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Coordenação:

Alexandre Torres Petry


Tiago Beck Kidricki
Luís Paulo Petersen Andreazza
Ricardo Ferreira Breier
Rosângela Maria Herzer dos Santos

Direito previdenciário: a nova previdência

Porto Alegre,
2021
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Coordenação:
Alexandre Torres Petry
Tiago Beck Kidricki
Luís Paulo Petersen Andreazza
Ricardo Ferreira Breier
Rosângela Maria Herzer dos Santos

D635
Direito previdenciário: a nova previdência/. Alexandre Torres Petry,Tiago
Beck Kidricki...[et.al] (Coordenadores). Porto Alegre: OABRS. 2021.
320p.
ISBN: 978-65-88371-12-1

1. Direito 2. Previdência I. Título


CDU 34:368.4

Jovita Cristina Garcia dos Santos – CRB 10ª/1517

A revisão de Língua Portuguesa e a digitação, bem como os conceitos emitidos em trabalhos


assinados, são de responsabilidade dos seus autores.

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Vice-Presidente: Márcia Isabel Heinen
7

SUMÁRIO

PREFÁCIO - Tiago Beck Kidricki...................................................................................... 10

APRESENTAÇÃO- Luís Paulo Petersen Andreazza.......................................................... 12

O CONTROLE JUDICIAL DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 103/2019: UMA


ANÁLISE A PARTIR DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL-
Alberto Luiz Hanemann Bastos e Erick Kiyoshi Nakamura ....................................... 14

O GÊNERO NEUTRO E O DIREITO PREVIDENCIÁRIO - Amanda Michelle Faria


Araújo Mapa e Gisele Fernandes Machado .................................................................... 34

O NÃO RECONHECIMENTO DE EFEITOS PREVIDENCIÁRIOS ÀS FAMÍLIAS


SIMULTÂNEAS – CONCUBINATO E PENSÃO POR MORTE NO STF - Ana Cristina
Alves de Paula, Daniel Damasio Borges e Thiago Giovani Romero ............................. 49

A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS ENTIDADES BENEFICENTES DE ASSISTÊNCIA


SOCIAL - Diana Samara Ervedosa Moraes ................................................................... 65

TEMA 709 (STF): A CONTINUIDADE DO TRABALHO EM ATIVIDADE ESPECIAL


APÓS APOSENTADORIA E SUA ADEQUAÇÃO CONSTITUCIONAL - Eduardo
Vinhas Fagundes ................................................................................................................ 80

IDADE MÍNIMA PARA CONTAGEM DO TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO NAS


MODALIDADES DE APOSENTADORIA RURAL - Francieli da Silva Colombo e
Luciane Bittencourt Fagundes ....................................................................................... 90

O PROCESSO ADMINISTRATIVO PREVIDENCIÁRIO E A HERMENÊUTICA SOBRE


A IDENTIDADE DE GÊNERO: AS ILEGALIDADES EM FACE DA DECISÃO DA ADI
4275/DF - Heloísa Helena Silva Pancotti e Renato Bernardi . ..................................... 112

O RECONHECIMENTO DA ATIVIDADE ESPECIAL DO TRABALHO DOS AGENTES


SOCIOEDUCADORES DA FUNDAÇÃO DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO
DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL COMO REQUISITO PARA AQUISIÇÃO AO
DIREITO DA APOSENTARIA ESPECIAL, NO CONTEXTO DA REFORMA DA
PREVIDÊNCIA DE 2019 - Jair Silveira Cordeiro ....................................................... 127
8

PREVIDÊNCIA SOCIAL RURAL COMO POLÍTICA PÚBLICA: OMISSÃO POSITIVA


DA EMENDA CONSTITUCIONAL N º 103/2019 EM RELAÇÃO AOS SEGURADOS
ESPECIAIS - Laressa Bentes da Silva e Jefferson Carvalho Galvão......... ................. 147

A RELEVÂNCIA DO RECONHECIMENTO DO CARÁTER ACIDENTÁRIO DO


BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE APÓS A
REFORMA DA PREVIDÊNCIA (EC 103/2019) - Luís Paulo Petersen Andreazza.......
........................................................................................................................................... 166

OS RISCOS INCERTOS DA UTILIZAÇÃO DOS NANOMATERIAIS


MANUFATURADOS NO AMBIENTE LABORAL E A PROTEÇÃO
PREVIDENCIÁRIA À SÁUDE DO TRABALHADOR- Mariana Petry ...................... 180

PROCESSO ADMINISTRATIVO PREVIDENCIÁRIO: O PRÉVIO REQUERIMENTO


ADMINISTRATIVO E INTERESSE EM AGIR COMO CONDIÇÃO PARA A
PROPOSITURA DE AÇÃO JUDICIAL CONTRA O INSS. Pablo Rubens Herlinger dos
Santos ................................................................................................................................ 194

REFORMA DO DIREITO PREVIDENCIÁRIO E SEUS IMPACTOS


SOCIOECONÔMICOS NO PÓS PANDEMIA - Pedro José de Sousa Santos ............ 209

LIMBO JURÍDICO PREVIDENCIÁRIO-TRABALHISTA: A RESPONSABILIDADE


INDENIZATÓRIA EM FACE DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA - Ramiro Rodrigues Vargas ........................................................................ 222

A (IN)OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA EDO


ADOLESCENTE NO DIREITO PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO- Rosmeri de
Almeida ............................................................................................................................. 245

O ARTIGO 40 §, 4º, DA CF 88, SUAS ALTERAÇÕES POR MEIO DE EMENDAS


CONSTITUCIONAIS E A APOSENTADORIA ESPECIAL DO SERVIDOR PÚBLICO -
Rosmeri de Almeida ........................................................................................................ 258

A CRIANÇA E O ADOLESCENTE SOB GUARDA NO ROL DE DEPENDENTES


PREVIDENCIÁRIOS A PARTIR DO JULGAMENTO DAS ADIS 4878/DF E 5083/DF -
Silvia Resmini Grantham................................................................................................ 274
9

O ALCANCE DA PENSÃO DE MORTE DEVIDO A REFORMA DA PREVIDÊNCIA:


UMA ABORDAGEM FRENTE A REDUÇÃO DA RENDA MENSAL DO BENEFÍCIO -
Suelem da Costa Silva ..................................................................................................... 291

O RISCO DE RETROCESSO SOCIAL NO USO DA AUTOCOMPOSIÇÃO NAS AÇÕES


PREVIDENCIÁRIAS - Suelen Isabel Estevam da Silva .............................................. 305
10

PREFÁCIO

É com alegria que recebemos o convite para prefaciar a presente coletânea de artigos
desenvolvida por estudiosos do Direito Previdenciário, obra desenvolvida pela Escola
Superior de Advocacia da OAB/RS, em parceria com a Comissão de Seguridade Social da
OABRS e Grupo de Estudos de Direito Previdenciário da ESA/OABRS. Finalizando, assim,
o triênio 2019-2021 da nossa ordem gaúcha, com mais uma parceria entre a ESA e CSS,
união que marcou diversos cursos e eventos com grande adesão nesses três anos.
Nesse contexto, é de ser feito um agradecimento e, mais do que isso, um
reconhecimento aos nomes de Ricardo Breier, Presidente da OAB/RS, que tantas conquistas
possibilitou para a Seguridade Social em sua gestão, e de Rosângela Herzer dos Santos,
Diretora-Geral da ESA, por ter colocado o Direito Previdenciário como área de destaque da
Escola Superior de Advocacia. No mais, importante destacar a participação dos colegas Luís
Paulo Petersen Andreazza e Alexandre Torres Petry, que com seu esmero e
comprometimento possibilitaram a edição deste livro, além de realizarem um trabalho
primoroso nas suas funções vinculadas à ESA.
A temática que propusemos, Nova Previdência, termo surgido a partir da EC 103/19,
também possui, além da importância científica e teórica, estreita relação com a atividade da
Comissão de Seguridade Social no último triênio. A CSS participou intensa e ativamente
dos debates sobre o texto, tendo apresentado, através de parlamentares ou mesmo
diretamente em encontros com os relatores na Câmara e Senado, modificações para corrigir
distorções ou melhorar a sistemática previdenciária nacional, tendo obtido aceitação em
diversos de seus pleitos.
De outro lado, também foi promovido, pela OAB/RS, através da Comissão de
Seguridade Social, dezenas de audiências públicas em 2019 para aproximar a população da
realidade das modificações, bem como promover um debate democrático a respeito do tema.
Aquele foi um momento de intensa atividade da nossa comissão, até então uma comissão
especial, hoje elevada ao nível de comissão permanente dentro da OAB/RS.
Portanto, a ordem gaúcha ajudou, no episódio da reforma, a moldar um pouco da
história do Brasil. E, de outro lado, passados mais de dois anos das modificações, o país
começa a adaptar-se às alterações trazidas, surgindo calorosos debates sobre vários pontos
desse novo sistema de seguridade, muitos abordados nos artigos que apreciaremos na
presente obra.
A coletânea está deveras interessante há riqueza de conteúdo. Atrelado ao escopo
geral de reflexão sobre as relações previdenciárias e assistenciais, a obra recorta faixas desse
complexo ramo do direito para desenvolver os raciocínios específicos, possibilitando, assim,
aprofundamento de conteúdos.
Aproveitamos a oportunidade para também agradecer a todos os membros da
Comissão de Seguridade Social pela confiança e pelo trabalho nesse triênio, bem como aos
11

colegas do Grupo de Estudos e todos os integrantes da nossa ESA/OABRS, por toda a


parceria desenvolvida, coroada, nesse momento, com a presente obra.
Convidamos, então, a uma profícua e prazerosa leitura!
Tiago Beck Kidricki
Presidente da Comissão de Seguridade Social da OAB/RS
12

APRESENTAÇÃO

A promulgação da Emenda Constitucional nº 103/2019 trouxe expressivas


modificações na legislação previdenciária a partir da alteração do sistema de previdência
social com o estabelecimento de regras de transição e com disposições transitórias. Nesse
sentido, considerando que o direito deve acompanhar as mudanças sociais, a reforma da
previdência gera debates, reflexões e estudos.
Diante do cenário de recentes alterações legislativas e de temas atuais, a Escola
Superior de Advocacia (ESA), em conjunto com a Comissão Especial de Seguridade Social
(CESS) da OAB/RS e o Grupo de Estudos de Direito Previdenciário da ESA-OAB/RS,
organizou o presente E-book intitulado “Direito Previdenciário: a nova Previdência”, sob a
coordenação de Alexandre Torres Petry, Diretor da Revista Eletrônica da ESA; Tiago Beck
Kidricki, Presidente da Comissão de Seguridade Social (CSS) da OAB/RS; Luís Paulo
Petersen Andreazza, moderador do Grupo de Estudos de Direito Previdenciário da ESA-
OAB/RS; Ricardo Ferreira Breier, Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil -
Seccional do Rio Grande do Sul; e Rosângela Maria Herzer dos Santos, Diretora-Geral da
Escola Superior de Advocacia (ESA).
A obra é composta por artigos que abordam temas atuais a partir de interpretações
sobre o controle judicial da Emenda Constitucional nº 103/2019 à luz das posições
externadas pelo Supremo Tribunal Federal; da análise da importância da Seguridade Social,
especialmente no que se refere à Assistência Social e o papel das entidades beneficentes de
assistência social que são contempladas com imunidade tributária; e da análise dos impactos
socioeconômicos da reforma previdenciária pós pandemia.
A questão de gênero, uma pauta importante no direito previdenciário, também é
objeto de artigos, inclusive, com uma abordagem sobre o processo administrativo
previdenciário; as repercussões jurídicas do instituto do concubinato são dissertadas em
relação ao benefício previdenciário de pensão por morte; assim como são apresentadas
reflexões sobre a inclusão da criança e do adolescente sob guarda no rol de dependentes
previdenciários.
A atividade especial, o ambiente de trabalho e o benefício de aposentadoria especial
- inclusive o do servidor público - são temas tratados a partir da aplicação das normas
constitucionais e dos entendimentos jurisprudenciais; além disso, os benefícios
previdenciários por incapacidade foram objeto de análise em relação a relevância do
reconhecimento do caráter acidentário após a reforma previdenciária; e também, o
interpretações sobre o limbo jurídico previdenciário e trabalhista do segurado do Regime
Geral de Previdência Social foi apresentado através de análise doutrinária e jurisprudencial.
Os segurados especiais e as regras para a concessão de benefício de aposentadoria
contemplaram estudos sobre a idade mínima do tempo de contribuição para fins de
aposentadoria rural e a comprovação do tempo de atividade rural, que permitem maior
clareza e segurança jurídica para o segurado especial.
13

Importantes temas que contemplam a obra também se referem ao processo


administrativo, a partir de um estudo jurisprudencial e da identificação das situações em que
há a necessidade do prévio requerimento administrativo em matéria previdenciária no
Regime Geral de Previdência Social. E também do estudo da alteração da legislação
previdenciária que estabeleceu uma nova base de cálculo para o benefício de pensão por
morte, sob o fundamento de equilíbrio das contas da Previdência Social; bem como de
interpretações sobre a autocomposição nas ações judiciais previdenciárias em relação ao
risco de retrocesso social referente a efetiva proteção do direito do segurado.
A obra “Direito Previdenciário: a nova Previdência” permitirá aos seus leitores a
realização de reflexões sobre diversos temas atuais do direito previdenciário e as suas
implicações futuras, as quais são pertinentes à advocacia, a comunidade acadêmica e à
sociedade.
Boa leitura!

Luís Paulo Petersen Andreazza


Coordenador do grupo de estudos de Direito Previdenciário
14

O CONTROLE JUDICIAL DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 103/2019:


UMA ANÁLISE A PARTIR DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL

Alberto Luiz Hanemann Bastos (autor)1


Erick Kiyoshi Nakamura (coautor) 2

Resumo: O artigo disserta sobre o controle judicial da Emenda Constitucional no 103/2019,


levando em consideração as posições externadas pelo Supremo Tribunal Federal no
reconhecimento da inconstitucionalidade de disposições de Emendas Constitucionais,
competência não prevista expressamente no texto constitucional. Apresenta como o Tribunal
previu, por construção jurisprudencial feita desde 1991, a sua competência para promover o
controle judicial de Emendas à Constituição quando vislumbrada violação de cláusulas
pétreas. Mostra a extensão interpretativa que o Tribunal tem conferido ao artigo 60, § 4º, IV,
da Constituição, traçando um panorama sobre a atuação do Tribunal no julgamento da
Emenda Constitucional nº 20/98 na ADI nº 1.946-MC/DF. Por fim, aponta os motivos pelos
quais o direito à Previdência Social é contemplado pela cláusula pétrea do inciso citado e,
com base nessa premissa, indica prognósticos para um possível controle judicial da Emenda
no 103/19, a partir da análise da (in)constitucionalidade da instituição de idade mínima para
a aposentadoria especial.

Palavras-chave: Emendas Constitucionais; Reforma Previdenciária; Emenda


Constitucional no 103/19; cláusulas pétreas.

1. INTRODUÇÃO

O impulso de preservação da vida humana está intimamente associado ao


reconhecimento de seu caráter precário. De acordo com as consagradas meditações de Judith
Butler, reconhecer que uma vida é digna de proteção significa admitir a existência de um
corpo que necessita de recursos básicos para a sua sobrevivência, o que implica assumir o
compromisso coletivo de prover-lhe as condições para a amenização das precariedades que
o permeiam.3

1
Mestrando em Direitos Humanos e Democracia pela Universidade Federal do Paraná. Pós-graduando em
Processo Civil pelo Instituto Romeu Felipe Bacellar. Advogado inscrito na OAB/PR sob o no 103.161. E-mail:
alberto.bastos.1997@gmail.com.
2
Mestrando em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com bolsa CAPES/PROEX.
Bacharel em Direito pela UFPR. Pesquisador do Núcleo de Investigações Constitucionais da UFPR. E-mail:
erick.k.nakamura@gmail.com.
3
“Afirmar que uma vida pode ser lesada, por exemplo, ou que pode ser perdida, destruída ou sistematicamente
negligenciada até a morte é sublinhar não somente a finitude de uma vida (o fato de que a morte é certa), mas
também sua precariedade (porque a vida requer que várias condições sociais e econômicas sejam atendidas
para ser mantida como vida)” (BUTLER, 2018, p. 31).
15

Nesse contexto, certamente a Previdência Social figura como um elemento


indispensável para a outorga das condições necessárias à atenuação da precariedade da vida
humana. A par das especificidades de cada ordenamento jurídico, os diversos sistemas de
Seguridade Social adotados ao redor do globo têm, em sua essência, o objetivo de resguardar
a população dos riscos socialmente produzidos (MOORE, 2011, p. 7-8). Em razão da
precarização do trabalho, das desigualdades sociais, do crescente índice de desemprego e de
diversos outros fenômenos do mundo pós-moderno, inúmeras pessoas são arremessadas em
cenários nos quais não ostentam condições para que as suas precariedades sejam amainadas
de maneira autônoma.4
Quando acometidos por uma moléstia, os trabalhadores e as trabalhadoras carecem
da saúde necessária para galgar a sua remuneração mensal. Quando atingem a idade
avançada, as pessoas não possuem o vigor físico necessário para perpetuarem o exercício da
profissão. E, quando um dos membros mantenedores do núcleo familiar vem à óbito, os
pares remanescentes não conseguem arcar com as suas despesas usuais.
Em suma, os benefícios previdenciários são prestações pecuniárias que visam fazer
frente aos riscos sociais que causam óbices para os indivíduos que trabalham ou auferem
rendimentos de maneira autônoma (CASTRO; LAZZARI, 2020, p. 20). Desta forma, não há
dúvidas de que os benefícios previdenciários consubstanciam prestações indispensáveis para
o acesso ao mínimo existencial, eis que, sem eles, a integridade física e psicológica dos
trabalhadores e das trabalhadoras é gradativamente consumida pelo risco social que os
acomete. A fruição de uma vida digna é praticamente impossível sem a outorga da proteção
previdenciária respectiva (SERAU JUNIOR, 2020, p. 192).
No entanto, os influxos sociopolíticos do cenário brasileiro têm dado azo à
promulgação de uma série de alterações legais e constitucionais de recorte neoliberal que,
no intuito de instaurar uma cruzada contra o suposto “rombo da Previdência”, têm restringido
e, por vezes, obstado completamente o acesso à Previdência Social (SERAU JUNIOR;
PANCOTTI, 2020).
Esse fenômeno pode ser claramente vislumbrado na promulgação da Emenda
Constitucional no 103/19, eis que esta, valendo-se da narrativa de que se fazia necessária

4
Essa constatação não está adstrita à realidade brasileira. A título exemplificativo, pode-se mencionar os
escritos de Lawrence Thompson e Melinda Upp, os quais aquilatam que, “na medida em que os Estados Unidos
passaram de uma sociedade agrária para uma sociedade industrial, o suporte familiar intergeracional
enfraqueceu. As profissões criadas nas cidades providenciaram novas oportunidades, mas também maiores
riscos. O número de pessoas idosas indigentes cresceu rapidamente, excedendo, em muito, a capacidade das
instâncias de caridade privadas” (THOMPSON; UPP, 1997, p. 3).
16

uma diminuição dos gastos suportados pelo INSS “para que o sistema não quebre”,5
engendrou inúmeras modificações nas regras constitucionais atinentes à concessão de
benefícios previdenciários. Todavia, o Congresso Nacional, na açodada intenção de
restringir os gastos da Previdência Social, encartou inúmeras disposições de duvidosa
constitucionalidade, conforme diuturnamente denunciado pela doutrina.
Vê-se, então, um latente paradoxo. De um lado, os benefícios previdenciários se
mostram essenciais para a consecução do mínimo-existencial, motivo pelo qual incorporam
direitos fundamentais que devem ser implementados em sua máxima efetividade
(CANOTILHO, 1993, p. 227). De outro, porém, visualiza-se um crescente desmantelamento
das redes de proteção social através da promulgação de sucessivas reformas nas disposições
constitucionais responsáveis por regulamentar a Previdência Social.
Deste cenário, algumas incógnitas vêm a lume: o texto constitucional possibilita a
revisão judicial de Emendas Constitucionais? Possui, em caso positivo, o Supremo Tribunal
Federal legitimidade para, mediante o exercício do controle de constitucionalidade, minar a
eficácia das Emendas Constitucionais que restringem ou impedem desmedidamente o acesso
à benefícios previdenciários? Pode, desta forma, ser declarada a inconstitucionalidade de
disposições da EC no 103/2019 que ferem o núcleo-duro do acesso à Previdência Social?
Com o objetivo de fornecer algumas respostas a essas indagações, o presente artigo
é dividido em quatro etapas. Na primeira delas, descreve de que modo o Supremo Tribunal
Federal, por construção jurisprudencial feita desde 1991, previu a sua competência para
promover o controle judicial de Emendas Constitucionais que infringem cláusulas pétreas.
Na segunda, analisa a extensão interpretativa que a Corte tem conferido à expressão “direitos
e garantias individuais”, inserta no artigo 60, § 4º, inciso IV, da Constituição, especialmente
ao traçar um panorama sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal no julgamento da
Emenda Constitucional nº 20/1998 na ADI nº 1.946-MC/DF. Na terceira, aponta possíveis
prognósticos de controle judicial da Emenda Constitucional no 103/2019, a partir da análise
da (in)constitucionalidade das modificações engendradas no instituto da aposentadoria
especial. Por fim, apresenta as conclusões finais logradas ao longo do estudo.

5
Faz-se alusão ao discurso emitido pela Presidência da República na data de 20 de fevereiro 2019, ocasião na
qual o Chefe do Poder Executivo, após remeter o projeto de Reforma Previdenciária (PEC 6/2019) ao
Congresso Nacional, declarou: “hoje iniciamos a criação de uma nova Previdência [...] é fundamental
equilibrarmos as contas do país para que o sistema não quebre, como já aconteceu com alguns países e em
alguns estados brasileiros” (https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/02/20/reforma-e-fundamental-para-
que-previdencia-nao-quebre-diz-bolsonaro-em-pronunciamento.ghtml. Acesso em: 18 jul. 2021).
17

2. O CONTROLE JUDICIAL DE EMENDAS CONSTITUCIONAIS: UMA


CONSTRUÇÃO JURISPRUDENCIAL

Dentre as competências do Supremo Tribunal Federal, insere-se, segundo o artigo


102, inciso I, alínea a, da Constituição, o processamento e o julgamento da “ação direta de
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual”. Vê-se que, pela
literalidade do texto constitucional, não houve autorização constitucional expressa ao
Supremo Tribunal Federal para promover a revisão judicial de Emendas Constitucionais,
mas apenas de leis e de atos normativos federais e estaduais.
Não obstante, parte da literatura defende a possibilidade de o Tribunal realizar esse
controle de constitucionalidade por uma interpretação extensiva do artigo. Luís Roberto
Barroso vê nele a possibilidade de controle de quaisquer “espécies normativas constantes do
elenco do art. 59 do texto constitucional” (BARROSO, 2004, p. 129). Assim, a expressão
“ato normativo” veiculada na alínea a do inciso I do artigo 102 da Constituição comportaria
leitura abrangente, de modo a contemplar Emendas Constitucionais, leis complementares,
ordinárias ou delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções.
Ainda, o controle judicial de Emendas Constitucionais é defendido por parte da
doutrina em razão das limitações materiais que a Constituição prescreve para a sua reforma
no artigo 60, § 4º, em especial aos direitos fundamentais. Nesse sentido, Oscar Vilhena
Vieira defende a necessidade de que as normas violadoras de direitos fundamentais, mesmo
quando incorporadas ao status de normas constitucionais, sejam consideradas inválidas, por
serem essas cláusulas um “instrumento de limitação de qualquer maioria que se manifeste
dentro do sistema político, por mais qualificada que seja” (VIEIRA, 2006, p. 49).
A despeito das críticas doutrinárias tecidas ao controle judicial de Emendas
Constitucionais,6 a própria Corte se diz competente para assim proceder. Após a
promulgação da Constituição de 1988, essa hipótese foi aventada pela primeira vez na Ação
Direta de Inconstitucionalidade nº 466/DF, de 1991 (STF, ADI 466/DF, j. 03/04/1991). A
partir daí, o Tribunal construiu sua jurisprudência para afirmar a sua competência ao controle
de constitucionalidade em face de Emendas Constitucionais.

6
Para Conrado Hubner Mendes, por exemplo, esse modo de controle judicial pode levar a um possível
paradoxismo, pois, nesse cenário, “para suplantar uma decisão do STF que discorde do reformador
constitucional, somente uma ruptura ou uma convocação constituinte” (MENDES, 2008, p. 11).
18

Vários foram os fundamentos utilizados para esse desiderato, a começar pelo uso da
teoria dos limites do poder reformador para sustentar a competência do Supremo Tribunal
Federal para realizar o controle nas hipóteses de Emenda à Constituição. 7 Nesse sentido,
apregoou que o poder de reforma da Constituição, ao contrário do poder constituinte
originário, não pode desrespeitar o núcleo de intangibilidade constante no artigo 60, § 4º, da
Constituição e que, caso isso se proceda, é dever do Tribunal atuar para ceifar o vício.
Outrossim, a Corte apoia a sua competência por se afirmar como o guardião da
Constituição em decorrência de uma leitura do artigo 102, caput, e inciso I, alínea a, que
alegadamente daria suporte à tese da supremacia judicial, a qual sobrepõe o Judiciário aos
demais Poderes da República. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 830/DF, julgada
em 14/04/1993, o Ministro Moreira Alves expressou tal pensamento ao afirmar que “na
guarda da observância desta [da Constituição], está ele [Poder Judiciário] acima dos demais
Poderes, não havendo, pois, que falar-se a esse respeito, em independência de Poderes”
(STF, ADI 830/DF, j. 14/04/1993).
Ainda, vê-se que o Supremo Tribunal Federal já se colocou como competente para
promover a revisão judicial de Emendas Constitucionais não apenas nos casos de violação
de cláusulas pétreas explícitas, mas também de cláusulas pétreas implícitas.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 830/DF se coloca de exemplo desse
aspecto. Nela, o STF se pôs a analisar se a alteração da data do plebiscito previsto no artigo
2º do ADCT, proposta pela Emenda Constitucional nº 2/1992, usurpou da competência do
poder constituinte originário, ferindo cláusula pétrea implícita. Apesar de não ter acolhido
tal tese, a posição majoritária do Tribunal assentou que

[...] não há dúvida de que, em face do novo sistema constitucional é o STF


competente para, em controle difuso ou concentrado, examinar a
constitucionalidade, ou não, de emenda constitucional - no caso a nº 2, de 25 de
agosto de 1992 - impugnada por violadora de cláusulas pétreas explícitas ou
implícitas. (STF, ADI 830/DF, j. 14/04/1993)

Portanto, vê-se que, no atual estado da arte, o Supremo Tribunal Federal, por
construção jurisprudencial feita desde 1991, prevê a sua competência, no controle abstrato e
no controle concreto, para promover o controle judicial de Emendas Constitucionais sempre

7
Fizeram expressamente uso dessa teoria os seguintes julgados: STF, ADI 466/DF, j. 03/04/1991; STF, ADI
830/DF, j. 14/04/1993; STF, ADI 926-MC/DF, j. 01/09/1993; STF, ADI 981-MC/PR, j. 17/12/1993; STF, ADI
1.420-MC/DF, j. 17/05/1996; STF, 1.946/DF-MC, j. 29/04/1999; STF, ADI 1.946/DF, j. 03/04/2003; STF,
ADI 3.105/DF, j. 18/08/2004; STF, ADI 3.128/DF, j. 18/08/2004 (Voto Min. Ellen Gracie); STF, ADI 2.356-
MC/DF, j. 25/11/2010; STF, ADI 2.362-MC/DF, j. 25/11/2010.
19

que houver violação de cláusulas pétreas, sejam elas explícitas ou implícitas ao texto
constitucional.

3. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS CONTEMPLADOS NA LEITURA DO


ARTIGO 60, § 4º, IV, DA CONSTITUIÇÃO E A DECLARAÇÃO DE
INCONSTITUCIONALIDADE DA APLICAÇÃO DA EMENDA
CONSTITUCIONAL Nº 20/1998 À LICENÇA-GESTANTE

Ao considerar possível o controle judicial de Emendas Constitucionais, as limitações


materiais que a Constituição prescreve para a sua reforma no artigo 60, § 4º, tornam-se um
elemento fundamental para a composição do raciocínio decisório empregado pela Corte. Isso
porque, se compete ao Poder Judiciário aferir as hipóteses em que as normas de Emendas
Constitucionais infringem cláusulas pétreas da Constituição, torna-se necessário, antes de
mais nada, definir qual o conteúdo e a extensão das cláusulas pétreas instaladas pelo
constituinte originário.
Textualmente, as cláusulas pétreas dispostas nos quatro incisos do § 4º do artigo 60
da Constituição são a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e
periódico; a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais. Nada obstante, as
leituras que o Tribunal conferiu à expressão do inciso IV, consistente nos “direitos e
garantias individuais”, demonstram a indeterminabilidade do conteúdo jurídico contido na
cláusula constitucional.
Em primeiro lugar, ao verificar a constitucionalidade das Emendas Constitucionais,
o Supremo expandiu, por diversas vezes, a noção contida no artigo 60, § 4º, IV, pela cláusula
de abertura adotada no artigo 5º, § 2º da Constituição – esta, como cediço, conferiu natureza
materialmente constitucional aos direitos e garantias implícitos na Constituição, bem como
aos insculpidos nos tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte
(PIOVESAN, 2016, p. 124).
Essa leitura ampla desse inciso da Constituição pode ser claramente vislumbrada nos
julgamentos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 939-MC/DF (STF, ADI 939-MC, j.
05/09/1993) e da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.685/DF (STF, ADI 3.685/DF,
j. 22/03/2006), ocasiões em que, respectivamente, os princípios da “anterioridade tributária”
e da “anterioridade eleitoral” foram qualificados como integrantes do grupo de direitos e
garantias individuais que configuram limites materiais à atividade do legislador reformador.
20

Vislumbra-se, desta forma, que o Tribunal tem ido além da literalidade do artigo 60,
§ 4º, inciso IV, da Constituição, para compreender que a expressão “direitos e garantias
individuais” devem contemplar, na verdade, todos os direitos fundamentais e humanos. É o
que se verifica no pensamento aventado pelo Ministro Carlos Velloso no julgamento da
medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.497/DF, de acordo com o qual
“os direitos e garantias individuais, referidos no art. 60, § 4º, IV, da Constituição, são, na
verdade, direitos fundamentais, os denominados direitos humanos. Não são qualquer direito,
portanto, mas direitos fundamentais, direitos humanos” (STF, ADI 1.497-MC/DF, j.
09/10/1996).
Apesar dessa constatação, não há entendimento unânime acerca de quais direitos
estariam abarcados nessa cláusula pétrea, sendo possível verificar diferentes concepções nos
votos dos Ministros e das Ministras do Supremo Tribunal Federal.
No próprio julgamento da medida cautelar da ADI nº 1.497/DF, por exemplo,
destacaram-se as posições dos Ministros Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence. Para o
Ministro Carlos Velloso, entende-se por “direitos e garantias individuais” os fundamentos,
objetivos e princípios da República Federativa do Brasil, instaurados, respectivamente, nos
artigos 1º, 3º e 4º da Constituição; assim como as chamadas têtes de chapitres, que consistem
nos direitos inscritos no caput do artigo 5º; somados àqueles que, nos incisos desse
dispositivo, constituem desdobramentos daqueles títulos (STF, ADI 1.497-MC, j.
09/10/1996). Já para o Ministro Sepúlveda Pertence, não seria admissível que se
estabelecessem critérios abstratos a priori para definição desse núcleo de “direitos e
garantias individuais” (STF, ADI 1.497-MC, j. 09/10/1996).
Nota-se, portanto, que pairam sucessivas controvérsias sobre a delimitação exata do
alcance da expressão “direitos e garantias fundamentais”. Por se tratar de uma expressão
aberta, dotada de um inevitável grau de equivocidade (GUASTINI, 2014, p. 62-71), é
evidente que é passível de diferentes leituras. Alguns hermeneutas tendem a outorgar uma
interpretação extensiva ao referido dispositivo, de modo a expandir os direitos englobados
pelo artigo 60, § 4º, inciso IV, da Constituição; outros, ao seu turno, tendem a outorgar uma
conotação mais restritiva ao dispositivo constitucional, inserindo nele tão somente as
prerrogativas indispensáveis para o usufruto de uma vida digna.8

8
Em certa medida, este é o debate travado pelos constitucionalistas a respeito da definição do suporte fático
amplo ou restrito dos direitos fundamentais, conforme pode ser notado em: SILVA, 2010, p. 79-113.
21

Apesar disso, há um significativo consenso, tanto no âmbito jurisprudencial, quanto


no âmbito doutrinário, de que os direitos fundamentais que compõem referida cláusula pétrea
não se esgotam no rol de garantias inscrito no artigo 5º da Constituição, mas podem ser
localizados em ambientes normativos diversos, porquanto a identificação dos direitos
fundamentais é norteada por “um sistema aberto e flexível, receptivo a novos conteúdos e
desenvolvimentos, integrado ao restante da ordem constitucional, além de sujeito aos
influxos do mundo circundante” (SARLET, 2018, p. 187).
Nessa linha hermenêutica, as garantias de cunho econômico e social, insertos no
artigo 6º da Constituição, também são erigidas como direitos fundamentais de estatura
idêntica àquela vislumbrada no rol do artigo 5º, razão pela qual estão sujeitas ao mesmo
regime de aplicabilidade direta e imediata (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2016, p.
618-624). Vê-se, daí, que o constituinte determinou o cumprimento dos direitos sociais por
meio de ações estatais de índole positiva, sem promover qualquer distinção entre os tipos de
direitos fundamentais (civis, políticos, econômicos, sociais e culturais).9
E o direito à Seguridade Social – subdividido nos campos da Saúde, da Previdência
e da Assistência Social – é corolário dessas premissas, uma vez que se presta a viabilizar o
acesso de todos ao “mínimo existencial”, isto é, às garantias indispensáveis para que os
indivíduos tenham a possibilidade de definir os rumos da própria existência e integrar a vida
comunitária (SARLET, 2001, p. 60).
Ocorre que o Direito Previdenciário, em sua essência, está intimamente ligado à
noção de risco social. Por mais acautelado que se comporte em sua vivência cotidiana,
inevitavelmente o ser humano será acometido por algum fator de risco que o impedirá de
lograr recursos para prover as necessidades próprias e a de seus dependentes, sejam eles a
doença, a idade avançada, a morte de um ente familiar ou o desemprego (CASTRO;
LAZZARI, 2020, p. 20).
Quando acometidos por algum desses riscos sociais, a proteção da sua dignidade
humana estará condicionada à prestação de amparo estatal que mitigue as suas
vulnerabilidades financeiras e existenciais, vez que, sem isso, os prejuízos causados pela
doença, pela idade avançada ou pelas demais contingências se tornarão irreversíveis.

9
A propósito, a doutrina já enunciou, há muito, que não existe qualquer distinção no que diz respeito ao custo
de manutenção desses diferentes plexos de direitos pelo Estado. Conforme a consagrada tese de Stephen
Holmes e Cass Sunstein, todos os direitos possuem um custo, sejam eles afeitos à manutenção da liberdade,
sejam eles ligados a garantias prestacionais. Para maiores informações: HOLMES; SUNSTEIN, 2019.
22

Basta cogitar que, em caso de acidente de trabalho repentino, cuja ocorrência culmina
em invalidez, a sobrevivência do indivíduo está ligada à obtenção de uma renda paralela à
remuneração oriunda do exercício da profissão. Do mesmo modo, quando um membro
indispensável para a manutenção do núcleo familiar vem à óbito, as necessidades básicas
dos integrantes e das integrantes remanescentes dependem da outorga de rendimentos
capazes de suprir a ausência do de cujus.
De situações desse jaez, despontam os benefícios previdenciários responsáveis pela
manutenção das necessidades básicas dos indivíduos (SERAU JUNIOR, 2020, p. 22): a
aposentadoria por invalidez ao trabalhador que é acometido por moléstia que o incapacita
permanentemente para o exercício de suas atividades laborativas habituais (artigos 42 a 45
da Lei nº 8.213/91); a aposentadoria por idade ao indivíduo que não ostenta mais vigor físico
para continuar na profissão (artigos 48 a 51 da Lei nº 8.213/91); a pensão por morte aos
dependentes do segurado que veio à óbito (artigos 74 a 78 da Lei nº 8.213/91). Sem o amparo
da Previdência Social, o acesso ao mínimo-existencial resta completamente inviabilizado.
Ao fim, conforme apontam José Antonio Savaris e Maria Amelia Flauzino
Gonçalves, “é justamente a vulnerabilidade dos indivíduos em face dos riscos sociais que
reclama a elaboração e a implementação de políticas públicas de segurança social”, pois
essas “consubstanciam ações coordenadas de proteção dos indivíduos frente aos diferentes
estados de necessidade, assegurando-lhes condições dignas de subsistência em meio a tais
adversidades” (2018, p. 27).
Os benefícios previdenciários são dotados de jusfundamentalidade material,
consubstanciando-se em direitos subjetivos indispensáveis à tutela da dignidade da pessoa
humana (SERAU JUNIOR, 2020, p. 190-191). Essa magnitude dos direitos da Previdência
Social denota a sua íntima vinculação com os desígnios subjacentes à cláusula pétrea
referente aos direitos fundamentais, pois, se se tratam de prerrogativas elementares para o
usufruto de uma vida digna, é pouco mais que evidente que o sistema constitucional deve
assegurar a sua perpetuação (CORREIA, 2004, p. 310-313).
Por isso, as garantias ligadas à Previdência Social estão blindadas de alterações via
Emenda Constitucional que desnaturem o seu desiderato de proteção da dignidade humana
(SERAU JUNIOR, 2020, p. 58-59). É isso, pois, que se prestam a proteger os direitos e
garantias contemplados no núcleo de intangibilidade constitucional.
Referido entrelaçamento dos direitos sociais às cláusulas pétreas da Constituição já
foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal, no bojo das discussões referentes ao
23

controle judicial de Emendas Constitucionais. Tem-se, como exemplo, a Ação Direta de


Inconstitucionalidade nº 1.496/DF, cuja medida cautelar foi referendada em 29/04/1999 e,
posteriormente, confirmada na data de 03/04/2003 (STF, ADI 1.946-MC/DF, j. 29/04/1999;
STF, ADI 1.946/DF, j. 16/05/2003).
No referido julgamento, o Tribunal discutia a constitucionalidade do artigo 14 da
Emenda Constitucional no 20/1998, responsável por limitar o valor pecuniário dos benefícios
previdenciários no importe máximo de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais) mensais. O
dispositivo, em sua redação originária, veiculava a seguinte redação:

Art. 14. O limite máximo para o valor dos benefícios do regime geral da
previdência social de que trata o art. 201 da Constituição Federal é fixado em R$
1.200 (um mil e duzentos reais), devendo, a partir da data da publicação desta
Emenda, ser reajustado de forma a preservar, em caráter permanente, seu valor
real, atualizado perante os mesmo índices aplicados aos benefícios do regime geral
da previdência social.

O Partido Socialista Brasileiro (PSB), proponente da ação, requereu a suspensão da


Emenda Constitucional nº 20/1998 em sede de medida cautelar. Levada à discussão, a
controvérsia sobre a norma versou sobre a inconstitucionalidade que essa disposição causaria
nos benefícios de salário-maternidade.
A licença-gestante, que enseja a concessão dos benefícios de salário-maternidade,
consoante os artigos 71 e 71-A da Lei nº 8.213/91, trata-se de uma prestação pecuniária
ofertada pelo Estado às seguradas da Previdência Social que venham a exercitar a
maternidade, seja pela concepção biológica, seja pela adoção.
Uma vez submetida à condição de gestante ou obtida a guarda judicial de adoção, é
admitido que a segurada aufira renda substitutiva do salário durante o período de 28 (vinte e
oito) dias antes de assumir a condição efetiva de mãe, até o período de 120 (cento e vinte)
dias após essa data. A finalidade desse benefício é a de possibilitar o afastamento temporário
daquela que virá a ser mãe de sua atividade laborativa habitual, para que sejam criados laços
socioafetivos com o filho. Além disso, o benefício possui um viés de proteção dos direitos
do nascituro e/ou da criança adotada para assegurar o seu direito à convivência familiar no
período inicial de formação da sua personalidade, em observância aos desígnios do art. 227,
caput, da Constituição.
Como reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da medida cautelar
na ADI nº 1.496/DF, há intrínseca relação do salário-maternidade com o comando insculpido
no artigo 7º, XVIII, da Constituição, segundo o qual se reconhece a “licença à gestante, sem
prejuízo do emprego ou do salário” (STF, ADI 1.946-MC/DF, j. 29/04/1999).
24

Cotejando-se as disposições do salário-maternidade com o artigo 7º, XVIII, da


Constituição, é possível inferir que o amparo estatal da maternidade não se restringe somente
à mera concessão do benefício; mas engloba o fato de que, nesse período de construção de
laços familiares, o salário auferido pela gestante ou adotante deve se manter equivalente
àquele percebido durante o exercício regular de sua função.
Nesse sentido, no julgamento da medida cautelar na referida ação, o Tribunal emitiu
a seguinte interpretação sobre o artigo 14 da Emenda Constitucional no 20/1998:

[...] se se entender que a Previdência Social, doravante, responderá apenas por R$


1.200,00 (hum mil e duzentos reais) por mês, durante a licença da gestante, e que
o empregador responderá, sozinho, pelo restante, ficará sobremaneira, facilitada e
estimulada a opção deste pelo trabalhador masculino ao invés da mulher
trabalhadora. [...]
Estará, ainda, conclamando o empregador a oferecer à mulher trabalhadora,
quaisquer que sejam suas aptidões, salário nunca superior a R$ 1.200,00, para não
ter que responder pela diferença. (STF, ADI 1.946/DF, j. 29/04/1999)

Assim, o Tribunal conferiu interpretação conforme à Constituição ao artigo 14 da


Emenda Constitucional no 20/1998, com eficácia ex tunc, para afastar o limite máximo de
R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais) à licença gestante. Nos termos da decisão exarada pelo
pretório excelso, a mãe “continuará percebendo o salário que lhe vinha sendo pago pelo
empregador, que responderá também pelo ‘quantum’ excedente a R$ 1.200,00, por mês, e o
recuperará da Previdência Social, na conformidade da legislação vigente” (STF, ADI
1.946/DF, j. 29/04/1999).
Ao assim decidir, a Corte Constitucional se apoiou no fundamento de que a restrição
do acobertamento previdenciário da maternidade acarreta violação aos direitos fundamentais
que integram – pela visão ampla, mas indeterminada – da cláusula pétrea disposta no artigo
60, § 4º, IV, da Constituição.
Essa posição se aproxima com a das doutrinas de Direito Previdenciário, as quais
enunciam que os benefícios ligados à Seguridade Social substanciam cláusulas pétreas cujos
núcleos não poderiam ser objeto de Emenda Constitucional, inclusive em virtude da
incidência do “princípio da vedação do retrocesso social” (SERAU JUNIOR, 2020, p. 59).
Aproxima-se, mas não se acolhe às inteiras, porquanto o Supremo Tribunal Federal também
tem chancelado inúmeros posicionamentos de restrição aos direitos dos segurados e das
seguradas da Previdência Social, não raramente se valendo de argumentos de índole
econômica e consequencialista para denegar a concessão de benefícios – a título ilustrativo,
pode-se mencionar o recente julgamento do RE nº 1.221.446/RJ, cujo teor restringiu a
25

extensão do adicional de 25% (vinte e cinco por cento) previsto no artigo 45 da Lei nº
8.213/91 a todas as modalidades de aposentadoria (STF, RE 1.221.446/SP, j. 21/06/2021).10
Por isso, faz-se necessário analisar criticamente se pontos sensíveis da Emenda
Constitucional no 103/2019 serão consideradas como violadoras dos direitos fundamentais
sociais pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de controle de constitucionalidade.

4. PROGNÓSTICOS ACERCA DA INCONSTITUCIONALIDADE DA EMENDA


CONSTITUCIONAL Nº 103/2019: O REPRESENTATIVO EXEMPLO DA
INSTITUIÇÃO DE IDADE MÍNIMA PARA A APOSENTADORIA ESPECIAL

Em que pese a jusfundamentalidade do direito à Previdência Social, o Poder


Legislativo, com base nas gramáticas da “reserva do possível” e na necessidade de contenção
do suposto “rombo da Previdência”, intenta constantemente restringir as redes de proteção
social propiciadas pelo INSS (PANCOTTI, 2020, p. 37-45).
A EC no 103/2019 não alterou esse fluxo. De fato, o mote das mudanças engendradas
no sistema constitucional de Previdência Social foi o de restringir, ao máximo, os benefícios
pelo INSS, a fim de mitigar os gastos suportados pela autarquia. Nesse contexto, o equilíbrio
atuarial dos cofres previdenciários assumiu latente protagonismo, ao passo que a dignidade
dos trabalhadores e demais filiados ao sistema foram relegados ao segundo plano.
Em face desse quadro de ampla restrição de direitos, cumpre ao Supremo Tribunal
Federal, no exercício de suas incumbências de resguardo dos direitos e garantias
componentes de cláusula pétrea, analisar criticamente as disposições emanadas pela
Reforma Previdenciária e, quando provocado a tanto, anular as normas do legislador
derivado que infringem o núcleo-duro das garantias ligadas à Previdência Social.
Nessa dinâmica, a análise da (in)constitucionalidade das alterações promovidas no
sistema constitucional previdenciário se dá com esteio no teste da proporcionalidade, o qual
denota que devem ser tidas por constitucionais as restrições a direitos fundamentais que
respeitem o seu conteúdo essencial (SILVA, 2010, p. 206).
O teste da proporcionalidade se faz necessário porque certamente algumas
adaptações na estrutura da Previdência Social tendem a ser necessárias por conta dos

10
A temática foi tratada com profundidade na doutrina de José Antonio Savaris, o qual descreveu a tendência
dos Tribunais de utilizar os princípios da precedência do custeio e do equilíbrio atuarial como uma espécie de
“trunfo” para a denegação massiva de benefícios previdenciários. Trata-se do que o autor criativamente
alcunhou de “argumento alakazam”. Para maiores informações: SAVARIS, 2011.
26

influxos socioeconômicos. Por exemplo, o aumento da idade mínima para aposentação tende
a ser uma mutação aprovada pelo teste da proporcionalidade, na medida em que a majoração
da expectativa de vida da população torna justificável restrições desse jaez no direito
fundamental à Previdência Social. Porém, outras restrições, se demasiadamente severas,
podem infringir o conteúdo essencial do direito fundamental à Previdência Social,
desnaturando as regras e os princípios a ele imanentes, sem aderência aos influxos
socioeconômicos brasileiros e às motivações constitucionalmente fundamentadas.11
Por isso, a análise da Reforma Previdenciária pressupõe o tracejo de uma espécie de
linha demarcatória entre as modificações que sobrevivem ao teste da proporcionalidade e
as alterações que tendem a “subverter o sistema de Seguridade Social inaugurado em 1988,
introduzindo mudanças radicais que o desnaturem, sobretudo afastando-o de sua raiz calcada
no sistema de solidariedade social” (SERAU JUNIOR, 2020, p. 59).
Com fulcro nessas premissas, inúmeros dispositivos da EC nº 103/19 devem ter a sua
constitucionalidade discutida pelo Tribunal, por extrapolarem os limites impostos pelo art.
60, § 4º, inciso IV, da Constituição. Dentre eles, um prognóstico de inconstitucionalidade da
Reforma Previdenciária pode ser localizado nas novas regras referentes à aposentadoria
especial, sobretudo na instituição de uma idade mínima para a concessão do benefício.
Em sua essência, a aposentadoria especial se trata da jubilação precoce destinada aos
indivíduos que, durante a sua carreira profissional, trabalharam expostos a agentes nocivos
de natureza química, física ou biológica (CASTRO; LAZZARI, 2020, p. 594-595). A
doutrina costuma apontar que o objetivo desse benefício é o de compensar os trabalhadores
pela gradativa perda de sua capacidade laborativa (IBRAHIM, 2015, p. 594-595), causada
pela exposição habitual a agentes nocivos ao longo da profissão, e, ao mesmo tempo, evitar
que os agentes nocivos presentes no ambiente de trabalho acarretem prejuízos maiores a sua
saúde em momento futuro (LADETHIN, 2020, p. 34-35).
Em suma, a aposentadoria especial se presta a retirar antecipadamente o segurado do
exercício de sua profissão, mediante exigência de requisitos mais brandos do que aqueles
vislumbrados nas aposentações ordinárias.
Fundada nesses aportes, o regime anterior à promulgação da Emenda Constitucional
nº 103/2019 ditava que a concessão da aposentadoria especial pressupunha tão somente o

11
Neste particular, toma-se como base as meditações de Virgílio Afonso da Silva, segundo o qual as restrições
a direitos fundamentais, além de não violarem os seus respectivos conteúdos essenciais, devem ser
constitucionalmente fundamentadas. Para maiores informações: SILVA, 2010, p. 167-182.
27

preenchimento de um período de 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos de


contribuição pelo trabalhador, a depender da natureza dos agentes nocivos aos quais estava
exposto. Tal circunstância denotava o intuito protetivo do instituto, já que a aposentadoria
por tempo de contribuição “comum” exigia o preenchimento de 35 (trinta e cinco) anos de
contribuição para homens e de 30 (trinta) anos de contribuição para as mulheres. Nos termos
do artigo 57, caput, da Lei nº 8.213/91, portanto, a concessão da aposentadoria especial
dependia tão somente da demonstração do tempo contributivo disciplinado na legislação
previdenciária, não havendo qualquer exigência de idade mínima para aposentação.
No entanto, com a promulgação da Reforma Previdenciária, uma nova exigência foi
acoplada à aposentadoria especial. É que, a partir da vigência da Emenda Constitucional nº
103/2019, além do tempo de contribuição estatuído em lei, a concessão da aposentadoria
especial também passou a depender do preenchimento de uma idade mínima.
De acordo com o artigo 19, § 1º, inciso I, da Emenda, a obtenção da aposentadoria
especial depende da cumulação dos quesitos da idade e do tempo de contribuição, de modo
que o benefício somente poderá ser concedido quando o segurado ostentar: (i) 55 (cinquenta
e cinco) anos de idade, quando se tratar de atividade especial de 15 (quinze) anos de
contribuição; (ii) 58 (cinquenta e oito) anos de idade, quando se tratar de atividade especial
de 20 (vinte) anos de contribuição; ou (iii) 60 (sessenta) anos de idade, quando se tratar de
atividade especial de 25 (vinte e cinco) anos de contribuição.12
A instituição de idade mínima para aposentadoria especial se trata de uma disposição
passível de controle de constitucionalidade, a despeito de ter sido veiculada por uma Emenda
à Constituição. Isso porque tal medida, além de desconfigurar o escopo protetivo da
aposentadoria especial (PANCOTTI, 2020, p. 44), fere uma série de outros direitos e
garantias fundamentais contempladas em cláusula pétrea, a exemplo do direito à vida (art.
5º, caput, da Constituição) e da redução dos riscos inerentes ao trabalho (art. 7º, inciso XXII,
da Constituição).
Como exposto, a jubilação precoce outrora propiciada pela aposentadoria especial
visava a evitar a perpetuação da exposição do trabalhador aos agentes nocivos presentes em
seu ambiente de trabalho, uma vez que a continuidade do exercício da profissão
potencializaria os danos à sua integridade física. Nesse contexto, o patamar de 15 (quinze),

12
Uma comparação bastante didática entre a atual regulamentação da aposentadoria especial frente ao advento
da Emenda Constitucional nº 103/2019 em relação ao seu antigo regime pode ser localizada em: KERTZMAN,
2020, p. 135-146.
28

20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos de tempo contributivo servia como um parâmetro de


demarcação técnico-científica, o qual, quando extrapolado, indicaria a inserção do
trabalhador em uma situação de risco intolerável à saúde. Conforme observa a doutrina
previdenciária:

A aposentadoria especial quando traça um limitador de tempo de exposição a


agentes agressivos não o faz livremente. Do ponto de vista epidemiológico e até
estatístico ao ultrapassar o limitador temporal de exposição aos agentes agressivos
à saúde (15, 20 ou 25 anos), há uma invasão no âmbito da garantia à saúde e à vida
do trabalhador. A limitação temporal tem caráter evidentemente protetivo.
(VICTÓRIO, 2020, p. 152)

O telos subjacente à aposentadoria especial é a de que os trabalhadores que se expõem


a agentes nocivos durante a execução de seu ofício não podem permanecer na profissão por
um período superior a 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, pois, se assim o
fizerem, submeter-se-ão a uma grave situação de risco à integridade física.13
No entanto, a Reforma Previdenciária não somente admite a existência de situações
em que trabalhadores extrapolam o limite temporal de tolerância a exposição a agentes
nocivos, como também os obriga a fazê-lo em idade avançada. É que os anos de exposição
a agentes nocivos físicos, químicos ou biológicos e o limitador temporal consignado na
legislação previdenciária se tornam desimportantes para a aposentação, pois a jubilação
somente poderá ocorrer após os segurados atingirem a idade mínima de 55 (cinquenta e
cinco), 58 (cinquenta e oito) ou 60 (sessenta) anos.
Não é difícil conjecturar situações em que os trabalhadores serão compelidos a
arriscar a própria vida em razão dessa nova dinâmica da aposentadoria especial. Basta trazer
a lume o exemplo dos indivíduos que trabalham em minas subterrâneas, cuja expectativa de
vida, em vista dos poluentes que permeiam as jazidas subterrâneas e do intenso risco do
surgimento de neoplasias, beira os 50 (cinquenta) anos de idade. 14 É lícito assumir que a
Reforma Previdenciária esquadrinha um cenário normativo que favorece a possibilidade de
que tais trabalhadores venham à óbito antes de galgarem a aposentadoria.
Decerto, referidas exigências esvaziam o conteúdo essencial do direito fundamental
à Previdência Social, não superando o teste de proporcionalidade necessário para que a

13
De modo similar, André Luiz Soares indica que “os danos à saúde e/ou à integridade dos segurados que
laboram em atividade prejudiciais não estão condicionados à idade, mas sim ao período que ficam expostos
aos agentes nocivos, de modo que, ao extrapolar o tempo de exposição de 15, 20 e 25 anos, eleva-se
consideravelmente a níveis inaceitáveis o risco de prejuízo à saúde ou à integridade física do trabalhador”
(SOARES, 2021, p. 94-95).
14
Para uma análise minuciosa dos riscos enfrentados pelos mineiros brasileiros: VERÍSSIMO; RAPHAEL;
MEYER, 2013.
29

restrição fosse constitucionalmente fundamentada. Tem-se, portanto, que a instituição de


idade mínima para a aposentadoria especial não se qualifica como uma restrição legítima de
direito fundamental, mas sim uma efetiva violação ao seu conteúdo essencial (SILVA, 2010,
p. 181).
Esse diagnóstico denota que o artigo 19, § 1º, inciso I, da Emenda Constitucional nº
103/2019 poderia ter a sua vigência legitimamente extirpada pelo Supremo Tribunal Federal,
mediante o exercício de controle de constitucionalidade – de modo semelhante ao ocorrido
no julgamento da ADI no 1.946/DF.
Evidentemente, a alusão à exigência de idade mínima para a aposentadoria especial
possui teor meramente exemplificativo, eis que inúmeras outras disposições da Reforma
Previdenciária poderiam ser alvo da revisão judicial. De toda a sorte, a aferição da violação
à cláusula pétrea insculpida no art. 60, § 4º, inciso IV, da Constituição, lida conforme a
abertura dada por decisões anteriores do Tribunal, pressupõe o manejo do teste de
proporcionalidade para se distinguir se há uma restrição legítima do direito fundamental à
Previdência Social ou, alternativamente, um esvaziamento de seu conteúdo essencial.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo abordou os limites e as possibilidades de um possível controle


judicial da Emenda Constitucional no 103/2019 (Reforma Previdenciária), mediante
avaliação da interpretação que o Supremo Tribunal Federal tem outorgado em relação ao
controle de constitucionalidade de Emendas Constitucionais e, mais especificamente, à
interpretação dada ao artigo 60, § 4º, inciso IV, da Constituição.
Demonstrou-se que o Tribunal, durante o regime constitucional posterior à
promulgação da Constituição de 1988 e a despeito da ausência de autorização constitucional
expressa, perfez uma construção jurisprudencial da tese de que se trataria de instância
competente para efetuar o controle de Emendas Constitucionais que infringissem as
cláusulas pétreas. Ainda, que a Corte tem conferido uma interpretação extensiva à expressão
“direitos e garantias individuais” insculpida no inciso IV do § 4º do artigo 60 da
Constituição, de modo a admitir que ela contempla uma variada gama de direitos
fundamentais espraiados no texto constitucional.
A partir de uma análise do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade no
1.946/DF, diagnosticou-se que os direitos ligados à Previdência Social também estão
30

integrados na cláusula pétrea acima citada, eis que constituem pressupostos indispensáveis
à proteção da dignidade humana. Por isso, concluiu-se que as medidas da Emenda
Constitucional nº 103/19 que não superem o teste de proporcionalidade e, por conseguinte,
que esvaziem o conteúdo essencial do direito fundamental à Previdência Social podem ser
desafiadas em controle judicial de constitucionalidade.
Revelar as incompatibilidades da EC nº 103/19 com os desígnios do texto
constitucional significa, ao fim e ao cabo, recuperar as necessidades de amenização da
precariedade à qual Butler fazia alusão. Se a Previdência Social é quesito indispensável para
a atenuação do caráter precário da existência humana, é essencial que o Direito forneça
mecanismos para que o acesso aos recursos essenciais de uma vida digna seja preservado.

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34

O GÊNERO NEUTRO E O DIREITO PREVIDENCIÁRIO

Amanda Michelle Faria Araújo Mapa1


Gisele Fernandes Machado2

RESUMO: A questão de gênero é uma pauta de difícil enfrentamento. Entraves políticos,


jurídicos e da própria sociedade, desde sempre constituem obstáculos que fizeram com que
tão somente em 2011 o STF reconhecesse a união entre pessoas do mesmo gênero como
família e só posteriormente o STJ reconhecesse o direito de casais homoafetivos
consagrarem sua união afetivo-sexual pelo casamento civil. O não reconhecimento de status
jurídico familiar, às uniões que fogem a lógica heterossexual, é oriunda de uma lógica binária
excludente, que relega a uma situação de marginalidade a todos os sujeitos que não se
enquadram nas normativas, heterossexual e cisgêneros. Essa marginalidade construída
socialmente, é transportada para o âmbito do direito previdenciário, que ao reproduzir essa
lógica binária, se transforma em um mecanismo opressor e potencializador das
vulnerabilidades. Entretanto, com uma abordagem contra hegemônica, o TJRJ e
posteriormente o TJSC em recentes decisões reconheceram o direito de se autodeclarar como
portador de um gênero neutro/ não binário. O presente ensaio, tomando como marco teórico
os conceitos de abjeção cunhados por Judith Butler, possui como objetivo analisar as
repercussões das supracitadas decisões, levantando-se como hipótese o papel contra
majoritário desempenhado pelos Tribunais e a capacidade da seara previdenciária de
acompanhar a evolução jurisprudencial e societária nesse sentido. A relevância do ensaio,
justifica-se pelo teor revolucionário da decisão, que ao reconhecer a possibilidade de auto
declaração do gênero neutro, poderá contribuir para a mitigação de diversas situações
desconformes à Constituição. O caminho metodológico percorrerá a análise das decisões e
de doutrinas correlatas ao tema.

Palavras chaves: Gênero neutro. Lógica binária. Abjeção. Direito previdenciário.

INTRODUÇÃO

A questão de gênero é, de longa data, uma pauta de difícil enfrentamento no Brasil.


Entraves políticos, jurídicos e da própria sociedade, desde sempre constituem obstáculos que
fizeram com que tão somente em 2011 o Supremo Tribunal Federal através do julgamento
da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4277 reconhecesse a união duradoura, pública e
contínua entre pessoas do mesmo gênero como família e só posteriormente o Superior
Tribunal de Justiça por meio do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito

1
Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto. Pós-graduada em Advocacia Previdenciária
e em Direito Público. Bacharel em Direito. Advogada, OAB/MG 122.758, e-mail: amandamfa@gmail.com.
2
Mestranda em Direito pelo PPGD-UFOP “Novos direitos e novos sujeitos”. Bolsista CAPES. Bacharel em
Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto, OAB/MG 198.942, e-mail: giselemachado1995@gmail.com
35

Fundamental nº 132 reconhecesse o direito de casais homoafetivos consagrarem sua união


afetivo-sexual pelo casamento civil, independente de prévia união estável.
Conforme aduz Paulo Iotti Vecchiatti (2020), o não-reconhecimento do status
jurídico-familiar das uniões homoafetivas implicava em inconteste violência simbólica de
efeitos materiais indiscutíveis, pela discriminação jurídica que perpetra e por pretender
impor um totalitário padrão heteronormativo compulsório.
Padrão este baseado em uma lógica binária excludente, onde verificam-se duas
únicas opções: homem e mulher. Estes são os coerentes, tudo o que estiver fora disso é
considerado anormal, incompleto, incoerente e deveria ser objeto de controle e de exclusão.
Nesse sentido, Judith Butler (2001, p. 61) assevera que a lógica binária conduz a uma
redução das singularidades, pois, a vida do indivíduo passa a ser regida por uma moldura,
que reproduz um padrão de sexualidade, relegando os indivíduos que não se encaixam no
padrão, à abjeção e a exclusão.
Sob a ótica binária foi construída toda a conjuntura societária que vemos hoje, desde
a distinção na primeira infância entre cores que devem ser utilizadas apenas por meninas e
seus brinquedos que fazem conexões com atividades domésticas e cores que devem ser
utilizadas por meninos e seus brinquedos voltados para atividades aventureiras, até a
separação entre banheiros femininos e masculinos. Poderíamos citar uma infinidade de
situações incorporadas à vida cotidiana de tal forma que passam imperceptíveis e se tornam
inquestionáveis, mas que corroboram com o sistema de opressão àqueles que não se
encaixam nos padrões impostos.
Baseada na concepção biológica imutável do sexo, o aparato institucional desde o
nascimento e até a velhice, faz a distinção entre os gêneros feminino e masculino. Isto
porque, ao nascer o registro cartorário já impõe a designação do gênero e com o avançar da
idade, o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), distingue para fins de concessão dos
seus benefícios previdenciários homens e mulheres, já que alguns benefícios seriam
exclusivos delas, a título exemplificativo citamos o artigo 71 da Lei nº 8.213/1991 que
restringe o benefício do salário-maternidade apenas às seguradas pertencentes ao gênero
feminino.
Ocorre que o Poder Judiciário brasileiro, em recentíssima e revolucionária decisão,
reconheceu o direito da pessoa de declarar formalmente que seu gênero é neutro. Um dos
principais fundamentos adotados é de que a Constituição Federal de 1988 tem como pilar
fundamental o princípio da dignidade da pessoa humana e ainda, as garantias de liberdade
36

de expressão e de autodeterminação. Assim é que, o Poder Judiciário atuou freando a


discriminação das minorias e garantindo à todos o exercício pleno de uma vida digna.
Logo, o registro de gênero neutro, é muito mais que uma forma de resistência, de não
aceitação ao padrão binário, é permitir às pessoas serem o que elas são, é tirar o véu da
invisibilidade daqueles que não se adequam nem ao gênero feminino, nem ao masculino, é
reconhecê-los e permitirem serem o que sentem, o que são. Às vezes o óbvio deve ser dito e
julgado: as pessoas têm direito à autodeterminação de gênero.
Nessa toada, o presente ensaio possui como principal escopo analisar se as
instituições supramencionadas, estão aptas a acolher os novos sujeitos que se auto
determinam como pertencentes ao gênero neutro, bem como, garantir-lhes acesso a todos os
direitos, livres de qualquer espécie de preconceito, opressão e discriminação.
Adota-se como recorte específico o ramo do Direito Previdenciário, que é a seara que
tem demonstrado historicamente maior maleabilidade e maior possibilidade de adequação à
complexidade de projetos de vida.
O objetivo deste ensaio consiste em contribuir para o fornecimento de uma visão
crítica sobre as normativas binárias de gênero e seus reflexos no direito previdenciário.
A metodologia adotada, segundo Miracy Gustin (2015, p. 25) pertence à vertente
jurídico-crítica que pressupõe a construção de uma teoria crítica da realidade, buscando
conceder uma perspectiva crítica e analítica acerca dos reflexos do gênero neutro no Direito
Previdenciário. O caminho metodológico percorrerá a análise de dispositivos pertencentes à
Lei n.º 8.213/91, a Constituição Federal de 1988 e a julgados que viabilizaram a auto
declaração do gênero neutro no âmbito do Direito Previdenciário, buscando-se ao final
conceder uma visão crítica sobre estas.
O ensaio está subdividido em quatro tópicos. O primeiro, visa demonstrar a formação
e as repercussões da lógica binária e heternormativa de gênero, a partir do desenvolvimento
dos conceitos de abjeção e de performatividade em Judith Butler, marco teórico da presente
pesquisa. O segundo tópico possui como escopo o estudo da heteronormatividade e seus
reflexos no direito previdenciário. Por fim, buscar-se-á conceituar o gênero neutro e suas
implicações no Direito Previdenciário, tendo como pano de fundo a análise dos julgados.
Em linhas conclusivas, aponta-se para a assertiva dos julgados que viabilizaram a
auto declaração como pertencente ao gênero neutro no âmbito do direito previdenciário e
sua adequação aos princípios e normas fundamentais constitucionais.
37

1. A LÓGICA BINÁRIA À LUZ DE JUDITH BUTLER

Judith Butler (2017) compreende a sexualidade no contexto dos processos de


produção da sujeição e de construção dos seres considerados inteligíveis ou ininteligíveis
do ponto de vista do corpo, do sexo e do gênero, enquanto nos permite pensar as diversas
formas de políticas de subjetivação que se enfrentam contra os efeitos perversos desta
subdivisão.
Através de sua teoria sobre a performatividade de gênero, Judith Butler (2017)
mostrou que os corpos apresentam uma classificação por meio de performances
socialmente reguladas por ideais normativos e estes marcos regulatórios contribuem para o
surgimento da distinção entre os corpos inteligíveis e ininteligíveis.
Para Judith Butler (2017, p. 17) a teoria da performatividade, é oriunda de um
gênero que se constrói, através da reprodução de certos atos corporais tidos como
naturalizados. Entretanto, os corpos tidos como “normais” devem operar sob o crivo da
“consolidação do imperativo heterossexual.” (BUTLER, 1993, p.2). Gêneros inteligíveis,
portanto, são aqueles nos quais se instituem e se mantêm relações de coerência,
estabilidade e continuidade “entre sexo, gênero, prática sexual e desejo.” (BUTLER, 1990,
p. 17).
Neste contexto, os corpos tidos como “normais” são os corpos enquadrados na
lógica binária e heterossexual de gênero, no qual, os sujeitos se identificam com as
caracteristicas de um corpo biológico feminino ou masculino e sentem atração sexual pelo
gênero oposto. Noutro modo, os corpos tidos como ininteligíveis e “abjetos”, são formados
pelos sujeitos que estão à margem da cisnormatividade e da heteronormatividade e por
não se enquadrarem à regra devem ser excluídos.
Seguindo-se essa norma heterocisnormativa, as normas infraconstitucionais e em
específico as normas atinentes ao direito previdenciário, foram construídas para serem
aplicadas a sujeitos pertencentes aos padrões, entretanto, tal lógica é excludente,
discriminatória e veda a capacidade de autodeterminação dos sujeito, e nos conduz ao
questionamento sobre a possibilidade de “ser” fora dos padrões.
Neste ínterim, o gênero neutro, no qual o sujeito não se sente pertencente à lógica
binária dos marcadores masculino e feminino, surge como um ato de resistência, bem
como, de enfrentamento das ordens que estipulam a normalização das condutas em
detrimento de outras.
38

As instituições políticas tentam obstar o reconhecimento de novos sujeitos e o


surgimento de qualquer pensamento crítico que vise expandir o poder dos sujeitos de
insurgir-se contra dos padrões naturalizados como normais. Todavia, o Poder Judiciário
ao decidir pelo reconhecimento do gênero neutro, assumiu uma postura contra hegemônica
e atento aos preceitos constitucionais.
No contexto do presente ensaio, o ato de se autodeterminar como pertencente ao
gênero neutro, demonstra a uma prática de rompimento aos padrões binários, que
subdividem os sujeitos entre os gêneros femininos e masculino. Ser neutro é um ato de
resistência à heteronormatividade dominante, representa a ruptura com tais normativas,
demonstrando que todos os corpos têm o direito de ser e de receber tratamento igualitário.

2. A HETERONORMATIVIDADE PREVIDENCIÁRIA

O termo heteronormatividade pode não ser de domínio público, contudo, e


infelizmente, seus reflexos práticos estão dispersos e arraigados em todas instâncias: política,
educacional, cultural, religiosa, institucional, midiática e científica.
Conceitualmente, a heteronormatividade é definida como um mecanismo regulador
que, ao longo do tempo, reproduzido e perpetuado, impõe um modelo heterossexual como
única forma natural, legítima, saudável e aceitável de expressão identitária e sexual, o que
confere uma inescapabilidade deste padrão (CAMILOTTO; CAMILOTTO, 2017). O
imperativo heterossexual está de modo cristalino presente na Constituição Federal: o artigo
226, § 3º (BRASIL, 1988), preceitua que “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida
a união estável entre homem e mulher”.
Portanto, a partir da redação constitucional, conclui-se que a base do Estado, que é
constituída pela família, presumia a linearidade entre sexo biológico, gênero e orientação
sexual. Paradigma esse só superado tardiamente, pela Ação Direta de Inconstitucionalidade
nº 4277 que reconheceu a união duradoura, pública e contínua entre pessoas do mesmo
gênero como família.
No Direito Previdenciário não é diferente, já que todo o sustentáculo da legislação
previdenciária se encontra esculpida na Constituição Federal de 1988, notadamente nos
artigos 40, 201 e 202, destes, merecendo destaque à disposição heteronormativa binária
contida no artigo 201, § 7º, que determina critérios diferentes, a serem aplicados à homens e
à mulheres, para acesso ao benefício previdenciário de aposentadoria pelo Regime Geral de
39

Previdência Social (RGPS). Desse modo, o artigo 48 da Lei 8.213/91, regulamentando a


concessão do benefício daquele benefício, estabelece requisitos quantitativamente diferentes
a depender do gênero do segurado: idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres.
No mesmo sentido, podemos destacar ilustrativamente o benefício de salário-
maternidade que é devido a todas mulheres seguradas do RGPS em razão do nascimento do
seu filho, conforme preceitua o artigo 71 da Lei 8.213/91. A normativa previdenciária que
institui o salário-maternidade. Em direção diversa, dispõe o art. 71-A: “Ao segurado ou
segurada da Previdência Social que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção
de criança é devido salário-maternidade pelo período de 120 (cento e vinte) dias”. Ora,
pelo disposto, temos que, apenas em caso de adoção seria possível que um homem recebesse
o benefício em epígrafe, via de consequência, a proteção da maternidade só seria estendida
a pessoa do sexo feminino que gerasse uma criança, ficando, portanto, à margem do regime,
excluído, rejeitado, o homem transexual que optou pela não realização da cirurgia de
transgenitalização e é biologicamente capaz de gerar um filho.
Válido constar que o exame físico visual que determina o sexo de acordo com o órgão
reprodutor é insuficiente e limitador, de forma que, após anos de luta e militância, a
possibilidade de redesignação sexual foi inserida no ordenamento jurídico pátrio e,
consequentemente, homens e mulheres transexuais hoje podem ser civilmente reconhecidos
e reconhecidas como indivíduos do gênero de identidade que optam (NÓBREGA E SOUZA,
2019). A despeito disso, como demonstrado, ainda há muito por se fazer, pois até então
haviam sido menosprezadas as pessoas que não se alinham a nenhum dos gêneros.
Quanto ao promissor RGPS, sua relevância é tamanha que apontado por Frederico
Amado como “grande plano previdenciário brasileiro e primeiro pilar do sistema de proteção
social no Brasil” (AMADO, 2021, 23), por abarcar a maioria dos trabalhadores, bem como
acolher aqueles que não exercem qualquer atividade remunerada, sendo que os benefícios
pagos através do RGPS constituem grande parte da economia dos menores e mais pobres
municípios brasileiros (AMADO, 2021, 125).
Depreende-se portanto, a urgente necessidade de repensarmos o arcabouço legal
previdenciário, já que, possui inegável função social e que, a princípio não inclui em suas
normas protetivas a pluralidade de identidades sexuais existentes e em especial aqui
pormenorizado, a própria ausência de identidade específica, como no caso da pessoa sem
gênero definido. Nessa perspectiva, as normas que seguem o padrão binário como as
previdenciárias, são internalizadas e se tornam naturalizadas, reforçando a normalização da
40

heterossexualidade e cisgeneridade, e, nesse contexto, todos desviantes daquela norma


seriam anormais. Portanto a heteronormatividade produz sujeitos inteligíveis, coerente e
aceitáveis de um lado e produz de outro, sujeitos que, não aderindo ao gênero binário, são
colocados à margem (CAMILLOTO; CAMILLOTO, 35). Motivos pelos quais o padrão
legal heteronormativo merece ser superado.

3. O GÊNERO NEUTRO

Maria Berenice Dias e Letícia Zenevich (2014, p. 19) esclarecem que muitas pessoas
encontram-se em uma travessia identitária, em um conjunto ambivalente de sua identidade,
entre o masculino e o feminino, não se vêm como homens ou mulheres, mas como
transexuais per se. Acrescentam ainda a necessidade de um ajuste possível das relações
dinâmicas entre sexo e gênero, adicionando mais uma categoria à típica divisão binária entre
homem e mulher, em vez de reduzir a experiência da transexualidade a um abjeto. Portanto,
resta inequívoca a necessidade do direito de repensar o paradigma binário, vez que falho,
ineficaz e excludente.
Nessa senda, apesar da temática estar afeta ao direito constitucional à intimidade que,
nos termos do artigo 189, inciso III do Código de Processo Civil garante tramitação
processual em segredo de justiça, o que impede o livre acesso aos dados processuais,
inclusive às peças decisórias, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (2020) noticiou que
o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro se manifestou judicialmente após acionado por uma
pessoa que não se identificava com nenhum dos únicos dois gêneros até então possíveis pelo
nosso ordenamento, ou seja, expressão de vida diversa das categorias homem e mulher.
O debate na seara internacional, já percorreu uma longa estrada evolutiva.
Exemplificadamente, ainda nos idos de 2013, a Suprema Corte da Austrália reconheceu que
uma pessoa poderia não ser nem do sexo masculino, nem do sexo feminino, e permitiu,
assim, o registro do sexo de uma pessoa como não especificado. Nesse sentido, foi
autorizado aos pais a deixar em branco o espaço respectivo nas certidões de nascimento,
criando assim, ainda nessa época, uma categoria indeterminada nos registros civis (BBC
News, 2019).
Pela recusa ao binarismo, merece destaque os ensinamentos de Judith Butler, que
esclarece: “as normas regulatórias do sexo, reiteradas constantemente para que marquem e
atribuam significados aos corpos enquanto corpos sexualmente diferenciados, operam sob o
crivo da consolidação do imperativo heterossexual” (BUTLER, 1990, p. 17). E acrescenta:
41

“O parâmetro normativo que faz com que a identidade de gênero torne‑se inteligível “requer
que certos tipos de ‘identidades’ não possam ‘existir’ – isto é, aquelas em que o gênero não
se segue do sexo e aquelas em que as práticas de desejo não se seguem nem do sexo nem do
gênero” (BUTLER, 1990, p. 17).
Portanto, as pessoas que não se identificam como homem, tampouco como mulher,
não se expressam através de um gênero, seja o masculino ou o feminino, ou mesmo aquelas
que se encontram entre os dois gêneros e agem de acordo com o desejo que sentem, podendo
ser até mesmo uma junção dos dois, devem ser desmarginalizadas para então, serem
reconhecidas e assim respeitadas.
Foi nesse sentido que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, não obstante a ausência
de norma específica reguladora, demando por uma pessoa que não se reconhecia como
homem ou como mulher, e sofria diuturnamente pela inadequação sexual identitária,
determinou a averbação pelo cartório, junto ao registro de nascimento, a alteração do sexo
para “não-especificado”, conforme elucida o Instituto Brasileiro de Direito de Família
(2020). O reconhecimento no registro civil do gênero não-binário representa a manifestação
máxima de que direito só se legitima quando se adequa à realidade e permite a todos
cidadãos, em igualdade, vivenciar e realizar o seu projeto pessoal de vida.
A sentença que reconheceu juridicamente a existência fática do gênero neutro é um
primeiro passo, no sentido de inserir essas pessoas no ordenamento brasileiro, inaugurando
um espaço de visibilidade, através da releitura do direito para acolher a multiplicidade de
maneiras de viver existentes. Para além de aceitar a existência da pessoa de gênero neutro,
forçoso é reconhecê-la e outorgá-la todos os direitos cabíveis às pessoas dos gêneros
femininos e masculinos, para isso a esperança é que tão logo não seja necessário judicializar
o direito de formalmente se expressar pelo que em realidade se é.
Enquanto isso, ainda que pontualmente, o poder judiciário trilha o caminho
contramajoritária, crítico ao sistema binário. O Instituto Brasileiro de Direito de Família
(2021) divulgou que o Tribunal de Santa Catarina se filiou ao entendimento esposado pela
jurisdição carioca no sentido de autorizar a alteração da anotação constante no registro civil
para gênero não binário. Em reforço argumentativo, lembrou o decisório que entender de
modo diferente seria uma afronta ao direito fundamental à autodeterminação de gênero, livre
de qualquer espécie de preconceito, opressão e discriminação, de modo que a alteração do
registro de nascimento seria autorizada pela própria Constituição da República ao
42

estabelecer a dignidade da pessoa humana como fundamento da república no artigo 1, inciso


III (BRASIL, 1988).
Amparados nesses direitos fundamentais, os transexuais trilharam um caminho
marcado por lutas que culminou no respeito à autonomia e identidade através do Provimento
nº 73 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2018), que permite aos transgêneros alterem
prenome e gênero, para masculino ou feminino, nos registros civis diretamente no cartório,
sem necessidade de cirurgia para mudança de sexo ou decisão judicial, caminho esse que
agora é percorrido pelas pessoas não-binárias.

4. O DIREITO PREVIDENCIÁRIO E O DESAFIO DE ACOLHIMENTO DO


GÊNERO NEUTRO

Apenas em 2011 o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união estável entre


pessoas do mesmo sexo e apenas posteriormente possibilitou o acesso direto ao casamento,
do que se depreende a dificuldade do poder judiciário em se adequar a realidade social como
já esclarecido. Em contraponto, mais de dez anos antes, a seara previdenciária já
demonstrava sua capacidade evolutiva, através da Instrução Normativa do Instituto Nacional
do Seguro Social número 25 (BRASIL, 2000), que visava disciplinar os procedimentos a
serem adotados para a concessão dos benefícios previdenciários de pensão por morte e de
auxílio-reclusão devidos ao companheiro ou a companheira homossexual, em caso de morte
ou recolhimento à prisão do(a) seu/sua companheiro(a).
Ou seja, antes mesmo do direito reconhecer formalmente as famílias compostas por
união homoafetiva, o RGPS demonstrava-se apto a acolhê-las, estabelecendo assim, ainda
no ano 2000 a possibilidade de recebimento dos benefícios previdenciários de pensão por
morte e de auxílio-reclusão aos cônjuges homossexuais, nos termos da Instrução Normativa
supra mencionada.
Em que pese a referida Instrução Normativa ter entrado em vigor em decorrência da
liminar deferida no bojo da Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0, com eficácia erga
omnes, não se pode desconsiderar a inovação previdenciária ao estender tal orientação, para
alcançar a totalidade de situações idênticas, merecedoras do mesmo tratamento, em inegável
caráter protetivo e acolhedor das minorias e receptivo à diversidade.
Assim é que, eram reconhecidos os direitos previdenciários às minorias sexuais
homossexuais, mesmo sem o Brasil possuir qualquer lei nesse sentido à época. A
43

adaptabilidade previdenciária se desponta ainda na previsão constitucional do artigo 194,


que prevê que a seguridade social será organizada com base, dentre outros, no seguinte
objetivo: “universalidade de cobertura e atendimento” (BRASIL, 1988).
Sob esse viés, tem-se que, através da universalidade de cobertura a meta da
seguridade social é garantir a proteção universal, garantindo amparo ao indivíduo em face
de toda e qualquer situação de vida que provoque um estado de necessidade (contingência
social). A universalidade do atendimento, por sua vez, é a dimensão subjetiva da
universalidade já que se refere aos titulares do direito à proteção, sendo que para a melhor
doutrina, o sistema deve proteger todas as pessoas residentes no território nacional, sem
qualquer discriminação (LEITÃO; MEIRINHO, 2018, 68).
Nessa senda, são princípios gerais da Previdência: princípio da solidariedade, da
proibição do retrocesso e da proteção ao segurado. O primeiro se baseia fundamentalmente
na solidariedade entre os membros da sociedade, repousando na noção de bem estar coletivo
que decorre da possibilidade de proteção de todos os membros da coletividade; o segundo
consiste na impossibilidade de redução de alcance dos direitos sociais e o último pode ser
compreendido na possibilidade, dentre as várias formulações possíveis para um mesmo
enunciado normativo, buscar aquela que melhor atenda à função social, protegendo, com
isso, aquele que depende das políticas sociais para sua subsistência (LAZZARI; CASTRO,
2021).
Merece destaque o princípio da proteção, fundado na proteção do menos favorecido,
segundo o qual prevalece a regra de interpretação in dubio pro misero, ou pro operário, pois
este é o principal destinatário da norma previdenciária. Elucida João Batista Lazzari e Carlos
Alberto Pereira Castro (2021, p.44) que “na relação jurídica existente entre o indivíduo
trabalhador e o Estado, em que este fornece àquele as prestações de caráter social, não há
razão para gerar proteção ao sujeito passivo”.
Foi nesse sentido que a Instrução Normativa 77/2015, regulou a atividade
administrativa de análise de requerimentos de benefícios assistenciais e previdenciários, em
seu artigo 687: “O INSS deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus,
cabendo ao servidor orientar nesse sentido” (BRASIL, 2015). A relevância desta regra
interpretativa que deve permear todo o direcionamento do sistema previdenciário fez com
que o Conselho de Recursos da Previdência Social, previsse em seu Enunciado nº 5: “A
Previdência Social deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao
servidor orientá-lo nesse sentido”. É importante frisar que a regra passou a constar também
44

expressamente no Regulamento da Previdência Social, no art. 176-E, incluído pelo Decreto


nº 10.410/2020: “Caberá ao INSS conceder o benefício mais vantajoso ao requerente ou
benefício diverso do requerido, desde que os elementos constantes do processo
administrativo assegurem o reconhecimento desse direito”.
Em pese o esteio heteronormativo sob qual se construiu a teia protetiva
previdenciária, o objetivo almejado de universalidade de cobertura e de atendimento, bem
como os princípios gerais da previdência social aqui destacados e o respaldo na regra do
melhor benefício, são fundamentos bastantes ao acolhimento integral da pessoa de gênero
neutro. Com propriedade, deverá o RGPS buscar sempre a sua expansão a fim de proteger
os mais intrínsecos direitos inerentes a todo ser humano, quando demandado por pessoas
que, registradas sob o gênero neutro, não se reconhecem pelo sexo feminino ou masculino,
mas que, a despeito disso, à elas, devem ser aplicadas quaisquer dessas normas binárias,
desde que, mais benéficas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A despeito da nossa da Constituição da República de 1988 utilizar o padrão social


normativo orientado pela heterossexualidade e pela cisgeneridade, o que, via de
consequência refletiu em legislações infraconstitucionais heteronormativas, tem, o direito
previdenciário se destacado na adaptação à complexidade de projetos de vida dissemelhantes
existentes na nossa sociedade.
Assim é que, a sentença apresentada, que autoriza a identificação no registro do
gênero neutro merece ser celebrada como um passo na interrogação da heteronormatividade
e para a proteção das pessoas que não se reconhecem como homem ou como mulher.
Diante disto, caberá ao ordenamento jurídico, as instâncias jurisprudenciais e em
específico, a seara previdenciária, devido à sua relevância social, agir evolutivamente em
prol da máxima proteção do indivíduo e, portanto, devem ser reconhecidos todos os direitos
que se mostrarem essenciais ao livre desenvolvimento de todo e qualquer ser humano
(SANTOS; CARDIN, 2019).
Dadas as proposições apresentadas, forçoso concluir que é preciso ir além do
reconhecimento, para encontrar soluções em um sistema jurídico que se mostra formalmente
insuficiente para acolher a sociedade moderna marcada pela complexidade e pluralidade.
Portanto, ao aplicar a legislação previdenciária ao caso concreto, faz-se necessário a releitura
45

crítica de todos seus institutos para que, com amparo nos princípios princípio da
solidariedade, da proibição do retrocesso e da proteção ao segurado, sempre se opte por
aplicar as normas mais favoráveis a pessoa do gênero neutro, sejam elas normas formalmente
cabíveis à homens ou à mulheres. Medida esta que maximiza não só os direitos
previdenciários prestacionais, como se coaduna com a função social do Regime Geral de
Previdência Social.
Não deve ser utópico acreditar que não só o respeito aos direitos fundamentais de
liberdade, dignidade, autodeterminação, igualdade e nãodiscriminação, seja dissociado do
gênero, como o fez de modo irretocável a Excelentíssima Julgadora que acolheu o registro
do gênero neutro, como também que todo arcabouço do direito previdenciário seja capaz de
avançar e superar o fato de que os direitos fundamentais não devem ser garantidos às pessoas
em razão do seu gênero, para por fim, abrigar no seu bojo, de modo mais amplo e benéfico,
todos aqueles que não se identificam binariamente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2021.
49

O NÃO RECONHECIMENTO DE EFEITOS PREVIDENCIÁRIOS ÀS


FAMÍLIAS SIMULTÂNEAS – CONCUBINATO E PENSÃO POR MORTE
NO STF
Ana Cristina Alves de Paula1
Daniel Damasio Borges2
Thiago Giovani Romero3

Resumo: O presente trabalho se destina ao estudo das repercussões jurídicas do instituto do


concubinato no âmbito do direito previdenciário, abordando sua evolução tanto na sociedade
como no ordenamento jurídico brasileiro e a sua aplicação no direito ao benefício
previdenciário pensão por morte. A pesquisa partiu do método dedutivo, através de técnica
de pesquisa bibliográfica, baseando-se na legislação em vigor, na doutrina e na
jurisprudência, utilizando-se de artigos científicos, livros e notícias disponíveis sobre o tema.

Palavras-chave: Pensão por Morte; Concubinato; Tema 526; Tema 529.

INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988, nos termos do art. 220, § 3°, inc. II, reconhece a
família como um sujeito de direitos autônomo em relação aos seus membros. De acordo com
Flávia Biroli (2014, p. 76), “em uma sociedade democrática, a pluralidade das formas de
vida ganha espaço nas leis e toma forma também na participação dos indivíduos na
construção das políticas que os afetam”.
Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 33) corrobora a importância dos novos preceitos
trazidos pela Constituição Federal de 1988 para o direito, enfatizando a pluralidade dos
arranjos familiares:
A Constituição de 1988 adotou uma nova ordem de valores, privilegiando a
dignidade da pessoa humana, realizando verdadeira revolução no Direito de
Família [...]. Assim, o art. 226 afirma que “a entidade familiar é plural e não mais
singular, tendo várias formas de constituição”.

As transformações sociais e o aperfeiçoamento do ordenamento jurídico no intuito


de acompanhá-las têm dado um novo leque de atuação tanto ao Direito de Família como
também ao Direito Previdenciário, sendo este último o enfoque do presente estudo.

1
Doutoranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Unesp (campus de Franca/SP).
OAB/SP n° 377.576. E-mail para contato: ana.c.paula@unesp.br
2
Professor associado de Direito Internacional Público da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Unesp
(campus de Franca/SP), sendo vinculado aos Programas de Graduação em Direito e em Relações Internacionais
e de Pós-Graduação em Direito desta instituição. E-mail para contato: daniel.damasio@unesp.br
3
Doutorando em Direito Internacional Público pela USP/SP (2020). OAB/SP n° 323.613. E-mail para contato:
thiago.romero@live.com
50

É pertinente tecer considerações, ainda que breves, a respeito da Previdência Social


para que fique evidenciada ainda mais sua importância para a sociedade. Nas palavras de
Frederico Amado (2017, p. 180), pode ser conceituada como:
Um seguro com regime jurídico especial, pois regida por normas de Direito
Público, sendo necessariamente contributiva, que disponibiliza benefícios e
serviços aos segurados e seus dependentes, que variarão a depender do plano de
cobertura.

Por intermédio da Previdência Social, o Estado garante aos indivíduos que exercem
atividade laborativa remunerada e seus dependentes a proteção ante os infortúnios,
contingências sociais e vicissitudes que de alguma forma repercutam na sua capacidade
laborativa e, por via de consequência, a sua própria subsistência e a de sua família, por meio
da concessão de benefícios pecuniários. Diversos benefícios estão previstos legalmente para
aqueles que preencham os requisitos estabelecidos. E os benefícios que geram direito à
percepção pelos dependentes são a pensão por morte e o auxílio-reclusão.
A proteção devida ao núcleo familiar constitui elemento estrutural da sociedade, seja
ele formalizado pelo casamento ou consolidado numa união estável. Conforme Eduardo
Cambi (2000, p. 114):
Lealdade e respeito mútuo remontam à ideia de fidelidade recíproca. A fidelidade
é um requisito fático intrínseco à noção de entidade familiar. Mais que uma
exigência da sociedade monogâmica, faz parte da concepção eudemonista que
reclama da família moderna a afetividade que se realiza na promoção do
desenvolvimento emocional da pessoa humana.

Por se tratar o concubinato de uma espécie de relacionamento, levanta-se a questão:


há possibilidade de os indivíduos, na constância do concubinato, virem a ser titulares de
benefícios previdenciários? Presume-se a dependência financeira da(o) concubina(o)?
Assim, o presente trabalho tem como escopo principal a análise dos supostos reflexos
jurídicos do concubinato sobre os benefícios previdenciários.

1 A CLASSE I DE DEPENDENTES DOS SEGURADOS

Os beneficiários das prestações previdenciárias são os segurados e os seus


dependentes. De efeito, a legislação previdenciária instituiu três classes de dependentes de
segurados (art. 16 da Lei n° 8.213/91):
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer
condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou
mental ou deficiência grave;
51

II - os pais;
III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos
ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave.
Existia uma quarta classe, composta pelo menor de 21 anos de idade designado ou
maior de 60 anos ou inválido, que foi revogada pela Lei n° 9032/95.
A inscrição do dependente ocorrerá no momento do requerimento da prestação
previdenciária, mediante a apresentação dos documentos listados no art. 22 do RPS.
Art. 22. A inscrição do dependente do segurado será promovida quando do
requerimento do benefício a que tiver direito, mediante a apresentação dos
seguintes documentos:
I - para os dependentes preferenciais:
a) cônjuge e filhos - certidões de casamento e de nascimento;
b) companheira ou companheiro - documento de identidade e certidão de
casamento com averbação da separação judicial ou divórcio, quando um dos
companheiros ou ambos já tiverem sido casados, ou de óbito, se for o caso; e
c) equiparado a filho - certidão judicial de tutela e, em se tratando de enteado,
certidão de casamento do segurado e de nascimento do dependente, observado o
disposto no § 3º do art. 16;
II - pais - certidão de nascimento do segurado e documentos de identidade dos
mesmos; e
III - irmão - certidão de nascimento.

Por óbvio, para que uma pessoa natural seja dependente no RGPS, é preciso que o
falecido ou o preso seja segurado da Previdência Social para instituir a pensão por morte ou
o auxílio-reclusão respectivamente, salvo na situação excepcional prevista na Súmula 416
do STJ. Isso porque a relação do dependente do segurado com a Previdência Social é
derivada da relação jurídica entre o segurado e o Regime Geral de Previdência Social, não
possuindo autonomia, em um primeiro momento.
O dependente, assim considerado na legislação previdenciária, pode valer-se de
amplo espectro probatório de sua condição, seja para comprovar a relação de parentesco,
seja para, nos casos em que não presumível por lei, demonstrar a dependência. Esta pode ser
parcial, devendo, contudo, representar um auxílio substancial, permanente e necessário, cuja
falta acarretaria desequilíbrio dos meios de subsistência do dependente.
Os dependentes da classe I gozam de presunção absoluta de dependência econômica,
ou seja, mesmo que o segurado instituidor da pensão por morte ou do auxílio-reclusão não
provesse o seu sustento, mesmo assim farão jus a esses benefícios. Deveras, o art. 16, § 4°,
da Lei n° 8213/91, fala apenas em presunção, sem especificar a sua natureza. Entretanto, é
remansoso o entendimento de que se cuida de presunção absoluta, inclusive no âmbito do
INSS.
52

Ademais, os dependentes da classe I são preferenciais, afastando em caso de


concurso os da classe II e III, não havendo posterior transferência de direito para as classes
inferiores. Bom, dito isso, resta claro que, caso o segurado venha a falecer, sua esposa /
companheira terá o direito de pleitear junto ao INSS o benefício de pensão por morte, eis
que preenche todos os requisitos legais para tanto.
Em situações em que há mais de um pensionista, o benefício será rateado entre todos
em partes iguais (per capta) dentro de uma mesma classe. A EC n° 103/19, além de alterar
o valor da cota-parte da pensão, enfatizou que, perdendo o dependente a sua qualidade, a
parte não passa para os demais dependentes como era realizado anteriormente.
Além do(a) cônjuge ou companheiro(a) do segurado, o ex-cônjuge e o ex-
companheiro(a) também serão considerados como dependentes, desde que haja a percepção
de alimentos por ocasião da separação judicial ou do divórcio. Nessa situação, o ex-cônjuge
e o atual irão dividir de forma igualitária o valor da pensão por morte. Na hipótese de
separação de fato, resta afastada a presunção de dependência econômica, devendo o cônjuge
ou companheiro(a) que postular benefício comprová-la, na forma do art. 76, § 1°, da Lei n°
8213/91.
Já o cônjuge que não recebia pensão de alimentos poderá requerer a pensão por morte
desde que comprove a necessidade de amparo do falecido, ainda que superveniente ao
momento da separação. No mesmo sentido, a Súmula n° 336 do STJ: “A mulher que
renunciou aos alimentos na separação judicial tem direito à pensão previdenciária por morte
do ex-marido, comprovada a necessidade econômica superveniente”.
O conceito de união estável adotado no art. 16, § 3°, da Lei n° 8213/91, é mais
restritivo do que a definição do Código Civil, pois “considera-se companheira ou
companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a
segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal”. Deveras, para a
legislação previdenciária, apenas estaria configurada a união estável na hipótese de as
pessoas de sexos diversos não serem casadas, ao passo que o art. 1723 do Código Civil
permite a união estável entre pessoas casadas, desde que separadas de fato.
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem
e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e
estabelecida com o objetivo de constituição de família.
§ 1° A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521;
não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar
separada de fato ou judicialmente.
53

A união estável somente será reconhecida se reunir as seguintes características: a


convivência pública, contínua e duradoura de seres humanos, com a intenção de constituir
família, desde que não haja impedimentos matrimoniais entre eles, a não ser a hipótese de
casamento findo por separação de fato. Outrossim, é mister destacar que a união estável já
fora reconhecida entre pessoas do mesmo sexo, razão pela qual o direito à concessão do
benefício previdenciário se estende igualmente às relações homoafetivas.
Na prática, vem se adotando a definição do Código Civil, pois é irrazoável a restrição
imposta pela legislação previdenciária, razão pela qual o próprio INSS não mais adota a
definição de união estável do art. 16, § 6°, do RPS, pois tacitamente revogada pelo Código
Civil de 2002.
A comprovação do(a) cônjuge é possível mediante apresentação da certidão de
casamento. Por sua vez, para o(a) companheiro(a), a união estável deverá ser comprovada
por uma relação de 02 anos ou mais para que ocorra a comprovação de dependência
econômica.
A legislação previdenciária deixou ao arbítrio do julgador a análise de todas as provas
legais que pudessem formar a sua convicção sobre a existência da vida em comum entre os
companheiros. Ademais, o próprio art. 22, § 3°, do RPS prescreve que para a comprovação
do vínculo e da dependência econômica se faz necessária a apresentação de no mínimo três
documentos dentre aqueles listados no rol trazido pelo Decreto n° 3048/99. Havendo falta
ou insuficiência de documento, ou sendo necessária a produção de prova de fato ou
circunstância de interesse dos beneficiários, a legislação previdenciária traz a possibilidade
de se requerer a realização de justificação administrativa, ou seja, prova testemunhal, perante
a Previdência Social.
O casamento / união estável de aparência, com fins exclusivamente previdenciários,
realizado mediante simulação, em que os cônjuges / companheiros não têm a intenção de
assumir nenhum dos compromissos inerentes ao matrimônio / união estável e visam burlar
a legislação previdenciária e ludibriar os institutos da Previdência, conferindo ardilosamente
a qualidade de dependente como forma de legitimar a concessão do futuro benefício de
pensão por morte, pode ser enquadrado no crime de estelionato previdenciário (art. 171, §
3°, do CP, c/c Súmula 24 do STJ).
No que concerne ao concubinato, assim considerada a relação que se desenvolve
paralelamente ao casamento sem a separação dos cônjuges, quer de fato, quer judicialmente,
54

tanto o STF quanto o STJ vem afastando sumariamente a condição de dependente do(a)
concubino(a).
STF (RE 590.779, de 10.02.2009)
A titularidade da pensão por morte decorrente do falecimento de servidor público
pressupõe vínculo agasalhado pelo ordenamento jurídico, mostrando-se impróprio
o implemento de divisão a beneficiar, em detrimento da família, a concubina.

STJ (REsp 1.114.490, 5ª Turma, de 19.11.2009)


1. A jurisprudência do STJ prestigia o entendimento de que uma existência de
impedimento para o matrimônio, por parte de um dos companheiros pretensos,
embaraça uma constituição da união estável, inclusive para fins previdenciários.
2. Afigura-se inviável, desse modo, reconhecer à recorrida o direito à percepção
da pensão por morte em concurso com uma viúva, haja vista que o de cujus, à
época do óbito, casado com uma permanecia recorrente.

2 O BENEFÍCIO DA PENSÃO POR MORTE NO REGIME GERAL DE


PREVIDÊNCIA SOCIAL

Assim como outros benefícios, a pensão por morte é um benefício de trato sucessivo,
entretanto é destinada única e exclusivamente aos dependentes do segurado.
O risco social caracterizador da pensão por morte é um evento futuro e incerto,
denominado morte. Esse evento é incerto, porque, apesar de cientes de que toda a vida
humana se finda na morte, não somos capazes de prever o momento exato em que ela irá
ocorrer. Sendo a morte um acontecimento imprevisível, a Previdência Social, por seu caráter
protetivo instituiu o benefício da pensão por morte.
O referido benefício depende do preenchimento de três requisitos: ocorrência do
evento morte; demonstração da qualidade de segurado do falecido à época do óbito e a
demonstração da condição de dependente do beneficiário. O óbito do instituidor do benefício
é comprovado mediante a apresentação da certidão de óbito.
Para a demonstração da qualidade de segurado o beneficiário deve comprovar o
vínculo do falecido com a Previdência Social.
A Lei n° 13135/15 alterou os requisitos para a pensão por morte, com o intuito de
enrijecer os requisitos para concessão do benefício e diminuir seu tempo de gozo. Caso o
cônjuge tenha menos de 18 contribuições mensais, ele irá receber a pensão por morte por 04
meses. Em caso de óbito por acidente do trabalho e de qualquer natureza, não haverá
necessidade dos mencionados prazos e o dependente fará jus à pensão. E caso tenha
completado as 18 contribuições, irá receber o benefício de forma escalonada, de acordo com
a idade do beneficiário na data de óbito do segurado (art. 77, § 2°, da Lei n° 8.213/91):
1) 3 (três) anos, com menos de 21 (vinte e um) anos de idade;
55

2) 6 (seis) anos, entre 21 (vinte e um) e 26 (vinte e seis) anos de idade;


3) 10 (dez) anos, entre 27 (vinte e sete) e 29 (vinte e nove) anos de idade;
4) 15 (quinze) anos, entre 30 (trinta) e 40 (quarenta) anos de idade;
5) 20 (vinte) anos, entre 41 (quarenta e um) e 43 (quarenta e três) anos de idade;
6) vitalícia, com 44 (quarenta e quatro) ou mais anos de idade.
Outro requisito trazido pela nova lei, o qual não podemos denominar carência, é o
requisito da comprovação de 24 meses de casamento ou união estável.
Não haverá necessidade de se completar 24 meses de casamento ou união se o
cônjuge ou convivente se tornou inválido ou deficiente na constância desses 02 anos. Nesse
caso, independentemente do prazo estabelecido pela lei haverá direito à pensão. Também
não haverá necessidade do mencionado requisito se o cônjuge faleceu por acidente de
trabalho ou de qualquer natureza.
Concubino(a) é aquela pessoa que estabelece uma relação equivalente à de união
estável havendo causa legal de impedimento nessa relação, pois um dos membros dessa
relação possui um impedimento anterior (casamento ou união estável). Esse impedimento
para o matrimônio se comunica pela posição atual da jurisprudência do Direito de Família
para o Direito Previdenciário. Logo, exclui-se o(a) concubino(a) como dependente.

3 A RELAÇÃO DE CONCUBINATO SIMULTÂNEA A CASAMENTO – UMA


ANÁLISE CONCEITUAL E DOUTRINÁRIA

Na perspectiva do Direito Constitucional, as famílias e as relações familiares estão


estruturadas por cinco princípios constitucionais: a multiplicidade ou pluralidade de
entidades familiares; igualdade entre homens e mulheres; igualdade entre os filhos; a
facilitação da dissolução do casamento e a responsabilidade parental.
Percebe-se que os princípios, acima elencados, exercem força normativa para
estabelecer a segurança jurídica nas relações familiares, por mais que tais dogmas tenho seu
conteúdo aberto, de solução casuística e valorativa. Exemplo disso, reside na Súmula 301 do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), que em caso de colisão entre os princípios consagrados
às famílias, dever-se-á utilizar um balanceamento entre eles, ou seja, uma espécie de
ponderação de interesses, a fim de viabilizar e concretizar estabilidade no âmbito das
famílias.
Neste sentido, para que seja possível identificar a relação do casamento e do
concubinato com o Direito de Família, sob as ópticas constitucional e civil, faz-se necessário
56

debruçar-se, especialmente, no princípio da multiplicidade ou pluralidade de entidades


familiares.
Assim, de acordo com o caput do artigo 226 da Constituição Federal (CF/88), pode-
se observar que a família é a base da sociedade, que terá proteção especial do Estado
brasileiro. O dispositivo constitucional tem como objetivo a proteção de toda e qualquer
família no âmbito da sociedade brasileira, ou seja, a norma consagra a proteção da
pluralidade das entidades familiares, sem que coloque restrições quanto a sua formação.
Ainda, o artigo 226 da CF/88 traz em seus parágrafos referências importantes sobre
as famílias formadas não apenas por meio do casamento, mas àquelas decorrentes da união
estável e monoparental. Nota-se que o rol do artigo 226 da CF/88 é exemplificativo, afinal
há consolidação de entendimentos que a família pode ser formada de outras maneiras, como
aquelas consagradas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a saber: família
natural, ampliada e substitutiva; bem como as famílias anaparental e avoenga.
Logo, o artigo 226 da CF/88 traduz uma norma jurídica que promove a inclusão, ou
seja, estabelece a inclusão das famílias, independentemente, de como elas se formaram e
promove a proteção estatal. Nesse sentido, afirma-se que a pluralidade das entidades
famílias, ou das relações familiares, está garantida constitucionalmente, por meio de um rol
não taxativo, como já afirmado.
Partindo dos apontamentos lançados, o casamento até a promulgação da CF/88 era a
única forma de uma família ser constituída. Foi a partir do advento da CF/88, baseado no
artigo 226, que surgiram as formas plurais de entidades familiares, ou seja, o casamento é
apenas uma das maneiras de se constituir uma família.
Como é sabido, sob a perspectiva do Direito Civil, o casamento é uma entidade
familiar solene, formal, que tem efeito erga omnes diante da confirmação do seu registro.
Aduz o artigo 1.511 do Código Civil (CC) que o casamento, negócio jurídico, será
estabelecido com a comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres
entre cônjuges, partes integrantes dente contrato. Logo, o casamento é a união formal de
pessoas, cujo objetivo é a constituição de família.
Insta salientar, conforme previsto no artigo 1.513 do CC, que a ideia da comunhão
plena de vida com o objetivo de constituir família, afasta qualquer interferência de terceiros
no casamento, afinal, a norma jurídica é clara “[...] a qualquer pessoa, de direito público ou
privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família.” Nesse sentido, o STJ
consolidou o entendimento de que os deveres na órbita do casamento, estendendo-se também
57

à união estável, são intra partes, ou seja, não pode ser oponível a terceiros, o qual traz
implicações diretas em temáticas como a responsabilidade civil do “amante”, a seguir:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL. DANOS


MATERIAIS E MORAIS. ALIMENTOS. IRREPETIBILIDADE.
DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE FIDELIDADE. OMISSÃO SOBRE A
VERDADEIRA PATERNIDADE BIOLÓGICA DE FILHO NASCIDO NA
CONSTÂNCIA DO CASAMENTO. DOR MORAL CONFIGURADA.
REDUÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO. [...] 3. O dever de fidelidade
recíproca dos cônjuges é atributo básico do casamento e não se estende ao
cúmplice de traição a quem não pode ser imputado o fracasso da sociedade.
[...] 7. Recurso especial do autor desprovido; recurso especial da primeira corré
parcialmente provido e do segundo corréu provido para julgar improcedente o
pedido de sua condenação, arcando o autor, neste caso, com as despesas
processuais e honorários advocatícios (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA,
Resp. 922.462/SP – grifo nosso).

O casamento proporciona as partes efeitos jurídicos múltiplos como: patrimonial,


pessoal e o social. Assim, os efeitos patrimoniais terão sua repercussão por meio da escolha
do regime de bens, conforme aponta o artigo 1.639 do CC. Tal dispositivo é responsável por
sedimentar o estatuto patrimonial do casamento, que será regido pelo princípio da liberdade
de escolha do regime, da variabilidade e da mutabilidade.
Na sequência, os efeitos pessoais do casamento, em primeiro momento, podem ser
vistos no artigo 1.511 do CC, o qual aduz o estabelecimento de uma comunhão plena de
vidas; já o artigo 1.569 do CC, aponta a respeito da fixação do domicílio conjugal; o artigo
1.568 do CC, trata sobre a contribuição proporcional que deve existir na relação entre os
nubentes em razão da manutenção do lar, que independerá, da escolha de regime de bens
feita por eles.
Por fim, quanto aos efeitos sociais, mostra-se que a constituição de uma entidade
familiar é o pressuposto fundamental, vindo de encontro a emancipação do cônjuge; a
presunção da paternidade dos filhos que nascem na constância do casamento, de acordo com
o artigo 1.597 do CC; a mudança do estado civil e a formação de parentesco por afinidade
entre os cônjuges e os seus parentes, conforme previsto no artigo 1.595 do CC.
Outro núcleo familiar é a união estável. Mas, como é sabido, o Código Civil de 1916
não trazia em seus dispositivos o reconhecimento da união estável como uma forma de
constituição de família. Isto porque, naquela época, a única forma era o casamento, como já
apontado. Nesse sentido, as relações que eram constituídas por pessoas sem que fosse por
meio do casamento eram chamadas de concubinato, ou seja, uma sociedade de fato que
apenas produzia entre as partes efeitos obrigacionais e não patrimoniais.
58

Assim, o concubinato que passou a ser uma realidade social, teve seus efeitos
reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por meio da publicação de 02 (duas)
súmulas, a 380 e a 382. Nesse sentido, a súmula 380 do STF trata a respeito da possibilidade
de partilha do patrimônio que foi adquirido pelo esforço comum dos concubinos, como pode
ser examinado a seguir: “Súmula 380 STF: comprovada a existência de sociedade de fato
entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio
adquirido pelo esforço comum.” Já, a súmula 382 do STF, mostra a preocupação da Corte
superior no reconhecimento do concubinato mesmo em casos que os concubinos não
morassem no mesmo local, segue: “Súmula 382 STF: a vida em comum sob o mesmo teto,
"more uxório", não é indispensável à caracterização do concubinato.”
Nesta toada, diante do reconhecimento de efeitos jurídicos nas relações de
concubinato pelo STF, passou-se a dividi-lo em duas espécies: concubinato puro e o impuro.
Assim, o concubinato puro é a união estável, reconhecida como uma entidade familiar, como
o casamento, que pode ser constituída por pessoas viúvas, solteiras, separadas de fato e
divorciadas. Por outro lado, o concubinato impuro é caracterizado pela união de pessoas
casadas ou separadas, que tem impedimentos para contrair matrimônio e que podem apenas
ter uma sociedade de fato, como aduz a Súmula 380 do STF.
Foi a partir destes entendimentos pelo STF que a legislação infraconstitucional
começou a se preocupar com a segurança jurídica das pessoas que estavam no cerne destas
relações, destacam-se a Lei 6.015/1973, que trouxe a possibilidade de acréscimo de
sobrenome pela concubina e a antiga Lei Previdenciário de 1976. Obviamente, como dito
anteriormente, apenas com a promulgação da CF/88 que o tratamento do concubinato passou
a ser tratado como entidade familiar, ou seja, o concubinato puro passou a ser reconhecido
como união estável, forma de constituição de uma entidade familiar, como o casamento.
Vale ressaltar que o concubinato impuro, na perspectiva do Direito Civil, não é
reconhecido como entidade familiar, como pode ser visto no artigo 1.727 do CC: “As
relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar-se, constituem
concubinato”.
O artigo 1.723 do CC conceitua a união estável como “[...] entidade familiar a união
estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura
e estabelecida com o objetivo de constituição de família.” Portando, a união estável ou
concubinato puro é aquela constituída por pessoas que não tem qualquer impedimento para
59

se casarem. Logo, havendo qualquer tipo de impedimento, será configurado o concubinato


impuro, previsto no artigo 1.727 do CC.
A título de esclarecimento, aduz que a união estável é uma entidade familiar; o
concubinato impuro é uma sociedade de fato; a união livre de pessoas é uma relação
puramente de vínculo obrigacional, pois não há intenção de constituição de família, como é
visto em namoros e noivados.
O CC trata o concubinato com cuidado, diante da sensibilidade e peculiaridade que
a temática está envolvida. Desta maneira, pode-se dizer que as relações de concubinato estão
à margem no Direito de Família, afinal tal relação é identificada como uma sociedade de
fato e não uma entidade familiar.
Isto posto, o CC traz a proibição de doação para o concubino, conforme preceitua o
artigo 550 do Código, se caso acontecer, o ato jurídico será anulado. Nesse sentido, “[...] Art.
550. A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pelo outro cônjuge, ou por seus
herdeiros necessários.” Como pode ser visto, em termos de aplicação do dispositivo, o STJ
decidiu:
DIREITO CIVIL. DOAÇÃO. AQUISIÇÃO DE IMÓVEL EM NOME DA
COMPANHEIRA POR HOMEM CASADO, JÁ SEPARADO DE FATO.
DISTINÇÃO ENTRE CONCUBINA E COMPANHEIRA. As doações feitas por
homem casado à sua companheira, após a separação de fato da sua esposa, são
válidas, porque, nesse momento, o concubinato anterior dá lugar à união estável;
a contrário sensu, as doações feitas antes disso são nulas. Recurso Especial de
Marília Soares de Oliveira conhecido em parte e, nessa parte, provido; recurso
especial de Françoise Pauline Portalier Tersiguel não conhecido. (REsp
408.296/RJ, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado
em 18/06/2009, DJe 24/06/2009)

O artigo 1.801, III do CC menciona que é proibido nomear como herdeiro ou


legatário o concubino, veja: “Art. 1.801. Não podem ser nomeados herdeiros nem legatários:
[...] III - o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado de
fato do cônjuge há mais de cinco anos [...]”
Ainda, o CC menciona que é proibido o seguro de vida para a concubina, sob pena
de nulidade, conforme preceitua o artigo 793: “é válida a instituição do companheiro como
beneficiário, se ao tempo do contrato o segurado era separado judicialmente, ou já se
encontrava separado de fato.”
Avançando nesta temática, o STF no Recurso Extraordinário 397.762/BA entendeu
pela não ocorrência de benefício previdenciário ao concubino, afinal a sua relação não é
reconhecida como uma entidade familiar e sim, uma sociedade de fato. Veja:
60

COMPANHEIRA E CONCUBINA – DISTINÇÃO. Sendo o Direito uma


verdadeira ciência, impossível é confundir institutos, expressões e vocábulos, sob
pena de prevalecer a babel. UNIÃO ESTÁVEL – PROTEÇÃO DO ESTADO. A
proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nestas
não está incluído o concubinato. PENSÃO – SERVIDOR PÚBLICO – MULHER
– CONCUBINA – DIREITO. A titularidade da pensão decorrente do falecimento
de servidor público pressupõe vínculo agasalhado pelo ordenamento jurídico,
mostrando-se impróprio o implemento de divisão a beneficiar, em detrimento da
família, a concubina. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, RE 397762,
Relator(a): Min. Marco Aurélio).

Logo, pelo exposto dos institutos e do que se caracteriza, juridicamente, uma entidade
familiar, é ilegal que haja o reconhecimento como união estável uma relação de concubinato
impuro, ou seja, aquela que acontece simultaneamente ao casamento válido.

4 OS TEMAS 529 E 526 DO STF E A TESE DE IMPOSSIBILIDADE DE GERAÇÃO


DE EFEITOS PREVIDENCIÁRIOS ÀS FAMÍLIAS SIMULTÂNEAS – UMA
ANÁLISE JURISPRUDENCIAL SOBRE A POSSIBILIDADE DE RATEIO DA
PENSÃO POR MORTE ENTRE VIÚVA E CONCUBINA

Em 02 de agosto de 2021, o STF apreciou o tema 526 em julgamento, fixando o


entendimento de que seria incompatível com a CF/88 o reconhecimento dos direitos
previdenciários, ou seja, da pensão por morte, à pessoa que manteve união estável com outra
que era casada, ressaltando que “[...] o concubinato não se equipara, para fins de proteção
estatal, às uniões afetivas resultantes do casamento e da união estável."
O recurso extraordinário RE 883.168, que teve como relator o ministro Dias Toffoli,
consolidou o entendimento da Corte superior de que não seria possível que houvesse
reconhecimento de direitos previdenciários derivados de uma relação de concubinato. Vale
ressaltar que, o julgamento teve referencia a tese de repercussão geral já fixada no RE
1.045.273 da Corte. Neste sentido:
A preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes,
ressalvada a exceção do artigo 1723, §1º, do Código Civil, impede o
reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins
previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da
monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro (SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL, RE 883.168, Relator: ministro Dias Toffoli).

Segundo o Instituto Brasileiro de Direito de Família (2021), o STF no julgamento do


Tema 526, preferiu manter o seu entendimento, já publicado quando foi apreciado o Tema
29, que “[...] definiu que a preexistência de casamento ou de união estável impede o
reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins
previdenciários”.
61

Ainda, insta salientar que foi aduzida a tese que haveria incompatibilidade coma
CF/88, em caso de “[...] reconhecimento de direitos previdenciários à pessoa que manteve,
durante longo período e com aparência familiar, união com outra casada, porquanto o
concubinato não se equipara, para fins de proteção estatal [...]” (IBDFAM, 2021).
Nesta toada, a ementa do julgamento do Tema 529 merecer ser observada e analisada,
tendo em vista a precisa fundamentação que se alinha ao entendimento doutrinário e
jurisprudencial, no âmbito dos Direitos Constitucional, Civil e Previdenciário, a seguir:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 529.
CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. RATEIO
ENTRE COMPANHEIRA E COMPANHEIRO, DE UNIÕES ESTÁVEIS
CONCOMITANTES. IMPOSSIBILIDADE. 1 — A questão constitucional em
jogo neste precedente com repercussão geral reconhecida é a possibilidade de
reconhecimento, pelo Estado, da coexistência de duas uniões estáveis paralelas, e
o consequente rateio da pensão por morte entre os companheiros sobreviventes —
independentemente de serem relações hétero ou homoafetivas. 2 — O Supremo
Tribunal Federal tem precedentes no sentido da impossibilidade de
reconhecimento de união estável, em que um dos conviventes estivesse
paralelamente envolvido em casamento ainda válido, sendo tal relação enquadrada
no artigo 1.727 do Código Civil, que se reporta à figura da relação concubinária
(as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar,
constituem concubinato). 3 — É vedado o reconhecimento de uma segunda união
estável, independentemente de ser hétero ou homoafetiva, quando demonstrada a
existência de uma primeira união estável, juridicamente reconhecida. Em que
pesem os avanços na dinâmica e na forma do tratamento dispensado aos mais
matizados núcleos familiares, movidos pelo afeto, pela compreensão das
diferenças, respeito mútuo, busca da felicidade e liberdade individual de cada qual
dos membros, entre outros predicados, que regem inclusive os que vivem sob a
égide do casamento e da união estável, subsistem em nosso ordenamento jurídico
constitucional os ideais monogâmicos, para o reconhecimento do casamento e da
união estável, sendo, inclusive, previsto como deveres aos cônjuges, com substrato
no regime monogâmico, a exigência de fidelidade recíproca durante o pacto
nupcial (artigo 1.566, I, do Código Civil). 4 — A existência de uma declaração
judicial de existência de união estável é, por si só, óbice ao reconhecimento de
uma outra união paralelamente estabelecida por um dos companheiros durante o
mesmo período, uma vez que o artigo 226, §3º, da Constituição se esteia no
princípio de exclusividade ou de monogamia, como requisito para o
reconhecimento jurídico desse tipo de relação afetiva inserta no mosaico familiar
atual, independentemente de se tratar de relacionamentos hétero ou homoafetivos.
5 — Tese para fins de repercussão geral: A preexistência de casamento ou de união
estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1723, §1º, do
Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo
período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever
de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico constitucional brasileiro.
6 — Recurso extraordinário a que se nega provimento.

Mesmo diante de tal julgamento, merece ser relatada a crítica dada pelo IDFAM
(2021a), que aponta já ser entendimento das instancias inferiores no país, ou seja, juízes e
tribunais regionais vêm reconhecendo os efeitos jurídicas às relações que envolvem duas
uniões estáveis, fundamentando na norma jurídica prevista no artigo 226 da CF/88.
62

Logo, tal posicionamento merece destaque, por conforme o próprio Instituto (2021b)
menciona “o Estado não diz mais o que é família e como elas se constituem, como diziam
as constituições anteriores.” Conclui-se, portanto, que a doutrina e a jurisprudência, talvez
não estejam alinhadas com a norma jurídica da Carta Magna, que deve observar os rearranjos
da sociedade e das pessoas que a compõe. Necessário se faz a proteção, por meio da
segurança jurídica, a fim de garantir direitos previdenciários.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Previdência Social é um instrumento de segurança e proteção social nas


adversidades da vida – além de contar com prestações em favor do desenvolvimento da
família, atende aos grandes males que afligem a pessoa humana, como a idade avançada, a
incapacidade temporária ou permanente e também a morte. A principiologia regente da
Previdência Social, a qual é parte da Seguridade social, mantém uma forte correlação com o
princípio da dignidade da pessoa humana.
Dessa forma, restou devidamente comprovado neste estudo que, apesar do Direito de
Família e o Direito Previdenciário serem ramos autônomos do Direito Previdenciário serem
ramos autônomos do Direito, em muitos casos, correlacionam-se. A denominação
tradicionalista de família, com o ato solene do casamento, sofreu uma evolução na sociedade,
pois surgiram outras formas de família, tais como a união estável heteroafetiva e
homoafetiva, fato pelo qual ocorreu também uma transformação no ordenamento jurídico
brasileiro.
A lei previdenciária não restringe as novas modalidades de família, estando em
consonância com a Constituição Federal de 1988, que traz como fundamentação central a
afetividade, abrangendo as modalidades que possuam o objetivo de constituir família. É
preciso analisar o protagonismo das relações afetivas, tendo em vista que constituir uma
família é mais do que unir-se juridicamente a alguém, trazendo, portanto, reflexos no direito
aos dependentes na percepção do benefício previdenciário.
O legislador entendeu conveniente distinguir a união estável do concubinato,
deixando de prever direitos e deveres para o que se chama, em sede doutrinária, de
concubinato adulterino, impuro ou de má-fé. Desta forma, a lei não reconhece como entidade
familiar a relação existente entre pessoas impedidas de se casar. Cumpre ressaltar que,
embora o legislador tenha utilizado a expressão “impedidos de casar”, melhor teria sido a
63

designação “relações adulterinas ou incestuosas”, uma vez que as pessoas separadas de fato
ou separadas judicialmente, apesar de impedidas de casar, podem constituir união estável.
A exclusão decorre de previsão constitucional, expressa no art. 226, § 3°, da CF/88.
Tanto a doutrina quanto a jurisprudência têm entendido que o concubinato não deve ser
inserido no âmbito do direito de família, por configurar uma sociedade de fato, devendo,
pois, ser regulada pelo Direito das Obrigações.
Verifica-se que o rol de dependentes constantes na lei previdenciária somente faz
menção aos que viveram sob o instituto do casamento e da união estável; dessa forma, por
ser o rol taxativo, não cabe outra interpretação a não ser esta, afastando, assim, o concubinato
e as uniões estáveis paralelas, que não caracterizam uma das formas do instituto familiar,
não fazendo jus, portanto, à proteção estatal e, por consequência, a quaisquer benefícios
previdenciários. O posicionamento atual do Supremo Tribunal Federal é que o(a)
concubino(a) não possui proteção previdenciária – a existência de impedimento para o
matrimônio/união estável embaraça a constituição da união estável paralela e não se aplica
para fins previdenciários de percepção de pensão por morte.
Em outras palavras, o concubinato impuro não enseja condição de dependente
previdenciário. Atualmente, o concubinato tem sido considerado como um motivo de
exclusão, ou seja, o concubino ou concubina não são considerados dependentes.

REFERÊNCIAS

AMADO, Frederico. Curso de direito e processo previdenciário. 9. ed. rev., ampl. e atual.
Salvador: JusPodivm, 2017.

BIROLI, Flávia. Família: novos conceitos. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2014.

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Previdência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União: Brasília, 24 de julho
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Social, e dá outras providências. Diário Oficial da União: Brasília, 6 de maio de 1999.
64

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União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n. 8, p. 1-74, 11 jan. 2002. PL 634/1975.

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CAMBI, Eduardo. As uniões extramatrimoniais no velho projeto do novo Código Civil.


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GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
65

A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS ENTIDADES BENEFICENTES DE


ASSISTÊNCIA SOCIAL

Diana Samara Ervedosa Moraes1

Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar a importância da Seguridade Social,
especialmente no que se refere à Assistência Social e o papel das entidades beneficentes de
assistência social. Por essa razão, destacar-se-á o fundamento jurídico-social pelo qual tais
entidades sem fins lucrativos são contempladas com a imunidade tributária. Inicialmente,
realizar-se-á uma breve contextualização histórica acerca do surgimento da Seguridade
Social, desde as formas de assistencialismo mais longínquas, do seguro social e a
consagração da Seguridade Social (Previdência Social, Saúde e Assistência Social),
consoante a Constituição Federal de 1988, no Título VIII – “Da Ordem Social”.
Posteriormente, abordar-se-á, em capítulo específico, sobre a Assistência Social. Em
seguida, far-se-á uma explanação sobre o conceito de imunidade tributária e as imunidades
tributárias concedidas às entidades beneficentes de assistência social (art. 150, VI, “c” e art.
195, § 7º, da CF/88). Por fim, tecer-se-á as considerações finais. Para a realização do presente
artigo científico, realizou-se uma pesquisa exploratória e bibliográfica.
Palavras-chaves: Seguridade Social; Assistência Social; Entidades Beneficentes de
Assistência Social; Imunidade Tributária; Ordem Social.

1. INTRODUÇÃO

A Constituição Federal, em seu Título VIII, Capítulo I, inaugura a “Ordem Social”


no ordenamento jurídico pátrio e, no artigo 193, caput e parágrafo único, da CF, elucida que
a ordem social será lastreada no trabalho, com o objetivo de promover o bem-estar e a justiça
social (BRASIL, 1988).
Por sua vez, o Capítulo II dispõe sobre a Seguridade Social (art. 194, da CF),
conceituando-a como: “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de
iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à
saúde, à previdência e à assistência social.” De igual modo, o artigo 6º da Carta Magna
menciona os institutos contemplados pela Seguridade Social como efetivos direitos sociais:
“São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte,
o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (BRASIL, 1988, grifo nosso).

1
Advogada, OAB/MA nº 19.986. Graduada em Direito pela UNDB – Centro Universitário. Pós-graduada no
LL.M (Master of Laws) em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas – FGV/RJ. Pós-graduanda em
Direito Civil e Empresarial pelo Damásio Educacional/IBMEC SP.
66

Com efeito, é possível notar que a Seguridade Social é composta pela tríade:
Previdência Social, Saúde e Assistência Social. Então, vejamos sobre cada uma delas.
A Previdência Social é o instituto pelo qual as pessoas, que exercem atividade
laboral, e os seus dependentes, diante da ocorrência de determinados eventos (invalidez,
idade avançada, morte, doença, acidente de trabalho e desemprego involuntário) ou outras
situações previstas em lei (por exemplo, a maternidade ou a reclusão), serão resguardadas
através do recebimento de benefício previdenciário, em decorrência do segurado ter
realizado contribuições prévias ao infortúnio (contingência) (CASTRO; LAZZARI, 2020).
A Previdência Social (art. 201 e seguintes, da CF) é organizada sob o Regime Geral
da Previdência Social – RGPS, de caráter contributivo e de filiação obrigatória. Ademais,
devem ser observados os critérios que mantenham o equilíbrio financeiro e atuarial
(BRASIL, 1988).
A Saúde é um direito de todos, independentemente da realização de contribuição.
Esse direito social é previsto no artigo 196, da Constituição Federal de 1988. De acordo com
a disposição constitucional, todos os entes da federação devem garantir políticas sociais e
econômicas a fim de reduzir o risco de doença, além de também propiciar o acesso isonômico
e universal ao serviços e ações de saúde a todos os cidadãos brasileiros (AGOSTINHO,
2020).
No que concerne a gestão da saúde, estabelece-se os seguintes moldes e diretrizes:

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada
e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as
seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem
prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade. (BRASIL, 1988).

A Assistência Social realiza serviços assistenciais e/ou prestações pecuniárias em


favor de pessoas em situação de vulnerabilidade (CASTRO; LAZZARI, 2020).
É dever do Estado oferecer assistência social às pessoas em situação de
hipossuficiência, independente de contribuição, de modo a assegurar a dignidade dessas
pessoas. A Lei nº 8.742/93 dispõe sobre a organização da Assistência Social e também versa
sobre o “LOAS” (benefício de prestação continuada), prestação pecuniária concedida à
pessoa com deficiência ou a idoso (com idade a partir de 65 sessenta e cinco anos), que não
67

possuem meios de prover a sua própria subsistência e nem possam tê-la provida pelo núcleo
familiar (AGOSTINHO, 2020).
A Assistência Social têm diversas finalidades, com fulcro no art. 203, da
Constituição:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar,


independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção
de sua integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei (BRASIL,
1988).

Consoante preleção constitucional (art. 204, da CF), as ações na área da assistência


social podem ser executadas pelos entes federados, entidades beneficentes e de assistência
social. A população também pode participar através de organizações representativas, na
formulação das políticas e no controle das ações (BRASIL, 1988). A Lei nº 12.101/2009,
por sua vez, dispõe sobre a certificação das entidades beneficentes de assistência social e dá
outras providências (BRASIL, 2009).
Sob a ótica interdisciplinar (Direito Previdenciário e Direito Tributário) discorrida ao
longo do presente artigo científico, faz-se necessário elucidar o que seria a “imunidade
tributária”.
De forma simplificada, é possível compreender a imunidade tributária como uma
forma de desoneração tributária, que impede a competência tributária em grau
constitucional, com a finalidade de proteger determinados valores instituídos na Carta
Magna, que justificam o direito de não tributação consentido ao beneficiário da imunidade
(SABBAG, 2017).
A imunidade tributária trata-se de verdadeira garantia, de cariz constitucional, ao
contribuinte. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios tributar
diante da desoneração constitucional. Enfim, a imunidade tributária perfectibiliza verdadeira
limitação ao poder de tributar do Estado (BRASIL, 1988).
Portanto, no presente artigo científico, serão analisados aspectos acerca da evolução
histórica da Seguridade Social, a Ordem Social na Constituição Federal de 1988, a
68

Assistência Social e a razão pela qual, as entidades beneficentes de assistência social


possuem imunidades tributárias e quais são as formas de usufruí-las.

2. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA SEGURIDADE SOCIAL E A ORDEM SOCIAL


NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

De um modo geral, os Estados, em regra, realizam a proteção social das pessoas


diante de infortúnios que lhes possam dificultar ou impossibilitar a sua própria subsistência
através da atividade laborativa. Essa proteção estatal tem surgimento rudimentar através do
Estado Moderno que, em momento posterior, foi aperfeiçoada e consolidada nas políticas de
Seguridade Social (CASTRO; LAZZARI, 2020).
Desde as sociedades mais remotas, o homem preocupou-se com a sua subsistência e
de sua família em situações adversas, tais como as enfermidades, a diminuição da capacidade
de trabalho, a perda de renda e as dificuldades econômicas. Perante essas situações, o homem
necessita do amparo estatal para que possa contornar a adversidade encontrada. Por isso,
buscou-se instrumentos capazes de proteger as pessoas diante das necessidades sociais
(SANTOS, 2020).
Por conseguinte, Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari (2020, p.
59), explicam que:

Em verdade, a marcha evolutiva do sistema de proteção, desde a assistência


prestada por caridade até o estágio em que se mostra como um direito subjetivo,
garantido pelo Estado e pela sociedade a seus membros, é o reflexo de três formas
distintas de solução do problema: a da beneficência entre pessoas; a da assistência
pública; e a da previdência social, que culminou no ideal de seguridade social.

Então, conforme a conclusão supracitada, a Seguridade Social (assim conhecida nos


tempos atuais) evoluiu ao perpassar por algumas etapas, a saber: a beneficência, a assistência
pública e a seguridade social.
Por esse motivo, proceder-se-á a análise dessas etapas.
Na Idade Moderna, havia uma grande lacuna que separava a classe operária dos
detentores dos meios de produção. E o Estado Moderno, por sua vez, dentro do viés liberal,
limitava-se a oferecer abrigo ou alguma ajuda pecuniária aos mais carentes. Muitas vezes, a
caridade também era realizada de forma voluntária, por aqueles que se preocupavam com a
dignidade dessas pessoas (CASTRO; LAZZARI, 2020).
69

Marisa Ferreira dos Santos (2020) demarca que a primeira etapa de proteção social,
por meio da assistência pública, foi fundada na caridade. Inicialmente, essa prestação era
incumbida pela Igreja e, apenas em momento posterior, foi conduzida por instituições
públicas. Nessa etapa, não havia um direito subjetivo interligado à proteção social, mas
apenas uma mera expectativa de direito. Afinal, a caridade era condicionada à vontade alheia
e a existência de recursos que fossem destinados aos mais necessitados.
O marco teórico para o surgimento principiante da concepção de “assistência
pública” ou “assistência social”, indo muito além da caridade “eventual”, ocorreu na
Inglaterra, em 1601, quando Isabel I editou o Act of Relief of the Poor. Essa lei fez o
reconhecimento jurídico de que o Estado deve amparar as pessoas necessitadas (SANTOS,
2020).
Theodoro Agostinho (2020) elucida que, no âmbito nacional, apesar da Constituição
de 1824 fazer a primeira menção precursora da assistência social, no art. 179, XXXI, ao
referir-se aos “socorros públicos” como um direito dos cidadãos brasileiros, o dispositivo
constitucional não teve a aplicabilidade esperada, pois os cidadãos não tinham meios para
exigir o cumprimento da aludida garantia. Dessa maneira, foi uma norma inócua.
A caridade “eventual” e à mercê da vontade alheia, demonstrou-se insuficiente frente
às necessidades sociais da época.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, revelou-se como um
avanço na proteção ao indivíduo, ao sobrelevar o princípio da Seguridade Social como um
direito de todos (“Les secours publiques sont une dette sacrée.”). Com a sociedade
industrial, obteve-se ganhos relevantes na proteção social (CASTRO; LAZZARI, 2020).
Oportunamente, surgiram as empresas seguradoras nos Estados Europeus. As
primeiras formas de seguro apareceram no século XII (o seguro marítimo, por exemplo). O
desenvolvimento do instituto ocasionou a criação de outras modalidades, a exemplo do
seguro de vida, seguros contra a invalidez, danos e doenças, dentre outros. No entanto, o
seguro é pactuado em uma relação contratual. Poucos trabalhadores tinham condições de
contratar o seguro e pagar o prêmio, o que fez com que perdurasse o desamparo a população
(SANTOS, 2020).
Felizmente, a partir da segunda metade do século XIX até o início do século XX, os
Estados da Europa evoluíram a proteção social, senão vejamos:

Os Estados da Europa, precursores da ideia de proteção estatal ao indivíduo vítima


de infortúnios, estabeleceram, de maneira gradativa, da segunda metade do século
70

XIX até o início do século XX, um sistema jurídico que garantiria aos
trabalhadores normas de proteção em relação aos seus empregadores nas suas
relações contratuais, e um seguro – mediante contribuição destes – que consistia
no direito a uma renda em caso de perda da capacidade de trabalho, por velhice,
doença ou invalidez, ou a pensão por morte, devida aos dependentes. Assim se
define uma nova política social, não mais meramente assistencialista – está
lançada a pedra fundamental da Previdência Social (CASTRO; LAZZARI, 2020,
p. 62).

Em 1883, na Prússia, nasceu o seguro social com a “Lei do Seguro Doença”, proposta
por Bismarck. A Lei do Seguro Doença é considerada como o primeiro plano de Previdência
Social que se tem conhecimento. Após a Segunda Guerra Mundial, fortaleceu-se a concepção
de que o seguro social deveria ser obrigatório e, por essa razão, o seguro passou a abranger
vários riscos sociais (SANTOS, 2020).
Em junho de 1941, o Governo da Inglaterra formou uma Comissão Interministerial
para proceder estudos acerca dos planos de seguro social e matérias afins. Essa comissão foi
presidida por William Beveridge, que, em 1942, apresentou os resultados obtidos. Esses
estudos ficaram conhecidos como Plano Beveridge (SANTOS, 2020), sendo também um
marco na história da Seguridade Social.
Com a perspicácia necessária, o Plano Beveridge concluiu que:

Beveridge concluiu que o seguro social já não atendia às necessidades sociais,


porque era limitado apenas aos trabalhadores vinculados por contrato de
trabalho, com certa remuneração quando em serviços não manuais. Ficavam sem
cobertura os trabalhadores “por conta própria”, isto é, sem vínculo de emprego,
que constituíam a parcela da massa pobre da população, justamente a que mais
precisava da proteção do Estado. [...] Beveridge destacou o papel do Estado, por
meio de políticas públicas que garantissem a proteção social em situações de
necessidade. Influenciou muito a legislação social que se seguiu na Europa e na
América, influência que atualmente ainda se faz presente nos sistemas de
seguridade social (SANTOS, 2020, p. 41-42).

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, consagrou a necessidade


de um sistema de seguridade social. Além disso, a 35ª Conferência Internacional do Trabalho
– OIT (1952) aprovou a Convenção nº 102 – “Norma Mínima em Matéria de Seguridade
Social (SANTOS, 2020).
Observa-se que, ao longo da história, o Estado modificou a postura de “intervenção
mínima” para uma atuação efetivamente interventiva, por meio de políticas de inclusão
social. O Welfare State proporcionou uma integração entre o Estado e a sociedade, ao criar
a noção de seguridade social como elemento nuclear (AGOSTINHO, 2020).
71

No Brasil, a evolução da proteção social também originou-se na caridade, seguida do


mutualismo de caráter privado e facultativo e, ao final, pelo seguro social (AGOSTINHO,
2020).
No ordenamento jurídico brasileiro, a noção de Seguridade Social é demarcada pela
Constituição Federal de 1988, no título “A Ordem Social” (BRASIL, 1988).
A Carta Magna trouxe um verdadeiro Sistema Nacional de Seguridade Social, que
tem como finalidade assegurar a justiça social e o bem-estar, para que a todos sejam
proporcionados o “mínimo existencial” e, por consequência, assegurado o princípio da
dignidade humana (AGOSTINHO, 2020).
Em conformidade a previsão constitucional, a Seguridade Social é formada pelo
direito à saúde, à assistência social e à previdência social. A solidariedade é o fundamento
da seguridade social. A Seguridade Social é composta por normas de proteção social,
destinadas a prover o indivíduo acometido por doença, invalidez, desemprego ou outras
situações legalmente previstas (SANTOS, 2020).
Theodoro Agostinho (2020, p. 98) conceitua a Seguridade Social, in verbis:

A Seguridade Social é a ordem jurídica vigente, sendo um conjunto integrado de


ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade nas áreas da saúde,
previdência e assistência social. É a estrutura administrativa que tem por atribuição
executar as políticas no âmbito da segurança social, inserida na estrutura do Poder
Executivo.

Relembre-se que, no Brasil, caso o necessitado seja segurado da Previdência Social,


a proteção social ocorrerá através de benefício previdenciário, de acordo com a contingência
acometida. Por outro lado, se a pessoa não estiver em nenhum dos regimes previdenciários
e implemente as condições legais necessárias, terá direito à Assistência Social. Ressalta-se
que todos, independentemente de contribuição, têm direito à Saúde (SANTOS, 2020).

3. ASSISTÊNCIA SOCIAL

A Carta Magna de 1988 preconiza, no artigo 203 que: “A assistência social será
prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social [...]”
(BRASIL, 1988).
Convém ressaltar que a PEC nº 6/2019 (Reforma da Previdência) continha proposta
de alteração do artigo 203, da Constituição. Contudo, essa alteração não foi aprovada pelo
Congresso Nacional (SANTOS, 2020).
72

Theodoro Agostinho (2020) entende a Assistência Social como uma política social,
voltada ao atendimento das necessidades básicas de determinados segmentos sociais,
independentemente de contribuição à Seguridade Social.
A Constituição elenca quais são os grupos e as situações protegidas pela Assistência
Social, quais sejam: a família, a maternidade, a infância, a adolescência e a velhice; crianças
e adolescentes carentes; a integração ao mercado de trabalho, a habilitação, a reabilitação e
a promoção de pessoas portadoras de deficiência; a garantia de um salário mínimo à pessoa
portadora de deficiência e ao idoso que não tenham como manter a sua sobrevivência e nem
possam tê-la provida por sua família (BRASIL, 1988).
Na esfera infraconstitucional, a Lei nº 8.742/1993 é responsável por minuciar acerca
da Assistência Social e outras providências relacionadas.
No artigo 1º, da Lei nº 8.742/93, a Assistência Social é caracterizada como:

Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de


Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada
através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade,
para garantir o atendimento às necessidades básicas (BRASIL, 1993).

De mais a mais, a Assistência Social é regida por vários princípios próprios, dispostos
na Lei nº 8.742/93:

Art. 4º A assistência social rege-se pelos seguintes princípios:


I - supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de
rentabilidade econômica;
II - universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação
assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;
III - respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios
e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-
se qualquer comprovação vexatória de necessidade;
IV - igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de
qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais;
V - divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais,
bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua
concessão (BRASIL, 1993).

Nota-se que a legislação infraconstitucional robustece as diretrizes constitucionais


referentes à Assistência Social.
Marisa Ferreira dos Santos (2020) clarifica que a proteção social busca garantir a
redução de danos e a prevenção de riscos. Sob o manto da Assistência Social, deve-se
alcançar os sujeitos mais vulneráveis das relações sociais: família, infância, adolescência,
73

velhice e pessoas com deficiência. A proteção social é efetivada por ações do Sistema Único
de Assistência Social – SUAS.

4. A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS ENTIDADES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

A Constituição Federal, na Seção II – “Das Limitações do Poder de Tributar”,


estabelece uma série de garantias do contribuinte perante o Fisco.
Ao vislumbrar a imunidade tributária como uma garantia constitucional,
consubstancia-se a sua condição de cláusula pétrea, atribuída aos direitos e garantias
fundamentais, nos termos do artigo 60, § 4º, da CF/88 (PAULSEN, 2020).
O Pretório Excelso ratifica o entendimento acima delineado, ao dispor que as
imunidades tributárias e os princípios tributários possuem natureza de cláusulas pétreas (por
isto, direitos não suprimíveis por Emenda Constitucional – art. 60, § 4º, IV, da CF)
(SABBAG, 2017).
O artigo 150, VI, alínea “c” e § 4º, da CF/88, assegura a imunidade tributária das
instituições de assistência social, além de outras entidades:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado


à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...]
VI - instituir impostos sobre: [...]
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações,
das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de
assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; [...]
§ 4º As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente
o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das
entidades nelas mencionadas (BRASIL, 1988, grifo nosso).

No que lhe concerne, o § 7º do artigo 195, da CF/88, também garante que: “São
isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência
social que atendam às exigências estabelecidas em lei.” (BRASIL, 1988).
Inicialmente, deve-se compreender que a norma imunizante, estabelecida pelo
legislador constituinte, visa proteger valores de cunho social, político, religioso e ético, a fim
de salvaguardar certas pessoas (físicas e jurídicas) e situações da tributação estatal
(SABBAG, 2017).
A Constituição é responsável por definir a competência tributária da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Por seu turno, a Carta Magna também estatui
as situações materiais que não deseja que sejam oneradas por tributos (ou por algum tributo
em espécie). Do mesmo modo que a Constituição determina como será exercida a
74

competência tributária, a Lei Fundamental também pode selecionar certas pessoas, bens ou
serviços, enfim, situações que não podem ser passíveis de tributação (AMARO, 2014).
A previsão de imunidade tributária corporifica verdadeira hipótese de
“incompetência tributária” (SABBAG, 2017). No momento em que a Constituição proíbe a
existência de exação em determinadas situações, na verdade, deve-se entender esses
preceitos como regras constitucionais negativas de competência. Essas normas são
conhecidas como “imunidade tributária” (PAULSEN, 2020).
Luciano Amaro (2014, p. 116) define que:

Essas situações dizem-se imunes. A imunidade tributária é, assim, a qualidade da


situação que não pode ser atingida pelo tributo, em razão de norma constitucional
que, à vista de alguma especificidade pessoal ou material dessa situação, deixou-
a fora do campo sobre que é autorizada a instituição do tributo.

Logo, conclui-se que os supracitados artigo 150, VI, alínea “c” e § 4º, da CF/88 e o
§ 7º do artigo 195, da CF/88, são normas constitucionais de imunidade tributária.
Contudo, o texto constitucional não se refere expressamente com o termo
“imunidade”. A Carta Magna utiliza outras expressões, a saber: veda a instituição de tributo,
menciona “isenção” ou “não incidência”, dentre outros. Todas essas expressões têm
conteúdo normativo de imunidade tributária (PAULSEN, 2020).
O Superior Tribunal Federal já reconheceu a natureza de imunidade tributária nessas
circunstâncias. A ADI 2028 tratou do § 7º, do art. 195, da CF, sobre a imunidade de
contribuições de seguridade social das entidades beneficentes de assistência social. No RE
nº 636.941, determinou-se que o termo “isenção” do art. 195, § 7º, na verdade, denota
conteúdo de supressão de competência tributária. Inegavelmente, caracteriza-se como
imunidade tributária (PAULSEN, 2020).
A diferença entre isenção e imunidade encontra-se enquanto uma atua no exercício
da competência (isenção), a outra atua na esfera da definição de competência (imunidade)
(AMARO, 2014).
A imunidade tributária de partidos políticos, sindicatos de empregados, instituições
de educação e entidades de assistência social, disposta no art. 150, VI, alínea “c”, da CF,
também é conhecida como imunidade “não autoaplicável”, em razão de ser necessário
comprovar os requisitos de legitimação da imunidade (art. 14, do CTN) (SABBAG, 2017).
Embora o inciso VI, do art. 150, alínea “c”, da CF, disponha que a imunidade das
entidades beneficentes de assistência social limita-se aos impostos sobre o “patrimônio,
75

renda ou serviços”, a interpretação constitucional conferida pelo STF determina que devem
ser considerados abrangidos pela imunidade todos os impostos (PAULSEN, 2020).
A imunidade também deve ser conjugada com o § 4º, do art. 150, ao estipular que a
desoneração constitucional alcança os serviços, o patrimônio e as rendas da entidade, desde
que sejam revertidos para as finalidades essenciais da instituição (SABBAG, 2017).
De acordo com Luís Eduardo Schoueri (2019, p. 460, grifo nosso), é notório o
fundamento jurídico-social para a existência da imunidade tributária das entidades de
assistência social:

Afinal, quando a sociedade, livremente, decide organizar uma entidade sem


fins lucrativos, destinada à assistência social ou à educação, qualquer imposto
que sobre ela incidisse implicaria o desvio de recursos dessas áreas para
outras finalidades estatais. A pessoa jurídica de Direito Público apenas
retiraria recursos voltados à assistência social ou à educação, para destiná-los
às mesmas áreas (o que caracterizaria evidente desperdício) ou a outras áreas
(caracterizando um desvio). Dada a importância da atuação estatal nos campos
da assistência social e da educação, houve por bem o constituinte assegurar
que, uma vez destinados recursos àquelas áreas, não pudessem eles ser
desviados. Assim, menciona-se, por exemplo, que, nos termos da Súmula
Vinculante 52, aprovada em 18 de junho de 2015, “[a]inda quando alugado a
terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das
entidades referidas pelo art. 150, VI, ‘c’, da Constituição Federal, desde que o
valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades para as quais tais entidades foram
constituídas”.

As condições materiais da imunidade devem ser explicitadas por lei complementar


(art. 146, II, da CF). Porém, requisitos meramente formais, de constituição e funcionamento
das entidades (a exemplo dos certificados), podem ser dispostos por lei ordinária
(PAULSEN, 2020).
Quanto ao tema, Luciano Amaro (2014, p. 119) discorre que:

A lei a que se refere a alínea deve ser entendida não como lei ordinária, mas como
lei complementar. Duas razões principais sustentam essa assertiva. Em primeiro
lugar, tratando-se de “limitação do poder de tributar”, cabe à lei complementar a
função precípua de regular a matéria, “complementando” a disciplina
constitucional (art. 146, II). Em segundo, a imunidade abrange um largo espectro
de tributos, de competência de diferentes entes políticos; há de haver, portanto,
norma uniforme, geral, que se aplique às diversas esferas de poder, o que, no
campo tributário, também é assunto de lei complementar.

O Código Tributário Nacional – CTN é o responsável por disciplinar as condições


materiais da imunidade, a título de lei complementar (PAULSEN, 2020). Essas condições
estão elencadas no art. 14, do Código Tributário Nacional, quais sejam: a) a não distribuição
de qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas; b) aplicar integralmente, no País,
76

os recursos em prol da manutenção dos seus objetivos institucionais; c) manter escrituração


de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades que assegurem a sua
exatidão (BRASIL, 1966).
Ratifica-se que, os requisitos do art. 14, do CTN, são os únicos elementos necessários
para que a entidade possa usufruir da imunidade tributária. A lei ordinária não pode querer
ampliar essas condições materiais (art. 14, do CTN), pois, desde que cumpridas, a entidade
encontra-se imune por mandamento constitucional. Nessa perspectiva, o STF já decidiu
acerca da inconstitucionalidade de lei ordinária que busque impor outros requisitos legais. A
lei ordinária pode, tão somente, estabelecer aspectos relativos à certificação, fiscalização e
o controle administrativo das entidades (SCHOUERI, 2019).
Quanto a condição de “não distribuição de qualquer parcela de seu patrimônio ou de
rendas”, a ausência de fins lucrativos não se confunde com a ausência de atividade
econômica. É possível que a entidade beneficente tenha resultados positivos. O que importa
é que esse saldo seja revertido em prol dos objetivos institucionais da entidade de assistência
social (PAULSEN, 2020).
Luciano Amaro (2014) observa que, a exigência que a entidade de assistência social
não tenha fins lucrativos (nos termos da Constituição Federal) foi corretamente conjugado
ao requisito do art. 14, do CTN, acerca da “não distribuição de patrimônio ou de renda”.
Deve-se entender como entidades sem fins lucrativos apenas aquelas que não visam lucro
para si, o que não impede que a instituição aufira resultados positivos durante a sua atuação.
Em outras palavras, a entidade pode ter renda, o que não pode é distribuir essa renda.
Superávit não é sinônimo de lucro.
Nesses termos, Luís Eduardo Schoueri (2019) leciona que a entidade assistencial
deve manter-se nos seus objetivos institucionais. Então, a entidade não pode distribuir lucros
a seus sócios.
Sob esse prima e com amparo na jurisprudência do Pretório Excelso, Leandro
Paulsen (2020, p. 166) dispõe que:

As instituições de assistência social, também beneficiárias da imunidade, são


aquelas que desenvolvem uma das atividades descritas no art. 203 da CF. Não se
exige filantropia, ou seja, não se exige que atuem exclusivamente com pessoas
carentes, de modo gratuito e universal e que dependam exclusivamente de
donativos. Podem exercer atividade econômica rentável, desde que sem finalidade
de lucro, ou seja, desde que revertam seus resultados para a atividade assistencial.
Há impedimento à distribuição de lucros, esta sim descaracterizadora da finalidade
assistencial e do caráter não lucrativo. Não se deve confundir, ainda, a ausência de
caráter lucrativo com a obtenção de superavit, este desejável inclusive para as
77

entidades sem fins lucrativos, de modo que viabilize a ampliação das suas
atividades assistenciais.

Luciano Amaro (2014) explica que o “lucro” é um aspecto afeto à noção de empresa,
molde inadequável para a entidade beneficente de assistência social. Vale lembrar que a
entidade assistencial não pode ter fins lucrativos, deve ter sido criada com o objetivo de
atingir uma finalidade altruísta.
O Código Tributário Nacional regulou corretamente sobre a impossibilidade de
distribuição de parcelas ou rendas. De mais a mais, pelo fato da entidade assistencial ser um
verdadeiro instrumento de justiça distributiva, geralmente a instituição beneficente cobra por
seus serviços ou bens que forneça. Com o saldo obtido, a entidade assistencial consegue
reverter para a continuidade dos seus objetivos institucionais, in casu, na área da assistência
social (AMARO, 2014).
Com fundamento no CTN, as outras condições imprescindíveis para implementar a
imunidade tributária outorgada em favor das entidades de assistência social, são: aplicar no
País os recursos obtidos na atividade e a manutenção da escrituração de suas receitas e
despesas em livros com as formalidades necessárias (BRASIL, 1966).
Compreende-se que, a necessidade de aplicar integralmente no País os recursos
obtidos na atividade trata-se de uma condição para evitar o desvio de finalidade ou desvio
de recursos. Aliás, esses recursos devem ser revertidos para a manutenção dos interesses
institucionais da entidade beneficente. Ora, se a entidade aqui exerce a assistência social,
nada mais lógico que os saldos financeiros sejam empregados no País.
Luís Eduardo Schoueri (2019) infere que o fundamento desse requisito encontra-se
na possibilidade do controle. Afinal, com a aplicação dos recursos no País, é possível que
seja realizada a fiscalização da entidade. Sem esse impedimento, não seria possível
determinar se a aplicação dos recursos da entidade no exterior, na verdade, não seria uma
forma indireta de distribuir lucros.
No que se refere a manutenção da escrituração das receitas e despesas da entidade
assistencial, notoriamente trata-se de uma obrigação acessória (art. 9, § 1º e art. 113, caput
e §2º, do CTN) (BRASIL, 1966), obrigação essa que viabiliza justamente a análise da
aplicação dos saldos financeiros da entidade beneficente, a fim de aferir se foram revertidos
nos seus desígnios institucionais.
A imunidade tributária alcança apenas a obrigação de pagar impostos, mas não
alcança as obrigações acessórias (SCHOUERI, 2019).
78

Por fim, deve-se relembrar que as entidades beneficentes de assistência social têm
direito a imunidade tributária dos impostos (art. 150, VI, alínea “c”, da CF), desde que
cumpridos os requisitos do art. 14 do CTN, e a imunidade tributária das contribuições para
a seguridade social, com fulcro no § 7º do artigo 195, da CF/88.
Em última análise, assevera-se que a imunidade tributária das entidades de
assistência social alcançam os impostos e as contribuições para a seguridade social. No
entanto, são sujeitas às taxas, contribuições de melhorias e outras espécies de tributos
(SABBAG, 2017).

5. CONCLUSÃO

Conforme demonstrado, para o aperfeiçoamento da Seguridade Social, foi necessário


percorrer várias etapas de proteção do indivíduo diante das contingências (doença, invalidez,
idade, reclusão, ausência de renda, entre outros).
A evolução foi notória, afinal, partiu-se da mera caridade, contando-se com o auxílio
apenas das pessoas que se comoviam com aqueles que se encontravam em situações de
extrema penúria. Eventualmente, as instituições estatais ou a Igreja atuavam, ao oferecer
abrigos e alguma pecúnia para as pessoas necessitadas.
Na época seguinte, houve o surgimento da assistência pública, posteriormente
perfectibilizada no seguro social.
O presente artigo científico também discorreu sobre a Assistência Social e trouxe à
baila os elementos para fruição da imunidade tributária concedida as entidades beneficentes
de assistência social.
A ordem constitucional vigente consolidou a Seguridade Social, no Capítulo II, do
Título VIII – Da Ordem Social.
A existência da Previdência Social, da Saúde e da Assistência Social viabiliza o
fortalecimento da sociedade, pois, de forma direta, auxiliam na prevenção de doenças, no
cuidado com os idosos e as pessoas carentes (na previdência e no assistência social) e até
mesmo na educação.
A pandemia do coronavírus (COVID-19) revelou, de forma ainda mais eloquente, a
indispensabilidade de políticas públicas na área da Saúde e a necessidade do robustecimento
do Sistema Único de Saúde – SUS.
79

Da mesma forma que procedeu-se na história da Seguridade Social, as alterações nas


áreas da previdência, da saúde ou da assistência devem buscar, prioritariamente, aprimorar
o sistema de seguridade social em favor dos segurados, assistidos e sociedade em geral.
Infelizmente, nem sempre é o que ocorre.
Principalmente no campo da previdência, ao utilizar a economia como única diretriz
possível, precariza-se a proteção social esperada pelos contribuintes.
No entanto, oportuno suscitar o princípio da vedação do retrocesso social. O princípio
coexiste com a Reforma da Previdência – EC nº 103/2019?! Indague-se.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGOSTINHO, Theodoro. Manual de Direito Previdenciário. São Paulo: Saraiva Educação,


2020.

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988.

BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional. Brasília,


1966.

BRASIL. Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência


Social e dá outras providências. Brasília, 1993.

BRASIL. Lei nº 12.101, de 27 de novembro de 2009. Dispõe sobre a certificação das


entidades beneficentes de assistência social. Brasília, 2009.

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito
Previdenciário. 23. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.

PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. 11. ed. São Paulo: Saraiva
Educação, 2020.

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito Previdenciário Esquematizado – Coleção


esquematizado, (coord). Pedro Lenza. 10. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 9. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
80

TEMA 709 (STF): A CONTINUIDADE DO TRABALHO EM ATIVIDADE


ESPECIAL APÓS APOSENTADORIA E SUA ADEQUAÇÃO
CONSTITUCIONAL

Eduardo Vinhas Fagundes1

Resumo: Busca-se no presente trabalho expor o arcabouço normativo e jurisprudencial em


torno do tema 709, decidido pelo Supremo Tribunal Federal, afim de ensejar uma leitura da
problemática que mantenha adequação aos moldes prescritivos do ordenamento
constitucional e seus respectivos direitos fundamentais em jogo. Destarte, o controle de
constitucionalidade trabalhado pelo órgão de cúpula do Poder Judiciário, assentou a
constitucionalidade da vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se
o beneficiário permanece laborando em atividade especial, bem como a ela regressa, quando
essa atividade especial propicia a aposentação antecipada ou não. Também, foi expressa, no
referido julgado, a tese de que nas hipóteses de solicitação de aposentadoria por parte do
segurado, no caso deste continuar a exercer o labor especial, é definida como marco temporal
para a data do início do benefício a mesma de entrada de seu requerimento. Ademais, o
benefício previdenciário em questão é cessado, uma vez verificado que o segurado volta a
laborar em condições nocivas ou dá continuidade a tal ato, não sendo relevante qual via de
concessão o beneficiário adentrou para pleitear. Nesse sentido, verificou-se postura que
corrobora com a tese assentada pelo Supremo Tribunal Federal, bem como aquela que
sustenta oposição a ela. Logo, a corrente que melhor se amolda, a partir dos juízos
investigados, ao ordenamento constitucional é a exposta pelo Tribunal Regional Federal da
4ª, visto que parágrafo 8º, no artigo 57 da lei 8.213/91, apenas confere caráter confiscatório
e não dá proteção efetiva aos direitos fundamentais do trabalhador.
Palavras-chave: Constitucionalidade – Aposentadoria Especial – Tema 709 – Direito
Previdenciário

INTRODUÇÃO

Trata-se de temática que se desdobra no espectro social de maneira significativa,


posto que a experiência econômica atual demonstra-se afetada pelas mazelas da pandemia
mundial, além de outros fatores políticos que se arrastam pelos últimos anos. Nesse sentido,
é necessária uma operação estatal que atente para a realidade dos segurados afetados, de
modo a propiciar decisões que melhor atendam aos seus interesses, sem estar alheia à carga
deontológica que o ordenamento constitucional carrega. Dito isso, no bojo da investigação
aqui apresentada localiza-se norma de eficácia contida, que prescreve o livre exercício do
trabalho. Por conta de sua natureza citada, a mesma está suscetível a ser restringida por outra

Bacharel em Direito – URCAMP/Bagé, Pós-graduando em Direito Constitucional – ABDConst., Advogado.


1

OAB: 120.970/RS. Endereço eletrônico: eduardovinhasf96@outlook.com


81

norma infraconstitucional, o que enseja uma investigação da proporcionalidade, adequação


e necessidade contida no diálogo do fenômeno jurídico aqui denotado.

Dessa forma, cabe indagar quais os limites de sua restrição e se é possível revelar-se
enquanto legítima do ponto de vista constitucional, a partir da exposição de uma dialética
construída por posturas divergentes, que já podem ser vislumbradas nas manifestações de
juristas ativos. Ademais, lançar luz sobre tais elementos enseja a tentativa de difusão de
critérios sólidos para a decisão judicial, apostando em uma blindagem hermenêutica às
decisões discricionárias que podem pôr em cheque o direito fundamental à decisão
fundamentada por parte do poder público.
Nesse sentido, encontra-se diálogo suficiente com o escopo do e-book “Direito
Previdenciário: a nova Previdência”, à medida que se trata de fenômeno jurídico pertinente
para a afirmação dos direitos previdenciários, os quais se situam, atualmente, em situação de
desmantelamento, o que exige uma maior atenção à defesa do modelo de Estado Social
esculpido em âmbito constitucional. Por fim, é válido ressaltar que confere um maior grau
de expressividade ao trabalho engendrado o fato de ser abordado evento sensível do ponto
de vista existencial para os envolvidos nos possíveis litígios que a postura do Supremo
Tribunal Federal possa desencadear, havendo assim, a necessidade de um número maior de
explorações para fomentar o debate público.

I. A ADEQUAÇÃO ACERCA DA CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 57,


§ 8º, DA LEI Nº 8.213/91

A controvérsia que chegou ao âmbito do Supremo Tribunal, sob o tema 709, repousa
na possibilidade de percepção do benefício de aposentadoria especial a despeito do
desligamento do beneficiário das atividades laborais danosas à saúde. Nesse sentido, por
meio do RE 791.961/PR, a Corte assentou entendimento pela compatibilidade dos moldes
normativos do parágrafo 8º, no artigo 57 da lei 8.213/91 com o ordenamento constitucional.
Assim, a referido parágrafo supracitado, imposto pela Medida Provisória 1.729, de
02/12/1998, transposta para Lei 9.732, de 11/12/1998, tem a seguinte moldura textual: “§ 8º.
Aplica-se o disposto no art. 46 ao segurado aposentado nos termos deste artigo que continuar
82

no exercício de atividade ou operação que o sujeite aos agentes nocivos constantes da relação
referida no art. 58 desta Lei” (BRASIL, 1998).2
Vale apontar que a aposentadoria especial discutida é devida aos que exercerem
atividade laboral durante quinze, vinte ou vinte e cinco anos. Para os segurados inseridos
nessa modalidade, os requisitos devem ter sido preenchidos até a Emenda Constitucional
103, de 12/11/2019 (Reforma da Previdência), a renda mensal corresponde a 100% do salário
de benefício (média das 80% maiores contribuições), não contando com a incidência do fator
previdenciário (LAZZARIN, 2020).3 No que tange ao artigo o artigo 46 mencionado
anteriormente, este tem o condão de cancelar automaticamente, a partir da data do retorno,
a aposentadoria daquele que obtém tal proteção previdenciária sob a hipótese de invalidez e
retornar à atividade (BRASIL, 1998). Dessa forma, ficaram denotadas as seguintes teses nos
embargos de declaração interpostos, recebidos em parte no dia 24 de abril de 2021.

[...] Decisão: O Tribunal, por maioria, acolheu parcialmente os embargos de


declaração, para: a) esclarecer que não há falar em inconstitucionalidade do § 8º
do art. 57 da Lei nº 8.213/91, em razão da alegada ausência dos requisitos
autorizadores da edição da Medida Provisória que o originou, pois referida MP foi
editada com a finalidade de se promoverem ajustes necessários na Previdência
Social à época, cumprindo, portanto, as exigências devidas; b) alterar a redação da
tese de repercussão geral fixada, para evitar qualquer contradição entre os termos
utilizados no acórdão ora embargado, devendo ficar assim redigida: “4. Foi fixada
a seguinte tese de repercussão geral: ‘(i) [é] constitucional a vedação de
continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece
laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial
aquela que ensejou a aposentação precoce ou não; (ii) nas hipóteses em que o
segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de
início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse
marco, inclusive, os efeitos financeiros; efetivada, contudo, seja na via
administrativa, seja na judicial, a implantação do benefício, uma vez verificada a
continuidade ou o retorno ao labor nocivo, cessará o pagamento do benefício
previdenciário em questão.’”; c) modular os efeitos do acórdão embargado e da
tese de repercussão geral, de forma a preservar os segurados que tiveram o direito
reconhecido por decisão judicial transitada em julgado até a data deste julgamento;
e d) declarar a irrepetibilidade dos valores alimentares recebidos de boa-fé, por
força de decisão judicial ou administrativa, até a proclamação do resultado deste
julgamento, nos termos do voto do Relator, vencido parcialmente o Ministro

2
BRASIL. Lei nº 9.732. 2020. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9732.htm >
Acesso em 13 de Agosto de 2021. Acesso em 31 de Agosto de 2021.
3
LAZZARIN, Sonilde Kugel. A Decisão do STF (Tema 709) Sobre a Aposentadoria Especial:
Consequência Para os Segurados e Efeitos no Contrato de Trabalho. Disponível em:
<http://www.lazzarinadvogados.com.br/artigo-a-decisao-do-stf-tema-709-sobre-a-aposentadoria-especial-
consequencias-para-os-segurados-e-efeitos-no-contrato-de-trabalho/> Acesso em 17 de agosto de 2021.
83

Marco Aurélio, que divergia apenas quanto à modulação. Plenário, Sessão Virtual
de 12.2.2021 a 23.2.2021. [...]” (BRASIL, 2021). 4

Assim, em breve exposição acerca dos juízos acima, o advogado especialista em


Direito Previdenciário, Amauri França, explana que a partir da leitura do elemento “b) ”, a
aposentadoria especial deverá ser cessada e não cancelada pelo INSS. Deve-se empreender
tal entendimento já que antes o termo “cancelar” remetia a uma noção de definitividade,
enquanto o termo cessar revela-se de caráter temporário. Quanto ao elemento “c) ”, pode-se
afirmar que a decisão somente terá feito a partir do atual momento e não retroagirá aos
trabalhadores que já adentraram em processos com transito em julgado. O advogado ainda
observa que, em relação ao que foi exposto na letra “d) ”, até a data dessa decisão, os valores
recebidos até o momento presente são irrepetíveis, não havendo razão para a devolução ao
INSS.
Na medida em que os valores foram recebidos por decisão judicial, deve-se respeito
ao princípio da boa-fé e o caráter alimentar de tais valores. Por fim, entende-se que diante
dessa decisão, a partir de agora o INSS terá possibilidade de suspender o pagamento da
aposentadoria especial aos que se mantem nas atividades de risco (2021).5 Ainda sobre o
referido recurso, o Procurador-Geral da República em face do acórdão do Plenário do STF,
aduziu que

“[...] considerada a situação de grave emergência planetária em que nos inserimos


hoje, há a necessidade de fazer a distinção e modulação dos efeitos em relação aos
profissionais de saúde essenciais ao controle de doenças e à manutenção da ordem
pública, listados no art. 3ºJ da Lei nº 13.979/2020, que estejam trabalhando
diretamente no combate à epidemia do novo coronavírus ou colaborando com
serviços de atendimento daqueles atingidos por ela em hospitais ou instituições
[...]”. (2021, p. 1)6

Nesse sentido, foi acolhida tal tese pelo Ministro Dias Toffoli, em decisão
monocrática, afim de observar os moldes normativos contidos no artigo 3º-J da lei 13.979, o
qual prevê que durante o estado de pandemia deve haver a adoção por parte do poder público
e os empregadores ou contratantes de medidas de preservação à saúde dos profissionais

4
________. Tema 709. Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4518055&nu
meroProcesso=791961&classeProcesso=RE&numeroTema=709# Acesso em 17 de Agosto de 2021.
5
FRANÇA, Amauri. Tema 709 do STF: Como Ficou a Aposentadoria Especial? 2021. Disponível em:
http://afranca.adv.br/tema-709-do-stf-como-ficou-a-aposentadoria-especial/ Acesso em 17 de agosto de 2021.
6
_______. Recurso Extraordinário 791.961. Supremo Tribunal Federal. 2021. Disponível
em:<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoPeca.asp?id=15345922478&tipoApp=.pdf > Acesso
em 17 de agosto de 2021.
84

fundamentais à ordem pública e controle de doenças. (BRASIL, 2020).7 Por conseguinte, o


acolhimento acarretou a suspensão liminar dos efeitos do acordão proferido no bojo do Tema
709 para os profissionais que constam no rol do citado artigo. Dessa forma, conclui Fernanda
Dornelas Carvalho, a partir da análise do julgado que no tempo em que permanecer no país
a situação de situação de emergência de saúde pública desencadeada por conta da pandemia
da COVID-19, “[...] os profissionais de saúde que estiverem laborando no combate à doença
poderão perceber aposentadoria especial sem a necessidade de afastamento do labor nocivo.
[...]” (2021).8
Outrossim, cabe aferir que o instrumento de modulação de efeitos em controle de
constitucional é de grande valia para todos os impactados por certa lide ou norma em
abstrato, pois ainda que ocorra casos de inconstitucionalidade, por exemplo, “[...] em
situações onde prepondere a segurança jurídica ou o excepcional interesse social, devem ser
mantidos efeitos jurídicos válidos produzidos pela norma viciada. Inicialmente essa
possibilidade concretizou-se no controle difuso de constitucionalidade. [...]” (ALMEIDA,
2007, p. 19).9 O mesmo vale quando se sustenta a constitucionalidade de determinada norma,
já que há possibilidade desta, do mesmo modo, implicar em efeitos danosos caso não seja
utilizada a modulação de seus efeitos, como é observado na situação dos profissionais de
saúde protegidos na problemática exposta acima.
Destarte, está feita uma sintética leitura do que restou amparado pelo Supremo
Tribunal, em tese de repercussão geral. Entretanto, há desdobramentos anteriores ocorridos
em sede judicial que culminaram nas vias extraordinárias puderam ser acessadas após
esgotadas as ordinárias, entre demais requisitos. Ademais, anteriormente a tais
manifestações, houve a do Tribunal Regional da 4º Região nos seguintes moldes
“[...] 1. A Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Incidente de
Arguição de Inconstitucionalidade n. 5001401-77.2012.404.0000, Rel. Des.
Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, julgado em 24/05/2012) decidiu pela
inconstitucionalidade do § 8º do art. 57 da Lei de Benefícios, (a) por afronta ao
princípio constitucional que garante o livre exercício de qualquer trabalho, ofício
ou profissão (art. 5º, XIII, da Constituição Federal de 1988); (b) porque a proibição
de trabalho perigoso ou insalubre existente no art. 7º, XXXIII, da Constituição
Federal de 1988, só se destina aos menores de dezoito anos, não havendo vedação

7
________. Lei nº 13.979. 2020. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2020/Lei/L13979.htm> Acesso em 17 de Agosto de 2021.
8
CARVALHO. Fernanda Dornellas. Tema 709 STF: Suspensão dos Efeitos aos Profissionais de Saúde
Durante a Pandemia COVID-19. 2021. Disponível em: <https://www.oguiaprevidenciario.com.br/tema-709-
stf-suspensao-dos-efeitos-aos-profissionais-de-saude-durante-a-pandemia-covid-19/> Acesso em 17 de
agosto de 2021.
9
ALMEIDA, Vânia Hack de. A Modulação dos Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade. Diss.
(Mestrado). Faculdade de Direito. Programa de Pós-Graduação em Direito Público. PUCRS, 2007. Porto
Alegre, 2007. 195 f.
85

ao segurado aposentado; (c) e porque o art. 201, § 1º, da Carta Magna de 1988,
não estabelece qualquer condição ou restrição ao gozo da aposentadoria especial.
Ou seja, a implantação da aposentadoria especial não exige o afastamento do
segurado da atividade que o exponha a agentes nocivos” (BRASIL, 2019).10
Depreende do fragmento do julgado citado, a centralidade do debate em questão, que
é a possibilidade de restrição do direito fundamental ao livre exercício da profissão. A norma
positivada em plano interno tem redação dada pela Carta Maior com os traços a seguir:

“[...] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: XIII - e livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,
atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer [...] ” (BRASIL,
1988).11

Assim, estamos diante de uma norma de eficácia contida e a respeito delas, leciona
Luís Roberto Barroso que “[...] são as que receberam, igualmente, normatividade suficiente
para reger os interesses que cogitam, mas preveem meios normativos (leis, conceitos
genéricos etc.) que lhes podem reduzir a eficácia e aplicabilidade. [...]”. (2018, pg. 251-
252).12 Logo, a tentativa de criar entraves à execução de trabalhos que se mostram
periculosos à saúde do indivíduo, como é a situação do caso em tela, pode se revelar como
legítima contanto que seja observada uma restrição proporcional ao núcleo essencial do
direito fundamental. Nessa linha de pensamento, acerca do suporte teórico referido que
detém grande valia para a compreensão do manejo dos direitos fundamentais, Flávio Moraes
Júnior aponta

“[...] que o núcleo essencial dos direitos fundamentais, mormente os dos


trabalhadores, encontra-se abrigado, protegido, garantido contra qualquer
intervenção que tenha por objetivo esvaziar o seu conteúdo, descaracterizando a
estrutura e a natureza do referido direito, restringindo desproporcionalmente ou
abolindo seu âmbito de proteção. Mas não só, pois o núcleo essencial também
impõe ao legislador o dever de afirmar sua substância essencial, pelo o que se falar
que a função de garantia daquele possuiu um caráter tanto negativo como positivo.
[...]” (2015, pg. 135-136).13

10
_______. Apelação Cível: AC 5055151-04.2016.4.04.7000 PR 5055151-04.2016.4.04.7000. Tribunal
Regional Federal da 4ª Região. Disponível em: <https://trf-
4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/680879623/apelacao-civel-ac-50551510420164047000-pr-5055151-
0420164047000> Acesso em: 18 de Agosto de 2021.
11
________. Constituição Federal. 1988. Disponível em;
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 17 de Agosto de 2021.
12
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os Conceitos
Fundamentais e a Construção do Novo Modelo. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 260.
13
JUNIOR, Flavio Moraes. Flexibilização dos Direitos Trabalhistas e o Princípio da Proibição do
Retrocesso Social. 2015. 169 f. Mestrado em Direito Instituição de Ensino: Faculdade de Direito do Sul de
Minas, Pouso Alegre Biblioteca Depositária: FDSM
86

Destarte, ao passo que o trabalhador pode desempenhar outras atividades, enquanto


tem protegida sua integridade a partir do afastamento do labor insalubre, mostra-se que a
vontade do legislador se coaduna com a própria natureza da aposentadoria especial.
Outrossim, a luz do sopesamento de princípios urge a prevalência daquele que possa sofrer
maior lesão a partir dos desdobramentos da hermenêutica empreendida, dentre outros
aspectos que a investigação aqui presente não tem a motivação em alcançar. Acerca desse
processo de conflito entre princípios postos em concreto, exige-se do magistrado envolvido
“[...] a criação de um enunciado de precedência condicionada de um princípio sobre outro, que
possui a estrutura de regra e contém uma determinação precisa no âmbito daquilo que é, naquelas
condições, fática e juridicamente possível [...]” (JUNIOR, 2014, p. 33).14
Portanto, atender a vida como bem jurídico de maior pertinência, na situação fática,
revela-se como postura válida. Nessa linha retórica, asseverou Carlos “Cacá” Domingos que

“[...] A proibição ao segurado titular de aposentadoria especial de permanecer


desenvolvendo labor deletério ou a ele retornar, é consentânea ao texto
constitucional, pois prima pelo direito fundamental à saúde e, por conseguinte, à
vida; observa a igualmente essencial garantia de redução dos riscos inerentes ao
trabalho (CF, art. 7º, XXIII); preserva a precípua finalidade protetiva/preventiva
da aposentação especial; contempla a lógica e a razoabilidade, dentre outros
argumentos favoráveis à sua preservação. Além disso, a vedação objeto da decisão
em tela não impede o segurado que percebe aposentadoria especial de exercer todo
e qualquer labor, mas tão-somente aqueles que ensejam a outorga da jubilação
antecipada, ou seja, os desenvolvidos com submissão a agentes prejudiciais à
saúde ou à integridade física. [...]” (2020).15

Todavia, esse entendimento apresenta problemas se nos debruçarmos sobre a


incidência e proteção efetiva da norma questionada em sede de controle de
constitucionalidade. Nesse sentido, a manifestação do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, ao examinar o Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade nº 5001401-
77.2012.4.04.0000, expõe a tese de que há apenas formalidade quanto pretensão da norma
em resguardar a vida e integridade do trabalhador, pois evidencia mero caráter fiscal sua não
concessão dos benefícios, ao mesmo tempo que contempla a possibilidade de continuidade
da atividade. Abaixo é exposta essa visão

“ [...] A regra em questão não possui caráter protetivo, pois não veda o trabalho
especial, ou mesmo sua continuidade, impedindo apenas o pagamento da

14
JUNIOR, Eduardo Canizella. Princípios, Limites da Ponderação e Argumentação Jurídica na Obra de
Robert Alexy' 18/09/2014. 99 f. Mestrado em DIREITO Instituição de Ensino: Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo., São Paulo Biblioteca Depositária: PUC-SP
15
DOMINGOS, Carlos “Cacá”. Análise e Possíveis Desdobramentos do Julgamento do Tema. 709 Pelo
STF. 2020. Disponível em: <http://www.professorcacadomingos.com.br/site/?p=411>. Acesso em 29 de
Agosto de 2021.
87

aposentadoria. Nada obsta que o segurado permaneça trabalhando em atividades


que impliquem exposição a agentes nocivos sem requerer aposentadoria especial;
ou que aguarde para se aposentar por tempo de contribuição, a fim de poder
cumular o benefício com a remuneração da atividade, caso mantenha o vínculo;
como nada impede que se aposentando sem a consideração do tempo especial,
peça, quando do afastamento definitivo do trabalho, a conversão da aposentadoria
por tempo de contribuição em aposentadoria especial. A regra, portanto, não tem
por escopo a proteção do trabalhador, ostentando mero caráter fiscal e cerceando
de forma indevida o desempenho de atividade profissional. [...]” (BRASIL,
2012).16

Dessa forma, não deve imperar regra que macule o valor do livre exercício laboral
quando a mesma revela-se enquanto um simples cessar da retribuição devida ao indivíduo,
principalmente em momentos sociais os quais a classe trabalhadora se encontra. Ademais,
deve-se rechaçar pretensões de pura formalidade e investir-se na preocupação da
materialidade do direito em si, observando assim, a força normativa constitucional.

CONCLUSÃO

À guisa de conclusão, reconhece-se a dificuldade em apreender de forma clara a


resolução da problemática apresentada. Já que é denotada uma temática sensível, isto acaba
demandando do operador jurídico que visa a leitura do fenômeno, esforço considerável.
Então, buscou-se discorrer em relação ao objeto discutido de forma sucinta, sem intentar
para seu esgotamento, já que trata-se de trabalho que visa apenas por luz a uma temática de
pertinência impar para os operadores do direito e o ordenamento que procuram conhecer.
Dito isso, restam premissas razoáveis tanto para a postura de admitir a constitucionalidade
do parágrafo 8º, no artigo 57 da lei 8.213/91, quanto para a de rechaçar tal compatibilidade
constitucional. Entretanto, com respeito aos juízos que vislumbram a garantia da saúde do
trabalhador observada com a prevalência da referida norma, foi apontado que é mais
apropriado, do ponto de vista do aporte teórico dos limites aos limites aos direitos
fundamentais, a antítese de tal compreensão jurídica.

16
_______. Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade – Processo 5001401-77.2012.4.04.0000.
Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Corte Especial. Rel. Des. Fed. Ricardo Teixeira do Valle Pereira.
Julgado em 24/05/2012. Disponível em: <https://previdenciarista.com/blog/previdenciario-constitucional-
arguicao-de-inconstucionalidade-do-artigo-57-da-lei-no-8-21391-aposentadoria-especial-vedacao-de-
percepcao-por-trabalhador-que-continua-na-ativa-desempen/>. Acesso em 29 de Agosto de 2021.
88

Ou seja, entende-se como acertada reconhecer a inconstitucionalidade da norma que


reveste a problemática aqui posta, visto que sua incidência é inócua frente a proteção do
trabalhador, criando embaraço ilegítimo a seus interesses. Por fim, é esperado o afastamento
de conjunturas que assolem os direitos sociais e a construção do Estado Social no âmbito
brasileiro, na medida em que há de se cumprir com os moldes programáticos da constituição
federal, bem como seus ditames relativos a garantia da isonomia material em meio a um corpo
social brutalmente desigual.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Vânia Hack de. A Modulação dos Efeitos da Declaração de


Inconstitucionalidade. Diss. (Mestrado). Faculdade de Direito. Programa de Pós-Graduação
em Direito Público. PUCRS, 2007. Porto Alegre, 2007. 195 f.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os Conceitos


Fundamentais e a Construção do Novo Modelo. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018,
p. 260.

BRASIL. Apelação Cível: AC 5055151-04.2016.4.04.7000 PR 5055151-04.2016.4.04.7000.


Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Disponível em: <https://trf-
4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/680879623/apelacao-civel-ac-50551510420164047000-
pr-5055151-0420164047000> Acesso em: 18 de Agosto de 2021.

________. Constituição Federal. 1988. Disponível em;


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 17 de
Agosto de 2021

_______. Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade – Processo 5001401-


77.2012.4.04.0000. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Corte Especial. Rel. Des. Fed.
Ricardo Teixeira do Valle Pereira. Julgado em 24/05/2012. Disponível em:
<https://previdenciarista.com/blog/previdenciario-constitucional-arguicao-de-
inconstucionalidade-do-artigo-57-da-lei-no-8-21391-aposentadoria-especial-vedacao-de-
percepcao-por-trabalhador-que-continua-na-ativa-desempen/>. Acesso em 29 de Agosto de
2021.

________. Lei nº 9.732. 2020. Disponível em:<


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9732.htm > Acesso em 13 de Agosto de 2021.>
Acesso em 31 de Agosto de 2021.
________. Lei nº 13.979. 2020. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Lei/L13979.htm> Acesso em
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_______. Recurso Extraordinário 791.961. Supremo Tribunal Federal. 2021. Disponível


em:<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoPeca.asp?id=15345922478&tipoAp
p=.pdf> Acesso em 17 de agosto de 2021.
89

________. Tema 709. Supremo Tribunal Federal. Disponível em:


http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incide
nte=4518055&numeroProcesso=791961&classeProcesso=RE&numeroTema=709# Acesso
em 17 de Agosto de 2021.

CARVALHO. Fernanda Dornellas. Tema 709 STF: Suspensão dos Efeitos aos Profissionais
de Saúde Durante a Pandemia COVID-19. 2021. Disponível em:
<https://www.oguiaprevidenciario.com.br/tema-709-stf-suspensao-dos-efeitos-aos-
profissionais-de-saude-durante-a-pandemia-covid-19/> Acesso em 17 de agosto de 2021.

DOMINGOS, Carlos “Cacá”. Análise e Possíveis Desdobramentos do Julgamento do Tema.


709 Pelo STF. 2020. Disponível em:
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FRANÇA, Amauri. Tema 709 do STF: Como Ficou a Aposentadoria Especial? 2021.
Disponível em: http://afranca.adv.br/tema-709-do-stf-como-ficou-a-aposentadoria-especial/
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JUNIOR, Eduardo Canizella. Princípios, Limites da Ponderação e Argumentação Jurídica


na Obra de Robert Alexy' 18/09/2014. 99 f. Mestrado em DIREITO Instituição de Ensino:
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo., São Paulo Biblioteca Depositária: PUC-SP

JUNIOR, Flavio Moraes. Flexibilização dos Direitos Trabalhistas e o Princípio da


Proibição do Retrocesso Social. 2015. 169 f. Mestrado em Direito Instituição de Ensino:
Faculdade de Direito do Sul de Minas, Pouso Alegre Biblioteca Depositária: FDSM

LAZZARIN, Sonilde Kugel. A Decisão do STF (Tema 709) Sobre a Aposentadoria


Especial: Consequência Para os Segurados e Efeitos no Contrato de Trabalho. Disponível
em: <http://www.lazzarinadvogados.com.br/artigo-a-decisao-do-stf-tema-709-sobre-a-
aposentadoria-especial-consequencias-para-os-segurados-e-efeitos-no-contrato-de-
trabalho/> Acesso em 17 de agosto de 2021.
90

IDADE MÍNIMA PARA CONTAGEM DO TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO


NAS MODALIDADES DE APOSENTADORIA RURAL

Francieli da Silva Colombo¹


Luciane Bittencourt Fagundes²

Resumo: O artigo visa, sobretudo, analisar de forma objetiva o conceito abrangente de


Aposentadoria Rural na seara previdenciária, mediante aspectos e considerações, ressaltando
a idade mínima para início de contagem contributiva para a concessão do direito.
Estabelecendo como problemática: Qual a situação referente à idade mínima para contagem
de tempo para Aposentadoria Rural dos trabalhadores rurais frente a Reforma Previdenciária
que iniciaram com menos de doze anos de idade a vida laboral ante a limitação de idade
vigente da Constituição Federal? Contudo, a pesquisa tem por escopo analisar as
conceituações pertinentes a Aposentadoria Rural; compreender a idade mínima de início de
contagem das contribuições em relação ao direito da Aposentadoria Rural; analisar a visão
positiva e jurisprudencial, diante dos casos em que já estejam vigorando em relação a
contagem da idade mínima de contribuição previdenciária. Outrossim, o caráter especial,
trazido pela Aposentadoria Rural, faz-se necessário examinar as particularidades trazidas
pela atividade desenvolvida pelos trabalhadores do campo. A própria Constituição Federal
de 1988 tornou por assegurar o direito pétreo. Salienta-se que as modificações trazidas pela
polêmica da Reforma da Previdência em 2019, trouxeram significativas mudanças no teor
do texto de Lei, e também na prática, dilacerando o tempo de contribuição, bem como a
idade, e consequentemente a comprovação da atividade rurícola, tornando mais árduo o
caminho para obter sua aposentadoria. Com isso, a pesquisa especificar-se á por intermédio
de abordagem dedutiva, de caráter exploratório descritivo, bibliográfico, tendo como
métodos de procedimento histórico, a evolução do direito no reconhecimento do trabalho do
menor no âmbito rural, para contagem de tempo de contribuição e como técnica de pesquisa
documentação indireta, baseada em referenciais doutrinários e jurisprudenciais dos
Tribunais Federais, com a finalidade em determinar a conceituação da Aposentadoria Rural,
bem como ao reconhecimento de idade mínima legal para obtenção do respectivo direito,
em relação ao segurado especial.

Palavras-Chave: Aposentadoria Rural. Especial. Idade mínima. Reconhecimento. Reforma


da previdência.

Abstract: The article aims above all to objectively analyze the comprehensive concept of
Rural Retirement in the social security field, by means of aspects and considerations,
emphasizing the minimum age to start contributory counting for the granting of the right.
Establishing as problematic: What is the situation regarding the minimum age for counting
time for Rural Retirement of rural workers in the face of Social Security Reform who started
their working life under the age limit of the Federal Constitution under the age of twelve?
However, the research will analyze the concepts pertinent to Rural Retirement; Understand
the minimum age to start counting contributions in relation to Rural Retirement law; Analyze
the positive and jurisprudential view, given the cases in which they are already in force in
relation to the counting of the minimum age of social security contribution. Furthermore, the
special character brought by Rural Retirement, it was necessary to analyze the particularities
brought about by the activity developed by the field workers. The Federal Constitution of
1988, once again guaranteed the stony right. It should be noted that the changes brought
91

about by the controversy of the Pension Reform in 2019, brought significant changes in the
content of the text of the Law, and also in practice, tearing down the contribution time, as
well as age, and consequently the proof of rural activity, making the way to obtain your
retirement harder. With this, the research will be specified through a deductive approach, of
descriptive, bibliographic exploratory character, having as methods of historical procedure,
the evolution of the law in the recognition of the work of the child in the rural scope, for
counting contribution time and as a research technique, indirect documentation, based on
doctrinal and jurisprudential references from the Federal courts, with the purpose of
determining the concept of Rural Retirement, as well as the recognition of the minimum
legal age for obtaining the respective right, in relation to the special insured.

Keywords: Minimum age. Recognition. Rural retirement. Social security reform. Special.

INTRODUÇÃO
O trabalho em epígrafe traz como tema central a idade mínima para obtenção da
aposentadoria rural, onde visa o histórico de vida no campo do trabalhador rural, com o qual
justifica-se justamente pelo tratamento diferenciado concedido juridicamente à
aposentadoria rural em seu caráter especial na seara previdenciária. Sabe-se que desde a
década de 1960 os legisladores buscam sanar possíveis imperfeições acerca da temática
previdenciária, onde pressupõe seguir as necessidades contemporâneas decorrentes do
crescimento populacional.
De fato, o caráter especial, trazido pela aposentadoria rural, fez-se necessário a partir
das particularidades trazidas pela atividade desenvolvida pelos trabalhadores do campo,
devendo possuir sua própria organização basilar. A Constituição Federal de 1988 tornou por
assegurar de pronto o direito pétreo.
Salienta-se que as modificações apresentadas pela polêmica da Reforma da
Previdência em 2019 trouxeram significativas mudanças no teor do texto de lei, e também
na prática, ignorando o tempo de contribuição, bem como a idade, e consequentemente a
comprovação da atividade rurícola, tornando de fato, mais árduo o caminho para obter sua
aposentadoria.
Tal repercussão, portanto, traz à tona questionamentos instigantes acerca da idade
mínima para contagem de tempo para aposentadoria dos trabalhadores rurais frente à
Reforma Previdenciária, dos que iniciaram com menos de doze anos de idade a vida laboral,
ante a limitação de idade vigente da Constituição Federal.
Deste modo, objetivando alcançar resultados a esta pesquisa, buscar-se-á analisar o
instituto da aposentadoria rural, em relação a uma breve evolução desde a década de 1960,
bem como preconizou e lastrou o direito pétreo e em especial na Constituição de 1988 até
92

aos dias atuais com a Reforma da Previdência, em relação ao reconhecimento da idade


mínima para o direito de aposentadoria, através da contagem contributiva.
Ao primeiro momento, discorre-se sobreas conceituações pertinentes à aposentadoria
rural e consequentemente ao seu amparo legal e base primaz da validade e de direito
pertinente em caráter especial aos rurícolas, assimilando o desenvolvimento obtido através
das décadas no Brasil, mediante o caráter humanitário da lei e do procedimento frente à
Previdência.
Posteriormente, descreve-se a compreensão em relação à idade mínima de início de
contagem das contribuições em relação ao direito de gozo da aposentadoria rural em
referência ao tema principal da pesquisa na contagem para obtenção do direito, visto que os
trabalhadores rurais iniciam o labor nas funções campesinas muito antes que a idade legal
determinada pela lei trabalhista, fazendo jus à contagem antecipada pela contribuição à
Previdência.
Ao final, traz à baila a visão positiva e jurisprudencial, diante dos casos em que já
estejam vigorando em relação às situações de contagem da idade mínima de contribuição
previdenciária, pacificado nos Tribunais em favor daqueles trabalhadores que iniciaram a
vida no campo com 10, 12, 13 anos, por exemplo, fugindo do parâmetro mínimo legal.
A pesquisa especificar-se-á por intermédio de abordagem dedutiva, de caráter
exploratório descritivo, bibliográfico, tendo como métodos de procedimento histórico, a
evolução do direito no reconhecimento do trabalho do menor no âmbito rural, para contagem
de tempo de contribuição e como técnica de pesquisa documentação indireta, baseada em
referenciais doutrinários e jurisprudenciais dos Tribunais Federais, com a finalidade em
determinar a conceituação da aposentadoria rural.
Com isso o estudo tem grande importância ao mundo acadêmico pelo fato de levar
ao conhecimento de todos que sempre devem estar atentos às decisões jurisprudenciais, não
levando em conta somente a lei de forma objetiva, pois o operador do direito deve sempre
estar atento ao caso concreto, devendo fazer todas as provas possíveis dentro da realidade de
cada caso, e neste caso, tratando-se de trabalhador rural, deve-se atentar a todas as provas
materiais e documentais que devem ser apresentadas para que senão for reconhecido o direito
em primeira instância, existe grande chance em fase de recurso reverter tal decisão.
93

1 A APROPRIAÇÃO DA APOSENTADORIA RURAL ASPECTOS E


CONSIDERAÇÕES
Sabe-se que desde a década de 1960 os legisladores buscam sanar possíveis
imperfeições acerca da temática previdenciária, onde pressupõe seguir as necessidades
contemporâneas decorrentes do crescimento populacional, dentre estas destaca-se
consequentemente aos de cunho rural, descritos como “especiais”.
De fato, o caráter especial, trazido pela Aposentadoria Rural, fez-se necessário a
partir das particularidades trazidas pela atividade desenvolvida pelos trabalhadores do
campo, devendo haver sua própria organização basilar. O direito previdenciário foi
assegurado pela nossa Constituição Federal de 1988.
Salienta-se, que as modificações trazidas pela polêmica da Reforma da Previdência
em 2019, trouxeram significativas mudanças no teor do texto de Lei, e também na prática,
dilacerando o tempo de contribuição, bem como a idade, e consequentemente a comprovação
da atividade rurícola, tornando de fato, mais árduo o caminho para obter sua aposentadoria.
Denota-se que não é de hoje, que se discute sobre o regime previdenciário brasileiro,
o qual, torna o seu teor especial o tema sobre Aposentadoria Rural. Os assentos históricos
trazem consigo a evolução da humanidade diretamente ligada ao produtor rural, como forma
de sobrevivência, e também prover por intermédio de seu trabalho, o sustento de sua família.
Apesar de fato existir a discussão desde a época do Brasil colônia, sobre o tema
“previdência social” para o trabalhador urbano, somente ao ano de 1963, houve a criação do
Estatuto do Trabalhador Rural, por intermédio da Lei nº 4.214, de 02 de março de 1963,
revogada, por conseguinte pela Lei nº 5.889/73, simbolizou o marco inicial de registro de
norma previdenciária, contemplando os trabalhadores e empregados rurais. (BRASIL, 2019)
O Artigo 158 (Lei nº 4.214/1963) criou o “Fundo de Assistência e Previdência do
Trabalhador Rural FUNRURAL” , sendo que custeado com a fatia de 1% (um) por cento,
do valor dos produtos agropecuários , dando surgimento a normas de amparo previdenciário
ao trabalhador rural. (BRASIL, 2019)
Para Castro e Lazzari: “[...] os trabalhadores rurais passaram a ser segurados da
Previdência Social a partir da edição da Lei Complementar nº 11/1971” (2017, p. 58). Desde
1963 até a promulgação da Constituição Federal de 1988, a legislação tenta uniformizar os
benefícios previdenciários à população urbana e rural, e consequentemente trazendo
regimento especial de aposentadoria ao homem e à mulher do campo.
94

Preconiza isso, a própria Constituição Federal de 1988, no respectivo artigo 7º, a


equiparação dos direitos do trabalhador rural ao do urbano, onde no artigo 195, par. 8º,
constitui norma própria, para os agricultores que desenvolvem atividade de subsistência na
forma de regime de economia familiar, efetuarem suas contribuições em favor da
Previdência Social:

Art. 195. […] § 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o


pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas
atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes,
contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre
o resultado da comercialização da produção e farão jus a benefício na forma e nos
termos da lei. (BRASIL, 2018)
O artigo 201 - Carta Magna, ao respectivo § 7º inciso II, assegura aposentadoria no
regime geral de previdência social ao produtor rural, observa-se:

Art. 201 […] § 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência


social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições: […] II - sessenta e
cinco Anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em
cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que
exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o
produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal. (BRASIL, 2018)

Observa-se que, a Constituição Federal de 1988 preconiza aos produtores rurais e


trabalhadores do campo o direito assegurado pela Previdência Social, através da
aposentadoria por idade, dos quais por intermédio da vigência de lei ordinária ofereceu e
legislou plena efetividade ao comando constitucional, através da Lei nº 8.213/91, lei de
benefícios.
Conforme afirma Kertzman (2018, p. 335), aposentadoria por idade:

É o benefício concedido à pessoa que completou 65 anos de idade, se homem, e 60


anos de idade, se mulher. Os trabalhadores rurais são beneficiados com redução de
cinco anos nestas idades, podendo aposentar-se com 60 anos, ambos os sexos após
a reforma da previdência.

Para fins de previdência social, o respectivo personagem do produtor rural pessoa


física, será quem possui de fato o domínio (propriedade) ou não (posse) e que explore
atividade agropecuária, a qualquer título (aos moldes de parceiros, arrendatário, usufrutuário
etc), ainda que seja descontínuo ou sendo em área superior a 4 (quatro) módulos fiscais da
região, será contribuinte individual da previdência social. (BRASIL, 1991)
O produtor rural pessoa física (pratica agricultura ou pecuária de subsistência) é
contribuinte obrigatório, conforme dispõe a Lei nº 8.212/91, artigo 25, de acordo com a
comercialização de sua própria produção:
95

Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à


contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial,
referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta
Lei, destinada à Seguridade Social, é de:
I - 1,2% (um inteiro e dois décimos por cento) da receita bruta proveniente da
comercialização da sua produção;
II - 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para
financiamento das prestações por acidente do trabalho.
§ 2º A pessoa física de que trata a alínea "a" do inciso V do art. 12 contribui,
também, obrigatoriamente, na forma do art. 21 desta Lei.

Em relação à própria reforma da Previdência por intermédio do Projeto de Ementa


Constitucional nº 06 de 2019, indicou a unificação de idade em relação aos homens e
mulheres do campo, bem como tomando a idade de 60 anos aos mesmos para requisito
mínimo de obtenção da aposentadoria rural, aliado ao tempo de contribuição, dos quais
dilacerou de 15 para 20 anos. (BRASIL, 2019).
Diante de tal medida, aufere um nível de exigência maior ao trabalhador rural, além
de prover um trabalho estendido obrigatório para obter seu direito de aposentadoria. Sabe-
se também que o trabalho no campo inicia desde muito cedo, até mesmo em idade juvenil,
com atividades penosas com esforço físico e desgaste na própria saúde em todos os sentidos.
Ainda de acordo com Oliveira (2019, p.1) o nível de exigência aumentou
consideravelmente em relação às mulheres pela idade, para ambos os sexos em relação ao
tempo de contribuição, e também pelo pagamento mínimo de limite anual em referência as
contribuições:
Não bastasse a majoração do limite mínimo de contribuição, a proposta, se
aprovada, prevê ainda o pagamento de um valor mínimo anual de contribuição
previdenciária do grupo familiar no valor de R$ 600,00. No entanto, se o grupo
familiar não realizar comercialização de suas atividades e não dispuser de recursos
para efetuar tal contribuição, terá o prazo prorrogado até o ano seguinte, razão pela
qual não será considerado o tempo computado de quem contribuir após esse período.

Obviamente ao viés econômico, seria objetivamente injusto, ao omitir ou cercear


direitos especiais ao trabalhador do campo, dos quais refletiu-se na própria Previdência
Social, necessitando por si só, um determinado reconhecimento abrangente do início de
contagem contributiva e/ou de trabalho pesado no campo.
Em relação à linha que segue a seguridade social, ela pode ser compreendida como
um conjunto integrado de ações de iniciativa do poder público e da sociedade como um todo,
com a finalidade de assegurar o direito à Saúde, Previdência Social e Assistência Social, tal
como descreve o artigo 194 da Constituição Federal de 1988 (IBRAHIM, 2010).
96

A partir da estruturação desse sistema como base de proteção do indivíduo em relação


ao trabalho, e busca, com isso, o bem-estar e a promoção de justiças sociais, de acordo com
que preconiza o artigo 193 CF/1988. Através de tal dispositivo legal, destina-se a busca por
uma universalidade de cobertura dos riscos sociais a que estão expostos os cidadãos,onde,
do qual cabe ao Estado o respectivo amparo, seja tributária ou não tributária. Amado (2020,
p. 22), concede uma visão mais ampliada em relação à Seguridade Social:
A seguridade social no Brasil consiste no conjunto integrado de ações que visam a
assegurar os direitos fundamentais à saúde, à assistência e à previdência social, de
iniciativa do Poder Público e de toda a sociedade, nos termos do artigo 194, da
Constituição Federal. Assim, não apenas o Estado atua no âmbito da seguridade
social, pois é auxiliado pelas pessoas naturais e jurídicas de direito privado,a
exemplo daqueles que fazem doações aos carentes e das entidades filantrópicas que
prestam serviços de assistência social e de saúde gratuitamente.(AMADO, 2020, p.
22)

Através de tal conceituação, pode-se definir que a previdência social é entendida


como um mecanismo de proteção, destinado ao trabalhador, dentre estes os rurais, do qual
visa proteger os segurados que estão expostos a contingências e riscos sociais, expondo até
mesmo sua capacidade em laborar, nesse caso, na agricultura de subsistência. Em relação ao
contingenciamento e salvaguarda de tais trabalhadores, Dias Macedo (2008, p. 27), pode ser
definido como:

O termo “contingências” para fins de proteção da previdência social deve ser


entendido nos seus devidos moldes. A previdência social tem por objetivo
resguardar o trabalhador das consequências dos eventos que possam atingir a sua
atividade laboral. O que é relevante para qualificar tais eventos como merecedores
do amparo da previdência social é a sua repercussão econômica na vida do
trabalhador. As características de “futuro e incerto” perdem relevância para a
previdência social na definição das contingências a serem por ela cobertas. Tudo
aquilo que repercutir negativamente na economia do trabalhador deve ser objeto de
proteção por parte da previdência social.(DIAS, MACEDO, 2008, p. 27)

Segundo Castro e Lazzari (2017, p. 66), os segurados especiais são compreendidos


como sendo:
Os segurados especiais compõem, segundo a doutrina, a última categoria dos
segurados obrigatórios enumerada pela lei de regência. Esses trabalhadores possuem
peculiaridades que os diferenciam dos demais segurados da previdência social. [...]
a principal característica desta classe de segurados é que tais pessoas trabalham por
conta própria e em regime de economia familiar, fazendo pequenas produções com
as quais mantêm a sua subsistência. (CASTRO;LAZZARI, 2017, p. 66)

A partir da presente definição, e ampliação de segurado especial, torna-se


devidamente importante, por esta aduzir de fato, as condições dos quais são expostos tais
agricultores por subsistência, em relação a sua atividade laboral, amparando plenamente
97

aqueles que compreender necessitar (trabalhador e sua respectiva família) mais do que outras
classes de trabalhadores.
Torna-se sabido, que por natureza, o trabalhador rural exerce uma atividade laboral
desgastante, penosa, que praticamente “liquida” com sua saúde, sendo fielmente plausível o
caráter especial de a aposentadoria previdenciária ser encarada sob outra ótica, seja esta
legal, ou prática. A atividade é especial, considerando o caráter especialíssimo da concessão
da aposentadoria, promovendo uma determinada distinção perante os demais. Com isso, o
trabalhador rural está exposto às variáveis do tempo, sendo eles: raios solares, chuvas, frio,
sujeitando-o a obter doenças malignas, onde pode ser considerado prejudicial à sua saúde e
à sua integridade física.
Os trabalhadores rurais, não devem ser tratados em igualdade com demais
trabalhadores, ratificando tal colocação, sob a ótica de Kerbauy (2009, p. 82):
Frisa-se, todavia, que o risco acobertado é o mesmo: a idade avançada e, em
decorrência, o desgaste para o exercício das atividades regulares. Desta forma,
entendeu-se que para equiparar o trabalhador rural ao urbano haveria a necessidade
de redução da idade, pois para aquele a ação do tempo é mais notável (KERBAUY,
2009, p. 82)

A idade mínima exigida pela lei é, como requisito essencial do direito àaposentadoria
ao completar 60 anos para os homens e de 55 para as mulheres, não necessitando comprovar
que se afastou das atividades laborais(HORVATH JR, 2011, p. 44). Onde a diminuição e
causa de excludente em relação à idade, somente será efetivada aos trabalhadores rurais
enquadrados nas categorias de segurado empregado, trabalhador avulso, trabalhador
eventual e segurado especial, conforme disposto no art. 48, § 1º da Lei nº 8.213/91.
(CASTRO; LAZZARI, 2017, p. 52).

2 A IDADE MÍNIMA NO TOCANTE À OBTENÇÃO DE DIREITO À


APOSENTADORIA RURAL

A aposentadoria por idade é considerada um benefício previdenciário dos quais exige


para concessão além da idade mínima, o respectivo cumprimento de período de carência,
correspondente ao recolhimento de contribuição previdenciária. Esta “carência”, de fato, está
relacionada ao transcurso do tempo, não havendo confusão em relação ao tempo de serviço,
pois este é mais amplo, podendo referir-se a períodos em que não houve o efetivo
recolhimento de contribuições previdenciárias nas competências referentes aos meses
trabalhados, onde o mínimo exigido, tanto para trabalhadores urbanos e rurais é de 180
contribuições mensais (BRASIL, 1991).
98

Em relação aos segurados rurais, dada à sua informalidade característica do setor e


consequentemente da ausência ao direito fundamental à previdência dessa parcela da
população, decorre efetivamente a comprovação do pagamento das contribuições, sendo
diretamente substituída pela prova do exercício de atividade rural, mesmo de forma
descontínua, ao período anterior do cumprimento da idade ou, já sendo ultrapassada, ao
transcurso do tempo para concessão do benefício, onde a respectiva “carência”, nessa
hipótese, equivale ao número de meses efetivamente trabalhados (BRASIL, 1991, arts. 39,
48, § 2º e 143).
Denota-se que os pequenos produtores rurais, aqueles que mantém uma agricultura
de economia familiar ou subsistência, carecem de um plano de previdência social dos quais
a própria renda familiar auferida tem que ser bem gerida. Justificando por esse meio, a
concessão de especialidade de tratamento da Previdência aos trabalhadores rurais.
O benefício de aposentadoria por idade foi preconizado como um direito fundamental
material previsto no art. 201, I, da Constituição Federal, dos quais busca de fato assegurar a
subsistência do indivíduo e da família em caso de idade avançada e consequentemente em
referência à dificuldade de permanência no mercado de trabalho. Atualmente as idades para
concessão da aposentadoria para os trabalhadores rurais, exige-se a idade de 60 anos para o
homem e 55 para a mulher.
A partir disso, a idade diferenciada em favor dos trabalhadores rurais (rurícolas),
justifica-se em relação à razão das agruras do trabalho no campo, dos quais determina o
envelhecimento precoce, tal qual afirma Kerbauy (2009, p. 80) dos quais há a diferença entre
trabalhadores urbanos e rurais dadas a redução etária se deve ao “maior desgaste
experimentado pelo trabalhador rural, que justifica o tratamento diferenciado que lhe é
conferido”. (KERBAUY, 2009, p. 80)
Nada mais justo do que diferenciar o desgastante trabalho rural, em comparação ao
trabalho urbano, visto que por diversas vezes os horários e meios laborais são completamente
divergentes aos vistos em relação aos trabalhadores urbanos.
A qualidade de segurado é tida como uma condição imprescindível para obter todo
e qualquer benefício, dos quais é determinada pela filiação obrigatória ou facultativa ao
Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Entretanto a “carência é o número mínimo de
contribuições mensais necessárias para a concessão de determinado benefício, relacionando-
se, portanto, ao pagamento efetivo de contribuições” (BRASIL,1991, art. 24).
99

Já os requisitos de idade e carência, a jurisprudência consolidou a respectiva tabela


progressiva de carência do art. 142 da Lei n. 8.213/1991 “devendo ser automaticamente
aplicada em função do ano em que o segurado completou a idade mínima, ainda que o
período de carência seja preenchido posteriormente” (Súmula n. 44 da TNU).
Com isso, a própria Reforma da Previdência tornou por formar um caminho mais
árduo aos trabalhadores e produtores rurais, ocasionando diversas discussões acerca do
caráter híbrido trazido pelo mesmo, em relação àqueles que já estão contribuindo há alguns
anos para a Previdência Social, e não conseguirão obter sua aposentadoria rural no tempo
em que acreditavam obter, logo ao início da contribuição.
Através disto, torna-se necessário um reconhecimento ao trabalhador, em virtude das
atividades desempenhadas desde cedo, alguns entre idades de 12, 14, 16 anos, e por ventura,
conseguem comprovar através das contribuições o início de contagem para gozo de
aposentadoria. Tal e qual denota-se através da Jurisprudência do Tribunal Federal da 4ª
Região, em forma de Apelação:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO.
POSSIBILIDADE DO CÔMPUTO DE TEMPO RURAL DE MENOR DE 12
ANOS. POSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA STJ.
Consoante entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, o exercício da
atividade rural por menor de 12 (doze) anos de idade, por ser computado para
efeitos securitários, desde que comprovado o tempo. PROVIMENTO.
Tribunal Regional Federal da 4ª Região TRF-4 - APELAÇÃO CIVEL: AC
5021880-57.2018.4.04.9999
Outrossim, remete-se ao raciocínio de que, havendo determinada comprovação do
trabalho desempenhado, mesmo que em idade inferior ao permitido, é possível em relação à
contagem e prazo para a obtenção de aposentadoria rural, abrangida também pela Reforma
da Previdência Social em 2019. Onde se tratando de comprovação menciona Sabóia, 2020,
p.281:
[…] a comprovação é simples em relação à atividade, como o mero pagamento de
Imposto Territorial Rural – ITR, consoante o disposto no artigo 47, inciso IX da
Instrução Normativa nº 77 de 2015, sendo suficiente este documento para
comprovar atividade rural junto ao INSS.

Obviamente o reconhecimento da aposentadoria rural por menores de até mesmo 14


anos, é um fato de grande luta, pois é novo na seara jurídica dos quais torna por modificar
entendimentos de tribunais diversos acerca do direito ou não sobre a contagem para
aposentadoria em si, onde muito recentemente Furtado (2020, p. 1) ressaltou a grande
importância de tal reconhecimento, também determinado pela inobservância estatal em
relação ao trabalho infantil:
100

[…] em abril de 2018 o Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu pela


possibilidade de se computar, para fins previdenciários, o trabalho exercido em
qualquer idade (Ação Civil Pública nº 5017267-34.2013.4.04.7100). A decisão
teve como um de seus fundamentos a observância à realidade fática do Brasil, que
não obstante a vedação ao trabalho infantil, tem milhares de crianças
desenvolvendo atividades laborais, inclusive no meio rural. De fato, tendo o
Estado falhado em fiscalizar e inibir o trabalho infantil, ao menos a proteção
previdenciária – a qual decorre do exercício de qualquer atividade laboral – deve
ser garantida.

Consequentemente ao haver possíveis omissões e impunidades frente aos atores do


trabalho infantil, ao Estado convém coibir tais injustiças, sendo que a pessoa muito antes da
idade mínima legal, já laborava e desgastava seu corpo e habilidades, frente ao meio de
subsistência rural. Nada mais justo, que equipará-los para que assim, possa ser aplicado a
principiologia constitucional e, por conseguinte previdenciária.
Furtado (2020, p.1), continua em sua narrativa histórico-legal, sobre a possibilidade
de averbação do trabalho rural, para fins de aposentadoria, em relação aos períodos
compreendidos e exercidos até 31 de outubro de 1991 para fins de concessão e gozo por
tempo de contribuição – independentemente de recolhimento de contribuições
previdenciárias (art. 127, V, do Decreto nº 3.048/99).
Objetivamente, os meios de tornar mais justos a concessão de aposentadoria, além da
idade mínima legal para o trabalho, tornou-se um importante instrumento no tangível à
isonomia e equidade, evitando-se assim, o desequilíbrio jurídico, em fazer determinadas
pessoas trabalharem com maior rigor do que as outras, por mais 5 ou 6 anos, unicamente por
haver um 'extra-laboris', durante a adolescência de cada indivíduo, mesmo que de forma
indevida.
Com isso, denota-se a necessidade de haver uma análise profunda sobre os vieses
doutrinário, legal e jurisprudencial, sendo esta última determinante para haver maior justiça
para os casos que necessitem de uma exceção jurídica, e consequentemente de um ativismo
judicial para definir e distribuir de forma isonômica a que compete a cada cidadão que busca
o reconhecimento de sua aposentadoria rural respectiva.
Percebe-se a importância do conhecimento das Leis 8.212/91 e 8.213/91, onde ambas
explanam e dispõem sobre a organização da Seguridade Social e regulamentação de
benefícios, na primeira detalhando e enfatizando sobre o contribuinte e segurados
obrigatórios, estando o trabalhador rural entre estes, constando os requisitos em que devem
se enquadrar.
101

3 REFORMA DA PREVIDÊNCIA E SEUS REFLEXOS NO DIREITO A


APOSENTADORIA RURAL

Quando há discussão sobre o envelhecimento da população brasileira, necessita-se


primeiramente considerar as diferentes realidades socioeconômicas e culturais existentes,
comparando de fato as diferenças sociais mais notáveis e a disparidade entre as velhices do
meio urbano e rural (OLIVEIRA; AQUINO, 2017, p. 88).

Em decorrência da Reforma da Previdência e estudo das referidas leis, vem o artigo


através de pesquisas doutrinárias e jurisprudenciais aprofundar o conhecimento, deste
reconhecimento de idade mínima do trabalhador rural, buscando explorar e demonstrar os
casos em que já estejam sendo analisados pelos operadores do direito, situações que muitas
vezes são colocadas por trabalhadores que apresentam os mesmos requisitos e que ora não
são julgados com o mesmo entendimento em relação à contagem da idade mínima de
contribuição previdenciária.
A própria Reforma da Previdência tornou por formar um caminho mais árduo aos
trabalhadores e produtores rurais, ocasionando diversas discussões acerca do caráter híbrido
trazido pelo mesmo, em relação àqueles que já estão contribuindo há alguns anos para a
Previdência Social, e não conseguirão obter sua aposentadoria rural no tempo em que
acreditavam obter, logo ao início da contribuição.
Os trabalhadores rurais de acordo com a PEC 287/16, de fato continuam podendo se
aposentar com 60 anos de idade, no caso dos homens, ou 55 anos, no caso das mulheres,
obtendo como condição de concessão à aposentadoria ao menos 15 anos de prova de
atividade rural, consequentemente tanto o trabalhador rural de economia familiar ou
pescador artesanal podem se aposentar sem ter contribuído para o INSS, porém
comprovando respectivamente ao menos 15 anos de atividade em agricultura familiar ou
pesca artesanal.
Consequentemente, modificou profundamente a forma de encarar a comprovação da
atividade rural. Anteriormente, eram admitidas declarações sindicais, porém tal formato
finalizou, a partir da aprovação dessas regras para tentar evitar fraudes nos benefícios do
INSS, a partir da vigência da Lei 13.846/19.
Com isso, as aposentadorias rurais passaram a ser concedidas com base na auto
declaração preenchida pelo trabalhador rural, conjuntamente às provas contemporâneas
102

referentes à época do trabalho, onde o INSS realiza o cadastro dos segurados especiais no
Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS).
A aposentadoria rural é considerada uma política pública imprescindível em relação
aos grandes resultados socioeconômicos, tanto para os beneficiários do campo quanto para
toda a estrutura econômica dos pequenos municípios rurais em todo o Brasil
(BITENCOURT; DALTO, 2016, p. 66).
A aposentadoria para os idosos rurais certamente significa uma imensa segurança e
alívio, a partir do processo de instabilidade na busca pelo sustento e a garantia de que sempre
terá provisões, e a Reforma da Previdência, preconizou plenamente a importância dada às
poucas modificações através do fator previdenciário.
Mesmo com o Sistema Previdenciário em alta crise, a Reforma visou sobretudo à
proteção e amparo aos trabalhadores rurais, onde o benefício também representa
independência para os idosos, com que haja extrema independência entre os filhos e
familiares na velhice e que, pelo contrário, podem ajudar os membros mais jovens da família,
tal como explana Barros (2014, p. 43):

[...] o impacto da aposentadoria rural junto às famílias pobres foi fundamental para
a transformação das relações no meio rural, uma vez que o dinheiro oriundo das
aposentadorias é usado para comprar alimentos para o lar, para enviar crianças à
escola, investir em tecnologias agrícolas e garantir a sobrevivência de muitas
famílias.

Obviamente, toda e qualquer modificação na previdência deve sobretudo objetivar a


reorganização da legislação respectiva em referência às mudanças demográficas,
reconhecendo o aspecto que diz respeito à idade mínima e ao tempo de contribuição, em 180
meses de parcelas de recolhimento tanto para homens como para mulheres.
Consequentemente, uma proposta de aumento da idade mínima não seria viável, dado
aos atributos do fator previdenciário e consequentemente um fundo de previdência em crise,
aliado às questões de gênero e espaço demográfico, havendo por desconsiderar uma das
maiores diferenças entre a inserção da mulher no mercado de trabalho em relação a do
homem, bem como as diferenças de esperança de vida nos vários estados do país
(CAMARANO; FERNANDES, 2016, p. 32).
A partir da Reforma da Previdência, efetiva-se uma questão primordial do qual
destina à reflexão em “como ajustar os sistemas previdenciários em meio a transformações
do país nos setores econômico, político e social e nas variáveis demográficas, e nos sérios
problemas de desigualdade de renda?” (OLIVEIRA,2004, p. 31).
103

Indubitavelmente ainda que esteja vigente a Reforma da Previdência, deve-se prezar


por um equilíbrio através de processos contínuos de ajustes, dos quais tais definições devem
ser efetivadas com um prazo razoável de transição, que permita à população e às instituições
algum tempo para reformular seus rumos, a partir das novas realidades, formulando debates
e discussões em âmbito nacional envolvendo todos os atores sociais envolvidos.
Conforme o que se destaca na obra de Frederico Amado “2020, p.27”
[...] logo, em regra, os eventos cobertos pela seguridade social pelos povos urbanos
e rurais deverão ser os mesmos, salvo algum tratamento diferenciado razoável, sob
pena de discriminação negativa injustificável e consequente inconstitucionalidade
material.

Nesse sentido, o trabalho no campo além de penoso é desgastante em razão a


exposição de fatores climáticos, com razão a observação de Amado de quem os eventos
cobertos pela seguridade devem promover o tratamento igualitário previdenciário sem
desconhecer as peculiaridades de diferenciação das atividades urbanas e rurais.

4 RECONHECIMENTODA JURISPRUDÊNCIA DO DIREITO DA


APOSENTADORIA RURAL, EM RELAÇÃO À IDADE MÍNIMA

A partir da proibição constitucional acerca do trabalho infantil, este realizado com


idade inferior a 14 anos, foi interpretado de maneira diversa com intuito da contagem de
prazo para concessão de aposentadoria no ramo previdenciário, não podendo ser
desconsiderado o direito ao benefício, ainda que tenha havido uma “ilicitude” em relação ao
trabalho infantil.
Através desse entendimento, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu
provimento a um recurso reconhecendo o tempo de trabalho exercido pelo recorrente antes
dos seus 12 anos de idade, onde o autor da ação apresentou indício de prova material e prova
testemunhal, do qual indicam o exercício do trabalho rural em regime de economia familiar
desde criança, pleiteando para fins previdenciários desde 1º de janeiro de 1967, quando tinha
11 anos de idade, a 31 de junho de 1976.
Ao ano corrente de 2020, a ministra Regina Helena Costa apontou o respectivo
reconhecimento do tempo rural “não foi feito em função da existência da prova de trabalho,
mas a partir da vedação legal ao trabalho infantil. Assim, comprovado exercício do trabalho,
deve ser reconhecido para fins previdenciários.” (STJ, 2020, p. 5)
Costa (2020, p. 5), ainda explana em sua decisão que:
104

Em caráter excepcional e quando devidamente comprovada a atividade laborativa,


é possível sua mitigação de forma a reconhecer o trabalho da criança e do
adolescente, pois negar o tempo de trabalho seria punir aqueles que efetivamente
trabalharam para auxiliar no sustento da família.

Consequentemente, como abordado anteriormente, o reconhecimento do período de


trabalho do menor abaixo dos limites legais, é uma tendência plena em relação à
jurisprudência brasileira, onde a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais
Federais já reconhece plenamente o período de trabalho antes dos 12 anos para questões
previdenciárias.
Com isso, a 1ª turma do STJ admitiu que não há óbice para a definição de idade
mínima para contagem de tempo de trabalho infantil em relação ao efeito previdenciário.
Onde muito embora a legislação brasileira proíba o trabalho infantil, ao desconsiderar a
atividade profissional exercida antes dos 12 anos resultaria em “bis idem”, ou seja, uma
derivação de punição dupla ao trabalhador que teve a infância sacrificada.
De fato, o trabalho da criança e do adolescente deve ser reprimido indubitavelmente,
sem admissão que o justifique. Porém, uma vez prestado o labor, o respectivo tempo deve
ser computado, tornando-se um cômputo o mínimo que se pode fazer para mitigar o prejuízo
sofrido pelo infante, ou seja, não permite o trabalho infantil, mas o STJ aderiu que caso
houvesse situações análogas, que estes devam ser computados para fins previdenciários.
Napoleão (2020, p. 4) definiu na decisão unânime do Superior Tribunal de Justiça
que:
A rigor, não há que se estabelecer uma idade mínima para o reconhecimento de labor
exercido por crianças e adolescentes, impondo-se ao julgador analisar em cada caso
concreto as provas acerca da alegada atividade rural, estabelecendo o seu termo
inicial de acordo com a realidade dos autos, e não em um limite mínimo de idade
abstratamente preestabelecido.

Porém em 2015 já havia a definição sobre o reconhecimento acerca da idade mínima


para questões previdenciárias, a partir do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por
intermédio do Relator Celso Kipper:

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE


CONTRIBUIÇÃO/SERVIÇO. REQUISITOS. ATIVIDADE RURAL
ANTERIOR AOS 14 ANOS DE IDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL.
CONTRIBUIÇÕES. DESNECESSIDADE. MARCO INICIAL DO
BENEFÍCIO.
1. Comprovado o exercício da atividade rural, em regime de economia familiar,
no período anterior aos 14 anos, é de ser reconhecido para fins previdenciários o
tempo de serviço respectivo. Precedentes do STJ.

2. Possível o cômputo da atividade agrícola em todo o período anterior ao primeiro


documento juntado nos autos, tendo em vista ser evidente que, se o autor, contando
105

com 21 anos de idade, qualificou-se como agricultor, já exercia tal trabalho


anteriormente. Precedentes da Terceira Seção desta Corte.

3. Não sendo caso de contagem recíproca, o art. 55, § 2.º, da Lei n. 8.213/91
permite o cômputo do tempo de serviço rural, anterior à data de início de sua
vigência, para fins de aposentadoria por tempo de serviço ou contribuição,
independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes,
exceto para efeito de carência.

4. Comprovado o tempo de serviço/contribuição suficiente e implementada a


carência mínima, é devida a aposentadoria por tempo de contribuição integral.

5. Quanto ao marco inicial da inativação, os efeitos financeiros devem, em regra,


retroagir à data de entrada do requerimento do benefício (ressalvada eventual
prescrição quinquenal), independentemente de, à época, ter havido requerimento
específico nesse sentido ou de ter sido aportada documentação comprobatória
suficiente ao reconhecimento da atividade rural, tendo em vista o caráter de direito
social da previdência social, o dever constitucional, por parte da autarquia
previdenciária, de tornar efetivas as prestações previdenciárias aos beneficiários,
o disposto no art. 54, combinado com o art. 49, ambos da Lei 8.213/91, e a
obrigação do INSS de conceder aos segurados o melhor benefício a que têm
direito, ainda que, para tanto, tenha que orientar, sugerir ou solicitar os
documentosnecessários.
(TRF4, APELREEX 0017150-30.2014.404.9999, Sexta Turma, Relator Celso
Kipper, D.E. 10/02/2015)

Até mesmo o Supremo Tribunal Federal já havia considerado a possibilidade em


meados de 2005, através do Ministro Gilmar Mendes, a partir da proferição de uma decisão
em Agravo de Instrumento, dos quais serviu fielmente para a base decisória do caso exposto
em favor do reconhecimento de idade mínima previdenciária:
1. Agravo de instrumento. 2. Trabalhador rural ou rurícola menor de quatorze
anos. Contagem de tempo de serviço. Art. 11, VII, da Lei nº 8213. Possibilidade.
Precedentes. 3. Alegação de violação aos arts. 5°, XXXVI; e 97, da CF/88.
Improcedente. Impossibilidade de declaração de efeitos retroativos para o caso de
declaração de nulidade de contratos trabalhistas. Tratamento similar na doutrina
do direito comparado: México, Alemanha, França e Itália. Norma de garantia do
trabalhador que não se interpreta em seu detrimento. Acórdão do STJ em
conformidade com a jurisprudência desta Corte. 4. Precedentes citados: AgRAI
105.794, 2ª T., Rel. Aldir Passarinho, DJ 02.05.86; e RE 104.654, 2ª T., Rel.
Francisco Rezek, DJ 25.04.86 5. Agravo de instrumento a que se nega provimento.
(Agravo de Instrumento nº 529.694-1/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar
Mendes, DJ 11-03-2005)

Fidedignamente, o Superior Tribunal de Justiça, já implementa com decisão


jurisprudencial o entendimento que para casos onde envolvam o direito previdenciário e
benefício de aposentadoria, perante o quesito de idade mínima, deve ser adotada para não
haver punição dúplice a partir do trabalho infantil, e do não reconhecimento do direito à
aposentadoria, consequentemente, havendo a concessão:
106

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TEMPO DE SERVIÇO.


RURÍCOLA. MENOR DE 12 ANOS. LEI Nº 8.213/91, ART. 11, INCISO VII.
PRECEDENTES. SÚMULA 07/STJ.
1 – Demonstrado o exercício da atividade rural do menor de doze anos, em regime
de economia familiar, o tempo de serviço é de ser reconhecido para fins
previdenciários, porquanto as normas que proíbem o trabalho do menor foram
editadas para protegê-lo e não para prejudicá-lo. Precedentes.
2 – Recurso especial conhecido.
(STJ, RE 331.568/RS, Sexta Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado
unânime em 23-10-2001, DJ 12-11-2001)
PREVIDENCIÁRIO – RECURSO ESPECIAL – RECONHECIMENTO DE
TEMPO DE SERVIÇO RURAL ANTERIOR AOS 14 ANOS DE IDADE –
POSSIBILIDADE – NORMA CONSTITUCIONAL DE CARÁTER
PROTECIONISTA – IMPOSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO AOS DIREITOS
DO TRABALHADOR – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO
COMPROVADA – ART. 255 E PARÁGRAFOS DO RISTJ.
– Desde de que comprovada atividade rural por menor de 12 (doze) anos de idade,
impõe-se o seu reconhecimento para fins previdenciários. Precedentes.
– A simples transcrição de ementas não é suficiente para caracterizar o dissídio
jurisprudencial apto a ensejar a abertura da via especial, devendo ser mencionadas
e expostas as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos
confrontados, bem como, juntadas certidões ou cópias integrais dos julgados
paradigmas.
– Inteligência do art. 255 e seus parágrafos do RISTJ.
– Precedentes desta Corte.
– Recurso parcialmente conhecido, e nessa parte provido.
(STJ, RE 396.338/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, julgado
unânime em 02.04.2002, DJ 22-04-2002)

A partir dessa celeuma jurídica jurisprudencial, determina-se o sentido legal e


humanitário do qual os Tribunais adotaram uniformemente a favor dos trabalhadores rurais
no tocante ao reconhecimento do seu respectivo direito à aposentadoria, ainda que idade
“extralegal”, como nos casos onde o labor inicia aos 11 ou 12 anos de idade.

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO.


NOTAS FISCAIS EM NOME DO PAI. INÍCIO DE PROVA MATERIAL.
CÔMPUTO DE ATIVIDADE RURAL EXERCIDA ANTES DE COMPLETAR
QUATORZE ANOS DE IDADE EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR.
POSSIBILIDADE. ALUNO-APRENDIZ. ESCOLA PÚBLICA
PROFISSIONAL.
I – As notas fiscais de produtor rural, em nome do pai do Autor, constituem início
razoável de prova material, a completar a prova testemunhal, para comprovação
de atividade rural em regime de economia familiar.

II – Deve-se considerar o período de atividade rural do menor de 12 (doze) anos,


para fins previdenciários, desde que devidamente comprovado, pois a proteção
conferida ao menor não pode agora servir para prejudicá-lo.

III – O tempo de atividade como aluno-aprendiz é contado para fins de


aposentadoria previdenciária.

IV – Recurso conhecido e provido.

(STJ, RE 382.085, Quinta Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado unânime em
06.06.2002, DJ 01-07-2002)
107

Infelizmente, a sociedade passada foi responsável pela evolução da humanidade,


porém sem que isso houvesse sacrifícios por parte de crianças, adolescentes e jovens, que
por diversas vezes, não havia nem sequer discernimento sobre o que seria considerado legal
ou ilegal, bem como mediante ao uso de analogia ao trabalho infantil, ao próprio casamento,
onde muitas mulheres da zona rural, “casavam-se” e eram mães aos 13 ou 14 anos, tendo
isso como normal, de acordo com os costumes daquela localidade.
Consequentemente, o mesmo ocorre com o trabalhador rural, dos quais muito cedo,
ainda em idade de alfabetização e formação escolar, estão prestando e auxiliando na
economia de subsistência e até mesmo junto à produtores rurais, um desgaste físico fora da
normalidade na idade de cada criança, e já tendo responsabilidades de adultos, comparados
aos da zona urbana.
Com isso, justificam-se os critérios decisórios que conduziram aos Tribunais a
analisarem caso a caso e tornarem como válidos os atos de labor infantil, ainda que estivesse
contra a lei em vigência, porém em favor dos critérios previdenciários, com intuito de se
evitar uma punição dupla do desgaste laboral, bem como ao não pagamento e
reconhecimento do direito pleiteado pela aposentadoria.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se mediante ao presente estudo, que o reconhecimento da idade mínima para


a aposentadoria rural foi de fato reconhecido sob intuito de evitar explorações do labor
infantil, bem como uma dupla punição ao trabalhador, como forma de não proferir uma dupla
punição entre o desgaste físico ocasionado desde cedo, e em relação ao não percebimento e
reconhecimento para fins previdenciários.
Contudo, essa medida tornou-se um grande meio para uniformizar os casos que
pudessem ser arguidos em juízo, e consequentemente, coloca-se a Previdência Social em
xeque para inserir aos quadros de aposentados esse tipo de segurado especial. Outrossim,
pode-se definir, ainda, que as decisões dos Tribunais Regionais, bem como Superior Tribunal
de Justiça e Supremo Tribunal Federal, destacaram-se a ponto de reconhecer válidos todos
os sacrifícios promovidos na infância.
Deste modo, tais decisões não estimulam nem deixam de observar o caráter em vedar
o trabalho e exploração infantil, sendo que a função dessas decisões determina o
108

reconhecimento de um direito já adquirido, não devendo haver discussões se há ou não


garantias para pleiteá-lo em juízo.
Consequentemente, muitas crianças, jovens e adolescentes foram expostas a esse
costume de trabalhar cedo na lavoura, no gado, no forcejar, muitas vezes aquém de suas
forças físicas pela simples necessidade de sustento da família e por ser considerada uma
forma de prepará-lo para a vida adulta. Tanto que muitos a exemplo do trabalho infantil
“casaram-se” muito antes do permitido legalmente, tiveram filhos, responsabilidades, porém
não sob intuito de infringir a norma, mas por simples conduta social da localidade,
originando-se um costume, onde antigamente, não trabalhar ou ajudar a família aos 13 ou 14
anos de idade era sinônimo de falha grave.
O Direito possui esse papelde se adequar conforme a sociedade evolui, modifica,
conduz, e com isso, é totalmente factível que tais casos sejam recepcionados nos Tribunais
Superiores, sob forma de reconhecer um direito que já deveras era do autor da ação, dado
aos critérios estabelecidos por lei e pela jurisprudência.
Entretanto, mesmo que haja pressupostos a serem preenchidos, como de conteúdo
probatório, muito ainda se discute sobre o caráter da aposentadoria e sua respectiva validade
perante a Reforma da Previdência, e aos cálculos para obtenção da mesma, a partir do fator
previdenciário. Reflete-se que atualmente muitos trabalhadores já estão em condições de se
aposentarem e não conseguirão o direito pelo caráter híbrido trazido pela lei e também pelo
simples desconhecimento da mesma.
Ao apresentar este estudo, criteriosamente foram observados alguns aspectos trazidos
pela doutrina e jurisprudência, bem como a lei em vigência, salientando o caráter indubitável
que atualmente vigora nos Tribunais acerca do reconhecimento da idade mínima como
critério de concessão à aposentadoria rural, surgindo como mediadores da solução de
conflitos e para que não haja injustiças sobre o que é de direito à classe dos segurados
especiais.
Por fim, conclui-se que o instituto do reconhecimento jurisprudencial acerca da idade
mínima legal tornou-se um alívio para muitos trabalhadores rurais, pois ao não haver a
concessão do direito,muitoslaboraria aquém do que a própria lei permite, unicamente para
poder prover seu respectivo sustento frente ao trabalho rural.
109

REFERÊNCIAS

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BRASIL, TRF da 4ª REGIÃO, Tribunal Regional Federal da 4ª Região - 1. Aposentadoria


por Idade - Rural (art. 48/51), Aposentadoria por Idade (Art. 48/51), Benefícios em Espécie,
DIREITO PREVIDENCIÁRIO, APELAÇÃO CIVEL: AC 5021880-57.2018.4.04.9999,
Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS x Apelado: João Maria Brizola,
Relator: GISELE LEMKE - 5ª Turma, Porto Alegre/RS, Data e Hora: 7/2/2019, às 17:22:34,
Documento eletrônico assinado por GISELE LEMKE, Juíza Federal Convocada, na forma
do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região
nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível
no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o
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10/02/2015
STF. Agravo de Instrumento nº 529.694-1/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes,
DJ 11-03-2005
111

STJ. RE 331.568/RS, Sexta Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado unânime em 23-
10-2001, DJ 12-11-2001.
STJ. RE 396.338/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, julgado unânime em
02.04.2002, DJ 22-04-2002
STJ. RE 382.085, Quinta Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado unânime em 06.06.2002,
DJ 01-07-2002.
112

O PROCESSO ADMINISTRATIVO PREVIDENCIÁRIO E A


HERMENÊUTICA SOBRE A IDENTIDADE DE GÊNERO: AS
ILEGALIDADES EM FACE DA DECISÃO DA ADI 4275/DF.

Heloísa Helena Silva Pancotti1


Renato Bernardi2

Resumo: No ano de 2018 o STF debruçou-se sobre o julgamento da Ação Direta de


Inconstitucionalidade 4275/DF, dando interpretação conforme a Constituição Federal e ao
Pacto de San José da Costa Rica ao artigo 58 da Lei 6.015/73, para reconhecer aos
transgêneros que assim o desejarem, independentemente da realização de cirurgia de
transgenitalização, ou de qualquer outro tratamento, o direito à substituição do prenome e
sexo diretamente no registro civil. O provimento 73/2018 do Conselho Nacional de Justiça,
dispôs sobre os procedimentos para a efetivação do direito junto aos Cartórios do Registro
Civil das Pessoas Naturais, inclusive autorizando o procedimento da alteração nos demais
registros que digam respeito ao interessado, contudo, naquilo que diz respeito aos
documentos de identificação de natureza previdenciária, ainda há muita controvérsia acerca
do tema, sobretudo no Regime Geral de Previdência Social. Muito embora a jurisprudência
tenha progressivamente solidificado posição da Corte Constitucional, transportando-a para
as demandas por benefícios e direitos trabalhistas e previdenciários, a autarquia
previdenciária gestora do Regime Geral de Previdência Social, o INSS, adota hermenêutica
contraditória. Neste estudo, busca-se contrapor as orientações administrativas constantes da
Nota Técnica 00076/2019/CCBEN/PFE-INSS-SEDE/PGF/AGU, que orienta a análise os
pedidos de benefícios previdenciários pelos servidores da autarquia previdenciária, com a
decisão proferida na ADI e demais normas atinentes à temática para identificar os pontos de
inflexão, balizando alternativas hermenêuticas harmônicas.

Palavras Chave: Previdência Social, Transgêneros, Benefícios Previdenciários.

INTRODUÇÃO

O sistema previdenciário brasileiro é parte de um tripé sobre o qual se organiza toda


a seguridade social. O intrincado emaranhado de políticas públicas codependentes se presta

1
Doutoranda vinculada ao Programa de Pós Graduação em Ciências Jurídicas da UENP- Universidade
Estadual do Norte do Paraná. Professora de Direito da Seguridade Social, Advogada, Escritora Jurídica. Email:
hpancotti@gmail.com. Link para o Lattes: http://lattes.cnpq.br/1948241510029657. https://orcid.org/0000-
0003-1170-4778
2
Realizou estágio de pós-doutorado no CESEG (Centro de Estudios de Seguridad) da Universidad de Santiago
de Compostela, Espanha. Doutor em Direito do Estado (sub-área Direito Tributário) - PUC-SP. Mestre em
Direito Constitucional - ITE-Bauru. Professor efetivo dos cursos de Bacharelado, Mestrado e Doutorado,
Membro da Comissão Executiva do Colegiado do Curso de Graduação e Membro da Comissão de Coordenação
do Programa de Mestrado e Doutorado em Ciência Jurídica, todos do Curso de Direito do CCSA - UENP,
Campus de Jacarezinho. Coordenador Pedagógico do PROJURIS Estudos Jurídicos Ltda. Procurador do
Estado de São Paulo desde 1994. Link para o Lattes http://lattes.cnpq.br/1770829313370872. Email:
bernardi@uenp.edu.br. https://orcid.org/0000-0002-5938-5545
113

a atender contingências sociais potencialmente prejudiciais à manutenção da vida digna e


suas necessidades e é acionado sempre que um evento impede que um indivíduo possa prover
sua própria manutenção e de sua família seja por razões relacionadas à saúde, à
vulnerabilidade social, assim como, aos que possuem relação jurídica previdenciária com o
regime obrigatório.
A saúde e a assistência social são universais, não possuem caráter contributivo e são
acessíveis a qualquer pessoa residente em solo nacional em situação de vulnerabilidade física
ou social. Já o pilar previdenciário somente relaciona os seus contribuintes.
Por sua vez, o sistema previdenciário brasileiro não possui regramento único. Ele é
delineado na Constituição Federal, porém, dada a coexistência de vários subsistemas,
também é regulado por normas infralegais que nem sempre se harmonizam com a norma
mestre.
Exemplo disso é a orientação contida na Nota 00076/2019/CCBEN/PFE- INSS-
SEDE/PGF/AGU, que orienta a Coordenadoria de Consultoria de Benefícios da Autarquia
Previdenciária gestora do Regime Geral de Previdência Social, o Instituto Nacional do
Seguro Social- INSS, sobre a hermenêutica a ser adotada em face de postulações de
benefícios previdenciários e pedidos de retificação de dados no Cadastro Nacional de
Informações Sociais- CNIS, formulados por pessoas transgêneras.
A Nota encontra-se em desacordo com algumas normas infralegais, com o
entendimento Constitucional, assim como às necessidades sociais que surgiram com a
possibilidade de alteração do prenome e sexo nos registros públicos civis e sociais.
Para que os principais pontos de antinomia possam ser analisados, a metodologia
buscará no primeiro momento, analisar a vulnerabilidade social da população transgênera
como contingência a ser protegida pelo sistema de seguridade social.
Consolidados tais pressupostos basilares, se buscará a contraposição dos principais
pontos da Nota com o texto constitucional e com normas infralegais buscando uma
hermenêutica mais harmônica e capaz de evitar judicializações de postulações
previdenciárias, já que dificuldades interpretativas contribuem com a imensa judicialização
contra o INSS, o maior litigante nacional em todas as esferas do Poder Judiciário.
114

1.0- A identidade trans – vulnerabilidade e precariedade de existências.

Vi ontem um bicho.
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão.
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
O bicho, Manuel Bandeira.

Neste tópico, se buscará delimitar a transgeneridade como uma existência possível e


identidade de gênero a ser respeitada pelo poder público em todas suas dimensões, como
direito humano inalienável.
Em razão destas existências desviarem-se dos padrões hegemonicamente
estabelecidos socialmente, estão sujeitas à resistência de parte da sociedade, que se
materializa na violência direcionada ao grupo social, o que diminui a expectativa de vida dos
atores sociais pertencentes aos gêneros trans, reclamando atuação estatal tanto na seara
assistencial, quanto na previdenciária aos juridicamente relacionados por força da filiação
ao regime geral de previdência social.
No escopo deste trabalho, se conceberá a existência trans contra hegemônica como
uma existência precária, dada a resistência de alguns órgãos estatais em incorporá-los às
burocracias necessárias para o exercício da cidadania, como os cadastros oficiais, por
exemplo, inobstante haver norma federal determinando a adoção de tais procedimentos
desde 2013.
Para tanto, buscar-se-á sustento na teoria butleriana3 (2011) acerca da precariedade
da vida, sobretudo para a compreensão de como a autoridade moral é introduzida e

3
Nos estudos dedicados à precariedade da vida, a filósofa a princípio refletiu acerca da reação estadunidense
ao atentado de onze de setembro, buscando compreender quais vidas possuem valor e são passíveis de luto e
como se dão os processos de construção da humanização e desumanização que tornam outras vidas descartáveis
e não passíveis de luto. A linha deste pensamento, possibilitou a ampliação destes conceitos para outros campos
da vida social, já que conduz ao reconhecimento da existência da vulnerabilidade e, por conseguinte, a
possibilidade de que qualquer pessoa pode se encontrar em tal posição, inobstante o reconhecimento de que a
115

sustentada pelos sistemas legais ao referir-se à existência contra hegemônica, à “outra


existência, a existência transgênera” e assim, suprimir ao grupo social, direitos que são
garantidos à população heteronormativa.
O Direito da Seguridade Social tem sido permeável a tais contaminações, sobretudo
no campo das relações interpessoais, quando as reformas legislativas exigem conjunto
probatório mais robusto para comprovação da união estável que para o casamento civil,
desprotegendo os que se relacionam sem a formalização estatal tradicional e moralmente
determinada.4
Da mesma forma, o sistema previdenciário se voltou contra o rol de dependentes do
segurado encarcerado, restringindo o acesso aos benefícios à população tida como
vulnerável em razão da renda familiar que deve ser de até R$ 1.364,43 (mil trezentos e
sessenta e quatro reais e quarenta e três centavos),5 o que não faz sentido, já que a relação
jurídica que obriga beneficiários e previdência social é contributiva/securitária e não
assistencial.
Os dependentes do segurado do Regime Geral de Previdência Social não devem ser
separados em razão de vulnerabilidade econômica, mas em razão da dependência em relação
aos instituidores.
Questiona-se o que tem em comum a população que se relaciona afetivamente de
maneira não formalizada, apesar de pública e notoriamente reconhecida, os dependentes da
população carcerária e a população transgênera?
Todos possuem em comum pertencerem a grupos sociais que desviam de padrões
socialmente aceitos e esperados. Todos estão de certa forma, expostos à vulnerabilidade em
razão de representarem a materialização da subversão à hegemonia. Seja em razão da
assunção do gênero autopercebido, da adoção de formas alternativas de relações

vulnerabilidade encontra-se distribuída de forma desigual, sujeitando algumas populações ou grupos sociais à
maior violência arbitrária do que outras. Por esta razão, a teoria possui forte identificação com o direito da
seguridade social, vez que na contemporaneidade, a gradativa retirada do Estado das suas atribuições
protetivas, tem criado zonas desprotegidas que atingem grupos sociais determinados.
4
Conforme alteração trazida pelo artigo 24 da Lei 13.846/2019- Minirreforma da Previdência- que modificou
a redação do artigo 16 da Lei 8.213/91 para introduzir a regra da prova da união estável por meio de prova
material contemporânea aos fatos conforme in verbis: § 5º As provas de união estável e de dependência
econômica exigem início de prova material contemporânea dos fatos, produzido em período não superior a 24
(vinte e quatro) meses anterior à data do óbito ou do recolhimento à prisão do segurado, não admitida a prova
exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme
disposto no regulamento.
5
Artigo 27 da EC 103/2019.
116

interpessoais e afetividades, seja em razão de transgressão de um membro da família em


segregação compulsória.
No caso da população transgênera, por subverterem padrões seculares estabelecidos
pela cisgeneridade, por extrapolarem os limites da corporeidade sexuada compulsória e
construírem o próprio corpo segundo sua psique, sua percepção sensorial, subvertem a ordem
dos sistemas de poder relacionados aos gêneros masculino e feminino, desafiam a
possibilidade de identificação como nós e são colocados na posição de outros.
A atribuição e definição dos gêneros em si, pode ser uma forma de violência.
Segundo Butler (2017, p.236);
São atribuídos a nós gêneros ou categorias sociais contra a nossa vontade, e essas
categorias conferem inteligibilidade ou condição de ser reconhecido, o que
significa que também comunicam quais podem ser os riscos sociais da não
inteligibilidade ou da inteligibilidade parcial. Mas mesmo que isso seja verdade, e
acho que é, ainda assim deveria ser possível afirmar que certa ruptura crucial possa
ser produzida entre a violência mediante a qual somos formados e a violência com
a qual, uma vez formados, nos conduzimos.

Desta forma, para os que experimentam a sensação de pertencimento ao gênero


oposto daquele que fora atribuído ao nascer, ao romper os paradigmas atribuídos, enfrentam
reações violentas dos que não conseguem exercitar a alteridade. Tais reações se corporificam
pela exclusão social, que os transgêneros experimentam desde muito cedo na vida, pela
expulsão familiar, pela exclusão do sistema escolar ainda muito inóspito, pela falta de postos
de trabalho, pela falta de políticas públicas destinadas à proteção de sua vida e dignidade.
Quando Butler (2017, p. 53) se deteve no exame da precariedade da vida, ela parte
da premissa de que toda vida é sempre vulnerável, posto que está sujeita à fragilidade da
existência corpórea, enfrenta constantemente limites à sua existência, como contingências
sociais.
Ocorre que as condições sociais e políticas, redes de apoio deficientes tornam
algumas vidas mais vulneráveis que outras e, sendo assim, sujeitas a violações, violência e
morte.
Ademais, tais vidas, sequer seriam passíveis de luto, já que são dispensáveis. Estas
observações da teoria construída pela autora, não são utilizadas tradicionalmente para
analisar questões de natureza previdenciária, contudo, quando se discute a
interseccionalidade com a questão de gênero, é preciso compreender como a
performatividade se opera em alguns sujeitos e como isso torna as suas vidas ainda mais
precárias.
117

Desta forma, explica-se também, no contexto atual de mudanças legislativas e de


restrições orçamentárias, como o Estado tem se retirado em protegê-las. No primeiro
semestre do ano de 2021, somente em razão dos crimes de ódio, estatísticas divulgadas pela
ANTRA- Associação Nacional dos Travestis e Transexuais6, ocorreram 80 assassinatos, 9
suicídios, 33 tentativas de assassinatos e 27 violações de direitos humanos. É bom salientar
que se estima haver muita subnotificação, pois a entidade somente mapeia casos que chegam
ao seu conhecimento.
Compreender os processos de violência é extremamente importante para a seguridade
social, pois a vulnerabilidade social é uma contingência social a ser atendida conforme o
desenho da assistência social e saúde.
Isso porque a Lei Orgânica da Assistência Social instrumentou primordialmente o
artigo 203, inciso V da Constituição Federal7 e seu artigo 20, com a redação dada pela Lei
12.435/2011 que dispõe que o “benefício de prestação continuada é a garantia de um salário
mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais
que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem tê-la provida por
sua família”.
Contudo a compreensão de “deficiência” é regulada pelo parágrafo do mesmo artigo,
que considera “pessoa com deficiência” aquela que possui impedimento de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que em interação com uma ou mais barreiras,
pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com
as demais pessoas. Por impedimento de longa duração, o parágrafo 10 solidifica como sendo
aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
Desta forma, as condições socioeconômicas podem e devem ser consideradas
impedimentos de longa duração que não permitem a participação plena e efetiva na
sociedade, causando vulnerabilidade, limitações ao exercício da vida digna.
Para a Lei Orgânica da Seguridade Social, a incapacidade social de longa duração é
uma contingência social que permite o acesso ao benefício de prestação continuada, o BPC.

6
A ANTRA se dedica há anos a mapear a violência direcionada a população TRANS no Brasil e divulga dados
não oficiais, já que o Estado Brasileiro não possui qualquer mapeamento sobre o assunto. Segundo a entidade,
a expectativa de vida das pessoas trans no Brasil é de 35 anos de idade. Disponível em
https://antrabrasil.files.wordpress.com/2021/07/boletim-trans-002-2021-1sem2021-1.pdf. Acesso em 28 jul
2021.
7
A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade
social, e tem por objetivos: [...] V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
118

É um importante programa de transferência direta de renda, capaz de agir na


diminuição das vulnerabilidades e contribuir com a construção da humanização da categoria
social, tornando menos suscetíveis às mais variadas formas de violência gratuita, por
decorrência, vidas passíveis de luto, vidas que importam.
Compreender os mecanismos que permitem que se perpetuem os processos de
desumanização que culminam com a classificação das vidas em mais ou menos precárias,
passíveis ou não de luto, é essencial para a correta hermenêutica legal, sob pena de tornar as
regras protetivas ineficazes.
Percebe-se que, dado o ineditismo da análise dos pleitos assistenciais e
previdenciários da população transgênera que agora busca conhecer e acessar as políticas de
promoção social que estão disponíveis legalmente, as dificuldades se apresentam e sobre
elas trataremos a seguir.

2.0- A ADI 4275/DF: Efeitos decorrentes da alteração de prenome e sexo no registro


civil

Em linhas gerais, há muitos anos é possível a alteração do prenome dos assentos do


registro civil por autorização legal expressa contida na Lei de Registros Públicos brasileira.
Na redação atribuída pela Lei nº 9.708/1998, o artigo 58 da Lei 6.015/19738 admite
a substituição do prenome pelo apelido público notório. Desta forma, todos aqueles que
fossem conhecidos por alcunhas puderam realizar tais alterações sem muitos problemas. A
questão, é que este diploma legal, não trazia de forma taxativa, autorização para a
modificação do sexo.
Por esta razão, as pessoas transexuais e as travestis, apesar de gozarem do direito de
alteração do prenome pelo “apelido público notório”, não modificar o sexo de nascimento e
isso sempre causou constrangimentos públicos mais diversos, assim como a violação de
direitos elementares como o da preservação da intimidade, reforçando o estigma social e os
preconceitos que rondam a condição.
Quando instado no julgamento conjunto da ADI 4275/DF e do RE 670422/RS, o
Pleno do STF decidiu ser possível a alteração de nome e sexo nos assentos civis
independente da realização de cirurgia de transgenitalização ou de apontamentos indicativos
da transexualidade.

8
Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios.
119

O julgamento acompanhou uma tendência das cortes constitucionais latino


americanas e europeias de privilegiar a garantia da personalidade, da integridade moral, da
liberdade e da autonomia para a manifestação tanto íntima quanto pública do sexo ou gênero
autopercebido.
Após a publicação da ata do julgamento, muitas dúvidas surgiram sobre a
instrumentalização necessária para que se efetivasse o cumprimento do que restou
consignado pelo STF.
O CNJ então publicou a Resolução 270/2018, que dispôs sobre a alteração do
prenome e do gênero nos assentos de nascimento e casamento das pessoas trans, consignando
um extenso rol de documentos a serem apresentados quando do requerimento do pedido de
alteração junto aos Cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais.
Tudo isso para que seja facilitada a identificação do interessado e evitada a utilização
do mecanismo para o cometimento de algum tipo de fraude.
Merece menção, o artigo oitavo do documento, em cujo parágrafo primeiro autoriza
o interessado a providenciar a alteração documental em todos os registros que lhe digam
respeito, direta ou indiretamente. Nos parágrafos seguintes, trata da extensão das alterações
no documento dos ascendentes, descendentes e cônjuges (no caso do casamento civil).
Outro ponto de suma importância para a compreensão das formalidades adotadas
para a segurança do procedimento de alteração registral está descrito no artigo 7º do
Provimento, ao dispor:
Todos os documentos referidos no artigo 4ª deste provimento deverão permanecer
arquivados indefinidamente, de forma física ou eletrônica, tanto no ofício do
RCPN em que foi lavrado originalmente o registro civil quanto naquele em que
foi lavrada a alteração se diverso do ofício do assento original. Parágrado único.
O ofício do RCPN deverá manter índice em papel e/ou eletrônico de forma que
permita a localização do registro tanto pelo nome original quanto pelo nome
alterado.

Estas considerações são extremamente necessárias para o confronto com alguns


pontos específicos da Nota Técnica 00076/2019/CCBEN/PFE-INSS-SEDE/PGF/AGU,
sobretudo aqueles em que se observa maior nível de tensionamento com os regramentos
constitucionais e até mesmo infraconstitucionais pertinentes à matéria.

3.0- O Processo Administrativo Previdenciário e a Segurança Jurídica para Análise


de Requerimento de Benefícios
120

De acordo com o item 11 da nota técnica em cotejo, há uma preocupação de que não
seja possível a correta identificação do segurado, assim como a correta aglutinação das
informações sociais decorrentes das contribuições, posto que existe a proibição de
apontamento da transgeneridade em qualquer documento seja ele de natureza civil ou social.
Esta dificuldade experimentada pela autarquia não é, diga-se de passagem, sentida
no âmbito dos Regimes Próprios de Previdência Social. Isso porque, conforme dispõe o
provimento do CNJ já citado no presente trabalho, a partir da alteração da certidão de
nascimento, por decorrência se faz, como se em cascata, a extensão das demais alterações
nos mais variados espectros possíveis de identificação faça menção direta ou indiretamente
ao segurado trans.
A insurgência não se justifica. O direito a alterar todas as informações sociais já foi
regulada no artigo oitavo do provimento do CNJ, razão pela qual, a impossibilidade do
apontamento da transgeneridade é irrelevante.
O julgamento da ADI 4275/DF reconheceu a identidade de gênero trans, o que
significa dizer homens cis e homens trans são indistintos, assim como mulheres cis e
mulheres trans o são para efeitos jurídicos.
Por esta razão, distinguir-se o transgênero dentre os cisgêneros reforça aqueles
processos de desumanização que justificam a separação dos grupos sociais entre nós e eles
e que precarizam algumas existências em detrimento de outras, conforme tratou-se no
primeiro item deste estudo.
As distinções dificultam o exercício da alteridade, muito embora sejam
imprescindíveis para se delinear as estruturas das políticas públicas distributivas e de
promoção social, como a concepção de que a incapacidade social é um fator importante a
ser considerado para a concessão do BPC.
O voto do Ministro Celso de Melo (2018, p.2) é cristalino neste sentido;

É preciso conferir ao transgênero um verdadeiro estatuto de cidadania, pois


ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado de direitos nem sofrer
quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de identidade de gênero. Isso
significa que os transgêneros têm a prerrogativa, como pessoas livres e iguais em
dignidade e direitos, de receber a igual proteção das leis e do sistema político-
jurídico instituído pela Constituição da República, mostrando-se arbitrário e
inaceitável qualquer estatuto que exclua, que discrimine, que fomente a
intolerância, que estimule o desrespeito e que desiguale as pessoas em razão de
sua identidade de gênero. Essa afirmação, mais do que simples proclamação
retórica, traduz o reconhecimento, que emerge do quadro das liberdades
fundamentais, de que o Estado não pode adotar medidas nem formular prescrições
normativas que provoquem, por efeito de seu conteúdo discriminatório, a exclusão
jurídica de grupos minoritários que integram a comunhão nacional.
121

De sorte que, ainda que as regras de acesso aos benefícios oscilem entre o binômio
homem e mulher, não há distinção jurídica possível entre homens e mulheres cis e trans que
justifiquem sequer a existência do apontamento da cisgeneridade.
Não há, neste sentido, qualquer motivo que justifique o tratamento diferenciado à
população trans. A mera instrumentalização do Provimento do CNJ supre a dificuldade
apontada.
O Planejamento Previdenciário, procedimento corriqueiro de conformação
documental e contributiva que é autorizado com fundamento no artigo primeiro da Instrução
Normativa 77/2015 e pode ser realizado pelo interessado a qualquer tempo.

3.1- A delimitação do sexo a ser considerado para a análise dos benefícios


programáveis

Prima facie se faz necessário distinguir que somente para os benefícios programáveis
- aposentadorias por idade/tempo é que o sexo do segurado é determinante.
Num primeiro momento, a tendência autárquica é buscar firmar uma linha do tempo
onde se estabelece o sexo pré e pós alteração documental. A partir daí, estabelece-se critérios
multiplicativos ou divisíveis capazes de converter contribuições realizadas nos gêneros x ou
y com vistas a buscar o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema contributivo
previdenciário.
Partindo dessa premissa de natureza meramente econômica, a Nota Técnica delineou
três possibilidades de solução dos pleitos por benefícios programáveis, a saber:

I. a primeira posição consistiria em desconsiderar a alteração de gênero ocorrida


após a filiação ao regime previdenciário e manter o enquadramento da inscrição
original, o que implicaria em sustentar que o segurado que ingressou em um
regime com um gênero/sexo manteria para sempre essa condição; equivaleria a
considerar que a decisão do STF não produziria efeitos no âmbito previdenciário;
II. a segunda posição significaria considerar a aplicação das disposições legais
previdenciárias pertinentes a homens ou mulheres de acordo com o novo gênero
declarado, considerando que a decisão proferida pelo Excelso Pretório permite o
reconhecimento do gênero autopercebido, o que seria efetuado a partir da própria
apresentação do segurado perante o INSS ostentando a identificação de gênero
contida em seu documento (alterada com base em decisão judicial ou mediante o
procedimento cartorário, na forma permitida pelo STF); esse reconhecimento se
daria após a devida certificação da segurança jurídica cadastral e buscaria evitar a
contradição na atuação do Poder Público e negativa de produção de efeitos
reflexos à decisão proferida pela corte constitucional, sob alegação de
discriminação ao exercício da liberdade quanto ao sexo/gênero e afronta ao livre
desenvolvimento da personalidade e proteção das escolhas fundamentais do
122

indivíduo; um de seus consectários lógicos seria a diminuição de tempo de


contribuição e de idade para o transexual mulher e respectivo aumento para o
transexual homem; e
III. em uma terceira posição figuraria um entendimento intermediário entre os
anteriores, sendo a legislação previdenciária interpretada considerando o gênero
do(a) segurado(a) vigente no tempo de contribuição/atividade e também o gênero
apresentado no momento do requerimento de um benefício; mediante a aplicação
de uma razão capaz de converter períodos contributivos para conformá-los ao novo
gênero ou sexo redesignado (no caso da aposentadoria por tempo de contribuição,
para a conversão de mulher para homem, aplicar-se-ia sobre o tempo de
contribuição posterior ao exato momento de alteração de gênero o multiplicador
de 1,17; e de homem para mulher, o multiplicador de 0,86); em suma, consistiria
em uma regra de conversão capaz, em tese, de permitir a compensação financeira
do sistema (a fim de atender ao princípio do equilíbrio financeiroatuarial), em
razão da diminuição ou do aumento da quantidade de contribuições vertidas pós-
redesignação sexual (assim entendida como a alteração de gênero admitida pelo
STF). (2019, p.7).

Muito embora as conclusões da Nota Técnica sobre a qual se debruça este estudo
tenha defendido o primeiro posicionamento, este não é, salvo melhor juízo, o mais adequado
para evitar a judicialização dos benefícios previdenciários.
O desprezo pelo sexo/gênero autopercebido é um retrocesso aos tempos anteriores à
decisão da ADI 4275/DF. A hermenêutica autárquica se choca com os exatos termos daquilo
que se consignou no julgamento e não há qualquer razão de natureza contributiva que impeça
o reconhecimento do gênero autodeclarado na data da entrada do requerimento e com os
quais o segurado tenha apresentado conformação junto aos dados contidos no CNIS.
Sem mencionar, que isso submete existências trans a um ideal heterosexista de
sociedade que somente compreende a cisgeneridade como existência digna.
A relação jurídica que obriga beneficiários e o sistema previdenciário brasileiro se
inicia com a filiação ao regime previdenciário que ocorre no momento do exercício da
atividade laborativa capaz de produzir renda e se aperfeiçoa com o ato administrativo da
inscrição do segurado junto ao órgão previdenciário correspondente.
Contudo, para fins de estabelecimento das regras aplicáveis aos casos concretos que
envolvem benefícios previdenciários, a máxima consolidada é a do tempus regit actum. A
norma aplicável ao caso é sempre aquela vigente no fato gerador da contingência social
protegida.
No caso dos benefícios programáveis, é a aplicável no momento da reunião dos
requisitos necessários para o deferimento da pretensão.9 Claro que ressalva-se questões

9
Neste sentido se construiu toda jurisprudência previdenciária, a privilégio da preservação da segurança
jurídica dos atos administrativos. Resta bastante evidente no julgado a seguir: - VIÚVA DE EX-
GOVERNADOR. PENSÃO. CANCELAMENTO. I - Súmula nº 340/STJ. Tempus regit actum. Fato gerador
123

como permanência extraordinária nos regimes contributivos para ressalvar formas mais
benéficas de cálculo de renda mensal inicial, contudo, o direito ao melhor benefício também
está privilegiado nas normas administrativas, em razão do teor do artigo 687 da IN 77/2015.10
As normas previdenciárias que regulam os benefícios programáveis, costumam se
movimentar em dois eixos centrais que são o tempo de adesão ao sistema contributivo e o
sexo/gênero do segurado. Isso porque foi delineado para diminuir desigualdades históricas
relacionadas à divisão sexual do trabalho e a predominância feminina no trabalho
reprodutivo não remunerado.
Com base em estudos publicados periodicamente que levam em consideração a
empregabilidade, nível das contribuições vertidas e expectativa de vida, se traçam regras
diferenciadas de acesso com vistas à equidade no momento da ocorrência das contingências
previstas constitucionalmente.
Estes dispositivos já foram alterados para atender às demandas sociais oriundas da
evolução das relações humanas, como quando equiparou a mãe gestante com a mãe adotante
para fins de acesso dos benefícios de proteção à maternidade. Da mesma forma, o pai
adotante de uma família homoafetiva, assim como o pai viúvo passaram a gozar da mesma
proteção previdenciária.
O sistema legal adaptou-se às novas construções familiares que surgiram com a
emancipação afetiva conquistada pela comunidade LGBTQIA+, assim como das famílias
heteroafetivas adotantes.
Contudo, percebe-se que quando a questão se centraliza em torno da identidade de
gênero, do direito à autodeterminação, a autarquia busca dotar o debate de uma natureza
tributária. Preocupa-se que segurados possam se utilizar de subterfúgios para declarar um
gênero ao qual não pertença para perceber privilégios.
Reduzir o debate ao princípio do equilíbrio financeiro e atuarial, é destruir o núcleo
essencial da norma protetiva, contudo, dada a preocupação primordial com a redução das

do benefício ocorrido em 2003. Surgimento do direito à pensão especial já na vigência da Constituição Federal
de 1988. II - Decadência administrativa. Não ocorrência. Ato manifestamente inconstitucional. Inexistência de
direito adquirido contra a Constituição. Precedentes do STF. III - Julgamento da ADI 4.545 pelo Supremo
Tribunal Federal. Decisão com efeito imediato e vinculante. Art. 28, parágrafo único, da Lei nº 9.868/99.
Declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos legais que amparavam a concessão do benefício da
impetrante. Ausência de violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Inexistência de ilegalidade,
violação ou ameaça a direito líquido e certo. Segurança denegada. (TJPR; ManSeg 0012581-
31.2020.8.16.0000; 6ª C.Cív.; Relª Desª Lilian Romero; DJPR 26/02/2021).
10
Art. 687. O INSS deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientar
nesse sentido.
124

desigualdades sociais que permeia as regras de acesso aos benefícios programáveis e que
sempre justificou requisitos mais favoráveis ao gênero feminino, há que se reconhecer a
maior vulnerabilidade da população trans.
Expostas que são a mais violência, conforme já se debateu na primeira parte da
construção deste artigo, seria natural que o argumento contributivo fosse mitigado ante a
necessidade de buscar tratamento mais equânime.
O princípio da equidade na forma de participação e custeio seria o corolário em que
se sustentaria a desnecessidade do estabelecimento de compensações ao fundo de custeio do
sistema previdenciário. À medida em que a solidariedade e a equidade ainda regulam o
custeio da previdência e da seguridade social brasileira, naturalmente que quanto menor a
condição contributiva, equitativamente, menor a contribuição.
Sendo assim, de forma ampla e mais genérica, dado que cada benefício
previdenciário mereceria considerações mais aprofundadas, o que é impossível de realizar
diante das restrições que a discussão da temática em uma obra colaborativa impõem, é
possível encontrar dissonâncias importantes entre as conclusões da Nota Técnica que tem
orientado a hermenêutica administrativa e forçado o não reconhecimento da identidade de
gênero trans no âmbito do Regime Geral de Previdência Social, conforme denunciam as
conclusões deste trabalho, que trataremos a seguir.

CONCLUSÕES

Inicialmente, é possível perceber que as conclusões da Nota Técnica em cotejo, que


vincula obrigatoriamente o entendimento autárquico sobre a matéria da identidade de gênero
na postulação dos benefícios previdenciários apresentadas perante o Regime Geral de
Previdência Social invariavelmente estimulam as improcedências dos pedidos perante o
órgão administrativo.
Dada a obrigatória vinculação à toda estrutura recursal administrativa, torna inviável
a oposição de recursos perante as Juntas de Recursos ou ao Conselho de Recursos da
Previdência Social.
Isso porque ela contraria a interpretação constitucional que não distingue a identidade
de gênero trans da identidade de gênero cis para fins jurídicos, o que restou consagrado no
paradigmático julgamento da ADI 4275/DF pelo Pleno do STF.
A força vinculativa deste julgamento, guardado o respeito ao livre convencimento do
magistrado, torna a questão absolutamente consolidada no campo jurisprudencial em todas
125

as esferas do Poder Judiciário, forçando que estas demandas que poderiam ser resolvidas de
forma célere pelo Processo Administrativo Previdenciário, passem a ser discutidas de forma
mais custosa e morosa na justiça brasileira.
O ônus financeiro da movimentação de toda a estrutura jurídica para apreciação de
uma demanda já solucionada na Corte Constitucional, de toda forma passa a ser suportado
pelo Estado brasileiro, um problema crônico que é caro ao CNJ, que busca há muito tempo
conciliar as demandas previdenciárias, que tornam o INSS o maior litigante da justiça
brasileira e, por decorrência aquele que produz maiores gastos ao erário público.
Além disso, ao atribuir diferenciação ilegal ao gênero trans, reduzindo o debate em
torno do sexo atribuído ao nascimento e não ao apresentado no momento da data da entrada
do requerimento do pedido administrativo (que marca o termo inicial do processo
administrativo previdenciário), o instituto gestor passa a reforçar padrões cisheterosexistas
de existências.
Estes reforços, ainda que inconscientes são o sustentáculo das estruturas de biopoder
que justificam a manutenção da maior precariedade destas vidas, tornando a promoção e
inclusão destes sujeitos muito mais difícil.
Todos aqueles processos de exclusão e desumanização sobre os quais nos debruçamos na
primeira parte deste trabalho e que fazem com que a população trans tenha uma expectativa
de vida tão reduzida em relação ao restante da população, pela suscetibilidade a todas as
formas de violência gratuita, são reforçados, quando um órgão administrativo responsável
pela gestão dos recursos que foram delineados pelo sistema de seguridade social para
oferecer proteção à população vulnerável, são vinculados à ostentação da
heterocisnormatividade compulsória.
Desta forma, conclui-se que é preciso buscar uma hermenêutica mais voltada à
alteridade e harmonização com a interpretação constitucional sobre as questões relacionadas
à identidade de gênero no âmbito do processo administrativo previdenciário.
126

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Lei 6015 de 31 de dezembro de 1.973. Dispõe sobre os registros públicos e dá


outras providências.

BUTLER, Judith. Quadros de Guerra: Quando a vida é passível de luto? Tradução Sérgio
Tadeu de Niemeyer Lamarão e Arnaldo Marques da Cunha; revisão de tradução: Marina
Vargas; revisão técnica de Carla Rodrigues. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2017.

BUTLER, Judith. Vida precária. Contemporânea – Revista de Sociologia da UFSCar. São


Carlos. Departamento e Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFSCar, 2011,
n.1, p. 13-33.

CNJ, Conselho Nacional de Justiça. Res. 270 de 11 dez 2018- Dispõe sobre o uso do nome
social pelas pessoas trans, travestis e transexuais usuárias dos serviços judiciários, membros,
servidores, estagiários e trabalhadores terceirizados dos tribunais brasileiros. DJe 12
dez.2018.

_____, __________. Prov. N. 73, de 28 jun 2018. Dispõe sobre a averbação da alteração de
prenome e d gênero nos assentos de nascimento e casamento de pessoa transgênero no
Registro Civil de Pessoas Naturais. DJe 29 jun 2018.

INSS/PGE/AGU. Nota Técnica 00076/2019, de 26 dez. 2019.

INSS, Instituto Nacional do Seguro Social. Instrução Normativa nº 77 de 21 de janeiro de


2015.
Estabelece rotinas para agilizar e uniformizar o reconhecimento de direitos dos segurados e
beneficiários da Previdência Social, com observância dos princípios estabelecidos no art. 37
da Constituição Federal de 1988. Disponível em INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 77, DE
21 DE JANEIRO DE 2015 - Imprensa Nacional. Acesso em 16 ago 2021.

STF, Supremo Tribunal Federal. ADI 4275/DF, julgada em 01 mar. 2018. Relator Min. De
janeiro Marco Aurélio, Redator do Ac. Min. Edson Fachin. DJe- 045 de 06 mar 2019.
127

O RECONHECIMENTO DA ATIVIDADE ESPECIAL DO TRABALHO


DOS AGENTES SOCIOEDUCADORES DA FUNDAÇÃO DE
ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO GRANDE
DO SUL COMO REQUISITO PARA AQUISIÇÃO AO DIREITO DA
APOSENTARIA ESPECIAL, NO CONTEXTO DA REFORMA DA
PREVIDÊNCIA DE 2019

Jair Silveira Cordeiro1

Resumo: Este artigo aborda o exercício da atividade laboral dos agentes socioeducadores da
Fundação de Atendimento Socioeducativo do RS e tem como objetivo analisar como a
jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região sobre o reconhecimento de
atividade especial do exercício laboral destes trabalhadores e identificar se eles têm obtido
o direito a concessão do benefício de aposentadoria especial ou a conversão de tempo
especial em comum. Questiona-se como o Tribunal Regional Federal da 4ª Região
fundamenta suas decisões relativas aos pedidos de reconhecimento de atividade especial do
labor dos agentes socioeducadores para fins de aquisição ao direito à aposentadoria especial
ou a conversão de tempo de trabalho especial em comum? A partir da análise jurisprudencial
do Tribunal constata-se que o direito ao reconhecimento a atividade especial dos agentes
socioeducadores tem ocorrido na maioria dos julgamentos das 5ª e 6ª câmara do Tribunal,
sendo que, ocorre de forma unânime na 6ª câmara sob o fundamento de que a atividade é
perigosa, uma vez que o trabalho é prestado no atendimento aos adolescentes privados de
liberdade que possuem sérios distúrbios morais e de conduta, salvo no caso em que o
processo recai a relatoria de um julgador especifico da 5ª câmara que entende que os
adolescentes privados de liberdade não oferecem grave risco aos profissionais, pois, os atos
infracionais cometidos são de baixa gravidade e que os jovens não representam perigo
acentuado nas questões de violência pública no Brasil.

Palavras-Chave: Atividade especial; Agente Socioeducador; Aposentadoria Especial.

1. INTRODUÇÃO

Os últimos sete anos tem sido marcado pelo intenso debate na opinião pública e entre
os cidadãos brasileiros acerca das regras da reforma do sistema previdenciário no Brasil
referente às diferentes modalidades de benefícios previdenciários.
Prova disso foi à alteração normativa promovida pela Lei nº 13.183/2015, que
instituiu a regra de pontuação conhecida por 85/95 prevendo a mescla do tempo de
contribuição mínimo e a idade mínima para concessão do benefício de aposentadoria por

1
Professor. Doutor em Ciências Sociais pela PUCRS. Mestre em Sociologia do Direito pela Universidade La
Salle/RS. Graduado em Direito e em História pela PUCRS. Especialista em Direito do Trabalho e em
Previdenciário pela UniRitter-RS. Advogado OAB/RS nº 86.507. E-mail: jayrsyl@yahoo.com.br.
128

tempo de contribuição associada a exigência de idade mínima. Tal regra ao mesmo tempo
que se propunha criar uma modalidade de aposentadoria que vinculasse o tempo de
contribuição com a idade mínima para reduzir o número de aposentadorias consideradas
precoces, também buscou instituir um benefício que não diminuísse de forma acentuada o
valor dos mesmos como ocorre com a aposentadoria por tempo de contribuição devido a
incidência do fator previdenciário.
Entretanto, mesmo após a criação da aposentadoria pela regra de pontos, o debate
público sobre o déficit previdenciário se manteve e se acirrou, inclusive no Congresso
Nacional, para que fosse implementada uma reforma da previdência de forma estrutural, de
modo a manter sustentável seu sistema de financiamento. Os defensores da reforma
argumentavam que era necessário aumentar as exigências para aquisição ao direito aos
benefícios de aposentadorias e pensões e regular o valor destas, de modo aliviar as despesas
públicas, pois, isto é um fator que propicia o ingresso de investimentos estrangeiros na
economia do país.
Por outro lado, aqueles que entendiam que a reforma de previdência deveria ser
realizada com cautela, argumentavam que as alterações nas regras dos benefícios não
poderiam reduzir direitos ou afetar os direitos adquiridos e deveria se dar no médio e no
longo prazo, de maneira a reduzir os impactos sociais na vida dos cidadãos e a evitar maior
precarização social das camadas da população mais vulnerável.
O debate público sobre a reforma previdenciária perdurou até novembro de 2019
quando foi promulgada a Emenda Constitucional nº 103/2019, alterando drasticamente os
critérios de concessão dos benefícios e a forma de cálculo. De forma sintética, pode-se dizer
que a reforma se caracterizou pela ampliação dos requisitos de acesso aos benefícios como
o aumento do tempo de contribuição e o estabelecimento de idade mínima e a diminuição
dos valores da renda mensal inicial dos benefícios.
Importa destacar, que mesmo com a inclusão do sistema previdenciário como
integrante da seguridade social no título VIII, artigo 201, da CF/88, a tendência a ampliação
das restrições ao acesso aos benefícios previdenciários já se manifestava no sistema jurídico
previdenciário brasileiro a bastante tempo e se concretizou com a promulgação da Lei nº
9.032/95, que alterou o art. 57 da Lei 8.213/91, excluindo a possibilidade de aposentadoria
especial no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) através do enquadramento da
categoria profissional, conforme a sujeição as condições insalubres, penosas ou perigosas de
forma presumida. Tal lei estabeleceu como critério exclusivo para concessão de
129

aposentadoria especial no RGPS a necessidade de comprovação pelo segurado da efetiva


exposição aos agentes agressivos a saúde e a integridade física e psicológica do trabalhador,
exigindo ainda que tal exposição fosse de forma habitual e permanente.
A consequência prática desta mudança foi que o INSS deixou de conceder a
aposentadoria especial pela via administrativa sob a alegação de que os segurados não
apresentavam provas suficientes da especialidade do trabalho exercido, o que resultou que
este benefício passou a ser requerido e reconhecido somente no Poder Judiciário, causando
transtornos e prejuízos aos segurados.
Diante deste cenário, este artigo tem como objetivo compreender como a
aposentadoria especial se constituiu e se consolidou após a promulgação da Constituição
Federal de 1988 e após a reforma previdenciária da EC nº 103, de 2019, para então, analisar
como os agentes socioeducadores da Fundação de Atendimento Sócio Educativo do RS
(FASE-RS), tem obtido o direito à aposentadoria especial ou a conversão do tempo de
trabalho especial na FASE-RS em tempo comum para aquisição ao benefício mais vantajoso.
Questiona-se como o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) fundamenta as
decisões relativas aos pedidos de reconhecimento de atividade especial do labor dos agentes
socioeducadores para fins de aquisição ao direito à aposentadoria especial ou da conversão
de tempo de trabalho especial em comum?
Com base em análise jurisprudencial do TRF4 constata-se que o direito à
aposentadoria especial e a conversão de tempo especial em comum dos agentes
socioeducadores da FASE-RS tem sido reconhecido de forma majoritária pela 5ª e 6ª câmara
do Tribunal, com um voto denegatório ao direito quando um julgador da 5ª câmara é o relator
do processo, o qual é seguido pelos demais membros julgadores. Cumpre destacar, que tais
decisões dizem respeito aos pedidos de aposentadoria especial ou de conversão de tempo
especial em comum dos trabalhadores com direito adquirido e enquadrado nas regras
anteriores e ou de transição a reforma previdenciária de 2019 e que estes institutos após a
reforma sofreram importantes alterações, entre os quais a inclusão de idade mínima, antes
não existente, como requisito para aposentadoria, e a vedação da conversão do tempo
especial em comum e a redução da renda mensal inicial.
O artigo está estruturado em três partes: a primeira, trata da caracterização da
aposentadoria especial ao longo do tempo e os impactos da reforma neste benefício. Na
segunda parte, será abordada a configuração da atividade laboral dos agentes
socioeducadores da FASE-RS e, por fim, são analisados quatro casos envolvendo
130

jurisprudências do TRF4, a fim de identificar e analisar os fundamentos jurídicos, utilizados


dentro do direito, pleiteando o reconhecimento ao labor dos agentes socioeducadores da
FASE-RS, como atividade especial. A concessão da aposentadoria especial e a sua conversão
em tempo especial em comum, também serão objetos de estudo, conforme passaremos à
exposição de casos.

1. CARACTERIZAÇÃO DA APOSENTADORIA ESPECIAL

A instituição da aposentadoria especial no sistema previdenciário brasileiro ocorreu na


década de 1960, através da Lei nº 3.807, Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS). Tal lei teve
como objetivo proteger os trabalhadores que exerciam suas atividades laborativas em condições
nocivas a sua saúde.
A conformação jurídica da aposentadoria especial é cercada de polêmicas e
contradições em relação a natureza jurídica do instituto, pois, é entendida como uma espécie
de aposentadoria por invalidez ou uma espécie de aposentadoria por tempo de contribuição
ou, ainda, como uma modalidade nova de benefício. De acordo Ibrahim (2008, p. 552), tal
debate decorre do fato de que alguns entendem que a aposentadoria por invalidez possibilita
ao segurado ser aposentado antes da efetiva incapacidade para o trabalho, devido ao contato
com os agentes nocivos. Ainda segundo este autor (IBRAHIM, 2008, p.552), há outro o
entendimento de que é uma espécie de aposentadoria por tempo de contribuição, devido a
redução do tempo de contribuição exigida, conforme o tipo de nocividade que os segurados
fiquem expostos.
O art. 31 da LOPS previu a concessão ao direito à aposentadoria especial aos
segurados que atingirem 50 anos de idade e 15 anos de contribuição, tendo trabalhado 15,
20 ou 25 anos pelo menos, (em serviços considerados penosos, insalubres, perigosos, por
Decreto do Poder Executivo). Nota-se que a lei estabeleceu o enquadramento profissional
como critério fundante do direito ao benefício juntamente com os critérios de idade, tempo
de contribuição e a realização de trabalho considerado insalubre, penoso e perigoso.
Em 1968, a Lei nº 5.440 suprimiu a exigência da idade para concessão do benefício,
permanecendo assim até a Emenda Constitucional 103/2019.
A Constituição Federal de 1988 deu novos contornos a previdência incluindo-a no
capítulo VII, como componente da seguridade social com o direito à saúde e à assistência
social. A aposentadoria especial foi prevista no parágrafo 1º do art. 201 da CF, e estabeleceu
a vedação à adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria
131

aos beneficiários do Regime Geral de Previdência Social. No entanto, salvo as hipóteses de


atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física
de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar. Ou seja,
ao segurado que labora em condição nociva a sua saúde foi assegurada uma condição
diferenciada: a aposentadoria especial. O conceito de atividade especial está relacionado às
atividades em que o trabalhador fica exposto aos agentes nocivos à saúde e a integridade
física durante o efetivo exercício laboral por ser penoso, insalubre ou perigoso.
O artigo 198 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) conceitua a atividade
insalubridade como aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho,
exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados
em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.
Por outro lado, o artigo 193 da CLT estabelece que as atividades perigosas são aquelas que,
por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem o contato permanente com inflamáveis
ou explosivos em condições de risco acentuado e as atividades com energia elétrica
profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.
A previsão da concessão da aposentadoria especial conforme o enquadramento
profissional perdurou até a promulgação da Lei nº 9.032/1995 que alterou o art. 57 da Lei nº
8.213/91. Tal dispositivo passou a prever o direito a concessão da aposentadoria especial ao
segurado uma vez cumprida a carência e quando ele demonstrasse junto ao INSS que laborou
efetivamente de forma permanente, não ocasional, nem intermitente, sob condições especiais
e em contato com agentes nocivos que prejudiquem sua saúde ou a integridade física, durante
o período mínimo de 15, 20 ou 25 anos, conforme o tipo de agente nocivo.
Além da carência e do efetivo exercício laborativo em condições nocivas à saúde e a
integridade física, o segurado deverá comprovar também o tempo mínimo de serviços em
condições nocivas de 15, 20 ou 25 anos. De acordo com o anexo IV do Decreto n. 3.048/99,
o segurado adquire o direito à aposentadoria especial uma vez constatada a nocividade,
conforme as seguintes situações: I- Quinze anos: trabalhos em mineração subterrânea, em
frentes de produção, com exposição à associação de agentes físicos, químicos ou biológicos;
II- Vinte anos: a) trabalhos com exposição ao agente químico asbestos (amianto); b)
trabalhos em mineração subterrânea, afastados das frentes de produção, com exposição à
associação de agentes físicos, químicos ou biológicos.: III- Para os demais casos, o tempo
mínimo de exposição a agentes químicos, físicos ou biológicos é de 25 anos.
132

As atividades penosas carecem de regulamentação e os Decretos 2.172/99 e 3.048/99


da administração pública, estão vinculadas a previdência social e reconhecem apenas as
atividades insalubres como geradoras do direito à aposentadoria especial. Entretanto, para
Ibrahim (2008, p. 560) há farta jurisprudência no Poder Judiciário admitindo a penosidade e
a periculosidade como atividade especial, uma vez demonstrado o efetivo exercício de
atividade nociva.
O anexo IV do Decreto 3.048/99 dispôs sobre rol de agentes nocivos prejudiciais à
saúde do trabalhador. Tal rol de atividades nocivas é meramente exemplificativo e não há
impedimento para considerar que outras atividades, não previstas em regulamentos possam
ser interpretadas como atividades especiais, desde que comprovadas judicial e pericialmente,
como geradoras do direito a este benefício a época da efetiva prestação do serviço. Isto está
disciplinado conforme o Recurso Extraordinário no STF 392559, de 07/02/06 e Súmula 198,
em vigor, do Tribunal Federal de Recursos.
Sobre os agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ou a associação destes
agentes prejudiciais à saúde, ou à integridade física do trabalhador no ambiente laboral em
razão de sua natureza, concentração, Martinez (2003, p. 710) faz uma análise elucidativa e
esclarece que são agentes físicos nocivos à saúde o ruído, a vibração, a temperatura, a
pressão, atmosférico (vento e chuva), umidade, eletricidade, eletromagnetismo, radiação
ionizante e não ionizante; agentes biológicos as bactérias, os fungos, os parasitas, os vírus,
os bacilos, os vermes, etc.; os agentes químicos são as névoas, as neblinas, as poeiras, os
fumos, os gases e vapores, etc.
No que se refere ao conceito de trabalho permanente, o art. 65 do Decreto 3.048/99
define como aquele exercido de forma não ocasional e nem intermitente, o qual a exposição
do empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado, ao agente nocivo seja indissociável
da produção do bem ou da prestação do serviço. Sobre a habitualidade, o decreto dispõe
sobre a realização do trabalho durante todos os dias do mês, conforme jornada e carga horária
de trabalho estabelecida no contrato e na permanência a exposição de agentes nocivos
durante toda a jornada de trabalho, conforme o caso em concreto.
Para fins deste artigo, importa destacar que até 01/01/2004, o documento
comprobatório de labor especial era o Laudo Técnico de Condições Ambientais de Trabalho
(LTCAT) e outros que atualmente estão em desuso. Após tal data, e, com base na Instrução
Normativo nº 78/2002 e no parágrafo 1º do art. 58 da Lei nº 8.213/91, a comprovação da
efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos deve ser feita mediante formulário
133

estabelecido pelo INSS, denominado de Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP). Esse


documento é emitido pela empresa ou seu preposto com base em laudo técnico de condições
ambientais do trabalho, expedido por médico do trabalho ou por engenheiro de segurança do
trabalho (LTCAT).
Conforme Ibrahim (2008 p. 555), o PPP deve reproduzir as informações do laudo
técnico das condições ambientais do trabalho referentes a um trabalhador determinado,
especificando a descrição do loca das atividades, dos agentes presentes, da habitualidade do
trabalho. Se é ou não diária a permanência, se trabalha toda a jornada, se é ocasional, isto é,
é eventual ou não e se é intermitente. Também deverá constar as informações referentes ao
cargo, função e profissão, a jornada de trabalho e a qualificação pessoal do trabalhador.
Em relação as atividades laborais que exijam o uso de equipamentos de proteção
individual ou coletivos pelos segurados, fornecidos pela empresa - mesmo que previsto em
LTCAT ou no PPP - não tem a capacidade de afastar o direito à aposentadoria especial dos
segurados, pois, é a análise do caso em concreto e o manejo correto dos EPIs ou EPCs que
deve prevalecer na definição da incidência da nocividade dos agentes. Para Castro e Lazzari
(2007, p. 502), consta-se que a Turma de Uniformização das Decisões das Turmas Recursais
dos Juizados Especiais Federais, através da Súmula 09 considerou possível a aposentadoria
especial, no caso do ruído, mesmo quando a nocividade seja eliminada.
O julgamento do tema 555 pelo STF foi no mesmo sentido ao considerar que a
exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância caracteriza o tempo
de serviço especial para aposentadoria, não obstante a afirmação no PPP da eficácia do EPI.
O Decreto n. 3.048/99 no art. 64 dispõe que a aposentadoria especial se destina aos
empregados, ao trabalhador avulso e ao contribuinte individual, esse somente quando
cooperado filiado à cooperativa de trabalho ou de produção.
A data de início da aposentadoria especial é fixada pela mesma regra da
aposentadoria por idade, ou seja, conforme artigo 49 da Lei nº 8.213/91: 1) Para o segurado
empregado e o doméstico é a partir da data do desligamento do emprego e o benefício for
requerido até 90 dias depois dela; 2) A partir da data do requerimento se não houver
desligamento do emprego ou quando o benefício for requerido após 90 dias; 3) Para os
demais segurados, a partir da data de entrada do requerimento.
O termo final do benefício se dá com a morte do segurado, pois, trata-se de benefício
definitivo. Contudo, o parágrafo 8º do art. 57 da Lei nº 8.213/91 estabelece que se o
aposentado voltar a trabalhar com atividades nocivas a sua saúde e integridade física terá seu
134

benefício cancelado. Sobre tal temática, cumpre destacar que depois de vários anos de
debates jurídicos nos Tribunais do país, o STF ao julgar o tema 709 decidiu que o parágrafo
8 do art. 57 da Lei 8. 213/1991 é inconstitucional e proibiu que os segurados aposentados
por atividade especial continuassem a laborar nas mesmas condições.
O valor inicial do benefício, conforme parágrafo 1º do art. 57 da Lei nº 8.213/91 é de
100% do salário de benefício. No tocante a possibilidade de conversão de tempo de trabalho
especial em comum e tempo de trabalho comum em especial, para fins deste artigo, importa
salientar que diferentes entendimentos dos Tribunais brasileiros, a partir de 28-04-1995, com
base no parágrafo 5 do art. 57 da Lei nº 8.213/91 somente é possível a conversão do tempo
especial em comum, sendo vedado a conversão do tempo comum em especial.
O art. 96, inciso I da Lei º 8.213/91 veda a conversão de tempo de serviço exercido
em atividade sujeita a condições especiais em tempo de contribuição comum, de maneira a
obter contagem recíproca de tempo de contribuição entre regimes previdenciários diferentes.
Assim, o segurado que sai do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e ingressa no
Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) leva consigo o tempo sem conversão (sem
tempo adicional). Contudo, não cabe ao INSS confundir a não contagem recíproca do tempo
especial do RGPS no RPPS com a não emissão da certidão comprobatória do tempo de
contribuição vertidas ao INSS pelo segurado. Segundo o julgado do STJ RE 433.305, é dever
do INSS fornecer a certidão das contribuições realizadas pelo segurado e cabe ao RPPS ou
negar a conversão do tempo especial em comum a este regime.
No tocante ao fator de conversão do tempo especial em comum o Decreto nº 3.048/99
no art. 70 determina que para homens converter 15 anos de atividade especial, utiliza-se
como multiplicador 2,33 para trinta e cinco anos de contribuição. Para a atividade especial
de 20 anos, usa-se 1,75 e para atividade especial de 25 anos aplica-se o multiplicador de
1,40. Para as mulheres, a conversão de atividades especiais de 15 anos aplica-se o
multiplicador de 2,00 para 30 anos de contribuição; e para atividades especiais de 20 anos,
usa-se 1,50. Para as atividades especiais de 25 anos, utiliza-se o fator de 1,20.
A reforma previdenciária de 2019 promoveu profundas alterações nos requisitos para
aquisição ao direito à aposentadoria especial, o que representou maiores obstáculos para
obtenção do direito e a redução do valor do benefício. O art. 19, parágrafo 1, inciso I, a, b, c
da Emenda Constitucional 104/2019 estabeleceu que a aposentadoria especial será
concedida quando o segurado tiver o tempo mínimo de efetivo trabalho em condições
especiais de 15, 20 e 25 anos. Respectivamente, a idade de 55, 58 e 60 anos de idade,
135

comprida a carência de 180 contribuições. Aos segurados que não obtiveram o direito ao
benefício na data da Reforma, foi assegurado a regra de transição que tem por base o total
da soma resultante da sua idade e do tempo de contribuição com efetiva exposição aos
agentes nocivos da seguinte forma: 66 pontos e 15 anos de efetiva exposição, sendo 51 anos
de idade mais 15 anos de tempo de contribuição; 76 pontos e 20 anos de efetiva exposição,
sendo 56 anos de idade mais 20 anos de contribuição; e 86 pontos e 25 anos de efetiva
exposição, sendo 61 anos de idade mais 25 anos de tempo de contribuição.
O valor do benefício também sofreu alteração, sendo que o parágrafo 2 do art. 26 da
EC 103/2019 determina que o valor da aposentadoria especial corresponderá a 60% da média
aritmética de todas as contribuições do segurado desde julho de 1994, com o acréscimo de
2% para cada ano que exceder o tempo de 20 anos para homens e de 15 anos para mulheres
(conforme parágrafo 5 deste mesmo artigo). Cabe ressaltar que a nova regra traz prejuízo ao
segurado, uma vez que na regra anterior o valor do benefício era de 100% da média
aritmética das 80% maiores contribuições desde julho de 1994, representando uma renda
mensal inicial maior do que na regra atual.
Por outro lado, também é importante destacar que a possibilidade de conversão do
tempo de atividade especial em comum deixa de existir, conforme art. 25, parágrafo 2 da EC
103/2019, o que representa um grande retrocesso nos direitos dos segurados da previdência.
A conformação normativa e jurisprudencial da aposentadoria especial desnuda um
conjunto complexo de normas e requisitos que devem ser satisfeitos pelo segurado para que
ele obtenha o direito ao benefício. A necessidade de comprovação fática do exercício laboral
em atividades nocivas à saúde e a integridade física do segurado o coloca em posição de
subalternidade diante do INSS, que cada vez mais impõe entendimentos legais restritivos à
concessão do benefício, o que torna o Poder Judiciário o último amparo do segurado na busca
pelo seu direito.

2. A FUNDAÇÃO DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO DO RS E O PERFIL


DOS ADOLESCENTES INTERNADOS

O exercício profissional dos agentes socioeducadores no estado do Rio Grande do


Sul vincula-se a execução da política pública de Estado destinada ao atendimento
socioeducativo dos adolescentes autores de atos infracionais sentenciados com a medida
socioeducativa de privação de liberdade pelo Poder Judiciário. A Fundação de Atendimento
Socioeducativo do estado do Rio Grande do Sul (FASE-RS) é a instituição responsável pela
136

execução da medida socioeducativa privativa de liberdade, e foi instituída com base nas
orientações normativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
A promulgação do Estatuto, em 1990, representou uma mudança profunda no sistema
principiológico e normativo voltado ao atendimento do adolescente autor de ato infracional.
De acordo com Saraiva (2005, p. 62-63), o ECA estruturou-se com base no princípio da
dignidade da pessoa humana e no respeito aos direitos individuais a todos os adolescentes
sem qualquer tipo de distinção e voltado ao atendimento integral da criança e do adolescente
através de três sistemas: o primário voltado às políticas públicas de atendimento a criança e
ao adolescente; o secundário que aborda as medidas de proteção dirigidas às crianças e aos
adolescentes em situação de risco pessoal ou social e o sistema terciário que dá conta das
medidas socioeducativas aplicáveis aos adolescentes autores de atos infracionais.
No Rio Grande do Sul, o início da vigência do ECA aconteceu sobre a base das
práticas institucionais, vigentes no funcionamento da Fundação Estadual do Bem-Estar ao
Menor do RS. A instituição foi criada em 1969, através da Lei nº 5.747/69 e começou suas
atividades durante os anos de 1970. O objetivo era propor e executar as políticas de
assistência aos “menores carentes” e dar efetividade as decisões do Juizado de Menores, aos
casos relacionados a práticas de delitos pelos “menores infratores”.
Com base nos princípios e nas diretrizes normativas previstas no ECA, a FEBEMRS
evoluiu no seu reordenamento institucional por meio da Lei estadual nº 11.800, instituindo
a Fundação como a instituição exclusivamente responsável pelo atendimento dos
adolescentes privados de liberdade. Ao mesmo tempo, a Fundação de Proteção Especial –
FPERS foi criada para prestar atendimento exclusivo às crianças, aos adolescentes em
situação de risco social, moral e pessoas com deficiência. Em junho de 2002, por meio do
Decreto nº 41.664 a FEBEMRS teve sua designação alterada para Fundação de Atendimento
Socioeducativo do RS – FASE-RS.
Em relação ao atendimento dos adolescentes infratores, atualmente, a Instituição
FASE-RS possui treze unidades de atendimento em regime de privação de liberdade,
espalhadas pelo estado. Seis delas em Porto Alegre/RS e sete no interior do estado nas
cidades sedes de cada região do estado: Novo Hamburgo, Caxias do Sul, Pelotas, Santa
Maria, Santo Ângelo, Passo Fundo e Uruguaiana.
A pesquisa contida no Mapa da Violência de 2014, demonstra que adolescentes e
jovens de até 30 anos são os principais atores da cena violenta na sociedade brasileira e
posicionam-se tanto como vítima como vitimizadores nos crimes violentos nas periferias das
137

grandes e médias cidades brasileiras. Esta situação coloca esta categoria populacional no
centro do cenário da violência, da criminalidade e na cena do universo das pessoas
encarceradas no Brasil.
Cordeiro (2016, p. 149), destaca que os adolescentes que circulam pelo sistema de
justiça juvenil de Porto Alegre são oriundos de grupos sociais pertencentes a camadas pobres
ou miseráveis da população da cidade. Seus pais ou responsáveis são trabalhadores com
baixa qualificação profissional e muitos atuam como recicladores de lixo, operários
eventuais na construção civil e trabalhadores no comércio. A maioria aufere baixos
rendimentos e alguns são beneficiários das políticas públicas estatais ou percebem auxílios
como bolsa família. Outros, sobrevivem de eventuais “biscates” e pequenos serviços
realizados em suas comunidades de origem.
Além disso, CORDEIRO (2016, p.149) constatou-se que os adolescentes atendidos
no sistema de justiça juvenil de Porto Alegre vivem em condições precárias, marcados pela
baixa escolaridade, ensino fundamental incompleto, inserção prematura no mercado de
trabalho informal, além de fazerem uso e ou abusar de drogas lícitas e ilícitas. Em sua
maioria, vivem sob a responsabilidade exclusiva da mãe, dos avós ou até mesmo de algum
irmão mais velho, em zonas e bairros periféricos da cidade. Têm acesso escasso a bens
materiais e culturais, e entre os principais motivos responsáveis pela necessidade de
aplicação a justiça juvenil, destaca-se com certa frequência: o tráfico de drogas, furto, roubo,
receptação e homicídio. Nos ambientes em que o atendimento socioeducativo é realizado,
destoa em relação ao que é previsto no sistema legal socioeducativo brasileiro.
O estudo realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2012) demonstra que o
atendimento aos adolescentes nas unidades de internação no Brasil acontece de forma
precária, pois, há falta de estrutura e salubridade dos espaços físicos de atendimento, e
espaços inadequados para alimentação, alojamento, escolarização, enfermaria e cuidados
médicos, faltam recursos humanos: agentes socioeducadores e técnicos de diversas áreas, o
que impede o atendimento individualizado preconizado pelo ECA, há superlotação ou
lotação das unidades das unidades de internação e a ocorrência de motins e rebeliões que
deixam trabalhadores e adolescentes feridos e em alguns casos mortos.
O cenário onde os agentes socioeducadores da FASE-RS desempenham suas
atividades profissionais é caracterizado, assim, pela falta de condições físicas adequada dos
locais de atendimento dos adolescentes, pela falta de trabalhadores, em unidades
superlotadas ou lotadas de adolescentes com envolvimento em atos infracionais graves com
138

violência a vida, ao patrimônio e aos costumes, o que se torna um fator importante a ser
considerado pelo Poder Judiciário na análise do reconhecimento ou não da atividade especial
dos agentes socioeducadores.
A atividade desenvolvida pelos agentes socioeducadores possui natureza híbrida,
pois se relaciona com à socio educação e a segurança dos adolescentes. Ao mesmo tempo
que atuam de forma a manter um vínculo socioeducativo com os adolescentes objetivando a
troca de valores e princípios que propiciem aos adolescentes a possibilidade de uma
reinserção digna e cidadã na sociedade mais ampla, possuem a obrigação funcional de
manter a disciplina, a ordem institucional e o respeito dos adolescentes entre si preservando
sua própria integridade física, a dos adolescentes internados e o patrimônio público.

2.1 As atribuições dos agentes socioeducadores

A Lei estadual nº 14.474 institui o Plano de Empregos, Funções e Salários da


Fundação Socioeducativo do RS – FASE-RS-, regida pela Consolidação das Leis do
Trabalho estabelece que na categoria de agente institucional enquadra-se a ocupação de
agente socioeducador, com 1.642 cargos.
A descrição analítica das funções do agente socioeducador está prevista no Anexo I
da Lei nº 14.474 e prevê como atribuições funcionais do cargo, entre outras: auxiliar,
acompanhar e participar da realização de todas as atividades da vida diária dos adolescentes;
sugerir, organizar e participar de atividades educativas, culturais e de lazer com os
adolescentes; zelar pela integridade física, moral e psicológica dos adolescentes, por meio,
da manutenção de um vínculo afetivo e ético; efetuar contenção mecânica em casos de crise
de agitação psicomotora, conforme normas e orientação técnicas da FASE-RS; acompanhar
e desenvolver atividades em regime de coeducação; custodiar adolescentes em consultas
médicas, exames e internações hospitalares, audiências e visitas domiciliares; dirigir veículo
da Fundação, em situação de emergência, mediante autorização superior, respeitada a
legislação vigente, responsabilizando-se pelas ocorrências geradas pela utilização do
mesmo; zelar pela disciplina e segurança institucional, levando ao conhecimento imediato
qualquer problema que fuja a rotina; trabalhar limites exercendo seu papel socio educação
aqui compreendendo inclusive atividades e oficinas de caráter ocupacional e de ordem
pedagógica.
As atribuições profissionais desempenhadas pelos agentes possuem diferentes
dimensões: educacional, segurança, autoridade e afetiva em relação aos adolescentes,
139

durante as 24 horas do dia. Tal condição profissional além de exigir capacidade física para
realização destas tarefas, inclusive contenção mecânica e o controle de tumultos, brigas,
rebeliões e motins gerados, eventualmente, pelos adolescentes, também exige um intenso
esforço mental e desgaste emocional durante o desempenho das suas funções, o que
proporcionou o reconhecimento das suas atividades como atividade penosa.

3. O RECONHECIMENTO DA ATIVIDADE LABORAL DO AGENTE


SOCIOEDUCADOR DA FASE-RS COMO ATIVIDADE ESPECIAL

O exercício das atividades laborais dos agentes socioeducadores da FASE-RS não


são reconhecidas, administrativamente, pelo INSS como atividade especial e, por isso, não
ensejam a possibilidade de tempo de aquisição da aposentadoria especial pelo segurado, no
âmbito administrativo. A busca a este direito, em muitos casos, deve ser buscar amparo no
Poder Judiciário. No entanto, na última década, tal temática tem sido cada vez mais
judicializada junto ao Tribunal Regional Federal 4 (TRF4), tendo em vista a crescente
demanda dos agentes socioeducadores buscando reconhecer a atividade laboral como
atividade especial, para fins de aposentadoria especial ou conversão de tempo especial em
comum.
Os casos a seguir revelam como o TR4 tem decidido sobre o pleito destes
trabalhadores.

3.1. CASO 1 – Reconhecimento do labor como atividade especial e a conversão do


tempo especial em comum

O julgado nº 2001.04.01.0239629 do TRF4, de 28/02/2007, indica como o Tribunal


entende a possibilidade de reconhecimento da atividade do agente socioeducador como
especial e a possibilidade de conversão deste tempo em comum para aquisição ao direito à
aposentadoria por tempo de contribuição com menor tempo de efetivo trabalho, se
comprovado a especialidade do labor na via judicial.
A ação foi interposta na Vara Cível na Comarca de Taquari, no RS, por meio de
competência delegada, por não haver Vara da Justiça Federal nesta cidade. De acordo com
o Processo, o segurado Antônio Manuel Junqueira, ajuizou ação previdenciária contra o
INSS, pretendendo aposentadoria por tempo de serviço mediante o cômputo do tempo de
serviço rural já reconhecido e averbado pela autarquia, num total de 13 anos e dos interregnos
140

de atividades urbanas de 01/10/1981 a 06/10/1986 e 09/1086 a 31/12/98, devidamente


convertidos por ter sido exercido em condições especiais.
Na sentença o magistrado a quo julgou procedente o pedido para conceder a
aposentadoria por tempo de contribuição à parte autora. Na apelação o INSS sustenta, em
síntese, que o demandante não completou tempo de serviço/contribuição suficiente para
autorizar a deferimento do pedido por não reconhecer como tempo de atividade especial o
trabalho desenvolvido pelo segurado como agente socioeducador na FASE-RS. O acórdão
reafirmou a decisão da sentença sobre o período não controverso da ação e em relação à
questão controversa, decidindo por manter o reconhecimento da atividade especial durante
o período laborado como agente socioeducador.
A decisão dos desembargadores teve amparo no entendimento de que o profissional
ao realizar as atividades de atender e acompanhar os adolescentes durante todo o dia nos
horários de refeição, higiene pessoal, repouso, ministrar medicação sob prescrição médica e
prestar primeiros socorros e encaminhar os adolescentes ao setor de enfermaria para
realização de curativos enquadra-se na realização de atividades perigosas, exercida em
contato direto e continuado com adolescentes infratores em regime de privação de liberdade,
afastados da convivência social devido a sérios distúrbios morais, psicológicos e de conduta,
o que comprova o exercício da atividade especial em virtude do exercício de atividade
perigosa.
Tal decisão não garantiu ao segurado o direito à aposentadoria especial, mas sim,
reconheceu o direito de que o exercício das atividades profissionais prestadas como agente
socioeducador na FASE-RS equivale ao exercício de atividades laborativas em condições
especiais, o que possibilitou a conversão do tempo de trabalho na FASE-RS em tempo
comum, garantindo o direito à aposentadoria por tempo de contribuição, com tempo de
contribuição reduzido, conforme tabela de conversão contida no anexo IV do Decreto
3048/1999.

3.2. CASO 2 – Efetivo exercício da atividade especial

O acórdão do processo nº 50391082220124047100, julgado em 26/03/2013, trata de


uma decisão do TRF4 sobre a pretensão do segurado Silvio Mozart Brum, agente
socioeducador na FASE-RS, pleiteando aposentadoria especial pelo exercício de atividades
nocivas à saúde e à integridade física. Na ação ordinária interposta contra o INSS, aduz o
autor que laborou nestas atividades nocivas durante o período compreendido entre 12/03/82
141

a 31/08/2008. A sentença do juízo a quo julgou parcialmente procedente o pedido feito na


inicial considerando como de efetivo exercício laboral especial apenas o período entre março
de 1993 a maio de 1997. Tanto o INSS quanto o segurado, recorreram para tentar fazer valer
seus interesses.
Segundo o acórdão, a contagem do tempo de trabalho como especial somente tem
amparo legal se for desempenhado em contato habitual e permanente com os menores
infratores, pois, somente em tais circunstâncias se pode vislumbrar algum risco à saúde e a
integridade física do segurado. Para os julgadores, conforme laudo pericial, o trabalho
realizado com menores abandonados ou portadores de necessidades especiais não privados
de liberdade não pode, em princípio, ser considerado como tempo de serviço especial. Da
mesma forma, segundo a perícia, a atividade desenvolvida pelo segurado como diretor da
Associação dos Funcionários da FASE e da FPE (AFUFE) realizando eventos como festas
e excursões para os demais trabalhadores associados não evidenciam nenhum risco à saúde
e a integridade física destes.
Este processo apresenta a busca do agente socioeducador da FASE-RS, com vínculo
funcional a mais de 25 anos, em obter o reconhecimento de trabalho especial e a consequente
aquisição do direito à aposentadoria especial. Contudo, seu intento não foi alcançado, pois,
o agente embora ter o tempo de vínculo profissional com a FASE-RS, de 25 anos, mínimo
necessários para adquirir o direito à aposentadoria especial, isto por si só não lhe garante o
direito, tendo em vista que somente foi reconhecido como atividade especial o labor efetivo
e o direto com os adolescentes privados de liberdade e não o tempo de vínculo em que o
trabalhador realizou a função de dirigente da Associação de trabalhadores e o tempo serviço
que atuou como agente socioeducador no atendimento as crianças e adolescentes carentes e
em situação de vulnerabilidade social.

4.3. CASO 3 – Concessão de aposentadoria especial pelo exercício de trabalho como


agente socioeducador por mais de 25 anos

O acórdão do processo nº 5021138042015404710, 5ª Turma, no TRF4, julgado em


06/112019, diz respeito ao pleito de Priscila Castro de Melo que requereu o reconhecimento
do efetivo trabalho como agente socioeducadora na FASE-RS como especial e por
consequência a aposentadoria especial por ter laborado na função no período de 01/09/1970
a 24/11/2005 em atividade insalubre e perigosa, pois, em seu ambiente de trabalho há
contatos com agentes biológicos nocivos à saúde e sua função é perigoso por atender os
142

adolescentes autores de atos infracionais em regime de privação de liberdade. Os julgadores


consideraram que o acompanhamento das diversas atividades dos adolescentes junto às
unidades de internação, tais como: ensino, educação, higiene pessoal, recreação, aulas de
bordado e por conviver com adolescentes com distúrbios morais lhe garante o direito ao
reconhecimento do exercício de atividade especial.
No caso em tela, ao contrário do caso 1, a trabalhadora teve reconhecido todo o tempo
mínimo de 25 anos exigido para aquisição ao direito à aposentadoria especial com
rendimentos mais vantajosos do que o outro caso, que teve o reconhecimento da conversão
do tempo especial em comum e a aposentação se deu pelo benefício de tempo de
contribuição.

4.4. CASO 4 – Indeferimento do reconhecimento do exercício da função de agente


socioeducador como atividade especial

O processo nº 50787448220184047100 trata da postulação do trabalhador Paulo


Rogério Ramos da Silva do reconhecimento de seu labor como agente socioeducativo na
FASE-RS no período de 08/07/1993 a 13/03/2018 para obtenção da aposentadoria especial.
De acordo com a tese da julgadora relatora do processo no TRF4, seguido pelos
demais membros da 6ª Turma, em 11/02/2021, o pedido postulado pelo trabalhador foi
indeferido sob os seguintes fundamentos: com base em dados científicos divulgados no
Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020, e pesquisa realizada sob coordenação da
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República intitulado CENSO SUAS
/MDS e CNJ, demonstra que a participação da população entre 12 e 18 anos na prática de
crimes violentos é muito baixa e vem decrescendo e que os crimes mais graves cometidos
pelos adolescentes como homicídio doloso, latrocínio, estupros e lesões corporais entre os
anos de 2002 e 2011, apresentam queda. Além disso, segundo os dados destas pesquisas, de
acordo com a relatora, os crimes motivadores das internações dos adolescentes são o roubo,
o tráfico de drogas e o furto e não os crimes mais gravosos como o homicídio, o latrocínio e
o estupro. Em vista destes dados, a relatora conclui que reconhecer a periculosidade do labor
prestado pelo autor com base em rotulação indiscriminado dos jovens afastados do convívio
social devido à sérios distúrbios morais, psicológicos e de conduta representa uma
generalização simplista que contribui para a perpetuação da estigmatização do jovem infrator
perante a sociedade.
143

Em relação ao pleito do trabalhador para reconhecimento de atividade insalubre em


seu local de trabalho, a relatora considerou que os laudos acostados no processo não
mencionam sobre a existência de agentes nocivos no local de trabalho, o que constitui os
fundamentos da denegação do pleito do segurado.

5. CONCLUSÃO

Foi a partir da Lei nº 9.032/95 que a aposentadoria especial assumiu os contornos


normativos atuais com a desvinculação do direito ao benefício do enquadramento
profissional e com base na análise da realidade fática do exercício laborativo como critério
essencial para a identificação do trabalho realizado em condições especiais mediante o risco
aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos, perigosos e penosos à saúde do
trabalhador para a concessão do benefício. A realização de atividade laboral em condição
penosa, insalubre e perigosa passou a ser indiciária do direito à aposentadoria especial.
A concessão do benefício da aposentadoria especial tornou-se bastante controversa,
tendo em vista, o aumento das restrições orçamentárias da União/INSS e a falta de estrutura
adequada e eficiente para verificação das condições fáticas de trabalho dos segurados que
pleiteiam o benefício, o que resultou numa tendência de maior negativa às solicitações dos
segurados. Neste cenário, o Poder Judiciário tornou-se a instituição que dá a última palavra
sobre o direito ou não ao benefício.
Sendo assim, o foco de investigação deste artigo foi compreender como a
jurisprudência do TRF4 tem reconhecido o tempo de trabalho do agente socioeducador da
FASE-RS. A análise dos julgados do TRF4 permite-me concluir que o exercício laboral
realizado pelo agente socioeducador diretamente com os adolescentes privados de liberdade
nas unidades de internação enseja o reconhecimento de labor sob condições especiais e,
portanto, possibilita a este profissional o direito à aposentadoria especial quando satisfeitos
cumpridos os 25 anos de trabalho diretamente com os adolescentes privados de liberdade,
juntamente com os demais requisitos deste tipo de benefício ou a conversão do tempo
especial em comum para obtenção da aposentadoria por tempo de contribuição, quando não
alcançados os 25 anos exclusivos de atividade laboral.
A periculosidade é o elemento central que fundamenta as decisões dos julgadores que
consideram o atendimento aos adolescentes prestados pelos agentes socioeducadores é um
trabalho perigoso por estarem em contato direto e continuado com pessoas privadas de
liberdade e afastadas do convívio social devido a sérios distúrbios morais, psicológicos e de
144

conduta e por acompanharem durante 24 horas do dia a movimentação e o comportamento


dos internos necessitando apartar brigas, acalmar tumultos, evitar fugas e acompanhar os
internos a enfermaria e ou transferi-los para hospitais, custodiando-os colocando-se em
exposição habitual e permanente a tal periculosidade.
A análise jurisprudencial permite constatar também que este posicionamento é
unânime quando fica por conta da 5ª Turma do TRF4, mas quando o julgamento é realizado
pela 6ª Turma com a relatoria do processo por um determinado julgador a decisão é por não
reconhecer a especialidade do labor dos agentes socioeducadores, o que é seguido pelos
demais julgadores da Turma, que votam de acordo com o voto deste julgador relator.
Entretanto, quando a relatoria do julgamento recai sobre outro julgador desta mesma Turma,
o voto que conduz os demais é favorável ao reconhecimento das atividades laborais dos
agentes socioeducadores como atividade especial.
Os fundamentos que alicerçam o voto contrário ao reconhecimento da atividade
laboral dos agentes socioeducadores vinculam-se ao entendimento de que os adolescentes
privados de liberdade cometem atos menos gravosos à vida, que são a grande maioria dos
casos que resultam em internação, e consideram que reconhecer a atividade dos agentes
socioeducadores como especial apenas resultaria no reforço do estigma contra os
adolescentes como sendo eles os principais responsáveis pela violência urbana no Brasil, o
que não equivale a verdade, conforme os estudos científicos trazidos nos acórdãos de
julgamento.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Constituição Federal do Brasil. São Paulo: 2020.
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147

PREVIDÊNCIA SOCIAL RURAL COMO POLÍTICA PÚBLICA:


OMISSÃO POSITIVA DA EMENDA CONSTITUCIONAL N º 103/2019 EM
RELAÇÃO AOS SEGURADOS ESPECIAIS

Laressa Bentes da Silva1


Jefferson Carvalho Galvão2

Resumo: O objetivo do presente artigo é analisar a omissão positiva da reforma da


previdência concretizada pela Emenda Constitucional nº 103/2019 em relação aos segurados
especiais, construindo teses que fundamentem essa perspectiva. Para tanto, é imperioso
entender a origem da evolução histórica da previdência social, com ênfase na Constituição
Federal de 1988 e na Lei de Benefícios (nº 8.213/91), suscitando aspectos relevantes para a
consolidação das garantias e direitos previdenciários dos segurados especiais como política
pública, para enfim compreender o sistema atual. Quanto à metodologia, este trabalho tem
enfoque qualitativo e descritivo, partindo-se da leitura dos dispositivos constitucionais que
versam sobre a seguridade social, sobretudo a previdência social, além do levantamento e
revisão bibliográfica do tema a partir das normas legais infraconstitucionais, subsidiada pela
doutrina, jurisprudências, trabalhos científicos e da prática jurídica, bem como da leitura
sobre a Emenda Constitucional nº 103/19, que consubstanciou a reforma da previdência, e
da Medida Provisória 871, convertida na Lei 13.846/19, regulamentada pelo Ofício-Circular
nº 46/19. A pesquisa revelou que em que pese fale-se em “nova previdência”, deve-se
imediatamente lembrar que em relação aos segurados especiais, quanto às regras para a
concessão dos benefícios previdenciários, não há nada novo, porém, no que tange à
comprovação do labor rurícola, existem novas orientações que servem de base para análise
do preenchimento dos critérios de cada benefício, as quais garantiram maior clareza e
segurança jurídica para o reconhecimento dos segurados especiais.

Palavras-chave: Previdência social rural. Segurado especial. Política pública. Emenda


Constitucional nº 103/19. Omissão positiva.

1. INTRODUÇÃO

No Brasil, a previdência social, ao lado da saúde e da assistência social, constitui a


seguridade social, entendida como um conjunto integrado de ações de iniciativa do poder
público e da sociedade, prevista no art. 194 da Constituição Federal de 1988. Esta tríade
constitucional forma um sistema, uma rede protetiva com a participação do Estado, dos

1
Mestre e Especialista em Geografia pela Universidade Federal do Pará. Discente do 5º semestre do curso de
Direito da Universidade Federal do Pará. Bolsista do Projeto de Pesquisa JUSP – (CIDHA/UFPA). Estagiária
do Escritório Galvão Advocacia Previdenciária. E-mail: laressa-bentes@hotmail.com.
2
Advogado (OAB/PA 16.500). Diretor de Apoio a Democracia da Comissão de Direito Previdenciário
OAB/PA. Coordenador Adjunto do IBDP/PA. Especialista em Direito Previdenciário (LFG; IMADEC) e
Direito do Trabalho e Processo do Trabalho (UNAMA). E-mail: jeffersoncgalvao@yahoo.com.br.
148

particulares, com contribuições destes atores, com o fito de assegurar um padrão mínimo de
vida digna (IBRAHIM, 2012).
A Carta Magna dispõe que a seguridade social é “um conjunto integrado de ações de
iniciativa dos poderes e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à
previdência e à assistência social” (ART. 194, CF/88), sendo de competência do poder
público a organização desse sistema, de modo a atender a universalidade da cobertura e do
atendimento, uniformidade e equivalência entre os benefícios urbanos e rurais, seletividade
e distributividade na prestação dos benefícios, irredutibilidade do valor dos benefícios,
equidade na forma de participação no custeio, diversidade da base de financiamento, por
meio da participação de todos, isto é, de caráter democrático e descentralizado da gestão
administrativa (ART. 194, § U, CF/88).
Nesse sentido, a seguridade social tem como principal objetivo a busca do bem estar
e da justiça social. No que diz respeito à previdência social, pode-se compreendê-la como
um seguro que visa proteger os trabalhadores e seus dependentes frente aos riscos sociais
relevantes, ou seja, como o envelhecimento, incapacidade temporária, gravidez, invalidez e
morte (IBRAHIM, 2012).
Kovalczuk Filho (2013) relaciona o início da previdência social com a necessidade
de manutenção do modelo liberal, cuja estrutura era baseada na industrialização e
urbanização, situação na qual se verificou que as pessoas necessitavam cada vez mais da
ajuda material do Estado, sobretudo os idosos, acidentados e viúvas, para garantir a sua
manutenção.
Nesse viés, a história da evolução da previdência social no mundo demonstra que de
alguma forma as pessoas procuraram meios de se precaverem contra os riscos sociais, seja
pela elaboração de caixas de arrecadação de fundos direcionadas a uma categoria específica
de trabalhadores, como a Caixa de Socorros dos Marítimos em 1344, seja pela necessidade
da intervenção do Estado para assegurar benefícios aos idosos e trabalhadores, como uma
forma de política pública social institucionalizada, tal como o Seguro doença e o Seguro
velhice e invalidez (IBRAHIM, 2012).
Conforme Ibrahim (2012), a evolução da proteção social no Brasil seguiu a mesma
lógica do plano internacional, com característica de origem privada e voluntária,
desenvolvendo-se fundos mutualistas, ao passo de ser cada vez mais significativa a
intervenção do Estado. Nesse sentido, é importante notar que a previdência social até o
advento da Constituição de 1988 era predominantemente voltada para a proteção dos
149

trabalhadores urbanos, em que pese o Brasil ser um país eminentemente agrícola, havendo
distinções entre pessoas que laboravam na cidade e no meio rural, para fins de proteção
social, haja vista que na Constituição de 1891 existia somente a aposentadoria por invalidez
aos funcionários públicos custeada pela nação (BERWANGER, 2014).
Posteriormente, tem-se o Decreto Legislativo 4.682/1923, conhecido como a Lei
Eloy Chaves, a qual institui as chamadas Caixas de Aposentadoria e Pensões para os
empregados das empresas ferroviárias, contemplando os benefícios de aposentadoria por
invalidez, aposentadoria ordinária e a pensão por morte, todos custeados por contribuições
do Estado, dos empregadores e dos trabalhadores.
A Lei Eloy Chaves, apesar de não ter sido o primeiro diploma legal a tratar sobre a
seguridade, pois existia o Decreto-Legislativo nº 3.724/19, que tratava do seguro
obrigatório de acidentes do trabalho, se tornou o marco inicial da previdência social no
Brasil em razão de sua estrutura interna, pois foi sobre esse alicerce que o sistema
previdenciário cresceu evoluindo para o modelo atual (IBRAHIM, 2012).
Observa-se que, embora o Brasil até 1950 fosse um país predominantemente rural
(SANTOS; SILVEIRA, 2001), momento em que suas atividades econômicas estavam
relacionadas à exploração e comercialização de produtos agrícolas, como o café e o açúcar,
não havia previsão legal ou constitucional de proteção aos trabalhadores rurais. Ou seja,
em que pese o país ter como principal atividade a exportação de produtos primários,
pressupondo-se a importância dessa classe trabalhadora, o Estado não instituiu nenhuma
política pública para a proteção dessas pessoas em face dos riscos sociais, uma vez que o
trabalhador rural está condicionado a diversos riscos, pois trabalha com instrumentos
cortantes, fica exposto constantemente ao sol, o que leva ao desgaste físico e
envelhecimento precoce.
É possível afirmar, portanto, que malgrado a previdência social no Brasil tenha
como marco a edição da Lei Eloy Chaves no século XX, a sua proteção era seletiva e,
portanto, excludente, permitindo com que os trabalhadores rurais vivessem por muito
tempo sem o devido amparo do Estado diante das adversidades sociais naturais, ainda que
esta classe fosse imprescindível para o desenvolvimento do país.
Assim, faz-se importante compreender como se iniciou a proteção social rural no
Brasil, com o asseguramento das prestações previdenciárias aos beneficiários e seus
dependentes, entendendo-as como uma política pública de materialização de direitos
fundamentais, culminando com uma análise atual sobre o sistema previdenciário brasileiro
150

relacionado aos direitos dos segurados especiais frente às novas alterações legislativas da
previdência social.
O objetivo da presente pesquisa consiste em analisar as omissões positivas da
reforma da previdência concretizada pela Emenda Constitucional nº 103/2019 em relação
aos segurados especiais, construindo teses que fundamentem essa perspectiva. Para tanto, é
imperioso entender a origem da evolução histórica da previdência social, com ênfase na
Constituição Federal de 1988 e na Lei de Benefícios (nº 8.213/91), suscitando aspectos
relevantes para a consolidação das garantias e direitos previdenciários dos segurados
especiais como política pública, para enfim compreender o sistema atual.
Quanto à metodologia, este trabalho tem enfoque qualitativo e descritivo, partindo-
se da leitura dos dispositivos constitucionais que versam sobre a seguridade social,
sobretudo, a previdência social, além do levantamento e revisão bibliográfica sobre o tema
a partir das normas legais previstas na legislação infraconstitucional previdenciária,
subsidiada pela doutrina, jurisprudências, trabalhos científicos e da prática jurídica acerca
da temática levantada, bem como da leitura sobre a Emenda Constitucional nº 103/19 que
consubstanciou a reforma da previdência, e da Medida Provisória 871, convertida na Lei
13.846/19, regulamentada pelo Ofício-Circular nº 46/19.
Assim, a pesquisa está estruturada em três tópicos, além da introdução e conclusão:
no primeiro, apresentam-se considerações acerca da evolução histórica da previdência social
rural; no segundo, discute-se a previdência social na Constituição Federal de 1988 e os
benefícios previdenciários rurais como instrumento de implementação de política pública;
no terceiro, é feita uma análise da omissão positiva da EC nº 103/2019 em relação aos
segurados especiais.

2. BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL RURAL

A proteção social no Brasil, como mencionado anteriormente, evoluiu de forma


gradativa, seletiva e excludente, visto que o legislador se preocupou em proteger,
significativamente, o trabalhador urbano, assegurando-lhe benefícios diante dos riscos
sociais, ficando a população do meio rural marginalizada.
É contraditório esse posicionamento do Estado de não garantir o mínimo existencial
à população rural, por meio do fornecimento de subsídios financeiros, isto é, de benefícios
previdenciários, visto que “o setor rural foi o responsável pelo crescimento e consolidação
151

do Brasil como grande celeiro agrícola no início do século XX” (KOVALCZUK FILHO,
2013, p. 54). Ou seja, ainda que a atividade agrícola fosse preponderante e imprescindível
para o país, não havia uma contrapartida do Estado em assegurar o mínimo existencial a essa
classe trabalhadora.
Nessa perspectiva, dados da época comprovam que nas primeiras décadas do século
XX, o Brasil ainda era um país eminentemente agrícola, pois mesmo com o processo de
industrialização, em 1940 a indústria brasileira representava apenas 13,90% da população
economicamente ativa, enquanto o setor agrícola predominava com 65,8%, seguido do setor
de serviços com 19,8% (DELGADO, 2001).
Nesse sentido, observa-se através da literatura e das leis previdenciárias editadas
durante o século XX no país, que a proteção constitucional e infraconstitucional de amparo
ao trabalhador rural era deficitária ou quase inexistente, ainda que se esteja falando de um
momento em que a atividade rural era preponderante e crucial para o desenvolvimento
econômico e social do Brasil.
Nesse ínterim, Berwanger (2014) corrobora ao afirmar que a proteção previdenciária
para os trabalhadores do campo, no Brasil, foi aumentando na medida em que foi diminuindo
o público do meio rural. Isto é, quando o país deu início ao seu processo de industrialização,
muitos trabalhadores rurais deixaram sua terra para viverem na cidade, para trabalhar nas
fábricas, vislumbrando a atividade fabril como promissora e, ao mesmo tempo, alternativa à
situação penosa no campo.
Dessa maneira, nota-se que os trabalhadores rurais estiveram por muito tempo
desprotegido dos valores constitucionais e da atenção do Estado, que foi omisso na garantia
dos direitos sociais dos trabalhadores do campo.
Segundo Berwanger (2014), as primeiras leis que surgem para regular as relações no
campo são as do direito do trabalho, no período do Império, contudo, tais previsões foram
criadas para proteger o empregador, ou seja, o trabalhador rural não tinha proteção do Estado
contra as ilegalidades cometidas em suas relações de trabalho.
Durante a Era Vargas, o Decreto 24.637 de 1941, que instituiu o seguro de acidentes
do trabalho dos associados do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos, ampliou
a garantia desse benefício para todos os trabalhadores da agricultura ou pecuária, o que foi
confirmado pelo Decreto-Lei 7.036 de 1944 (BERWANGER, 2014). Todavia, conforme a
autora supracitada, malgrado as leis trabalhistas tenham abrangido o trabalho no campo, não
havia legislação específica para o meio rural.
152

Por isso, é importante destacar que embora Carvalho (2008) afirme que só a partir de
1930 passou a existir cidadãos plenos no Brasil, pois para ele cidadão pleno é aquele que
detêm o conjunto de direitos políticos, civis e sociais, observa-se que mesmo na década de
1940, os trabalhadores rurais não exerciam sua cidadania, pois não gozavam dos direitos
sociais, isto é, da proteção social do Estado, não tinham seus direitos equiparados aos direitos
dos trabalhadores urbanos.
Nesse sentindo, Kovalczuk Filho (2013) coloca que os direitos sociais dos
trabalhadores rurais foram reconhecidos com inúmeros atrasos em relação às populações
urbanas. E que a histórica da evolução da previdência social demonstra que o voto dos
inúmeros trabalhadores rurais foi mais importante para as conquistas sociais do que o próprio
valor moral, no sentido da importância que esta classe teve para o desenvolvimento do país
(MORRELO, 2009).
Em que pese não haver nas primeiras décadas do século XX uma atenção específica
ao trabalhador rural, a Lei 185 de 1936, regulamentada pelo Decreto 399 de 1938, assegurou
o salário mínimo para todos os trabalhadores urbanos e rurais, um passo importante em
direção à garantia da cidadania dos trabalhadores rurais.
Nessa perspectiva, é oportuno frisar que enquanto a evolução dos direitos trabalhistas
culminou com a Consolidação das Leis do Trabalho, instituída pelo Decreto 5.452, de 1943,
a qual assegurou inúmeros direitos de forma conjunta aos trabalhadores urbanos, os
empregados rurais, por sua vez, foram abrangidos apenas por leis esparsas, como a Lei 605
de 1949, que instituiu o direito ao repouso semanal remunerado (BERWANGER, 2014).
Berwanger (2014) entende que a proteção precária dos trabalhadores rurais tem como
causa as próprias origens do trabalho rural, as quais remontam à escravidão e à exploração
dos imigrantes europeus. Assim, a autora destaca que embora tenham existido “leis
protetivas do trabalhador rural, pouca efetividade tivera, quer seja pela resistência dos
empregadores rurais, quer seja pela inoperância do Estado na aplicação e fiscalização”
(BERWANGER, 2014, p. 40).
É importante deixar claro que, a partir das interpretações das leis trabalhistas
supracitadas, as quais vez ou outra abrangia as pessoas do campo, aduz-se que estas
restringiram a sua cobertura às relações de trabalho entre empregador e empregado rural, ou
seja, não incidia sobre o segurado especial que vivia em regime de economia familiar. Assim,
apesar de haver leis esparsas incluindo o trabalho no campo, não se pode falar em uma
cobertura protetiva do Estado ao segurado especial.
153

Para Barros Junior (1981), a Lei 2.613 de 23 de setembro de 1955 foi o embrião da
previdência social rural brasileira, a qual instituiu o Serviço Social Rural – SSR, uma
autarquia subordinada ao Ministério da Agricultura, cujo objetivo era oferecer serviços
sociais para a população rural, de modo a incentivar a permanência desses trabalhadores na
zona rural. Além disso, o SSR ofertou educação técnica rural e incentivou a criação de
cooperativas e associações de trabalhadores rurais, e tinha como renda o recebimento de 3%
e 1%, respectivamente, de pessoas físicas e jurídicas, sobre o valor pago mensalmente aos
empregados (BERWANGER, 2014).
Entretanto, Berwanger (2014) pontua que embora a Lei 2.613/55 tivesse como
escopo importantes serviços sociais destinados aos pequenos proprietários rurais, tais como
habitação, educação, saúde e assistência sanitária, esta foi omissa quanto à proteção
previdenciária, tanto em relação às contribuições quanto a previsão de benefícios.
Posteriormente, a legislação previdenciária avança mediante as pressões que os
trabalhadores rurais, através de suas associações, fizeram ao Estado, com o intuito de receber
maior proteção social, e assim, na década de 1960, o Estado cria o Estatuto do Trabalhador
Rural (Lei nº 4.214/63), que instituiu o Fundo de Assistência do Trabalhador Rural,
conhecido como FUNRURAL, bem como cria o Estatuto da Terra (Lei n 4.504/64)
(KOVALCZUK FILHO, 2013; BERWANGER, 2014).
De acordo com Berwanger (2014, p. 57), o Estatuto do Trabalhador Rural (Lei nº
4.214/63) “tratou amplamente da legislação trabalhista aplicável aos trabalhadores rurais,
que já era protegida, em alguns aspectos, por normas esparsas. Porém, é apontada como a
primeira norma de proteção previdenciária”.
Segundo Porto (2013), o Funrural era financiando com a contribuição paga pelo
produtor rural no valor equivalente a 1% dos produtos agropecuários comercializados, e
quem detinha o poder de organização e controle da arrecadação dessas contribuições para
concessão dos benefícios era o IAPI – Instituto de Aposentadoria e Pensões dos industriários.
Além dos trabalhadores rurais, os empreiteiros, proprietários rurais, tarefeiros e
outros empregados rurais, alimentavam o sistema para a concessão futura de benefícios
previdenciários, ou seja, o IAPI era custeado por essas classes, que poderiam fazer jus aos
seguintes benefícios: auxílio doença, aposentadoria por invalidez, aposentadoria por velhice,
abono de maternidade, pensão por morte etc. (BERWANGER, 2014).
Ocorre que o custeio previsto foi insuficiente para cobrir todas as prestações, sendo
necessária a suspensão de benefícios, o que tornou o Plano ineficaz, não sendo nem mesmo
154

implantado. “Assim, sob a égide do Estatuto do Trabalhador Rural, nenhum benefício


chegou a ser pago” (PORTO, 2013, p. 20).
Nesse sentido, embora tivesse incluído os trabalhadores rurais na política do
Funrural, a estratégia governamental não surtiu efeitos concretos como previsto. Logo, foi
somente com a Lei Complementar 11/1971 que a previdência social rural foi efetivada no
Brasil (PORTO, 2013), ao instituir o Programa de Assistência do Trabalhador Rural –
PRORURAL, regulamentado pelo Decreto 69.619/72, que contemplou os empregados rurais
e os pequenos proprietários em regime de economia familiar (ART. 3º, LEI
COMPLEMENTAR 11/1971), além de incluir os pescadores que não tivessem vínculo
empregatício e, mais adiante, estendendo-se aos garimpeiros pelo Decreto 71.498/1972
(BERWANGER, 2014).
Cumpre destacar, que a proteção social ao trabalhador rural ainda era restrita, visto
que “a cobertura previdenciária era garantida por unidade familiar, resultando que apenas
um membro da família tinha acesso aos benefícios como segurado: o chefe de família”
(PORTO, 2013, p. 22), que geralmente era o homem que detinha esse papel, restando à
mulher apenas a qualidade de dependente.
Igualmente, é importante lembrar que os benefícios direcionados aos trabalhadores
rurais eram limitados, pois existia apenas a aposentadoria por velhice aos sessenta e cinco
anos de idade, aposentadoria por invalidez, a pensão por morte e o auxílio-funeral, no valor
de meio salário-mínimo (BERWANGER, 2014).
Nota-se, portanto, a discrepância da cobertura previdenciária entre o trabalhador rural
e o urbano, pois não havia uma equiparação, igualdade formal e material entre essas
populações; o legislador sempre, como revela as literaturas, deu preferência para o
trabalhador urbano, seja pela antecedência na cobertura de riscos em favor destes, seja pelo
valor do benefício que tinham direito.
É nesse sentido que Berwanger (2014) critica o início da previdência social rural,
pois esta é implantada como uma concessão do Estado de cunho assistencialista, sob o viés
de esmola, haja vista que os benefícios eram limitados, o valor era de meio salário mínimo
e somente o chefe de família – o arrimo - é quem podia receber.
Posteriormente, foi criado o seguro de acidente do trabalhador rural por meio da Lei
6.195/74, e criado o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social – SINPAS, pela
Lei 6.439/77, extinguindo-se o Funrural (PORTO, 2013). Além disso, conforme o autor
existiu a renda mensal vitalícia, benefício meio assistencial e meio previdenciário, que tinha
155

como beneficiários os maiores de setenta anos de idade e os inválidos, que poderia ser pago
pelo Instituto Nacional de Previdência Social ou pelo Funrural.
Pelo exposto, apesar dos avanços do campo previdenciário rural, isto é, na cobertura
dos riscos em face da população rurícola, observa-se que os esforços engendrados pelo
Estado foram ínfimos, até aqui, para a implantação de uma cobertura social de forma ampla,
isto é, que contemplasse um maior número de beneficiários possíveis, bem como
dispusessem de diferentes benefícios frente aos diversos riscos e contingências sociais
existentes.
Dessa forma, é prudente afirmar que no Brasil a previdência social rural só foi
amplamente consolidada com a Constituinte de 1988, o Constituinte foi claro, pois dentre os
denominados Princípios Constitucionais da Seguridade Social, com caráter de objetivo a ser
alcançado, trouxe a uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações
urbanas e rurais (BERWANGER, 2014).
Assim, o texto Constitucional de 1988 assegurou um extenso rol de direitos às
populações rurais, bem como as equiparou aos trabalhadores urbanos, no que tange à
igualdade formal de ter direitos e garantias fundamentais, elegendo como principal
fundamento jurídico a dignidade da pessoa humana.

3. A PREVIDÊNCIA SOCIAL RURAL NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Para Kovalczuk Filho (2013), a previdência social só foi implantada de maneira clara
e consistente no ordenamento jurídico brasileiro com a Constituição de 1988, a qual trouxe
no art. 193 o seu objetivo geral e no art. 194 as diretrizes basilares para sua estruturação.
Acrescenta-se ainda que esta Lei Maior foi de suma importância para o desenvolvimento da
previdência social, pois trouxe para a sociedade um extenso catálogo de direitos
fundamentais, dispostos em todo o seu texto constitucional, assegurando direitos, garantias
e deveres aos cidadãos (SILVA, 2012).
Dessa forma, Kovalczuk Filho (2013, p. 44) explica que:

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 constitucionalizou a


matéria previdenciária, e por este motivo o direito previdenciário nasce ligado ao
direito constitucional; ademais, a partir da Carta Magna de 1988, o Constituinte
apresentou vasto rol de princípios constitucionais destinados a regular as normas
infraconstitucionais destinadas à Ordem Social.
156

Nesse viés, verifica-se o caráter social da Norma Fundamental que trouxe valores
indispensáveis a um Estado Democrático e de Direito, os quais resguardam e protegem os
direitos dos cidadãos e servem de base para a interpretação e criação de leis que regulam as
práticas sociais. E, no âmbito da previdência social, os princípios constitucionais elencados
no art. 194, comprovam que o legislador originário buscou proteger o maior número de
trabalhadores possível.
Diante da proteção social trazida pela Constituição de 1988, verifica-se a inclusão do
trabalhador rural, de forma equiparada aos trabalhadores urbanos, detentores dos mesmos
direitos e deveres, que outrora não existia. Nesse sentido, Kovalczuk Filho (2013) explica
que a proteção social previdenciária no campo tem como objetivo a distribuição de renda a
uma classe trabalhadora que ao longo da história sofreu com as desigualdades de direito e
acesso aos benefícios previdenciários.
Ademais, a necessidade da instituição de benefícios rurais previdenciários a esta
classe de trabalhadores está amplamente articulada com os fundamentos e objetivos
constitucionais, como a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades regionais, o
desenvolvimento de uma sociedade justa, livre e solidária, tendo como escopo basilar a proteção
da dignidade da pessoa humana, pois não haveria sentido manter uma estrutura seletiva e excludente
da proteção social do Estado, se os objetivos que orientam às ações do governo, seguem um caminho
contrário.
De acordo com Porto (2013, p. 28), a Constituinte de 1988 ao englobar os direitos sociais,
sobretudo, ao conferir um extenso e minucioso tratamento à seguridade social, buscou propiciar uma
maior estabilidade no plano dos direitos, o que serviu para permitir com que “se trafegue com maior
tranquilidade por tempos de instabilidade, superar maiorias parlamentares de ocasião, sobreviver a
turbulências passageiras”.
Nesse ínterim, a Carta Magna foi um grande marco na evolução histórica de lutas pelos
direitos dos trabalhadores rurais, visto que equiparou o trabalhador urbano ao rural e unificou a
previdência urbana e rural em um único regime, o Regime Geral da Previdência Social (PORTO,
2013), alicerçada sobre o princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às
populações urbanas e rurais (ART. 194, § ÚNICO, II, CF/88).
Além disso, é importante lembrar que a Constituição de 1988 determinou expressamente que
os agricultores em regime de economia familiar tivessem um tratamento diferenciado na legislação
previdenciária, em respeito à sua forma de trabalho, o que deu origem ao segurado especial
(BERWANGER, 2014), que dispõe de uma forma de contribuição diferenciada e goza da redução de
cinco anos da idade limite como critério para a percepção de aposentadoria por idade (ART. 195,
§8º; ART. 201, §7º, II, CF/88). Nesse sentido, com a evolução da Constituição Cidadã, houve a
157

necessidade de buscar uma reparação histórica em relação ao trabalhador rural, o qual foi muito
preterido nas legislações previdenciárias.
A partir da Norma Fundamental e suas previsões na seara da seguridade social, foram criadas
leis que efetivaram a previdência social no Brasil, como as Leis 8.212 e a 8.213 de 1991, as quais
instituíram o plano de custeio e o plano de benefícios, que norteiam a estruturação e a organização
da previdência social. Logo, é possível afirmar que os trabalhadores rurais passaram a ser abarcados
pelo Regime Geral de Previdência Social amplamente com a Lei 8.213/91 (BERWANGER, 2014).
É imperioso destacar que a Lei 8.213/91 prevê quatro espécies para a categoria trabalhador
rural, quais sejam: o empregado rural, o trabalhador avulso, o contribuinte individual e o segurado
especial. Todas essas espécies de trabalhadores estão relacionadas às atividades campesinas,
abrangidas pela legislação previdenciária.
Para este trabalho, importa entender de forma clara e concisa o trabalhador rural, segurado
obrigatório, na espécie segurado especial. Nessa perspectiva, cumpre explicitar o significado que o
legislador conferiu ao segurado especial, a saber:

Art. 12. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas


físicas:
VII– como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em
aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de
economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros a título de mútua
colaboração, na condição de:
a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou
meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore
atividade:
1. Agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais; ou
2. De seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos
do inciso XII do caput do art. 2o da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça
dessas atividades o principal meio de vida;
b) pescador artesanal ou a este assemelhado, que faça da pesca profissão habitual
ou principal meio de vida; e
c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade
ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que,
comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo (Lei 8.213/91).

Assim, para efeitos previdenciários, é considerado segurado especial o produtor, o


parceiro, o usufrutuário, o meeiro, o arrendatário rural, o pescador artesanal, desde que
exerçam suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, ou seja, com
o apoio do grupo familiar, ou com eventual ajuda de terceiros, estendendo-se ainda essa
qualidade ao cônjuge ou companheiro, filhos maiores de 16 (dezesseis) anos ou a eles
equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.
No que tange aos benefícios, a Lei 8.213/91 em seu art. 18, assegurou as seguintes
prestações aos segurados da previdência social: I - quanto ao segurado: aposentadoria por
invalidez; aposentadoria por idade; aposentadoria por tempo de contribuição; aposentadoria
158

especial; auxílio-doença; salário-família; salário-maternidade; auxílio-acidente; II - quanto


ao dependente: pensão por morte; auxílio-reclusão; III - quanto ao segurado e dependente:
serviço social; reabilitação profissional.

3.1. Benefícios previdenciários como instrumento de implementação de políticas


públicas

Os benefícios previdenciários rurais são políticas públicas de materialização dos


direitos fundamentais. É uma política pública porque são pensados e organizados pelo
Estado, com a colaboração dos empregados, empregadores e aposentados, cujo regime geral
acoberta os riscos e contingências sociais que atinge os trabalhadores rurais; além disso, é,
porque, necessita de uma articulação de ideias e ações concatenadas aos objetivos
constitucionais na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como na redução
das desigualdades regionais (ART. 3º, CF/88).
Demais disso, tais benefícios são instrumentos de materialização do direito a uma
vida digna, fundamentada na dignidade da pessoa humana e na proteção social do Estado;
bem como, trata-se de uma contraprestação do Estado ao trabalhador rural na qualidade de
segurado especial, que desenvolve uma importante função na sociedade, por meio de seu
trabalho, que é garantir o abastecimento do mercado interno de alimentos cultivados em
regime de economia familiar.
Segundo Berwanger (2014, p. 41):

Hoje há diversas formas institucionais de impulsionar a agricultura familiar, como


a criação de cooperativas e associações, a aprendizagem e o aperfeiçoamento de
técnicas de produção, o incentivo público à atividade agrícola, o que tem
produzido resultados importantes não somente para a população rural, como
também, para a segurança alimentar.

Parte-se do princípio de que os benefícios resguardados ao segurado especial


constituem uma espécie de retorno estatal e garantia constitucional do trabalho realizado por
esta classe que é imprescindível para o abastecimento da população interna brasileira. Diante
disso, a Autarquia previdenciária e os magistrados, ao analisarem um pedido de benefício,
devem ter sempre em mente que não se trata de um favor que o estado presta aos
trabalhadores rurais, e sim de um dever em assegurar e proteger essas pessoas quando
cumprido os requisitos legais para a concessão do benefício, visto que desenvolve atividades
primordiais à segurança alimentar.
159

Além disso, os benefícios rurais são benesses que contribuem para a garantia da
durabilidade da produção rural, permitindo com que os filhos de agricultores permaneçam
no campo, desempenhando suas atividades, evitando com que haja o deslocamento de
pessoas em massa para as cidades grandes em busca de empregos, por se sentirem
desprotegido pelo Estado. Trata-se, portanto, de uma política de fomento de continuidade da
vida no campo, de produção em regime de economia familiar.
Assim, a importância de políticas públicas para o pequeno agricultor se dá em razão
da atividade essencial que esta classe de trabalhadores rurais tem para a sociedade, pois o
mercado brasileiro, apesar de desfrutar dos ganhos referentes à produção do Agronegócio, é
a agricultura familiar que fornece os alimentos que chegam aos mercados locais, para o
abastecimento interno.
Nessa perspectiva, os dados obtidos através do Censo Agropecuário de 2017 (IBGE,
2017), apontam que o Brasil tem uma extensão territorial de 851,487 de milhões de hectares
(ha), na qual 5.073.324 correspondem a estabelecimentos agropecuários, os quais ocupam
uma área total de 351,289 milhões de ha, isto é, cerca de 41% da área total do país. Demais
disso, do total de estabelecimentos agropecuários do país, 77% (3.897.408) foram
caracterizados e classificados como de agricultura familiar, responsáveis por 23% do valor
da produção agropecuária nacional e ocupando uma área de 80,89 milhões de hectares,
perfazendo um total de 23% da área (IBGE, 2017).
Nessa conformidade, é indubitável que a agricultura familiar tem uma representação
significativa para o país, vez que segundo o IBGE (2017), esse segmento é responsável por
cerca de 67% do pessoal ocupado no campo, representando mais de 10 milhões de pessoas,
setor que responde ainda por 70% dos alimentos consumidos no país, além de gerar
aproximadamente 23% da riqueza produzida nas explorações agrícolas brasileiras, cerca de
107 bilhões de reais. Esses dados são ainda mais relevantes em nível de Amazônia, onde a
agricultura ocupa o posto de atividade mais importante para a economia, pois cerca de 81%
dos estabelecimentos agropecuários são classificados como agricultura familiar (IBGE,
2017).
É importante demonstrar ainda, que a relevância da atividade desenvolvida pelo
trabalhador rural vem se reafirmando ao longo da história do Brasil, haja vista que o Censo
Agropecuário de 2006 já apontava a agricultura familiar como a responsável por 87% da
produção nacional de mandioca, 70% da produção de feijão, 46% do milho, 38% do café,
34% do arroz, 58%, 59% do plantel de suínos, 50% das aves, 30% dos bovinos e, ainda, 21%
160

do trigo, sendo a cultura da soja com menor participação da agricultura familiar (IBGE,
2006).
Assim, dada a importância do trabalhador rural para a sociedade, os benefícios
previdenciários surgem como instrumento de implementação de políticas públicas, pois não
resta dúvida sobre a função essencial que esta classe desempenha para o país, seja para o
crescimento econômico, seja para a produção de alimentos que abastecem o mercado interno,
contribuindo para a soberania alimentar.

4. OMISSÃO POSITIVA DA EMENDA 103/2019 EM RELAÇÃO AOS


SEGURADOS ESPECIAIS

A Reforma da Previdência, realizada através da Emenda Constitucional nº 103/2019,


provocou profundas modificações quanto aos requisitos para a concessão de benefícios
previdenciários aos segurados e instituiu regras de transição. Registra-se que se trata da
reforma mais profunda desde a Constituição de 1988, pois atingiu de forma incisiva os
direitos e garantias constitucionais, porém de maneira heterogênea.

As mudanças ocorreram em diversos aspectos, atingindo de forma mais evidente os


trabalhadores urbanos, como a modificação do requisito etário para aposentadoria por idade,
elevando a idade mínima para as mulheres de sessenta anos para sessenta e dois anos,
respeitando-se as regras de transição, bem como alterou as regras de cálculo de benefício,
implicou no aumento das alíquotas do RGPS e as alterações nas regras para percepção do
benefício de pensão por morte (BRASIL, 2019).
Todavia, ressalta-se que, no que tange aos trabalhadores rurais, as mudanças foram
mínimas, ou seja, as regras para a obtenção dos benefícios de aposentadoria por idade,
benefício por incapacidade temporária ou permanente, pensão por morte, salário-
maternidade, auxílio-acidente, previstos na Lei de Benefícios (Lei nº 8.213/91), não foram
alteradas, ou seja, o legislador não incluiu esta categoria dentro dos parâmetros da reforma
da previdência social, o que foi positivo.
O método protecionista não é novo, as modificações legislativas vão ocorrendo,
conforme vão sendo identificadas as barreiras concessórias (administrativa ou judicial),
busca-se aprimorar as concessões dos benefícios aos segurados especiais. Uma das
alterações benéficas veio por intermédio da Lei 11.718/2008, que tolerou que o segurado
especial contrate mão de obra temporária, por 120 dias no ano civil, admitindo-se, ainda,
161

outros rendimentos oriundos do artesanato, atividades turísticas, artísticas, parcerias


agrícolas e relacionadas ao sindicalismo.
De igual forma, a Lei 12.873/2013, que incluiu o empresário ao conceito de segurado
especial, dando, conforme pontua Berwanger (2014) um novo recado do legislador ao
aplicador, pois são comuns as negativas administrativas no INSS e as não procedências dos
pedidos judiciais baseadas na capacidade econômica do segurado especial, retratando a
miserabilidade como um dos requisitos de caracterização do segurado especial, um enorme
equívoco.
Nessa esteira, as alterações ocorridas a partir da vigência da EC nº 103/19 não
atingiram diretamente as regras para concessão de benefícios aos trabalhadores rurais, ou
seja, outro recado do legislador. Assim, é importante compreender por meio deste enfoque,
as razões para tanto, uma vez que se trata de uma omissão positiva do poder legislativo.
É indubitável, pois, que a reforma da previdência não alcançou os benefícios
assegurados aos trabalhadores rurais por se tratar de uma política pública fundamental. Nesse
diapasão, lembra-se que esta categoria, no decorrer da história da evolução dos direitos
sociais, permaneceu desprotegida pelo Estado, ficando alijados das políticas públicas e do
ordenamento jurídico brasileiro, pois até o advento da Lei 8.213/91 não existia proteção aos
riscos sociais que estavam submetidos no exercício de seu labor.
Considerando que a Reforma da Previdência foi tão agressiva em relação à redução
dos direitos previdenciários, pois dificultou ainda mais o acesso aos benefícios, a Medida
Provisória nº 871, convertida na Lei 13.846/19, a qual está regulamentada pelo Ofício-
Circular n° 46 e 62 de 2019, reforça a relevância do papel desempenhado pelo trabalhador
rural, sobretudo, o segurado especial, uma vez que por não ter havido alteração sobre as
regras para concessão de benefícios, ela foi mais cristalina e objetiva em relação aos critérios
para reconhecimento dessa espécie de segurado social.
Berwanger e Barreto (2020) explicam que a partir da Lei 13.846/19 foram criados
instrumentos na comprovação do labor agrícola na via administrativa, como o futuro
cadastro do segurado especial e a autodeclaração, bem como ocorreram mudanças na
instrução probatória. Ou seja, embora a EC 103/19 não tenha tido reflexos nos benefícios
dos trabalhadores rurais, a MP nº 871, convertida em lei, cumpriu esse papel, de modo
favorável à categoria.
Nesse sentido, as orientações para análise da comprovação da atividade de segurado
especial e o computo dos períodos em benefícios, previstas no Ofício Circular nº 46
162

DIRBEN/INSS são muito benéficas para o trabalhador rural (BRASIL, 2019), pois antes não
existia um padrão administrativo de como reconhecer a qualidade de segurado especial, por
exemplo, ficando a critério do servidor do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) decidir
sobre o caso concreto.
Porém, atualmente tem-se um aspecto bastante objetivo, em que se exige uma prova
para cada metade da carência que se pretende provar, além de prever uma variedade de
provas servíveis à início de prova material, como as elencadas no art. 106 da Lei 8.213/91 e
ampliadas pelo art. 46 e 54 da Instrução Normativa 77/2015 (BRASIL, 2015).
Observa-se, portanto, que a omissão da reforma da previdência em relação aos
trabalhadores rurais e a publicação das orientações circulares foram muito benéficas para o
segurado especial, o que evidência a importância desses segurados para o país. Nessa
conformidade, a omissão legislativa neste momento da história social, foi positiva para a
espécie do segurado especial, pois a lei preservou e garantiu os direitos desses trabalhadores,
conquistando com a Carta Magna de 1988.
Ademais, ressalta-se que a Lei 13.846/19 oportunizou a criação de uma base de dados
objetiva do segurado especial, o que implicou em segurança na avaliação probatória, porque
antes a legislação era genérica, apenas dizia ser necessário início de prova material, não
especificando as provas e a forma de comprovação, mas com a regulamentação feita pelo
OC nº 46 e 62, tem-se de forma detalhada que basta um início de prova para cada metade da
carência do benefício, aliado ao preenchimento do requisito etário quando exigido, para fazer
jus ao benefício vindicado, ficando, portanto, a Autarquia previdenciária obrigada a
conceder o benefício.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho fez um breve percurso histórico da previdência social no Brasil,


com foco nos trabalhadores rurais, sobretudo os segurados especiais, considerando-os
como àqueles cuja atividade desenvolvida é fundamental para o desenvolvimento do país.
Nesse viés, a pesquisa buscou demonstrar os avanços em direção à consolidação de um
sistema protetivo social que incorporasse os trabalhadores do campo, que os protegessem
frente aos riscos sociais, por meio de políticas públicas do Estado, como instrumento de
materialização de direitos fundamentais.
163

É possível inferir a partir do exposto que por muito tempo os trabalhadores rurais
permaneceram marginalizados no âmbito da previdência social, sem a devida proteção do
Estado e a implementação de garantias. Tal cenário começa a mudar a partir da
Constituinte de 1988, a qual assegurou um extenso catálogo de direitos aos cidadãos
brasileiros, fornecendo subsídios para igualdade de direitos entre os trabalhadores urbanos
e rurais, que antes não existia.
Nesse sentido, os benefícios previdenciários rurais surgem como uma política
pública fundamental, como um meio de reparação social às populações que vivem do labor
rurícola, ao mesmo tempo em que funcionam como um mecanismo de contraprestação
estatal em virtude da importância social do trabalho desenvolvido por estes pequenos
agricultores, em regime de economia familiar, tanto para a sua própria subsistência quanto
para a garantia da alimentação de outras famílias.
Nesse ínterim, considerando o panorama atual da previdência social brasileira,
entende-se que a omissão legislativa quanto aos benefícios destinados aos segurados
especiais foi extremamente positiva para essa classe, pois garantiu o respeito ao princípio
do não retrocesso social, ao passo que ratificou que, embora os trabalhadores rurais e
urbanos façam jus aos mesmos direitos, a forma de alcança-los é diferente, encontrando
fundamentos na própria evolução histórica da seguridade social do país.
Assim, em que pese fale-se em “nova previdência”, deve-se imediatamente pensar
que em relação aos segurados especiais, quanto às regras para a concessão dos benefícios
previdenciários, não há nada novo, porém, no que tange à comprovação do labor rurícola,
existem novas orientações que servem de base para análise do preenchimento dos critérios
de cada benefício, as quais garantiram maior clareza e segurança jurídica para o
reconhecimento dos segurados especiais.

REFERÊNCIAS

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Paulo. Saraiva, 1981.

BERWANGER, Jane Lucia Wilhelm; BARRETO, Arthur José Nascimento. A


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âmbito da previdência social. Revista científica Disruptiva, 2020.

BERWANGER, Jane Lucia Wilhelm. Segurado especial: o conceito jurídico para além da
sobrevivência individual. 2ª ed. – Revista e Atualizada, 2014.
164

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https://biblioteca.ibge.gov.br/pt/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=261914. Acesso
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BRASIL. Lei 8.212 de 24/07/1991 – Dispõe sobre a organização da Seguridade Social,


institui Plano de Custeio, e dá outras providências. Disponível em
http://www.planalto.gov.br. Acesso em jul. 2021.

BRASIL. Lei 8.213 de 24/07/1991 – Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência


Social e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br. Acesso em jul.
2021.

BRASIL. Lei nº 13.846, de 18 de junho de 2019. Disponível em http://www.planalto.gov.br.


Acesso em agosto. 2021.

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11718.htm. Acesso em
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BRASIL. Lei nº 12.873, de 24 de outubro de 2013. Disponível em


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BRASIL. Emenda Constitucional n. 103, de 12 de novembro de 2019. Diário Oficial da


União: seção 1, Brasília, DF, ano 157, n. 220, p. 1-6, 13 nov. 2019.

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BRASIL. Decreto Legislativo 4.682 - Lei Eloy Chaves. Publicada em 24 de janeiro de 1923.

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CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 11ª ed. Rio de
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DELGADO, Ignacio Godinho. Previdência Social e Mercado no Brasil: a presença


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KOVALCZUK FILHO, José Enéas. A função social da proteção previdenciária aos


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na perspectiva da jurisdição federal. Dissertação de mestrado. PUC São Paulo, 2018.

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Século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. Imprenta: Salvador,
JusPODIVM, São Paulo, Malheiros, 2012.
166

A RELEVÂNCIA DO RECONHECIMENTO DO CARÁTER


ACIDENTÁRIO DO BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA POR
INCAPACIDADE PERMANENTE após a reforma da previdência (ec
103/2019)

Luís Paulo Petersen Andreazza1

Resumo: O presente artigo tem como tema a relevância do reconhecimento do caráter


acidentários do benefício de aposentadoria por incapacidade permanente, em razão das
alterações trazidas pela Emenda Constitucional nº 103/2019. O problema de pesquisa
consiste em analisar a pertinência do reconhecimento do acidente de trabalho a partir da
Reforma Previdenciária em decorrência da nova regra para a apuração da Renda Mensal
Inicial dos benefícios previdenciários. O estudo buscou analisar e interpretar, mediante uma
revisão bibliográfica, a importância da natureza acidentária da incapacidade permanente para
a obtenção do melhor benefício previdenciário. Conclui-se que, além dos efeitos que já são
gerados na esfera do Direito do Trabalho, o reconhecimento do caráter acidentário também
gerará resultados financeiros mais expressivos aos segurados em comparação com os demais
benefícios por incapacidade de natureza previdenciária.
Palavras-chave: Aposentadoria por incapacidade permanente. Acidente de trabalho.
Reforma da Previdência. Emenda Constitucional 103/2019.

1 INTRODUÇÃO

Os direitos à previdência, à saúde e à assistência Social compreendem a Seguridade


Social e são assegurados por um conjunto de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da
sociedade. Nesse sentido, a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo
195, estabeleceu um sistema de financiamento com recursos da esfera federal, estadual e
municipal, bem como, de contribuições sociais, isto é, a seguridade social passou a ser
financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta. (BRASIL, 1988). O sistema –
seguridade social – tem como objetivo a redução de riscos para que seja permitido ao
indivíduo superar as intempéries de um mundo contingente. (CANOTILHO, 2013). E a
Previdência Social, na condição de direito social, tem em seus benefícios previdenciários a
finalidade de manutenção da vida do indivíduo, da saúde e subsistência própria e de sua
família para que seja resguardada a dignidade da pessoa humana.

1
Advogado, inscrito na OAB/RS sob o nº 84.052; Mestre em Direito e Sociedade pela UNILASALLE;
Especialista em Direito Público pela ESMAFE/RS; Especialista em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho
e Seguridade Social pela FMP e Bacharel em Direito pela UNISINOS.
167

O Regime Geral de Previdência Social – RGPS compreende prestações expressas em


benefícios previdenciários e serviços que são devidos aos seus segurados – inclusive em
decorrência de acidente de trabalho - e contempla a aposentadoria por invalidez, a
aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de contribuição, aposentadoria especial,
auxílio-doença, salário-família, salários-maternidade e auxílio-acidente. (BRASIL, 1991).
Particularmente, em relação aos benefícios previdenciários de incapacidade, quais
sejam, a aposentadoria por invalidez e o auxílio-doença, sejam eles oriundos de doenças
degenerativas, de acidente de qualquer natureza ou de acidente de trabalho, havia distinção
da regra de cálculo da renda mensal inicial em relação a espécie do benefício. Todavia, com
a edição da Emenda Constitucional nº 103/2019, a qual acarretou a Reforma Previdenciária,
as regras para a concessão dos benefícios e, inclusive, para a apuração das rendas mensais
iniciais foram alteradas.

Importante referir que o presente trabalho traz um recorte metodológico referente ao


âmbito do Direito Previdenciário, especificamente em relação as alterações trazidas pela
Emenda Constitucional nº 103/2019, razão pela qual não contempla uma abordagem dos
efeitos do caráter acidentário dos benefícios previdenciários na seara do Direito do Trabalho.
É imprescindível, portanto, o estudo do tema a partir da análise da legislação previdenciária
e da interpretação dos dados estatísticos do Regime Geral de Previdência Social – RGPS, a
fim de que sejam alcançadas conclusões relativas a relevância da comprovação e, de fato, do
reconhecimento do caráter acidentário do benefício previdenciário de aposentadoria por
incapacidade permanente.

Destarte, o presente estudo visa analisar a alteração legislativa trazida pela Emenda
Constitucional nº 103/2019, especificamente em seu artigo 26, §3º, inciso II, e a relevância
do reconhecimento do caráter acidentário do benefício previdenciário de aposentadoria por
incapacidade permanente por acidente de trabalho.

2 ALTERAÇÕES TRAZIDA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL 103/2019 EM


RELAÇÃO AOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS POR INCAPACIDADE DO
REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL

Em 2019, o Direito Previdenciário passou por uma das maiores alterações


constitucionais desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, o que gera a
168

necessidade de uma análise das novas regras para fins de reivindicar a obtenção da melhor
prestação junto a Autarquia Previdenciária. Nesse sentido, imprescindível é a presente
abordagem que concilia, ainda que de forma sucinta, as normas anteriores com as alterações
trazidas pela Emenda Constitucional nº 103/2019, especificamente em relação aos benefícios
por incapacidade.
A Lei 8.213/91 dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e
estabelece que o Regime Geral de Previdência Social – RGPS compreende diversas
prestações devidas ao segurado, inclusive as que decorrente de incapacidade para o trabalho
e em razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho. Dentre as prestações de
incapacidade laborativa, o Regime Geral de Previdência Social assegura a concessão de
aposentadoria por invalidez e auxílio-doença. O risco protegido pelos pela prestação
previdenciária é a incapacidade para o trabalho e o benefício se caracteriza como substituidor
do salário, tendo natureza jurídica de direito público subjetivo exercitável, de trato sucessivo
e decorrente de risco imprevisível, embora possa ser cessado a qualquer tempo caso seja
constatada a recuperação da capacidade para o trabalho. (HORVATH JÚNIOR, 2020).
Ressalta-se que o benefício de aposentadoria por invalidez está disciplinado no art.
42 da Lei 8.213/91 e é devido ao segurado “que for considerado incapaz e insusceptível de
reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência”. (BRASIL, 1991).
O benefício de auxílio-doença, por sua vez, está disciplinado no art. 59 da Lei 8.213/91 e é
concedido ao segurado que “ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade
habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos”, sendo “devido ao segurado empregado
a contar do décimo sexto dia do afastamento da atividade, e, no caso dos demais segurados,
a contar da data do início da incapacidade e enquanto ele permanecer incapaz”, conforme
dispõe o art. 60 da Lei 8.213/91. (BRASIL, 1991).
A regra que estabelece a Renda Mensal Inicial – RMI da aposentadoria por invalidez
se encontra disposta no art. 44 da Lei 8.213/91 e prevê que a aposentadoria, “inclusive a
decorrente de acidente do trabalho, consistirá numa renda mensal correspondente a 100%
(cem por cento) do salário-de-benefício”. (BRASIL, 1991). Por outro lado, o art. 61 da Lei
8.213/91 dispõe que “o auxílio-doença, inclusive o decorrente de acidente do trabalho,
consistirá numa renda mensal correspondente a 91% (noventa e um por cento) do salário-
de-benefício”. (BRASIL, 1991).
Denota-se da diferenciação atribuída pela legislação previdenciária aos referidos
benefícios que a incapacidade laborativa do segurado, quando constatada de forma
169

permanente e/ou definitiva, gerava uma renda mensal de 100% do salário de benefício
enquanto em casos de incapacidade temporária a renda mensal era apurada em 91% do
salário de benefício. Entende-se por salário de benefício a média aritmética simples dos
maiores salários-de-contribuição correspondentes a 80% (oitenta por cento) de todo o
período contributivo, conforme redação dada pela Lei 9.876/99 ao inciso II do art. 29 da Lei
8.213/91. (BRASIL, 1991).
Nesse sentido, a aposentadoria por invalidez, por força do reconhecimento da
incapacidade permanente, permitirá ao segurado um período indeterminado de gozo de
benefício previdenciário e, em tese, uma renda mensal maior que ao do benefício de auxílio-
doença. O caráter acidentário dos benefícios, seja da aposentadoria por invalidez por
acidente de trabalho (espécie 92) ou do auxílio-doença por acidente de trabalho (espécie 91),
não geravam a aplicação de uma fórmula de cálculo diferenciada para a apuração da renda
mensal inicial.
O sistema de Previdência Social sofreu expressiva modificação a partir da Emenda
Constitucional nº 103/2019, eis que a redação do art. 201, inciso I, da Constituição Federal
foi alterada, in verbis:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de
Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados
critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da
lei, a:
I - cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o
trabalho e idade avançada;

A Reforma da Previdência gerou uma alteração, inclusive, do nome do benefício de


aposentaria por invalidez para aposentadoria por incapacidade permanente para o trabalho e
também, uma alteração do termo auxílio-doença o qual passou a ser nomeado como auxílio-
doença por incapacidade temporária. Destarte, o presente estudo visa analisar a alteração
legislativa trazida pela Emenda Constitucional nº 103/2019, especificamente em seu artigo
26, §3º, inciso II, in verbis:

Art. 26. Até que lei discipline o cálculo dos benefícios do regime próprio de
previdência social da União e do Regime Geral de Previdência Social, será utilizada
a média aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações adotados
como base para contribuições a regime próprio de previdência social e ao Regime
Geral de Previdência Social, ou como base para contribuições decorrentes das
atividades militares de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal,
atualizados monetariamente, correspondentes a 100% (cem por cento) do período
170

contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde o início da contribuição,


se posterior àquela competência.
§ 1º A média a que se refere o caput será limitada ao valor máximo do salário de
contribuição do Regime Geral de Previdência Social para os segurados desse regime
e para o servidor que ingressou no serviço público em cargo efetivo após a
implantação do regime de previdência complementar ou que tenha exercido a opção
correspondente, nos termos do disposto nos §§ 14 a 16 do art. 40 da Constituição
Federal.
§ 2º O valor do benefício de aposentadoria corresponderá a 60% (sessenta por cento)
da média aritmética definida na forma prevista no caput e no § 1º, com acréscimo
de 2 (dois) pontos percentuais para cada ano de contribuição que exceder o tempo
de 20 (vinte) anos de contribuição nos casos:
I - do inciso II do § 6º do art. 4º, do § 4º do art. 15, do § 3º do art. 16 e do § 2º do
art. 18;
II - do § 4º do art. 10, ressalvado o disposto no inciso II do § 3º e no § 4º deste artigo;
III - de aposentadoria por incapacidade permanente aos segurados do Regime Geral
de Previdência Social, ressalvado o disposto no inciso II do § 3º deste artigo; e
IV - do § 2º do art. 19 e do § 2º do art. 21, ressalvado o disposto no § 5º deste artigo.
§ 3º O valor do benefício de aposentadoria corresponderá a 100% (cem por cento)
da média aritmética definida na forma prevista no caput e no § 1º:
I - no caso do inciso II do § 2º do art. 20;
II - no caso de aposentadoria por incapacidade permanente, quando decorrer de
acidente de trabalho, de doença profissional e de doença do trabalho.

O dispositivo acima reproduzido demonstra que a alteração da legislação


previdenciária trouxe expressiva mudança na metodologia do cálculo da renda mensal inicial
do benefício por incapacidade permanente. Isso porque para a regra do cálculo do salário de
benefício deve ser apurada a média aritmética simples de 100% (cem por cento) dos salários
de contribuição no Período Básico de Cálculo (desde 07/1994). Apurado o salário de
benefício, a regra determina a aplicação do coeficiente de 60% (sessenta por cento) da média
do salário de benefício acrescida de 2% (dois por cento) para cada ano de contribuição que
exceder 20 (vinte) anos de contribuição para os homens e 15 (quinze) anos para as mulheres.
(BRASIL, 2019).
O benefício de auxílio-doença por incapacidade temporária, por sua vez, não teve
alteração na metodologia do cálculo relativo ao percentual a ser aplicado sobre o salário de
benefício, uma vez que foi mantido o disposto no artigo 61 da Lei 8.213/91 em que a Renda
Mensal Inicial – RMI corresponderá a 91% (noventa e um por cento) do salário de benefício.
No entanto, uma interpretação ampla do artigo 26 da Emenda Constitucional nº 103/2019
remete ao reconhecimento de que o auxílio-doença por incapacidade temporária será
calculado considerando os salários de benefício equivalente a 100% (cem por cento) da
média de todos os salários de contribuição. (BRASIL, 2019).
A Autarquia Previdenciária editou a Portaria nº 450/2020 (BRASIL, 2020) que
dispõe sobre as alterações constantes na Emenda Constitucional nº 103/2019 e na Medida
171

Provisória nº 905/2019, em que passou a ser aplicada a interpretação ampliativa de que o


salário de benefício corresponde a 100% (cem por cento) da média de todos os salários de
contribuição do segurado.
Uma interpretação restritiva do artigo 26 da Emenda Constitucional nº 103/2019
limita a interpretação de que a metodologia de cálculo do salário de benefício corresponde a
100% (cem por cento) da média aritmética de todos os salários de contribuição e compreende
a remete a interpretação de que a metodologia a ser adotada corresponde a média aritmética
simples dos 80% (oitenta por cento) dos maiores salários de contribuição. (BRASIL,
2019).
Todavia, o caráter acidentário do benefício é que passa a ter uma importância
expressiva em relação a renda mensal por força da aplicação do artigo 26, §3º, inciso II, da
Emenda Constitucional 103/2019, na medida em que este dispositivo assegura que o valor
do benefício de aposentadoria corresponderá a 100% (cem por cento) da média aritmética
no caso de aposentadoria por incapacidade permanente, quando decorrer de acidente de
trabalho, de doença profissional e de doença do trabalho.(BRASIL, 2019).

3 ASPECTOS DO CARÁTER ACIDENTÁRIO DOS BENEFÍCIOS


PREVIDENCIÁRIOS POR INCAPACIDADE E A RELEVÂNCIA PARA OS
SEGURADOS DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL

A legislação previdenciária, particularmente, dispõe sobre o


reconhecimento/caracterização do acidente de trabalho estabelece o conceito de acidente de
trabalho, conforme disposto no artigo 19 da Lei 8.213/91:

Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço
de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos
segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal
ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou
temporária, da capacidade para o trabalho. (BRASIL, 1991).

Além disso, o artigo 20 e 21 da Lei 8.213/91 dispõe sobre a conceituação de doença


profissional e doença do trabalho, bem como dispõe acerca do reconhecimento de acidente
de trabalho via equiparação, conforme se denota do artigo 20 da Lei 8.213/91, in verbis:

Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as


seguintes entidades mórbidas:
I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo
exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva
relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;
172

II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função


de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione
diretamente, constante da relação mencionada no inciso I. (BRASIL, 1991).

O artigo 21 da Lei 8.213/91 inclui no rol de acidentes de trabalho aqueles que a ele
se equiparam, por força da atuação da atividade como concausa, conforme se denota da
transcrição do dispositivo abaixo:

Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:
I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja
contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua
capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a
sua recuperação;
II - o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em
conseqüência de:
a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro
de trabalho;
b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa
relacionada ao trabalho;
c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de
companheiro de trabalho;
d) ato de pessoa privada do uso da razão;
e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de
força maior;
III - a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício
de sua atividade;
IV - o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho:
a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa;
b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo
ou proporcionar proveito;
c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por
esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra,
independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de
propriedade do segurado;
d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer
que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do
segurado. (BRASIL, 1991).

O dispositivo legal acima reproduzido demonstra as características atribuídas pela


legislação previdenciária ao caráter acidentário dos benefícios previdenciários de
aposentadoria por incapacidade permanente ou de auxílio-doença por incapacidade
temporária. Destaca-se que a doença profissional, ou doença do trabalho típica, é própria de
determinado tipo de atividade e, por outro lado, a doença do trabalho é uma moléstia comum,
que pode atingir qualquer indivíduo, porém é ocasionada por condições especiais em que o
trabalho é realizado. Cumpre referir que os acidentes de trabalho por equiparação se
diferenciam do acidente de trabalho típico em razão da ocorrência em determinado momento
173

no qual o empregado não está, de fato, exercendo a sua atividade profissional, porém esta
atua como concausa. (ROCHA, 2021). E a caracterização do caráter acidentário do benefício
por incapacidade decorre do estabelecimento do nexo de causalidade entre um evento e suas
consequências.
A existência de uma Comunicação de Acidente de Trabalho - CAT registrada não é
uma condição fundamental para a caracterização de um benefício como acidentário, embora
a emissão e entrega da referida comunicação se mantenha como uma obrigação legal.
(BRASIL, 2017).
Uma análise multiprofissional para a atenção à saúde do trabalhador é de grande
importância, porém o estabelecimento da relação causal ou nexo técnico entre a doença e o
trabalho é de responsabilidade do médico, o qual deverá estar capacitado para a avaliação,
sendo esta atribuição assegurada na Resolução/CFM 1.488/1998 (VILLAS-BÔAS, 2020).
O exame médico pericial da Previdência Social é imprescindível para o
reconhecimento do caráter acidentário. Outrossim, em casos de ações judiciais, a perícia
médica judicial, se apresenta como meio de prova essencial para a comprovação do nexo de
causalidade, além da avaliação do quadro clínico de incapacidade do segurado, embora o
Julgador não esteja adstrito às conclusões do laudo pericial, conforme dispõe o artigo 479
do Código de Processo Civil. (BRASIL, 2015).
Em um aspecto judicial, cumpre referir que nas ações previdenciárias que tem como
objeto a concessão de benefícios previdenciários por incapacidade se faz necessário que os
operadores do direito tenham um domínio em relação a legislação previdenciária.
Igualmente, incumbe ao perito médico judicial, na condição de ator processual, que detêm a
missão de avaliar o quadro clínico para fins de solução da causa, a aplicação de uma
interpretação adequada da legislação previdenciária, em especial para fins de
reconhecimento do caráter acidentário dos benefícios. (SAVARIS, 2020).
Em relação ao recorte metodológico, o presente estudo pretende analisar de forma
quantitativa os benefícios previdenciários, de caráter acidentário, concedidos pela Instituto
Nacional do Seguro Social – INSS, na condição de Autarquia Previdenciária, no âmbito do
Regime Geral da Previdência Social – RGPS, razão pela qual adota-se os dados extraídos da
Base de Dados Históricos da Previdência Social - INFOLOGO do Anuário Estatístico da
Previdência Social – AEPS, disponível na internet, na página de estatísticas abertas do portal
da Previdência Social (www.previdencia.gov.br).
174

Para os critérios de análise dos dados previdenciários foi utilizado como lapso
temporal o período estabelecido entre 2007 à 2018, em que estão disponíveis dados
previdenciários no Anuário Estatístico da Previdência Social – AEPS, ou seja, o período de
2007 à 2018, em que a Previdência Social concedeu benefícios previdenciários de natureza
acidentária.
A tabela abaixo compreende os dados previdenciários da concessão de benefícios
previdenciários em que houve o reconhecimento de acidente de trabalho, divididos por
acidente típico com CAT, acidente de trajeto com CAT, doença do trabalho com CAT e
benefícios concedidos sem CAT e de natureza acidentária. Na tabela abaixo resta
demonstrado que no período de 2007 à 2018 a Previdência Social concedeu benefícios
previdenciários a partir do reconhecimento de um total de 8.073.503 acidentes de trabalho:

Motivo/Situação
Ano Típico - Com CAT Trajeto - Com CAT Doença do Trabalho - Com CAT Sem CAT Total

2007 417.036 79.005 22.374 141.108 659;523


2008 441.925 88.742 20.356 204.957 755.980
2009 424.498 90.180 19.570 199.117 733.365
2010 417.295 95.321 17.177 179.681 709.474
2011 426.153 100.897 16.839 176.740 720.629
2012 426.284 103.040 16.898 167.762 713.984
2013 434.339 112.183 17.182 161.960 725.664
2014 430.454 116.230 17.599 148.019 712.302
2015 385.646 106.721 15.386 114.626 622.379
2016 355.560 108.552 13.927 107.587 585.626
2017 341.700 101.156 10.983 103.787 557.626
2018 360.320 107.708 9.387 99.536 576.951
Total 4.861.210 1.209.735 197.678 1.804.880 8.073.503

Fonte: Anuário Estatístico da Previdência Social – AEPS.


Tabela elaborada pelo autor.
Os dados ilustrados na tabela acima demonstram de forma quantitativa que os
acidentes de trabalho sofreram variações nos últimos anos, mas há uma tendência de
diminuição do quantitativo de ocorrências, conforme ilustrado na tabela abaixo:
175

Fonte: Anuário Estatístico da Previdência Social – AEPS.


Tabela elaborada pelo autor.

Depreende-se dos dados acima ilustrados que a Previdência Social contempla uma
ampla proteção aos seus segurados que sofrem acidente de trabalho. A hipótese apresentada
neste estudo é que a diminuição da quantidade de acidentes de trabalho ocorre em virtude
do respeito às normas de proteção e saúde do trabalhador e da conscientização dos
empregados e empregadores em relação a importância da preservação da vida e da saúde.
Associado a esta hipótese está a fiscalização em relação ao cumprimento da legislação
trabalhista que podem ser o motivo da redução das ocorrências de acidente de trabalho.
Importante referir que anteriormente a Emenda Constitucional nº 103/2019, não
havia diferenciação das Rendas Mensais Iniciais – RMI dos benefícios por incapacidade,
independentemente se a incapacidade teve origem em acidente de trabalho, acidente de
qualquer natureza ou doença degenerativa. Uma das vantagens atribuídas ao reconhecimento
do caráter acidentário do benefício de auxílio-doença era – e se mantém – a estabilidade
provisória de 12(doze) meses, após a cessação do benefício, conforme dispõe o artigo 118
da Lei nº 8.213/91. (BRASIL, 1991). Outra vantagem, também do âmbito do Direito do
Trabalho, é o direito do empregado ao depósito de FGTS no período em que estiver em
176

licença por acidente de trabalho, conforme assegura o §5º do artigo 15 da Lei 8.036/1990.
(BRASIL, 1990).
A comprovação do caráter acidentário passa a ter uma maior relevância para fins de
apuração de uma melhor Renda Mensal Inicial – RMI a partir da Emenda Constitucional nº
103/2019, uma vez que foram criadas novas regras de cálculo, porém o benefício de
aposentadoria por incapacidade permanente de caráter acidentário manteve a aplicação do
coeficiente de 100% (cem por cento) do salário de benefício, o que o diferencia do benefício
que não tenha o reconhecimento do caráter acidentário.
Exemplificativamente, a legislação previdenciária dispõe de uma proteção
diferenciada para o segurado incapacitado de forma permanente em decorrente de acidente
de qualquer natureza ou doença degenerativa, eis que terá o percentual reduzido em até 40%
(quarenta por cento) a menor do que o segurado incapacitado de forma permanente em
decorrência do acidente e/ ou doença ocupacional, sendo que ambos contribuem com a
mesma alíquota previdenciária e têm o mesmo risco, que é a incapacidade para o trabalho.
(ALVES, 2020).
Por essa razão o reconhecimento do caráter acidentário passou a ter relevância para
o segurado que se encontre incapacitado e insuscetível de reabilitação profissional, isto é,
que esteja acometido por patologia que gere uma incapacidade permanente e/ou definitiva.
Nesse sentido, se por um lado a mudança no cálculo da aposentadoria por incapacidade
permanente representa uma perda significativa de renda do segurado, por outro lado, há a
exceção na hipótese de a incapacidade ser resultante de acidente do trabalho, de doença
profissional e de doença do trabalho, eis que gerará um benefício mais vantajoso.
(LAZZARI, 2020).
O caráter acidentário, notadamente, não gerava efeitos econômicos expressivos nos
benefícios previdenciários antes da Reforma da Previdência, eis que os efeitos ocorriam no
âmbito do Direito do Trabalho. A partir da Emenda Constitucional nº 103/2019 o benefício
por incapacidade permanente terá reflexos positivos quando houver o reconhecimento do
acidente de trabalho, o que demonstra a sua importância para o segurado do Regime Geral
de Previdência Social – RGPS.
177

CONCLUSÃO

O presente artigo buscou dissertar sobre a organização do Regime Geral de


Previdência Social – RGPS em relação aos benefícios por incapacidade para o trabalho
associada as alterações trazidas pela Reforma da Previdência Social oriunda da Emenda
Constitucional nº 103/2019.
A incapacidade laborativa, por si só, gera um prejuízo ao segurado, porém a alteração
legislativa privilegiou aqueles que possuem incapacidade de natureza acidentária. Destaca-
se que o acidente de trabalho é prejuízo para todos: o empregado acidentado e a sua família,
a empresa, o governo e toda a sociedade, o que pode ter motivado o privilégio dado pelo
legislador ao segurado incapacitado de forma permanente e em decorrência de acidente de
trabalho.
Os riscos sociais - também denominados como contingências sociais - são objetos de
proteção da Previdência Social e, particularmente, o reconhecimento do acidente de trabalho
passou a gerar uma renda mensal mais vantajosa a aposentadoria por incapacidade
permanente em relação aos demais benefícios por incapacidade. Isso porque a alteração
legislativa trazida pelo artigo 26, §3º, inciso II da Emenda Constitucional nº 103/2019
determina que a concessão do benefício por incapacidade permanente, quando decorrente de
acidente de trabalho, seja realizada com uma Renda Mensal Inicial – RMI equivalente a
100% (cem por cento) do salário de benefício.
Conclui-se, portanto, que é manifesta a pertinência e a relevância do reconhecimento
do caráter acidentário do benefício de aposentadoria por incapacidade permanente, a partir
da Reforma Previdenciária. A partir das alterações legislativas o reconhecimento do caráter
acidentário na aposentadoria por incapacidade permanente deixou de gerar efeitos
financeiros apenas na esfera do Direito do Trabalho e passou a ser vantajoso também na
esfera previdenciária. E também como consequência da alteração da legislação pode ocorrer
um aumento de requerimentos administrativos e, inclusive, de ações judiciais
previdenciárias que tenham como objeto o reconhecimento do caráter acidentário do
benefício de aposentadoria por incapacidade permanente.
178

REFERÊNCIAS

ALVES, Hélio Gustavo. Guia prático dos benefícios previdenciários: de acordo com a
reforma previdenciária EC 103/2019. – 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.

BRASIL. Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho: AEAT 2017 / Ministério da


Fazenda [et al.]. – vol. 1 (2009) – Brasília: MF, 2017.

_____. Código de Processo Civil. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em
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_____. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em 31 ago.
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2019. Disponível em: < https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-450-de-3-de-abril-
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Curso de perícia judicial previdenciária / coordenação de José Antônio Savaris – 4.ed. –
Curitiba: Alteridade Editora, 2020.
180

OS RISCOS INCERTOS DA UTILIZAÇÃO DOS NANOMATERIAIS


MANUFATURADOS NO AMBIENTE LABORAL E A PROTEÇÃO
PREVIDENCIÁRIA À SÁUDE DO TRABALHADOR

Mariana Petry1

Resumo: O objetivo do presente artigo é trazer para o âmbito do direito previdenciário os


riscos à saúde e integridade física dos trabalhadores advindos da utilização de nanomateriais
manufaturados no ambiente laboral. A aposentadoria especial é espécie de prestação
previdenciária de natureza preventiva, que se destina a proteção do trabalhador exposto a
agentes agressivos que prejudiquem à sua saúde e integridade física. O rol de agentes
prejudiciais à saúde estão previstos nos Decretos Regulamentares da Previdência Social.
Entretanto, ainda são desconhecidos os riscos oriundos da utilização dos nanomateriais,
razão pela qual é necessário analisar de que forma o Direito Previdenciário que por meio da
aposentadoria especial atua de maneira preventiva cumprirá o seu papel na proteção à saúde
dos segurados da Previdência Social.
Palavras-chave: Nanomateriais manufaturados - saúde e segurança – riscos – proteção
previdenciária – aposentadoria especial.

INTRODUÇÃO

O direito à saúde é garantido constitucionalmente, trata-se de um direito fundamental.


Partindo dessa premissa, ao trabalhador, enquanto cidadão brasileiro, é necessário saúde para
exercer suas atividades laborativas, razão pela qual surgem os direitos que garantem a
proteção à saúde e à integridade física dos trabalhadores.
A saúde, o trabalho e a previdência social são direitos sociais previstos no art. 6.º da
Constituição Federal de 1988. Desta forma, o trabalho digno é um direito social, estando
diretamente ligado à dignidade da pessoa humana. A saúde é direito de todos e dever do
Estado e deve ser garantida por meio de políticas sociais e econômicas objetivando à redução
do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação, art. 196 da CF/88. Além disso, a respeito da
saúde do trabalhador, o texto constitucional no art. 7.º, inciso XXII, determinou como direito
fundamental social do trabalhador a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de
normas de saúde, higiene e segurança do trabalho.

1
Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade de Caxias do Sul. Especialista em Direito Previdenciário
pela Universidade Cândido Mendes, RJ. Graduada em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
181

A proteção à saúde e integridade física do trabalhador no âmbito previdenciário se


dá por meio da concessão da aposentadoria especial, cujo principal objetivo é garantir ao
trabalhador que esteja exposto à riscos que prejudiquem à saúde ou à integridade física, de
alguma forma seja beneficiado.
Embora a aposentadoria especial tratar-se de um mecanismo meramente
compensatório ao trabalhador que está exposto a essas condições adversas durante a sua
jornada de trabalho, serve também para reduzir a probabilidade de ocorrência e/ou diminuir
as dimensões dos danos à saúde e integridade física do segurado da previdência social.
Diante a proteção dada à saúde e integridade física do trabalhador, é relevante debater
a respeito das incertezas da utilização dos nanomaterias manufaturandos no ambiente laboral
e as consequências na saúde humana, especialmente, na saúde do trabalhador, bem como os
mecanismos existentes para prevenir os potencias danos à saúde desse trabalhador, segurado
da previdência social.
Sendo assim, o problema de pesquisa delineado no presente artigo consiste no
seguinte questionamento: O Direito Previdenciário está cumprindo o seu papel de proteção
à saúde e integridade física do trabalhador, considerando os riscos trazidos pela utilização
de nanomateriais manufaturados ambiente laboral?
A partir desse problema de pesquisa, o objetivo do artigo, em termos gerais, consiste
em analisar se os mecanismos preventivos aplicáveis no âmbito previdenciário que tutelam
os riscos concretos, listados nos decretos regulamentares da previdência social, podem ser
aplicados aos riscos abstratos, no presente caso, advindos da utilização dos nanomateriais
manufaturados.
No que se refere aos objetivos específicos, pretende-se verificar a relevância da
utilização dos nanomateriais manufaturados no ambiente laboral e os riscos incertos a saúde
do trabalhador, assim como analisar como o direito previdenciário que tutela os riscos
concretos cumprirá o seu papel na gestão desses riscos incertos.
Dessa forma, pretende-se a partir da análise da proteção dada à saúde e integridade
física do trabalhador pelo ordenamento jurídico brasileiro, averiguar de que forma o direito
previdenciário poderá cumprir seu papel na gestão dos riscos advindos da utilização dos
nanomateriais manufaturados no meio ambiente de trabalho.
182

2. OS RISCOS INCERTOS DA UTILIZAÇÃO DOS NANOMATERIAIS


MANUFATURADOS À SAÚDE E INTEGRIDADE FÍSICA DOS
TRABALHADORES

A utilização de nanomaterias manufaturados no ambiente laboral vem ocorrendo há


alguns anos e, embora sua utilização possa trazer aspectos positivos, é possível que traga
também efeitos negativos, causando preocupação em relação aos riscos à saúde e/ou
integridade física dos trabalhadores. Considerando a necessidade de proteção à saúde do
trabalhador, urge a necessidade de analisar os riscos da utilização dos nanomateriais no meio
ambiente de trabalho.
Incialmente, é importante esclarecer que os nanomateriais estão entre os principais
produtos oriundos da nanotecnologia. As técnicas utilizadas para produzi-las podem ser
divididas em abordagens top-down e bottom-up. As metodologias top-down envolvem a
divisão a partir de uma unidade maior de material para menor, por exemplo, por processos
de decapagem ou moagem. Já os procedimentos bottom-up envolvem a agregação de
unidades menores (átomos ou moléculas) para criação de estruturas maiores e mais ricas
funcionalmente. (BERGER, 2018)
A nanotecnologia consiste na possibilidade de se ter novos materiais a partir da
redução das suas dimensões em escala manométrica. Sobre o assunto, cumpre transcrever a
explicação do coordenador-geral de Desenvolvimento e Inovação em Tecnologias
Convergentes e Habilitadoras do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e
Comunicações (MCTIC, 2017), segundo Leandro Berti:

a nanotecnologia é a engenharia da vida, pois as estruturas celulares são compostas


e controladas por nanoestruturas. A principal forma de montagem molecular da
nanoescala é a automontagem, um processo natural em que componentes
separados ou ligados, espontaneamente, formam estruturas maiores. O material
que compõe as estruturas celulares, como proteínas, enzimas e até mesmo o
próprio DNA, são elementos naturais automontados em tamanho nano. Uma tira
de DNA humano, por exemplo, possui em média 2 nanômetros (NM) de diâmetro
e centenas de NM em comprimento […] uma tecnologia transversal e disruptiva,
dedicada à compreensão, controle e utilização das propriedades da matéria em
nanoescala […].

Ainda, segundo o coordenador (MCTIC,2017) há uma física muito diferente no


ambiente chamado nanoescala:
a nanotecnologia é apresentada como a tecnologia que trabalha em dimensões
menores que um fio de cabelo, mas, na realidade, as nanoestruturas
podem ter dimensões mil vezes menores que as de um glóbulo sanguíneo, um dos
principais componentes do sangue. As nanoestruturas são tão pequenas, que
183

somente podem ser observadas com o uso de microscópios especiais. Além disso,
os fenômenos dominantes nesta escala são de natureza subcelular e, portanto, não
obedecem à física clássica que conhecemos.

No âmbito da União Europeia, a Recomendação da Comissão (2011) define


“nanomaterial”, como:
Um material natural, incidental ou fabricado, que contém partículas num estado
desagregado ou na forma de um agregado ou de um aglomerado, e em cuja
distribuição número-tamanho 50% ou mais das partículas têm uma ou mais
dimensões externas na gama de tamanhos compreendidos entre 1 nm e 100 nm.
Em casos específicos e sempre que tal se justifique devido a preocupações
ambientais e ligadas à saúde, segurança e competitividade, o limiar da distribuição
número-tamanho de 50% pode ser substituído por um limiar compreendido entre
1 e 50%.

É importante esclarecer que os nanomateriais não estão sujeitos às mesmas


propriedades magnéticas, químicas, ópticas, físicas que os materiais em escala natural, o que
de certa forma acarreta uma incerteza sobre os riscos da sua da utilização à saúde humana,
notadamente, aos trabalhadores no meio ambiente do trabalho.
Os riscos advindos da exposição às nanopartículas engenheiradas no meio ambiente
de trabalho e via de consequência à saúde e/ou integridade física dos trabalhadores são
desconhecidos. Existem muitas incertezas, é necessário deixar claro, especialmente, que a
ausência quantificável de tais riscos não afasta o perigo de danos à saúde e integridade física
dos trabalhadores.
Segundo as divulgações do National Institute for Occupational Safety and Health
(NIOSH, 2015), indústrias relacionadas com a nanotecnologia têm o potencial de expor os
trabalhadores a materiais com novos tamanhos, formas e propriedade físicas e químicas.
Ainda não são claros os riscos à saúde ocupacional relacionada a fabricação e o uso de
nanomateriais. Informações são mínimas em relação as rotas, os níveis de exposição e
toxicidade dos nanomateriais.
A ampliação do uso de nanomaterias manufaturados é uma inovação e sua inserção
no meio ambiente de trabalho já vem ocorrendo, trazendo em conjunto preocupação em
relação aos riscos à saúde e/ou integridade física dos trabalhadores.
A respeito dos riscos do contato com nanopartículas à saúde e segurança do
trabalhador, a FUNDACENTRO (2018), editou a Nota Técnica 01/2018, a qual objetiva
analisar os desafios da Saúde e Segurança do Trabalho (SST) para uma produção segura com
o uso de nanotecnologias. De acordo com a Nota Técnica 01/2018 “a toxicidade dos
nanomateriais - ou de materiais fabricados intencionalmente pelo homem - está condicionada
184

ao tipo de material, tamanho, forma, tipo de ligação, revestimento, solubilidade e atividade


biológica associada a estímulos externos”.
Estudos mostram que as nanopartículas teriam três formas principais de exposição:
por inalação, pela pele e por ingestão, sendo a inalação a via mais comum de exposição.
(COHEN, 2003)
Diante deste cenário de significativa relevância é que surge a necessidade de analisar
a utilização dos nanomateriais no ambiente laboral sob o enfoque da proteção previdenciária
dada à saúde e integridade física do trabalhador, tendo em vista que o direito à saúde,
trabalho e previdência são direitos fundamentais de cunho social.
A proteção dos direitos fundamentais, de cunho social estão previstos no artigo 6º da
Constituição Federal: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho,
a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância,
a assistência aos desamparados”. (BRASIL, 1988)
Além disso, o direito à saúde está tutelado no art. 196 da Constituição Federal de
1988 que assim dispõe: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos
e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.” (BRASIL, 1988)
A preocupação do legislador constituinte com o direito à saúde no meio ambiente de
trabalho encontra-se insculpida no art. 200, inciso VIII, da CF. (BRASIL, 1988)
Ao conceituar o meio ambiente do trabalho Norma Sueli Padilha leciona que:
(...)compreende o habitat laboral onde o ser humano trabalhador passa a maior
parte de sua vida produtiva provendo o necessário para sua sobrevivência e
desenvolvimento por meio do exercício de uma atividade laborativa, abrange a
segurança e saúde dos trabalhadores, protegendo-os contra todas as formas de
degradação e/ou poluição geradas no ambiente do trabalho. (PADILHA, 2016, P.
232)

A respeito da proteção ao meio ambiente do trabalho Sebastião Geraldo de Oliveira


(1996) menciona que: “Para obter uma sadia qualidade de vida, o homem necessita
conviver em um meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo que uma das unidades
principais desse conjunto é o meio ambiente do trabalho, onde o homem passa a maior parte
do seu dia útil.”
No Brasil, essa visão da saúde do trabalhador sofreu grande influência da
Organização Internacional do Trabalho - OIT, cuja competência abrange a proteção dos
185

trabalhadores contra os acidentes do trabalho e as doenças profissionais. Os objetivos foram


instrumentalizados através de recomendações e convenções.
Por sua vez, no ordenamento jurídico brasileiro a Constituição Federal, em seu art.
7º, inciso XII assegura, como direito dos trabalhadores a redução dos riscos inerentes ao
trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
Segundo ensinamentos de Sebastião Geraldo de Oliveira (1996), “a segurança visa
à integridade física do trabalhador, a higiene tem por objetivo o controle dos agentes do
ambiente do trabalho para manutenção da saúde no seu amplo sentido.”
A respeito da redução dos riscos inerentes ao trabalho, a Convenção 155 da OIT em
seu art. 4º estabeleceu: “reduzir ao mínimo, na medida que for razoável e possível, as causas
dos riscos inerentes ao meio ambiente de trabalho.”
As medidas necessárias para minimizar ou eliminar os riscos do meio ambiente do
trabalho são criadas por meio da gestão em Saúde e Segurança do Trabalho. Embora o
enfoque da legislação seja no sentido da eliminação do risco, o que ocorre na prática é a
neutralização dos riscos por meio do fornecimento de equipamento de proteção
individual/coletiva (EPI/EPC). Ao setor de Saúde e Segurança do Trabalho cumpre
dedicação e estudo da legislação laboral, ambiental e da saúde, assegurando que tais
preceitos sejam obedecidos, mediante programas e estabelecimento de procedimentos com
tal fim.
Os riscos ambientais e os consequentes prejuízos à qualidade de vida, à saúde e à
segurança dos trabalhadores são uma realidade no cenário brasileiro, fazendo-se necessária
a adoção de medidas tendentes a prevenir e a precaver os riscos ambientais laborais a que os
trabalhadores estão sujeitos.
Os mecanismos de proteção à saúde e integridade física do trabalhador da legislação
previdenciária têm natureza preventiva e, quando se fala em prevenção estamos falando de
riscos conhecidos. Logo, para a sua caracterização exige-se a comprovação que os agentes
nocivos estejam previstos nas normas que regulamentam a matéria ou, ainda, que haja prova
conclusiva de que a atividade é exercida sob condições especiais prejudiciais à saúde ou
integridade física.
Sendo assim, as normas regulamentadoras e decretos definem quais são riscos que
podem gerar efeitos nocivos e existe uma tendência dos Tribunais em adotarem um padrão
de prova que exija a demonstração do risco. Todavia, diante da incerteza científica quanto a
possíveis danos à saúde e/ou integridade física decorrentes da utilização de nanomateriais
186

manufaturados no ambiente de trabalho, somente será possível noticiar isso quando os danos
aos trabalhadores já tiverem ocorrido.
Por essa razão, é necessário averiguar e compreender se a natureza preventiva de
proteção à saúde e integridade física dos segurados da previdência social é eficaz em se
tratando dos riscos da exposição dos nanomateriais manufaturados no ambiente laboral.

3. A PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA DADA À SAÚDE E INTEGRIDADE


FÍSICA DOS TRABALHADORES

No Direito Previdenciário a proteção à saúde e integridade física do trabalhador se


dá através da concessão da aposentadoria especial, cuja natureza é eminentemente preventiva
e destinada ao trabalhador exposto a agentes nocivos à saúde ou à integridade física, durante
os prazos mínimos de 15, 20 ou 25 anos. Sendo assim, por meio da concessão da
aposentadoria especial retira-se o trabalhador daquele ambiente laboral que lhe expõe a
agente agressivo antes que ele seja acometido de alguma doença.
A necessidade da aposentadoria antecipada se justifica em razão da exposição a
agentes nocivos, causando um desgaste físico maior a capacidade laboral do trabalhador. Os
trabalhadores submetidos a agentes prejudiciais no ambiente laboral ao longo dos anos terão
como consequência uma incapacidade presumida.(WEINTRAUB, 2005, p.39)
Não é sem razão que o Supremo Tribunal Federal, fixou a tese, através do julgamento
do tema 709, a vedação da percepção da aposentadoria especial se o segurado permanece
trabalhando em atividade prejudicial é constitucional, pois, caso contrário, o benefício
perderia totalmente o seu sentido que é a proteção à saúde e/ou integridade física daquele
trabalhador. (STF, 2020)
Ademais, o principal objetivo do seguro social é proteger os segurados submetidos a
um risco social futuro e incerto, e que possam impedi-los de trabalhar e os coloquem em
situação de necessidade. Nesse sentido o objetivo da aposentadoria especial é à proteção do
trabalhador pelo simples fato de que ao longo dos anos esteve exposto a agentes agressivos
prejudiciais à saúde ou a integridade física em seu ambiente laboral.
No art. 201 da Constituição Federal estão previstos os riscos sociais protegidos pela
Previdência Social, a aposentadoria especial está prevista no mesmo artigo, porém, em seu
§1.º, vejamos:
187

É vedada a adoção de requisitos ou critérios diferenciados para concessão de


benefícios, ressalvada, nos termos de lei complementar, a possibilidade de
previsão de idade e tempo de contribuição distintos da regra geral para concessão
de aposentadoria exclusivamente em favor dos segurados: (...) II - cujas atividades
sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos
prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por
categoria profissional ou ocupação. (BRASIL, 1988)

Assim, a proteção jurídica dos trabalhadores expostos a agentes prejudiciais à saúde


e integridade física se estende ao texto constitucional, permitindo que essa classe tivesse um
tratamento diferenciado.
Na legislação infraconstitucional a aposentadoria especial está prevista no art. 57 da
Lei 8.213/91, que estabelece:
A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta
Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que
prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25
(vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei. (BRASIL, 1991)

A concessão da aposentadoria especial pressupõe que a incapacidade para o trabalho


ainda não ocorreu e pode nem acontecer, na medida em que o segurado trabalhou durante
um tempo limite (15, 20 ou 25 anos), exposto a agentes agressivos e, depois de completado
o tempo, a lei permite que se aposente, antes mesmo de ter a sua saúde comprometida. O
objetivo da lei é protegê-lo e não permitir a ocorrência efetiva da incapacidade. A proteção,
nesse caso, não é a incapacidade propriamente, mas sim a exposição a agentes agressivos,
em que a lei estabelece um limite temporal como base para prevenção de danos à saúde do
trabalhador. Portanto, a aposentadoria especial tem natureza preventiva.
É necessário lembrar que com o advento da EC 103/19 (BRASIL, 2019), além do
tempo mínimo de exposição por 15, 20 ou 25 anos, passa a ser exigido um requisito etário,
ou seja, foi estabelecida uma idade mínima para que o segurado faça jus a essa espécie de
aposentadoria. Todavia, esse não é objetivo principal do presente estudo, considerando que
estarmos tratando propriamente dos agentes nocivos capazes de prejudicar a saúde e
integridade física dos segurados da previdência social.
Desta forma, o objetivo primordial da aposentadoria especial é evitar a ocorrência do
dano, na medida em que faz com que o segurado antecipe a sua saída do mercado de trabalho,
evitando a sua incapacidade laboral em razão da manifestação de qualquer doença.
Porém, é importante considerar que no caso de concessão da aposentadoria especial,
o segurado se afastará da atividade prejudicial a sua saúde e integridade física, podendo
188

usufruir do benefício ainda sendo possível exercer outra atividade laborativa, desde que não
exposto a agentes prejudiciais.
Em que pese isso, para alguns autores, a exemplo de Maria Helena Carreira Alvim
(2018, p. 23), a aposentadoria especial tem natureza compensatória: “A aposentadoria
especial é um benefício que visa garantir ao segurado do Regime Geral de Previdência
Social uma compensação pelo desgaste resultante do tempo de serviço prestado em
condições prejudiciais à saúde ou integridade física.”
Nesse sentido também Diego Henrique Schuster (2016, p.71) com muita propriedade
menciona que:
[...] causa verdadeira inquietação o fato de a aposentadoria especial ser concebida
como uma mera compensação pelo desgaste do tempo de serviço prestado em
condições prejudiciais à saúde ou à integridade física, de modo a acrítico. Se isso
é assim, o efeito preventivo de sua existência é irrelevante.

Segundo o mesmo autor (SCHUSTER, 2016), a contribuição que a empresa paga por
expor o trabalhador ao risco está muito aquém do dano social por ela produzido, e por essa
razão, é menos vantajoso investir em eliminação do risco ou em um ambiente de trabalho
salutar.
Portanto, a aposentadoria especial trata-se de uma espécie de benefício
previdenciário, que o trabalhador terá direito quando sujeito a agentes nocivos prejudiciais
à saúde ou integridade física pelo tempo mínimo de 15, 20 ou 25 anos, cujo principal objetivo
é a proteção da saúde do trabalhador, proporcionando-lhe uma prestação previdenciária
preventiva.
O Direito Previdenciário tutela os riscos concretos, ou seja, riscos conhecidos
capazes de causar danos à saúde do trabalhador por meios das listas nos Decretos 53.831/64,
83080/79, 2.172/97 e 3.048/99, é importante lembrar que tais decretos não contemplam os
agentes nocivos prejudiciais à integridade física, o que não impede o enquadramento como
atividade considerada especial, na medida em que a Constituição Federal (art. 201, parágrafo
1) e a legislação infraconstitucional (art. 57, caput, da Lei 8.213/91) trazem fundamentos ao
referirem a proteção à integridade física.
Embora os agentes capazes de prejudicar à saúde dos trabalhadores estarem listados
nos decretos acima referidos, segundo Adriane Bramante de Castro Ladenthun (2018), há
uma infinidade de agentes químicos ainda em estudo que podem ser prejudiciais à saúde do
trabalhador que ficam expostos a eles e, uma vez não identificados, não é possível
estabelecer normas e procedimentos para evita-los ou não utilizá-los. Sendo assim, segundo
189

a autora, os critérios de enquadramento da atividade especial aos trabalhadores expostos a


agentes nocivos devem ser consideravelmente flexíveis.
Nesse contexto é que surge a preocupação com os riscos ambientais laborais
decorrentes da utilização de produtos inovadores no meio ambiente laboral, no presente
estudo os nanomateriais manufaturados, os quais poderão trazer prejuízos à saúde e/ou
integridade física do trabalhador e que não estão previstos nos decretos regulamentares da
previdência social.
Por essa razão, para análise efetiva da atividade especial dos trabalhadores expostos
a agentes desconhecidos, conforme mencionado por Bramante (2018), é imperioso haver
maior flexibilidade na análise das provas científicas.
É importante lembrar que há uma certa tendência do entendimento jurisprudencial
previdenciário em admitir o caráter exemplificativo do rol de agentes nocivos à saúde e/ou
integridade física dos trabalhadores previstos nos decretos regulamentares. (TFR, 1985)
Contudo, para tentar enfrentar os riscos advindos dos nanomateriais manufaturados
no ambiente laboral torna-se necessário a análise jurisdicional da prova ir além da certeza
probatória. Para tanto, será necessário uma mudança da raciocínio dos julgadores em decidir
diante de um contexto de incerteza científica, ou seja, na ausência de provas conclusivas. É
imprescindível uma mudança de raciocínio, na medida em que os julgadores estão presos a
ideologia racionalista positivista.
A demonstração do nexo causal entre possíveis danos à saúde e integridade física do
trabalhador e os nanomateirais manufaturados no ambiente laboral é uma tarefa muito difícil,
tais danos apenas serão noticiadas após a ocorrência do dano. Desta forma, em se tratando
da utilização dos nanomateriais manufaturados no ambiente laboral, a natureza preventiva
do direito previdenciário se mostra ineficaz.
Assim sendo, diante da ineficácia da prevenção na tutela da saúde dos trabalhadores
há possibilidade das nanopartículas engenheiradas serem analisadas sob a ótica precaucional.
A respeito da prova do enquadramento e a necessidade de análise por meio dos
princípios da prevenção e precaução, Délton Winter de Carvalho, sugeriu o seguinte
tratamento (racionalização) jurídico das provas para a configuração dos danos ambientais
futuros (desastres):
Assim, o primeiro teste a ser realizado por decisões judiciais que tenham por
objeto situações de risco deve ser uma análise acerca da espécie de risco e a
capacidade probatória da parte para sua configuração. Num segundo momento,
deve ser adotado um padrão de exigência probatória compatível com a natureza
do risco e sua incerteza. Por tal motivo, pode ser dito que riscos conhecidos e
190

passíveis de descrição quantificável detêm um padrão probatório mais exigente,


em que deve a sua demonstração clara e causal para a imposição de medidas
preventivas. Já no que diz respeito aos riscos vinculados a atividades mais
complexas e com maior precariedade nas informações deverá haver um grau de
exigência compatível com as dificuldades probatórias, impondo um acautelamento
com base nas expectativas possíveis para o caso. (CARVALHO, 2015, p. 86-87)

Assim, torna-se necessário a análise jurisdicional da prova ir além da certeza


probatória objetivando, assim, enfrentar os riscos advindos dos nanomateriais
manufaturados no meio ambiente de trabalho
Considerando as incertezas que pairam sobre os riscos dos nanomaterias
manufaturados à saúde e integridade física dos trabalhadores em seu meio ambiente laboral,
não é sem razão a preocupação do presente estudo, tendo em vista riscos de danos
desconhecidos e futuros não podem ser analisados apenas sob a ótica preventiva, devendo
haver uma flexibilização da necessidade dos agentes capazes de causar danos à saúde do
trabalhador estarem previstos nos decretos regulamentares da previdência social.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando a incerteza científica que paira sobre a utilização dos nanomateriais


manufaturados à saúde e integridade física do trabalhador, e também porque o direito
previdenciários protege o trabalhador dos riscos inerentes ao trabalho através da concessão
da aposentadoria especial, beneficiando os trabalhadores expostos a agentes nocivos à saúde
e/ou integridade física expressamente previstos em listas regulamentares, torna-se necessária
e urgente a análise de proteção da saúde e integridade física dos trabalhadores frente a riscos
incertos e desconhecidos.
A partir daí se delineou o seguinte problema de pesquisa: O Direito Previdenciário
está cumprindo o seu papel de proteção à saúde e integridade física do trabalhador,
considerando os riscos trazidos pela utilização de nanomateriais manufaturados ambiente
laboral?
Desta forma, para responder o problema de pesquisa o estudo foi dividido em duas
partes. Na primeira, tratou-se da incerteza científica dos riscos oriundos da utilização dos
nanomaterias manufaturados à saúde e integridade física dos trabalhadores, seguida da
abordagem da proteção preventiva dada pelo direito previdenciário aos trabalhadores
expostos a agentes capazes de causar danos à sua saúde e integridade física.
191

Primeiramente, foi necessário compreender que os nanomateriais manufaturados ao


mesmo tempo que podem trazer benefícios, não estão sujeitos às mesmas propriedades dos
materiais em escala natural, o que de certa forma acarreta uma incerteza sobre os riscos da
sua da utilização à saúde humana, especialmente, aos trabalhadores em seu ambiente laboral,
podendo então acarretar efeitos negativos de difícil mensuração.
Ao Direito Previdenciário cumpre assumir o seu papel na proteção social em que
estão inseridos a saúde, o trabalho e a previdência social. Desta forma, a proteção à saúde e
integridade física do trabalhador no âmbito previdenciário se dá por meio da aposentadoria
especial reduzindo o tempo de exposição e via de consequência evitando a incapacidade do
trabalhador decorrente do contato com riscos, sejam eles concretos ou abstratos.
Considerando a natureza preventiva da aposentadoria especial que tutela os riscos
conhecidos, ou seja, protegendo aqueles trabalhadores expostos a agentes prejudiciais à
saúde estabelecidos em seus decretos regulamentares, é possível afirmar que tal proteção,
em se tratando de riscos incertos e futuros, mostra-se insuficiente, na medida em que não se
tem certeza científica da ocorrência desses danos à saúde e integridade física do trabalhador
e segurado da previdência social.
Em que pese isso, ante uma situação de incerteza em relação aos riscos à saúde
humana, em que deve ser protegida a vida humana, direito que está estritamente ligado,
também, a proteção previdenciária adequada.
A aplicação do princípio da precaução poderá dar efetividade à proteção
previdenciária em se tratando dos riscos incertos da utilização dos nanomateirais
manufaturados no ambiente laboral, por meio da concessão da aposentadoria especial,
mesmo que não exista prova concreta do potencial agressivo dessa nova tecnologia.
Portanto, diante da incerteza científica quanto aos danos causados pelos
nanomateriais manufaturados no ambiente laboral, a proteção previdenciária desses
trabalhadores trata-se de um grande desafio, porém, obrigatória e necessária, sob pena de
violação das garantias constitucionais de saúde, trabalho e previdência.

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194

PROCESSO ADMINISTRATIVO PREVIDENCIÁRIO: O PRÉVIO


REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERESSE EM AGIR COMO
CONDIÇÃO PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO JUDICIAL CONTRA O
INSS

Pablo Rubens Herlinger dos Santos1

Resumo: A presente pesquisa foi norteada pelo método sistêmico, vez que as técnicas de
pesquisa escolhidas foram a revisão bibliográfica e análise doutrinária e da jurisprudência
do STF acerca do prévio requerimento administrativo e interesse em agir nas ações
previdenciárias. A partir de uma análise jurisprudencial é possível identificar as situações
que há a necessidade do prévio requerimento administrativo em matéria previdenciária no
Regime Geral de Previdência Social.
Sobre a matéria, o entendimento do STJ pela desnecessidade do prévio requerimento
administrativo promoveu uma excessiva judicialização de ações previdenciárias, vez que o
Estado, ao assumir a função jurisdicional no momento em que é exercido o direito de ação,
dando início a formação de um processo, intervindo na resolução dos conflitos e interesses
da sociedade, atuando onde não há controvérsia, acaba criando controvérsias na via judicial,
que poderiam não existir na via administrativa, caso houvesse o prévio requerimento
administrativo.
Em decorrência da grande oscilação da jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais
acerca da necessidade ou não do prévio requerimento administrativo como requisito para o
ajuizamento de ações previdenciárias contra o INSS, a Autarquia Federal interpôs recurso
extraordinário com fundamento no artigo 102, III, a, da Constituição Federal, sob a alegação
de estar sendo violado os artigos 2º e 5º, XXXV, da carta magna, assim, o Supremo Tribunal
Federal pacificou o entendimento acerca da necessidade de iniciar e esgotar o processo
administrativo perante o INSS para poder exercer o direito de ação e acesso ao judiciário na
busca da pretensão resistida, nos termos do julgamento do recurso extraordinário
631.240/2014.

Palavras Chaves: Processo administrativo; prévio requerimento; interesse em agir; direito


de ação.

1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem caráter informativo e de relevante importância para grande


parte da sociedade, em especial os segurados do Regime Geral de Previdência Social, seus
dependentes, e aqueles que vierem a se filiar como contribuinte obrigatório ou facultativo,
bem como os operadores do direito em matéria previdenciária, que poderão estar diante de

1
Graduado em Direito pela Faculdade CNEC Gravataí. Advogado, inscrito na OAB/RS sob nº 100.315. Pós
Graduado em Direito Previdenciário pela Unilasalle. Pós Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela
FMP.
195

uma pretensão de benefício previdenciário, que exige ou não, o prévio requerimento


administrativo junto ao INSS como condição para exercer o direito de ação na busca da
prestação da tutela jurisdicional do Estado.
De um modo geral, os segurados da Previdência Social enfrentam dificuldades em
ter reconhecido seus direitos previdenciários quando da realização do requerimento
administrativo de benefícios junto ao INSS, sendo – lhes facultado o direito de recorrer
diante das negativas da Autarquia Previdenciária, podendo proceder o esgotamento da via
administrativa ou judicializar a pretensão resistida pelo INSS.
Devido ao grande número de ações ajuizadas contra o INSS sem a comprovação da
pretensão resistida pela Autarquia na via administrativa, sob o fundamento do livre acesso à
justiça, considerando ainda a divergência da jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais
acerca da matéria, o Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento sobre a necessidade
do prévio requerimento administrativo no julgamento do recurso extraordinário 631.240.
Em matéria previdenciária, os efeitos das decisões proferidas no processo
administrativo refletem diretamente no judiciário, para tanto, se faz necessário um estudo
acerca das condições da ação para a propositura de uma ação judicial contra o INSS. Assim,
o presente estudo, consiste numa análise das condições da ação segundo o Código de
Processo Civil vigente e os conceitos adotados pela doutrina e jurisprudência.
Conforme o posicionamento do STF, é possível identificar os fundamentos acerca da
constitucionalidade do prévio requerimento administrativo como condição da ação nas ações
previdenciárias, sendo que ao contrário, haveria carência de ação pela falta de interesse em
agir, uma vez que não demonstrada a pretensão resistida pelo INSS.
Exigir do segurado, o exaurimento do processo administrativo para buscar a tutela
jurisdicional do Estado, inviabilizaria o acesso à justiça, pela possibilidade de ficar anos sem
uma resposta definitiva do INSS, preso a um processo administrativo sem conclusão. Por
esse motivo o STF adotou regras acerca do esgotamento da via administrativa, definindo o
prazo para se obter uma resposta no processo administrativo, viabilizando a caracterização
do interesse em agir pela violação do referido prazo.
Pela análise jurisprudencial é possível identificar as diferenças entre o prévio
requerimento administrativo e o esgotamento da via administrativa, bem como a relação
desses entre o interesse em agir em matéria previdenciária.
Pelo presente estudo é possível identificar os benefícios decorrentes do esgotamento
da via administrativa, pela interposição de recursos, pois além da real possibilidade de
196

reformar a decisão de indeferimento proferida pelo INSS, favorecendo o segurado com o


reconhecimento do direito ao benefício, tal medida administrativa pode funcionar como
instrumento de resolução de conflitos extrajudiciais e redução de demandas judiciais contra
o INSS.

2 O CPC/2015 E AS CONDIÇÕES DA AÇÃO

O Novo Código de Processo Civil, com vigência em 2015, prevê em seu artigo 17,
as condições para a propositura de uma ação judicial, sendo as condições da ação o interesse
e a legitimidade, sem as quais, inviabiliza o prosseguimento do feito, acarretando na sua
extinção sem a resolução de mérito.
A condição da ação é uma criação da Teoria Geral do Processo, que busca a
identificação de uma espécie de questão submetida a apreciação do judiciário. Nesse sentido:
Uma condição da ação seria uma questão relacionada a um dos elementos da ação
(partes, pedido e causa de pedir), que estaria em uma zona intermediária entre as
questões de mérito e as questões de admissibilidade. As condições da ação não
seriam propriamente questões de mérito nem seriam propriamente questões
admissibilidade; seriam, simplesmente, questões relacionadas a ação. (DIDIER
JR, 2011).

Ainda de acordo com Didier Jr, (2011), “a condição da ação passa a constar da
exposição sistemática dos pressupostos processuais de validade, sendo o interesse, um
pressuposto de validade objetivo intrínseco, e a legitimidade como pressuposto de validade
subjetivo das partes”.
Há diferenças entre os pressupostos processuais e as condições da ação, conforme a
exposição abaixo.
Além disso, os pressupostos processuais não se confundem com as condições da
ação, pois “pode-se afirmar que os pressupostos processuais dizem respeito tão
somente com a relação processual, com o processo, prescindindo-se de qualquer
incursão no direito material” e para a análise das condições da ação, que agora são
duas, tem-se que tomar em consideração, ainda que superficialmente, a relação
material posta em juízo, do contrário não é possível saber se a parte tem interesse
de agir ou se é legítima para a causa, por isso não é correto o pensamento de Fredie
Didier, que entende que as condições da ação, no CPC atual, são pressupostos
processuais. (DALL ALBA, 2016, pág.133).

Havendo ausência das condições da ação, ou seja, inexistindo interesse em agir e


legitimidade da parte, não haverá exame de mérito, vez que em tal situação não há jurisdição,
porque jurisdição implica julgamento do mérito, assim, ação e jurisdição se exigem
mutuamente.
A ação é, pois, o direito subjetivo que consiste no poder de produzir evento a que
está condicionado o efetivo exercício da função jurisdicional: por efeito da
197

propositura da demanda, o órgão Judiciário se põe em movimento, em obediência


às regras internas que disciplinam a sua função. (COSTA, 2016, pág. 82).

Já diante da ausência de um pressuposto processual, não haverá o exame de mérito,


acarretando na extinção do processo, podendo se for o caso, a parte ajuizar nova demanda.
“Cumpre esclarecer, que a falta de um pressuposto processual, nem sempre levará à extinção
do processo, o que ocorre por exemplo com a competência, que terá como consequência,
não a extinção do processo, mas a remessa dos autos ao juízo competente”, conforme explica
Dall’ Alba. (2016, pág. 132).
De acordo com Kemmerich,(2012, pág. 38), “tanto o processo administrativo, quanto
o processo judicial são relativamente independentes, mas deve-se observar a existência de
mútua influência, como por exemplo as condições da ação”.
Assim, o interesse em agir caracteriza-se pela necessidade de provocar o judiciário
para alcançar o reconhecimento de um direito anteriormente violado, configurando a
existência de mutua influência sobre o processo administrativo e judicial.
A legitimidade como condição de ação, caracteriza-se pela autorização conferida
pelo direito de uma pessoa formular pedido perante a administração ou ao judiciário,
conforme nos ensina Clóvis Juarez Kemmerich.
A legitimidade refere-se à pessoa em nome de quem é feito o pedido, mesmo
quando essa pessoa é representada por um procurador ou representante legal. Um
menor absolutamente incapaz, por exemplo, pode ter legitimidade para fazer
determinado pedido à Administração, mas a sua vontade terá de ser manifestada
por meio de quem legalmente pode representá-lo. (KEMMERICH, 2012, pág. 26).

Ainda nesse sentido, inexistindo alguma condição especial conferida pela lei, se faz
necessário analisar se a pretensão requerida pertence à pessoa em nome de quem está sendo
pedido, conforme explica Bedaque (2006, pág. 282), “legitimidade de agir, em princípio,
somente possui quem se afirma titular de determinado direito e pretende vê-lo tutelado no
âmbito do processo”.
O conceito de parte é estritamente processual, sendo importante o direito material
para definir os contornos da legitimidade da parte, tendo em vista que ao juiz é possível
verificar a legitimidade da parte, prevista no artigo 17 do Código de Processo Civil, sem
deixar de notar sua condição de parte.
Nesse sentido.
Nesse quadro, parte, no processo, é quem pede e contra quem se pede tutela
jurisdicional. A parte autora é aquela que pede a tutela jurisdicional; a parte ré é
aquela contra quem é pedida a tutela jurisdicional.
198

A condição de parte pode ser adquirida pela propositura da ação, pela sucessão
processual e pela intervenção de terceiro em processo já pendente, exceção feita
ao assistente simples e ao amicus curiae, que permanecem na condição de terceiro
mesmo depois de ingressarem no processo. (CARPES et al, 2016, pág. 102)

A ausência de legitimidade equivale a falta de titularidade da pretensão posta em


juízo, o que acarretaria na improcedência do pedido. “Assim, a legitimidade consiste num
pressuposto para o acolhimento da pretensão, sendo uma questão de mérito e não uma
questão de admissibilidade”, conforme Didier Jr. (2011).
Definidos os conceitos das condições da ação, e sua previsão legal nos termos do
Novo Código de Processo Civil, passamos à análise de sua constitucionalidade em matéria
previdenciária frente ao direito fundamental de acesso à jurisdição, conforme o
entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do recurso
extraordinário 631.240.

2.1 O ACESSO À JUSTIÇA E A CONSTITUCIONALIDADE DAS CONDIÇÕES DA


AÇÃO EM MATÉRIA PREVIDENCIÁRIA

A base legal que assegura o direito fundamental à jurisdição, encontra-se disciplinada


na Constituição Federal, no seu artigo 5º XXXV, bem como no Novo Código de Processo
Civil, que dispõe acerca da busca da tutela jurisdicional do Estado, vez que ameaça ou lesão
a direito não serão excluídos da apreciação jurisdicional.
Para Didier Jr. (2012), “o direito de ação, como direito fundamental, é uma
composição de situações jurídicas que visa a garantia do acesso ao judiciário, exigindo deles
uma tutela jurisdicional adequada, tempestiva e efetiva. Assim, o direito de ação, é resultado
de diversas normas constitucionais, podendo citar o princípio da inafastabilidade da
jurisdição e do devido processo legal”.
O direito do acesso à justiça assegura a obtenção de uma tutela adequada, tempestiva
e efetiva, não se confundindo com o direito de se obter uma resposta do Estado.
Nesse sentido.
Sob essa nova ótica processual, a garantia do acesso à justiça passou a ser
compreendida como “direito de acesso à efetiva tutela jurisdicional, ou seja, direito
à obtenção de provimentos que sejam realmente capazes de promover, nos planos
jurídico e empírico, as alterações requeridas pelas partes e garantias pelo sistema,
(...). (TEIXEIRA, et al, 2016, pág. 187).

Ainda de acordo com Teixeira (2016, pág. 187), “o estímulo do Estado no sentido de
facilitar o acesso à justiça, acarretou no abarrotamento do judiciário, em virtude de estar
199

desacompanhada de uma gestão eficiente, causando prejuízos ao próprio acesso à


jurisdição”.
Em matéria previdenciária houve uma excessiva judicialização dos direitos dos
segurados do regime geral de previdência social, vez que o STJ, de acordo com o julgamento
do recurso especial 1302.307/TO, manteve o entendimento acerca da desnecessidade do
prévio requerimento administrativo junto ao INSS como requisito para a propositura de ação
judicial, pois pelo contrário haveria flagrante desrespeito ao direito constitucional do acesso
à justiça.
O entendimento do STJ acarretou em prejuízo para toda a sociedade, vez que o
Estado, ao assumir a função jurisdicional no momento em que é exercido o direito de ação,
dando início a formação de um processo que é desenvolvido por procedimentos provocados
pelas partes, intervindo na resolução dos conflitos e interesses da sociedade, atuando onde
não há controvérsia, acaba criando controvérsias na via judicial, que poderiam não existir na
via administrativa, caso houvesse o prévio requerimento administrativo.
Assim, as defesas do INSS, que são feitas pelas procuradorias federais, não contam
com a mesma estrutura que contam as agências da previdência social para a análise dos
requerimentos dos benefícios, sendo que em muitas vezes, contestam pedidos que poderiam
ser concedidos na via administrativa, caso fossem requeridos junto ao INSS, utilizando o
judiciário, de certa forma, como balcão de INSS.
Diante das divergências acerca da (des) necessidade do prévio requerimento
administrativo, o que gerou uma oscilação na jurisprudência dos Tribunais Regionais
Federais sobre a matéria, o Supremo Tribunal Federal, julgou em seção plenária na data de
27/08/2014, o Recurso Extraordinário nº 631.240, interposto pelo INSS, com repercussão
geral reconhecida, objetivando firmar o entendimento da necessidade do prévio
requerimento administrativo e interesse em agir, como condição para a propositura de ações
previdenciárias.
Acerca da constitucionalidade das condições da ação, vale citar o entendimento do
Senhor Ministro Barroso (2014), que se posiciona conforme a jurisprudência do STF,
afirmando que “decisões extintivas de processos por ausência de condições de ação não
violam a inafastabilidade da jurisdição”. Ainda nesse sentido, deve – se observar, que as
condições da ação não incidem sobre o direito de acessar o judiciário, mas sobre seu regular
exercício, o que é indispensável para a resolução de mérito da pretensão posta em juízo.
200

Nesse sentido, o alcance do direito de acesso à justiça, previsto no artigo 5º XXXV


da CF/88, não assegura o direito à decisão de mérito de quem provoca o judiciário com a
ausência dos pressupostos processuais e das condições da ação. Assim, de acordo com o
entendimento do Ministro Relator do recurso extraordinário 631.240, exigir o prévio
requerimento administrativo como condição para a propositura de ação judicial contra o
INSS não fere o princípio constitucional do livre acesso à jurisdição.

2.2 PRÉVIO REQUERIMENTO E INTERESSE EM AGIR NAS DEMANDAS


PREVIDENCIÁRIAS

O interesse em agir ou interesse processual, conforme disciplina o artigo 17 do Novo


Código de Processo Civil, é uma das condições da ação, que de acordo com o entendimento
do Ministro Relator do recurso extraordinário 631.240, possui três aspectos, sendo esses, a
utilidade, adequação e necessidade.

Vale citar o entendimento corrente sobre os aspectos do interesse em agir, adotado


pelo STF.

A utilidade significa que o processo deve trazer proveito para o autor, isto é, deve
representar um incremento em sua esfera jurídica. Assim, por exemplo, diz-se que
não tem interesse em recorrer a parte que obteve provimento totalmente favorável.
Em tal hipótese, eventual recurso não será conhecido, ou seja, não terá o mérito
apreciado.

A adequação, por sua vez, traduz a correspondência entre o meio processual


escolhido pelo demandante e a tutela jurisdicional pretendida. Caso não observada
a idoneidade do meio para atingir o fim, não pode haver pronunciamento judicial
de mérito, uma vez que o requerente carece de interesse na utilização daquela via
processual para os objetivos almejados. Por exemplo: caso o autor pretenda
demonstrar sua incapacidade para o trabalho por prova pericial, não poderá lançar
mão de mandado de segurança, ação que inadmite dilação probatória.

A necessidade, por fim, consiste na demonstração de que a atuação do Estado-


Juiz é imprescindível para a satisfação da pretensão do autor. Nessa linha, uma
pessoa que necessite de um medicamento não tem interesse em propor ação caso
ele seja distribuído gratuitamente. (BARROSO, 2014).

Essa sistematização do interesse em agir é adotado pelo Supremo Tribunal Federal,


na jurisprudência dessa Suprema Corte, sendo que, conforme se extrai do julgamento do
recurso extraordinário 631.240, é possível observar que o interesse em agir é uma das
condições da ação ligada aos princípios da economia processual e da eficiência, vez que
identificada a ausência de uma das condições da ação, não será permitido o prosseguimento
do feito com o julgamento de mérito, o que pelo contrário, poderia inviabilizar o
funcionamento do judiciário.
201

Assim, de acordo com a jurisprudência da Suprema Corte, a ligação entre o prévio


requerimento administrativo e o interesse em agir, encontra-se no aspecto da necessidade,
estando em conformidade com a previsão do artigo 5º, XXXV, da CF/88, segundo o qual “A
lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Diante do preceito constitucional, observa-se que para o acionamento da tutela
jurisdicional, não se exige a demonstração de uma prévia tentativa frustrada entre as partes,
podendo ser feito na forma de uma exposição de fatos que demonstrem a lesão de algum
direito ou que este esteja sob ameaça de ser violado.
Em matéria previdenciária, a aplicação da lógica do artigo 5º, XXXV da CF/88, deve
ser analisada segundo a dinâmica da relação entre segurado e INSS. Na pratica, a pretensão
de concessão de qualquer benefício previdenciário depende da vontade do segurado em obter
o benefício. Como a legislação previdenciária garante que a data do requerimento seja a
mesma data do início do benefício, o que garante os efeitos financeiros do benefício
imediatos em decorrência da concessão, não há de se falar em lesão ou ameaça dos direitos
dos segurados antes da formulação do pedido na via administrativa.
É nesse sentido o entendimento do julgado no Recurso Extraordinário 631.240,
conforme exposição a seguir.
Assim, se a concessão de um direito depende de requerimento, não se pode falar
em lesão ou ameaça a tal direito antes mesmo da formulação do pedido
administrativo. O prévio requerimento de concessão, assim, é pressuposto para
que se possa acionar legitimamente o Poder Judiciário. Eventual lesão a direito
decorrerá, por exemplo, da efetiva análise e indeferimento total ou parcial do
pedido, ou, ainda, da excessiva demora em sua apreciação (isto é, quando excedido
o prazo de 45 dias previsto no art. 41-A, § 5º, da Lei nº 8.213/1991). Esta, aliás, é
a regra geral prevista no Enunciado 77 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais
Federais – FONAJEF (“O ajuizamento da ação de concessão de benefício da
seguridade social reclama prévio requerimento administrativo”). (BARROSO,
2014).

Tal interpretação, se mostra a mais adequada ao princípio da separação de poderes,


segundo o voto do Senhor Ministro Luís Roberto Barroso, que entende que permitir o
conhecimento de pedidos pelo judiciário que dependam de prévio requerimento
administrativo, seria o mesmo que transformar o judiciário em balcão do INSS, considerando
ainda, que o poder judiciário não tem a mesma estrutura que a Autarquia Federal para realizar
a análise dos pedidos propostos pelos segurados.
202

Dessa forma, não há a necessidade de provocar o judiciário antes do prévio


requerimento administrativo, sem o qual não haverá lesão ou ameaça a direito que justifique
a judicialização da pretensão não levada ao conhecimento do INSS na via administrativa.

3 PRÉVIO REQUERIMENTO E ESGOTAMENTO ADMINISTRATIVO EM


MATÉRIA PREVIDENCIÁRIA
Embora haja a necessidade do prévio requerimento administrativo para a
caracterização do interesse em agir na matéria previdenciária, esta não se confunde com o
esgotamento da via administrativa como requisito para a propositura de ação judicial contra
o INSS.

É nesse sentido o entendimento do julgado norecurso extraordinário 631.240.

É muito importante não confundir – como às vezes faz a jurisprudência – a


exigência de prévio requerimento com o exaurimento das vias administrativas. A
regra do art. 153, § 4º, da Constituição anterior (na redação dada pela EC nº
7/1977), que autorizava a lei a exigir o exaurimento das vias administrativas como
condição para ingresso em juízo, não foi reproduzida pela Constituição de 1988.
Esta a razão pela qual foram editadas a Súmula 213/TFR (“O exaurimento da via
administrativa não é condição para a propositura de ação de natureza
previdenciária”), a Súmula 89/STJ (“A ação acidentária prescinde do exaurimento
da via administrativa”) e a Súmula 9/TRF3 (“Em matéria previdenciária, torna-se
desnecessário o prévio exaurimento da via administrativa, como condição de
ajuizamento da ação”). Esclareça-se, porém, que o requisito do prévio
requerimento se satisfaz com a mera postulação administrativa do benefício,
perante a primeira instância com atribuição para conhecê-lo, enquanto o
exaurimento significa a efetiva utiliza ção de todos os recursos administrativos
cabíveis. (BARROSO, 2014).

Dessa forma, não há necessidade de esgotamento da via administrativa perante o


INSS com a interposição dos recursos previstos pela atual Instrução Normativa Nº 77/2015,
para a configuração do interesse em agir, bastando que haja pelo menos o protocolo do
pedido perante a Autarquia previdenciária para postular em juízo.
Acerca da desnecessidade de esgotamento da via administrativa em matéria
previdenciária, vale citar.
“Nas ações de concessão de uma prestação previdenciária, a lesão ou ameaça de
lesão a direito se verifica, via de regra, com o indeferimento administrativo, o que
não se confunde evidentemente com exaurimento da via administrativa
(esgotamento dos recursos administrativos previstos na legislação)”. (...).
(SAVARIS, 2012, pág. 69).

Nesse mesmo sentido é o entendimento pessoal Kemmerich (2012, pág. 39), “que
são indispensáveis para a configuração do interesse de agir, o prévio requerimento
administrativo e o indeferimento do INSS ou descumprimento do prazo de 30 dias previsto
203

no art.49 da Lei 9.784/99, para a decisão da pretensão requerida”. Assim, não significa que
devem ser esgotadas todas as possibilidades na via administrativa.
Sobre o prazo citado por Kemmerich (2012, pág. 39), cumpre registrar que o processo
administrativo é regido pelo dispositivo da Lei 9.784/99, que regula o processo
administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, que dispõe sobre a regra geral,
visando à proteção dos administrados e o melhor cumprimento dos fins da administração,
nos termos do art. 1º, caput. Mesmo com a previsão de Lei Federal para regulamentação do
processo administrativo Federal, os processos específicos continuarão a reger-se por
legislação própria, aplicando subsidiariamente os preceitos da Lei Federal, nos termos do
art. 69, nesse caso deve ser observado o prazo previsto na Instrução Normativa Nº 77/2015,
do INSS.
A Instrução Normativa Nº 77/2015, do INSS, se refere ao duplo grau de jurisdição
na via administrativa, em seu art. 537, que dispõe sobre a interposição do recurso ordinário
às Juntas de recursos do Conselho de Recursos da Previdência Social – CRPS, das decisões
proferidas pelo INSS. O mesmo dispositivo legal também prevê a faculdade dos
interessados, quando inconformados com a decisão do INSS, ou seja, o interessado
querendo, poderá interpor recurso contra a decisão que lhe foi desfavorável, ou seja, não há
previsão de obrigatoriedade de esgotamento da via administrativa para se buscar a prestação
da tutela jurisdicional do Estado.

3.1 aspectos positivos do esgotamento da via administrativa

De acordo com a legislação administrativa do INSS, o processo administrativo


previdenciário compõe-se pela fase de instauração ou inicial, que ocorrerá com o
requerimento do segurado objetivando uma pretensão; a fase de instrução, que se caracteriza
pela apreciação e análise das provas inseridas no processo administrativo; a fase decisória,
que será configurada pelo comunicado de decisão de concessão ou indeferimento do pedido
do segurado; e fase recursal, que será facultada ao segurado que estiver inconformado com
a decisão de indeferimento do seu pedido.
Pode-se dizer que o processo administrativo, além de proporcionar um custo
benefício ao segurado, pela gratuidade na tramitação do processo junto ao INSS em todas as
instâncias, acaba por ser mais célere em relação ao processo judicial, por permitir a juntada
de novos documentos em qualquer momento, desde que antes do julgamento de mérito, bem
204

como pela unificação dos prazos, não havendo previsão que atribua ao INSS o benefício do
prazo em dobro, como ocorre no processo judicial.
Destaca-se que o número de recursos administrativos interpostos contra as decisões
do INSS vem apresentando uma crescente considerável, conforme publicação do Ministério
da Previdência Social em 05/06/2013, em seu site oficial, de acordo com os dados do
Conselho de Recursos da Previdência Social, que divulgou a marca de 100 mil processos em
maio do mesmo ano, pelo sistema de recursos eletrônicos (e-Recursos), sendo que destes, 54
mil processos administrativos foram reanalisados e julgados, e em 20% dos casos foi
reconhecido o direito dos segurados, reformando a decisão de indeferimento do INSS.
Atualmente o Conselho de Recurso da Previdência Social – CRPS, conta com uma
ferramenta que viabiliza agilidade na tramitação do processo administrativo na fase recursal,
o sistema de processo eletrônico e-Recurso, permitindo também, que os segurados
promovam suas defesas por meio de videoconferência, não necessitando mais o
deslocamento do segurado até a Agência da Previdência Social.
Com a utilização do e-Recurso, tanto o processo administrativo iniciado no INSS,
quanto às razões do recurso, com eventuais documentos que o instrui, serão digitalizados e
encaminhados à instância superior para reexame da matéria, contribuindo com a celeridade
no julgamento dos processos na via administrativa.
Em relação às Câmaras de Julgamentos do CRPS, vale citar.

O CRPS é formado por 4 (quatro) Câmaras de Julgamentos,situadas em Brasília e


com competência para julgar em segunda e última instância os recursos interpostos
contra as decisões proferidas pelas Juntas de Recursos que infringirem a lei,
regulamento, enunciado, ou ato normativo ministerial”.
“Os recursos interpostos contra as decisões das Juntas de Recursos são
denominados de recursos especiais e devem ser interpostos em 30 dias a partir da
intimação do segurado ou de seu representante legal”.
“A interposição tempestiva do recurso especial suspende os efeitos da decisão de
primeira instância e devolve à instância superior o conhecimento integral da causa,
conforme dispõe o parágrafo único do art. 30 do Regimento Interno do CRPS.
(LAZZARI, et al, 2012, pág. 224).

O Conselho de Recursos da Previdência Social – CRPS, com sede em Brasília e


jurisdição em todo o Brasil, é um órgão colegiado do Ministério da Previdência Social de
controle jurisdicional das decisões do INSS, que envolve os beneficiários e as empresas,
conforme previsão legal, nos termos do art. 1º, § único, da Portaria 548/2011, que aprova o
regimento interno do Conselho de Recursos da Previdência Social.
205

O Conselho de Recursos da Previdência Social é competente para decidir acerca da


legalidade dos atos administrativos do INSS, quando provocado. “É um órgão do Ministério
da Previdência, sendo subordinado ao Ministro de Estado da Previdência Social, de forma
que o propósito de se atribuir a revisão dos atos administrativos do INSS a um órgão externo
à Autarquia, é uma forma de buscar a imparcialidade nas decisões”. (KEMMERICH, 2012,
pág. 21)
Assim, é possível identificar as vantagens de esgotar a via administrativa, vez que o
Conselho de Recursos da Previdência Social é um órgão com autonomia e imparcialidade
para julgar e reformar as decisões dos processos administrativos.

3.2 o alcance da tese adotada pelo SFT

Tendo em vista que o julgamento do recurso extraordinário trata - se de uma decisão


em sede de repercussão geral, que deverá ser seguida por todos os tribunais, cumpre destacar
o alcance da tese firmada, até mesmo para saber em quais situações não se aplicam.
No recurso extraordinário 631.240, estabeleceu dois grupos de ações previdenciárias,
com o intuito de analisar a imprescindibilidade do prévio requerimento administrativo, a
seguir expostas:
(i) demandas que pretendem obter uma prestação ou vantagem inteiramente nova
ao patrimônio jurídico do autor (concessão de benefício, averbação de tempo de
serviço e respectiva certidão etc.); e

(ii) ações que visam ao melhoramento ou à proteção de vantagem já concedida ao


demandante (pedidos de revisão, conversão de benefício em modalidade mais
vantajosa, restabelecimento, manutenção, etc.). (BARROSO, 2014).

De acordo com a sistemática adotada pelo já citado Ministro, entende-se que as


demandas, cuja pretensão versa sobre uma prestação nova ao patrimônio jurídico do
segurado, deverá o mesmo levar ao conhecimento e apreciação do INSS, para após ter uma
pretensão resistida, utilizar-se da função jurisdicional do Estado, ou seja, a falta de prévio
requerimento administrativo de concessão de benefício acarretará na extinção do processo
sem resolução de mérito, por ausência de interesse de agir.
Já as ações que objetivam a prestação de vantagem ou melhoramento do benefício,
que já foi levado ao conhecimento e apreciação do INSS, ou seja, já houve a inauguração da
relação entre segurado e o INSS, é dispensável que haja nova provocação por parte do
segurado para ingressar em juízo, pois é obrigação do servidor do INSS orientar o segurado
quanto à concessão do benefício mais vantajoso, dando – lhe o direito de opção.
206

Ainda com relação ao julgamento do STF, ficou registrado também, que nas ações
em que o entendimento do INSS for reconhecidamente contrário à pretensão do segurado,
torna-se inexigível o prévio requerimento administrativo, porém será incabível em ações que
figurem como polo ativo os trabalhadores informais.
Considerando que o INSS é parte em inúmeros processos judiciais, o STF determinou
a forma de transição para as ações ajuizadas antes do julgamento do Recurso Extraordinário
631.240 de 27/08/2014.
a) juízo Itinerante: Nas ações ajuizadas no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência
de anterior requerimento administrativo não será indicativa da extinção do feito
sem apreciação de mérito;
b) com contestação de mérito: Nas ações em que o INSS houver apresentado
contestação abordando o mérito da causa, configura-se a resistência da autarquia
à pretensão, caracterizando o interesse de agir;
c) ações não precedidas de requerimento administrativo: As ações em que não
houve prévio requerimento administrativo, nem contestação do mérito do pedido,
deverão retornar à origem, baixando em diligência para que o Autor seja intimado
a promover o requerimento administrativo, no prazo de trinta (30) dias, sob pena
de extinção. Comprovada a postulação administrativa, deverá o Juízo a
quo intimar a autarquia para que, em noventa (90) dias, manifeste-se acerca do
pedido. Se o requerimento for acolhido administrativamente, ou, se devido a
razões imputáveis ao próprio requerente, não houver possibilidade de analisar o
mérito, a ação será extinta. (BARROSO, 2014).

Dessa forma, observa-se que tanto a análise administrativa quanto a análise judicial,
terão por base para o início da ação, o início da data de entrada do requerimento, evitando
que o beneficiário tenha sua pretensão negada pela eventual perda da qualidade de segurado
após o ajuizamento da ação. Outro ponto a observar, é em relação ao juízo de origem, que
deverá, após o retorno dos autos judiciais com a análise administrativa, julgar a subsistência
ou não, do interesse de agir, devolvendo os autos ao juízo ad quem, para a análise dos
pedidos.

4 CONCLUSÃO
Considerando que é facultado ao segurado recorrer administrativamente das decisões
de indeferimento proferidas pelo INSS, podendo este ingressar judicialmente contra o INSS
imediatamente após o indeferimento administrativo, vez que está pacificada a exigência que
haja pelo menos o requerimento administrativo para caracterização do interesse de agir na
propositura da ação judicial, ou seja, não é necessário o esgotamento da via administrativa
para que o segurado busque a tutela jurisdicional do Estado, o que acarreta no grande número
de ações judiciais contra o INSS, na busca do reconhecimento dos direitos dos segurados.
207

É possível visualizar os benefícios decorrentes das interposições de recursos


administrativos em matéria previdenciária, pois as decisões reformadas pelo Conselho de
Recursos da Previdência Social, além de favorecer os segurados no reconhecimento de seus
direitos, evitam prováveis demandas judiciais contra o INSS. A vantagem em esgotar todos
os recursos administrativos para a concessão de benefício previdenciário, é que existe uma
real possibilidade de reverter a decisão de indeferimento por meio da reanálise do Conselho
de Recursos da Previdência Social, que mesmo sendo um órgão integrado ao Ministério da
Previdência, é ao mesmo tempo um órgão estranho ao INSS, com autonomia de modificar
as decisões das Agências da Previdência Social, determinar diligências nos processos,
resolvendo a controvérsia ainda na esfera administrativa, conforme demonstram os dados
oficiais já citados.
Não havendo a reforma da decisão na esfera administrativa, mesmo esgotando os
recursos disponíveis, teremos ao menos, um processo administrativo bem instruído com a
produção de provas necessárias para a discussão do mérito da matéria a ser alegada na esfera
judicial, contribuindo com a celeridade processual, pois as diligências realizadas no processo
administrativo não precisarão ser repetidas na instrução do processo judicial, evitando que o
juízo baixe o processo em diligência para o INSS para a resolução de questões não apuradas
administrativamente e que poderiam não ser objeto de controvérsia e discussão na esfera
judicial se fossem resolvidas no processo administrativo, acarretando na demora da fase de
instrução e julgamento do processo judicial.
A demora no processo judicial ocorre por que o judiciário não dispõe da mesma
estrutura que dispõem as agências da previdência social para análise e apreciação da matéria
objeto da pretensão do segurado, ou seja, com a utilização do recurso administrativo para
buscar o reconhecimento dos direitos previdenciários se resolvem questões na via
administrativa, não levando toda a matéria ao conhecimento da justiça, deixando para o
judiciário apenas as matérias aonde existirem controvérsias, facilitando a análise e
julgamento do processo judicial.
Por fim, cumpre destacar que o esgotamento da via administrativa, além de
proporcionar maior agilidade, também gera um custo menor, tornando-se mais barato ao
segurado e para a Previdência Social, tendo em vista que grande parte da estrutura da Justiça
Federal está voltada para atender as demandas judiciais em matéria previdenciária, no
momento em que se consegue trazer essas demandas para a resolução na via administrativa,
208

dentro da estrutura da Previdência Social, submetendo o processo administrativo ao duplo


grau de jurisdição, haverá redução de um processo caro, que é o processo judicial.

REFERÊNCIAS

ALBERTO REICHELT, Luis e CAMILO DALL’ ALBA , Felipe. Primeiras Linhas de


Direito Processual Civil. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2016.

ANTONIO SAVARIS, Jose. Direito Processual Previdenciário. Curitiba: Juruá, 2012.

BRASIL. Constituição Federal/1988. Vade Mecum. 9ª Edição. Porto Alegre: Verbo


Jurídico, 2013.

BRASIL. Instrução Normativa Nº 77/2015. Disponível em WWW.mpas.gov.br, Acesso em


10 de junho de 2021.

BRASIL. Portaria Nº 548/2011. Disponível em WWW.mpas.gov.br, Acesso em 11 de junho


de 2021.

BRASIL. Lei Nº 9784/99. Vade Mecum. 9ª Edição. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013.

BRASIL. Lei Nº 13.105/2015. O Novo CPC As Conquistas da Advocacia. Brasília: OAB


Editora, 2015.

DIDIER JR, Fredie. Será o fim da categoria “condição da ação”? Um elogio ao projeto do
novo CPC. Disponível em WWW.frediedidier.com.br/artigos/condicoes-da-acao-e-o-
projeto-de-novo-cpc/, Acesso em 13 de junho de 2021.

DIDIER JR, Fredie. O direito de ação como complexo de situações jurídicas.


WWW.frediedidier.com.br/artigos/condicoes-da-acao-e-o-projeto-de-novo-cpc/, Acesso
em 15 de junho de 2021.

JUAREZ KEMMERICH, Clóvis. O processo administrativo na previdência social. São


Paulo: Atlas, 2012.

LUIS KRAVCHYCHYN, Jefferson. LEMOS KRAVCHYCHYN, Gisele. ALBERTO


PEREIRA DE CASTRO, Carlos. BATISTA LAZZARI, João. Prática Processual
Previdenciária Administrativa e Judicial. Florianópolis: Conceito. 2012.

Recurso Extraordinário Nº 631.240: Disponível em WWW.stf.gov.br, Acesso em 20 de


junho de 2021.
209

REFORMA DO DIREITO PREVIDENCIÁRIO E SEUS IMPACTOS


SOCIOECONÔMICOS NO PÓS PANDEMIA

Pedro José de Sousa Santos2

Resumo: Diante da Reforma da Previdência ocasionada pela Emenda Constitucional


n°103/2019, a população brasileira se viu diante de novas regras para a conceção de
benefícios. Sendo que tais regras muitas vezes não se pautaram em direitos sociais, mas sim
em critérios econômicos. Além de tais dificuldades, logo após a Reforma da Previdência
iniciou-se a pandemia da COVID-19 na qual gerou milhões de pessoas desempregadas, que
aliadas à reforma gerou uma dificuldade na concessão de determinados benefícios, visto o
aumento das contribuições e a não contribuição pela dificuldade financeira. Desta forma, o
presente estudo busca entender quais as vantagens e desvantagens com a Reforma da
Previdência no ordenamento jurídico, além de poder verificar quais serão os seus impactos.
Partindo de tais considerações, a pesquisa pode ser entendida como qualitativa, por ter
levantamentos bibliográficos e documentais, sendo também exploratória e descritiva a partir
do momento que a mesma partiu de leituras bibliográficas para se chegar a um determinado
resultado (GIL, 2002). Constatou-se então, que a Reforma da Previdência tem normas duras
que dificultam a aposentadoria e aliada ao desemprego tornam um sonho distante, e que a
mesma se baseou apenas em critérios econômicos, esquecendo o social.

Palavras-chave: Reforma da Previdência. Desemprego. COVID-19.

1 INTRODUÇÃO

A Reforma da Previdência se tornou um tema altamente debatido por juristas como


Lazzari (2020) e Martins (2020), bem como estudiosos como Martinez (2019) e Barbosa
(2019), a partir da promulgação da Emenda Constitucional 103/2019, além de outras versões
de projetos de reforma. Nesse sentido, a presente pesquisa busca entender a sua
aplicabilidade e impactos.
Neste contexto se faz necessário entender os porquês da reforma, sendo que, segundo
Lazzari (2020), a principal justificativa da reforma se dá por a previdência estar em “crise”
e não ter recursos suficientes para custear despesas futuras. Segundo Martinez (2019),
quando se fala em Reforma da Previdência acaba por tratar de um dos assuntos jurídicos
mais polêmicos e complexos, visto que reformas assim acabam por atingir um dos pontos
mais sensíveis de sustentação dos direitos sociais.

2
Pós-graduando em Direitos Humanos e Movimentos Sociais pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI),
pós-graduado em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Escola do Legislativo (ALEPI) e Bacharel em
Direito pelo Centro Universitário Uninovafapi. E-mail: pjdss858@gmail.com.
210

Fica a dúvida se o endurecimento das regras e a redução de valores serão condizentes


com as necessidades da sociedade brasileira, já que todas as análises que fundamentaram a
reforma foram econômicas, e não sociais (LAZZARI et al., 2020). Diante disso, criasse um
questionamento se a Reforma da Previdência tem o cunho meramente econômico, ou se
ateve a realidade do povo brasileiro, no sentido de ter uma preocupação com o social e não
apenas o econômico.
Faz-se necessário também se ater a pós pandemia e seus impactos, sendo que diante
da atual pandemia da COVID-19, de acordo com dados publicados em 14 de agosto de 2020
pela Agência Brasil, no período de maio a agosto, cerca de 3 milhões de pessoas ficaram
sem o seu trabalho (NITAHARA, 2020). Podendo assim entender, que a quantidade de
pessoas que ficaram desempregadas no período de maio a agosto do ano de 2020,
corresponde a aproximadamente o país do Uruguai, que tem cerca de 3 milhões e 400 mil
habitantes (PYRAMID, 2019).
Contudo, no atual período pandêmico, a estimativa é que 14,4 milhões de pessoas
ficaram desempregadas no Brasil, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(Pnad, 2021), podendo assim afirmar que se tem uma São Paulo inteira desempregada. São
Paulo é a cidade mais populosa do Hemisfério Sul, sendo que a mesma tem cerca de 12,3
milhões de habitantes (IBGE, 2020). Sendo ainda necessário deixar expresso que o Brasil
fechou 897 mil vagas de emprego (AMOROSO; BOUNO; MAZZA, 2020).
Assim, segundo Lazzari et al. (2020), um aspecto fundamental no debate das
reformas do sistema de seguridade social é que não pode ser pautado em um critério
econômico, pois a rede de segurança social deve existir para garantir a existência digna a
todo indivíduo.
Nesse sentido, é possível sentir que a reforma pode ser sim algo muito necessário
diante das alterações que a sociedade vem vivendo, e que assim se deve ater também às
dificuldades vividas em momentos que não são tão esperados como a pandemia da COVID-
19, fazendo com que o Direito Previdenciário seja analisado no seu todo e não em parte.
Com a Reforma da Previdência, surgiu uma série de mudanças que provocam a
dúvida se tal reforma foi benéfica ou maléfica ao contribuinte? E assim, diante de tal
questionamento surgiram diversos outros, como tocante a preocupação com a sociedade,
bem como com a administração dos recursos proveniente das contribuições. Sendo que
assim, pergunta-se se tal reforma se pautou apenas em critérios econômicos? Mas diante
disso, houve uma preocupação com a sociedade a ponto da mesma se sentir representada? E
211

nos critérios de criação da reforma, houve uma preocupação social? Mediante isso,
apresenta-se como problema de pesquisa: Quais impactos socioeconômicos da reforma da
Previdência do período de 2019 a 2021?
Deste modo, faz-se necessário entender quais as vantagens e desvantagens com a
Reforma da Previdência no ordenamento jurídico, além disso poderá verificar-se quais serão
os impactos diante das dificuldades impostas por ela diante do contexto de pandemia da
COVID-19, que trouxe a impossibilidade de contribuição para autônomos e informais, bem
como com a promulgação da Lei n°14.020 de 6 de julho de 2020.
Assim sendo, a pesquisa pode ser considerada exploratória e descritiva, sendo
exploratória a partir do momento que a mesma parte leituras bibliográficas, a fim de se
chegar a um determinado resultado, e descritiva por fazer uma análise minuciosa em relação
a situação-problema ainda não conhecida (GIL, 2002). Além disso, a pesquisa pode ser
entendida como qualitativa, que tem como como fator principal buscar entender os
fenômenos através de coleta de dados e informações apontados em diversas condutas de um
grupo ou sociedade.

2 REFORMA DA PREVIDÊNCIA

A grande maioria dos animais existentes no planeta terra, sempre tiveram consigo o
sentimento de cuidado com os seus descendentes, e com o ser humano não é diferente. Nesse
contexto, esse sentimento de cuidado, proteção e pensamento bom para o futuro, fez com
que surgisse o termo Previdência.
Na acepção da palavra Previdência é possível perceber esse cuidado das pessoas, a
partir do momento que a palavra Previdência, segundo o dicionário, tem significado de
prever ou buscar evitar previamente transtornos, mostrando-se assim prudente, sensato.
Desta forma, o sentimento de cuidado, projeção para o futuro, de cuidado com o próximo,
fez com que em 1601 fosse criada a lei que é considerada a primeira Lei da Assistência
Social, que seria a conhecida Lei dos Pobres “OLD POOR LAW”, lei está editada pela
Rainha Isabel na qual visava amparar os indigentes que englobaria os validos, inválidos e
crianças, sendo que os inválidos e as crianças recebiam um benefício assistencial, enquanto
os validos iam para um banco de empregos a fim que conseguissem um emprego
(HORVATH JÚNIOR, 2008).
Já o termo Previdência além do entendimento já expresso acima, foi positivada mais
tarde, quando em 1884, na Alemanha, Otto Von Bismarck editou o primeiro ordenamento
212

legal, que instituía o seguro-doença, sendo obrigatório aos trabalhadores das indústrias uma
tríplice contribuição, na qual o Estado, trabalhador e a empresa contribuíam (CASTRO;
LAZZARI, 2014).
Nesse sentido, ainda pode ser expresso muitas transformações que ocorreram pelo
mundo a fora. Além disso, o mundo mesmo diante das dificuldades enfrentadas, só abriu os
olhos para a necessidade da Previdência Social a partir da Revolução Industrial, que foi
quando ocorria muitos acidentes de trabalho e isso impôs um medo na população.
No Brasil, a primeira preocupação com a Previdência Social pode ser observada
apenas na Constituição de 1824, que no seu Artigo 179, XXXI, garantiu os socorros públicos
que tratava de garantias aos cidadãos, consideradas embriões das Santas Casas de
Misericórdia (BRASIL, 1824).
A Previdência Social, assim como determinados institutos e legislações, sempre estão
em mudanças, reformas, afim é claro de seguir a evolução humana. E essas reformas na
Previdência Social em parte se deu para que pudesse manter e oferecer o seu melhor ao
público, em parte deu-se para uma reestruturação econômica, para que da mesma forma
pudesse garantir uma cobertura.
Nesse sentido de transformações, uma das principais mudanças na Previdência
ocorreu com a Emenda Constitucional de n° 20, de 1998, que trazia como mudança a
normatização das regras dos servidores público, extinção da aposentadoria por tempo de
serviço, criando a aposentadoria por tempo de contribuição (BRASIL, 1998).
As reformas nunca pararam e em 2003 houve a Emenda Constitucional de n° 41, que
trouxe mudanças no regime dos servidores públicos que reduzia a proteção previdenciária
dos agentes públicos ocupantes de cargos efetivos e vitalícios, fazendo com que os servidores
passassem a ter uma Previdência Social, mas parecida com o modelo utilizado pelos
trabalhadores em geral (BRASIL, 2003). A exemplo do artigo a seguir:

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é
assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante
contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos
pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial
e o disposto neste artigo (BRASIL, 2003).

Mas não parava por aí, pois logo depois viria a Emenda constitucional de n° 47 de
2005, que trazia como uma das principais mudanças o abono de permanência, em que o
abono de permanência seria uma parcela remuneratória paga ao servidor público ativo em
213

cargo efetivo que tendo implementado os requisitos previstos para a sua aposentadoria,
optava por permanecer em atividade trabalhando (BRASIL, 2005).
Passado certo tempo, houve mais uma vez entre tantas outras a necessidade de haver
uma reforma na previdência, e assim, a partir de 2016, constantemente passou-se a ouvir,
assistir em jornais e ler sobre a Reforma da Previdência, sendo que a mesma tem sempre
como alvo reduzir o rombo nas contas da Previdência, ficando sempre em evidencia uma
possível crise na Previdência Social. Contudo, é necessário enfatizar que essa crise não é de
tempos atuais, como se observa:

A previdência social amarga uma crise que já dura cinco décadas e além das
dificuldades de funcionamento da Previdência Social, outras, mais comuns, são
apresentadas: aposentados enfrentam enormes filas no INNS e nem sempre
conseguem receber seu benefício; os serviços são bastante precários, faltam
remédios, os hospitais e asilos de idosos estão em condição de miséria. O capital
é mal-empregado pelo governo (NETO, 2010, p.7).

Deste modo, a fim de sanar essa crise, surgiu a Reforma da Previdência tendo como
principal medida a fixação de uma nova idade mínima para a aposentadoria, extinguindo a
aposentadoria por tempo de contribuição, sendo que o texto também estabelece o valor da
aposentadoria a partir da média de todos os salários e eleva alíquota de contribuição para
quem ganha acima do teto do INSS, estabelecendo ainda regras de transição para os
trabalhadores em atividade (COMISSÃO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO OAB-MG,
2020).
A idade para os homens continuou a mesma de 65 anos, já para as mulheres houve
alteração, sendo que antes da reforma era de 60 anos e passou a ser de 62 anos, sendo exigido
para ambos a contribuição mínima de 15 anos. Sendo que além disso o valor do benefício
seguirá uma regra geral de cálculo (BRASIL, 2019).
Nesse contexto, começa a inquietude sobre se teria um limite para a Reforma da
Previdência, sendo que Constituição Federal de 1988 não veda a reforma que busque o
melhoramento, mas sim, as propostas que busquem abolir a essência de direitos básicos já
garantidos, conforme o Art.60, §4° da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988).
Como dito anteriormente, a Reforma da Previdência dentre diversos porquês de
acontecer, teve como “principal” a manutenção da previdência, sendo que foi muito alegado
que o percentual de contribuintes não seria mais capaz de custear as despesas futuras da
Previdência Social, além do que o Brasil estava se tornando um país onde as pessoas morrem
mais tarde, fazendo com que o total de receitas e despesas não batessem (SILVA, 2004).
214

Assim, é necessário entender a palavra socioeconômicos de uma forma mais


profunda, sendo a mesma um adjetivo atribuído a toda prática que relaciona situações,
circunstâncias e aspectos que afetem tanto a ordem social quanto econômica de uma
determinada região. Tanto o percentual já exposto acima, bem como critérios
socioeconômicos, são ambos alvos de estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatísticas (IBGE), sendo possível a partir desse estudo analisar os impactos gerados ou não
com a Reforma da Previdência (SOCIOECONÔMICO, 2021).
E além desses indicadores, também será possível estar analisando a qualidade de vida
e os níveis de bem-estar das pessoas, sendo que a partir de 1998 se tem a Síntese de
Indicadores Sociais (SIS), sendo que desde o início, o estudo busca-se uma série de
informações acerca das desigualdades, bem como uma realidade enfrentada pelos Brasileiro,
incorporando assim assuntos de ordem pública, de acordo com o IBGE (2018).
Segundo a economista Vilma Pinto (2019), existe alguns pontos da reforma que
melhoram a desigualdade, outros que são controversos e outros que de forma nítida é
possível observar que aumentam a desigualdade. O assunto da reforma se torna tão
complexo, que Schreiber (2019, p.1) afirma que:

Obter o “tira-teima” do impacto da reforma não é simples. A reforma que acaba


de ser apresentada mexe em muitas regras, por isso, medir seu efeito global sobre
a distribuição de renda exige amplo estudo ainda não realizado por economistas.

Diante de todas as mudanças e impactos gerados na sociedade brasileira, o que não


se esperava nem no Brasil e no Mundo era a Pandemia da COVID-19, que veio a afetar o
mundo de uma forma drástica. De acordo com alguns estudos realizados, chegou-se à
estimativa que o primeiro caso da COVID-19 tenha surgido em Wuhan, na China, tendo
como confirmado o primeiro caso em um paciente hospitalizado no dia 12 de dezembro de
2019 (CNN, 2021).
Entre estudiosos, laboratórios, ainda se discuti muito sobre onde o vírus tenha
nascido e se desenvolvido, contudo, o importante é saber que tal vírus embora tenha nascido
na China e que acabou por se tornar uma pandemia, que, segundo a Organização Mundial
da Saúde, é a disseminação mundial de uma nova doença (WOLF, 2021).
Assim, o vírus veio a chegar em território brasileiro, e segundo o que os especialistas
ouvidos pelo jornal BBC News Brasil afirmam, talvez nunca seja descoberto o primeiro caso
do novo coronavírus no Brasil, mas se tem um caso considerado o primeiro caso, sendo
diagnosticado no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo (LEMOS, 2020).
215

Dessa maneira desde fevereiro, o vírus veio a se espalhar em todo o território


nacional, fazendo com que até a data de 01 de julho de 2021, tivesse feito 18.557.141 de
casos confirmados, tendo como 16.858.632 casos recuperados e 518.066 óbitos confirmados,
segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2021). Diante da agressividade do novo Corona
vírus, iniciou-se um chamado isolamento social que seria o ato voluntario ou involuntário de
manter uma pessoa isolada do convívio com outros indivíduos em sociedade, para desta
forma tentar combater o alastramento do vírus (PORFÍRIO, 2020).
É um caso de segurança a vida, uma forma de o governo estabilizar o nível de
contágio e tentar combater a doença, porém isso fez com que diversos brasileiros perdessem
o emprego, tivessem suspensos os contratos de trabalho além disso os autônomos parassem
de contribuir com a Previdência Social, fazendo com que isso acarrete dificuldades na hora
de aposentar, sendo que essa não contribuição, tardia mais ainda uma possível aposentadoria.
Diante disso, consoante Quinelato (2021, p.1):

Diante desse contexto, viu-se o número de desempregados das um salto no Brasil,


batendo recorde em relação aos anos pretéritos, bem como inúmeros indivíduos
retornando à linha de extrema pobreza. Um novo problema é que, agora essa
situação começa a afetar os cofres do Instituto Nacional do Seguro Social- INSS.
A autarquia previdenciária observa com preocupação o atual cenário brasileiro,
tendo em vista que a queda no número de empregos no país está refletindo
diretamente na queda de arrecadação de contribuições previdenciárias.

Em meio a pandemia foi criada a Lei 14.020 de 06 de julho de 2020, que institui o
Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, dispondo de medidas de
enfrentamento do estado de calamidade pública, tentando assim garantir a continuidade das
atividades laborais e empresariais, bem como preservar o emprego e renda como já dito, e
reduzir o impacto social diante da pandemia, contudo não se conseguiu evitar os níveis
alarmantes de desemprego (BRASIL, 2020).
Com a pandemia, os níveis de desemprego elevaram consideravelmente, chegando à
marca de vinte estados com taxas recordes de desemprego em 2020. Sendo que segundo a
Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios Continua (PNAD) divulgada pelo IBGE,
o nível de desemprego subiu de 11,9% em 2019, para 13,5% no ano de 2020, resultados
decorrentes dos efeitos da pandemia da COVID-19. Infelizmente os recordes de
desempregos não param no ano de 2020, já que, segundo a agência de notícias do IBGE
anunciou em 30/06/2021, o nível de desemprego manteve se em recorde batendo o recorde
de 14,7% no trimestre encerrado em abril do ano de 2021 (NITAHARA, 2021).
216

Para Beringuy (2020), analista da pesquisa o cenário foi de estabilidade da população


ocupada e crescimento da população desocupada, com mais pressão sobre o mercado de
trabalho. Pois segundo a mesma pesquisa realizada pelo PNAD (2020) o nível de ocupação
continua abaixo de 50% desde o trimestre encerrado em maio de 2020, indicando que menos
da metade da população em idade para trabalhar está ocupada no país.
Vale lembra ainda que o problema não está apenas no desemprego, mas também na
vida futura do trabalhador, já que com ele desempregado consequentemente o mesmo
deixará de contribuir com a previdência social, gerando assim impactos futuros. Acerca
disso, Triches (2021, p.1) compreende:

Havendo desemprego e trabalho informal, o nível de proteção previdenciária


invariavelmente será reduzido, pois, sem a contribuição previdenciária e esgotados
os períodos em que o cidadão segue vinculado aos sistemas de previdência, não
será possível o reconhecimento do direito às prestações.

Outro ponto bastante interessante é o fato de a pandemia ter mudado até mesmo a
forma de conceção de benefícios previdenciários, já que com as restrições impostas, iniciou-
se a utilização da perícia indireta, para que se tentar voltar a uma demanda normal de
análises.
De acordo com o jornal O Globo, por conta as agências fechadas diante da
necessidade do distanciamento social, o tempo médio de espera para análise de um
determinado benefício por lei é de 45 dias, mas com a pandemia esse tempo chegou a 66
dias, sem se falar na queda de benefícios concedidos (TONDO, 2021).
Diante do exposto, é possível perceber que a pandemia atrapalhou a vida do
trabalhador, tanto diante da perca do emprego quanto nos impactos gerados desde a parada
as agências, quanto da não contribuição. Pois devemos pontuar que a aposentadoria será
calculada diante das contribuições pagas até o 15° dia do mês, mas com o desemprego muitos
não poderão honrar com esse compromisso, gerando impactos a longo prazo.
Impactos esses nítidos através dos dados apresentados pelo Correio do Povo (2020),
sendo que o mesmo afirma que a pandemia do novo Corona vírus prejudicou o emprego
formal, com reflexos na contribuição da Previdência Social do país, gerando um déficit dos
oito primeiros meses de 2020, que foi possível superar em termos nominais todo o ano de
2019. Sendo que na comparação de janeiro a agosto de 2019 comparado ao ano 2020, a
queda de arrecadação foi de 13%.
217

Impactos esses que segundo Pinto (2021), gera uma serie de incertezas dos pós
pandemia, visto que o Brasil tem uma Constituição frágil e com uma certa insegurança
jurídica, podendo analisar que o país está com endividamento brutal, com a estrutura
industrial em queda livre, sem falar no desemprego. Assim sendo o mesmo afirma não
acredita em uma retomada rápida a vida normal, acreditando que o Brasil só retomaria a vida
com força em 2023.
Assim sendo, além do sofrimento enfrentado pelo trabalhador, volta-se para um dos
pontos mais polêmicos da Previdência Social, e consequentemente, da Reforma da
Previdência, que é o déficit de recursos. Já que com a parada no pagamento das
contribuições, afetara diretamente os cofres e, consoante Aquino (2010), a Seguridade Social
é um tema polêmico em qualquer governo e é foco de debates sobre déficit de recursos.
Com isso é possível afirmar que infelizmente milhões de brasileiros e brasileiras
serão afetados já que a previdência interfere diretamente nas condições social dos
contribuintes, impactando então na proteção social e junto a isso na qualidade de vida.
Nesse sentido, Gonçalvez et al (2018, p.13) expressa:

As contrarreformas caminham para uma forma mínima de proteção social,


privatista, mercantilizada e restrita, que acabam agravando cada vez mais as
condições de vida da classe trabalhadora. São contrarreformas porque são de cima
para baixo, atacam frontalmente os direitos da classe trabalhadora, submetem cada
vez mais a ação do estado à lógica do mercado e, essencialmente, mercantilizam e
privatizam a seguridade social.

E esse pensamento é o de milhares de brasileiros, impactados todos os dias com a


dificuldade da conquista de um emprego, vai de encontro com o pensamento do Ministro do
trabalho e Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Almir Pazzianotto Pinto, de que
sempre haverá trabalho, mas poderão faltar empregos. Sendo que tal falta gera uma corrente,
na qual a falta de trabalho gera uma incerteza na manutenção de uma certa dignidade para a
vida em família, e a longo prazo a dificuldade para a conceção de um benefício
previdenciário (PINTO, 2021).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, foi possível perceber que a Previdência Social, desde a sua
criação, buscou pensar no social, e mais do que isso, ser um porto seguro para as pessoas.
Nesse sentido, as reformas que ocorreram pensaram no trabalhador, exceto a Emenda
Constitucional de n°103, de 2019, sendo que muitos estudiosos entenderam que tal reforma
218

se baseou mais no econômico que no social, chegando inclusive a ferir princípios


constitucionais, como é o exemplo do Princípio do Não Retrocesso Social.
Além, é claro, do fato da pandemia, que foi um agravante no desemprego e impacto
na previdência, dificultando cada vez mais a tão sonhada aposentadoria ou a valorosa
segurança ao trabalhador. Mas o que se consegue perceber é que o desemprego impacta
drasticamente na vida do trabalhador. Já que com a reforma houve a elevação da idade
mínima, bem como, o aumento das contribuições, e o desemprego em níveis assustadores,
acabam por elevar a preocupação de um impacto social gigantesco.
Assim, é importante entender que embora a reforma se baseie em um caráter
econômico, não deve ferir garantias e direitos dos cidadãos, mas sim deixá-los garantidos e
resguardados consoante princípios constitucionais garantidores. Tornando, então, muito
importante analisar os impactos da reforma. Sendo ainda necessário analisar os impactos da
pandemia da COVID-19 na sociedade, tornar o estudo mais sensível as pessoas que tiveram
sua vida impactada por um momento de grande instabilidade, de dor e incerteza sobre um
futuro. Por fim, faz-se necessário realizar estudos sobre essas mudanças no cotidiano da
população.
Mas diante do exposto é possível afirmar que a Reforma da Previdência veio a
impactar muito na vida das contribuintes, e aliada a pandemia e a não contribuição pelo
desemprego, torna-se uma realidade difícil de ser enfrentada, pois a aposentadoria vai se
tornando um sonho.

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Constituição Federal, revoga o inciso IX do § 3 do art. 142 da Constituição Federal e
dispositivos da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, e dá outras
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc41.htm. Acesso em 29
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estudam-se-a-covid-19-surgiu-em-laboratorio. Acesso em: 15 de jun. de 2021.
222

LIMBO JURÍDICO PREVIDENCIÁRIO-TRABALHISTA:


A RESPONSABILIDADE INDENIZATÓRIA EM FACE DO PRINCÍPIO DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Ramiro Rodrigues Vargas1


Resumo: O presente artigo tem por objetivo analisar as relações de incapacidade profissional dos
efeitos que decorrem do Limbo Jurídico Previdenciário Trabalhista no que tange a divergência dos
laudos médicos e a responsabilidade de indenização. A situação em que o empregado segurado
recebe alta médica pelo perito do INSS, atestando que este tem condições plenas de retorno ao
trabalho habitual, porém, ao retornar ao trabalho, o Médico do trabalho em sua avaliação informa
que o trabalhador não tem condições de retorno caracteriza o “Limbo Jurídico Previdenciário-
Trabalhista”. O artigo propõe uma reflexão sobre a responsabilidade do pagamento do
benefício/salário do empregado, já que não existe uma lei específica para determinar a quem compete
tal responsabilidade. Inclusive, tal situação pode ser apontada como descaso em relação a dignidade
da pessoa humana, no momento em que afasta diagnósticos médicos e coloca em dúbio a real situação
do segurado. Apesar de ser considerado um desplante tanto ao trabalhador quanto ao empregador,
essa discordância da aptidão ocorre com frequência, e poucos são os referenciais sobre o assunto. A
pesquisa foi de caráter indutivo de casos concretos e particulares, que permitiram uma análise de
jurisprudência com entendimentos dos tribunais do país. Assim, após analises doutrinárias,
jurisprudenciais e legais foi possível identificar que por vezes resta como única alternativa o ingresso
com demanda no âmbito judicial, para tentar obter garantia referente ao que fora alegado. Nenhum
cidadão deveria estar no limbo, visto que essa lacuna não deveria ser contemplada e somente ocorre
por falta da previsibilidade de lei.

Palavras chave: Limbo. Jurídico. Previdenciário. Trabalhista.

INTRODUÇÃO

O auxílio-doença, um dos tipos de benefícios existentes relacionados a incapacidade,


está previsto nos artigos 59 a 64 da Lei 8.213/91 c.c artigo 201, I da Constituição Federal de
1988 e c.c. artigos, 71 a 80 do Decreto 3.048/99 e é o benefício concedido ao segurado que
apresentar no momento da realização da perícia médica uma incapacidade total e temporária
à realização de sua atividade laborativa ou habitual por mais de 15 (quinze) dias
consecutivos, seja devido uma patologia, um acidente de trabalho ou qualquer tipo de
acidente incapacitante. O caráter deste benefício é meramente de cunho alimentício e pago
pela Previdência Social.
A problemática ocorre quando o cidadão se depara com um indeferimento
administrativo emitido pelo perito da previdência, enquanto possui pareceres de outros

1
Bacharel em Direito - ULBRA (2019), Especialista em Direito Previdenciário – EBRADI (2021). Bacharel
em Direito pela Ulbra 2019 e especialista em Direito Previdenciário pela Ebradi 2021, atua na área
previdenciária trabalhista desde 2017.
223

médicos que indicam e atestam o contrário. A cessação do benefício de auxílio-doença, por


parte do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) faz com que o trabalhador fique em uma
espécie do que chamamos de “limbo jurídico previdenciário trabalhista” – fazendo com que
a responsabilidade sobre o empregado volte a ser do empregador. O empregador deve então
reintegrar o empregado de imediato ao posto de trabalho ou encerrar o contrato nos termos
da lei, que para fins de reintegração ou demissão, este deverá passar por exame médico que
ateste a sua capacidade. Ocorre que, muitas vezes, ao passar pelo exame, o parecer do médico
do trabalho atesta a inaptidão do empregado, afastando-o novamente por incapacidade.
Portanto, o médico do trabalho divergindo do parecer da autarquia, acaba por não
atestar a alta para que o empregado possa retornar as funções ou a rescisão contratual. Assim,
o empregador não recebe o empregado por considerá-lo inapto e o INSS não paga mais
benefício por considerá-lo apto, configurando o “Limbo Previdenciário Trabalhista”. Tal
situação fere o princípio da dignidade da pessoa humana, um direito fundamental que tem a
função de garantir que os direitos dos cidadãos sejam respeitados. Consoante com o disposto
no artigo 5º da CF/88, o Estado é responsável por promover os direitos individuais/coletivos
e os direitos sociais, este último, relacionado ao bem-estar do cidadão. Conforme o artigo 1º,
III, da CF/88, observamos que, através da proteção aos direitos trabalhistas e ao trabalho, o
governo deve tomar medidas para garantia de que estes direitos não sejam violados.
Assim, diante das inúmeras controvérsias acerca da responsabilidade sobre o ônus
para com o empregado, quando existe divergência entre os laudos do médico do trabalho e
Previdência Social, fica evidenciado a urgente necessidade de uma discussão entre as
instituições.
Para elaboração deste artigo foi utilizado o método dedutivo de acordo com a
doutrina, e o método indutivo através do estudo da jurisprudência proferidas pelos nossos
tribunais do país e leis específicas, e de entendimentos divergentes na modalidade de estudo
de caso. Em razão de ausência legislativa, vale dizer que se o Estado buscar resolver o tema
através de normas regulamentadoras, esse instituto inovador, que é o limbo jurídico
previdenciário, certamente iria resolver a situação do empregado/segurado. Mas tendo em
vista que não há qualquer previsão legal, o segurado/empregado fica numa situação crítica,
nem recebendo seus proventos do empregador e nem sendo deferido a concessão do
benefício do INSS. Dessa forma, foi-se em busca de como atualmente o tema é tratado
perante a jurisprudência originárias das decisões dos Tribunais do país.
224

1. O LIMBO JURÍDICO PREVIDENCIÁRIO

De acordo com a Constituição de 1988 no seu art. 194, temos o conceito de


seguridade social: “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de
iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos
à saúde, à previdência e à assistência social.”
O Instituo Nacional de Seguridade Social foi criado pela Lei 8.212/91 com a
finalidade de organizar três segmentos que são independentes entre si: o direito relativo à
saúde, à previdência e à assistência social. No que diz respeito a previdência, que é a
discussão deste artigo, esta tem por finalidade, conforme art. 3º do dispositivo:

Art. 3º. A Previdência Social tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios
indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, idade avançada,
tempo de serviço, desemprego involuntário, encargos de família e reclusão ou
morte daqueles de quem dependiam economicamente.

O Regime Geral de Previdência Social tem suas políticas elaboradas pelo Ministério da
Previdência Social e executadas pelo INSS, autarquia federal a ele vinculada. Conforme redação do
art. 201 da Lei 8.213/91:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de
caráter contributivo e de filiação obrigatória observados critérios que preservem o
equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: I - cobertura dos
eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; II - proteção à maternidade,
especialmente à gestante; III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego
involuntário; IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos
segurados de baixa renda; V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher,
ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2o .

Dentre os contribuintes, encontram-se os empregadores, empregados assalariados,


domésticos, autônomos, contribuintes individuais e trabalhadores rurais e é organizada de forma bem
diferenciada em seus benefícios. Quanto aos benefícios, existem diversos que englobam o segmento
de previdência da autarquia que podem ser vinculados por exemplo, ao tempo de contribuição, a
idade, pensões e por incapacidade – temporária ou permanente – conforme podemos observar na Lei
8.213/91 todos seus tipos, no art. 182
Tratando-se dos benefícios relacionados com a incapacidade, entre eles o auxílio doença,

2
Art. 18. O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, devidas inclusive em
razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho, expressas em benefícios e serviços:I - Quanto ao
segurado:a) aposentadoria por invalidez;b) aposentadoria por idade;c) aposentadoria por tempo de
contribuição; d) aposentadoria especial;e) auxílio-doença; f) salário-família;g) salário-maternidade;h) auxílio-
acidente;
225

auxílio acidente e a aposentadoria por invalidez, estes podem ser reanalisados pelo INSS
evidenciando fato novo que venha a divergir com o estado incapacitante do segurado. Sobre o
fenômeno do limbo jurídico trabalhista e previdenciário nas palavras de Marco Aurélio Marsiglia
Treviso afirma-se:

Geralmente, diante desta situação, o trabalhador. Com base no laudo emitido pelo
médico da empresa, formula pedido administrativo de reconsideração do
cancelamento do benefício junto ao INSS. Caso tal requerimento seja negado,
passa a bater às portas do judiciário, ingressando ora com uma demanda perante a
Justiça Comum (Federal ou Estadual, a depender da prestação que está recebendo),
para postular o restabelecimento da benesse previdenciária, ora na Justiça do
Trabalho, para reclamar os salários não pagos e demais parcelas durante todo este
período. E, durante o período de tramitação destas demandas, continua o
trabalhador sem receber a renda necessária para sua subsistência. (TREVISO,
2015, p.77)

Assim, pode-se caracterizar o Limbo Previdenciário como sendo a falta de uma


previsibilidade nas relações entre a autarquia federal e o seu segurado, em face ao
emprego/empregador. A palavra Limbo deriva do latim (limbus), cujo significado é estar à
beira, orla, borda ou margem, que em sentindo figurado significa esquecimento, algo que
está negligenciado. No sentido jurídico, nos remete a insegurança do segurado/empregado
que necessita tanto do amparo do Estado, quanto de proteção em relação as moléstias que
poderá ser acometido durante sua vida laboral.
A partir da relação previdenciária e trabalhista em sua caracterização perante o limbo,
obtém-se o reconhecimento fático e pleno do que é o Limbo Jurídico Previdenciário
Trabalhista. Jurídico, pois o mesmo só encontra amparo legal dentro das decisões dos
Tribunais, ou seja, ainda não há lei expressa a respeito do mesmo. Conforme o seguinte
julgado:

CESSAÇÃO DO AUXÍLIO-ACIDENTÁRIO. PERÍODO NO QUAL O


OBREIRO POSTULA PELAS VIAS ADMINISTRATIVA E JUDICIAL A
MANUTENÇÃO DE BENEFÍCIOS JUNTO À PREVIDÊNCIA SOCIAL.
AUSÊNCIA DE PAGAMENTO DE SALÁRIOS E DE BENEFÍCIO
PREVIDENCIÁRIO. LIMBO JURÍDICO. Cessado o benefício previdenciário,
a empresa tem obrigação de convocar o trabalhador para o exame médico, de modo
a aferir a existência de aptidão laborativa, e, a partir de então, convocar o
trabalhador para retorno ao posto de trabalho, adaptando-o, se necessário, em
função compatível com sua capacidade física naquele momento. E, em caso de
constatação de incapacidade laborativa total, é obrigação da empresa encaminhar
o empregado novamente ao INSS, diligenciando, junto ao órgão previdenciário,
para que o auxílio-doença seja prorrogado. In casu, não obstante o atestado de
saúde ocupacional ter declarado a inaptidão da trabalhadora, a ré tinha ciência de
que a obreira foi considerada apta pelo Órgão Previdenciário, além de ter sido
aprovada em programa de reabilitação profissional, e deixou de convocar a
226

empregada para o trabalho, o que inclui a readaptação, permitindo, assim, que


durante o período de postulação de novo benefício junto ao Órgão Previdenciário
e, posteriormente, na via judicial, a reclamante permanecesse, por quase 3 anos,
em espécie de limbo jurídico, sem salário e sem perceber o benefício
previdenciário. Esta conduta omissiva empresária importou na transferência para
a empregada do ônus exclusivo de discutir, nas vias administrativa e judicial,
possível inaptidão laborativa, o que afronta princípios constitucionais da
valorização do trabalho e da dignidade da pessoa humana, fundamentos da
República Federativa do Brasil (art. 1º da CF/88), notadamente em casos em que
o afastamento do empregado decorreu de acidente do trabalho.

Assim, como concluiu a decisão proferida, deve haver a responsabilização quando


incidente o instituto inovador do limbo, vejamos:

Assim, o comportamento da ré autoriza concluir que ela concordou com as


ausências no período de postulação junto ao órgão previdenciário e na via judicial,
devendo se responsabilizar, por conseguinte, pelo pagamento dos salários e demais
benefícios do período de afastamento, sob pena de se relegar a trabalhadora a um
limbo, sem proteção jurídica. Vistos os autos, relatado e discutido o recurso
ordinário interposto contra decisão proferida pelo douto juízo da 33ª Vara do
Trabalho de Belo Horizonte/MG, em que figuram como recorrente Conservadora
Cidade LTDA. e como recorrido Aparecida Maria Braga. (TRT-3 - RO:
01688201411203000 0001688-55.2014.5.03.0112, Relator: Convocada Angela
C.Rogedo Ribeiro, Primeira Turma, Data de Publicação: 24/02/2016).

Conclui-se, que a garantia da caracterização do Limbo mesmo sendo encontrada em


relação a via administrativa, só pode ser concretizada na sua esfera judicial, fazendo-se
necessário os requisitos citados nas decisões elencadas supra. Portanto, o Limbo Jurídico
Previdenciário Trabalhista nada mais do que uma falta de previsibilidade.

2. DIVERGÊNCIA ENTRE OS LAUDOS DO INSS E MÉDICO DO TRABALHO E


A RESPONSABILIDADE DE INDENIZAÇÃO DOS PERÍODOS DE
AFASTAMENTO
Quando o empregado estiver incapaz para exercer suas atividades laborativas, seu
empregador postulará o benefício de incapacidade junto ao INSS, e para tal é necessário
realizar a prova pericial. O INSS pode ou não reconhecer a incapacidade através de seu
perito. Após a avaliação o segurado-empregado poderá receber seu benefício, já com alta
programada, para retornar à atividade. Mas ao voltar a empresa, é submetido a avaliação
pericial, na qual o Médico do Trabalho julga-o inapto ao retorno por estar incapaz para o
exercício de suas atividades.
Fernando Paulo da Silva Filho esclarece que:
227

Este impasse não apresenta solução legislativa clara, restando a discussão


jurisprudencial e doutrinária de como devem os envolvidos lidar com o período de
"limbo" onde o empregado tem alta do INSS, mas clinicamente não tem condições
de trabalho. (SILVA FILHO, 2016, p.59)

A divergência entre os laudos pode surgir na avaliação realizada ou pelo empregador ou,
mesmo, pelo médico particular do empregado, em que seja reconhecida sua incapacidade ou
inaptidão ao trabalho, mas que a perícia do INSS concede alta ao empregado, por considerá-lo apto
ao retorno de suas atividades.
A decisão colacionada a seguir do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, a respeito da
matéria, vem corroborar com o confronto e divergências entre os laudos médicos, vejamos:

IMPASSE ENTRE RESULTADO DO LAUDO MÉDICO DO INSS E DO


MÉDICO DO EMPREGADOR. CESSADA A SUSPENSÃO DO
CONTRATO DE TRABALHO. No caso de confronto entre laudos médicos,
do perito do órgão previdenciário e de médico particular, deve predominar a
conclusão alcançada por aquele primeiro, em detrimento do segundo, porquanto
àquela autarquia federal é detentora de fé pública. Nessa ordem de ideias, uma
vez autorizado o reclamante, pelo INSS, para voltar a assumir suas atividades
laborais, não cabe ao empregador obstar tal intenção, porquanto, a suspensão do
contrato de trabalho cessou a alta médica. Ao vedar a prestação de serviços pelo
reclamante, ainda que seja através da sua reabilitação, e a consequente concessão
de salários, o empregador provoca, no primeiro plano, considerável prejuízo ao
obreiro que deixou de receber a fonte de sua subsistência e, no segundo, em
vulneração aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e o
valor social do trabalho. (TRT-5 – Rec. Ord: 00010672920125050191 BA
0001067-29.2012.5.05.0191, Relator: MARIZETE MENEZES, 3ª. TURMA,
Data de Publicação: DJ 28/03/2014.)

Poderia o empregador postular judicial ou administrativamente um questionamento


referente ao posicionamento do médico do INSS, porém, “dificilmente terá o empregador
os meios necessários para impugnar qualquer decisão, uma vez que, para tanto, dependerá
da colaboração do trabalhador.” (TREVISO, 2012, p. 88).
É necessário apontar que apesar de ambos profissionais serem credenciados e aptos
para averiguar e atestar a situação médica do segurado, a análise realizada pelo médico perito
do INSS tem fator determinante para estabelecer a sua aceitabilidade ou não em relação ao
benefício de incapacidade.
Nesse sentido, há uma supremacia do laudo médico pericial emitido pelo médico perito do
INSS em relação ao laudo do médico do trabalho, cabe ênfase ao julgado do Tribunal Regional do
Trabalho de Minas Gerais (TRT-3):
228

EMENTA: AFASTAMENTO DO EMPREGADO. INDEFERIMENTO DE


BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. INAPTIDÃO DECLARADA PELO
MÉDICO DA EMPRESA. Comprovada a tentativa do autor de retornar ao
trabalho e atestada a sua capacidade pela autarquia previdenciária, cabia a
reclamada, no mínimo, readaptar o obreiro em função compatível com a sua
condição de saúde, e não simplesmente negar-lhe o direito de retornar ao trabalho,
deixando de lhe pagar os salários. Como tal providência não foi tomada, fica a
empregadora responsável pelo pagamento dos salários e demais verbas do período
compreendido entre o afastamento do empregado e a efetiva concessão do
benefício previdenciário. (RO 01096-2009-114-03-00-4).

No caso em análise, diante da cessação do benefício previdenciário e divergência


de laudos, havendo dúvidas a respeito da incapacidade laborativa, fica consignado o
entendimento que compete ao empregador a responsabilidade pelo pagamento de quaisquer
valores ao trabalhador, durante o período em que haverá a discussão da situação. Apoiado
nos termos do art. 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, no que se refere à
responsabilidade indenizatória dos períodos de afastamento: “Considera-se empregador a
empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite,
assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”.
Ainda sobre a jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho, quanto a
responsabilidade de pagamento dos salários quando existe divergência dos laudos médicos
“o entendimento de que a responsabilidade pelo pagamento dos salários, durante o período
em que se discute a capacidade ou incapacidade laborativa do trabalhador, seria da
empresa. ” (TREVISO, 2012, p. 88)
Neste sentido, é dever do trabalhador segurado apresentar-se ao empregador assim
que receber a alta da Autarquia Previdenciária. Caso isso não ocorra, existe a possibilidade de
enquadramento em abandono de emprego, conforme verificado na Ementa a seguir:

EMENTA ALTA DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. INÉRCIA DO


EMPREGADOR EM OFERECER TRABALHO. LIMBO JURÍDICO.
Verificada a alta do benefício previdenciário e a cessação do período de suspensão
do contrato de trabalho, são restabelecidas para a empregada e a empregadora as
obrigações contratuais. Não tendo havido prestação de trabalho durante o período
posterior à alta previdenciária em decorrência do impasse entre o empregador e o
INSS, e da inércia daquele em ofertar trabalho à empregada, deve ser reconhecida
sua obrigação ao pagamento dos salários do período. Todavia, dita obrigação cessa
a partir do momento em que a empregada deixa de retornar ao serviço, sem justo
motivo, após o trânsito em julgado da ação que indeferiu, em definitivo, a
prorrogação do benefício previdenciário.
(TRT da 4ª Região, 4ª Turma, 0021813-19.2016.5.04.0024 RO, em 23/08/2018,
Desembargador George Achutti).
229

Apesar dos laudos médicos ostentarem a mesma prerrogativa ocorre a hierarquização


por aquele emitido pelo INSS. No cenário de negativa do INSS, mesmo com laudo
contemporâneo emitido por profissional certificado, o segurado acaba buscando um terceiro
profissional através da judicialização para ter a sua moléstia reconhecida pela autarquia. Por
muitas vezes é o próprio perito judicial, que é profissional de confiança do juízo para dirimir
as questões duvidosas acerca dos laudos apresentados.
Ao persistir o não reconhecimento do laudo pela autarquia e mesmo com a moléstia
ainda acometendo o segurado, o mesmo deve apresentar-se ao seu local de trabalho, onde
serão procedidos novos exames médicos para testar a possibilidade de retorno as atividades
habituais que anteriormente eram desenvolvidas pelo segurado.
Resta claro que o amparo ao segurado em relação a divergência dos laudos só se
configura quando existe a busca ao poder judiciário, visto que este poder é obrigado a se
pronunciar sobre a questão quando provocado.

3. ÓBICE NA REAPRESENTAÇÃO PERANTE A EMPRESA E O DANO MORAL

Caso a empresa apresente óbice no retorno do trabalhador, esta será responsabilizada


pela remuneração durante todo o período de afastamento. Quando a existência de laudos
médicos divergentes entre médico do trabalho e da autarquia, o trabalhador que é parte
hipossuficiente, não pode permanecer sem o recebimento do salário.
Conforme conclui Marco Aurélio Treviso, a reponsabilidade em restabelecer o
pagamento dos salários é do empregador, vejamos:

Todas as vezes que o empregado é considerado, pelo INSS, apto ao trabalho e o


médico da empresa apresenta parecer em sentido diametralmente oposto, surge
uma dúvida para o empregador: O que fazer? Qual a postura a ser adotada?
Existem decisões judiciais estabelecendo que, neste caso, deverá o empregador
efetuar o pagamento dos salários, já que deverá prevalecer a decisão administrativa
exarada pela autarquia federal. (TREVISO, 2010, p.87).

Existindo, ainda a resistência por parte do empregador no reestabelecimento, vale


destacar a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 4º Região, que em suma não
reconhece a caracterização do dano moral:

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ALTA PREVIDENCIÁRIA.


SALÁRIOS DO PERÍODO DE AFASTAMENTO. A reclamada não agiu
dolosamente ao não contra prestar os salários do período em que não houve
prestação de serviços, após a alta previdenciária, tendo entendido, ainda que
230

equivocadamente, que o contrato de trabalho do autor continuava suspenso, em


razão da persistência da inaptidão do reclamante para o trabalho. Ademais, não
há provas nos autos de que a não satisfação das obrigações trabalhistas por
parte da empregadora tenha causado qualquer dano à personalidade do
reclamante, a justificar o pagamento de indenização a título de danos morais,
também não se podendo cogitar em dano moral presumido no caso. Recurso
ordinário da reclamada provido para afastar a condenação ao pagamento de
indenização por danos morais. Tribunal Regional do Trabalho da 4º Região
R.11ª Turma. Processo 0000326-22.2014.5.04.0231 (RO). Rel.
Desembargadora Flávia Lorena Pacheco

Entretanto, observa-se que na incidência do instituto do dano moral, existem


diferentes entendimentos inclusive reconhecendo o dano moral como no julgado a seguir:

LIMBO JURÍDICO PREVIDENCIÁRIO TRABALHISTA.


RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR PELOS SALÁRIOS E
DEMAIS VANTAGENS DECORRENTES DO VINCULO DE
EMPREGO. DANO À MORAL. Após a alta médica do INSS, a suspensão
do pacto laboral deixa de existir, voltando o contrato em tela a produzir todos
os seus efeitos. Se o empregador impede o retorno ao labor, deve tal situação
ser vista como se o empregado estivesse à disposição da empresa esperando
ordens, onde o tempo de trabalho deve ser contado e os salários e demais
vantagens decorrentes o vínculo de emprego quitados pelo empregador, nos
termos do art. 4º da CLT. Além disso, o mero fato de ensejar ao trabalhador a
famosa situação de “limbo jurídico previdenciário trabalhista” – quando o
empregado recebe alta do INSS, porém ainda está inapto para o labor segundo
a empresa – configura o dano à moral, posto que o trabalhador fica à mercê da
própria sorte, sem meios para a própria sobrevivência e de seus dependentes”.
(P. 00018981120135020261 – TRT2 – 5ª Turma – Recurso Ordinário – Des.
Rel. Maurílio de Paiva Dias – publ. 09/03/2015).

RECURSO ORDINÁRIO DAS PARTES. "LIMBO


PREVIDENCIÁRIO" NÃO CARACTERIZADO. AUSÊNCIA DE
RESPONSABILIDADE DA EMPRESA PELO PAGAMENTO DE
SALÁRIOS. Não se podendo atribuir à empresa a responsabilidade pelo não
retorno da reclamante ao trabalho após a alta previdenciária, não cabe a ela o
pagamento dos salários do período até a rescisão do contrato de trabalho.
(TRT da 4ª Região, 4ª Turma, 0020068-80.2015.5.04.0301 RO, em
11/07/2018, Desembargadora Ana Luiza Heineck Kruse - Relatora).

Nos julgados acima colacionados, não resta claro que a responsabilidade é do


empregador de pagar os salários do período em que não houve prestação efetiva de serviços,
inclusive, os atrasados, desde a alta previdenciária. Porém, caso exista o entendimento no
sentido de prover que a responsabilidade é do empregador, poderá incidir indenização por
danos morais, por infringir o princípio da dignidade da pessoa humana possibilitando que o
empregado deguste de completo abando social e sem meios de prover a própria subsistência.
Neste sentido o Tribunal Superior do Trabalho através da Rel. Ministra Maria de
Assis Calsing decide:
231

RECURSO DE REVISTA. APELO INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA


LEI N.º 13.015/2014 E DO NOVO CPC (LEI N.º 13.105/2015).
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IMPASSE ENTRE A
PERÍCIA DO INSS E A AVALIAÇÃO MÉDICA DA EMPRESA.
LIMBO JURÍDICO PREVIDENCIÁRIO. EMPREGADO QUE
PERMANECE POR UM PERÍODO SEM RECEBER SALÁRIOS. O
caso dos autos diz respeito à situação em que se configura um impasse entre a
avaliação perpetrada pelo perito do INSS, que considera o trabalhador apto ao
trabalho, e o perito médico do trabalho, que entende que o empregado não tem
condições de voltar a trabalhar. Trata-se de situação que é denominada pela
doutrina de "limbo-jurídico-previdenciário", que se caracteriza por ser um
período no qual o empregado deixa de receber o benefício previdenciário, e
também não volta a receber os seus salários. No caso dos autos, o juízo
primeiro reconheceu que o pagamento dos salários relativos ao referido
período é responsabilidade da empresa, não havendo discussão a esse respeito
no presente Recurso, que versa apenas sobre o pedido de indenização por danos
morais, pelo fato de o Reclamante ter permanecido por um período sem receber
os seus salários, fato incontroverso nos autos. Assim sendo, diante do que foi
apurado pelo Juízo primário, é de se constatar que o Reclamante efetivamente
sofreu dano de ordem moral, tratando-se de dano in re ipsa, que decorre do
próprio fato ofensivo, decorrente do infortúnio sofrido que, no caso, é
inafastável, haja vista a situação que se verifica quando um trabalhador deixa
de receber tanto o benefício previdenciário como os salários devidos.
Precedentes. Recurso de Revista conhecido e provido. Tribunal Superior do
Trabalho, 4ª Turma, Processo 1433-51.2014.5.12.0014 Rel. Ministra Maria de
Assis Calsing.

A respeito do dano moral Wânia Alice Ferreira Lima Campos, conceitua: “o abalo
moral é aquele que atinge a órbita interna da pessoa, gerando um sentimento de derrota e
pesar que lhe impõe uma alteração de comportamento ou psíquica, causando prejuízo à sua
parte social ou afetiva”. (CAMPOS, 2010 p.82)
Portanto, é inviável que o empregado fique sem receber o benefício previdenciário
nem tampouco o salário a que faz jus, haja vista que continua incapacitado para as funções
anteriormente exercidas, mas permanece ligado à empresa.

4. DA RESPONSABILIDADE DE REABILITAÇÃO PROFISSIONAL

No que tange a reabilitação profissional (RP) brasileira, que está presente na


legislação previdenciária, e que sofreu diversas modificações na sua trajetória histórica,
Mônica Angelim Gomes de Lima, destaca particularmente, na área da saúde do trabalhador
que “apesar desse percurso, a reabilitação de trabalhadores no país continua a ser um
desafio complexo no campo da saúde pública”. (LIMA et al, 2010, p. 112)
Conforme Maeno 2010:
232

O modelo de política compensatória adotado pelo Instituto Nacional do Seguro


Social (INSS) tem sido insuficiente para favorecer o retorno real e saudável de
trabalhadores com incapacidade para o mercado de trabalho por meio do serviço
de reabilitação profissional (MAENO, 2010, p.35)

A reabilitação profissional é um serviço da Previdência Social regulamentado pela


Lei nº 8.213 de 1991 e pelo Decreto nº 3.048 de 1999 e que oferece tratamento aos
trabalhadores segurados e que estão com alguma incapacidade para o trabalho, em virtude
de doença, acidente e/ou deficiência, possibilitando o retorno ao mercado de trabalho. Neste
sentindo:

O serviço de RP pode se concretizar por meio de diferentes atividades como a


realização da avaliação do potencial laboral dos beneficiários, oferecimento de
cursos, treinamento e reabilitação física por meio de contratos, acordos e convênio
em articulação com a comunidade, orientações e pesquisa de fixação no mercado
de trabalho. (FIGUEIREDO et al, 2018, p.59)

Segundo Takashi (2006 apud MIRANDA, 2018, p.5) aponta uma dificuldade para
com o processo de RP “no entanto, o caminho para iniciar o desenvolvimento de um serviço
de reabilitação profissional que considere uma visão integrada do processo de reabilitação
torna-se uma trajetória árdua, desafiadora e de contramão com a lógica economicista do
modelo de seguro presente na macroestrutura do sistema previdenciário brasileiro, em que
privilegia a restrição de benefícios em detrimento da garantia de direitos constitucionais
adquiridos.”
O segurado/empregado, sendo a parte hipossuficiente, não pode ficar à mercê da
própria sorte caso exista uma divergência do médico do trabalho com a autarquia, quando a
incapacidade for em relação a atividade a qual o segurado exerce. Assim, a autarquia deve
proporcionar a reabilitação profissional e na falta desta o empregador fica encarregado de
reabilitar seu funcionário, a fim de que o mesmo possa ter condições laborais em atividade
diversa a sua atividade habitual de trabalho. Vejamos o entendimento de Rodrigues e
Carvalho:

Embora legalmente coubesse preferencialmente ao INSS a reabilitação do


empregado incapaz para o trabalho, nos termos do artigo 89 e seguintes da Lei de
Benefícios, dos parágrafos 1º e 2º do artigo 137, do Decreto 3048/99, na ausência
deste caberá ao empregador a tarefa de reabilitar o seu funcionário, dentro de sua
capacidade, para novas tarefas na empresa. (RODRIGUES; CARVALHO, 2016,
p.6)
233

Apesar das dificuldades que ocorrem na seara da reabilitação profissional, a alta


demanda que o INSS possui é uma das grandes barreiras enfrentadas por segurados que
procuram realocação no mercado de trabalho, conforme dados:
De acordo com dados do Ministério da Previdência Social, em 2015, foram
registrados, no Brasil, 612.632 acidentes de trabalho, sendo que, deste total,
410.646 (69%) foram relacionados ao sexo masculino, sendo 201.973 (31%)
relativos ao sexo feminino, evidenciando a alta demanda e a grande necessidade
de realocação e reabilitação profissional. (SOUZA; QUEIROZ, 2018, p.100)

Assim cabe ao empregador a reponsabilidade subsidiária na reabilitação profissional


conforme depreende-se do seguinte:

Nem sempre é fácil para a empresa encontrar esse novo posto de trabalho para seu
empregado, principalmente sem rebaixá-lo e tratando-o com a dignidade que
merece. Entretanto caberá ao empregador reabilitá-lo na empresa, tomando o
cuidado de não o discriminar perante outros ou mesmo de rotulá-lo como incapaz,
evitando com isso, que venha à empresa a responder judicialmente por assédio
moral. (RODRIGUES; CARVALHO, 2016, p.6)

A jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho tem firmado entendimento no


sentido em confirmar a responsabilidade do empregador na falta da autarquia federal em
prover a reabilitação perante o seu empregado, assim podemos verificar:

EMENTA ECT. RETORNO AO TRABALHO APÓS REABILITAÇÃO


PROFISSIONAL. LOCALIDADE DISTINTA. A reabilitação profissional
dever ser efetivada em lotação na qual não acarrete prejuízo ao trabalhador. A
excepcionalidade da situação não pode ser equiparada aos casos de transferências
ordinárias, mormente considerada a circunstância de ausência de prova de que a
empregadora tenha observado o próprio regulamento quanto à previsão de
reabilitação profissional. Provimento negado. (TRT da 4ª Região, 5ª Turma,
0021045-61.2016.5.04.0261 RO, em 31/08/2018, Desembargadora Angela Rosi
Almeida Chapper)

REABILITAÇÃO PROFISSIONAL. REDUÇÃO SALARIAL. Em caso de


reabilitação profissional, deve ser assegurada ao trabalhador a remuneração da
função que desempenhava antes de seu afastamento previdenciário, sob pena de
restar configurada alteração contratual ilícita. (TRT da 4ª Região, 6ª Turma,
0021075-46.2016.5.04.0601 RO, em 18/07/2018, Desembargadora Maria Cristina
Schaan Ferreira - Relatora).

Assim, o INSS pode contar com parcerias das empresas do sistema, estabelecidas
pela Constituição Brasileira, e subsidiariamente até com o empregador para proceder com a
Reabilitação do profissional em área diversa ao que fora inicialmente contratado.
234

5. DIMINUIÇÃO DO ÔNUS PARA COM O EMPREGADOR CASO OCORRA O


LIMBO

É necessário discutir sobre o impacto para o empregador no que tange a questão de


indenizações, pois independente do porte da empresa, quando se faz necessário indenizar um
trabalhador que não está a sua disposição, as condições do empregador também deveriam
ser consideradas na determinação judicial de condenação nas indenizações/reabilitações do
empregado. Uma abordagem trazida por Túlio de Oliveira Massoni 2012, na tentativa de
diminuir os prejuízos para o empregador:

Poder-se-ia conceber, ainda, outra alternativa: a empresa se comprometeria a pagar


os salários até que seja decidido o caso perante a Previdência e, caso está
reconsidere sua decisão, pagaria os salários ao trabalhador segurado
retroativamente, e o empregado se comprometeria a devolver a seu empregador os
valores antecipados. (MASSONI, 2012, p. 4).

Conforme ressalta o Procurador Juliano de Angelis é uma excelente oportunidade


para que “o Limbo jurídico Previdenciário possa ser resolvido por meio de acordos ou
convenção coletivas. Daí, quando verificada essa hipótese, basta recorrer ao que ficou
ajustado na convenção coletiva ou acordo coletivo” (ANGELIS, 2014), então, a parte mais
vulnerável não será prejudicada.
Também no julgado é demonstrado o posicionamento dos tribunais em não condenar
somente o empregador como responsável pela indenização nos períodos de afastamento do
empregado, vejamos os requisitos necessários:

AUXÍLIO-DOENÇA – ALTA DO INSS – EMPREGADA CONSIDERADA


INAPTA PELO MÉDICO DA EMPRESA – IMPOSSIBILIDADE DE
IMPOSIÇÃO DE PAGAMENTO DE SALÁRIOS AO EMPREGADOR. Não
houve recusa injustificada da empresa em reintegrar a obreira ao trabalho. Toda a
prova documental produzida demonstra que a reclamada não agiu de má fé e
cumpriu todas as suas obrigações, não exigindo da trabalhadora a prestação de
serviços, por reputá-la incapaz para o trabalho e fornecendo a documentação
necessária para que a reclamante pudesse pleitear seus direitos junto ao INSS
(docs. nº 45/68, volume apartado). Não se constata qualquer irregularidade no
procedimento patronal. O laudo pericial de fls. 152/161, inclusive, confirmou que
a reclamante não está apta ao trabalho, apresentando fibromialgia, lesão crônica
da coluna (discopatia degenerativa) e quadro de depressão crônica, todos sem nexo
com o trabalho realizado na reclamada. Como bem salientado a quo, não há
impedimento legal para que as empresas, diante dos documentos que atestam a
inaptidão do obreiro, como o laudo do médico do trabalho, obstem seu retorno ao
trabalho enquanto durar o procedimento administrativo de recursos perante a
Previdência Social, também não há obrigatoriedade de remunerar mencionado
período, já que, esse período em que o empregado permanece afastado pedindo
reconsideração do pedido de auxílio-doença deve ser considerado como de
235

suspensão do contrato de trabalho. Outrossim, não há fundamento legal para


autorizar o pagamento dos salários pretendidos. Recurso ordinário da reclamante
a que se nega provimento” (P. 0001364-07.2013.5.02.0087 – TRT2 – 18ª Turma
– Recurso Ordinário – Des. Rel. Maria Cristina Fisch – publ. 02/03/2015).

É nesse ponto que o entendimento de nossos tribunais se divide, porquanto não há


determinação legal quanto ao tema. Enquanto o empregado estiver recebendo esse benefício,
seu contrato de trabalho permanecerá suspenso, e isso fica bem claro quando nos deparamos
com os termos do art. 476 da CLT que diz: “Em caso de seguro doença ou auxílio
enfermidade, o empregado é considerado em licença não remunerada, durante o prazo de
benefício”.
Como não existe a previsão autorizando a compensação do valor pago ao segurado,
o mesmo se vê obrigado a acionar o Poder Judiciário, em ação que pode ser proposta
contra a autarquia ou, até mesmo, contra o empregador (conforme o caso), para restituir
os salários pagos durante o período do “limbo previdenciário”, na tentativa de ser
ressarcido do custo extra que foi obrigado a suportar.

6. O ARTIGO 75-A DO DECRETO 8691/2016

Com a edição do Decreto n° 8.691/2016, há normatização no tocante: a possibilidade


de convênio com o SUS para a realização de perícias médicas; a concessão do benefício
com base no atestado médico, em determinados casos; e a possibilidade de retorno ao
trabalho sem a realização de perícia médica.
Apesar da ANMP – Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência
Social – ter ajuizada Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 5495, o Supremo
Tribunal Federal, através do Ministro Relator Luiz Fux, não conheceu a ação direta de
inconstitucionalidade, a qual transitou em julgado em 17/11/2017.
E de acordo com o art. 75-A, a possibilidade da concessão de benefício
previdenciário com base apenas nos laudos médicos assistentes ficou avistada, vejamos:

Art. 75-A. O reconhecimento da incapacidade para concessão ou prorrogação do


auxílio-doença decorre da realização de avaliação pericial ou da recepção da
documentação médica do segurado, hipótese em que o benefício será concedido
com base no período de recuperação indicado pelo médico assistente.

O referido artigo acima citado, irá resolver brevemente a divergência que há entre os
laudos dos médicos do INSS, com os dos médicos assistentes, resolvendo parcialmente
assim o instituto do “limbo jurídico previdenciário”, eis que até o momento em que o próprio
236

INSS, realize sua Instrução Normativa a respeito, eis que tal medida depende da Autarquia,
bem como no Poder Judiciário aceitar os Laudos dos médicos assistentes do
empregado/segurado. Vale ressaltar que a partir do momento em que foi editado o Decreto
acima referido, caso a perícia só possa ser realizada após o término do prazo de afastamento
do empregado indicado no atestado médico, este poderá retornar ao trabalho no dia
seguinte à data indicada para a sua recuperação, independentemente de realização da
perícia médica, e tal previsão está no § 6º do art. 75 : “ A impossibilidade de atendimento
pela Previdência Social ao segurado antes do término do período de recuperação indicado
pelo médico assistente na documentação autoriza o retorno do empregado ao trabalho no
dia seguinte à data indicada pelo médico assistente.”, incluído pelo Decreto. Essa nova
medida beneficia os segurados que, até então, nem recebiam o benefício, nem eram aceitos
pela empresa para retornar ao trabalho e receber seu salário, enquanto não eram submetidos
à perícia médica do INSS.

7. A SITUAÇÃO DO EMPREGADO FACE O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA


PESSOA HUMANA

Estão previstos no art. 1º, incisos III e IV, de nossa Constituição Federal o valor
social do trabalho e a dignidade da pessoa humana que são princípios fundamentais. Nas
palavras de Wilson Steinmetz:

Trata-se de um liberalismo humanizado, democrático e socialmente orientado: de


um liberalismo matizado (“temperado”) pela dignidade da pessoa humana, pelos
direitos e garantias fundamentais, pela democracia e pelas aspirações de igualdade,
de bem-estar e de justiças sociais. Ao lado do princípio da livre-iniciativa,
assegurador da economia de mercado (CF, arts. 1º, IV, e 170, caput) e do princípio
geral de liberdade (CF, art. 5º, caput) estão o princípio da dignidade da pessoa
humana (CF, art. 1º, III) os direitos e as garantias fundamentais (CF, Título II), o
princípio democrático (CF, art. 1º, parágrafo único), o princípio da igualdade (CF,
art. 5º, caput, e art. 3º, III e IV) e o princípio objetivo de construção de uma
sociedade justa e solidária (CF, art. 3º, I). STEINMETZ, 2004, p. 99/100)

Os tribunais necessitam observar o princípio da dignidade da pessoa humana como


uma cláusula pétrea, até porque o Brasil é signatário o pacto de São José da Costa Rica, o
qual dispõe em seu preâmbulo sobre as dimensões e os direitos fundamentais como
princípios norteadores do Estado Democrático de Direito, [...]Reiterando que, de acordo com
a Declaração Universal dos Direitos Humanos, só pode ser realizado o ideal do ser humano
livre, isento do temor e da miséria, se forem criadas condições que permitam a cada pessoa
237

gozar dos seus direitos econômicos, sociais e culturais, bem como dos seus direitos civis e
políticos.
Nesse aspecto sobre a dimensão dos julgados, Luis Roberto Barroso afirma que:

As especificidades das normas constitucionais levaram a doutrina e a


jurisprudência, já de muitos anos, a desenvolver ou sistematizar um elenco próprio
de princípios aplicáveis à interpretação constitucional. Tais princípios, de natureza
instrumental, e não material, são pressupostos lógicos, metodológicos ou
finalísticos da aplicação das normas constitucionais. São eles, na ordenação que
se afigura mais adequada para as circunstâncias brasileiras: o da supremacia da
Constituição, o da presunção de constitucionalidade das normas e atos do Poder
Público, o da interpretação conforme a Constituição, o da unidade, o da
razoabilidade e o da efetividade. (BARROSO, 2012, p.7)

O Estado tem o compromisso social e a responsabilidade pelo empregado, devido a


seu lastro contemplativo que nas palavras de Ingo Wolfgang Sarlet:

[...] os direitos sociais de cunho prestacional encontram-se a serviço da igualdade


e da liberdade material, objetivando a proteção da pessoa contra as necessidades
de ordem material e a garantia de uma existência com dignidade, isto é, com um
“mínimo existencial”, compreendido aqui de forma conexa ao princípio da
dignidade e que abrange não apenas “um conjunto de prestações suficientes apenas
para assegurar a existência (a garantia da vida humana - aqui seria o caso de um
mínimo apenas vital) mas, mais do que isso, uma vida com dignidade, no sentido
de uma vida saudável, como deflui do conceito de dignidade” (SARLET, 2010
p.105).

Inclusive, podemos atestar a percepção junto aos tribunais que já decidem sobre o
tema da dignidade da pessoa humana:

LIMBO PREVIDENCIÁRIO TRABALHISTA. ALTA PREVIDENCIÁRIA.


SALÁRIOS DEVIDOS. Como é cediço o contrato de trabalho é suspenso com a
concessão do benefício previdenciário e retoma seus efeitos com a cessação do
benefício, de modo que cessada a suspensão do contrato de trabalho por alta
previdenciária, retomam sua eficácia as obrigações contratuais. Assim, se a
interrupção da prestação de serviços se dá por imposição do empregador que,
diferentemente do Órgão Previdenciário, não disponibiliza função compatível para
a empregada, como no presente caso, é certo que os pagamentos dos salários
devem ser mantidos, ante o afastamento por iniciativa do empregador e ausente a
concessão de benefício previdenciário, tendo em vista que o trabalhador não pode
ficar sem meios de sobrevivência por divergência de entendimentos entre o
empregador e o Órgão Previdenciário em situação obscura que a doutrina e a
jurisprudência atuais denominam de "limbo previdenciário trabalhista". RO
00004727520125020203 SP 00004727520125020203 A28-Orgão Julgador 17ª
TURMA-Partes-RECORRENTE(S): Aptar B&H Embalagens LTDA,
RECORRENTE(S): Ivanice Alves do Nascimento-Publicação-06/10/2015-
Julgamento24 de Setembro de 2015-Relator-ÁLVARO ALVES NÔGA.

Nesse contexto, a dignidade da pessoa humana é o princípio mais expressivo da nossa


ordem jurídica, pois é a partir dele que todo direito deve emergir, concedendo-lhe valor atributivo
238

elevado em questão legitima a ordem jurídica, que se concentra na pessoa humana. Desta forma,
alicerça-se o direito positivo sobre profundas bases éticas, tornando-o merecedor do título de
‘direito justo’ (SARMENTO, 2008, p. 86). Conforme expressam os entendimentos dos Tribunais
Regionais do Trabalho da 3ª e 4 ª Região:

EMENTA MANDADO DE SEGURANÇA. TUTELA PROVISÓRIA DE


URGÊNCIA. RESTABELECIMENTO DOS SALÁRIOS. LIMBO
JURÍDICO PREVIDENCIÁRIO TRABALHISTA. I - A probabilidade do
direito invocado pode ser mensurada pela jurisprudência formada a partir de
julgamentos de situações assemelhadas, a indicar o grau de relativa certeza para
acolhimento da tutela provisória de urgência. II - Não pode o trabalhador,
incapacitado, arcar com o ônus do chamado limbo jurídico previdenciário, sem
benefício e sem salário, indefinição que afeta a própria subsistência e de sua
família.
(TRT da 4ª Região, 1ª Seção de Dissídios Individuais, 0022202-
08.2018.5.04.0000 MS, em 20/12/2018, Desembargador Raul Zoratto
Sanvicente).

LIMBO JURÍDICO TRABALHISTA PREVIDENCIÁRIO. ALTA


MÉDICA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. IMPEDIMENTO AO
TRABALHO. OFENSA A DIGNIDADE DO TRABALHADOR. Empregado
que obtém alta médica perante o INSS tem direito a retornar ao trabalho. Se o
empregador entende que o empregado, mesmo após a alta médica da Previdência
Social, não tem condições adequadas de saúde e o impede de trabalhar,
encaminhando-o novamente à Previdência Social e esta atesta que ele está apto,
recusando-lhe a conceder novo auxílio-doença, deve o empregador arcar com as
consequências do seu ato. Não se pode admitir que o empregado seja colocado no
limbo jurídico previdenciário trabalhista, qual seja, não recebe o benefício
previdenciário e ao mesmo tempo não recebe os salários. Aplica-se ao caso o
princípio da continuidade do vínculo empregatício e considerando que o
empregador, por expressa disposição legal é aquele assume os riscos da atividade
econômica (art. 2º da CLT) e ainda o disposto no artigo 4º da CLT, o empregador
deve arcar com o pagamento dos salários dos respectivos períodos de afastamento
até a efetiva reintegração do empregado ao trabalho. Entendimento que se adota
em consonância com os princípios da dignidade do ser humano e dos valores
sociais do trabalho, insculpidos no art. 1º, III e IV da C.R./88. (BRASIL, 2014,
on-line).

A questão principal versa sobre o sistema político brasileiro que tem demonstrado
através de suas políticas públicas decisões mais vinculadas a contenção de despesas do que
a promoção do social. As novas reformas elucidadas por diferentes governos não visam a
busca pela solução para limbo, principalmente no que se refere a dignidade da pessoa
humana reforçando uma posição capitalista do que consubstancial social.

Diversos impactos advêm desse posicionamento, como a ampliação do desemprego,


enfraquecimento sindical, desmonte na concentração de renda e precarização do trabalho,
239

despreocupação com a questão social que leva a marginalização do cidadão que são
resultados da falta de previsibilidade da administração governamental.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após análise doutrinária, jurisprudencial e legal foi possível identificar que as


relações previdenciárias em que o segurado necessita buscar amparo junto a Autarquia
Federal do Instituto Nacional de Seguridade Social - INSS, o mesmo enfrentará um conjunto
de situações que por diversas vezes ultrapassará um mero dissabor, pois ficará sem exercer
atividade por estar incapacitado e sem receber seu salário; e não consegue voltar ao seu
emprego, eis que de acordo com o médico do trabalho não está apto a exercer sua atividade.
Importante dizer que grande parte dos benefícios por incapacidade estão sendo negados ou
reavaliados, mesmo com a devida comprovação por parte do segurado, através de
acompanhamento médico contemporâneo, pois os Peritos do INSS em 15 a 20 minutos
avaliam o segurado e lhe julgam apto para o trabalho.
Assim, a única alternativa para o segurado é o ingresso com demanda no âmbito
judicial para obter alguma garantia referente ao seu estado de saque fora alegado.
É possível fazer um paralelo entre o pedido de benefício negado por incapacidade e
o retorno ao trabalho. O segurado/empregado é a parte hipossuficiente nas relações em que
se contempla as suas necessidades, sendo assim, é de responsabilidade do INSS ou da
empresa a mantença do segurado por princípios constitucionais que por vezes não
observados nas decisões. Fato este frustrante ao trabalhador quando não tem condições de
receber o benefício nem de retornar a sua função habitual. Assim, obtendo a negativa de
benefício previdenciário e negativa de retorno do emprego, nasce o limbo o qual discorremos
neste artigo. Nenhum cidadão deveria estar no limbo visto que essa lacuna não deveria ser
contemplada e somente ocorre por falta de previsibilidade expressa na lei. É fato que este é
um problema recorrente e que acompanhado da reforma trabalhista Lei 13.467/2017 -
reforma essa que visa “flexibilizar” as relações de emprego que eram conhecidas no âmbito
nacional -, a tendência que emerge é a criação de pactos relacionados a interesses neoliberais
de capitalização por parte do Estado. Em contrapartida, revela-se a diminuição do amparo
social, demonstrando obstáculos, principalmente no segmento da previdência no que diz
respeito aos benefícios de incapacidade.
É importante frisar que o Estado a fim de manter a máquina pública a todo vapor se
olvida das questões sociais e cláusulas pétreas da Constituição, que inclusive são norteadoras
240

da Constituição cidadã de 1988. Assim, quando o segurado/empregado se encontrar no limbo


jurídico previdenciário, não resta outra alternativa ao segurado a não ser provocar
pronunciamento formal do poder judiciário, através de ação judicial visando a concessão do
benefício pleiteado, evidenciando além de toda problemática envolvendo o segurado em
relação ao limbo, também um aumento nas demandas de processos trabalhistas e
previdenciários.

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STEINMETZ, Wilson. A Vinculação dos Particulares a Direitos Fundamentais. São Paulo:


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245

A (IN)OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA


CRIANÇA EDO ADOLESCENTE NO DIREITO PREVIDENCIÁRIO
BRASILEIRO

Rosmeri de Almeida1

Resumo: Este artigo tem como objetivo identificar na legislação previdenciária e normativas
do INSS possível violação ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
O método utilizado foi a pesquisa bibliográfica, sendo que os resultados encontrados
corroboram a ideia de que a legislação previdenciária e normativas do INSS estão se
distanciando progressivamente do necessário amparo à criança e ao adolescente, o que
propicia uma situação de vulnerabilidade social e financeira danosa aos menores
dependentes desegurados do regime geral da previdência.

Palavras-chave: Previdenciário. Crianças. Adolescentes. Princípio. Proteção

1. INTRODUÇÃO

O ordenamento jurídico brasileiro prevê proteção integral à criança e ao


adolescente. Não bastante, o Brasil é um dos 196 signatários da Convenção Internacional
dos Direitos das Crianças.
Ao assumir este compromisso, todos as ações governamentais devem priorizar o
bem-estar dos menores, em todos os níveis e aspectos.
A descontinuidade desta proteção é evidente quando a preocupação maior dos
serviços públicos se mostra desfocada das necessidades do menor que se encontra em
situação de fragilidade social e econômica, como é o caso de muitas das decisões proferidas
pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

As leis previdenciárias, bem como os atos e normativas do INSS, têm


reduzido/dificultado consideravelmente o amparo dado aos dependentes do segurado do
regimegeral, violando o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
Logo, o estudo sobre a proteção social e previdenciária da criança e do adolescente
é de extrema relevância e pertinência.

1
advogada, OAB/RS 95.619, especialista em Direito Processual Civil, Direito Médico, Direito Previdenciário-
RGPS, Direito Previdenciário - RPPS e, cursando atualmente, MBA em Direito Militar e Militar
Previdenciário.
246

Sendo assim, com a intenção de tratar do assunto proposto de forma ampliada, foi
realizada esta pesquisa bibliográfica utilizando doutrina pertinente, artigos disponíveis na
plataforma do CAPES e Google Acadêmico, entre outros, buscando identificar os aspectos
referentes à observância ou não do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente
nalegislação previdenciária e nas normativas do INSS.

2. RESULTADOS

2.1 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A GARANTIA DE


PROTEÇÃOINTEGRAL À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE

A Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 227, traz a garantia da proteção integral
à criança e ao adolescente:

Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao


adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a
salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão.

O mesmo artigo recorda que o Estado participará de forma efetiva para garantir esta
proteção, sendo que a garantia aos direitos previdenciários e trabalhistas aparece no § 3º,
II: “Odireito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: [...] garantia de direitos
previdenciários e trabalhistas”.
Já o § 6º trata dos dependentes previdenciários descendentes, equiparando os filhos
havidos ou não da relação do casamento e os filhos adotivos.
No § 7º, instrui que para atender aos direitos das crianças e dos adolescentes
devemos levar também em consideração o Artigo 204, que trata da Seguridade e da
Assistência Social: “ As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas
com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes
[...]”.
BARBOZA (2000) corrobora informando que os princípios básicos da Convenção
Internacional sobre os Direitos da Criança foram introduzidos no texto constitucional de
1988,“sendo o artigo 227, de nossa Lei Maior, reconhecido na comunidade internacional
como a síntese da mencionada Convenção”.
A mesma autora entende que é
247

Razoável, por conseguinte, afirmar-se que a doutrina da proteção integral, de


maior abrangência, não só ratificou o princípio do melhor interesse da criança
como critério hermenêutico como também lhe conferiu natureza constitucional,
como cláusula genérica que em parte se traduz através dos direitos fundamentais
da criança e do adolescente expressos no texto da Constituição Federal.

Para PINHEIRO (2004)

A consideração da criança e do adolescente como sujeitos de direitos e o respeito


à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento: eis os dois princípios que
resumem o norte adotado pela CF 88, quanto à concretização da garantia dos
direitos e da proteção da criança e do adolescente. O atual texto constitucional
explicita claramenteesses princípios.

Fica clara a ideia de que a criança e o adolescente, com suas particularidades


enecessidades, são o foco de convergência dos ditames constitucionais.
Como pessoas em desenvolvimento, é mister que contem com o amparo e a proteção
que sua situação de vulnerabilidade/fragilidade exige, bem como com as condições para
impulsionar seu pleno desenvolvimento, como saúde, educação, família, segurança, entre
outros.

2.2 A CONVENÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA

O Brasil e outros 195 países ratificaram a Convenção sobre os Direitos da Criança.


Coube à Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada pela ONU, em 20
denovembro de 1989:

Consagrar a doutrina da proteção integral. Entrando em vigor internacional em 2


de setembro de 1990, foi ratificada no Brasil pelo Decreto 99.710, de 21 de
novembro de 1990. Como se infere do seu preâmbulo, a Convenção de 1989 teve
como objetivoefetivar a proteção especial à criança [...].
Coube à Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada pela
ONUem 20 de novembro de 1989, consagrar a doutrina da proteção integral.
(BARBOZA, 2000)

Outrossim, os Artigos 19 e 26 da Convenção estipulam que:

Artigo 19: Os Estados Partes devem adotar todas as medidas legislativas,


administrativas, sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança contra
todas as formas de violência física ou mental, ofensas ou abusos, negligência ou
tratamento displicente, maus-tratos ou exploração, inclusive abuso sexual,
enquanto a criança estiver sob a custódia dos pais, do tutor legal ou de qualquer
outra pessoa responsável por ela. [...]
Artigo 26: Os Estados Partes devem reconhecer que todas as crianças têm o
direito de usufruir da previdência social, inclusive do seguro social, e devem
adotar as medidas necessárias para garantir a plena realização desse direito,
248

em conformidade com sua legislação nacional. Quando pertinentes, os


benefícios devem ser concedidos levando em consideração os recursos e a
situação da criança e das pessoas responsáveis pelo seu sustento, bem como
qualquer outro aspecto relevante para a concessão do benefício solicitado pela
criança ou em seunome. (grifo nosso)

Como signatário da Convenção, o Brasil se comprometeu a cumprir suas


determinaçõese, em se tratando de tema tão importante, o princípio do melhor interesse da
criança e do adolescente nunca deverá ser secundário a outros interesses, sob pena de
incorrer em grave violação aos direitos fundamentais desta parcela da sociedade.
O direito de usufruir da previdência social é, indiscutivelmente uma destas garantias
invioláveis.

2.3 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

A Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 227, § 8º, I, prevê que “A lei
estabelecerá o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens”.
Para BARBOZA (2000), O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei Nº
8.069, de 13 de julho de 1990, “concretizou e expressou os novos direitos da população
infantojuvenil, que põem em relevo o valor intrínseco da criança como ser humano e a
necessidade deespecial respeito a sua condição de pessoa em desenvolvimento.”
Para a autora, a garantia constitucional de absoluta prioridade explicita a prevalência
dos interesses da criança e do adolescente.
Conforme o ECA, é considerada criança a pessoa até doze anos de idade incompletos
e, adolescente, aquela entre doze e dezoito anos de idade. Excepcionalmente, nos casos
expressos em lei, será aplicado o ECA às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.
Já no Artigo 3º fica definido que

A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à


pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei,
assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e
facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral,
espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

D’OLIVEIRA(2012), por sua vez, entende que “as medidas de proteção abarcam as
situações em que os menores encontram-se desprotegidos, quer por ação ou omissão dos pais
eda sociedade em geral, quer seja por uma conduta passiva do Estado.”
249

De acordo com SCHEINVAR (2000) “A proteção social é uma prática tão antiga
como a vida em grupo. [...] De maneira geral, a proteção é entendida como uma intervenção
no sentidode equilibrar formas de organização”.
Também é fato que, sob o critério da especialidade ou lex specialis derogat legi
generali, o ECA deve prevalecer quando encontrados pontos divergentes entre este e a lei
geral,no caso, a lei previdenciária, respeitando o princípio do melhor interesse da criança e
do adolescente.

2.4 O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E


DOADOLESCENTE NO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO DE 2002

De acordo com o Artigo 3º e seguintes do Código Civil Brasileiro, são absolutamente


incapazes os menores de dezesseis anos e relativamente incapazes os maiores de dezesseis e
menores de 18 anos. A menoridade cessa aos dezoito anos completos, tornando a pessoa
hábilà prática de todos os atos da vida civil. A incapacidade para os relativamente incapazes
poderácessar, como por exemplo, pelo casamento.
Para TARTUCE (2008), no que tange ao Direito Civil, a proteção integral à criança
e ao adolescente “pode ser percebida pelo princípio do melhor interesse da criança, ou best
interestof the child, conforme reconhecido pela Convenção Internacional de Haia, que trata da
proteçãodos interesses das crianças.”
Também de acordo com o autor, o Código Civil de 2002, em dois dispositivos, acaba
por reconhecer esse princípio de forma implícita:

O primeiro dispositivo é o art. 1.583 do Código Civil em vigor, pelo qual, no caso
de dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal pela separação judicial por
consentimento mútuo ou pelo divórcio direto consensual, será observado o que
os
cônjuges acordarem sobre a guarda de filhos. Segundo o Enunciado n. 101 do
Conselho da Justiça Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil, a expressão
guarda de filhos constante do dispositivo deve abarcar tanto a guarda unilateral
quanto a compartilhada, sempre atendido o melhor interesse da criança. Se não
houver acordo entre os cônjuges, a guarda deverá ser atribuída a quem revelar
melhores condições para exercê-la (art. 1.584 do CC). Certamente, a expressão
melhores condições constitui uma cláusula geral, uma janela aberta deixada pelo
legislador para ser preenchida pelo aplicador do Direito caso a caso.
Como se pode perceber, no caso de dissolução da sociedade conjugal, a culpa não
mais influencia quanto à guarda de filhos, devendo ser aplicado o princípio que
buscaa proteção integral ou o melhor interesse do menor, conforme o resguardo
do manto constitucional.
250

Por sua vez, BARBOZA (2000) corrobora quando diz que o Estatuto da Criança e do
Adolescente, como lei especial que é, deve ser aplicado prioritariamente quando houver
divergências entre ele e outra lei geral:

[...] O Estatuto se aplica a todas as crianças e adolescentes, subtraindo a


incidência do Código Civil na matéria, em todos os casos em que houver
incompatibilidade entreambos [...]. Se de um lado é inquestionável seja a lei civil
a sede apropriada de tais discussões, de outro, torna-se imperativo o confronto
desses dispositivos com o Estatuto e os princípios que o regem, os quais devem
prevalecer sobre os primeiros, pelas razões já indicadas, particularmente em
matéria de tal relevância.

Em contraponto, TEIXEIRA (2008) entende que “O Estado e a sociedade em geral


ainda não são capazes de promover e assegurar, plenamente, a proteção à criança e ao
adolescente noBrasil.”
A autora conclui que

Urge compreender que esta incapacidade se dá mesmo diante da existência de


toda uma legislação específica, com destaque para as disposições da
Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), além de contrariar o que recomenda a Convenção Internacional sobre
os Direitos da Criança.
Nesse sentido, a violação de direitos no Brasil é fato recorrente e
lamentável. E maislamentável ainda é constatar que, em relação a crianças
e adolescentes, a violação dosdireitos se dá, em algumas vezes, até mesmo
por entidades ou instituições que têm do dever de resguardá-los. (grifo
nosso)

Já SPOSATI (2017) leciona que

A fragilidade, intencional ou não, da nomenclatura e do conteúdo do dispositivo


legalsancionado não afiança, porém, as garantias legais instituídas para proteção
integral à criança. A ausência de objetividade em explicitar a responsabilidade
estatal naaplicação de recursos orçamentários públicos obstaculiza o exame da
transparência da gestão pública na observância de padrões de probidade
administrativa, necessáriosà gestão de uma atenção social em plenos e adequados
padrões de cobertura. A omissão em revelar os resultados esperados, somada à
não profissionalização dosagentes previstos para operá-los, causam profunda
incerteza quanto à garantia de que direitos da criança, da família e da mulher
sejam observados. (grifo nosso)

E, MARTINS (2018), por sua vez, afirma que “a Previdência Social está diretamente
ligadaao princípio da dignidade da pessoa humana, princípio este norteador para definir as
relações referentes os benefícios da seguridade social.”
Sendo assim, com base nos princípios do melhor interesse da criança e do
adolescente e da dignidade da pessoa humana, os atos administrativos do INSS, quando
251

envolvendo dependentes menores de 18 anos, devem(riam) ser embasados em laudos com


um aspecto biopsicossocial, holístico, multi e interdisciplinar, reconhecendo os direitos e
as particularidades destes dependentes, não os deixando em umasituação de vulnerabilidade
não apenas psíquica e social, mas também econômica.

2.5 PRINCIPAIS LEIS E NORMATIVAS PREVIDENCIÁRIAS E OS


POSSÍVEIS DANOS CAUSADOS AOS DEPENDENTES MENORES DE IDADE
COM CONSEQUENTE VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Considerando o que dispõe o Artigo 16 da Lei 8.213 de 1991, são considerados


dependentes: I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de
qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência
intelectual ou mental ou deficiência grave; II - os pais; III - o irmão não emancipado, de
qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência
intelectual ou mental ou deficiência grave.
O § 1º deste artigo define que “a existência de dependente de qualquer das classes
deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes.” Já o § 2º do mesmo
artigo determina que “O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante
declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma
estabelecida no Regulamento.”
A redação anterior do § 2º trazia o seguinte texto: “Equiparam-se a filho, nas condições
do inciso I, mediante declaração do segurado: o enteado; o menor que, por determinação
judicial, esteja sob a sua guarda; e o menor que esteja sob sua tutela e não possua condições
suficientes para o próprio sustento e educação”.
Cabe observar que a Lei 9.528 de 1997 alterou o § 2º, retirando o menor sob guarda
do rol de dependentes sob proteção previdenciária, o que fragilizou muito a proteção
previdenciária dada às crianças e adolescentes nesta condição.
Já, ainda com relação aos dependentes dos segurados do regime geral da previdência,
o Artigo 121 e seguintes da IN 77/2015 traz basicamente o mesmo rol de dependentes,
excluindo também o menor sob guarda, acrescentado no Artigo 124 “os nascidos dentro dos
trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal por morte são considerados
filhos concebidos na constância do casamento, conforme inciso II do art. 1.597 do Código
Civil.”
252

A Lei nº 9.032 de 1995, por sua vez, revogou o Inciso IV do Artigo 16 da Lei 8213/91,
excluindo a possibilidade do segurado de poder designar menor de 21 anos ou maior de 60
anosou pessoa inválida como seu dependente previdenciário.
Outrossim, várias normativas/decisões do INSS dificultam o amparo ao menor
dependente de segurado e seu acesso ao benefício prioritariamente, permanecendo este
menor desassistido até que decisão judicial seja adotada.
Como exemplo, temos a não aceitação da sentença trabalhista como início de prova
material figurando como um dificultador do acesso dos dependentes ao benefício
previdenciário. Esta determinação se encontra no Artigo 71 da IN 77/2015: “A reclamatória
trabalhista transitada em julgado restringe-se à garantia dos direitos trabalhistas e, por si só,
não produz efeitos parafins previdenciários. [...]”
Significa dizer que, por exemplo, no caso da pensão por morte, o vínculo trabalhista
reconhecido na Justiça do Trabalho, mediante sentença transitada em julgado, não será aceito
administrativamente, levando ao indeferimento do benefício pelo INSS.
Outro fator é a data de início do pagamento do benefício e do percentual a ser pago.
Neste sentido, a lei nº 13.846, de 18 de junho de 2019 traz, em seu Artigo 219, que:

A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que
falecer,aposentado ou não, a contar da data:
I - do óbito, quando requerida em até 180 (cento e oitenta dias) após o óbito,
para os filhos menores de 16 (dezesseis) anos, ou em até 90 (noventa) dias após
o óbito, paraos demais dependentes;
II - do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso
Ido caput deste artigo; ou
III - da decisão judicial, na hipótese de morte presumida. [...]

A criança e o adolescente, como já mencionado, não são legalmente capazes para


todosos atos da vida civil. Se não estiverem devidamente representados ou assistidos para
este fim, a perda do prazo estipulado e a diminuição do valor devido é muito
frequente.
Há um desconforto com relação a isto uma vez que o sistema se beneficia em
detrimento do menor, oqual deveria ser protegido integralmente neste momento de maior
vulnerabilidade a partir da data do óbito do segurado, seu provedor.
A avaliação biopsicossocial e multi/interdisciplinar possível enecessária nestes
casos não é rotina da autarquia previdenciária.
253

Ocorre que, para o ECA, a maioridade começa aos 18 anos de idade. Até esta idade
não é justificável que a criança e o adolescente sejam “punidos” por perda do prazo para
que receba o benefício desde a data do óbito do segurado.
Este também é o entendimento do STJ:

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. TERMO INICIAL DE PENSÃO POR


MORTE REQUERIDA POR PENSIONISTA MENOR DE DEZOITO
ANOS.
A pensão por morte será devida ao dependente menor de dezoito anos desde a
data do óbito, ainda que tenha requerido o benefício passados mais de trinta
dias após completar dezesseis anos. De acordo com o inciso II do art. 74 da
Lei 8.213/1991, a pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes
do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data do requerimento,
caso requerida após trinta dias do óbito. Entretanto, o art. 79 da referida lei
dispõe que tanto o prazo de decadência quanto o prazo de prescrição são
inaplicáveis ao “pensionista menor”. A menoridade de que trata esse
dispositivo só desaparece com a maioridade, nos termos do art. 5º do CC –
segundo o qual "A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a
pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil" –, e não aos
dezesseis anos de idade. REsp 1.405.909-AL, Rel. Min. Sérgio Kukina, Rel.
para acórdão Min. Ari Pargendler, julgado em 22/5/2014

Neste sentido, corrobora MARTINS (2018) quando explica que “a pensão por morte
é umbenefício o qual muitas vezes continua assegurando ao beneficiário uma vida digna, a
qual estaria em risco caso não tivesse protegido esse direito, direito este que protege os
dependentesdo falecido.”

DELGADO (2019) lembra que

O benefício da pensão por morte tem um dever fundamental na proteção


social,uma vez que ameniza a exclusão social, sendo que, em muitos casos, é
a única renda que os dependentes possuem para sobreviver. Trata-se de
proteção estabelecida no artigo 201, inciso I da Constituição Federal, que define
ser responsabilidade da Previdência Social, mediante contribuição. O propósito
deexistir da pensão é amparar os dependentes do segurado falecido para que
estestenham condições de se manterem. [...] (grifo nosso)

O último ataque a este benefício se deu com a Emenda Constitucional 103/2019,


Reforma da Previdência:

Art. 23. A pensão por morte concedida a dependente de segurado do Regime Geral
dePrevidência Social ou de servidor público federal será equivalente a uma cota
familiarde 50% (cinquenta por cento) do valor da aposentadoria recebida
pelo seguradoou servidor ou daquela a que teria direito se fosse aposentado
por incapacidade permanente na data do óbito, acrescida de cotas de 10 (dez)
pontos percentuais pordependente, até o máximo de 100% (cem por cento).
254

§ 1º As cotas por dependente cessarão com a perda dessa qualidade e não


serão reversíveis aos demais dependentes, preservado o valor de 100% (cem
por cento) da pensão por morte quando o número de dependentes remanescente
for igual ou superior a 5 (cinco).
§ 6º Equiparam-se a filho, para fins de recebimento da pensão por morte,
exclusivamente o enteado e o menor tutelado, desde que comprovada a
dependência econômica. (grifo nosso)

Já quanto ao menor sob guarda, em 2018, o STJ publicou o acórdão do O REsp


1411258, de relatoria do ministro Napoleão Nunes Maia Filho, foi publicado em 2018. Este
acórdão tratou da discussão sobre o direito à concessão do benefício previdenciário de
pensão por morte ao menor sob guarda.
A tese jurídica fixada sob o Tema 732/STJ é a que segue:

O menor sob guarda tem direito à concessão do benefício de pensão por morte
do seu mantenedor, comprovada sua dependência econômica, nos termos do
art. 33,
§ 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda que o óbito do instituidor
da pensão seja posterior à vigência da Medida Provisória 1.523/96, reeditada e
convertida na lei 9.528/97. Funda-se essa conclusão na qualidade de lei
especialdo Estatuto da Criança e do Adolescente (8.069/90), frente à legislação
previdenciária".

Conclui BARBOZA (2000) que


A guarda, embora tenha sido talvez o primeiro campo de franca aplicação do
melhorinteresse da criança, ainda que sob a denominação de “bem do menor”,
não só teve esse princípio igualmente enfatizado como passou a ter disciplina
própria no Estatuto,como forma de colocação em família substituta.

Efetivamente, a não-observância das diretrizes do Estatuto fere os direitos


fundamentais da criança e do adolescente, devendo, por conseguinte, serem
observadas em todos os casos.
O princípio do melhor interesse da criança, de observância indispensável para
concretização dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, foi
plenamente incorporado pelo nosso ordenamento jurídico.

MOREIRA (2016) demonstra que, progressivamente, os direitos dos dependentes


aos benefícios foram sendo reduzidos.

Para a autora, com a CF 88, o Decreto 83.080/79 “não mais poderia sustentar-se em
sua existência uma vez que a Magna Carta trouxe consigo previsão constitucional de lei
que reformularia antigos conceitos sobre o direito previdenciário.”
No que se refere à Lei 9.032/95, de acordo com a mesma autora, esta veio a restringir
ainda mais o elenco de dependentes, de modo a extinguir, de vez, a classe 4, que abrigava
aquelaextensão da família (os designados). Critica o autor quando fala sobre a exclusão do
255

menor sobguarda do rol de dependentes prioritários: “Em outubro de 1996, uma medida
provisória extinguiu da classe 1 os menores sob guarda, ou seja, aqueles cuja guarda judicial
havia sido deferida ao segurado. Ou seja, até a classe 1, dos chamados dependentes
preferenciais, antes intocáveis, estava sendo atingida pelas reformas”:

O intuito dessas sucessivas supressões não é outro senão o de diminuir a


concessão de benefícios pensionários, evitando que o INSS desembolse
verdadeira fortuna com esse tão vasto contingente de beneficiários que eram as
pessoas designadas. É a importação dos ideais capitalistas para a Administração
Pública, em seu aspecto maismíope e antissocial possível, de que o Estado tem
de dar “lucro” e evitar o “desperdício”. Esquecem os detentores do poder político,
que o Estado tem, acima detudo, a obrigação de promover o bem estar social,
devendo primar pela dignidade humana e justiça social. A “economia” deve ser
feita em outros âmbitos, nos quais, por vezes, se observa um Estado
extremamente perdulário. (MOREIRA, 2016)

3 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Vários são os “dificultadores” impostos pelo INSS ao analisar os benefícios


requeridospelos dependentes do segurado do regime geral.
Um exemplo que impacta diretamente na celeridade do processo administrativo e,
consequentemente, no amparo ao menor dependente, é a não aceitação da sentença
trabalhista procedente e transitada em julgado como início de prova material no caso de
trabalhador informal, resultando na demora, indeferimento, necessidade de ajuizamento
de ação, todos fatores que, neste lapso temporal, deixam o menor desassistido pela
previdência social direta ou indiretamente.
Outro exemplo são os prazos definidos para requerer a pensão por morte, sem falar
naalteração das regras para a concessão e pagamento do benefício que, gradativamente,
foram alteradas de forma a minimizar o valor a ser pago. Estes itens estão na contramão do
amparo que a previdência social deveria fornecer à criança e adolescente neste momento
de perda, incertezas sobre guarda, fragilidade social e financeira.
O desrespeito ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente é
verificado em vários momentos: quando da exclusão do menor sob guarda do rol de
dependentes previdenciários, quando da exclusão de pessoa indicada como dependente,
quando se alteram alíquotas e prazos dos benefícios a serem pagos, quando criam-se
empecilhos burocráticos cujas decisões favoráveis aos segurados e dependentes já se
encontram totalmente pacificados pelostribunais superiores,
256

São vários momentos em que o princípio do melhor interesse da criança e do


adolescente são violados, permanecendo este, infelizmente, em segundo plano, desfocado,
desconsiderado, no momento das definições legislativas e da autarquia.

CONCLUSÕES

São vários os empecilhos colocados pelo INSS e pela legislação previdenciária para
aconcessão dos benefícios aos dependentes menores de idade, mesmo que o tema já esteja
pacificado nos tribunais superiores.
O desrespeito à Convenção, à Constituição Federal e ao Estatuto da Criança e do
Adolescente é visível, gritante.
Várias são as justificativas da autarquia para a demora na análise dos requerimentos
e para os indeferimentos e poucas são as soluções adotadas para a concessão do melhor
benefício, neste caso, da melhor assistência ao menor dependente de segurado do regime
geralda previdência social.
Obstáculos são criados e dificilmente derrubados, mesmo que manifestamente
prejudiciais ao dependente/segurado.
Ao concluir este artigo, infelizmente, validamos a hipótese de que a legislação
previdenciária e as normativas/atos do INSS, gradativamente, estão se distanciando do
melhorinteresse da criança e do adolescente, retirando sorrateiramente direitos desta parcela
da população e deixando-a desassistida em situações de maior vulnerabilidade.

REFERÊNCIAS

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In: Anais do II Congresso Brasileiro de Direito da Família. 2000. p. 201-213.

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258

O ARTIGO 40 §, 4º, DA CF 88, SUAS ALTERAÇÕES POR MEIO DE


EMENDAS CONSTITUCIONAIS E A APOSENTADORIA ESPECIAL DO
SERVIDOR PÚBLICO

Rosmeri de Almeida1

Resumo: Este artigo tem como objetivo tratar da aposentadoria especial do servidor público,
as alteraçõesdo Artigo 40, §4º, da CF 88 de acordo com as Emendas Constitucionais e a sua
real aplicabilidade.
O método utilizado foi a pesquisa bibliográfica, sendo que os resultados encontrados
corroboram com a ideia de que a aposentadoria especial do servidor público sempre foi
um tema controverso, repleto de brechas e omissões legislativas, desconhecida até mesmo
por muitos segurados do RPPS.

Palavras-chave: Previdenciário. Aposentadoria. Especial. Servidor. Público.

1. INTRODUÇÃO

A legislação brasileira é desconexa ao tratar da aposentadoria especial dos


servidorespúblicos.
Apresentando lacunas, por não terem sido criadas leis específicas para disciplinar
os temas previdenciários do regime próprio, se apoia no regime geral da previdência
social (RGPS) e em legislações afins ao regime geral.
Isto gera confusões, divergências de interpretação e aplicabilidade e falta de
clareza sobre o regime próprio da previdência social (RPPS).
Outro fator importante é o de que cada ente federativo, União, Estados, Distrito
Federal e Municípios, possui autonomia para legislar sobre o tema previdenciário,
concorrentemente. Neste cenário caótico, as informações são dispersas, rasas,
desencontradas, desatualizadas, muitas vezes inconstitucionais, necessitando decisões
dos tribunais, entre outras, para suprir as deficiências de legislação evidenciadas.
Para piorar, não se encontram dados previdenciários e regras bem definidas sobre
a concessão de aposentadorias e outros benefícios ao servidor público. Estão dispersos
entre as inúmeras Constituições Estaduais, Leis Orgânicas, estatutos, emendas, decisões
judiciais, leis do RGPS, entre outros, com inúmeras mudanças de entendimento e de

1
advogada, OAB/RS 95.619, especialista em Direito Processual Civil, Direito Médico, Direito Previdenciário-
RGPS, Direito Previdenciário - RPPS e, cursando atualmente, MBA em Direito Militar e Militar
Previdenciário.
259

redação em um curto espaço de tempo. Tudo isto também contribui com a complexidade
excessiva para que o advogado trabalhe com o RPPS e para que os julgadores decidam
sobre os temas previdenciários do regime próprio.
Da mesma forma, os dados previdenciários dos segurados do RPPS tendem a ser
centralizados e raras vezes, acessíveis ao servidor.
Inúmeras vezes, o servidor se apropria de sua “vida previdenciária” somente
quando está próximo de se aposentar. Desta forma, por desconhecimento, não questiona
o que lhe é sugerido ou imposto.
A aposentadoria especial não é exceção à regra e muitos servidores desconhecem
seu direito a requerê-la. Outras vezes, também, devido às regras para a aposentadoria
especial serem análogas às do regime geral de previdência social, o servidor deixa de
usufruir deste benefíciopor ter uma grande perda financeira quando se trata de optar pela
média das contribuições, abrindo mão da integralidade e da paridade que muitos já têm
como direito adquirido.
A relevância deste tema está justamente neste aspecto: buscar o melhor benefício
parao servidor público e obter regras claras para a concessão da aposentadoria especial.

2. RESULTADOS

2.1 O regime próprio da previdência social e o artigo 40 da Constituição


Federal de 1988

O Artigo 40 da CF/88 traz as diretrizes do Regime Próprio da Previdência Social.


Este artigo foi amplamente modificado pelas Emendas Constitucionais EC 03, de
17/03/1993; EC 20, de 15/12/1998; EC 41, de 19/12/2003; EC 47, de 05/07/2005; EC
88, de 07/05/2015, sendo que, mais recentemente, pela EC 103, de 12/11/2019, que
alterou significativamente a redação do artigo, bem como realizou inúmeras inclusões
no texto anterior.
Para AMADO (2015, p. 1130)
ao lado do Artigo 40 da Constituição Federal, as Leis 9.717/98 e 10.887/04
traçam asregras gerais dos Regimes Próprios da Previdência Social, a serem
obrigatoriamente observados pela própria União, Estados, Distrito Federal e
Municípios na instituição dos seus RPPS’s por leis específicas, sob pena de
inconstitucionalidade formal, por violação ao regramento geral.

Também sobre o RPPS, DARTORA (2018, p. 139) ensina que


260

o RPPS tem como objetivo amparar os servidores públicos da União, Estados,


Distrito Federal, Municípios, Fundações e Autarquias, de forma
individualizada, observando as normas da Constituição Federal (arts. 40, 37
e 149) e Estadual e aLei Orgânica de cada município, bem como do respectivo
Estatuto Social dos Servidores Públicos de cada ente federativo, todos
observando o que dispõe a Lei 9.917, de 27/11/19982.

O conceito de Regime Próprio da Previdência Social é encontrado no Artigo 2º da


Portaria MPS 402/20083:

Art. 2º Regime Próprio de Previdência Social - RPPS é o regime de


previdência, estabelecido no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios que assegura, por lei, aos servidores titulares de cargos
efetivos, pelo menos, os benefícios de aposentadoria e pensão por morte
previstos no art. 40 da Constituição Federal.

No que se refere à autonomia dos entes federativos, estes poderiam instituir o


regime próprio de previdência social de seus servidores, desde que observados os
princípios do art. 40 da CF, na redação das Emendas reformadoras, quais sejam:
contributividade obrigatória, solidariedade e equilíbrio financeiro e atuarial.
Após a EC 103/2019, MODESTO (2020), em contraponto, entende que

A Emenda Constitucional 103/2019 praticou – ao menos em parte - ilusionismo


jurídico sobre a sua aplicação aos Estados, Distrito Federal e Municípios. Em
normas expressas conferiu ao legislador estadual, distrital e municipal
autonomia para disciplinar aspectos importantes da relação previdenciária nos
Regimes Próprios de Previdência (v.g. Art. 40, §1, III, §3º, 4º-A, 4º-B, 4º-C,
§7º, Art. 14, §5º). Mas em outras normas estabeleceu que a legislação a ser
editada nos entes subnacionais deve corresponder a um figurino permanente
padrão, sem inovação relevante, gizado por requisitos de elegibilidade e
benefícios equivalentes à normatividade federal (v.g., Art. 40, §§2º, 4º, 5º, 6º,
15, 20, 22 e Art. 11 e 9º, §§2º e 4º, 25, §3º, da EC 103/2019).
Em termos singelos: concedeu autonomia normativa com uma mão e a retirou com
aoutra.

Outrossim, a chamada PEC paralela da Previdência, PEC 133/20194 , que já foi


aprovada emdois turnos no Senado, agora será(ia) analisada pela Câmara dos Deputados.

2
Dispõe sobre regras gerais para a organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência social
dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados
e do Distrito Federal e dá outras providências
3
http://sa.previdencia.gov.br/site/2017/07/PORTARIA-MPS-nº-402-de-10dez2008-atualizada-até-
19jul2017.pdf
4
Permite a adoção integral das regras do regime próprio de previdência social da União, mediante lei estadual
ou municipal. Assegura benefício mensal à criança em situação de pobreza. Dispõe sobre o sistema de proteção
social dos militares dos Estados, a previdência dos servidores públicos dos órgãos de segurança pública, a
reabertura de prazo para opção pelo regime de previdência complementar dos servidores públicos federais e o
plano de equacionamento do déficit atuarial do regime próprio dos Estados e Municípios. Dispõe sobre os
cálculos da pensão por morte e da aposentadoria por incapacidade para o regime geral e para o servidor público
261

Entre outros pontos,estaPECtrata(va) da possibilidade de inclusão de estados e municípios no


novo sistema de aposentadorias federal.

2.2 ALTERAÇÕES E INCLUSÕES AO TEXTO DO ARTIGO 40, § 4º, DA


CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

O § 4º do Artigo 40 da CF 88 tem sido o principal alvo das várias alterações


trazidas pelas Emendas Constitucionais, principalmente pelas EC 20, de 15/12/1988; EC
47, de 05/07/2005 e, mais recentemente, pela EC 103, de 12/11/2019.
Nos resta, então, analisar estas alterações, benéficas ou não ao servidor público,
no que tange à aposentadoria especial:

ARTIGO 40, CF 88 EC 20/1998 EC 47/2005 ARTIGO 40 CF 88 –


–TEXTO EC 103/2019
ORIGINAL
§ 4º É vedada a adoção de requisitos e § 4º É vedada a adoção de § 4º É vedada a adoção de requisitos
§ 1º Lei complementar poderá critérios diferenciados para a requisitos e critérios ou critérios diferenciados para
estabelecer exceções ao disposto no concessão de aposentadoria aos diferenciados para a concessão de concessão de benefícios em regime
inciso III, a e c, no caso de exercício abrangidos pelo regime de que trata aposentadoria aos abrangidos próprio de previdência social,
de atividades consideradas penosas, este artigo, ressalvados os casos de pelo regime de que trata este ressalvado o disposto nos §§ 4º-A, 4º-
insalubres ou perigosas. atividades exercidas exclusivamente artigo, ressalvados, nos termos B, 4º-C e 5º;
sob condições especiais que definidos em leis § 4º-A. Poderão ser estabelecidos por
prejudiquem a saúde ou a integridade complementares, os casos lei complementar dorespectivo ente
física, definidos em lei complementar. de servidores: federativo idade e tempo de
I - portadores de deficiência; contribuição diferenciados para
II - que exerçam atividades de aposentadoria de servidores com
risco; deficiência, previamente submetidos a
III - cujas atividades sejam avaliação biopsicossocial realizada por
exercidas sob condições especiais equipe multiprofissional e
que prejudiquem a saúde ou a interdisciplinar
integridade física. § 4º-B. Poderão ser estabelecidos por lei
complementar do respectivo ente
federativo idade e tempo de contribuição
diferenciados para aposentadoria de
ocupantes do cargo de agente
penitenciário, de agente socioeducativo
ou de policialdos órgãos de que tratam o
inciso IV do caput do art. 51, o inciso
XIII do caput do art. 52 e os incisos I a
IV do caput doart. 144
§ 4º-C. Poderão ser estabelecidos por lei
complementar do respectivo ente
federativo idade e tempo de
contribuição diferenciados para
aposentadoria de servidores cujas
atividades sejam exercidas com efetiva
exposição a agentes químicos, físicos e
biológicos prejudiciais à saúde, ou
associação desses agentes, vedada a
caracterização por categoria profissional
ou ocupação.
§ 5º Os ocupantes do cargo de professor
terão idade mínimareduzida em 5 (cinco)
anos em relação às idades decorrentes da
aplicação do disposto no inciso III do §
1º, desde que

federal, das vantagens pecuniárias variáveis para a aposentadoria do servidor público e da aposentadoria do
servidor público federal com deficiência. [...]
262

comprovem tempo de efetivo exercício


das funções de magistério na educação
infantil e no ensino fundamental e médio
fixado em lei complementar do
respectivo ente federativo.
Art. 10. Até que entre em vigor lei federal
que discipline osbenefícios do regime
próprio de previdência social dos
servidores da União, aplica-se o disposto
neste artigo.
§ 1º Os servidores públicos federais
serão aposentados:I - voluntariamente,
observados, cumulativamente, os
seguintes requisitos:
a) 62 (sessenta e dois) anos de
idade, se mulher, e 65(sessenta e
cinco) anos de idade, se homem;
e
b) 25 (vinte e cinco) anos de
contribuição, desde que cumprido o
tempo mínimo de 10 (dez) anos de
efetivo exercício no serviço público e
de 5 (cinco) anos no cargoefetivo em
que for concedida a aposentadoria;
II - por incapacidade permanente para o
trabalho, no cargo em que estiverem
investidos, quando insuscetíveis de
readaptação, hipótese em que será
obrigatória a realização deavaliações
periódicas para verificação da continuidade
das condições que ensejaram a concessão da
aposentadoria; ou III - compulsoriamente,
na forma do disposto no inciso II do
§ 1º do art. 40 da Constituição Federal.
§ 2º Os servidores públicos federais com
direito a idade mínima ou tempo de
contribuição distintos da regra geral para
concessão de aposentadoria na forma dos
§§ 4º-B, 4º- C e 5º do art. 40 da
Constituição Federal poderão aposentar-se,
observados os seguintes requisitos:
I - o policial civil do órgão a que se
refere o inciso XIV do caput do art. 21
da Constituição Federal, o policial dos
órgãos a que se referem o inciso IV do
caput do art. 51,
o inciso XIII do caput do art. 52 e osincisos
I a III do caput do art. 144 da Constituição
Federal e o ocupante de cargo de agente
federal penitenciário ou socioeducativo, aos
55 (cinquenta e cinco) anos de idade, com
30 (trinta) anos de contribuição e 25 (vinte
e cinco) anos de efetivo exercício em cargo
dessas carreiras, para ambos os sexos;
II - o servidor público federal cujas
atividades sejam exercidas com efetiva
exposição a agentes químicos, físicose
biológicos prejudiciais à saúde, ou
associação desses agentes, vedada a
caracterização por categoria profissional
ou ocupação, aos 60 (sessenta) anos de
idade, com 25 (vintee cinco) anos de
efetiva exposição e contribuição, 10
(dez) anos de efetivo exercício de serviço
público e 5 (cinco) anosno cargo efetivo
em que for concedida a aposentadoria;
§ 3º A aposentadoria a que se refere o § 4º-
C do art. 40 da Constituição Federal
observará adicionalmente as condiçõese os
requisitos estabelecidos para o Regime
Geral de Previdência Social, naquilo em
que não conflitarem com as regras
específicas aplicáveis ao regime próprio de
previdência social da União, vedada a
conversão de tempo especial em comum.
Art. 21. O segurado ou o servidor público
federal que se tenha filiado ao Regime
Geral de Previdência Social ou ingressado
no serviço público em cargo efetivo até a
data de entrada em vigor desta Emenda
Constitucional cujas atividades tenham sido
exercidas com efetiva exposição a agentes
químicos, físicos e biológicos prejudiciais à
saúde, ou associação desses agentes, vedada
a caracterização por categoria profissional
ou ocupação, desde que cumpridos, no caso
do servidor, o tempo mínimo de 20 (vinte)
anos de efetivo exercício no serviço público
e de 5 (cinco) anos no cargo efetivo em que
for concedida a aposentadoria, na forma dos
arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho
263

de 1991, poderão aposentar-se quando o


total da soma resultante da sua idade e do
tempo de contribuição e o tempo de efetiva
exposição forem, respectivamente, de:
I - 66 (sessenta e seis) pontos e 15
(quinze) anos de efetivaexposição;
II - 76 (setenta e seis) pontos e 20
(vinte) anos de efetivaexposição; e
III - 86 (oitenta e seis) pontos e 25
(vinte e cinco) anos deefetiva
exposição.
§ 1º A idade e o tempo de contribuição
serão apurados emdias para o cálculo do
somatório de pontos a que se refere
o caput. § 2º O valor da aposentadoria
de que trata esteartigo será apurado na
forma da lei.
§ 3º Aplicam-se às aposentadorias dos
servidores dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios cujas atividades sejam
exercidas com efetiva exposição a agentes
químicos, físicos e biológicos prejudiciais
à saúde, ou associação desses agentes,
vedada a caracterização por
categoria.
264

Nos lembra MARTINS (2017) que

A reforma promovida em 1.998, por intermédio da Emenda Constitucional n.º


20, introduziu, no âmbito do Regime Próprio, a possibilidade de serem aplicadas
as regrasdo Regime Geral, nos seguintes termos:
§ 12 - Além do disposto neste artigo, o regime de previdência dos servidores
públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e
critérios fixados para o regime geral de previdência social.
Dessa forma, institui-se o princípio da subsidiaridade no âmbito da Previdência
do Servidor, portanto, diferentemente do que afirmam, a aplicação das regras
do INSS não se funda na analogia, mas sim no permissivo constitucional acima
citado. Ocorreque o texto magno é cristalino ao afirmar que a aplicação das
regras do outro regime básico somente se estendem ao RPPS quando cabíveis.
Funcionando a expressão no que couber como verdadeiro limite a sua
aplicação, à medida que a invocação das normas contidas nas Leis n.º 8.212/91
e 8.213/91 e demais atos normativos somente pode ocorrer quando estiverem
de acordo com os aspectos relacionados à Administração Pública.

Sem lei complementar que definisse a aposentadoria especial do servidor público,


o STF se posicionou no sentido de que ao servidor público filiado ao RPPS seria devida
a aposentadoria especial nos termos do RGPS, ou seja 15, 20 ou 25 anos de contribuição,
sem idade mínima.
O tema 727, por sua vez, tratou da definição da legitimidade passiva ad causam e,
portanto, da competência para julgar o mandado de injunção impetrado por servidores
públicos municipais, estaduais e distritais em que se pretende a declaração de mora
legislativa para edição da lei complementar relativa à disciplina da aposentadoria especial
de servidor público,a que alude o § 4º do art. 40 da Constituição federal. Segue ementa:

Recurso extraordinário. Repercussão Geral da questão constitucional


reconhecida. Reafirmação de jurisprudência. A omissão referente à edição da
Lei Complementar aque se refere o art. 40, §4º, da CF/88, deve ser imputada
ao Presidente da República e ao Congresso Nacional. 2. Competência para
julgar mandado de injunção sobre a referida questão é do Supremo Tribunal
Federal. 3. Recurso extraordinário provido para extinguir o mandado de
injunção impetrado no Tribunal de Justiça.
(RE 797905 RG, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em
15/05/2014, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL -
MÉRITO DJe-
102 DIVULG 28-05-2014 PUBLIC 29-05-2014)

Com relação à EC 47/2005, defende AMADO (2015, p. 1160) que

Com propriedade, a aposentadoria com critérios especiais era prevista apenas


para os servidores que exerciam atividades sob condições especiais que
prejudicassem a saúde ou a integridade física [...] e que “com o advento da
Emenda 47/2005, houve uma expansão do benefício, que passou a abarcar
também os servidores que desenvolvem atividades de risco e os portadores de
deficiência” [...]
265

MONTE (2012), quando trata da aposentadoria especial, esclarece que

Esse benefício, que se convencionou chamar aposentadoria especial, é devido


ao segurado que tenham trabalhado sob a exposição aos agentes nocivos
químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou
à integridade física, pelo período equivalente ao exigido para a concessão do
benefício. [...]
A Suprema Corte considerou, portanto, que a competência legislativa
concorrente sobre o tema da aposentadoria dos servidores públicos não afasta a
necessidade de umtratamento uniforme da matéria, especialmente por se tratar
de norma que excepciona as regras gerais de aposentadoria, configurando a
necessidade da edição de norma regulamentadora de caráter nacional, cuja
competência é da União, contexto que enseja a legitimidade passiva do
Presidente da República.

Enfim, os servidores públicos de cargos efetivos, cujas atribuições apresentam


riscos àsaúde e/ou integridade, física, estando expostos a agentes nocivos ou até mesmo,
à associação destes agentes, obtiveram ao longo do tempo avanços significativos, nos
modelos do RGPS, nabusca da implementação da aposentadoria especial, muito embora,
com a EC 103/2019, ambosos regimes tenham sofrido significativo “desdém legislativo”
no que tange à este modelo de aposentadoria.

2.3 A aplicação “no que couber” da súmula 33 do STF

Quando a Súmula 33 do STF determinou que “aplicam-se ao servidor público, no


quecouber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial
de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei
complementar específica”, abriu uma série de possibilidades, dúvidas e entendimentos.
Dentre outros aspectos, especificamente sobre a aposentadoria do servidor
portador de deficiência e dos servidores que exercem atividade de risco, AMADO (2015,
p.1165) afirma que estesficaram de fora do espectro jurídico da Súmula vinculante 33,
entendendo o autor que, nestas duas situações, continuava sendo necessário o ajuizamento
de ação judicial.
Também esclarece o autor que somente “com o advento da LC 142/2013 houve a
regulamentação da aposentadoria especial do segurado deficiente do RGPS, sendo que
após a edição desta norma, o STF determinou sua aplicação também para a aposentadoria
especial doservidor público.
Já a redação da IN MPS/SPS 01, de 22/07/2010, que foi alterada pela Instrução
Normativa SPS Nº 3 DE 23/05/2014, define que:
266

Art. 1º A ementa da Instrução Normativa MPS/SPPS/Nº 01, de 22 de julho de


2010, passa a vigorar com a seguinte
redação: "Estabelece instruções para o reconhecimento,
pelos Regimes Próprios de Previdência Social da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, do direito à aposentadoria dos servidores
públicos com requisitos e critérios diferenciados, de quetrata o art. 40, § 4º,
inciso III da Constituição Federal, com fundamento na Súmula Vinculante nº
33 ou por ordem concedida em Mandado de Injunção."
Art. 2º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições
especiais obedecerão ao disposto na legislação em vigor na época do exercício
das atribuições do servidor público.
§ 1º O reconhecimento de tempo de serviço público exercido sob condições
especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física pelos regimes próprios
dependerá de comprovação do exercício de atribuições do cargo público de
modo permanente, nãoocasional nem intermitente, nessas condições.
§ 2º Não será admitida a comprovação de tempo de serviço público sob
condições especiais por meio de prova exclusivamente testemunhal ou com
base no mero recebimento de adicional de insalubridade ou equivalente.
Art. 3º Até 28 de abril de 1995, data anterior à vigência da Lei no 9.032, o
enquadramento de atividade especial admitirá os seguintes critérios:
I - por cargo público cujas atribuições sejam análogas às atividades
profissionais das categorias presumidamente sujeitas a condições especiais,
consoante asocupações/grupos profissionais agrupados sob o código 2.0.0 do
Quadro anexo ao Decreto no 53.831, de 25 de março de 1964, e sob o código
2.0.0 do Anexo II do Regulamento dos Benefícios da Previdência Social,
aprovado pelo Decreto no 83.080,de 24 de janeiro de 1979; ou
II - por exposição a agentes nocivos no exercício de atribuições do
cargo público, emcondições análogas às que permitem enquadrar as atividades
profissionais como perigosas, insalubres ou penosas, conforme a classificação
em função da exposição aos referidos agentes, agrupados sob o código 1.0.0
do Quadro anexo ao Decreto no 53.831, de 1964 e sob o código 1.0.0 do Anexo
I do Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, aprovado pelo Decreto
no 83.080, de 1979.
Art. 4º De 29 de abril de 1995 até 5 de março de 1997, o enquadramento de
atividadeespecial somente admitirá o critério inscrito no inciso II do art. 3º
desta Instrução Normativa.
Art. 5º De 6 de março de 1997 até 6 de maio de 1999, o enquadramento de
atividade especial observará a relação dos agentes nocivos prejudiciais à saúde
ou à integridadefísica que consta do Anexo IV do Regulamento dos Benefícios
da Previdência Social,aprovado pelo Decreto no 2.172, de 5 de março de 1997.
Art. 6º A partir de 7 de maio de 1999, o enquadramento de atividade especial
observará a relação dos agentes nocivos prejudiciais à saúde ou à integridade
física que consta do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social,
aprovado pelo Decreto no 3.048, de 6 de maio de 1999.
[...]
§ 1º O enquadramento de atividade especial por exposição ao agente físico
ruído, emqualquer época da prestação do labor, exige laudo técnico pericial.
§ 2º Em relação aos demais agentes nocivos, o laudo técnico pericial será
obrigatóriopara os períodos laborados a partir de 14 de outubro de 1996, data
de publicação da Medida Provisória no 1.523, posteriormente convertida na
Lei no 9.528, de 10 de dezembro de 1997.

A seguir, citações dos precedentes representativos da Súmula 33:

A aposentadoria especial de servidor público portador de deficiência é


assegurada mediante o preenchimento dos requisitos previstos na legislação
aplicável à aposentadoria especial dos segurados do Regime Geral de
Previdência Social, até queseja editada a lei complementar exigida pelo art.
267

40, § 4º, II, da CF/1988. (...) 2.A eficácia do direito à aposentadoria


especial objeto do art. 40, § 4º,da CF/1988 exige regulamentação
mediante lei complementar de iniciativa privativa do presidente da República,
de modo que cabe ao Supremo Tribunal Federal, ex vi doart. 102, I, q, da Lei
Maior, o julgamento do mandado de injunção impetrado com o objetivo
de viabilizar o seu exercício. [MI 4.158 AgR-
segundo, rel. min. Luiz Fux, P, j. 18-12-2013, DJE 34 de 19-2-2014.]

MANDADO DE INJUNÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL DO


SERVIDOR PÚBLICO. ART. 40, § 4º, DA CF/1988. AUSÊNCIA DE LEI
COMPLEMENTAR A DISCIPLINAR A MATÉRIA. NECESSIDADE
DE INTEGRAÇÃO
LEGISLATIVA. 1. Servidor público. Investigador da polícia civil do Estado
de São Paulo. Alegado exercício de atividade sob condições de periculosidade
e insalubridade. 2. Reconhecida a omissão legislativa em razão da ausência de
lei complementar a definir as condições para o implemento da aposentadoria
especial.
3. Mandado de injunção conhecido e concedido para comunicar a mora à
autoridade competente e determinar a aplicação, no que couber, do art. 57 da
Lei 8.213/1991. [MI 795, rel. min. Cármen Lúcia, P, j. 15-4-2009, DJE 94 de
22-5-2009.]

Então, entre outras indagações, após a EC 33:

a) CABERIA PARIDADE E INTEGRALIDADE?

Para CAMPOS (2012) “A paridade é uma forma de reajuste de proventos que


consiste na “constante recomposição dos proventos para manter a equivalência da
remuneração”. (Apud RIBEIRO JÚNIOR, 2013, p. 29)
Da mesma forma, o artigo 40, § 4º, na redação original, da Constituição de 1988
dispunha que os proventos da aposentadoria deveriam ser revistos, na mesma proporção
e na mesma data, sempre que se modificasse a remuneração dos servidores em atividade,
sendo também estendidos aos inativos quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente
concedidosaos servidores em atividade, inclusive quando decorrentes da transformação
ou reclassificaçãodo cargo ou função em que se deu a aposentadoria, na forma da lei.
Corrobora RIBEIRO JÚNIOR (2013, p.30) quando esclarece que

A paridade foi extinta a partir da EC 41/03, sendo que o reajuste passou a ser
feito pormeio de lei específica, ressalvando a paridade para os segurados e
dependentes com benefícios concedidos com fundamento:
a) no art. 40 da Constituição de 1988, na redação original, por força
da EC 20/98 e art. 3º, da EC 41/03, que garantem a aplicação do revogado §
4º, da redação original do art. 40 da Constituição de 1988;
b) no art. 8º da EC 20/98, por força do art. 3º da EC 41/03, que
garante a aplicaçãodo revogado § 8º, da redação da EC 20/98, do at. 40 da
268

Constituição de 1988;
c) no art. 6º da EC 41/03, por força do art. 7º da EC 41/03, aplicável
com base no art.2º da EC 47/05;
d) no art. 3º, caput e parágrafo único, da EC 47/05;
e) no art. 6º-A, parágrafo único, da EC 41/03 inserido pela EC 70/12.

Entende o autor que os benefícios que forem calculados pela média não terão
reajustecom aplicação da regra da paridade, mas de acordo com lei específica, segundo
Art. 40, §8º, da CF/88.
Atualmente, o tema está sem sede de repercussão geral e ainda não se encontra
decidido:
APOSENTADORIA – POLICIAL CIVIL DO ESTADO DE SÃO PAULO –
PROVENTOS – INTEGRALIDADE E PARIDADE – RECURSOS
EXTRAORDINÁRIOS DE AMBAS AS PARTES – REPERCUSSÃO
GERAL CONFIGURADA5.

b) CABERIA CONVERSÃO DO TEMPO ESPECIAL EM COMUM?

O Art. 14-A da IN MPS/SSP 01/2010 definiu que a conversão do tempo especial


em comum não se aplicaria ao servidor público:
Salvo decisão judicial expressa em contrário, esta Instrução Normativa não
será aplicada para:
I - conversão do tempo exercido pelo servidor sob condições especiais
prejudiciais à saúde ou à integridade física em tempo de contribuição comum,
inclusive para fins decontagem recíproca de tempo de contribuição;

Por sua vez, a Súmula 66 da TNU definia que

O servidor público ex-celetista que trabalhava sob condições especiais antes de


migrarpara o regime estatutário tem direito adquirido à conversão do tempo de
atividade especial em tempo comum com o devido acréscimo legal, para efeito
de contagem recíproca no regime previdenciário próprio dos servidores
públicos.

Esta situação foi mantida até que, ao julgar o Recurso Extraordinário Nº


1.014.286/SP,de relatoria do Ministro Luiz Fux, foi admitida a repercussão geral do tema
(Tema 9426), remetendo-se ao julgamento da Súmula Vinculante n. 33.

5
Disponível em:
http://stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verPronunciamento.asp?pronunciamento=7925084
5 942 - Possibilidade de aplicação das regras do regime geral de previdência social para a averbação do tempo
de serviço prestado em atividades exercidas sob condições especiais, nocivas à saúde ou à integridade física de
servidor público, com conversão do tempo especial em comum, mediante contagem diferenciada.
6
942 - Possibilidade de aplicação das regras do regime geral de previdência social para a averbação do tempo
de serviço prestado em atividades exercidas sob condições especiais, nocivas à saúde ou à integridade física de
servidor público, com conversão do tempo especial em comum, mediante contagem diferenciada
269

Então, em recente decisão do STF, o tempo de trabalho especial do servidor


público poderá ser convertido em comum nos moldes do RGPS, até a entrada em vigor
da EC 103/2019:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL.
APOSENTADORIA ESPECIAL DE SERVIDOR PÚBLICO. ARTIGO 40, §
4º, III,DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PEDIDO DE AVERBAÇÃO
DE TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO EM ATIVIDADES EXERCIDAS
SOB CONDIÇÕES ESPECIAIS QUE PREJUDIQUEM A SAÚDE OU A
INTEGRIDADE FÍSICA DO SERVIDOR, COM CONVERSÃO DO TEMPO
ESPECIAL EM COMUM, MEDIANTE CONTAGEM DIFERENCIADA,
PARA OBTENÇÃO DE OUTROS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS.
POSSIBILIDADE ATÉ A EDIÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL N.º
103/2019. DIREITO INTERTEMPORAL. APÓS A EDIÇÃO DA EC
103/2019, O DIREITO À CONVERSÃO OBEDECERÁ À LEGISLAÇÃO
COMPLEMENTAR DOS ENTES FEDERADOS. COMPETÊNCIA
LEGISLATIVA CONFERIDA PELO ART. 40, § 4º-C DA CRFB.
(RE 1014286, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: EDSON
FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 31/08/2020, PROCESSO
ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-235 DIVULG 23-
09-2020 PUBLIC 24-09-2020)

Para concluir, o termo “no que couber” contido na Súmula Vinculante 33 abriu
uma gama de possibilidades, questionamentos, adequações necessárias, que estão em
ebulição no meio judicial e que, em sua maioria, remetem à repercussão geral.
Da mesma forma, após decididos estes temas, novo movimento surge no sentido
da revisão das aposentadorias concedidas com outras formatações.
Quanto mais ampla ou inespecífica a decisão ou norma, maior o número de
possíveis interpretações. Sendo assim, a quantidade de processos previdenciários de
servidores públicosem tramitação é imensa, em todos os graus de jurisdição.

2.4 ENTENDIMENTOS RECENTES DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

Importante citar recentes julgados do STF sobre a aposentadoria do servidor


público exposto a agentes nocivos prejudiciais à saúde, que exerce atividade de risco e
portador de deficiência:

MANDADO DE INJUNÇÃO – APOSENTADORIA ESPECIAL –


SERVIDOR
PÚBLICO. A ausência de enquadramento da atividade como de risco afasta a
aposentadoria especial. APOSENTADORIA – TRABALHO EM
CONDIÇÕES ESPECIAIS – PREJUÍZO À SAÚDE DO
SERVIDOR – VERBETE
VINCULANTE Nº 33. A aprovação do verbete vinculante nº 33, a versar a
aplicação,ao servidor público, no que couber, das regras do regime geral da
previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º,
270

inciso III, da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica,


enseja a perda superveniente dointeresse processual.
(MI 1890, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em
05/08/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 26-08-2020
PUBLIC 27-08-2020)

MANDADO DE INJUNÇÃO – APOSENTADORIA ESPECIAL –


SERVIDOR
PÚBLICO – ATIVIDADE DE RISCO – Inexiste omissão legislativa,
considerada aaposentadoria especial prevista no artigo 40, § 4º, inciso II, da
Constituição Federal, no caso de profissão sujeita a risco contingente.
(MI 3485 AgR, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em
14/08/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG 05-09-2019
PUBLIC
06-09-2019)
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL.
SERVIDOR PÚBLICO. APLICAÇÃO DO ART. 57 DA LEI FEDERAL Nº
8.213/1991. SÚMULA VINCULANTE Nº 33. CONSONÂNCIA DA
DECISÃO RECORRIDA COM A JURISPRUDÊNCIA CRISTALIZADA
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO
QUE NÃO MERECE TRÂNSITO. 1.O entendimento da Corte de origem, nos
moldes do assinalado na decisão agravada, não diverge da jurisprudência
firmada no Supremo Tribunal Federal, no sentido da aplicação das
disposições do art. 57 da Lei nº 8.213/1991 para a concessão de
aposentadoria especial de servidor público. Aplicação da Súmula
Vinculante nº 33. Compreensão diversa demandaria a reelaboração da
moldura fática delineada no acórdão de origem, a tornar oblíqua e reflexa
eventual ofensa à Constituição, insuscetível, como tal, de viabilizar o
conhecimento do recurso extraordinário. 2. As razões do agravo interno não se
mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada.
3. Agravo interno conhecido e não provido.
(ARE 1246644 ED-segundos-AgR, Relator(a): ROSA WEBER, Primeira
Turma, julgado em 24/08/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-216
DIVULG 28-08- 2020 PUBLIC 31-08-2020)

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO


MANDADO DE INJUNÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL DE
SERVIDORA PÚBLICA FEDERAL PORTADORA DE DEFICIÊNCIA.
EMENDA CONSTITUCIONAL 103/2019. PERDA SUPERVENIENTE DE
INTERESSE DE AGIR. MANDADO
DE INJUNÇÃO PREJUDICADO. I – A Emenda Constitucional 103/2019
dispõe emseu art. 22, caput, que a aposentadoria especial de servidor público
federal portador de deficiência é assegurada mediante o preenchimento dos
requisitos previstos na Lei Complementar 142/2013, que deve ser aplicada
inclusive nos períodos de prestação de serviço anteriores à sua vigência, até
que seja editada a lei complementar exigida pelo art. 40, § 4º-A, da
Constituição da República. II – Mandado de injunçãoprejudicado, diante da
superveniência da EC 103/2019. Prejudicado, por conseguinte, os embargos
declaratórios opostos pela União.
(MI 6993 AgR-ED, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal
Pleno, julgado em 31/08/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-233
DIVULG 21-09-2020PUBLIC 22-09-2020)
271

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

O reconhecimento do direito à concessão da aposentadoria especial aos servidores


que trabalham em condições especiais, aplicando-se regras do regime geral como forma
de suprir possíveis omissões legislativas, é fato.
Inúmeros mandados de injunção foram julgados procedentes, sendo que alguns em
sede de repercussão geral.
Com a EC 103/2019, Reforma da Previdência, foram traçadas mais algumas
diretrizespara este tipo de aposentadoria, aproximando mais as regras do regime próprio
às do regime geral.
Embora estas novas diretrizes da aposentadoria especial, válidas após a entrada
em vigência da EC 103/2019, tanto para o regime geral como para o regime próprio, não
serem mais benéficas aos segurados, ambos os regimes tiveram esta modalidade de
aposentadoria contemplada.
Logo, um tema sempre controverso, que suscitou inúmeras ações e readequações
legislativas, acaba por ter regras questionáveis tanto para o segurado do regime geral
quanto para o segurado do regime próprio.
LADENTHIN (2020, p. 486) esclarece que “A EC 103/2019 altera o art. 40 da
CF/88 aos servidores da União, deixando para a PEC Paralela 133/2019, a reforma
previdenciária dos Estados, Distrito Federal e Municípios. Ainda assim, vários Estados já
estão em fase de aprovação da sua reforma previdenciária.” Para a autora, a nova redação
do Artigo 40 da CF/88 após a EC 103/2019 não traz definidos a idade e o tempo de
contribuição para a aposentadoria especial, ficando a cargo de cada ente federativo
estabelecê-la por meio de lei complementar:

Artigo 40, § 4º-C. Poderão ser estabelecidos por lei complementar do


respectivo ente federativo idade e tempo de contribuição diferenciados
para aposentadoria de servidores cujas atividades sejam exercidas com
efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais
à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por
categoria profissional ou ocupação. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 103, de 2019).

Deste modo, Estados, Distrito Federal e Municípios terão que trabalhar muito para
adequar suas regras de regime próprio de previdência social às novas regras trazidas pela
EC 103/2019, no que couber.
272

CONCLUSÕES

As bases para a concessão de benefícios ao segurado servidor público se


encontram definidas na Constituição Federal de 1988, Constituições Estaduais, Leis
Orgânicas e estatutosmunicipais.
Ocorre que a aposentadoria especial, nos moldes do RGPS, foi sendo esculpida
judicialmente ao longo do tempo.
Muitos servidores desconhecem seu direito à aposentadoria especial e/ou
entendem que só há uma possibilidade remota de requerê-la mediante judicialização.
A CF/88, Artigo 40, § 1º, em sua redação original, ao tratar da aposentadoria
especialdo servidor público, previu a criação de uma lei complementar que tratasse do
exercício de atividades perigosas, penosas ou insalubres. Esta lei nunca foi criada.
Os contornos que se fizeram a partir desta omissão, aproximaram o modelo de
concessão da aposentadoria especial do RGPS ao do RPPS.
Apesar do trabalhoso avanço em um sentido positivo, a EC 103/2019 trouxe sério
retrocesso ao determinar a idade mínima para a aposentadoria especial do servidor
federal. Considera a possibilidade do trabalho especial, mas não aceita a conversão em
tempo comum e define sessenta anos como idade mínima. A regra transitória por pontos
também será alcançada por poucos.
Mesmo, atualmente, vivendo momentos em que um número imenso de
profissionais da saúde adoeceu e/ou faleceu, em todo o mundo, por estar na linha de frente
no combate à pandemia pelo Coronavírus, a sensibilização legislativa em razão destes
dados ainda é inexistente. Da mesma forma, com relação aos demais trabalhadores dos
chamados serviços essenciais.
Para finalizar, se pensarmos na essência do direito à aposentadoria especial, ou
seja, preservar a saúde do segurado que trabalha exposto a riscos inerentes à profissão e
que, mesmocom o uso de equipamentos individuais de proteção, ainda correm o risco de
adoecer ou até mesmo morrer em serviço, vemos que o novo texto constitucional após a
EC 103/2019 está à margem do principio da dignidade da pessoa humana...infelizmente.
273

REFERÊNCIAS

AMADO, Frederico. Curso de Direito e Processo Previdenciário. 7ª ed. - Editora


Juspodivm:2015.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em:


https://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1988/constituicao-1988-5-outubro-1988-
322142- publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: 10/08/2020.

DARTORA, Cleci Maria. A Aposentadoria do Professor – Aspectos controvertidos. 4ª ed.


Curitiba: Juruá, 2018.

DE LACERDA, Me Lourivânia Soares. A aposentadoria especial do servidor público e


suaspolêmicas. Revista Processus de Estudos de Gestão, Jurídicos e Financeiros, v. 10, n.
39, p. 151-160, 2019. Disponível em:
http://periodicos.processus.com.br/index.php/egjf/article/view/106. Acesso em:
20/09/2020.

LADENTHIN, Adriane Bramante de Castro. Aposentadoria especial – teoria e prática. 5ª


ed.Curitiba: Juruá, 2020.

MARTINS, Bruno Sá Freire. O princípio da subsidiariedade e o RPPS. Disponível em:


https://www.jornaljurid.com.br/colunas/previdencia-do-servidor/o-principio-da-
subsidiariedade-e-o-rpps Postado em 20 de Junho de 2017. Acesso em: 18/09/2020.

MODESTO, Paulo. Previdência nos estados e municípios: exercício de autonomia ou


reprodução?. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jan-16/interesse-publico-
previdencia-estados-municipios-autonomia-ou-reproducao-servil. Acesso em: 18/09/2020.

MONTE, Meiry Mesquita. Aposentadoria especial de servidor público que labora em


condições prejudiciais à saúde ou à integridade física - uma análise doutrinária e
jurisprudencial em face de omissão legislativa. Disponível em:
https://revistacontrole.tce.ce.gov.br/index.php/RCDA/article/view/171 Data da
publicação:30/06/2012. Acesso em: 20/09/2020.

NAGEL, Renato Adalberto. A aposentadoria especial do servidor público e a


aplicabilidade do art. 57 da lei 8.213/91. Disponível em:
https://scholar.google.com.br/scholar?hl=pt-
BR&as_sdt=0%2C5&q=aposentadoria+especial+servidor+público&btnG=

RIBEIRO JÚNIOR, Herculano José. Revisões de benefícios previdenciários dos servidores


públicos. Curitiba: Juruá, 2013. P.29-31.
274

A CRIANÇA E O ADOLESCENTE SOB GUARDA NO ROL DE


DEPENDENTES PREVIDENCIÁRIOS A PARTIR DO JULGAMENTO
DAS ADIS 4878/DF E 5083/DF

Silvia Resmini Grantham1

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo abordar a inclusão da criança e do


adolescente sob guarda no rol de dependentes previdenciários após o julgamento das Ações
Diretas de Inconstitucionalidade 4878 e 5083 no Supremo Tribunal Federal. O parágrafo 2º
do art. 16 da Lei 8.213/91, que originalmente incluía o “menor sob guarda” no rol de
dependentes previdenciários, foi alterado pela Medida Provisória n. 1.523, de 11 de outubro
de 1996 (convertida, posteriormente, na Lei 9.528/1997), mantendo, na condição de
dependente equiparado a filho, apenas o enteado e o menor sob tutela, desde que comprovada
a dependência econômica. A Emenda Constitucional 103, de 12 de novembro de 2019, por
sua vez, chancelou essa alteração legislativa anterior, mantendo o parágrafo 2º do art. 16
inalterado. Muito recentemente, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar duas Ações Diretas
de Inconstitucionalidade, procurou corrigir a distorção legislativa. Nesse artigo, além de se
adentrar no conceito de guarda, trazido pelo direito de família e pelo direito da criança e do
adolescente, faz-se uma análise do julgamento da ADIs 4878 e 5083 (em apenso à ADI 4878)
e suas consequências para o tratamento dispensado à criança e ao adolescente sob guarda
pelo direito previdenciário.

Palavras-chave: Direito Previdenciário. Direito de Família. Criança e Adolescente sob guarda.


Dependente. ADI 4878. ADI 5083.

1 INTRODUÇÃO

No dia 08 de junho de 2021, o Supremo Tribunal Federal julgou as ADIs 4878/DF e


5083/DF (BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2021), decidindo, por seis votos
a cinco, que o “menor sob guarda” é dependente previdenciário.
Foi fixado o entendimento de que os direitos fundamentais das crianças e
adolescentes devem ser protegidos com absoluta prioridade, inclusive para questões
previdenciárias (HIGÍDIO, 2021) e, dessa forma, o “menor sob guarda” foi “reinserido” (por
interpretação conforme) no rol de dependentes previdenciários.
Tomando esse recente julgamento como ponto de partida, nesse estudo, inicialmente,
traçaremos uma interlocução entre o direito de família e o direito previdenciário, a fim de
entender quem é o “menor sob guarda” e, após, verificaremos a possibilidade de ser

1
Advogada previdenciarista, inscrita na OAB/RS 57.193. Mestre em Direito Público pela UNISINOS. Pós-
graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Fundação do Ministério Público/RS. E-mail:
silviagrantham@yahoo.com.br.
275

considerado dependente para efeitos previdenciários na nova alteração constitucional,


promovida pela Emenda Constitucional 103/2019 (BRASIL, 2019).
De plano, é preciso ressaltar que, embora o direito previdenciário, ao tratar do tema,
utilize a expressão “menor sob guarda”, o direito de família prefere se valer do termo
“criança e adolescente”.
Nesse sentido, inclusive, manifestou-se o Ministro Edson Fachin, ao proferir seu voto
na ADIN 4848 (BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2021):

É preciso ter em dimensão crítica a nomenclatura eleita pelo legislador


previdenciário, ao tratar da criança e do adolescente, em sua condição de pessoa
em desenvolvimento, com o vocábulo “menor”, que remonta à legislação já
revogada, ou seja, ao Código de Menores, Lei n.º 6697/1979. A Constituição de
1988 alterou significativamente a disciplina dos direitos das crianças e dos
adolescentes, ao estabelecer novos paradigmas na matéria, no que foi em tudo
complementada com a edição do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº
8.069/1990. Trata-se da transição de paradigma, em verdadeira “virada
copernicana”. O ordenamento abandona a doutrina da situação irregular, em que
a criança e o adolescente, então referidos como “menores”, eram tidos como objeto
do direito e passa a adotar a doutrina da proteção integral da criança e do
adolescente, nos termos do art. 227, CRFB. A doutrina da proteção integral
ressignifica o estatuto protetivo de crianças e adolescentes, conferindo-lhes status
de sujeitos de direito. Seus direitos e garantias devem, portanto, ser universalmente
reconhecidos, diante de sua especial condição de pessoas em desenvolvimento.
Garantem-se, assim, todas as suas necessidades, de modo não mais restrito à
ambiência penal, como se dava no paradigma anterior.

Por isso, nesse estudo, sempre que possível, utilizaremos a expressão “criança e
adolescente”, ao invés de “menor”.
No primeiro capítulo, trataremos da guarda, procurando definir quem é a criança e
adolescente sob guarda, valendo-se das lições do direito de família.
Adiante, no segundo capítulo, adentraremos na análise do julgamento da ADIs 4878
e 5083 (BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2021) e abordaremos os reflexos
desse julgamento para o direito previdenciário, em especial, a partir da Emenda
Constitucional 103/2019 (BRASIL, 2019).

2 CRIANÇA E ADOLESCENTE SOB GUARDA (GUARDA ATRIBUÍDA A


TERCEIROS)

No âmbito do direito de família, segundo Conrado Paulino da Rosa (ROSA, 2021,


pp. 529-530), a guarda surge como um direito-dever natural e originário dos pais, que
consiste na convivência com seus filhos, e é o pressuposto que possibilita o exercício de
276

todas as funções parentais, elencadas nos dispositivos do Código Civil que versam sobre o
poder familiar. Para o autor, a guarda é atributo do poder familiar e, em nosso ordenamento
jurídico, designa o modo de gestão da vida dos filhos, principalmente após o desfazimento
do vínculo conjugal ou convivencial dos pais.
Efetivamente, é na dissolução do vínculo conjugal que, na maioria das vezes, exsurge
a preocupação com a guarda dos filhos, revelando-se a necessidade de regulamentação da
mesma pelo Código Civil (BRASIL, 2002), no Capítulo XI, intitulado “Da proteção dos
filhos”.
No artigo 1.583 do referido Capítulo (BRASIL, 2002), está disposto que a guarda
poderá ser unilateral ou compartilhada e o parágrafo 1º define as duas modalidades de
guarda2, afirmando que será unilateral a guarda atribuída a um só genitor ou a alguém que o
substitua, e compartilhada quando a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e
deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar
dos filhos comuns.
Vale ressaltar que, quando entrou em vigor o Código Civil de 2002, em 11 de janeiro
de 2003, a guarda era apenas atribuída a um dos pais (redação original do art. 1584). A
alteração na lei civil veio com a publicação da Lei 11.698/2008 (BRASIL, 2008), que
introduziu a possibilidade da guarda compartilhada.
No dizer de Conrado Paulino da Rosa (ROSA, 2021, p. 532):

(...) a Lei 11.698, ao estabelecer a possibilidade da guarda compartilhada em nosso


ordenamento jurídico trouxe a seguinte redação ao art. 1584 § 2º do Código Civil:
quando “não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será
aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada”. Todavia, o “sempre que
possível” acabou sendo equivocadamente interpretado que o compartilhamento
somente seria possível com acordo entre os genitores. Ora, filhos de pais que
mantém o diálogo e se entendem bem nem precisam de regras e princípios sobre
guarda compartilhada, pois, naturalmente, compartilham o cotidiano dos filhos. A
lei jurídica é exatamente para quem não consegue estabelecer um diálogo, ou seja,
para aqueles que não se entendem sobre a guarda dos próprios filhos.

O mesmo autor (ROSA, 2021, p. 533) citando Cristiano Chaves de Farias, afirma que
o palco mais iluminado para o exercício conjunto da guarda é, exatamente, o litígio, quando

2
Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.
§ 1º. Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art.
1.584, § 5 o ) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do
pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.
§ 2 o Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com
a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos.
277

o genitor que detém a guarda utiliza o filho como um verdadeiro instrumento de chantagem,
dificultando, de diferentes modos, o contato entre pai não guardião e o filho. Por isso, para
evitar esse quadro, em 22 de dezembro de 2014, foi sancionada a Lei 13.058/2014 (BRASIL,
2014), alterando o artigo 1.584, § 2º do Código Civil Brasileiro, passando a estabelecer que:
“mesmo quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho,
encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será instituída a
guarda compartilhada”.
Então, a guarda compartilhada passou a ser a regra na legislação civil e, sempre que
possível, será exercida pelos pais, que serão responsáveis por decisões estruturais da criança,
como escola, atividades extracurriculares e saúde3.
Contudo, embora seja o ideal, nem sempre a guarda (unilateral ou compartilhada) é
exercida pelos pais.
O artigo 1.584, § 5º do Código Civil4 prevê a possibilidade de atribuição da guarda a
pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência,
o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.
Já o art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, Lei n. 8.069, 1990)
também disciplina a guarda de terceiros, prevendo que a guarda obriga a prestação de
assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor
o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. Não decorre do exercício do poder familiar
e é chamada de guarda assistencial5.
Trata-se de um instituto jurídico pelo qual se atribui a uma pessoa, o guardião, um
complexo de direitos e deveres, a serem exercidos com o objetivo de proteger e prover as

3
O Código Civil, no art. 1.634, no entanto, traz situações que competem a ambos os pais, independentemente
da guarda e que dizem respeito ao poder familiar, a saber: “Art. 1.634. (...)I - dirigir-lhes a criação e a
educação; II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584; III - conceder-lhes ou
negar-lhes consentimento para casarem; IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao
exterior; V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro
Município; VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe
sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; VII - representá-los judicial e
extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em
que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; IX -
exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição”.
4
Art. 1584. (...)
§ 5º. Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda a
pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de
parentesco e as relações de afinidade e afetividade.
5
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (GAGLIANO e outro, 2017, p. 1277) distinguem a guarda
decorrente do exercício do poder familiar, prevista no Código Civil, da guarda decorrente da colocação da
criança ou do adolescente em família substituta, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente. Essa guarda,
prevista no ECA, é chamada de “guarda assistencial” porque coloca a criança em família substituta.
278

necessidades de desenvolvimento de outra pessoa que dele necessite. Diferentemente da


tutela, a guarda não implica destituição do poder familiar, mas sim a transferência a terceiros
componentes de uma família substituta provisória da obrigação de cuidar da manutenção da
integridade física e psíquica da criança e do adolescente (ROSA, 2021, p. 554-555).
Comumente a guarda é atribuída aos avós, em razão do grau de parentesco, afinidade
e afetividade. Frisa-se que avós não podem adotar, por proibição expressa do § 1º do art. 42
do Estatuto da Criança e do Adolescente6, sendo admitida essa possibilidade pela
jurisprudência em casos excepcionais, quando é invocado o princípio do melhor interesse da
criança7.
De toda forma, a transferência da guarda para os avós é, em inúmeros casos, o melhor
caminho para a proteção da criança e do adolescente, por serem estes os parentes mais
próximos.
Maria Berenice Dias, ao tratar sobre a guarda pelos avós, leva à reflexão sobre casos
em que a guarda avoenga pode não ser benéfica aos netos (DIAS, 2021, p. 437):

Nas hipóteses de os pais não estarem aptos ao exercício do poder familiar, os avós
são os primeiros convocados. Talvez não haja pessoas mais indicadas para exercer
esse encargo, ao menos em caráter provisório. Como os avós não podem adotar o
neto (ECA 42 § 1º), destituídos os pais do poder familiar, talvez melhor atenda ao
interesse do neto que seja ele encaminhado à adoção. Há que se atentar se a
permanência na estrutura da família biológica não vai lhe gerar maiores prejuízos.
O passado sempre estará presente em sua vida e ele não terá alguém para chamar

6
Art. 42. (...) § 1º Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando.
7
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
ADOÇÃO POR AVÓS. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR.
PADRÃO HERMENÊUTICO DO ECA.
01 - Pedido de adoção deduzido por avós que criaram o neto desde o seu nascimento, por impossibilidade
psicológica da mãe biológica, vítima de agressão sexual.
02 - O princípio do melhor interesse da criança é o critério primário para a interpretação de toda a legislação
atinente a menores, sendo capaz, inclusive, de retirar a peremptoriedade de qualquer texto legal atinente aos
interesses da criança ou do adolescente, submetendo-o a um crivo objetivo de apreciação judicial da situação
específica que é analisada.
03. Os elementos usualmente elencados como justificadores da vedação à adoção por ascendentes são: i) a
possível confusão na estrutura familiar; ii) problemas decorrentes de questões hereditárias; iii) fraudes
previdenciárias e, iv) a inocuidade da medida em termos de transferência de amor/afeto para o adotando.
04. Tangenciando à questão previdenciária e às questões hereditárias, diante das circunstâncias fática presentes
- idade do adotando e anuência dos demais herdeiros com a adoção, circunscreve-se a questão posta a desate
em dizer se a adoção conspira contra a proteção do menor, ou ao revés, vai ao encontro de seus interesses.
05. Tirado do substrato fático disponível, que a família resultante desse singular arranjo, contempla, hoje, como
filho e irmão, a pessoa do adotante, a aplicação simplista da norma prevista no art. 42, § 1º, do ECA, sem as
ponderações do "prumo hermenêutico" do art.
6º do ECA, criaria a extravagante situação da própria lei estar ratificando a ruptura de uma família socioafetiva,
construída ao longo de quase duas décadas com o adotante vivendo, plenamente, esses papéis intrafamiliares.
06. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 1635649/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/02/2018, DJe
02/03/2018).
279

de mãe ou pai. Além disso, a guarda é uma relação por demais insegura. Não gera
direito de qualquer ordem. A sacralização exacerbada dos vínculos biológicos nem
sempre corresponde ao melhor interesse de quem tem direito à convivência
familiar.

Outra situação que vem sendo admitida, excepcionalmente, é a guarda compartilhada


com terceiros. Esse tipo de guarda, segue a mesma lógica da guarda compartilhada comum.
Sendo que, se diferencia já que o terceiro pode compor como guardião junto a um dos pais
ou, até mesmo, a ambos os pais (MACHADO, 2021).
O grande problema surge quando a guarda é atribuída a terceiros com o único fito de
tornar a criança ou o adolescente seu dependente previdenciário8, forjando-se uma situação
que, na prática, não existe. Por isso, a perícia social e psicológica com a criança ou
adolescente se faz muito relevante, a fim de apurar se, de fato, existe a gestão da vida da
criança ou adolescente pelo guardião ou se apenas se trata de simulacro.
O parágrafo 3º do art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), prevê que
a guarda confere à criança ou ao adolescente a condição de dependente para todos os fins e
efeitos, inclusive previdenciários9. Mas, o § 4º do mesmo dispositivo10, dispõe que o
deferimento da guarda a terceiros não impede o exercício do direito de visitas pelos pais,
assim como o dever de prestar alimentos, mediante pedido do interessado ou do Ministério
Público.
Efetivamente, não há dúvidas que a transferência de guarda deve ser medida
excepcional e não pode ter o intuito meramente previdenciário ou financeiro.
Esse, inclusive, foi um dos argumentos suscitados no julgamento das ADIs 4878 e
5083 (BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2021) para manter a exclusão do
“menor sob guarda” da condição de dependente.

8
APELAÇÃO CÍVEL. GUARDA DE MENOR. AÇÃO AJUIZADA PELO AVÔ MATERNO.
CONCORDÂNCIA DOS GENITORES DA INFANTE. O temor do deferimento de guarda para os avós, via
de regra, reside na possibilidade de se estar deferindo uma falsa guarda, apenas para fins previdenciários. No
caso dos autos, contudo, a guarda da menor é exercida efetivamente pelo avô materno, conforme se depreende
da perícia. Se, de fato, é o avô paterno o guardião, e todos estão de acordo com a efetiva e concreta existência
da guarda avoenga, então o direito de família deve se amoldar, como princípio de realidade, para dar todos os
efeitos jurídicos, enquanto persistir a guarda. NEGARAM PROVIMENTO (Apelação Cível, Nº 70077974251,
Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em: 22-11-2018).
9
Por isso, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RESP 1.751.453 – MS (Rel. Ministro
PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/06/2021, DJe 21/06/2021)
decidiu que criança sob guarda é equiparada a dependente natural em plano de saúde, não podendo ser inserida
como beneficiária do plano apenas como dependente agregada.
10
§ 4 o Salvo expressa e fundamentada determinação em contrário, da autoridade judiciária competente, ou
quando a medida for aplicada em preparação para adoção, o deferimento da guarda de criança ou adolescente
a terceiros não impede o exercício do direito de visitas pelos pais, assim como o dever de prestar alimentos,
que serão objeto de regulamentação específica, a pedido do interessado ou do Ministério Público.
280

Contudo, uma vez constatada a necessidade de transferência de guardião, surge o


direito da criança e do adolescente em relação aos reflexos previdenciários e financeiros.
É o que foi confirmado, recentemente, no julgamento das ADIs 4878 e 5083, como
veremos.

3 ADIS 4878/DF E 5083/DF E A INTERPRETAÇÃO CONFORME: A REINSERÇÃO


DO “MENOR SOB GUARDA” NO ROL DE DEPENDENTES PREVIDENCIÁRIOS

A redação original do parágrafo 2º do art. 16 da Lei 8.213/91 (BRASIL, 1991),


conhecida como “Lei de Benefícios do Regime Geral de Previdência Social”, incluía o
menor sob guarda como dependente previdenciário, equiparando-o a filho:

§ 2º. Equiparam-se a filho, nas condições do inciso I, mediante declaração do


segurado: o enteado; o menor que, por determinação judicial, esteja sob sua
guarda; e o menor que esteja sob sua tutela e não possua condições suficientes para
o próprio sustento e educação.
De acordo com esse dispositivo, o “menor sob guarda” se equiparava a filho e, assim,
era considerado dependente preferencial, pertencendo à primeira classe de dependência,
excluindo as demais classes (II – pais; III – irmão não emancipado, de qualquer condição,
menor de 21 anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne
absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente11).
Em 1996, porém, a Medida Provisória 1.523, de 11 de outubro de 1996 (BRASIL,
1996), posteriormente convertida na Lei 9.528/1997 (BRASIL, 1997), excluiu o “menor sob
guarda” da condição de dependente previdenciário, mantendo o enteado e o “menor” sob
tutela12. Como já referido anteriormente, enquanto da guarda não há destituição do poder
familiar, a tutela não exerce as mesmas competências da autoridade parental, sendo as
atribuições do tutor especificadas em lei, ainda que se aproximem das que estão exercidas
pelos pais (ROSA, 2021, p. 772).
A justificativa para exclusão do “menor sob tutela” do rol dos equiparados a filhos
está nas fraudes que estariam ocorrendo em processos de guarda de netos por avós, com o
fito de obtenção de benefícios previdenciários.

11
Art. 16, incisos I a III da Lei 8213/91.
12
Código Civil:
Art. 1.728. Os filhos menores são postos em tutela:
I - com o falecimento dos pais, ou sendo estes julgados ausentes;
II - em caso de os pais decaírem do poder familiar.
281

Nesse sentido, refere notícia publicada pelo Instituto Brasileiro de Direito


Previdenciário (IBDP, 2020):

A justificativa para a alteração da legislação previdenciária se pautava na


afirmação de que haveria muitas fraudes no processo de guarda, onde, usualmente,
avós requeriam a guarda dos netos, tão somente, para lhes conferir direito de
pensão. O argumento é falacioso, não se revelando suficiente para validar a
retroação da garantia previdenciária que era ofertada ao menor.
De um lado, parte de uma presunção de má-fé, sem dados comprobatórios,
rompendo com o princípio da boa-fé objetiva, onde se estabelece que a boa-fé é
presumida e a má-fé exige inequívoca comprovação. Lado outro, se mostra
dissonante das balizas jurídicas que definem a situação de guarda, que em
nenhuma hipótese amparam concessões deliberadas de guarda de netos a avós.
Ademais, o Estado tem instrumentos de fiscalização e controle aptos a combater
qualquer possibilidade de fraude, não havendo que se admitir a supressão de
direitos fundamentais para alcançar tal fim.
Vale aqui lembrar que o nosso ordenamento prevê somente três hipóteses de
concessão de guarda judicial, a saber: (a) no trâmite de processo judicial de adoção
ou tutela, regularizando a situação de quem já está, na prática, cuidando de menor
(art. 33, § 1º do ECA); (b) quando a transferência da guarda se revelar necessária
para atender situações peculiares ou para suprir a eventual falta de pais ou
responsável (art. 33, § 2º do ECA); (c) quando o Juízo verificar que os pais ou
responsáveis não conseguem cumprir adequadamente o dever de guarda,
protegendo assim a integridade do menor ao conferir a sua guarda à pessoa capaz
de garantir o cuidado ao menor, dando-se preferência a familiares.
Tem-se claro que a situação de guarda exige comprovação de requisitos
específicos e a intervenção do Juízo de Família, sempre com a participação do
Ministério Público, o que evidencia que a vaga alegação de fraude não encontra
reflexo na realidade de um processo cível que define a guarda de uma criança a
pessoa diversa de seus genitores biológicos.
De toda sorte, operada a alteração legislativa, que excluiu o menor sob guarda da
proteção previdenciária, o tema passa, a partir de então, a ser debatido nos
Tribunais. Por anos a jurisprudência nacional apresentava posicionamentos
difusos sobre a questão, alguns entendendo pela impossibilidade de
reconhecimento da condição de dependente por ausência de previsão na legislação
previdenciária, outros sinalizando que, ante o conflito de normas, prevaleceria a
disposição protetiva do ECA, mantendo-se o deferimento de pensões aos menores
sob guarda.

De fato, a exclusão dessa proteção, mediante o argumento de fraude, é injustificável,


pois desacredita o processo judicial de guarda, no qual estão envolvidos vários pares (juízes,
promotores, assistentes sociais, psicólogos, entre outros profissionais) em busca do melhor
interesse da criança e do adolescente, e opta por aniquilar o direito daqueles que vivem sob
a gestão avoenga.
Por isso, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RESP
1.411.258/RS, sob o rito dos recursos repetitivos, reconheceu ao “menor sob guarda” a
condição de dependente previdenciário, desde que comprovada a dependência econômica
em relação ao seu instituidor, calcando-se em dois fundamentos estruturais. O primeiro deles
é a prevalência do Estatuto da Criança e do Adolescente. O segundo, é a prevalência do
282

compromisso constitucional assegurado pelo art. 227, § 3º, VI da Carta Magna, objetivando
efetivar a máxima proteção aos direitos da criança e do adolescente (IBDP, 2020).
Ainda assim, no próprio Superior Tribunal de Justiça não havia unanimidade, como
bem cita o próprio Ministro Relator da ADI 4878 (BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL, 2021), Ministro Gilmar Mendes:

O Superior Tribunal de Justiça (eDOC 9) consigna que o menor sob guarda não
possui direito à pensão previdenciária por morte quando o falecimento do
instituidor tiver ocorrido após o advento da Medida Provisória 1.596, de 10 de
novembro de 1997, no Ag no EREsp 961.230/SC, Terceira Seção, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, Dje 20.2.2009, porquanto entende que a norma
previdenciária, de natureza específica, deve prevalecer sobre o disposto no art. 33,
§3º, do ECA, de cunho genérico, conforme EREsp 696.299/PE, Terceira Seção,
Rel. Min. Paulo Gallotti, Dje 4.8.2009.

Diante da legislação contrária e das divergências jurisprudenciais, a palavra final


sobre o tema incumbiu ao Supremo Tribunal Federal (STF), através das ADIs 4878/DF
(BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2021), proposta pela Procuradoria-Geral da
República13, e 5083/DF (BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2021), proposta
pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil14 e apensada à ADI 4878.
Ambas as ações foram julgadas recentemente, depois de já publicada a Emenda
Constitucional 103/2019 (BRASIL, 2019), que, no § 6º do art. 2315, manteve a exclusão
previdenciária do “menor sob guarda”, chegando-se a questionar se seria o fim da proteção
previdenciária das crianças e adolescentes sob guarda (INSTITUTO BRASILEIRO DE
DIREITO PREVIDENCIÁRIO, 2020).
Em apertada votação, por seis votos a cinco, foi julgada procedente a ação,
conferindo-se interpretação conforme ao § 2º do art. 16 da Lei 8.213/91, nos seguintes exatos
termos:

Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou procedente a ação, de modo a conferir


interpretação conforme ao § 2º do art. 16 da Lei nº 8.213/1991, para contemplar,
em seu âmbito de proteção, o “menor sob guarda”, nos termos do voto do Ministro
Edson Fachin, Redator para o acórdão, vencidos os Ministros Gilmar Mendes
(Relator), Alexandre de Moraes, Marco Aurélio, Nunes Marques e Luiz Fux
(Presidente), que julgavam improcedente a ação. Falaram: pelo interessado
Presidente da República, a Dra. Izabel Vinchon
1. Nogueira de Andrade, Secretária-Geral de Contencioso da Advocacia-
Geral da União; pelo amicus curiae Associação Nacional de Entidades de

13
Em 19.11.2012, sendo distribuída ao Relator, Ministro Gilmar Mendes.
14
Em 06.01.2014, sendo distribuída ao Relator, Ministro Dias Toffoli.
15
Art. 23. (...) § 6º. Equiparam-se a filho, para fins de recebimento da pensão por morte, exclusivamente o
enteado e o menor tutelado, desde que comprovada a dependência econômica.
283

Previdência dos Estados e Municípios – ANEPREM, o Dr. Bruno Sá Freire


Martins; pelo amicus curiae Defensoria Pública da União – DPU, o Dr. Antonio
Ezequiel Inácio Barbosa, Defensor Público Federal; e, pelo amicus curiae Instituto
Nacional do Seguro Social – INSS, a Dra. Bruna Maria Palhano Medeiros,
Procuradora Federal. Plenário, Sessão Virtual de 28.5.2021 a 7.6.2021.

Em seu voto, o Ministro Relator Gilmar Mendes, que negou provimento às ações,
para declarar a constitucionalidade do art. 16, § 2º da Lei 8213/91 (BRASIL, 1991), na
redação dada pela Lei 9.528/97 (BRASIL, 1997), fez alusão à suposta guarda fraudulenta,
referindo que, quando o “menor sob guarda” foi excluído pela Medida Provisória n. 1.523/96
(BRASIL, 1996), convertida na Lei 9.528/97 (BRASIL, 1997), era comum que avós,
segurados do INSS ou servidores públicos, assumissem a guarda dos netos, de modo a torná-
los potenciais beneficiários de sua pensão por morte.
Sobre a reforma previdenciária de 2019, referiu que tinha por objetivo alcançar a
saúde financeira do sistema previdenciário brasileiro, e que repetiu, no texto da Emenda
Constitucional 103 (BRASIL, 2019), a redação dada ao artigo 16 da Lei 8213 (BRASIL,
1991), mantendo a exclusão do menor sob guarda dentre os dependentes do segurado.
Referiu que a análise do processo legislativo que levou à nova redação da norma impugnada,
somada à doutrina e à recente alteração constitucional, demonstra que foi intenção do
legislador excluir o menor sob guarda dentre os possíveis beneficiários do segurado,
mudança que objetivou reduzir os gastos da previdência, inclusive em razão do desvio de
finalidade identificado nos casos em que avós recebiam a guarda dos netos, que continuavam
submetidos ao poder familiar dos genitores, com o objetivo de deixar o neto como
beneficiário da previsão no caso da sua morte.
Adentrando no exame do instituto da guarda, concluiu que esta se coloca como um
instituto temporário, para regulamentar a situação do menor que aguarda o curso do processo
de adoção, a consolidação da tutela ou o retorno à família, quando os genitores estão com o
poder familiar suspenso por qualquer questão que gere vulnerabilidade da criança. No último
caso, segundo o Ministro Relator, o ECA (BRASIL, 1990) prefere que a criança ou
adolescente seja acolhida por família substituta, que ficará com sua guarda provisória até
que o juizado decida pelo retorno aos pais ou responsáveis pela adoção. Aduziu que o fato
de o “menor” estar sob a guarda de um terceiro não determina, necessariamente sua condição
de dependente deste, quer pela provisoriedade da guarda, quer pela manutenção, em muitos
casos, do poder familiar e da condição de dependente de seu genitor, mesmo que falecido,
que por estar sob os cuidados do Estado.
284

E, finalmente, afirmou que o art. 33, § 3º do ECA (BRASIL, 1990) não foi
recepcionado pela Emenda Constitucional 103 (BRASIL, 2019):

Veja-se que a EC 103, em seu art. 23, §6º, repetiu a redação do art. 16, § 2º, da Lei
8.213, aqui impugnado, fazendo constar que apenas se equiparam a filho, para fins
de pensão por morte, “exclusivamente o enteado e o menor tutelado, desde que
comprovada a dependência econômica”. Portanto, a exclusão do menor sob guarda
da condição de dependente para fins de pensão por morte decorre, agora, de norma
constitucional, estando superada a discussão sobre a prevalência do ECA ou da lei
previdenciária.

Em sentido oposto foi o voto do Ministro Edson Fachin, que acabou sendo
acompanhado pela maioria.
Em relação à possibilidade de guarda fraudulenta, referiu que o argumento está
pautado na presunção de má-fé e que pretensas fraudes supostamente ocorridas em processos
de guarda não são justificativas para impedir o acesso de crianças e adolescentes a seus
direitos previdenciários, assegurados, tanto pelo art. 227 da Constituição (BRASIL, 1988),
quanto pelo art. 33 do ECA (BRASIL, 1990).
Aduziu, o Ilustre Ministro que, ao assegurar a qualidade de dependente ao “menor
sob tutela” e negá-la ao “menor sob guarda”, a legislação previdenciária priva crianças e
adolescentes de seus direitos e garantias fundamentais. Disse que a guarda é situação de fato
e, mais adiante, afirmou que, se o guardião falecer, sem que a criança ou adolescente tenha
sido colocada sob tutela ou adoção, é preciso que os direitos previdenciários sejam
resguardados, em observância ao princípio da proteção integral e da prioridade absoluta,
desde que comprovada a dependência econômica, como exige a legislação previdenciária.
Mencionou que a interpretação que assegura ao “menor sob guarda” o direito à
proteção previdenciária deve prevalecer, não apenas porque assim dispõe o Estatuto da
Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), mas porque direitos fundamentais devem
observar o princípio da máxima eficácia. Assegura-se, assim, segundo o Ministro, a
prevalência do compromisso constitucional contido no art. 227, § 3º, VI da Constituição
(BRASIL, 1988).
Sobre a reforma constitucional previdenciária, aduziu que os pedidos formulados nas
ADIs 5083 e 4878 (BRASIL, 2021), não contemplaram a redação do art. 23 da EC 103/2019
(BRASIL, 2019), razão pela qual não procedeu à verificação da constitucionalidade do
dispositivo, em homenagem ao princípio da demanda. De toda sorte, afirmou serem em todo
285

aplicáveis ao art. 23 referido os argumentos veiculados em sua manifestação (o que,


atualmente, motivou a interposição de Embargos de Declaração, como veremos).
Concluiu, conferindo interpretação conforme ao § 2º do art. 16 da Lei 8213/91
(BRASIL, 1991), para contemplar, em seu âmbito de proteção, o “menor sob guarda”.
Na mesma esteira, a Ministra Rosa Weber, em voto-vogal, acompanhou o voto do
Ministro Edson Fachin, referindo que as normas que disciplinam a criança e o adolescente,
diferentemente da lei geral previdenciária (ainda que posterior), guardam completa sintonia
com os ditames constitucionais de proteção integral e da dignidade da pessoa humana. Fez
ainda, menção ao princípio da proibição de retrocesso e à Convenção Americana sobre
Direitos Humanos:

A retirada da previsão anterior da Lei n. 8213/91 revela-se inconstitucional,


sobretudo à luz da proibição do retrocesso quanto aos direitos sociais e do seu
desenvolvimento progressivo, tal como previsto no artigo 26 da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos: “Os Estados Partes comprometem-se a
adotar providências, tanto no âmbito interno como mediante cooperação
internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir
progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem
das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes
da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de
Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por
outros meios apropriados”.

O amplo debate que acompanhou o julgamento, muito bem aprofundado em


institutos jurídicos de direito de família e direito previdenciário, levou à reinserção, por
interpretação conforme, do “menor sob guarda” no rol de dependentes previdenciários
equiparados a filho, desde que comprovada a necessidade financeira.
Com essa decisão, prestigiou-se a legislação protetiva da criança e do adolescente e
a Constituição Federal (BRASIL, 1988), em detrimento da legislação previdenciária, da
presunção de má-fé (nos casos de suposta fraude) e de argumentos econômicos (como
referido pelo Ministro Gilmar Mendes, para justificar a reforma previdenciária de 2019).
Mas, recentemente, após a publicação do acórdão, a Advocacia-Geral da União
apresentou Embargos de Declaração, afirmando a existência de omissão porque, no
julgamento, não se procedeu à análise da constitucionalidade do art. 23 da Emenda
Constitucional n. 103/2019 (BRASIL, 2019). Aduz, em suas razões, que, ao se pronunciar
sobre o parágrafo §6º do artigo 23 da Emenda Constitucional nº 103/2019, o acórdão
recorrido não chegou a emitir juízo sobre a sua integridade constitucional, tendo apenas
286

afirmado que essa consideração seria dispensável, com fundamento no princípio da


demanda.
Em sua petição, cuja íntegra consta nos autos da ADI 4878 (BRASIL, SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL, 2021), referiu:

Diferentemente do que observado pelo eminente Ministro Redator do acórdão, o


princípio da demanda não poderia ser invocado como justificativa para a
desconsideração da questão constitucional superveniente. Na verdade, devido à
natureza do processo objetivo de controle de constitucionalidade, o princípio
dispositivo impunha um ônus de aditamento, exigível dos demandantes.
Verificado o descumprimento desse dever, a solução processualmente apropriada
deveria ser o não conhecimento da ação, e não o julgamento do seu mérito.

Os Embargos interpostos estão fundamentados na Nota Técnica SEI nº


29291/2021/ME, do Ministério da Economia, que também consta nos autos da ADI 4878
(BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2021) e que pede seja esclarecido se a
decisão é aplicável a partir da publicação da Emenda Constitucional nº 103, de 2019, e qual o
efeito sobre os requerimentos decididos pela Autarquia Previdenciária sob a égide da redação
conferida ao § 2º do art. 16da Lei nº 8.213, de 1991 pela Medida Provisória nº 1.523, de 1996,
reeditada e convertida na Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997.
Ao que parece, portanto, embora o Supremo Tribunal Federal tenha fixado entendimento
sobre a reinserção da criança e do adolescente sob guarda no rol de dependentes previdenciários,
ainda será necessário esclarecer se tal entendimento será aplicável ao parágrafo 6º do art. 23 da
Emenda Constitucional 103/2019, ou se haverá necessidade de novo questionamento judicial,
não sendo possível afirmar, assim, que o assunto está definitivamente decidido.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O julgamento do Supremo Tribunal Federal que reinseriu a criança e o adolescente


sob guarda no rol de dependentes previdenciários, através de “interpretação conforme” é
simbólico.
Simbólico porque prestigia a criança e o adolescente em detrimento de interesses
econômicos, contrapondo as próprias razões que levaram à aprovação da reforma
previdenciária de 2019, e porque se justapõe sobre a presunção de má-fé que levou à
alteração legislação previdenciária de 1996 que excluiu o “menor sob guarda” do rol de
dependentes.
287

A decisão proclamada em 08 de junho de 2021 corrige um erro histórico que foi,


absurdamente, chancelado pela Emenda Constitucional 103/2019 (BRASIL, 2019). Na
alteração legislativa de 1996, foi mantido o “menor sob tutela” e excluído “o menor sob
guarda”, justamente aquele que se encontra em situação provisória e mais vulnerável, sem a
guarda do pai ou da mãe, sendo gerido por terceiros.
Não por outra razão que o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990),
no parágrafo 3º do art. 33, prevê que a guarda confere à criança ou ao adolescente a condição
de dependente para todos os fins e efeitos, inclusive previdenciários.
Mas, o julgamento das ADIs 4878 e 5083 ainda não pôs fim, definitivamente à
discussão, porquanto, recentemente, a Advocacia-Geral da União apresentou Embargos de
Declaração através dos quais questiona a aplicabilidade do entendimento fixado pelo
Supremo Tribunal Federal ao parágrafo 6º do art. 23 da Emenda Constitucional n.
103/2019.
Desse modo, ainda é preciso esperar por nova decisão, a fim de se sacramentar a
eficácia do julgamento também em relação à reforma previdenciária de 2019, o que se espera
que vá acontecer, por todos os motivos expostos nesse estudo.
É preciso enfatizar que a guarda por terceiros (muitas vezes os avós, por serem as
pessoas mais próximas da criança), deve receber a máxima atenção do Estado, o que inclui
todas as pessoas envolvidas no processo judicial de guarda.
Um processo sério, com profissionais efetivamente envolvidos em prol da proteção
integral e em nome do princípio da prioridade absoluta à criança e ao adolescente, tem
maiores chances de evitar a guarda fraudulenta.
Mas, para além do medo de possíveis fraudes, jamais se pode esquecer que as pessoas
envolvidas são dotadas de fragilidade e muito vulneráveis e que ficam à mercê do Estado
para que lhes sejam garantidos direitos legais, o que inclui direitos previdenciários.
Chegam, através da mídia, inúmeros casos de crianças que sofrem maus-tratos pelos
pais e que têm, na transferência de guarda (normalmente para os avós) uma saída para a vida
e para o futuro16.

16
Há muitos casos de crianças que sofrem maus-tratos pelos pais e acabam sendo criadas pelos avós, em razão
da transferência da guarda. Mas, algumas vezes, a burocracia exigida pela lei para a transferência da guarda
pode levar a resultados nefastos. Exemplo recente é o caso do menino Miguel dos Santos Rodrigues, de 7 anos,
morto pela mãe e pela madrasta no litoral norte do Rio Grande do Sul, em que a avó materna já havia pedido
a guarda da criança, processo iniciado no dia 08 de junho de 2021 através da Defensoria Pública. Segundo o
site de notícia G1 (https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2021/08/02/avo-de-menino-morto-em-
imbe-tinha-feito-pedido-de-guarda-da-crianca-diz-defensoria-publica.ghtml. Acesso em 19 de agos. de 2021),
288

Por isso, o direito previdenciário deve andar ao lado do direito de família,


assegurando, sempre que necessário, proteção financeira. É preciso reconhecer a especial
condição de pessoa em desenvolvimento da criança e do adolescente e garantir a sua
condição de dependente previdenciário, sob pena de afronta à máxima eficácia dos direitos
fundamentais. É o que se espera que prevaleça, mesmo em face da reforma previdenciária
de 2019.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Lei 11.698, de 13 de junho de 2008.


Altera os arts. 1.583 e 1.584 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, para
instituir e disciplinar a guarda compartilhada. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11698.htm. Acesso em: 23
agos. 2021.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.


Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em:
23 agos. 2021.

BRASIL. Emenda Constitucional n. 103, de 12 de novembro de 2019. Altera o sistema de


previdência social e estabelece regras de transição e disposições transitórias. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc103.htm. Acesso em:
23 agos. 2021.

BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 23 agos.
2021.

BRASIL. Lei 13.058, de 22 de dezembro de 2014. Altera os arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634
da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para estabelecer o significado da
expressão “guarda compartilhada” e dispor sobre sua aplicação. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13058.htm. Acesso em: 23
agos. 2021.

BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do


Adolescente e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 23 agos. 2021.

o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul afirmou que o processo de alteração consensual de guarda foi
interposto pela Defensoria às 16h03 do dia 29 de julho e, quando da distribuição, não foi sinalizada qualquer
urgência na tramitação. Ainda, afirmou o Tribunal de Justiça que "as autoras são a mãe e a avó da criança e
o processo foi sinalizado pela parte autora como segredo de justiça".
289

BRASIL. Lei 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da


Previdência Social e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm. Acesso em: 23 agos. 2021.

BRASIL. Lei 9.528, de 10 de dezembro de 1997. Altera dispositivos das Leis nºs 8.212 e
8.213, ambas de 24 de julho de 1991, e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9528.htm. Acesso em: 23 agos. 2021.

BRASIL. Medida Provisória 1.523-9, de 27 de junho de 1997. Altera os dispositivos das


Leis n. 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, e dá outras providências. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/1996-2000/1523-9.htm. Acesso em: 23 agos.
2021.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1635649/SP. Relatora: Ministra


Nancy Andrighi. 3ª Turma. 02 de março de 2018. Disponível em:
https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?processo=1635649&b=ACOR. Acesso
em: 23 agos. 2021.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1751453/MS. Relator: Ministro


Paulo de Tarso Sanseverino. 3ª Turma. 21 de junho de 2021. Disponível em:
https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp. Acesso em: 23 agos. 2021

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade 4878/DF.


Requerente: Procuradoria-Geral da República. Interessados: Presidente da República;
Congresso Nacional. Relator: Ministro Gilmar Mendes, DF, 08 de junho de 2021. Disponível
em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur450504/false. Acesso em: 23 agos.
2021.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade 5083/DF.


Requerente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Interessado: Câmara dos
Deputados. Relator: Ministro Gilmar Mendes, DF, 08 de junho de 2021. Disponível em:
http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4516931. Acesso em: 23 agos. 2021.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 14ª ed. Salvador: Jus PODIVM,
2021.

G1. Avó de menino morto em Imbé tinha feito pedido de guarda da criança, diz Defensoria
Pública. Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2021/08/02/avo-
de-menino-morto-em-imbe-tinha-feito-pedido-de-guarda-da-crianca-diz-defensoria-
publica.ghtml. Acesso em: 23 de agos. de 2021.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de Direito Civil.


Volume único. São Paulo: Saraiva. 2017.

HIGÍDIO, José. Menores sob guarda têm direito à pensão por morte, decide STF.
Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jun-09/menores-guarda-direito-pensao-
morte-decide-stf. Acesso em: 18 de agos. de 2021.
290

INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO (IBDP). Emenda


Constitucional 103/2019: é o fim da proteção previdenciária do menor sob guarda?
Disponível em: https://www.ibdp.org.br/noticia.php?n=5347. Acesso em: 22 de agos. de
2021.

MACHADO, Júlia Martins. Os efeitos da guarda compartilhada com terceiros no


ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em:
https://ibdfam.org.br/artigos/1702/Os+efeitos+da+guarda+compartilhada+com+terceiros+n
o+ordenamento+jur%C3%ADdico+brasileiro. Acesso em 22 agos. de 2021.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 70077974251. 8ª Câmara


Cível, Porto Alegre, RS, 22 nov. 2018. Relator: Rui Portanova. Disponível em:
https://www.tjrs.jus.br/novo/buscas-
solr/?aba=jurisprudencia&q=&conteudo_busca=ementa_completa. Acesso em: 23 agos.
2021.

ROSA, Conrado Paulino da. Direito de Família Contemporâneo. 8ª ed. Salvador: Jus
PODIVM, 2021.
291

O ALCANCE DA PENSÃO DE MORTE DEVIDO A REFORMA DA


PREVIDÊNCIA: UMA ABORDAGEM FRENTE A REDUÇÃO DA RENDA
MENSAL DO BENEFÍCIO

Suelem da Costa Silva1

Resumo: Em primeiro momento, o presente trabalho irá expor conceituações sobre o tema
seguridade social, para permitir adentrar mais a fundo no campo da previdência, além de
demonstrar a importância do advento da inclusão deste tema na Constituição Federal e quais
princípios o regem. Após o entendimento de seguridade social, adentra-se no campo da
previdência social, apresentando conceitos doutrinários e uma breve evolução histórica, que
permita entender o necessário para, então, adentrar no campo do benefício da pensão por
morte. Entretanto, o benefício sofreu mudanças significativas com o surgimento Emenda
Constitucional que deu origem a Reforma da Previdência, estabelecendo uma nova base de
cálculo para o benefício, afim de equilibrar as contas da Previdência Social. Contudo, tal
alteração se mostra inconstitucional, visto que viola os direitos sociais. Sendo assim, o
presente estudo tem como objetivo analisar os limiares da reforma previdenciária frente ao
benefício da pensão por morte, vinculados a redução do valor do benefício.

Palavras-chave: Direitos Sociais. Pensão por morte. Reforma da Previdência.


Inconstitucional.

INTRODUÇÃO

Com o intuito de dispor de um sistema protetivo, a fim de garantir direitos sociais e


auxílios que garantissem conferir, ao menos, o básico para à sobrevivência, a Constituição
Federal introduziu a Seguridade Social, onde foi definido que dentro dessa, estariam ligados
critérios básicos à saúde, assistência social e previdência social.
A Seguridade Social pode ser considerada, basicamente, como uma medida adotada
pelo Estado, com o intuito de garantir o bem-estar social, elencando um conjunto de regras
que visassem estabelecer proteções aos indivíduos, além de dispor de princípios
fundamentais, por se tratar de um direito comum à sociedade. Assim, a seguridade social
tem papel primordial na vida das famílias brasileiras, evitando que elas ficam desamparadas
quando algum risco social impedir que seus provedores continuem trabalhando.
No Brasil, a seguridade social pode ser definida como sendo um agrupamento de
políticas públicas destinada para a promoção do bem-estar do cidadão a partir de três
principais serviços, sendo estes os serviços direcionados para a saúde, para a assistência

1
Advogada. Mestranda em Direito na Universidade de Santa Cruz do Sul- UNISC
292

social e para a previdência social. Ressalva-se que os direitos inerentes à previdência social,
à saúde e à assistência social são direitos fundamentais de segunda geração, visto que tem
caráter prestacional positivo, e, também, de terceira geração, devido ao seu caráter coletivo
dos mesmos.
Sobre a previdência social, a mesma é um direito humano fundamental definido como
segunda geração que requer políticas ativas para sua eficácia e uma responsabilidade
relevante e substancial. Neste sentido, o Instituto Nacional da Previdência Social, (INSS) foi
concebido para amparar e garantir as seus filiados o oferecimento de uma renda em forma
de benefícios em situações específicos, a fim de propiciar segurança social a sociedade.
Posto isto, a finalidade da previdência social configura-se como a substituição do
salário perdido, de forma temporária ou definitivamente, por umas das eventualidades que
acometem o indivíduo durante sua vida, quer seja de origem biológica ou profissional. Assim
sendo, dentro da previdência social, existem diversos benefícios que necessitam de variados
requisitos que possibilitem sua aplicação, entre eles, temos benefícios que são dispostos para
utilização do próprio segurado e alguns que serão recebidos por seus dependentes, como
forma de mantimento familiar em frente à determinada situação, como é o caso da pensão
por morte, que é garantida aos dependentes do segurado que houver falecido, desde que
preenchidos os dispostos em legislação.
A pensão por morte é um dos benefícios concedidos que se propõem a assegurar os
dependentes do segurado acometido pelo evento morte, para que não fiquem desamparados
após o óbito do provedor da família, e consigam assim manter sua dignidade. Juntamente
com a aposentadoria, a pensão por morte é um dos benefícios de maior relevância no sistema,
sendo em alguns casos, a única fonte de renda que muitas famílias possuem para sobreviver.
Entretanto, vale destacar ainda, que devido ao déficit nos gastos da previdência
social, torna-se necessário revitalizar o sistema para que os benefícios que este propõe não
se tornem o motivo da sua inviabilização, tendo em vista que o presente benefício serve para
tutelar à família a partir de um momento de ampla fragilidade.
Frente a esses desafios, este estudo propõe como objetivo analisar os limiares da
reforma previdenciária frente ao benefício da pensão por morte, vinculados a redução do
valor do benefício. Para a elaboração deste estudo, a metodologia adotada foi o da pesquisa
exploratória, tendo como fonte de investigação a pesquisa bibliográfica, para apontar, a partir
dos dados levantados, reflexões sobre as razões apresentadas pelo governo no âmbito da
reforma.
293

1 DA SEGURIDADE SOCIAL

Devido ao progresso da sociedade a fim de garantir o bem-estar social, diante disso,


o Estado precisou adotar medidas. A Constituição Federal de 1988 trouxe a Seguridade
Social, evidenciando-a a partir do artigo 194:

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de


iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade destinado a assegurar os direitos
relativos à saúde, à previdência e à assistência social (BRASIL, 1988, s.p).

Sendo assim, Schneider e Sartori (2016) denotam que a expressão seguridade social
mostra uma concepção de provisão para o futuro, enquanto que a expressão segurança social
dá a ideia de presente. E ainda pontua que:

O Direito da Seguridade Social é o conjunto de princípios, de regras e de


instituições destinado a estabelecer um sistema de proteção social aos indivíduos
contra contingências que os impeçam de prover as suas necessidades pessoais
básicas e de suas famílias, integrado por ações de iniciativa dos Poderes Públicos
e da sociedade, visando assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à
assistência social (SCHNEIDER e SARTORI, 2016, p. 233).

O direito à Seguridade Social não se resume a apenas um conjunto de fundamentos


e regras, mas também de organizações e instituições que complementam e expandem esse
âmbito do Direito, centralizando nas mãos do Estado todo o sistema de Seguridade Social,
de tal modo que é responsável por organizar o custeio do sistema, concedendo os
benefícios e fornecendo os serviços, visando atender ao mínimo existencial para
garantir a sobrevivência digna do ser humano (SCHWARTZ, 2007, SCHNEIDER e
SARTORI, 2016).
Deste modo, a Seguridade Social tem como objetivo, resguardar o indivíduo de
potenciais riscos que possam surgir nas áreas da saúde, previdência ou assistência social em
um mesmo sistema, tendo em vista a inclusão e organização, buscando como proposta
universalização de proteção social, possibilitando aos indivíduos e às famílias a segurança
mesmo que ocorram instabilidades por razões econômicas ou sociais, serão asseguradas
condições mínimas para garantir uma subsistência, preservando sua dignidade por
intermédio da realização do bem estar e da justiça social (SCHWARTZ, 2007).
Assim, a Seguridade Social tem como finalidade garantir inclusão social,
especialmente por meio das ações voltadas para a área da previdência social.
294

2 PREVIDÊNCIA SOCIAL

A previdência social surgiu em moldes bem mais genéricos do que os que vigoram
atualmente. Inicialmente, sem estrutura ou normas bem definidas. Com o tempo, adquiriu
status de direito e garantia fundamental, consagrada como verdadeiro direito subjetivo em
grande parte dos países do mundo.
Dessa forma, visa cuidar da proteção dos riscos sociais, visto que, qualquer pessoa
está sujeita a riscos, como acidentes, doenças ou ainda, pela idade avançada ou outras
situações que possam impedir o segurado de providenciar sua manutenção (SLIVNIK,
2018).
Leitão e Meirinho (2015) definem como sendo:

O sistema pelo qual, mediante contribuição, as pessoas vinculadas a algum tipo de


atividade laborativa e seus dependentes ficam resguardados quanto a evento de
infortunística (morte, invalidez, idade avançada, doença, acidente do trabalho,
desemprego involuntário), ou outros que lei considera que exijam um amparo
financeiro ao individuo (maternidade, prole, reclusão), mediante prestação
pecuniárias (benefícios previdenciários) ou serviços […] (LEITÃO e MEIRINHO,
2015, p. 67).

Dessa forma, a Previdência Social distingue-se da Seguridade Social, posto que está
relacionada a questões pertinentes ao trabalho, resultante de exigência legal e da necessidade
de contribuições dos trabalhadores e dos empregadores para seus subsídio.
O Regime Geral de Previdência Social é o principal regime previdenciário na ordem
interna e estende-se a todos os trabalhadores da iniciativa privada, ou seja, os que
apresentam relação de emprego regida pela Consolidação das Leis dos Trabalhos (CLT);
aos empregados urbanos, mesmo prestando serviço a entidades paraestatais; aos aprendizes
e funcionários temporários; aos empregados rurais e domésticos, regidos pela Lei nº 5.889
respectivamente; aos trabalhadores domésticos; aos trabalhadores autônomos, eventuais ou
não; aos empresários, titulares de firmas individuais ou sócios gestores e prestadores de
serviços; aos trabalhadores avulsos; pequenos produtores rurais e pescadores artesanais que
trabalham em regime de economia familiar e outras categorias de trabalhadores, como os
garimpeiros, empregados de organismos internacionais, sacerdotes, entre outros (LEITÃO e
MEIRINHO, 2015).
Em relação ao histórico no Brasil, Slivnik, (2018) lembra que a doutrina majoritária
considera o Decreto Legislativo nº 4.682/23, conhecido como Lei Eloy Chaves, o marco
inicial da Previdência Social. A esse respeito, Lazzari e Castro (2017) acentuam:
295

[...] criou as Caixas de Aposentadoria e Pensões nas empresas de estrada de ferro


existentes, mediante contribuições dos trabalhadores, das empresas do ramo e do
Estado, assegurando aposentadoria aos trabalhadores e pensão a seus dependentes
em caso de morte do segurado, além de assistência médica e diminuição do custo
de medicamentos (LAZZARI e CASTRO, 2017, p. 102).

Portanto, por todo o exposto, pode-se observar que as normas que desenvolveram as
ideias de seguridade social no Brasil foram ocorrendo de forma lenta, desenvolvendo-se no
começo do século XX. Como lembra os autores as normas que levaram a construção do ideal
de seguridade social previstas na CF/88, foram reflexos do período econômico pelo qual o
país atravessava, não sendo por outro motivo que os ferroviários foram a primeira categoria
de trabalhadores a experimentarem uma política efetivamente previdenciária.
A previdência social é uma espécie de seguro “pago”, podendo se considerar- lá
como uma poupança forçada no qual o trabalhador participa por meio de contribuições
mensais, imposta ao cidadão com finalidade de garantir uma estabilidade futura no caso de
eventuais riscos que possam lhe atingir de forma temporária ou permanente, tal como o
benefício por pensão por morte.

3 BENEFÍCIO DA PENSÃO POR MORTE

A apreensão com a morte e com o sustento da família sempre foram preocupações


inquietantes ao ser humano, considerando que a morte de um membro familiar pode
desestabilizar as estruturas de uma família sob múltiplas situações, principalmente quando
acomete os provedores da entidade familiar. Além disso, a morte de um indivíduo
economicamente ativo não promove impactos apenas à família, mas também ao Estado,
principalmente quando se vinculam ao sistema nacional de previdência social (GIESELER,
2015).
A pensão por morte é um benefício previdenciário de suma importância em um
momento de grande fragilidade familiar. Conforme preceitua o artigo 201, V da Constituição
Federal: “A pensão por morte é o benefício pago aos dependentes do segurado, homem ou
mulher, que falecer, aposentado ou não” (BRASIL, 1988, s.p).
Para a concessão do benefício é necessário o cumprimento de três requisitos: o óbito
do segurado; a qualidade de segurado do falecido e a qualidade de dependente do falecido
ao requerente do benefício.
Este benefício será concedido em decorrência da morte do segurado, podendo
também ser considerado fato gerador, a existência de decisão judicial que declare ausência
296

ou morte presumida e terá o valor de 100% da aposentadoria, caso fosse aposentado, sendo
80% na primeira parcela e mais duas de 10% e 100% do salário-de-benefício ou do salário-
de contribuição vigente no dia do acidente, o que for mais vantajoso, caso o falecimento seja
consequência de acidente do trabalho (BRASIL, 1991, GUILHEM e BRIANCINI, 2016).
Neste sentido, Ramos (2005) afirma que:
Há casos em que não foi possível encontrar o cadáver para exame, nem há
testemunhas que presenciaram ou constataram a morte, mas é extremamente
provável a morte de quem estava em perigo de vida. Nesses casos, não há certeza
da morte, se houver um conjunto de circunstâncias que indiretamente induzam a
certeza, a lei autoriza ao juiz a declaração da morte presumida (RAMOS, 2005, p.
78)

Diferentemente da maioria dos benefícios dispostos pela Previdência Social, onde


quem recebe o benefício é o próprio contribuinte, a pensão por morte é devida aos
dependentes do segurado que, em conformidade com a Lei nº 8.213/91, são divididos em
três classes, como sendo:

Art. 16: São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de


dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer
condição, menor de 21 anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou
mental ou deficiência grave;
II - os pais;
III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido
ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave (BRASIL,
1991, s.p).

Outrossim, cabe ressaltar que também pode ser beneficiário, o cônjuge divorciado,
separado judicialmente, ou que recebia pensão alimentícia, entretanto, haverá diferenciação
no tipo e na duração do recebimento e também, em conformidade com a Portaria MPS nº
513 de 2010, para óbitos ocorridos a partir de 5 de abril de 1991, é garantido o direito à
pensão por morte ao companheiro ou companheira do mesmo sexo, desde que atendam todas
as condições exigidas em lei.
Ainda, se houver mais de um dependente, o benefício será repartido entre todos em
partes iguais, mesmo que cada fração individual seja inferior ao salário mínimo vigente.
Quando o direito de um acabar, sua parte será revertida para os demais dependentes
(BRASIL, 1991, RAMOS, 2005)
O artigo 74 da Lei nº 8.213/91, aborda sobre a data em que o dependente começara
a receber o benefício, que vai variar conforme a data em que for requerer o benefício no
INSS. Dessa forma, o dependente receberá o benefício, a partir da data do óbito, quando
297

solicitar a pensão em até noventa dias. Fora desse prazo o benefício será devido a partir da
data do requerimento e, no caso de morte presumida, a partir da decisão judicial.
Ademais, frisa-se que existe outro ponto importante disposto na mesma legislação,
pois no parágrafo 1º afirma que: “a existência de dependente de qualquer das classes deste
artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes”, enquanto o parágrafo 2º
equipara o enteado e o menor tutelado, como filhos do segurado, mediante declaração e
comprovação de dependência econômica (BRASIL, 1991, RAMOS, 2005).
Ante ao exposto, tem-se que o benefício era caracterizado por conter poucas
restrições para sua manutenção, acumulação e concessão, fato que permitia algumas
distorções para garantir e facilitar seu recebimento (GUILHEM e BRIANCINI, 2016).
Sendo assim, foi necessário o alinhamento de questões que, se não houvessem mudanças,
poderiam ser responsáveis por um déficit na previdência e prejudicar os demais beneficiários

4 REFORMA DA PREVIDÊNCIA

Diante da necessidade do governo de garantir um equilíbrio nas contas da


previdência, foi preciso elaborar novas regras para os segurados do Regime Geral da
Previdência Social, dando origem assim a Reforma da Previdência.
A promoção de uma reforma na Previdência brasileira depende da agenda política,
porém a necessidade de tal processo já é reconhecida tanto pelos resultados financeiros
negativos quanto pelas comparações internacionais que indicam uma situação atípica da
Previdência brasileira quando comparada a regimes semelhantes (LOBATO et al., 2019).
Ademais, os gastos previdenciários brasileiros são proporcionalmente maiores
quando relacionados com o Produto Interno Bruto (PIB) e comparados aos de outros países.
Acerca do déficit da previdência social Levi (2019) elucida que:

O Brasil está́ passando por uma rápida transição demográfica em comparação com
a imensa maioria dos países, onde os casais tinham, em média, 6,3 filhos em 1960
e atualmente um casal tem, em média, 1,8 filho, ou seja, isso significa que a
população vai começar a encolher e a fração dos idosos irá aumentar. Esse
fenômeno ocorreu em vários países e resultou na reforma das regras da previdência
social para garantir a sua sustentabilidade
(LEVI, 2019, p. 22).

Mediante tal cenário, fica claro a necessidade de mudanças referentes ao sistema


previdenciário, a fim de promover um equilíbrio entre receitas e despesas e para assegurar
um impacto crescente nas contas nacionais.
298

Durante a reforma do sistema previdenciário, a maioria dos países latino-americanos


decidiu privatizar com o apoio técnico e financeiro do Banco Mundial e do Fundo Monetário
Internacional (LEVI 2019). Essas reformas também foram influenciadas pelos resultados
das políticas individuais dos países parceiros, e o aparente sucesso do 'modelo do Chile'
finalmente se tornou um fulcro para os proponentes de mudanças estruturais que buscam
estabelecer um sistema de contribuição (LOUZADA e SOUZA, 2020).
A transição de um plano de benefício definido para um plano de contribuição definida
é um processo complexo, principalmente do ponto de vista tributário, pois envolve elevados
custos de transição. Com a abertura de contas individuais do estado, eles não apenas
deixaram de cobrar contribuições dos empregados atuais, mas devem continuar a oferecer
benefícios aos aposentados e trabalhadores ativos que permanecem no sistema de pagamento
único. Além disso, os custos de transição podem dificultar a privatização do sistema
previdenciário devido aos efeitos negativos de curto prazo das reformas fiscais, criando
dificuldades políticas insuperáveis em países com sistemas previdenciários desenvolvidos.
Ao contrário da tendência observada em outros países da região, onde a maioria das
mudanças levou à privatização parcial (Argentina) ou total (México, Chile) dos sistemas de
seguridade social em questão, o Brasil decidiu fortalecer o sistema de pagamentos
(PAYGO). desenvolvimento de um regime complementar de pensões. Como resultado, os
custos de transição afetaram o processo de publicidade dos indivíduos em diferentes níveis
(LOUZADA e SOUZA, 2020).
Apesar dos elevados compromissos sociais, a Argentina e o Brasil adotaram várias
reformas. O primeiro foi capaz de aprovar legislação e criar um sistema misto que reduziria
o déficit a um nível aceitável nos próximos cinquenta anos; o outro optou por reformas
paramétricas que, embora ajudem a reduzir os problemas orçamentais a curto prazo, não
podem prevenir os défices de curto prazo.
Embora os custos da transição tenham sido significativos, outros fatores políticos,
históricos e institucionais cujo processo de reforma levou a mudanças em ambas as
constituições ajudaram a definir a configuração do atual sistema de seguridade social
brasileiro (COSTANZI e SIDONI, 2019). A primeira foi confirmada no final do primeiro
mandato de Fernando Henrique Cardos, em dezembro de 1998; a segunda obteve maioria na
Câmara dos Deputados e no Senado ao final do primeiro ano do primeiro mandato de Lula,
em outubro de 2003.
299

Atualmente, existem três tipos de sistemas de previdência no sistema previdenciário


brasileiro. Dois deles são financiados com recursos públicos: o regime geral de previdência
social (RGPS) para pessoas físicas e o regime especial para servidores públicos. Uma das
principais características dos esquemas público e privado é o fato de ambos operarem sob o
esquema pago, onde aposentados, pensionistas e parentes recebem benefícios
independentemente do orçamento do sistema de pensões. O terceiro é o regime
complementar de pensões, que consiste em pensões voluntárias e fundos de pensões
((COSTANZI e SIDONI, 2019).
Por fim, a Reforma Previdenciária (Emenda Constitucional 103/2019) introduziu,
entre outras alterações expostas, uma série de alterações na determinação dos benefícios
durante o período de contribuição, o período contábil básico, a pensão por morte, as taxas
de contribuição, a idade mínima (também para os titulares de pensão). Entre as referidas
alterações, destaca-se as efetuadas em relação a pensão por morte.

4.1 REFORMA PREVIDENCIÁRIA FACE A PENSÃO POR MORTE

A Lei 13.135 /2015 já estabeleceu diferentes condições para os cônjuges que recebam
pensão por morte a partir de 2015, cabendo ao cônjuge receptor um período parcial para o,
dependendo do tempo de contribuição do segurado falecido, do tempo de casamento ou
coabitação e da idade do beneficiário recebeu pensão (OLIVEIRA et al., 2019).
A emenda constitucional 103/2019 também levou a outras alterações que determinam
a porcentagem da cota familiar para receber pensão por morte a partir da entrada em vigor
desta emenda e, assim, protegem o direito que o segurado tinha antes da entrada em vigor
de acordo com o art. 24, §4 da referida emenda constitucional.

Art. 24. É vedada a acumulação de mais de uma pensão por morte deixada por
cônjuge ou companheiro, no âmbito do mesmo regime de previdência social,
ressalvadas as pensões do mesmo instituidor decorrentes do exercício de cargos
acumuláveis na forma do art. 37 da Constituição Federal.
§ 4º As restrições previstas neste artigo não serão aplicadas se o direito aos
benefícios houver sido adquirido antes da data de entrada em vigor desta Emenda
Constitucional (BRASIL, 2019, s.p).

Após a aposentadoria, o aposentado receberá apenas 50% do valor da pensão que o


segurado ou o servidor recebia ou teria direito se tivesse se aposentado no dia do falecimento
300

por invalidez permanente (aposentadoria por invalidez anterior) mais 10% por membro
dependente, até um máximo de 100% (BRASIL, 2019).
Ante ao exposto, depreende-se que as alterações decorrentes no cálculo da pensão
por morte, trouxe inúmeras repercussões, visto que tal conduta gera perdas aos pensionistas.

5 REPERCUSÕES DAS ALTERAÇÕES DA REFORMA PREVIDÊNCIA NO QUE


TANGE A PENSÃO POR MORTE

As alterações introduzidas pela Emenda Constitucional 103/2019 em decorrência da


Reforma da Previdência começam a ser questionadas no Supremo Tribunal Federal (STF).
Assim sendo, é preciso analisar se realmente obteve-se o resultado esperado com as reformas
apresentadas para a previdência social e, principalmente, no que se refere à pensão por morte,
visto que todas estas ocorreram para que pudesse haver o reestabelecimento de valores nas
contas previdenciárias estatais (MUSSI, 2019).
Analisando que as alterações promoveram a redução da renda mensal do benefício,
tem-se que essas medidas trazem grandes danos ao trabalhador, que passa boa parte da vida
contribuindo para ter uma vida digna após sua aposentadoria, ou ainda, garantir uma
dignidade à sua família caso venha a falecer, porém, as reformas trazidas pelas legislações,
acabam por diminuir ou tirar a segurança desses trabalhadores e contribuintes (MUSSI,
2019, SIBALDELLI et al., 2019).
Ademais, deve-se levar em conta a proibição do retrocesso social, que pode ser
violada com o advento das novas legislações, onde sobre o disposto Sarlet e Zockun (2016,
p.120) afirmam que: “A proibição de retrocesso social nada pode fazer contra as recessões e
crises econômicas, mas o princípio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos
(ex: segurança social), em clara violação ao princípio [...] da dignidade da pessoa humana”.
Dessa forma, tendo em vista à importância da existência da seguridade social em
frente às necessidades do cidadão, nota-se que se tem diversas situações em que cabe a
aplicação dos dispostos constitucionais e, por se tratar de direito comum à sociedade em
geral, existem uma série de princípios que regem a matéria, sendo eles: Princípio da
universalidade da cobertura e do atendimento, Princípio da seletividade e distributividade na
prestação de benefícios e serviços, Princípio da uniformidade e equivalência de benefícios e
serviços às populações urbanas e rurais, Princípio da irredutibilidade do valor dos benefícios,
Princípio da equidade na forma de participação e custeio, Princípio da diversidade da base
301

de financiamento e princípio do caráter democrático e Princípio do caráter democrático e


descentralizado da gestão administrativa (NEVES, 2017).
Frente ao exposto, depreende-se que as alterações afrontam a Constituição Federal e
as bases do sistema da Previdência Social, uma vez que é vista como inconstitucional por
violação do princípio da proibição do retrocesso, que assegura a manutenção do patamar de
proteção social já resguardado pela legislação infraconstitucional reguladora dos direitos
assegurados pela Constituição Federal de 1988 (CANOTILHO, 2013, SIBALDELLI et al.,
2019).
Dentro desse cenário, destaca-se uma decisão proferido pela Justiça Federal de
Segunda Instância (BRASIL, 2021), no qual o réu recorreu contra sentença que julgou
improcedente seu pedido de concessão de pensão por morte, em razão de não ter sido
reconhecida a qualidade de dependente com o falecido na condição de companheira, que foi
favorável ao réu por reconhecer que as disposições da Emenda Constitucional n.º 103/2019
sobre pensão por morte são inconstitucionais, e neste sentido permanecem vigentes as regras
anteriores.

No caso, a renda mensal inicial (RMI) da pensão por morte devida à autora deve
observar o art. 75 da Lei n.º 8.213/91: "o valor mensal da pensão por morte será
de cem por cento do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a
que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento"
(BRASIL: Processo n° 0509761-32.2020.4.05.8500, SFSE, 2021, p. 4)

Logo, tem-se que tais alterações vão em desencontro a amparo dos direitos sociais,
os quais são autênticos direitos fundamentais, que demandam observância e reivindicação
como direitos de realização progressiva. Dessa forma, são direitos que estão condicionados
à atuação do Estado, o qual, deve adotar todas as medidas e esforços possíveis para a
efetivação completa desses direitos (SARLET, 2013).
Nesse sentido, Sarlet (2013) traz que os direitos sociais não se consubstanciam como
normas programáticas, ficando a mercê do legislador para obterem a devida eficácia. Não
basta que esses direitos estejam afirmados na Constituição, uma vez que foram criados para
serem efetivados e preservados pelo Estado.
Assim, Canotilho (2013) pontua que é dessa forma que o princípio da vedação do
retrocesso social se insere na sistemática de efetivação dos direitos sociais, uma vez que esse
princípio decorre do Estado Democrático e Social de Direito, bem como do princípio da
302

dignidade da pessoa humana e da máxima eficácia das normas definidoras dos direitos
fundamentais.
Neste sentido, a proteção dos direitos fundamentais por razões judiciais foi
consolidada como um dos pilares do conceito moderno de Constituição e foi apresentada
como uma característica inseparável da ideia contemporânea da democracia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo se propôs em analisar os limiares da reforma previdenciária frente


ao benefício da pensão por morte, vinculados a redução do valor do benefício. A seguridade
social surgiu com a Constituição Federal, com o intuito de auxiliar às pessoas que
necessitassem de amparo estatal, podendo ser incluído aqueles que precisem de auxílio
financeiro, acesso à saúde, ou ainda um acolhimento enquanto trabalhador ou contribuinte.
No Brasil, a previdência social teve início com o Decreto nº 4.682, de 24 de janeiro
de 1923, conhecido como “Lei Elói Chaves”, o qual foi responsável pela criação de uma
Caixa de Aposentadoria e Pensões, que beneficiava os empregados das empresas ferroviárias
e, até hoje, já sofreu diversas alterações.
Conforme já fora demonstrado no decorrer do trabalho, a previdência social visa à
proteção aos riscos que as pessoas, enquanto segurados, estão sujeitas, por exemplo, em caso
de acidentes, doenças, decorrentes ou não de atividade laboral, ou ainda, no caso de morte,
pois quando esse ocorre, os dependentes do contribuinte acabam figurando o polo de
beneficiários.
Sendo assim, a pensão por morte se trata de um benefício pago pela previdência
social, cujo intuito seria a tutela da família do contribuinte falecido, de modo a minimizar os
reflexos do ocorrido antes à vida dos dependentes. Entretanto, ocorre que, assim como as
demais legislações pertinentes, que sofrem constantes alterações, nesse âmbito não foi
diferente. Em frente às possibilidades de distorção da norma legal, viu-se a necessidade de
realizar algumas alterações que enrijecessem os meios de concessão do benefício, a fim de
resguardar aos que, realmente, necessitam, sem que ocorram fraudes para a obtenção dos
valores.
Sendo assim, em conformidade com o exposto, vimos que as alterações pertinentes
da Emenda Constitucional decorrentes da Reforma da Previdência, a fim de evitar o déficit
das contas públicas, não foram tão bem vistas pelos doutrinadores e pela sociedade, que saiu
prejudicada, ao invés de ser beneficiada com a ação.
303

Conclui-se, portanto, que as mudanças buscaram reduzir despesas e minimizar


fraudes, entretanto, a forma adotada não foi a melhor para se atingir o objetivo aspirado, que
seria o de substituição de renda da família em que o infortúnio morte acontecesse.

REFERÊNCIAS

BRASIL: Processo n° 0509761-32.2020.4.05.8500. SFSE, 2021.

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23 maio 2021.

BRASIL. LEI Nº 8.213, DE 24 DE JULHO DE 1991. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm. Acesso em 23 maio 2021.

BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988.


Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso
em 23 maio 2021.
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SLIVNIK, Andrej. Previdência Social no Brasil: uma abordagem histórica (1923-1945).


2018.
305

O RISCO DE RETROCESSO SOCIAL NO USO DA AUTOCOMPOSIÇÃO


NAS AÇÕES PREVIDENCIÁRIAS

Suelen Isabel Estevam da Silva1

Resumo: As mudanças no Direito Administrativo e no Direito Processual Civil instituíram


as lógicas consensualista e pacificadora nos conflitos envolvendo a Administração Pública.
Neste contexto, o uso dos meios autocompositivos, em especial a conciliação, tem sido
frequentemente aplicada nos litígios da previdência social. O que se vê, na prática, são
propostas de conciliação formuladas pelo Instituto Nacional do Seguro Nacional que
diminuem valores e implicam na renúncia de parcelas em atraso. Enquanto direito
fundamental social, é necessário que sejam analisadas as perspectivas principiológicas que
repercutem na aplicação da autocomposição em matéria previdenciária, uma vez que a
aplicação do instituto não pode retroceder nos níveis já alcançados de proteção do direito,
sendo necessário o devido respeito aos princípios que compõem a autocomposição e os
princípios fundantes do Estado Democrático de Direito para que o instituto autocompositivo
seja visto como meio eficiente de proteção ao Segurado.

Palavras-chave: autocomposição, cultura da pacificação, consensualismo, previdência


social, direito fundamental social.

INTRODUÇÃO

A Cultura de Pacificação, que busca a adequada resolução e a verdadeira resolução


de conflitos, possui como marco no Brasil a Resolução n° 125/2010 do Conselho Nacional
de Justiça (CNJ), que estabelece a política pública de tratamento adequado dos problemas
jurídicos e dos conflitos de interesses. Com o primeiro passo dado, hoje não só a Resolução
n°125/2010, o Código de Processo Civil e a Lei 13.140/15 preveem o uso da
autocomposição. A diretriz de todo o ordenamento processual civil tornou-se a busca do
desenvolvimento e do crescimento do uso das múltiplas formas de resolução de conflitos,
tanto autocompositivas como heterocompositivas.
Embora seja de indiscutível utilidade e cabimento na resolução de controvérsias entre
particulares, a autocomposição ainda é objeto de questionamento quando sua aplicação se
dá em litígios envolvendo a Administração Pública. Argumenta-se, principalmente, a
existência de possíveis divergências entre os princípios do regime jurídico administrativo,
como a indisponibilidade e a supremacia do interesse público, a legalidade, a publicidade e
a eficiência, frente aos princípios que regem o instituto autocompositivo.

1
Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Especialista em Direito Previdenciário
e pós-graduanda em Regimes Próprios de Previdência Social pela Escola da Magistratura Federal do Paraná.
Advogada (OAB/PR n° 105.779). E-mail: suelenisabelsilva@gmail.com.
306

O que não se torna evidente de imediato é que não se trata do uso da autocomposição
para negociar o interesse público, mas sim de forma de atingi-lo com maior eficiência. A
indisponibilidade do interesse público não implica que o Poder Público não possa utilizar do
instituto da autocomposição, até mesmo porque, em uma nova visão da Administração
Pública, impera o consensualismo, em contraposição ao tradicional autoritarismo do Direito
Administrativo.
Neste contexto, o debate exposto nesta pesquisa trata da possibilidade de aplicação
da autocomposição em matéria previdenciária, uma vez que a previdência, estabelecida no
rol do Art. 6º. da Constituição Federal é direito fundamental social e, portanto, em primeiro
momento, é vista como direito que não admite transação. Desta forma, não poderia ser objeto
de autocomposição por meio de conciliação como tem sido feito atualmente em diversos
processos previdenciários.
Merece análise, ainda, a hipossuficiência técnica do particular que litiga com a
Administração Pública, com posição de desigualdade para bem avaliar os benefícios e
prejuízos do acordo proposto. Outro ponto de relevância é a discussão acerca do quanto seria
possível ao indivíduo renunciar de seu direito nas transações, uma vez que, como tem sido
visto em inúmeros casos, o INSS muitas vezes oferece acordos com redução de valores e
renúncia às parcelas em atraso.
Seria possível, portanto, aplicar a lógica processual da autocomposição, por meio da
conciliação, nos litígios que envolvem o direito fundamental social à previdência social ou,
diante da redução e da renúncia de valores, haveria retrocesso social aos níveis já
assegurados de proteção?
As transformações do Direito Administrativo (marcadas pela lógica consensualista)
e do Direito Processual Civil, embora necessárias e de caráter relevante para o alcance da
eficácia almejada na obtenção do interesse público, devem respeitar os princípios que
compõem a autocomposição e os princípios fundantes do Estado Democrático de Direito.
Desta forma, as propostas de acordo em processos previdenciários devem ser analisadas sob
a perspectiva de limites ao indivíduo que dispõe do direito e ao INSS, parte da Administração
Pública Federal, que propõe os acordos em conciliação.
Tais propostas, embora sejam benéficas ao INSS não podem ser vistas como meros
acordos de adesão em que há benefício apenas para um dos polos do processo, mas também,
e principalmente, como meios eficazes de proteção do direito fundamental do particular.
307

I. HÁ RETROCESSO SOCIAL NO USO DA AUTOCOMPOSIÇÃO NAS


AÇÕES PREVIDENCIÁRIAS?

I.I. A Cultura da Pacificação e o uso da Lei 13.140/15 em conflitos com a Administração


Pública

Pretende-se estabelecer uma nova cultura para a resolução de litígios que envolvam
direitos disponíveis e indisponíveis que admitam transação no Brasil. Esta visão abandona o
ideal de que apenas as soluções judiciais são passíveis de aplicação e validade e assim,
concede caráter ampliativo aos meios alternativos para a resolução de conflitos. Abre-se
espaço para a justiça multiportas, em que a solução judicial deixa de ser a única forma
legítima de solucionar conflitos (DIDIER JR, 2017, p. 334).
Diante do aumento desenfreado de ações que chegam ao Judiciário, atualmente
verifica-se sobrecarga excessiva de processos,2 o que instaurou a crise de desempenho e a
consequente perda de credibilidade do Poder Judiciário na sociedade (WATANABE, 2011,
p. 381). Neste contexto, Kazuo Watanabe (WATANABE, 2011), sugeriu a criação da
Política Judiciária de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses a fim de substituir a
cultura de sentença (caracterizada pela facilidade dos juízos em sentenciar ao invés de
conciliar), pela cultura da pacificação.
Com base nos aspectos apontados por Kazuo Watanabe (WATANEBE, 2005),
sobreveio a Resolução n° 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que estabeleceu
a política pública de tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de
interesses. Na referida Resolução, foi regulamentada a criação de Núcleos Permanentes de
Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (art. 7°.) e dos Centros Judiciários de Solução
de Conflitos e Cidadania (art. 8°.), os critérios previstos para a atuação como conciliador e
mediador (art. 12.) e outros critérios para a aplicação da política.
Anexo à Resolução, o art. 1° do Código de Ética de Conciliadores e Mediadores
Judiciais estabelece como princípios fundamentais que regem a atuação de conciliadores e
mediadores judiciais a confidencialidade, a decisão informada, a competência, a
imparcialidade, a independência e a autonomia, o respeito à ordem pública e às leis vigentes,
o empoderamento e a validação.

2
De acordo com o Relatório Analítico da Justiça em Números de 2019, elaborado pelo Conselho Nacional de
Justiça (BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2019.Brasília: CNJ, 2019),
no ano de 2018, apenas em matéria previdenciária, o total de ações ajuizadas atingiu o total de 1.528.259 (um
milhão, quinhentos e vinte e oito mil e duzentos e cinquenta e nove).
308

Ademais, em seu art. 2°, estabelece que as regras que regem o procedimento da
conciliação/mediação, com vistas à pacificação são a informação, a autonomia da vontade,
a ausência de obrigação de resultado, a desvinculação da profissão de origem e a
compreensão quanto à conciliação e à mediação.
Para fins conceituais, cumpre realizar brevemente a diferença entre os institutos
heterocompositivos e autocompositivos. A primeira delas, representada pela Jurisdição e
pela Arbitragem, envolve a decisão de terceiro para a resolução do conflito, enquanto na
segunda, as partes decidem por si próprias.
Dentre os meios autocompositivos, destaca-se a mediação e a conciliação. Para o
CNJ, a mediação pode ser definida como o meio que habilita as partes a compreender suas
posições e encontrar, por si próprias (TALAMINI; WAMBIER, 2015, p. 115), soluções que
se compatibilizam com seus interesses (AZEVEDO, 2016, p. 20), sem a interferência de
terceiros.
Na conciliação, com técnicas que também devem ser utilizadas para facilitar o
diálogo e pacificar o conflito, as partes da mesma forma são auxiliadas por terceiro, mas
aqui, este propõe as soluções para o conflito.
Quanto à aplicação destes institutos em conflitos da Administração Pública, a Lei
13.140/2015 utiliza-se do conceito de “autocomposição” como gênero para os meios
estabelecidos na norma. Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro (DI PIETRO, 2018, p.
1065), a lei 13.140/2015 utiliza o termo autocomposição de conflitos, como meio de solução
de conflitos empregado no âmbito da Administração Pública pois trata-se de meio de solução
de controvérsia utilizado quando esta é resolvida pela própria Administração Pública, sem
recurso ao Poder Judiciário ou a terceiros.
Para a mesma autora (DI PIETRO, 2018, p. 1065), a Lei 13.140/2015 estabelece
cinco meios para a autocomposição: a prevenção e resolução administrativa de conflitos, a
mediação, a mediação coletiva de conflitos, a transação por adesão e a composição
extrajudicial de conflitos.
Prevê-se que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão criar
câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos com a finalidade de dirimir
conflitos entre órgãos e entidades da administração pública, avaliar a admissibilidade dos
pedidos de resolução de conflitos e promover, quando couber, a celebração de termo de
ajustamento de conduta (art. 32.), o que, em conjunto com os demais dispositivos,
materializa e torna legítimo o uso da autocomposição no ambiente administrativo,
309

regulamenta a forma que será utilizada e assim, estabelece a possibilidade de que a


Administração Pública utilize dos benefícios do instituto a seu próprio favor, deixando de
lado a ficção autoritarista, pautada na visão superficial da supremacia e da indisponibilidade
do interesse público como fundamentação abstrata, a fim de obter resultados com maior
eficiência ao alcance de seu objetivo primordial: a obtenção do interesse público.

I.II A controvérsia acerca da possibilidade de aplicação da autocomposição no


ambiente administrativo

Ao adotar a premissa de Estado Democrático de Direito (MOREIRA NETO, 2003,


p. 152), no contexto da cultura de sentença, o Estado é considerado um dos mais intensos
litigantes no Brasil, motivo pelo qual não seria deixado de fora das previsões legislativas da
Cultura da Pacificação.
No entanto, com fundamento de que os princípios da autocomposição não seriam
compatíveis com os princípios que regem o regime jurídico administrativo, ainda há certa
resistência, por parte da doutrina, da jurisprudência e da própria Administração Pública, em
aceitar a autocomposição.
Embora ainda muito se discuta sobre a existência da supremacia (ÁVILA, 2010) ou
ainda, a possibilidade de que no conflito entre o interesse privado e o interesse público, nem
sempre haverá prevalência do último (GABARDO, 2017, p. 105), os primeiros argumentos
apresentados para defender a suposta inadmissibilidade são a indisponibilidade do interesse
público e a supremacia do interesse público sobre o privado.
Celso Antonio Bandeira de Mello (MELLO, 2002, p. 62) define o interesse público
como o interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm
quando considerados em sua qualidade de membros da sociedade (MELLO, 2002, p. 62).
De acordo com o mesmo autor, a indisponibilidade do interesse público significa que,
enquanto interesses próprios da coletividade, não se encontram à livre disposição de quem
quer que seja, pois são inapropriáveis (MELLO, 2002, p. 76).
No tocante à supremacia do interesse público sobre o privado, esta trata-se de
verdadeiro axioma. Proclama a superioridade do interesse da coletividade e firma a
prevalência dele sobre o do particular (MELLO, 2002, p. 70), o que concede, em termos
gerais, autoridade ao Poder Público (MELLO, 2002, p. 70).
Ao analisar de forma rápida, e nada criteriosa, a posição de autoridade na qual se
coloca o Poder Público não permitiria o uso de meios autocompositivos de resolução de
310

conflitos, que são orientados, dentre outros princípios, pela isonomia entre as partes e pela
busca do consenso. Questiona-se, consequentemente, o suposto afrontamento direto que a
autocomposição teria com os princípios da eficiência e da legalidade, previstos no art. 37,
caput, da Constituição Federal (MELLO, 2002, p. 70).
Em síntese: a indisponibilidade e a supremacia do interesse público e os conflitos
entre os princípios da Administração Pública em frente aos princípios da autocomposição
inibiriam o uso dos meios autocompositivos.
No entanto, por outro viés, defende-se a compatibilidade da autocomposição na
Administração Pública, especialmente porque é meio de alcançar adequadamente os
objetivos orientados pelo princípio da eficiência, cumprindo o interesse público almejado
pela Administração (CUÉLLAR; MOREIRA, 2018) pela esquiva à morosidade e aos
altíssimos gastos gerados pelo processo judicial.
O ponto de conflito é que não se demonstra, de imediato, que não se trata do uso da
autocomposição para negociar o interesse público, mas sim de forma de atingi-lo com maior
eficiência (MOREIRA NETO, 2003, p.154).
Há compatibilidade que permite o devido uso da autocomposição, ainda mais com o
advento de previsões legais (intrinsecamente relacionadas ao necessário respeito ao princípio
da legalidade), que preveem o uso e a forma que será realizada a autocomposição 3. A
indisponibilidade do interesse público não impõe que o Poder Público não possa ou não
deva, em certas condições, submeter-se a pretensões alheias ou mesmo abdicar de
determinadas pretensões (TALAMINI, 2017, p. 84).
Mesmo porque, em uma nova visão da Administração Pública, vige a lógica do
consensualismo4, em contraposição ao tradicional autoritarismo do Direito Administrativo,
com uma nova forma de relacionamento entre a Administração e os cidadãos (SCHREIBER,
2014). Esta mudança, chamada de fenômeno da consensualização, de acordo com Luzardo
Faria (FARIA, 2019, p. 127), permite democratizar a Administração Pública e evitar que
atos arbitrários ocorram. Nas palavras de Fernando Dias Menezes de Almeida (ALMEIDA,
2012, p. 348), o consensualismo possui como principais características:
a) Abandono de um viés autoritário em benefício de um viés democrático, ante a
participação mais efetiva dos destinatários dos atos da Administração em sua

3
Também neste sentido, dentre os 87 (oitenta e sete) enunciados da I Jornada Prevenção e Solução Extrajudicial
de Litígios (agosto de 2016), publicados pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal
(CEJ/CJF), 20 (vinte) enunciados referem-se à aplicação da autocomposição na Administração Pública.
4
Para maior compreensão do tema, recomenda-se a leitura: POMPEU, Gina Vidal Marcílio; MARTINS, Dayse
Braga. A autocomposição de conflitos no contexto do neoprocessualismo civil e o princípio da
consensualidade. Scientia Iuris, Londrina, v. 22, n. 2, p.85-114, jul. 2018.
311

elaboração – do que resulta tanto uma maior possibilidade de realmente


contribuírem com sua vontade para a formação dos atos, como uma maior
possibilidade de os controlarem;
b) O ganho de eficiência e de melhor governança na ação administrativa.

Nesta linha, o uso da autocomposição é eficaz e evita a morosidade verificada nos


processos judiciais (PEIXOTO, 2016, p. 470), em que a litigiosidade do Estado onera o
próprio Estado (MESQUITA, 2016). O administrador, com conhecimento dos benefícios
apresentados pelos meios autocompositivo, e orientado pela lógica da eficiência, não pode
deixar de, ao menos, propor a melhor solução (ARAGÃO, 2005, p. 298). Tal afirmativa
fundamenta-se, principalmente, na indisponibilidade e na supremacia do interesse público.
Existindo benefícios no uso da autocomposição, a Administração pode e deve, seguindo o
regime jurídico administrativo, utilizá-la.
Até mesmo porque, o Direito Administrativo, fundado no binômio dever-poder,
prevê prerrogativas do Estado e garantias de direitos ao cidadão (LUZARDO, 2019, p. 121).
E embora administrar consensualmente acarrete desafios aos administradores, esta nova
forma de administração não pode ser vista como impossível ou ineficaz (SCHREIBER,
2014). Sobressai, portanto, a ponderação entre o interesse público e o privado, sem se definir
a supremacia do interesse público com base em valores abstratos.5
Diante das dificuldades enfrentadas pelo Judiciário6, é incompatível com a
Constituição e com as normas processuais civis, a Administração Pública que se utiliza da
morosidade judiciária para deixar, ou demorar, a cumprir suas obrigações (EIDT, 2015, p.
68). Esta preocupação com a devida gestão dos conflitos (FAGÚNDEZ; GOULART, 2016,
p. 152) é muito mais compatível com os princípios que regem a Administração Pública do
que a lógica contenciosa imposta pela cultura da sentença.

5
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, com as alterações decorrentes da Lei 13.655/2018,
prevê, em diversos artigos, a ponderação, enquanto medida otimizadora dos princípios, bens e interesses
constitucionais, e a impossibilidade de a Administração Pública decidir com base em valores abstratos, como
a simples arguição de indisponibilidade e a supremacia do interesse público. Como exemplo, merece destaque
o art. 20., que assim preceitua: art. 20 . Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com
base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.
Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação
de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.
6
De acordo com o Relatório Analítico da Justiça em Números de 2019, elaborado pelo Conselho Nacional de
Justiça, no ano de 2018, as despesas totais do Poder Judiciário somaram R$ 93,7 bilhões, que correspondem a
1,4% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, ou a 2,6% dos gastos totais da União, dos estados, do Distrito
Federal e dos municípios.
312

I.III O uso da autocomposição em matéria previdenciária: é possível autocompor


direitos fundamentais sociais?

Demonstrados os benefícios que os institutos autocompositivos apresentam para a


Administração Pública, deve-se ainda, dentro do contexto de necessária análise de
adequação do meio de resolução ao conflito, refletir a efetividade destes meios para o
indivíduo que litiga com o Poder Público quanto o tema é previdência social, direito social
garantido constitucionalmente. A efetividade e o respeito às garantias fundamentais são,
aqui, o que mais têm relevo para a escolha do uso do meio de resolução do conflito.
Ainda que seja vista com desconfiança, a autocomposição por meio da conciliação
vem sendo utilizada em número considerável de ações de matéria previdenciária. O que
legitima a desconfiança é o risco de que o INSS apresente propostas que não sejam o mais
vantajosas aos indivíduos, mas que, quando apresentadas a estes, são vistas como formas de
solução válida e rápida de obter o direito fundamental social em situações de desespero,
tanto financeiro como emocional.
Destarte, o ponto de maior debate gira em torno da possibilidade de o indivíduo
aceitar menos do que o Estado é obrigado a fornecer e se tal renúncia à integralidade do
direito não gera ofensa ao nível de proteção já atingido do direito fundamental. O risco
ocorre, principalmente, quando a parte autora realiza renúncia à parcela dos valores em
atraso, preferindo receber menos em menor tempo, do que receber os exatos valores devidos
por reconhecimento em processo judicial de morosidade já esperada (TAKAHASHI; VAZ,
2011, p. 79).
Merece cautela, ainda, a presunção de hipossuficiência econômica e técnica da
pessoa que está pleiteando o reconhecimento de seu direito previdenciário, situação que
contraria os princípios da autocomposição apontados anteriormente. Presumir que ambos os
polos estão em iguais posições é deixar de observar que o requerente, em situação de
vulnerabilidade, aceitará a proposta oferecida na audiência de conciliação sem arguir
possíveis reduções indevidas.
Um possível “calote chancelado pelo Poder Judiciário” (TAKAHASHI; VAZ, 2011,
p. 47) só é evitado a partir do momento em que são estabelecidos limites às conciliações,
limites estes que refletem a devida aplicação dos princípios autocompositivos e dos
princípios fundantes do Estado Democrático de Direito.
313

Para analisar os riscos enfrentados e a aplicação dos princípios, cumpre classificar o


direito fundamental social à previdência social em relação ao caráter de disponibilidade ou
indisponibilidade, bem como ponderar a possibilidade de transigir direito fundamental
social.
É o entendimento consolidado na doutrina de que o regime jurídico dos direitos
fundamentais é intrinsecamente relacionado à indisponibilidade destes direitos (FARIA,
2019, p. 79). Prevista no art. 6°. da Constituição Federal, a previdência é direito fundamental
social, e assim, carrega o estigma de ser considerada direito indisponível (MARTEL, 2010,
p. 336).
Ainda por este ângulo, a interpretação realizada a partir do art. 114.da Lei 8.123/91,
que dispõe sobre os benefícios da Previdência Social, é de que, uma vez que os benefícios
não podem ser objeto de penhora, arresto ou sequestro, qualquer outro ônus ou ainda, que se
tratam de prestações de caráter alimentar, estaríamos diante de direito indisponível que não
admitiria transação.
No entanto, parte da doutrina entende que, inexistindo previsão constitucional quanto
à indisponibilidade ou renúncia e em razão do direito à liberdade, é possível dispor de direito
fundamental (FARIA, 2019, p. 82), e assim, não são todas as disposições que implicam em
restrição, entendendo ser necessário que as condições para a indisponibilidade sejam
avaliadas no caso concreto, em especial quando se pode ponderar as consequências, positivas
e negativas, da renúncia.
No caso da autocomposição em matéria previdenciária, o principal ponto é que a
renúncia aqui apontada não atinge o núcleo essencial do direito fundamental, trata-se
meramente de renúncia parcial (DUQUE, 2014, p. 110) para atender a urgência na obtenção
do benefício. Com limites, não haverá renúncia à integralidade do direito, o que evita que o
particular seja desprotegido ou visto apenas como objeto (DUQUE, 2014, p. 110) ou número
na renúncia realizada por meio da conciliação.
Nesta perspectiva, Takahashi (TAKAHASHI, 2015, p. 73) defende que a previdência
é direito fundamental indisponível, mas sujeito à disponibilidade condicionada, em que,
respeitados certos limites, é possível haver disposição. Para o indivíduo, segundo o autor, os
limites permeiam a possibilidade de disposição do benefício sem que tal disposição ofenda
interesses gerais e consequentemente, seria possível dispor das prestações em atraso. Já no
que tange ao INSS, este pode apresentar proposta de pagamento reduzindo valores, mas
314

desde que não seja pagamento menor de benefício que preenche todos os requisitos legais
que garantem o direito social do indivíduo (TAKAHASHI, 2015, p. 78).
Venturi (VENTURI, 2016, p. 10) defende o relativismo conceitual da
indisponibilidade, em que, muito embora os direitos indisponíveis não comportem a
transação, quando há melhora na proteção e na concretização, há que se aplicar juízo de
ponderação para que, analisando a proporcionalidade e a razoabilidade da medida, seja
admitida a negociação.
As leis infraconstitucionais previdenciárias, preveem, em diversos artigos, a
possibilidade de transação. Conforme dispõe o artigo 1° da Lei 9469/97, é possível ao
Advogado-Geral da União, diretamente ou mediante delegação, autorizar a realização de
acordos ou transações para prevenir ou terminar litígios, inclusive os judiciais. A
competência delegada inicialmente ao Procurador-Geral Federal, é agora também delegada
aos procuradores de hierarquia inferior.
No âmbito dos Juizados Especiais Federais, é previsto no art. 2° da Portaria n° 109
de 2007, que os representantes das autarquias estão autorizados a transigir. Referido ato
normativo prevê, no artigo 3°, que a transação poderá ocorrer quando há erro administrativo,
reconhecido pela autoridade competente ou verificado análise das provas e dos documentos
que instruem a ação, ou quando inexistir controvérsia quanto ao fato e ao direito aplicado.
Há, ainda, a Portaria n° 915/09, que estabelece os limites de valor para a realização de
acordos.
Com diversas previsões e aplicação já implementada no ordenamento jurídico
brasileiro, a transação em processos previdenciários torna-se legítima. No entanto, clara é a
necessidade de que o acordo respeite os princípios autocompositivos e os princípios
constitucionalmente assegurados, principalmente no que tange à necessária conformidade
com o princípio da dignidade da pessoa humana e aos princípios que compõem o regime
jurídico administrativo, em especial a legalidade, a razoabilidade e a proporcionalidade.
Embora a autocomposição em que a Administração Pública é parte busque a
eficiência almejada na atuação administrativa, o INSS não pode simplesmente buscar
celebrar acordos que apresentem vantagem unicamente para a autarquia.
O que se vê, na prática, é que são propostos meros acordos de adesão ao particular,
com redução dos valores do benefício em até 80% e renúncia aos valores em atraso. Esta
postura impede a devida aplicação dos princípios da autocomposição voltados ao equilíbrio
de benefícios e o necessário diálogo entre as partes, uma vez que é benéfico apenas para a
315

autarquia e impede que o direito fundamental social seja assegurado com a maior efetividade
possível.
Respeitando o princípio da legalidade e o sistema de autocontrole, ao realizar a
autocomposição de litígios fundada em deveres impostos ao Estado, o reconhecimento da
legitimidade do benefício é nada mais do que o dever imposto ao INSS, como oportunidade
de rever a ilegalidade, ilegitimidade ou ilicitude (MOREIRA NETO, 2014, p. 254) realizadas
na negativa de benefício devido (TAKAHASHI, 2015, p. 77). O respeito ao princípio da
legalidade impõe à Administração Pública que, uma vez preenchidos os requisitos legais
para o recebimento do benefício, exista reconhecimento da garantia ao indivíduo.
A função realizada pela Administração Pública, aqui representada pelo Instituto
Nacional do Seguro Social, é voltada para a realização do alcance do interesse público, por
meio dos instrumentos definidos constitucional e infraconstitucionalmente (MELLO, 2015,
p. 29), refletindo na devida garantia à previdência social.
Presumir que o Estado deve propor acordos pensando em lógicas particulares de
lucro, sem ponderar a perspectivas de dever-poder quanto às garantias fundamentais, é, além
de ser incoerente com as propostas de Estado Social, contrário aos princípios da
autocomposição.
É claro que não se espera que sejam propostos acordos além dos valores realmente
devidos ao particular, sem que se defenda a pretensão de ir além daquilo que se encaixa
como legal e possível. Os acordos devem ser propostos de forma razoável, garantindo
segurança e estabilidade para que o particular confie no Estado.
No que tange ao direito de assegurar ao particular ampla gama de informações que
possibilitem a igualdade de condições técnicas quanto ao acordo, é necessário que sejam
asseguradas formas que permitam a ponderação consciente quanto à anuência ou
discordância do acordo proposto (TARTUCE, 2017, p. 7). Expor devidamente ao particular
os benefícios e prejuízos decorrentes da transação constitui dever que, desde os primeiros
momentos da conciliação, deve ser observado por todas as partes a fim de extinguir a
possível hipossuficiência técnica do particular em posição desfavorável em relação à
Administração Pública (DUQUE, 2014, p. 117). Ademais, é necessário ver o segurado como
colaborador, e não como adversário, na obtenção dos fins do Estado (DUQUE, 2014, p. 117).
Com a característica de direito fundamental social, que constitui dever imposto ao
Estado, é constitucional e legítima a transação realizada em matéria de previdência social,
desde que, respeitados os princípios do Estado Democrático de Direito e os princípios
316

inerentes à autocomposição, não exista retrocesso aos níveis já atingidos de proteção do


direito fundamental.

I.IV A impossibilidade de retrocesso social no direito à previdência social

A Cultura de Pacificação no âmbito previdenciário, seguindo as diretrizes da cultura


administrativa consensualista, apresenta diversos benefícios para o Estado e para o
particular. Conforme bem apontado por Santana Filho, Borsio e Guedes (SANTANA
FILHO; BORSIO; GUEDES, 2020, p. 15), há mitigação da excessiva judicialização,
redução dos gastos públicos, diminuição da demora para o fornecimento do direito
fundamental do indivíduo, valorização da cultura da paz em detrimento da cultura do conflito
e melhora na credibilidade social do INSS.
Os benefícios são evidentes e aplicando devidamente o instituto, tanto para o
indivíduo como para o Estado, não há retrocesso social (caracterizado pela omissão ou
redução do nível de concretização já estabelecido), mas avanço, uma vez que acrescenta
maior eficiência e celeridade à garantia do direito fundamental, compatíveis com os fins
almejados pelo próprio Estado (ZUBA, 2011, p. 118).
No entanto, se indevidamente aplicada, estar-se-á diante de retrocesso social em
matéria previdenciária. A luta que levou anos de construção pode ser “jogada pelo ralo” e
aqui, haverá desarmonia com os níveis de proteção já atingidos.
Como bem expressam Marinoni, Mitidiero e Sarlet (MARINONI; MITIDIERO;
SARLET, 2015, p. 612), em decorrência da garantia constitucional implícita que constitui a
vedação ao retrocesso social, a necessidade de adaptação dos sistemas de prestações sociais
às mudanças da realidade não justifica o descompasso entre os níveis já assegurados, assim,
alterações que suprimam ou reduzam os patamares já atingidos poderão ser consideradas
inconstitucionais. Os autores defendem ainda que a proibição de retrocesso social costuma
ser vinculada, ainda, à necessidade de realização progressiva dos direitos sociais
(MARINONI; MITIDIERO; SARLET, 2015, p. 612). Nas palavras de Felipe Derbli
(DERBLI, 2007, p. 182):

A proibição do retrocesso serve como garantia de um padrão mínimo de


continuidade e estabilidade do ordenamento jurídico. No que tange aos direitos
fundamentais sociais, frisa que a preservação de um nível mínimo de proteção
social – vale dizer, do chamado mínimo existencial – importa, também, a proteção
de um correspondente padrão mínimo de segurança jurídica, que permita aos
indivíduos confiar na manutenção das condições básicas de vida.
317

Portanto, uma vez estabelecido o direito à previdência social, com previsões


legislativas para sua concessão, as mudanças que afetem referidas previsões não podem
extinguir ou reduzir a concretização já atingida (DERBLI, 2008, p. 368), mas sim, trazer
melhorias em sua efetivação.
Respeitados os limites e cautelas a fim de não retroceder em níveis de proteção já
alcançados, há que se modificar o ideal de que apenas o transcurso judicial para a obtenção
de sentença assegurará devidamente o direito fundamental. Há que se lembrar a todo
momento que todos os direitos implicam em exigências ao tesouro público (HOLMES;
SUSTEIN, 2019, p. 5) e assim, o contexto de escassez exige que sejam realizadas reformas
eficazes para instituir meios mais efetivos, abrangentes e vantajosos (VENTURI, 2016, p.
10) à proteção dos direitos sociais e neste aspecto, a autocomposição em matéria
previdenciária pode gerar bons frutos, tanto para o Estado como para o particular.

II. CONCLUSÕES

Diante de um Poder Judiciário repleto de mazelas, aplicar formas de adequada gestão


dos conflitos é não apenas uma possibilidade, mas também dever do administrador público
a fim de alcançar resultados que gerem maior eficiência ao seu objetivo primordial: a
obtenção do interesse público. Neste contexto, a aplicação da autocomposição em conflitos
com a Administração Pública hoje é forma que vem ganhando cada vez mais espaço no
âmbito do Direito Previdenciário.
As propostas de conciliação carregam, dentre outros benefícios, a possibilidade de
diminuição na demora para a obtenção do direito fundamental do indivíduo e redução nos
gastos públicos.
No entanto, ainda que benéfica, é necessário que a aplicação da autocomposição na
esfera previdenciária seja realizada de modo compatível com os princípios que regem a
autocomposição e os princípios fundantes do Estado Democrático de Direito, a fim de que
não exista retrocesso nos níveis já alcançados de proteção ao direito fundamental social
objeto da conciliação.
As mudanças de paradigma no Direito Administrativo, marcadas pela lógica do
consensualismo e pela democratização da Administração Pública permitem que os acordos
sejam realizados com o objetivo de atender o interesse público tendo em vista as
prerrogativas do Estado e as garantias do indivíduo que pleiteia o benefício.
318

Muito além de propor meros acordos de adesão com benefícios apenas para a
autarquia, com diminuição de valores e renúncia de valores em atrasos, o processo de
conciliação deve oferecer informações suficientes para que o particular consiga refletir
acerca dos benefícios e prejuízos da conciliação, para que garanta maior efetividade à
almejada proteção do direito fundamental.

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