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ISSN 2179-1805
CAPA
Assessoria de Comunicação do TJBA
TIRAGEM
2000 exemplares
ISSN: 2179-1805.
CDD: 340.05
CDU: 34
Ficha catalográfica elaborada pela Coordenação de Bibliotecas
do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.
PRESIDENTE
Desa Maria do Socorro Barreto Santiago
SECRETÁRIA-GERAL
Joana Costa Pinheiro
Prezado(a) Leitor(a),
Com periodicidade semestral, a Revista Entre Aspas surgiu tendo por principal objetivo
promover a difusão e o intercâmbio de conhecimentos jurídicos e técnicos produzidos por
magistrados, servidores e convidados especiais, bem como boas práticas desenvolvidas nas
Unidades do Poder Judiciário.
Aproveitem a leitura!
– Artigos Jurídicos
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1. Introdução
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Sob uma perspectiva histórica, ultrapassada a era em que predominava o “fazer justiça
com as próprias mãos”, o período denominado autotutela, o Estado emergiu como fonte única
de produção do Direito, revelando os valores, interesses e necessidades da sociedade, sendo
o Direito Penal a longa manus do Estado, a quem compete a árdua tarefa de reprimir a prática
criminosa e punir os infratores.
Em consonância, manifestam-se Betanho e Zilli (2007, p. 555-556):
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los. Nesse campo, o Direito Penal constitui apenas uma das vias protetivas.
É a mais grave, aliás. Afinal, ao responsável pela prática de condutas
lesivas àqueles valores, o legislador comina uma sanção de natureza
penal. A simples previsão note-se, fixa para o Estado um poder-dever
punitivo que, em um primeiro momento, é latente, mas que assume
concretude com a realização de uma conduta criminosa. Com efeito, é a
partir desse momento que ao Estado incumbe a recomposição da ordem
social mediante a imposição da sanção penal.
O exercício do poder-dever punitivo projeta-se em dois momentos. No
primeiro, o Estado declara a ocorrência do fato criminoso e fixa a
responsabilidade penal do agente. No segundo, executa o comando
emergente da sentença condenatória transitada em julgado. [...]
O Estado é considerado como entidade abstrata, edificada pelo homem para direcionar
a sociedade humana, sendo o seu núcleo a ideia de restringir e disciplinar o comportamento do
ser individual em prol do coletivo, em nome do interesse público. Sem dúvida, o Estado evoluiu
até atingir o seu estágio atual, o denominado “Estado Moderno”, que se apresenta como uma
sociedade política e juridicamente organizada, com unidade territorial, dotada de poder soberano
e composta por sujeitos que se integram, em face da realização do bem comum. (REALE, 1960)
Cinge-se, portanto, que o Estado, juridicamente estruturado, com sustentabilidade legal,
constitui-se no que, modernamente, se chama Estado de Direito ou Estado Constitucional,
atuando em consonância com os limites insertos pela CF/88, no exercício de suas funções
típicas e atípicas, utilizando-se de órgãos especializados funcionalmente e organicamente
independentes, todos vinculados aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
Assim, o Estado, na busca incessante de exercer suas funções típicas, tutela os mais
relevantes bens jurídicos, destacando-se o direito à vida, à honra, à imagem, à dignidade, à
liberdade, dentre outros, de singular importância, todos amparados pelas normas.
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A teoria que sustenta o ordenamento jurídico como sistema dinâmico, em face das
modificações diuturnas que se processam nesta sociedade pós-moderna, com base na
concepção principiológica e hermenêutica, vem modificar e trazer uma visão diferente para a
literatura jurídica. Impõe-se ao operador do Direito um novo direcionamento ao processo de
interpretação da norma como o trilho para resolução de inúmeros conflitos que não encontram
solução na legislação escrita. Nesse diapasão, o tema em discussão no presente estudo, ou
seja, o reconhecimento da prescrição virtual no ordenamento jurídico brasileiro, apesar de não
encontrar previsão normativa expressa, pode ser facilmente extraído dos princípios
constitucionais que regem a ordem jurídica vigente, a partir de uma interpretação voltada para
os fins sociais a que a lei se obriga, reproduzindo o caráter político que cerca o direito penal
brasileiro, de cunho eminentemente garantista, como se verá a seguir.
No campo das ciências criminais, a força do Estado se manifesta através do jus puniendi,
que é o direito de punir, monopólio da administração da justiça, e, em que pese o potencial, se
apresenta em abstrato. Somente com a prática do crime ou de um fato aparentemente de caráter
delituoso, esse jus puniendi, ora abstrato, vai atuar em relação ao provável autor do fato,
porque o Estado precisa tornar real e efetivar a pena in abstracto prevista para determinado
crime. Surge, assim, a pretensão punitiva.
Mas não basta o nascimento da pretensão punitiva, pois o ente estatal atribuiu a si
próprio a imposição de uma pena ou medida de segurança somente se observado o devido
processo legal. Torna-se imperativo que ocorra a persecutio criminis, perseguindo o provável
autor de um fato pretensamente criminoso.
Essa persecutio criminis, que é una, se inicia, de regra, mas facultativa também, com o
inquérito policial. Assim, concluídas as investigações e as diligências preliminares e colhidas
as primeiras informações sobre o fato supostamente delituoso e a sua provável autoria, cumpre
agora, na segunda fase da persecução penal, ao particular, como substituto processual, agindo
em nome próprio, na defesa de interesse alheio, ou cumpre ao Estado, representado por um de
seus órgãos oficiais, o MP, presente o princípio da oficialidade e obrigatoriedade, dirigir-se ao
Estado-Juiz, pedindo ou exigindo, princípio da indeclinabilidade da jurisdição, u exigindo
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O direito de punir do Estado está intrinsicamente ligado à ordem temporal, sendo que,
a sua falta de utilização tem repercussão imediata nos direitos dos jurisdicionados.
Jesus (1999), narra taxativamente que a prescrição é a perda do poder-dever do direito
de punir do Estado, pela ausência, em certo tempo da pretensão punitiva.
Battaglini (1973, p. 82) assevera que com a prescrição “cessa a exigência de uma
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reação contra o delito, presumindo a lei que, se o tempo não cancela a memória dos
acontecimentos humanos, pelo menos, a atenua ou a enfraquece”.
Nesse contexto, o Estado-juiz busca incessantemente a efetiva prestação jurisdicional,
buscando diuturnamente instruir de forma célere o processo, para que o fato delituoso seja
apurado rapidamente e para que o Estado-Juiz, dentro de um prazo razoável, entregue uma
resposta eficaz.
Assim, com base no decurso do tempo, surge a prescrição, que nada mais é do que a
perda do direito do Estado de punir os agentes ou de executar a pena por seu comportamento
omissivo, ocasionando a extinção da punibilidade, consoante preconiza o artigo 107, inciso IV
da Lei Substantiva Penal.
3.1 O Direito Penal e a perda do direito pelo não uso da pretensão punitiva
É cediço que no Direito Penal, o tempo está relacionado a duas situações distintas: uma
é a liberdade do indivíduo e a outra é a pretensão punitiva do Estado.
Manzini (1950, p. 150) pontua que:
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Faz-se necessário registrar que, a prescrição é reportada no Direito Penal, como renúncia
ou como perda do direito de punir do Estado, dentro de um lapso temporal estabelecido pela
norma, sendo inútil a busca no Poder Judiciário para efetivar uma ação, pois inelutavelmente o
delito estará prescrito.
Ademais, importa ressaltar, no que se refere à natureza jurídica do instituto da prescrição,
que há divergência doutrinária acerca do seu caráter processual, material e processual-material,
o denominado caráter misto.
Prado (2006) defende o seu caráter material, com consequências na ação penal e na
condenação; Baltazar (2003, p.19) também acredita que “[se] a prescrição pode ocorrer antes
mesmo de uma relação processual, não há dúvida de que é de direito material”.
Com igual pensamento, Machado (2000, p. 47):
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declarada ex officio pelo magistrado ou por provocação das partes, consoante dicção do art. 61
do Código de Processo Penal.
Senão vejamos.
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Esta nova modalidade, de prescrição virtual, voltada para as Ciências Criminais que
compõem esta era pós-positivista, tem por principal finalidade evitar o acionamento de toda a
máquina judiciária do Estado em um processo criminal que, levando-se em conta a pena em
perspectiva, e face à realidade dos autos, se vislumbra o reconhecimento da prescrição retroativa
na eventualidade de futura condenação.
Tal discussão nasceu a partir de situações concretas, em que o processado, suposto
autor de fato delituoso, pela inércia do Estado, fica sujeito, ad eternum, à força do jus imperii.
Esquece-se de que a legislação processual impõe prazos e, a depender da realidade, a sua
inobservância contumaz gera malefícios expressivos ao processado, e não há razão política ou
interesse social que justifique deixar o mesmo infinitamente vítima de um processo criminal que
vilipendia os fins almejados pelas teorias da pena. (BITENCOURT, 2010)
A prescrição virtual surge nesse contexto, registrada pela forte intenção de responder
a esse estágio crônico de letargia em que se encontra o Estado no exercício do direito de punir.
Requer justa causa para a deflagração da ação penal, bem como um resultado útil, não se
podendo conceber a instauração ou continuidade de uma ação penal que estará fadada ao
insucesso, sendo declarada ao final a extinção da punibilidade pela ausência da pretensão
punitiva. Segundo Lozano Júnior (2002, p. 181) a prescrição virtual reflete o seguinte:
Na mesma linha intelectiva, preceitua Baltazar (2003, p. 105) que “a prescrição antecipada
é uma fórmula anômala de prescrição, que visa evitar o dispêndio desnecessário de tempo
com julgamentos inócuos.”
No panorama doutrinário nacional, em oposição aos Tribunais Superiores, mas na defesa
dessa prática de política criminal, ressoam vozes dissidentes, destacando-se, além de José
Antônio Paganella Boschi (Ação Penal, Aide, 1997, pp. 99-112), os seguintes doutos juristas:
Ada Grinover (As Nulidades no Processo Penal, RT, 1998, p. 65), Afrânio Silva Jardim (Direito
Processual Penal - Estudos e Pareceres, Forense, 1986, p. 58), Antônio Scarance Fernandes (A
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Provável Prescrição e a Falta de Justa Causa para a Ação Penal, Cadernos de Doutrina e
Jurisprudência da APMP, nº 6), Edison Aparecido Brandão (Prescrição em Perspectiva, RT, 710/
391), Luiz Sérgio Fernandes de Souza (A Prescrição Retroativa e a Inutilidade do Provimento
jurisdicional, RT 680/435), Maurício Antônio Ribeiro Lopes (O Reconhecimento Antecipado da
Prescrição, RBCCC, nº 3, ano 1).
Já os que, em caráter vanguardista, sustentam a possibilidade de aplicação da prescrição
virtual, motiva na necessidade de interpretar sistematicamente as normas penais e processuais.
Deseja-se ofertar uma hermenêutica voltada para a efetividade da persecução penal e imposição
de uma pena do processo penal, consistindo no arquivamento de inquéritos e extinção de
feitos, sem razão de ser, pela flagrante ausência de interesse de agir, ocasionada pela verificação
de que, pela pena a ser aplicada ao caso, será extinta a punibilidade fatalmente em face da
prescrição retroativa.
Para a aplicação da prescrição virtual, trabalha-se com o elemento suposição, mas
suposição a partir de dados concretos, presentes nos autos, e não de forma aleatória. Destarte,
verificada, desde a fase pré-processual ou processual, que a prescrição se dará, é por demais
contraditório e incoerente ajuizar uma ação criminal, mobilizando a máquina judiciária, mesmo
sabendo da inutilidade do procedimento, dos gastos que serão despendidos, do tempo
desnecessário de trabalho dos servidores, economia processual, dentre outros fatores.
Diante do quadro delineado, bem como da ausência de legislação tratando
especificamente do assunto, nada impede que o Magistrado, como aplicador da Lei, verificando
que a pena em concreto a ser aplicada será alcançada pela prescrição, que reconheça de
imediato, com base no que preconiza o artigo 107 e 109 do Código Penal, combinado com artigo
61 da Lei Adjetiva Penal.
O atual estágio da sociedade não se coaduna com a prevalência de um sistema que atue
de forma alheia aos ideais que objetivam a realização da justiça social. Torna-se imperioso,
pois, observar a proeminência dos elementos hermenêuticos para a efetiva estabilidade e
constante aprimoramento do Estado Democrático.
Vê-se que a concepção do Direito, como uma ciência de princípios e baseada na
interpretação, é o meio de se conciliar o pensamento problemático com o sistemático. O
positivismo fez com que a “teoria” fosse substituída pelo “método”, o que exige uma retomada
de consciência, a partir do complexo principiológico que tenha suas raízes fincadas no contexto
histórico contemporâneo. É mister, sem sombra de dúvida, a releitura do mundo, interpretando-
se a realidade social sob um novo olhar, nascido do processo de interpretação constitucional.
A doutrina defendida por Miranda (1988, p. 197) acredita que “o direito nunca poderia
esgotar-se nos diplomas e preceitos constantemente publicados e revogados pelos órgãos
do poder”, ou seja, é inadmissível aceitar-se que o Direito possa esgotar-se na lei positivada.
Em consonância com o ventilado, Rocha (1994, p. 36), com base em Ferrara, afirma que “a
Constituição não se reduz às suas normas, sequer a seu texto, à sua forma, a seu dizer. Ela
vive também do que ela não diz, mas permite venha a ser dito e ditado pelo intérprete.” E
conclui: “o direito não é só o conteúdo imediato das disposições expressas, mas também o
conteúdo virtual de normas não expressas, porém, ínsitas no sistema”.
Vargas (2005, p.360) fundamenta com maestria o seu posicionamento:
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A teoria da prescrição virtual tem por base o art. 109 do CPB, que estabelece que a
prescrição é regulada, antes do trânsito em julgado da sentença, pela pena abstrata máxima que
é cominada ao delito, não sendo lícito simular uma pena “fictícia” antes do trânsito em julgado
da decisão, apenas para servir de base para decretar a extinção da punibilidade com base na
prescrição retroativa.
Esta corrente reforça o seu entendimento a partir do quanto contido no art. 110, §§ 1º e
2º, também do CPB, defendendo que tal previsão traz como requisito basilar para aplicação da
prescrição retroativa a existência de sentença penal condenatória, determinando a pena a ser
imposta ao infrator. Apenas depois desta fase é que se saberá, in casu, se ocorreu ou não a
causa extintiva da punibilidade. Não é admissível, por conseguinte, a simples presunção da
pena que futuramente seria imposta, o que evidencia o caráter eminentemente racionário da
incidência da prescrição virtual, pautado em critérios legais.
Não é segredo, no entanto, que, no palco das discussões jurídicas, grande parte dos
penalistas brasileiros e a jurisprudência do STJ e STF, não admitem a antecipação do
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reconhecimento da prescrição penal, sob a justificativa de que não há qualquer previsão legal
do instituto.
Sob outro prisma, insurgem-se contra a aplicação da prescrição virtual com base em
eventual afronta ao princípio do contraditório, afirmando-se que a sua aceitação configura-se
entrave à consagração do princípio constitucional. Para quem assim entende, a prescrição em
perspectiva seria um julgamento antecipado da lide penal, presumindo a culpabilidade do réu,
sem que o mesmo tenha o direito de se defender, inobservando o princípio do contraditório,
que é garantia de índole constitucional.
Argumentam, também, violação ao princípio do devido processo legal. Para tanto,
defendem que a presunção de uma pena concreta, antes do trânsito em julgado da sentença,
macularia a tramitação regular do processo criminal, segundo previsão encartada no texto de
1988.
Outro motivo articulado para o não reconhecimento da prescrição em perspectiva tem a
finalidade de evitar que o Poder Judiciário torne-se um legislador positivo, sob pena de
transgressão do princípio constitucional da separação de poderes, já que este Poder não
dispõe de função legislativa e não pode exercer atividade que não lhe é institucionalmente
definida, usurpando, assim, atribuição que não lhe diz respeito.
Ao final, apontam que há nítida afronta aos princípios da presunção da inocência,
ampla defesa, obrigatoriedade e indisponibilidade da ação penal, ainda utilizados como razões
contrárias à aplicação do instituto ora em comento, sobretudo por parte da doutrina.
Por lealdade ao discurso contrário à prescrição antecipada, imperativo colacionar decisão
emblemática do STF, recusando a sua ideia. Verbis:
Com o fito de dar maior eficácia a esse entendimento, o enunciado nº. 438 da Súmula da
jurisprudência predominante do STJ determina “ser inadmissível a extinção da punibilidade
pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética,
independentemente da existência ou sorte do processo penal”. Tal posicionamento registre-
se, não vem sendo acatado de forma unânime, até porque não possui natureza vinculante.
Em que pese se mostrarem robustas as razões invocadas por aqueles que rechaçam a
possibilidade de aplicação da prescrição virtual no direito penal brasileiro, há doutrinadores e
coerente jurisprudência, composta por teóricos de renome e alto gabarito, já oportunamente
nomeados, que não só admitem como reclamam a aplicação da prescrição retroativa antecipada,
mediante sólidas alegações.
Com efeito, os argumentos expostos não se apresentam como óbice ao reconhecimento
da prescrição virtual no sistema penal brasileiro, podendo ser refutados, até mesmo por meio
de um juízo de proporcionalidade, razoabilidade e equidade entre os bens jurídicos em jogo, à
luz da conjuntura fática a ser examinada.
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O argumento trazido à lume acaba por refutar a concepção invocada pelos que não
admitem a aplicação da prescrição virtual, pois esta configuraria mácula aos princípios da
obrigatoriedade e da indisponibilidade da ação penal. Ora, ante a nítida ausência de uma das
condições da ação, o membro do Parquet não estaria obrigado a promover a ação competente,
já que, inexistindo interesse de agir, ao final, estaria extinta a sua punibilidade.
Delmanto e Roberto Júnior (1998, p. 189), por seu turno, defendem a falta de interesse de
agir e a ausência de justa causa como os grandes vetores que legitimam a admissibilidade da
prescrição virtual. Para eles:
[...] A nosso ver, acreditamos que a solução para este impasse não se
encontra na extinção da punibilidade com base na pena que seria imposta
em possível condenação, que realmente nos parece difícil de sustentar,
mas, sim, na falta de justa causa para a persecução penal. Com efeito,
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Por outro lado, deve-se recordar que o Direito Penal é a ultima ratio, não sendo medida
harmoniosa com o Estado Democrático de Direito, permitir-se que os cidadãos, ad infinitum,
suportem a verdadeira via cruxis - ser parte de um processo penal. Busca-se, a todo momento,
a preservação das garantias fundamentais, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa
humana, imprescindível à plena eficácia do Direito Penal.
O processo deve ser analisado conforme o seu caráter finalista, devendo as normas
jurídicas ser interpretadas, tendo por base o elemento teleológico e útil do processo criminal.
Pela teoria funcionalista da pena, condizente com o Estado Democrático de Direito, o
qual vivencia o primado da intervenção mínima do Direito Penal, estando ausente a força
punitiva do Estado pela perda do valor simbólico do fato e de sua consequente incapacidade
para impor a pena pelo decurso do tempo, desaparecimento da necessidade de imposição de
pena, qualquer processo penal em curso ou futura aplicação de sanção configura atentado à
dignidade da pessoa humana. (JAKOBS, 2009)
Assim sendo, obrigar um indivíduo a responder a um processo criminal cuja pena,
previamente, sabe-se não ter serventia qualquer, fere os objetivos do Estado Democrático de
Direito.
Alega-se, ainda, em favor da prescrição retroativa antecipada a instrumentalidade do
processo, devendo o mesmo ser analisado mais em seu aspecto prático do que teórico, já que
o processo não pode ser considerado como um fim em si mesmo. Vargas (2005, p. 355) acredita
que: “O processo, como instrumento, não tem razão de ser, quando o único resultado previsível
levará, inevitavelmente, ao reconhecimento da ausência de pretensão punitiva. Se não há
efetividade, o uso do ‘processo pelo processo é mera incursão em um mundo virtual”.
Ademais, o princípio da economia processual também ratifica a aceitabilidade do instituto
em análise, e consiste na forma em que as exigências relativas ao processo devem ser adequadas
e proporcionais à finalidade que se almeja, evitando-se a execução de atos processuais, que se
sabe antecipadamente, desnecessários e inúteis, não havendo possibilidade de se obter tutela
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jurisdicional efetiva.
A respeito, Baltazar (2003, p. 107) sublinha que quando se está diante de várias opções
no sentido de “otimizar” o processo criminal, evitando-se o constrangimento ilegal do acusado,
deve-se optar por aquele caminho que se aparenta mais célere, eficaz e menos custoso ao ente
público. Busca-se “o máximo resultado na atuação do direito com o mínimo possível de
atividades processuais e, consequentemente, de despesas, sem contudo, suprimir atos
previstos no rito processual em prejuízo às partes.”
Diz-se, também, que a prescrição virtual fere o princípio da presunção de inocência,
pois retira do acusado o direito de ser absolvido. Entretanto, em resposta, Vargas (2005) registra
o pensamento da presentante do MP gaúcho, Diolinda Kurrle Hannush, a qual defende que “o
processo tem uma finalidade pública e não privatísta, ou seja, existe para que o Estado
possa exercer o seu ‘jus puniendi’ e não para que o acusado demonstre suas virtudes”.
Relevante mencionar, ainda, em favor da necessidade de aplicação da prescrição virtual,
o princípio do bom emprego do dinheiro público, utilizado para mobilizar todo o aparelhamento
estatal, mediante o processamento da ação criminal. Nesta hipótese, apresenta-se um
despropósito e nítida má administração do dinheiro público, sabendo-se da ocorrência inequívoca
da prescrição, constatada desde a fase pré-processual e até processual, alimentar a existência
de uma ação fadada ao insucesso. Além da despesa excessiva, há o evidente desprestígio da
imagem da justiça.
Baltazar (2003, p.111) pontua que a prescrição em perspectiva “outra coisa não é senão
uma economia processual extraordinária, que beneficia o réu e o Estado”. Tal afirmativa
conduz a uma séria reflexão acerca da cruel realidade por qual perpassa o processo penal
brasileiro, de modo que não se pode mais tolerar o alto dispêndio de recursos materiais, humanos
e financeiros, por parte do Estado, já deficiente, através de processos que se arrastam no
tempo, infinitamente, sem alcançar qualquer resultado.
Outrossim, não deve prosperar que a prescrição projetada viola o princípio constitucional
do devido processo legal. Isso porque a ação penal não tem razão para prosseguir regularmente,
se, ao final, não poderá ser aplicada qualquer sanção, em decorrência da prescrição antecipada
reconhecida e que ocasionará a extinção da punibilidade.
Por fim, imprescindível registrar que a aplicação do instituto em exame somente ocorre
com base na casuística, individualmente analisada.
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sem sentença penal condenatória e é aceita pela maioria da doutrina penalista brasileira. Frise-
se, por oportuno, que a prescrição virtual é ainda menos gravosa que a transação penal, já que
extingue a punibilidade, sem aplicar nenhuma pena ao infrator.
Reitera-se que a prescrição antecipada não produz nenhuma consequência lesiva para
o infrator, haja vista que não caracteriza a sua responsabilidade penal, não há efeitos da
reincidência, maus antecedentes, afastando todos os efeitos da condenação penal. Por essas
e outras razões, não se mostra crível alegar que a presunção da culpa pode manchar a utilização
da prescrição projetada, por violar o princípio da presunção da inocência. Ora, se os efeitos da
condenação não atingirão o réu, não há presunção de culpa, e, por consectário lógico, não
existe motivo para não reconhecer antecipadamente a prescrição.
De igual modo, impende citar a transação penal como mais uma forma de mitigação ao
princípio da presunção de inocência, e que também é admitido por grande parte da doutrina e
jurisprudência patrícia. Nela nenhum dos efeitos da condenação penal é aplicado ao denunciado,
tal como se dá com a prescrição retroativa antecipada.
A legalidade, portanto, cede espaço para os princípios e para a atividade interpretativa
do operador do Direito. Acerca disso, Palombella (1999, p. 265) sustenta:
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Por outro lado, tive a honra de esposar meu entendimento no julgamento do HABEAS
CORPUS N° 0008016-40.2014.8.05.0000:
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[...] conferir a solução justa ao caso concreto; para isso, se a lei não
ofertar a resposta adequada, com esteio no Direito dar solução justa à
hipótese em julgamento. Especificamente, no âmbito do Direito Penal,
aplicando a pena conforme sua necessidade visando ao interesse público.
(CERNICCHIARO, 1998, p. 165, grifos do autor)
Evidente, então, o caráter político que acompanha a temática, assim como persegue
todo o Direito. A boa política criminal propicia um estado de maior tranquilidade, corrigindo as
mazelas que norteiam os Poderes Republicanos e que autorizam o aplicador do Direito a lançar
mão das fontes do Direito para se alcançar a tão almejada justiça em tempo novo: o
reconhecimento da prescrição antecipada no Direito Penal pátrio, em nome da economia
processual, da instrumentalidade do processo, o qual deverá ser movido pelo interesse de agir
e pela justa causa, evitando-se gastos desnecessários e mais sofrimento ao acusado, vítima de
um sistema carcerário que se afastou das finalidades da pena.
Portanto, a valoração político-criminal constitui-se forte vetor a justificar a plena
aplicabilidade da prescrição virtual no Direito Penal brasileiro.
5. Considerações finais
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sobre a pretensão punitiva, se antes da sentença penal condenatória ter transitado em julgado,
e sobre a pretensão executória, que ocorre após o trânsito em julgado da sentença, com base na
pena aplicada.
A doutrina e a jurisprudência, com base no contexto social reinante, sobretudo diante
da realidade por qual perpassa o direito penal brasileiro, com lastro nas regras que fundamentam
a prescrição retroativa, formularam a tese da prescrição virtual. Entenderam que, se, de antemão,
já se verifica que a pena mínima ao final fixada, mesmo sendo superior, não atingirá a máxima,
ainda que venha a ser interposto recurso pelo MP, escoando o prazo previsto para a prescrição
da pena menor, torna-se um contrassenso jurídico que seja instaurada a relação processual ou
se continue na persecução penal até a sentença, a qual, ainda que seja condenatória, nenhum
efeito produzirá, pois operada a prescrição, da qual resultará a extinção da punibilidade.
Os Tribunais Superiores e grande parte dos Tribunais dos Estados e Tribunais Federais
se insurgiram contra a prescrição antecipada, arraigados a uma legalidade já sepultada pela era
pós-positivista, alegando falta de amparo legal do instituto, bem como violação aos princípios
da presunção de inocência, do contraditório, do devido processo legal, da obrigatoriedade da
ação penal e da indisponibilidade após a sua instauração.
Não obstante, restou evidenciado que os princípios da legalidade e obrigatoriedade
não devem ser vistos e interpretados de forma absoluta e engessada, mas ao contrário, devem
ser sempre sopesados e ponderados diante do caso concreto, postos em contraposição a
outros princípios.
No que se refere ao óbice da obrigatoriedade, convém salientar que o Parquet, ao atuar,
o faz lastreado nos princípios institucionais da unidade, indivisibilidade e independência
funcional, o que garante autonomia ao seu integrante no exercício do direito constitucional de
intentar a ação penal, nos casos em que entender útil e necessário.
Ademais, não é mistério que o princípio da obrigatoriedade, tão sobejamente prestigiado
na dogmática positivista, encontra-se mitigado na ordem jurídica pátria, seja pela transação
penal e suspensão do processo previsto nos artigos 76 e 89 da Lei nº 9.099/95, seja pelos
artigos 28 e 43 e atualmente o 395 do CPP, com o arquivamento e as condições da ação,
conferindo significativa margem de discricionariedade na valoração dos fatos ao presentante
do MP.
Assim, não há dúvidas de que a dignidade da pessoa humana é, dentre tantos relevantes,
o valor principal que deve guiar o intérprete na ponderação dos direitos fundamentais, razão
pela qual a utilização desnecessária e inútil do processo penal deve ser renunciada, porquanto
além de recusar o caráter instrumental deste, acaba por “coisificar” o acusado, violando a
dignidade humana, não podendo a ação penal continuar servindo apenas de ferramenta de
consternação e estigmatização social.
Por ser medida emergencial, de acordo com o agravamento da situação fática, que vai se
tornando insustentável, a própria realidade impõe a busca por soluções de forma empírica, vez
que a circunstância requer uma resposta efetiva e eficaz, não se podendo esperar a natural
maturidade de uma discussão parlamentar, ou por parte das Altas Cortes deste País. Para
diminuir a celeuma, a solução encontrada pelos operadores do Direito foi a formulação da
teoria da prescrição retroativa antecipada, a partir da interpretação da realidade social vigente.
Tais considerações ratificam a necessidade de se ter em mente que o Direito não se
restringe somente ao quando exposto na lei, pois esta não logra prever, clara e objetivamente,
todas as garantias fundamentais à comunidade social. Sendo o ser humano uma obra imperfeita,
os seus atos igualmente o são.
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A REVISTA DA UNICORP
Referências____________________________________________________________
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ENTRE ASPAS
1. Introdução
O Estado da Bahia ocupa o desonroso 6º lugar mais violento contra a mulher no Brasil,
e a nossa linda capital Salvador o 5º, segundo publicação do Mapa da Violência 20122, sob a
coordenação de Julio Jacob Waiselfisz e mais, segundo pesquisa do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA)3, a Bahia posiciona-se no 2º lugar em homicídios contra mulheres,
estando atrás tão somente do Estado do Espírito Santo. Tal fato, inegavelmente, vai de encontro
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A REVISTA DA UNICORP
à proclamada índole amistosa, alegre e acolhedora do baiano, retratada por meio dos seus
maravilhosos artistas, tais como os cantores Dorival Caymmi, Maria Bethânia, Gal Costa, Caetano
Veloso, Gilberto Gil, Daniela Mercury, Ivete Sangalo, Carlinho Brown, Cláudia Leite e os atores
Wagner Moura, Lázaro Ramos, Vladimir Brichta, os nossos escritores imortais Jorge Amado,
João Ubaldo Ribeiro e Antônio Torres, além dos mais antigos e inesquecíveis Ruy Barbosa e
Castro Alves, num rol meramente exemplificativo, todos ligados a uma cultura de paz, sem
olvidar Irmã Dulce, cuja obra conclama ao exercício de amor ao próximo.
Forçoso enaltecer a importância da Lei Maria da Penha para a diminuição da violência
doméstica doméstica contra a mulher no Brasil, que, segundo estatísticas do Tribunal de
Justiça da Bahia, é responsável pelo ajuizamento de mais de 50 % dos processos nas Varas
Crimes das Comarcas que não possuem Vara Especializada. É grande também a diferença do
número de processos distribuídos nas Varas Especializadas (na Bahia, a de Salvador e de Feira
de Santana) e nas demais Varas Criminais (das mesmas Comarcas). Na verdade, segundo dados
estatísticos retirados do e-Saj4, as Varas Criminais Comuns, em Salvador, recebem, em média, 70
processos por mês, enquanto a Vara Especializada de Violência Doméstica, cerca de 300, o que
faz constante a luta do Conselho Nacional de Justiça e das Coordenadorias da Mulher em
Situação de Violência Doméstica pela instalação de novas Varas Especializadas em todo o
Brasil, merecendo destaque o Distrito Federal, que possui 14 Varas de Violência Doméstica em
funcionamento.
Inicialmente, a abordagem a ser feita neste tema deve versar sobre quando esta lei será
aplicada e qual a sua abrangência neste imenso contingente de feitos no Judiciário.
Para esclarecer tal ponto, tem-se que enfrentar de logo, por estar no âmago do
questionamento, o porquê da necessidade de tal lei, tão criticada por quantos a consideravam
inconstitucional, ao tratar desigualmente homem e mulher, o que violaria o princípio da isonomia,
proclamado nos arts. 5º, I e 226, § 5º da Constituição Federal e, para isto, pontuar-se sobre o
significado de violência doméstica e familiar, colimando demonstrar que nem toda violência
contra a mulher pode ser considerada violência doméstica.
Com efeito, nem toda violência contra a mulher pode ser definida como violência
doméstica, nos termos da lei Maria da Penha, mas tão somente “qualquer ação ou omissão
baseada no gênero, que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano
moral ou patrimonial, tanto no âmbito público como privado (art. 5º, caput). Assim, segundo a
definição legal, violência doméstica é aquela praticada contra a mulher, mas que ocorreu em
razão do gênero e em ambientação doméstica ou familiar.
Exemplifica-se para melhor compreensão: A violência pode ser exteriorizada em tapas,
empurrões, chutes, bofetões, puxões de cabelo, beliscões, mordidas, queimaduras, tentativas
de asfixia, ameaças com faca ou verbais, assédio sexual, tiros, xingamentos, comentários
injuriosos, caluniosos ou difamatórios desferidos contra a mulher, dentro do lar ou na via
pública, tentativas de homicídio e homicídio consumado. Também podem ser humilhações,
privações de liberdade, impedimento de trabalhar ou de estudar ou de contatar com pessoas da
família ou amigas, danos propositais a objetos e animais de estimação, e, ainda, relação sexual
forçada (estupro), obrigar à prostituição, manter relações sexuais sem proteção, dentre inúmeras
outras condutas que mentes perigosas conseguem engendrar. De pasmar-se serem estas
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ENTRE ASPAS
agressões feitas pelos marido, companheiro, namorado, atual ou ex, filho, irmão, tio, cunhado,
ou seja, alguém que mantém ou manteve convivência com a vítima, por ligação amorosa, de
parentesco, ou de trabalho doméstico.
As Estatísticas confirmam que 70% dos casos de violência doméstica no Brasil devem-
se ao espancamento de mulheres por seus companheiros amorosos e, a cada 15 segundos, uma
mulher é espancada no Brasil, segundo estimativas da Fundação Perseu Abramo5.
Informa o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à violência contra as mulheres6, lançado
em 2007 que:
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A REVISTA DA UNICORP
A lei, seguindo esse parâmetro, que leva em conta ser o gênero uma construção das
sociedades, trata-o como criação cultural, ou seja, como a mulher e o homem são vistos na
sociedade.
Se observarmos a sociedade brasileira, machista e patriarcal, verificaremos que a mulher
quase sempre é tratada com inferioridade em relação ao homem. Assim, existirá uma questão de
gênero, toda vez que houver uma relação de subordinação da mulher ao homem, o que pode ser
exemplificado a partir da visão cultural de ser a mulher propriedade do homem, ficando, às
vezes, impedida de romper uma relação conjugal, ou de companheirismo, sob pena de, em
última hipótese, ser vítima de homicídio. Ressai aqui a sentença por meio das palavras: “Se não
for minha, não será de mais ninguém”.
Em artigo esclarecedor11, o Procurador de Justiça de Goiás Dr. Edison Miguel da Silva
Júnior assevera:
A Lei Maria da Penha, porém, traz uma definição lata no seu art. 5º:
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ENTRE ASPAS
Além disso, explicita a lei em que circunstâncias pode a violência ser considerada
doméstica e familiar, para os efeitos dessa lei:
Como se pode verificar, além da violência física, que pode redundar nos crimes de
lesões corporais ou homicídio, consoante o texto legal, pode haver a violência psicológica que
não deixa marcas no corpo, mas na alma, traduzida em expressões como: “você é feia”, “você
está gorda”, “você é fria”.
Há, ainda, a violência patrimonial que pode ser caracterizada pelo uso indevido do
cartão de crédito da vítima, realizando dívidas sem a devida quitação; pela coação para assinatura
de procuração com o fim de vender bens; pela interdição objetivando retirá-la da administração
dos seus bens, etc.
E não se pode olvidar da violência sexual, por meio da qual o homem obriga a mulher a
manter conjunção carnal contra sua vontade, a fazer sexo sem camisinha, o que pode resultar
em gravidez indesejada e colocar em risco a sua saúde, dentre outras atitudes nefandas.
Outro fato que não se pode esquecer é o de que a violência doméstica, para os efeitos
da Lei Maria da Penha, só tem como sujeito passivo a mulher, a quem é devida a proteção da lei
(art. 1º da Lei 11.340/2006), podendo a agressora ser outra mulher, como na hipótese da relação
entre pessoas do mesmo sexo (feminino), consoante previsão do parágrafo único do art. 5º, da
multicitada lei, que esclarece: “As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de
orientação sexual”.
Se forem dois homens, vivendo uma relação afetiva, porém, não terão a proteção da Lei
Maria da Penha, mas a proteção comum, do Código Penal. Com tal afirmativa não se está a
verberar uma proteção menor em relação aos homossexuais masculinos, ou mesmo aos homens
heterossexuais, também merecedores, por óbvio, da máxima proteção possível contra qualquer
tipo de violência, o que poderá ser alcançado com a decretação de medidas cautelares autorizadas
por força do poder cautelar que detém todo magistrado, e à semelhança das medidas protetivas
de urgência previstas na Lei Maria da Penha, poderão ser determinadas, se necessário for.
No que concerne à incidência do § 9º do art. 129 do Código Penal, no entanto, o STJ já
pacificou acerca da sua aplicação tanto para o homem como para a mulher, desde que ocorrida
a lesão no âmbito doméstico, o que a qualifica15.
Fundamenta-se tal entendimento no fato de ser a Lei Maria da Penha uma lei de ação
afirmativa, mas não só isto. Não se pode deixar de reafirmar a impossibilidade de, em matéria
penal, aplicar-se a analogia. Cuida-se aqui de crimes que podem se exteriorizar em diversos
tipos penais, com a agravante de terem sido cometidos em situação de violência doméstica:
homicídios, lesões corporais em suas diversas espécies, abortos, estupros, calúnias, difamações,
injúrias, ameaças, apenas para citar os mais comumente praticados.
A analogia aplicável na área penal só pode ser bonam parte, isto é, para beneficiar o réu
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e não restam dúvidas de que a aplicação da Lei Maria da Penha para casos sem previsão legal
feriria de morte o princípio da legalidade, que expressamente consigna: “Não há crime sem
prévia lei que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”, com previsão no art. 5º,
XXXIX, da CF, repetido no art. 1º do Código Penal.
Impende informar-se, todavia, a existência de decisões admitindo a aplicação da Lei
Maria da Penha para homossexuais masculinos, e, na doutrina, este é o entendimento da Dra.
Maria Berenice Dias16.
Tratando-se de transexual, porém, tem-se encontrado duas soluções. Para o que
conseguiu a mudança de sexo e nome, e foi registrado com o novo sexo, aplica-se a Lei Maria
da Penha, decidindo-se de forma diversa para o que não conseguiu registrar a mudança de
sexo, apesar de ter feito a cirurgia para esta alteração, bem como para o que não fez a cirurgia,
já que o indivíduo é identificado pelo seu registro civil.
3. A contribuição da jurisprudência
Inexiste violação ao princípio da igualdade, por conta de a lei ser voltada à proteção
específica das mulheres, como determina o seu art. 1º;
Fica reconhecida a constitucionalidade da previsão legal (art. 33), no sentido de que
nos locais em que não estiverem estruturados os Juizados de Violência Doméstica
haverá acúmulo de competência civil e criminal pelas Varas Criminais;
Houve o reconhecimento da impossibilidade de aplicação de qualquer dos dispositivos
da Lei 9099/95 (Lei dos Juizados Especiais) aos processos da seara da Lei Maria da
Penha;
Definiu-se que qualquer lesão corporal, mesmo leve ou culposa, praticada contra a
mulher nas relações domésticas representa crime de ação penal incondicionada. Neste
ponto, a decisão foi por maioria, divergindo o Min. César Peluzo, e nos termos do voto
do Relator, foi julgada procedente a ação direta de constitucionalidade, dando
interpretação conforme aos arts. 12, inciso I e 16, ambos da Lei 11.340/2006.
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ENTRE ASPAS
Senão vejamos:
Também o Min. Sebastião Reis Junior alterou seu entendimento anterior de que o crime
de lesão corporal seria de ação pública condicionada e, acolhendo a decisão do STF na referida
ADI 4424, passou a considerar de natureza pública incondicionada a hipótese de violência
doméstica que provoque lesão corporal de qualquer natureza, enfrentando, inclusive, a questão
tão debatida pelos juízes sobre a necessidade ou não da realização da audiência prevista no art.
16 da Lei 11.340/2006.
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A REVISTA DA UNICORP
Não se pode esquecer, todavia, que em razão de o Direito Penal estar sujeito à legalidade
estrita, a decisão do STF não se estende a outros crimes, cuja exigência de representação seja
requisito previsto em lei diversa da dos Juizados Especiais. Ora, se o STF afastou a aplicação,
em qualquer hipótese, da Lei nº 9099/95 para os casos de violência doméstica, por óbvio a lesão
corporal que se pratique estará tipificada no Código Penal, que não prevê a representação
como requisito de procedibilidade para a ação penal. Assim, no caso de ameaça, por exemplo,
em que esse requisito é previsto expressamente no art. 147, parágrafo único, do Código Penal,
continuará com a natureza de ação penal pública condicionada à representação.
Sabendo-se agora ser a violência doméstica aquela que ocorre em espaço doméstico ou
familiar, ou seja, ambiência de intimidade entre agressor e vítima, e que a aplicação da Lei Maria
da Penha só pode se efetivar quando a vítima da violência é mulher, revelada como violência de
gênero, já que nem toda violência contra a mulher poderá ser considerada violência doméstica
nos termos da lei Maria da Penha, intenta-se, com estas digressões, responder à 1ª indagação
feita ao iniciar-se este texto.
Para melhor compreensão, novamente exemplifica-se com os casos concretos:
Há cerca de dois anos, por ter sido instada a colaborar para a celeridade de um processo,
tomei conhecimento do caso de estupro coletivo ocorrido na comarca de Rui Barbosa, praticado
pelos 8 componentes da Banda New Hit contra duas fãs adolescentes, que foram em busca de
fotos com os “artistas” e sofreram tamanha violência dentro do ônibus que transportava a
Banda até o local do show, apesar de elas terem se recusado a manter relações sexuais e uma
delas ter informado que era virgem.
Ora, neste caso, as jovens apenas conheciam os hoje acusados de estupro, por
fotografias, não mantendo, nem tendo mantido com eles, por conseguinte, qualquer relação
doméstica ou familiar, o que, indubitavelmente, leva à conclusão da prática de estupro previsto
no Código Penal (art. 213), sem a aplicação da Lei Maria da Penha.
Este é um ponto que merece ser esclarecido por força de que, o errôneo entendimento
de se considerar violência doméstica, qualquer violência praticada contra a mulher, pode
ocasionar conflitos de competência, atrasando sobremaneira o julgamento do processo,
conforme exemplifico com o seguinte julgado.
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ENTRE ASPAS
Os avanços alcançados com a Lei Maria da Penha são significativos: criação dos Juizados
ou Varas de Violência Doméstica ou Familiar, com competência híbrida (art. 14); obrigatoriedade
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de a vítima estar sempre acompanhada de advogado (art. 27); proibição de ser a vítima a
portadora de intimação ou notificação (art. 21, parágrafo único); dever de ser a vítima notificada
pessoalmente quando o agressor for preso ou libertado da prisão, sem prejuízo da intimação do
advogado constituído ou defensor público (art. 21); adoção, pelo juiz, de medidas que façam
cessar a violência, tais como determinar o afastamento do lar, impedir o agressor de se aproximar
da casa, vedar o contato com a família (art. 22), encaminhar mulheres vítimas e filhos a abrigos
seguros, garantindo-lhe a mantença do vínculo de emprego (art. 9º, II), faculdade de decretar a
separação de corpos, alimentos, bem como determinar a suspensão de procuração outorgada
ao agressor e anular vendas de bens comuns (art. 24) e decretar a preventiva do agressor (art.
20). O último dispositivo, art. 45, permite ao juiz determinar o comparecimento obrigatório do
agressor a programas de recuperação e reeducação.
Todos os esforços que se tem encetado para a efetivação da Lei Maria da Penha, seja
pelos operadores do Direito, seja pelos operadores das demais áreas do conhecimento que,
traduzidos na necessária atuação da Rede de Atenção à Mulher em Situação de Violência
Doméstica, não têm sido suficientes para erradicar a discriminação contra a mulher. Não é muito
antiga a observação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, divulgada no dia
Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres (2012)18 de que “A casa continua
a ser um lugar perigoso para muitas mulheres que vivem nas Américas, devido aos altos índices
de violência doméstica existente”, acrescentando que essas mulheres enfrentam diversos
obstáculos no acesso à justiça. Nas palavras do comunicado “Para a maioria das mulheres, as
leis que existem no papel sobre o seu direito de igualdade e justiça nem sempre se torna
realidade”.
O Tribunal de Justiça da Bahia, entretanto, tem buscado dar agilidade a esses processos
que envolvem violência doméstica, julgando-se rapidamente os conflitos de competência que
se apresentam e dando a interpretação que mais se adequa aos ditames da Lei Maria da Penha.
Assim, dentre outros:
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ENTRE ASPAS
Como esta violência foi, ao longo do tempo, banalizada, e num esforço conjunto do
Estado e da sociedade deve ser extirpada, o que se pode fazer ao encontrar-se alguém praticando
alguma dessas ações tidas como violadoras dos direitos humanos das mulheres?
Sem qualquer titubeio, deve-se, de imediato, informar tais práticas nefastas à autoridade
policial, à Defensoria Pública, ao Promotor de Justiça(a) ou ao Juiz(a).
E embora não seja uma atitude comumente encontrada, “qualquer do povo poderá e as
autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em
flagrante delito”, conforme expressamente previsto no art. 5º, LXI, da CF e no art. 301 do
Código de Processo Penal, restando autorizado que, se alguém surpreende outrem praticando
um crime, poderá prendê-lo e encaminhá-lo à Polícia, que lavrará o auto de prisão em flagrante.
Ressai do dispositivo legal, portanto, a possibilidade para o cidadão e o dever de ofício
para o policial.
Devem ser priorizadas as relações saudáveis, disseminando-se a ideia de igualdade nas
relações domésticas e familiares, por meio da mudança cultural, o que só se alcança com a
educação, que deve partir da família, com tratamento igualitário para meninos e meninas, a fim
de evitar-se o preconceito futuro. Após o que, será continuada essa cultura da igualdade nas
escolas, espalhando-se, naturalmente, aos setores profissionais e domésticos.
Desse modo, estar-se-á trabalhando por uma cultura de paz e de respeito às diferenças
entre homens e mulheres, sem esquecer que, se violados os direitos, devem as mulheres
procurar: A DEAM (Delegacia Especial de Atendimento à Mulher), onde houver; não havendo,
a Delegacia mais próxima, a Defensoria Pública, o Ministério Público ou o Poder Judiciário.
Incumbe, neste pórtico, explicitar situações caracterizadoras de violência doméstica, às
vezes sequer reconhecidas pela própria vítima, valendo asseverar que, se alguém tomar
conhecimento de algum tipo de violência doméstica, não se deve calar, pois na sociedade pós-
moderna “em briga de marido e mulher mete-se a colher”.
Para melhor conhecimento, passa-se, então, a identificar certas situações de Violência
Doméstica e Familiar19:
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Importante recordar-se que a Lei Maria da Penha não autoriza a substituição da pena
por prestação pecuniária (pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade
pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo Juiz, cestas básicas ou
pagamento isolado de multas).
Nunca se olvidar, também, que o Policial, Servidor, Defensor Público, Promotor de
Justiça e o Magistrado têm o dever de oferecer à vitima atendimento digno, ágil e eficiente,
tratando-a com urbanidade e explicando-lhe sobre os seus direitos, a fim de que ela não se sinta
mais violentada, o que se denomina na prática forense de revitimização.
Situações existem em que, apesar da gravidade dos fatos, a mulher silencia sobre as
agressões, geralmente pelos motivos seguintes20: ela sente-se envergonhada ou humilhada e,
muitas vezes, culpada; teme pela segurança pessoal e dos filhos; teve más experiências no
passado quando contou sua situação; espera que o agressor mude, conforme ele prometeu;
acredita que suas lesões e problemas não são importantes; quer proteger seu companheiro por
razões de dependência econômica ou afetiva; tem medo de perder seus filhos e o agressor a
acompanha no serviço e não a deixa a sós com os profissionais.
Insta, pois, admoestar para que não se ridicularize a situação por ela vivenciada, nem a
menospreze. Ao contrário, devem-lhe ser dados aconselhamentos para procurar um médico, ir
para local seguro e requerer medidas protetivas.
Muito importante, outrossim, que se esclareça às mulheres que tanto a Defensoria
Pública, como a OAB (por meio de designações de advogado dativo, pelo juiz), são instituições
que têm por fim garantir, ao necessitado, assistência jurídica em todos os níveis, requerendo,
51
ENTRE ASPAS
caso necessário, medidas protetivas de urgência. Observa-se que a Defensoria atua tanto na
defesa da mulher como do infrator. Já o representante do Ministério Público poderá, além de
requerer medidas protetivas, oferecer denúncia contra o agressor.
É preciso estudar o ciclo da violência para que se aperceba do perigo que alguém do
nosso âmbito de convivência esteja passando. É desaconselhado, ou mesmo vedado, nestas
hipóteses de prática de crime ou da possibilidade destes, as tentativas de conciliação.
Este ciclo funciona como um sistema circular - o chamado Ciclo da Violência Doméstica
- que apresenta, em regra, três fases, segundo Cartilha elaborada pela Defensoria Pública do
Estado do Bahia21: 1ª Fase: As tensões se acumulam e a mulher mantém o seu agressor numa
situação cômoda para evitar que ele “exploda”; 2ª Fase: O agressor se descontrola por qualquer
motivo e culpa a mulher por sua reação. Ele ainda diz que o castigo foi “merecido”; 3ª Fase: Lua
de Mel. O agressor se arrepende e pede perdão. A mulher acredita porque pensa que a violência
não vai se repetir. Porém, a situação, normalmente, irá se repetir outras vezes, aumentando o
perigo para a vítima.
Esses comportamentos que aparecem no ciclo da violência são tratados como CRIME.
Por isso, se estas situações já foram vividas ou estão acontecendo atualmente, deve-se
aconselhar às vítimas e àqueles que tenham conhecimento dos fatos, que liguem sempre para
os telefones de emergência: 180 (Central de Atendimento à Mulher), 190 (Polícia Militar) ou
Delegacia mais próxima.
5. Consideração final
Com encômios à Lei Maria da Penha, almejando que esta venha a ser uma lei temporária,
e que ao alcançar o seu objetivo mor de mudar o quadro, atualmente tão triste, de violência
contra o gênero feminino, quiçá dando-se um exemplo ao Brasil, conclui-se que a mudança para
melhor é possível.
É essencial, com respeito aos princípios constitucionais da igualdade de todos (não só
a igualdade formal, mas também a material), e da dignidade da pessoa humana, consoante
dispõe a Constituição Federal (art. 1º, inciso III), que a mulher brasileira, consciente do seu
papel na sociedade, reconheça-se como cidadã que tem direito a ter direitos, na conhecida
visão de Hannah Arendt, e busque os espaços de poder, na Política, no Judiciário, no Ministério
Público, na OAB, na Defensoria, no Executivo, no Lar, na Relação Amorosa e em qualquer
âmbito, tornando-se, enfim, protagonista da própria vida.
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ENTRE ASPAS
Notas_________________________________________________________________
1 Doutora em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2003).
Mestre em Direito Econômico pela Universidade Federal da Bahia (1997). Desembargadora do Tribunal
de Justiça do Estado da Bahia desde 2010. Endereço Profissional: 5ª Av. do CAB, nº 560, Salvador/Ba –
Brasil, CEP 41745-971. Telefone: (071) 3372-5525. E-mail: nbrito@tjba.jus.br
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3 Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?searchword=homic%C3%AD
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4 Disponível em: <http://esaj.tjba.jus.br/esaj/portal.do?servico=190100> Acesso em: 12 jun 2012.
5 Disponível em: <http://novo.fpabramo.org.br/>. Acesso em: 13 jun 2012.
6 BRASIL. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência
contra a Mulher. Presidência da República, Brasília, 2011.
7 HOUAISS, Antônio. Minidicionário Houaiss da língua portuguesa. 4 ed. rev. e aum. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2010, p.713.
8 BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. Tradução Sérgio Milliet. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2009, p.185.
9 CAMPOS, Carmen Hein de (org). Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídico-
feminista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.2.
10 Idem, ibidem, p.2.
11 SILVA JR, Edison Miguel da. Lei Maria da Penha: conduta baseada no gênero. Disponível em:
<file:///C:/Users/camcarvalho/Downloads/Lei-Maria-da-Penha-conduta-baseada-no-genero.pdf> Acesso
em: 10 ago 2014.
12 NUCCI, Guilermne de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 2 ed. São Paulo: RT,
2007, p. 1043.
13 GROSSI, Miriam Pillar. Identidade de gênero e sexualidade. Estudos de Gênero: Cadernos de área
n. 9. Goiânia: Editora da UCG, 2000, p. 05.
14 NUCCI, op. cit., p. 1039.
15 Exemplifico: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL
PRATICADA NO ÂMBITO DOMÉSTICO. VÍTIMA DO SEXO MASCULINO. ALTERAÇÃO DO
PRECEITO SECUNDÁRIO PELA LEI N. 11.340/06. APLICABILIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO
PARA O DELITO DESCRITO NO ARTIGO 129, CAPUT, C/C ART. 61, INCISO II, ALÍNEA “E”,
DO CÓDIGO PENAL. NORMA DE APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL
NÃO EVIDENCIADO. RECURSO IMPROVIDO.
1. Não obstante a Lei n. 11.340/06 tenha sido editada com o escopo de tutelar com mais rigor a violência
perpetrada contra a mulher no âmbito doméstico, não se verifica qualquer vício no acréscimo de pena
operado pelo referido diploma legal no preceito secundário do § 9º do artigo 129 do Código Penal,
mormente porque não é a única em situação de vulnerabilidade em tais relações, a exemplo dos portadores
de deficiência.
2. Embora as suas disposições específicas sejam voltadas à proteção da mulher, não é correto afirmar que
o apenamento mais gravoso dado ao delito previsto no § 9º do artigo 129 do Código Penal seja aplicado
apenas para vítimas de tal gênero pelo simples fato desta alteração ter se dado pela Lei Maria da Penha,
mormente porque observada a pertinência temática e a adequação da espécie normativa modificadora.
3. Se a circunstância da conduta ser praticada contra ascendente qualifica o delito de lesões corporais, fica
excluída a incidência da norma contida no artigo 61, inciso II, alínea “e”, do Código Penal, dotada de caráter
subsidiário.
4. Recurso improvido. (RHC 27.622/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em
07/08/2012, DJe 23/08/2012)
54
A REVISTA DA UNICORP
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ENTRE ASPAS
Introdução
Nos últimos anos, o número de litígios que o Judiciário, mais especificamente os Juizados
Especiais Cíveis e Criminais, tem enfrentado aumentou, causando lentidão, ineficiência e
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A REVISTA DA UNICORP
ineficácia dos serviços jurisdicionais prestados ao cidadão e a crise que a Justiça está
enfrentando.
O “excesso de litigância” pode ser proveniente da ampliação ao acesso à Justiça através
dos Juizados Especiais e a insuficiência dos recursos mesmo com o aumento das despesas
com gastos com informática e contratação de novos magistrados para atender à crescente
demanda e diminuir a taxa de congestionamento do Poder Judiciário, conforme salienta Joaquim
Barbosa (2013).
Quintero (2011) relaciona a morosidade na prestação jurisdicional ao elevado número
de processos a cargo de um juiz. Já Renault (2011) associa a pouca transparência, obsolescência
administrativa, dificuldade de acesso, complexidade estrutural, concentração de litigiosidade e
desarticulação institucional com as causas da crise vivida pela Justiça.
Esta situação é agravada pela falta de conhecimentos e aplicação, por parte dos juízes
gestores e dos servidores, de modernos conceitos e técnicas de gestão administrativa como
planos estratégicos, padronização de procedimentos nos processos de trabalho, incorporação
de novas Tecnologias da Informação (TI), simplificação de sistemas operacionais, valorização
das competências e capacitação dos Recursos Humanos.
Diante do exposto, o objetivo geral deste trabalho consiste em refletir sobre o
questionamento: “Como a presença de um Administrador Público em um Juizado Especial Cível
e Criminal pode ser relevante para a modernização administrativa de sua unidade jurisdicional?”
e entender como a Administração Pública pode auxiliar o Poder Judiciário a escapar de sua
atual crise.
A escolha pelo Juizado Especial se deu pelo fato da autora do presente trabalho compor
o quadro de servidores do Juizado Especial Cível e Criminal de Senhor do Bonfim-BA e possuir
o anseio de também tornar-se um dos agentes contribuintes para a modernização da gestão
judiciária do órgão onde está lotada.
O presente estudo partiu da hipótese de que a presença de um Administrador Público
nos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, onde antes não existia, seria de grande relevância
para a diminuição do congestionamento de processos e a celeridade processual, iniciando
assim, a modernização administrativa de sua unidade jurisdicional.
Deste modo, este trabalho tem como objetivos específicos: analisar a gestão judiciária
com a aplicação da Administração Pública e verificar a importância da presença de um
Administrador Público a fim de auxiliar e concretizar a modernização administrativa de um
órgão jurisdicional.
Quanto aos aspectos metodológicos, conforme classifica Vergara (2011), o presente
trabalho classifica-se como bibliográfico quanto aos meios de investigação. A pesquisa possui
abordagem qualitativa, conforme Zanella (2009, p. 52) e o método de abordagem utilizado foi o
dedutivo, como salienta Bianchi, Alvarenga e Bianchi, (2009).
É importante ressaltar que o presente trabalho tenta contribuir com as pesquisas já
elaboradas e consagradas no meio jurídico relativos à Administração Judiciária, ramo da
Administração Pública, e elucidar como técnicas e métodos desta ciência, exercidos pelo
Administrador Público, o juiz gestor e os demais servidores, podem ser catalizadores na
diminuição do congestionamento, melhora dos serviços jurisdicionais prestados à sociedade,
contribuição para a modernização da gestão judiciária e consolidação dos direitos dos cidadãos.
Verifica-se, sobre a estrutura do presente estudo, a divisão em três partes: A) Inicialmente,
o trabalho traça um panorama da origem do Poder Judiciário desde o século XIX até sua atual
situação. Este estudo mostra como a Administração Pública e a Justiça andavam juntas,
57
ENTRE ASPAS
1. O Poder Judiciário
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A REVISTA DA UNICORP
foi a que mais sofreu emendas constitucionais na história. Após estas alterações, a forma
estrutural da Justiça ficou disposta em seu Art. 92, incisos de I a VII:
São órgãos do Poder Judiciário:
Seus diversos órgãos jurisdicionais, divididos em relação à matéria, podem ainda ser
classificados quanto ao âmbito federativo (federal e estadual), quanto à matéria (justiça
especializada e justiça comum) e quanto ao número de julgadores (órgãos colegiados e órgãos
singulares).
Apesar desta complexa estrutura do Poder Judiciário brasileiro qualquer demanda poderá
ser alçada ao Supremo Tribunal Federal, última instância, para apreciação da litigância. Como
forma de simplificação e celeridade deste longo caminho, fixou-se alçadas e previsões de
pressupostos recursais restritivos para reduzir os recursos cabíveis às instâncias superiores e
criou-se os remédios constitucionais assim como os Juizados Especiais Cíveis e Criminais.
Os Juizados Especiais, Cíveis e Criminais “foram criados com uma missão específica:
ampliar o acesso à Justiça” (CÂMARA. 2010, p. 5) e aliviar a sobrecarga, o congestionamento
e a lentidão da justiça comum, como salienta Chazin (2012).
Dispostos na Lei nº 9.099/95, sua criação se deu pela regulamentação nacional, Art. 98
da CF/88:
Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados
criarão:
I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos,
59
ENTRE ASPAS
O estado da Bahia, de acordo com a competência a ela atribuída pelo Estado, organizou
sua própria Justiça e os Juizados Especiais através do Art. 1º da Lei Estadual nº 7.033/97:
Portanto, na Bahia, o Juizado Especial Cível e o Juizado Especial Criminal, desde sua
criação, funcionaram de forma separada, possuindo cada um, seus próprios servidores e
patrimônio. Mas, após instauração da Coordenação dos Juizados Especiais (COJE) do Tribunal
de Justiça do Estado da Bahia (TJBA), a presente situação foi alterada.
Devido às sérias dificuldades encontradas em algumas Comarcas do Interior relativas à
ineficiência na prestação jurisdicional causadas pela complexa estrutura do Poder Judiciário,
escassez de magistrados, déficit e má distribuição funcional e acumulação de feitos,
principalmente nos Juizados de competência cível, o TJBA por meio da Resolução nº19/2013,
resolveu unificar em algumas Comarcas do Interior, inclusive na de Senhor do Bonfim-BA, as
competências das duas Varas dos Juizados Especiais.
Neste município, os Juizados Especiais Cível e o Criminal iniciaram suas atividades em
15 de setembro de 1995 com a prestação de serviços jurisdicionais descritos nos Art. 9º e 10º da
Lei nº 7.033/97, de forma subsidiária à Lei nº 5.869/73 e à Lei nº 8.078/90, às pessoas físicas e às
microempresas e empresas de pequeno porte da cidade de Senhor do Bonfim e de Andorinha-
BA, municípios integrantes desta Comarca.
Além destas leis, os Juizados Especiais são orientados pelos princípios da celeridade,
simplicidade, oralidade, economia processual e informalidade e “a simplificação do procedimento
que neles se verifica, com dispensa de advogados, promoção da conciliação e revisão por
turma de juízes de 1º instância, contribui para a generalização desse modelo rápido e barato de
composição de conflitos em sociedade”. (MARTINS FILHO. 1999, p.12)
Entretanto, como salienta Câmara (2010, p.5):
60
A REVISTA DA UNICORP
2. Administração Judiciária
61
ENTRE ASPAS
62
A REVISTA DA UNICORP
Não basta haver uma rotina de trabalho é imperioso entender, mapear e criar um fluxo
lógico do processo de trabalho com etapas a serem seguidas que agreguem valor para o cliente
a cada procedimento executado, evitando assim o gasto, o excesso, a perda e o desperdício,
conforme argumenta Scartezini (2009), já que “a identificação dos processos de trabalho
envolvidos na Prestação Jurisdicional permite investigar gargalos e a implementação de
melhorias por meio de um trabalho de modelagem desses processos” (MELLO FILHO, FREITAS
E QUINTERO, 2011, p. 70).
Segundo Tregear, Jesus e Macieira (2011) para haver uma boa gestão de processos de
trabalho é necessário: preparar, planejar, administrar, suportar e fomentar a gestão de processos
na organização; gerenciar as mudanças que alteram a cultura organizacional; conscientizar os
servidores da importância da gestão de processos; desenvolver a competência interna dos
envolvidos; comunicar os bons frutos a todos mantendo assim o interesse na continuação dos
processos; demonstrar a melhoria dos processos de trabalho e buscar melhorar continuamente.
Para apoiar a Gestão de Processos, a variável “como?”, isto é a tecnologia e sistemas de
informação, é um grande instrumento visto que os processos de trabalho automatizados tornam-
se mais simples, fáceis, céleres e compreensíveis para os envolvidos. Pensando dessa forma, o
Poder Judiciário está inovando, utilizando os processos judiciais eletrônicos ou procedimento
judicial eletrônico, conceituados por Soares (2012, p.3):
63
ENTRE ASPAS
64
A REVISTA DA UNICORP
designação do Tribunal de Justiça. Quanto ao papel de solucionar as lides, Cardoso (2010, p.1)
argumenta que:
A função de julgar é uma arte singular e exige-se do magistrado, muito
além dos conhecimentos teóricos, reclama-se muita experiência de vida,
dedicação ao trabalho e desprendimento. Investido na judicatura todo o
tempo do profissional é dedicado à magistratura, seja com as decisões
complexas, originadas do recôndito do domicílio do julgador, no sossego
dos feriados ou das noites indormidas; os pronunciamentos dos juízes
não são sempre preparados nos gabinetes ou nas salas de audiência, pois
nesse ambiente acontecem as instruções dos processos.
Desta forma, compete ao juiz gestor, ou gestor judiciário ou, ainda, juiz diretor do foro,
o papel de colocar em prática a eficiente entrega da prestação jurisdicional através de planos
operacionais e estratégicos mais eficazes, a reprodução de práticas gerenciais, a implementação,
coordenação e execução dos planos desenvolvidos, o comando, a medição e o controle de
resultados de desempenho e do funcionamento da organização jurisdicional, como argumentam
Mello Filho, Freitas e Quintero (2011).
Além do mais, Saalfeld (2009, p.109) salienta que:
65
ENTRE ASPAS
Considerações finais
66
A REVISTA DA UNICORP
Referências____________________________________________________________
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67
ENTRE ASPAS
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69
ENTRE ASPAS
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VERGARA, S. C. Projetos e relatórios de pesquisa em Administração. 13ª ed. São Paulo, Atlas, 2011.
70
A REVISTA DA UNICORP
Introdução
71
ENTRE ASPAS
uma sistemática de limitação do Poder. Conforme tal produção teórica, o Estado seria constituído
por três poderes, que exerceriam, de forma independente e autônoma, as três funções essenciais
de produção de normas (Poder Legislativo), de execução das normas (Poder Executivo) e de
resolução dos conflitos (Poder Judiciário).
Com o advento do Estado Social e o crescimento das funções do poder público, bem
como da complexidade da vida social, esta configuração clássica da divisão dos poderes
necessitou de uma evolução, havendo, nos sistemas jurídicos hodiernos, uma mescla de funções
dos chamados Poderes, que continuam a exercer funções típicas, contudo, agregam, também,
funções atípicas.
A administração pública passou por este mesmo processo e, considerando o crescimento
exponencial de suas atividades constitucionalmente estabelecidas, tornou-se necessário
conferir-lhe um grau de autonomia para edição de atos normativos, capazes de tornar mais
eficazes os ditames legais.
Assim é que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 84, inciso IV, dispõe que
compete privativamente ao Presidente da República sancionar, promulgar e fazer publicar as
leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução.
Como se vê, a Carta Magna não define, nem limita de modo fechado e específico, a
competência regulamentar da Administração Pública, e nem poderia ser, tendo em vista que a
dinâmica social requer uma interpretação das normas e princípios constitucionais, a fim de que
a finalidade de proteção e efetivação dos direitos fundamentais seja materialmente alcançada.
Assim, cabe à comunidade jurídica discutir e aprofundar o tema do poder normativo da
administração, objetivando delimitar os contornos, a fim de promover a eficiência da ação
estatal sem, contudo, concentrar poderes excessivos ao Estado, colocando em risco a proteção
das garantias individuais dos cidadãos.
A este objetivo se presta o presente artigo, discutir o poder normativo da administração
pública, problematizando os princípios da separação dos poderes e da legalidade, encarados,
por vezes, como dogmas insuperáveis, para entender os limites do poder/dever da administração
pública de produzir atos gerais e abstratos.
Para tal finalidade, torna-se necessária uma breve análise das funções do Estado e o
papel clássico do princípio da separação dos poderes, bem como sua necessária discussão,
diante da dinâmica social contemporânea.
Após, abriu-se o debate acerca das funções da administração pública no contexto do
surgimento do Estado Social, e a sua relação necessária, ou submissão, ao princípio da legalidade,
que também passou por redefinições ao longo da história.
Então, adentrando no tema específico do artigo, realizou-se um estudo doutrinário
acerca do poder normativo da administração constitucionalmente previsto, verificando-se o
entendimento de ícones do Direito Administrativo Nacional, levantando os principais
argumentos e verificando-se os consensos e os dissensos da matéria.
Por fim, foram levantadas decisões exaradas pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo
Supremo Tribunal Federal, a fim de verificar o sentido e os contornos da função regulamentar
da administração perante os Tribunais Superiores.
A classe burguesa que, nos idos do século XVII, constituía-se no setor economicamente
dominante, buscava meios de erigir-se à alçada de classe politicamente dirigente.
72
A REVISTA DA UNICORP
Com a eclosão das revoluções burguesas, o Estado Moderno tomou forma, configurado
por uma série de princípios e regras conformadores, que definiam e limitavam a atuação Estatal,
a fim de garantir os direitos e garantias individuais, naquele momento conquistados.
O período foi fértil em teorias e estudos acerca da organização social, do pensamento
humano, da interpretação acerca da legitimidade e fundamentação do poder estatal.
Em contraposição ao jusnaturalismo que dava sustentação às monarquias, perante a
hegemonia burguesa ganharam força as teorias iluministas racionalistas, que afirmavam a
existência de direitos individuais inatos, intangíveis e irrenunciáveis. Por essa razão, exigia a
limitação Estado, sem, contudo, fundamentar tais direitos em pressupostos teológicos, mas
tão somente na razão. Cabia à razão localizar e justificar esses direitos. (CLÈVE, 2011)
As teorias de contenção do poder emergem, nesse contexto, como uma forma de
instrumentalizar e legitimar formas de governo capazes de realizar os anseios dessa nova
classe hegemônica, numa sociedade que carecia de uniformidade normativa e segurança jurídica.
Clèmerson Merlin Clève esclarece o papel do Direito e das Constituições, nesse contexto,
quando afirma que:
O princípio da separação dos poderes foi desenvolvido nesse contexto, como uma
técnica de contenção do poder, especialmente o político. Para o seu desenvolvimento,
Montesquieu (1973) partiu do pressuposto de que o Estado possui três poderes ou funções
73
ENTRE ASPAS
essenciais, que são a de legislar, executar as normas e dirimir os conflitos existentes no corpo
social.
O entendimento e discussão acerca deste tópico é essencial para o aprofundamento do
tema do poder normativo da administração pública.
Pensadores antigos já entendiam que cada poder deveria balizar os demais, contudo,
Montesquieu inovou de forma revolucionária ao desenvolver tal pensamento. Para o pensador
francês cada função estatal deveria ser exercida por órgãos diferentes, autônomos e
independentes entre si. A ausência de tais características levaria a não realização do fim primevo
do Estado, que seria a proteção dos direitos individuais, configurando um Estado tirano.
(DALARI, 2009, p. 220-221)
Cada conjunto de órgãos, classicamente denominados de poderes, exerceriam funções
estatais distintas, através de uma rígida distribuição de competências, de forma independente
e autônoma, e que, ao mesmo tempo, não se sobrepujaria às demais.
O princípio da separação dos poderes, nos termos formulados por Montesquieu, foi
alçado a pilar dos modelos estatais que emergiram com as revoluções burguesas.
Importante ressaltar que o poder político, segundo a doutrina liberal clássica, sendo
único e indivisível, não poderia ser repartido. O que se buscou foi a limitação do poder, mantendo
seu caráter uno e soberano. Para isso, Montesquieu formulou a técnica da separação dos
poderes, que se traduz numa divisão de tarefas estatais, de atividades entre distintos órgãos.
Tal afirmação corresponde a dizer que o Estado moderno foi pensado para cumprir a
finalidade de garantia dos direitos individuais, necessitando, para isso ser forte o suficiente
para a garantia da manutenção da ordem jurídica estabelecida e, ao mesmo tempo, subordinar-
se a esta mesma ordem, agindo conforme o regime de competências estabelecido.
Dentro da teoria da separação dos poderes, o regime de competências possui especial
relevância, pois, instituídas pela Constituição, constituem-se na definição do desenho
institucional e no raio de atuação de cada organismo estatal.
A teoria da separação dos poderes, formulada sistematicamente por Montesquieu,
inspirou a construção doutrinária conhecida como sistema de freios e contrapesos, elucidada
por Dalmo de Abreu Dalari, como se vê:
74
A REVISTA DA UNICORP
75
ENTRE ASPAS
Assim, o plano da separação dos poderes, diante da nova dinâmica mundial, que tornou
mais complexas as funções estatais, necessita ser revista e reformulada a fim de adequar-se às
novas necessidades, e atender às finalidades definidas na Constituição.
O panorama mundial hodierno torna inviável a organização de um Estado como
classicamente concebeu a teoria da separação dos poderes. A complexidade de suas atividades,
funções e obrigações exigem que os órgãos estatais, além de suas funções típicas, exerçam
outras diversas funções atípicas, que, em tese, estariam sob o manto de outro poder.
É sob essa ótica, que diversas Constituições do mundo, inclusive a Constituição Brasileira
de 1988, preveem a possibilidade do exercício da função administrativa executiva por todos os
órgãos estatais, confere competência normativa ao poder executivo e autoriza certo grau de
resolução de conflitos na seara administrativa.
Tal exercício não pode ser encarado, por lógico, como irregular ou como invasão da
seara de outro poder, mas tão somente como exercício de atividades necessárias à consecução
das finalidades previstas na Constituição.
O atendimento finalístico das funções estatais é, assim, o primeiro balizamento e limitação
imposta ao exercício dessas funções atípicas dos Poderes do Estado.
Como visto alhures, o modo de organização estatal onde há a separação das funções
públicas em diferentes órgãos, classicamente chamada teoria de separação dos poderes, foi
adotado na Constituição dos diversos Estados Modernos, erigindo-se ao status de dogma.
O Estado brasileiro, por força da Constituição de 1988, previu que são Poderes da
União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Como na clássica tripartição de poderes desenvolvida por Montesquieu, a Carta Magna
Brasileira previu a existência de um órgão responsável pela edição das leis, ou seja, de normas
76
A REVISTA DA UNICORP
gerais e abstratas (Poder Legislativo), outro órgão responsável pela administração pública,
com a execução dos mandamentos legais, e promoção de políticas públicas (Poder Executivo)
e o órgão responsável por dirimir os conflitos existentes no corpo social (Poder Judiciário).
A Constituição Federal confere ao Poder Executivo o poder de ação contínua, permanente
e ininterrupta da soberania nacional e execução das normas editadas pelo legislativo. Executar
é administrar, que constitui a competência primeva, ou típica, do poder executivo.
A matéria correspondente ao Poder Executivo é disciplinada no texto constitucional,
nos artigos 76 a 91. No vigente texto constitucional, o artigo 84 caracteriza a dupla função do
Presidente da República: como Chefe de Estado e Chefe de Governo. Como Chefe de Estado
nas suas relações internacionais e como Chefe de Governo nos negócios internos, sejam os de
natureza política, ou de natureza administrativa. O Poder Executivo é exercido pelo Presidente
da República auxiliado pelos Ministros de Estado. Também auxilia o Presidente da República,
o Vice- Presidente da República.
Maria Sylvia Zanela de Pietro (2011) afirma que a função administrativa constitui-se na
emanação de atos concretos, ou complementares, com a finalidade de dar concretude aos atos
de produção jurídica primários e abstratos contidos na lei. Contudo, estes atos complementares,
lato sensu, abarcam, segundo a Autora, a função política ou de governo, que compreende as
atividades colegislativas e de direção, enquanto que a função administrativa, stricto sensu,
compreende o serviço público, a intervenção, o fomento e a polícia.
Assim, a administração pública, em sentido estrito compreende, em seu aspecto subjetivo,
as pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos que exercem a função administrativa, e seu
sentido objetivo constitui a atividade administrativa exercida por estes entes.
Tais atividades são caracterizadas por serem concretas, no sentido de que põem em
execução a vontade do Estado contida em Lei, com a finalidade de satisfazer, direta e
imediatamente, os fins do Estado. Sendo imperioso ressaltar que o regime jurídico que rege a
administração pública é predominantemente o de direito público, embora possa também
submeter-se a regime privado, parcialmente derrogado por normas de direito público (DI
PIETRO, 2011).
77
ENTRE ASPAS
O que se pode observar da discussão acima avençada é que a Carta Magna busca
limitar a ação estatal e garantir os direitos dos cidadãos ao definir que nenhum direito, nem
obrigação, poderá ser criado, senão em virtude de lei, a qual, classicamente, é caracterizada
pelo ato geral e abstrato emanado do Poder Legislativo, após seguir rigoroso processo
legislativo.
O avanço histórico, contudo, exige do Estado respostas mais rápidas e complexas, que
o Legislativo não consegue atender, motivo pelo qual o conceito de legalidade tem sido
expandido, a fim de abarcar normas jurídicas criadas por outros órgãos estatais.
Essa discussão é fundante e essencial para o aprofundamento do estudo acerca do
Poder Normativo da Administração Pública.
78
A REVISTA DA UNICORP
79
ENTRE ASPAS
80
A REVISTA DA UNICORP
Diante de tal assertiva cabe, então, definir qual a extensão da competência do Executivo
para produzir inovações na ordem jurídica, tendo em vista que não é possível extrair nem da
Constituição, nem dos conceitos de lei, ou de norma jurídica, de forma definitiva, quais os
campos reservados à lei e ao regulamento.
Justem Filho adere ao consenso de que, na hierarquia das normas, o regulamento é
subordinado às leis, não podendo contrariá-las, contudo ressalva a dissonância quanto à
possibilidade de suprimento das omissões legislativas.
Vê-se, assim, que a doutrina não é pacífica quanto à posição dos regulamentos no
direito brasileiro. A importância do tema permeia a atuação estatal, necessitando, por isso, ser
discutida e pesquisada de forma profunda, a fim de analisar as possibilidades e limitações do
instituto no ordenamento jurídico pátrio.
81
ENTRE ASPAS
EMENTA
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. METROLOGIA.
AUTOS DE INFRAÇÃO. IM POSIÇÃO DE M ULTA PELO
INM ETRO COM BASE NA SUA PORTARIA Nº 02/82.
LEGALIDADE. INTELIGÊNCIA DO RECURSO ESPECIAL N.º
1.102.578/MG SUBMETIDO À SISTEMÁTICA DOS RECURSOS
REPETITIVOS. COMPETÊNCIA. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.
PODER NORMATIVO DA ADMINISTRAÇÃO. PRECEDENTES.
1. A controvérsia suscitada no presente agravo regimental, em síntese,
cinge-se à legalidade ou não da Portaria INMETRO nº 02/82, sob o
argumento de que tal ato administrativo é anterior à Resolução
CONMETRO nº 11/88, que estipulou a atuação e especificações da
competência do INMETRO.
2. É entendimento pacificado na Primeira Seção deste Sodalício, por força
do julgamento proferido no Resp. n.º 1.102.578/MG, DJ. 29.10.2009,
que “Estão revestidas de legalidade as normas expedidas pelo
CONMETRO e INMETRO, e suas respectivas infrações, com o objetivo
de regulamentar a qualidade industrial e a conformidade de produtos
colocados no mercado de consumo, seja porque estão esses órgãos
dotados da competência legal atribuída pelas Leis 5.966/1973 e 9.933/
1999, seja porque seus atos tratam de interesse público e agregam proteção
aos consumidores finais”. (REsp 1102578/MG, Rel. Ministra ELIANA
CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/10/2009, DJe 29/10/
2009).
3. Em específico, no que tange à legalidade da Portaria nº 02/82 expedida
pelo INMETRO, é de se ressaltar que este Sodalício já possui
jurisprudência no que tange à legitimidade deste ato normativo tendo em
vista que a Lei nº 5.966/73 em nenhum momento estatui ser da competência
exclusiva do CONMETRO a expedição de normas e atos normativos
referentes à metrologia, normalização industrial e certificação de qualidade
de produtos industriais. A esse respeito, o precedente: RESP 273803/SP,
Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 19/05/2003 e as decisões monocráticas:
REsp 1240799, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, data da publicação 31/
05/2011; e, REsp 1212903 Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES,
data da publicação 09/02/2011.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.285.951 – GO. Relator:
MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES.
Fica evidente que a imposição das multas por atos normativos baixados
pelo CONMETRO e INMETRO tem expressa previsão em lei, o que
82
A REVISTA DA UNICORP
A necessidade de tornar efetiva a norma legal também é suscitada pelo STJ como
fundamentação de legitimidade para edição de atos normativos pela administração, conforme
se observa:
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC.
INEXISTÊNCIA. DEVIDO ENFRENTAMENTO DAS QUESTÕES
RECURSAIS. PROGRAMA DE PROTEÇÃO DE RISCOS
AMBIENTAIS (PPRA). INSTITUIÇÃO PELO MINISTÉRIO DO
TRABALHO. LEGALIDADE. PREVISÃO CONTIDA NO ART. 200
DA CLT.
1. Inexiste violação do art. 535 do CPC quando a prestação jurisdicional
é dada na medida da pretensão deduzida, com enfrentamento e resolução
das questões abordadas no recurso.
2. O caput do art. 200 da CLT expressamente delega ao Ministério do
Trabalho competência para instituir norma complementar visando
aperfeiçoar e fomentar a Segurança e Medicina do Trabalho. Ao exigir o
Programa de Proteção de Riscos ambientais (PPRA), a norma
regulamentadora o fez precisamente no sentido de tornar efetivo o comando
do referido normativo, o que afasta a pretensão da recorrente em ver
reconhecida a ilegalidade do programa instituído.
3. “No ordenamento jurídico brasileiro nada impede que a lei, expressa
ou implicitamente, atribua ao Poder Executivo a possibilidade de detalhar
os tipos e sanções administrativos, dentro dos limites que venha a estatuir.
Inexiste aí qualquer
violação ao princípio da legalidade, pois nele não se enxerga o desiderato
de atribuir ao Poder Legislativo o monopólio da função normativa, nem
de transformar os regulamentos e atos normativos administrativos em
mera repetição do que está na lei,
esvaziando-os de sentido e utilidade. O que não se admite é que a
Administração, a pretexto de pormenorizar a lei, dela se afaste, negue ou
enfraqueça, direta ou indiretamente, os seus objetivos, estabeleça
obrigações ou direitos inteiramente desvinculados do texto legal, ou
inviabilize a sua implementação “ (REsp 883.844/PR, Rel. Min. Herman
Benjamin, Segunda Turma, julgado em 18.8.2009, DJe 27.4.2011).
83
ENTRE ASPAS
O Supremo Tribunal Federal segue esta linha de intelecção, ao decidir que a complexidade
técnica dos assuntos farmacêuticos, considerados de interesse público, clamam por uma
regulação administrativa, legitimando a edição de atos normativos, que devem ser, contudo,
subordinados à lei, conforme ementa abaixo transcrita:
EMENTA
Constitucional e Administrativo. Recurso ordinário em mandado
de segurança. Supremacia do interesse público sobre o privado.
Competência normativa conferida à Administração Pública. Câmara
de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). Coeficiente
de Adequação de Preço (CAP). Lei nº 10.742/2003. Resolução nº 4/
2006. Tutela constitucional do direito à saúde (art. 196 CF). Recurso
ordinário em mandado de segurança não provido.
1. A Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) está
prevista na Lei nº 10.742/03 como órgão técnico necessário à regulação do
setor farmacêutico, justificando-se, especialmente, pelas
complexidades do mercado de medicamentos.
2. A amplitude da delegação normativa consiste no fundamento fático-
jurídico do exercício do poder regulamentar pela Administração Pública,
que deve atuar em consonância com a lei, atendendo à necessidade de
regulação do setor farmacêutico e em respeito à dinâmica e às
peculiaridades técnicas do mercado de medicamentos.
3. O percentual de desconto obrigatório e linear nas vendas de determinados
medicamentos ao Poder Público, chamado Coeficiente de Adequação de
Preço (CAP), opera como fator de ajuste de preços, permitindo, assim,
que se chegue ao “Preço Máximo de Venda ao Governo” (PMVG), o que
vai ao encontro da reprovação constitucional do aumento arbitrário de
lucros (art. 173, § 4º, CF/88).
4. A Constituição Federal de 1988 agrega preocupação social aos princípios
gerais da atividade econômica, resultando em legítima atuação do Estado
na promoção do acesso universal e igualitário à saúde, direito social
garantido pelo art. 196 da Constituição Federal, cuja responsabilidade é
partilhada pelo Estado e por toda a sociedade.
5. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido.
RECURSO ORD. EM MANDADO DE SEGURANÇA 28.487
DISTRITO. PRIMEIRA TURMA. JULGADO EM 26/02/2013.
84
A REVISTA DA UNICORP
Conclusão
85
ENTRE ASPAS
existentes diante de um Estado Social, como o estipulado pela Constituição Federal de 1988.
Como se observou das discussões acima avençadas, a função executiva clássica da
administração pública teve de ser ampliada, a fim de permitir uma eficiente execução dos objetivos
da república, esboçados na Constituição Federal de 1988, no contexto de emergência do Estado
Social, em que o poder público está comprometido não só a exercer sua função negativa de
proteção às liberdades individuais, mas também se incube de promover e efetivar os direitos
fundamentais, por meio das políticas públicas.
A administração pública, assim, possui a competência de editar atos normativos, para
permitir ao chefe do Poder Executivo sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como
expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução, nos termos do art. 84, inciso IV, da
Carta Magna.
Por outro lado, tendo em vista a subordinação da atuação administrativa ao princípio da
legalidade, classicamente concebido como subsunção de atuar administrativo às normas jurídicas
emanadas pelo Poder Legislativo, atendendo ao processo legislativo.
Contudo, as mudanças sociais anteriormente mencionadas, principalmente a emergência
do neoconstitucionalismo, com a supremacia, força vinculante e eficácia imediata das normas
constitucionais perante todos os órgãos Estatais, alargou o conceito de legalidade, abarcando
outras normas jurídicas.
Dentro desse contexto, a definição dos limites impostos à administração no momento
de editar atos normativos torna-se necessária na seara doutrinária e jurisprudencial, tendo em
vista que a Constituição Federal não define expressamente os contornos dessa competência.
Neste sentido, investigou-se as posições dos principais doutrinadores do Direito
Administrativo, tendo-se constatado que a doutrina majoritária, capitaneada por Celso Antônio
Bandeira de Mello, mas também com outros expoentes como José Santos de Carvalho Filho e
Clemerson Merlin Clève comungam do entendimento que o papel do regulamento no direito do
brasileiro está limitado e subordinado à existência da lei, em sentido estrito, servindo ao propósito
de complementá-la e esclarecê-la, no intuito de possibilitar a sua fiel execução.
Por outro lado, grandes mestres administrativistas, como Helly Lopes Meirelles e Marçal
Justem Filho, defendem a possibilidade da admissão de regulamentos autônomos no
ordenamento jurídico pátrio. Para tais autores, a função regulamentar da administração objetiva
complementar e esclarecer os preceitos legais, bem como supri-los, em caso de omissão, a fim
de permitir a consecução dos objetivos constitucionais.
A jurisprudência dos Tribunais Superiores, da mesma forma, segue o entendimento da
doutrina majoritária, sendo vultosa a quantidade de decisões que restringem a função normativa
da administração pública à complementação e regulação das leis, stricto senso.
No entanto, ao julgar a Ação Direta de Constitucionalidade da Resolução nº 7 do
Conselho Nacional de Justiça, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a falta de preceito
legal que regulasse a questão do nepotismo no Brasil não seria capaz de viciar a norma produzida
pelo órgão administrativo, tendo em vista estar fundamentada diretamente nos princípios
constitucionalmente previstos.
Assim, é de ver-se que o tema é de relevantíssima importância, tendo em vista que a
necessidade de edição de normas pela administração pública é preemente na sociedade complexa
e plural contemporânea.
Por outro lado, ao passo que o modelo clássico de Separação dos Poderes não é capaz
de organizar as funções estatais satisfatoriamente nos dias atuais, não é possível afastar-se
completamente dele, tendo em vista que o controle do poder pelo próprio poder evita o
86
A REVISTA DA UNICORP
Referências______________________________________________________________
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dos Tribunais, 2011.
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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2011.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Malheiros,
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CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17. ed. rev., ampl. e atual.
Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 33. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 20
07.
87
ENTRE ASPAS
Resumo: Este artigo científico visa demonstrar que com a migração da noção de um Estado
Liberal, fincado sob as bases de um absenteísmo, para um Estado Social, enraizado na figura de
um Estado-provedor, produziu-se uma ampliação do conceito de bem jurídico penal para se
abarcar os novéis interesses e valores subjacentes desse novo contexto político-social, fato
que maximizou-se pela configuração de uma sociedade mundial do risco, estruturada no
desenvolvimento progressivo do conhecimento técnico-científico e geradora de riscos cujos
danos se demonstram de ordem catastróficos, motivo que fez desencambar, por meio de uma
assunção da ética-filosófica da heurística do medo, numa política criminal eminentemente
preventiva e simbólica, a qual desrespeita os princípios penais constitucionais fundamentais,
notadamente legalidade, lesividade e subsidiariedade, motivo que enseja o reconhecimento da
ilegitimidade do Direito Penal Risco para atuar como direcionador de uma política criminal no
Estado Democrático de Direito brasileiro.
1. Introdução
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A REVISTA DA UNICORP
Sendo o homem um ser histórico, como afirmava Palmer, citado por Ricardo Maurício,
assim como autocompreendendo-se como alguém portador de uma consciência histórica e não
uma mera consciência historiadora, se faz necessário não só a observação do transcurso do
tempo e suas implicações na vida em sociedade, mas também uma análise sobre a forma como
o homem procedeu à apreensão dos fatos sociais e utilizou tal entendimento para construção
de novos conceitos e valores no âmbito comunitário.
No percurso histórico da evolução Estatal, se convencionou utilizar a denominação
“Estado Liberal” para indicar uma entidade supra individual, detentora de soberania, a qual
buscava possibilitar a realização dos direitos naturais de um povo situado em um determinado
89
ENTRE ASPAS
território, finalidade essa atingida não só por meio da submissão do próprio ente estatal ao
conjunto de regras por ele fundantes, especialmente aquelas contidas no corpo do texto
constitucional, mas também, sobretudo, por meio da proteção das esferas de liberdades dos
indivíduos abarcados sob seu manto.
Assim, o Estado Liberal deve ser entendido como aquele que tem por escopo garantir,
através de sua autolimitação, a liberdade dos cidadãos, o que, segundo Bobbio, seguindo uma
linha kantiana, permitiria que cada um, a seu modo particular, buscasse a sua própria felicidade,
rejeitando, portanto, a figura de um Estado paternalista, posto que, consonante as lições de
Kant:
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A REVISTA DA UNICORP
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ENTRE ASPAS
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A REVISTA DA UNICORP
propõe as bases de uma democracia moderna integrada pela volonté générale, entendendo
que todo o poder não deve ser conferido às classes ou a indivíduos determinados, mas sim ao
seu titular legítimo, o povo. Por isso, Rousseau afirma que:
Não há recompensa possível para quem a tudo renuncia. Tal renúncia não
se compadece com a natureza do homem, e destituir-se voluntariamente
de toda e qualquer liberdade equivale a excluir a moralidade de suas ações.
Enfim, é uma inútil e contraditória convenção a que, de um lado, estipula
uma autoridade absoluta, e, de outro, uma obediência sem limites.
93
ENTRE ASPAS
“¿No son los riesgos tan antigos como la sociedad industrial, posiblemente
incluso tan antiguos como la propia raza humana? ¿No está toda vida
sujeira al riesgo de muerte? ¿No son y no fueron todas las sociedades de
todas las épocas ‘sociedades de riesgo’?”
94
A REVISTA DA UNICORP
O sociólogo alemão Ülrich Beck, após analisar, nos idos de 80, a sociedade moderna,
bem como debruçar-se sobre os riscos oriundos do acidente da usina nuclear de Chernobyl,
datado de 26 de abril de 1986, observou que a presente sociedade é detentora de uma nova
característica, qual seja: a convivência habitual e rotineira com o risco onipresente, passando,
então, a denominá-la de “sociedade de risco” (Risikogesellschaft) ou, mais hodiernamente, de
“sociedade global do risco” (Sociedad del riesgo global). Segundo o mencionado autor, por
risco deve-se entender que:
son siempre acontecimientos futuros que es posible que se presenten,
que nos amenazan y, puesto que esta amenaza permanente determina
nuestra expectativas, invade nuestras mentes y guía nuestros actos, resulta
uma fuerza política transformadora.
95
ENTRE ASPAS
Todavia, François Ost, em sua brilhante obra, O tempo do Direito, adverte que:
Tais riscos são aqueles maximizados pelas sociedades industriais, velozes, poluidoras
em larga escala, superpovoadas e complexas, que foram criando obstáculos à aplicação do
Direito Penal tradicional.
À noção de “risco” se encontra intrinsecamente interligada a ideia de “medo” ou “temor”,
fruto da reflexividade da incerteza, ou seja, da compreensão social de que a gestão e o
controle dos riscos (incertezas) são passíveis de falhas, assim como a produção de novos
conhecimentos é causadora da geração de novos riscos. Por outro lado, a percepção da
existência de riscos globais, os quais não se contêm sob a fronteira de um só Estado, ante o
momento cosmopolita em que vive-se, incrementa o estado de amedrontamento social.
O ilustre filósofo alemão Hans Jonas, analisando os problemas ético-sociais emergidos
do desenvolvimento tecnológico, constrói uma doutrina filosófica sobre a “heurística do medo”
que serve de fundamentação para uma ética da responsabilidade na civilização tecnológica
hodierna, afirmando a ideia de que “precisamos da ameaça à imagem humana – e de tipos de
ameaça bem determinados – para, com o pavor gerado, afirmarmos uma imagem humana
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A REVISTA DA UNICORP
Nunca existe uma razão para apostar entre ganhar ou perder tudo; mas
pode ser moralmente justificado, ou até mesmo imperativo, tentar salvar
o inalienável, correndo o perigo de perder tudo na tentativa.
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ENTRE ASPAS
catálogos de figuras delitivas com a introdução de novos tipos penais no Código Penal ou em
leis especiais, e, em segundo lugar, adicionalmente, pela ampliação do âmbito de aplicação e/ou
uma agravação punitiva de alguns tipos tradicionais, fazendo surgir uma utópica ideia de
segurança jurídica através do sistema repressivo.
Portanto, a utilização desenfreada do Direito Penal por parte do legislador se realiza
tendo por fim, prioritariamente, o caráter marcadamente simbólico que o mesmo desponta para
a sociedade, servindo, cotidianamente, como um verdadeiro álibi da atividade comissiva do
Estado, ou seja, o ente estatal vale-se da retratada ciência jurídica repressiva para demonstrar
à população que o mesmo não se encontra insensível aos seus anseios.
Diante disto, conforme aduz François Ost, na busca pela tutela de bens na sociedade de
risco são instituídos novos tipos penais, desempenhando “o efeito de acalmar as reações
emocionais que produzem entre os cidadãos”. Todavia, como muito bem delineia a ilustre
jurista das ciências penais, Maria Auxiliadora Minahim, ocorre que tais fins não são próprios
do Direito Penal. Tal entendimento é o posicionamento majoritário da doutrina criminal pátria
hodierna.
Como Direito Penal tradicional há de se compreender aquele fomentado sob a égide do
Estado liberal, absenteísta, não-intervencionista, direcionado para solucionar os conflitos
individuais e refrear a violência punitiva do Estado, baseado no princípio da intervenção penal
mínima cujo entendimento implicaria em vislumbrar o direito penal como ultima ratio legis,
estando excluídas da esfera de repressão “quaisquer condutas de potencialidade lesiva ínfima
ou conflitos que pudessem ser resolvidos por outras esferas do controle social informal ou
formal não-penal”.
Em idêntico sentido, Luiz Flávio Gomes ressalta o caráter do Direito Penal liberal como
protetor dos direitos fundamentais da pessoa humana e limitador do poder punitivo.
Como muito bem delineia doutrinariamente Rogério Maia Garcia, os proclamados riscos
modernos, enormes ou catastróficos recaem, de maneira generalizada, nos campos onde se
perpassa a modernização da vida, v.g. a globalização econômica e cultural, o meio ambiente, a
ordem econômica interna, os sistemas de informações, a tecnologia nuclear, a biogenética,
dentre inúmeros outros.
Desta forma, torna-se perceptível que em uma “sociedade mundial do risco” o temor a
um acontecimento catastrófico é sentimento inerente à própria sociedade, fazendo com que a
mesma potencialize sua sensação de insegurança e renove o brado pela utilização do Direito
Penal (que se apoiará, enfaticamente, nos tipos penais de perigo abstrato e nas normas penais
em branco) como único capaz de solucionar as ameaças eventuais e futuras. Assim, a expansão
do Direito Penal se dá para além dos conflitos individuais, abarcando, agora, os bens supra
individuais, ameaçados pelos novos riscos.
De acordo com as lições de Hassemer, citado por Gracia Martín, o Direito Penal do Risco
é um primeiro âmbito do Direito Penal moderno, entendido como “conseqüência do modo
político pelo qual o Estado do presente resolve afrontar os conflitos sociais característicos da
dinâmica da sociedade moderna”.
Investigando as causas de expansão do direito penal, pode-se elencar, assim como fez
Jesús-María Silva Sánchez, apenas de modo enunciativo, como exemplos: a) a aparição de
novos interesses como bens jurídicos merecedores de proteção ante a conformação ou
generalização de novas realidades (v.g. instituições econômicas de crédito) ou a escassez de
bens pertencentes à realidade atual (meio-ambiente); b) a efetiva aparição de novos riscos
decorrentes da possibilidade de falha nas decisões humanas acerca avanços técnicos
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A REVISTA DA UNICORP
É precisa a lição de Hassemer ao concluir que o tipo penal de perigo abstrato é o modelo
formal dos delitos da modernidade, ante seu caráter preventivo, bastando a mera probabilidade
(ou em certos casos, a possibilidade) da sua ocorrência, ainda que abstrata. Entendimento que
também é compartilhado por Fernandes, Kaufmann e por Naucke, esses dois últimos salientam
que o próprio Direito Penal é eminentemente preventivo, traço marcadamente característico de
um Direito Penal racional e moderno.
A prevalência da função preventiva no Direito Penal vem se afirmando, paulatinamente,
desde Feuerbach e sua “Teoria da Coação Psicológica”, sendo que, nos dias atuais, se demonstra
como a doutrina de maior enfoque, especialmente em razão da decadência da ideia de
ressocialização do criminoso, posto que se se encontra pacífica a ilegitimidade da punição sob
o argumento da conversão do pecador em religioso, ao menos seria possível, na visão dos
expansionistas, permitir o argumento da prevenção do pecado pela dissuasão da ameaça do
castigo.
Segundo definição do brilhante mestre alemão Claus Roxin, delitos de perigo abstrato
são “aqueles em que se castiga a conduta tipicamente perigosa como tal, sem que no caso
concreto tenha ocorrido um resultado de exposição a perigo”.
De igual maestria é a conceituação elaborada por Blanca Mendoza Buergo, segundo a
qual:
Los delitos de peligro abstracto castigan la puesta en prática de uma
conducta reputada generalmente peligrosa, sin necessidad de que haga
99
ENTRE ASPAS
Ademais, é mister afirmar que muito da diferença entre os delitos de perigo abstrato e
concreto no direito brasileiro se demonstra diluída quando verificada a perspectiva básica
sobre a qual se busca a definição dos conceitos de ambas as espécies de crimes. Como elucida
Luis Greco, tratando-se do perigo concreto numa perspectiva ex post, leva-se em consideração
“todas as circunstâncias reais, mesmo as que somente conhecidas e cognoscíveis após a
realização do fato”, doutrina essa uníssona na Alemanha, ao passo que na doutrina italiana e
brasileira adota-se, majoritariamente, uma perspectiva ex ante, ou seja, leva-se em consideração
“unicamente as circunstâncias conhecidas e cognoscíveis no momento da prática do fato”,
conceito esse de âmbito mais elástico do que o primeiro (ex post), compreendendo, inclusive,
“grande parte daquilo que os alemães chamam de perigo abstrato”.
Por outro lado, para a explicação do que vem a ser perigo concreto a doutrina apresenta
duas propostas, consonante o escol de Greco abaixo transcrito:
100
A REVISTA DA UNICORP
vista que aqui, para prevenir, é necessário presumir o dano, independentemente da ocorrência
fática de sua lesão ou perigo de lesão.
Sob outro ângulo, convém frisar ainda, em que pese o presente trabalho não ter por
objeto a análise dos bens jurídicos “pseudocoletivos” (meramente aparentes), que o conceito
de bens jurídicos coletivos, os quais se valem, em geral, da técnica da abstração do perigo com
fito na incriminação de condutas, vem, há muito, sendo passível de críticas pela doutrina
nacional (Luís Greco) e estrangeira (Roxin, Schünemann, Hefendehl e Amelung), sendo que
surgem, paulatinamente, vozes defensoras de uma decomposição dos mesmos em bens jurídicos
individuais (v.g. a desconstrução dos bens jurídicos paz pública, incolumidade pública, saúde
pública, segurança no trânsito, relações de consumo entre outros, por serem mera soma de
bens jurídicos individuais).
Neste contexto, assumem relevância, também, as chamadas normas penais em branco,
haja vista a flexibilidade inerente às mesmas, alterando-se conforme as vicissitudes que sofrem
os acontecimentos aos quais se referem ou a ocorrência dos riscos a que pretendem proteger,
o que ressalta seu caráter histórico e, portanto, tendente a seguir os movimentos político e
temporal.
As normas penais em branco encontram sua razão de ser na indeterminação/
incompletude do tipo legal, o qual não se demonstra devidamente minudenciado em seus
corolários elementos.
O Direito Penal do Risco atua, precipuamente, como inibidor de condutas consideradas
perigosas em si mesmas, mesmo que não se chegue a expor o bem jurídico a um perigo próximo,
iminente ou concreto. Assim também, para a sua eficiência, se faz necessário que a tipicidade
acompanhe a velocidade dos dias (riscos) atuais, sendo, portanto, imprescindível, que a
definição do comportamento criminalmente temeroso seja passível de mudança célere e
adequada com a proposta preventiva dos possíveis danos oriundos de uma característica
desenvolvimentista da presente sociedade técnico-científica.
A adoção do Direito Penal como protetor dos bens jurídicos supraindividuais, a exemplo
das Leis nºs 6.453/77 (atividades nucleares), 8.137/90 (ordem tributária, econômica e relações
de consumo), 9.605/98 (meio ambiente), 11.105/2005 (biosegurança) e da Lei nº 12.735/2012
(informática) demonstra a opção do legislador pátrio pelo emprego do denominado Direito
Penal do Risco no exercício da política criminal nacional.
Por outro lado, o caráter expansionista desse moderno direito, o qual se vale,
notoriamente, de normas penais em branco, tipos penais de perigo abstrato e uma atuação
prima ratio do Direito Penal tende a confrontar-se com os princípios penais, de índole garantista,
insculpidos na Constituição Federal.
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retrocesso do Direito Penal, eis que esse modo de pensar leva em conta apenas o desvalor de
ação, ficando a antijuridicidade com uma configuração puramente estética em relação ao
conceito.
Com efeito, é pertinente a brilhante lição dos professores Juan Bustos Ramírez e Hermán
Malarée, os quais advertem que:
103
ENTRE ASPAS
Assim como os tipos penais de perigo abstrato, a utilização das normas penais em
branco é uma das características do Direito Penal do Risco.
Segundo Pablo Rodrigo Alflen da Silva, “nesta hipótese o ato legislativo
estabelece a sanção de modo preciso, mas deixa o conteúdo totalmente sem especificação,
pois cede a formulação do tipo”.
E arrematando, elucida o jovem professor que:
104
A REVISTA DA UNICORP
alma’, tem-se que a lei penal dispõe o preceito, mas o faz de modo
genérico, sendo que remete à outro dispositivo para precisá-lo, e isso
devido à exigência do postulado de lex certa. Portanto, pode-se considerar
as leis penais em branco como aquelas leis penais que fixam a cominação
penal, mas descrevem o conteúdo da matéria de proibição de modo genérico
(o branco), remetendo expressa ou tacitamente à outros dispositivos de
lei (remissão interna ou externa) ou emanados de órgãos de categoria
inferior, para precisá-lo.
Neste caso, a extravagância da utilização das normas penais em branco pela política
criminal se traduz em verdadeira afronta ao princípio garantista da legalidade, observado sob o
enfoque da taxatividade (lex certa), posto que a certeza da descrição do comportamento típico
resta adstrito a fatos históricos.
Outro importante questionamento há se fazer no denominado Direito Penal do Risco
reside na constitucionalidade da utilização das normas penais em branco heterogêneas e a
privatividade da competência legislativa em razão da matéria penal.
Ademais, resta salientar que a ideia de um Direito Penal certo, descritivo, taxativo,
minudenciado e cauteloso é diametralmente oposta a um Direito Penal flexível, simultâneo,
aberto e impulsivo, sendo esse último o que se vale de conceitos jurídicos indeterminados e
superficiais, bem como dos elementos normativos do tipo, com fito em abranger as mais variadas
condutas e tornar-se adaptável aos riscos atuais e futuros.
Como já se pode perceber, a fungibilidade na descrição da norma penal é elemento
caracterizador de um Estado de emergência, em razão de que neste, os indivíduos não detêm
um abalizado conhecimento acerca das condutas proibidas pelo legislador, haja vista a
mobilidade de seus conceitos.
Ainda, a ideia prevencionista resta desarticulada, tendo em vista que se é a certeza da
norma que, em primeira análise, traz o suposto temor, é, por óbvio, que a não completude da
mesma desaguará na não reverência dos cidadãos.
Assim, tem-se que o Direito Penal do Risco serve muito mais como instrumento de
manipulação social com a correspondente quebra de variadas garantias constitucionais penais
fundamentais à pessoa humana.
A simbologia inerente ao Direito Penal do Risco demarca um Direito Penal imediato e
prima ratio, trazendo para seu bojo condutas antes resolvidas à sua margem, fomentando, a
cada dia, a sua tendência expansionista, fazendo com que, paradoxalmente, a norma careça de
efetividade.
Nesse ínterim, é mister trazer à baila a lição do pundonoroso mestre italiano Luigi
Ferrajoli, ao comparar as normas penais em branco à uma espécie de caixa vazia preenchível de
volta a volta com conteúdos muito arbitrários.
A necessidade de flexibilização das garantias penais fundamentais petrificadas no bojo
da Constituição Federal de 1988 indica a incompatibilidade existente entre o denominado Direito
Penal do Risco e o Estado Democrático de Direito Brasileiro. A utilização do Direito Penal com
um caráter expansionista e político, bem como a imprescindibilidade da elaboração de normas
sem a observância restrita do princípio da lesividade do fato e taxatividade reitera o confronto
entre um Direito Penal Repressor e um Direito Penal Garantidor, sendo este último a opção,
inequívoca, do constituinte pátrio.
105
ENTRE ASPAS
5. Considerações finais
A transmutação do Estado Liberal para o Estado Social não restou adstrita ao campo da
política e economia, fazendo-se refletir suas consequências sobre as normas jurídicas,
especialmente no campo das ciências criminais, adotando-se uma nova postura de
enfrentamento ao crime não só na dogmática, quanto na política criminal.
A pulsão social pelo progresso técnico-científico fez surgir uma demanda crescente
pelo desenvolvimento social, gerador, em contrapartida, de riscos que se demonstram cada vez
mais de ordem global, incidindo-se, inclusive, sob a ética moderna mediante o estabelecimento
de uma heurística do medo.
O Direito Penal, assim, passou a ser visto, prima facie, como instrumento adequado
para a prevenção da ocorrência dos danos catastróficos possivelmente gerados pela
modernidade. Para tanto, a política criminal vem alocando a técnica da criminalização como
fonte de assegurar socialmente a não ocorrência dos riscos temidos. Tal engenho vem se
externando pela contínua e exponencial utilização da fórmula dos crimes de perigo abstrato e
dos tipos penais em branco, fato esse que não se coaduna com o arcabouço garantista previsto
de modo explícito ou implícito no seio da Constituição de 1988.
Por consequência das características sinteticamente descritas no decorrer do presente
artigo, constata-se a precariedade da legitimidade do denominado Direito Penal do Risco para
servir de fundamento de uma política criminal no Estado Democrático de Direito Brasileiro, uma
vez que os problemas resultantes da sua utilização tendem a fazer com que se reduzam as
garantias jurídico-penais existentes na Constituição, assoreando o núcleo principiológico penal
fundamental constitucional.
Por outro lado, o direcionamento do Direito Penal na sociedade moderna, levado a
efeito por meio de uma política criminal expansionista e preventiva, induz que o referido ramo
do direito perca muito de sua função precípua (proteção de bens jurídicos) para voltar seu
atuar como verdadeiro gestor dos riscos, saindo de sua posição de ultima ratio para desenvolver
a função de ator principal (prima ratio) no combate puramente simbólico à ocorrência de tais
riscos, atividade essa incompatível com aquela estabelecida no seio constitucional.
É inegável que os riscos que a sociedade moderna apresenta são, como afirmado alhures,
possivelmente geradores de danos de ordem catastróficos, sendo indispensável que as
prováveis condutas que possam realizá-los ou concretizá-los tenham regulação preventiva
específica, buscando a sua não ocorrência ou a diminuição dos prejuízos futuros. Todavia, a
sistemática fundacional do Direito Penal pátrio vigente, de cunho eminentemente liberal e
voltado à proteção do cidadão, não permite que o mesmo funcione com o principal objetivo de
exercer, simbolicamente, a administração ou a educação, gerindo os riscos ou estabelecendo
consciência cultural, respectivamente, para aplacar a sensação de insegurança sentida
(subjetiva) da comunidade, sendo que tais atividades devem ser consequências acessórias,
paralelas à principal: proteção de bens jurídicos.
Diante dessa perspectiva e assumindo que tais fins fogem do horizonte do Direito Penal
liberal que se demonstra estabelecido constitucionalmente, torna-se clarividente a
impossibilidade da adoção do discurso do Direito Penal do Risco no âmbito de proteção do
Direito Penal estabelecido no Estado Democrático de Direito brasileiro, sendo que, a partir
desse pressuposto, é possível aceitar o debate acerca de um “Direito de Intervenção”, como
uma terceira via na busca pela gestão e administração desses riscos, posto que enquanto a
reposta (prevenção) estatal poderia se demonstrar mais adequada e equilibrada, as garantias
106
A REVISTA DA UNICORP
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109
ENTRE ASPAS
1 Introdução
É indiscutível que, após o advento da Segunda Guerra Mundial, diante das brutalidades
cometidas contra a pessoa, inúmeros países passaram a adotar medidas mais eficazes para a
proteção da personalidade humana. No Brasil, como reflexo do desenvolvimento da teoria dos
direitos da personalidade, vislumbra-se a Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de
2002, que tutelam especificamente a honra, a imagem, a privacidade, o nome, dentre outros
aspectos da pessoa.
Contudo, há alguns anos, passou-se a discutir em âmbito doutrinário e, mais
recentemente, jurisprudencial, a existência de um novo direito da personalidade: o direito de
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A REVISTA DA UNICORP
2 Direitos da personalidade
111
ENTRE ASPAS
de exemplo, o direito à privacidade, enquanto disposto no Código Civil (art. 21) e na Constituição
Federal (art. 5º, X), é um direito da personalidade e um direito fundamental.
A teoria dos direitos da personalidade se desenvolveu, sobretudo, após o advento da
Segunda Guerra Mundial, como reflexo das atrocidades cometidas pelos nazistas contra a
dignidade da pessoa – neste cenário foi editada em 1948, pela ONU, a Declaração Universal
dos Direitos do Homem. Contudo, o interesse em proteger a personalidade humana já existia há
muito tempo, a exemplo da Carta Magna da Inglaterra promulgada em 1215.
Outrossim, no que concerne às suas características, os direitos personalíssimos são,
por natureza, extrapatrimoniais, absolutos, gerais, vitalícios, indisponíveis, imprescritíveis e
impenhoráveis.
2.1 Classificação
O rol de direitos da personalidade não pode ser taxativo e imutável, pois existe a
necessidade de, ao longo do tempo, acompanhar as mudanças do pensamento social. Não
surpreenderia se, no futuro, alguns dos valores fundamentais de hoje se tornassem menos
importantes, ao passo que outros, até então sequer discutidos, ganhassem força a ponto de
merecer uma proteção especial.
No tocante à classificação dos direitos personalíssimos, adota-se o critério de corpo /
mente / espírito, utilizado por muitos doutrinadores, tais como Cristiano Chaves de Farias,
Nelson Rosenvald, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho. As espécies de direitos da
personalidade, por esta óptica, são reunidas a partir da finalidade da proteção: integridade
física (exemplos: direito à saúde, ao corpo, à voz); integridade intelectual (exemplos: direito à
liberdade religiosa e à liberdade de expressão, direitos de autoria); integridade moral (exemplos:
direito à honra, à imagem, à privacidade, ao nome).
O direito ao esquecimento, objeto deste estudo, enquadra-se no aspecto moral de
proteção da personalidade. Antes de adentrar no tema, propriamente dito, faz-se necessário
tecer breves considerações acerca de outros direitos da pessoa.
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966, em seu artigo 6º, estabelece
que: “o direito à vida é inerente à pessoa humana. Esse direito deverá ser protegido pela lei.
Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida”.
Na visão do constitucionalista Dirley da Cunha Júnior, “o direito à vida é o direito
legítimo de defender a própria existência e de existir com dignidade, salvo de qualquer violação,
tortura ou tratamento desumano ou degradante”. Seria, deste modo, o maior dos direitos
fundamentais, condição sine qua non para que sejam exercidos os demais direitos. (CUNHA
JÚNIOR, 2011, p. 675-676).
Em outro aspecto, Arnaldo Rizzardo conceitua o direito à vida, como sendo o mais
primário dos direitos, “pressuposto ontológico de todas as aspirações, da existência e finalidade
do próprio Estado”. O autor aduz, ainda, que do direito à vida se originam vários outros, como
por exemplo o direito à saúde, à segurança, à moradia e ao sustento. (RIZZARDO, 2011).
Logo, entende-se o direito à vida como um direito maior, que é próprio da existência
112
A REVISTA DA UNICORP
humana e que reproduz em si mesmo o princípio da dignidade, servindo como parâmetro para
todos os demais direitos da personalidade e possuindo uma especial proteção do Estado.
Como reflexo da importância do direito à vida no ordenamento jurídico em vigor, destaque-
se a tipificação penal do aborto e os direitos do nascituro. Nestes exemplos, é possível verificar
que a proteção à existência dos seres humanos atinge um grau extremo, pois é assegurada uma
vida digna até mesmo aos indivíduos que sequer nasceram.
113
ENTRE ASPAS
prova na tutela ao direito da imagem, em caso de divulgação com fins econômicos ou comerciais.
Disso deflui que a honra encerra dois diferentes aspectos: a honra objetiva
e a honra subjetiva. Aquela (a objetiva) diz respeito à reputação que
terceiros (a coletividade) dedicam a alguém. [...] Esta (subjetiva) tangencia
o próprio juízo valorativo que determinada pessoa faz de si mesma. É a
autoestima, o sentimento de valorização pessoal, que toca a cada um.
Em resumo: a honra objetiva é o conceito externo, o que os outros
pensam de uma pessoa; a honra subjetiva é a sua estima pessoal,
o que pensa de si própria. (FARIAS, ROSENVALD, 2013, p. 266-
267).
Demais disso, os autores explicam que tanto a ofensa à honra subjetiva, quanto à honra
objetiva, ensejam reparação por danos morais. Entretanto, esta indenização, por possuir natureza
compensatória, precisa ser arbitrada com cautela pelo magistrado, buscando-se um equilíbrio
ideal de gerar desestímulo ao ofensor e não ocasionar enriquecimento ilícito à vítima. (FARIAS,
ROSENVALD, 2013).
Noutra senda, importante ressaltar que a proteção à honra é tão relevante no
ordenamento jurídico que, a depender da gravidade da ofensa, a conduta que atenta contra a
reputação ou autoestima do sujeito pode ser considerada crime, a exemplo dos delitos de
calúnia (art. 138), difamação (art. 139) e injúria (art. 140), previstos no Código Penal Brasileiro.
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A REVISTA DA UNICORP
115
ENTRE ASPAS
Art. 5º [...]
O Código Civilista, por sua vez, no Capítulo dos Direitos da Personalidade, disciplina o
tema apenas no artigo 21 – ao passo que, no direito à identidade, destina quatro dispositivos
à matéria – Assim, dispõe o Codex que “a vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz,
a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer
cessar ato contrário a esta norma”.
Demais disso, impende esclarecer que a privacidade/intimidade pode ser relativizada
pelo seu próprio titular, sobretudo após o advento da Internet, como se infere do excerto abaixo
reproduzido da obra de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald:
116
A REVISTA DA UNICORP
Outrossim, em relação à vida privada e à intimidade das pessoas públicas, famosas, que
muitas vezes utilizam a mídia para promover suas carreiras, entende-se que, embora o sucesso
da pessoa desperte o interesse do público em geral, não deve o direito relativizar a proteção de
sua privacidade – não é por ser uma pessoa célebre, que ela pode ter violada a sua vida privada
e íntima. Além disso, concorda-se que a tutela à privacidade dos artistas abrange não somente
seus ambientes domésticos, mas também os locais públicos em que estejam presentes
(SCHREIBER, 2011).
3 Direito ao esquecimento
Conforme retratado por Anderson Schreiber, na análise do caso concreto, será preciso
ponderar o direito ao esquecimento com o direito à informação e a liberdade de expressão. Esta
questão, todavia, será abordada pormenorizadamente adiante – momento no qual o presente
117
ENTRE ASPAS
Ao final, Nayara Pereira ainda assevera que o direito ao esquecimento visa impedir que
“o sofrimento já vivido no passado seja constantemente lembrado”, além de possibilitar “a
reconstrução da imagem dos sujeitos de acordo com a vontade deles e não com as fortes
marcas estigmatizadas no passado”. (PEREIRA, 2013).
Portanto, o “Esquecimento” pode ser definido como o direito do sujeito de não ser
lembrado por fatos pretéritos que aconteceram em sua vida, desde que estes fatos já estejam
superados e não tenha interesse público. É dado à pessoa o direito de “virar a página” de sua
vida, esquecer aquele constrangimento do passado e não mais sofrer pelo fato ocorrido, se
está quite com a sociedade. O direito ao esquecimento, então, possui como finalidade nobre
proporcionar ao ser humano a possibilidade de se regenerar e de voltar a viver em sociedade
livre das marcas e traumas do passado.
Por derradeiro, importante ressaltar que se cria, para os demais, um dever de abstenção,
qual seja, o de não rememorar e exteriorizar continuamente a lembrança de fatos referentes ao
passado do sujeito, sobretudo quando este tenha demonstrado a vontade de esquecê-los.
118
A REVISTA DA UNICORP
119
ENTRE ASPAS
Nas primeiras instâncias o pedido do autor não foi acolhido, ao fundamento de que o
seu envolvimento no crime o havia tornado uma pessoa pública e histórica e que o filme seria
apresentado “de forma verossímil, sem intenção difamatória, correspondendo ao direito de
informação sobre matéria de inequívoco interesse público”. Contudo, o Tribunal Constitucional
Alemão reformou estes julgados, ponderando o direito à informação e os direitos da
personalidade, e reconheceu que “a imprensa não pode eternamente se ocupar dos
acontecimentos da vida privada do condenado”, sobretudo quando se trata de fatos do passado
e que podem repercutir negativamente em sua nova vida. (SIERRA, 2013, p. 31-32).
Na Alemanha, em 1983, ocorreu também a polêmica em torno da Lei do Censo – a Lei
previa que os dados colhidos da população, como moradia, profissão e local de trabalho,
pudessem ser comparados com os registros públicos, bem como permitia “a transmissão de
dados tornados anônimos a repartições públicas federais, estaduais e municipais para
determinados fins de execução administrativa”. (LIMA, AMARAL, 2013).
A Corte Alemã entendeu que estas disposições legais violavam a “autodeterminação
das informações” e, por conseguinte, os direitos da personalidade do indivíduo. Sobre o
julgado em espeque, Aline Lima e Sérgio Amaral esclarecem que:
120
A REVISTA DA UNICORP
121
ENTRE ASPAS
Outrossim, João Gabriel Lemos Ferreira lembra que a Lei n. 8.078/90, em seu art. 43, § 1º,
determina o “esquecimento” do consumidor, registrado nos cadastros de inadimplentes, após
o prazo de cinco anos de inscrição. E, ainda, o art. 137 da Lei n. 8.112/90, que versa “sobre o
esquecimento da Administração Pública frente ao ilícito praticado pelo servidor público federal”.
(FERREIRA, 2013).
Esses dispositivos legais já revelam que o ordenamento jurídico vigente se preocupa
em não permitir que o sujeito fique estigmatizado por erros, ou condutas socialmente
reprováveis, praticados no passado e que já estejam superados na atualidade. Embora não
exista previsão direta no Código Civil, o direito ao esquecimento é uma realidade e está cada
vez mais sendo discutido na doutrina e aplicado na jurisprudência.
Agora, após esta breve análise das disposições legislativas atinentes à matéria, para
melhor compreensão da teoria do esquecimento no Brasil, é necessário um estudo pormenorizado
entendimento jurisprudencial predominante em torno do tema, abordando os principais casos
que ocorreram no país recentemente.
122
A REVISTA DA UNICORP
Nelson Curi, Roberto Curi, Waldir Cury e Maurício Curi, ingressaram com ação de
reparação moral, material e à imagem, em face da Globo Comunicações e Participações S.A. (TV
Globo), em razão de a empresa ter rememorado publicamente o violento assassinato de sua
irmã, Aida Curi, ocorrido no ano de 1958.
Aline Lima e Sérgio Amaral tecem uma breve narrativa acerca do crime que vitimou Aida
Curi:
Neste caso, Aida foi vítima de homicídio no ano de 1958 no bairro de
Copacabana no Rio de Janeiro. Aida tinha dezoito anos e foi brutalmente
abusada sexualmente por três homens. Para encobrir o crime os agressores
atiraram a jovem do terraço no décimo segundo andar do prédio tentando
simular um suicídio. Aida faleceu em função da queda. Este crime foi
nacionalmente conhecido por força do noticiário da época. (LIMA,
AMARAL, 2013).
O voto do Min. Luis Felipe Salomão foi vencedor e o REsp n. 1.335.153/RJ foi julgado
improcedente, por maioria, reconhecendo-se a existência de um direito ao esquecimento, porém
entendendo pela não aplicação deste direito ao caso em tela, em virtude da repercussão histórica
e nacional que teve o assassinato de Aida Curi.
O Ministro Relator esclareceu que a notícia de um delito agregada aos costumes do
povo, fatos cotidianos e acontecimentos políticos pode demonstrar o comportamento social, e
os valores éticos e humanos do indivíduo, em determinado momento histórico. Todavia, entendeu
que permitir amplamente que o crime – bem como as pessoas nele envolvidas – seja rememorado
indefinidamente no tempo, por respeito à historicidade do fato, pode ocasionar um verdadeiro
abuso à dignidade humana. Assim, ao se deparar diante de um aparente conflito entre liberdade
de imprensa e direito ao esquecimento, cabe então ao julgador ponderar a exploração da mídia
com a repercussão do crime, e analisar se o acontecimento entrou para a história.
No Caso Aida Curi, entendeu a Corte Infraconstitucional que o direito ao esquecimento
não se aplica, em função da grande repercussão social do caso – que o tornou de domínio
público – e de que o programa de TV “Linha Direta Justiça” abordou apenas o crime em si, não
realizando uma exposição desmedida da imagem da vítima.
Jurandir Gomes de França ajuizou ação indenizatória por danos morais em face da Globo
Comunicações e Participações S.A. (TV Globo), entendendo que a empresa acionada, ao
mencionar seu nome em uma reportagem do programa “Linha Direta Justiça” violou o seu
direito ao esquecimento.
123
ENTRE ASPAS
No voto do Min. Relator Luis Felipe Salomão, no REsp n. 1.334.097/RJ – mesmo relator
do caso anteriormente estudado – consta que o autor foi indiciado como “coator/partícipe da
sequência de homicídios ocorridos em 23 de julho de 1993, na cidade do Rio de Janeiro,
conhecidos como ‘Chacina da Candelária’, mas que, a final, submetido a júri, foi absolvido por
negativa de autoria”.
Além disso, relata-se que o autor foi convidado a participar do programa de TV “Linha
Direta Justiça”, que retrataria o crime da Chacina da Candelária, tendo recusado o convite e
manifestando desinteresse em ter sua imagem veiculada em rede nacional – o que não foi
observado pela emissora ré, que mencionou o autor durante a reportagem, inclusive informando
que foi um dos acusados pela sequência de homicídios.
No julgamento do recurso, o Ministro reproduz toda a fundamentação expendida no
REsp n. 1.335.153/RJ, no sentido de afirmar a existência do direito ao esquecimento em detrimento
à liberdade de expressão. Além disso, assim como julgado de Aida Curi, o Relator reconhece a
necessidade de considerar, no caso concreto, a repercussão social e histórica do fato narrado
e a possibilidade de desvinculação do nome do ofendido na reportagem.
No mérito, o Relator entendeu que a Chacina da Candelária tornou-se um fato histórico,
que entrou para domínio público, mas que poderia ter sido revivida preservando a imagem e o
nome do recorrido – diferentemente do caso de Aida Curi. Relembrar, portanto, o suposto
envolvimento do autor neste bárbaro crime, que ocorreu no passado e já estava superado pelo
mesmo, é capaz de trazer à tona todos os traumas que sofreu à época do acontecimento, bem
como instigar o preconceito social.
Neste aspecto, o Min. Luis Felipe Salomão asseverou que “permitir nova veiculação do
fato, com a indicação precisa do nome e imagem do autor, significaria a permissão de uma
segunda ofensa à sua dignidade, só porque a primeira já ocorrera no passado”, afinal, o inquérito
policial pretérito, por si só, já lhe causara profundo constrangimento perante à sociedade.
E assim, negou-se provimento ao recurso especial manejado pela Globo Comunicações
e Participações S.A., por unanimidade, entendendo não ser exorbitante a condenação arbitrada
pelas instâncias ordinárias, no valor de R$ 50.000,00, levando em consideração a gravidade dos
fatos e a condição financeira da recorrente.
124
A REVISTA DA UNICORP
Para finalizar o presente estudo, mister se faz trazer à baila o Enunciado n. 531 da VI
Jornada de Direito Civil, realizada pelo Conselho de Justiça Federal e Superior Tribunal de
Justiça, mencionado nos julgamentos do REsp n. 1.334.097 e REsp n. 1.335.153, que representa
a sedimentação do direito ao esquecimento em âmbito doutrinário. Consoante o disposto no
enunciado, no que toca à interpretação do art. 11, do Código Civil, “o direito de ser esquecido
está implícito entre um dos direitos da personalidade, sendo intransmissíveis e irrenunciáveis,
assim como o direito inerente à pessoa à sua dignidade, honra, imagem, nome e a intimidade”.
(LIMA, AMARAL, 2013).
Leia-se o enunciado n. 531:
125
ENTRE ASPAS
Acerca das conclusões obtidas pelo Conselho de Justiça Federal, Joana Sierra assevera
que:
Além disso, a autora ainda pontua que qualquer informação, atinente à privacidade da
pessoa, mesmo se disponibilizada por ela própria, “não deixa de ser privada com o passar do
tempo, de modo que pode, ou deve, se for contrário ao interesse do afetado a sua permanência,
ser retirada de circulação a qualquer momento”. (SIERRA, 2013, p. 13).
Deste modo, percebe-se, a partir das análises realizadas em derredor dos atuais
posicionamentos jurisprudenciais e entendimentos doutrinários, que o direito ao esquecimento
é reconhecido e aplicado no Brasil. Contudo, é indiscutível que existem questões que precisam
ser mais aprofundadas e debatidas – como a definição exata da abrangência do direito ao
esquecimento – e que só devem ser pacificadas no futuro, na medida em que os Tribunais
Superiores forem se deparando com situações controversas e a doutrina for examinando mais
a fundo as peculiaridades do tema.
4 Conclusão
126
A REVISTA DA UNICORP
imprescritíveis e impenhoráveis.
Após a Segunda Guerra Mundial, os direitos personalíssimos passaram a ter maior
importância no ordenamento jurídico brasileiro. Foi promulgada, em 1948, pela ONU, a Declaração
Universal dos Direitos do Homem, demonstrando a tendência mundial de proteger a
personalidade humana.
O direito à vida é o principal direito da personalidade, reproduzindo em si mesmo a
dignidade da pessoa. Os demais direitos, por sua vez, podem ser englobados em três categorias:
integridade física – o direito de manter a higidez do corpo, restando vedada qualquer prática
que possa vir a causar lesões a seu funcionamento normal (ex. direito ao corpo e a voz);
integridade moral e psíquica – o direito de não sofrer abalos emocionais e constrangimentos
desnecessários (ex. direito à intimidade, à privacidade, à imagem, à honra, à liberdade de
expressão); e integridade intelectual – direito de ter preservada a sua liberdade intelectual,
criativa e racional (ex. direitos autorais).
O direito ao esquecimento é um direito da personalidade que passou a ser estudado
pela doutrina apenas nos últimos anos. Não se trata de um direito positivado na Constituição
ou em legislação federal, mas sim, de um direito que é decorrente da incidência de outros
direitos personalíssimos, como a intimidade, a privacidade, a imagem, e a honra.
O direito ao esquecimento pode ser definido como o direito do sujeito de não ser
estigmatizado por fatos do passado, desde que estes fatos já estejam superados e não tenham
mais interesse público. É dado à pessoa o direito de mudar de vida, esquecer o constrangimento
pretérito e não ser eternamente punido por um ato que cometeu em outros tempos.
Além disso, o direito de ser esquecido cria, para os demais, um dever de abstenção, qual
seja, o de não rememorar e exteriorizar continuamente a lembrança de fatos referentes ao
passado do sujeito, sobretudo quando este já tenha demonstrado a vontade de esquecê-los.
O caso Melvin, nos Estados Unidos (1931), o caso Lebach, na Alemanha (1973) e o caso
Societé Suisse, na Suíça (1980), são julgados emblemáticos, que já demonstravam a preocupação
de alguns países do mundo em assegurar o direito ao esquecimento do indivíduo.
No Brasil, não existe legislação tutelando especificamente o direito ao esquecimento.
Todavia, algumas disposições legais relevam a preocupação do ordenamento jurídico em não
sancionar eternamente a pessoa por uma conduta praticada no passado. Exemplos: arts. 93 e
107, II, do CP; 748, do CPP; 202 da LEP; 43, § 1º, do CDC.
Na doutrina, o Enunciado n. 531 da VI Jornada de Direito Civil, realizada pelo Conselho
de Justiça Federal e Superior Tribunal de Justiça, representou a consolidação do direito ao
esquecimento. Nos termos do Enunciado n. 531, o direito de ser deixado em paz “não atribui a
ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a
possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo
e a finalidade com que são lembrados”.
Em relação à jurisprudência, o Superior Tribunal de Justiça, em 2013, enquanto Corte
Superior de uniformização de jurisprudência em âmbito infraconstitucional, reconheceu e aplicou
o direito de ser esquecido – REsp n. 1.335.153/RJ, conhecido como o Caso Aída Curi, e REsp n.
1.334.097/RJ, o caso da Chacina da Candelária. Para o STJ, ao se deparar diante de um aparente
conflito entre liberdade de imprensa e direito ao esquecimento, cabe ao julgador ponderar a
exploração da mídia com a repercussão do crime, e analisar se o acontecimento entrou para a
história, tornando-se de domínio público.
Outros Tribunais do país já aplicaram a teoria do direito ao esquecimento, a exemplo do
TJBA, TJDF, TJRS, TJRJ, TJSP, TRE-PR e TRF da 4ª Região. Contudo, ainda existem questões
127
ENTRE ASPAS
a serem pacificadas – como a exata abrangência do direito de ser esquecido – o que só deve
ocorrer no futuro, na medida em que os Tribunais Superiores forem se deparando com situações
controversas e a doutrina for examinando mais a fundo as peculiaridades do tema.
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FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa: Aurélio Buarque
de Holanda Ferreira. Coordenação Marina Baird Ferreira, Margarida dos Anjos. 5. ed. Curitiba: Positivo,
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In: REZENDE, Elcio Nacur; OLIVEIRA, Francisco Cardozo; POLI, Luciana Costa (coord.). Os Direitos
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GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Parte Geral.
15. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013.
LIMA, Aline Aparecida Novais Silva; AMARAL, Sérgio Tibiriçá. O Direito ao Esquecimento na Sociedade
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TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Parte Geral. 8. ed. São Paulo: Método, 2012.
128
A REVISTA DA UNICORP
Leonellea Pereira
Bacharela em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba – UEPB.
Especialista em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça pela
Universidade Federal da Bahia – UFBA. Especialista em Ciências Penais
pela Universidade Anhanguera/Uniderp/Rede LFG. Advogada inscrita na
OAB/BA. Conciliadora dos Juizados Especiais da Comarca de Irecê.
Endereço: Rua 7 de setembro, nº 229, Centro, CEP: 44.915-000, São
Gabriel – BA. E-mail: leonellea@hotmail.com
Resumo: Propõe-se estudar de que forma o trabalho realizado pelas técnicas do Centro de
Referência da Mulher Ana Joaquina de Castro Dourado tem promovido o empoderamento das
mulheres atendidas no Território de Irecê. Utilizamos a revisão de literatura e a análise
documental, através da aplicação de questionários a um recorte de usuárias atendidas pelo
serviço. Foi abordada a importância do papel exercido por este equipamento de atendimento às
mulheres em situação de violência, as dificuldades enfrentadas para exercer este trabalho,
destacando a importância de um maior investimento, em especial o cumprimento da pactuação
pelos municípios do Território de Irecê para que o CRMAJCD possa cumprir os objetivos
contidos na Norma Técnica de Uniformização dos Centros de Referência da Mulher e na
Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Destaca-se a necessidade
da sensibilização dos gestores públicos para a importância de investir na política de
enfrentamento à violência, pois só assim estes terão condição de compreender o quão grande
é a necessidade das mulheres que se encontram em ciclos de violência e que o CRMAJCD
pode ajudá-las se tiver investimento para realizar ações pontuais, com foco individual e coletivo,
a fim de alcançar o empoderamento das mulheres em todas as suas dimensões.
129
ENTRE ASPAS
1. Introdução
130
A REVISTA DA UNICORP
131
ENTRE ASPAS
132
A REVISTA DA UNICORP
2.3 Empoderamento
É de muita utilidade, ainda, definir aqui o que é Empoderamento, já que um dos objetivos
deste trabalho é verificar se o trabalho realizado pelo CRMAJCD ajuda as usuárias do serviço
a alcançá-lo. Empoderamento é tradução não-dicionarizada do termo inglês empowerment.
Denota o processo pelo qual as mulheres ganham poder interior para expressar e defender seus
direitos, ampliar sua autoconfiança, identidade própria e autoestima e, sobretudo, exercer controle
sobre suas relações pessoais e sociais (HERA, 1998 apud HEILBORN, ARAÚJO, BARRETO,
2010).
Heilborn, Araújo e Barreto dizem um pouco mais sobre este termo:
Na visão de Malhotra, Schuler, Boender (2002) apud Selvatty, Moreira e Baêta (2013), o
empoderamento das mulheres é definido por intermédio de cinco dimensões:
Este termo foi idealizado para ser aposto a to-dos os domínios da vida social e política
em que podem ser identificadas desi-gualdades acentuadas entre homens e mulheres: as relações
afetivas e pessoais, a sexualidade, a família, os espaços de trabalho e as instituições públicas
e privadas (HEILBORN, ARAÚJO, BARRETO, 2010).
133
ENTRE ASPAS
3. Metodologia
L.S.G. tem 23 anos, abandonou a faculdade para conviver com D.A.S., 28 anos, com
quem tem um filho. L.S.G. viveu em situação de violência por 02 anos, e iniciou o rompimento do
ciclo quando acionou a Polícia Militar para prender o seu companheiro em flagrante. A partir
134
A REVISTA DA UNICORP
disso, iniciou sua caminhada para alcançar sua liberdade pessoal, punir o autor da violência e
atribuir a ele a responsabilidade pelo pagamento de pensão alimentícia ao filho de apenas 01
ano de idade. Hoje L.S.G. trabalha e está muito feliz com isso, já que não podia fazê-lo quando
convivia com o pai da criança. Sua renda mensal é de um salário mínimo.
J.S.R. tem 44 anos, é pedagoga, recém divorciada após uma convivência de 10 anos.
Tem uma filha de 09 anos com seu ex-marido, mas isso não foi empecilho para o divórcio, visto
que a criança é muito esperta e está sempre atenta aos erros cometidos pelo pai no
relacionamento. Sofreu violência moral, psicológica e patrimonial por um bom tempo, mas
depois de empoderar-se pessoal e coletivamente, rompeu seu ciclo de violência e hoje se
encontra numa situação bem confortável. Obteve êxito em seu processo de divórcio e alimentos
e o ex-marido vem cumprindo com suas obrigações perante a filha. A renda mensal de J.S.R. é
de um salário mínimo.
L.P.S., tem 45 anos, é casada e tem 02 filhos adultos. Encontrava-se completamente
debilitada e entregue a uma depressão surgida em um casamento desestruturado, onde sofreu
violência psicológica, moral e patrimonial por muitos anos. Conseguiu libertar-se da medicação
com o fortalecimento emocional alcançado com o acompanhamento psicológico e o uso de
chás calmantes substituindo o tratamento químico. Seu processo de divórcio litigioso continua
em andamento, mas hoje ela se considera capaz de enfrentá-lo e vencê-lo. L.P.S. está estudando
o 9º ano do Ensino Fundamental e só voltou à escola depois de conseguir provar a si mesma
que ela é capaz de continuar vivendo. Ela não tem renda formal e tem se sustentado com faxinas
esporádicas e o auxílio dos filhos.
C.Z.T.D. tem 36 anos, é recém-divorciada e mãe de três filhos menores de idade. Tem
ensino médio completo, mas não tem trabalho formal. Diante das dificuldades de seu casamento
que levaram o seu marido muitas vezes até a deixar a família sem nada para comer, ela deixou sua
proatividade e talento falarem mais alto que o sofrimento e aprendeu a fazer peças artesanais
com biscuit, de onde começou a conseguir sua própria renda. Saiu de casa por não suportar
mais a violência moral, psicológica e patrimonial sofrida, levando apenas a filha mais nova,
visto que os filhos maiores são intimidados e proibidos pelo pai de sair de casa com ela. Seu
processo de divórcio litigioso se encontra em fase de execução de sentença e C.Z.T.D. já se
considera uma vencedora. Hoje tem renda mensal de um salário mínimo.
Q.V.S. tem 24 anos é divorciada e mãe de um filho. Trabalha como vendedora no comércio
local e mora com seu filho numa casa simples da zona rural de Irecê. Recebe a pensão alimentícia
da criança que é regularmente paga pelo pai. Foi estuprada por um desconhecido em uma rua
escura da cidade e não teve elementos para identificá-lo, porque foi ameaçada com uma faca e
não conseguiu ver o seu rosto. Não procurou a polícia nem o serviço de saúde logo após a
ocorrência, só tendo feito isso um mês depois, quando descobriu estar grávida. No desespero,
chegou até o CRMAJCD encaminhada por uma assistente social do hospital que a atendeu e
passou a receber os atendimentos do serviço. Sua renda mensal é de um salário mínimo.
Com este resumo da história de vida de cada uma delas e as respostas às perguntas que
lhes foram dirigidas, busca-se alcançar o objetivo desta pesquisa: o atendimento técnico do
CRMAJCD promove o empoderamento das mulheres atendidas pelo serviço?
135
ENTRE ASPAS
se alguma mudança foi promovida na situação pessoal da usuária depois de ser atendida pelo
serviço. Um dos objetivos do CRMAJCD é influenciar o processo de empoderamento das
mulheres, que conforme Moreira (2012) é composto por diversas categorias em que se destacam
a melhoria nas condições de vida, a inclusão social, a educação e a qualificação. Esta usuária
relata a tomada de consciência sobre os seus direitos, tanto em relação à situação de violência
como também sobre a ação de alimentos em favor do seu filho:
136
A REVISTA DA UNICORP
Estou livre! Hoje vou pra onde eu quero, faço o que eu quero, fico em
casa, saio, não preciso dar satisfação, e antes não era assim. Eu era uma
escrava, praticamente, dentro de casa e não tinha nem os direitos que eu
tenho hoje para ir e vir. (L.S.G, 23 anos)
Outra usuária relata a todo o tempo a mudança na sua autoestima e até mesmo no seu
visual:
Para Melo (2012), o empoderamento incide quando a mulher deixa de ser dominada pelo
homem, seja em suas opções de vida, seus bens ou em sua sexualidade, podendo ser observada
alteração quanto às decisões antes, unilaterais, não se constituindo mais como norma. A
entrevistada L.P.S. relatou que gosta muito de usar lenços no pescoço, mas que todas as vezes
que ia sair com o marido e resolvia usar um, ele ordenava que ela retirasse aquela “papagaiada”
do pescoço, porque era “ridículo” e ele não queria sair com uma “mulher feia”. Hoje ela relata
que usa tudo que gosta e se sente muito bem com isso, sem ter que dar nenhuma explicação a
ninguém sobre o que ela é. E diz se sentir uma pessoa muito melhor hoje do que há um tempo.
Após a observação das falas nas entrevistas, verificou-se que, no recorte analisado, é
possível verificar uma mudança positiva de postura. Vê-se que as entrevistadas relataram
melhora da autoestima, uma visível autoafirmação de sua identidade, autoconfiança nas suas
ações, a consciência sobre os seus direitos e a vontade de ver outras mulheres serem ajudadas
e conseguirem sair do ciclo de violência em que estão inseridas.
Nas falas das mulheres entrevistadas, conseguimos perceber o crescimento da
autoestima e a tomada de consciência sobre seus direitos, sendo, assim, uma emancipação
individual. Algumas falas, em especial da entrevistada J.S.R., 44 anos, também trouxeram a
perspectiva coletiva da emancipação, já que a todo o tempo ela se preocupa de informar outras
mulheres sobre as possibilidades de rompimento do ciclo de violência e se mobiliza neste
sentido sempre que tem oportunidade.
Foi visível em todas as entrevistadas o fortalecimento da sua autoestima, já que quatro
delas viveram relacionamentos conturbados, nos quais ouviam diariamente expressões que as
faziam crer que eram incapazes para qualquer coisa na vida, que não podiam viver longe dos
maridos e que não tinham atributos de beleza e simpatia. Depois do fortalecimento psicológico
137
ENTRE ASPAS
A parte jurídica tá encaminhando, mas acho que tinha que ter um apoio
maior, na questão até de providenciar um trabalho, uma ocupação. Eu leio
muito a respeito desses assuntos e eu fico analisando que é difícil tomar
uma atitude. Só o apoio jurídico e de uma psicóloga não é o suficiente. Eu
tive a felicidade de encontrar ajuda em outros lugares, o restante da ajuda
que faltou daqui eu achei com outras pessoas. Mas é necessário uma
segurança, porque no meu caso eu precisava de um lugar pra morar, de
trabalho, de alguém pra ouvir, precisa de mais, precisa de um conjunto,
de mais pessoas. Isso aqui precisa de apoio do restante da sociedade, do
comércio, as pessoas tinham que se envolver mais pra tá oferecendo
ajuda e apoio. Eu gostaria muito que as pessoas que enfrentam esses
problemas tivessem o apoio que eu tive. Mas a gente também tem que ter
coragem, e essa coragem a pessoa só adquire quando ela tem um grupo.
Sozinha ela não consegue, tem que ter muita orientação (C.Z.T.D., 36
anos).
138
A REVISTA DA UNICORP
e também em outros momentos das outras entrevistadas. C.Z.T.D. também expressou os três
indicadores do empoderamento individual em sua fala, veja-se:
Por outro lado, o empoderamento comunitário não possui caracteres universais, podendo
envolver empoderamento pessoal, desenvolvimento de pequenos grupos de apoio mútuo,
organizações comunitárias, associações e ação social e política, focalizando a conquista e
defesa de direitos, a influência na ação do Estado, com capacidade de demanda e interferência
direta ou indireta da população nas decisões políticas (SELVATTY et al, 2013, p. 231).
Conclui-se, então, que o trabalho realizado pelo CRMAJCD tem muito a crescer para
conseguir alcançar o empoderamento coletivo das mulheres, já que mesmo com as dificuldades
enfrentadas, já é possível verificar situações como a da entrevistada J.S.R., que mobiliza outras
mulheres, participa e promove atividades com grupos, vive atenta às pessoas que estão ao seu
redor e não perde a oportunidade de informar a mais uma pessoa sobre as possibilidades de
romper com o ciclo de violência em que se encontra.
139
ENTRE ASPAS
5. Considerações finais
140
A REVISTA DA UNICORP
Referências____________________________________________________________
Nota__________________________________________________________________
1 Ana Joaquina de Castro Dourado foi uma mulher que no início do século XX, época em que as
mulheres não tinham “permissão” para muitas coisas, já defendia a participação feminina na política
de Irecê (RUBEM, 2001).
141
ENTRE ASPAS
1. Introdução
O tema escolhido situa-se na área do Direito Penal e tem como foco o recente debate
sobre o monitoramento eletrônico na execução penal. Em face da recente alteração no Código
de Processo Penal pela Lei nº. 12.403, de 4 de maio de 2011, o monitoramento eletrônico, já
largamente utilizado em outros países, foi transplantado para nosso sistema legal, como medida
cautelar diversa da prisão, no art. 319, inciso IX, do referido diploma processual penal. Todavia,
o monitoramento eletrônico também encontra previsão no sistema legal pátrio através da Lei de
Execução Penal, como forma de fiscalização no cumprimento das penas, a exemplo de saídas
temporárias e prisões domiciliares.
O sistema de monitoramento eletrônico é feito por meio de um sinalizador GPS, que
significa Sistema de Posicionamento Global (Global Positioning System), através do qual é
possível saber a localização exata do indivíduo no planeta.
142
A REVISTA DA UNICORP
Em relação à forma de adaptação aos usuários, existem atualmente quatro opções técnicas
de monitoramento eletrônico, quais sejam, a pulseira, a tornozeleira, o cinto e o microchip
implantado no corpo humano.
O monitoramento eletrônico é aplicado de forma sistemática e com grande sucesso em
diversos países, como Estados Unidos da América, Canadá, Inglaterra, Portugal, Itália,
Alemanha, Escócia, Suécia, Suíça, Holanda, França, Austrália, País de Gales, Andorra, Nova
Zelândia, Cingapura, Bélgica, Israel, Taiwan, África do Sul e, na América Latina, Argentina.
No Brasil, em face de ter sido apenas recentemente inserido no nosso sistema legal, o
uso do monitoramento eletrônico é incipiente e vem sendo utilizado em caráter experimental
nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Rondônia, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Distrito
Federal, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
A importância do estudo acerca deste tema pode ser corroborada através das constantes
notícias veiculadas pelos meios de comunicação sobre a situação de falência do sistema
penitenciário brasileiro. Com efeito, os estabelecimentos penais estão superlotados, os detentos
vivem amontoados em condições subumanas e os índices de reincidência são altíssimos.
Constata-se, pois, que este grave problema de segurança pública desvirtua a própria
finalidade da pena aplicada ao condenado, vez que esta se transmuda em mero instrumento
punitivo e de segregação do indivíduo, sem qualquer pretensão de ressocializar o criminoso e
prepará-lo para voltar ao convívio social. Neste contexto, a pesquisa busca problematizar, a
partir de aspectos teóricos e experiências práticas, as seguintes questões: 1) O monitoramento
eletrônico é alternativa viável e eficaz ao encarceramento?; 2) Qual o impacto do monitoramento
eletrônico na redução dos índices de reincidência dos criminosos?; 3) O monitoramento
eletrônico contribui para a ressocialização dos criminosos, através de sua reinserção gradativa
na sociedade?
Torna-se imperioso quebrar o círculo vicioso que se encontra arraigado no sistema
penal brasileiro, segundo o qual os mesmos indivíduos entram e saem dos presídios, cada vez
praticando infrações mais graves e distanciando-se de sua condição de cidadãos e dos direitos
e deveres a ela inerentes.
Por outro lado, não se pode olvidar que o tema monitoramento eletrônico é cercado de
acirradas polêmicas e vastas discussões, em grande parte por ser um instrumento utilizado em
poucos estados e apenas recentemente ter sido autorizado no ordenamento jurídico brasileiro.
Com efeito, inicialmente se discute a questão concernente aos direitos humanos dos
cidadãos sujeitos ao monitoramento eletrônico, pois uma corrente doutrinária encabeçada por
Maria Lúcia Karam defende a impossibilidade de sua utilização, ao argumento de que o mesmo
levaria a uma indevida exposição do condenado, atentatória a sua dignidade e intimidade.
A problemática acerca do tema é bastante ampla, pois surgem questões referentes aos
custos da implantação do sistema versus custos da manutenção dos indivíduos no cárcere,
bem como acerca da eficácia do monitoramento sob a ótica da segurança pública, englobando
tanto sua confiabilidade quanto o efeito ressocializador que cada vez mais se tem buscado.
Durante toda minha atuação profissional na área criminal, convivemos com o grave
problema da falência do sistema penitenciário brasileiro e este sempre dificultou sobremaneira
o resultado das atividades jurisdicionais desenvolvidas, vez que, diante do número insuficiente
de vagas nos estabelecimentos penais e por isto os detentos permaneciam amontoados em
condições degradantes, afastava-se qualquer possibilidade de recuperação dos mesmos. Essa
questão fez com que frequentemente nos desviássemos da atuação jurisdicional propriamente
dita para lidar com rebeliões, fugas, falta de vagas para réus nos estabelecimentos penais e
143
ENTRE ASPAS
144
A REVISTA DA UNICORP
ruas por falta de espaço nos presídios. O déficit de vagas (quase 200 mil) é um dos principais
focos das críticas das Organizações das Nações Unidas (ONU) sobre o desrespeito a direitos
humanos no país, pois isto representa um número de presos 66% superior à sua capacidade de
abrigá-los.
Ao ser submetido, no final do mês de maio de 2012, à Revisão Periódica Universal -
instrumento de fiscalização do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU -, o Brasil
recebeu como recomendação “melhorar as condições das prisões e enfrentar o problema da
superlotação1”. De acordo com a organização não governamental Centro Internacional para
Estudos Prisionais (ICPS, na sigla em inglês), o Brasil só fica atrás, em número de presos, dos
Estados Unidos (2,2 milhões), da China (1,6 milhão) e da Rússia (740 mil). Não obstante a
precariedade do sistema penitenciário brasileiro, cada preso custa por mês para os cofres da
nação o total de 4,5 salários mínimos, sendo que o gasto geral dos Governos Federal e Estaduais
é de 60 milhões num só mês2.
No estado da Bahia, os dados colhidos pelo Ministério da Justiça, em junho de 2012,
retratam situação semelhante, pois a população carcerária é de 15.088 presos, enquanto que a
quantidade de vagas nos estabelecimentos carcerários é de 6.919 vagas. Existem apenas 21
estabelecimentos penais em todo o estado, sendo que apenas um estabelecimento destinado
a mulheres presas, uma casa de albergado e duas colônias agrícolas. Do total de encarcerados,
apenas 1.173 recebem educação e apenas 1.946 desempenham algum tipo de atividade laborativa
interna ou externa. Outro dado relevante, e que demonstra a fragilidade do sistema, é a quantidade
de presos custodiados nas delegacias de polícia, que são 4.947, do total de 15.088, sendo que
boa parte desse quantitativo refere-se a presos definitivos que deveriam estar cumprindo a
pena em presídios e muitos acabam permanecendo nas delegacias por falta de vagas.
Não obstante os dados acima tenham sido colhidos através de fontes oficiais, importante
ressaltar que deve ser considerada alguma margem de erro, em face das dificuldades em integrar
sistemas de estatísticas em todo o país e, ainda, diante do funcionamento desigual do sistema
de justiça, que faz com que as estatísticas criminais, quando existentes, não se mostrem
transparentes ou passíveis de serem postas à prova da sua publicização.
No século XX, o princípio da dignidade da pessoa humana ganhou destaque e foi
formalizado entre os princípios fundamentais consagrados na Constituição Federal, assumindo
papel de grande importância, pois dele decorrem todos os direitos fundamentais contidos na
Carta Magna. Nos Estados Democráticos, o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser
alçado a categoria de norma de hierarquia superior, não podendo ser alterado pelo legislador
infraconstitucional. Como consequência, as leis penais não podem criar normas que atentem
contra a dignidade humana, como impor penas cruéis ou que consistam em tortura. Na concepção
de Sarlet (2002, p. 62),
145
ENTRE ASPAS
146
A REVISTA DA UNICORP
básicos direitos fundamentais dos presos, pois, segundo Freire Soares (2010, p. 156):
147
ENTRE ASPAS
principal alvo do processo penal, existe também, como exposto anteriormente (Fig. 3), uma
perseguição aos mesmos dentro do próprio sistema penal.
Importante aduzir que, para agravar ainda mais a caótica situação do sistema penitenciário
brasileiro, os meios de comunicação vêm praticando um grande desserviço à sociedade brasileira
no que pertine ao respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. Existem atualmente
inúmeros programas dedicados exclusivamente ao tema criminalidade. Tais programas se arvoram
a autoridade para emitir opiniões sobre a criminalidade de forma sensacionalista e sem qualquer
compromisso com a realidade dos fatos, sendo que estas opiniões possuem grande penetração
e aceitação nas esferas sociais e incutem nos cidadãos ideias equivocadas sobre o tema
direitos humanos.
Como consequência, a população, atemorizada com as notícias sensacionalistas acerca
da prática de crimes, desenvolve um repúdio ao respeito dos direitos básicos dos presos,
incentivando, e até exigindo, a prática estatal de ignorar o princípio da dignidade da pessoa
humana nos estabelecimentos penais brasileiros. Nesse contexto, mínguam cada vez mais os
investimentos governamentais para melhorar a estrutura do sistema penitenciário como um
todo, pois tais iniciativas se tornaram malvistas pela sociedade e não atendem aos objetivos
“eleitoreiros” dos nossos agentes políticos. Todavia, é importante que se diga que existe
grande parcela de culpa do Poder Judiciário nesta interferência indevida da mídia, ao ser
tolerante com inverdades e notícias sensacionalistas a pretexto de permitir a liberdade de
expressão e evitar a censura.
148
A REVISTA DA UNICORP
A tecnologia avançou muito nos últimos anos e vem sendo empregada como uma
ferramenta para alcançar melhorias em nosso sistema judiciário. Hoje, audiências são realizadas
por meio de videoconferência, evitando-se o deslocamento do preso, com os custos e riscos
inerentes ao transporte do mesmo para o fórum. O processo vem se tornando virtual, conferindo
mais celeridade e economia de recursos que podem ser empregados em outros setores. As
audiências são realizadas com recursos áudiovisuais de gravação, o que otimiza o tempo
empregado em cada ato e torna desnecessária a presença de um digitador para reduzir a termo
todos os depoimentos.
É, pois, inevitável que as penas enveredem por este caminho tecnológico. A tecnologia
então deverá ser utilizada pelo sistema penal para prever alternativas à pena de prisão com a
utilização de tais recursos que permitam a punição do indivíduo sem a necessidade de
encarceramento. Com efeito, o cumprimento da pena “extramuros”, além da economia de
recursos, traria a vantagem de atingir uma função ressocializadora, pois o indivíduo não seria
segregado do convívio social e de sua família.
Como se sabe, o controle representado pela convivência em sociedade e pelo grupo
familiar é, muitas vezes, mais eficaz sobre o indivíduo do que o controle penal, razão pela qual
a reinserção social dos condenados seria gradativa e menos traumática.
Importante salientar que o primeiro dispositivo de vigilância eletrônica foi criado nos
anos sessenta pelos irmãos Ralph e Robert Schwitzgebel, psicólogos da Universidade de
Harvard. Foram realizadas experiências com jovens reincidentes em liberdade condicional, mas
o uso real do monitoramento eletrônico em infratores começou apenas em 1980. Foi somente na
década de 80 que o Juiz Jack Love, da cidade de Albuquerque, no Novo México, inspirado em
uma história em quadrinhos do Homem Aranha, encomendou um sistema de monitoramento
eletrônico. Em 1983, o magistrado testou em si mesmo o bracelete desenvolvido e posteriormente
o testou em delinquentes em sua cidade.
Nos Estados Unidos, após a experiência no Novo México, surgiram alguns projetos-
piloto, notadamente em Washington, na Virgínia e na Flórida. A implementação da tecnologia
de monitoramento foi verificada em diversos outros países, como Canadá, Inglaterra, Portugal,
Itália, Alemanha, Escócia, Suécia, Suíça, Holanda, França, Austrália, País de Gales, Andorra,
Nova Zelândia, Cingapura, Bélgica, Israel, Taiwan, África do Sul e, na América Latina, Argentina.
Na América do Sul, a primeira experiência foi em Buenos Aires, na Argentina.
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ENTRE ASPAS
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A REVISTA DA UNICORP
por mais paradoxal que possa parecer o discurso daqueles que são contra
a utilização do monitoramento eletrônico por meio de braceletes, pulseiras
ou tornozeleiras, é notório que tal prática concretiza a sombria perspectiva
do controle total do Estado sobre os indivíduos. Dessa forma, não se
pode pensar a questão sob os efeitos do desespero de quem está
preventivamente privado de sua liberdade, pois, nessa condição, qualquer
esmola de liberdade dada ao sujeito é uma dádiva.
151
ENTRE ASPAS
em condenados que utilizaram o sistema. John Howard Society of Alberta (2000) também
realizou trabalho que aprofunda com rigor científico e precisão o tema do monitoramento
eletrônico, chegando a analisar o impacto da utilização do sistema nas famílias dos condenados.
7. Conceito
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A REVISTA DA UNICORP
legislativa já tenha constituído grande avanço após cerca de 30 anos de utilização do instituto
em outros países.
153
ENTRE ASPAS
segundo os dados do Depen, os presos provisórios são responsáveis por ocupar mais de 42%
das vagas em estabelecimentos penais, sendo que estas deveriam ser destinadas a indivíduos
já condenados.
Assim, foi consagrada na legislação a determinação de que a prisão cautelar deve
ocorrer apenas em hipóteses restritas, de forma subsidiária, em caso das outras medidas
elencadas, inclusive o monitoramento eletrônico, se revelarem ineficazes para garantia da ordem
pública ou assegurar o cumprimento da lei penal.
154
A REVISTA DA UNICORP
O CNJ informou ainda que a maioria dos presos monitorados é do estado de São Paulo,
vez que 6.000 detentos beneficiados pelo indulto natalino utilizaram o monitoramento eletrônico
no ano de 2012. Atualmente, no Rio de Janeiro, 1.440 presos que cumprem pena em regime
domiciliar são monitorados eletronicamente. Em Pernambuco, 301 presos beneficiados pela
saída temporária de final de ano também foram monitorados eletronicamente. No estado de
Rondônia existem atualmente 400 detentos cumprindo prisão domiciliar através de
monitoramento eletrônico.
Acerca do estado de Rondônia, segundo informações colhidas no site da defensoria
pública daquele estado8, pelo menos 242 presos do regime semiaberto de seis municípios estão
cumprindo pena em casa por meio de monitoramento eletrônico. Na capital Porto Velho, a
superlotação e a falta de estrutura foram os principais motivos que levaram a Vara de Execuções
Penais a adotar a medida.
O Coordenador do Núcleo de Execuções Penais da DPE de Rondônia, defensor público
Hans Lucas Immich afirma que esta medida representa um grande avanço, em face de o
sentenciado ficar em casa, integrado ao seu meio social, ao invés de ficar encarcerado em uma
estrutura precária que não contribua para sua ressocialização. A Portaria nº. 16, expedida pelo
Tribunal de Justiça do Estado, informa que podem ser beneficiados por esse sistema os presos
do regime semiaberto condenados no máximo a até dez anos de pena, os que têm emprego ou
proposta de emprego e os que estudam. A mencionada portaria estabelece, ainda, três graus de
violações aos usuários dos aparelhos de monitoramento. A violação será leve quando o usuário
sair e retornar de seu itinerário regular, sem autorização, por prazo inferior a 10 minutos durante
o dia ou afastar-se do GPS por menos de 10 minutos durante o dia. Considera-se violação média
quando preso sair e retornar de seu itinerário regular, sem autorização, por prazo inferior a 10
minutos durante a noite ou superior a 10 minutos durante o dia, ou permanecer com o
equipamento em chamada perdida, sem comunicar imediatamente à Unidade de Monitoramento,
ou afastar-se por menos de 10 minutos em horário noturno, receber duas advertências por
violações leves e tentar romper a tornozeleira. A violação será grave se o monitorado afasta-se
do GPS por tempo superior a 10 minutos em qualquer horário, ou permanecer com o GPS
desligado, ou sair e retornar de seu itinerário regular, sem autorização, por prazo superior a 10
minutos, durante a noite, romper o lacre e retirar a tornozeleira do corpo de receber duas
advertências por violação média. O preso que incorrer nas violações graves deverá ser
imediatamente recolhido e levado à penitenciária, suspendendo o monitoramento.
Detentos do regime semiaberto, que cumprem pena na Casa do Albergado, em Ji-Paraná
(RO), estão sendo monitorados por tornozeleiras eletrônicas. O gerente do Sistema Penitenciário
de Ji-Paraná, Adriano Fortunato, informou em entrevista 9 que o ponto favorável no
monitoramento eletrônico é a redução dos custos com o detento, uma vez que o contrato com
a empresa que fornece as tornozeleiras tem valor inferior ao da manutenção do apenado dentro
da unidade. Ele afirma que a tornozeleira vai custar R$220 para os cofres públicos, ao passo
que o detento dentro da unidade custa aproximadamente R$1,2 mil pago pela sociedade. Após
a implantação da tornozeleira, o detento passa a ter todas as suas atividades monitoradas com
localização, e até fotos dos locais onde ele circula, a cada dois minutos, na central de
monitoramento. Fortunato noticiou, ainda, que existe uma central na cidade de Curitiba, sede
da empresa fornecedora, outra em Porto Velho, e uma na cidade onde o detento cumpre a pena,
e que dez agentes penitenciários trabalhando em revezamento para monitorar os detentos.
A Superintendência do Sistema Penitenciário do Pará (Susipe) informou que começou,
no ano de 2013, a utilizar um novo modelo de tornozeleira eletrônica, para permitir que presos
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ENTRE ASPAS
156
A REVISTA DA UNICORP
Ressalte-se, ainda, que, nesta audiência pública, o defensor público Patrick Lemos
Cacicedo relatou que alguns monitorados foram prejudicados por falhas nas tornozeleiras,
aduzindo a necessidade de aperfeiçoamento técnico dos aparelhos, pois foram aplicadas medidas
disciplinares por faltas graves a alguns presos e só depois foi constatado que não houve
descumprimento das condições impostas e sim defeitos técnicos nos aparelhos.
Importante mencionar que, embora o monitoramento já esteja previsto em legislação
federal, o efetivo uso das tornozeleiras vem enfrentando resistência por parte de muitos juízes
do estado de São Paulo, que vêm proibindo sua utilização por decisão judicial. Com efeito, a
Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo13 divulgou que contratou
4.500 tornozeleiras, mediante um contrato que teve custo de R$50,1 milhões, para monitorar
todos presos do regime semiaberto, entretanto só obteve na Justiça autorização para rastrear
1.180 presos.
Existem alguns juízes que vem se recusando a utilizar o monitoramento eletrônico, em
face da constatação de falhas técnicas nos equipamentos e ausência de certeza de que os
usuários não voltarão a delinquir.
Com efeito, a justificativa dos juízes para a recusa em adotar o monitoramento eletrônico
possui respaldo nas experiências em alguns estados, pois a prática vem demonstrando que o
sistema ainda precisa de muitas melhorias de ordem técnica para que possa alcançar o grau de
eficácia e confiabilidade que se espera de um aparelho para fiscalizar presos.
O Subsecretário de Administração Prisional de Minas Gerais14, Murilo Andrade de
Oliveira, concedeu entrevista na qual informa que o estado de Minas Gerais pode repensar o
sistema de monitoramento de criminosos através das tornozeleiras eletrônicas. Foi divulgada a
informação de que 15% dos detentos que utilizaram o aparelho descumpriram as condições
impostas, ou seja, dos 2.300 presos monitorados, 350 deles não obedeceram o perímetro
permitido ou romperam o aparelho. O subsecretário informou que o aparelho também não é
inviolável e vem sendo retirado e rompido com facilidade pelos monitorados que inclusive têm
apresentado altos índices de reincidência, sem que isto seja coibido pela utilização do
monitoramento.
Um caso que merece destaque para ilustrar a falibilidade do sistema é a experiência de
um detento do Rio de Janeiro que cumpre a pena em casa através do monitoramento eletrônico.
Ele informou ao jornal Extra15 que necessita carregar a tornozeleira eletrônica junto a uma
tomada pelo menos duas vezes por dia, pois o aparelho precisa de recarga. Além disso, ele diz
que o equipamento emite som a cada dez minutos, ainda que ele esteja em casa, sem descumprir
qualquer determinação da pena. O monitorado informa que os sinais sonoros do aparelho lhe
causam grande constrangimento por chamar atenção das pessoas e estas podem lhe estigmatizar
como bandido. O Superintendente Geral de Inteligência do Sistema Penitenciário, Major Luiz
Otávio Odawara, procurado para prestar esclarecimentos, informou que não tem conhecimento
das reclamações do preso e que o sistema está em fase de testes para avaliação posterior dos
resultados. Atualmente, 1.900 presos do estado do Rio são monitorados com tornozeleiras
eletrônicas. Eles cumprem pena no regime aberto, após ganharem direito à Prisão Albergue
Domiciliar (PAD). O monitoramento eletrônico de presos no Rio começou em fevereiro de 2011.
Inicialmente, o sistema era para presos do regime semiaberto. Um mês após a utilização do
sistema, o estado suspendeu o seu uso, já que 32% dos presos monitorados fugiram e 54
tornozeleiras foram rompidas. O monitoramento foi retomado em abril de 2011.
Apesar das dificuldades práticas que vêm sendo enfrentadas pelos estados na
implementação do monitoramento eletrônico, a Comissão de Segurança Pública e Combate ao
157
ENTRE ASPAS
Crime Organizado aprovou proposta que altera a Lei de Execução Penal para incluir novas
circunstâncias em que o juiz poderá determinar a fiscalização de presos por meio de
monitoramento eletrônico16.
Atualmente, o Código de Processo Penal prevê o monitoramento eletrônico como uma
medida cautelar diversa da prisão. Já a Lei de Execução Penal autoriza o emprego das tornozeleiras
de monitoramento para autorizar a saída temporária do preso em regime semiaberto e para
determinar a prisão domiciliar.
Segundo o projeto de lei aprovado na Comissão de Segurança Pública e Combate ao
Crime Organizado, o monitoramento eletrônico poderá ser determinado pelo juiz nos seguintes
casos:
1. autorizar o gozo de livramento condicional;
2. estiver o condenado cumprindo a pena no regime aberto;
3. houver condenação de restrição de direito, com proibição a lugares específicos;
4. houver opção do condenado pelo uso do dispositivo em substituição à prisão
preventiva, ouvido o Ministério Público;
5. quando houver autorização para o condenado sair temporariamente do
estabelecimento penal, sem vigilância direta.
Apesar de ser salutar o entusiasmo legislativo pelo monitoramento eletrônico,
entendemos que, ao invés de neste momento ampliar a gama de hipóteses de utilização do
aparelho, melhor seria focar em medidas destinadas a suprir as dificuldades que vem sendo
enfrentadas na implementação do monitoramento eletrônico nos casos já previstos na legislação,
como investimentos em aquisição de aparelhos, em maior número e com maior qualidade técnica,
e contratação de servidores para as funções de fiscalização, suporte e apoio aos monitorados
no processo de ressocialização.
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A REVISTA DA UNICORP
sem bateria, e, caso não seja carregada após três mensagens de alerta, uma viatura é enviada
para checar a situação.
Mencionamos a presente experiência para ressaltar a inversão de papéis gerada pelo
botão do pânico, pois neste caso é a vítima que passa a ser vigiada e deve se submeter a
restrições em sua rotina. Embora a adoção do botão do pânico tenha uma finalidade salutar de
proteção às vítimas de violência doméstica, este seria um dos casos em que o agressor, e não
a vítima, deveria ser monitorado. Com efeito, este sistema, na prática, transfere para a vítima o
ônus de ser submetida a uma perda parcial e indevida de sua liberdade e privacidade, por
exemplo, tendo que levar o aparelho rastreador preso a seu corpo e preocupar-se em carregar
periodicamente o mesmo na tomada e de receber ligações a qualquer horário, caso não o faça.
Segundo informações colhidas no site do Conselho Nacional de Justiça17, apesar de a
experiência com o botão do pânico ter se iniciado há apenas um ano e ter sido distribuído a
apenas 100 mulheres, os resultados tem sido bastante positivos e já foram realizadas prisões de
agressores que descumpriram as medidas restritivas após o acionamento do alarme. Ademais,
segundo a juíza Hermínia Maria Azoury, coordenadora estadual da Mulher em Situação de
Violência Doméstica e Familiar da corte capixaba, foi constatado que o botão do pânico inibe os
agressores que passaram a temer que as vítimas possuam o dispositivo e o acionem.
Uma das vantagens do modelo adotado no Espírito Santo foi a criação de uma equipe
de patrulha treinada e com a função exclusiva de atender as ocorrências relacionadas ao uso do
botão do pânico, pois se verificou que os chamados são atendidos de forma quase que imediata,
o que confere eficácia ao objetivo do alarme.
11. Conclusão
159
ENTRE ASPAS
Dentre as medidas alternativas à prisão que surgiram nos últimos anos, o monitoramento
eletrônico foi recentemente introduzido no ordenamento jurídico brasileiro através das Leis nº.
12.258/2010 e nº. 12.403/2011, embora desde o ano de 1980 venha sendo utilizado nos Estados
Unidos e posteriormente em outros países.
Através da análise dos resultados das experiências de implementação do monitoramento
eletrônico no Brasil, verificamos que todos os estados enfrentam problemas causados
principalmente pela carência de recursos e pela ausência da estrutura necessária para a eficácia
do sistema. Com efeito, constatou-se que os estados brasileiros simplesmente adquiriram um
determinado número de tornozeleiras eletrônicas e passaram a monitorar apenados sem um
planejamento prévio e sem a criação de uma estrutura de apoio destinada ao acompanhamento
e ressocialização dos mesmos.
Constatamos que não há como se fazer uma verificação acurada de custos do sistema
de monitoramento em relação ao encarceramento baseando-se apenas no custo da tornozeleira
comparado ao custo individual do indivíduo na prisão, sob pena de se incorrer em erro na
previsão orçamentária para implementação do sistema de monitoramento. Nesta linha de
raciocínio, demonstramos que é necessário que seja previsto no orçamento não apenas o
custo de aquisição das tornozeleiras como também da criação de uma equipe semelhante ao
“probation office” do sistema americano para fiscalizar o cumprimento das medidas, vez que a
prática demonstrou que deixar esse papel a cargo da instituição policial significa condenar o
monitoramento eletrônico a mesma ineficácia verificada em relação as demais medidas cautelares
previstas na lei.
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A REVISTA DA UNICORP
1. Introdução
165
ENTRE ASPAS
mencionado Ministro, tal medida serve como instrumento de fuga ao “aviltante destino” de
transformar-se o STJ em terceira instância julgadora.
A preocupação dos Tribunais Superiores com o acúmulo de demanda, que inviabiliza a
prestação jurisdicional tempestiva, não é nova. No ano de 1963, portanto, em momento no qual
era vigente a Constituição de 1946 e o Código de Processo Civil de 1939, José Afonso da Silva
já tratava da então chamada “crise do Supremo”, nos seguintes termos:
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2. Desenvolvimento
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Mister ressaltar, no entanto, que embora não haja no Código de Processo Civil vigente,
qualquer restrição a aplicabilidade do seu art. 13 (capacidade processual) na instância
extraordinária, o STJ entende que “ O recurso dirigido à esta Corte Superior sem assinatura do
advogado é considerado inexistente, não sendo aplicável à instância extraordinária a concessão
do prazo previsto no art. 13 do Código de Processo Civil para regularização do vício.”6
Repise-se, nesse contexto, que o Supremo Tribunal Federal compartilha da mesma linha
de cognição, ao afirmar reiteradamente em seus julgados que “Não se conhece do recurso em
que ausente assinatura do advogado, vício que não se traduz em mera irregularidade do ato
processual praticado, de todo inviável, na instância extraordinária, converter o feito em diligência,
nos moldes preconizados pelo art. 13 do CPC.”7
No Projeto de Lei nº 8.046/2010, o art. 1.042, que cuida dos recursos especial e
extraordinário, dispõe em seu § 3º que “O Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de
Justiça poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção,
desde que não o repute grave”. Em que pese haja uma abertura semântica na expressão “desde
que não o repute grave”, dando ensejo a certa margem de discricionariedade na interpretação
da norma, é certo que havendo disposição específica quanto ao saneamento recursal na instância
excepcional, o STJ e o STF terão de enxergar com outros olhos seus posicionamentos então
consolidados.
Ao cuidar do tema, em artigo publicado pela Academia Brasileira de Direito Processual
Civil, o Professor Humberto Theodoro Júnior consignou o seguinte, litteris:
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divergência (AgRg nos EREsp 1306390/SP). Mister salientar, nesse diapasão, que o tema
encontra-se em discussão no próprio STJ, mais precisamente no julgamento do recurso
especial nº 1.129.215/DF.15
O Supremo Tribunal Federal, nesse mister, demonstra, num primeiro momento,
possuir a mesma orientação esposada pelo Superior Tribunal de Justiça, ao asseverar que “É
intempestivo o recurso extraordinário interposto antes de esgotada a jurisdição prestada pelo
Tribunal de origem, posto pendente recurso de embargos, revela-se prematuro e, portanto,
incabível.” Conclui a Corte Constitucional, sobre o tema, que “Desta sorte, o recurso
excepcional deve ser reiterado ou ratificado no prazo recursal, para que referido vício seja
sanado.”16
Válido ressaltar que existem diversos precedentes do STF que seguem tal esteira
intelectiva, v.g. o recurso extraordinário com embargos de declaração nº 469.338, da 1ª Turma,
o recurso extraordinário com agravo regimental nº 476.316, da 2ª Turma e o recurso extraordinário
com agravo regimental nº 346.566, do Tribunal Pleno.
Sucede, todavia, que mostra-se iniciada uma recente guinada em tal entendimento,
posto que ao relatar o recurso extraordinário com agravo regimental nº 547.399, o Ministro
Luis Roberto Barroso asseverou que “[...] tem-se, no momento da interposição do recurso
extraordinário, decisão final da causa apta a ensejar a abertura da via extraordinária, nos
termos do art. 102, III, da Constituição.” Concluiu, a Primeira Turma, ao final, de forma
unânime, que “Dessa forma, desnecessária a ratificação.”17
Pois bem. Ao traçar um comparativo entre o entendimento majoritário do Superior Tribunal
de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, com as disposições constantes na legislação
processual em trâmite no Congresso Nacional, observa-se mais uma incongruência. O Projeto
do NCPC possui norma expressamente oposta ao posicionamento consolidado no âmbito do
STJ. É o que se percebe da leitura dos arts. 1.037, § 4º e 1.057, § 2º, litteris:
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A redação do NCPC dada pela Câmara dos Deputados assim dispõe, no caput do seu
art. 1.016, litteris: “O prazo para interposição de recurso conta-se da data em que os advogados,
a sociedade de advogados, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública ou o Ministério Público
são intimados da decisão.” No § 4º da aludida norma, o NCPC assim disciplina a matéria: “Para
aferição da tempestividade do recurso remetido pelo correio, será considerada como data da
interposição a data da postagem.”
A discrepância é evidente e simples de ser constatada. No atual panorama, tem-se como
data de interposição do recurso especial, para efeitos de aferição de sua tempestividade, a data
do protocolo da petição na secretaria do tribunal. A novel legislação projetada, por sua vez, em
sentido contrário, prevê que tal data será a postagem do petitório recursal no correio. Entrando
em vigor com a atual redação, mais uma vez, o NCPC entra em conflito com a jurisprudência
remansosa e pacífica esposada pelo Superior Tribunal de Justiça, o que acarretará a discussão
do tema por doutrinadores, juízes e advogados.
Questões com aptidão para tornarem-se controvertidas existem, também, em relação ao
recurso de embargos de declaração. Hodiernamente, na ausência de previsão legal explícita, o
Superior Tribunal de Justiça possui entendimento restritivo acerca do cabimento dos
aclaratórios.
O CPC/73 dispõe o seguinte: “Art. 535. Cabem embargos de declaração quando: I -
houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade ou contradição; II - for omitido ponto sobre
o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal.” Dessa maneira, pode se dizer que a legislação
processual vigente, ao menos no que se refere à omissão, não trata da espécia de pronunciamento
judicial passível de impugnação mediante a oposição dos embargos declaratórios (sentença,
acórdão, etc.).
Nesse contexto, reiterada é a jurisprudência do STJ ao afirmar que “Não são cabíveis
embargos de declaração contra a decisão que inadmite o processamento do recurso especial
[…].” O Tribunal da Cidadania conclui tal posicionamento consignando ser esta a “razão pela
qual estes não têm o condão de interromper o prazo para a interposição do único recurso
cabível, qual seja, o agravo previsto no art. 544 do Código de Processo Civil.”21 Partilha de tal
entendimento o STF, ao asseverar que “Os embargos de declaração são incabíveis contra
decisão de admissibilidade do recurso extraordinário.”22
A respeito do assunto, salutar a transcrição ipsis litteris da ressalva de entendimento
do Ministro Raul Araújo, do Superior Tribunal de Justiça, ao se manifestar sobre o tema de
maneira contrária à maioria de seus pares:
173
ENTRE ASPAS
3. Conclusão
174
A REVISTA DA UNICORP
Referências____________________________________________________________
CARNEIRO, Athos Gusmão. Recurso Especial, Agravos e Agravo Interno. 6ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2009.
175
ENTRE ASPAS
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. DINAMARCO, Cândido Rangel. GRINOVER, Ada Pellegrini.
Teoria Geral do Processo. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
DIDIER JR., Fredie. CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 3. Salvador:
Juspodivm, 2012.
NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
THEODORO JR., Humberto. A Irregularidade da Pretensão Recursal Não Assinada. Disponível em:
<http://www.abdpc.org.br/artigos/artigo50.htm>. Acesso em: 28.10.2014.
SILVA, José Afonso da. Do Recurso Extraordinário no Direito Brasileiro. São Paulo, Revista dos
Tribunais, 1963.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e Ação Rescisória. 2ª ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial [da
República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 17 de Janeiro de 1973.
BRASIL. Projeto de Lei nº 8.046, de 22 de dezembro de 2010. Revoga a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de
1973, que institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/
fichadetramitacao?idProposicao=490267>. Acesso em: 28 de outubro de 2014.
Notas_________________________________________________________________
3 Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: [...]III - julgar, em recurso especial, as causas
decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos
Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei
federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;
c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.
4 EDcl no REsp 1397358/MT, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado
em 21/11/2013, DJe 29/11/2013.
6 AgRg no AREsp 6.024/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado
em 08/04/2014, DJe 11/04/2014.
7 RE 602956 AgR-AgR-AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 17/04/
2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-086 DIVULG 03-05-2012 PUBLIC 04-05-2012.
8 Art. 511. […] § 2º A insuficiência no valor do preparo implicará deserção, se o recorrente, intimado,
não vier a supri-lo no prazo de cinco dias.
176
A REVISTA DA UNICORP
10 EDcl no AREsp 70.181/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado
em 27/03/2012, DJe 02/04/2012.
12 ARE 778870, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 27/11/2013, publicado em DJe-240
DIVULG 05/12/2013 PUBLIC 06/12/2013.
13 AgRg no AREsp 420.450/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA,
julgado em 17/12/2013, DJe 03/02/2014.
14 AgRg no AREsp 545.152/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA,
julgado em 16/10/2014, DJe 23/10/2014.
16 AI 799209 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 03/05/2011, DJe-100
DIVULG 26-05-2011 PUBLIC 27-05-2011 EMENT VOL-02531-02 PP-00265.
17 RE 547399 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 27/08/
2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-197 DIVULG 04-10-2013 PUBLIC 07-10-2013.
19 CPC, art. 541, caput: “O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na
Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido,
em petições distintas, que conterão: […].”
20 ARE 771097 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 03/12/2013,
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-251 DIVULG 18-12-2013 PUBLIC 19-12-2013.
21 AgRg no AREsp 455.022/PR, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em
03/04/2014, DJe 14/04/2014.
22 ARE 731374 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 19/11/2013, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-238 DIVULG 03-12-2013 PUBLIC 04-12-2013.
24 Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual,
eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho.
25 Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário.
177
ENTRE ASPAS
1 Introdução
178
A REVISTA DA UNICORP
desta onda reformista, objeto deste presente artigo, a Lei nº. 11.277 de 07 de fevereiro de 2006
acrescentou no ordenamento jurídico brasileiro o artigo 285-A que trata do julgamento
antecipado do mérito em ações repetitivas. Diz o artigo:
2 Desenvolvimento
Generalidades e aplicação
Segundo afirma o Professor Fredie Didier Jr.1 são dois os exemplos de improcedência
“prima facie” na legislação brasileira, quais são, o indeferimento em razão de prescrição ou
decadência e o julgamento imediato de causas repetitivas, objeto deste trabalho.
Posicionando sobre o tema o ilustre Professor Marinoni2 ressalta que o interesse maior
das ações repetitivas está relacionado à questão da força vinculante das decisões dos tribunais
superiores, ensejando maior celeridade e racionalidade ao Processo Civil Brasileiro.
Permanecem protegidos o princípio da livre convicção judicial e a prerrogativa do juiz
de dizer o direito conforme a sua consciência, porque a força vinculante recai sobre a
interpretação do direito e não sobre fatos concretos. A força vinculante recai sobre a análise
jurídica feita por tais tribunais, sem que com isso se retire do juiz a prerrogativa de examinar o
caso concreto, dando-lhe a solução adequada.
179
ENTRE ASPAS
A ideia deve ser melhor entendida com a suposição de que se é o Superior Tribunal de
Justiça quem decide ao final quanto à interpretação da Lei Federal, qual a coerência de o juiz
decidir de forma contrária? Não aplicado o instituto quando oportuno acarreta a interposição
de recurso, e, consequentemente, se perde mais tempo, ocasiona maiores despesas, seja da
administração da justiça, seja do próprio cidadão.
Portanto, ao decidir o juiz de forma oposta ao que é entendido nos tribunais superiores,
implica um ato de rebeldia e falta de compromisso com o Sistema Judiciário, que prega a
efetividade e a tempestividade da distribuição da justiça, além de também configurar um atentado
contra a cidadania, desconsiderando a garantia constitucional da razoável duração do processo.
A aplicação do novel instituto necessita adequar-se ao intuito de realização de prestação
jurisdicional racional que confere celeridade e razoável duração do processo, buscando dar,
como já dito, efetividade à garantia constitucional da tutela jurisdicional tempestiva, por meio
da extinção de processos que reúnem condições que determinam que suas decisões sejam
iguais. Com isso, se contribui para uma justiça menos lenta em que horas de trabalho de
serventuários e juízes são dedicadas à movimentação de processos que ao final terão decisões
iguais.
Não obstante encontrado o assunto dentro do procedimento ordinário, o art. 285-A,
salvo disposição expressa em contrário, incide sobre toda e qualquer hipótese em que o juiz
despacha petição inicial. Por esta razão, o instituto pode ser aplicado numa ação possessória,
mandado de segurança, bem como em embargos do devedor.
Quanto à aplicação nos Juizados Especiais Cíveis, parece tranquilo o entendimento de
que, existentes lacunas na aplicação de seu procedimento próprio, aplicam-se as regras gerais
do procedimento comum. Não há quaisquer conflitos de procedimentos, uma vez que há perfeita
sintonia desta nova Lei com os princípios da celeridade e simplicidade que regem a Lei nº 9099/
95.
Possível também é a aplicação do novel instituto nos processos de conhecimento de
competência originária dos Tribunais, na justiça do trabalho, na área previdenciária e até
mesmo em sede tributária, esta comum em embargos à execução.
O artigo em questão está inserido no capítulo que trata da petição inicial, precisamente
na Seção I, que trata dos requisitos da petição inicial, situado logo após o artigo que dispõe
acerca do recebimento da inicial pelo juiz, com a verificação da presença de seus requisitos e a
determinação de citação. Portanto, para aplicação do disposto no art. 285-A, já ocorrera o
recebimento da inicial.
Recebida a exordial, por força deste comando legal, é possível que o juiz, atendidos os
requisitos necessários que serão logo mais analisados, sentenciar de imediato, sem ouvir a
parte contrária. Para elucidar a questão, segue narrada ensinamento de Misael Montenegro
Filho3:
180
A REVISTA DA UNICORP
necessários requisitos. De forma una, é alegada uma pretensão e, mesmo sem contestação pelo
réu, a causa é decidida sem qualquer prejuízo aos direitos dos litigantes com a concentração de
atividades numa única etapa do procedimento.
Em respeito à aplicabilidade imediata, o instituto pode ser utilizado em processos
anteriores à sua vigência, com a condição de que a parte ré ainda não tenha sido citada.
Se permite aos magistrados a utilização de sentenças que prolataram antes da entrada
em vigor da lei.
Para este novo instituto há várias denominações atribuídas por estudiosos do direito,
tais como “resolução super antecipada da lide”, “julgamento prima facie” (THEODORO Júnior,
2007), “julgamento liminar” (MARINONI, 2006) ou de “súmula vinculante de 1º grau” (PINTO,
2006).
Elucidando a respeito da denominação o Professor Fernando da Fonseca Gajardoni4
diz:
181
ENTRE ASPAS
elementos probatórios.
Indiscutível, portanto, que não se trata de algo totalmente novo em nosso sistema
pátrio. O que ocorre de diferente é a possibilidade de aplicação do art. 285-A a todas as ações
cíveis que não dependam de prova, inclusive, ações trabalhistas.
Semelhança também pode ser encontrada com o artigo 518, parágrafo 1º, do CPC, este
acrescido pela Lei nº 11.276/2006. O artigo dispõe que o juiz não receberá a apelação quando a
sentença for conforme súmula do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.
As duas normas referem-se a ações repetitivas. A demanda do artigo 285-A impede a proliferação
de teses consolidadas em primeira instância enquanto a preocupação do artigo 518, parágrafo
1º é em desafogar a segunda instância com impedimento de recursos para os quais já existe
súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.
Segundo Fredie Didier esta é a causa cujo conteúdo pode ser comprovado por prova
documental. Tratando-se de hipótese para o julgamento antecipado da lide, passa a ser
autorizado, também, antes da citação do réu, se a conclusão do juiz é pela improcedência.
Alexandre Freitas Câmara tece críticas na redação do dispositivo. Entende que se o
julgamento de improcedência se dá antes da citação, incompatível em se falar em matéria
“controvertida”, quando ainda não foi oposta pelo réu. A interpretação sugerida por ele é no
sentido de que se aplica a causas aonde apenas matérias de direito podem se tornar objeto de
controvérsias. Defende que não é possível existir controvérsias sobre matérias de fato.
Cássio Scarpinella Bueno5 sustenta:
182
A REVISTA DA UNICORP
sobre aqueles fatos que não geram dúvidas, que não geram controvérsia
entre as partes e perante o juiz.
183
ENTRE ASPAS
Não é possível ao juiz aproveitar-se de sentença proferida por outro juízo ou mesmo
proferida por ele, mas quando em exercício em outra Vara.
Em se tratando de juiz substituto, é possível a aplicação por ele do instituto do art. 285-
A, mesmo que a sentença como paradigma seja do juiz titular da comarca. Mesmo raciocínio é
aplicável ao juiz de outra Vara que esteja cumulando funções no lugar onde se avilta a
possibilidade da sentença de improcedência. Impossível, porém, será ao juiz substituto ou juiz
designado, que se utilize de sentença proferida em outro juízo no qual atua ou mesmo atuou.
Se houver mais de um juiz no mesmo juízo, e, os mesmos tenham entendimentos diversos
acerca de determinado assunto, objetivando não ocorrer alguns casos com aplicação do art.
285-A e outros não, o correto seria a sua não aplicação, evitando, desta forma, qualquer
violação ao princípio da isonomia.
Em entendimento contrário, Vicente de Paula Ataíde Júnior10 entende que, “mesmo juízo
significa não o mesmo juiz, mas a mesma unidade de competência territorial, ou seja, a
comarca ou a subseção judiciária”.
Portanto, o autor mencionado entende possível aplicar a regra do art. 285-A, desde que,
não obstante um juiz não tenha aplicado tese semelhante, outro magistrado, pertencente à
mesma unidade de competência territorial, o tenha feito, prolatando sentença de
improcedência.
Não será aplicado o instituto em estudo quando a sentença prolatada não for totalmente
improcedente. Uma sentença parcialmente procedente ou mesmo com total procedência do
pedido causariam prejuízos ao réu, cuja oportunidade de defender-se ainda não lhe foi concedida,
sob pena de violação aos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa.
Note-se que o artigo vinculou o julgamento liminar à existência de uma sentença de
“total” improcedência.
Fernando Gajardoni11 diz:
Ainda segundo o autor, não se deve negar julgamento de plano quando o paradigma
tenha sido emitido em casos onde tenha havido parcial procedência, mas com rejeição total do
pedido repetido, uma vez que a pretensão da norma é de acelerar o julgamento.
184
A REVISTA DA UNICORP
Havendo a não concordância da sentença liminar pelo autor é cabível uma apelação no
prazo de quinze dias podendo o magistrado exercer o juízo de retratação em cinco dias e
determinar o prosseguimento do feito com a citação do réu, processamento este que foge aos
padrões normais dessa modalidade de recurso.
Em não exercida a retratação, será feita a citação do réu para responder ao recurso de
apelação no prazo de quinze dias. Subirá, em seguida, para o Tribunal o recurso de apelação.
A falta da comunicação inicial ao réu da existência da demanda pode causar confusões
quando se cita o réu já para responder a um recurso de apelação. Porém, o intuito da norma em
não movimentar a máquina judiciária em vão justifica a desnecessidade de se voltar aos atos
não praticados anteriormente, como expedição de mandado de citação e cumprimento pelo
oficial de justiça uma vez sabido de plano o resultado da demanda.
Caberá agravo de instrumento havendo a não admissibilidade da apelação pelo
magistrado em razão de estar sua sentença baseada em súmula do Superior Tribunal de Justiça
ou do Supremo Tribunal Federal devendo o agravante demonstrar inaplicabilidade ou
necessidade de revisão da súmula.
185
ENTRE ASPAS
O réu não precisa ser ouvido para sair vitorioso. Não há qualquer prejuízo
para o réu decorrente da prolação de uma decisão que lhe favoreça. Demais
disso, não há uma obrigatoriedade de aplicação do dispositivo: pode o
magistrado alterar o seu posicionamento anterior e, portanto, não repetir
a decisão em um novo processo.
Desta feita, garantido está o contraditório também em relação ao autor, pois, existente a
possibilidade de juízo de retratação, poderá o autor convencer o juiz objetivando que o mesmo
se retrate.
Clara está, portanto, a ideia de que ambas as partes exercerão seu direito ao contraditório,
ainda que a causa tenha se submetido a uma sentença antes da citação do réu.
Marinoni17, em obra própria, ainda se lamenta em razão das diversas arguições de
outros autores acerca de “dita” inconstitucionalidade. Relaciona estas teses defendidas como
puro interesse de mercado, uma vez que ao se reproduzir petições e recursos praticamente
iguais, ocasiona um melhor retorno financeiro, com menos trabalho.
José Roberto dos Santos Bedaque18 com seu brilhantismo na produção de modernas
ideias processuais, conduz ao raciocínio de que o apego à forma e à técnica dificulta o alcance
dos direitos pleiteados e devem ser analisados sem abrir mão de princípios maiores como a
economia, celeridade e aproveitamento.
Por todo o exposto se constata que o instituto do Julgamento Sumaríssimo do Processo
186
A REVISTA DA UNICORP
3 Conclusão
4 Referências__________________________________________________________
ATAÍDE JR, Vicente de Paula. A resolução antecipada do mérito em ações repetitivas. (Lei nº 11.277/
2006). Revista de Processo, São Paulo: RT, nº 141, ano 31, Nov. 2006.
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual: tentativa de
compatibilização. Material da 5ª aula da Disciplina Teoria Geral do Processo: Recentes Inovações
Legislativas, ministrada no Curso de Pós-graduação Lato Sensu Tele virtual em Direito Processual -
UNIDERP – REDE LFG.
BUENO, Cássio Scarpinela. A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil – v. 2: comentários
às Leis n. 11.276 e 11.277 de 7.2.2006 e 11.280 de 16.2.2006. 2 edição. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 75.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 19 Edição. Editora Lumen Juris, 2009.
P. 315.
DIAS, Jean Carlos. A introdução da sentença tipo no sistema processual civil brasileiro. Revista Dialética
de Direito Processual. v.37, p.38.
187
ENTRE ASPAS
DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de
conhecimento. 7ª edição. v 1. p. 411. Editora Salvador: Jus Podivm, 2007.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. As Novas Reformas do Código de Processo Civil. 2 edição. Editora
Forense. 2007. P.17.
Notas_________________________________________________________________
1 DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Teoria geral do processo e processo de
conhecimento. 7 edição. Salvador: Jus Podivm. 2007. P.411.
5 BUENO, Cássio Scarpinela. A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil – v. 2: comentários
às Leis n. 11.276 e 11.277 de 7.2.2006 e 11.280 de 16.2.2006. 2 edição. São Paulo: Saraiva, 2006. p.
75.
6 DIAS, Jean Carlos. A introdução da sentença tipo no sistema processual civil brasileiro. Revista
Dialética de Direito Processual. v. 37, p. 38.
188
A REVISTA DA UNICORP
10 ATAÍDE JR, Vicente de Paula. A resolução antecipada do mérito em ações repetitivas. (Lei 11. 277/
2006). Revista de Processo, São Paulo: RT, nº 141, ano 31, Nov. 2006.
12 MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Sentença emprestada: uma nova figura processual. Revista de
Processo. N. 135. São Paulo: RT, 2006.
13 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 19 Edição. Editora Lumen Juris,
2009. p. 315.
15 DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Teoria geral do processo e processo de
conhecimento. 7 edição. v 1. Salvador: Editora Jus Podivm. 2007. P. 420.
16 DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Teoria geral do processo e processo de
conhecimento. 7 ediçao. v. 1.Salvador. Editora Jus Podivm. 2007. P. 420.
18 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual: tentativa de
compatibilização. Material da 5ª aula da Disciplina Teoria Geral do Processo: Recentes Inovações
Legislativas, ministrada no Curso de Pós graduação Lato Sensu Televirtual em Direito Processual -
UNIDERP – REDE LFG.
189
ENTRE ASPAS
Introdução
190
A REVISTA DA UNICORP
onde não cabe mais numa organização contemporânea o entendimento de que o nível de sua
efetividade, daquilo que possui como atributo básico ou diferenciado de sua proposta de
valor, resulte unicamente do know how(TL2: Conhecimento) que individualmente seus
profissionais (servidores ou colaboradores)possuem na produção da coisa de seu negócio,
isto porque, invariavelmente, pela natural passividade advinda de suas crenças fatalistas, de
forma paradigmática,estesatores constroem grandes óbices à mudança de rumos, à expansão
dos limites que lhe reserva(???) o destino e aoThink in and out the box! (TL: Pensar dentro e
fora da caixa!) necessáriosao alcance de sua missão institucional.
Isto posto, quais sãoentão os maiores desafios que estas organizações devem enfrentar
se pretendem,de fato, cumprir bem seu papel na sociedade? Um deles, talvez o maior, seja
justamente encontrar opçõesde artefatos para agestãocorporativaque sejam harmônicos entre
si e capazes de lidar com toda a diversidade de situações oriundasdas possíveis e inúmeras
respostasque traz-nosà luz esta importante indagação.
O cerne motivacional deste artigoé justamentea metodologia de alguns consagrados
métodos etecnologiase a proposição de construção de um framework próprio ao que é
denominado de Tecnologia do Conhecimento,formando umdenso conjunto de alternativas
que possam auxiliar aos gestores na árdua tarefa de pensar e conduzir sua organização para a
Excelência Institucional. Tem-secomo suporte a este objetivo,sem ummaior
aprofundamentoonto-epistemológico,a captação e a análise dealgumas características,
potencialidades e limitações,destes supracitados artefatos, tangenciando as implicações de
sua implantação eamparando-os na redução das incertezas, no alinhamento e em suacorreta
aplicação, cuidando para nãoimplicar nacriaçãode falsas expectativas em termos de melhorias
ou avanços para organização.
Admite-se, desde já, entretanto, que não se pretende esgotar todas as possibilidades,
outrossim, sendo esta uma construção essencialmente humana, é, portanto, falível, fracionada
e, até certo ponto, de incontrolável evolução, onde os resultados serão sempre situacionais,
conjunturais, temporais, únicos e específicos para cada organização, não existindo, pois, uma
fórmula mágica que igualmente atenda a todos.
191
ENTRE ASPAS
3) “Sonho que se sonha só, é só um sonho que se sonha só, mas sonho que
se sonha junto é realidade.” (Prelúdio – Raul Seixas7). O desejo não
necessariamente significa a ambição de um único indivíduo, por vezes, e
naturalmente, ocorre o surgimento de um querer grupal, uma mobilização
coletiva cujo resultado, diferentemente à satisfação de uma carência de
saber individual, atende inicialmente ao todo sinérgico e, somente após
então, a algumas de suas expectativas individuais.
192
A REVISTA DA UNICORP
193
ENTRE ASPAS
Peter Senge (Senge, 2002) já preconizava que “O futuro das organizações – e nações –
dependerá cada vez mais de sua capacidade de aprender coletivamente”, de fato, e como se
observa nas colocações de Rocha Neto, é por meio da aprendizagem dialética que as
organizações criam as condições à implementação de paradigmas sustentáveis de sobrevivência,
sendo necessário assim, ser o primeiro de todos os paradigmas organizacionais.
Como a Aprendizagem Organizacional origina uma série de mudanças de padrões, não
somente estruturais, outrossim e principalmente, de natureza comportamental, no caminho
rumo ao desenvolvimento de um ambiente mais adequado à criação do conhecimento, as
organizações que se inclinam ao intento de aprender a aprender, segundo Cyrineu Terra15
(Terra, 1999), acabam por se diferenciar em certas características, quais sejam:
Habilidade criadora;
194
A REVISTA DA UNICORP
Entende-se que, ao resumo e após análise destas características, embora não esteja se
estabelecendo aqui nenhum método específico, oaprender a aprender, sempre vigente e
intocável como um dogma científico16, é o primeiro desafio que deve a organização
impor-se ao enfretamento,uma assertiva que aborda uma verdade absoluta e imperiosa
aos anseios de suaGestão da Excelência Institucional, não sendo possível às mesmas conceber,
quaisquer que sejam seus outros elementos de gestão, uma dissociação entre o querer, o fazer
e o obter sem contemplar primordialmente sua Aprendizagem Organizacional.
195
ENTRE ASPAS
produção. Sem este posicionamento único, segundo suas diretrizes, a estratégia tende a não
ser aplicada, pois não é muito bem compreendida e, ainda que involuntariamente, passa a ser
boicotada por aqueles que deveriam apoiá-la, logo, implica diretamente num aprendizado
organizacional, pois requer a internalização de todos envolvidos em seu contexto.
Outro cuidado importante, preconizado no método, diz respeito à materialização da
estratégia, esta deve ser realizada por intermédio da seleção de iniciativas exequíveis e que
possam ser transformadas em projetos. Os projetos são um grupo especial de processos de
trabalho construtivo e que resulta de um esforço temporário da organização em busca de
produzir um produto, serviço ou resultado exclusivo (Guia PMBoK19). Predominantemente são
os projetos os maiores responsáveis por impor a dinâmica de alcance de resultados da
organização, daquilo que fora programado como alvo em sua visão de mudança de cenário
futuro, contudo, a ausência de processos organizacionais que lhes forneça o suporte necessário,
poderá,fatalmente, implicar em insucessos.
Isto posto, duas possíveis formas de representação gráfica do quanto desenvolvido na
argumentação deste desafio organizacional,podem ser assim demonstradas:
1ª forma: Mapa Estratégico de Cata-vento - Fixando seus objetivos pelos seus atributos
de valor e pela Missão da instituição, a visão de futuro é a utopia que faz girar o cata-vento,
logo, quanto mais clara é esta visão, mais rápido este irá girar!
196
A REVISTA DA UNICORP
2ª forma
Mapa Estratégico em forma de Fluxograma
Conforme pode ser notado, o fluxo é retroalimentado e possui claras relações de causa
e efeito, vê-se também, que sua base fixa-se no uso deindicadores, metas, projetos e processos,
o que, em sua inexistência, inviabiliza completamente o alcance de sua visão.O BSC possui
algumas características importantes que devem ser ressaltadas:
197
ENTRE ASPAS
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199
ENTRE ASPAS
tem como objetivo explorar uma ideia pela análise de seus pontos
fortes, fracos e interessantes:
a. Positivo: as boas coisas, o que você gosta na ideia.
b. Negativo: as coisas ruins, o que você não gosta.
c. Interessante: o que você acha interessante e que merece
uma reflexão.
Ao invés de dizer simplesmente que gosta ou não gosta de uma ideia, use
o PNI para explorar melhor seus diversos aspectos, antes de fazer seu
julgamento.(Siqueira, 2012)
Tabela 01 - Adaptado da comparação entre P&D e Open Innovation do Instituto inovação. Fonte: Disponível em:
http://inventta.net/wp-content/uploads/2011/02/Conceitos_Open_Innovation.pdf. Acessado em: 02 de julho de 2012.
200
A REVISTA DA UNICORP
A definição para a informação vem, invariavelmente, sendo exposta por diversos autores
como uma faixa, nível ou uma fase seguinte aos dados, contudo, pode também ser considerada,
conforme preconiza em especial Sérgio Navega26, como sendoo oposto de tendência de
desordem do universo, conceito este oriundo da entropia física. Isto posto, para existir de fato,
há que se fazer em certa ordem, passível a observação de um significado, a informação deve
possuir forma indissociável a um agente interpretador,variando conforme o grau de surpresa
do receptor (Navega, 2012).A seguir ver-se-á, baseado em estudo de Davenport27 (Davenport,
2002), um quadro relacionandodados, informação e conhecimento:
201
ENTRE ASPAS
A informação pode ser vista ainda como um poder, contudo, possível apenas para quem
a detém sob condições de privilégio, algo que indique um diferencial de uns em relação a
outros, e assim, determinar-lhe um valor proporcional às suas necessidades. Como existe total
relatividade conceitual da informação ou, do poder de uma informação privilegiada, é possível,
em determinadas circunstâncias, que apenas alguns poucos segundos sejam suficientes para
transformar completamente o seu status quo, quer seja esvaindo-o ou fomentando-o.
Nas organizações e na sociedade, pelas razões supracitadas, vem sendo investido um
esforço gigantesco em função de prolongar o efeito de este poder, isto para que surja uma
condição de initerruptabilidade, o que se pode traduzir como um domínio pleno de determinada
situação. Este raciocínio vem conduzindo o mundo inteiro num paradoxo: ávido pelo poder o
homem busca canalizar as informações que o cercam de todas as formas, imaginando com isto,
estar sempre bem informado e, consequentemente, perenemente poderoso, porém, observa-se
justamente o contrário, quanto mais informações existam, menos informado se está, logo, por
indução, quanto mais poder exista, menos poderoso poderá ficar. Caracterizando-se, assim, o
que comumente se denomina de Paradoxo Informacional.
Apesar de todo volume de informações e da imensa disponibilidade que atualmente é
proporcionada pelos seus veículos, quer sejam eletrônicos ou em outro meio, não é o bastante
para entender, como vimos, que se bastaria suprir (leia-se “bombardear”) a organização destes
veículos, inclusive de computadores (como erroneamente muito se crê), para mantê-la e aos
seus membros, numa condição de pleno conhecimento dos fatos e dos fenômenos que os
cercam em todos os sentidos, o que é possível de ser assimilado não garantiria assim, valor
agregado pelo que se informa nem pelo que se produz com tal informação, porquanto (Davenport,
2002) sugere:
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ENTRE ASPAS
Figura 03 – Pirâmidade modular dos Tipos de Sistemas de Informação. Fonte: Adaptado de (Furlan,
1 99 4).
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A TI não basta apenas o papel de acelerar a leitura e a filtragem dos dados ao seu
interlocutor, outrossim, a automatização de determinadas tarefas de maneira
inteligível,(construção realizada em tempo de programação pelo desenvolvedor), de tal modo
que, com o tempo, ela deve evoluir e, ainda em caráter puramente lógico, passar a aprender e a
tomar decisões, inspirando-se inclusive na natureza, a exemplo do que vemos nos:algoritmos
genéticos, lógica difusa, inteligência artificial,sistemas especialistas e, mais recentemente, a
web semântica que utiliza o raciocínio para gerar inferências. Inaugura-se, pois, uma nova fase
de desenvolvimento de aplicações, com reais e infinitas possibilidades práticas de utilização.
Num relacionamento simples tem-se de Pacheco (Pacheco, 2012):
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ENTRE ASPAS
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ENTRE ASPAS
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E onde ela é necessária? É somente após a incorporação de seu receptor em seus modelos
mentais, que a informação passa a ter sentido.A seguir a construção gráfica do Sense Making
utilizando a metáfora de Dervin31 para sua representação:
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Outras abordagens que podem ser utilizadas como CSCL – [Do Autor].
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Engenharia de Sistemas
Computação Evolutiva
Bussiness Intelligence
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Primeiro Looping
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Segundo Looping
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Terceiro Looping
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ENTRE ASPAS
Conclusão
Procurou-se neste artigo, dispor ao seu leitor-gestor, ou mesmo àqueles que apenas se
interessampela temática, um conjunto de alternativas que se mostre útil no momento de definição
de métodos que melhor atendam a alguns dos anseios organizacionais em prol da melhoria
contínua de seus atributos de valor, na concepção e melhoria de sua inteligência competitiva (e
com isto, na manutenção de seus diferenciais competitivos) e na efetividade da função social
que desempenham.
Este intento não esgota, entretanto, visto se tratar de um universo muito rico e diverso,
o estudo de todos os possíveis métodos e de suas aplicações. Espera-se, pois, compor com
este trabalho, por meio de um melhor entendimento da relação entre a aprendizagem individual
e organizacional, do controle e da criatividade e inovação, da tecnologia, do conhecimento e da
tecnologia do conhecimento, um novo enfoque, voltado a melhorar a percepção e criação de
sentido ao “saber” organizacional, encadeando-o e explicitando-onum fluxo logístico formatado
com o fito de que possa evoluir e minimizar os desperdícios, a falta e/ou a fuga de capital
intelectual, condiçõesessenciaisaoenfrentamento dos desafios aqui elencados,com vistasà
gestão da excelência institucional.
ARGYRIS, Chris - “Teaching Smart People How to Learn.” Harvard Business Review in Knowledge
Management, Boston, 1998, 81:108.
216
A REVISTA DA UNICORP
DAVENPORT, T. “Ecologia da Informação – Por que só a tecnologia não basta para o sucesso na era
da informação” 5ª Ed. São Paulo: Futura, 2002.
DRUCKER, P. Inovação e espírito empreendedor: prática e princípios. São Paulo: Pioneira Thomson,
2002.
FURLAN, José Davi, IVO, Ivonildo da Motta e AMARAL, Francisco Piedade. “Sistema de Informação
Executiva=EIS-Executive Information System: como integrar os executivos ao sistema informacional
das empresas, fornecendo informações úteis e objetivas para suas necessidades estratégicas e operacionais.”
São Paulo: Makron Books, 1994.
LOVERDE, Lorin - “Learning Organizations and quadruple of feedback” Vol. VIII, Nº. 26 Enero-
Marzo,2005. Disponível em: <http://ingenierias.uanl.mx/26/>. Acessado em: 21/10/2014.
ROCHA NETO, Ivan - “Gestão estratégica de conhecimentos & competências: administrando incertezas
e inovações” / Ivan Rocha Neto – Brasília: ABIPTI, UCB/Universa, 2003.
SENGE, Peter Michael - “A Quinta Disciplina: Arte e Prática da Organização que Aprende.” 10ª.
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SILVA, Benedicto (Coordenador) - “Dicionário de Ciências Sociais.” Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
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STEWART, Thomas A. “Capital intelectual: a nova vantagem competitiva das empresas”. Rio de
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UNEV - Universidade de Évora / Núcleo Minerva / Centro de Competência Nónio – Portugal. Disponível
em: <http://www.minerva.uevora.pt/cscl/>. Acessado em: 21/10/2014.
217
ENTRE ASPAS
Notas__________________________________________________________________
4 Charles Robert Darwin (Y1809 - U1882) - Biólogo Inglês, escreveu em 1844 e publicou em
1859 o manuscrito: “On the Origin of Species by Means of Natural Selection” (TL: A origem das
Espécies por Meio da Seleção Natural.).
5 Benedicto Silva - (Y1905 - U2000) – Pesquisador Goiano, Bacharel em Ciências Sociais Pela
American University de Washington – USA, membro da Academia Brasileira de Ciências da
Administração e da Associação Goiana de Imprensa, Diretor da Fundação Getúlio Vargas, publicou
vários livros, dentre os quais: Era do Administrador Profissional e Administração Civil na
Mobilização Pública.
7 Raul Seixas - (Y1945 - U1989) - Famoso cantor e compositor Baiano, frequentemente considerado
um dos pioneiros do rock brasileiro. Também foi produtor musical da CBS durante sua estada no
Rio de Janeiro, e por vezes é chamado de Pai do Rock Brasileiro e Maluco Beleza.
8 Górgias de Leontini - (Y480 a.C. - U375 a.C.) – Filósofo e professor de retórica, embaixador em
Atenas, tendo ensinado na Sicília e em várias cidades gregas até estabelecer-se na Tessália, local
onde morreu com 105 anos de idade.
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A REVISTA DA UNICORP
11 Lorin J. B. Loverde - (Y1927) – Americano, Doutor pela Columbia University - NY, Professor de
Negócios Internacionais e membro da rede de consultores do Centro de Sistemas de Conhecimento
do Instituto Técnico de Monterrey no México.
12 Arie de Geus - (Y1930) – Holandês, entre 1971 e 1978 esteve no Brasil como vice-presidente da
Shell Brasil e depois como presidente. director do Centre for Organizational Learning da Sloan
School of Management do MIT, em Cambridge/Boston, e do Nijenrode Learning Centre, na
Holanda. É professor visitante da London Business School e membro fundador do Global Business
Network e da Society for Organizational Learning.
13 Peter Michael Senge - (Y1947) – Peter M. Senge é o autor renomado do livro A Quinta
Disciplina. Formou-se em Engenharia pela Stanford University e obteve mestrado em Modelos
de Sistema Sociais e o Ph.D. em Management pelo Massachusetts Institute of Technology - MIT.
Em Stanford também estudou Filosofia. Professor sênior na MIT,fundou e é diretor da Society for
Organizational Learning – SOL.
14 Ivan Rocha Neto - (YXXXX) – PhD em Eletrônica pela University of Kent at Canterbury – UK
– 1975, Mestrado em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB – 1972,
Graduado em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE – 1970,
Especialização – “Art of Business Coaching” New Field Consulting – Espanha – 2001.
Aperfeiçoamento em Aprendizagem Cooperativa e Tecnologias Educacionais – UCB 2003.
Atualmente é docente-pesquisador da Universidade Católica de Brasília e Presidente do Instituto
de Transposição do Conhecimento para o Desenvolvimento Regional.
15 Cyrineu Terra - (1965) – José Cláudio Cyrineu Terra é um especialista brasileiro em Gestão do
Conhecimento (GCO), professor da Fundação Instituto de Administração (FIA-USP) e presidente
da Terra Fórum (www.terraforum.com.br). É graduado em Economia pela (FEA-USP) e Engenharia
de Produção pela (POLI-USP), mestre em Administração pela (FEA-USP) e doutor em Engenharia
de Produção pela (POLI-USP), sendo consultor e autor de diversas obras sobre GC.
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ENTRE ASPAS
21 Jairo Siqueira (1940) – Engenheiro Goiano, com mais de 30 anos de vivência empresarial em
cargos executivos na USIMINAS, Vale, Sul América Seguros e Instituto Brasileiro da Qualidade
Nuclear, e como consultor em gestão estratégica, gestão e melhoria da qualidade e inovação de
processos empresariais. Atuando como consultor desde 1993, tem liderado importantes projetos de
desenvolvimento organizacional em setores diversos como alimentos, energia, logística, metal-mecânica,
mineração, petróleo, saúde e seguros. Desenvolvimento de metodologias e treinamentos em Criatividade
e Inovação, Planejamento Estratégico, Gestão de Mudanças, Gestão da Qualidade, Gestão e Melhoria
de Processos e Negociação. Certified Six Sigma Champion pelo Juran Institute, Certified Quality
Lead Assessor pelo STAT-A Matrix Institute. Qualificado como Auditor e Instrutor em Garantia da
Qualidade em Instalações Nucleares pelo Instituto BrasileirodaQualidade Nuclear – IBQN.
22 TRIZ - Sigla Russa, transcrita para o nosso alfabeto como Teoria Rechenia Izobretatelskih Zadatchi
e significa, literalmente, Teoria da Resolução de Problemas Inventivos. Entretanto, a tradução Teoria
da Solução Inventiva de Problemas (do inglês Theory of Inventive Problem Solving) é a mais comum.
24 Open Innovation - (TL: Inovação Aberta) é um termo promovido por Henry Chesbrough, professor
e diretor executivo no Centro de Inovação Aberta da Universidade de Berkeley e chairman do Centro
de Open Innovation - Brasil. Ao analisar o comportamento histórico das grandes firmas americanas
ao longo do séc. XX,Chesbrough percebeu que o modelo de gestão da inovação utilizado nessas
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A REVISTA DA UNICORP
empresas foi bastante fechado no que se refere ao surgimento das ideias e sua aplicação no mercado.
Duas premissas fundamentais mantiverem esse modelo: “Nós detemos os melhores talentos e
portanto nossas ideias são melhores que a dos demais!” e “Se nós inventamos ninguém melhor do
que nós para comercializar!”.
25 Peter Ferdinand Drucker - (1909 - 2005) Nasceu em Viena, Áustria, foi um escritor, escreveu
muitos artigos e mais de 30 livros, professor e consultor administrativo considerado como o pai da
administração moderna, sendo o mais reconhecido dos pensadores do fenómeno dos efeitos da
Globalização na economia em geral e em particular nas organizações - subentendendo-se a administração
moderna como a ciência que trata sobre pessoas nas organizações, como dizia ele próprio.
26 Sérgio Cruz Navega -(1956) - Diretor de Pesquisa e Formação Intelliwise, uma empresa de
consultoria em Business Intelligence e Data Mining, que também desenvolve pesquisas em Inteligência
Artificial e distribui uma linha de livretos digitais. Licenciado em Física pelo Instituto de Física da
Universidade de São Paulo - USP. Autor do livro “Pensamento Crítico e Argumentação Sólida.”
Membro participante de várias sociedades científicas e profissionais: American Association for
Artificial Intelligence - AAAI; International Neural Network Society - INNS; Cognitive Science
Society - CSS; Sociedade Brasileira para o progresso da Ciência - SBPC e; Sociedade Brasileira da
Ciência da Computação - SBC.
30 Thomas A. Stewart(1948) trabalha na Harvard Business Review (HBR) como o editor desde
2002. Antes de ingressar na HBR, foi diretor editorial da Business 2.0 e membro do conselho de
editores da FORTUNE. Um pioneiro e especialista em Capital Intelectual, ele é autor do livro
“Capital Intelectual: A Nova Riqueza das Organizações” e “A Riqueza do Conhecimento:
Capital Intelectual e a Organização do Século XXI”. É ainda um dos conselheiros do World
Economic Fórum. Stewart possui formação “summa cum laude” pela Universidade de Harvard
e BA em literatura inglesa. Possui doutorado em Ciências pelaCity University, Londres.
221
ENTRE ASPAS
Resumo: O presente trabalho busca estudar a impenhorabilidade dos salários e demais verbas
de caráter alimentar à luz dos direitos fundamentais e da proporcionalidade. As regras de
impenhorabilidade garantem a preservação da dignidade da pessoa humana do devedor e, ao
mesmo tempo, figuram como verdadeiras limitações ao direito fundamental à tutela executiva,
ao princípio da efetividade e à própria dignidade da pessoa humana do credor. Diante dessa
constatação, não se mostra possível afastar por completo a penhorabilidade de determinado
bem, ignorando-se o direito fundamental do credor, constitucionalmente protegido. É preciso
que, no caso concreto, pondere-se qual o direito fundamental cuja proteção deverá prevalecer
e em que medida será essa proteção garantida. Neste sentido, pretende-se analisar a
necessidade de interpretação da regra de impenhorabilidade dos salários e demais verbas de
caráter alimentar de acordo com os direitos fundamentais, flexibilizando ou restringindo a sua
aplicação em atenção à garantia do direito fundamental à tutela efetiva, sem, contudo, deixar
de preservar a dignidade do devedor, visando uma solução proporcional e razoável para o
caso concreto. A importância da temática aqui proposta emerge da necessidade de garantia da
efetividade do direito do credor, fundamental à credibilidade da própria Justiça aos olhos dos
jurisdicionados.
1. Introdução.
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A REVISTA DA UNICORP
ambos ser ponderados, com base no princípio da proporcionalidade, à luz do caso concreto.
O elevado índice de inefetividade das execuções gera o descrédito do Poder Judiciário
e do próprio Direito como um todo. Consubstanciada na máxima popular do “ganhou mais
não levou”, espalha-se na sociedade uma verdadeira crença de ineficiência do Direito. Como
bem apontou LUIZ RODRIGUES WAMBIER, “a crise do processo é um retrato da crise de credibilidade
do sistema, pois decorre, dentre outras causas, da distância entre a eficácia que produz e
aquele que seria o grau de eficácia socialmente desejado” (2003, p. 134).
O reconhecimento da necessidade de garantia do princípio da efetividade impulsionou
diversas reformas no Código de Processo Civil, que tiveram a anunciada intenção de dar
celeridade à prestação da tutela jurisdicional, vale dizer, “tiveram o propósito declarado de
agilizar e desburocratizar o processo ante o quadro de notória morosidade da justiça”
(LOPES, 2008, p. 14). Buscou-se, em uma palavra, a efetividade1 de tal tutela, cujo retardo na
prestação além do razoável equivale à denegação de justiça e à violação do direito fundamental
previsto no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição (THEODORO JR., 2007, p. 13-14).
Dentre as reformas, destaca-se a implementada pela Lei nº 11.382/2006, que realizou
alterações no rol de bens impenhoráveis. A lei eliminou alguns bens do rol e acresceu outros,
tendo sido modificada a redação do inciso IV do art. 649, passando a ser impenhoráveis: “os
vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões,
pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao
sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de
profissional liberal, observado o disposto no §3º desse artigo”.
O regime de impenhorabilidade figura como verdadeira técnica de aplicação do princípio
da dignidade da pessoa humana do devedor, de forma que seu objetivo seria proteger os bens
essenciais, afastando a possibilidade de sua penhora, ou seja, limitando a atividade executiva
para a garantia da dignidade do executado. Todavia, não se pode permitir que o princípio da
dignidade da pessoa humana sirva de proteção à conduta fraudulenta do devedor que se
utiliza do processo para protelar indevidamente ou esquivar-se do pagamento de sua dívida,
restando em situação de vantagem àquele que ostenta justo título.
O reconhecimento da existência de um direito fundamental à tutela efetiva é
indispensável à busca de soluções para os problemas decorrentes da aplicação das regras de
proteção ao devedor, como as do regime de impenhorabilidades, que podem ou não incidir em
determinados casos concretos, em que se evidencie a desproporção/desnecessidade/
inadequação entre a restrição a um direito fundamental e a proteção de outro.
Os princípios e direitos fundamentais em jogo possuem matriz constitucional,
sobrepondo-se a previsão constante em dispositivo infralegal. Vale dizer, ainda que o CPC
estabeleça aparente impenhorabilidade absoluta, é preciso entender que as restrições à penhora
só podem ser aplicadas enquanto atentem para ambos os princípios da máxima efetividade e
da menor restrição possível.
Não se pode analisar as regras do regime de impenhorabilidades, enquanto
manifestações do princípio da dignidade da pessoa humana do devedor, sem ponderá-las à
luz do caso concreto quando em choque com o princípio da efetividade e o direito fundamental
à tutela executiva – que, frise-se, é também manifestação do princípio da dignidade da pessoa
humana, mas do credor.
Assim, o presente trabalho tem como objetivo discutir a necessidade de imposição de
limites à proteção garantida pelo regime de impenhorabilidades, como cediço, consubstanciada
no princípio da dignidade da pessoa humana do devedor, em face da necessária proteção do
223
ENTRE ASPAS
direito fundamental do credor à tutela efetiva. Nessa linha, evidenciando estar-se diante de
verdadeiro conflito de direitos fundamentais, constitucionalmente protegidos, objetiva-se
defender a aplicação da proporcionalidade à luz do caso concreto, oferecendo-se, inclusive,
parâmetros para a penhora judicial de bens que, a priori, em um interpretação literal da lei,
seriam impenhoráveis.
Ressalte-se que a questão é de extrema relevância, uma vez que o Projeto do Novo
Código de Processo Civil (PL n. 6.025/05 e PL n. 8.046/10), com a redação aprovada pela
Câmara de Deputados em 26 de março de 2014, traz, em seu art. 849, inciso IV2, dispositivo com
redação semelhante ao art. 649, inciso IV, do atual CPC.
De acordo com o art. 649, IV, do CPC, são absolutamente impenhoráveis os vencimentos,
subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e
montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do
devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional
liberal.
O dispositivo cuida da impenhorabilidade da renda da pessoa natural (ASSIS, 2009, p.
252), ele objetiva proteger da expropriação as verbas de natureza alimentar do executado
(DIDIER et alli, 2009, p. 553).
Como cediço, as regras que cuidam das hipóteses de impenhorabilidade visam
estabelecer restrição à responsabilidade patrimonial do executado, preservando para ele um
patrimônio mínimo, aquele indispensável à sua existência digna e à de sua família (CAMBI,
2001, 272). Buscou o legislador proteger os bens considerados estritamente necessários à
sobrevivência do executado e de sua família (TEIXEIRA, 2005, p. 124), excluindo-os da
responsabilidade patrimonial.
De fato, o desenvolvimento histórico da execução forçada se deu no sentido de proteger
a pessoa do executado e sua dignidade. Passou da responsabilidade pessoal, segundo a qual
o devedor respondia pela dívida inadimplida com seu corpo, para a responsabilidade real,
onde ele responde apenas com seu patrimônio.
A impenhorabilidade teve origem no instituto do beneficium competentiae, e a
preservação da dignidade do executado e de sua família foi, e continua a ser, o principal
motivo a dar sustentação a essa exceção à responsabilidade patrimonial (NASCIMENTO;
KÖHLER, 2007, p. 456).
A ratio das limitações previstas na lei processual é, em tese, o resguardo de um mínimo
no patrimônio do executado que mantenha a sua dignidade, evitando que a tutela jurisdicional
executiva satisfaça o exeqüente às custas da redução do devedor à condição de miserável
(ABELHA, 2008, p. 91).
A impenhorabilidade cuida, precisamente, da proteção do chamado núcleo essencial,
com conteúdo de dignidade da pessoa humana, do direito fundamental à propriedade do
devedor. Vale dizer, deve restringir-se à proteção daquele núcleo intangível, do estritamente
necessário à sobrevivência digna do executado. Como indica PONTES DE MIRANDA, o rol de
impenhorabilidades “contém espécies evidentes de benefício jurídico do estritamente
necessário” (2002, p. 133).
224
A REVISTA DA UNICORP
225
ENTRE ASPAS
eles as verbas de caráter alimentar. Entretanto, é preciso pontuar que, em que pese o referido
dispositivo falar em impenhorabilidade absoluta, trata-se, a regra aqui analisada, a todas as
luzes, de impenhorabilidade relativa (ASSIS, 2009; DIDIER JR. et al., 2009). Isto por duas
razões.
Em primeiro lugar, cumpre observar que, para uma regra de impenhorabilidade ser
absoluta, é preciso que possua caráter geral e irrestrito. É dizer, para ser absoluta a regra não
pode comportar exceção.
A impenhorabilidade absoluta caracteriza-se pelo seu caráter geral e irrestrito, a regra
que a estabelece, definindo o bem tutelado, rejeita exceções e temperamentos, de modo que,
ao admitir-se a penhora da renda da pessoa natural no caso da execução da prestação de
alimentos e, de um modo geral, a de todos os bens protegidos no dispositivo em caso de
execução do crédito concedido para a respectiva aquisição, grande parte dos bens tutelados
passou à classe dos relativamente impenhoráveis (ASSIS, 2007, p. 410-411).
Com efeito, o §2º do próprio art. 649 estabelece, de forma expressa, que “o disposto no
inciso IV do caput deste artigo não se aplica no caso de penhora para pagamento de prestação
alimentícia”, tanto aquela decorrente de vínculo familiar quanto a de ato ilícito5. Isto porque,
sendo o fundamento da impenhorabilidade a natureza alimentar da remuneração, em face de
crédito de igual natureza não há como a restrição prevalecer (DIDIER JR. et al., 2009, p. 554).
Ora, diante da restrição expressa constante na própria lei (ou melhor, no próprio artigo)
que estabelece a regra, não se pode qualificar a regra de impenhorabilidade das verbas de
caráter alimentar de absoluta.
Em segundo lugar, ainda por outra razão é manifesto o caráter relativo da regra de
impenhorabilidade em tela. A circunstância de poder o executado dispor livremente6 do seu
salário (e demais remunerações) evidencia a relatividade da regra insculpida no inciso IV do
art. 649 do CPC.
De fato, não existem dúvidas de que o devedor é livre para dar ao seu salário, provento,
soldo, etc., a destinação que lhe aprouver. Está-se no campo dos bens patrimoniais que são,
em princípio, disponíveis (DINAMARCO, 2004, p. 341).
O direito não limita a disposição das verbas de caráter alimentar. Se desejasse, por
exemplo, o devedor poderia utilizar sua renda para adimplir a dívida contraída voluntariamente.
Poderia, também, renunciar à proteção conferida pela norma, e, intimado a indicar bens à
penhora, oferecer determinada quantia para garantir o juízo, sendo a referida penhora válida.
Assim, também por esta razão, considerando a possibilidade de livre disposição das
verbas de caráter alimentar e, inclusive, da renúncia à proteção conferida pela lei, não se pode
classificar como absoluta a impenhorabilidade prevista no inciso IV do art. 649 do CPC, mas,
sim, relativa.
226
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ENTRE ASPAS
podendo (devendo) ser objeto de penhora, uma vez que, de acordo com o seu fundamento,
não se encontra protegido pela regra de impenhorabilidade insculpida no art. 649, IV, do CPC.
De fato, há de se reconhecer o dever do juiz de avaliar o dinheiro disponível no
patrimônio do obrigado restringindo a impenhorabilidade àquela quantia necessária para sua
subsistência e da família até o próximo recebimento (ASSIS, 2009, p. 254).
De mais a mais, cabe observar que, por diversas razões, não se mostra razoável
posicionamento em sentido contrário, afirmando que pode ser a impenhorabilidade arguida
em qualquer fase ou momento, devendo inclusive ser apreciada de ofício7 e que eventual
omissão não significa renúncia a qualquer direito.
Primeiro, como já visto, não existem dúvidas de que o executado pode dispor da sua
remuneração como bem entenda. Se desejasse, por exemplo, poderia utilizar o montante que
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A REVISTA DA UNICORP
percebeu a título de salário em determinado mês para adimplir sua dívida voluntariamente.
Segundo, se pode o devedor dispor do direito, pode renunciá-lo. Por exemplo, poderia
o executado, intimado a indicar bens à penhora, oferecer determinada quantia (auferida como
contraprestação pelo se labor) para pagamento (ou mesmo para penhora, caso ainda houvesse
discussão em torno da dívida). Assim, deve-se aceitar a ocorrência de renúncia pelo decurso
do tempo, vale dizer, pela omissão ante o ônus de alegar a impenhorabilidade.
Terceiro, a lei (art. 655-A, §2º, do CPC) determina expressamente ser ônus do executado
alegar a impenhorabilidade da quantia constrita. O ônus, diferente da obrigação – que se
impõe em prol de interesses alheios, inexistindo margem de liberdade quanto ao seu
cumprimento –, gera condutas alternativas para o agente. Pode ele desincumbir-se do ônus
imposto, exercendo a situação jurídica que titulariza, ou manter-se inerte em relação a ele,
sofrendo, nesse caso, as conseqüências prejudiciais do seu não fazer. Na precisa lição de
PONTES DE MIRANDA:
O Projeto de Lei n. 4.497/20048, que deu origem à Lei n. 11.382/2006, possuía dois
dispositivos que foram objeto de veto presidencial e um deles referia-se diretamente à regra
de impenhorabilidade sob análise. Trata-se do §3º do art. 649, que estabelecia a penhora de
parcela dos salários e demais verbas de caráter alimentar:
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A REVISTA DA UNICORP
SÉRGIO CRUZ ARENHART, por sua vez, ressaltando a “estranheza paradoxal” das razões
do veto, que indica ser razoável a previsão, mas entende que deve ser mantida a “tradição”
jurídica brasileira, também defende a sua inconstitucionalidade, atacando, diretamente, os
seus fundamentos (2007).
De fato, parece que o veto presidencial ao §3º do art. 649 do CPC do PL n. 4.497, que,
inclusive, foi da iniciativa do próprio Executivo, padece de vício de inconstitucionalidade à
luz do §1º do art. 66 da Constituição, que é claro ao delimitar como fundamento para o possível
veto presidencial ser o projeto de lei inconstitucional ou contrário ao interesse público, bem
assim do seu §2º, que define de forma expressa a impossibilidade do veto incidir sobre parte
do texto de alínea, parágrafo, inciso ou artigo. Contudo, independentemente da efetiva
declaração da sua inconstitucionalidade, o que até o presente momento não ocorreu, é preciso
reconhecer a necessidade de utilização da proporcionalidade no caso concreto para guiar a
aplicação da regra de impenhorabilidade do salário e verbas afins, atendendo ao direito
fundamental à tutela executiva, mas respeitando a dignidade da pessoa humana do devedor.
O que aqui se busca discutir e evidenciar é a necessidade de se proceder a verdadeira
interpretação à luz da Constituição – de acordo com os direitos fundamentais, portanto – do
dispositivo que cuida da regra de impenhorabilidade das verbas de caráter alimentar. Vale
dizer, com o reconhecimento do direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional
executiva, independentemente de não haver permissivo expresso na legislação
infraconstitucional, em atenção à norma fundamental com sede na Constituição, é necessário,
no caso concreto, restringir a incidência da regra de impenhorabilidade aos limites do necessário
à subsistência digna do devedor.
A execução se move em favor do credor (art. 612 do CPC), que é titular de um direito
fundamental à tutela executiva. Esse direito, por sua vez, é manifestação do direito fundamental
à efetividade da tutela jurisdicional, do qual também é titular a sociedade como um todo, uma
vez que a inefetividade da prestação jurisdicional afeta a segurança jurídica e afronta a
credibilidade do sistema.
Em conflito com esse direito fundamental, no processo de execução, encontramos o
direito fundamental do executado, que, em que pese se encontrar na posição de devedor,
respondendo, portanto, à execução com todo o seu patrimônio, deve ter o núcleo essencial do
seu direito com conteúdo de dignidade preservado.
A proporcionalidade figura como instrumento apto e necessário para a resolução da
colisão entre esses direitos fundamentais (do credor e do devedor). Caberá ao órgão julgador,
diante do caso concreto, analisando as suas circunstâncias, aplicar a proporcionalidade para
decidir da melhor forma possível.
As regras de impenhorabilidade figuram como restrições à responsabilidade patrimonial
do executado e do direito fundamental do credor. Não podem, portanto, ser aplicadas no caso
concreto sem atenção à preservação do estritamente necessário à subsistência digna do
devedor e à máxima garantia do direito fundamental à tutela executiva.
A incidência excessiva – logo, abusiva – da regra de impenhorabilidade, afronta a
dignidade da pessoa humana do credor, conteúdo do núcleo essencial do seu direito
fundamental, não podendo ser tolerado pelo aplicador do direito em respeito à própria Carta
Maior.
No que se refere especificamente à regra do inciso IV do art. 649 verifica-se que a sua
interpretação literal se mostra manifestamente inconstitucional. De fato, a interpretação literal
da lei inviabiliza a proteção adequada da garantia fundamental do acesso à justiça (ARENHART,
231
ENTRE ASPAS
2007, p. 586) – do qual se extrai o próprio direito fundamental à tutela executiva. Não é
possível, contudo, sobrepor a lei processual aos ditames e princípios constitucionais de
efetividade da tutela jurisdicional (ABELHA, 2008, p. 92).
Com efeito, é preciso resguardar o direito do credor do abuso da exclusão. Não havendo
outros bens penhoráveis, o impedimento absoluto – que não pode ser aceito – da penhora de
salários e demais verbas similares de elevado valor inviabiliza, por completo, a tutela do
credor, em manifesta ofensa ao direito fundamental à tutela executiva, bem como ao direito
fundamental do acesso à justiça e ao direito fundamental ao devido processo legal; afronta o
expressamente disposto no art. 5º, incisos XXXV, LIV e LXXVIII da Constituição.
Se, por um lado, as verbas salariais merecem proteção especial, para que se possa
garantir o núcleo de dignidade da pessoa humana do direito fundamental do devedor, por
outro lado, também o direito fundamental do credor merece adequada proteção (ARENHART,
2007).
Vedar a penhora de toda a verba remuneratória ainda que a de uma parcela não
comprometa a manutenção do executado implica em preservação exclusiva do seu direito
fundamental em detrimento do direito igualmente fundamental do exequente, conferindo-se
interpretação inconstitucional à norma (DIDIER et al. 2009, p. 554). O órgão jurisdicional tem
o dever de afastar a incidência de regra que, aplicada ao caso concreto, ofenda de maneira
desproporcional o direito fundamental à efetividade, como pode acontecer a partir da
interpretação literal do inciso IV do art. 649 do CPC (DIDIER et al. 2009, p. 558).
Assim, partindo-se da premissa de que deixou o legislador de realizar, em abstrato, a
necessária ponderação entre os direitos fundamentais em conflito na execução, cabe ao órgão
julgador a realização de verdadeira ponderação in concreto. É dizer, tendo o legislador
consignado a impenhorabilidade dessas verbas sem estabelecer limites monetários para essa
proteção, cabe ao judiciário, em atenção aos direitos fundamentais e à Constituição, determinar
a penhora de salários e demais verbas de caráter alimentar de elevado valor.
Negar a possibilidade da utilização de medida judicial apta a promover a realização de
um direito fundamental exclusivamente pela mera falta de expressa previsão legal, é “negar
justiciabilidade a esse direito fundamental, o que é o mesmo que negar a própria Supremacia
da Constituição” (GUERRA, 2003, p. 151). Concretizando-se os direitos fundamentais
independentemente de lei, o direito fundamental à tutela executiva confere ao juiz verdadeiro
“poder-dever de adotar os meios executivos mais adequados à pronta e integral proteção do
credor, ainda que não previstos expressamente em norma legal” (GUERRA, 2003, p. 151).
É necessário mitigar as regras de impenhorabilidade para adequar as previsões legais
ao objetivo de proteger o mínimo essencial, não sendo legítimo “livrar da execução um bem
qualificado como impenhorável mas economicamente tão valioso que deixar de utilizá-lo in
executivis seria um inconstitucional privilégio concedido ao devedor” (DINAMARCO, 2004,
p. 342-343).
Nessa linha, mostra-se interessante o trecho do veto presidencial que consignou que
“é difícil defender que um rendimento líquido de vinte vezes o salário mínimo vigente no País
seja considerado como integralmente de natureza alimentar”. Ora, como se pode observar, até
mesmo o Chefe do Executivo, em suas razões do veto, chamou atenção para a ausência de
caráter alimentar das remunerações de elevado valor e sendo a natureza alimentar o fundamento
da impenhorabilidade, a perda dessa natureza gera, necessariamente, a perda da proteção.
A impenhorabilidade total dos salários promove, inclusive, desigualdade social
(NASCIMENTO; KÖHLER, 2007, p. 456). Isto porque fere a igualdade, uma vez que trata
232
A REVISTA DA UNICORP
233
ENTRE ASPAS
A regra da impenhorabilidade prevista no art. 649, IV, do CPC deve ser interpretada com o
balanceamento dos princípios informativos da tutela jurisdicional executiva, na busca da
igualdade material (VARGAS, 2007, p. 481).
De mais a mais, mesmo que se parta da premissa de que o legislador realizou suposta
ponderação de interesses em abstrato, entendendo pela impenhorabilidade total dos salários e
demais verbas de caráter alimentar, é preciso compreender a necessidade de aplicação da
proporcionalidade no caso concreto para afastar, diante das circunstâncias fáticas, a regra da
impenhorabilidade quando a norma infraconstitucional afrontar diretamente a Carta Maior (por
ferir direitos fundamentais nela reconhecidos). Nesses casos, impõe-se ao julgador a realização
de verdadeira interpretação à luz da Constituição para delimitar o alcance da regra de
impenhorabilidade a valores estritamente necessários à subsistência do executado, autorizando-
se a penhora do restante.
Nesse caso, aplicam-se os ensinamentos de DANIEL SARMENTO, para quem, considerando
que a priori a escolha dos valores e interesses prevalecentes em cada caso em uma democracia
deve ser da responsabilidade de autoridades legitimadas pelo voto popular, em princípio, o
Judiciário tem de acatar as ponderações de interesses realizadas pelo legislador, contudo,
deverá as desconsiderar ou invalidar, quando elas se revelarem manifestamente
desproporcionais ou “quando contrariarem a pauta axiológica subjacente ao texto
constitucional” (SARMENTO, 2003, p. 114). É o caso da regra de impenhorabilidade em tela.
Nesse passo, verifica-se que, aplicada a proporcionalidade para a solução do conflito
entre direitos fundamentais, realizando o juízo de adequação, necessidade e ponderação, e
concluindo-se pela prevalência do direito fundamental à tutela executiva do credor sobre o
direito fundamental à propriedade do executado, bem como delimitando-se a preservação do
núcleo essencial com conteúdo de dignidade da pessoa humana, impõe-se o afastamento da
regra do inciso IV do art. 649 do CPC no caso concreto.
Registre-se que não há necessidade de se afirmar a inconstitucionalidade incider tantum
do referido dispositivo. Aplicando-se os ensinamentos de E ROS ROBERTO GRAU (apud
SARMENTO, 2003, p. 106-107), verifica-se que não se manifesta antinomia jurídica entre direitos
fundamentais e regras infraconstitucionais, pois essas operam em concreção daqueles. Como
conseqüência, quando em colisão dois direitos fundamentais, ponderando-se mais em favor
de um, as regras que dão concreção ao que foi parcialmente desprezado (pois há de se preservar
o seu núcleo essencial) são afastadas, vale dizer, não se dá a sua aplicação a determinada
hipótese, ainda que permaneçam integradas, validamente, no ordenamento jurídico.
O que ora se defende, por um lado, não afronta a dignidade do executado, que deve ter,
sempre, no caso concreto, garantidas as condições necessárias à sua subsistência e dos seus
dependentes, mas, por outro lado, tutela a dignidade do credor e garante a efetividade da tutela
executiva, figurando como importante mecanismo na busca da solução para a chamada “crise
da execução”.
Assim, é por um imperativo constitucional que se faz necessária a atuação do Judiciário,
no caso concreto, determinando sérios limites à impenhorabilidade de salários e rendas similares
de elevado valor e garantindo a satisfação do crédito exequendo.
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A REVISTA DA UNICORP
235
ENTRE ASPAS
inferior a €12.920,00 (doze mil novecentos e vinte euros); 1/3 (um terço) da parcela superior a
€12.920,00 (doze mil novecentos e vinte euros) e igual ou inferior a €16.120,00 (dezesseis mil
cento e vinte euros); 2/3 (dois terços) da parcela superior a €16.120,00 (dezesseis mil cento e
vinte euros) e igual ou inferior a €19.370 (dezenove mil trezentos e setenta euros); e da totalidade
do montante percebido em valor superior a €19.370 (dezenove mil trezentos e setenta euros). É
garantida a impenhorabilidade do salário mínimo mensal (ARENHART, 2007, p 580).
Na Espanha, a Ley de Enjuiciamiento Civil permite a penhora das verbas remuneratórias
também de acordo com faixas de valores, garantindo a impenhorabilidade do valor
correspondente ao salário mínimo profissional (DIDIER JR. et al., 2009, p. 555). A partir desse
mínimo, determina-se uma progressão de percentagens dos vencimentos, de 30% a 90%,
determinando-se a penhora de acordo com o valor do salário do executado (NEVES, 2007, p.
490). Dessa forma, permite-se a penhora de 30% do valor que supere um salário mínimo
(correspondente, em 2007, a €570,00), 50% do valor que supere dois salários mínimos, 60% do
valor que supere três salários mínimos, 75% do valor que supere quatro salários mínimos e 90%
do valor que supere cinco salários mínimos (correspondente, em 2007, a €2.850,00)
(NASCIMENTO; KÖHLER, 2007, p. 451).
Ainda, na Bélgica, a lei estabelece um limite mínimo (€827,96 – oitocentos e vinte e sete
euros e noventa e seis cêntimos) e um limite máximo (€1.070,90 – mil e setenta euros e noventa
cêntimos), e duas faixas intermediárias (€887,46 – oitocentos e oitenta e sete euros e quarenta
e seis cêntimos – e €979,18 – novecentos e setenta e nove euros e dezoito cêntimos) para a
impenhorabilidade dos salários. Se o salário do executado for inferior ao limite mínimo, encontra-
se integralmente protegido pela impenhorabilidade. Por outro lado, se for superior ao limite
máximo, toda a quantia que ultrapassar esse limite pode ser objeto de penhora. No que se refere
às faixas intermediárias, pode ser penhorado 20% do montante compreendido entre €827,96 e
€887,46, 30% do montante compreendido €887,46 e €979,18, e 40% entre €979,18 e €1.070,90
(NASCIMENTO; KÖHLER, 2007, p. 451).
No Chile, os salários são considerados impenhoráveis apenas até o limite de cinquenta
e seis unidades de fomento13 (art. 57 do Código de Trabalho Chileno), autorizando-se a penhora
de metade do salário para o pagamento de pensões alimentícias ou para indenização de atos
ilícitos (ARENHART, 2007, p. 581).
De acordo com o direito argentino, é possível a penhora de até 20% do salário que
exceder o valor estritamente necessário para a subsistência do executado, devendo o juiz levar
em consideração as circunstâncias do caso para fundamentar sua decisão (NEVES, 2007, p.
490).
Também nos Estados Unidos a impenhorabilidade dos salários é parcial (GRECO, 1994,
p. 43). Segundo DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES, existe verdadeira discricionariedade judicial
no arbitramento da porcentagem do salário que pode ser objeto de penhora, devendo o juiz
analisar no caso concreto as necessidades mínimas do executado e de sua família. Há, contudo,
lei federal que limita a penhorabilidade, garantido ao executado a preservação de 75% ou 30
(trinta) vezes o valor do salário mínimo vigente, o que for maior (NEVES, 2007, p. 491).
É preciso extrair-se a real noção desses parâmetros aplicados no ordenamento jurídico
brasileiro do trabalho de BRUNO DANTAS NASCIMENTO e MARCOS ANTÔNIO KÖHLER (2007). Os
autores explicam que, para converter numericamente esses parâmetros para o real, não é possível
analisar apenas os números, bem como não condiz com a realidade a simples conversão pelas
taxas de câmbio.
De fato, para ser possível uma análise comparativa coerente entre os limites de proteção
236
A REVISTA DA UNICORP
das verbas de caráter alimentar nos diversos ordenamentos jurídicos, é preciso considerar o
poder de compra do salário protegido da penhora em cada sociedade. Para isso, os economistas
utilizam uma metodologia de conversão de moedas chamada PPP (Purchase Power Parity:
paridade de poder de compra), de acordo com a qual valores são convertidos de uma moeda
para outra utilizando a taxa de câmbio ponderada pelo poder de compra dessa mesma moeda em
cada país de referência.
Com base nesse método de conversão, os mencionados autores converteram os valores
máximos protegidos da penhora – a partir dos quais o valor excedente é totalmente penhorável
– pela legislação alemã, belga, espanhola e portuguesa para a moeda brasileira, alcançando os
seguintes valores, respectivamente: R$976,50 (novecentos e setenta e seis reais e cinqüenta
centavos); R$1.124,45 (um mil cento e vinte e quatro reais e quarenta e cinco centavos);
R$3.306,00 (três mil trezentos e seis reais); e R$1.648,32 (um mil seiscentos e quarenta e oito
reais e trinta e dois centavos).
Como se pode observar da análise do direito comparado, a legislação brasileira encontra-
se por demais atrasada no que se refere à (im)penhorabilidade das verbas de caráter alimentar.
Enquanto, no Brasil, foi objeto de veto proposta para que apenas 40% do valor excedente a 20
(vinte) salários mínimos líquidos – o que à época correspondia a cerca de R$7.000,00 (sete mil
reais) –, nesses quatro países estudados pelos autores é permitida a penhora da totalidade dos
valores excedentes a R$976,50 (Alemanha), R$1.124,45 (Bélgica), R$3.306,00 (Espanha) e
R$1.648,32 (Portugal).
Esclareça-se que não se pode argumentar que se tratam de países desenvolvidos e que,
sendo o Brasil um país em desenvolvimento, não pode acompanhar os parâmetros por eles
fornecidos. Ao revés, os autores do mencionado trabalho científico demonstram que quanto
maior a concentração de renda, ou seja, quanto maior for a desigualdade na distribuição de
renda no país, maior é a necessidade de que seja instituída excessão à regra de impenhorabilidade
do salário e em um valor numericamente mais baixo. Assim, como a concentração de renda no
Brasil, obviamente, é muito maior do que nos quatro países mencionados, maior razão assiste
à necessidade de se possibilitar a penhora de salários no Brasil.
Na busca de parâmetros no ordenamento brasileiro para a penhora de salários e rendas
afins de elevado valor, verifica-se que a Lei n. 10.820, de 17 de dezembro de 2003, que autoriza
a realização de mútuo com consignação em folha de pagamento, traz uma boa medida para a
flexibilização da regra de impenhorabilidade em voga. A referida norma autoriza, expressamente,
o desconto de até 30% (trinta por cento) em folha de pagamento dos salários, verbas rescisórias,
proventos e demais benefícios recebidos pelo mutuário.
Como se vê, em que pese o Diploma Processual Civil estabelecer ser impenhorável (leia-
se inexpropriável) o salário, os proventos, os subsídios, os rendimentos, etc., a mencionada lei
possibilita de forma expressa, a constrição de 30% do valor líquido percebido pelo devedor a
título de qualquer dessas verbas.
Sendo assim, a própria lei, portanto, reconhece que a subtração de parcela no percentual
de 30% (trinta por cento) do salário, remuneração, provento, etc. não afronta a dignidade do
executado, afinal, se, de fato, resultasse em qualquer violação à referida dignidade, a constrição
em tela jamais poderia ter sido autorizada pelo legislador. Dessa forma, nada impede que, à luz
do caso concreto, e em atenção à própria legislação em vigor, o juiz determine a penhora de 30%
(trinta por cento) das rendas do executado para a satisfação do crédito exequendo.
Seguindo essa linha de intelecção, com base nesse permissivo legal, observa-se que a
jurisprudência começa a, de fato, se manifestar pelo reconhecimento da necessidade de penhora
237
ENTRE ASPAS
dos salários de elevado valor. E mais, assim procede em atenção ao direito fundamental do
credor e de acordo com a proporcionalidade, como se extrai de precedentes do TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL (AI 20050020096058, Rel. Vera Andrighi, Quarta Turma, j. 15/12/
2005, DJ 21/02/2006; AI 20060020106188, Rel. J.J. Costa Carvalho, Segunda Turma, j. 22/11/
2006, DJ 01/02/2007; AI 20070020094255, Rel. J.J. Costa Carvalho, Segunda Turma, j. 21/11/
2007, DJ 13/12/2007; AI 20080020026430, Rel. Des. Luciano Vasconcellos, Quinta Turma Cível,
j. 21/05/2008, DJ 24/11/2008; AI 20080020013440, Rel. Sandoval Oliveira, Segunda Turma Cível,
j. 14/05/2008, DJ 16/07/2008), do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS (AI 1.0024.98.114415-7/
001, Rel. Des. Selma Marques, j. 12.11.2007, DJ, 15.12.2007; AI 1.0016.98.006446-9/001, Rel. Des.
José Antônio Braga, Nona Câmara Cível, j. 11/03/2008, DJ 12/04/2008) e do TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DE RONDÔNIA (AI 100.001.2004.017856-0, Rel. Des. Rosevelt Queiroz Costa, j. 10.10.2007 – RT
870/76).
A jurisprudência, ainda que necessitando fazer uso de um permissivo legal
(infraconstitucional), começa a trilhar o caminho do posicionamento aqui desenvolvido. De
fato, reconhecem os tribunais que é preciso, de acordo com a análise do caso concreto, fornecer
a máxima proteção ao direito fundamental do credor à efetividade da tutela jurisdicional executiva,
restringindo-se no estrito limite da necessidade de proteção da subsistência digna do executado.
Entretanto, cumpre ressalvar que, como se conclui da análise dos sistemas de penhora
fixados nos ordenamentos jurídicos estrangeiros, se mostra mais “justo” o estabelecimento de
faixas para a penhorabilidade, e não um percentual fixo a incidir sobre remunerações de todo e
qualquer valor. Com efeito, garante uma execução mais equilibrada, equacionando de forma
mais realista os direitos fundamentais do credor e do devedor em conflito, a definição de
diferentes percentuais, incidindo sobre faixas de valores crescentes, para a penhora das rendas
da pessoa física.
De toda sorte, o que se mostra essencial é a compreensão de que a penhora de parcela
dos salários e demais verbas de caráter alimentar de elevado valor é um imperativo constitucional,
do qual não se pode afastar o Poder Judiciário na aplicação do direito no caso concreto para a
resolução da lide.
8. Conclusão.
238
A REVISTA DA UNICORP
Notas_________________________________________________________________
2 Projeto de lei n. 6.025/05. Art. 849. [...] IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários,
as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as
quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os
ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o §2º.
3 Não se pode permitir que, para a satisfação do credor, seja o devedor reduzido à miserabilidade,
tendo o Estado – logo, toda a sociedade – de arcar com o seu sustento.
5 Apesar de erroneamente – uma vez que “ser impenhorável significa na realidade ser inexpropriável
(DINAMARCO, 2004, p. 339) – afirmar não se tratar o caso de penhora, também o STJ já afirmou a
possibilidade de descontos no salário do executado para o pagamento de alimentos decorrentes de ato
ilícito: “Responsabilidade civil. Lesões corporais seguida de morte. Indenização por ato ilícito. [...] II -
Não constitui penhora de salários o desconto em folha de pagamento da empregadora do réu, referente
à indenização por morte do esposo e pai dos autores, a quem cabia o sustento de sua família, em razão
do nítido caráter alimentar da prestação. III - Recurso especial não conhecido” (REsp 194.581/MG,
Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, Terceira Turma, j. 19/05/2005, DJ 13/06/2005 p. 287). No Projeto
do Novo CPC, o inciso IV do art. 849 faz remissão ao §2o, que indica que regra de impenhorabilidade
não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de
sua origem.
6 Nessa linha, apenas a impenhorabilidade dos bens inalienáveis pode ser tratada como absoluta, uma
vez que deles o executado, de fato, não pode livremente dispor, pois, como indica Celso Neves, “a
expropriação judicial está para a alienação como a espécie está para o gênero e por isso mesmo que o que
é inalienável é naturalmente impenhorável” (1999, p. 15)
7 Cabe pontuar: “a preclusão não só extingue o poder de a parte requerer, por exemplo, uma nulidade
239
ENTRE ASPAS
processual, como também impede que tal questão venha a ser reapreciada pelo órgão julgador, ainda que o
ordenamento jurídico autorize o seu conhecimento de ofício” (ROMEU, 2008, p. 37).
8 Número sob o qual tramitou na Câmara dos Deputados. No Senado tratou-se do PL n. 51.
9 Interessante a constatação de Bruno Dantas Nascimento e Marcos Antônio Köhler acerca das
diversas conseqüências sociais e econômicas positivas decorrentes da possibilidade da penhora de
parcela dos salários. Do pondo de vista microeconômico, haveria dois efeitos importantes. O primeiro
seria a simplificação da execução forçada, uma vez que, sendo a maioria da população formada por
assalariados, nasceria naturalmente um grande estoque de garantias. Tanto o credor como o estado
economizariam tempo e dinheiro costumeiramente despendido no foro para tentar localizar bens do
devedor. O segundo, seria a satisfação mais rápida e por meios mais baratos do crédito do exeqüente.
Economicamente, isso geraria ampliação e reforço das garantias nas operações de crédito. Como a
diferença entre a taxa de juros paga aos aplicadores de recursos nos bancos e a taxa cobrada dos bancos
nos empréstimos que fazem aos clientes – o chamado spread bancário – é sensível à qualidade e
extensão das garantias oferecidas nos empréstimos, por conseguinte, haveria a redução do spread
bancário. O spread bancário elevado resulta em juros altos para o público em geral, para que as
instituições financeiras tenham uma compensação, obtida pelo adimplemento dos bons pagadores, pela
frouxidão do sistema e da exagerada proteção da leis aos maus pagadores. Se o spread bancário é
reduzido, os empréstimos para investimento e consumo são feitos a taxas menores, havendo, portanto,
maior possibilidade de consumo e investimento, gerando maior desenvolvimento econômico e emprego.
(2007, p. 455).
10 Nesse passo, cumpre pontuar interessante acórdão proferido, em 23 de abril de 2009, pela Décima
Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, da relatoria do Des.
Vieira de Moraes. O trecho que nos interessa: “Mesmo os detentores de elevadíssimos ganhos, na casa
das dezenas de milhares de reais, podem-se achar em condição de comprometimento de todos eles,
segundo o padrão de vida que mantenham, o que não os faz miseráveis para o fim de obter a gratuidade
judiciária. Assistência Judiciária confere-se aos efetivamente necessitados, segundo prescrito pelo artigo
1o da mencionada Lei n° 1 060/50, não àqueles que apenas não se dispõem a reduzir, um pouco, seus
gastos com coisas não essenciais e vivam, momentaneamente, sem margem de ganho não comprometido”.
Discutindo a questão em torno da concessão do benefício da justiça gratuita para pessoa que, em que
pese possuir elevado padrão de vida, sustentava estar com todos os seus ganhos comprometidos com
a subsistência da família, o tribunal chegou a conclusão em tudo coerente com o que ora se defende: o
direito não tutela o devedor que ostenta riqueza e alega ter todos os seus bens comprometidos de forma
a não poder satisfazer débito por ele contraído. A todas as luzes, não afronta a dignidade da pessoa
humana a redução de padrão de vida alto para classe média alta, por exemplo, se esta circunstância for
necessária para que o exeqüente quite suas dívidas.
11 Relevante a manifestação do professor português José Alberto Reis sobre a regra brasileira sobre
a impenhorabilidade do salário e verbas afins referenciada por Daniel Amorim Assumpção Neves: “O
sistema brasileiro parece-nos inaceitável. Não se compreende que fiquem inteiramente isentos os
vencimentos e soldos, por mais elevados que sejam. Há aqui um desequiblíbrio manifesto entre o
interesse do credor e do devedor; permite-se a este que continue a manter o seu teor de vida , que não
sofra restrições algumas no seu conforto e nas suas comodidades, apesar de não pagar aos credores as
dívidas que contraiu” (Apud NEVES, 2007, p. 490).
12 “Artigo 824. 1 – São impenhoráveis: a) Dois terços dos vencimentos, salários ou prestações de
natureza semelhante, auferidos pelo executado; b) Dois terços das prestações periódicas pagas a título de
aposentação ou de outra qualquer regalia social, seguro, indemnização por acidente ou renda vitalícia, ou
de quaisquer outras pensões de natureza semelhante. 2 – A impenhorabilidade prescrita no número
anterior tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada
apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento e o crédito exequendo
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A REVISTA DA UNICORP
não seja de alimentos, o montante equivalente a um salário mínimo nacional. 3 – Na penhora de dinheiro
ou de saldo bancário de conta à ordem, é impenhorável o valor global correspondente a um salário mínimo
nacional. 4 – Ponderados o montante e a natureza do crédito exequendo, bem como as necessidades do
executado e do seu agregado familiar, pode o juiz, excepcionalmente, reduzir, por período que considere
razoável, a parte penhorável dos rendimentos e mesmo, por período não superior a um ano, isentá-los de
penhora. 5 – Pode igualmente o juiz, a requerimento do exequente e ponderados o montante e a natureza
do crédito exequendo, bem como o estilo de vida e as necessidades do executado e do seu agregado familiar,
afastar o disposto no n. 3 e reduzir o limite mínimo imposto no n. 2, salvo no caso de pensão ou regalia
social.”
13 A “Unidad de Fomento (UF)” é um indexador de unidade de valor utilizado no Chile desde 1967, que
sofre correção monetária, mantendo a sua atualização em relação ao peso chileno (moeda utilizada no
Chile). A grosso modo seria como, no Brasil, ao invés de falar, atualmente, que são impenhoráveis
R$2.272,00 (dois mil duzentos e setenta e dois reais), dizer que são impenhoráveis 3 (três) salários
mínimos ao invés de falar que o são R$2.272,00 (dois mil duzentos e setenta e dois reais).
Referências____________________________________________________________
ABELHA, Marcelo. Manual de execução civil. ed. 3. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
ARENHART, Sérgio Cruz. A penhorabilidade de imóvel de família de elevado valor e de altos salários. In:
MOLINARO, Carlos Alberto; MILHORANZA, Mariângela Guerreiro; PORTO, Sérgio Gilberto (Coord.).
Constituição, jurisdição e processo: estudos em homenagem aos 55 anos da Revista Jurídica. Porto
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243
ENTRE ASPAS
Resumo: O presente artigo tem por objetivo analisar a execução da sentença concessiva de
mandado de segurança na qual foi determinado o pagamento de valores devidos pela Fazenda
Pública. Este é um tema que causa grandes desentendimentos entre os estudiosos do direito,
principalmente no que tange à possibilidade ou não de execução direta dos valores decorrentes
da concessão do mandado de segurança, e sobre a necessidade ou não de submissão de tais
valores ao regime de precatórios. Para melhor compreensão do assunto, é necessária uma
análise técnica sobre o mandado de segurança, partindo-se do seu conceito, tratando da
execução da sentença concessiva do mandado de segurança e sobre o procedimento a ser
adotado em relação aos valores vencidos e vincendos à impetração, no que tange a necessidade
ou não de submissão de tais valores ao regime dos precatórios requisitórios. Por fim, buscar-
se-á explicar a forma correta de lidar com tal problemática.
1. Introdução
244
A REVISTA DA UNICORP
contra ato ilegal ou abusivo praticado por autoridade pública ou agente de pessoa jurídica que
exerça atribuições do Poder Público.
Ação constitucional com previsão no art. 5º, LXIX da Constituição Federal, uma
discussão acalorada em âmbito doutrinário e jurisprudencial se refere sobre a necessidade ou
não de processo autônomo para a execução de sentença concessiva de segurança. A execução
proposta em face da Fazenda Pública decorrente de sentença concessiva de segurança deve
ser feita nos próprios autos do mandado de segurança ou deve ser feito em processo autônomo?
Além disso, deve ser seguido o rito do art. 730 do CPC, com a submissão dos valores ao regime
de precatórios requisitórios, ou o caráter mandamental desta ação constitucional dispensa tal
exigência?
Necessário se faz sistematizar os entendimentos sobre o tema, fazendo uma incursão
sobre qual o procedimento a ser adotado em relação aos valores vencidos e vincendos à
impetração.
Este tema se mostra como de grande relevância, na medida em que ultrapassa o campo
teórico e ganha contornos práticos, buscando a compreensão geral do instituto, assim como a
sua aplicação no caso concreto.
Ao final, serão expostas as conclusões do presente trabalho.
2. O Mandado de Segurança
245
ENTRE ASPAS
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A REVISTA DA UNICORP
Portanto, a sentença concessiva de segurança tem caráter mandamental, uma vez que
consubstancia sempre uma ordem para que a autoridade impetrada adote uma determinada
conduta, seja de praticar, não praticar ou permitir que se pratique o ato cuja omissão ou
realização resultou em ofensa a direito líquido e certo do impetrante.
A atuação dos entes dotados de personalidade jurídica de direito público deve sempre
ser pautada no interesse público, aplicando-se, por consequência, o princípio da supremacia
do interesse público sobre o particular.
Em razão da aplicação do referido princípio, a Fazenda Pública goza de algumas
prerrogativas que não são reconhecidas aos particulares.
Como exemplo dessas prerrogativas no âmbito processual, pode-se citar: o juízo
privativo; os prazos mais dilatados em seu favor, conforme artigos 188 e 277 do Código de
Processo Civil; a dispensa do preparo dos recursos, segundo o artigo 511 do Código de
Processo Civil; o procedimento próprio para a execução de créditos em favor da Fazenda
Pública, regulado pela Lei de Execuções Fiscais – Lei nº 6.830/80; a possibilidade de medida
liminar na ação de arresto sem justificação prévia, prevista no artigo 816, inciso I, do Código de
Processo Civil; o reexame necessário ou o duplo grau obrigatório de sentenças proferidas
contra a Fazenda Pública, previsto no artigo 475, inciso II do Código de Processo Civil; o
procedimento próprio para execução das condenações da Fazenda Pública em pagamento de
247
ENTRE ASPAS
quantia certa, com previsão no artigo 100 da Constituição Federal de 1988 e no artigo 730 do
CPC, consistente no regime de pagamentos em dinheiro pela via dos precatórios.
No que tange à execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, segundo os arts.
730 e 731 do Código de Processo Civil, a execução dar-se-á por meio de processo de execução
autônomo.
Os pagamentos devidos pela Fazenda Pública referente às condenações de pagar quantia
certa só podem ocorrer através de precatórios requisitórios de pagamentos, conforme previsão
do art. 100 da Constituição Federal de 1988, com redação dada pela Emenda Constitucional nº
62/2009. O referido artigo estabelece que os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas
Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão
exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos
respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos
créditos adicionais abertos para este fim.
O precatório é a fórmula por meio da qual o Poder Judiciário solicita ao Poder Executivo
que tome precauções orçamentárias a fim de realizar o pagamento de uma execução de ordem
judicial. Assim, em se tratando de verbas devidas pela Fazenda Pública, seu pagamento deve
decorrer necessariamente através de precatórios requisitórios, com inclusão do valor no
orçamento para pagamento no exercício financeiro subsequente.
Segundo o rito previsto no art. 730 do Código de Processo Civil, a execução de quantia
certa contra a Fazenda dar-se-á por meio de processo de execução autônomo.
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A REVISTA DA UNICORP
o rito da execução do mandado de segurança não deve ser tratado pelo Código de Processo
Civil, em razão do caráter mandamental do writ. Dessa forma, os valores relativos ao período
entre a impetração e o cumprimento da sentença de segurança devem ser adimplidos
imediatamente, independentemente da regra dos precatórios, em virtude do caráter mandamental
do r. decisum concessivo de segurança.
Assim, segundo os defensores de tal entendimento, a sentença proferida em mandado
de segurança, dado o seu caráter urgente e autoexecutório, deveria ser executada imediatamente,
o que ficaria inviável por meio de pagamento por precatório, a retardar a prestação devida e
alterar o objetivo da ação mandamental.
Dessa forma, segundo aqueles que defendem este entendimento, devido à força
autoexecutória conferida à sentença prolatada nos autos de mandado de segurança, a
constituição de precatório para pagamento de valores reconhecidos entre a impetração da
ação e o trânsito em julgado da sentença seria absolutamente desnecessária, além de não se
compatibilizar com o rito procedimental do writ.
A segunda corrente defende que o pagamento dos valores devidos desde a data da
impetração do mandado de segurança até a data da devida implantação deve ocorrer mediante
precatório requisitório de pagamento, seguindo o rito do art. 730 do CPC, em consonância com
o art. 100 da Constituição Federal.
Este dispositivo constitucional estabelece que todos os pagamentos devidos pela
Fazenda Pública Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judicial, far-se-ão
exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios à conta dos créditos
respectivos.
Portanto, a execução dos valores devidos entre a impetração e a concessão da segurança
deve observar os ditames do art. 730 do CPC sobre execução por quantia certa contra a Fazenda
Pública.
Do ponto de vista dogmático-jurídico, esta é a melhor interpretação a ser dada.
O artigo 100 da Constituição Federal concretiza a igualdade e a impessoalidade no
âmbito do devido processo legal de cumprimento de decisões judiciárias condenatórias pelo
Poder Público, sendo imperativo inerente a estes princípios a observância da ordem cronológica
em duas ordens, de créditos alimentares e não alimentares, com a proibição de designações
específicas de casos ou pessoas.
No que tange aos créditos de natureza alimentícia, o Supremo Tribunal editou a Súmula
nº 655, que estabelece que a exceção prevista no art. 100, caput, da Constituição, não dispensa
a expedição de precatório, limitando-se a isentar os créditos alimentares da observância da
ordem cronológica dos precatórios decorrentes de condenações de outra natureza.
A exigência de precatório para o cumprimento de obrigações pecuniárias devidas por
entes públicos por força de decisão judicial consubstancia um preceito de materialização da
impessoalidade e da igualdade, dando compostura ao devido processo legal de cumprimento
das aludidas obrigações, instituindo o procedimento adequado.
Com efeito, nenhum pagamento devido pela Fazenda Pública poderá escapar ao sistema
de precatórios estabelecido pelo texto constitucional, sequer o pagamento de vantagens
asseguradas em sentença concessiva de mandado de segurança.
A parte condenatória da sentença concessiva de segurança (prestações pecuniárias
251
ENTRE ASPAS
reflexas) não constitui exceção à norma do art. 100 da Constituição Federal, devendo os valores
patrimoniais decorrentes ser executados conforme o rito do art. 730 do CPC, de acordo com a
ordem cronológica de apresentação dos precatórios.
Através da instituição da ordem cronológica, busca-se a preservação do direito de
precedência para o pagamento de precatórios, emitidos por ordem do Poder Judiciário, que
deverão ser consignados no orçamento do Poder Executivo, tratando-se de registro elaborado
para efeito de controle quanto ao cumprimento do princípio isonômico previsto na Constituição
da República (OLIVEIRA, 2007, p. 134).
Revela-se ofensivo à igualdade considerar que, apenas por resultarem do rito especial
típico do mandado de segurança, as obrigações condenatórias pecuniárias deveriam ser
cumpridas independentemente do art. 100 da Constituição da República. Equivale a obter, por
via oblíqua, o que a Constituição veda no referido artigo, ao proibir exceções ao regime de
precatórios, notadamente que implique designação de casos ou pessoas. Até mesmo os créditos
alimentares se sujeitam a precatórios, embora com prioridade sobre os demais créditos não
alimentares, não se podendo afastar tal exigência em razão do rito do remédio heroico.
Manifestando-se acerca do tema, José Cretella Júnior (2003, p. 3054) ensina que “[n]ão
há credores privilegiados. Todos se igualam diante do Estado, distinguindo-se, uns dos outros,
apenas pelo tempo em que solicitaram e obtiveram reconhecimento dos créditos.”
Assim, a determinação de que o pagamento dos débitos judiciais da Fazenda Pública
seja feito na ordem cronológica de apresentação dos precatórios tem como finalidade impedir
a escolha de credores, inviabilizando a quitação do débito mais recente em detrimento de outro
mais antigo, razão pela qual se deve obedecer ao rito previsto nos artigos 730 e 731 do CPC, não
se excluindo desta sistemática o débito simplesmente por ser proveniente de sentença
concessiva de mandado de segurança.
Ademais, a violação da igualdade (art. 5º, caput, CF) representa contrariedade ao princípio
da impessoalidade, consagrada dentre os princípios constitucionais da Administração Pública,
pelo art. 37, caput, do texto constitucional, pois importa em conferir um tratamento diferenciado
a parte dos administrados (os impetrantes), colocando-os isentos a uma das prerrogativas da
Administração Pública, que é o art. 100 da Carta Magna.
Como bem ressalta Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio da impessoalidade é o
princípio da igualdade aplicado no âmbito da Administração Pública. Nele se traduz a ideia de
que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou
detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades
pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito
menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie (2007, p. 110).
Então, a teor do art. 100, §1º, da Constituição, haveria uma listagem cronológica de
precatórios oriundos de decisões judiciais condenatórias de obrigações pecuniárias de caráter
alimentar, uma listagem daqueles que não sejam decorrentes de obrigações pecuniárias de
caráter alimentar, e, ainda, sem respaldo constitucional, os créditos pecuniários decorrentes de
mandado de segurança referente aos valores devidos entre a impetração e a concessão.
Assim, o regime de execução por quantia certa em face do Poder Público,
independentemente da natureza do crédito, impõe a expedição de precatório requisitório, cujo
sistema está pautado na observância dos princípios da impessoalidade, da igualdade e da
moralidade, visando assegurar a igualdade entre os credores, impedir favorecimentos pessoais
indevidos e frustrar tratamentos discriminatórios.
Além de ofensa à igualdade, posto que se trataria diferentemente os administrados, e à
252
A REVISTA DA UNICORP
Ricardo Perlingeiro Mendes da Silva, por sua vez, leciona que “O pagamento de qualquer
importância em espécie pela administração pública, se decorrente de decisão judicial, deve ser
através do precatório judicial, regra que não comporta exceções”.(1999, p. 144)
O sistema constitucional de precatório viabiliza o pagamento de créditos oriundos de
sentenças condenatórias de obrigações pecuniárias em face do Poder Público seguindo critérios
estritos de igualdade e impessoalidade, baseados na cronologia, tanto para os créditos
alimentares como para os demais, conferindo contornos concretos ao que se identifica como
devido processo constitucional do aludido tipo de decisões judiciais.
253
ENTRE ASPAS
5. Conclusão
Diante do exposto no decorrer do presente trabalho, foi possível dirimir algumas dúvidas
atinentes à execução da sentença concessiva de mandado de segurança com efeitos
patrimoniais. Conquanto já se tenha, em cada capítulo do presente estudo, extraído as
conclusões que o mesmo trouxe, cumpre abordá-las de forma sistemática, para que se possa
atingir o objetivo da pesquisa, atendendo às pretensões deduzidas no seu desenvolvimento.
Na primeira parte do trabalho, tratou-se do mandado de segurança. Falou-se, inicialmente,
que o mandado de segurança é uma ação constitucional que tem como objetivo proteger
direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus e por habeas data, manejável contra
ato ilegal ou abusivo praticado por autoridade pública ou agente de pessoa jurídica que exerça
atribuições do Poder Público.
Apontou-se, em seguida, as eficácias contidas numa sentença de segurança, afirmando
que o mandamus pode ter caráter condenatório, constitutivo, declaratório e mandamental,
sendo que este último é o caráter prevalecente.
Após, passou-se ao estudo da execução por quantia certa em face da Fazenda Pública,
salientando que a Fazenda Pública é o Estado em Juízo. Foi dito também que as prerrogativas
que o Estado possui em Juízo é decorrência da supremacia do interesse público sobre o
particular.
Falou-se sobre o rito previsto no art. 730 do CPC, que prevê a necessidade de processo
autônomo de execução e da necessidade de submissão ao regime de precatórios.
Em seguida, adentrou-se no estudo propriamente dito da execução da sentença de
mandado de segurança com efeitos patrimoniais.
Falou-se inicialmente que, em se tratando de mandado de segurança, dado o seu caráter
mandamental, a execução da sentença concessiva dispensa a necessidade de processo de
execução autônomo, ocorrendo nos próprios autos da segurança.
Em seguida, tratou-se do modo de execução dos valores devidos após a concessão da
ordem, entre a impetração e a concessão, e os valores anteriores à impetração.
No que tange aos valores devidos após a concessão da ordem, concluiu-se que sua
execução é imediata e específica, mediante o cumprimento da ordem determinada pelo Juiz pela
254
A REVISTA DA UNICORP
autoridade impetrada.
Em relação à possibilidade de o mandado de segurança produzir efeitos patrimoniais
pretéritos à impetração, com a consequente cobrança dos respectivos valores, estabeleceu-se
que o mandamus não é a via adequada para se pleitear a produção de efeitos patrimoniais
pretéritos, nos termos do Enunciado nº 271 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, não sendo
também substitutivo de ação de cobrança, conforme Enunciado nº 269 da referida Corte.
Por fim, no que tange aos valores devidos entre a impetração e a concessão da segurança,
há uma ampla divergência doutrinária e jurisprudencial sobre a submissão ou não ao regime de
precatório, sendo que o melhor entendimento do ponto de vista dogmático-jurídico é aquele
que estabelece a necessidade de submissão ao regime de precatórios.
Entendeu-se que o sistema constitucional de precatório viabiliza o pagamento de créditos
oriundos de sentenças condenatórias de obrigações pecuniárias em face do Poder Público
seguindo critérios estritos de igualdade e impessoalidade, baseados na cronologia, tanto para
os créditos alimentares como para os demais, conferindo contornos concretos ao que se
identifica como devido processo constitucional do aludido tipo de decisões judiciais.
Assim, nenhum pagamento devido pela Fazenda Pública poderá escapar ao sistema de
precatórios estabelecido pelo texto constitucional, sequer o pagamento de vantagens
asseguradas em sentença concessiva de mandado de segurança, devendo obedecer a forma
prescrita no art. 730 do CPC.
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ENTRE ASPAS
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NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e
legislação extravagante. 10. ed. rev., ampl. e atual. Até 1 de outubro de 2007. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2007.
SILVA, Ricardo Perlingeiro Mendes da. Execução Contra a Fazenda Pública. São
Paulo: Malheiros,1999.
256
A REVISTA DA UNICORP
257
ENTRE ASPAS
258
A REVISTA DA UNICORP
Sylvia Chagas
Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (2010), especialização em Magistério Superior ( UNIT) e em Direito
Tributário ( UCAM). Atualmente é professora de Graduação na Faculdade
Pio Décimo e na Universidade Tiradentes. Professora de Pós-Graduação
na Faculdade José Augusto Vieira (FJAV).
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ENTRE ASPAS
Palavras-chave: Gestão de Pessoas. Processos. Rotina de Trabalho.
1. Introdução
260
A REVISTA DA UNICORP
Como afirmado acima o Programa Integrar (2010) tinha três objetivos específicos, mas
na 1a Vara Cível de Cícero Dantas a atenção foi voltada ao alcance de um objetivo, qual seja,
aquele que propunha a melhoria do funcionamento da unidade administrativa onde o Programa
seria implantado, de processo de trabalho judicial e administrativo e de gestão da informação
e comunicação.
A proposta implicava, antes de tudo, uma melhoria significativa na qualidade de vida de
cada servidor, uma vez que imprimiria um ritmo de trabalho para dar vazão aos processos,
melhorar os índices de produtividade, diminuir a presença física dos advogados à procura dos
processos nos cartórios e facilitar a localização física dos processos.
A partir da implantação da metodologia de trabalho do programa integrar na unidade,
um comportamento estratégico da gestora da unidade foi fundamental, pois, existia uma
necessidade de adequar-se à alta velocidade das mudanças, ambiência instável, escassez de
recursos e hostilidade. A administração estratégica foi essencial para implantar as mudanças,
sem prejuízo das atividades judicantes, do exercício da direção de fórum, porque minimizou a
burocracia, reduziu a visão fragmentada e setorizada para modificação do futuro da unidade.
Para melhorar a integração entre servidores e magistrada foram utilizados os recursos
materiais e tecnológicos à disposição da unidade, tais como e-mail funcional, criação de grupo
virtual, construção de manual de práticas cartorárias, manual da Vara Cível com a apresentação
dos fluxogramas dos ritos ordinário, sumário, cumprimento de sentença, execuções, modelos
de despachos, certidões, principais atos ordinatórios a serem praticados pelos servidores,
aliados a um uníssono e forte sentimento de melhoria das relações sociais, ambiência, mudança
e aquisição de valores já se concretizavam.
A visão estratégica foi importante no sentido de ajudar a tomar decisões numa era em
que já não se tem mais tempo de formular e definir problemas. Outro aspecto relevante foi a
descoberta de que o sucesso ou fracasso da implantação da metodologia do processo de
trabalho passava essencialmente por uma questão de relacionamentos humanos, antes de
qualquer abordagem sobre as deficiência na estrutura e nos recursos.
2. O Poder Judiciário
A Constituição Federal de 05 de outubro de 1988, em seu art. 1º, parágrafo único afirma
que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente,
nos termos desta Constituição. Por seu turno art. 2º do mesmo diploma legal vaticina que são
Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário
(BRASIL, 1988).
A Comarca de Cícero Dantas está identificada como entrância intermediária segundo a
Lei de Organização Judiciária e tem a seguinte previsão legal, 1ª Vara Cível, 2a Vara Cível, Vara
Crime e Júri e Juizado Especial Cível. A composição da vara está assim representada por um (01)
escrivão, um (01) subescrivão e cinco escreventes até março de 2011, já em abril de 2011 foram
recebidos mais três escreventes. Por força de uma modificação legislativa, a primeira Vara Cível
recebeu no final de 2008 todos os processos da Vara da Fazenda Pública e Registros Públicos
o que gerou um gargalo ainda maior na unidade, tanto em termos de acomodação física dos
processos, quanto ao número de servidores por processos na unidade, e, ainda, quanto ao
procedimento dos feitos relativos à Fazenda Pública diverso dos feitos que tramitam na Vara
Cível.
261
ENTRE ASPAS
Como afirma Drucker apud Chiavenato (2003), os países não deveriam ser classificados
em desenvolvidos e subdesenvolvidos, mas em países que administram bem a tecnologia e os
recursos disponíveis e potenciais e aqueles que não sabem. Ainda ensina o famoso autor,
existem organizações excelentes e organizações precariamente administradas, tudo é uma
questão de talento administrativo. É tarefa básica da Administração, fazer as coisas por meio
das pessoas de maneira eficiente e eficaz.
Um dos maiores problemas do Poder Judiciário é a falta de gestão. Ausência de gestão
de pessoas, de processos administrativos, de processos de trabalho, ausência de gestão
orçamentária.
É preocupante a situação de ineficácia e inefetividade de alguns tribunais do Brasil,
pois é cediço que uma justiça deve ser célere e também cidadã, pois o acesso à justiça célere e
eficiente deixa de atender a um direito fundamental garantido ao cidadão (BRASIL, 1988).
Se a prestação jurisdicional não resultar em uma medida, efetiva, célere, a população
fica desassistida e descrente e, paralelamente, o Poder Judiciário deixa de atender a sua função
pacificadora, fracassando quanto à manutenção do equilíbrio entre poderes constitucionalmente
existentes, pois fragiliza as bases da democracia. A população necessita de um Judiciário forte,
ético, transparente, eficiente, pois aqui se tem o sustentáculo do Estado Democrático de Direito
e é no Judiciário que se previnem, resguardam-se, asseguram-se direitos e reparam-se danos.
Com vistas a assegurar o cumprimento do papel do Judiciário é que na 1a Vara Cível de
Cícero Dantas, a possibilidade de implantar a metodologia do programa de rotinas cartorárias
com o acompanhamento de produtividade, capacitação de servidores e desenvolvimento de
ferramentas para padronização de rotinas de trabalho foi a tônica no ano de 2010 e continua em
seu processo de atualização para 2011.
Obviamente que mexer em processo de trabalho é tarefa que exige habilidades, mormente
de liderança e planejamento, pois antes de tudo, a nova sistemática de trabalho significa mexer
com cabeças e interesses. Assim, quando se chega a uma unidade judiciária, que possui cerca
de quinze colaboradores, necessariamente, estar-se-á diante de uma dinâmica profundamente
complexa, pois existem aí, nesse pequeno núcleo, vários conjuntos de autogovernos em
operação, são diversos também os jogos de interesses organizados como forças sociais, que
atuam na micropolítica do processo de trabalho de uma unidade.
A definição das prioridades, internas e externas e o foco nos resultados que precisavam
ser alcançados. O objetivo era fazer corretamente o trabalho para alcançar eficiência, a lição é:
através do trabalho estar-se-ia construindo um meio para obter melhoria nos resultados. É o
que os teóricos chamam de Administração por Objetivos (APO) ou Administração por
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ENTRE ASPAS
Ainda nessa fase de preparação a equipe formada era acompanhada, com reuniões
mensais para discutir a produtividade, quais atividades ainda não conseguiam ter um bom
andamento, tal como, arquivamento e controle da juntada. Nessas reuniões também eram
trabalhadas as dúvidas sobre os procedimentos das ações e discutido o manual que estava
sendo construído.
Esta fase de preparação finaliza-se com o gerenciamento dos resultados e adequação
das rotinas, os grandes destaques nessa fase na unidade foram, a conclusão do manual, o
controle de processos entrados e o trabalho no sentido de julgar igual ou mais do que os
entrados, o controle do arquivamento dos processos, com a descentralização de algumas
ações somente praticadas pela escrivã, dentre elas, o arquivamento de feitos menos complexos.
Expor o encadeamento dos atos processuais, quais os procedimentos e a rotina de
trabalho adotados na unidade que podem ser identificados mediante a análise dos elementos
de trabalho encontrados, quais sejam: distribuição do trabalho de acordo com a demanda,
continuidade ou descontinuidade dos fluxos e divisão de tarefas, também foram prioridades
nessa fase.
O objetivo da metodologia do trabalho é fazer com que os processos não passem tanto
tempo dentro da secretaria, evitando, assim, o estrangulamento, mas sim que tenham uma
movimentação constante, tendo apenas uma pausa de movimentação, para que tenham um
andamento regular e imediato.
Com o objetivo de assegurar um fluxo de trabalho mais célere, foram padronizados
ofícios, certidões, o uso de carimbos, praticamente foi abolido, sendo tudo digitalizado. Também
uma capacitação quanto aos atos ordinatórios para os servidores foi necessária, foi aprimorada
uma tabela de atos ordinatórios cedida pela equipe nacional do programa integrar e acrescidos
outros atos.
Para finalizar a implantação da rotina um outro manual de prática cartorárias
disponibilizado pelo CNJ também foi adaptado e repassado aos servidores, lá são encontradas
as informações sobre autuação e registro dos processos, certidões, práticas dos atos pelos
servidores.
Preparada a unidade ingressamos efetivamente na rotina, aqui os servidores se
comprometeram a usar a metodologia, o sistema SAIPRO, as metas foram distribuídas com o
objetivo de manter a vara saneada, a motivação do pessoal e a produtividade. Os processos
são impulsionados sem pausas desnecessárias e os servidores treinados para executar o maior
número de demandas da secretaria sem deixar de definir as atribuições individuais.
Metodologia
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A REVISTA DA UNICORP
Diagnosticando a unidade:
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ENTRE ASPAS
Considerações finais
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A REVISTA DA UNICORP
A unidade de Cícero Dantas, após dois anos de implantação das rotinas das práticas
tem outro perfil, o ambiente é menos insalubre, os servidores dominam as rotinas, tem suas
atribuições individuais definidas, assumem o compromisso no sentido de reduzir o acervo
processual, promover uma justiça mais célere e eficaz, atender ao público com eficiência e fazer
da prestação jurisdicional fornecida nesta unidade judiciária a prestação que todos queremos.
Referências ____________________________________________________________
LUSKIN, F. O Poder do Perdão. Uma receita aprovada para a saúde e a felicidade. São Paulo: Francis.
2007.
MAXIMIANO, A. C. A. Introdução à Administração. 7. ed. rev. e ampl. São Paulo. Atlas. 2007.
MAXWELL, J. C., 1947. Vencendo com as pessoas: vinte e cinco princípios para alcançar o sucesso
por meio dos relacionamentos. Tradução de Omar Alves de Souza-Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2007.
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ENTRE ASPAS
1. Introdução
Encontrar uma rotina de trabalho em unidade jurisdicional que conta com recursos
material e humano escassos e ainda assim que seja eficiente em seus resultados é um desafio
considerável. Esse desafio foi assumido e pode-se afirmar que resultados eficientes foram
alcançados. Como isso foi possível é a pergunta que se tentará a seguir responder. Não se tem
pretensão de uma abordagem científica de método de trabalho ou algo que o valha, pois essa
conquista se deu empiricamente, com base na intuição e fazendo uso do que se tinha disponível
em termos de material e de pessoal.
Assim, será feito um resumo das principais conquistas que se obteve ao longo do
tempo em que se atuou em algumas unidades do sistema de juizados especiais, pontuando as
dificuldades que se apresentavam e as soluções implementadas. No final, essas conquistas
serão agrupadas e o conjunto formado será apresentado na forma de um rol de medidas que
possam servir de repositório capaz de guiar aqueles interessados em experimentar uma forma
diferente de organizar a rotina de trabalho de uma unidade de juizado especial do sistema
baiano. Essas medidas se adotadas em qualquer unidade de juizado, independentemente de
sua competência, proporcionará bons ganhos de produtividade.
272
A REVISTA DA UNICORP
A eficiência da boa prática que a seguir se relatará pode ser facilmente comprovada
verificando as unidades judiciárias referidas neste relato, pois se nelas não se alterou as
rotinas de trabalho então implantadas, elas devem estar mantendo bom nível de controle e com
resultados primorosos. No entanto, ainda assim pode-se comprovar essa prática no Juizado
Especial Cível e Criminal da Comarca de Lauro de Freitas em que a rotina de trabalho acima
referida foi aplicada, e atualmente está em desenvolvimento. Os dados estatísticos desse
juizado apontam para saneamento da unidade e seu controle, que pode ser verificado perante
a Coordenação dos Juizados, caso se tenha interesse em aquilatar o real sucesso da prática a
seguir relatada, em termos de resultados.
Ademais, cabe registrar que a juíza titular da 36ª. Vara do Sistema dos Juizados Especiais
da Capital, Cristiane Menezes Santos Barreto, desempenhando a sua jurisdição no denominado
“Juizado Modelo/Federação-Matutino”, adotou alguns dos princípios e das medidas aqui
sugeridas tendo obtido resultados animadores, com produção de trabalho mais controlado e
alcançando o saneamento de sua unidade judiciária, algo que parecia de difícil conquista. Cabe
gizar que esse resultado proveitoso obtido pela referida magistrada se deu em aproximadamente
três meses (junho/2014-agosto/2014).
2. Identificando Soluções
No ano de 2007 na condição de juiz titular na 36ª Vara do Sistema de Juizados da Capital,
com exercício no chamado “2º Juizado de Brotas/Vespertino”, deparei-me com volume altíssimo
de processos conclusos, chamava a minha atenção aqueles que pendiam de prolação de
sentença. As partes litigantes ansiosas para a resposta da Justiça em relação a seus feitos,
diuturnamente vinham até o gabinete com a movimentação do processo por escrito em mãos à
procura do juiz para que sua sentença fosse prolatada. Era sempre a mesma frase ouvida: “Só
falta a sentença, Doutor!” Nesse período, sem muito o que fazer, pois era humanamente
impossível responder àqueles pleitos na velocidade em que se desejava, amontoava esses
papéis de movimentação em minha mesa fazendo pilhas enormes, prometendo que
oportunamente seria visto.
O sistema de juizados especiais nessa época fazia uso do processo eletrônico mediante
o modelo cedido pelo Conselho Nacional de Justiça, denominado PROJUDI. Assim, poder-se-
ia até criticar a falta de recursos humanos e material, mas não se poderia dizer que inexistia
ferramenta inovadora para enfrentar o grande volume processual. Por conseguinte, passou-se
a estudar essa ferramenta de trabalho e verificou-se que seu uso racional poderia suprir muitas
deficiências da unidade. Existia também o sistema SAIPRO que era desenvolvido pelo Tribunal
de Justiça da Bahia e servia para gerenciar os processos físicos.
Portanto, havia dois sistemas de gerenciamento de processo, o PROJUDI e o SAIPRO.
E como sublinhado, o primeiro dirigido aos processos eletrônicos e o segundo aos processos
físicos. Embora o acervo de processo físico não mais ampliava, o seu volume a época era uma
enormidade e tinha que ser vencido. Por sua vez, o acervo eletrônico crescia velozmente. Logo,
estava o juiz alternando de sistemas a todo tempo, ora SAIPRO ora PROJUDI, conforme a
demanda por decisão se apresentava em cada um deles. Essa alternância era um fator que
dificultava a atividade jurisdicional, sem contar que muitas vezes os processos físicos eram
mais facilmente esquecidos porque a facilidade de gerenciar os processos eletrônicos
desestimulava a ação sobre o físico, que só eram lembrados quando a parte litigante interessada
273
ENTRE ASPAS
ou advogados vinham à unidade reclamar alguma movimentação; ou ainda, existia o que reputo
a pior situação, aquela em que muitos processos físicos estavam encerrados, mas não eram
dado baixa, constavam no acervo como ativos, esses então sequer eram procurados pelas
partes litigantes e advogados, esses processos ficavam mesmo esquecido, permaneciam ativos
no sistema quando deveriam já ter sido arquivados, contribuindo para a falsa impressão de um
número maior de processos do que realmente existia.
Assim, para começar a ordenar os trabalhos, como naquela época não existia a figura do
assessor de juiz, a primeira coisa que se fez foi criar gabinete do juiz, ainda que não oficial, com
quadro separado da secretaria. Com efeito, para esse fim deslocou-se da secretaria um analista
para trabalhar diretamente com o juiz togado que somado com estagiários era o quadro do
gabinete. Essa equipe minutava decisões, despachos e sentenças, e limitava-se a isso, o que
proporcionou grande ajuda ao juiz.
Em seguida verificou-se que trabalhar com dois tipos de sistemas de gerenciamento
processuais não fazia sentido. Essa dicotomia era contraproducente. Decidiu-se que o acervo
físico seria virtualizado de modo a convergir todos para o sistema PROJUDI. Essa virtualização
se daria estrategicamente da seguinte forma: os feitos físicos que fossem conclusos seriam
necessariamente virtualizados e os físicos que saíssem do gabinete iriam para secretaria também
virtualizados. À medida que os processos físicos eram movimentados, não retornariam mais
nessa modalidade física para o gabinete. Desse modo, o gabinete passou a trabalhar apenas
com PROJUDI. E assim, com essa plataforma de gerenciamento de processo é que se passou a
otimizar as rotinas de trabalho, a seguir relatadas, abandonando o sistema físico de processo.
Passou-se então para a etapa seguinte da organização. Essa tinha a ver com o acúmulo
de processos. Esses foram classificados em “inativos” e “conclusos”. Identificou-se que grande
parte dos processos já estavam encerrados prontos para serem arquivados e outros estavam
conclusos para atos de simples movimentação processual e que a secretaria tinha por hábito
mandar para conclusão de qualquer jeito, sem verificar se poderia ser resolvida a questão na
própria secretaria.
O problema dos processos “inativos” (realização de arquivamento) foi enfrentado com
mutirões de inspeção processual que a equipe da secretaria fazia. Essa inspeção ocorria nos
processos que se encontravam tanto na secretaria como no gabinete. O objetivo era localizar
processos que estivessem prontos para serem arquivados ou que demandassem ato judicial
formal de baixa complexidade para o arquivamento (ex. sentença de desistência, quitação etc.).
Com essa medida conseguiu-se diminuir o acervo de processos ativos, e, passou-se, a partir de
então, a se ter como regra a verificação diuturna de processos que estivessem aptos ao
arquivamento, a fim de não permanecer no acervo como “ativos” processos em que não há
utilidade para as partes litigantes e advogados, gerando números distorcidos de desempenho
do juizado.
No que toca à conclusão de processos pela secretaria (indiscriminada conclusão de
feitos), decidiu-se que somente se faria a conclusão de processos que efetivamente
dependessem necessariamente de alguma decisão judicial. Editou-se portaria nesse sentido, e
os feitos que dependessem de despacho ou de simples movimentação deveriam ser resolvidos
por ato ordinatório, e mesmo aqueles que a secretária tivesse alguma dúvida, antes de fazer a
274
A REVISTA DA UNICORP
conclusão teria que consultar o Gabinete. Os atos ordinatórios tinham sua redação e definição
da situação em que ele poderia ser usado pelo juiz. Era vedada a criação pela secretaria de ato
ordinatório que não fosse aquele autorizado pelo juiz. O ato ordinatório substituía o despacho
e outros atos de mero expediente para simples impulso processual e, portanto, o juiz que
preside o processo, responsável pela sua condução, tem que controlar a edição desses atos.
Com isso, reduziu-se consideravelmente os feitos conclusos para esse fim.
Outro gargalo que se apresentou em relação aos processos conclusos dizia respeito
àqueles que estavam para ser proferida sentença. Nesse caso, o número alcançava a cifra de
três dígitos, às vezes quatro. Isto porque os feitos saíam da sessão de conciliação direto para
a conclusão de julgamento (suprimia-se a audiência de instrução ao argumento que a mesma
era dispensável). Esse problema foi o mais simples de resolver.
A solução para o número excessivo de processos pendentes de sentença, do ponto de
vista jurídico, se obteria ex lege. Com efeito, decidiu-se que a Lei Federal nº 9.099/95, no
capítulo que dispõe sobre a audiência de instrução seria observada com rigor. Isso significava
que somente se proferiria sentença de mérito após a regular instrução, pois a lei determina que,
independentemente de se ter necessidade de produzir prova oral, a audiência destinava no
mínimo para as partes litigantes serem ouvidas pessoalmente pelo juiz. Consequentemente, a
audiência das partes litigantes era exigência da lei (princípio da oralidade). Essa nota, é importante
sublinhar, é justamente o traço marcante, entre outros, que distingue o sistema do juizado
especial da Justiça comum. Não é raro que ao ouvir as partes litigantes, o julgador que vai
decidir a causa consegue entender com mais qualidade o que se escreve na petição inicial e
contestação.
O colapso de número excessivo de processos conclusos para sentença em que o juiz
não dá conta, era resultado do fato de não se atentar para essa peculiaridade, ou seja, pela
oralidade do juizado. Tratava-se o juizado com base nas regras da Justiça comum, enfatizando
o princípio da documentação em desprestígio ao da oralidade. Com isso, o sistema pensado
para funcionar de uma forma célere resultou em distorções, como o colapso acima apontado.
Considero como um princípio consolidado de eficiência em Juizados de que a decisão que se
profere nos autos de processos movimentados em boa parte por pessoas leigas, que não
conhecem tecnicamente o direito, em que o julgador que vai proferir a decisão ouve pessoal e
diretamente os interessados, tem melhor qualidade de justiça do que aquela em que o julgador
não aufere esses esclarecimentos pessoais.
Assim, com base nessa premissa, todos os processos que estavam conclusos para
sentença de mérito, cuja audiência de instrução fora subtraída, foram pautados para audiência
de instrução a fim de qualificar a decisão. Essa simples medida de adequação do juizado ao
princípio da oralidade gerou o efeito colateral positivo de praticamente zerar os feitos conclusos
para sentença, permitindo que a unidade fosse avançando no seu saneamento, apresentando
dados mais confiáveis de acordo com a Lei Federal nº 9.099/95.
Essa última medida (adoção da audiência de instrução como pressuposto para prolação
da sentença de mérito) causou num primeiro momento mal-estar entre as partes litigantes e
advogados, que não entendiam bem como o processo que “estava já para sentença” retornava
para a fase de instrução. No entanto, não precisou muita explicação, pois eles perceberam de
longe a vantagem da mudança. Isso porque foi trocado o modelo de processos para sentença
sine die (sabia-se que o processo estava para proferir sentença mas não se tinha prazo para sua
prolação) para outro modelo o de sentença com data certa, em que o processo após instrução
275
ENTRE ASPAS
ou era julgado logo em seguida, ao fim da instrução, na mesma audiência, ou se fixava data
certa e breve para a prolação da sentença, cientificando a todos os presentes desse termo.
Assim, as partes litigantes e advogados sabedores de que existia uma data certa para a
solução de sua demanda conformavam-se com a designação da audiência de instrução. A um
só tempo se cumpria a Lei Federal nº 9.099/95 e atendia com conforto psicológico às partes
litigantes e advogados. No caso, estabeleceu-se previsibilidade do momento da decisão de
mérito, coisa que até então naquele juizado inexista. Não há a menor dúvida que colocar um
número de feitos que se sabe humanamente impossível de ser julgado para conclusão de
sentença é promessa vã para os jurisdicionados, um castigo medonho para o juiz que não
consegue ver o número de processos nesse estágio diminuir. Não adianta saber que o processo
está pronto para sentença e essa não é prolatada, ficava-se anos a fio esperando a sentença ser
proferida, sem qualquer anúncio de quando isso iria acontecer.
Essa simples medida (adoção de data certa para prolação da sentença com a divulgação
prévia para as partes litigantes e advogados) despressurizou o juizado. Não precisa dizer que
acabaram as pilhas de movimentação escrita na mesa do juiz togado e ainda, reduziu o número
de requerimento das partes litigantes e advogados para a movimentação de processos de
conhecimento. Os jurisdicionados passaram a confiar que seus processos teriam uma decisão,
ao menos de primeira instância, em dia certo; e, com isso, o prestígio do poder judiciário
aumenta.
Outra medida importante que se adotou nessa época e que se reproduziu em todos os
juizados em que esse sistema foi implementado foi a integração das pessoas que compunha a
equipe de trabalho. Com efeito, os setores do juizado funcionavam como ilhas isoladas. Os
servidores do juizado trabalhavam sem se preocupar com as consequências de sua atividade
para a cadeia produtiva processual. No caso, não se importava que a qualidade do seu trabalho
repercutiria no trabalho do colega que iria dar continuidade aos atos do processo a partir do
ponto que ele deixara pendente no processo, e mais ainda, eram servidores de única habilidade,
ou seja, somente estavam preparados para realizar uma única função. E, o pior de tudo, eram
servidores desmotivados para o trabalho.
Assim, urgentemente buscou-se a cooperação intensa entre os membros da equipe e os
diversos setores da unidade deveriam conversar uma mesma coisa, terem a mesma linguagem
laboral. Estabeleceu-se que todos trabalhavam para a unidade, inclusive o juiz de direito titular
da unidade, pois se o sistema funcionasse bem, todas as peças desse sistema auferiam o
benefício dessa proposta de trabalho. A boa comunicação estreita entre os servidores do
gabinete, da supervisão, da secretaria, da unidade de oficial de justiça, da conciliação, da
recepção etc. passou a ser um valor que se buscava o tempo todo aperfeiçoar. Isso se expressava
nas reuniões de trabalho que se operava toda semana. O juiz titular da unidade presidia as
reuniões e instava a união de todos e motivava a equipe para que os resultados positivos
fossem alcançados. Nessas reuniões se avaliava o trabalho, examinava os números da unidade
e estabelecia formas de melhorar a produtividade.
Essa reunião ocorria uma vez por semana, nos primeiros seis meses, até se ajustar o
sistema, e após, passou a ser reuniões mensais. O resultado foi que a equipe de trabalho aderiu
ao projeto e logo todos estavam mais motivados e atuando com mais eficiência. Com efeito,
276
A REVISTA DA UNICORP
passou-se a usar o rodízio de funções como forma de ampliar a habilidade dos servidores.
Encerrou-se de uma vez por todas aquela ideia de que o servidor faria uma única coisa. Assim,
a partir dos ajustes do sistema todos os servidores passaram a trabalhar em todas as áreas do
juizado, de modo que tornaram-se multifuncionais, agregando valor em suas habilidades e
conferindo maior ganho para o sistema, pois se algum deles se ausentasse por alguma razão,
aquele que remanescesse poderia assumir as funções do servidor ausente. O mais relevante,
porém, foram os servidores tomarem a consciência de que a função de cada um deles era de
importância crucial para o sucesso do juizado, e que a falha de um poderia colocar todo o
sistema em apuros, já que o trabalho sendo coletivo e seriado (trabalho de produção em cadeia
em que cada um contribui um pouco para se avançar na cadeia almejando a prestação
jurisdicional a ser ofertada para o cidadão) exigia compartilhamento de informação e cooperação
coletiva laboral.
Este valor, integração da equipe, também passou a ser expresso com uso massivo do
comunicador instantâneo usado no Tribunal de Justiça da Bahia chamado “pandion”. Assim,
fixou-se como regra que todo servidor deveria ao ligar o computador ativar esse comunicador
para facilitar a comunicação entre colegas e com o juiz togado. Isso proporcionou ganho de
tempo considerável na elucidação de dúvidas, em disseminar avisos e se fazer reuniões virtuais
rápidas. Os conciliadores passaram a fazer uso dessa ferramenta e se comunicar com o juiz e
sua equipe sem precisar ausentar-se da sala de sessão de conciliação. Essa forma de
comunicação passou a ser essencial para a ordem dos trabalhos.
No que toca ao conciliador do juizado, a integração com o Juiz, a equipe de gabinete e
mesmo a secretaria da unidade era de fundamental importância. Com efeito, ela permitia que
problemas que ocorriam durante as sessões da conciliação fossem resolvidos com uma simples
troca de mensagem por meios do comunicador instantâneo. Ademais, o conciliador também já
na sessão de conciliação sinalizava para o juiz os processos que deveriam ser extintos seja por
ausência do autor à audiência, seja por pedido de desistência. Essa sinalização se fazia
diretamente no processo por meio da conclusão do processo para área específica do painel do
juiz togado existente no PROJUDI e com o uso de LOCALIZADOR. Essa estratégia gerava
grande economia de tempo no momento de se proferir sentenças, que nesses casos poderiam
ser proferidas em lote. O conciliador ainda interagia com a secretaria, e nessa interação realizava
movimentações que ajudava no trâmite mais rápido do processo, com efeito, o conciliador
antecipava movimentações que se não fossem realizadas, teria que ser feita no âmbito da
secretaria.
5. Localizadores
Nesse campo das decisões em lote, que talvez seja o recurso mais importante para
conferir racionalidade no trabalho do juizado, que lida com centenas de situações repetidas,
foi o uso do localizador. Em linhas gerais, decisão em lote é a reprodução de um mesmo e igual
ato judicial a ser aplicado em vários processos. O localizador é uma função existente no PROJUDI
que permite criar uma marca temporária no processo (índice) que sinaliza para a realização de
algum ato no processo. Assim, com essa função permitiu-se que se marcassem vários processos
com um mesmo localizador para que se repetisse nesses processos um mesmo ato judicial. Essa
medida possibilitou aumento de produtividade em larga escala, com o mínimo de esforço para
o juiz.
277
ENTRE ASPAS
Isso era possível nos casos de processos que em sua grande parte demandavam uma
mesma atividade judicial. Por exemplo, quando se requeria a desistência do processo, o ato
judicial pertinente na sequência era a sentença de desistência. Logo, faz-se a conclusão de dez
processos com requerimento de desistência, com o uso do localizador referente a sentença de
desistência marcando-se os processos, e na sequência uma única sentença de desistência era
dada e ela era reproduzida nos dez processos, sem necessidade de abrir um por um. Assim, esse
mecanismo passou a ser usado nas sentenças formais (abandono do autor, desistência,
homologação de acordo etc.), em decisões padronizadas de questões processuais, em decisões
de medidas de urgências repetitivas etc.
Importante ressaltar que os localizadores devem ser usados com bastante atenção e
deve ser aprovado pelo juiz togado que é quem define o uso do localizador. No caso, ele define
o seu nome, como e em que condições deve ser usado. Ademais, cada localizador criado deve
se referir a um único ato judicial inalterável (correspondência unívoca). Isto é precaução
necessária, pois se ocorrer algum erro no uso do localizador implicará em decisão judicial
incorreta, o que poderá levar ao constrangimento do serviço judiciário, em especial do próprio
juiz que confia na informação inserida no localizador. Contudo, tendo os cuidados necessários,
torna-se uma ferramenta poderosa para otimizar o tempo e ampliar a capacidade produtiva do
juiz.
A secretaria passou a usar essa função “localizador” em suas movimentações que se
revelou eficiente instrumento de trabalho na localização dos processos e na adoção de alguma
atividade. Evitava-se que o processo se perdesse e fosse esquecido. Aquela situação que
ocorria com os processos físicos, em que somente quando a parte comparecia à unidade para
reclamar movimentação do processo, o mesmo era encontrado. Essa situação encerrou-se
porque a regra que se estabeleceu era a de que qualquer que seja a fase em que se encontra o
processo, ele deve ter um sinal específico no localizador para marcar a sua situação e facilitar
sua localização e adoção do ato procedimental pertinente.
Decidiu-se que para uma eficiente forma de uso dos localizadores, estes deveriam ser
criados pelo Gabinete do Juiz com a assistência da secretária do juizado. Assim, somente com
a aprovação do Gabinete os localizadores poderiam ser criados. Isso evitaria a falta de controle
na criação desses índices que se tiver em excesso, também poderá ser prejudicial para o
desempenho do trabalho. Ademais, foram criados tipos específicos de localizadores agrupados
por setores do juizado, com designação codificada o que facilitava na identificação dos atos
que deveriam ser realizados no processo.
Cabe ressaltar que uma vez que o processo era movimentado, necessariamente se tinha
que apagar o localizador referente a movimentação realizada, e inserir outro referente a
movimentação que irá ser feita na sequência. Isso para sinalizar para quem for trabalhar com o
processo na sequência, o ato que está pendendo de realização representado pelo localizador.
6. Alvará Eletrônico
Nessa época, é bom frisar, o juiz de direito titular da unidade realizava as audiências de
instrução, que passou a ser numerosa diante da restauração da sistemática legal de sentença
de mérito ter como pressuposto audiência de instrução. As audiências se realizavam todos os
dias da semana exceto às sextas-feiras, pois era o dia que se reservava para o trabalho de
orientação, organização e definição de teses jurídicas com a equipe de gabinete e ainda orientava
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A REVISTA DA UNICORP
a equipe da secretaria. Com o trabalho fluindo, os processos começaram chegar mais rápido ao
seu final, e isso significava alvará judicial.
O número de requerimento de alvará ganhou volume e passou a ser um incômodo. As
partes litigantes não tinham paciência de esperar a assinatura desses alvarás que necessitavam
da assinatura física do juiz de direito para ser considerado válido pelo Banco do Brasil S/A,
instituição depositária, mesmo aqueles oriundos do processo eletrônico.
Com efeito, com o crescimento do número de pedido de liberação de valor (alvará
judicial) as partes litigantes e advogados começavam a interromper as audiências para que
esses alvarás fossem de pronto assinados. No sentido de resolver esse incômodo em um
primeiro momento, designou-se dia certo para esse ato, mas logo começaram surgir as exceções:
idosos, grávidas, pessoas que moravam em outras comarcas etc. Não precisa dizer que a
estratégia do dia certo para o ato não funcionou. Em seguida, partindo de um raciocínio simples,
ou seja, de que no caso do PROJUDI uma vez o alvará assinado no sistema ele já estaria válido,
não precisaria de assinatura física do juiz, e que somente os oriundos do SAIPRO teriam
verdadeiramente a necessidade da assinatura física do Juiz, chegou-se à ideia de que a assinatura
física em alvará do PROJUDI era um excesso descabido. Esse raciocínio fundamentou portaria
que se editou disciplinando que o alvará assinado no PROJUDI seria suficiente para sua
validade, não necessitando da assinatura física.
O Banco do Brasil S/A diante desse novo procedimento reclamou perante a Corregedoria
local dessa portaria, o que fez com que se recuasse nessa determinação. No entanto, a ideia de
que era desnecessária a assinatura física em alvará eletrônico não foi abandonada. Assim,
tentou-se uma nova abordagem com o Banco do Brasil S/A, e conseguiu-se apoio dessa
entidade para buscar uma maneira mais inteligente da liberação desses alvarás. Nesse passo,
contando ainda com a ajuda da equipe de Tecnologia de Informação do Conselho Nacional de
Justiça e a do Tribunal de Justiça da Bahia, o conceito defendido precipitou-se na realidade
com a criação do alvará eletrônico, hoje bastante usado por todos os juízes do sistema do
juizado especial.
O alvará quando assinado eletronicamente permite que a parte favorecida, de onde
estiver, ao acessar o processo eletrônico possa imprimir o alvará assinado e se dirige ao Banco
do Brasil S/A para sacar o valor, sem qualquer necessidade de se dirigir a unidade judicial. No
caso, ao assinar o alvará é gerado um código de autenticação que a agência depositária o
examina acessando o sistema. Cabe ressaltar que existe o recurso da assinatura do alvará em
lote que gera mais esse conforto para os juízes, ou seja, de uma só vez, o juiz pode assinar
vários alvarás sem precisar abrir um por um.
7. Juizado na Nuvem
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8. Assessor de Juiz
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conforme acima se ressaltou. Por conseguinte, mais um servidor foi deslocado para o gabinete.
Nesse passo, deslocou-se um servidor da secretaria para ajudar na atividade do gabinete.
Assim, o gabinete passou a contar com o assessor de juiz, o servidor referido e estagiários de
direito. Esse quadro do gabinete, apesar de hoje estar bem melhor formatado do que estava em
épocas anteriores, ainda se trata de uma quadro insuficiente de servidores. Afinal, em razão da
crescente demanda dos jurisdicionados, a sua ampliação é uma necessidade preemente para
complementar a força de trabalho e tornar o juizado ainda mais eficiente.
Cabe ressaltar que na gerência do gabinete se fixou a regra importante para a continuidade
do serviço. Por essa regra o assessor de juiz deve tirar férias e licenças preferencialmente em
períodos opostos ao do juiz titular do juizado e jamais deve tirar simultaneamente com o
servidor que atua no gabinete, pois este é quem responde na ausência e impedimentos do
assessor do juiz. Essa medida é importante para que o juiz de direito que for substituir o juiz
titular do juizado possa contar com o apoio do gabinete, de modo a não alterar a rotina de
trabalho instituída no juizado.
9. Juiz Leigo
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ENTRE ASPAS
audiência tendo alguma dúvida, possa consultar o juiz de direito de forma rápida sem precisar
ausentar-se da sala de instrução. A psyche é usada mediante a criação da subpasta “Juiz Leigo”
abrigada na pasta da unidade jurisdicional em questão. Nessa pasta se organizam os documentos
importantes para o juiz leigo, especialmente as decisões que eles produzem, a fim de formar um
repositório para futuras consultas e facilitar resolução de casos semelhantes. Essa subpasta se
desdobra em outras duas subpastas nas quais se devem armazenar as decisões aprovadas
pelo juiz de direito e as que penderem de aprovação. Essas pastas desdobradas podem, por
exemplo, ser denominadas de: a) “DECISÕES APROVADAS” e b) “DECISÕES À EXAME”.
Essas pastas são importantes para que se possa operar o controle da decisão do juiz
leigo antes de se lançar a decisão no processo eletrônico (controle prévio). Assim, o juiz leigo
somente lança a sua decisão de juiz leigo no processo após se certificar que a mesma já foi
aprovada pelo juiz de direito. Isso se opera mediante o exame das pastas citadas. Com efeito, ao
produzir a decisão, o juiz leigo lança essa decisão na pasta “DECISÕES À EXAME”. O juiz de
Direito ao acessar essa pasta verifica a decisão lançada, estando ela correta transfere a decisão
para a pasta “DECISÕES APROVADAS”, sinalizando com essa tranferência que a decisão foi
aprovada. Em seguida, o juiz leigo ao acessar essa pasta, ele copia a decisão que foi aprovada
e lança no processo eletrônico, e faz conclusão do processo para o juiz de direito lançar a
sentença homologatória. Lamentavelmente a Coordenação dos Juizados Especiais desabilitou
o fluxo de homologação de decisão do juiz leigo no PROJUDI de modo que para se atingir essa
função desabilitada se socorre de um procedimento substituto. No caso, o juiz leigo lança essa
decisão fazendo uso do perfil de Diretor de Secretaria, e em seguida, altera seu perfil para
assessor de juiz e faz a pré-análise da sentença homologatória da decisão anteriormente lançada.
Na etapa seguinte quando o juiz for movimentar o processo lançando a sentença homologatória,
o faz como sentença homologação de acordo, inserindo no campo observação que se trata de
homologação de decisão de juiz leigo. Essa acrobacia poderia ser minimizada se a função
desabilitada fosse restaurada, mas já se tentou isso em diversas administrações do Tribunal de
Justiça da Bahia, sem sucesso, pois alguns entendem que o juiz leigo é um assessor e não
poderia lançar decisões de forma autônoma.
No caso de o juiz de direito verificar que a decisão lançada na pasta “DECISÕES À
EXAME” não está correta ele pode operar as correções que julgar pertinente no documento
sub examine e em seguida transferir para a pasta “DECISÕES APROVADAS”, continuando daí
como acima se explicou. No caso, não querendo fazer os ajustes, cabe ou chamar o juiz leigo
para discutir a decisão ou apontar em vermelho no documento os pontos que merecem correção,
a fim de que o juiz leigo possa ele mesmo identificar os erros apontados e operar a correção.
Deve ter ficado claro que essa forma de supervisão se faz fora do PROJUDI. A vantagem
é a segurança de que o juiz leigo somente lance no processo decisões aprovadas previamente,
evitando ter que se ficar fazendo correções mediante o uso do editor de texto do PROJUDI que,
como se sabe, não é muito bom. Ademais, na sequência, quando o Juiz de Direito for lançar a
sentença homologatória de decisão de juiz leigo, essa tarefa estará substancialmente facilitada,
pois não vai precisar abrir o processo, já que se sabe que a decisão lançada já foi aprovada. E
ainda, pode proferir a sentença homologatória em lote, o que otimiza, sem dúvida alguma, o
tempo de trabalho do juiz de direito.
Não se deve perder a noção de que o profissional que ocupa a função de Juiz Leigo é um
advogado, que no máximo em regra exercerá essa função de juiz instrutor por quatro anos. Com
isso se quer dizer que não se deve esperar desse auxiliar o mesmo rigor de elucidação das
questões litigiosas com a mesma qualidade que faria o juiz de direito que é um profissional
282
A REVISTA DA UNICORP
dedicado a esse mister, com maior experiência nessa área. Levando-se isso em consideração é
que na organização dos trabalhos do juiz leigo definiu-se que a pauta de audiência teria no
máximo cinco processos por dia. Uma carga razoável para a instrução de feitos. Em seguida
estabeleceu-se a regra de cumprimento de pautas em dias alternados. No caso, significa que
no dia em que o juiz leigo faz audiência, no dia seguinte ele não tem pauta, devendo nesse dia
elaborar as decisões referente a pauta do dia anterior, e tirar dúvidas com o juiz de direito,
estabelecer teses jurídicas para a solução do conflito, movimentar os processos etc. Essa fase
de tirar dúvidas antes de equacionar a lide é fundamental para se obter decisões qualificadas e
coerente com a supervisão do juiz de direito, e facilita de maneira considerável o exame da
decisão levada posteriormente aos cuidados do juiz de direito.
Assim, a atividade do Juiz Leigo ganhou considerável otimização com essas três medidas:
controle prévio das decisões do juiz leigo, realização de audiência de instrução em dias
alternados e a discussão da causa com o juiz de direito antes da decisão ser proferida. Cabe
ainda gizar que a produção do juiz leigo é controlada pelo juiz togado com o auxílio do assessor
de juiz, de modo que se tem a exata dimensão da quantidade e qualidade do seu trabalho.
283
ENTRE ASPAS
Ressalte-se também que nessa época foi lançado a distribuição de mandados e ofícios
aos oficiais de justiça de maneira eletrônica via e-mail institucional. Por esse mecanismo a
secretaria preparava o expediente mandava para o e-mail do supervisor que por sua vez
redistribuía para o oficial de justiça competente (a competência era fixada por bairro de atuação)
que tinha a responsabilidade de imprimir o expediente e, uma vez cumprido digitalizar e lançar
a certidão no processo, avisando ao supervisor para dar baixa em seu controle.
Essa forma de distribuição não fazia uso do PROJUDI, vamos dizer era off-line, embora
se fazia por meio eletrônico. No entanto, esse modelo de distribuição foi incorporado como
284
A REVISTA DA UNICORP
Outra medida que se adotou, na linha de acabar com a impressão física, nessa época, foi
o requerimento eletrônico das partes litigantes. Com efeito, foi elaborado um formulário eletrônico
e disponibilizado para uso na recepção. A parte litigante com a assistência do atendente de
recepção preenchia esse formulário mediante terminal disponível, validava esse requerimento
com carteira de identidade ou outro documento com foto, que na oportunidade tal documento
é digitalizado e lança-se diretamente o requerimento no processo eletrônico respectivo.
Com essa medida acabou-se com os formulários em papel usado para esse fim. Tal
inovação foi uma grande medida, pois além de ser desperdício de recurso usar papel que após
a sua digitalização o mesmo será rasgado, facilitou o entendimento do juiz de direito sobre
esses requerimentos, pois como anteriormente eles eram manuscritos, não raras vezes era
difícil de entender a caligrafia dos requerentes.
O requerimento eletrônico para as partes litigantes acarretou melhora significativa na
movimentação dos processos. A alegação que as partes litigantes são pessoas que não saberiam
usar o sistema e que teriam grande dificuldade de interagir com o meio cibernético foi desmentido
com a prática do uso desse sistema. Não se registra qualquer incidente que atrapalhasse o
andamento do processo no uso desse tipo de requerimento ou reclamação significativa dos
usuários. Os servidores do juizado destinados a atender esse público são bem treinados, de
forma que se pode afirmar que foi uma medida exitosa.
No ano de 2012, solicita-se a remoção para outra vara. Agora dirijo-me para a titularidade
da 2ª Vara do Sistema de Juizados Especiais de Lauro de Freitas. Nessa mudança leva-se para
a nova unidade de trabalho toda a experiência acumulada durante os anos anteriores, com vista
a desenvolver um trabalho de reestruturação da nova unidade que demandava bastante serviço.
A essa altura já temos um conjunto de ferramentas para vencer as dificuldades que qualquer
unidade da espécie possa apresentar. E apesar da unidade de Lauro de Freitas na época se
desenhar como uma unidade avassaladora de processos físicos e com processos virtuais em
marcha crescente, em razão da experiência acumulada, não parecia ser uma tarefa difícil de se
empreender para organizar aquele aparente caos processual.
Com efeito, todas as estratégias de trabalho acima citadas foram implementadas no
Juizado de Lauro de Freitas e em pouco tempo, essa unidade se ajustou às novas diretrizes
tornando-se eficiente em seus resultados. Não tenho dúvida em afirmar que o Juizado de Lauro
285
ENTRE ASPAS
de Freitas está entre os mais produtivos do Estado da Bahia. E, nessa nova casa, experimentou-
se processos de trabalho inovadores com base na ideia já mencionada de livrar-se do papel.
Com efeito, praticamente não se imprime mais nem na audiência de instrução e nem na secretaria.
O passo seguinte foi fazer o mesmo com a sessão de conciliação que teimava em resistir a livrar-
se da impressora.
Assim, em Lauro de Freitas para a realização das sessões de conciliação, passou-se a
usar leitor biométrico para colher a impressão digital da parte e lançar essa impressão diretamente
no arquivo eletrônico do termo da audiência. Com essa impressão digital anexada no termo se
validava a presença da parte litigante no ato. Consequentemente, com essa simples medida a
impressão do termo para que as partes assinassem fisicamente passou a ser desnecessária. A
impressora finalmente foi retirada da sala de conciliação. Recomendou-se aos conciliadores
que advertissem as partes que deveriam obter login e senha, se já não tivessem, para acessar
o respectivo processo e ver os documentos produzidos, uma vez que não seria mais permitida
a impressão. Não se verificou grandes resistências a essa medida, não há notícias de reclamações
significativas a esse sistema, que tem trazido economia de insumos para o Tribunal de Justiça
da Bahia e sendo uma ação ecologicamente correta.
Cabe lembrar que da mesma forma que ocorre na audiência de instrução, as partes
litigantes e advogados tendo documentos para serem juntados ao processo deve fazê-lo antes
ou depois da sessão nunca durante, utilizando-se dos aparelhos disponíveis na unidade. Não
obstante, o próximo passo na incessante busca de aperfeiçoamento da atividade jurisdicional
aliada à tecnologia será a extensão do uso da gravação em audiências para a sessão de
conciliação, que além dos benefícios já mencionados com o uso desse equipamento na sala de
instrução, conferirá uma maior transparência ao ato, além de tornar mais célere a audiência.
Assim, o juizado caminha para sua realidade de se tornar 100% (cem por cento) eletrônico.
Hoje somente se usa papel na supervisão, no gabinete e na sala dos oficiais de justiça. Está se
caminhando numa solução para retirar também a impressora da supervisão e do gabinete, de
modo que o uso do papel fique exclusivamente restrita aos oficiais de justiça.
286
A REVISTA DA UNICORP
O conciliador e o juiz leigo devem comunicar-se entre si, com maior frequência, para
definir se o caso será mesmo julgado sem audiência de instrução, se existe precedente etc. No
caso, o conciliador durante o término da sessão se deparar com situação que pode ser enviado
direto para o juiz leigo, deve consultar o respectivo juiz leigo, e se ele concordar, encaminhar o
processo para decisão de mérito. No caso de obter negativa, deve marcar audiência de instrução.
Em última análise, deixou-se a decisão de se ter ou não a audiência de instrução para o
próprio juiz leigo que vai enfrentar o processo. Pode ainda, o próprio juiz leigo, deparando-se
com o processo que lhe fora encaminhado direto da conciliação para decisão, mas que perceba
depois de estudo mais aprofundado que o caso demanda mesmo instrução, deve reclamar ao
juiz togado para que seja marcada audiência de instrução. Nesse passo, o juiz togado, então,
determina a designação da audiência para a pauta do respectivo juiz leigo que reclamou o ato.
Contudo, para isso ser possível as partes litigantes e advogados também devem ser
cientificados na sessão de conciliação da data em que será proferida a respectiva sentença,
correndo desse termo o prazo para eventual recurso, ainda que a sentença seja proferida antes
desse termo. O princípio do dia determinado para publicação da sentença é um valor que não
se descuida, mesmo no caso da antecipação de decisão de mérito. Esse é o fator principal que
deve se guiar o julgador em respeito às partes litigantes e em bem servir a Justiça.
Observa-se portanto que o juiz leigo que antes produzia com uma movimentação, passou
a produzir em referência à duas movimentações: a) a partir das audiências de instrução que ele
presidir e b) a partir dos feitos que se originarem da sessão de conciliação, que ele definir com
o conciliador. Deve-se ressaltar que a nota importante nesse tema para que a organização renda
resultados produtivos é que em qualquer dos casos, deve-se sempre no ato da audiência ou
sessão cientificar as partes litigantes e advogados da data em que será proferida a respectiva
sentença.
Nessa mesma linha de adaptação da atividade do juiz leigo diante da mudança de
critério de remuneração, decidiu-se que as audiências de instrução iriam ocorrer nas segundas,
quartas e quintas-feiras, a fim de que o juiz leigo possa se dedicar massivamente à produção de
decisões de mérito nos outros dias. E a pauta da quarta-feira ficou reservada para o juiz de
direito que preside a audiência e deve decidir os processos dessa pauta. Com essa medida
conseguiu-se diminuir o desconforto dos juízes leigos e obteve-se oportunidade de maior
produção para se tentar atingir a meta remuneratória estabelecida pelo Tribunal de Justiça da
Bahia.
287
ENTRE ASPAS
conclusão do feito para esse fim. Cabe a secretaria ao fazer a conclusão dos processos
pendentes de embargos de declaração fixar o prazo de dez dias para a sua elucidação. O
assessor do juiz, por sua vez, controla esse prazo mediante planilha específica para essa
finalidade. No caso dos embargos de declaração referente a processo em que atuou o juiz leigo,
este deve ser consultado para a solução dos embargos, devendo o assessor do juiz minutar a
respectiva decisão para exame do juiz togado. No caso dos embargos de declaração referir-se
à decisão de juiz de direito, o assessor deve consultá-lo também para solução do respectivo
recurso.
Com essa medida pode-se fazer o controle a posteriori da qualidade das decisões e uma
vez que o erro for efetivamente identificado, o mesmo deverá ser corrigido, e evitar-se-á sua
reprodução em outros processos. O assessor deve operar o registro do erro de modo que fique
a sinalização histórica do mesmo para eventuais futuras consultas. Esse registro se faz mediante
planilha própria armazenando o documento em pasta eletrônica criada na psyche. No caso de
decisão do juiz leigo, deve o subscritor da decisão corrigida ser informado do equívoco, e
alertá-lo para evitar que o mesmo se repita.
Importante registrar que para o juiz de direito não perder o controle qualitativo dos
feitos que estão conclusos em sua área de juiz togado, visto no PROJUDI, fixou-se a regra da
conclusão setorial. Isso significa que cada setor do juizado ao movimentar o processo deve
fazê-lo para determinado campo de conclusão do magistrado. Assim, a secretaria somente
movimenta processos para dois campos da conclusão: o de sentença e o de decisão. A
conciliação movimenta o processo para o campo: decisão após audiência e sentença. O juiz
leigo movimenta para o campo: decisão após audiência e para o de sentença homologatória. A
recepção para o campo: decisão e para o de sentença.
Nessa movimentação deve inserir também o localizador cabível. Considera-se proibido
qualquer movimentação que não siga esse padrão de conclusão. Cabe ressaltar que o campo
despacho não é utilizado, pois o processo que demandar despacho de mero expediente é
288
A REVISTA DA UNICORP
resolvido por ato ordinatório, como acima já se aludiu. Essa conclusão setorial permite que o
juiz apenas olhando os números existentes em cada campo de conclusão avalie onde o excesso
de trabalho está a merecer atenção, e desta forma estabelecer estratégia de trabalho priorizando
os setores que julgar mais importantes.
17. Conclusão
Organizar uma unidade judiciária não é algo difícil, embora seja bem trabalhoso. Certo
que após organizada, não precisa mais preocupações como acúmulos de serviço, mutirões
disso ou daquilo, equipes de sanemaento etc. O sistema começa a fluir naturalmente de uma
forma responsável e eficiente. Numa cadência que será mais ou menos rápida a produção na
proporção direta dos recursos material e humano que o Tribunal de Justiça da Bahia
disponibilizar para fazer frente ao serviço da unidade.
Com efeito, após seguir esse método de trabalho identificou-se que o processo judicial
no juizado passou a ter seu fluxo bem definido. No caso, o processo em sua fase de conhecimento
encontra-se ou pendente de sessão de conciliação ou pendente de audiência de instrução,
pois resolvido qualquer das pendências, em breve tempo a partir da sua resolução a decisão de
mérito é proferida. A velocidade em que são realizados esses atos principais vai depender, por
evidente, da força de trabalho do juizado. O fato é que será sempre confortável para o juiz de
direito atuar no juizado, seja como força de trabalho máxima, seja como força de trabalho
reduzida, se caminhar por essas orientações dadas.
Essa experiência foi obtida em diversos tipos de juizados especiais e em todos eles em
que a organização nesses moldes foi adotada a resposta foi alto ganho de produtividade,
conforto de trabalho para o juiz de direito, para os servidores e, principalmente, para os
jurisdicionados. A principal obrigação que o juiz titular da unidade deve ter é constante vigilância
para que os mecanismos de controle não sejam frustrados. Por exemplo, observar com rigor os
prazos que são fixados para prolação de sentença é um desses controles, outro é a reunião
periódica com seu time para estabelecer as metas de trabalho e avaliação de desempenho.
Nesse passo podemos sintetizar algumas medidas que podem ser deduzidas da
experiência acima descrita que se seguidas por outros obterão o mesmo sucesso:
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ENTRE ASPAS
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A REVISTA DA UNICORP
1. Introdução
O Poder Judiciário tem como missão realizar a justiça, fortalecendo o Estado Democrático,
fomentando a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, por meio de uma efetiva
prestação jurisdicional. É muito importante para o Poder Judiciário, ser reconhecido pela
sociedade como instrumento efetivo de justiça, mantendo a equidade e paz social, sendo esta
inclusive a sua missão4.
Assim, a Constituição Federal garante as autonomias administrativa e financeira do
Poder Judiciário, assegurando independência funcional aos magistrados.
De acordo com o relatório da Justiça em Número/2014, ano base de 20135, tramitaram
aproximadamente 95,14 milhões de processos na Justiça, sendo que, dentre eles, 70%, ou seja,
291
ENTRE ASPAS
66,8 milhões já estavam pendentes desde o início de 2013, com o ingresso no decorrer do ano
de 28,3 milhões de casos novos (30%).
Ainda segundo o referido relatório, o total de processos baixados, por sua vez, aumenta
em proporções menores desde 2010, com crescimento de 0,1% no último ano e de 9,3% no
quinquênio. Desde o ano de 2011 o quantitativo de processos baixados é inferior ao de casos
novos, ou seja, o Poder Judiciário não consegue baixar nem o quantitativo de processos
ingressados, aumentando ano a ano o número de casos pendentes. Este indicador do total de
processos baixados divididos pelo número de casos novos é conhecido como o Índice de
Atendimento à Demanda (IAD)6 que diminui desde o ano de 2009, passando de 103% nesse
ano para 98% em 20137.
Ainda na página 91 do mencionado relatório a movimentação processual registra um
estoque nos Juizados Especiais do Estado da Bahia de 218.921 processos. Para casos novos
foram registrados 217.815, no setor julgados foram 206.608 feitos e foram 228.066 baixados,
sendo o saldo estimado de 208.670 processos. Por seu turno os indicadores de produtividade
dos Juizados apontam que foram baixados 104,7%, que a taxa de congestionamento8 é de
47,8%, na qual a fase de conhecimento aponta uma taxa de congestionamento de 44,6% e na
fase de execução é de 65.9%. Importante salientar que este quadro está em sintonia com o
quadro total do Poder Judiciário (exceto STF e Conselhos) apontado na página 39 do
retromencionado relatório.
Já os indicadores por magistrados apontam que nos Juizados Especiais tem-se uma
carga de trabalho de 4.131 processos, para o número de processos julgados temos um média de
1.867 e o número de processos baixados é de 1.999 processos.
O Tribunal de Justiça da Bahia integra o 2º grupo de tribunais de Justiça do país,
classificado como de médio porte, com escore de 0,25. Despesas total da justiça 1.722.593.385,
com 2.656.141 processos em tramitação, com 636 magistrados e 13.294 número total de
servidores.9
Pois bem, para a 36ª Vara dos Sistemas, atual 13ª Vara dos Sistemas dos Juizados, há o
registro de processos distribuídos entre agosto a dezembro de 2013 um total de 870 ações
novas e entre janeiro a agosto de 2014, 1.699 ações distribuídas, no total foram ajuizadas 2.569
ações novas no período de aplicação do plano de ação. O que demonstra que a vara possui
uma demanda considerável, sendo que seu acervo ativo em agosto/2014 era de 9.311 processos
ativos na unidade vinculados a esta magistrada.
Assim, ao final dos trabalhos neste período de um ano conseguimos demonstrar que a
metodologia aplicada alcançou um índice de eficiência no sentido de sermos capazes de julgar
mais processos do que os ajuizados, reduzindo assim a taxa de congestionamento da fase do
processo de conhecimento e diminuindo também o tempo de tramitação do processo nesta
mesma fase. A balança judiciária10 que em agosto de 2013 era 95% chegou em dezembro do
mesmo ano ao índice de 172% e entre o período de agosto a dezembro/2013 a média foi de
118%. Por seu turno no mês de janeiro/2014 o percentual alcançado foi de 178%, em agosto do
mesmo ano o índice foi de 157%, totalizando em 2014 uma balança positiva de 268% de
arquivados neste período; para o ano de agosto/2013 a agosto/2014 o índice total médio foi de
217%.11
Vejamos a evolução da balança judiciária no período de aplicação de gerenciamento das
rotinas12:
Ano mês 2013 2014 2014 Total
2013 Total Total Geral
8 9 10 11 12 1 2 3 4 5 6 7 8
95% 103% 72% 176% 172% 118% 178% 178% 208% 150% 298% 271% 409% 541% 157% 268%
292
A REVISTA DA UNICORP
2. Da unidade
3. A criação do paradigma
293
ENTRE ASPAS
Modelar alguém é traçar o perfil de eficiência que ela possui, descrever as ações,
padronizá-las, capacitar pessoas para que possam reproduzir e alcançar resultados igualmente
eficazes.
Sendo assim, foram estabelecidos os problemas, ou seja, tínhamos os resultados para
serem alcançados e a necessidade de pesquisar os possíveis Juízes paradigmas18 que possuíam
uma produtividade elevada e uma taxa de congestionamento em seus Juizados considerada
baixa (vide gráfico em anexo). Para escolha do paradigma era necessário que o Juiz fosse titular
da vara, tivesse um período superior a um ano no exercício da titularidade na unidade, possuísse
uma rotina que pudesse ser facilmente copiada e apresentasse uma boa produtividade; então
foi feito um levantamento do grau de produção dos magistrados em termos de sentenças e três
foram as possíveis unidades cuja metodologia de organização de secretaria fosse compatível.
294
A REVISTA DA UNICORP
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ENTRE ASPAS
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A REVISTA DA UNICORP
arquivados, assim também a média de processos ajuizados por mês naquela unidade. Além de
monitorar e tornar mais visíveis os resultados da Vara, conseguimos aumentar a motivação da
equipe por seu esforço refletido na melhoria do atendimento às demandas da população.
No gráfico abaixo, de distribuição dos processos da 36ª Vara, pode-se observar que
houve uma significativa mudança de patamar, para melhor, considerando que entre o período
de julho a dezembro de 2013 a média de distribuição foi de 294/mês, abaixo da meta do CNJ,
enquanto que de janeiro a agosto de 2014 os resultados superaram o período anterior em 81%
e a meta do CNJ em 77%, alcançando com a média mensal de 532 processos distribuídos.
297
ENTRE ASPAS
Por fim a última, mas não menos importante, etapa do PDCA, no A (Action) onde
padronizamos e trabalhamos diariamente para eliminar causas que poderiam comprometer a
manutenção dos resultados já alcançados para a redução do acervo com o aumento da
produtividade, consistindo na revisão das atividades e planejamento para o trabalho futuro.
Assim, podemos apontar neste ínterim algumas das melhores práticas adotadas pela
unidade, quais sejam; o uso racional dos localizadores, com o objetivo de identificar cada fase
do processo e quais atos precisam ser praticados, facilitando o uso da ferramenta da prática de
atos em lotes e despachos múltiplos. Outra prática muito salutar foi o uso da Nuvem/Psyché
do Juizado para acompanhamento de todos os atos praticados na unidade e também facilitando
a correção prévia dos atos das juízas leigas, para lançamento posterior no sistema, reduzindo
o tempo de ajuste de correção e formatação da produção. A aposição da data de julgamento
dos processos nos termos de audiências com ressalva de que o prazo de julgamento não seria
superior a trinta dias, reuniões periódicas com a equipe para sedimentar as rotinas, favorecer o
sentimento de unicidade e comprometimento.
Neste momento foi eleito o nosso paradigma para que pudesse ser copiado e agregasse
valor às rotinas já existentes. Analisando os métodos aplicados pelos magistrados, apontados
no gráfico 1, o paradigma escolhido foi o aplicado na Vara dos Sistemas dos Juizados de Lauro
de Freitas, porque além dos resultados alcançados, a nossa base teórica apontava que a
metodologia utilizada pelo Dr. Marcelo de Oliveira Brandão estava adequada ao PDCA e implicava
a concretização de várias ferramentas já disponíveis no PROJUDI que não eram de domínio dos
servidores. Com a visita “in loco”, concluímos que havia rotina de trabalho dia a dia, metodologia,
gestão de pessoas, desalienação das rotinas de trabalho, equipe de trabalho comprometida
com os resultados, liderança dos magistrados e controles das ferramentas utilizadas e metas
traçadas.
Em parceria com o magistrado, todas as metodologias, atos normativos e localizadores
foram compartilhados via pasta nuvem/psyché e passamos a agir no sentido de que os servidores
tivessem o domínio das práticas de processo de trabalho. É importante registrar que a parceria
com o magistrado tinha o objetivo de demonstrar que a metodologia não é pessoal e
intransferível, ainda também tinha por objetivo demonstrar que cada Vara, mesmo sendo uma
unidade autônoma e independente, uma base de rotina e fluxogramas podem e devem ser
adotadas pelas unidades judiciárias que trabalham com o sistema PROJUDI.
Eleito o paradigma passamos a responder às “condições bem formuladas”27, que são
perguntas que o líder deve responder quando traça as suas metas e as de sua equipe, foram
elas:
1 – O que você quer?
Adotar uma metodologia de fácil apreensão, ser agente multiplicador de boas práticas,
desalienar as rotinas de trabalho, reduzir a média de tempo de tramitação dos processos na fase
de conhecimento e na fase de cumprimento de sentença.
2 - Como você sabe se está tendo ou teve sucesso?
Foi realizado um levantamento das demandas existentes na Vara, fixadas as metas de
julgamento, ampliado o número de conciliações realizadas no mês, reduzido o acervo de
conclusão para julgamento, decisões e despachos e realizado o acompanhamento dos dados
fornecidos pela Justiça Aberta para apresentar o aumento dos processos julgados mês, números
de processos julgados com e sem mérito, número de processos arquivados e informativo de
quantas ações eram ajuizadas mês a mês.
3 - Quando, onde e com quem?
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5. A gestão de pessoas
Como escrito anteriormente, foram realizados alguns cursos que auxiliaram na formação
para lidar com as ferramentas da gestão operacional e da gestão de pessoas. A MBA em gestão
de pessoas e formação de líderes surgiu da necessidade de ter o melhor desempenho das
pessoas envolvidas na prestação dos serviços uma vez que os recursos públicos serão sempre
insuficientes.
Mesmo havendo limitações dos recursos financeiros e orçamentários, acreditamos
que é possível alcançar melhores resultados através das práticas de gestão de resultados e
pessoas.
Gerenciar nada mais é do que fazer com que as coisas aconteçam e que os resultados
sejam alcançados de forma ética, ecológica para seus participantes e que proporcione a melhoria
da qualidade de vida de todos os envolvidos. Acredito que se a organização investir no
pessoal envolvido no processo de trabalho, a satisfação também alcançará níveis mais elevados
e, certamente, mais pessoas contribuirão com seus aprendizados.
Um aspecto interessante a ser registrado é que cresce o número de magistrados e
servidores que assumem as funções e que são nascidos a partir de 1978 (batizados como
“geração Y”, mas também conhecidos como Millenium ou Net) e segundo podemos perceber
esses números tendem a aumentar. Pois bem os ‘Y” possuem características peculiares: encaram
o trabalho como desafio e diversão, prezam um ambiente informal com transparência e liberdade
para a troca de ideias, valorizam o trabalho em equipe e querem promoções rápidas.
Aqui, na nossa atual estrutura, a promoção tem regras próprias distintas das empresas
privadas, mas que podem ser substituídas por valorização pessoal.
Entretanto, ainda somos muitos os gestores da “geração X” (nascidos entre 1965 e
1977) e baby boomers (1946 e 1964) e como características há dificuldade em assimilar e até
mesmo aceitar o comportamento dos mais jovens, por entrar em conflito com os próprios
valores, principalmente no que tange às relações formais e de hierarquia29. Então um dos
grandes desafios dos Tribunais é incorporar os valores dos Y de modo a integrar, e não se
chocar, com a cultura organizacional.
Mary Parker Follett30, sem ser psicóloga, é a principal expoente dos chamados psicólogos
da organização e para ela, o objetivo da administração é integrar as pessoas e coordenar suas
atividades. Assim, ela elaborou quatro princípios fundamentais da organização:
301
ENTRE ASPAS
liderança, pois ajudou os membros da equipe a acreditarem nas mudanças e na melhoria continua
do modelo adotado.
O uso das técnicas da PNL também auxiliou no exercício da liderança pois atuamos
como agentes que desenvolvem as pessoas a usarem seu potencial. A transparência na relação
com a equipe, a prática do feedback, a identificação das principais lideranças com suas
habilidades, pois é importante registrar que neste tipo de trabalho, não pode haver concentração
em uma única pessoa. As reuniões periódicas para entender e acreditar no processo de mudança,
a importância dada pela magistrada ao desempenho e bem estar da equipe são alguns fatores
que auxiliaram a gerar líderes. Óbvio que nem todos atendem igualmente ou na mesma proporção,
mas a mudança do clima organizacional gera transformação de todos da equipe e aquele que
efetivamente não se adapta deve se descobrir dentro da nova estrutura e metodologia, sob
pena de transferência, relotação ou outra soluções que o caso demandar.
O uso das ferramentas da programação neurolinguística, das metáforas, do rapport32,
um cuidado com os relacionamentos e com o estado emocional, a comunicação não violenta33
ajudam a administrar o dia a dia respeitando as diversidades e construindo as bases para
alcançar os resultados desejados.
Considerações finais
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A REVISTA DA UNICORP
Notas _____________________________________________________________________________
2 Metas para nacionais e estaduais estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça para ser cumpridas em
2014. Meta 01-Publicado em Sexta, 17 de Janeiro 2014; ASCOM/TJRR-www.google.com.br
3 Idem nota 230
4 Resolução 70, de 18 de março de 2009-art. 1º.
5 Conselho Nacional de Justiça – Relatório Justiça em Número – 2014 – ano base 2013.
6 Índice de Atendimento à Demanda – IAD – representa o total de processos baixados por caso novo
7 Relatório Justiça em Número – 2014 – ano base 2013. págs, 34 e 35
8 Taxa de Congestionamento – representa o percentual de processos que tramitam e não foram baixados
durante o ano.
9 Relatório Justiça em Número – 2014 – ano base 2013. págs, 34 e 35 – pág. 43. Porte do tribunal leva
em consideração as despesas totais, a tramitação processual (casos pendentes casos novos), número de
magistrados, números de servidores (expressão que abarca os servidores efetivos, os requisitados e os sem
vínculo, assim como as demais categorias que integram a força de trabalho auxiliar, como terceirizados,
estagiários, juízes leigos e conciliadores).
10 Registra o cálculo entre processos distribuídos e processos arquivados.
11 Dados fornecidos pelo setor de TI do TJBA
12 IDEM nota 12
13 A mudança para nova sede infelizmente ainda não ocorreu, todavia a COJE manteve a divisão dos
servidores por magistrados, medida esta extremamente saudável para desenvolvimento das metodologias
já implantadas na unidade.
14 Importante registrar aqui que a Juíza Coordenadora dos Juizados, Drª Luciana Carinhanha Setubal
acolheu nossos pleitos para alavancar os processos de mudanças. Para o saneamento da Secretaria foi
realizado um mutirão com o objetivo de reduzir a juntada de petições, ficando a unidade responsável pela
juntada atual e, por via de consequência, não acúmulo de novas juntadas. Muito embora esta magistrada
não seja favorável a mutirões, acredito que um trabalho direcionado da equipe de saneamento na
secretaria aliado às boas práticas representou o que precisávamos para a secretaria promover a redução
da juntada de petições e manutenção dos resultados. E este grupo de saneamento organizado pela COJE
produziu um ótimo trabalho em termos de juntada de petições e movimentações, aliado ao trabalho da
unidade de cumprir a sua meta.
15 Curso Practitioner, fases I e II de Programação Neurolinguística no total de 180 horas
16 MBA em Gestão de Pessoas e Formação de Lideranças na UNIT – que resultou na produção do TCC a
Gestão Estratégica Aplicada à Vara Cível de Cícero Dantas, apresentados no VIII Colóquio Internacional
de Educação e Contemporaneidade pela Universidade Federal de Sergipe e no Congresso realizado na
Faculdade Amadeus – FAMA em Aracaju.
303
ENTRE ASPAS
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A REVISTA DA UNICORP
Sami Storch
Doutorando em Direito Civil (PUC-SP), Mestre em Administração
Pública e Governo (EAESP-FGV/SP) e Juiz de Direito do Tribunal
de Justiça do Estado da Bahia - samistorch@gmail.com
Resumo: O presente artigo trata de uma nova abordagem para o tratamento dos conflitos na
Justiça, denominada Direito Sistêmico, que surgiu da análise do direito sob uma ótica baseada
nas ordens superiores que regem as relações humanas, segundo a ciência das constelações
familiares sistêmicas desenvolvida pelo terapeuta e filósofo alemão Bert Hellinger. Trata-se de
uma abordagem sistêmica e fenomenológica segundo a qual diversos tipos de problemas
enfrentados por um indivíduo (como dificuldades de relacionamento, por exemplo), podem
derivar de fatos graves ocorridos no passado não só do próprio indivíduo, mas também de
gerações anteriores de sua família. Essa abordagem pode gerar implicações importantes na
elaboração, interpretação e aplicação das leis, contribuindo para que juízes, mediadores e
outros profissionais da Justiça possam se posicionar de modo a trazer maior paz às relações,
bem como para que os conflitos sejam solucionados de forma mais rápida e eficaz, no sentido
de conciliações verdadeiras e duradouras. O artigo apresenta alguns desses aspectos, assim
como alguns resultados já observados nas experiências com a aplicação do direito sistêmico e
das constelações na Justiça.
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ENTRE ASPAS
relacionamento para o futuro, inclusive para tratar de forma amigável outras questões que
porventura se apresentem entre as mesmas partes.
A tradicional forma de tratar os conflitos no Judiciário já não é vista como a mais
eficiente, pois uma sentença de mérito, proferida pelo juiz, quase sempre gera inconformismo
de uma das partes – e não raro desagrada a ambas –, em muitos casos enseja a interposição de
recursos e manobras processuais ou extraprocessuais que dificultam a execução, retardando
assim a efetividade da prestação jurisdicional. Como consequência, a pendência tende a se
prolongar em demasia, gerando altos custos ao Estado e muita incerteza e sofrimento para as
partes.
Além disso, a instrução processual tradicional tende a provocar cada vez mais o
agravamento do conflito e o distanciamento entre as partes, uma vez que, muitas vezes, cada
uma delas procura defender o seu direito combatendo o da outra parte ou mesmo atacando-a
pessoalmente.
Tal fenômeno é ainda mais claramente visível nos conflitos de ordem familiar, que têm
origem quase sempre numa história de amor (um casamento ou caso amoroso) e geralmente
envolve filhos de ambas as partes. A instrução processual, nesses casos, é altamente nociva
para todos os envolvidos, pois cada testemunha que depõe a favor de uma parte pode trazer à
tona fatos comprometedores relativos à outra, alimentando o rancor e o ressentimento e
dificultando a obtenção da paz.
Assim, mesmo depois de concluída a instrução processual, julgada a ação, esgotados
os recursos e efetivada a sentença, o conflito permanece. Em muitos casos, outras ações
judiciais são propostas para discutir e rediscutir os mesmos assuntos e outros subjacentes à
mesma relação.
Quanto aos filhos, estes têm seu sofrimento intensificado na medida em que sentem o
distanciamento de seus pais. Observa-se com frequência que crianças e adolescentes cujos
pais brigam entre si na Justiça têm dificuldades nos estudos, maior propensão ao uso de
drogas e tendência a receberem diagnósticos como o TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção
e Hiperatividade) e depressão. Não se vê a mesma frequência entre filhos de pais separados,
mas que mantém relação amigável entre si.
Nesse contexto, mostra-se cada vez mais urgente e necessária a utilização de métodos
capazes de não apenas resolver os conflitos, mas de efetivamente pacificar as relações.
A conciliação no âmbito judicial já se encontra instituída há bastante tempo na legislação
brasileira, é largamente aplicada nas causas cíveis em geral e, com mais ênfase, naquelas
relativas à Vara de Família e nas de menor complexidade, sujeitas ao rito previsto na Lei nº 9.099/
95. Também para o tratamento relativo aos crimes de menor potencial ofensivo, a mesma lei
prevê a composição civil dos danos como forma de resolver conflitos evitando-se a instauração
de uma ação penal.
Mas outros métodos se fazem necessários para desafogar os tribunais e resolver os
conflitos de forma consensual. Como alternativas principais, já são reconhecidas pela legislação
brasileira a mediação e a arbitragem.
Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução nº 125/2010, que
dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses
no âmbito do Poder Judiciário, reconhecendo o problema e estipulando como incumbência dos
órgãos judiciários oferecer mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados
meios consensuais, como a mediação e a conciliação, inclusive como forma de disseminar a
cultura de pacificação social.
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A REVISTA DA UNICORP
A expressão “Direito Sistêmico”, termo cunhado por mim quando lancei o blog Direito
Sistêmico (direitosistemico.wordpress.com), surgiu da análise do direito sob uma ótica baseada
nas ordens superiores que regem as relações humanas, segundo a ciência das constelações
familiares sistêmicas desenvolvida pelo terapeuta e filósofo alemão Bert Hellinger. A aplicação
do direito sistêmico vem mostrando resultados interessantes na minha prática judicante em
diversas áreas, notadamente na obtenção de conciliações em processos da Vara de Família e
Sucessões, mesmo em casos considerados bastante difíceis, e também no tratamento de
questões relativas à infância e juventude e à área criminal.
Trata-se de uma abordagem sistêmica e fenomenológica, originalmente usada como
forma de terapia, segundo a qual diversos tipos de problemas enfrentados por um indivíduo
(bloqueios, traumas e dificuldades de relacionamento, por exemplo), podem derivar de fatos
graves ocorridos no passado não só do próprio indivíduo, mas também de sua família, em
gerações anteriores, e que deixaram uma marca no sistema familiar. Mortes trágicas ou
prematuras, abandonos, doenças graves, segredos, crimes, imigrações, relacionamentos
desfeitos de forma “mal resolvida” e abortos são alguns dos acontecimentos que podem gerar
emaranhamentos no sistema familiar, causando dificuldades em seus membros, mesmo em
gerações futuras.
A abordagem sistêmica, segundo Hellinger, considera a existência de uma alma familiar
que abrange todos os membros da família, que são profundamente vinculados entre si, de
307
ENTRE ASPAS
modo que o destino trágico de um pode afetar outros membros, inclusive com a tendência
inconsciente de incorrer no mesmo destino, fazendo com que se repita a tragédia, geração após
geração. Pessoas que tenham sido excluídas da família têm um peso ainda maior nesse sistema,
cuja alma procura uma forma de honrar a pessoa excluída, fazendo-o através de um membro da
geração posterior que, sem o saber, acaba seguindo destino semelhante.
A partir da observação fenomenológica, Hellinger percebeu a presença de leis naturais
que regem os sistemas familiares e que, quando violadas, causam os tais emaranhamentos
sistêmicos. A essas leis ele deu o nome de “ordens do amor”, que foram objeto de detalhamento
minucioso em livro com esse mesmo nome, em que também tratou dos envolvimentos sistêmicos
e suas soluções (HELLINGER, 2001).
As constelações familiares desenvolvidas por Bert Hellinger consistem em um trabalho
onde pessoas são convidadas a representar membros da família de uma outra pessoa (o cliente)
e, ao serem posicionadas umas em relação às outras, são tomadas por um fenômeno que as faz
sentir como se fossem as próprias pessoas representadas, expressando seus sentimentos de
forma impressionante, ainda que não as conheçam. Com isso, vêm à tona as dinâmicas ocultas
no sistema do cliente que lhe causam os transtornos, mesmo que relativas a fatos ocorridos em
gerações passadas, e pode-se propor frases e movimentos que desfaçam os emaranhamentos,
restabelecendo-se a ordem, unindo os que antes foram separados e proporcionando paz a
todos os membros da família.
O potencial das constelações como método de conciliação e resolução de conflitos é
imenso, uma vez que estes surgem no meio de relacionamentos e, nas palavras de Bert Hellinger,
“os relacionamentos tendem a ser orientados em direção a ordens ocultas. […] O uso desse
método faz emergir novas possibilidades de entender o contexto dos conflitos e trazer soluções
que causam alívio a todos os envolvidos”1.
Assim, o direito sistêmico vê as partes em conflito como membros de um mesmo sistema,
ao mesmo tempo em que vê cada uma delas vinculada a outros sistemas dos quais
simultaneamente façam parte (família, categoria profissional, etnia, religião, etc.) e busca encontrar
a solução que, considerando todo esse contexto, traga maior equilíbrio e paz a todo o sistema.
O mero conhecimento das ordens do amor, conforme descritas por Hellinger, permite a
compreensão das dinâmicas dos conflitos e da violência de forma mais ampla, além das
aparências, facilitando ao julgador e às partes em conflito adotarem, em cada caso, o
posicionamento mais adequado à pacificação das relações envolvidas.
Desde o meu ingresso na magistratura, em 2006, venho utilizando a visão e a abordagem
sistêmica fenomenológica para tratar as questões da Justiça, explicar sobre as ordens que
regem os relacionamentos (segundo Bert Hellinger) e colocar constelações com as pessoas
envolvidas, como forma de evidenciar as dinâmicas ocultas por trás das situações, trazer à tona
as ordens que prejudicam e as que curam, e sensibilizar as pessoas para que se conduzam a
uma solução.
Tenho feito isso em eventos coletivos, aos quais são convidadas as partes envolvidas
em algumas dezenas de processos com tema em comum (por exemplo, disputas por guarda dos
filhos ou alimentos; violência doméstica; jovens envolvidos com atos infracionais; etc.). Após
uma palestra sobre os vínculos sistêmicos e suas consequências, fazemos uma meditação para
que todos possam visualizar onde estão seus próprios emaranhamentos no passado familiar, e
colocamos as constelações relativas a algumas questões familiares das pessoas presentes. Por
estarem ali reunidas pessoas envolvidas em situações semelhantes, é comum que muitos se
identifiquem com as questões apresentadas.
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A REVISTA DA UNICORP
Há temas que se apresentam com frequência: como lidar com os filhos na separação, o
reconhecimento do valor do ex-companheiro e pai/mãe de seu filho, as causas e soluções para
a violência doméstica, alienação parental, entre outros.
Cada um dos presentes, mesmo os que se apresentavam apenas como vítimas, pode
frequentemente perceber de forma vivenciada que havia algo em sua própria postura ou
comportamento que, mesmo inconscientemente, estava contribuindo com a situação conflituosa.
Essa percepção, por si só, é significativa e naturalmente favorece a solução.
Em ações de família, muitas vezes uma constelação simples, colocando representantes
para o casal em conflito e os filhos, é suficiente para evidenciar a existência de dinâmicas como
a alienação parental e o uso dos filhos como intermediários nos ataques mútuos, entre outros
emaranhamentos possíveis.
Durante o trabalho de constelação, às vezes é necessário que eu tire os filhos do meio
do “fogo cruzado” e peço que o homem e a mulher falem frases de reconhecimento e gratidão
recíprocos. Os filhos são os que mais se sentem aliviados ao verem os pais se conciliando,
porque o filho sente uma profunda conexão com cada um dos pais e é constituído por ambos.
Os representantes do casal sentem um grande alívio, sentem a presença do amor que se
escondia por trás da mágoa e do ressentimento. As partes, olhando para seus representantes
e identificando-se com eles, sentem no coração o efeito de cada movimento, abrindo o caminho
para a conciliação.
Explico, portanto, a importância de deixar o filho fora do conflito, e sugiro dizerem a ele
frases como: “eu e seu pai/sua mãe temos problemas, mas isso não tem nada a ver com você;
nós somos adultos e nós resolvemos”; “fique fora disso; você é só nosso filho”; “você nasceu
de um momento de amor que tivemos”; “eu e seu pai/sua mãe estaremos sempre juntos em
você”; “quando eu olho para você, vejo seu pai/sua mãe”.
Os representantes, ao pronunciarem as frases, sentem na própria alma o seu efeito, pois
a raiva que sentiam dá lugar ao sentimento essencial de amor e de tristeza por não ter dado
certo a relação, e percebem claramente o efeito libertador que as frases têm para os filhos. Da
mesma forma, as pessoas que estão assistindo a constelação, identificadas com a mesma
dinâmica, também sentem na própria alma os efeitos de cada frase e movimento.
Essas explicações têm se mostrado bastante eficazes na mediação de conflitos familiares
e, na grande maioria dos casos, depois disso as partes reduzem suas resistências e conseguem
chegar a um acordo.
Temos feito experiências também na área criminal, com o objetivo de facilitar a pacificação
dos conflitos e a melhoria dos relacionamentos, incluindo réu, vítima e respectivas famílias
(que muitas vezes são uma só).
Se constelamos a questão de um traficante e trazemos à tona a sua dinâmica familiar – e
a participação dos pais e ancestrais na dinâmica que resultou no envolvimento do filho na
criminalidade, por exemplo – isso pode tocar a alma de outras pessoas que vivenciam a mesma
dinâmica (traficantes e suas famílias). O mesmo em relação aos muitos crimes derivados das
brigas de casais. Neste último caso, as dinâmicas são muito semelhantes: os conflitos
frequentemente se originam de questões de um (ou ambos) com sua família de origem, ou da
exclusão de um ex-parceiro de algum deles, por exemplo, e contêm quase sempre elementos de
alienação parental.
Independentemente da aplicação da lei penal, acredito que as constelações possam
reduzir as reincidências, auxiliar o agressor a cumprir a pena de forma mais tranquila e com mais
aceitação, aliviar a dor da vítima e, quem sabe, desemaranhar o sistema de modo que não seja
309
ENTRE ASPAS
necessário outra pessoa da família se envolver novamente em crimes, como agressor ou vítima,
por força da mesma dinâmica sistêmica.
Essa abordagem pode ser utilizada como ferramenta de trabalho não apenas por juízes,
mas também por mediadores, conciliadores, advogados, membros do Ministério Público e
quaisquer profissionais cujo trabalho tenha como objetivo auxiliar as pessoas na solução de
situações conflituosas.
Ainda não sabemos o alcance que essa nova abordagem pode ter no âmbito da Justiça,
mas, com base nos resultados já observados a partir das primeiras experiências, vemos que
pode ser uma contribuição para a ciência da resolução de conflitos e da pacificação das relações,
com potencial para aperfeiçoar o trabalho dos profissionais que se dedicam a tal missão – e
também facilitar a solução rápida de questões que atualmente, em grande parte, ainda dependem
de processos judiciais longos e desgastantes para todos.
ALGUNS RESULTADOS
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A pesquisa em curso
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ENTRE ASPAS
também alguns resultados de longo prazo, como o índice de reincidência criminal e infracional,
e a reiteração de queixas e ações relativas ao mesmo conflito.
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SEAD
Gráfica/DSG - TJ/BA
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