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Coordenadoras
Elaine Adelina Pagani
Rosângela Maria Herzer dos Santos
Fernanda Osório
D635
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do
Estatuto da Cidade: Balanço e perspectivas. / Elaine Adelina
Pagani, Rosângela Maria Herzer dos Santos, Fernanda Osório.
(Coordenadoras). Porto Alegre: OABRS. 2021. p. 187. V.6.
ISBN: 978-65-88371-16-9
1. Direito Urbano. 2. Planejamento Urbano. I Título
CDU: 34:711
DIRETORIA/GESTÃO 2019/2021
CONSELHO PEDAGÓGICO
CORREGEDORIA
OABPrev
COOABCred-RS
PALAVRA DO PRESIDENTE
Ao receber o convite para contribuir com o prefácio desta obra, um dos detalhes que
prontamente me chamou a atenção foi a publicação do sexto volume envolvendo a temática
do Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Pela intensidade com a qual está temática
vem sendo debatida e gerando artigos fica demonstrada a relevância desta pauta para a
sociedade brasileira.
O rápido desenvolvimento tecnológico e seus impactos no modo de viver das
pessoas, a necessidade de achar o equilíbrio entre desenvolvimento X sustentabilidade, e a
busca por alternativas que preservem o individual e valorizem o coletivo são fontes de
intensos questionamentos.
É preciso estabelecer parâmetros e segurança jurídica para que as pessoas tenham as
condições de viver e conviver dentro de regras transparentes e com aplicação a médio e
longo prazo. Ao mesmo tempo, é necessário fazer com que haja uma aproximação de
realidades tão distintas dentro de uma mesma localidade. Quem planeja corretamente tem
grandes chances de obter um resultado positivo. E isso vale para nossas cidades.
O protagonismo de advogados e advogadas em demandas do Direito Urbanístico e
Planejamento Urbano é de extrema relevância. Com o olhar especializado e conhecedor do
universo das leis, a contribuição da advocacia permite que tenhamos a construção de
soluções e a resolução de impasses diante de cenários complexos e desafiados.
Nos seis anos em que atuei como presidente da OAB/RS, fomentamos o espírito de
participação em trabalhos conduzidos pela Escola Superior da Advocacia. Temos recebido
significativas e emblemáticas manifestações do alcance e da relevância de artigos produzidos
em diferentes obras publicadas nos últimos anos.
Desta forma, é com grande satisfação que vejo a materialização do e-book digital
“Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas – Volume VI”.
Em nome da presidente da ESA/RS, Rosângela Herzer dos Santos, e da presidente
da Comissão Especial de Direito Urbanístico e Planejamento Urbano da OAB/RS, Elaine
Adelina Pagani, parabenizo todos os colegas que contribuíram com seus conhecimentos para
esta obra.
Ricardo Breier
Presidente da OAB/RS
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI
PALAVRA DA DIRETORA
Boa leitura!
10
PREFÁCIO
Uma lei não é apenas uma lei. Seu universo está além de suas letras, de sua leitura
ou compreensão imediata. Pode romper barreiras na realidade dos fatos, na relação das
pessoas e do Estado com os cidadãos. Pode inovar verdadeiramente e buscar equilíbrio na
sociedade. É disso que se trata quando o objeto de estudo é a lei federal nº 10.257/01,
chamada de Estatuto da Cidade. Uma jovem de 20 anos, com vigor e expectativas de ainda
muito vivenciar.
Se por um lado há essa norma jurídica tão significativa, classificada como norma
geral em direito urbanístico, prevista nos artigos 24, I e 182 da Constituição Federal, por
outro há um modo de viver, urbano e contemporâneo, em uma sociedade consumista e
capitalista que trata o acesso à terra como uma mercadoria como qualquer outra. Nesse
sentido, há uma tensão permanente entre a aplicação das diretrizes e dos instrumentos
previstos no Estatuto da Cidade e a realidade posta nas cidades brasileiras. O desequilíbrio
é evidente. Mais que isso, é cruel, desigual e tem se agravado em uma constância
proporcional à força advinda pelo interesse financeiro ao solo urbano.
Um dos grandes valores do Estatuto da Cidade é justamente trazer luz ao debate sobre
o planejamento urbano e a implementação de instrumentos específicos para lidar com a
realidade da ocupação seja no aspecto construtivo seja quanto à importância da participação
popular como elemento indissociável da efetivação dos planos urbanísticos elaborados.
Diante da falta de cultura planificadora e diante do crescimento desordenado e
espontâneo das áreas urbanas, a implementação do Estatuto da Cidade é um desafio posto.
Nisso está a importância dessa obra produzida pela Comissão de Direito Urbanístico e
Planejamento Urbano da OAB-RS, com suporte da ESA, que, ao homenagear os 20 anos da
lei, provoca uma reflexão necessária à sua continuidade e aperfeiçoamento. Muito há o que
avançar e o Estatuto da Cidade é o marco referencial para balizar o caminho para a
construção de cidades mais justas, sustentáveis e inclusivas.
11
APRESENTAÇÃO
12
Alessandro Geremia1
INTRODUÇÃO
Em 2009 a ONU anuncia formalmente que, pela primeira vez na história, a população
urbana havia superado o número da população rural. No Brasil o fenômeno da urbanização
se consolida a partir da segunda metade do século XX, fruto de um processo intenso de
migração do campo para as cidades. Em 2010 o IBGE estimava que 84% da população
brasileira vivia nas cidades. Esse processo de urbanização se deu de forma desequilibrada,
não sendo acompanhado do incremento apropriado de infraestrutura e de um controle sobre
o uso e ocupação do solo de forma adequada. Esse fato gera uma série de problemas que
ainda são verificados nas cidades brasileiras, tais como: crescimento urbano desordenado e
incompatível com a infraestrutura local, dispersão urbana, alta taxa de ocupação do solo em
áreas precárias, debilidade na mobilidade urbana e déficit habitacional. Nesse cenário, a
urbanização tem um papel importante nos processos de esgotamento e fragmentação de
1
Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela UFRGS e em Direito pela UFRGS. Especialização em Direito
do Estado pela UFRGS e Especialização em Regulação de Serviços de Transporte Terrestre pela UFRJ. Mestre
em Planejamento Urbano e Regional pelo PROPUR/UFRGS. Doutorando em Planejamento Urbano e Regional
– PROPUR/UFRGS.
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI
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2
ROMICE, Ombretta; PORTA, Sergio; FELICIOTTI, Alessandra. Masterplanning for Change: Designing
the Resilient City. Routledge, 2020.
3
Para um histórico do processo de inclusão do Capítulo da Política Urbana na Constituição Federal ver
VILLAÇA, Flávio. Uma contribuição para a história do planejamento no Brasil. In DEÁK, C.; SCHIFFER,
S.R. O processo de urbanização no Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999.
4
SAULE JUNIOR, Nelson. Estatuto da Cidade: instrumento de reforma urbana. SAULE JÚNIOR, Nelson.
ROLNIK, Raquel. Estatuto da Cidade: novos horizontes para a reforma urbana. (Cadernos Pólis, 4). São
Paulo: Pólis. P. 10-36, 2001.
5
Por todos, SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas diretrizes gerais. In Dallari, Adilson Abreu
e Ferraz, Sérgio (coordenadores). Estatuto da Cidade - Comentários à Lei Federal 10.257/2001. São Paulo,
SBDP/Malheiros, 2002.
6
Sobre o assunto, escreve Bonizzato: “Portanto, as barreiras a serem transpostas para a consecução de muitos
objetivos insculpidos em documentos legais infraconstitucionais desprovidos de aplicabilidade plena e
imediata são firmes e robustas, portando-se grande desânimo aos ramos sociais interessados na
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
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normas, como nos casos dos capítulos referentes ao usucapião especial de imóveis urbanos
e ao direito de superfície (SUNDFELD, 2002).
Edésio Fernandes (2021)7 ao analisar o itinerário histórico percorrido pelo Estatuto
da Cidade aponta a existência de três fases distintas. Um primeiro momento, na sua
aprovação, gerou um sentimento de otimismo em torno da lei. Depois de transcorridos alguns
anos, passa-se para um segundo momento em que o otimismo cede lugar a uma certa
desconfiança decorrente das críticas crescentes dos movimentos sociais urbanos. Após 10
anos, segue-se a um momento de descrédito em função de diversas avaliações negativas dos
novos planos diretores e de uma visão generalizada de inefetividade dos instrumentos
previstos no diploma legal. Por fim, o autor sugere a possibilidade de estarmos presenciando
um novo momento na percepção do Estatuto da Cidade dando-se um certo abandono da lei,
em consequência de resistências municipais crescentes à atualização dos planos diretores e
pela criação de leis e de outras figuras regulatórias que propõe “[...]as bases de outra cultura
jurídico-político-urbanística que não aquela do Estatuto da Cidade”.
Não obstante, transcorridos 20 anos da aprovação do Estatuto e já chegando a
segunda geração de planos diretores elaborados sob as suas diretrizes, vislumbra-se que os
problemas que deram origem aos dispositivos sobre política urbana da Constituição Federal
continuam existindo. As mazelas citadas anteriormente (crescimento urbano desordenado,
dispersão urbana, alta taxa de ocupação do solo em áreas precárias, precariedade na
mobilidade urbana, déficit habitacional etc.) permanecem afligindo as cidades brasileiras.
1. PROBLEMÁTICA
Diante de todo o exposto até aqui, é forçoso concluir que o Brasil possui normas
urbanísticas cujos atributos deveriam refletir numa evolução da situação de nossas cidades.
Mesmo considerando, de certo modo, o período relativamente curto de sua vigência, o retrato
de nossas cidades não condiz com o arcabouço legal vigente. Assim, a ideia deste estudo
concretização ampla de direitos e garantias legalmente previstos. Se, por um lado, prevê-se uma série de
direitos, representativos de avanços sociais e democráticos, por outro lado, impõem-se, paralelamente,
obstáculos à sua materialização”. (BONIZZATO, Luigi. Função ambiental da cidade, Plano Diretor e validade
das normas urbanísticas. Revista de Direito da Cidade, v. 5, n. 1, p. 86-116, 2013.)
7
FERNANDES, Edésio. Estatuto da Cidade, 20 anos, foi da euforia ao abandono, diz especialista. [Entrevista
concedida a] Talden Farias e Arícia Fernandes Correia. Revista Consultor Jurídico, 7 de agosto de 2021.
Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-ago-07/entrevista-edesio-fernandes-professor-urbanista.
Acesso em: 13 de outubro de 2021.
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surge a partir da seguinte indagação: qual o motivo da baixa efetividade8 das normas
urbanísticas no contexto brasileiro, observada no fosso existente entre a idealização
normativa e a realidade das nossas cidades?
Nesse ponto, faz-se necessária trazer à baila a lição de Fernandes (2013, p.233),9 para
quem “[...]’boas leis’ por si sós não mudam as realidades urbanas e sociais, por mais que
expressem princípios de inclusão socioespacial e justiça socioambiental [...]”, tal
observação é válida também para o Estatuto da Cidade, cujas disposições previram uma série
de mecanismos e instrumentos para a materialização dos princípios inscritos na lei. Assim,
se associando a visão do autor, faz-se a ressalva que não se desconhece que a lei – como
norma de caráter geral e abstrata - não possui a faculdade de alterar a realidade urbana e
social das cidades brasileiras.
8
Para fins deste estudo, entende-se por efetividade, a conformidade da situação de fato à situação jurídica
outorgada ou imposta ao sujeito para o cumprimento ou para a aplicação da norma. (JEAMMAUD, Antoine.
En torno al problema de la efectividad del derecho. Crítica Jurídica no. 1, p. 12.)
9
FERNANDES, Edésio. Estatuto da Cidade, mais de 10 anos depois: razão de descrença, ou razão de
otimismo? Revista da Universidade Federal de Minas Gerais, v. 20, n. 1, p. 212-233, 2013.
10
MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis: Editora Vozes, 2001, pg.
42.
11
Lei nº 10.257/2001 – Estatuto da Cidade:
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17
15
FERNANDES, Edésio. Estatuto da Cidade, mais de 10 anos depois: razão de descrença, ou razão de
otimismo? Revista da Universidade Federal de Minas Gerais, v. 20, n. 1, p. 212-233, 2013.
16
SANTOS JUNIOR, O. A.; MONTANDON, D. T. "Síntese, desafios e recomendações". In: SANTOS
JUNIOR, O. A.; MONTANDON, D. T (orgs.) Os planos diretores municipais pós Estatuto da Cidade:
balanço crítico e perspectivas. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2011.
17
PISSOURIOS, Ioannis et al. Top-down and bottom-up urban and regional planning: Towards a framework
for the use of planning standards. European Spatial Research and Policy, v. 21, n. 1, p. 83-99, 2014.
18
VIDMAR, Jernej; KOŽELJ, Janez. Adaptive urbanism: a parametric maps approach. Theory and Practice
of Spatial Planning, v. 3, p. 44-52, 2015.
19
Ibidem.
20
ALFASI, Nurit. The coding turn in urban planning: Could it remedy the essential drawbacks of
planning?. Planning Theory, v. 17, n. 3, p. 375-395, 2018.
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(2007, p. 167)21, “[...] nenhum plano é capaz de controlar totalmente uma cidade, incluindo
aqueles criados por órgãos de planejamento estaduais e municipais e aqueles elaborados
por grandes empresas e organizações. Portanto, os modelos atuais de planejamento não
podem regular totalmente a forma urbana”. No mesmo sentido, Verebes (2013)22 reconhece
a dificuldade, ou até mesmo a impossibilidade de uma previsão totalmente precisa.
As cidades, por sua vez, sob viés modernista, cujo auge ocorreu em meados do século
passado, era entendida como uma máquina composta por partes separadas por função. Com
acerto, Verebes (2013)23 leciona: “Este paradigma de cidade como uma máquina está cada
vez mais sendo rejeitado em favor de analogias biodinâmicas”, prossegue o professor
americano afirmando que a cidade não pode mais ser concebido como um ideal construído
e que deve ser entendida como um sistema complexo, dinâmico e, inerentemente, difícil de
gerenciar e controlar. Na mesma senda, Batty (2012)24 afirma que as cidades são mais bem
compreendidas como organismos do que como máquinas.
Assim, vale-se da conceituação de Batty e Torrens (2001)25 para quem um sistema
complexo é uma entidade, coerente e de alguma forma reconhecível, cujos elementos,
interações e dinâmica geram estruturas e admitem novidades que não podem ser definidas a
priori. Para Portugali (2006)26 sistemas complexos são compostos por inúmeras partes
relacionadas, que possuem a faculdade de constituir novas valências do desempenho do todo
de acordo com a sua auto-organização. Além disso, anota-se que numa perspectiva sistêmica,
quantitativamente, o todo é maior do que a soma de suas partes, ou seja, em um sistema
complexo, as propriedades agregadas não se resumem a somas das propriedades dos
elementos individuais. Em suma, conforme expõe Hillier (2012, p. 43)27, “[...] as cidades
21
ALFASI, Nurit; PORTUGALI, Juval. Planning rules for a self-planned city. Planning theory, v. 6, n. 2, p.
164-182, 2007. (tradução livre do autor)
22
VEREBES, Tom (Ed.). Masterplanning the adaptive city: Computational urbanism in the twenty-first
century. Routledge, 2013
23
Ibidem.
24
BATTY, M. Building a science of cities. Cities, 29(6), S9–S16. 2012.
25
BATTY, M.; TORRENS, P. M. Modeling complexity: the limits to prediction. Cybergeo: European
Journal of Geography, 2001.
26
PORTUGALI, J. Complexity theory as a link between space and place. In: Environment and Planning A
38(4), London: Pion. pp 647-64. 2006.
27
HILLIER, J. Baroque complexity. In: DE ROO, G, HILLIER, J; e VAN WEZEMAEL, J. (eds) Complexity
and Planning: Systems. Farnham: Ashgate, 37–73. 2012.;
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são sistemas complexos e não lineares de redes cujo comportamento futuro é essencialmente
imprevisível”.
Reconhecer a cidade como um sistema complexo, auto-organizado e adaptativo,
implica em aceitar que as cidades evoluem principalmente de baixo para cima (bottom-up),
como produtos das interações e decisões de milhões de indivíduos e com apenas ocasionais
ações centralizadas de cima para baixo (top-down) (BATTY, 2012).28 Assim, a ciência da
complexidade oferece uma nova lente para a compreensão das questões e dinâmicas urbanas.
Observa-se que a noção de cidade está evoluindo e criando novos paradigmas. Na
obra seminal “The New Science of Cities”, Batty (2013)29 defende uma maneira para estudar
as cidades cuja ideia central aduz que são as relações entre lugares e espaços - e não os seus
atributos intrínsecos 30– que definem o correto entendimento do lugar. Em outras palavras:
para entender um lugar, deve-se entender os fluxos (pessoas, bens e informação) que passam
por ele. Para entender os fluxos é necessário ter o conhecimento das redes, que, por sua vez,
sugerem relações entre as pessoas e os lugares.
Diante de todo o exposto, resta claro que a natureza estática e visionária do plano
diretor tradicional mostra-se incompatível com a complexidade e dinâmica da cidade de
hoje. Nesse sentido, Krafta (2016)31 aduz que:
Planos e cidades caminham em direções e sentidos distintos, por causa de
seguirem princípios opostos: enquanto cidades são formadas e transformadas a
partir de ações locais e decentralizadas, resultando em macroestados emergentes,
planos usualmente são pensados a partir de estados finais desejados, demandando
processos consistentemente coordenados para obtê-los.
Entre as tensões verificadas entre os planos e as cidades, Krafta (2016)32 leciona que
enquanto os planos veem o futuro como algo previsível e determinado (fechado), com foco
no controle do resultado das atividades de planejamento e o desenvolvimento urbano sendo
objeto de um processo decisório excludente; as ciências da cidade sugerem um futuro
28
BATTY, M. Building a science of cities. Cities, 29(6), S9–S16. 2012. (tradução livre do autor)
29
BATTY, M. The new science of cities. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press. 2013.
30
Contrapondo-se, por exemplo, com a ideia de Patrick Geddes, para quem a cidade era simplesmente “um
lugar no espaço.”
31
KRAFTA, Rômulo. Cidades Versus Planos Diretores. In: PANIZZI, Wrana (Org.) Outra Vez Porto Alegre:
a cidade e seu planejamento. Porto Alegre: CirKula, 2016.
32
Ibidem.
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indeterminado (aberto), com foco no controle dos processos das atividades e utilizando um
processo decisório includente.
Nas palavras de Verebes (2013)33, o excesso de confiança em planos inflexíveis que
idealizam o futuro ignora a complexidade do mundo moderno e as contingências que
moldam esse futuro, e acabam por incorporar a dinâmica do passado, as contingências do
presente e previsões do futuro.
5. ALGUMAS INICIATIVAS
Para tentar contornar essa disfunção, algumas iniciativas e proposições vem sendo
discutidas, a partir de uma nova lente de investigação e análise. Um diferencial nos dias
atuais são as possibilidades de acesso a informações que até pouco tempo não tínhamos a
disponibilidade. Técnicas geoespaciais e mapas de alta qualidade, análise de big data, dados
espaciais gerados pelo próprio usuário, lançam luz sobre a problemática e abrem infinitas
possiblidades para o planejamento e gestão urbana. Conforme explica Boeing (2019)34,
muito dos antigos desafios de coleta, armazenamento e compartilhamento de dados espaciais
evoluíram para processos comuns e plataformas padronizadas. Esse acesso facilitado a
informações permite a utilização de métodos e técnicas de planejamento que incorporam
com mais facilidade e rapidez eventuais mudanças no espaço e no tempo. Vidmar & Kozelj
(2015)35 e Schumacher (2013)36, por exemplo, sugerem a adoção dos chamados mapas
paramétricos, que regulam interativamente a forma de desenvolvimento urbano. Ademais,
este último autor propõe uma espécie de plano diretor sem um estado final, as
particularidades das circunstâncias futuras permaneceriam imprevisíveis.
Vislumbra-se algumas propostas de mudança de paradigma, com a substituição das
ferramentas e abordagens tradicionais (plano diretor), por uma abordagem baseada em
códigos (form-based codes) com foco na tipologia das edificações e as suas relações com o
33
VEREBES, Tom (Ed.). Masterplanning the adaptive city: Computational urbanism in the twenty-first
century. Routledge, 2013.
34
BOEING, Geoff. Spatial information and the legibility of urban form: Big data in urban morphology.
International Journal of Information Management, 2019.
35
VIDMAR, Jernej; KOŽELJ, Janez. Adaptive urbanism: a parametric maps approach. Theory and Practice
of Spatial Planning, v. 3, p. 44-52, 2015.
36
SCHUMACHER, P. Free Market Urbanism – Urbanism beyond Planning. In: VEREBES, T. (Ed.),
Masterplanning the Adaptive City – Computational Urbanism in the Twenty-First Century. New York, ZDA:
Routledge. 2013.
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI
21
37
Ver TALEN, Emily. Form-based codes vs. conventional zoning. In: Companion to urban design.
Routledge, 2011. p. 542-552 e CARMONA, Matthew; MARSHALL, Stephen; STEVENS, Quentin. Design
codes: their use and potential. Progress in Planning, v. 65, n. 4, p. 209-289, 2006.
38
ALFASI, Nurit; PORTUGALI, Juval. Planning rules for a self-planned city. Planning theory, v. 6, n. 2, p.
164-182, 2007
39
VEREBES, Tom (Ed.). Masterplanning the adaptive city: Computational urbanism in the twenty-first
century. Routledge, 2013.
40
MORONI, Stefano; RAUWS, Ward; COZZOLINO, Stefano. Forms of self-organization: Urban complexity
and planning implications. Environment and Planning B: Urban Analytics and City Science, v. 47, n. 2, p.
220-234, 2020.
41
CHEN, Yi. SPR as solution of action plan in China's master plan innovation. Habitat International, v. 50,
p. 300-309, 2015.
42
FREW, Travis; BAKER, Douglas; DONEHUE, Paul. Performance based planning in Queensland: A case of
unintended plan-making outcomes. Land Use Policy, v. 50, p. 239-251, 2016.
43
PELOROSSO, Raffaele. Modeling and urban planning: A systematic review of performance-based
approaches. Sustainable cities and society, v. 52, p. 101867, 2020.
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gestão urbana que propicie condições para a auto-organização da cidade a partir da interação
entre seus agentes e, tendo por propósito, conferir efetividade às disposições contidas nas
normas jurídico-urbanísticas brasileiras.
CONCLUSÕES
Diante de todo o exposto, resta claro que temos uma legislação urbanística que
quando analisada de forma isolada, mostra-se com valências que deveriam refletir em
cidades com uma melhor qualidade e bem-estar para a totalidade de seus habitantes.
Tanto a Constituição Federal como o Estatuto da Cidade estabeleceram que o plano
diretor fosse o cerne do processo de planejamento urbano. As cidades, por seu turno,
constituem-se como sistemas complexos, caracterizadas por uma inerente imprevisibilidade,
o que resulta, pelo menos aparentemente, em lógica distinta dos planos diretores cuja
racionalidade indica a possibilidade de prever as condições futuras das cidades, bem como
de manejar os processos formativos da cidade de forma coordenada.
Diante desse dilema, vem sendo desenvolvidos estudos que propõem alternativas
para a compatibilização entre a dinâmica própria das cidades e os instrumentos urbanísticos
que devem regê-la. Temos um longo caminho a percorrer, ao mesmo tempo que as cidades
possuem problemas prementes e urgentes que influenciam diretamente no bem-estar de seus
habitantes. Certo é que ainda estamos tateando em um campo com poucas certezas e muitas
dúvidas, buscando alternativas que possam redundar em modelos adaptativos de
planejamento urbano que disponham de instrumentos de suporte à gestão urbana ancorados
na perspectiva sistêmica das cidades.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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planning?. Planning Theory, v. 17, n. 3, p. 375-395, 2018.
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23
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24
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VIDMAR, J.; KOŽELJ, J.. Adaptive urbanism: a parametric maps approach. Theory and
Practice of Spatial Planning, v. 3, p. 44-52, 2015.
25
Resumo: As paisagens fazem parte do cotidiano das cidades e presentes nas relações sociais,
ambientais, culturais, tradições, expressões, crenças, imaginativo popular e por isso,
especial, se constituindo em patrimônio cultural. A cidade de Cidreira, Estado do Rio Grande
do Sul, é litorânea, com atributos paisagísticos singulares, diversos que se destacam pelas
belezas naturais, estéticas, culturais, em harmonia com o urbano. O Estatuto das Cidades e
outros dispositivos legais visam à tutela difusa, a proteção, preservação, a manutenção da
paisagem, enquanto bem jurídico. Este artigo aborda a Paisagem Cultural, como instrumento
de preservação do Patrimônio Cultural e também, a necessidade pós-pandemia de
revalorização do direito à paisagem cultural material e imaterial, o objetivo é que o Estudo
de Caso contribua para a formação de uma política paisagística (re) valorizada e um
verdadeiro Plano Diretor capaz de medir valores subjetivos como cultura, afetos, tradições,
crenças, expressões, preservando porções singulares do território, onde a interação entre a
cultura e o ambiente natural confere à paisagem uma identidade específica. A pesquisa é
documental, de campo e de caráter qualitativo e os documentos analisados e citados são o
fundamento e o principal eixo. A conclusão é que este momento pós-pandemia exige
valorizar a natureza, referendar o direito subjetivo difuso à paisagem, considerar os direitos
da comunidade de permanecer nas paisagens e vivenciar sua cultura, em relação harmônica,
entre processo social e de natureza, estimulando a dimensão afetiva com o território, tendo
como preliminar a dignidade da pessoa humana e a qualidade de vida da população.
Palavras-Chave: Paisagem Cultural- Legislação Urbanística- Pós-Pandemia
1. INTRODUÇÃO
“Que soem as caracolas e que nossa memória não se perca, como se perderam os
nossos sambaquis e os nossos ancestrais” (Lizzi Barbosa)
1Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais ( PUC 1987 ) Advogada desde 1987 e sócia de Roque e Vasconcellos
Advogados Associados ; Professora Universitária desde 1989; Bacharel em Relações Internacionais (
UNIRITTER 2016 ) , Pós Graduação em Metodologia do Ensino Superior ( UNISINOS 1991), em Direito
Público e Privado ( UNIRITTER ) e em Estratégias e Estudos Internacionais ( UFRGS 2018 ) ; Mestre em
Direito das Relações Internacionais ( UDE 2016 ) . Membro da Comissão da Mulher Advogada da OAB/RS,
Julgadora do Tribunal de Ética e Disciplina da OABRS
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI
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As paisagens singulares são patrimônios culturais, eis que fazem parte do cotidiano
e estão presentes nas representações sociais subjetivas como tradição, expressões, afetos,
crenças, imaginativo popular, que formam o patrimônio imaterial e neste ponto, está a
importância das paisagens culturais e a preservação, revalorização das paisagens naturais e
urbanas, pois cabal na construção da identidade cultural do povo do lugar.
O urbano e a “gente da praia” são agasalhados pelo universo que é dividido entre
água, areia, campo e o céu, que traz um lindo nascer do sol sobre o mar e o poente
acontecendo nas dunas e lagoas internas.
O domínio das águas é dividido entre o mar e as 05 lagoas e é o espaço sagrado dos
pássaros, das espécies aquáticas, da vegetação ribeirinha, mas também da Iemanjá e do boto
que encanta as moças.
Nas areias das Dunas primárias, secundárias e terciárias está contida a grande zona
de preservação, área de acúmulo de águas instáveis e também é o habitat do Tuco tuco e do
Maestro da Areia, pessoa e cinematografia local.
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perspectivas - Volume VI
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Bastante a descrição destes domínios, para se inferir uma cultura, uma visão de
mundo, tradições, lugar dos antepassados, lugar de pertencimento onde tudo inicia, o lugar
em que essa “gente praieira“ vive e programa o futuro.
28
A paisagem passou a existir com o sentido e utilidade pra a realidade dos grupos e
o conceito foi entorno da existência humana, como aduz Maximiliano (2004), como no caso
da paisagem desértica que fez olhar para as estrelas.
Seja natural, estética ou de uso, a paisagem foi entendida através da cultura de cada
grupo, tendo Ratzel, em 1880, incluído primordialmente a cultura na paisagem, embora uma
concepção limitada ao confundir com os artefatos utilizados pelos homens.
Claval (2001) cita Shutter para o qual a marca que os homens impõem a paisagem é
a que constitui o objeto de fundo de todas as pesquisas, porém deixava de lado as crenças e
as tradições.
Já Sauer (1998) aduz que a paisagem natural reflete as formas e objetos da natureza
que existe com ou sem a interferência do homem e a paisagem cultural resulta das relações
do homem e a natureza.
Segue Sauer (1998) que a paisagem cultural é moldada a partir de uma paisagem
natural por um grupo cultural e traz a equação, onde se vê que cultura corresponde aos
agentes, a área natural ao meio e a paisagem cultural ao resultado.
Assim, uma nova cultura pode rejuvenescer a paisagem ou formar nova paisagem.
A partir dos anos 80, se volta para a paisagem simbólica e nela estão insculpidas a
materialidade da cultura e da natureza, também os sentimentos, valores em relação as
paisagens se dependentes da cultura.
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI
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Traduz Maximiliano (2004) que a cultura é o elemento que agindo sobre o meio
natural, resulta na paisagem cultural e Risso (2008) que a paisagem se constitui a partir das
relações entre os seres humanos e a natureza ao longo dos tempos, pois com base na
paisagem natural é que a cultura se desenvolve.
Franco (2000) define que a conservação ambiental pode ser entendida como o
convívio e harmonia do homem com a natureza, com o mínimo de impacto possível, sem
esgotar os recursos naturais, permitindo a vida das gerações futuras e tal entendimento está
inserido no conceito de desenvolvimento sustentável.
3. INSTRUMENTOS LEGAIS
A paisagem é algo vivo, dinâmico que se modifica no tempo, de acordo com fatores
da natureza e da ação das pessoas que se apoiam em um contexto cultural. É construída com
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
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A seguir, cabe trazer alguns instrumentos legais que norteiam a matéria e são de
grande importância para o trato do tema Paisagem Cultura e Paisagem Cultural.
- Carta de Atenas de 1931 – Considerou bem cultural a paisagem, mais seu entorno;
Cabe ressaltar que o Tombamento constituído era pelo valor cênico da paisagem e
valoração da relação homem e o meio e assim, tombada não só a cidade, ou paisagem, mas
também todo o seu entorno.
- Estatuto das Cidades, Lei 10257 de 2001 – Regulamenta os artigos 182 e 183 da
Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências.
O Estatuto confere para cada cidadão o direito coletivo e difuso à cidade sustentável.
Uma nova leitura do ambiente local, agregando conceitos Dignidade da Pessoa Humana,
Qualidade de Vida, Bem-Estar e Bem Comum.
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI
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32
Nór (2013) salienta que o “Espírito do Lugar “incorpora caráter plural e polivalente,
diferentes significados e singularidade, possível manifestação simbólica, cultural, histórica,
compreendido como a essência dos valores imateriais, revela relações dialógicas entre
passado e presente, por meio das permanentes confirmações de caráter vivo e permanente às
paisagens.
33
O Plano Diretor do município de Cidreira não traz capítulo ou clara divisão entre a
paisagem e os recursos naturais, mas devia também tratar a paisagem urbana com maior
propriedade, até porque está inserido em inúmeras páreas naturais e paisagens belíssimas.
Deveria o Plano concretizar que o espaço urbano está sobre o suporte natural, que é acrescido
pela sociedade que nele vai se reproduzindo.
34
Importante destacar que a partir do art. 70, o Plano traz um capítulo sobre as áreas
especiais, que tem características peculiares e dentre elas estão as Zonas Especiais de
Interesse Urbanístico, que inclui Zonas Especiais de Interesse Paisagístico – art. 77 .4 – “
setores urbanos destinados a áreas verdes sem o devido tratamento e em degradação urbana
e a Zona Especial de Proteção e Preservação do Ambiente Natural (art. 79).
Neste ponto, não trouxe o Plano o valor cênico dos vários trechos paisagísticos da
cidade, como as dunas, inseridas no meio urbano, que é cenário a ser protegido, digno de
identidade, valores, crenças etc.
Se infere que o Plano traz algumas limitações de gabarito, como a altura das
edificações, que deve ser bastante questionada, no caso da orla marítima, volta das lagoas,
Parque das Dunas, cabendo dizer que o município de Cidreira ainda não tem “espigões “,
prédios de gabarito alto, mas também não tem rede de esgotos, tratamento de lixo ou rede
de águas reutilizáveis.
35
Mas as áreas localizadas em torno das lagoas e na Orla marítima são as preferenciais
e de mais lucro para o setor imobiliário e neste momento de tensão , de tornar público o
debate é que vale o caráter inovador e democrático do Plano Diretor, explicitado na lei, mas
que de forma dissociada estabeleça a conservação dos recursos naturais e a preservação da
paisagem, da paisagem cultural e do patrimônio cultural e após acompanhar a aplicação e as
adaptações do Plano , tendo a sociedade entendido seu papel neste processo.
Óbvio que a legislação deve ser elaborada de forma democrática, mas não modificada
com intransigências e totalitarismo, pois deve honrar a boa política para o desenvolvimento
econômico, que contemple a dignidade da pessoa humana, o bem-estar e a qualidade de vida.
Uma vida humanamente digna, exige um meio ambiente saudável que garanta o
direito á paisagem, no entanto, cabe ao Poder Público e à sociedade dirimir os conflitos,
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disputas, causadas pela forma que os problemas ambientais afetam os grupos humanos
produzindo injustiça social e as paisagens são manipuladas no interesse dos mercados, das
grandes construtoras e os seres que fazem parte daquele ecossistema sofrem, são removidos
e morrem.
Nesse sentido, o Mestre Ivan Therra (2021) aduz que “ a paisagem cotidiana de
dunas, ventos e lagoas, foi interrompida abruptamente, por cataventos gigantes, tudo isso
sem pedir licença aos olhos e as lembranças da nossa gente da beira”.
Segue o autor, dizendo que é necessária a participação e escuta das diversas formas
de pensar sentir e vivenciar o mundo e anuir que os seres humanos têm interação com os
lugares, vivências, experiências estéticas, afetivas e de fruição da paisagem, eis que cabe
compreender, visualizar, sentir as paisagens, os ambientes e cenários paisagísticos, para
muito além de meio ambiente e simples paisagem.
Desta forma, o povo está inserido na paisagem que emerge das interações homem-
natureza e resulta das constantes transformações das práticas e usos sociais de determinada
região (Ost, 1995), mas também, uma experiência, uma visão, uma expressão, um
sentimento.
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Para Silva (2006) a paisagem urbana é a roupagem com que as cidades se apresentam
para seus habitantes e visitantes, valendo o art. 225 da Constituição Federal garante o direito
que todos temos a qualidade, satisfação, ao equilíbrio ecológico do meio ambiente e está
qualidade é que se converteu em um bem jurídico.
E neste sentido de bem jurídico tutelado dispõe a Constituição Federal, nos artigos
23, 24, 30, 182, 216 e 225, mas não só a Constituição, eis que cabível trazer o Código Civil
Brasileiro que traz os bens de uso comum do povo, e dentre eles cabe incluir a paisagem, eis
que a sociedade é destinatária final da proteção e também dever junto ao poder público, à
proteção e defesa.
38
CONCLUSÕES
O direito à fruição está ligado ao direito à vivência do espírito do lugar e este trabalho
forneceu contribuição teórica, no sentido de dispor sobre elementos para uma discussão de
uma legislação urbanística que contemple a paisagem cultural e também a necessária
proteção, preservação e valorização ao meio ambiente.
Os argumentos acima são pertinentes eis que a paisagem cultural de Cidreira ainda
não foi totalmente degredada pelo mercado imobiliário, por intervenções urbanísticas e
adensamento de construções verticalizadas, que comprometam as representações sociais e
função do litoral e que levou muitos para a beira, com proximidade da natureza e a
possibilidade de desfrutar da paisagem com garantia do direito à paisagem.
Neste diapasão, o Estatuto das Cidades, que comemorou 20 anos, surge como grande
garantia dos direitos democráticos do cidadão e da função social da propriedade, como
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei n. 10257 de 10 de julho de 2001, Estatuto das Cidades. Regulamenta os artigos
182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras
providências. DJU. Brasília. DF. 10 de julho de 2001.
http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20de%20Veneza%201964.pdf,
acesso em 24 de agosto de 2021.
https://docplayer.com.br/25861888-Carta-de-bage-ou-carta-da-paisagem-cultural.html ,
acesso em 24 de agosto de 2021.
40
https://www.icomos.org/quebec2008/quebec_declaration/pdf/GA16_Quebec_Declaration_
Final_PT.pdf. Acesso em 24 de agosto de 2021.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro, 13ª Ed. São Paulo: Malheiros,
2003.
OST, F. A natureza à margem da lei: À ecologia à prova do direito. Edições Piaget, Portugal,
1995.
RISSO, L. C., Paisagem e cultura: uma reflexão teoria a partir de uma comunidade indígena
amazônica. Espaço e Cultura, UERJ, N. 23P. Jan/jun de 2008.
SILVA, J.A. Direito urbanístico brasileiro. 4.ed. São Paulo, Malheiros, 2006.
THERRA, Ivan. Cidreira, história, cotidiano, cultura e sentimento. Ed. Casa de Cultura do
Litoral. Cidreira. 2007.
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Resumo: O Direito Urbanístico é um importante ramo do Direito Público que mais tem
crescido no Brasil, decorrente de leis especiais, que tornaram sólida a noção constitucional
da função social e ambiental da propriedade, além de elencar um rol de instrumentos
jurídicos para a implantação e implementação de políticas públicas municipais viabilizando
condições de gestão democrática das cidades e regularização fundiária em áreas de
assentamentos informais. Nesse sentido, urge a necessidade de os cursos jurídicos brasileiros
atentarem para a importância da inclusão do Direito Urbanístico em suas estruturas
curriculares como uma disciplina interdisciplinar e transdisciplinar necessária para dotar de
conhecimento os futuros profissionais que atuarão na área jurídica para que possam efetivar
a materialização, através dos princípios e dispositivos legais, das cidades includentes e
sustentáveis. O tímido trabalho desenvolvido pela academia com esta área do conhecimento
jurídico acarreta o seu desconhecimento e a geração de uma gama de futuros profissionais
que, diante das reais demandas sociais, não interpretam ou aplicam as normas de Direito
Urbanístico de forma adequada. Por outro lado, são muito vastos os campos de atuação para
a advocacia urbanística, seja no setor público e privado, e que necessitam de profissionais
competentes e habilitados para a resolução das demandas jurídico urbanísticas.
Importante frisar que este trabalho é resultante dos debates e das experiências
compartilhadas pelos membros da Comissão Especial de Direito Urbanístico e Planejamento
Urbano da OABRS no evento integrante das atividades realizadas por ocasião do mês da
1
Doutora em Planejamento Urbano e Regional pela UFRGS. Mestra em Planejamento Urbano e Regional pela
UFRGS. Membro da Comissão Especial de Direito Urbanístico e Planejamento Urbanos da OABRS Advogada
e Professora Universitária.
2
Mestra em Direito pela PUCRS. Especialista em Direito Urbanístico pela PUCMinas. Diretora da Faculdade
CNEC Gravataí. Presidente da Comissão Especial de Direito Urbanístico e Planejamento Urbano da OAB/RS.
Secretária Adjunta da Comissão Especial de Direito Urbano do Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil.
3
Doutor em Direito pela UNISC. Mestre em Direito pela Universidade de Caxias do Sul e Especialista em
MBA Direito da Economia e da Empresa pela FGV/RJ. Membro da Comissão Especial de Direito Urbanístico
e Planejamento Urbanos da OABRS. Advogado e Professor Universitário.
4
Pós Doutor em Direito pela Universidade de Coimbra - Portugal. Doutor em Planejamento Urbano e Regional
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre em Planejamento Urbano e Regional pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Graduado em ciências jurídicas e sociais pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Membro da Comissão Especial de Direito Urbanístico e
Planejamento Urbanos da OABRS. Advogado e Professor Universitário.
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI
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advocacia ocorrido em agosto de 2021, e que que tratou sobre os campos de atuação para a
advocacia urbanística.
Palavras-chave: Direito urbanístico, ensino jurídico, áreas de atuação, advocacia pública,
advocacia privada.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo visa demonstrar o quão vasto é o campo de atuação para a advocacia
urbanística, seja no setor público e privado. No entanto, torna-se fundamental a necessidade
das Instituições de Ensino Superior – IES atentarem para a importância da inclusão do
Direito Urbanístico, em caráter obrigatório, nos currículos de seus cursos a fim de que os
egressos estejam aptos a desenvolver as competências necessárias para lidar com a resolução
das demandas jurídicas urbanas.
Com o constante aumento das cidades que presenciamos nas últimas décadas tem se
tornado cada dia mais necessária a existência do direito urbanístico, entretanto esta área da
advocacia ainda é desconhecida por uma parcela considerável dos profissionais da área do
direito, assim como os estudantes desta área. Tendo isto em vista este artigo tem por objetivo
mostrar sua importância e as diversas áreas de atuação que se pode seguir dentro do direito
urbanístico, não somente na área do direito público, mas também dentro do direito privado.
Na Constituição Federal de 1988 foi incluída a política urbana como um específico capítulo
de proteção, onde consta que a função social da propriedade deve ser protagonista, sendo
assim a advocacia deve estar preparada para enfrentar as diversas demandar que são
originadas e a área que visa a resolução destas demandas é o direito urbanístico.
43
44
processo de urbanização tem tratamento legal específico, não pode o Direito Urbanístico ficar
à margem das grades curriculares do ensino jurídico. Os ensinamentos do sistema urbanístico
bem como os instrumentos legais que ele proporciona são de extrema necessidade para os
futuros profissionais que forem desempenhar suas atividades profissionais.
Vale lembra que o Brasil, um país com alto índice de urbanização, vem enfrentando
sérios problemas nas cidades devido a questão das cidades serem excludentes e não
sustentáveis, por isso, a questão urbanística assume relevante importância no contexto
social, o que exige dos profissionais do Direito conhecimentos especializados acerca de
toda a legislação e doutrina referente à solução desses problemas, contribuindo assim para
a justiça social. Dentre as consequências advindas dos problemas antes relatados podemos
destacar o aumento de construções e loteamentos irregulares ou clandestinos, o
crescimento das favelas nas periferias das cidades de médio e grande porte, as habitações
frente as questões sanitárias, e a tensão social e violência cada vez mais marcante no meio
urbano.
Deste modo, faz-se importante incluir nas grades curriculares dos cursos de
graduação de Direito a disciplina de Direito Urbanístico para a formação de profissionais
habilitados e competentes para lidar com as demandas sociais no sentido de interpretar e
aplicar a lei na solução ou amenização dos problemas urbanos.
45
46
47
passou a enriquecer o tema afeto às cidades. Isso gerou a necessidade de que áreas do
conhecimento passarem a atuar na ordenação do território.
48
advocacia pública municipal. Campo aberto àqueles que gostam do público, do social e do
cenário urbano.
49
Neste exemplo, cabe destaque especial, sobre os requisitos que têm sido escolhidos
quando das licitações para realização de planos e normas urbanísticas. Não se defende aqui,
que um advogado, com especialização ou prática reiterada em direito urbanístico, seja capaz
de substituir um arquiteto ou engenheiro nas funções técnicas, típicas destas normas. Por
outro lado, não é aceitável, que o profissional do direito, sempre requisitado nestas
contratações, não apresente amplo conhecimento na matéria jurídico-urbanística.
50
que podem ser alcançados por ações, normas, licenças, decisões judiciais, que contrariam os
objetivos e as diretrizes fundamentais da Política Urbana. Neste aspecto, a atuação poderá
ser administrativa ou judicial, buscando-se a regulamentação de algo importante ou reversão
de atos prejudiciais a ordem urbanística.
Desta forma, fica evidente o amplo campo de atuação para a advocacia privada no
âmbito o Direito Urbanístico. Trata-se de um espaço pouco explorado, ainda em expansão.
O avanço da atuação de advogados nesta área contribuirá cada vez mais com a consolidação
dos conceitos, princípios, institutos e dogmática deste ramo do direito, tanto na legislação,
quanto na doutrina e jurisprudência.
5. CONCLUSÃO
51
atribuições.
REFERÊNCIAS
CORREIA. Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo, Vol. I, 4.ª ed., Coimbra,
Almedina, 2012; Vols. II, Coimbra, Almedina, 2012; e Vol. III, Coimbra, Almedina, 2012.
SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: uma introdução críticaao planejamento e à gestão
urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
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53
1. INTRODUÇÃO
Desde o ano de 1937, a partir do Decreto-Lei n° 25, a legislação brasileira sofreu
grande evolução quanto ao estabelecimento de mecanismos de salvaguarda do patrimônio
Adilson Giglioli, na cidade de Santo Antônio do Palma – Rio Grande do Sul – Brasil
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5
Anteriormente à 1937 houveram uma série de atos relativos à proteção do patrimônio cultural, como a criação
do Museu Histórico Nacional, em 1922, e o projeto de lei, não aprovado, para a criação de uma Inspetoria de
Monumentos Históricos, apresentado em 1923 ao Congresso Nacional. Em 1924 tramita também, no entanto
sem ser apresentada, uma proposição de legislação no mesmo sentido elaborada pelo jurista Jair Lins.
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dentre outras normas jurídicas, o art. 216 da Constituição Federal de 1988, o Decreto nº 3551
de 2000, que estabelece o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI), assim como
o registro de bens culturais de natureza imaterial, além dos instrumentos incluídos no
Estatuto da Cidade, Lei 10.251/2001.
6
Este estatuto jurídico também inclui entre os bens a serem preservados os monumentos naturais.
7
Conhecida como Lei de Sambaquis.
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encontram (...)” sob a proteção do Poder Público, também em conformidade com o artigo
175 da Constituição Federal de 19468. A Lei declara o ‘direito imanente ao Estado’ a posse
e a salvaguarda dos bens de natureza arqueológica ou pré-histórica, estabelecendo a
responsabilização pela não comunicação à Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional de sítio identificado, bem como pela retirada de bens do país, fixando ainda as
condições para a exploração destes bens por particulares.
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 216, evolui acerca de aspectos ainda não
tratados, incluindo como patrimônio cultural brasileiro, para além dos bens de natureza
material, também os de natureza imaterial que se constituam “(...) portadores de referência
à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira
(...)”, nos quais estão incluídos: i) as formas de expressão; ii) os modos de viver, criar e fazer;
iii) as criações científicas, artísticas e tecnológicas; iv) as obras, objetos, documentos,
edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; v) assim como
conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico, estes já presentes na legislação anterior.
8
Estabelece a Constituição Federal de 1946 em seu artigo 175: “As obras, monumentos e documentos de valor
histórico e artístico, bem como os monumentos naturais, as paisagens e os locais dotados de particular beleza
ficam sob a proteção do Poder Público.”
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59
Considerando todos os aspectos que podem ter relevância no que diz respeito aos
interesses sobre um território, como a localização, a especulação imobiliária e os efeitos de
um desenvolvimento acelerado, mesmo partindo do princípio de que a existência ou não de
mecanismos legais de proteção sobre a edificação não determina o seu valor enquanto
patrimônio, é imprescindível o levantamento e inventariação do mesmo.
O edifício, construído em 1916, teve sua relevância histórica ligada diretamente com
a evolução econômica do município, que chegou a ser conhecido como “terra dos pinheirais"
durante o ciclo da madeira no início do século XX. Esse setor se beneficiou muito com a
construção da ferrovia, pois isso permitiu o transporte da matéria prima para outras regiões
e até mesmo outros países. Além do edifício principal, ainda faziam parte do complexo,
outras pequenas edificações em madeira que se perderam a partir do ano de 2011 com o
encerramento das atividades da empresa. A importância da preservação de edificações desse
período comprova-se ao considerarmos que a madeira foi o principal produto de exportação
do município de Passo Fundo em 1918 e que haviam aproximadamente 200
estabelecimentos voltados para a extração da madeira no município, enquanto hoje restam
poucas evidências dessa época (WENTZ, 2004, p.72 apud KNACK, 2016, p. 62).
60
Outro fator chave para evidenciar a importância histórica do complexo como um todo
é que, a exploração da madeira na região foi o que direcionou a expansão urbana do
município (DAL MORO, et. al., 1998, p.94 apud KNACK, 2016, p.63) sendo fator
determinante para a elaboração do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) de
1953 que considerava que a linha férrea, distribuía as atividades de forma desorganizada,
por exemplo as serrarias e seus depósitos.
Por outro lado, a implantação de novos usos e a valorização patrimonial também não
depende do caráter turístico do município, se considerarmos Passo Fundo como uma cidade
universitária. Um exemplo disso é a criação da Gare Estação Gastronômica (Figura 2) que
atribuiu um novo uso para a edificação tombada (Decreto Nº 2.671/1991). Construído entre
1898 e 1920, o prédio abrigava a estação de passageiros, de modo que sua localização foi
marcante no desenvolvimento urbano do município e, com a desativação da ferrovia há
9
Procedimento nº 00820.001.190/2020 — Inquérito
Promotoria de Justiça Especializada de Passo Fundo – RS
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI
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pouco mais de 40 anos mantinha-se devoluto, pois mesmo a proteção legal, através da
inventariação e tombamento, não garante o seu estado de conservação na prática.
62
Deste modo, talvez outros exemplares ainda remanescentes que fazem referência à
antiga via férrea em Passo Fundo, como as casas dos funcionários e do engenheiro chefe e o
antigo Moinho São Luiz, já pudessem estar incluídas nos mecanismos legais de salvaguarda
e nas políticas de desenvolvimento urbano. Além disso, se a conservação e a gestão
patrimonial fossem integradas dentro do planejamento urbano de forma mais ampla, atenuar-
se-iam os conflitos e tensões geradas pelas relações de poder entre os atores sociopolíticos,
diante de um território em disputa. (LEITÃO, 2011, p. 324)
Uma abordagem como a proposta pela UNESCO permite não somente a proteção do
patrimônio edificado em si, mas também dos aspectos sociais e econômicos que definem a
paisagem urbana local e de seus mecanismos vitais (VELDPAUS, 2015, p.49). Essa
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integração requer o apoio das políticas locais, facilitadas por uma política nacional, tal qual
o Estatuto da Cidade, e necessita também da incorporação da definição dos conceitos de
paisagem e patrimônio desenvolvidos ao longo do último século.
Além disso, essas políticas devem ser baseadas em uma abordagem participativa por
todas as partes interessadas e coordenada tanto do ponto de vista institucional quanto setorial
(UNESCO, 2011). A democratização do processo deve-se iniciar desde a definição dos
atributos e valores por parte da comunidade local, pois “quando a comunidade é apenas
informada ou educada para respeitar e valorizar o patrimônio já designado, sem se envolver
no processo de definição”, não há o sentimento de dever em protegê-lo (VELDPAUS, 2015,
p. 132).
Por meio deste setor, bem como do Estatuto da Cidade, implementou-se o processo
de transferência do direito de construir, que permite que o proprietário do bem tombado ou
de relevância histórica, venda seu direito de construir através da transferência do potencial
construtivo. Ou seja, o potencial construtivo do local em que o imóvel histórico está inserido,
o qual, devido à preservação, não poderá ser utilizado neste, pode ser transferido por meio
da venda para uma nova área, podendo este espaço utilizar-se de até 25% à mais da
capacidade de índice que seu terreno de construção permitir.
A venda dos índices pode ser realizada somente após vistoria do imóvel pelo setor
responsável da prefeitura, o qual vai averiguar o estado de conservação da edificação de
acordo com os critérios de preservação do patrimônio. Se o imóvel em questão encontrar-se
em ótimo estado de conservação, o caso é encaminhado para o Conselho de Cultura, o qual
vai avaliá-lo, dentro dos critérios históricos e culturais. Após aprovação das duas etapas
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10
Acresce-se ao Art. 14 da Lei Complementar nº 195, de 27 de dezembro de 2007, o VI inciso que isenta do
Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana os imóveis tombados pelo Município desde que o
proprietário zele e conserve os bens efetivamente, mantendo as características motivadoras da preservação.
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perspectivas - Volume VI
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Sua importância histórica está ligada à chegada da ferrovia no final do século XX,
que foi responsável por impulsionar o crescimento de Passo Fundo. O município, por sua
vez, tornou-se um vetor de atração de atividades comerciais e industriais.
66
Outro caso de edificação que utilizou seu potencial para venda é o Solar do Glória
(Figura 5). Antigo hotel da cidade, construído em 1927 a partir da ação do empreendedor
José Knoll que objetivava, devido sua localização privilegiada, disponibilizar acomodações
aos passageiros que chegavam a Passo Fundo pela estação férrea. Reconhecido como um
sobrado imponente, o Hotel Glória simbolizou uma nova fase na cultura da cidade,
mostrando a modernização e o progresso da mesma (LECH, 2007).
Conforme o Inventário NADUC/UPF (FEAR, 2012), a edificação possui
características do historicismo eclético, destacando-se a platibanda reta com frisos e
elementos decorativos sobrepostos, a presença de um balcão na marcação da esquina em 45º
e outro lateral com verga em arco abatido, além de certa assimetria, que não atrapalha seu
equilíbrio formal e volumétrico. Destaca-se que a edificação passou por uma grande reforma
no ano de 2002, tendo seu interior totalmente modificado, o que possibilitou a diversificação
do seu uso, preservando-se apenas o aspecto externo original, com restauros posteriores de
reboco, pintura e substituição de algumas aberturas.
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
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Figura 5: Comparação entre o Hotel Glória na década de XX, quando ainda era conhecido como Casa Knoll e
seu estado atual, após as ações de restauro.
11
Primeira fotografia obtida através do Jornal Diário da Manhã em 2016.
Segunda fotografia obtida a partir de acervo pessoal das autoras, 2021.
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perspectivas - Volume VI
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perdido em meio aos edifícios verticais que caracterizam o centro de Passo Fundo,
o espaço que abriga uma comunidade religiosa e que foi palco dos primeiros
passos do ensino no município reflete o contraste entre a afirmação de uma cultura
progressista (uma expressão da busca pelo progresso na cidade é a verticalização
do espaço urbano) e a memória patrimonial. (BATISTELLA, 2011, p. 28)
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
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No município ainda existem outros imóveis com interesse na venda de seus índices
construtivos através do instrumento de transferência do direito de construir. Como é o caso
da edificação do Clube Caixeiral, que encontra-se na fase inicial do processo, aguardando a
vistoria e avaliação das demais etapas necessárias pelo setor responsável da prefeitura.
Antigo badalado local, o Clube Caixeiral sede Social foi palco de festas importantes
da sociedade passo-fundense e ainda recebe eventos, mantendo-se como um patrimônio
ativo, conservado, e adaptável ao longo das mudanças de épocas. Sua sede social foi
inaugurada no ano de 1937 por um grupo de italianos radicados em Passo Fundo, integrantes
da “Sociedade Italiana de Mutuo Socorro – Yolanda Margarida de Savoia” (LORENZI,
2019; FEAR, 2012).
70
71
cuidado necessário para que o imóvel seja valorizado e não visto como uma edificação antiga
e perdida no desenvolvimento e crescimento da cidade, mas como integrante da memória e
de sua transformação.
6. CONCLUSÃO
Através do panorama geral sobre a legislação brasileira é possível perceber uma clara
evolução nas definições sobre os atributos a serem protegidos pelo Poder Público. A partir
das disposições da Constituição de 1988, acresce-se a isso uma série de mecanismos que
incluem a participação comunitária no processo de salvaguarda do patrimônio, em
concordância com o Decreto-Lei n° 25, de 1937, que já estabelece a prevalência do interesse
coletivo sobre o particular.
Logo, enquanto não houver uma abordagem mais participativa e didática no processo
de inventariação, bem como a definição de conceitos como paisagem e território, a busca
pela proteção do patrimônio através dos mecanismos legais continuará dependente de
instrumentos como a transferência do direito de construir, que concedem vantagens
legislativas e monetárias para garantir a salvaguarda de um atributo, cujos valores deveriam
ser designados pela população em si.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1
Arquiteta e Urbanista (FAU/UFRGS). Mestre e Doutora em Planejamento Urbano e Regional
(PROPUR/UFRGS). Pós doutora (Universidade de Sevilha e Universidade Lusófona do Porto). Professora da
Universidade de Passo Fundo (UPF). Coordenadora do Projeto de Pesquisa ‘Caracterização dos vazios urbanos
e áreas ocupadas em Passo Fundo/RS’.
2
Graduanda do Curso de Arquitetura e Urbanismo UPF. Voluntária do Projeto de Pesquisa ‘Caracterização
dos vazios urbanos e áreas ocupadas em Passo Fundo/RS’. Estagiária Florense Passo Fundo/RS.
3
Graduanda do Curso de Arquitetura e Urbanismo UPF. Voluntária do Projeto de Pesquisa ‘Caracterização
dos vazios urbanos e áreas ocupadas em Passo Fundo/RS’. Ensino Médio Escola Nicolau de Araújo Vergueiro,
Passo Fundo. Estagiária empresa MARZ Urbanismo Passo Fundo/RS.
4
Graduanda do Curso de Arquitetura e Urbanismo UPF. Voluntária do Projeto de Pesquisa ‘Caracterização
dos vazios urbanos e áreas ocupadas em Passo Fundo/RS’. Ensino Médio Colégio Ipiranga, Três Passos.
Estagiária Alpha Construtora e Incorporadora, Passo Fundo/RS.
5
Graduando do Curso de Arquitetura e Urbanismo UPF. Voluntário do Projeto de Pesquisa ‘Caracterização
dos vazios urbanos e áreas ocupadas em Passo Fundo/RS’. Ensino Médio Instituto Estadual Cecy Leite Costa,
Passo Fundo. Estagiário Baze Arquitetura e Construção Passo Fundo/RS.
6
Arquiteto e Urbanista graduado pela UPF em 2012, mestrado MArch pela Universidade Europea de Valencia
em 2017. Atualmente atua como Arquiteto e Urbanista responsável técnico pelo Núcleo de Arquitetura e
Desenvolvimento Urbano e Comunitário da Universidade de Passo Fundo. Passo Fundo, RS, Brasil. Voluntário
do Projeto de Pesquisa ‘Caracterização dos vazios urbanos e áreas ocupadas em Passo Fundo/RS’.
7
Graduanda do Curso de Arquitetura e Urbanismo UPF. Voluntária do Projeto de Pesquisa ‘Caracterização
dos vazios urbanos e áreas ocupadas em Passo Fundo/RS’. Ensino Médio Colégio Estadual Pe. Colbachini,
Nova Bassano. Estagiária Studio Grammés, Passo Fundo/RS.
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI
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bem como aspectos gerais referentes às áreas ocupadas. O trabalho segue discorrendo sobre
conceito e consequências respeitantes aos vazios urbanos, bem como alguns os
mapeamentos das áreas ocupadas do município de Passo Fundo resultantes da pesquisa. As
conclusões retomam os aspectos apresentados, relacionando observações da pesquisa com o
Estatuto da Cidade, em seus princípios e instrumentos.
INTRODUÇÃO
O presente artigo apresenta resultados parciais de pesquisa sobre a caracterização dos
vazios urbanos e áreas ocupadas em Passo Fundo, desenvolvida no âmbito do Curso de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Passo Fundo, buscando relacionar, no que
couber, aspectos destes resultados com o Estatuto da Cidade, especialmente os que tangem
à função social da propriedade e da cidade.
76
77
78
Para SANTOS (2002) esta nova realidade está marcada pela concretização de
condições plenas para alguns atores frente a falta de resposta às necessidades essenciais dos
demais:
A partir de 1850, com a promulgação da Lei de Terras, a única forma legal de posse
da terra passou a ser a compra devidamente registrada. Para ROLNIK (1997), o direito a
terra desvincula-se da condição de efetiva ocupação (absolutização) e a terra adquire status
de mercadoria (monetarização). Apossar-se de terras devolutas a partir daí acarretaria
despejo, multa e prisão.
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
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A legislação passa a definir bens urbanos, bens comuns e os bens públicos. Com
desdobramentos para o mercado fundiário e imobiliário urbano. Até o início do século XX
predominavam os instrumentos de posse e uso das áreas urbanos baseados no sistema das
concessões e arrendamentos, instrumentos que com o tempo foram substituídos pelo sistema
de compra e venda de terrenos, a partir do parcelamento de áreas no entorno das cidades.
O espaço urbano brasileiro passa a ser marcado por ocupações de terras, públicas ou
privadas, ociosas e/ou subutilizadas, em áreas periféricas, de risco ou de fragilidade
ambiental, onde, a solução encontrada pelas famílias de renda mais baixa para produzir seus
espaços de moradia, caracterizado aqui pela precariedade da posse e da infraestrutura urbana
(SORAGGI e ARAGÃO, 2016).
O Censo 2010, IBGE, revela que o Brasil apresenta 3,2 milhões de domicílios
particulares permanentes distribuídos em 6.329 aglomerados subnormais, tendo sido
analisados 323 municípios. Segundo a pesquisa, as ocupações irregulares se caracterizam
como um fenômeno majoritariamente metropolitano, sendo que 88,2% dos domicílios em
favelas estão em regiões com mais de 1 milhão de habitantes.
A cidade, expressão das disputas de diferentes atores, pode não só restringir o acesso
de alguns setores aos serviços e aos bens nela produzidos, mas à própria vida urbana e ao
direito à cidade, tal como proposto por Lefebvre (2001). As ocupações urbanas são a cidade
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
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per se e não um fragmento da mesma, pois constituem-se uma ação política coletiva,
resultado de uma disputa e parte da configuração do território como ação política
(NASCIMENTO, 2016).
O vazio urbano pode ser caracterizado como área parcelada ou não, localizada em
meio à área urbana, sem edificações e sem utilização, podendo ser terrenos baldios, áreas
remanescentes da ocupação de lotes, áreas de interesse ambiental, terras sem uso próximas
a infraestruturas industriais e ferroviárias (SPERANDELLI, 2010), caracterizando-se por
intervalos ou lacunas ao espaço construído (FERREIRA e ZANOTELLI, 2018).
A partir da década de 1970 os vazios urbanos passam a ser entendidos como impasses
para as cidades. Resultantes do funcionamento do mercado de terras e das formas de atuação
dos agentes públicos e privados, representam a espera por valorização de áreas através de
investimentos coletivos, ou a apropriação da localização produzida socialmente para a
ampliação de ganhos, uma questão de ordem econômica (FERREIRA e ZANOTELLI,
2018).
Se, por um lado, o mercado pressiona áreas para adensamento, como áreas frágeis
ambientalmente, por exemplo, por outro, os vazios possuem potencial construtivo e
infraestrutura urbana e não são otimizados, levando à expansão urbana e condicionando,
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
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8 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Art. 182. A política de desenvolvimento urbano,
executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o
pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. § 4º É facultado
ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da
lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu
adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - parcelamento ou edificação compulsórios; II -
imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III - desapropriação com
pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com
prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da
indenização e os juros legais.
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O projeto de pesquisa cujos resultados parciais são aqui demonstrados tem por
objetivo inventariar e caracterizar as áreas ocupadas e os vazios urbanos do município de
Passo Fundo/RS, desenvolvendo subsídios a análises urbanísticas e jurídicas e, do mesmo
modo, contribuindo à discussão acerca dos direitos à cidade e à moradia adequada.
Figura 1: localização das áreas de ocupação na área urbana de Passo Fundo/RS com respectivos números de
edificações levantadas pelos autores no desenvolvimento do projeto de pesquisa (2020)
83
Figura 3: levantamento das edificações que compõem as áreas ocupadas internas ao Bairro Jaboticabal,
geradas pelos autores no desenvolvimento do projeto de pesquisa (2020)
O mapeamento do bairro Jaboticabal, demonstra ocupações em diferentes graus de
consolidação, evidente pelas dimensões das edificações e pela organização das mesmas na
relação com o território, como a existência de acesso por via pública a cada uma das mais
consolidadas. Grande parte desta área, no momento da elaboração deste artigo, já está
regularizada, com mais de trezentas escrituras entregues aos moradores mais antigos,
deslocados de outras ocupações mais centrais na década de 1970 pelo próprio poder público
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
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e sem solução cartorial até 2021. O bairro conta com escola municipal de ensino
fundamental, estratégia de saúde da família e ginásio comunitário, mas nenhuma área verde,
praça ou praça, localizando-se a mais de cinco quilômetros da área central da cidade.
Figura 4: levantamento das edificações que compõem as áreas ocupadas internas ao Bairro Zacchia, geradas
pelos autores no desenvolvimento do projeto de pesquisa (2020)
85
Figura 5: levantamento das edificações que compõem as áreas ocupadas internas aos Bairros Boa Vista e
Manoel Corralo, geradas pelos autores no desenvolvimento do projeto de pesquisa (2020)
O levantamento realizado nas ocupações Manoel Corralo e Bela Vista somou 856
edificações irregulares. Apesar de próximas, as histórias e graus de consolidação das duas
áreas são bastante distintas, tendo a ocupação Bela Vista completado seis anos e construído
uma história de muita visibilidade às suas lutas por moradia, acesso à água e serviços,
enquanto a Manoel Corralo origina-se da deslocação de famílias de outras áreas,
apresentando-se bastante consolidada, com infraestrutura e equipamentos urbanos,
remanescendo soluções cartoriais e fundiárias.
Figura 6: levantamento das edificações que compõem as áreas ocupadas internas ao Bairro Lucas Araújo,
geradas pelos autores no desenvolvimento do projeto de pesquisa (2020)
86
Figura 7: levantamento das edificações que compõem as áreas ocupadas da área denominada Beira Trilhos,
geradas pelos autores no desenvolvimento do projeto de pesquisa (2020)
87
Os critérios para a atualização referente a análise dos vazios urbanos serão: i) áreas
internas ao perímetro urbano de Passo Fundo; ii) glebas livres em sua totalidade, ou seja,
espaços sem quaisquer edificações, habitações ou cultivo; iii) acesso a saneamento básico;
vi) com área superior a 5000 metros quadrados. A partir da atualização do mapeamento serão
elaborados mapas de impedimento ao uso habitacional, seja por restrições ambientais, legais
ou de planejamento, como declividades, rodovias, etc.
CONCLUSÃO
88
O que se observa pelo trabalho realizado é que ainda estamos distantes desta cidade
objetivada pela concepção legal, mas, dado movimento iniciado no sentido da regularização
de algumas das áreas levantadas, percebe-se a instauração de um entendimento dos
benefícios gerais e, porque não, das obrigações geradas pela existência destas normativas
legais.
89
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BECKER, Bertha K. O uso político do território. In: Becker, B; Costa, R; Silveira, C. orgs.
Abordagens políticas da Espacialidade, Rio de Janeiro; UFRJ, 1983.
90
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Ed. Ulicéia. Póvoa de Varzim, Portugal,
1972.
PAIVA, Carlos A.N.; TARTARUGA, I. P.; ALONSO, José Antônio Fialho. Em busca de
uma divisão regional do Rio Grande do Sul mais compatível com as necessidades da
pesquisa e do planejamento. In: 25 anos de Economia Gaúcha. Porto Alegre: Fundação de
Economia e Estatística, 2010.
RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993.
SANTOS, Milton. A natureza do Espaço: Técnica e tempo, razão e emoção. Edusp, 2002.
SOBARZO, Oscar. Parte 1: Passo Fundo: Cidade Média com funções comerciais, de
serviços e de apoio ao agronegócio. Capítulo 4 - A cidade e o aprofundamento das
desigualdades socioespaciais. In SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. ELIAS, Denise e
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perspectivas - Volume VI
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92
Abstract: The research addresses a study proposing alternatives for the disposal of solid
waste from urban waste as a fundamental part in the process of depollution of the oceans.
As time went by and the population increased, the problem became very serious, requiring
only to expand the public actions and policies that already exist. The purpose of this study
is to disseminate the existing technologies, as well as encourage their improvement and
compare them with the recycling techniques used in other countries, creating mechanisms
that unite society, sustainability, science, work and innovation in a single scope.
The research addresses a preliminary study, verifying what can be done in terms of public
policies but also in relation to the techniques used, proposing the use of practical solutions
93
that evolve so that they become daily practices in order to become habitual practices of
citizens . However, the process begins in homes with the correct separation of waste, and
after selective collection the raw material goes to the warehouses where each class will
receive the appropriate treatment for transformation into new products. The project proposes
uninterrupted energy generation through use of waste from recycling and use of materials.
In addition, a general opinion survey is conducted, which addresses questions about the
process to be applied.
1. INTRODUÇÃO
As perspectivas ecológicas também têm início com o “Clube de Roma”, pois este
“propunha uma mudança de rumo global destinada a formar uma condição de estabilidade
ecológica e econômica que se pudesse manter até um futuro remoto”. Este também foi o
responsável pela primeira versão do conceito de desenvolvimento sustentável. (Puc Rio,
2012)
94
Alimentando um espírito consumista que foi sendo criado ao longo do tempo. Como
consequências tivemos o uso de muitos recursos naturais do planeta e a poluição do meio
ambiente, tendo esses resíduos, sendo levados para aterros e lixões que poluem o solo, ou
com os processos industriais que tem como subproduto e ou produto substâncias químicas,
que são tóxicas, em grande quantidade e são lançadas no ar, na água ou junto nos lixões e
aterros sanitários. (Marder, Michael 2018).
PROBLEMAS MUNDIAL
Poucos sabem, mas o problema do lixo sólido nos oceanos, que é um fator grave de
poluição ambiental, é proveniente da falta de saneamento básico. O lixo que termina nos
oceanos segue um caminho conhecido, pois ocorre que, sem o descarte adequado, vai para
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lixões, muitos deles à beira de corpos d'água, de onde seguem para o mar. Estima-se que
80% desse volume é fruto da má gestão dos resíduos sólidos nas cidades.
Surgiu assim a hipótese de que ao menos 25 milhões de toneladas desse lixo mal
descartado chega ao mar. O estudo foi divulgado durante o Fórum Mundial da Água.
Os dados do levantamento indicam que cerca de metade desse lixo que vai para os
oceanos (ou seja, cerca de 12,5 milhões de toneladas) é plástico - cada tonelada de resíduo
não coletada em áreas ribeirinhas, destaca a Iswa, representa o equivalente a mais de 1500
garrafas plásticas que terminam seu ciclo de vida no mar (e acabam virando microplástico
depois, vale lembrar).
Outra grave consequência, é quando esses animais, assim como alguns vírus e
bactérias, são levados para longe por esses resíduos presentes em grande concentração na
água, causando desequilíbrios ecológicos. É o que ele chama de “carona” ou dispersão.
O lixo também afeta a vida terrestre. O especialista acrescenta que os seres humanos
também entram na lista de vítimas dessa poluição. Apesar de o contato com essas partículas
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se dar em menor escala, se comparado aos outros animais, nós também ingerimos os
microplásticos.
Cerca de 83% da água que sai das nossas torneiras contém partículas de plástico.
Assim que consumidas, seus resíduos químicos, que são tóxicos, vão parar diretamente na
nossa corrente sanguínea”, alertou Steiner durante seu discurso em evento da ONU, no Dia
do Meio Ambiente de 2018. Entre as causas disso estão a gestão inadequada do lixo urbano
e as atividades econômicas (indústria, comércio e serviços), portuárias e de turismo. A
população também tem parte da responsabilidade pelo problema, devido principalmente à
destinação incorreta de seus resíduos que, muitas vezes, são lançados deliberadamente na
rua e nos rios, gerando a chamada poluição difusa. (ONU Meio Ambiente)
.
4. SOLUÇÕES PARA DESCARTE DE RESÍDUOS SÓLIDOS
Para lidar com os problemas ambientais associados ao lixo urbano precisamos pensar
em diferentes estratégias e pontos de vista para abordar o tema. Como é um ciclo complexo
com envolvimento da sociedade e da forma como ela foi constituída ao longo do tempo,
principalmente com as mudanças que ocorreram com as revoluções industriais que
aumentaram a capacidade de a sociedade usar os recursos naturais do planeta de forma
exponencial e superando a velocidade com que a natureza produz os recursos. Como esses
problemas foram criados como consequência da forma que a sociedade se estruturou
pensando que a natureza poderia fornecer um suprimento de recursos praticamente
ilimitados. Agora vivemos um momento onde presenciamos a finitude dos recursos naturais,
vendo a necessidade de mudar conceitos para que eles não se esgotem. (Scielo, 2012)
Para as indústrias era mais fácil produzir um produto novo a partir do recurso da
natureza do que fazer a reutilização ou a reciclagem do mesmo. Algo que com o passar do
tempo estamos vendo que é uma prática não sustentável para o planeta, pois além do
esgotamento dos recursos naturais gera um grande problema com os resíduos que por muito
tempo foram descartados de forma incorreta e acabam por serem depositados em efluentes
que vão para o mar e interferem nos ecossistemas dos locais onde são depositados de maneira
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direta e indiretamente no oceano pois com o curso da água são levados para lá. (Marder,
Michael 2018).
Para lidarmos com este complexo problema podemos pensar nos diferentes entes que
estão envolvidos e como eles podem contribuir para reduzir a poluição, mitigar os danos ou
até mesmo reduzir o dano já existente pela poluição dos resíduos descartados. Na esfera
pública temos a gestão, federal, estadual e municipal. No setor privado existem empresas
que como subproduto criam muitos resíduos. E na sociedade como um todo temos as pessoas
que com suas escolhas também moldam os outros entes. Existem diferentes iniciativas nas
empresas de produzir produtos com material reciclado, mas geralmente acabam tendo um
preço um pouco maior comparado aos outros devido aos custos adicionais no processo para
reciclar o material, entretanto há um público que tende a aumentar que escolhem produtos
devido ao baixo impacto ambiental que possuem. (Marder, Michael 2018).
Mesmo que as questões ambientais sejam debatidas há algum tempo, não são todas
as pessoas que realmente têm atitudes levando em consideração o impacto ambiental. Muitas
cidades possuem bairros que têm coleta seletiva para os moradores, mas não são todos os
que fazem. As pessoas precisam se conscientizar sobre o problema e a responsabilidade
social que possuem e buscar adaptar os seus hábitos para isso (Souza, Bruna, et al. 2020).
Algumas pessoas realizam pequenas mudanças individualmente como utilizar sacolas de
pano ao ir ao mercado ou caixas de papelão para carregar as compras, para diminuir o uso
das sacolas plásticas. (Marder, Michael, 2018).
98
número parecer bem alto, são cerca de 70 a 190 mil toneladas de lixo jogados no mar pelo
Brasil, ocupando a 16ª colocação dos países que mais poluem os oceanos. (Grechinski,
Paula 2020).
4.2 Métodos Orgânicos para Evitar a Contaminação de Resíduos Urbanos nos Oceanos
O município também tem o dever de recolher o lixo gerado pelos seus habitantes.
Pensando na gestão de resíduos gerados pelas cidades devemos pensar sobre o conteúdo
desse lixo em uma perspectiva diferente da forma pejorativa que vemos o lixo, ou seja, vê-
lo como matéria também. O lixo orgânico descartado junto com os outros resíduos acaba por
contaminar o que está junto, mas se separado corretamente poderia servir como substrato em
uma composteira, seja feita pelo próprio indivíduo ou pelo estado para ser usada em hortas
comunitárias reflorestamento de alguma área verde da cidade entre outras possibilidades.
Devolvendo ao solo os nutrientes que foram usados para gerar o material orgânico de forma
não prejudicial. Os resíduos sólidos que podem ser reciclados ou reutilizados e não estão
contaminados podem ser separados para voltar ao processo industrial. O plástico, principal
material poluente, pode ser transformado em resina e ser utilizado para produzir novos
materiais plásticos. Assim não descartando o plástico, mas reciclando o material, sendo
necessário pouco ou nenhuma adição de mais matéria prima retirada da natureza. (SOUSA,
Lucas Saraiva de Alencar et al, 2019).
Neste ciclo que pode ser feito nas cidades, reduzindo a necessidade de materiais
descartáveis, principalmente os de uso único, reutilizando e reciclando quando possível.
Existem alguns materiais que se tornam contaminados que exigiram a necessidade de uma
alternativa diferente, uma das soluções que é implementada em alguns países de forma
eficiente é a queima e a incineração. A queima possui menos vantagens já que não aproveita
a energia gerada nesse processo, enquanto a incineração usa a energia gerada nesse processo
para a produção de eletricidade. (Souza; Fernandes; et al. 2020).
No Japão eles realizam esses processos de forma bem eficiente, visto que possuem
uma densidade alta por quilômetro quadrado, a necessidade de lidar com os resíduos de
forma eficiente devido à pequena área territorial disponível no país. Eles reciclam as garrafas
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
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pet e produzem novas somente com a resina proveniente da reciclagem. Possuem mais de
1200 plantas de usinas que produzem energia a partir dos resíduos gerados também, uma das
mais eficientes chega a consumir 200 toneladas de lixo diariamente. (Senado, 2014).
Na Alemanha desde 2005 o envio de lixo sem tratamento, tanto da indústria quanto
do lixo doméstico, para aterros está proibido. Segundo dados de 2011 a Alemanha reciclou
63% do lixo produzido (46% por reciclagem e 17% por compostagem). Enquanto que a
média continental no ano era de 25%. Cerca de 38% do lixo na Europa vai para os aterros
sanitários, enquanto que na Alemanha esse número é próximo de 0. Por possuir uma boa
gestão dos resíduos gerados, reduz bastante o volume de resíduos, e outro grande fator que
contribui para esse dado é a utilização de incineradores, assim como no Japão, em que 8 kg
a cada 10 kg de resíduos que iriam para aterros sanitários são incinerados para gerar energia.
(Senado, 2014).
Outro exemplo foi na cidade de São Francisco, nos Estados Unidos. Eles começaram
em 1989 a incluir estratégias de conscientização na população, ensinando e dando
informações a crianças, comerciantes e moradores sobre como separar o lixo e a técnicas de
reciclagem. E também em investir em tecnologias que permitam o reaproveitamento dos
materiais descartados pela população. A cidade implementou um programa de coleta seletiva
onde quem fazia a compostagem da matéria orgânica paga uma taxa menor do imposto para
tratamento do lixo. Junto com essa iniciativa também proibiu o uso de sacolas plásticas no
comércio. Como caminho para isso, a cidade recorreu a uma parceria público-privada com
a empresa Recology, responsável pelo programa da cidade Lixo Zero. (Senado, 2014)
Num âmbito internacional existem alguns órgãos que tratam do tema sobre poluição. Nesse
contexto é que se traz informações sobre a Quinta Conferência Internacional de Detritos Marinhos
(5IMDC), que em 2011 desenvolveu o modelo Honolulu que consiste em objetivos e estratégias que
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a sociedade poderia colocar em prática visando a redução da poluição, a mitigação dos danos, a
redução e reversão os danos causados pelos resíduos já existentes no oceano. O modelo foi criado
como uma tentativa de unificação dos esforços internacionais, não sendo obrigatório para nenhum
país seguir este modelo, mas na intenção de apresentar um farol e guiar de forma mais eficientes os
países e entidades governamentais que buscam melhorar a gestão de resíduos e diminuir o impacto
ambiental que causam a biosfera. A tabela a seguir mostra os objetivos e estratégias do modelo.
(SOUSA, Lucas Saraiva de Alencar et al, 2019).
mar.
Estratégia A2: Empregar instrumentos baseados no mercado para apoiar o gerenciamento de resíduos
gerenciamento de águas pluviais e reduzir o descarte de resíduos sólidos nos cursos de água.
Estratégia A4: Desenvolver, fortalecer e promulgar legislação e políticas públicas para apoiar a
Estratégia A5: Melhorar a regulamentação sobre águas pluviais, sistemas de esgoto e detritos nos
Estratégia A6: Desenvolver a capacidade para monitorar, fazer cumprir a regulamentação e condições
permitidas sobre lixo, despejo, gerenciamento de resíduos sólidos, águas pluviais e escoamento
superficial.
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Estratégia A7: Realizar esforços regulares de limpeza em terras costeiras, em bacias hidrográficas e
resíduos sólidos; carga perdida; utensílios de pesca abandonadas, perdidas ou de outro modo
Estratégia B1: Conduzir educação há quem utiliza o oceano e a sua divulgação sobre os impactos,
indústria (BMP) projetadas para minimizar o abandono de embarcações e a perda acidental de carga,
alternativas para reduzir a perda de artes de pesca e/ou seus impactos como ALDFG.
Estratégia B6: Desenvolver capacidade para monitorar e fazer cumprir a legislação nacional e local e
internacionais relevantes.
Objetivo C: Redução da quantidade e impacto de detritos marinhos acumulados nas linhas costeiras,
102
Estratégia C1: Conduzir a educação e a divulgação dos impactos dos detritos marinhos e a sua
remoção.
Estratégia C2: Desenvolver e promover o uso de tecnologias e métodos para localizar e remover
Estratégia C5: Estabelecer mecanismos regionais, nacionais e locais adequados para facilitar a
Estratégia C6: Remover detritos marinhos de linhas costeiras, habitats bentônicos e águas pelágicas.
No contexto atual onde diversos líderes de Estado estão recusando uma colaboração
a nível nacional ou uma visão especial para as questões ambientais, visando manter o
crescimento econômico a estratégia Honolulu pode ser implementada em partes. As
estratégias A4, A5, B3, B4, B5, B6, C2, C3 e C6 podem ser muito custosas às cidades para
cumprir e ou também por não possuírem o poder legislativo para as realizarem. Entretanto
podem se concretizar, em nível municipal, outras estratégias como A1, A2, A7, B1 e C1.
Três dessas cinco estratégias seriam sobre a educação e conscientização a respeito dos
resíduos urbanos terrestres, marítimos e os acumulados na região costeira. Podemos citar
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI
103
como exemplo os mutirões de limpeza podendo ser considerado parte do modelo Honolulu,
pois limpa as regiões costeiras ao mesmo tempo em que auxilia a conscientização e a
mobilização da sociedade civil em torno das questões ambientais e também os modelos de
gestão de resíduos vistos a nível municipal como na cidade de São Francisco, na Califórnia,
ou a nível nacional como visto em países como o Japão e a Alemanha. Todos os modelos de
gestão obtiveram resultados bem satisfatórios e as gestões pretendiam alcançar metas ainda
mais ambiciosas para melhorar a eficiência. (SOUSA, Lucas Saraiva de Alencar et al, 2019).
As parcerias público-privadas são exemplos que podem ser utilizados para alcançar
essas metas, principalmente nas regiões costeiras onde há um intenso turismo. A limpeza na
praia pode ser vista como essencial para a continuidade do turismo no local. Dessa forma
deixa de ser uma responsabilidade apenas do município em questão e de seus moradores,
pois integra a iniciativa privada em prol do mesmo objetivo, realizando as parcerias entre o
público e o privado de forma mutuamente benéfica, essa foi a alternativa encontrada em São
Francisco e os resultados comprovam a eficácia da mesma. (Senado, 2014).
104
5. LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
No Brasil há leis que regulam os aspectos ecológicos da nação. Entretanto nem todas
as leis estão sendo cumpridas em sua plenitude. Como as leis 12.305/2010 e 11.445/2007 que
estabelecem algumas normas sobre o saneamento e a gestão dos resíduos, mas ainda não é
cumprida em plenitude. O mesmo pode ser dito das leis 6.938/1981 e 7.347/1985 que
legislam sobre a responsabilidade e a indenização dos danos causados. Entretanto as
indenizações aos danos causados ao meio ambiente não são rápidas. Podemos citar o
rompimento da barragem de Brumadinho, que trouxe inúmeras consequências aos
ecossistemas da região e tornou muitas águas impróprias, pois contaminou com metais
pesados e outros poluentes tóxicos. (Bouças, Cibelle. 2021).
4. Lei 7.347/1985 - Lei da Ação Civil Pública – Trata da ação civil pública de
responsabilidades por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor e ao patrimônio
artístico, turístico ou paisagístico, de responsabilidade do Ministério Público Brasileiro.
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI
105
Além disso, enquanto diversos países estão indo ao encontro de soluções que causem
menos impactos ambientais, como a coleta seletiva, criação de incineradores que geram
eletricidade e reduz a necessidade de resíduos irem para os aterros sanitários, o Brasil vê um
cenário preocupante, onde devido a falta de interesse e ou investimentos a situação está
piorando pois está sendo descartado mais lixo de forma imprópria, e se investido em lixões
e aterros sanitários como uso principal. Mesmo possuindo riscos de poluição do solo, águas
e até mesmo dos lençóis freáticos. O que vai claramente na via oposta ao que é proposto na
lei nº 9.433/1997 que prevê que a água deve ser tratada como recurso natural, limitado,
valioso e possuindo valor econômico, prevendo a preservação e recuperação dos recursos
hídricos.
6. CONCLUSÃO
Para começar a lidar com essa questão, podemos pensar nos 5 R da reciclagem
(repensar, recusar, reduzir, reutilizar, reciclar). O primeiro passo que pode ser dado é
repensar nossas atitudes, como por exemplo, utilizar menos itens descartáveis ou que durem
menos e pensar se realmente precisamos daquele produto ou mercadoria. Recusar e ou
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI
106
reduzir mercadorias e objetos que não precisamos, um exemplo clássico disso são as
embalagens e as sacolas plásticas. Diversos países já começaram a dar esse passo com a
implementação de taxas sobre o uso de sacolas plásticas ou proibindo o uso. (Exame, 2012).
Contudo, apenas a sociedade civil fazer a mudança não irá resolver todos os
problemas. É necessário que os municípios façam uma boa gestão de seus resíduos e
incentivem iniciativas em prol do meio ambiente. Assim como medidas nacionais que
padronizam uma boa gestão de resíduos tanto do setor privado quanto da sociedade e invista
recursos para que essa mudança possa ocorrer, pois com a sociedade civil, alinhada junto
com o setor privado e público, será possível diminuir o impacto ambiental que causamos no
meio ambiente.
REFERÊNCIAS
HONORATO, Ludimila. Geração de lixo sobe 11% no Brasil em uma década, mas ampliar
coleta ainda é desafio. Estadão, [s. l.], 2020. Disponível em:
<https://www.terra.com.br/noticias/ciencia/sustentabilidade/geracao-de-lixo-sobe-11-no-
brasil-em-uma-decada,c4509f49d7a1f4f3e365fa508bffa573ahv11i86.html>. Acesso em: 9
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GAMA. Maia. Brasil produz mais lixo, mas não avança em coleta seletiva. 2019. Terra.
Disponível em:<https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/09/brasil-produz-mais-lixo-
mas-nao-avanca-em-coleta-seletiva.shtml>. Acesso em: 9 fev. 2021.
COELHO, Tatiana. Brasil é o 4o maior produtor de lixo plástico do mundo e recicla apenas
1%. Globo G1, [s. l.], p. 1–8, 2019. Disponível em:
<https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/03/04/brasil-e-o-4o-maior-produtor-de-lixo-
plastico-do-mundo-e-recicla-apenas-1.ghtml>. Acesso em: 9 fev. 2021.
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
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107
ALMEIDA, Jozimar Paes De. A extinção do arco-íris: ecologia e história. [s.l.]: Centro
Edelstein, 2008. Disponível em: <http://books.scielo.org/id/s4jcj>. Acesso em: 9 fev. 2021.
SOUZA, Bruna Araújo et al. Usina autossustentável de incineração lixo dispensável pela
reciclagem: estudo de viabilidade para a cidade de Belo Horizonte. Brazilian Journal of
Development, [s. l.], v. 6, n. 2, p. 9186–9196, 2020. Disponível em:
<https://www.brazilianjournals.com/index.php/BRJD/article/view/7184>. Acesso em: 9
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FAGUNDES, Lena; MISSIO, Eloir. Poluição plástica: impactos sobre a vida marinha. Anais
do Salão Internacional de Ensino, Pesquisa e Extensão, [s. l.], v. 10, n. 1, p. 1–5, 2020.
Disponível em: <https://periodicos.unipampa.edu.br/index.php/SIEPE/article/view/86361>.
Acesso em: 9 fev. 2021.
BOUÇAS, Cibelle. Vale confirma possível acordo com governo de MG sobre Brumadinho
| Empresas | Valor Econômico. 2021. Disponível em:
<https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/02/03/vale-confirma-possvel-acordo-com-
governo-de-mg-sobre-brumadinho.ghtml>. Acesso em: 9 fev. 2021.
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI
108
_______. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1985. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio
Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. ago.
1985.
109
Resumo: Este artigo traça a evolução histórica do tratamento adotado pelas Constituições
brasileiras, partindo do uso absoluto ao condicionamento a função social da propriedade.
Como método, é utilizado o estudo de referências bibliográficas que partiu do resgate
histórico do tratamento adotado nas constituições anteriores para ao fim comparar com a
definição do direito a propriedade empregado atualmente na legislação em vigor, permitindo
a conclusão de que as soluções adotadas nas cartas anteriores são incapazes de mostrar
respostas aos problemas atuais. Na Constituição de 1981 o direito a propriedade era exercido
de forma absoluta pelo proprietário. Conquanto tivesse ocorrido a relativização do direito a
propriedade na Constituição de 1934, a mesma não perdurou, pois, uma nova Constituição
fora imposta em 1937, tendo praticamente repetido o caráter absoluto do direito a
propriedade das constituições anteriores, já a Constituição de 1969, limitou a propriedade
privada a sua função social em grau superior ao empregado pela Constituição de 1934. Com
a Constituição de 1988 fora aferrada a limitação do direito a propriedade, determinando que
o seu exercício está condicionado a sua função social. Em suma, a tentativa de tornar o direito
a propriedade imune a limitações é proposta natimorta, pois colide com as experiências
adquiridas ao longo de seis Constituições, que relativizaram o direito a propriedade de forma
paulatina até chegar-se ao exercício do direito a propriedade limitado a sua função social
conforme se previu na Constituição de 1988.
1
Advogado. Especialista em Direito Processual Civil. Pós-graduando em Direito Médico (CERS). Pesquisador
do Grupo Vida (UFBA). Contato: adv.diogeanomarcelo@gmail.com
2
Professora Universitária. Advogada. Mestre em Direito Econômico (UFPB). Graduada em Direito pela
UFCG. Contato: rafaelainocencio@hotmail.com.
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI
110
Abstract: This article traces the historical evolution of the treatment adopted by the
Brazilian Constitutions, starting from absolute use to conditioning the social function of
property. As a method, it is used the study of bibliographic references that started from the
historical rescue of the treatment adopted in the previous constitutions to compare it with the
definition of the right to property currently employed in the legislation in force, allowing the
conclusion that the solutions adopted in the previous letters are unable to show answers to
current problems. In the 1981 Constitution, the right to property was exercised absolutely by
the owner. Although there was a relativization of the right to property in the Constitution of
1934, it did not last, since a new Constitution had been imposed in 1937, having practically
repeated the absolute character of the right to property of the previous constitutions, already
the Constitution of 1969, limited the private property, its social function to a greater degree
than that employed by the 1934 Constitution. With the 1988 Constitution, the limitation of
the right to property was determined, determining that its exercise is conditioned to its social
function. In short, the attempt to make the right to property immune to limitations is a
stillborn proposal, as it clashes with the experiences acquired over six Constitutions, which
gradually relativized the right to property until reaching the exercise of the right to limited
property its social function as provided for in the 1988 Constitution.
Key words: Right to property; Brazilian constitutions; Social role; Fundamental right.
1. INTRODUÇÃO
111
Embora estivesse o Brasil sob a égide de mais um novo regime militar, a nova
Constituição manteve o condicionamento do exercício do direito fundamental a propriedade
a sua função social, indo, inclusive, ainda mais além, passando a prever no próprio texto
constitucional, a possibilidade da desapropriação para os programas de reforma agrária.
Logo, por mais importante que seja o estudo dos atuais institutos do direito
urbanístico, realizar a análise histórica de sua evolução visa evitar que o direito retroceda,
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI
112
voltando a percorrer caminhos que já foram percorridos e não foram capazes de atenuar os
problemas relativos ao exercício da propriedade privada, logo, conhecer a história é uma
tentativa de se evitar errar de novo.
2. METODOLOGIA
Quanto à pertinência temática, este é relevante uma vez que, diversas vozes começam
a ecoar a respeito da suposta necessidade de tratar o exercício do direito a propriedade de
forma absoluta, ou pelo menos, aumentar a autonomia a patamares que já restou
demonstrado anteriormente como causas de profundas injustiças sociais.
Assim, o este estudo diferencia-se por voltar o olhar para o passado, resgatando todo
um histórico de textos legais que tentaram resolver os mesmos questionamentos, só que em
sentido inverso. Enquanto muitas pesquisas trazem o direito da propriedade e os seus
reflexos apenas a partir de sua concepção atual, neste o ponto de partida será o surgimento
do direito a propriedade na formação da civilização através de um breve apanhado. Em
seguida se apresentará o tratamento do direito a propriedade em cada uma das sete
Constituições que vigeram no Brasil desde o período colonial, passando pela Proclamação
da República até a nossa atual Carta Cidadã de 1988.
Sendo assim, resta evidenciado que para se entender este instituto da deve-se iniciar
partindo da evolução histórica do tratamento deferido ao direito fundamental da propriedade
privada nas diversas Constituições que vigeram no Brasil, traçando paralelos evolutivos para
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI
113
demonstração das suas alterações, o que resultou no atual sistema, onde o direito a
propriedade é relativizado, sendo limitado a sua função social.
Nos primórdios da civilização não existia uma concepção sobre o que seria a
propriedade privada, esta era entendida apenas como aqueles objetos móveis de uso pessoal
sobre os quais o homem nômade detinha a propriedade. E que eram necessários a sua
sobrevivência.
O conceito de propriedade privada foi evoluindo na medida em que foi ocorrendo a
transição da comunidade gentílica para a organização centralizada das Cidades Estados, de
acordo com o que preleciona Luciano de Souza Godoy (1999, p. 19):
114
Essa visão de que era o direito de propriedade absoluto, podendo o proprietário dispor
dela da forma como bem entendesse, havendo limitações apenas ao que concerne ao direito
de vizinhança, perdurou até a Idade Média, passando a partir dessa época a perder o seu
caráter unitário e exclusivista. Com isso, o Direito Canônico começou a incutir na
propriedade o que viria a ser sua função social expressa pelas encíclicas papais, sendo estas
inspiradas nos ensinamentos de São Tomas de Aquino.
A doutrina social da igreja católica é bem expressa pelo Papa João XXIII na Encíclica
Mater Et Magistra apud Luciano de Souza Godoy (1999, p. 30), preleciona que:
Com grande dominação sobre o tema Gustavo Tepedino apud Luciano de Souza
Godoy apud (1999, p. 30):
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI
115
Art. 179. A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros,
que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida
pela Constituição do Império pela maneira seguinte:
(...)
116
Contudo a Carta Magna de 1891 colocou a propriedade privada como garantia constitucional
no art. 72 ao dispor que:
(...)
Ainda sob a égide desta da Constituição de 1891 e durante a República Velha, foi
promulgado em 1916 o Código Civil brasileiro. Este elencou em seu artigo 524 que “A lei
assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens e de reavê-los ao poder
de quem quer que injustamente possua”.
A revolução de 1930, pois fim a política do “café com leite”, levando Getúlio Vargas
ao poder, sendo promulgada a Constituição de 1934, fruto da Revolução Constitucionalista
de 1932. A Constituição de 1934 trouxe como grande novidade uma expressão que além de
garantir o direito de propriedade a vinculava ao bem-estar social. Assim dispondo no seu art.
113:
(...)
117
A presente Carta, diferente das duas anteriores, atribuiu uma nova dimensão a
propriedade direcionando o uso da mesma ao interesse social ou coletivo. Contudo, antes
que o novel instituto presente na Constituição de 1934 pudesse se firmar ouve outro golpe
para que Getúlio Vargas continuasse no poder, a para legitimar o chamado “Estado Novo”,
foi outorgada uma nova carta, a Constituição de 1937, que por sua vez omitiu qualquer
expressão que significasse uma funcionalização social da propriedade. Tendo o art. 122
afirmando que:
[...]
118
[...]
E mais a frente no art. 147, que trata da ordem Econômica e Social, continha a
seguinte disposição: “uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social”. Com o
retorno do novel instituto, garantia-se constitucionalmente a função social da propriedade.
Foi durante a égide da Constituição de 1946 que foi o Decreto-Lei nº 271, de 28-02-
1967, dispondo sobre loteamento urbano, responsabilidade do loteador, concessão de uso e
espaço aéreo. Estabelece no art. 7º que o instituto da concessão de uso é como um direito
real “de uso de terrenos públicos ou particulares, remunerada ou gratuita, por tempo certo
ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins específicos de urbanização,
industrialização, edificação, cultivo da terra, ou outra utilização de interesse social”.
[...]
119
Logo em seguida o art. 157 da Constituição Federal de 1967, diz que: “A ordem
econômica tem por fim realizar a justiça social com base nos seguintes princípios: [...] III –
função social da propriedade.” Essa nova Constituição trouxe desde sua promulgação a
desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, com indenização em títulos,
algo até então inexistente nos outros textos constitucionais.
No art. 160, a Constituição dispõe: “A ordem econômica e social tem por fim realizar
o desenvolvimento nacional e a justiça social, com base nos seguintes princípios: [...] III –
função social da propriedade”.
É interessante observar que, embora a nova Constituição tenha nascido de uma nova
ruptura política, com o intuito de legitimar, mais uma vez, um estado de exceção, o
tratamento deferido ao exercício do direito a propriedade manteve o espírito da Carta de
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI
120
1946, tendo até ampliado o mesmo, o que nos leva a concluir que a necessidade de se conferir
uma função social a propriedade é algo que se sobrepõe a espécie de governo.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
[...]
XXII – é garantido o direito de propriedade.
121
garantias fundamentais e dos direitos sociais, por estarem intimamente ligados ao bem-estar
social que é por sua vez alcançado com o desenvolvimento urbano do município.
Sobre o tema, mais uma vez Luciano de Souza Godoy (1999, p. 62) ao dissertar sobre
a função social da propriedade privada em nossa atual carta, aduz que: “direito de
propriedade somente pode ser concebido, e assim garantido pela ordem constitucional, se
utilizado com vistas no cumprimento da função social que lhe é inerente”.
Quanto à Política Agrária a mesma foi disciplinada nos arts. 184 a 191, concedendo,
para a efetivação do poder público das medidas promocionais, os seguintes instrumentos:
política agrícola e desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária,
recepcionando o Estatuto da Terra, Lei nº 4.504 de 30 de novembro de 1964.
Durante a vigência da atual Carta, já entrou em vigor, diversos diplomas legais, que
visam regulamentar o uso da propriedade privada, buscando limitar a autonomia do titular
para que a mesma cumpra a sua função social. Pode-se citar como exemplo: a Lei nº 8.
009/90 e a Lei de Registro Públicos, no art. 260, que regulam o instituto da
impenhorabilidade do bem de família, a Lei Federal nº 6.938/81 que trata da legislação
ambiental entre outras.
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI
122
Deve-se citar também que sob a luz da Constituição Federal de 1988, entrou em vigor
o novo Código Civil Brasileiro, que estatue o conceito de propriedade e cita as suas
limitações no art. 1.228:
O novel código traz o conceito de propriedade com as suas limitações nos incisos
seguintes, da mesma forma que garante o direito de ação para recuperar o bem de quem
injustamente o possua como procura adequar o seu uso para o bem-estar de toda a sociedade,
prevendo assim a função social da propriedade, o usucapião, a proibição do abuso de direito
e a desapropriação com o pagamento de uma indenização justa.
123
Por tudo isso, pode-se dizer que a propriedade deve servir ao proprietário e a própria
sociedade de forma indireta através do correto uso do titular. Neste sentido, as palavras de
Mário Saab Neto (s./d., p. 1) corroboram este pensamento ao entabular que “a propriedade
privada não tem natureza de privilegio excludente, muito pelo contrário, sua função, no
contexto universal da existência, é de dar uso, fruição individual, aos bens de destinação
universal”.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Todos os textos constitucionais foram sendo construídos como uma evolução jurídica
e social. Quanto ao direito de propriedade isso não foi diferente, pois as alterações
legislativas tendencionaram a tornar este direito fundamental em algo a ser usufruído pela
coletividade e também porque era o seu real detentor. O direito a propriedade não poderia
ser visto e exercido como algo absoluto e sem limites ao seu exercício
Para que a propriedade ganhasse este contorno social ela deveria ser exercida com
base na sua função social, a qual demanda do seu detentor abrir mão de algumas
peculiaridades conforme o caso. Assim, não bastava, tão somente, atribuir à propriedade
uma função social, era indispensável dar meios legais para que esta característica fosse de
fato observada. Logo, uma das maneiras de se efetivar a função social da propriedade
passava pelo viés da constitucionalização da mesma.
Neste limiar, o que se observa é que nas constituições que precederam a Carta Magna
de 1988, o caráter absoluto dado ao uso da propriedade privada e isso não era capaz de
mitigar as desigualdades sociais, pelo contrário, apenas os agravava quando não era fonte
principal da desigualdade.
124
impostas atualmente ao uso da propriedade privada. Esta posição contraria toda uma
evolução histórica de socialização da propriedade privada, além do mais, vai contra
disposições constitucionais. Sendo assim, esta linha de raciocínio deve ser rechaçada, pois
sua adoção simboliza um retrocesso histórico, social e constitucional latente.
REFERÊNCIAS
_______. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº
3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro,
1º de janeiro de 1916.
_______. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Emenda
Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969. Edita o novo texto da Constituição Federal
de 24 de janeiro de 1967. Brasília, 17 de outubro de 1969.
125
_______. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº
10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. DF: Brasília, 10 de janeiro de
2002.
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 4º ed., São Paulo: Atlas, 1994.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 8º Ed. São Paulo. Atlas, 2008.
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI
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1. INTRODUÇÃO
O Engenho Benincá, edifício erguido na antiga área industrial de Passo Fundo foi
demolido em 2020. Mesmo não tendo sido reconhecido pelo governo municipal como um
bem de importância patrimonial, o prédio fazia conjunto com outros exemplares
arquitetônicos de caráter industrial em área próxima a antiga Estação Ferroviária de Passo
Fundo.
1
Mestre e doutor em Planejamento urbano e regional (Propur-Ufrgs), pós doutor em Direito do Urbanismo,
do Território e do Ambiente (Universidade de Coimbra - Portugal) Professor da Universidade Federal
de Santa Maria.
2
Mestre em Engenharia Civil e Ambiental, Especialista em Cultura Material e Arqueologia, Professora
da Universidade de Passo Fundo.
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O Estatuto da Cidade como lei nacional de desenvolvimento urbano descreve entre suas
diretrizes a preservação patrimonial e possibilita através de instrumentos como a Outorga
Onerosa do Direito de Construir estabelecer mecanismos de proteção e recursos aos
proprietários de imóveis. Esse artigo propõe, a partir do estudo de caso, discutir a
necessidade de efetivação destes instrumentos de preservação.
Inicia-se essa abordagem citando Pedro Vaz (2019), quando este afirma que:
128
...boa parte dos aspectos sociais – se não todos eles – está representada ou
materializada em objetos ou na arquitetura. O campo ideacional encontra
neles uma forma de a sociedade exprimir-se e permitir que gerações futuras
tenham acesso às formas de pensamentos de grupos anteriores a nós.
Ao falar da transmissão das culturas passadas para as gerações futura, fala-se também
sobre a questão da identidade, sendo este aspecto fundamental de toda e qualquer sociedade
na garantia do protagonismo das pessoas. Jorge (2000, Pag. 20) reforça essa ideia:
“Património sempre teve a ver com identidade, com valores não materiais,
simbólicos, e com a memória dos indivíduos e dos grupos. Sem memória
não há pessoa, não há projecto, não há sentido de comunidade – só
máquinas delirantes e egoístas, monstros em que tememos transformar-
nos”.
129
130
131
132
artigo terceiro os bens do patrimônio cultural do estado do Rio Grande do Sul: (RIO
GRANDE DO SUL, 1983)
133
No mesmo sentido, aponta-se a ação de tutela cautelar, com pedido liminar, em face
do município de Pelotas na suspensão do Alvará de Demolição do imóvel da família Kraft,
situado na Rua Antônio dos Anjos, nº 631. No caso, havia fortes indícios de que o bem em
questão possuía valor histórico, o que impede, quanto aos seus proprietários, a demolição,
bem como impõe ao Município de Pelotas a obrigação da adoção das providências
necessárias para declaração do valor histórico-cultural do imóvel, como estabelece o artigo
216, § 1º, da Constituição Federal, segundo o qual cabe ao Poder Público a proteção do
patrimônio cultural por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e
desapropriação, e outras formas de acautelamento e preservação.
Muito embora a legislação na Lei dos Crimes Ambientais tipifique como crime
contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural: destruir, inutilizar ou deteriorar: bem
especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial (Lei 9.605/1998, art.
61, I), a jurisprudência tem decidido que não somente o tombamento arquitetônico é
considerado como instrumento de proteção patrimonial conforme acórdão nº
70071040190 (Nº CNJ: 0314213-69.2016.8.21.7000) do Tribunal de Justiça do Estado do
Rio Grande do Sul. (grifei)
134
diversos pavilhões espalhados no lote. Construído em local estratégico, com acesso direto,
no desvio, aos vagões da linha férrea, de modo a permitir o embarque direto da madeira.
135
Sua maior face acompanhava o comprimento do lote, que ficava de frente para a via,
se destacando na paisagem, especialmente por ter sido erguido em uma bela alvenaria
aparente, distinguindo-se dos prédios do entorno. (Parecer Técnico, 2020)
É evidente a relação deste exemplar com os demais do mesmo período, ou seja, havia
uma importância, além de arquitetônica e histórica, de conjunto, com valor estético que
deveria ser preservada e poderia ser explorada cultural e economicamente. (Parecer Técnico,
2020)
A Figura 06 mostra o prédio do antigo Engenho Benincá, já em estado de
deterioração.
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136
137
Muito próximo do local tratado aqui, está o prédio da antiga estação férrea, como se
verifica na Figura 5. O espaço foi, há pouco tempo, revitalizado, recebeu novos usos e
dinamizou significativamente aquele espaço urbano social e economicamente. Foi realizado
um trabalho de modernização das instalações para que os novos usos pudessem ocorrer
adequadamente e, ainda assim, foi possível manter as características do imóvel que o tornam
tão importante para a história da cidade. (Parecer Técnico, 2020)
138
139
5. CONCLUSÕES
Por fim, cabe ainda destacar o inquestionável valor como referência cultural,
comprovado através de documento assinado por profissionais e da manifestação de entidades
como o CAU e OABRS contrários a demolição da edificação. De qualquer maneira, a
movimentação não foi suficiente para impedir a demolição do imóvel.
Ressalta-se que o poder público municipal, neste caso, não tomou as medidas
necessárias de acautelamento e proteção, considerando que o edifício de análise não foi
incluído no inventário do patrimônio arquitetônico de Passo Fundo, tampouco define no
plano diretor municipal as áreas e prédios de interesse histórico e cultural do município,
comprometendo todo o sistema de proteção.
140
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CORREIA. Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo, Vol. I, 4.ª ed., Coimbra,
Almedina, 2012; Vols. II, Coimbra, Almedina, 2012; e Vol. III, Coimbra, Almedina, 2012.
DIAS, J.R.S. Caminhos de ferro do Rio Grande do Sul: uma contribuição ao estudo da
formação histórica do sistema de transportes ferroviários no Brasil meridional. Rios. São
Paulo, 1986.
GOSCH, L.R.M., Evolução urbana de Passo Fundo, in. Wickert A.P. (org.), Arquitetura e
urbanismo em debate. UPF Editora, Passo Fundo, 2005, pp. 75-96.
MENESES, Ulpiano T. B. de. A cultura material no estudo das sociedades antigas. Revista
de História, n.115, p.103-117, dez. 1983. Disponível em: <
https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/61796>. Acesso em: 23 out. 2021.
141
PAIVA, E. et al. Passo Fundo Plano Diretor. Imprensa Oficial do Estado do Rio Grande do
Sul. Porto Alegre,1953.
PASSO FUNDO. Decreto nº 20, de 2012. Declara Bem Integrante do Patrimônio Histórico-
Cultural do Município de Passo Fundo, para Fins de Tombamento Definitivo, o Monumento
conhecido como “RUÍNA”, localizado no Parque da Gare. 2012.
PASSO FUNDO. Decreto nº 21, de 2012. Declara Bem Integrante do Patrimônio Histórico-
Cultural do Município de Passo Fundo, para Fins de Tombamento Definitivo, o Monumento
conhecido como “CAIXA D’ÁGUA”, localizado no Parque da Gare. 2012.
RIO GRANDE DO SUL. Lei nº 31.049, de 12 de janeiro de 1983. Organiza sob a forma de
sistema as atividades de preservação do patrimônio cultural.1983.
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI
142
143
1
Arquiteto FAU/UFRGS (1966), Mestre em Planejamento Regional e PhD em Ciências Sociais pela Syracuse
University (1972), criador/ coordenador PROPUR / UFRGS, Coordenador do texto e execução da PNDU do
II PND. Dirigiu entidades federais (EBTU, DENATRAN) e lecionou na UFRGS, UFSM, Universidade de
Paris XII, CNAM, FGV, UnB. Consultor BIRD e BID. Membro INSPER, IHG DF E ICOMOS CO.
2
Direito Urbanistico e Direito Urbano são sinônimos neste texto. A advogada Claudia Dutra entende que "O
direito urbanístico é o que temos consagrado na CF, e é uma disciplina com suas especificidades” e "que direito
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perspectivas - Volume VI
144
Cada conferência estadual que assisti adotou um rumo próprio. Alguns exaltaram o
Estatuto da Cidade, outros avaliaram temas transversais, outros entenderam que a "lei não
pegou” e/ou que seus instrumentos foram pouco usados. Em alguns estados houve palestras
que ofereceram visões aprofundadas sobre o direito urbano, com novos conceitos e
importantes proposições. Como ocorreu no Congresso de Direito Urbanistico da OAB/RS,
onde Fernando Alves Correia tratou da evolução e do cenário atual do direito urbano
português enquanto utopias e conceitos jurídicos eram analisados por Vanêsca Buzelato
Prestes, em palestra sobre "Corrupção Urbanística e o Estatuto da Cidade" e Victor Carvalho
Pinto avaliava instrumentos do direito urbano ao tratar do "Passado, Presente e Futuro do
Estatuto da Cidade." Fábio Scorel Vanin também tratou do conceito de Grandes Projetos
Urbanos (GPU) — outra proposta inovadora.
urbano é toda a normatividade de demais disciplinas que incidem nas áreas urbanas.” No documento adoto os
conceitos de "stricto sensu" e "lacto sensu", respectivamente.
3
ver MEIRELLES, Hely Lopes. O Direito de Construir. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 1979.
Escreve Hely: "Esse anteprojeto de lei foi elaborado por nós e pelo Prof. Eurico de Andrade Azevedo, sob
orientação do Secretário da CNPU, urbanista Jorge Guilherme Franciscone (sic), após exame de todos os
subsídios apresentados pelos demais integrantes da mesma Comissão, técnicos de órgãos oficiais e de
Prefeituras." p.101. Claudia Dutra coordenou a área jurídica da Secretaria Executiva da CNPU.
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
perspectivas - Volume VI
145
*** ***
A territorialidade é aqui destacada porque o território é componente inerente e
essencial à questão urbana. Tanto no saber como na prática urbanística. O território é o
“locus" de usos, ocupações, transformações, direitos e da práxis no solo, no solo-criado e no
sub-solo urbano. Apesar disso, perdeu importância depois que houve uma ruptura nos
fundamentos do direito urbanístico que acompanhou a redemocratização do país, nos anos
80 Até então, o direito urbanístico era aquele “ramo do direito que estuda o conjunto de
legislações reguladores da atividade urbanística, isto é, aquelas destinadas a ordenar os
espaços habitáveis.” Como destacou Claudia Dutra, coordenadora jurídica da SE / CNPU,
"havia uma clara estratégia de desenvolvimento territorial e urbano para a qual a atualização
da legislação urbanística era peça fundamental."
4
“Metadireito urbano" porque orientado para aspectos abstratos e conceituais do direito urbano, em contraponto ao
direito aplicado e pedestre adotado na gestão, governança e na práxis urbana.
5 FERNANDES, Edésio.A Nova Ordem Jurídico-Urbanística no Brasil. Revista Magister de Direito Imobiliário,
Ambiental e Urbanistico. nº2, pp.5 - 26. Ver Anais do V Congresso Brasileiro de Direito Urbanistico. Manaus 2008. O
Direito Urbanístico nos 20 anos da Constituição Brasileira de 1988 - Balanço e Perspectivas.. Organizado por Nelson
Saule Junior et al. Porto Alegre, Magister. 2009
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
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no fruto das relações sociais que devem ser juridicamente reguladas, isto é, na ‘regulação da
produção social do espaço urbano.'”6 Linha de pensamento que tornou-se dominante e
alterou profundamente os marcos teóricos, prioridades e práticas do planejamento urbano e
territorial, a partir dos anos 80.
6 MEDAUAR, Odete. Caracteres do Direito Urbanístico. Revista dos Direitos Difusos, Rio de Janeiro, Instituto
Brasileiro de Advocacia Pública. (IBAP), agosto 2000, in Direito urbanístico, pt.wIkipedia.org.
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147
climáticas, com adesão ao plano nacional de energia e clima estabelecido pelo governo
português. Dentre outros.
Quanto a reabilitação urbana — tema atualíssimo para que haja a revitalização das
áreas centrais de grandes cidades, a preservação do valor econômico de bens imobiliários e
a preservação do patrimônio histórico cultural — lembrou como seu uso foi essencial na
recuperação de áreas degradadas em Lisboa e em o Porto, no suporte ao turismo e nas
atividades econômicas locais. Destacou a importância da segurança, do desenho e da
morfologia na reabilitação urbana e de a comunidade ser os "olhos das ruas”. Os PDUs sendo
instrumentos que utilizam o direito urbanístico para incentivar e promover a valorização do
patrimônio cultural.
148
*** ***
Ao escolher o tema da licitude e da corrupção urbanística “lato sensu”, Vanêsca
Prestes recupera uma preocupação central de juristas, gestores e urbanistas do século
passado. Como Hely Lopes Meirelles, que na minuta do projeto de lei para o parcelamento
do solo urbano incluiu penalidades claramente explicitadas para ilicitudes em cada
atividade.11 Como magistrado, professor, Promotor e Secretário Estadual de Justiça, Hely
7
Outras formas de expressão da corrupção urbanística sendo "Corrosão do Sistema da Cidade“, "Corrosão dos Sistemas
que operam na Cidade (ex: direitos e política; economia e direito)”e temas que não são vistos como corrupção,
mas que existem — "o espaço que não se vê.”
8
Agradeço à conferencista pela leitura e correções de versão preliminar. Indico abaixo as transcrições de seu
e-mail e destaco citações de transparências e transcrições de sua conferência . O texto é de minha inteira
responsabilidade.
9
Outras formas de expressão da corrupção urbanística sendo "Corrosão do Sistema da Cidade“, "Corrosão dos
Sistemas que operam na Cidade (ex: direitos e política; economia e direito)”.
10
Há inúmeras áreas do saber cientifico que tratam da dinâmica, da gestão e da governança do território urbano
e por isso integram a ciência urbanística e regional. A validade do conhecimento, em cada uma destas áreas da
ciência, depende de hipóteses, estudos e aferições cientificas para que se estabeleça o que é falso e aquilo que
é verdadeiro.
11
Projeto de Lei do Senado nº18 / 1977, que “Dispõe sobre o parcelamento do solo urbano e dá outras
providências”.
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
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149
entendia que as leis são inócuas sem a clara indicação de procedimentos administrativos e
de penalidades para procedimentos ilícitos — seu tratamento ao conceito de lícito/ilícito
sendo diferente daquele adotado pela Prof. Vanêsca.
12
Na origem e gênese de códigos e leis urbanas estão acampamentos militares e cidades planejadas, normas de convivência
e "códigos de postura", normas e leis de ordenamento territorial e edilício, planos de embelezamento, de saneamento e de
infra-estrutura viária urbana. Bom exemplo sendo a "Recopilación de Leyes de las Indias" de 1680 — modelo de código
urbanístico. Nos dias de hoje, a Wikipedia define Direito Urbanístico como aquele “ramo do direito que estuda o conjunto
de legislações reguladores da atividade urbanística, isto é, aquelas destinadas a ordenar o s espaços habitáveis.” Mas logo
muda de rumo e adota o entendimento do MNRU: “Apesar disso, o enfoque está menos na ordenação do território e mais
no fruto das relações sociais que devem ser juridicamente reguladas, isto é, na ‘regulação da produção social do espaço
urbano.” Fato correlato foi a Emenda Constitucional nº 19/1977, que alterava "a redação da alínea e, item XVII do artigo
8º da CF, atribuindo competência à União para legislar sobre normas gerais de desenvolvimento urbano." Emenda apoiada
pelo Executivo, aprovada em Comissão e que não chegou a Plenário.
13
O entendimento da conferencista é que o direito urbanístico, como disciplina constitucional, tem sua gênese na CF 88.
O que coloca no limbo e no esquecimento o direito urbano que sustentou leis de planos diretores urbanos implantados a
partir do século XVIII, bem como leis estaduais e federais, e normas jurídico-administrativas que atenderam preceitos
constitucionais do século passado, que "tratavam do ordenamento dos espaços habitáveis." Ou seja: havia um direito urbano
naquela época. Desta forma, a conferencista segue o pensamento dominante, em Seminários de OABs e IABs, no atual
"estado da arte” do direito urbano. Observe-se que, em eventos comemorativos do Estatuto da Cidade, a maioria dos
expositores considerou que o direito urbanístico brasileiro surgiu a partir da Constituição, nos anos 80. O entendimento foi
corrigido na palestra de Victor Carvalho Pinto (abaixo), que recolocou a questão do território urbanizado como foco da
teoria e da prática da gestão, da governança e do planejamento urbano.
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
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Após afirmar que sem os atuais princípios constitucionais "não poderiam fazer a
Reforma Urbana, pois esta faz parte, integra o sistema da politica”, Vanêsca Prestes lembra
que "Os princípios de direito urbanístico decorrem da análise jurídica da Dimensão
Constitucional do Direito,” e que “o direito urbanístico é baseado nos fundamentos
constitucionais que tem como objetivo a construção de um meio urbano sustentável.” E é a
partir da sustentabilidade urbana que a Prof. Vanêsca estabelece seu mais criativo e
desafiante conceito.
14
FRANCISCONI, Jorge Guilherme. Quando e como renascem as políticas urbanas. São Paulo. Ensaios INSPER,
2021 https://www.insper.edu.br/wp-content/uploads/2021/03/ensaio_jorge_guilherme_francisconi__032021.pdf
15
Segundo Lucia Bogus e Luis Cesar de Q. Ribeiro, do Observatório das Metropoles do RJ, “No Brasil, essa utopia urbana
está traduzida nos princípios da função social da cidade e da propriedade, da descentralização das politicas urbanas e na
gestão democrática participativa.”
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perspectivas - Volume VI
151
*** ***
A conferencista entende que as duas dimensões (direito urbanístico e direito à cidade)
não existiam no sistema que precedeu a CF 88 e que surgiram fruto de processo evolutivo
de sistemas ao longo do tempo.
Isso porque, sem as varetas dos feixes de leis que são exigidas pela gestão e
governança do território urbano municipal e metropolitano, a utopia do direito à cidade não
será alcançada.
A questão extrapola, é bem verdade, o tema central da conferencista, mas sustenta os
conceitos que adota e constitui uma questão fundamental para estabelecer um direito urbano
“lato sensu” para gestão e para governança urbana e, por extensão, que demarque a fronteira
do lícito/ilícito e da corrupção urbanística de forma ampla, transparente e integral.
*** *** ***
Voltando à conferência, a Prof. Vanêsca expôs o conceito de ”Espaços corruptivos”
como produtos do entendimento que "corrupção/não corrupção são facetas de uma mesma
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
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moeda, a corrupção é dos sistemas e não das pessoas, motivo pelo qual precisamos enxergar
os espaços abertos/propícios para incidir.”16 Isso porque o "ilícito se transforma em lícito”
devido às "fragilidades contumazes que facilitam e oportunizam espaços corruptivos” de
nosso sistema jurídico. Como exemplo cita:
"Excesso de discricionariedade administrativa, enorme espaço para concentrações
administrativas, a falta de controle dos processos urbanísticos, a carência de
publicidade das regras, a falta de publicidade dos instrumentos e das possibilidades
existentes, o enorme número de legislações e a precária informação destas."
Por isso há ”práticas que possibilitam a adoção de intervenções personalíssimas,
muito vez casuísticas, que atentam contra o princípio da impessoalidade,” mas sem avaliar
se o casuísmo é necessário ou não, se é a única forma de resolver problemas criados por
normas administrativas conflitantes ou por conflitos do próprio direito urbano com outros
ramos do direito que afetam o uso do território. E conclui lembrando o procedimento de
"criar dificuldades para vender facilidades."
Para reduzir espaços corruptivos e vencer fragilidades sugere a adoção de práticas
inovadoras tal como descritas pelo Jurista Fernando Correia, quando tratou da adequação do
direito urbanístico português ao desenvolvimento sustentável exigido pela União Europeia
(UE). E aponta para possível criação de normas de desenvolvimento urbano sustentável para
evitar casuísmos, por exemplo, no processo participativo, em núcleos habitacionais de
interesse social, na expansão urbana, na preservação de sítios históricos. Temas importantes
que não avançam porque, destaca a conferencista, não dispomos de estudos com a qualidade
exigida para orientar a elaboração de marcos jurídicos e normas administrativas de
qualidade. E conclui lembrando o limitado impacto de planos diretores como componente
inerente ao direito plural da sustentabilidade urbana, na ocupação do território urbano.
*** ***
A palestra trata do licito/ilícito e da corrupção urbanística, mas licito/ilícito é tema
mais amplo porque produzido por inúmeras causas. As fragilidades contumazes, por
exemplo, acontecem por inúmeras razões e muito dos ilícitos que ocorrem se devem:
• A falta de normas jurídico-administrativas para cada instrumento urbanístico da
legislação vigente. Essa ausência de normas complementares mais precisas, com
definição de procedimentos, responde pelo escasso uso de instrumentos que o
16
PRESTES, V., e-mail, op.cit.
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17
SANTOS JUNIOR, Orlando Alves e MONTANDON, Daniel T., org., Os Planos Diretores MUNICIPAIS Pós-
Estatuto da Cidade: balanço crítico e perspectivas. Rio de Janeiro. Letra Capital, Observatório das Cidades.
IPPUR/UFRJ, 2011.
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A ilicitude também é reforçada pelo fato de que cada estado, município, entidade ou
cidadão aplica as normas legais na forma que melhor lhe convém. Como ocorreu com
estados na questão metropolitana e como acontece quando quando os municípios adotam
conceitos e normas como melhor lhes parece. Uma autonomia que cria uma colcha de
retalhos na gestão e planejamento do território nacional. Na prática, temos hoje cerca de
5.700 "repúblicas urbanas”, cada uma com suas normas urbano-territoriais, enquanto que
ilicitudes só serão reduzidas quando o direito urbanístico for homogeneizado e qualificado.
Para tanto sendo necessário incluir “soft-laws" que estabeleçam, por exemplo, o padrão
cartográfico nacional para planos diretores, tributação, meio ambiente e tudo mais. Ou para
estabelecer o conteúdo e procedimentos para elaboração, aprovação e implantação de planos
urbanos, com procedimentos diferenciados segundo a escala territorial e experiências no país
e no exterior.
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
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156
integrador que permitisse definir o marco jurídico regulatório para áreas de territórios urbano
e de expansão urbana.
*** ***
A importância que Vanêsca Prestes atribui ao Estatuto da Cidade, como marco do
direito urbano brasileiro, é indiscutível, ao contrário de seus comentários sobre o passado e
sobre aspectos de nosso direito urbanístico. Como quando observa que o EC
• "rompeu com o paradigma urbano/rural (planos diretores também legislam sobre a
área rural, respeitadas as competências constitucionais do direito agrário)”— mas
Hely Lopes Meirelles escreveu que “O 'Plano Diretor' ou 'Plano Diretor de
Desenvolvimento Integrado' (PDUI), como modernamente se diz, é o complexo de
normas legais e diretrizes técnicas para o desenvolvimento global e constante do
Município, sob os aspectos físico, social, econômico e administrativo, desejado pela
comunidade local." Definição que corresponde às práticas adotadas por IBAM e
SERFHAU, por Prefeituras e por empresas de consultoria durante as década dos 60
aos 80.18
• "criou instrumentos urbanísticos” — mas a grande maioria dos instrumentos do EC
foi copiada do PL 775/83, que, na época, tramitava na Câmara Federal. Victor
Carvalho Pinto tratou desse tema em sua conferencia (ver abaixo) e Roberto Bassul
descreve o fato em sua dissertação de doutorado.19 Vale destacar que o EC
transcreveu, a grosso modo, a maioria destes instrumentos, mas não há normas legais
para seu uso.
• disciplinou os instrumentos para regularização fundiária — mas ainda carecemos de
marco jurídico que corresponda à magnitude do problema da regularização fundiária
. Apesar dos esforços administrativos do Ministério das Cidades e programas do BID.
• estabeleceu procedimentos mínimos para planos diretores, mas sem definir objetivos
e o conteúdo mínimo dos planos. O que resultou em planos diretores urbanos pré-EC
serem idênticos aos planos diretores urbanos pós-EC.
Decorridos 20 anos do Estatuto da Cidade e 40 anos do Movimento da Reforma
Urbana, o impacto do direito à cidade no marco jurídico urbano, assim como na gestão,
18
MEIRELLES, H.L., op. cit., ps. 101, 102. Ver Direito Municipal Brasileiro, do mesmo autor. e FERRARI, Celson.
Curso de Planejamento Municipal Integrado - Urbanismo. São Paulo, Livraria Pioneira Editora, 1977.
19
BASSUL, Roberto. Estatuto da Cidade- Quem ganhou? Quem perdeu? Brasília. Senado Federal, 2005
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cidadania e governança urbana, ainda não foi devidamente avaliado. Há opiniões favoráveis,
outros acham que a lei "não colou" e outros entendem que pouco mudou com o EC.
Dentre os aspectos mais comentados, pelos que utilizam o EC, está a falta de normas
legais complementares da União, de Estados, IBGE e da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT) quanto ao uso dos instrumentos; a falta de segurança jurídica para
aplicação das normas vigentes na elaboração e implantação de planos diretores de
ordenamento urbano e, em especial, no uso do planejamento participativo. Outros apontam
demandas e instrumentos não previstos no EC para atender novas demandas (reparcelamento
do solo, "retrofit" urbano e edilício), assim como a necessidade de atualizar normas legais
que caducaram, como a lei de desapropriações. Por último há também aqueles que apontam
para a quantidade de direitos que a CF 88 e várias leis garantem ao cidadão, mas sem indicar
a quem cabe o provimento do serviço.
# # #
A metáfora-paradigma da Prof. Vanêsca Prestes, para coexistência de diferentes
áreas do direito, corresponde a mais criativo e instigante momento de sua conferência. O
ponto de partida são os balões que englobam "feixes de direitos” da sustentabilidade urbana
e que estão abrigados dentro de um cilindro. Cada balão corresponderia a um direito
constitucional — meio-ambiente, moradia, patrimônio cultural (material e imaterial),
acessibilidade, mobilidade, gestão democrática, propriedade, saneamento básico, dentre
outros.
Sua metáfora tridimensional para coexistência de "feixes de leis” e "feixes de
direitos” (conceitos usados como sinônimos) foi de como se
“estivéssemos diante de um cilindro dentro do qual há vários balões. Estes balões
representam os direitos hoje protegidos e não podem furar, precisam viver em
equilíbrio, pois a função da cilindro é garantir a coexistência de todos, sendo uma
especie de proteção a corrosão destes."
O entendimento sendo de que, se mantidos os balões no cilindro, os "temas
protegidos pela sociedade (estariam livres) das mudanças ocasionais e de composição das
maiorias, característicos do sistema da politica.” Isso porque cabe "proteger o espaço do
direito frente decisões politicas e evitar que o espaço do direito seja substituído por decisões
da politica.” Tudo para combater o lícito / ilícito, visto que quando “o espaço do direito
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
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rompe com seus códigos e adota decisões assumindo posição política, estamos diante da
corrosão, da corrupção do sistema.”
*** ***
Observe-se que, na medida em que cada balão abriga o "feixe de direitos" de uma
atividade inerente à “cidade sustentável”, em cada “feixe de direitos" estarão definidos os
objetivos, diretrizes e conceitos de competência de cada atividade da sustentabilidade. Mas
será necessário acrescentar ”feixes de leis" relativos a gestão e governança urbana bem como
para adequação no território.
Cada “feixe de leis” corresponde ao direito urbano “stricto sensu" porque trata de
uma atividade específica. Em cada feixe de leis haverá, portanto, um certo número de "varas"
que correspondem as aspectos mais abstratos deste ramo do direito e haverá "varas" que
tratam de aspectos práticos da atividade quando aplicada no território municipal. Isso porque
cada "feixe de leis" trata de tópicos abstratos e de tópicos vinculados à prática e aplicação
daquele ramo do direito, com o feixe de cada balão correspondendo a uma atividade do
desenvolvimento urbano sustentável, como meio-ambiente, moradia, patrimônio cultural
(material e imaterial), acessibilidade, mobilidade, gestão democrática, propriedade,
saneamento básico). Além dos balões com "feixes de lei" para saúde, educação, tributos,
cultura, segurança, uso do solo, tecnologias, energia e morfologia.
159
Este desafio não pode ser ignorado porque a territorialização do direito urbanístico é
condição "sine qua non" para promover a implantação ("enforcement") de normas urbanas
destinadas a melhorar as condições de vida da população mediante implantação do ideário
social, econômico, cultural, ambiental e urbano de nossos dias. Bem como por ser essencial
para combater a corrupção urbana e o licito / ilícito que observamos nas atividades
multifuncionais de cidades e metrópoles. Onde infraestrutura e práxis urbana têm nas
atividades econômicas, sociais e ambientais seu tripé de sustentação.
20
O território é um espaço cartesiano bidimensional quanto a usos e funções. O somatório de pontos cartesianos (x,y)
determina a dimensão do território dedicado às cada uma das diferentes funções urbanas (habitação, meio ambiente,
serviços, etc).Aos eixos cartesianos horizontais podem ser acrescidos eixos cartesianos verticais que definiriam fatias
("slices") verticais sobre linhas traçadas no território. Poderiam servir para mostrar o skyline de cada cidade, bairro, rua,
parque. Eixos cartesianos verticais que permitem planejar e/ou avaliar a morfologias e as funções da urbanização vertical
em diferentes áreas da cidade.
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21
O Projeto de Lei dispunha “sobre os objetivos e a promoção do desenvolvimento urbano e dá outras providências."
22
Responsável solitário pelo texto, agradeço ao palestrante pela leitura e correções de versão preliminar.
23
A CNPU, no transcorrer de 1976 / 1978, elaborou e aprovou dois projetos de lei: a minuta da futura Lei nº. 6.766/79,
que trata do parcelamento do solo urbano, e o "anteprojeto da Lei de Desenvolvimento Urbano", publicada no jornal O
Estado de São Paulo em 24 / 05 / 1977, depois transformado no PL 775/83. Ver
https://www.jorgefrancisconi.com.br/2021/09/o-anteprojeto-da-lei-de-desenvolvimento_8.html
24
A minuta de minuta do projeto ide lei que trata do sistema nacional de planejamento e do desenvolvimento urbano foi
aprovada pelos membros da CNPU em reunião realizada em Curitiba, em julho de 1976.
25
O Projeto de Lei do Estatuto da Cidade surgiu no Senado Federal em 1989. Projeto de Lei nº181 de 1989 — “Estabelece
diretrizes gerais da Politica Urbana e dá outras providências."
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
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vários de seus itens foram transcritos no Estatuto da Cidade (EC) e, nas décadas seguintes á
sua apresentação, tornou-se objeto de dissertações e teses, de mestrado e doutorado, no
âmbito do direito, arquitetura e geografia.
26
Informações sobre uso de instrumentos do EC foram obtidas aleatoriamente. Não encontrei estudos qualificados do
tema.
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Aproveitamento (CA) = 1, que passaria a ser adotado em cidades sem planos diretores para
estimular o planejamento urbano; (ii) Medidas de salvaguarda visando suspender a análise
de projetos pelas prefeituras sempre que novo PDU fosse apresentado para, assim impedir o
protocolo de projetos em conflito com o novo PDU; (iii) Macrozoneamento que estabelece
e define cindo tipos de áreas especiais: de urbanização preferencial, de renovação urbana, de
urbanização restrita, de regularização fundiária e de integração regional; (iv) Cumprimento
obrigatório do PDU municipal pela União e pelos estados, um problema frequente visto que
nem mesmo as Prefeituras respeitam PDs; (v) Expansão urbana para 10 anos, com projeção
demográfica para definir a área a ser urbanizada; (vi) Licenciamento para edificação, o que
difere da exigência de autorização prevista na Lei 6.766/79 para parcelamento do solo, a
autorização permitindo ao poder público negar o parcelamento solicitado de forma
discricionária.
*** ***
Quanto ao Estatuto da Cidade (EC), seu entendimento é de que o Estatuto incorporou
itens que se somaram aos transcritos do PL 775/83, mas sempre orientados para o futuro e
ignorando o presente. Por conta deste enfoque, que chamou de“ desenvolvimentista”, o EC
”não incluiu nem excluiu o zoneamento”, ignora temas como o parcelamento do solo e
demandas urbanas quando excluiu conservação, reforma, reabilitação e regeneração urbana
da edificação e da cidade. Mais importante, o EC não tratou da desapropriação, que é hoje o
mais importante instrumento do setor público para "alterar a cidade existente” e que
permanece regido por decreto lei de 1941 (DL 3.365/41).
163
leis de planos diretores. Fato que cria conflitos jurídicos, os quais estão sendo reforçados por
novas leis, como aquela que trata de situações de risco e que exige inscrição em Cadastro
Federal — que sequer existe.
Victor Carvalho Pinto também destacou que a evolução de nosso direito urbanístico
exige Código de Urbanismo. Algo similar aos adotados em países ibéricos, França e países
saxônicos, aqui com outras denominações. Tema que nos remete ao Código de Urbanismo
ou Lei Geral de Urbanismo citados por Hely Lopes Meirelles,27 mas sobre o qual Carvalho
Pinto vai além porquanto sugere procedimentos e temas para o novo Código, com avaliação
de códigos similares, muitos em vigor desde a década de 1950. Sua proposta aponta para
importância de fortalecer o que chama de “tipificação de planos urbanísticos”, o que exigiria
uma normalização mediante regulamentos aprovados por entidades, como a ABNT quando
estabelece o conteúdo de planos diretores. Ou normas técnicas, como os do IBGE para
definir regiões metropolitanas e aglomerados urbanos.
27
MEIRELLES, H. L., op.cit, p.101
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165
28
Lei 10.116/1994 RS, de Desenvolvimento Urbano. O anteprojeto da lei foi apresentado pelo economista e
ex-prefeito de Porto Alegre, ex-Deputado Guilherme Socias Villela.
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país. Cabe revisar leis que caducaram, aperfeiçoar outras e criar normas legais que
introduzam e/ou aperfeiçoem instrumentos que estão sendo exigidos do direito urbano.
Dentre esses, um Código de Urbanismo que defina bases conceituais, instrumentos
normativos, práticas técnico-administrativas e normas técnicas e processuais, dentre outros
tópicos que serão adotados na gestão, governança, estudos e pesquisas sobre a questão
urbana no país.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BASSUL, Roberto. Estatuto da Cidade- Quem ganhou? Quem perdeu? Brasília. Senado
Federal, 2005
PINTO, Victor Carvalho. Direito Urbanístico - Plano Diretor e Direito de Propriedade. São
Paulo, Revista dos Tribunais. 2005 / 2010 / 2011.
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Perspectiva, 1992, 3ª Edição.
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desenvolvimento_8.html
DEÁK, Csaba, SCHIFFER, Sueli Ramos, orgs. O processo de urbanização no Brasil. São
Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1999
MEDAUAR, Odete. Caracteres do Direito Urbanístico. Revista dos Direitos Difusos, Rio de
Janeiro, Instituto Brasileiro de Advocacia Pública. (IBAP), agosto 2000, in Direito
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Tribunais, 1979.
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(3ª edição.
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SENADO FEDERAL Projeto de Lei nº18 / 1977, “Dispõe sobre o parcelamento do solo
urbano e dá outras providências”.
—- Projeto de Lei nº181 / 1989, “Estabelece diretrizes gerais da Politica
Urbana e dá outras providências."
SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 2010. In:
Direito urbanístico, pt.wWikipedia.org.
169
Resumo: Num Brasil cada vez mais urbano, o provimento de infraestrutura e de serviços
compõe o conjunto de benesses motivadoras da vida na cidade. Contudo, não é rara a
existência de áreas nas cidades brasileiras que apresentam condições precárias de uso e de
ocupação. O presente texto tece breves considerações e provocações sobre o papel do
Estatuto da Cidade enquanto indutor da reversão desse quadro, por meio promoção do direito
à cidade nele normatizado. São abordados alguns avanços decorrentes do advento do aludido
Estatuto e desencantos decorrentes de sua ineficácia parcial ou total. O escrito também
oferece provocações quanto aos rumos a seguir em prol de sua efetiva eficácia.
INTRODUÇÃO
Num Brasil cada vez mais urbano (IBGE, 2015)2 o provimento de infraestrutura e de
serviços compõe o conjunto de benesses motivadoras da vida na cidade. Contudo, não é rara
a existência de áreas, nas cidades brasileiras, que apresentam condições precárias de uso e
ocupação. A regra reinante é que tais áreas sejam ocupadas pelas classes sociais mais pobres,
além de carentes de: vias de circulação adequadamente dimensionadas e pavimentadas,
soluções para o escoamento de águas pluviais, esgotamento sanitário, abastecimento de água
potável, energia elétrica pública ou domiciliar, arborização urbana, e equipamentos urbanos
voltados ao entretenimento e ao lazer. Tampouco se verifica eficiência no provimento de
serviços – como os de transporte público, de educação, de assistência social e de saúde. Em
outras palavras, a presença do que conforma o mínimo necessário para uma vida digna, ao
menos no que guarde relação com infraestrutura e serviços urbanos, nas partes do território
da cidade em que vivem os mais pobres, é escassa. A isso, soma-se o fato que, na
1
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Especialista em Direito Urbanístico e Ambiental
pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestrando em Urbanismo, História e Arquitetura da
Cidade pela Universidade Federal de Santa Catarina. Advogado atuante na área do direito urbanístico,
especialmente prestando assessoria a associações de municípios, municípios, movimentos sociais e
profissionais do planejamento urbano nos processos de formulação, revisão, execução e acompanhamento de
planos, programas e projetos relacionados com política urbana. Membro do Instituto Gentes de Direito.
Conselheiro Regional-Sul do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico.
2 O último dado da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios sugere que 84,72% da população brasileira
vive em cidades.
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
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conformação das áreas ocupadas pela população urbana de mais baixa renda, impera, ainda,
a segregação socioespacial.
Seria demasiada pretensão esgotar, num breve ensaio, as causas que geram o contexto
brasileiro de segregação socioespacial a que se encontram submetidas classes mais pobres3.
No entanto, cabe aqui considerar uma afirmação de Ermínia Maricato:
É nas áreas rejeitadas pelo mercado imobiliário privado e nas áreas públicas,
situadas em regiões desvalorizadas, que a população trabalhadora pobre vai se
instalar: beira de córregos, encostas dos morros, terrenos sujeitos a enchentes ou
outros tipos de riscos, regiões poluídas, ou áreas de proteção ambiental (onde a
vigência de legislação de proteção e ausência de fiscalização definem a
desvalorização). (MARICATO, 2003, p. 154).
Desta forma, o que parece ser difícil de negar é que o contexto até agora mencionado
contribui para com a geração de cidades que dificilmente se sustentam, dado o passivo social,
urbanístico e ambiental que carregam consigo.
3 Constituem fonte de extrema qualidade para entender esse contexto obras como Espaço Intra-urbano no
Brasil (VILLAÇA, 1988) e Segregação Silenciosa (SUGAI, 2015). As leituras são de grande valia à
compreensão de como a dinâmica socioespacial brasileira faz valer o domínio de uma classe dominante sobre
outras classes sociais – e estas, quanto mais pobres, mais são prejudicadas.
4 É possível sustentar a falta de iniciativa política pela conduta de agentes públicos a partir da pouca ou
171
status constitucional que fossem úteis à efetiva promoção de cidades mais justas e inclusivas.
Para tanto, tais grupos incidiram politicamente, durante a última Assembleia Nacional
Constituinte – ocorrida no segundo quartel do século XX –, de forma crítica e propositiva,
inclusive por meio da apresentação e da defesa de emendas que partiram de iniciativas
populares. De tal incidência, viria a resultar o capítulo da política urbana da Carta de 1988.
Porém, ao contrário do que buscava a emenda popular em questão5, a Carta resultou em
apenas dois artigos:
5 José Roberto Bassul narra que tal emenda apresentava duas dezenas de artigos, e que foi oficialmente
registrada como Emenda Popular nº 63, de 1987 (BASSUL, 2008, p. 10). A defesa oral da aludida emenda foi
feita por Ermínia Maricato.
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
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garantias, em prol de uma verdadeira reforma urbana no país. Contudo, em última análise, a
busca acabou resultando num contexto de demanda por regulamentações posteriores – o que
arriscou que o pouco que se havia avançado em termos legislativos caísse na, infelizmente
célebre, vala-comum da ineficácia normativa brasileira. Por outro lado, há que se considerar,
não só o acontecimento significativo para a história constitucional e para o direito urbanístico
brasileiros, representados pelo advento de um capítulo dedicado à política urbana num país
cada vez mais urbano; mas, sobretudo, o papel que os dois dispositivos acima reproduzidos,
passaram a desempenhar enquanto indutores à construção de um plexo normativo que viesse
a servir de ferramenta para a promoção de câmbios paradigmáticos na política urbana.6
Ainda que, no plano federal, isso tenha ocorrido mais de dez anos após a Constituinte,
a produção normativa de cunho urbanístico à época foi intensa, tendo gerado resultados
promissores em termos de garantias jurídicas. Destaca-se, nesta nova rodada legislativa, o
surgimento da Lei nº 10.257/2001, oficialmente denominada Estatuto da Cidade – marco
regulamentador da política urbana brasileira, publicado em 10 de julho de 2001, e que passou
a vigorar em 10 de outubro do mesmo ano.
José Roberto Bassul (2004) registra, detalhadamente, o processo legislativo que viria
a resultar no Estatuto da Cidade. Atesta em obra de sua autoria, uma importante referência
histórica7, que o processo não ocorreu da noite para o dia. Tampouco foi pautado por
consensos irrestritos, pois que se alongou por treze anos e foi marcado por intensa disputa.
Conforme sustentado pelo mesmo autor:
6 Ainda que seja fundamental cuidar para que não se promova a ideia ilusória, por vezes, anestesiante, da lei
como solução para todos os males da sociedade – debate longo e necessário, mas que não constitui objeto
central do presente texto –, o fato é que, enquanto a reserva legal for premissa fundamental aplicável aos
poderes públicos, as leis, bem como as demais normas jurídicas que delas venham a se desdobrar, serão
indispensáveis na condição de motivadoras da ação ou da omissão de agentes públicos. O planejamento, a
execução e a revisão de planos, de programas e de projetos de desenvolvimento urbano não escapam disso.
7 Trata-se do livro denominado Estatuto da Cidade: quem ganhou? quem perdeu?, leitura altamente
recomendável para compreender como se deu o processo legislativo do Estatuto ao longo de treze anos de
tramitação no Congresso Nacional.
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
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8Trata-se do painel Do Movimento da Reforma Urbana ao Estatuto da Cidade: A linha do tempo em 20 anos,
uma promoção de docentes e estudantes de direito da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Universidade
de Fortaleza (Unifor). A excelente fala da Profª Betânia Alfonsin pode ser assistida através do canal de Youtube
denominado Najuc UFC. O link da encontra-se disponível nas referências ao final deste texto. O painel conta,
ainda, com a não menos brilhante participação da Profª Lígia Melo, do Prof. Edésio Fernandes e do Prof.
Nelson Saule Jr. Recomenda-se, por isto, que se assista ao painel em sua integralidade. A parte do vídeo na
qual Betânia se refere especificamente à juridicização do direito à cidade no Brasil se inicia aos 52 minutos e
38 segundos.
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
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brasileiro, isso ocorre através da expressão “direito a cidades sustentáveis”, que, não à toa,
abre o rol das diretrizes gerais da política urbana previstas no art. 2º do Estatuto da Cidade,
da seguinte forma:
Então, vigora há vinte anos um entendimento legal do que significa o direito a cidade
sustentável – não só definido, como ainda consolidado na condição de diretriz geral de norma
urbanística infraconstitucional. Isso, a propósito, acaba por vincular ações e omissões,
públicas e privadas, relacionadas com política urbana, conforme muito bem enunciado por
Odete Medauar (2005):
Uma vez na condição de diretriz dirigida a quem quer que interprete e aplique a lei
conforme a atividade desempenhada, as expressões grifadas na transcrição acima do inciso
I do art. 2º do Estatuto da Cidade se apresentam enquanto componentes de um direito difuso
e coletivo, que busca o efetivo provimento do que há muito vem sendo deficitário para
grande parte da população brasileira – notadamente a mais pobre. É fundamental ressaltar
que não se está, aqui, sustentando que prover infraestrutura e serviços urbanos para os mais
pobres consagre a justiça social. Porém, proporcionar isso a quem é sistematicamente
vitimado pela injustiça socioespacial comporia o mínimo necessário enquanto ponto de
partida para uma vida digna numa cidade.
175
9 Art. 2º [...]: II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas
dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e
projetos de desenvolvimento urbano; [...] XIII – audiência do Poder Público municipal e da população
interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente
negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população; [...]. (BRASIL,
2001).
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perspectivas - Volume VI
176
seja público ou privado, que não considera a existência de diversas demandas de seu entorno
ou da população, traz consigo o risco de atender uma necessidade, mas prejudicando ou
dificultando a observância de diversas outras. Pode haver risco, por exemplo, nas intenções
de se promover a regularização fundiária restrita à oferta do título imobiliário numa área
carente de infraestrutura e de serviços urbanos; na oferta de habitação de interesse social que
se dá em áreas afastadas das mais centrais e de forma desconectada do transporte e da
mobilidade urbanos, assim dificultando a população de ter acesso a trabalho e ao lazer nos
diversos locais da cidade, inclusive os desfrutados pelos mais abastados; em projetos
ultimamente chamados de revitalização de centro urbano que não consideram possibilidades
de gentrificação ou de descaracterização da cultura local; num enclave urbano do tipo
condomínio fechado que cria grandes extensões de caminhada de uma esquina à outra, do
lado de fora do empreendimento, prejudicando a mobilidade e a segurança pública; na
previsão de uma zona especial de interesse social que não assegura melhorias nas condições
de moradia, de forma a combinar as necessárias qualificações das unidades habitacionais e
de seu entorno com a geração de emprego e renda, bem como com opções de lazer, tudo isso
articulado e sempre buscando a inclusão socioespacial da população beneficiária.
Ficaremos apenas com exemplos acima sugeridos – mas, o que se quer dizer, enfim,
é que há avanço na ordem jurídica brasileira quando, por meio do Estatuto da Cidade, se
acolhe um novo direito reunindo diversos outros, ainda que sejam direitos já previstos
isoladamente em outras normas – seja por meio dispositivos constitucionais ou de normas
específicas. O direito à cidade previsto no Estatuto da Cidade pode, então, induzir
especialmente as administrações públicas e o sistema de justiça a não mais lidar de forma
isolada em favor da implementação de diversos direitos que precisam ser articulados – dada
a ameaça de prejuízo ao objetivo primordial estabelecido para a política urbana brasileira,
que é ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade
urbana.10
10 Conforme art. 2º, caput/Estatuto da Cidade: “Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:
[...].” (BRASIL, 2001).
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perspectivas - Volume VI
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Tais instrumentos têm razão de existência, pois não basta a Constituição Federal
definir que a propriedade urbana terá cumprido a sua respectiva função social quando
observado o expresso no plano diretor do município14, uma vez que o Estado brasileiro – em
11 Pode haver situações nas quais a dimensão técnica tenha de ser priorizada frente a desejos da população,
desde que sempre em benefício desta. Em breve exemplo, chama-se atenção para o caso da ocupação em uma
área que submete a população a riscos de ordem hidrogeomorfológica. Por mais que impere a vontade da
população permanecer na área de risco, uma vez, após processo democrático-participativo, restando exaustiva
e definitivamente comprovada a impossibilidade técnica de permanência, não parece convir prevalecer a
vontade de quem queira residir no risco, inclusive de morte. Todavia, é importante ressaltar que, uma vez que
a técnica conclua pela impossibilidade de moradia num dado local, também a técnica deve trazer alternativas
de moradia em outro, inclusive no que diz respeito à oferta de soluções no sentido da viabilidade financeira, e
até mesmo política, das mesmas, sobretudo quando a comprovadamente inevitável remoção envolva população
de baixa renda.
12 Habitantes temporários de uma cidade também podem ter voz e vez em processos de tomada de decisão
quanto ao rumo da mesma. Um exemplo que torna possível perceber a legitimidade do habitante temporário é
o caso de comerciantes de feiras livres que moram em outros municípios de uma dada região metropolitana, e
que vêm empreender na cidade-sede desta. Imaginemos um projeto urbano que opta por desconsiderar a
legitimidade dos feirantes para opinar sobre o projeto e se lhes retira o espaço de trabalho. Impactos negativos
podem ocorrer de forma significativa na vida desses habitantes temporários, cabendo-lhes o direito de serem
ouvidos e de participar ativamente dos processos decisórios que podem vir a afetar a área da feira-livre.
13 Vide inciso IX do art. 2º do Estatuto da Cidade: “IX – justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes
quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.” (BRASIL,
1988).
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perspectivas - Volume VI
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Isso acontece da mesma forma com relação à justa distribuição dos benefícios e ônus
decorrentes do processo de urbanização. Em tal contexto, o art. 4º do Estatuto da Cidade
abre possibilidades de aplicações para buscar realizar a justa distribuição mencionada.
Diversos instrumentos previstos no dispositivo e que se desdobram em outros artigos da lei
são utilizáveis segundo o caso concreto17.
A missão também está dada para a cena jurídica: o Brasil cada vez mais urbano pede
o reconhecimento de uma nova forma de lidar com interesses, por vezes conflituosos, nas
cidades brasileiras. Daí que, desde 2001, o Estatuto da Cidade traz a mensagem da
15 Referência à diretriz do art. 2º, inciso VI, alínea e: “Art. 2º [...] VI – ordenação e controle do uso do solo, de
forma a evitar: [...] e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não
utilização; [...].” (BRASIL, 2001).
16 Trata-se dos instrumentos parcelamento, de edificação e de utilização compulsórios (PEUC), do IPTU
progressivo no tempo e da desapropriação com pagamento em títulos. Estes se encontram previstos nos termos
dos arts. 5º a 8º do Estatuto da Cidade.
17 Destacam-se os três instrumentos referidos na nota anterior, além de outros que, uma vez adequadamente
interpretados e com objetivos expressamente previstos nas normas que o regulamentam em sede local, podem
fazer com que a cidade se beneficie de intervenções públicas ou privadas no espaço intraurbano. Neste caso,
podem ser considerados, sem esgotar a disponibilidade de outros instrumentos, as outorgas onerosas do direito
de construir e de alteração de uso (arts. 28 a 31), as operações urbanas consorciadas (arts. 32 a 34-A) e o Estudo
de Impacto de Vizinhança (arts. 36 a 38).
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179
180
Não soa razoável o discurso da ineficácia, sem considerar que uma lei como o
Estatuto da Cidade, quando pega, mesmo que parcialmente, tira da zona de conforto grupos
de interesse que usualmente se beneficiam, sobretudo econômica e financeiramente, com
uma concepção de cidade que a trata enquanto mercadoria e não como espaço dinâmico,
produzido pela coletividade, e que, por isso, deve acolher a todas e a todos, indistintamente.
18 Conforme o parágrafo primeiro do art. 182 da Constituição Federal: “§ 1º O plano diretor, aprovado pela
Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da
política de desenvolvimento e de expansão urbana.” (BRASIL, 1988). No mesmo sentido, o art. 40,
caput/Estatuto da Cidade: “Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da
política de desenvolvimento e expansão urbana.” (BRASIL, 2001).
19 Conforme art. 40, § 1º/Estatuto da Cidade: “§ 1º O plano diretor é parte integrante do processo de
181
Mas, apesar dos desencantos e dificuldades de aplicação plena e eficaz, a lei segue
em pleno vigor – sendo que sua letra fria não será a panaceia para os males das cidades
brasileiras, estas: com trânsito cada vez mais congestionado; com transporte público caro e
retido no congestionamento do trânsito junto com os veículos privados, congestionamento
este causado, diga-se de passagem, por uma concepção rodoviarista que segue privilegiando
o automóvel individual sobre outros modais de transporte; com intensificação de avanços
sobre áreas ambientalmente protegidas, fenômeno urbano, aliás, cada vez mais causado por
segmentos sociais mais abastados e que buscam viver o contato com a natureza ou diante de
uma vista privilegiada para fugir do caos urbano; com um tratamento cada vez mais
perverso para com o povo pobre segregado nas periferias e que ocupam áreas inaptas para
tal não por opção, como muitas vezes é o caso dos mais abastados, senão por necessidade;
repletas de moradias precárias e insalubres para a população de baixa renda; com a
informalidade muitas vezes imperando na produção de seu território.
182
Ao que tudo indica, uma mudança de olhar como a acima referida pede que, no
campo político, a cidade siga sendo disputada sem pessimismos e incluindo, nesta disputa,
o empoderamento daqueles quem sofrem com a segregação e com a negação de direitos;
enquanto, no plano jurídico – que, convém observar, não está fora ou imune ao contexto
político – haja dedicação para com o enfrentamento de injustiças traduzidas na negação do
direito à cidade. Em ambos os contextos, a Advocacia é chamada à responsabilidade, em
especial a do ramo do direito urbanístico, para atuar, utilizando como instrumento, leis como
o Estatuto da Cidade, em ações que vão desde a advocacia preventiva até a atuação no campo
da litigância, sem ignorar a necessidade estratégica de incidência político-jurídica, inclusive
através das comissões de direito urbanístico da OAB.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sem grandes pretensões de esgotar ideias e opiniões, o presente ensaio tomou como
ponto de partida o fato de que no Brasil as benesses que motivam a vida na cidade são
negadas para um considerável contingente populacional urbano, principalmente o de baixa
renda, o qual mora mal e, em regra, sofre com os efeitos da segregação socioespacial. A vida
urbana para os pobres se dá em condições de precariedade e de carência de infraestrutura e
serviços urbanos – fato que contribui, sobremaneira, para a insustentabilidade social e
urbano-ambiental das cidades brasileiras.
183
resumida, dois períodos da história da legislação urbanística brasileira que contaram com
expressiva incidência social e política, e que veio a resultar em dois importantes motivadores
legais – estes úteis enquanto instrumentos jurídico-políticos destinados à reversão da
insustentabilidade das cidades brasileiras que, sempre vale reforçar, atinge mais trágica e
diretamente os mais pobres. Mencionou-se, então o capítulo da política urbana da Carta de
1988 e, especialmente, o Estatuto da Cidade – que, por sua vez, veio a regulamentar o
capítulo constitucional mencionado e que, além de fixar as diretrizes gerais da política
urbana, ainda trouxe avanços significativos ao ofertar um rol não taxativo de instrumentos
aplicáveis para os fins da política urbana.
Em uma terceira parte do texto, se discorreu, num primeiro momento, sobre avanços
verificáveis vinte anos após a edição do Estatuto da Cidade, com destaque para a juricidade
conferida ao direito à cidade, pincipalmente por meio de uma diretriz/definição prevista no
inciso I do art. 2º da lei em comento. Chamou-se atenção para a importância da juricidade
do direito à cidade no Brasil, tendo em vista a força do dispositivo enquanto motivador legal.
Isso é útil para induzir ao cumprimento de obrigações por parte das administrações públicas,
quanto ao provimento de infraestruturas e serviços urbanos; para a atuação do Ministério
público da Defensoria Pública, Tribunais de Contas e do Poder Judiciário no âmbito da
política urbana; para a atuação parlamentar, legislativa ou fiscalizatória, em observância ao
direito à cidade; para o empoderamento do acompanhamento e do controle da política urbana
por parte da população e de associações representativas dos vários segmentos da
comunidade; e para o questionamento e o rechaço de ações de agentes privados que estejam
em dissonância com o direito à cidade previsto na lei brasileira.
Nesta parte do texto, ainda, se chamou atenção para avanço estratégico que o Estatuto
da Cidade trouxe para a ordem jurídica nacional, dado que este, ao promover um direito à
cidade normatizado, traz a possibilidade de induzir poderes instituídos a lidar de forma
sistêmica na implementação de diversos direitos que no meio urbano requerem integração e
complementaridade entre si, sob pena de prejuízo ao objetivo primordial do Estatuto de
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana.
Falou-se, ainda, da busca da superação do referencial tecnocrático que antes imperava no
planejamento e na gestão urbanos, o qual deve ser substituído por uma gestão democrático-
participativa que combine as dimensões técnica e comunitária. Finalmente, neste primeiro
momento da terceira parte do texto, considerou-se, como avanço decorrente da entrada em
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
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vigor do Estatuto, a significativa reversão paradigmática que a lei induz, dada a previsão de
importantes instrumentos voltados ao cumprimento da função social da propriedade urbana
e à justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização. A partir
daí, se chamou atenção para a oportunidade, inclusive para integrantes da comunidade
jurídica do país, de deixar de ver a cidade sob o ângulo do lote privado ou de seguir tratando
a propriedade urbana sob um arcaico enfoque patrimonialista – algo inadequado diante das
necessidades da ordem pública e do interesse social afeitas à política urbana –, e de notar
que a inclusão socioespacial com sustentabilidade urbano-ambiental deve orientar as cidades
brasileiras. Tudo isso foi mencionado como avanços decorrentes do Estatuto da Cidade,
ainda que estejam mais no plano formal que no concreto.
Tudo o que foi sustentado nas três partes anteriores deste ensaio carregou consigo a
intenção de dizer que o Estatuto da Cidade, com suas diretrizes e instrumentos, representa
um avanço, pois possui força normativa e vinculante sobre qualquer agente público ou
privado que opere no contexto da política urbana – seja esta federal, estadual, distrital ou
municipal – e pode contribuir, enquanto motivador legal, para com a busca por reversão do
quadro dramático de segregação socioespacial brasileiro. Neste sentido, a lei há de ser vista
como fundamento para que o conjunto da cidadania persiga a efetiva observância aos seus
direitos, sobretudo no âmbito da Administração Pública, do Parlamento ou do Sistema de
Justiça. Obviamente, reduzir os avanços da questão urbana à mera previsão legal diminuiria
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e
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sobremaneira o que celebrar. Mas, uma vez lançado o olhar sobre algumas conquistas pós-
Estatuto da Cidade, há como vê-las enquanto ganhos significativos.
Ainda assim, se não houvesse o que celebrar, haveria (e há) o que se preservar, dada
a importância do Estatuto da Cidade para a política urbana do país. A lei é
imprescindivelmente válida, e vários de seus conteúdos decorrem de conquistas da sociedade
que incidiu no Congresso Nacional – sendo que somente isso já bastaria para justificar que
o Estatuto deve ser defendido, inclusive quanto a ameaças do porvir.
186
decorrentes que sejam de fato benéficos para a coletividade como um todo, sem distinção,
passa, também, por avançar em outras áreas, mais relacionadas com acompanhamento e com
o controle de resultados já obtidos com base nas garantias jurídicas que a lei oferta.
Junto com a atuação advocatícia em espaços dos poderes instituídos, torna-se mais
que imprescindível o fortalecimento e a criação de comissões de direito urbanístico em
seções e subseções da OAB, que devem ter, em suas agendas, a divulgação e o fortalecimento
do Estatuto da Cidade junto à população. Não há que se perder de vista que a conquista de
garantias na política urbana se deu num contexto de busca por uma concepção de cidade para
o povo, indistintamente, a qual vem sendo perseguida desde a Assembleia Constituinte dos
anos 1980 e que choca com interesses contrários a isso – mais alinhados com a ideia de que
a cidade pode até servir às pessoas, desde que não fira negócios. Combater isso é defender
direitos e garantias arduamente conquistados em 1988. A Advocacia não deve se omitir a
isso, pois também é guardiã de nossa Constituição.
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