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ERIC R. WOLF
Tradução
Carlos Eugênio Marcondes de Moura
edUSP
SUMÁRIO
Prefácio(1997)..... 11
Prefácio(1982)..... 19
1. CONEXÕES 23
l. Introdução..
2. O Mundo em 1400 .49
3. Modos de Produção . . 103
4. A Europa, Prelúdio à Expansão . ...135
.459
Posfácio , .467
NotasBibliográficas..... .505
Bibliografia.. . .549
índice Remissivo .
PREFÁCIO (1997)
Já se passaram quinze anos desde que este livro viu a luz do dia. Este parece
ser o momento adequado para refletir sobre o que ele se propôs fazer e como tem
sido entendido pelos leitores. Um novo prefácio também proporciona a ocasião de
esclarecer algumas das questões suscitadas pelos que o comentaram, tanto amistosa
como criticamente.
Escrevi o livro como antropólogo,mas recorri também à história e às ciências
sociais. Tentei ser histórico, ao contemplar o desdobramentodas estruturas e dos pa-
drões ao longo do tempo. Tentei também relacionar os achados da antropologia com as
perspectivas obtidas de uma economia política historicamenteorientada, dando ênfase
ao histórico. O termo economia política, habitualmente definido como o estudo dos
meios pelos quais os recursos tornam-se disponíveis para a sociedade e para o Estado,
tende a confundir duas espécies de investigação.A primeira delas trabalha com téc-
nicas derivadas da economia de mercado, com a finalidade de avaliar a política fiscal
do Estado. A outra, à qual me associo, estuda as sociedades, os Estados e os mercados
como fenômenos históricos em desenvolvimento e, em conseqüência, questiona se as
concepções dessas ordenações, próprias da experiência capitalista, podem ser genera-
lizadas a fim de abranger todos os lugares e épocas. Devemos lembrar que Karl Marx
deu à sua obra O Capital o subtítulo "Uma Crítica da Economia Política", Emprego
assim o termo economia política com o intuito de designar investigações sobre as bases
econômicas de diferentes Estados e sociedades em suas mutáveis trajetórias.
Recorri ao mesmo tempo à história e à economia política a fim de localizar os
povos estudados pela antropologia nos campos de força mais amplos gerados pelos
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SEM HISTORIA
OS POVOS
A LUROPA L
são eternos
social. Tais sistemas não
trabalho
sistemas de poder exercido sobre o importante compreender como eles se
des-
é
desenvolvem-see mudam. Assim, no tempo e no espaço.
Embora eu
as pessoas
dobrame expandemseu alcance sobre como historiador profissional,
penso
do que
tenha escrito mais como antropólogo compreender como e por que
importante
que a história conta multo. É igualmente domínio sobre as pessoas,
e localizei
e estendem seu
esses sistemas se desenvolvem a economia se sustentam e se
como o poder e
os fundamentoslógicosda maneira entendimento
Embora não seja economista, creio que um
conduzemmutuamente.
historicamente alicerçada é imperativo para que se possa
de uma economia política Penso
circunscrevema vida das pessoas.
perceber as estruturas que determiname muito
segundoa qual isso não nos diria
de maneiradiametralmenteoposta à opinião
reais fazendo coisas reais". Talvez haja festa no céu quando
a respeitodas "pessoas
na terra é algo que apresenta
você morrer, mas o modo como esse fato é encarado
considerável relevância existencial.
na apresentação dessa pro-
O título deste livro suscitou uma dificuldade inicial
remonta ao século XIX.
blemática.A frase "povos sem história" não me pertence,
simpatia para com alguns
Marx e Engels empregaram-napara assinalar sua falta de
a
movimentosseparatistasnacionais na Europa oriental. Pretendia ser irônica, mas
ironia passou despercebidapara alguns leitores. Minha intenção foi desafiar aqueles
que julgam que os europeus foram os únicos que fizeram a história. Tomei o ano de
1400da Era Cristã como marco inicial desta apresentação precisamente porque espe-
rava deixar claro que a expansão européia, em todos os lugares onde ocorreu, deparou
com sociedades e culturas humanas caracterizadas por histórias longas e complexas.
Argumenteique tais fatos não estavam isolados uns dos outros, mas se entrelaçavam,
e essa interconexãotambém se mantinha no mundo que a Europa construiu. A his-
tória da expansãoeuropéia entremeia-secom as histórias dos povos que tal expansão
abrangeu, e as histórias deles, por sua vez, articulam-se com a história da Europa.
Como boa parte dessa história dizia respeito ao surgimento e expansão do capitalismo,
o termo Europa também pode ser lido como um signo do crescimento daquele modo
de produção. Ele foi incubado na península européia do imenso território
eurasiano e
expandiu-se em círculos cada vez mais amplos, cobrindo todos os
continentes.
Meu objetivo, ao escrever este livro, não foi apresentar um
registro da história
mundial que abrangeria o globo, nem desenvolver uma
história da expansão capitalista
enquanto tal. A idéia foi mostrar que as sociedades e
culturas humanas não seriam
adequadamentecompreendidasenquanto não aprendêssemos
a visualizá-las em seus
mútuos inter-relacionamentose interdependências
no espaço e no tempo.
Sustentei essa idéia baseado em razões
pragmáticas, mas não porque julgue
que tudo neste mundo está, em última análise,
ligado a tudo o mais. Aquilo que,
nas
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PREFÁCIO ( 1997/
minha intenção demonstrar os meios pelos quais a produçãoe o comércio das mer-
cadorias atraíam as pessoas que produziam tais mercadorias.pois essa incorporação
tem conseqüênciaspara a vida das pessoas.
Ao contrário das alegações de alguns comentaristas,não afirmei, neste livro ou
em outras publicações,que essa incorporação às redes capitalistasdestrói necessaria-
mente as práticas e os entendimentosculturaisdos povos, distintose historicamente
alicerçados,ou torna seus esquemasculturais inoperantese irrelevantes.Retratei,Isto
sim, os apropriadores e produtores das mercadorias como "agentes do capitalismo",
assim como retratei as várias populaçõesde trabalhadoresnas empresas capitalistas
como pessoas que ganham salários, pondo sua força de trabalho à venda, sob condi-
ções capitalistas. Se agi assim, foi por estar convencido de que as vidas das pessoas
no mundo inteiro têm sido cada vez mais ditadas pelos mercados capitalistas, incluin-
do os mercados que colocam a força de trabalho à venda. Isso não significafornecer
"tristes tropos" de "cosmologias do capitalismo". A expansão capitalista pode ou não
tornar inoperantes determinadasculturas, mas sua difusão por demais real suscita in-
terrogações: como os sucessivos grupos de pessoas atraídas para a órbita capitalista
estruturam e reestruturam sua compreensãocom a finalidadede reagir às oportuni-
dades e exigências de sua nova condição? Levantar essas questõesnão significao fim
da etnografia, muito pelo contrário —requer-se urgentemente mais etnografia. precisa-
mente porque não podemos obter as respostas fundamentados apenas na teoria.
Também se faz necessário mais etnografia para avaliar adequadamentealguns
conceitos românticos, ainda não examinados, sobre a natureza da açáo humana no
mundo. Tais idéias são cada vez mais populares e serviram de substrato a algumas
reaçóes a este livro. Um determinado conceito retrata os seres humanos como ine-
rentemente criativos e sempre prontos para reinventar quem são e quem querem ser.
Outro conceito afirma que os seres humanos resistirão instintivamenteà dominação
e que essa "resistência" pode ser pensada e estudada como uma categoria unitária.
Acredito que, nesse caso, o desejo tornou-se pai e mãe do pensamento.As pessoas
nem sempre resistem aos constrangimentos em que se encontram e nem podem rein-
ventar-se com toda a liberdade por meio de construçõesculturais de sua própria es-
colha. A remoldagem cultural e a mudança cultural prosseguem continuamente sob
condições variáveis, mas também altamente determinadas. Estas podem ampliar a
criatividade ou inibi-la, estimular a resistência ou dissipá-la. Somente a investigação
empírica pode dizer-nos como diferentes pessoas, em suas particulares e variadas
circunstâncias,conformam e adaptam suas compreensõesculturais e delas se desfa-
zem ou, alternativamente, se encontram bloqueadas ao fazê-lo. Resta descobrir por
que e como alguns grupos de pessoas adaptam suas compreensões culturais ao ca-
pitalismo e prosperam por agirem assim, enquanto isso não acontece com outras.
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the American Indian, Heye Foundation; de Robert Carneiro, Barbara Conklin e Gor-
don Ekholm, do American Museum of Natural History; de William Sturtevant,da
Smithsonian Institution, bem como de Lambros Comitas, June Finfer, Fred Popper,
Lucie Wood Saunders, Bernd B. Shapiro e Archibald Singham. Noel Diaz e Caryl
Davis desenharam mapas excelentes. Muito devo a todos eles. Sou também extrema-
mente grato a The School of Oriental and African Studies e a The London School of
Economics and Political Science, University of London, por me dar acesso ao acervo
de suas bibliotecas. Ao longo de todo o meu trabalho, o Herbet H. Lehman College,
da City University of New York, e o Ph.D. Program in Anthropology, The Graduate
School and University Center, City University of New York, proporcionaram um am-
biente inusitadamente estimulante para a pesquisa, o ensino e o intercâmbio de idéias.
Quero exprimir minha gratidão por esta oportunidade que me foi concedida.
Nenhum desses esforços, entretanto, teria frutificado sem o conselho, a argúcia
editorial e o constante encorajamento de Sydel Silverman, minha amiga, auxiliar,
esposa e, antes de tudo, crítica antropológica."Di tante cose quant'i'ho vedute, dal
tuo podere e dalla tua bontate riconosco Ia grazia e Ia virtute" (Paradiso, XXXI).
A ela, com amor e admiração, dedico este livro.
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saoxaN0D
Imagem antenor.
Camana parte de Alepo. Gravura em cobre de Theodore de Bry, 1599(cortesia da Divisão de Livros e
Manuscritos Raros. The New York Public Library. e Fundaçóes Astor. Lenox e Tilden).
INTRODUÇÃO
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A EUROPA E OS POVOS SEM HISTÓRIA
1
INTRODUÇÃO
Não haveria o menor interesse em saber que havia mais gregos habitando o sul da
Itália e a Sicília, então denominada Magna Grécia, do que a própria Grécia. Nem
teríamos qualquer motivo para indagar por que, em breve, haveria mais mercenários
gregos nos exércitos estrangeiros do que nas organizações militares de suas próprias
cidades natais. Colonos gregos fora da Grécia, mercenários gregos em exércitos es-
trangeiros, escravos da Trácia, Frígia ou Pafalagônia em lares gregos implicam rela-
çóes helênicas com gregos e nào-gregos fora da Grécia. No entanto, o esquema que
nos orienta não nos incentivaria a fazer indagações sobre tais relacionamentos.
Em nenhum outro lugar este esquema de construção de mitos é mais visível do
que nas versões dos manuais escolares de história dos Estados Unidos. Ali, uma com-
plexa orquestração de forças antagónicas é comemorada como se fosse o desabrochar
de uma essência imemorial. Nessa perspectiva, as fronteiras sempre mutáveis dos Es-
tados Unidos e os repetidos envolvimentos do governo nas guerras internas e externas,
declaradas e não declaradas, são condensados por meio do entendimento teleológico
de que treze colónias, agarradas à borda ocidental do continente, em menos de um sé-
culo fincariam a bandeira americana nas costas do Pacífico. No entanto, esse resultado
tinal foi apenas o desfecho da disputa entre muitos relacionamentos contraditórios. As
colónias declararam sua independência, ainda que a maioria de sua população —colo-
nos europeus, americanos nativos e escravos africanos —favorecesse os tóris. A nova
república quase soçobrou devido à questão da escravidão, ao lidar com ela em uma
série de comprometimentos problemáticos, criando dois países confederados, cada um
dos quais com sua própria zona de expansão. Certamente havia terra a ser apropriada
no novo continente, mas primeiro teria de ser tomada dos americanos nativos que a
habitavam, sendo então transformada em resplandecentes propriedades rurais. Jefferson
adquiriu o território da Louisiana a baixo preço, mas somente depois que a revolta dos
escravos haitianos contra seus senhores tranceses reduziu a quase nada a importância
da região, no esquema francês, como fonte de alimento para os engenhos e fazendas
do Caribe. A ocupação da Flórida signiticou o fechamento de um dos principais pontos
de fuga dos escravos do sul. A guerra contra o México tornou o sudoeste do país um
lugar seguro para a escravidão e as plantações de algodão. Os proprietários de terra
hispânicos que se interpunham à corrida americana em direçào ao Pacífico tornaram-se
"bandidos" ao defenderem o que era seu contra os recém-chegados anglófonos. Então
o Norte e o Sul —uma região importava sua força de trabalho da Europa, a outra.
África —travaram uma das guerras mais sangrentas da história. Durante algum tem-
po o Sul tornou-se uma colónia do Norte vitorioso. Mais tarde modificou-se o alinha-
mento entre as duas regiões, e o "cinturão do sol" passou a predominar à medida que
declinava a influência do Noroeste industrial. Ficou claro que a república não era nem
indivisível nem dotada de fronteiras que eram uma dádiva de Deus.
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INTRODUÇÃO
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O hábito de tratar entidades que têm um nome, tais como os iroqueses, a Gré-
cia, a Pérsia ou os Estados Unidos, como entidades fixas, opostas umas às outras por
uma arquitetura interna estável e por fronteiras externas, interfere em nossa capa-
cidade de compreender seu mútuo encontro e confronto. Com efeito, essa tendência
dificultou a compreensão de tais encontros e confrontos. Dispor blocos construtivos
imaginários em pirâmides denominadasOriente e Ocidente, Primeiro, Segundo e
Terceiro Mundo simplesmente encobre essa dificuldade. Assim, é provável que este-
jamos lidando com algumas deficiências conceituais em nosso modo de encarar os
fenómenos políticos e sociais, não se tratando apenas de uma aberração temporária.
Parecemos ter seguido o caminho errado na nossa compreensão de um momento críti-
co do passado. Foi uma falsa escolha, que confunde nosso pensamento no presente.
Esse momentocrítico é identificável.Ocorreu em meados do século passa-
do, quando a investigaçãosobre a natureza e as variedades do gênero humano di-
vidiu-se em especialidadese disciplinas separadas (e desiguais). Essa divisão foi
fatal. Não só levou ao estudo especializadoe intensivode determinados aspectos
da existência humana mas transformou as razões ideológicas dessa divisão em
uma justificativa intelectual para as próprias especialidades. Em nenhum outro
domínio isso é mais óbvio do que no da sociologia. Antes da sociologia tínha-
mos a economia política, um campo de investigaçãopreocupado com a "riqueza
das nações". a produçãoe a distribuiçãoda riqueza dentro e entre as entidades
políticas e as classes que as compunham.Com a aceleração da empresa capita-
lista no século XVIII, essa estrutura de Estado e de classes passou a sofrer uma
pressão cada vez maior de grupos e categorias sociais novos e "ascendentes" que
clamavam pela decretação de seus direitos, em oposição aos grupos defendidos
e representados pelo Estado. No plano intelectual, esse desafio assumiu a forma
de uma reivindicação de novos laços sociais, económicos, políticos e ideológicos,
agora conceituados como "sociedade", contra o Estado. A maré montante do des-
contentamento, opondo a "sociedade" à ordem política e ideológica,desembocou
na desordem, na rebelião e na revolução.O espectro da desordeme da revolução
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INTRODUÇÃO
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INTRODUÇÃO
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OS NOVOS TRABALHADORES
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A EUROPA E OS POVOS SEM HISTÓRIA
Mercados de Trabalho
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OS NOVOS TRABALHADORES
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A EUROPA E OS povos SEM HISTÓRIA
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OS NOVOS
para o Sul dos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial, bem como o mais
recente deslocamento da atividade manufatureira para regiões de mão-de-obra mais
barata, como Taiwan, Hong Kong e Coréia, oferece uma ilustração atual de um pro-
cesso que se repetiu continuamente sob a égide do modo capitalista.
As Classes Trabalhadoras
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OS NOVOSTRABALHADORES
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A EUROPA E OS POVOS SEM HISTÓRIA
Urbanização
A mudança para uma concentração urbana maior não foi simplesmente quanti-
tativa, mas acarretou também uma mudança qualitativa nos mecanismos que aloca-
vam as pessoas aos espaços e atividades. Os centros mais antigos de administração
política do comércio ou de comunicação simbólica agora se haviam transformado
em eixos do novo modo de produção. A maquinofatura fez surgirem novas cidades
fabris, como Manchester e Essen, e rodeou as cidades existentes com um anel de
distritos industriais. O desenvolvimento dos serviços financeiros e as necessidades de
comunicação nos negócios estiveram na base do crescimento dos distritos comerciais,
com bancos, escritórios e clubes. As florescentes classes trabalhadoras se fixaram
em bairros ou distritos a elas destinados, caracterizadospela construção em larga
escala de alojamentos que abrigavam várias famílias. Foram construídas instalações
portuárias, e os trilhos das estradas de ferro, os pátios e as estações transformaram a
paisagem urbana. Longe dos distritos industriais, dos bairros da classe trabalhadora
e dos pátios para embarque de carga, os capitães da indústria e do comércio erigiram
novas mansões e casas de campo.
A Mão-de-obra em Movimento
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