; além disso, análises
quantificar e delimitar as violências con- sobre tipo penal e tipificação dos delitos
tra a população LGBTQIA+ judicializadas. também possuem seções, com atenção es-
pecial à importância da ADO n. 26/DF e do
O relatório está estruturado em oito capí-
MI n. 4.733/DF para a devida tipificação e/
tulos, o primeiro é a presente introdução.
ou qualificação dos crimes por motivação
O segundo, destinado à metodologia, está
LGBTfóbica. Ao final, busca-se destacar a
dividido em duas partes: a análise das
caracterização da LGBTfobia pelas partes
ações penais e a realização de entrevistas
e pela autoridade judicial, bem como as ra-
de atores-chave. Na primeira seção, des-
cionalidades LGBTfóbicas nas alegações
crevem-se os caminhos metodológicos das
das partes e/ou na fundamentação da de-
três fases adotadas para chegar à amostra
cisão.
final de ações penais cujos crimes tinham
11 Os Centros de Referência são equipamentos públicos especializados, normalmente de caráter municipal, voltados para a defesa e
promoção dos direitos humanos e cidadania da população LGBTQIA+ e para o enfrentamento da violência e discriminação por orientação
sexual e identidade de gênero. Foram adotados em diversas cidades brasileiras, especialmente a partir da criação do programa Brasil
Sem Homofobia, em 2004 (BRASIL, 2004).
19
1. Introdução
20
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
2. METODOLOGIA
21
2. Metodologia
12 Como será abordado nas seções posteriores deste relatório, o CNJ providenciou a inserção de novos códigos de assuntos na TPU
de modo a preencher essa lacuna verificada.
13 O Diário de Justiça Eletrônico Nacional foi instituído pelo CNJ inicialmente em 2016 através da Resolução n. 234, de 13 de julho de
2016, posteriormente revogada pela Resolução n. 455, de 27 de abril de 2022. Trata-se de uma plataforma de editais do CNJ e instrumento
de publicação dos atos judiciais dos órgãos do Poder Judiciário. Seus dados são armazenados em PostGreSQL e, para a presente pesquisa,
as extrações contaram com queries de consulta ao banco.
22
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
Vale observar que ambos os bancos de A extração aqui documentada foi realiza-
dados são alimentados de maneira autô- da em várias etapas, como ilustrado na
noma pelos tribunais, motivo pelo qual Figura 4. A princípio, a fim de caracteri-
é possível observar disparidade na ali- zar os casos de violência, foram definidos
mentação dessas bases, resultando em leis e artigos de interesse para a pesquisa.
amostras maiores em alguns tribunais Realizou-se busca por publicações com
em relação a outros, como será possível referências à Lei Maria da Penha (Lei n.
apresentar a seguir. 11.340/2006), à Lei Anti-Racismo (Lei n.
7.716/1989), à Ação Direta de Inconstitu-
A enorme quantidade de textos disponí-
cionalidade por Omissão n. 26 (ADO n. 26/
veis sem qualquer tipo de indexação invia-
DF), e/ou com referências a uma lista pré-
bilizou a seleção prévia ou a leitura manu-
-selecionada de artigos do Código Penal
al, fazendo-se necessário o uso de técnicas
Brasileiro (Decreto-Lei n. 2.848/1940)15.
de mineração de texto, de agrupamentos
Esta etapa resultou em cerca de 770 mil
não supervisionados, além de amostra-
textos publicados, com 106 mil registra-
gem de textos para leitura manual. Com
dos no DJEN e 665 mil oriundos do Banco
base na seleção prévia de amostra de pro-
de Atos Judiciais. Detalhes sobre a cons-
cessos, implementaram-se medidas de
trução de expressões regulares para deli-
similaridade para a busca de publicações
mitar esse filtro podem ser encontrados
com conteúdo similar fora da amostra.
no apêndice metodológico16.
14 A base de atos judiciais textuais do DPJ/CNJ foi inicialmente concebida para a realização da pesquisa “Judicialização da Saúde
no Brasil: Perfil das Demandas, Causas e Propostas de Solução” (CNJ, 2019), desenvolvida pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper)
e publicada em 2019 pelo CNJ. Foi utilizada a base de decisões judiciais constantes nos Diários Oficiais da Justiça, que conta com
o universo de decisões judiciais, incluindo as de primeira instância e decisões em caráter liminar, à qual foram também somados
posteriormente documentos referentes a processos de ações coletivas, conflitos fundiários, Direito Previdenciário, corrupção e lavagem
de dinheiro. Os arquivos dessa base de dados permanecem armazenados em nuvem, e cada arquivo compactado contém um arquivo
em formato .csv estruturado. Para a presente pesquisa, a extração dos arquivos foi possível mediante uma trigger em PostGreSQL
que, de forma automatizada, mantém apenas os textos captados pelo filtro de expressões regulares para as leis de interesse, a ser
detalhado na próxima subseção.
15 Os artigos do Código Penal incluídos foram: a) Art. 121, 122, 124 e 127, sobre crimes contra a vida; b) Art. 129, sobre lesão corporal;
c) Art. 130, 132, 133 e 136, sobre crimes contra a saúde; d) Art. 137, sobre rixas; e) Art. 138, 139, 140 e 141, sobre crimes contra a honra;
f) Art. 146, 147, 147a, 148, 149 e 149a, sobre crimes contra a liberdade pessoal; g) Art. 213, 215, 215a, 216a, 216b, 217a, 218, 218a, 218b e
218c, sobre crimes contra a liberdade sexual; h) Art. 227, 228, 229, 230, 231, 232 e 232a, sobre lenocínio e tráfico de pessoas para fim de
prostituição ou outra forma de exploração sexual; e i) Art. 233 e 234, sobre ultraje público ao pudor.
16 O Apêndice A deste relatório apresenta o detalhamento metodológico referente à extração de dados das bases dos sistemas.
23
2. Metodologia
17 Dados acerca das formas de violência contra a população LGBTQIA+ apontam para uma prevalência de casos de violência física em
suas diversas formas. Já em 2011, o primeiro relatório com dados oficiais publicado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência
da República, indicava maior incidência da violência psicológica, discriminação e violência física, mas também negligência, violência
sexual, violência institucional, violência patrimonial, tráfico de pessoas, tortura, exploração do trabalho infantil e trabalho escravo
(BRASIL, 2012, p. 40). Também grupos da sociedade civil como o Grupo Gay da Bahia e a ANTRA vêm apresentando dados acerca da
violência perpetrada a essa população, destacando a relevância do aumento do número de homicídios. Demais relatórios sobre violência
no país demonstram também a prevalência de casos de lesão corporal, tentativas de homicídio e homicídio, entre as denúncias de
violências que envolvem essa população (CERQUEIRA et al., 2019).
18 Foram utilizadas três categorias de palavras-chave, incluindo:
Termos relacionados à identidade de gênero e/ou orientação sexual, como gay(s), lésbica(s)/lesbica(s), homossexual/homossexuais,
transsexual(ais)/trans, bissexual(ais), transgênero(a)(s), travesti(s), queer, drag/drag queen e lgbt/lgbtqia+;
Termos relacionados à prática de homotransfobia, como homofobia/homofóbico(a)(s), transfobia/transfóbico(a)(s), homotransfobia/
homotransfóbico(a)(s), lesbofobia/lesbofóbico(a)(s), orientação sexual, identidade de gênero, estupro corretivo, homossexualidade
e bissexualidade; e
Termos pejorativos, como bixa/bixinha/bixona(s), viado(s)/veado(s), sapatão/sapata/sapatona(s), traveco(s), qualira, caminhoneira, gls,
marica/mariquinha/maricona(s), maria homem, machona(s), baitola/boiola(s), xibungo, chupa charque, fancha, gazela, biba, morde
fronha, fresco, cola velcro, mulher macho, frutinha(s), pederasta, boneca, bambi, mulher de pau, hermafrodita e homossexualismo.
24
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
O uso desses termos resultou em 5.856 re- Assumindo que os termos elencados, por
gistros relativos a 4.957 processos capta- si só, não garantem a seleção de todos os
dos em pelo menos um tipo de filtro19. Mais processos que de fato envolvem vítimas
especificamente, foram encontrados: LGBTQIA+ e, ainda, que a violência tenha
• 3.274 textos com termos relacionados motivação LGBTfóbica, foi necessário ana-
à identidade de gênero e/ou orientação lisar o conteúdo dos processos seleciona-
sexual; dos. Na terceira etapa, portanto, proce-
• 1.185 com termos sobre prática de ho- deu-se à seleção de amostra de processos
motransfobia; para identificar, a com base na leitura ma-
nual, se i) o processo envolve ou não víti-
• 1.721 com termos pejorativos relacio-
nados à população LGBTQIA+. ma LGBTQIA+ e ii) se o processo descreve
ação motivada por LGBTfobia.
É importante entender que os textos não
correspondem, necessariamente, à quan- O processo de amostragem da leitura ma-
tidade de processos existentes, tendo em nual se concretizou em duas etapas. No
vista que as bases consultadas podem início, foi realizado exercício de agrupa-
conter diversos textos de um único pro- mento que permitiu identificar grupos de
cesso e mais de um termo pode ser encon- textos com mais indícios de ocorrência de
trado em um mesmo texto. tal fenômeno. Com base em amostra alea-
tória estratificada segundo esses grupos,
No Quadro 1, apresenta-se o total de textos foram elencados 96 textos em que foram
de acordo com as combinações dos tipos priorizados grupos com mais potencial
de filtros encontrados. aparente de ocorrência de LGBTfobia,
Quadro 1 – Totais de textos com ocorrências dos quais foram identificados 17 textos.
das palavras-chave LGBTQIA+ Na segunda etapa, foram elencados outros
TERMOS
SOBRE TERMOS SOBRE TERMOS
335 textos selecionados por critério de si-
PUBLICAÇÕES
IDENTIDADE LGBTFOBIA PEJORATIVOS milaridade das frequências dos termos,
LGBTQIA+
Sim Não Não 2.998
que permitiram a definição de amostra
Não Não Sim 1.499 aleatória de 240 textos para leitura ma-
Não Sim Não 1.057 nual20. Destes, 23 continham ocorrências
Sim Não Sim 174
de LGBTfobia. Chegou-se, portanto, por
Sim Sim Não 80
Não Sim Sim 26
meio dessas duas estratégias, ao total de
Sim Sim Sim 22 40 casos. Detalhes sobre o procedimento
Fonte: Elaboração própria. de amostragem podem ser encontrados no
Apêndice 2 deste relatório.
19 Separando por fonte, 761 desses registros são oriundos do DEJN e 5.095 foram registrados no banco de atos judiciais.
20 Entre os 240 textos elencados, um não oferecia condições para leitura e identificação de ocorrências de LGBTfobia, por se tratar
de uma publicação com conteúdo não estruturado de forma a garantir sua correta compreensão.
25
2. Metodologia
26
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
21 Os passos para a seleção de processos podem ser observados em profundidade no Apêndice B.
27
2. Metodologia
2.1.7. TERCEIRA FASE: ANÁLISE DAS e/ou fundamentação pela autoridade ju-
AÇÕES PENAIS COM BASE EM FICHA dicial –, andamento do sistema penal e,
ANALÍTICA ainda, de observações sobre aspectos ju-
rídicos relacionados à trajetória na perse-
Finalmente, para análise dos processos
cução penal nos crimes em que há identi-
classificados como crimes de LGBTfobia,
ficação de uma violência sofrida motivada
foi elaborada e estruturada uma base de
por LGBTfobia (tais como o raciocínio
dados que contém variáveis com dados
probatório e a tomada de decisão). Essa
gerais do processo, da vítima, do supos-
base de dados foi nomeada como Base Fi-
to perpetrador, com caracterização da
cha Analítica22. No total, foram analisados
LGBTfobia – seja pela forma como se pode
102 processos identificados como LGBTfo-
interpretar a violência da leitura dos acór-
bia, dos quais 64 foram identificados pela
dãos, seja por meio de arguição das partes
pesquisa jurisprudencial, 40 extraídos do
28
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
29
BIBLIOGRAFIA
capacitações nesse sentido23. Nove insti- 1. O objetivo, portanto, foi analisar, com
tuições apontaram a realização de cursos, base nos dados coletados, quais seriam
oficinas e ciclos de formação24. as possíveis relações entre:
2. A identidade de gênero e/ou orientação
Após a leitura dos acórdãos coletados e a sexual e a maior vitimização letal da
catalogação das informações conforme os população LGBTQIA+;
fatores da Ficha Analítica mencionada, re-
3. A identidade de gênero e/ou orientação
alizou-se tanto a análise de cada fator (de sexual, a tomada de decisão da autori-
identidade de gênero das vítimas, tipo pe- dade judicial e o tipo penal;
nal, decisão tomada, forma como se pode 4. A identidade de gênero e/ou orientação
identificar que houve LGBTfobia, carac- sexual, a tomada de decisão da autori-
terização da LGBTfobia pelas partes e/ou dade judicial e o tipo penal e o ano dos
pela autoridade judicial, teses defensivas fatos e da decisão;
majoritárias) como também o cruzamen- 5. O local dos fatos dos crimes que envol-
to, entre si, desses fatores (de identidade vem LGBTfobia e os dados de violência
de gênero com tipo penal da violência so- sofrida pela população LGBTQIA+ por
frida, de identidade de gênero com o fato UF25;
de a vítima ter sobrevivido, da data dos fa- 6. O entendimento de LGBTfobia equipa-
tos com a menção à decisão do STF/ADO rado ao tipo penal dos crimes de racis-
n. 26/MI n. 4.733/extensão da tipificação mo pelo STF, marcado pela ADO n. 26/
dos crimes de racismo para LGBTfobia, DF e o MI n. 4.733, em 2019, e a tipifi-
bem como de caracterização de LGBTfo- cação dos crimes, comparando Brasil
bia pela acusação com a caracterização de como um todo e por UF;
LGBTfobia pela autoridade judicial).
23 O Tribunal Regional Federal da 1ª Região informou que ainda não foram realizados eventos que abordassem o tema pela Escola de
Magistratura Federal da 1a Região. Ainda, o Tribunal de Justiça de Roraima apontou que não houve capacitação sobre a temática de
modo específico, apenas de forma geral, abordando o direito da antidiscriminação.
24 Os cursos referenciados foram os seguintes:
Curso “Julgamento com perspectiva de gênero, origem da discussão e as formas de violência”, realizado em 2022 pela Escola Nacional
da Magistratura (ENM);
Curso “Âmbito Criminal - Tratamento da População LGBTQIA+”, realizado em 2022 pela Escola Superior da Magistratura do Estado do
Maranhão (ESMAM);
Oficina “Treinamento para Atendimento ao Público LGBTQI+”, realizado em 2021 pela Escola Judicial do Amapá (EJAP);
Ciclo de formações, incluindo oficina “Dia do Orgulho LGBTQIA+: Diversidade na Religiosidade - Aspectos jurídicos e práticas de
inclusão”, realizado em 2020, e fórum “Vivências LGBTQ+ no ambiente institucional: Perspectiva legal e caminhos afirmativos”,
realizado em 2020 pela Escola da Magistratura do Estado de Rondônia (EMERON);
Curso “Direitos Fundamentais e Gênero”, realizado em 2021 e 2022, e Seminário “Conexão e Pluralidade no Enfrentamento às Violências
contra as Mulheres”, realizado em 2022 pela Escola Superior da Magistratura do Amazonas (ESMAM);
Curso “Faces da Violência”, com aula “As mulheres Trans e o acesso à Justiça: a importância do nome social”, realizada em 2021 pela
Escola Paulista da Magistratura, e palestra “LGBTQI+ e a Privação de Liberdade: Dentro e Fora do Cárcere”, realizada em 2021 pela Escola
Judicial dos Servidores do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Cursos “Comunicação Social, Judiciário, Gênero e Diversidade”, “Violência Doméstica contra a Mulher – Aspectos e Enfrentamento
(Módulo Gênero: recorte LGBTQI+)”, “Violências Invisíveis: nuances da violência doméstica” e “Sistema de Justiça e Direito da
Antidiscriminação”, realizados em 2021 pela Escola Judicial do Estado de Sergipe (EJUSE); e
Curso “Gestão da Diversidade”, realizado em 2021 pela Escola de Formação Judiciária do TJDFT.
Ademais, a Escola do Poder Judiciário do Acre (ESJUD) afirmou realizar capacitações de servidores(as) e magistrados(as) sobre o tema,
sem, contudo, fornecer dados sobre as formações.
25 Para tanto, serão utilizados os dados do Anuário de Segurança Pública de 2022 (FBSP, 2022).
30
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
31
2. Metodologia
Chama atenção que, de um enorme univer- processos encontrados, o que não parece
so inicial, foi tão baixo o quantitativo de traduzir os dados oficiais de violências so-
32
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
fridas por essa população. Do primeiro mé- Isso, por si só, já se trata de importante
todo, constatou-se a impossibilidade de achado e pode ser atribuído a algumas
seleção dos processos com o uso do Data- hipóteses: i) os casos que envolvem víti-
jud dada a ausência de assunto específico mas que se identificam como LGBTQIA+
para os processos de relevância para esta não chegam aos órgãos de segurança
pesquisa, quais sejam, vítimas LGBTQIA+ pública por falta de confiança nas insti-
e crime cuja motivação foi LGBTfóbica. tuições responsáveis pela investigação e
Por isso, durante a condução da pesquisa, de encaminhamento de denúncias; ii) ao
incluíram-se nas TPUs “intolerância por chegar aos órgãos de segurança pública,
identidade e expressão de gênero” (15131 as vítimas encontram barreiras para o
para os atos infracionais e 15139 para os prosseguimento das investigações; iii) a
delitos) e “intolerância por orientação alimentação dos dados nos sistemas não
sexual” (15132 para os atos infracionais disponibiliza campos que permitam o
e 15138 para os delitos) (CNJ, 2022). Isso registro adequado de orientação sexual,
auxiliará nas pesquisas futuras quanto à identidade de gênero ou, até mesmo, o
identificação dos processos que envolvem registro específico da caracterização da
LGBTfobia e vítimas LGBTQIA+, sanando LGBTfobia – o que, inclusive, envolve di-
a problemática da inexistência de campo ficuldades inerentes à subjetividade dos
de assunto específico. Vale observar que interlocutores.
nas interfaces entre os sistemas do CNJ
Sendo assim, a ausência de dados oficiais
e do PJe Criminal, por exemplo, possuem
sobre os crimes de LGBTfobia é conside-
campo disponível para preenchimento do
rado em si resultado prévio da pesquisa.
nome social.
Retrata o apagamento institucional com
Do segundo método, dada a dificuldade relação a essa população e o reconheci-
de identificar quantitativamente os ca- mento da diversidade de identidades de
sos que são também decorrentes dessa gênero e de orientações sexuais. Tal apa-
inexistência de assunto específico para gamento se dá desde os órgãos de segu-
os processos nos sistemas, a filtragem dos rança pública, percorre toda a persecu-
termos para realizar a categorização de ção penal e também se destaca durante o
LGBTfobia ficou muito suscetível à expli- curso do processo judicial, chegando até
citação de conceitos como “LGBTfobia”, a execução penal.
“homofobia”, “transfobia”, “lesbofobia” ou
“homotransfobia” nos acórdãos.
33
2. Metodologia
34
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
que tivessem experiência com casos de Com relação ao recorte inicialmente de-
violência contra a população LGBTQIA+. finido para a pesquisa, vale fazer algu-
mas observações. Um primeiro aspecto
Esse mapeamento ocorreu inicialmente
foi relativo ao campo de pesquisa com
com o levantamento de entidades de Direi-
servidores(as) de delegacias especializa-
tos Humanos e associações, bem como ad-
das, que acabou sendo concentrado nas
vogados(as) especializados(as) na atuação
entrevistas realizadas especificamente
pela proteção da população LGBTQIA+. O
com delegados(as). Isso se deu, pois, para
levantamento foi realizado por meio das
além da dificuldade de contato com ser-
ferramentas de busca Google e JusBrasil,
vidores(as), foi identificada uma falta de
sites oficiais das Defensorias Públicas,
delegacias especializadas em crimes con-
Ministério Público e Tribunais, incluindo
tra vulneráveis ou racismo, considerando
também entidades civis por meio de redes
a equiparação da LGBTfobia ao crime de
sociais como comunicação inicial. A par-
racismo pelo Supremo Tribunal Federal.
tir desses contatos, foi utilizado o método
de pesquisa social conhecido como “bola Nas cidades contempladas pela pesqui-
de neve”, pela qual se solicita aos(às) en- sa, foram mapeadas delegacias especia-
trevistados(as) a indicação de novos con- lizadas em crimes de racismo em todas
tatos, em busca da saturação empírica do as capitais, com exceção da cidade de
campo qualitativo. Vale apontar que esse Fortaleza. Em que pese todos os esforços
método permitiu o acesso a pessoas do sis- para entrevistar os(as) delegados(as) que
tema de justiça que são mais sensibiliza- estão à frente dessas instituições, a reali-
das à pauta LGBTQIA+, uma vez que foi raro zação das entrevistas só foi possível nas
um(a) entrevistado(a) indicar para uma cidades de Curitiba (PR) e Belo Horizonte
entrevista pessoas que não possuíam fa- (MG). Foi realizada, ainda, entrevista com
miliaridade com a discussão em questão. delegados(as) de delegacias não especia-
lizadas das cidades de Juiz de Fora (MG) e
Ademais, vale pontuar que todas as insti-
Dourados (MS).
tuições do sistema de justiça referentes
às cidades e aos estados de enfoque foram Ainda, apesar do esforço do recorte inicial
oficiadas pelo DPJ/CNJ, com apresentação de contemplar tanto capitais quanto ci-
da pesquisa e da consultora responsável dades interioranas, em alguns casos isso
pelo seguimento do contato. Nesse aspec- se mostrou um desafio. Nos contextos
to, foi possível perceber que os próprios dos estados de Ceará, Paraná e São Pau-
tribunais de justiça, quando convidados a lo, as cidades interioranas selecionadas
participar da pesquisa, indicaram pesso- possuíam os mesmos equipamentos das
as que lidam com a pauta de diversidade e capitais, portanto, diversos(as) servido-
gênero dentro do órgão, logo também pes- res(as), juízes(as), defensores(as) públicos
soas mais sensibilizadas com a questão. e advogados(as) atuavam tanto na capital,
a saber, Fortaleza (CE), Curitiba (PR) e São
35
2. Metodologia
Paulo (SP), quanto no interior, Maracanaú sas entrevistas foi essencial. Esses con-
(CE), Araucária (PR) e Avaré (SP). tatos contribuíram para o acesso aos(às)
advogados(as), bem como para a compre-
Ademais, apesar de recorrentes tentati-
ensão da organização das estruturas do
vas de contato com instituições da cida-
estado voltadas para o atendimento à po-
de de Dourados (MS), houve dificuldade
pulação LGBTQIA+.
para realizar e dar seguimento aos agen-
damentos para entrevistas. Apesar de Foram realizadas 52 entrevistas entre 7
alguns retornos positivos, grande parte de março e 4 de julho de 2022 e, tendo em
das pessoas desmarcou ou apenas não vista que algumas foram coletivas, abar-
compareceu à sala de reunião virtual e, caram um total 60 entrevistados(as), dos
mesmo com tentativas de novos contatos quais sete são representantes do Judici-
para possível reagendamento, não houve ário, seis representantes do Ministério
êxito. As barreiras de acesso no que tan- Público, 13 representantes da Defensoria
ge ao Poder Público também permeiam Pública, quatro delegados(as), 13 advoga-
a falta de atendimento telefônico e de dos(as) e 12 representantes da sociedade
resposta a e-mails, que não permitiu nem civil.
mesmo um contato inicial. Nesse sentido,
buscando facilitar o contato através de
2.2.2. VÍTIMAS DE LGBTFOBIA
encontros presenciais, foi realizada uma
visita a Dourados (MS) entre 8 e 11 de junho No caso das entrevistas com vítimas de
de 2022. LGBTfobia, o objetivo era identificar as
demandas e expectativas dos(as) usuá-
Outro aspecto a ser mencionado diz res-
rios (as) que procuram a judicialização de
peito à especialidade da atuação dos en-
violações, especialmente considerando as
trevistados. Verificou-se, por exemplo, a
dificuldades encontradas nesse processo,
ausência de entrevistas específicas com
bem como compreender a relação dessa
juízes(as) atuantes em tribunais de júri e
população com o Judiciário sob a perspec-
com delegados(as) alocados(as) em Divi-
tiva das vítimas. O recorte inicialmente
sões de Homicídios e Proteção à Pessoa.
delimitado compreendia um mapeamento
Em consequência, a participação de al-
de pessoas LGBTQIA+ que já tivessem ex-
guns profissionais no campo dos crimes
perienciado ou estivessem experiencian-
contra a vida se mostrou menos presente
do processos judiciais em decorrência de
nas informações coletadas.
discriminação e/ou violência relacionada
É também importante ressaltar que, ape- à identidade de gênero e/ou orientação
sar de o escopo da pesquisa inicialmente sexual nas 12 cidades previstas no dese-
não incluir membros da sociedade civil, nho inicial da pesquisa. Esse recorte foi
o campo demonstrou que, especialmente posteriormente adaptado, conforme será
em algumas localidades, a realização des- abordado a seguir.
36
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
O maior desafio da investigação foi cons- como idade, raça/etnia, classe etc., com
truir um campo de pesquisa a partir do base na amostra total da pesquisa. Essa
zero, criando redes de indicações entre diversificação do perfil de entrevista-
as quais pudessem ser encontradas, nas dos(as) se baseia em pesquisas anteriores
cidades escolhidas para a investigação, que apontam para nuances relacionadas à
pessoas dentro do perfil pré-definido para orientação sexual/identidade de gênero e
colaborar com a pesquisa. tipos de violação sofrida, bem como con-
textos de ocorrência e formas de acesso
Desde as primeiras tentativas de conta-
à justiça.
to, foi possível notar grande dificuldade
no recrutamento de participantes para a O caráter pioneiro do presente projeto e
pesquisa. O fato de o campo não ter uma a inexistência de informações mais qua-
delimitação indicativa de locais em que lificadas sobre o campo recortado para
possíveis entrevistas pudessem ser bus- a investigação não permitiam que crité-
cadas, somadas às limitações impostas rios e condições muito fechados fossem
pela pesquisa de campo feita de maneira estabelecidos a princípio. Inicialmente,
remota, incrementaram essa dificuldade. a proposta metodológica foi de haver até
No entanto, cabe ponderar que essa difi- cinco voluntários(as) participantes em
culdade de partida demonstrou já ser um cada uma das doze cidades escolhidas
indicativo relevante para a pesquisa. para o desenho inicial da pesquisa, sem-
pre que possível contemplando a hetero-
Profissionais que trabalham em equi-
geneidade de perfis em relação aos mar-
pamentos de assistência à população
cadores sociais já discutidos. Tendo em
LGBTQIA+ e em ONGs com quem se con-
vista as dificuldades encontradas para
versou ao longo do mapeamento do cam-
localizar pessoas com a experiência de
po ressaltaram que, em suas experiências
ação na justiça por motivo de LGBTfobia,
de atendimento, apenas uma minoria das
a avaliação da repetição/esgotamento de
demandas e denúncias trazidas chegam a
novas informações na consideração da sa-
ser judicializadas. Esse fator, em conjunto
turação da pesquisa considerou todas as
com outros empecilhos que atravessam o
entrevistas realizadas para a investigação
acesso à justiça e serão vistos adiante, ex-
em conjunto. Contou para isso também o
plica um pouco dos entraves para conse-
tempo limitado disponível para a execu-
guir contatos para entrevistar.
ção da pesquisa.
Considerou-se que a busca de pessoas a se-
Para dar início ao mapeamento do campo,
rem entrevistadas deveria contemplar a
buscou-se construir uma rede de conta-
variedade de identificações e expressões
tos e indicações de possíveis entrevista-
de gênero e orientação sexual presentes
dos(as). Para isso, foi realizado levanta-
na coletividade LGBTQIA+ e mantivesse
mento de organizações e equipamentos
a atenção para marcadores sociológicos,
voltados para a atenção à população
37
2. Metodologia
LGBTQIA+, governamentais e não gover- posta “sim”, “não” e “não sei informar”, e
namentais nos seis estados e doze cidades se existia processo judicial relacionado à
previamente definidas. violência sofrida, com as mesmas opções
de resposta pré-definidas32.
Esses equipamentos foram contatados
tanto através de ofício do DPJ/CNJ, com A última resposta registrada no formu-
informação sobre a realização da pesqui- lário foi recebida em 1º de maio de 2022,
sa, apresentação das consultoras envolvi- totalizando 261 respostas ao formulário,
das e solicitação de colaboração, quanto sendo 13 oriundas da região Norte, 52
através de contatos diretos da consultora. do Nordeste, 35 do Centro-Oeste, 107 do
Após pouco mais de um mês desses esfor- Sudeste e 53 da região Sul, abrangendo
ços, apenas cinco entrevistas dentro do 24 unidades federativas (não constaram
perfil foram realizadas. Amapá, Pará e Tocantins). Todas as pes-
soas que preencheram o formulário foram
Avaliando a necessidade de construir
contatadas, independentemente do está-
outros canais que pudessem expandir o
gio da denúncia da violação e da cidade ca-
alcance do levantamento, foi adotada es-
dastrada pelo(a) participante.
tratégia de ampla divulgação da pesquisa,
possibilitando que mais pessoas pudes- Nesse primeiro contato, feito na maioria
sem se voluntariar para participação. Foi, das vezes por mensagem de texto, foi con-
assim, elaborado formulário eletrônico31, firmada a disponibilidade da pessoa co-
divulgado em 25 de março de 2022 nas re- laborar com a pesquisa, apresentado bre-
des institucionais do CNJ, incluindo redes vemente o objetivo e recorte empírico do
sociais como Facebook, Instagram e Twit- levantamento e questionado se a pessoa
ter. A divulgação incluiu um link de acesso tem (ou já teve) ação na justiça relaciona-
ao formulário que, por sua vez, apresenta- da à discriminação motivada por orienta-
va breve explicação da pesquisa e oferecia ção sexual e/ou identidade de gênero.
campos para o preenchimento de dados
Por fim, 28 entrevistas foram agendadas
como: nome, UF, cidade, e-mail e telefone,
a partir do formulário, das quais 24 foram
além de perguntar se a pessoa havia regis-
efetivamente realizadas e consideradas
trado a ocorrência da violência sofrida na
para a análise final33. Destas, 12 corres-
delegacia, dispondo dos campos de res-
38
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
pondiam a denúncias que chegaram até tas vezes se confundem, não constituin-
o Ministério Público ou que foram conver- do instituições tão obviamente distintas
tidas em ações na justiça e 12 se tratava de como a estrutura de organização adminis-
registros de ocorrência em delegacias ou trativa governamental pressupõe.
denúncias não formalizadas.
Vale, ainda, apontar que, como será abor-
Foi relevante observar que muitas res- dado em maior profundidade em tópico
postas abordaram casos em que, após seguinte, entre os(as) entrevistados(as),
sofrida a situação de violência, não foi foi possível perceber que, de maneira
realizada denúncia, ou a denúncia reali- geral, as pessoas tinham conhecimen-
zada não se desdobrou em processo judi- to prévio sobre a temática LGBTQIA+ e/
cial34. Ademais, foi notório perceber que, ou podiam acessar contatos pessoais ou
a despeito de receberem repetidas vezes institucionais com conhecimentos sobre
a informação de que o recorte da pesquisa a temática. Além disso, de maneira geral,
tratava de experiência de ação na justiça, apresentaram inserção em ocupações e
muitas pessoas assentiram a participação atividades de classe média e/ou acesso a
mesmo sem ter um processo judicial em boas redes de suporte e acompanhamen-
andamento ou concluído. Uma possível to. Ainda, tal como ocorrido no campo
interpretação resvala no desejo de serem realizado com operadores do sistema de
ouvidas, poderem relatar as situações justiça, um ponto a ser mencionado refere-
vivenciadas e, com frequência, compar- -se à limitação dos campos jurídicos abor-
tilhar a frustração de não encontrar um dados. Como o o recorte da pesquisa tem
encaminhamento satisfatório para a vio- enfoque no diálogo direto com as vítimas,
lação de direitos vivenciada. houve prejuízo da abordagem de situações
referentes a crimes contra a vida.
Outra interpretação está relacionada à
percepção de senso comum sobre o que Compreendendo a relevância de ampliar o
significa acionar a justiça. Foram frequen- escopo do recorte definido inicialmente,
tes os casos em que as pessoas entrevista- passou a ser incluída a possibilidade de
das haviam buscado a polícia, ainda que o realizar entrevistas com pessoas cuja de-
registro da ocorrência não havia se trans- núncia chegou a ser encaminhada ao Mi-
formado em uma ação na justiça. Isso dá a nistério Público. Foram também incluídas
entender que, na percepção e experiência entrevistas com interlocutores de outras
da população em geral, os âmbitos da se- cidades. Contudo, tal como ocorrido no
gurança pública e do Poder Judiciário mui- campo realizado com operadores do siste-
34 As perguntas referentes à existência de registro da violência em boletim de ocorrência e/ou processo judicial foram inseridas
posteriormente. Ainda assim, das 81 pessoas que responderam a essas perguntas, a maioria respondeu negativamente. No que diz
respeito à existência de registro do boletim, dez informaram afirmativamente, 69 responderam negativamente e duas responderam
não saber informar. Quanto à existência de processo judicial, cinco não souberam informar, quatro responderam afirmativamente e
72 responderam negativamente.
39
2. Metodologia
ma de justiça, um ponto a ser mencionado luz sobre algum dos pontos que surgiram
refere-se à limitação do recorte da pesqui- das entrevistas e compreender melhor o
sa não contemplar crimes contra a vida. contexto mais amplo, por meio de pessoas
e organizações com anos de experiência
Dessa forma, a amostra final analisada no
de atuação no campo.
presente relatório é composta pelas 24 en-
trevistas de pessoas que se voluntariaram Em relação à diversidade de perfis, as
por meio do formulário eletrônico, soma- entrevistas contaram com 16 pessoas
das a outras nove que foram realizadas por cisgênero e 17 pessoas transgênero, de
intermédio das redes de contato constitu- orientações sexuais variadas entre gays,
ídas na primeira fase do mapeamento do lésbicas, bissexuais e inclusive uma pes-
campo. Sendo assim, foram consideradas soa heterossexual vítima de homofobia.
para análise um total de 33 entrevistas Entre as pessoas trans, cinco se identifica-
com cidadãos(ãs) a respeito da experiên- ram como homens trans, 11 como travestis
cia de denunciar violência LGBTfóbica. ou mulheres trans e uma pessoa como não
As entrevistas foram realizadas entre 11 binária. Em relação à raça/etnia, seguindo
de março de 2022 e 9 de junho de 2022 de as categorias do IBGE, 21 pessoas se iden-
modo remoto e precedidas pela assinatu- tificaram como brancas e 12 como pardas
ra do TCLE. As conversas foram realizadas ou pretas. A faixa-etária se distribuiu
através do aplicativo Google Meets e, em entre 21 e 55 anos, com maior concentra-
poucos casos, por chamada de vídeo de ção acima dos 35 anos. Nesse sentido, a
WhatsApp. amostra se mostrou diversa, porém com
algumas tendências, como uma maioria
Apesar de não fazer parte da proposta
de pessoas que se identificou como bran-
inicial, foram também realizadas conver-
ca e uma grande predominância da região
sas e entrevistas com representantes de
Sudeste, apesar de terem sido contempla-
organizações da sociedade civil e de equi-
das todas as regiões do país.
pamentos públicos especificamente dire-
cionados para essa população. Foram ain- Uma hipótese explicativa para a concen-
da realizadas mais três entrevistas (duas tração de entrevistas com pessoas oriun-
em modo presencial e uma em modo remo- das da região Sudeste pode ter relação
to, sem roteiro semiestruturado) com pes- com o grande volume de equipamentos
soas atuantes em equipamentos voltados de atendimento especializado da região,
para o atendimento a pessoas LGBTIA+ e bem como o fato de haver mais visibilida-
duas rodas de conversa com representan- de e atuação de organizações da socieda-
tes de organizações do movimento social, de civil e de redes de ativismo. Mesmo que
uma de modo remoto com pessoas atuan- não tenha sido coletado diretamente o ní-
tes em Campo Grande e Dourados e uma vel de escolaridade das pessoas entrevis-
de forma presencial em Manaus. Essas tadas, os tipos de ocupação declaradas in-
conversas foram importantes para lançar dicam acesso ao nível superior de ensino,
40
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
41
2. Metodologia
42
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
3. REFERENCIAL
TEÓRICO
43
3. REFERENCIAL TEÓRICO
35 Diversos dados apontam para uma menor expectativa de vida da população trans e travesti no Brasil, que, além de ser alvo de
expressões de violência como o assassinato, tem suas vidas marcadas por diversas dificuldades de acessos a direitos como a saúde e
a educação, impactando diretamente a qualidade de vida geral dessa população. Em relatório referente à violência contra a população
trans e travesti no ano de 2020 publicado pela ANTRA é apontado que, apesar de não haver estudos sistemáticos sobre a expectativa
de vida das travestis e transexuais femininas, estima-se que a expectativa de vida dessa população seja de 35 anos de idade. No mesmo
relatório é mencionado que vítimas de homicídio trans e travestis morrem cada vez mais cedo (BENEVIDES; NOGUEIRA, 2021).
44
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
36 Relatórios da ANTRA mostram como as vidas de pessoas trans e travestis são frequentemente marcadas por situações como expulsão
de casa, perda de vínculos familiares e abandono do círculo social mais próximo, o que muitas vezes acaba posicionando-as em situações
de vulnerabilidade ainda mais agravadas (BENEVIDES; NOGUEIRA, 2021).
37 Vale mencionar que a dificuldade em determinar dados quantitativos a respeito da população LGBTQIA+ no país é dotada de
nuances específicas. Deve ser considerado, por exemplo, o caráter fluido de expressões de gênero e sexualidade que podem dificultar
a contabilização dessa população, bem como a delicadeza de se identificar enquanto pessoa LGBTQIA+ em contextos nos quais essa
identificação pode acarretar alguma ameaça.
45
3. REFERENCIAL TEÓRICO
46
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
40 A Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, criada pelo Decreto n. 10.174/2019, tem uma central única que atende mulheres em
situação de violência, o Ligue 180, e também inclui o Disque Direitos Humanos – Disque 100, que atende denúncias de violações de
crianças e adolescentes, pessoas idosas, pessoas com deficiência, pessoas em restrição de liberdade, população LGBT e população em
situação de rua. O serviço também está disponível para denúncias de casos que envolvam discriminação étnica ou racial e violência
contra ciganos, quilombolas, indígenas e outras comunidades tradicionais. Ainda, pelo Disque-Ouvidoria Geral do SUS no número
136 é possível realizar denúncias em relação à prestação dos serviços de saúde. Trata-se de importantes canais para o recebimento de
denúncias de grupos vulneráveis – entre eles, o público LGBTQIA+, e que poderiam fornecer informações qualificadas sobre o tema.
47
3. REFERENCIAL TEÓRICO
41 Para análises aprofundadas, cf. VAGGIONE (2008), OLIVEIRA (2012), COACCI (2015), RIOS (2008, 2010, 2020), VIEIRA & EFREM FILHO
(2020).
42 Art. 5º, XLI. A lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
Art. 5º, XLII. A prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.
48
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
43 A pesquisa foi realizada entre advogados e defensores, promotores e membros da magistratura, policiais civis e militares e membros
dos movimentos sociais. Foram feitas 22 entrevistas entre os meses de abril e junho de 2021, contemplando as cinco regiões do país
(BULGARELLI et al., 2021).
49
3. REFERENCIAL TEÓRICO
50
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
4. AÇÕES PENAIS E
POSSIBILIDADES DE
INFERÊNCIA COM
BASE NOS CASOS
IDENTIFICADOS
51
4. AÇÕES PENAIS E POSSIBILIDADES DE INFERÊNCIA COM BASE NOS CASOS IDENTIFICADOS
52
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
motivação do crime em si não teria sido a tância das decisões do STF para a tomada
LGBTfobia. de decisão da magistratura quando essa
depara um caso de uma violência tipifica-
Em primeiro lugar, é interessante verifi-
da penalmente cuja motivação se deu por
car temporalmente a evolução da temáti-
LGBTfobia.
ca no Judiciário e compreender a impor-
53
4. AÇÕES PENAIS E POSSIBILIDADES DE INFERÊNCIA COM BASE NOS CASOS IDENTIFICADOS
sistema acusatório, cuja base constitu- Judiciário brasileiro com vistas a realizar
cional e democrática prima pelo devido mediações que pudessem oferecer com-
processo em que há contraditório, ampla posições das partes sem haver, necessa-
defesa e acesso à justiça. riamente, uma ideia de cumprir pena de
restrição de liberdade.
A necessidade de incorporar o cuidado
às vítimas de violências estruturais nas O direcionamento de políticas públicas
ações do Estado é justamente o que se evi- para a vítima asseguradas por equipe mul-
dencia como necessário nos casos de vio- tidisciplinar, inclusive, é importante para
lência contra pessoas LGBTQIA+ e é o que que se possa reconhecer aquela como um
a vitimologia evidencia nos diversos mo- sujeito titular de garantias – com a ressal-
vimentos de gênero. O conceito de “sobre- va de que ser titular de direitos não signi-
vitimização” explorado por Barros (2013), fica ser titular da iniciativa penal, mas ter
com base em um critério objetivo, é con- um tratamento no processo como garan-
cebido como o desrespeito aos direitos e te seus direitos que não se concretizam
às garantias fundamentais das vítimas no de forma restritiva à acusação (BARROS,
processo penal. Busca-se, portanto, que o 2013)
“interesse direto no resultado do proces-
Dentro dos 102 processos analisados pela
so e [...] [a] expectativa de reparação não
Ficha Analítica em que houve a identifica-
resid[a] apenas na apenação vingativa do
ção de LGBTfobia como motivação primá-
acusado pelo Estado-juiz” (SOUZA, 2013,
ria ou secundária, foram identificadas 113
p.61).
vítimas totais, sendo 83 (73,5%) vítimas
A Declaração de Princípios Básicos de Jus- LGBTQIA+ e houve dúvidas quanto a essa
tiça das Vítimas de Delito (ONU, 1985), ao classificação ou se a vítima não foi classi-
apresentar as garantias de acesso à justiça ficada como tal em 27 (23,9%) (Tabela 2).
e o tratamento justo ao ressarcimento, à Verificou-se, ainda, que 19 (16,8%) vítimas
indenização e à assistência social traz jus- não sobreviveram. Dessas vítimas, um tra-
tamente atenção às garantias que trans- vesti e uma mulher trans. Esse número
cendem o mero direito de punir do Estado não representa as estatísticas de vitimi-
à parte acusada. Isso é o que permite, in- zação letal fática, trata-se de identificação
clusive, auxiliar na mitigação da sensação de casos judicializados em que foi possí-
de “impunidade” que tradicionalmente vel inferir elementos sobre LGBTfobia e,
as pessoas ofendidas possuem ao serem inclusive, não refletem os dados de outras
desconsideradas de todo o processo cuja pesquisas divulgadas pela ANTRA.
motivação se deu essencialmente por uma
violência em que elas protagonizaram o
sofrimento. Além disso, do ponto de vista
institucionalizado, uma série de práticas
restaurativas passou a ser absorvida pelo
54
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
55
4. AÇÕES PENAIS E POSSIBILIDADES DE INFERÊNCIA COM BASE NOS CASOS IDENTIFICADOS
Tabela 3 – Distribuição em percentual de cada crime sofrido entre as identidades LGBTQIA+ das
vítimas
VÍTIMA, IDENTIDADE LGBT
TIPO PENAL MULHER BISSEXUAL SEM
GAY LÉSBICA TRAVESTI NÃO LGBT
TRANS (HOMEM) INFORMAÇÃO
Homicídio 42,2 20,0 14,3 80,0 100,0 0,0 11,1
Injúria 17,8 32,0 14,3 0,0 0,0 33,3 37,0
Lesão corporal 15,6 36,0 28,6 0,0 0,0 66,7 11,1
Praticada no
âmbito domés- 2,2 20,0 28,6 0,0 0,0 33,3 0,0
tico
Lesão corpo-
8,9 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0
ral grave
Racismo 4,4 16,0 14,3 0,0 0,0 0,0 18,5
Ameaça 4,4 16,0 42,9 0,0 0,0 33,3 3,7
Roubo 13,3 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 11,1
Difamação 4,4 4,0 0,0 0,0 0,0 0,0 18,5
Injúria Racial 4,4 12,0 14,3 0,0 0,0 0,0 7,4
Tortura 6,7 0,0 14,3 0,0 0,0 0,0 7,4
Furto 2,2 0,0 28,6 0,0 0,0 0,0 0,0
Vias de fato 0,0 8,0 0,0 0,0 0,0 33,3 0,0
Estupro Vulne-
0,0 0,0 0,0 20,0 0,0 0,0 3,7
rável
Desacato 0,0 0,0 14,3 0,0 0,0 0,0 3,7
Denunciação
0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 3,7
Caluniosa
Calúnia 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 3,7
Total (n) 45 25 7 5 1 3 27
Fonte: Elaboração própria
56
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
Tabela 4 – Percentual de crimes sofrido por perfil de vítima pela identidade LGBTQIA+.
VÍTIMA, IDENTIDADE LGBT
TIPO PENAL MULHER BISSEXUAL SEM TOTAL (N)
GAY LÉSBICA TRAVESTI NÃO LGBT
TRANS (HOMEM) INFORMAÇÃO
Homicídio 57,6 15,2 3,0 12,1 3,0 0 9,1 33
Injúria 28,6 28,6 3,6 0 0 3,6 35,7 28
Lesão corporal 30,4 39,1 8,7 0 0 8,7 13,0 23
Praticada no
11,1 55,6 22,2 0 0 11,1 0 9
âmbito doméstico
Lesão corporal
100,0 0 0 0 0 0,0 0 4
grave
Racismo 16,7 33,3 8,3 0 0 0 41,7 12
Ameaça 18,2 36,4 27,3 0 0 9,1 9,1 11
Roubo 66,7 0 0 0 0 0 33,3 9
Difamação 25 12,5 0 0 0 0 62,5 8
Injúria Racial 25 37,5 13 0 0 0 25,0 8
Tortura 50 0 16,7 0 0 0 33,3 6
Furto 33,3 0 66,7 0 0 0 0 3
Vias de fato 0 66,7 0 0 0 33,3 0 3
Estupro Vulne-
0 0 0 50,0 0 0 50 2
rável
Desacato 0 0 50,0 0 0 0 50 2
Denunciação
0 0 0 0 0 0 100 1
Caluniosa
Calúnia 0 0 0 0 0 0 100 1
Fonte: Elaboração própria
a vítima ressaltou sua orientação sexual
Destaca-se que em apenas um caso foi pos- como forma de comprovar que não tinha
sível inferir que a vítima e/ou o(a) supos- interesse em ter relação sexual com o réu,
to(a) agressor(a) foi considerada homem o que reforçaria o argumento de que a rela-
bissexual, já que a orientação sexual da ção não havia sido consensual.
vítima foi apontada no processo por uma
das testemunhas. Não houve identificação
de mulher bissexual e homem trans, refle- 4.2.1. QUANDO O LAR TAMBÉM
xo da possível inexistência de registro nas AGRIDE: VÍTIMAS DE LGBTFOBIA
peças analisadas, o que suscita questões EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA
sobre autoidentificação e apagamentos DOMÉSTICA
institucionais. Essa ressalva pode ser um Os processos analisados envolveram nú-
dos aspectos que explica a inexistência mero significativo de casos em que a pes-
de mulher bissexual na Tabela 4. soa agressora morava com a vítima: 14,7%
Por fim, outro caso que não integrou a dos casos e 14,2% das vítimas se tratava de
amostra final, mas que merece atenção, violência doméstica. Das vítimas, 43,8%
diz respeito ao fato de a sexualidade ter tiveram a atribuição de identidade como
sido utilizada como prova da acusação. mulheres lésbicas, 37,5% como mulheres
O caso envolvia estupro de vulnerável, e trans e 12,5% como homens gays. Esse tipo
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4. AÇÕES PENAIS E POSSIBILIDADES DE INFERÊNCIA COM BASE NOS CASOS IDENTIFICADOS
58
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
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4. AÇÕES PENAIS E POSSIBILIDADES DE INFERÊNCIA COM BASE NOS CASOS IDENTIFICADOS
ti ou intersexo que seja custodiada, acu- isso reivindicaram seus direitos por meio
sada, ré, condenada, privada de liberdade, da defesa. Especialmente por sua orien-
em cumprimento de alternativas penais tação sexual ou identidade de gênero, so-
ou monitorada eletronicamente. licitaram acesso a direitos específicos e
nem sempre houve entendimento sobre a
No universo da amostra final, chamou
orientação sexual ou a identidade de gêne-
atenção o número de casos de homofobia
ro pela autoridade judicial (por exemplo,
e transfobia nas unidades prisionais e o
não foi utilizado o nome social no texto,
desrespeito ao nome social até mesmo nas
não se reconheceu a transexualidade de
decisões judiciais que nem sequer faziam
mulher trans privada de liberdade etc.).
referência ao pronome de tratamento ade-
quado conforme a identidade de gênero da Foram verificados nove casos (8,8%) em
pessoa: casos como pedido de transferên- que a pessoa acusada teve medida cau-
cia para a capital por um réu em função telar concedida, dos quais seis foram pri-
da sua orientação sexual, outro em que a sões preventivas e três medidas cautela-
parte ré transexual ou travesti (os elemen- res alternativas à prisão (art. 319 CPP).
tos textuais não permitiram distinguir)
Em oito casos (7,8%), o(a) suposto(a) agres-
foi intimada para informar “se deseja con-
sor(a) havia sofrido violência anterior
tinuar no presídio masculino ou se prefere
motivada por LGBTfobia, o que ensejou a
ser transferida para o presídio feminino”,
incluir a qualificadora de “motivo torpe”.
tratando-a pelo nome civil (masculino) e
Esse dado dialoga com entrevistas, como
não pelo social.
será possível verificar na próxima seção,
Ainda, um dado importante foi o de que se em que a fala acerca da desconfiança no
identificou que mulheres trans – seja nos Estado para resolver situações de LGBTfo-
presídios masculinos, seja nos presídios bia é corriqueira.
femininos – sofrem preconceitos e por
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RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
61
4. AÇÕES PENAIS E POSSIBILIDADES DE INFERÊNCIA COM BASE NOS CASOS IDENTIFICADOS
art. 121, § 2º, I e/ou II, reconhecendo como fundamentação da sentença nos termos
repugnante ou fútil a motivação LGBTfóbi- do entendimento acerca da extensão da
ca. No universo dos 102 processos acerca tipificação penal dos crimes de racismo à
dos casos em que a motivação foi LGBTfo- LGBTfobia. Também vale ressaltar a deci-
bia, 11 (10,8%) casos envolveram racismo. são do STF sobre o HC n. 154.248 do STF, em
Desses 11 casos, juntamente com o crime 2021, sobre a equiparação da imprescriti-
de racismo, foram cometidos os crimes de bilidade do crime de racismo (art. 5º, XLII,
injúria e ameaça. Além disso, sete (6,9%) CF) ao crime de injúria racial (art. 140, § 3º,
casos foram de injúria racial, entre os do Código Penal). O ponto da imprescriti-
quais dois foram antes de 2019 e cinco a bilidade é importante para se pensar no
partir de 2019. fato de que, anteriormente à decisão, era
comum que houvesse a desclassificação
Além disso, após a decisão de 2019 sobre
de racismo para injúria racial para possi-
a ADO n. 26/DF e o MI n. 4.733/DF, obser-
bilitar a prescrição do crime.
vam-se 20 casos (19,6%) que subsidiam a
62
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
Tabela 6 – Vítimas cuja caracterização da LGBTfobia do caso se identifica a partir do tipo da vio-
lência sofrida por tipo penal
CARACTERIZAÇÃO DA LGBTFOBIA A PARTIR DO TIPO DA VIOLÊNCIA
TIPO PENAL SOFRIDA TOTAL
SIM NÃO
n % n %
Homicídio 1 3,0 32 97,0 33
Injúria 1 4,3 22 95,7 23
Lesão corporal 0 0 9 100 9
Praticada no âmbito doméstico 0 0 4 100 4
Lesão corporal grave 1 12,5 7 87,5 8
Racismo 9 32,1 19 67,9 28
Ameaça 4 36,4 7 63,6 11
Roubo 0 0 2 100 2
Difamação 0 0 9 100 9
Injúria Racial 5 62,5 3 37,5 8
Tortura 1 33,3 2 66,7 3
Furto 0 0 1 100 1
Vias de fato 0 0 1 100 1
Estupro Vulnerável 3 25,0 9 75,0 12
Desacato 0 0 6 100 6
Denunciação Caluniosa 0 0 3 100 3
Calúnia 1 50,0 1 50,0 2
Fonte: Elaboração própria
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4. AÇÕES PENAIS E POSSIBILIDADES DE INFERÊNCIA COM BASE NOS CASOS IDENTIFICADOS
64
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
cação de LGBTfobia como motivação dire- [...] a literatura médica atual não vislum-
ta ou indireta do cometimento do crime. bra qualquer relação de causalidade entre
a orientação sexual e qualquer distúrbio
Cabe acrescentar que o preconceito e a de natureza psíquica. Assim, tal argumen-
tendência à criminalização também apa- tação tem cunho de natureza discrimina-
recem nos relatos das testemunhas. Um tória, na verdade, trata-se de uma afirma-
dos casos tem como acusada uma pessoa ção de natureza racista, tendo em vista
que o Supremo Tribunal Federal, reunido
homossexual, que uma das testemunhas
em sua composição plenária, julgou a ADO
disse considerar “uma pessoa perigosa”,
MI 4733/DF, firmou posicionamento, no
porque “quando se revelou homossexual, sentido de, determinar até que seja col-
começou a intimidar todo mundo” (trecho matada lacuna legislativa, a aplicação da
retirado de depoimento reproduzido na Lei 7.716/1989 (que define os crimes resul-
sentença). tantes de preconceito de raça ou de cor) às
condutas de discriminação por orienta-
ção sexual ou identidade de gênero, com
4.6.1. TESES DEFENSIVAS E efeitos prospectivos e mediante subsun-
ACUSATÓRIAS ALEGADAS NOS ção (informação verbal).
CRIMES CUJA MOTIVAÇÃO FOI
Ainda sobre as teses defensivas, foram re-
LGBTFÓBICA
correntes as alegações de legítima defesa
Percebe-se que, entre as teses arguidas (art. 25 CP) e de circunstância atenuante
pela defesa das pessoas acusadas de um da violenta emoção provocada por ato
crime cuja motivação foi LGBTfóbica, injusto da vítima (art. 65, III, CP), princi-
houve dois (2%) casos em que a arguição palmente no que diz respeito ao art. 121,
preconceituosa veio por parte do(a) advo- § 1º, (redução de um sexto da pena), o que
gado(a), que atribuiu ao fato de a vítima se evidenciou como clara discriminação
ser homossexual o cometimento do crime. da população LGBTQIA+ ao ser associada
A discriminação se reforça quando se ob- a orientação sexual ou a identidade de gê-
serva o trecho a seguir, cuja defesa requer nero a uma ação injusta da vítima e não ao
o reconhecimento de insanidade mental seu próprio direito de ser e existir.
pela homossexualidade, pois “[...] seria
A insuficiência probatória corriqueira-
uma espécie de distúrbio de natureza psí-
mente é arguida e, de fato, dos 15 pro-
quica que comprometeria sua integridade
cessos em que houve absolvição foram
mental”.
encontrados sete casos (46,7%) em que
No caso em tela, a decisão enfrentou o ar- há absolvição por ausência de provas. Em
gumento como de natureza preconceituo- sua maioria, isso parece estar relacionado
sa à toda a população LGBTQIA+, de forma à dificuldade de apresentação de provas,
que se tomou por bem destacar: sendo majoritariamente restritas às tes-
temunhas ou à própria palavra da vítima.
65
4.AÇÕESPENAISEPOSSIBILIDADESDEINFERÊNCIACOMBASENOSCASOSIDENTIFICADOS
66
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
5. ATORES-CHAVE
E OS DIÁLOGOS
POSSÍVEIS
67
5. ATORES-CHAVE E OS DIÁLOGOS POSSÍVEIS
68
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
Alguns dos tipos de violências e viola- Um dos aspectos notados nas entrevistas
ções de direitos que motivaram a busca foi uma generalizada descrença no retor-
pelo sistema de justiça mencionados ao no por parte do Estado e na possibilidade
longo das entrevistas foram: agressões de qualquer reparação no âmbito do siste-
verbais, difamação, constrangimentos e ma de justiça. Mesmo entre pessoas que
exclusão de espaços públicos e privados lograram encaminhar ações judiciais,
(presenciais ou virtuais), exclusão de as expectativas são baixas. Em uma das
convívio social e familiar, assédio moral, entrevistas, a possibilidade de dar segui-
desqualificação e humilhação em espaços mento à denúncia e ao processo foi retra-
de trabalho, agressões físicas, desrespeito tado pela vítima como “sorte”, que relatou
ao uso de nome social. Além disso, em pelo considerar a experiência como exceção.
menos três entrevistas, houve relatos de Ainda que esse caso seja um exemplo “de
homotransfobia incidindo em ações jurí- sucesso” de acesso ao sistema de justiça ,
dicas de separação e guarda de crianças. a vítima apontou recorrentes inseguran-
ças em diversos momentos ao longo do
Outra particularidade mencionada so-
processo, ressaltando que a expectativa
bre violências de caráter LGBTfóbico
dele próprio e de pessoas próximas a ele
diz respeito às relações entre vítimas e
era: “não vai dar em nada”, “vão fazer cha-
agressores. Como apontou o entrevista-
cota”, “distorcer tudo para não dizer que
do responsável pela coordenação de um
é homofobia”. Abordando a possibilidade
Centro de Referência LGBTI+, raramente
de ser vítima de uma nova violência, ava-
os atendimentos que chegaram ao servi-
liou que consideraria o quanto o processo
ço se convertem em processos. Um dos
“vale a pena”, em razão dos ganhos que po-
motivos apontados foi o fato de a maioria
dem vir de um processo. Como menciona-
das pessoas chegar ao Centro em busca
do em entrevistas:
apenas de escuta e acolhimento, pois em
E eu acho que [o desgaste] é uma das coi-
muitos casos as pessoas envolvidas são
sas que mais impede de fazer de novo, por-
próximas, parentes ou vizinhos e quem que acho que a grande maioria das vezes,
traz a queixa não quer de fato entrar com a única prova que a gente tem é a nossa
uma ação de reparação penal ou civil. Ain-
69
5. ATORES-CHAVE E OS DIÁLOGOS POSSÍVEIS
palavra, e é como se ela não valesse (infor- Eu tive sorte, eu sei que eu tive sorte, que
mação verbal)44. me atenderam ou que tiveram a sensibili-
dade de olhar para mim e me atender com
A gente fica tão acostumado a ouvir coi-
algum tipo de acolhimento é o que devia
sas absurdas, que aí a gente acha que o
ser o padrão (informação verbal)45.
tratamento que deveria ser padrão é um
tratamento...”fui bem tratado”, de fato é, Especialmente no caso de pessoas trans
eu fui bem tratado, eu fui tratado como, e travestis, essa descrença pode também
talvez, em relação especificamente a de- ser explicada em razão de um baixo nível
legacia, como as pessoas deveriam ser
de resposta por parte das instituições
[...] mas eu não consigo desconsiderar o
quanto ao reconhecimento de violências
fato especificamente no que diz respeito
à delegacia, o fato de eu ser um cara que transfóbicas. Para um membro da advoca-
morava em [bairro], de classe média, bran- cia atuante em âmbito de Direitos Huma-
co, então assim, e eu tinha plena consci- nos da população LGBTQIA+, as decisões
ência de que o que estava acontecendo do Supremo Tribunal Federal com relação
comigo não era o padrão, eu estudava na à população trans não têm efetivação. Ele
[universidade de prestígio] na época, fa- afirma que:
zia direito, então assim, sabe... o ponto é
que ter sido bem tratado, na verdade, meio Mesmo sabendo que transfobia é crime, as
que me faz acreditar que eles estavam só pessoas não ficaram intimidadas porque
assim: “Esse cara mora em [bairro]”, tem elas têm a confiança de que não vão sofrer
um viés classista, racista, para olhar e nenhum tipo de retaliação ou de sanção,
falar assim: “Precisamos tratar esse aqui melhor dizendo, por parte do Judiciário.
melhor, porque esse aqui...”, talvez não Deixa todo mundo muito seguro de que
conscientemente, claro, mas essa ques- não vai dar em nada. Até nas questões do
tão que não dá para a gente fingir que não próprio racismo mesmo, em relação a po-
tem. Mas assim, em relação à justiça es- pulação preta. A gente vê em (identifica a
pecificamente, eu acho que... individual- cidade) que não há repercussão (informa-
mente falando eu fui bem tratado, assim, ção verbal)46.
fui tratado como acho que deveria ter sido Quando questionadas sobre expectativas
tratado por todo mundo, em relação aos em relação à formalização da violência so-
juízes, mesmo a juíza que não pronunciou
frida, foi possível perceber alguns padrões
[os agressores] para o júri, foi uma audiên-
nas respostas das pessoas entrevistadas.
cia absolutamente respeitosa, que ela se
mostrou sensível à questão, o juiz, na au- Mencionou-se, por exemplo, o desejo de
diência do processo civil, a mesma coisa. algum tipo de resposta ou de penalidade
para quem cometeu a agressão. Contudo,
[...]
de modo geral, o aspecto que pareceu mais
marcante foi a busca pelo reconhecimen-
44 Trecho de entrevista com homem trans, 21 anos, negro, região Sudeste.
45 Trecho de entrevista com homem cis, gay, 37 anos, branco, região Sudeste.
46 Trecho de entrevista com membro da advocacia região Sudeste.
70
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
to da violação, o que implica o seu reco- importante, mas o Judiciário tem os seus
nhecimento enquanto sujeito de direitos. receios propositais, eu acho que o Judici-
Como apontado em entrevistas: ário comete... o Estado, enfim, mas o Judi-
ciário também reflete isso, um crime por
Eu queria, de alguma forma, reverter esse omissão, quando ele faz isso (informação
processo, mas eu não queria jamais estar verbal)49.
perto dessas pessoas de novo, tanto que
depois eu fui orientada a abrir um proces- Algumas pessoas também afirmaram que
so criminal, eles até falaram assim: “agora formalizar o registro da violência poderia
se você quiser, além desse dano que você ser uma forma de buscar resguardo e pre-
teve moral [...], eu falei: “Não, já basta a jus- venir que a situação piore ou escale para
tiça ter feito... ter ajustado isso, dito para um ato considerado mais grave. Como dis-
mim: ‘Você está certa, ela está errada’ [...]
se um entrevistado: “vou entrar com uma
eu queria pontuar para dar o susto nela
queixa-crime antes que aconteça algo”
e falar assim para ela: “Está vendo? Da
próxima vez, se acontecer isso, não faça
(informação verbal) ou outro que, agredi-
de novo, porque você já foi processada”, do fisicamente por um vizinho policial,
que é dar um limite, chega (informação busca formalizar o registro de ocorrência,
verbal)47. para no caso de “acontecer alguma coisa”
Eu fui demitida, [...] eu queria que fosse
com ele, saibam onde começar a buscar
logo, resultado logo, eu fiquei muito doí- (informação verbal).
da [...] eu ficava: sai esse resultado porque
Por vezes, também, o que faz entrar na
pelo menos a justiça é burguesa, eles acre-
ditam então, vai mostrar para eles que o
justiça não é a situação especificamente
meu lado estava certo [...] eu ficava em de violência reportada em si, mas o que
uma angústia, eu quero que resolva logo ela representa em termos de acúmulo de
para mostrar que eu estou certa, porque violações na experiência do sujeito. Nesse
acho que o fundamental é isso (informa- sentido, representa uma espécie de “gota
ção verbal)48. d’água”, que faz a pessoa insistir em dar
Eu queria só responsabilização, que ela algum encaminhamento para o ocorrido.
tivesse o desconforto de estar ali, mas eu Como ilustrado por uma das pessoas en-
gostaria da nomeação homofobia, porque trevistadas:
foi o que aconteceu, e isso o Judiciário não
Não tem esse lugar de reparação, não tem
me deu, o Ministério Público não me deu,
esse lugar de retratação, é uma formali-
então é quase como... até mesmo a lei do
zação, a gente formaliza, faz o pedido de
racismo, é quase a comparação de que
desculpa etc., mas existe um lugar muito
no Brasil não existe homofobia, no Brasil
incômodo, que a justiça nunca vai conse-
não existe racismo, você nomear isso é
guir acessar, que é esse lugar dolorido da
47 Trecho de entrevista com mulher travesti, 50 anos, branca, região Sudeste.
48 Trecho de entrevista com mulher trans, 42 anos, branca, região Sudeste.
49 Trecho de entrevista com mulher cis, lésbica, 32 anos, região Centro-Oeste.
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5. ATORES-CHAVE E OS DIÁLOGOS POSSÍVEIS
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RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
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5. ATORES-CHAVE E OS DIÁLOGOS POSSÍVEIS
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RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
na, sou promotora, você sofreu violência uma ação judicial. “A gente fica vulnerável
doméstica e o processo penal funciona as- porque não conhece os nossos direitos” é
sim, você vai receber uma intimação vai uma fala que expressa a necessidade de
ter um processo, vai ter medida protetiva,
ter mais informação.
não vai ter, ela explicava no dia do julga-
mento você vai receber uma cartinha, e ao Com exceção das pessoas entrevistadas
mesmo tempo ela encaminhava pra rede com formação ou atuantes na área do di-
de proteção. Só de fazer isso, a diferença,
reito, foram poucas as que souberam apre-
foi imensa. [...] E eu acho que deveriam
sentar detalhes sobre a qualificação jurí-
fazer isso com vítimas LGBT. Se tem um
lugar, você foi vítima de LGBT, uma agres-
dica ou os trâmites processuais das ações
são, ou uma ofensa, ou qualquer que seja; em que estavam/estão envolvidas. Como
olha eu vou te receber, eu vou explicar pra apontado em entrevistas:
você, olha funciona da seguinte maneira, Não lembro, eu tenho uns arquivos aqui,
eu vou explicar o processo penal, olha, a mas eu não lembro. Eu lembro que eu disse
gente não vai conseguir trazer uma inde- assim: ‘’olha, eu fui agredido e tal, e tal, e
nização pra você, mas a gente tem a de- tal, e tal’’, essa parte mais técnica de jus-
fensoria pública aqui, se você não tiver tiça, eu não sei, e eu não lembro se já tinha
condição de pagar um advogado. E aí evi- lei da homofobia se encaixada como racis-
dentemente a gente vai ter falado com a mo, eu não lembro, não sei. Contei o fato
defensoria pública, vai encaminhar essa e ele foi botando, e ele mesmo classificou
pessoa lá dentro, inclusive pelos corre- lá, mas eu não lembro a classificação dada
dores horrorosos do fórum. Era assim que não (informação verbal)55.
tinha que acontecer. Era o mínimo (infor-
mação verbal)54. Acredito que foi uma denúncia de transfo-
bia se não me engano, é que eu realmente
Essa dificuldade de saber como e por não me lembro, porque no momento eu
onde se mover, especialmente em situa- fiquei bem ansioso, foi uma semana bem
ções em que a pessoa se encontra muito ruim, então não sei, acho que de certa
forma isso apagou um pouco da minha
fragilizada, foi um dos aspectos princi-
mente, mas eu tenho todas as conversas
pais indicados nas conversas realizadas
arquivadas, por causa disso mesmo, ge-
para esta pesquisa. Foi apontada diversas ralmente quando eu fico muito ansioso
vezes a necessidade de oferecer mais in- eu esqueço como as coisas aconteceram
formações e suporte para que as pessoas (informação verbal)56.
saibam o que fazer no caso de uma situa-
[Entrevistadora: você teve dificuldade
ção de violência e discriminação, desde
de entender esses processos, esses trâ-
como fazer e a quem reportar a violência, mites...?]
até sobre quais são os procedimentos de
75
5. ATORES-CHAVE E OS DIÁLOGOS POSSÍVEIS
57 Trecho de entrevista com mulher cis, lésbica, 45 anos, região Sul.
58 Trecho de entrevista com homem trans, 22 anos, negro, região Sudeste.
76
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
foco da pesquisa, acho que geralmente a gostam de usar essa palavra realmente
gente ou é mal atendido ou as pessoas não para machucar. Em delegacia, especial-
entendem muito bem por que a denúncia mente. A coisa não anda, parece sem fim,
está sendo feita, porque elas não conside- que a coisa não avança. É muito triste isso
ram que a pessoa está sendo desrespeita- (informação verbal)61.
da, então geralmente isso é um empeci-
lho. E a maioria das denúncias, elas não As entrevistas destacam que é preciso
levam a lugar nenhum, geralmente é um saber que homofobia e transfobia são
constrangimento que você passa, ter que coisas diferentes. Embora ambas estejam
reviver toda aquela cena, para que no final vinculadas a preconcepções machistas e
nada seja feito (informação verbal)59. sexistas (BORILLO, 2015), a homofobia se
Eles não escutam a gente. [...] Eu já fazia relaciona diretamente à orientação sexual
boletim de ocorrência de transfobia, eu e a transfobia tem a ver com a rejeição a
fui agredida, eu sofri xingamentos pesa- identificações e expressões de gênero não
dos em rede social, e fiz alguns boletins normativas. Para mulheres trans e traves-
de ocorrência lá em 2016, 2015, 2017, nem tis, parece ainda ser muito forte o estigma
lembro as datas direito, mas já estamos
vinculado à “marginalidade” e ao excesso
em 2022, já faz bastante tempo já. Nunca
sexual (PELÚCIO, 2009; BARBOSA, 2013).
deu em nada. Absolutamente nada [...]
parece que assim, é traveco então real- Já, na experiência de homens trans, a falta
mente é um marginal. E não adianta a de reconhecimento de suas identidades
gente falar. Às vezes eu acho que eu sou parece ser o maior empecilho desencade-
um ponto quase fora da curva de escolari- ador de outras violações (ALMEIDA, 2012).
dade, de trabalho. Eu sou especialista, eu
sou mestranda, eu sou professora. Tenho A respeito de uma particularidade do en-
muito mais de um título. Para mim é pre- caminhamento de denúncias de homens
conceito institucional enraizado (infor- trans, a fala de um entrevistado com ex-
mação verbal)60. periência na gestão de atendimento da
[...] o Judiciário às vezes antigo, pesado, e população LGBTQIA+ é bastante interes-
fato, e eu vejo muito despreparo no início sante:
da dita polícia judicial. Onde eu mais sofri Eu recebi denúncias, ao longo desses
foi em delegacia. Desrespeito. Eu não fiz anos, de homens trans. Algumas denún-
mais boletim de ocorrência de agressão cias eram [...] essa questão do não respeito
porque eles não aceitavam fazer. Eu teria ao nome social ou a identidade de gêne-
feito mais. Eu tive que fazer boa parte de- ro, então era do tipo: “Olha, o banco não
les online, inclusive. É muito desrespeito. reconhece meu nome no cartão”, então a
Eles falam traveco. Às vezes no papel eles gente teve muita denúncia com relação ao
botam que é transexual, é homem, eles sistema bancário, e a gente atuou nessas
77
5. ATORES-CHAVE E OS DIÁLOGOS POSSÍVEIS
questões [...] nós levamos muitas institui- fobia em ações relacionadas à guarda de
ções bancárias para a mesa de debate na filhos gerados ou adotados previamente
Secretaria da Justiça para a compreensão ao processo de transição de gênero. Os
dessas identidades. Mas o que eu acho
relatos dão conta de uma série de precon-
pior, e o que eu também recebi muitas
ceitos e estereótipos que parecem negar
denúncias, e aí eu tenho maior dificulda-
de, é a questão do estupro, porque eu não
a possibilidade de que uma pessoa transe-
posso levar em uma DDM, a princípio, por- xual possa exercer a maternidade/paren-
que ali é uma identidade masculina, então talidade. Tais estereótipos espelham uma
não se trata de um estupro de uma mulher, suposta vida de festas e promiscuidade e
ao levar em uma delegacia comum, tinha de não reconhecimento das dificuldades
problemas de o delegado entender que que uma mulher trans enfrenta para con-
era uma identidade masculina, e portan- seguir trabalho, até acusações bem mais
to, era um crime praticado contra uma
graves, como a de abuso sexual. Essa últi-
identidade masculina. O que eu fiz como
ma situação foi relatada por uma entrevis-
fluxo no estado, todas as denúncias de
estupro eu levava para a delegacia espe-
tada que, após se separar da ex-esposa e
cializada [...] porque ali eles conseguiam pedir a regularização da guarda dos filhos
compreender essa identidade de gênero que já moravam com ela, foi surpreendida
masculina e esse estupro pelo qual eles com uma denúncia de que abusava das
tinham passado. Então você tem uma du- crianças, um processo criminal pelo qual
pla dificuldade, principalmente quando ela ainda está respondendo. Reproduziu-
se trata de violência sexual, porque você -se a seguir um trecho longo da entrevista
não encaixa nem em uma DDM e nem em
a respeito desse caso, pela riqueza de de-
uma delegacia comum. Com relação às
talhes sobre a situação:
outras denúncias, era mais fácil porque
a gente conseguia no âmbito adminis- [...] lá pelas tantas, do nada, ela fez um
trativo trazer para a mesa de mediação, o boletim de ocorrência que o ‘pai, que na
estado tem um trabalho de mediação de verdade é transexual, fica passando a mão
conflitos feito junto com o Tribunal de nas crianças no banheiro, passa quando
Justiça, onde invés de a gente transformar elas tomam banho’, que eu obrigo meu
a denúncia em um processo administrati- menino a botar roupa de menina para ir
vo, primeiro a gente abre a possiblidade para a escola, e que por conta disso, acha
de uma mediação de conflitos, e às vezes que eu estaria abusando as crianças. O bo-
se resolve ali, às vezes aí vira processo (in- letim de ocorrência fala basicamente isso.
formação verbal)62. O delegado, preconceituoso ao extremo,
fez o corpo delito todo. Fez corpo de de-
Já sobre a particularidade da experiência lito nas três crianças. Todos os quesitos
de mulheres trans e travestis, três das en- negativos. Fizeram uma entrevista com
trevistadas relataram ter sofrido trans- uma psicóloga da delegacia, outra que não
é preparada em questão de gênero abso-
78
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
79
5. ATORES-CHAVE E OS DIÁLOGOS POSSÍVEIS
que a diretora da escola ia falar uma coisa pequena, o judiciário também, claro, exis-
assim?” O promotor perguntou para ela. te uma demanda judicial grande nesse
“Por que a diretora da escola afirmou que país, obviamente, mas assim, as institui-
nunca viu atitudes estranhas, nunca viu ções, como um todo, são mal preparadas,
abuso, nunca viu nada?” Ela falou: “não, porque tem que dar uma atenção no olhar,
qualquer pessoa nesse mundo se vende.” para as pessoas LGBT, com muita atenção,
Enfim, mas mesmo assim, acabou com e parar de julgar estereótipos falhos. Eu
uma instrução processual, levamos todas não sei por que existe esse estereótipo.
as testemunhas, um monte de declaração
de idoneidade minha. Eu tenho um traba- [...]
lho lindo em rede social, tem um abaixo É hospital, é posto de saúde, é delegacia, é
assinado meu com 25 mil pessoas assi- promotoria, é judiciário, é CRES, é CRAS,
nando meu abaixo assinado, tem vídeo é conselho tutelar. Enfim, tem pessoas
meu no Youtube, tem muita coisa minha boas? Têm. Mas existe uma coisa enraiza-
em rede social por aí também. [...] Mos- da, e isso tumultua tudo, porque daí toda
trando todo o meu caráter, idoneidade, essa base de apoio, que são bases de apoio
pessoas que me conhecem, tudo. Enfim, do sistema judiciário, porque são ferra-
a gente não está para brincar. Eu aceitei mentas que já apoiam o judiciário de algu-
participar dessa pesquisa porque assim, ma maneira, tudo chega com informações
as pessoas são pré-julgadas por estereó- poluídas, com informações transfóbicas,
tipos inclusive equivocados. [...]. A juíza com informações falhas, com pessoas mal
que está nesse processo, na audiência, preparadas, só que tudo isso lambuza, e aí
ela chorou [...] mas a juíza estava fazendo lambuza o quê? Lambuza a nossa vida, a
um trabalho correto, esclarecer toda a vida de pessoas trans que também têm
cagada, toda a embromação que estão fa- filhos, acaba tumultuando, perde (infor-
zendo, eles estão acertando. O problema mação verbal)63.
é que tratamos às vezes de transfobia, no
meu caso tem criança envolvida, crianças Ademais, como apontado em entrevistas
de menor, e que estão num outro ambien- com operadores do sistema de justiça e
te, num outro ambiente poluído. A gente
segurança pública, a necessidade de pe-
acabou tendo algumas informações no
regrinação das vítimas de violência em vá-
decorrer de tudo, que as crianças estão
rias delegacias em busca de atendimento
sendo agredidas onde elas moram, que o
conselho tutelar da cidade em que elas adequado,em que muitos relatam não ter
estão já identificou a alienação parental, competências para acolher certos tipos
agressão emocional, agressão física. A de denúncias, contribui para a desistên-
outra mãe, era para ser obrigada a fazer cia da realização destas.
acompanhamento psicológico, ela não
faz acompanhamento psicológico, ela não A situação é mais dramática quando en-
leva as crianças no CRAS, em tudo que é volve violência contra mulheres trans ou
para fazer, então assim, e com isso, cidade lésbicas ao não conseguirem atendimento
63 Trecho de entrevista com mulher trans, lésbica, 40 anos, branca, região Sul.
80
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
nas delegacias especializadas em violên- mento, e muitas vezes... mas teve um dia
cia contra mulher: em específico que chegou a violentar ela
até de forma contra a integridade física
Então, hoje a gente sabe, né? Que as mu-
dela e ela foi à delegacia, né? Fez um regis-
lheres trans estão abarcadas dentro da Lei
tro, um boletim de ocorrência e solicitou
Maria da Penha, mas numa certa ocasião
uma medida protetiva. E aí na delegacia
eu tive um caso que a gente acompanhou
foi uma dificuldade grande para tentar
de uma menina que apanhou do marido,
convencê-los que se enquadraria, né? E
né? Ela tinha, mesmo que não reconheci-
tal, mas acabou que até deu certo. A dele-
da, uma união estável com esse menino
gacia fez um requerimento para o judici-
porque eles já viviam há mais de seis anos
ário e o juiz no caso negou alegando que
juntos, né? Então de fato era uma união e
não se tratava de aplicação da Lei Maria
ela acabou sofrendo uma violência desse
da Penha (informação verbal)65.
rapaz. A gente foi na delegacia da mulher,
a delegada da delegacia disse que não po- Nesse aspecto, foi ressaltada a necessi-
dia registrar o boletim de ocorrência. Que dade de oferecer mais suporte e escla-
era para ir para uma delegacia comum.
recimento para que as pessoas saibam o
Chegamos na delegacia comum, o dele-
que fazer no caso de uma situação de vio-
gado também, o escrivão que atendeu a
gente no primeiro distrito disse assim:
lência e discriminação, desde como fazer
não, a gente não registra boletim de caso a denúncia, até saber sobre quais são os
de Maria da Penha aqui. Daí eu falo assim: procedimentos de uma ação judicial. Des-
ah, então registre um boletim normal e de- taca-se a necessidade de treinamento po-
pois a gente vai buscar os meios legais. E licial, a população LGBTQIA+ tem receio
foi o que a gente fez porque se fosse depen- de denunciar, pois “a revitimização é cer-
der nessa questão a gente não tinha con- ta”, tal como será aprofundado no tópico
seguido registrar o boletim de ocorrência
a seguir.
(informação verbal)64.
81
5. ATORES-CHAVE E OS DIÁLOGOS POSSÍVEIS
82
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
nem uma queixa, para direcionar para Então, infelizmente... para a gente chegar
nenhum processo (informação verbal)66. no judiciário propriamente dito, a gente
tem que passar por essa primeira instân-
[...] enquanto vítima, você sofre uma vio- cia [a polícia], essa primeira instância não
lação, então você fica fragilizada, falar funciona... só funciona com você com um
sobre isso e buscar um combate, uma bom advogado do seu lado para fazer a
responsabilização, toda uma questão de coisa acontecer, senão ela não acontece
se mobilizar, de mobilizar desde um sis- (informação verbal)68.
tema de justiça, um sistema de polícia,
que ainda é muito despreparado, muito [A]té chegar ao processo, você precisa
insensível para qualquer tipo de oitiva, passar pela polícia, você precisa prestar
para qualquer tipo de escuta um pouco uma queixa para ter, e aí é que a coisa com-
mais sensível. E em qualquer situação, plica, aí você é constrangida, você é con-
independente da que for, quando você vencida a deixar para lá, e aí quando não
chega na delegacia, você devia ser ouvi- te fazem propostas financeiras, e você
do e reduzido a termo a suas declarações, não consegue encaminhar nunca para a
e geralmente, o policial, o delegado, ele já efetivação de um processo jurídico, não
quer fazer meio que... passou no concurso tem como chegar para abrir um processo
errado, quer ser o juiz ali do seu caso e ele se eu não tiver pelo menos uma queixa
decide se ele vai registrar ou não [...]. Mas o na delegacia. Agora, essa pré-condição,
difícil em procurar é desde um direito eli- aí se encontram todos os problemas que
tizado, então se você vai procurar um pro- dificultam a nossa vida, porque processos
fissional para te acompanhar, para você jurídicos até se encaminham, mas essa
ser um pouco menos violado nesse proce- pré fase é complicada [...] todas as vezes
dimento, tem um custo geralmente, e não que os policiais argumentavam para mim
adianta falar que tem defensoria, eles não era como se eu não tivesse razão, se aqui-
fazem esse serviço, propositalmente são lo não representasse nada, não precisava
poucas defensorias para a quantidade de encaminhar com aquilo: “Não vale a pena,
demandas, para nós pelo menos aqui, no deixa quieto” (informação verbal)69.
estado acho que nem delegacia especia- Ele disse assim, isso, ‘você veio em uma
lizada em crimes de homofobia não tem, delegacia falar de uma homofobia, falar de
então tudo isso vai se somando, a violên- LGBTfobia, não faz o menor sentido por-
cia, a pessoa já está fragilizada, o tempo que a delegacia é para crime, está bom?’
para você fazer o boletim são seis meses, Como se não fosse [para isso]. ‘É para cri-
às vezes acontece reiteradas violações me. Se você tivesse uma prova. Você sabe
nesse período, você vai se fragilizando, quem foi?’ [...] Quando a gente procura aju-
se fechando, então tem tudo isso (infor- da em um órgão, em um setor que era para
mação verbal)67. proteger a gente, é como se a gente fosse
66 Trecho de entrevista com mulher travesti, 50 anos, branca, região Sudeste.
67 Trecho de entrevista com mulher cis lésbica, 32 anos, região Centro-Oeste.
68 Trecho de entrevista com homem gay, 50 anos, região Sudeste.
69 Trecho de entrevista com mulher travesti, 50 anos, branca, região Sudeste.
83
5. ATORES-CHAVE E OS DIÁLOGOS POSSÍVEIS
avacalhado, sabe? E isso acaba, de algum são que você sente, que você passa, você
modo, desmotivando e dando a entender... fala assim: “Não vou nem pensar em cha-
E olha que a gente [...] tem um estudo mi- mar, porque não vai dar certo”. Então exis-
nimamente [...] Eu fico pensando como é te uma política de panos quentes, existe
que essas pessoas [..], sem conhecer, vão uma repetição de procedimentos de deixa
ter acesso. Se eu que tinha uma clareza, para lá, que nas próximas, ao invés de você
estou amedrontada, ainda estou passan- ser estimulada a entrar com o processo,
do por um terror, mas eu tinha algum co- você é desestimulada a... não vou correr
nhecimento de onde pedir ajuda, não que atrás disso porque eu sei exatamente qual
pudesse resolver, mas que alguém pudes- é o discurso (informação verbal)71.
se me ouvir, me ajudar, e eu fui ridiculari-
zada para praticamente todos dentro da Durante as entrevistas com vítimas de
delegacia que eu estava dizendo que eu LGBTfobia, foram apontados paralelos
estava sendo ameaçada de morte. Eram com os processos de denúncia de casos de
vários crimes. Era o crime de homofobia racismo e de casos de violência domésti-
primeiramente. Era um crime de ameaça ca contra a mulher. Um dos entrevistados
de morte e violência e ele estava passando relatou tentativas de denunciar situações
os meus dados, dados pessoais, para inú-
de racismo em que no atendimento na de-
meras pessoas que eu não sei nem quantas
legacia tentaram dissuadi-lo de prosse-
pessoas no país tiveram acesso e o dele-
gado me ridicularizar mesmo assim. Ele guir, alegando não haver o que registrar
desqualificou completamente (informa- ou provas a serem apresentadas e que o
ção verbal)70. nome dele ia ficar “pra sempre ali no re-
gistro” (informação verbal). Em entrevis-
Por parte das vítimas, a experiência ne- tas com operadores do sistema de justiça,
gativa e a descrença na polícia podem apontou-se ser frequentes as revitimiza-
refletir também na descrença no sistema ções nas delegacias, em que, por exemplo,
de justiça como um todo, uma vez que, questionava-se se as vítimas haviam pro-
para as pessoas em geral, a polícia apare- vocado a situação.
ce como a porta de entrada para a justiça,
tanto em sentido prático quanto em sen- Os entrevistados afirmaram ser relevan-
tido simbólico. Como pontuou uma entre- tes os esforços quanto à promoção de ca-
vistada: pacitações e especializações sobre o tema
com implicações diretas para garantir
Então, existe uma lacuna aí, que é um va-
zio, que se você conseguir contornar isso, entendimento mais homogeneizado do
você consegue um processo [...] antes dis- fenômeno e um atendimento sensibiliza-
so eles demovem a gente dessas ideias, do. Contudo, para além das capacitações,
deixa para lá, é um caso menor, mas é uma mostra-se ainda necessário proporcionar
sequência de tantos, que a próxima agres- acesso e acolhimento às pessoas que bus-
70 Trecho de entrevista com mulher cis, heterossexual, 38 anos, região Nordeste.
71 Trecho de entrevista com mulher trans, 50 anos, branca, região Sudeste.
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RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
cam a segurança pública a fim de registrar qual a forma correta de atender a grupos
ocorrências. vulneráveis que buscam a delegacia:
Durante as entrevistas, foi possível perce- A primeira coisa é perguntar o nome so-
cial e de acordo com o nome social, tratar
ber que não há uma política institucional
de acordo com o pronome correto, ele ou
da segurança pública em disponibilizar
ela. E nós criamos um protocolo aqui. É
cursos de formação e capacitação para uma cartilha unificada de orientação
os(as) delegados(as) que atuam com a pau- que envolve todos os grupos de vulnerá-
ta de diversidade. As iniciativas de cursos veis: LGBT, vítimas de racismo, migran-
são esporádicas e a adesão é realizada de tes, refugiados, apátridas, portadores de
acordo com o interesse individual dos(as) deficiência e tal. Então a gente tem essa
agentes. Sendo assim, a atuação com a cartilha que foi remetida pelo departa-
pauta é tratada no campo da sensibilidade mento e está em fase de correção para ser
implantada. Então tem algumas ali até a
sobre a temática:
questão racial né? Nós colocamos ali: olha,
[...] A pessoa tem que ter sensibilidade nas palavras que você não deve usar né? Aí co-
matérias. A matéria né? E eu sempre lidei locamos ali várias palavras que não devem
com grupos vulneráveis, né? Sempre em ser utilizadas, vários termos... A questão
delegacia de mulher, delegacia de prote- do nome social, a importância de tratar a
ção à criança. Então você tem que ter uma pessoa pelo nome social. Se tem dúvida de
afinidade com a matéria, uma sensibili- como tratar a pessoa, perguntar pra ela o
dade e disposição para poder aprender. nome social e a partir do nome social... En-
Porque a gente né? Eu fiz o curso de ca- tão tem todas essas recomendações né? E
pacitação, mas eu ainda tenho muito o sempre entender que, a gente até consta
que aprender. E eu acho que agora atuan- isso na cartilha, que a dimensão da dor só
do na área, tendo acesso aos inquéritos, pode ser calculada, só pode ser vivenciada
vendo as situações que acontecem, o que pela vítima. Nós não ficamos assim: não,
que leva a pessoa a procurar a delegacia nós não vamos registrar isso aqui, porque
e, principalmente, o que leva a pessoa a isso aqui não é nada e tal e sabe. Registra e
não procurar a delegacia, que é a subnoti- depois você analisa (informação verbal)73.
ficação... Então é ter essa disponibilidade
(informação verbal)72. Esse trecho da entrevista traz dois pontos
importantes para reflexão, o primeiro diz
Em que pese o pouco acesso à capacitação respeito à compreensão sobre a impor-
e a ausência de protocolos de atendimento tância do uso correto do pronome de tra-
à população LGBTQIA+ nas delegacias, em tamento durante o atendimento das pes-
uma das entrevistas realizadas, foi infor- soas nas delegacias. Em entrevistas com
mado a elaboração de cartilha destinada membros dos movimentos sociais, esse
aos(às) policiais com o intuito de indicar ponto demonstrou ser bastante sensível
85
5. ATORES-CHAVE E OS DIÁLOGOS POSSÍVEIS
para que a população LGBTQIA+ se sinta para esclarecimento, fui até lá e eles não
respeitada dentro das instituições do queriam colocar que a violência tinha
sistema de segurança pública. O respeito acontecido por transfobia, eles queriam
falar que ela tinha sofrido racismo, mas
no uso do pronome adequado é o ponto de
ela tinha sofrido transfobia e racismo e
partida para o atendimento dessa popula-
eles não queriam colocar transfobia por-
ção. A outra questão que o trecho aponta que já tinha o racismo, só que se você co-
diz respeito ao acolhimento do relato da loca apenas racismo, se você não deixar
vítima, mesmo que, em um primeiro mo- especificado ali que tem a transfobia, eu
mento, não haja todos os elementos para ia ter problema lá na frente, então tive que
caracterizar a denúncia, é importante brigar. Você ter ideia passei duas horas e
registrá-la para posterior análise e reali- meia na delegacia discutindo com o dele-
zação de diligências. gado, ele queria que eu buscasse a própria
decisão do STF que tinha criminalizado
Após o acolhimento das vítimas, outro LGBTfobia, que segundo ele não conhecia
grande desafio das delegacias refere-seà (informação verbal)74
inserção correta do tipo de violência nos
Em alguns estados, os(as) entrevista-
sistemas disponíveis. Com relação a essa
dos(as) relataram que o campo sobre
questão, houve entrevistados(as) que
identidade de gênero já está disponível
apontaram a limitação dos sistemas ope-
no sistema das delegacias, mas que na
racionais na diferenciação do tipo crimi-
maioria não é adequadamente preenchi-
nal, após o STF enquadrar a homofobia e a
do, por questões como desconhecimento
transfobia no art. 20 da Lei n. 7.716/1989,
dos(as) delegados(as) sobre a necessidade
que criminaliza o racismo. Em algumas
de preenchimento dessa informação, mas
delegacias, não há campo específico, no
também por constrangimento em realizar
qual é possível diferenciar se o caso é de
perguntas fundamentais, tal como sobre
uma injúria racial ou de LGBTfobia.
com qual gênero a pessoa se identifica.
Cada estado trabalha de uma forma e a
Nós conseguimos sim. O sistema é um sis-
gente não tem nos boletins de ocorrên-
tema inteligente e ele tem esses recursos.
cia o crime de LGBTfobia como marcador,
Aí volta na capacitação dos policiais. Por
a gente tem o racismo e isso é um proble-
quê? Porque muitas das vezes o policial
ma inclusive na questão de dados, por que
porque para ele... para que as telas sejam
todos entram como racismo, a partir do
abertas para a gente identificar se trata-
momento que você não tem um filtro que
-se de um trans, se trata-se de um homo,
não sabe o que foi que o racismo LGBT e o
se trata-se de um bissexual... enfim, para
racismo ocorrido por raça cor da pele, en-
que a gente pontuasse exatamente qual
tão esse é sim um problema. Um exemplo,
dessas categorias aquela pessoa que tá
foi registrado um boletim de ocorrência
sendo atendida se enquadraria, você te-
de uma cliente minha e ela foi chamada lá
86
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
ria que fazer perguntas para a pessoa. E ter sido um agravante no contexto do cri-
aí isso é complicado, porque tem alguns me, os(as) entrevistados(as) relataram a
policiais que não se sentem à vontade. resistência dos agentes em reconhecer
Porque existe essa pergunta tipo “você se
essa problemática.
classifica como o que? Você é homo? Você
é bissexual?”, entendeu? Então essa abor- Essa falta de reconhecimento se inicia nas
dagem inicial, o policial tem receio de fa- delegacias, são endossadas pelo Ministé-
zer, tem receio da resposta, tem receio de
rio Público, que não solicita novas dili-
às vezes não saber conduzir o restante da
gências, e em muitos casos são validadas
entrevista. Então às vezes ele olha “ah o
cara tá com pinta de homem, vou botar
pelo Poder Judiciário. Essa invisibilidade
que é homem. Tá com pinta de mulher, da LGBTfobia é combatida especialmen-
vou botar que é mulher”, você entendeu? te nas cidades que possuem a organização
(informação verbal)75. de movimentos sociais. Esses, quando
presentes, atuam com as instituições do
Em outra entrevista, foi informado que sistema de justiça criminal na cobran-
crimes de LGBTfobia acabam por figurar ça de respostas às violências sofridas
nas estatísticas como homicídio ou lesão e insistem no reconhecimento da LGB-
corporal, sem o marcador de LGBTfobia. Tfobia. Além disso, a presença de advo-
Na concepção de um(a) delegado(a) en- gados(as) ou defensores(as) públicos(as)
trevistado(a), os portais de atendimento capacitados(as) sobre a temática durante
(Delegacia, Poder Judiciário, Ministério o registro nas delegacias é essencial para
Público e outros) devem ter locução com evitar violações de direitos da população
aspectos de acolhimento e compreensão, LGBTQIA+.
pois:
Às vezes a gente está no corre e acha que
Um outro momento de atenção menciona-
isso aqui não é prioridade, mas é aquilo do diz respeito à atuação do Instituto Mé-
que eu digo [...] só mesmo a vítima conse- dico Legal. Apontado como binário, o en-
gue dimensionar a dor que ela está sen- tendimento da instituição parece reforçar
tindo, a dor com que ela se sentiu naquela a visão de que a genitália está diretamente
humilhação (informação verbal)76. relacionada ao gênero, independentemen-
te da identidade e expressão de gênero das
Além disso, são frequentes os relatos so-
pessoas envolvidas. Tal como indicado em
bre a demora do inquérito policial e o re-
entrevista:
conhecimento da LGBTfobia por parte do
sistema de segurança pública, mesmo que A gente está discutindo com ele a mudan-
em um crime haja elementos que apontam ça no boletim de ocorrência. Porque o bo-
letim de ocorrência é onde tudo acontece
que a identidade de gênero da vítima pode
pra Secretaria de Segurança Pública né? O
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5. ATORES-CHAVE E OS DIÁLOGOS POSSÍVEIS
88
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
na forma como os serviços são ofertados. seu idioma, o que a levou a desistir do pro-
Durante o campo em cidade da região cesso naquele momento.
Centro-Oeste, representante da Defen-
O sistema de segurança pública foi desta-
soria Pública relatou que, apesar da sig-
cado como uma das principais barreiras
nificativa população indígena presente
no acesso à justiça de vítimas de LGBTfo-
no estado, o órgão dispõe apenas de uma
bia, sendo destacada a atuação de poli-
antropóloga especialista em questões in-
ciais e servidores(as) de delegacias, mui-
dígenas, que atende a demandas vindas de
tas vezes contribuindo para situações de
todo o estado. Foram também relatadas
violações de direitos. O sistema de justi-
dificuldades em relação a outras institui-
ça, contudo, muitas vezes apresenta uma
ções, incluindo, por exemplo, o caso de
continuidade de situações de violações
uma mulher trans indígena que buscou o
e, assim, de barreiras de acesso à justiça,
cartório para retificação do seu nome, mas
tal como será aprofundado no próximo
não conseguiu acessar o serviço, pois no
tópico.
cartório não havia ninguém que falasse o
89
5. ATORES-CHAVE E OS DIÁLOGOS POSSÍVEIS
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RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
vigor, ou de alguma política pública que co, do acolhimento articulado com os gru-
está em vigor (informação verbal)81. pos das mães e o grupo [nome], com finan-
ciamento via bolsa, depois com a emenda
Ainda, a atuação de grupos organizados parlamentar. Então a gente consegue en-
da sociedade civil vem se mostrando cres- trar com mais recursos financeiros, estru-
centemente relevante no ajuizamento de tura aí duas salas para isso né? Ao ponto
ações de controle de constitucionalidade da gente seguir e fazer uma pressão com a
(ações diretas de inconstitucionalidade, mudança de gestão da Prefeitura [nome] e
arguições de descumprimento de preceito a gente consegue operar um grupo de tra-
balho, né? (informação verbal)82.
fundamental) nas ações civis públicas ou
na realização de advocacy no Poder Legis- Para o entrevistado da região Nordeste, o
lativo. Um exemplo mencionado foi a ela- elemento caracterizador do centro de re-
boração por advogados(as) privados(as) de ferência é a prestação de serviço psicos-
modelos de notificação extrajudicial para social e jurídico:
assessorar professores(as) do ensino bási-
O centro de referência é um serviço de
co em caso de denúncias sobre “ideologias
apoio à população que sofreu alguma for-
de gênero” no âmbito das discussões so- ma de violação de direito em razão da sua
bre “escolas sem partido”. orientação sexual ou da sua identidade
de gênero. E a gente tem, né? O eixo cen-
Também a atuação de equipamentos espe-
tral do nosso atendimento é a dimensão
cializados foi destacada nas entrevistas. do suporte psicossocial e jurídico. Então
Os atendimentos individualizados são primeiro a pessoa passa pelo atendimento
realizados nas sedes das organizações ou para escuta do serviço social que analisa
em centros de referência – equipamentos se a pessoa necessita desse olhar do as-
públicos, fruto de parcerias com univer- sistente técnico em direito ou da nossa
sidades ou Poder Executivo, que contam psicóloga (informação verbal)83.
com equipe multidisciplinar. Como bem
Entretanto, vale destacar também que ou-
observou um entrevistado, o centro é um
tras políticas voltadas para acolhimento
aglutinador:
da mulher vítima de violência resistem
Então esse polo cria o Centro de Referên- a atenderem mulheres trans e travestis.
cia, pela necessidade de termos um espa- Uma entrevistada integrante da Defen-
ço catalisador dessas forças, que é isso soria Pública da região Sul afirmou:
que o centro se tornou. Um catalisador,
um aglutinador né? Então a gente se es- Primeiro que as meninas, as mulheres da
trutura do ponto de vista mesmo de um recepção não têm uma formação, não tem
centro de referência com atendimento um mínimo de conhecimento nessa ques-
psicossocial, de direito pela via do jurídi- tão de atender essas pessoas, né? Já tive-
91
5. ATORES-CHAVE E OS DIÁLOGOS POSSÍVEIS
92
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
dores(as) para tratamento aos(às) assisti- pessoas para além daquelas que efetiva-
dos(as) e a pessoas internas à própria de- mente buscaram a Defensoria.
fensoria, pois se reconhece o problema da
Em entrevista com membros(as) da Defen-
LGBTfobia institucional. A proximidade
soria Pública da região Sul, foi apontada
de movimentos sociais e organizações da
também a promoção de uma série de mu-
sociedade civil, de maneira geral, pare-
tirões de retificação de nome e gênero.
ceu contribuir para o funcionamento do
Após identificarem entraves com relação
órgão.
a alguns cartórios, a adoção da medida
A Defensoria Pública atua nos dois tipos vem contribuindo para a promoção da ci-
de atendimento, tanto numa perspecti- dadania de pessoas trans e travestis, es-
va coletiva quanto numa perspectiva in- pecialmente atuando na garantia do aces-
dividual, que pode ou não ter relação com so à gratuidade. Foi ainda relatado que o
sua orientação sexual ou identidade de Provimento n. 73 do CNJ melhorou muito
gênero. Nesse sentido, deve ser ressalta- a condição da retificação, pois “quando
da a atuação dos núcleos especializados, dependia de judicialização o Ministério
que também atuam em ambas as frentes, Público oficiante na vara de Registros Pú-
trabalhando com demandas estratégicas blicos tinha um posicionamento muito
ou ainda individuais com repercussão co- conservador” (informação verbal), o que
letiva, além do atendimento individuali- prejudica o direito ao nome de inúmeras
zado. Vale ainda mencionar o atendimen- pessoas.
to a públicos específicos, como pessoas
No âmbito individual, foi ressaltado du-
LGBTQIA+ indígenas e em situação de pri-
rante diversas entrevistas que casos de
vação de liberdade.
equiparação da LGBTfobia ao crime de
Um dos exemplos de atuação coletiva da racismo raramente chegam até a insti-
Defensoria Pública refere-se ao acesso e tuição. Nos relatos de delegacias parcei-
ao respeito do nome social por pessoas ras, foi informado que essas instituições
trans e travestis. Em entrevista, membro também identificam essa subnotificação
da Defensoria Pública da região Sudeste dos casos. Vale destacar que essa subno-
disse receber muitas demandas de des- tificação também pode ser explicada pela
cumprimento do nome social em centros forma como são registradas as denúncias
de acolhida e no âmbito prisional. Expli- e os processos, já que, mesmo havendo ca-
cou que as demandas chegavam de forma ráter LGBTfóbico, ele pode não ser regis-
individual, pelo qual precisou modificar trado desta forma.
sua atuação, prevendo que outras pessoas
Finda destacar que a Defensoria Pública
também estariam passando pela mesma
se mostra uma instituição mais acolhe-
problemática. Assim, a atuação da Defen-
dora aos movimentos sociais e ao públi-
soria nessa esfera passou a ser coletiva, a
co em geral, e em especial à população
fim de que beneficiassem também outras
93
5. ATORES-CHAVE E OS DIÁLOGOS POSSÍVEIS
LGBTQIA+, contudo, mesmo para essa ins- das ao campo, anteriores ao seu ingresso
tituição, foi avaliado pelos(as) entrevista- na instituição.
dos(as) haver necessidade de melhorias e
Essa atuação pontual e pessoalizada de
mais participação em conjunto com os
promotores(as) e procuradores(as) cor-
demais órgãos.
responde ao que Cátia Silva (2001, p. 127)
identificou como dois “tipos ideais” de
5.4.3. MINISTÉRIO PÚBLICO promotores(as), segundo seus estilos de
atuação: os “promotores de fatos”, que
Durante as entrevistas, apontou-se que
recorrem prioritariamente a meios ex-
o Ministério Público é considerado uma
trajudiciais, à mobilização de recursos
instituição que enfrenta dificuldades na
da comunidade e à articulação política, e
compreensão quanto a questões de gêne-
os “promotores de gabinete”, que tendem
ro e sexualidade. Indicou-se que, mesmo
a se enxergar predominantemente como
quando há coordenadorias especializa-
“fiscais da lei” e a agir reativamente, não
das – as coordenadorias operacionais
se vendo como articuladores políticos
– de referência na temática LGBTQIA+, a
nem como “autoridade que deve cobrar
questão da independência funcional do(a)
continuamente do poder público a im-
promotor(a) de justiça pode influenciar
plementação de políticas e programas
na compreensão da violência LGBTfóbi-
sociais”.
ca, passando ao largo das orientações da
área especializada. Assim, muitas vezes Não foram identificados dados consolida-
a atuação do Ministério Público em prol dos sobre a atuação do Ministério Públi-
das vítimas de violência LGBTQIA+ tende co em relação à violência contra pessoas
a ser personalizada na figura de certos(as) LGBTQIA+. Lemgruber, Ribeiro e Duarte
promotores(as) e não em uma postura ins- (2016) identificaram pelos sites do Mi-
titucional. nistério Público dos estados apenas três
instituições com áreas temáticas voltadas
A atuação pessoalizada de membros do
à população LGBTQIA+. No mesmo senti-
Ministério Público em temas relacionados
do, o Mapa da Cidadania elaborado pela
a direitos de grupos vulneráveis foi verifi-
Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e
cada por Luciana Garcia (2018) ao analisar
Transexuais (ABGLT, 2022) indica que so-
a atuação do sistema de justiça em graves
mente o Ministério Público dos Estados do
violações de direitos humanos. Semelhan-
Maranhão, Sergipe e Pernambuco contam
te ao identificado nesta pesquisa, a autora
com núcleos específicos.
verificou que o grupo de promotores(as)
de justiça com atuação sistemática em di- Em entrevista, um integrante do Minis-
reitos humanos é formado por profissio- tério Público da região Sul refletiu sobre
nais com trajetórias pessoais relaciona- duas possibilidades de atuação da insti-
tuição ainda pouco exploradas:
94
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
Uma seria aos atos diretos de LGBTfobia, tão, essas políticas públicas, o Ministério
que é uma atuação cível e que é muito des- Público, segundo o artigo 129, inciso II,
considerada. Tanto por desconhecimen- da Constituição, tem o dever de garantir
to, quanto porque se considera que esses a correta prestação e zelar pela correta
fatos não são tão relevantes. É uma atua- prestação dos serviços públicos. Então,
ção que pode ser desenvolvida a partir da tem que fazer com que esses serviços pú-
Lei de Ação Civil Pública, não sei se você blicos superem as dificuldades peculiares
conhece a Lei de Ação Civil Pública, arti- que a população LGBTQIA+ enfrenta (in-
go 1, inciso VII, VIII ou IX. Um dos incisos formação verbal)85.
fala que é cabível a ação civil pública para
cobrança de danos morais coletivos, por A atuação do Ministério Público sobre a
atos praticados contra grupos raciais. E população LGBTQIA+ vítima de violência
agora com a decisão do STF, grupos raciais ocorre no âmbito cível (ações judiciais
são os grupos LGBTQIA+. Portanto, um ato movidas pela sociedade civil organiza-
de LGBTfobia configura dano moral cole- da, pela Defensoria Pública, por particu-
tivo e o Ministério Público tem que inves- lares), na função de custos legis, como
tigar isso na esfera coletiva, pode realizar
fiscal da lei. Atua, assim, como titular da
acordos ou em último caso ajudar ações ci-
ação penal pública incondicionada, que
vis públicas. E essas ações civis públicas
por LGBTfobia são muito pouco utilizadas. pode também ocorrer por provocação da
Então eu acho que a gente precisa avançar polícia judiciária, a partir da instauração
bastante nesse campo. de um inquérito policial quando a vio-
lência se enquadra em algum tipo penal.
[...]
Contudo, não foram identificados dados
E por último, uma outra atuação do MP que consolidados que demonstrem a atuação
a gente aqui tem desenvolvido é o acom-
do Ministério Público no enfrentamento
panhamento das políticas públicas, o
da violência contra a população LGBTQIA+
acompanhamento no geral, para verificar
na área da saúde, na assistência social, na em termos coletivos (instauração de in-
educação, na educação nem se fala, agora quéritos civis públicos, ajuizamento de
com a ideia de “ideologia de gênero”, para ações civis públicas) ou no acompanha-
dar liberdade aos professores, para garan- mento de políticas públicas voltadas à
tir que haja serviços públicos adequados população.
a cada letrinha da população LGBTQIA+.
Por exemplo, uma amiga minha transexu- Já o Conselho Nacional do Ministério Pú-
al falou esses dias de um urologista para blico86 editou as seguintes normativas
uma mulher transexual, isso é uma coisa que orientam a atuação dos membros do
que um homem cis nunca iria pensar, mas Ministério Público sobre a proteção de
é importante, tem que ser garantido. En- direitos de pessoas LGBTQIA+:
95
5. ATORES-CHAVE E OS DIÁLOGOS POSSÍVEIS
96
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
atos normativos criado pelo Conselho atuação do Conselho quanto aos direitos
Nacional de Combate à Discriminação e da população LGBTQIA+ contribui para a
Promoção dos Direitos LGBT e a possibili- maneira como os órgãos estatuais atuam
dade da aplicação dos parâmetros fixados
sobre o tema. Nesse sentido, cabe obser-
pelos membros do Ministério Público (PIC
var também ações de acompanhamento
n. 0.00.000.000080/2019-11).
do cumprimento das notas técnicas e por-
Entretanto, não foram localizados dados tarias, de forma a fomentar a uniformiza-
sobre resultados do procedimento interno ção da atuação do Ministério Público dos
mencionado. estados.
• No relatório de 2015, a seguinte refe-
No que se refere à atuação do MP em casos
rência94:
de LGBTfobia que chegam até a institui-
Aprovou a Nota Técnica n. 4 sobre a ne-
cessidade de criação e instalação dos ção, as entrevistas mostraram alguns
Comitês de Enfrentamento da Homofo- desafios quanto ao seguimento dos pro-
bia, que integram a estrutura do Sistema cessos. Para a aplicação do tipo penal do
Nacional de Garantia dos Direitos Huma- racismo à LGBTfobia, o Ministério Público
nos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Tra- “precisa querer processar”, como apontou
vestis e Transexuais (Processo CNMP n. integrante da advocacia da região Sudes-
0.00.000.001436/2014-20). te. Identificou-se nas entrevistas com
• No relatório de 2014, a realização de operadores do Direito que a pena elevada
campanhas e participação em evento do tipo penal pareceu ser um óbice em
sobre a defesa do estado laico.95 A par- muitas situações, entendimento que foi
tir de 2018, o CNMP passou a divulgar contrastado com o processamento de ou-
dados sobre a atuação judicial e extra- tros tipos penais, como o tráfico de dro-
judicial do Ministério Público dos esta- gas, no qual o tempo de pena não parece
dos e da União, na publicação “MP, um
ser impedimento para a aceitação de de-
retrato”. Trata-se de uma plataforma
núncias por parte do Ministério Público.
que sistematiza informações sobre a
atuação do Ministério Público nos es- E aí, por outro lado, quando a pessoa é
tados no âmbito extrajudicial, judicial vítima né? Ainda que você consiga regis-
(cível e criminal), em procedimentos trar na delegacia e tudo mais... o Estado...
específicos (relacionados ao direito da porque nós estamos falando aí também
infância e juventude e direito eleitoral) de uma ação penal incondicionado né...
e atendimento ao público. o racismo a LGBTfobia, mas o Ministério
Público precisa então querer processar.
Vale ressaltar que, a despeito da autono- E aí muitas vezes vai olhar aquela situ-
mia funcional dos(as) membros(as) do ação com todas as provas e tudo mais e
Ministério Público em relação ao CNMP, a achar que não se enquadra no crime de
97
5. ATORES-CHAVE E OS DIÁLOGOS POSSÍVEIS
LGBTfobia dentro ali do racismo. Porque suficiente para chegar à conclusão que a
o racismo tem uma pena alta também pessoa é traficante. Porque, droga, naque-
e tudo mais e tal. E aí a pessoa, a autori- le local e conversando com mais de uma
dade vai muitas vezes olhar pra aquilo pessoa, é conduta de traficante. Eles já
e falar que não está preenchido aqui. E conseguem interpretar a intenção da pes-
isso aconteceu também... é muito difícil soa, com a intenção de venda do produto,
quando a gente tenta promover as ações. não há muita dificuldade pra isso. Agora,
Quando o Ministério Público promove, a mesma pessoa, quando encontra alguém
por exemplo, ações de tráfico de drogas, que ofende, que pratica alguma discrimi-
você vê às vezes uma pessoa que é presa nação contra a população LGBTQIA+, ele
com dois baseados e é condenada no trá- vai dizer: “Não, mas veja, não é assim,
fico há cinco anos. Aí quando a gente vai tem primo gay”. As mesmas circunstân-
para crimes assim, né... Eu tive um caso de cias que serviriam para demonstrar que
um rapaz que é chinês e sofreu xenofobia, aquela conduta era LGBTfóbica, aí já não
né? Sofreu racismo por conta disso agora serve, se exige uma prova divina, uma
durante a pandemia de uma vizinha. E o prova quase impossível. Eu brinco, eles
Ministério Público não quis tocar para exigem que o sujeito tenha tatuado na ca-
frente depois (informação verbal)96. beça “sou LGBTfóbico” ou que ande com
um crachá. A gente precisa presumir por
No mesmo sentido, a fala de integrante intermédio das circunstâncias razoáveis
do Ministério Público da região Sul mos- de que aquela é a intenção da pessoa. Exis-
tra que: te uma dificuldade muito grande nesse
sentido. Eu acho que o Ministério Público
Eu acho que com relação aos crimes de
tem que fazer essa correta interpretação,
LGBTfobia, o Ministério Público tem a fun-
tem que provocar o Judiciário para fazer
ção de ajuizar as ações, investigar por con-
essa correta interpretação, a cúpula da
ta própria ou conduzir as investigações
polícia, exigir que sejam feitas a tempo
por intermédio da polícia, atender bem
e com cuidado, isso no âmbito criminal
as pessoas, fazer uma interpretação cor-
(informação verbal)97.
reta da LGBTfobia, não exigir uma prova
impossível da LGBTfobia. É engraçado que Assim, dois aspectos a serem destacados
muitas vezes os mesmos promotores, os
na atuação do Ministério Público é a exi-
mesmos juízes, os mesmos delegados que
gência de “provas impossíveis” para ca-
são super rigorosos com crime praticado
por pessoas pobres, pessoas negras, por racterização da LGBTfobia e a equiparação
exemplo, o tráfico de drogas, o sujeito foi ao racismo ou injúria racial. Essa situação
pego com um pouco de maconha e tem de- pode ser explicada pela falta de compre-
poimento de policiais dizendo que viram ensão sobre questões relacionadas à iden-
ele conversar com outras duas pessoas tidade de gênero e à orientação sexual.
que estavam passando, pronto, isso já é
98
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
Por outro lado, cabe ressaltar que, por Sua experiência permitiu saber quais ca-
meio das entrevistas, também foi possí- minhos buscar se porventura for nova-
vel identificar respostas institucionais mente vítima de violência ou sofrer vio-
emblemáticas para o melhor atendimento lação de direitos.
dessa população. Nesse sentido, a atuação [O atendimento no CAV] me trouxe uma
dos núcleos especializados foi considera- visão, porque até então eu não sabia o
da importante para um atendimento hu- que era Ministério Público, eu não sabia.
manizado. O atendimento especializado Eu entendia justiça, na época, como sen-
no âmbito do Ministério Público foi desta- do algo que só fazia justiça quando que-
cado por uma mulher trans que passou por ria, então quando eu recebi esse amparo
uma experiência de violência doméstica: foi algo, assim, [...] que não tratou só da
criminalidade e sim também da minha
Bem, o principal foi esse atendimento saúde, do meu bem-estar, do meu resga-
que eu tive dentro do Ministério Público, te como cidadã também, inclusive eu
que é um órgão auxiliar [...], que se chama entrei dentro desse órgão como vítima, e
CAV, Centro de Atendimento à Vítima, e aí hoje eu atuo como uma das colaboradoras
dentro desse órgão foi onde eu comecei a [...] como mulher trans, eu fui empodera-
receber o amparo, onde eu tive apoio psi- da nessa parte, fui visibilizada também,
cossocial, onde teve uma equipe multidis- não só por mim, mas por outras e outros
ciplinar me atendendo, foram visitar na [...] a gente atua também nos crimes de
minha casa, elas foram lá para analisar a LGBTfobia, na parte de orientação jurídi-
situação toda, fizeram um relatório jun- ca, assistência social, psicológica, e nesse
to comigo, e elas conseguiram também sentido todo, prestando apoio às vítimas
atendimento psicológico para mim, que (informação verbal)99.
na época fiquei muito fragilizada com a
situação toda, porque, na minha visão, eu Diante da análise das entrevistas, verifi-
iria conseguir finalizar aquela relação de cou-se que a atuação do Ministério Público
uma forma tranquila e acabou não aconte- quanto à violência LGBTQIA+ é marcada
cendo, eu fiquei toda machucada, peguei pelas seguintes características: atuação
oito pontos na cabeça, do corte que ele
sensibilizada pessoalizada em promoto-
causou na minha cabeça, e fora outras se-
res(as); baixa atuação na esfera coletiva
quelas que eu tive, no corpo todo, devido à
agressão (informação verbal)98. e no acompanhamento de políticas pú-
blicas; dificuldade institucional quanto
Essa mesma entrevistada destaca que à compreensão das questões de gênero;
essa experiência muito positiva de apoio interpretação das provas sobre violência
e encaminhamento impactou sua vida que prejudica a população LGBTQIA; limi-
a ponto de hoje ela mesma ajudar outras tação institucional da atuação dos núcle-
pessoas em circunstâncias semelhantes. os especializados.
98 Trecho de entrevista com mulher trans, 35 anos, negra, região Norte.
99 Trecho de entrevista com mulher trans, 35 anos, negra, região Norte.
99
5. ATORES-CHAVE E OS DIÁLOGOS POSSÍVEIS
100
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
101
5. ATORES-CHAVE E OS DIÁLOGOS POSSÍVEIS
mas nós temos feito escolhas constante- aplica a dogmática tradicional sem mui-
mente pelo STF diretamente (informação tas reflexões, restando alguns poucos
verbal)105. juízes(as) de primeiro grau que de fato
Eu destaco como os lugares de refúgio da aplicam a decisão do STF, como demons-
população LGBTQIA+ o sistema Interame- trado em entrevistas com operadores do
ricano, a corte Interamericana. Eu acho sistema de justiça:
que mesmo a corte, com a orientação con-
Olha, é misteriosa minha percepção so-
sultiva 24 lá de 2017, ainda sim tem uma
bre Judiciário porque eu estou com o meu
juíza mais conservadora que perdeu um
primeiro caso relacionado a LGBTfobia e
voto vencido contrário, mas ainda assim
ainda assim não é necessariamente um
as cortes estão funcionando como órgãos
crime de LGBTfobia. Minha primeira ação.
vanguardistas. Mas também o STF tem an-
Então a gente escuta falar de alguns casos
dado muito bem, na minha visão, antes de
aqui que tem, por exemplo, juízes que são
ser proferida a decisão da criminalização
de direita, juízes que são extremamente
da LGBTfobia, eu mesmo achava que isso
religiosos. Aí eu participo de um grupo
seria difícil, então eu acho que é inques-
também que é de presidentes da OAB das
tionável que os lugares judiciais mais
comissões da diversidade sexual gênero,
progressistas são esses (informação ver-
a gente escuta alguns absurdos. Às vezes,
bal)106.
por exemplo... uma juíza uma vez que a tra-
vesti foi participar da audiência e ela não
Efetivamente, o STF tem decidido sobre di-
autorizou a travesti a entrar na sala vesti-
versos conflitos relacionados aos direitos
do de travesti né? Vestida do sexo oposto
da população LGBTQIA+, incluindo temas ao biológico e deu uma grande repercus-
como a união homoafetiva, ensino sobre são (informação verbal)107.
diversidade sexual e gênero nas escolas,
unidade de custódia destinada para pes- O posicionamento dos(as) juízes(as) de
soa trans compatível com sua identidade primeiro grau é evidenciado nas narrati-
de gênero, entre outros, mas foi sobretudo vas sobre a utilização do nome social de
a partir da decisão da ADO n. 26, que equi- pessoas trans em processos judiciais e
parou atos homofóbicos e transfóbicos a os pedidos de alteração de registro civil.
formas contemporâneas de racismo, que Mesmo com decisão do Supremo Tribunal
o Supremo tratou expressamente do tema Federal e normas do Conselho Nacional de
da violência. Justiça, ainda há entraves quanto ao reco-
nhecimento do direito.
A pesquisa permitiu identificar que par-
Os desafios começam do começo, sendo
te considerável se mantém com posicio-
bem redundante, quando nós começamos
namentos conservadores, outra parcela com a capa do processo. Ainda o sistema
102
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
103
5. ATORES-CHAVE E OS DIÁLOGOS POSSÍVEIS
mento do que as relativas ao direito vio- durante muitos e muitos anos, porque não
lado: existe uma política efetiva do sistema de
justiça, em dar uma priorização na apura-
Eu não tinha dito, mas tem uma terceira
ção e na responsabilização (informação
situação, mas decisões de demandas co-
verbal)112.
letivas que a gente percebe também esse
viés só Tribunal de Justiça do Estado do Outro aspecto recorrentemente mencio-
[nome do estado], que é em ações sobre a nado por múltiplos operadores do sistema
famosa “Ideologia de Gênero”. Nos proces-
de justiça durante as entrevistas foi a di-
sos que nós entramos a questão prejudi-
ficuldade de identificação e de comprova-
cial era sempre mais importante do que
chegar ao mérito. Então, era difícil supe-
ção de casos de LGBTfobia. Um dos fatores
rar as questões preliminares porque elas apontados como dificultadores para essa
eram encerradas por ilegitimidade da par- identificação por parte de operadores do
te ou por questões menores. Sendo que em sistema de justiça e segurança pública
outros julgamentos a mesma parte havia foi as inúmeras formas como a violência
sido aurora da ação e houve julgamento de contra a população LGBTQIA+ é praticada
mérito (informação verbal)111. e que, por vezes, essas violências não são
Também quanto à administração da justi- explícitas, causando certa dificuldade
ça, não há acompanhamento institucional para o sistema de justiça criminal identi-
especificamente voltado aos processos ficar o ato.
judiciais relativos aos crimes cometidos Nesse sentido, foram indicados dois ce-
contra pessoas LGBTQIA+, em especial os nários gerais: no primeiro a vítima é cons-
homicídios: ciente de seus direitos, tendo o discerni-
Quando a gente vai para o âmbito do siste- mento de quando a violência sofrida se
ma de justiça, já me adiantando um pouco relaciona com sua identidade de gênero
mais, eu acho que essa violência é muito e/ou orientação sexual, enquanto no se-
latente e patente. Existe uma grande preo- gundo a vítima não reclama essa condição
cupação e um programa aqui no [nome do
e, por consequência, o sistema de justiça
estado], que é fruto de uma preocupação
não fundamenta o tratamento da violên-
que o CNJ tem, em relação a questão dos
tribunais dos crimes de homicídio, né?
cia a essa questão. A identificação do ca-
De monitorar o tempo que esses proces- ráter LGBTfóbico de uma violência fica,
sos tramitam. Mas quando a gente trata de assim, grandemente atrelada à capacida-
homicídio ou violência praticada contra a de da vítima de a se identificar como tal.
pessoa trans ou LGBTQIA+ não existe esse Para que operadores do sistema de justiça
monitoramento. A gente observa muitas atuem nessa identificação, mencionaram-
vezes que os processos ficam lá parados -se a relevância de experiência e a reflexão
104
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
anteriores para que se saiba qualificar de- reconhecimento de direitos por parte dos
terminada situação como LGBTfóbica. atores do sistema de justiça. Como indi-
cado nas entrevistas com operadores do
Ademais, foi também apontada a neces-
Direito, sem isso, torna-se inviável com-
sidade de apresentação de elementos que
preender as violências sofridas por essa
comprovem a situação. Apesar de a forma
população.
de conduzir a apuração de uma prática
violadora não ser específica aos casos de Essa questão apareceu também em entre-
violência LGBTfóbica, combinar esse as- vistas com vítimas de LGBTfobia. Foram
pecto com a falta de compreensão sobre coletados relatos que narravam a falta
o tema e com outras barreiras de acesso de conhecimento generalizado sobre
específicas à população LGBTQIA+ contri- os conceitos de identidade de gênero e
bui para dificultar o acesso dessa popula- orientação sexual, prejudicando a com-
ção à justiça. Além disso, foram coletados preensão dos casos. Ademais, a falta de
relatos de casos por parte de operadores entendimento sobre a importância do
do Direito em que a apresentação de pro- uso do nome social, por exemplo, contri-
vas materiais, como vídeo, não foi consi- bui para afastar determinados públicos
derada como suficiente para confirmar o das instituições de segurança pública e do
caráter LGBTfóbico da violência. sistema de justiça. Um dos entrevistados
indicou a possibilidade de garantir o aten-
Em uma entrevista com uma vítima de
dimento de vítimas LGBTQIA+ por pessoas
violência LGBTfóbica, o aprendizado da
LGBTQIA+ como forma de gerar empatia
necessidade de arrolar provas para a de-
na estratégia de acolhimento.
núncia ficou registrado em sua experiên-
cia. Indicou-se, por exemplo, a importân- Combinada a essa questão, foi relatada
cia de testemunhas terem se prontificado a existência de lacunas procedimentais
a ajudar no seguimento da denúncia. Con- sobre esse assunto, dificultando assim
tou ainda que, no caso de uma nova ocor- que haja compreensão compartilhada e
rência, a coleta de provas mereceria mais procedimento homogeneizado por parte
atenção e que tentaria se lembrar de gra- do sistema de justiça. Nesse aspecto, foi
var a situação ou fazer uma live, garantin- apontado um paralelo com a questão da
do que o registro não se perdesse. violência doméstica, que foi crescente-
mente encontrando amparo nas institui-
Nesse mesmo sentido, foram recorrentes
ções judiciais, com a construção de pro-
os relatos sobre a falta de capacitação
tocolos específicos, capacitações sobre
ou orientação das instituições em como
o tema etc. De maneira geral, foi possível
lidar com as especificidades que envol-
identificar falta de acompanhamento
vem a população LGBTQIA+. Nas falas, a
institucional especificamente voltado
compreensão do assunto LGBTQIA+ apa-
aos processos judiciais relativos aos cri-
receu como condição fundamental para o
mes cometidos contra pessoas LGBTQIA+,
105
5. ATORES-CHAVE E OS DIÁLOGOS POSSÍVEIS
106
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
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5. ATORES-CHAVE E OS DIÁLOGOS POSSÍVEIS
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RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
como fundo homofobia ou transfobia, Porque as pessoas ainda não tem esse
está lá no campo possível motivação do hábito de fazer a denúncia a um órgão
crime, só que mesmo eu falando isso para oficial, elas fazem na rede, você vê... todo
o escrivão, para o delegado, a gente ain- dia se você abrir suas redes sociais, você
da tem muita resistência deles em dizer: vai achar um, dois casos de denúncia, ou
“Não, não é”, que é um pouco o que acon- apanhou, ou foi discriminado, mas não
tece com a questão do racismo, essa difi- chega aos órgãos oficias, ainda tem, tal-
culdade deles colocarem como provável vez, essa descrença, descrença que se dá
motivação do crime, mesmo que depois, por conta dessa dificuldade do registro
no decorrer do inquérito, diga que não é, nas delegacias, muita gente vem aqui,
mas se você faz o registro, eu tenho esta- principalmente trans, e diz: “Olha, eu até
tísticas (informação verbal)114. faço a denúncia para vocês, mas eu não
vou na delegacia, porque eu vou sair de
Também vale pontuar enquanto estra- lá sendo culpada de ter apanhado”, então
tégia a utilização da internet e das redes ainda existe essa dificuldade de acreditar
sociais como canais de visibilização e di- em uma solução dos órgãos públicos (in-
fusão de informações muito importantes. formação verbal)115.
Foi destacada a utilização de repercussão
Ademais, mesmo com decisão do STF que
midiática dos casos como forma ajudar po-
garante a possibilidade do registro de
tencialmente os encaminhamentos à jus-
violência doméstica por mulheres trans
tiça. Contudo, foi mencionado que essa es-
e travestis116, foram apontadas dificulda-
tratégia deve ser feita com cautela, já que
des para a efetivação desses registros.
a publicização pode também causar ainda
Nesse sentido, também foi mencionada
mais assédio à vítima e às outras pessoas
a necessidade da adoção de estratégias
envolvidas, o que implica lidar com as
para garantir o cumprimento da decisão.
pressões sociais, políticas e emocionais
Em entrevista com advogada, foi relatada
desse “status”. Um dos entrevistados re-
uma ocasião em que a delegacia da mulher
latou que um dos seus agressores tentou
disse não poder registrar o boletim de
processá-lo por calúnia e difamação após
ocorrência, ao passo que a delegacia co-
a história aparecer nos jornais. Vale ainda
mum disse não poder registrar boletim de
destacar que, conforme citado em entre-
ocorrência de casos da Lei Maria da Penha.
vistas, o aumento das denúncias públicas
A forma de garantir o registro foi realizar
não parece refletir necessariamente um
um boletim normal e posteriormente bus-
aumento das denúncias formais:
car os meios legais para garantir o trata-
109
5. ATORES-CHAVE E OS DIÁLOGOS POSSÍVEIS
110
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
6. CONCLUSÃO
111
6. CONCLUSÃO
Ressalta-se que não se pretende que este da decisão do STF que criminaliza a LGB-
relatório seja exaustivo, mas um compi- Tfobia. No caso do campo com vítimas de
lado estatístico com considerações cri- violências LGBTfóbicas, a dificuldade de
minológicas e processuais penais que encontrar pessoas que tivessem expe-
abarque um conjunto de achados a fim de rienciado ou estivessem experienciando
permitir o desenvolvimento de outras im- processos judiciais já indicava a dificul-
portantes pesquisas. Também vale desta- dade do acesso à justiça dessa população
car que, durante o decorrer deste estudo, nesses casos. Tal como retratado em falas
já houve importantes benefícios, como a de vítimas, bem como em falas de pessoas
inclusão crucial dos assuntos processuais atuantes em organizações da sociedade
nas Tabelas Processuais Unificadas de “in- civil, movimentos sociais e equipamentos
tolerância por identidade e expressão de de atenção à população LGBTQIA+, ainda é
gênero” e “intolerância por orientação se- raro que episódios de violência e violação
xual”, o que será de grande relevância para com motivação LGBTfóbica sejam denun-
a quantificação de dados sobre a temática. ciados e se transformem em processos de
fato.
Tendo em vista algumas hipóteses re-
correntes de apagamento estrutural das No caso da análise das ações penais, a
violências contra a população LGBTQIA+ falta de marcadores específicos para os
evidenciadas no universo de dados, a hi- casos de LGBTfobia impossibilitou uma
pótese de ausência de judicialização de filtragem automática dos casos. De forma
alguns casos deve ser considerada. Nes- correlata, a inexistência de campo para
se sentido, a fim de vencer as possíveis orientação sexual e identidade de gêne-
dificuldades institucionais e obter a per- ro no cadastro das pessoas envolvidas
cepção de acesso à justiça da população no processo judicial também dificultou
LGBTQIA+ quanto à temática, optou-se por a identificação de crimes que pudessem
realizar entrevistas com a sociedade civil. ter pessoas LGBTQIA+ como vítimas. So-
bre esse ponto, vale destacar que a exis-
Um aspecto a ser destacado logo de início
tência desses campos não garante seu
foi a dificuldade de acesso a dados. Essa
preenchimento, nem mesmo que, quando
dificuldade perpassou todas as esferas da
feito, seja realizado de maneira correta, tal
pesquisa, desde a realização de entrevis-
como pôde ser averiguado em casos de
tas com operadores de justiça e segurança
estados que incluíram os campos sobre
pública e vítimas de LGBTfobia, até a aná-
orientação sexual e identidade de gênero
lise de processos. No caso das entrevistas
para preenchimento nos inquéritos poli-
com operadores do sistema de justiça e
ciais. Durante as entrevistas, observou-se
segurança pública, percebeu-se que ain-
que essas dificuldades de preenchimento
da há poucas ações penais que caracte-
decorreram tanto da falta de compreen-
rizem o ato criminoso como LGBTfóbico,
são sobre a relevância desse dado quanto
apontando ainda para a baixa aplicação
112
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
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6. CONCLUSÃO
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RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
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6. CONCLUSÃO
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RELATÓRIO DA PESQUISA
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7. RECOMENDAÇÕES
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7. RECOMENDAÇÕES
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RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
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RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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POPULAÇÃO LGBTQIA+
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129
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
APÊNDICES
131
APÊNDICEs
As buscas por processos que envolvam a legislação pertinente são feitas mediante ex-
pressões regulares, mecanismo que retorna textos com padrão textual pré-determinado.
Nesta etapa, foram captados os processos que contêm padrões de citação à Lei Maria
da Penha, à ADO n. 26, à Lei 7.716 (Lei Anti-Racismo) e a tipificações pré-determinadas
previstas no Código Penal Brasileiro.
Para a lei Maria da Penha, são incluídas as publicações que contenham pelo menos uma
das seguintes ocorrências, independentemente do formato de escrita quanto a letras
minúsculas ou maiúsculas.
1. expressão “Lei Maria da Penha” por extenso;
2. sigla “LMP”;
3. referência do tipo “Lei ((n(°))(.)) 11(.)340”, sendo que os caracteres entre parênte-
ses são opcionais117.
Para a Lei Anti-Racismo, são incluídas as publicações que contenham pelo menos um
dos seguintes padrões textuais:
Para referências ao código penal, são incluídas as publicações com pelo menos uma das
seguintes expressões:
117 Assim, “Lei 11340”, “Lei n° 11.340” e “lei n°. 11340”, por exemplo, são todas captadas.
132
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
1. expressão “c(o ou ó)digo penal”, por extenso, permitindo captar referências com
ou sem acentuação na letra “o”;
2. sigla “cp(b)”, de modo a incluir tanto a sigla CP (Código Penal) quanto a sigla CPB
(Código Penal Brasileiro);
3. referência ao número da lei, “lei (n(°)(.)) 2(.)848”.
Ainda sobre o código penal, foi implementado um refinamento do filtro descrito para
englobar a seguinte lista de artigos.
• crimes contra a vida: artigo(s) 121, 122 e 124 a 127;
• lesão corporal: artigo(s) 129;
• crimes contra a saúde: artigo(s) 130, 132, 133 e 136;
• rixa: artigo(s) 137;
• crimes contra a honra: artigo(s) 138, 139, 140 e 141;
• crimes contra liberdade pessoal: artigo(s) 146, 147, 147a, 148, 149 e 149a;
• crimes contra a liberdade sexual: artigo(s) 213, 215, 215a, 216a, 216b, 217a, 218, 218a,
218b e 218c;
• lenocínio: artigo(s) 227, 228, 229, 230, 231, 232 e 232a;
• ato_escrito_obsceno: artigo(s) 233 e 234.
Para a seleção de publicações com referência aos artigos do CPG pré-estabelecidos, fo-
ram construídas expressões regulares de dois tipos, descritas a seguir. O sinal “+” sig-
nifica que aquele padrão deve ser considerado na busca, enquanto o sinal “-” representa
um termo que, caso ocorra, elimina o texto do filtro aplicado.
118 Por exemplo, art. 149-A, referente ao crime de perseguição, é diferente do delito previsto no art. 149, que prevê o crime de
ameaça.
133
APÊNDICEs
134
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
135
APÊNDICEs
Antes da criação da DTM, no entanto, é imprescindível que o corpus passe por uma série
de procedimentos de padronização e limpeza, tais como remoção de espaços extras,
pontuações e caixa-alta. O pacote tm do R implementa várias dessas transformações.
Mais especificamente, os aplicados são, na ordem:
1. Remoção de espaços extras;
2. Transformação de todas as palavras/letras em minúsculas;
3. Remoção de pontuação;
4. Remoção de números;
5. Remoção de acentuação e “ç”;
6. Remoção de apóstrofos;
7. Remoção de “stopwords”.
Os chamados stopwords são palavras comumente utilizadas na escrita, mas que não
fornecem por si só a natureza do conteúdo do documento. Na língua portuguesa, são
exemplos de stopwords as palavras ‘de’, ‘a’, ‘o’, ‘que’, ‘e’, ‘do’ e ‘da’. Para esse exercício,
também foram removidas palavras comuns aos processos, mais precisamente: “fls”,
“fl(s)”, “fl”, “comarca”, “advogados”, “advogado”, “vara”, “processo”, “juiz”, “classe”,
“seq”, “mov”, “lo” e “la”.
A simples presença dos termos pesquisados não garante que uma determinada publi-
cação refere-se, de fato, a vítimas LGBTQIA+ e/ou a atos motivados por LGBTfobia, muito
embora as frequências desses termos possam apontar maiores ou menores indícios de
que o texto aborda o fenômeno de interesse. Faz-se necessário, portanto, averiguar como
as publicações extraídas diferem-se entre si com relação à presença desses termos e de
outras expressões que possam ser relevantes para a correta identificação de motivações
LGBTfóbicas. Com esse intuito, buscou-se diferenciar esses textos através de métodos
não supervisionados de aprendizado de máquina, mais precisamente a análises de com-
ponentes principais (PCA) e a análise de cluster (k-means).
136
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
caso em questão, não há indicadores prévios que permitam distinguir quais processos
envolvem vítimas LGBTQIA+ ou motivações LGBTfóbicas. A PCA é um exercício de redu-
ção de dimensão. Por exemplo, permite que seja possível trabalhar não com as frequên-
cias de todas as mais de 856 mil palavras e bigramas distinguidos entre os documentos,
mas sim com um número bem menor de funções agregadoras dessas frequências. Já o
k-means fragmenta o conjunto de textos em grupos artificiais homogêneos entre si de
acordo com um conjunto de fatores. No exercício em questão, o objetivo é determinar
grupos em função das PCAs estimadas.
RESULTADOS DO AGRUPAMENTO
137
APÊNDICEs
Figura 1 – Cluster 1
homotransfobia/homotransfóbico(a)(s)
homossexualismo LGBTfobia
homossexualidade
homossexual/homossexuais
homofobia/homofóbico(a)(s) termos pejorativos
hermafrodita
gls
gazela
gay(s)
frutinha(s)
fresco
fancha
estupro corretivo
drag/drag queen
cola velcro
chupa charque
caminhoneira
boneca
bixa/bixinha/bixona(s) (com 'x' ou 'ch')
bissexualidade
bissexual(ais)
biba
bambi
baitola/boiola(s)
0 2 4 6
freq
138
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
Figura 2 – Cluster 2
cluster 2 (4 documentos)
xibungo
viado(s)/veado(s)
travesti(s)
traveco(s)
transsexual(ais)/trans
transgênero(a)(s)
transfobia/transfóbico(a)(s)
sapatão/sapata/sapatona(s)
queer
qualira
pederasta
orientação sexual
mulher macho
mulher de pau
morde fronha
marica/mariquinha/maricona(s)
maria homem
machona(s)
lgbt/lgbtqia+
lesbofobia/lesbofóbico(a)(s) grupo
lésbica(s)/lesbica(s)
identidade de gênero identidade lgbtqia+
termo
homotransfobia/homotransfóbico(a)(s)
homossexualismo LGBTfobia
homossexualidade
homossexual/homossexuais
homofobia/homofóbico(a)(s) termos pejorativos
hermafrodita
gls
gazela
gay(s)
frutinha(s)
fresco
fancha
estupro corretivo
drag/drag queen
cola velcro
chupa charque
caminhoneira
boneca
bixa/bixinha/bixona(s) (com 'x' ou 'ch')
bissexualidade
bissexual(ais)
biba
bambi
baitola/boiola(s)
0 5 10
freq
Figura 3 – Cluster 3
cluster 3 (1 documentos)
xibungo
viado(s)/veado(s)
travesti(s)
traveco(s)
transsexual(ais)/trans
transgênero(a)(s)
transfobia/transfóbico(a)(s)
sapatão/sapata/sapatona(s)
queer
qualira
pederasta
orientação sexual
mulher macho
mulher de pau
morde fronha
marica/mariquinha/maricona(s)
maria homem
machona(s)
lgbt/lgbtqia+
lesbofobia/lesbofóbico(a)(s) grupo
lésbica(s)/lesbica(s)
identidade de gênero identidade lgbtqia+
termo
homotransfobia/homotransfóbico(a)(s)
homossexualismo LGBTfobia
homossexualidade
homossexual/homossexuais
homofobia/homofóbico(a)(s) termos pejorativos
hermafrodita
gls
gazela
gay(s)
frutinha(s)
fresco
fancha
estupro corretivo
drag/drag queen
cola velcro
chupa charque
caminhoneira
boneca
bixa/bixinha/bixona(s) (com 'x' ou 'ch')
bissexualidade
bissexual(ais)
biba
bambi
baitola/boiola(s)
0 10 20
freq
139
APÊNDICEs
Figura 4 – Cluster 4
cluster 4 (301 documentos)
xibungo
viado(s)/veado(s)
travesti(s)
traveco(s)
transsexual(ais)/trans
transgênero(a)(s)
transfobia/transfóbico(a)(s)
sapatão/sapata/sapatona(s)
queer
qualira
pederasta
orientação sexual
mulher macho
mulher de pau
morde fronha
marica/mariquinha/maricona(s)
maria homem
machona(s)
lgbt/lgbtqia+
lesbofobia/lesbofóbico(a)(s) grupo
lésbica(s)/lesbica(s)
identidade de gênero identidade lgbtqia+
termo
homotransfobia/homotransfóbico(a)(s)
homossexualismo LGBTfobia
homossexualidade
homossexual/homossexuais
homofobia/homofóbico(a)(s) termos pejorativos
hermafrodita
gls
gazela
gay(s)
frutinha(s)
fresco
fancha
estupro corretivo
drag/drag queen
cola velcro
chupa charque
caminhoneira
boneca
bixa/bixinha/bixona(s) (com 'x' ou 'ch')
bissexualidade
bissexual(ais)
biba
bambi
baitola/boiola(s)
0 1 2 3
freq
Figura 5 – Cluster 5
cluster 5 (41 documentos)
xibungo
viado(s)/veado(s)
travesti(s)
traveco(s)
transsexual(ais)/trans
transgênero(a)(s)
transfobia/transfóbico(a)(s)
sapatão/sapata/sapatona(s)
queer
qualira
pederasta
orientação sexual
mulher macho
mulher de pau
morde fronha
marica/mariquinha/maricona(s)
maria homem
machona(s)
lgbt/lgbtqia+
lesbofobia/lesbofóbico(a)(s) grupo
lésbica(s)/lesbica(s)
identidade de gênero identidade lgbtqia+
termo
homotransfobia/homotransfóbico(a)(s)
homossexualismo LGBTfobia
homossexualidade
homossexual/homossexuais
homofobia/homofóbico(a)(s) termos pejorativos
hermafrodita
gls
gazela
gay(s)
frutinha(s)
fresco
fancha
estupro corretivo
drag/drag queen
cola velcro
chupa charque
caminhoneira
boneca
bixa/bixinha/bixona(s) (com 'x' ou 'ch')
bissexualidade
bissexual(ais)
biba
bambi
baitola/boiola(s)
0 1 2 3
freq
140
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
Figura 6 – Cluster 6
cluster 6 (37 documentos)
xibungo
viado(s)/veado(s)
travesti(s)
traveco(s)
transsexual(ais)/trans
transgênero(a)(s)
transfobia/transfóbico(a)(s)
sapatão/sapata/sapatona(s)
queer
qualira
pederasta
orientação sexual
mulher macho
mulher de pau
morde fronha
marica/mariquinha/maricona(s)
maria homem
machona(s)
lgbt/lgbtqia+
lesbofobia/lesbofóbico(a)(s) grupo
lésbica(s)/lesbica(s)
identidade de gênero identidade lgbtqia+
termo
homotransfobia/homotransfóbico(a)(s)
homossexualismo LGBTfobia
homossexualidade
homossexual/homossexuais
homofobia/homofóbico(a)(s) termos pejorativos
hermafrodita
gls
gazela
gay(s)
frutinha(s)
fresco
fancha
estupro corretivo
drag/drag queen
cola velcro
chupa charque
caminhoneira
boneca
bixa/bixinha/bixona(s) (com 'x' ou 'ch')
bissexualidade
bissexual(ais)
biba
bambi
baitola/boiola(s)
0 2 4 6
freq
Figura 7 – Cluster 7
cluster 7 (5 documentos)
xibungo
viado(s)/veado(s)
travesti(s)
traveco(s)
transsexual(ais)/trans
transgênero(a)(s)
transfobia/transfóbico(a)(s)
sapatão/sapata/sapatona(s)
queer
qualira
pederasta
orientação sexual
mulher macho
mulher de pau
morde fronha
marica/mariquinha/maricona(s)
maria homem
machona(s)
lgbt/lgbtqia+
lesbofobia/lesbofóbico(a)(s) grupo
lésbica(s)/lesbica(s)
identidade de gênero identidade lgbtqia+
termo
homotransfobia/homotransfóbico(a)(s)
homossexualismo LGBTfobia
homossexualidade
homossexual/homossexuais
homofobia/homofóbico(a)(s) termos pejorativos
hermafrodita
gls
gazela
gay(s)
frutinha(s)
fresco
fancha
estupro corretivo
drag/drag queen
cola velcro
chupa charque
caminhoneira
boneca
bixa/bixinha/bixona(s) (com 'x' ou 'ch')
bissexualidade
bissexual(ais)
biba
bambi
baitola/boiola(s)
0 2 4 6 8
freq
141
APÊNDICEs
Figura 8 – Cluster 8
cluster 8 (10 documentos)
xibungo
viado(s)/veado(s)
travesti(s)
traveco(s)
transsexual(ais)/trans
transgênero(a)(s)
transfobia/transfóbico(a)(s)
sapatão/sapata/sapatona(s)
queer
qualira
pederasta
orientação sexual
mulher macho
mulher de pau
morde fronha
marica/mariquinha/maricona(s)
maria homem
machona(s)
lgbt/lgbtqia+
lesbofobia/lesbofóbico(a)(s) grupo
lésbica(s)/lesbica(s)
identidade de gênero identidade lgbtqia+
termo
homotransfobia/homotransfóbico(a)(s)
homossexualismo LGBTfobia
homossexualidade
homossexual/homossexuais
homofobia/homofóbico(a)(s) termos pejorativos
hermafrodita
gls
gazela
gay(s)
frutinha(s)
fresco
fancha
estupro corretivo
drag/drag queen
cola velcro
chupa charque
caminhoneira
boneca
bixa/bixinha/bixona(s) (com 'x' ou 'ch')
bissexualidade
bissexual(ais)
biba
bambi
baitola/boiola(s)
0 2 4 6
freq
Figura 9 – Cluster 9
cluster 9 (4 documentos)
xibungo
viado(s)/veado(s)
travesti(s)
traveco(s)
transsexual(ais)/trans
transgênero(a)(s)
transfobia/transfóbico(a)(s)
sapatão/sapata/sapatona(s)
queer
qualira
pederasta
orientação sexual
mulher macho
mulher de pau
morde fronha
marica/mariquinha/maricona(s)
maria homem
machona(s)
lgbt/lgbtqia+
lesbofobia/lesbofóbico(a)(s) grupo
lésbica(s)/lesbica(s)
identidade de gênero identidade lgbtqia+
termo
homotransfobia/homotransfóbico(a)(s)
homossexualismo LGBTfobia
homossexualidade
homossexual/homossexuais
homofobia/homofóbico(a)(s) termos pejorativos
hermafrodita
gls
gazela
gay(s)
frutinha(s)
fresco
fancha
estupro corretivo
drag/drag queen
cola velcro
chupa charque
caminhoneira
boneca
bixa/bixinha/bixona(s) (com 'x' ou 'ch')
bissexualidade
bissexual(ais)
biba
bambi
baitola/boiola(s)
0 5 10 15
freq
142
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
Figura 10 – Cluster 10
cluster 10 (9 documentos)
xibungo
viado(s)/veado(s)
travesti(s)
traveco(s)
transsexual(ais)/trans
transgênero(a)(s)
transfobia/transfóbico(a)(s)
sapatão/sapata/sapatona(s)
queer
qualira
pederasta
orientação sexual
mulher macho
mulher de pau
morde fronha
marica/mariquinha/maricona(s)
maria homem
machona(s)
lgbt/lgbtqia+
lesbofobia/lesbofóbico(a)(s) grupo
lésbica(s)/lesbica(s)
identidade de gênero identidade lgbtqia+
termo
homotransfobia/homotransfóbico(a)(s)
homossexualismo LGBTfobia
homossexualidade
homossexual/homossexuais
homofobia/homofóbico(a)(s) termos pejorativos
hermafrodita
gls
gazela
gay(s)
frutinha(s)
fresco
fancha
estupro corretivo
drag/drag queen
cola velcro
chupa charque
caminhoneira
boneca
bixa/bixinha/bixona(s) (com 'x' ou 'ch')
bissexualidade
bissexual(ais)
biba
bambi
baitola/boiola(s)
0 5 10
freq
Figura 11 – Cluster 11
cluster 11 (290 documentos)
xibungo
viado(s)/veado(s)
travesti(s)
traveco(s)
transsexual(ais)/trans
transgênero(a)(s)
transfobia/transfóbico(a)(s)
sapatão/sapata/sapatona(s)
queer
qualira
pederasta
orientação sexual
mulher macho
mulher de pau
morde fronha
marica/mariquinha/maricona(s)
maria homem
machona(s)
lgbt/lgbtqia+
lesbofobia/lesbofóbico(a)(s) grupo
lésbica(s)/lesbica(s)
identidade de gênero identidade lgbtqia+
termo
homotransfobia/homotransfóbico(a)(s)
homossexualismo LGBTfobia
homossexualidade
homossexual/homossexuais
homofobia/homofóbico(a)(s) termos pejorativos
hermafrodita
gls
gazela
gay(s)
frutinha(s)
fresco
fancha
estupro corretivo
drag/drag queen
cola velcro
chupa charque
caminhoneira
boneca
bixa/bixinha/bixona(s) (com 'x' ou 'ch')
bissexualidade
bissexual(ais)
biba
bambi
baitola/boiola(s)
0.0 2.5 5.0 7.5
freq
143
APÊNDICEs
Figura 12 – Cluster 12
cluster 12 (4 documentos)
xibungo
viado(s)/veado(s)
travesti(s)
traveco(s)
transsexual(ais)/trans
transgênero(a)(s)
transfobia/transfóbico(a)(s)
sapatão/sapata/sapatona(s)
queer
qualira
pederasta
orientação sexual
mulher macho
mulher de pau
morde fronha
marica/mariquinha/maricona(s)
maria homem
machona(s)
lgbt/lgbtqia+
lesbofobia/lesbofóbico(a)(s) grupo
lésbica(s)/lesbica(s)
identidade de gênero identidade lgbtqia+
termo
homotransfobia/homotransfóbico(a)(s)
homossexualismo LGBTfobia
homossexualidade
homossexual/homossexuais
homofobia/homofóbico(a)(s) termos pejorativos
hermafrodita
gls
gazela
gay(s)
frutinha(s)
fresco
fancha
estupro corretivo
drag/drag queen
cola velcro
chupa charque
caminhoneira
boneca
bixa/bixinha/bixona(s) (com 'x' ou 'ch')
bissexualidade
bissexual(ais)
biba
bambi
baitola/boiola(s)
0 5 10 15
freq
Em seguida, os clusters foram então agrupados de acordo com alguns fatores, conforme
descrito na Tabela 2.
Tabela 2 – Reagrupamentos dos clusters e totais de documentos nos grupos redefinidos
GRUPO DESCRIÇÃO CLUSTERS DOCUMENTOS
Prevalência de identidade LGBTQIA+ (‘homossexual’, ‘transexual’ 1, 2 e 3
Grupo 1 60
e ‘travesti’).
Maior frequência de termos ofensivos, com uma ou nenhuma 6, 10, 8, 5
Grupo 2 101
referência ao termo ‘orientação sexual’. e 12
Grupo 3 Grande ocorrência de identidade LGBTQIA+ e LGBTfobia. 7e9 9
Maior cluster, vários ‘outliers’ de várias palavras. Concentração de
Grupo 4 4 301
documentos com uma ocorrência de ‘orientação sexual’.
Segundo maior cluster, vários outliers de várias palavras. Maioria
Grupo 5 11 290
com zero ocorrências.
Fonte: Elaboração própria
Uma vez que os textos estejam agrupados de acordo com as palavras-chave, é necessário
analisar tanto as suas ocorrências quanto as “coocorrências”, as frequências das pala-
vras em uma “janela” ou região de vizinhança de cada palavra-chave.
144
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
145
APÊNDICEs
No Grupo 1, as coocorrências são maiores para termos como “ser” e “vitima”, embora se
destaque também a palavra “réu”. Já o Grupo 3 apresenta maiores coocorrências para
“vitima” e “informante”.
Tabela 4 – Maiores coocorrências dos termos ligados à identidade LGBTQIA+
GRUPO 1 GRUPO 2 GRUPO 3 GRUPO 4 GRUPO 5
ser gostaria vitima modo roberta
vitima sim informante masculino artigo
outras depoente apelante
tuany grupo grupo
reu jhoe aparelho
outra acusado conhecidas
filho sabe_ jhoe autodeterminacao
transexuais torno
artigo_art
mim
tiago
pessoas
Fonte: Elaboração própria
146
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
comunidade
outras_vezes
ajudar diz
acolhido ana
recinto tentar vezes jacarezinho
ong
senti baladas
questao
gente
lgbt
kath
rafaela
pra
nenhum ficar
tema sobreviolencia nunca
relacionamento
sobre_tema
independente orientacao dai
coisas vitima
orientacao_sexual ficou reu
perguntou pai
cima disse
irmao
deu homossexual ter
acreditar identidade irma
feminino defende relacao
desde lesbica sabe acusado
fato group
sexo_feminino transexuaissexual lgbt_20tcm
longo
casa
ocorre ser
transgenero filho value
vida
sexo 2.5
iuri 5.0
mantida fazia
intima briga
relacao_intima 7.5
soube travesti tanto sociedade
modo 10.0
aceitava
social lei
12.5
pessoas dois querelantehomem
cidade local
comecou gay
pessoa
porque menino ta
nome
havia sempre
todas comecaram descobriu
programa
tuany
ponto leva
outras chamar
outra dizer
outro
maicon tendo
osnei
ponta
transsexual
pagar
ponta_grossa
parente
mulheres
devolver queria
falava moram amigas
trabalhar garotas_programa
conhecidos boate
147
APÊNDICEs
reu
forma_reu forma
insultos policial_confirmou
sapatao
seguinte
policial
pediu
morrer
autoridade
lesbica parar
querelante
reu_continuou
group
gostaria orientacao
lgbt_20tcm
myrian ali
value
confirmou autoridade_policial
tao 0.5
pra fazer
1.0
1.5
dai continuou
sexual
pediu_parar
homossexual
contra
representacao
argeu
orientacao_sexual assim
andando
mulher
sim
nesse
quanto
mal
religiao
148
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
Grupo 3: lgbt
algum
violencia
soube_responder narrou
sabe_jhoe assumido
responder
tempo
estando passou
acusado
ouviu sendo
wagner
marcelo_hortemayer
jhoe filhos
relatou
tais relacionamento
bissexual
mencionou gay pessoa passaria
ainda vera
declarante
marcelo
ainda_acusado acusado_marcelo
responder_sabe ter
hortemayer morava
group
lgbt_20tcm
value
2
sabe 4
soube vitima orientacao
feita 6
8
identidade
termos
informante genero
contra identidade_genero
defesa grupo
orientacao_sexual
indicios
nunca
149
APÊNDICEs
Grupo 4: lgbt
parente ciume
relacao
vitima_ser
homem faz_necessaria
esposa agredida
maria
geral
denunciado
aceitar homossexual
palavra
autor
value
0.25
tendo
0.50
faz
deste ser 0.75
1.00
sexo
mulher 1.25
lei
alegacoes grupo
group
identificado
lgbt_20tcm
ser_mulher masculino
genero_masculino
transgenero sexo_masculino
modo
identidade ocorre
feminina
fato deste_modo
mencao
merito
envolvidos
vida consignou
150
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
Grupo 5: lgbt
eventualidade
tela possibilidade
informacoes tribunal_federal
reconheceusupremo
supremo_tribunal
federal
proceder
caso_telatribunaltransexual
bem
independentemente
reconhecido
alteracao
transgenero
151
APÊNDICEs
No Grupo 3, as coocorrências são maiores para termos como orientação sexual, embora
se destaque também as palavras “vitima”, “crime” e “homofobia”, que não se observam
no Grupo 4.
Tabela 5 – Maiores coocorrências dos termos que apontam para a LGBTfobia
GRUPO 1 GRUPO 2 GRUPO 3 GRUPO 4 GRUPO 5
orientacao orientacao orientacao orientacao genero
sexual sexual sexual sexual identidade
crime genero artigo perversidade
injuria identidade identidade inveja
pessoas homofobia genero muitos
razao crime everson data
eis
vitima
sobre
reais
filhos
Fonte: Elaboração própria
152
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
Grupo 1: lgbtfobia
inclusive medica
sofrido
banheiro
acha
reu
problema mae
bem
iriam
chamou
aceitava
comecou homofobia
doente
vitimas
lucas atitude
realmente
maior
amoroso partir questao relatou
boa_relacao
dois
maior_parte fato
value
aceitar
disse 2.5
frequentava
conflitos epoca sido
group
lgbtfobia_20tcm
hoje ocorrencia
deixando nunca
orientacao sexual
sabia
violencia ensina
irmao
sabia_sobre
adolescente razao doutrina
contra
sobre
orientacao fatos
sexual
153
APÊNDICEs
Grupo 2: lgbtfobia
vez
face
conforme
injuria
claudio
pessoas
injuria_racial
artigo
previsto
qualificada
obstante
genero
homofobia
sido raca
value
racial
5
proferidas 10
crime caracteriza referentes
15
vitima
pessoa orientacao
orientacao sexual
inclusive
chamando
utilizacao
sexual
especifica
denunciada
ofendido
querelante
acusada
referencia
razao
infere
154
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
Grupo 3: lgbtfobia
liberdade racismo
deste conceito
exercicio
penal dimensao
discriminacao direitos
in
ofensa
omissao
considerar
homotransfobia sentido
termos federal
pratica tais tese
genero tal
relator
direito
porque
orientacao_sexual ainda
atos fato
identidade genero sexual
nunca motivo
alguem
pessoas value
constituicao
tipos identidade quanto 10
acerca
ministro 20
30
carta forma orientacao sexual relacao
reais qualquer sendo razao carlos
orientacao
transfobia group
art_constituicao
manifestacao lgbtfobia_20tcm
relatou
aversao condutas
diversos art sobre
homofobia contra
republica vitima
wagner
odiosa
pescador
oliveira ronaldo_pescador
homossexual dificuldade
natural
ronaldo
eis suposta pode
homossexualidade
conforme qualificadora morte
crime
filhos
cela
algo
pedidos
assumiu ocorreu
morava
desconhece junto
transferenciafalar nada
155
APÊNDICEs
Figura 21– Coocorrências dos termos que apontam para LGBTfobia no Grupo 4
Grupo 4: lgbtfobia
preconceito
nada
condutas
injuria
crime
df
cometimento_crime
cometimento
nada_contra
porquanto
homofobia
violencia
afeto art_lei perpetrada
alem
everson
dano lei
violencia_domestica
artigo art contra
ofendida cunho
pessoa
intima
cor qualificada
relacao_intima
orientacao sexual group
intima_afeto lgbtfobia_20tcm
relacao
neste
qualquer_relacao value
100
caso 200
300
sexual
mulher
orientacao
ser
genero
identidade
identidade genero
importa entende
podendo_ser encontra
vitimas sujeito
vitimas_mulheres orientacao_sexual
tanto
atingindo sujeito_ativo
agente idade
podendo
156
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
Grupo 5: lgbtfobia
muitos
contra_vitima ocorreu
informadoproposta_informadosugestao
homem durante injuria prevista
identidade
assunto_principal termos
desonestidade
isoladamente
autor sintese perversidade
singular
data vitima
contra
infracao
homofobia
palavras
data_infracao
identidade genero
principal fatores
previsto
id
infracao_autor
mulher insensibilidade
informadosugestao disse value
inveja 5
genero
assunto 10
15
historico
20
informadosugestao_informado
edson
travesti
informado group
lgbtfobia_20tcm
mediante
precisou
leonardo
porque
re
aceitou
homossexualidade
referente
pai praticando
lucas
juizo_vitima
juizo
acerca
sexo brigaram
157
APÊNDICEs
No Grupo 2, as coocorrências são maiores para termos como “falou”, “vitima” e “reu”. Já
no Grupo 5, destacam-se “iguacu”, “adquirido”, “fe” e “vitima”.
Tabela 6 – Maiores coocorrências dos termos ofensivos
GRUPO 2 GRUPO 5
falou iguacu
vitima adquirido
reu fe
viado iria
frutinha_viado filho
mulher cor
depoente vitima
filha sangue
viado_baitola tou
porque bairro
denunciado memoria
chamou tais
sabia parecia
viado
158
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
Grupo 1: ofensas
dia
homossexual
fisicamente
quis
velha
interrogado
entrar
sobre_dia
usava value
0.2
0.3
agrediu_fisicamente
0.4
0.5
bixa
dia_fatos group
ofensas_20tcm
sei
rafael
sempre
ouvi
sobre
meio
chamava
dizia
filho
159
APÊNDICEs
Grupo 2: ofensas
chamando_viado
apos
chamando ainda
apos_ter policial_militar
declarou preso
ofender encontram depoente_chamou bem
xingou
militar_dhiego
valia vitima_xingou frutinha_viado
afirmou nada dhiego seffrin
160
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
Grupo 3: ofensas
segunda
dentro
prisao
reus
relativa
sobre
delegado
cela
vitima group
ofensas_20tcm
delegacia
value
0.4
homossexualismo
0.6
segunda_morte 0.8
1.0
sabe
interior
sabe_reus
morte
comentou
interior_cela
problema
motivo
ouviu
161
APÊNDICEs
Grupo 4: ofensas
hora
referentes
gritando
caralho
tava
toda
acontecer
orientacao
tudo
presente
olhou
bixa
familia value
chamar
elementos_referentes 0.2
hora_vitima
0.3
sexual 0.4
comecou
gostou 0.5
0.6
ocorre disse
orientacao_sexual group
casa
ofensas_20tcm
vai
viado
cara
morrer
vai_morrer
ajoelhou
vou
sobre
wesley
quebra
dizendo
reu
seguida
sobre_pescoco aqui
162
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
Grupo 5: ofensas
ruth_arana gm placas
janeiro arana_souza
verde fe
modelo vectra
arana
souza gls ano
adquirido_ruth veiculo
adquirido placa
santa ruth
cor transferido
consigoprepara
esclarecendo
angela patrao
converso
qualquer porque_crack
crack apenas auferir
usuario dando
ai_vai
pinto vagabundo
maycon
machona xingou
renda ser
ai tou
vai grau
achando sentiu todas
iria milpedrinhas mato
joaquimtodo_vermelho group
vinha ofensas_20tcm
vermelho
bixa comer salve passava
tanta fazer
sangrando porque value
daquelas
memoria aqui meio_mato 1
residencial deu dizendo sic lapa rosto 2
nesta disse entao frutinha
velho filho meio
rio pois viu 3
cadaver interrogado joaquim_nunca
policiais nunca 4
limpar fresco falou comecar
sangue chamou escutavanegocio todo
viado chamarmulher
coisa boca gritava gente
ribeirao demais
traveco
ainda tais conhecido acusado
precisa roupa chamando
palavras wilian
bem olha dar
usar
crianca nunca_viu
veio local declarante vitima
cima
parecia casa envolvimento
baitola vitima_falou
outros
cima_mim cap
vc boneca regina
nisso reu ribeiro
querer pereira direcao
comportando
declarou marica mostrou
veio_cima iguacu
falei brincar avancou residencia
vez andrade
proxima
filhos_declarante utilizada roberta
novamente
jose_pinhais ribeiro_martins
percebeu jose pinhais
carvalho thalita
bairro pegar costa
maos jogou martins
disso silva
proprietaria
proprietaria_residencia
machado
sim
163
APÊNDICEs
A sessão anterior demonstrou que os 761 processos identificados com ocorrências das
palavras-chave utilizadas distribuem-se de forma bastante heterogênea, tanto com
relação ao número de ocorrências desses termos no conteúdo dos documentos quanto
às frequências de suas coocorrências.
Das análises realizadas, notou-se que o Grupo 3 apresentou indícios relevantes de que
os textos nele contidos podem discorrer sobre práticas LGBTfóbicas. Os Grupos 1 e 2
também se revelaram de especial importância.
Com base nessas premissas, obteve-se uma amostra aleatória de 91 processos. O intuito
foi averiguar a incidência de processos que não somente contém ocorrências dos termos
pesquisados, mas que de fato versam sobre o fenômeno em análise.
MARCADORES
164
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
A seleção dos textos foi feita por amostragem aleatória estratificada, com exceção dos
nove textos do Grupo 3, que foram lidos na sua totalidade. A Tabela 7 aponta os totais
de textos selecionados por estrato.
Tabela 7 – Totais de textos do DEJN selecionados para amostra
TOTAL NO TOTAL NA % NA
GRUPO DESCRIÇÃO
UNIVERSO AMOSTRA AMOSTRA
Prevalência de identidade LGBTQIA+ (‘homossexual’, ‘transexual’
Grupo 1 60 16 27
e ‘travesti’).
Maior frequência de termos ofensivos, com uma ou nenhuma
Grupo 2 101 27 27
referência ao termo ‘orientação sexual’.
Grupo 3 Grande ocorrência de identidade LGBTQIA+ e LGBTfobia. 9 6 67
Maior cluster, vários outliers de várias palavras. Concentração de
Grupo 4 301 27 9
documentos com uma ocorrência de ‘orientação sexual’.
Segundo maior cluster, vários outliers’de várias palavras. Maioria
Grupo 5 290 15 5
com zero ocorrência.
Fonte: Elaboração própria.
165
APÊNDICEs
tes entre um grupo e outro, apontando para a possível associação entre as frequências
dos termos e das suas coocorrências e as chances de um determinado texto abordar,
de fato, uma ocorrência de LGBTfobia.
Tabela 9 – Totais absolutos e relativos de processos que contêm motivação LGBTfóbica, por grupo
de processos
GRUPO TOTAL NA AMOSTRA TOTAL COM LGBTFOBIA % COM LGBTFOBIA
Grupo 1 16 2 12,5
Grupo 2 27 6 22,2
Grupo 3 6 5 83,3
Grupo 4 27 4 14,8
Grupo 5 15 2 13,3
Com base nas proporções, é possível apontar inferências sobre o total que se espera en-
contrar de cada marcador entre todos os 761 textos com termos LGBTQIA+ pesquisados.
A Tabela 11 apresenta tais estimativas.
Tabela 11 – Intervalos de confiança para as proporções estimadas de textos, segundo o marcador
definido
TOTAL ESTIMADO NO
MARCADOR LIMITE INFERIOR IC LIMITE SUPERIOR IC
UNIVERSO
reu_lgbt 84 61 106
vitima_lgbt 167 116 218
lgbtfobia_indicios_motivacao 109 55 163
lgbtfobia_indicios_segundarios 50 30 71
lgbt_fobia_acusacao 59 18 99
lgbtfobia_deferimento 25 19 31
cultura_lgbtfobica 259 191 327
166
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
Com já foi apontado nas seções anteriores, a presença das palavras-chave não representa
uma garantia de que um processo filtrado verse sobre ocorrências de LGBTfobia. Desta-
ca-se que foram identificadas19 publicações com ocorrências de LGBTfobia, o que pode
ser insuficiente para o levantamento de tendências gerais dessas ocorrências e do seu
contexto, pelo menos com base em métodos puramente quantitativos.
Desse modo, os textos até então identificados como objeto de análise serão analisados
por métodos qualitativos, tais como a leitura em profundidade. No entanto, foi conside-
rada a possibilidade de expandir esse conjunto de 19 textos através da busca por publi-
cações que demonstram similaridade com esse conjunto. Essa busca foi feita tanto nas
publicações do DEJN que não entraram nesta amostra quanto no Banco de Atos Judiciais.
Do DEJN foram identificados 17 textos com ocorrências motivadas por LGBTfobia. Uma
nova tentativa de busca foi implementada para captar i) demais textos do DEJN, fora da
amostra, que poderiam conter ocorrências de LGBTfobia e ii) textos do Banco de Atos
Judiciais que potencialmente apresentam o mesmo conteúdo. A busca seguiu uma ló-
gica de elencar, nessas duas fontes, textos similares aos 17 identificados na primeira
amostra. O critério de “similaridade” estabelecido foi a medida de similaridade cosseno,
implementada no pacote R quanteda.
167
APÊNDICEs
Antes de implementar as medidas de similaridade para a busca fora das amostras, foi
estabelecido um critério de “corte” com base em uma avaliação dentro da amostra. As-
sim, considera-se um texto como sendo um potencial candidato a conter ocorrências
de LGBTfobia se pelo menos um entre os 17 documentos identificados na primeira amos-
tra apresentar similaridade igual ou superior a um determinado ponto de corte. Esse
limiar foi estabelecido de forma que, dentro da primeira amostra, fosse apresentado um
percentual de verdadeiro-negativo de pelo menos 70%, evitando assim inflar esse novo
universo com falsos-positivos.
Como resultado, foram identificados 335 textos potencialmente similares aos identi-
ficados na primeira amostra. Desse total, foram selecionados 240, de forma aleatória,
para leitura por especialista da área do Direito, definindo, assim, a segunda etapa de
amostragem da busca processual.
EXTRAÇÃO DE PUBLICAÇÕES
A Tabela 12 apresenta o total de textos de acordo com as combinações dos tipos de fil-
tros encontrados.
Tabela 12 – Totais de textos com ocorrências das palavras-chave LGBTQIA+
TERMOS SOBRE IDENTIDADE
TERMOS SOBRE LGBTFOBIA TERMOS PEJORATIVOS PUBLICAÇÕES
LGBTQIA+
Sim Não Não 2.998
Não Não Sim 1.499
Não Sim Não 1.057
Sim Não Sim 174
Sim Sim Não 80
Não Sim Sim 26
Sim Sim Sim 22
119 É importante ressaltar que a soma dos valores mencionados incorre em dupla contagem e ultrapassa o total de 5.856 textos. Isso
ocorre porque um mesmo texto pode conter, simultaneamente, tanto termos relacionados à identidade de gênero e/ou orientação
sexual quanto termos pejorativos, por exemplo.
168
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
Dos 335 textos que compuseram a amostra lida manualmente por especialistas, incluin-
do textos de ambas as etapas, 40 de fato mencionavam ocorrências de LGBTfobia. É
importante enfatizar a raridade tanto de ocorrência das palavras-chaves pesquisadas
quanto de ocorrência de LGBTfobia entre os textos que continham tais termos. De fato,
apenas 0,8% das publicações do universo definido pela menção às leis e aos artigos elen-
cados continha referências a termos ligados à população LGBTQIA+. Já na amostra, 11,9%
dos textos que continham as palavras-chaves pesquisadas referiam-se, de fato, a ocor-
rências com motivações LGBTfóbica.
Na Figura 28, a presença dos termos relacionados à identidade LGBTQIA+ é maior entre
os textos selecionados para a amostra, e ainda maior quando se consideram aqueles com
identificação de LGBTfobia. A exceção se dá para as variações dos termos “homossexual”
e “transexual”. Nesse último caso, há de se levar em conta que é bastante frequente a
ocorrência de “trans.” como abreviação da palavra “transitado”.
Figura 28 – Proporção de documentos com termos de identidade LGBTQIA+, segundo a inserção
na amostra para leitura e detecção de motivação LGBTfóbica
transsexual(ais)/trans
homossexual/homossexuais
gay(s)
reorder(termo, documentos)
travesti(s)
grupo
Com ocorrências de lgbtfobia
transgênero(a)(s)
Fora da amostra
Na amostra
lgbt/lgbtqia+
lésbica(s)/lesbica(s)
bissexual(ais)
drag/drag queen
Já a Figura 29 permite notar que, com exceção do termo “orientação sexual”, a presença
dos termos ligados à LGBTfobia é bastante baixa nos textos não selecionados para a
amostra e expressivamente maior nos textos com ocorrência de LGBTfobia. A exceção
ocorre pelo fato de que a Lei Maria da Penha, em seu art. 2º, especifica que
169
APÊNDICEs
De fato, entre as 5.856 publicações filtradas, 832 contêm apenas uma ocorrência do ter-
mo “orientação sexual” e sem ocorrências de outros termos utilizados na busca textual.
Entre esses, 686 fazem referência à Lei Maria da Penha.
Figura 29 – Proporções de documentos com termos de LGBTfobia, segundo a inserção na amostra
para leitura e detecção de motivação LGBTfóbica
orientação sexual
homofobia/homofóbico(a)(s)
identidade de gênero
reorder(termo, documentos)
homossexualidade
grupo
Com ocorrências de lgbtfobia
transfobia/transfóbico(a)(s)
Fora da amostra
Na amostra
lesbofobia/lesbofóbico(a)(s)
homotransfobia/homotransfóbico(a)(s)
bissexualidade
estupro corretivo
Por último, a Figura 30 também mostra a maior incidência de documentos com termos
pejorativos entre os casos com motivação LGBTfóbica. Com exceção das variações de
“viado” e “sapatão”, a ocorrência de termos é menor entre os textos fora da amostra. O
termo “viado”, por exemplo, é bastante comum em casos de desacato à autoridade ou em
peças que contêm interceptação de mensagens em redes sociais, não necessariamente
ligados a delitos motivados por LGBTfobia.
170
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
sapatão/sapata/sapatona(s)
boneca
gls
chupa charque
fresco
reorder(termo, documentos)
marica/mariquinha/maricona(s)
homossexualismo
grupo
baitola/boiola(s)
Com ocorrências de lgbtfobia
biba
Fora da amostra
bambi
Na amostra
frutinha(s)
qualira
machona(s)
traveco(s)
maria homem
gazela
pederasta
hermafrodita
caminhoneira
Como salientado, o número de ocorrências dos termos pesquisados foi fator fundamen-
tal para a confecção dos textos prioritários para leitura por especialistas. A partir da
Figura 31 é possível notar que os textos não selecionados para a amostra possuem, em
sua maior parte, baixa proporção dos termos pesquisados em comparação com aqueles
selecionados para leitura e aqueles em que se detectam ações motivadas por LGBTfobia.
171
APÊNDICEs
Figura 31 – Distribuição de frequências das ocorrências dos termos nos documentos, segundo a
categoria do termo, a seleção para a amostra e a detecção de ocorrência de LGBTfobia
2.0
1.5
Frequência de palavras
grupo
Com ocorrências de lgbtfobia
1.0
Fora da amostra
Na amostra
0.5
0.0
Tabela 13 – Quantis de 90% do número de ocorrência dos termos nos documentos, segundo a ca-
tegoria do termo, a seleção para a amostra e a detecção de ocorrência de LGBTfobia
SITUAÇÃO DO TODAS AS TRÊS TERMOS DE IDENTIDADE TERMOS RELACIONADOS
TERMOS OFENSIVOS
DOCUMENTO CATEGORIAS DE TERMOS LGBTQIA+ À LGBTFOBIA
Fora da amostra 3,0 2,0 1,0 1,0
Na amostra 4,0 2,0 1,0 2,0
Com ocorrências de
17,4 6,1 7,2 3,0
LGBTfobia
A Tabela 14 apresenta os totais filtrados por tribunal além dos totais elencados para a
amostra e os totais identificados.
172
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
O estado do Paraná lidera no número de textos identificados nas amostras, bem como
na quantidade de textos selecionados para a amostra, embora não represente o tribunal
com maior ocorrência de palavras-chave. Na amostra, desconsiderando os tribunais
com menos de cinco textos selecionados para leitura, o tribunal com mais incidência
de LGBTfobia nos textos elencados é o TJPA.
173
APÊNDICEs
TRF3
Tribunal fora da amostra
TJSE
Tribunal na amostra
TJSP
TJSC
TJCE
TJAL
TJRS
TJAP
TJPI
TJPB
TJRO
TJTO
TJRR
TJMS
0 100 200 300
Número de documentos contendo termos que apontam lgbtfobia
174
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
20
Número de publicações com ocorrências de lgbtfobia
15
10
As tipificações penais citadas nas publicações podem ser determinadas com base nas
referências a leis e artigos detectados pelas expressões regulares. Considerando os
títulos do Código Penal, a ADO n. 26 e a Lei n. 7.716 (Lei Anti-Racismo), observa-se na
Tabela 16 que as tipificações mais comuns são crimes contra a honra, crimes contra a
vida e lesão corporal. É notável a pouca ocorrência de citações à ADO n. 26.
175
APÊNDICEs
Tabela 16 – Totais de textos com ocorrências de LGBTfobia de acordo com as citações às leis e
artigos
LEGISLAÇÃO OU TÍTULO ESPECÍFICO DO CÓDIGO PENAL PUBLICAÇÕES
crimes contra a honra 17
crimes contra a vida 14
lesão corporal 11
penha 7
crimes contra liberdade pessoal 5
7716 3
adi26 3
crimes contra a liberdade sexual 1
Tabela 17 – Totais de textos com ocorrências de LGBTfobia e citações ao código penal, de acordo
com as previsões do dispositivo legal
TÍTULO ESPECÍFICO DO CÓDIGO PENAL TIPIFICAÇÃO NO CÓDIGO PENAL PUBLICAÇÕES
crimes contra a honra injúria 15
crimes contra a vida homicídio 14
crimes contra a honra difamação 7
crimes contra liberdade pessoal ameaça 4
crimes contra a honra calúnia 2
crimes contra a honra agravantes contra honra 1
crimes contra a liberdade sexual estupro de vulnerável 1
crimes contra liberdade pessoal constrangimento ilegal 1
crimes contra liberdade pessoal sequestro 1
176
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
Tabela 18 – Percentuais de textos com ocorrências de LGBTfobia de acordo com as citações às leis
e artigos, total filtrado X casos identificados com LGBTfobia
GRUPO_LEI P_ALL P_LGBTFOBIA
crimes contra a honra 7,98 42, 5
crimes contra a vida 27,76 35,0
lesão corporal 26,06 27.5
lesão corporal 26,06 27,5
penha 27,23 17,5
crimes contra liberdade pessoal 24,03 12,5
7.716 0,05 7,5
crimes contra a liberdade sexual 9,41 2,5
ato escrito obsceno 0,60 0,00
crimes contra a saúde 1,46 0,00
lenocínio 0,52 0,00
rixa 0,06 0,00
rixa 0,06 0,00
Figura 34 – Percentuais de textos com ocorrências de LGBTfobia de acordo com as citações às leis
e artigos, total filtrado X casos identificados com LGBTfobia
rixa
lenocínio
7716
penha
lesão corporal
0 10 20 30 40 50
(%)
177
APÊNDICEs
Tabela 19 – Percentuais de textos com ocorrências de citações ao código penal, de acordo com as
previsões do dispositivo legal, total filtrado X casos identificados como LGBTfobia
GRUPO_LEI LEI P_ALL P_LGBTFOBIA
crimes contra a honra injúria 5,88 37,59
crimes contra a vida homicídio 27,25 36,59
crimes contra a honra difamação 2,22 17,07
crimes contra liberdade pessoal ameaça 22,24 9,76
crimes contra a honra calúnia 1,59 4,88
crimes contra a honra agravantes contra honra 0,74 2,44
crimes contra a liberdade sexual estupro de vulnerável 5,91 2,44
crimes contra liberdade pessoal sequestro 0,81 2,44
crimes contra liberdade pessoal constrangimento ilegal 0,81 2.44
crimes contra a liberdade sexual estupro 3,39 0,00
crimes contra a liberdade sexual favorecimento da prostituição de menores 0,19 0,00
crimes contra a liberdade sexual satisfação de lascívia mediante menores 0,17 0,00
crimes contra a liberdade sexual importunação sexual 0,17 0,00
crimes contra a liberdade sexual violência sexual mediante fraude 0,12 0,00
crimes contra a liberdade sexual corrupção de menores 0,12 0,00
crimes contra a liberdade sexual assédio sexual 0,07 0,00
crimes contra a liberdade sexual divulgação de cena de estupro de vulnerável 0,02 0,00
crimes contra a saúde maus tratos 0,72 0,00
crimes contra a saúde abandono de incapaz 0,24 0,00
crimes contra a vida indução ao suicídio 0,13 0,00
crimes contra liberdade pessoal trabalho escravo 0,51 0,00
crimes contra liberdade pessoal perseguição 0,10 0,00
crimes contra liberdade pessoal tráfico de pessoas 0,02 0,00
lenocínio casa de prostituição 0,20 0,00
lenocínio favorecimento da prostituição 0,11 0,00
lenocínio tráfico internacional para exploração sexual 0,10 0,00
lenocínio rufianismo 0,06 0,00
lenocínio mediação para servir a lascívia de outrem 0,02 0,00
178
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
perseguição
trabalho escravo
sequestro
indução ao suicídio
abandono de incapaz
maus tratos
divulgação de cena de esturpo de vulnerável
assédio sexual
corrupção de menores
violência sexual mediante fraude
Importunação sexual
satisfação de lascívia mediante menores
favorecimento da prostituição de menores
estupro
constrangimento ilegal
estupro de vulnerável
agravantes contra honra
calúnia
ameaça
difamação
homicídio
injúria
0 5 10 15 20 25 30 35
(%)
Para além das frequências dos termos pesquisados, uma análise do contexto em que elas
aparecem lança mais luz ao tema no que diz respeito à forma como tal fenômeno é repor-
tado pelos atores do Poder Judiciário nas publicações de diários oficiais. Nesse sentido,
esta seção irá analisar as coocorrências de palavras vizinhas aos termos pesquisados.
Para isso, considera-se uma janela de até dez palavras ao redor dos termos pesquisados
e mede-se a frequência com que cada palavra aparece nesse espaço contextual. As fre-
quências são ponderadas pela distância até o termo pesquisado, medida em termos de
número de palavras intermediárias.
179
APÊNDICEs
120 Foram desconsideradas as relações dos bigramas “orientação sexual” e “identidade de gênero” com as palavras singulares que
as compõem.
180
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
mae
fato
depoente
wagner
paulo
virtude tempo
relacionamento homossexual
mantinha
ter
algum_tempo
sempre
declarante vera aindasabe algum
querelante
acusado
narrou
marcelo_hortemayer assumido ser relacao
soube_responder cima
morava bissexual vitima aposmesma
delito_lesao
responder
soube delito
ser_mulher
estando vitima_ser
vai gay ocorre individuo value
filho irmao pessoa 2
transgenero ocorreu alem
merito 4
viado marcelo denunciados
6
veio lesbica socos_chutes
lei mulher
acusado_marcelo ocorreu_porque
discussao group
sim vida
tais modo socos
apos_discussao assim lgbt_20tcm
transexuais quais
travesti
publica
transexuais_transgenero discussao_vitimareais possui
pegou
pois
meio
identidade desferindo
chutes ademais
sexual
orientacao
orientacao_sexual pernas
bater
condicoes serem
razao
lgbt
pessoas
sexual_identidade
identidade_genero
efeito omissao penal
grupo termos feita
consequencia
comunidade vulneravel
existencia protecao
tema
181
APÊNDICEs
ocorreu algo
dessa
falava
casado
natural
contou nada
cela
dificuldade
injuria
eis lei
crime alegada definitivamente
vez
suposta homossexualidade
reu
raiva filhos
diversos mencionou
condutas
ministro reais
art
homofobia wagner
contra
manifestacao constituicao vitima
qualquer
odiosa sobre
value
art_constituicao relatou
transfobia 10
20
supostas
forma
tipos sendoface razao
30
conta 40
republica nunca
orientacao sexual
group
pois acusado
pessoas lgbtfobia_20tcm
orientacao
sexual elementos fato
direito atos
praticas
identidade genero
orientacao_sexual filha
porque relacao
mulheres genero
ainda
vitimas
identidade
alguem
tais
tal racismo
discriminacao
homotransfobia
pratica
ofensa
penal conceito
in
voto dimensao deste direitos
considerar exercicio
termos
182
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
puta
fi data
nega
morrer
ofensas
reu
pagar
mulher
rua
ter ofendida
dizendo
fato
filho
value
0.4
acusado
0.8
1.2
sexual palavras alegacoes
1.6
nunca disse ser
sapatao
group
vai agrediu
ofensas_20tcm
chamar
roselaine rosivania
bixa
fazer
defesa
querelada
sido
termos
porque
interrogado
chamado falou
querelante
familia chamou
ser_mulher
crime
textuais
dizia momento
183
APÊNDICEs
PESQUISA JURISPRUDENCIAL
184
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
A Tabela 1 apresenta o número de processos por ano selecionados nos passos iniciais
e no passo final.
185
APÊNDICEs
FICHA ANALÍTICA
VIOLÊNCIA CONTRA A POPULAÇÃO LGBTQIA+
Problema norteador: compreender a dinâmica de discriminação e violência sofridas por essa população para su-
portar futuras políticas públicas de prevenção de risco às pessoas LGBTQIA+
VÍTIMA
Orientação sexual
Identidade de gênero
Raça
Idade
Escolaridade
Região de moradia
RÉU
Orientação sexual
Identidade de gênero
Raça
Idade
Escolaridade
Região de moradia
CARACTERIZAÇÃO DA LGBTFOBIA
A partir do desrespeito à orientação sexual da vítima
A partir do desrespeito ao nome social
A partir do tipo da violência sofrida
A partir de outros termos pejorativos identificados
A partir do laudo do exame pericial
A partir da tipificação dos crimes
A partir da qualificação do crime
Caracterização pela acusação (MP)
Caracterização pela defesa (DP)
Caracterização pela defesa (OAB)
Caracterização pela autoridade judicial
SISTEMA PENAL
Investigação criminal
Delegacia especializada
Equipe multidisciplinar
Serviços de acolhimento das vítimas
Prática restaurativa
Inquérito policial
Persecução Penal
Fatos
Data dos fatos
Vítima sobreviveu
Jurídico
186
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
187
APÊNDICEs
Aspectos iniciais
3. Já atuou em casos que envolvessem violência LGBTfóbica? Se sim, conte como foi?
Objetivo: identificar a percepção sobre o reconhecimento desse tipo de violência e como
se deu a atuação no caso.
188
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
Aspectos processuais
10. Em que casos é aplicado o art. 2º da Lei Maria da Penha? (Art. 2º Toda mulher, inde-
pendentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educa-
cional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana,
sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, pre-
servar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social)
Objetivo: observar o reconhecimento e a aplicação do artigo em questão.
11. Quais tipos de violências são mais frequentes em um processo que envolve a popu-
lação LGBTQIA+? física, psicológica, financeira, entre outras)?
Objetivo: identificar quais violências são reconhecidas.
12. Que tipos de sanções são mais frequentemente aplicadas aos réus em casos de vio-
lência LGBTfóbica?
Objetivo: identificar a responsabilização penal dos réus em casos de violência, os tipos
de sanções mais comuns, a percepção sobre adequação das penas previstas, a percepção
quanto à satisfação das vítimas, a prisão processual dos réus.
189
APÊNDICEs
Relações interinstitucionais
13. Emsua opinião, como é a comunicação com Ministério Público e Defensoria Pública?
Objetivo: identificar ações coordenadas e compartilhamento de informações.
17. Existe coordenação para a população LGBTQIA+ no tribunal? Se sim, como é sua
atuação na Vara?
Objetivo: verificar a existência de estruturas internas ao tribunal para acompanhamen-
to dos casos que envolvem violência contra a população LGBTQIA+.
Aspectos iniciais
2. Em sua opinião, que aspectos caracterizam um caso como de violência contra vio-
lência contra a população LGBTQIA+?
Objetivo: Identificar a percepção do(a) promotor(a) sobre a temática, os critérios ado-
tados na análise do caso, o reconhecimento desse tipo de violência.
3. Já atuou em casos que envolvessem violência LGBTfóbica? Se sim, conte como foi?
190
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
Aspectos processuais
191
APÊNDICEs
10. Qual a percepção sobre a aplicação da Lei Anti-Racismo (n. 7.716/89), após o enten-
dimento do Supremo de aplicar essa lei nos crimes de homofobia? O Ministério Pú-
blico tem apresentado denúncias que enquadram a violência na Lei Anti-Racismo?
Objetivo: ter percepção sobre o entendimento do STF, compreender se a aplicação do
precedente acontece na prática.
11. Em que casos é aplicado o art. 2º da Lei Maria da Penha? (Art. 2º Toda mulher, inde-
pendentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educa-
cional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana,
sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, pre-
servar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social).
Objetivo: observar o reconhecimento e a aplicação do artigo em questão.
12. Quais tipos de violências são mais frequentes em um processo que envolve popula-
ção LGBTQIA+ (física, psicológica, financeira, entre outras)?
Objetivo: identificar quais violências são reconhecidas.
13. Que tipos de sanções são mais frequentemente aplicadas aos(às) réus(rés) em casos
de violência LGBTfóbica?
Objetivo: identificar a responsabilização penal dos réus em casos de violência, os tipos
de sanções mais comuns; ter percepção sobre adequação das penas previstas; ter per-
cepção quanto à satisfação das vítimas e a prisão processual dos(as) réus(rés).
Relações interinstitucionais
14. Em sua opinião, como é a comunicação com a vara/o juizado, a defensoria pública
e a delegacia de polícia?
Objetivo: identificar ações coordenadas e compartilhamento de informações.
192
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
18. Existe coordenação para a população LGBTQIA+ no Ministério Público? Se sim, como
é a atuação dela na promotoria?
Objetivo: verificar a existência de estruturas internas ao Ministério Público para acom-
panhamento dos casos que envolvem violência contra a população LGBTQIA+.
Aspectos iniciais
2. Em sua opinião, que aspectos caracterizam um caso como de violência contra vio-
lência contra a população LGBTQIA+?
Objetivo: Percepção do(a) defensor(a) sobre a temática, identificação de critérios ado-
tados na análise do caso; reconhecimento deste tipo de violência.
3. Já atuou em casos que envolvessem violência LGBTfóbica? Se sim, conte como foi?
Objetivo: identificar a percepção sobre o reconhecimento desse tipo de violência e como
se deu a atuação no caso.
5. Como a Defensoria Pública se organiza para atuar nos casos de violência LGBTfó-
bica?
193
APÊNDICEs
Aspectos processuais
11. Em que casos é aplicado o art. 2º da Lei Maria da Penha? (Art. 2º Toda mulher, inde-
pendentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educa-
cional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana,
sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, pre-
servar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social).
Objetivo: observar o reconhecimento e a aplicação do artigo em questão.
12. Quais tipos de violências são mais frequentes em um processo que envolve popu-
lação LGBTQIA+ (física, psicológica, financeira, entre outras)?
Objetivo: identificar quais violências são reconhecidas.
194
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
13. Que tipos de sanções são mais frequentemente aplicadas aos(às) réus(rés) de vio-
lência LGBTfóbica?
Objetivo: identificar a responsabilização penal, os tipos de sanções mais comuns; ter
percepção sobre adequação das penas previstas; ter percepção quanto à satisfação das
vítimas e a prisão processual dos(as) réus(rés).
Relações interinstitucionais
14. Em sua opinião, como é a comunicação com Ministério Público e o Poder Judiciário?
Objetivo: identificar ações coordenadas e compartilhamento de informações.
Aspectos iniciais
195
APÊNDICEs
2. Em sua opinião, que aspectos caracterizam um caso como de violência contra vio-
lência contra a população LGBTQIA+?
Objetivo: ter percepção sobre a temática; identificar os critérios adotados na análise
do caso e o reconhecimento desse tipo de violência.
3. Já atuou em casos que envolvessem violência LGBTfóbica? Se sim, conte como foi?
Objetivo: identificar a percepção sobre o reconhecimento desse tipo de violência e como
se deu a atuação no caso.
5. Como geralmente as vítimas chegam até você? São encaminhadas por instituições
públicas ou entidades de proteção?
Objetivo: compreender o percurso das vítimas.
Aspectos processuais
196
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
11. Em que casos é aplicado o art. 2º da Lei Maria da Penha? (Art. 2º Toda mulher, inde-
pendentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educa-
cional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana,
sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, pre-
servar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social).
Objetivo: observar o reconhecimento e a aplicação do artigo em questão pelo sistema
de justiça.
12. Quais tipos de violências são mais frequentes em um processo que envolve popula-
ção LGBTQIA+ (física, psicológica, financeira, entre outras)?
Objetivo: identificar quais violências são reconhecidas pelo sistema de justiça.
13. Que tipos de sanções são mais frequentemente aplicadas nos casos de violência
LGBTfóbica?
Objetivo: identificar a responsabilização penal nos casos de violência, os tipos de san-
ções mais comuns; ter percepção sobre adequação das penas previstas; ter percepção
quanto à satisfação das vítimas e a prisão processual nos casos de violência.
197
APÊNDICEs
3. Em sua opinião, quais são os conhecimentos prévios que o(a) servidor(a) de uma
delegacia especializada precisa adquirir para atuar em um caso de violência LGB-
Tfóbica?
Objetivo: identificar se há preocupação com o uso de terminologias corretas e outras
iniciativas para.evitar situações de discriminação com a população LGBTQIA+ que chega
às delegacias;
4. São instruídos(as) a seguir algum protocolo de orientação para auxiliar nos casos
de violência LGBTfóbica? Se sim, qual? Desde quando?
Objetivo: identificar se há diretrizes para a abordagem policial, o procedimento de re-
gistro de ocorrências e os procedimentos de expediente, o acolhimento das vítimas e
a tipificação penal das condutas.
VÍTIMAS DE LGBTFOBIA
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Ler o TCLE e confirmar o consentimento
Trajetória Pessoal
198
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
Para começar, pergunto um pouco sobre você, para conhecermos o contexto das suas
experiências.
• Qual a sua idade?
• De onde você é? E onde você mora?
• Com o que você trabalha? /Qual a sua área de atuação? Atualmente está trabalhan-
do?
• O que você estudou/estuda? Onde?
• Como você se identifica em relação a gênero/sexualidade/orientação sexual? (Qual
é o seu pronome de tratamento?)
• Como você se identifica em relação à raça\etnia?
• Sabemos que nem sempre é fácil compartilhar ou falar sobre violências sofridas ou
denunciar o que aconteceu. Por que você acha que isso acontece?
• Qual você considera que seja a particularidade da violência relacionada à orientação
sexual e/ou identidade de gênero?
• Qual foi a situação de violência que fez você buscar o sistema de justiça?
• O que aconteceu? Como aconteceu? Onde aconteceu? Quem foi o(a)/ agressor(a)
ou agressores(as)? Outras pessoas presenciaram? [explorar contexto mais amplo,
relações prévias, espaço, testemunhas etc.]
• Quais você considera que foram as causas da violência que sofreu? Por quê? O que
você considera que levou a(s) pessoa(s) a agir(em) dessa forma?
• O que levou você a buscar uma ação na justiça?
199
APÊNDICEs
• Qual caminho você percorreu para entrar com a ação na justiça? Você contou com
que tipo de assistência jurídica?
• Qual foi a acusação feita ao(s)/à(s) autor(es) do crime?
• Quais eram as suas expectativas em relação a isso?
• Quais foram as dificuldades e entraves que surgiram ao longo do processo? O que
funcionou e o que deu errado ou não foi possível fazer?
• Como você avalia que foi tratado(a) nas diferentes instâncias percorridas ao longo
desse percurso?
• Que tipo de compreensão a respeito de discriminação motivada por orientação se-
xual/identidade de gênero/LGBTfobia você encontrou entre as diferentes instâncias
e agentes envolvidos na trajetória da denúncia?
• Você considera ter recebido o apoio necessário para lidar com a situação? Como foi
o tratamento que recebeu?
[explorar como a motivação da denúncia foi recebida nas diferentes instancias percor-
ridas, se havia alguma compreensão ou preconcepção sobre discriminação e LGBTIfo-
bia e sobre essa tipificação específica de violência entre os(as) agentes acessados(as)
(delegacia, MP, defensoria, vara etc.)]
Consequências
• Qual foi (ou está sendo) o andamento do processo? Já foi finalizado/já houve senten-
ça? Se sim, você ficou satisfeito(a) com a sentença?
• Houve dificuldades para sustentar a acusação? Se possível, explorar quais foram
os aspectos e instrumentos jurídicos e estratégias utilizadas para qualificar a de-
núncia]
• Você teve/tem dificuldade para entender o andamento do processo?
• Houve alguma consequência para quem cometeu a violência contra você?
• E na sua vida, quais foram as consequências?
• Antes dessa situação de violência acontecer você já sabia como funcionava o sis-
tema de justiça?
• Se a mesma situação de violência se repetisse hoje, você agiria de maneira diferen-
te? O que mudaria? Por quê?
• Você tem alguma sugestão do que poderia ser feito para melhorar a relação de pes-
soas LGBTQIA+ no acesso ao sistema de justiça?
Encerramento
200
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
201
APÊNDICEs
Eu, (nome do entrevistado, nacionalidade, idade, estado civil, profissão, endereço, RG),
estou sendo convidado a participar de um estudo denominado (título da pesquisa), cujos
objetivos e justificativas são: (apresentar a que o estudo se destina e por que está sendo
realizado).
A minha participação no referido estudo será a concessão de entrevista, que será grava-
da e/ou transcrita, sobre (descrever o procedimento em linguagem acessível ao leigo – se
imprescindíveis os termos técnicos, mencionar explicação entre parênteses).
Fui informado, ainda, de que posso me recusar a participar do estudo, ou retirar meu
consentimento a qualquer momento, sem precisar justificar, e de, por desejar sair da
pesquisa, não sofrerei qualquer prejuízo à assistência que venho recebendo.
Estou ciente de que minha privacidade será respeitada, ou seja, meu nome ou quaisquer
outros dados ou elementos que possam me identificar, serão mantidos em sigilo.
Assim, após ter sido devidamente orientado quanto à natureza e ao objetivo da entrevis-
ta, manifesto meu livre consentimento em participar, ciente de que não há nenhuma
remuneração, a receber ou a pagar, por minha participação.
Em caso de reclamação ou qualquer tipo de denúncia sobre este estudo devo entrar em
contato com o Departamento de Pesquisas Judiciarias do Conselho Nacional de Justiça,
telefone (61) 23265266 ou e-mail dpj@cnj.jus.br.
______________________________________________
Nome e assinatura do(a) entrevistado(a)
__________________________________________
Nome(s) e assinatura(s) do(s) pesquisador(es) responsável(s)
202
RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
VÍTIMAS DE LGBTFOBIA
____________________________________________
A minha participação no referido estudo será a concessão de entrevista, que será grava-
da e/ou transcrita, sobre a minha vivência como LGBTQIA+ e como vítima de violência
e, quando houver, sobre a minha experiência acessando o sistema de justiça em face
da violência sofrida.
Fui informado, ainda, de que posso me recusar a participar do estudo, ou retirar meu
consentimento a qualquer momento, sem precisar justificar, e de, por desejar sair da
pesquisa, não sofrerei qualquer prejuízo à assistência que venho recebendo.
Estou ciente de que minha privacidade será respeitada, ou seja, meu nome ou quaisquer
outros dados ou elementos que possam me identificar, serão mantidos em sigilo.
Assim, após ter sido devidamente orientado quanto à natureza e ao objetivo da entrevis-
ta, manifesto meu livre consentimento em participar, ciente de que não há nenhuma
remuneração, a receber ou a pagar, por minha participação.
Em caso de reclamação ou qualquer tipo de denúncia sobre este estudo devo entrar em
contato com o Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça,
telefone (61) 2326-5266 ou e-mail dpj@cnj.jus.br.
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APÊNDICEs
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Nome e assinatura do entrevistado
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Nome(s) e assinatura(s) do(s) pesquisador(es) responsável (s)
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RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
Para isso, será importante ouvir o público LGBTQIA+ que acessou o Poder Judiciário a fim de reparar violência sofrida
relacionada a sua orientação sexual e/ou identidade de gênero.
A pesquisa se aterá apenas aos casos que ocorreram nas seguintes cidades: Fortaleza (CE), Maracanaú (CE), Manaus
(AM), Manacapuru (AM), Curitiba (PR), Araucária (PR), Belo Horizonte (MG) Juiz de Fora (MG), Campo Grande (MS),
Dourados (MS), São Paulo (SP), Avaré (SP).
Caso você queira contribuir com a pesquisa, poderá enviar seus dados para contato para que nossa equipe possa contatá-
lo/a para uma entrevista. Vale ressaltar que:
A participação no referido estudo será a concessão de entrevista relacionada a casos envolvendo violência
LGBTfóbica;
A participação na pesquisa não possui o objetivo de interferir ou alterar qualquer decisão que tenha sido proferida
no curso do processo judicial;
Mesmo enviando seus dados para contato, será possível se recusar a participar do estudo, ou retirar seu
consentimento a qualquer momento, sem precisar justificar;
O sigilo e a privacidade serão respeitados, ou seja, seu nome ou quaisquer outros dados de contato, serão mantidos
em sigilo.
Em caso de dúvidas ou necessidade de mais informações sobre este estudo entrar em contato por meio do endereço
eletrônico: liods-pnud@cnj.jus.br.
Estou de acordo
Nome: 205
*
A participação na pesquisa não possui o objetivo de interferir ou alterar qualquer decisão que tenha sido proferida
no curso do processo judicial;
Mesmo enviando seus dados para contato, será possível se recusar a participar do estudo, ou retirar seu
consentimento a qualquer momento, sem precisar justificar;
Em caso de dúvidas ou necessidade de mais informações sobre este estudo entrar em contato por meio do endereço
eletrônico: liods-pnud@cnj.jus.br.
Estou de acordo
Nome:
*
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RELATÓRIO DA PESQUISA
POPULAÇÃO LGBTQIA+
Venho, por isso, lembrar que no mês de junho celebra-se, em vários países e no Brasil, o
Dia do Orgulho LGBTQIA+. O 28 de junho mantém viva a memória da Rebelião de Stonewall em
Nova York em 1969, cuja notoriedade retirou dos porões o clamor por direitos e igualdade dos que
enfrentam discriminação em decorrência de sua orientação sexual e identidade de gênero, além
de ajudar a construir um movimento internacional.
Este movimento tem conduzido a grandes transformações nas leis e nas decisões dos
Tribunais de vários países, inclusive do Brasil, ampliando os direitos de LGBTQIA+ e o respeito que
merecem como seres humanos. O movimento do Orgulho LGBTQIA+ afirma que “todos devem ter
orgulho da sua orientação sexual e identidade de gênero; que a diversidade sexual é uma dádiva;
e que a orientação sexual e a identidade de gênero são inerentes ao indivíduo e não podem ser
intencionalmente alteradas” («Gay and Lesbian History Month» (PDF).
www.bates.ctc.edu)
No Brasil, é preciso celebrar o fato de que nosso Supremo Tribunal Federal assegurou a
prevalência da Constituição contra a letra do Código Civil, convalidando a união estável
homoafetiva em maio de 2011 e determinou a punição da homofobia como crime de racismo,
definido na Lei 7716/89.
Em minha atividade artística e cívica tenho feito um grande esforço para fortalecer-nos
como nação multiétnica, plural e de muitas cren207
ças, que precisa superar desigualdade, preconceito
e discriminação. Defendo a igualdade entre os seres humanos de qualquer raça, origem ou crença;
luto pela inclusão de todos e pelas liberdades humanas, demando a proteção de crianças e jovens,
orgulho da sua orientação sexual e identidade de gênero; que a diversidade sexual é uma dádiva;
e que a orientação sexual e a identidade de gênero são inerentes ao indivíduo e não podem ser
intencionalmente alteradas” («Gay and Lesbian History Month» (PDF).
www.bates.ctc.edu) APÊNDICEs
No Brasil, é preciso celebrar o fato de que nosso Supremo Tribunal Federal assegurou a
prevalência da Constituição contra a letra do Código Civil, convalidando a união estável
homoafetiva em maio de 2011 e determinou a punição da homofobia como crime de racismo,
definido na Lei 7716/89.
Em minha atividade artística e cívica tenho feito um grande esforço para fortalecer-nos
como nação multiétnica, plural e de muitas crenças, que precisa superar desigualdade, preconceito
e discriminação. Defendo a igualdade entre os seres humanos de qualquer raça, origem ou crença;
luto pela inclusão de todos e pelas liberdades humanas, demando a proteção de crianças e jovens,
uso minha palavra e minha voz contra o racismo e a homofobia e por igual acesso à justiça.
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