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Arno Wehling
Gustavo S. Siqueira
Samuel Rodrigues Barbosa
IX
CONGRESSO
BRASILEIRO
DE HISTÓRIA
DO DIREITO
Rio de Janeiro
2018
Organizadores
Arno Wehling
Gustavo S. Siqueira
Samuel Rodrigues Barbosa
Rio de Janeiro
2018
Organização e recebimento dos textos: Taísa Regina Rodrigues
Arte da capa, formatação, layout e editoração gráfica: Leandro S. Lima
C749
Formato: PDF
Requesitos do sistema: Adobe Acrobat Reader
Modo de acesso: World Wide Web
CDD 340.098
Corrdenação acadêmica
Arno Wehling
Christian Lynch
Gustavo S. Siqueira
Ricardo Fonseca
Samuel Rodrigues Barbosa
Comissão executiva
Arno Wehling (IHGB/ABL)
Christian Lynch (UERJ)
Gabriel Melgaço (UERJ)
Gustavo S. Siqueira (UERJ)
Julia de Souza Rodrigues (UERJ)
Ricardo Marcelo Fonseca (UFPR)
Samuel Rodrigues Barbosa (USP)
Taísa Regina Rodrigues (UERJ)
Diretor Presidente
Samuel Rodrigues Barbosa
Diretor Vice-Presidente de Assuntos Institucionais
Arno Wheling
Diretor Vice-Presidente de Assuntos Acadêmicos
Ricardo Marcelo Fonseca
Secretário Geral
Gustavo S. Siqueira
Tesoureiro
Christian Edward Cyril Lynch
Conselho fiscal
Juliana Neuenschwander
Luis Fernando Lopes Pereira
Realização
INSTITUTO HISTÓRICO
E
GEOGRÁFICO BRASILEIRO
Apoio
SUMÁRIO
Apresentação 9
Arno Wehling
Gustavo Siqueira
Samuel Rodrigues Barbosa
• HISTÓRIA CONSTITUCIONAL
A TOLERÂNCIA RELIGIOSA: A CRÍTICA HISTÓRICO-CONSTRUTIVISTA
E O ACESSO AOS ESPAÇOS CONSTITUCIONAIS NO BRASIL 257
Brenner Toledo Rocha
Boa leitura,
Arno Wehling
Gustavo Siqueira
Samuel Rodrigues Barbosa
Grupo de Trabalho
Resumo
A constituição de uma instituição presente e efetiva como a escravidão não
poderia ter se dado sem uma ampla articulação do sistema jurídico, destinada
justamente a resguardá-la no campo da legalidade. Sendo objeto, portanto, de
disputa dos atores que performam os sentidos possíveis do direito na direção
da construção dos conceitos essenciais para a continuidade, ou encerramento,
do sistema escravista, uma análise sobre a prática do direito pode revelar muito
das tensões e estratégias da sua consolidação. Dessa forma, a avaliação dos
processos do abolicionista Luiz Gama é oportunidade essencial para avaliar esse
jogo de sentidos e disputa de espaços semânticos, bem como compreender
parte do cotidiano desse tema na vida institucional imperial. Esse breve trabalho,
analisando cerca de 30 processos do abolicionista, em sua maioria ações de
liberdade, pretende demonstrar (i) parte das situações violações e situações
fáticas mais constantes nas suas peças e processos, bem como (ii) demonstrar
os aspectos mais centrais da sua argumentação jurídica.
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O DIREITO E O AVESSO DO ESCRAVISMO:
COMENTÁRIOS SOBRE CASOS ESCOLHIDOS DE LUIZ GAMA E AS AÇÕES DE LIBERDADE
Tal abordagem tem permitido uma visão mais complexa dos mecanismos
que permitiram o funcionamento da engrenagem escravocrata em um Estado
constituído sob instituições jurídicas formais. Nesse quadro, o Direito deixa de
apresentar-se apenas na dimensão de instrumento da emancipação do escravi-
zado, e passa a figurar em uma intrincada teia de representações institucionais,
constituindo-se como campo de disputa de discursos e atores, que o performam
nas mais diversas perspectivas, em um arco de sentidos bastante amplo variado
da busca de manutenção e encerramento da escravidão.
Veio então a lei de 1831, proibindo o que o Brasil já havia proibido duas
vezes: o comércio intercontinental de escravizados. A turbulência da regência
permitiu mais uma ginástica argumentativa, segundo a qual a lei não teria eficácia
prática: os escravistas diziam que a norma caíra em desuso. Como durante o
império, sistema judicial e político se entrelaçavam mais do que a independência
dos poderes deveria tolerar, a terceira proibição também não foi o bastante. Em
1850, o Estado brasileiro proibia pela quarta vez o dito comércio, desta vez sob
os canhões dos navios ingleses aportados nos portos nacionais.
geral sobre o tema (O escravo na jurisprudência brasileira: Magistratura e ideologia no 2º Reinado. Porto Alegre,
RS: Diretoria da Revista de Jurisprudência e outros impressos do Tribunal de Justiça, 1988) e Sidney Chaloub (A
força da escravidão. Ilegalidade e Costume no Brasil oitocentista. São Paulo: Companhia das Letras, 2012).
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A análise dos casos pode revelar uma visão do Direito pela representação,
através da agência de Luiz Gama, de uma narrativa discursiva das instituições
jurídicas disponíveis, pela composição das suas diversas fontes e arcabouços
necessários aos argumentos formadores das suas petições de liberdade. Essa nar-
rativa é ordenada, inteligível, e hierarquiza bens na direção de formação de um
sentido jurídico. É a formação de uma noção de Direito. O Avesso, nesse jogo
de palavras, é o que se revela na contraface dos casos empenhados por Gama:
analisar o seu discurso jurídico é uma possibilidade de acessar práticas sociais
daquela sociedade, e sugerir uma abordagem da observação do Direito como
linguagem representativa de uma outra agência, em sentido contrário àquela
3 Para compreensão mais completa da biografia e da obra de Gama, alguns autores podem ser mencionados.
Além dos que serão mencionados em notas específicas nesse trabalho, importante anotar os trabalhos de Lígia
Fonseca Ferreira (FERREIRA, Lígia Fonseca. Com a palavra, Luiz Gama. São Paulo: Ed. Imprensa Oficial, 2011),
Elciene Azevedo (AZEVEDO, Elciene. O direito dos escravos: lutas jurídicas e abolicionismo na província de São
Paulo. Campinas, SP: Ed. Unicamp, 2010), Sid Mennucci (MENNUCCI, SID. O percurso do abolicionismo no Brasil
(Luiz Gama). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938), Luiz Carlos Santos (SANTOS, Luiz Carlos. Retratos
do Brasil Negro: Luiz Gama. São Paulo: Selo Negro Edições, 2010) e Nelson Câmara (CÂMARA, Nelson. O
advogado dos escravos: Luiz Gama. São Paulo: Ed. Lettera.doc, 2010).
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COMENTÁRIOS SOBRE CASOS ESCOLHIDOS DE LUIZ GAMA E AS AÇÕES DE LIBERDADE
postulada pelo advogado,4 escondida no factual que ele buscava alterar nos seus
processos judicias, havia também uma performance sobre o direito.
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A Lei do Ventre Livre buscou criar condições mais favoráveis aos detentos
em situações dessa natureza, mas chama a atenção que nesse caso especifico
Gama se socorre do judiciário quase dez anos depois da sua promulgação, ainda
enfrentando o conhecido problema do “escravo abandonado”. Provavelmente, o
arco argumentativo que sustentou a sua prisão foi o entendimento de que não
eram “escravos abandonados” e sim escravos fugidos, e que, portanto, deveriam
ser restituídos aos seus donos.
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Juntamente com esse grande grupo reunido acima nas três hipóteses mais
comuns mencionadas – casos de pessoas livres e libertas reduzidas à escravidão
– é possível enquadrar mais duas aparições constantes nos casos de Gama: (i) os
escravizados após a Lei do Ventre Livre que buscam comprar sua própria alforria,
utilizando-se do instituto do “preço justo”; e (ii) situações nas quais o escravizado
já deveria ter obtido sua liberdade, mas não o conseguiu pelo descumprimento
de uma promessa, ou pela ocorrência de alguma fraude que tenha violado subs-
tancialmente sua legítima expectativa de direito de manumissão.
Todo esse sistema de fraudes nos registros deve ser lido com a lembrança
de que já nessa época não era mais facultado aos senhores a importação de
escravizados, de modo que, com bastante frequência, os registros eram dolosa-
mente negligentes quanto às informações de aquisição, seu preço e data, bem
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Casos como o de Jacinta, levado a juízo por Gama em 1871, eram muito
comuns: a escravizada tendo acordado com o seu senhor o pagamento de uma
determinada quantia ao longo do tempo pela sua liberdade, adimpliu fielmente o
valor pactuado, sem, entretanto, obter sua alforria quando do termo combinado.
Ou o caso de Apolônia, dada em casamento pelo seu senhor na presença de
testemunhas. Naquele caso, o descumprimento de uma obrigação contratual.
Nesse caso, o descumprimento de uma promessa. Em ambos, a utilização de
violações de direitos estabelecidos para a manutenção da escravidão.
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organizar uma linha retórica totalmente desvencilhada dos diplomas legais quando
a situação assim exigia.
IV – Conclusões
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Essa não seria uma leitura correta. Os casos de Gama demonstram que a
escravidão se sustentava em uma bem articulada cadeia de ilegalidade, técnicas
jurídicas e criação de procedimentos administrativos destinados justamente a
compor soluções, na prática do direito, que anulassem as saídas legais apresentadas
nos diplomas nacionais. O leitor do texto legal, talvez achasse um país buscando
a civilidade definitiva. Alguém, entretanto, que se debruçasse sobre a prática das
instituições reais daquela sociedade imperial, dificilmente teria essa mesma opinião.
Referências bibliográficas
ALONSO, Angela. Flores, votos e balas: o movimento abolicionista brasileiro (1968-
88). São Paulo: Companhia das Letras. 2015
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COMENTÁRIOS SOBRE CASOS ESCOLHIDOS DE LUIZ GAMA E AS AÇÕES DE LIBERDADE
SANTOS, Luiz Carlos. Retratos do Brasil Negro: Luiz Gama. São Paulo: Selo Negro
Edições, 2010
TAYLOR, Charles. A Ética da Autenticidade. Trad. Talyta de Carvalho. São Paulo:
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___. Human Agency and Language: Philosophical Papers I. Cambridge, UK: Cam-
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___. La libertad de los modernos. Trad. Horacio Pons. Buenos Aires: Amorrortu, 2005.
VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno. Trad. Claudia Berliner.
São Paulo: Martins Fontes, 2008.
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A COMPREENSÃO PARLAMENTAR DA SUSPENSÃO DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DOS CIDADÃOS NO PRIMEIRO
REINADO BRASILEIRO: OS DEBATES SOBRE O §35 DO ART. 179 DA CONSTITUIÇÃO EM 1826, 1829 E 1830
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não poderia deixar de ser, por interesses políticos conjunturais e por diferentes
interpretações de fundo acerca do texto constitucional.
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REINADO BRASILEIRO: OS DEBATES SOBRE O §35 DO ART. 179 DA CONSTITUIÇÃO EM 1826, 1829 E 1830
Havia, no entanto, deputados que, como José Clemente Pereira (RJ), de-
fendiam a prerrogativa do governo de, nos casos de aplicação do §35, dispensar
as garantias que considerasse necessárias à preservação da ordem, ainda que tal
2 Na definição de Adriana Barreto de Souza e Angela Moreira Domingues da Silva, na qualidade de tribunal
de exceção, “a comissão militar era um dispositivo acionado para dar ares de julgamento à ação do Estado
na repressão a movimentos contestatórios”. Em acordo com as autoras, tais tribunais eram presididos pelo co-
mandante das forças de repressão atuantes nos locais de sua criação e deviam ser integrados unicamente por
militares, “sem contar com a presença de sequer um juiz togado”. Sem direito a defesa, os réus julgados por
comissões militares eram processados de forma sumária e verbal e, nos casos de incursão na pena de morte,
quase sempre executados prontamente, sem direito à clemência imperial (SOUZA; SILVA, 2016, p. 369).
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Para vários deles, portanto, ainda que houvesse motivos para a criação
de comissões militares no país, ou seja, ainda que fosse aceitável sua existência no
Império, era absolutamente necessário que o governo prestasse contas à nação
não apenas dos motivos de sua criação, mas também, e talvez especialmente,
das causas de sua manutenção, assumindo a responsabilidade inerente a tais
atos. Na fala dos deputados a se manifestarem na ocasião, fica patente, ainda, a
noção de que, sem a prestação de contas dos ministros acerca das comissões
militares e de outras medidas empreendidas previamente à abertura da Casa
legislativa, dificultava-se, e muito, o desenvolvimento dos trabalhos da Câmara e
o cumprimento do papel dos deputados de “sentinelas da liberdade e guardas
das garantias individuais”.
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recurso a tal medida e com sua ignorância ante a questão, ansiando por receber
do governo esclarecimentos sobre a efetiva constitucionalidade do recurso a tal
dispositivo, acompanhado de uma relação das “disposições e outras medidas de
prevenção tomadas a este respeito”.
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Nas discussões travadas, por sua vez, em torno do projeto de lei de abo-
lição dos juízos privilegiados, o posicionamento dos representantes, em especial
dos senadores nacionais, ante o §35, se deu de forma bastante mais concreta. E
isso porque a parte final do artigo 1º da primeira versão deste projeto (posterior-
mente convertida em art. 2º), tratava especificamente da proibição de comissões
militares no país.
Uma vez que o projeto de lei de abolição dos juízos privilegiados visava,
justamente, à regulamentação das previsões presentes no §17 do art. 179 da
Constituição5 – por diversas vezes mobilizado pelos deputados que advogavam
a expressa proibição constitucional à criação de comissões militares no país –,
não é de se estranhar que os debates esbarrassem nesta questão.
5 Em acordo com o §17 do art. 179: “À exceção das Causas, que por sua natureza pertencem a Juízos parti-
culares, na conformidade das Leis, não haverá Foro privilegiado, nem Comissões especiais nas Causas cíveis ou
criminais”.
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Do outro lado da contenda, por sua vez, defendia-se não apenas a limi-
tação das medidas de prevenção possibilitadas pela aplicação do §35, mas, mais
do que isso, a inutilidade da formação de comissões militares para o controle
de rebeliões, e a necessária manutenção das fórmulas legais dos processos, ainda
quando do julgamento de “rebeldes, traidores ou malvados”. Respondendo à par-
cela de seus colegas para quem impor limites ao §35 era estimular a impunidade
no país, especialmente a “homens revoltosos e conspiradores”, perpetradores dos
piores crimes, Luis José de Oliveira Mendes, o futuro barão de Monte Santo
(senador pela província do Piauí), foi enfático ao afirmar a proibição, no país, de
qualquer sentenciamento senão por autoridade competente, defendendo ainda
que “quanto maior é o crime, maiores meios se devem dar ao Cidadão para sua
defesa” (Anais do Senado do Império do Brasil, sessão de 9 de junho de 1828).
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sessões, por meio dos esclarecimentos prestados à Casa pelos Ministros da Justiça
e da Guerra, justificando sua atuação naquela província.
Uma vez mais, vemos aparecer nas falas dos deputados, distintas interpreta-
ções acerca dos limites do §35, das “formalidades” passíveis, ou não, de suspensão,
das circunstâncias especificamente necessárias à sua aplicação, do status legal ou
extraordinário da medida e, consequentemente, da possibilidade ou efetividade
da admissão ou proibição de sua aplicação no país.
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Nesse sentido, ainda que os debates travados sobre este decreto nas sessões
parlamentares de 1830, não tenham esmiuçado seu conteúdo (como fizeram os
deputados, em 1829, sobre os decretos de fevereiro) privilegiando, como veremos
à frente, outros aspectos da questão, não passou batido para os representantes
a extensão das garantias dispensadas pelo documento e seu desacordo com os
compromissos firmados na Casa, até então, em torno à aplicação do §35.
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Apesar de reconhecer, por fim, que o ministro havia abusado das limitadas
faculdades proporcionadas pelo §35 (“suspendendo direitos que jamais se podem
reputar formalidades”) e que não havia empreendido as medidas necessárias à
interrupção do mal em curso, os membros da comissão afirmavam que, tendo
em vista a urgência de outros assuntos a povoarem a pauta da Casa, reservavam
para tempo conveniente a acusação do ministro prevaricador, optando em, por
ora, seguir a marcha dos negócios que a Câmara tinha sob os olhos.
O parecer, ao que tudo indica, nunca foi debatido pela Casa, mas seu
conteúdo é suficientemente significativo do modo como, ainda em 1830, o
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12 Nas sessões de 21 e 30 de junho de 1830, por exemplo, os deputados vêm confirmada pelo governo uma
desconfiança que haviam revelado possuir em diferentes momentos dos debates daquele ano, qual fosse, a de
que o Executivo brasileiro havia tornado extensivos a diversas províncias do Império, ainda que unicamente de
forma preventiva, os decretos de suspensão das garantias e de criação de uma comissão militar em Pernambuco,
em fevereiro de 1829. A revelação de tal medida, realizada por meio de ofícios comprobatórios assinados pelos
ministros da Justiça e da Guerra, foi recebida pelos deputados como prova absoluta das mentiras e traições do
ministério anterior. Nesta conjuntura, no entanto, diferentemente do ocorrido entre maio e julho de 1829, os
deputados da oposição não bradaram pela acusação dos ex-ministros, mas antes pela máxima publicidade da
descoberta – pedindo a publicação dos ofícios nos principais periódicos do país –, com vistas especialmente
à comprovação, diante dos eleitores nacionais, de sua correta atuação no ano anterior em oposição àquele
ministério.
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Referências bibliográficas
BARMAN, Roderick J. Brazil: the forging of a nation, 1798-1852. Califórnia: Stanford
University Press, 1988.
BUENO, José Antonio Pimenta. Direito Público Brazileiro e Análise da Constituição
do Império. Rio de Janeiro: Typographia Imp. E Const. De J. Villeneuve e C., 1857
CARVALHO, Marcus Joaquim Maciel de. Hegemony and Rebellion in Pernambu-
co (Brazil), 1821-1835. Tese de Doutorado. Urbana-Champaign: Universidade de
Illinois, 1989.
CARVALHO, Marcus Joaquim Maciel de. “‘Aí Vem o Capitão-Mor’. As eleições de
1828-30 e a questão do poder local no Brasil imperial”. Tempo, Rio de Janeiro,
vol. 7, nº 13, p. 157-187, 2002.
COSTA, Vivian Chieregati. Codificação e formação do Estado-nacional brasileiro: o
Código Criminal de 1830 e a positivação das leis no pós-Independência. Dissertação
de Mestrado. IEB-USP, 2013.
COSTA, Vivian Chieregati. A última cabeça da hidra revolucionária de Pernambuco:
a repressão ao movimento de Afogados e a repercussão parlamentar à suspensão
das garantias constitucionais dos cidadãos pernambucanos. In: Anais do XXIX
Simpósio Nacional de História – contra os preconceitos: história e democracia.
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Grupo de Trabalho
Resumo
O artigo, apresentado no IX Congresso Brasileiro de História do Direito,
tendo como base as pesquisas que realizei, no tempo de meu doutoramento,
em jornais da Corte, especialmente nos resumos das sessões do júri, e na cor-
respondência de Eusébio de Queiroz, chefe de polícia e juiz da primeira vara,
com os juízes de paz, traça panorama do tribunal do júri da corte imperial
entre 1833 e 1841.
Na primeira parte do trabalho, acompanhamos Eusébio de Queiroz Matoso
Câmara, suas dúvidas e seu entusiasmo com a nova instituição. Na segunda
parte apresentamos os resultados das pesquisas nas fontes mencionadas, tra-
zendo as estatísticas relativas ao julgamento dos principais crimes contra as
coisas – furto, furto de escravos, roubo e estelionato – e contra as pessoas
– ferimentos simples, ferimentos graves, tentativa de homicídio e homicídio,
tanto do júri de acusação como do júri de sentença.
—
Segunda feira, 19 do corrente reuniram-se no Paço da Câmara Municipal
os 60 cidadãos, que haviam sido sorteados para comporem os Conselhos do Jury
de Acusação e o de Sentença, na forma do Código do Processo; e cheias as
formalidades prescriptas na Lei, começaram logo os seus trabalhos em presença
de um grande concurso de espectadores, reinando o mais profundo respeito, e
a melhor ordem no andamento de tão augustas funções.
1 Sobre a ruptura representada pelo júri: ACTES DU COLLOQUE D’ORLEANS – La Révolution et l’ordre
juridique privé – Rationalité ou scandale? – PUF, 1986; CARBASSE, Jean-Marie – Histoire du droit pénal et de la
justice criminelle – PUF, 2000; CLAVERO, Bartolomé – “Crédito del jurado y credenciales del constitucionalismo”,
in: Happy Constitution. Editorial Trotta, 1997.
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Grandes esperanças.3
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As Sessões Diárias
4 Correio Oficial, 23 de agosto de 1833 – Eusébio de Queiroz – Relatório da Primeira Sessão do Júri.
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O JÚRI DA CORTE DO RIO DE JANEIRO DURANTE A REGÊNCIA
do Termo pode comunicar que havia apenas dois processos para o Segundo
Conselho de réus pronunciados antes de 05 de dezembro de 1832. 5
—
Se antes o problema situava-se em torno dos processos anteriores ao Có-
digo, e a culpa bem podia ser atribuída às mazelas do Antigo Regime, agora não
mais. Os crimes não deixavam de ocorrer. Novas pronúncias e novas acusações
exigiam novos julgamentos. Um descompasso crescente poderia ocorrer entre as
três instâncias. As pronúncias dos juízes de paz dos distritos poderiam não chegar
ao Juiz de Paz da Cabeça do Termo (encarregado de apresentá-las ao júri)6, o
primeiro conselho poderia não dar conta das pronúncias dos juízes de paz, as
acusações do primeiro conselho poderiam acumular-se7 e o segundo conselho,
por sua vez, poderia não dar conta do volume de processos que a ele chegasse.
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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Para uma instituição que há menos de um ano tinha que lidar com processos
das décadas anteriores, o resultado, permita-nos avaliar, era excelente.
Podemos pensar que, tivesse Eusébio ficado quieto, não tivesse ventilado
a questão, as coisas continuariam a funcionar como estavam: os diversos juízes
e as relações cada qual com a sua prática, e o STJ revendo-a, nos poucos casos
que a ele chegavam, pois custava caro (e ainda custa) chegar ao Supremo. Mas
vendo que a concessão de revistas causa grave prejuízo às partes, peço
a V. Ex. se digne tomar em consideração esta matéria, que me parece
merecedora de atenção pelos seus efeitos, pois que estando as Cadeias
sobrecarregadas de presos, que esperam seu julgamento, e sendo já tão
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O JÚRI DA CORTE DO RIO DE JANEIRO DURANTE A REGÊNCIA
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
14 Códice 324 – v. 3 – fls. 16v/17; 25/25v (23-10-1838); 35v/36 (20-11-1838); 149/151 (30-01-1839).
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O JÚRI DA CORTE DO RIO DE JANEIRO DURANTE A REGÊNCIA
—
Expondo as causas do bom sucesso, arrolaria:
2) O recrutamento;
3) A repressão à mendicidade;
4) A deportação de estrangeiros
6) A rapidez da justiça;
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O JÚRI DA CORTE DO RIO DE JANEIRO DURANTE A REGÊNCIA
Os réus
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Homicídio* 48 04 04 56 17
Ferimentos Graves e Simples 47 04** 01 52 15, 7
Tentativa Homicídio 14 02 16 4,8
Total contra pessoas 109 08 07 124 37,5
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
para tal ou qual réu não oferece dados relativos à naturalidade, procedência, ou
condição social (livre, forro, ou escravo); (2) há poucos casos em que se identifica
o réu como homem branco, em alguns casos sendo este estrangeiro; (3) quando
no resumo aparecia apenas o nome próprio seguido de procedência africana ou
cor, considerei o réu escravo. Exemplos: Antônio, angola, ou Pedro, crioulo.
—
Tabela 7: Júri de Acusação – Agosto 1833 –Março 1838- CRIMES CONTRA PROPRIEDADE
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O JÚRI DA CORTE DO RIO DE JANEIRO DURANTE A REGÊNCIA
Tabela 10: Júri Sentença – Agosto 1833 –Março 1838 – CRIMES CONTRA PESSOAS
—
Os julgamentos do Primeiro Conselho ou Júri de Acusação
Salta aos olhos o rigor com que, ao menos nos cinco primeiros anos, o
Primeiro Conselho de Jurados cumpriu sua tarefa. Tudo levava a isto. Das decisões
do júri de acusação, tomadas por maioria absoluta de votos, ao que parece não
havia apelação. O Código não especificava se a apelação da parte era apenas da
sentença do segundo conselho ou se também da decisão do primeiro conselho.
O governo preferiu deixar a questão para o poder legislativo, que, ao que parece,
nada decidiu. A questão ficava então a critério da Relação, que poderia conhecer
ou não. De qualquer modo, o recurso de apelação era custoso, dificilmente va-
leria à pena gastar tantos esforços apenas para não ser acusado, ou apenas para
acusar alguém. Em nenhum dos processos sobre os quais temos informações
encontramos apelação da decisão do primeiro conselho.
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Furto de Escravos 66 96 % 03 69
Roubo 34 82,5 % 07 41
Furto 35 78 % 10 45
Estelionato 33 85 % 06 39
Total contra Propriedade 168 86,5 % 26 13,5 % 194
Total 274 86 % 45 14 % 319
—
1) De 01 processo de homicídio não sabemos o resultado.
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—
Os julgamentos do Segundo Conselho ou Júri de Sentença
21 No “Balanço do segundo semestre de 1838 (Códice 324), Eusébio consigna 271 processos e 463 réus. Porém,
como não apresenta os dados relativos a condenações e absolvições, optei por utilizar os números, menores,
obtidos nos resumos das sessões no mesmo código.
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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Eusébio afirma que “as decisões do Jury foram em minha opinião quase sempre
justas, e sempre ditadas pela consciência como tive ocasião de perceber”.
—
1) Não computei quatro processos cujos réus foram condenados, porém
não sabemos a qual pena. Três de homens e mulheres livres, um de preto forro.
2) Considerei apenas uma pena por processo, a maior pena, não com-
putando os co-réus sentenciados a penas menores. Dentre os homens livres
sentenciados à morte estão os quatro réus da Carqueirada e três do Patacho D.
Clara. Já um sentenciado à morte, Guimarães, também recebera, antes, por outro
crime, a pena de galés perpétuas, computada, tendo o co-réu recebido a de 20
anos de prisão com trabalho, não computada, bem como a absolvição de outro
co-réu no crime capital. Nos três restantes, os sentenciados à morte tiveram a
sorte melhorada no júri de Niterói.
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O JÚRI DA CORTE DO RIO DE JANEIRO DURANTE A REGÊNCIA
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Tabela 15: Resultado Processos de Ferimentos Simples - Agosto 1833 – Junho 1839
—
1) Sendo, como seria de se esperar em uma sociedade escravista, o furto
de escravos o principal crime contra a propriedade, o decreto n° 138 de 15 de
outubro de 1837 equiparou o delito de furto de escravos ao roubo: “Ficam ex-
tensivas ao delito de furto de escravos as penas e mais disposições Legislativas
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O JÚRI DA CORTE DO RIO DE JANEIRO DURANTE A REGÊNCIA
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Furto de escravos 61 77 % 18 23 % 79
Furto 22 63 % 13 37 % 35
Roubo 51 80 % 13 20 % 64
Total contra Propriedade 134 75% 44 25 % 178
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O JÚRI DA CORTE DO RIO DE JANEIRO DURANTE A REGÊNCIA
“são aptos para serem Jurados todos os cidadãos, que podem ser Eleitores, sendo
de reconhecido bom senso e probidade”. Poderiam ser eleitores os cidadãos que
tivessem 200 mil réis de renda anual. Outrossim, nessa fase o tribunal do júri era
dividido segundo o modelo clássico inglês – um júri de acusação ou primeiro
conselho, e um júri de sentença, ou segundo conselho. Na segunda fase, entre
1842 e 1889, já sob as regras da Reforma do Código do Processo Criminal, rea-
lizada em 1841, o júri se elitiza:
São aptos para Jurados os cidadãos que puderem ser Eleitores (...) contanto
que esses cidadãos saibam ler e escrever, e tenham de rendimento anual
por bens de raiz, ou Emprego Publico, quatrocentos mil reis, nos Termos
das Cidades do Rio de Janeiro, Bahia, Recife e S. Luiz do Maranhão: tre-
zentos mil réis nos Termos das outras Cidades do Império; e duzentos
em todos os mais Termos. Quando o rendimento provier do comércio
ou indústria, deverão ter o duplo.
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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
RIBEIRO, João Luiz. No meio das galinhas as baratas não têm razão. A lei de 10 de
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Editora Renovar, 2005.
RIBEIRO, João Luiz. A violência homicida diante do tribunal do júri da Corte. (1830
-1886). Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em História Social). Instituto de Filosofia
e Ciências Sociais. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2008.
Fontes
O Código do Processo Criminal de 1832 determinava a convocação de 6 Sessões
Ordinárias do Tribunal de Jurados a cada Ano Judiciário. Cada sessão ordinária
compunha-se de até 15 Sessões Diárias.
Como fonte principal, utilizamos os Resumos das Sessões do Tribunal do Júri da
Corte, publicados nos jornais, os quais abarcam todas as sessões diárias de cada
sessão ordinária. Já os resumos do Códice 324 ou dos maços da Série IJ6 são
sintéticos, tomando as sessões ordinárias (ou extraordinárias) em bloco.
Ao contrário dos resumos das sessões ordinárias, posteriores ao segundo semestre
de 1842, regularmente publicados nos jornais diários, desta data até 1889, a publi-
cação, nos jornais, dos resumos entre agosto de 1833 e 1841 é bastante irregular.
De 1833 a 1835, foram publicados no Correio Oficial. De 1836 a 1839, no Jornal do
Comércio. Todavia, talvez por falta de espaço, no Jornal do Comércio, a publicação
dos resumos interrompe-se sempre que são publicados os anais parlamentares
(de abril-maio a setembro-outubro). E, em 1840 e 1841, nada! Apenas um que
outro julgamento considerado de especial importância merece notícia, resumo
ou mesmo transcrição parcial.
Felizmente o Códice 324 e a Série IJ6, do Arquivo Nacional, trazem resumos de
algumas sessões, com duas limitações: embora encontremos números globais
acerca dos crimes julgados em ambos os conselhos, discriminam-se apenas os
réus-crimes que chegaram ao júri de sentença; e temos somente os resumos feitos
pelo juiz de direito da Primeira Vara Criminal, o qual alternava a presidência do
Tribunal de Jurados com o Juiz de Direito da Segunda Vara.
Tais fontes nos permitiram informações sobre aproximadamente 50% dos julga-
mentos.
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Resumo
O presente trabalho tem como intento discutir a criminalização de mu-
lheres no início do século XX, a partir do levantamento de dados constantes
do Boletim Policial do Distrito Federal do ano de 1907. Num contexto de
urbanização, discute como elementos de gênero e raça inscreviam-se na re-
presentação e na atuação da polícia de um Recife oitocentista. O debate está
colocado no contexto do início da República, período ainda profundamente
influenciado pelo regime escravista recém abolido e o pacto social por ele
engendrado. Este contexto dialoga, ainda, com outro, de menor escala: o
da urbanização. A cidade surge enquanto ambiente de confluências e é lida,
aqui, enquanto um território racializado e generificado. E é neste território que
ocorrem as disputas, ora tematizadas, entre mulheres negras e forças policiais.
Introdução
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A PARTIR DAS ESTATÍSTICAS DO BOLETIM POLICIAL DO DISTRITO FEDERAL
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que não se encontrem mais referências expressas aos negros e aos escravizados,
por exemplo, existe uma gestão racializada do espaço urbano sob a interdição ao
trabalho de vendedores e vendedoras de rua, de lavadeiras, no controle sanitário
dos gêneros alimentícios vendidos.
O cenário traçado por Davis para os EUA não deve ser lido como uma
particularidade, em muito as experiências da diáspora africana se assemelham
(GILROY, 2012; HALL, 2013). Os trabalhos historiográficos acerca dos fluxos urbanos
no Brasil oitocentista vêm demonstrando que as cidades brasileiras neste período
eram palco de intensa movimentação feminina. Trabalhadoras negras, livres, forras
ou escravizadas, circulavam com maior ou menor liberdade em busca de meios
de sobrevivência. Eram lavadeiras, vendeiras, boceteiras que encontravam na rua
seu ambiente de trabalho.
A conhecida reclusão feminina dos tempos patriarcais, notada por viajantes
europeus, não é uma condição que se deva atribuir às mulheres escravas,
forras e livres pobres. A presença destas no meio urbano se dava, sobre-
tudo, como um imperativo da busca pela sobrevivência, e pela condição
básica de exercício de seus ofícios; essas circunstâncias conferiam a estas
mulheres uma presença mais intensa pelas ruas da cidade, uma presença
que está basicamente – mas não totalmente – vinculada à atividade do
trabalho. Exercendo ofícios chamados na época de ‘portas a fora’, essas
mulheres tinham uma mobilidade espacial e um conhecimento dos “peri-
gos” da rua muito maior do que suas senhoras e patroas. Elas acabavam
se apropriando, por assim dizer, de uma maior quantidade de espaços da
cidade, ao mesmo tempo em que lhes atribuíam significados e qualidades
próprios com seus gestos diários de “mulheres de rua”: gritos, risos, falas
“obscenas”, movimentos do caminhar e da linguagem. (SILVA, 2011, p. 62)
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A CRIMINALIZAÇÃO DE MULHERES NEGRAS
A PARTIR DAS ESTATÍSTICAS DO BOLETIM POLICIAL DO DISTRITO FEDERAL
O mesmo autor (SILVA, 2011) observa ainda que, muitas vezes, o espaço
da rua era a estratégia de sobrevivência disponível também às mulheres bran-
cas pobres. É provável que, a partir do fim do século XIX, as cidades de porte
relativamente grande passassem por um período de empobrecimento. Se isso
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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
impactava as classes médias e as elites, que já não tinham mais condições, por
exemplo, de sustentar um corpo largo de escravizados e empregados domésticos,
é provável que o impacto da alta dos preços fosse ainda maior nos setores mais
pobres. Daí que, conforme coloca o autor, algumas mulheres brancas passassem
aos serviços “portas a fora”. Tal escolha, no entanto, refletia uma falta de outras
opções. A rua era vista como o espaço de desonra e imoralidade. As mulheres
brancas, em particular, não gostariam de estar associadas a esse ambiente de
desordens e optavam, quando possível, por serviços “portas adentro”.
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A CRIMINALIZAÇÃO DE MULHERES NEGRAS
A PARTIR DAS ESTATÍSTICAS DO BOLETIM POLICIAL DO DISTRITO FEDERAL
Nesse sentido, observará Naila Franklin acerca das relações entre negras
ganhadeiras e autoridades policiais em fins do império:
[...] atividades realizadas pelas ganhadeiras, apesar de importantes para a
distribuição de bens essenciais à vida urbana, preocupava as autoridades.
Elas faziam seu trabalho de maneira itinerante ou fixavam-se em pontos
estratégicos da cidade, servindo de elementos de integração entre uma
população considerada perigosa pelas elites (FRANKLIN, 2017, p. 75).
Das 254 mulheres que foram recolhidas pela polícia à Casa de Correção
em 1907, 238 estavam recolhidas pela prática de contravenções. Dessas, 200 era
por acusação de vadiagem, representando 84% do total. A criminalização feminina
era possível, portanto, em razão do tipo de vadiagem. Este tipo, de resto vago
e ambíguo, muitas vezes englobava condutas lidas como imorais, sexualmente
reprováveis, distantes, em suma, dos padrões civilizados esperados. Importa pen-
sar, também, que a representação acerda das condutas dessas mulheres não se
descolava da representação que se tinha das próprias mulheres. Nesse sentido,
estar na rua, ocupar o espaço pode ser lido de formas distintas a depender de
que sujeito se trata. O tipo de vadiagem talvez expresse, como poucos outros,
essa leitura diferencial do agir e existir.
A gestão de usos do espaço é diferencial porque atribui valorações distintas
a distintos usos do espaço. Atentar-se sobre esse aspecto da estratégia
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Até 15 de 16 De 21 De 26 De 31 De 36 De 41 De 46 Maior
anos a 20 a 25 a 30 a 35 a 40 a 45 a 50 de 51
Sociedade secreta 1
Mendicidade
Embriaguez 1 2 2 1 1
Embriaguez e vadiagem 3 3 1 1 1 2
Vadiagem 7 45 52 36 16 15 6 6 15
Vagabundas reincidentes 2 1 1 1 1
Capoeiragem 1 1
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A PARTIR DAS ESTATÍSTICAS DO BOLETIM POLICIAL DO DISTRITO FEDERAL
Descendo ao perfil das detidas, temos que 46,5% são pretas, 37% “mula-
tas” e 16,5%, brancas. Esse perfil é condizente com a imagem das mulheres que
circulam, cotidianamente, pelas ruas da cidade, mulheres negras, em sua ampla
maioria. Analisando os dados constantes do Boletim, temos, ainda, que a ampla
maioria dessas mulheres é analfabeta, o que nos põe de frente à sua condição
social, nos possibilita algumas inferências acerca das limitações encontradas por
elas no lido para prover seu sustento.
Também sabemos que a maior parte dessas mulheres era jovem ou re-
lativamente jovem e solteira. Poucas são as mulheres casadas que encontramos
detidas por vadiagem. Essa informação é importante se refletirmos acerca da
imagem de negras enquanto lascivas e imorais. Ter o status de solteira não quer
dizer que elas não tivessem famílias, mas que provavelmente viviam “amasiadas”,
em uniões não formalizadas e malvistas pela sociedade da época.
Conclusões
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
sociais ocupadas por elas. Aqui, propomos observar uma face da experiência das
negras que ocupavam o espaço público nas cidades.
Referências bibliográficas
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ginário das elites – século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
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A CRIMINALIZAÇÃO DE MULHERES NEGRAS
A PARTIR DAS ESTATÍSTICAS DO BOLETIM POLICIAL DO DISTRITO FEDERAL
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Resumo
O objetivo deste trabalho é privilegiar as considerações de método
historiográfico, que tem impacto direto sobre a própria historiografia.
No caso, o objeto da investigação é a cultura jurídica processual penal
nos anos 1930 a 1945. Entre as fontes utilizadas, estão os volumes da
Revista Forense, que alterou sua própria sede a partir da perspectiva de
unificação do direito processual, e da Archivo Judiciario, revista igualmente
tradicional. As dificuldades para reconstruir e analisar o período exigiram
uma série de ferramentas, como a própria noção de cultura jurídica e a
de juristas-legisladores e intelectuais. Partindo de uma concepção cultural,
é impossível desprezar o próprio meio de circulação (prioritariamente
revistas) e o contexto político e social no qual o processo penal estava,
aquela época, inserido.
Considerações iniciais
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PARA UMA HISTÓRIA DA CULTURA JURÍDICA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRA (1930-1945)
O primeiro é de Aury Lopes Jr., segundo o qual é mais difícil mudar “as
práticas judiciárias e a cultura inquisitória” do que a lei. Para ele, a “inspiração” na
matriz fascista do Código Rocco é provada na Exposição de Motivos do Código
de Processo Penal. Além disso, o Código tem uma estrutura na qual o juiz bus-
ca a prova de ofício, sinal de uma estrutura inquisitória.5 Essa perspectiva é tão
amplamente aceita que normalmente dispensa maiores explicações.
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
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PARA UMA HISTÓRIA DA CULTURA JURÍDICA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRA (1930-1945)
Por esses motivos, optou-se por tomar jurista como o intelectual da cultura
jurídica. Assim já o fizeram Antonio Manuel Hespanha, ao tratar do controle de
jurisdicionalidade português do século XIX;11 Ricardo Marcelo Fonseca, com os
juristas brasileiros do século XIX;12 Airton Seelaender, ao estudar a relação entre
juristas e ditaduras e, mais particularmente, Francisco Campos.13 Não seria possível,
ainda, se furtar à leitura das pesquisas desenvolvidas tanto por Ricardo Sontag – em
particular, sobre a tecnicização da legislação penal de 1940 e o antibacharelismo14
–, como por Mariana de Moraes Silveira – ao propor uma história intelectual
das reformas legislativas de 1930 a 1940 por meio das revistas jurídicas15 –, que
também tomaram os juristas como intelectuais, mas não pretenderam priorizar
o processo penal.
10 Cf. NUNES, D. Processo Legislativo para além do Parlamento em Estados Autoritários: uma análise comparada
entre os Códigos Penais Italiano de 1930 e Brasileiro de 1940. In.: Revista Sequência (Florianópolis), n. 74, dez.
2016, pp. 153-180.
11 HESPANHA, A. M. “Um poder um pouco mais que simbólico: juristas e legisladores em luta pelo poder
de dizer o direito”. In.: FONSECA, Ricardo Marcelo; SEELAENDER, Airton Cerqueira Leite. História do direito em
perspectiva. 1ª ed. Curitiba: Juruá, 2009. pp. 149-199.
12 FONSECA, R. M. “Os juristas e a cultura jurídica brasileira na segunda metade do Século XIX”. In.: Quaderni
Fiorentini: per la storia del pensiero giuridico moderno. vol. 35. Milano: Dott. A. Giuffrè Editore, 2006. p. 339-371.
Ver também OLIVEIRA, S. R. M. de. Juristas ao final do Império brasileiro (1873-1889): perfis, discursos e modelos
a partir do estudo da revista O Direito. Data da defesa: 31/08/15. 329 f. Tese (Doutorado) – Universidade Federal
do Paraná, Faculdade de Direito. Curitiba, agosto de 2015 (pdf).
13 SEELAENDER, A. C. L. “Francisco Campos (1891-1968) – Uma Releitura”. In.: FONSECA, Ricardo Marcelo
(org.). As formas do direito: ordem, razão e decisão (experiências jurídicas antes e depois da modernidade).
Curitiba: Juruá, 2013. p. 491-525; ___. “Juristas e Ditaduras: uma leitura brasileira”. In.: FONSECA, Ricardo Marcelo;
SEELANDER, Airton Cerqueira Leite (org.) História do direito em perspectiva. Curitiba: Juruá, 2009. p. 415-432.
14 SONTAG, R. “Triatoma baccalaureatus: sobre a crise do bacharelismo na Primeira República”. In.: Espaço Jurídico,
v. 9, p. 67-78, 2008; ___. Código e técnica. A reforma penal brasileira de 1940, tecnicização da legislação e atitude
técnica diante da lei em Nelson Hungria. Data da defesa: 16/11/2009. 163 f. Dissertação (Mestrado) – Univer-
sidade Federal de Santa Catarina. Pós-graduação Stricto Sensu em Direito, Programa de Mestrado. Florianópolis,
2009a (pdf); ___. “’A eloquência farfalhante da tribuna do júri’: o tribunal popular e a lei em Nelson Hungria”.
In.: HISTÓRIA, São Paulo, n. 28, v. 2, 2009b, p. 267-302; ___. “’O Farol do Bom Senso’: júri e ciência do direito
penal em Roberto Lyra”. In.: Sequência, Florianópolis, n. 68, p. 213-237, jun. 2014a; ___. “Unidade Legislativa Penal
Brasileira e a Escola Positiva Italiana: Sobre um Debate em Torno do Código Penal de 1890”. In.: Revista Justiça
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Lyra”. In.: Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 25, p. 299-332, 2017.
15 SILVEIRA, M. de M. “Direito, ciência do social: o lugar dos juristas nos debates do Brasil dos anos 1930 e
1940”. In.: Estudos Históricos. Vol. 29, nº 58. Rio de Janeiro, maio-agosto/2016. p. 411-460; ___. Revistas em tempos
de reformas: pensamento jurídico, legislação e política nas páginas dos periódicos de direito (1936-1943). Data da
defesa: 04/12/13. 394 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia
e Ciências Humanas. Belo Horizonte, dezembro de 2013 (pdf).
16 VELLOSO, M. P. Os intelectuais e a política cultural do Estado Novo. In.: FERREIRA, J.; DELGADO, L. de A.
N. (orgs.). O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. 8ª. ed. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
O esforço para desfazer mitos exige ainda mais do que colocar o sujeito
na História. Como aponta Hespanha, os juristas e historiadores do direito tendem
a acreditar que este “constitui uma antiga tradição agregativa”, somando ou aper-
feiçoando institutos20. Ao contrário do que normalmente se pensa, não é disso que
se trata uma história cultural ou sociocultural21 do institucional e do normativo22.
17 GOMES, A. de C. História e Historiadores. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996; GOMES,
A. de C.; HANSEN, P. dos S. Apresentação. In.: ___; ___ (orgs.). Intelectuais Mediadores: práticas culturais e ação
política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016. pp. 7-37.
18 “Compreender a lógica de qualificação do suplemento é não só preencher a categoria ‘historiador’ com
atributos que a aproximam das características mais gerais de um ‘intelectual’, como distinguir nela especificidades
capazes de recortar um lugar próprio, que vai se construindo e afirmando como um ofício no período coberto
pela própria seleção realizada.” Cf. GOMES, A. de C. História e Historiadores. Rio de Janeiro: Editora Fundação
Getúlio Vargas, 1996, p. 37.
19 SILVEIRA, 2013, pp. 34-35.
20 HESPANHA, 2003.
21 As fronteiras entre a história cultural e a história social se diminuíram, sendo possível assumir um gênero
híbrido, na qual a predominância entre uma e outra se dará pelo método. Segundo Peter Burke, o próprio
Clifford Geertz já admitia o perigo de uma análise cultural distante das “’superfícies duras da vida’”, como a
política e a economia. O próprio Burke reconhece que a definição de cultura é inclusiva e que talvez seja o
momento de ultrapassar a virada cultural, ao passo que os historiadores culturalistas também se preocupam
em reconfigurar suas abordagens. Nesse sentido, cf. BURKE, P. O que é História Cultural? 2ª. ed. rev. e amp. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008, pp. 147-148.
22 “Como disciplina história, a história jurídica e institucional está hoje a recuperar o ostracismo a que tinha
sido condenada pela primeira geração da École des Annales. A evolução da teoria e metodologia da história
institucional – que implicou um redesenho do seu objecto [...] desempenhou aqui um papel muito importante.
Contudo, também os historiadores gerais estão hoje, passada a vaga do economicismo que dominou até os
anos ’70, cada vez mais conscientes da centralidade e omnipresença do poder e da política.” Cf. HESPANHA,
A. M. Cultura jurídica europeia: Síntese de Um Milénio. 3ª ed. Mem Martins: Forum da História, 2003, pp. 32.
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
28 “A primeira [premissa de ordem metodológica] diz respeito ao modo como aqui se emprega o termo
cultura: ele é aqui tomado, na trilha de Geertz, não como algo que está à busca de leis e caracteres imutáveis,
mas é algo que, na atividade interpretativa, deve ter buscado seu significado. A cultura está sempre imersa
em um contexto que pode ser descrito de uma forma inteligível. A partir daí é importante indicar que a
reconstrução da ideia de uma cultura do direito não significa, portanto, a busca da ‘melhor cultura jurídica’, no
sentido de um uso competente das reflexões dos juristas mais autorizados na Europa ou nos Estados Unidos
(seja lá como isso puder ser avaliado), mas sim o conjunto de significados (standards doutrinários, padrões
de interpretação, marcos de autoridade doutrinária nacionais e estrangeiras, influências e usos particulares de
concepções jusfilosóficas) que efetivamente circulavam na produção do direito e eram aceitos nesta época no
Brasil.”, cf. FONSECA, 2006, p. 340.
29 “Mas, mais que isso, nessa obra [Local Knowledge] o autor [Geertz] dialoga especificamente com o Direito,
encarando tal fenômeno também como elemento passível de interpretação posto que pautado em formas
simbólicas próprias que dialogam com outras. Assim, o direito seria mais uma maneira de imaginar o mundo
em meio a outras, como a arte, o senso comum etc. Só que o direito seria uma representação normativa,
fundamentada em uma forma própria de imaginar como deveriam ser as coisas (a lei) e como elas são (o fato),
a partir do que se constrói um ‘sentido de justiça’ que é sempre específico, ‘local’, em dependência de como se
relacionam fato e lei nos diferentes contextos culturais. Afinal, ‘direito, tenho dito [...] é saber local; não apenas
em termos de lugar, tempo, classe, e variedade de discussões, mas também de acento [...] é esse complexo de
caracterizações e imagens, histórias sobre eventos moldados em imaginações sobre princípios, que eu tenho
chamado de sensibilidade legal’. Desta forma, o ‘Direito é religado às outras grandes formações culturais da vida
humana – moral, arte, tecnologia, ciência, religiões, a divisão do trabalho, história. [...] Como outras instituições
de longa permanência – religião, arte, ciência, o estado, a família – o Direito está em processo de aprendizado
para sobreviver sem as certezas lançadas fora’.
Assim, compartilha das angústias destas, em um mundo em que o dissenso é maior que o consenso e que
culturas e sentidos de justiça vários convivem lado a lado, configurando o que Geertz chama de ‘pluralismo
jurídico’.”. Cf. PEREIRA, L. F. L. “A circularidade da cultura jurídica: notas sobre o conceito e o método”. In.: FON-
SECA, R. M. Nova história brasileira do direito: ferramentas e artesanias. Curitiba: Juruá, 2012, p. 46.
30 Cf. PEREIRA, 2012, pp. 36-37.
31 FONSECA, 2006, p. 340 e ss.
32 PEREIRA, 2012, n. 43.
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PARA UMA HISTÓRIA DA CULTURA JURÍDICA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRA (1930-1945)
Fonseca, todavia, atenta não só para as escolhas teóricas dos juristas, como
para a articulação feita por eles entre a vida acadêmica e a vida pública com
os saberes das “’humanidades’”. Repensar essas condições é essencial não só para
combater essa concepção fundada no direito como mera atividade científica e
desvinculada da história nacional, mas também por dois motivos adicionais para
os fins que se propõe. Primeiro, porque, como será apontado, a visão antibacha-
relista é um tema recorrente já nos anos 30 e uma postura consciente e crítica
é essencial. Segundo – e mais importante –, porque o autor quer conhecer o
“modo de ser do jurista enquanto intelectual”,37 premissa essencial deste trabalho.
33 Como se vê em obras tais como RUFINO, A. G., PENTEADO, J. de C. Grandes juristas brasileiros. São Paulo:
Martins Fontes, 2003. A oposição a esse gênero literário é feita por Fonseca (2006, p. 341) e Pereira (2012, p.
49). No mesmo sentido de Pereira e Fonseca, GOMES e HANSEN, 2016, p. 13.
34 FONSECA, 2006, p. 341.
35 FONSECA, 2006, p. 341.
36 FONSECA, 2006, p. 343-349.
37 FONSECA, 2006, p. 350.
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
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PARA UMA HISTÓRIA DA CULTURA JURÍDICA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRA (1930-1945)
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
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PARA UMA HISTÓRIA DA CULTURA JURÍDICA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRA (1930-1945)
coincidem com as da Forense, mas em boa parte são originais. Antes de chegar ao
processo penal, é preciso uma incursão para compreender as revistas como veículo
da cultura jurídica e a ação dos juristas como intelectuais mediadores do direito.
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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
No Brasil dos anos 40, Gomes conta que se viveu um momento es-
tratégico de transição entre a ação de militantes defensores nacionalistas e o
apoio das massas a “programas nacionalistas”.66 Ainda que o ideal de “identidade
nacional” já existisse pelo menos desde os anos do pós-Primeira Guerra, é com
Vargas que o Estado exerce um mecenato somente comparável ao do Segundo
Império67. Justo por isso, esse foi o momento propício para a emergência do
nacionalismo no Brasil, o que exigiu a implementação do governo, composto de
uma “máquina de agentes operantes” e que necessita de “identificação e lealdade
da ‘população do país’”68. A política cultural estadonovista se desenvolveu com a
massificação bem-sucedida das ideias do regime (“engenharia social ideológica”69).
Um dos exemplos mais notáveis foi a articulação entre o Ministério de Educação
de Gustavo Capanema e o Departamento de Imprensa e Propaganda, percebida
por Velloso70.
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PARA UMA HISTÓRIA DA CULTURA JURÍDICA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRA (1930-1945)
73 “Pequeno mundo intelectual” é expressão de Sarte, devidamente citado por GOMES, 1996, p. 39.
74 Esse tipo de consideração normalmente é tecida por quem não considera a espessura da produção intelec-
tual em questão, como parece ocorrer com os juristas que se dedicaram ao processo penal antes do Código
de 1941, cf. n. 37.
75 “Falar de gerações é falar não só de relações entre pares, como de relações de filiação e negação entre
experiências geracionais. Ambas as coordenadas – sincrônica e diacrônica – constituem a noção e permitem
a tomada de consciência de uma temporalidade própria.”, cf. GOMES, 1996, p. 41.
76 GOMES, 1996, p. 41.
77 GOMES, 1996, pp. 42-43.
78 Silveira, privilegiando o uso das fontes (em particular discursos de Getúlio Vargas, Francisco Campos e A
Paisagem Legal do Estado Novo, de Gil Duarte), permite concluir que o direito – em especial, os códigos de
processo – também era alvo de uma política cultural identitária específica e anti-estrangeirista, cf. 2013, p. 193-
201; 262-265.
108
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
que falam somente a seus pares79, os juristas se apresentam como intelectuais. Eles
podem ter trajetórias intelectuais (em especial os professores de faculdades de
direito, mas não somente), e organizam redes de sociabilidade, que, por sua vez,
que podem ou não distinguir gerações. Como particularidade, é possível elencar
que são, por vezes, agentes do próprio Estado (não raro, magistrados)80 e, por-
tanto, considerados capazes de levar a cabo sua tarefa legislativa ou de participar
do espaço de discussão. Embora não haja uma pretensão de traçar uma geração
ou uma tradição intelectual, as redes de sociabilidade parecem particularmente
relevantes devido à própria natureza das fontes elegidas.
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PARA UMA HISTÓRIA DA CULTURA JURÍDICA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRA (1930-1945)
84 Assim como fez Hobsbawm, citado pela autora, e outros autores não citados. Cf. GOMES, 1996, p. 21.
85 GOMES, 1996, p. 21.
86 GOMES, 1996, p. 10.
87 SILVEIRA, 2013, pp. 253-266.
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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
88 BORGES, C. M. R. Jurisdição e normalização: uma análise foucaultiana da jurisdição penal. 211 f. Tese (Dou-
torado). Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2005.
89 Despeito, segundo o Michaelis online: “sm. 1 Desgosto causado por ofensa leve ou desfeita; pesar, melindre;
2 Ressentimento, mesclado de inveja, pela preferência dada a outrem”. Disponível em: http://michaelis.uol.com.
br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/despeito/. Acesso em 30/11/17.
90 Trata-se certamente do marechal Manuel Deodoro da Fonseca (1827-1892), militar considerado proclamador
da República e que assumiu o Governo Provisório de 1889 a 1891, quando renunciou.
91 Munificência, segundo o Michaelis online: “sf. Ato ou qualidade de munificente; generosidade, liberalidade,
magnanimidade.”. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/mu-
nific%C3%AAncia/. Acesso em 30/11/17.
111
PARA UMA HISTÓRIA DA CULTURA JURÍDICA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRA (1930-1945)
“para que se desse a eversão92, sinistra, cujos efeitos todos hoje miseravelmente
sofremos”. O autor da sétima parte da Década Republicana não economizou
argumentos na obra monarquista. Sob o título de A Justiça, Cândido93 divide o
texto em 16 títulos, incluindo a conclusão. Cada minúcia da administração da
justiça, sob o regime da primeira década da república e o precedente, foi abordada.
Cândido de Oliveira Filho, por sua vez, seria o primeiro jurista a defender,
dentro da subcomissão de processo penal, a unidade processual, já na primeira
reunião da 13ª Subcomissão, em 06 de maio de 1931,94 mas seria minoria na in-
tepretação do Decreto que os determinou realizar um código de processo penal
para a Justiça Federal e um para o Distrito Federal. Diversas outras dinâmicas
internas da 13ª Subcomissão aparecem em uma breve consulta aos jornais e a
pesquisa se estenderá ainda nesse sentido.
92 Eversão, segundo o Michaelis online: “sf. 1 ANAT Reviramento de uma parte do corpo para fora (como a
pálpebra ou o pé); 2 Grande destruição; aniquilamento, desmoronamento.”. Disponível em: http://michaelis.uol.
com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/evers%C3%A3o/. Acesso em 30/11/17.
93 Cândido de Oliveira (1845-1919) nasceu em Ouro Preto. Tornou-se bacharel aos 20 anos, na Faculdade
do Largo de São Francisco, em São Paulo. Editou o jornal “7 de Setembro” e teria obtido destaque como
líder estudantil. Entre 1865 e 1871, teria sido procurador fiscal interino, procurador público da comarca e juiz
municipal. Elegeu-se, em seguida, vereador e vice-presidente da Câmara Municipal. Foi deputado provincial por
catorze vezes e deputado geral nas legislaturas de 1878 a 1886 (OLIVEIRA NETO, Cândido; In.: PAULA; LATT-
MAN-WELTMAN; FGV, 2010). Nomeado, então, senador vitalício, teria supostamente apresentado o projeto de
lei abolicionista à Princesa Isabel, em 13 de maio de 1888. Foi Ministro da Guerra e da Justiça – o último em
1889 (PAULA; LATTMAN-WELTMAN. FGV, 2010). Com a proclamação da República, foi deposto e exilado, só
retorno ao Rio de Janeiro em 1891, quando voltou a exercer a advocacia. Em 1896, atuaria na clandestinidade
contra a imprensa do governo federal. Em 1899, participaria da coletânea de monarquistas críticos, a Década
Republicana, que critica a República sob todos os aspectos (eleições, saúde pública, municipalidade etc), cf.
OLIVEIRA, Cândido de. In.: Década Republicana. v. II, 2ª ed. rev. e atual. Brasília: UnB, 1986. (Coleção Temas
Brasileiros, 59). pp. 7-89. Em 1900 seria professor de Legislação Comparada na Faculdade Livre de Direito do
Rio de Janeiro, obtendo o doutorado em 1901. Foi eleito diretor da faculdade, falecendo antes do terceiro ou
quarto biênio de seu mandato.
94 Jornal do Brasil, 07/05/1931.
95 Como em SILVEIRA, 2013; NUNES, 2016; SONTAG, 2014B.
112
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Considerações finais
Referências bibliográficas
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PARA UMA HISTÓRIA DA CULTURA JURÍDICA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRA (1930-1945)
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
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116
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
117
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Resumo
A temática abordada no presente trabalho é relevante para se analisar
como foi a passagem da legislação portuguesa para o primeiro código criminal
brasileiro, bem como para demonstrar as principais modificações nas tipificações
e nas penalidades aplicadas. A problemática do estudo é entender como eram
tipificados os crimes sexuais e quais as penalidades a eles aplicadas durante a
vigência das Ordenações Filipinas e do Código Criminal do Império. Para isso,
utilizou-se como metodologia um estudo descritivo-analítico, por meio de
pesquisa bibliográfica, com a leitura de artigos e livros, bem como o recurso
às fontes principais, quais sejam as Ordenações Filipinas e o Código Criminal,
tal pesquisa tem por finalidade o interesse intelectual e o despertar para co-
nhecimento de institutos penais do período colonial até o início do império.
Concluiu-se que o Código Imperial reduziu consideravelmente as tipificações
sexuais, havendo, ainda, uma tentativa de separar tais condutas do caráter
religioso que possuíam nas Ordenações. Além disso, as penalidades foram
abrandadas em relação à lei geral portuguesa, bem como o Código de 1830
retirou as normas que distinguiam as penalidades em razão do status social
do acusado, pautando na equidade entre as pessoas. Portanto, a transição
das Ordenações Filipinas para o Código Imperial foi marcada por diversas
mudanças substanciais, de cunho material e formal, sendo este o primeiro
código nacional, realizado por juristas brasileiros, visando regular as condutas
da sociedade brasileira.
Introdução
119
OS CRIMES SEXUAIS NAS ORDENAÇÕES FILIPINAS E A TRANSIÇÃO PARA O CÓDIGO CRIMINAL DO IMPÉRIO
do reino eram as leis régias. O Livro V foi revogado pelo Código Criminal de
1830, o qual era inspirado nas normas régias e na Constituição Imperial de 1824.
Após perpassar por este trajeto, verificou-se que o Código Imperial reduziu
consideravelmente as tipificações sexuais, havendo, ainda, uma tentativa de separar
tais condutas do caráter religioso que possuíam nas Ordenações.
120
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
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OS CRIMES SEXUAIS NAS ORDENAÇÕES FILIPINAS E A TRANSIÇÃO PARA O CÓDIGO CRIMINAL DO IMPÉRIO
caracterizou-se o direito penal adotado nas Ordenações Filipinas como algo híbrido,
que misturava política e religião, que não separava crime de pecado e que não
imputava penas de acordo com a gravidade da culpa, sendo estas sinônimas de
terror e crueldade (CARVALHIDO, 2003 p. XIII e XIV).
Vale lembrar que a tipificação de crimes sexuais pelo Estado era uma
forma dele disciplinar as pessoas, formar uma moral comum, barrar a promis-
cuidade, regular os instintos humanos e acima de tudo, manter os preceitos da
Igreja Católica como o casamento, o qual representava a preservação da família
e de sua descendência, e a castidade. Chrysolito Gusmão apresenta uma defini-
ção sociológica de crime sexual, que seria “o conjunto de fatos que ofendem a
liberdade sexual ou individual, que lesam e põem em perigo, pela sua anorma-
lidade, os fins da função sexual ou que tendam à destruição do indivíduo ou
da espécie” (1954, p. 85). Verifica-se, portanto, que a intenção de normatizar tais
condutas não era a proteção da dignidade sexual das mulheres ou dos homens,
mas manter a ordem moral e social, patriarcal, sob o poder do rei e da religião.
Quanto ao Código Criminal de 1830, percebe-se que ele foi a primeira lei a
revogar parte das Ordenações Filipinas, especificamente seu Livro V, bem como a
122
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Verifica-se, ainda, que o referido Código Criminal vigorou no Brasil até ser
substituído pelo Código Penal de 1890. Como será abordado nos tópicos seguintes,
o Código do Império abrandou as penas e retirou a tipificação de determinados
123
OS CRIMES SEXUAIS NAS ORDENAÇÕES FILIPINAS E A TRANSIÇÃO PARA O CÓDIGO CRIMINAL DO IMPÉRIO
delitos em relação ao que era previsto nas Ordenações Filipinas, bem como reuniu
em seu Título II “Dos crimes contra a segurança individual”, Capítulo II “Dos crimes
contra a segurança da honra”, os tipos penais de crimes sexuais, que nas referidas
Ordenações estavam descritos em diversos Títulos (BRASIL, online).
Ressalta-se que a expressão “dormir”, muito utilizada nos Títulos que ver-
savam sobre crimes sexuais, equivale a ter conjunção carnal, relação sexual, ou
intenção de coito sexual. Os delitos sexuais tinham como fundamento o fato das
práticas sexuais somente serem permitidas após o sacramento do matrimônio,
bem como a preservação da moral familiar, consequentemente, da descendência
(linhagem).
Neste contexto, o primeiro título que tratou acerca dos crimes sexuais
foi o Título XIII “Dos que commettem peccado de sodomia e com alimarias”, o
qual tipificava o crime de sodomia praticado por qualquer pessoa, homem ou
mulher, e por pessoa de qualquer qualidade, seja fidalgo ou não. A sodomia não
era somente a prática de ato sexual anal com pessoa do mesmo sexo, que geral-
mente ocorria entre homens (ARCANJO, 2015, p. 29), revelando a intolerância aos
atos homossexuais, que iam contra a natureza humana, nos moldes divinos, mas
também englobava as condutas de ejaculação que não visavam a reprodução. De
124
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
acordo com Antoni M. Hespanha, era o crime sexual mais grave, “considerado
como uma ofensa a Deus e à natureza, mais torpe do que o adultério ou do
que o incesto com a própria mãe” (2015, §2266). Portanto, diante da gravidade
a penalidade aplicada também era cruel, além disso, ela passava da pessoa do
delinquente e afetando seus descentes até segundo grau.
Por sua vez, as alimárias eram as práticas sexuais envolvendo animais, sen-
do consideradas como tipos de sodomia. Verifica-se que tais delitos implicavam
punição bastante cruel e grave, haja vista que o acusado deveria ser queimado
até virar pó, para que seu corpo e memória desaparecessem, bem como seus
bens eram confiscados pela Coroa e os descendentes seriam tidos como infames,
desonrados (PORTUGAL, online). Tal crime era equiparado aos de Lesa Magestade,
que eram os crimes contra o Rei, ou melhor, traição contra a Coroa.
Por sua vez, o Título XIV “Do infiel que dorme com alguma christã, e do
christão que dorme com infiel”, neste título ele trata da conjunção carnal entre infiel,
quem não segue as leis de Cristo como os Mouro ou Judeu, e um(a) cristã(o),
é relevante para a consumação do tipo que fosse realizado por vontade e que
ambos soubessem da condição de infiel, que recaía sobre um deles (PORTUGAL,
online). A pena, nesse caso, era de morte para os envolvidos. Havia exceções
para a aplicação da punição, a primeira era quando a mulher tinha sido forçada
a praticar o ato sexual, assim, ela não sofria nenhuma pena e a segunda era
quando a parte cristã envolvida desconhecia o caráter de infiel da outra, sendo
a pena do cristão extinta, deste modo, somente aquele que sabia da infidelidade
ou deveria saber era apenado. Percebe-se que este crime tinha como um de
seus objetivos preservar a religião católica e sua continuidade pelos descentes,
evitando a perda de fieis.
Além do crime anterior, o título previa outro delito praticado por homens,
qual seja de retirar freira do mosteiro ou de induzi-la a sair de lá para com ele
se encontrar. Neste caso, se o condenado fosse pião, ou seja, sem qualidade, era
punido com a morte, todavia, se fosse homem de maior qualidade pagava cem
cruzados para o mosteiro e era degredado para sempre para o Brasil. Por fim, o
último crime disposto pelo citado título era o de dormir, ou seja, ter conjunção
125
OS CRIMES SEXUAIS NAS ORDENAÇÕES FILIPINAS E A TRANSIÇÃO PARA O CÓDIGO CRIMINAL DO IMPÉRIO
carnal com freira fora do mosteiro, não havendo o homem a retirado de lá, assim
sendo, ele seria condenado a pagar cinquenta cruzados para o mosteiro e seria
degredado por dois anos para a África, além disso, se fosse pião era açoitado
publicamente com baraço e pregão.
A seu turno, o Título XVI “Do que dorme com a mulher, que anda no
Paço, ou entra em casa de alguma pessoa para dormir com mulher virgem ou
viúva honesta ou scrava branca de guarda” trazia hipóteses de crimes que tinham
como sujeito ativo homens e sujeito passivo mulheres. O primeiro crime descrito
era o de ter conjunção carnal com mulher que anda no Paço, ou seja, na casa
nobre, em que reside o imperador ou sua família, tais como as casas do Rei, da
Rainha ou do Príncipe, a pena imputada ao acusado era de perda da sua fazenda,
sendo metade para a câmara e metade para os cativos (PORTUGAL, online).
O segundo crime era o de entrar na casa de outra pessoa para ter con-
junção carnal com mulher livre, que não era escrava, seja com consentimento
dela ou mediante violência, se o dono da casa fosse senhor de linhagem ou
cavalheiro e o acusado fosse pião, este seria açoitado e degredado por cinco anos
para o Brasil, com baraço e pregão, mas se o acusado fosse senhor de linhagem,
indivíduo que não pode ser penalizado com açoite, ele era degredado com um
pregão na audiência, que era pena inferior a andar com baraço e pregão, por
cinco anos para a África, por fim, se o acusado fosse pessoa de maior qualidade
haveria pena de degredo, que era aplicada de acordo com a qualidade da pessoa
(PORTUGAL, online).
O Título XVII “Dos que dormem com suas parentas, e alfins” tratava dos
relacionamentos sexuais interfamiliares, que também eram moralmente reprovados,
126
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Além disso, era crime a relação sexual entre homem e sua cunhada, va-
riando as penalidades de acordo com o grau de afinidade entre os envolvidos.
Ressalta-se que este título previu hipótese de extinção da pena para a mulher,
quando ela era menor de treze anos ou maior se prestasse queixa contra o acu-
sado perante a justiça (PORTUGAL, online), portanto, observa-se a proteção das
mulheres menores e um estímulo para as maiores denunciarem os seus parentes
criminosos, que atentavam contra a moral da família.
Por sua vez, o Título XVIII “Do que dorme per força com qualquer mulher,
ou trova della, ou a leva per sua vontade” versava acerca do estupro, que era o
ato de ter conjunção carnal com mulher, por meio da utilização da violência física
ou ameaça, também era considerado estupro a relação sexual com mulher virgem
menor, contudo, este crime estava descrito em Título próprio (HESPANHA, 2015,
§2278). Para a tipificação do crime não importava se a mulher era prostituta ou
escrava, se fosse contra a sua vontade estava caracterizado o delito. Neste caso,
a pena do acusado era de morte e quem lhe ajudasse, favorecesse ou aconse-
lhasse na prática do ato violento sofreria a mesma penalidade. De acordo com
o referido título, nem o consentimento posterior da mulher, nem o casamento
com ela impediam a aplicação da pena, em virtude da gravidade relacionada à
violência (PORTUGAL, online).
Além do crime citado, o título previa como crime tomar mulher pelo braço,
com a finalidade ter conjunção carnal ou não com ela, se tivesse relação sexual a
pena seria que o homem merecesse, segundo as disposições de direito, mas se
a intenção fosse apenas tomar a mulher a pena era de prisão por até trinta dias,
bem como pecuniária de mil reis, que era dada a quem denunciasse o crime .
127
OS CRIMES SEXUAIS NAS ORDENAÇÕES FILIPINAS E A TRANSIÇÃO PARA O CÓDIGO CRIMINAL DO IMPÉRIO
Observa-se, ademais, que o Título XIX “Do homem que casa com duas
mulheres e da mulher que casa com dous maridos” criminalizava a bigamia praticada
por homem ou mulher, já que a ordem jurídica era monogâmica, nos termos do
que dispunha os preceitos da religião católica, isto mostra novamente a ligação
entre o Estado e a Igreja. Além disso, reforçava a instituição familiar como pilar
da sociedade. Este delito era bastante comum entre os homens, tendo em vista
que muitos deles tinham família em Portugal e se casavam novamente quando
vinham passar uma temporada no Brasil, mantendo, deste modo, duas esposas.
Neste contexto, o crime ocorria quando um homem casado, que não tinha o seu
primeiro matrimonio invalidado pela justiça eclesial, se casava com outra mulher,
a pena imposta era de morte, bem como era determinado que ele pagasse com
seus bens os prejuízos que as mulheres sofressem. A mulher também poderia
praticar o citado crime e de igual modo incorria na mesma pena quando se
casava com dois maridos.
O Título XX “Do official del-Rey que dorme com mulher que perante elle
requer” tratava sobre a conjunção carnal entre os oficiais do reino, tais como
desembargador, oficial de justiça, entre outros, e prostitutas ou mulheres que
se “oferecessem” para eles. No caso, a pena imposta era de perda do ofício e
degrado para África por um ano se fosse o acusado leigo, já se ele fosse clérigo
perdia o que tinha no reino e o ofício, podendo ser condenados a outras penas,
caso merecessem (PORTUGAL, online). Quanto ao clérigo, também poderia sofrer
penalidades impostas pelas Primeiras Constituições do Arcebispado da Bahia.
Por sua vez o Título XXI “Dos que dormem com mulheres órfãs, ou
menores, que stão a seu cargo” abordava, dentre os diversos tipos descritos, o
crime cometido por juízes ou servidores responsáveis pelas órfãs. Aquele que
tivesse com órfã de sua jurisdição relação sexual era penalizado com degredo
por dez anos para a África, bem como lhes pagaria o casamento e o que ela
merecesse em dobro (PORTUGAL, online). Além disso, era crime a prática de
conjunção carnal envolvendo tutor, curador ou pessoa responsável por órfã ou
menor de vinte e cinco anos, e mulher menor ou órfã, sendo esta considerada
virgem, neste caso, o homem deveria pagar à órfã ou menor o casamento em
dobro, ser preso e degredado por oito anos para a África, caso ele não tivesse
como pagar o casamento em dobro, deveria ser degredado para sempre para o
128
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Brasil e se viesse a ter como pagar, pagaria um casamento singelo. Verifica-se que
este crime objetivava proteger a moral das famílias das mulheres virgens, órfãs e
menores, já elas não tinha pai, mãe ou avó para lhes cuidar, o responsável por
tal cuidado não poderia se aproveitar desta facilidade para violar a referida moral.
Já o Título XXII “Do que casa com mulher virgem, ou viúva que stiver em
poder de seu pai, mai, avô, ou senhor, sem sua vontade” tipificava como crime
o fato do homem casar com mulher virgem ou viúva honesta de até vinte e
cinco anos, que morasse com seu pai, mãe ou avô, sem o consentimento de
cada uma dessas pessoas, uma vez que eles detinham poder sobre a mulher
virgem ou viúva honesta e eram ofendidos com a prática do crime. Para tal crime
era imposta penalidade tanto para o homem como para as testemunhas, que
presenciassem o casamento, a pena era de perda da fazenda em favor de quem
tinha poder sobre a mulher e degredo por um ano para a África, caso o pai,
mãe ou avô da mulher não aceitasse a fazenda, esta era dividida metade para a
câmara e metade para os cativos (PORTUGAL, online). Se o homem que casou
fosse pessoa notoriamente conhecida e ficasse comprovado que a mulher casou
melhor com ele do que com quem seu pai, mãe ou avô pudessem arranjar para
ela se casar, ficaria extinta a pena dele e das testemunhas.
O Título XXIII “Do que dorme com mulher virgem, ou viúva honesta per
sua vontade” dispunha do crime de estupro, tratado também dentro do Título
XVIII, o qual remete para este, o que os diferencia é que o tratado no presente
Título, especificamente, punia a prática de relação sexual contra a vontade da
mulher virgem ou viúva honesta de até vinte e cinco anos, já aquele não fazia
distinção quanto à mulher. Segundo o Título, se o homem quisesse casar com
a mulher e ela aceitasse, as irregularidades e as penalidades impostas seriam
suprimidas. Todavia, se o homem ou a mulher não quisessem o casamento, ele
era condenado a pagar o casamento dela na quantia que o juiz arbitrasse, sendo
considerada sua qualidade, a fazenda e a condição de seu pai (PORTUGAL, online).
Caso ele não tivesse bens, deveria ser açoitado com baraço e pregão pela vila e
degredado para a África por tempo determinado pela decisão e se o homem
fosse fidalgo, que não podia sofrer pena de açoite, deveria ser degredado para
a África pelo tempo que a decisão determinasse. Além disso, caso o homem
viesse a ter bens durante a vida da mulher seria obrigado a pagar a ela metade
da condenação que era imposta.
A seu turno o Título XXIV “Do que casa, ou dorme com parenta, criada,
ou scrava branca daquelle, com quem vive” criminalizava a conduta do homem
que casava, sem licença do seu senhor ou senhora, com filha, mãe, tia parenta ou
afim, até quarto grau, nos termos do direito canônico, daquele ou daquela com
quem vivia, ou seja, do senhor ou senhora, bem como era crime ter conjunção
carnal com uma das mulheres acima citadas ou com criada, que servisse dentro
129
OS CRIMES SEXUAIS NAS ORDENAÇÕES FILIPINAS E A TRANSIÇÃO PARA O CÓDIGO CRIMINAL DO IMPÉRIO
de casa. Para os crimes narrados a pena imposta era de morte natural. O Título
também previa o crime de ter relação sexual com escrava branca, que servisse
dentro da casa, neste caso, a pena era de degredo para o Brasil para sempre,
contudo, se o homem casasse ou dormisse com criada do seu senhor, que tra-
balhasse fora de casa, a penalidade era de degredo por dez anos para o Brasil.
O Título XXV “Do que dorme com mulher casada” tratava acerca do
adultério, da infidelidade matrimonial, segundo Antonio M. Hespanha “o adultério
era considerado como uma violação da lei conjugal, ou seja, da exclusividade que
a mulher deveria ao marido quanto às relações sexuais” (2015, §2270). Os objeti-
vos deste Título eram a proteger o interesse familiar, para não gerar dúvidas em
relação à paternidade e preservar os preceitos religiosos, pautados na castidade e
na linhagem. Desta feita, o homem que se relacionasse sexualmente com mulher
casada ou que fosse considerada casada praticava crime. Assim sendo, ele seria
condenado a pena de morte e a mesma pena era imputada à mulher adultera,
todavia, se ela comprovasse que foi forçada a praticar o ato sexual não seria
penalizada. Caso o marido traído sofresse algum prejuízo ou dano o homem
adultero deveria lhe restituir.
Por sua vez, o Título XXVI “Do que dorme com mulher casada de feito, e
não de direito, ou que está em fama de casada” criminalizava a conduta do homem
que tinha conjunção carnal com mulher casada de fato e não de direito, ou seja,
que convivia maritalmente, embora não tivesse contraído matrimonio nos moldes
da religião católica e dos regramentos do Estado, devido a algum impedimento
como parentesco entre marido e mulher, desde modo, o casamento putativo era
equiparado ao de direito (PORTUGAL, online). Neste caso, a pena aplicada era
de morte. Também era crime se o homem tivesse relação sexual com mulher
que não era casada de fato, nem de direito, mas que tivesse “fama” de casada,
posto que pretendia se casar com determinado homem. Para este fato a pena
aplicada ao homem era inferior a de morte, devendo ser arbitrada pelo juiz, mas
não poderia ser inferior a dez anos de degredo para a África, já para a mulher
a pena era de degredo por cinco anos para Castro-Marim.
130
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Por sua vez, o Título XXIX “Das barregãs que fogem aquelles, com quem
vivem e lhes levão o seu” afirmava que se a mulher manceba roubasse ou furtasse
algo do barregão casado, este não pode fazer nada em face dela, todavia, sua
esposa poderia ajuizar uma ação de natureza civil contra a amante para que ela
devolvesse o que tomou do barregão, bem como qualquer presente que tenha
recebido dele.
O Título XXXI “Que o Frade, que for achado com alguma mulher, logo seja
entregue a seu Superior” afirmava que não poderia ser preso clérigo ou frade por
se relacionar, ter ou manter barregã, salvo em caso de ordem do seu superior.
Se fosse achado frade com a mulher fora do mosteiro, ele devia ser entregue
131
OS CRIMES SEXUAIS NAS ORDENAÇÕES FILIPINAS E A TRANSIÇÃO PARA O CÓDIGO CRIMINAL DO IMPÉRIO
para o seu superior, mas não seria preso. Portanto, verifica-se que tais indivíduos
estavam sob a proteção da Igreja e por isso deviam ser submetidas aos seus
superiores, não prevendo o Estado punição direta para eles, da mesma forma
que no Título antecedente.
Por fim, o último título que tratava acerca dos crimes sexuais era o Título
XXXIII “Dos ruffiães e mulheres solteiras”, ele afirmava que nenhuma pessoa poderia
ter ou manter manceba para receber serviços dela ou para lhe prestar. Quem
desobedecesse tal norma era condenado ao açoite público, sendo o homem
degredado para a África e a mulher para Couto de Castro-Marim, bem como
ambos teriam que pagar mil reis para quem tivesse os acusado assim sendo, o
Estado bonificava quem delatou o delinquente, além de estimular a vigilância de
uns sobre outros.
132
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
penas a eles aplicadas. O Código de 1830, em seu Título II “dos crimes contra a
segurança individual”, Capítulo II “dos crimes contra a segurança da honra”, previu
somente os crimes de estupro e de rapto como crimes sexuais, que tinha como
bem a ser protegido a segurança da honra, principalmente, a moral ou reputação
da família, ainda, não se entendia como necessária a proteção da dignidade sexual
das mulheres ou dos homens.
Neste contexto, os artigos 219 aos 225 do Código Criminal tratavam acerca
do crime de estupro, que era a prática de ato sexual sem o consentimento da
mulher, mediante violência ou ameaça, bem como de suas modalidades e penas.
O artigo 219 descrevia o crime de “deflorar mulher virgem, menor de dezessete
anos”, sendo assim, o homem que tivesse conjunção carnal com mulher virgem
cometia crime. Deflorar correspondia ao ato sexual de rompimento do hímen
feminino, tal ato era grave, posto que a virgindade da mulher era protegida pela
sociedade e pela religião católica, que pregava a castidade absoluta como um direito
divino, que só poderia ser rompido com o casamento (GUSMÃO, 1954, p. 83).
Por sua vez, o artigo 220 tipificava o crime de estupro praticado por quem
detinha ou poder ou a guarda da mulher deflorada. Desta feita, especificou-se o
sujeito ativo, que era o homem que tinha o dever estatal de proteger a honra e
a moral da mulher, mas agia de forma contrária, sendo enquadrada a conduta do
incesto. Neste caso, a pena era mais grave do que a prevista no artigo anterior,
qual seja, de desterro para fora da província que morava a mulher deflorada, por
dois a seis anos e ele teria que dar um dote a ela.
133
OS CRIMES SEXUAIS NAS ORDENAÇÕES FILIPINAS E A TRANSIÇÃO PARA O CÓDIGO CRIMINAL DO IMPÉRIO
fundamentalmente pela violência (1954, p. 96), seja ela física ou moral, a violência
não era presumida, portanto, devia ser comprovada por exame pericial ou qual-
quer outra que fosse convincente. Neste caso, a mulher deveria ser honesta, não
poderia ser prostituta, manceba ou praticar qualquer ato que desabonasse sua
conduta honesta, contudo, a mulher não necessariamente deveria ser virgem. A
pena imposta era de prisão de três a doze anos e pecuniária de dote. O artigo,
ainda, previa que se o crime de estupro fosse praticado contra mulher prostituta,
o homem sofria pena mais branda, qual seja, de prisão por prazo de um mês a
dois anos. Não havia a previsão de pena pecuniária, por se entender que a mulher
prostituta não tinha perdido a possibilidade de bom casamento.
Por sua vez o artigo 223 previa como crime a prática de qualquer ato
sexual para satisfação da lascívia do homem, assim, era crime o ato libidinoso
pessoalmente ofensivo, que causasse dor ou qualquer mal corpóreo à mulher, não
sendo necessária a cópula carnal, tal ato era punido com prisão de um a seis
meses e multa, correspondente à metade do tempo, além das penas impostas
as ofensas praticadas pelo réu.
Por fim, o artigo 225 previa uma hipótese de extinção da pena, que
se dava pelo casamento entre o réu e a mulher ofendida, contudo, somente
incidiria nos casos dos três artigos antecedentes. Ressalta-se que o casamento
deveria ser realizado, não bastava a intenção do réu de se casar, além disso, para
a concretização do casamento a mulher deveria concordar, bem como seu pai,
tutor, curador ou juiz responsável pela jurisdição (2003, p. 407).
Já nos artigos 226 aos 228 estavam previstos os crimes de rapto. O rapto
era definido como “uma espécie de sequestro, ocorrendo quando se tirava a
moça tida como honrada, à força ou por engano, da casa de seu pai, sua mãe ou
qualquer outra pessoa por ela responsável” (ARCANJO, 2015, p. 40), assim sendo,
o crime tinha a finalidade de praticar ato libidinoso com a mulher raptada. Neste
contexto, o artigo 226 previa o crime sexual de raptar qualquer mulher de sua
casa, ou de onde ela estivesse, mediante violência, para a prática de qualquer ato
libidinoso, inclusive, conjunção carnal. A pena aplicada ao réu era de prisão de
dois a dez anos com trabalho e ele, ainda, pagaria dote à ofendida.
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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Por sua vez, o artigo 227 descrevia o crime de raptar mulher virgem ou
assim reputada, que fosse menor de dezessete anos, da casa de seu pai, tutor,
curador, ou responsável que detenha poder sobre ela, utilizando-se de afagos e
promessas para fins libidinosos. Segundo Gusmão, a promessa de casamento era
um dos modos mais comuns de sedução, por meio dela as mulheres permitiam
que os homens praticassem com ela atos libidinosos, na esperança da consumação
do casamento em um momento futuro próximo, fato que nem sempre ocorria
(1954, p. 214). Este tipo penal especificava que a mulher deveria ser virgem ou
assim considerada, além do critério da menoridade, o homem que incorresse na
prática desse crime deveria ser preso pelo prazo de um a três anos, bem como
pagaria dote à mulher.
Verifica-se, outrossim, que o artigo 228 previa que nos casos de rapto
se houvesse o casamento entre o réu e a mulher ofendida as penas não seriam
aplicadas, na realidade, o casamento fazia cessar o crime e como consequência a
punição do autor (TINÔCO, 2003, p. 410). Portanto, o Código Criminal possibilitou
que a maioria dos tipos penais fosse abrangida pela extinção de punibilidade pelo
casamento, reforçando que seu interesse era a proteção da honra familiar e da
mulher, que deveria ser virgem para que conseguisse se casar, assim sendo, se o
réu com ela se casassem não haveria motivo para a penalização.
Conclusão
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OS CRIMES SEXUAIS NAS ORDENAÇÕES FILIPINAS E A TRANSIÇÃO PARA O CÓDIGO CRIMINAL DO IMPÉRIO
Referências bibliográficas
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CABRAL, Gustavo César Machado. Senhores e ouvidores de capitanias hereditá-
rias: uma contribuição ao estudo das fontes do direito colonial brasileiro a partir
da literatura jurídica. In: SIQUEIRA, Gustavo Silveira; FONSECA, Ricardo Marcelo
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Resumo
A presente pesquisa investiga a atuação dos professores da Faculdade de
Direito da UFSC durante a primeira fase de ditadura militar iniciada no Brasil
em 1964, procurando responder se houve apoio ou resistência por parte do
corpo docente da instituição. O período histórico analisado vai de 1964 à
1968, ano em que a Faculdade de Direito da UFSC deixa de existir a passa a
integrar um novo centro de ensino da UFSC. No desenvolvimento da pesquisa,
foram utilizadas fontes documentais – principalmente do Arquivo Central da
UFSC e dos arquivos do Serviço Nacional de Inteligência sob curadoria do
Arquivo Nacional.
1. Introdução
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JURISTAS E DITADURA: A ATUAÇÃO POLÍTICA DOS PROFESSORES DA FACULDADE DE DIREITO DA UFSC
DURANTE A DITADURA MILITAR (1964-1969)
República, e a Doutrina de Segurança Nacional – desenvolvida pela Escola Superior de Guerra – imperou como
diretriz política em várias ações do Regime. Compreende-se, ainda, que qualquer regime autoritário necessitará
de apoio na sociedade civil, seja em maior ou menor escala, inclusive de setores do empresariado. Sobre a
participação da sociedade civil no Golpe, principalmente o empresariado, ver: DREIFUSS, René Armand. 1964:
a conquista do estado – ação política, poder e golpe de classe. Trad. de Else Ribeiro Pires Vieira et al. 4. ed.
Petrópolis: Vozes, 1986.
3 Há, também, uma discussão historiográfica acerca da data final da Ditadura. Por muito tempo, a data de
15 de janeiro de 1985, quando Tancredo Neves foi eleito indiretamente Presidente da República pelo Colégio
Eleitoral, foi utilizada como o marco final da Ditadura Militar. Alguns consideram a posse do civil José Sarney,
ocorrida em 15 de março de 1985 como a data final. Outros afirmam que 08 de maio de 1985, data da
aprovação da Emeda Constitucional n. 25, é termo final do Regime. Por fim, há quem afirme que a Ditadura
somente terminou em 05 de outubro de 1988, com a promulgação da Constituição da República Federativa
do Brasil, que colocou fim à Carta Constitucional de 1967.
4 Sobre a atuação da OAB no Golpe, ver: MATTOS, Marco Aurélio Vanucchi Leme de. Contra as reformas
e o comunismo: a atuação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no governo Goulart. Estudos Históricos,
Rio de Janeiro, vol. 25 n. 49, jan./jun. 2012.
5 Nesta pesquisa, compreendem-se na categoria “juristas” os professores de Direito, advogados, juízes, promo-
tores e procuradores de justiça.
140
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Desde o fim da ditadura militar, tem sido visto um enorme silêncio das
faculdades de direito sobre este período aliado a uma quase total ausência de
reflexão sobre o pensamento jurídico produzido. Sobre isso, Seelaender questiona
o que está por trás de todo este silêncio e tenta responder argumentando que
A falta de discussão sobre a resistência ou colaboração com as ditaduras
tende a se acentuar no meio jurídico, no qual a ascensão a posições de
destaque e mesmo o êxito na advocacia tendem a ser mais fáceis para
quem sabe manter canais abertos, não provoca antipatias, impede vetos
informais e evita a fama de ‘criador de caso’. (SEELAENDER, 2009, p. 416)
Nas faculdades de direito, ainda hoje, falta coragem “para analisar critica-
mente obras difíceis de conciliar com a concepção usual do que seja democracia”
(SEELAENDER, 2009, p. 419). E o questionamento que Seelaender (Ibidem) faz sobre
a Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP), pode ser estendido à Ilha
de Santa Catarina: hoje, já estaria a Faculdade de Direito da UFSC preparada para
aceitar uma pesquisa sobre o pensamento autoritário de docentes do pós-1964?
6 Sobre este livro, ver o artigo “Brasil: a transição inconclusa”, do pesquisador Carlos Fico, In: ARAÚJO, M. P.;
FICO, C.; GRIN, M. (orgs.) Violência na história: memória, trauma e reparação. Rio de Janeiro: Ponteiro, 2012.
7 Neste sentido, uma das obras mais emblemáticas é o livro “Democracia possível” de Manoel Gonçalves
Ferreira Filho, no qual o autor tenta justificar juridicamente o Golpe Militar de 1964 e desenha o que pode
ser compreendido como um conceito paradoxal de democracia autoritária.
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JURISTAS E DITADURA: A ATUAÇÃO POLÍTICA DOS PROFESSORES DA FACULDADE DE DIREITO DA UFSC
DURANTE A DITADURA MILITAR (1964-1969)
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
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JURISTAS E DITADURA: A ATUAÇÃO POLÍTICA DOS PROFESSORES DA FACULDADE DE DIREITO DA UFSC
DURANTE A DITADURA MILITAR (1964-1969)
O início da década de 1960 também foi marcado por uma forte agita-
ção do movimento estudantil em Florianópolis, com considerável protagonismo
e influência dos estudantes de Direito. O Centro Acadêmico XI de Fevereiro –
CAXIF, órgão representativo dos estudantes da Faculdade de Direito, fundado em
02 de setembro de 1932 –, juntamente com a União Catarinense dos Estudantes
– UCE, fundada em 1949 –, desempenhavam grande influência no movimento
estudantil e na opinião pública da Capital. Estas duas entidades também estavam
inseridas no debate nacional do movimento estudantil através da União Nacional
dos Estudantes – UNE. Neste contexto, no ano de 1961 e indo ao encontro da
UNE, o CAXIF apoiou a Campanha da Legalidade pela garantia da posse do
Vice-Presidente da República João Goulart (MORETTI, 1984, p. 79-80), conforme
comprovam também os arquivos da época.
Nesta altura, Ferreira Lima já era o Reitor da Universidade, mas seus opo-
nentes eram outros. Refletindo uma disputa política estadual, Ferreira Lima (PSD)
encontrou oposição no novo diretor da Faculdade, Henrique Stodieck (PTB)10.
9 A Congregação era o órgão deliberativo máximo da Faculdade de Direito. Com a reestruturação feita pela
Ditadura Militar, este órgão se transformou no Conselho da Unidade.
10 Reinaldo Lindolfo Lohn (2014, p. 20-23) lembra que, no início da década de 1960, PSD e PTB dividiam o
governo do Estado. Os pessedistas representados pelo governador Celso Ramos e os petebistas pelo vice-go-
vernador Armindo Doutel de Andrade. No entanto, as tensões políticas durante o governo de João Goulart
acabaram refletindo no Estado, de modo que PSD e PTB romperam. O fim da aliança representou também
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
o fim da possível candidatura de Doutel de Andrade ao Senado, que dividiria chapa com Attílio Fontana.
Os pessedistas, na eleição de 1962, uniram-se à UDN e colocaram o nome de Antônio Carlos Konder Reis
ao lado de Fontana na chapa para o Senado. Doutel de Andrade se elegeu deputado federal e, em 1964, foi
cassado pela Ditadura. Para mais detalhes sobre o cenário político do Estado de Santa Catarina na conjuntura
do Golpe de 1964, ver LOHN, R. L. Relações políticas e ditadura: do consórcio autoritário à transição controlada.
In: BRANCHER, A.; LOHN, R. L. Histórias na ditadura: Santa Catarina 1964-1985. Florianópolis: UFSC, 2014.
11 As informações sobre este processo estão no Arquivo Central da UFSC, Parecer n. 44/64, processo CFE
719/63 – 60/64, na caixa referente à Câmara de Ensino Superior.
12 Este episódio foi relatado no Ofício n. 863/64, de 15 de maio de 1964, enviado pelo Reitor João David
Ferreira Lima ao Presidente da Comissão de Inquérito Professor Vitor Lima – Arquivo Central da UFSC, caixa
referente à Reitoria.
13 A presente pesquisa utilizou jornais que integram o acervo da Biblioteca Pública de Santa Catarina, todos
devidamente referenciados ao final deste artigo. O acervo completo pode ser consultado em < http://heme-
roteca.ciasc.sc.gov.br/>
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14 Sobre este assunto, ver: Relatório da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade. Brasília: UnB, 2015,
p. 59-60.
15 No Arquivo Central da UFSC há dois documentos mimeografados: uma “Nota Oficial” e um texto intitulado
“Brasil, sempre. Democracia também”, ambos datados de 31 de março de 1964.
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sua história, foram povos cultos mas nem sempre civilizados. Porque só
o Cristianismo civiliza os povos. E sómente à luz de seus princípios, nas
tradições de cada povo, se conceitua a verdadeira Democracia.
Ao sôpro de idéias extravagantes, oriundas de nações abaladas pela guerra,
temos recebido da Europa e de outros pontos do mundo nações erradas
e até criminosas sôbre nós e a nossa própria civilização. É o caso, por
exemplo, do nacionalismo, bandeira hoje desfraldada até mesmo por
aqueles que negam a Nação e sua própria Pátria.
Nós, estudantes de Direito, temos, acima de todos, o dever de empu-
nhar o lema da Lei, da Ordem e da Liberdade humana, contra tôdas as
tiranias negadoras do homem e da Civilização. Temos de ter a convicção
inabalável do direito e da justiça.
Não faltemos, pois, ao nosso Destino. Não faltemos à nossa Missão. Seria
um crime de lesa-Pátria.
Florianópolis, 06 de abril de 1964.” (O ESTADO, 10 abr. 1964, p. 01)
Nas fontes consultadas não foram localizados os nomes dos 120 estudantes
de direito que subscreveram o Manifesto, assim como não há registros da efetiva
divulgação dos outros dois textos supostamente escritos em nome do CAXIF.
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de Queiroz e Eduardo Luiz Mussi, todos ainda presos naquela ocasião, acusados
de subversão e ligações diretas com a UNE. Além destes, estavam presos os
estudantes de direito Luiz Henrique da Silveira e Carlos Adauto Vieira25, detidos
após o golpe sob as mesmas acusações que os colegas.
25 Arquivo Nacional. Fundo SNI, referências BR DFANBSB AAJ IPM 0020 e AC ACE 81987-75-002.
26 Arquivo Nacional. Fundo SNI, referência AC ACE 96304-65.
27 No Arquivo Central da UFSC há o Relatório n. 08 da Comissão de Inquérito, datado de 19 de maio de 1964,
na parte do arquivo referente ao Gabinete do Reitor. Este relatório detalha as atividades do diretor Henrique
Stodieck e dos estudantes do CAXIF no período pré-Golpe.
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Relatava no Ofício:
[...] os mesmos acadêmicos da UCE e do Diretório da Faculdade de Direito
e, em seguida, da UNE, enviaram denúncia contra a Reitoria ao Presidente
da República, Ministro da Educação e Cultura e Conselho Federal de
Educação, pedindo intervenção na Universidade e nomeação de Reitor
pro-tempore. Estes pedidos foram feitos subrepticiamente e deles só
tivemos conhecimento quando baixados em diligência para informações
e quando aqui esteve, a mando do então Ministro Júlio Sambaquy, o
Consultor Jurídico do MEC, Sr. Álvaro Alvarez Campos. Este permaneceu
vários dias nesta capital, sempre em contato com os estudantes daqui
e os do Congresso da UNE que se realizava, e, não mantendo nenhum
entendimento oficial conosco a quem, apenas encaminhou um ofício,
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29 Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus n. 42.756, de Curitiba, impetrante Fernando José Caldeira Bastos,
paciente José do Patrocínio Gallotti.
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Depois de ficar preso praticamente por três meses, Gallotti foi solto e
passou a responder o processo militar em liberdade. O Habeas Corpus que ga-
rantiu a liberdade foi impetrado, curiosamente, pelo professor da Faculdade de
Direito e advogado Fernando José Caldeira Bastos perante o STF, que entendeu
não configurar qualquer tipo de infração penal a acusação de ser um marxista
confesso30. Ex-aluno da Faculdade de Direito, Caldeira Bastos seria eleito deputado
estadual pela Arena em 1967 e reeleito em 1971. Também ocupou cargos de
secretário de estado nos governos de Antônio Carlos Konder Reis (1975-1979)
e Jorge Bornhausen (1979-1982), ambos também da Arena31.
3. Considerações finais
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33 Arquivo Nacional. Fundo SNI, referências APA ACE 11305 85 e ACT ACE 3134-82.
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Resumo
O escopo desta pesquisa é o exame concernente a natureza jurídica dos
delitos de abuso de liberdade de imprensa no Direito Penal do Brasil Império,
que se desvela, por sua vez, uma temática significativa em virtude da ausência
de estudos jurídico-dogmáticos que averiguam esta circunstância singular. A
partir da investigação realizada à fontes históricas e literaturas atuais, estudos
clássicos e hodiernos, vale dizer, doutrinas, anais da assembleia constituinte
do Império, revista jurisprudencial do quartel estudado, bem como trabalhos
de distintas áreas do conhecimento para além do jurídico, é passível de se
examinar uma condição específica da organização político-jurídica brasileira.
Por conseguinte, partindo da premissa de que o Código Criminal do Império,
sancionado em 1830, estava subdivido em quatro partes – Dos Crimes e das
Penas, Dos Crimes Públicos, Dos Crimes Particulares e Dos Crimes Policiais –,
constata-se a disparidade de autores do período no que concerne a conceituação
dos delitos de abuso de liberdade de imprensa, qualificando-os como crime
ordinário, crime político, crime particular, bem como sui generis.
Introdução
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Partindo desta crítica, esta pesquisa se revela relevante, ademais, pelo fato
de examinar uma condição específica da organização político-jurídico brasileira
e, por meio de uma investigação histórico-jurídica, possui-se o intento de revelar
a dialética constituída neste momento, que se valeu de uma dogmática e teoria
divergentes. Ao se investigar o âmago deste quartel, tem-se o escopo de explorar
e compreender a natureza deste delito, bem como a concepção do período
acerca da natureza do mesmo.
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visto que se desnudava como uma prestigiosa ferramenta de ordem política. Não
sem razão, Andréa Slemian (2007, p. 44, Grifo meu) assevera:
Deve-se notar que os trabalhos da Assembléia aconteciam em meio a uma
forte politização dos espaços públicos. Tal fenômeno não se circunscrevia
apenas à Corte, mas se estendia a outras localidades, em especial as que
haviam vivido intensamente a experiência de adesão às Cortes e instalação
das Juntas de Governo. Nesse sentido, destaca-se o papel da imprensa
que, a despeito das perseguições aos escritos mais radicais, revelava-se uma
das principais armas do jogo político então em andamento. Grande parte
dos publicistas acompanhavam passo a passo os trabalhos constituintes,
emitiam opiniões e mobilizavam a sociedade.
Uma vez que a Constituição do Império foi outorgada, vale dizer, emanada
“de cima para baixo”, sendo imposta pelo Imperador ao povo, ressalva-se que
aplicava-se tão somente aos homens brancos e mestiços que detinham direitos
da vida política. Os escravos encontravam-se excluídos dos dispositivos jurídicos.
1 De acordo com Boris Fausto (1995, p. 152), “o Poder Moderador provinha de uma idéia do escritor francês
Benjamin Constant, cujos livros eram lidos por Dom Pedro e por muitos políticos da época. Benjamin Cons-
tant defendia a separação entre o Poder Executivo, cujas atribuições caberiam aos ministros do rei, e o poder
propriamente imperial, chamado de neutro ou moderador. O rei não interviria na política e na administração
do dia-a-dia e teria o papel de moderar as disputas mais sérias e gerais, interpretando “a vontade e o interesse
nacional”. No Brasil, o Poder Moderador não foi tão claramente separado do Executivo. Disso resultou uma
concentração de atribuições nas mãos do imperador. Pelos princípios constitucionais, a pessoa do imperador
foi considerada inviolável e sagrada, não estando sujeita a responsabilidade alguma. Cabia a ele, entre outros
pontos, a nomeação dos senadores, a faculdade de dissolver a Câmara e convocar eleições para renová-la e o
direito de sancionais, isto é, aprovar ou vetar, as decisões da Câmara e do Senado”.
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OS DELITOS DE ABUSO DE LIBERDADE DE IMPRENSA NO DIREITO PENAL DO BRASIL IMPÉRIO
Por consequência, evidencia-se que em seu artigo 179, Título 8º (Das Dis-
posições Geraes, e Garantias dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros), a
Constituição reiterava princípios liberais, precipuamente em seu inciso II, quando
assegurava que nenhuma lei deveria ser decretada sem utilidade pública; e em seu
inciso III, quando se certificava da importância da irretroatividade da lei, no qual
se asseverou como um dos princípios do Direito liberal e humanista. O artigo
179, inciso XVIII, atestava ser imprescindível a organização de um novo Código
Civil e um novo Código Criminal, fundado nas sólidas bases da justiça e equidade.
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O Livro V das Ordenações Filipinas foi reputado como uma legislação des-
conexa, bárbara e draconiana. Inovador, o Código Criminal do Império simbolizou
o rompimento concernente às penalidades suplicantes da legislação portuguesa
– penas de morte, esquartejamentos, torturas, açoites etc. – por dar primazia à
pena privativa de liberdade – encarceramento. “A aplicação generalizada da pena
de prisão, a partir do século XIX, foi fruto do ideário iluminista, dado o caráter
igualitário da penalidade de confiscar um direito comum, a liberdade, de todos
os que haviam sido elevados à categoria de cidadãos” (SALLA, 2006, p. 46).
O Código abarcava quatro partes, vale dizer, Dos Crimes, e das Penas; Dos
Crimes Públicos; Dos Crimes Particulares e Dos Crimes Policiais, sendo cada parte
composta por títulos, capítulos e seções.
167
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Por sua vez, para Bueno, a imprensa detém uma natureza jurídico-política,
visto que possui como pilar o dever do cidadão de integrar e intervir no gover-
no de seu país e ordem político-social. Como atesta o próprio autor (BUENO,
1857, p. 396):
A imprensa politica é tambem assaz preciosa; não é menos do que o
direito que tem e deve ter o cidadão de participar, de intervir no gover-
no de seu paiz, de expôr publicaniente o que pensa sobre os grandes
interesses da sociedade de que elle é membro activo. É um direito antes
politico do que natural ou individual, como reconhece o art. 7º do código
criminal, que só dispensa a qualidade de cidadão activo quando se trata
de defesa própria, que é por si muito recomendável.
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4 Não sem razão, o deputado Duarte Silva testificava que “entre nós não há lei que regule geralmente a
liberdade da imprensa: há simplesmente um decreto de S. M. Imperial que manda provisoriamente que em
certos casos que aponta, sejão taes delictos julgados por jurados, executando-se naquela parte somente a lei
da liberdade da imprensa promulgada pelas côrtes de Lisboa; logo o que nos regula nesta matéria é uma parte
de uma lei estrangeira, aprovada unicamente para casos especificados”. DUARTE SILVA, Deputado. BRASIL. Vol.
1, 1823, p. 105.
5 O projeto do deputado Augusto Xavier de Carvalho consistia em:
“A assembléa geral, constituinte, a legislativa do Imperio do Brazil decreta:
1º São declaradas em pleno vigor todas as leis que existem, e que permittirão a liberdade da imprensa, rectifi-
cando-se permitido a todo o cidadão falar, escrever e imprimir, sem necessidade de alguma censura.
2º Aquelle que abusar d’esta preciosa liberdade, responderá pelo abuso nos casos, e pela fórma que as leis
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OS DELITOS DE ABUSO DE LIBERDADE DE IMPRENSA NO DIREITO PENAL DO BRASIL IMPÉRIO
tem estabelecido.
3º Ficão derrogadas quaesquer leis, ordens, ou portarias que directa ou indirectamente se opponhão ao presente
decreto, ou á liberdade concedida. Paço da assembléa 24 de Mdio de 1823. – Deputado Augusto Xavier de
Carvalho”. BRASIL. Vol. 1, 1823, p. 106.
6 Sobre esta temática, o jurista Fernando Nery (1937, p. 107-108), em sua obra intitulada Lições de Direito
Criminal, assegura a distinção entre delitos públicos e privados. Para o autor, “as infrações á lei penal dividem-
se em públicas e privadas. Certo, toda infração – por mínima que fôr – é uma ofensa á ordem pública, mas
entende-se por infração pública e que é diretamente dirigida contra o interesse geral duma nação e em que
a lesão desse interesse acarreta também a do interesse individual, por exemplo: uma conspiração contra a
segurança do Estado; ao passo que a infração privada é a que diretamente se dirige contra os particulares e
na qual a lesão do interesse individual surge em primeiro plano, por exemplo: um furto”.
7 Relevante se faz assegurar que, hodiernamente, com a moderna teoria do bem jurídico, estas distinções
não são mais empregadas, bem como não se faz presente das codificações penais do século XX, que, quando
muito, apenas distinguem crime e contravenção penal.
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Isto posto, relevante se faz assegura que os delitos comuns “são os que
não interessam á segurança política do Estado, isto é, delitos que ofendem a
segurança privada, violando um direito cuja existência independe da sociedade
política” (NERY, 1937, p. 127).
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Por sua vez, em sua obra intitulada “Questões Praticas de Direito Criminal”,
o jurista e político brasileiro José Liberato Barroso atesta sobre a importância da
Constituição do Império em assegurar a liberdade de comunicar o pensamento,
salvaguardando a obrigação de se responder pelos abusos cometidos. Outrossim, o
autor certifica-se de que a criminalidade dos atos de abuso de expressão consiste
em sua publicidade, visto que “qualquer indivíduo pôde conceber idéas crimino-
sas, confia-las ao papel, e encher folhas de proposições injuriosas contra alguém:
em quanto porem não der á publicidade, o que escreveu, não tem commettido
crime algum” (BARROSO, 1866, p. 71). Isto posto, o autor certifica-se de que:
Deve pois á imprensa conceder-se toda a liberdade da discussão, mas no
seu mesmo interesse, e para não trahir o fim da sua instituição importa
corrigir-lhe aos excessos, extremando bem os limites entre o abuso e
o uso do direito. Não deve equivocar-se com a liberdade da injuria, da
difamação, e da calumnia. O crime não é um direito (BARROSO, 1866,
p. 75, Grifo meu).
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
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da imprensa era reputada como juridicamente legal para o Império e todo o seu
sistema jurídico. Para o jurista (RAMOS JUNIOR, 1875, p. 186):
Nem se diga que é impossivel o crime de ameaça por meio da imprensa,
porquanto não só a expressão – escripto – de que se serve o art. 207
evidentemente comprehende esta hypothèse, como ainda porque a publi-
cidade da imprensa é, no systema geral de nossa legislação, a publicidade
que podemos chamar legal. Cumpre porém observar que neste caso, a
responsabilidade se deverá regular pelo disposto no art. 7.°, como tam-
bém não poderá de nenhum modo deixar de ser attendida a do art. 8.°.
10 Vivian Costa (2013, p. 97) certifica-se de que “a discussão de uma lei sobre os abusos da liberdade de
imprensa havia sido uma prioridade dos deputados brasileiro desde a abertura da Assembleia Geral, em 1826.
[...] Naquele momento, a liberdade de imprensa foi identificada, pelos deputados, com a consolidação do regime
constitucional-representativo do país, e a liberdade de expressão pública defendida em oposição à instauração
de qualquer tipo de censura prévia aos impressos”.
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Por conseguinte, para o jurista Thomaz Alves Júnior (1864, p. 180), a liber-
dade de expressão “é um direito natural do homem, que só póde ser limitado
ou destruído pelo poder de governos despoticos, que temem que a discussão,
que é a hygiene do pensamento [...] Negar o direito de liberdade do pensamento
é negar instrucção, moralidade, e verdadeira e conscienciosa religião do povo”.
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Considerações finais
Vicente Alves de Paula Pessoa (1877) assegura uma natureza ordinária, Braz
Florentino Henriques de Souza ([1872] 2003) assegura uma natureza sui generis,
José Liberato Barroso (1866), bem como Antonio de Paula Ramos Junior (1875)
asseveram uma natureza privada, Thomaz Alves Júnior (1864), assim como José
Antonio Pimenta Bueno (1857) asseveram uma natureza política.
Contudo, ainda que exista discrepância entre as prelações dos autores que
aludem o delito proposto, acredita-se em uma conceituação pública – política
– do mesmo. Uma vez que a Independência do Brasil acabara de transcorrer,
as transmutações proferidas posteriormente ao acontecimento – elaboração de
uma Constituição pátria, bem como a inevitabilidade de Códigos também pátrios
180
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
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Resumo
O presente trabalho tem por escopo analisar o tratamento legal conferido
às vítimas de crimes no período do Brasil Império, especificamente de 1824
até 1858, com foco no Código Criminal do Império de 1830 e a legislação a
este correlata. Para tanto, traçar-se-á o contexto histórico-jurídico posterior à
proclamação da independência do Brasil. Em seguida, abordar-se-á o posicio-
namento da figura do ofendido para a Escola Clássica do Direito Penal. Por
fim, se analisará os principais dispositivos constitucionais e legais do período
que de alguma forma se relacionem com o tratamento da vítima de crimes.
Concluir-se-á que, a despeito de não mais ostentar posição privilegiada na re-
lação processual penal, a vítima seguiu como sujeito de direitos, especialmente
em relação àqueles consistentes na reparação do mal causado pela infração.
1 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 71.
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O TRATAMENTO LEGAL DESTINADO AO OFENDIDO NO BRASIL IMPÉRIO (1824-1858)
De todo modo, ainda que não esgote as razões que conduziram ao es-
tado de coisas relativo ao ofendido no Brasil Império, o presente trabalho expõe
o tratamento legal que lhe foi destinado naquele recorte histórico (1824-1858),
aproximando-o ou distanciando-o das principais concepções de direito penal
desenvolvidas à época.
2 QUEIROZ, Rafael Mafei Rabelo. A modernização do direito penal brasileiro: Sursis, Livramento Condicional e
outras reformas do sistema de penas clássico no Brasil, 1924-1940. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 40.
3 Idem, p. 41.
4 Ibidem, p. 41.
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O TRATAMENTO LEGAL DESTINADO AO OFENDIDO NO BRASIL IMPÉRIO (1824-1858)
e de seu impacto no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 32.
10 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 9. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2011, p. 264.
11 Idem, p. 260.
12 OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt de. A vítima e o direito penal: uma abordagem do movimento vitimológico
e de seu impacto no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 37.
13 BECARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011, p. 115.
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O TRATAMENTO LEGAL DESTINADO AO OFENDIDO NO BRASIL IMPÉRIO (1824-1858)
18 ESER, Albin. Sobre la exaltación del bien jurídico a costa de la víctima. Bogotá: Universidad Externado de
Colombia, 1988. Tradução de Manuel Cancio Meliá, p. 17.
19 Ibidem, p. 33.
20 HASSEMER, Winfried. Consideraciones sobre la víctima del delito. Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales,
Madrid, n. 1, p. 241-259, 1990. Anual. Tradução de Rocio Cantarero Bandrés, p. 245-246.
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27 Art. 201. Ferir ou cortar qualquer parte do corpo humano, ou fazer qualquer outra offensa physica, com
que se cause dôr ao offendido.
28 Art. 257. Tirar a cousa alheia contra a vontade de seu dono, para si, ou para outro.
29 SOUZA, Braz Florentino Henriques de. Código Criminal do Império do Brasil. Recife: Typographia Universal,
1858, p. 22.
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30 TINÔCO, Antonio Luiz Ferreira. Código Criminal do Império do Brazil annotado. Brasília: Senado Federal, 2003,
p. 63-64.
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Neste tocante, Vivian Costa afirma que “conviviam, portanto, nestes dispo-
sitivos, concepções extremamente modernas e outras mais antigas, do direito penal
coevo”, uma vez que “a absoluta independência reservada à Justiça na abertura
de processos públicos não condizia” “com a não admissão de prescritibilidade às
punições ou a aceitação de intervenção judicial pelo Poder Moderador”31.
caso de perdão concedido pela parte queixosa, não póde ser elle julgado válido
e effectivo senão por escriptura pública, ou sendo reduzido a termo nos autos,
assignado pela parte”. O mesmo Aviso ainda afirma que não basta “para esse fim
a intenção manifestada na petição, e aceita pelo juiz”.
4. Considerações conclusivas
196
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Referências bibliográficas
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.
Tradução de Paulo M. Oliveira.
BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
CÂMARA, Guilherme Costa. Programa de política criminal orientado para a vítima
de crime. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
COSTA, Vivian Chieregati. Codificação e formação do Estado-nacional brasileiro: o
Código Criminal de 1830 e a positivação das leis no pós-Independência. 2013.
361 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Filosofia, Programa de Pós-graduação
Culturas e Identidades Brasileiras do Instituto de Estudos Brasileiros, Universidade
de São Paulo, São Paulo, 2013.
ESER, Albin. Sobre la exaltación del bien jurídico a costa de la víctima. Bogotá:
Universidad Externado de Colombia, 1988. Tradução de Manuel Cancio Meliá.
HASSEMER, Winfried. Consideraciones sobre la víctima del delito. Anuario de
Derecho Penal y Ciencias Penales, Madrid, n. 1, p. 241-259, 1990. Anual. Tradução
de Rocio Cantarero Bandrés. Disponível em: <https://www.boe.es/publicaciones/
anuarios_derecho/abrir_pdf.php?id=ANU-P-1990-10024100260>. Acesso em: 05
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OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt de. A vítima e o direito penal: uma abordagem do
movimento vitimológico e de seu impacto no direito penal. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1999.
QUEIROZ, Rafael Mafei Rabelo. A modernização do direito penal brasileiro: Sursis,
Livramento Condicional e outras reformas do sistema de penas clássico no Brasil,
1924-1940. São Paulo: Quartier Latin, 2007.
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Resumo
A pena de morte sempre foi assunto articulado em várias épocas da
história da humanidade, existindo intensas discussões no século XIX, no qual
foi promulgada a Constituição brasileira de 1891, que trouxe oficialmente, pela
primeira vez, a abolição da pena de morte no país. Mas, na prática, desde
o reinado de Pedro II, havia um crescente desuso desta punição, muito por
conta do poder moderador do imperador, através da qual era concedida graça,
perdão ou comutação da pena de morte. No Congresso Nacional Constituinte
de 1890, ocorreram acirrados debates entre parlamentares, uns defendendo a
abolição da pena capital, e outros pretendendo sua manutenção. Entre estes,
o principal argumento era de que existiria a classe do criminoso nato o qual
não teria possibilidade de recuperação ou ressocialização, ideias semelhantes e
baseadas, por exemplo, em Lombroso e Garofalo. Dentre os argumentos a favor
da abolição da pena de morte, destacam-se as de que tal castigo não poderia
ter o condão de vingança, mas sim de prevenção de crimes, e, além disso, a
sociedade não teria o direito de retirar a vida de seus membros. Tais noções
aproximam-se daquelas trazidas por Beccaria. Para a elaboração deste trabalho,
utilizou-se obras dos citados autores e de comentadores, além daqueles que
tratam da pena capital durante a história do Brasil. Ainda, utilizou-se documentos
históricos, nitidamente os anais do Congresso Nacional Constituinte de 1890.
Introdução
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E AS PRINCIPAIS IDEIAS DE BECCARIA, LOMBROSO E GAROFALO
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sanções a pena capital para alguns crimes, como o homicídio em situações graves.
Além disso, este código mandava que fosse aplicada através da forca em praça
pública, e também que não se executará mulher grávida.
Entre outras particularidades sobre esta punição, ela não poderia ser re-
alizada em dias santos, de festa nacional ou domingos. Após a morte, o corpo
do condenado deveria ser entregue à família ou amigos. O carrasco deveria ser
alguém já condenado (TUCUNDUVA, loc. cit.). De acordo com o Código de
Processo Criminal do Império de 1832, em seu artigo 332, a pena de morte só
era cabível quando houvesse unanimidade entre jurados.
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E AS PRINCIPAIS IDEIAS DE BECCARIA, LOMBROSO E GAROFALO
Então, D. Pedro II, que se pretendia uma pessoa justa, sem poder retirar
do ordenamento jurídico brasileiro a pena de morte, utilizou-se do seu Poder
Moderador para, cada vez mais, conceder sua graça aos condenados à pena
de morte. Assim, aos poucos, a pena capital foi sendo deixada de lado, até um
ponto que, na prática, ela deixou de ser utilizada.
O principal caso que fez com que o imperador passasse a ter esta postura
foi a condenação de Manuel Motta Coqueiro à forca. Tal julgamento entrou para
a história como um dos mais importantes exemplos de erro judiciário no país.
Motta Coqueiro era um abastado fazendeiro em Macaé, no estado do Rio de
Janeiro. Ele foi condenado à morte por assassinar uma família de colonos de sua
fazenda, da qual uma moça era sua amante. Foi o principal suspeito em razão
de depoimentos de sua própria escrava e por ter tido desentendimentos com
o patriarca da família (AGUIAR; MACIEL, 2016, p. 276).
Para evitar a morte, pediu socorro à graça do Imperador, que foi negado.
Motta Coqueiro, conhecido como a Fera de Macabú pela imprensa, acabou
sendo executado na forca no dia 06 de março de 1855. Após a execução do
condenado, descobriu-se que a verdadeira mandante do crime foi sua a esposa.
Mesmo assim, este não foi o último caso de pena de morte imposta
juridicamente durante o império. João Luiz Ribeiro (2005, p. 234) afirma que ainda
naquele ano de 1855, no dia 12 de maio, houve outra pena capital, que teve
como condenado o escravo Agostinho por ter assassinado seu senhor. Segundo
o mesmo autor, o mesmo castigo foi aplicado a Francisco Batista Ribeiro em
maio de 1857 na cidade de Caldas, Minas Gerais (RIBEIRO, 2005, p. 238). Nota-se,
então, que a pena de morte continuou em uso mesmo após o caso da Fera de
Macabú, apesar de que a tendência de comutação da punição foi aumentando.
202
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Segundo Giovanni Tarello (1998, p. 465), Beccaria conjugava esta ideia con-
tratualista de Estado com uma teoria utilitarista. A partir da primeira, na qual as
pessoas cediam pequena parcela de sua liberdade para a formação de um Estado
que pudesse proteger a todos, respeitando, ao máximo possível, o direito de cada
indivíduo, o crime passa a ser uma agressão à sociedade, e também à soberania.
Desta forma, deveria haver uma reação que seria ligada a ideias utilitaristas, ou
seja, a reação ao crime deve estar próxima à fins práticos da vida terrena.
O italiano dizia que quanto mais pesadas as penas, menos efeito irá
surtir nos infratores, pois estes podem tentar fugir para evitar a sanção, inclusive
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E AS PRINCIPAIS IDEIAS DE BECCARIA, LOMBROSO E GAROFALO
cometendo novos crime para tanto. Ainda, sabendo que já serão submetidos a
uma pena extremamente gravosa, não tem mais motivo para evitar novos crimes
(BECCARIA, 1765, p. 70).
Além disso, penas severas acabam por tirar a humanidade aos poucos da
população, pois as pessoas vão se acostumando com a selvageria, fazendo com
que suas condutas interpessoais fiquem cada vez mais primitivas. Ao contrário,
se o Estado não permite o tratamento desumano, aos poucos a população vai
ficando mais sensível a atos cruéis, diminuindo a incidência destas condutas no
próprio meio social (BECCARIA, 1765, p. 71).
204
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Haveria um tipo de criminoso que seria nato, ou seja, aquele que possui
características hereditárias que o impulsionam ao cometimento de condutas que
ofendem os bens mais importantes da sociedade. Este tipo de pessoa possuiria
uma genética diferente, derivando a ideia do atavismo, pela qual os seus porta-
dores seriam uma subespécie humana, degenerada, do tipo que não evoluiu, ou
seja, ainda primitivo.
205
OS DEBATES SOBRE A PENA DE MORTE NO CONGRESSO NACIONAL CONSTITUINTE DE 1890
E AS PRINCIPAIS IDEIAS DE BECCARIA, LOMBROSO E GAROFALO
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Antes de tudo, vale esclarecer que as informações postas neste tópico são
retiradas dos anais do Congresso Nacional Constituinte de 1890. Por vezes, estes
documentos oficiais não indicam quem teria proferido uma afirmação ou outra,
e, por isto, aqui também não foi possível identificar tais falas. Este Congresso, que
culminou na promulgação da Constituição da República dos Estados Unidos do
Brasil no dia 24 de fevereiro de 1891, teve seu início oficial no dia 15 de novem-
bro de 1890, sob a presidência do senador por São Paulo, Prudente de Morais.
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Por este motivo, percebe-se que, para tentar reverter a situação, os discursos mais
longos eram de parlamentares que defendiam a sua manutenção.
Critica tal doutrina também por serem progressistas demais, já que, apesar
de a sociedade ter se adaptado a novos valores morais, saindo, no passado, da
jus vitae ac necis do pátrio poder, passando por mutilações, torturas, até a pena
de morte sem suplício, alguns valores ainda não foram alcançados. Retirar o
rigor da pena com base nesse progresso seria não punir adequadamente, sendo
prejudicial à sociedade.
208
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Um outro parlamentar, não identificado nos anais, afirma que tal visão
de Barbosa Lima não se coaduna com a escola italiana da criminologia moderna,
pela qual a repressão criminal se presta para prevenir o cometimento de crimes,
e a pena de morte tem este potencial, muito menos se a sua hereditariedade
determina que ele cometa infrações penais.
Barbosa Lima também fala que, de fato, o medo do castigo pode evitar
o crime. Mas também diz que a pena humanista somente se presta para aqueles
que possuem potencial de correção. Ocorre que existem aqueles que, por sua
própria natureza, nunca serão recuperados, e, para eles, a única resposta é a pena
de morte. O parlamentar faz uma comparação com o purgatório e o inferno,
em que o primeiro está destinado aqueles que incidiram em pecados brandos e
são suscetíveis de recuperação. Já o inferno é destino direto para aqueles pecados
mais graves de pessoas monstruosas.
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dos 21 ignora que a mesma ideia se aplica para as forças armadas, podendo o
condenado da seara militar ser também inocente. Outro argumento que não se
sustentaria é que, se os abolicionistas defendem que o Estado não pode tirar
a vida de alguém, a pena capital não poderia acontecer em qualquer situação.
Haveria um contrassenso e, por isso, não deve haver a abolição da pena capital.
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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
natural, também não seria possível a morte civil, mesmo sob o argumento de
que, depois de um certo tempo, o condenado voltaria à liberdade.
Ele ainda aponta que na Suíça tiveram que, através de plebiscito, reimplantar
a pena de morte em razão do grande aumento de crimes cruéis consequentes
da abolição da pena de morte em 1874. Assim, com base em supostas estatísti-
cas, defende que o abrandamento de penas causa o aumento da criminalidade.
João Vieira parece dizer que a adoção da abolição no Brasil é uma mera
imitação de medidas tomadas décadas antes em outras nações, como em alguns
ducados alemães (Oldenburgo, Anhalt e Nassau), e cantões suíços (Friburgo, Neuf-
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que, se a pena de morte não intimida, nenhuma outra sanção teria essa capacidade.
Além disso, as regras costumeiras e não escritas que existem entre os próprios
bandidos preveem a morte como penalidade, as quais são, por isso, observadas.
Para ele, quem condena como crime um ato político, em sua grande
maioria, são aqueles partidários de ideais contrárias. Desta forma, o deputado
insiste que a pena de morte seja aplicada somente aos crimes comuns, mas nunca
aos políticos. Nota-se, tanto no tocante à anistia, quanto ao crime político, uma
tendência do parlamentar em proteger a categoria a que faz parte.
Para ele, a ideia apresentada por este deputado de que a pena de prisão
não seria adequada para crimes mais graves, e que o criminoso iria fugir e rein-
cidir, motivo pelo qual ele deveria ser eliminado, é um argumento de exceção.
Na verdade, não existe a certeza de que o criminoso irá fugir da prisão, ou seja,
a fuga é uma exceção.
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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Para Lacerda Coutinho, a segurança pode ser alcançada através da prisão. Para
este, o assassino contumaz e o incendiário, por exemplo, na verdade possuem
uma doença, uma patologia, e, por isso, deve-se mandá-los para os hospícios, e
não para a forca.
Existe ainda o problema dos erros judiciários, que são constantes. Saben-
do-se que a justiça falha constantemente, não deveria ser permitido aplicar uma
pena tão radical e que não tem nenhuma possibilidade de reversão. Então, a pena
de morte deveria ser abolida também em razão de que, estando encarcerado, o
condenado pode apontar o erro da justiça a qualquer momento e ser colocado
em liberdade, recebendo alguma reparação pelo sofrimento passado injustamente.
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Santos Pereira ainda argumenta que a pena de morte não seria o su-
ficiente para trazer este caráter corretivo e preventivo, pois ela seria um alívio
para o condenado, que deixaria de passar pelas penúrias do cárcere. Também diz
que se existe a probabilidade de erro judiciário, ou seja, se um inocente pode
ser mandado à forca em razão de um mau julgamento, a pena de morte nunca
poderá ser aceita. É preferível a absolvição de culpados do que a condenação
de um inocente.
Conclusão
Foi visto neste trabalho que a pena de morte para crimes comuns tinha
respaldo jurídico até a primeira Constituição da república, em 1891, a qual, trouxe,
em seu artigo 72, § 21, a abolição desta punição, ressalvando a legislação militar
em tempos de guerra. Tal pena, durante o império, era aplicada somente por
unanimidade dos jurados, e através da forca.
Neste período, ela foi cada vez mais deixada de lado até o ponto que
deixou de ser praticada mesmo antes da referida Constituição. Isto se deu em
razão de que os costumes da época rechaçavam o referido castigo por sua
irreparabilidade e desumanidade, o que refletiu na atuação de D. Pedro II, que
passou a conceder sua graça cada vez mais, comutando penas de mortes em
outros castigos.
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Com base nas ideias dos autores acima, houve intensas discussões acerca
da pena de morte no Congresso Nacional Constituinte. Pôde-se notar que alguns
parlamentares se baseavam nas ideias de Lombroso e Garofalo, e que, em casos
de exceção, nos crimes hediondos, cruéis e assassinatos por motivos fúteis, a pena
de morte deveria ser aplicada, em razão de o condenado não ter possibilidade
de recuperação ou arrependimento por conta de sua característica hereditária
que sempre determinará suas ações para o lado da “monstruosidade”. Além disso,
dentre vários argumentos apresentados, retirar a pena de morte seria uma forma
de desarmar a sociedade e dar margem para o aumento da criminalidade.
Referências bibliográficas
AGUIAR, Renan; MACIEL, José Fabio Rodrigues. História do direito. 7. ed. São
Paulo: Saraiva, 2016.
ALMEIDA, Horácio de. Brejo de areia. 2. ed. João Pessoa: Editora universitária
UFPB, 1890.
ALVAREZ, Marcos César; SALLA, Fernando; SOUZA, Luís Antônio F. Souza. A so-
ciedade e a lei: O código penal de 1890 e as novas tendências penais na primeira
república. Justiça & História, Porto Alegre, v. 3, n. 6, 2003. Disponível em: <http://
bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/66122>. Acesso em: 29 jun. 2017.
220
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
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OS DEBATES SOBRE A PENA DE MORTE NO CONGRESSO NACIONAL CONSTITUINTE DE 1890
E AS PRINCIPAIS IDEIAS DE BECCARIA, LOMBROSO E GAROFALO
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Grupo de Trabalho
Resumo
Considerando as reflexões teórico-metodológicas da pesquisa de disserta-
ção da autora, buscou-se apresentar, neste artigo, algumas destas inquietações.
A pesquisa de referência gira em torno da gestão municipal do trabalho de
rua na cidade de Salvador/BA no início do século XX, tomada como referência
para compreender a gestão de uma cidade negra. Destacamos dois eixos de
exposição. O primeiro, no plano teórico, sobre a ideia de “cidade negra”, expres-
são utilizada principalmente pela historiografia dedicada ao tema da escravidão
urbana. O segundo, no plano metodológico, sobre o desafio do documento
público da gestão municipal, suas potenciais armadilhas e potencialidades para
uma pesquisa jurídica.
1. Introdução
225
GESTÃO DE UMA CIDADE NEGRA: SALVADOR E TRABALHO DE RUA NO INÍCIO DO SÉCULO XX
das cidades negras atlânticas2. O Rio de Janeiro, espécie de cidade-irmã com tantas
outras especificidades que a interligam a Salvador, é também objeto de vasta bi-
bliografia; não pode ser desconsiderada, pois, como mais uma cidade negra, outra
experiência urbana em alguns aspectos tão próxima à realidade soteropolitana.
226
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
sua vez, tem como marca distintiva o espaço da rua, metonímia para o espaço
público dos largos, praças, calçadas, fontes e cais. Pode-se dizer que o trabalhador
de rua é um tipo de trabalhador urbano, cujo traço de distinção é um tipo de
apropriação do espaço público para o seu trabalho.
7 NASCIMENTO, 1986.
8 GRAHAM, 2013; MATTOSO, 1978, COSTA, 1991.
227
GESTÃO DE UMA CIDADE NEGRA: SALVADOR E TRABALHO DE RUA NO INÍCIO DO SÉCULO XX
Fonte: Schomburg Center for Research in Black Culture, Jean Blackwell Hutson Research
and Reference Division, The New York Public Library13
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
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GESTÃO DE UMA CIDADE NEGRA: SALVADOR E TRABALHO DE RUA NO INÍCIO DO SÉCULO XX
19 VASCONCELOS, 1992.
20 PINHEIRO, 2011; ALBUQUERQUE, 1996; FERNANDES e GOMES, 1992
21 A imprensa, o governo e os intelectuais nem sempre tinham interesses e opiniões convergentes, muito pelo
contrário. Leite (1996) aborda os discursos civilizadores a partir destas contradições internas, e também de seus
consensos.
230
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
22 A respeito da comparação entre Rio de Janeiro e Salvador, Pinheiro (2011) destaca que as reformas cariocas
foram tomadas como modelo urbano para diversas outras cidades brasileiras, e aí se inclui Salvador. As seme-
lhanças são sobretudo de ordem política: a forte cooperação entre poder público e iniciativa privada, a pouca
preocupação com habitações populares que eram demolidas para as intervenções públicas e o autoritarismo
com que se impunham as reformas. Quanto às consequências no desenho da cidade, especialmente no que
tange à espacialização da população negra, elas não contêm tantas semelhanças. A geografia do Rio de Janeiro
e a violência das reformas urbanas no Centro são fatores que levaram à ocupação dos morros. Por outro lado,
a geografia soteropolitana se estrutura na dualidade cidade alta e cidade baixa, e a reforma que aconteceu
no Centro da cidade não foi suficiente para transformá-lo completamente, restando em algumas áreas uma
ocupação precária por setores marginalizados.
23 PINHEIRO, 2011; LEITE, 1996.
24 FOUCAULT, 2008; PECHMAN, 2002.
25 AZEVEDO, 1987.
26 PECHMAN, op. cit.
27 LEITE, op. cit.
28 Leite (1996) traz um pouco da conflituosidade entre opinião pública e as reformas urbanas de Seabra. Da
mesma forma, o projeto civilizador de segmentos intelectuais baianos nem sempre encontrava respaldo na ação
pública, que parecia, aos olhos destes setores, excessivamente leniente aos setores populares.
231
GESTÃO DE UMA CIDADE NEGRA: SALVADOR E TRABALHO DE RUA NO INÍCIO DO SÉCULO XX
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
233
GESTÃO DE UMA CIDADE NEGRA: SALVADOR E TRABALHO DE RUA NO INÍCIO DO SÉCULO XX
3. Considerações finais
41 FARGE, 2009.
42 SAMPIERI et al, 2013; YIN, 2016; GIBBS, 2009.
43 SAMPIERI et al, op. cit.
234
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Referências bibliográficas
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cultural na Primeira República. Afro-Ásia, n. 18, p. 103-124, 1996.
AZEVEDO, Celia Maria Marinho de. Onda negra, medo branco: o negro no ima-
ginário das elites do século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
BERTULIO, Dora. Direito e relações raciais: uma introdução crítica ao racismo. 1989.
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
GUILHERME RICKEN
Universidade de São Paulo
Resumo
O presente artigo tem por escopo averiguar a dualidade da escravidão,
na forma de sua presença e ausência, nos manuais didáticos publicados pelos
lentes de economia política da Academia de Direito de Pernambuco no período
imperial. São eles os professores Pedro Autran da Matta Albuquerque (autor de
Elementos de Economia Política, de 1844, e de Prelecções de Economia Política,
de 1860) e Lourenço Trigo de Loureiro (que escreveu Elementos de Economia
Política, de 1854). Assim, busca-se aclarar, ainda que de maneira muito modesta,
um dos capítulos da aclimatação do liberalismo clássico em um chão histórico
bastante diverso daquele em que foi concebido
1. Introdução
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Dessa forma, o presente artigo busca aclarar, ainda que de maneira muito
modesta, um dos capítulos da aclimatação do liberalismo clássico em um chão
histórico bastante diverso daquele em que foi concebido. O transplante das
ideias europeias não se deu, por certo, de maneira automática e sem adaptações.
Afinal, os autores clássicos da economia política haviam elaborado sua produção
teórica em uma Europa que vivenciava a Revolução Industrial, na transição do
trabalho servil para o assalariado. Já no Brasil, os professores de economia iriam
se deparar com a escravidão, fator estranho às equações que lidavam somente
com o trabalho livre.
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24 Idem.
25 Ibidem, p. 87.
26 Ibidem, p. 88.
27 Tese que não se restringia ao campo da economia política, sendo identificada, também, em dissertações
produzidas no século XIX no âmbito do direito civil, conforme já estudado, e.g., em relação à Academia de
São Paulo. Cf. FERREIRA, 2016, p. 79-80.
28 ALBUQUERQUE, 1860. p. 84.
29 Ibidem, p. 85.
30 Idem.
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31 Ibidem, p. 86.
32 A utilidade “é a relação das cousas com as nossas necessidades”. Cf. ALBUQUERQUE, 1860. p. 113.
33 Ibidem, p. 87.
34 Ibidem, p. 86.
35 Ibidem, p. 87.
36 Idem.
37 Idem.
38 Ibidem, p. 88.
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com a invasão francesa, veio para o Brasil e formou-se em direito em Olinda, em 1832. Foi lente de direito civil
e de economia política na Academia de Direito de Pernambuco a partir de 1833, tendo também ministrado
outras disciplinas ao longo de sua carreira, que se estendeu até 1870. Também lecionou gramática da língua
portuguesa e língua francesa. Foi membro do Conselho do Imperador e Oficial da Ordem da Rosa. Faleceu
em Pernambuco em 27 de novembro de 1870. Cf. BLAKE, 1899, p. 326.
45 LOUREIRO, 1854. p. VI.
46 Ibidem, p. X.
47 Ibidem, p. XI.
48 GREMAUD, 1997, p. 39-40.
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4. Conclusões
E na economia política?
63 Ibidem, p. 15.
64 Ibidem, p. 16.
65 Idem.
66 Ibidem, p. 27.
67 Conforme inspirado em FRANCO, 1983.
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251
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69 Para Cairu, a escravidão surge como uma possibilidade imposta por circunstâncias especiais, que inviabilizariam
o trabalho livre. Além disso, afirmava que, por conta da existência de escravos, o desenvolvimento industrial
seria inexequível no Brasil. Cf. ROCHA, 1996, p. 121-123.
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Grupo de Trabalho
HISTÓRIA CONSTITUCIONAL
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Resumo
O artigo volta-se a analisar a questão da tolerância religiosa sob uma pers-
pectiva de crítica histórica construtivista, partindo-se das teorias da libertação e
da teoria comunicativa em Habermas. Serão observadas as discrepâncias entre o
discurso universalista das liberdades religiosas na formação da transição para a
Idade Moderna e para a Idade Contemporânea em autores como John Locke e
Montesquieu, e a práxis histórica. Dessa experiência na construção do ideal de
liberdade e tolerância, será observada a diversidade religiosa e seu afastamento
dos espaços públicos, e na importância de restabelecê-las no locus discursivo, no
incentivo à tolerância. Por fim, mostrar-se-á a tentativa de organizar um comitê
para incentivar a diversidade no Brasil, a crítica quanto às aspirações de alguns
coletivos e porque é necessário retomar os canais de diálogo.
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E O ACESSO AOS ESPAÇOS CONSTITUCIONAIS NO BRASIL
análise de dois autores clássicos que influenciaram esses movimentos: John Locke
e Montesquieu. Será observado o efeito da secularização após as revoluções bur-
guesas em contraposição ao quadro de diversidade religiosa no mundo.
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E O ACESSO AOS ESPAÇOS CONSTITUCIONAIS NO BRASIL
9 Montesquieu, 1996, p. 495, no cap. XIII do livro XXV, assume sua orientação religiosa como a Judaica.
10 Ibid., p. 466-467: “A questão não é saber se seria melhor que um certo homem ou um certo povo não
tivesse religião do que abusasse daquela que tem, e sim saber qual é o mal menor, que se abuse algumas
vezes da religião ou que ela não exista entre os homens. Para diminuir o horror do ateísmo, ataca-se demais
a idolatria”. Mais a frente, na p. 485: “O homem piedoso e o ateu sempre falam de religião; um fala do que
ama, e o outro do que teme”.
11 Em várias oportunidades, Montesquieu maldiz a religião maometana: violenta, destruidora (atribuindo à
destruição da Pérsia no cap. XI do livro XXIV), a preguiça da alma e o dogma da predestinação maometana
no cap. XIV do livro XXIV.
12 Ibid., p. 471: “Num país onde se tem a infelicidade de ter uma religião que Deus não deu, é sempre ne-
cessário que ela esteja de acordo com a moral; porque a religião, mesmo falsa, é a melhor garantia que os
homens possam ter da probidade dos homens”.
13 Ibid., p. 493.
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Essa concepção levou-lhe muitas críticas à época, razão pela qual foi
necessário publicar uma Defesa do Espírito das Leis14. Na segunda parte, ao tratar
da tolerância, excetua a religião cristã do poder do Estado em não tolerar seu
estabelecimento: “se a religião cristã é o primeiro bem e as leis políticas e civis
o segundo, não existem leis políticas e civis num Estado que possam ou devam
impedir a entrada da religião cristã”15.
14 Interpretar Montesquieu requer também reconhecer seu tom irônico. Ao eleger certos valores que são
apregoados pela cristandade, como o amor ao próximo, aceita-a como de valor moral elevado; porém, para
responder aos críticos, distingue a Religião dos Céus e a da Terra, de forma a desmistificar a posição que os
idólatras constroem de Jesus Cristo como um príncipe-imperador, que deve conquistar aos demais Estados.
Portanto, se apenas os valores cristões forem postos, o seu triunfo é consequente. Termina assim questionando:
“Façamos justiça a nós mesmos: a maneira como nos conduzimos nas questões humanas é bastante pura para
que possamos pensar em usá-las para a conversão dos povos?” (Ibid., p. 736).
15 Ibid., p. 735.
16 Comparato, Fábio K., 2010, p. 63.
17 Estados Unidos Da América, 1791: “Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or
prohibiting the free exercise thereof”.
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E O ACESSO AOS ESPAÇOS CONSTITUCIONAIS NO BRASIL
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21 Ibid., p. 225.
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E O ACESSO AOS ESPAÇOS CONSTITUCIONAIS NO BRASIL
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E O ACESSO AOS ESPAÇOS CONSTITUCIONAIS NO BRASIL
28 SAUCEDO, 2014, p. 287: “Para se chegar, portanto, à escolarização do Ensino Religioso laico e plural, fez-
se necessária a construção de parâmetros específicos para superação de obstáculos político-pedagógicos e
epistemológicos presentes na disciplina. A tarefa de elaborar um documento nacional para a atual legislação
ficou sob a responsabilidade do Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (FONAPER). O documento,
intitulado Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso (PCNER), foi divulgado em 1997, um ano após
a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) pelo Ministério da Educação e da Cultura (MEC)”
29 BRASIL, 2017, p. 2.
30 RODRIGUES JÚNIOR, 2014, p. 31.
266
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Conclusão
267
A TOLERÂNCIA RELIGIOSA: A CRÍTICA HISTÓRICO-CONSTRUTIVISTA
E O ACESSO AOS ESPAÇOS CONSTITUCIONAIS NO BRASIL
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269
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Resumo
A pesquisa busca revelar o atual e dominante pensamento jurídico brasileiro
sobre a história constitucional do país. Por meio da análise das leituras mais
frequentes nos cursos de Direito das Universidades Públicas mais conceituadas
do país, segundo a avaliação da Ordem dos Advogados do Brasil, o trabalho
empírico compreendeu o levantamento dos manuais e livros mais utilizados
nas disciplinas de Teoria da Constituição, e a análise dos seus marcos teóricos.
O objetivo específico do trabalho foi discutir os resultados a partir de sua
correlação com o marco teórico do pensamento político brasileiro, como
sugerem, em especial, os estudos de Alberto Guerreiro Ramos. Em suma, a
partir do método dialético e de análise de conteúdo das obras de Direito
Constitucional mais utilizadas pelos principais cursos jurídicos do país, a pesquisa
buscou entender, a partir destas fontes primárias, como a história constitucional
brasileira é vista pela intelectualidade jurídica do país, que parece negá-la, em
privilégio da história dos países do Atlântico Norte.
Introdução
271
TEORIA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA: UMA HISTÓRIA A SER CONTADA
1 BASTOS, Aurélio Wander. O Ensino Jurídico no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 346.
2 SANTOS, André Luiz Lopes dos. Ensino jurídico: uma abordagem político-educacional. Campinas: Edicamp,
2002, p. 277.
272
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
3 NABUCO, Joaquim. Minha formação. Rio de Janeiro, Paris: H. Garnier, Livreiro-Editor, 1900, p. 42.
4 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2014, p. 31.
273
TEORIA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA: UMA HISTÓRIA A SER CONTADA
Ainda de acordo com a teoria social de Guerreiro Ramos,7 por mais que
o processo de colonização tivesse sido conduzido pelos espanhóis, franceses ou
holandeses, não se teria realizado fora da pauta da imitação, pois ao fim e ao
cabo, a transplantação das instituições decorreu da própria necessidade da con-
strução nacional, para que se tornasse possível, a seu tempo, a nação brasileira.
274
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
que não significa uma exclusividade tupiniquim, pois como adverte Mangabeira
Unger, “todos os países de economia periférica tendem a ser governados por elites
que começam com projetos de imitar e importar as instituições econômicas e
políticas dos países centrais”.10
Nesse mesmo sentido, alerta a teoria social de Guerreiro Ramos que “os
critérios aqui vigentes não são induzidos, grosso modo, da realidade nacional. São
induzidos da realidade de outros países”.11 Ou, mais categoricamente, que “somos
até agora consumidores por excelência de cultura e ciência importadas”.12
10 UNGER, Roberto Mangabeira. Diálogo: Roberto Mangabeira Unger. Entrevistador: Leonardo Avritzer. Cadernos
da Escola do Legislativo, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, jan./jun. 1994, p. 38.
11 RAMOS, Alberto Guerreiro. O problema nacional do Brasil. Rio de Janeiro: Saga, 1960, p. 91.
12 RAMOS, Alberto Guerreiro. A inteligência brasileira na década de 1930, à luz da perspectiva de 1980. In:
Seminário Internacional, set. 1980, Rio de Janeiro. Anais do Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas. Brasília: UnB, 1983, p. 547.
13 Idem.
14 RAMOS, Alberto Guerreiro. A redução sociológica. 2. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 1996, p. 41.
15 LYNCH, Christian Edward Cyril. Teoria pós-colonial e pensamento brasileiro na obra de Guerreiro Ramos: o
pensamento sociológico (1953-1955). Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 73, jan./abr. 2015, p. 1.
275
TEORIA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA: UMA HISTÓRIA A SER CONTADA
Toda essa discussão aparenta ser mais adiantada na Ciência Política e nas
Ciências Sociais, certamente em razão da existência de um extenso debate sobre
as linhagens ou tradições do pensamento brasileiro. Lá, hoje a discussão caminha
a passos largos no sentido de superar o cenário colonial da intelectualidade brasi-
leira, tendo em vista os recentes e cada vez mais numerosos trabalhos científicos
sobre as linhagens e as tradições do pensamento político e social brasileiro19.
276
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
277
TEORIA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA: UMA HISTÓRIA A SER CONTADA
22 OAB. Exame de Ordem em números, vol. 2, Brasília, out. 2014. Disponível em: <http://www.oab.org.br/arquivos/
exame-de-ordem-em-numeros-II.pdf>. Acesso em: 5 dez. 2017.
23 OAB Ordem dos Advogados do Brasil – Conselho Federal. Exame de Ordem em números, vol. 1, Brasília,
ago. 2013. Disponível em: <http://www.oab.org.br/arquivos/exame-de-ordem-em-numeros-I.pdf>. Acesso em: 5
dez. 2017.
24 INEP. Conceito Preliminar de Curso – CPC, Brasília, mar. 2014. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/
educacao_superior/enade/planilhas/2012/cpc_2012_site_2014_03_14.xls>. Acesso em: 5 dez. 2017.
278
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Ano da
Região Estado Universidade Critério
ementa
Maringá
RS Universidade Federal de Santa 12º lugar no X ao XIII Exame de Ordem 2013
Maria
DF Universidade de Brasília 18º lugar no X ao XIII Exame de Ordem 2010
Centro-Oeste
3,3
PA Universidade Federal do Pará Conceito Preliminar de Curso contínuo 2010
3,2
Número de vezes em
Autor ou Autores Nome do livro que aparece nas dife-
rentes ementas
Curso de Direito Constitucional
SILVA, José Afonso da 11
Positivo
BONAVIDES, Paulo Curso de Direito Constitucional 9
279
TEORIA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA: UMA HISTÓRIA A SER CONTADA
280
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
25 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina,
2009, p. 51-60.
26 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo:
Saraiva, 2013, p. 39.
27 Idem, p. 40.
28 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 29. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 1.
29 ARAUJO, Luiz Alberto David; JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo:
Verbatim, 2011, p. 26.
30 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 32 e 34.
281
TEORIA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA: UMA HISTÓRIA A SER CONTADA
282
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
283
TEORIA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA: UMA HISTÓRIA A SER CONTADA
Todos esses exemplos servem para corroborar o fato de que, por mais
que refletissem sobre os problemas nacionais em importantes momentos do país,
não são consideradas Teorias da Constituição as ideias de inúmeros clássicos do
constitucionalismo brasileiro. Em consequência, é feita tábua rasa do constitucio-
nalismo nacional, que pode ser encontrado, por exemplo, durante o Império, com
as ideias de Joaquim Nabuco ou José Joaquim Carneiro de Campos, o marquês
de Caravelas; durante a Primeira República, com as propostas de Alberto Torres,
Oliveira Vianna ou Rui Barbosa; ou de Francisco Campos, no Estado Novo. Isso
quer dizer que os constitucionalistas contemporâneos não reivindicam a filiação
a uma tradição constitucional do próprio país, em níveis teóricos. A linhagem,
direta ou indiretamente, é estabelecida com os intelectuais do Atlântico Norte.
284
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Considerações finais
Seminário Internacional, set. 1980, Rio de Janeiro. Anais do Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas. Brasília: UnB, 1983, p. 546.
285
TEORIA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA: UMA HISTÓRIA A SER CONTADA
Isto não significa sugerir que se deixe de aceitar teorias estrangeiras, mas
apenas mitigar a ideia de que elas sejam verdades absolutas e universais. Significa,
nesse passo, apostar na ideia de que as teorias são produções circunstanciais, de
forma que também é indispensável a análise dos clássicos constitucionais brasileiros.
Referências bibliográficas
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
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288
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Resumo
Com a independência do Brasil, houve o estabelecimento de um gover-
no monárquico, hereditário, constitucional e representativo, como previsto no
artigo 3º da Constituição de 1824. na significou clara ruptura com o Antigo
Regime e com absolutismo monárquico. A instalação de sistema com quatro
poderes estatais, com destaque para o Poder Moderador, fez e ainda faz surgir
reflexões a respeito do viés do regime imperial brasileiro. Isso posto, o escopo
da presente pesquisa é investigar as bases fundamentadoras, tanto de cunho
teórico, como político-ideológico, da incorporação do Poder Moderador à
Constituição Política do Império do Brasil de 1824. Examina-se: (1) a obra de
alicerce conceitual para o chamado poder neutro, qual seja, “Princípios políti-
cos constitucionais”, de Benjamin Constant; (2) os Anais da Assembleia Geral
Constituinte e Legislativa do Império do Brasil de 1823, investigando a defesa
pelos constituintes de um poder real com fulcro de regulação dos demais
poderes; (3) os dispositivos do texto constitucional de 1824 de regulamentação
do Poder Moderador e breve levantamento da análise de alguns autores do
século XIX sobre o instituto.
Introdução
289
PODER MODERADOR NA CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO IMPÉRIO DO BRASIL (1824):
BASES TEÓRICAS E DEBATES CONSTITUINTES
1 OLIVEIRA, Eduardo Romero de. O império da lei: ensaio sobre o cerimonial de sagração de D. Pedro I
(1822). Tempo [online]. vol.13, n.26, pp.133-159, 2009
2 Idem.
3 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1995, p. 148.
4 LYNCH, Christian Edward Cyril. Quando o regresso é progresso: a formação do pensamento conservador
saquarema e de seu modelo político (1834-1851). In: BOTELHO, A.; ERREIRA, G.. (Org.). Revisão do pensamento
conservador: idéias e política no Brasil. 1ed. São Paulo: Hucitec, p. 25-54, 2010.
5 LYNCH, Christian Edward Cyril. O discurso político monarquiano e a recepção do conceito de poder Mo-
derador no Brasil (1822-1824). DADOS: Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 48, no 3, pp. 611 a 654,
2005.
290
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
291
PODER MODERADOR NA CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO IMPÉRIO DO BRASIL (1824):
BASES TEÓRICAS E DEBATES CONSTITUINTES
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
293
PODER MODERADOR NA CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO IMPÉRIO DO BRASIL (1824):
BASES TEÓRICAS E DEBATES CONSTITUINTES
No que diz respeito à relação desses poderes com o poder real, reafirma-
se o caráter arbitral do monarca, atuando no sentido de limitar excessos e evitar
antagonismos que pudessem conflagrar hostilidade e desestabilização.
Por fim, quanto ao quinto poder, competente para julgar os casos parti-
culares, o poder neutro atuaria para abrandar situações de excessiva severidade
nos julgamentos, atuando o monarca por meio da sua prerrogativa de conceder
18 LYNCH, op. cit., p. 96.
19 CONSTANT, op. cit., p. 49-50.
20 CONSTANT, Ibidem, p. 52.
294
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
sua graça, direito de perdoar penas por demais rigorosas, que não traduzissem
critérios de justiça desejáveis.
21 CONSTANT, Ibidem.
22 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. 9. ed. Brasília: OAB Editora, 2008,
p. 32-33.
295
PODER MODERADOR NA CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO IMPÉRIO DO BRASIL (1824):
BASES TEÓRICAS E DEBATES CONSTITUINTES
Ratifico, hoje, mui solenemente perante vós esta promessa, e espero que
me ajudeis a desempenhá-la, fazendo uma constituição sábia, justa, ade-
quada e executável, ditada pela razão, e não pelo capricho, que tenha em
vista tão-somente a felicidade geral, que nunca pode ser grande sem que
esta constituição tenha bases sólidas, bases que a sabedoria dos séculos
tenha mostrado, que são as verdadeiras, para darem uma justa liberdade
aos povos, e toda a força necessária ao Poder Executivo.
296
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
possíveis alusões ao Poder Moderador pelos deputados, mesmo que não tenha
ocorrido inequívoca defesa da teoria de Constant em termos literais e puros.
297
PODER MODERADOR NA CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO IMPÉRIO DO BRASIL (1824):
BASES TEÓRICAS E DEBATES CONSTITUINTES
da fala imperial, posto que “Um poder não julga outro poder, mórmente quan-
do este poder, é, por sua essencia inviolavel como é o monarcha em todos as
constituições mundo”. Afirmou que a fala do imperador somente poderia ser
discutida caso fosse introduzida para debate na ANC por moção e revisitada por
um dos deputados, pois seria como “o sol que não podemos olhar directamente,
facilmente encaramos quando um corpo menos radiante lhe amortece a luz”.
Advogou que o monarca era “a chave que fecha a abobada social”, sendo
“de certo modo superior a todos os outros poderes, que todas as mostras de
submissão, de differença, e respeito a elle, jámais são degradantes”. Nessa contenda,
Andrada Machado afirma que o poder imperial era superior ao da ANC, tento
em vista ter sido o imperador a convoca-la.30
Ainda que não tenha realizado distinção clara entre Poder Moderador
e Executivo, sustentou que deveria ocorrer predominância do poder real sobre
os demais, o que não tornaria o regime despótico ou absolutista, pois existiria
a separação de poderes. Essa divisão entre os poderes, no entanto, não poderia
acarretar em isolamento, necessitando existir “uma entidade intermediaria que
concilie os discordes interesses dos elementos inimigos, democrático e monarchi-
30 Idem.
31 Idem.
298
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
co”, que, quando necessário fosse, impusesse “força para pôr em movimento os
rodízios quando inertes, ou moderar-lhes os movimentos, quando desordenados”.32
32 Idem.
33 Idem.
34 Idem.
35 Idem.
36 LYNCH, op. cit.
299
PODER MODERADOR NA CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO IMPÉRIO DO BRASIL (1824):
BASES TEÓRICAS E DEBATES CONSTITUINTES
300
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
301
PODER MODERADOR NA CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO IMPÉRIO DO BRASIL (1824):
BASES TEÓRICAS E DEBATES CONSTITUINTES
O incidente com Davi Pamplona Corte Real, brasileiro que haveria sido
espancado por militares portugueses dos quadros das Forças Armadas brasileiras, é
considerado como fator de acirramento das controvérsias a respeito de portugueses
ocupantes de postos militares no Brasil, culminando com maior radicalização dos
debates na ANC, inclusive com proposta relativa à liberdade de imprensa, que
denunciava os abusos desses militares lusos.
302
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
303
PODER MODERADOR NA CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO IMPÉRIO DO BRASIL (1824):
BASES TEÓRICAS E DEBATES CONSTITUINTES
autônomos, mas com Províncias, submetidas ao Governo Central (art. 2); com
sistema política estruturado sob a forma de Monarquia Hereditária, cuja “Dynastia
Imperante” era a de D. Pedro I, “Defensor Perpetuo do Brazil” (arts. 3 e 4, arts.
116-120). Tratava-se, todavia, de uma Monarquia Constitucional, com previsão de
Sistema Representativo, portanto, afastando-se do modelo de Estado Absolutista
europeu (art. 3).
Por sua vez, o Poder Legislativo era composto pela Câmara dos Deputados
e pelo Senado (art. 14). A Câmara dos Deputados era eletiva e temporária (art.
35), com a legislatura durando quatro anos (art. 17). O Senado, por outro lado, era
composto por membros vitalícios, que seriam nomeados pelo Imperador, como
exercício do Poder Moderador (arts. 43 e 101, I), mas a partir de listas tríplices
resultantes de eleição provincial. Já o Poder Judiciário era composto por Juízes de
304
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
305
PODER MODERADOR NA CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO IMPÉRIO DO BRASIL (1824):
BASES TEÓRICAS E DEBATES CONSTITUINTES
O Poder Moderador não poderia construir nada de novo, pois não era
poder ativo, mas apenas mantenedor da harmonia entre os demais poderes, um
fiscal, com finalidade de “conservar, moderar a acção, restabelecer o equilibrio”, e
esse fim não seria atingido “se estivesse assemelhado, refundido e na dependência
de um d’elles”.50
Outro a advogar pelo Poder Moderador foi José Antônio Pimenta Bueno, o
Marquês de São Vicente,52 para quem o referido poder era “a suprema inspecção
da nação, é o alto direito que ella tem, e que não póde exercer por si mesma,
de examinar o como os diversos poderes politicos, que ella creou e confiou a
seus mandatarrios, são exercidos”.
Por conseguinte, era poder delegado pela nação – como o eram todos,
na redação do artigo 12 da Constituição –, mas não por ela exercido, tendo em
vista que cabia ao imperador, era fundamental para impedir os abusos dos demais
poderes. Para o Marquês de São Vicente,53 esse poder conservador era “a mais
elevada força social, o orgão politico o mais activo, o mais influente, de todas as
49 URUGUAY, Paulino Soares de Sousa, Visconde do. Ensaio sobre o direito administrativo. 2 tomos. Rio de
Janeiro: Typografia Nacional, 1862,t.2.
50 URUGUAY, Ibidem, p.60.
51 VASCONCELLOS, Zacarias de Góes e. Da natureza e limites do poder moderador. Rio de Janeiro: Typographia
Universal de Laemmert, 1862, p. 13.
52 SÃO VICENTE, José Pimenta Bueno, Marquês de. Direito publico brazileiro e analyse da Constituição do
Imperio. Rio de Janeiro: Typographia Imp. e Const. de J. Villeneuve & C., 1857, 204.
53 SÃO VICENTE, Ibidem, p. 204-205.
306
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Tal poder era “não só a chave de toda a organização politica, senão tam-
bem a pendula do grande mecanismo social, o aarbitro e o regulador supremo
de todos o outros poderes”. As prerrogativas do Poder Moderador que eram
objeto de crítica pelos seus opositores, eram motivo de exaltação por Braz Souza:55
E’ elle quem manda a todos com imperio: ao legislativo pelo veto, pelo
adiamento da Assembleia Geral; pela disssolução da camara do depu-
tados; – ao executivo pela demissão dos ministros; – ao judiciario pela
suspensão do magistrado, pelo perdão das penas, e pela amnystua. E’ elle
quem a todos communica os principios de vida e de ordem necessarios
á manutenção da sociedade;
Por óbvio que a essa defesa do Poder Moderador existiu não menos
incisiva antítese, como no sentido de que a louvada estabilidade, na realidade,
traduzia-se em limitação à liberdade nacional, posto que o “poder moderador,
podendo interferir em todos os outros poderes do Estado, terminava por fazer
e desfazer politicamente o que quisesse”.56
54 SOUZA, Braz Florentino Henriques de. Do poder moderador: ensaio de direito constitucional contendo a
analyse do Titulo V Capitulo I da Constituição Politica do Brazil. Recife: Typografhia Universal, 1864, p. 16.
55 SOUZA, Ibidem, p. 25.
56 LOPES, op. cit., p. 307.
57 CANECA, Joaquim do Amor Divino Rabelo, o Frei. Ensaios políticos: crítica da constituição outorgada, bases
para a formação do pacto social e outros. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, 1976.
307
PODER MODERADOR NA CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO IMPÉRIO DO BRASIL (1824):
BASES TEÓRICAS E DEBATES CONSTITUINTES
308
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Conclusão
O projeto que vinha sendo discutido não previa a separação dos poderes
do Estado em quatro corpos, senão na tripartição de poderes consagrada na
doutrina de Montesquieu. Tendo o Poder Moderador sido introduzido no esta-
tuto constitucional pós dissolução da Constituinte, à vista disso, como demanda
direta de D. Pedro I, poderia ser esse outro sinal de sua natureza absolutista, ou
mesmo despótica.
309
PODER MODERADOR NA CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO IMPÉRIO DO BRASIL (1824):
BASES TEÓRICAS E DEBATES CONSTITUINTES
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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
311
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Resumo
O presente artigo investiga os debates, durante a Assembleia Constituinte
de 1933 e 1934, a respeito da repartição das competências das modalidades de
educação pública entre os entes federados. Para tanto, buscou-se averiguar se
houve uma disputa mais profunda no decorrer do processo constituinte em
relação a modelos de centralização e descentralização nessa área. A análise das
disputas sobre a divisão das responsabilidades no âmbito do ensino público
teve como objetivo verificar a posição de algumas figuras públicas e de cer-
tos grupos políticos nesse debate, bem como as propostas apresentadas que
instituíram uma nova obrigação para os entes federados. Assim, foi possível
aprofundar uma reflexão sobre a própria história do federalismo brasileiro e a
construção de seu desenho institucional.
Introdução
313
EDUCAÇÃO E(M) DISPUTA: DISCUSSÕES SOBRE A REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS
NA EDUCAÇÃO DURANTE A CONSTITUINTE DE 1933-1934
1. Repensar as competências
1 Para ficar com dois exemplos, alemães do século XIX, vide: HEGEL, G. W. F. Linhas Fundamentais da Filosofia
do Direito: ou Direito Natural e Ciência do Estado em Compêndio. Trad.: Paulo Menezes (et. al.) São Leopoldo:
Unisinos; São Paulo: Loyola; 2010; MARX, Karl. Sobre a questão judaica. Trad.: Nelio Schneider. São Paulo: Boi-
tempo, 2010.
314
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
2 RESNIK, Judith. What’s Federalism For? In: BALKIN, Jack M.; SIEGEL, Reva B. The Constitution in 2020. New
York: Oxford, 2009, p. 269-284.
3 BLOCK, Susan Low; JACKSON, Vicki C. Federalism: A reference Guide to the United States Constitution. Santa
Barbara: Praeger, 2013, p. Xi e ss.
315
EDUCAÇÃO E(M) DISPUTA: DISCUSSÕES SOBRE A REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS
NA EDUCAÇÃO DURANTE A CONSTITUINTE DE 1933-1934
316
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
6 GOMES, Angela de Castro. Introdução. In: História do Brasil Nação 1808-2010. Volume 4 (1930-1964). Rio
de Janeiro: Ed. Objetiva; Fundação Mapfre, 2013, p. 32.
7 LEÃO, Antonio Carneiro. Os deveres das novas gerações brasileiras. In: À margem da história da República.
Introdução de Alberto Venâncio Filho. Vicente Licínio Cardoso (org.). Brasília: Editora Universidade de Brasília,
1981.
8 VIANNA, Oliveira. O idealismo da Constituição In: À margem da história da República. Introdução de Alberto
Venâncio Filho. Vicente Licínio Cardoso (org.). Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981.
9 NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República. 3ª ed. São Paulo: Editora Universidade de São
Paulo, 2009.
317
EDUCAÇÃO E(M) DISPUTA: DISCUSSÕES SOBRE A REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS
NA EDUCAÇÃO DURANTE A CONSTITUINTE DE 1933-1934
318
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
10 AZEVEDO, José Afonso de Mendonça. Elaborando a Constituição Nacional. Brasília: Conselho Editorial do
Senado Federal, 2004.
11 AZEVEDO, José Afonso de Mendonça. Elaborando a Constituição Nacional. Brasília: Conselho Editorial do
Senado Federal, 2004, p. 54.
319
EDUCAÇÃO E(M) DISPUTA: DISCUSSÕES SOBRE A REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS
NA EDUCAÇÃO DURANTE A CONSTITUINTE DE 1933-1934
12 NERY, Ana Clara Bortoleto. A Sociedade de Educação de São Paulo: embates no campo educacional (1922-
1931). São Paulo: Ed. UNESP, 2009.
13 AZEVEDO, José Afonso de Mendonça. Elaborando a Constituição Nacional. Brasília: Conselho Editorial do
Senado Federal, 2004, p. 54, p. 388.
320
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
poderá ser constituído sem renda suficiente para manter os serviços de ensino
municipal, limpeza pública e conservação de estrada de rodagem”14.
14 Ibid, p. 820.
15 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO. O problema educacional e a nova Constituição. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1934.
16 Ibid, p. 12.
17 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO. O problema educacional e a nova Constituição. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1934, pp. 14-15.
321
EDUCAÇÃO E(M) DISPUTA: DISCUSSÕES SOBRE A REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS
NA EDUCAÇÃO DURANTE A CONSTITUINTE DE 1933-1934
Sobre a transição para esse novo modelo, a proposta dos associados, com
base na ideia de competência suplementar, foi a seguinte:
(...) ficará a União livre para deliberar sobre os próprios estabelecimentos
que mantêm presentemente. Poderá conservá-los no caráter de suplemen-
tos aos sistemas educativos ou entregá-los aos Estados, acompanhados
das subvenções necessárias, conforme lhe pareça mais oportuna ou mais
conveniente.18
18 Ibid, p. 16.
322
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
323
EDUCAÇÃO E(M) DISPUTA: DISCUSSÕES SOBRE A REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS
NA EDUCAÇÃO DURANTE A CONSTITUINTE DE 1933-1934
Por fim, Vargas disse que, uma vez organizada a cooperação entre os
poderes públicos federais, estaduais e municipais, restaria à União a tarefa de
“organizar, superintender e fiscalizar” os serviços de educação nacional.
22 Constituição de 1934, art. 151 - Compete aos Estados e ao Distrito Federal organizar e manter sistemas
educativos nos territórios respectivos, respeitadas as diretrizes estabelecidas pela União.
324
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
325
EDUCAÇÃO E(M) DISPUTA: DISCUSSÕES SOBRE A REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS
NA EDUCAÇÃO DURANTE A CONSTITUINTE DE 1933-1934
Considerações finais
24 Ibid, p. 251.
25 BERCOVICI, Gilberto. Tentativa de instituição da democracia de massas no Brasil: instabilidade constitucional e
direitos sociais na Era Vargas (1930-1964). In: FONSECA, Ricardo Marcelo e SEELAENDER, Airton (Orgs.) Historia
do Direito em Perspectiva: do Antigo Regime à Modernidade. Curitiba: Juruá Editora, 2009.
326
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
De outro lado, certos grupos viam com maior desconfiança essa maior
responsabilidade da União na área educacional. A Associação Brasileira de Educação,
por exemplo, foi contra a repartição de competências no campo da educação na
Constituição de 1934. Anísio Teixeira, assumindo certa liderança na Associação,
reclamou especialmente do casuísmo das decisões, dizendo que faltou ao cons-
tituinte pensar um “sistema” de educação. Para ele, a Constituição não deixava
claro qual papel a União deveria desempenhar. No entanto, a própria posição do
Anísio Teixeira possuía, em certa medida, um caráter “casuísta”, uma vez que ele
era o Secretário de Educação do Distrito Federal e buscava obter maior controle
das esferas de ensino na capital.
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327
EDUCAÇÃO E(M) DISPUTA: DISCUSSÕES SOBRE A REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS
NA EDUCAÇÃO DURANTE A CONSTITUINTE DE 1933-1934
328
Grupo de Trabalho
Resumo
Ao longo do Segundo Reinado, o Conselho de Estado foi chamado a
se manifestar sobre matérias importantes para a construção e o destino do
Império brasileiro. Além disso, por suas seções passaram inúmeras consultas e
dúvidas relativas ao cotidiano da administração policial e judiciária, especialmente
na sua Seção de Justiça. Dentre as matérias debatidas nessa Seção, esteve a
questão relativa à entrada de pessoas negras no país, tendo os conselheiros
firmado posição contrária, com base em interpretação controversa do artigo
7º da Lei de 7 de novembro de 1831. Assim, mostra-se necessário estudar os
pareceres sobre o tema, bem como outros que tratam da referida lei, para
compreender a atuação dos conselheiros na defesa da estabilidade da ordem
social escravista. No presente trabalho, foram analisados alguns pareceres sobre
a lei, de modo a perceber o discurso da Seção de Justiça sobre a manutenção
da ordem social escravista, especialmente no que se refere à proibição da
entrada de negros e negras no Brasil Imperial. Assim, fez-se possível também
compreender a própria atuação dos conselheiros, juristas estadistas, em matéria
delicada para a administração do Império.
1. Introdução
331
SEÇÃO DE JUSTIÇA DO CONSELHO DE ESTADO E O ARTIGO 7º DA LEI DE 7 DE NOVEMBRO DE 1831:
MANUTENÇÃO DA ORDEM ESCRAVISTA NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX
a Seção de Justiça do Conselho de Estado. Revista de História da USP, São Paulo, n. 5, 2007.
3 LOPES, José Reinaldo de Lima. O oráculo de Delfos – O Conselho de Estado no Brasil Império. São Paulo:
Editora Saraiva, 2010.
4 Ibid., p. 160-177.
5 Há larga historiografia sobre a trajetória da Lei de 1831, desde o início, em que as autoridades imperiais
ensaiaram um cumprimento da lei, passando pela época do contrabando sistêmico, até os últimos anos do
escravismo no Brasil, quando a lei “renasceu” nas ações de liberdades propostas por escravizados e seus curadores.
A esse respeito, ver, especialmente: MAMIGONIAN, Beatriz Gallotti. Africanos Livres – A abolição do tráfico de
escravos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2017; PARRON, Tâmis. A política da escravidão no Império
do Brasil, 1826-1865. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011; e CHALHOUB, Sidney. A força da escravidão:
ilegalidade e costume no Brasil oitocentista. 1ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
6 ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de. O jogo da dissimulação: abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 2009, p. 45-81. CHALHOUB, Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil
oitocentista. 1ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 211-225.
7 Ibid.
332
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
8 BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Coleção das Decisões do Império do Brasil (1835). Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1864, p. 89. A grafia dos documentos citados nesta dissertação foi atualizada, mantendo-
se, quando possível, as formas originais dos nomes próprios e dos títulos das obras.
333
SEÇÃO DE JUSTIÇA DO CONSELHO DE ESTADO E O ARTIGO 7º DA LEI DE 7 DE NOVEMBRO DE 1831:
MANUTENÇÃO DA ORDEM ESCRAVISTA NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX
A legação argentina ainda tentou argumentar que a lei era muito clara
e só falava em liberto, e não em livre. Assim, inexistindo prova de que Brown
alguma vez tivesse sido escravo, não havia por que impedi-lo de ingressar no
país. O Ministro dos Estrangeiros, então, explicou que a expressão usada pela
lei – liberto – era, na verdade, antítese de escravo. Mais, observou que o caso
de Brown era idêntico ao debatido um ano antes: o de uma mulher negra que
acompanhava um estadunidense – era ingênua, mas de cor; logo, não poderia
ingressar no Brasil.
9 CAROATÁ, José Próspero Jeová da Silva. Imperiais resoluções tomadas sobre consultas da seção de justiça do
Conselho de Estado. Anno de 1842, em que começou a funcionar o mesmo Conselho, até hoje. Rio de Janeiro: B.
L. Garnier Livreiro Editor, 1884, p. 1378.
10 Ibid., p. 1378.
11 Nesse parecer de 1868 ora debatido, aponta-se que foi expedido novo aviso, de 4 de maio de 1867, em que
se consolidava a interpretação destacada. Infelizmente, ainda não foi possível localizá-lo, mesmo nas publicações
oficiais dos atos, decisões e avisos do Governo.
12 ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de. O jogo da dissimulação: abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 2009, p. 45-81.
13 CHALHOUB, Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil oitocentista. 1ª edição. São Paulo:
Companhia das Letras, 2012, p. 211-225.
334
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
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MANUTENÇÃO DA ORDEM ESCRAVISTA NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
21 CAROATÁ, José Próspero Jeová da Silva. Imperiais resoluções tomadas sobre consultas da seção de justiça do
Conselho de Estado. Anno de 1842, em que começou a funcionar o mesmo Conselho, até hoje. Rio de Janeiro: B.
L. Garnier Livreiro Editor, 1884, p. 1380.
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SEÇÃO DE JUSTIÇA DO CONSELHO DE ESTADO E O ARTIGO 7º DA LEI DE 7 DE NOVEMBRO DE 1831:
MANUTENÇÃO DA ORDEM ESCRAVISTA NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX
país, onde a oposição tinha que revelar seus planos, suas alternativas, seu
modo diverso de encarar as grandes questões, cuja solução pertencia ao
ministério. Essa admirável criação do espírito brasileiro, que completava
a outra, não menos admirável, tomada a Benjamin Constant, o Poder
Moderador, reunia, assim, em torno do imperador as sumidades políticas
de um e outro lado, toda a sua consumada experiência, sempre que
era preciso consultar sobre um grave interesse público, de modo que
a oposição era, até certo ponto, partícipe da direção do país, fiscal dos
seus interesses, depositária dos segredos de Estado.22
22 DE MELLO, Evaldo Cabral (Org.). Essencial Joaquim Nabuco. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras,
2010, p. 502.
23 MARTINS, Maria Fernanda Vieira. A Velha Arte de Governar – Um estudo sobre política e elites a partir do
Conselho de Estado (1842-1889). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2007. LOPES, José Reinaldo de Lima. O oráculo
de Delfos – O Conselho de Estado no Brasil Império. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.
24 Nesse sentido, o fato de, dentro da teoria do direito em vigor, o Conselho não interpretar autenticamente
as leis (papel reservado ao legislativo), ou seja, suas decisões não serem diretamente vinculantes, não significa
que o órgão, na prática, não decidisse efetivamente sobre uma série de medidas administrativas e judiciais. A
respeito do caráter consultivo e, dentro dessa perspectiva da teoria do direito, assim se manifesta José Reinaldo
Lima Lopes. op. cit., p. 120.
25 LOPES, op. cit. MARTINS, op. cit. VELLASCO, Ivan de Andrade. A cultura jurídica e a arte de governar:
algumas hipóteses investigativas sobre a Seção de Justiça do Conselho de Estado. Revista de História da USP, São
Paulo, n. 5, 2007.
26 BRASIL. Constituição (1824). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1886, p. 27.
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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Desde o início, o órgão foi objeto de algumas críticas, muitas vezes mais
direcionadas ao Poder Moderador, porquanto seria o retrato do absolutismo do
monarca27, contrário às tendências pretensamente liberais do século XIX.
27 Interessante observar, sobre esse aspecto, que, ao contrário do que apregoa certo senso comum acerca do
Conselho, este não foi criação isolada da teoria política e jurídica vigente no século XIX. Como nos mostra José
Reinaldo de Lima Lopes, há experiências similares em países europeus; além disso, em termos de estabilidade
política e jurídica, o Conselho exerceu papel semelhante ao da Suprema Corte dos Estados Unidos. Por outro
lado, em relação à monarquia no Brasil no século XIX, em contraposição à adoção da República na maioria dos
países vizinhos, já há historiografia consolidada em mostrar como, no âmbito da práxis política, o republicanis-
mo dos vizinhos não representava necessariamente mais progressismo ou acesso à vida pública, muitas vezes
sendo tão centralizado e elitizado quanto a Monarquia brasileira, e até mesmo com menos democratização
do jogo eleitoral. Sobre o tema, é oportuna a seguinte leitura: LYNCH, Christian Edward Cyrill. Da monarquia à
oligarquia – história institucional e pensamento político brasileiro (1822-1930). São Paulo: Alameda, 2014, p. 15-81.
28 OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. O Conselho de Estado e o complexo funcionamento do governo monárquico
no Brasil do século XIX. Revista de História da USP, São Paulo, n. 5, 2007.
29 BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Coleção das Decisões do Império do Brasil (1841). Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1842, p. 59.
339
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MANUTENÇÃO DA ORDEM ESCRAVISTA NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
dos conselheiros foram antes Ministros de Estado, 80,4% (oitenta virgula quatro
por cento) foram senadores e 71,4% (setenta e um virgula quatro por cento)
Presidentes de Província35. Em muitos casos, como no de Nabuco de Araújo, o
conselheiro passava por todos esses principais cargos da burocracia imperial. Em
suma, chegar ao Conselho era o ápice de uma sólida carreira.
341
SEÇÃO DE JUSTIÇA DO CONSELHO DE ESTADO E O ARTIGO 7º DA LEI DE 7 DE NOVEMBRO DE 1831:
MANUTENÇÃO DA ORDEM ESCRAVISTA NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX
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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
xam mais complexa a relação do Conselho com as elites, muitas vezes havendo
embates e divergências sobre a atuação do poder monárquico42.
343
SEÇÃO DE JUSTIÇA DO CONSELHO DE ESTADO E O ARTIGO 7º DA LEI DE 7 DE NOVEMBRO DE 1831:
MANUTENÇÃO DA ORDEM ESCRAVISTA NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX
na prática. Como afirmou José Reinaldo, “Embora o Conselho Pleno fosse visto
como o órgão de consulta política por excelência, as seções foram as que mais
ativamente funcionaram”45.
344
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
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MANUTENÇÃO DA ORDEM ESCRAVISTA NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
54 CAROATÁ, José Próspero Jeová da Silva. Imperiais resoluções tomadas sobre consultas da seção de justiça do
Conselho de Estado. Anno de 1842, em que começou a funcionar o mesmo Conselho, até hoje. Rio de Janeiro: B.
L. Garnier Livreiro Editor, 1884, p. 1723-1724.
55 Ibid., p. 1724.
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SEÇÃO DE JUSTIÇA DO CONSELHO DE ESTADO E O ARTIGO 7º DA LEI DE 7 DE NOVEMBRO DE 1831:
MANUTENÇÃO DA ORDEM ESCRAVISTA NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX
56 Mamigonian demonstra como a Lei Eusébio de Queirós, de 1850, tem como um dos pressupostos a tentativa
de esquecimento da Lei de 7 de novembro de 1831 e seus efeitos, ainda que informalmente. É a “prescrição
dos fatos passados” dita pelos conselheiros. MAMIGONIAN, Beatriz Gallotti. Africanos Livres – A abolição do
tráfico de escravos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.
57 Há ampla historiografia sobre o tema. Ver: GRINBERG, Keila. Liberata: a lei da ambiguidade – ações de
liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro no século XIX [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de
Pesquisa Social, 2010. ISBN 978-85-99662-76-2. Disponível em SciELO Books <http://books.scielo.org>; CHALHOUB,
Sidney. Visões da liberdade – Uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia
das Letras, 2011; AZEVEDO, Elciene. O direito dos escravos. Campinas: Editora da Unicamp, 2010; e NEQUETE,
Lenine. Escravos e magistrados no 2º Reinado: aplicação da Lei n. 2.040, de 28/9/1871. Brasília: Fundação Petrônio
Portela, 1988.
58 O parecer também é comentado por Beatriz Mamigonian, em Africanos Livres – A abolição do tráfico de
escravos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2017, p. 428-435. Ver também: AZEVEDO, Elciene. O direito
dos escravos. Campinas: Editora da Unicamp, 2010, p. 137-140.
59 MENDONÇA, Joseli Maria Nunes. Entre a mão e os anéis: a Lei dos Sexagenários e os caminhos da abolição
no Brasil. 2ª Edição. Campinas: Editora da Unicamp, 2008.
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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
5. Considerações finais
60 ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de. O jogo da dissimulação: abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 2009, p. 47-80.
61 PARRON, Tâmis. A política da escravidão no Império do Brasil, 1826-1865. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2011, p. 31.
62 LOPES, José Reinaldo de Lima. O oráculo de Delfos – O Conselho de Estado no Brasil Império. São Paulo:
Editora Saraiva, 2010, p. 345.
63 VELLASCO, Ivan de Andrade. A cultura jurídica e a arte de governar: algumas hipóteses investigativas sobre
a Seção de Justiça do Conselho de Estado. Revista de História da USP, São Paulo, n. 5, 2007, p. 44.
349
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MANUTENÇÃO DA ORDEM ESCRAVISTA NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX
Referências bibliográficas
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CAROATÁ, José Próspero Jeová da Silva. Imperiais resoluções tomadas sobre con-
sultas da seção de justiça do Conselho de Estado. Anno de 1842, em que começou
a funcionar o mesmo Conselho, até hoje. Rio de Janeiro: B. L. Garnier Livreiro
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CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem; teatro das sombras. 8ª edição.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade – Uma história das últimas décadas da
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____. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil oitocentista. 1ª edição.
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GRINBERG, Keila. Liberata: a lei da ambiguidade – ações de liberdade da Corte de
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de Pesquisa Social, 2010. ISBN 978-85-99662-76-2. Disponível em SciELO Books
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HESPANHA, António Manuel. Caleidoscópio do Antigo Regime. São Paulo: Ala-
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KUGELMAS, Eduardo (Org.). José Antônio Pimenta Bueno, Marquês de São Vicente.
São Paulo: Editora 34, 2002. (Coleção Formadores do Brasil).
LOPES, José Reinaldo de Lima. O oráculo de Delfos – O Conselho de Estado no
Brasil Império. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.
350
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
351
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Resumo
Esta comunicação tem por objeto um dos aspectos fundamentais de
nossa pesquisa de doutorado, a qual trata dos aspectos jurídicos do sistema
penal escravista brasileiro do séc. XIX, bem como da condição jurídica criminal
do escravo no mesmo período. A partir deste século, a historiografia brasileira
descreve uma intensificação do controle punitivo sobre os escravos, tendência
essa proveniente, sobretudo, da expansão do aparelho estatal. Nesse sentido, o
trabalho investiga inicialmente as raízes dessa ampliação da atuação estatal e
os meios pelos quais ela se realizou, com especial destaque para a importância
exercida pelo Código Criminal do Império de 1830 na delimitação da referida
condição jurídica do escravo; a seguir, se procura averiguar quais as implicações
dessa interferência estatal nas relações senhor-escravo e no direito punitivo do-
méstico, bem como, de modo mais amplo, na própria instituição da escravidão,
examinando-se com esse propósito alguns casos concretos. A metodologia
desta pesquisa abarca, como fontes primárias, autos de processos criminais da
segunda metade do século XIX, nos quais os escravos são vítimas/autores de
crimes, pertencentes, sobretudo, ao Arquivo Municipal de Castro, localidade
que no século XIX concentrava a maior população de escravos do Paraná.
353
O CONTROLE PUNITIVO DOS ESCRAVOS NO BRASIL DO SÉCULO XIX:
UM ESTADO IMPERIAL INTERVENCIONISTA?
penal no Antigo Regime. In: Justiça e litigiosidade: história e prospectiva de um paradigma. Lisboa (Portugal):
Calouste Gulbenkian, 1993, p. 287-379.
2 HESPANHA, loc. cit.
3 Considerando-se os indígenas à parte, com 3,9%. Embora acrescente que esta porcentagem deva ser acrescida
dos índices relativos à África, pois 13,6% da legislação dirigida a este continente trata do embarque, comércio
e transporte dos escravos.
354
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
o poder dos senhores nem dar margem à ‘soltura dos escravos. Estas
determinações legais tem sido pouco estudadas. Entre os poucos a lidar
com o tema, o entendimento mais frequente é que possam ter relação
com movimentos de codificação das relações escravistas ocorridos em
outras nações europeias (como no caso da legislação sobre Dom Pedro
II e o Code Noir) ou com movimentos letrados de críticas às relações
entre senhores e escravos.4
4 LARA, Silvia Hunold. Os escravos e seus direitos. In: NEDER, Gislene (Org.). História & direito: jogos de
encontros e transdisciplinaridade. Rio de Janeiro (RJ): Revan, 2007. Grifos nossos.
5 Apresentação da obra, na contracapa, por Laura de Mello e Souza. In: ALGRANTI, Leila Mezan. O feitor
ausente: estudos sobre a escravidão urbana no Rio de Janeiro (1808-1822). Petrópolis (RJ): Vozes,1988.
6 ALGRANTI, 1988, p. 51. Grifos nossos
355
O CONTROLE PUNITIVO DOS ESCRAVOS NO BRASIL DO SÉCULO XIX:
UM ESTADO IMPERIAL INTERVENCIONISTA?
7 FERREIRA, Roberto Guedes. Autonomia escrava e (des)governo senhorial na cidade do Rio de Janeiro da
primeira metade do século XIX. In: FLORENTINO, M. (Org.). Tráfico, cativeiro e liberdade: Rio de Janeiro, séculos
XVIII-XIX. Rio de Janeiro (RJ): Civilização Brasileira, 2005, p. 231-283. Grifos do autor.
8 E, até mesmo, no regime político do Estado, já que no final do século XIX não apenas cai o regime escravista
com a abolição (1888), mas também o Império, com ascensão de um novo modelo político, a República, já
em 1889.
356
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
9 SLEMIAN, Andréa. Políticas em tempo de crise: Rio de Janeiro (1808-1824). São Paulo: Hucitec, 2006, p. 71.
10 Da mesma forma, Airton Seelaender escrevendo sobre a modernidade do direito público e as mudanças
que ocorreram na administração real, esclarece sobre as origens da figura do Intendente, que ele deita raízes
no commissaire da monarquia francesa do século XVII, os novos mandatários da Coroa: “Mais controlável pela
Coroa do que o “officier”, o “commissaire” desempenhava funções estratégicas, nas áreas em que a confiança e
a eficiência importavam particularmente. Eram “commissaires” os Secretários de Estado, estes antecessores dos
atuais ministros. Eram “commissaires” os embaixadores, o “Controlador Geral das Finanças”, o Tenente Geral da
Polícia de Paris. Eram “commissaires” sobretudo os intendentes, nervos essenciais que vinculavam a cabeça da
monarquia às províncias e nelas tentavam implantar as diretrizes do Absolutismo Reformador.” SEELAENDER,
Airton Cerqueira-Leite. O contexto do texto: notas introdutórias à história do direito público na idade moderna.
Revista Sequência, n. 55, dez. 2007, p. 270.
11 SLEMIAN, 2006, p. 75. Grifos nossos.
12 Idem, p. 76. Grifos nossos.
357
O CONTROLE PUNITIVO DOS ESCRAVOS NO BRASIL DO SÉCULO XIX:
UM ESTADO IMPERIAL INTERVENCIONISTA?
É, porém, o estudo de Kirsten Schultz, que indica a nosso ver com mais
precisão o caráter preparatório exercido pela Intendência Geral de Polícia no
tratamento jurídico criminal dado ao escravo que será posteriormente delimitado
pelo Código Criminal de 1830.
Os escravos apelavam ao Rei, que por sua vez procurava conselho no In-
tendente de Polícia. Como um importante intermediário, o Intendente aconselhava
ou desaconselhava o Rei a intervir. Inicialmente, o Intendente tentou desviar os
requerimentos da “intervenção extraordinária” real, despachando no sentido de que
os peticionários deveriam buscar os “meios ordinários” de solução legal na justiça14.
358
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Que o leitor nos perdoe as longas citações, porém estes trechos são fun-
damentais para a interpretação que vamos propor: essa nova legislação restritiva
reclamada pelo Intendente, esse “princípio não codificado”, nas palavras precisas
de Schultz, de intervenção régia a favor dos escravos e de limitação dos direitos
16 SCHULTZ, 2008, p. 251. Grifos nossos.
17 Idem, p. 252. Grifos nossos.
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O CONTROLE PUNITIVO DOS ESCRAVOS NO BRASIL DO SÉCULO XIX:
UM ESTADO IMPERIAL INTERVENCIONISTA?
18 Código Criminal do Império do Brasil de 1830. Anotado pelo Dr. Braz Florentino Henriques de Souza. Recife
(PE): Thypographia Universal, 1858, p. 31. Disponível em: http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/221763. Acesso
em: 15.03.2017.
19 SLEMIAN, Andrea. À nação independente, um novo ordenamento jurídico: a criação dos Códigos Criminal
e do Processo Penal na primeira década do Império do Brasil. In: RIBEIROS, Gladys Sabina (Org.). Brasileiros e
cidadãos: modernidade política (1822-1930). São Paulo: Alameda, 2008, p. 175-206.
20 Muitos pesquisadores tem sublinhado o caráter retórico desse argumento, direcionado à manutenção da
escravidão e, sobretudo, da pena de morte no Império, inclusive para os livres. Entretanto, o problema é bas-
tante complexo, pois se é plausível a mobilização retórica do argumento, também é certo que ele encontrou
ressonância na consciência dos deputados, que votaram favoravelmente à manutenção daquela pena, a ser
aplicada no regime do Código do mesmo modo para livres e escravos. Sobre o caráter retórico do argumento,
dentre outros, ver: COSTA, Vivian Chieregati. Codificação e formação do Estado –nacional brasileiro: o Código
Criminal de 1830 e a positivação das leis no pós-independência. Dissertação de mestrado. Universidade de São
Paulo. 2013. p. 172-202.
360
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
21 FERREIRA, Ricardo Alexandre. Crimes em comum: escravidão e liberdade sob a pena do Estado imperial
brasileiro (1830-1888). São Paulo (SP): Unesp, 2011, p. 166. Grifos do autor.
22 A Constituição Imperial também incluía os libertos entre os cidadãos no artigo 6, inciso I. Porém, o artigo
94, parágrafo 2º, logo esvaziava esta cidadania proibindo que eles fossem eleitores (num contexto de voto cen-
sitário), o que vedava também o acesso a cargos públicos cujo requisito fosse a condição de eleitor. Ademais,
o liberto podia voltar à condição de escravizado, pois havia a previsão legal de reversão da alforria concedida
em caso de ingratidão para com o Senhor (Ordenações Livro 4, Título 63, parágrafo 7 e ss.). Esta previsão só
viria a ser revogada em 1871, pela Lei nº 2.040.
361
O CONTROLE PUNITIVO DOS ESCRAVOS NO BRASIL DO SÉCULO XIX:
UM ESTADO IMPERIAL INTERVENCIONISTA?
Jacob Gorender também notou esta contradição, quando diz que o es-
cravo transcende a condição de coisa possuída no relacionamento com o senhor
e com os homens livres em geral por meio do ato criminoso:
O primeiro ato humano do escravo é o crime, desde o atentado contra
o senhor à fuga do cativeiro. Em contrapartida ao reconhecer a respon-
sabilidade penal dos escravos, a sociedade escravista os reconhecia como
homens: além de incluí-los no direito das coisas, submetia-os à legislação
penal. Essa espécie de reconhecimento tinha, está claro, alto preço. Os
escravos sempre sofreram as penas mais pesadas e infamantes. [...] mas a
pena mais cruel justamente por ser uma pena, implicava o reconhecimento
de que se punia um ser humano.25
23 E logo no parágrafo seguinte explica que por ser o escravo considerado pessoa quando perpetra um delito,
esta interpretação não macula a possibilidade de novamente ser objeto, dando azo a crime de furto. Isto é,
furtar escravos de outrem é um crime unicamente contra o senhor (não contra o escravo). É um crime contra
a propriedade que o Código Criminal caracteriza como roubo e não um crime contra a pessoa (do escravo).
Portanto, volta novamente o escravo a ser coisa nessa hipótese. MALHEIRO, Perdigão. A escravidão no Brasil:
ensaio histórico, jurídico, social. Introdução de Edison Carneiro. 3 ed. Petrópolis (RJ): Vozes; Brasília (DF), INL,
1976, p. 49. Os grifos são do autor.
24 Nesse mesmo sentido, escrevem Arno e Maria José Wehling: “Com tais predisposições e ambigüidades,
como a legislação situava o escravo em juízo? Preliminarmente deve ser observado, como regra geral quanto
ao direito material, que na área civil o escravo era objeto da relação jurídica, uma vez que sobre ele se exercia
um direito de propriedade. Mas na área penal, admitia-se a dupla condição de sujeito e objeto da relação
jurídica, pois o crime que cometia lhe era imputável.” WEHLING, Arno e Maria José. Direito e justiça no Brasil
colonial: o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro (1751-1808). Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 481.
25 GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo (SP): Editora Ática, 1992, p. 51. Grifos nossos.
362
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
26 Sobre as características da forma Código, dentre outros ver: TARELLO, Giovanni. Storia della cultura giuridica
moderna: assolutismo e codificazione del diritto. Società editrice il Mulino: 2016.; GROSSI, Paolo. Code Civil:
uma novíssima fonte para a nova civilização jurídica. Extraído de: Atti del Convegno “Il bicentenário del códi-
ce napoleônico (Roma, 20 decembre 2004).”. Roma: Bardi Editore, 2006, p. 19-42. Tradução de André Ribeiro
Giamberardino.
27 Relatório do Exmo. Ministro da Justiça Diogo Antonio Feijó do ano de 1831 apresentado à Assembleia Geral
Legislativa na sessão ordinária de 1832. Rio de janeiro. Disponível em: http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/
justica. Acesso em: 15.03.2017.
28 ARAUJO, José Paulo de Figueirôa Nabuco. Legislação brasileira ou coleção chronologica das leis, decretos,
resoluções de consulta, provisões, etc. do Império do Brazil, desde o ano de 1808 até 1831 inclusive. Tomo II. Rio
de janeiro: 1844, p. 527.
363
O CONTROLE PUNITIVO DOS ESCRAVOS NO BRASIL DO SÉCULO XIX:
UM ESTADO IMPERIAL INTERVENCIONISTA?
de que somente a lei penal cabe definir os crimes, e a lei processual determinar
o seu julgamento, reformou um despacho de impronúncia, para determinar ao
promotor público que procedesse a nova queixa contra uma senhora, pelas penas
do artigo 201 do Código Criminal, em face de castigos aplicados em sua escrava
Eva, entendida por ele como pessoa miserável29 e, logo, representável ex officio
pelo promotor público. Esta interpretação contornava o disposto no art. 75, §2º
do Código de Processo Criminal, que vedava ao escravo dar denúncia contra seu
senhor, indicando que se o escravo não podia fazê-lo pessoalmente, o promotor
não só podia como devia, tomando-o como pessoa miserável, o que na prática
equivalia à denuncia do senhor pelo Estado.
364
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
ainda com um segundo exemplo: quando dos debates sobre a abolição da pena
de açoites para o escravo no Senado, em 1886, foi exatamente a distinção entre
o castigo doméstico e o regime público também pelos senadores denominado
de “regime do Código”, que foi invocada para revogar o artigo 6031;
5. Tudo indica que houve de fato uma redução das fontes do direito
aplicáveis ao escravo, pelo menos a julgar pelos cerca de 50 processos criminais
da Cidade de Castro, no Paraná, que estamos analisando para verificar como se
processava na prática o julgamento dos escravos no âmbito criminal (seja como
vítimas ou réus). Sendo o processo mais recente, constante da nossa amostra,
do ano de 1843, não existe nele sequer uma citação do direito romano, mas tão
somente da nossa legislação penal, dos Códigos e das leis de reformas que os
seguiram, de avisos, portarias e outros atos do governo imperial. Se no âmbito do
direito civil, as Ordenações Filipinas e o recurso ao ius commune, bem como ao
direito romano em matéria de escravidão, ainda será amplamente utilizado até a
abolição em todo o Império, na ausência de um Código Civil, o mesmo parece
não ocorrer no âmbito do direito criminal. Aliás, neste último âmbito existir
uma proliferação de atos emanados do governo (portarias, avisos, decisões, atas,
etc) que incidem sobre o controle social dos escravos, diretamente atrelados à
expansão do aparato estatal o que parece reforçar aquilo que Airton Seelaender
denominou, em artigo recente, de uma “tendência à juridicização33.”
1874, tomo IV, p. 386-387. Grifos nossos. Este caso foi localizado pelo Historiador Ricardo Pirola e relatado em
sua comunicação oral no VIII Escravidão e liberdade no Brasil Meridional, realizado em Porto Alegre, em maio
de 2017. Como o autor optou por não publicar seu texto nos anais do evento, faço constar esta nota.
31 A Abolição no Parlamento, vol. II, p. 324 e ss.
32 Sobre a problemática da condição jurídica do indígena no período colonial, bem como para uma análise
detalhada das distintas categorias jurídicas de escravo, administrado e livre, concernente aos indígenas, o leitor
pode consultar o nosso: BRIGHENTE, Liliam Ferraresi. Entre a liberdade e a administração particular: a condição
jurídica do indígena na Vila de Curitiba (1700-1750). 2012. 145 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Univer-
sidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Jurídicas, Curitiba, 2012.
33 SEELANDER, Airton Cerqueira-Leite. A longa sombra da casa. Poder doméstico, conceitos tradicionais e
imaginário jurídico na transição brasileira do Antigo Regime à modernidade. “Livro do Centenário”, volume
temático da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), Rio de Janeiro, a. 178, n. 473, jan./mar.
2017, p. 367.
365
O CONTROLE PUNITIVO DOS ESCRAVOS NO BRASIL DO SÉCULO XIX:
UM ESTADO IMPERIAL INTERVENCIONISTA?
34 Um exemplo de como por direito comum, no âmbito criminal, entendia-se no Império, basicamente, o regime
do Código Criminal, encontra-se nesta passagem retirada das discussões sobre a abolição da pena de açoites e
da Lei de 10 de junho de 1835, em 1886, no Senado: “O SR. IGNACIO MARTINS – [...] O que eu digo é que,
se o júri negar a qualidade que é exigida no ofendido para ser classificado o crime do escravo na lei de 10
de junho, isto é, vejamos um exemplo: se o escravo ferir a um descendente do feitor, será processado pela Lei
de 10 de junho, mas se no julgamento provar que o ofendido não era descendente do feitor, será condenado
nas penas do Código Criminal pelo direito comum; porém, como ele foi processado e julgado de acordo com
a lei de 10 de junho, não pôde alegar circunstâncias atenuantes a seu favor, e portanto será condenado no
máximo, o que não aconteceria se ele tivesse sido processado e julgado pelo direito comum [ou seja, conforme
o Código Criminal], porque então poderia ter alegado atenuantes, que sendo reconhecidas levariam a pena
ao médio e ao mínimo. ´[...] Anais do Senado do Império (Sessão de 1-10-1886, p. 296 a 299). Discurso dos
Senadores Ignácio Martins e Cruz Machado sobre o Projeto “G”, em 1-10-1886. A abolição no Parlamento: 65
anos de luta. Vol. II. p. 425. Grifos nossos.
35 A lei de 10 de junho de 1835 também é importante para a configuração da condição jurídica do escravo
no Império e deve ser analisada conjuntamente com o Código Criminal. Contudo, esta análise ultrapassa o
recorte que fizemos para esta comunicação, na qual o enfoque foi direcionado a este último, que até agora
tem sido muito pouco estudado, quando não completamente esquecido pelos pesquisadores. Sobre a Lei de
10 de junho de 1835 em especial, ver: RIBEIRO, João Luiz. No meio das galinhas as baratas não tem razão: a
lei de 10 de junho de 1835: os escravos e a pena de morte no Império do Brasil (1822-1889). Rio de Janeiro:
Renovar, 2005.; PIROLA, Ricardo. Escravos rebeldes no tribunais do Império: uma história social da lei de 10 de
junho de 1835. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2015.
366
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
bem viver que faz Roberto Ferreira, nos registros policiais estudados por Leila
Algranti, ou nos processos criminais de campos dos Goitacases descritos por
Silvia Lara. Não é diverso daquilo que temos encontrado nos processos criminais
paranaenses envolvendo escravos como réus ou autores de crimes da segunda
metade do século XIX.
36 “Traslado de Apelação Crime. Autos do Tribunal do Júri da Capital da Província do Paraná. Autora: a Justiça.
Maria Joanna liberta – Lauriano escravo do Capitão Manoel Antonio Carneiro, Francisco, Ricardo, Senhorinha e
Quitéria escravos de Dona Lourença Floriana De Lima – Réus presos”. BR PRAPPR PB 045 PI 5850 Cx.231. 1859.
Departamento Estadual de Arquivo Público do Paraná (DEAP).
37 Existem três autos no Arquivo Municipal de Castro (CCEE) que tratam deste processo, dentre originais e
traslado. Todos incompletos e em mau estado. “1876. Cidade de Castro. Tribunal do Júri. A Justiça. Autora. Francisco,
escravo de José Fernandez de Lima. Réu.” Transcrição nossa. As citações seguintes referem-se a este documento.
367
O CONTROLE PUNITIVO DOS ESCRAVOS NO BRASIL DO SÉCULO XIX:
UM ESTADO IMPERIAL INTERVENCIONISTA?
O marido pediu ao senhor do escravo a quantia de 600 mil réis, “o que o dito
Lima achou muito e respondeu que então valia mais a pena entregar o escravo
à justiça”. Como resultado das negociações, o acerto ficou em 200 mil réis, tendo
afinal o marido recebido 100 mil à vista, ao abrir mão de receber os 200 mil a
prazo, acrescentando a testemunha que “depois disso fizeram assinar um papel
desistindo da questão, digo de processo.”
368
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Embora, o escravo Francisco ainda fosse julgado pelo júri de Castro por
mais três vezes, devido as sucessivas anulações dos julgamentos, que tiveram como
resultado final a sua surpreendente absolvição41, os dois casos que citamos, revelam
de ação pública e os crimes de ação particular. Ele era também favorável a reformas no júri, propondo que
se passasse para o juiz de direito o julgamento dos crimes de resistência e de retirada de presos, e também
o julgamento de todas as questões atribuídas aos juízes municipais. Na proposta de 1866, Nabuco de Araújo
defendia a atribuição exclusiva do Ministério Público para proceder à acusação dos criminosos e à limitação
da ação particular aos crimes contra a honra [...]. NABUCO, v. 1, p. 89-90 apud Koerner, Andrei. Judiciário e
cidadania na Constituição da República (1841-1920). 2 ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 50-53. (Coleção Biblioteca de
História do Direito).” Exigência esta última que foi acolhida quase integralmente na reforma de 1871. Além disso,
no projeto que Nabuco expôs na sessão de 15 de maio de 1866, conforme Nequete, caberia ao Ministério
público a defesa dos direitos daqueles a quem a sociedade deve proteção, dentre eles os escravos (quando
vítimas). NEQUETE, Lenine. O poder judiciário no Brasil a partir da independência (Império). Brasília (DF): Supremo
Tribunal Federal, 2000, p. 86.
40 MACHADO, Maria Helena Pereira Toledo. Crime e escravidão: trabalho, luta e resistência nas lavouras paulistas
(1830-1880). São Paulo (SP): Brasiliense, 1987, p.30.
41 Da primeira condenação à pena de galés perpétuas passará o escravo à pena de cem açoites e ferro no
pescoço pelo espaço de quatro anos, em seguida a seis meses de prisão e multa correspondente à metade
369
O CONTROLE PUNITIVO DOS ESCRAVOS NO BRASIL DO SÉCULO XIX:
UM ESTADO IMPERIAL INTERVENCIONISTA?
Talvez por isto, as galés parecem ter sido bem mais atrativas para os
escravos. Aliás, não são poucos os exemplos de escravos que cometiam crimes
para serem condenados a essa pena. O Ministro da Justiça Velho Cavalcante de
Albuquerque, no Relatório que apresentou à Assembleia Legislativa do Rio de
Janeiro, em 30 de setembro de 1876, sintetiza com suas considerações a respeito
da pena de galés, inúmeros casos reais narrados pelos historiadores:
Releva ainda ponderar que para certa classe de criminosos, as penas esta-
belecidas são açoites, galés e morte; mas esta raríssimas vezes é executada,
e a de galés, que deve consistir no trabalho forçado, reduz-se ao serviço
de limpeza, asseio e fornecimento das cadeias, onde os condenados vivem
na ociosidade a mais perniciosa. Esse mesmo serviço, que de ordinário
não passa de quatro horas por dia, lhes proporciona meios de saírem à
rua, tornando a pena menos rigorosa que a de prisão simples. Do exposto
resulta que os referidos criminosos, cujo número vai aumentando, acham
no próprio cumprimento da pena incentivo para o crime. Houve tal que,
ainda coberto de sangue e diante do cadáver de sua vítima, bradava cheio
de ufania – que não era mais escravo, porque já pertencia às galés. Houve
quem perante os tribunais declarasse – que fora impelido somente pelo
desejo de ser condenado a essa mesma pena. Outros chegam a disputar
entre si a autoria de fatos que não cometeram. Muitos em vez de fugir,
correm à presença da autoridade, confessam com impudência os bárbaros
atentados que praticam, e espontaneamente procuram as cadeias como
melhoramento de sua triste condição.42
do tempo, considerando-se perempta a causa por que o réu não havia sido preso em flagrante e finalmente
à absolvição, soltura e baixa na culpa, num caso que conta muito sobre o sistema do júri no Brasil do século
XIX e seu funcionamento nas distantes localidades do interior. Embora o resultado final possa ter se revertido
a favor do senhor com a absolvição do escravo, cuja propriedade para aquele retornava, também é certo que
não a recuperou sem contabilizar prejuízos: ficou privado dos serviços do escravo por 3 anos, tempo que durou
o processo, teve de arcar com as custas iniciais, bem como com os honorários do procurador contratado. Mas,
sobretudo, o que este caso revela é que, a partir do momento que um escravo criminoso passava ao jugo da
justiça pública para ser por ela julgado e apenado, o deslinde do julgamento, desprendendo-se do controle do
senhor e de seu direito punitivo doméstico, podia alcançar resultados imprevisíveis e até mesmo absurdos: há
um grande salto da pena de galés, a segunda pena mais severa do Código, suplantada apenas pela pena de
morte, e a completa absolvição no outro extremo, deslinde a que chegou o julgamento final.
42 Relatório apresentado à Assembleia Legislativa na primeira sessão da décima sexta legislatura pelo Ministro e
Secretário de Estado dos Negócios da Justiça Conselheiro Diogo Velho Cavalcante de Albuquerque. Instituto Typo-
graphico do Direito. 1877. Disponível em: http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/justica. Acesso em: 15.03.2017.
Grifos nossos
370
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
43 BATISTA, Nilo. Pena pública e escravismo. In: NEDER, Gizlene (Org.). História & Direito: jogos de encontros
e transdisciplinaridade. Rio de Janeiro: Revan, 2007, p.29-62.
44 Há ainda uma outra possibilidade que é a do escravo assassinado pelo senhor, a qual não referimos porque
ainda não encontramos nenhum caso, mas que possivelmente surgirá também nas fontes históricas locais, o que
reforça a grande complexidade do tema proposto. Esta é outra situação na qual a justiça institucional muitas
vezes interferiu nas relações senhor - escravo. Para um caso emblemático nesse sentido ver o primeiro capítulo
de Elciene Azevedo. AZEVEDO, Elciene. O direito dos escravos: lutas jurídicas e abolicionismo na província de
São Paulo. Campinas (SP): 2010, p. 37-92.
371
O CONTROLE PUNITIVO DOS ESCRAVOS NO BRASIL DO SÉCULO XIX:
UM ESTADO IMPERIAL INTERVENCIONISTA?
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desde o ano de 1808 até 1831 inclusive. Tomo II. Rio de janeiro: 1844.
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tação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências
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sertação (Mestrado em Culturas e Identidades Brasileiras). Universidade de São
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rentino Henrique de Souza. Typographia Universal. Recife: 1858.
372
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
373
O CONTROLE PUNITIVO DOS ESCRAVOS NO BRASIL DO SÉCULO XIX:
UM ESTADO IMPERIAL INTERVENCIONISTA?
374
Grupo de Trabalho
Resumo
O estudo em questão faz parte da dissertação de mestrado em desen-
volvimento intitulada provisoriamente de “A Pena de Morte e seus Rituais de
Execução na Colonização da América Portuguesa (1530-1808)”. Dentre outros
objetivos, na pesquisa em curso busquei realizar um mapeamento da concessão
de jurisdição para aplicação da pena de morte na América lusitana no perí-
odo indicado. Assim procurei observar quais eram os oficias que possuíam a
capacidade de condenar à morte, em que espaço eles detinham tal jurisdição
e quais eram as pessoas passíveis de receber esta pena. Neste artigo apresento
como a alçada da pena de morte se organizou na América portuguesa a partir
da criação das Juntas de Justiça, tendo como início deste estudo o ano de
1723, com a concessão de autorização para a criação da Junta de São Paulo,
e encerrando em 1777, quando foi conferida autorização similar ao Maranhão.
Destaca-se que a formação das Juntas de Justiça que ocorreu no século XVIII
se deu a partir da reinvindicação de alguns oficiais da justiça em fazer valer
em seus domínios parte do Regimento dos ouvidores gerais das capitanias
do Sul, que versava sobre a jurisdição para aplicar a última pena. Mais pre-
cisamente o capítulo 6º, e ocasionalmente o 7º, que surgiram primeiramente
no Regimento de 1642.
377
JURISDIÇÃO DA PENA DE MORTE E A CRIAÇÃO DAS JUNTAS DE JUSTIÇA
NA AMÉRICA PORTUGUESA (1723-1777)
rios que deveriam atuar em conjunto com os ouvidores das capitanias.3 Com a
solidificação da ocupação e a implementação de uma estrutura de governo mais
bem delimitada através da instalação do governo geral, ela se tornou encargo de
funcionários nomeados pelo rei, os governadores gerais e ouvidores gerais, até se
manter como responsabilidade exclusiva destes.4 Posteriormente, por conta da
criação da Relação da Bahia, em 1609, a Ouvidoria Geral do Estado do Brasil foi
incorporada a esta instituição, seu ouvidor teve suas atribuições referentes a pena
última alargadas e se tornou neste momento membro do Tribunal.5
3 SALGADO, G. (coord.). Op. Cit., p.50; 66; 99; 128-129; MELLO, I. de M. P. Poder, Administração e Justiça: Os
Ouvidores Gerais no Rio de Janeiro (1624-1696). Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura: Arquivo Geral
da Cidade do Rio de Janeiro, 2010, p. 20; COSENTINO, F. “Construindo o Estado do Brasil: instituições, poderes
locais e poderes centrais”. FRAGOSO, J.; GOUVÊA, M. de F. O Brasil colonial, 1443-1580. v. I. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2014, p.532-534.
4 Regimento que levou Tomé de Souza governador do Brasil, Almerim, 17/12/1548. Fonte original em: Lisboa,
AHU, códice 112, fls. 1-9, p.6. Disponível em: http://lemad.fflch.usp.br/sites/lemad.fflch.usp.br/files/1.3._Regimen-
to_que_levou_Tom__de_Souza_0.pdf; Acessado em: 16 de agosto de 2017; SALGADO, G. (coord.). Op. Cit.,
p.144-145; MENDONÇA, M. C. de (Org.). Raízes da Formação Administrativa do Brasil. Rio de Janeiro: Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, 1972, p. 56.
5 MENDONÇA, M. C. de (Org.). Op. Cit., p. 393-394.
6 SCHWARTZ, S. B. Op. Cit., p.184.
7 Em 1612, a Repartição do Sul foi extinta, assim como o cargo de governador geral deste território, mas sua
ouvidoria continuou a existir. Por conta disso, a partir desse momento irei me referir ao ouvidor geral desta
região como ouvidor geral das capitanias do Sul. SALGADO, G. (coord.). Op. Cit., p.76-77.
8 No caso dos governadores gerais, a partir de 1608 para o da Repartição do Sul e 1623 para o do Estado
do Maranhão. Referente aos ouvidores gerais, a partir de 1642 para o das capitanias do Sul e 1644 para o do
Estado do Maranhão. SALGADO, G. (coord.). Op. Cit., p. 178;181-182; 203-205; 251-256.
9 SALGADO, G. (coord.). Op. Cit., p. 183-186; 254-259.
10 Ao longo desta pesquisa me deparei com diferentes tipos de ouvidores, os identifiquei da seguinte forma:
378
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
ouvidor de capitania, senhorial ou donatarial – escolhidos pelo donatário, atuavam nas capitanias, tiveram
alçada para pena de morte, mas a perderam paulatinamente com a instituição do ouvidor geral; ouvidor geral
do século XVI até o final do XVII – escolhido pelo rei, atuava sobre mais de uma capitania (atuação regional),
tinha alçada para pena de morte (o do Estado do Brasil a partir de certa data poderia agir por conta própria,
os das capitanias do Sul, e do Estado do Maranhão atuavam em conjunto com mais dois oficiais); ouvidor da
comarca, ouvidor geral do século XVIII, ouvidor geral de comarca ou ouvidor geral de capitania – aparentemente
eram escolhidos pelo rei para substituir os ouvidores de capitanias, a melhor forma de delimitar sua atuação é
dizendo que atuavam nas comarcas o que poderia coincidir com o território da capitanias, ser parte de uma
capitania ou englobar partes de mais de uma capitania.
11 SCHWARTZ, S. B. Op. Cit., p.203.
12 Aqui Coelho se refere à Relação da Bahia, criada em 1609 e a Relação do Rio de Janeiro criada em 1751.
13 COELHO, E. P. “Estrutura Judicial”. In: SALGADO, G. (coord.). Op. Cit., p.81.
379
JURISDIÇÃO DA PENA DE MORTE E A CRIAÇÃO DAS JUNTAS DE JUSTIÇA
NA AMÉRICA PORTUGUESA (1723-1777)
380
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
natureza diferem em alguns pontos. Com o intuito de elucidar essas questões re-
corri à análise de fontes, em sua maioria Cartas Régias, cartas escritas pelos oficiais
da Câmara, consultas feitas ao Conselho Ultramarino e pareceres do mesmo.19
Consegui coletar mais informações sobre a origem e o funcionamento das Juntas
de Justiça, que inclusive dão conta de explicar os motivos para as discrepâncias
encontradas nos estudos que aludem a tal tema. Antes de pormenorizar os dados
identificados, alguns pontos precisam ser previamente destacados.
A organização das Juntas de Justiça tinha uma estrutura base, mas elas
se compuserem de forma distinta nas diferentes regiões em que foram formadas
por conta de questões específicas, tais como a ausência temporária de oficias
ou a sua inexistência, a dificuldade de reunir todos os membros, as necessidades
particulares referentes aos crimes e perfil dos criminosos que assolavam cada
região e seu respectivo combate. Assim, apresentaram variações respeitantes aos
membros que a constituíam, a posição que ocupavam na Junta e a qualidade de
pessoas que podiam julgar. Outra questão importante de se mencionar é que
o fato de determinada região adquirir o direito de criar de Junta de Justiça não
significa que estas foram formadas imediatamente. Então, aqui estarei me atendo
ao momento em que foi concedida autorização para sua criação e não quando
foram efetivamente constituídas. O objetivo não é mapear o histórico de ação
das Juntas, mas averiguar quando determinadas capitanias conseguiram jurisdição
para processar e sentenciar até a pena de morte.
381
JURISDIÇÃO DA PENA DE MORTE E A CRIAÇÃO DAS JUNTAS DE JUSTIÇA
NA AMÉRICA PORTUGUESA (1723-1777)
as datas dos pedidos. Mas que, de qualquer modo, não altera o conteúdo da
solicitação. Destaca-se que determinação semelhante foi passada ao ouvidor geral
do Estado do Maranhão através do Regimento de 1644. No entanto, as fontes
não se remetem a este Regimento, acredito que por este se localizar em outra
instância administrativa, tratando-se efetivamente de outro Estado.
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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
dos poucos funcionários, como indicou Schwartz.21 Assim entendo que a criação
das Juntas surgiu como uma alternativa para suprir essa carência. Paralelamente,
considero que sua emergência está igualmente relacionada a conjuntura de pas-
sagem do século, tendo como destaque o aumento populacional por conta da
descoberta do ouro e, por conseguinte, a dita preocupação com a manutenção
da ordem. Sobre este contexto, Nuno Camarinhas explica que é possível observar
duas fases de desenvolvimento do aparelho judicial português no Brasil:22
num primeiro momento, o controlo das regiões-chave através da criação
de ouvidorias de carácter territorial mais vasto; depois da descoberta do
ouro, observamos a profusão de novas ouvidorias que, nas regiões aurífe-
ras, têm um âmbito extremamente localizado e, ao mesmo tempo, uma
missão bastante específica de manutenção da ordem e do funcionamento
da extracção e do envio da produção para a metrópole.23
21 Segundo Schwartz, a insuficiência de pessoal foi um dos problemas que afligiu a Relação da Bahia ao longo
de toda a sua história. A ausência dos Juízes, que acumulavam atribuições administrativas, combinada com o
grande número de casos à espera de julgamento tornou o processo judicial lento. Além disso, a distância e o
alto custo para se remeter a Relação também foram obstáculos para a sua atuação. Os Wehling afirmam que o
Tribunal do Rio de Janeiro enfrentou os mesmos problemas. SCHWARTZ, S. B. Op. Cit., p. 205, 213; WEHLING,
A.; WEHLING, M. J. Op. Cit., p.225; 232; 591.
22 CAMARINHAS, N. O aparelho judicial ultramarino português: O caso do Brasil (1620-1800). Almanack
Braziliense, [S.l.], n. 9, p. 84-102, maio 2009, p. 85, 87. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/alb/article/
view/11710/13483 Acesso em: 14 agosto de 2017.
23 CAMARINHAS, N. Op. Cit., p.87.
24 Cópia da Ordem Real sobre a nova Junta dos Criminosos para serem sentenciados até a última pena,
em Anais da Biblioteca Nacional Vol. 9: 5982 - Cod. CDII (19-4) sob. Nº 11 6 ff não num. 30x17; AHU-Goiás
AHU_CU_008, Cx. 10, D. 622.
25 Cópia da Ordem Real sobre a nova Junta dos Criminosos para serem sentenciados até a última pena,
em Anais da Biblioteca Nacional Vol. 9: 5982 - Cod. CDII (19-4) sob. Nº 11 6 ff não num. 30x17; AHU-Goiás
AHU_CU_008, Cx. 2, D. 162; AHU-Goiás AHU_CU_008, Cx. 19, D. 1153; AHU-Goiás AHU_CU_008, Cx. 10, D.
622; AHU-MATO GROSSO, cx. 15, doc. 8 AHU_CU_010, Cx. 15, D. 944; AHU-PERNAMBUCO AHU_CU_015,
Cx. 67, D. 5673.
383
JURISDIÇÃO DA PENA DE MORTE E A CRIAÇÃO DAS JUNTAS DE JUSTIÇA
NA AMÉRICA PORTUGUESA (1723-1777)
384
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Do mesmo modo pelo qual o ouvidor geral de São Paulo solicitou a pena
última por conta do que considerou ser o “elevado número de criminosos”, o
governador e capitão-general da capitania de Minas também o fez em 7 de maio
de 1730, denunciando o contínuo e grande número de crimes que estariam sendo
cometidos naquela localidade “por bastardos, carijós, mulatos, e negros, porque
como não viam exemplo de serem enforcados, e a justiça que deles se fazem
na Bahia, não consta são demasiadamente matadores”.29 Em virtude disso, este
oficial pleiteou que fosse concedida aos ouvidores gerais da comarca a mesma
jurisdição possuída pelo Rio de Janeiro para sentenciar a morte em Junta com o
governador e mais ministros. Através de Carta Régia enviada a este governador
em 24 de fevereiro de 1731, o monarca menciona ter também recebido por
parte dos ouvidores das comarcas de Ouro Preto, Sabará, Rio das Mortes e Serro
Frio, relatos de casos de negros presos naquelas regiões por terem matado seus
senhores. Isto posto, por resolução do Conselho Ultramarino, resolveu conceder
a mesma jurisdição atribuída ao governador do Rio de Janeiro e São Paulo, para
sentenciarem em última pena os considerados “delinquentes” das qualidades re-
feridas. A Junta deveria ser convocada com os ouvidores das quatro Comarcas,
Juiz de fora da vila do Ribeirão do Carmo e o Provedor da Fazenda. No caso
de empate, o voto do governador seria o decisivo.30
385
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NA AMÉRICA PORTUGUESA (1723-1777)
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NA AMÉRICA PORTUGUESA (1723-1777)
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
exemplo, entendo que aos ouvidores gerais tanto de São Paulo como de Minas
Gerais e Pernambuco foi concedida apenas a atribuição presente no capítulo 6º,
ou seja, eles não adquiriram a capacidade de sentenciar pessoas brancas. O que
demonstra que, pelo menos nesse momento, as Juntas de Justiça direcionavam a
condenação à pena de morte a pessoas específicas – negros, índios e mestiços
–, que seriam consideradas de “menor qualidade” por aquela sociedade.
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JURISDIÇÃO DA PENA DE MORTE E A CRIAÇÃO DAS JUNTAS DE JUSTIÇA
NA AMÉRICA PORTUGUESA (1723-1777)
Isto posto, diferente de como se deu a criação das demais Juntas identi-
ficadas, a Junta de Justiça do Grão-Pará não teve sua origem desencadeada por
demandas de oficiais, mas por determinação do próprio monarca. Também notei
que nesta Carta a pena de morte não é explicitada, todavia considerei que ela
estava subentendida ao atentar para os crimes que foram indicados como os que
deveriam ser julgados – Lesa Majestade, homicídios e etc. – que de acordo com
as Ordenações Filipinas deveriam ser penalizados com a morte45, pela menção do
rei de conceder “toda a cumprida jurisdição” e pela característica natureza das
Juntas de possuir poder para condenar à última pena.
Sua carta de criação também indicava que esta Junta poderia sentenciar
réus europeus, americanos e africanos, livres ou escravos. Em caso de empate na
determinação, o governador deveria decidir a sentença a ser proferida sem agravo
ou apelação. E, segundo o monarca, se tratando de o réu ser “pessoa, que tinha
algum dos foros da minha Real Casa” ou com “graduação de capitão entre os
militares”, não poderia executar a sentença antes de se remeter o caso a ele.47
Diferente das demais Juntas, na do Grão-Pará vemos a possibilidade de se justiçar
pessoas de “maior qualidade”, capacidade semelhante foi concedida à Junta do
Mato Grosso e do Maranhão na segunda metade do XVIII, como exibirei mais
adiante. No entanto ainda assim é possível perceber a existência de artifícios que
levariam em conta a qualidade do réu antes de aplicar a pena.
44 Idem.
45 ORDENAÇÕES Filipinas On-line Fac-Símile, Instituto de História e Teoria das Ideias da Universidade de
Coimbra – Portugal. Disponível em: http://www.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l5ind.htm . Acesso em: 15 mai. 2017,
Livro V, Tít. 6, p.1153-1158; Tít.35, p. 1184; Tít. 38, p. 1188-1189; Tít. 41, p. 1190.
46 AHU-Maranhão, 946 AHU_ACL_CU_003, Cx. 37, D. 2985.
47 Idem.
390
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NA AMÉRICA PORTUGUESA (1723-1777)
que primeiramente teriam sido demandados. Com isso pediu orientação ao rei
sobre como poderia proceder de acordo com a realidade de sua própria capitania.50
392
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58 Pelo que foi possível entender “o regente em Junta” aqui mencionado se refere a algum oficial que estivesse
substituindo o governador daquela capitania.
59 AHU-MATO GROSSO, cx. 1, doc. 36 AHU_CU_010, Cx. 1, D. 45
60 AHU-MATO GROSSO, cx. 7, doc. 36 AHU_CU_010, cx. 8, D. 473
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
61 ALVARÁ DE 18 DE JANEIRO DE 1765. In: CARDIM, P.; SILVA, C. N. da; XAVIER, A. B. (Coord.). Arquivo
Digital O Governo dos Outros: Imaginários Políticos no Império Português Disponível em: http://www.governo-
dosoutros.ics.ul.pt/?menu=consulta&id_partes=107&accao=ver&pagina=144 Acesso em: 15 de agosto de 2017.
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NA AMÉRICA PORTUGUESA (1723-1777)
terra, na sua falta poderiam ser nomeados pelo ouvidor como adjuntos bacha-
réis formados.62 É curioso perceber que este alvará não identificava a qualidade
dos réus a serem sentenciados, tomando por base a jurisdição das outras Juntas
considerei que fossem índios, negros e mulatos.
396
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
A Carta Régia que concedeu sua autorização foi bastante similar a concedida ao
Grão-Pará, todavia algumas distinções podem ser apontadas. Na Carta em questão
a pena de morte foi claramente indicada, a criação da Junta se fazia para que
fossem “sentenciados todos os réus, que cometerem delitos que por eles mereção,
não só as penas arbitrárias, mas a última, para que cresçam em virtudes os bons,
e se apartem os maus, dos seus perversos costumes”.65
Considerações Finais
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JURISDIÇÃO DA PENA DE MORTE E A CRIAÇÃO DAS JUNTAS DE JUSTIÇA
NA AMÉRICA PORTUGUESA (1723-1777)
ESTADO DO BRASIL
JUNTA DE JUSTIÇA JUNTA DE JUSTIÇA JUNTA DE JUSTIÇA
DE SÃO PAULO DE MINAS GERAIS DE PERNAMBUCO
Desde 1723: Desde 1731/1735: Desde 1735:
•Composição: ouvidor geral • Composição: ouvidor de • Composição: ouvidor geral
da comarca; governador Vila Rica; juiz de fora de de Pernambuco; governa-
geral; juiz de fora de Ribeiro do Carmo; e 2 dor geral de Pernambuco
Santos. ministros da época que se (presidente); ouvidor da
• Qualidade dos réus para achassem mais perto da Paraíba; juiz de fora de
sentenciar: escravos, mesma vila. Olinda; um dos ouvidores
índios, mulatos e bastardos • Qualidade dos réus para gerais de comarca, ou
ainda que forros. sentenciar: bastardos, procurador da Coroa, ou
• Recurso: sem apelação carijós, mulatos e negros. bacharel formado.
nem agravo. • Recurso: sem apelação • Qualidade dos réus
nem agravo. para sentenciar: índios,
bastardos, carijós, mulatos
e negros.
•Recurso: sem apelação
nem
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
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JURISDIÇÃO DA PENA DE MORTE E A CRIAÇÃO DAS JUNTAS DE JUSTIÇA
NA AMÉRICA PORTUGUESA (1723-1777)
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400
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
401
Grupo de Trabalho
Resumo
Grande parte das narrativas explicativas sobre a regulação do trabalho
na década de 1930 acabam por exteriorizar as tensões existentes entre o mito
da outorga de direitos pelo Estado e o protagonismo da classe trabalhadora
para firmar novos locais de Direito. A proposta desta pesquisa tem como
ponto de partida um questionamento complexo a partir de um estudo de
caso ocorrido em uma mina de carvão em Arroio dos Ratos-RS: qual o
impacto que a regulação do trabalho causa para o trabalhador em tempos
de constitucionalização de direitos, tal como os observados na década de
1930? Essa questão coloca outros desafios, pois não basta a existência da
legislação, é necessário investigar como o acesso aos direitos consagrados pela
legislação são mediadas pelos interesses de trabalhadores, empregadores e o
Estado. Assim, a partir da metodologia da micro-história, buscou-se analisar
um processo trabalhista e reconstruir seu contexto em um levantamento de
fontes primárias e documentos judiciais. O caso exteriorizou uma relação em
que a dimensão público e privado se encontrava radicalizada, vislumbrada na
relação entre a empregadora, empregados e o município e seus limites de
controle e vigilância sobre o trabalho. O que emergia desse conflito não era
apenas uma resistência ou crise no sistema punitivo local, mas a presença de
alternativas, de possibilidades históricas que, ao serem ritualizadas mediante
o processo, permitiam o registro dos limites e avanços de uma comunidade
de trabalhadores que passava a ser mediada pelo direito de maneira inédita.
Introdução
1 O presente texto é um fragmento da tese de doutorado em Direito do autor, em circulação para discussão
nos anos de 2016/2017. Uma versão ampliada deste trabalho foi publicada pela Revista Direito e Práxis, vol. 8,
n. 4, 2017.
405
REGULAÇÃO TRABALHISTA E O CONTEXTO CONSTITUCIONAL DE 1934: UM ESTUDO DE CASO
Essa questão coloca outros desafios, pois não basta a existência da legisla-
ção, é necessário investigar como o acesso aos direitos consagrados pela legislação
são mediadas pelos interesses de trabalhadores, empregadores e o Estado. Ao
integrar esse ponto, os olhares se direcionam a uma das principais instituições
responsáveis pela organização de interesses entre capital e trabalho: o Conselho
Nacional do Trabalho, que entre 1923 a 1945, quando se transformou em Tribunal
Superior do Trabalho, lavrou mais de 50 mil acórdãos em ações trabalhistas e
previdenciárias. Em visita ao fundo de arquivo do Conselho Nacional do Trabalho
(CNT), no Tribunal Superior do Trabalho (TST), uma reclamação trabalhista de
agosto de 1934 chamou a atenção. Tratava-se de um pedido de reintegração ao
trabalho promovido por sete mineiros de uma mina de carvão da Companhia
Estrada de Ferro e Minas de São Jerônimo – CEFMSJ, de Arroio dos Ratos, Rio
Grande do Sul, que haviam sido expulsos da mina pela polícia local por serem
considerados indesejáveis. O processo trazia à tona denúncias de greve, prisão de
trabalhadores e uma possibilidade de uso da própria lei para reformar a decisão
da empresa empregadora.
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não houve, mas de prisão efetuada pela polícia, é claro que a nenhum
inquérito administrativo estava obrigada a empresa a qual, diante do
inopinado afastamento, forçado, dos reclamantes, não podia deixar de logo
dar-lhes substituto, conforme fez, em legítimo resguardo dos interesses da
mesma que lhe incumbe precipuamente zelar.10
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de Adalberto dos Santos Azambuja, João Keenan e Antônio Nunes das Pedras,
por não possuírem ou comprovarem mais de dez anos na relação de emprego;
iv) rejeição do pedido de Liberalino Machado Lima ou Januário por ausência de
prova de que se tratavam da mesma pessoa, “mas sim que usou nomes diferentes
em ocasiões diversas”; contudo, mesmo que fossem a mesma pessoa, os atestados
apresentados não preenchiam o requisito decenal.
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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
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REGULAÇÃO TRABALHISTA E O CONTEXTO CONSTITUCIONAL DE 1934: UM ESTUDO DE CASO
No caso dos mineiros, também seria possível observar que seus “locais
de direitos” se constituíram a partir de seus próprios locais de trabalho, dupla-
mente vigiados – pela companhia e pela autoridade policial – em relação às
regras impostas sobre sua força de trabalho. Por outro lado, a sindicalização ou
até mesmo a emergência ou ameaça da greve pode ser considerada como um
nível significativo de controle pelo trabalhador sobre o processo de trabalho
em reação à dupla vigilância.
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
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REGULAÇÃO TRABALHISTA E O CONTEXTO CONSTITUCIONAL DE 1934: UM ESTUDO DE CASO
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
nistas e teriam promovido movimento de greve entre o pessoal das minas foi
destituída de fundamento. O que chamava a atenção era a possibilidade inédita
de revisão de uma decisão emitida pela autoridade policial local.
417
REGULAÇÃO TRABALHISTA E O CONTEXTO CONSTITUCIONAL DE 1934: UM ESTUDO DE CASO
30 MACHADO, Carmém Lúcia Bezerra. O movimento operário sindical no Rio Grande do Sul de 1930 a 1937.
Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1983.
31 Idem, p. 97-98.
32 É nesse período que surgem os círculos operários e também a união sindicalista.
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
33 Os seguros sociais eram regulamentados pelo Decreto nº 14.786, de 28 de abril de 1921. Com o CNT, a
Comissão Consultiva de Seguros contra acidentes do trabalho foi dissolvida, e suas atribuições foram transferidas
ao conselho.
34 No campo previdenciário, uma das principais resoluções do período corresponde ao Decreto nº 4.682, de
24 de janeiro de 1923, conhecida como Lei Elói Chaves, responsável por determinar a criação de Caixas de
Aposentadoria e Pensões para todos os funcionários de empresas de estradas de ferro.
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REGULAÇÃO TRABALHISTA E O CONTEXTO CONSTITUCIONAL DE 1934: UM ESTUDO DE CASO
35 O artigo 122 da Constituição de 1934 dispunha: “Para dirimir questões entre empregadores e empregados,
regidas pela legislação social, fica instituída a Justiça do Trabalho, à qual não se aplica o disposto no Capítulo
IV do Título I [referência que a Justiça do Trabalho não era vinculada ao Poder Judiciário]. Parágrafo único:
A constituição dos Tribunais do Trabalho e das Comissões de Conciliação obedecerá sempre ao princípio da
eleição de membros, metade pelas associações representativas dos empregados, e metade pelas dos empre-
gadores, sendo o presidente de livre nomeação do governo, escolhido entre pessoas de experiência e notória
capacidade moral e intelectual”.
36 Esses decretos foram expedidos na gestão Joaquim Pedro Salgado Filho no Ministério do Trabalho.
420
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
O CNT passou a funcionar não apenas como órgão consultivo mas tam-
bém como Tribunal de Embargos (embora essa disposição para apreciar embargos
já constasse desde a primeira reforma do conselho em 1928).
A nova estruturação do CNT não deixava de ser uma alternativa para que
novos locais institucionalizados de contestação em relação ao mundo do traba-
lho prosperassem. A forma como foi articulada a reforma do conselho permite
associá-la a uma concepção incipiente de como se estruturaria a futura Justiça
do Trabalho. Formalmente, apenas em 1939 o CNT foi considerado como órgão
da Justiça do Trabalho, compreendido como seu tribunal superior.37
37 O Decreto-Lei nº 1.237, de 2 de maio de 1939, reestruturou o CNT. O decreto-lei, vinculado aos dispositivos
da Constituição de 1934, que também previa a Justiça do Trabalho, definiu que o CNT, com jurisdição em
todo território nacional, seria considerado tribunal superior da justiça trabalhista. No entanto, impende salientar
que sua instituição ocorreu apenas em 1º de maio de 1941, sendo inserida como parte do Poder Judiciário na
constituição de 1946.
421
REGULAÇÃO TRABALHISTA E O CONTEXTO CONSTITUCIONAL DE 1934: UM ESTUDO DE CASO
O argumento da greve, mais uma vez, pode ser levantado como chave
interpretativa. A greve foi utilizada naquele contexto como um veículo para de-
finir os locais do direito. A persistência de associar, mesmo que indiretamente, a
militância política dos mineiros a um movimento ilegal, assim como o fato de
os mineiros terem sido classificados como indesejáveis pela autoridade policial
local que os expulsou das minas, revela esse caráter exploratório que tenciona
identificar tal argumento às regras de direito. Contudo, não o faz na perspectiva
do direito propriamente dito, mas, sim, na forma de uma negação de direitos,
criminalizando o movimento.
38 A expressa permissão ao direito de greve não resistiu às pressões e deixou de ser incluído no texto cons-
titucional de 1934.
422
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Embora essa estratégia não tenha persistido por longo tempo, sua utilização
pela companhia não deixa de ser reveladora. Como referência a esse argumento,
retoma-se o posicionamento de conselheiro Gualter Ferreira, por ocasião da primeira
sessão de apreciação da reclamação trabalhista, ocorrida em 16 de novembro de
1934. Naquele momento, reagindo ao argumento do relator Manoel Tibúrcio – que
solicitava a reintegração de todos os trabalhadores estáveis uma vez que havia a
indicação de que a companhia os havia demitido sem a instauração de inquérito
administrativo para apurar falta grave –, mesmo sem a indicação de que a empresa
havia sido citada para responder ao processo, Ferreira afirmava ser uma situação
muito difícil para os conselheiros, podendo até afetar o prestígio de seus membros.
423
REGULAÇÃO TRABALHISTA E O CONTEXTO CONSTITUCIONAL DE 1934: UM ESTUDO DE CASO
424
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
42 PAIXÃO, Cristiano. Autonomia, democracia e poder constituinte: disputas conceituais na experiência cons-
titucional brasileira (1964-2014). Quaderni Fiorentini per la Storia del Pensiero Giuridico Moderno, Florença, v. 43,
2014, p. 418.
43 Nesse sentido, Paixão (2014, p. 418) ainda acrescenta que “essa construção conceitual produz duas importantes
consequências: (i) o direito passa a referir-se a si próprio, ou seja, ele prescinde de operações de ‘legitimação’
ou ‘validação’ a partir de condensações de sentido ligadas à política, à moral, à religião ou à filosofia dos va-
lores; e (ii) apresenta-se a necessidade de constante atualização da comunicação produzida pelo direito numa
perspectiva interna, voltada à dinâmica das regras em casos concretos”.
44 PAIXÃO, Cristiano. Direito, política, autoritarismo e democracia no Brasil: da Revolução de 30 à promulgação
da Constituição da República de 1988. Araucária. Revista Iberoamericana de Filosofia, Política y Humanidades,
Madri, ano 13, n. 26, 2011.
45 CEPÊDA, Vera Alves. Contexto político e a crítica a democracia liberal: a proposta de representação classista
na Constituinte de 1934. In: MOTA, C. G.; SALINAS, N. S. C. Os juristas na formação do Estado-Nação brasileiro.
São Paulo: Saraiva, 2010.
46 Para maiores detalhes sobre a Constituição de 1934, referencia-se os trabalhos do autor em Cabral (2010;
2011; 2015).
47 CEPÊDA, Vera Alves, op. cit., 2010.
425
REGULAÇÃO TRABALHISTA E O CONTEXTO CONSTITUCIONAL DE 1934: UM ESTUDO DE CASO
Considerações finais
Durante muito tempo a década de 1930 tem sido revisitada por pesqui-
sadores das mais variadas matizes. Temas relacionados à questão social, ao lado
das transformações políticas iniciadas pelo governo provisório de Getúlio Vargas,
sempre se destacaram neste cenário. Neste mesmo tempo, o acesso a novas
fontes de pesquisa, via arquivos, testemunhos e outros vestígios, se transformou
completamente e este trabalho é um desdobramento deste momento. No fundo
de arquivo do CNT no Tribunal Superior do Trabalho foi possível ter acesso há
mais de 900 reclamações trabalhistas que demonstram outros indicadores sociais,
políticos, econômicos e sobretudo jurídicos que marcaram o tema questão social
na década de 1930.
426
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
48 Em especial, no que diz respeito ao processo, a obrigação de instaurar inquérito administrativo para apurar
falta grave.
427
REGULAÇÃO TRABALHISTA E O CONTEXTO CONSTITUCIONAL DE 1934: UM ESTUDO DE CASO
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RUPTURAS, CRISES E DIREITO
429
ANAIS DOS GRUPOS DE TRABALHOS DO
IX
CONGRESSO
BRASILEIRO
DE HISTÓRIA
DO DIREITO
Realização:
ISBN 978-85-67300-01-6
INSTITUTO HISTÓRICO
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