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Julho / 2016

ISSN 2179-1805

CONSELHO EDITORIAL E CIENTÍFICO


Conselho de Artigos Jurídicos
Gabriel Dias Marques da Cruz, Secretário-Geral da UNICORP
Oséias Costa de Sousa, Juiz Auxiliar da Presidência do Tribunal de Justiça (AEP I)
Anderson de Souza Bastos, Juiz Auxiliar da Presidência do Tribunal de Justiça (AEP II)
Helcônio de Souza Almeida, Assessor Jurídico da Presidência do Tribunal de Justiça
Charles Barbosa, Chefe de Consultoria Jurídica da Presidência do Tribunal de Justiça

Conselho de Boas Práticas do Judiciário


Franco Bahia Karaoglan Mendes Borges Lima, Diretor-Geral da Presidência do Tribunal
Carmen Silvia Bonfim dos Santos, Coordenadora Pedagógica de Servidores, UNICORP
Cecília Cavalcante Reis Néri, Coordenadora Pedagógica de Magistrados, UNICORP

CAPA
Assessoria de Comunicação do TJBA

EDITORAÇÃO ELETRÔNICA, REVISÃO E IMPRESSÃO


Coordenação de Serviços Gráficos do TJBA

TIRAGEM
2000 exemplares

5a Av. do CAB, nº 560, 1º Subsolo, Anexo do Tribunal de Justiça


CEP: 41.475-971 – Salvador – Bahia
Tel: (71) 3372-1745 / 1746 / 1750 - Fax: (71) 3372-1751 / www.tjba.jus.br/unicorp -
unicorp@tjba.jus.br
Entre aspas: revista da Unicorp / Tribunal de Justiça do Estado da
Bahia – ano.1, n.1, (abr.2011) – Salvador: Universidade Corporativa
do TJBA, 2011-

Catalogação do volume 5, publicado em Julho de 2016. Semestral.

ISSN: 2179-1805.

1. Direito – periódicos. 2. Estudos interdisciplinares – periódicos.


I. Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. II. Universidade Corporativa
do TJBA.

CDD: 340.05
CDU: 34
Ficha catalográfica elaborada pela Coordenação de Bibliotecas
do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.
PRESIDENTE
Desa Maria do Socorro Barreto Santiago

JUÍZA ASSESSORA DA PRESIDÊNCIA


Marielza Brandão Franco

SECRETÁRIA-GERAL
Joana Costa Pinheiro

SECRETÁRIA DE COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA


DOS MAGISTRADOS
Cecília Cavalcante Reis Néri

SECRETÁRIA DE COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA


DOS SERVIDORES JUDICIÁRIOS
Carmen Silvia Bonfim dos Santos Rocha
CARTA AO LEITOR

Prezado(a) Leitor(a),

Com muita satisfação, apresentamos o Volume 5 da Revista ENTRE ASPAS da


Universidade Corporativa do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia – UNICORP, iniciativa
que visa a valorização e difusão da produção técnico-científica de servidores e magistrados do
Poder Judiciário da Bahia. Trata-se de um volume produzido na Gestão do Desembargador
Eserval Rocha e que já recebemos concluído. Contudo, como dito desde o discurso de posse,
não iríamos administrar olhando pelo retrovisor e nem por critério de pessoalidade, mas focando
unicamente na melhoria da prestação jurisdicional, objetivo que passa necessariamente pela
valorização e aproveitamento das ações positivas, sejam elas originadas da nossa equipe, de
grupos que nos antecederam ou mesmo daqueles que, movidos unicamente pelo interesse em
contribuir, apresentam sugestões ou oferecem colaboração. Desse modo, considerando que a
aludida publicação é uma feliz iniciativa da UNICORP e que se encontra em perfeita sintonia
com o propósito de utilizar a Universidade Corporativa como instrumento de integração e
aprimoramento do elemento humano que compõe o nosso Tribunal de Justiça, entregamos aos
Servidores e Magistrados o quinto volume da Revista ENTRE ASPAS.

Nesta edição, apresentamos os trabalhos dos dezessete autores selecionados que,


conforme estrutura da revista, dividem-se entre Artigos Jurídicos e Artigos de Boas Práticas.

Em Artigos Jurídicos, destacamos a importante produção “Respeitar a Diferença é Fazer


Valer a Igualdade entre Homem e Mulher da desembargadora Nágila Maria Sales Brito.

Na seção de Boas Práticas, apresentamos uma inovadora abordagem da prática judicante,


descrita no artigo “ Direito Sistêmico: A Resolução de Conflitos por Meio da Abordagem
Sistêmica Fenomenológica das Constelações Familiares” do Juiz de Direito Sami Storch.

Com periodicidade semestral, a Revista Entre Aspas surgiu tendo por principal objetivo
promover a difusão e o intercâmbio de conhecimentos jurídicos e técnicos produzidos por
magistrados, servidores e convidados especiais, bem como boas práticas desenvolvidas nas
Unidades do Poder Judiciário.

Obrigada a todos os colaboradores que fizeram parte deste volume.

Aproveitem a leitura!

Desembargadora MARIA DO SOCORRO BARRETO SANTIAGO


Presidente
SUMÁRIO

– Artigos Jurídicos

Vetores que Fundamentam a Plena Aplicabilidade da Prescrição


Virtual no Direito Penal Brasileiro
Abelardo Paulo da Matta Neto 11

Respeitar a Diferença é Fazer Valer a Igualdade Entre


Homem e Mulher
Nágila Maria Sales Brito 38

Relevância do Administrador Público para a Modernização


da Administração do Poder Judiciário
Maria do Carmo Araújo Bonfim e José Allankardec Fernandes Rodrigues 56

O Poder Normativo da Administração Pública no Ordenamento


Jurídico Brasileiro – A posição dos Tribunais Superiores
Adriana Filgueiras Câmara 71

O Estado do Bem-Estar Social e o Direito Penal do Risco:


A Ilegitimidade do Direito Penal do Risco no Estado Democrático
de Direito Brasileiro
Gleison dos Santos Soares 88

O Direito ao Esquecimento no Brasil


Danilo Arthur de Oliva Nunes 110

O Atendimento Técnico do Centro de Referência da Mulher e o


Empoderamento das Mulheres no Município de Irecê
Leonellea Pereira e Anderson Eduardo Carvalho de Oliveira 129
Monitoramento Eletrônico: Experiência Brasileira e Perspectivas
Eduarda de Lima Vidal 142

Jurisprudência Defensiva e Novo Código de Processo Civil


Roberto Santos Pedreira de Souza 165

Julgamento Sumaríssimo do Processo


Zilmara Barreto da Silva 178

Gestão da Excelência Institucional


Desafios, Alternativas e a Tecnologia do Conhecimento
Pedro Lúcio Silva Vivas 190

A Impenhorabilidade do Salário e Demais Verbas de Caráter


Alimentar e o Direito Fundamental do Credor à Efetividade da
Tutela Jurisdicional
Thiana Cabral de Santana 222

A Execução de Sentença Concessiva de Mandado de Segurança


com Efeitos Patrimoniais Referente a Pagamentos Devidos
pela Fazenda Pública
Tássio Lago Gonçalves 244

– Artigos de Boas Práticas do Judiciário

A Gestão Estratégica Aplicada à Vara Cível de Cícero Dantas - Bahia


Cristiane Menezes Santos Barreto, Danielle Thaís Barros de Souza Leite,
José Paulo de Andrade e Sylvia Chagas 259

Organizando a Prestação Jurisdicional Experiência no Sistema dos


Juizados Especiais
Marcelo de Oliveira Brandão 272

O Gerenciamento da Rotina do Trabalho e a Gestão de Pessoas


Aplicados à 36ª Vara dos Sistemas dos Juizados
Cristiane Menezes Santos Barreto 291

Direito Sistêmico: A Resolução de Conflitos por Meio da Abordagem


Sistêmica Fenomenológica das Constelações Familiares
Sami Storch 305
ARTIGOS SOBRE GESTÃO
ARTIGOS JURÍDICOS
ENTRE ASPAS

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A REVISTA DA UNICORP

VETORES QUE FUNDAMENTAM A PLENA APLICABILIDADE DA PRESCRIÇÃO


VIRTUAL NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

Abelardo Paulo da Matta Neto


Desembargador da Turma Criminal da Câmara Especial do Extremo Oeste
Baiano do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Especialista em
Processo pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia, Pós-graduado em
Ciências Criminais pela EMAB/Baiana. Mestre em Segurança Pública,
Justiça e Cidadania pela Universidade Federal do Estado da Bahia.
Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela UMSA.

Resumo: Tomando como base inicial os constantes questionamentos suscitados, na seara


doutrinária e jurisprudencial, acerca da viabilidade ou não de aplicação da prescrição virtual no
ordenamento jurídico brasileiro, é que este artigo tem como escopo tratar da plena Aplicabilidade
da Prescrição Virtual no Direito Penal Brasileiro. O tema com frequência é motivo de discussão
nos pretórios brasileiros, uma vez que é admitido por alguns Tribunais de Justiça, por grande
parte de juízes, membros do Ministério Público e Defensores Públicos de primeiro grau e
refutado, de modo veemente, pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal.
Pretende-se, assim, a partir de uma análise principiológica e hermenêutica do Direito, buscar-se
a plena existência e aplicabilidade do instituto da prescrição virtual, uma vez que, baseado
numa provável pena em concreto a ser imputada ao réu em sentença, deduzida do arcabouço
probatório que instrui o feito, o aplicador do Direito, numa visão inicial, já constataria, com
alicerce em critérios legais e racionais, a absoluta inutilidade do processo, operando-se, in
casu, a consagração da prescrição virtual, consequência de um retardamento já na fase pré-
processual ou na instrução criminal. Assim, a partir da análise dos aspectos constitucionais do
Estado Democrático e Principiológico de Direito na execução do jus puniendi, sob os ventos
da hermenêutica jurídica, passando sobre o fenômeno da prescrição no direito brasileiro, chegar-
se-á ao ponto fulcral do presente trabalho: a possibilidade de aplicação da prescrição virtual,
mesmo sem a existência de previsão legislativa.

Palavras-chave: Prescrição virtual. Jus puniendi. Estado democrático de direito. Princípios.


Hermenêutica.

1. Introdução

Descrever a Prescrição Virtual e a sua aceitação no ordenamento jurídico brasileiro, na


atual fase das Ciências Criminais, é uma tarefa árdua, ainda mais quando se refere ao
reconhecimento antecipa do da prescrição penal retroativa, assunto por demais controvertido
no direito penal material e processual.

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ENTRE ASPAS

O tema em alusão tem suscitado discussões e debates por todos os ramos do


conhecimento jurídico, principalmente na seara penal constitucional. Hodiernamente, o assunto
é invocado, dentre outros argumentos contundentes, como forma de “otimizar” o funcionamento
do Poder Judiciário. Nesse diapasão, o que se pretende neste trabalho é discutir, de forma
coerente e lógica, os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, analisando-se, de fato,
se a prescrição virtual existe no sistema pátrio, sob as luzes dos princípios e elementos
hermenêuticos que fundamentam o Estado Democrático de Direito. Salienta-se, que, o assunto,
por ter sido rechaçado pelos Tribunais Superiores, está ainda em fase inicial, sem uniformidade,
exigindo para tanto uma análise cuidadosa.
Analisar-se-á, assim, noções sobre o Estado e o seu papel na sociedade, especialmente
apontando o forte viés principiológico e interpretativo que o norteia, após a Constituição de
1988, ressaltando a função da lei no Estado Democrático de Direito.
Reportar-se-á ainda, sobre o instituto da prescrição no Direito brasileiro, verificando-se
a importância dos efeitos do tempo nas relações jurídicas, com ênfase na prescrição penal.
Serão demonstradas, também, as modalidades de prescrição, punitiva e executória, e suas
subdivisões, para, então, chegar-se à prescrição penal retroativa.
Por fim, e adentrando no mérito deste trabalho, o tema estará voltado para o que se
propõe precipuamente: reconhecer a possibilidade da ocorrência da prescrição antecipada ou
virtual, em qualquer momento da persecução penal, desde que já constatado na fase pré-
processual ou no bojo do processo instrutório de que a imposição de pena não se concretizará
em virtude de impedimento futuro.
Neste contexto, procuraremos demonstrar a significação da prescrição virtual, também
chamada de antecipada, hipotética ou em perspectiva, sua origem e principais fundamentos,
indicando-se os princípios e elementos hermenêuticos que legitimam a prescrição virtual e que
se constituem relevantes fontes do Direito. Sob outra ótica, será demonstrada a evidente
ausência de interesse de agir do Estado - inexistência do binômio necessidade e utilidade do
processo, bem como a posição do Ministério Público diante da controvérsia, sem olvidar,
ainda, o caráter político que a realidade reclama ao Direito Penal.
Por fim, não se tem a pretensão de introduzir qualquer mudança radical no nosso
Ordenamento Jurídico, apenas e tão somente promover uma reflexão, com suporte nas lições
doutrinárias e jurisprudenciais que sustentam a matéria, no Direito brasileiro, servindo de
escopo para o estudo e a análise ponderada pelos membros do Poder Judiciário, do Ministério
Público, Defensores Públicos e advogados criminalistas.

2. O estado e o seu papel na sociedade

Sob uma perspectiva histórica, ultrapassada a era em que predominava o “fazer justiça
com as próprias mãos”, o período denominado autotutela, o Estado emergiu como fonte única
de produção do Direito, revelando os valores, interesses e necessidades da sociedade, sendo
o Direito Penal a longa manus do Estado, a quem compete a árdua tarefa de reprimir a prática
criminosa e punir os infratores.
Em consonância, manifestam-se Betanho e Zilli (2007, p. 555-556):

Ao eleger determinados valores como essenciais para o resguardo do


bem-estar social, o Estado chama para si a responsabilidade de protegê-

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A REVISTA DA UNICORP

los. Nesse campo, o Direito Penal constitui apenas uma das vias protetivas.
É a mais grave, aliás. Afinal, ao responsável pela prática de condutas
lesivas àqueles valores, o legislador comina uma sanção de natureza
penal. A simples previsão note-se, fixa para o Estado um poder-dever
punitivo que, em um primeiro momento, é latente, mas que assume
concretude com a realização de uma conduta criminosa. Com efeito, é a
partir desse momento que ao Estado incumbe a recomposição da ordem
social mediante a imposição da sanção penal.
O exercício do poder-dever punitivo projeta-se em dois momentos. No
primeiro, o Estado declara a ocorrência do fato criminoso e fixa a
responsabilidade penal do agente. No segundo, executa o comando
emergente da sentença condenatória transitada em julgado. [...]

O Estado é considerado como entidade abstrata, edificada pelo homem para direcionar
a sociedade humana, sendo o seu núcleo a ideia de restringir e disciplinar o comportamento do
ser individual em prol do coletivo, em nome do interesse público. Sem dúvida, o Estado evoluiu
até atingir o seu estágio atual, o denominado “Estado Moderno”, que se apresenta como uma
sociedade política e juridicamente organizada, com unidade territorial, dotada de poder soberano
e composta por sujeitos que se integram, em face da realização do bem comum. (REALE, 1960)
Cinge-se, portanto, que o Estado, juridicamente estruturado, com sustentabilidade legal,
constitui-se no que, modernamente, se chama Estado de Direito ou Estado Constitucional,
atuando em consonância com os limites insertos pela CF/88, no exercício de suas funções
típicas e atípicas, utilizando-se de órgãos especializados funcionalmente e organicamente
independentes, todos vinculados aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
Assim, o Estado, na busca incessante de exercer suas funções típicas, tutela os mais
relevantes bens jurídicos, destacando-se o direito à vida, à honra, à imagem, à dignidade, à
liberdade, dentre outros, de singular importância, todos amparados pelas normas.

2.1. O estado de direito principiológico e as premissas hermenêuticas

A Ciência do Direito, compreendida em seus diversos aspectos, não se restringe à


condição de elemento originado da norma. Esta deverá ser entendida em uma maior amplitude,
como uma totalidade de normas de conteúdo principiológico, fundamentalmente, e de outros
advindos do processo hermenêutico. O estudo do sistema jurídico é relevante, visto que é a
partir dele que se analisa o mundo fático e o seu atuar exerce influência direta na concretização
do ideal de justiça.
Desta forma, a ordem jurídica possui uma diversidade de fontes diretas, provenientes
do Estado, como nos casos da lei e da jurisprudência, e as fontes não estatais ou indiretas, que
são fruto do trabalho intelectivo dos estudiosos do Direito, mediante a interpretação do texto
legal e também do contexto social. Há, ainda, a forte influência dos princípios que agem como
critérios de interpretação e integração. Segundo Hesse (1991, p. 22), os princípios devem ser
respeitados, ainda que isso ocasione o enfraquecimento de outros direitos, haja vista que a
valorização daqueles significa um fortalecimento à Lei Maior e, consequentemente, ao Estado
Constitucional. Caso os princípios não sejam respeitados, corre-se o sério risco de perecimento
de muitos direitos.

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ENTRE ASPAS

O sistema normativo é delineado de forma hierárquica, como se fosse uma pirâmide,


onde as normas ocupam o seu topo, estando à frente de qualquer outra fonte. Acontece que,
pelo fato de os princípios conferirem estrutura, coerência e coesão à pirâmide jurídica, acredita-
se que eles são anteriores às normas, estando numa posição de superioridade em face destas.
Conforme explicita Ataliba (1985, p.6-7):

[...] princípios são linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes


magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por
toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do governo
(Poderes Constituídos). Eles expressam a substância última do querer
popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da
administração e da jurisdição. Por estas não podem ser contrariados;
têm que se prestigiar até as últimas consequências.

A teoria que sustenta o ordenamento jurídico como sistema dinâmico, em face das
modificações diuturnas que se processam nesta sociedade pós-moderna, com base na
concepção principiológica e hermenêutica, vem modificar e trazer uma visão diferente para a
literatura jurídica. Impõe-se ao operador do Direito um novo direcionamento ao processo de
interpretação da norma como o trilho para resolução de inúmeros conflitos que não encontram
solução na legislação escrita. Nesse diapasão, o tema em discussão no presente estudo, ou
seja, o reconhecimento da prescrição virtual no ordenamento jurídico brasileiro, apesar de não
encontrar previsão normativa expressa, pode ser facilmente extraído dos princípios
constitucionais que regem a ordem jurídica vigente, a partir de uma interpretação voltada para
os fins sociais a que a lei se obriga, reproduzindo o caráter político que cerca o direito penal
brasileiro, de cunho eminentemente garantista, como se verá a seguir.

2.2. O estado no exercício do jus puniendi

No campo das ciências criminais, a força do Estado se manifesta através do jus puniendi,
que é o direito de punir, monopólio da administração da justiça, e, em que pese o potencial, se
apresenta em abstrato. Somente com a prática do crime ou de um fato aparentemente de caráter
delituoso, esse jus puniendi, ora abstrato, vai atuar em relação ao provável autor do fato,
porque o Estado precisa tornar real e efetivar a pena in abstracto prevista para determinado
crime. Surge, assim, a pretensão punitiva.
Mas não basta o nascimento da pretensão punitiva, pois o ente estatal atribuiu a si
próprio a imposição de uma pena ou medida de segurança somente se observado o devido
processo legal. Torna-se imperativo que ocorra a persecutio criminis, perseguindo o provável
autor de um fato pretensamente criminoso.
Essa persecutio criminis, que é una, se inicia, de regra, mas facultativa também, com o
inquérito policial. Assim, concluídas as investigações e as diligências preliminares e colhidas
as primeiras informações sobre o fato supostamente delituoso e a sua provável autoria, cumpre
agora, na segunda fase da persecução penal, ao particular, como substituto processual, agindo
em nome próprio, na defesa de interesse alheio, ou cumpre ao Estado, representado por um de
seus órgãos oficiais, o MP, presente o princípio da oficialidade e obrigatoriedade, dirigir-se ao
Estado-Juiz, pedindo ou exigindo, princípio da indeclinabilidade da jurisdição, u exigindo

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A REVISTA DA UNICORP

linabilidade da jurisdiçao)to sobre o mstado, representado por um de seus orgaos indispon a


este, o julgamento sobre o mérito da pretensão punitiva, regularmente deduzida em juízo.
(MARQUES, 1998)
Nesse momento inicia-se a ação penal, direito público-subjetivo de invocar a tutela
jurisdicional. A ação penal, considerada como sendo a segunda fase da atividade persecutória,
para uns é um instrumento para tornar concreto o direito penal objetivo; para outros, é o direito
de pedir ao Estado-Juiz a aplicação do Direito Penal objetivo ao caso concreto. Em apertada
síntese: é o direito que tem o particular, como substituto processual, ou o Estado, pelo MP, de
pleitear ao Poder Judiciário um julgamento sobre o mérito de sua pretensão punitiva, corretamente
deduzida na acusação. (GRINOVER; FERNANDES; GOMES FILHO, 1994)
Com a promulgação da Carta Magna de 1988, foi atribuída ao MP a condição de órgão
essencial à justiça. A partir de então, o Órgão Ministerial passou a ser concebido como o
instrumento de maior representação na promoção e defesa dos direitos do cidadão e da
coletividade (direitos difusos e coletivos), desfrutando de grande prestígio no âmbito jurídico
nacional. Valiosa é a sua influência para o processo penal e para a sociedade, já que, na
condição de dominus litis, possui a atribuição de bem traduzir os interesses sociais, coletivos
e difusos, sendo, pois, o titular e maior interessado na condução da ação penal.
Segundo Grinover, Fernandes e Gomes Filho (1994, p. 23): “o processo penal deve ser
entendido como instrumento conciliador do Estado de Direito, como garantia das liberdades
do cidadão e de limitação da intervenção estatal, para que o Estado reconheça os direitos
invioláveis da pessoa.” Diante disso, ao MP caberá exercer a sua função, buscando a verdade
dos fatos, subsumindo estes à lei, com total imparcialidade, com o fito de promover a mais
lídima justiça.
Há, dessa forma, a ação penal de iniciativa pública e a ação penal de iniciativa privada.
Esta última será cabível quando o particular detém, por exceção, a legitimidade para agir, o que
não retira o caráter público da ação penal.
Pode-se dizer que a ação penal pública é aquela em que o interesse de agir e a legitimidade
de parte ativa são do agente estatal, sendo, pois, iniciada mediante deflagração da ação penal
postulada pelo MP, através da denúncia. Desta forma, é ação penal pública incondicionada
aquela que, para a sua promoção, o órgão estatal oficial prescinde de manifestação de vontade
de quem quer que seja inclusive da vítima. O seu titular, salvo as hipóteses de subsidiária da
pública, é o Órgão Ministerial.
Esta ação penal incondicionada é permeada de princípios informadores que vinculam o
titular da ação penal pública e mantêm viva a persecutio criminis in judicio. Dentre os princípios
tratados pela doutrina, destacam-se: o da oficialidade, da obrigatoriedade, ou da legalidade e
necessidade, indivisibilidade, ou divisibilidade para alguns, indisponibilidade, transcendência,
e, para Capez (2008), autoritariedade e oficiosidade.

3. A prescrição no direito brasileiro: O direito e o tempo

O direito de punir do Estado está intrinsicamente ligado à ordem temporal, sendo que,
a sua falta de utilização tem repercussão imediata nos direitos dos jurisdicionados.
Jesus (1999), narra taxativamente que a prescrição é a perda do poder-dever do direito
de punir do Estado, pela ausência, em certo tempo da pretensão punitiva.
Battaglini (1973, p. 82) assevera que com a prescrição “cessa a exigência de uma

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ENTRE ASPAS

reação contra o delito, presumindo a lei que, se o tempo não cancela a memória dos
acontecimentos humanos, pelo menos, a atenua ou a enfraquece”.
Nesse contexto, o Estado-juiz busca incessantemente a efetiva prestação jurisdicional,
buscando diuturnamente instruir de forma célere o processo, para que o fato delituoso seja
apurado rapidamente e para que o Estado-Juiz, dentro de um prazo razoável, entregue uma
resposta eficaz.
Assim, com base no decurso do tempo, surge a prescrição, que nada mais é do que a
perda do direito do Estado de punir os agentes ou de executar a pena por seu comportamento
omissivo, ocasionando a extinção da punibilidade, consoante preconiza o artigo 107, inciso IV
da Lei Substantiva Penal.

3.1 O Direito Penal e a perda do direito pelo não uso da pretensão punitiva

É cediço que no Direito Penal, o tempo está relacionado a duas situações distintas: uma
é a liberdade do indivíduo e a outra é a pretensão punitiva do Estado.
Manzini (1950, p. 150) pontua que:

A prescrição extintiva do delito constitui uma renúncia, feita previamente


e legislativamente pelo Estado e determinada pela força deletéria (sic) do
tempo em fazer valer a pretensão punitiva contra um determinado
indivíduo, culpado de um delito.

Vislumbra-se que o instituto da prescrição, age na contramão, ou seja, vai de encontro


à inércia do Estado-juiz, o qual não ajuizou a devida e competente ação para coibir o ato
criminoso perpetrado em face de bem jurídico relevante, evitando o prolongamento do processo
penal.
Historicamente, verifica-se que inúmeros foram os motivos que fizeram o Estado a criar
a prescrição.
Leal (1978, p. 13) em poucas linhas, resume a evolução da temática:

1º - o da ação destruidora do tempo, mencionado por Coviello;

2º- o do castigo à negligência, indicado por Savigny;

3º- o da presunção de abandono ou renúncia, sugerido por M. I. Carvalho


de Mendonça;

4º- o da presunção da extinção do direito, apontado por Collin & Capitant


e já referido por Savigny;

5º - o da proteção ao devedor, enunciado por Savigny e reproduzido por


Vampré e Carvalho Santos;

6º- o da diminuição das demandas, referida por Savigny;

7º- o do interesse social, pela estabilidade das relações jurídicas [...].

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A REVISTA DA UNICORP

Faz-se necessário registrar que, a prescrição é reportada no Direito Penal, como renúncia
ou como perda do direito de punir do Estado, dentro de um lapso temporal estabelecido pela
norma, sendo inútil a busca no Poder Judiciário para efetivar uma ação, pois inelutavelmente o
delito estará prescrito.
Ademais, importa ressaltar, no que se refere à natureza jurídica do instituto da prescrição,
que há divergência doutrinária acerca do seu caráter processual, material e processual-material,
o denominado caráter misto.
Prado (2006) defende o seu caráter material, com consequências na ação penal e na
condenação; Baltazar (2003, p.19) também acredita que “[se] a prescrição pode ocorrer antes
mesmo de uma relação processual, não há dúvida de que é de direito material”.
Com igual pensamento, Machado (2000, p. 47):

Alguns doutrinadores vêem na prescrição um instituto de Direito material,


levado em consideração que a mesma representa uma renúncia do Estado
à pretensão punitiva ou à efetiva potestade de castigar, isto é,
contemplando o conteúdo material da relação processual ou da relação
executiva, figurando as suas duas acepções, pretensão punitiva e
pretensão executória, como causa de exclusão da pena, conduzindo,
portanto, à absolvição do sujeito, posição adotada por Baumgarten,
Kohler, Finger e Loening. Franz Von Liszt é taxativo ao afirmar que a
prescrição é circunstância extintiva da pena. Não só impede o processo,
senão também extingue o direito de punir. Como prescrição do direito, e
não como mera prescrição da ação, ela pertence, por sua matéria e
natureza, não ao direito Processual, e sim ao Direito Material.

Na corrente que entende ser a prescrição de caráter eminentemente processual, destaca-


se Fragoso (1973). Para ele, a prescrição penal está vinculada diretamente ao Direito Processual
Penal, já que o efeito do tempo produz a extinção do direito do Estado de promover a persecutio
criminis in judicio. Por último, de acordo com a teoria mista ou eclética, a prescrição está tanto
para o direito penal material quanto para o processual, a depender do tipo de prescrição que
incide na casuística posta à análise, se voltada ao processo ou simplesmente para a pena.
Demonstradas as correntes e seus defensores, registra-se que, pacífico é o entendimento
no sentido de que a prescrição é instituto de direito material, cujos efeitos atingem o direito de
punir estatal “e não o crime e o seu conteúdo apuratório”, expressando a falta de interesse do
Estado em punir, “a renúncia sobre o conteúdo material do processo penal, a sanção, e não
sobre a relação jurídica processual.” (TRAVESSA, 2008, p. 65)
Ocorrendo o delito, surge para o Estado a pretensão de punir o agente do fato criminoso.
Essa pretensão deve, no entanto, ser exercida dentro de determinado lapso de tempo que varia
de acordo com o crime praticado e a pena a ele reservada. Transcorrido esse prazo, que é
submetido a interrupções ou suspensões, ocorre a prescrição da pretensão punitiva. Nessa
hipótese, todos os efeitos da sentença penal condenatória são extintos.
Assim, com a prescrição, a pena acaba por perder o seu fundamento, esvaindo-se as
razões ensejadoras do poder punitivo do Estado. Ela se divide em duas modalidades, a partir
dos vetores legais, consubstanciados nos art. 109 e 110 do CPB, a depender da oportunidade
em que for declarada, e são: a prescrição da pretensão punitiva e a prescrição da pretensão
executória, salientando-se, ainda, que a prescrição é matéria de ordem pública, devendo ser

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ENTRE ASPAS

declarada ex officio pelo magistrado ou por provocação das partes, consoante dicção do art. 61
do Código de Processo Penal.
Senão vejamos.

4. A prescrição virtual: Um sonho possível

O Direito Penal desempenha, no Estado Democrático de Direito, um papel conservador


e de controle social, não se podendo viver em sociedade, harmonicamente, sem a presença de
normas de conduta, de regras legais cogentes, com sanções aplicáveis para a hipótese de
descumprimento destas.
Nessa esteira surge o Estado-juiz com a função de aplicar sanções ou de não aplicar,
mediante as causas previstas na Carta Magna e na legislação penal vigente, sendo que a regra
geral da CF/88 é da prescritibilidade das infrações penais.
A temática central do presente artigo está relacionada a prescrição virtual, também
denominada de prescrição em perspectiva ou antecipada, hipotética, pré-calculada, projetada
ou prognose prescricional (LEMOS, 2003), conceituada como sendo o reconhecimento
antecipado da prescrição retroativa, antes do início do processo ou em uma de suas fases, sem
que tenha havido prolação da sentença condenatória com base num raciocínio lógico em
perspectiva, resultando na provável pena que seria imposta ao réu.
O Direito Penal, no exercício do controle social, visa ser uma balança entre o poder
punitivo do Estado e a segurança jurídica individual dos jurisdicionados. A partir disso, percebe-
se que o seu fundamento é mais político do que jurídico, cumprindo uma função social relevante
ao aplicar a sanção, que se reverte em bônus para o corpo social. (SOUZA, 1992)
O Direito Penal deve cumprir a sua finalidade social, política, jurídica e garantística,
concedendo o provimento jurisdicional requerido de modo efetivo. Quando isso não ocorre e
o processo penal não logra alcançar o seu objetivo natural, há forte repercussão na sociedade,
restando evidente a inutilidade do procedimento criminal, o que repercute, também, na esfera
dos direitos individuais do processado. Para Moreira (2006, p.218): “Certamente sem um
processo penal efetivamente garantidor, não podemos imaginar vivermos em uma verdadeira
democracia” e ao acusado, “apesar do crime supostamente praticado, deve ser garantida a
fruição de seus direitos previstos especialmente na Constituição do Estado Democrático de
Direito”.
É verdade que existe uma rejeição forte quanto à possibilidade de aplicação da prescrição
virtual no direito penal brasileiro, mormente, por parte do Supremo Tribunal Federal (STF) e
Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o argumento do princípio da legalidade, contudo, num
pensamento de vanguarda e amparado em preceitos constitucionais, não se deve curvar a
posicionamentos conservadores e obsoletos. O mundo está em constante movimento, não se
podendo parar no tempo no mundo globalizado, como o atual.
A partir do novo paradigma de análise e aplicação da Constituição, a Ciência do Direito,
já afastada do positivismo exacerbado, preocupou-se em solidificar o seu ordenamento
constitucional à luz dos princípios. Ávila (2006, p. 23) chega a enfatizar que “é até mesmo
plausível afirmar que a doutrina constitucional vive, hoje, a euforia do que se convencionou
chamar de Estado Principiológico.” Sem dúvida, é inegável tal conclusão, justamente por se
ter convicção de que, na atual sociedade pós-moderna, caracterizada pela mudança radical de
paradigmas e inversão de valores, os princípios, diferentemente das normas, se apresentam

18
A REVISTA DA UNICORP

com forte vocação à perenidade.


Pondera-se, assim, que o Direito não é constituído apenas pelo conjunto de normas,
oriundo do processo legislativo, mas, sobretudo, por princípios de onde promanam essas
normas e neles se sustentam durante toda a sua existência e validade no mundo jurídico. A
necessidade de analisar os princípios, na atual conjuntura, é translúcida, não se podendo,
pois, aceitar-se o argumento de que a prescrição virtual não existe no direito penal brasileiro
por falta de previsão legal, posicionamento fortemente positivista, que faz ruir as conquistas
até então empreendidas pelo Direito, e especialmente pelas Ciências Criminais, que vive não
somente do que a lei diz, mas daquilo que se permite dizer por meio do processo hermenêutico
constitucional. (BARROSO, 1995)

4.1 Origem, significação e fundamentos

Esta nova modalidade, de prescrição virtual, voltada para as Ciências Criminais que
compõem esta era pós-positivista, tem por principal finalidade evitar o acionamento de toda a
máquina judiciária do Estado em um processo criminal que, levando-se em conta a pena em
perspectiva, e face à realidade dos autos, se vislumbra o reconhecimento da prescrição retroativa
na eventualidade de futura condenação.
Tal discussão nasceu a partir de situações concretas, em que o processado, suposto
autor de fato delituoso, pela inércia do Estado, fica sujeito, ad eternum, à força do jus imperii.
Esquece-se de que a legislação processual impõe prazos e, a depender da realidade, a sua
inobservância contumaz gera malefícios expressivos ao processado, e não há razão política ou
interesse social que justifique deixar o mesmo infinitamente vítima de um processo criminal que
vilipendia os fins almejados pelas teorias da pena. (BITENCOURT, 2010)
A prescrição virtual surge nesse contexto, registrada pela forte intenção de responder
a esse estágio crônico de letargia em que se encontra o Estado no exercício do direito de punir.
Requer justa causa para a deflagração da ação penal, bem como um resultado útil, não se
podendo conceber a instauração ou continuidade de uma ação penal que estará fadada ao
insucesso, sendo declarada ao final a extinção da punibilidade pela ausência da pretensão
punitiva. Segundo Lozano Júnior (2002, p. 181) a prescrição virtual reflete o seguinte:

[...] consiste no reconhecimento da prescrição retroativa antes mesmo


do oferecimento da denúncia ou da queixa e, no curso do processo,
anteriormente à prolação da sentença, sob o raciocínio de que eventual
pena a ser aplicada em caso de hipotética condenação trata a lume um
prazo prescricional já decorrido.

Na mesma linha intelectiva, preceitua Baltazar (2003, p. 105) que “a prescrição antecipada
é uma fórmula anômala de prescrição, que visa evitar o dispêndio desnecessário de tempo
com julgamentos inócuos.”
No panorama doutrinário nacional, em oposição aos Tribunais Superiores, mas na defesa
dessa prática de política criminal, ressoam vozes dissidentes, destacando-se, além de José
Antônio Paganella Boschi (Ação Penal, Aide, 1997, pp. 99-112), os seguintes doutos juristas:
Ada Grinover (As Nulidades no Processo Penal, RT, 1998, p. 65), Afrânio Silva Jardim (Direito
Processual Penal - Estudos e Pareceres, Forense, 1986, p. 58), Antônio Scarance Fernandes (A

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ENTRE ASPAS

Provável Prescrição e a Falta de Justa Causa para a Ação Penal, Cadernos de Doutrina e
Jurisprudência da APMP, nº 6), Edison Aparecido Brandão (Prescrição em Perspectiva, RT, 710/
391), Luiz Sérgio Fernandes de Souza (A Prescrição Retroativa e a Inutilidade do Provimento
jurisdicional, RT 680/435), Maurício Antônio Ribeiro Lopes (O Reconhecimento Antecipado da
Prescrição, RBCCC, nº 3, ano 1).
Já os que, em caráter vanguardista, sustentam a possibilidade de aplicação da prescrição
virtual, motiva na necessidade de interpretar sistematicamente as normas penais e processuais.
Deseja-se ofertar uma hermenêutica voltada para a efetividade da persecução penal e imposição
de uma pena do processo penal, consistindo no arquivamento de inquéritos e extinção de
feitos, sem razão de ser, pela flagrante ausência de interesse de agir, ocasionada pela verificação
de que, pela pena a ser aplicada ao caso, será extinta a punibilidade fatalmente em face da
prescrição retroativa.
Para a aplicação da prescrição virtual, trabalha-se com o elemento suposição, mas
suposição a partir de dados concretos, presentes nos autos, e não de forma aleatória. Destarte,
verificada, desde a fase pré-processual ou processual, que a prescrição se dará, é por demais
contraditório e incoerente ajuizar uma ação criminal, mobilizando a máquina judiciária, mesmo
sabendo da inutilidade do procedimento, dos gastos que serão despendidos, do tempo
desnecessário de trabalho dos servidores, economia processual, dentre outros fatores.
Diante do quadro delineado, bem como da ausência de legislação tratando
especificamente do assunto, nada impede que o Magistrado, como aplicador da Lei, verificando
que a pena em concreto a ser aplicada será alcançada pela prescrição, que reconheça de
imediato, com base no que preconiza o artigo 107 e 109 do Código Penal, combinado com artigo
61 da Lei Adjetiva Penal.

4.2 Vetores interpretativos da prescrição virtual

O atual estágio da sociedade não se coaduna com a prevalência de um sistema que atue
de forma alheia aos ideais que objetivam a realização da justiça social. Torna-se imperioso,
pois, observar a proeminência dos elementos hermenêuticos para a efetiva estabilidade e
constante aprimoramento do Estado Democrático.
Vê-se que a concepção do Direito, como uma ciência de princípios e baseada na
interpretação, é o meio de se conciliar o pensamento problemático com o sistemático. O
positivismo fez com que a “teoria” fosse substituída pelo “método”, o que exige uma retomada
de consciência, a partir do complexo principiológico que tenha suas raízes fincadas no contexto
histórico contemporâneo. É mister, sem sombra de dúvida, a releitura do mundo, interpretando-
se a realidade social sob um novo olhar, nascido do processo de interpretação constitucional.
A doutrina defendida por Miranda (1988, p. 197) acredita que “o direito nunca poderia
esgotar-se nos diplomas e preceitos constantemente publicados e revogados pelos órgãos
do poder”, ou seja, é inadmissível aceitar-se que o Direito possa esgotar-se na lei positivada.
Em consonância com o ventilado, Rocha (1994, p. 36), com base em Ferrara, afirma que “a
Constituição não se reduz às suas normas, sequer a seu texto, à sua forma, a seu dizer. Ela
vive também do que ela não diz, mas permite venha a ser dito e ditado pelo intérprete.” E
conclui: “o direito não é só o conteúdo imediato das disposições expressas, mas também o
conteúdo virtual de normas não expressas, porém, ínsitas no sistema”.
Vargas (2005, p.360) fundamenta com maestria o seu posicionamento:

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A REVISTA DA UNICORP

Fato é que a norma existe e obriga. Contudo, como o Direito não se


esgota na norma, necessário que os juristas, como homens de seu tempo,
ofereçam uma interpretação mais consequente da lei. Cumpre-lhes
otimizar as estruturas de composição de conflitos, tendência que a
instituição do Juizado de Pequenas Causas, na área cível, bem revelou.
O tempo e os recursos despendidos em processos sabidamente inúteis
tem (sic) um custo que a sociedade não mais pode suportar.

Com efeito, os vetores principiológicos e institutos que traduzem garantias ao cidadão


e que integram a Carta Política, mesmo não expostos explicitamente, pelo legislador, foram por
ele acolhidos, de forma implícita, e serão identificados por meio de uma interpretação sistêmica,
cabendo ao hermeneuta desvendar as garantias implícitas.
No caso em tela, entende a doutrina, representada por Vargas (2005), que o
reconhecimento antecipado da prescrição retroativa pela ausência de interesse de agir não
viola qualquer direito ou garantia fundamental do cidadão e nem importa em insegurança
jurídica, uma vez que se fundamenta numa interpretação sistemática das normas penais e
processuais.
Neste sentido, a respeito da prescrição virtual, enfatiza Vargas (2005, p. 355): “A inovação
não traduz ilegalidade, mas resulta de interpretação sistemática, com assento em duas
concepções: o da instrumentalidade do processo e a do interesse de agir”.
O Direito não se sustenta apenas no seu caráter normativo, com base exclusivamente
na lei, mas no contato direto com a realidade, que, atualmente, exige a existência de uma ação
penal útil, com plena possibilidade de imposição de sanção, não havendo prejuízo à ordem
jurídica se o magistrado aplicar a prescrição retroativa, ao incidir o prazo prescricional com
supedâneo em uma pena hipotética, a partir da realidade específica dos autos.
Vargas (2005, p.356) ressalta que:

[...] não seria humano manter-se uma pessoa indefinidamente sob


ameaça de punição. Ademais, o decurso do tempo enfraquece ou faz
desaparecer as provas, de modo que eventual sentença condenatória
poderia afastar-se da verdade do fato criminoso. Todas essas razões de
ordem social vão ao encontro do senso comum, legitimando-se. O que
não se compreende, de outra forma, e que, depois de toda a movimentação
do aparelho repressivo do Estado, bem como da máquina judiciária,
com aplicação de recursos de ordem material e intelectual, custeados
pela sociedade, venha-se mais tarde a declarar, que embora o réu tivesse
sido condenado a cumprir determinada pena, aquela condenação, na
verdade, inexiste.

A posição doutrinária e jurisprudencial insurgiu a partir da leitura da realidade social


contemporânea, que despertou, sensivelmente, a muitos operadores do Direito acerca da
necessidade de criar uma solução viável, a partir da interpretação do sistema penal, a fim de
impedir o ajuizamento de ações penais nas situações em que se antevê a provável ocorrência
da prescrição retroativa.
A necessidade de um processo penal democrático, instrumental e finalista, vinculado à

21
ENTRE ASPAS

imprescindibilidade de celeridade e economia processuais, sobretudo se ausente o interesse


de agir e a justa causa para a deflagração ou continuidade do procedimento criminal, são
alguns motivos que implicam na legitimação da prescrição virtual como caminho para os novos
tempos, pois traduzem a realidade jurídica vivenciada pelo Direito Penal pátrio.
É imperativo que os Egrégios Tribunais Superiores busquem refletir sobre a prescrição
virtual num campo mais amplo, com o escopo de que não se crie uma instabilidade total,
afetando a segurança jurídica da Ordem Constitucional Brasileira.
Nos dias atuais, verifica-se que o instituto da prescrição em perspectiva, virtual ou
antecipada apresenta-se como garantia fundamental, na medida em que ela revela o conteúdo
do direito, referente aos valores supremos do homem, como a liberdade, refletindo-se na
promoção da dignidade da pessoa humana. Embora não previsto textualmente, o instituto
pode ser considerado integrante da Constituição em virtude de sua fundamentalidade. É o que
assevera Rothenburg (1999, p. 55):

A nota da fundamentalidade é essencial para a revelação de direitos


fundamentais fora do catálogo expresso na Constituição, permitindo
uma interpretação extensiva. Indispensável uma avaliação da
fundamentalidade para o reconhecimento de direitos fundamentais
‘decorrentes do regime e dos princípios (adotados na Constituição) [...]

Nesse irrepreensível entendimento, oportuna a citação de Rothenburg (1999, p. 64,


grifos do autor): “Há aqui uma proteção traduzida pela proibição de retrocesso, sendo que
essa eficácia impeditiva (negativa) e imediata é por si só capaz de sustentar um controle de
constitucionalidade (tanto em relação à ação quanto à omissão indevidas)”.
Assim, ao ser consagrado como direito do cidadão, da sociedade e do próprio membro
do Parquet, o reconhecimento da prescrição virtual não poderá, em nenhuma circunstância,
ser relegado ao esquecimento nem diminuído.

4.3 Argumentos deslegitimadores da prescrição virtual

A teoria da prescrição virtual tem por base o art. 109 do CPB, que estabelece que a
prescrição é regulada, antes do trânsito em julgado da sentença, pela pena abstrata máxima que
é cominada ao delito, não sendo lícito simular uma pena “fictícia” antes do trânsito em julgado
da decisão, apenas para servir de base para decretar a extinção da punibilidade com base na
prescrição retroativa.
Esta corrente reforça o seu entendimento a partir do quanto contido no art. 110, §§ 1º e
2º, também do CPB, defendendo que tal previsão traz como requisito basilar para aplicação da
prescrição retroativa a existência de sentença penal condenatória, determinando a pena a ser
imposta ao infrator. Apenas depois desta fase é que se saberá, in casu, se ocorreu ou não a
causa extintiva da punibilidade. Não é admissível, por conseguinte, a simples presunção da
pena que futuramente seria imposta, o que evidencia o caráter eminentemente racionário da
incidência da prescrição virtual, pautado em critérios legais.
Não é segredo, no entanto, que, no palco das discussões jurídicas, grande parte dos
penalistas brasileiros e a jurisprudência do STJ e STF, não admitem a antecipação do

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A REVISTA DA UNICORP

reconhecimento da prescrição penal, sob a justificativa de que não há qualquer previsão legal
do instituto.
Sob outro prisma, insurgem-se contra a aplicação da prescrição virtual com base em
eventual afronta ao princípio do contraditório, afirmando-se que a sua aceitação configura-se
entrave à consagração do princípio constitucional. Para quem assim entende, a prescrição em
perspectiva seria um julgamento antecipado da lide penal, presumindo a culpabilidade do réu,
sem que o mesmo tenha o direito de se defender, inobservando o princípio do contraditório,
que é garantia de índole constitucional.
Argumentam, também, violação ao princípio do devido processo legal. Para tanto,
defendem que a presunção de uma pena concreta, antes do trânsito em julgado da sentença,
macularia a tramitação regular do processo criminal, segundo previsão encartada no texto de
1988.
Outro motivo articulado para o não reconhecimento da prescrição em perspectiva tem a
finalidade de evitar que o Poder Judiciário torne-se um legislador positivo, sob pena de
transgressão do princípio constitucional da separação de poderes, já que este Poder não
dispõe de função legislativa e não pode exercer atividade que não lhe é institucionalmente
definida, usurpando, assim, atribuição que não lhe diz respeito.
Ao final, apontam que há nítida afronta aos princípios da presunção da inocência,
ampla defesa, obrigatoriedade e indisponibilidade da ação penal, ainda utilizados como razões
contrárias à aplicação do instituto ora em comento, sobretudo por parte da doutrina.
Por lealdade ao discurso contrário à prescrição antecipada, imperativo colacionar decisão
emblemática do STF, recusando a sua ideia. Verbis:

Não se admite a prescrição retroativa por antecipação, uma vez que,


além de inexistir previsão legal, não pode, antes da sentença condenatória,
presumir a pena rente às circunstâncias do caso concreto. Com esse
entendimento, a Turma negou provimento a recurso de habeas corpus
em que se pretendia o reconhecimento antecipado da prescrição retroativa
sob o argumento de que, no caso de eventual condenação a pena do
paciente não poderia exceder o mínimo legal, tendo em vista as regras de
fixação da pena (CP, art. 59). (Informativo do Supremo Tribunal Federal
nº 99, DORJ de 27/02/1998, Seção I, p. 03).

Com o fito de dar maior eficácia a esse entendimento, o enunciado nº. 438 da Súmula da
jurisprudência predominante do STJ determina “ser inadmissível a extinção da punibilidade
pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética,
independentemente da existência ou sorte do processo penal”. Tal posicionamento registre-
se, não vem sendo acatado de forma unânime, até porque não possui natureza vinculante.
Em que pese se mostrarem robustas as razões invocadas por aqueles que rechaçam a
possibilidade de aplicação da prescrição virtual no direito penal brasileiro, há doutrinadores e
coerente jurisprudência, composta por teóricos de renome e alto gabarito, já oportunamente
nomeados, que não só admitem como reclamam a aplicação da prescrição retroativa antecipada,
mediante sólidas alegações.
Com efeito, os argumentos expostos não se apresentam como óbice ao reconhecimento
da prescrição virtual no sistema penal brasileiro, podendo ser refutados, até mesmo por meio
de um juízo de proporcionalidade, razoabilidade e equidade entre os bens jurídicos em jogo, à
luz da conjuntura fática a ser examinada.

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ENTRE ASPAS

4.4 Das causas legitimadoras do reconhecimento da prescrição antecipada


no Direito Penal Brasileiro

Dentre os inúmeros argumentos suscitados a favor da admissibilidade da prescrição


virtual no ordenamento jurídico brasileiro, destaca-se a falta de interesse de agir e a ausência
de justa causa para a ação penal, o que contribui para a sua pretensa extinção. O interesse de
agir é uma das condições da ação, observando-se o trinômio interesse-adequação, interesse-
necessidade (imposição de uma pena) e interesse-utilidade (efetividade da persecução penal)
do processo, neste caso, penal. A adequação consiste em utilizar o processo como instrumento
para garantir a aplicabilidade de uma sanção penal.
Deste modo, ausente tal condição da ação, de cunho essencialmente processual,
justificado está o instituto em análise, sob o argumento de que, com isso, haveria a perda
material do jus puniendi estatal, já que, com a propositura da ação, não ocorrerá o resultado
que dela se espera, isto é, a pena a ser aplicada ao autor do fato delituoso. (NUCCI, 2005).
Para Palotti Júnior (1994, p. 303):

O interesse de agir está jungido à utilidade do provimento jurisdicional


pleiteado. Destarte, se a prestação jurisdicional mostra-se, de antemão,
inútil, exsurge daí o desaparecimento do interesse de agir, o que justifica
o trancamento da ação penal em curso ou mesmo o não recebimento de
denúncia oferecida. Em outras palavras: ausente o interesse de agir,
inexiste pretensão digna de ser julgada. Para os defensores desta corrente,
se o Juiz constatar, no caso concreto, que à vista das circunstâncias de
fato e das condições pessoais do réu - especialmente sua primariedade e
bons antecedentes - a pena, no caso de condenação, seria atingida pela
prescrição, pode reconhecer o desaparecimento do interesse de agir do
Estado e, por conseqüência, declarar extinta a punibilidade do réu pelo
reconhecimento antecipado da prescrição retroativa. E tem esse poder
porque o processo penal ‘não se justifica sem um objetivo: dar resposta
jurisdicional à pretensão punitiva estatal, sob feição final da coisa
julgada’, no dizer do e. Juiz Walter Theodosio, na declaração de voto
constante do v. aresto publicado na RT 699/315-317.

O argumento trazido à lume acaba por refutar a concepção invocada pelos que não
admitem a aplicação da prescrição virtual, pois esta configuraria mácula aos princípios da
obrigatoriedade e da indisponibilidade da ação penal. Ora, ante a nítida ausência de uma das
condições da ação, o membro do Parquet não estaria obrigado a promover a ação competente,
já que, inexistindo interesse de agir, ao final, estaria extinta a sua punibilidade.
Delmanto e Roberto Júnior (1998, p. 189), por seu turno, defendem a falta de interesse de
agir e a ausência de justa causa como os grandes vetores que legitimam a admissibilidade da
prescrição virtual. Para eles:

[...] A nosso ver, acreditamos que a solução para este impasse não se
encontra na extinção da punibilidade com base na pena que seria imposta
em possível condenação, que realmente nos parece difícil de sustentar,
mas, sim, na falta de justa causa para a persecução penal. Com efeito,

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A REVISTA DA UNICORP

tendo em vista que o ‘poder-dever de promover a perseguição do


indigitado autor da infração penal’ (Rogério de Lauria Tucci, Direitos e
Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro, Saraiva, 1993, p.
15) tem por fundamento o próprio ‘poder-dever de punir’, não há sentido
em admitir-se a persecução penal quando ela é natimorta, já que o
‘poder de punir’, se houver condenação, fatalmente encontrar-se-á extinto.
Perder-se-ia todo o trabalho desempenhado, até mesmo para efeitos
cíveis, já que, ao final, estaria extinta a própria pretensão punitiva (‘ação
penal’). De outra parte, submeter alguém aos dissabores de um processo
penal, tendo a certeza de que este será inútil, constitui constrangimento
ilegal, uma vez que ‘a mesma injustiça, decorrente da acusação posta
sem que seja possível antever condenação do réu, existe quando não há
possibilidade de cumprimento da sentença condenatória porque será
alcançada a prescrição’ (Antônio Scarance Fernandes, ‘A provável
prescrição retroativa e a falta de justa causa para a ação penal’, in
Caderno de Doutrina e Jurisprudência da Associação Paulista do
Ministério Público, n.º 6, p. 42). Portanto, não se estaria decretando a
extinção da punibilidade, mas deixando de dar continuidade à persecuções
penais inúteis, que podem ser consideradas desprovidas de justa causa.

Por outro lado, deve-se recordar que o Direito Penal é a ultima ratio, não sendo medida
harmoniosa com o Estado Democrático de Direito, permitir-se que os cidadãos, ad infinitum,
suportem a verdadeira via cruxis - ser parte de um processo penal. Busca-se, a todo momento,
a preservação das garantias fundamentais, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa
humana, imprescindível à plena eficácia do Direito Penal.
O processo deve ser analisado conforme o seu caráter finalista, devendo as normas
jurídicas ser interpretadas, tendo por base o elemento teleológico e útil do processo criminal.
Pela teoria funcionalista da pena, condizente com o Estado Democrático de Direito, o
qual vivencia o primado da intervenção mínima do Direito Penal, estando ausente a força
punitiva do Estado pela perda do valor simbólico do fato e de sua consequente incapacidade
para impor a pena pelo decurso do tempo, desaparecimento da necessidade de imposição de
pena, qualquer processo penal em curso ou futura aplicação de sanção configura atentado à
dignidade da pessoa humana. (JAKOBS, 2009)
Assim sendo, obrigar um indivíduo a responder a um processo criminal cuja pena,
previamente, sabe-se não ter serventia qualquer, fere os objetivos do Estado Democrático de
Direito.
Alega-se, ainda, em favor da prescrição retroativa antecipada a instrumentalidade do
processo, devendo o mesmo ser analisado mais em seu aspecto prático do que teórico, já que
o processo não pode ser considerado como um fim em si mesmo. Vargas (2005, p. 355) acredita
que: “O processo, como instrumento, não tem razão de ser, quando o único resultado previsível
levará, inevitavelmente, ao reconhecimento da ausência de pretensão punitiva. Se não há
efetividade, o uso do ‘processo pelo processo é mera incursão em um mundo virtual”.
Ademais, o princípio da economia processual também ratifica a aceitabilidade do instituto
em análise, e consiste na forma em que as exigências relativas ao processo devem ser adequadas
e proporcionais à finalidade que se almeja, evitando-se a execução de atos processuais, que se
sabe antecipadamente, desnecessários e inúteis, não havendo possibilidade de se obter tutela

25
ENTRE ASPAS

jurisdicional efetiva.
A respeito, Baltazar (2003, p. 107) sublinha que quando se está diante de várias opções
no sentido de “otimizar” o processo criminal, evitando-se o constrangimento ilegal do acusado,
deve-se optar por aquele caminho que se aparenta mais célere, eficaz e menos custoso ao ente
público. Busca-se “o máximo resultado na atuação do direito com o mínimo possível de
atividades processuais e, consequentemente, de despesas, sem contudo, suprimir atos
previstos no rito processual em prejuízo às partes.”
Diz-se, também, que a prescrição virtual fere o princípio da presunção de inocência,
pois retira do acusado o direito de ser absolvido. Entretanto, em resposta, Vargas (2005) registra
o pensamento da presentante do MP gaúcho, Diolinda Kurrle Hannush, a qual defende que “o
processo tem uma finalidade pública e não privatísta, ou seja, existe para que o Estado
possa exercer o seu ‘jus puniendi’ e não para que o acusado demonstre suas virtudes”.
Relevante mencionar, ainda, em favor da necessidade de aplicação da prescrição virtual,
o princípio do bom emprego do dinheiro público, utilizado para mobilizar todo o aparelhamento
estatal, mediante o processamento da ação criminal. Nesta hipótese, apresenta-se um
despropósito e nítida má administração do dinheiro público, sabendo-se da ocorrência inequívoca
da prescrição, constatada desde a fase pré-processual e até processual, alimentar a existência
de uma ação fadada ao insucesso. Além da despesa excessiva, há o evidente desprestígio da
imagem da justiça.
Baltazar (2003, p.111) pontua que a prescrição em perspectiva “outra coisa não é senão
uma economia processual extraordinária, que beneficia o réu e o Estado”. Tal afirmativa
conduz a uma séria reflexão acerca da cruel realidade por qual perpassa o processo penal
brasileiro, de modo que não se pode mais tolerar o alto dispêndio de recursos materiais, humanos
e financeiros, por parte do Estado, já deficiente, através de processos que se arrastam no
tempo, infinitamente, sem alcançar qualquer resultado.
Outrossim, não deve prosperar que a prescrição projetada viola o princípio constitucional
do devido processo legal. Isso porque a ação penal não tem razão para prosseguir regularmente,
se, ao final, não poderá ser aplicada qualquer sanção, em decorrência da prescrição antecipada
reconhecida e que ocasionará a extinção da punibilidade.
Por fim, imprescindível registrar que a aplicação do instituto em exame somente ocorre
com base na casuística, individualmente analisada.

4.5 Os princípios da legalidade e da obrigatoriedade e o reconhecimento da


prescrição virtual

Parte da doutrina e jurisprudência repugnam a ideia da prescrição virtual com base no


princípio da obrigatoriedade ou legalidade, viga mestra que rege o Direito Processual Penal
Brasileiro. Para tanto, aduzem que o Órgão Ministerial está vinculado, estreitamente, ao dever
de promover a ação penal quando houver prova da existência de crime e indícios suficientes de
sua autoria, desde que inexistentes as causas que impossibilitem o exercício da persecutio
criminis e consequente punição do infrator.
Diz-se, de um lado, que o MP, como órgão encarregado pela deflagração e condução da
ação penal, tem o dever de recorrer ao Judiciário a fim de reclamar a justa aplicação da lei, se
presentes a materialidade do crime e os indícios da autoria. De outro, afirma-se que, pelo
princípio da oportunidade, o Parquet tem a faculdade, e não o dever, de intentar a ação penal,

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A REVISTA DA UNICORP

de modo discricionário, “levando-se em conta a utilidade da persecutio criminis e tendo em


vista o interesse público e a economia processual”. (MOREIRA 2008, apud TRAVESSA, 2008,
p.12 grifos do autor).
No que se refere ao princípio da legalidade, nunca se escondeu que a legislação penal
vigente no ordenamento jurídico brasileiro não faz alusão explícita à prescrição virtual. Este
instituto nasceu a partir da leitura feita de casos concretos, em que, no seu exame, restou
patente a ausência de interesse de agir. Este passou a ser o principal vetor a fundamentar a
prescrição antecipada. O que se frisa para não se admitir a prescrição virtual, que consiste na
alegação da inexistência de amparo legal, vem perdendo força, e ainda subsiste porque
sustentado por um positivismo arraigado na formação jurídica de grande parte dos juristas
brasileiros.
No mesmo diapasão, impõe frisar que o art. 3º do Código Penal possibilita que às
normas processuais seja dada interpretação extensiva ou analógica. Sendo assim, o hermeneuta
pode, por analogia, amparar-se no Código de Processo Civil, que expressamente menciona a
carência de ação ante a ausência do interesse de agir. Desta forma, se não há possibilidade de
imposição de pena ao final do processo, em face do efeito do tempo o qual ensejou a prescrição,
é desnecessário e inútil o Órgão Ministerial lançar mão da ação penal.
Já no tocante ao princípio da obrigatoriedade, também não há de se considerar
impedimento à ocorrência da prescrição em perspectiva. Segundo tal princípio, a ação penal
não pode ser iniciada de modo aleatório, ficando o MP obrigado a deflagrar a persecução
penal, sem que seja possível considerar critérios de oportunidade e conveniência.
Salutar a exposição de Moreira (2008 apud TRAVESSA, 2008, p. 15) sobre este ponto:

Vê-se, portanto, ser inconcebível que, à vista de determinados elementos,


tais como a prescrição iminente, o Ministério Público, em nome da
obrigatoriedade da ação penal, ative o Estado-Juiz, sabendo-se de antemão,
tratar-se de atividade absolutamente inócua, contrariando a própria razão
de ser do processo penal e da Instituição, deslembrando-se, ademais, da
grande quantidade de processos criminais referentes a fatos delituosos
efetivamente graves.

Como se percebe, o reconhecimento antecipado da prescrição retroativa permite que


seja dada a devida importância aos processos que realmente interessam, ou seja, os que terão
uma sanção penal efetivamente punível.
Oportunamente, antes de iniciar a ação penal, o membro do MP observará se estão
presentes as condições da ação e os pressupostos processuais, para, somente após, ajuizar o
devido processo criminal. Por esse prisma, o reconhecimento antecipado da prescrição retroativa
não pode ser concebido como uma disponibilidade por parte do Parquet ou do magistrado,
uma vez que ausente o interesse de agir, ou seja, inexistente uma das condições legais para o
regular manejo da ação penal, não há obrigatoriedade para o Órgão Acusador nem para o
Órgão Julgador de propor ou prosseguir um processo desnecessário e inútil, inapto à produção
de quaisquer efeitos.
Há quem aponte mitigação ao princípio da obrigatoriedade. A clássica exemplificação
refere-se aos institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo, previstos
na Lei dos Juizados Especiais Criminais, Lei nº 9.099/95. A primeira consiste numa aplicação
antecipada de uma sanção penal, desde que se trate de um fato típico, antijurídico e culpável,

27
ENTRE ASPAS

sem sentença penal condenatória e é aceita pela maioria da doutrina penalista brasileira. Frise-
se, por oportuno, que a prescrição virtual é ainda menos gravosa que a transação penal, já que
extingue a punibilidade, sem aplicar nenhuma pena ao infrator.
Reitera-se que a prescrição antecipada não produz nenhuma consequência lesiva para
o infrator, haja vista que não caracteriza a sua responsabilidade penal, não há efeitos da
reincidência, maus antecedentes, afastando todos os efeitos da condenação penal. Por essas
e outras razões, não se mostra crível alegar que a presunção da culpa pode manchar a utilização
da prescrição projetada, por violar o princípio da presunção da inocência. Ora, se os efeitos da
condenação não atingirão o réu, não há presunção de culpa, e, por consectário lógico, não
existe motivo para não reconhecer antecipadamente a prescrição.
De igual modo, impende citar a transação penal como mais uma forma de mitigação ao
princípio da presunção de inocência, e que também é admitido por grande parte da doutrina e
jurisprudência patrícia. Nela nenhum dos efeitos da condenação penal é aplicado ao denunciado,
tal como se dá com a prescrição retroativa antecipada.
A legalidade, portanto, cede espaço para os princípios e para a atividade interpretativa
do operador do Direito. Acerca disso, Palombella (1999, p. 265) sustenta:

Estamos diante de um Direito mais dúctil e flexível, ante a variedade dos


casos, e, portanto, mais justo. Nesta lógica, os conteúdos e não as formas,
a compreensão do significado concreto, das tensões materiais próprias
das situações da vida, adquirem força frente à extrema dureza das inflexíveis
‘leis’, cuja abstração e distância da realidade encastelava o direito no
conceitualismo das velhas pandectas de costas para a justiça.

Será esse o caminho.

4.6 A valoração político-criminal da questão impõe a rejeição da prescrição


em perspectiva?

É de reconhecer-se, porque digna de nota, o forte posicionamento de Vargas (2005, p.


359), ao asseverar, quanto à admissibilidade da prescrição virtual, que: “No fundo das discussões
que dividem os juristas está, na verdade, uma disputa ideológica”.
Nas palavras de Marques (1998, p. 37):

O processo é instrumento de atuação estatal vinculado, quase sempre, às


diretrizes políticas que plasmam a estrutura do Estado. Impossível, por
isso, subtrair a norma processual dos princípios que constituem a
substância ética do Direito e a exteriorização de seus ideais de justiça. No
processo penal, então, em que as formas processuais se destinam a garantir
direitos imediatamente tutelados pela Constituição, das diretrizes políticas
desta é que partem os postulados informadores da legislação e da
sistematização doutrinária. Com razão afirmou Goldschmidt que a
estrutura do processo penal de uma nação indica a força de seus elementos
autoritários e liberais.

Na contemporaneidade, embora se perceba certa evolução em alguns aspectos, subsiste


o claro desejo de punir aquele que transgride a norma penal. Quer-se unicamente, e a todo
custo, identificar o agente e puni-lo, dando, deste modo, resposta satisfatória aos interesses

28
A REVISTA DA UNICORP

da sociedade, por mais escusos que aparentem ser.


Ocorre que, a lei não tem correspondido aos anseios e necessidades da sociedade pós-
moderna, especialmente no que toca a legislação penal. Dai, evidencia-se o seu declínio. O
Direito não se exaure na produção legiferante, já que o mesmo é sistema de princípios e valores
que define condutas. A própria lei tem servido como instrumento que impede a eficácia de
princípios garantidores, havendo acelerado “descompasso entre o princípio e a lei”.
(CERNICCHIARO, 1998, p.162)
Para o supramencionado autor: “A lei deve ser expressão do direito. Historicamente,
nem sempre o é. A lei, muitas vezes, resulta de prevalência de interesses de grupos, na
tramitação legislativa. [...] Não se pode desprezar o patrimônio político da humanidade”.
Com efeito, os Poderes são harmônicos e independentes entre si, cabendo ao Judiciário
a tarefa de dizer o Direito. Contudo, em que pese a independência conferida pelo Texto
Constitucional, o posicionamento do STF e do STJ, na questão da prescrição virtual, é por
demais subserviente aos preceitos legislativos. O Poder Judiciário não pode continuar a ser
servil ao aplicar a lei “como alguém que cumpre uma ordem. Impõe-se-lhe interpretar a lei
conforme o Direito, Adotar posição crítica, tomando como parâmetro os princípios e a
realidade social.”. (CERNICCHIARO, 1998, p.162)
O exercício da magistratura requer criticidade, conhecimento da realidade, compromisso
político e competência técnica. Com o perpassar dos fatos, a lei não mais atende aos ditames do
tempo, surgindo um descompasso entre a lei e o Direito e é a partir desse momento que emerge
a necessidade do cumprimento do papel interpretativo do juiz, construindo a solução viável ao
caso concreto, a partir de uma visão política, crítica e desafiadora.
A jurisprudência, vetor de grande importância para a concretização de direitos e garantias
do cidadão, fruto da interpretação de lei e consequente promoção do Direito, cuja inclinação é
favorável ao reconhecimento da prescrição virtual no Direito Penal brasileiro, assim se manifesta,
verbo ad verbum:

A doutrina e a jurisprudência divergem, predominando, no entanto, a


orientação que não aceita a prescrição antecipada. É chegada a hora,
todavia, do novo triunfar. A prescrição antecipada evita um processo
inútil, um trabalho para nada, chegar-se a um provimento jurisdicional
de que nada vale, que de nada servirá. (...) Desse modo, não há falta de
amparo legal para aplicação da prescrição antecipada. A doutrina da
plenitude lógica do direito não pode subsistir em face da velocidade com
que a ciência do direito de movimenta, de sua força criadora,
acompanhando o progresso e as mudanças das relações sociais. Seguir
a Lei à risca, quando destoantes das regras contidas nas próprias
relações sociais, seria mutilar a realidade e ofender a dignidade mesma
do espírito humano, porfiosamente empenhado nas penetrações sutis e
nos arrojos de adaptação consciente (Pontes de Miranda). (TRF 1ª
Região – RCCR 199735000000600/GO. 3ª Turma. Rel. Des. Fed.
Tourinho Neto).

É cabível o reconhecimento da prescrição em perspectiva, em


casos excepcionais, quando evidente que o prosseguimento da
ação penal redundará em nada. Tanto a persecução penal, como

29
ENTRE ASPAS

a prestação jurisdicional, espécies do gênero das ações estatais,


pautam-se pela observância ao princípio constitucional da
eficiência (artigos 5º, LXXVIII e 37, caput, da Constituição
Federal) (TRF 4ª R. – 4ª S. – EINRSE 2007.72.04.001453-9 – Rel.
Paulo Afonso Brum Vaz – j. 19.06.2008 – DJU 04.07.2008). Grifo
nosso.

O Tribunal de Justiça da Bahia, mediante o julgamento do Recurso Criminal nº 01126768-


17.2001.805.0001-0, da Relatoria do Desembargador Nilson Castelo Branco, em avançado e
elogioso entendimento, decidiu:

Recurso Criminal – Furto qualificado – Rompimento de


obstáculo e concurso de pessoas – Sentença declarando extinta
a punibilidade com fundamento na ocorrência da prescrição
virtual – Possibilidade – Princípio da economia processual –
Recurso improvido. O reconhecimento da prescrição em
perspectiva, muito embora não seja entendimento pacífico, se
mostra plenamente possível, ante a ausência de interesse de
agir do Estado.
1. Na hipótese, verifica-se serem favoráveis todas as
circunstâncias judiciais postas no art. 59 do CP, inexistindo
razão, destarte, para fixação da pena-base em patamar diverso
do mínimo legal, a saber, 02 (dois) anos de reclusão. De igual
forma, inexistem circunstâncias agravantes, atenuantes ou
causas de aumento ou diminuição.
2. In casu, entre os marcos interruptivos do prazo prescricional
(recebimento da denúncia – 28.11.2001 - e a decisão de 1º
grau – 22.09.2009), já transcorreram mais de 07 (sete) anos, a
demonstrar, de forma clara, ser a presente ação penal carente
de uma das suas condições, qual seja a ausência de interesse
de agir, na modalidade interesse-utilidade.
3. Acolhimento do Ministério Público, na primeira instância
pela aplicação da extinção da punibilidade pela prescrição
virtual.

4. Parecer Ministerial pelo improvimento do recurso, para


manter a sentença guerreada.
5. Precedentes desta Primeira Câmara Criminal (Apc nº 5240-
51.1983.805.0000-0, Rel. Abelardo Paulo da Matta Neto, J. 05.07.10,
P.09.07.2010; Apc nº 004202-32.2005.0001-0, Rel. Des. Nilson
Castelo Branco, 1ª Câm.Crim, 2ª Turma, J.23/09/2010, DPJE
29.09.2010).
De igual forma, colaciono o entendimento esposado pelo festejado Desembargador
Lourival Almeida Trindade, integrante da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da
Bahia, ao julgar o Recurso em Sentido Estrito n° 0122293-86.2002.805.0001-0:

30
A REVISTA DA UNICORP

EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. FURTO SIMPLES


TENTADO. PREscrição virtual, antecipada ou projetada.
ADMISSIBILIDADE, in casu. MANUTENÇÃO DA EXTINÇÃO DA
PUNIBILIDADE.
I – Acusado denunciado, como incurso, nas penas do art. 155, caput, c/c
o art. 14, II, ambos do Código Penal.
II – A prescrição antecipada ou virtual deve ser perquirida, casuisticamente,
possuindo cabida, nas hipóteses, em que esta for evidenciada,
considerando-se a pena provável, a ser cominada ao acusado.
III – Há de ser extinta a punibilidade, em se afigurando a prestação
jurisdicional tardinheira, de modo a esgotar os prazos, catalogados, no
art. 109, do CP, não se entremostrando razoável a perpetuação
prescindível do feito, quando se encontrar este fadado a ser morto e
sepultado, via instituto da prescrição, em perspectiva, até porque
entendimento contrário vergastaria o princípio da economia processual.
IV – Considerando-se que o crime de furto simples possui previsão de
pena de reclusão de um a quatro anos, e levando-se, em linha de conta, a
primariedade do acusado, assim como a causa de diminuição de pena,
atinente à tentativa, por certo, a pena que lhe seria aplicada estaria aquém
dos dois anos. Logo, com escoras, no inciso V, do art. 109, do CP, a
prescrição efetivar-se-ia, in specie, em quatro anos.
V – Enfatize-se que a denúncia foi recebida, em 01 de novembro de 2002
(fl. 27), havendo sido declarada a prescrição antecipada, em 09 de dezembro
de 2009, ou seja, após mais de 7 (sete) anos.
VI - O processo, predestinado à morte precoce, não deve continuar a
seguir rumo estéril, porquanto faltaria, então, ao órgão acusatório o
interesse de agir, enquanto o acusado permaneceria aguardando o epílogo
do feito, que, em verdade, transmudar-se-ia num talvez, ou quem sabe,
num quem sabe.
VII - Vale escandir, por oportuno, a fim de evitar excogitações, em derredor
das alterações legislativas, no CP, pela Lei nº 12.234/2010 que as novas
regras, albergadas, no art. 109, caput, e inciso VI, do CP, não se aplicam,
in hipotesis, porquanto, no que pertine às normas de direito penal, é
sabido que tempus regit actum.
VIII - Parecer da Procuradoria de Justiça pelo conhecimento e provimento
do recurso.
IX – Recurso desprovido. (RESE n° 0122293-86.2002.805.0001-0, Rel.
Des. Lourival Almeida Trindade, 1ª Câm.Crim, 2ª Turma, DPJE
08.09.2010).

Por outro lado, tive a honra de esposar meu entendimento no julgamento do HABEAS
CORPUS N° 0008016-40.2014.8.05.0000:

EMENTA: PROCESSUAL PENAL. FURTO QUALIFICADO


PELO CONCURSO DE PESSOAS. INÉPCIA DA DENÚNCIA
REJEITADA. EXORDIAL, QUE INDIVIDUALIZA, A

31
ENTRE ASPAS

CONTENTO, A CONDUTA DOS ACUSADOS. PRESCRIÇÃO


VIRTUAL, ANTECIPADA, OU EM PERSPECTIVA.
RECONHECIMENTO, IN CASU. ORDEM CONCEDIDA.
I – Habeas corpus, no qual se alega a inépcia da denúncia e a
ocorrência da prescrição virtual.
II - Analisando-se a peça acusatória, de fls. 09/10, verifica-se que
esta contém a indicação dos fatos criminosos e a individualização
da conduta de cada acusado, viabilizando o exercício da ampla
defesa de forma adequada.
Rejeito a alegação de nulidade processual, em decorrência de
inépcia da denúncia.
III – Compulsando-se os autos, vislumbra-se, in casu, a ocorrência
da prescrição virtual, antecipada, ou em perspectiva.
IV - Vale ressaltar o posicionamento da maioria da Segunda Turma
da Primeira Câmara Crime, deste Tribunal, no sentido de que a
prescrição virtual deve ser analisada, em cada caso concreto,
devendo ser aplicada, quando já se possa antever a extinção da
pretensão punitiva do acusado, considerando-se a pena provável,
a lhe ser aplicada. Nesse sentido, vejam-se os precedentes deste
Órgão Colegiado: RESE 0115315-88.2005.805.0001-0, RESE
0057630-94.2003.805.0001-0, RESE 0122293-86.2002.805.0001-0, HC
0004598-36.2010.805.0000-0.
V - Na hipótese, em apreço, conclui-se que, entre o termo a quo
do prazo prescricional (data do fato) e o marco interruptivo,
previsto, no art. 117, I, do CP, (recebimento da denúncia), houve
transcurso de prazo suficiente à extinção da punibilidade do
paciente.
VI - Considerando-se que o crime de furto qualificado possui
previsão de pena de reclusão de dois a oito anos, e, tendo em
vista as circunstâncias judiciais evidenciadas, in casu, a pena
que lhe seria aplicada, certamente, estaria aquém de quatro anos.
Logo, com escoras, no inciso IV, do art. 109, do CP, a prescrição
efetivar-se-ia, no máximo, em oito anos.
VII - Consoante a denúncia, os fatos, imputados ao paciente,
ocorreram em 20 de agosto de 2000, e a denúncia foi recebida
pelo juízo a quo, em 17 de novembro de 2008 (fl. 20), ou seja, após
o transcurso de mais de 8 (oito) anos.
VIII - Com espeque nos princípios da celeridade, da economia
processual e da razoabilidade, o processo fadado à declaração
da prescrição não merece prosseguir, por carecer de necessidade/
utilidade, ensejando, por conseguinte, a falta de interesse de agir
do dominus litis.
PARECER DA PROCURADORIA DE JUSTIÇA PELA
DENEGAÇÃO DO WRIT.
ORDEM CONCEDIDA. ( HC N° 0008016-40.2014.8.05.0000, REL.
ABELARDO PAULO DA MATTA NETO-JUIZ CONVOCADO, DPJ
27/08/2014)

32
A REVISTA DA UNICORP

Assim, ao admitir a aplicação da prescrição virtual, o magistrado não substitui o


legislador, mas, tão-somente, interpreta a lei, conferindo utilidade social ao processo criminal e
exercendo a sua missão de agente político, capaz de promover a justiça e indicar a solução útil
e viável aos fins a que se destina o processo penal democrático. Diante disso, Cernicchiaro
(1998, p. 165) alerta: “Nesse particular, a atuação do Judiciário e do Ministério Público
ganham significativa importância. Sem exagero, importância ainda não percebida por um e
por outro”.
E complementa, advertindo que o juiz deverá:

[...] conferir a solução justa ao caso concreto; para isso, se a lei não
ofertar a resposta adequada, com esteio no Direito dar solução justa à
hipótese em julgamento. Especificamente, no âmbito do Direito Penal,
aplicando a pena conforme sua necessidade visando ao interesse público.
(CERNICCHIARO, 1998, p. 165, grifos do autor)

Evidente, então, o caráter político que acompanha a temática, assim como persegue
todo o Direito. A boa política criminal propicia um estado de maior tranquilidade, corrigindo as
mazelas que norteiam os Poderes Republicanos e que autorizam o aplicador do Direito a lançar
mão das fontes do Direito para se alcançar a tão almejada justiça em tempo novo: o
reconhecimento da prescrição antecipada no Direito Penal pátrio, em nome da economia
processual, da instrumentalidade do processo, o qual deverá ser movido pelo interesse de agir
e pela justa causa, evitando-se gastos desnecessários e mais sofrimento ao acusado, vítima de
um sistema carcerário que se afastou das finalidades da pena.
Portanto, a valoração político-criminal constitui-se forte vetor a justificar a plena
aplicabilidade da prescrição virtual no Direito Penal brasileiro.

5. Considerações finais

A importância do debate da prescrição virtual no ordenamento jurídico brasileiro é fato


reconhecido por todos os estudiosos do Direito penal da contemporaneidade. A lei não consegue
acompanhar o ritmo frenético das relações sociais, mas o Direito sim pode e deve responder
satisfatoriamente às necessidades e anseios da civilização hodierna.
Sendo assim, procurou-se, no decorrer deste estudo, tratar dos “Vetores que
Fundamentam a Plena Aplicabilidade da Prescrição Virtual no Direito Penal Brasileiro”, com o
objetivo de investigar se, de fato, este instituto foi inserido na Ordem Jurídica pátria e qual a
sua contribuição para o universo jurídico do Direito Penal.
Como se observou, ocorrido o delito e ofendido um bem jurídico relevante, nasce para
o Estado o direito de punir o infrator, aplicando a sanção cabível à hipótese, a partir das
previsões legais e mediante o devido processo legal, assegurado o direito de defesa. Com o
cumprimento da pena imposta, nos moldes fixados pelo Estado-juiz, extingue-se ordinariamente
a punibilidade.
O CPB, através do art. 107, contudo, previu situações em que a punibilidade deverá ser
extinta, antes mesmo que o Estado ofereça a efetiva resposta ao descumprimento do preceito
por si imposto, o exercício do jus puniendi concreto. Destaca-se, in casu, a prescrição, fruto do
efeito do tempo no Direito, e que, a depender da fase em que for reconhecida, poderá operar

33
ENTRE ASPAS

sobre a pretensão punitiva, se antes da sentença penal condenatória ter transitado em julgado,
e sobre a pretensão executória, que ocorre após o trânsito em julgado da sentença, com base na
pena aplicada.
A doutrina e a jurisprudência, com base no contexto social reinante, sobretudo diante
da realidade por qual perpassa o direito penal brasileiro, com lastro nas regras que fundamentam
a prescrição retroativa, formularam a tese da prescrição virtual. Entenderam que, se, de antemão,
já se verifica que a pena mínima ao final fixada, mesmo sendo superior, não atingirá a máxima,
ainda que venha a ser interposto recurso pelo MP, escoando o prazo previsto para a prescrição
da pena menor, torna-se um contrassenso jurídico que seja instaurada a relação processual ou
se continue na persecução penal até a sentença, a qual, ainda que seja condenatória, nenhum
efeito produzirá, pois operada a prescrição, da qual resultará a extinção da punibilidade.
Os Tribunais Superiores e grande parte dos Tribunais dos Estados e Tribunais Federais
se insurgiram contra a prescrição antecipada, arraigados a uma legalidade já sepultada pela era
pós-positivista, alegando falta de amparo legal do instituto, bem como violação aos princípios
da presunção de inocência, do contraditório, do devido processo legal, da obrigatoriedade da
ação penal e da indisponibilidade após a sua instauração.
Não obstante, restou evidenciado que os princípios da legalidade e obrigatoriedade
não devem ser vistos e interpretados de forma absoluta e engessada, mas ao contrário, devem
ser sempre sopesados e ponderados diante do caso concreto, postos em contraposição a
outros princípios.
No que se refere ao óbice da obrigatoriedade, convém salientar que o Parquet, ao atuar,
o faz lastreado nos princípios institucionais da unidade, indivisibilidade e independência
funcional, o que garante autonomia ao seu integrante no exercício do direito constitucional de
intentar a ação penal, nos casos em que entender útil e necessário.
Ademais, não é mistério que o princípio da obrigatoriedade, tão sobejamente prestigiado
na dogmática positivista, encontra-se mitigado na ordem jurídica pátria, seja pela transação
penal e suspensão do processo previsto nos artigos 76 e 89 da Lei nº 9.099/95, seja pelos
artigos 28 e 43 e atualmente o 395 do CPP, com o arquivamento e as condições da ação,
conferindo significativa margem de discricionariedade na valoração dos fatos ao presentante
do MP.
Assim, não há dúvidas de que a dignidade da pessoa humana é, dentre tantos relevantes,
o valor principal que deve guiar o intérprete na ponderação dos direitos fundamentais, razão
pela qual a utilização desnecessária e inútil do processo penal deve ser renunciada, porquanto
além de recusar o caráter instrumental deste, acaba por “coisificar” o acusado, violando a
dignidade humana, não podendo a ação penal continuar servindo apenas de ferramenta de
consternação e estigmatização social.
Por ser medida emergencial, de acordo com o agravamento da situação fática, que vai se
tornando insustentável, a própria realidade impõe a busca por soluções de forma empírica, vez
que a circunstância requer uma resposta efetiva e eficaz, não se podendo esperar a natural
maturidade de uma discussão parlamentar, ou por parte das Altas Cortes deste País. Para
diminuir a celeuma, a solução encontrada pelos operadores do Direito foi a formulação da
teoria da prescrição retroativa antecipada, a partir da interpretação da realidade social vigente.
Tais considerações ratificam a necessidade de se ter em mente que o Direito não se
restringe somente ao quando exposto na lei, pois esta não logra prever, clara e objetivamente,
todas as garantias fundamentais à comunidade social. Sendo o ser humano uma obra imperfeita,
os seus atos igualmente o são.

34
A REVISTA DA UNICORP

De fato, o sistema jurídico é fonte inesgotável de direitos, donde se extrai um complexo


de princípios que orienta, a todo instante, o atuar não só do legislador, mas, ao mesmo tempo,
dos exegetas, notadamente, os Ministros que integram as Cortes Superiores do Brasil, que
devem fincar os seus olhares, primeiramente, para o Ordenamento Jurídico, cuja Lei Fundamental
que a estrutura, a Constituição, é eminentemente principiológica.
O Direito contemporâneo, voltado para realidade emergente, se perfaz por meio de um
verdadeiro diálogo das fontes do Direito, não se podendo ignorar a existência da prescrição
virtual e sua plena aplicabilidade no Direito Penal brasileiro, no contexto ora vivido.

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37
ENTRE ASPAS

RESPEITAR A DIFERENÇA É FAZER VALER A IGUALDADE


ENTRE HOMEM E MULHER

Nágila Maria Sales Brito


Doutora em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (2003).
Mestre em Direito Econômico pela Universidade Federal da Bahia (1997).
Desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia desde 2010.
Endereço Profissional: 5ª Av. do CAB, nº 560, Salvador/Ba – Brasil,
CEP: 41745-971. Telefone: (071)- 3372-5525. E-mail: nbrito@tjba.jus.br

RESUMO: Em virtude de estar à frente da Coordenadoria da Mulher em situação de violência


doméstica do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia e ter-me deparado com inúmeros casos
dessa violência específica, senti-me desafiada a escrever sobre o tema “Violência doméstica
contra a mulher”, problemática que vem despertando debates e planos de ação em todo o país.
O objetivo, ao debruçar-me sobre a análise do problema, tão antigo quanto atual, é chamar a
atenção de todos sobre conceitos nem sempre bem entendidos, constantes nos dispositivos
da Lei nº 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, editada com vistas à proteção das
mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Sem a pretensão de apresentar definições
categóricas, mas tão somente com o intento de colocar o assunto para estudo, reconheço não
se tratar de matéria exclusiva das esferas jurídicas, policiais ou psicossociais, como também da
área de saúde, não raro havendo sofrimentos e adoecimentos decorrentes desta violência,
transformando-se em questão de segurança pública. Perpasso, ademais, pelo entendimento
prevalecente nos Tribunais Superiores, destacando também decisões do Tribunal de Justiça
na Bahia e de outros Estados sobre a questão, tudo com o objetivo de conclamar todos a
arregaçar as mangas, para lutar por essa causa de viver sem violência.

Palavras-chaves: Violência Doméstica; Igualdade; Mulher.

1. Introdução

O Estado da Bahia ocupa o desonroso 6º lugar mais violento contra a mulher no Brasil,
e a nossa linda capital Salvador o 5º, segundo publicação do Mapa da Violência 20122, sob a
coordenação de Julio Jacob Waiselfisz e mais, segundo pesquisa do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA)3, a Bahia posiciona-se no 2º lugar em homicídios contra mulheres,
estando atrás tão somente do Estado do Espírito Santo. Tal fato, inegavelmente, vai de encontro

38
A REVISTA DA UNICORP

à proclamada índole amistosa, alegre e acolhedora do baiano, retratada por meio dos seus
maravilhosos artistas, tais como os cantores Dorival Caymmi, Maria Bethânia, Gal Costa, Caetano
Veloso, Gilberto Gil, Daniela Mercury, Ivete Sangalo, Carlinho Brown, Cláudia Leite e os atores
Wagner Moura, Lázaro Ramos, Vladimir Brichta, os nossos escritores imortais Jorge Amado,
João Ubaldo Ribeiro e Antônio Torres, além dos mais antigos e inesquecíveis Ruy Barbosa e
Castro Alves, num rol meramente exemplificativo, todos ligados a uma cultura de paz, sem
olvidar Irmã Dulce, cuja obra conclama ao exercício de amor ao próximo.
Forçoso enaltecer a importância da Lei Maria da Penha para a diminuição da violência
doméstica doméstica contra a mulher no Brasil, que, segundo estatísticas do Tribunal de
Justiça da Bahia, é responsável pelo ajuizamento de mais de 50 % dos processos nas Varas
Crimes das Comarcas que não possuem Vara Especializada. É grande também a diferença do
número de processos distribuídos nas Varas Especializadas (na Bahia, a de Salvador e de Feira
de Santana) e nas demais Varas Criminais (das mesmas Comarcas). Na verdade, segundo dados
estatísticos retirados do e-Saj4, as Varas Criminais Comuns, em Salvador, recebem, em média, 70
processos por mês, enquanto a Vara Especializada de Violência Doméstica, cerca de 300, o que
faz constante a luta do Conselho Nacional de Justiça e das Coordenadorias da Mulher em
Situação de Violência Doméstica pela instalação de novas Varas Especializadas em todo o
Brasil, merecendo destaque o Distrito Federal, que possui 14 Varas de Violência Doméstica em
funcionamento.
Inicialmente, a abordagem a ser feita neste tema deve versar sobre quando esta lei será
aplicada e qual a sua abrangência neste imenso contingente de feitos no Judiciário.
Para esclarecer tal ponto, tem-se que enfrentar de logo, por estar no âmago do
questionamento, o porquê da necessidade de tal lei, tão criticada por quantos a consideravam
inconstitucional, ao tratar desigualmente homem e mulher, o que violaria o princípio da isonomia,
proclamado nos arts. 5º, I e 226, § 5º da Constituição Federal e, para isto, pontuar-se sobre o
significado de violência doméstica e familiar, colimando demonstrar que nem toda violência
contra a mulher pode ser considerada violência doméstica.

2. Noção conceitual acerca do gênero

Com efeito, nem toda violência contra a mulher pode ser definida como violência
doméstica, nos termos da lei Maria da Penha, mas tão somente “qualquer ação ou omissão
baseada no gênero, que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano
moral ou patrimonial, tanto no âmbito público como privado (art. 5º, caput). Assim, segundo a
definição legal, violência doméstica é aquela praticada contra a mulher, mas que ocorreu em
razão do gênero e em ambientação doméstica ou familiar.
Exemplifica-se para melhor compreensão: A violência pode ser exteriorizada em tapas,
empurrões, chutes, bofetões, puxões de cabelo, beliscões, mordidas, queimaduras, tentativas
de asfixia, ameaças com faca ou verbais, assédio sexual, tiros, xingamentos, comentários
injuriosos, caluniosos ou difamatórios desferidos contra a mulher, dentro do lar ou na via
pública, tentativas de homicídio e homicídio consumado. Também podem ser humilhações,
privações de liberdade, impedimento de trabalhar ou de estudar ou de contatar com pessoas da
família ou amigas, danos propositais a objetos e animais de estimação, e, ainda, relação sexual
forçada (estupro), obrigar à prostituição, manter relações sexuais sem proteção, dentre inúmeras
outras condutas que mentes perigosas conseguem engendrar. De pasmar-se serem estas

39
ENTRE ASPAS

agressões feitas pelos marido, companheiro, namorado, atual ou ex, filho, irmão, tio, cunhado,
ou seja, alguém que mantém ou manteve convivência com a vítima, por ligação amorosa, de
parentesco, ou de trabalho doméstico.
As Estatísticas confirmam que 70% dos casos de violência doméstica no Brasil devem-
se ao espancamento de mulheres por seus companheiros amorosos e, a cada 15 segundos, uma
mulher é espancada no Brasil, segundo estimativas da Fundação Perseu Abramo5.
Informa o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à violência contra as mulheres6, lançado
em 2007 que:

[…] a violência contra as mulheres é uma das principais formas de violação


dos direitos humanos, atingindo o direito à vida, à saúde e à integridade
física das mulheres. Homens e mulheres são atingidos pela violência de
forma diferenciada. Enquanto os homens tendem a ser vítimas de uma
violência predominantemente praticada no espaço público, as mulheres
sofrem cotidianamente com um fenômeno que se manifesta dentro de
seus próprios lares, muitas vezes praticada por seus companheiros e
familiares [...].

Todos aprendemos, ainda crianças, sobre a existência de dois gêneros: masculino


(homens) e feminino (mulheres). Mas a Lei Maria da Penha não trata o gênero de forma tão
simplória, como designação do sexo biológico da pessoa. Sexo e gênero, na realidade, não se
confundem, cuidando o primeiro das características e diferenças biológicas, ou como define o
dicionarista Houais, “condição orgânica que distingue o macho da fêmea e que lhes permite
reproduzir-se”7, enquanto o gênero, utilizado no âmbito das ciências sociais designa a construção
do masculino e feminino, sendo referência desse conceito a escritora francesa Simone de
Beauvoir que cunhou a seguinte frase, e em poucas palavras define a questão, na sua obra O
Segundo Sexo: “Não se nasce mulher, mas se torna mulher”8. Esta expressão “tornar-se mulher”
é engendrada desde a formação intelectual até a concretude dos atos.
Conforme pontua Carmen Hein de Campos:

Uma das principais críticas feministas às ciências e disciplinas acadêmicas


diz repeito à dicotomia ‘razão’ e ‘sensibilidade’ que sustentou a
construção do pensamento científico moderno e que reflete a oposição
entre masculino e feminino. A crítica feminista revelou que essa dicotomia,
por sua vez, evidenciava a separação entre natureza/cultura fundada na
diferença sexo/gênero.9

Citando Frances Olsen, destaca a mesma autora que:

[…] desde o surgimento do pensamento liberal clássico, ou mesmo desde


os tempos de Platão, nosso pensamento estruturou-se em torno de uma
série de dualismos ou de pares opostos: racional/irracional, ativo/passivo,
pensamento/sentimento, razão/emoção. Esses pares dualistas dividem as
coisas em esferas contrastantes, são sexualizados e hierarquizados; metade
se considera masculina e metade feminina, e o ‘masculino’ é considerado
superior ao feminino. O direito se identifica com o polo ‘masculino’.10

40
A REVISTA DA UNICORP

A lei, seguindo esse parâmetro, que leva em conta ser o gênero uma construção das
sociedades, trata-o como criação cultural, ou seja, como a mulher e o homem são vistos na
sociedade.
Se observarmos a sociedade brasileira, machista e patriarcal, verificaremos que a mulher
quase sempre é tratada com inferioridade em relação ao homem. Assim, existirá uma questão de
gênero, toda vez que houver uma relação de subordinação da mulher ao homem, o que pode ser
exemplificado a partir da visão cultural de ser a mulher propriedade do homem, ficando, às
vezes, impedida de romper uma relação conjugal, ou de companheirismo, sob pena de, em
última hipótese, ser vítima de homicídio. Ressai aqui a sentença por meio das palavras: “Se não
for minha, não será de mais ninguém”.
Em artigo esclarecedor11, o Procurador de Justiça de Goiás Dr. Edison Miguel da Silva
Júnior assevera:

Pela redação do artigo 5º, a palavra gênero não se define simplesmente


por critério biológico porque a frase ficaria sem sentido. Algo assim:
configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou
omissão baseada na mulher. Tautologia que não é permitida ao intérprete
imputar à lei, ou seja, na dogmática penal, o intérprete não pode presumir
erro na lei ou palavras desnecessárias – posto que estuda a lei como um
dogma, um fato que não pode modificar, mas tão somente compreender
(interpretar).

Pontua Nucci12, examinando a matéria pelo ângulo da constitucionalidade que, interpretar


o mencionado artigo 5º ignorando a exigência da relação de gênero para qualificar a conduta
ou simplesmente atribuir ao termo gênero o mesmo significado de mulher, violaria o princípio
constitucional da igualdade de sexos, pois: “o simples fato de a pessoa ser mulher não pode
torná-la passível de proteção penal especial”.
Sem sombra de dúvida, é de excelente aproveitamento a perspicácia com que Grossi
colabora para esta distinção ao enunciar que “Gênero refere-se às relações sociais desiguais
de poder entre homens e mulheres que são o resultado de uma construção do papel do homem
e da mulher a partir das diferenças sexuais”13.

Informa, ainda, Nucci14 que:

[…] violência significa, em linhas gerais, qualquer forma de


constrangimento ou força, que pode ser física ou moral. Entretanto, em
termos penais, padronizou-se o entendimento de que o termo quando
lançado nos tipos penais incriminadores, tem o condão de representar
apenas violência física [...].

A Lei Maria da Penha, porém, traz uma definição lata no seu art. 5º:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar


contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe
cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral
ou patrimonial:

41
ENTRE ASPAS

Além disso, explicita a lei em que circunstâncias pode a violência ser considerada
doméstica e familiar, para os efeitos dessa lei:

I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de


convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive
as esporadicamente agregadas;
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por
indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços
naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou
tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Como se pode verificar, além da violência física, que pode redundar nos crimes de
lesões corporais ou homicídio, consoante o texto legal, pode haver a violência psicológica que
não deixa marcas no corpo, mas na alma, traduzida em expressões como: “você é feia”, “você
está gorda”, “você é fria”.
Há, ainda, a violência patrimonial que pode ser caracterizada pelo uso indevido do
cartão de crédito da vítima, realizando dívidas sem a devida quitação; pela coação para assinatura
de procuração com o fim de vender bens; pela interdição objetivando retirá-la da administração
dos seus bens, etc.
E não se pode olvidar da violência sexual, por meio da qual o homem obriga a mulher a
manter conjunção carnal contra sua vontade, a fazer sexo sem camisinha, o que pode resultar
em gravidez indesejada e colocar em risco a sua saúde, dentre outras atitudes nefandas.
Outro fato que não se pode esquecer é o de que a violência doméstica, para os efeitos
da Lei Maria da Penha, só tem como sujeito passivo a mulher, a quem é devida a proteção da lei
(art. 1º da Lei 11.340/2006), podendo a agressora ser outra mulher, como na hipótese da relação
entre pessoas do mesmo sexo (feminino), consoante previsão do parágrafo único do art. 5º, da
multicitada lei, que esclarece: “As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de
orientação sexual”.
Se forem dois homens, vivendo uma relação afetiva, porém, não terão a proteção da Lei
Maria da Penha, mas a proteção comum, do Código Penal. Com tal afirmativa não se está a
verberar uma proteção menor em relação aos homossexuais masculinos, ou mesmo aos homens
heterossexuais, também merecedores, por óbvio, da máxima proteção possível contra qualquer
tipo de violência, o que poderá ser alcançado com a decretação de medidas cautelares autorizadas
por força do poder cautelar que detém todo magistrado, e à semelhança das medidas protetivas
de urgência previstas na Lei Maria da Penha, poderão ser determinadas, se necessário for.
No que concerne à incidência do § 9º do art. 129 do Código Penal, no entanto, o STJ já
pacificou acerca da sua aplicação tanto para o homem como para a mulher, desde que ocorrida
a lesão no âmbito doméstico, o que a qualifica15.
Fundamenta-se tal entendimento no fato de ser a Lei Maria da Penha uma lei de ação
afirmativa, mas não só isto. Não se pode deixar de reafirmar a impossibilidade de, em matéria
penal, aplicar-se a analogia. Cuida-se aqui de crimes que podem se exteriorizar em diversos
tipos penais, com a agravante de terem sido cometidos em situação de violência doméstica:
homicídios, lesões corporais em suas diversas espécies, abortos, estupros, calúnias, difamações,
injúrias, ameaças, apenas para citar os mais comumente praticados.
A analogia aplicável na área penal só pode ser bonam parte, isto é, para beneficiar o réu

42
A REVISTA DA UNICORP

e não restam dúvidas de que a aplicação da Lei Maria da Penha para casos sem previsão legal
feriria de morte o princípio da legalidade, que expressamente consigna: “Não há crime sem
prévia lei que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”, com previsão no art. 5º,
XXXIX, da CF, repetido no art. 1º do Código Penal.
Impende informar-se, todavia, a existência de decisões admitindo a aplicação da Lei
Maria da Penha para homossexuais masculinos, e, na doutrina, este é o entendimento da Dra.
Maria Berenice Dias16.
Tratando-se de transexual, porém, tem-se encontrado duas soluções. Para o que
conseguiu a mudança de sexo e nome, e foi registrado com o novo sexo, aplica-se a Lei Maria
da Penha, decidindo-se de forma diversa para o que não conseguiu registrar a mudança de
sexo, apesar de ter feito a cirurgia para esta alteração, bem como para o que não fez a cirurgia,
já que o indivíduo é identificado pelo seu registro civil.

3. A contribuição da jurisprudência

O Supremo Tribunal Federal julgou em conjunto, no dia 9 de fevereiro de 2012, duas


ações envolvendo a Lei Maria da Penha: a ADC 19 e a ADI 442417, podendo-se resumir desta
decisão as seguintes conclusões principais:

 Inexiste violação ao princípio da igualdade, por conta de a lei ser voltada à proteção
específica das mulheres, como determina o seu art. 1º;
 Fica reconhecida a constitucionalidade da previsão legal (art. 33), no sentido de que
nos locais em que não estiverem estruturados os Juizados de Violência Doméstica
haverá acúmulo de competência civil e criminal pelas Varas Criminais;
 Houve o reconhecimento da impossibilidade de aplicação de qualquer dos dispositivos
da Lei 9099/95 (Lei dos Juizados Especiais) aos processos da seara da Lei Maria da
Penha;
 Definiu-se que qualquer lesão corporal, mesmo leve ou culposa, praticada contra a
mulher nas relações domésticas representa crime de ação penal incondicionada. Neste
ponto, a decisão foi por maioria, divergindo o Min. César Peluzo, e nos termos do voto
do Relator, foi julgada procedente a ação direta de constitucionalidade, dando
interpretação conforme aos arts. 12, inciso I e 16, ambos da Lei 11.340/2006.

Discordando do único voto divergente do Ministro Cezar Peluso, o Min. Joaquim


Barbosa verberou o papel do STF na atualização de leis que se revelam ineficientes para a
proteção originalmente desejada, justificando, assim, a mudança requerida na ADI.
A decisão do STF foi tomada em processos dotados de efeito vinculante, alcançando,
por conseguinte, os demais órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública direta e
indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, como determina a Constituição Federal, em
seu art. 102, §2º.
Tal efeito vinculante dessa decisão da Suprema Corte possibilitou a Reclamação
Constitucional, de que foi Relatora a Ministra Rosa Weber, em que foi cassada a decisão do TJ/
MS, que manteve a de 1º grau, extintiva da ação penal, após a retratação da vítima, o que não
mais poderia ocorrer ante o reconhecimento, pelo STF, da natureza incondicionada da ação
penal.

43
ENTRE ASPAS

Senão vejamos:

Trata-se de reclamação constitucional, com pedido de liminar, fundada


nos arts. 103-A, § 3º, da Constituição Federal; 13 a 18 da Lei 8.038/90; e
156 a 162 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, ajuizada
pelo Ministério Público do Estado do Mato Grosso do Sul contra ato do
Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, que, nos autos do
Recurso em Sentido Estrito 2012.018287-3 (0001031-
59.2011.8.12.0002), teria descumprido decisão desta Corte prolatada na
ADI 4.424. Em 25.02.2013, julguei procedente a presente reclamação
para, cassando a decisão judicial que reputou extinta a punibilidade do
acusado nos autos do Recurso em Sentido Estrito 2012.018287-3
(0001031-59.2011.8.12.0002), em curso no Tribunal de Justiça do Mato
Grosso do Sul, determinar a retomada do processo. Ao exame do sítio
eletrônico do mencionado Tribunal de Justiça (www.tjms.jus.br), verifico
que o Juiz de Direito da 4ª Vara Criminal de Dourados, instância competente
para o processamento e julgamento da ação penal em que se apura lesão
corporal praticada contra mulher em ambiente doméstico, determinou o
prosseguimento do feito em relação ao suposto crime do art. 129, § 9º, do
Código Penal. Ato contínuo, recebida a denúncia nos termos em que
proposta. Tendo o magistrado de primeiro grau reconsiderado sua decisão,
na esteira do juízo de procedência desta Reclamação 14.620, desnecessárias
outras providências. Exaurido restou seu objeto. Publique-se. Arquivem-
se. Brasília, 14 de junho de 2013. Ministra Rosa Weber Relatora.
(Rcl 14620, Relator(a): Min. ROSA WEBER, julgado em 14/06/2013,
publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-119 DIVULG 20/06/
2013 PUBLIC 21/06/2013).

Também o Min. Sebastião Reis Junior alterou seu entendimento anterior de que o crime
de lesão corporal seria de ação pública condicionada e, acolhendo a decisão do STF na referida
ADI 4424, passou a considerar de natureza pública incondicionada a hipótese de violência
doméstica que provoque lesão corporal de qualquer natureza, enfrentando, inclusive, a questão
tão debatida pelos juízes sobre a necessidade ou não da realização da audiência prevista no art.
16 da Lei 11.340/2006.

Ementa: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL E PENAL.


LESÃO CORPORAL NO ÂMBITO DOMÉSTICO. AÇÃO PENAL
PÚBLICA INCONDICIONADA. DECISÃO DO STF. EFICÁCIA
ERGA OMNES E VINCULANTE. RETRATAÇÃO DA VÍTIMA.
REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA ESPECÍFICA. QUESTÃO
SUPERADA. PENA-BASE. MAJORAÇÃO. CULPABILIDADE.
UTILIZAÇÃO DE ELEMENTOS DO TIPO PENAL.
DESCABIMENTO. ANTECEDENTES. PROCESOS E INQUÉRITOS
ARQUIVADOS. APLICAÇÃO DA SÚMULA 444/STJ.(HC 136.333/
MG, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, sexta Turma, julgado em 15/
03/2012, DJe 02/04/2012.

44
A REVISTA DA UNICORP

Não se pode esquecer, todavia, que em razão de o Direito Penal estar sujeito à legalidade
estrita, a decisão do STF não se estende a outros crimes, cuja exigência de representação seja
requisito previsto em lei diversa da dos Juizados Especiais. Ora, se o STF afastou a aplicação,
em qualquer hipótese, da Lei nº 9099/95 para os casos de violência doméstica, por óbvio a lesão
corporal que se pratique estará tipificada no Código Penal, que não prevê a representação
como requisito de procedibilidade para a ação penal. Assim, no caso de ameaça, por exemplo,
em que esse requisito é previsto expressamente no art. 147, parágrafo único, do Código Penal,
continuará com a natureza de ação penal pública condicionada à representação.
Sabendo-se agora ser a violência doméstica aquela que ocorre em espaço doméstico ou
familiar, ou seja, ambiência de intimidade entre agressor e vítima, e que a aplicação da Lei Maria
da Penha só pode se efetivar quando a vítima da violência é mulher, revelada como violência de
gênero, já que nem toda violência contra a mulher poderá ser considerada violência doméstica
nos termos da lei Maria da Penha, intenta-se, com estas digressões, responder à 1ª indagação
feita ao iniciar-se este texto.
Para melhor compreensão, novamente exemplifica-se com os casos concretos:
Há cerca de dois anos, por ter sido instada a colaborar para a celeridade de um processo,
tomei conhecimento do caso de estupro coletivo ocorrido na comarca de Rui Barbosa, praticado
pelos 8 componentes da Banda New Hit contra duas fãs adolescentes, que foram em busca de
fotos com os “artistas” e sofreram tamanha violência dentro do ônibus que transportava a
Banda até o local do show, apesar de elas terem se recusado a manter relações sexuais e uma
delas ter informado que era virgem.
Ora, neste caso, as jovens apenas conheciam os hoje acusados de estupro, por
fotografias, não mantendo, nem tendo mantido com eles, por conseguinte, qualquer relação
doméstica ou familiar, o que, indubitavelmente, leva à conclusão da prática de estupro previsto
no Código Penal (art. 213), sem a aplicação da Lei Maria da Penha.
Este é um ponto que merece ser esclarecido por força de que, o errôneo entendimento
de se considerar violência doméstica, qualquer violência praticada contra a mulher, pode
ocasionar conflitos de competência, atrasando sobremaneira o julgamento do processo,
conforme exemplifico com o seguinte julgado.

Ementa: CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO SUSCITADO


PELO JUÍZO DA 3ª VARA CRIME DA COMARCA DE FEIRA DE
SANTANA-BA EM FACE DA VARA ESPECIALIZADA DE
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DA MESMA COMARCA.
PROCEDÊNCIA. SUPOSTA VIOLÊNCIA PRATICADA POR FILHO
CONTRA GENITORA IDOSA . Pela análise dos autos verifica-se que a
suposta violência praticada por filho contra sua genitora, não é decorrente
de gênero e sim da vulnerabilidade da pessoa idosa. No caso em tela, o
Juízo da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da
Comarca de Feira de Santana - Ba recebeu o pedido de medidas protetivas
urgentes em desfavor do filho da vítima e, posteriormente, declinou a
competência para apreciação do feito em comento para o Juízo de Direito
da 3ª Vara Crime da Comarca de Feira de Santana – Ba, com fulcro no art.
131, parágrafo único da Lei 10.845/2007 (Lei de Organização Judiciária
do Estado da Bahia). Ao receber os fólios, o Juízo da 3ª Vara Crime da
Comarca de Feira de Santana também reconheceu sua incompetência para

45
ENTRE ASPAS

processar e julgar a presente ação, motivo pelo qual suscitou o conflito


negativo de competência. Compulsando os autos, verifica-se que trata-se
de vítima idosa. Não bastasse a idade avançada da vítima, a mesma convive
no mesmo lar com o seu filho e agressor. No presente caso, a consagrada
Lei Maria da Penha mostra-se mais ampla, no sentido de colocar a mulher
como centro de toda a proteção da ordem jurídica, independente de qualquer
outro paradigma, inclusive a idade, mencionada expressamente no texto
legal. PARECER DA PROCURADORIA DE JUSTIÇA PELO
CONHECIMENTO DO CONFLITO DE JURISDIÇÃO E SUA
PROCEDÊNCIA, PARA SE DECLARAR A COMPETÊNCIA DA
VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A
MULHER DA COMARCA DE FEIRA DE SANTANA – BA.
CONFLITO DE JURISDIÇÃO PROCEDENTE, NA ESTEIRA DO
PARECER MINISTERIAL.
(TJ-BA - CJ: 00042783720108050080 BA 0004278-37.2010.8.05.0080,
Relator: Jefferson Alves de Assis, Data de Julgamento: 01/11/2013, Seção
Criminal, Data de Publicação: 05/12/2013)

Aplicou-se, no entanto, a Lei Maria da Penha em caso outro, quando o namorado da


vítima, aproveitando-se da sua confiança convidou-a para uma festa na casa de amigos e lá
estuprou-a, juntamente com mais três amigos.
Importa, pois, atentar-se para essas situações diferenciadas que autorizarão ou não a
aplicação da Lei Maria da Penha, verificando-se em primeiro lugar se a vítima é mulher, para
depois observar-se se foi violência em razão do gênero (costumo verificar, empiricamente, se a
violência também ocorreria se ali estivesse um homem), e, por fim, se ocorreu em relação
doméstica ou familiar.
Nessa linha de raciocínio, a decisão do Min. Napoleão Nunes Maia Filho, no HC nº
172784/RJ, publicada no DJ de 03/02/2011:

Habeas Corpus Liberatório. (...) Competência do Juiz Criminal e não do


Juizado especial de Violência Doméstica e Familiar contra a MULHER.
CRIME COMETIDO EM RAZÃO DA CONDIÇÃO DE CRIANÇA
DA VÍTIMA. (...)
(...)
O fato de a menor agredida ser do sexo feminino não possui qualquer
influência no delito praticado pela paciente, pois foi a condição de criança
que levou a acusada a praticá-lo. Caso a vítima fosse homem, a conduta
não deixaria de existir, pois o fundamental para a acusada era a incapacidade
da vítima diante as agressões físicas e mentais praticadas. Dessarte, se o
delito não tem razão no fato de a vítima ser do gênero mulher, não há falar
em competência do Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar.

4. Inovações trazidas pela Lei Maria da Penha e medidas a serem adotadas


para sua implementação

Os avanços alcançados com a Lei Maria da Penha são significativos: criação dos Juizados
ou Varas de Violência Doméstica ou Familiar, com competência híbrida (art. 14); obrigatoriedade

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A REVISTA DA UNICORP

de a vítima estar sempre acompanhada de advogado (art. 27); proibição de ser a vítima a
portadora de intimação ou notificação (art. 21, parágrafo único); dever de ser a vítima notificada
pessoalmente quando o agressor for preso ou libertado da prisão, sem prejuízo da intimação do
advogado constituído ou defensor público (art. 21); adoção, pelo juiz, de medidas que façam
cessar a violência, tais como determinar o afastamento do lar, impedir o agressor de se aproximar
da casa, vedar o contato com a família (art. 22), encaminhar mulheres vítimas e filhos a abrigos
seguros, garantindo-lhe a mantença do vínculo de emprego (art. 9º, II), faculdade de decretar a
separação de corpos, alimentos, bem como determinar a suspensão de procuração outorgada
ao agressor e anular vendas de bens comuns (art. 24) e decretar a preventiva do agressor (art.
20). O último dispositivo, art. 45, permite ao juiz determinar o comparecimento obrigatório do
agressor a programas de recuperação e reeducação.
Todos os esforços que se tem encetado para a efetivação da Lei Maria da Penha, seja
pelos operadores do Direito, seja pelos operadores das demais áreas do conhecimento que,
traduzidos na necessária atuação da Rede de Atenção à Mulher em Situação de Violência
Doméstica, não têm sido suficientes para erradicar a discriminação contra a mulher. Não é muito
antiga a observação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, divulgada no dia
Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres (2012)18 de que “A casa continua
a ser um lugar perigoso para muitas mulheres que vivem nas Américas, devido aos altos índices
de violência doméstica existente”, acrescentando que essas mulheres enfrentam diversos
obstáculos no acesso à justiça. Nas palavras do comunicado “Para a maioria das mulheres, as
leis que existem no papel sobre o seu direito de igualdade e justiça nem sempre se torna
realidade”.
O Tribunal de Justiça da Bahia, entretanto, tem buscado dar agilidade a esses processos
que envolvem violência doméstica, julgando-se rapidamente os conflitos de competência que
se apresentam e dando a interpretação que mais se adequa aos ditames da Lei Maria da Penha.
Assim, dentre outros:

MANDADO DE SEGURANÇA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E


FAMILIAR. APLICAÇÃO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE
URGÊNCIA. PEDIDO DE DESCONSTITUIÇÃO DA DECISÃO NA
PARTE RELATIVA À RECONDUÇÃO DA OFENDIDA E DA
DEPENDENTE AO DOMICÍLIO. APLICAÇÃO CORRETA DO ART.
23, INC. II, DA LEI N.º 11.340/06. AUSÊNCIA DE ATO JUDICIAL
ILEGAL OU PRATICADO COM ABUSO DE PODER.
MANUTENÇÃO, NA ÍNTEGRA, DA DECISÃO GUERREADA.
SEGURANÇA DENEGADA.
1. Trata-se de Mandado de Segurança impetrado com o intuito de
desconstituir a decisão guerreada na parte específica que determinou a
recondução da ofendida e dependente ao domicílio, após o afastamento
do impetrante.
2. A autoridade impetrada, diante das declarações prestadas pela ofendida
perante a autoridade policial, relatando que o impetrante vinha,
constantemente, ameaçando-a de morte, proferiu decisão, concedendo-
lhe medidas protetivas de urgência.
3. É sabido que a Lei 11.340/06, no capítulo II do Título IV, relativo às
medidas protetivas de urgência, autoriza a imposição destas no intuito de

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ENTRE ASPAS

resguardar e proteger a integridade física e psicológica da mulher, tendo


em vista a sua condição de vulnerável, constando, mais precisamente em
seu art. 23, inc. II, que o Juiz poderá, “quando necessário, sem prejuízo
de outras medidas determinar a recondução da ofendida e a de seus
dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor”.
4. Conclui-se que a autoridade impetrada, com base nos elementos de
prova existentes nos autos e no princípio do livre convencimento motivado,
aplicou as referidas medidas de urgência amparada na legislação vigente,
atendendo, assim, ao objetivo protetivo da Lei Maria da Penha, razão
pela qual não há que se falar, in casu, no preenchimento de um dos
requisitos necessários para a concessão da segurança, qual seja, a prática
de ato ilegal ou com abuso de poder.
5. Ante o exposto, por total desamparo jurídico das razões aduzidas, e
com base no Parecer Ministerial, CONHEÇO deste Mandado de Segurança
para DENEGÁ-LO.
(TJ-BA - CJ: 0005915-64.2013.8.05.0000, Relator: Nágila Maria Sales
Brito, Data de Julgamento: 22/08/2013, Data de Publicação: 26/08/2013)

Como esta violência foi, ao longo do tempo, banalizada, e num esforço conjunto do
Estado e da sociedade deve ser extirpada, o que se pode fazer ao encontrar-se alguém praticando
alguma dessas ações tidas como violadoras dos direitos humanos das mulheres?
Sem qualquer titubeio, deve-se, de imediato, informar tais práticas nefastas à autoridade
policial, à Defensoria Pública, ao Promotor de Justiça(a) ou ao Juiz(a).
E embora não seja uma atitude comumente encontrada, “qualquer do povo poderá e as
autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em
flagrante delito”, conforme expressamente previsto no art. 5º, LXI, da CF e no art. 301 do
Código de Processo Penal, restando autorizado que, se alguém surpreende outrem praticando
um crime, poderá prendê-lo e encaminhá-lo à Polícia, que lavrará o auto de prisão em flagrante.
Ressai do dispositivo legal, portanto, a possibilidade para o cidadão e o dever de ofício
para o policial.
Devem ser priorizadas as relações saudáveis, disseminando-se a ideia de igualdade nas
relações domésticas e familiares, por meio da mudança cultural, o que só se alcança com a
educação, que deve partir da família, com tratamento igualitário para meninos e meninas, a fim
de evitar-se o preconceito futuro. Após o que, será continuada essa cultura da igualdade nas
escolas, espalhando-se, naturalmente, aos setores profissionais e domésticos.
Desse modo, estar-se-á trabalhando por uma cultura de paz e de respeito às diferenças
entre homens e mulheres, sem esquecer que, se violados os direitos, devem as mulheres
procurar: A DEAM (Delegacia Especial de Atendimento à Mulher), onde houver; não havendo,
a Delegacia mais próxima, a Defensoria Pública, o Ministério Público ou o Poder Judiciário.
Incumbe, neste pórtico, explicitar situações caracterizadoras de violência doméstica, às
vezes sequer reconhecidas pela própria vítima, valendo asseverar que, se alguém tomar
conhecimento de algum tipo de violência doméstica, não se deve calar, pois na sociedade pós-
moderna “em briga de marido e mulher mete-se a colher”.
Para melhor conhecimento, passa-se, então, a identificar certas situações de Violência
Doméstica e Familiar19:

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A REVISTA DA UNICORP

 Quando a mulher tem medo do homem com quem tem um


relacionamento amoroso (ou que faz parte da sua convivência
doméstica e familiar);
 Não sente segurança em sua própria casa;
 Os filhos também são humilhados, ameaçados ou espancados;
 Sentir cansada de ser humilhada publicamente;
 A vontade de ação fica restrita pelo medo;
 O companheiro, marido ou namorado passa a usar formas
viol ntas para obrigá-la a manter relações sexuais;
 O companheiro, marido ou namorado exige que mantenha
relações sexuais com ele, mesmo quando ela está indisposta, sem
vontade ou com problemas de saúde;
 Começa a sentir no próprio corpo os efeitos da violência e do
medo, por meio de dores de cabeça constantes, úlcera, falta de
desejo sexual, depressão, tremores, insegurança, e mesmo
hematomas resultantes de espancamentos, entre outros;
 As atitudes do agressor são tão drásticas que você sente
que da “próxima vez” pode morrer;

Hipóteses de Violência Física:


Exemplificando, mais um vez, além dos casos acima elencados:

 Deter a mulher, imobilizar contra sua vontade;


 Perturbar ou ameaçar com uma arma mortal, seja um revólver,
uma faca, uma navalha, um martelo, um machado, uma tesoura,
uma corrente;
 Abandonar, trancando-a dentro de casa;
 Deixar sem assistência quando está doente ou grávida;
 Colocar a mulher ou seus filhos propositalmente em risco por
dirigir mal e sem cuidado;
 Impedi-la de trabalhar e ao mesmo tempo não garantir sua
sobrevivência material.

Hipóteses de Violência Emocional ou Psicológica:


 Dizer que ela é uma mulher estúpida, incapaz, burra ou louca;
 Chamar a mulher de prostituta, gorda, feia ...;
 Dizer que a mulher nunca faz nada direito, que não é uma boa
mãe ...;
 Dizer que nunca a desejou e que ela não merece coisas boas;
 Ofender e caluniar pessoas da família da mulher;
 Vigiar ou seguir a mulher no trabalho, no lazer e em todos os
lugares que frequenta;
 Negar-lhe carinho, só para castigá-la;
 Amaçar, espancar ou matar a mulher e/ou seus filhos ou
ameaçar suicidar-se;
 Impedi-la de trabalhar, ter amizade, dirigir, sair de casa, …;
 Contar-lhe sobre suas aventuras amorosas;

49
ENTRE ASPAS

 Acusá-la de ter amantes.

Hipóteses de Violência Sexual:


 Forçar a mulher a manter relações sexuais quando ela não
quer, ou quando está doente, colocando a saúde dela em perigo;
 Forçá-la a praticar atos sexuais que não lhe agradam ou praticar
sexo causando sofrimento;
 Criticar o desempenho sexual da mulher;
 Forçá-la a ter relações sexuais com outras pessoas ou
presenciar outras pessoas tendo relações sexuais;
 Contar à mulher sobre suas relações sexuais com outras
pessoas, quando sabe que isso a magoa.

Hipóteses de Violência Patrimonial:


 Quebrar os móveis, “revirar” a casa, jogar os pertences da
mulher na rua;
 Destruir ou esconder documentos pessoais da mulher;
 Destruir ou roubar os bens, documentos ou objetos pessoais,
roupas, fotos ou qualquer coisa que seja importante para a mulher;
 Matar animais de estimação para castigar ou assustar a mulher.

Hipóteses de Violência Moral:


 Proferir calúnia contra a mulher, acusando-a de ter cometido
um crime, sem ter provas;
 Difamar a mulher costumeiramente, cometendo o crime de
ofensa à sua reputação. Ex. Diz a outros que ela tem amantes, é
prostituta, etc...;
 Cometer injúria – ou xingar diretamente quando estão
sozinhos, de forma que outras pessoas não ouvem os
xingamentos.

São inúmeras as hipóteses dos tipos de violência passíveis de serem perpetradas, e,


destaca-se, com pesar, tratar-se de rol meramente exemplificativo, a exemplo do dano estético,
que não se pode deixar de referir, atingindo, preferencialmente, a face da mulher, consistindo,
pois numa das piores formas de violência, por envergonhar e isolar a mulher, devendo o
Defensor desta pleitear, além do dano material e moral, também o dano estético, conforme já
pacificado na Jurisprudência, inclusive encontrando-se a matéria já sumulada (súmula 387 do
STJ).
Ao levar-se a notícia de qualquer tipo de violência doméstica também pode-se requerer
medidas protetivas, que ajudarão a vítima a enfrentar essas vicissitudes com a urgência que o
caso apresenta.
As medidas protetivas são a inovação mais importante que trouxe a Lei Maria da Penha,
e se constituem um direito de toda mulher que sofre violência doméstica e familiar (art. 22 de Lei
Maria da Penha).
O Delegado, o Defensor Público, o Promotor de Justiça, após a ouvida da vítima, ao
perceberem algum risco na convivência entre agressor e vítima, devem requerer as medidas de

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A REVISTA DA UNICORP

urgência que considerarem adequadas e o Magistrado, analisando o caso concreto, poderá


conceder as medidas protetivas solicitadas, quando entender cabíveis.
Frise-se que, além do Delegado, Defensor e Promotor, a própria vítima poderá requerer
medidas protetivas de urgência, possibilitando ao Magistrado deferir alguma(s) desta(s),
conforme dispõe o art. 22, in verbis:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação


ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de
2003;
II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III – proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando
o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer
meio de comunicação;
c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade
física e psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida
a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
§ 1º - As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras
previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou
as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao
Ministério Público.

Importante recordar-se que a Lei Maria da Penha não autoriza a substituição da pena
por prestação pecuniária (pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade
pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo Juiz, cestas básicas ou
pagamento isolado de multas).
Nunca se olvidar, também, que o Policial, Servidor, Defensor Público, Promotor de
Justiça e o Magistrado têm o dever de oferecer à vitima atendimento digno, ágil e eficiente,
tratando-a com urbanidade e explicando-lhe sobre os seus direitos, a fim de que ela não se sinta
mais violentada, o que se denomina na prática forense de revitimização.
Situações existem em que, apesar da gravidade dos fatos, a mulher silencia sobre as
agressões, geralmente pelos motivos seguintes20: ela sente-se envergonhada ou humilhada e,
muitas vezes, culpada; teme pela segurança pessoal e dos filhos; teve más experiências no
passado quando contou sua situação; espera que o agressor mude, conforme ele prometeu;
acredita que suas lesões e problemas não são importantes; quer proteger seu companheiro por
razões de dependência econômica ou afetiva; tem medo de perder seus filhos e o agressor a
acompanha no serviço e não a deixa a sós com os profissionais.
Insta, pois, admoestar para que não se ridicularize a situação por ela vivenciada, nem a
menospreze. Ao contrário, devem-lhe ser dados aconselhamentos para procurar um médico, ir
para local seguro e requerer medidas protetivas.
Muito importante, outrossim, que se esclareça às mulheres que tanto a Defensoria
Pública, como a OAB (por meio de designações de advogado dativo, pelo juiz), são instituições
que têm por fim garantir, ao necessitado, assistência jurídica em todos os níveis, requerendo,

51
ENTRE ASPAS

caso necessário, medidas protetivas de urgência. Observa-se que a Defensoria atua tanto na
defesa da mulher como do infrator. Já o representante do Ministério Público poderá, além de
requerer medidas protetivas, oferecer denúncia contra o agressor.
É preciso estudar o ciclo da violência para que se aperceba do perigo que alguém do
nosso âmbito de convivência esteja passando. É desaconselhado, ou mesmo vedado, nestas
hipóteses de prática de crime ou da possibilidade destes, as tentativas de conciliação.
Este ciclo funciona como um sistema circular - o chamado Ciclo da Violência Doméstica
- que apresenta, em regra, três fases, segundo Cartilha elaborada pela Defensoria Pública do
Estado do Bahia21: 1ª Fase: As tensões se acumulam e a mulher mantém o seu agressor numa
situação cômoda para evitar que ele “exploda”; 2ª Fase: O agressor se descontrola por qualquer
motivo e culpa a mulher por sua reação. Ele ainda diz que o castigo foi “merecido”; 3ª Fase: Lua
de Mel. O agressor se arrepende e pede perdão. A mulher acredita porque pensa que a violência
não vai se repetir. Porém, a situação, normalmente, irá se repetir outras vezes, aumentando o
perigo para a vítima.
Esses comportamentos que aparecem no ciclo da violência são tratados como CRIME.
Por isso, se estas situações já foram vividas ou estão acontecendo atualmente, deve-se
aconselhar às vítimas e àqueles que tenham conhecimento dos fatos, que liguem sempre para
os telefones de emergência: 180 (Central de Atendimento à Mulher), 190 (Polícia Militar) ou
Delegacia mais próxima.

5. Consideração final

Com encômios à Lei Maria da Penha, almejando que esta venha a ser uma lei temporária,
e que ao alcançar o seu objetivo mor de mudar o quadro, atualmente tão triste, de violência
contra o gênero feminino, quiçá dando-se um exemplo ao Brasil, conclui-se que a mudança para
melhor é possível.
É essencial, com respeito aos princípios constitucionais da igualdade de todos (não só
a igualdade formal, mas também a material), e da dignidade da pessoa humana, consoante
dispõe a Constituição Federal (art. 1º, inciso III), que a mulher brasileira, consciente do seu
papel na sociedade, reconheça-se como cidadã que tem direito a ter direitos, na conhecida
visão de Hannah Arendt, e busque os espaços de poder, na Política, no Judiciário, no Ministério
Público, na OAB, na Defensoria, no Executivo, no Lar, na Relação Amorosa e em qualquer
âmbito, tornando-se, enfim, protagonista da própria vida.

6. Referências__________________________________________________________

Obras impressas

BRASIL. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência
contra a Mulher. Presidência da República, Brasília, 2011.
BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. Tradução Sérgio Milliet. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2009.
BORGES, Ângela; CASTRO, Mary Garcia (orgs). Família, gênero e gerações: desafios para as
políticas sociais. São Paulo: Paulinas, 2007.

52
A REVISTA DA UNICORP

BRAUNER, Maria Claudia Crespo. Direito, sexualidade e reprodução humana: conquistas médicas
e o debate bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
CAMPOS, Carmen Hein de (org). Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídico-
feminista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011
GROSSI, Miriam Pillar. Identidade de gênero e sexualidade. Estudos de Gênero: Cadernos de área n.
9. Goiânia: Editora da UCG, 2000.
MADEIRA, Felícia Reicher (org). Quem mandou nascer mulher? Estudos sobre crianças e
adolescentes pobres no Brasil. Rio de Janeiro: Record/Rosa dos Tempo, 1997.
NUCCI, Guilermne de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 2 ed. São Paulo: RT,
2007.
RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade no Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
VENTURI, Gustavo; GODINHO, Tatau (orgs). Mulheres Brasileiras e gênero nos espaços público
e privado. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, Edições SESC/SP, 2013.

Dados Estatísticos e Doutrinários constantes de Documentos Eletrônicos

BRASIL. Defensoria Pública do Estado da Bahia. Cartilha. Enfrentamento à Violência Doméstica.


Disponível em: <http://www.defensoria.ba.gov.br/portal/arquivos/downloads/_cartilha_ enfrentamento_
a_violencia_domestica.pdf >. Acesso em: 23 out 2014.
BRASIL. Estatuto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Dados. Disponível em: <http://
www.ipea.gov.br/portalindex.php?searchword=homic%C3%ADdio+contra+mulher&ordering
=category&searchphrase=all &Itemid=32&option=com_search&limitstart=20>. Acesso em: 14 jul 2014.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Dados. Disponível em: <http://esaj.tjba.jus.br/esaj/
portal.do?servico=190100>. Acesso em: 12 jun 2012.
BRASIL. Fundação Perseu Abramo. Disponível. Dados. Disponível em: <http://novo.fpabramo.org.br/
>. Acesso em: 13 jun 2012.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Notícia: Relator julga procedente ADC sobre Lei Maria da
Penha. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=199827>.
Acesso em: 10 jul 2013.
BRASIL. EBC Concursos. Notícia - Comissão Interamericana de Direitos Humanos: discriminação
contra mulher persiste. Disponível em: <http://www.ebc.com.br/2012/11/comissao-interamericana-
de-direitos-humanos-discriminacao-contra-mulher-persiste>. Acesso em: 12 jul 2013.
BRASIL. PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. Assessoria de Cidadania e direitos
humanos. Série “Violência de Gênero” - Cartilha 1 – Violência no relacionamento “amoroso”.
Disponível em: <http://www.mulheres.org.br/violencia/documentos/violencia_no_relacionamento
_amoroso.pdf>. Acesso em: 22 set 2014.
SCHRAIBER, Lilia Blima; D’OLIVEIRA, Ana Flávia P. L. (texto). Cartilha. O que devem saber os
profissionais de saúde para promover os direitos e a saúde das mulheres em situação de violência
doméstica. Disponível em: <http://portal.coren-sp.gov.br/sites/default/files/cartilha.pdf>. Acesso em:
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SILVA JR, Edison Miguel da. Lei Maria da Penha: conduta baseada no gênero. Disponível em: <file:/
//C:/Users/camcarvalho/Downloads/Lei-Maria-da-Penha-conduta-baseada-no-genero.pdf>. Acesso em:
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WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012. Atualização: homicídio de mulheres no
Brasil. Disponível em: <http://www.mapadaviolencia.org.br/mapa2012_mulheres.php>. Acesso em: 14
jul 2014.

53
ENTRE ASPAS

Notas_________________________________________________________________

1 Doutora em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2003).
Mestre em Direito Econômico pela Universidade Federal da Bahia (1997). Desembargadora do Tribunal
de Justiça do Estado da Bahia desde 2010. Endereço Profissional: 5ª Av. do CAB, nº 560, Salvador/Ba –
Brasil, CEP 41745-971. Telefone: (071) 3372-5525. E-mail: nbrito@tjba.jus.br
2 Disponível em: <http://www.mapadaviolencia.org.br/mapa2012_mulheres.php>. Acesso em: 14 jul
2014.
3 Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?searchword=homic%C3%AD
dio+contra+mulher &ordering=category&searchphrase=all&Itemid=32&option
=com_search&limitstart=20> Acesso em: 14 jul 2014.
4 Disponível em: <http://esaj.tjba.jus.br/esaj/portal.do?servico=190100> Acesso em: 12 jun 2012.
5 Disponível em: <http://novo.fpabramo.org.br/>. Acesso em: 13 jun 2012.
6 BRASIL. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência
contra a Mulher. Presidência da República, Brasília, 2011.
7 HOUAISS, Antônio. Minidicionário Houaiss da língua portuguesa. 4 ed. rev. e aum. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2010, p.713.
8 BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. Tradução Sérgio Milliet. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2009, p.185.
9 CAMPOS, Carmen Hein de (org). Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídico-
feminista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.2.
10 Idem, ibidem, p.2.
11 SILVA JR, Edison Miguel da. Lei Maria da Penha: conduta baseada no gênero. Disponível em:
<file:///C:/Users/camcarvalho/Downloads/Lei-Maria-da-Penha-conduta-baseada-no-genero.pdf> Acesso
em: 10 ago 2014.
12 NUCCI, Guilermne de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 2 ed. São Paulo: RT,
2007, p. 1043.
13 GROSSI, Miriam Pillar. Identidade de gênero e sexualidade. Estudos de Gênero: Cadernos de área
n. 9. Goiânia: Editora da UCG, 2000, p. 05.
14 NUCCI, op. cit., p. 1039.
15 Exemplifico: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL
PRATICADA NO ÂMBITO DOMÉSTICO. VÍTIMA DO SEXO MASCULINO. ALTERAÇÃO DO
PRECEITO SECUNDÁRIO PELA LEI N. 11.340/06. APLICABILIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO
PARA O DELITO DESCRITO NO ARTIGO 129, CAPUT, C/C ART. 61, INCISO II, ALÍNEA “E”,
DO CÓDIGO PENAL. NORMA DE APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL
NÃO EVIDENCIADO. RECURSO IMPROVIDO.
1. Não obstante a Lei n. 11.340/06 tenha sido editada com o escopo de tutelar com mais rigor a violência
perpetrada contra a mulher no âmbito doméstico, não se verifica qualquer vício no acréscimo de pena
operado pelo referido diploma legal no preceito secundário do § 9º do artigo 129 do Código Penal,
mormente porque não é a única em situação de vulnerabilidade em tais relações, a exemplo dos portadores
de deficiência.
2. Embora as suas disposições específicas sejam voltadas à proteção da mulher, não é correto afirmar que
o apenamento mais gravoso dado ao delito previsto no § 9º do artigo 129 do Código Penal seja aplicado
apenas para vítimas de tal gênero pelo simples fato desta alteração ter se dado pela Lei Maria da Penha,
mormente porque observada a pertinência temática e a adequação da espécie normativa modificadora.
3. Se a circunstância da conduta ser praticada contra ascendente qualifica o delito de lesões corporais, fica
excluída a incidência da norma contida no artigo 61, inciso II, alínea “e”, do Código Penal, dotada de caráter
subsidiário.
4. Recurso improvido. (RHC 27.622/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em
07/08/2012, DJe 23/08/2012)

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A REVISTA DA UNICORP

16 Vide notícia. Disponível em: <http://clipping.interclipnet.com.br/interclipping1/site/


interna.php?secao=SaladeImprensa&noticia=320> Acesso em: 15 nov 2014.
17 Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo =199827>.
Acesso em: 10 jul 2013.
18 Disponível em: <http://www.ebc.com.br/2012/11/comissao-interamericana-de-direitos-humanos-
discriminacao-contra-mulher-persiste>. Acesso em: 12 jul 2013.
19 Disponível em: <http://www.mulheres.org.br/violencia/documentos/violencia_ no_relacionamento_
amoroso.pdf> Acesso em: 22 set 2014.
20 Disponível em: <http://portal.coren-sp.gov.br/sites/default/files/cartilha.pdf> Acesso em: 22 set 2014.
21 BRASIL. Defensoria Pública do Estado da Bahia. Cartilha. Enfrentamento à Violência Doméstica.
Disponível em: <http://www.defensoria.ba.gov.br/portal/arquivos/downloads/_cartilha_enfrentamento_a_
violencia_domestica.pdf> Acesso em: 23 out 2014.

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ENTRE ASPAS

RELEVÂNCIA DO ADMINISTRADOR PÚBLICO PARA A MODERNIZAÇÃO


DA ADMINISTRAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO

Maria do Carmo Araújo Bonfim


Graduanda em Administração Pública pela UNEB. Juizado Especial Cível
e Criminal de Senhor do Bonfim. Atendente de Recepção. Rua Dr. Renato
Simões, 152, Centro, Senhor do Bonfim-BA. (74) 8105-2911; 9954-
0173; 3541-5361. mcabonfim@tjba.jus.br

José Allankardec Fernandes Rodrigues


Graduado em Direito pela Faculdade Batista Brasileira, Especialista em
Consultoria Tributária pela CEPPEV, Especialista em Direito Comercial
pela AVM Faculdades Integradas, Mestrando na UNIFACS. Professor
orientador de TCC e do presente trabalho no curso Bacharelado em
Administração Pública da UNEB. Rua Urbano Antônio de Souza, 211,
Apt.502 Edf. V. R. Stiep, Salvador-BA. (71) 9988-4788.
joseallankardec@uol.com.br

Resumo: A solução da crise da Justiça só ocorrerá com a modernização da Administração


Judiciária. O objetivo deste trabalho é refletir como a presença de um Administrador Público em
um Juizado Especial Cível e Criminal pode ser relevante para a modernização da administração
de sua unidade jurisdicional. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica. Justifica-se o
estudo, devido aos conhecimentos administrativos, aplicados à gestão judiciária, auxiliarem na
identificação dos gargalos, na tomada de decisões e na solução dos problemas oriundas do
excesso de litigância que o Poder Judiciário tem enfrentado. A Administração Judiciária, ramo
da Administração Pública, objetiva administrar o Poder Judiciário e o relacionamento deste,
com os demais entes estatais e entidades sociais. A Gestão Judiciária compreende a utilização
dos conhecimentos administrativos em forma de conjunto de tarefas e medidas que garantam
o eficaz uso dos recursos disponíveis em uma prestação jurisdicional de qualidade. Este trabalho
abordou ainda, a importância da aplicação de práticas inovadoras e criativas dos Pilares
Administrativos na Gestão Judiciária. Por fim, o estudo permitiu verificar que a administração
jurisdicional, realizada sem os devidos conhecimentos de gestão, tem pouca relevância para
sua modernização administrativa, requerendo assim, a presença de um administrador público
na função de gestor judiciário.

Palavras-chave: Gestão Judiciária. Magistrado. Administrador Público.

Introdução

Nos últimos anos, o número de litígios que o Judiciário, mais especificamente os Juizados
Especiais Cíveis e Criminais, tem enfrentado aumentou, causando lentidão, ineficiência e

56
A REVISTA DA UNICORP

ineficácia dos serviços jurisdicionais prestados ao cidadão e a crise que a Justiça está
enfrentando.
O “excesso de litigância” pode ser proveniente da ampliação ao acesso à Justiça através
dos Juizados Especiais e a insuficiência dos recursos mesmo com o aumento das despesas
com gastos com informática e contratação de novos magistrados para atender à crescente
demanda e diminuir a taxa de congestionamento do Poder Judiciário, conforme salienta Joaquim
Barbosa (2013).
Quintero (2011) relaciona a morosidade na prestação jurisdicional ao elevado número
de processos a cargo de um juiz. Já Renault (2011) associa a pouca transparência, obsolescência
administrativa, dificuldade de acesso, complexidade estrutural, concentração de litigiosidade e
desarticulação institucional com as causas da crise vivida pela Justiça.
Esta situação é agravada pela falta de conhecimentos e aplicação, por parte dos juízes
gestores e dos servidores, de modernos conceitos e técnicas de gestão administrativa como
planos estratégicos, padronização de procedimentos nos processos de trabalho, incorporação
de novas Tecnologias da Informação (TI), simplificação de sistemas operacionais, valorização
das competências e capacitação dos Recursos Humanos.
Diante do exposto, o objetivo geral deste trabalho consiste em refletir sobre o
questionamento: “Como a presença de um Administrador Público em um Juizado Especial Cível
e Criminal pode ser relevante para a modernização administrativa de sua unidade jurisdicional?”
e entender como a Administração Pública pode auxiliar o Poder Judiciário a escapar de sua
atual crise.
A escolha pelo Juizado Especial se deu pelo fato da autora do presente trabalho compor
o quadro de servidores do Juizado Especial Cível e Criminal de Senhor do Bonfim-BA e possuir
o anseio de também tornar-se um dos agentes contribuintes para a modernização da gestão
judiciária do órgão onde está lotada.
O presente estudo partiu da hipótese de que a presença de um Administrador Público
nos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, onde antes não existia, seria de grande relevância
para a diminuição do congestionamento de processos e a celeridade processual, iniciando
assim, a modernização administrativa de sua unidade jurisdicional.
Deste modo, este trabalho tem como objetivos específicos: analisar a gestão judiciária
com a aplicação da Administração Pública e verificar a importância da presença de um
Administrador Público a fim de auxiliar e concretizar a modernização administrativa de um
órgão jurisdicional.
Quanto aos aspectos metodológicos, conforme classifica Vergara (2011), o presente
trabalho classifica-se como bibliográfico quanto aos meios de investigação. A pesquisa possui
abordagem qualitativa, conforme Zanella (2009, p. 52) e o método de abordagem utilizado foi o
dedutivo, como salienta Bianchi, Alvarenga e Bianchi, (2009).
É importante ressaltar que o presente trabalho tenta contribuir com as pesquisas já
elaboradas e consagradas no meio jurídico relativos à Administração Judiciária, ramo da
Administração Pública, e elucidar como técnicas e métodos desta ciência, exercidos pelo
Administrador Público, o juiz gestor e os demais servidores, podem ser catalizadores na
diminuição do congestionamento, melhora dos serviços jurisdicionais prestados à sociedade,
contribuição para a modernização da gestão judiciária e consolidação dos direitos dos cidadãos.
Verifica-se, sobre a estrutura do presente estudo, a divisão em três partes: A) Inicialmente,
o trabalho traça um panorama da origem do Poder Judiciário desde o século XIX até sua atual
situação. Este estudo mostra como a Administração Pública e a Justiça andavam juntas,

57
ENTRE ASPAS

separando-se apenas no decorrer do tempo. Em sequência, é mostrada a estrutura do Poder


Judiciário instituída pela Constituição Federal (CF) de 1988, assim como o nascimento dos
Juizados Especiais Cíveis e Criminais, em especial o de Senhor do Bonfim. B) Na segunda parte,
será mostrado como o Poder Judiciário não acompanhou a evolução dos modelos de gestão
pública causando a atual crise pela qual está passando e como a Administração Pública pode
exercer papel imprescindível na modernização da gestão judiciária. Busca-se ainda, estudar a
função de gestor exercida pelo juiz titular de uma Vara ou Comarca. C) Na conclusão da presente
pesquisa, são feitas considerações, críticas e sugestões para a efetiva modernização
administrativa do Poder Judiciário a fim de torná-lo mais célere, eficiente e eficaz na prestação
de seus serviços jurisdicionais, com a consequente efetivação da cidadania e saída da crise
pela qual passa o Poder Judiciário.

1. O Poder Judiciário

1.1 Origem do Poder Judiciário

O Poder Judiciário no Brasil originou-se do modelo português. O rei, além de suas


funções executivas e legislativas, administrava a Justiça com o auxílio de ouvidores do cível e
do crime. Em 1549, surgiu o regime de Governo-Geral, nele o Ouvidor-Geral constituía-se a
autoridade superior e suas funções administrativas eram maiores e independentes quanto à
administração pública e judiciária.
A administração judiciária brasileira, no final do período colonial, continuava
discricionária. Já no período imperial, o constitucionalismo montesquiano, baseado no Estado
Liberal de John Locke e assentado na ideia de um Estado laico, constitucional, soberano e
tripartido, influenciou a Constituição de 1824 a elevar a Justiça Brasileira a um dos Poderes do
Estado.
A primeira Constituição da República instituiu a dualidade da Justiça Comum e a
Justiça Federal, originou o controle difuso de constitucionalidade, a declaração de
inconstitucionalidade de leis e impulsionou a reforma do Judiciário. Conforme seu Art. 96, o
Judiciário possui três funções:
Função legislativa quando normatiza seus regimentos internos e dá iniciativa de leis de
organização judiciária.
Função administrativa, exercida através do autogoverno da magistratura, quando
administra sua própria organização, controla suas finanças, materiais, promoção, nomeação de
juízes e toma decisões administrativas em sessões públicas para sanções disciplinares.
Função jurisdicional, proveniente da expressão latina jurisdictio que significa o direito.
O Poder Judiciário tem como ocupação primordial promover a justiça, interpretar em
conformidade com as leis, manter o controle de constitucionalidade e assegurar os direitos
suscitados nas leis, aplicando-as em prol da paz social através de seus vários órgãos
jurisdicionais estruturados conforme a Lei Maior.

1.2 Atual Estrutura do Poder Judiciário

Impulsionada pela necessidade de reformar o Judiciário, a Constituição Federal de 1988

58
A REVISTA DA UNICORP

foi a que mais sofreu emendas constitucionais na história. Após estas alterações, a forma
estrutural da Justiça ficou disposta em seu Art. 92, incisos de I a VII:
São órgãos do Poder Judiciário:

I - o Supremo Tribunal Federal;


I-A - o Conselho Nacional de Justiça - CNJ
II - o Superior Tribunal de Justiça;
III - os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;
IV - os Tribunais e Juízes do Trabalho;
V - os Tribunais e Juízes Eleitorais;
VI - os Tribunais e Juízes Militares;
VII - os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e
Territórios.

Quanto à divisão do Judiciário, Silva Neto (2008, p.11) declara:

Pode-se assegurar que atualmente o Poder Judiciário comporta duas


divisões: horizontal (diferentes órgãos judiciais – em razão do
conhecimento das matérias) e vertical (composição interna de cada órgão
jurisdicional). Os órgãos podem ser representados graficamente pela figura
geométrica da pirâmide, dividindo-se em escalões hierárquicos, cuja base
encontram-se os juízes de primeiro grau e no vértice o segundo grau de
magistrados/desembargadores (Tribunais), também conhecidos como
justiça de segundo grau.

Seus diversos órgãos jurisdicionais, divididos em relação à matéria, podem ainda ser
classificados quanto ao âmbito federativo (federal e estadual), quanto à matéria (justiça
especializada e justiça comum) e quanto ao número de julgadores (órgãos colegiados e órgãos
singulares).
Apesar desta complexa estrutura do Poder Judiciário brasileiro qualquer demanda poderá
ser alçada ao Supremo Tribunal Federal, última instância, para apreciação da litigância. Como
forma de simplificação e celeridade deste longo caminho, fixou-se alçadas e previsões de
pressupostos recursais restritivos para reduzir os recursos cabíveis às instâncias superiores e
criou-se os remédios constitucionais assim como os Juizados Especiais Cíveis e Criminais.

1.3 Juizados Especiais Cíveis e Criminais

Os Juizados Especiais, Cíveis e Criminais “foram criados com uma missão específica:
ampliar o acesso à Justiça” (CÂMARA. 2010, p. 5) e aliviar a sobrecarga, o congestionamento
e a lentidão da justiça comum, como salienta Chazin (2012).
Dispostos na Lei nº 9.099/95, sua criação se deu pela regulamentação nacional, Art. 98
da CF/88:
Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados
criarão:
I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos,

59
ENTRE ASPAS

competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas


cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial
ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos,
nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por
turmas de juízes de primeiro grau;

O estado da Bahia, de acordo com a competência a ela atribuída pelo Estado, organizou
sua própria Justiça e os Juizados Especiais através do Art. 1º da Lei Estadual nº 7.033/97:

Art. 1º - O Sistema Estadual de Juizados Especiais Cíveis e Criminais é


constituído por:
I - Órgãos Judicantes:
a) Turmas Recursais;
b) Juizado Modelo Especial Cível;
c) Juizados Especiais Cíveis Comuns;
d) Juizados Especiais Cíveis de Defesa do Consumidor;
e) Juizado Especial Cível de Trânsito;
f) Juizado Especial Cível de Execução;
g) Juizados Especiais Criminais.
II - Órgão de Orientação Superior:
- Conselho Superior de Juizados Especiais
III - Órgão de Supervisão Administrativa:
- Supervisão Geral dos Juizados Especiais

Portanto, na Bahia, o Juizado Especial Cível e o Juizado Especial Criminal, desde sua
criação, funcionaram de forma separada, possuindo cada um, seus próprios servidores e
patrimônio. Mas, após instauração da Coordenação dos Juizados Especiais (COJE) do Tribunal
de Justiça do Estado da Bahia (TJBA), a presente situação foi alterada.
Devido às sérias dificuldades encontradas em algumas Comarcas do Interior relativas à
ineficiência na prestação jurisdicional causadas pela complexa estrutura do Poder Judiciário,
escassez de magistrados, déficit e má distribuição funcional e acumulação de feitos,
principalmente nos Juizados de competência cível, o TJBA por meio da Resolução nº19/2013,
resolveu unificar em algumas Comarcas do Interior, inclusive na de Senhor do Bonfim-BA, as
competências das duas Varas dos Juizados Especiais.
Neste município, os Juizados Especiais Cível e o Criminal iniciaram suas atividades em
15 de setembro de 1995 com a prestação de serviços jurisdicionais descritos nos Art. 9º e 10º da
Lei nº 7.033/97, de forma subsidiária à Lei nº 5.869/73 e à Lei nº 8.078/90, às pessoas físicas e às
microempresas e empresas de pequeno porte da cidade de Senhor do Bonfim e de Andorinha-
BA, municípios integrantes desta Comarca.
Além destas leis, os Juizados Especiais são orientados pelos princípios da celeridade,
simplicidade, oralidade, economia processual e informalidade e “a simplificação do procedimento
que neles se verifica, com dispensa de advogados, promoção da conciliação e revisão por
turma de juízes de 1º instância, contribui para a generalização desse modelo rápido e barato de
composição de conflitos em sociedade”. (MARTINS FILHO. 1999, p.12)
Entretanto, como salienta Câmara (2010, p.5):

A criação dos Juizados Especiais Cíveis, porém, se por um lado diminuiu


a litigiosidade contida, por outro lado contribuiu para uma litigiosidade
exacerbada. Hoje, muitas causas que normalmente não seriam levadas ao

60
A REVISTA DA UNICORP

Judiciário por serem verdadeiras bagatelas jurídicas acabam por ser


deduzidas em juízo através dos Juizados Especiais Cíveis. Isso se dá
principalmente, em razão da total gratuidade do processo em primeiro
grau de jurisdição, o que faz com que muitas pessoas se aventurem a
demandar mesmo não tendo razão, sabendo que nada perdem.

Esta litigiosidade exacerbada foi confirmada pela Inspeção de Assunção instaurada


pela Portaria nº 05/2013 do Juizado Especial Cível e Criminal de Senhor do Bonfim-BA. Este
documento demonstrou a elevada carga de trabalho destinada ao magistrado, maior, se
comparada aos demais servidores.

2. Administração Judiciária

2.1. Administração do Poder Judiciário

As transformações do Estado e as constantes mudanças nos objetivos dos governos


motivam reformas na gestão pública. Esta evoluiu da gestão patrimonialista para a burocrática
até chegar a gestão gerencial estratégica caminhando para o modelo de gestão governança
participativa. O intuito do aperfeiçoamento é satisfazer os direitos dos cidadãos, gerar
confiabilidade, eficiência e eficácia, além de tentar conciliar a burocracia da estrutura
governamental com a democracia presente no Estado de Direito após a CF/88.
Embora, enquanto profundas mudanças ocorreram na administração pública do Poder
Executivo, a Administração Judiciária, “ramo da administração pública cujo objeto é a atividade
administrativa do Poder Judiciário, compreendendo, inclusive, o relacionamento com os demais
entes estatais e com as entidades sociais” (SLAIBI FILHO. 2012, p.1), estagnou no tempo, mais
precisamente na gestão burocrática. Este Poder foi o que menos se modernizou, refutando
reformas e a implantação de uma cultura gerencial conforme salientam Bresser Pereira (1996)
apud Sauerbronn (2011) e Renault (2011).
Bottini (2006) e Grangeia (2012) enumera, como fatores determinantes da morosidade do
Judiciário e à estagnação no tempo: a gestão administrativa de recursos, a sobrecarga de
trabalho, a legislação processual, a falta de cultura de gestão administrativa e a ineficácia na
utilização e distribuição de recursos materiais.
Ao constatar a importância da gestão judiciária no auxílio para a saída da crise pelo qual
o Judiciário está passando, Asensi (2011, p.13) argumenta:

Considerando a explosão de litigiosidade que se opera no Brasil, sobretudo


a partir da década de 90 têm sido desenvolvidas diversas discussões e
estratégias sobre como aperfeiçoar a administração judiciária, de modo
que esta envolva, em ampla medida, o estímulo ao desenvolvimento de
práticas inovadoras.

Grangeia (2012, p.16) considera que encontrados os problemas da ineficiência do


Judiciário e suas consequências é essencial “definir e implantar instrumentos eficazes de
gerenciamento”, “atividades voltadas para a desburocratização e simplificação” e “ações
objetivas que estabeleçam parâmetros mais flexíveis para a modelagem dos processos
decisórios”, contribuindo assim, para um Judiciário mais célere, eficiente, eficaz e moderno.

61
ENTRE ASPAS

2.2. Modernização da Administração Judiciária e a Gestão Judiciária

Toda organização necessita trabalhar com recursos humanos, materiais e financeiros de


forma a realizar os objetivos organizacionais, como argumenta Bateman e Snell (1998). A
ineficiência nestes setores agrava a crise do Judiciário por falta dos subsídios que possam
minimizar o alto índice de congestionamento de processos.
A utilização das atividades de planejamento, organização, direção, coordenação, controle,
motivação, liderança e provimento de cargos e vagas, componentes da gestão, devem basear-
se nos pilares da Administração: planejamento estratégico, modernização da tecnologia, gestão
de processos de trabalho, desenvolvimento de competências e valorização dos profissionais
envolvidos, conforme argumentam Mello Filho, Freitas e Quintero (2011), que ainda pontuam
a reflexão estratégica como início desse processo.
Como salienta Silva (2005):

Quando tratamos da Administração Judiciária, falar em planejamento


estratégico é discutir qual o rumo que esse poder deve tomar, de forma
coordenada e controlada, para atingir aquilo que a sociedade demanda. A
preocupação do Judiciário não está na concorrência ou no mercado, visto
que sua atribuição é exclusiva por força legal, mas em corresponder às
expectativas dos cidadãos no que diz respeito à prestação jurisdicional.

Assim, os objetivos definidos no Planejamento Estratégico 2010 – 2015 do Tribunal de


Justiça da Bahia (TJBA), são elaborados e implementados de forma a melhorar a produtividade
dos processos de trabalho e monitorados periodicamente por meio de questionários estatísticos
respondidos pelo supervisor de cada um de seus órgãos subordinados, como é o caso do
Juizado Especial de Senhor do Bonfim, publicados e comunicados aos servidores e cidadãos
em relatórios mensais e trimestrais no Portal da Transparência do TJBA e no portal Justiça em
Números do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Entretanto, os objetivos das atividades desempenhadas nas unidades jurisdicionais
são informais e não claramente definidos em documentos próprios como planejamento
estratégico, tático ou operacional.
O Planejamento Estratégico não pode ser negligenciado, já que o “planejamento pode
ser o processo formalizado para gerar resultados a partir de um sistema integrado de decisões”
(PEREIRA. 2011, p. 36), a ser construído na análise dos pontos fortes e fracos, das
oportunidades e ameaças à organização e seus pontos críticos de sucesso, pois estes, “fornece-
lhe senso de unidade, direção e propósito, facilitando as mudanças necessárias induzidas
pelos ambientes interno e externo”. (PORTO e BELFORT. 2011 apud PINHEIRO. 2011, p.24).
Outros fatores que não podem ser negligenciados são as principais variáveis do
planejamento estratégico: processos, tecnologia e pessoas, correspondentes ao trinômio: o
que?, como? e quem?, respectivamente. Perguntas chaves que se bem respondidas levam a
resultados satisfatórios no alcance dos objetivos, da missão, da visão e dos valores do Poder
Judiciário.
A importância do uso da variável “o que?”, isto é, a implantação de uma Gestão de
Processo de trabalho com a simplificação, padronização, automação e produção em série dos
processos de trabalho pelo Poder Judiciário e seus órgãos jurisdicionais, é evidenciada por
Mello Filho, Freitas e Quintero (2011) ao conceituarem esta gestão como “um conjunto de

62
A REVISTA DA UNICORP

ações que padronizem os procedimentos cartorários e administrativos pertinentes a rotinas,


eliminando aquelas que significam retrabalho”.
Através da aplicação da Gestão de Processos:

[...] identifica-se a cadeia de valor, orientam-se todos os colaboradores no


mesmo sentido, permite-se uma visão global de todas as atividades
desenvolvidas, evita-se a duplicidade da atividade, desenvolve-se um
sistema de avaliação dos resultados obtidos, que ao final, possibilita a
melhora contínua da produção dos resultados. CORRÊA (2011, p.4)

Não basta haver uma rotina de trabalho é imperioso entender, mapear e criar um fluxo
lógico do processo de trabalho com etapas a serem seguidas que agreguem valor para o cliente
a cada procedimento executado, evitando assim o gasto, o excesso, a perda e o desperdício,
conforme argumenta Scartezini (2009), já que “a identificação dos processos de trabalho
envolvidos na Prestação Jurisdicional permite investigar gargalos e a implementação de
melhorias por meio de um trabalho de modelagem desses processos” (MELLO FILHO, FREITAS
E QUINTERO, 2011, p. 70).
Segundo Tregear, Jesus e Macieira (2011) para haver uma boa gestão de processos de
trabalho é necessário: preparar, planejar, administrar, suportar e fomentar a gestão de processos
na organização; gerenciar as mudanças que alteram a cultura organizacional; conscientizar os
servidores da importância da gestão de processos; desenvolver a competência interna dos
envolvidos; comunicar os bons frutos a todos mantendo assim o interesse na continuação dos
processos; demonstrar a melhoria dos processos de trabalho e buscar melhorar continuamente.
Para apoiar a Gestão de Processos, a variável “como?”, isto é a tecnologia e sistemas de
informação, é um grande instrumento visto que os processos de trabalho automatizados tornam-
se mais simples, fáceis, céleres e compreensíveis para os envolvidos. Pensando dessa forma, o
Poder Judiciário está inovando, utilizando os processos judiciais eletrônicos ou procedimento
judicial eletrônico, conceituados por Soares (2012, p.3):

[...] como a relação abstrata entre partes e juiz, submetida estritamente ao


império da justiça e do contraditório em seu desenvolvimento, de forma
eletrônica, que pode ser mais facilmente entendido como a completa
substituição do meio físico papel pelos meios de armazenamento
disponibilizados pela informática.

A informatização do processo judicial foi iniciada por meio da Emenda Constitucional nº


45, uma vez que “o modelo eletrônico foi uma das ações pensadas para proporcionar maior
celeridade e economia processual, assim como ampliação do acesso à jurisdição” (SOARES.
2011, p.1). Já a Lei nº 11.419/06 dispôs sobre a virtualização do processo judicial a partir da
digitalização dos documentos, da utilização do meio eletrônico para a comunicação de atos,
tramitação de processos judiciais e transmissão de peças processuais.
Destarte, alguns Juizados Especiais promovem a migração, isto é a transferência dos
processos físicos, que tramitam através do Sistema de Acompanhamento Integrado de Processos
Judiciais (SAIPRO), para o meio eletrônico do sistema Processo Judiciário Digital (Projudi),
com a meta de ter todos os seus processos e procedimentos digitais, beneficiando-se assim
das qualidades desse sistema. Entretanto, há ainda uma considerável quantidade de processos

63
ENTRE ASPAS

físicos dificultando e tornando lento os trabalhos e serviços prestados.

Para a devida implementação desta variável, Soares (2011) salienta:

Internamente aos órgãos judiciários, será necessária a adoção de políticas


de treinamento e reciclagem de servidores, de modo que esses se
conscientizem das mudanças estruturais vindouras e se capacitem para a
operação adequada e eficiente do novo sistema, em ambiente virtual.

Dessa forma, a variável “quem?”, magistrados e servidores, parte essencial para a


prestação de serviços jurisdicionais, também é fator importante na modernização administrativa
do Poder Judiciário e no alcance da excelência dos serviços prestados.
O investimento na Gestão por Competência como sendo o “conjunto de ferramentas
que auxiliam no desenvolvimento do conhecimento, das habilidades e da atitude dos
profissionais dentro das empresas” (VARGAS & CAGOL. 2012, p.4) irá valorizar o contingente
e melhorar a contribuição destes para a modernização da Gestão Judiciária.
O Sistema de Gestão de Pessoas por Competências (SGP) visa, conforme Mello Filho,
Freitas & Quintero (2011, p. 39):

Uma atuação sistêmica que privilegia o desenvolvimento profissional


dos servidores, com foco nos processos de trabalho. [...] essa nova
orientação considera as pessoas não como meros recursos (humanos),
mas sim como elementos impulsionadores da inteligência e da
transformação organizacional.

Estes autores ainda conceituam competência “como sendo a combinação sinérgica de


conhecimentos, habilidades e atitudes (CHA) que confere ao indivíduo a possibilidade de
desempenhar determinadas tarefas com eficiência e eficácia”.
Busca-se compensar a falta do uso do SGP como critério para a seleção dos servidores
do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) em concursos públicos, que apesar de avaliar o
conhecimento técnico requerido aos candidatos restringe a avaliação da combinação CHA,
com cursos de aperfeiçoamento e capacitação oferecidos pelo TJBA. Entretanto, a descrição e
definição das atribuições impostas pelo processo seletivo limita os servidores de executarem
tarefas mais condizentes com suas competências individuais, interpessoais, gerenciais e
estratégias.

2.3 O Juiz Titular Como Gestor Judiciário

Nas unidades jurisdicionais, Varas e Comarcas da primeira instância e instâncias


superiores da Justiça Federal, da Justiça do Trabalho e de muitas Justiças Estaduais, os juízes
possuem função bipartida, isto é, têm a função de prestar serviços jurisdicionais e a função de
gestor judiciário.
A função de magistratura pode ser exercida tanto pelo juiz titular quanto pelo juiz
substituto. A diferença de denominação entre estes está no tempo de serviço prestado ao
Poder Judiciário e ao auxílio desempenhado de um juiz na jurisdição do outro, conforme

64
A REVISTA DA UNICORP

designação do Tribunal de Justiça. Quanto ao papel de solucionar as lides, Cardoso (2010, p.1)
argumenta que:
A função de julgar é uma arte singular e exige-se do magistrado, muito
além dos conhecimentos teóricos, reclama-se muita experiência de vida,
dedicação ao trabalho e desprendimento. Investido na judicatura todo o
tempo do profissional é dedicado à magistratura, seja com as decisões
complexas, originadas do recôndito do domicílio do julgador, no sossego
dos feriados ou das noites indormidas; os pronunciamentos dos juízes
não são sempre preparados nos gabinetes ou nas salas de audiência, pois
nesse ambiente acontecem as instruções dos processos.

Já a função de gestão judiciária, atípico papel do magistrado, visto que o cerne da


Justiça é a prestação de serviços jurisdicionais, cabe apenas ao juiz titular da Vara ou Comarca.
Com relação a esta função, Silva (2006, p.2) esclarece:

[...] tendo ingressado na magistratura, o juiz tem diante de si desafios que


extrapolam o direito e a jurisdição. Percebe-se que, diante do vultuoso
número de processos a serem apreciados, a necessidade e o dever lhe
imputam atividade diversa daquela para a qual sua formação acadêmica o
habilitou: a de administrar os meios necessários para prestar a jurisdição.
À frente da vara, da seção judiciária, de seu gabinete ou na presidência do
tribunal, o magistrado administra recursos humanos e materiais, administra
o tempo, delega atribuições e estabelece os procedimentos mais adequados
para o bom funcionamento de sua unidade jurisdicional. Se é bastante
claro que a função do juiz seja a de julgar, também é certo que as mudanças
sociais e econômicas, o desenvolvimento das reflexões teóricas da
sociologia, da ciência política e da antropologia do direito modificaram
sensivelmente a concepção do que é a função do juiz na sociedade,
acrescendo à função de julgar o reconhecimento de seu papel político, de
seu papel enquanto agente propulsor de mudanças e, também, de seu
papel enquanto administrador.

Desta forma, compete ao juiz gestor, ou gestor judiciário ou, ainda, juiz diretor do foro,
o papel de colocar em prática a eficiente entrega da prestação jurisdicional através de planos
operacionais e estratégicos mais eficazes, a reprodução de práticas gerenciais, a implementação,
coordenação e execução dos planos desenvolvidos, o comando, a medição e o controle de
resultados de desempenho e do funcionamento da organização jurisdicional, como argumentam
Mello Filho, Freitas e Quintero (2011).
Além do mais, Saalfeld (2009, p.109) salienta que:

Uma Unidade Judiciária não se torna eficiente ou ineficiente da noite para


o dia. Isto significa que são as decisões tomadas, a capacidade inovadora,
o comprometimento, a competência e as ações operacionalizadas pelo
Juiz Titular e funcionários lotados em cada uma das Unidades, que
definirão o ritmo evolutivo da Instituição. [...] Enfim, o grande desafio
que se apresenta para o Juiz Titular de cada Unidade Judiciária é

65
ENTRE ASPAS

desenvolver a qualificação e potencial de seus funcionários para obter em


contrapartida alto desempenho, aceitação de responsabilidades, de novos
encargos, e mormente, de comprometimento com os resultados desejados.
[...] Obviamente, o Magistrado que tem a vontade de imprimir mudanças,
com vistas a tornar os serviços judiciários mais eficientes, ao decidir-se
pela opção de conceber um plano para a sua gestão, vê-se diante de um
desafio. Para superá-lo, faz uso de sua experiência pessoal.

A identificação dos gargalos, o estabelecimento de uma direção, de um plano de ação e


de estratégias para as mudanças necessárias exige não apenas a experiência pessoal, mas
também conhecimentos e técnicas administrativas. A ausência destes pressupostos podem
causar gastos públicos equivocados ou impróprios, prejuízos ao erário, ineficiência na prestação
do serviço jurisdicional, falta de qualificação para enfrentar as ameaças e inadequação do
aparato judiciário.
Todavia, como a função administrava é atípica ao magistrado, estes não estão preparados
tecnicamente para a gestão, pois os cursos jurídicos brasileiros não contemplam a disciplina
Introdução à Administração em seus currículos, como salientam Mello Filho, Freitas e Quintero
(2011). Portanto, não seria exigir demais do magistrado que tem diante de si o excesso de
litigância e o congestionamento processual para resolver a fim de alcançar as metas impostas
pelo CNJ ficar ainda a cargo da gestão judiciária?

Considerações finais

O presente estudo demonstrou a importância dos conhecimentos administrativos a fim


de que a gestão judiciária promova a modernização de uma unidade jurisdicional.
Contudo, diante à crescente demanda (92 milhões de contendas em 2012), taxa de 70%
de congestionamento e aumento de 10,6% de casos novos, conforme o Relatório Justiça em
Números de 2013, magistrados e servidores valorizam apenas o conhecimento jurídico utilizado
em suas atividades não restando-lhes muito tempo para o aprofundamento e aplicação de
conhecimentos administrativos.
A inexistente aplicação de técnicas e métodos administrativos influi negativamente na
celeridade e na excelência dos serviços jurisdicionais prestados aos cidadãos. Os fatores
críticos de sucesso da instituição são pouco aproveitados e não são desenvolvidos de forma
a superar as fraquezas e ameaças presentes no ambiente interno e externo devido à falta de uma
gestão judiciária mais efetiva.
Os fatores que influenciam na dificuldade dos gestores judiciários, a melhor gerir sua
unidade jurisdicional, suplantam os deficientes conhecimentos administrativos que adquirem
em cursos ofertados pelo TJBA com a finalidade de qualificá-los. Infere-se, com o presente
trabalho, que a falta de qualificação na área administrativa e indisponibilidade de tempo para
colocar essas noções em prática torna irrelevante a presença de um juiz titular na modernização
administrativa de sua unidade jurisdicional, visto que toda sua atenção está voltada para o
desempenho de suas atividades jurídicas.
Dessa forma, sugere-se a inserção no ambiente jurisdicional de um administrador público
com especialização em gestão judiciária, profissional mais qualificado para conduzir de forma
efetiva, eficiente e eficaz a modernização administrativa das unidades judiciárias e

66
A REVISTA DA UNICORP

consequentemente do Poder Judiciário. Este novo ator do Direito, poderá transformar a


mentalidade daqueles que compõe a Justiça a fim de que compreendam a importância da
utilização de práticas criativas, estruturas e processos administrativos que otimizem os
insuficientes recursos materiais, humanos e financeiros disponíveis de forma a beneficiar os
serviços jurisdicionais prestados e ainda aproveitar melhor o tempo do juiz.
O presente trabalho não pretendeu esgotar o tema, visto sua complexidade subjetiva,
inovação no âmbito jurídico e influência na mentalidade e no comportamento dos atores
envolvidos. O estudo das diversas ramificações da Gestão Judiciária e as formas mais efetivas
de sua aplicabilidade deve ser ampliado em pesquisas posteriores a fim de alcançar o bem
comum por meio da busca contínua de melhoria aos serviços jurisdicionais prestados aos
cidadãos.

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70
A REVISTA DA UNICORP

O PODER NORMATIVO DA ADMINSTRAÇÃO PÚBLICA NO ORDENAMENTO


JURÍDICO BRASILEIRO – A POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

Adriana Filgueiras Câmara


Bacharela em Direito pela Universidade Estadual da Bahia
Especialista em Direito do Estado pela Fundação de
Direito da Universidade Federal da Bahia
Pós-graduanda em Direito Processual Civil pela Faculdade
Baiana de Direito
Lotação: Gabinete Desembargador Jatahy Júnior
Telefones: (71) 3353-5793 / (71) 9310-5300

INTRODUÇÃO. I. BREVES CONSIDERAÇÕES DA FUNÇÃO DO


ESTADO; A) A Separação dos Poderes; B) A necessária adequação do
princípio da separação dos poderes. II. DA FUNÇÃO
ADMINISTRATIVA E O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. A) Dos
Poderes / Funções da Administração Pública. b) O Regime Jurídico de
Direito Público e o Princípio da Legalidade. III. DO PODER
NORMATIVO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. IV. O
ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES. CONCLUSÃO

Resumo: Este trabalho procura discutir o poder normativo da administração pública,


problematizando os princípios da separação dos poderes e da legalidade, encarados, por vezes,
como dogmas insuperáveis, para entender os limites do poder/dever da administração pública
de produzir atos gerais e abstratos, considerando o contexto social contemporâneo de
desenvolvimento dos Estados Sociais. Para tal finalidade, investigaram-se as posições
doutrinárias acerca do tema, bem como a posição dos Tribunais Superiores.

Palavras-chave: Poder Normativo. Administração Pública. Separação dos Poderes. Legalidade.

Introdução

A eclosão das revoluções burguesas formatou o Estado Moderno, fundando-o em uma


série de princípios conformadores, com o intuito de proteção aos direitos e garantias individuais,
então conquistadas.
O princípio da separação dos poderes, elaborado por Montesquieu, foi um marco nesse
processo, pois sistematizou a teoria para a defesa dos cidadãos frente ao poder estatal, com

71
ENTRE ASPAS

uma sistemática de limitação do Poder. Conforme tal produção teórica, o Estado seria constituído
por três poderes, que exerceriam, de forma independente e autônoma, as três funções essenciais
de produção de normas (Poder Legislativo), de execução das normas (Poder Executivo) e de
resolução dos conflitos (Poder Judiciário).
Com o advento do Estado Social e o crescimento das funções do poder público, bem
como da complexidade da vida social, esta configuração clássica da divisão dos poderes
necessitou de uma evolução, havendo, nos sistemas jurídicos hodiernos, uma mescla de funções
dos chamados Poderes, que continuam a exercer funções típicas, contudo, agregam, também,
funções atípicas.
A administração pública passou por este mesmo processo e, considerando o crescimento
exponencial de suas atividades constitucionalmente estabelecidas, tornou-se necessário
conferir-lhe um grau de autonomia para edição de atos normativos, capazes de tornar mais
eficazes os ditames legais.
Assim é que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 84, inciso IV, dispõe que
compete privativamente ao Presidente da República sancionar, promulgar e fazer publicar as
leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução.
Como se vê, a Carta Magna não define, nem limita de modo fechado e específico, a
competência regulamentar da Administração Pública, e nem poderia ser, tendo em vista que a
dinâmica social requer uma interpretação das normas e princípios constitucionais, a fim de que
a finalidade de proteção e efetivação dos direitos fundamentais seja materialmente alcançada.
Assim, cabe à comunidade jurídica discutir e aprofundar o tema do poder normativo da
administração, objetivando delimitar os contornos, a fim de promover a eficiência da ação
estatal sem, contudo, concentrar poderes excessivos ao Estado, colocando em risco a proteção
das garantias individuais dos cidadãos.
A este objetivo se presta o presente artigo, discutir o poder normativo da administração
pública, problematizando os princípios da separação dos poderes e da legalidade, encarados,
por vezes, como dogmas insuperáveis, para entender os limites do poder/dever da administração
pública de produzir atos gerais e abstratos.
Para tal finalidade, torna-se necessária uma breve análise das funções do Estado e o
papel clássico do princípio da separação dos poderes, bem como sua necessária discussão,
diante da dinâmica social contemporânea.
Após, abriu-se o debate acerca das funções da administração pública no contexto do
surgimento do Estado Social, e a sua relação necessária, ou submissão, ao princípio da legalidade,
que também passou por redefinições ao longo da história.
Então, adentrando no tema específico do artigo, realizou-se um estudo doutrinário
acerca do poder normativo da administração constitucionalmente previsto, verificando-se o
entendimento de ícones do Direito Administrativo Nacional, levantando os principais
argumentos e verificando-se os consensos e os dissensos da matéria.
Por fim, foram levantadas decisões exaradas pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo
Supremo Tribunal Federal, a fim de verificar o sentido e os contornos da função regulamentar
da administração perante os Tribunais Superiores.

I. Breves considerações acerca das funções do Estado

A classe burguesa que, nos idos do século XVII, constituía-se no setor economicamente
dominante, buscava meios de erigir-se à alçada de classe politicamente dirigente.

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A REVISTA DA UNICORP

Com a eclosão das revoluções burguesas, o Estado Moderno tomou forma, configurado
por uma série de princípios e regras conformadores, que definiam e limitavam a atuação Estatal,
a fim de garantir os direitos e garantias individuais, naquele momento conquistados.
O período foi fértil em teorias e estudos acerca da organização social, do pensamento
humano, da interpretação acerca da legitimidade e fundamentação do poder estatal.
Em contraposição ao jusnaturalismo que dava sustentação às monarquias, perante a
hegemonia burguesa ganharam força as teorias iluministas racionalistas, que afirmavam a
existência de direitos individuais inatos, intangíveis e irrenunciáveis. Por essa razão, exigia a
limitação Estado, sem, contudo, fundamentar tais direitos em pressupostos teológicos, mas
tão somente na razão. Cabia à razão localizar e justificar esses direitos. (CLÈVE, 2011)
As teorias de contenção do poder emergem, nesse contexto, como uma forma de
instrumentalizar e legitimar formas de governo capazes de realizar os anseios dessa nova
classe hegemônica, numa sociedade que carecia de uniformidade normativa e segurança jurídica.
Clèmerson Merlin Clève esclarece o papel do Direito e das Constituições, nesse contexto,
quando afirma que:

Trata-se, neste caso, de tornar a classe hegemônica também politicamente


dirigente. De que modo? Reorganizando a estrutura do poder político e
submetendo-o a um rigoroso código de juridicidade. Esse movimento
favorecerá a formação da teoria constitucional. Importa dotar o Estado de
uma Constituição jurídica que delimite o raio de ação do poder político e
promova o surgimento do binômio Estado / sociedade civil. A Constituição
organizará o Estado, limitará o poder, positivará os direitos individuais
reclamados pela Burguesia. Assim, livres e seguros juridicamente, nenhum
obstáculo impedirá o desenvolvimento das potencialidades dos
indivíduos. (CLÈVE, 2011. p. 29)

O Estado, nessa dinâmica, ganhou uma nova formatação, em que a fundamentação do


poder encontrava-se na sociedade, que passou a possuir, naquele momento, a prerrogativa de
controle das ações estatais.
As funções do Estado, então, passaram a estar associadas à garantia e proteção dos
direitos individuais, fornecimento de segurança jurídica e promoção do desenvolvimento.
Emerge, assim, a necessidade de desenvolvimento de conceitos como legitimidade e
eficiência das ações do Estado, que deveriam atender às finalidades propostas pelos novos
arranjos institucionais.
Gerd Borneim, em seu texto “Natureza do Estado Moderno”, afirma que os conceitos de
Estado e de Cidadania são umbilicalmente relacionados, tendo emergido na modernidade. O
autor entende o fenômeno estatal como experiência e conceito essencialmente moderno, cuja
cidadania é o fundamento primevo. (BORNHEIM, 2003, p. 209).

A) A Separação dos Poderes

O princípio da separação dos poderes foi desenvolvido nesse contexto, como uma
técnica de contenção do poder, especialmente o político. Para o seu desenvolvimento,
Montesquieu (1973) partiu do pressuposto de que o Estado possui três poderes ou funções

73
ENTRE ASPAS

essenciais, que são a de legislar, executar as normas e dirimir os conflitos existentes no corpo
social.
O entendimento e discussão acerca deste tópico é essencial para o aprofundamento do
tema do poder normativo da administração pública.
Pensadores antigos já entendiam que cada poder deveria balizar os demais, contudo,
Montesquieu inovou de forma revolucionária ao desenvolver tal pensamento. Para o pensador
francês cada função estatal deveria ser exercida por órgãos diferentes, autônomos e
independentes entre si. A ausência de tais características levaria a não realização do fim primevo
do Estado, que seria a proteção dos direitos individuais, configurando um Estado tirano.
(DALARI, 2009, p. 220-221)
Cada conjunto de órgãos, classicamente denominados de poderes, exerceriam funções
estatais distintas, através de uma rígida distribuição de competências, de forma independente
e autônoma, e que, ao mesmo tempo, não se sobrepujaria às demais.
O princípio da separação dos poderes, nos termos formulados por Montesquieu, foi
alçado a pilar dos modelos estatais que emergiram com as revoluções burguesas.
Importante ressaltar que o poder político, segundo a doutrina liberal clássica, sendo
único e indivisível, não poderia ser repartido. O que se buscou foi a limitação do poder, mantendo
seu caráter uno e soberano. Para isso, Montesquieu formulou a técnica da separação dos
poderes, que se traduz numa divisão de tarefas estatais, de atividades entre distintos órgãos.
Tal afirmação corresponde a dizer que o Estado moderno foi pensado para cumprir a
finalidade de garantia dos direitos individuais, necessitando, para isso ser forte o suficiente
para a garantia da manutenção da ordem jurídica estabelecida e, ao mesmo tempo, subordinar-
se a esta mesma ordem, agindo conforme o regime de competências estabelecido.
Dentro da teoria da separação dos poderes, o regime de competências possui especial
relevância, pois, instituídas pela Constituição, constituem-se na definição do desenho
institucional e no raio de atuação de cada organismo estatal.
A teoria da separação dos poderes, formulada sistematicamente por Montesquieu,
inspirou a construção doutrinária conhecida como sistema de freios e contrapesos, elucidada
por Dalmo de Abreu Dalari, como se vê:

O sistema de separação dos poderes, consagrado nas Constituições de


quase todo o mundo, foi associado à ideia de Estado Democrático e deu
origem a uma engenhosa construção doutrinária, conhecida como sistema
de freios e contrapesos. Segundo essa teoria, os atos que o Estado pratica
podem ser de duas espécies: ou são atos gerais, ou são especiais. Os atos
gerais, que só podem ser praticados pelo poder legislativo, consistem na
emissão de regras gerais e abstratas, não se sabendo, no momento de
serem emitidas, a quem elas irão atingir. Dessa forma, o poder legislativo,
que só pratica atos gerais, não atua concretamente na vida social, não
tendo meios para cometer abusos de poder nem para beneficiar ou
prejudicar a uma pessoa ou um grupo particular. Só depois de emitida
norma geral é que se abre a possibilidade de atuação do poder executivo,
por meio de atos especiais. O executivo dispõe de meios concretos para
agir, mas está igualmente impossibilitado de atuar discricionariamente,
porque todos os seus atos estão limitados pelos atos estão limitados
pelos atos gerais praticados pelo legislativo. E se houver exorbitância de

74
A REVISTA DA UNICORP

qualquer dos poderes surge a ação fiscalizadora do poder judiciário,


obrigando cada um a permanecer nos limites de sua respectiva esfera de
competência. (DALARI, 2009. p. 220-221)

B) A necessária adequação do princípio da separação dos poderes

Observa-se, contudo, que conforme o desenrolar histórico das sociedades burguesas


estatais, principalmente com o advento das duas Grandes Guerras Mundiais e o fortalecimento
de um novo modelo de organização do Estado (o Comunismo), o modelo classicamente conhecido
e adotado pelas nações centrais necessitou ser reformulado, redefinido.
No campo do Direito, por sua vez, formulou-se o conceito, que veio a emergir ao status
de princípio, do Estado Democrático de Direito, em que o poder estatal estaria limitado às
configurações desenhadas pela Constituições promulgadas por seus respectivos estados, de
forma democrática e participativa. O Estado, neste panorama, assumiu, segundo observa Marçal
Justem Filho (JUSTEM FILHO, 2012), três finalidades distintas: a defesa da democracia, a
competência profissional e a proteção e ampliação dos direitos fundamentais.
O Estado ganhou novas funções e objetivos, necessitando adequar sua fonte de
legitimidade, e também sua estrutura e aparelho institucionais, bem como os seus instrumentos
clássicos de configuração, a fim de atender às finalidades impostas.
Thomas Gerster Fleiner, em seu livro Teoria Geral do Estado (2006), ocupa-se da
problemática da legitimidade do poder estatal. O autor questiona o que autoriza homens que
exercem a função estatal exercerem dominação sobre outros homens. Para responder tal
questionamento, Thomas Fleiner explicita que o homem, enquanto ser social, depende da
comunidade. Em outras palavras, o homem une-se a outros, tendo em vista a interdependência,
relacionada, principalmente, à divisão do trabalho. Assim, inicialmente no seio familiar, e,
posteriormente, no âmbito da sociedade/estado, o homem abre mão de parcela de sua liberdade,
para ordenar as posições de poder e dependências no interesse do interesse do indivíduo.
Conclui que “A dominação deve necessariamente ser exercida de forma justa e à serviço da
liberdade” (FLEINER, 2006. p. 83).
O entendimento finalístico do Estado requer uma reinterpretação do papel das teorias
de sua legitimação, fazendo emergir críticas acerca das teorizações clássicas acerca do Estado,
Poder, Governo e Direito, entre elas a teoria da separação dos poderes.
Dalmo Dalari (DALARI, 2009) relata as principais críticas formuladas à Teoria da
separação dos poderes, que giram em torno do formalismo da teoria, que não consegue dar
conta das realidades sociais que interferem na ação estatal. Outro argumento levantado é que
a separação dos poderes, adotada pela grande maioria dos Estados Modernos, constituindo-
se como verdadeiro dogma, não conseguiu efetivar seu objetivo de assegurar as liberdades
individuais, tendo em vista que a sociedade plena de injustiças criada pelo liberalismo foi
desenvolvida à sombra da separação dos poderes.
As críticas mais recentes, segundo o autor, giram exatamente na incompatibilidade da
formulação clássica da separação dos poderes com as exigências hodiernas de organização
estatal. Nas suas palavras:

Críticas mais recentes se dirigem a outro aspecto fundamental que lembra


a polêmica a respeito dos poderes e das funções do Estado. Como se tem

75
ENTRE ASPAS

observado, a separação dos poderes foi concebida num momento histórico


em que se pretendia limitar o poder do Estado e reduzir ao mínimo sua
atuação. Mas a evolução da sociedade criou exigências novas, que atingiram
profundamente o Estado. Este passou a ser cada vez mais solicitado a
agir, ampliando sua esfera de ação e intensificando sua participação nas
áreas tradicionais. Tudo isso impôs a necessidade
de uma legislação muito mais numerosa e mais técnica,
incompatível com os modelos da separação dos poderes. O
legislativo não tem condições para fixar regras gerais sem ter
conhecimento do que já foi ou do que está sendo feito pelo
executivo e sem saber de que meios este dispõe para atuar. E
executivo, por seu lado, não pode ficar à mercê de um lento
processo de elaboração legislativa, sem sempre adequadamente
concluído, para só então responder às exigências sociais, muitas
vezes graves e urgentes. (DALARI, 2009, p. 222).

Assim, o plano da separação dos poderes, diante da nova dinâmica mundial, que tornou
mais complexas as funções estatais, necessita ser revista e reformulada a fim de adequar-se às
novas necessidades, e atender às finalidades definidas na Constituição.
O panorama mundial hodierno torna inviável a organização de um Estado como
classicamente concebeu a teoria da separação dos poderes. A complexidade de suas atividades,
funções e obrigações exigem que os órgãos estatais, além de suas funções típicas, exerçam
outras diversas funções atípicas, que, em tese, estariam sob o manto de outro poder.
É sob essa ótica, que diversas Constituições do mundo, inclusive a Constituição Brasileira
de 1988, preveem a possibilidade do exercício da função administrativa executiva por todos os
órgãos estatais, confere competência normativa ao poder executivo e autoriza certo grau de
resolução de conflitos na seara administrativa.
Tal exercício não pode ser encarado, por lógico, como irregular ou como invasão da
seara de outro poder, mas tão somente como exercício de atividades necessárias à consecução
das finalidades previstas na Constituição.
O atendimento finalístico das funções estatais é, assim, o primeiro balizamento e limitação
imposta ao exercício dessas funções atípicas dos Poderes do Estado.

II. Da Função Administrativa e o Princípio da Legalidade

A) Dos Poderes / Funções da Administração

Como visto alhures, o modo de organização estatal onde há a separação das funções
públicas em diferentes órgãos, classicamente chamada teoria de separação dos poderes, foi
adotado na Constituição dos diversos Estados Modernos, erigindo-se ao status de dogma.
O Estado brasileiro, por força da Constituição de 1988, previu que são Poderes da
União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Como na clássica tripartição de poderes desenvolvida por Montesquieu, a Carta Magna
Brasileira previu a existência de um órgão responsável pela edição das leis, ou seja, de normas

76
A REVISTA DA UNICORP

gerais e abstratas (Poder Legislativo), outro órgão responsável pela administração pública,
com a execução dos mandamentos legais, e promoção de políticas públicas (Poder Executivo)
e o órgão responsável por dirimir os conflitos existentes no corpo social (Poder Judiciário).
A Constituição Federal confere ao Poder Executivo o poder de ação contínua, permanente
e ininterrupta da soberania nacional e execução das normas editadas pelo legislativo. Executar
é administrar, que constitui a competência primeva, ou típica, do poder executivo.
A matéria correspondente ao Poder Executivo é disciplinada no texto constitucional,
nos artigos 76 a 91. No vigente texto constitucional, o artigo 84 caracteriza a dupla função do
Presidente da República: como Chefe de Estado e Chefe de Governo. Como Chefe de Estado
nas suas relações internacionais e como Chefe de Governo nos negócios internos, sejam os de
natureza política, ou de natureza administrativa. O Poder Executivo é exercido pelo Presidente
da República auxiliado pelos Ministros de Estado. Também auxilia o Presidente da República,
o Vice- Presidente da República.
Maria Sylvia Zanela de Pietro (2011) afirma que a função administrativa constitui-se na
emanação de atos concretos, ou complementares, com a finalidade de dar concretude aos atos
de produção jurídica primários e abstratos contidos na lei. Contudo, estes atos complementares,
lato sensu, abarcam, segundo a Autora, a função política ou de governo, que compreende as
atividades colegislativas e de direção, enquanto que a função administrativa, stricto sensu,
compreende o serviço público, a intervenção, o fomento e a polícia.
Assim, a administração pública, em sentido estrito compreende, em seu aspecto subjetivo,
as pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos que exercem a função administrativa, e seu
sentido objetivo constitui a atividade administrativa exercida por estes entes.
Tais atividades são caracterizadas por serem concretas, no sentido de que põem em
execução a vontade do Estado contida em Lei, com a finalidade de satisfazer, direta e
imediatamente, os fins do Estado. Sendo imperioso ressaltar que o regime jurídico que rege a
administração pública é predominantemente o de direito público, embora possa também
submeter-se a regime privado, parcialmente derrogado por normas de direito público (DI
PIETRO, 2011).

B) O Regime Jurídico de Direito Público e o Princípio da Legalidade

Como se analisou, a função administrativa é regida pelo regime jurídico de Direito


Público, o qual, por sua vez, é regido por uma série de princípios, desenvolvidos ao longo da
história por pensadores e teóricos, e positivados na Constituição de 1988 que, no art. 37, prevê
os princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade ou finalidade, publicidade, eficiência,
razoabilidade.
Para melhor entendimento e aprofundamento acerca do tema do poder normativo da
administração pública, torna-se indispensável a discussão acerca do princípio da legalidade.
A administração pública, na realização de sua função típica, por ordem de preceito
principiológico constitucional2, submete-se ao princípio da legalidade, que prevê que ninguém
será obrigado a fazer ou deixar de fazer nada, senão em virtude de lei (art. 5º, inciso II, CF/88).
Tal princípio emerge a lei, tradução da vontade popular, à condição de norma superior, única
capaz de criar direitos e obrigações aos cidadãos.
Contudo, a divergência essencial encontra-se em definir o conteúdo e amplitude de tal
princípio, bem como na forma de incidência perante a administração pública.

77
ENTRE ASPAS

A Constituição Federal, como visto, prevê a regra geral de impossibilidade de criação de


direitos e obrigações por meios diversos da lei. Tal princípio (visto por alguns autores como
princípio-regra) exsurge como meio de garantia fundamental do cidadão e norteador e limitador
da atividade administrativa. Contudo, o que pode ser considerado como lei?
Classicamente, a lei é entendida como o ato emanado pelo poder legislativo, que cumpriu
o rigoroso rito de edição e produção legislativa. Hodiernamente, contudo, o entendimento de
lei tem se estendido e adquirido novos e maiores contornos.
Clèmerson Merlin Clève (2011), ao analisar o princípio da legalidade sob a ótica da
atividade administrativa, verifica que a emergência do Estado Social, com o crescimento das
competências exercidas pelo Poder Público, que assume o papel de garantidor das liberdades
individuais, mas também de provedor dos direitos e garantias fundamentais, além do dever de
fomentar e controlar de atividade econômica, cultural e social, acompanhado da dinâmica
social moderna, gerou uma inflação legislativa, ou uma demanda por normatividade, que não
consegue mais ser atendida plenamente pelo Poder Legislativo.
O autor acrescenta, ainda, que a emergência de uma sociedade técnica, relacionada com
a especificidade e complexidade das questões trabalhadas pelo Poder Público, com a exigência
de rapidez para as respostas, contribui para o contexto de insuficiência da lei, em sentido
estrito, para atender às demandas atuais.
É neste sentido que ganha força o conceito de bloco de legalidade, em que se amplia o
conceito clássico de lei, para abarcar outras normas jurídicas emanadas do Poder Público, que
se prestam a regular as atividades sociais e estatais.
Marçal Justem Filho fortalece tal entendimento, ao explanar que:

o vocábulo lei é utilizado, constitucionalmente, para indicar diversas


espécies de atos estatais, tal como se vê no elenco contido no art. 59 da
CF/88. Rigorosamente, a expressão lei indica um gênero que abrange a
Constituição, as leis complementares, as leis ordinárias, as leis delegadas,
as medidas provisórias, os decretos legislativos e, mesmo, as resoluções.
(JUSTEM FILHO, 2012, p. 189).

O que se pode observar da discussão acima avençada é que a Carta Magna busca
limitar a ação estatal e garantir os direitos dos cidadãos ao definir que nenhum direito, nem
obrigação, poderá ser criado, senão em virtude de lei, a qual, classicamente, é caracterizada
pelo ato geral e abstrato emanado do Poder Legislativo, após seguir rigoroso processo
legislativo.
O avanço histórico, contudo, exige do Estado respostas mais rápidas e complexas, que
o Legislativo não consegue atender, motivo pelo qual o conceito de legalidade tem sido
expandido, a fim de abarcar normas jurídicas criadas por outros órgãos estatais.
Essa discussão é fundante e essencial para o aprofundamento do estudo acerca do
Poder Normativo da Administração Pública.

III. Do Poder Normativo da Administração Pública

Na estrutura estatal formatada pela Constituição Brasileira de 1988, cabe à administração


pública, para o regular exercício de suas atribuições, editar atos infralegais de caráter unilaterais

78
A REVISTA DA UNICORP

e concretos, normalmente designados unicamente como atos administrativos, cabendo-lhe,


também, a edição de atos unilaterais, gerais e abstratos, designados como atos normativos, os
quais serão o objeto do presente ensaio.
A atividade normativa cabe tipicamente ao Poder Legislativo, havendo uma competência
atípica da administração para editar atos normativos. Seu fundamento constitucional encontra-
se no art. 84, inciso IV, o qual dispõe que compete privativamente ao Presidente da República
sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para
sua fiel execução.
Assim, os atos tipicamente normativos da administração são os regulamentos, que se
constituem como atos administrativos de caráter geral e abstrato, editados com o fito de dar
cumprimento aos preceitos determinados por lei, possibilitando o regular exercício da atividade
administrativa.
Celso Antônio Bandeira de Mello (2007) destaca que a edição dos regulamentos tem
por finalidade uniformizar a atuação administrativa, em defesa do princípio da igualdade,
dispondo sobre o modo de agir dos órgãos administrativos, no que se refere aos aspectos
procedimentais, bem como aos critérios que devem obedecer às questões de fundo. A edição
do regulamento é necessária sempre que execução de determinada lei necessite de ulteriores
especificações.
Contudo, como discutido acima, a edição de atos gerais e abstratos é função típica do
Poder Legislativo, por meio das leis, assim como é de observar-se, também, que a administração
pública é regida, primordialmente, pelo regime jurídico de direito público, submetido ao princípio
da legalidade.
Assim, torna-se necessário definir o âmbito de competência, as possibilidades e as
limitações do poder normativo da administração, conferido pela Constituição Federal.
Tal definição está longe de ser consenso na doutrina, que se encontra dividida quanto
à posição do regulamento no direito jurídico pátrio.
O Direito continental Europeu admite três tipos básicos de regulamento: a) os
regulamentos executivos, ou seja, de mero cumprimento de leis, b) os regulamentos autorizados
ou delegados, c) regulamentos independentes ou autônomos. Na Europa, entende-se que a
administração, através dos regulamentos autônomos, regular os “assuntos da administração”
ou as disposições preordenadas à regência do aparelho estatal. Tais regulamentos podem ser
expedidos, independentemente de lei. (MELLO, 2007).
No Brasil, a Constituição Federal prevê expressamente a possibilidade de edição, pelo
Poder Executivo, dos regulamentos voltados à fiel execução das leis. Por tal motivo,
doutrinadores defendem a impossibilidade dos regulamentos autônomos no Brasil.
Celso Antônio Bandeira de Mello define o regulamento, no Brasil, como:

[...] ato geral e (de regra) abstrato, de competência privativa do Chefe do


Poder Executivo, expedido com a estrita finalidade de produzir as
disposições operacionais uniformizadoras necessárias à execução de lei,
cuja aplicação demande atuação da administração pública. (MELO, 2007,
p. 333).

Entende o doutrinador que, conforme ditames preceituados pelo princípio da legalidade,


o regulamento, no direito brasileiro, é ato estritamente subordinado, subalterno e, ainda,
dependente de lei.

79
ENTRE ASPAS

A diferença entre regulamento e lei residiria na impossibilidade do primeiro de inovar na


ordem jurídica. Assim, um regulamento que criasse novos direitos ou obrigações constituir-se-
ia em abuso de poder regulamentar ou invasão da competência legislativa.
Celso Antônio Bandeira de Mello lembra que o princípio da separação dos poderes
reivindica um controle das funções estatais, a fim de evitar excessos do poder público, numa
tripartição de competências, objetivando o controle do poder pelo próprio poder. Assim, o
princípio da separação dos poderes serve para a proteção dos cidadãos, e garantias dos seus
direitos individuais e fundamentais. Tal princípio fundante da República Federativa do Brasil,
comungado com o princípio da legalidade, submete a administração pública ao domínio das
leis, traduzido pelo cânone, segundo o qual o que, por lei, não está antecipadamente permitido
à Administração, está inteiramente proibido, de tal sorte que a administração, para agir, depende
integralmente de autorização legislativa.
José Santos Carvalho Filho (2007), em consonância com a corrente defendida por Celso
Antônio Bandeira de Melo, afirma que o poder regulamentar da administração possui caráter
derivado, na medida em que complementa as leis. Não pode o regulamento, segundo o autor,
alterar a lei, ao pretexto de estar regulamentando, sob o risco de incorrer em abuso de poder
regulamentar, invadindo a competência do legislativo. Entende, porém, como válida a fixação,
por regulamento, de obrigações subsidiárias ou derivadas, as quais devem estar adequadas às
obrigações legais.
Carvalho Filho entende que os regulamentos autônomos, ou seja, aqueles atos
regulamentares que criam, primariamente, direitos e obrigações, ou suprem lacunas legais, não
encontram guarida na ordem jurídica pátria porque para atos dessa natureza o art. 5º, inciso II,
da Constituição Federal, fixa o postulado da reserva legal para criação de obrigações.
Na mesma linha de raciocínio, Clèmerson Merlin Clève, em sua obra Atividade Legislativa
do Poder Executivo (2011), invocando Celso Antônio Bandeira de Mello, afirma que:

O regulamento inova na ordem jurídica, mas não do mesmo modo que a


lei. A lei inova originariamente, ao modo que o regulamento inova de
modo derivado, limitado, subordinado, ou seja, sem a autonomia da lei.
[...] Ademais, apenas a lei pode, originariamente, inovar a ordem jurídica
para criar novas obrigações, bem como para restringir direitos. O art. 5º,
II, da Constituição, deixa claro que ‘ninguém será obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. (CLÈVE, 2011. p.
311).

Clèmerson Clève, no entanto, diversamente de Celso Antônio Bandeira de Mello, entende


que a Administração, pelos regulamentos, pode regular diretamente uma norma constitucional,
diante da omissão legislativa. Ressalva, contudo, que tais regulamentos não se prestam a
inovar a ordem jurídica, e reside em posição hierárquica inferior à lei.
O professor Hely Lopes Meirelles, por outro lado, define o poder regulamentar como a
faculdade da administração de “explicar a lei para sua correta execução, ou de expedir decretos
autônomos sobre matéria de sua competência, ainda que não disciplinada por lei” (MEIRELLES,
2007, p. 127).
O autor é adepto da corrente que aceita a possibilidade de edição de decretos autônomos
no direito brasileiro, como forma de regulamentar a lei, ou suprir as omissões do legislativo.
Para ele, na hierarquia das normas, o regulamento é inferior à lei, não podendo contrariá-la,

80
A REVISTA DA UNICORP

restringi-la ou expandi-la. Contudo, na ausência da lei, o regulamento poderá suprir a lacuna,


até que o legislador exerça sua função, até quando o regulamento será válido, com força de lei,
possuindo a mesma normatividade, se materialmente considerados.
Marçal Justem Filho desenvolve o raciocínio proposto, enfrentando a questão da
separação dos poderes e do princípio da legalidade, e colocando, de forma explícita, a
possibilidade de edição de regulamentos para explicar, complementar e suprir as omissões
legislativas.
O autor reconhece que o regulamento autônomo é rechaçado pela doutrina majoritária,
mas menciona que o tema ainda suscita dúvidas, e afirma, categoricamente, que:

Os regulamentos autônomos são aqueles desvinculados de uma lei. O


regulamento autônomo encontra seu fundamento de validade diretamente
da Constituição, de modo a dispensar a existência de uma lei. Por meio de
um regulamento autônomo, são criados direitos e obrigações se a prévia
existência de lei. A adoção de um regulamento autônomo significa que o
Poder Executivo inova a ordem jurídica. (JUSTEM FILHO, 2011, p.
196)

Diante de tal assertiva cabe, então, definir qual a extensão da competência do Executivo
para produzir inovações na ordem jurídica, tendo em vista que não é possível extrair nem da
Constituição, nem dos conceitos de lei, ou de norma jurídica, de forma definitiva, quais os
campos reservados à lei e ao regulamento.
Justem Filho adere ao consenso de que, na hierarquia das normas, o regulamento é
subordinado às leis, não podendo contrariá-las, contudo ressalva a dissonância quanto à
possibilidade de suprimento das omissões legislativas.
Vê-se, assim, que a doutrina não é pacífica quanto à posição dos regulamentos no
direito brasileiro. A importância do tema permeia a atuação estatal, necessitando, por isso, ser
discutida e pesquisada de forma profunda, a fim de analisar as possibilidades e limitações do
instituto no ordenamento jurídico pátrio.

IV. O Entendimento dos Tribunais Superiores

A análise da jurisprudência sobre as limitações e possibilidades dos atos normativos da


administração colaboram para uma visualização mais ampla da questão no campo jurídico
brasileiro, ajudando a entender os contornos acerca das limitações impostas ao poder normativo
da administração.
O Superior Tribunal de Justiça pôde, em muitas ocasiões, manifestar-se acerca do poder
normativo da administração. O entendimento majoritário não destoa da doutrina majoritária,
seguindo no sentido de que o ato administrativo normativo emanado dos órgãos da
administração pública, é ato hierarquicamente subordinado à lei, sendo vedada a inovação no
ordenamento jurídico.
Para o colendo Superior Tribunal de Justiça, a administração tem a função de regulamentar
os dispositivos legais, esclarecendo o seu conteúdo. Contudo, o grau de autonomia dos atos
normativos da administração é restrito à autorização legislativa. Em outras palavras, a
administração pode regular situações específicas, em conformidade com as previsões legais,
conforme entendimento firmado, segundo julgados abaixo colacionados:

81
ENTRE ASPAS

EMENTA
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. METROLOGIA.
AUTOS DE INFRAÇÃO. IM POSIÇÃO DE M ULTA PELO
INM ETRO COM BASE NA SUA PORTARIA Nº 02/82.
LEGALIDADE. INTELIGÊNCIA DO RECURSO ESPECIAL N.º
1.102.578/MG SUBMETIDO À SISTEMÁTICA DOS RECURSOS
REPETITIVOS. COMPETÊNCIA. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.
PODER NORMATIVO DA ADMINISTRAÇÃO. PRECEDENTES.
1. A controvérsia suscitada no presente agravo regimental, em síntese,
cinge-se à legalidade ou não da Portaria INMETRO nº 02/82, sob o
argumento de que tal ato administrativo é anterior à Resolução
CONMETRO nº 11/88, que estipulou a atuação e especificações da
competência do INMETRO.
2. É entendimento pacificado na Primeira Seção deste Sodalício, por força
do julgamento proferido no Resp. n.º 1.102.578/MG, DJ. 29.10.2009,
que “Estão revestidas de legalidade as normas expedidas pelo
CONMETRO e INMETRO, e suas respectivas infrações, com o objetivo
de regulamentar a qualidade industrial e a conformidade de produtos
colocados no mercado de consumo, seja porque estão esses órgãos
dotados da competência legal atribuída pelas Leis 5.966/1973 e 9.933/
1999, seja porque seus atos tratam de interesse público e agregam proteção
aos consumidores finais”. (REsp 1102578/MG, Rel. Ministra ELIANA
CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/10/2009, DJe 29/10/
2009).
3. Em específico, no que tange à legalidade da Portaria nº 02/82 expedida
pelo INMETRO, é de se ressaltar que este Sodalício já possui
jurisprudência no que tange à legitimidade deste ato normativo tendo em
vista que a Lei nº 5.966/73 em nenhum momento estatui ser da competência
exclusiva do CONMETRO a expedição de normas e atos normativos
referentes à metrologia, normalização industrial e certificação de qualidade
de produtos industriais. A esse respeito, o precedente: RESP 273803/SP,
Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 19/05/2003 e as decisões monocráticas:
REsp 1240799, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, data da publicação 31/
05/2011; e, REsp 1212903 Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES,
data da publicação 09/02/2011.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.285.951 – GO. Relator:
MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES.

O alto grau de tecnicidade necessário à regulação de certas questões também é levantado


como justificador da edição dos atos administrativos normativos, conforme trecho do voto do
processo supramencionado, abaixo colacionado:

Fica evidente que a imposição das multas por atos normativos baixados
pelo CONMETRO e INMETRO tem expressa previsão em lei, o que

82
A REVISTA DA UNICORP

afasta a ofensa ao princípio constitucional da reserva legal. Ademais,


destaco que estão revestidas de legalidade as resoluções, portarias e demais
normas dos órgãos competentes, que estabelecem critérios e procedimentos
para aplicação das penalidades, uma vez que também são expressamente
previstos na legislação de regência.
Seria contraproducente exigir lei formal para discriminar todos os
pormenores técnicos exigidos na busca do aprimoramento e da
fiscalização da qualidade dos produtos e serviços colocados no
mercado, quando a lei já prevê a obediência aos atos normativos,
bem como delimita as sanções possíveis.

A necessidade de tornar efetiva a norma legal também é suscitada pelo STJ como
fundamentação de legitimidade para edição de atos normativos pela administração, conforme
se observa:

EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC.
INEXISTÊNCIA. DEVIDO ENFRENTAMENTO DAS QUESTÕES
RECURSAIS. PROGRAMA DE PROTEÇÃO DE RISCOS
AMBIENTAIS (PPRA). INSTITUIÇÃO PELO MINISTÉRIO DO
TRABALHO. LEGALIDADE. PREVISÃO CONTIDA NO ART. 200
DA CLT.
1. Inexiste violação do art. 535 do CPC quando a prestação jurisdicional
é dada na medida da pretensão deduzida, com enfrentamento e resolução
das questões abordadas no recurso.
2. O caput do art. 200 da CLT expressamente delega ao Ministério do
Trabalho competência para instituir norma complementar visando
aperfeiçoar e fomentar a Segurança e Medicina do Trabalho. Ao exigir o
Programa de Proteção de Riscos ambientais (PPRA), a norma
regulamentadora o fez precisamente no sentido de tornar efetivo o comando
do referido normativo, o que afasta a pretensão da recorrente em ver
reconhecida a ilegalidade do programa instituído.
3. “No ordenamento jurídico brasileiro nada impede que a lei, expressa
ou implicitamente, atribua ao Poder Executivo a possibilidade de detalhar
os tipos e sanções administrativos, dentro dos limites que venha a estatuir.
Inexiste aí qualquer
violação ao princípio da legalidade, pois nele não se enxerga o desiderato
de atribuir ao Poder Legislativo o monopólio da função normativa, nem
de transformar os regulamentos e atos normativos administrativos em
mera repetição do que está na lei,
esvaziando-os de sentido e utilidade. O que não se admite é que a
Administração, a pretexto de pormenorizar a lei, dela se afaste, negue ou
enfraqueça, direta ou indiretamente, os seus objetivos, estabeleça
obrigações ou direitos inteiramente desvinculados do texto legal, ou
inviabilize a sua implementação “ (REsp 883.844/PR, Rel. Min. Herman
Benjamin, Segunda Turma, julgado em 18.8.2009, DJe 27.4.2011).

83
ENTRE ASPAS

Recurso especial improvido.


REsp 1.296.001 / DF. Relator Exmo. Sr. Ministro HUMBERTO
MARTINS. JULGADO: 04/12/2012

O Supremo Tribunal Federal segue esta linha de intelecção, ao decidir que a complexidade
técnica dos assuntos farmacêuticos, considerados de interesse público, clamam por uma
regulação administrativa, legitimando a edição de atos normativos, que devem ser, contudo,
subordinados à lei, conforme ementa abaixo transcrita:

EMENTA
Constitucional e Administrativo. Recurso ordinário em mandado
de segurança. Supremacia do interesse público sobre o privado.
Competência normativa conferida à Administração Pública. Câmara
de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). Coeficiente
de Adequação de Preço (CAP). Lei nº 10.742/2003. Resolução nº 4/
2006. Tutela constitucional do direito à saúde (art. 196 CF). Recurso
ordinário em mandado de segurança não provido.
1. A Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) está
prevista na Lei nº 10.742/03 como órgão técnico necessário à regulação do
setor farmacêutico, justificando-se, especialmente, pelas
complexidades do mercado de medicamentos.
2. A amplitude da delegação normativa consiste no fundamento fático-
jurídico do exercício do poder regulamentar pela Administração Pública,
que deve atuar em consonância com a lei, atendendo à necessidade de
regulação do setor farmacêutico e em respeito à dinâmica e às
peculiaridades técnicas do mercado de medicamentos.
3. O percentual de desconto obrigatório e linear nas vendas de determinados
medicamentos ao Poder Público, chamado Coeficiente de Adequação de
Preço (CAP), opera como fator de ajuste de preços, permitindo, assim,
que se chegue ao “Preço Máximo de Venda ao Governo” (PMVG), o que
vai ao encontro da reprovação constitucional do aumento arbitrário de
lucros (art. 173, § 4º, CF/88).
4. A Constituição Federal de 1988 agrega preocupação social aos princípios
gerais da atividade econômica, resultando em legítima atuação do Estado
na promoção do acesso universal e igualitário à saúde, direito social
garantido pelo art. 196 da Constituição Federal, cuja responsabilidade é
partilhada pelo Estado e por toda a sociedade.
5. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido.
RECURSO ORD. EM MANDADO DE SEGURANÇA 28.487
DISTRITO. PRIMEIRA TURMA. JULGADO EM 26/02/2013.

Os julgados acima colacionados permitem observar que a jurisprudência segue a


tendência majoritária da doutrina, limitando a atuação normativa da administração à previsão
legal, não considerando a possibilidade de inovação dos regulamentos. Contudo, o julgamento
da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 12, que tratou da Resolução nº 7 do Conselho
Nacional de Justiça demonstrou entendimento do STF no sentido de que poderá ser admitida

84
A REVISTA DA UNICORP

a produção de atos administrativos normativos vinculados diretamente à Constituição, mesmo


na ausência de uma lei. No julgamento da referida ação, o Supremo Tribunal Federal reputou
que a omissão do legislador não constitui obstáculo à edição de normas regulamentares
destinadas a tornar efetivas determinações constitucionais.

EMENTA: AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIO-


NALIDADE, AJUIZADA EM PROL DA RESOLUÇÃO Nº 07, de
18.10.05, DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ATO
NORMATIVO QUE “DISCIPLINA O EXERCÍCIO DE CARGOS,
EMPREGOS E FUNÇÕES POR PARENTES, CÔNJUGES E
COMPANHEIROS DE MAGISTRADOS E DE SERVIDORES
INVESTIDOS EM CARGOS DE DIREÇÃO E
ASSESSORAMENTO, NO ÂMBITO DOS ÓRGÃOS DO PODER
JUDICIÁRIO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS”. PROCEDÊNCIA
DO PEDIDO.
1. Os condicionamentos impostos pela Resolução nº 07/05, do CNJ, não
atentam contra a liberdade de prover e desprover cargos em comissão e
funções de confiança. As restrições constantes do ato resolutivo são, no
rigor dos termos, as mesmas já impostas pela Constituição de 1988,
dedutíveis dos republicanos princípios da
impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade.
2. Improcedência das alegações de desrespeito ao princípio da separação
dos Poderes e ao princípio federativo. 0 CNJ não é órgão estranho ao
Poder Judiciário (art. 92, CF) e não está a submeter esse Poder à autoridade
de nenhum dos outros dois. O Poder Judiciário tem uma singular
compostura de âmbito nacional, perfeitamente compatibilizada com o
caráter estadualizado de uma parte dele. Ademais, o art. 125 da Lei Magna
defere aos Estados a competência de organizar a sua própria Justiça, mas
não é menos certo que esse mesmo art. 125, caput, junge essa organização
aos princípios “estabelecidos” por ela, Carta Maior, neles incluídos os
constantes do art. 37, cabeça.
3. Ação julgada procedente para: a) emprestar interpretação conforme à
Constituição para deduzir a função de
chefia do substantivo “direção” nos incisos II, III, IV, V do artigo 2º do
ato normativo em foco; b) declarar a constitucionalidade da Resolução n2
07/2005, do Conselho Nacional de Justiça.
AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE 12
DISTRITO FEDERAL. RELATOR : MIN. CARLOS DRITTO.
TRIBUNAL PLENO. JULGADO EM 20/08/2008.

Conclusão

O presente artigo buscou investigar quais os contornos que o poder normativo da


administração pública assume no cenário jurídico brasileiro, tendo em vista que as exigências

85
ENTRE ASPAS

existentes diante de um Estado Social, como o estipulado pela Constituição Federal de 1988.
Como se observou das discussões acima avençadas, a função executiva clássica da
administração pública teve de ser ampliada, a fim de permitir uma eficiente execução dos objetivos
da república, esboçados na Constituição Federal de 1988, no contexto de emergência do Estado
Social, em que o poder público está comprometido não só a exercer sua função negativa de
proteção às liberdades individuais, mas também se incube de promover e efetivar os direitos
fundamentais, por meio das políticas públicas.
A administração pública, assim, possui a competência de editar atos normativos, para
permitir ao chefe do Poder Executivo sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como
expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução, nos termos do art. 84, inciso IV, da
Carta Magna.
Por outro lado, tendo em vista a subordinação da atuação administrativa ao princípio da
legalidade, classicamente concebido como subsunção de atuar administrativo às normas jurídicas
emanadas pelo Poder Legislativo, atendendo ao processo legislativo.
Contudo, as mudanças sociais anteriormente mencionadas, principalmente a emergência
do neoconstitucionalismo, com a supremacia, força vinculante e eficácia imediata das normas
constitucionais perante todos os órgãos Estatais, alargou o conceito de legalidade, abarcando
outras normas jurídicas.
Dentro desse contexto, a definição dos limites impostos à administração no momento
de editar atos normativos torna-se necessária na seara doutrinária e jurisprudencial, tendo em
vista que a Constituição Federal não define expressamente os contornos dessa competência.
Neste sentido, investigou-se as posições dos principais doutrinadores do Direito
Administrativo, tendo-se constatado que a doutrina majoritária, capitaneada por Celso Antônio
Bandeira de Mello, mas também com outros expoentes como José Santos de Carvalho Filho e
Clemerson Merlin Clève comungam do entendimento que o papel do regulamento no direito do
brasileiro está limitado e subordinado à existência da lei, em sentido estrito, servindo ao propósito
de complementá-la e esclarecê-la, no intuito de possibilitar a sua fiel execução.
Por outro lado, grandes mestres administrativistas, como Helly Lopes Meirelles e Marçal
Justem Filho, defendem a possibilidade da admissão de regulamentos autônomos no
ordenamento jurídico pátrio. Para tais autores, a função regulamentar da administração objetiva
complementar e esclarecer os preceitos legais, bem como supri-los, em caso de omissão, a fim
de permitir a consecução dos objetivos constitucionais.
A jurisprudência dos Tribunais Superiores, da mesma forma, segue o entendimento da
doutrina majoritária, sendo vultosa a quantidade de decisões que restringem a função normativa
da administração pública à complementação e regulação das leis, stricto senso.
No entanto, ao julgar a Ação Direta de Constitucionalidade da Resolução nº 7 do
Conselho Nacional de Justiça, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a falta de preceito
legal que regulasse a questão do nepotismo no Brasil não seria capaz de viciar a norma produzida
pelo órgão administrativo, tendo em vista estar fundamentada diretamente nos princípios
constitucionalmente previstos.
Assim, é de ver-se que o tema é de relevantíssima importância, tendo em vista que a
necessidade de edição de normas pela administração pública é preemente na sociedade complexa
e plural contemporânea.
Por outro lado, ao passo que o modelo clássico de Separação dos Poderes não é capaz
de organizar as funções estatais satisfatoriamente nos dias atuais, não é possível afastar-se
completamente dele, tendo em vista que o controle do poder pelo próprio poder evita o

86
A REVISTA DA UNICORP

desenvolvimento de um Estado Autocrático e antidemocrático.


Neste ponto é que reside o desafio, definir os contornos da atuação estatal, a fim de
possibilitar o desenvolvimento de uma nação socialmente justa, solidária, democrática.
A síntese da questão, no meu entender, não pode caminhar no sentido da autonomia do
ordenamento jurídico em si. Ou seja, para a definição do papel do Estado é insuficiente uma
análise pura das normas constitucionais e infraconstitucionais.
O Estado Democrático de Direito deve atender às finalidades da democracia, justiça
social, proteção das liberdades individuais e promoção dos direitos fundamentais.
Este entendimento finalístico do Estado pode servir de critério balizador para as limitações
que são impostas ao Ente Público na sua atuação

Referências______________________________________________________________

CLÈVE, Emerson Clève. A Atividade Legislativa do Poder Executivo. 3. ed. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2011.

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CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17. ed. rev., ampl. e atual.
Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 33. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 20
07.

87
ENTRE ASPAS

O ESTADO DO BEM-ESTAR SOCIAL E O DIREITO PENAL DO RISCO:


A Ilegitimidade do Direito Penal do Risco no Estado Democrático de
Direito Brasileiro

Gleison dos Santos Soares


Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia titular da
comarca de Paramirim. Mestre em Direito Público pela Universidade
Federal da Bahia (UFBA). Especialista em Ciências Criminais pela
Universidade Estácio de Sá (UNESA). Pós-graduando em Direito
Processual Penal pela Universidade de Coimbra (UC-PT). Bacharel em
Direito pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL). Professor de
Direito Penal e Processual Penal. Membro Titular da “Association
Internacionale de Droit Pénal” (AIDP), do Instituto Brasileiro de Direito
Processual Penal (IBRASPP), do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
(IBCCRIM) e do Instituto Americano “Law Enforcement Against
Prohibition” (LEAP). E-mail: gleison.soares@hotmail.com

Resumo: Este artigo científico visa demonstrar que com a migração da noção de um Estado
Liberal, fincado sob as bases de um absenteísmo, para um Estado Social, enraizado na figura de
um Estado-provedor, produziu-se uma ampliação do conceito de bem jurídico penal para se
abarcar os novéis interesses e valores subjacentes desse novo contexto político-social, fato
que maximizou-se pela configuração de uma sociedade mundial do risco, estruturada no
desenvolvimento progressivo do conhecimento técnico-científico e geradora de riscos cujos
danos se demonstram de ordem catastróficos, motivo que fez desencambar, por meio de uma
assunção da ética-filosófica da heurística do medo, numa política criminal eminentemente
preventiva e simbólica, a qual desrespeita os princípios penais constitucionais fundamentais,
notadamente legalidade, lesividade e subsidiariedade, motivo que enseja o reconhecimento da
ilegitimidade do Direito Penal Risco para atuar como direcionador de uma política criminal no
Estado Democrático de Direito brasileiro.

Palavras-chave: Estado-Social. Sociedade do Risco. Direito Penal do Risco. Princípios Penais


Constitucionais.

1. Introdução

A sociedade contemporânea está desenvolvida, inequivocamente, sob um complexo


estágio de relações sociais e institucionais arraigadas, em não raras ocasiões, em vínculos
impulsionados por condutas comissivas do Estado. Tal comportamento intervencionista

88
A REVISTA DA UNICORP

potencializou-se através da transmutação gradativa do liberalismo – caracterizado pelo


absenteísmo estatal com enfoque nos bens jurídicos de natureza individual e abalizado sob os
direitos fundamentais de 1ª dimensão– para o denominado Estado Social, esse último embasado
na concepção de provedor da igualdade e do bem-estar social, com incidência nos direitos
fundamentais de 2ª e 3ª dimensão.
Nesse sentido, é clarividente a multiplicação do leque de matérias que se encontram
insertas sob o poder-dever da atuação estatal, fazendo com que, hodiernamente, se propague
a ideia de um verdadeiro Estado-providência, com a consequente produção de novos ramos do
direito ante a necessidade de se tutelar esses modernos valores indispensáveis à coletividade,
a exemplo da proteção jurídica conferida ao meio ambiente, consumidor, economia, genética,
informática e a tecnologia atômica.
Diante dessa constatação, muito tem se questionado acerca da legitimidade da escolha
do Direito Penal, por parte do legislador, como fonte primordial para proteção desses novos
interesses sociais com vistas ao controle, prevenção e gestão dos riscos que podem incidir
sobre os mesmos. Maximize-se a intensidade da discussão quando confrontado com os
princípios penais fundamentais da legalidade, lesividade do fato e intervenção penal mínima.
Ademais, a noção de bem jurídico penal necessitou sofrer uma transmutação em seus
contornos conceituais para que fosse possível a aglutinação dos novéis valores sob a roupagem
de bens jurídicos coletivos, entendimento que implicou em sua descaracterização político-
criminal de contenção do poder estatal punitivo.
Assim sendo, se torna imperioso o estudo acerca do Estado-Social e dos caracteres da
sociedade do risco que nele convive para, desse modo, confrontar a legitimidade do movimento
de modernização do direito penal e sua consequente expansão frente os princípios penais
constitucionais fundamentais, de índole garantista, insculpidos expressa ou tacitamente pela
Constituição Federal de 1988.

2. A transmutação do estado liberal para o estado social

“Pelo corpo o homem está no tempo, pelo espírito o tempo está no


homem, enquanto o homem se desprende do agora, recorda o passado e
prevê o futuro”.

2.1 O Estado Liberal: Fundamentos Político-filosóficos e o Constitucionalismo


Moderno.

Sendo o homem um ser histórico, como afirmava Palmer, citado por Ricardo Maurício,
assim como autocompreendendo-se como alguém portador de uma consciência histórica e não
uma mera consciência historiadora, se faz necessário não só a observação do transcurso do
tempo e suas implicações na vida em sociedade, mas também uma análise sobre a forma como
o homem procedeu à apreensão dos fatos sociais e utilizou tal entendimento para construção
de novos conceitos e valores no âmbito comunitário.
No percurso histórico da evolução Estatal, se convencionou utilizar a denominação
“Estado Liberal” para indicar uma entidade supra individual, detentora de soberania, a qual
buscava possibilitar a realização dos direitos naturais de um povo situado em um determinado

89
ENTRE ASPAS

território, finalidade essa atingida não só por meio da submissão do próprio ente estatal ao
conjunto de regras por ele fundantes, especialmente aquelas contidas no corpo do texto
constitucional, mas também, sobretudo, por meio da proteção das esferas de liberdades dos
indivíduos abarcados sob seu manto.
Assim, o Estado Liberal deve ser entendido como aquele que tem por escopo garantir,
através de sua autolimitação, a liberdade dos cidadãos, o que, segundo Bobbio, seguindo uma
linha kantiana, permitiria que cada um, a seu modo particular, buscasse a sua própria felicidade,
rejeitando, portanto, a figura de um Estado paternalista, posto que, consonante as lições de
Kant:

Um governo fundado no princípio da benevolência para com o povo,


como é o caso do governo de um pai em face dos filhos, ou seja um
governo paternalista (imperium paternale), no qual os súditos, como
filhos menores que não podem distinguir entre o que lhes é útil ou
prejudicial, são obrigados a se comportar passivamente, para esperar que
o chefe do Estado julgue de que modo eles devem ser felizes, esse governo
é o pior despotismo que se possa imaginar.

O marco delimitativo do nascimento do Estado Liberal não é objeto de consenso


doutrinário, contudo, a adoção do capitalismo como opção viável à ultrapassagem do
mercantilismo é tida como baliza indispensável para que esse novo modelo estatal se
estabelecesse, haja vista que através desse padrão econômico que ora se apresentava, foi
possível se sustentar uma dupla base teórica: o liberalismo político e o liberalismo econômico,
os quais, por sua vez, encontravam-se fundados numa doutrina individualista e libertária,
pertencentes, segundo as ideias de John Locke, ao “estado de natureza” do homem.
Desse modo, o Estado deveria ser arrebatado da função de ator principal da vida social
e posto no desenvolvimento de uma atividade meramente coadjuvante, eis que sua função
legitimadora não era outra, senão a de, reconhecendo o homem como anterior à criação da
figura do Estado e capaz de decidir, de per si, os rumos de sua própria vida, garantir, portanto,
a possibilidade do mesmo gozar dos seus direitos naturais: a vida, a liberdade e, especialmente,
os bens indispensáveis para a conservação dos direitos anteriormente mencionados, ou seja,
a propriedade.
Observando-se as bases teóricas sobre as quais se assentou o Estado Liberal, é
clarividente o seu antagonismo com o Estado absolutista, vigente entre o decorrer do medievo
até os idos modernos, tendo em conta a impossibilidade de sustentação no poder com baldrame
argumentativo exclusivamente na divindade ou na hereditariedade, traços distintivos das
monarquias absolutistas, sendo necessária uma conformação do exercício desse poder para
com a vontade da maioria, a qual, nesse momento, é representada pela burguesia ascendente,
conforme brilhantemente elucida Danilo Marcondes:

Segundo a concepção de Locke, a sociedade resulta de uma união de


indivíduos, visando garantir suas vidas, sua liberdade e sua propriedade,
ou seja, aquilo que pertence a cada um. É em nome dos direitos naturais
do homem que o contrato social entre os indivíduos que cria a sociedade
é realizado, e o governo deve, portanto, comprometer-se com a preservação
destes direitos. O poder é então delegado a uma assembleia ou a um

90
A REVISTA DA UNICORP

soberano para exercer essa função em nome da união voluntária e


consentida entre os indivíduos. A legitimidade desse poder reside, em sua
origem, no consentimento dos indivíduos que o constituíram, e que podem,
portanto, retirá-lo daqueles que não governam no interesse da maioria ou
que ameaçam a liberdade e direitos dos indivíduos.

Nesse sentido, o trinômio doutrinário-filosófico de Locke (estado natural, contrato


social e estado civil), conjugado com a teoria montesquiana da separação dos poderes, fez
surgir a noção de um Estado restrito, limitado ao império da lei, posto que através dela se pode
melhor controlar o poder e coibir os excessos e abusos que permeiam o seu exercício, assim
como garantir uma isonomia (formal) entre todos os homens. Em razão disso, o pundonoroso
mestre Paulo Bonavides leciona que:

A premissa capital do Estado moderno é a conversão do Estado absoluto


em Estado constitucional; o poder já não é das pessoas, mas de leis. São
as leis, e não as personalidades, que governam o ordenamento social e
político. A legalidade é a máxima de valor supremo e se traduz no texto
dos Códigos e das Constituições.

Diante dessa percepção, o Estado, impulsionado pelos anseios provenientes da


burguesia, foi caracterizando-se, progressivamente, pela técnica da regulamentação com o
objetivo de contenção e limitação do poder tradicional, método esse que culminou no processo
moderno de constitucionalismo, tendo em vista que, de acordo precisa lição de Dirley da
Cunha Jr., sendo a Constituição o instrumento apto, por excelência, para o estabelecimento de
controles e limites ao poder político, é inegável a sua importância no enfrentamento de governos
autoritários e arbitrários, o que torna o sentido do termo constitucionalismo intrinsecamente
ligado à noção de movimento político-filosófico de elevação do valor da constituição como
meio de limitação ao exercício do poder, especialmente no que se refere à obediência dos
direitos dos governados, tendo por razão primeira a inexistência de um poder absoluto,
desenfreado e arbitrário.
Tal ideologia foi a base de sustentação burguesa não só para a efetivação das revoluções
de cunho liberal, como as Revoluções Gloriosa, Francesa e das treze colônias americanas, mas
também, sobretudo, como muito bem demonstra Dirley, para a elaboração de documentos
emancipadores e reconhecedores dos direitos naturais antes referidos, tais como a Magna
Charta Libertatum (1215), Petition of Rights (1628), Habeas Corpus Act (1679), Bill of Rights
(1689), Act of Settlement (1707), Declaração do Bom Povo da Virgínia (1776), Declaração
Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), Constituição norte-americana e suas dez
primeiras emendas (1787-1791) e a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948).
Com essas premissas despontou-se o movimento do constitucionalismo moderno na
medida em que as constituições se distanciaram da ideia de mero texto em benefício do soberano
absoluto, tidas como verdadeiras fontes ratificadoras e justificadoras de suas arbitrariedades,
para se aproximarem da noção de garantidoras das liberdades públicas por meio da restrição ao
exercício do poder, razão pela qual o constitucionalismo moderno é conceituado sinteticamente
por Canotilho como:
o movimento político, social e cultural que, sobretudo a partir de meados
do século XVIII, questiona nos planos político, filosófico e jurídico os

91
ENTRE ASPAS

esquemas tradicionais de domínio político, sugerindo, ao mesmo tempo,


a invenção de uma forma de ordenação e fundamentação do poder político.

As principais características do referido movimento são: a) a existência de Constituição


escrita alterável somente por meio de um processo rígido, sendo que nos países americanos
torna-se indispensável para fixação da própria independência por representarem ruptura com
os costumes coloniais; b) a organização do Estado; c) a limitação e moderação do poder estatal
por meio de uma declaração de direitos e garantias fundamentais.
As ideias fundantes do constitucionalismo moderno, visto como um movimento político
e jurídico, possuem, desse modo, raízes no liberalismo, quer no plano de vista político, ante a
adoção do individualismo filosófico que desencadeou a noção do Estado como ente garantidor
dos direitos individuais, quer no plano de vista econômico, com a aceitação do discurso
liberalista-econômico de Adam Smith.

2.2 O Estado Social e o Neoconstitucionalismo

Com o estabelecimento do Estado Liberal a burguesia se firmou como classe detentora


do poder, contendo através do legalismo positivista os avanços abusivos e arbitrários da
nobreza e do clero, fato esse que propiciou ao homem o exercício da própria liberdade em suas
mais diversas formas, ressoando-se no âmbito político, jurídico e, especialmente, econômico,
motivo que desencadeou um expressivo progresso industrial, comercial e tecnológico.
Por outro lado, a doutrina atomista-individualista, de cunho liberal, que propugnava a
liberdade do indivíduo e a igualdade (formal) entre todos os homens, serviu, por muito, de
esconderijo para abrigar o verdadeiro interesse da classe econômica burguesa em ascensão,
qual seja: a mais-valia, quer em sua forma absoluta quer em sua forma relativa.
O liberalismo impôs ao Estado um caráter absenteísta, propiciando ao homem uma
isonomia meramente formal, como se pessoas com condições prévias diferentes e necessidades
diametralmente opostas pudessem se situar num mesmo patamar de diálogo e,
consequentemente, travassem uma negociação justa e equilibrada. Daí se falar nos princípios
da autonomia da vontade, pacta sunt servanda, relatividade dos contratos, dentre outros.
Assim, sob a roupagem da igualdade (formal) perante a Lei, tal ideologia fundamentou
e fomentou, verdadeiramente, o estabelecimento das desigualdades econômicas e sociais,
notadamente entre as relações de trabalho, visível por meio da contraposição entre o proletariado
miserável e necessitado e os detentores dos meios de produção. Daí muitos falam de um
“absolutismo burguês”, pois o titular do poder não era o povo, mas sim uma classe, a qual
ditava os rumos da sociedade conforme seus objetivos mesmos.
Diante da percepção social acerca da falácia de um Estado Liberal que propunha um
progresso abrangente e sem restrição a classes sociais, mas que, pragmaticamente, somente se
revelava no âmbito de uma ou algumas camadas da sociedade, surgiram movimentos de oposição
e questionamento às bases burguesas estabelecidas, especialmente os movimentos socialistas,
utópico ou científico, os quais, introduzindo e disseminando conceitos como os de “luta de
classes” e “mais-valia”, influenciaram na gênese dos direitos da classe proletária, bem como da
noção de uma isonomia material por meio de um regresso do Estado nas relações sociais que
intervindo nas mesmas buscava o real equilíbrio das forças contraditórias e a justiça social.
Ainda que percorrendo caminho diverso de Marx, porém não contraditório, Rousseau

92
A REVISTA DA UNICORP

propõe as bases de uma democracia moderna integrada pela volonté générale, entendendo
que todo o poder não deve ser conferido às classes ou a indivíduos determinados, mas sim ao
seu titular legítimo, o povo. Por isso, Rousseau afirma que:

Não há recompensa possível para quem a tudo renuncia. Tal renúncia não
se compadece com a natureza do homem, e destituir-se voluntariamente
de toda e qualquer liberdade equivale a excluir a moralidade de suas ações.
Enfim, é uma inútil e contraditória convenção a que, de um lado, estipula
uma autoridade absoluta, e, de outro, uma obediência sem limites.

E continua o ilustre autor suíço:

A vontade constante de todos os membros do Estado é a vontade geral:


por ela é que são cidadãos e livres. Quando se propõe uma lei na assembleia
do povo, o que se lhes pergunta não é precisamente se aprovam ou
rejeitam a proposta, mas se ela está ou não de acordo com a vontade geral
que é a deles.

Assim, diante das construções teóricas questionadoras supra mencionadas, o paradigma


da legalidade cede espaço para a ideia de legitimidade.
Ademais, com o desfecho da primeira grande guerra mundial, as constituições passaram
a se afastar do plano liberal e a guiar-se pela bússola das ideias sociais e intervencionistas,
ante os anseios econômicos e sociais existentes à época, externados pelos partidos socialistas
e cristãos. Dessa forma, a limitação do exercício do poder político com o reconhecimento e
garantia dos direitos fundamentais (individuais) já não era mais a única intenção.
Nesse momento, o progresso social buscado através da implantação de um Estado do
Bem-Estar Social impõe ao ente estatal o estabelecimento de programas e direções políticas
aptas à sua concretização, fazendo com que a Constituição Liberal (garantia, negativa, defensiva)
transmudasse para uma Constituição Social (dirigente, programática, positiva ou constitutiva).
De outro modo, quando os problemas sociais transbordam da esfera meramente individual
e desembocam na ausência de efetividade social do conteúdo constitucional, perpassando-se
pela insuficiência das políticas socioeconômicas e o desrespeito à isonomia em seu sentido
material, os anseios da comunidade em alcançar a dignidade da pessoa humana extrapola os
limites da clausura liberalista e absenteísta e impõe ao Estado novo dever, agora de prestação
positiva, que se revela na busca pelo bem-estar social, o qual somente pode ser satisfeito por
meio de atividades essencialmente intervencionistas, invertendo a lógica do “quanto menos
(intervenção estatal), mais (efetividade da dignidade da pessoa humana)” sendo que a
Constituição Social, gerando um legítimo de direito de crédito aos cidadãos, consonante as
lições de Dirley, determina ao Estado, na condição de devedor social, o cumprimento de suas
obrigações por meio do respeito aos direitos fundamentais concretizados através de atividades
promocionais, positivas e realizadoras da ordem econômica, social e cultural.
Esse novo modelo estatal, Walfare Satate, é estruturado com base em uma Constituição
diretiva e programática, no sentido de estabelecer uma carta que vise implementar as políticas
públicas socioeconômicas, dando efetividade a acepção material do princípio da igualdade.
Assim, a Constituição passou a estruturar e organizar o Estado sob o prisma de realizar e
satisfazer as necessidades sociais mediante a concretização do programa estabelecido. Por
essa razão, esse modelo de Constituição é denominado por Canotilho de “Constituição
Dirigente”.

93
ENTRE ASPAS

A moderna modelagem estatal que ora se apresentava trouxe consigo o denominado


constitucionalismo contemporâneo, também intitulado neoconstitucionalismo, que tem seu
ponto de partida com a Segunda Grande Guerra Mundial, onde a lei, cuja condição de validade
restava adstrita à mera verificação de haver sido posta pela autoridade competente, envolvendo-
se num conceito puramente formal, não tinha sido capaz de limitar o exercício arbitrário do
poder que culminou em atrocidades jamais antes vistas.
Assim, com vistas a um entendimento substancial/material acerca da supremacia da
Constituição, percebendo-a como norma jurídica fundamental de todo o sistema jurídico, bem
como com fundamento no respeito à dignidade da pessoa humana, o Estado Legislativo de
Direito transforma-se em um Estado Constitucional de Direito, o qual reconhece e maximiza a
força normativa da Constituição, imbuindo-a de eficácia jurídica vinculante e obrigatória.
Dessa forma, o princípio da legalidade, antes soberano e independente, passa a ser
crivo de uma análise constitucional, sendo que a lei ultrapassa a ingênua apreciação formal da
validade, restrita à simplória observância da competência do agente/órgão que a fez surgir,
para então investigar a compatibilidade material entre o texto legal produzido e as regras e
princípios constitucionais.
Assim, de acordo com Dirley:

O neoconstitucionalismo destaca-se, nesse contexto, como uma nova


teoria jurídica a justificar a mudança de paradigma, de Estado Legislativo
de Direito, para Estado Constitucional de Direito, consolidando a passagem
da Lei e do Princípio da Legalidade para a periferia do sistema jurídico e
o trânsito da Constituição e do Princípio da Constitucionalidade para o
centro de todo o sistema, em face do reconhecimento da força normativa
da Constituição, com eficácia jurídica vinculante e obrigatória, dotada de
supremacia material e intensa carga valorativa.

Nessa toada, o exame da validade subdivide-se em uma dupla verificação: a) validade


formal, onde o que se observa é o respeito para com as regras de produção normativa; b)
validade material, pela qual o conteúdo da norma produzida deve harmonizar-se com os valores
subjacentes do texto constitucional.
Por derradeiro, com o neoconstitucionalismo as constituições contemporâneas
ganharam a característica de incorporar opções políticas gerais e específicas em seus textos,
assim como a aglutinarem valores que entendem necessários, tal como a dignidade da pessoa
humana. A existência de valores agregados a um texto constitucional que irradia-se por todo o
ordenamento jurídico que deve com aquele compatibilizar-se substancialmente, sob pena de
imposição de nulidade e consequente extirpação da referida norma do sistema jurídico, faz
sobrelevar a percepção da força normativa dos princípios no cenário constitucional
contemporâneo.

3. A sociedade do risco e o Direito Penal do risco

“¿No son los riesgos tan antigos como la sociedad industrial, posiblemente
incluso tan antiguos como la propia raza humana? ¿No está toda vida
sujeira al riesgo de muerte? ¿No son y no fueron todas las sociedades de
todas las épocas ‘sociedades de riesgo’?”

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A REVISTA DA UNICORP

3.1 O Fenômeno do Risco e a Heurística do Medo na Sociedade: do risco


acidental ao catastrófico

O sociólogo alemão Ülrich Beck, após analisar, nos idos de 80, a sociedade moderna,
bem como debruçar-se sobre os riscos oriundos do acidente da usina nuclear de Chernobyl,
datado de 26 de abril de 1986, observou que a presente sociedade é detentora de uma nova
característica, qual seja: a convivência habitual e rotineira com o risco onipresente, passando,
então, a denominá-la de “sociedade de risco” (Risikogesellschaft) ou, mais hodiernamente, de
“sociedade global do risco” (Sociedad del riesgo global). Segundo o mencionado autor, por
risco deve-se entender que:
son siempre acontecimientos futuros que es posible que se presenten,
que nos amenazan y, puesto que esta amenaza permanente determina
nuestra expectativas, invade nuestras mentes y guía nuestros actos, resulta
uma fuerza política transformadora.

A visão do risco percorreu a humanidade, desde seus primórdios, em seu caminhar em


direção ao progresso técnico-científico e social. No início, o risco era percebido como um
fenômeno externo, acidental, ocasional, nada previsível. Tal momento era caracterizado como a
era do risco acidental, fortuito, imprevisível, desacompanhado de um critério racional, sendo
Deus um verdadeiro gestor dos riscos.
Com o pensamento racionalista galgando uma posição central na produção e
disseminação do conhecimento, a sociedade afasta-se paulatinamente das explicações
teológicas acerca dos eventos incidentes na mesma, buscando fundamentos na ciência. Assim,
o risco passa a ser compreendido como algo que se relaciona com o mundo das incertezas, ou
seja, com o que somente pode ser solucionado com um maior conhecimento atingido
posteriormente. Nesse sentido, o referido fenômeno ultrapassa sua identificação com o viés
acidentário, externo à sociedade e ao conhecimento, para aproximar-se de uma percepção
probabilística, interna à sociedade e passível de compreensão.
Em um momento ulterior, a sociedade se dá conta de que os riscos são inerentes a sua
própria estruturação, assim como que para o seu contínuo desenvolvimento se torna
indispensável o incremento dos mesmos, fato que faz surgir um juízo de ponderação, haja vista
que se aqueles se concretizarem no seio da ordem global estabelecida, a comunidade estaria
sujeita a um colapso sem precedentes, transitando entre destruições localizadas (usinas
nucleares), extinção da espécie humana (armas biológicas e engenharia genética) ou até mesmo
a destruição do planeta (degradação ambiental).
O referido juízo de ponderação deve embasar o processo decisório acerca do que deve
prevalecer: a oportunidade do desenvolvimento ou o risco do dano? Assim, Beck afirma que:

La categoría de la sociedad del riesgo, que tematiza el cuestionamiento de


ideas centrales del contrato de riesgo, como la controlabilidad y
compensabilidad de las inseguridades y peligros provocados por la
industria.

Por seus estudos, Beck notou que o grau de desenvolvimento da sociedade


contemporânea se encontra intrincado com a presença de conflitos institucionais. Tais conflitos
derivaram do desencadeamento dos processos de desenvolvimento, como a globalização, a

95
ENTRE ASPAS

revolução de gênero, o desemprego e, notoriamente, o aprimoramento tecnológico, os quais


trouxeram consigo “riscos” colaterais de magnitudes globais, aptos, até mesmo, de colocar em
dúvida a continuidade da existência da vida humana no planeta, v.g. a degradação da camada
de ozônio, o efeito estufa, a contaminação das águas e do ar por agentes químicos, o
desmatamento das florestas, o lixo tóxico, os incidentes nucleares, a ameaça da utilização de
armas químicas e biológicas, dentre outros.
Nesse sentido, ao passo em que a sociedade contemporânea absorve os ganhos oriundos
desses processos de desenvolvimento e, assim, neles aplica mais e mais técnicas de
desenvolvimento, paradoxalmente, não enxerga os riscos de concreção dos efeitos colaterais
que estes mesmos processos fabricavam.
Dessa forma, Beck classifica a modernidade em duas fases distintas: a) a simples, existente
nos anos do período industrial, particularizada pela busca incessante e irracional do progresso;
e b) a reflexiva, caracterizada pelo instante em que a sociedade observa os paradigmas constantes
nela própria, passando a notar que os processos de desenvolvimento produzem,
simultaneamente, ameaças concretas.
Consonante observa Salo de Carvalho:

na sociedade liberal o risco assumiria a forma de acidente, ou seja,


expressar-se-ia como acontecimento exterior e imprevisto, individual e
repentino. Com a edificação do Estado social e suas políticas de prevenção,
os riscos assumem a figura de acontecimentos estatísticos calculáveis
(probabilísticos). Assim, se o controle no século XIX ocorria post factum,
mediante indenização, no século XX a ideia de resguardo técnico dos
riscos impõe modelo de antecipação do dano via medidas preventivas.

Todavia, François Ost, em sua brilhante obra, O tempo do Direito, adverte que:

entramos numa terceira fase da história do risco – a do risco enorme


(catastrófico), irreversível, pouco ou nada previsível, que frustra as nossas
capacidades de prevenção e de domínio, trazendo desta vez a incerteza ao
coração dos nossos sabedores e dos nossos poderes.

Tais riscos são aqueles maximizados pelas sociedades industriais, velozes, poluidoras
em larga escala, superpovoadas e complexas, que foram criando obstáculos à aplicação do
Direito Penal tradicional.
À noção de “risco” se encontra intrinsecamente interligada a ideia de “medo” ou “temor”,
fruto da reflexividade da incerteza, ou seja, da compreensão social de que a gestão e o
controle dos riscos (incertezas) são passíveis de falhas, assim como a produção de novos
conhecimentos é causadora da geração de novos riscos. Por outro lado, a percepção da
existência de riscos globais, os quais não se contêm sob a fronteira de um só Estado, ante o
momento cosmopolita em que vive-se, incrementa o estado de amedrontamento social.
O ilustre filósofo alemão Hans Jonas, analisando os problemas ético-sociais emergidos
do desenvolvimento tecnológico, constrói uma doutrina filosófica sobre a “heurística do medo”
que serve de fundamentação para uma ética da responsabilidade na civilização tecnológica
hodierna, afirmando a ideia de que “precisamos da ameaça à imagem humana – e de tipos de
ameaça bem determinados – para, com o pavor gerado, afirmarmos uma imagem humana

96
A REVISTA DA UNICORP

autêntica”. Portanto, para o mencionado autor germano, o conhecimento dos valores


indispensáveis, imprescindíveis, sem os quais não se pode identificar o traço característico da
humanidade, surge quando se defronta aquilo do qual se deve proteger, numa nítida relação de
perigo da ausência.
Nessa toada, torna-se imperioso salientar as palavras de Hans Jonas no sentido de que
“por isso, para investigar o que realmente valorizamos, a filosofia moral tem de consultar o
nosso medo antes do nosso desejo”.
A produção e disseminação de pensamentos relativos a uma possível desgraça futura
e sua consequente afetação (in)direta no âmbito do ser humano presente, fundamentos da
heurística do medo jonasiana, estrutura os deveres introdutórios de uma ética da
responsabilidade, haja vista que diante de uma possível consequência de cunho global, deve-
se deixar influenciar mais enfaticamente pelos presságios de desastres em prejuízo daqueles
que apontam para um sucesso, posto que a ausência de fronteiras geográficas e geracionais,
bem como a irreversibilidade são características marcantes da novel comunidade científico-
tecnológica.
Diante disso, a gestão arriscada da totalidade dos interesses alheios não possui
justificação plausível, exceto para a proteção da ocorrência de um mal maior, pois como afirma
Hans Jonas:

Nunca existe uma razão para apostar entre ganhar ou perder tudo; mas
pode ser moralmente justificado, ou até mesmo imperativo, tentar salvar
o inalienável, correndo o perigo de perder tudo na tentativa.

Diante de uma “sociedade do risco” de tendência marcadamente progressista e


desenvolvimentista, bem como ante os conceitos apreendidos pela ética jonasiana da
responsabilidade, emerge a dúvida quanto a quem incumbirá o dever de prevenir que os
referidos riscos (globais) se transformem em acontecimentos desastrosos?

3.2 O Brado Pela Modernização e Expansão do Direito Penal na Sociedade do


Risco.

Ante a drasticidade de seus instrumentos e fundado no suposto temor de sua aplicação


concreta, a sociedade conclama, cada dia mais, o Direito Penal a se imbuir da tarefa de resguardar
os interesses e valores de gerações presentes e futuras, mediante a tipificação das condutas
desarrazoadas e temerosas, bem como a punição dos agentes que potencializam os riscos
existentes.
Assim, a ciência criminal assume uma nova função, qual seja: evitar a efetivação dos
riscos mediante política prevencionista, passando, por conseguinte, a ser rotulado pelos
doutrinadores de “Direito Penal do Risco”, uma das espécies, que ao lado do Direito Penal do
Inimigo, Direito Penal Simbólico, Direito Penal de Velocidades Diferentes, dentre outros, se
convencionou fazer parte de intitulado “Direito Penal Moderno”.
No Brasil, é claramente perceptível que, quando diante de discussões incessantemente
impulsionadas pela mídia, a produção de novos tipos penais se torna algo corriqueiro, sem
maiores debates, conforme se pode depreender da análise realizada por Ripollés.
O Direito Penal moderno, em seu plano formal, é identificado através do incremento dos

97
ENTRE ASPAS

catálogos de figuras delitivas com a introdução de novos tipos penais no Código Penal ou em
leis especiais, e, em segundo lugar, adicionalmente, pela ampliação do âmbito de aplicação e/ou
uma agravação punitiva de alguns tipos tradicionais, fazendo surgir uma utópica ideia de
segurança jurídica através do sistema repressivo.
Portanto, a utilização desenfreada do Direito Penal por parte do legislador se realiza
tendo por fim, prioritariamente, o caráter marcadamente simbólico que o mesmo desponta para
a sociedade, servindo, cotidianamente, como um verdadeiro álibi da atividade comissiva do
Estado, ou seja, o ente estatal vale-se da retratada ciência jurídica repressiva para demonstrar
à população que o mesmo não se encontra insensível aos seus anseios.
Diante disto, conforme aduz François Ost, na busca pela tutela de bens na sociedade de
risco são instituídos novos tipos penais, desempenhando “o efeito de acalmar as reações
emocionais que produzem entre os cidadãos”. Todavia, como muito bem delineia a ilustre
jurista das ciências penais, Maria Auxiliadora Minahim, ocorre que tais fins não são próprios
do Direito Penal. Tal entendimento é o posicionamento majoritário da doutrina criminal pátria
hodierna.
Como Direito Penal tradicional há de se compreender aquele fomentado sob a égide do
Estado liberal, absenteísta, não-intervencionista, direcionado para solucionar os conflitos
individuais e refrear a violência punitiva do Estado, baseado no princípio da intervenção penal
mínima cujo entendimento implicaria em vislumbrar o direito penal como ultima ratio legis,
estando excluídas da esfera de repressão “quaisquer condutas de potencialidade lesiva ínfima
ou conflitos que pudessem ser resolvidos por outras esferas do controle social informal ou
formal não-penal”.
Em idêntico sentido, Luiz Flávio Gomes ressalta o caráter do Direito Penal liberal como
protetor dos direitos fundamentais da pessoa humana e limitador do poder punitivo.
Como muito bem delineia doutrinariamente Rogério Maia Garcia, os proclamados riscos
modernos, enormes ou catastróficos recaem, de maneira generalizada, nos campos onde se
perpassa a modernização da vida, v.g. a globalização econômica e cultural, o meio ambiente, a
ordem econômica interna, os sistemas de informações, a tecnologia nuclear, a biogenética,
dentre inúmeros outros.
Desta forma, torna-se perceptível que em uma “sociedade mundial do risco” o temor a
um acontecimento catastrófico é sentimento inerente à própria sociedade, fazendo com que a
mesma potencialize sua sensação de insegurança e renove o brado pela utilização do Direito
Penal (que se apoiará, enfaticamente, nos tipos penais de perigo abstrato e nas normas penais
em branco) como único capaz de solucionar as ameaças eventuais e futuras. Assim, a expansão
do Direito Penal se dá para além dos conflitos individuais, abarcando, agora, os bens supra
individuais, ameaçados pelos novos riscos.
De acordo com as lições de Hassemer, citado por Gracia Martín, o Direito Penal do Risco
é um primeiro âmbito do Direito Penal moderno, entendido como “conseqüência do modo
político pelo qual o Estado do presente resolve afrontar os conflitos sociais característicos da
dinâmica da sociedade moderna”.
Investigando as causas de expansão do direito penal, pode-se elencar, assim como fez
Jesús-María Silva Sánchez, apenas de modo enunciativo, como exemplos: a) a aparição de
novos interesses como bens jurídicos merecedores de proteção ante a conformação ou
generalização de novas realidades (v.g. instituições econômicas de crédito) ou a escassez de
bens pertencentes à realidade atual (meio-ambiente); b) a efetiva aparição de novos riscos
decorrentes da possibilidade de falha nas decisões humanas acerca avanços técnicos

98
A REVISTA DA UNICORP

(ciberdelinquência); c) a institucionalização da insegurança (objetiva), tendo em vista que os


meios técnicos empregados e a utilização de substâncias são geradores de efeitos nocivos
ainda não conhecidos; d) a sensação (subjetiva) social de insegurança, por meio de uma
insegurança sentida, cada vez mais difundida pela reiteração e dramatização mórbida fruto dos
meios de comunicação, fazendo com que um só fato se multiplique em variadas catástrofes na
mente dos telespectadores; e) a configuração de uma sociedade de “sujeitos passivos”, oriundos
do Estado de Bem-Estar Social, a eliminação de espaços de risco permitido e o incremento de
infrações de deveres de cuidados; f) a identificação da maioria social para com a vítima do
delito ante a troca na concepção do ius puniendi (“de la espada del Estado contra el devalido
delincuente” para “la espada de la sociedad contra la delincuencia de los poderosos”) e do
ius poenale (da Magna Carta do delinquente para a Magna carta da vítima); g) o descrédito de
outras instâncias de proteção; h) a introdução de gestores atípicos da moral (ecologistas,
feministas, consumidores) na sociedade, os quais buscam a ampliação da proteção do seus
respectivos âmbitos de interesses; i) a atitude da esquerda política e; j) o generalismo,
consequência da visão dos modelos de justiça negociada acerca do direito Penal, entendendo-
o como um mecanismo eficiente de gestão de determinados problemas.
Assim, o Direito Penal do Risco pode ser entendido como uma espécie do moderno
direito penal, tendo por finalidade última proteger determinados bens jurídicos tidos por
essenciais na sociedade hodierna, por meio do controle, prevenção e gestão de riscos gerais
oriundos do desenvolvimento técnico-científico, geradores de insegurança (objetiva e subjetiva),
potencialmente causadores de danos catastróficos e provavelmente irreversíveis.

3.3. O Direito Penal do Risco e Sua Forma de Manifestação: tipos penais de


perigo abstrato e normas penais em branco.

É precisa a lição de Hassemer ao concluir que o tipo penal de perigo abstrato é o modelo
formal dos delitos da modernidade, ante seu caráter preventivo, bastando a mera probabilidade
(ou em certos casos, a possibilidade) da sua ocorrência, ainda que abstrata. Entendimento que
também é compartilhado por Fernandes, Kaufmann e por Naucke, esses dois últimos salientam
que o próprio Direito Penal é eminentemente preventivo, traço marcadamente característico de
um Direito Penal racional e moderno.
A prevalência da função preventiva no Direito Penal vem se afirmando, paulatinamente,
desde Feuerbach e sua “Teoria da Coação Psicológica”, sendo que, nos dias atuais, se demonstra
como a doutrina de maior enfoque, especialmente em razão da decadência da ideia de
ressocialização do criminoso, posto que se se encontra pacífica a ilegitimidade da punição sob
o argumento da conversão do pecador em religioso, ao menos seria possível, na visão dos
expansionistas, permitir o argumento da prevenção do pecado pela dissuasão da ameaça do
castigo.
Segundo definição do brilhante mestre alemão Claus Roxin, delitos de perigo abstrato
são “aqueles em que se castiga a conduta tipicamente perigosa como tal, sem que no caso
concreto tenha ocorrido um resultado de exposição a perigo”.
De igual maestria é a conceituação elaborada por Blanca Mendoza Buergo, segundo a
qual:
Los delitos de peligro abstracto castigan la puesta en prática de uma
conducta reputada generalmente peligrosa, sin necessidad de que haga

99
ENTRE ASPAS

efectivo un peligro para el bien jurídico protegido. En ellos se determina


la peligrosidad de la conduta típica a través de uma generalización legal
basada en la consideración de que determinados comportamientos son
tipicamente o generalmente para el objeto típico y, em definitiva, para el
bien jurídico. Así, al considerar que la peligrosidad de la acción típica no
es elemento del tipo sino simplemente razón o motivo de la existência del
precepto, se concluye que no solo no es necesario probar si se há
producido o no en el caso concreto uma puesta em peligro, sino ni siquiera
confirmar tal peligrosidad general de la conducta en el caso individual, ya
que el peligro viene deducido a través de parâmetros de peligrosidad
preestablecidos de modo general por el legislador..

Ademais, é mister afirmar que muito da diferença entre os delitos de perigo abstrato e
concreto no direito brasileiro se demonstra diluída quando verificada a perspectiva básica
sobre a qual se busca a definição dos conceitos de ambas as espécies de crimes. Como elucida
Luis Greco, tratando-se do perigo concreto numa perspectiva ex post, leva-se em consideração
“todas as circunstâncias reais, mesmo as que somente conhecidas e cognoscíveis após a
realização do fato”, doutrina essa uníssona na Alemanha, ao passo que na doutrina italiana e
brasileira adota-se, majoritariamente, uma perspectiva ex ante, ou seja, leva-se em consideração
“unicamente as circunstâncias conhecidas e cognoscíveis no momento da prática do fato”,
conceito esse de âmbito mais elástico do que o primeiro (ex post), compreendendo, inclusive,
“grande parte daquilo que os alemães chamam de perigo abstrato”.
Por outro lado, para a explicação do que vem a ser perigo concreto a doutrina apresenta
duas propostas, consonante o escol de Greco abaixo transcrito:

Uma, de matriz ontológico, proposta sobretudo por Horn e que acabou


por encontrar pouquíssimos seguidores, afirma existir perigo concreto
quando a não-ocorrência do resultado não é cientificamente explicável,
através de uma lei natural. Segundo Horn, se não fosse possível afirmar
em razão de qual lei natural o resultado danoso deixou de ocorrer, se as
leis naturais de que dispomos levassem-nos a diagnosticar a ocorrência de
um resultado o qual, na verdade, não se sucedeu, então estaríamos diante
de uma verdadeira situação de perigo concreto. Já a segunda concepção,
de caráter normativo, rechaça a possibilidade de que se possa recorrer a
dados ônticos, inerentes ao mundo do ser, para definir quando há perigo
concreto. Para este conceito normativo de perigo, na formulação que ele
recebe de Schünemann, estaremos diante de um perigo concreto somente
quando não se pudesse ter confiado na não-ocorrência do resultado.
Noutras palavras: o bem jurídico terá passado por perigo concreto quando
a inocorrência da lesão parece mera obra do acaso, quando um homem
racional não pudesse contar com um final feliz para os acontecimentos.
[...] É este o conceito de perigo concreto hoje majoritário.

Assim, é manifestamente perceptível que para a prevenção dos riscos existentes na


sociedade moderna se empregou a técnica da utilização dos tipos penais de perigo abstrato,
posto que os mesmos permitem uma antecipação da punição frente a possível ocorrência de
um evento danoso, fazendo com que o Direito Penal, ao se retirar do status da subsidiariedade
para alçar-se ao patamar da prima ratio, funcione como verdadeiro gestor dos riscos, haja

100
A REVISTA DA UNICORP

vista que aqui, para prevenir, é necessário presumir o dano, independentemente da ocorrência
fática de sua lesão ou perigo de lesão.
Sob outro ângulo, convém frisar ainda, em que pese o presente trabalho não ter por
objeto a análise dos bens jurídicos “pseudocoletivos” (meramente aparentes), que o conceito
de bens jurídicos coletivos, os quais se valem, em geral, da técnica da abstração do perigo com
fito na incriminação de condutas, vem, há muito, sendo passível de críticas pela doutrina
nacional (Luís Greco) e estrangeira (Roxin, Schünemann, Hefendehl e Amelung), sendo que
surgem, paulatinamente, vozes defensoras de uma decomposição dos mesmos em bens jurídicos
individuais (v.g. a desconstrução dos bens jurídicos paz pública, incolumidade pública, saúde
pública, segurança no trânsito, relações de consumo entre outros, por serem mera soma de
bens jurídicos individuais).
Neste contexto, assumem relevância, também, as chamadas normas penais em branco,
haja vista a flexibilidade inerente às mesmas, alterando-se conforme as vicissitudes que sofrem
os acontecimentos aos quais se referem ou a ocorrência dos riscos a que pretendem proteger,
o que ressalta seu caráter histórico e, portanto, tendente a seguir os movimentos político e
temporal.
As normas penais em branco encontram sua razão de ser na indeterminação/
incompletude do tipo legal, o qual não se demonstra devidamente minudenciado em seus
corolários elementos.
O Direito Penal do Risco atua, precipuamente, como inibidor de condutas consideradas
perigosas em si mesmas, mesmo que não se chegue a expor o bem jurídico a um perigo próximo,
iminente ou concreto. Assim também, para a sua eficiência, se faz necessário que a tipicidade
acompanhe a velocidade dos dias (riscos) atuais, sendo, portanto, imprescindível, que a
definição do comportamento criminalmente temeroso seja passível de mudança célere e
adequada com a proposta preventiva dos possíveis danos oriundos de uma característica
desenvolvimentista da presente sociedade técnico-científica.

4. A ilegitimidade do Direito Penal do Risco no estado democrático de Direito


brasileiro

“o jurista – especialmente aquele especializado nas questões penais –


comprometido com a consolidação do Estado Democrático de Direito
não pode transigir com a violação dos direitos fundamentais. Pelo contrario,
deverão tais direitos funcionar como limite ao poder de punição do
Estado.”

A adoção do Direito Penal como protetor dos bens jurídicos supraindividuais, a exemplo
das Leis nºs 6.453/77 (atividades nucleares), 8.137/90 (ordem tributária, econômica e relações
de consumo), 9.605/98 (meio ambiente), 11.105/2005 (biosegurança) e da Lei nº 12.735/2012
(informática) demonstra a opção do legislador pátrio pelo emprego do denominado Direito
Penal do Risco no exercício da política criminal nacional.
Por outro lado, o caráter expansionista desse moderno direito, o qual se vale,
notoriamente, de normas penais em branco, tipos penais de perigo abstrato e uma atuação
prima ratio do Direito Penal tende a confrontar-se com os princípios penais, de índole garantista,
insculpidos na Constituição Federal.

101
ENTRE ASPAS

A opção do Estado Brasileiro pela inclusão do sistema de garantias penais fundamentais


no bojo da Carta Magna de 1988 faz insurgir desconfiança acerca da compatibilidade do Direito
Penal do Risco no seio do ordenamento jurídico pátrio, posto embater-se, em decorrência de
suas particularidades, com os nortes do princípio da legalidade – pelo desrespeito à taxatividade
ante a adoção de normas penais em branco – assim como dos princípios da lesividade e
exclusiva proteção dos bens jurídicos, tendo em vista o emprego dos tipos penais de perigo
abstrato, dentre outros importantes princípios.
Assim, é por demais corolário afirmar que os princípios penais fundamentais insculpidos
expressa ou tacitamente no texto constitucional fazem parte do núcleo imprescindível da
estrutura orgânica do Estado Democrático de Direito Brasileiro, atuando como fonte irradiadora
não só de uma política criminal, como também de todo sistema jurídico pátrio, fazendo com que
qualquer legislação deva ter com os mesmos uma relação de conformidade.

4.1. Tipos Penais de Perigo Abstrato e o Princípio da Lesividade

Os delitos de perigo abstrato, também denominados de crimes de perigo presumido, os


quais são doutrinariamente contrapostos aos crimes de perigo concreto, são,
contemporaneamente, produzidos em larga escala como uma fórmula político-criminal de domínio
da criminalidade não-convencional, ou seja, como verdadeira fonte de criminalização. Em suma
maioria, são tipos em que o agente simplesmente viola o imperativo da norma, não fazendo
aquilo que deve, non facere quod debetur.
Desse modo, nos referidos delitos a pena é aplicada como medida de repreensão à mera
violação da lei, e não a exposição do bem jurídico tutelado a uma violência efetiva ou mesmo
uma ameaça concreta, assim como o tipo é estabelecido tendo por fundamento a prevenção da
realização dos riscos.
É nesse sentido, ainda, que Leandro Gornicki Nunes afirma se tratar, os delitos de
perigo abstrato, de:

Uma opção político-criminal a favor do adiantamento de barreiras de


proteção social (Vorfeldkriminalisierung) [...] Justificam-se os adeptos
dessa política criminal afirmando que a intervenção penal precoce (anterior
a colocação concreta em perigo dos bens jurídicos) decorre das regras de
experiência, que permitem afirmar a periculosidade típica de alguns
comportamentos, ainda que não exista qualquer desvalor de resultado,
bastando o desvalor de ação.

Data máxima venia, é clarividente a afronta do Direito Penal do Risco ao princípio da


intervenção mínima e, especialmente, da lesividade do fato, no que tange a utilização dos tipos
penais de perigo abstrato sem qualquer discriminação pelo legislador pátrio como fonte de uma
política criminal, em virtude de romper com a necessidade da antijuridicidade material para se
incriminar uma conduta humana, apoiando-se, exclusivamente, em uma presunção de perigo.
É mister salientar que essa nova forma de produzir a ciência criminal conduz a uma
demasiada antecipação do fenômeno criminal, geralmente através da eleição de bens jurídicos
vagos, incapazes de cumprir a função crítica que lhe é reconhecida. Neste ponto, abre-se uma
porta para a criminalização de opções morais, políticas ou sociais, e, portanto, configura-se um

102
A REVISTA DA UNICORP

retrocesso do Direito Penal, eis que esse modo de pensar leva em conta apenas o desvalor de
ação, ficando a antijuridicidade com uma configuração puramente estética em relação ao
conceito.
Com efeito, é pertinente a brilhante lição dos professores Juan Bustos Ramírez e Hermán
Malarée, os quais advertem que:

antes de la promulgación de uma ley penal es necesario establecer


previamente cuáles serán las consecuencias sociales que pueda producir
la incriminación del comportamiento. En efecto, toda la política, y por
eso también la política criminal, produce consecuencias sociales. Algunas
de estas consecuencias, evidentemente las que son beneficiosas, son
buscadas, pero a veces una misma política produce otras consecuencias
que no son buscadas y que son prejudiciales.

Isso permite afirmar que as consequências da utilização de fatos puníveis de perigo


abstrato podem ser danosas socialmente, eis que tal política estabelece um maior controle
social e, igualmente, uma desintegração social. Os efeitos dessa política criminal são, sem
dúvida, elementos indispensáveis para o estabelecimento de regimes de exceção.
O ponto crucial de tal embate resulta na utilização dos tipos penais de perigo abstrato
como fonte de criminalização, ou seja, como método de exteriorização e concretização da política
criminal na sociedade do risco. O Direito Penal deixa de ter como finalidade precípua a proteção
dos bens jurídico para servir como garantidor da política estatal de prevenção de risco.
Todavia, não está o Direito Penal legitimado a impor padrões de conduta às pessoas
apenas porque é mais conveniente, ou adequado; o objeto de proteção é o bem jurídico; o que
se aspira a evitar é a conduta que implica dano relevante a este bem jurídico. A norma penal não
pode ser utilizada como fonte educadora ab initio, como prima ratio ou como meio coativo de
produção do costume. Para tanto, outros ramos do Direito nasceram e se firmaram para cumprir
tais funções.
A violação ao princípio da lesividade, da intervenção penal mínima e da exclusiva
proteção dos bens jurídicos, por parte do Direito Penal do Risco, é escancarada, em decorrência
da punibilidade de ações de per si, da utilização da lei penal como primeira (e única) razão, bem
como pela abstinência do conceito material de bem-jurídico e antijuridicidade.
Por derradeiro, incumbe salientar que não se está falando aqui de uma
inconstitucionalidade in tontum dos bens jurídicos protegidos por meio da fórmula dos crimes
de perigo abstrato, haja vista que o problema não reside, em última análise, no bem jurídico
protegido (salvo se se trata dos pseudocoletivos ou aparentemente coletivos), mas sim como
proteger, por se estar diante de uma crítica voltada à estrutura do delito (deliktstruktur).
A possibilidade de proteção de bens jurídicos pode-se efetivar pelas mais diversas
modalidades de estruturação do delito, seja crime de lesão, perigo concreto ou perigo abstrato.
Nesse sentido, convém ressaltar o exemplo trazido por Luís Greco:

É neste “como”, na questão da estrutura do delito, que devemos examinar


a problemática do crime de perigo abstrato. Explicitemos a questão através
de um exemplo, a saber, o bem jurídico individual vida. Aqui, a primeira
pergunta, quanto à existência de bem jurídico, se responde facilmente em
sentido afirmativo, porque a vida é elemento necessário para a realização

103
ENTRE ASPAS

pessoal, subsumindo-se, portanto, à definição acima proposta. A segunda


ordem de considerações diz respeito à estrutura dos delitos que protegem
a vida. Esta proteção pode ser efetivada através de delitos de lesão: o
homicídio culposo e o homicídio doloso, sem falar em várias outros
crimes em que a destruição da vida figura como qualificadora (lesão
corporal seguida de morte, estupro com resultado morte). Outra estrutura
de proteção é a dos delitos de perigo concreto: a vida é protegida através
desta estrutura nos crimes de perigo para a vida ou saúde de outrem (art.
132, CP), no abandono de incapaz (art. 133), no incêndio (art. 250).
Aqui, é necessário que, de uma perspectiva ex post, resulte efetivamente
uma situação de fragilidade para o bem jurídico tutelado, que só se salva
por obra do acaso. Por fim, o bem jurídico vida pode ser protegido
também contra através de crimes de perigo abstrato: por ex., o legislador
proíbe a rixa (art. 137) não só no interesse da incolumidade pública,
como, principalmente, porque essa conduta pode provocar mortes.

Nesse sentido, o verdadeiro trabalho esta em identificar e distinguir os crimes de perigo


abstrato legítimos dos ilegítimos, da mesma forma como ocorre com os bens jurídicos coletivos
reais e aparentes, trabalho que vem sendo desenvolvido continuamente na Europa e que ainda
não culminou no delineamento dos critérios específicos para a constatação da mencionada
legitimidade.
Assim sendo, o que se questiona é profusão progressiva dos delitos de perigo abstrato
(e dos bens jurídicos coletivos), sem o estabelecimento de qualquer critério legitimador, como
fonte de uma política criminal que tende a transformar o Direito Penal em um gestor dos riscos
modernos e educador social, afastando o mencionado ramo jurídico de sua função mais
importante: a proteção dos bens jurídicos.
Assim como asseveram Cornelius Prittwitz, Pablo Alflen da Silva e Rogério Maia Garcia,
não caberia ao Direito Penal, ainda que numa sociedade do risco, incumbir-se da tarefa de ser
o principal refreador das ameaças a que a retratada sociedade moderna se encontra submersa,
devendo-se conferir a outros ramos do direito a tarefa de tutelar tais fenômenos.

4.2. Normas Penais em Branco e o Princípio da Legalidade (Taxatividade)

Assim como os tipos penais de perigo abstrato, a utilização das normas penais em
branco é uma das características do Direito Penal do Risco.
Segundo Pablo Rodrigo Alflen da Silva, “nesta hipótese o ato legislativo
estabelece a sanção de modo preciso, mas deixa o conteúdo totalmente sem especificação,
pois cede a formulação do tipo”.
E arrematando, elucida o jovem professor que:

Os problemas resultantes da moderna sociedade do risco, tendem à fazer


com que se amplie cada vez mais o emprego desta técnica, ao mesmo
tempo em que objetivam a redução das garantias jurídico-penais. Assim,
se se toma como horizonte de projeção a própria afirmação de Binding de
que ‘a lei penal temporariamente como um corpo errante procura sua

104
A REVISTA DA UNICORP

alma’, tem-se que a lei penal dispõe o preceito, mas o faz de modo
genérico, sendo que remete à outro dispositivo para precisá-lo, e isso
devido à exigência do postulado de lex certa. Portanto, pode-se considerar
as leis penais em branco como aquelas leis penais que fixam a cominação
penal, mas descrevem o conteúdo da matéria de proibição de modo genérico
(o branco), remetendo expressa ou tacitamente à outros dispositivos de
lei (remissão interna ou externa) ou emanados de órgãos de categoria
inferior, para precisá-lo.

Neste caso, a extravagância da utilização das normas penais em branco pela política
criminal se traduz em verdadeira afronta ao princípio garantista da legalidade, observado sob o
enfoque da taxatividade (lex certa), posto que a certeza da descrição do comportamento típico
resta adstrito a fatos históricos.
Outro importante questionamento há se fazer no denominado Direito Penal do Risco
reside na constitucionalidade da utilização das normas penais em branco heterogêneas e a
privatividade da competência legislativa em razão da matéria penal.
Ademais, resta salientar que a ideia de um Direito Penal certo, descritivo, taxativo,
minudenciado e cauteloso é diametralmente oposta a um Direito Penal flexível, simultâneo,
aberto e impulsivo, sendo esse último o que se vale de conceitos jurídicos indeterminados e
superficiais, bem como dos elementos normativos do tipo, com fito em abranger as mais variadas
condutas e tornar-se adaptável aos riscos atuais e futuros.
Como já se pode perceber, a fungibilidade na descrição da norma penal é elemento
caracterizador de um Estado de emergência, em razão de que neste, os indivíduos não detêm
um abalizado conhecimento acerca das condutas proibidas pelo legislador, haja vista a
mobilidade de seus conceitos.
Ainda, a ideia prevencionista resta desarticulada, tendo em vista que se é a certeza da
norma que, em primeira análise, traz o suposto temor, é, por óbvio, que a não completude da
mesma desaguará na não reverência dos cidadãos.
Assim, tem-se que o Direito Penal do Risco serve muito mais como instrumento de
manipulação social com a correspondente quebra de variadas garantias constitucionais penais
fundamentais à pessoa humana.
A simbologia inerente ao Direito Penal do Risco demarca um Direito Penal imediato e
prima ratio, trazendo para seu bojo condutas antes resolvidas à sua margem, fomentando, a
cada dia, a sua tendência expansionista, fazendo com que, paradoxalmente, a norma careça de
efetividade.
Nesse ínterim, é mister trazer à baila a lição do pundonoroso mestre italiano Luigi
Ferrajoli, ao comparar as normas penais em branco à uma espécie de caixa vazia preenchível de
volta a volta com conteúdos muito arbitrários.
A necessidade de flexibilização das garantias penais fundamentais petrificadas no bojo
da Constituição Federal de 1988 indica a incompatibilidade existente entre o denominado Direito
Penal do Risco e o Estado Democrático de Direito Brasileiro. A utilização do Direito Penal com
um caráter expansionista e político, bem como a imprescindibilidade da elaboração de normas
sem a observância restrita do princípio da lesividade do fato e taxatividade reitera o confronto
entre um Direito Penal Repressor e um Direito Penal Garantidor, sendo este último a opção,
inequívoca, do constituinte pátrio.

105
ENTRE ASPAS

5. Considerações finais

A transmutação do Estado Liberal para o Estado Social não restou adstrita ao campo da
política e economia, fazendo-se refletir suas consequências sobre as normas jurídicas,
especialmente no campo das ciências criminais, adotando-se uma nova postura de
enfrentamento ao crime não só na dogmática, quanto na política criminal.
A pulsão social pelo progresso técnico-científico fez surgir uma demanda crescente
pelo desenvolvimento social, gerador, em contrapartida, de riscos que se demonstram cada vez
mais de ordem global, incidindo-se, inclusive, sob a ética moderna mediante o estabelecimento
de uma heurística do medo.
O Direito Penal, assim, passou a ser visto, prima facie, como instrumento adequado
para a prevenção da ocorrência dos danos catastróficos possivelmente gerados pela
modernidade. Para tanto, a política criminal vem alocando a técnica da criminalização como
fonte de assegurar socialmente a não ocorrência dos riscos temidos. Tal engenho vem se
externando pela contínua e exponencial utilização da fórmula dos crimes de perigo abstrato e
dos tipos penais em branco, fato esse que não se coaduna com o arcabouço garantista previsto
de modo explícito ou implícito no seio da Constituição de 1988.
Por consequência das características sinteticamente descritas no decorrer do presente
artigo, constata-se a precariedade da legitimidade do denominado Direito Penal do Risco para
servir de fundamento de uma política criminal no Estado Democrático de Direito Brasileiro, uma
vez que os problemas resultantes da sua utilização tendem a fazer com que se reduzam as
garantias jurídico-penais existentes na Constituição, assoreando o núcleo principiológico penal
fundamental constitucional.
Por outro lado, o direcionamento do Direito Penal na sociedade moderna, levado a
efeito por meio de uma política criminal expansionista e preventiva, induz que o referido ramo
do direito perca muito de sua função precípua (proteção de bens jurídicos) para voltar seu
atuar como verdadeiro gestor dos riscos, saindo de sua posição de ultima ratio para desenvolver
a função de ator principal (prima ratio) no combate puramente simbólico à ocorrência de tais
riscos, atividade essa incompatível com aquela estabelecida no seio constitucional.
É inegável que os riscos que a sociedade moderna apresenta são, como afirmado alhures,
possivelmente geradores de danos de ordem catastróficos, sendo indispensável que as
prováveis condutas que possam realizá-los ou concretizá-los tenham regulação preventiva
específica, buscando a sua não ocorrência ou a diminuição dos prejuízos futuros. Todavia, a
sistemática fundacional do Direito Penal pátrio vigente, de cunho eminentemente liberal e
voltado à proteção do cidadão, não permite que o mesmo funcione com o principal objetivo de
exercer, simbolicamente, a administração ou a educação, gerindo os riscos ou estabelecendo
consciência cultural, respectivamente, para aplacar a sensação de insegurança sentida
(subjetiva) da comunidade, sendo que tais atividades devem ser consequências acessórias,
paralelas à principal: proteção de bens jurídicos.
Diante dessa perspectiva e assumindo que tais fins fogem do horizonte do Direito Penal
liberal que se demonstra estabelecido constitucionalmente, torna-se clarividente a
impossibilidade da adoção do discurso do Direito Penal do Risco no âmbito de proteção do
Direito Penal estabelecido no Estado Democrático de Direito brasileiro, sendo que, a partir
desse pressuposto, é possível aceitar o debate acerca de um “Direito de Intervenção”, como
uma terceira via na busca pela gestão e administração desses riscos, posto que enquanto a
reposta (prevenção) estatal poderia se demonstrar mais adequada e equilibrada, as garantias

106
A REVISTA DA UNICORP

conquistadas permaneceriam intactas ao cidadão. De resto seria querer que o analgésico


controlasse a infecção e que o hoje dispusesse eficazmente das todas as soluções para os
problemas que o amanhã apresentará.

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109
ENTRE ASPAS

O DIREITO AO ESQUECIMENTO NO BRASIL

Danilo Arthur de Oliva Nunes


Bacharel em Direito pela Universidade Salvador – UNIFACS
Especialista em Direito Civil pela Universidade Salvador – UNIFACS
Assessor de Desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia
Rua Edith Mendes da Gama e Abreu, n. 445, apt. 1202, Itaigara, Salvador-BA
(71) 3351-8845 / (71) 3372-5591 / (71) 98840-2109
dartnunes@gmail.com

Resumo: O presente trabalho versa acerca do direito ao esquecimento no Brasil, enquanto


desdobramento dos direitos da personalidade e como meio de efetivação do princípio da
dignidade humana. Após as atrocidades cometidas na Segunda Guerra Mundial, os direitos da
personalidade ganharam um maior destaque no ordenamento jurídico brasileiro – intensificou-
se a preocupação em proteger os elementos mais íntimos da pessoa, a sua integridade física,
moral e intelectual. Como cediço, o rol dos direitos personalíssimos não é taxativo, uma vez que
novos direitos podem ser criados para tutelar determinados aspectos da personalidade humana.
É neste contexto que se inicia a discussão sobre o direito de ser esquecido, resultado da
dinâmica social e que, assim como os demais direitos da personalidade, seria vitalício,
imprescritível, irrenunciável e absoluto. A teoria do direito ao esquecimento, que já vem sendo,
há muito tempo, debatida em outros países, sobretudo da Europa e os Estados Unidos,
recentemente passou a ser aplicada no Brasil. A partir da análise jurisprudencial e doutrinária,
vislumbra-se o processo de consolidação do direito ao esquecimento no país, garantindo o
direito da pessoa em não ser estigmatizada por fatos ocorridos no passado, já superados, e que
não mais possuam relevância pública.

Palavras-Chave: Direitos da Personalidade. Direito ao Esquecimento. Brasil.

1 Introdução

É indiscutível que, após o advento da Segunda Guerra Mundial, diante das brutalidades
cometidas contra a pessoa, inúmeros países passaram a adotar medidas mais eficazes para a
proteção da personalidade humana. No Brasil, como reflexo do desenvolvimento da teoria dos
direitos da personalidade, vislumbra-se a Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de
2002, que tutelam especificamente a honra, a imagem, a privacidade, o nome, dentre outros
aspectos da pessoa.
Contudo, há alguns anos, passou-se a discutir em âmbito doutrinário e, mais
recentemente, jurisprudencial, a existência de um novo direito da personalidade: o direito de

110
A REVISTA DA UNICORP

ser esquecido. Poderia um ex-presidiário, que já cumpriu a pena e considera-se socialmente


recuperado, exigir que o seu passado criminoso não seja rememorado pelas pessoas? E uma
antiga garota de programa, que mudou de profissão, casou-se, teve filhos e quer esquecer sua
vida pregressa? Qual a abrangência deste direito? Existe esquecimento na Internet?
São muitas as indagações em torno do tema e o direito ainda está longe de pacificar o
entendimento acerca de todas. Entretanto, recentes julgamentos proferidos no cenário nacional
já demonstram a tendência do ordenamento jurídico brasileiro e já servem como parâmetro para
a consolidação da teoria do esquecimento no país.
No presente artigo, realizar-se-á um estudo sobre os direitos da personalidade, suas
características e classificação, destacando alguns direitos em espécies, que visam proteger a
integridade moral do indivíduo. Após, será feita uma abordagem sobre o direito ao esquecimento,
traçando um panorama geral sobre a sua evolução no mundo, bem como o seu reconhecimento
e aplicação no Brasil.
Neste ponto, serão apresentados dois julgados proferidos pelo Superior Tribunal de
Justiça – o REsp n. 1.335.153/RJ, conhecido como o Caso Aída Curi, e o REsp n. 1.334.097/RJ,
o caso da Chacina da Candelária – destacando a comoção social dos casos, a relevância
pública e a aplicação, em cada um, do direito ao esquecimento. Além disso, serão apontadas
algumas disposições legais, que favorecem o esquecimento da pessoa, e será discutido o
Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil, que é um marco doutrinário do direito de ser
esquecido.
A pesquisa em tela não pretende exaurir o tema, mas apenas contribuir para o estudo da
teoria direito ao esquecimento, enquanto meio de realização do princípio da dignidade da
pessoa humana.

2 Direitos da personalidade

Os direitos da personalidade podem ser definidos como os direitos mais íntimos da


pessoa, decorrentes da sua própria existência enquanto ser humano, que se visam tutelar
atributos físicos, morais e psíquicos do indivíduo e refletem a efetivação do princípio da
dignidade.
Flávio Tartuce ensina que os direitos da personalidade representam os direitos mais
íntimos e fundamentais da pessoa humana, qualidades que se agregam ao sujeito e que são
próprios de sua existência. (TARTUCE, 2012). Do mesmo modo, Cristiano Chaves de Farias e
Nelson Rosenvald quando asseveram que “são os direitos essenciais ao desenvolvimento da
pessoa humana, em que se convertem as projeções físicas, psíquicas e intelectuais do seu
titular, individualizando-o de modo a lhe emprestar segura e avançada tutela juridical”. (FARIAS,
ROSENVALD, 2013, p. 177).
Demais disso, o Enunciado de número 274, da IV Jornada de Direito Civil, define que os
direitos da personalidade são “expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana,
contida no art. 1º, III, da Constituição” e estabelece, em sua segunda parte, que “em caso de
colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica de
ponderação”.
Por outro lado, percebe-se que diversos direitos fundamentais são enquadrados, ao
mesmo tempo, como direitos da personalidade – a diferença da nomenclatura existe apenas, e
exclusivamente, em função do modo como foram positivados no ordenamento. Assim, a título

111
ENTRE ASPAS

de exemplo, o direito à privacidade, enquanto disposto no Código Civil (art. 21) e na Constituição
Federal (art. 5º, X), é um direito da personalidade e um direito fundamental.
A teoria dos direitos da personalidade se desenvolveu, sobretudo, após o advento da
Segunda Guerra Mundial, como reflexo das atrocidades cometidas pelos nazistas contra a
dignidade da pessoa – neste cenário foi editada em 1948, pela ONU, a Declaração Universal
dos Direitos do Homem. Contudo, o interesse em proteger a personalidade humana já existia há
muito tempo, a exemplo da Carta Magna da Inglaterra promulgada em 1215.
Outrossim, no que concerne às suas características, os direitos personalíssimos são,
por natureza, extrapatrimoniais, absolutos, gerais, vitalícios, indisponíveis, imprescritíveis e
impenhoráveis.

2.1 Classificação

O rol de direitos da personalidade não pode ser taxativo e imutável, pois existe a
necessidade de, ao longo do tempo, acompanhar as mudanças do pensamento social. Não
surpreenderia se, no futuro, alguns dos valores fundamentais de hoje se tornassem menos
importantes, ao passo que outros, até então sequer discutidos, ganhassem força a ponto de
merecer uma proteção especial.
No tocante à classificação dos direitos personalíssimos, adota-se o critério de corpo /
mente / espírito, utilizado por muitos doutrinadores, tais como Cristiano Chaves de Farias,
Nelson Rosenvald, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho. As espécies de direitos da
personalidade, por esta óptica, são reunidas a partir da finalidade da proteção: integridade
física (exemplos: direito à saúde, ao corpo, à voz); integridade intelectual (exemplos: direito à
liberdade religiosa e à liberdade de expressão, direitos de autoria); integridade moral (exemplos:
direito à honra, à imagem, à privacidade, ao nome).
O direito ao esquecimento, objeto deste estudo, enquadra-se no aspecto moral de
proteção da personalidade. Antes de adentrar no tema, propriamente dito, faz-se necessário
tecer breves considerações acerca de outros direitos da pessoa.

2.1.1 Direito à Vida

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966, em seu artigo 6º, estabelece
que: “o direito à vida é inerente à pessoa humana. Esse direito deverá ser protegido pela lei.
Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida”.
Na visão do constitucionalista Dirley da Cunha Júnior, “o direito à vida é o direito
legítimo de defender a própria existência e de existir com dignidade, salvo de qualquer violação,
tortura ou tratamento desumano ou degradante”. Seria, deste modo, o maior dos direitos
fundamentais, condição sine qua non para que sejam exercidos os demais direitos. (CUNHA
JÚNIOR, 2011, p. 675-676).
Em outro aspecto, Arnaldo Rizzardo conceitua o direito à vida, como sendo o mais
primário dos direitos, “pressuposto ontológico de todas as aspirações, da existência e finalidade
do próprio Estado”. O autor aduz, ainda, que do direito à vida se originam vários outros, como
por exemplo o direito à saúde, à segurança, à moradia e ao sustento. (RIZZARDO, 2011).
Logo, entende-se o direito à vida como um direito maior, que é próprio da existência

112
A REVISTA DA UNICORP

humana e que reproduz em si mesmo o princípio da dignidade, servindo como parâmetro para
todos os demais direitos da personalidade e possuindo uma especial proteção do Estado.
Como reflexo da importância do direito à vida no ordenamento jurídico em vigor, destaque-
se a tipificação penal do aborto e os direitos do nascituro. Nestes exemplos, é possível verificar
que a proteção à existência dos seres humanos atinge um grau extremo, pois é assegurada uma
vida digna até mesmo aos indivíduos que sequer nasceram.

2.1.2 Direito à Imagem

O artigo 5º, inciso V, da Constituição Federal, dispõe que “é assegurado o direito de


resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”,
ao passo que o inciso X, do mesmo dispositivo, estabelece que “são invioláveis a intimidade,
a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano
material ou moral decorrente de sua violação”. Outrossim, a Norma Fundamental, em seu artigo
5º, XXVIII, a, também prevê “a proteção às participações individuais em obras coletivas e à
reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas”.
A partir da leitura dos incisos elencados acima, vislumbra-se que a violação ao direito à
imagem resulta em indenização por danos morais, proporcional à ofensa praticada. Contudo,
antes de estudar o direito em tela, é imprescindível definir e conceituar, preliminarmente, o
objeto da tutela jurídica pretendida.
Dirley da Cunha Júnior define imagem como “a representação de alguma coisa ou
pessoa pelo desenho, pintura, fotografia ou outro meio de caracterização de seus atributos
físicos”. (CUNHA JÚNIOR, 2011, p. 702). Em outro aspecto, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo
Pamplona Filho sintetizam a imagem como “a expressão exterior sensível da individualidade
humana, digna de proteção jurídica”. (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2013, p. 221).
Para efeitos deste trabalho, adotar-se-á a trilogia conceitual defendida por Cristiano
Chaves e Nelson Rosenvald, que subdivide a imagem em três diferentes espécies: imagem-
retrato, imagem-atributo e imagem-voz.
A imagem-retrato se traduz pelas características físicas da pessoa, sua representação
fisionômica, que pode ser estática (ex. fotografia) ou dinâmica (ex. filmagem). (GAGLIANO,
PAMPLONA FILHO). A imagem-atributo, por sua vez, “corresponde à exteriorização da
personalidade do indivíduo, ou seja, à forma como ele é visto socialmente”. Finalmente, a
imagem-voz se refere à possibilidade de reconhecer e identificar o sujeito pelo seu timbre
sonoro – esta última espécie foi tratada anteriormente, quando se abordou o Direito à Voz.
(FARIAS, ROSENVALD, 2013, p. 244).
Assim sendo, entende-se que o direito à imagem “protege a representação física do
corpo humano ou de qualquer de suas partes, ou ainda de traços característicos da pessoa
pelos quais ela possa ser reconhecida”. (BARROSO, 2009, p. 114). Trata-se de um dos mais
importantes direitos da personalidade, pois visa resguardar os atributos físicos que identificam
a pessoa de qualquer divulgação não autorizada ou exposição desrespeitosa.
Por derradeiro, nota-se que direito à imagem é amplamente difundido não apenas em
discussões doutrinárias, mas também na jurisprudência dos Tribunais – o exemplo disto é o
elevado número de decisões judiciais arbitrando indenização por danos morais em decorrência
da publicação indevida da imagem da pessoa, bem como a edição da Súmula 403 pelo Colegiado
do Superior Tribunal de Justiça, que uniformizou o entendimento pela desnecessidade de

113
ENTRE ASPAS

prova na tutela ao direito da imagem, em caso de divulgação com fins econômicos ou comerciais.

2.1.3 Direito à Honra

De acordo com o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, o vernáculo honra, pode


ser definido como “sentimento de dignidade própria que leva o indivíduo a procurar merecer e
manter a consideração geral”, grandeza, distinção, glória e honestidade. (FERREIRA, 2010, p.
1.107).
A honra está associada à natureza humana e é um dos mais relevantes direitos da
personalidade, “acompanhando o indivíduo desde seu nascimento até depois de sua morte”.
(GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2013, p. 221). A honra pode ser traduzida como um valor
moral, próprio da essência do indivíduo, seus princípios e consciência pessoal, como também
a sua respeitabilidade no meio social, prestígio e reputação. (FARIAS, ROSENVALD, 2013).
Partindo deste pressuposto, observa-se que a proteção à honra é manifestada a partir
de dois aspectos distintos – daí surge a diferenciação entre honra subjetiva e honra objetiva.
A honra objetiva se refere à reputação do sujeito perante a sociedade, sua
respeitabilidade e fama; a honra subjetiva, por sua vez, corresponde ao sentimento individual
da pessoa, como ela se sente em relação a ela mesma, sua autoestima.
A respeito desta dicotomia, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, asseveram:

Disso deflui que a honra encerra dois diferentes aspectos: a honra objetiva
e a honra subjetiva. Aquela (a objetiva) diz respeito à reputação que
terceiros (a coletividade) dedicam a alguém. [...] Esta (subjetiva) tangencia
o próprio juízo valorativo que determinada pessoa faz de si mesma. É a
autoestima, o sentimento de valorização pessoal, que toca a cada um.
Em resumo: a honra objetiva é o conceito externo, o que os outros
pensam de uma pessoa; a honra subjetiva é a sua estima pessoal,
o que pensa de si própria. (FARIAS, ROSENVALD, 2013, p. 266-
267).

Demais disso, os autores explicam que tanto a ofensa à honra subjetiva, quanto à honra
objetiva, ensejam reparação por danos morais. Entretanto, esta indenização, por possuir natureza
compensatória, precisa ser arbitrada com cautela pelo magistrado, buscando-se um equilíbrio
ideal de gerar desestímulo ao ofensor e não ocasionar enriquecimento ilícito à vítima. (FARIAS,
ROSENVALD, 2013).
Noutra senda, importante ressaltar que a proteção à honra é tão relevante no
ordenamento jurídico que, a depender da gravidade da ofensa, a conduta que atenta contra a
reputação ou autoestima do sujeito pode ser considerada crime, a exemplo dos delitos de
calúnia (art. 138), difamação (art. 139) e injúria (art. 140), previstos no Código Penal Brasileiro.

2.1.4 Direito à Identidade

O direito ao nome é também considerado um direito da personalidade, estando


consagrado no art. 16, do Código Civil, que estabelece: “Toda pessoa tem direito ao nome, nele

114
A REVISTA DA UNICORP

compreendidos o prenome e o sobrenome”.


Flávio Tartuce ensina que todos os elementos que compõem o nome da pessoa são
protegidos: o prenome (p. ex. Danilo, Arthur, Ingrid); o sobrenome, ou nome de família (p. ex.
Nunes, Bianchi, Oliva); as partículas de ligação (p. ex. de, e, dos); e o agnome, que busca
perpetuar um nome idêntico já existente (Filho, Neto, Segundo, Júnior). (TARTUCE, 2012).
Pela redação do art. 17, do CC, “o nome da pessoa não pode ser empregado por outrem
em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não
haja intenção difamatória”. Além disso, a tutela ao nome se estende ao seu uso desautorizado
em propagandas comerciais, a teor do disposto no art. 18, do mesmo diploma legal.
Demais disso, o art. 19, do CC, protege o pseudônimo, isto é, o nome utilizado pelo autor
para assinar uma artística literária ou científica: “O pseudônimo adotado para atividades lícitas
goza da proteção que se dá ao nome”. Flávio Tartuce esclarece que, embora inexista previsão
específica, entende-se que a proteção contida no art. 19, do CC, “atinge também o cognome ou
alcunha, nome artístico utilizado por alguém, mesmo não constando esse no registro da pessoa”.
(TARTUCE, 2012, p. 175).
Por outro lado, a Lei de Registros Públicos, Lei n. 6.015/73, possui disciplina específica
acerca do nome civil, inclusive proibindo o funcionário do Cartório de registrar prenomes que
exponham seu portador ao ridículo (art. 55, parágrafo único). Dentre as hipóteses de alteração
do nome, destacam-se os casos de readequação de sexo; de inserção de alcunhas; de tradução
de nomes estrangeiros; de erros ortográficos; e de introdução do sobrenome do cônjuge ou
companheiro.
Por fim, Arnaldo Rizzardo justifica que a proteção da identidade decorre de uma
necessidade natural do sujeito em ter uma individualização que o distinga dos demais. Logo, a
identificação das pessoas tornou-se um direito da personalidade, para que estas tenham “uma
presença na sociedade e perante o Estado, e para que não se considerem simples quantidades
ou números na ordem cronológica do gênero humano”. (RIZZARDO, 2011, p. 156-157).

2.1.5 Direito à Intimidade e à Privacidade

De logo, imprescindível diferenciar os conceitos de intimidade e privacidade. Contudo,


não se trata de uma conceituação fácil, tendo em vista as diferenças culturais e de costumes
que podem existir entre a população de um mesmo país – e esta dificuldade ainda aumenta em
escala exponencial se levar em consideração as demais nações do mundo.
Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald definem a vida privada como o “refúgio
impenetrável pela coletividade”, ou, em outros termos, “o direito de viver sua própria vida em
isolamento, não sendo submetido à publicidade que não provocou, nem desejou”. Assim, é
vedada a divulgação não autorizada de informações particulares ou de dados pessoais de
terceiros – como exemplo, a quebra de sigilo telefônico e bancário e do segredo de
correspondência, que é proibida pelo ordenamento jurídico, salvo se por determinação judicial
em casos especiais. (FARIAS, ROSENVALD, 2013, p. 258).
Por sua vez, a intimidade, em um conceito ainda mais restrito que o anterior, se traduz
pelos fatos da vida que o sujeito reserva só para si e para algumas pessoas específicas, não
participando necessariamente aos seus familiares ou amigos, no geral. Nas palavras de Dirley
da Cunha Júnior, são os “segredos mais recônditos do indivíduo, como a sua vida amorosa,
sua opção sexual, o seu diário íntimo, o segredo sob juramento, as suas próprias convicções”.

115
ENTRE ASPAS

(CUNHA JÚNIOR, 2011, p. 701).


Deste modo, conclui-se que vida privada corresponde às atividades particulares do
indivíduo – que não têm porque serem publicadas – são suas fotos, vídeos, telefonemas, e-
mails, preferências políticas, religiosas e culturais, os lugares que gosta de frequentar, os
sentimentos que possui e sua vida íntima. Esta, compreendendo-se dentro do conceito de
privacidade, se refere aos segredos íntimos do sujeito, relacionados a fatos que só dizem
respeito a ele e sobre os quais pretende manter sigilo ou compartilhar com poucas pessoas, a
exemplo de suas relações sexuais e traição amorosa.
Considerando as diferentes definições apresentadas e, especialmente, constatando
que os elementos íntimos estão inseridos num círculo mais amplo que é a vida privada, entende-
se que a violação à intimidade é mais gravosa que à privacidade, o que não significa que a
ofensa à última não gere também o dever de reparação moral.
Na seara constitucional, os direitos da privacidade e da intimidade possuem previsão
específica no artigo 5º, incisos X, XI, XII e LX, a seguir transcritos:

Art. 5º [...]

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das


pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação;

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar


sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou
desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação
judicial;

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações


telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último
caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer
para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando


a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;

O Código Civilista, por sua vez, no Capítulo dos Direitos da Personalidade, disciplina o
tema apenas no artigo 21 – ao passo que, no direito à identidade, destina quatro dispositivos
à matéria – Assim, dispõe o Codex que “a vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz,
a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer
cessar ato contrário a esta norma”.
Demais disso, impende esclarecer que a privacidade/intimidade pode ser relativizada
pelo seu próprio titular, sobretudo após o advento da Internet, como se infere do excerto abaixo
reproduzido da obra de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald:

Merece registro o fato de que o próprio titular da personalidade pode,


expressa ou tacitamente, relativizar a sua vida privada. É o exemplo
comum das redes sociais, ambientes nos quais as pessoas, voluntariamente,

116
A REVISTA DA UNICORP

expõem fatos íntimos ou secretos. Também seria a hipótese de uma


entrevista jornalística em que o entrevistado, provocado ou não, revela
sua intimidade. Em casos tais, o próprio titular conferiu publicidade ao
fato, não havendo qualquer violação. Não poderá, contudo, envolver
terceiros que, eventualmente, tenham interesse no fato, como na hipótese
de relacionamentos afetivos ou sexuais. Envolvendo interesse de terceiro,
haverá afronta à privacidade alheia e, consequentemente, direito à
indenização (FARIAS, ROSENVALD, 2013, p. 261).

Outrossim, em relação à vida privada e à intimidade das pessoas públicas, famosas, que
muitas vezes utilizam a mídia para promover suas carreiras, entende-se que, embora o sucesso
da pessoa desperte o interesse do público em geral, não deve o direito relativizar a proteção de
sua privacidade – não é por ser uma pessoa célebre, que ela pode ter violada a sua vida privada
e íntima. Além disso, concorda-se que a tutela à privacidade dos artistas abrange não somente
seus ambientes domésticos, mas também os locais públicos em que estejam presentes
(SCHREIBER, 2011).

3 Direito ao esquecimento

O direito ao esquecimento é um direito da personalidade que passou a ser estudado


pela doutrina apenas nos últimos anos. Não se trata de um direito positivado na Constituição
ou em legislação federal, mas sim, de um direito que é decorrente da incidência de outros
direitos fundamentais, como a intimidade, a privacidade, a imagem, a honra e, principalmente, a
dignidade da pessoa humana.
Anderson Schreiber, em sua obra, explicita que o público tem direito a relembrar fatos
antigos, ao mesmo tempo em que ninguém pode ser perseguido, pelo resto de sua vida, por um
acontecimento pretérito. (SCHREIBER, 2011). Então, no que consiste o direito ao esquecimento?
O referido autor, diante da questão, define:

Cumpre registrar que o direito ao esquecimento não atribui a ninguém o


direito de apagar fatos ou de reescrever a História (ainda que se trate tão
somente da sua própria história). O que o direito ao esquecimento assegura
é a possibilidade de se discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais
especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados. E não raro
o direito ao esquecimento impõe ponderação com o exercício de outros
direitos, como a liberdade de informação, sendo certo que a ponderação
nem sempre se resolverá em favor ao direito ao esquecimento. O caso
concreto deve ser analisado em suas peculiaridades, sopesando-se a
utilidade informativa na continuada divulgação da notícia com os riscos
trazidos pela recordação do fato à pessoa envolvida. Como em outros
conflitos já analisados, não há aqui solução simples. Impõe-se, ao contrário,
delicado balanceamento entre os interesses em jogo. (SCHREIBER, 2011,
p. 165-166).

Conforme retratado por Anderson Schreiber, na análise do caso concreto, será preciso
ponderar o direito ao esquecimento com o direito à informação e a liberdade de expressão. Esta
questão, todavia, será abordada pormenorizadamente adiante – momento no qual o presente

117
ENTRE ASPAS

capítulo se destinará a apresentar casos práticos e discutir decisões judiciais.


Demais disso, nas palavras de Joana de Souza Sierra, “o direito de informação e a
preservação da história têm primazia sobre o resguardo da imagem dos envolvidos em
determinado fato, porque presente o interesse público.” Assim, é certo que só caberia a aplicação
do direito ao esquecimento em relação aos fatos da vida privada e íntima da pessoa. (SIERRA,
2013, p. 14).
Daniel Bucar, por sua vez, entende que o direito ao esquecimento se traduz como a
proteção aos fatos íntimos do indivíduo, ocorridos no passado, que um dia foram públicos, e
que só poderiam ser reavivados se houvesse relevância histórica para a sociedade. (BUCAR,
2013).
Em outra via, consoante os ensinamentos de Nayara Toscano de Brito Pereira, o direito
ao esquecimento proíbe que informações atinentes à vida particular de determinados indivíduos
– ainda que verdadeiras – se perpetuem ao longo dos anos. Para a autora, pensar no direito ao
esquecimento, é conceder ao sujeito a prerrogativa de escolher se as informações sobre fatos
pretéritos de sua vida (fatos estes já superados e que não envolvem interesse público)
continuarão a ser divulgada. (PEREIRA, 2013).
À propósito, destaque-se excerto de sua obra:

Pensar o direito ao esquecimento é, antes de qualquer outra coisa, perceber


que não se pode perpetuar informações sobre os indivíduos, mesmo que
verdadeiras, mas sim deve-se dar a eles a prerrogativa de escolherem se e
como serão expostas tais informações, desde simples dados pessoais, até
vídeos, fotos, entre outros meios de divulgação de fatos que tenham feito
parte de momentos já superados e que não haja um concreto interesse
público envolvido.
Assim, o direito ao esquecimento se configura como algo real e
materialmente concretizável que possibilita aos indivíduos o efetivo
controle sobre fatos pretéritos ligados a suas vidas, permitindo que tomem
o rumo que lhes apeteça sem que precisem ter seus nomes
compulsoriamente associados a atividades, acontecimentos e notícias
que não mais fazem parte de seu cotidiano atual. (PEREIRA, 2013).

Ao final, Nayara Pereira ainda assevera que o direito ao esquecimento visa impedir que
“o sofrimento já vivido no passado seja constantemente lembrado”, além de possibilitar “a
reconstrução da imagem dos sujeitos de acordo com a vontade deles e não com as fortes
marcas estigmatizadas no passado”. (PEREIRA, 2013).
Portanto, o “Esquecimento” pode ser definido como o direito do sujeito de não ser
lembrado por fatos pretéritos que aconteceram em sua vida, desde que estes fatos já estejam
superados e não tenha interesse público. É dado à pessoa o direito de “virar a página” de sua
vida, esquecer aquele constrangimento do passado e não mais sofrer pelo fato ocorrido, se
está quite com a sociedade. O direito ao esquecimento, então, possui como finalidade nobre
proporcionar ao ser humano a possibilidade de se regenerar e de voltar a viver em sociedade
livre das marcas e traumas do passado.
Por derradeiro, importante ressaltar que se cria, para os demais, um dever de abstenção,
qual seja, o de não rememorar e exteriorizar continuamente a lembrança de fatos referentes ao
passado do sujeito, sobretudo quando este tenha demonstrado a vontade de esquecê-los.

118
A REVISTA DA UNICORP

3.1 O direito ao esquecimento no mundo

O avanço tecnológico contribuiu de forma significativa para o desenvolvimento dos


meios de comunicação – que passaram a ser mais céleres e abranger um quantitativo maior de
pessoas. Como consequência desta revolução da informação, os direitos da personalidade se
tornaram mais vulneráveis, principalmente o direito à imagem, à honra, à privacidade/intimidade
e ao esquecimento.
A partir de então, tornou-se possível atingir, facilmente, a esfera moral e psíquica de
outrem, expondo imagens, vídeos e informações particulares a um número indefinido de pessoas
e, pior, sem controle da perpetuação destes dados. Neste cenário, surge o interesse em proteger
o indivíduo de não ser estigmatizado por condutas praticadas, ou fatos a ele relacionados,
pertencentes ao passado e que não possuem qualquer relevância social na atualidade.
Ao longo dos anos, os Tribunais, não apenas no Brasil, mas de diversos países, se
depararam com situações de grave violação ao direito ao esquecimento e começaram a firmar a
orientação pela tutela deste “novo” direito.
Em 1931, nos Estados Unidos, a Corte de Apelação da Califórnia julgou o emblemático
caso de Melvin. Trata-se de uma antiga meretriz, que no ano de 1918 foi acusada de homicídio
e inocentada no julgamento. Casou-se e construiu uma nova vida, readequando-se à sociedade,
“de maneira que muitos de seus novos conhecidos e amigos ignoravam por completo a sua
vida pregressa”. (SIERRA, 2013, p. 2013).
A ação discute o lançamento do filme The Red Kimono, que retratava a história de
Melvin, desde sua vida enquanto prostituta até o julgamento de 1918, utilizando o seu nome
real, sem que esta tivesse conhecimento do conteúdo publicado. A Corte norte-americana
condenou os responsáveis pelo filme, assegurando a Melvin o direito à privacidade, ao nome
e à imagem, bem como o direito de buscar sua felicidade. Este precedente internacional foi
utilizado em diversos outros julgamentos e pode ser considerado o embrião do direito ao
esquecimento, uma vez que considerou ilícita a divulgação de fatos pretéritos da vida de
Melvin, antes públicos, mas que agora causavam danos em sua vida privada.
Aqui, cumpre novamente relembrar que, após o advento da Segunda Guerra Mundial,
em razão das brutalidades cometidas pelas nações conflitantes, a preocupação com os direitos
da personalidade se intensificou em todo o mundo – o que, sem dúvida, contribuiu
significativamente para o desenvolvimento, nos anos subsequentes, da teoria do direito ao
esquecimento. Neste período, dois grandes momentos são considerados marcos na proteção
dos Direitos Humanos: a Assembleia Geral da ONU de 1948 e a Convenção Europeia de 1950.
Ademais, merece destaque outro julgado célebre na evolução do direito ao esquecimento,
proferido em 1973, desta vez na Alemanha - denominado caso Lebach. Joana de Souza Sierra,
após estudar o caso, descreve os fatos nos seguintes termos:

Trata-se da chacina de quatro soldados que guardavam um depósito de


armas, em 1969, em um vilarejo chamado Lebach, na República Federal
da Alemanha. Como resultado, dois dos acusados pelo crime foram
condenados à prisão perpétua e um terceiro partícipe a seis anos de
reclusão. Este terceiro, ao ser libertado, descobriu que seria transmitido
documentário sobre o crime, ao que se opôs, ajuizando ação para que
fosse impedida a divulgação, em 1973. (SIERRA, 2013, p. 31)

119
ENTRE ASPAS

Nas primeiras instâncias o pedido do autor não foi acolhido, ao fundamento de que o
seu envolvimento no crime o havia tornado uma pessoa pública e histórica e que o filme seria
apresentado “de forma verossímil, sem intenção difamatória, correspondendo ao direito de
informação sobre matéria de inequívoco interesse público”. Contudo, o Tribunal Constitucional
Alemão reformou estes julgados, ponderando o direito à informação e os direitos da
personalidade, e reconheceu que “a imprensa não pode eternamente se ocupar dos
acontecimentos da vida privada do condenado”, sobretudo quando se trata de fatos do passado
e que podem repercutir negativamente em sua nova vida. (SIERRA, 2013, p. 31-32).
Na Alemanha, em 1983, ocorreu também a polêmica em torno da Lei do Censo – a Lei
previa que os dados colhidos da população, como moradia, profissão e local de trabalho,
pudessem ser comparados com os registros públicos, bem como permitia “a transmissão de
dados tornados anônimos a repartições públicas federais, estaduais e municipais para
determinados fins de execução administrativa”. (LIMA, AMARAL, 2013).
A Corte Alemã entendeu que estas disposições legais violavam a “autodeterminação
das informações” e, por conseguinte, os direitos da personalidade do indivíduo. Sobre o
julgado em espeque, Aline Lima e Sérgio Amaral esclarecem que:

Em relação ao poder de autodeterminação o Supremo Tribunal Alemão


entendeu que diante das condições automáticas do processamento de
dados, surge a necessidade de uma proteção efetiva ao livre direito da
personalidade, uma vez que com ajuda do processamento eletrônico de
dados, informações detalhadas sobre relações pessoais ou objetivas de
determinada pessoa, podem ser ilimitadamente armazenados e consultadas
a qualquer momento, a qualquer distância e em segundos. Além disso,
com a estruturação de sistemas de informação interligados com outros
bancos de dados, resulta na criação de um quadro de personalidade
relativamente completo, sem que a pessoa atingida possa controlar sua
exatidão e seu uso. Além disso, esses sistemas poderiam atuar sobre o
comportamento do indivíduo em função da pressão psíquica causada
pela participação pública em suas informações privadas. (LIMA,
AMARAL, 2013).

Percebe-se, novamente, a preocupação do direito alemão – que assim como o


ordenamento jurídico brasileiro possui como norte a dignidade humana – em proteger a
privacidade e a intimidade do indivíduo. Além disso, a partir do momento em que a decisão
entendeu pela impossibilidade de se perpetuar os dados levantados no censo, reconheceu o
direito da pessoa de ser “esquecida”.
Na Suíça, por sua vez, em 1980, o caso Société Suisse tornou-se um importante exemplo
internacional da aplicação do direito ao esquecimento. O filho de um criminoso, que havia sido
condenado à morte em 1939, ingressou com uma ação para impedir que a Swiss TV apresentasse
um documentário sobre a vida e morte de seu pai.
O Tribunal Suíço julgou favorável ao autor, entendendo que o filho teria direito a não
reviver estes acontecimentos do passado e consignou, ademais, que o direito de expor a
pessoa condenada, ou acusada criminalmente, se limita ao tempo da condenação ou acusação,
período em que existe o interesse público.
Deste momento em diante, o número de casos envolvendo proteção ao direito ao

120
A REVISTA DA UNICORP

esquecimento aumentou vertiginosamente. As nações passaram a aceitar este novo direito


para tutelar a personalidade, ponderando-o, no caso concreto, com o direito à informação e a
liberdade de imprensa.
Para melhor ilustrar esta nova perspectiva internacional, destaque-se o Comunicado
formulado pela Comissão Europeia, dirigido ao Parlamento Europeu, Comitê Econômico e Social
e Comitê das Regiões, e a proposta de emenda às Diretivas n. 1995/46/CE e 2002/58/CE.
Acerca do Comunicado da Comissão Europeia, Nayara Toscano de Brito Pereira aduz:

No que atine ao Comunicado, dirigido ao Parlamento Europeu, Comitê


Econômico e Social e Comitê das Regiões, percebe-se que aborda a proteção
de dados pessoais na União Europeia e já traça delineamentos sobre o
right to the forgotten. Visa a intensificar os direitos de acesso, retificação,
oposição e cancelamento dos dados pessoais diante da conjuntura hodierna
marcada pela tecnologia extremamente avançada. Ademais, é apresentado
o conceito desse esquecimento no âmbito digital, reconhecendo a
importância do consentimento do envolvido e do respeito à finalidade
legítima e ao período de armazenamento, que, se expirado, possibilita a
exclusão dos dados. (PEREIRA, 2013).

Em relação às Diretivas n. 1995/46/CE e 2002/58/CE, tem-se que a primeira aborda a


proteção do indivíduo face à divulgação não autorizada de suas informações particulares, ao
passo que a segunda trata da tutela da privacidade da pessoa no ambiente eletrônico. (SIERRA,
2013).
Considerando os recentes entendimentos e discussões em torno do direito ao
esquecimento, a Vice-Presidente da Comissão de Justiça da União Europeia, Viviane Reding,
em 22 de janeiro de 2012, propôs a inclusão deste direito nas Diretivas de 1995 e 2002. A Vice-
presidente da Comissão visava, sobretudo, a proteção dos usuários de Internet, assegurando-
lhes o controle sobre os conteúdos particulares disponibilizados por eles na rede.
Outro aspecto relevante em âmbito internacional é promulgação da Lei Federal de
Proteção de Dados Pessoais em Posse de Particulares, de 05 de julho de 2010, no México, que
institui de forma expressa e inequívoca a tutela ao direito ao esquecimento, in verbis:

La cancelación de datos personales dará lugar a un periodo de bloqueo


tras el cual se procederá a la supresión del dato. El responsable podrá
conservarlos exclusivamente para efectos de las responsabilidades nacidas
del tratamiento. El periodo de bloqueo será equivalente al plazo de
prescripción de las acciones derivadas de la relación jurídica que funda el
tratamiento en los términos de la Ley aplicable en la materia.

Bucar ensina que a Lei estabeleceu, em contrapartida, duas exceções à regra do


esquecimento, quais sejam, a existência de relevante interesse público, ou para atendimento de
situação da própria pessoa, como por exemplo, em caso de tratamento médico – “cujos dados
somente podem ser manejados por profissionais que guardem igual sigilo legal”. (BUCAR,
2013).
Com amparo em tais considerações, torna-se evidente que a teoria do direito ao
esquecimento está ganhando força em diversos países do mundo. Embora exista um longo

121
ENTRE ASPAS

caminho a ser percorrido, os Tribunais Europeus e Norte-Americanos já indicam que a


jurisprudência local tende a se firmar pela ampla proteção à personalidade humana e, por
conseguinte, pela garantia à todas as pessoas do denominado “direito de ser esquecido”.

3.2 O direito ao esquecimento no Brasil

3.2.1 Aspectos Legislativos

Conforme já estudado, não existe no Brasil nenhuma previsão legal ou constitucional


específica acerca do direito ao esquecimento, enquanto direito fundamental e inerente à
personalidade do indivíduo. Contudo, algumas previsões legislativas já demonstravam uma
preocupação em não penalizar eternamente a pessoa ou perpetuar suas informações particulares.
Na esfera criminal, o art. 93, do Código Penal, prevê o direito à reabilitação do condenado,
assegurando “o sigilo do seu processo e condenação”. Além disso, o art. 748 do CPP dispõe
que “a condenação ou condenações anteriores não serão mencionadas na folha de antecedentes
do reabilitado, nem em certidão extraída dos livros do juízo, salvo quando requisitadas por juiz
criminal”. Deste modo, consoante as lições de Nayara Toscano de Brito Pereira, “embora não
se mencione explicitamente o direito ao esquecimento, percebe-se que, na prática, a reabilitação
proporciona sua efetivação”. (PEREIRA, 2013).
Outros exemplos de esquecimento no direito criminal podem ser verificados no art. 107,
II, do CP, que extingue a punibilidade pela anistia, graça ou indulto, e no art. 202, da Lei de
Execução Penal, que possui a seguinte redação:

Art. 202. Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida,


atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares
da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir
processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos
em lei.

Outrossim, João Gabriel Lemos Ferreira lembra que a Lei n. 8.078/90, em seu art. 43, § 1º,
determina o “esquecimento” do consumidor, registrado nos cadastros de inadimplentes, após
o prazo de cinco anos de inscrição. E, ainda, o art. 137 da Lei n. 8.112/90, que versa “sobre o
esquecimento da Administração Pública frente ao ilícito praticado pelo servidor público federal”.
(FERREIRA, 2013).
Esses dispositivos legais já revelam que o ordenamento jurídico vigente se preocupa
em não permitir que o sujeito fique estigmatizado por erros, ou condutas socialmente
reprováveis, praticados no passado e que já estejam superados na atualidade. Embora não
exista previsão direta no Código Civil, o direito ao esquecimento é uma realidade e está cada
vez mais sendo discutido na doutrina e aplicado na jurisprudência.
Agora, após esta breve análise das disposições legislativas atinentes à matéria, para
melhor compreensão da teoria do esquecimento no Brasil, é necessário um estudo pormenorizado
entendimento jurisprudencial predominante em torno do tema, abordando os principais casos
que ocorreram no país recentemente.

3.2.2 Entendimento Jurisprudencial

Diversamente do que ocorreu nos Estados Unidos e em alguns países da Europa, o


direito ao esquecimento no Brasil apenas passou a ser reconhecido pelos Tribunais nas últimas
décadas.

122
A REVISTA DA UNICORP

O Superior Tribunal de Justiça, enquanto Corte Superior de uniformização de


jurisprudência em âmbito infraconstitucional, proferiu dois julgados célebres aplicando o direito
de ser esquecido – o REsp n. 1.335.153/RJ, conhecido como o Caso Aída Curi, e o REsp n.
1.334.097/RJ, o caso da Chacina da Candelária.

3.2.2.1 O Caso Aida Curi

Nelson Curi, Roberto Curi, Waldir Cury e Maurício Curi, ingressaram com ação de
reparação moral, material e à imagem, em face da Globo Comunicações e Participações S.A. (TV
Globo), em razão de a empresa ter rememorado publicamente o violento assassinato de sua
irmã, Aida Curi, ocorrido no ano de 1958.
Aline Lima e Sérgio Amaral tecem uma breve narrativa acerca do crime que vitimou Aida
Curi:
Neste caso, Aida foi vítima de homicídio no ano de 1958 no bairro de
Copacabana no Rio de Janeiro. Aida tinha dezoito anos e foi brutalmente
abusada sexualmente por três homens. Para encobrir o crime os agressores
atiraram a jovem do terraço no décimo segundo andar do prédio tentando
simular um suicídio. Aida faleceu em função da queda. Este crime foi
nacionalmente conhecido por força do noticiário da época. (LIMA,
AMARAL, 2013).

O voto do Min. Luis Felipe Salomão foi vencedor e o REsp n. 1.335.153/RJ foi julgado
improcedente, por maioria, reconhecendo-se a existência de um direito ao esquecimento, porém
entendendo pela não aplicação deste direito ao caso em tela, em virtude da repercussão histórica
e nacional que teve o assassinato de Aida Curi.
O Ministro Relator esclareceu que a notícia de um delito agregada aos costumes do
povo, fatos cotidianos e acontecimentos políticos pode demonstrar o comportamento social, e
os valores éticos e humanos do indivíduo, em determinado momento histórico. Todavia, entendeu
que permitir amplamente que o crime – bem como as pessoas nele envolvidas – seja rememorado
indefinidamente no tempo, por respeito à historicidade do fato, pode ocasionar um verdadeiro
abuso à dignidade humana. Assim, ao se deparar diante de um aparente conflito entre liberdade
de imprensa e direito ao esquecimento, cabe então ao julgador ponderar a exploração da mídia
com a repercussão do crime, e analisar se o acontecimento entrou para a história.
No Caso Aida Curi, entendeu a Corte Infraconstitucional que o direito ao esquecimento
não se aplica, em função da grande repercussão social do caso – que o tornou de domínio
público – e de que o programa de TV “Linha Direta Justiça” abordou apenas o crime em si, não
realizando uma exposição desmedida da imagem da vítima.

3.2.2.2 O Caso Chacina da Candelária

Jurandir Gomes de França ajuizou ação indenizatória por danos morais em face da Globo
Comunicações e Participações S.A. (TV Globo), entendendo que a empresa acionada, ao
mencionar seu nome em uma reportagem do programa “Linha Direta Justiça” violou o seu
direito ao esquecimento.

123
ENTRE ASPAS

No voto do Min. Relator Luis Felipe Salomão, no REsp n. 1.334.097/RJ – mesmo relator
do caso anteriormente estudado – consta que o autor foi indiciado como “coator/partícipe da
sequência de homicídios ocorridos em 23 de julho de 1993, na cidade do Rio de Janeiro,
conhecidos como ‘Chacina da Candelária’, mas que, a final, submetido a júri, foi absolvido por
negativa de autoria”.
Além disso, relata-se que o autor foi convidado a participar do programa de TV “Linha
Direta Justiça”, que retrataria o crime da Chacina da Candelária, tendo recusado o convite e
manifestando desinteresse em ter sua imagem veiculada em rede nacional – o que não foi
observado pela emissora ré, que mencionou o autor durante a reportagem, inclusive informando
que foi um dos acusados pela sequência de homicídios.
No julgamento do recurso, o Ministro reproduz toda a fundamentação expendida no
REsp n. 1.335.153/RJ, no sentido de afirmar a existência do direito ao esquecimento em detrimento
à liberdade de expressão. Além disso, assim como julgado de Aida Curi, o Relator reconhece a
necessidade de considerar, no caso concreto, a repercussão social e histórica do fato narrado
e a possibilidade de desvinculação do nome do ofendido na reportagem.
No mérito, o Relator entendeu que a Chacina da Candelária tornou-se um fato histórico,
que entrou para domínio público, mas que poderia ter sido revivida preservando a imagem e o
nome do recorrido – diferentemente do caso de Aida Curi. Relembrar, portanto, o suposto
envolvimento do autor neste bárbaro crime, que ocorreu no passado e já estava superado pelo
mesmo, é capaz de trazer à tona todos os traumas que sofreu à época do acontecimento, bem
como instigar o preconceito social.
Neste aspecto, o Min. Luis Felipe Salomão asseverou que “permitir nova veiculação do
fato, com a indicação precisa do nome e imagem do autor, significaria a permissão de uma
segunda ofensa à sua dignidade, só porque a primeira já ocorrera no passado”, afinal, o inquérito
policial pretérito, por si só, já lhe causara profundo constrangimento perante à sociedade.
E assim, negou-se provimento ao recurso especial manejado pela Globo Comunicações
e Participações S.A., por unanimidade, entendendo não ser exorbitante a condenação arbitrada
pelas instâncias ordinárias, no valor de R$ 50.000,00, levando em consideração a gravidade dos
fatos e a condição financeira da recorrente.

3.2.2.3 O Direito ao Esquecimento nos Tribunais do País

A discussão em derredor do direito ao esquecimento não se limitou apenas ao Superior


Tribunal de Justiça. Diversos Tribunais do país passaram a adotar esta teoria – e a tendência é
que o número de ações envolvendo o tema aumente nos próximos anos.
Como exemplo, o próprio Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, no julgamento da
apelação nº 0001450-96.2010.8.05.0103, de relatoria do Desembargador José Olegário Monção
Caldas, em acórdão assim ementado:

APELAÇÕES SIMULTÂNEAS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR


DANO MORAL. VEICULAÇÃO DE NOTÍCIA ENVOLVENDO O
NOME DO RECORENTE ADVOGADO DE UM DOS ACUSADOS.
CRIME DE FRAUDE SECURITÁRIA. PRESCRIÇÃO
CARACTERIZADA QUANTO AOS DANOS MORAIS.
EFETIVAÇÃO DA LESÃO COM A PUBLICAÇÃO DA NOTÍCIA

124
A REVISTA DA UNICORP

(26.05.2004). AÇÃO INTERPOSTA EM 10.02.2010. EXEGESE DO


ART. 206, § 3º, INCISO V DO CÓDIGO CIVIL. SENTENÇA QUE
DETERMINA A RETIRADA DOS SITES QUE VEICULAM A
MATÉRIA, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA. POSSIBILIDADE.
DIREITO AO ESQUECIMENTO. Em se tratando de matéria veiculada
pela internet, a responsabilidade civil por danos morais exsurge quando a
matéria for divulgada com a intenção de injuriar, difamar ou caluniar
terceiro. Com a publicação da notícia em 26.05.2004 inicia-se o prazo
prescricional. Assim, no caso dos autos, a ação foi intentada em 10.02.2010,
quando já estava prescrito o direito do autor nos termos do art. 206, § 3
do Código Civil. Logo, não há que se falar em indenização por danos
morais. Quanto a Apelação da Empresa Ré, também não merece amparo,
tendo em vista que o comando sentencial que determina a retirada dos
sites das matérias indicadas pelo Autor não implica acolhimento do pedido
de condenação por danos morais. Ademais, verifica-se, in casu, o direito
ao esquecimento que pertence a todo cidadão, vez que os serviços
indexadores de busca realizam um efeito multiplicador, tornando o alcance
global e eterno. SENTENÇA MANTIDA. 1ª APELAÇÃO NÃO
PROVIDA. 2ª APELAÇÃO NÃO PROVIDA.

A Quarta Câmara Civil do TJBA reconheceu a existência do direito ao esquecimento


como meio de tutelar a personalidade humana, consignando, inclusive, que em um aparente
conflito de princípios, estando de um lado a liberdade de imprensa e o direito à informação e, de
outro, a intimidade, a privacidade e o esquecimento, os três últimos devem prevalecer.
Outros exemplos de aplicação do direito ao esquecimento em âmbito estadual e regional,
ocorreram no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Apelação n. 2003.70.00.058151-6), Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul (Apelação n. 0196522-39.2013.8.21.7000) e Tribunal de Justiça
do Distrito Federal (Apelação n. 0068774-64.2010.8.07.0001), Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro (Recurso Inominado n. 0016884-40.2012.8.19.0209), Tribunal de Justiça de São Paulo
(Apelação n. 0007766-17.2011.8.26.0650), e o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (Recurso
Eleitoral na Representação n. 0001555-14.2014.6.16.0000).

3.2.3 O Enunciado n. 531 da VI Jornada de Direito Civil

Para finalizar o presente estudo, mister se faz trazer à baila o Enunciado n. 531 da VI
Jornada de Direito Civil, realizada pelo Conselho de Justiça Federal e Superior Tribunal de
Justiça, mencionado nos julgamentos do REsp n. 1.334.097 e REsp n. 1.335.153, que representa
a sedimentação do direito ao esquecimento em âmbito doutrinário. Consoante o disposto no
enunciado, no que toca à interpretação do art. 11, do Código Civil, “o direito de ser esquecido
está implícito entre um dos direitos da personalidade, sendo intransmissíveis e irrenunciáveis,
assim como o direito inerente à pessoa à sua dignidade, honra, imagem, nome e a intimidade”.
(LIMA, AMARAL, 2013).
Leia-se o enunciado n. 531:

Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se


acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem
histórica no campo das condenações criminais. Surge como
parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui

125
ENTRE ASPAS

a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas


apenas assegura  a  possibilidade  de  discutir  o  uso  que  é  dado  aos  fatos
pretéritos, mais  especificamente  o  modo  e  a  finalidade  com  que  são
lembrados.

Acerca das conclusões obtidas pelo Conselho de Justiça Federal, Joana Sierra assevera
que:

Na conclusão do Conselho da Justiça Federal, considera-se que


historicamente o direito de ser esquecido teria surgido no campo das
condenações criminais, sendo mais que certo que aquele cidadão que
cumpriu uma punição em face de um ilícito cometido não pode ser
eternamente punido, até porque isso contraria, ao menos nacionalmente,
a Constituição da República Federativa do Brasil, a qual veda a aplicação
de penas perpétuas (art. 5o, XLVII, b),de modo que os registros da
condenação não devem se perpetrar além do tempo da punição. Seria essa
uma importante parcela do direito à ressocialização do ex-detento, por
exemplo (CJF, 2013, p. 1).
Noutro viés, a inclusão do direito ao esquecimento entre aqueles
protegidos no Código Civil Brasileiro teria uma abrangência ainda
maior, assegurando a possibilidade de discussão quanto ao “uso
que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a
finalidade com que são lembrados”, com a importante ressalva
de que não se atribuiria a ninguém o direito de apagar fatos ou de
reescrever a própria história, conforme a justificativa doada pelo
próprio Centro de Estudos Judiciários do CJF (CJF, 2013, p. 1).
(SIERRA, 2013, p. 13).

Além disso, a autora ainda pontua que qualquer informação, atinente à privacidade da
pessoa, mesmo se disponibilizada por ela própria, “não deixa de ser privada com o passar do
tempo, de modo que pode, ou deve, se for contrário ao interesse do afetado a sua permanência,
ser retirada de circulação a qualquer momento”. (SIERRA, 2013, p. 13).
Deste modo, percebe-se, a partir das análises realizadas em derredor dos atuais
posicionamentos jurisprudenciais e entendimentos doutrinários, que o direito ao esquecimento
é reconhecido e aplicado no Brasil. Contudo, é indiscutível que existem questões que precisam
ser mais aprofundadas e debatidas – como a definição exata da abrangência do direito ao
esquecimento – e que só devem ser pacificadas no futuro, na medida em que os Tribunais
Superiores forem se deparando com situações controversas e a doutrina for examinando mais
a fundo as peculiaridades do tema.

4 Conclusão

Em suma, os direitos da personalidade estão disciplinados, sobretudo, no Código Civil


de 2002, em sua Parte Geral, Capítulo II, do Livro I, Título I, e possuem sua matriz constitucional
no artigo 5º, inciso X, da Carta Política. São os direitos mais íntimos da pessoa, atinentes aos
sentimentos, aspectos psicológicos e valores morais, e visam efetivar o princípio da dignidade
humana. Em regra, são extrapatrimoniais, absolutos, gerais, vitalícios, indisponíveis,

126
A REVISTA DA UNICORP

imprescritíveis e impenhoráveis.
Após a Segunda Guerra Mundial, os direitos personalíssimos passaram a ter maior
importância no ordenamento jurídico brasileiro. Foi promulgada, em 1948, pela ONU, a Declaração
Universal dos Direitos do Homem, demonstrando a tendência mundial de proteger a
personalidade humana.
O direito à vida é o principal direito da personalidade, reproduzindo em si mesmo a
dignidade da pessoa. Os demais direitos, por sua vez, podem ser englobados em três categorias:
integridade física – o direito de manter a higidez do corpo, restando vedada qualquer prática
que possa vir a causar lesões a seu funcionamento normal (ex. direito ao corpo e a voz);
integridade moral e psíquica – o direito de não sofrer abalos emocionais e constrangimentos
desnecessários (ex. direito à intimidade, à privacidade, à imagem, à honra, à liberdade de
expressão); e integridade intelectual – direito de ter preservada a sua liberdade intelectual,
criativa e racional (ex. direitos autorais).
O direito ao esquecimento é um direito da personalidade que passou a ser estudado
pela doutrina apenas nos últimos anos. Não se trata de um direito positivado na Constituição
ou em legislação federal, mas sim, de um direito que é decorrente da incidência de outros
direitos personalíssimos, como a intimidade, a privacidade, a imagem, e a honra.
O direito ao esquecimento pode ser definido como o direito do sujeito de não ser
estigmatizado por fatos do passado, desde que estes fatos já estejam superados e não tenham
mais interesse público. É dado à pessoa o direito de mudar de vida, esquecer o constrangimento
pretérito e não ser eternamente punido por um ato que cometeu em outros tempos.
Além disso, o direito de ser esquecido cria, para os demais, um dever de abstenção, qual
seja, o de não rememorar e exteriorizar continuamente a lembrança de fatos referentes ao
passado do sujeito, sobretudo quando este já tenha demonstrado a vontade de esquecê-los.
O caso Melvin, nos Estados Unidos (1931), o caso Lebach, na Alemanha (1973) e o caso
Societé Suisse, na Suíça (1980), são julgados emblemáticos, que já demonstravam a preocupação
de alguns países do mundo em assegurar o direito ao esquecimento do indivíduo.
No Brasil, não existe legislação tutelando especificamente o direito ao esquecimento.
Todavia, algumas disposições legais relevam a preocupação do ordenamento jurídico em não
sancionar eternamente a pessoa por uma conduta praticada no passado. Exemplos: arts. 93 e
107, II, do CP; 748, do CPP; 202 da LEP; 43, § 1º, do CDC.
Na doutrina, o Enunciado n. 531 da VI Jornada de Direito Civil, realizada pelo Conselho
de Justiça Federal e Superior Tribunal de Justiça, representou a consolidação do direito ao
esquecimento. Nos termos do Enunciado n. 531, o direito de ser deixado em paz “não atribui a
ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a
possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo
e a finalidade com que são lembrados”.
Em relação à jurisprudência, o Superior Tribunal de Justiça, em 2013, enquanto Corte
Superior de uniformização de jurisprudência em âmbito infraconstitucional, reconheceu e aplicou
o direito de ser esquecido – REsp n. 1.335.153/RJ, conhecido como o Caso Aída Curi, e REsp n.
1.334.097/RJ, o caso da Chacina da Candelária. Para o STJ, ao se deparar diante de um aparente
conflito entre liberdade de imprensa e direito ao esquecimento, cabe ao julgador ponderar a
exploração da mídia com a repercussão do crime, e analisar se o acontecimento entrou para a
história, tornando-se de domínio público.
Outros Tribunais do país já aplicaram a teoria do direito ao esquecimento, a exemplo do
TJBA, TJDF, TJRS, TJRJ, TJSP, TRE-PR e TRF da 4ª Região. Contudo, ainda existem questões

127
ENTRE ASPAS

a serem pacificadas – como a exata abrangência do direito de ser esquecido – o que só deve
ocorrer no futuro, na medida em que os Tribunais Superiores forem se deparando com situações
controversas e a doutrina for examinando mais a fundo as peculiaridades do tema.

Referências____________________________________________________________

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concreto. In: FARIAS, Cristiano Chaves de (coord.). Liberdade de Expressão versus Direitos da
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TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Parte Geral. 8. ed. São Paulo: Método, 2012.

128
A REVISTA DA UNICORP

O ATENDIMENTO TÉCNICO DO CENTRO DE REFERÊNCIA DA MULHER E O


EMPODERAMENTO DAS MULHERES NO MUNICÍPIO DE IRECÊ

Leonellea Pereira
Bacharela em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba – UEPB.
Especialista em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça pela
Universidade Federal da Bahia – UFBA. Especialista em Ciências Penais
pela Universidade Anhanguera/Uniderp/Rede LFG. Advogada inscrita na
OAB/BA. Conciliadora dos Juizados Especiais da Comarca de Irecê.
Endereço: Rua 7 de setembro, nº 229, Centro, CEP: 44.915-000, São
Gabriel – BA. E-mail: leonellea@hotmail.com

Anderson Eduardo Carvalho de Oliveira


Orientador. Bacharel em Direito pela Faculdade de Alagoas – FAL. Mestre
em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo pela
Universidade Federal da Bahia – UFBA. Advogado inscrito na OAB/BA.
Professor Substituto no curso de graduação em Gênero e Diversidade da
Universidade Federal da Bahia – UFBA. Endereço: Estrada de São Lázaro,
nº 197, Federação, CEP: 40.2010-909, Salvador – BA. E-mail:
eduardo.carvalho87@yahoo.com.br

Resumo: Propõe-se estudar de que forma o trabalho realizado pelas técnicas do Centro de
Referência da Mulher Ana Joaquina de Castro Dourado tem promovido o empoderamento das
mulheres atendidas no Território de Irecê. Utilizamos a revisão de literatura e a análise
documental, através da aplicação de questionários a um recorte de usuárias atendidas pelo
serviço. Foi abordada a importância do papel exercido por este equipamento de atendimento às
mulheres em situação de violência, as dificuldades enfrentadas para exercer este trabalho,
destacando a importância de um maior investimento, em especial o cumprimento da pactuação
pelos municípios do Território de Irecê para que o CRMAJCD possa cumprir os objetivos
contidos na Norma Técnica de Uniformização dos Centros de Referência da Mulher e na
Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Destaca-se a necessidade
da sensibilização dos gestores públicos para a importância de investir na política de
enfrentamento à violência, pois só assim estes terão condição de compreender o quão grande
é a necessidade das mulheres que se encontram em ciclos de violência e que o CRMAJCD
pode ajudá-las se tiver investimento para realizar ações pontuais, com foco individual e coletivo,
a fim de alcançar o empoderamento das mulheres em todas as suas dimensões.

Palavras-chave: Empoderamento. Violência contra a mulher. Centro de Referência da Mulher.

129
ENTRE ASPAS

1. Introdução

A violência de gênero encontra sua nascente na construção sociocultural de papéis


quase sempre estereotipados acerca do ser feminino e do ser masculino. Trabalhar esse fenômeno
implica desfazer mitos e preconceitos difundidos durante séculos. Para tanto, é preciso uma
nova linguagem e redefinição desses papéis construídos de forma estigmatizada e sedimentados
ao longo dos tempos.
A violência doméstica e familiar é um problema que atinge mulheres, crianças,
adolescentes e idosas em todo o mundo. Decorre da desigualdade nas relações de poder entre
homens e mulheres, bem como da discriminação de gênero ainda presente tanto na sociedade
como na família. Apesar de ser um problema antigo, apenas recentemente, após a publicação da
Lei nº 11.340/2006, ganhou mais visibilidade perante os profissionais do Direito no país.
O objeto de pesquisa em torno da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra
as Mulheres foi o Centro de Referência da Mulher Ana Joaquina de Castro Dourado – Território
de Irecê e o efeito do atendimento oferecido pelas técnicas – pedagoga, advogada, assistente
social e psicóloga – na promoção do empoderamento das mulheres atendidas pelo serviço na
sua cidade sede.
O objetivo geral deste trabalho consiste em compreender se o trabalho realizado pelas
técnicas do CRMAJCD contribui para a promoção do empoderamento das mulheres usuárias
do serviço. A partir disso, pretende-se também apreciar a satisfação das usuárias quanto aos
serviços recebidos através de entrevistas com mulheres que foram escolhidas aleatoriamente
no arquivo do Centro de Referência da Mulher.
A metodologia empregada, inicialmente, girou em torno da revisão de literatura, buscando
fundamentar teoricamente os objetivos e resultados da pesquisa que ora se apresenta. Foram
realizadas entrevistas focalizadas dirigidas a um recorte de usuárias por meio de um roteiro de
questionamentos semiestruturado, com o auxílio de uma câmera digital que possibilitou a
gravação e posterior transcrição das falas das mulheres ouvidas.
Nas considerações finais, serão expostas as conclusões aferidas a partir da análise dos
dados alcançados, sugerindo caminhos a serem tomados pelo poder público para dar efetividade
às políticas públicas de enfrentamento à violência contra a mulher, trazendo também uma
avaliação da capacidade do serviço para promover o empoderamento das mulheres atendidas
no Território de Irecê.

2. O fenômeno da violência doméstica e familiar contra a mulher

A violência de gênero surge com o patriarcado, que constrói socioculturalmente os


papéis quase sempre inalteráveis acerca do ser feminino e do ser masculino. Discutir este
elemento implica em lutar contra comportamentos difundidos durante séculos e estabelecidos
como corretos e imutáveis. Por isso, é necessário aprofundar as pesquisas a respeito do
assunto, para que se possa, de forma fundamentada, buscar as redefinições desses papéis
construídos de forma estigmatizada e sedimentados ao longo dos tempos.
A violência contra a mulher geralmente se identifica com a violência doméstica. Porém,
o conceito de violência contra a mulher é mais amplo, pois inclui, segundo consta no art. 1º da
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, qualquer
ato de violência baseado em sexo, que ocasione algum prejuízo ou sofrimento físico, sexual ou

130
A REVISTA DA UNICORP

psicológico às mulheres, incluídas as ameaças de tais atos, coerção ou privação arbitrárias da


liberdade que ocorram na vida pública ou privada (BRASIL, 2002).
Essa violência é vista como um processo social, judicial, interpessoal e pessoal de
interpretação de um relacionamento íntimo e agressivo (ANGELIM, 2009). Por ser processo, a
violência contra a mulher não pode ser resumida a um episódio isolado de agressão. Por ser
social, não permite seja compreendida senão por meio de uma análise mais abrangente, que
inclui o papel que é reservado à mulher na sociedade. É por isso que a discussão sobre tal
processo deve vir acompanhada da verificação de sua principal condição ideológica: o
patriarcado, compreendido como um modelo de relações sociais no qual predominam valores
estritamente masculinos, fundamentados em relações de poder (BIANCHINI, MAZZUOLI,
2009). O poder, por sua vez, é exercido por meio de diversificados e complexos mecanismos de
controle social que tem por objetivo a manutenção do modelo hegemônico, produzindo a
marginalização dos grupos considerados inferiores (BIANCHINI, MAZZUOLI, 2009).
Característica das relações sociais patriarcais é a dominação do gênero feminino pelo masculino,
que costuma ser marcada (e garantida) pelo emprego de violência física e/ou psíquica
(SABADELL, 1998).

2.1 Gênero como construção social

O conceito de Gênero é de fundamental importância para a compreensão dos


comportamentos sociais ligados à violência contra as mulheres, e aponta para o conjun-to de
fatores socioculturais atribuídos aos corpos, esta-belecendo a ideia de masculino e feminino.
Em outras palavras, a condição de gênero está ancorada nos signi-ficados que indicam o que
é ser homem ou ser mulher e não na anatomia dos corpos. Assim, as ciências sociais enfatizam
que as identidades masculina e feminina não são construções biológicas, são culturais,
engendradas sobre os corpos e variáveis através da história, ou seja, as diferenças de gênero
são principalmente diferenças estabelecidas entre homens e mulheres por meio das relações
sociais que se dão na história, fazendo de gêne-ro uma categoria de classificação dos indivíduos,
assim como a classe social e a raça/etnia (HEILBORN, ARAÚJO, BARRETO, 2010).
Para Simone de Beauvoir, um dos ícones do movimento feminista dos anos 1960, “ninguém
nasce mulher, torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma
que a fêmea humana assume no seio da sociedade” (BEAUVOIR, 1967, p. 9). Esta constatação
implica analisar as representações do masculino e feminino que são construídas nos diferentes
contextos sociais, e como elas se investem de poder uma em relação às outras.
Trata-se, portanto, de uma categoria para se referir à construção social dos papéis do
homem e da mulher na sociedade moderna. Nesse sentido, o termo gênero indica uma rejeição
ao determinismo biológico a que remete a noção de sexo ou diferença sexual e busca examinar
a dimensão relacional das expressões feminilidade e masculinidade (SCOTT, 1990). Ou seja,
trata-se de perceber que as definições de homem e mulher não podem ser isoladas umas das
outras.

2.2 Política Nacional, Pacto Nacional e Rede de Enfrentamento à Violência


contra as Mulheres

A definição de enfrentamento, adotada pela Política Nacional de Enfrentamento à


Violência contra as Mulheres, diz respeito à implementação de políticas amplas e articuladas,
que procuram dar conta da complexidade da violência contra as mulheres em todas as suas

131
ENTRE ASPAS

expressões. A noção de enfrentamento não se restringe à questão do combate, mas compreende


também as dimensões da prevenção, da assistência e da garantia de direitos das mulheres, que
compõem os Eixos Estruturantes da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as
Mulheres (BRASIL, 2011, a).
A Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres buscará implementar
ações previstas no Plano Nacional de Políticas para as Mulheres que apresenta como eixos
estruturantes a garantia da aplicabilidade da Lei Maria da Penha; ampliação e fortalecimento da
rede de serviços para mulheres em situação de violência; garantia da segurança cidadã e
acesso à justiça; garantia dos direitos sexuais, enfrentamento à exploração sexual e ao tráfico
de mulheres; garantia da autonomia das mulheres em situação de violência e ampliação de seus
direitos (BRASIL, 2011, a).
Quanto ao segundo eixo, ampliação e fortalecimento da rede de serviços para mulheres
em situação de violência, as ações a ele relacionadas incluem, além da ampliação dos serviços
especializados e a capilaridade do atendimento, o fortalecimento da Rede de Atendimento para
Mulheres em Situação de Violência. Sobre os serviços da rede de atendimento, dispõe o art. 35
da Lei nº 11.340/2006 – Lei Maria da Penha que a União, o Distrito Federal, os Estados e os
Municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências, centros de
atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes em situação
de violência doméstica e familiar, dentre outros serviços.
Na realidade do Território de Irecê, dispõe-se apenas o Centro de Referência da Mulher
Ana Joaquina de Castro Dourado3, que foi implantado na cidade de Irecê em 22 de dezembro
de 2010. Trata-se de um equipamento de atendimento às mulheres em situação de violência
destinado a intervir para fazer cessar a situação de violência vivenciada pela usuária atendida,
sem ferir o seu direito à autodeterminação, promovendo meios para que ela fortaleça sua
autoestima e tome decisões relativas à situação de violência por ela vivenciada, assim como o
de prevenir futuros atos de agressão, possibilitando que se tornem protagonistas dos seus
próprios direitos, ampliando seu nível de entendimento sobre as relações de gênero. Sua
instalação é resultado das cobranças dos movimentos de mulheres e da sociedade civil
organizada do Território de Irecê pela implantação de políticas de enfrentamento à violência
contra a mulher.
O público atendido é formado por moradoras dos 20 municípios que compõe o Território
de Identidade de Irecê, quais sejam: América Dourada, Barra do Mendes, Barro Alto, Cafarnaum,
Canarana, Central, Gentio do Ouro, Ibipeba, Ibititá, Ipupiara, Irecê, Itaguaçu da Bahia, João
Dourado, Jussara, Lapão, Mulungu do Morro, Presidente Dutra, São Gabriel, Uibaí e Xique-
Xique. A maioria das usuárias do serviço residem na cidade de Irecê, onde está sediado o
equipamento de atendimento, por isso a pesquisa será centrada nesse recorte de público.
Os demais serviços previstos pela Rede de Atendimento à Mulher em situação de
violência e pela própria Lei nº 11.340/2006 estão distantes da realidade da região, inclusive os
que existem, a exemplo das polícias civil e militar, do Ministério Público, Poder Judiciário,
trabalham de forma completamente desarticulada, não tendo realizado nenhuma atividade em
conjunto com o serviço especializado já existente na região.
O Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres compreende não
apenas a dimensão da resposta aos efeitos da violência contra as mulheres, mas também as
dimensões da prevenção, assistência, proteção e garantia dos direitos daquelas em situação
de violência, bem como o combate à impunidade dos autores de violência. Além dos marcos
legais nacionais e internacionais sobre o tema, o Pacto é respaldado pelos Planos Nacionais de

132
A REVISTA DA UNICORP

Políticas para as Mulheres I e II (2004 e 2008, respectivamente) (BRASIL, 2011, p. 23-24).

2.3 Empoderamento

É de muita utilidade, ainda, definir aqui o que é Empoderamento, já que um dos objetivos
deste trabalho é verificar se o trabalho realizado pelo CRMAJCD ajuda as usuárias do serviço
a alcançá-lo. Empoderamento é tradução não-dicionarizada do termo inglês empowerment.
Denota o processo pelo qual as mulheres ganham poder interior para expressar e defender seus
direitos, ampliar sua autoconfiança, identidade própria e autoestima e, sobretudo, exercer controle
sobre suas relações pessoais e sociais (HERA, 1998 apud HEILBORN, ARAÚJO, BARRETO,
2010).
Heilborn, Araújo e Barreto dizem um pouco mais sobre este termo:

O conceito “empoderamento das mulheres” foi consolidado nas


Conferências Internacionais do Cairo/94 e Beijing/95, a partir da
contribuição dos movimentos de mulheres que lutavam contra a exclusão
social, a violência de gênero e a situação subalterna do sexo feminino na
sociedade e na família. Empoderamento representa uma maneira inovadora
de enfrentar as desigualdades de gênero existentes tanto na esfera pública
quanto na privada e estimula a ampliação das capacidades individuais,
como o acesso às fontes de poder. (HEILBORN,ARAÚJO, BARRETO,
2010, p. 165)

Na visão de Malhotra, Schuler, Boender (2002) apud Selvatty, Moreira e Baêta (2013), o
empoderamento das mulheres é definido por intermédio de cinco dimensões:

Dimensão econômica – A mulher controla o rendimento e os recursos da


família. Acesso da mulher ao emprego e ao crédito.
Dimensão Sociocultural - Liberdade de movimento, visibilidade e acesso
aos espaços sociais, participação em grupos extrafamiliares e redes sociais,
mudança nas normas patriarcais.
Dimensão Familiar/interpessoal – Tomadas de decisões domésticas,
decisões sobre gravidez, uso de métodos contraceptivos, controle sobre
a seleção do parceiro.
Dimensão Legal/política – Conhecimento dos direitos, exercício do direito
de votar.
Dimensão Psicológica – Autoestima, autoeficiência, bem-estar psicológico,
denúncia de injustiças, potencial de mobilização. (MALHOTRA,
SCHULER, BOENDER, 2002 apud SELVATTY, MOREIRA E BAÊTA,
2013, p. 233).

Este termo foi idealizado para ser aposto a to-dos os domínios da vida social e política
em que podem ser identificadas desi-gualdades acentuadas entre homens e mulheres: as relações
afetivas e pessoais, a sexualidade, a família, os espaços de trabalho e as instituições públicas
e privadas (HEILBORN, ARAÚJO, BARRETO, 2010).

133
ENTRE ASPAS

3. Metodologia

Foi utilizada a pesquisa exploratória e a pesquisa descritiva quanto aos objetivos e a


pesquisa de levantamento quanto aos dados das fichas do arquivo do CRMAJCD com o
objetivo de verificar se o atendimento oferecido pelas técnicas do serviço tem auxiliado a
promoção do empoderamento das usuárias. A partir dos dados colhidos, foi realizado o confronto
com os aspectos teóricos estudados.
Utilizou-se, inicialmente, da revisão de literatura, onde fizemos análise em livros, artigos
científicos e revistas, buscando analisar o conceito de violência doméstica e familiar contra a
mulher, além de outros muito importantes para esta pesquisa.
Em seguida, foi utilizada a análise documental, por meio da coleta de dados nas fichas
cadastrais dos atendimentos realizados pelo CRMAJCD. Nestas fichas estão contidos os
dados relativos à escolaridade, situação habitacional, número de filhos, violação de direitos
sofrida, atendimentos realizados, orientação sexual, raça/etnia, além dos encaminhamentos
realizados e providências tomadas pela equipe em relação à usuária.
Foi realizada, também, a aplicação de questionários a usuárias atendidas pelo serviço,
que foram sorteadas de forma aleatória no arquivo. Estes questionários serviram de base para
avaliar a satisfação das usuárias com o atendimento recebido e se foi promovida alguma
modificação na sua situação pessoal após visitar o serviço. Foi utilizado o método da entrevista
semiestruturada, na qual foi empregada uma câmera para gravação da fala da usuária, que foi
posteriormente transcrita.
Foram escolhidas, de forma aleatória, do universo de 100 mulheres atendidas pelo
CRMAJCD em 2013, as pastas de 05 usuárias. Preferiu-se concentrar neste ano porque boa
parte das usuárias continuam frequentando o serviço e algumas das que foram atendidas em
anos anteriores não estão com seu cadastro relativo a endereço residencial e telefone atualizado.
Ao localizar as usuárias através do telefone, foi procedida a entrevista no próprio espaço do
serviço.
A entrevista não é uma simples conversa. É uma conversa orientada para um objetivo
definido: recolher, por meio de perguntas a um informante, dados para a pesquisa. Tornou-se,
nos últimos anos, um instrumento do qual se servem constantemente os pesquisadores em
ciências sociais (CERVO, BERVIAN, SILVA, 2007). Foi realizada entrevista do tipo focalizada
(LAKATOS, MARCONI, 2004), em que utilizamos um roteiro de perguntas semiestruturado
relativos ao assunto estudado e se teve a liberdade de fazer outras perguntas, sobre razões,
motivos, esclarecimentos. Foi empregada a gravação através de uma câmera digital para não
perder nenhuma fala das usuárias, até porque anotando ou pedindo que elas escrevessem
algumas informações poderiam ser perdidas: nada mais fidedigno que a fala espontânea para
expressar opiniões.

4. Buscando o empoderamento na fala das entrevistadas

4.1 As protagonistas desta pesquisa

L.S.G. tem 23 anos, abandonou a faculdade para conviver com D.A.S., 28 anos, com
quem tem um filho. L.S.G. viveu em situação de violência por 02 anos, e iniciou o rompimento do
ciclo quando acionou a Polícia Militar para prender o seu companheiro em flagrante. A partir

134
A REVISTA DA UNICORP

disso, iniciou sua caminhada para alcançar sua liberdade pessoal, punir o autor da violência e
atribuir a ele a responsabilidade pelo pagamento de pensão alimentícia ao filho de apenas 01
ano de idade. Hoje L.S.G. trabalha e está muito feliz com isso, já que não podia fazê-lo quando
convivia com o pai da criança. Sua renda mensal é de um salário mínimo.
J.S.R. tem 44 anos, é pedagoga, recém divorciada após uma convivência de 10 anos.
Tem uma filha de 09 anos com seu ex-marido, mas isso não foi empecilho para o divórcio, visto
que a criança é muito esperta e está sempre atenta aos erros cometidos pelo pai no
relacionamento. Sofreu violência moral, psicológica e patrimonial por um bom tempo, mas
depois de empoderar-se pessoal e coletivamente, rompeu seu ciclo de violência e hoje se
encontra numa situação bem confortável. Obteve êxito em seu processo de divórcio e alimentos
e o ex-marido vem cumprindo com suas obrigações perante a filha. A renda mensal de J.S.R. é
de um salário mínimo.
L.P.S., tem 45 anos, é casada e tem 02 filhos adultos. Encontrava-se completamente
debilitada e entregue a uma depressão surgida em um casamento desestruturado, onde sofreu
violência psicológica, moral e patrimonial por muitos anos. Conseguiu libertar-se da medicação
com o fortalecimento emocional alcançado com o acompanhamento psicológico e o uso de
chás calmantes substituindo o tratamento químico. Seu processo de divórcio litigioso continua
em andamento, mas hoje ela se considera capaz de enfrentá-lo e vencê-lo. L.P.S. está estudando
o 9º ano do Ensino Fundamental e só voltou à escola depois de conseguir provar a si mesma
que ela é capaz de continuar vivendo. Ela não tem renda formal e tem se sustentado com faxinas
esporádicas e o auxílio dos filhos.
C.Z.T.D. tem 36 anos, é recém-divorciada e mãe de três filhos menores de idade. Tem
ensino médio completo, mas não tem trabalho formal. Diante das dificuldades de seu casamento
que levaram o seu marido muitas vezes até a deixar a família sem nada para comer, ela deixou sua
proatividade e talento falarem mais alto que o sofrimento e aprendeu a fazer peças artesanais
com biscuit, de onde começou a conseguir sua própria renda. Saiu de casa por não suportar
mais a violência moral, psicológica e patrimonial sofrida, levando apenas a filha mais nova,
visto que os filhos maiores são intimidados e proibidos pelo pai de sair de casa com ela. Seu
processo de divórcio litigioso se encontra em fase de execução de sentença e C.Z.T.D. já se
considera uma vencedora. Hoje tem renda mensal de um salário mínimo.
Q.V.S. tem 24 anos é divorciada e mãe de um filho. Trabalha como vendedora no comércio
local e mora com seu filho numa casa simples da zona rural de Irecê. Recebe a pensão alimentícia
da criança que é regularmente paga pelo pai. Foi estuprada por um desconhecido em uma rua
escura da cidade e não teve elementos para identificá-lo, porque foi ameaçada com uma faca e
não conseguiu ver o seu rosto. Não procurou a polícia nem o serviço de saúde logo após a
ocorrência, só tendo feito isso um mês depois, quando descobriu estar grávida. No desespero,
chegou até o CRMAJCD encaminhada por uma assistente social do hospital que a atendeu e
passou a receber os atendimentos do serviço. Sua renda mensal é de um salário mínimo.
Com este resumo da história de vida de cada uma delas e as respostas às perguntas que
lhes foram dirigidas, busca-se alcançar o objetivo desta pesquisa: o atendimento técnico do
CRMAJCD promove o empoderamento das mulheres atendidas pelo serviço?

4.2 Nosso empoderamento

Para atingir diretamente o objetivo proposto, a pergunta estruturante da entrevista foi

135
ENTRE ASPAS

se alguma mudança foi promovida na situação pessoal da usuária depois de ser atendida pelo
serviço. Um dos objetivos do CRMAJCD é influenciar o processo de empoderamento das
mulheres, que conforme Moreira (2012) é composto por diversas categorias em que se destacam
a melhoria nas condições de vida, a inclusão social, a educação e a qualificação. Esta usuária
relata a tomada de consciência sobre os seus direitos, tanto em relação à situação de violência
como também sobre a ação de alimentos em favor do seu filho:

Mudou sim, porque antes eu não obtinha nenhuma informação de como


agir, eu não sabia como quando aconteceu comigo o que fazer. Aí depois
que eu vim aqui eu fiquei mais por dentro dos meus direitos e até tive
acompanhamento de advogada, que eu não ia ter como pagar. (L.S.G, 23
anos)

A usuária J.S.R., 44 anos, estudante de Pedagogia, depois de conhecer o trabalho


do Centro e ter sido atendida pela equipe, procurou o serviço para cumprir o seu estágio
curricular e propôs a realização de oficinas pedagógicas com mulheres em situação de violência.
Foi um momento rico para as participantes e para a equipe, já que ter uma usuária com condições
de ajudar outras mulheres é renovar as forças de quem está nessa luta para conseguir também
vencer a violência.

A partir do momento que eu soube da existência do centro aquilo me


chamou a atenção. Em junho, eu procurei o centro para realizar o estágio
curricular do curso de Pedagogia. Foi a partir do momento que eu comecei
a conhecer o Centro houve uma mudança muito grande na minha vida,
muito significativa, principalmente em conhecimento de direitos e o desejo
mesmo de divulgar o centro, de mostrar que tinha ali um ambiente para
ajudar as mulheres. E a partir daí, desse estágio, eu comecei a divulgar o
centro nos lugares onde eu ia, do jeito que desse: com panfletos ou
mesmo só relatando que existia. Se eu ouvisse alguém dizendo que uma
mulher tinha sofrido violência doméstica, eu já arrumava um jeito de dar
o telefone do centro, de mandar buscar ajuda do centro. Então não foi só
uma mudança em minha vida, o que eu queria mesmo era que além da
mudança na minha vida, promover na vida de outras mulheres. (J.S.R., 44
anos)

Vê-se aqui, logo de pronto, que a entrevistada se considera uma pessoa


emancipada e com condições de ajudar outras mulheres que estejam vivenciando a mesma
situação que ela viveu. Este é o retrato fiel do empoderamento: a emancipação individual e a
tomada de consciência coletiva, de fundamental importância na trajetória de uma mulher que já
vivenciou um ciclo de violência doméstica. A perspectiva de transformação do empowerment
não vem isolada da noção de movimentos iniciados por aqueles que a desejam e estão no alvo
das situações de desigualdade (CARVALHO, 2004, LAVERACK, 2006, FREIRE e SHOR, 2011).
O empowerment só acontece se parte da pessoa ou do grupo que se encontra em situação de
desigualdade e a contraposição dessa noção com as orientações e o cotidiano dos serviços da
rede de enfrentamento à violência contra a mulher geraram reflexões importantes para esta
pesquisa que serão exploradas adiante. No lugar da valorização dos movimentos próprios e

136
A REVISTA DA UNICORP

possíveis das mulheres em situação de violência, observa-se o estabelecimento de normas


cristalizadas para o enfrentamento da violência (ABELIN, GONÇALVES, 2012).
A entrevistada L.S.G., ao ser perguntada como se sente hoje depois de tudo que já
enfrentou, fala em liberdade:

Estou livre! Hoje vou pra onde eu quero, faço o que eu quero, fico em
casa, saio, não preciso dar satisfação, e antes não era assim. Eu era uma
escrava, praticamente, dentro de casa e não tinha nem os direitos que eu
tenho hoje para ir e vir. (L.S.G, 23 anos)

Outra usuária relata a todo o tempo a mudança na sua autoestima e até mesmo no seu
visual:

Mudança no meu visual, vestir o que eu não vestia, eu era chamada de


“feia” e eu vi que eu não sou isso, eu gosto do que eu sou hoje. Corto meu
cabelo de acordo com meu gosto, uso o que eu gosto, e não sou mais
aquela feia diante do espelho que eu achava que era de tanto que eu era
chamada assim. Minha autoestima tá lá em cima! Sou alegre, contente
com todo mundo, gosto muito da escola, de todos os meus amigos. Tenho
amigos agora, porque eu era muito fechada. Tenho amigas, tenho colegas,
tudo na minha vida tá sendo maravilhoso depois que eu comecei a andar
aqui. Tive alta da psicóloga e tá tudo se encaminhando. (L.P.S., 45 anos)

Para Melo (2012), o empoderamento incide quando a mulher deixa de ser dominada pelo
homem, seja em suas opções de vida, seus bens ou em sua sexualidade, podendo ser observada
alteração quanto às decisões antes, unilaterais, não se constituindo mais como norma. A
entrevistada L.P.S. relatou que gosta muito de usar lenços no pescoço, mas que todas as vezes
que ia sair com o marido e resolvia usar um, ele ordenava que ela retirasse aquela “papagaiada”
do pescoço, porque era “ridículo” e ele não queria sair com uma “mulher feia”. Hoje ela relata
que usa tudo que gosta e se sente muito bem com isso, sem ter que dar nenhuma explicação a
ninguém sobre o que ela é. E diz se sentir uma pessoa muito melhor hoje do que há um tempo.
Após a observação das falas nas entrevistas, verificou-se que, no recorte analisado, é
possível verificar uma mudança positiva de postura. Vê-se que as entrevistadas relataram
melhora da autoestima, uma visível autoafirmação de sua identidade, autoconfiança nas suas
ações, a consciência sobre os seus direitos e a vontade de ver outras mulheres serem ajudadas
e conseguirem sair do ciclo de violência em que estão inseridas.
Nas falas das mulheres entrevistadas, conseguimos perceber o crescimento da
autoestima e a tomada de consciência sobre seus direitos, sendo, assim, uma emancipação
individual. Algumas falas, em especial da entrevistada J.S.R., 44 anos, também trouxeram a
perspectiva coletiva da emancipação, já que a todo o tempo ela se preocupa de informar outras
mulheres sobre as possibilidades de rompimento do ciclo de violência e se mobiliza neste
sentido sempre que tem oportunidade.
Foi visível em todas as entrevistadas o fortalecimento da sua autoestima, já que quatro
delas viveram relacionamentos conturbados, nos quais ouviam diariamente expressões que as
faziam crer que eram incapazes para qualquer coisa na vida, que não podiam viver longe dos
maridos e que não tinham atributos de beleza e simpatia. Depois do fortalecimento psicológico

137
ENTRE ASPAS

proporcionado pelo atendimento do CRMAJCD, elas tiveram condição de repensar sobre as


inverdades já ouvidas e têm hoje condições de afirmar para si mesmas que não são os objetos
sem valor descritos por seus antigos maridos ou companheiros. No caso da usuária que sofreu
violência sexual por parte de um desconhecido, o foco foi mais no sentido de fortalecê-la para
enfrentar o procedimento de aborto e internalizar a ideia de que ela não era culpada de nada do
que aconteceu, mas uma vítima de um crime que precisava agir rápido para não ter que levar à
frente uma gravidez resultante de estupro. Esta usuária aparenta estar muito bem, mudou de
trabalho e tem se mostrado bem resolvida na sua vida, seguindo em frente para fazer o melhor
pelo seu filho de apenas 03 anos.
Para Sen (2001), oferecer às mulheres educação e emprego (de maneira a fortalecer a
autonomia) seria o primeiro passo para aumentar seu poder de voz e permitir sua inclusão em
um debate que as excluía. Uma das entrevistadas fez uma fala nesse sentido, veja-se:

A parte jurídica tá encaminhando, mas acho que tinha que ter um apoio
maior, na questão até de providenciar um trabalho, uma ocupação. Eu leio
muito a respeito desses assuntos e eu fico analisando que é difícil tomar
uma atitude. Só o apoio jurídico e de uma psicóloga não é o suficiente. Eu
tive a felicidade de encontrar ajuda em outros lugares, o restante da ajuda
que faltou daqui eu achei com outras pessoas. Mas é necessário uma
segurança, porque no meu caso eu precisava de um lugar pra morar, de
trabalho, de alguém pra ouvir, precisa de mais, precisa de um conjunto,
de mais pessoas. Isso aqui precisa de apoio do restante da sociedade, do
comércio, as pessoas tinham que se envolver mais pra tá oferecendo
ajuda e apoio. Eu gostaria muito que as pessoas que enfrentam esses
problemas tivessem o apoio que eu tive. Mas a gente também tem que ter
coragem, e essa coragem a pessoa só adquire quando ela tem um grupo.
Sozinha ela não consegue, tem que ter muita orientação (C.Z.T.D., 36
anos).

A autonomia conquistada através da educação e do trabalho é muito importante no


processo de empoderamento da mulher. A entrevistada C.Z.T.D. enfrentou um processo de
divórcio litigioso em que todos os bens estavam em poder do marido e ela não tinha uma renda
que não fosse a dele. Saiu de casa por não suportar a convivência com o marido agressivo,
passou muita dificuldade por conta da falta de moradia própria e emprego. Seria esse o papel da
Casa Abrigo, mas a única que existe no estado da Bahia se encontra em Simões Filho, na região
Metropolitana de Salvador (Casa Abrigo Mulher Cidadã), há 500km de Irecê.
A problemática em relação às oportunidades de trabalho foi lembrada pela entrevistada
C.Z.T.D., 36 anos, que saiu de casa e foi acolhida por amigos da sua igreja enquanto resolvia as
questões judiciais em torno do seu divórcio e partilha dos bens. C.Z.T.D. recebeu ajuda de
amigos da sua igreja, que a acolheram em suas casas e não deixaram que nada faltasse a ela e
a sua filha de 04 anos. É pena que nem todas as mulheres que estão nesta situação encontram
o amparo que ela conseguiu, mas sabe-se que isso deveria ser coberto pelo poder público, que
tem faltado muito ainda em relação ao amparo às mulheres em situação de violência e
vulnerabilidade social. A Rede de Atendimento à Mulher em Situação de Violência não tem
funcionado nos moldes previstos no Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência e isso
acaba por produzir a revitimização das mulheres, que procuram os serviços disponíveis e por
vezes não recebem o atendimento adequado à sua situação específica.
Segundo Gohn (2004), o empoderamento individual tem como indicadores a autoestima,
a autoconfiança e a autoafirmação. Estes caracteres estão bem visíveis na fala da usuária L.P.S.

138
A REVISTA DA UNICORP

e também em outros momentos das outras entrevistadas. C.Z.T.D. também expressou os três
indicadores do empoderamento individual em sua fala, veja-se:

Eu me senti mais segura, senti que tinha alguém me apoiando, na questão


do apoio jurídico foi importante e também a psicóloga, porque é de
extrema importância na situação que a gente se encontra ter alguém pra
ouvir, pra você poder desabafar. Porque você sabe que vai desabafar, vai
falar e aquilo não vai virar contra você, não vai virar uma fofoca, não vai
virar um problema, saber que vai ter privacidade é bom. E nem é só a
questão da privacidade, é que a gente tem certeza que é um profissional
que estudou, que sabe o que tá lhe dizendo. Ele não é o dono da verdade,
mas a gente sabe que ele tem base pra falar. Porque às vezes a gente é tão
pressionada, tão humilhada, que as pessoas quase nos convencem de que
a gente é louco, que a gente não tem valor, que a gente não vale nada. E
quando você vai pra um profissional que estudou, que tem conhecimento
e lhe passa que você não é isso, mostra nossas qualidades, ajuda a gente
na autoestima, é bom demais. Dá força pra a gente agir. (C.Z.T.D., 36
anos)

O empoderamento inclui tanto a mudança individual como a ação coletiva. A


autoconfiança e a autoestima devem se integrar em um processo comunitário, de cooperação e
solidariedade (LEÓN, 2001). Este processo é um desafio à ideologia patriarcal e tem por objetivo
a transformação das estruturas que reforçam a discriminação de gênero e a desigualdade
social, sem ignorar processos individuais e demandas cotidianas.
Zimmerman apresenta três fatores que compõe o empoderamento individual ou
psicológico: intrapessoal, interpessoal e comportamental.

O fator intrapessoal reflete na auto percepção e pode incluir variáveis


como percepção de controle, auto eficácia e competência. O fator de
interação captura a compreensão dos indivíduos e da relação com o meio
ambiente e pode incluir variáveis, tais como o desenvolvimento de
habilidades e conhecimento de recursos. O fator comportamental
representa participar em atividades comunitárias e organizacionais
(ZIMMERMAN, 1995 apud SELVATTY et al, 2013, p.231).

Por outro lado, o empoderamento comunitário não possui caracteres universais, podendo
envolver empoderamento pessoal, desenvolvimento de pequenos grupos de apoio mútuo,
organizações comunitárias, associações e ação social e política, focalizando a conquista e
defesa de direitos, a influência na ação do Estado, com capacidade de demanda e interferência
direta ou indireta da população nas decisões políticas (SELVATTY et al, 2013, p. 231).
Conclui-se, então, que o trabalho realizado pelo CRMAJCD tem muito a crescer para
conseguir alcançar o empoderamento coletivo das mulheres, já que mesmo com as dificuldades
enfrentadas, já é possível verificar situações como a da entrevistada J.S.R., que mobiliza outras
mulheres, participa e promove atividades com grupos, vive atenta às pessoas que estão ao seu
redor e não perde a oportunidade de informar a mais uma pessoa sobre as possibilidades de
romper com o ciclo de violência em que se encontra.

139
ENTRE ASPAS

Quanto às demais, percebemos um empoderamento individual, que é também muito


importante, já que é o primeiro passo para se alcançar o empoderamento coletivo. Nas outras
quatro entrevistadas, percebemos uma mudança visível de postura, consciência dos seus
direitos e a plena condição de lutar por eles com toda a sua força de vontade. Prova disso é que
alcançaram as medidas protetivas de urgência nos processos criminais, conseguiram a partilha
dos bens no divórcio e também o pagamento dos alimentos aos seus filhos menores. E o
melhor: conseguiram fazer seus ex-maridos/ex-companheiros se afastarem para não impedir
que elas sigam seu próprio caminho, como donas da sua própria vida, já que saíram da condição
de mulher-propriedade privada para a de mulher-sujeito de direitos.

5. Considerações finais

Relembrando a análise das entrevistas e os resultados, constata-se que a atuação da


equipe do CRMAJCD tem conseguido atingir positivamente as usuárias do serviço promovendo
nelas uma maior compreensão da sua condição pessoal e com isso ajudando-as a romperem
com os ciclos de violência em que estão inseridas, ampliando sua consciência sobre os seus
direitos básicos e fortalecendo sua autoestima, autoconfiança e capacidade de autodeterminar-
se diante das situações que venham a enfrentar. Isso nos faz concluir que a equipe tem
conseguido promover o empoderamento individual das usuárias, visto que todas as
entrevistadas descreveram mudanças de postura e de atitude em suas vidas, sobre como
deixaram de permitir a “ditadura masculina” a respeito das suas opções de vida, seus bens ou
sua condição de mulher.
Nota-se, também, a partir das falas da entrevistada J.S.R., 44 anos, que com empenho e
investimento, o trabalho realizado pela equipe do CRMAJCD terá condições de promover o
empoderamento coletivo das mulheres, visto que da sua parte já se teve condições de visualizar
esta compreensão. Esta usuária não se contenta em ter modificado sua situação pessoal, mas
quer influenciar a emancipação de outras mulheres, para que possam experimentar a sensação
de liberdade que o empoderamento pode proporcionar a quem já esteve reclusa em um
relacionamento que a aprisionou, agrediu, reprimiu e sufocou.
Observando as situações trazidas pelas entrevistadas, verifica-se que o trabalho
oferecido a elas pelo CRMAJCD tem conseguido alcançar as dimensões familiar/interpessoal,
legal e psicológica. Quanto às dimensões econômica e sociocultural, é o que falta para que se
consiga atingir o empoderamento coletivo de todas elas. A falta de oportunidade de trabalho e
a ausência deste recurso às usuárias do CRMAJCD é um fator que retarda o rompimento do
ciclo de violência de muitas delas, já que a dependência econômica é um fator de grande
relevância quando a mulher avalia sua condição de sair de casa.
A dimensão sociocultural do empoderamento será possível com investimentos no serviço
por parte do poder público, pois a equipe técnica sempre tem ideias para a realização de
encontros com as usuárias do serviço para promover uma integração e identificação entre elas,
mas a dificuldade em conseguir liberação de recursos do município para estas atividades é
muito grande, por mais que nem sempre elas sejam financeiramente dispendiosas.
Reafirma-se a importância e potencial do CRMAJCD ao proporcionar o empoderamento
individual de suas usuárias, contribuindo com o fortalecimento de sua autoestima e
autodeterminação quanto às decisões sobre sua vida. Apesar das dificuldades, já se pode ver
avanços na conscientização sobre a necessidade de lutar pela igualdade de gênero. A

140
A REVISTA DA UNICORP

participação da equipe técnica influencia o início do processo de empoderamento das mulheres,


e pode acompanhá-lo em todas as suas fases, já que é uma construção e não acontece de forma
automática e imediata. Trata-se de um espaço de discussão e intervenção para explorar, interpretar,
diagnosticar e colocar em pauta assuntos importantes em torno do enfrentamento à violência
e empoderamento das mulheres. Enquanto os gestores públicos, secretários e prefeitos não se
aproximarem do debate para compreenderem a necessidade de investir no enfrentamento a
todas as formas de violência contra as mulheres, serviços como o CRMAJCD continuarão
funcionando com muitas dificuldades.

Referências____________________________________________________________

ABELIN, Paloma; GONÇALVES, Hebe Signorini. As estratégias para a promoção do empowerment de


mulheres em situação de violência de gênero. Anais do VI Congresso Internacional de Estudos sobre a
Diversidade Sexual e de Gênero da ABEH. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2012.

Nota__________________________________________________________________

1 Ana Joaquina de Castro Dourado foi uma mulher que no início do século XX, época em que as
mulheres não tinham “permissão” para muitas coisas, já defendia a participação feminina na política
de Irecê (RUBEM, 2001).

141
ENTRE ASPAS

MONITORAMENTO ELETRÔNICO: EXPERIÊNCIA BRASILEIRA


E PERSPECTIVAS

Eduarda de Lima Vidal


Mestre em Segurança Pública, Justiça e Cidadania pela Universidade
Federal da Bahia. Pós-graduada em Direito, Cidadania e Justiça pela
Escola de Magistrados da Bahia. Juíza de Direito da 1º Vara cível da
comarca de Euclides da Cunha.

Resumo: O objetivo do presente trabalho é analisar os aspectos teóricos e práticos do


monitoramento eletrônico de delinquentes. O monitoramento eletrônico surgiu dentro do
contexto das penas alternativas que buscaram encontrar soluções para a crise no sistema
penitenciário. Por ter sido recentemente introduzido no sistema legal pátrio pelas Leis nº.
12.258/2010 e 12.403/11, não existem conclusões consistentes sobre os resultados do uso do
monitoramento eletrônico no Brasil, vez que alguns estados ainda estão realizando projetos-
piloto para testar os equipamentos. Verifica-se que, por ter sido introduzido apenas recentemente
no ordenamento jurídico brasileiro, existem poucos estudos no Brasil sobre o tema, fazendo-se
necessário recorrer a bibliografia estrangeira como lastro teórico da pesquisa. Assim, o presente
estudo também possui o escopo de contribuir para ampliar a produção de conhecimento acerca
do tema escolhido. Foram analisados os resultados de experiências em outros estados e
propostas algumas sugestões adotadas em outros países para suprir as dificuldades e falhas
encontradas no processo de implementação do sistema.

Palavras-chave: Direito penal. Alternativas de controle penal. Monitoramento eletrônico.

1. Introdução

O tema escolhido situa-se na área do Direito Penal e tem como foco o recente debate
sobre o monitoramento eletrônico na execução penal. Em face da recente alteração no Código
de Processo Penal pela Lei nº. 12.403, de 4 de maio de 2011, o monitoramento eletrônico, já
largamente utilizado em outros países, foi transplantado para nosso sistema legal, como medida
cautelar diversa da prisão, no art. 319, inciso IX, do referido diploma processual penal. Todavia,
o monitoramento eletrônico também encontra previsão no sistema legal pátrio através da Lei de
Execução Penal, como forma de fiscalização no cumprimento das penas, a exemplo de saídas
temporárias e prisões domiciliares.
O sistema de monitoramento eletrônico é feito por meio de um sinalizador GPS, que
significa Sistema de Posicionamento Global (Global Positioning System), através do qual é
possível saber a localização exata do indivíduo no planeta.

142
A REVISTA DA UNICORP

Em relação à forma de adaptação aos usuários, existem atualmente quatro opções técnicas
de monitoramento eletrônico, quais sejam, a pulseira, a tornozeleira, o cinto e o microchip
implantado no corpo humano.
O monitoramento eletrônico é aplicado de forma sistemática e com grande sucesso em
diversos países, como Estados Unidos da América, Canadá, Inglaterra, Portugal, Itália,
Alemanha, Escócia, Suécia, Suíça, Holanda, França, Austrália, País de Gales, Andorra, Nova
Zelândia, Cingapura, Bélgica, Israel, Taiwan, África do Sul e, na América Latina, Argentina.
No Brasil, em face de ter sido apenas recentemente inserido no nosso sistema legal, o
uso do monitoramento eletrônico é incipiente e vem sendo utilizado em caráter experimental
nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Rondônia, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Distrito
Federal, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
A importância do estudo acerca deste tema pode ser corroborada através das constantes
notícias veiculadas pelos meios de comunicação sobre a situação de falência do sistema
penitenciário brasileiro. Com efeito, os estabelecimentos penais estão superlotados, os detentos
vivem amontoados em condições subumanas e os índices de reincidência são altíssimos.
Constata-se, pois, que este grave problema de segurança pública desvirtua a própria
finalidade da pena aplicada ao condenado, vez que esta se transmuda em mero instrumento
punitivo e de segregação do indivíduo, sem qualquer pretensão de ressocializar o criminoso e
prepará-lo para voltar ao convívio social. Neste contexto, a pesquisa busca problematizar, a
partir de aspectos teóricos e experiências práticas, as seguintes questões: 1) O monitoramento
eletrônico é alternativa viável e eficaz ao encarceramento?; 2) Qual o impacto do monitoramento
eletrônico na redução dos índices de reincidência dos criminosos?; 3) O monitoramento
eletrônico contribui para a ressocialização dos criminosos, através de sua reinserção gradativa
na sociedade?
Torna-se imperioso quebrar o círculo vicioso que se encontra arraigado no sistema
penal brasileiro, segundo o qual os mesmos indivíduos entram e saem dos presídios, cada vez
praticando infrações mais graves e distanciando-se de sua condição de cidadãos e dos direitos
e deveres a ela inerentes.
Por outro lado, não se pode olvidar que o tema monitoramento eletrônico é cercado de
acirradas polêmicas e vastas discussões, em grande parte por ser um instrumento utilizado em
poucos estados e apenas recentemente ter sido autorizado no ordenamento jurídico brasileiro.
Com efeito, inicialmente se discute a questão concernente aos direitos humanos dos
cidadãos sujeitos ao monitoramento eletrônico, pois uma corrente doutrinária encabeçada por
Maria Lúcia Karam defende a impossibilidade de sua utilização, ao argumento de que o mesmo
levaria a uma indevida exposição do condenado, atentatória a sua dignidade e intimidade.
A problemática acerca do tema é bastante ampla, pois surgem questões referentes aos
custos da implantação do sistema versus custos da manutenção dos indivíduos no cárcere,
bem como acerca da eficácia do monitoramento sob a ótica da segurança pública, englobando
tanto sua confiabilidade quanto o efeito ressocializador que cada vez mais se tem buscado.
Durante toda minha atuação profissional na área criminal, convivemos com o grave
problema da falência do sistema penitenciário brasileiro e este sempre dificultou sobremaneira
o resultado das atividades jurisdicionais desenvolvidas, vez que, diante do número insuficiente
de vagas nos estabelecimentos penais e por isto os detentos permaneciam amontoados em
condições degradantes, afastava-se qualquer possibilidade de recuperação dos mesmos. Essa
questão fez com que frequentemente nos desviássemos da atuação jurisdicional propriamente
dita para lidar com rebeliões, fugas, falta de vagas para réus nos estabelecimentos penais e

143
ENTRE ASPAS

ausência de condições mínimas de higiene e segurança nas carceragens das delegacias e


presídios. Por outro lado, em face desta realidade, não nos restou alternativa senão colocar em
liberdade presos que não estavam prontos para o convívio em sociedade e estes sempre
reincidiam ou fugiam antes que o processo fosse concluído.
Na ocasião em que participamos de intercâmbio judicial no Estado da Geórgia (EUA),
voltado para o estudo do sistema legal americano por um grupo de magistrados brasileiros,
tivemos a oportunidade de observar de perto e analisar estatísticas da bem sucedida utilização
do monitoramento eletrônico de presos no sistema norte-americano, fato que nos despertou
grande interesse pelo instituto.
Assim, quando entraram em vigor as alterações do Código de Processo Penal, que
acompanharam a tendência de tornar o encarceramento dos acusados uma exceção e introduziram
a previsão expressa do monitoramento eletrônico, vislumbramos uma luz no fim do túnel na
busca da solução do problema de segurança pública relativo à superlotação dos presídios.
Importante ressaltar que um presidiário custa aos cofres públicos cerca de R$ 1.800,00
(mil e oitocentos reais), enquanto o custo do monitoramento eletrônico por pessoa é de R$
240,00 (duzentos e quarenta reais) a R$ 600,00 (seiscentos reais) por mês, segundo informações
oficiais do Departamento Penitenciário Nacional (Depen).
Segundo o Depen, a responsabilidade pela implantação do sistema de monitoramento
eletrônico é exclusiva dos Estados, que têm autonomia para definirem modelo, métodos e
conveniência de sua adoção, razão pela qual a presente pesquisa terá por objetivo analisar a
viabilidade de implantação deste instituto no estado da Bahia, considerando dados como
população carcerária e gastos com presidiários.
A doutrina nacional a respeito do tema escolhido é reduzidíssima, por ter sido o mesmo
apenas recentemente introduzido no sistema legal brasileiro.
Nosso fundamento teórico básico será a Lei nº. 12.258, de 15 de junho de 2010, e a Lei de
Execução Penal, pois foram estes dois dispositivos legais que introduziram o instituto do
monitoramento eletrônico no ordenamento jurídico brasileiro.
Verifica-se que, antes da entrada em vigor dos noveis diplomas legais retromencionados,
qualquer trabalho desenvolvido sobre monitoramento eletrônico teria que permanecer restrito
ao plano puramente teórico, em face do óbice legislativo a sua implementação prática e
consequente observação de resultados.

2. Dignidade da pessoa humana e sistema penitenciário no Brasil

No presente capítulo, busca-se retratar a realidade penitenciária brasileira sob a ótica


do tema dos direitos humanos dos presos, demonstrando-se a necessidade de buscar
alternativas viáveis às penas de prisão e voltadas à ressocialização dos condenados.
Faz-se necessário analisar, através de dados e estatísticas oficiais, a real situação do
sistema penitenciário brasileiro, e refletir sobre possíveis soluções aos graves problemas da
segurança pública brasileira. Com a generalização da pena de prisão como meio de punição
pela prática de crimes de diferentes espécies, foi surgindo o problema da falta de espaço para
acomodar tantos condenados, somado aos custos astronômicos da manutenção desse sistema
prisional gigantesco.
Segundo dados do Depen, ao todo, o país tem 515 mil presos confinados em apenas 306
mil vagas e estima-se que 165 mil condenados com mandados de prisão expedidos estão nas

144
A REVISTA DA UNICORP

ruas por falta de espaço nos presídios. O déficit de vagas (quase 200 mil) é um dos principais
focos das críticas das Organizações das Nações Unidas (ONU) sobre o desrespeito a direitos
humanos no país, pois isto representa um número de presos 66% superior à sua capacidade de
abrigá-los.
Ao ser submetido, no final do mês de maio de 2012, à Revisão Periódica Universal -
instrumento de fiscalização do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU -, o Brasil
recebeu como recomendação “melhorar as condições das prisões e enfrentar o problema da
superlotação1”. De acordo com a organização não governamental Centro Internacional para
Estudos Prisionais (ICPS, na sigla em inglês), o Brasil só fica atrás, em número de presos, dos
Estados Unidos (2,2 milhões), da China (1,6 milhão) e da Rússia (740 mil). Não obstante a
precariedade do sistema penitenciário brasileiro, cada preso custa por mês para os cofres da
nação o total de 4,5 salários mínimos, sendo que o gasto geral dos Governos Federal e Estaduais
é de 60 milhões num só mês2.
No estado da Bahia, os dados colhidos pelo Ministério da Justiça, em junho de 2012,
retratam situação semelhante, pois a população carcerária é de 15.088 presos, enquanto que a
quantidade de vagas nos estabelecimentos carcerários é de 6.919 vagas. Existem apenas 21
estabelecimentos penais em todo o estado, sendo que apenas um estabelecimento destinado
a mulheres presas, uma casa de albergado e duas colônias agrícolas. Do total de encarcerados,
apenas 1.173 recebem educação e apenas 1.946 desempenham algum tipo de atividade laborativa
interna ou externa. Outro dado relevante, e que demonstra a fragilidade do sistema, é a quantidade
de presos custodiados nas delegacias de polícia, que são 4.947, do total de 15.088, sendo que
boa parte desse quantitativo refere-se a presos definitivos que deveriam estar cumprindo a
pena em presídios e muitos acabam permanecendo nas delegacias por falta de vagas.
Não obstante os dados acima tenham sido colhidos através de fontes oficiais, importante
ressaltar que deve ser considerada alguma margem de erro, em face das dificuldades em integrar
sistemas de estatísticas em todo o país e, ainda, diante do funcionamento desigual do sistema
de justiça, que faz com que as estatísticas criminais, quando existentes, não se mostrem
transparentes ou passíveis de serem postas à prova da sua publicização.
No século XX, o princípio da dignidade da pessoa humana ganhou destaque e foi
formalizado entre os princípios fundamentais consagrados na Constituição Federal, assumindo
papel de grande importância, pois dele decorrem todos os direitos fundamentais contidos na
Carta Magna. Nos Estados Democráticos, o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser
alçado a categoria de norma de hierarquia superior, não podendo ser alterado pelo legislador
infraconstitucional. Como consequência, as leis penais não podem criar normas que atentem
contra a dignidade humana, como impor penas cruéis ou que consistam em tortura. Na concepção
de Sarlet (2002, p. 62),

a dignidade humana constitui-se em “qualidade intrínseca e distintiva de


cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração
por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um
complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa
tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como
venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida
saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-
responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão
com os demais seres humanos.

145
ENTRE ASPAS

A Declaração de Direitos Humanos prevê as garantias fundamentais da pessoa humana


e, em seu Preâmbulo, traz os princípios de igualdade entre todos os homens, além de liberdade,
paz e justiça. O Art. 3º da referida Carta afirma que todos têm direito à vida, à liberdade e à
segurança pessoal; mas, no entanto, em contradição com este normativo, temos outra realidade,
em que a segurança pessoal não é garantida. Os direitos dos presos, além dos descritos acima,
estão previstos tanto no art. 5º da Constituição Federal quanto na Lei de Execução Penal e
englobam alimentação e vestuário suficientes, trabalho remunerado, inclusão na previdência
social, tempo dividido entre trabalho e lazer, acesso a profissão e estudo compatíveis com a
pena, assistência médica, jurídica, educacional, social e religiosa.
Não obstante este vasto rol de direitos legalmente previstos, verifica-se que, nos dias
de hoje, parece ter havido um retrocesso na evolução das penas, pois no sistema penitenciário
brasileiro, além da privação de sua liberdade, impõe-se aos detentos condições degradantes
que constituem flagrante desrespeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. Assim,
além da função retributiva e preventiva, a pena atualmente teria a função de vingança, através
da exposição do infrator a condições insalubres, voltando-se a era medieval em que a punição
tinha como principal objetivo fazer com que o condenado sofresse e se arrependesse do mal
que provocara a vítima (GRECO, 2011).
Através dos meios de comunicação, observamos a caótica e frágil situação do sistema
penitenciário brasileiro, no qual seres humanos são amontoados em celas insalubres sem
receber os mais básicos direitos humanos, como saúde, alimentação e educação. Com efeito,
os condenados não possuem assistência no fornecimento de alimentação de qualidade, as
instalações além de insuficientes são pouco arejadas, sem uma estrutura que permita ventilação
e iluminação, com dependências sanitárias deterioradas. As condições de higiene, não só das
celas, mas em todos os demais espaços, só demonstram o abandono dos apenados que também
não têm assistência médica, que fora o tratamento das patologias possui um aspecto preventivo
de grande importância.
Por outro lado, conforme os dados citados anteriormente, existe omissão no que pertine
aos programas de reinserção social, pois é ínfima a quantidade de presos que tem acesso à
educação e trabalho dentro dos estabelecimentos penais, o que faz com que, ao término da
pena, os condenados não tenham outra alternativa de sobrevivência além de reincidir na
prática criminosa.
Entretanto, apenas se percebe que o problema ganha atenção da sociedade e do próprio
Estado, quando as notícias retratam fugas e rebeliões dentro dos presídios, pois neste contexto
os presos, através da violência, ganham visibilidade por ameaçar a ilusão de segurança em que
vivemos fora dos muros das prisões. É comum, inclusive, a sensação de alívio das pessoas ao
saberem que um criminoso foi preso, como se a partir daquele momento aquele indivíduo não
mais lhes dissesse respeito e devesse ser esquecido dentro das grades das prisões.
Com efeito, estatísticas e dados fornecidos pelo Depen demonstram que, ao término de
suas penas, os indivíduos que conseguem sobreviver ao cárcere saem mais revoltados e
treinados nas práticas criminosas e cometem delitos cada vez mais graves, pois inexistem
práticas voltadas para sua ressocialização.
Constata-se que a situação de precariedade do sistema penitenciário desvirtua a própria
finalidade da pena aplicada ao condenado, pois, infelizmente, vemos que a crise vem se
agravando a cada dia, em face da omissão do Poder Público em adotar providências enérgicas
para a melhoria das condições dos presídios, sob alegação de falta de recursos. Todavia, tal
afirmação não pode continuar a ser invocada como justificativa para o desrespeito aos mais

146
A REVISTA DA UNICORP

básicos direitos fundamentais dos presos, pois, segundo Freire Soares (2010, p. 156):

o argumento da reserva do possível não deve ser utilizado


indiscriminadamente para qualquer situação concreta em matéria de direitos
fundamentais, sem a necessária consideração da realidade social, pois não
se afigura difícil a um ente público justificar sua omissão social perante
critérios de política orçamentária e financeira, mitigando a obrigatoriedade
do Estado em cumprir os direitos fundamentais, especialmente aqueles
direitos sociais de cunho prestacional, que, por conseguinte, restariam
inoperantes.

Na verdade, o descaso do Poder Público com a situação caótica do sistema penitenciário


brasileiro decorre de razões puramente egoísticas e eleitoreiras, pois os presos não votam e a
opinião pública entende que deve ser infligido aos criminosos o maior sofrimento possível
dentro das prisões. Nesta linha de raciocínio, não obstante o extenso rol de direitos dos
presos, com objetivo de garantir a preservação da dignidade humana dos mesmos, pode-se
dizer que ocorre uma constitucionalização meramente simbólica dessas garantias, que são
flagrantemente desrespeitadas.
Simplesmente editar leis prevendo melhorias para o sistema penitenciário não adianta,
vez que as regras já existentes sobre os direitos dos presos resguardam todos os direitos
básicos e, se cumpridas, fariam mais efeitos que projetos como o lançado em novembro do ano
passado, o Programa Nacional de Apoio ao Sistema Prisional, que promete criar 42 mil novas
vagas em presídios até 2014. A iniciativa tem duas metas principais: zerar o déficit de vagas
para o sexo feminino e reduzir o número de presos em delegacias de polícia, transferindo-os
para cadeias públicas. Também foi anunciada, na ocasião, uma série de novas normas que têm
o objetivo de melhorar a gestão do sistema prisional.
Ao invés de criar novas vagas, seria mais eficaz seguir o exemplo de países como os
Estados Unidos e melhorar os presídios e delegacias já existentes, nos quais muitas vezes falta
até alimentação para os internos. Assim como mais importante seria atacar as causas do
problema, através de programas sociais de base, que realmente produzissem efeito na redução
dos índices de criminalidade.
Ademais, faz-se necessário, sobretudo, buscar alternativas viáveis a prisão, para que
se possa quebrar a espiral do labelling approach, segundo a qual os indivíduos provenientes
de uma mesma classe social lotam cada vez mais os presídios e, sem outras oportunidades de
vida, saem dispostos a cometer delitos cada vez mais graves para tentar a inclusão no sistema
capitalista discriminatório que impera hoje em nosso país.
Além da precária situação dos presídios brasileiros exposta acima, analisando os dados
carcerários além dos números, percebe-se que o mesmo reproduz o mecanismo de exclusão
social que impera em nosso país. Desse modo, são as camadas mais baixas da pirâmide social
que se amontoam em nosso precário sistema penitenciário, fazendo com que o sistema de
justiça seja na verdade um sistema de injustiça e desigualdade social.
Com efeito, em sua obra, Adorno (1995) destaca de forma clara, além da grande disparidade
numérica entre processos penais envolvendo réus negros e brancos, sendo aqueles em número
muito superior, um maior rigor nas penas aplicadas aos réus negros, e uma maior dificuldade no
acesso destes aos direitos básicos dentro do processo penal. Verifica-se, pois, na prática, uma
dupla discriminação dos negros e pardos, pois além do fato da população negra e pobre ser o

147
ENTRE ASPAS

principal alvo do processo penal, existe também, como exposto anteriormente (Fig. 3), uma
perseguição aos mesmos dentro do próprio sistema penal.
Importante aduzir que, para agravar ainda mais a caótica situação do sistema penitenciário
brasileiro, os meios de comunicação vêm praticando um grande desserviço à sociedade brasileira
no que pertine ao respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. Existem atualmente
inúmeros programas dedicados exclusivamente ao tema criminalidade. Tais programas se arvoram
a autoridade para emitir opiniões sobre a criminalidade de forma sensacionalista e sem qualquer
compromisso com a realidade dos fatos, sendo que estas opiniões possuem grande penetração
e aceitação nas esferas sociais e incutem nos cidadãos ideias equivocadas sobre o tema
direitos humanos.
Como consequência, a população, atemorizada com as notícias sensacionalistas acerca
da prática de crimes, desenvolve um repúdio ao respeito dos direitos básicos dos presos,
incentivando, e até exigindo, a prática estatal de ignorar o princípio da dignidade da pessoa
humana nos estabelecimentos penais brasileiros. Nesse contexto, mínguam cada vez mais os
investimentos governamentais para melhorar a estrutura do sistema penitenciário como um
todo, pois tais iniciativas se tornaram malvistas pela sociedade e não atendem aos objetivos
“eleitoreiros” dos nossos agentes políticos. Todavia, é importante que se diga que existe
grande parcela de culpa do Poder Judiciário nesta interferência indevida da mídia, ao ser
tolerante com inverdades e notícias sensacionalistas a pretexto de permitir a liberdade de
expressão e evitar a censura.

3. Alternativas à prisão e o controle penal

Conforme demonstrado anteriormente, o sistema penitenciário brasileiro está falido e é


notória sua ineficácia ante o avassalador crescimento da criminalidade, inversamente
proporcional à criação de vagas em estabelecimentos penais. Some-se a isto o surgimento da
chamada sociedade de controle, em substituição a sociedade disciplinar, motivada, em grande
medida, pela disseminação da cultura do medo entre nós. A sociedade de controle em que
vivemos tem por principal característica uma vigilância incessante e intensa sobre os indivíduos,
que abdicam de sua privacidade em troca de uma falsa sensação de segurança.
Neste contexto, surge de forma premente a necessidade de se criar alternativas ao
encarceramento, para buscar as soluções para a criminalidade, almejadas pela sociedade pós-
moderna e que a prática demonstrou que o sistema penitenciário vem fracassando.
Importante ressaltar que não se pretende encontrar uma solução mágica para o problema,
mas apontar alternativas direcionadas a contribuir para o talvez mais grave problema de segurança
pública enfrentado: a superlotação dos presídios somada ao aumento dos índices de
criminalidade.
Frise-se que um combate efetivo à criminalidade jamais será alcançado através de medidas
de mera natureza político-criminal. Urge implementar-se também ações estatais de cunho social,
pois não há como se negar que a criminalidade está intrinsecamente ligada às desigualdades
sociais gritantes e a falta de outras oportunidades de sobrevivência de grande parte da população,
fato comprovado através de uma análise da demografia dos presídios, onde pessoas de classe
alta são exceção.
Feitas as considerações acima, limitaremos nossa análise ao âmbito das alternativas à
prisão, por mais instigantes e relevantes que sejam os demais aspectos, para manter fidelidade
ao objeto central de nossa pesquisa.

148
A REVISTA DA UNICORP

Perceba-se, pois, que a disseminação da cultura do medo é um dos mais importantes


mecanismos de controle estatal, através da exploração e divulgação da violência e os efeitos
nefastos do sentimento de insegurança. No Brasil, essa tendência se demonstra através do
crescente endurecimento do sistema penal, sob influência da mídia, que despeja seus efeitos
diretamente na superlotação dos presídios.
É preciso enfatizar que tornar as leis penais mais rigorosas, e encarcerar cada vez mais
indivíduos, atende tão somente a políticas estatais excludentes que buscam o controle social
através da segregação dos “indesejáveis” e nos distancia do ideal de liberdade buscado por
nossa sociedade. Por causa da disseminação da ideologia exposta acima, explica-se a falta de
vontade política para investir maciçamente em medidas alternativas à prisão, pois isto reflete a
mentalidade limitada da população em geral de que “lugar de bandido é na cadeia”.

4. O uso da tecnologia a serviço do sistema penal

A tecnologia avançou muito nos últimos anos e vem sendo empregada como uma
ferramenta para alcançar melhorias em nosso sistema judiciário. Hoje, audiências são realizadas
por meio de videoconferência, evitando-se o deslocamento do preso, com os custos e riscos
inerentes ao transporte do mesmo para o fórum. O processo vem se tornando virtual, conferindo
mais celeridade e economia de recursos que podem ser empregados em outros setores. As
audiências são realizadas com recursos áudiovisuais de gravação, o que otimiza o tempo
empregado em cada ato e torna desnecessária a presença de um digitador para reduzir a termo
todos os depoimentos.
É, pois, inevitável que as penas enveredem por este caminho tecnológico. A tecnologia
então deverá ser utilizada pelo sistema penal para prever alternativas à pena de prisão com a
utilização de tais recursos que permitam a punição do indivíduo sem a necessidade de
encarceramento. Com efeito, o cumprimento da pena “extramuros”, além da economia de
recursos, traria a vantagem de atingir uma função ressocializadora, pois o indivíduo não seria
segregado do convívio social e de sua família.
Como se sabe, o controle representado pela convivência em sociedade e pelo grupo
familiar é, muitas vezes, mais eficaz sobre o indivíduo do que o controle penal, razão pela qual
a reinserção social dos condenados seria gradativa e menos traumática.
Importante salientar que o primeiro dispositivo de vigilância eletrônica foi criado nos
anos sessenta pelos irmãos Ralph e Robert Schwitzgebel, psicólogos da Universidade de
Harvard. Foram realizadas experiências com jovens reincidentes em liberdade condicional, mas
o uso real do monitoramento eletrônico em infratores começou apenas em 1980. Foi somente na
década de 80 que o Juiz Jack Love, da cidade de Albuquerque, no Novo México, inspirado em
uma história em quadrinhos do Homem Aranha, encomendou um sistema de monitoramento
eletrônico. Em 1983, o magistrado testou em si mesmo o bracelete desenvolvido e posteriormente
o testou em delinquentes em sua cidade.
Nos Estados Unidos, após a experiência no Novo México, surgiram alguns projetos-
piloto, notadamente em Washington, na Virgínia e na Flórida. A implementação da tecnologia
de monitoramento foi verificada em diversos outros países, como Canadá, Inglaterra, Portugal,
Itália, Alemanha, Escócia, Suécia, Suíça, Holanda, França, Austrália, País de Gales, Andorra,
Nova Zelândia, Cingapura, Bélgica, Israel, Taiwan, África do Sul e, na América Latina, Argentina.
Na América do Sul, a primeira experiência foi em Buenos Aires, na Argentina.

149
ENTRE ASPAS

5. Origens do monitoramento eletrônico no Brasil

No Brasil, a discussão a respeito da utilização do monitoramento eletrônico na justiça


criminal é recente. Importante mencionar, quando falamos em precursores do monitoramento
eletrônico em nosso país, o projeto “Liberdade Vigiada, Sociedade Protegida”, desenvolvido
pelo juiz Bruno Azevedo, na Paraíba, que testou o sistema em cinco presos em regime fechado,
mediante parceria com a empresa INSIEL.
O estado de São Paulo foi o pioneiro em editar, em 2008, uma lei estadual regulamentando
o monitoramento eletrônico de condutas. Entretanto, em 15 de julho de 2010, foi sancionada a
Lei nº. 12.258, que prevê a possibilidade de utilização de equipamento de vigilância pelos
condenados, alterando-se a Lei de Execuções Penais ao estabelecer que, nos casos de saída
temporária no regime semiaberto de cumprimento de pena e na determinação do regime domiciliar,
o juiz poderá definir a fiscalização por meio de monitoração eletrônica. A utilização do
monitoramento eletrônico no regime aberto, nas penas restritivas de direito, no livramento
condicional e na suspensão condicional da pena foi vetada, sob o argumento de que aumentaria
os custos com a execução penal sem auxiliar no reajuste da população dos presídios, uma vez
que não retira do cárcere quem lá não deveria estar e não impede o ingresso de quem não deva
ser preso.
Posteriormente, em face da recente alteração no Código de Processo Penal pela Lei nº.
12.403/11, o monitoramento eletrônico, já largamente utilizado em outros países, foi transplantado
para nosso sistema legal, como medida cautelar diversa da prisão, no art. 319, inciso IX, do
referido diploma processual penal. Analisaremos em capítulo próprio, em face de sua relevância,
de forma pormenorizada, as experiências do monitoramento eletrônico em outros países e nos
estados brasileiros que já o adotam.

6. Análise das posições doutrinárias acerca do monitoramento eletrônico

Dentre as obras bibliográficas nacionais encontradas, Greco (2011) é defensor da adoção


do monitoramento eletrônico e sustenta que sua implantação é imperativa em face da situação
de absoluta falência do sistema penitenciário que observamos em todo o país. O mencionado
autor inclusive rebate as críticas ao sistema acerca da violação ao direito à intimidade dos
criminosos monitorados afirmando que esse direito do condenado é infinitamente mais
respeitado através do monitoramento eletrônico do que através de sua manutenção em um
estabelecimento penal superlotado e em condições subumanas.
Encontramos, ainda, Fabris (2010) que defende o monitoramento eletrônico como medida
que proporciona o afastamento do acusado do cárcere, sem deixar de ser punido, porém,
possibilitando sua reinserção social. Carvalho (2010) indica de forma bastante contundente as
vantagens do sistema, ao defender que as experiências com o monitoramento eletrônico em
outros países mostrou grande impacto na redução da população carcerária, a diminuição dos
gastos públicos com os presos, a diminuição da reincidência e a efetiva reinserção do preso ao
convívio social, sem que o Estado perca a vigilância sobre ele.
Contrário ao monitoramento eletrônico, Souza Júnior (2008) sustenta que este sistema
geraria a “coisificação” da pessoa, ao transformar o indivíduo em um objeto controlado pelo
Estado, maculando seus direitos de cidadão. Para esta corrente doutrinária, o homem deixaria
de ser uma pessoa e passaria a ser um objeto controlado pelo Estado, pois o monitoramento se

150
A REVISTA DA UNICORP

assemelharia com o controle de animais em determinadas zonas e proteção ambiental.


Neste debate, Maria Lúcia Karam (2007) afirma que o monitoramento eletrônico pode
levar a um retorno do Estado totalitário, no qual a própria sociedade seria uma prisão,
proliferando-se medidas de vigilância pessoal com a violação total da liberdade individual e
privacidade de todos os cidadãos. Existem também os doutrinadores defensores de que a
utilização do equipamento pelo condenado causaria uma discriminação do mesmo em sociedade,
pois ele seria obrigado a carregar em seu corpo uma marca que o identificaria como criminoso.
Por sua vez, Alexandre Pandolfo (2012, p. 29) afirma que

o monitoramento eletrônico, pretende desencarcerar os indivíduos e


permitir aos mesmos manter sua dignidade, mas trata-se, na verdade, de
uma ampliação das malhas punitivas do sistema penal que se caracteriza
por manter o estado atual de violência aos direitos individuais.

Não obstante as críticas acima mencionadas, os defensores do monitoramento eletrônico


alegam que o consentimento do acusado em utilizar o equipamento suplanta eventual alegação
de violação ao princípio da dignidade humana, com exceção de Karam (2007, p.192) que afirma
que

por mais paradoxal que possa parecer o discurso daqueles que são contra
a utilização do monitoramento eletrônico por meio de braceletes, pulseiras
ou tornozeleiras, é notório que tal prática concretiza a sombria perspectiva
do controle total do Estado sobre os indivíduos. Dessa forma, não se
pode pensar a questão sob os efeitos do desespero de quem está
preventivamente privado de sua liberdade, pois, nessa condição, qualquer
esmola de liberdade dada ao sujeito é uma dádiva.

Rebatendo as críticas que se fundamentam na mácula ao princípio da dignidade da


pessoa humana com a utilização do monitoramento eletrônico, Souza Júnior (2008) defende
que o norte para determinar a legitimidade do uso do monitoramento eletrônico é o princípio da
proporcionalidade contrastante, pois se deve valorar qualitativamente determinada garantia
em relação a outra. Nesta senda, deve-se fazer o comparativo da situação do apenado no
cárcere e fora dele, embora submetido a vigilância eletrônica. Como resultado, percebe-se que
a prisão restringe, além do direito de locomoção do indivíduo, também seu direito de conviver
em sociedade, ao passo que o monitoramento eletrônico mitiga o direito a privacidade, porém
preserva o direito ao convívio social e a possibilidade de ressocialização do apenado.
Existem ainda os autores que são contrários à utilização do monitoramento eletrônico
por entenderem que o mesmo é excessivamente benigno ao delinquente, não possuindo o
necessário efeito intimidante inerente à natureza retributiva da pena. Afirmam também que o
monitoramento eletrônico centra-se apenas no controle do condenado, esquecendo-se da
tarefa de ressocializá-lo.
Em face da escassa bibliografia nacional sobre o tema, faz-se necessária a busca de
subsídios teóricos estrangeiros, especialmente obras bibliográficas e pesquisas norte-
americanas que tratam a matéria com maior profundidade e rigor científico. Bales (2010)
coordenou uma pesquisa sobre monitoramento eletrônico que servirá de parâmetro inicial para
a realização do presente trabalho, por ter analisado em profundidade os índices de reincidência

151
ENTRE ASPAS

em condenados que utilizaram o sistema. John Howard Society of Alberta (2000) também
realizou trabalho que aprofunda com rigor científico e precisão o tema do monitoramento
eletrônico, chegando a analisar o impacto da utilização do sistema nas famílias dos condenados.

7. Conceito

Inicialmente, verifica-se que a semântica da palavra monitorar, já nos fornece as bases


para a conceituação do instituto em estudo, vez que significa acompanhar, vigiar e
simultaneamente avaliar (alguém, atividade, desempenho, funcionamento etc.) com ou sem
aparelhos. O monitoramento consiste no uso de um dispositivo eletrônico pelo infrator, com
o intuito de controlar seus movimentos, evitando que se distancie ou se aproxime de locais
definidos pela decisão que determinou o acompanhamento eletrônico do mesmo.
Através do sistema de monitoramento eletrônico, a liberdade do indivíduo é controlada
e restrita, pois sua localização é rastreada pelo sistema para fiscalizar o cumprimento das
condições impostas pelo juiz.
No monitoramento eletrônico de condutas, o usuário é rastreado via satélite através
de um aparelho chamado Sistema de Acompanhamento de Custódia 24 horas - SAC 24, que
funciona através de rádio frequência e informações criptografadas dos dados sobre a posição
em que se encontra o usuário. Os dados colhidos pelo sistema são enviados a um servidor e
podem ser acessados por um terminal conectado à internet. O controle pode ser realizado
através do uso de um bracelete, pulseira ou tornozeleira. O dispositivo utilizado pelo usuário
possui um sensor antifraude e ruptura e possui uma bateria que dura em média 12 horas. Existe
uma outra forma de monitoramento através de um microchip desenvolvido por nanotecnologia
e que seria inserido no corpo do apenado, sendo os dados deste chip transmitidos via
satélite, para que se saiba sua localização exata (FIGUEIRA, 2008).
Sob o aspecto técnico, podemos apontar três finalidades do sistema de vigilância
eletrônica, que são:
1. Detenção: A finalidade da vigilância neste caso é assegurar a permanência do
monitorado em determinado local. É a forma utilizada para fiscalização da prisão domiciliar.
2. Restrição: o monitoramento eletrônico é utilizado para evitar que o indivíduo adentre
em áreas demarcadas pela justiça penal ou para proibir que não se aproxime de determinadas
pessoas.
3. Vigilância: Nesta situação, o indivíduo é monitorado de forma permanente mas não
está sujeito a nenhuma restrição de permanecer em determinado lugar ou se aproximar de
determinadas pessoas.
Inicialmente, o monitoramento eletrônico foi desenvolvido nos Estados Unidos com o
objetivo de fiscalizar a prisão domiciliar e a tecnologia utilizada era a radiofrequência. Neste
tipo de sistema o infrator era obrigado a contatar o supervisor diariamente e recebia chamadas
telefônicas periódicas para verificar se estava em sua residência. A tecnologia de radiofrequência
permitia apenas a verificação de que o monitorado estava em casa. Posteriormente, os avanços
tecnológicos permitiram o desenvolvimento do sistema de monitoramento hoje utilizado,
através de sistema de posicionamento global (GPS).

8. Monitoramento eletrônico na legislação brasileira e hipóteses de aplicação

Importante ressaltar que o monitoramento eletrônico foi introduzido tardiamente no


Brasil, e sua implementação vem ocorrendo de forma bastante lenta, embora a previsão

152
A REVISTA DA UNICORP

legislativa já tenha constituído grande avanço após cerca de 30 anos de utilização do instituto
em outros países.

8.1. Lei nº. 12.258/2010

Como dissemos anteriormente, a inserção do monitoramento eletrônico no ordenamento


jurídico é bastante recente, embora tenham existido experiências-piloto em alguns estados, que
analisaremos em capítulo próprio, em momento anterior à entrada em vigor da Lei nº. 12.258/
2010.
Os primeiros passos no sentido de implantar o monitoramento eletrônico no Brasil
surgiram no ano de 2007, através de propostas no Congresso Nacional que defendiam a utilização
do sistema de algemas eletrônicas no sistema penal brasileiro. No ano de 2009, o Conselho
Nacional de Justiça aprovou o Plano de Gestão para o funcionamento de Varas Criminais e de
Execução Penal, que contemplava proposta de alteração legislativa para inclusão do
monitoramento eletrônico para cumprimento de prisão domiciliar.3
A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado aprovou em 2009 um
parecer substitutivo que previa a possibilidade do condenado utilizar equipamentos de
rastreamento eletrônico como condição para obtenção de progressão para regime aberto e
concessão de livramento condicional.4
O Conselho Nacional de Justiça referendou a modificação, manifestando-se
favoravelmente à substituição do cumprimento das penas privativas de liberdade em regime
aberto e semiaberto pelo monitoramento eletrônico. Após muitas discussões, foi sancionada a
Lei nº. 12.258/2010, com vetos da Presidência da República aos dispositivos que previam a
utilização do monitoramento eletrônico no regime aberto, nas penas restritivas de direitos, no
livramento condicional e na suspensão condicional da pena. A justificativa apresentada para o
veto foi de que a utilização do monitoramento eletrônico naquelas hipóteses seria contrária a
individualização, proporcionalidade e suficiência da execução penal e, em contrapartida, não
atenderia aos objetivos de reduzir a população carcerária, pois apenas aumentaria os custos do
sistema, ao monitorar indivíduos que já deveriam estar fora do cárcere.5
Houve, ainda, veto aos dispositivos que conferiam ao juiz da execução penal a
possibilidade de determinar o uso da vigilância eletrônica quando entendesse necessário.
Assim, após os vetos presidenciais, foi aprovado o uso do monitoramento eletrônico, apenas
nas hipóteses de autorizações de saída temporária no regime semiaberto e na prisão domiciliar,
no art. 146-B da Lei nº. 12.258/2010.

8.2. Lei nº. 12.403/2011

Acompanhando a tendência legislativa de outros países, a exemplo de Portugal, foi


proposto o controle eletrônico, não apenas durante a execução da pena, mas como medida
substitutiva da prisão cautelar. O advento da Lei nº. 12.403/2011, que introduziu diversas
inovações no sistema processual brasileiro, passou a prever a monitoração eletrônica no rol
das medidas cautelares, como alternativa à prisão provisória.
As medidas, introduzidas pelo mencionado dispositivo legal, buscam evitar o
encarceramento provisório dos acusados, antes do trânsito em julgado da sentença
condenatória. As alterações legislativas contidas na Lei nº. 12.403/2011 têm por objetivo
estancar o colapso do sistema penitenciário que descrevemos em capítulo anterior, vez que,

153
ENTRE ASPAS

segundo os dados do Depen, os presos provisórios são responsáveis por ocupar mais de 42%
das vagas em estabelecimentos penais, sendo que estas deveriam ser destinadas a indivíduos
já condenados.
Assim, foi consagrada na legislação a determinação de que a prisão cautelar deve
ocorrer apenas em hipóteses restritas, de forma subsidiária, em caso das outras medidas
elencadas, inclusive o monitoramento eletrônico, se revelarem ineficazes para garantia da ordem
pública ou assegurar o cumprimento da lei penal.

9. Experiências com o monitoramento eletrônico

O primeiro país a adotar o monitoramento eletrônico foram os Estados Unidos, como já


mencionamos anteriormente em capítulo acerca das origens do instituto. Após as primeiras
experiências ocorridas no ano de 1964 pelos irmãos Ralph e Robert Schwitzgebel, foi em 1983
que o juiz Jack Love iniciou a utilização do monitoramento eletrônico para fins penais, de
vigilância de delinquentes. O sucesso da experiência em Albuquerque fez com que o instituto
fosse largamente utilizado e em 1990 quase todos os estados americanos já utilizavam o
monitoramento eletrônico nas hipóteses de pré-julgamento, prisão ou liberdade condicional,
segundo Rousso (2008).
De acordo com Rodriguez-Magariños (2005), em 1998 já havia 2.300 monitorados
eletronicamente em 33 estados e, dez anos mais tarde, este número saltou para 95.000,
representando um aumento de 4.200%. Nos Estados Unidos, o uso do monitoramento eletrônico
está associado à prisão domiciliar, sendo esta uma sentença autônoma de obrigação de
permanência na residência e também utilizada como forma de reduzir a população carcerária,
que neste país é a maior do mundo.
É mister ressaltar que, segundo Paterson (2009), os programas de monitoramento
eletrônico nos Estados Unidos tinham grande fator de interesse do setor privado, inserido no
processo de privatização das prisões, e consistente em inserir empresas privadas no exercício
da jurisdição, através de administração de presídios e monitoramento de delinquentes. Nos
Estados Unidos, geralmente, os usuários assumem parte dos custos do sistema de monitoramento
eletrônico e seu emprego ocorre geralmente por curta duração.
O estado de São Paulo, por ter sido o pioneiro no uso do monitoramento eletrônico,
possui um maior número de monitorados com o dispositivo e por isso foi possível colher
alguns resultados dos testes que vêm sendo realizados.
Segundo dados colhidos no site do Conselho Penitenciário paulista 6, o uso de
tornozeleiras eletrônicas reduziu em 13% o número de presos beneficiários de saídas temporárias
que não retornaram ao sistema prisional. Entre os 3.944 detentos que ficaram sob monitoramento
eletrônico na saída temporária de final de ano, apenas 226 (5,7%) deixaram de retornar ao
presídio. Em face do sucesso da experiência, a Secretaria de Administração Penitenciária pretende
expandir o programa para monitorar os cerca de 3.500 mil presos com autorização para o trabalho
externo.
Entretanto, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ)7 divulgou a informação de que, em
dezembro de 2012, mais de 8.000 presos beneficiados por saídas temporárias de final de ano e
que cumprem pena em regime aberto ou semiaberto serão monitorados eletronicamente. O
Conselho informa que os Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Pernambuco e
Rondônia já utilizam o monitoramento para acompanhar a movimentação de detentos que saem
do presídio, para fiscalizar o cumprimento de medidas impostas pelos juízes da execução penal.

154
A REVISTA DA UNICORP

O CNJ informou ainda que a maioria dos presos monitorados é do estado de São Paulo,
vez que 6.000 detentos beneficiados pelo indulto natalino utilizaram o monitoramento eletrônico
no ano de 2012. Atualmente, no Rio de Janeiro, 1.440 presos que cumprem pena em regime
domiciliar são monitorados eletronicamente. Em Pernambuco, 301 presos beneficiados pela
saída temporária de final de ano também foram monitorados eletronicamente. No estado de
Rondônia existem atualmente 400 detentos cumprindo prisão domiciliar através de
monitoramento eletrônico.
Acerca do estado de Rondônia, segundo informações colhidas no site da defensoria
pública daquele estado8, pelo menos 242 presos do regime semiaberto de seis municípios estão
cumprindo pena em casa por meio de monitoramento eletrônico. Na capital Porto Velho, a
superlotação e a falta de estrutura foram os principais motivos que levaram a Vara de Execuções
Penais a adotar a medida.
O Coordenador do Núcleo de Execuções Penais da DPE de Rondônia, defensor público
Hans Lucas Immich afirma que esta medida representa um grande avanço, em face de o
sentenciado ficar em casa, integrado ao seu meio social, ao invés de ficar encarcerado em uma
estrutura precária que não contribua para sua ressocialização. A Portaria nº. 16, expedida pelo
Tribunal de Justiça do Estado, informa que podem ser beneficiados por esse sistema os presos
do regime semiaberto condenados no máximo a até dez anos de pena, os que têm emprego ou
proposta de emprego e os que estudam. A mencionada portaria estabelece, ainda, três graus de
violações aos usuários dos aparelhos de monitoramento. A violação será leve quando o usuário
sair e retornar de seu itinerário regular, sem autorização, por prazo inferior a 10 minutos durante
o dia ou afastar-se do GPS por menos de 10 minutos durante o dia. Considera-se violação média
quando preso sair e retornar de seu itinerário regular, sem autorização, por prazo inferior a 10
minutos durante a noite ou superior a 10 minutos durante o dia, ou permanecer com o
equipamento em chamada perdida, sem comunicar imediatamente à Unidade de Monitoramento,
ou afastar-se por menos de 10 minutos em horário noturno, receber duas advertências por
violações leves e tentar romper a tornozeleira. A violação será grave se o monitorado afasta-se
do GPS por tempo superior a 10 minutos em qualquer horário, ou permanecer com o GPS
desligado, ou sair e retornar de seu itinerário regular, sem autorização, por prazo superior a 10
minutos, durante a noite, romper o lacre e retirar a tornozeleira do corpo de receber duas
advertências por violação média. O preso que incorrer nas violações graves deverá ser
imediatamente recolhido e levado à penitenciária, suspendendo o monitoramento.
Detentos do regime semiaberto, que cumprem pena na Casa do Albergado, em Ji-Paraná
(RO), estão sendo monitorados por tornozeleiras eletrônicas. O gerente do Sistema Penitenciário
de Ji-Paraná, Adriano Fortunato, informou em entrevista 9 que o ponto favorável no
monitoramento eletrônico é a redução dos custos com o detento, uma vez que o contrato com
a empresa que fornece as tornozeleiras tem valor inferior ao da manutenção do apenado dentro
da unidade. Ele afirma que a tornozeleira vai custar R$220 para os cofres públicos, ao passo
que o detento dentro da unidade custa aproximadamente R$1,2 mil pago pela sociedade. Após
a implantação da tornozeleira, o detento passa a ter todas as suas atividades monitoradas com
localização, e até fotos dos locais onde ele circula, a cada dois minutos, na central de
monitoramento. Fortunato noticiou, ainda, que existe uma central na cidade de Curitiba, sede
da empresa fornecedora, outra em Porto Velho, e uma na cidade onde o detento cumpre a pena,
e que dez agentes penitenciários trabalhando em revezamento para monitorar os detentos.
A Superintendência do Sistema Penitenciário do Pará (Susipe) informou que começou,
no ano de 2013, a utilizar um novo modelo de tornozeleira eletrônica, para permitir que presos

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ENTRE ASPAS

dos regimes aberto e semiaberto passem a cumprir prisão domiciliar monitorados


eletronicamente. O aparelho contratado é composto por uma pequena tornozeleira à prova
d’água, com bateria de 24 horas de duração e apenas 260 gramas de peso. Os dados coletados
pelo GPS são enviados para a central de monitoramento com informações sobre o local onde
está o preso. Caso exista tentativa de burlar o equipamento ou se o usuário sair da área de
prisão domiciliar, o núcleo gestor responsável registra a ocorrência e envia comunicação à
polícia e ao juiz que determinou a medida. Com a utilização do sistema, o estado do Pará
pretende a desativação da casa do albergado e também monitorar os presos do regime semiaberto
que estejam trabalhando ou durante o período de benefício da saída temporária.
O Programa de Monitoramento Eletrônico de Presos em Goiás10 foi lançado com a
apresentação das tornozeleiras que serão utilizadas em presos do estado. Nesta primeira remessa
serão 500 tornozeleiras e 200 equipamentos de proteção à vítima de violência doméstica. Esta
é a primeira vez que Goiás adquire a tecnologia de monitoramento eletrônico para presos. Até
o final de março de 2014 serão duas mil tornozeleiras e, em três anos, serão quatro mil.
No estado do Maranhão, onde ficou notória a precariedade do sistema penitenciário,
especialmente em face das sangrentas rebeliões no Complexo de Pedrinhas no ano de 2013, o
monitoramento eletrônico foi incluído entre as medidas emergenciais que vem sendo adotadas
para sanar o problema da superlotação carcerária. Em notícia veiculada na imprensa11, foi
divulgada a liberação de R$900 mil para o financiamento de projetos de alternativas penais para
o estado do Maranhão. Os recursos, do exercício de 2014, do Fundo Penitenciário Nacional
(Funpen), deverão ser complementados com outros R$100 mil, de contrapartida do estado,
totalizando R$1 milhão para a implantação do Centro de Monitoração Eletrônica em São Luís,
a capital.
Segundo notícia divulgada em 18 de dezembro de 2013, a representante da Procuradoria-
Geral do Estado de São Paulo, Marilda Watanabe de Mendonça, informou que o uso de
tornozeleiras eletrônica durante as saídas temporárias de presos vem sendo uma experiência
muito bem sucedida, pois os índices de evasão têm sido irrisórios. O estado de São Paulo
informou que está aguardando a regulamentação da Lei nº. 12.403/2011, pelo Ministério da
Justiça, para que o monitoramento eletrônico possa ser utilizado também como alternativa à
prisão preventiva.
Durante audiência realizada no estado de São Paulo12 para debater a aplicação do
monitoramento eletrônico, o ouvidor do Sistema Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça,
Marcelo Schmidt informou que a regulamentação da matéria será realizada através de decreto
da Presidência da República e deverá tomar por base a experiência dos Estados Unidos e de
países da Europa. Segundo o ouvidor, para a implementação efetiva do sistema, é imprescindível
a criação de uma nova carreira de servidores públicos baseada no Departamento de Reintegração
Social de Portugal, ou nos probation officers norte-americanos, pois sem isso o programa seria
ineficaz.
Na audiência pública, também foi ressaltada a necessidade de criação de um órgão
destinado exclusivamente para o acompanhamento dos monitorados, pois hoje as polícias, já
sobrecarregadas, não dão conta de realizar o acompanhamento e por isso não têm sido tomadas
medidas em casos de violação das condições impostas, o que faz aumentar a sensação de
impunidade e torna o sistema inócuo. Entretanto, o alto custo para criação dessas estruturas
foi apontado como o principal obstáculo para a viabilidade da implementação do monitoramento
eletrônico pela maioria dos estados e ainda não foi encontrada uma solução para esta questão
orçamentária.

156
A REVISTA DA UNICORP

Ressalte-se, ainda, que, nesta audiência pública, o defensor público Patrick Lemos
Cacicedo relatou que alguns monitorados foram prejudicados por falhas nas tornozeleiras,
aduzindo a necessidade de aperfeiçoamento técnico dos aparelhos, pois foram aplicadas medidas
disciplinares por faltas graves a alguns presos e só depois foi constatado que não houve
descumprimento das condições impostas e sim defeitos técnicos nos aparelhos.
Importante mencionar que, embora o monitoramento já esteja previsto em legislação
federal, o efetivo uso das tornozeleiras vem enfrentando resistência por parte de muitos juízes
do estado de São Paulo, que vêm proibindo sua utilização por decisão judicial. Com efeito, a
Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo13 divulgou que contratou
4.500 tornozeleiras, mediante um contrato que teve custo de R$50,1 milhões, para monitorar
todos presos do regime semiaberto, entretanto só obteve na Justiça autorização para rastrear
1.180 presos.
Existem alguns juízes que vem se recusando a utilizar o monitoramento eletrônico, em
face da constatação de falhas técnicas nos equipamentos e ausência de certeza de que os
usuários não voltarão a delinquir.
Com efeito, a justificativa dos juízes para a recusa em adotar o monitoramento eletrônico
possui respaldo nas experiências em alguns estados, pois a prática vem demonstrando que o
sistema ainda precisa de muitas melhorias de ordem técnica para que possa alcançar o grau de
eficácia e confiabilidade que se espera de um aparelho para fiscalizar presos.
O Subsecretário de Administração Prisional de Minas Gerais14, Murilo Andrade de
Oliveira, concedeu entrevista na qual informa que o estado de Minas Gerais pode repensar o
sistema de monitoramento de criminosos através das tornozeleiras eletrônicas. Foi divulgada a
informação de que 15% dos detentos que utilizaram o aparelho descumpriram as condições
impostas, ou seja, dos 2.300 presos monitorados, 350 deles não obedeceram o perímetro
permitido ou romperam o aparelho. O subsecretário informou que o aparelho também não é
inviolável e vem sendo retirado e rompido com facilidade pelos monitorados que inclusive têm
apresentado altos índices de reincidência, sem que isto seja coibido pela utilização do
monitoramento.
Um caso que merece destaque para ilustrar a falibilidade do sistema é a experiência de
um detento do Rio de Janeiro que cumpre a pena em casa através do monitoramento eletrônico.
Ele informou ao jornal Extra15 que necessita carregar a tornozeleira eletrônica junto a uma
tomada pelo menos duas vezes por dia, pois o aparelho precisa de recarga. Além disso, ele diz
que o equipamento emite som a cada dez minutos, ainda que ele esteja em casa, sem descumprir
qualquer determinação da pena. O monitorado informa que os sinais sonoros do aparelho lhe
causam grande constrangimento por chamar atenção das pessoas e estas podem lhe estigmatizar
como bandido. O Superintendente Geral de Inteligência do Sistema Penitenciário, Major Luiz
Otávio Odawara, procurado para prestar esclarecimentos, informou que não tem conhecimento
das reclamações do preso e que o sistema está em fase de testes para avaliação posterior dos
resultados. Atualmente, 1.900 presos do estado do Rio são monitorados com tornozeleiras
eletrônicas. Eles cumprem pena no regime aberto, após ganharem direito à Prisão Albergue
Domiciliar (PAD). O monitoramento eletrônico de presos no Rio começou em fevereiro de 2011.
Inicialmente, o sistema era para presos do regime semiaberto. Um mês após a utilização do
sistema, o estado suspendeu o seu uso, já que 32% dos presos monitorados fugiram e 54
tornozeleiras foram rompidas. O monitoramento foi retomado em abril de 2011.
Apesar das dificuldades práticas que vêm sendo enfrentadas pelos estados na
implementação do monitoramento eletrônico, a Comissão de Segurança Pública e Combate ao

157
ENTRE ASPAS

Crime Organizado aprovou proposta que altera a Lei de Execução Penal para incluir novas
circunstâncias em que o juiz poderá determinar a fiscalização de presos por meio de
monitoramento eletrônico16.
Atualmente, o Código de Processo Penal prevê o monitoramento eletrônico como uma
medida cautelar diversa da prisão. Já a Lei de Execução Penal autoriza o emprego das tornozeleiras
de monitoramento para autorizar a saída temporária do preso em regime semiaberto e para
determinar a prisão domiciliar.
Segundo o projeto de lei aprovado na Comissão de Segurança Pública e Combate ao
Crime Organizado, o monitoramento eletrônico poderá ser determinado pelo juiz nos seguintes
casos:
1. autorizar o gozo de livramento condicional;
2. estiver o condenado cumprindo a pena no regime aberto;
3. houver condenação de restrição de direito, com proibição a lugares específicos;
4. houver opção do condenado pelo uso do dispositivo em substituição à prisão
preventiva, ouvido o Ministério Público;
5. quando houver autorização para o condenado sair temporariamente do
estabelecimento penal, sem vigilância direta.
Apesar de ser salutar o entusiasmo legislativo pelo monitoramento eletrônico,
entendemos que, ao invés de neste momento ampliar a gama de hipóteses de utilização do
aparelho, melhor seria focar em medidas destinadas a suprir as dificuldades que vem sendo
enfrentadas na implementação do monitoramento eletrônico nos casos já previstos na legislação,
como investimentos em aquisição de aparelhos, em maior número e com maior qualidade técnica,
e contratação de servidores para as funções de fiscalização, suporte e apoio aos monitorados
no processo de ressocialização.

10. Botão do pânico e monitoramento eletrônico da vítima

Embora o objeto do presente estudo seja o monitoramento eletrônico de delinquentes,


entendemos pertinente abordar uma recente inovação criada pelo Instituto Nacional de
Tecnologia Preventiva em parceria com o Tribunal de Justiça do Espírito Santo, o chamado
botão do pânico.
O dispositivo funciona através de sistema GPS e permite que a vítima de violência
doméstica protegida pelas medidas protetivas da lei Maria da Penha acione um alerta para a
central de monitoramento quando o agressor se aproxima. O sistema também possui um
mecanismo acoplado que permite a gravação do áudio a partir do acionamento do alerta, para
que possa servir de prova judicial das ameaças ou agressões. O alerta disparado pela vítima
envia a central de monitoramento da prefeitura um sinal contendo todos os dados do agressor
e uma patrulha é imediatamente enviada ao local.
O pioneiro na adoção do botão do pânico foi o estado do Espírito Santo, que entregou
durante o primeiro ano do programa 100 dispositivos a vítimas de violência doméstica. Londrina,
no Paraná, e Belém, no Pará, também já estão utilizando o dispositivo.
O dispositivo é preso a um cinto que pode ser colocado no lugar do corpo em que a
vítima preferir e possui também um dispositivo que avisa à central de monitoramento quando
a mesma estiver sem o equipamento. A vítima é informada por telefone quando o aparelho está

158
A REVISTA DA UNICORP

sem bateria, e, caso não seja carregada após três mensagens de alerta, uma viatura é enviada
para checar a situação.
Mencionamos a presente experiência para ressaltar a inversão de papéis gerada pelo
botão do pânico, pois neste caso é a vítima que passa a ser vigiada e deve se submeter a
restrições em sua rotina. Embora a adoção do botão do pânico tenha uma finalidade salutar de
proteção às vítimas de violência doméstica, este seria um dos casos em que o agressor, e não
a vítima, deveria ser monitorado. Com efeito, este sistema, na prática, transfere para a vítima o
ônus de ser submetida a uma perda parcial e indevida de sua liberdade e privacidade, por
exemplo, tendo que levar o aparelho rastreador preso a seu corpo e preocupar-se em carregar
periodicamente o mesmo na tomada e de receber ligações a qualquer horário, caso não o faça.
Segundo informações colhidas no site do Conselho Nacional de Justiça17, apesar de a
experiência com o botão do pânico ter se iniciado há apenas um ano e ter sido distribuído a
apenas 100 mulheres, os resultados tem sido bastante positivos e já foram realizadas prisões de
agressores que descumpriram as medidas restritivas após o acionamento do alarme. Ademais,
segundo a juíza Hermínia Maria Azoury, coordenadora estadual da Mulher em Situação de
Violência Doméstica e Familiar da corte capixaba, foi constatado que o botão do pânico inibe os
agressores que passaram a temer que as vítimas possuam o dispositivo e o acionem.
Uma das vantagens do modelo adotado no Espírito Santo foi a criação de uma equipe
de patrulha treinada e com a função exclusiva de atender as ocorrências relacionadas ao uso do
botão do pânico, pois se verificou que os chamados são atendidos de forma quase que imediata,
o que confere eficácia ao objetivo do alarme.

11. Conclusão

O presente estudo analisou os aspectos teóricos e práticos do monitoramento eletrônico,


com o objetivo de contribuir para a implementação do instituto, através da análise das
dificuldades enfrentadas pelos estados brasileiros que o adotaram, em cotejo com as experiências
de países que há muito tempo utilizam com sucesso a vigilância eletrônica de delinquentes.
Com a disseminação da pena de prisão que mencionamos anteriormente, surgiu o
problema da superlotação carcerária e dos custos astronômicos da manutenção do sistema
penitenciário, ao passo que a situação dos estabelecimentos penais foi se tornando cada vez
mais precária. Assim, buscamos retratar a realidade penitenciária brasileira sob a ótica do tema
dos direitos humanos, demonstrando-se a necessidade de buscar alternativas viáveis às penas
de prisão e voltadas à ressocialização dos condenados.
Em face da situação de falência do sistema penitenciário ter sido o principal argumento
para a introdução do monitoramento eletrônico no ordenamento jurídico pátrio, analisamos os
dados do sistema carcerário brasileiro e expusemos as condições degradantes a que são
submetidos os apenados nos estabelecimentos penais brasileiros. Fizemos em seguida uma
análise da situação carcerária brasileira à luz do princípio da dignidade da pessoa humana e dos
direitos dos presos previstos na Constituição, para demonstrar que tais direitos são
flagrantemente desrespeitados pelo Estado.
Em face do aumento da criminalidade e do agravamento da crise no sistema penitenciário,
fez-se necessário buscar medidas alternativas ao encarceramento, com a ressalva que fizemos
de que a adoção isolada de medidas de cunho político-criminal não teria o condão de reduzir a
criminalidade sem a adoção de medidas de caráter social voltadas para a redução das
desigualdades sociais, pois estas constituem a raiz da crise na segurança pública.

159
ENTRE ASPAS

Dentre as medidas alternativas à prisão que surgiram nos últimos anos, o monitoramento
eletrônico foi recentemente introduzido no ordenamento jurídico brasileiro através das Leis nº.
12.258/2010 e nº. 12.403/2011, embora desde o ano de 1980 venha sendo utilizado nos Estados
Unidos e posteriormente em outros países.
Através da análise dos resultados das experiências de implementação do monitoramento
eletrônico no Brasil, verificamos que todos os estados enfrentam problemas causados
principalmente pela carência de recursos e pela ausência da estrutura necessária para a eficácia
do sistema. Com efeito, constatou-se que os estados brasileiros simplesmente adquiriram um
determinado número de tornozeleiras eletrônicas e passaram a monitorar apenados sem um
planejamento prévio e sem a criação de uma estrutura de apoio destinada ao acompanhamento
e ressocialização dos mesmos.
Constatamos que não há como se fazer uma verificação acurada de custos do sistema
de monitoramento em relação ao encarceramento baseando-se apenas no custo da tornozeleira
comparado ao custo individual do indivíduo na prisão, sob pena de se incorrer em erro na
previsão orçamentária para implementação do sistema de monitoramento. Nesta linha de
raciocínio, demonstramos que é necessário que seja previsto no orçamento não apenas o
custo de aquisição das tornozeleiras como também da criação de uma equipe semelhante ao
“probation office” do sistema americano para fiscalizar o cumprimento das medidas, vez que a
prática demonstrou que deixar esse papel a cargo da instituição policial significa condenar o
monitoramento eletrônico a mesma ineficácia verificada em relação as demais medidas cautelares
previstas na lei.

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Notas__________________________________________________________________

1 Fonte: BBC Brasil. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk>.

2 Dados obtidos na Teleconferência do Ministério da Justiça, Sistema Penitenciário - Penas Alternativas,


em 30 abr. 96.

3 Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/plano-gestao-varas-criminais-cnj.pdf>. Acesso em: 22 fev.


2011.

4 Disponível em: <http://www.senado.gov.br/ordemdodia/arquivos/avulso/2009/P_S200900273_01.pdf


>. Acesso em: 23 jun. 2010.

163
ENTRE ASPAS

5 Disponível em: <http://legislaçao.planalto.gov.br/legisla/legislacao/fraWeb>.

6 Disponível em: <http://www.conselhopenitenciario.al.gov.br/sala-de-imprensa/artigos/com-


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23 maio 2014.

7 Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/notícias/cnj>. Acesso em: 19 maio 2014.

8 Disponível em: <http://www.defensoria.ro.gov.br/site/index.php>. Acesso em: 18 abr. 2014.

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11 Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2014-02/maranhao-recebe-r-900-mil-


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12 Disponível em: <http://capez.taisei.com.br/capezfinal/index.php?secao=4&con_id=5945>. Acesso


em: 21 maio 2014.

13 Disponível em: <www.geodireito.com/?p=3577>. Acesso em: 21 maio 2014.

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aprova-novos-casos-de-monitoramento-eletronico-de-presos.html>. Acesso em: 14 maio 2014.

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164
A REVISTA DA UNICORP

JURISPRUDÊNCIA DEFENSIVA E NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Roberto Santos Pedreira de Souza


Graduado em Direito pelo Centro Universitário Jorge Amado. Pós-
Graduado (Especialização) em Direito Processual Civil pela Fundação
Faculdade de Direito da Bahia – UFBA (Universidade Federal da Bahia).
Assessor Jurídico da 2ª Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Estado
da Bahia (Seção de Recursos). Alameda Cabo Frio, nº 551 – Praia do
Flamengo, Salvador-BA. CEP nº 41.603-115. Tel.: (71) 99670377. E-
mail: robsouza@tj.ba.gov.br.

Resumo: O presente artigo possui o objetivo de traçar um comparativo entre às disposições


contidas no Projeto de Lei nº 8.610/2010 (Novo Código de Processo Civil), de iniciativa do
Senado Federal e com as alterações promovidas pela Câmara dos Deputados, e os termos
consolidados pela chamada “jurisprudência defensiva”, praticada no âmbito dos Tribunais
Superiores, pertinente ao juízo de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário. Com
base na análise de julgados provenientes do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal
Federal, serão analisadas as normas insertas na legislação processual em trâmite no Congresso
Nacional, visando explicitar como o tratamento diametralmente oposto dado pelo Poder Judiciário
e pelo Poder Legislativo, às questões referentes aos pressupostos das irresignações
excepcionais, interferem na atividade forense e no cotidiano dos jurisdicionados. Ao final,
questionar-se-á como irão conviver no ordenamento jurídico e no âmbito da aplicação do
direito o conteúdo do NCPC, se promulgado com a atual redação, e o posicionamento
jurisprudencial hodierno do STJ e do STF, no que concerne aos requisitos de conhecimento
dos recursos a eles dirigidos.

Palavras-chave: Jurisprudência Defensiva. Novo Código de Processo Civil. Pressupostos de


Admissibilidade Recursal. Tribunais Superiores.

1. Introdução

Em linhas rasas, é possível resumir o conceito de jurisprudência defensiva, no que


importa ao presente trabalho, à elaboração de mecanismos que dificultem o conhecimento de
um recurso, evitando-se adentrar ao seu mérito, face à constatação da ausência de
preenchimento de algum pressuposto de admissibilidade.
O Ministro do Superior Tribunal de Justiça Humberto Gomes de Barros, falecido em
junho de 2012, asseverou em seu discurso de posse como Presidente da citada Corte, no ano
de 2008, que a “jurisprudência defensiva, consistente na criação de entraves e pretextos para
impedir a chegada e o conhecimento dos recursos que lhe são dirigidos.”2 De acordo com o

165
ENTRE ASPAS

mencionado Ministro, tal medida serve como instrumento de fuga ao “aviltante destino” de
transformar-se o STJ em terceira instância julgadora.
A preocupação dos Tribunais Superiores com o acúmulo de demanda, que inviabiliza a
prestação jurisdicional tempestiva, não é nova. No ano de 1963, portanto, em momento no qual
era vigente a Constituição de 1946 e o Código de Processo Civil de 1939, José Afonso da Silva
já tratava da então chamada “crise do Supremo”, nos seguintes termos:

Há muito que se vem pondo em destaque a existência de profunda crise


no mais alto Tribunal do país. Crise que se traduz no afluxo insuportável
de serviços, no acúmulo de processos, naquela alta Côrte, a tal ponto de
se proclamar um possível estrangulamento da Justiça nacional. Daí aquêles
obstáculos que se tem procurado antepor ao seguimento do Recurso
Extraordinário, tentando evitar o estrangulamento judiciário, pelo
estrangulamento de um instituto processual-constitucional. (SILVA, 1963).

Desenvolvendo sua linha de raciocínio, o sempre festejado constitucionalista


sustentava, à época, que o assoberbamento do Supremo se dava, principalmente, pela grande
quantidade de recursos extraordinários manejados com fundamento em ofensa à legislação
federal. Sendo assim, propôs o ilustre professor a criação do Tribunal Superior de Justiça, cuja
competência contemplaria as matérias infraconstitucionais de alcance nacional, deixando o
STF absoluto para tratar tão somente de questões que envolviam diretamente a Constituição
Federal.
A questão não é nova. Tampouco fora resolvida. Como se pode perceber, hoje em dia,
a previsão do visionário jurista se concretizou, com o advento da Carta Magna de 1988, que
criou o Superior Tribunal de Justiça – STJ, cujas origens remontam ao extinto Tribunal Federal
de Recursos. Acontece, porém, que com o passar dos anos, ao invés de duas Cortes (STF e
STJ) devidamente aparelhadas, cada qual com sua competência devidamente estabelecida, no
intuito de assegurar a efetiva prestação jurisdicional, possuímos não um, mas dois Tribunais
com excesso de demanda, cuja atividade encontra-se deveras prejudicada por esta razão.
A partir de tal premissa, objetivando assegurar o cumprimento da função constitucional
do Superior Tribunal de Justiça (unificar o entendimento acerca da legislação federal
infraconstitucional em todo o território nacional), foram se estabelecendo diversos
entendimentos a respeito dos requisitos de admissibilidade do recurso especial (meio de
impugnação a ele dirigido, resultado da cisão de matérias cognoscíveis mediante interposição
do antigo recurso extraordinário)3, inclusive com a edição de enunciados de súmula nesse
sentido, com o objetivo de se afastar de evento semelhante à “crise” do Supremo Tribunal
Federal que ensejou sua própria criação.
Observa-se, diante desse panorama, a existência de duas razões para implementação da
“jurisprudência defensiva”, quais sejam: a necessidade de conferir ao STJ condição de manter-
se fiel aos seus escopos institucionais e a imprescindibilidade de reduzir-se o acervo do Tribunal,
tendo em vista o assoberbamento de trabalho que inviabiliza o desempenho de sua atividade
de maneira satisfatória. O mesmo se dá em relação ao STF.
Consolidados no âmbito jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, e também do
Supremo Tribunal Federal, entendimentos sobre a tempestividade, o preparo, o cabimento e
outros pressupostos recursais, vem à tona o Projeto de Novo Código de Processo Civil trazendo,
em seu conteúdo, diversas disposições não coincidentes com o posicionamento pacificado

166
A REVISTA DA UNICORP

pelo STJ e, por vezes, pelo STF.


Insta consignar, nesse diapasão, que “Os recursos especial e extraordinário são meios
excepcionais de impugnação das decisões judiciais, não se configurando como terceiro ou
quarto graus de jurisdição.” Sendo assim, “Não se prestam à correção de injustiças e se
destinam à uniformização do entendimento da lei federal no País (REsp) e à salvaguarda dos
comandos emergentes da CF (RE).” (NERY JÚNIOR, 1997). Da leitura do excerto doutrinário
acima transcrito, percebe-se claramente que a natureza excepcional dos recursos ora tratados,
por si só, já ocasionam um maior rigor formal em sua análise. A jurisprudência defensiva apenas
intensifica tal rigor.
A versão do NCPC, com as alterações promovidas pela Câmara dos Deputados, contém
diversas disposições que contrariam a esteira intelectiva firmada pelas Cortes Constitucional e
Infraconstitucional pertinente aos pressupostos de admissibilidade dos recursos especial e
extraordinário, configurando-se tal antinomia carecedora de estudo e reflexão, para que se
possa estabelecer coerência e unicidade entre essas duas fontes do direito pátrio: lei e
jurisprudência.

2. Desenvolvimento

Inicialmente, cumpre tratar de assunto que sequer é considerado como requisito de


admissibilidade do recurso especial, e sim, de pressuposto da própria existência da irresignação.
O caput do art. 13, do atual Código de Processo Civil, dispõe em sua primeira parte que
“Verificando a incapacidade processual ou a irregularidade da representação das partes, o juiz,
suspendendo o processo, marcará prazo razoável para ser sanado o defeito.” Na sequência da
redação da norma, o legislador consignou que “Não sendo cumprido o despacho dentro do
prazo, se a providência couber: I - ao autor, o juiz decretará a nulidade do processo; II - ao réu,
reputar-se-á revel; III - ao terceiro, será excluído do processo.”
Ao tratar de caso onde o recurso de apelação interposto não foi assinado pelo advogado,
o STJ afirmou que “A irregularidade na representação das partes nas instâncias ordinárias é
vício sanável, que pode ser suprido mediante determinação do juiz ou do relator, nos termos do
art. 13 do CPC.”4 Diante de tal entendimento, a Corte determinou o retorno dos autos ao
tribunal de origem, para que fosse concedido prazo à parte para que sanasse o vício em
destaque.
Sucede, todavia, que o entendimento jurisprudencial emanado do STJ é claro em
asseverar que “Tratando-se de vício sanável, a teor do disposto no art. 13 do Código de
Processo Civil, deve ser franqueado à parte prazo razoável para suprir o defeito relativo à falta
de assinatura de recurso interposto nas instâncias ordinárias.”5 Desse modo, a regra que
determina a conversão do feito em diligência, para que seja sanado o vício consistente na
ausência de assinatura do advogado na petição recursal, não se aplica ao recurso especial,
haja vista não se inserir na modalidade de irresignação ordinária.
Impende destacar que a redação do § 4º, do art. 515, do Código Buzaid, prescreve que
“Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou
renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível
prosseguirá o julgamento da apelação.” Verifica-se, nessa senda, que tal providência se refere
especificamente ao recurso de apelação, posto que encontra-se inserto no Capítulo II (“Da
Apelação”), do Título X (“Dos Recursos”), da Lei Adjetiva Civil.

167
ENTRE ASPAS

Mister ressaltar, no entanto, que embora não haja no Código de Processo Civil vigente,
qualquer restrição a aplicabilidade do seu art. 13 (capacidade processual) na instância
extraordinária, o STJ entende que “ O recurso dirigido à esta Corte Superior sem assinatura do
advogado é considerado inexistente, não sendo aplicável à instância extraordinária a concessão
do prazo previsto no art. 13 do Código de Processo Civil para regularização do vício.”6
Repise-se, nesse contexto, que o Supremo Tribunal Federal compartilha da mesma linha
de cognição, ao afirmar reiteradamente em seus julgados que “Não se conhece do recurso em
que ausente assinatura do advogado, vício que não se traduz em mera irregularidade do ato
processual praticado, de todo inviável, na instância extraordinária, converter o feito em diligência,
nos moldes preconizados pelo art. 13 do CPC.”7
No Projeto de Lei nº 8.046/2010, o art. 1.042, que cuida dos recursos especial e
extraordinário, dispõe em seu § 3º que “O Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de
Justiça poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção,
desde que não o repute grave”. Em que pese haja uma abertura semântica na expressão “desde
que não o repute grave”, dando ensejo a certa margem de discricionariedade na interpretação
da norma, é certo que havendo disposição específica quanto ao saneamento recursal na instância
excepcional, o STJ e o STF terão de enxergar com outros olhos seus posicionamentos então
consolidados.
Ao cuidar do tema, em artigo publicado pela Academia Brasileira de Direito Processual
Civil, o Professor Humberto Theodoro Júnior consignou o seguinte, litteris:

[…] Ademais, mesmo a ausência absoluta de assinatura do patrono no


recurso, quando ausente a má-fé e induvidosa a autoria da petição, não
acarreta de imediato a ineficácia do ato, sendo sanável por convalidação já
que se trata de tutela de interesse privado das partes e não envolve
interesse público, por não atentar contra o andamento do processo judicial.
Vale, aqui, relembrar o princípio da instrumentalidade do processo que
não se tutela como um fim em si mesmo, mas como meio de tornar efetivo
o direito subjetivo ao seu titular. Sendo constitucionalmente garantido a
todos o direito à prestação jurisdicional, à ampla defesa e ao justo e
devido processo legal, não há que se impedir o conhecimento de recurso
que foi tempestiva e inequivocamente manifestado por patrono
regularmente constituído pois, “a concepção moderna do processo como
instrumento de realização da justiça, repudia o excesso de formalismo,
que culmina por inviabilizá-la. Quando muito se poderia pensar, ocorrendo
dúvida sobre a autoria da petição, em intimar o recorrente para sanar o
defeito da peça protocolada sem assinatura de seu advogado, visto se
tratar de falha perfeitamente sanável [...]. (THEODORO JÚNIOR, 2004).

Além da aparente colisão entre a jurisprudência explanada de forma remansosa pelo


Tribunal da Cidadania e pela Corte Constitucional e as disposições previstas pelo Projeto do
Novo Código de Processo Civil, no que se refere à ausência de assinatura da petição de
recurso especial, mostra-se salutar abordar também o tratamento dado ao preparo dos recursos
extraordinário lato sensu pelas Corte de Superposição.
Consabido que, por força do quanto disposto pelo caput do art. 511, do CPC/73, o
ordenamento jurídico pátrio adotou a regra do “preparo imediato”, posto que “No ato de

168
A REVISTA DA UNICORP

interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o


respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção.”
Sendo assim, a ausência de comprovação do pagamento das custas recursais e do
porte de remessa e retorno do autos, quando exigidos, no momento do protocolo da petição
recursal, acarreta a deserção do apelo, e sua consequente inadmissibilidade ou não
conhecimento. Destaque-se, nesse diapasão, que o prazo ao qual se refere o § 2º do aludido
dispositivo diz respeito tão somente a insuficiência do valor recolhido.8
Dessa maneira, possível dessumir que o pagamento realizado através de documentação
incorreta (guias diversas das previstas na resolução pertinente), bem como o equivocado
preenchimento dos dados exigidos pela norma correlata, acarretam diretamente a deserção do
recurso, não havendo que se falar em oportunizar à parte a correção do erro, por não se tratar
de insuficiência do valor recolhido. Nessa trilha de pensamento, caminha remansosa a
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, senão vejamos.
Decide reiteradamente o STJ que “O preenchimento incorreto da guia de recolhimento
não pode ser tratado como erro escusável, visto que, dessa forma, não há como verificar sua
veracidade.”9 A Corte Infraconstitucional é categórica ao afirmar o seguinte:

Não é possível o conhecimento do recurso especial na hipótese em que o


recorrente não comprova o recolhimento do preparo recursal, com o
preenchimento correto da GRU, pois a exigência da parte em indicar o
número do processo não configura excesso de formalismo, mas, sim,
garantia à isonomia processual na lide, uma vez que exige, em igualdade de
condições, o zelo, o cuidado, a seriedade e a diligência no ato essencial de
preparar o recurso, bem como confere segurança ao relator do processo,
que terá certeza de que o preparo é realmente vinculado ao feito por ele
analisado naquele instante.10

Em contrapartida, o Supremo Tribunal Federal não coaduna de tal posicionamento,


posto que “esta Corte possui orientação no sentido de que mero erro material na identificação
ou preenchimento da guia de recolhimento do preparo não resulta na deserção do recurso
extraordinário.”11 Em caso levado a seu crivo, ao cuidar de tal tema, reiterou o Excelso
Pretório: “Com razão o agravante quanto à não caracterização da deserção, uma vez que
houve mero erro material por ocasião do preenchimento da Guia de Recolhimento da União.”12
As disposições contidas no Projeto do Novo Código de Processo Civil encontram
guarida na jurisprudência do STF e, por consequência, situam-se em patamar diametralmente
oposto ao consolidado pelo STJ. No que concerne às situações que envolvem a declaração de
deserção do recurso, face ao preenchimento incorreto de guia de recolhimento de custas, o
panorama atual evidencia a divergência de entendimentos entre o STF e o STJ, além da
discrepância do posicionamento deste último em relação ao NCPC.
O caput do art. 1.020, da versão do Projeto com as alterações promovidas pela Câmara
dos Deputados, resta assim redigido: “Art. 1.020. No ato de interposição do recurso, o recorrente
comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte
de remessa e retorno, sob pena de deserção.” Já o § 7º da norma projetada prescreve: “O
equívoco no preenchimento da guia de custas não implicará a aplicação da pena de deserção,
cabendo ao relator, na hipótese de dúvida quanto ao recolhimento, intimar o recorrente para
sanar o vício no prazo de cinco dias.”

169
ENTRE ASPAS

Diante desse contexto, verifica-se que a jurisprudência do STJ trata o preenchimento


incorreto da guia de recolhimento como erro inescusável, apto a ensejar, de plano, a deserção
recursal. Por outro lado, a legislação projetada assevera a concessão de prazo para regularização
da situação, como medida saneadora. Se promulgado com a atual redação, o Novo Código de
Processo Civil criará uma espécie de “antinomia” entre o direito positivado e a interpretação
decorrente da atividade jurisdicional.
Noutro giro, insta consignar que o requisito da tempestividade também se encontra em
situação delicada, ao comparar-se as disposições do NCPC projetado e o atual entendimento
jurisprudencial a respeito desse pressuposto de admissibilidade, mais especificamente, em
relação à necessidade de reiteração do recurso especial após o julgamento dos embargos de
declaração. Expliquemos através de um exemplo prático.
Julgado um recurso de apelação, através do órgão colegiado competente de um tribunal,
uma das partes pode considerar omisso, obscuro ou contraditório tal provimento jurisdicional,
opondo os pertinentes embargos de declaração. Por outro lado, a parte ex adversa pode muito
bem entender que tal pronunciamento, embora distanciado dos vícios citados acima, lhe foi
desfavorável e malferiu dispositivo de lei federal, considerando cabível, in casu, o recurso
especial.
Frise-se que as partes não possuem controle sobre a interpretação do acórdão realizada
pelo seu adversário, sendo inviável que, antes de sua intimação para oferecer contrarrazões, o
sujeito processual saiba qual modalidade recursal a parte contrária irá lançar mão. Dito isto,
perfeitamente possível a situação ora descrita (oposição de aclaratórios por uma das partes e
aviamento de recurso especial por outra, de forma concomitante).
Obviamente, os embargos declaratórios, por serem dirigidos ao órgão julgador prolator
do acórdão que decidiu a apelação, serão apreciados primeiro que o recurso especial, que
apesar de demandar prévio juízo de admissibilidade pelo tribunal de origem (art. 542, § 1º, do
atual CPC), tem suas razões endereçadas ao Superior Tribunal de Justiça, o qual é competente
para apreciar seu mérito.
Assim, após o julgamento dos embargos de declaração de uma das partes, possivelmente
irá subsistir o interesse do adversário no regular prosseguimento do processo, na forma da lei.
Acontece, entretanto, que para a continuidade da tramitação do feito, com o processamento do
recurso especial anteriormente manejado, o STJ exige sua ratificação, afirmando que “É
prematuro o recurso especial interposto antes do julgamento dos embargos de declaração, sem
posterior ratificação. Entendimento que se aplica, também, nos casos de oposição dos
declaratórios pela outra parte.”13
Ainda nessa seara, entende o STJ que “A necessidade de ratificação do recurso especial
não depende da alteração do acórdão com o julgamento dos embargos de declaração (efeitos
infringentes). (REsp 812.871/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe
25/10/2010).”14
Tal posicionamento, ressalte-se, encontra-se pacificado mediante a edição do enunciado
nº 418, da súmula de jurisprudência dominante do STJ: “É inadmissível o recurso especial
interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior
ratificação.” É importante salientar a orientação emanada da jurisprudência citada: a ratificação
do recurso especial é obrigatória, mesmo nas situações onde os aclaratórios foram opostos
pela parte contrária e seu julgamento não alterou o comando decisório anterior.
Importante constatar, ainda, que tal linha de raciocínio é expandida e aplicada em relação
a outras espécies recursais, como a apelação (AgRg no REsp 1204226/RS) e os embargos de

170
A REVISTA DA UNICORP

divergência (AgRg nos EREsp 1306390/SP). Mister salientar, nesse diapasão, que o tema
encontra-se em discussão no próprio STJ, mais precisamente no julgamento do recurso
especial nº 1.129.215/DF.15
O Supremo Tribunal Federal, nesse mister, demonstra, num primeiro momento,
possuir a mesma orientação esposada pelo Superior Tribunal de Justiça, ao asseverar que “É
intempestivo o recurso extraordinário interposto antes de esgotada a jurisdição prestada pelo
Tribunal de origem, posto pendente recurso de embargos, revela-se prematuro e, portanto,
incabível.” Conclui a Corte Constitucional, sobre o tema, que “Desta sorte, o recurso
excepcional deve ser reiterado ou ratificado no prazo recursal, para que referido vício seja
sanado.”16
Válido ressaltar que existem diversos precedentes do STF que seguem tal esteira
intelectiva, v.g. o recurso extraordinário com embargos de declaração nº 469.338, da 1ª Turma,
o recurso extraordinário com agravo regimental nº 476.316, da 2ª Turma e o recurso extraordinário
com agravo regimental nº 346.566, do Tribunal Pleno.
Sucede, todavia, que mostra-se iniciada uma recente guinada em tal entendimento,
posto que ao relatar o recurso extraordinário com agravo regimental nº 547.399, o Ministro
Luis Roberto Barroso asseverou que “[...] tem-se, no momento da interposição do recurso
extraordinário, decisão final da causa apta a ensejar a abertura da via extraordinária, nos
termos do art. 102, III, da Constituição.” Concluiu, a Primeira Turma, ao final, de forma
unânime, que “Dessa forma, desnecessária a ratificação.”17
Pois bem. Ao traçar um comparativo entre o entendimento majoritário do Superior Tribunal
de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, com as disposições constantes na legislação
processual em trâmite no Congresso Nacional, observa-se mais uma incongruência. O Projeto
do NCPC possui norma expressamente oposta ao posicionamento consolidado no âmbito do
STJ. É o que se percebe da leitura dos arts. 1.037, § 4º e 1.057, § 2º, litteris:

Art. 1.037. […] § 4º Se os embargos de declaração forem rejeitados ou não


alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela
outra parte, antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração,
será processado e julgado independentemente de ratificação.
Art. 1.057. […] § 2º Se os embargos de divergência forem desprovidos ou
não alterarem a conclusão do julgamento anterior o recurso extraordinário
interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos
embargos de declaração será processado e julgado independentemente de
ratificação.

Nessa senda, é patente a divergência entre a jurisprudência do STJ e a novel legislação


prestes a entrar em vigor, circunstância que não se mostra plausível posto que, diante desse
quadro, evidencia-se uma instabilidade entre o posicionamento do tribunal responsável pela
uniformidade na aplicação da lei federal e a própria lei federal. Fixado o entendimento do STJ na
vigência do atual CPC, mostra-se salutar a discussão sobre seu entendimento quando da
promulgação do diploma legal projetado.
Ainda quanto à tempestividade, interessante se mostra questão afeta à sua aferição
quando o recurso especial é interposto através do Correio. Na ausência de disposição expressa
do atual Código Processual Civil, alguns tribunais pátrios, mediante resoluções e outros atos
normativos, bem como através de convênios firmados com a Empresa Brasileira de Correios e

171
ENTRE ASPAS

Telégrafos, permitem a prática de atos processuais por esta modalidade.18


O provimento conjunto nº 011/2013, da Corregedoria Geral de Justiça e da Corregedoria
das Comarcas do Interior, disciplina o assunto no que concerne ao Tribunal de Justiça do
Estado da Bahia. Sua disposição é clara ao prever, no art. 4º, caput e inciso VI, que “Ficam
excluídas do Serviço de Protocolo Postal, devendo ser protocolizadas onde o ato processual
deva ser praticado, as seguintes petições: […] VI – as que se destinem a Unidades Judiciárias
de outros Estados, inclusive Tribunais Superiores.”
Sendo assim, a própria norma estadual se incumbiu de excluir do âmbito de abrangência
do convênio estabelecido entre o Poder Judiciário baiano e a ECT, a interposição de recurso
especial. No entanto, considerando que tal questão possui índole federal, mesmo verificado
que os recursos especiais dirigidos ao Superior Tribunal de Justiça sejam interpostos perante
os Tribunais de Justiça Estaduais e os Tribunais Regionais Federais19, a Corte
Infraconstitucional editou, no ano de 1999, o verbete sumular nº 216, cuja redação prescreve
que “A tempestividade de recurso interposto no Superior Tribunal de Justiça é aferida pelo
registro no protocolo da secretaria e não pela data da entrega na agência do correio.”
Frise-se que, consoante a jurisprudência estabelecida pelo STJ, nem mesmo as
disposições contrárias a seu entendimento, emanadas de Cortes de Justiça hierarquicamente
inferiores, possuem o condão de alterar tal posicionamento, senão vejamos:

[…] 2. “A tempestividade de recurso interposto no Superior Tribunal de


Justiça é aferida pelo registro no protocolo da secretaria e não pela data
da entrega na agência do correio” (Súmula n. 216 do STJ). 3. A Resolução
n. 857/2010 do Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul não tem o condão de infirmar a jurisprudência consolidada
do STJ. 4. Embargos de declaração rejeitados. (EDcl no AgRg no AREsp
481.844/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA,
TERCEIRA TURMA, julgado em 23/10/2014, DJe 30/10/2014).
[…] 1. A jurisprudência do Superior de Justiça entende que a data da
postagem em agência dos Correios não é considerada para fins de apuração
da tempestividade do recurso especial, mas sim a data na qual foi realizado
o protocolo pelo Tribunal a quo. 2. Com relação à alegada Resolução
004/2006/TJES, a jurisprudência desta Corte entende que o convênio
celebrado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e o Poder
Judiciário local, que possibilita o protocolo postal, não inclui as petições
dirigidas aos Tribunais Superiores. Precedentes. Agravo regimental
improvido. (AgRg no AREsp 544.855/ES, Rel. Ministro HUMBERTO
MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/10/2014, DJe 14/10/
2014).

Não há margem de dúvida, portanto, no que se refere ao cômputo do prazo para o


manejo do recurso especial e de sua data de interposição, no cenário atual. Acontece, entretanto,
que o Projeto do Novo Código de Processo Civil possui previsão diversa da linha de raciocínio
solidificada pelo STJ, inclusive, através de enunciado de súmula. Válido salientar que o Supremo
Tribunal Federal possui idêntica linha de raciocínio, conforme se extrai do seguinte precedente:

Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Recurso

172
A REVISTA DA UNICORP

extraordinário. Tempestividade. Agências dos Correios. Protocolos


descentralizados. Não caracterização. Precedentes. 1. É pacífica a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal de que a tempestividade do
recurso extraordinário deve ser aferida a partir da data de recebimento da
petição recursal no protocolo do tribunal competente, sendo irrelevante
para esse fim a data da postagem do recurso junto à Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos (EBCT). 2. As agências dos Correios não se qualificam
como postos de protocolo descentralizado para fins de interposição de
recursos para os tribunais superiores (ARE nº 694.888/RS-AgR, 2ª
Turma). 3. Agravo regimental não provido.20

A redação do NCPC dada pela Câmara dos Deputados assim dispõe, no caput do seu
art. 1.016, litteris: “O prazo para interposição de recurso conta-se da data em que os advogados,
a sociedade de advogados, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública ou o Ministério Público
são intimados da decisão.” No § 4º da aludida norma, o NCPC assim disciplina a matéria: “Para
aferição da tempestividade do recurso remetido pelo correio, será considerada como data da
interposição a data da postagem.”
A discrepância é evidente e simples de ser constatada. No atual panorama, tem-se como
data de interposição do recurso especial, para efeitos de aferição de sua tempestividade, a data
do protocolo da petição na secretaria do tribunal. A novel legislação projetada, por sua vez, em
sentido contrário, prevê que tal data será a postagem do petitório recursal no correio. Entrando
em vigor com a atual redação, mais uma vez, o NCPC entra em conflito com a jurisprudência
remansosa e pacífica esposada pelo Superior Tribunal de Justiça, o que acarretará a discussão
do tema por doutrinadores, juízes e advogados.
Questões com aptidão para tornarem-se controvertidas existem, também, em relação ao
recurso de embargos de declaração. Hodiernamente, na ausência de previsão legal explícita, o
Superior Tribunal de Justiça possui entendimento restritivo acerca do cabimento dos
aclaratórios.
O CPC/73 dispõe o seguinte: “Art. 535. Cabem embargos de declaração quando: I -
houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade ou contradição; II - for omitido ponto sobre
o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal.” Dessa maneira, pode se dizer que a legislação
processual vigente, ao menos no que se refere à omissão, não trata da espécia de pronunciamento
judicial passível de impugnação mediante a oposição dos embargos declaratórios (sentença,
acórdão, etc.).
Nesse contexto, reiterada é a jurisprudência do STJ ao afirmar que “Não são cabíveis
embargos de declaração contra a decisão que inadmite o processamento do recurso especial
[…].” O Tribunal da Cidadania conclui tal posicionamento consignando ser esta a “razão pela
qual estes não têm o condão de interromper o prazo para a interposição do único recurso
cabível, qual seja, o agravo previsto no art. 544 do Código de Processo Civil.”21 Partilha de tal
entendimento o STF, ao asseverar que “Os embargos de declaração são incabíveis contra
decisão de admissibilidade do recurso extraordinário.”22
A respeito do assunto, salutar a transcrição ipsis litteris da ressalva de entendimento
do Ministro Raul Araújo, do Superior Tribunal de Justiça, ao se manifestar sobre o tema de
maneira contrária à maioria de seus pares:

São cabíveis embargos de declaração contra decisão do tribunal de origem

173
ENTRE ASPAS

que analisa a admissibilidade do recurso especial. Isso porque, em


homenagem ao princípio constitucional da motivação, todos os
pronunciamentos judiciais devem ser proferidos em completude, sem
omissão, contradição ou obscuridade, sobretudo quando se tratar de
decisão recorrível, nesse caso, por via de agravo, a qual seria aconselhável
chegar ao tribunal ad quem sem eventuais vícios. Entende-se, pois, não
haver erro grosseiro na oposição dos embargos declaratórios.23

O posicionamento minoritário explicitado pelo trecho acima mencionado, condiz com a


redação imprimida pelo NCPC ao cuidar da questão. Nesse sentido, eis o teor do caput do art.
1.035 (versão Câmara dos Deputados): “Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão
judicial para: […].” Observa-se, nesse diapasão, a inserção na cabeça do dispositivo da expressão
“qualquer decisão judicial”, inexistente na atual redação. Repise-se, ainda, que nos incisos do
art. 1.035 do NCPC foram excluídas as expressões “sentença” e “acórdão”, o que evidencia a
intenção de dar maior abrangência ao cabimento dos embargos de declaração.
Dessa forma, vislumbra-se que a legislação processual em trâmite no Congresso Nacional
posiciona-se, também nesse mister, em sentido diametralmente oposto à jurisprudência
consolidada pelo STJ, o que trará obstáculos para a continuidade do modelo de interpretação
hodiernamente adotado nesse quesito.
Urge afirmar, em linhas finais, que diversos outros temas poderiam ser abordados no
presente trabalho, no entanto, tais assuntos merecem uma incursão incisiva e veemente na
doutrina especializada, bem como na evolução jurisprudencial dos Tribunais de Superposição,
o que foge ao escopo deste artigo, que visa tão somente estimular o debate a respeito de
questões polêmicas que envolvem a jurisprudência defensiva e o NCPC projetado.

3. Conclusão

Longe do objetivo de adotar conclusões estanques, ou de buscar respostas para


eventuais questionamentos surgidos durante o texto, propõe-se, à guisa de conclusão,
demonstrar a relevância do tema abordado, bem como explicitar a importância da discussão,
que não pode se limitar ao meio acadêmico, de matéria tão cara ao desenvolvimento do Poder
Judiciário brasileiro.
É possível pensar, de maneira rasa e superficial, que firmado determinado posicionamento
jurisprudencial acerca de uma matéria, e sobrevindo legislação que cuide do tema de modo
diverso, resta tão somente aos Sodalícios que fixaram tais premissas, revê-las. Ocorre, todavia,
que os assuntos trazidos à baila neste trabalho não são regulamentados pela atual legislação
processual civil, o que abre margem para sua regulamentação se dar mediante atividade
jurisdicional.
Numa visão carneluttiana do processo, é possível afirmar que “o direito objetivo não
tem condições para disciplinar sempre todos os conflitos de interesses, sendo necessário o
processo, muitas vezes, para a complementação dos comandos da lei.” (CINTRA,
DINAMARCO E GRINOVER, 2010). Repise-se, ainda nesse sentido, que “Há uma tarefa na
produção jurídica que pertence exclusivamente aos tribunais: a eles cabe interpretar, construir
e, ainda, distinguir os casos, para que possam formular as suas decisões, confrontando-as com
o direito vigente.” (DIDIER JR., 2009).

174
A REVISTA DA UNICORP

A título de contextualização das citações referentes à atividade jurisdicional criativa


com o tema em discussão, mister salientar que os posicionamentos que compõem a jurisprudência
defensiva são oriundos de reiteradas decisões judiciais, emanadas do STF e do STJ, no mesmo
sentido, na ausência de regramento específico por parte da lei processual em vigor. Dessa
maneira, além da jurisprudência defensiva ligar-se diretamente à decisão judicial como criação
do direito, encontra-se precisamente relacionada com a cultura de respeito aos precedentes
judiciais.
A atividade criativa do juiz, ao propor soluções concretas onde a lei, em sentido estrito,
não se mostra apta a disciplinar o tema em debate, evidencia-se cada vez mais presente no
cotidiano forense. A cultura de respeito aos precedentes judiciais ganha força sistematicamente,
servido a jurisprudência como inegável fonte do direito, e sua aplicação uniforme no território
nacional assegura a confiança da sociedade nas decisões emanadas do Poder Judiciário,
constituindo-se em corolário da segurança jurídica e da isonomia.
Ao criar mecanismos e entraves para obstar o conhecimento de recursos excepcionais,
pretendem as Cortes Superiores viabilizar sua função constitucional, que no caso do STF, é a
própria “guarda da Constituição” e, no caso do STJ, dentre outras correlatas, consiste em
uniformizar o entendimento acerca da legislação federal em todo o país. Dito isto, a adoção da
jurisprudência defensiva cuida, especificamente, de pressupostos de admissibilidade recursal,
matéria diretamente ligada ao direito processual civil, cuja competência para legislar é privativa
da União (Congresso Nacional).24
Dessa maneira, a discrepância entre os termos da novel legislação, que encontra-se na
iminência de vigência, e a jurisprudência dos Tribunais Superiores caracterizam-se, inclusive,
como uma espécie de “tensão” entre Judiciário e Legislativo, cuja harmonia é princípio
fundamental da República Brasileira.25
Do cotejo entre as disposições contidas na legislação processual civil projetada e a
jurisprudência majoritária do STF e do STJ, acerca dos assuntos descritos no presente artigo,
vislumbra-se certo prestígio à instrumentalidade das formas por parte do NCPC, bem como
evidencia-se um nítido caráter de afronta a certos posicionamentos oriundos da jurisprudência
defensiva, que se tornaram precedentes, disciplinando a conduta processual das partes em
casos futuros no atual contexto.
Resta saber como os Tribunais Superiores irão reagir ao NCPC, posto que as normas
nele insertas vão de encontro à construção jurisprudencial cujo objetivo é diminuir a sobrecarga
de trabalho nos Órgãos de Superposição, os mantendo fiéis aos seus escopos primordiais.
Todo o esforço dos Eminentes Ministros em criar obstáculos de índole processual, com o fito
de não conhecer diversas impugnações a eles dirigidas, sob pena de transformarem-se tais
Sodalícios em meras instâncias revisoras, pode cair por terra com a atual redação do Novo
Código de Projeto Civil.
Num cenário onde a jurisprudência encontra-se no patamar de verdadeira fonte do
direito, como já dito linhas acima, mostra-se essencial compreender o seu diferente papel
diante da clareza ou da obscuridade da lei.

Referências____________________________________________________________

CARNEIRO, Athos Gusmão. Recurso Especial, Agravos e Agravo Interno. 6ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2009.

175
ENTRE ASPAS

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. DINAMARCO, Cândido Rangel. GRINOVER, Ada Pellegrini.
Teoria Geral do Processo. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

DIDIER JR., Fredie. CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 3. Salvador:
Juspodivm, 2012.

NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

THEODORO JR., Humberto. A Irregularidade da Pretensão Recursal Não Assinada. Disponível em:
<http://www.abdpc.org.br/artigos/artigo50.htm>. Acesso em: 28.10.2014.

SILVA, José Afonso da. Do Recurso Extraordinário no Direito Brasileiro. São Paulo, Revista dos
Tribunais, 1963.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e Ação Rescisória. 2ª ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial [da
República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 17 de Janeiro de 1973.

BRASIL. Projeto de Lei nº 8.046, de 22 de dezembro de 2010. Revoga a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de
1973, que institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/
fichadetramitacao?idProposicao=490267>. Acesso em: 28 de outubro de 2014.

Notas_________________________________________________________________

2 Disponível em: <http://stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=


105999. >Acesso em: 28.10.2014.

3 Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: [...]III - julgar, em recurso especial, as causas
decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos
Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei
federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;
c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

4 EDcl no REsp 1397358/MT, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado
em 21/11/2013, DJe 29/11/2013.

5 AgRg no REsp 1373634/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA


TURMA, julgado em 26/08/2014, DJe 08/09/2014.

6 AgRg no AREsp 6.024/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado
em 08/04/2014, DJe 11/04/2014.

7 RE 602956 AgR-AgR-AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 17/04/
2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-086 DIVULG 03-05-2012 PUBLIC 04-05-2012.

8 Art. 511. […] § 2º A insuficiência no valor do preparo implicará deserção, se o recorrente, intimado,
não vier a supri-lo no prazo de cinco dias.

176
A REVISTA DA UNICORP

9 RCDESP no AREsp 72.082/BA.

10 EDcl no AREsp 70.181/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado
em 27/03/2012, DJe 02/04/2012.

11 ARE 760209, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 14/08/2013, publicado


em DJe-164 DIVULG 21/08/2013 PUBLIC 22/08/2013.

12 ARE 778870, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 27/11/2013, publicado em DJe-240
DIVULG 05/12/2013 PUBLIC 06/12/2013.

13 AgRg no AREsp 420.450/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA,
julgado em 17/12/2013, DJe 03/02/2014.

14 AgRg no AREsp 545.152/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA,
julgado em 16/10/2014, DJe 23/10/2014.

15 Conforme consulta processual realizada em 29.10.2014, o processo encontra-se concluso ao Ministro


Feliz Fischer, após pedido de vista.

16 AI 799209 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 03/05/2011, DJe-100
DIVULG 26-05-2011 PUBLIC 27-05-2011 EMENT VOL-02531-02 PP-00265.

17 RE 547399 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 27/08/
2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-197 DIVULG 04-10-2013 PUBLIC 07-10-2013.

18 Vide Resolução nº 857/2010, do Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio Grande do


Sul e Resolução nº 004/2006, do Tribunal de Justiça do Espírito Santo.

19 CPC, art. 541, caput: “O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na
Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido,
em petições distintas, que conterão: […].”

20 ARE 771097 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 03/12/2013,
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-251 DIVULG 18-12-2013 PUBLIC 19-12-2013.

21 AgRg no AREsp 455.022/PR, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em
03/04/2014, DJe 14/04/2014.

22 ARE 731374 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 19/11/2013, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-238 DIVULG 03-12-2013 PUBLIC 04-12-2013.

23 Informações extraídas do AgRg no Ag 1256586/MA, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA


TURMA, julgado em 03/10/2013, DJe 08/11/2013.

24 Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual,
eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho.

25 Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário.

177
ENTRE ASPAS

JULGAMENTO SUMARÍSSIMO DO PROCESSO

Zilmara Barreto da Silva


Pós-graduação em Direito Processual – Grandes Transformações
Tribunal de Justiça da Bahia
Analista Judiciária - Secretária - Juizado Especial Cível e Criminal
Rua Donizeti Alves de Lima nº 280 – Brumado-BA
Tel.: (77) 9984-9060 – zbarreto@tjba.jus.br

Resumo: A escolha do tema: “Julgamento Sumaríssimo do Processo” se justifica como uma


contribuição para o cenário jurídico de uma técnica em que consagra, ainda mais, o direito do
jurisdicionado em obter uma resposta mais tempestiva e efetiva. Inserido o dispositivo 285-A
pela Lei nº 11.277 de 07 de fevereiro de 2006 em nosso ordenamento processual civil brasileiro,
o mesmo já foi objeto de ADIN ainda não julgada perante o Supremo Tribunal Federal, cujas
alegações de inconstitucionalidade serão abordadas. O presente trabalho busca, de forma
sintética, abordar principais características peculiares do curioso instituto, bem como demonstrar
sua constitucionalidade em razão de seu respeito a não somente princípios basilares e
consagrados da nossa Constituição, mas também a princípios mais modernos, que buscam o
equilíbrio entre tempo e processo, como a duração razoável do processo e o direito fundamental
à tutela jurisdicional efetiva.

Palavras-chave: Ações repetitivas. Julgamento liminar. Efetividade. Tempestividade.


Constitucionalidade.

1 Introdução

É tendência da legislação brasileira a desenfreada busca por alternativas mais ágeis de


modelos processuais em prol da efetividade e do acesso à justiça.
Com as denominadas “ondas renovatórias”, em um primeiro momento, a preocupação
foi evitar que razões econômicas inviabilizassem o acesso ao poder judiciário. Em segundo
lugar, buscou-se tutelar direitos difusos e coletivos, e, por fim, buscou dar racionalidade ao
processo e celeridade à prestação jurisdicional.
Em razão da necessidade de um sistema processual mais dinâmico, portanto, está em
curso a terceira onda renovatória do direito processual que alterou o Código Processual Civil
brasileiro (Lei nº 5869, de 11/01/1973), iniciada com a Lei nº 11.187, de 19/10/2005, regulamentando
o agravo retido contra decisões interlocutórias, mas cujas principais modificações estão
presentes na Lei nº 11.232 e Lei nº 11.233, todas de 2005, que, dentre outras novidades, estabelece
a fase de cumprimento das sentenças no processo de conhecimento e revoga dispositivos
relativos à execução fundada em título judicial, dando outras providências. Mais um aspecto

178
A REVISTA DA UNICORP

desta onda reformista, objeto deste presente artigo, a Lei nº. 11.277 de 07 de fevereiro de 2006
acrescentou no ordenamento jurídico brasileiro o artigo 285-A que trata do julgamento
antecipado do mérito em ações repetitivas. Diz o artigo:

Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já


houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos
idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença,
reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.
§ 1º Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco)
dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.
§ 2º Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para
responder ao recurso.

Neste contexto, o dispositivo acrescentado autoriza o juiz a proferir sentença de


improcedência dispensando a prévia citação do réu quando a matéria for exclusivamente de
direito e o juízo já tenha decidido pela improcedência em casos análogos, causando coisa
julgada.
Inicialmente, será abordado o tema de generalidades, após, será feita uma análise da
nomenclatura do instituto e correspondência com demais institutos afins bem como seus
requisitos.
A discussão do presente trabalho se dará em torno da compatibilidade do novo
dispositivo do Código de Processo Civil com a Constituição Federal, analisando-se os
argumentos favoráveis à constitucionalidade do instituto bem como outras sustentações.
O tema escolhido se deu em razão da necessidade de maiores estudos e pesquisas por
se tratar de um “assunto novo”, para o qual há dificuldades em sua compreensão justificada em
razão da falta de sistematização no tratamento legislativo. Os dispositivos esparsos, previstos
inicialmente para o estudo do indeferimento da petição inicial dificultam a coerência na legislação
processual civil, o que resulta em parcas obras específicas ou com capítulos próprios até
mesmo em razão do pouco tempo de vigência da norma.

2 Desenvolvimento

Generalidades e aplicação

Segundo afirma o Professor Fredie Didier Jr.1 são dois os exemplos de improcedência
“prima facie” na legislação brasileira, quais são, o indeferimento em razão de prescrição ou
decadência e o julgamento imediato de causas repetitivas, objeto deste trabalho.
Posicionando sobre o tema o ilustre Professor Marinoni2 ressalta que o interesse maior
das ações repetitivas está relacionado à questão da força vinculante das decisões dos tribunais
superiores, ensejando maior celeridade e racionalidade ao Processo Civil Brasileiro.
Permanecem protegidos o princípio da livre convicção judicial e a prerrogativa do juiz
de dizer o direito conforme a sua consciência, porque a força vinculante recai sobre a
interpretação do direito e não sobre fatos concretos. A força vinculante recai sobre a análise
jurídica feita por tais tribunais, sem que com isso se retire do juiz a prerrogativa de examinar o
caso concreto, dando-lhe a solução adequada.

179
ENTRE ASPAS

A ideia deve ser melhor entendida com a suposição de que se é o Superior Tribunal de
Justiça quem decide ao final quanto à interpretação da Lei Federal, qual a coerência de o juiz
decidir de forma contrária? Não aplicado o instituto quando oportuno acarreta a interposição
de recurso, e, consequentemente, se perde mais tempo, ocasiona maiores despesas, seja da
administração da justiça, seja do próprio cidadão.
Portanto, ao decidir o juiz de forma oposta ao que é entendido nos tribunais superiores,
implica um ato de rebeldia e falta de compromisso com o Sistema Judiciário, que prega a
efetividade e a tempestividade da distribuição da justiça, além de também configurar um atentado
contra a cidadania, desconsiderando a garantia constitucional da razoável duração do processo.
A aplicação do novel instituto necessita adequar-se ao intuito de realização de prestação
jurisdicional racional que confere celeridade e razoável duração do processo, buscando dar,
como já dito, efetividade à garantia constitucional da tutela jurisdicional tempestiva, por meio
da extinção de processos que reúnem condições que determinam que suas decisões sejam
iguais. Com isso,  se contribui  para uma  justiça menos lenta  em que  horas de  trabalho de
serventuários e juízes são dedicadas à movimentação de processos que ao final terão decisões
iguais. 
Não obstante encontrado o assunto dentro do procedimento ordinário, o art. 285-A,
salvo disposição expressa em contrário, incide sobre toda e qualquer hipótese em que o juiz
despacha petição inicial. Por esta razão, o instituto pode ser aplicado numa ação possessória,
mandado de segurança, bem como em embargos do devedor.
Quanto à aplicação nos Juizados Especiais Cíveis, parece tranquilo o entendimento de
que, existentes lacunas na aplicação de seu procedimento próprio, aplicam-se as regras gerais
do procedimento comum. Não há quaisquer conflitos de procedimentos, uma vez que há perfeita
sintonia desta nova Lei com os princípios da celeridade e simplicidade que regem a Lei nº 9099/
95.
Possível também é a aplicação do novel instituto nos processos de conhecimento de
competência originária dos Tribunais, na justiça do trabalho, na área previdenciária e até
mesmo em sede tributária, esta comum em embargos à execução.
O artigo em questão está inserido no capítulo que trata da petição inicial, precisamente
na Seção I, que trata dos requisitos da petição inicial, situado logo após o artigo que dispõe
acerca do recebimento da inicial pelo juiz, com a verificação da presença de seus requisitos e a
determinação de citação. Portanto, para aplicação do disposto no art. 285-A, já ocorrera o
recebimento da inicial.
Recebida a exordial, por força deste comando legal, é possível que o juiz, atendidos os
requisitos necessários que serão logo mais analisados, sentenciar de imediato, sem ouvir a
parte contrária. Para elucidar a questão, segue narrada ensinamento de Misael Montenegro
Filho3:

(...) segundo a inovação legislativa, o magistrado pode proferir sentença


logo após o recebimento da petição inicial, evitando o prolongamento
de processo que seria possivelmente desatado da mesma forma, se todas
as etapas fossem percorridas (etapa ou fase postulatória; etapa ou fase
de defesa; etapa ou fase instrutória; etapa ou fase decisória).

O dispositivo em estudo manifesta-se na fase postulatória. O autor manifesta sua


pretensão por meio da exordial e o magistrado pode vir a julgar a causa se presentes os

180
A REVISTA DA UNICORP

necessários requisitos. De forma una, é alegada uma pretensão e, mesmo sem contestação pelo
réu, a causa é decidida sem qualquer prejuízo aos direitos dos litigantes com a concentração de
atividades numa única etapa do procedimento.
Em respeito à aplicabilidade imediata, o instituto pode ser utilizado em processos
anteriores à sua vigência, com a condição de que a parte ré ainda não tenha sido citada.
Se permite aos magistrados a utilização de sentenças que prolataram antes da entrada
em vigor da lei.

Nomenclatura e institutos afins

Para este novo instituto há várias denominações atribuídas por estudiosos do direito,
tais como “resolução super antecipada da lide”, “julgamento prima facie” (THEODORO Júnior,
2007), “julgamento liminar” (MARINONI, 2006) ou de “súmula vinculante de 1º grau” (PINTO,
2006).
Elucidando a respeito da denominação o Professor Fernando da Fonseca Gajardoni4
diz:

Descortina-se nítido o propósito da nova norma de permitir ao magistrado


que, mesmo antes da citação da parte “ex adversa”, julgue improcedente
(e não procedente) a demanda quando a tese jurídica (causa de pedir) lhe
já seja conhecida, tendo sido afastada em outros feitos, antecipando,
assim, o julgamento da causa, o que me permite, em paralelo ao artigo 330
do CPC (que cuida do julgamento antecipado da lide finda à fase
postulatória), nominar o instituto de julgamento antecipadíssimo da lide
(já que ocorre muito antes da fase postulatória).

Tal modalidade de julgamento em razão da maior celeridade antes mesmo de se citar o


réu pode ainda ser denominada de julgamento sumaríssimo do mérito do processo ou
julgamento sumaríssimo do processo.
O questionamento para estas últimas nomenclaturas se dá porque no momento de
aplicação do artigo 285-A não existe lide; a pretensão ainda não foi resistida pelo réu. Face ao
exposto, parece mais lógica a atender o conteúdo da nova norma as denominações de
Julgamento antecipadíssimo do mérito do processo ou Julgamento antecipadíssimo do
processo e Julgamento sumaríssimo do mérito do processo ou Julgamento sumaríssimo do
processo.
Não se trata o tema abordado de completa novidade em nosso sistema. Mesmo antes da
Lei nº 11.277/06 já existiam outros dispositivos que possibilitavam o julgamento liminar de
improcedência.
O artigo 295, IV, do Código de Processo Civil contém previsão de imediato julgamento
de mérito face ao indeferimento da inicial decorrente de prescrição ou decadência. Neste sentido,
o art. 219, parágrafo 5º, também dispunha o conhecimento de ofício pelo juiz da prescrição e
decadência e sua decretação de imediato, desde que não se trate a causa de direitos patrimoniais.
Na legislação extravagante, precisamente na Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade
Administrativa, a MP 2225-45/2001 possibilitou o indeferimento da inicial e julgamento
improcedente de plano, se clara ao magistrado a inexistência do ilícito referido pela análise dos

181
ENTRE ASPAS

elementos probatórios.
Indiscutível, portanto, que não se trata de algo totalmente novo em nosso sistema
pátrio. O que ocorre de diferente é a possibilidade de aplicação do art. 285-A a todas as ações
cíveis que não dependam de prova, inclusive, ações trabalhistas.
Semelhança também pode ser encontrada com o artigo 518, parágrafo 1º, do CPC, este
acrescido pela Lei nº 11.276/2006. O artigo dispõe que o juiz não receberá a apelação quando a
sentença for conforme súmula do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.
As duas normas referem-se a ações repetitivas. A demanda do artigo 285-A impede a proliferação
de teses consolidadas em primeira instância enquanto a preocupação do artigo 518, parágrafo
1º é em desafogar a segunda instância com impedimento de recursos para os quais já existe
súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.

Requisitos necessários ao julgamento imediato do mérito:

Para uma melhor exposição do tópico, importante nova transcrição do artigo.

Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e


no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em
outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida
sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.
§1º Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de cinco (5)
dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.
§2º Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para
responder ao recurso.

Os requisitos necessários são:

A causa precisa ser unicamente de direito

Segundo Fredie Didier esta é a causa cujo conteúdo pode ser comprovado por prova
documental. Tratando-se de hipótese para o julgamento antecipado da lide, passa a ser
autorizado, também, antes da citação do réu, se a conclusão do juiz é pela improcedência.
Alexandre Freitas Câmara tece críticas na redação do dispositivo. Entende que se o
julgamento de improcedência se dá antes da citação, incompatível em se falar em matéria
“controvertida”, quando ainda não foi oposta pelo réu. A interpretação sugerida por ele é no
sentido de que se aplica a causas aonde apenas matérias de direito podem se tornar objeto de
controvérsias. Defende que não é possível existir controvérsias sobre matérias de fato.
Cássio Scarpinella Bueno5 sustenta:

Não se terá, propriamente, uma questão unicamente de direito, mas sim,


questão predominantemente de direito, vez que sempre existirá a “questão
de fato”, qualquer que seja a ação. Ocorre que, sobre tal “questão de
fato”, não pesa qualquer dúvida “quanto à sua existência, seus contornos
e seus limites”, sendo apenas relevante “saber qual o direito aplicável

182
A REVISTA DA UNICORP

sobre aqueles fatos que não geram dúvidas, que não geram controvérsia
entre as partes e perante o juiz.

Alexandre Câmara exemplifica em sua obra a demanda de um consumidor com uma


operadora de telefonia fixa cuja discussão se dá acerca da cobrança indevida ou não de
“assinatura mensal”. Havendo clareza se a cobrança é feita, a questão que surge é apenas de
direito, sugerindo a aplicação do instituto.
Torna-se inaplicável se posteriormente se tornar objeto de controvérsia alguma matéria
de fato.

A causa precisa ser de ações repetitivas

A norma veiculada pelo art. 285-A só é aplicável às “demandas de massa” ou repetitivas.


É necessário que se esteja diante de causas que repete questões jurídicas objeto de processos
semelhantes, anteriormente submetidas ao Poder Judiciário e, segundo Fredie Didier, não
“idênticos” como se refere o legislador.
Para exemplificar tais litígios de massa citam-se causas previdenciárias, tributárias, causas
que envolvem consumidores, etc. Se o requisito fosse “ações idênticas” estaríamos diante do
fenômeno da coisa julgada ou litispendência se, por ventura, a ação anterior ainda estivesse
em andamento.
Discute-se, portanto, a mesma tese jurídica, diferenciando-se os sujeitos da relação
processual, causas estas que poderiam ter sido objeto de ações coletivas.
Imprescindível no julgamento antecipado do mérito da causa a demonstração que a
decisão da sentença paradigma serve ao caso apresentado ao juiz. “... O dispositivo não
autoriza a simples juntada de uma cópia da sentença-tipo, ou seja, uma cópia reprográfica da
sentença já proferida, mas sim que seu teor, seu conteúdo, seja reaproveitado para solucionar
a nova demanda”, assim se manifesta Jean Carlos Dias.6
Reafirmando comentários anteriores, vale reproduzir o entendimento de Luiz Guilherme
Marinoni, que ressalta um requisito implícito sobre a matéria. Ele entende que entre a decisão
do juiz e o posicionamento do tribunal deve haver correspondência. “O art. 285-A dá ao juiz o
poder de “indeferir liminarmente” a petição inicial de ação que objetive decisão que já tomou
um caso idêntico”7. Note-se, porém, que não há qualquer lógica em admitir que o juiz possa
julgar conforme o que decidiu em casos idênticos quando o tribunal ao qual é vinculado já
firmou jurisprudência predominante ou editou súmula em sentido contrário. No caso em que o
tribunal consolidou entendimento sobre a improcedência das demandas idênticas, a rejeição
liminar da ação somente poderá observar a orientação do tribunal.
Ainda importante mencionar acerca deste item que o que influencia o julgamento final
é a identidade jurídica e não à identidade dos fatos. Oportuno registrar o que diz Humberto
Teodoro Júnior8 em sua obra: “A identidade, portanto, que se reclama, para aplicar o art. 285-A,
localiza-se no objeto da causa, isto é, na questão (ponto controvertido) presente nas diversas
ações seriadas.”

Os julgamentos anteriores devem ter ocorrido no mesmo juízo

Para o Professor Fernando da Fonseca Gajardoni,9 “Exige-se para o julgamento da lide


que as decisões paradigmas tenham sido proferidas no mesmo juízo, isto é, na mesma Vara
onde tramita a nova ação.”

183
ENTRE ASPAS

Não é possível ao juiz aproveitar-se de sentença proferida por outro juízo ou mesmo
proferida por ele, mas quando em exercício em outra Vara.
Em se tratando de juiz substituto, é possível a aplicação por ele do instituto do art. 285-
A, mesmo que a sentença como paradigma seja do juiz titular da comarca. Mesmo raciocínio é
aplicável ao juiz de outra Vara que esteja cumulando funções no lugar onde se avilta a
possibilidade da sentença de improcedência. Impossível, porém, será ao juiz substituto ou juiz
designado, que se utilize de sentença proferida em outro juízo no qual atua ou mesmo atuou.
Se houver mais de um juiz no mesmo juízo, e, os mesmos tenham entendimentos diversos
acerca de determinado assunto, objetivando não ocorrer alguns casos com aplicação do art.
285-A e outros não, o correto seria a sua não aplicação, evitando, desta forma, qualquer
violação ao princípio da isonomia.
Em entendimento contrário, Vicente de Paula Ataíde Júnior10 entende que, “mesmo juízo
significa não o mesmo juiz, mas a mesma unidade de competência territorial, ou seja, a
comarca ou a subseção judiciária”.
Portanto, o autor mencionado entende possível aplicar a regra do art. 285-A, desde que,
não obstante um juiz não tenha aplicado tese semelhante, outro magistrado, pertencente à
mesma unidade de competência territorial, o tenha feito, prolatando sentença de
improcedência.

Sentença prolatada de total improcedência do pedido

Não será aplicado o instituto em estudo quando a sentença prolatada não for totalmente
improcedente. Uma sentença parcialmente procedente ou mesmo com total procedência do
pedido causariam prejuízos ao réu, cuja oportunidade de defender-se ainda não lhe foi concedida,
sob pena de violação aos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa.
Note-se que o artigo vinculou o julgamento liminar à existência de uma sentença de
“total” improcedência.
Fernando Gajardoni11 diz:

Parece-me que o legislador, ao efetuar tal condicionamento, disse menos


do que queria (minus dixit quam voluit). Pois certamente há casos em que
a sentença prolatada no caso paradigma foi proferida em processo onde
existam pedidos cumulados. Nestes casos, onde a sentença paradigma foi
de parcial procedência – isto é, com o acolhimento de apenas um dos
pedidos cumulados – não vemos razão alguma, apesar do desejo de alguns
comentaristas em restringir a aplicabilidade da norma, para não permitir
que um novo caso submetido ao juízo, a veicular somente o pedido e os
fundamentos primitivamente desacolhidos na ação com pedidos
cumulados (sem o outro parcialmente acolhido), receba a sentença de
improcedência liminar.

Ainda segundo o autor, não se deve negar julgamento de plano quando o paradigma
tenha sido emitido em casos onde tenha havido parcial procedência, mas com rejeição total do
pedido repetido, uma vez que a pretensão da norma é de acelerar o julgamento.

Abordagem aos parágrafos 1º e 2º do art. 285-A do CPC – Apelação e Juízo de


retratação

184
A REVISTA DA UNICORP

Havendo a não concordância da sentença liminar pelo autor é cabível uma apelação no
prazo de quinze dias podendo o magistrado exercer o juízo de retratação em cinco dias e
determinar o prosseguimento do feito com a citação do réu, processamento este que foge aos
padrões normais dessa modalidade de recurso.
Em não exercida a retratação, será feita a citação do réu para responder ao recurso de
apelação no prazo de quinze dias. Subirá, em seguida, para o Tribunal o recurso de apelação.
A falta da comunicação inicial ao réu da existência da demanda pode causar confusões
quando se cita o réu já para responder a um recurso de apelação. Porém, o intuito da norma em
não movimentar a máquina judiciária em vão justifica a desnecessidade de se voltar aos atos
não praticados anteriormente, como expedição de mandado de citação e cumprimento pelo
oficial de justiça uma vez sabido de plano o resultado da demanda.
Caberá agravo de instrumento havendo a não admissibilidade da apelação pelo
magistrado em razão de estar sua sentença baseada em súmula do Superior Tribunal de Justiça
ou do Supremo Tribunal Federal devendo o agravante demonstrar inaplicabilidade ou
necessidade de revisão da súmula.

A questionada Constitucionalidade do art. 285-A do Código Processo Civil

Várias discussões cercam o tema desde a publicação da Lei nº 11.277/2006 alegando a


Inconstitucionalidade do art. 285-A do CPC o que foi objeto da ADIN nº 3695, cuja tramitação
continua no STF.
Na mencionada Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada pela Ordem dos
Advogados do Brasil, se alegou que o dispositivo em estudo estaria violando princípios
constitucionais como isonomia constitucional, segurança jurídica, direito de ação, contraditório
e o devido processo legal.
Importante constar que a maioria dos doutrinadores brasileiros que questiona a
constitucionalidade do dispositivo argumenta que se valoriza a efetividade e razoável duração
do processo em detrimento da ofensa aos princípios da ampla defesa e o contraditório.
Sendo assim, Paulo Roberto de Gouvêa Medina12 critica o dispositivo alegando aparente
violação a princípio constitucional quando diz:

Nada mais incompatível com o contraditório do que a possibilidade de o


litígio resolver-se por meio de sentença transladada de outro processo,
em que o autor não interveio. Porque, dessa forma, a lide estará sendo
composta sem que a parte prejudicada tenha podido discutir, previamente,
os elementos que influíram na motivação da sentença. Esta, no caso, terá
sido para o autor (e também para parte contrária em relação à qual o
pedido fora formulado) “res inter alios acta”.

O professor Alexandre Freitas Câmara13 que já sustentou a inconstitucionalidade do


dispositivo por violar o princípio da isonomia até a 18ª edição do seu livro “Lições de Processo
Civil”, a partir de sua 19ª edição entende que é possível uma interpretação conforme a
Constituição evitando reconhecer o mencionado vício.
Nesta mesma linha de raciocínio Luís Roberto Barroso14 afirma:

185
ENTRE ASPAS

Como conseqüência, a interpretação constitucional viu-se na contingência


de desenvolver técnicas capazes de lidar com o fato de que a Constituição
é um documento dialético – que tutela valores e interesses potencialmente
conflitantes – e que os princípios nela consagrados freqüentemente entram
em rota de colisão.

Entre os estudiosos do direito que defendem a constitucionalidade do artigo se destaca


o ilustre professor Fredie Didier15 o qual expõe não existir nenhuma violação à garantia do
contraditório uma vez que o julgamento é de improcedência. Diz mais:

O réu não precisa ser ouvido para sair vitorioso. Não há qualquer prejuízo
para o réu decorrente da prolação de uma decisão que lhe favoreça. Demais
disso, não há uma obrigatoriedade de aplicação do dispositivo: pode o
magistrado alterar o seu posicionamento anterior e, portanto, não repetir
a decisão em um novo processo.

Assim, o réu não se prejudicará diante da proclamação judicial de inexistência do direito


subjetivo alegado pelo autor. Pelo contrário. Essa declaração de certeza negativa contra o
autor somente pode ser considerada como favorável a ele, inviabilizando qualquer alegação de
violação a contraditório e ampla defesa.
Mesmo raciocínio deverá ser utilizado quando o magistrado retratar-se de sua decisão.
O processo, então, seguirá e o demandado poderá contestar e apresentar sua defesa como
preferir.
Segundo ainda Marinoni (citado por DIDIER, 2007. p. 420 )16:

Nesses casos não há sequer espaço para pensar em agressão ao direito de


defesa, mas apenas em violação ao direito de ação, aí compreendido como
direito de influir sobre o convencimento do juiz. Para se evitar violação ao
direito de influir, confere-se ao autor o direito de interpor recurso de
apelação, mostrando as dessemelhanças entre a sua situação concreta e a
que foi definida na sentença que julgou o caso tomado como idêntico.

Desta feita, garantido está o contraditório também em relação ao autor, pois, existente a
possibilidade de juízo de retratação, poderá o autor convencer o juiz objetivando que o mesmo
se retrate.
Clara está, portanto, a ideia de que ambas as partes exercerão seu direito ao contraditório,
ainda que a causa tenha se submetido a uma sentença antes da citação do réu.
Marinoni17, em obra própria, ainda se lamenta em razão das diversas arguições de
outros autores acerca de “dita” inconstitucionalidade. Relaciona estas teses defendidas como
puro interesse de mercado, uma vez que ao se reproduzir petições e recursos praticamente
iguais, ocasiona um melhor retorno financeiro, com menos trabalho.
José Roberto dos Santos Bedaque18 com seu brilhantismo na produção de modernas
ideias processuais, conduz ao raciocínio de que o apego à forma e à técnica dificulta o alcance
dos direitos pleiteados e devem ser analisados sem abrir mão de princípios maiores como a
economia, celeridade e aproveitamento.
Por todo o exposto se constata que o instituto do Julgamento Sumaríssimo do Processo

186
A REVISTA DA UNICORP

é um meio hábil para desafogar as vias jurisdicionais já tão assoberbadas de acúmulo de


processos que poderiam se arrastar por anos sem uma resposta do judiciário.

3 Conclusão

A sentença liminar de improcedência da ação foi uma novidade ao Direito Processual


Civil Brasileiro oriunda da Lei nº 11.277/2006 que acrescentou ao nosso Código Processual o
artigo 285-A, que dispõe acerca da matéria.
O mencionado dispositivo possibilitou ao magistrado, sem necessitar citar o réu, a
prolação imediata de uma sentença de improcedência desde que a matéria seja unicamente de
direito e neste juízo já existam outros processos já julgados que servirão de paradigmas por se
tratar de mesma tese jurídica.
Não se pode falar em total inovação processual, pois, em nosso ordenamento já existiam
outros artigos que, de alguma forma, ocasionavam o julgamento liminar de improcedência da
ação, como os já citados artigos 295, IV e 219, parágrafo 5º, ambos do Código de Processo Civil,
bem como artigos constantes na Lei de Improbidade Administrativa.
A crucial diferença existente é que este novo instituto voltado a solucionar questões
repetitivas no cenário jurídico, acaba contribuindo para uma célere e significativa redução de
processos, inibindo a propositura de novas demandas com igual fundamento e sem perspectiva
de vitória para a parte demandante, resultando numa melhoria do serviço judiciário e justa
distribuição da justiça.
Não há de se reconhecer a inconstitucionalidade do artigo 285-A do CPC alegando-se
ferimento dos princípios constitucionais da isonomia, segurança jurídica, direito de ação,
contraditório e devido processo legal. Ao contrário, tal técnica jurídica deve ser reconhecida
como imprescindível forma de se alcançar o escopo de termos uma justiça mais célere, mais
econômica, fazendo acertadamente prevalecer também outros respeitáveis princípios, tais como:
razoável duração do processo e tutela jurisdicional efetiva.

4 Referências__________________________________________________________

ATAÍDE JR, Vicente de Paula. A resolução antecipada do mérito em ações repetitivas. (Lei nº 11.277/
2006). Revista de Processo, São Paulo: RT, nº 141, ano 31, Nov. 2006.

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual: tentativa de
compatibilização. Material da 5ª aula da Disciplina Teoria Geral do Processo: Recentes Inovações
Legislativas, ministrada no Curso de Pós-graduação Lato Sensu Tele virtual em Direito Processual -
UNIDERP – REDE LFG.

BUENO, Cássio Scarpinela. A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil – v. 2: comentários
às Leis n. 11.276 e 11.277 de 7.2.2006 e 11.280 de 16.2.2006. 2 edição. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 75.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 19 Edição. Editora Lumen Juris, 2009.
P. 315.

DIAS, Jean Carlos. A introdução da sentença tipo no sistema processual civil brasileiro. Revista Dialética
de Direito Processual. v.37, p.38.

187
ENTRE ASPAS

DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de
conhecimento. 7ª edição. v 1. p. 411. Editora Salvador: Jus Podivm, 2007.

GAJARDONI, Fernando da Fonseca. O princípio constitucional da tutela jurisdicional sem dilações


indevidas e o julgamento antecipadíssimo da lide. São Paulo: RT, n. 141, Nov. 2006. Material da 6ª aula
da Disciplina Processo Civil, ministrada no Curso de Pós-graduação Lato Sensu Televirtual em Direito
Processual – UNIDERP – REDE LFG.

MARINONI, Luiz Guilherme. Ações repetitivas e julgamento liminar. Disponível em


www.professormarinoni.com.br. Acesso em 27/03/2010.

MONTENEGRO FILHO, Misael. Primeiras impressões a respeito do artigo 285-A – A criação do


processo entre o autor e o magistrado. Revista do advogado. Ano XXVI. nº 85. 2006. Associação dos
Advogados de São Paulo. P. 197-205.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. As Novas Reformas do Código de Processo Civil. 2 edição. Editora
Forense. 2007. P.17.

Notas_________________________________________________________________

1 DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Teoria geral do processo e processo de
conhecimento. 7 edição. Salvador: Jus Podivm. 2007. P.411.

2 MARINONI, Luiz Guilherme. Ações repetitivas e julgamento liminar. Disponível em


www.professormarinoni.com.br. Acesso internet em 27/03/2010.

3 MONTENEGRO FILHO, Misael. Primeiras impressões a respeito do artigo 285-A – A criação do


processo entre o autor e o magistrado. Revista do advogado. Ano XXVI. nº 85. 2006. Associação dos
Advogados de São Paulo. p. 197-205.

4 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. O princípio constitucional da tutela jurisdicional sem dilações


indevidas e o julgamento antecipadíssimo da lide. São Paulo: RT, n. 141, Nov. 2006. Material da 6ª
aula da Disciplina Processo Civil, ministrada no Curso de Pós graduação Lato Sensu Televirtual em
Direito Processual – UNIDERP – REDE LFG.

5 BUENO, Cássio Scarpinela. A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil – v. 2: comentários
às Leis n. 11.276 e 11.277 de 7.2.2006 e 11.280 de 16.2.2006. 2 edição. São Paulo: Saraiva, 2006. p.
75.

6 DIAS, Jean Carlos. A introdução da sentença tipo no sistema processual civil brasileiro. Revista
Dialética de Direito Processual. v. 37, p. 38.

7 MARINONI, Luiz Guilherme. Ações repetitivas e julgamento liminar. Disponível em


www.professormarinoni.com.br. Acesso em 27/03/2010.

8 THEODORO JÚNIOR, Humberto. As Novas Reformas do Código de Processo Civil. 2 edição.


Editora Forense. 2007. P.17

9 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. O princípio constitucional da tutela jurisdicional sem dilações


indevidas e o julgamento antecipadíssimo da lide. São Paulo: RT, n. 141, Nov. 2006. Material da 6ª
aula da Disciplina Processo Civil, ministrada no Curso de Pós-graduação Lato Sensu Televirtual em
Direito Processual – UNIDERP – REDE LFG.

188
A REVISTA DA UNICORP

10 ATAÍDE JR, Vicente de Paula. A resolução antecipada do mérito em ações repetitivas. (Lei 11. 277/
2006). Revista de Processo, São Paulo: RT, nº 141, ano 31, Nov. 2006.

11 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. O princípio constitucional da tutela jurisdicional sem dilações


indevidas e o julgamento antecipadíssimo da lide. São Paulo: RT, n. 141, Nov. 2006. Material da 6ª
aula da Disciplina Processo Civil, ministrada no Curso de Pós graduação Lato Sensu Televirtual em
Direito Processual – UNIDERP – REDE LFG.

12 MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Sentença emprestada: uma nova figura processual. Revista de
Processo. N. 135. São Paulo: RT, 2006.

13 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 19 Edição. Editora Lumen Juris,
2009. p. 315.

14 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: Fundamentos de uma dogmática


constitucional transformadora. 6 edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2006.

15 DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Teoria geral do processo e processo de
conhecimento. 7 edição. v 1. Salvador: Editora Jus Podivm. 2007. P. 420.

16 DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Teoria geral do processo e processo de
conhecimento. 7 ediçao. v. 1.Salvador. Editora Jus Podivm. 2007. P. 420.

17 MARINONI, Luiz Guilherme. Ações repetitivas e julgamento liminar. Disponível em


www.professormarinoni.com.br. Acesso em 27/03/2010.

18 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual: tentativa de
compatibilização. Material da 5ª aula da Disciplina Teoria Geral do Processo: Recentes Inovações
Legislativas, ministrada no Curso de Pós graduação Lato Sensu Televirtual em Direito Processual -
UNIDERP – REDE LFG.

189
ENTRE ASPAS

GESTÃO DA EXCELÊNCIA INSTITUCIONAL


DESAFIOS, ALTERNATIVAS E A TECNOLOGIA DO CONHECIMENTO

“É oportuno salientar que, sempre que se pretende sugerir um modelo


teórico acerca de um fenômeno social complexo, incorre-se em limitações
provenientes dos vieses perceptivos de quem o concebe, bem como de
simplificações incapazes de explicar a questão em sua totalidade. Com a
consciência dessas limitações, da necessidade de flexibilidade da proposta
e da evolução do mundo organizacional, articula-se [..] um modelo que
está constantemente sendo ampliado e reavaliado.”

Dra. Maria Terezinha Angeloni1


Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL

Pedro Lúcio Silva Vivas


Bacharel em Administração de Empresas com Especialização em Análise
de Sistemas, pós-graduado em Gestão do Conhecimento, Assessor da
Assessoria Especial da Presidência - AEP II -Assuntos Institucionais- no
Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, 5ª Avenida do Centro
Administrativo da Bahia, Nº560, Sala 303 Sul, Salvador, Bahia, Brasil –
Tel. 71 3372-5207/5077 - E-Mail: pvivas@tjba.jus.br.

RESUMO: Neste artigo, são analisadas algumas alternativas de métodos e tecnologias,


comumente utilizados nas instituições ao enfretamento dos desafios organizacionais em que
esta se coloca ao encargo, no intuito de obter como resultado: a aprendizagem organizacional;
certo equilíbrio entre o controle e a criatividade e inovação e, por epílogo, é proposto um
framework para o que se denominou de Tecnologia do Conhecimento, componentes essenciais
à realização de uma gestão que promova a excelência da instituição no cumprimento de sua
função social.

Palavras-Chave: Aprendizagem Organizacional. Criatividade. Gestão. Inovação. Método.


Planejamento Estratégico. Tecnologia da Informação. Tecnologia do Conhecimento.

Introdução

Observado facilmente na literatura, existe hodiernamente,principalmente entre os mais


renomados especialistasdegestão organizacional,um senso comum que apontapara um cenário

190
A REVISTA DA UNICORP

onde não cabe mais numa organização contemporânea o entendimento de que o nível de sua
efetividade, daquilo que possui como atributo básico ou diferenciado de sua proposta de
valor, resulte unicamente do know how(TL2: Conhecimento) que individualmente seus
profissionais (servidores ou colaboradores)possuem na produção da coisa de seu negócio,
isto porque, invariavelmente, pela natural passividade advinda de suas crenças fatalistas, de
forma paradigmática,estesatores constroem grandes óbices à mudança de rumos, à expansão
dos limites que lhe reserva(???) o destino e aoThink in and out the box! (TL: Pensar dentro e
fora da caixa!) necessáriosao alcance de sua missão institucional.
Isto posto, quais sãoentão os maiores desafios que estas organizações devem enfrentar
se pretendem,de fato, cumprir bem seu papel na sociedade? Um deles, talvez o maior, seja
justamente encontrar opçõesde artefatos para agestãocorporativaque sejam harmônicos entre
si e capazes de lidar com toda a diversidade de situações oriundasdas possíveis e inúmeras
respostasque traz-nosà luz esta importante indagação.
O cerne motivacional deste artigoé justamentea metodologia de alguns consagrados
métodos etecnologiase a proposição de construção de um framework próprio ao que é
denominado de Tecnologia do Conhecimento,formando umdenso conjunto de alternativas
que possam auxiliar aos gestores na árdua tarefa de pensar e conduzir sua organização para a
Excelência Institucional. Tem-secomo suporte a este objetivo,sem ummaior
aprofundamentoonto-epistemológico,a captação e a análise dealgumas características,
potencialidades e limitações,destes supracitados artefatos, tangenciando as implicações de
sua implantação eamparando-os na redução das incertezas, no alinhamento e em suacorreta
aplicação, cuidando para nãoimplicar nacriaçãode falsas expectativas em termos de melhorias
ou avanços para organização.
Admite-se, desde já, entretanto, que não se pretende esgotar todas as possibilidades,
outrossim, sendo esta uma construção essencialmente humana, é, portanto, falível, fracionada
e, até certo ponto, de incontrolável evolução, onde os resultados serão sempre situacionais,
conjunturais, temporais, únicos e específicos para cada organização, não existindo, pois, uma
fórmula mágica que igualmente atenda a todos.

Desafio 01 - A aprendizagem organizacional

O AmericanoLeon C. Megginson3,baseado na Teoria de evolução das espécies, do


Inglês Charles Darwin4, assim o parafraseou: “...não é o mais intelectual da espécie que
sobrevive, nem é o mais forte, e sim, aquele que é capaz de melhor se adaptar a mudanças.”.
A diferença, pois, entre o padecer (estar desacreditado por seu público-alvo) e o
perenizar-se (possuir a confiança de seu público-alvo) é definida pela capacidade que tem a
organização, seja uma instituição do setor público ou privado, em aprender a aprender, em
adquirir novos conhecimentos, desenvolver novas competências e, com isto, criar sentido
para ocultos gaps estratégicos, gerando para si, por vezes de forma visionária, vantagens
competitivas (essência de sua estratégia), inovadoras e evolutivas.
Silva5(1986) nos cientifica que Aprender deriva do latim apprendere, que quer dizer
agarrar, apoderar-se de alguma coisa. Isto posto, conforme se pode depreender nesta etimologia,
salvo melhor juízo, indica que a ação da aprendizagem pode derivar-se de três inferências:

1) Aprender necessariamente denota querer, pois, ninguém agarra ou


apodera-se de algo sem uma motivação própria, inerente de um desejo.
Como,nemmesmo os epicuristas6 desejam o prazer que já possuem, pode-

191
ENTRE ASPAS

se inferir que aprender é direta ou indiretamente, conscientementeou


não, a satisfação prazerosa de uma carência de saber;

2) Apoderar é um ato de conquista, quando o sujeito da busca quer para si


algo e isto resulta de um processo maturado, vivenciado e orientado ao
alcance de seus objetivos. Uma vez conquistada a coisa passa a lhe ser
integrante, algo indissociável de sua existência;

3) “Sonho que se sonha só, é só um sonho que se sonha só, mas sonho que
se sonha junto é realidade.” (Prelúdio – Raul Seixas7). O desejo não
necessariamente significa a ambição de um único indivíduo, por vezes, e
naturalmente, ocorre o surgimento de um querer grupal, uma mobilização
coletiva cujo resultado, diferentemente à satisfação de uma carência de
saber individual, atende inicialmente ao todo sinérgico e, somente após
então, a algumas de suas expectativas individuais.

Embora existam vetores de pensamentocontrários, a exemplo do posicionamento


observado pela sofística afirmação de Górgias de Leontini8 quando diz que: “nada é; se algo
é, não é cognoscível ao homem; se é cognoscível, é incomunicável aos outros”, admite-se
como aceitável a ideia de simbiose do conhecimento,advinda de uma construção conjunta
entre o indivíduo e a organização, indo ao encontro do pensamento de Nonaka e Takeuschi9
que sugere formas de transferências entre o conhecimento tácito e explícito, divergindo,
entretanto, sobre o ponto, onde, para os consagrados autores, é possível articular a conversão
destes, mesmo depois de ocorridaasua internalização (ou alimentação do saber individual), o
que é contrário a uma unívoca inter-relação de consumodo que é produzido em conjunto pelos
organismos envolvidos.
Partindo-seexclusivamente da análise das supracitadas inferências, vislumbra-se a
possibilidade de se evoluir a um consequente raciocínio: se aprender denota querer; depois de
tê-lo conquistado integra o ser e; se este pode possuir um espectro de coletivo; então se pode
entender que uma vez a organização modelando ou formatando ações específicas e orientadas
a estes institutos, estimulando a orexia intelectual de seus colaboradores, em trabalhos
individuais ou em grupos colaborativos, estará concomitantemente evoluindo a aprendizagem
individual e organizacional. Sendo estes os princípios da aprendizagem onde as relações de
causa e efeito podem ser pensadas como direcionadores dos rumos da organização, de forma
que resultem em novos vetores em sua simbiose do conhecimento.
O Conceito original de Learning Organizations(TL: Organizações que Aprendem.)
corrobora esta linha de raciocínio. Criado pelo americano Chris Argyris10, Professor de
Comportamento Organizacional da Harvard Business School, cujo trabalho inicial concentrou-
se na área de Ciência Comportamental, publicou em 1957 o artigo Personality and Organization
(TL: Personalidade e Organização) argumentando a respeito das empresas dependerem
justamente e fundamentalmente das pessoas e do seu desenvolvimento individual. Designa
Argyris que as empresas desenvolvem-se à medida que os seus colaboradores vão aprendendo
e agregando conhecimentos (Argyris, 1998).
Como resultado dos trabalhos de pesquisa de Argyris, surgem dois novos conceitos: o
single loop learning(TL: Ciclo Simples de Aprendizagem) que demonstra ser possível à
organização detectar e corrigir os seus erros para cumprir objetivos estabelecidos; e o segundo
conceito foi o double loop learning(TL: Ciclo Duplo de Aprendizagem) que demonstra, a

192
A REVISTA DA UNICORP

partir da detecção e correção de erros, a mudança das normas, políticas e objetivos da


organização.
Posteriormente, estudados por Lorin Loverde11(Loverde, 2005), a esses conceitos foram
indicadosà agregação de mais dois: o primeiro o triple loop learning(TL: Ciclo Triplo de
Aprendizagem) trata da expansão de ações em múltiplos sistemas de alta diversidade cultural
e de oportunidades; e o segundo o quadruple loop learning(TL: Ciclo Quádruplo de
Aprendizagem) que explora a questão da reflexão filosófica em situações de caráter universal.
Argyris e Loverde inauguram, pois, o entendimento de que a organização terá que passar por
infinitos ciclos de aprendizagem, o que implicaránum esforço contínuo em função de sua
também contínua, demanda pelo saber.
Outrossim, tornou-se mesmo um lugar comum entre estudiosos a observação analógica
das organizações atuais como entes vivos e integrantes da cadeiaevolutiva proposta por Darwin,
tendo que ser capaz de ir se adaptando a diferentes habitats em busca de sua perpetuação. A
literatura que trata sobre este enfoque é vasta e possui representantes de renome, é o caso do
holandês Arie de Geus12, que sustenta o encargo atribuído por Peter Senge13 de ser o Pai do
conceito de Learning Organizations. Em seu livro The Living Company, publicado pela Harvard
Business School Press, ele explica o porquê das empresas ficarem desacreditadas (e virem a
morrer) tão prematuramente, o que segundo Geus (Geus, 2012), primordialmente deve-se ao
fato das mesmas não assumirem esta faceta biológica em suas gestões.
Indiferentemente e sob qualquer óptica, quer seja pela visão de aprendizado para as
organizações proposto por Nonaka e Takeuchi, Argyris, Loverde, Geus ou Senge, o que de fato
interessa a uma instituição não são as diferenças pontuais de suas fundamentações, e sim, que
esta aprendizagem seja renovável, multiplicadora, regenerativa e integradora.
À luz destas doutrinas, da aquiescência aos seus fundamentos, pode-se, uma vez
reconhecida a explanação supra como uma assertiva suficiente, elaborar uma particular conjunção
ideológica, se a aprendizagem organizacional pode ser entendida como um fenômeno emergente
e coexistente do processo individual e de grupo, uma organização para se tornar uma learning
organization necessariamente demanda o envolvimento de todos os seus atores, isto porque,
todo organismo vivo possui uma estrutura de natureza sistêmica, padrões de redes de relações
e de interações simultâneas e interdependentes, cujas manifestações podem ou não ser estáveis,
flexíveis, sensíveis ao contexto e, sendo assim, após classificadas segundo seu nível de
importância para a organização, poderá ser desenvolvida com menor complexidade,
potencializando as simbioses de conhecimento que esta deve ser capaz de construir.
Observa-se ainda que,aprender a aprender resultará então, tanto na concepção original
de Chris Argyris, quanto na proposição sistêmico-biológica de Arie de Geus, da necessidade
de evoluir para não sucumbir, por esta razão, exponencial é a importância do mapeamento
logístico dos saberes individuais, de grupo e da totalidade dos saberes organizacionais,
minimizando efeitos de paradoxos informacionais e da amnésia organizacional, cujos conceitos
serão abordados a posteriori. Uma difícil missão dasinstituições contemporâneas é justamente
esta, assegurar que as pessoas estejam auto-motivadas e que maximizem todo o seu potencial
de aprendizado para, então, integrar-senuma rede de relações do conhecimento em favor da
evolução organização e em seu próprio benefício.
Como o aprender(e o desaprender) é um componente essencial, constructo capital de
todos os existentes modelosmentais de uma organização, inclusive daqueles que ainda estão
no âmbito do porvir, resume-se a este um único instituto a vigora função paradigmática. Vê-se
em Ivan Rocha Neto14 (Rocha Neto, 2003) a este entendimento um pensamento complementar:

193
ENTRE ASPAS

“Em um ambiente altamente dinâmico, onde tudo muda com enorme


velocidade, indivíduos e organizações são submetidos a permanentes
desafios de aprendizagem. Suas competências podem se tornar obsoletas
e suas ações podem perder eficácia.
O que antes funcionava passa a ser fator de insucesso ou perde o interesse.
Antigas condições de competitividade podem ser substituídas por outras
práticas, ou mesmo podem ser neutralizadas pela imitação dos outros. É
preciso ampliar os horizontes e as possibilidades de ação. Enxergar o
que não se podia ver antes - mudar óticas e aperfeiçoar nossas formar
de pensar - adotar outros pontos de vista para poder enxergar melhor.
Novas estratégias são necessárias com as mudanças ambientais. Do
contrário, as organizações podem perder competitividade ou, até mesmo,
suas finalidades originais, ou ainda a própria razão de existir.
Desaprender práticas antigas e aprender novas. O primeiro processo
revela-se claramente o mais difícil, e o mais penoso - principalmente
esquecer as nossas velhas formas de pensar e substituí-las por outros
paradigmas.
O que se entende por aprendizagem? Capacidade de fazer, cada vez
melhor, o que não se sabia fazer antes. Portanto, trata-se de desenvolver
novas competências – Individuais e Organizacionais.”(Rocha Neto,
2003).

Peter Senge (Senge, 2002) já preconizava que “O futuro das organizações – e nações –
dependerá cada vez mais de sua capacidade de aprender coletivamente”, de fato, e como se
observa nas colocações de Rocha Neto, é por meio da aprendizagem dialética que as
organizações criam as condições à implementação de paradigmas sustentáveis de sobrevivência,
sendo necessário assim, ser o primeiro de todos os paradigmas organizacionais.
Como a Aprendizagem Organizacional origina uma série de mudanças de padrões, não
somente estruturais, outrossim e principalmente, de natureza comportamental, no caminho
rumo ao desenvolvimento de um ambiente mais adequado à criação do conhecimento, as
organizações que se inclinam ao intento de aprender a aprender, segundo Cyrineu Terra15
(Terra, 1999), acabam por se diferenciar em certas características, quais sejam:

 Busca ativa de informações do ambiente onde se inserem

 Capacidade de articular conhecimentos conceituais sobre uma experiência

 Capacidade de articular conhecimentos conceituais sobre uma experiência;

 Capacidade de desenvolver o saber-porque além do saber-como;

 Capacidade de questionar valores e cultura, bem como de mudar comportamentos;

 Estímulo à experimentação e ao aprendizado, por meio da detecção e da correção de erros;

 Habilidade criadora;

194
A REVISTA DA UNICORP

 Habilidade de compartilhar insights, experiências e informações individuais;

 Reconhecimento explícito do valor econômico do conhecimento;

 Sistemas de informação precisos e de fácil utilização;

 Utilização da capacidade criativa de seus colaboradores.

Entende-se que, ao resumo e após análise destas características, embora não esteja se
estabelecendo aqui nenhum método específico, oaprender a aprender, sempre vigente e
intocável como um dogma científico16, é o primeiro desafio que deve a organização
impor-se ao enfretamento,uma assertiva que aborda uma verdade absoluta e imperiosa
aos anseios de suaGestão da Excelência Institucional, não sendo possível às mesmas conceber,
quaisquer que sejam seus outros elementos de gestão, uma dissociação entre o querer, o fazer
e o obter sem contemplar primordialmente sua Aprendizagem Organizacional.

Vencida a primeira batalha! O entendimento de que a organização, antes de tudo, precisa


aprender a aprender como um fator crítico de sucesso ao alcance de uma gestão voltada a
promover a excelência institucional.

Desafio 02 – Equilíbrio entre controle, criatividade e inovação

O domínio de uma nova competência pela organização pode demandar-lhe um razoável


tempo, entretanto, ainda que este não exista de fato, deve lançar-se a inevitavelmente a um
grande desafio: estabelecer uma estratégia de desenvolvimento sustentável, materializada por
meio de um plano permeado por atributos que agreguem valor e produzam diferenciais especiais
que lhe seja útil para validação por seus públicos-alvo de sua função social.
Esta estratégia deverá possuir certo equilíbrio entre a rigidez de seus controles e a sua
capacidade criativa e inovadora, possibilitando-a,concomitantemente,ousar e monitorar seu
desempenho, sem significar, entretanto, um posicionamento inflexível. Para tanto, deverá revisitar
periodicamente seus objetivos estratégicos, indicadores de desempenho e metas, a fim de que,
se necessário, possa promover algumas mudanças de rumos, conservando, porém, os seus
atributos e princípios, valores estes que devem permear todas as suas iniciativas.
Uma ferramenta interessante a este intento,e que pode ser considerada para aplicação
em quaisquer tipos de organizações, pequenas, públicas, do terceiro setor ou sem fins lucrativos,
vem a ser o Balanced Scoredcard (TL: Indicadores Balanceados), mais conhecido pelo seu
acrônimo BSC. Trata-se de um método desenvolvido no ano de 1992 pelos Professores da
Harvard Business School Robert Kaplan17 e David Norton18. O BSC tem um framework adaptável
para descrever logicamente a estratégia de qualquer tipo de organização, definindo num mapa
componentes estratégicos que possuem entre si, relações de causa e efeito, monitoram seu
desempenho e permitem a subjetividade criativa na descrição de seus objetivos, ainda que
estes possam ser traduzidos por valores numéricos.
Pelo uso do método BSC devea estratégia ser conduzida ou desdobrada do seu nível
hierárquico superior, onde as decisões e nortessão estabelecidos, até o nível operacional ou de

195
ENTRE ASPAS

produção. Sem este posicionamento único, segundo suas diretrizes, a estratégia tende a não
ser aplicada, pois não é muito bem compreendida e, ainda que involuntariamente, passa a ser
boicotada por aqueles que deveriam apoiá-la, logo, implica diretamente num aprendizado
organizacional, pois requer a internalização de todos envolvidos em seu contexto.
Outro cuidado importante, preconizado no método, diz respeito à materialização da
estratégia, esta deve ser realizada por intermédio da seleção de iniciativas exequíveis e que
possam ser transformadas em projetos. Os projetos são um grupo especial de processos de
trabalho construtivo e que resulta de um esforço temporário da organização em busca de
produzir um produto, serviço ou resultado exclusivo (Guia PMBoK19). Predominantemente são
os projetos os maiores responsáveis por impor a dinâmica de alcance de resultados da
organização, daquilo que fora programado como alvo em sua visão de mudança de cenário
futuro, contudo, a ausência de processos organizacionais que lhes forneça o suporte necessário,
poderá,fatalmente, implicar em insucessos.
Isto posto, duas possíveis formas de representação gráfica do quanto desenvolvido na
argumentação deste desafio organizacional,podem ser assim demonstradas:
1ª forma: Mapa Estratégico de Cata-vento - Fixando seus objetivos pelos seus atributos
de valor e pela Missão da instituição, a visão de futuro é a utopia que faz girar o cata-vento,
logo, quanto mais clara é esta visão, mais rápido este irá girar!

Figura 01: Adaptado da apresentação:”Making


Knowledge Management Tangible”de Marcelo
Yamada - Promon Engenharia S.A.Global Make
Conference – GMC 2012 - São Paulo, 23 de maio
de 2012.

196
A REVISTA DA UNICORP

2ª forma
Mapa Estratégico em forma de Fluxograma

Figura 02 – Modelo adaptado do original criado pelos Professores Kaplan e Norton.

Conforme pode ser notado, o fluxo é retroalimentado e possui claras relações de causa
e efeito, vê-se também, que sua base fixa-se no uso deindicadores, metas, projetos e processos,
o que, em sua inexistência, inviabiliza completamente o alcance de sua visão.O BSC possui
algumas características importantes que devem ser ressaltadas:

197
ENTRE ASPAS

 Incorpora o ciclo PDCA de qualidade deShewhart e Deming20


(Plain, Do, Check e Action (TL: Planejar, Executar, Monitorar e Avaliar));
 Não é um óbice ao subjetivismo – A organização que instituir o BSC poderá utilizar,
por parcial ou total ausência de melhores referências, parâmetros subjetivos na
construção inicial de seus objetivos estratégico, possibilitando assim, que num
segundo momento, estes venham a seraperfeiçoados comresultados
tangíveisalcançados.

Como a subjetividade não é cerceadano BSC oportuniza melhor cenário à inovação e a


criatividade. Um tanto mais se a instituição vier a possuir um sistema de medição do desempenho
organizacional baseado em seus indicadores, o que, a princípio poderá parecer contraditório,
entretanto, a inovação e criatividade pode originar-se justamente da criação de sentido que se
traduz em algo novo, diferenciado e que, em cenários de difícil ou inimaginável interpretação,está
oculto nas relações ou cruzamentos destes indicadores.
Outrossim, o processo de elaboração da estratégia perpassa inevitavelmente pelo uso
da criatividade necessária a vencer, por vezes, desafios inovadores, e tem, ainda, a árdua e
ambivalente missão de pensar no futuro como forma de tirar a organização de uma instalada e
séria crise. Esta relação de ordem e nova ordem é uma conexão que estará sempre sob a égide
da racionalidade e da ousadia, logo, não se pode cogitar a aplicação do BSC, método útil à
gestão da estratégia, sem o suporte de métodos que sirvam à criatividade a fim deprevalecer um
justo equilíbrio.
Muitos são os métodos propostos na literatura com a finalidade de potencializar a
criatividade dos atores organizacionais, sendo, pois, a seguir, elencados por Jairo Siqueira21
(Siqueira, 2012), alguns que, por ele considerado,são essenciais para a maioria das situações:

1) Brainstorming: ferramenta para geração de novas ideias, conceitos ou


soluções relacionadas a um tema específico num ambiente livre de críticas
e de restrições à imaginação. Tem a finalidade de reunir uma série de ideias
que possam servir de orientação para a solução de um problema ou
desenvolvimento de uma oportunidade. A palavra Brainstorming pode
ser traduzida como Tempestade Cerebral ou Tempestade de Ideias.
2) Mapa Mental: diagrama usado para representar palavras, ideias,
tarefas ligados a um conceito central e dispostos radialmente em volta
deste conceito. É um diagrama que representa conexões entre porções de
informação sobre um tema ou tarefa. Os elementos são arranjados
intuitivamente de acordo com a importância dos conceitos. Pela
representação das informações e suas conexões de uma maneira gráfica,
radial e não linear, o Mapa Mental estimula a imaginação e o fluxo natural
de ideias livre da rigidez das listagens.
3) SCAMPER: um conjunto de sete operadores (verbos
manipuladores) que possibilitam a exploração de diferentes
maneiras de transformar um objeto, sistema ou processo. O nome
desta ferramenta vem das iniciais dos sete operadores: Substituir,
Combinar, Adaptar, Modificar, Procurar outros usos, Eliminar e
Rearrumar. Na essência, o SCAMPER é uma lista de perguntas

198
A REVISTA DA UNICORP

estimuladoras da criatividade, baseada na noção de que muitas


coisas novas resultam de modificações ou combinações de coisas
já existentes.
4) Listagem de Atributos: técnica que:
a. pega uma entidade, que pode ser um objeto, sistema ou
projeto;
b. identifica e caracteriza seus diversos atributos;
c. identifica os variados valores que estes atributos podem
assumir; e
d. combina esses atributos para encontrar novas formas do
objeto, sistema ou projeto.
Usaresta ferramenta quando tiver uma situação que possa ser
decomposta em atributos e quando se quer criar ou melhorar um
processo ou projeto.
5) Questionamento de suposições: processo de questionar a
validade de regras, procedimentos, situações, informações ou
comportamentos assumidos como verdadeiros e incontestáveis.
Nós estamos cercados de suposições a respeito de porque certas
coisas existem e de como funcionam. Acostumamo-nos a aceitar
e a não questionar estas suposições. Na verdade, temos grande
dificuldade de enxergar e reconhecer estas suposições. Com muita
frequência, estas suposições são invocadas como razões e
justificativas para que as coisas sejam mantidas como estão,
imutáveis.
6) Nove Janelas: um obstáculo comum à inovação e solução de
problemas é a dificuldade de definir o problema devido à
complexidade da situação. Problemas complexos precisam ser
analisados sobre distintas perspectivas para serem
adequadamente entendidos e definidos. A técnica Nove Janelas
pode ajudar a desvendar a complexidade, de forma que o problema
se torne mais claro. É uma ferramenta visual que permite analisar
a situação sob diferentes perspectivas, especialmente em pensar
sobre o problema a resolver em termos de Tempo e Escala.
7) Pensamento Inventivo Sistematizado: esta técnica se baseia nos
Princípios Inventivos do TRIZ22 (Teoria da Solução Inventiva de
Problemas) desenvolvidos por Genrich Altshuller23, e que sintetizam
a base de conhecimentos derivada das experiências inovadoras em
diversos campos da atividade humana. Através destes princípios, o
pensamento criativo pode seguir as trilhas já percorridas por milhares
de inventores e solucionadores de problemas e se inspirar nas suas
ideias e nas soluções de problemas similares ao seu.
8) Positivo, Negativo e Interessante- PNI: é uma ferramenta que

199
ENTRE ASPAS

tem como objetivo explorar uma ideia pela análise de seus pontos
fortes, fracos e interessantes:
a. Positivo: as boas coisas, o que você gosta na ideia.
b. Negativo: as coisas ruins, o que você não gosta.
c. Interessante: o que você acha interessante e que merece
uma reflexão.
Ao invés de dizer simplesmente que gosta ou não gosta de uma ideia, use
o PNI para explorar melhor seus diversos aspectos, antes de fazer seu
julgamento.(Siqueira, 2012)

O foco destes métodos se volta precipuamente ao uso individual ou de pequenos


grupos, não se pode olvidar, entretanto, que existem demandas mais complexas e que podem
perpassar ou tangenciar realidades ainda pouco exploradas pela organização, e mesmo pelas
academias, nestes casos, será mais interessante estudar a viabilidade deimplantação da Open
Innovation24 (TL: Inovação Aberta).
Diferentemente do método de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D)que, resulta de um
esforço interno e fechado da organização, onde esta sozinha arca com grandes investimentos
e, por vezes, com pouca ou inexpressiva geração de valor, a Open Innovation direciona a
instituição para desafios compartilhados de inovação. Abaixo uma tabela comparativa entre os
dois métodos:

Tabela 01 - Adaptado da comparação entre P&D e Open Innovation do Instituto inovação. Fonte: Disponível em:
http://inventta.net/wp-content/uploads/2011/02/Conceitos_Open_Innovation.pdf. Acessado em: 02 de julho de 2012.

200
A REVISTA DA UNICORP

Sob o aspecto da inovação, tem-se de Peter Drucker25 que:

A inovação é o instrumento específico dos empreendedores, o meio pelo


qual eles exploram a mudança como uma oportunidade para um negócio
diferente ou um serviço diferente. Ela pode ser apresentada como
disciplina, ser apreendida e ser praticada. (Drucker, 2002).

Corroboradocom a argumentaçãosupra de Drucker, infere-se que,sem o devido controle


a criatividade anda às cegas, sem rumo certo. Por outro lado, sem a criatividade não existe
inovação, a instituição incorre, então,num grande risco de se engessar em seus processos
comuns e ser pouca evolutiva, pois perde muito de seu espírito empreendedor.O desafio,logo,
de mantercerto equilíbrio de forças nestas variáveis, vem a ser condiçãosine qua non às
pretensões de crescimento sustentável de qualquer instituição.

Desafio 03 - A gestão da informação

Segundo (Angeloni, 2002) poder-se conceituar dado e informação como:

Dados referem-se a elementos descritivos de um evento, desprovidos de


qualquer tratamento lógico ou contextualização, que comunicam um estado
da realidade pura e tem base factual.
A informação é a forma mental do mundo empírico, a construção de uma
informação envolve atividades como coleta, classificação e aglutinação
de dados. A informação está inserida em uma rede de relações que lhe
confere sentido e, portanto, utilidade. Em outras palavras, a informação
pode ser entendida como um conjunto de dados selecionados e agrupados
segundo um critério lógico para a consecução de um determinado
objetivo.(Angeloni, 2002).

A definição para a informação vem, invariavelmente, sendo exposta por diversos autores
como uma faixa, nível ou uma fase seguinte aos dados, contudo, pode também ser considerada,
conforme preconiza em especial Sérgio Navega26, como sendoo oposto de tendência de
desordem do universo, conceito este oriundo da entropia física. Isto posto, para existir de fato,
há que se fazer em certa ordem, passível a observação de um significado, a informação deve
possuir forma indissociável a um agente interpretador,variando conforme o grau de surpresa
do receptor (Navega, 2012).A seguir ver-se-á, baseado em estudo de Davenport27 (Davenport,
2002), um quadro relacionandodados, informação e conhecimento:

Tabela 02 – Relação Dados, informação e conhecimento. Fonte: Adaptado de (Davenport, 2002).

201
ENTRE ASPAS

A informação pode ser vista ainda como um poder, contudo, possível apenas para quem
a detém sob condições de privilégio, algo que indique um diferencial de uns em relação a
outros, e assim, determinar-lhe um valor proporcional às suas necessidades. Como existe total
relatividade conceitual da informação ou, do poder de uma informação privilegiada, é possível,
em determinadas circunstâncias, que apenas alguns poucos segundos sejam suficientes para
transformar completamente o seu status quo, quer seja esvaindo-o ou fomentando-o.
Nas organizações e na sociedade, pelas razões supracitadas, vem sendo investido um
esforço gigantesco em função de prolongar o efeito de este poder, isto para que surja uma
condição de initerruptabilidade, o que se pode traduzir como um domínio pleno de determinada
situação. Este raciocínio vem conduzindo o mundo inteiro num paradoxo: ávido pelo poder o
homem busca canalizar as informações que o cercam de todas as formas, imaginando com isto,
estar sempre bem informado e, consequentemente, perenemente poderoso, porém, observa-se
justamente o contrário, quanto mais informações existam, menos informado se está, logo, por
indução, quanto mais poder exista, menos poderoso poderá ficar. Caracterizando-se, assim, o
que comumente se denomina de Paradoxo Informacional.
Apesar de todo volume de informações e da imensa disponibilidade que atualmente é
proporcionada pelos seus veículos, quer sejam eletrônicos ou em outro meio, não é o bastante
para entender, como vimos, que se bastaria suprir (leia-se “bombardear”) a organização destes
veículos, inclusive de computadores (como erroneamente muito se crê), para mantê-la e aos
seus membros, numa condição de pleno conhecimento dos fatos e dos fenômenos que os
cercam em todos os sentidos, o que é possível de ser assimilado não garantiria assim, valor
agregado pelo que se informa nem pelo que se produz com tal informação, porquanto (Davenport,
2002) sugere:

Nosso fascínio pela tecnologia nos fez esquecer o objetivo principal da


informação: informar. Todos os computadores do mundo de nada
servirão se seus usuários não estiverem interessados na informação que
esses computadores podem gerar. O aumento da largura de banda dos
equipamentos de telecomunicações será inútil se os funcionários de uma
empresa não compartilharem a informação que possuem. Sistemas
especialistas não irão proporcionar informações úteis se as mudanças
nessa área de conhecimento forem muito rápidas – ou se os criadores
desses sistemas não puderem encontrar especialistas dispostos a ensinar
o que sabem. (Davenport, 2002]

Nesta argumentação não se exime a possibilidade de ser fundamentalmente um sofisma,


contudo, pode-se perceber circunstancialmente sua validade quando observamos que uma
edição diária do jornal americano The New York Timesou o brasileiro O Estadãocontém mais
informações do que um cidadão comum do século XV poderia ter em toda a sua vida.
Tem-se assim, a informação como resultante de uma significação, e uma interpretação,
por esta razão, contrapondo-se ao sentido de conhecimento explicito, uma vez que explicitado
o “ conhecimento” falta-lhe o novo sentido interpretativo idiossincrático de seu receptor.
Poder-se-á então, conceituar a Tecnologia da Informação -TI, como um conjunto formado
de pessoas e produtos/artefatos de origem computacional, que servem à geração, o uso e a
administração de dados, bem como, a reduçãodo paradoxo informacional, entendendo-atambém,
como um Sistema que buscaráharmonizare integrarum conjunto especial de componentes,
comumente denominado de Informática, um neologismofrancês (information automatique)
criado por Dreyfus28, onde:

202
A REVISTA DA UNICORP

 Database Componente Elementar

 Hardware Componente Material

 Network Componente de Comunicação

 Peopleware Componente Humano

 Software Componente Lógico

A qualidade deste Sistema da Tecnologia da Informação dependerá da qualidade se


cada um destes componentes, podendo impactar diretamente em sua confiabilidade e
usabilidade, desta forma, o mesmo somente poderá ser considerado para implementação se
atender a algumas condições essenciais que garantam a Segurança da Informação, quais
sejam:

Tabela 03 - Requisitos essenciais de confiabilidade e usabilidade para os Sistemas de Informação.


Fonte: Do autor.
Outrossim, para que o sistema de informação seja válido e efetivo à organização deverá
ser concebido com os seguintes pressupostos:

• Possuir alinhamento com o negócio e integrar-se aos seus processos;


• Executar com qualidade o que se propõem a executar;
• Ser implementado como um Projeto com metas e prazos programados;
• Ser fácil de usar possuindo acessibilidade intuitiva;
• Ser operado por pessoas treinadas e qualificadas.
• Ser coerente com a realidade em que se insere;
• Possuir consistência nos relacionamento da integridade de suas informações;
• Atender aos requisitos não-funcionais de processo (entrega, implementação
e padrões), produto (usabilidade, acessibilidade, desempenho, confiabilidade
e portabilidade) e externos (legais, custos e interoperabilidade).

203
ENTRE ASPAS

Mantendo-se o foco direcionado ao componente de software graficamente pode-se,


representar diferentes níveis de classificação por tipos de sistema de informação, atendendo
desde as demandas do chão de fábrica até ao nível maior dentro da hierarquia da instituição,
pelo seguinte diagrama:

Figura 03 – Pirâmidade modular dos Tipos de Sistemas de Informação. Fonte: Adaptado de (Furlan,
1 99 4).

Por uma questão de abordagem, suprimiu-se do Nível Estratégico o tipo DecisionSupport


System - DSS (TL: Sistema de Apoio à Decisão – SAD), por considerá-lo incorporado ao EIS.
Os demais são assim conceituados:

Tabela 04 - Tipos de Sistemas de Informação. Fonte: Adaptado de (Furlan, 1994).

204
A REVISTA DA UNICORP

A TI não basta apenas o papel de acelerar a leitura e a filtragem dos dados ao seu
interlocutor, outrossim, a automatização de determinadas tarefas de maneira
inteligível,(construção realizada em tempo de programação pelo desenvolvedor), de tal modo
que, com o tempo, ela deve evoluir e, ainda em caráter puramente lógico, passar a aprender e a
tomar decisões, inspirando-se inclusive na natureza, a exemplo do que vemos nos:algoritmos
genéticos, lógica difusa, inteligência artificial,sistemas especialistas e, mais recentemente, a
web semântica que utiliza o raciocínio para gerar inferências. Inaugura-se, pois, uma nova fase
de desenvolvimento de aplicações, com reais e infinitas possibilidades práticas de utilização.
Num relacionamento simples tem-se de Pacheco (Pacheco, 2012):

Os artefatos gerados pela TI consolidam-se em infinitas formas de aplicação que, por


características intrínsecas e pelo perfil de sua utilização, determinam-lhes um limite de
funcionalidade particular. Estas fronteiras aos poucos se consubstanciam e deixam suas
diferenças conceituais defasadas, o que,via de regra, impede a observação de seuselementos
de forma isolada.
Como adiante poderá ser observado(na tabela 06), a Tecnologia da Informação dispõe
de uma enorme gama de recursos que podem, se bem utilizados, orientar as instituições em seu
desafio de bem gerir sua informação. Padrões de boas práticas de processos em TI, tais como
o ITIL e o COBIT, que servem para gerenciar de forma efetiva os serviços de TI, o desempenho
de suainfraestrutura e o alinhamento desta com o negócio da organização, podem e devem ser
considerados no suporte ao êxito deste intento.
O Information Technology Infrastructure Library - ITIL é um conjunto de boas práticas
a serem aplicadas na infraestrutura, operação e manutenção de serviços de TI. Foi desenvolvido
pela Central Computer and Telecommunications Agency - CCTAno final dos anos de 1980,
atualmente é gerido peloOffice for Government Commerce - OGC da Inglaterra. A ITIL possibilita
ao gestor trabalhar o foco no cliente final e na qualidade dos serviços ofertados pela TI.
O Control Objectives for Information and related Technology - COBIT é um guia de
boas práticas apresentado como framework, dirigido para a gestão de TI. Mantido
pelaInformation Systems Audit and Control Association - ISACA, possui uma série de recursos
que podem servir como um modelo de referência para gestão da TI, incluindo um sumário
executivo, um framework, objetivos de controle, mapas de auditoria, ferramentas para a sua
implementação e um guia com técnicas de gerenciamento.
A gestão da informação não é um desafio menor da organização apenas pelo fato de se
possuir um grande número de artefatos disponíveis, justamente neste ponto traduz-se sua
grande dificuldade, estruturar uma solução tecnológica harmônica que se alinhe ao seu negócio
de forma evolutiva, sem que isto venha a atender aos apelos superatrativos do mercado
tecnológico.

205
ENTRE ASPAS

Tabela 06 – Tabela de Artefatos da TI. Fonte: Adaptado de (CRIE, 04)

206
A REVISTA DA UNICORP

Desafio 04 – A gestão do conhecimento

Quando numa organização observa-se a necessidade de reter, organizar, compartilhar e


otimizar a utilização das informações existentes, e ainda, a criação de instrumentos que permitam
a obtenção de novas informações, em pouco tempo, e naturalmente, constituíssem esforços
num foco de estudo para elaboração de um novo modelo de gestão. Atualmente, este modelo
é normalmente denominado como Gestão do Conhecimento – GC, muito conhecidatambém
pelo acrônimo inglês KM, de Knowledge Management.
O conceito emergente deGC não possui ainda um consenso, porém, Segundo Boff29
(Boff, 2001):

A Gestão do Conhecimento pode ser descrita como um conjunto de


estratégias para criar, adquirir, compartilhar e utilizar ativos de
conhecimentos que estabeleçam fluxos que garantam a informação
necessária no tempo e formato adequados, afim de auxiliar na geração
de ideais, solução de problemas e tomada de decisão.(Boff, 2001)

Este conceito se estende quando a organização define o conhecimento como um


importante ativo e passa então a assumir um novo modelo teórico de organização, conhecida
como Organização do Conhecimento.
Segundo (Angeloni, 2002) a Organização do Conhecimento poderia ser descrita como:

Uma organização do Conhecimento é aquela em que o repertório de


saberes individuais e dos socialmente compartilhados pelo grupo é tratado
com um ativo valioso, capaz de entender e vencer as contingências
ambientais, sociais e tecnológicas que viabilizem a geração, a
disponibilização e a internalização de conhecimentos por parte dos
indivíduos, com o propósito de subsidiar a tomada de decisões. (Angeloni,
2002)

Entender-se-á assim, como imprescindível a qualquer organização que queira tornar-se


uma organização do conhecimento, entender qual a logística de seu conhecimento; sua validade,
seu ponto de re-suprimento, sua cadeia de produção, sua criticidade, enfim, todos os fatores
que possibilite ao seu conhecimento tramitar entre locais, pessoas e em outras organizações e
que, normalmente comporiam a logística de qualquer de seus outros ativos ou produtos.
Neste intento, muitos conceitos originais da Gestão do Conhecimento, vêm sendo
significativos para a concepção de novas técnicas, em alguns casos sendo inclusive
implementadas, que atendem aos aspectos supracitados, entretanto, segundo Sérgio Navega:

Boa parte do que se faz hoje em gerência do conhecimento está errado


[...] dados, informação e conhecimento é uma divisão inconveniente [...]
grande parte do conhecimento de uma pessoa não é explicitável. Muito
do que é “tácito” não pode ser explícito de forma alguma [...] Nada
daquilo que é explicitável (representado externamente) pode ser visto
como conhecimento; é no máximo informação. Livros não contêm
conhecimento, só contém informação. Se você tirar as pessoas da
empresa não sobrará nem uma só gota de conhecimento. (Navega, 2012)

207
ENTRE ASPAS

Conforme estas argumentações, estas técnicas não estariam gerenciando de fato um


conhecimento e sim informações, assim sendo, tem-se muitas posturas diferenciadas entre os
estudiosos do conhecimento, no discorrer do conteúdo do trabalho, assumir-se-á uma linha de
raciocínio imparcial e seletiva com referência apenas ao exposto.
Poder-se-á assim, compreender como perfeitamente possível, uma aprendizagem
organizacional, onde garantir-se-á para organização, independente do fluxo de entrada e saída
de capital intelectual, o seu próprio conhecimento. Neste aspecto, a Aprendizagem
Organizacional é conceituada por Thomas Stweart30 comosendo a capacidade de criar novas
ideias multiplicada pela capacidade de generalizá-las por toda a empresa. (Stweart, 1998)
Duas grandes dificuldades, entretanto, que se pode observar nas organizações são: a
necessidade de possuir uma cultura informacional que entenda e localize os pontos de fuga de
conhecimento organizacional mais frequentes para adotar ações concretas e; a necessidade de
compreender que pela aprendizagem de seus colaboradores poder-se-á chegar aos caminhos
da aprendizagem organizacional.
Iniciando-se, por exemplo, da análise da combinação de aspectos da aprendizagem
humana, aprendizagem de máquina, cultura e gestão de TI, deverão compor-se em formas
capazes de reduzir consideravelmente os níveis de Amnésia Organizacional, um fenômeno
que poder-se-á observar, em diferentes e comuns origens, segundo Carpigiani(Carpigiani, 02),
poder-se-á citar como exemplos:

Tabela 07 – Algumas fontes da Amnésia Organizacional. Fonte: Adaptado de (Carpigiani, 2002)

A realidadee o enfrentamento à amnésia organizacionalpara cada organização é única e


específica, entretanto, a produção ou regeneração da informação necessária a um novo
conhecimento, o processo criativo, não se limita a utilização dos artefatos de TI, posto que nem
toda informação produz uma resultante operacional, funcional e/ou elucidativa, uma vez que
necessite de significação idiossincrática do seu receptor, logo, intrínseco ao ser humano
A abordagem Sense-Making(TL: Criação de Sentido) foi iniciada em 1972, pela Professora
Dra. Brenda L. Dervin, mas, somente em maio de 1983, na International Communications
Association Annual Meeting em Dallas-Texas-USA., é publicado o documento contendo sua
base filosófica, conceitual, teórica e metodológica. Esta abordagempode ser utilizada na
compreensão do mundo e das coisas, utilizando-se apenas pela capacidade psicológicade
seus atores e, ainda, dos acontecimentos do presente, passado e futuro para responder a
perguntas básicas: Que significados tem essas informações? Qual a informação que preciso?

208
A REVISTA DA UNICORP

E onde ela é necessária? É somente após a incorporação de seu receptor em seus modelos
mentais, que a informação passa a ter sentido.A seguir a construção gráfica do Sense Making
utilizando a metáfora de Dervin31 para sua representação:

Figura 04 –Sense Making - Metáfora de Dervin. Fonte: Adaptado de (Dervin, 2002).

Ao enfrentar a amnésia organizacional e criar novos sentidos à informação, a organização


começa, ainda que incipientemente, a implementaro que se pode denominar de Tecnologia do
Conhecimento– TC.Para um melhor entendimento e internalização, propor-se-á abaixo,
umataxonomia para aTC, onde poderá ser observado de que forma esta se posiciona entre a TI
e a GC:

 Vive-se a Era do Conhecimento


 O conjunto de instituições forma a Sociedade do Conhecimento.
 Trabalhadores do Conhecimento compõe as Organizações do Conhecimento.
 A Organização do Conhecimento realiza a Gestão do Conhecimento.
 Dever-se-á utilizar na Gestão do Conhecimento a Tecnologia do Conhecimento.
 A Tecnologia do Conhecimento requer artefatos da Tecnologia de Informação.

Figura 05 – Taxonomia para a Tecnologia do Conhecimento. Fonte: Do Autor

209
ENTRE ASPAS

Diferentemente da TI, a TC terá como base e campo de influência a Cultura


Organizacional, da mesma forma que esta, influenciará todas variáveis que tangenciam aos
padrões de cultura e comportamento da organização. Apresenta-se a seguir o campo de relações
da TC:

Figura 06 – Relação Tecnologia do Conhecimento X Cultura Organizacional. Fonte: Do autor

Entender a Tecnologia do Conhecimento perpassa inevitavelmente por aceitar que


todo o conhecimento, de qualquer instituição, origina-se nas pessoas, logo, não há melhor
forma de se apropriar deste importante ativo do que no momento em que este é gerado ou
utilizado. Os primeiros estudos sobre a influência doconvívio social no desenvolvimento do
conhecimento surgiram com as abordagens teóricas que defendem uma visão interacionista do
desenvolvimento cognitivodo indivíduo. Estas abordagens contribuem para a fundamentação
e compreensão do Trabalho Colaborativo e da Aprendizagem Colaborativa.
Importante às pretensões de se implantar uma TC, tem-se o Computer Support
Collaborative Work – CSCW (TL: Trabalho Colaborativo Suportado por Computador) definido
inicialmente apenas como um sistema de informação para suportar os grupos de trabalho nas
tarefas comuns, fornecendo uma interface que possibilita a realização de trabalho em conjunto.
De Elgire tem-se que:
A sigla CSCW (Computer Supported Cooperative Work),é usada para
referir à área de pesquisa que estuda as formas de trabalho dos grupos,
tentando descobrir como a tecnologia pode ajudá-los em seus trabalhos.
O estudo desta área possibilitou uma melhor observação das
características que envolvem qualquer tipo de trabalho em grupo e como
estas devem ser apoiadas pela Tecnologia.(ELGIRE, 1991)

210
A REVISTA DA UNICORP

Para a TCoComputer Supported Collaborative Learning - CSCL(TL: Aprendizagem


Colaborativa Suportada por Computador) definirá uma estratégia educativa em que dois ou
mais sujeitos construirão o seu conhecimento através da discussão, da reflexão e tomada de
decisões, e onde os recursos informáticos atuar-se-ão como mediadores.De Barros, tem-se
que:
A área de Aprendizagem Colaborativa Apoiada por Computador é
dedicada ao estudo do suporte por computador à Aprendizagem
Colaborativa, através do qual são superados alguns dos problemas
comumente encontrados nas implementações convencionais deste modelo
de aprendizagem, tais como a dificuldade de reunir um grupo de pessoas
em um mesmo local e hora, e a dificuldade de acompanhamento e avaliação
do trabalho desenvolvido por cada participante do grupo. Há, portanto,
um grande interesse na pesquisa de sistemas que apóiem a aprendizagem
colaborativa. A área de pesquisa que trata destes sistemas é referida na
literatura por CSCL (Computer Supported Collaborative Learning) e é
considerada por alguns autores como sendo uma especialização da
área de CSCW (Computer Supported Cooperative Work), dedicada às
aplicações educacionais.(BARROS, 1998)

Alguns pontos de observação sobre o CSCW e CSCL:

Tabela 08 – Diferenças entre o CSCW e o CSCL. Fonte: (UNEV, 03)

Outras abordagens que podem ser utilizadas como CSCL – [Do Autor].

 AVA Ambiente Virtual de Aprendizagem


 ICAI Instrução Assistida por Computador Inteligente
 ITS Sistema de Tutoria Inteligente
 KBS Sistemas Baseados em Conhecimento
 TBT Treinamento Baseado em Tecnologia

211
ENTRE ASPAS

Caso a instituiçãodeseje implantar a Tecnologia do Conhecimento poderá lançar-se ao


desenvolvimentode uma Solução Corporativa que deverá compor-se de elementos
consubstanciais em operação, contudo, bem definidos em função, sendo suportada pela:

 Engenharia de Sistemas

 Computação Evolutiva

 Bussiness Intelligence

E assim, providos e conceituados seus elementos constituintes, pode-se enfim propor


um Framework direcionado à Tecnologia do Conhecimento, qual

Figura 07 – Framework da Tecnologia do Conhecimento. Fonte: Do Autor

Analisar-se-á o Framework da Tecnologia do Conhecimento sob a óptica de algumas


prerrogativas:

 Trata-se da definição de um conceito pela expressão de um modelo


mental compartilhado, realizado de forma multi e interdisciplinar que
tem origem num estudo ontológico, onde a disposição realizada tem
caráter puramente didático, a disposição real de seus elementos
constituintes deverá ser objeto de um projeto de implantação.

212
A REVISTA DA UNICORP

 É uma referência de método e não uma determinação. Sabe-se que


para uma mesma área do conhecimento têm-se diversas tecnologias
que lhe são constituintes, muitas vezes antagônicas ou
complementares entre si, e ainda suplementares pela aplicação. Este
Framework não tem a pretensão de ser uma modelagem absoluta e se
dispor a ter um único objetivo.

Atender-se-á aos seus princípios taxonômicos em 03 distintos loopings. Que são:

Primeiro Looping

Figura 08 – 1º looping do Framework da Tecnologia do Conhecimento. Fonte: Do Autor

Ter-se-á neste primeiro looping por meio da integração total da Tecnologia da


Informação, um ambiente onde se verá:

 O Núcleo das memórias Informacionais perenes e voláteis (DW, DM),


bem como, seus canais de mineração (Data Mining) e fluxo(TI).
 O Núcleo das Essências Técnicas e Cognitivas (Core Information,
Core Decision e Core Intellingence).
 As dimensões Pessoas (Stakeholders), Cultura Organizacional
(CSCW) e Tecnologia (Solução Corporativa), inspirado no modelo
proposto por (Angeloni, 2000).

213
ENTRE ASPAS

 O Macro Ambiente Externo tanto como Input quanto Output, numa


influência mútua entre a organização e o seu habitat canalizado pelos
artefatos de TI.

Segundo Looping

Figura 09 – 2º looping do Framework da Tecnologia do Conhecimento. Fonte: Do Autor

Neste segundo looping, notar-se-á vínculos de dependência entre a TI e o fator humano,


onde:

 Poder-se-á dar o “Start” informacional pelo “Combustível” da


“Informação Educativa” que é lançada ao CSCL.
 Pelo CSCL e baseado em suas teorias de aprendizagem, absorver-
se-á novos conceitos, experimentar-se-á novas técnicas e
perceber-se-á novas possibilidades, com isto, novas necessidades
e novos requisitos.
 A Engenharia de Sistemas identifica os novos requisitos. realiza
o de incorporação ou de novo sistema, desenvolve, integra, e
instala o novo sistema, utilizando e dando novos subsídios aos
compostos da computação evolutiva.
 A Computação Evolutiva utiliza-se de Inteligência Artificial em
alto nível para multiplicar a intelectualidade dos sistemas, por ela
compostos, e fomentará o Business Intelligence nos mais diversos
e complexos ambientes.

214
A REVISTA DA UNICORP

 O Business Intelligence integrará recursos da Tecnologia


da Informação e o Balanced Scorecard para servir como
elemento de controle da estratégia e de congruência na
criação de novos cenários ao Sense Making da organização.
 O Sense Making determinará aos novos cenários
apresentados pelo Business Intelligence uma significação
real sobre sua presteza e utilidade, além de convertê-la em
novas informações. Estas informações irão ser repassadas
ao núcleo de informaçãoe conhecimento dos Stakeholders.
 Receber-se-á o Núcleo de informação dos Stakeholders, novas
informações advindas tanto do sense making quanto do macro-
ambiente externo. Estas informações irão ser transmitidas,
depois de tratadas, ao CSCL e inicia-se todo o ciclo novamente.

Terceiro Looping

Figura 10 – 3º looping do Framework da Tecnologia do Conhecimento. Fonte: Do Autor

Neste terceiro e último looping, notar-se-á vínculos de interdependência entre: a TI, o


fator humano, o negócio e suas competências, onde:

 Os núcleos de competências interagem sobre os elementos do 2º


looping, que por sua vez, por serem seus conceptivos, influenciam o
1º looping.
 A questão do equilíbrio de forças será naturalmente resolvida pelo
foco de sua demanda.

215
ENTRE ASPAS

O Framework da Tecnologia do Conhecimento é um instrumento elucidativo para


internalização deste novo modelo de gestão para a organização. A Tecnologia da Informação
agora deixa de ser o centro das questões, como se observa em muitas abordagens de gestão,
para o papel de canal logístico onde se realiza a cadeia de suprimentos informacionais, dando-
lhe, pois, um papel não menos importante, contudo, passa a dividir espaços com campos da
ciência, com o próprio ser humano e com a relação cultura no espaço e no tempo.

Conclusão

Procurou-se neste artigo, dispor ao seu leitor-gestor, ou mesmo àqueles que apenas se
interessampela temática, um conjunto de alternativas que se mostre útil no momento de definição
de métodos que melhor atendam a alguns dos anseios organizacionais em prol da melhoria
contínua de seus atributos de valor, na concepção e melhoria de sua inteligência competitiva (e
com isto, na manutenção de seus diferenciais competitivos) e na efetividade da função social
que desempenham.
Este intento não esgota, entretanto, visto se tratar de um universo muito rico e diverso,
o estudo de todos os possíveis métodos e de suas aplicações. Espera-se, pois, compor com
este trabalho, por meio de um melhor entendimento da relação entre a aprendizagem individual
e organizacional, do controle e da criatividade e inovação, da tecnologia, do conhecimento e da
tecnologia do conhecimento, um novo enfoque, voltado a melhorar a percepção e criação de
sentido ao “saber” organizacional, encadeando-o e explicitando-onum fluxo logístico formatado
com o fito de que possa evoluir e minimizar os desperdícios, a falta e/ou a fuga de capital
intelectual, condiçõesessenciaisaoenfrentamento dos desafios aqui elencados,com vistasà
gestão da excelência institucional.

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217
ENTRE ASPAS

Notas__________________________________________________________________

1 Maria Terezinha Angeloni – Doutorado (1994) e mestrado (1992) em Administração na Université


Pierre Mendes France na área de concentração de Gestão da Informação e da Decisão. Mestrado
em Administração pela Universidade Federal da Paraíba (1986). Graduada em Administração pela
Universidade Federal de Santa Catarina (1975).

2 TL – Acrônimo utilizado pelo autor para Tradução Livre.

3 Leon C. Megginson (Y1921 - U2010) - Professor Doutor de Gestão e Marketing na Louisana


State University em Baton Rouge, Louisiana, em 1963 escreveu: “Sim, a mudança é a lei básica
da natureza. Mas as mudanças provocadas pela passagem do tempo afeta os indivíduos e
instituições de diferentes maneiras. De acordo com Darwin, em A Origem das Espécies, não é o
mais intelectual da espécie que sobrevive, não é o mais forte que sobrevive, mas na espécie,
sobrevive aquele que é capaz de melhor se adaptar a mudanças no ambiente em que se encontra.
Aplicando esse conceito teórico para nós como indivíduos, podemos afirmar que a civilização
que é capaz de sobreviver é a única que é capaz de se adaptar à mudança física, ambiente social,
político, moral e espiritual em que se encontra.” (P. 4 de:. Megginson, LC (1963) “Lessons from
Europe for American Business.” Southwestern Social Science Quarterly , 44 (1):. 3-13)”.

4 Charles Robert Darwin (Y1809 - U1882) - Biólogo Inglês, escreveu em 1844 e publicou em
1859 o manuscrito: “On the Origin of Species by Means of Natural Selection” (TL: A origem das
Espécies por Meio da Seleção Natural.).

5 Benedicto Silva - (Y1905 - U2000) – Pesquisador Goiano, Bacharel em Ciências Sociais Pela
American University de Washington – USA, membro da Academia Brasileira de Ciências da
Administração e da Associação Goiana de Imprensa, Diretor da Fundação Getúlio Vargas, publicou
vários livros, dentre os quais: Era do Administrador Profissional e Administração Civil na
Mobilização Pública.

6 Epicuristas - Epicurismo é o sistema filosófico ensinado por Epicuro de Samos, filósofo


ateniense do século 4 a.C., e seguido depois por outros filósofos, chamados epicuristas. Epicuro
acreditava que o maior bem era a procura de prazeres moderados de forma a atingir um estado de
tranquilidade e de libertação do medo, assim como a ausência de sofrimento corporal através do
conhecimento do funcionamento do mundo e da limitação dos desejos.

7 Raul Seixas - (Y1945 - U1989) - Famoso cantor e compositor Baiano, frequentemente considerado
um dos pioneiros do rock brasileiro. Também foi produtor musical da CBS durante sua estada no
Rio de Janeiro, e por vezes é chamado de Pai do Rock Brasileiro e Maluco Beleza.

8 Górgias de Leontini - (Y480 a.C. - U375 a.C.) – Filósofo e professor de retórica, embaixador em
Atenas, tendo ensinado na Sicília e em várias cidades gregas até estabelecer-se na Tessália, local
onde morreu com 105 anos de idade.

9 Nonaka e Takeuschi - Ikujiro Nonaka (Y1935) é professor emérito da Universidade Hitotsubashi


no Japão. Em 2008 o Wall Street Journal o listou como uma das pessoas com o pensamento mais
influente na área de negócios. Ele é mais conhecido pelo seu trabalho na área de gestão de
conhecimento e é coautor do livro The Knowledge-Creating Company. Hirotaka
Takeuchi(Y1946) é reitor da Escola de Estratégia Corporativa Internacional na Universidade
Hitotsubashi e foi descrito pela BusinessWeekcomo um dos dez melhores professores de gerência
para programas de educação corporativa no mundo.

218
A REVISTA DA UNICORP

10 Chris Argyris - (Y1923) – Americano, teórico em negócios, professor Emérito da Harvard


Business School, e formador de opinião do Monitor Group. Comumente conhecido por seu
trabalho na área das organizações que aprendem.

11 Lorin J. B. Loverde - (Y1927) – Americano, Doutor pela Columbia University - NY, Professor de
Negócios Internacionais e membro da rede de consultores do Centro de Sistemas de Conhecimento
do Instituto Técnico de Monterrey no México.

12 Arie de Geus - (Y1930) – Holandês, entre 1971 e 1978 esteve no Brasil como vice-presidente da
Shell Brasil e depois como presidente. director do Centre for Organizational Learning da Sloan
School of Management do MIT, em Cambridge/Boston, e do Nijenrode Learning Centre, na
Holanda. É professor visitante da London Business School e membro fundador do Global Business
Network e da Society for Organizational Learning.

13 Peter Michael Senge - (Y1947) – Peter M. Senge é o autor renomado do livro A Quinta
Disciplina. Formou-se em Engenharia pela Stanford University e obteve mestrado em Modelos
de Sistema Sociais e o Ph.D. em Management pelo Massachusetts Institute of Technology - MIT.
Em Stanford também estudou Filosofia. Professor sênior na MIT,fundou e é diretor da Society for
Organizational Learning – SOL.

14 Ivan Rocha Neto - (YXXXX) – PhD em Eletrônica pela University of Kent at Canterbury – UK
– 1975, Mestrado em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB – 1972,
Graduado em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE – 1970,
Especialização – “Art of Business Coaching” New Field Consulting – Espanha – 2001.
Aperfeiçoamento em Aprendizagem Cooperativa e Tecnologias Educacionais – UCB 2003.
Atualmente é docente-pesquisador da Universidade Católica de Brasília e Presidente do Instituto
de Transposição do Conhecimento para o Desenvolvimento Regional.

15 Cyrineu Terra - (1965) – José Cláudio Cyrineu Terra é um especialista brasileiro em Gestão do
Conhecimento (GCO), professor da Fundação Instituto de Administração (FIA-USP) e presidente
da Terra Fórum (www.terraforum.com.br). É graduado em Economia pela (FEA-USP) e Engenharia
de Produção pela (POLI-USP), mestre em Administração pela (FEA-USP) e doutor em Engenharia
de Produção pela (POLI-USP), sendo consultor e autor de diversas obras sobre GC.

16 Dogma Científico– Contraponto onde se estabelece o paradoxo da fé inabalável do cientista pela


ciência, sobretudo quando os arquétipos de pesquisa demonstra algo onde este imagina ou percebe na
verdade da investigação que se origina na certeza pelo uso da inteligência forte aproximação da
verdade que, imaculada, existe sobre todas as coisas, independente do juízo de seus observadores.

17 Robert Samuel Kaplan - (1940) – Professor Baker FoundationnaHarvard Business School -


HBS. Ele se juntou ao corpo docente da HBS em 1984, depois de passar 16 anos no corpo docente
da Business School da Carnegie-Mellon University, onde atuou como Dean 1977-1983. Kaplan
recebeu um BS e um MS em Engenharia Elétrica do Massachusetts Institute of Technology - MIT, e
um doutorado em Investigação Operacional pela Cornell University. Ele recebeu doutoramentos
honoris causa das Universidades de Stuttgart (1994), Lodz (2006), e Waterloo (2008). Kaplan foi
co-desenvolvedor do Activity-Based Costing (TL: Custeio Baseado em Atividades - Curva ABC) e
do Balanced Scorecard - BSC (TL: Indicadores Balanceados). Ele é autor ou co-autor de 14 livros.

18 David P. Norton - (1942) – Fundador e diretor de várias organizações especializadas em sistemas


e processos para melhorar a execução da estratégia de negócios. Dr. Norton fundou e construiu uma
série de empresas de serviços profissionais durante o curso de sua carreira, cada um focalizado em
questões de ponta de gestão, de tecnologia da informação e gestão do conhecimento para a disciplina

219
ENTRE ASPAS

de gestão da estratégia. David P. Norton ganhou um BS em engenharia elétrica pela Worcester


Polytechnic Institute, um mestrado em pesquisa de operações do Instituto de Tecnologia da Flórida,
um MBA da Universidade Estadual da Flórida, e seu doutorado em administração de empresas pela
Harvard Business School. David Norton é mais conhecido por seu trabalho com o Balanced Scorecard
- BSC, que tem sido objeto de muitas conferências e artigos.

19 PMBoK - O Project Management Body of Knowledge, também conhecido como PMBOK é um


conjunto de práticas em gestão de projetos publicado pelo Project Management Institute - PMI e
constitui a base do conhecimento em gerenciamento de projetos do PMI. Estas práticas são compiladas
na forma de um guia, chamado de o Guia PMBoK e está em sua 5ª Edição.

20 Shewhart e Deming – O ciclo PDCA, ciclo de Shewhart ou ciclo de Deming, é um ciclo de


desenvolvimento que tem foco na melhoria contínua. O PDCA foi idealizado por Shewhart e
divulgado por Deming, quem efetivamente o aplicou. O ciclo de Deming tem por princípio tornar
mais claros e ágeis os processos envolvidos na execução da gestão, como, por exemplo, na gestão da
qualidade, dividindo-a em quatro principais passos: Plain(Planejar), Do(Executar), Check(Monitorar)
e Action(Reavaliar). Walter Andrew Shewhart (1891 - 1967) foi um físico, engenheiro e
estatístico estadunidense, conhecido como o “Pai do Controle Estatístico do Processo - CEP”.
Formado pela universidade de Illinois e seu Ph.D., em Física, foi obtido na universidade da Califórnia
em 1917. Lecionou nas universidades de Harvard, Rutgers e Princeton. Seu trabalho está sumarizado
no livro Economic Control of Quality of Manufactured Product, publicado em 1931. William
Edwards Deming (1900 - 1993). Embora tenho sido reconhecido através do mundo como um
“Guru do gerenciamento da qualidade” ele insistia em ser reconhecido como “Consultor em estudos
estatísticos.”. Após sua graduação em Engenharia, em 1921, na Universidade de Wyoming, fez
mestrado em Matemática e Física na Universidade Minas do Colorado. Após terminar seu doutorado
em Yale em 1928, iniciou sua carreira como funcionário do governo atuando como Físico Matemático
no Laboratório de Pesquisas de Fixação de Nitrogênio do Departamento de Agricultura (USDA),
permanecendo neste emprego até 1939.

21 Jairo Siqueira (1940) – Engenheiro Goiano, com mais de 30 anos de vivência empresarial em
cargos executivos na USIMINAS, Vale, Sul América Seguros e Instituto Brasileiro da Qualidade
Nuclear, e como consultor em gestão estratégica, gestão e melhoria da qualidade e inovação de
processos empresariais. Atuando como consultor desde 1993, tem liderado importantes projetos de
desenvolvimento organizacional em setores diversos como alimentos, energia, logística, metal-mecânica,
mineração, petróleo, saúde e seguros. Desenvolvimento de metodologias e treinamentos em Criatividade
e Inovação, Planejamento Estratégico, Gestão de Mudanças, Gestão da Qualidade, Gestão e Melhoria
de Processos e Negociação. Certified Six Sigma Champion pelo Juran Institute, Certified Quality
Lead Assessor pelo STAT-A Matrix Institute. Qualificado como Auditor e Instrutor em Garantia da
Qualidade em Instalações Nucleares pelo Instituto BrasileirodaQualidade Nuclear – IBQN.

22 TRIZ - Sigla Russa, transcrita para o nosso alfabeto como Teoria Rechenia Izobretatelskih Zadatchi
e significa, literalmente, Teoria da Resolução de Problemas Inventivos. Entretanto, a tradução Teoria
da Solução Inventiva de Problemas (do inglês Theory of Inventive Problem Solving) é a mais comum.

23 Genrich S. Altshuller - (1926 - 1998) – Engenheiro, inventor, cientista, jornalista, escritor e


pensador nascido em Tashkent, Rússia. É a Altshuller que se deve o mérito pela criação da TRIZ
Clássica, iniciada nos anos 1940 e desenvolvida sob sua liderança até o início dos anos 1990.

24 Open Innovation - (TL: Inovação Aberta) é um termo promovido por Henry Chesbrough, professor
e diretor executivo no Centro de Inovação Aberta da Universidade de Berkeley e chairman do Centro
de Open Innovation - Brasil. Ao analisar o comportamento histórico das grandes firmas americanas
ao longo do séc. XX,Chesbrough percebeu que o modelo de gestão da inovação utilizado nessas

220
A REVISTA DA UNICORP

empresas foi bastante fechado no que se refere ao surgimento das ideias e sua aplicação no mercado.
Duas premissas fundamentais mantiverem esse modelo: “Nós detemos os melhores talentos e
portanto nossas ideias são melhores que a dos demais!” e “Se nós inventamos ninguém melhor do
que nós para comercializar!”.

25 Peter Ferdinand Drucker - (1909 - 2005) Nasceu em Viena, Áustria, foi um escritor, escreveu
muitos artigos e mais de 30 livros, professor e consultor administrativo considerado como o pai da
administração moderna, sendo o mais reconhecido dos pensadores do fenómeno dos efeitos da
Globalização na economia em geral e em particular nas organizações - subentendendo-se a administração
moderna como a ciência que trata sobre pessoas nas organizações, como dizia ele próprio.

26 Sérgio Cruz Navega -(1956) - Diretor de Pesquisa e Formação Intelliwise, uma empresa de
consultoria em Business Intelligence e Data Mining, que também desenvolve pesquisas em Inteligência
Artificial e distribui uma linha de livretos digitais. Licenciado em Física pelo Instituto de Física da
Universidade de São Paulo - USP. Autor do livro “Pensamento Crítico e Argumentação Sólida.”
Membro participante de várias sociedades científicas e profissionais: American Association for
Artificial Intelligence - AAAI; International Neural Network Society - INNS; Cognitive Science
Society - CSS; Sociedade Brasileira para o progresso da Ciência - SBPC e; Sociedade Brasileira da
Ciência da Computação - SBC.

27 Thomas H. Davenport -(1954) - Autor norte-americano e escreve livros que tratam de


sistemas de informação, mais precisamente da gestão da tecnologia da informação. Trabalhou
em setores importantes como: CSC Index, McKinsey e pela Ernst & Young; Universidade de
Austin (Texas), estando hoje na Escola de Gestão da Universidade de Boston, na qual aceitou
a direção do Instituto para a Mudança Estratégica, da Andersen Consulting. Ficou conhecido
pelo mundo todo através de seu livro “Information Ecology” (Ecologia da Informação), editado
pela Universidade de Oxford em 1977, neste o autor trata da gestão da informação sob ponto de
vista tradicional, o investimento em novas tecnologias que a maioria das vezes ao invés de
solucionar possíveis problemas, acaba por acarretar outros. Escreveu junto com Laurence
Prusak o best-seller “Conhecimento Empresarial”, que aborda a gestão do conhecimento. É
autor de mais de cem artigos para publicações como Harvard Business Review, Sloan
Management Review, California Management Review, Financial Times e entre muitas. Tem
como livro mais recente “Working Knowdlege”, obra editada em parceria com o também autor
Laurence Prusak.

28 Philippe Louis Dreyfus- (1930) - Diretor do Centre National de Calcul Électronique de la


Société Bull.

29 Luiz Henrique Boff - (1963) - Doutor em Administração pelo Programa de Pós-Graduação


em Administração (PPGA) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Analista
de Gestão de Pessoas, Coordenador da Universidade Corporativa Banco do Brasil no Rio
Grande do Sul e professor em cursos de graduação e pós-graduação em Administração. Suas
áreas de interesse em pesquisa são gestão de conhecimento, sistemas de informação, gestão de
competências.

30 Thomas A. Stewart(1948) trabalha na Harvard Business Review (HBR) como o editor desde
2002. Antes de ingressar na HBR, foi diretor editorial da Business 2.0 e membro do conselho de
editores da FORTUNE. Um pioneiro e especialista em Capital Intelectual, ele é autor do livro
“Capital Intelectual: A Nova Riqueza das Organizações” e “A Riqueza do Conhecimento:
Capital Intelectual e a Organização do Século XXI”. É ainda um dos conselheiros do World
Economic Fórum. Stewart possui formação “summa cum laude” pela Universidade de Harvard
e BA em literatura inglesa. Possui doutorado em Ciências pelaCity University, Londres.

31 Brenda Louise Dervin(1938) -Americana, Professora de Comunicação em Ohio State


University, PhD honorária pela University of Helsinki em Ciências Sociais e PhD pela Michigan
State University em Pesquisas em Comunicação.

221
ENTRE ASPAS

A IMPENHORABILIDADE DO SALÁRIO E DEMAIS VERBAS DE CARÁTER


ALIMENTAR E O DIREITO FUNDAMENTAL DO CREDOR À EFETIVIDADE DA
TUTELA JURISDICIONAL.

Thiana Cabral de Santana


Bacharela em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Assessora
Jurídica de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.

Resumo: O presente trabalho busca estudar a impenhorabilidade dos salários e demais verbas
de caráter alimentar à luz dos direitos fundamentais e da proporcionalidade. As regras de
impenhorabilidade garantem a preservação da dignidade da pessoa humana do devedor e, ao
mesmo tempo, figuram como verdadeiras limitações ao direito fundamental à tutela executiva,
ao princípio da efetividade e à própria dignidade da pessoa humana do credor. Diante dessa
constatação, não se mostra possível afastar por completo a penhorabilidade de determinado
bem, ignorando-se o direito fundamental do credor, constitucionalmente protegido. É preciso
que, no caso concreto, pondere-se qual o direito fundamental cuja proteção deverá prevalecer
e em que medida será essa proteção garantida. Neste sentido, pretende-se analisar a
necessidade de interpretação da regra de impenhorabilidade dos salários e demais verbas de
caráter alimentar de acordo com os direitos fundamentais, flexibilizando ou restringindo a sua
aplicação em atenção à garantia do direito fundamental à tutela efetiva, sem, contudo, deixar
de preservar a dignidade do devedor, visando uma solução proporcional e razoável para o
caso concreto. A importância da temática aqui proposta emerge da necessidade de garantia da
efetividade do direito do credor, fundamental à credibilidade da própria Justiça aos olhos dos
jurisdicionados.

Palavras-chave: Impenhorabilidade. Verbas de caráter alimentar. Efetividade da tutela


jurisdicional. Direito fundamental do credor. Proporcionalidade.

1. Introdução.

O processo de execução (ou a fase de cumprimento de sentença) existe para atender a


um direito fundamental: o direito fundamental à tutela executiva. A execução é instaurada em
atenção ao credor, comprometendo-se o Estado com a sua plena satisfação.
Por tratar-se de um direito fundamental, deve-se dar ao direito à tutela executiva a
maior efetividade possível. Assim, toda vez que esse direito fundamental encontrar algum
obstáculo desproporcional à sua efetivação, esse obstáculo deverá ser removido; quando
esse direito fundamental colidir no caso concreto com outro direito fundamental deverão

222
A REVISTA DA UNICORP

ambos ser ponderados, com base no princípio da proporcionalidade, à luz do caso concreto.
O elevado índice de inefetividade das execuções gera o descrédito do Poder Judiciário
e do próprio Direito como um todo. Consubstanciada na máxima popular do “ganhou mais
não levou”, espalha-se na sociedade uma verdadeira crença de ineficiência do Direito. Como
bem apontou LUIZ RODRIGUES WAMBIER, “a crise do processo é um retrato da crise de credibilidade
do sistema, pois decorre, dentre outras causas, da distância entre a eficácia que produz e
aquele que seria o grau de eficácia socialmente desejado” (2003, p. 134).
O reconhecimento da necessidade de garantia do princípio da efetividade impulsionou
diversas reformas no Código de Processo Civil, que tiveram a anunciada intenção de dar
celeridade à prestação da tutela jurisdicional, vale dizer, “tiveram o propósito declarado de
agilizar e desburocratizar o processo ante o quadro de notória morosidade da justiça”
(LOPES, 2008, p. 14). Buscou-se, em uma palavra, a efetividade1 de tal tutela, cujo retardo na
prestação além do razoável equivale à denegação de justiça e à violação do direito fundamental
previsto no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição (THEODORO JR., 2007, p. 13-14).
Dentre as reformas, destaca-se a implementada pela Lei nº 11.382/2006, que realizou
alterações no rol de bens impenhoráveis. A lei eliminou alguns bens do rol e acresceu outros,
tendo sido modificada a redação do inciso IV do art. 649, passando a ser impenhoráveis: “os
vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões,
pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao
sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de
profissional liberal, observado o disposto no §3º desse artigo”.
O regime de impenhorabilidade figura como verdadeira técnica de aplicação do princípio
da dignidade da pessoa humana do devedor, de forma que seu objetivo seria proteger os bens
essenciais, afastando a possibilidade de sua penhora, ou seja, limitando a atividade executiva
para a garantia da dignidade do executado. Todavia, não se pode permitir que o princípio da
dignidade da pessoa humana sirva de proteção à conduta fraudulenta do devedor que se
utiliza do processo para protelar indevidamente ou esquivar-se do pagamento de sua dívida,
restando em situação de vantagem àquele que ostenta justo título.
O reconhecimento da existência de um direito fundamental à tutela efetiva é
indispensável à busca de soluções para os problemas decorrentes da aplicação das regras de
proteção ao devedor, como as do regime de impenhorabilidades, que podem ou não incidir em
determinados casos concretos, em que se evidencie a desproporção/desnecessidade/
inadequação entre a restrição a um direito fundamental e a proteção de outro.
Os princípios e direitos fundamentais em jogo possuem matriz constitucional,
sobrepondo-se a previsão constante em dispositivo infralegal. Vale dizer, ainda que o CPC
estabeleça aparente impenhorabilidade absoluta, é preciso entender que as restrições à penhora
só podem ser aplicadas enquanto atentem para ambos os princípios da máxima efetividade e
da menor restrição possível.
Não se pode analisar as regras do regime de impenhorabilidades, enquanto
manifestações do princípio da dignidade da pessoa humana do devedor, sem ponderá-las à
luz do caso concreto quando em choque com o princípio da efetividade e o direito fundamental
à tutela executiva – que, frise-se, é também manifestação do princípio da dignidade da pessoa
humana, mas do credor.
Assim, o presente trabalho tem como objetivo discutir a necessidade de imposição de
limites à proteção garantida pelo regime de impenhorabilidades, como cediço, consubstanciada
no princípio da dignidade da pessoa humana do devedor, em face da necessária proteção do

223
ENTRE ASPAS

direito fundamental do credor à tutela efetiva. Nessa linha, evidenciando estar-se diante de
verdadeiro conflito de direitos fundamentais, constitucionalmente protegidos, objetiva-se
defender a aplicação da proporcionalidade à luz do caso concreto, oferecendo-se, inclusive,
parâmetros para a penhora judicial de bens que, a priori, em um interpretação literal da lei,
seriam impenhoráveis.
Ressalte-se que a questão é de extrema relevância, uma vez que o Projeto do Novo
Código de Processo Civil (PL n. 6.025/05 e PL n. 8.046/10), com a redação aprovada pela
Câmara de Deputados em 26 de março de 2014, traz, em seu art. 849, inciso IV2, dispositivo com
redação semelhante ao art. 649, inciso IV, do atual CPC.

2. O fundamento da regra do inciso IV do art. 649 do CPC: a proteção das


verbas de caráter alimentar.

De acordo com o art. 649, IV, do CPC, são absolutamente impenhoráveis os vencimentos,
subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e
montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do
devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional
liberal.
O dispositivo cuida da impenhorabilidade da renda da pessoa natural (ASSIS, 2009, p.
252), ele objetiva proteger da expropriação as verbas de natureza alimentar do executado
(DIDIER et alli, 2009, p. 553).
Como cediço, as regras que cuidam das hipóteses de impenhorabilidade visam
estabelecer restrição à responsabilidade patrimonial do executado, preservando para ele um
patrimônio mínimo, aquele indispensável à sua existência digna e à de sua família (CAMBI,
2001, 272). Buscou o legislador proteger os bens considerados estritamente necessários à
sobrevivência do executado e de sua família (TEIXEIRA, 2005, p. 124), excluindo-os da
responsabilidade patrimonial.
De fato, o desenvolvimento histórico da execução forçada se deu no sentido de proteger
a pessoa do executado e sua dignidade. Passou da responsabilidade pessoal, segundo a qual
o devedor respondia pela dívida inadimplida com seu corpo, para a responsabilidade real,
onde ele responde apenas com seu patrimônio.
A impenhorabilidade teve origem no instituto do beneficium competentiae, e a
preservação da dignidade do executado e de sua família foi, e continua a ser, o principal
motivo a dar sustentação a essa exceção à responsabilidade patrimonial (NASCIMENTO;
KÖHLER, 2007, p. 456).
A ratio das limitações previstas na lei processual é, em tese, o resguardo de um mínimo
no patrimônio do executado que mantenha a sua dignidade, evitando que a tutela jurisdicional
executiva satisfaça o exeqüente às custas da redução do devedor à condição de miserável
(ABELHA, 2008, p. 91).
A impenhorabilidade cuida, precisamente, da proteção do chamado núcleo essencial,
com conteúdo de dignidade da pessoa humana, do direito fundamental à propriedade do
devedor. Vale dizer, deve restringir-se à proteção daquele núcleo intangível, do estritamente
necessário à sobrevivência digna do executado. Como indica PONTES DE MIRANDA, o rol de
impenhorabilidades “contém espécies evidentes de benefício jurídico do estritamente
necessário” (2002, p. 133).

224
A REVISTA DA UNICORP

Portanto, por questões humanitárias e de solidariedade social, mas também econômicas3,


em atenção ao direito fundamental do devedor, instituiu-se a impenhorabilidade do salário e
demais remunerações da pessoa física, com o objetivo de proteger as verbas de caráter alimentar
percebidas pelo executado.
Mas o que seriam verbas de caráter alimentar? São aquelas responsáveis pela garantia
do alimento de quem as recebe, que, atualmente, compreende, não apenas o alimento comida,
mas, nas palavras de ORLANDO GOMES, “todas as prestações para a satisfação das necessidades
vitais” (1992, p. 427), alcançando, portanto, gastos com moradia, saúde, vestuário, cultura e
educação. A intenção legislativa é garantir o sustento do executado e da sua família (ABELHA,
2008, p. 97), o que não corresponde à manutenção do seu padrão de vida.
Se, por um lado, o salário (e todas as demais verbas aqui tratadas) terá sempre natureza
alimentar, por outro, nem sempre a sua integralidade o terá. É dizer, se facilmente se afirma que
um trabalhador que aufere renda equivalente a um salário mínimo terá todo esse valor
comprometido com o seu sustento (e o de seus dependentes), dificilmente se poderá concluir
que um trabalhador que aufere renda muito superior destina toda essa verba exclusivamente
à sua subsistência.
É preciso, pois, que fique bastante claro que o fundamento da regra em tela é a natureza
estritamente alimentar da verba protegida. No momento em que os valores percebidos deixarem
de atender a necessidades de subsistência4 do devedor (seja pelo decurso do tempo, seja pela
destinação a fim diverso), não há de se falar em impenhorabilidade.
Não é a origem da verba que deverá fundamentar sua impenhorabilidade, mas, sim, a
sua finalidade, e é preciso ter em mente que cuida ela de verdadeira restrição a direito
fundamental: ao direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional. Se está destinada a
alimentos (estritamente necessários à sobrevivência digna do executado) é impenhorável; se
não está (se ultrapassa os limites necessários à sobrevivência digna) pode ser objeto de
penhora.
A impenhorabilidade, portanto, não persiste quando as verbas mencionadas forem
convertidas em outros bens penhoráveis ou quando o executado as transforme em patrimônio
ativo, outorgando-lhes feição exclusivamente patrimonial (TEIXEIRA, 2005, p. 126).
Assim, por exemplo, ante a ausência de caráter alimentar da verba percebida, as
percentagens dos lucros da empresa que o empregado aufere não são impenhoráveis, uma
vez que não são salários no sentido do art. 649, IV (MIRANDA, 2002, p. 142). Nessa linha, é
também possível a penhora da retribuição pecuniária prevista no art. 649, IV, quando o devedor
lhe outorgar exclusiva feição patrimonial, investindo-o no mercado financeiro, por exemplo
(ASSIS, 2009, p. 254).
A regra do inciso IV do art. 649 do CPC visa assegurar o mínimo necessário para que o
executado sobreviva de forma digna, “e não constituir imunidade dissociada de qualquer
aspecto da realidade fática” (NASCIMENTO; KÖHLER, 2007, p. 455).

3. O caráter relativo da regra de impenhorabilidade em questão: a exceção


prevista no §2o do próprio art. 649 e a possibilidade de livre disposição do bem
objeto da proteção.

O caput do art. 649 do CPC estabelece que “são absolutamente impenhoráveis”, e


passa a elencar o rol de bens excluídos da responsabilidade patrimonial do executado, dentre

225
ENTRE ASPAS

eles as verbas de caráter alimentar. Entretanto, é preciso pontuar que, em que pese o referido
dispositivo falar em impenhorabilidade absoluta, trata-se, a regra aqui analisada, a todas as
luzes, de impenhorabilidade relativa (ASSIS, 2009; DIDIER JR. et al., 2009). Isto por duas
razões.
Em primeiro lugar, cumpre observar que, para uma regra de impenhorabilidade ser
absoluta, é preciso que possua caráter geral e irrestrito. É dizer, para ser absoluta a regra não
pode comportar exceção.
A impenhorabilidade absoluta caracteriza-se pelo seu caráter geral e irrestrito, a regra
que a estabelece, definindo o bem tutelado, rejeita exceções e temperamentos, de modo que,
ao admitir-se a penhora da renda da pessoa natural no caso da execução da prestação de
alimentos e, de um modo geral, a de todos os bens protegidos no dispositivo em caso de
execução do crédito concedido para a respectiva aquisição, grande parte dos bens tutelados
passou à classe dos relativamente impenhoráveis (ASSIS, 2007, p. 410-411).
Com efeito, o §2º do próprio art. 649 estabelece, de forma expressa, que “o disposto no
inciso IV do caput deste artigo não se aplica no caso de penhora para pagamento de prestação
alimentícia”, tanto aquela decorrente de vínculo familiar quanto a de ato ilícito5. Isto porque,
sendo o fundamento da impenhorabilidade a natureza alimentar da remuneração, em face de
crédito de igual natureza não há como a restrição prevalecer (DIDIER JR. et al., 2009, p. 554).
Ora, diante da restrição expressa constante na própria lei (ou melhor, no próprio artigo)
que estabelece a regra, não se pode qualificar a regra de impenhorabilidade das verbas de
caráter alimentar de absoluta.
Em segundo lugar, ainda por outra razão é manifesto o caráter relativo da regra de
impenhorabilidade em tela. A circunstância de poder o executado dispor livremente6 do seu
salário (e demais remunerações) evidencia a relatividade da regra insculpida no inciso IV do
art. 649 do CPC.
De fato, não existem dúvidas de que o devedor é livre para dar ao seu salário, provento,
soldo, etc., a destinação que lhe aprouver. Está-se no campo dos bens patrimoniais que são,
em princípio, disponíveis (DINAMARCO, 2004, p. 341).
O direito não limita a disposição das verbas de caráter alimentar. Se desejasse, por
exemplo, o devedor poderia utilizar sua renda para adimplir a dívida contraída voluntariamente.
Poderia, também, renunciar à proteção conferida pela norma, e, intimado a indicar bens à
penhora, oferecer determinada quantia para garantir o juízo, sendo a referida penhora válida.
Assim, também por esta razão, considerando a possibilidade de livre disposição das
verbas de caráter alimentar e, inclusive, da renúncia à proteção conferida pela lei, não se pode
classificar como absoluta a impenhorabilidade prevista no inciso IV do art. 649 do CPC, mas,
sim, relativa.

4. A precariedade da impenhorabilidade das verbas remuneratórias: a


possibilidade de penhora do saldo do valor recebido no período de
remuneração anterior.

De acordo com o fundamento da regra em questão, somente vigora a impenhorabilidade


enquanto a verba percebida pelo executado possuir natureza alimentar. Dessa forma, uma vez
incorporada ao patrimônio do devedor e destinada a finalidade diversa da sua subsistência,
poderá a quantia ser livremente constrita. Assim, caso o devedor invista seu salário no mercado

226
A REVISTA DA UNICORP

financeiro, adquirindo ações, a penhora será permitida (COSTA, 2007, p. 194).


A impenhorabilidade atinge apenas as parcelas vincendas, para não comprometer a
receita mensal do executado; as prestações vencidas serão penhoráveis quando já tiverem
sido incorporadas ao patrimônio do devedor e não for mais possível distingui-las dos demais
valores ou bens (REDONDO; LOJO, 2007, p. 92-93).
Da mesma forma, só pode ser considerado impenhorável o montante necessário à
subsistência do executado e de sua família até o recebimento de nova remuneração. É precária
a impenhorabilidade dos rendimentos de natureza alimentar, pois apenas remanesce durante
o período de remuneração do devedor (DIDIER JR. et al., 2009, p. 555).
No caso do trabalhador que recebe remuneração mensal, por exemplo, só é possível a
aplicação da regra de impenhorabilidade no importe gasto pelo executado e sua família no
período de um mês, afinal, findo o período de um mês, recebe o executado nova verba salarial,
de forma que o saldo do mês anterior perde o seu caráter alimentar, restando autorizada a
penhora. Assim, a verba salarial depositada em conta-corrente bancária poderá ser penhorada
no montante que exceder à retribuição recebida por mês, semana ou quinzena (ASSIS, 2009, p.
254).
De fato, a regra que excepciona a responsabilidade patrimonial do executado aplica-se
“no sentido estrito de só serem impenhoráveis as prestações vincendas, de sorte a não se
comprometer a receita mensal, necessária e paulatina” (NEVES, 1999, p. 17). O texto legal
prevê a impenhorabilidade de vencimentos, soldos e salários no sentido de não subordiná-las
antecipadamente à execução, e não para estabelecer que o dinheiro resultante destas verbas
seja impenhorável, de modo que, percebidas, passam a integrar o patrimônio ativo de quem as
recebe e são penhoráveis se aí forem encontradas (NEVES, 1999, p. 17).
Com efeito, entendimento em sentido contrário levaria, em ultima ratio, à
impenhorabilidade de todo o patrimônio do executado, desde que comprovadamente adquirido
com valores recebidos a título de salário, subsídio, soldo, etc., o que à luz da Constituição não
se pode, sob hipótese alguma, admitir.
No sentido aqui defendido, já se manifestou o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Eis o teor
da ementa:

PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. CABIMENTO.


ATO JUDICIAL. EXECUÇÃO. PENHORA. CONTA-CORRENTE.
VENCIMENTOS. CARÁTER ALIMENTAR. PERDA. [...] - Em
princípio é inadmissível a penhora de valores depositados em conta-
corrente destinada ao recebimento de salário ou aposentadoria por parte
do devedor. Entretanto, tendo o valor entrado na esfera de disponibilidade
do recorrente sem que tenha sido consumido integralmente para o
suprimento de necessidades básicas, vindo a compor uma reserva de
capital, a verba perde seu caráter alimentar, tornando-se penhorável.
Recurso ordinário em mandado de segurança a que se nega provimento.
(RMS 25397/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 14/10/
2008, DJe 03/11/2008)

Como se observa, se o montante recebido a título de salário ou outra verba


remuneratória, em determinado período aquisitivo, não foi destinado às necessidades básicas
do devedor e de sua familiar, significa que esse montante excedente perdeu a natureza alimentar,

227
ENTRE ASPAS

podendo (devendo) ser objeto de penhora, uma vez que, de acordo com o seu fundamento,
não se encontra protegido pela regra de impenhorabilidade insculpida no art. 649, IV, do CPC.
De fato, há de se reconhecer o dever do juiz de avaliar o dinheiro disponível no
patrimônio do obrigado restringindo a impenhorabilidade àquela quantia necessária para sua
subsistência e da família até o próximo recebimento (ASSIS, 2009, p. 254).

5. O limite à alegação da regra de impenhorabilidade: a incidência da


preclusão.

A preclusão é instituto – técnica processual – que cuida da perda de poder jurídico


processual (DIDIER JR., 2006, p. 250). A jurisdição não poderia alcançar seu principal escopo,
materializado na rápida e justa solução dos conflitos, se a marcha processual fosse conduzida
aleatoriamente, sem limites lógicos e temporais para a atuação dos sujeitos do processo
(THEODORO JR., 2001, p. 13). Assim, o ordenamento jurídico impede o exercício tardio
(preclusão temporal), contraditório (preclusão lógica) e repetitivo (preclusão consumativa)
dos atos processuais, limitando a atividade dos sujeitos à forma prescrita em lei, impondo a
irreversibilidade e a auto-responsabilidade no processo (BARBOSA apud ROMEU, 2008, p.
41).
Nesse passo, também no que se refere à regra restritiva da responsabilidade patrimonial
em tela, não se pode, simplesmente, permitir que o executado alegue a impenhorabilidade do
numerário constrito a qualquer tempo, procrastinando indevidamente o trâmite processual e
gerando prejuízo ao credor e ao erário.
O parágrafo segundo do art. 655-A do CPC é expresso ao estabelecer que “compete ao
executado comprovar que as quantias depositadas em conta corrente referem-se à hipótese
do inciso IV do caput do art. 649 desta lei ou que estão revestidas de outra impenhorabilidade”.
Verifica-se que é ônus do executado alegar a impenhorabilidade do montante constrito no
primeiro momento que falar nos autos (ou assim que tiver ciência da constrição); portanto,
sendo ônus seu, deve arcar com os efeitos desfavoráveis do seu non facere.
O STJ manifestou-se nesse sentido no julgamento do recurso especial n. 351.932,
assim ementado:

EXECUÇÃO – BEM NOMEADO À PENHORA PELO PRÓPRIO


DEVEDOR – RENÚNCIA – IMPENHORABILIDADE – ARTIGO
649 DO CPC. I – Os bens inalienáveis são absolutamente impenhoráveis
e não podem ser nomeados à penhora pelo devedor, pelo fato de se
encontrarem fora do comércio e, portanto, serem indisponíveis. Nas
demais hipóteses do artigo 649 do Código de Processo Civil, o devedor
perde o benefício se nomeou o bem à penhora ou deixou de alegar a
impenhorabilidade na primeira oportunidade que teve para falar nos
autos, ou nos embargos à execução, em razão do poder de dispor de seu
patrimônio. [...]. (REsp 351932/SP, Rel. Min. Nancy Andrigui, Rel. p/
Ac. Min. Castro Filho, Terceira Turma, j. 14/10/2003, DJ 09/12/2003)

De mais a mais, cabe observar que, por diversas razões, não se mostra razoável
posicionamento em sentido contrário, afirmando que pode ser a impenhorabilidade arguida
em qualquer fase ou momento, devendo inclusive ser apreciada de ofício7 e que eventual
omissão não significa renúncia a qualquer direito.
Primeiro, como já visto, não existem dúvidas de que o executado pode dispor da sua
remuneração como bem entenda. Se desejasse, por exemplo, poderia utilizar o montante que

228
A REVISTA DA UNICORP

percebeu a título de salário em determinado mês para adimplir sua dívida voluntariamente.
Segundo, se pode o devedor dispor do direito, pode renunciá-lo. Por exemplo, poderia
o executado, intimado a indicar bens à penhora, oferecer determinada quantia (auferida como
contraprestação pelo se labor) para pagamento (ou mesmo para penhora, caso ainda houvesse
discussão em torno da dívida). Assim, deve-se aceitar a ocorrência de renúncia pelo decurso
do tempo, vale dizer, pela omissão ante o ônus de alegar a impenhorabilidade.
Terceiro, a lei (art. 655-A, §2º, do CPC) determina expressamente ser ônus do executado
alegar a impenhorabilidade da quantia constrita. O ônus, diferente da obrigação – que se
impõe em prol de interesses alheios, inexistindo margem de liberdade quanto ao seu
cumprimento –, gera condutas alternativas para o agente. Pode ele desincumbir-se do ônus
imposto, exercendo a situação jurídica que titulariza, ou manter-se inerte em relação a ele,
sofrendo, nesse caso, as conseqüências prejudiciais do seu não fazer. Na precisa lição de
PONTES DE MIRANDA:

Uma coisa é a renúncia antes da penhora, outra a renúncia no ato da


penhora, e outra, ainda, a preclusão da alegabilidade. Todos os casos
art. 649 não podem ser objeto de renúncia prévia, extraprocessual ou
não. Sempre que o devedor poderia mudar, a seu talante, a qualidade do
bem, é possível anuir ao ato da nomeação que é como se fosse execução
voluntária (sem no ser, porque se trata de ato processual de início de
execução forçada) (2002, p. 134-135).

Dessa forma, no que se refere à regra de impenhorabilidade das verbas de caráter


alimentar, resta claro que, em que pese não poder renunciar previamente à regra existente para
a tutela da sua dignidade, como pode dispor, da forma que desejar, da remuneração que
percebe, o executado pode anuir à penhora, bem como estará sujeito à preclusão da sua
alegabilidade.
Ademais, cabe ponderar que, se o valor foi constrito e o executado não se dirigiu
imediatamente aos autos para demonstrar a impenhorabilidade do montante é porque essa
quantia, em verdade, não era essencial à sua subsistência; se possuísse natureza alimentar, o
devedor iria necessitar de sua disponibilidade com urgência, para garantir o seu sustento até
o próximo período aquisitivo. Se o executado não alegou a impenhorabilidade, deixando
transcorrer aquele período remuneratório em silêncio, é porque sobreviveu dignamente sem
aquela quantia, de forma que deverá ela ser objeto de penhora e expropriação para satisfazer
o direito do credor.
Assim, ordenada, por exemplo, a penhora de numerário que se encontra em conta
corrente titularizada pelo executado, é ônus do executado alegar (e comprovar) que se trata de
verba salarial no momento em que tomar ciência da constrição ou na primeira oportunidade
que falar nos autos. Se, ao revés, quedar-se inerte, estará preclusa a oportunidade para a
alegação da impenhorabilidade, sendo válida a penhora realizada.
Pontue-se que, positivando esta conclusão, o Projeto do Novo CPC estabelece prazo
para a arguição de impenhorabilidade de verbas constritas, dispondo os §§2o e 3o do art. 870
que, tornados indisponíveis os ativos financeiros do executado, este será intimado na pessoa
de seu advogado ou, não o tendo, pessoalmente, incumbindo-lhe, no prazo de cinco dias,
comprovar que as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis.

6. A (in)constitucionalidade do veto presidencial ao §3o do art. 649 do CPC e


a necessidade de aplicação da proporcionalidade para permitir-se a penhora
de salários e demais verbas de caráter alimentar de elevado valor.
229
ENTRE ASPAS

O Projeto de Lei n. 4.497/20048, que deu origem à Lei n. 11.382/2006, possuía dois
dispositivos que foram objeto de veto presidencial e um deles referia-se diretamente à regra
de impenhorabilidade sob análise. Trata-se do §3º do art. 649, que estabelecia a penhora de
parcela dos salários e demais verbas de caráter alimentar:

Art. 649. [...]


§3º. Na hipótese do inciso IV do caput deste artigo, será considerado
penhorável até 40% (quarenta por cento) do total recebido mensalmente
acima de 20 (vinte) salários mínimos, calculados após efetuados os
descontos de imposto de renda retido na fonte, contribuição
previdenciária oficial e outros descontos compulsórios.

O fundamento do veto cingiu-se às seguintes alegações:

O Projeto de Lei quebra o dogma da impenhorabilidade absoluta de


todas as verbas de natureza alimentar, ao mesmo tempo em que corrige
discriminação contra os trabalhadores não empregados ao instituir
impenhorabilidade dos ganhos de autônomos e de profissionais liberais.
Na sistemática do Projeto de Lei, a impenhorabilidade é absoluta apenas
até vinte salários mínimos líquidos. Acima desse valor, quarenta por
cento poderá ser penhorado. A proposta parece razoável porque é difícil
defender que um rendimento líquido de vinte vezes o salário mínimo
vigente no País seja considerado como integralmente de natureza
alimentar. Contudo, pode ser contraposto que a tradição jurídica brasileira
é no sentido da impenhorabilidade, absoluta e ilimitada, de remuneração.
Dentro desse quadro, entendeu-se pela conveniência de opor veto ao
dispositivo para que a questão volte a ser debatida pela comunidade
jurídica e pela sociedade em geral.

Com o referido veto, perdeu-se grande oportunidade de aplicar a proporcionalidade,


com a necessária ponderação de interesses, em abstrato; deixou-se de aprioristicamente se
sopesar a dignidade da pessoa humana do credor e do devedor oferecendo um parâmetro
para a solução razoável e proporcional do caso concreto. A previsão facilitava o avanço no
combate ao abuso de direito e se harmonizava com outras regras da reforma, que, hoje vigentes,
também restringem a impenhorabilidade buscando que se proteja apenas o “mínimo existencial”
(ARENHART, 2007, p. 578-579), o estritamente necessário à subsistência digna do executado.
As críticas ao veto presidencial são as mais diversas e alguns autores, como LUIS
RODRIGUES WAMBIER, defendem, acertadamente, a inconstitucionalidade do referido veto,
entendendo pela sua nulidade por afronta ao §2º do art. 66 da Constituição, que estabelece
que “o veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de
alínea”. No entender do autor, com o veto presidencial do §3º, foi parcialmente revogado o
inciso IV do art. 649 do CPC, no que se refere ao seu trecho final, que menciona “observado
o disposto no §3º”. Assim, autorizando a Carta Maior apenas o veto a texto integral de inciso,
teria o veto presidencial ao §3º, e por conseguinte ao inciso IV, sido proferido em total afronta
à norma constitucional (WAMBIER; WAMBIER; MEDINA, 2007), sendo, portanto,
inconstitucional.

230
A REVISTA DA UNICORP

SÉRGIO CRUZ ARENHART, por sua vez, ressaltando a “estranheza paradoxal” das razões
do veto, que indica ser razoável a previsão, mas entende que deve ser mantida a “tradição”
jurídica brasileira, também defende a sua inconstitucionalidade, atacando, diretamente, os
seus fundamentos (2007).
De fato, parece que o veto presidencial ao §3º do art. 649 do CPC do PL n. 4.497, que,
inclusive, foi da iniciativa do próprio Executivo, padece de vício de inconstitucionalidade à
luz do §1º do art. 66 da Constituição, que é claro ao delimitar como fundamento para o possível
veto presidencial ser o projeto de lei inconstitucional ou contrário ao interesse público, bem
assim do seu §2º, que define de forma expressa a impossibilidade do veto incidir sobre parte
do texto de alínea, parágrafo, inciso ou artigo. Contudo, independentemente da efetiva
declaração da sua inconstitucionalidade, o que até o presente momento não ocorreu, é preciso
reconhecer a necessidade de utilização da proporcionalidade no caso concreto para guiar a
aplicação da regra de impenhorabilidade do salário e verbas afins, atendendo ao direito
fundamental à tutela executiva, mas respeitando a dignidade da pessoa humana do devedor.
O que aqui se busca discutir e evidenciar é a necessidade de se proceder a verdadeira
interpretação à luz da Constituição – de acordo com os direitos fundamentais, portanto – do
dispositivo que cuida da regra de impenhorabilidade das verbas de caráter alimentar. Vale
dizer, com o reconhecimento do direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional
executiva, independentemente de não haver permissivo expresso na legislação
infraconstitucional, em atenção à norma fundamental com sede na Constituição, é necessário,
no caso concreto, restringir a incidência da regra de impenhorabilidade aos limites do necessário
à subsistência digna do devedor.
A execução se move em favor do credor (art. 612 do CPC), que é titular de um direito
fundamental à tutela executiva. Esse direito, por sua vez, é manifestação do direito fundamental
à efetividade da tutela jurisdicional, do qual também é titular a sociedade como um todo, uma
vez que a inefetividade da prestação jurisdicional afeta a segurança jurídica e afronta a
credibilidade do sistema.
Em conflito com esse direito fundamental, no processo de execução, encontramos o
direito fundamental do executado, que, em que pese se encontrar na posição de devedor,
respondendo, portanto, à execução com todo o seu patrimônio, deve ter o núcleo essencial do
seu direito com conteúdo de dignidade preservado.
A proporcionalidade figura como instrumento apto e necessário para a resolução da
colisão entre esses direitos fundamentais (do credor e do devedor). Caberá ao órgão julgador,
diante do caso concreto, analisando as suas circunstâncias, aplicar a proporcionalidade para
decidir da melhor forma possível.
As regras de impenhorabilidade figuram como restrições à responsabilidade patrimonial
do executado e do direito fundamental do credor. Não podem, portanto, ser aplicadas no caso
concreto sem atenção à preservação do estritamente necessário à subsistência digna do
devedor e à máxima garantia do direito fundamental à tutela executiva.
A incidência excessiva – logo, abusiva – da regra de impenhorabilidade, afronta a
dignidade da pessoa humana do credor, conteúdo do núcleo essencial do seu direito
fundamental, não podendo ser tolerado pelo aplicador do direito em respeito à própria Carta
Maior.
No que se refere especificamente à regra do inciso IV do art. 649 verifica-se que a sua
interpretação literal se mostra manifestamente inconstitucional. De fato, a interpretação literal
da lei inviabiliza a proteção adequada da garantia fundamental do acesso à justiça (ARENHART,

231
ENTRE ASPAS

2007, p. 586) – do qual se extrai o próprio direito fundamental à tutela executiva. Não é
possível, contudo, sobrepor a lei processual aos ditames e princípios constitucionais de
efetividade da tutela jurisdicional (ABELHA, 2008, p. 92).
Com efeito, é preciso resguardar o direito do credor do abuso da exclusão. Não havendo
outros bens penhoráveis, o impedimento absoluto – que não pode ser aceito – da penhora de
salários e demais verbas similares de elevado valor inviabiliza, por completo, a tutela do
credor, em manifesta ofensa ao direito fundamental à tutela executiva, bem como ao direito
fundamental do acesso à justiça e ao direito fundamental ao devido processo legal; afronta o
expressamente disposto no art. 5º, incisos XXXV, LIV e LXXVIII da Constituição.
Se, por um lado, as verbas salariais merecem proteção especial, para que se possa
garantir o núcleo de dignidade da pessoa humana do direito fundamental do devedor, por
outro lado, também o direito fundamental do credor merece adequada proteção (ARENHART,
2007).
Vedar a penhora de toda a verba remuneratória ainda que a de uma parcela não
comprometa a manutenção do executado implica em preservação exclusiva do seu direito
fundamental em detrimento do direito igualmente fundamental do exequente, conferindo-se
interpretação inconstitucional à norma (DIDIER et al. 2009, p. 554). O órgão jurisdicional tem
o dever de afastar a incidência de regra que, aplicada ao caso concreto, ofenda de maneira
desproporcional o direito fundamental à efetividade, como pode acontecer a partir da
interpretação literal do inciso IV do art. 649 do CPC (DIDIER et al. 2009, p. 558).
Assim, partindo-se da premissa de que deixou o legislador de realizar, em abstrato, a
necessária ponderação entre os direitos fundamentais em conflito na execução, cabe ao órgão
julgador a realização de verdadeira ponderação in concreto. É dizer, tendo o legislador
consignado a impenhorabilidade dessas verbas sem estabelecer limites monetários para essa
proteção, cabe ao judiciário, em atenção aos direitos fundamentais e à Constituição, determinar
a penhora de salários e demais verbas de caráter alimentar de elevado valor.
Negar a possibilidade da utilização de medida judicial apta a promover a realização de
um direito fundamental exclusivamente pela mera falta de expressa previsão legal, é “negar
justiciabilidade a esse direito fundamental, o que é o mesmo que negar a própria Supremacia
da Constituição” (GUERRA, 2003, p. 151). Concretizando-se os direitos fundamentais
independentemente de lei, o direito fundamental à tutela executiva confere ao juiz verdadeiro
“poder-dever de adotar os meios executivos mais adequados à pronta e integral proteção do
credor, ainda que não previstos expressamente em norma legal” (GUERRA, 2003, p. 151).
É necessário mitigar as regras de impenhorabilidade para adequar as previsões legais
ao objetivo de proteger o mínimo essencial, não sendo legítimo “livrar da execução um bem
qualificado como impenhorável mas economicamente tão valioso que deixar de utilizá-lo in
executivis seria um inconstitucional privilégio concedido ao devedor” (DINAMARCO, 2004,
p. 342-343).
Nessa linha, mostra-se interessante o trecho do veto presidencial que consignou que
“é difícil defender que um rendimento líquido de vinte vezes o salário mínimo vigente no País
seja considerado como integralmente de natureza alimentar”. Ora, como se pode observar, até
mesmo o Chefe do Executivo, em suas razões do veto, chamou atenção para a ausência de
caráter alimentar das remunerações de elevado valor e sendo a natureza alimentar o fundamento
da impenhorabilidade, a perda dessa natureza gera, necessariamente, a perda da proteção.
A impenhorabilidade total dos salários promove, inclusive, desigualdade social
(NASCIMENTO; KÖHLER, 2007, p. 456). Isto porque fere a igualdade, uma vez que trata

232
A REVISTA DA UNICORP

igualmente (garantindo a impenhorabilidade) os manifestamente desiguais (o executado que


aufere um salario mínimo por mês e o que percebe milhares de reais). Não faz sentido econômico
a não-imposição de qualquer restrição ou limite à impenhorabilidade de salários no Brasil, uma
vez que diante do baixo padrão de renda da população, as regras irrestritas de
impenhorabilidade acabam por criar privilégios para devedores de alta renda (NASCIMENTO;
KÖHLER, 2007, p. 453).
Ainda, além da flagrante injustiça que a extensão da proteção da impenhorabilidade à
totalidade dos salários gera, tratando igualmente os manifestamente desiguais, cumpre
observar que a insegurança jurídica gerada pela inefetividade da execução vitima,
principalmente, os mais pobres, que deveriam ser protegidos pela regra. Isto porque a falta de
crescimento econômico, gerada em parte pela redução do investimento potencial diante da
elevação das taxas de juros em decorrência do alto índice de inadimplemento, reduz a capacidade
de geração de emprego e de renda na sociedade9 (NASCIMENTO; KÖHLER, 2007, p. 444).
Chancelando a intangibilidade do patrimônio do devedor rico, o Estado abandona o
credor sem fundamentação constitucional bastante, restando incapaz de satisfazer minimamente
a garantia constitucional da efetividade da jurisdição. A proteção de verbas de caráter alimentar
sob nenhuma hipótese pode servir como escudo para a desmesurada preservação de bens e
direitos do executado, de forma manifestamente abusiva (ARENHART, 2007).
Entender pela impenhorabilidade total de salários de elevado valor significa dar espaço
para legitimar verdadeiro abuso de direito por parte do executado. Claro, o ordenamento
jurídico garante apenas a proteção ao necessário à sua subsistência; não é dado ao devedor
deixar de satisfazer dívida inadimplida junto ao credor para poder ostentar livremente alto
padrão de vida.
O parâmetro não deve ser o total das despesas habituais do executado, mas apenas a
despesa usual (e razoável) com bens essenciais à subsistência do executado e familiar. Se o
devedor contumaz ostenta elevado padrão de vida, comprometendo para a sua manutenção a
integralidade da verba remuneratória que percebe, deverá, sim, em atenção ao princípio da
proporcionalidade, ser autorizada a penhora de parcela do seu salário, subsídio, etc. para a
quitação da dívida por ele contraída, ainda que cause redução no seu padrão de vida, desde
que não afronte a sua dignidade10.
O órgão julgador deve ler e interpretar a regra de impenhorabilidade em tela sempre
apoiado nos princípios básicos da tutela executiva: “satisfação” do direito do exeqüente com
o “menor sacrifício possível” para o executado. No caso concreto, o juiz deverá realizar a
tutela executiva, considerando qual o meio menos gravoso para o executado, mas “sem perder
de vista que a não-realização da tutela executiva pode ser, por si só, um gravame irreversível
para o credor, que espera a satisfação do seu direito” (ABELHA, 2008, p. 90).
A toda evidência, o credor não pode ser visto apenas como um mero titular de direito
de crédito, mas, sim, como titular de um direito fundamental à tutela jurisdicional justa e
efetiva. Inclusive, não se pode esquecer que, muitas vezes, o prejuízo que lhe foi causado
pelo devedor pode ter provocado danos de toda natureza (patrimoniais e extrapatrimoniais),
ferindo-lhe, igualmente, a dignidade, razão pela qual impõe-se ao magistrado que, no caso
concreto, com fundamento na proteção dos direitos fundamentais, afaste a imunidade da
totalidade da verba percebida pelo executado (ABELHA, 2008, p. 92).
Nessa linha, admite-se que a penhora de salários possa servir como um dos vários
instrumentos para contribuir na luta para minimizar a crise do processo de execução, sem que
isso importe em diminuição das garantias asseguradas ao executado (TEIXEIRA, 2005, p. 131).

233
ENTRE ASPAS

A regra da impenhorabilidade prevista no art. 649, IV, do CPC deve ser interpretada com o
balanceamento dos princípios informativos da tutela jurisdicional executiva, na busca da
igualdade material (VARGAS, 2007, p. 481).
De mais a mais, mesmo que se parta da premissa de que o legislador realizou suposta
ponderação de interesses em abstrato, entendendo pela impenhorabilidade total dos salários e
demais verbas de caráter alimentar, é preciso compreender a necessidade de aplicação da
proporcionalidade no caso concreto para afastar, diante das circunstâncias fáticas, a regra da
impenhorabilidade quando a norma infraconstitucional afrontar diretamente a Carta Maior (por
ferir direitos fundamentais nela reconhecidos). Nesses casos, impõe-se ao julgador a realização
de verdadeira interpretação à luz da Constituição para delimitar o alcance da regra de
impenhorabilidade a valores estritamente necessários à subsistência do executado, autorizando-
se a penhora do restante.
Nesse caso, aplicam-se os ensinamentos de DANIEL SARMENTO, para quem, considerando
que a priori a escolha dos valores e interesses prevalecentes em cada caso em uma democracia
deve ser da responsabilidade de autoridades legitimadas pelo voto popular, em princípio, o
Judiciário tem de acatar as ponderações de interesses realizadas pelo legislador, contudo,
deverá as desconsiderar ou invalidar, quando elas se revelarem manifestamente
desproporcionais ou “quando contrariarem a pauta axiológica subjacente ao texto
constitucional” (SARMENTO, 2003, p. 114). É o caso da regra de impenhorabilidade em tela.
Nesse passo, verifica-se que, aplicada a proporcionalidade para a solução do conflito
entre direitos fundamentais, realizando o juízo de adequação, necessidade e ponderação, e
concluindo-se pela prevalência do direito fundamental à tutela executiva do credor sobre o
direito fundamental à propriedade do executado, bem como delimitando-se a preservação do
núcleo essencial com conteúdo de dignidade da pessoa humana, impõe-se o afastamento da
regra do inciso IV do art. 649 do CPC no caso concreto.
Registre-se que não há necessidade de se afirmar a inconstitucionalidade incider tantum
do referido dispositivo. Aplicando-se os ensinamentos de E ROS ROBERTO GRAU (apud
SARMENTO, 2003, p. 106-107), verifica-se que não se manifesta antinomia jurídica entre direitos
fundamentais e regras infraconstitucionais, pois essas operam em concreção daqueles. Como
conseqüência, quando em colisão dois direitos fundamentais, ponderando-se mais em favor
de um, as regras que dão concreção ao que foi parcialmente desprezado (pois há de se preservar
o seu núcleo essencial) são afastadas, vale dizer, não se dá a sua aplicação a determinada
hipótese, ainda que permaneçam integradas, validamente, no ordenamento jurídico.
O que ora se defende, por um lado, não afronta a dignidade do executado, que deve ter,
sempre, no caso concreto, garantidas as condições necessárias à sua subsistência e dos seus
dependentes, mas, por outro lado, tutela a dignidade do credor e garante a efetividade da tutela
executiva, figurando como importante mecanismo na busca da solução para a chamada “crise
da execução”.
Assim, é por um imperativo constitucional que se faz necessária a atuação do Judiciário,
no caso concreto, determinando sérios limites à impenhorabilidade de salários e rendas similares
de elevado valor e garantindo a satisfação do crédito exequendo.

7. A definição de parâmetros para a penhora de verbas de caráter alimentar


de elevado valor: o exemplo do direito comparado e as balizas encontradas
no próprio ordenamento jurídico brasileiro.

234
A REVISTA DA UNICORP

Diante do exposto, resta clara a necessidade de interpretação do inciso IV do art. 649 do


CPC de forma a proteger as verbas de caráter alimentar apenas nos estritos limites necessários
à subsistência do executado e de seus dependentes, sendo possível a penhora do valor excedente
para a satisfação do crédito exeqüendo diante da inexistência de outros bens penhoráveis.
Cabe ainda, contudo, definir parâmetros para a atuação do órgão julgador no caso
concreto. Nesse passo, a análise da solução engendrada pelos ordenamentos jurídicos
estrangeiros é de suma importância para a compreensão da matéria.
LEONARDO GRECO, já em 1994, apontava que, em que pese os salários, bem como as
demais verbas de caráter alimentar, fazerem parte do rol de bens impenhoráveis em quase todos
os sistemas jurídicos modernos, diferente do direito brasileiro, no direito comparado era possível
a penhora de salário de elevado valor (1994, p. 43). Como pontua DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO
NEVES, a impenhorabilidade da totalidade dos vencimentos é exceção em diversos outros
países, que certamente se preocupam com a dignidade do executado, mas não se esquecem do
exequente, que também tem direitos que devem ser respeitados (2005, p. 56).
No direito português11, o art. 82412 do Código de Processo Civil protege da penhora
apenas dois terços das verbas de caráter alimentar percebidas pelo executado, autorizando, a
contrario sensu, a penhora de um terço desses rendimentos. Além disso, o mesmo dispositivo
legal estabelece que a referida impenhorabilidade de dois terços dessas verbas tem como limite
máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e
como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento e o crédito não seja de
alimentos, o montante equivalente a um salário mínimo nacional. Ademais, ponderadas as
circunstâncias específicas do caso concreto, pode o magistrado, inclusive, reduzir os limites
da impenhorabilidade (ARENHART, 2007, p. 579; DIDIER JR. et al., 2009, p. 554-555).
No direito italiano, de acordo com o art. 545 do Código de Processo Civil, é possível a
penhora de verbas salariais e remunerações em geral para satisfazer créditos alimentares e até
um quinto do seu montante para a satisfação de dívidas de natureza não alimentar (ARENHART,
2007, p. 579-580).
A lei alemã, por sua vez, estabelece alguns limites à penhora de verbas remuneratórias,
proibindo, por exemplo, a penhora sobre metade dos valores pagos como retribuição por horas
extras trabalhadas (ZPO, §850a, 1) e sobre o adicional natalino até o limite de quinhentos euros.
Os salários, em geral, são impenhoráveis apenas até o limite €930,00 (novecentos e trinta euros)
mensais, €217,50 (duzentos e setenta e um euros e cinquenta cêntimos) semanais ou €43,50
(quarenta e três euros e cinquenta cêntimos) diários (ZPO, §850c, 1), sendo o excedente
penhorável independentemente da natureza da dívida. Ainda, tais limites podem ser revistos
pelo órgão julgador, em atenção à natureza do crédito exigido, bem como as necessidades
essenciais do executado para sua subsistência (ARENHART, 2007, p. 580). Como se observa,
a impenhorabilidade dos vencimentos é limitada no tempo, até o próximo pagamento, e na
quantidade, porque alcança apenas uma parte da remuneração (GRECO, 1994, p. 43).
De acordo com a legislação francesa, os salários são parcialmente penhoráveis de
acordo com determinadas faixas de valor, que são, atualmente, segundo indica SÉRGIO CRUZ
ARENHART, fixados pelo Decreto n. 2006-1738/2006. Em valores anuais são, portanto, penhoráveis:
1/20 (um vinte avos) da parcela igual ou inferior a €3.310,00 (três mil trezentos e dez euros); 1/
10 (um décimo) da parcela superior a €3.310,00 (três mil trezentos e dez euros) e igual ou inferior
a €6.500,00 (seis mil e quinhentos euros); 1/5 (um quinto) da parcela superior a €6.500,00 (seis
mil e quinhentos euros) e igual ou inferior a €9.730,00 (nove mil setecentos e trinta euros); 1/4
(um quarto) da parcela superior a €9.730,00 (nove mil setecentos e trinta euros) e igual ou

235
ENTRE ASPAS

inferior a €12.920,00 (doze mil novecentos e vinte euros); 1/3 (um terço) da parcela superior a
€12.920,00 (doze mil novecentos e vinte euros) e igual ou inferior a €16.120,00 (dezesseis mil
cento e vinte euros); 2/3 (dois terços) da parcela superior a €16.120,00 (dezesseis mil cento e
vinte euros) e igual ou inferior a €19.370 (dezenove mil trezentos e setenta euros); e da totalidade
do montante percebido em valor superior a €19.370 (dezenove mil trezentos e setenta euros). É
garantida a impenhorabilidade do salário mínimo mensal (ARENHART, 2007, p 580).
Na Espanha, a Ley de Enjuiciamiento Civil permite a penhora das verbas remuneratórias
também de acordo com faixas de valores, garantindo a impenhorabilidade do valor
correspondente ao salário mínimo profissional (DIDIER JR. et al., 2009, p. 555). A partir desse
mínimo, determina-se uma progressão de percentagens dos vencimentos, de 30% a 90%,
determinando-se a penhora de acordo com o valor do salário do executado (NEVES, 2007, p.
490). Dessa forma, permite-se a penhora de 30% do valor que supere um salário mínimo
(correspondente, em 2007, a €570,00), 50% do valor que supere dois salários mínimos, 60% do
valor que supere três salários mínimos, 75% do valor que supere quatro salários mínimos e 90%
do valor que supere cinco salários mínimos (correspondente, em 2007, a €2.850,00)
(NASCIMENTO; KÖHLER, 2007, p. 451).
Ainda, na Bélgica, a lei estabelece um limite mínimo (€827,96 – oitocentos e vinte e sete
euros e noventa e seis cêntimos) e um limite máximo (€1.070,90 – mil e setenta euros e noventa
cêntimos), e duas faixas intermediárias (€887,46 – oitocentos e oitenta e sete euros e quarenta
e seis cêntimos – e €979,18 – novecentos e setenta e nove euros e dezoito cêntimos) para a
impenhorabilidade dos salários. Se o salário do executado for inferior ao limite mínimo, encontra-
se integralmente protegido pela impenhorabilidade. Por outro lado, se for superior ao limite
máximo, toda a quantia que ultrapassar esse limite pode ser objeto de penhora. No que se refere
às faixas intermediárias, pode ser penhorado 20% do montante compreendido entre €827,96 e
€887,46, 30% do montante compreendido €887,46 e €979,18, e 40% entre €979,18 e €1.070,90
(NASCIMENTO; KÖHLER, 2007, p. 451).
No Chile, os salários são considerados impenhoráveis apenas até o limite de cinquenta
e seis unidades de fomento13 (art. 57 do Código de Trabalho Chileno), autorizando-se a penhora
de metade do salário para o pagamento de pensões alimentícias ou para indenização de atos
ilícitos (ARENHART, 2007, p. 581).
De acordo com o direito argentino, é possível a penhora de até 20% do salário que
exceder o valor estritamente necessário para a subsistência do executado, devendo o juiz levar
em consideração as circunstâncias do caso para fundamentar sua decisão (NEVES, 2007, p.
490).
Também nos Estados Unidos a impenhorabilidade dos salários é parcial (GRECO, 1994,
p. 43). Segundo DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES, existe verdadeira discricionariedade judicial
no arbitramento da porcentagem do salário que pode ser objeto de penhora, devendo o juiz
analisar no caso concreto as necessidades mínimas do executado e de sua família. Há, contudo,
lei federal que limita a penhorabilidade, garantido ao executado a preservação de 75% ou 30
(trinta) vezes o valor do salário mínimo vigente, o que for maior (NEVES, 2007, p. 491).
É preciso extrair-se a real noção desses parâmetros aplicados no ordenamento jurídico
brasileiro do trabalho de BRUNO DANTAS NASCIMENTO e MARCOS ANTÔNIO KÖHLER (2007). Os
autores explicam que, para converter numericamente esses parâmetros para o real, não é possível
analisar apenas os números, bem como não condiz com a realidade a simples conversão pelas
taxas de câmbio.
De fato, para ser possível uma análise comparativa coerente entre os limites de proteção

236
A REVISTA DA UNICORP

das verbas de caráter alimentar nos diversos ordenamentos jurídicos, é preciso considerar o
poder de compra do salário protegido da penhora em cada sociedade. Para isso, os economistas
utilizam uma metodologia de conversão de moedas chamada PPP (Purchase Power Parity:
paridade de poder de compra), de acordo com a qual valores são convertidos de uma moeda
para outra utilizando a taxa de câmbio ponderada pelo poder de compra dessa mesma moeda em
cada país de referência.
Com base nesse método de conversão, os mencionados autores converteram os valores
máximos protegidos da penhora – a partir dos quais o valor excedente é totalmente penhorável
– pela legislação alemã, belga, espanhola e portuguesa para a moeda brasileira, alcançando os
seguintes valores, respectivamente: R$976,50 (novecentos e setenta e seis reais e cinqüenta
centavos); R$1.124,45 (um mil cento e vinte e quatro reais e quarenta e cinco centavos);
R$3.306,00 (três mil trezentos e seis reais); e R$1.648,32 (um mil seiscentos e quarenta e oito
reais e trinta e dois centavos).
Como se pode observar da análise do direito comparado, a legislação brasileira encontra-
se por demais atrasada no que se refere à (im)penhorabilidade das verbas de caráter alimentar.
Enquanto, no Brasil, foi objeto de veto proposta para que apenas 40% do valor excedente a 20
(vinte) salários mínimos líquidos – o que à época correspondia a cerca de R$7.000,00 (sete mil
reais) –, nesses quatro países estudados pelos autores é permitida a penhora da totalidade dos
valores excedentes a R$976,50 (Alemanha), R$1.124,45 (Bélgica), R$3.306,00 (Espanha) e
R$1.648,32 (Portugal).
Esclareça-se que não se pode argumentar que se tratam de países desenvolvidos e que,
sendo o Brasil um país em desenvolvimento, não pode acompanhar os parâmetros por eles
fornecidos. Ao revés, os autores do mencionado trabalho científico demonstram que quanto
maior a concentração de renda, ou seja, quanto maior for a desigualdade na distribuição de
renda no país, maior é a necessidade de que seja instituída excessão à regra de impenhorabilidade
do salário e em um valor numericamente mais baixo. Assim, como a concentração de renda no
Brasil, obviamente, é muito maior do que nos quatro países mencionados, maior razão assiste
à necessidade de se possibilitar a penhora de salários no Brasil.
Na busca de parâmetros no ordenamento brasileiro para a penhora de salários e rendas
afins de elevado valor, verifica-se que a Lei n. 10.820, de 17 de dezembro de 2003, que autoriza
a realização de mútuo com consignação em folha de pagamento, traz uma boa medida para a
flexibilização da regra de impenhorabilidade em voga. A referida norma autoriza, expressamente,
o desconto de até 30% (trinta por cento) em folha de pagamento dos salários, verbas rescisórias,
proventos e demais benefícios recebidos pelo mutuário.
Como se vê, em que pese o Diploma Processual Civil estabelecer ser impenhorável (leia-
se inexpropriável) o salário, os proventos, os subsídios, os rendimentos, etc., a mencionada lei
possibilita de forma expressa, a constrição de 30% do valor líquido percebido pelo devedor a
título de qualquer dessas verbas.
Sendo assim, a própria lei, portanto, reconhece que a subtração de parcela no percentual
de 30% (trinta por cento) do salário, remuneração, provento, etc. não afronta a dignidade do
executado, afinal, se, de fato, resultasse em qualquer violação à referida dignidade, a constrição
em tela jamais poderia ter sido autorizada pelo legislador. Dessa forma, nada impede que, à luz
do caso concreto, e em atenção à própria legislação em vigor, o juiz determine a penhora de 30%
(trinta por cento) das rendas do executado para a satisfação do crédito exequendo.
Seguindo essa linha de intelecção, com base nesse permissivo legal, observa-se que a
jurisprudência começa a, de fato, se manifestar pelo reconhecimento da necessidade de penhora

237
ENTRE ASPAS

dos salários de elevado valor. E mais, assim procede em atenção ao direito fundamental do
credor e de acordo com a proporcionalidade, como se extrai de precedentes do TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL (AI 20050020096058, Rel. Vera Andrighi, Quarta Turma, j. 15/12/
2005, DJ 21/02/2006; AI 20060020106188, Rel. J.J. Costa Carvalho, Segunda Turma, j. 22/11/
2006, DJ 01/02/2007; AI 20070020094255, Rel. J.J. Costa Carvalho, Segunda Turma, j. 21/11/
2007, DJ 13/12/2007; AI 20080020026430, Rel. Des. Luciano Vasconcellos, Quinta Turma Cível,
j. 21/05/2008, DJ 24/11/2008; AI 20080020013440, Rel. Sandoval Oliveira, Segunda Turma Cível,
j. 14/05/2008, DJ 16/07/2008), do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS (AI 1.0024.98.114415-7/
001, Rel. Des. Selma Marques, j. 12.11.2007, DJ, 15.12.2007; AI 1.0016.98.006446-9/001, Rel. Des.
José Antônio Braga, Nona Câmara Cível, j. 11/03/2008, DJ 12/04/2008) e do TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DE RONDÔNIA (AI 100.001.2004.017856-0, Rel. Des. Rosevelt Queiroz Costa, j. 10.10.2007 – RT
870/76).
A jurisprudência, ainda que necessitando fazer uso de um permissivo legal
(infraconstitucional), começa a trilhar o caminho do posicionamento aqui desenvolvido. De
fato, reconhecem os tribunais que é preciso, de acordo com a análise do caso concreto, fornecer
a máxima proteção ao direito fundamental do credor à efetividade da tutela jurisdicional executiva,
restringindo-se no estrito limite da necessidade de proteção da subsistência digna do executado.
Entretanto, cumpre ressalvar que, como se conclui da análise dos sistemas de penhora
fixados nos ordenamentos jurídicos estrangeiros, se mostra mais “justo” o estabelecimento de
faixas para a penhorabilidade, e não um percentual fixo a incidir sobre remunerações de todo e
qualquer valor. Com efeito, garante uma execução mais equilibrada, equacionando de forma
mais realista os direitos fundamentais do credor e do devedor em conflito, a definição de
diferentes percentuais, incidindo sobre faixas de valores crescentes, para a penhora das rendas
da pessoa física.
De toda sorte, o que se mostra essencial é a compreensão de que a penhora de parcela
dos salários e demais verbas de caráter alimentar de elevado valor é um imperativo constitucional,
do qual não se pode afastar o Poder Judiciário na aplicação do direito no caso concreto para a
resolução da lide.

8. Conclusão.

É imprescindível que se enxergue o processo civil à luz da Constituição, sendo inviável


ignorar-se os direitos fundamentais em conflito na execução, bem como a existência de um
verdadeiro direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional do credor, manifestado no
direito fundamental à tutela executiva.
Mais do que definir precisamente quando e em que limites são (im)penhoráveis as
verbas de caráter alimentar, o presente trabalho busca evidenciar a necessidade da atuação da
doutrina e jurisprudência para a solução do conflito entre direitos fundamentais no caso
concreto, pelo uso da proporcionalidade, a fim de possibilitar o alcance da máxima efetividade
da tutela jurisdicional, protegendo-se a dignidade do devedor pela garantia das condições
necessárias à sua subsistência.
A proporcionalidade é o meio apto a oferecer uma solução constitucional aos conflitos
de direitos fundamentais na execução, constatando-se a necessidade de sua utilização para a
aplicação da regra de impenhorabilidade no caso concreto, de acordo com as peculiaridades da
lide posta, a fim de garantir a proteção da dignidade do devedor, nos limites estritos da sua

238
A REVISTA DA UNICORP

necessidade, sem afrontar sobremaneira o direito fundamental do credor à efetividade da tutela


jurisdicional.
A vinculação do Poder Judiciário aos direitos fundamentais constitucionalmente imposta
gera um verdadeiro poder-dever de aplicá-los diretamente no julgamento do caso concreto,
seja impondo a aplicação de determinado direito fundamental na ausência de previsão legal,
seja afastando normas infraconstitucionais que imponham restrições desproporcionais e
desarrazoadas a direito fundamental.
Cabe, assim, atendendo aos direitos fundamentais em conflito, reconhecer a possibilidade
de penhora de parcela dos salários e demais verbas de caráter alimentar, a ser determinada com
base na proporcionalidade, em atenção às circunstâncias do caso concreto.

Notas_________________________________________________________________

1 Leonardo Greco, já em 1994, ao afirmar a necessidade de adequação da execução às exigências de um


tempo onde “ser devedor não é mais uma vergonha e não pagar os débitos não é mais um sinal de
desonra”, bem como onde o patrimônio das pessoas não é mais essencialmente imobiliário, indicou que
há de se considerar que a efetividade do processo, e especialmente a do processo de execução, consiste
na busca da atuação no mundo dos fatos de modo tão completo e oportuno quanto se o devedor viesse
a cumprir espontaneamente a prestação constante do título (1994, p. 45).

2 Projeto de lei n. 6.025/05. Art. 849. [...] IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários,
as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as
quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os
ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o §2º.

3 Não se pode permitir que, para a satisfação do credor, seja o devedor reduzido à miserabilidade,
tendo o Estado – logo, toda a sociedade – de arcar com o seu sustento.

4 E é preciso frisar que a impenhorabilidade tutela exclusivamente as efetivas necessidades do executado.


Alimentos importados e requintados, roupas de grife e outros luxos definitivamente não se incluem no
conceito de alimentos necessários à sobrevivência digna.

5 Apesar de erroneamente – uma vez que “ser impenhorável significa na realidade ser inexpropriável
(DINAMARCO, 2004, p. 339) – afirmar não se tratar o caso de penhora, também o STJ já afirmou a
possibilidade de descontos no salário do executado para o pagamento de alimentos decorrentes de ato
ilícito: “Responsabilidade civil. Lesões corporais seguida de morte. Indenização por ato ilícito. [...] II -
Não constitui penhora de salários o desconto em folha de pagamento da empregadora do réu, referente
à indenização por morte do esposo e pai dos autores, a quem cabia o sustento de sua família, em razão
do nítido caráter alimentar da prestação. III - Recurso especial não conhecido” (REsp 194.581/MG,
Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, Terceira Turma, j. 19/05/2005, DJ 13/06/2005 p. 287). No Projeto
do Novo CPC, o inciso IV do art. 849 faz remissão ao §2o, que indica que regra de impenhorabilidade
não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de
sua origem.

6 Nessa linha, apenas a impenhorabilidade dos bens inalienáveis pode ser tratada como absoluta, uma
vez que deles o executado, de fato, não pode livremente dispor, pois, como indica Celso Neves, “a
expropriação judicial está para a alienação como a espécie está para o gênero e por isso mesmo que o que
é inalienável é naturalmente impenhorável” (1999, p. 15)

7 Cabe pontuar: “a preclusão não só extingue o poder de a parte requerer, por exemplo, uma nulidade

239
ENTRE ASPAS

processual, como também impede que tal questão venha a ser reapreciada pelo órgão julgador, ainda que o
ordenamento jurídico autorize o seu conhecimento de ofício” (ROMEU, 2008, p. 37).

8 Número sob o qual tramitou na Câmara dos Deputados. No Senado tratou-se do PL n. 51.

9 Interessante a constatação de Bruno Dantas Nascimento e Marcos Antônio Köhler acerca das
diversas conseqüências sociais e econômicas positivas decorrentes da possibilidade da penhora de
parcela dos salários. Do pondo de vista microeconômico, haveria dois efeitos importantes. O primeiro
seria a simplificação da execução forçada, uma vez que, sendo a maioria da população formada por
assalariados, nasceria naturalmente um grande estoque de garantias. Tanto o credor como o estado
economizariam tempo e dinheiro costumeiramente despendido no foro para tentar localizar bens do
devedor. O segundo, seria a satisfação mais rápida e por meios mais baratos do crédito do exeqüente.
Economicamente, isso geraria ampliação e reforço das garantias nas operações de crédito. Como a
diferença entre a taxa de juros paga aos aplicadores de recursos nos bancos e a taxa cobrada dos bancos
nos empréstimos que fazem aos clientes – o chamado spread bancário – é sensível à qualidade e
extensão das garantias oferecidas nos empréstimos, por conseguinte, haveria a redução do spread
bancário. O spread bancário elevado resulta em juros altos para o público em geral, para que as
instituições financeiras tenham uma compensação, obtida pelo adimplemento dos bons pagadores, pela
frouxidão do sistema e da exagerada proteção da leis aos maus pagadores. Se o spread bancário é
reduzido, os empréstimos para investimento e consumo são feitos a taxas menores, havendo, portanto,
maior possibilidade de consumo e investimento, gerando maior desenvolvimento econômico e emprego.
(2007, p. 455).

10 Nesse passo, cumpre pontuar interessante acórdão proferido, em 23 de abril de 2009, pela Décima
Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, da relatoria do Des.
Vieira de Moraes. O trecho que nos interessa: “Mesmo os detentores de elevadíssimos ganhos, na casa
das dezenas de milhares de reais, podem-se achar em condição de comprometimento de todos eles,
segundo o padrão de vida que mantenham, o que não os faz miseráveis para o fim de obter a gratuidade
judiciária. Assistência Judiciária confere-se aos efetivamente necessitados, segundo prescrito pelo artigo
1o da mencionada Lei n° 1 060/50, não àqueles que apenas não se dispõem a reduzir, um pouco, seus
gastos com coisas não essenciais e vivam, momentaneamente, sem margem de ganho não comprometido”.
Discutindo a questão em torno da concessão do benefício da justiça gratuita para pessoa que, em que
pese possuir elevado padrão de vida, sustentava estar com todos os seus ganhos comprometidos com
a subsistência da família, o tribunal chegou a conclusão em tudo coerente com o que ora se defende: o
direito não tutela o devedor que ostenta riqueza e alega ter todos os seus bens comprometidos de forma
a não poder satisfazer débito por ele contraído. A todas as luzes, não afronta a dignidade da pessoa
humana a redução de padrão de vida alto para classe média alta, por exemplo, se esta circunstância for
necessária para que o exeqüente quite suas dívidas.

11 Relevante a manifestação do professor português José Alberto Reis sobre a regra brasileira sobre
a impenhorabilidade do salário e verbas afins referenciada por Daniel Amorim Assumpção Neves: “O
sistema brasileiro parece-nos inaceitável. Não se compreende que fiquem inteiramente isentos os
vencimentos e soldos, por mais elevados que sejam. Há aqui um desequiblíbrio manifesto entre o
interesse do credor e do devedor; permite-se a este que continue a manter o seu teor de vida , que não
sofra restrições algumas no seu conforto e nas suas comodidades, apesar de não pagar aos credores as
dívidas que contraiu” (Apud NEVES, 2007, p. 490).

12 “Artigo 824. 1 – São impenhoráveis: a) Dois terços dos vencimentos, salários ou prestações de
natureza semelhante, auferidos pelo executado; b) Dois terços das prestações periódicas pagas a título de
aposentação ou de outra qualquer regalia social, seguro, indemnização por acidente ou renda vitalícia, ou
de quaisquer outras pensões de natureza semelhante. 2 – A impenhorabilidade prescrita no número
anterior tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada
apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento e o crédito exequendo

240
A REVISTA DA UNICORP

não seja de alimentos, o montante equivalente a um salário mínimo nacional. 3 – Na penhora de dinheiro
ou de saldo bancário de conta à ordem, é impenhorável o valor global correspondente a um salário mínimo
nacional. 4 – Ponderados o montante e a natureza do crédito exequendo, bem como as necessidades do
executado e do seu agregado familiar, pode o juiz, excepcionalmente, reduzir, por período que considere
razoável, a parte penhorável dos rendimentos e mesmo, por período não superior a um ano, isentá-los de
penhora. 5 – Pode igualmente o juiz, a requerimento do exequente e ponderados o montante e a natureza
do crédito exequendo, bem como o estilo de vida e as necessidades do executado e do seu agregado familiar,
afastar o disposto no n. 3 e reduzir o limite mínimo imposto no n. 2, salvo no caso de pensão ou regalia
social.”

13 A “Unidad de Fomento (UF)” é um indexador de unidade de valor utilizado no Chile desde 1967, que
sofre correção monetária, mantendo a sua atualização em relação ao peso chileno (moeda utilizada no
Chile). A grosso modo seria como, no Brasil, ao invés de falar, atualmente, que são impenhoráveis
R$2.272,00 (dois mil duzentos e setenta e dois reais), dizer que são impenhoráveis 3 (três) salários
mínimos ao invés de falar que o são R$2.272,00 (dois mil duzentos e setenta e dois reais).

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243
ENTRE ASPAS

A EXECUÇÃO DE SENTENÇA CONCESSIVA DE MANDADO DE SEGURANÇA


COM EFEITOS PATRIMONIAIS REFERENTE A PAGAMENTOS DEVIDOS PELA
FAZENDA PÚBLICA

Tássio Lago Gonçalves


Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em
Direito Processual Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia.
Analista Judiciário exercendo atualmente o cargo Assessor de
Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, com endereço
na Rua Alberto Valença, 114, AP 701, Pituba, Salvador-BA, CEP 41810-
825, Fone: (071)988325552, email:tassio2005@yahoo.com.br.

Resumo: O presente artigo tem por objetivo analisar a execução da sentença concessiva de
mandado de segurança na qual foi determinado o pagamento de valores devidos pela Fazenda
Pública. Este é um tema que causa grandes desentendimentos entre os estudiosos do direito,
principalmente no que tange à possibilidade ou não de execução direta dos valores decorrentes
da concessão do mandado de segurança, e sobre a necessidade ou não de submissão de tais
valores ao regime de precatórios. Para melhor compreensão do assunto, é necessária uma
análise técnica sobre o mandado de segurança, partindo-se do seu conceito, tratando da
execução da sentença concessiva do mandado de segurança e sobre o procedimento a ser
adotado em relação aos valores vencidos e vincendos à impetração, no que tange a necessidade
ou não de submissão de tais valores ao regime dos precatórios requisitórios. Por fim, buscar-
se-á explicar a forma correta de lidar com tal problemática.

Palavras-chave: Mandado de Segurança. Execução. Procedimento. Precatório.

1. Introdução

O presente trabalho tem por objeto a análise da execução de sentença concessiva do


mandado de segurança com efeitos patrimoniais, na qual foi determinado o pagamento de
valores pecuniários devidos pela Fazenda Pública. Este é um tema de grande importância
prática e de grande celeuma doutrinária e jurisprudencial, consistente mais especificamente
sobre a possibilidade ou não de execução direta dos valores decorrentes da concessão da
segurança e sobre a necessidade ou não de submissão de tais valores ao regime de precatórios
requisitórios.
O mandado de segurança é o remédio processual constitucional que tem como objetivo
proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus e por habeas data, manejável

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contra ato ilegal ou abusivo praticado por autoridade pública ou agente de pessoa jurídica que
exerça atribuições do Poder Público.
Ação constitucional com previsão no art. 5º, LXIX da Constituição Federal, uma
discussão acalorada em âmbito doutrinário e jurisprudencial se refere sobre a necessidade ou
não de processo autônomo para a execução de sentença concessiva de segurança. A execução
proposta em face da Fazenda Pública decorrente de sentença concessiva de segurança deve
ser feita nos próprios autos do mandado de segurança ou deve ser feito em processo autônomo?
Além disso, deve ser seguido o rito do art. 730 do CPC, com a submissão dos valores ao regime
de precatórios requisitórios, ou o caráter mandamental desta ação constitucional dispensa tal
exigência?
Necessário se faz sistematizar os entendimentos sobre o tema, fazendo uma incursão
sobre qual o procedimento a ser adotado em relação aos valores vencidos e vincendos à
impetração.
Este tema se mostra como de grande relevância, na medida em que ultrapassa o campo
teórico e ganha contornos práticos, buscando a compreensão geral do instituto, assim como a
sua aplicação no caso concreto.
Ao final, serão expostas as conclusões do presente trabalho.

2. O Mandado de Segurança

2.1 Considerações Iniciais

A conceituação clássica de mandado de segurança é dada por Hely Lopes Meirelles, o


qual diz que este é o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica,
órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de
direito individual ou coletivo, líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade,
não amparado por habeas corpus ou habeas data, seja de que categoria for e sejam quais
forem as funções que exerça (2009, p. 25/26).
Sua previsão constitucional está no art. 5º, LXIX da Constituição Federal, que estabelece
que conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado
por “habeas-corpus” ou “habeas-data”, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de
poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder
Público.
Tal ação constitucional encontra a sua principal disciplina na Lei Federal nº 12.016/2009,
que veio a revogar a Lei nº 1.533/51, sendo regido subsidiariamente pelo Código de Processo
Civil.
Direito líquido e certo é aquele que pode ser comprovado de plano, devendo os fatos
alegados pelo impetrante estarem comprovados, vindo a petição inicial acompanhada dos
documentos indispensáveis a essa comprovação, surgindo daí a exigência da prova ser pré-
constituída.
O sujeito ativo ou impetrante da referida ação constitucional é o titular do direito líquido
e certo que busca salvaguardar o seu direito lesado ou ameaçado de lesão por um abuso de
poder ou ilegalidade. Já o sujeito passivo ou impetrado é a autoridade coatora que praticou o
ato com ilegalidade ou abuso de poder.
A natureza jurídica do writ é de ação de natureza civil, com rito sumário especial, com

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ENTRE ASPAS

procedimento próprio regulado pela Lei nº 12.016/2009 e, subsidiariamente, pelo Código de


Processo Civil, destinada a proteger direito líquido e certo do impetrante contra abuso de
poder ou ilegalidade praticados pela autoridade coatora. O prazo para impetração do mandamus
é de 120 (cento e vinte) dias, contados da ciência pelo interessado do ato impugnado.

2.2 A Sentença no Mandado de Segurança

Em sede de mandado de segurança, a sentença pode ser de carência, na qual não há


apreciação do mérito, ou de mérito. Será de carência quando o impetrante não satisfizer os
pressupostos processuais ou as condições da ação. Já a sentença de mérito irá decidir sobre o
direito invocado, apreciando a sua existência, liquidez e certeza diante do ato impugnado, para
concluir pela denegação ou concessão da segurança. (MEIRELLES, 2009, p. 105/106)
Quando ocorre a apreciação do mérito, o Juiz poderá conceder a segurança, reconhecendo
o direito alegado pelo impetrante, ou denegar a segurança, por não ter o impetrante o direito
material invocado, por não ter sido ilegal o ato praticado pela autoridade dita coatora, ou por
não ter sido comprovada a liquidez e certeza do direito subjetivo deduzido em Juízo. (THEODORO
JÚNIOR, 2008, p. 521)
A sentença no mandado de segurança pode ter caráter condenatório, mandamental,
constitutivo e declaratório. Sobre o tema, ensina Alfredo Buzaid (1989, p. 76):

O que determina e qualifica a natureza da ação de segurança é o pedido


formulado pelo impetrante, que pode ser: a) meramente declaratório; b)
constitutivo; c) condenatório. Exemplo da primeira espécie é o pedido de
declaração de inexistência de relação jurídica tributária criada por lei
inconstitucional; exemplo da segunda espécie é a desconstituição de
nomeação de servidor público por inobservância da ordem de classificação
no concurso; exemplo da terceira espécie é a ação do servidor da
administração direta ou autárquica, tendo por objeto o pagamento de
vencimentos e vantagens pecuniárias.

Ressalte-se que um mesmo provimento jurisdicional pode englobar uma pluralidade de


eficácias, sendo classificado com aquela eficácia prevalecente.
O mandado de segurança terá caráter declaratório quando reconhecer, em cognição
exauriente, o direito do impetrante, restringindo-se a certificar a inexistência ou existência de
uma situação jurídica.
A sentença do mandado de segurança também poderá ter eficácia condenatória,
reconhecendo a existência de um direito a uma prestação, impondo uma condenação à
administração pública.
Já o caráter constitutivo do mandado de segurança revela-se quando ele certifica e
efetiva direito que prescinde de atividade executiva, tal como ocorre quando ele anula ou torna
ineficazes atos de procedimentos estatais em andamento.
Por último, tem-se o caráter mandamental, que é a eficácia que prevalece no mandado de
segurança. Nesta hipótese, o Magistrado ordena à autoridade apontada como coatora a adoção
de determinada conduta, sendo que o seu descumprimento caracterizará afronta ao comando
judicial.

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Portanto, a sentença concessiva de segurança tem caráter mandamental, uma vez que
consubstancia sempre uma ordem para que a autoridade impetrada adote uma determinada
conduta, seja de praticar, não praticar ou permitir que se pratique o ato cuja omissão ou
realização resultou em ofensa a direito líquido e certo do impetrante.

3. A Execução por Quantia Certa em Face da Fazenda Pública

3.1 A Fazenda Pública

A expressão Fazenda Pública, no sentido técnico-processual, refere-se às pessoas


jurídicas de Direito Público quando estão em Juízo, enquanto partes do processo. Nessas
pessoas jurídicas de direito público, estão compreendidos a União, os Estados, os Municípios,
o Distrito Federal, as autarquias e as fundações públicas. Leonardo José Carneiro da Cunha
bem define o tema em apreço (2011, p. 32):

A expressão Fazenda Pública identifica-se tradicionalmente como a área


da Administração Pública que trata da gestão das finanças, bem como da
fixação e implementação de políticas econômicas. Em outras palavras,
Fazenda Pública é expressão que se relaciona com as finanças estatais,
estando imbricada com o termo erário, representando o aspecto financeiro
do ente público. Não é por acaso a utilização da terminologia Ministério
da Fazenda ou Secretaria da Fazenda, para designar, respectivamente, o
órgão despersonalizado da União ou do Estado responsável pela política
econômica desenvolvida pelo governo. O uso frequente do termo Fazenda
Pública fez com que se passasse a adotá-lo num sentido mais lato,
traduzindo a ideia do Estado em juízo; em Direito Processual, a expressão
Fazenda Pública contém o significado de Estado em Juízo. Daí porque,
quando se alude à Fazenda Pública, a expressão apresenta-se como
sinônimo de Estado em juízo, ou, ainda, da pessoa de direito público em
juízo.

A atuação dos entes dotados de personalidade jurídica de direito público deve sempre
ser pautada no interesse público, aplicando-se, por consequência, o princípio da supremacia
do interesse público sobre o particular.
Em razão da aplicação do referido princípio, a Fazenda Pública goza de algumas
prerrogativas que não são reconhecidas aos particulares.
Como exemplo dessas prerrogativas no âmbito processual, pode-se citar: o juízo
privativo; os prazos mais dilatados em seu favor, conforme artigos 188 e 277 do Código de
Processo Civil; a dispensa do preparo dos recursos, segundo o artigo 511 do Código de
Processo Civil; o procedimento próprio para a execução de créditos em favor da Fazenda
Pública, regulado pela Lei de Execuções Fiscais – Lei nº 6.830/80; a possibilidade de medida
liminar na ação de arresto sem justificação prévia, prevista no artigo 816, inciso I, do Código de
Processo Civil; o reexame necessário ou o duplo grau obrigatório de sentenças proferidas
contra a Fazenda Pública, previsto no artigo 475, inciso II do Código de Processo Civil; o
procedimento próprio para execução das condenações da Fazenda Pública em pagamento de

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ENTRE ASPAS

quantia certa, com previsão no artigo 100 da Constituição Federal de 1988 e no artigo 730 do
CPC, consistente no regime de pagamentos em dinheiro pela via dos precatórios.

3.2 A Execução por Quantia Certa em Face da Fazenda Pública e a


Necessidade de Submissão ao Regime dos Precatórios

No que tange à execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, segundo os arts.
730 e 731 do Código de Processo Civil, a execução dar-se-á por meio de processo de execução
autônomo.
Os pagamentos devidos pela Fazenda Pública referente às condenações de pagar quantia
certa só podem ocorrer através de precatórios requisitórios de pagamentos, conforme previsão
do art. 100 da Constituição Federal de 1988, com redação dada pela Emenda Constitucional nº
62/2009. O referido artigo estabelece que os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas
Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão
exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos
respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos
créditos adicionais abertos para este fim.
O precatório é a fórmula por meio da qual o Poder Judiciário solicita ao Poder Executivo
que tome precauções orçamentárias a fim de realizar o pagamento de uma execução de ordem
judicial. Assim, em se tratando de verbas devidas pela Fazenda Pública, seu pagamento deve
decorrer necessariamente através de precatórios requisitórios, com inclusão do valor no
orçamento para pagamento no exercício financeiro subsequente.

4. A Execução de Sentença Concessiva de Segurança com Efeitos Patrimoniais

4.1 Noções Gerais

Proferida a sentença concessiva da segurança, e ocorrendo o trânsito em julgado, entra


em pauta a questão da execução do mandado de segurança.
Conforme dito alhures, prevalece na sentença do mandamus a eficácia mandamental.
Desta forma, a execução da sentença concessiva é específica e imediata, mediante o cumprimento
pela autoridade impetrada da ordem determinada pelo Magistrado, seja ela de caráter declaratório,
constitutivo ou condenatório.
Entretanto, quando a sentença que concede a segurança tem efeitos patrimoniais, a
execução do mandamus guarda algumas peculiaridades que ainda causam desentendimentos
entre os estudiosos do Direito. Tais controvérsias residem especificamente sobre qual deve
ser o rito a ser seguido, uma vez que a execução em face da Fazenda Pública possui algumas
peculiaridades, peculiaridades estas que põem em dúvida o procedimento a ser adotado quanto
à condenação da Fazenda Pública ao pagamento de valores decorrentes de sentença concessiva
de segurança.

4.2 A Sentença Concessiva de Segurança e o Art. 730 do CPC

Segundo o rito previsto no art. 730 do Código de Processo Civil, a execução de quantia
certa contra a Fazenda dar-se-á por meio de processo de execução autônomo.

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No entanto, em se tratando de mandado de segurança, dado o seu caráter mandamental,


a execução da sentença concessiva dispensa a necessidade de processo de execução autônomo,
e se dará nos próprios autos da segurança. Neste sentido, bem elucida Hely Lopes Meirelles
(2009, p. 108):

A execução da sentença concessiva da segurança é imediata, específica ou


in natura, isto é, mediante o cumprimento da providência determinada
pelo juiz, sem a possibilidade de ser substituída pela reparação pecuniária.
Se houver danos patrimoniais a compor, far-se-á por ação direta e
autônoma, salvo a exceção contida na Lei n. 5.021/66, concernente a
vencimentos e vantagens pecuniárias de servidores públicos, posteriores
à impetração (art. 14, §4º, da Lei 12.016/2009), reconhecidos na sentença
concessiva, os quais se liquidam por cálculo do contador e se executam
nos próprios autos da segurança.

Entretanto, há diferenças quanto ao modo em que se dará a execução do mandado de


segurança com efeitos patrimoniais em relação aos valores devidos após a concessão da
segurança, entre a impetração da segurança e a sua concessão, bem como aos valores anteriores
à impetração. Para um melhor esclarecimento acerca de cada um desses temas, necessário se
faz abordá-los em tópico próprio para um entendimento adequado.

4.3 Os Valores Devidos Após a Concessão da Segurança

Em se tratando de sentença concessiva de segurança na qual seja determinado o


pagamento de valores pela Fazenda Pública ao impetrante, no que tange aos valores devidos
após a concessão do writ, sua execução é imediata e específica, mediante o cumprimento da
ordem determinada pelo Juiz pela autoridade impetrada.
Este entendimento é encontrado no art. 14, §4º, da Lei nº 12.016/2009, que estabelece
que o pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias assegurados em sentença concessiva
de mandado de segurança a servidor público da administração direta ou autárquica federal,
estadual e municipal somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a
contar da data do ajuizamento da inicial.
Nesta hipótese, a execução revela todo o caráter mandamental do presente mandamus,
uma vez que as prestações posteriores ao julgamento do writ, em obrigações de trato sucessivo,
dispensam a expedição de precatório. (SILVA, 1999, p. 144)
Neste caso, não se aplica o rito do art. 730 do Código de Processo Civil, uma vez que é
desnecessário a expedição de precatório requisitório para tais valores, que deverão ser pagos
imediatamente, sob pena de caracterizar a ocorrência do crime de desobediência. Assim, tais
valores serão pagos pela Administração Pública independentemente de submissão ao regime
de precatório.

4.4 Os Valores Devidos pela Fazenda Pública Anteriores a Impetração do


Mandado de Segurança

Concedida a ordem mandamental, muito se discute sobre a possibilidade de o mandado


de segurança produzir efeitos patrimoniais pretéritos à impetração, com a consequente cobrança
dos respectivos valores.

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No entanto, o mandado de segurança não é a via adequada para se pleitear a produção


de efeitos patrimoniais pretéritos, nos termos do Enunciado nº 271 da Súmula do Supremo
Tribunal Federal, segundo a qual a “concessão de mandado de segurança não produz efeitos
patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente
ou pela via judicial própria”.
Ademais, “o mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança”, conforme
o Enunciado nº 269 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
Sobre o tema, merecem transcrição os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles (2009, p.
108/109):

Se houver danos patrimoniais a compor, far-se-á por ação direta e


autônoma, salvo a exceção contida na Lei n.5.021/66, concernente a
vencimentos e vantagens pecuniárias de servidores públicos, reconhecidos
na sentença concessiva, os quais se liquidam por cálculo do contador e se
executam nos próprios autos da segurança. Isto não significa que o mandado
de segurança seja meio inidôneo para amparar lesões de natureza
pecuniária. Absolutamente, não. A segurança pode prestar-se à remoção
de obstáculos a pagamentos em dinheiro, desde que a retenção desses
pagamentos decorra de ato ilegal da Administração, como, p. ex., a exigência
de condições estranhas à obrigação do credor para o recebimento do que
lhe é devido. Neste caso, o juiz poderá ordenar o pagamento, afastando as
exigências ilegais. O que negamos, de início, é a utilização do mandado de
segurança para a reparação de danos patrimoniais, dado que seu objeto
próprio é a invalidação de atos de autoridades ofensivos de direito
individual líquido e certo.

4.5 Os Valores Devidos Entre a Impetração e a Concessão da Segurança

Concedida a segurança, e tendo a sentença transitado em julgado, uma importante


questão que causa grandes desentendimentos entre os estudiosos do direito se refere à
execução das parcelas vencidas entre a impetração e a concessão do mandado de segurança.
A discussão reside quanto à necessidade ou não de constituição de precatório para o
adimplemento dos valores devidos pela Fazenda Pública, quando decorrentes de sentença
concessiva em mandado de segurança, referentes às parcelas entre a impetração do mandamus
e o trânsito em julgado da sentença.
Em busca de uma melhor compreensão do tema, é necessário estudar os diversos
entendimentos sobre o assunto, a fim de aferir quais os argumentos das correntes doutrinárias
existentes.

4.5.1 Execução dos valores devidos entre a impetração e a concessão da


ordem sem a necessidade de constituição de precatório

Segundo tal entendimento, a execução das parcelas vencidas entre a impetração e a


concessão do mandado de segurança não está submetida ao regime de precatório. Isso porque

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A REVISTA DA UNICORP

o rito da execução do mandado de segurança não deve ser tratado pelo Código de Processo
Civil, em razão do caráter mandamental do writ. Dessa forma, os valores relativos ao período
entre a impetração e o cumprimento da sentença de segurança devem ser adimplidos
imediatamente, independentemente da regra dos precatórios, em virtude do caráter mandamental
do r. decisum concessivo de segurança.
Assim, segundo os defensores de tal entendimento, a sentença proferida em mandado
de segurança, dado o seu caráter urgente e autoexecutório, deveria ser executada imediatamente,
o que ficaria inviável por meio de pagamento por precatório, a retardar a prestação devida e
alterar o objetivo da ação mandamental.
Dessa forma, segundo aqueles que defendem este entendimento, devido à força
autoexecutória conferida à sentença prolatada nos autos de mandado de segurança, a
constituição de precatório para pagamento de valores reconhecidos entre a impetração da
ação e o trânsito em julgado da sentença seria absolutamente desnecessária, além de não se
compatibilizar com o rito procedimental do writ.

4.5.2 Execução dos valores devidos entre a impetração e a concessão da ordem


com a necessidade de constituição de precatório

A segunda corrente defende que o pagamento dos valores devidos desde a data da
impetração do mandado de segurança até a data da devida implantação deve ocorrer mediante
precatório requisitório de pagamento, seguindo o rito do art. 730 do CPC, em consonância com
o art. 100 da Constituição Federal.
Este dispositivo constitucional estabelece que todos os pagamentos devidos pela
Fazenda Pública Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judicial, far-se-ão
exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios à conta dos créditos
respectivos.
Portanto, a execução dos valores devidos entre a impetração e a concessão da segurança
deve observar os ditames do art. 730 do CPC sobre execução por quantia certa contra a Fazenda
Pública.
Do ponto de vista dogmático-jurídico, esta é a melhor interpretação a ser dada.
O artigo 100 da Constituição Federal concretiza a igualdade e a impessoalidade no
âmbito do devido processo legal de cumprimento de decisões judiciárias condenatórias pelo
Poder Público, sendo imperativo inerente a estes princípios a observância da ordem cronológica
em duas ordens, de créditos alimentares e não alimentares, com a proibição de designações
específicas de casos ou pessoas.
No que tange aos créditos de natureza alimentícia, o Supremo Tribunal editou a Súmula
nº 655, que estabelece que a exceção prevista no art. 100, caput, da Constituição, não dispensa
a expedição de precatório, limitando-se a isentar os créditos alimentares da observância da
ordem cronológica dos precatórios decorrentes de condenações de outra natureza.
A exigência de precatório para o cumprimento de obrigações pecuniárias devidas por
entes públicos por força de decisão judicial consubstancia um preceito de materialização da
impessoalidade e da igualdade, dando compostura ao devido processo legal de cumprimento
das aludidas obrigações, instituindo o procedimento adequado.
Com efeito, nenhum pagamento devido pela Fazenda Pública poderá escapar ao sistema
de precatórios estabelecido pelo texto constitucional, sequer o pagamento de vantagens
asseguradas em sentença concessiva de mandado de segurança.
A parte condenatória da sentença concessiva de segurança (prestações pecuniárias
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ENTRE ASPAS

reflexas) não constitui exceção à norma do art. 100 da Constituição Federal, devendo os valores
patrimoniais decorrentes ser executados conforme o rito do art. 730 do CPC, de acordo com a
ordem cronológica de apresentação dos precatórios.
Através da instituição da ordem cronológica, busca-se a preservação do direito de
precedência para o pagamento de precatórios, emitidos por ordem do Poder Judiciário, que
deverão ser consignados no orçamento do Poder Executivo, tratando-se de registro elaborado
para efeito de controle quanto ao cumprimento do princípio isonômico previsto na Constituição
da República (OLIVEIRA, 2007, p. 134).
Revela-se ofensivo à igualdade considerar que, apenas por resultarem do rito especial
típico do mandado de segurança, as obrigações condenatórias pecuniárias deveriam ser
cumpridas independentemente do art. 100 da Constituição da República. Equivale a obter, por
via oblíqua, o que a Constituição veda no referido artigo, ao proibir exceções ao regime de
precatórios, notadamente que implique designação de casos ou pessoas. Até mesmo os créditos
alimentares se sujeitam a precatórios, embora com prioridade sobre os demais créditos não
alimentares, não se podendo afastar tal exigência em razão do rito do remédio heroico.
Manifestando-se acerca do tema, José Cretella Júnior (2003, p. 3054) ensina que “[n]ão
há credores privilegiados. Todos se igualam diante do Estado, distinguindo-se, uns dos outros,
apenas pelo tempo em que solicitaram e obtiveram reconhecimento dos créditos.”
Assim, a determinação de que o pagamento dos débitos judiciais da Fazenda Pública
seja feito na ordem cronológica de apresentação dos precatórios tem como finalidade impedir
a escolha de credores, inviabilizando a quitação do débito mais recente em detrimento de outro
mais antigo, razão pela qual se deve obedecer ao rito previsto nos artigos 730 e 731 do CPC, não
se excluindo desta sistemática o débito simplesmente por ser proveniente de sentença
concessiva de mandado de segurança.
Ademais, a violação da igualdade (art. 5º, caput, CF) representa contrariedade ao princípio
da impessoalidade, consagrada dentre os princípios constitucionais da Administração Pública,
pelo art. 37, caput, do texto constitucional, pois importa em conferir um tratamento diferenciado
a parte dos administrados (os impetrantes), colocando-os isentos a uma das prerrogativas da
Administração Pública, que é o art. 100 da Carta Magna.
Como bem ressalta Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio da impessoalidade é o
princípio da igualdade aplicado no âmbito da Administração Pública. Nele se traduz a ideia de
que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou
detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades
pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito
menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie (2007, p. 110).
Então, a teor do art. 100, §1º, da Constituição, haveria uma listagem cronológica de
precatórios oriundos de decisões judiciais condenatórias de obrigações pecuniárias de caráter
alimentar, uma listagem daqueles que não sejam decorrentes de obrigações pecuniárias de
caráter alimentar, e, ainda, sem respaldo constitucional, os créditos pecuniários decorrentes de
mandado de segurança referente aos valores devidos entre a impetração e a concessão.
Assim, o regime de execução por quantia certa em face do Poder Público,
independentemente da natureza do crédito, impõe a expedição de precatório requisitório, cujo
sistema está pautado na observância dos princípios da impessoalidade, da igualdade e da
moralidade, visando assegurar a igualdade entre os credores, impedir favorecimentos pessoais
indevidos e frustrar tratamentos discriminatórios.
Além de ofensa à igualdade, posto que se trataria diferentemente os administrados, e à

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A REVISTA DA UNICORP

impessoalidade, evidencia-se também uma violação ao devido processo constitucional de


cumprimento de obrigações pecuniárias pela Fazenda pública, criando-se por decisões judiciais
mecanismos não admitidos constitucionalmente para tanto, contrariando o art. 5º, inciso LIV,
do texto constitucional, que diz que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem
o devido processo legal”.
Dessa forma, se mesmo para os créditos alimentares o art. 100 da Constituição Federal
impõe o precatório, não ficará dele excluído aquele crédito que, sendo alimentar ou não, resulte
de ordem em mandado de segurança.
Neste contexto, categórica é a lição de Leonardo José Carneiro da Cunha (2011, p. 553):

A sentença, no mandado de segurança, também pode ser condenatória,


quando acolhe pleito de servidor público, visando a obtenção de vantagem
ou diferença de vencimentos. Nesse caso, não cabe a liminar, mas se
permite o manejo do mandado de segurança. Acontece, entretanto, que ‘o
mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança’ (súmula
269 do STF). Demais disso, o pagamento de vantagens pecuniárias
asseguradas em writ somente será efetuado relativamente às prestações
que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial (Lei nº 12.016/
2009, art. 14, parágrafo 4º). Nesse sentido, ‘consoante jurisprudência do
STJ, o pagamento de verbas atrasadas em sede de mandado de segurança
restringe-se às partes existentes entre a data da impetração e a concessão
da ordem’.
Quer isso dizer que, concedida a segurança para impor o pagamento de
diferenças estipendiárias, seu cumprimento será feito a partir do trânsito
em julgado. Significa que, a partir do trânsito em julgado, deve ser a
vantagem incluída em folha, consistindo em verdadeira obrigação de fazer,
caracterizando uma tutela mandamental. Quanto ao período que antecede
o ajuizamento do writ, não estará compreendido pela sentença, devendo
o impetrante cobrá-lo pelas vias ordinárias. Realmente, nos termos da
Súmula 271 do STF, ‘concessão de mandado de segurança não produz
efeitos patrimoniais, em relação a período pretérito, os quais devem ser
reclamados administrativamente ou pela via judicial própria’.
Os valores devidos entre a impetração e o trânsito em julgado devem
ser cobrados no próprio mandado de segurança, mediante execução
contra a Fazenda Pública, seguindo-se a sistemática do precatório,
com o procedimento descrito nos arts. 730 e 731 do CPC. Se os
valores forem de pequena monta, dispensa-se o precatório, expedindo-se
a Requisição de Pequeno Valor (RPV). (grifo nosso)

Ricardo Perlingeiro Mendes da Silva, por sua vez, leciona que “O pagamento de qualquer
importância em espécie pela administração pública, se decorrente de decisão judicial, deve ser
através do precatório judicial, regra que não comporta exceções”.(1999, p. 144)
O sistema constitucional de precatório viabiliza o pagamento de créditos oriundos de
sentenças condenatórias de obrigações pecuniárias em face do Poder Público seguindo critérios
estritos de igualdade e impessoalidade, baseados na cronologia, tanto para os créditos
alimentares como para os demais, conferindo contornos concretos ao que se identifica como
devido processo constitucional do aludido tipo de decisões judiciais.

253
ENTRE ASPAS

Assim, o entendimento que afasta do regime de precatório as condenações pecuniárias


decorrentes de concessão de mandado de segurança está em desacordo com o princípio da
impessoalidade (art. 37, caput, CF), uma vez que permite o pagamento imediato a determinados
credores da Administração, utilizando como critério de discriminação o rito processual adotado,
em detrimento dos demais credores, os quais aguardam o pagamento de acordo com a ordem
cronológica de precatórios.
Dessa forma, estar-se-ia tratando de maneira desigual cidadãos que se encontram na
mesma situação, pois titulares de títulos executivos provenientes de sentenças condenatórias
contra a Fazenda Pública, privilegiando-se determinadas pessoas em detrimento de outras
apenas em razão da adoção do rito do mandado de segurança.
Portanto, o modo de execução dos valores concedidos em mandado de segurança,
referentes ao período entre a impetração e a concessão da ordem, não prescinde da forma do
art. 730 do CPC, seguindo o procedimento do precatório (art. 100 da CF), segundo o melhor
entendimento sobre o tema.

5. Conclusão

Diante do exposto no decorrer do presente trabalho, foi possível dirimir algumas dúvidas
atinentes à execução da sentença concessiva de mandado de segurança com efeitos
patrimoniais. Conquanto já se tenha, em cada capítulo do presente estudo, extraído as
conclusões que o mesmo trouxe, cumpre abordá-las de forma sistemática, para que se possa
atingir o objetivo da pesquisa, atendendo às pretensões deduzidas no seu desenvolvimento.
Na primeira parte do trabalho, tratou-se do mandado de segurança. Falou-se, inicialmente,
que o mandado de segurança é uma ação constitucional que tem como objetivo proteger
direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus e por habeas data, manejável contra
ato ilegal ou abusivo praticado por autoridade pública ou agente de pessoa jurídica que exerça
atribuições do Poder Público.
Apontou-se, em seguida, as eficácias contidas numa sentença de segurança, afirmando
que o mandamus pode ter caráter condenatório, constitutivo, declaratório e mandamental,
sendo que este último é o caráter prevalecente.
Após, passou-se ao estudo da execução por quantia certa em face da Fazenda Pública,
salientando que a Fazenda Pública é o Estado em Juízo. Foi dito também que as prerrogativas
que o Estado possui em Juízo é decorrência da supremacia do interesse público sobre o
particular.
Falou-se sobre o rito previsto no art. 730 do CPC, que prevê a necessidade de processo
autônomo de execução e da necessidade de submissão ao regime de precatórios.
Em seguida, adentrou-se no estudo propriamente dito da execução da sentença de
mandado de segurança com efeitos patrimoniais.
Falou-se inicialmente que, em se tratando de mandado de segurança, dado o seu caráter
mandamental, a execução da sentença concessiva dispensa a necessidade de processo de
execução autônomo, ocorrendo nos próprios autos da segurança.
Em seguida, tratou-se do modo de execução dos valores devidos após a concessão da
ordem, entre a impetração e a concessão, e os valores anteriores à impetração.
No que tange aos valores devidos após a concessão da ordem, concluiu-se que sua
execução é imediata e específica, mediante o cumprimento da ordem determinada pelo Juiz pela

254
A REVISTA DA UNICORP

autoridade impetrada.
Em relação à possibilidade de o mandado de segurança produzir efeitos patrimoniais
pretéritos à impetração, com a consequente cobrança dos respectivos valores, estabeleceu-se
que o mandamus não é a via adequada para se pleitear a produção de efeitos patrimoniais
pretéritos, nos termos do Enunciado nº 271 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, não sendo
também substitutivo de ação de cobrança, conforme Enunciado nº 269 da referida Corte.
Por fim, no que tange aos valores devidos entre a impetração e a concessão da segurança,
há uma ampla divergência doutrinária e jurisprudencial sobre a submissão ou não ao regime de
precatório, sendo que o melhor entendimento do ponto de vista dogmático-jurídico é aquele
que estabelece a necessidade de submissão ao regime de precatórios.
Entendeu-se que o sistema constitucional de precatório viabiliza o pagamento de créditos
oriundos de sentenças condenatórias de obrigações pecuniárias em face do Poder Público
seguindo critérios estritos de igualdade e impessoalidade, baseados na cronologia, tanto para
os créditos alimentares como para os demais, conferindo contornos concretos ao que se
identifica como devido processo constitucional do aludido tipo de decisões judiciais.
Assim, nenhum pagamento devido pela Fazenda Pública poderá escapar ao sistema de
precatórios estabelecido pelo texto constitucional, sequer o pagamento de vantagens
asseguradas em sentença concessiva de mandado de segurança, devendo obedecer a forma
prescrita no art. 730 do CPC.

Referências____________________________________________________________

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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em


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256
A REVISTA DA UNICORP

ARTIGOS DE BOAS PRÁTICAS

257
ENTRE ASPAS

258
A REVISTA DA UNICORP

A GESTÃO ESTRATÉGICA APLICADA À VARA CÍVEL DE


CÍCERO DANTAS - BAHIA

Cristiane Menezes Santos Barreto


Juíza de Direito da Cidade de Cicero Dantas-BA. E-mail:
crismsb2@yahoo.com.br.

Danielle Thaís Barros de Souza Leite


Doutoranda em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA /
UFS. Membro do Grupo de ORDENAMENTO TERRITORIAL E
GESTÃO DE CONFLITOS NOS AMBIENTES COSTEIROS. Pós –
Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA/UFS.
E-mail: daniellethais@yahoo.com.br

José Paulo de Andrade


Mestrando em Educação. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em
História da Educação: intelectuais da educação, instituições educacionais
e práticas escolares - GEPHE-UFS. Pós-Graduação em Educação/PPGED.
E-mail: pauloeducado@gmail.com

Sylvia Chagas
Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (2010), especialização em Magistério Superior ( UNIT) e em Direito
Tributário ( UCAM). Atualmente é professora de Graduação na Faculdade
Pio Décimo e na Universidade Tiradentes. Professora de Pós-Graduação
na Faculdade José Augusto Vieira (FJAV).

RESUMO: A ideia deste trabalho surgiu da necessidade de dar continuidade ao Programa de


padronização de rotinas de trabalho e melhorar as técnicas de gestão de pessoas com
desenvolvimento da liderança e empoderamento dos servidores da Vara Cível da Comarca de
Cícero Dantas do Estado da Bahia. Na metodologia da rotina de trabalho foi aplicado o Programa
Integrar desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça que tinha como foco desenvolver
todas as unidades do Poder Judiciário do Estado da Bahia nos eixos de infraestrutura e TI,
gestão de pessoas, processos de trabalho e gestão da informação e comunicação, uniformizar
os procedimentos administrativos, de serviços e práticas cartoriais. A implantação da
metodologia durou 01 (um) ano e constava com o diagnóstico da unidade, mudança de layout
do cartório, localização virtual dos processos, arrumação física. Os objetivos foram alcançados,
quais sejam, julgar sempre mais processos que entrados, diminuir o fluxo de advogados
solicitando andamento dos processos, redução do tempo de tramitação dos processos na
Vara.

259
ENTRE ASPAS

Palavras-chave: Gestão de Pessoas. Processos. Rotina de Trabalho.

RESUMEN: La idea de realizar este posgrado en gestión de personal, surgió de la necesidad de


continuar el programa de estandarización de las rutinas de trabajo y mejorar las técnicas de
gestión de personas con el desarrollo del liderazgo y el empoderamiento de los servidores de
la Corte Civil de Cicero el Estado de Bahía. En se aplicó la metodología de la rutina de trabajo
para integrar el Programa desarrollado por el Consejo Nacional de Justicia se centró en el
desarrollo de todas las dependencias del Poder Judicial del estado de Bahía, en los ejes de la
infraestructura y de TI, gestión de personas, procesos de trabajo y gestión de la información y
la comunicación, estandarizar los procedimientos administrativos, servicios y prácticas
notariales. La aplicación de la metodología duró un (01) año y consistió en el diagnóstico de la
unidad, cambio de diseño notario, ubicación virtual de los procesos, el almacenamiento físico.
Objetivos se han logrado, es decir, a juzgar cada vez más los procesos que de entrada,
disminuyendo el flujo de abogados solicitaron el estatuto de los procesos, la reducción del
tiempo de tramitación de los expedientes en el rebaño.

Palabras clave: Gestión de Personas. Procesos. Trabajo de rutina.

1. Introdução

Desde a Constituição Federal de 1988 o Poder Judiciário conquistou um lugar de destaque


no Estado Democrático de Direito e ampliou o seu papel social e político. Com a amplitude em
seus horizontes trouxe alguns ônus, o primeiro deles e mais sentido pela sociedade foi o
aumento significativo do acervo e uma demora na resposta aos anseios, gerando uma insatisfação
geral dos usuários, todavia esta crescente importância do Poder. O segundo aspecto é a
necessidade de o Juiz, desenvolver uma nova habilidade, a de gestão administrativa.
Com vistas a esta nova necessidade de desenvolver a administração judiciária e diante
da percepção de que a qualidade da prestação jurisdicional passa necessariamente por uma
gestão dos recursos humanos, no início do ano de 2010 o Programa Integrar foi apresentado ao
Estado da Bahia e tinha por objetivo geral implantar uma metodologia para apoiar os Tribunais
de Justiça dos Estados ao atingimento de uma celeridade e patamar de eficiência e eficácia na
prestação jurisdicional.
Os objetivos específicos consistiam em melhorar o funcionamento das unidades
administrativas onde o Programa fosse implantado, nos eixos da Infraestrutura e TI, Gestão de
Pessoas, Processos de Trabalho e Gestão da Informação e Comunicação; Uniformizar os
procedimentos administrativos, de serviços e práticas cartoriais, adotados pelos Tribunais de
Justiça dos Estados; Firmar parcerias, a fim de envolver outros órgãos na solução dos problemas
encontrados (PROGRAMA INTEGRAR, 2010).
O programa integrar surgiu como necessidade de reformas que passam pela ampliação
e diferenciação da estrutura judiciária, a modernização das ações e adoção de novas concepções
e práticas de gestão, assim por força do planejamento estratégico do Poder Judiciário, Resolução
nº 70, de 18 de março de 2009 foi criado um Grupo Volante através da portaria nº 482, de 27 de
fevereiro de 2009. Tal grupo, que formava a equipe nacional ligada ao Conselho Nacional de
Justiça, e que coordenava o programa nacionalmente, foi apresentado aos Juízes multiplicadores
do Programa no Estado da Bahia.

260
A REVISTA DA UNICORP

Como afirmado acima o Programa Integrar (2010) tinha três objetivos específicos, mas
na 1a Vara Cível de Cícero Dantas a atenção foi voltada ao alcance de um objetivo, qual seja,
aquele que propunha a melhoria do funcionamento da unidade administrativa onde o Programa
seria implantado, de processo de trabalho judicial e administrativo e de gestão da informação
e comunicação.
A proposta implicava, antes de tudo, uma melhoria significativa na qualidade de vida de
cada servidor, uma vez que imprimiria um ritmo de trabalho para dar vazão aos processos,
melhorar os índices de produtividade, diminuir a presença física dos advogados à procura dos
processos nos cartórios e facilitar a localização física dos processos.
A partir da implantação da metodologia de trabalho do programa integrar na unidade,
um comportamento estratégico da gestora da unidade foi fundamental, pois, existia uma
necessidade de adequar-se à alta velocidade das mudanças, ambiência instável, escassez de
recursos e hostilidade. A administração estratégica foi essencial para implantar as mudanças,
sem prejuízo das atividades judicantes, do exercício da direção de fórum, porque minimizou a
burocracia, reduziu a visão fragmentada e setorizada para modificação do futuro da unidade.
Para melhorar a integração entre servidores e magistrada foram utilizados os recursos
materiais e tecnológicos à disposição da unidade, tais como e-mail funcional, criação de grupo
virtual, construção de manual de práticas cartorárias, manual da Vara Cível com a apresentação
dos fluxogramas dos ritos ordinário, sumário, cumprimento de sentença, execuções, modelos
de despachos, certidões, principais atos ordinatórios a serem praticados pelos servidores,
aliados a um uníssono e forte sentimento de melhoria das relações sociais, ambiência, mudança
e aquisição de valores já se concretizavam.
A visão estratégica foi importante no sentido de ajudar a tomar decisões numa era em
que já não se tem mais tempo de formular e definir problemas. Outro aspecto relevante foi a
descoberta de que o sucesso ou fracasso da implantação da metodologia do processo de
trabalho passava essencialmente por uma questão de relacionamentos humanos, antes de
qualquer abordagem sobre as deficiência na estrutura e nos recursos.

2. O Poder Judiciário

A Constituição Federal de 05 de outubro de 1988, em seu art. 1º, parágrafo único afirma
que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente,
nos termos desta Constituição. Por seu turno art. 2º do mesmo diploma legal vaticina que são
Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário
(BRASIL, 1988).
A Comarca de Cícero Dantas está identificada como entrância intermediária segundo a
Lei de Organização Judiciária e tem a seguinte previsão legal, 1ª Vara Cível, 2a Vara Cível, Vara
Crime e Júri e Juizado Especial Cível. A composição da vara está assim representada por um (01)
escrivão, um (01) subescrivão e cinco escreventes até março de 2011, já em abril de 2011 foram
recebidos mais três escreventes. Por força de uma modificação legislativa, a primeira Vara Cível
recebeu no final de 2008 todos os processos da Vara da Fazenda Pública e Registros Públicos
o que gerou um gargalo ainda maior na unidade, tanto em termos de acomodação física dos
processos, quanto ao número de servidores por processos na unidade, e, ainda, quanto ao
procedimento dos feitos relativos à Fazenda Pública diverso dos feitos que tramitam na Vara
Cível.

261
ENTRE ASPAS

O programa integrar não foi aplicado na sua integralidade na 1a Vara Cível da Comarca


de Cícero Dantas, mas quanto à fase de preparação e implantação na unidade o procedimento
foi 100% (cem por cento) absorvido. Já na fase de rotinas verificou-se que seria urgente uma
capacitação dos servidores no andamento do processo, em razão disso foi desenvolvido um
manual para vara, no qual são encontrados fluxogramas dos processos, modelos de despachos
iniciais, certidões. Também foi adaptado à realidade da unidade um manual de práticas
cartorárias, disponibilizado pelo Conselho Nacional de Justiça com o objetivo de orientar o
cartório quanto às principais práticas cartorárias.

3 A necessidade de gestão em unidades judiciárias

Como afirma Drucker apud Chiavenato (2003), os países não deveriam ser classificados
em desenvolvidos e subdesenvolvidos, mas em países que administram bem a tecnologia e os
recursos disponíveis e potenciais e aqueles que não sabem. Ainda ensina o famoso autor,
existem organizações excelentes e organizações precariamente administradas, tudo é uma
questão de talento administrativo. É tarefa básica da Administração, fazer as coisas por meio
das pessoas de maneira eficiente e eficaz.
Um dos maiores problemas do Poder Judiciário é a falta de gestão. Ausência de gestão
de pessoas, de processos administrativos, de processos de trabalho, ausência de gestão
orçamentária.
É preocupante a situação de ineficácia e inefetividade de alguns tribunais do Brasil,
pois é cediço que uma justiça deve ser célere e também cidadã, pois o acesso à justiça célere e
eficiente deixa de atender a um direito fundamental garantido ao cidadão (BRASIL, 1988).
Se a prestação jurisdicional não resultar em uma medida, efetiva, célere, a população
fica desassistida e descrente e, paralelamente, o Poder Judiciário deixa de atender a sua função
pacificadora, fracassando quanto à manutenção do equilíbrio entre poderes constitucionalmente
existentes, pois fragiliza as bases da democracia. A população necessita de um Judiciário forte,
ético, transparente, eficiente, pois aqui se tem o sustentáculo do Estado Democrático de Direito
e é no Judiciário que se previnem, resguardam-se, asseguram-se direitos e reparam-se danos.
Com vistas a assegurar o cumprimento do papel do Judiciário é que na 1a Vara Cível de
Cícero Dantas, a possibilidade de implantar a metodologia do programa de rotinas cartorárias
com o acompanhamento de produtividade, capacitação de servidores e desenvolvimento de
ferramentas para padronização de rotinas de trabalho foi a tônica no ano de 2010 e continua em
seu processo de atualização para 2011.
Obviamente que mexer em processo de trabalho é tarefa que exige habilidades, mormente
de liderança e planejamento, pois antes de tudo, a nova sistemática de trabalho significa mexer
com cabeças e interesses. Assim, quando se chega a uma unidade judiciária, que possui cerca
de quinze colaboradores, necessariamente, estar-se-á diante de uma dinâmica profundamente
complexa, pois existem aí, nesse pequeno núcleo, vários conjuntos de autogovernos em
operação, são diversos também os jogos de interesses organizados como forças sociais, que
atuam na micropolítica do processo de trabalho de uma unidade.
A definição das prioridades, internas e externas e o foco nos resultados que precisavam
ser alcançados. O objetivo era fazer corretamente o trabalho para alcançar eficiência, a lição é:
através do trabalho estar-se-ia construindo um meio para obter melhoria nos resultados. É o
que os teóricos chamam de Administração por Objetivos (APO) ou Administração por

262
A REVISTA DA UNICORP

Resultados, surgiu em 1954, com Peter Drucker e neste identificam-se as áreas de


responsabilidade de cada um em termos de resultados esperados e os objetivos são as guias
para alcançar tais resultados.
A APO nada mais é do que uma abordagem amigável, democrática e participativa, pois
neste momento com a colaboração dos servidores foram desenvolvidas duas tabelas de funções
desenvolvidas na unidade, uma para o cartório e a outra para o Juiz e registrava-se diariamente
todos os atos, no final do mês todos apresentavam seus dados para revisão, redimensionamento
e reavaliação dos objetivos. O processo de acompanhamento das atividades alcançou o objetivo,
qual seja a implantação da rotina de uma metodologia das práticas no cartório.
A identificação de todos os atos, a necessidade de que os processos tivessem um fluxo
regular, a divisão de tarefas, a desalienação do trabalho a capacitação nos atos do cartório e a
interligação entre as atividades de cada um demonstrou o aspecto mais importante, a melhoria
da prestação jurisdicional. A produtividade de todos aumentou e mensurava-se e controlavam-
se os resultados com a participação e construção de todos.
Durante esse processo os números demonstram mais processos julgados do que
entrados, melhorando assim a prestação jurisdicional, com julgamento célere dos processos, o
desafogamento dos cartórios com a redução física dos processos e uma satisfação dos
servidores e jurisdicionados.
Houve uma gestão atenta de todos os elementos da rotina de trabalho, pois o que se
pretende com tal acompanhamento da produtividade é definir o trabalho como meio para
alcançar os resultados ou objetivos e implantar a padronização das rotinas por todos os
servidores, a melhora na comunicação e a desalienação do conhecimento das atividades é
garantia de um processo bem estruturado com o objetivo de garantir a “captura” do trabalho
vivo da unidade, ou seja, o serviço jurisdicional que chega ao usuário.
Diante da necessidade de fazer com que cada integrante se apropriasse das rotinas de
trabalho, foi necessária a formulação de objetivos de maneira contínua, sistemática, realista e
programática para conhecer e intervir na realidade diariamente (MOTTA, 2011).
Exige-se muito esforço pessoal neste processo de gestão. Uma postura eclética, dinâmica,
cooperativa, emocionada, normalmente não encontradiça nos magistrados e servidores,
acostumados ao exercício inerte da jurisdição, pois o processo de formação acadêmica dos
ocupantes dos cargos das unidades, sejam juízes e servidores, não inclui gestão judiciária, ou
noções de administração.
Transformar significa alterar a realidade ao mesmo tempo em que se pretende a
modificação da maneira de pensar; é a crença de que o poder das ideias, transforma e nos
limites da realidade e na capacidade infinita de os seres humanos buscam-se novas formas de
ser e de agir (MOTTA, 2011).
Todos, nesse processo de gerenciamento da unidade, assumiram grandes compromissos,
alguns bastante relevantes, como a responsabilidade por relacionamentos, uma vez que é fato
incontroverso a necessidade de aceitação das outras pessoas com indivíduos, tanto quanto a
aceitação de cada um de nós mesmos. A solidariedade, para com os colegas de trabalho e,
principalmente, para o usuário do serviço da prestação jurisdicional. A Confiança, que é a base
de qualquer relacionamento, pois mais do que ser amado o maior elogio é ser digno de confiança
(MAXWELL, 2007).

4 O comprometimento dos servidores da 1ª Vara com o processo de mudança

A mudança organizacional ocorre quando se altera a maneira das pessoas pensarem. A


única maneira de mudar é inculcar novos valores ou rearticular antigos para instituir um novo
sistema de crenças (MOTTA, 2011).

263
ENTRE ASPAS

Para a mudança do ambiente organizacional da nossa unidade foi preciso concentrar-se


nos indivíduos como foco e objeto exclusivo de análise. O ambiente é fértil e propício às
mudanças, haja vista que os servidores lotados na unidade têm uma preocupação com a
qualidade do serviço prestado à comunidade, mas por vários fatores, dos quais não retrataremos
neste trabalho, estavam bastante desmotivados.
Efetivamente, tem-se que admitir que o pontapé inicial compete ao juiz, o qual deve
assumir o papel de grande líder, gerente maior da sua equipe de trabalho. Este trabalho acabou
concretizando todos os caminhos trilhados, ultrapassando ou vencendo os obstáculos para
melhoria do serviço prestado e, principalmente, para a melhoria da qualidade de vida de todos
os envolvidos na prestação do serviço jurisdicional.
A dedicação é diária em reconhecer e absorver a realidade de que cada indivíduo é
essencialmente diferente entre si e age por razões intrínsecas diversas. Foi muito importante
conhecer formas de influenciar o pensamento individual e saber como as pessoas conciliam os
seus interesses e valores e, de alguma forma, participar da construção ou reconstrução destes
interesses e valores.
Também o exercício do perdão é diário, pois o aprendizado de lidar com sofrimentos,
ofensas e desapontamentos, casos fortuitos, carência de recursos, etc. com mais habilidade,
não significa dizer que as coisas não possam ocorrer mal, mas aprendemos a nos adaptarmos
melhor a tais problemas. Passamos a considerar menos tudo como afronta pessoal, diminuímos
o enredo de uma história de magoa entre, alta gestão do Tribunal/Servidores, Comunidade/
Poder Judiciário, Servidores/Comunidade, Advogados/Servidores, Advogado/Juiz, Juiz/
Advogados, etc. e diminuímos o espaço alugado para a raiva, desesperança e aflição (LUSKIN,
2007).
Na realidade houve a assunção de pequenos e grandes compromissos pessoais e
coletivos no enfrentamento das adversidades encontradas. Como há a consciência de que as
condições ideais de trabalho estão ainda em um horizonte distante, tomamos a mudança como
um paradigma de transformação individual e nesse contexto, a mesma é impulsionada pela
vontade pessoal. Admite-se que a vontade individual foi tomada quase como um sentido
religioso passada no mundo introspectivo, articulando como cada servidor pensava, sentia e
sonhava com as horas que dedicava ao seu ambiente de trabalho. Acreditamos que foi através
desta articulação imaginária de sentimentos e significados, que conseguimos renovar a vontade
de agir.

5 Diagnosticando e preparando a unidade

A unidade foi diagnosticada em todas as etapas, desde a identificação do acervo, até o


desenvolvimento da rotina, que implantada segue sendo aplicada atualmente na unidade.
Durante a capacitação dos magistrados e servidores um questionário de diagnóstico foi
desenvolvido pelos juízes coordenadores de pólo. Ocorre que após a capacitação, o questionário
foi melhorado, para retratar a situação da unidade em seus quatro eixos, já referidos acima,
quais sejam, infraestrutura e TI, processos de trabalho, pessoas e gestão da informação e
comunicação. Para melhoria do Questionário foram utilizados os conhecimentos da servidora
à disposição da Presidência, Carmem Sampaio, que integrava o eixo de pessoas, da equipe do
Programa Integrar (PROGRAMA INTEGRAR, 2010).
Planejamento é a definição de objetivo ou resultados a serem alcançados. É a ferramenta
para administrar as relações com o futuro. O planejamento também é uma questão de atitude,
assim para a implantação das rotinas de trabalho inicialmente aplicam-se algumas ferramentas

264
A REVISTA DA UNICORP

fornecidas no manual do programa integrar com as adaptações à realidade e outras ferramentas


também foram desenvolvidas (MAXIMIANO, 2007).
O primeiro passo para traçar o planejamento da unidade é aplicar o questionário de
diagnóstico, o qual foi desenvolvido inicialmente com a participação do grupo de juízes
capacitados pelo Programa Integrar, do qual a subscritora deste trabalho fez parte integrante,
em seguida o mesmo foi elaborado em parceria com a Servidora Carmem, lotada na Assessoria
da Presidência I, colacionando maiores informações para diagnóstico de todos os eixos
trabalhados pelo referido programa. O mesmo trará e organizará as informações sobre a
estrutura do Fórum, informações sobre o pessoal que compõem a Vara, pontos fortes e fracos
quanto aos servidores, se os mesmos são capacitados ou não, quantos estão lotados ou
disponíveis na Vara, o nível de comunicação interna e externa da unidade, as rotinas do
processo de trabalho, dos servidores e magistrados.
Este diagnóstico tem uma dupla finalidade, quando entregue à alta gestão, o Tribunal
de Justiça poderá identificar as deficiências das unidades de todo o Estado e definir suas
ações. Também para o juiz, ao assumir a unidade, verificará a forma de trabalho desenvolvida
por seus servidores, quais ações podem ser desenvolvidas para melhorias imediatas, quais
extrapolam o poder de ação e execução da unidade gestora para traçar um planejamento
operacional, aqui definido como o processo de definir meios para a realização de objetivos,
como atividades e recursos.
Interessante se faz também a aplicação do questionário de dados, também ferramenta
do Programa Integrar que reflete a estatística da Vara, questionário das atividades
desenvolvidas pelas unidades, que tem o objetivo de retratar a rotina do processo de trabalho,
cronograma de trabalho, com a fase de integração, organização da secretaria, planejamento da
rotina de trabalho, rotinas, metas e treinamentos. Planilha de tarefas atribuídas aos servidores,
formulário de gestão de metas de trabalho da Secretaria Judicial, modelo de plano de ação.
Todas essas ferramentas podem ser encontradas no manual do Programa Integrar.
Ocorre que para a implantação e desenvolvimento da metodologia do Programa Integrar
na unidade é necessário que o juiz assuma o papel de grande líder e gestor e envolva todos os
servidores locais porque sem o trabalho em equipe dificilmente a metodologia será implantada,
haja vista a necessária mudança de perspectivas de todos, e também, em algumas hipóteses
ter-se-á grandes e radicais mudanças de atitude, valores e atribuições.
Na fase de Integração (1a fase) compreende-se dentre outras ações, o diagnóstico, o
esvaziamento, a triagem dos processos a organização do espaço físico da secretaria. É
importante registrar que para o esvaziamento da unidade deverá o magistrado entrar em
contato com a Corregedoria das Comarcas do Interior, se interior, ou Corregedoria Geral, se na
capital, porque a depender do volume do acervo processual da unidade e a quantidade de
servidores disponíveis, o encerramento desta fase poderá ultrapassar quinze (15) dias.
No nosso caso a Vara foi fechada, com autorização da Corregedoria da Comarca do
Interior por 10(dez) dias, o acervo era de 4.650 (quatro mil seiscentos e cinquenta) e eram seis
servidores ao todo.
Quando da elaboração do Diagnóstico o Juiz já poderá, auxiliado por servidores locais,
identificar e levantar as necessidades. Vale o registro que, em face da dificuldade orçamentária
e do acesso à compra de equipamentos, a reforma física nas unidades nem sempre será possível,
assim exige-se cautela e criatividade para que as soluções sejam encontradas na própria unidade.
Uma visão estratégica neste caso propiciará a fixação de cronograma, a identificação e satisfação
de algumas necessidades sem entraves insolúveis que dificultem ou até mesmo travem o
processo de mudança.
O Programa, como já se disse, não é oficial no Estado da Bahia, mas as rotinas de
trabalho e a padronização das práticas podem e devem ser utilizadas por qualquer unidade
judiciária, desde que para cada realidade sejam feitas as adaptações necessárias.

265
ENTRE ASPAS

Pois bem, quando da preparação da unidade, alguns gargalos foram identificados em


Cícero Dantas, já na triagem, por exemplo, percebia-se que a juntada de documentos, AR,
petições, mandados devolvidos por oficial de justiça, eram intempestivas e às vezes eram
juntados uma semana após a apresentação em cartório.
Quando o layout foi concluído os servidores concentram-se na juntada de documentos
e na divisão de tarefas, após os três meses seguintes integração e preparação, este gargalo não
mais existe na unidade e o protocolamento e juntada de documentos é imediato, até porque
outro problema também solucionado ainda na preparação foi a localização virtual de todos os
processos não havendo mais a busca física sem direcionamento.
A localização física exatamente correspondente à virtual. Este foi outro aspecto importante
no sucesso da implantação da primeira fase, é o foco nas movimentações das etapas dos
processos no sistema de gestão processual, no caso o SAIPRO, aqui é importante que todos
os processos estejam cadastrados no sistema, que haja modificação do perfil de localização,
para incluir letras e números, seja realizada a habilitação do servidor para a movimentação e o
acompanhamento simultâneo dos atos praticados.
Nos primeiros meses perdia-se muito tempo com a movimentação no sistema, até porque
não existia o hábito do movimento (ir ao computador para atualizar a informação no sistema) e
lançamento diário no sistema de todos os atos realizados no processo, mas a habitualidade
gera a absorção da rotina e, paulatinamente, os servidores sentiram o esvaziamento das consultas
a processos no balcão de atendimento, produzindo reflexos na produtividade diária, no ganho
de tempo na procura de processos, a concentração no desenvolvimento de tarefas e o
atendimento necessário ao cidadão carente da comunidade que possui processo tramitando,
mas não dispõe de internet para consultar o seu processo.
Também a rotina de movimentação no sistema reduziu o fluxo de advogados e partes
que possam ter acesso à internet, já que não há inicialmente o deslocamento ao cartório para
acompanhar o processo.
É importante esclarecer que esta fase preparou os servidores para a rotina futura e
também representou um ajuste de comportamento. Na realidade de Cícero Dantas, muito embora
o espaço físico não proporcione um layout que considere o espaço de produção com definição
de setores, haja vista que a sala destinada ao cartório não proporciona o isolamento dos
servidores durante o expediente, nem assim, uma boa acomodação dos processos, será possível
localizar os autos nos setores de forma ordenada e funcional colocando os processos nas
estantes identificadas pelo momento processual a ser praticado no processo.
A estimativa do acervo definirá os ditames da fixação do cronograma, mas a unidade
somente deverá ficar fechada até que os processos sejam acondicionados com a fixação dos
escaninhos provisórios. Para promover um esvaziamento da unidade os livros findos devem
ser remetidos aos cartórios devendo a serventia diligenciar o tempo de descarte, consoante a
tabela de descartes do Tribunal de Justiça da Bahia e também incinerar todos os livros, pastas
desnecessários, assim também a remessa das caixas de processos que podem ser remetidos
ao setor de arquivamento da capital. Todas essas medidas tornam o ambiente mais limpo,
saudável e higiênico.

5.1 A Preparação da Unidade à Rotina

O escrivão ou secretário judicial são muito importantes nessa fase de preparação da


unidade, aqui são analisadas as dificuldades, as estratégias e as possibilidades das principais

266
A REVISTA DA UNICORP

rotinas de trabalho a ser adotada. É um momento para pensar em planejamento, estruturar


procedimentos, definir rotinas de trabalho e executar as ações de gestão e estratégias para a
unidade.
É importante a participação direta e atuante do Juiz na construção do plano de ação da
unidade, envolvendo o escrivão/secretário judicial em uma gestão participativa, empoderando-
a a tomar decisões e partilhar suas experiências e acertos vividos na vara. Recomenda-se, na
hipótese de na unidade o escrivão/secretário judicial não possuir o perfil de líder, escolher um
outro servidor apto, tendo o cuidado para não produzir um choque hierárquico. Em verdade as
relações devem ser trabalhadas para que todos os serventuários absorvam o processo e aceitem
a rotina de trabalho, também é importante registrar que inevitavelmente haverá resistências,
sentimento natural, mas superável. Na unidade de Cícero Dantas foram insignificantes os
movimentos de resistência.
Caberá ao Juiz, coordenar ativamente o processo de implantação de uma rotina de
trabalho com o objetivo de alcançar as metas, empoderando os servidores e identificando as
afinidades existentes, os pontos fortes, como as pessoas se relacionam, com o objetivo de que
todos cooperem.
O papel do Juiz na identificação do líder da unidade é de extrema importância porque
são vários os desafios, pois o escrivão/secretário judicial pode não ser necessariamente aquele
que será o colaborador, o líder, ele pode de alguma forma entrincheirar-se e não ser receptivo à
mudança que a rotina da metodologia do programa irá certamente causar na unidade.
Feitas estas considerações quanto à escolha dos servidores que auxiliarão o juiz na
instalação da fase de preparação, passemos a apresentar o detalhamento da preparação:

1. Apresentar o fluxo de trabalho aos servidores, demonstrando que o


processo deverá trabalhar com entrada e saída, que a arrumação física dos
processos deverá demonstrar em que momento processual o mesmo se
encontra, sempre respeitando a movimentação do sistema SAIPRO. A
utilização do sistema, no nosso caso o SAIPRO, deve ser tônica, rotina
obrigatória. Os gargalos foram identificados e administrados, a exemplo
da juntada, do cadastramento dos processos que se encontravam fora do
sistema e do atendimento ao público. A estratégia nessa fase foi identificar
uma rotina que promovesse a localização imediata dos processos, a juntada
de petição, documentos simultaneamente e o atendimento ao público.

2. Apresentado o fluxo do trabalho, a demonstração da importância do


sistema, desenvolvida a estratégia para solução dos principais gargalos
daquela unidade, foi definido o plano estratégico para definir metas,
controlar as atividades diárias da unidade, preenchendo relatórios
gerenciais, que no caso de Cícero Dantas fora o desenvolvimento,
implantação e utilização por todos da Tabela de acompanhamento das
tarefas diárias. Também, ainda neste segundo momento outros perfis de
outros servidores foram se revelando e passamos ao controle dos impactos
que a rotina estava causando, nos servidores, nos usuários e,
principalmente, nos advogados, que não aceitavam a ideia de que os
processos recebiam um tratamento igualitário e que a área de trabalho dos
servidores era local não acessível ao público ou à classe.

267
ENTRE ASPAS

Ainda nessa fase de preparação a equipe formada era acompanhada, com reuniões
mensais para discutir a produtividade, quais atividades ainda não conseguiam ter um bom
andamento, tal como, arquivamento e controle da juntada. Nessas reuniões também eram
trabalhadas as dúvidas sobre os procedimentos das ações e discutido o manual que estava
sendo construído.
Esta fase de preparação finaliza-se com o gerenciamento dos resultados e adequação
das rotinas, os grandes destaques nessa fase na unidade foram, a conclusão do manual, o
controle de processos entrados e o trabalho no sentido de julgar igual ou mais do que os
entrados, o controle do arquivamento dos processos, com a descentralização de algumas
ações somente praticadas pela escrivã, dentre elas, o arquivamento de feitos menos complexos.
Expor o encadeamento dos atos processuais, quais os procedimentos e a rotina de
trabalho adotados na unidade que podem ser identificados mediante a análise dos elementos
de trabalho encontrados, quais sejam: distribuição do trabalho de acordo com a demanda,
continuidade ou descontinuidade dos fluxos e divisão de tarefas, também foram prioridades
nessa fase.
O objetivo da metodologia do trabalho é fazer com que os processos não passem tanto
tempo dentro da secretaria, evitando, assim, o estrangulamento, mas sim que tenham uma
movimentação constante, tendo apenas uma pausa de movimentação, para que tenham um
andamento regular e imediato.
Com o objetivo de assegurar um fluxo de trabalho mais célere, foram padronizados
ofícios, certidões, o uso de carimbos, praticamente foi abolido, sendo tudo digitalizado. Também
uma capacitação quanto aos atos ordinatórios para os servidores foi necessária, foi aprimorada
uma tabela de atos ordinatórios cedida pela equipe nacional do programa integrar e acrescidos
outros atos.
Para finalizar a implantação da rotina um outro manual de prática cartorárias
disponibilizado pelo CNJ também foi adaptado e repassado aos servidores, lá são encontradas
as informações sobre autuação e registro dos processos, certidões, práticas dos atos pelos
servidores.
Preparada a unidade ingressamos efetivamente na rotina, aqui os servidores se
comprometeram a usar a metodologia, o sistema SAIPRO, as metas foram distribuídas com o
objetivo de manter a vara saneada, a motivação do pessoal e a produtividade. Os processos
são impulsionados sem pausas desnecessárias e os servidores treinados para executar o maior
número de demandas da secretaria sem deixar de definir as atribuições individuais.

Metodologia

A implantação das rotinas de processo de trabalho e gestão da informação foi baseada


no Programa Integrar, Programa desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça pela Resolução
nº 70, de 18 de março de 2009 que criou o grupo volante nacional através da Portaria nº 482, de
27 de fevereiro de 2009.
O Tribunal de Justiça do Estado da Bahia criou a equipe estadual que
formou um grupo de Juízes e Servidores que seriam capacitados e
multiplicariam a metodologia em todo o Estado.
A Subscritora deste trabalho inicialmente integrava a equipe de Juízes
Multiplicadores e, após o início dos trabalhos figurou como representante

268
A REVISTA DA UNICORP

da Corregedoria do Interior, em Substituição à Juíza originariamente


indicada.
A Implantação da rotina na versão macro não foi possível e, não havendo
obstáculo da alta gestão para que cada comarca desenvolvesse a
metodologia, desde que isso não gerasse impacto financeiro estaria liberada.

Diagnosticando a unidade:

a) Para identificar o processo de trabalho judicial foi aplicado o questionário


de dados (disponível no manual do Programa Integrar – portal do CNJ),
o qual tinha o objetivo de registrar a estatística da Vara e sua respectiva
fase processual;

b) Também foi aplicado o questionário descritivo sobre as atividades


desenvolvidas pelas unidades - (disponível no manual do Programa Integrar
– portal do CNJ) – o qual tinha por objetivo a rotina de trabalho quanto
à juntada, contagem de prazo, emissão de documentos, publicações,
anotações no sistema, atendimento ao público, cargas. Outro objetivo
deste questionário era identificar quais servidores estavam habilitados a
mexer no sistema e o quadro funcional e se havia servidores lotados que
unidade que estivessem à disposição de outro juízo;

c) Outro questionário - (disponível no manual do Programa Integrar –


portal do CNJ) – tinha o objetivo de diagnóstico da Vara, aqui
descreveríamos todo o Fórum, estrutura física, quadro funcional e processo
do trabalho. O objetivo principal foi adequar o layout da unidade às
mudanças de logística. Nenhum mudança que precisasse de reforma
física foi realizada;

d) Elaborados os questionários passamos ao planejamento com cronograma


de trabalho – o tempo da integração (organização da secretaria) preparação
(planejamento da rotina de trabalho) e rotina (treinamento e metas).
Foram utilizados todas as legendas e glossários dos escaninhos
(identificação dos processos – audiência, certificar, conclusão, MP, prazo,
etc.) e os processos foram colocados em instantes devidamente
identificadas. Também o Sistema SAIPRO – Sistema de Acompanhamento
de Processos – refletia a localização dos processos e fase processual;

e) Houve necessidade de serem estabelecidas as metas e definir as


responsabilidades de cada um – que foi o plano de ação de gerenciamento
de atividade da secretaria;

f) Foi desenvolvido o Manual da Vara – no qual a magistrada descreveu as


ações mais encontradiças na unidade e reduziu o procedimento em
fluxogramas;

g) Foi adaptado o manual de rotinas de cartório do Integrar;

269
ENTRE ASPAS

h) Foi incorporada a prática de atos ordinatórios;

i) Foi implantada a gestão de pessoas – com práticas simplórias de


reconhecimento, não seria promoção, mas reconhecimento do servidor
como servidor do mês, etc.

j) As referências bibliográficas que foram utilizadas para auxiliar na base


teórica;

k) Foi desenvolvido um formulário de gestão da produtividade, no qual


os servidores registravam todos os atos praticados.

Considerações finais

O grande desafio dos magistrados na atual conjuntura é conciliar as funções de julgar


e gerir, mas não só gerir, e sim, administrar por intermédio das pessoas. Discernir o que é
essencial daquilo que não é, quando as condições de trabalhos são péssimas, os servidores
são insuficientes e não qualificados para o exercício do atendimento ao público e de rotinas
cartorárias é uma tarefa que demanda tempo e acima de tudo capacitação.
Como refletir sobre o dilema de uma vida, que clama por justiça célere e eficiente,
quando a produtividade/quantidade nos assombra, pois o juiz que não produz levará a pecha
de moroso, ou até, preguiçoso? O Juiz que não controla os servidores é tido como um fraco?
Quando as estruturas e infraestrutura, o clima organizacional e todas as pessoas, que nem
sempre representam um número significativo, ou suficiente, insistem em gritar, é impossível!
Acredita-se que desenvolver um trabalho de gestão participativa e democrática,
vencendo com as pessoas exige uma interação entre os motivos externos e internos que
movem cada um dos indivíduos. Impõe a detecção prematura do conflito, para que maiores
sejam as probabilidades de ser combatido ensina que cada um deve se colocar no lugar do
outro e também que cada um encontre o seu potencial para ensinar algo ao próximo.
Nesse trabalho o relacionamento desenvolvido com todos foi fundamental para planejar,
alcançar metas, cobrar resultados, motivar, resistir, interagir, exigiu um aprimoramento das
relações pessoais, acima de tudo, pois o resultado jamais será alcançado por si mesmo. É
fundamental assumir responsabilidades pelos relacionamentos, pois aceita-se o fato de que o
outro é tão indivíduo quanto nós mesmos e responsabiliza-se pela comunicação desenvolvendo
a confiança entre os envolvidos no processo de mudança, para que independentemente de
gostar ou não das pessoas envolvidas nos processos o que se diga seja entendido.
Foram alcançados os seguintes objetivos:

Mudança do layout - com novos escaninhos e melhoria do espaço físico;


Atualidade das informações do sistema SAIPRO quanto às movimentações físicas;
Adoção dos atos ordinatórios e capacitação dos servidores quanto ao uso dos mesmos;
Redução da procura de advogados sobre informações dos processos;
Aumento de produtividade dos servidores;
Julgamento sempre de 01 número a mais do número de processo entrado e;
Arquivamento de sempre no mínimo um número a mais de processo entrado.

270
A REVISTA DA UNICORP

A unidade de Cícero Dantas, após dois anos de implantação das rotinas das práticas
tem outro perfil, o ambiente é menos insalubre, os servidores dominam as rotinas, tem suas
atribuições individuais definidas, assumem o compromisso no sentido de reduzir o acervo
processual, promover uma justiça mais célere e eficaz, atender ao público com eficiência e fazer
da prestação jurisdicional fornecida nesta unidade judiciária a prestação que todos queremos.

Referências ____________________________________________________________

BRASIL. Constituição (1988).  Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, D.F: Senado


Federal, 1988.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Tribunal de Justiça da Bahia. Programa Integrar: Manual de


Orientação. Bahia: Gráfica do Tribunal de Justiça da Bahia, 2010.

CHIAVENATO, I. Introdução à teoria da Administração: Uma visão abrangente da moderna


administração das organizações, 7. ed. revisada e atualizada, Rio de Janeiro: Elsevier, 2003.

LUSKIN, F. O Poder do Perdão. Uma receita aprovada para a saúde e a felicidade. São Paulo: Francis.
2007.

MAXIMIANO, A. C. A. Introdução à Administração. 7. ed. rev. e ampl. São Paulo. Atlas. 2007.

MAXWELL, J. C., 1947. Vencendo com as pessoas: vinte e cinco princípios para alcançar o sucesso
por meio dos relacionamentos. Tradução de Omar Alves de Souza-Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2007.

MOTTA, P. R. Transformação Organizacional. A Teoria e a Prática de Inovar. Editora Qualitymark.


Pesquisa Google. Março/2011.

SAIPRO – Sistema de acompanhamento de processo virtual do Estado da Bahia

271
ENTRE ASPAS

ORGANIZANDO A PRESTAÇÃO JURISDICIONAL


EXPERIÊNCIA NO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS

Marcelo de Oliveira Brandão


Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Juiz de Direito do
Tribunal de Justiça da Bahia. Titular da 2ª. Vara do Sistema de Juizado
Especial da Comarca de Lauro de Freitas. Av. Alphaville, 825, Apt.1401-
H,Salvador,CEP 41.701-015.(71) 99106-0555.mobrandao@tjba.jus.br.

RESUMO :O trabalho a seguir relata algumas medidas praticadas na gestão de rotinas de


atividades em juizados especiais que atuam com o processo eletrônico. Essa prática permitiu
obter prestação jurisdicional célere e de qualidade. Na prática relatada dois princípios revelaram-
se motores do êxito obtido: o constante aperfeiçoamento da comunicação entre os servidores
e o uso exauriente dos recursos cibernéticos disponibilizados pelo Tribunal de Justiça da
Bahia. Não apenas o escopo principal referido foi alcançado mas também obteve-se uma atividade
ecologicamente sustentável em razão de se reduzir o uso do papel ao mínimo necessário como
meio de trabalho garantindo-se que a adoção dessas medidas por qualquer Juizado do sistema
baiano atingirá o resultado exitoso apontado.

Palavras-chave: Juizado Especial. Eficiência da boa prática. Gerenciamento de Processo


Eletrônico. Valorização da Equipe de Trabalho. Rotina de Trabalho Sustentável.

1. Introdução

Encontrar uma rotina de trabalho em unidade jurisdicional que conta com recursos
material e humano escassos e ainda assim que seja eficiente em seus resultados é um desafio
considerável. Esse desafio foi assumido e pode-se afirmar que resultados eficientes foram
alcançados. Como isso foi possível é a pergunta que se tentará a seguir responder. Não se tem
pretensão de uma abordagem científica de método de trabalho ou algo que o valha, pois essa
conquista se deu empiricamente, com base na intuição e fazendo uso do que se tinha disponível
em termos de material e de pessoal.
Assim, será feito um resumo das principais conquistas que se obteve ao longo do
tempo em que se atuou em algumas unidades do sistema de juizados especiais, pontuando as
dificuldades que se apresentavam e as soluções implementadas. No final, essas conquistas
serão agrupadas e o conjunto formado será apresentado na forma de um rol de medidas que
possam servir de repositório capaz de guiar aqueles interessados em experimentar uma forma
diferente de organizar a rotina de trabalho de uma unidade de juizado especial do sistema
baiano. Essas medidas se adotadas em qualquer unidade de juizado, independentemente de
sua competência, proporcionará bons ganhos de produtividade.

272
A REVISTA DA UNICORP

A eficiência da boa prática que a seguir se relatará pode ser facilmente comprovada
verificando as unidades judiciárias referidas neste relato, pois se nelas não se alterou as
rotinas de trabalho então implantadas, elas devem estar mantendo bom nível de controle e com
resultados primorosos. No entanto, ainda assim pode-se comprovar essa prática no Juizado
Especial Cível e Criminal da Comarca de Lauro de Freitas em que a rotina de trabalho acima
referida foi aplicada, e atualmente está em desenvolvimento. Os dados estatísticos desse
juizado apontam para saneamento da unidade e seu controle, que pode ser verificado perante
a Coordenação dos Juizados, caso se tenha interesse em aquilatar o real sucesso da prática a
seguir relatada, em termos de resultados.
Ademais, cabe registrar que a juíza titular da 36ª. Vara do Sistema dos Juizados Especiais
da Capital, Cristiane Menezes Santos Barreto, desempenhando a sua jurisdição no denominado
“Juizado Modelo/Federação-Matutino”, adotou alguns dos princípios e das medidas aqui
sugeridas tendo obtido resultados animadores, com produção de trabalho mais controlado e
alcançando o saneamento de sua unidade judiciária, algo que parecia de difícil conquista. Cabe
gizar que esse resultado proveitoso obtido pela referida magistrada se deu em aproximadamente
três meses (junho/2014-agosto/2014).

2. Identificando Soluções

No ano de 2007 na condição de juiz titular na 36ª Vara do Sistema de Juizados da Capital,
com exercício no chamado “2º Juizado de Brotas/Vespertino”, deparei-me com volume altíssimo
de processos conclusos, chamava a minha atenção aqueles que pendiam de prolação de
sentença. As partes litigantes ansiosas para a resposta da Justiça em relação a seus feitos,
diuturnamente vinham até o gabinete com a movimentação do processo por escrito em mãos à
procura do juiz para que sua sentença fosse prolatada. Era sempre a mesma frase ouvida: “Só
falta a sentença, Doutor!” Nesse período, sem muito o que fazer, pois era humanamente
impossível responder àqueles pleitos na velocidade em que se desejava, amontoava esses
papéis de movimentação em minha mesa fazendo pilhas enormes, prometendo que
oportunamente seria visto.
O sistema de juizados especiais nessa época fazia uso do processo eletrônico mediante
o modelo cedido pelo Conselho Nacional de Justiça, denominado PROJUDI. Assim, poder-se-
ia até criticar a falta de recursos humanos e material, mas não se poderia dizer que inexistia
ferramenta inovadora para enfrentar o grande volume processual. Por conseguinte, passou-se
a estudar essa ferramenta de trabalho e verificou-se que seu uso racional poderia suprir muitas
deficiências da unidade. Existia também o sistema SAIPRO que era desenvolvido pelo Tribunal
de Justiça da Bahia e servia para gerenciar os processos físicos.
Portanto, havia dois sistemas de gerenciamento de processo, o PROJUDI e o SAIPRO.
E como sublinhado, o primeiro dirigido aos processos eletrônicos e o segundo aos processos
físicos. Embora o acervo de processo físico não mais ampliava, o seu volume a época era uma
enormidade e tinha que ser vencido. Por sua vez, o acervo eletrônico crescia velozmente. Logo,
estava o juiz alternando de sistemas a todo tempo, ora SAIPRO ora PROJUDI, conforme a
demanda por decisão se apresentava em cada um deles. Essa alternância era um fator que
dificultava a atividade jurisdicional, sem contar que muitas vezes os processos físicos eram
mais facilmente esquecidos porque a facilidade de gerenciar os processos eletrônicos
desestimulava a ação sobre o físico, que só eram lembrados quando a parte litigante interessada

273
ENTRE ASPAS

ou advogados vinham à unidade reclamar alguma movimentação; ou ainda, existia o que reputo
a pior situação, aquela em que muitos processos físicos estavam encerrados, mas não eram
dado baixa, constavam no acervo como ativos, esses então sequer eram procurados pelas
partes litigantes e advogados, esses processos ficavam mesmo esquecido, permaneciam ativos
no sistema quando deveriam já ter sido arquivados, contribuindo para a falsa impressão de um
número maior de processos do que realmente existia.

3. Ordenando na Forma da Lei

Assim, para começar a ordenar os trabalhos, como naquela época não existia a figura do
assessor de juiz, a primeira coisa que se fez foi criar gabinete do juiz, ainda que não oficial, com
quadro separado da secretaria. Com efeito, para esse fim deslocou-se da secretaria um analista
para trabalhar diretamente com o juiz togado que somado com estagiários era o quadro do
gabinete. Essa equipe minutava decisões, despachos e sentenças, e limitava-se a isso, o que
proporcionou grande ajuda ao juiz.
Em seguida verificou-se que trabalhar com dois tipos de sistemas de gerenciamento
processuais não fazia sentido. Essa dicotomia era contraproducente. Decidiu-se que o acervo
físico seria virtualizado de modo a convergir todos para o sistema PROJUDI. Essa virtualização
se daria estrategicamente da seguinte forma: os feitos físicos que fossem conclusos seriam
necessariamente virtualizados e os físicos que saíssem do gabinete iriam para secretaria também
virtualizados. À medida que os processos físicos eram movimentados, não retornariam mais
nessa modalidade física para o gabinete. Desse modo, o gabinete passou a trabalhar apenas
com PROJUDI. E assim, com essa plataforma de gerenciamento de processo é que se passou a
otimizar as rotinas de trabalho, a seguir relatadas, abandonando o sistema físico de processo.
Passou-se então para a etapa seguinte da organização. Essa tinha a ver com o acúmulo
de processos. Esses foram classificados em “inativos” e “conclusos”. Identificou-se que grande
parte dos processos já estavam encerrados prontos para serem arquivados e outros estavam
conclusos para atos de simples movimentação processual e que a secretaria tinha por hábito
mandar para conclusão de qualquer jeito, sem verificar se poderia ser resolvida a questão na
própria secretaria.
O problema dos processos “inativos” (realização de arquivamento) foi enfrentado com
mutirões de inspeção processual que a equipe da secretaria fazia. Essa inspeção ocorria nos
processos que se encontravam tanto na secretaria como no gabinete. O objetivo era localizar
processos que estivessem prontos para serem arquivados ou que demandassem ato judicial
formal de baixa complexidade para o arquivamento (ex. sentença de desistência, quitação etc.).
Com essa medida conseguiu-se diminuir o acervo de processos ativos, e, passou-se, a partir de
então, a se ter como regra a verificação diuturna de processos que estivessem aptos ao
arquivamento, a fim de não permanecer no acervo como “ativos” processos em que não há
utilidade para as partes litigantes e advogados, gerando números distorcidos de desempenho
do juizado.
No que toca à conclusão de processos pela secretaria (indiscriminada conclusão de
feitos), decidiu-se que somente se faria a conclusão de processos que efetivamente
dependessem necessariamente de alguma decisão judicial. Editou-se portaria nesse sentido, e
os feitos que dependessem de despacho ou de simples movimentação deveriam ser resolvidos
por ato ordinatório, e mesmo aqueles que a secretária tivesse alguma dúvida, antes de fazer a

274
A REVISTA DA UNICORP

conclusão teria que consultar o Gabinete. Os atos ordinatórios tinham sua redação e definição
da situação em que ele poderia ser usado pelo juiz. Era vedada a criação pela secretaria de ato
ordinatório que não fosse aquele autorizado pelo juiz. O ato ordinatório substituía o despacho
e outros atos de mero expediente para simples impulso processual e, portanto, o juiz que
preside o processo, responsável pela sua condução, tem que controlar a edição desses atos.
Com isso, reduziu-se consideravelmente os feitos conclusos para esse fim.
Outro gargalo que se apresentou em relação aos processos conclusos dizia respeito
àqueles que estavam para ser proferida sentença. Nesse caso, o número alcançava a cifra de
três dígitos, às vezes quatro. Isto porque os feitos saíam da sessão de conciliação direto para
a conclusão de julgamento (suprimia-se a audiência de instrução ao argumento que a mesma
era dispensável). Esse problema foi o mais simples de resolver.
A solução para o número excessivo de processos pendentes de sentença, do ponto de
vista jurídico, se obteria ex lege. Com efeito, decidiu-se que a Lei Federal nº 9.099/95, no
capítulo que dispõe sobre a audiência de instrução seria observada com rigor. Isso significava
que somente se proferiria sentença de mérito após a regular instrução, pois a lei determina que,
independentemente de se ter necessidade de produzir prova oral, a audiência destinava no
mínimo para as partes litigantes serem ouvidas pessoalmente pelo juiz. Consequentemente, a
audiência das partes litigantes era exigência da lei (princípio da oralidade). Essa nota, é importante
sublinhar, é justamente o traço marcante, entre outros, que distingue o sistema do juizado
especial da Justiça comum. Não é raro que ao ouvir as partes litigantes, o julgador que vai
decidir a causa consegue entender com mais qualidade o que se escreve na petição inicial e
contestação.
O colapso de número excessivo de processos conclusos para sentença em que o juiz
não dá conta, era resultado do fato de não se atentar para essa peculiaridade, ou seja, pela
oralidade do juizado. Tratava-se o juizado com base nas regras da Justiça comum, enfatizando
o princípio da documentação em desprestígio ao da oralidade. Com isso, o sistema pensado
para funcionar de uma forma célere resultou em distorções, como o colapso acima apontado.
Considero como um princípio consolidado de eficiência em Juizados de que a decisão que se
profere nos autos de processos movimentados em boa parte por pessoas leigas, que não
conhecem tecnicamente o direito, em que o julgador que vai proferir a decisão ouve pessoal e
diretamente os interessados, tem melhor qualidade de justiça do que aquela em que o julgador
não aufere esses esclarecimentos pessoais.
Assim, com base nessa premissa, todos os processos que estavam conclusos para
sentença de mérito, cuja audiência de instrução fora subtraída, foram pautados para audiência
de instrução a fim de qualificar a decisão. Essa simples medida de adequação do juizado ao
princípio da oralidade gerou o efeito colateral positivo de praticamente zerar os feitos conclusos
para sentença, permitindo que a unidade fosse avançando no seu saneamento, apresentando
dados mais confiáveis de acordo com a Lei Federal nº 9.099/95.
Essa última medida (adoção da audiência de instrução como pressuposto para prolação
da sentença de mérito) causou num primeiro momento mal-estar entre as partes litigantes e
advogados, que não entendiam bem como o processo que “estava já para sentença” retornava
para a fase de instrução. No entanto, não precisou muita explicação, pois eles perceberam de
longe a vantagem da mudança. Isso porque foi trocado o modelo de processos para sentença
sine die (sabia-se que o processo estava para proferir sentença mas não se tinha prazo para sua
prolação) para outro modelo o de sentença com data certa, em que o processo após instrução

275
ENTRE ASPAS

ou era julgado logo em seguida, ao fim da instrução, na mesma audiência, ou se fixava data
certa e breve para a prolação da sentença, cientificando a todos os presentes desse termo.
Assim, as partes litigantes e advogados sabedores de que existia uma data certa para a
solução de sua demanda conformavam-se com a designação da audiência de instrução. A um
só tempo se cumpria a Lei Federal nº 9.099/95 e atendia com conforto psicológico às partes
litigantes e advogados. No caso, estabeleceu-se previsibilidade do momento da decisão de
mérito, coisa que até então naquele juizado inexista. Não há a menor dúvida que colocar um
número de feitos que se sabe humanamente impossível de ser julgado para conclusão de
sentença é promessa vã para os jurisdicionados, um castigo medonho para o juiz que não
consegue ver o número de processos nesse estágio diminuir. Não adianta saber que o processo
está pronto para sentença e essa não é prolatada, ficava-se anos a fio esperando a sentença ser
proferida, sem qualquer anúncio de quando isso iria acontecer.
Essa simples medida (adoção de data certa para prolação da sentença com a divulgação
prévia para as partes litigantes e advogados) despressurizou o juizado. Não precisa dizer que
acabaram as pilhas de movimentação escrita na mesa do juiz togado e ainda, reduziu o número
de requerimento das partes litigantes e advogados para a movimentação de processos de
conhecimento. Os jurisdicionados passaram a confiar que seus processos teriam uma decisão,
ao menos de primeira instância, em dia certo; e, com isso, o prestígio do poder judiciário
aumenta.

4. Integração da Equipe de Trabalho

Outra medida importante que se adotou nessa época e que se reproduziu em todos os
juizados em que esse sistema foi implementado foi a integração das pessoas que compunha a
equipe de trabalho. Com efeito, os setores do juizado funcionavam como ilhas isoladas. Os
servidores do juizado trabalhavam sem se preocupar com as consequências de sua atividade
para a cadeia produtiva processual. No caso, não se importava que a qualidade do seu trabalho
repercutiria no trabalho do colega que iria dar continuidade aos atos do processo a partir do
ponto que ele deixara pendente no processo, e mais ainda, eram servidores de única habilidade,
ou seja, somente estavam preparados para realizar uma única função. E, o pior de tudo, eram
servidores desmotivados para o trabalho.
Assim, urgentemente buscou-se a cooperação intensa entre os membros da equipe e os
diversos setores da unidade deveriam conversar uma mesma coisa, terem a mesma linguagem
laboral. Estabeleceu-se que todos trabalhavam para a unidade, inclusive o juiz de direito titular
da unidade, pois se o sistema funcionasse bem, todas as peças desse sistema auferiam o
benefício dessa proposta de trabalho. A boa comunicação estreita entre os servidores do
gabinete, da supervisão, da secretaria, da unidade de oficial de justiça, da conciliação, da
recepção etc. passou a ser um valor que se buscava o tempo todo aperfeiçoar. Isso se expressava
nas reuniões de trabalho que se operava toda semana. O juiz titular da unidade presidia as
reuniões e instava a união de todos e motivava a equipe para que os resultados positivos
fossem alcançados. Nessas reuniões se avaliava o trabalho, examinava os números da unidade
e estabelecia formas de melhorar a produtividade.
Essa reunião ocorria uma vez por semana, nos primeiros seis meses, até se ajustar o
sistema, e após, passou a ser reuniões mensais. O resultado foi que a equipe de trabalho aderiu
ao projeto e logo todos estavam mais motivados e atuando com mais eficiência. Com efeito,

276
A REVISTA DA UNICORP

passou-se a usar o rodízio de funções como forma de ampliar a habilidade dos servidores.
Encerrou-se de uma vez por todas aquela ideia de que o servidor faria uma única coisa. Assim,
a partir dos ajustes do sistema todos os servidores passaram a trabalhar em todas as áreas do
juizado, de modo que tornaram-se multifuncionais, agregando valor em suas habilidades e
conferindo maior ganho para o sistema, pois se algum deles se ausentasse por alguma razão,
aquele que remanescesse poderia assumir as funções do servidor ausente. O mais relevante,
porém, foram os servidores tomarem a consciência de que a função de cada um deles era de
importância crucial para o sucesso do juizado, e que a falha de um poderia colocar todo o
sistema em apuros, já que o trabalho sendo coletivo e seriado (trabalho de produção em cadeia
em que cada um contribui um pouco para se avançar na cadeia almejando a prestação
jurisdicional a ser ofertada para o cidadão) exigia compartilhamento de informação e cooperação
coletiva laboral.
Este valor, integração da equipe, também passou a ser expresso com uso massivo do
comunicador instantâneo usado no Tribunal de Justiça da Bahia chamado “pandion”. Assim,
fixou-se como regra que todo servidor deveria ao ligar o computador ativar esse comunicador
para facilitar a comunicação entre colegas e com o juiz togado. Isso proporcionou ganho de
tempo considerável na elucidação de dúvidas, em disseminar avisos e se fazer reuniões virtuais
rápidas. Os conciliadores passaram a fazer uso dessa ferramenta e se comunicar com o juiz e
sua equipe sem precisar ausentar-se da sala de sessão de conciliação. Essa forma de
comunicação passou a ser essencial para a ordem dos trabalhos.
No que toca ao conciliador do juizado, a integração com o Juiz, a equipe de gabinete e
mesmo a secretaria da unidade era de fundamental importância. Com efeito, ela permitia que
problemas que ocorriam durante as sessões da conciliação fossem resolvidos com uma simples
troca de mensagem por meios do comunicador instantâneo. Ademais, o conciliador também já
na sessão de conciliação sinalizava para o juiz os processos que deveriam ser extintos seja por
ausência do autor à audiência, seja por pedido de desistência. Essa sinalização se fazia
diretamente no processo por meio da conclusão do processo para área específica do painel do
juiz togado existente no PROJUDI e com o uso de LOCALIZADOR. Essa estratégia gerava
grande economia de tempo no momento de se proferir sentenças, que nesses casos poderiam
ser proferidas em lote. O conciliador ainda interagia com a secretaria, e nessa interação realizava
movimentações que ajudava no trâmite mais rápido do processo, com efeito, o conciliador
antecipava movimentações que se não fossem realizadas, teria que ser feita no âmbito da
secretaria.

5. Localizadores

Nesse campo das decisões em lote, que talvez seja o recurso mais importante para
conferir racionalidade no trabalho do juizado, que lida com centenas de situações repetidas,
foi o uso do localizador. Em linhas gerais, decisão em lote é a reprodução de um mesmo e igual
ato judicial a ser aplicado em vários processos. O localizador é uma função existente no PROJUDI
que permite criar uma marca temporária no processo (índice) que sinaliza para a realização de
algum ato no processo. Assim, com essa função permitiu-se que se marcassem vários processos
com um mesmo localizador para que se repetisse nesses processos um mesmo ato judicial. Essa
medida possibilitou aumento de produtividade em larga escala, com o mínimo de esforço para
o juiz.

277
ENTRE ASPAS

Isso era possível nos casos de processos que em sua grande parte demandavam uma
mesma atividade judicial. Por exemplo, quando se requeria a desistência do processo, o ato
judicial pertinente na sequência era a sentença de desistência. Logo, faz-se a conclusão de dez
processos com requerimento de desistência, com o uso do localizador referente a sentença de
desistência marcando-se os processos, e na sequência uma única sentença de desistência era
dada e ela era reproduzida nos dez processos, sem necessidade de abrir um por um. Assim, esse
mecanismo passou a ser usado nas sentenças formais (abandono do autor, desistência,
homologação de acordo etc.), em decisões padronizadas de questões processuais, em decisões
de medidas de urgências repetitivas etc.
Importante ressaltar que os localizadores devem ser usados com bastante atenção e
deve ser aprovado pelo juiz togado que é quem define o uso do localizador. No caso, ele define
o seu nome, como e em que condições deve ser usado. Ademais, cada localizador criado deve
se referir a um único ato judicial inalterável (correspondência unívoca). Isto é precaução
necessária, pois se ocorrer algum erro no uso do localizador implicará em decisão judicial
incorreta, o que poderá levar ao constrangimento do serviço judiciário, em especial do próprio
juiz que confia na informação inserida no localizador. Contudo, tendo os cuidados necessários,
torna-se uma ferramenta poderosa para otimizar o tempo e ampliar a capacidade produtiva do
juiz.
A secretaria passou a usar essa função “localizador” em suas movimentações que se
revelou eficiente instrumento de trabalho na localização dos processos e na adoção de alguma
atividade. Evitava-se que o processo se perdesse e fosse esquecido. Aquela situação que
ocorria com os processos físicos, em que somente quando a parte comparecia à unidade para
reclamar movimentação do processo, o mesmo era encontrado. Essa situação encerrou-se
porque a regra que se estabeleceu era a de que qualquer que seja a fase em que se encontra o
processo, ele deve ter um sinal específico no localizador para marcar a sua situação e facilitar
sua localização e adoção do ato procedimental pertinente.
Decidiu-se que para uma eficiente forma de uso dos localizadores, estes deveriam ser
criados pelo Gabinete do Juiz com a assistência da secretária do juizado. Assim, somente com
a aprovação do Gabinete os localizadores poderiam ser criados. Isso evitaria a falta de controle
na criação desses índices que se tiver em excesso, também poderá ser prejudicial para o
desempenho do trabalho. Ademais, foram criados tipos específicos de localizadores agrupados
por setores do juizado, com designação codificada o que facilitava na identificação dos atos
que deveriam ser realizados no processo.
Cabe ressaltar que uma vez que o processo era movimentado, necessariamente se tinha
que apagar o localizador referente a movimentação realizada, e inserir outro referente a
movimentação que irá ser feita na sequência. Isso para sinalizar para quem for trabalhar com o
processo na sequência, o ato que está pendendo de realização representado pelo localizador.

6. Alvará Eletrônico

Nessa época, é bom frisar, o juiz de direito titular da unidade realizava as audiências de
instrução, que passou a ser numerosa diante da restauração da sistemática legal de sentença
de mérito ter como pressuposto audiência de instrução. As audiências se realizavam todos os
dias da semana exceto às sextas-feiras, pois era o dia que se reservava para o trabalho de
orientação, organização e definição de teses jurídicas com a equipe de gabinete e ainda orientava

278
A REVISTA DA UNICORP

a equipe da secretaria. Com o trabalho fluindo, os processos começaram chegar mais rápido ao
seu final, e isso significava alvará judicial.
O número de requerimento de alvará ganhou volume e passou a ser um incômodo. As
partes litigantes não tinham paciência de esperar a assinatura desses alvarás que necessitavam
da assinatura física do juiz de direito para ser considerado válido pelo Banco do Brasil S/A,
instituição depositária, mesmo aqueles oriundos do processo eletrônico.
Com efeito, com o crescimento do número de pedido de liberação de valor (alvará
judicial) as partes litigantes e advogados começavam a interromper as audiências para que
esses alvarás fossem de pronto assinados. No sentido de resolver esse incômodo em um
primeiro momento, designou-se dia certo para esse ato, mas logo começaram surgir as exceções:
idosos, grávidas, pessoas que moravam em outras comarcas etc. Não precisa dizer que a
estratégia do dia certo para o ato não funcionou. Em seguida, partindo de um raciocínio simples,
ou seja, de que no caso do PROJUDI uma vez o alvará assinado no sistema ele já estaria válido,
não precisaria de assinatura física do juiz, e que somente os oriundos do SAIPRO teriam
verdadeiramente a necessidade da assinatura física do Juiz, chegou-se à ideia de que a assinatura
física em alvará do PROJUDI era um excesso descabido. Esse raciocínio fundamentou portaria
que se editou disciplinando que o alvará assinado no PROJUDI seria suficiente para sua
validade, não necessitando da assinatura física.
O Banco do Brasil S/A diante desse novo procedimento reclamou perante a Corregedoria
local dessa portaria, o que fez com que se recuasse nessa determinação. No entanto, a ideia de
que era desnecessária a assinatura física em alvará eletrônico não foi abandonada. Assim,
tentou-se uma nova abordagem com o Banco do Brasil S/A, e conseguiu-se apoio dessa
entidade para buscar uma maneira mais inteligente da liberação desses alvarás. Nesse passo,
contando ainda com a ajuda da equipe de Tecnologia de Informação do Conselho Nacional de
Justiça e a do Tribunal de Justiça da Bahia, o conceito defendido precipitou-se na realidade
com a criação do alvará eletrônico, hoje bastante usado por todos os juízes do sistema do
juizado especial.
O alvará quando assinado eletronicamente permite que a parte favorecida, de onde
estiver, ao acessar o processo eletrônico possa imprimir o alvará assinado e se dirige ao Banco
do Brasil S/A para sacar o valor, sem qualquer necessidade de se dirigir a unidade judicial. No
caso, ao assinar o alvará é gerado um código de autenticação que a agência depositária o
examina acessando o sistema. Cabe ressaltar que existe o recurso da assinatura do alvará em
lote que gera mais esse conforto para os juízes, ou seja, de uma só vez, o juiz pode assinar
vários alvarás sem precisar abrir um por um.

7. Juizado na Nuvem

Na otimização da relação entre o gabinete, a supervisão, a secretaria, o oficial de justiça,


conciliador, recepção etc. foi desenvolvida uma estratégia de trabalho de importância crucial
para o sucesso alcançado nos resultados da vara. Trata-se do uso da pasta psyche na unidade
de trabalho. Com efeito, essa pasta eletrônica é mantida no servidor do Tribunal de Justiça da
Bahia (espécie de nuvem computacional) e permite que a unidade judicial possa criar nesse
local uma subpasta específica para o juizado que é compartilhada por todos os servidores da
unidade e ela é acessível de qualquer computador ligado na rede do Tribunal de Justiça da
Bahia.

279
ENTRE ASPAS

Essa subpasta é denominada com o nome da unidade judicial e é subdividida em outras


subpastas as quais se destinam para o trabalho dos servidores do gabinete, da supervisão, da
secretaria, da unidade de oficial de justiça, da conciliação, da recepção etc. Assim por exemplo,
dentro dessa pasta do juizado tem-se a subpasta Gabinete destinada ao quadro do gabinete e
ao juiz, a subpasta Secretaria para secretária e assim por diante. As subpastas são criadas e
nominadas conforme a necessidade do serviço e de quem vai usá-las. Todos os servidores e
auxiliares do juízo enxergam as pastas e acessam os documentos indiscriminadamente, a ideia
é o trabalho compartilhado, organizado e colaborativo.
O que deve ser relevante destacar é que após ter sido criada a pasta eletrônica da
unidade todo e qualquer documento produzido no juizado deve ser armazenado nessas subpastas
criadas. Essa medida permite a realidade do trabalho colaborativo entre todos e ainda confere
liberdade para o funcionário que não fica dependente do computador de mesa, pois se precisar
usar outro computador ou eventualmente se o computador de mesa der problema, os seus
arquivos estarão disponíveis e seguros na pasta psyche, que, como já se disse, está localizada
na base de dados do Tribunal de Justiça da Bahia, acessível por qualquer computador ligado
à rede do Tribunal de Justiça da Bahia.

8. Assessor de Juiz

No ano de 2011 a figura do assessor de juiz é implementada o que melhorou bastante o


trabalho do juiz togado. Como se ressaltou, até então se tinha um gabinete não-oficial que
apenas minutava decisões, despachos e sentenças. A figura do assessor de juiz oficializou o
gabinete do juiz togado, que embora constituído apenas de um assessor foi suficiente para que
melhorasse a dinâmica do trabalho, afinal esse servidor passou a receber uma gratificação
adicional à remuneração e sendo melhor remunerado passou-se a demandá-lo mais atividades,
não limitando-se à apenas a minutar decisões, despachos e sentenças.
Com efeito, o assessor sendo melhor remunerado além de executar os serviços de
preparo de minutas de sentença e decisões, como vinha fazendo; passou a pesquisar
jurisprudências para qualificar as decisões; assistir o juiz togado nas reuniões administrativas
com a equipe de trabalho da unidade (analistas, técnicos, oficiais de justiça); supervisionar e
controlar a frequência dos estagiários; organizar e controlar a agenda do Juiz; interagir com
eficiência junto da secretaria, realizando trabalho de cooperação com a secretária da unidade e
a supervisão; assistir o juiz na realização das constrições patrimoniais eletrônicas; proceder o
controle da atividade dos conciliadores e juiz leigo; elaborar relatórios mensais de produtividade
e estatísticas da unidade em trabalho cooperativo com o supervisor e a secretária etc. Contudo,
a atividade que mais ajudou o juiz foi o atendimento das partes litigantes e advogados, pelo
assessor que fazendo a triagem dos casos de atendimento, passava para o juiz somente os
casos de difícil solução.
Assim, a oficialização do gabinete do juiz de direito pelo Tribunal de Justiça da Bahia,
com a implementação do assessor de juiz, permitiu maior dinamismo na realização da organização
dos trabalhos. Não apenas no Gabinete, mas em todo o juizado, pois era frequente a interação
entre a secretária, a supervisora e o assessor. Esse triunvirato era o núcleo central de
administração do juizado.
Contudo, essa gama de atividades atribuídas ao Assessor reclamou a necessidade de
se colocar no gabinete mais um colaborador para que as tarefas elencadas fossem bem realizadas,

280
A REVISTA DA UNICORP

conforme acima se ressaltou. Por conseguinte, mais um servidor foi deslocado para o gabinete.
Nesse passo, deslocou-se um servidor da secretaria para ajudar na atividade do gabinete.
Assim, o gabinete passou a contar com o assessor de juiz, o servidor referido e estagiários de
direito. Esse quadro do gabinete, apesar de hoje estar bem melhor formatado do que estava em
épocas anteriores, ainda se trata de uma quadro insuficiente de servidores. Afinal, em razão da
crescente demanda dos jurisdicionados, a sua ampliação é uma necessidade preemente para
complementar a força de trabalho e tornar o juizado ainda mais eficiente.
Cabe ressaltar que na gerência do gabinete se fixou a regra importante para a continuidade
do serviço. Por essa regra o assessor de juiz deve tirar férias e licenças preferencialmente em
períodos opostos ao do juiz titular do juizado e jamais deve tirar simultaneamente com o
servidor que atua no gabinete, pois este é quem responde na ausência e impedimentos do
assessor do juiz. Essa medida é importante para que o juiz de direito que for substituir o juiz
titular do juizado possa contar com o apoio do gabinete, de modo a não alterar a rotina de
trabalho instituída no juizado.

9. Juiz Leigo

Na mesma época em que se implementou a figura do assessor de juiz, também se fez a


implementação da figura do juiz leigo. O juiz leigo, é bom que se ressalte, não é assessor de juiz.
E isso se detecta por dois aspectos, um do ponto de vista funcional e outro financeiro. Com
base no aspecto funcional tem-se as atribuições do juiz leigo nos estritos limites do art.40 da
Lei Federal nº 9.099/95, ou seja, ele tem a função de instruir o processo e proferir decisão a
respeito dessa instrução com base na orientação do juiz de direito a qual está vinculado, para
posterior homologação pelo juiz de direito que o supervisiona mediante sentença, nos termos
da lei. No aspecto financeiro o juiz leigo é remunerado por produção, com base na quantidade
de decisões que profere. Essas duas características não se assemelham em nada à função do
assessor de juiz. A figura do juiz leigo trata-se de um auxiliar do juízo, cuja natureza se aproxima
bem mais ao do perito do juízo. Deste modo, parece agredir a natureza desse profissional que
ele seja instado a fazer pré-análises de decisões, ato reservado a assessor de juiz, para assinatura
em conjunto com o próprio juiz de direito ou apenas por este; ou ainda, seja lotado em Turmas
Recursais nas quais não existe instrução de feitos.
Assim, com a chegada do juiz leigo as audiências de instrução passaram a ser presididas
por esse auxiliar do juízo, aplicando a regra legal de juiz leigo apenas e tão somente presidir as
audiências e proferir as decisões de juiz leigo originadas dessas audiências. A decisão é feita
por ele, produzida nos termos da lei (art.40 da Lei Federal nº 9.099/95) que uma vez assinada
pelo próprio juiz leigo e lançada no processo eletrônico, segue-se para exame do juiz para ser
lançada a sentença homologatória da decisão de juiz leigo. O procedimento é análogo a
homologação de acordo judicial, só que no lugar do termo do acordo se tem a decisão de juiz
leigo lançada no processo. Cabe ressaltar que não se permite a atuação do juiz leigo na realização
de atos que não tenham como pressuposto a audiência de instrução, com isso afasta-se de sua
atividade a produção de despachos, decisões de questões procedimentais e decisões em
medidas de urgência, que são de exclusiva atribuição do assessor do juiz que deve fazer a
respectiva pré-análise.Essa decisão de juiz leigo recebe a supervisão do juiz de direito de forma
bem estrita.
A supervisão do trabalho desse auxiliar é feita com o uso do pandion e da psyche,
ferramentas já citadas. O comunicador eletrônico é importante para que o juiz leigo, durante a

281
ENTRE ASPAS

audiência tendo alguma dúvida, possa consultar o juiz de direito de forma rápida sem precisar
ausentar-se da sala de instrução. A psyche é usada mediante a criação da subpasta “Juiz Leigo”
abrigada na pasta da unidade jurisdicional em questão. Nessa pasta se organizam os documentos
importantes para o juiz leigo, especialmente as decisões que eles produzem, a fim de formar um
repositório para futuras consultas e facilitar resolução de casos semelhantes. Essa subpasta se
desdobra em outras duas subpastas nas quais se devem armazenar as decisões aprovadas
pelo juiz de direito e as que penderem de aprovação. Essas pastas desdobradas podem, por
exemplo, ser denominadas de: a) “DECISÕES APROVADAS” e b) “DECISÕES À EXAME”.
Essas pastas são importantes para que se possa operar o controle da decisão do juiz
leigo antes de se lançar a decisão no processo eletrônico (controle prévio). Assim, o juiz leigo
somente lança a sua decisão de juiz leigo no processo após se certificar que a mesma já foi
aprovada pelo juiz de direito. Isso se opera mediante o exame das pastas citadas. Com efeito, ao
produzir a decisão, o juiz leigo lança essa decisão na pasta “DECISÕES À EXAME”. O juiz de
Direito ao acessar essa pasta verifica a decisão lançada, estando ela correta transfere a decisão
para a pasta “DECISÕES APROVADAS”, sinalizando com essa tranferência que a decisão foi
aprovada. Em seguida, o juiz leigo ao acessar essa pasta, ele copia a decisão que foi aprovada
e lança no processo eletrônico, e faz conclusão do processo para o juiz de direito lançar a
sentença homologatória. Lamentavelmente a Coordenação dos Juizados Especiais desabilitou
o fluxo de homologação de decisão do juiz leigo no PROJUDI de modo que para se atingir essa
função desabilitada se socorre de um procedimento substituto. No caso, o juiz leigo lança essa
decisão fazendo uso do perfil de Diretor de Secretaria, e em seguida, altera seu perfil para
assessor de juiz e faz a pré-análise da sentença homologatória da decisão anteriormente lançada.
Na etapa seguinte quando o juiz for movimentar o processo lançando a sentença homologatória,
o faz como sentença homologação de acordo, inserindo no campo observação que se trata de
homologação de decisão de juiz leigo. Essa acrobacia poderia ser minimizada se a função
desabilitada fosse restaurada, mas já se tentou isso em diversas administrações do Tribunal de
Justiça da Bahia, sem sucesso, pois alguns entendem que o juiz leigo é um assessor e não
poderia lançar decisões de forma autônoma.
No caso de o juiz de direito verificar que a decisão lançada na pasta “DECISÕES À
EXAME” não está correta ele pode operar as correções que julgar pertinente no documento
sub examine e em seguida transferir para a pasta “DECISÕES APROVADAS”, continuando daí
como acima se explicou. No caso, não querendo fazer os ajustes, cabe ou chamar o juiz leigo
para discutir a decisão ou apontar em vermelho no documento os pontos que merecem correção,
a fim de que o juiz leigo possa ele mesmo identificar os erros apontados e operar a correção.
Deve ter ficado claro que essa forma de supervisão se faz fora do PROJUDI. A vantagem
é a segurança de que o juiz leigo somente lance no processo decisões aprovadas previamente,
evitando ter que se ficar fazendo correções mediante o uso do editor de texto do PROJUDI que,
como se sabe, não é muito bom. Ademais, na sequência, quando o Juiz de Direito for lançar a
sentença homologatória de decisão de juiz leigo, essa tarefa estará substancialmente facilitada,
pois não vai precisar abrir o processo, já que se sabe que a decisão lançada já foi aprovada. E
ainda, pode proferir a sentença homologatória em lote, o que otimiza, sem dúvida alguma, o
tempo de trabalho do juiz de direito.
Não se deve perder a noção de que o profissional que ocupa a função de Juiz Leigo é um
advogado, que no máximo em regra exercerá essa função de juiz instrutor por quatro anos. Com
isso se quer dizer que não se deve esperar desse auxiliar o mesmo rigor de elucidação das
questões litigiosas com a mesma qualidade que faria o juiz de direito que é um profissional

282
A REVISTA DA UNICORP

dedicado a esse mister, com maior experiência nessa área. Levando-se isso em consideração é
que na organização dos trabalhos do juiz leigo definiu-se que a pauta de audiência teria no
máximo cinco processos por dia. Uma carga razoável para a instrução de feitos. Em seguida
estabeleceu-se a regra de cumprimento de pautas em dias alternados. No caso, significa que
no dia em que o juiz leigo faz audiência, no dia seguinte ele não tem pauta, devendo nesse dia
elaborar as decisões referente a pauta do dia anterior, e tirar dúvidas com o juiz de direito,
estabelecer teses jurídicas para a solução do conflito, movimentar os processos etc. Essa fase
de tirar dúvidas antes de equacionar a lide é fundamental para se obter decisões qualificadas e
coerente com a supervisão do juiz de direito, e facilita de maneira considerável o exame da
decisão levada posteriormente aos cuidados do juiz de direito.
Assim, a atividade do Juiz Leigo ganhou considerável otimização com essas três medidas:
controle prévio das decisões do juiz leigo, realização de audiência de instrução em dias
alternados e a discussão da causa com o juiz de direito antes da decisão ser proferida. Cabe
ainda gizar que a produção do juiz leigo é controlada pelo juiz togado com o auxílio do assessor
de juiz, de modo que se tem a exata dimensão da quantidade e qualidade do seu trabalho.

10. Amadurecimento do PROJUDI e o Ar-Digital (V-POST)

No ano de 2011, modifica-se o local de exercício funcional, dirijo-me agora para o


denominado “3º JECC FTC MATUTINO”. A experiência acumulada na unidade anterior é
reproduzida na nova unidade. Os resultados são muito satisfatórios, e outras conquistas são
obtidas. A meta agora proposta é levar o conceito de processo eletrônico a sua exaustão, o
sucesso com o alvará eletrônico consolidou a ideia de que é possível abdicar 100% do uso do
papel. Assim, onde o papel estiver sendo usado, existe alternativa para o formato eletrônico, a
questão é descobrir como fazer essa revelação, e isso foi acontecendo paulatinamente.
Com efeito, passou-se a gravar as audiências de instrução e lançar o arquivo eletrônico
do áudio da audiência diretamente no PROJUDI. Não precisava a impressão de papel para o
termo da audiência, pois o registro da presença das partes litigantes e advogados se fazia com
a própria voz, essa medida possibilitou retirar da audiência de instrução a impressora.
Determinou-se que os documentos que as partes litigantes e advogados traziam para juntar no
processo deveriam ser feitos antes ou depois da audiência, jamais durante. Com essa medida
retirou-se da sala de audiência de instrução o digitalizador de documento (scanner). Importante
frisar que se disponibilizou sala para os advogados com computador e scanner para que eles
pudessem atender a determinação referida e às partes litigantes permitiu-se que elas a fizessem
diretamente na recepção do juizado, com a assistência do técnico na função de atendente de
recepção.
Nesse período atuando no Juizado da FTC foi muito fértil a experiência de uso do
PROJUDI como ferramenta de grande otimização do trabalho. E isso graças a equipe de
Tecnologia de Informação do Tribunal de Justiça da Bahia que bravamente foi desenvolvendo
o PROJUDI por sua própria conta e risco, uma vez que o Conselho Nacional de Justiça, em 2010
lançou o Pje, outra plataforma de gerenciamento de processo eletrônico, descontinuando o
apoio técnico ao PROJUDI. Como na época a adesão ao Pje não era obrigatória, o PROJUDI
continuava como principal ferramenta de trabalho e era desenvolvida naturalmente pelo Tribunal
de Justiça da Bahia, conforme se demandava novas funcionalidades. Assim, o sistema PROJUDI
evoluiu para permitir a inserção do rótulo “PENHORA NO ROSTO DOS AUTOS” no campo

283
ENTRE ASPAS

metadados do processo eletrônico; permitir a “MOVIMENTAÇÃO DE PROCESSOS EM LOTE”;


inseriu-se localizador genérico para não deixar o processo ser esquecido e tantas outras
funcionalidades que tem tornado o PROJUDI bem amadurecido como ferramenta de trabalho
de processo eletrônico.
Nessa época surgiu o problema da carência de servidores para juntada dos comprovantes
de ARs nos processos. Não precisa dizer que a impressão de correspondência e sua posterior
juntada no processo eletrônico eram atividades que demandavam muita energia, gasto de
papel e sujeição do servidor a um trabalho mecânico e exaustivo. Acumulavam-se os
comprovantes de ARs não juntados o que causava transtorno aos atos do processo,
especialmente nas audiências, que muitas vezes ficava-se sem saber se a parte litigante fora ou
não intimada já que o comprovante do AR não fora juntado aos autos. Assim, começaram-se
tratativas com os Correios para viabilizar alguma forma inteligente de se promover essa
comunicação postal. Assim, foi informado a existência de uma experiência no passado com o
sistema do AR-DIGITAL, que outrora fora utilizado sem sucesso, mas que o sistema agora
estava aperfeiçoado e poderia tentar o seu uso novamente. Assim, o setor de TI do Tribunal de
Justiça da Bahia foi provocado para retomar o projeto do AR-DIGITAL (V-POST) que após
várias reuniões e ajustes nos sisemas dos Correios e do Tribunal de Justiça da Bahia veio a ser
realidade, lançando-se em produção em 2012.
O que representa o AR-DIGITAL? Não há dúvidas quanto a resposta, foi a revolução
copernicana da secretaria. Graças a esse instrumento foi possível enviar com maior velocidade
as correspondências citatórias e intimatórias para os correios e receber dele os comprovantes
dos ARs diretamente nos respectivos processos eletrônicos. Consequência prática, acabou os
problemas de juntada dos comprovantes de ARs e permitiu ainda retirar da secretaria as
impressoras. Isso porque os mandados via correspondência quando elaborados pelos técnicos
são enviados eletronicamente para a empresária Correios e lá são impressos e cumpridos. O
retorno é feito eletronicamente caindo diretamente no respectivo processo eletrônico. A
secretaria nesse processo de trabalho não usa papel, com o AR-DIGITAL essa situação de uso
de papel na secretaria está superado.
No entanto, o aspecto mais importante que pode ser ressaltado dessa revolução
copernicana foi a liberação dos técnicos judiciários que trabalhavam com comprovantes de
ARs e passaram a realizar outras tarefas na secretaria contribuindo para a otimização dos
serviços, numa época de escassez de servidores isso é um ganho relevante. O sistema V-POST
ampliou a força de trabalho do juizado, de modo que não se pode mais pensar em um juizado
que não tenha esse sistema funcionando bem.

11. Distribuição Eletrônica aos Oficiais de Justiça

Ressalte-se também que nessa época foi lançado a distribuição de mandados e ofícios
aos oficiais de justiça de maneira eletrônica via e-mail institucional. Por esse mecanismo a
secretaria preparava o expediente mandava para o e-mail do supervisor que por sua vez
redistribuía para o oficial de justiça competente (a competência era fixada por bairro de atuação)
que tinha a responsabilidade de imprimir o expediente e, uma vez cumprido digitalizar e lançar
a certidão no processo, avisando ao supervisor para dar baixa em seu controle.
Essa forma de distribuição não fazia uso do PROJUDI, vamos dizer era off-line, embora
se fazia por meio eletrônico. No entanto, esse modelo de distribuição foi incorporado como

284
A REVISTA DA UNICORP

ferramenta do PROJUDI. A equipe de TI do Tribunal de Justiça da Bahia desenvolveu uma


ferramenta dentro do próprio PROJUDI para esse fim, o que tem trazido uma otimização bastante
eficiente no serviço de distribuição de mandados e ofícios para o Oficial de Justiça.
Assim, hoje os expedientes são enviados do PROJUDI diretamente para o oficial de
justiça. Consequentemente, deve ter ficado claro que com essa aplicação aperfeiçoada no
PROJUDI a secretaria, a semelhança das correspondências para os correios, não mais imprime
fisicamente expedientes para oficial de justiça, essa atribuição passou a ser exclusivamente
dos próprios oficiais de justiça.

12. Requerimento Eletrônica para as Partes Litigantes

Outra medida que se adotou, na linha de acabar com a impressão física, nessa época, foi
o requerimento eletrônico das partes litigantes. Com efeito, foi elaborado um formulário eletrônico
e disponibilizado para uso na recepção. A parte litigante com a assistência do atendente de
recepção preenchia esse formulário mediante terminal disponível, validava esse requerimento
com carteira de identidade ou outro documento com foto, que na oportunidade tal documento
é digitalizado e lança-se diretamente o requerimento no processo eletrônico respectivo.
Com essa medida acabou-se com os formulários em papel usado para esse fim. Tal
inovação foi uma grande medida, pois além de ser desperdício de recurso usar papel que após
a sua digitalização o mesmo será rasgado, facilitou o entendimento do juiz de direito sobre
esses requerimentos, pois como anteriormente eles eram manuscritos, não raras vezes era
difícil de entender a caligrafia dos requerentes.
O requerimento eletrônico para as partes litigantes acarretou melhora significativa na
movimentação dos processos. A alegação que as partes litigantes são pessoas que não saberiam
usar o sistema e que teriam grande dificuldade de interagir com o meio cibernético foi desmentido
com a prática do uso desse sistema. Não se registra qualquer incidente que atrapalhasse o
andamento do processo no uso desse tipo de requerimento ou reclamação significativa dos
usuários. Os servidores do juizado destinados a atender esse público são bem treinados, de
forma que se pode afirmar que foi uma medida exitosa.

13. Sessão de Conciliação Dispensa Papel

No ano de 2012, solicita-se a remoção para outra vara. Agora dirijo-me para a titularidade
da 2ª Vara do Sistema de Juizados Especiais de Lauro de Freitas. Nessa mudança leva-se para
a nova unidade de trabalho toda a experiência acumulada durante os anos anteriores, com vista
a desenvolver um trabalho de reestruturação da nova unidade que demandava bastante serviço.
A essa altura já temos um conjunto de ferramentas para vencer as dificuldades que qualquer
unidade da espécie possa apresentar. E apesar da unidade de Lauro de Freitas na época se
desenhar como uma unidade avassaladora de processos físicos e com processos virtuais em
marcha crescente, em razão da experiência acumulada, não parecia ser uma tarefa difícil de se
empreender para organizar aquele aparente caos processual.
Com efeito, todas as estratégias de trabalho acima citadas foram implementadas no
Juizado de Lauro de Freitas e em pouco tempo, essa unidade se ajustou às novas diretrizes
tornando-se eficiente em seus resultados. Não tenho dúvida em afirmar que o Juizado de Lauro

285
ENTRE ASPAS

de Freitas está entre os mais produtivos do Estado da Bahia. E, nessa nova casa, experimentou-
se processos de trabalho inovadores com base na ideia já mencionada de livrar-se do papel.
Com efeito, praticamente não se imprime mais nem na audiência de instrução e nem na secretaria.
O passo seguinte foi fazer o mesmo com a sessão de conciliação que teimava em resistir a livrar-
se da impressora.
Assim, em Lauro de Freitas para a realização das sessões de conciliação, passou-se a
usar leitor biométrico para colher a impressão digital da parte e lançar essa impressão diretamente
no arquivo eletrônico do termo da audiência. Com essa impressão digital anexada no termo se
validava a presença da parte litigante no ato. Consequentemente, com essa simples medida a
impressão do termo para que as partes assinassem fisicamente passou a ser desnecessária. A
impressora finalmente foi retirada da sala de conciliação. Recomendou-se aos conciliadores
que advertissem as partes que deveriam obter login e senha, se já não tivessem, para acessar
o respectivo processo e ver os documentos produzidos, uma vez que não seria mais permitida
a impressão. Não se verificou grandes resistências a essa medida, não há notícias de reclamações
significativas a esse sistema, que tem trazido economia de insumos para o Tribunal de Justiça
da Bahia e sendo uma ação ecologicamente correta.
Cabe lembrar que da mesma forma que ocorre na audiência de instrução, as partes
litigantes e advogados tendo documentos para serem juntados ao processo deve fazê-lo antes
ou depois da sessão nunca durante, utilizando-se dos aparelhos disponíveis na unidade. Não
obstante, o próximo passo na incessante busca de aperfeiçoamento da atividade jurisdicional
aliada à tecnologia será a extensão do uso da gravação em audiências para a sessão de
conciliação, que além dos benefícios já mencionados com o uso desse equipamento na sala de
instrução, conferirá uma maior transparência ao ato, além de tornar mais célere a audiência.
Assim, o juizado caminha para sua realidade de se tornar 100% (cem por cento) eletrônico.
Hoje somente se usa papel na supervisão, no gabinete e na sala dos oficiais de justiça. Está se
caminhando numa solução para retirar também a impressora da supervisão e do gabinete, de
modo que o uso do papel fique exclusivamente restrita aos oficiais de justiça.

14. Alteração na Atividade do Juiz Leigo

Cabe registrar que recentemente excluiu-se da pontuação de produtividade do juiz leigo


o ato isolado da audiência de instrução. Por evidente, o sistema de organização até então
adotado sofreu um abalo, pois gerou desconforto ao juiz leigo em realizar esse ato. Com a
exclusão da pontuação, eles desejavam apenas fazer decisão de mérito, e que o juiz de direito
realizasse a audiência de instrução. Como se pudesse separar a instrução da decisão, como
regra. Não adiantava falar para o juiz leigo que a decisão de mérito tem como pressuposto a
audiência de instrução e que se antes o Tribunal de Justiça da Bahia remunerava de forma
isolada era por pura graciosidade, na medida em que não era lícita a separação dos atos.
Consequentemente, depois de muito diálogo chegou-se a uma solução para contornar o fato
das audiências de instrução não serem remuneradas.
Com efeito, resolveu-se mitigar o princípio de que a audiência de intrução é pressuposto
para a decisão. Assim, em alguns processos que versassem sobre temas já conhecidos e com
jurisprudência firme adotada pelo juiz de direito poderiam ser encaminhados pelo conciliador
direto para o juiz leigo proferir a decisão de juiz leigo, suprimindo-se a audiência de instrução.
No caso, seria exceção a regra geral, que se adota apenas diante da nova sistemática de
pontuação dos juízes leigos.

286
A REVISTA DA UNICORP

O conciliador e o juiz leigo devem comunicar-se entre si, com maior frequência, para
definir se o caso será mesmo julgado sem audiência de instrução, se existe precedente etc. No
caso, o conciliador durante o término da sessão se deparar com situação que pode ser enviado
direto para o juiz leigo, deve consultar o respectivo juiz leigo, e se ele concordar, encaminhar o
processo para decisão de mérito. No caso de obter negativa, deve marcar audiência de instrução.
Em última análise, deixou-se a decisão de se ter ou não a audiência de instrução para o
próprio juiz leigo que vai enfrentar o processo. Pode ainda, o próprio juiz leigo, deparando-se
com o processo que lhe fora encaminhado direto da conciliação para decisão, mas que perceba
depois de estudo mais aprofundado que o caso demanda mesmo instrução, deve reclamar ao
juiz togado para que seja marcada audiência de instrução. Nesse passo, o juiz togado, então,
determina a designação da audiência para a pauta do respectivo juiz leigo que reclamou o ato.
Contudo, para isso ser possível as partes litigantes e advogados também devem ser
cientificados na sessão de conciliação da data em que será proferida a respectiva sentença,
correndo desse termo o prazo para eventual recurso, ainda que a sentença seja proferida antes
desse termo. O princípio do dia determinado para publicação da sentença é um valor que não
se descuida, mesmo no caso da antecipação de decisão de mérito. Esse é o fator principal que
deve se guiar o julgador em respeito às partes litigantes e em bem servir a Justiça.
Observa-se portanto que o juiz leigo que antes produzia com uma movimentação, passou
a produzir em referência à duas movimentações: a) a partir das audiências de instrução que ele
presidir e b) a partir dos feitos que se originarem da sessão de conciliação, que ele definir com
o conciliador. Deve-se ressaltar que a nota importante nesse tema para que a organização renda
resultados produtivos é que em qualquer dos casos, deve-se sempre no ato da audiência ou
sessão cientificar as partes litigantes e advogados da data em que será proferida a respectiva
sentença.
Nessa mesma linha de adaptação da atividade do juiz leigo diante da mudança de
critério de remuneração, decidiu-se que as audiências de instrução iriam ocorrer nas segundas,
quartas e quintas-feiras, a fim de que o juiz leigo possa se dedicar massivamente à produção de
decisões de mérito nos outros dias. E a pauta da quarta-feira ficou reservada para o juiz de
direito que preside a audiência e deve decidir os processos dessa pauta. Com essa medida
conseguiu-se diminuir o desconforto dos juízes leigos e obteve-se oportunidade de maior
produção para se tentar atingir a meta remuneratória estabelecida pelo Tribunal de Justiça da
Bahia.

15. Controle da Qualidade das Decisões de Mérito

Na busca de conferir coerência ao sistema, tentando qualificar as futuras decisões de


mérito da unidade foi adotada medida de controle da jurisprudência da unidade judicial. Essa
medida de controle faz-se mediante o estudo dos embargos de declaração e das decisões das
Turmas Recursais. Com essa medida se tenta dar segurança e previsibilidade das decisões do
juizado e principalmente, na medida do possível, buscar coerência com a jurisprudência das
Turmas Recursais, sempre que as mesmas estiverem fundamentadas com a orientação dos
Tribunais superiores e com base no ordenamento jurídico do país.
Nesse passo, decidiu-se que os embargos de declaração seja ele insurgindo-se contra
sentença homologatória de decisão de juiz leigo, seja contra sentença do juiz de direito será
sempre apreciada pelo juiz de direito e o quadro do gabinete, no prazo máximo de dez dias da

287
ENTRE ASPAS

conclusão do feito para esse fim. Cabe a secretaria ao fazer a conclusão dos processos
pendentes de embargos de declaração fixar o prazo de dez dias para a sua elucidação. O
assessor do juiz, por sua vez, controla esse prazo mediante planilha específica para essa
finalidade. No caso dos embargos de declaração referente a processo em que atuou o juiz leigo,
este deve ser consultado para a solução dos embargos, devendo o assessor do juiz minutar a
respectiva decisão para exame do juiz togado. No caso dos embargos de declaração referir-se
à decisão de juiz de direito, o assessor deve consultá-lo também para solução do respectivo
recurso.
Com essa medida pode-se fazer o controle a posteriori da qualidade das decisões e uma
vez que o erro for efetivamente identificado, o mesmo deverá ser corrigido, e evitar-se-á sua
reprodução em outros processos. O assessor deve operar o registro do erro de modo que fique
a sinalização histórica do mesmo para eventuais futuras consultas. Esse registro se faz mediante
planilha própria armazenando o documento em pasta eletrônica criada na psyche. No caso de
decisão do juiz leigo, deve o subscritor da decisão corrigida ser informado do equívoco, e
alertá-lo para evitar que o mesmo se repita.

No que diz respeito à jurisprudência das Turmas Recursais, adotou-se um sistema de


grande simplicidade. Com efeito, abriu-se na psyche uma pasta eletrônica apenas para armazenar
os acórdãos que se refiram à processo do próprio juizado. Desta forma, criou-se um repositório
de consulta de decisões anuladas, reformadas e confirmadas que orienta o juizado para casos
futuros análogos. Os juízes leigos e os funcionários do gabinete consultam essa pasta de
modo que se tenta condicionar as decisões de mérito de casos futuros à forma como a Turma
Recursal vem decidindo. Assevera-se mais uma vez que esse enquadramento se faz desde que
a decisão da Turma Recursal estiver fundamentada na orientação dos Tribunais superiores e
no ordenamento jurídico do país.
Essa forma de controle ajuda a prevenir futuros recursos. Cabe registrar que algumas
vezes o litígio é decidido apenas fazendo alusão a ementa da Turma Recursal para situações
massivas, de casos repetidos. Logo, o estudo da forma como a Turma Recursal vem decidindo
as questões postas pelos jurisdicionados é uma tarefa importante que não pode ser relegada a
plano inferior. Esse estudo permite que as decisões proferidas na unidade judiciária ganhem,
acima de tudo, força argumentativa e maior legitimidade.

16. Setorizando a conclusão

Importante registrar que para o juiz de direito não perder o controle qualitativo dos
feitos que estão conclusos em sua área de juiz togado, visto no PROJUDI, fixou-se a regra da
conclusão setorial. Isso significa que cada setor do juizado ao movimentar o processo deve
fazê-lo para determinado campo de conclusão do magistrado. Assim, a secretaria somente
movimenta processos para dois campos da conclusão: o de sentença e o de decisão. A
conciliação movimenta o processo para o campo: decisão após audiência e sentença. O juiz
leigo movimenta para o campo: decisão após audiência e para o de sentença homologatória. A
recepção para o campo: decisão e para o de sentença.
Nessa movimentação deve inserir também o localizador cabível. Considera-se proibido
qualquer movimentação que não siga esse padrão de conclusão. Cabe ressaltar que o campo
despacho não é utilizado, pois o processo que demandar despacho de mero expediente é

288
A REVISTA DA UNICORP

resolvido por ato ordinatório, como acima já se aludiu. Essa conclusão setorial permite que o
juiz apenas olhando os números existentes em cada campo de conclusão avalie onde o excesso
de trabalho está a merecer atenção, e desta forma estabelecer estratégia de trabalho priorizando
os setores que julgar mais importantes.

17. Conclusão

Organizar uma unidade judiciária não é algo difícil, embora seja bem trabalhoso. Certo
que após organizada, não precisa mais preocupações como acúmulos de serviço, mutirões
disso ou daquilo, equipes de sanemaento etc. O sistema começa a fluir naturalmente de uma
forma responsável e eficiente. Numa cadência que será mais ou menos rápida a produção na
proporção direta dos recursos material e humano que o Tribunal de Justiça da Bahia
disponibilizar para fazer frente ao serviço da unidade.
Com efeito, após seguir esse método de trabalho identificou-se que o processo judicial
no juizado passou a ter seu fluxo bem definido. No caso, o processo em sua fase de conhecimento
encontra-se ou pendente de sessão de conciliação ou pendente de audiência de instrução,
pois resolvido qualquer das pendências, em breve tempo a partir da sua resolução a decisão de
mérito é proferida. A velocidade em que são realizados esses atos principais vai depender, por
evidente, da força de trabalho do juizado. O fato é que será sempre confortável para o juiz de
direito atuar no juizado, seja como força de trabalho máxima, seja como força de trabalho
reduzida, se caminhar por essas orientações dadas.
Essa experiência foi obtida em diversos tipos de juizados especiais e em todos eles em
que a organização nesses moldes foi adotada a resposta foi alto ganho de produtividade,
conforto de trabalho para o juiz de direito, para os servidores e, principalmente, para os
jurisdicionados. A principal obrigação que o juiz titular da unidade deve ter é constante vigilância
para que os mecanismos de controle não sejam frustrados. Por exemplo, observar com rigor os
prazos que são fixados para prolação de sentença é um desses controles, outro é a reunião
periódica com seu time para estabelecer as metas de trabalho e avaliação de desempenho.
Nesse passo podemos sintetizar algumas medidas que podem ser deduzidas da
experiência acima descrita que se seguidas por outros obterão o mesmo sucesso:

a) estabelecer estratégia de virtualização de processos físicos;


b) fazer uso da psyche, organizando as diversas áreas da vara em pastas
virtuais;
c) usar a função LOCALIZADOR do PROJUDI para a marcação
temporária de processo com vistas a realização de algum ato processual;
d) distribuir de forma eletrônica os mandados/ofícios para Oficial de
Justiça;
e) dispor formulário de requerimento eletrônica para partes litigantes;
f) dispor de área para advogados peticionarem eletronicamente;
g) operar a gravação das audiências de instrução;
h) prolatar sentenças e decisões em lote quando devidamente marcados
os processos;
i) reuniões periódicas com a equipe de trabalho, examinando números e
estabelecendo metas de trabalho;

289
ENTRE ASPAS

j) organização de gabinete do juiz Togado com determinação de funções


específicas;
k) supervisão racional da atividade do juiz leigo mediante uso da psyche;
l) fazer uso do AR-DIGITAL (V-POST);
m) fazer uso massivo do comunicador PANDION para integração da
equipe de trabalho;
n) estabelecer prazo para a prolação de sentenças comunicando
previamente partes litigantes e advogados;
o) controle prévio da atividade do juiz leigo;
p) manter rotina diária de arquivamento dos processos da unidade e;
q) supervisão direta sobre a atividade do conciliador.

Essas medidas foram implementadas com o uso de ferramentas existentes e


disponibilizadas pelo Tribunal de Justiça da Bahia em especial o processo eletrônico gerenciado
na plataforma PROJUDI. Como se ressaltou alhures, o Conselho Nacional de Justiça já há
muito tempo deixou de prestar assistência técnica a essa plataforma.
Por sua vez, o Tribunal de Justiça da Bahi após o Conselho Nacional de Justiça ter
encerrada as atividades de manutenção do PROJUDI passou a trabalhar continuamente no
desenvolvimento dessa plataforma, obtendo funcionalidades importantes para o
aperfeiçoamento da produtividade processual. No entanto, no final do ano de 2013, o Conselho
Nacional de Justiça definiu como obrigatória a adesão dos Tribunais à nova plataforma de
gerenciamento de processo eletrônico, Pje, e, consequentemente, o Tribunal de Justiça da
Bahia parou de investir em desenvolvimento do PROJUDI.
O PROJUDI em algum momento será substituído inteiramente pelo Pje, caso a atual
política nessa área não se altere. Assim, espera-se que as funcionalidades importantes que o
PROJUDI alberga estejam presentes nessa nova plataforma. As duas que reputo de maior
relevância são o AR-DIGITAL e o ALVARÁ eletrônico. Caso contrário, o processo eletrônico
experimentado no âmbito do Sistema dos Juizados da Bahia em que se tem celeridade e
maturidade sistêmica sofrerá um retrocesso de grande magnitude.
No entanto, ainda que se tenha a mudança na ferramenta de gerenciamento do processo,
reputa-se que os princípios de trabalho aqui elencados podem ser adotados na nova plataforma
sem perda consistente nos resultados exitosos que se obteve com o uso do PROJUDI. A
adaptação é uma virtude que se deve cultivar na medida em que ela nos permite longevidade e
enfrentamento sem sobressaltos das novas situações adversas que se apresentam diante de
nós. Essa proposta de prática de trabalho não se encerrou, está ainda em desenvolvimento e se
adaptando às novas ferramentas de atuação que são criadas pelo Tribunal de Justiça da Bahia,
no momento apenas se descreveu algumas das práticas usadas de um repertório em crescimento.
Cada vez mais se caminha para oferecer uma prestação jurisdicional de qualidade e
principalmente célere para a comunidade.
Por fim, cabe gizar que toda essa organização não terá qualquer valia, não será
efetivamente útil, ou seja, não alcançará os resultados almejados, se não tiver o comprometimento
visceral do juiz titular da unidade nas medidas apontadas. Ele é que deve se posicionar nesse
contexto como um líder, de atos exemplares, para que possa motivar sua equipe de trabalho. O
juizado reflete o dinamismo do seu juiz titular e a forma como os seus servidores atuam são
projeções desse dinamismo. Diga-me quem é o juiz de direito e te direis como é o seu juizado.
A responsabilidade do líder é fazer como que sua equipe colabore de forma produtiva e animada.
Essa tônica deve estar sempre na mente do juiz de direito que deseje atingir bons desempenhos
para os seus jurisdicionados, estes a verdadeira razão de existir do juiz de direito.

290
A REVISTA DA UNICORP

O GERENCIAMENTO DA ROTINA DO TRABALHO E A GESTÃO DE PESSOAS


APLICADOS À 36ª VARA DOS SISTEMAS DOS JUIZADOS

Cristiane Menezes Santos Barreto


Juíza de Direito do Estado da Bahia, titular da 36ª Vara dos Sistemas dos
Juizados – Juizado Modelo do Consumidor da Federação.

RESUMO: A ideia deste trabalho surgiu da necessidade de melhorar o gerenciamento das


rotinas de processo de trabalho e gestão de pessoas no dia-a-dia de uma vara virtual. Após a
assunção da titularidade da 36ª Vara dos Sistemas dos Juizados, percebemos que existiam
necessidades como: aplicação imediata de todos os conhecimentos adquiridos a título de
gestão de pessoas; planejamento operacional no decorrer dos últimos anos e a urgência de
construir um paradigma de eficiência para atender a demanda crescente dos processos que
tramitavam na vara do Juizado Modelo de Defesa do Consumidor da Federação, turno matutino.
Os objetivos foram escolher um paradigma, julgar quantidade maior de processos de
conhecimento de que os distribuídos no ano corrente2, estabelecer e aplicar parâmetros objetivos
de distribuição de força de trabalho, vinculados à demanda de processos, com garantia de
estrutura mínima3 e sentenciar processos distribuídos a partir de agosto/2014 com prazo máximo
de até trinta (30) dias após a realização da audiência una.

Palavras-chave: Gerenciamento de rotina de trabalho do dia a dia. Gestão de Pessoas.


Padronização rotinas.

“Qualidade não diz respeito apenas a possibilidades limitadas. Qualidade


se estende a possibilidades ilimitadas”. (CONNELLAN, 2010, p.158)

1. Introdução

O Poder Judiciário tem como missão realizar a justiça, fortalecendo o Estado Democrático,
fomentando a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, por meio de uma efetiva
prestação jurisdicional. É muito importante para o Poder Judiciário, ser reconhecido pela
sociedade como instrumento efetivo de justiça, mantendo a equidade e paz social, sendo esta
inclusive a sua missão4.
Assim, a Constituição Federal garante as autonomias administrativa e financeira do
Poder Judiciário, assegurando independência funcional aos magistrados.
De acordo com o relatório da Justiça em Número/2014, ano base de 20135, tramitaram
aproximadamente 95,14 milhões de processos na Justiça, sendo que, dentre eles, 70%, ou seja,

291
ENTRE ASPAS

66,8 milhões já estavam pendentes desde o início de 2013, com o ingresso no decorrer do ano
de 28,3 milhões de casos novos (30%).
Ainda segundo o referido relatório, o total de processos baixados, por sua vez, aumenta
em proporções menores desde 2010, com crescimento de 0,1% no último ano e de 9,3% no
quinquênio. Desde o ano de 2011 o quantitativo de processos baixados é inferior ao de casos
novos, ou seja, o Poder Judiciário não consegue baixar nem o quantitativo de processos
ingressados, aumentando ano a ano o número de casos pendentes. Este indicador do total de
processos baixados divididos pelo número de casos novos é conhecido como o Índice de
Atendimento à Demanda (IAD)6 que diminui desde o ano de 2009, passando de 103% nesse
ano para 98% em 20137.
Ainda na página 91 do mencionado relatório a movimentação processual registra um
estoque nos Juizados Especiais do Estado da Bahia de 218.921 processos. Para casos novos
foram registrados 217.815, no setor julgados foram 206.608 feitos e foram 228.066 baixados,
sendo o saldo estimado de 208.670 processos. Por seu turno os indicadores de produtividade
dos Juizados apontam que foram baixados 104,7%, que a taxa de congestionamento8 é de
47,8%, na qual a fase de conhecimento aponta uma taxa de congestionamento de 44,6% e na
fase de execução é de 65.9%. Importante salientar que este quadro está em sintonia com o
quadro total do Poder Judiciário (exceto STF e Conselhos) apontado na página 39 do
retromencionado relatório.
Já os indicadores por magistrados apontam que nos Juizados Especiais tem-se uma
carga de trabalho de 4.131 processos, para o número de processos julgados temos um média de
1.867 e o número de processos baixados é de 1.999 processos.
O Tribunal de Justiça da Bahia integra o 2º grupo de tribunais de Justiça do país,
classificado como de médio porte, com escore de 0,25. Despesas total da justiça 1.722.593.385,
com 2.656.141 processos em tramitação, com 636 magistrados e 13.294 número total de
servidores.9
Pois bem, para a 36ª Vara dos Sistemas, atual 13ª Vara dos Sistemas dos Juizados, há o
registro de processos distribuídos entre agosto a dezembro de 2013 um total de 870 ações
novas e entre janeiro a agosto de 2014, 1.699 ações distribuídas, no total foram ajuizadas 2.569
ações novas no período de aplicação do plano de ação. O que demonstra que a vara possui
uma demanda considerável, sendo que seu acervo ativo em agosto/2014 era de 9.311 processos
ativos na unidade vinculados a esta magistrada.
Assim, ao final dos trabalhos neste período de um ano conseguimos demonstrar que a
metodologia aplicada alcançou um índice de eficiência no sentido de sermos capazes de julgar
mais processos do que os ajuizados, reduzindo assim a taxa de congestionamento da fase do
processo de conhecimento e diminuindo também o tempo de tramitação do processo nesta
mesma fase. A balança judiciária10 que em agosto de 2013 era 95% chegou em dezembro do
mesmo ano ao índice de 172% e entre o período de agosto a dezembro/2013 a média foi de
118%. Por seu turno no mês de janeiro/2014 o percentual alcançado foi de 178%, em agosto do
mesmo ano o índice foi de 157%, totalizando em 2014 uma balança positiva de 268% de
arquivados neste período; para o ano de agosto/2013 a agosto/2014 o índice total médio foi de
217%.11
Vejamos a evolução da balança judiciária no período de aplicação de gerenciamento das
rotinas12:
Ano mês 2013 2014 2014 Total
2013 Total Total Geral
8 9 10 11 12 1 2 3 4 5 6 7 8
95% 103% 72% 176% 172% 118% 178% 178% 208% 150% 298% 271% 409% 541% 157% 268%

292
A REVISTA DA UNICORP

2. Da unidade

Quando assumimos a unidade da Federação, a mesma estava caracterizada da seguinte


forma, a titularização desta magistrada é a 36ª Vara dos Sistemas dos Juizados, na escolha do
local de trabalho, foi eleita a Vara do Juizado Modelo do Consumidor da Federação.
A Vara apresentava-se no Sistema como uma unidade na qual duas magistradas exerciam
suas respectivas titularidades, sendo único todo o quadro de servidores e o espaço físico
utilizado pela Secretaria.
O quadro de servidores da unidade manteve-se desta maneira até agosto de 2014,
vejamos: No Gabinete - 01 juiz, 01 assessor, 04 juízas leigas, 03 conciliadoras e 02 estagiários.
No Administrativo - 01 supervisor da unidade, 01 secretário, 02 subsecretárias, 08 digitadores,
05 atendentes, 05 oficiais de justiça. Este quadro de servidores da parte administrativa era
compartilhado por ambas as Juízas titulares da Unidade. Importante registrar que eventualmente
os estagiários promoviam o atendimento das partes em detrimento às suas produções de
gabinete, ou seja, de atos judiciais.
No decorrer dos trabalhos e devido à reestruturação adotada pela Coordenação dos
Juizados (COJE) foram transferidos três servidores, sendo duas com formação em nível superior
e um bacharel em direito e relotados em outras unidades. Também houve a não renovação dos
contratos dos estagiários com a futura redução do quantitativo. Por último, houve a
estabilização da ocupação do servidor, titular da função de Secretário.
Na sequência, existiu, por orientação da COJE, a divisão dos servidores para que cada
magistrado pudesse formar a sua equipe, em função da possível mudança de sede13. Em face
desta reestruturação, a equipe desta subscritora passou a contar com a mesma equipe de
gabinete e, na parte administrativa, em agosto deste ano tínhamos o seguinte quadro de
servidores: 01 secretário, 01 subsecretaria, 02 digitadoras, 02 atendentes de recepção e 03
oficiais de justiça, 01 estagiário, este quadro foi suficiente para manter os resultados alcançados.
Para finalizar a identificação da Vara, após a solidificação das rotinas, solicitamos a
implantação do projeto piloto, no sentido de promover a divisão da unidade estendida também
para o plano virtual, o que foi aceito pela COJE e resultou em outra medida essencial para
identificação de cada Vara como unidade autônoma14.

3. A criação do paradigma

Pois bem, na tentativa de buscar o aperfeiçoamento pessoal e de técnicas na aplicação


da gestão de pessoas no exercício da função, empreendemos a capacitação através de livros,
cursos do EAD – CNJ em gerenciamento de competências, o Curso de Extensão –
Aperfeiçoamento da Prática Jurídica, certificado pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia,
a UNICORP e o IDP e outros três cursos de extrema relevância no desenvolvimento de habilidade
com relações humanas e gerenciamento de rotinas, o curso de formação em Programação
Neurolinguística15, o MBA em Gestão de Pessoas e formação de lideranças16 e o curso “Método
PDCA” ministrado pela Consultoria especializada em gestão de organizações – CCA.
Assim, para tecer um breve registro sobre a Programação Neurolinguística (PNL) temos
que ela estuda talento e qualidade, e como organizações e indivíduos excelentes obtêm seus
resultados igualmente excelentes. Os métodos podem ser ensinados a outros para que eles
também possam obter a mesma classe de resultados, é o que a PNL chama de modelagem.17

293
ENTRE ASPAS

Modelar alguém é traçar o perfil de eficiência que ela possui, descrever as ações,
padronizá-las, capacitar pessoas para que possam reproduzir e alcançar resultados igualmente
eficazes.
Sendo assim, foram estabelecidos os problemas, ou seja, tínhamos os resultados para
serem alcançados e a necessidade de pesquisar os possíveis Juízes paradigmas18 que possuíam
uma produtividade elevada e uma taxa de congestionamento em seus Juizados considerada
baixa (vide gráfico em anexo). Para escolha do paradigma era necessário que o Juiz fosse titular
da vara, tivesse um período superior a um ano no exercício da titularidade na unidade, possuísse
uma rotina que pudesse ser facilmente copiada e apresentasse uma boa produtividade; então
foi feito um levantamento do grau de produção dos magistrados em termos de sentenças e três
foram as possíveis unidades cuja metodologia de organização de secretaria fosse compatível.

Gráfico 1 – Produtividade dos Magistrados, 2013.


Fonte: CNJ (março a outubro/2013); análises CCA.
Nota: A meta diária do CNJ foi obtida dividindo a meta mensal de 300 sentenças pela quantidade
de dias úteis do período.

Como consequência da identificação do problema, primeiro passo da etapa do processo,


observamos que na maior parte do tempo, nós juízes e os demais servidores somos absorvidos
por funções operacionais, por isso fica muito difícil conduzir as funções gerenciais de forma
eficaz, principalmente quando as mesmas não são desenvolvidas a contento.
Neste momento, já tínhamos em mente que seria adotada a metodologia do PDCA para
gerir a unidade, pois o curso “Método PDCA” ministrado pela consultoria especializada em
gestão de organizações – CCA, abriu nossos horizontes para entendermos que ele era o
caminho para se alcançar metas. O método vem melhor apresentado a seguir.
Assim, com foco no aumento da produtividade do número de processos a serem
sentenciados, passamos a identificar o problema, descobrindo as possíveis causas, verificar
que tanto a produtividade desta magistrada necessitava de melhoria urgente, quanto a Secretaria
deveria passar a ter tanto uma melhor organização como conhecimento aprofundado sobre a
prática de atos ordinatórios para uma rápida e eficiente conclusão dos processos e para isso
somente existiriam dois caminhos a serem adotados: ou o processo iria conclusos para decisão
ou para sentença. Todo o despacho que não tivesse cunho decisório, deveria ser produzido
em sede de atos ordinatórios.

294
A REVISTA DA UNICORP

Figura 1 – Ciclo PDCA.


Fonte: curso “Método PDCA” – CCA.

No livro, gerenciamento da rotina do trabalho do dia a dia19 aprendemos a arrumar a


casa, ou seja, adotar as providências para que as pessoas, no caso os servidores e o magistrado,
pudessem exercer suas funções gerenciais e operacionais, sendo mais eficientes naquilo que
fazem, buscando a padronização das rotinas e a redução dos índices de anomalias das funções
exercidas.
Assim, procuramos padronizar condutas, com a inclusão dos atos ordinatórios,
monitoramento dos resultados, com os números da Justiça aberta e os informes mensais quanto
ao número de ações ajuizadas e processos baixados, assim também a inserção da data de
publicação das sentenças, já nos termos de audiências. A realização de reuniões para promover
ações corretivas para sedimentar as novas práticas e proporcionar um bom ambiente de trabalho
com a utilização do máximo potencial mental das pessoas envolvidas no processo.
Neste processo de mudança, o magistrado deve assumir a postura de líder, que para
alcançar os resultados, deverá traçar e atingir as suas metas. Assim, registrando Vicente
Falconi em seu livro já citado, página 35, neste processo de mudança, dois fatores são decisivos:
1. Liderança; 2. Educação e Treinamento. A boa liderança fará quase que invariavelmente boas
mudanças.
Pois bem, nesta linha de ação esta magistrada teve como start da linha de execução de
seus anseios de mudança, o trabalho gracioso da consultoria CCA20.
Após a identificação dos magistrados que poderiam ser utilizados como paradigmas, a
análise do fenômeno, segundo passo do P, com o objetivo de melhor conhecer o problema da
36ª Vara por meio da estratificação, ou seja, o desdobramento dos processos a serem
sentenciados, buscando uma real situação do acervo utilizamos o Princípio de Pareto21 em
categorias.
Para construção deste gráfico solicitamos do setor competente da TI do Tribunal de
Justiça o total de ações com os respectivos demandados e chegamos aos seguintes dados:

295
ENTRE ASPAS

Gráfico 2 – Pareto do estoque dos processos por categoria


Fonte: Análises CCA

Seguindo o fluxo do P do PDCA, analisamos também o processo22, realizamos o


brainstorming (quais as causas que nos impedem de atingir a meta)23 e as metas foram
fixadas; traçamos o plano de ação, neste primeiro momento, a redução da caixa de processos
conclusos para sentença, deixando apenas na caixa de conclusão, os processos do ano e mês
corrente da realização das audiências; também o julgamento dos processos que se encontravam
paralisados e ainda não sentenciados que deveriam ser levados para nova audiência de
conciliação. O julgamento, nesse caso, seria proferido no prazo de até dez dias. Com isso,
finalizamos a etapa de planejamento do PDCA.
A primeira meta foi traçada, os processos foram todos identificados e, aqueles que
estavam paralisados e ainda que não conclusos, foram levados à nova sala de audiência
aberta24, processos pautados com julgamento em até dez dias, alcançamos os primeiros
resultados, quais sejam: processos paralisados são movimentados e sentenciados e a caixa de
conclusão começa a baixar25. Foram realizadas 675 audiências em três meses, todas as audiências
eram seguidas com sentenças publicadas no prazo máximo de dez dias. E o segundo resultado
de redução da caixa de sentença para conclusão dos processos do mês foi alcançado em
agosto de 2014, data em que passamos a incluir nos termos de audiências dos processos
novos a data de publicação da sentença para trinta dias, atendendo um dos anseios da
comunidade e também a resolução quanto à ansiedade para espera do julgamento.
A etapa do D (Do) trata-se da execução dos planos de ação, colocar em prática o que foi
planejado. Então, fizemos o desenvolvimento que consistiu na marcação de uma pauta de
conciliação extraordinária26, com concentração destes processos na pasta exclusiva da Juíza
de Direito para julgamento em até dez dias. Na sequência houve a abertura da terceira sala de
audiência que consistia em antecipação de pauta dos processos de idosos, saúde, serviços
essenciais, bancos e medida urgentes. Também é importante registrar que havia uma concentração
da força de trabalho das juízas leigas na caixa de sentença com redução do acervo mensalmente,
para tanto, o gabinete fornecia uma lista de processos que deveriam ser sentenciados no mês
corrente. Através de ordem de serviço, todos os servidores, inclusive esta magistrada realizavam
a dispensa de petição de todos os processos conclusos e analisados, inclusive as conciliadoras
ficavam responsáveis pela dispensa dos documentos juntados por ocasião da audiência, tais
como atos constitutivos, instrumentos de representação e contestações. Além disso, faz-se
importante destacar que a equipe foi treinada para utilização dos atos ordinatórios e em outras
atividades críticas.
No C (Check) significando também a verificação, passamos a acompanhar e publicar
mês a mês os números da Justiça aberta no mural com o informativo que denominamos “VOCÊ
SABIA?”, também passamos a totalizar o número de processos sentenciados e processos

296
A REVISTA DA UNICORP

arquivados, assim também a média de processos ajuizados por mês naquela unidade. Além de
monitorar e tornar mais visíveis os resultados da Vara, conseguimos aumentar a motivação da
equipe por seu esforço refletido na melhoria do atendimento às demandas da população.
No gráfico abaixo, de distribuição dos processos da 36ª Vara, pode-se observar que
houve uma significativa mudança de patamar, para melhor, considerando que entre o período
de julho a dezembro de 2013 a média de distribuição foi de 294/mês, abaixo da meta do CNJ,
enquanto que de janeiro a agosto de 2014 os resultados superaram o período anterior em 81%
e a meta do CNJ em 77%, alcançando com a média mensal de 532 processos distribuídos.

Gráfico 3 – Gestão à Vista.


Fonte: TJBA/TI - Lista processos distribuídos por mês (agosto/2014).

Figura 2 – Gestão à Vista – informe “Você Sabia?”.


Fonte: TJBA/TI - Lista processos distribuídos por mês (agosto/2014).

297
ENTRE ASPAS

Por fim a última, mas não menos importante, etapa do PDCA, no A (Action) onde
padronizamos e trabalhamos diariamente para eliminar causas que poderiam comprometer a
manutenção dos resultados já alcançados para a redução do acervo com o aumento da
produtividade, consistindo na revisão das atividades e planejamento para o trabalho futuro.
Assim, podemos apontar neste ínterim algumas das melhores práticas adotadas pela
unidade, quais sejam; o uso racional dos localizadores, com o objetivo de identificar cada fase
do processo e quais atos precisam ser praticados, facilitando o uso da ferramenta da prática de
atos em lotes e despachos múltiplos. Outra prática muito salutar foi o uso da Nuvem/Psyché
do Juizado para acompanhamento de todos os atos praticados na unidade e também facilitando
a correção prévia dos atos das juízas leigas, para lançamento posterior no sistema, reduzindo
o tempo de ajuste de correção e formatação da produção. A aposição da data de julgamento
dos processos nos termos de audiências com ressalva de que o prazo de julgamento não seria
superior a trinta dias, reuniões periódicas com a equipe para sedimentar as rotinas, favorecer o
sentimento de unicidade e comprometimento.
Neste momento foi eleito o nosso paradigma para que pudesse ser copiado e agregasse
valor às rotinas já existentes. Analisando os métodos aplicados pelos magistrados, apontados
no gráfico 1, o paradigma escolhido foi o aplicado na Vara dos Sistemas dos Juizados de Lauro
de Freitas, porque além dos resultados alcançados, a nossa base teórica apontava que a
metodologia utilizada pelo Dr. Marcelo de Oliveira Brandão estava adequada ao PDCA e implicava
a concretização de várias ferramentas já disponíveis no PROJUDI que não eram de domínio dos
servidores. Com a visita “in loco”, concluímos que havia rotina de trabalho dia a dia, metodologia,
gestão de pessoas, desalienação das rotinas de trabalho, equipe de trabalho comprometida
com os resultados, liderança dos magistrados e controles das ferramentas utilizadas e metas
traçadas.
Em parceria com o magistrado, todas as metodologias, atos normativos e localizadores
foram compartilhados via pasta nuvem/psyché e passamos a agir no sentido de que os servidores
tivessem o domínio das práticas de processo de trabalho. É importante registrar que a parceria
com o magistrado tinha o objetivo de demonstrar que a metodologia não é pessoal e
intransferível, ainda também tinha por objetivo demonstrar que cada Vara, mesmo sendo uma
unidade autônoma e independente, uma base de rotina e fluxogramas podem e devem ser
adotadas pelas unidades judiciárias que trabalham com o sistema PROJUDI.
Eleito o paradigma passamos a responder às “condições bem formuladas”27, que são
perguntas que o líder deve responder quando traça as suas metas e as de sua equipe, foram
elas:
1 – O que você quer?
Adotar uma metodologia de fácil apreensão, ser agente multiplicador de boas práticas,
desalienar as rotinas de trabalho, reduzir a média de tempo de tramitação dos processos na fase
de conhecimento e na fase de cumprimento de sentença.
2 - Como você sabe se está tendo ou teve sucesso?
Foi realizado um levantamento das demandas existentes na Vara, fixadas as metas de
julgamento, ampliado o número de conciliações realizadas no mês, reduzido o acervo de
conclusão para julgamento, decisões e despachos e realizado o acompanhamento dos dados
fornecidos pela Justiça Aberta para apresentar o aumento dos processos julgados mês, números
de processos julgados com e sem mérito, número de processos arquivados e informativo de
quantas ações eram ajuizadas mês a mês.
3 - Quando, onde e com quem?

298
A REVISTA DA UNICORP

Quando, entre os meses de agosto/2013 a agosto/2014. Onde, na 36ª Vara do Sistema


dos Juizados, com o corpo de servidores, auxiliares, estagiários, Juízes Leigos e Conciliadores.
4 - De que recursos você dispõe?
Espaço físico, computadores, 03 conciliadoras, 04 juízas leigas, Meta de produtividade
das juízas leigas, 02 estagiários, 01 assessor. Equipe de secretaria, 01 secretário, 01 sub-
secretário, 03 digitadores, 04 oficiais de Justiça, duas atendentes de recepção.
5 – Você pode iniciar e manter os resultados?
Podemos iniciar os resultados e mantê-los, caso não haja nenhuma mudança significativa
como redução do quadro de juízas leigas, conciliadoras, redução do corpo de secretaria, perda
do assessor.
6 – Quais são as consequências maiores?
Julgamento dos processos ajuizados a partir de agosto/2014 no prazo máximo de 30
dias. Redução do tempo de espera para realização da audiência de Una, melhoria do clima
organizacional.
7 – Como seus resultados se encaixam?
Os resultados se encaixam no cumprimento das metas para 2014 fixadas pelo Conselho
Nacional de Justiça, conforme apresentados na introdução do trabalho.
8 – O que fazer a seguir?
Após reduzido o tempo de espera para a entrega da prestação jurisdicional e a redução
da taxa de congestionamento do processo na fase de conhecimento. O próximo passo é o
aumento de produtividade dos processos em fase de execução.

4. Das rotinas de trabalho

Em resumo inspirados na rotina da Vara de Lauro de Freitas adotamos os seguintes


recursos, vejamos:
1 – O Gabinete (não oficial) composto por um analista e um técnico para trabalharem
diretamente com o juiz togado que somados aos estagiários iriam compor o quadro do gabinete.
Essa equipe minutava decisões, despachos e sentenças. Na unidade da 36ª Vara dos Sistemas
do Juizados unidade - Federação, não foi possível deslocar o analista e um técnico para
trabalharem no gabinete porque a secretaria estava desfalcada, e porque acreditamos que
nesse momento a sedimentação da prática de atos ordinatórios e a sistemática de certificar a
quitação, com dispensa de despacho prévio seria suficiente para melhorar a produtividade e
celeridade dos atos judiciais. Portanto a equipe de gabinete estava descrita como a magistrada,
o assessor e dois estagiários.28
2 – Um único sistema - o PROJUDI. Aqui a digitalização começou sendo realizada pelos
próprios servidores e, na sequência, a COJE passou a assumir esta fase para acelerar o processo,
a unidade passou a digitalizar somente aqueles que retornavam da turma recursal.
3 – Adoção dos atos ordinatórios. Editou-se portaria nesse sentido e os feitos que
dependessem de despacho ou de simples movimentação deveriam ser resolvidos por ato
ordinatório, e mesmo aqueles que a secretária tivesse alguma dúvida, antes de fazer a conclusão
teria que consultar o Gabinete. Com isso reduziu-se consideravelmente os feitos conclusos
para esse fim.
4 – Adoção da Audiência Una e aposição da data de publicação da sentença - Contados
da data da Audiência Una o termo de audiência apresenta a data de publicação da sentença,
sendo esta o início da contagem de prazo de recurso, ainda que a sentença seja publicada em
data anterior.

299
ENTRE ASPAS

5 – Integração da equipe de trabalho – prévia comunicação das mudanças, utilização do


pandion, messenger interno do Tribunal de Justiça, reuniões de trabalho quinzenalmente, uso
do feedback, redução dos ruídos da comunicação, chuva de ideias para alavancar o processo
criativo e valorização pessoal, também revisão das metodologias e compartilhamento de
conhecimentos.
6 – Uso racional dos localizadores. Localizador é uma função existente no PROJUDI
que permite criar uma marca temporária no processo (índice), a qual irá sinalizar a realização de
algum ato no mesmo. Vale o registro de que a Secretaria não pode optar em não usar localizadores
e que tal ato é definido pelo magistrado. A adoção desta ferramenta evita que o processo caia,
no que chamamos de limbo, e não seja movimentado.
7 – Alvará eletrônico - o alvará é assinado eletronicamente e a parte favorecida, de onde
estiver, acessa o processo eletrônico, imprime o alvará e se dirige ao Banco do Brasil S/A para
sacar o valor, sem qualquer necessidade de se dirigir a unidade judicial. Inclusive com a
possibilidade de assinatura em lote.
8 – Juizado nas nuvens - Na otimização da relação entre o gabinete, a supervisão, a
secretaria, o oficial de justiça, conciliador, recepção etc. foi desenvolvida uma estratégia de
trabalho de importância crucial para o sucesso alcançado nos resultados da Vara. Trata-se do
uso da pasta psyché. Com efeito, essa pasta eletrônica é mantida no servidor do TJBA (espécie
de nuvem computacional) e permite que a unidade judicial possa criar nesse local subpasta que
é compartilhada por todos os servidores da unidade.
9 – Correção prévia dos atos dos juízes leigos - a supervisão do trabalho desse auxiliar
é feita com o uso do pandion e da psyché, ferramentas já citadas. O messenger interno é
importante para que caso surjam dúvidas durante a realização da audiência o juiz leigo, possa
consultar o Juiz de Direito e, de forma rápida, sem precisar ausentar-se da sala de instrução.
Por seu turno, a pysché é usada mediante a criação da subpasta “Juiz Leigo” abrigada na pasta
da unidade jurisdicional em questão. Nessa pasta se organizam os documentos importantes
para o juiz leigo, especialmente as sentenças que eles produzem. Assim, essa subpasta se
desdobra em duas subpastas nas quais se deve armazenar as decisões aprovadas pelo juiz
Togado e as que pendem de aprovação. Essas pastas desdobradas podem ser denominadas
de: a) “DECISÕES APROVADAS” e b) “DECISÕES PARA APROVAÇÃO”.
10 – AR DIGITAL – V-POST – que não é opcional deve ser utilizado por todos os
juizados.
11 – Requerimento Eletrônico para as Partes Litigantes - A parte litigante, com a
assistência do atendente de recepção, preenche um formulário mediante terminal disponível.
Tal requerimento é validado com apresentação da Carteira de Identidade ou outro documento
com foto que é na oportunidade digitalizado e lança diretamente o requerimento no processo
eletrônico respectivo. Com essa medida reduzimos os formulários em papel usado para esse
fim. A medida atende à recomendação de economia com gastos de papel e também no abandono
de manuscritos, muitas das vezes extensos e inelegíveis.
12 – Controle da Qualidade das Decisões de Mérito - Na busca de conferir coerência ao
sistema, tentando qualificar as futuras decisões de mérito da unidade foi adotada medida de
controle da jurisprudência da unidade judicial. Essa medida de controle se faz mediante o
estudo dos embargos de declaração e das decisões das Turmas Recursais. Essa medida objetiva
dar segurança e previsibilidade das decisões da unidade e principalmente, na medida do possível,
buscar coerência com a jurisprudência das Turmas Recursais.

300
A REVISTA DA UNICORP

5. A gestão de pessoas

Como escrito anteriormente, foram realizados alguns cursos que auxiliaram na formação
para lidar com as ferramentas da gestão operacional e da gestão de pessoas. A MBA em gestão
de pessoas e formação de líderes surgiu da necessidade de ter o melhor desempenho das
pessoas envolvidas na prestação dos serviços uma vez que os recursos públicos serão sempre
insuficientes.
Mesmo havendo limitações dos recursos financeiros e orçamentários, acreditamos
que é possível alcançar melhores resultados através das práticas de gestão de resultados e
pessoas.
Gerenciar nada mais é do que fazer com que as coisas aconteçam e que os resultados
sejam alcançados de forma ética, ecológica para seus participantes e que proporcione a melhoria
da qualidade de vida de todos os envolvidos. Acredito que se a organização investir no
pessoal envolvido no processo de trabalho, a satisfação também alcançará níveis mais elevados
e, certamente, mais pessoas contribuirão com seus aprendizados.
Um aspecto interessante a ser registrado é que cresce o número de magistrados e
servidores que assumem as funções e que são nascidos a partir de 1978 (batizados como
“geração Y”, mas também conhecidos como Millenium ou Net) e segundo podemos perceber
esses números tendem a aumentar. Pois bem os ‘Y” possuem características peculiares: encaram
o trabalho como desafio e diversão, prezam um ambiente informal com transparência e liberdade
para a troca de ideias, valorizam o trabalho em equipe e querem promoções rápidas.
Aqui, na nossa atual estrutura, a promoção tem regras próprias distintas das empresas
privadas, mas que podem ser substituídas por valorização pessoal.
Entretanto, ainda somos muitos os gestores da “geração X” (nascidos entre 1965 e
1977) e baby boomers (1946 e 1964) e como características há dificuldade em assimilar e até
mesmo aceitar o comportamento dos mais jovens, por entrar em conflito com os próprios
valores, principalmente no que tange às relações formais e de hierarquia29. Então um dos
grandes desafios dos Tribunais é incorporar os valores dos Y de modo a integrar, e não se
chocar, com a cultura organizacional.
Mary Parker Follett30, sem ser psicóloga, é a principal expoente dos chamados psicólogos
da organização e para ela, o objetivo da administração é integrar as pessoas e coordenar suas
atividades. Assim, ela elaborou quatro princípios fundamentais da organização:

a) Princípio do contato direto: as pessoas que trabalham próximas, tanto


no sentido horizontal quanto no sentido vertical (chefes), devem estreitar
os contatos diretos para melhor coordenação.
b) Princípio do planejamento: para melhorar a motivação das pessoas
que executam um trabalho, devem participar desde o momento do
planejamento.
c) Princípio das relações recíprocas: todos os elementos de um conjunto
devem estar inter-relacionados.
d) Princípio do processo contínuo de coordenação: toda decisão é um
momento de um processo. Ela se torna importante no contexto desse
processo.

O livro, esculpindo líderes de equipe31 foi uma ferramenta importante no exercício da

301
ENTRE ASPAS

liderança, pois ajudou os membros da equipe a acreditarem nas mudanças e na melhoria continua
do modelo adotado.
O uso das técnicas da PNL também auxiliou no exercício da liderança pois atuamos
como agentes que desenvolvem as pessoas a usarem seu potencial. A transparência na relação
com a equipe, a prática do feedback, a identificação das principais lideranças com suas
habilidades, pois é importante registrar que neste tipo de trabalho, não pode haver concentração
em uma única pessoa. As reuniões periódicas para entender e acreditar no processo de mudança,
a importância dada pela magistrada ao desempenho e bem estar da equipe são alguns fatores
que auxiliaram a gerar líderes. Óbvio que nem todos atendem igualmente ou na mesma proporção,
mas a mudança do clima organizacional gera transformação de todos da equipe e aquele que
efetivamente não se adapta deve se descobrir dentro da nova estrutura e metodologia, sob
pena de transferência, relotação ou outra soluções que o caso demandar.
O uso das ferramentas da programação neurolinguística, das metáforas, do rapport32,
um cuidado com os relacionamentos e com o estado emocional, a comunicação não violenta33
ajudam a administrar o dia a dia respeitando as diversidades e construindo as bases para
alcançar os resultados desejados.

Considerações finais

O trabalho de gestão estratégica e de resultados vai sempre exigir uma dedicação e


tempo, é possível que alguém acredite que “perder” horas para trabalhar em algo diverso da
produção intelectual é função estranha à atividade jurisdicional e, reflete, diretamente no
quantitativo dos atos jurisdicionais que devem ser entregues ao cidadão. Entretanto, diante
da crescente litigiosidade da sociedade moderna e da necessidade do Poder Judiciário continuar
prestando seus serviços, a adoção de metodologia de rotinas de trabalho e a consciência de
que é impossível concentrar toda a responsabilidade na mão de um único servidor e formar
equipes de trabalho eficientes é medida que antecede à entrega da prestação jurisdicional.
Importante aqui registrarmos que o uso do PDCA reduziu o ativo que em agosto/2013
era de 9.311 em 04 de novembro de 2014 registrava 6.775 processos.34
Também, o número de sentença prolatadas no período de julho/2013 a agosto/2014 foi
de 7.294 sentenças o que corrobora a assertiva de que a prática está tendo sua eficiência
comprovada.
O produto do que está sendo realizado na 36ª Vara dos Sistemas dos Juizados – Unidade
da Federação – Matutino, atual 13ª VSJE, não irá nunca chegar ao seu fim, pois alcançadas as
metas de excelência que planejamos, buscar-se-á nesta a padronização, manutenção, resiliência
para enfrentamento das adversidades e anomalias que certamente surgirão.
Por fim, agradeço aos servidores da Vara por terem abraçado as mudanças implementadas
durante todo o processo, assimilado as rotinas com o desejo de melhor prestar o serviço
jurisdicional e o compromisso de melhor servir. Meus sinceros agradecimentos ao meu assessor
por se dedicar ao projeto agregando valores e sendo meu gerente geral.
Agradeço à CCA – Consultores Associados, pela parceria graciosa compartilhando o
Know How para que pudêssemos traçar as bases do planejamento operacional.
Ainda, e neste ensejo, agradeço à inestimável contribuição de uma jovem servidora
deste Tribunal de Justiça da Bahia, que também de forma generosa, não mediu esforços para
minutar os mais de cem números de despachos e decisões, baixar petições, movimentar
processos durante os dias de sufoco da Vara, labutando em suas horas vagas em auxílio
solidário. Marcelle Teixeira Castro e Silva, Secretária do Juizado da Universo que compartilhou
seus conhecimentos e nos forneceu preciosas dicas de melhoria da qualidade de serviço e que
busca a excelência diariamente.

302
A REVISTA DA UNICORP

Agradeço ao Dr. Marcelo de Oliveira Brandão pela gentileza e solidariedade em


compartilhar seus conhecimentos, orientações para vencer as adversidades e pela confiança
depositada. Meus agradecimentos à Daniela Dias Queiroz, servidora da TI do TJBA que
enviou todos os dados solicitados na construção do planejamento da unidade. E por fim,
agradeço a Luciana Carinhanha Setubal pela credibilidade a nós conferida, pelos compromissos
assumidos com a melhoria das práticas adotadas no Sistema dos Juizados e pela coragem no
enfrentamento das questões.
Na certeza de que como já afirmou Walt Disney, você se torna mais vulnerável justamente
quando todos falam de sua grandiosidade. O registro deste trabalho e das técnicas aqui adotadas
não é uma obra acabada, todos os dias são dedicadas as atenções necessárias em busca de
melhores ferramentas, aperfeiçoamento das existentes, redução do tempo de tramitação dos
processos, enfim é importante que se frise que as críticas também não deixaram de existir, o que
não nos causa espanto até porque o plano de gestão traçado para a unidade está longe de ser
um trabalho isento de críticas ou de ser uma verdade absoluta, mas foi um grande e preciso
passo em busca da melhoria dos serviços e da entrega de uma prestação jurisdicional eficiente.

Notas _____________________________________________________________________________

2 Metas para nacionais e estaduais estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça para ser cumpridas em
2014. Meta 01-Publicado em Sexta, 17 de Janeiro 2014; ASCOM/TJRR-www.google.com.br
3 Idem nota 230
4 Resolução 70, de 18 de março de 2009-art. 1º.
5 Conselho Nacional de Justiça – Relatório Justiça em Número – 2014 – ano base 2013.
6 Índice de Atendimento à Demanda – IAD – representa o total de processos baixados por caso novo
7 Relatório Justiça em Número – 2014 – ano base 2013. págs, 34 e 35
8 Taxa de Congestionamento – representa o percentual de processos que tramitam e não foram baixados
durante o ano.
9 Relatório Justiça em Número – 2014 – ano base 2013. págs, 34 e 35 – pág. 43. Porte do tribunal leva
em consideração as despesas totais, a tramitação processual (casos pendentes casos novos), número de
magistrados, números de servidores (expressão que abarca os servidores efetivos, os requisitados e os sem
vínculo, assim como as demais categorias que integram a força de trabalho auxiliar, como terceirizados,
estagiários, juízes leigos e conciliadores).
10 Registra o cálculo entre processos distribuídos e processos arquivados.
11 Dados fornecidos pelo setor de TI do TJBA
12 IDEM nota 12
13 A mudança para nova sede infelizmente ainda não ocorreu, todavia a COJE manteve a divisão dos
servidores por magistrados, medida esta extremamente saudável para desenvolvimento das metodologias
já implantadas na unidade.
14 Importante registrar aqui que a Juíza Coordenadora dos Juizados, Drª Luciana Carinhanha Setubal
acolheu nossos pleitos para alavancar os processos de mudanças. Para o saneamento da Secretaria foi
realizado um mutirão com o objetivo de reduzir a juntada de petições, ficando a unidade responsável pela
juntada atual e, por via de consequência, não acúmulo de novas juntadas. Muito embora esta magistrada
não seja favorável a mutirões, acredito que um trabalho direcionado da equipe de saneamento na
secretaria aliado às boas práticas representou o que precisávamos para a secretaria promover a redução
da juntada de petições e manutenção dos resultados. E este grupo de saneamento organizado pela COJE
produziu um ótimo trabalho em termos de juntada de petições e movimentações, aliado ao trabalho da
unidade de cumprir a sua meta.
15 Curso Practitioner, fases I e II de Programação Neurolinguística no total de 180 horas
16 MBA em Gestão de Pessoas e Formação de Lideranças na UNIT – que resultou na produção do TCC a
Gestão Estratégica Aplicada à Vara Cível de Cícero Dantas, apresentados no VIII Colóquio Internacional
de Educação e Contemporaneidade pela Universidade Federal de Sergipe e no Congresso realizado na
Faculdade Amadeus – FAMA em Aracaju.

303
ENTRE ASPAS

17 Joseph O`Connor – Manual de Programação Neurolinguística – Editora Qualitymark – 7ª reimpressão


– 2011, pág. 1.
18 Nesta fase foi realizada a parametrização com a orientação solidária e gratuita da consultoria CCA.
19 FALCONI VICENTE – GERENCIAMENTO DA ROTINA DO TRABALHO DO DIA A DIA, INDG,
20 11
20 O trabalho foi gracioso, no qual foram fornecidas as primeiras linhas mestras para implantação do PDCA
e a parametrização das ações existentes na vara. Após a realização do curso desta magistrada ministrado
pela CCA e, em conversas sobre as dificuldades encontradas na gestão da Vara os consultores resolveram
compartilhar seus conhecimentos e prestar esclarecimentos no sentido de quais medidas deveriam ser
adotadas em primeiro lugar para atacar o acervo.
21 Conhecido também por princípio 80/20, afirma que para maioria dos problemas, 80% dos efeitos advêm
de 20% das causas. O pai desse princípio foi o economista italiano Vilfredo Pareto.
22 Para a área de Business Process Management, processo é um conjunto definido de atividades ou
comportamentos executados por pessoas ou máquinas para alcançar uma ou mais metas. Os processos
são compostos por várias tarefas ou atividades inter-relacionadas que solucionam uma questão específica.
23 Aqui foi importante o aumento do número de Juízas Leigas, a formação de três salas de conciliação, a
antecipação de pauta e a redução do tempo entre o ajuizamento e realização da primeira audiência.
24 Coordenação deferiu o pedido de abertura de uma nova sala de conciliação para possibilitar o cumprimento
desta meta.
25 Importante registrar que a orientação da COJE no sentido de somente permitir a validação de sentenças
de mérito, corroborou a prática que já estava sendo adotada por esta magistrada com base na resolução
do CNJ, o que foi ainda decisivo quando o sistema vetou a possibilidade de validar atos diversos do que
estabelecia a orientação da Coordenação.
26 O que chamamos de movimento de conciliação antecipada com julgamento de mérito.
27 Idem 15 – pág. 15
28 os voluntários não são utilizados neste rotina para a formação do gabinete.
29 Eugenio Mussak, Gestão Humanista de Pessoas – O fator humano como diferencial competitivo-editora
campus-elsivier.2010 página 15
30 Obra citada item 28 páginas 22 a 24
31 Neuza Maria Dias Chaves-Esculpindo Líderes de Equipe – Nova Lima: INDG tecnologia e serviços
ltda, 2012. 3ª edição
32 Rapport é a qualidade de um relacionamento de influência e respeito mútuos entre pessoas e deve ser
natural. Vide nota 18, página 46
33 Comunicação não violenta – técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais – Marshall
B. Rosemberg - tradução Mário Vilela - São Paulo – Editora Ágora. 2006
34 Informações obtidas junto à TI do TJBA.

304
A REVISTA DA UNICORP

DIREITO SISTÊMICO: A RESOLUÇÃO DE CONFLITOS POR MEIO DA


ABORDAGEM SISTÊMICA FENOMENOLÓGICA DAS CONSTELAÇÕES
FAMILIARES

Sami Storch
Doutorando em Direito Civil (PUC-SP), Mestre em Administração
Pública e Governo (EAESP-FGV/SP) e Juiz de Direito do Tribunal
de Justiça do Estado da Bahia - samistorch@gmail.com

Resumo: O presente artigo trata de uma nova abordagem para o tratamento dos conflitos na
Justiça, denominada Direito Sistêmico, que surgiu da análise do direito sob uma ótica baseada
nas ordens superiores que regem as relações humanas, segundo a ciência das constelações
familiares sistêmicas desenvolvida pelo terapeuta e filósofo alemão Bert Hellinger. Trata-se de
uma abordagem sistêmica e fenomenológica segundo a qual diversos tipos de problemas
enfrentados por um indivíduo (como dificuldades de relacionamento, por exemplo), podem
derivar de fatos graves ocorridos no passado não só do próprio indivíduo, mas também de
gerações anteriores de sua família. Essa abordagem pode gerar implicações importantes na
elaboração, interpretação e aplicação das leis, contribuindo para que juízes, mediadores e
outros profissionais da Justiça possam se posicionar de modo a trazer maior paz às relações,
bem como para que os conflitos sejam solucionados de forma mais rápida e eficaz, no sentido
de conciliações verdadeiras e duradouras. O artigo apresenta alguns desses aspectos, assim
como alguns resultados já observados nas experiências com a aplicação do direito sistêmico e
das constelações na Justiça.

Palavras-chave: Direito sistêmico. Conciliação. Mediação de conflitos. Novos métodos de


resolução de conflitos. Constelações sistêmicas. Justiça restaurativa. Visão sistêmica dos
conflitos.

Introdução – As novas formas de resolução de conflitos

Há tempos se tem observado a incapacidade do Poder Judiciário de processar e julgar


a crescente quantidade de ações que lhe são apresentadas, pois a estrutura de pessoal e de
material existente e possível não é suficiente para tal.
Por outro lado, já é reconhecida tranquilamente, no meio jurídico e pela sociedade em
geral, a necessidade de novos métodos de tratamento dos conflitos, que permitam não apenas
– e não necessariamente – uma decisão judicial que estabeleça como deve ser a solução para
cada conflito, dizendo a cada parte quais os respectivos direitos e obrigações, mas que
efetivamente traga paz para todos os envolvidos e lhes permita manter entre si um bom

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ENTRE ASPAS

relacionamento para o futuro, inclusive para tratar de forma amigável outras questões que
porventura se apresentem entre as mesmas partes.
A tradicional forma de tratar os conflitos no Judiciário já não é vista como a mais
eficiente, pois uma sentença de mérito, proferida pelo juiz, quase sempre gera inconformismo
de uma das partes – e não raro desagrada a ambas –, em muitos casos enseja a interposição de
recursos e manobras processuais ou extraprocessuais que dificultam a execução, retardando
assim a efetividade da prestação jurisdicional. Como consequência, a pendência tende a se
prolongar em demasia, gerando altos custos ao Estado e muita incerteza e sofrimento para as
partes.
Além disso, a instrução processual tradicional tende a provocar cada vez mais o
agravamento do conflito e o distanciamento entre as partes, uma vez que, muitas vezes, cada
uma delas procura defender o seu direito combatendo o da outra parte ou mesmo atacando-a
pessoalmente.
Tal fenômeno é ainda mais claramente visível nos conflitos de ordem familiar, que têm
origem quase sempre numa história de amor (um casamento ou caso amoroso) e geralmente
envolve filhos de ambas as partes. A instrução processual, nesses casos, é altamente nociva
para todos os envolvidos, pois cada testemunha que depõe a favor de uma parte pode trazer à
tona fatos comprometedores relativos à outra, alimentando o rancor e o ressentimento e
dificultando a obtenção da paz.
Assim, mesmo depois de concluída a instrução processual, julgada a ação, esgotados
os recursos e efetivada a sentença, o conflito permanece. Em muitos casos, outras ações
judiciais são propostas para discutir e rediscutir os mesmos assuntos e outros subjacentes à
mesma relação.
Quanto aos filhos, estes têm seu sofrimento intensificado na medida em que sentem o
distanciamento de seus pais. Observa-se com frequência que crianças e adolescentes cujos
pais brigam entre si na Justiça têm dificuldades nos estudos, maior propensão ao uso de
drogas e tendência a receberem diagnósticos como o TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção
e Hiperatividade) e depressão. Não se vê a mesma frequência entre filhos de pais separados,
mas que mantém relação amigável entre si.
Nesse contexto, mostra-se cada vez mais urgente e necessária a utilização de métodos
capazes de não apenas resolver os conflitos, mas de efetivamente pacificar as relações.
A conciliação no âmbito judicial já se encontra instituída há bastante tempo na legislação
brasileira, é largamente aplicada nas causas cíveis em geral e, com mais ênfase, naquelas
relativas à Vara de Família e nas de menor complexidade, sujeitas ao rito previsto na Lei nº 9.099/
95. Também para o tratamento relativo aos crimes de menor potencial ofensivo, a mesma lei
prevê a composição civil dos danos como forma de resolver conflitos evitando-se a instauração
de uma ação penal.
Mas outros métodos se fazem necessários para desafogar os tribunais e resolver os
conflitos de forma consensual. Como alternativas principais, já são reconhecidas pela legislação
brasileira a mediação e a arbitragem.
Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução nº 125/2010, que
dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses
no âmbito do Poder Judiciário, reconhecendo o problema e estipulando como incumbência dos
órgãos judiciários oferecer mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados
meios consensuais, como a mediação e a conciliação, inclusive como forma de disseminar a
cultura de pacificação social.

306
A REVISTA DA UNICORP

A mediação e a conciliação podem ser realizadas com a utilização de diversas técnicas,


incluindo métodos de negociação e conhecimentos de comunicação não-violenta (ROSEMBERG,
2006).
Algumas dessas técnicas são explicadas no Manual de Mediação Judicial (AZEVEDO,
2013), publicado pelo CNJ como parte do desenvolvimento da política estabelecida pela
Resolução nº 125/2010, e vêm sendo difundidas nas formações de mediadores promovidas sob
supervisão do CNJ diretamente ou através dos diversos tribunais do país.
Mas o referido manual não é exaustivo. A ciência continua se desenvolvendo e
encontrando novos métodos capazes de aumentar a eficácia da mediação e favorecer a obtenção
da conciliação nos conflitos em diversas áreas, contribuindo para a pacificação das relações
pessoais.
Em minha prática judicante, há dez anos venho utilizando técnicas de CONSTELAÇÕES
FAMILIARES SISTÊMICAS e com elas obtendo bons resultados na facilitação das conciliações
e na busca de soluções que tragam paz aos envolvidos nos conflitos submetidos à Justiça.
Trata-se de uma abordagem fenomenológica e sistêmica, originalmente utilizada como
método terapêutico pelo alemão Bert Hellinger, que a partir das constelações familiares
desenvolveu uma ciência dos relacionamentos humanos, ao descobrir algumas ordens (leis
sistêmicas) que regem as relações. Essa ciência foi batizada pelo seu autor com o nome de
Hellinger Sciencia. O conhecimento de tais ordens (ou leis sistêmicas) nos conduz a uma nova
visão a respeito do direito e de como as leis podem ser elaboradas e aplicadas de modo a
trazerem paz às relações, liberando do conflito as pessoas envolvidas e facilitando uma solução
harmônica.

O Direito Sistêmico: quando o reconhecimento das leis sistêmicas promove a


conciliação

A expressão “Direito Sistêmico”, termo cunhado por mim quando lancei o blog Direito
Sistêmico (direitosistemico.wordpress.com), surgiu da análise do direito sob uma ótica baseada
nas ordens superiores que regem as relações humanas, segundo a ciência das constelações
familiares sistêmicas desenvolvida pelo terapeuta e filósofo alemão Bert Hellinger. A aplicação
do direito sistêmico vem mostrando resultados interessantes na minha prática judicante em
diversas áreas, notadamente na obtenção de conciliações em processos da Vara de Família e
Sucessões, mesmo em casos considerados bastante difíceis, e também no tratamento de
questões relativas à infância e juventude e à área criminal.
Trata-se de uma abordagem sistêmica e fenomenológica, originalmente usada como
forma de terapia, segundo a qual diversos tipos de problemas enfrentados por um indivíduo
(bloqueios, traumas e dificuldades de relacionamento, por exemplo), podem derivar de fatos
graves ocorridos no passado não só do próprio indivíduo, mas também de sua família, em
gerações anteriores, e que deixaram uma marca no sistema familiar. Mortes trágicas ou
prematuras, abandonos, doenças graves, segredos, crimes, imigrações, relacionamentos
desfeitos de forma “mal resolvida” e abortos são alguns dos acontecimentos que podem gerar
emaranhamentos no sistema familiar, causando dificuldades em seus membros, mesmo em
gerações futuras.
A abordagem sistêmica, segundo Hellinger, considera a existência de uma alma familiar
que abrange todos os membros da família, que são profundamente vinculados entre si, de

307
ENTRE ASPAS

modo que o destino trágico de um pode afetar outros membros, inclusive com a tendência
inconsciente de incorrer no mesmo destino, fazendo com que se repita a tragédia, geração após
geração. Pessoas que tenham sido excluídas da família têm um peso ainda maior nesse sistema,
cuja alma procura uma forma de honrar a pessoa excluída, fazendo-o através de um membro da
geração posterior que, sem o saber, acaba seguindo destino semelhante.
A partir da observação fenomenológica, Hellinger percebeu a presença de leis naturais
que regem os sistemas familiares e que, quando violadas, causam os tais emaranhamentos
sistêmicos. A essas leis ele deu o nome de “ordens do amor”, que foram objeto de detalhamento
minucioso em livro com esse mesmo nome, em que também tratou dos envolvimentos sistêmicos
e suas soluções (HELLINGER, 2001).
As constelações familiares desenvolvidas por Bert Hellinger consistem em um trabalho
onde pessoas são convidadas a representar membros da família de uma outra pessoa (o cliente)
e, ao serem posicionadas umas em relação às outras, são tomadas por um fenômeno que as faz
sentir como se fossem as próprias pessoas representadas, expressando seus sentimentos de
forma impressionante, ainda que não as conheçam. Com isso, vêm à tona as dinâmicas ocultas
no sistema do cliente que lhe causam os transtornos, mesmo que relativas a fatos ocorridos em
gerações passadas, e pode-se propor frases e movimentos que desfaçam os emaranhamentos,
restabelecendo-se a ordem, unindo os que antes foram separados e proporcionando paz a
todos os membros da família.
O potencial das constelações como método de conciliação e resolução de conflitos é
imenso, uma vez que estes surgem no meio de relacionamentos e, nas palavras de Bert Hellinger,
“os relacionamentos tendem a ser orientados em direção a ordens ocultas. […] O uso desse
método faz emergir novas possibilidades de entender o contexto dos conflitos e trazer soluções
que causam alívio a todos os envolvidos”1.
Assim, o direito sistêmico vê as partes em conflito como membros de um mesmo sistema,
ao mesmo tempo em que vê cada uma delas vinculada a outros sistemas dos quais
simultaneamente façam parte (família, categoria profissional, etnia, religião, etc.) e busca encontrar
a solução que, considerando todo esse contexto, traga maior equilíbrio e paz a todo o sistema.
O mero conhecimento das ordens do amor, conforme descritas por Hellinger, permite a
compreensão das dinâmicas dos conflitos e da violência de forma mais ampla, além das
aparências, facilitando ao julgador e às partes em conflito adotarem, em cada caso, o
posicionamento mais adequado à pacificação das relações envolvidas.
Desde o meu ingresso na magistratura, em 2006, venho utilizando a visão e a abordagem
sistêmica fenomenológica para tratar as questões da Justiça, explicar sobre as ordens que
regem os relacionamentos (segundo Bert Hellinger) e colocar constelações com as pessoas
envolvidas, como forma de evidenciar as dinâmicas ocultas por trás das situações, trazer à tona
as ordens que prejudicam e as que curam, e sensibilizar as pessoas para que se conduzam a
uma solução.
Tenho feito isso em eventos coletivos, aos quais são convidadas as partes envolvidas
em algumas dezenas de processos com tema em comum (por exemplo, disputas por guarda dos
filhos ou alimentos; violência doméstica; jovens envolvidos com atos infracionais; etc.). Após
uma palestra sobre os vínculos sistêmicos e suas consequências, fazemos uma meditação para
que todos possam visualizar onde estão seus próprios emaranhamentos no passado familiar, e
colocamos as constelações relativas a algumas questões familiares das pessoas presentes. Por
estarem ali reunidas pessoas envolvidas em situações semelhantes, é comum que muitos se
identifiquem com as questões apresentadas.

308
A REVISTA DA UNICORP

Há temas que se apresentam com frequência: como lidar com os filhos na separação, o
reconhecimento do valor do ex-companheiro e pai/mãe de seu filho, as causas e soluções para
a violência doméstica, alienação parental, entre outros.
Cada um dos presentes, mesmo os que se apresentavam apenas como vítimas, pode
frequentemente perceber de forma vivenciada que havia algo em sua própria postura ou
comportamento que, mesmo inconscientemente, estava contribuindo com a situação conflituosa.
Essa percepção, por si só, é significativa e naturalmente favorece a solução.
Em ações de família, muitas vezes uma constelação simples, colocando representantes
para o casal em conflito e os filhos, é suficiente para evidenciar a existência de dinâmicas como
a alienação parental e o uso dos filhos como intermediários nos ataques mútuos, entre outros
emaranhamentos possíveis.
Durante o trabalho de constelação, às vezes é necessário que eu tire os filhos do meio
do “fogo cruzado” e peço que o homem e a mulher falem frases de reconhecimento e gratidão
recíprocos. Os filhos são os que mais se sentem aliviados ao verem os pais se conciliando,
porque o filho sente uma profunda conexão com cada um dos pais e é constituído por ambos.
Os representantes do casal sentem um grande alívio, sentem a presença do amor que se
escondia por trás da mágoa e do ressentimento. As partes, olhando para seus representantes
e identificando-se com eles, sentem no coração o efeito de cada movimento, abrindo o caminho
para a conciliação.
Explico, portanto, a importância de deixar o filho fora do conflito, e sugiro dizerem a ele
frases como: “eu e seu pai/sua mãe temos problemas, mas isso não tem nada a ver com você;
nós somos adultos e nós resolvemos”; “fique fora disso; você é só nosso filho”; “você nasceu
de um momento de amor que tivemos”; “eu e seu pai/sua mãe estaremos sempre juntos em
você”; “quando eu olho para você, vejo seu pai/sua mãe”.
Os representantes, ao pronunciarem as frases, sentem na própria alma o seu efeito, pois
a raiva que sentiam dá lugar ao sentimento essencial de amor e de tristeza por não ter dado
certo a relação, e percebem claramente o efeito libertador que as frases têm para os filhos. Da
mesma forma, as pessoas que estão assistindo a constelação, identificadas com a mesma
dinâmica, também sentem na própria alma os efeitos de cada frase e movimento.
Essas explicações têm se mostrado bastante eficazes na mediação de conflitos familiares
e, na grande maioria dos casos, depois disso as partes reduzem suas resistências e conseguem
chegar a um acordo.
Temos feito experiências também na área criminal, com o objetivo de facilitar a pacificação
dos conflitos e a melhoria dos relacionamentos, incluindo réu, vítima e respectivas famílias
(que muitas vezes são uma só).
Se constelamos a questão de um traficante e trazemos à tona a sua dinâmica familiar – e
a participação dos pais e ancestrais na dinâmica que resultou no envolvimento do filho na
criminalidade, por exemplo – isso pode tocar a alma de outras pessoas que vivenciam a mesma
dinâmica (traficantes e suas famílias). O mesmo em relação aos muitos crimes derivados das
brigas de casais. Neste último caso, as dinâmicas são muito semelhantes: os conflitos
frequentemente se originam de questões de um (ou ambos) com sua família de origem, ou da
exclusão de um ex-parceiro de algum deles, por exemplo, e contêm quase sempre elementos de
alienação parental.
Independentemente da aplicação da lei penal, acredito que as constelações possam
reduzir as reincidências, auxiliar o agressor a cumprir a pena de forma mais tranquila e com mais
aceitação, aliviar a dor da vítima e, quem sabe, desemaranhar o sistema de modo que não seja

309
ENTRE ASPAS

necessário outra pessoa da família se envolver novamente em crimes, como agressor ou vítima,
por força da mesma dinâmica sistêmica.
Essa abordagem pode ser utilizada como ferramenta de trabalho não apenas por juízes,
mas também por mediadores, conciliadores, advogados, membros do Ministério Público e
quaisquer profissionais cujo trabalho tenha como objetivo auxiliar as pessoas na solução de
situações conflituosas.
Ainda não sabemos o alcance que essa nova abordagem pode ter no âmbito da Justiça,
mas, com base nos resultados já observados a partir das primeiras experiências, vemos que
pode ser uma contribuição para a ciência da resolução de conflitos e da pacificação das relações,
com potencial para aperfeiçoar o trabalho dos profissionais que se dedicam a tal missão – e
também facilitar a solução rápida de questões que atualmente, em grande parte, ainda dependem
de processos judiciais longos e desgastantes para todos.

ALGUNS RESULTADOS

As técnicas aplicadas vêm auxiliando na efetivação de conciliações verdadeiras entre


as partes. Durante e após o trabalho com constelações, os participantes têm demonstrado boa
absorção dos assuntos tratados, um maior respeito e consideração em relação à outra parte
envolvida, além da vontade de conciliar – o que se comprova também com os resultados das
audiências realizadas semanas depois e com os relatos das partes e dos advogados da comarca.
A abordagem coletiva, na forma de palestras vivenciais, ocupa relativamente pouco
tempo (aproximadamente 3 horas) e atinge simultaneamente as partes envolvidas em algumas
dezenas de processos. Muitas delas se identificam com as dinâmicas sistêmicas familiares
umas das outras e aprendem juntas a reconhecer as dinâmicas prejudiciais e aquelas que
solucionam.
Posteriormente, quando da realização das audiências de conciliação, os acordos
acontecem de forma rápida e até emocionante, pois os que participaram das vivências tendem
a desarmar seus corações e reconhecer que, por trás das acusações e dos rancores mútuos,
existe um sentimento de amor verdadeiro e a dor da frustração.
Após as audiências de conciliação, solicitamos às pessoas que respondessem
questionários com perguntas sobre os efeitos percebidos a partir da palestra vivencial em
relação aos relacionamentos em sua família. As respostas têm refletido, de forma nítida, os
resultados mencionados. Por exemplo:

ANÁLISE ESTATÍSTICA (VARA DE FAMÍLIA):

 nas audiências efetivamente realizadas com a presença de ambas as partes, o índice de


acordos foi de 100% nos processos em que ambas participaram da vivência de
constelações; 93% nos processos em que uma delas participou; e 80% nos demais;
 nos casos em que ambas as partes participaram da vivência, 100% das audiências se
efetivaram, todas com acordo; nos casos em que pelo menos uma das partes participou,
73% das audiências se efetivaram e 70% resultaram em acordo; nos casos em que
nenhuma das partes participou, 61% das audiências se efetivaram e 48% resultaram em
acordo.

310
A REVISTA DA UNICORP

Através de questionários respondidos após a audiência de conciliação pelas pessoas


que participaram das vivências de constelações ao longo do 1º semestre de 2013, obtivemos as
seguintes respostas:

 59% das pessoas disseram ter percebido, desde a vivência, mudança de


comportamento do pai/mãe de seu filho que melhorou o relacionamento entre as
partes. Para 28,9%, a mudança foi considerável ou muita.
 59% afirmaram que a vivência ajudou ou facilitou na obtenção do acordo para
conciliação durante a audiência. Para 27%, ajudou consideravelmente. Para 20,9%,
ajudou muito.
 77% disseram que a vivência ajudou a melhorar as conversas entre os pais quanto à
guarda, visitas, dinheiro e outras decisões em relação ao filho das partes. Para 41%,
a ajuda foi considerável; para outros 15,5%, ajudou muito.
 71% disseram ter havido melhora no relacionamento com o pai/mãe de seu(s) filho(s),
após a vivência. Melhorou consideravelmente para 26,8% e muito para 12,2%.
 94,5% relataram melhora no seu relacionamento com o filho. Melhorou muito para
48,8%, e consideravelmente para outras 30,4%. Somente 4 pessoas (4,8%) não notaram
tal melhora.
 76,8% notaram melhora no relacionamento do pai/mãe de seu(ua) filho(a) com ele(a).
Essa melhora foi considerável em 41,5% dos casos e muita para 9,8% dos casos.
 Além disso, 55% das pessoas afirmaram que desde a vivência de constelações
familiares se sentiu mais calmo para tratar do assunto; 45% disseram que diminuíram
as mágoas; 33% disse que ficou mais fácil o diálogo com a outra pessoa; 36% disse
que passou a respeitar mais a outra pessoa e compreender suas dificuldades; e 24%
disse que a outra pessoa envolvida passou a lhe respeitar mais.
Nas entrevistas, houve diversos relatos emocionantes dando conta da melhora das
relações familiares dos participantes, inclusive alguns casos em que o casal voltou a viver
junto, e de modo mais feliz.
Dessa forma, as pesquisas preliminares indicam que a prática contribui não apenas para
o aperfeiçoamento da Justiça, mas também para a qualidade dos relacionamentos nas famílias
– que, sabendo lidar melhor com os conflitos, podem viver mais em paz e assim proporcionar
um ambiente familiar melhor para o crescimento e desenvolvimento dos filhos, com respeito e
consideração à importância de cada um.
Consequência natural disso é a melhora nos relacionamentos em geral e a redução dos
conflitos na comunidade.

O Direito Sistêmico e suas implicações sobre o direito tradicional

A abordagem sistêmica do direito (ou direito sistêmico) tem implicações importantes na


forma de tratar os conflitos e as pessoas neles envolvidas, inclusive vítimas de violência, réus
nas ações penais, adolescentes autores de atos infracionais e em questões relativas à guarda
e adoção.

311
ENTRE ASPAS

A título de exemplo, pode-se mencionar que, na abordagem sistêmica, é considerada de


fundamental importância a filiação biológica, que jamais poderá ser substituída pela adotiva.
Isso não significa que a adoção não pode ser benéfica, e mesmo necessária, mas sim que é
fundamental para uma criança o reconhecimento – e a reverência - a cada pessoa importante em
sua vida, como requisito para que tenha verdadeiro reconhecimento de seu próprio valor e
possa sentir amor próprio.
As pessoas mais essenciais na vida de qualquer pessoa são, e nunca deixarão de ser, os
pais biológicos, pois foram estes que lhe deram a vida, e sem eles nada mais teria qualquer
sentido para essa pessoa.
Essa importância essencial dos pais não é reduzida por circunstâncias como terem
morrido prematuramente, abandonado o filho, dado ele à adoção, espancado, sido presos,
alcoólatras, promíscuos, psicóticos ou qualquer outra. Seja o que tiver acontecido, negar a
importância dos pais biológicos significa entender que seria melhor que o filho não existisse –
pois sua existência é fruto da existência dos pais e do fato de terem procriado. Rejeitar essa
importância, portanto, significa rejeitar o próprio filho.
Ora, há inúmeros casos de pais adotivos que enfrentam sérias dificuldades com os
filhos adotivos. É muito comum que estes se revoltem e pratiquem atos de violência contra si
mesmos ou contra os próprios pais adotivos, apesar de todo o carinho e a dedicação que
costumam receber deles.
Nas constelações, podemos verificar que essas dificuldades estão em geral relacionadas
à postura e ao reconhecimento dos pais adotivos em relação aos biológicos. Quando a postura
é de negação (“seus verdadeiros pais somos nós; aqueles não têm valor, pois nada fizeram por
você”), o filho se revolta, porque inconscientemente sente a rejeição como sendo contra si
mesmo. Num nível superficial, fica com raiva dos pais biológicos, rejeita-os e assume como
seus únicos pais os adotivos; mas depois se revolta contra si mesmo e contra os pais adotivos.
Quando, na constelação, incluímos representantes para os pais biológicos (mesmo que
os verdadeiros já estejam mortos) e pedimos aos pais adotivos para que olhem para eles, o filho
sente um grande alívio. Podemos, então, pedir que os pais adotivos digam aos biológicos:
“Vocês são os pais. Graças a vocês, nós ganhamos um filho. Nós somos só os substitutos, e
cuidamos dele em seu lugar”. Dizer isso é uma atitude humilde, que muitos pais adotivos não
conseguem ter, por receio de apequenarem sua própria importância. Mas através dos
representantes é possível experimentar o efeito dessa frase sobre cada membro do sistema.
Os pais biológicos, ao ouvirem isso, naturalmente sentem-se reconhecidos e honrados,
e podem então dizer: “Nós tivemos dificuldades, estávamos envolvidos com nossos próprios
problemas, e por isso não pudemos criá-lo. Que bom que vocês o fizeram. Ele está em boas
mãos”.
O reconhecimento de um gera o reconhecimento do outro. E assim, quando o filho sente
que os pais adotivos reconhecem e honram os pais biológicos, e que estes, por sua vez,
abençoam e aprovam os pais adotivos, ele então se sente reconhecido e honrado por ser como
é e por ter vivido a história que viveu. Ao invés de se sentir uma vítima, pode sentir-se
afortunado por ter recebido de seus pais biológicos a vida, e dos adotivos tudo o mais que que
precisou. A força, a gratidão e a alegria expressadas pelo representante do filho e os demais
participantes, na constelação, confirmam o efeito benéfico e curador das frases ditas.
Nesse caso, observa-se a atuação de uma das leis sistêmicas – a da precedência (que
pode ser resumida como “quem veio primeiro tem precedência sobre quem veio depois”).
Assim, no tratamento de casos de adoção, a aplicação do direito sistêmico se diferencia da

312
A REVISTA DA UNICORP

abordagem tradicional e ainda vigente legalmente, segundo a qual o registro original de


nascimento é substituído pelo decorrente da adoção, e nenhum reconhecimento é dado aos
genitores. Um novo elemento é incorporado, como resultado da visão sistêmica.
Diversas outras leis sistêmicas vêm sendo observadas nos mais diversos tipos de
relações, e as experiências com as constelações mostram resultados impressionantes não
apenas no tratamento de questões familiares e de sucessão, mas também criminais e
empresariais, havendo ainda um vasto campo a ser explorado quanto à aplicabilidade dessa
abordagem em questões relativas a direitos difusos, ações indenizatórias, previdenciárias,
falimentares, entre outras.

A pesquisa em curso

Temos procurado investigar quais as possibilidades, os potenciais e os limites da


aplicação do direito sistêmico no nosso sistema jurídico e judicial, respondendo as seguintes
perguntas:
- Quais as possibilidades de utilização das técnicas das constelações sistêmicas na
facilitação das conciliações e na resolução de conflitos?
- Quais os efeitos da utilização dessas técnicas, em diversas áreas (família e sucessões,
criminal, infância e juventude, empresarial, etc.)?
- Quais as implicações do direito sistêmico na interpretação e aplicação das leis?
- Quais as possíveis contribuições do direito sistêmico para o direito civil, penal,
processual civil e processual penal? E para o sistema judicial?
A fim de responder tais perguntas, desde outubro de 2012 temos realizado os eventos
no fórum com palestras vivenciais de constelações familiares, convidando, a cada vez, as
pessoas envolvidas em algumas dezenas de processos versando sobre temas semelhantes
(por exemplo, na área de família com o tema “A separação de casais, os filhos e o vínculo que
nunca se desfaz”; na área de infância e juventude, com o tema “Adolescentes e atos infracionais
– a descoberta dos vínculos sistêmicos familiares”; ou na área criminal, com o tema “A violência
nas famílias – origens e soluções”.
Depois, mantemos o acompanhamento dos processos cujas partes compareceram à
vivência de constelações, e oportunamente, por ocasião da audiência, fazemos estatísticas
relativas aos índices de acordos realizados e renúncias às queixas e representações criminais,
e aplicamos questionários onde as partes apontam em que medida a vivência as auxiliou a
chegar à conciliação e a melhorar seus relacionamentos com a parte com a qual estava litigando,
bem como outros impactos da prática.
Em alguns casos, temos realizado entrevistas mais detalhadas, a fim de acompanhar o
desenvolvimento qualitativo das relações entre as pessoas.
Até o momento, já temos como amostra de casos em estudo cerca de 280 pessoas
envolvidas em 150 processos da área de família da Vara Cível da Comarca de Castro Alves - BA
e cerca de 300 pessoas envolvidas em 150 processos da Vara Criminal e de Infância e Juventude
da Comarca de Amargosa - BA. Além disso, trabalhos com constelações foram realizados
durante audiências concentradas em duas instituições de acolhimento de menores em situação
de risco ou abandono, na Comarca de Lauro de Freitas – BA, com cerca de 20 crianças e
adolescentes.
Na continuidade da pesquisa, essa amostra aumentará, assim como será possível avaliar

313
ENTRE ASPAS

também alguns resultados de longo prazo, como o índice de reincidência criminal e infracional,
e a reiteração de queixas e ações relativas ao mesmo conflito.

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Notas__________________________________________________________________
1 HELLINGER, Bert, in FRANKE-BRYSON, Ursula, O rio nunca olha para trás. Conesão Sistêmica,
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A REVISTA DA UNICORP

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ENTRE ASPAS

SEAD
Gráfica/DSG - TJ/BA

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