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Porto Alegre,
2021
Copyright © 2021 by Ordem dos Advogados do Brasil
Todos os direitos reservados
Coordenação:
Alexandre Torres Petry
Tiago Beck Kidricki
Luís Paulo Petersen Andreazza
Ricardo Ferreira Breier
Rosângela Maria Herzer dos Santos
D635
Direito previdenciário: a nova previdência/. Alexandre Torres Petry,Tiago
Beck Kidricki...[et.al] (Coordenadores). Porto Alegre: OABRS. 2021.
320p.
ISBN: 978-65-88371-12-1
DIRETORIA/GESTÃO 2019/2021
CONSELHO PEDAGÓGICO
CORREGEDORIA
OABPrev
COOABCred-RS
SUMÁRIO
PREFÁCIO
É com alegria que recebemos o convite para prefaciar a presente coletânea de artigos
desenvolvida por estudiosos do Direito Previdenciário, obra desenvolvida pela Escola
Superior de Advocacia da OAB/RS, em parceria com a Comissão de Seguridade Social da
OABRS e Grupo de Estudos de Direito Previdenciário da ESA/OABRS. Finalizando, assim,
o triênio 2019-2021 da nossa ordem gaúcha, com mais uma parceria entre a ESA e CSS,
união que marcou diversos cursos e eventos com grande adesão nesses três anos.
Nesse contexto, é de ser feito um agradecimento e, mais do que isso, um
reconhecimento aos nomes de Ricardo Breier, Presidente da OAB/RS, que tantas conquistas
possibilitou para a Seguridade Social em sua gestão, e de Rosângela Herzer dos Santos,
Diretora-Geral da ESA, por ter colocado o Direito Previdenciário como área de destaque da
Escola Superior de Advocacia. No mais, importante destacar a participação dos colegas Luís
Paulo Petersen Andreazza e Alexandre Torres Petry, que com seu esmero e
comprometimento possibilitaram a edição deste livro, além de realizarem um trabalho
primoroso nas suas funções vinculadas à ESA.
A temática que propusemos, Nova Previdência, termo surgido a partir da EC 103/19,
também possui, além da importância científica e teórica, estreita relação com a atividade da
Comissão de Seguridade Social no último triênio. A CSS participou intensa e ativamente
dos debates sobre o texto, tendo apresentado, através de parlamentares ou mesmo
diretamente em encontros com os relatores na Câmara e Senado, modificações para corrigir
distorções ou melhorar a sistemática previdenciária nacional, tendo obtido aceitação em
diversos de seus pleitos.
De outro lado, também foi promovido, pela OAB/RS, através da Comissão de
Seguridade Social, dezenas de audiências públicas em 2019 para aproximar a população da
realidade das modificações, bem como promover um debate democrático a respeito do tema.
Aquele foi um momento de intensa atividade da nossa comissão, até então uma comissão
especial, hoje elevada ao nível de comissão permanente dentro da OAB/RS.
Portanto, a ordem gaúcha ajudou, no episódio da reforma, a moldar um pouco da
história do Brasil. E, de outro lado, passados mais de dois anos das modificações, o país
começa a adaptar-se às alterações trazidas, surgindo calorosos debates sobre vários pontos
desse novo sistema de seguridade, muitos abordados nos artigos que apreciaremos na
presente obra.
A coletânea está deveras interessante há riqueza de conteúdo. Atrelado ao escopo
geral de reflexão sobre as relações previdenciárias e assistenciais, a obra recorta faixas desse
complexo ramo do direito para desenvolver os raciocínios específicos, possibilitando, assim,
aprofundamento de conteúdos.
Aproveitamos a oportunidade para também agradecer a todos os membros da
Comissão de Seguridade Social pela confiança e pelo trabalho nesse triênio, bem como aos
11
APRESENTAÇÃO
1. INTRODUÇÃO
1
Mestrando em Direitos Humanos e Democracia pela Universidade Federal do Paraná. Pós-graduando em
Processo Civil pelo Instituto Romeu Felipe Bacellar. Advogado inscrito na OAB/PR sob o no 103.161. E-mail:
alberto.bastos.1997@gmail.com.
2
Mestrando em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com bolsa CAPES/PROEX.
Bacharel em Direito pela UFPR. Pesquisador do Núcleo de Investigações Constitucionais da UFPR. E-mail:
erick.k.nakamura@gmail.com.
3
“Afirmar que uma vida pode ser lesada, por exemplo, ou que pode ser perdida, destruída ou sistematicamente
negligenciada até a morte é sublinhar não somente a finitude de uma vida (o fato de que a morte é certa), mas
também sua precariedade (porque a vida requer que várias condições sociais e econômicas sejam atendidas
para ser mantida como vida)” (BUTLER, 2018, p. 31).
15
4
Essa constatação não está adstrita à realidade brasileira. A título exemplificativo, pode-se mencionar os
escritos de Lawrence Thompson e Melinda Upp, os quais aquilatam que, “na medida em que os Estados Unidos
passaram de uma sociedade agrária para uma sociedade industrial, o suporte familiar intergeracional
enfraqueceu. As profissões criadas nas cidades providenciaram novas oportunidades, mas também maiores
riscos. O número de pessoas idosas indigentes cresceu rapidamente, excedendo, em muito, a capacidade das
instâncias de caridade privadas” (THOMPSON; UPP, 1997, p. 3).
16
uma diminuição dos gastos suportados pelo INSS “para que o sistema não quebre”,5
engendrou inúmeras modificações nas regras constitucionais atinentes à concessão de
benefícios previdenciários. Todavia, o Congresso Nacional, na açodada intenção de
restringir os gastos da Previdência Social, encartou inúmeras disposições de duvidosa
constitucionalidade, conforme diuturnamente denunciado pela doutrina.
Vê-se, então, um latente paradoxo. De um lado, os benefícios previdenciários se
mostram essenciais para a consecução do mínimo-existencial, motivo pelo qual incorporam
direitos fundamentais que devem ser implementados em sua máxima efetividade
(CANOTILHO, 1993, p. 227). De outro, porém, visualiza-se um crescente desmantelamento
das redes de proteção social através da promulgação de sucessivas reformas nas disposições
constitucionais responsáveis por regulamentar a Previdência Social.
Deste cenário, algumas incógnitas vêm a lume: o texto constitucional possibilita a
revisão judicial de Emendas Constitucionais? Possui, em caso positivo, o Supremo Tribunal
Federal legitimidade para, mediante o exercício do controle de constitucionalidade, minar a
eficácia das Emendas Constitucionais que restringem ou impedem desmedidamente o acesso
à benefícios previdenciários? Pode, desta forma, ser declarada a inconstitucionalidade de
disposições da EC no 103/2019 que ferem o núcleo-duro do acesso à Previdência Social?
Com o objetivo de fornecer algumas respostas a essas indagações, o presente artigo
é dividido em quatro etapas. Na primeira delas, descreve de que modo o Supremo Tribunal
Federal, por construção jurisprudencial feita desde 1991, previu a sua competência para
promover o controle judicial de Emendas Constitucionais que infringem cláusulas pétreas.
Na segunda, analisa a extensão interpretativa que a Corte tem conferido à expressão “direitos
e garantias individuais”, inserta no artigo 60, § 4º, inciso IV, da Constituição, especialmente
ao traçar um panorama sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal no julgamento da
Emenda Constitucional nº 20/1998 na ADI nº 1.946-MC/DF. Na terceira, aponta possíveis
prognósticos de controle judicial da Emenda Constitucional no 103/2019, a partir da análise
da (in)constitucionalidade das modificações engendradas no instituto da aposentadoria
especial. Por fim, apresenta as conclusões finais logradas ao longo do estudo.
5
Faz-se alusão ao discurso emitido pela Presidência da República na data de 20 de fevereiro 2019, ocasião na
qual o Chefe do Poder Executivo, após remeter o projeto de Reforma Previdenciária (PEC 6/2019) ao
Congresso Nacional, declarou: “hoje iniciamos a criação de uma nova Previdência [...] é fundamental
equilibrarmos as contas do país para que o sistema não quebre, como já aconteceu com alguns países e em
alguns estados brasileiros” (https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/02/20/reforma-e-fundamental-para-
que-previdencia-nao-quebre-diz-bolsonaro-em-pronunciamento.ghtml. Acesso em: 18 jul. 2021).
17
6
Para Conrado Hubner Mendes, por exemplo, esse modo de controle judicial pode levar a um possível
paradoxismo, pois, nesse cenário, “para suplantar uma decisão do STF que discorde do reformador
constitucional, somente uma ruptura ou uma convocação constituinte” (MENDES, 2008, p. 11).
18
Vários foram os fundamentos utilizados para esse desiderato, a começar pelo uso da
teoria dos limites do poder reformador para sustentar a competência do Supremo Tribunal
Federal para realizar o controle nas hipóteses de Emenda à Constituição. 7 Nesse sentido,
apregoou que o poder de reforma da Constituição, ao contrário do poder constituinte
originário, não pode desrespeitar o núcleo de intangibilidade constante no artigo 60, § 4º, da
Constituição e que, caso isso se proceda, é dever do Tribunal atuar para ceifar o vício.
Outrossim, a Corte apoia a sua competência por se afirmar como o guardião da
Constituição em decorrência de uma leitura do artigo 102, caput, e inciso I, alínea a, que
alegadamente daria suporte à tese da supremacia judicial, a qual sobrepõe o Judiciário aos
demais Poderes da República. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 830/DF, julgada
em 14/04/1993, o Ministro Moreira Alves expressou tal pensamento ao afirmar que “na
guarda da observância desta [da Constituição], está ele [Poder Judiciário] acima dos demais
Poderes, não havendo, pois, que falar-se a esse respeito, em independência de Poderes”
(STF, ADI 830/DF, j. 14/04/1993).
Ainda, vê-se que o Supremo Tribunal Federal já se colocou como competente para
promover a revisão judicial de Emendas Constitucionais não apenas nos casos de violação
de cláusulas pétreas explícitas, mas também de cláusulas pétreas implícitas.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 830/DF se coloca de exemplo desse
aspecto. Nela, o STF se pôs a analisar se a alteração da data do plebiscito previsto no artigo
2º do ADCT, proposta pela Emenda Constitucional nº 2/1992, usurpou da competência do
poder constituinte originário, ferindo cláusula pétrea implícita. Apesar de não ter acolhido
tal tese, a posição majoritária do Tribunal assentou que
Portanto, vê-se que, no atual estado da arte, o Supremo Tribunal Federal, por
construção jurisprudencial feita desde 1991, prevê a sua competência, no controle abstrato e
no controle concreto, para promover o controle judicial de Emendas Constitucionais sempre
7
Fizeram expressamente uso dessa teoria os seguintes julgados: STF, ADI 466/DF, j. 03/04/1991; STF, ADI
830/DF, j. 14/04/1993; STF, ADI 926-MC/DF, j. 01/09/1993; STF, ADI 981-MC/PR, j. 17/12/1993; STF, ADI
1.420-MC/DF, j. 17/05/1996; STF, 1.946/DF-MC, j. 29/04/1999; STF, ADI 1.946/DF, j. 03/04/2003; STF,
ADI 3.105/DF, j. 18/08/2004; STF, ADI 3.128/DF, j. 18/08/2004 (Voto Min. Ellen Gracie); STF, ADI 2.356-
MC/DF, j. 25/11/2010; STF, ADI 2.362-MC/DF, j. 25/11/2010.
19
que houver violação de cláusulas pétreas, sejam elas explícitas ou implícitas ao texto
constitucional.
Vislumbra-se, desta forma, que o Tribunal tem ido além da literalidade do artigo 60,
§ 4º, inciso IV, da Constituição, para compreender que a expressão “direitos e garantias
individuais” devem contemplar, na verdade, todos os direitos fundamentais e humanos. É o
que se verifica no pensamento aventado pelo Ministro Carlos Velloso no julgamento da
medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.497/DF, de acordo com o qual
“os direitos e garantias individuais, referidos no art. 60, § 4º, IV, da Constituição, são, na
verdade, direitos fundamentais, os denominados direitos humanos. Não são qualquer direito,
portanto, mas direitos fundamentais, direitos humanos” (STF, ADI 1.497-MC/DF, j.
09/10/1996).
Apesar dessa constatação, não há entendimento unânime acerca de quais direitos
estariam abarcados nessa cláusula pétrea, sendo possível verificar diferentes concepções nos
votos dos Ministros e das Ministras do Supremo Tribunal Federal.
No próprio julgamento da medida cautelar da ADI nº 1.497/DF, por exemplo,
destacaram-se as posições dos Ministros Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence. Para o
Ministro Carlos Velloso, entende-se por “direitos e garantias individuais” os fundamentos,
objetivos e princípios da República Federativa do Brasil, instaurados, respectivamente, nos
artigos 1º, 3º e 4º da Constituição; assim como as chamadas têtes de chapitres, que consistem
nos direitos inscritos no caput do artigo 5º; somados àqueles que, nos incisos desse
dispositivo, constituem desdobramentos daqueles títulos (STF, ADI 1.497-MC, j.
09/10/1996). Já para o Ministro Sepúlveda Pertence, não seria admissível que se
estabelecessem critérios abstratos a priori para definição desse núcleo de “direitos e
garantias individuais” (STF, ADI 1.497-MC, j. 09/10/1996).
Nota-se, portanto, que pairam sucessivas controvérsias sobre a delimitação exata do
alcance da expressão “direitos e garantias fundamentais”. Por se tratar de uma expressão
aberta, dotada de um inevitável grau de equivocidade (GUASTINI, 2014, p. 62-71), é
evidente que é passível de diferentes leituras. Alguns hermeneutas tendem a outorgar uma
interpretação extensiva ao referido dispositivo, de modo a expandir os direitos englobados
pelo artigo 60, § 4º, inciso IV, da Constituição; outros, ao seu turno, tendem a outorgar uma
conotação mais restritiva ao dispositivo constitucional, inserindo nele tão somente as
prerrogativas indispensáveis para o usufruto de uma vida digna.8
8
Em certa medida, este é o debate travado pelos constitucionalistas a respeito da definição do suporte fático
amplo ou restrito dos direitos fundamentais, conforme pode ser notado em: SILVA, 2010, p. 79-113.
21
9
A propósito, a doutrina já enunciou, há muito, que não existe qualquer distinção no que diz respeito ao custo
de manutenção desses diferentes plexos de direitos pelo Estado. Conforme a consagrada tese de Stephen
Holmes e Cass Sunstein, todos os direitos possuem um custo, sejam eles afeitos à manutenção da liberdade,
sejam eles ligados a garantias prestacionais. Para maiores informações: HOLMES; SUNSTEIN, 2019.
22
Basta cogitar que, em caso de acidente de trabalho repentino, cuja ocorrência culmina
em invalidez, a sobrevivência do indivíduo está ligada à obtenção de uma renda paralela à
remuneração oriunda do exercício da profissão. Do mesmo modo, quando um membro
indispensável para a manutenção do núcleo familiar vem à óbito, as necessidades básicas
dos integrantes e das integrantes remanescentes dependem da outorga de rendimentos
capazes de suprir a ausência do de cujus.
De situações desse jaez, despontam os benefícios previdenciários responsáveis pela
manutenção das necessidades básicas dos indivíduos (SERAU JUNIOR, 2020, p. 22): a
aposentadoria por invalidez ao trabalhador que é acometido por moléstia que o incapacita
permanentemente para o exercício de suas atividades laborativas habituais (artigos 42 a 45
da Lei nº 8.213/91); a aposentadoria por idade ao indivíduo que não ostenta mais vigor físico
para continuar na profissão (artigos 48 a 51 da Lei nº 8.213/91); a pensão por morte aos
dependentes do segurado que veio à óbito (artigos 74 a 78 da Lei nº 8.213/91). Sem o amparo
da Previdência Social, o acesso ao mínimo-existencial resta completamente inviabilizado.
Ao fim, conforme apontam José Antonio Savaris e Maria Amelia Flauzino
Gonçalves, “é justamente a vulnerabilidade dos indivíduos em face dos riscos sociais que
reclama a elaboração e a implementação de políticas públicas de segurança social”, pois
essas “consubstanciam ações coordenadas de proteção dos indivíduos frente aos diferentes
estados de necessidade, assegurando-lhes condições dignas de subsistência em meio a tais
adversidades” (2018, p. 27).
Os benefícios previdenciários são dotados de jusfundamentalidade material,
consubstanciando-se em direitos subjetivos indispensáveis à tutela da dignidade da pessoa
humana (SERAU JUNIOR, 2020, p. 190-191). Essa magnitude dos direitos da Previdência
Social denota a sua íntima vinculação com os desígnios subjacentes à cláusula pétrea
referente aos direitos fundamentais, pois, se se tratam de prerrogativas elementares para o
usufruto de uma vida digna, é pouco mais que evidente que o sistema constitucional deve
assegurar a sua perpetuação (CORREIA, 2004, p. 310-313).
Por isso, as garantias ligadas à Previdência Social estão blindadas de alterações via
Emenda Constitucional que desnaturem o seu desiderato de proteção da dignidade humana
(SERAU JUNIOR, 2020, p. 58-59). É isso, pois, que se prestam a proteger os direitos e
garantias contemplados no núcleo de intangibilidade constitucional.
Referido entrelaçamento dos direitos sociais às cláusulas pétreas da Constituição já
foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal, no bojo das discussões referentes ao
23
Art. 14. O limite máximo para o valor dos benefícios do regime geral da
previdência social de que trata o art. 201 da Constituição Federal é fixado em R$
1.200 (um mil e duzentos reais), devendo, a partir da data da publicação desta
Emenda, ser reajustado de forma a preservar, em caráter permanente, seu valor
real, atualizado perante os mesmo índices aplicados aos benefícios do regime geral
da previdência social.
extensão do adicional de 25% (vinte e cinco por cento) previsto no artigo 45 da Lei nº
8.213/91 a todas as modalidades de aposentadoria (STF, RE 1.221.446/SP, j. 21/06/2021).10
Por isso, faz-se necessário analisar criticamente se pontos sensíveis da Emenda
Constitucional no 103/2019 serão consideradas como violadoras dos direitos fundamentais
sociais pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de controle de constitucionalidade.
10
A temática foi tratada com profundidade na doutrina de José Antonio Savaris, o qual descreveu a tendência
dos Tribunais de utilizar os princípios da precedência do custeio e do equilíbrio atuarial como uma espécie de
“trunfo” para a denegação massiva de benefícios previdenciários. Trata-se do que o autor criativamente
alcunhou de “argumento alakazam”. Para maiores informações: SAVARIS, 2011.
26
influxos socioeconômicos. Por exemplo, o aumento da idade mínima para aposentação tende
a ser uma mutação aprovada pelo teste da proporcionalidade, na medida em que a majoração
da expectativa de vida da população torna justificável restrições desse jaez no direito
fundamental à Previdência Social. Porém, outras restrições, se demasiadamente severas,
podem infringir o conteúdo essencial do direito fundamental à Previdência Social,
desnaturando as regras e os princípios a ele imanentes, sem aderência aos influxos
socioeconômicos brasileiros e às motivações constitucionalmente fundamentadas.11
Por isso, a análise da Reforma Previdenciária pressupõe o tracejo de uma espécie de
linha demarcatória entre as modificações que sobrevivem ao teste da proporcionalidade e
as alterações que tendem a “subverter o sistema de Seguridade Social inaugurado em 1988,
introduzindo mudanças radicais que o desnaturem, sobretudo afastando-o de sua raiz calcada
no sistema de solidariedade social” (SERAU JUNIOR, 2020, p. 59).
Com fulcro nessas premissas, inúmeros dispositivos da EC nº 103/19 devem ter a sua
constitucionalidade discutida pelo Tribunal, por extrapolarem os limites impostos pelo art.
60, § 4º, inciso IV, da Constituição. Dentre eles, um prognóstico de inconstitucionalidade da
Reforma Previdenciária pode ser localizado nas novas regras referentes à aposentadoria
especial, sobretudo na instituição de uma idade mínima para a concessão do benefício.
Em sua essência, a aposentadoria especial se trata da jubilação precoce destinada aos
indivíduos que, durante a sua carreira profissional, trabalharam expostos a agentes nocivos
de natureza química, física ou biológica (CASTRO; LAZZARI, 2020, p. 594-595). A
doutrina costuma apontar que o objetivo desse benefício é o de compensar os trabalhadores
pela gradativa perda de sua capacidade laborativa (IBRAHIM, 2015, p. 594-595), causada
pela exposição habitual a agentes nocivos ao longo da profissão, e, ao mesmo tempo, evitar
que os agentes nocivos presentes no ambiente de trabalho acarretem prejuízos maiores a sua
saúde em momento futuro (LADETHIN, 2020, p. 34-35).
Em suma, a aposentadoria especial se presta a retirar antecipadamente o segurado do
exercício de sua profissão, mediante exigência de requisitos mais brandos do que aqueles
vislumbrados nas aposentações ordinárias.
Fundada nesses aportes, o regime anterior à promulgação da Emenda Constitucional
nº 103/2019 ditava que a concessão da aposentadoria especial pressupunha tão somente o
11
Neste particular, toma-se como base as meditações de Virgílio Afonso da Silva, segundo o qual as restrições
a direitos fundamentais, além de não violarem os seus respectivos conteúdos essenciais, devem ser
constitucionalmente fundamentadas. Para maiores informações: SILVA, 2010, p. 167-182.
27
12
Uma comparação bastante didática entre a atual regulamentação da aposentadoria especial frente ao advento
da Emenda Constitucional nº 103/2019 em relação ao seu antigo regime pode ser localizada em: KERTZMAN,
2020, p. 135-146.
28
13
De modo similar, André Luiz Soares indica que “os danos à saúde e/ou à integridade dos segurados que
laboram em atividade prejudiciais não estão condicionados à idade, mas sim ao período que ficam expostos
aos agentes nocivos, de modo que, ao extrapolar o tempo de exposição de 15, 20 e 25 anos, eleva-se
consideravelmente a níveis inaceitáveis o risco de prejuízo à saúde ou à integridade física do trabalhador”
(SOARES, 2021, p. 94-95).
14
Para uma análise minuciosa dos riscos enfrentados pelos mineiros brasileiros: VERÍSSIMO; RAPHAEL;
MEYER, 2013.
29
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
integrados na cláusula pétrea acima citada, eis que constituem pressupostos indispensáveis
à proteção da dignidade humana. Por isso, concluiu-se que as medidas da Emenda
Constitucional nº 103/19 que não superem o teste de proporcionalidade e, por conseguinte,
que esvaziem o conteúdo essencial do direito fundamental à Previdência Social podem ser
desafiadas em controle judicial de constitucionalidade.
Revelar as incompatibilidades da EC nº 103/19 com os desígnios do texto
constitucional significa, ao fim e ao cabo, recuperar as necessidades de amenização da
precariedade à qual Butler fazia alusão. Se a Previdência Social é quesito indispensável para
a atenuação do caráter precário da existência humana, é essencial que o Direito forneça
mecanismos para que o acesso aos recursos essenciais de uma vida digna seja preservado.
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previdenciária (EC 103/2019). Curitiba: Juruá, 2020, p. 143-156.
VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos fundamentais: uma leitura da jurisprudência do STF. São
Paulo: Malheiros, 2006.
34
INTRODUÇÃO
1
Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto. Pós-graduada em Advocacia Previdenciária
e em Direito Público. Bacharel em Direito. Advogada, OAB/MG 122.758, e-mail: amandamfa@gmail.com.
2
Mestranda em Direito pelo PPGD-UFOP “Novos direitos e novos sujeitos”. Bolsista CAPES. Bacharel em
Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto, OAB/MG 198.942, e-mail: giselemachado1995@gmail.com
35
2. A HETERONORMATIVIDADE PREVIDENCIÁRIA
3. O GÊNERO NEUTRO
Maria Berenice Dias e Letícia Zenevich (2014, p. 19) esclarecem que muitas pessoas
encontram-se em uma travessia identitária, em um conjunto ambivalente de sua identidade,
entre o masculino e o feminino, não se vêm como homens ou mulheres, mas como
transexuais per se. Acrescentam ainda a necessidade de um ajuste possível das relações
dinâmicas entre sexo e gênero, adicionando mais uma categoria à típica divisão binária entre
homem e mulher, em vez de reduzir a experiência da transexualidade a um abjeto. Portanto,
resta inequívoca a necessidade do direito de repensar o paradigma binário, vez que falho,
ineficaz e excludente.
Nessa senda, apesar da temática estar afeta ao direito constitucional à intimidade que,
nos termos do artigo 189, inciso III do Código de Processo Civil garante tramitação
processual em segredo de justiça, o que impede o livre acesso aos dados processuais,
inclusive às peças decisórias, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (2020) noticiou que
o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro se manifestou judicialmente após acionado por uma
pessoa que não se identificava com nenhum dos únicos dois gêneros até então possíveis pelo
nosso ordenamento, ou seja, expressão de vida diversa das categorias homem e mulher.
O debate na seara internacional, já percorreu uma longa estrada evolutiva.
Exemplificadamente, ainda nos idos de 2013, a Suprema Corte da Austrália reconheceu que
uma pessoa poderia não ser nem do sexo masculino, nem do sexo feminino, e permitiu,
assim, o registro do sexo de uma pessoa como não especificado. Nesse sentido, foi
autorizado aos pais a deixar em branco o espaço respectivo nas certidões de nascimento,
criando assim, ainda nessa época, uma categoria indeterminada nos registros civis (BBC
News, 2019).
Pela recusa ao binarismo, merece destaque os ensinamentos de Judith Butler, que
esclarece: “as normas regulatórias do sexo, reiteradas constantemente para que marquem e
atribuam significados aos corpos enquanto corpos sexualmente diferenciados, operam sob o
crivo da consolidação do imperativo heterossexual” (BUTLER, 1990, p. 17). E acrescenta:
41
“O parâmetro normativo que faz com que a identidade de gênero torne‑se inteligível “requer
que certos tipos de ‘identidades’ não possam ‘existir’ – isto é, aquelas em que o gênero não
se segue do sexo e aquelas em que as práticas de desejo não se seguem nem do sexo nem do
gênero” (BUTLER, 1990, p. 17).
Portanto, as pessoas que não se identificam como homem, tampouco como mulher,
não se expressam através de um gênero, seja o masculino ou o feminino, ou mesmo aquelas
que se encontram entre os dois gêneros e agem de acordo com o desejo que sentem, podendo
ser até mesmo uma junção dos dois, devem ser desmarginalizadas para então, serem
reconhecidas e assim respeitadas.
Foi nesse sentido que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, não obstante a ausência
de norma específica reguladora, demando por uma pessoa que não se reconhecia como
homem ou como mulher, e sofria diuturnamente pela inadequação sexual identitária,
determinou a averbação pelo cartório, junto ao registro de nascimento, a alteração do sexo
para “não-especificado”, conforme elucida o Instituto Brasileiro de Direito de Família
(2020). O reconhecimento no registro civil do gênero não-binário representa a manifestação
máxima de que direito só se legitima quando se adequa à realidade e permite a todos
cidadãos, em igualdade, vivenciar e realizar o seu projeto pessoal de vida.
A sentença que reconheceu juridicamente a existência fática do gênero neutro é um
primeiro passo, no sentido de inserir essas pessoas no ordenamento brasileiro, inaugurando
um espaço de visibilidade, através da releitura do direito para acolher a multiplicidade de
maneiras de viver existentes. Para além de aceitar a existência da pessoa de gênero neutro,
forçoso é reconhecê-la e outorgá-la todos os direitos cabíveis às pessoas dos gêneros
femininos e masculinos, para isso a esperança é que tão logo não seja necessário judicializar
o direito de formalmente se expressar pelo que em realidade se é.
Enquanto isso, ainda que pontualmente, o poder judiciário trilha o caminho
contramajoritária, crítico ao sistema binário. O Instituto Brasileiro de Direito de Família
(2021) divulgou que o Tribunal de Santa Catarina se filiou ao entendimento esposado pela
jurisdição carioca no sentido de autorizar a alteração da anotação constante no registro civil
para gênero não binário. Em reforço argumentativo, lembrou o decisório que entender de
modo diferente seria uma afronta ao direito fundamental à autodeterminação de gênero, livre
de qualquer espécie de preconceito, opressão e discriminação, de modo que a alteração do
registro de nascimento seria autorizada pela própria Constituição da República ao
42
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
crítica de todos seus institutos para que, com amparo nos princípios princípio da
solidariedade, da proibição do retrocesso e da proteção ao segurado, sempre se opte por
aplicar as normas mais favoráveis a pessoa do gênero neutro, sejam elas normas formalmente
cabíveis à homens ou à mulheres. Medida esta que maximiza não só os direitos
previdenciários prestacionais, como se coaduna com a função social do Regime Geral de
Previdência Social.
Não deve ser utópico acreditar que não só o respeito aos direitos fundamentais de
liberdade, dignidade, autodeterminação, igualdade e nãodiscriminação, seja dissociado do
gênero, como o fez de modo irretocável a Excelentíssima Julgadora que acolheu o registro
do gênero neutro, como também que todo arcabouço do direito previdenciário seja capaz de
avançar e superar o fato de que os direitos fundamentais não devem ser garantidos às pessoas
em razão do seu gênero, para por fim, abrigar no seu bojo, de modo mais amplo e benéfico,
todos aqueles que não se identificam binariamente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AZEVEDO, Thiago A. Galeão de. Identidade, luta e dominação: uma análise sócio-jurídica
do discurso pautado em categorias sexuais, à luz da teoria de Pierre Bourdieu e Michel
Foucault. In: BAHIA, Alexandre; COSTA, F. V.; GOMES, M. F. (orgs.). Gênero,
sexualidade e direitos fundamentais para além do binarismo. Porto Alegre: Fi, 2019, p. 300-
324. Disponível em: https://www.editorafi.org/747hermeneutica . Acessado em 11 mai.
2021.
http://www.normaslegais.com.br/legislacao/Instrucao-normativa-inss-77-2015.htm.
Acessado em 08 jun. 2021.
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Yorck: Routledge.
BUTLER, Judith. 1993. Bodies that Matter. On the discursive limits of ‘sex’. Nova York:
Routledge.
CNJ. Conselho Nacional de Justiça. Provimento 73, de 28 de junho de 2018. Disponível em:
434a36c27d599882610e933b8505d0f0.pdf (cnj.jus.br) . Acessado em 20 ago. 2021.
BBC News. O que muda na Alemanha com a lei que cria o ‘terceiro gênero’, para proteger
pessoas intersexuais. BBC News, 2018. Disponível em: O que muda na Alemanha com a lei
que cria o 'terceiro gênero', para proteger pessoas intersexuais - BBC News Brasil . Acesso
em: 01 jun 2021.
Gênero, sexualidade e direitos fundamentais para além do binarismo. Porto Alegre: Fi,
2019, p. 300-324. Disponível em: https://www.editorafi.org/747hermeneutica. Acessado em
11 mai. 2021.
GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re) Pensando a
Pesquisa Jurídica. 4ª ed. Belo Horizonte: Del Rey,
2015.http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.
Acessado em 03 jun. 2021.
JUDITH BUTLER. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do “sexo”. In LOURO,
Guacira Lopes. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte, Autêntica,
2001, pp.151-172.
LAZZARI, João Batista; CASTRO, Carlos Alberto Pereira. Direito previdenciário. Rio de
Janeiro: Forense; Método, 2021.
LÓPEZ, Daniel J. García. ¿Teoría jurídica queer? Materiales para una lectura queer del
derecho. AFD, n. XXXII, p. 323-348, 2016. Disponível em:
https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=5712504. Acessado em 09 jun. 2021.
SANTOS, Jamille Bernardes da Silveira Oliveira dos Santos; CARDIN, Valéria Silva
Galdino Cardin. O reconhecimento do terceiro gênero: uma releitura do princípio da
dignidade da pessoa humana como cláusula geral do direito da personalidade. Revista de
Gênero, Sexualidade e Direito, v. 5, n. 2, p. 96 – 115, Jul/Dez. 2019. Disponível em:
file:///D:/Users/User/Downloads/6115-17462-1-PB.pdf . Acessado em 04 jun. 2021.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988, nos termos do art. 220, § 3°, inc. II, reconhece a
família como um sujeito de direitos autônomo em relação aos seus membros. De acordo com
Flávia Biroli (2014, p. 76), “em uma sociedade democrática, a pluralidade das formas de
vida ganha espaço nas leis e toma forma também na participação dos indivíduos na
construção das políticas que os afetam”.
Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 33) corrobora a importância dos novos preceitos
trazidos pela Constituição Federal de 1988 para o direito, enfatizando a pluralidade dos
arranjos familiares:
A Constituição de 1988 adotou uma nova ordem de valores, privilegiando a
dignidade da pessoa humana, realizando verdadeira revolução no Direito de
Família [...]. Assim, o art. 226 afirma que “a entidade familiar é plural e não mais
singular, tendo várias formas de constituição”.
1
Doutoranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Unesp (campus de Franca/SP).
OAB/SP n° 377.576. E-mail para contato: ana.c.paula@unesp.br
2
Professor associado de Direito Internacional Público da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Unesp
(campus de Franca/SP), sendo vinculado aos Programas de Graduação em Direito e em Relações Internacionais
e de Pós-Graduação em Direito desta instituição. E-mail para contato: daniel.damasio@unesp.br
3
Doutorando em Direito Internacional Público pela USP/SP (2020). OAB/SP n° 323.613. E-mail para contato:
thiago.romero@live.com
50
Por intermédio da Previdência Social, o Estado garante aos indivíduos que exercem
atividade laborativa remunerada e seus dependentes a proteção ante os infortúnios,
contingências sociais e vicissitudes que de alguma forma repercutam na sua capacidade
laborativa e, por via de consequência, a sua própria subsistência e a de sua família, por meio
da concessão de benefícios pecuniários. Diversos benefícios estão previstos legalmente para
aqueles que preencham os requisitos estabelecidos. E os benefícios que geram direito à
percepção pelos dependentes são a pensão por morte e o auxílio-reclusão.
A proteção devida ao núcleo familiar constitui elemento estrutural da sociedade, seja
ele formalizado pelo casamento ou consolidado numa união estável. Conforme Eduardo
Cambi (2000, p. 114):
Lealdade e respeito mútuo remontam à ideia de fidelidade recíproca. A fidelidade
é um requisito fático intrínseco à noção de entidade familiar. Mais que uma
exigência da sociedade monogâmica, faz parte da concepção eudemonista que
reclama da família moderna a afetividade que se realiza na promoção do
desenvolvimento emocional da pessoa humana.
II - os pais;
III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos
ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave.
Existia uma quarta classe, composta pelo menor de 21 anos de idade designado ou
maior de 60 anos ou inválido, que foi revogada pela Lei n° 9032/95.
A inscrição do dependente ocorrerá no momento do requerimento da prestação
previdenciária, mediante a apresentação dos documentos listados no art. 22 do RPS.
Art. 22. A inscrição do dependente do segurado será promovida quando do
requerimento do benefício a que tiver direito, mediante a apresentação dos
seguintes documentos:
I - para os dependentes preferenciais:
a) cônjuge e filhos - certidões de casamento e de nascimento;
b) companheira ou companheiro - documento de identidade e certidão de
casamento com averbação da separação judicial ou divórcio, quando um dos
companheiros ou ambos já tiverem sido casados, ou de óbito, se for o caso; e
c) equiparado a filho - certidão judicial de tutela e, em se tratando de enteado,
certidão de casamento do segurado e de nascimento do dependente, observado o
disposto no § 3º do art. 16;
II - pais - certidão de nascimento do segurado e documentos de identidade dos
mesmos; e
III - irmão - certidão de nascimento.
Por óbvio, para que uma pessoa natural seja dependente no RGPS, é preciso que o
falecido ou o preso seja segurado da Previdência Social para instituir a pensão por morte ou
o auxílio-reclusão respectivamente, salvo na situação excepcional prevista na Súmula 416
do STJ. Isso porque a relação do dependente do segurado com a Previdência Social é
derivada da relação jurídica entre o segurado e o Regime Geral de Previdência Social, não
possuindo autonomia, em um primeiro momento.
O dependente, assim considerado na legislação previdenciária, pode valer-se de
amplo espectro probatório de sua condição, seja para comprovar a relação de parentesco,
seja para, nos casos em que não presumível por lei, demonstrar a dependência. Esta pode ser
parcial, devendo, contudo, representar um auxílio substancial, permanente e necessário, cuja
falta acarretaria desequilíbrio dos meios de subsistência do dependente.
Os dependentes da classe I gozam de presunção absoluta de dependência econômica,
ou seja, mesmo que o segurado instituidor da pensão por morte ou do auxílio-reclusão não
provesse o seu sustento, mesmo assim farão jus a esses benefícios. Deveras, o art. 16, § 4°,
da Lei n° 8213/91, fala apenas em presunção, sem especificar a sua natureza. Entretanto, é
remansoso o entendimento de que se cuida de presunção absoluta, inclusive no âmbito do
INSS.
52
tanto o STF quanto o STJ vem afastando sumariamente a condição de dependente do(a)
concubino(a).
STF (RE 590.779, de 10.02.2009)
A titularidade da pensão por morte decorrente do falecimento de servidor público
pressupõe vínculo agasalhado pelo ordenamento jurídico, mostrando-se impróprio
o implemento de divisão a beneficiar, em detrimento da família, a concubina.
Assim como outros benefícios, a pensão por morte é um benefício de trato sucessivo,
entretanto é destinada única e exclusivamente aos dependentes do segurado.
O risco social caracterizador da pensão por morte é um evento futuro e incerto,
denominado morte. Esse evento é incerto, porque, apesar de cientes de que toda a vida
humana se finda na morte, não somos capazes de prever o momento exato em que ela irá
ocorrer. Sendo a morte um acontecimento imprevisível, a Previdência Social, por seu caráter
protetivo instituiu o benefício da pensão por morte.
O referido benefício depende do preenchimento de três requisitos: ocorrência do
evento morte; demonstração da qualidade de segurado do falecido à época do óbito e a
demonstração da condição de dependente do beneficiário. O óbito do instituidor do benefício
é comprovado mediante a apresentação da certidão de óbito.
Para a demonstração da qualidade de segurado o beneficiário deve comprovar o
vínculo do falecido com a Previdência Social.
A Lei n° 13135/15 alterou os requisitos para a pensão por morte, com o intuito de
enrijecer os requisitos para concessão do benefício e diminuir seu tempo de gozo. Caso o
cônjuge tenha menos de 18 contribuições mensais, ele irá receber a pensão por morte por 04
meses. Em caso de óbito por acidente do trabalho e de qualquer natureza, não haverá
necessidade dos mencionados prazos e o dependente fará jus à pensão. E caso tenha
completado as 18 contribuições, irá receber o benefício de forma escalonada, de acordo com
a idade do beneficiário na data de óbito do segurado (art. 77, § 2°, da Lei n° 8.213/91):
1) 3 (três) anos, com menos de 21 (vinte e um) anos de idade;
55
à união estável, são intra partes, ou seja, não pode ser oponível a terceiros, o qual traz
implicações diretas em temáticas como a responsabilidade civil do “amante”, a seguir:
Assim, o concubinato que passou a ser uma realidade social, teve seus efeitos
reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por meio da publicação de 02 (duas)
súmulas, a 380 e a 382. Nesse sentido, a súmula 380 do STF trata a respeito da possibilidade
de partilha do patrimônio que foi adquirido pelo esforço comum dos concubinos, como pode
ser examinado a seguir: “Súmula 380 STF: comprovada a existência de sociedade de fato
entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio
adquirido pelo esforço comum.” Já, a súmula 382 do STF, mostra a preocupação da Corte
superior no reconhecimento do concubinato mesmo em casos que os concubinos não
morassem no mesmo local, segue: “Súmula 382 STF: a vida em comum sob o mesmo teto,
"more uxório", não é indispensável à caracterização do concubinato.”
Nesta toada, diante do reconhecimento de efeitos jurídicos nas relações de
concubinato pelo STF, passou-se a dividi-lo em duas espécies: concubinato puro e o impuro.
Assim, o concubinato puro é a união estável, reconhecida como uma entidade familiar, como
o casamento, que pode ser constituída por pessoas viúvas, solteiras, separadas de fato e
divorciadas. Por outro lado, o concubinato impuro é caracterizado pela união de pessoas
casadas ou separadas, que tem impedimentos para contrair matrimônio e que podem apenas
ter uma sociedade de fato, como aduz a Súmula 380 do STF.
Foi a partir destes entendimentos pelo STF que a legislação infraconstitucional
começou a se preocupar com a segurança jurídica das pessoas que estavam no cerne destas
relações, destacam-se a Lei 6.015/1973, que trouxe a possibilidade de acréscimo de
sobrenome pela concubina e a antiga Lei Previdenciário de 1976. Obviamente, como dito
anteriormente, apenas com a promulgação da CF/88 que o tratamento do concubinato passou
a ser tratado como entidade familiar, ou seja, o concubinato puro passou a ser reconhecido
como união estável, forma de constituição de uma entidade familiar, como o casamento.
Vale ressaltar que o concubinato impuro, na perspectiva do Direito Civil, não é
reconhecido como entidade familiar, como pode ser visto no artigo 1.727 do CC: “As
relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar-se, constituem
concubinato”.
O artigo 1.723 do CC conceitua a união estável como “[...] entidade familiar a união
estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura
e estabelecida com o objetivo de constituição de família.” Portando, a união estável ou
concubinato puro é aquela constituída por pessoas que não tem qualquer impedimento para
59
Logo, pelo exposto dos institutos e do que se caracteriza, juridicamente, uma entidade
familiar, é ilegal que haja o reconhecimento como união estável uma relação de concubinato
impuro, ou seja, aquela que acontece simultaneamente ao casamento válido.
Ainda, insta salientar que foi aduzida a tese que haveria incompatibilidade coma
CF/88, em caso de “[...] reconhecimento de direitos previdenciários à pessoa que manteve,
durante longo período e com aparência familiar, união com outra casada, porquanto o
concubinato não se equipara, para fins de proteção estatal [...]” (IBDFAM, 2021).
Nesta toada, a ementa do julgamento do Tema 529 merecer ser observada e analisada,
tendo em vista a precisa fundamentação que se alinha ao entendimento doutrinário e
jurisprudencial, no âmbito dos Direitos Constitucional, Civil e Previdenciário, a seguir:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 529.
CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. RATEIO
ENTRE COMPANHEIRA E COMPANHEIRO, DE UNIÕES ESTÁVEIS
CONCOMITANTES. IMPOSSIBILIDADE. 1 — A questão constitucional em
jogo neste precedente com repercussão geral reconhecida é a possibilidade de
reconhecimento, pelo Estado, da coexistência de duas uniões estáveis paralelas, e
o consequente rateio da pensão por morte entre os companheiros sobreviventes —
independentemente de serem relações hétero ou homoafetivas. 2 — O Supremo
Tribunal Federal tem precedentes no sentido da impossibilidade de
reconhecimento de união estável, em que um dos conviventes estivesse
paralelamente envolvido em casamento ainda válido, sendo tal relação enquadrada
no artigo 1.727 do Código Civil, que se reporta à figura da relação concubinária
(as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar,
constituem concubinato). 3 — É vedado o reconhecimento de uma segunda união
estável, independentemente de ser hétero ou homoafetiva, quando demonstrada a
existência de uma primeira união estável, juridicamente reconhecida. Em que
pesem os avanços na dinâmica e na forma do tratamento dispensado aos mais
matizados núcleos familiares, movidos pelo afeto, pela compreensão das
diferenças, respeito mútuo, busca da felicidade e liberdade individual de cada qual
dos membros, entre outros predicados, que regem inclusive os que vivem sob a
égide do casamento e da união estável, subsistem em nosso ordenamento jurídico
constitucional os ideais monogâmicos, para o reconhecimento do casamento e da
união estável, sendo, inclusive, previsto como deveres aos cônjuges, com substrato
no regime monogâmico, a exigência de fidelidade recíproca durante o pacto
nupcial (artigo 1.566, I, do Código Civil). 4 — A existência de uma declaração
judicial de existência de união estável é, por si só, óbice ao reconhecimento de
uma outra união paralelamente estabelecida por um dos companheiros durante o
mesmo período, uma vez que o artigo 226, §3º, da Constituição se esteia no
princípio de exclusividade ou de monogamia, como requisito para o
reconhecimento jurídico desse tipo de relação afetiva inserta no mosaico familiar
atual, independentemente de se tratar de relacionamentos hétero ou homoafetivos.
5 — Tese para fins de repercussão geral: A preexistência de casamento ou de união
estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1723, §1º, do
Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo
período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever
de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico constitucional brasileiro.
6 — Recurso extraordinário a que se nega provimento.
Mesmo diante de tal julgamento, merece ser relatada a crítica dada pelo IDFAM
(2021a), que aponta já ser entendimento das instancias inferiores no país, ou seja, juízes e
tribunais regionais vêm reconhecendo os efeitos jurídicas às relações que envolvem duas
uniões estáveis, fundamentando na norma jurídica prevista no artigo 226 da CF/88.
62
Logo, tal posicionamento merece destaque, por conforme o próprio Instituto (2021b)
menciona “o Estado não diz mais o que é família e como elas se constituem, como diziam
as constituições anteriores.” Conclui-se, portanto, que a doutrina e a jurisprudência, talvez
não estejam alinhadas com a norma jurídica da Carta Magna, que deve observar os rearranjos
da sociedade e das pessoas que a compõe. Necessário se faz a proteção, por meio da
segurança jurídica, a fim de garantir direitos previdenciários.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
designação “relações adulterinas ou incestuosas”, uma vez que as pessoas separadas de fato
ou separadas judicialmente, apesar de impedidas de casar, podem constituir união estável.
A exclusão decorre de previsão constitucional, expressa no art. 226, § 3°, da CF/88.
Tanto a doutrina quanto a jurisprudência têm entendido que o concubinato não deve ser
inserido no âmbito do direito de família, por configurar uma sociedade de fato, devendo,
pois, ser regulada pelo Direito das Obrigações.
Verifica-se que o rol de dependentes constantes na lei previdenciária somente faz
menção aos que viveram sob o instituto do casamento e da união estável; dessa forma, por
ser o rol taxativo, não cabe outra interpretação a não ser esta, afastando, assim, o concubinato
e as uniões estáveis paralelas, que não caracterizam uma das formas do instituto familiar,
não fazendo jus, portanto, à proteção estatal e, por consequência, a quaisquer benefícios
previdenciários. O posicionamento atual do Supremo Tribunal Federal é que o(a)
concubino(a) não possui proteção previdenciária – a existência de impedimento para o
matrimônio/união estável embaraça a constituição da união estável paralela e não se aplica
para fins previdenciários de percepção de pensão por morte.
Em outras palavras, o concubinato impuro não enseja condição de dependente
previdenciário. Atualmente, o concubinato tem sido considerado como um motivo de
exclusão, ou seja, o concubino ou concubina não são considerados dependentes.
REFERÊNCIAS
AMADO, Frederico. Curso de direito e processo previdenciário. 9. ed. rev., ampl. e atual.
Salvador: JusPodivm, 2017.
BIROLI, Flávia. Família: novos conceitos. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2014.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da
União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n. 8, p. 1-74, 11 jan. 2002. PL 634/1975.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
65
Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar a importância da Seguridade Social,
especialmente no que se refere à Assistência Social e o papel das entidades beneficentes de
assistência social. Por essa razão, destacar-se-á o fundamento jurídico-social pelo qual tais
entidades sem fins lucrativos são contempladas com a imunidade tributária. Inicialmente,
realizar-se-á uma breve contextualização histórica acerca do surgimento da Seguridade
Social, desde as formas de assistencialismo mais longínquas, do seguro social e a
consagração da Seguridade Social (Previdência Social, Saúde e Assistência Social),
consoante a Constituição Federal de 1988, no Título VIII – “Da Ordem Social”.
Posteriormente, abordar-se-á, em capítulo específico, sobre a Assistência Social. Em
seguida, far-se-á uma explanação sobre o conceito de imunidade tributária e as imunidades
tributárias concedidas às entidades beneficentes de assistência social (art. 150, VI, “c” e art.
195, § 7º, da CF/88). Por fim, tecer-se-á as considerações finais. Para a realização do presente
artigo científico, realizou-se uma pesquisa exploratória e bibliográfica.
Palavras-chaves: Seguridade Social; Assistência Social; Entidades Beneficentes de
Assistência Social; Imunidade Tributária; Ordem Social.
1. INTRODUÇÃO
1
Advogada, OAB/MA nº 19.986. Graduada em Direito pela UNDB – Centro Universitário. Pós-graduada no
LL.M (Master of Laws) em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas – FGV/RJ. Pós-graduanda em
Direito Civil e Empresarial pelo Damásio Educacional/IBMEC SP.
66
Com efeito, é possível notar que a Seguridade Social é composta pela tríade:
Previdência Social, Saúde e Assistência Social. Então, vejamos sobre cada uma delas.
A Previdência Social é o instituto pelo qual as pessoas, que exercem atividade
laboral, e os seus dependentes, diante da ocorrência de determinados eventos (invalidez,
idade avançada, morte, doença, acidente de trabalho e desemprego involuntário) ou outras
situações previstas em lei (por exemplo, a maternidade ou a reclusão), serão resguardadas
através do recebimento de benefício previdenciário, em decorrência do segurado ter
realizado contribuições prévias ao infortúnio (contingência) (CASTRO; LAZZARI, 2020).
A Previdência Social (art. 201 e seguintes, da CF) é organizada sob o Regime Geral
da Previdência Social – RGPS, de caráter contributivo e de filiação obrigatória. Ademais,
devem ser observados os critérios que mantenham o equilíbrio financeiro e atuarial
(BRASIL, 1988).
A Saúde é um direito de todos, independentemente da realização de contribuição.
Esse direito social é previsto no artigo 196, da Constituição Federal de 1988. De acordo com
a disposição constitucional, todos os entes da federação devem garantir políticas sociais e
econômicas a fim de reduzir o risco de doença, além de também propiciar o acesso isonômico
e universal ao serviços e ações de saúde a todos os cidadãos brasileiros (AGOSTINHO,
2020).
No que concerne a gestão da saúde, estabelece-se os seguintes moldes e diretrizes:
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada
e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as
seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem
prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade. (BRASIL, 1988).
possuem meios de prover a sua própria subsistência e nem possam tê-la provida pelo núcleo
familiar (AGOSTINHO, 2020).
A Assistência Social têm diversas finalidades, com fulcro no art. 203, da
Constituição:
Marisa Ferreira dos Santos (2020) demarca que a primeira etapa de proteção social,
por meio da assistência pública, foi fundada na caridade. Inicialmente, essa prestação era
incumbida pela Igreja e, apenas em momento posterior, foi conduzida por instituições
públicas. Nessa etapa, não havia um direito subjetivo interligado à proteção social, mas
apenas uma mera expectativa de direito. Afinal, a caridade era condicionada à vontade alheia
e a existência de recursos que fossem destinados aos mais necessitados.
O marco teórico para o surgimento principiante da concepção de “assistência
pública” ou “assistência social”, indo muito além da caridade “eventual”, ocorreu na
Inglaterra, em 1601, quando Isabel I editou o Act of Relief of the Poor. Essa lei fez o
reconhecimento jurídico de que o Estado deve amparar as pessoas necessitadas (SANTOS,
2020).
Theodoro Agostinho (2020) elucida que, no âmbito nacional, apesar da Constituição
de 1824 fazer a primeira menção precursora da assistência social, no art. 179, XXXI, ao
referir-se aos “socorros públicos” como um direito dos cidadãos brasileiros, o dispositivo
constitucional não teve a aplicabilidade esperada, pois os cidadãos não tinham meios para
exigir o cumprimento da aludida garantia. Dessa maneira, foi uma norma inócua.
A caridade “eventual” e à mercê da vontade alheia, demonstrou-se insuficiente frente
às necessidades sociais da época.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, revelou-se como um
avanço na proteção ao indivíduo, ao sobrelevar o princípio da Seguridade Social como um
direito de todos (“Les secours publiques sont une dette sacrée.”). Com a sociedade
industrial, obteve-se ganhos relevantes na proteção social (CASTRO; LAZZARI, 2020).
Oportunamente, surgiram as empresas seguradoras nos Estados Europeus. As
primeiras formas de seguro apareceram no século XII (o seguro marítimo, por exemplo). O
desenvolvimento do instituto ocasionou a criação de outras modalidades, a exemplo do
seguro de vida, seguros contra a invalidez, danos e doenças, dentre outros. No entanto, o
seguro é pactuado em uma relação contratual. Poucos trabalhadores tinham condições de
contratar o seguro e pagar o prêmio, o que fez com que perdurasse o desamparo a população
(SANTOS, 2020).
Felizmente, a partir da segunda metade do século XIX até o início do século XX, os
Estados da Europa evoluíram a proteção social, senão vejamos:
XIX até o início do século XX, um sistema jurídico que garantiria aos
trabalhadores normas de proteção em relação aos seus empregadores nas suas
relações contratuais, e um seguro – mediante contribuição destes – que consistia
no direito a uma renda em caso de perda da capacidade de trabalho, por velhice,
doença ou invalidez, ou a pensão por morte, devida aos dependentes. Assim se
define uma nova política social, não mais meramente assistencialista – está
lançada a pedra fundamental da Previdência Social (CASTRO; LAZZARI, 2020,
p. 62).
Em 1883, na Prússia, nasceu o seguro social com a “Lei do Seguro Doença”, proposta
por Bismarck. A Lei do Seguro Doença é considerada como o primeiro plano de Previdência
Social que se tem conhecimento. Após a Segunda Guerra Mundial, fortaleceu-se a concepção
de que o seguro social deveria ser obrigatório e, por essa razão, o seguro passou a abranger
vários riscos sociais (SANTOS, 2020).
Em junho de 1941, o Governo da Inglaterra formou uma Comissão Interministerial
para proceder estudos acerca dos planos de seguro social e matérias afins. Essa comissão foi
presidida por William Beveridge, que, em 1942, apresentou os resultados obtidos. Esses
estudos ficaram conhecidos como Plano Beveridge (SANTOS, 2020), sendo também um
marco na história da Seguridade Social.
Com a perspicácia necessária, o Plano Beveridge concluiu que:
3. ASSISTÊNCIA SOCIAL
A Carta Magna de 1988 preconiza, no artigo 203 que: “A assistência social será
prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social [...]”
(BRASIL, 1988).
Convém ressaltar que a PEC nº 6/2019 (Reforma da Previdência) continha proposta
de alteração do artigo 203, da Constituição. Contudo, essa alteração não foi aprovada pelo
Congresso Nacional (SANTOS, 2020).
72
Theodoro Agostinho (2020) entende a Assistência Social como uma política social,
voltada ao atendimento das necessidades básicas de determinados segmentos sociais,
independentemente de contribuição à Seguridade Social.
A Constituição elenca quais são os grupos e as situações protegidas pela Assistência
Social, quais sejam: a família, a maternidade, a infância, a adolescência e a velhice; crianças
e adolescentes carentes; a integração ao mercado de trabalho, a habilitação, a reabilitação e
a promoção de pessoas portadoras de deficiência; a garantia de um salário mínimo à pessoa
portadora de deficiência e ao idoso que não tenham como manter a sua sobrevivência e nem
possam tê-la provida por sua família (BRASIL, 1988).
Na esfera infraconstitucional, a Lei nº 8.742/1993 é responsável por minuciar acerca
da Assistência Social e outras providências relacionadas.
No artigo 1º, da Lei nº 8.742/93, a Assistência Social é caracterizada como:
De mais a mais, a Assistência Social é regida por vários princípios próprios, dispostos
na Lei nº 8.742/93:
velhice e pessoas com deficiência. A proteção social é efetivada por ações do Sistema Único
de Assistência Social – SUAS.
No que lhe concerne, o § 7º do artigo 195, da CF/88, também garante que: “São
isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência
social que atendam às exigências estabelecidas em lei.” (BRASIL, 1988).
Inicialmente, deve-se compreender que a norma imunizante, estabelecida pelo
legislador constituinte, visa proteger valores de cunho social, político, religioso e ético, a fim
de salvaguardar certas pessoas (físicas e jurídicas) e situações da tributação estatal
(SABBAG, 2017).
A Constituição é responsável por definir a competência tributária da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Por seu turno, a Carta Magna também estatui
as situações materiais que não deseja que sejam oneradas por tributos (ou por algum tributo
em espécie). Do mesmo modo que a Constituição determina como será exercida a
74
competência tributária, a Lei Fundamental também pode selecionar certas pessoas, bens ou
serviços, enfim, situações que não podem ser passíveis de tributação (AMARO, 2014).
A previsão de imunidade tributária corporifica verdadeira hipótese de
“incompetência tributária” (SABBAG, 2017). No momento em que a Constituição proíbe a
existência de exação em determinadas situações, na verdade, deve-se entender esses
preceitos como regras constitucionais negativas de competência. Essas normas são
conhecidas como “imunidade tributária” (PAULSEN, 2020).
Luciano Amaro (2014, p. 116) define que:
Logo, conclui-se que os supracitados artigo 150, VI, alínea “c” e § 4º, da CF/88 e o
§ 7º do artigo 195, da CF/88, são normas constitucionais de imunidade tributária.
Contudo, o texto constitucional não se refere expressamente com o termo
“imunidade”. A Carta Magna utiliza outras expressões, a saber: veda a instituição de tributo,
menciona “isenção” ou “não incidência”, dentre outros. Todas essas expressões têm
conteúdo normativo de imunidade tributária (PAULSEN, 2020).
O Superior Tribunal Federal já reconheceu a natureza de imunidade tributária nessas
circunstâncias. A ADI 2028 tratou do § 7º, do art. 195, da CF, sobre a imunidade de
contribuições de seguridade social das entidades beneficentes de assistência social. No RE
nº 636.941, determinou-se que o termo “isenção” do art. 195, § 7º, na verdade, denota
conteúdo de supressão de competência tributária. Inegavelmente, caracteriza-se como
imunidade tributária (PAULSEN, 2020).
A diferença entre isenção e imunidade encontra-se enquanto uma atua no exercício
da competência (isenção), a outra atua na esfera da definição de competência (imunidade)
(AMARO, 2014).
A imunidade tributária de partidos políticos, sindicatos de empregados, instituições
de educação e entidades de assistência social, disposta no art. 150, VI, alínea “c”, da CF,
também é conhecida como imunidade “não autoaplicável”, em razão de ser necessário
comprovar os requisitos de legitimação da imunidade (art. 14, do CTN) (SABBAG, 2017).
Embora o inciso VI, do art. 150, alínea “c”, da CF, disponha que a imunidade das
entidades beneficentes de assistência social limita-se aos impostos sobre o “patrimônio,
75
renda ou serviços”, a interpretação constitucional conferida pelo STF determina que devem
ser considerados abrangidos pela imunidade todos os impostos (PAULSEN, 2020).
A imunidade também deve ser conjugada com o § 4º, do art. 150, ao estipular que a
desoneração constitucional alcança os serviços, o patrimônio e as rendas da entidade, desde
que sejam revertidos para as finalidades essenciais da instituição (SABBAG, 2017).
De acordo com Luís Eduardo Schoueri (2019, p. 460, grifo nosso), é notório o
fundamento jurídico-social para a existência da imunidade tributária das entidades de
assistência social:
A lei a que se refere a alínea deve ser entendida não como lei ordinária, mas como
lei complementar. Duas razões principais sustentam essa assertiva. Em primeiro
lugar, tratando-se de “limitação do poder de tributar”, cabe à lei complementar a
função precípua de regular a matéria, “complementando” a disciplina
constitucional (art. 146, II). Em segundo, a imunidade abrange um largo espectro
de tributos, de competência de diferentes entes políticos; há de haver, portanto,
norma uniforme, geral, que se aplique às diversas esferas de poder, o que, no
campo tributário, também é assunto de lei complementar.
entidades sem fins lucrativos, de modo que viabilize a ampliação das suas
atividades assistenciais.
Luciano Amaro (2014) explica que o “lucro” é um aspecto afeto à noção de empresa,
molde inadequável para a entidade beneficente de assistência social. Vale lembrar que a
entidade assistencial não pode ter fins lucrativos, deve ter sido criada com o objetivo de
atingir uma finalidade altruísta.
O Código Tributário Nacional regulou corretamente sobre a impossibilidade de
distribuição de parcelas ou rendas. De mais a mais, pelo fato da entidade assistencial ser um
verdadeiro instrumento de justiça distributiva, geralmente a instituição beneficente cobra por
seus serviços ou bens que forneça. Com o saldo obtido, a entidade assistencial consegue
reverter para a continuidade dos seus objetivos institucionais, in casu, na área da assistência
social (AMARO, 2014).
Com fundamento no CTN, as outras condições imprescindíveis para implementar a
imunidade tributária outorgada em favor das entidades de assistência social, são: aplicar no
País os recursos obtidos na atividade e a manutenção da escrituração de suas receitas e
despesas em livros com as formalidades necessárias (BRASIL, 1966).
Compreende-se que, a necessidade de aplicar integralmente no País os recursos
obtidos na atividade trata-se de uma condição para evitar o desvio de finalidade ou desvio
de recursos. Aliás, esses recursos devem ser revertidos para a manutenção dos interesses
institucionais da entidade beneficente. Ora, se a entidade aqui exerce a assistência social,
nada mais lógico que os saldos financeiros sejam empregados no País.
Luís Eduardo Schoueri (2019) infere que o fundamento desse requisito encontra-se
na possibilidade do controle. Afinal, com a aplicação dos recursos no País, é possível que
seja realizada a fiscalização da entidade. Sem esse impedimento, não seria possível
determinar se a aplicação dos recursos da entidade no exterior, na verdade, não seria uma
forma indireta de distribuir lucros.
No que se refere a manutenção da escrituração das receitas e despesas da entidade
assistencial, notoriamente trata-se de uma obrigação acessória (art. 9, § 1º e art. 113, caput
e §2º, do CTN) (BRASIL, 1966), obrigação essa que viabiliza justamente a análise da
aplicação dos saldos financeiros da entidade beneficente, a fim de aferir se foram revertidos
nos seus desígnios institucionais.
A imunidade tributária alcança apenas a obrigação de pagar impostos, mas não
alcança as obrigações acessórias (SCHOUERI, 2019).
78
Por fim, deve-se relembrar que as entidades beneficentes de assistência social têm
direito a imunidade tributária dos impostos (art. 150, VI, alínea “c”, da CF), desde que
cumpridos os requisitos do art. 14 do CTN, e a imunidade tributária das contribuições para
a seguridade social, com fulcro no § 7º do artigo 195, da CF/88.
Em última análise, assevera-se que a imunidade tributária das entidades de
assistência social alcançam os impostos e as contribuições para a seguridade social. No
entanto, são sujeitas às taxas, contribuições de melhorias e outras espécies de tributos
(SABBAG, 2017).
5. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito
Previdenciário. 23. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. 11. ed. São Paulo: Saraiva
Educação, 2020.
SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 9. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
80
INTRODUÇÃO
Dessa forma, cabe indagar quais os limites de sua restrição e se é possível revelar-se
enquanto legítima do ponto de vista constitucional, a partir da exposição de uma dialética
construída por posturas divergentes, que já podem ser vislumbradas nas manifestações de
juristas ativos. Ademais, lançar luz sobre tais elementos enseja a tentativa de difusão de
critérios sólidos para a decisão judicial, apostando em uma blindagem hermenêutica às
decisões discricionárias que podem pôr em cheque o direito fundamental à decisão
fundamentada por parte do poder público.
Nesse sentido, encontra-se diálogo suficiente com o escopo do e-book “Direito
Previdenciário: a nova Previdência”, à medida que se trata de fenômeno jurídico pertinente
para a afirmação dos direitos previdenciários, os quais se situam, atualmente, em situação de
desmantelamento, o que exige uma maior atenção à defesa do modelo de Estado Social
esculpido em âmbito constitucional. Por fim, é válido ressaltar que confere um maior grau
de expressividade ao trabalho engendrado o fato de ser abordado evento sensível do ponto
de vista existencial para os envolvidos nos possíveis litígios que a postura do Supremo
Tribunal Federal possa desencadear, havendo assim, a necessidade de um número maior de
explorações para fomentar o debate público.
A controvérsia que chegou ao âmbito do Supremo Tribunal, sob o tema 709, repousa
na possibilidade de percepção do benefício de aposentadoria especial a despeito do
desligamento do beneficiário das atividades laborais danosas à saúde. Nesse sentido, por
meio do RE 791.961/PR, a Corte assentou entendimento pela compatibilidade dos moldes
normativos do parágrafo 8º, no artigo 57 da lei 8.213/91 com o ordenamento constitucional.
Assim, a referido parágrafo supracitado, imposto pela Medida Provisória 1.729, de
02/12/1998, transposta para Lei 9.732, de 11/12/1998, tem a seguinte moldura textual: “§ 8º.
Aplica-se o disposto no art. 46 ao segurado aposentado nos termos deste artigo que continuar
82
no exercício de atividade ou operação que o sujeite aos agentes nocivos constantes da relação
referida no art. 58 desta Lei” (BRASIL, 1998).2
Vale apontar que a aposentadoria especial discutida é devida aos que exercerem
atividade laboral durante quinze, vinte ou vinte e cinco anos. Para os segurados inseridos
nessa modalidade, os requisitos devem ter sido preenchidos até a Emenda Constitucional
103, de 12/11/2019 (Reforma da Previdência), a renda mensal corresponde a 100% do salário
de benefício (média das 80% maiores contribuições), não contando com a incidência do fator
previdenciário (LAZZARIN, 2020).3 No que tange ao artigo o artigo 46 mencionado
anteriormente, este tem o condão de cancelar automaticamente, a partir da data do retorno,
a aposentadoria daquele que obtém tal proteção previdenciária sob a hipótese de invalidez e
retornar à atividade (BRASIL, 1998). Dessa forma, ficaram denotadas as seguintes teses nos
embargos de declaração interpostos, recebidos em parte no dia 24 de abril de 2021.
2
BRASIL. Lei nº 9.732. 2020. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9732.htm >
Acesso em 13 de Agosto de 2021. Acesso em 31 de Agosto de 2021.
3
LAZZARIN, Sonilde Kugel. A Decisão do STF (Tema 709) Sobre a Aposentadoria Especial:
Consequência Para os Segurados e Efeitos no Contrato de Trabalho. Disponível em:
<http://www.lazzarinadvogados.com.br/artigo-a-decisao-do-stf-tema-709-sobre-a-aposentadoria-especial-
consequencias-para-os-segurados-e-efeitos-no-contrato-de-trabalho/> Acesso em 17 de agosto de 2021.
83
Marco Aurélio, que divergia apenas quanto à modulação. Plenário, Sessão Virtual
de 12.2.2021 a 23.2.2021. [...]” (BRASIL, 2021). 4
Nesse sentido, foi acolhida tal tese pelo Ministro Dias Toffoli, em decisão
monocrática, afim de observar os moldes normativos contidos no artigo 3º-J da lei 13.979, o
qual prevê que durante o estado de pandemia deve haver a adoção por parte do poder público
e os empregadores ou contratantes de medidas de preservação à saúde dos profissionais
4
________. Tema 709. Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4518055&nu
meroProcesso=791961&classeProcesso=RE&numeroTema=709# Acesso em 17 de Agosto de 2021.
5
FRANÇA, Amauri. Tema 709 do STF: Como Ficou a Aposentadoria Especial? 2021. Disponível em:
http://afranca.adv.br/tema-709-do-stf-como-ficou-a-aposentadoria-especial/ Acesso em 17 de agosto de 2021.
6
_______. Recurso Extraordinário 791.961. Supremo Tribunal Federal. 2021. Disponível
em:<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoPeca.asp?id=15345922478&tipoApp=.pdf > Acesso
em 17 de agosto de 2021.
84
7
________. Lei nº 13.979. 2020. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2020/Lei/L13979.htm> Acesso em 17 de Agosto de 2021.
8
CARVALHO. Fernanda Dornellas. Tema 709 STF: Suspensão dos Efeitos aos Profissionais de Saúde
Durante a Pandemia COVID-19. 2021. Disponível em: <https://www.oguiaprevidenciario.com.br/tema-709-
stf-suspensao-dos-efeitos-aos-profissionais-de-saude-durante-a-pandemia-covid-19/> Acesso em 17 de
agosto de 2021.
9
ALMEIDA, Vânia Hack de. A Modulação dos Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade. Diss.
(Mestrado). Faculdade de Direito. Programa de Pós-Graduação em Direito Público. PUCRS, 2007. Porto
Alegre, 2007. 195 f.
85
ao segurado aposentado; (c) e porque o art. 201, § 1º, da Carta Magna de 1988,
não estabelece qualquer condição ou restrição ao gozo da aposentadoria especial.
Ou seja, a implantação da aposentadoria especial não exige o afastamento do
segurado da atividade que o exponha a agentes nocivos” (BRASIL, 2019).10
Depreende do fragmento do julgado citado, a centralidade do debate em questão, que
é a possibilidade de restrição do direito fundamental ao livre exercício da profissão. A norma
positivada em plano interno tem redação dada pela Carta Maior com os traços a seguir:
“[...] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: XIII - e livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,
atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer [...] ” (BRASIL,
1988).11
Assim, estamos diante de uma norma de eficácia contida e a respeito delas, leciona
Luís Roberto Barroso que “[...] são as que receberam, igualmente, normatividade suficiente
para reger os interesses que cogitam, mas preveem meios normativos (leis, conceitos
genéricos etc.) que lhes podem reduzir a eficácia e aplicabilidade. [...]”. (2018, pg. 251-
252).12 Logo, a tentativa de criar entraves à execução de trabalhos que se mostram
periculosos à saúde do indivíduo, como é a situação do caso em tela, pode se revelar como
legítima contanto que seja observada uma restrição proporcional ao núcleo essencial do
direito fundamental. Nessa linha de pensamento, acerca do suporte teórico referido que
detém grande valia para a compreensão do manejo dos direitos fundamentais, Flávio Moraes
Júnior aponta
10
_______. Apelação Cível: AC 5055151-04.2016.4.04.7000 PR 5055151-04.2016.4.04.7000. Tribunal
Regional Federal da 4ª Região. Disponível em: <https://trf-
4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/680879623/apelacao-civel-ac-50551510420164047000-pr-5055151-
0420164047000> Acesso em: 18 de Agosto de 2021.
11
________. Constituição Federal. 1988. Disponível em;
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 17 de Agosto de 2021.
12
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os Conceitos
Fundamentais e a Construção do Novo Modelo. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 260.
13
JUNIOR, Flavio Moraes. Flexibilização dos Direitos Trabalhistas e o Princípio da Proibição do
Retrocesso Social. 2015. 169 f. Mestrado em Direito Instituição de Ensino: Faculdade de Direito do Sul de
Minas, Pouso Alegre Biblioteca Depositária: FDSM
86
“ [...] A regra em questão não possui caráter protetivo, pois não veda o trabalho
especial, ou mesmo sua continuidade, impedindo apenas o pagamento da
14
JUNIOR, Eduardo Canizella. Princípios, Limites da Ponderação e Argumentação Jurídica na Obra de
Robert Alexy' 18/09/2014. 99 f. Mestrado em DIREITO Instituição de Ensino: Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo., São Paulo Biblioteca Depositária: PUC-SP
15
DOMINGOS, Carlos “Cacá”. Análise e Possíveis Desdobramentos do Julgamento do Tema. 709 Pelo
STF. 2020. Disponível em: <http://www.professorcacadomingos.com.br/site/?p=411>. Acesso em 29 de
Agosto de 2021.
87
Dessa forma, não deve imperar regra que macule o valor do livre exercício laboral
quando a mesma revela-se enquanto um simples cessar da retribuição devida ao indivíduo,
principalmente em momentos sociais os quais a classe trabalhadora se encontra. Ademais,
deve-se rechaçar pretensões de pura formalidade e investir-se na preocupação da
materialidade do direito em si, observando assim, a força normativa constitucional.
CONCLUSÃO
16
_______. Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade – Processo 5001401-77.2012.4.04.0000.
Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Corte Especial. Rel. Des. Fed. Ricardo Teixeira do Valle Pereira.
Julgado em 24/05/2012. Disponível em: <https://previdenciarista.com/blog/previdenciario-constitucional-
arguicao-de-inconstucionalidade-do-artigo-57-da-lei-no-8-21391-aposentadoria-especial-vedacao-de-
percepcao-por-trabalhador-que-continua-na-ativa-desempen/>. Acesso em 29 de Agosto de 2021.
88
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO. Fernanda Dornellas. Tema 709 STF: Suspensão dos Efeitos aos Profissionais
de Saúde Durante a Pandemia COVID-19. 2021. Disponível em:
<https://www.oguiaprevidenciario.com.br/tema-709-stf-suspensao-dos-efeitos-aos-
profissionais-de-saude-durante-a-pandemia-covid-19/> Acesso em 17 de agosto de 2021.
FRANÇA, Amauri. Tema 709 do STF: Como Ficou a Aposentadoria Especial? 2021.
Disponível em: http://afranca.adv.br/tema-709-do-stf-como-ficou-a-aposentadoria-especial/
Acesso em 17 de agosto de 2021.
Abstract: The article aims above all to objectively analyze the comprehensive concept of
Rural Retirement in the social security field, by means of aspects and considerations,
emphasizing the minimum age to start contributory counting for the granting of the right.
Establishing as problematic: What is the situation regarding the minimum age for counting
time for Rural Retirement of rural workers in the face of Social Security Reform who started
their working life under the age limit of the Federal Constitution under the age of twelve?
However, the research will analyze the concepts pertinent to Rural Retirement; Understand
the minimum age to start counting contributions in relation to Rural Retirement law; Analyze
the positive and jurisprudential view, given the cases in which they are already in force in
relation to the counting of the minimum age of social security contribution. Furthermore, the
special character brought by Rural Retirement, it was necessary to analyze the particularities
brought about by the activity developed by the field workers. The Federal Constitution of
1988, once again guaranteed the stony right. It should be noted that the changes brought
91
about by the controversy of the Pension Reform in 2019, brought significant changes in the
content of the text of the Law, and also in practice, tearing down the contribution time, as
well as age, and consequently the proof of rural activity, making the way to obtain your
retirement harder. With this, the research will be specified through a deductive approach, of
descriptive, bibliographic exploratory character, having as methods of historical procedure,
the evolution of the law in the recognition of the work of the child in the rural scope, for
counting contribution time and as a research technique, indirect documentation, based on
doctrinal and jurisprudential references from the Federal courts, with the purpose of
determining the concept of Rural Retirement, as well as the recognition of the minimum
legal age for obtaining the respective right, in relation to the special insured.
Keywords: Minimum age. Recognition. Rural retirement. Social security reform. Special.
INTRODUÇÃO
O trabalho em epígrafe traz como tema central a idade mínima para obtenção da
aposentadoria rural, onde visa o histórico de vida no campo do trabalhador rural, com o qual
justifica-se justamente pelo tratamento diferenciado concedido juridicamente à
aposentadoria rural em seu caráter especial na seara previdenciária. Sabe-se que desde a
década de 1960 os legisladores buscam sanar possíveis imperfeições acerca da temática
previdenciária, onde pressupõe seguir as necessidades contemporâneas decorrentes do
crescimento populacional.
De fato, o caráter especial, trazido pela aposentadoria rural, fez-se necessário a partir
das particularidades trazidas pela atividade desenvolvida pelos trabalhadores do campo,
devendo possuir sua própria organização basilar. A Constituição Federal de 1988 tornou por
assegurar de pronto o direito pétreo.
Salienta-se que as modificações apresentadas pela polêmica da Reforma da
Previdência em 2019 trouxeram significativas mudanças no teor do texto de lei, e também
na prática, ignorando o tempo de contribuição, bem como a idade, e consequentemente a
comprovação da atividade rurícola, tornando de fato, mais árduo o caminho para obter sua
aposentadoria.
Tal repercussão, portanto, traz à tona questionamentos instigantes acerca da idade
mínima para contagem de tempo para aposentadoria dos trabalhadores rurais frente à
Reforma Previdenciária, dos que iniciaram com menos de doze anos de idade a vida laboral,
ante a limitação de idade vigente da Constituição Federal.
Deste modo, objetivando alcançar resultados a esta pesquisa, buscar-se-á analisar o
instituto da aposentadoria rural, em relação a uma breve evolução desde a década de 1960,
bem como preconizou e lastrou o direito pétreo e em especial na Constituição de 1988 até
92
aqueles que compreender necessitar (trabalhador e sua respectiva família) mais do que outras
classes de trabalhadores.
Torna-se sabido, que por natureza, o trabalhador rural exerce uma atividade laboral
desgastante, penosa, que praticamente “liquida” com sua saúde, sendo fielmente plausível o
caráter especial de a aposentadoria previdenciária ser encarada sob outra ótica, seja esta
legal, ou prática. A atividade é especial, considerando o caráter especialíssimo da concessão
da aposentadoria, promovendo uma determinada distinção perante os demais. Com isso, o
trabalhador rural está exposto às variáveis do tempo, sendo eles: raios solares, chuvas, frio,
sujeitando-o a obter doenças malignas, onde pode ser considerado prejudicial à sua saúde e
à sua integridade física.
Os trabalhadores rurais, não devem ser tratados em igualdade com demais
trabalhadores, ratificando tal colocação, sob a ótica de Kerbauy (2009, p. 82):
Frisa-se, todavia, que o risco acobertado é o mesmo: a idade avançada e, em
decorrência, o desgaste para o exercício das atividades regulares. Desta forma,
entendeu-se que para equiparar o trabalhador rural ao urbano haveria a necessidade
de redução da idade, pois para aquele a ação do tempo é mais notável (KERBAUY,
2009, p. 82)
A idade mínima exigida pela lei é, como requisito essencial do direito àaposentadoria
ao completar 60 anos para os homens e de 55 para as mulheres, não necessitando comprovar
que se afastou das atividades laborais(HORVATH JR, 2011, p. 44). Onde a diminuição e
causa de excludente em relação à idade, somente será efetivada aos trabalhadores rurais
enquadrados nas categorias de segurado empregado, trabalhador avulso, trabalhador
eventual e segurado especial, conforme disposto no art. 48, § 1º da Lei nº 8.213/91.
(CASTRO; LAZZARI, 2017, p. 52).
referentes à época do trabalho, onde o INSS realiza o cadastro dos segurados especiais no
Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS).
A aposentadoria rural é considerada uma política pública imprescindível em relação
aos grandes resultados socioeconômicos, tanto para os beneficiários do campo quanto para
toda a estrutura econômica dos pequenos municípios rurais em todo o Brasil
(BITENCOURT; DALTO, 2016, p. 66).
A aposentadoria para os idosos rurais certamente significa uma imensa segurança e
alívio, a partir do processo de instabilidade na busca pelo sustento e a garantia de que sempre
terá provisões, e a Reforma da Previdência, preconizou plenamente a importância dada às
poucas modificações através do fator previdenciário.
Mesmo com o Sistema Previdenciário em alta crise, a Reforma visou sobretudo à
proteção e amparo aos trabalhadores rurais, onde o benefício também representa
independência para os idosos, com que haja extrema independência entre os filhos e
familiares na velhice e que, pelo contrário, podem ajudar os membros mais jovens da família,
tal como explana Barros (2014, p. 43):
[...] o impacto da aposentadoria rural junto às famílias pobres foi fundamental para
a transformação das relações no meio rural, uma vez que o dinheiro oriundo das
aposentadorias é usado para comprar alimentos para o lar, para enviar crianças à
escola, investir em tecnologias agrícolas e garantir a sobrevivência de muitas
famílias.
3. Não sendo caso de contagem recíproca, o art. 55, § 2.º, da Lei n. 8.213/91
permite o cômputo do tempo de serviço rural, anterior à data de início de sua
vigência, para fins de aposentadoria por tempo de serviço ou contribuição,
independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes,
exceto para efeito de carência.
(STJ, RE 382.085, Quinta Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado unânime em
06.06.2002, DJ 01-07-2002)
107
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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JusPodivm, 2020.
BARROS, Vanessa Maria Aparecida de. A aposentadoria rural e as mudanças nos modos
de vida dos idosos que vivem no campo: em análise os municípios de Piranga e São Miguel
do Anta, Minas Gerais. Dissertação (Pós-graduação em Extensão Rural). Universidade
Federal de Viçosa, Programa de PósGraduação em Extensão Rural Viçosa,2014. Disponível
em:˂http://www.posextensaorural.ufv.br/wp-content/uploads/2016/03/Vanessa-Aparecida-
Moreira-de-Barros.pdf˃ Acesso em: 30out. 2020.
BRASIL. Decreto-Lei n.º 276, de 28 de fev. de 1967. Alteram dispositivos da Lei nº 4.214,
Brasília, DF, 28 fev. 1967.
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito
previdenciário. 20 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
DIAS, Macedo DIAS, Eduardo Rocha e MACÊDO, José Leandro Monteiro de. Curso de
direito previdenciário. São Paulo. Método. 2008.
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. Rio de Janeiro. Impetus. 2010.
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2020.
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Forense, São Paulo: MÉTODO (Provas & Concursos).
STJ. RE 331.568/RS, Sexta Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado unânime em 23-
10-2001, DJ 12-11-2001.
STJ. RE 396.338/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, julgado unânime em
02.04.2002, DJ 22-04-2002
STJ. RE 382.085, Quinta Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado unânime em 06.06.2002,
DJ 01-07-2002.
112
INTRODUÇÃO
1
Doutoranda vinculada ao Programa de Pós Graduação em Ciências Jurídicas da UENP- Universidade
Estadual do Norte do Paraná. Professora de Direito da Seguridade Social, Advogada, Escritora Jurídica. Email:
hpancotti@gmail.com. Link para o Lattes: http://lattes.cnpq.br/1948241510029657. https://orcid.org/0000-
0003-1170-4778
2
Realizou estágio de pós-doutorado no CESEG (Centro de Estudios de Seguridad) da Universidad de Santiago
de Compostela, Espanha. Doutor em Direito do Estado (sub-área Direito Tributário) - PUC-SP. Mestre em
Direito Constitucional - ITE-Bauru. Professor efetivo dos cursos de Bacharelado, Mestrado e Doutorado,
Membro da Comissão Executiva do Colegiado do Curso de Graduação e Membro da Comissão de Coordenação
do Programa de Mestrado e Doutorado em Ciência Jurídica, todos do Curso de Direito do CCSA - UENP,
Campus de Jacarezinho. Coordenador Pedagógico do PROJURIS Estudos Jurídicos Ltda. Procurador do
Estado de São Paulo desde 1994. Link para o Lattes http://lattes.cnpq.br/1770829313370872. Email:
bernardi@uenp.edu.br. https://orcid.org/0000-0002-5938-5545
113
Vi ontem um bicho.
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão.
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
O bicho, Manuel Bandeira.
3
Nos estudos dedicados à precariedade da vida, a filósofa a princípio refletiu acerca da reação estadunidense
ao atentado de onze de setembro, buscando compreender quais vidas possuem valor e são passíveis de luto e
como se dão os processos de construção da humanização e desumanização que tornam outras vidas descartáveis
e não passíveis de luto. A linha deste pensamento, possibilitou a ampliação destes conceitos para outros campos
da vida social, já que conduz ao reconhecimento da existência da vulnerabilidade e, por conseguinte, a
possibilidade de que qualquer pessoa pode se encontrar em tal posição, inobstante o reconhecimento de que a
115
vulnerabilidade encontra-se distribuída de forma desigual, sujeitando algumas populações ou grupos sociais à
maior violência arbitrária do que outras. Por esta razão, a teoria possui forte identificação com o direito da
seguridade social, vez que na contemporaneidade, a gradativa retirada do Estado das suas atribuições
protetivas, tem criado zonas desprotegidas que atingem grupos sociais determinados.
4
Conforme alteração trazida pelo artigo 24 da Lei 13.846/2019- Minirreforma da Previdência- que modificou
a redação do artigo 16 da Lei 8.213/91 para introduzir a regra da prova da união estável por meio de prova
material contemporânea aos fatos conforme in verbis: § 5º As provas de união estável e de dependência
econômica exigem início de prova material contemporânea dos fatos, produzido em período não superior a 24
(vinte e quatro) meses anterior à data do óbito ou do recolhimento à prisão do segurado, não admitida a prova
exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme
disposto no regulamento.
5
Artigo 27 da EC 103/2019.
116
6
A ANTRA se dedica há anos a mapear a violência direcionada a população TRANS no Brasil e divulga dados
não oficiais, já que o Estado Brasileiro não possui qualquer mapeamento sobre o assunto. Segundo a entidade,
a expectativa de vida das pessoas trans no Brasil é de 35 anos de idade. Disponível em
https://antrabrasil.files.wordpress.com/2021/07/boletim-trans-002-2021-1sem2021-1.pdf. Acesso em 28 jul
2021.
7
A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade
social, e tem por objetivos: [...] V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
118
8
Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios.
119
De acordo com o item 11 da nota técnica em cotejo, há uma preocupação de que não
seja possível a correta identificação do segurado, assim como a correta aglutinação das
informações sociais decorrentes das contribuições, posto que existe a proibição de
apontamento da transgeneridade em qualquer documento seja ele de natureza civil ou social.
Esta dificuldade experimentada pela autarquia não é, diga-se de passagem, sentida
no âmbito dos Regimes Próprios de Previdência Social. Isso porque, conforme dispõe o
provimento do CNJ já citado no presente trabalho, a partir da alteração da certidão de
nascimento, por decorrência se faz, como se em cascata, a extensão das demais alterações
nos mais variados espectros possíveis de identificação faça menção direta ou indiretamente
ao segurado trans.
A insurgência não se justifica. O direito a alterar todas as informações sociais já foi
regulada no artigo oitavo do provimento do CNJ, razão pela qual, a impossibilidade do
apontamento da transgeneridade é irrelevante.
O julgamento da ADI 4275/DF reconheceu a identidade de gênero trans, o que
significa dizer homens cis e homens trans são indistintos, assim como mulheres cis e
mulheres trans o são para efeitos jurídicos.
Por esta razão, distinguir-se o transgênero dentre os cisgêneros reforça aqueles
processos de desumanização que justificam a separação dos grupos sociais entre nós e eles
e que precarizam algumas existências em detrimento de outras, conforme tratou-se no
primeiro item deste estudo.
As distinções dificultam o exercício da alteridade, muito embora sejam
imprescindíveis para se delinear as estruturas das políticas públicas distributivas e de
promoção social, como a concepção de que a incapacidade social é um fator importante a
ser considerado para a concessão do BPC.
O voto do Ministro Celso de Melo (2018, p.2) é cristalino neste sentido;
De sorte que, ainda que as regras de acesso aos benefícios oscilem entre o binômio
homem e mulher, não há distinção jurídica possível entre homens e mulheres cis e trans que
justifiquem sequer a existência do apontamento da cisgeneridade.
Não há, neste sentido, qualquer motivo que justifique o tratamento diferenciado à
população trans. A mera instrumentalização do Provimento do CNJ supre a dificuldade
apontada.
O Planejamento Previdenciário, procedimento corriqueiro de conformação
documental e contributiva que é autorizado com fundamento no artigo primeiro da Instrução
Normativa 77/2015 e pode ser realizado pelo interessado a qualquer tempo.
Prima facie se faz necessário distinguir que somente para os benefícios programáveis
- aposentadorias por idade/tempo é que o sexo do segurado é determinante.
Num primeiro momento, a tendência autárquica é buscar firmar uma linha do tempo
onde se estabelece o sexo pré e pós alteração documental. A partir daí, estabelece-se critérios
multiplicativos ou divisíveis capazes de converter contribuições realizadas nos gêneros x ou
y com vistas a buscar o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema contributivo
previdenciário.
Partindo dessa premissa de natureza meramente econômica, a Nota Técnica delineou
três possibilidades de solução dos pleitos por benefícios programáveis, a saber:
Muito embora as conclusões da Nota Técnica sobre a qual se debruça este estudo
tenha defendido o primeiro posicionamento, este não é, salvo melhor juízo, o mais adequado
para evitar a judicialização dos benefícios previdenciários.
O desprezo pelo sexo/gênero autopercebido é um retrocesso aos tempos anteriores à
decisão da ADI 4275/DF. A hermenêutica autárquica se choca com os exatos termos daquilo
que se consignou no julgamento e não há qualquer razão de natureza contributiva que impeça
o reconhecimento do gênero autodeclarado na data da entrada do requerimento e com os
quais o segurado tenha apresentado conformação junto aos dados contidos no CNIS.
Sem mencionar, que isso submete existências trans a um ideal heterosexista de
sociedade que somente compreende a cisgeneridade como existência digna.
A relação jurídica que obriga beneficiários e o sistema previdenciário brasileiro se
inicia com a filiação ao regime previdenciário que ocorre no momento do exercício da
atividade laborativa capaz de produzir renda e se aperfeiçoa com o ato administrativo da
inscrição do segurado junto ao órgão previdenciário correspondente.
Contudo, para fins de estabelecimento das regras aplicáveis aos casos concretos que
envolvem benefícios previdenciários, a máxima consolidada é a do tempus regit actum. A
norma aplicável ao caso é sempre aquela vigente no fato gerador da contingência social
protegida.
No caso dos benefícios programáveis, é a aplicável no momento da reunião dos
requisitos necessários para o deferimento da pretensão.9 Claro que ressalva-se questões
9
Neste sentido se construiu toda jurisprudência previdenciária, a privilégio da preservação da segurança
jurídica dos atos administrativos. Resta bastante evidente no julgado a seguir: - VIÚVA DE EX-
GOVERNADOR. PENSÃO. CANCELAMENTO. I - Súmula nº 340/STJ. Tempus regit actum. Fato gerador
123
como permanência extraordinária nos regimes contributivos para ressalvar formas mais
benéficas de cálculo de renda mensal inicial, contudo, o direito ao melhor benefício também
está privilegiado nas normas administrativas, em razão do teor do artigo 687 da IN 77/2015.10
As normas previdenciárias que regulam os benefícios programáveis, costumam se
movimentar em dois eixos centrais que são o tempo de adesão ao sistema contributivo e o
sexo/gênero do segurado. Isso porque foi delineado para diminuir desigualdades históricas
relacionadas à divisão sexual do trabalho e a predominância feminina no trabalho
reprodutivo não remunerado.
Com base em estudos publicados periodicamente que levam em consideração a
empregabilidade, nível das contribuições vertidas e expectativa de vida, se traçam regras
diferenciadas de acesso com vistas à equidade no momento da ocorrência das contingências
previstas constitucionalmente.
Estes dispositivos já foram alterados para atender às demandas sociais oriundas da
evolução das relações humanas, como quando equiparou a mãe gestante com a mãe adotante
para fins de acesso dos benefícios de proteção à maternidade. Da mesma forma, o pai
adotante de uma família homoafetiva, assim como o pai viúvo passaram a gozar da mesma
proteção previdenciária.
O sistema legal adaptou-se às novas construções familiares que surgiram com a
emancipação afetiva conquistada pela comunidade LGBTQIA+, assim como das famílias
heteroafetivas adotantes.
Contudo, percebe-se que quando a questão se centraliza em torno da identidade de
gênero, do direito à autodeterminação, a autarquia busca dotar o debate de uma natureza
tributária. Preocupa-se que segurados possam se utilizar de subterfúgios para declarar um
gênero ao qual não pertença para perceber privilégios.
Reduzir o debate ao princípio do equilíbrio financeiro e atuarial, é destruir o núcleo
essencial da norma protetiva, contudo, dada a preocupação primordial com a redução das
do benefício ocorrido em 2003. Surgimento do direito à pensão especial já na vigência da Constituição Federal
de 1988. II - Decadência administrativa. Não ocorrência. Ato manifestamente inconstitucional. Inexistência de
direito adquirido contra a Constituição. Precedentes do STF. III - Julgamento da ADI 4.545 pelo Supremo
Tribunal Federal. Decisão com efeito imediato e vinculante. Art. 28, parágrafo único, da Lei nº 9.868/99.
Declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos legais que amparavam a concessão do benefício da
impetrante. Ausência de violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Inexistência de ilegalidade,
violação ou ameaça a direito líquido e certo. Segurança denegada. (TJPR; ManSeg 0012581-
31.2020.8.16.0000; 6ª C.Cív.; Relª Desª Lilian Romero; DJPR 26/02/2021).
10
Art. 687. O INSS deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientar
nesse sentido.
124
desigualdades sociais que permeia as regras de acesso aos benefícios programáveis e que
sempre justificou requisitos mais favoráveis ao gênero feminino, há que se reconhecer a
maior vulnerabilidade da população trans.
Expostas que são a mais violência, conforme já se debateu na primeira parte da
construção deste artigo, seria natural que o argumento contributivo fosse mitigado ante a
necessidade de buscar tratamento mais equânime.
O princípio da equidade na forma de participação e custeio seria o corolário em que
se sustentaria a desnecessidade do estabelecimento de compensações ao fundo de custeio do
sistema previdenciário. À medida em que a solidariedade e a equidade ainda regulam o
custeio da previdência e da seguridade social brasileira, naturalmente que quanto menor a
condição contributiva, equitativamente, menor a contribuição.
Sendo assim, de forma ampla e mais genérica, dado que cada benefício
previdenciário mereceria considerações mais aprofundadas, o que é impossível de realizar
diante das restrições que a discussão da temática em uma obra colaborativa impõem, é
possível encontrar dissonâncias importantes entre as conclusões da Nota Técnica que tem
orientado a hermenêutica administrativa e forçado o não reconhecimento da identidade de
gênero trans no âmbito do Regime Geral de Previdência Social, conforme denunciam as
conclusões deste trabalho, que trataremos a seguir.
CONCLUSÕES
as esferas do Poder Judiciário, forçando que estas demandas que poderiam ser resolvidas de
forma célere pelo Processo Administrativo Previdenciário, passem a ser discutidas de forma
mais custosa e morosa na justiça brasileira.
O ônus financeiro da movimentação de toda a estrutura jurídica para apreciação de
uma demanda já solucionada na Corte Constitucional, de toda forma passa a ser suportado
pelo Estado brasileiro, um problema crônico que é caro ao CNJ, que busca há muito tempo
conciliar as demandas previdenciárias, que tornam o INSS o maior litigante da justiça
brasileira e, por decorrência aquele que produz maiores gastos ao erário público.
Além disso, ao atribuir diferenciação ilegal ao gênero trans, reduzindo o debate em
torno do sexo atribuído ao nascimento e não ao apresentado no momento da data da entrada
do requerimento do pedido administrativo (que marca o termo inicial do processo
administrativo previdenciário), o instituto gestor passa a reforçar padrões cisheterosexistas
de existências.
Estes reforços, ainda que inconscientes são o sustentáculo das estruturas de biopoder
que justificam a manutenção da maior precariedade destas vidas, tornando a promoção e
inclusão destes sujeitos muito mais difícil.
Todos aqueles processos de exclusão e desumanização sobre os quais nos debruçamos na
primeira parte deste trabalho e que fazem com que a população trans tenha uma expectativa
de vida tão reduzida em relação ao restante da população, pela suscetibilidade a todas as
formas de violência gratuita, são reforçados, quando um órgão administrativo responsável
pela gestão dos recursos que foram delineados pelo sistema de seguridade social para
oferecer proteção à população vulnerável, são vinculados à ostentação da
heterocisnormatividade compulsória.
Desta forma, conclui-se que é preciso buscar uma hermenêutica mais voltada à
alteridade e harmonização com a interpretação constitucional sobre as questões relacionadas
à identidade de gênero no âmbito do processo administrativo previdenciário.
126
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BUTLER, Judith. Quadros de Guerra: Quando a vida é passível de luto? Tradução Sérgio
Tadeu de Niemeyer Lamarão e Arnaldo Marques da Cunha; revisão de tradução: Marina
Vargas; revisão técnica de Carla Rodrigues. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2017.
CNJ, Conselho Nacional de Justiça. Res. 270 de 11 dez 2018- Dispõe sobre o uso do nome
social pelas pessoas trans, travestis e transexuais usuárias dos serviços judiciários, membros,
servidores, estagiários e trabalhadores terceirizados dos tribunais brasileiros. DJe 12
dez.2018.
_____, __________. Prov. N. 73, de 28 jun 2018. Dispõe sobre a averbação da alteração de
prenome e d gênero nos assentos de nascimento e casamento de pessoa transgênero no
Registro Civil de Pessoas Naturais. DJe 29 jun 2018.
STF, Supremo Tribunal Federal. ADI 4275/DF, julgada em 01 mar. 2018. Relator Min. De
janeiro Marco Aurélio, Redator do Ac. Min. Edson Fachin. DJe- 045 de 06 mar 2019.
127
Resumo: Este artigo aborda o exercício da atividade laboral dos agentes socioeducadores da
Fundação de Atendimento Socioeducativo do RS e tem como objetivo analisar como a
jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região sobre o reconhecimento de
atividade especial do exercício laboral destes trabalhadores e identificar se eles têm obtido
o direito a concessão do benefício de aposentadoria especial ou a conversão de tempo
especial em comum. Questiona-se como o Tribunal Regional Federal da 4ª Região
fundamenta suas decisões relativas aos pedidos de reconhecimento de atividade especial do
labor dos agentes socioeducadores para fins de aquisição ao direito à aposentadoria especial
ou a conversão de tempo de trabalho especial em comum? A partir da análise jurisprudencial
do Tribunal constata-se que o direito ao reconhecimento a atividade especial dos agentes
socioeducadores tem ocorrido na maioria dos julgamentos das 5ª e 6ª câmara do Tribunal,
sendo que, ocorre de forma unânime na 6ª câmara sob o fundamento de que a atividade é
perigosa, uma vez que o trabalho é prestado no atendimento aos adolescentes privados de
liberdade que possuem sérios distúrbios morais e de conduta, salvo no caso em que o
processo recai a relatoria de um julgador especifico da 5ª câmara que entende que os
adolescentes privados de liberdade não oferecem grave risco aos profissionais, pois, os atos
infracionais cometidos são de baixa gravidade e que os jovens não representam perigo
acentuado nas questões de violência pública no Brasil.
1. INTRODUÇÃO
Os últimos sete anos tem sido marcado pelo intenso debate na opinião pública e entre
os cidadãos brasileiros acerca das regras da reforma do sistema previdenciário no Brasil
referente às diferentes modalidades de benefícios previdenciários.
Prova disso foi à alteração normativa promovida pela Lei nº 13.183/2015, que
instituiu a regra de pontuação conhecida por 85/95 prevendo a mescla do tempo de
contribuição mínimo e a idade mínima para concessão do benefício de aposentadoria por
1
Professor. Doutor em Ciências Sociais pela PUCRS. Mestre em Sociologia do Direito pela Universidade La
Salle/RS. Graduado em Direito e em História pela PUCRS. Especialista em Direito do Trabalho e em
Previdenciário pela UniRitter-RS. Advogado OAB/RS nº 86.507. E-mail: jayrsyl@yahoo.com.br.
128
tempo de contribuição associada a exigência de idade mínima. Tal regra ao mesmo tempo
que se propunha criar uma modalidade de aposentadoria que vinculasse o tempo de
contribuição com a idade mínima para reduzir o número de aposentadorias consideradas
precoces, também buscou instituir um benefício que não diminuísse de forma acentuada o
valor dos mesmos como ocorre com a aposentadoria por tempo de contribuição devido a
incidência do fator previdenciário.
Entretanto, mesmo após a criação da aposentadoria pela regra de pontos, o debate
público sobre o déficit previdenciário se manteve e se acirrou, inclusive no Congresso
Nacional, para que fosse implementada uma reforma da previdência de forma estrutural, de
modo a manter sustentável seu sistema de financiamento. Os defensores da reforma
argumentavam que era necessário aumentar as exigências para aquisição ao direito aos
benefícios de aposentadorias e pensões e regular o valor destas, de modo aliviar as despesas
públicas, pois, isto é um fator que propicia o ingresso de investimentos estrangeiros na
economia do país.
Por outro lado, aqueles que entendiam que a reforma de previdência deveria ser
realizada com cautela, argumentavam que as alterações nas regras dos benefícios não
poderiam reduzir direitos ou afetar os direitos adquiridos e deveria se dar no médio e no
longo prazo, de maneira a reduzir os impactos sociais na vida dos cidadãos e a evitar maior
precarização social das camadas da população mais vulnerável.
O debate público sobre a reforma previdenciária perdurou até novembro de 2019
quando foi promulgada a Emenda Constitucional nº 103/2019, alterando drasticamente os
critérios de concessão dos benefícios e a forma de cálculo. De forma sintética, pode-se dizer
que a reforma se caracterizou pela ampliação dos requisitos de acesso aos benefícios como
o aumento do tempo de contribuição e o estabelecimento de idade mínima e a diminuição
dos valores da renda mensal inicial dos benefícios.
Importa destacar, que mesmo com a inclusão do sistema previdenciário como
integrante da seguridade social no título VIII, artigo 201, da CF/88, a tendência a ampliação
das restrições ao acesso aos benefícios previdenciários já se manifestava no sistema jurídico
previdenciário brasileiro a bastante tempo e se concretizou com a promulgação da Lei nº
9.032/95, que alterou o art. 57 da Lei 8.213/91, excluindo a possibilidade de aposentadoria
especial no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) através do enquadramento da
categoria profissional, conforme a sujeição as condições insalubres, penosas ou perigosas de
forma presumida. Tal lei estabeleceu como critério exclusivo para concessão de
129
benefício cancelado. Sobre tal temática, cumpre destacar que depois de vários anos de
debates jurídicos nos Tribunais do país, o STF ao julgar o tema 709 decidiu que o parágrafo
8 do art. 57 da Lei 8. 213/1991 é inconstitucional e proibiu que os segurados aposentados
por atividade especial continuassem a laborar nas mesmas condições.
O valor inicial do benefício, conforme parágrafo 1º do art. 57 da Lei nº 8.213/91 é de
100% do salário de benefício. No tocante a possibilidade de conversão de tempo de trabalho
especial em comum e tempo de trabalho comum em especial, para fins deste artigo, importa
salientar que diferentes entendimentos dos Tribunais brasileiros, a partir de 28-04-1995, com
base no parágrafo 5 do art. 57 da Lei nº 8.213/91 somente é possível a conversão do tempo
especial em comum, sendo vedado a conversão do tempo comum em especial.
O art. 96, inciso I da Lei º 8.213/91 veda a conversão de tempo de serviço exercido
em atividade sujeita a condições especiais em tempo de contribuição comum, de maneira a
obter contagem recíproca de tempo de contribuição entre regimes previdenciários diferentes.
Assim, o segurado que sai do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e ingressa no
Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) leva consigo o tempo sem conversão (sem
tempo adicional). Contudo, não cabe ao INSS confundir a não contagem recíproca do tempo
especial do RGPS no RPPS com a não emissão da certidão comprobatória do tempo de
contribuição vertidas ao INSS pelo segurado. Segundo o julgado do STJ RE 433.305, é dever
do INSS fornecer a certidão das contribuições realizadas pelo segurado e cabe ao RPPS ou
negar a conversão do tempo especial em comum a este regime.
No tocante ao fator de conversão do tempo especial em comum o Decreto nº 3.048/99
no art. 70 determina que para homens converter 15 anos de atividade especial, utiliza-se
como multiplicador 2,33 para trinta e cinco anos de contribuição. Para a atividade especial
de 20 anos, usa-se 1,75 e para atividade especial de 25 anos aplica-se o multiplicador de
1,40. Para as mulheres, a conversão de atividades especiais de 15 anos aplica-se o
multiplicador de 2,00 para 30 anos de contribuição; e para atividades especiais de 20 anos,
usa-se 1,50. Para as atividades especiais de 25 anos, utiliza-se o fator de 1,20.
A reforma previdenciária de 2019 promoveu profundas alterações nos requisitos para
aquisição ao direito à aposentadoria especial, o que representou maiores obstáculos para
obtenção do direito e a redução do valor do benefício. O art. 19, parágrafo 1, inciso I, a, b, c
da Emenda Constitucional 104/2019 estabeleceu que a aposentadoria especial será
concedida quando o segurado tiver o tempo mínimo de efetivo trabalho em condições
especiais de 15, 20 e 25 anos. Respectivamente, a idade de 55, 58 e 60 anos de idade,
135
comprida a carência de 180 contribuições. Aos segurados que não obtiveram o direito ao
benefício na data da Reforma, foi assegurado a regra de transição que tem por base o total
da soma resultante da sua idade e do tempo de contribuição com efetiva exposição aos
agentes nocivos da seguinte forma: 66 pontos e 15 anos de efetiva exposição, sendo 51 anos
de idade mais 15 anos de tempo de contribuição; 76 pontos e 20 anos de efetiva exposição,
sendo 56 anos de idade mais 20 anos de contribuição; e 86 pontos e 25 anos de efetiva
exposição, sendo 61 anos de idade mais 25 anos de tempo de contribuição.
O valor do benefício também sofreu alteração, sendo que o parágrafo 2 do art. 26 da
EC 103/2019 determina que o valor da aposentadoria especial corresponderá a 60% da média
aritmética de todas as contribuições do segurado desde julho de 1994, com o acréscimo de
2% para cada ano que exceder o tempo de 20 anos para homens e de 15 anos para mulheres
(conforme parágrafo 5 deste mesmo artigo). Cabe ressaltar que a nova regra traz prejuízo ao
segurado, uma vez que na regra anterior o valor do benefício era de 100% da média
aritmética das 80% maiores contribuições desde julho de 1994, representando uma renda
mensal inicial maior do que na regra atual.
Por outro lado, também é importante destacar que a possibilidade de conversão do
tempo de atividade especial em comum deixa de existir, conforme art. 25, parágrafo 2 da EC
103/2019, o que representa um grande retrocesso nos direitos dos segurados da previdência.
A conformação normativa e jurisprudencial da aposentadoria especial desnuda um
conjunto complexo de normas e requisitos que devem ser satisfeitos pelo segurado para que
ele obtenha o direito ao benefício. A necessidade de comprovação fática do exercício laboral
em atividades nocivas à saúde e a integridade física do segurado o coloca em posição de
subalternidade diante do INSS, que cada vez mais impõe entendimentos legais restritivos à
concessão do benefício, o que torna o Poder Judiciário o último amparo do segurado na busca
pelo seu direito.
execução da medida socioeducativa privativa de liberdade, e foi instituída com base nas
orientações normativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
A promulgação do Estatuto, em 1990, representou uma mudança profunda no sistema
principiológico e normativo voltado ao atendimento do adolescente autor de ato infracional.
De acordo com Saraiva (2005, p. 62-63), o ECA estruturou-se com base no princípio da
dignidade da pessoa humana e no respeito aos direitos individuais a todos os adolescentes
sem qualquer tipo de distinção e voltado ao atendimento integral da criança e do adolescente
através de três sistemas: o primário voltado às políticas públicas de atendimento a criança e
ao adolescente; o secundário que aborda as medidas de proteção dirigidas às crianças e aos
adolescentes em situação de risco pessoal ou social e o sistema terciário que dá conta das
medidas socioeducativas aplicáveis aos adolescentes autores de atos infracionais.
No Rio Grande do Sul, o início da vigência do ECA aconteceu sobre a base das
práticas institucionais, vigentes no funcionamento da Fundação Estadual do Bem-Estar ao
Menor do RS. A instituição foi criada em 1969, através da Lei nº 5.747/69 e começou suas
atividades durante os anos de 1970. O objetivo era propor e executar as políticas de
assistência aos “menores carentes” e dar efetividade as decisões do Juizado de Menores, aos
casos relacionados a práticas de delitos pelos “menores infratores”.
Com base nos princípios e nas diretrizes normativas previstas no ECA, a FEBEMRS
evoluiu no seu reordenamento institucional por meio da Lei estadual nº 11.800, instituindo
a Fundação como a instituição exclusivamente responsável pelo atendimento dos
adolescentes privados de liberdade. Ao mesmo tempo, a Fundação de Proteção Especial –
FPERS foi criada para prestar atendimento exclusivo às crianças, aos adolescentes em
situação de risco social, moral e pessoas com deficiência. Em junho de 2002, por meio do
Decreto nº 41.664 a FEBEMRS teve sua designação alterada para Fundação de Atendimento
Socioeducativo do RS – FASE-RS.
Em relação ao atendimento dos adolescentes infratores, atualmente, a Instituição
FASE-RS possui treze unidades de atendimento em regime de privação de liberdade,
espalhadas pelo estado. Seis delas em Porto Alegre/RS e sete no interior do estado nas
cidades sedes de cada região do estado: Novo Hamburgo, Caxias do Sul, Pelotas, Santa
Maria, Santo Ângelo, Passo Fundo e Uruguaiana.
A pesquisa contida no Mapa da Violência de 2014, demonstra que adolescentes e
jovens de até 30 anos são os principais atores da cena violenta na sociedade brasileira e
posicionam-se tanto como vítima como vitimizadores nos crimes violentos nas periferias das
137
grandes e médias cidades brasileiras. Esta situação coloca esta categoria populacional no
centro do cenário da violência, da criminalidade e na cena do universo das pessoas
encarceradas no Brasil.
Cordeiro (2016, p. 149), destaca que os adolescentes que circulam pelo sistema de
justiça juvenil de Porto Alegre são oriundos de grupos sociais pertencentes a camadas pobres
ou miseráveis da população da cidade. Seus pais ou responsáveis são trabalhadores com
baixa qualificação profissional e muitos atuam como recicladores de lixo, operários
eventuais na construção civil e trabalhadores no comércio. A maioria aufere baixos
rendimentos e alguns são beneficiários das políticas públicas estatais ou percebem auxílios
como bolsa família. Outros, sobrevivem de eventuais “biscates” e pequenos serviços
realizados em suas comunidades de origem.
Além disso, CORDEIRO (2016, p.149) constatou-se que os adolescentes atendidos
no sistema de justiça juvenil de Porto Alegre vivem em condições precárias, marcados pela
baixa escolaridade, ensino fundamental incompleto, inserção prematura no mercado de
trabalho informal, além de fazerem uso e ou abusar de drogas lícitas e ilícitas. Em sua
maioria, vivem sob a responsabilidade exclusiva da mãe, dos avós ou até mesmo de algum
irmão mais velho, em zonas e bairros periféricos da cidade. Têm acesso escasso a bens
materiais e culturais, e entre os principais motivos responsáveis pela necessidade de
aplicação a justiça juvenil, destaca-se com certa frequência: o tráfico de drogas, furto, roubo,
receptação e homicídio. Nos ambientes em que o atendimento socioeducativo é realizado,
destoa em relação ao que é previsto no sistema legal socioeducativo brasileiro.
O estudo realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2012) demonstra que o
atendimento aos adolescentes nas unidades de internação no Brasil acontece de forma
precária, pois, há falta de estrutura e salubridade dos espaços físicos de atendimento, e
espaços inadequados para alimentação, alojamento, escolarização, enfermaria e cuidados
médicos, faltam recursos humanos: agentes socioeducadores e técnicos de diversas áreas, o
que impede o atendimento individualizado preconizado pelo ECA, há superlotação ou
lotação das unidades das unidades de internação e a ocorrência de motins e rebeliões que
deixam trabalhadores e adolescentes feridos e em alguns casos mortos.
O cenário onde os agentes socioeducadores da FASE-RS desempenham suas
atividades profissionais é caracterizado, assim, pela falta de condições físicas adequada dos
locais de atendimento dos adolescentes, pela falta de trabalhadores, em unidades
superlotadas ou lotadas de adolescentes com envolvimento em atos infracionais graves com
138
violência a vida, ao patrimônio e aos costumes, o que se torna um fator importante a ser
considerado pelo Poder Judiciário na análise do reconhecimento ou não da atividade especial
dos agentes socioeducadores.
A atividade desenvolvida pelos agentes socioeducadores possui natureza híbrida,
pois se relaciona com à socio educação e a segurança dos adolescentes. Ao mesmo tempo
que atuam de forma a manter um vínculo socioeducativo com os adolescentes objetivando a
troca de valores e princípios que propiciem aos adolescentes a possibilidade de uma
reinserção digna e cidadã na sociedade mais ampla, possuem a obrigação funcional de
manter a disciplina, a ordem institucional e o respeito dos adolescentes entre si preservando
sua própria integridade física, a dos adolescentes internados e o patrimônio público.
durante as 24 horas do dia. Tal condição profissional além de exigir capacidade física para
realização destas tarefas, inclusive contenção mecânica e o controle de tumultos, brigas,
rebeliões e motins gerados, eventualmente, pelos adolescentes, também exige um intenso
esforço mental e desgaste emocional durante o desempenho das suas funções, o que
proporcionou o reconhecimento das suas atividades como atividade penosa.
5. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
1. INTRODUÇÃO
1
Mestre e Especialista em Geografia pela Universidade Federal do Pará. Discente do 5º semestre do curso de
Direito da Universidade Federal do Pará. Bolsista do Projeto de Pesquisa JUSP – (CIDHA/UFPA). Estagiária
do Escritório Galvão Advocacia Previdenciária. E-mail: laressa-bentes@hotmail.com.
2
Advogado (OAB/PA 16.500). Diretor de Apoio a Democracia da Comissão de Direito Previdenciário
OAB/PA. Coordenador Adjunto do IBDP/PA. Especialista em Direito Previdenciário (LFG; IMADEC) e
Direito do Trabalho e Processo do Trabalho (UNAMA). E-mail: jeffersoncgalvao@yahoo.com.br.
148
particulares, com contribuições destes atores, com o fito de assegurar um padrão mínimo de
vida digna (IBRAHIM, 2012).
A Carta Magna dispõe que a seguridade social é “um conjunto integrado de ações de
iniciativa dos poderes e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à
previdência e à assistência social” (ART. 194, CF/88), sendo de competência do poder
público a organização desse sistema, de modo a atender a universalidade da cobertura e do
atendimento, uniformidade e equivalência entre os benefícios urbanos e rurais, seletividade
e distributividade na prestação dos benefícios, irredutibilidade do valor dos benefícios,
equidade na forma de participação no custeio, diversidade da base de financiamento, por
meio da participação de todos, isto é, de caráter democrático e descentralizado da gestão
administrativa (ART. 194, § U, CF/88).
Nesse sentido, a seguridade social tem como principal objetivo a busca do bem estar
e da justiça social. No que diz respeito à previdência social, pode-se compreendê-la como
um seguro que visa proteger os trabalhadores e seus dependentes frente aos riscos sociais
relevantes, ou seja, como o envelhecimento, incapacidade temporária, gravidez, invalidez e
morte (IBRAHIM, 2012).
Kovalczuk Filho (2013) relaciona o início da previdência social com a necessidade
de manutenção do modelo liberal, cuja estrutura era baseada na industrialização e
urbanização, situação na qual se verificou que as pessoas necessitavam cada vez mais da
ajuda material do Estado, sobretudo os idosos, acidentados e viúvas, para garantir a sua
manutenção.
Nesse viés, a história da evolução da previdência social no mundo demonstra que de
alguma forma as pessoas procuraram meios de se precaverem contra os riscos sociais, seja
pela elaboração de caixas de arrecadação de fundos direcionadas a uma categoria específica
de trabalhadores, como a Caixa de Socorros dos Marítimos em 1344, seja pela necessidade
da intervenção do Estado para assegurar benefícios aos idosos e trabalhadores, como uma
forma de política pública social institucionalizada, tal como o Seguro doença e o Seguro
velhice e invalidez (IBRAHIM, 2012).
Conforme Ibrahim (2012), a evolução da proteção social no Brasil seguiu a mesma
lógica do plano internacional, com característica de origem privada e voluntária,
desenvolvendo-se fundos mutualistas, ao passo de ser cada vez mais significativa a
intervenção do Estado. Nesse sentido, é importante notar que a previdência social até o
advento da Constituição de 1988 era predominantemente voltada para a proteção dos
149
trabalhadores urbanos, em que pese o Brasil ser um país eminentemente agrícola, havendo
distinções entre pessoas que laboravam na cidade e no meio rural, para fins de proteção
social, haja vista que na Constituição de 1891 existia somente a aposentadoria por invalidez
aos funcionários públicos custeada pela nação (BERWANGER, 2014).
Posteriormente, tem-se o Decreto Legislativo 4.682/1923, conhecido como a Lei
Eloy Chaves, a qual institui as chamadas Caixas de Aposentadoria e Pensões para os
empregados das empresas ferroviárias, contemplando os benefícios de aposentadoria por
invalidez, aposentadoria ordinária e a pensão por morte, todos custeados por contribuições
do Estado, dos empregadores e dos trabalhadores.
A Lei Eloy Chaves, apesar de não ter sido o primeiro diploma legal a tratar sobre a
seguridade, pois existia o Decreto-Legislativo nº 3.724/19, que tratava do seguro
obrigatório de acidentes do trabalho, se tornou o marco inicial da previdência social no
Brasil em razão de sua estrutura interna, pois foi sobre esse alicerce que o sistema
previdenciário cresceu evoluindo para o modelo atual (IBRAHIM, 2012).
Observa-se que, embora o Brasil até 1950 fosse um país predominantemente rural
(SANTOS; SILVEIRA, 2001), momento em que suas atividades econômicas estavam
relacionadas à exploração e comercialização de produtos agrícolas, como o café e o açúcar,
não havia previsão legal ou constitucional de proteção aos trabalhadores rurais. Ou seja,
em que pese o país ter como principal atividade a exportação de produtos primários,
pressupondo-se a importância dessa classe trabalhadora, o Estado não instituiu nenhuma
política pública para a proteção dessas pessoas em face dos riscos sociais, uma vez que o
trabalhador rural está condicionado a diversos riscos, pois trabalha com instrumentos
cortantes, fica exposto constantemente ao sol, o que leva ao desgaste físico e
envelhecimento precoce.
É possível afirmar, portanto, que malgrado a previdência social no Brasil tenha
como marco a edição da Lei Eloy Chaves no século XX, a sua proteção era seletiva e,
portanto, excludente, permitindo com que os trabalhadores rurais vivessem por muito
tempo sem o devido amparo do Estado diante das adversidades sociais naturais, ainda que
esta classe fosse imprescindível para o desenvolvimento do país.
Assim, faz-se importante compreender como se iniciou a proteção social rural no
Brasil, com o asseguramento das prestações previdenciárias aos beneficiários e seus
dependentes, entendendo-as como uma política pública de materialização de direitos
fundamentais, culminando com uma análise atual sobre o sistema previdenciário brasileiro
150
relacionado aos direitos dos segurados especiais frente às novas alterações legislativas da
previdência social.
O objetivo da presente pesquisa consiste em analisar as omissões positivas da
reforma da previdência concretizada pela Emenda Constitucional nº 103/2019 em relação
aos segurados especiais, construindo teses que fundamentem essa perspectiva. Para tanto, é
imperioso entender a origem da evolução histórica da previdência social, com ênfase na
Constituição Federal de 1988 e na Lei de Benefícios (nº 8.213/91), suscitando aspectos
relevantes para a consolidação das garantias e direitos previdenciários dos segurados
especiais como política pública, para enfim compreender o sistema atual.
Quanto à metodologia, este trabalho tem enfoque qualitativo e descritivo, partindo-
se da leitura dos dispositivos constitucionais que versam sobre a seguridade social,
sobretudo, a previdência social, além do levantamento e revisão bibliográfica sobre o tema
a partir das normas legais previstas na legislação infraconstitucional previdenciária,
subsidiada pela doutrina, jurisprudências, trabalhos científicos e da prática jurídica acerca
da temática levantada, bem como da leitura sobre a Emenda Constitucional nº 103/19 que
consubstanciou a reforma da previdência, e da Medida Provisória 871, convertida na Lei
13.846/19, regulamentada pelo Ofício-Circular nº 46/19.
Assim, a pesquisa está estruturada em três tópicos, além da introdução e conclusão:
no primeiro, apresentam-se considerações acerca da evolução histórica da previdência social
rural; no segundo, discute-se a previdência social na Constituição Federal de 1988 e os
benefícios previdenciários rurais como instrumento de implementação de política pública;
no terceiro, é feita uma análise da omissão positiva da EC nº 103/2019 em relação aos
segurados especiais.
do Brasil como grande celeiro agrícola no início do século XX” (KOVALCZUK FILHO,
2013, p. 54). Ou seja, ainda que a atividade agrícola fosse preponderante e imprescindível
para o país, não havia uma contrapartida do Estado em assegurar o mínimo existencial a essa
classe trabalhadora.
Nessa perspectiva, dados da época comprovam que nas primeiras décadas do século
XX, o Brasil ainda era um país eminentemente agrícola, pois mesmo com o processo de
industrialização, em 1940 a indústria brasileira representava apenas 13,90% da população
economicamente ativa, enquanto o setor agrícola predominava com 65,8%, seguido do setor
de serviços com 19,8% (DELGADO, 2001).
Nesse sentido, observa-se através da literatura e das leis previdenciárias editadas
durante o século XX no país, que a proteção constitucional e infraconstitucional de amparo
ao trabalhador rural era deficitária ou quase inexistente, ainda que se esteja falando de um
momento em que a atividade rural era preponderante e crucial para o desenvolvimento
econômico e social do Brasil.
Nesse ínterim, Berwanger (2014) corrobora ao afirmar que a proteção previdenciária
para os trabalhadores do campo, no Brasil, foi aumentando na medida em que foi diminuindo
o público do meio rural. Isto é, quando o país deu início ao seu processo de industrialização,
muitos trabalhadores rurais deixaram sua terra para viverem na cidade, para trabalhar nas
fábricas, vislumbrando a atividade fabril como promissora e, ao mesmo tempo, alternativa à
situação penosa no campo.
Dessa maneira, nota-se que os trabalhadores rurais estiveram por muito tempo
desprotegido dos valores constitucionais e da atenção do Estado, que foi omisso na garantia
dos direitos sociais dos trabalhadores do campo.
Segundo Berwanger (2014), as primeiras leis que surgem para regular as relações no
campo são as do direito do trabalho, no período do Império, contudo, tais previsões foram
criadas para proteger o empregador, ou seja, o trabalhador rural não tinha proteção do Estado
contra as ilegalidades cometidas em suas relações de trabalho.
Durante a Era Vargas, o Decreto 24.637 de 1941, que instituiu o seguro de acidentes
do trabalho dos associados do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos, ampliou
a garantia desse benefício para todos os trabalhadores da agricultura ou pecuária, o que foi
confirmado pelo Decreto-Lei 7.036 de 1944 (BERWANGER, 2014). Todavia, conforme a
autora supracitada, malgrado as leis trabalhistas tenham abrangido o trabalho no campo, não
havia legislação específica para o meio rural.
152
Por isso, é importante destacar que embora Carvalho (2008) afirme que só a partir de
1930 passou a existir cidadãos plenos no Brasil, pois para ele cidadão pleno é aquele que
detêm o conjunto de direitos políticos, civis e sociais, observa-se que mesmo na década de
1940, os trabalhadores rurais não exerciam sua cidadania, pois não gozavam dos direitos
sociais, isto é, da proteção social do Estado, não tinham seus direitos equiparados aos direitos
dos trabalhadores urbanos.
Nesse sentindo, Kovalczuk Filho (2013) coloca que os direitos sociais dos
trabalhadores rurais foram reconhecidos com inúmeros atrasos em relação às populações
urbanas. E que a histórica da evolução da previdência social demonstra que o voto dos
inúmeros trabalhadores rurais foi mais importante para as conquistas sociais do que o próprio
valor moral, no sentido da importância que esta classe teve para o desenvolvimento do país
(MORRELO, 2009).
Em que pese não haver nas primeiras décadas do século XX uma atenção específica
ao trabalhador rural, a Lei 185 de 1936, regulamentada pelo Decreto 399 de 1938, assegurou
o salário mínimo para todos os trabalhadores urbanos e rurais, um passo importante em
direção à garantia da cidadania dos trabalhadores rurais.
Nessa perspectiva, é oportuno frisar que enquanto a evolução dos direitos trabalhistas
culminou com a Consolidação das Leis do Trabalho, instituída pelo Decreto 5.452, de 1943,
a qual assegurou inúmeros direitos de forma conjunta aos trabalhadores urbanos, os
empregados rurais, por sua vez, foram abrangidos apenas por leis esparsas, como a Lei 605
de 1949, que instituiu o direito ao repouso semanal remunerado (BERWANGER, 2014).
Berwanger (2014) entende que a proteção precária dos trabalhadores rurais tem como
causa as próprias origens do trabalho rural, as quais remontam à escravidão e à exploração
dos imigrantes europeus. Assim, a autora destaca que embora tenham existido “leis
protetivas do trabalhador rural, pouca efetividade tivera, quer seja pela resistência dos
empregadores rurais, quer seja pela inoperância do Estado na aplicação e fiscalização”
(BERWANGER, 2014, p. 40).
É importante deixar claro que, a partir das interpretações das leis trabalhistas
supracitadas, as quais vez ou outra abrangia as pessoas do campo, aduz-se que estas
restringiram a sua cobertura às relações de trabalho entre empregador e empregado rural, ou
seja, não incidia sobre o segurado especial que vivia em regime de economia familiar. Assim,
apesar de haver leis esparsas incluindo o trabalho no campo, não se pode falar em uma
cobertura protetiva do Estado ao segurado especial.
153
Para Barros Junior (1981), a Lei 2.613 de 23 de setembro de 1955 foi o embrião da
previdência social rural brasileira, a qual instituiu o Serviço Social Rural – SSR, uma
autarquia subordinada ao Ministério da Agricultura, cujo objetivo era oferecer serviços
sociais para a população rural, de modo a incentivar a permanência desses trabalhadores na
zona rural. Além disso, o SSR ofertou educação técnica rural e incentivou a criação de
cooperativas e associações de trabalhadores rurais, e tinha como renda o recebimento de 3%
e 1%, respectivamente, de pessoas físicas e jurídicas, sobre o valor pago mensalmente aos
empregados (BERWANGER, 2014).
Entretanto, Berwanger (2014) pontua que embora a Lei 2.613/55 tivesse como
escopo importantes serviços sociais destinados aos pequenos proprietários rurais, tais como
habitação, educação, saúde e assistência sanitária, esta foi omissa quanto à proteção
previdenciária, tanto em relação às contribuições quanto a previsão de benefícios.
Posteriormente, a legislação previdenciária avança mediante as pressões que os
trabalhadores rurais, através de suas associações, fizeram ao Estado, com o intuito de receber
maior proteção social, e assim, na década de 1960, o Estado cria o Estatuto do Trabalhador
Rural (Lei nº 4.214/63), que instituiu o Fundo de Assistência do Trabalhador Rural,
conhecido como FUNRURAL, bem como cria o Estatuto da Terra (Lei n 4.504/64)
(KOVALCZUK FILHO, 2013; BERWANGER, 2014).
De acordo com Berwanger (2014, p. 57), o Estatuto do Trabalhador Rural (Lei nº
4.214/63) “tratou amplamente da legislação trabalhista aplicável aos trabalhadores rurais,
que já era protegida, em alguns aspectos, por normas esparsas. Porém, é apontada como a
primeira norma de proteção previdenciária”.
Segundo Porto (2013), o Funrural era financiando com a contribuição paga pelo
produtor rural no valor equivalente a 1% dos produtos agropecuários comercializados, e
quem detinha o poder de organização e controle da arrecadação dessas contribuições para
concessão dos benefícios era o IAPI – Instituto de Aposentadoria e Pensões dos industriários.
Além dos trabalhadores rurais, os empreiteiros, proprietários rurais, tarefeiros e
outros empregados rurais, alimentavam o sistema para a concessão futura de benefícios
previdenciários, ou seja, o IAPI era custeado por essas classes, que poderiam fazer jus aos
seguintes benefícios: auxílio doença, aposentadoria por invalidez, aposentadoria por velhice,
abono de maternidade, pensão por morte etc. (BERWANGER, 2014).
Ocorre que o custeio previsto foi insuficiente para cobrir todas as prestações, sendo
necessária a suspensão de benefícios, o que tornou o Plano ineficaz, não sendo nem mesmo
154
como beneficiários os maiores de setenta anos de idade e os inválidos, que poderia ser pago
pelo Instituto Nacional de Previdência Social ou pelo Funrural.
Pelo exposto, apesar dos avanços do campo previdenciário rural, isto é, na cobertura
dos riscos em face da população rurícola, observa-se que os esforços engendrados pelo
Estado foram ínfimos, até aqui, para a implantação de uma cobertura social de forma ampla,
isto é, que contemplasse um maior número de beneficiários possíveis, bem como
dispusessem de diferentes benefícios frente aos diversos riscos e contingências sociais
existentes.
Dessa forma, é prudente afirmar que no Brasil a previdência social rural só foi
amplamente consolidada com a Constituinte de 1988, o Constituinte foi claro, pois dentre os
denominados Princípios Constitucionais da Seguridade Social, com caráter de objetivo a ser
alcançado, trouxe a uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações
urbanas e rurais (BERWANGER, 2014).
Assim, o texto Constitucional de 1988 assegurou um extenso rol de direitos às
populações rurais, bem como as equiparou aos trabalhadores urbanos, no que tange à
igualdade formal de ter direitos e garantias fundamentais, elegendo como principal
fundamento jurídico a dignidade da pessoa humana.
Para Kovalczuk Filho (2013), a previdência social só foi implantada de maneira clara
e consistente no ordenamento jurídico brasileiro com a Constituição de 1988, a qual trouxe
no art. 193 o seu objetivo geral e no art. 194 as diretrizes basilares para sua estruturação.
Acrescenta-se ainda que esta Lei Maior foi de suma importância para o desenvolvimento da
previdência social, pois trouxe para a sociedade um extenso catálogo de direitos
fundamentais, dispostos em todo o seu texto constitucional, assegurando direitos, garantias
e deveres aos cidadãos (SILVA, 2012).
Dessa forma, Kovalczuk Filho (2013, p. 44) explica que:
Nesse viés, verifica-se o caráter social da Norma Fundamental que trouxe valores
indispensáveis a um Estado Democrático e de Direito, os quais resguardam e protegem os
direitos dos cidadãos e servem de base para a interpretação e criação de leis que regulam as
práticas sociais. E, no âmbito da previdência social, os princípios constitucionais elencados
no art. 194, comprovam que o legislador originário buscou proteger o maior número de
trabalhadores possível.
Diante da proteção social trazida pela Constituição de 1988, verifica-se a inclusão do
trabalhador rural, de forma equiparada aos trabalhadores urbanos, detentores dos mesmos
direitos e deveres, que outrora não existia. Nesse sentido, Kovalczuk Filho (2013) explica
que a proteção social previdenciária no campo tem como objetivo a distribuição de renda a
uma classe trabalhadora que ao longo da história sofreu com as desigualdades de direito e
acesso aos benefícios previdenciários.
Ademais, a necessidade da instituição de benefícios rurais previdenciários a esta
classe de trabalhadores está amplamente articulada com os fundamentos e objetivos
constitucionais, como a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades regionais, o
desenvolvimento de uma sociedade justa, livre e solidária, tendo como escopo basilar a proteção
da dignidade da pessoa humana, pois não haveria sentido manter uma estrutura seletiva e excludente
da proteção social do Estado, se os objetivos que orientam às ações do governo, seguem um caminho
contrário.
De acordo com Porto (2013, p. 28), a Constituinte de 1988 ao englobar os direitos sociais,
sobretudo, ao conferir um extenso e minucioso tratamento à seguridade social, buscou propiciar uma
maior estabilidade no plano dos direitos, o que serviu para permitir com que “se trafegue com maior
tranquilidade por tempos de instabilidade, superar maiorias parlamentares de ocasião, sobreviver a
turbulências passageiras”.
Nesse ínterim, a Carta Magna foi um grande marco na evolução histórica de lutas pelos
direitos dos trabalhadores rurais, visto que equiparou o trabalhador urbano ao rural e unificou a
previdência urbana e rural em um único regime, o Regime Geral da Previdência Social (PORTO,
2013), alicerçada sobre o princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às
populações urbanas e rurais (ART. 194, § ÚNICO, II, CF/88).
Além disso, é importante lembrar que a Constituição de 1988 determinou expressamente que
os agricultores em regime de economia familiar tivessem um tratamento diferenciado na legislação
previdenciária, em respeito à sua forma de trabalho, o que deu origem ao segurado especial
(BERWANGER, 2014), que dispõe de uma forma de contribuição diferenciada e goza da redução de
cinco anos da idade limite como critério para a percepção de aposentadoria por idade (ART. 195,
§8º; ART. 201, §7º, II, CF/88). Nesse sentido, com a evolução da Constituição Cidadã, houve a
157
necessidade de buscar uma reparação histórica em relação ao trabalhador rural, o qual foi muito
preterido nas legislações previdenciárias.
A partir da Norma Fundamental e suas previsões na seara da seguridade social, foram criadas
leis que efetivaram a previdência social no Brasil, como as Leis 8.212 e a 8.213 de 1991, as quais
instituíram o plano de custeio e o plano de benefícios, que norteiam a estruturação e a organização
da previdência social. Logo, é possível afirmar que os trabalhadores rurais passaram a ser abarcados
pelo Regime Geral de Previdência Social amplamente com a Lei 8.213/91 (BERWANGER, 2014).
É imperioso destacar que a Lei 8.213/91 prevê quatro espécies para a categoria trabalhador
rural, quais sejam: o empregado rural, o trabalhador avulso, o contribuinte individual e o segurado
especial. Todas essas espécies de trabalhadores estão relacionadas às atividades campesinas,
abrangidas pela legislação previdenciária.
Para este trabalho, importa entender de forma clara e concisa o trabalhador rural, segurado
obrigatório, na espécie segurado especial. Nessa perspectiva, cumpre explicitar o significado que o
legislador conferiu ao segurado especial, a saber:
Além disso, os benefícios rurais são benesses que contribuem para a garantia da
durabilidade da produção rural, permitindo com que os filhos de agricultores permaneçam
no campo, desempenhando suas atividades, evitando com que haja o deslocamento de
pessoas em massa para as cidades grandes em busca de empregos, por se sentirem
desprotegido pelo Estado. Trata-se, portanto, de uma política de fomento de continuidade da
vida no campo, de produção em regime de economia familiar.
Assim, a importância de políticas públicas para o pequeno agricultor se dá em razão
da atividade essencial que esta classe de trabalhadores rurais tem para a sociedade, pois o
mercado brasileiro, apesar de desfrutar dos ganhos referentes à produção do Agronegócio, é
a agricultura familiar que fornece os alimentos que chegam aos mercados locais, para o
abastecimento interno.
Nessa perspectiva, os dados obtidos através do Censo Agropecuário de 2017 (IBGE,
2017), apontam que o Brasil tem uma extensão territorial de 851,487 de milhões de hectares
(ha), na qual 5.073.324 correspondem a estabelecimentos agropecuários, os quais ocupam
uma área total de 351,289 milhões de ha, isto é, cerca de 41% da área total do país. Demais
disso, do total de estabelecimentos agropecuários do país, 77% (3.897.408) foram
caracterizados e classificados como de agricultura familiar, responsáveis por 23% do valor
da produção agropecuária nacional e ocupando uma área de 80,89 milhões de hectares,
perfazendo um total de 23% da área (IBGE, 2017).
Nessa conformidade, é indubitável que a agricultura familiar tem uma representação
significativa para o país, vez que segundo o IBGE (2017), esse segmento é responsável por
cerca de 67% do pessoal ocupado no campo, representando mais de 10 milhões de pessoas,
setor que responde ainda por 70% dos alimentos consumidos no país, além de gerar
aproximadamente 23% da riqueza produzida nas explorações agrícolas brasileiras, cerca de
107 bilhões de reais. Esses dados são ainda mais relevantes em nível de Amazônia, onde a
agricultura ocupa o posto de atividade mais importante para a economia, pois cerca de 81%
dos estabelecimentos agropecuários são classificados como agricultura familiar (IBGE,
2017).
É importante demonstrar ainda, que a relevância da atividade desenvolvida pelo
trabalhador rural vem se reafirmando ao longo da história do Brasil, haja vista que o Censo
Agropecuário de 2006 já apontava a agricultura familiar como a responsável por 87% da
produção nacional de mandioca, 70% da produção de feijão, 46% do milho, 38% do café,
34% do arroz, 58%, 59% do plantel de suínos, 50% das aves, 30% dos bovinos e, ainda, 21%
160
do trigo, sendo a cultura da soja com menor participação da agricultura familiar (IBGE,
2006).
Assim, dada a importância do trabalhador rural para a sociedade, os benefícios
previdenciários surgem como instrumento de implementação de políticas públicas, pois não
resta dúvida sobre a função essencial que esta classe desempenha para o país, seja para o
crescimento econômico, seja para a produção de alimentos que abastecem o mercado interno,
contribuindo para a soberania alimentar.
DIRBEN/INSS são muito benéficas para o trabalhador rural (BRASIL, 2019), pois antes não
existia um padrão administrativo de como reconhecer a qualidade de segurado especial, por
exemplo, ficando a critério do servidor do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) decidir
sobre o caso concreto.
Porém, atualmente tem-se um aspecto bastante objetivo, em que se exige uma prova
para cada metade da carência que se pretende provar, além de prever uma variedade de
provas servíveis à início de prova material, como as elencadas no art. 106 da Lei 8.213/91 e
ampliadas pelo art. 46 e 54 da Instrução Normativa 77/2015 (BRASIL, 2015).
Observa-se, portanto, que a omissão da reforma da previdência em relação aos
trabalhadores rurais e a publicação das orientações circulares foram muito benéficas para o
segurado especial, o que evidência a importância desses segurados para o país. Nessa
conformidade, a omissão legislativa neste momento da história social, foi positiva para a
espécie do segurado especial, pois a lei preservou e garantiu os direitos desses trabalhadores,
conquistando com a Carta Magna de 1988.
Ademais, ressalta-se que a Lei 13.846/19 oportunizou a criação de uma base de dados
objetiva do segurado especial, o que implicou em segurança na avaliação probatória, porque
antes a legislação era genérica, apenas dizia ser necessário início de prova material, não
especificando as provas e a forma de comprovação, mas com a regulamentação feita pelo
OC nº 46 e 62, tem-se de forma detalhada que basta um início de prova para cada metade da
carência do benefício, aliado ao preenchimento do requisito etário quando exigido, para fazer
jus ao benefício vindicado, ficando, portanto, a Autarquia previdenciária obrigada a
conceder o benefício.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É possível inferir a partir do exposto que por muito tempo os trabalhadores rurais
permaneceram marginalizados no âmbito da previdência social, sem a devida proteção do
Estado e a implementação de garantias. Tal cenário começa a mudar a partir da
Constituinte de 1988, a qual assegurou um extenso catálogo de direitos aos cidadãos
brasileiros, fornecendo subsídios para igualdade de direitos entre os trabalhadores urbanos
e rurais, que antes não existia.
Nesse sentido, os benefícios previdenciários rurais surgem como uma política
pública fundamental, como um meio de reparação social às populações que vivem do labor
rurícola, ao mesmo tempo em que funcionam como um mecanismo de contraprestação
estatal em virtude da importância social do trabalho desenvolvido por estes pequenos
agricultores, em regime de economia familiar, tanto para a sua própria subsistência quanto
para a garantia da alimentação de outras famílias.
Nesse ínterim, considerando o panorama atual da previdência social brasileira,
entende-se que a omissão legislativa quanto aos benefícios destinados aos segurados
especiais foi extremamente positiva para essa classe, pois garantiu o respeito ao princípio
do não retrocesso social, ao passo que ratificou que, embora os trabalhadores rurais e
urbanos façam jus aos mesmos direitos, a forma de alcança-los é diferente, encontrando
fundamentos na própria evolução histórica da seguridade social do país.
Assim, em que pese fale-se em “nova previdência”, deve-se imediatamente pensar
que em relação aos segurados especiais, quanto às regras para a concessão dos benefícios
previdenciários, não há nada novo, porém, no que tange à comprovação do labor rurícola,
existem novas orientações que servem de base para análise do preenchimento dos critérios
de cada benefício, as quais garantiram maior clareza e segurança jurídica para o
reconhecimento dos segurados especiais.
REFERÊNCIAS
BARROS JÚNIOR, Cássio de Mesquita. Previdência social: urbana e rural. Imprenta: São
Paulo. Saraiva, 1981.
BERWANGER, Jane Lucia Wilhelm. Segurado especial: o conceito jurídico para além da
sobrevivência individual. 2ª ed. – Revista e Atualizada, 2014.
164
BRASIL. Decreto Legislativo 4.682 - Lei Eloy Chaves. Publicada em 24 de janeiro de 1923.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 11ª ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 17ª ed. – Rio de Janeiro:
Impetus, 2012.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. Imprenta: Salvador,
JusPODIVM, São Paulo, Malheiros, 2012.
166
1 INTRODUÇÃO
1
Advogado, inscrito na OAB/RS sob o nº 84.052; Mestre em Direito e Sociedade pela UNILASALLE;
Especialista em Direito Público pela ESMAFE/RS; Especialista em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho
e Seguridade Social pela FMP e Bacharel em Direito pela UNISINOS.
167
Destarte, o presente estudo visa analisar a alteração legislativa trazida pela Emenda
Constitucional nº 103/2019, especificamente em seu artigo 26, §3º, inciso II, e a relevância
do reconhecimento do caráter acidentário do benefício previdenciário de aposentadoria por
incapacidade permanente por acidente de trabalho.
necessidade de uma análise das novas regras para fins de reivindicar a obtenção da melhor
prestação junto a Autarquia Previdenciária. Nesse sentido, imprescindível é a presente
abordagem que concilia, ainda que de forma sucinta, as normas anteriores com as alterações
trazidas pela Emenda Constitucional nº 103/2019, especificamente em relação aos benefícios
por incapacidade.
A Lei 8.213/91 dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e
estabelece que o Regime Geral de Previdência Social – RGPS compreende diversas
prestações devidas ao segurado, inclusive as que decorrente de incapacidade para o trabalho
e em razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho. Dentre as prestações de
incapacidade laborativa, o Regime Geral de Previdência Social assegura a concessão de
aposentadoria por invalidez e auxílio-doença. O risco protegido pelos pela prestação
previdenciária é a incapacidade para o trabalho e o benefício se caracteriza como substituidor
do salário, tendo natureza jurídica de direito público subjetivo exercitável, de trato sucessivo
e decorrente de risco imprevisível, embora possa ser cessado a qualquer tempo caso seja
constatada a recuperação da capacidade para o trabalho. (HORVATH JÚNIOR, 2020).
Ressalta-se que o benefício de aposentadoria por invalidez está disciplinado no art.
42 da Lei 8.213/91 e é devido ao segurado “que for considerado incapaz e insusceptível de
reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência”. (BRASIL, 1991).
O benefício de auxílio-doença, por sua vez, está disciplinado no art. 59 da Lei 8.213/91 e é
concedido ao segurado que “ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade
habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos”, sendo “devido ao segurado empregado
a contar do décimo sexto dia do afastamento da atividade, e, no caso dos demais segurados,
a contar da data do início da incapacidade e enquanto ele permanecer incapaz”, conforme
dispõe o art. 60 da Lei 8.213/91. (BRASIL, 1991).
A regra que estabelece a Renda Mensal Inicial – RMI da aposentadoria por invalidez
se encontra disposta no art. 44 da Lei 8.213/91 e prevê que a aposentadoria, “inclusive a
decorrente de acidente do trabalho, consistirá numa renda mensal correspondente a 100%
(cem por cento) do salário-de-benefício”. (BRASIL, 1991). Por outro lado, o art. 61 da Lei
8.213/91 dispõe que “o auxílio-doença, inclusive o decorrente de acidente do trabalho,
consistirá numa renda mensal correspondente a 91% (noventa e um por cento) do salário-
de-benefício”. (BRASIL, 1991).
Denota-se da diferenciação atribuída pela legislação previdenciária aos referidos
benefícios que a incapacidade laborativa do segurado, quando constatada de forma
169
permanente e/ou definitiva, gerava uma renda mensal de 100% do salário de benefício
enquanto em casos de incapacidade temporária a renda mensal era apurada em 91% do
salário de benefício. Entende-se por salário de benefício a média aritmética simples dos
maiores salários-de-contribuição correspondentes a 80% (oitenta por cento) de todo o
período contributivo, conforme redação dada pela Lei 9.876/99 ao inciso II do art. 29 da Lei
8.213/91. (BRASIL, 1991).
Nesse sentido, a aposentadoria por invalidez, por força do reconhecimento da
incapacidade permanente, permitirá ao segurado um período indeterminado de gozo de
benefício previdenciário e, em tese, uma renda mensal maior que ao do benefício de auxílio-
doença. O caráter acidentário dos benefícios, seja da aposentadoria por invalidez por
acidente de trabalho (espécie 92) ou do auxílio-doença por acidente de trabalho (espécie 91),
não geravam a aplicação de uma fórmula de cálculo diferenciada para a apuração da renda
mensal inicial.
O sistema de Previdência Social sofreu expressiva modificação a partir da Emenda
Constitucional nº 103/2019, eis que a redação do art. 201, inciso I, da Constituição Federal
foi alterada, in verbis:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de
Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados
critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da
lei, a:
I - cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o
trabalho e idade avançada;
Art. 26. Até que lei discipline o cálculo dos benefícios do regime próprio de
previdência social da União e do Regime Geral de Previdência Social, será utilizada
a média aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações adotados
como base para contribuições a regime próprio de previdência social e ao Regime
Geral de Previdência Social, ou como base para contribuições decorrentes das
atividades militares de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal,
atualizados monetariamente, correspondentes a 100% (cem por cento) do período
170
Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço
de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos
segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal
ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou
temporária, da capacidade para o trabalho. (BRASIL, 1991).
O artigo 21 da Lei 8.213/91 inclui no rol de acidentes de trabalho aqueles que a ele
se equiparam, por força da atuação da atividade como concausa, conforme se denota da
transcrição do dispositivo abaixo:
Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:
I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja
contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua
capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a
sua recuperação;
II - o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em
conseqüência de:
a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro
de trabalho;
b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa
relacionada ao trabalho;
c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de
companheiro de trabalho;
d) ato de pessoa privada do uso da razão;
e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de
força maior;
III - a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício
de sua atividade;
IV - o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho:
a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa;
b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo
ou proporcionar proveito;
c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por
esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra,
independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de
propriedade do segurado;
d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer
que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do
segurado. (BRASIL, 1991).
no qual o empregado não está, de fato, exercendo a sua atividade profissional, porém esta
atua como concausa. (ROCHA, 2021). E a caracterização do caráter acidentário do benefício
por incapacidade decorre do estabelecimento do nexo de causalidade entre um evento e suas
consequências.
A existência de uma Comunicação de Acidente de Trabalho - CAT registrada não é
uma condição fundamental para a caracterização de um benefício como acidentário, embora
a emissão e entrega da referida comunicação se mantenha como uma obrigação legal.
(BRASIL, 2017).
Uma análise multiprofissional para a atenção à saúde do trabalhador é de grande
importância, porém o estabelecimento da relação causal ou nexo técnico entre a doença e o
trabalho é de responsabilidade do médico, o qual deverá estar capacitado para a avaliação,
sendo esta atribuição assegurada na Resolução/CFM 1.488/1998 (VILLAS-BÔAS, 2020).
O exame médico pericial da Previdência Social é imprescindível para o
reconhecimento do caráter acidentário. Outrossim, em casos de ações judiciais, a perícia
médica judicial, se apresenta como meio de prova essencial para a comprovação do nexo de
causalidade, além da avaliação do quadro clínico de incapacidade do segurado, embora o
Julgador não esteja adstrito às conclusões do laudo pericial, conforme dispõe o artigo 479
do Código de Processo Civil. (BRASIL, 2015).
Em um aspecto judicial, cumpre referir que nas ações previdenciárias que tem como
objeto a concessão de benefícios previdenciários por incapacidade se faz necessário que os
operadores do direito tenham um domínio em relação a legislação previdenciária.
Igualmente, incumbe ao perito médico judicial, na condição de ator processual, que detêm a
missão de avaliar o quadro clínico para fins de solução da causa, a aplicação de uma
interpretação adequada da legislação previdenciária, em especial para fins de
reconhecimento do caráter acidentário dos benefícios. (SAVARIS, 2020).
Em relação ao recorte metodológico, o presente estudo pretende analisar de forma
quantitativa os benefícios previdenciários, de caráter acidentário, concedidos pela Instituto
Nacional do Seguro Social – INSS, na condição de Autarquia Previdenciária, no âmbito do
Regime Geral da Previdência Social – RGPS, razão pela qual adota-se os dados extraídos da
Base de Dados Históricos da Previdência Social - INFOLOGO do Anuário Estatístico da
Previdência Social – AEPS, disponível na internet, na página de estatísticas abertas do portal
da Previdência Social (www.previdencia.gov.br).
174
Para os critérios de análise dos dados previdenciários foi utilizado como lapso
temporal o período estabelecido entre 2007 à 2018, em que estão disponíveis dados
previdenciários no Anuário Estatístico da Previdência Social – AEPS, ou seja, o período de
2007 à 2018, em que a Previdência Social concedeu benefícios previdenciários de natureza
acidentária.
A tabela abaixo compreende os dados previdenciários da concessão de benefícios
previdenciários em que houve o reconhecimento de acidente de trabalho, divididos por
acidente típico com CAT, acidente de trajeto com CAT, doença do trabalho com CAT e
benefícios concedidos sem CAT e de natureza acidentária. Na tabela abaixo resta
demonstrado que no período de 2007 à 2018 a Previdência Social concedeu benefícios
previdenciários a partir do reconhecimento de um total de 8.073.503 acidentes de trabalho:
Motivo/Situação
Ano Típico - Com CAT Trajeto - Com CAT Doença do Trabalho - Com CAT Sem CAT Total
Depreende-se dos dados acima ilustrados que a Previdência Social contempla uma
ampla proteção aos seus segurados que sofrem acidente de trabalho. A hipótese apresentada
neste estudo é que a diminuição da quantidade de acidentes de trabalho ocorre em virtude
do respeito às normas de proteção e saúde do trabalhador e da conscientização dos
empregados e empregadores em relação a importância da preservação da vida e da saúde.
Associado a esta hipótese está a fiscalização em relação ao cumprimento da legislação
trabalhista que podem ser o motivo da redução das ocorrências de acidente de trabalho.
Importante referir que anteriormente a Emenda Constitucional nº 103/2019, não
havia diferenciação das Rendas Mensais Iniciais – RMI dos benefícios por incapacidade,
independentemente se a incapacidade teve origem em acidente de trabalho, acidente de
qualquer natureza ou doença degenerativa. Uma das vantagens atribuídas ao reconhecimento
do caráter acidentário do benefício de auxílio-doença era – e se mantém – a estabilidade
provisória de 12(doze) meses, após a cessação do benefício, conforme dispõe o artigo 118
da Lei nº 8.213/91. (BRASIL, 1991). Outra vantagem, também do âmbito do Direito do
Trabalho, é o direito do empregado ao depósito de FGTS no período em que estiver em
176
licença por acidente de trabalho, conforme assegura o §5º do artigo 15 da Lei 8.036/1990.
(BRASIL, 1990).
A comprovação do caráter acidentário passa a ter uma maior relevância para fins de
apuração de uma melhor Renda Mensal Inicial – RMI a partir da Emenda Constitucional nº
103/2019, uma vez que foram criadas novas regras de cálculo, porém o benefício de
aposentadoria por incapacidade permanente de caráter acidentário manteve a aplicação do
coeficiente de 100% (cem por cento) do salário de benefício, o que o diferencia do benefício
que não tenha o reconhecimento do caráter acidentário.
Exemplificativamente, a legislação previdenciária dispõe de uma proteção
diferenciada para o segurado incapacitado de forma permanente em decorrente de acidente
de qualquer natureza ou doença degenerativa, eis que terá o percentual reduzido em até 40%
(quarenta por cento) a menor do que o segurado incapacitado de forma permanente em
decorrência do acidente e/ ou doença ocupacional, sendo que ambos contribuem com a
mesma alíquota previdenciária e têm o mesmo risco, que é a incapacidade para o trabalho.
(ALVES, 2020).
Por essa razão o reconhecimento do caráter acidentário passou a ter relevância para
o segurado que se encontre incapacitado e insuscetível de reabilitação profissional, isto é,
que esteja acometido por patologia que gere uma incapacidade permanente e/ou definitiva.
Nesse sentido, se por um lado a mudança no cálculo da aposentadoria por incapacidade
permanente representa uma perda significativa de renda do segurado, por outro lado, há a
exceção na hipótese de a incapacidade ser resultante de acidente do trabalho, de doença
profissional e de doença do trabalho, eis que gerará um benefício mais vantajoso.
(LAZZARI, 2020).
O caráter acidentário, notadamente, não gerava efeitos econômicos expressivos nos
benefícios previdenciários antes da Reforma da Previdência, eis que os efeitos ocorriam no
âmbito do Direito do Trabalho. A partir da Emenda Constitucional nº 103/2019 o benefício
por incapacidade permanente terá reflexos positivos quando houver o reconhecimento do
acidente de trabalho, o que demonstra a sua importância para o segurado do Regime Geral
de Previdência Social – RGPS.
177
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
ALVES, Hélio Gustavo. Guia prático dos benefícios previdenciários: de acordo com a
reforma previdenciária EC 103/2019. – 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
_____. Código de Processo Civil. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em
31 ago. 2021.
_____. Lei 8.036, de 11 de maio de 1990. Dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8036consol.htm >. Acesso em 31 ago. 2021.
HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. - 12. ed. – São Paulo: Rideel, 2020.
LAZZARI, João Batista [et al.]. Comentários à reforma da previdência. – Rio de Janeiro:
Forense, 2020.
ROCHA, Daniel Machado da. Comentários à lei de benefícios da previdência social. – 19.
ed. – São Paulo: Atlas, 2021.
Mariana Petry1
INTRODUÇÃO
1
Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade de Caxias do Sul. Especialista em Direito Previdenciário
pela Universidade Cândido Mendes, RJ. Graduada em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
181
somente podem ser observadas com o uso de microscópios especiais. Além disso,
os fenômenos dominantes nesta escala são de natureza subcelular e, portanto, não
obedecem à física clássica que conhecemos.
manufaturados no ambiente de trabalho, somente será possível noticiar isso quando os danos
aos trabalhadores já tiverem ocorrido.
Por essa razão, é necessário averiguar e compreender se a natureza preventiva de
proteção à saúde e integridade física dos segurados da previdência social é eficaz em se
tratando dos riscos da exposição dos nanomateriais manufaturados no ambiente laboral.
usufruir do benefício ainda sendo possível exercer outra atividade laborativa, desde que não
exposto a agentes prejudiciais.
Em que pese isso, para alguns autores, a exemplo de Maria Helena Carreira Alvim
(2018, p. 23), a aposentadoria especial tem natureza compensatória: “A aposentadoria
especial é um benefício que visa garantir ao segurado do Regime Geral de Previdência
Social uma compensação pelo desgaste resultante do tempo de serviço prestado em
condições prejudiciais à saúde ou integridade física.”
Nesse sentido também Diego Henrique Schuster (2016, p.71) com muita propriedade
menciona que:
[...] causa verdadeira inquietação o fato de a aposentadoria especial ser concebida
como uma mera compensação pelo desgaste do tempo de serviço prestado em
condições prejudiciais à saúde ou à integridade física, de modo a acrítico. Se isso
é assim, o efeito preventivo de sua existência é irrelevante.
Segundo o mesmo autor (SCHUSTER, 2016), a contribuição que a empresa paga por
expor o trabalhador ao risco está muito aquém do dano social por ela produzido, e por essa
razão, é menos vantajoso investir em eliminação do risco ou em um ambiente de trabalho
salutar.
Portanto, a aposentadoria especial trata-se de uma espécie de benefício
previdenciário, que o trabalhador terá direito quando sujeito a agentes nocivos prejudiciais
à saúde ou integridade física pelo tempo mínimo de 15, 20 ou 25 anos, cujo principal objetivo
é a proteção da saúde do trabalhador, proporcionando-lhe uma prestação previdenciária
preventiva.
O Direito Previdenciário tutela os riscos concretos, ou seja, riscos conhecidos
capazes de causar danos à saúde do trabalhador por meios das listas nos Decretos 53.831/64,
83080/79, 2.172/97 e 3.048/99, é importante lembrar que tais decretos não contemplam os
agentes nocivos prejudiciais à integridade física, o que não impede o enquadramento como
atividade considerada especial, na medida em que a Constituição Federal (art. 201, parágrafo
1) e a legislação infraconstitucional (art. 57, caput, da Lei 8.213/91) trazem fundamentos ao
referirem a proteção à integridade física.
Embora os agentes capazes de prejudicar à saúde dos trabalhadores estarem listados
nos decretos acima referidos, segundo Adriane Bramante de Castro Ladenthun (2018), há
uma infinidade de agentes químicos ainda em estudo que podem ser prejudiciais à saúde do
trabalhador que ficam expostos a eles e, uma vez não identificados, não é possível
estabelecer normas e procedimentos para evita-los ou não utilizá-los. Sendo assim, segundo
189
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
_______. Tribunal Regional Federal (4. Região). (Juizado Especial Cível de Curitiba).
Sentença Processo: 5018759-07.2012.404.7000. Requerente: Jose Pedro dos Santos.
Requerida: INSS. Juiz: José Antônio Savaris. Curitiba, 18.09.2012. Disponível em:
www.jfpr.jus.br. Acesso em 24/08/2021
_______. Supremo Tribunal Federal. Agravo em Recurso Extraordinário 664.335.
Recorrente: INSS. Recorrido: Antônio Fagundes. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em
25/08/2021
_______. Lei 8.213/91. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá
outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em 26/08/2021
CARVALHO, Délton Winter de. Desastres Ambientais e sua regulação jurídica: deveres de
prevenção, resposta e compensação ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador. São Paulo:
LTr, 1996.
Resumo: A presente pesquisa foi norteada pelo método sistêmico, vez que as técnicas de
pesquisa escolhidas foram a revisão bibliográfica e análise doutrinária e da jurisprudência
do STF acerca do prévio requerimento administrativo e interesse em agir nas ações
previdenciárias. A partir de uma análise jurisprudencial é possível identificar as situações
que há a necessidade do prévio requerimento administrativo em matéria previdenciária no
Regime Geral de Previdência Social.
Sobre a matéria, o entendimento do STJ pela desnecessidade do prévio requerimento
administrativo promoveu uma excessiva judicialização de ações previdenciárias, vez que o
Estado, ao assumir a função jurisdicional no momento em que é exercido o direito de ação,
dando início a formação de um processo, intervindo na resolução dos conflitos e interesses
da sociedade, atuando onde não há controvérsia, acaba criando controvérsias na via judicial,
que poderiam não existir na via administrativa, caso houvesse o prévio requerimento
administrativo.
Em decorrência da grande oscilação da jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais
acerca da necessidade ou não do prévio requerimento administrativo como requisito para o
ajuizamento de ações previdenciárias contra o INSS, a Autarquia Federal interpôs recurso
extraordinário com fundamento no artigo 102, III, a, da Constituição Federal, sob a alegação
de estar sendo violado os artigos 2º e 5º, XXXV, da carta magna, assim, o Supremo Tribunal
Federal pacificou o entendimento acerca da necessidade de iniciar e esgotar o processo
administrativo perante o INSS para poder exercer o direito de ação e acesso ao judiciário na
busca da pretensão resistida, nos termos do julgamento do recurso extraordinário
631.240/2014.
1 INTRODUÇÃO
1
Graduado em Direito pela Faculdade CNEC Gravataí. Advogado, inscrito na OAB/RS sob nº 100.315. Pós
Graduado em Direito Previdenciário pela Unilasalle. Pós Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela
FMP.
195
O Novo Código de Processo Civil, com vigência em 2015, prevê em seu artigo 17,
as condições para a propositura de uma ação judicial, sendo as condições da ação o interesse
e a legitimidade, sem as quais, inviabiliza o prosseguimento do feito, acarretando na sua
extinção sem a resolução de mérito.
A condição da ação é uma criação da Teoria Geral do Processo, que busca a
identificação de uma espécie de questão submetida a apreciação do judiciário. Nesse sentido:
Uma condição da ação seria uma questão relacionada a um dos elementos da ação
(partes, pedido e causa de pedir), que estaria em uma zona intermediária entre as
questões de mérito e as questões de admissibilidade. As condições da ação não
seriam propriamente questões de mérito nem seriam propriamente questões
admissibilidade; seriam, simplesmente, questões relacionadas a ação. (DIDIER
JR, 2011).
Ainda de acordo com Didier Jr, (2011), “a condição da ação passa a constar da
exposição sistemática dos pressupostos processuais de validade, sendo o interesse, um
pressuposto de validade objetivo intrínseco, e a legitimidade como pressuposto de validade
subjetivo das partes”.
Há diferenças entre os pressupostos processuais e as condições da ação, conforme a
exposição abaixo.
Além disso, os pressupostos processuais não se confundem com as condições da
ação, pois “pode-se afirmar que os pressupostos processuais dizem respeito tão
somente com a relação processual, com o processo, prescindindo-se de qualquer
incursão no direito material” e para a análise das condições da ação, que agora são
duas, tem-se que tomar em consideração, ainda que superficialmente, a relação
material posta em juízo, do contrário não é possível saber se a parte tem interesse
de agir ou se é legítima para a causa, por isso não é correto o pensamento de Fredie
Didier, que entende que as condições da ação, no CPC atual, são pressupostos
processuais. (DALL ALBA, 2016, pág.133).
Ainda nesse sentido, inexistindo alguma condição especial conferida pela lei, se faz
necessário analisar se a pretensão requerida pertence à pessoa em nome de quem está sendo
pedido, conforme explica Bedaque (2006, pág. 282), “legitimidade de agir, em princípio,
somente possui quem se afirma titular de determinado direito e pretende vê-lo tutelado no
âmbito do processo”.
O conceito de parte é estritamente processual, sendo importante o direito material
para definir os contornos da legitimidade da parte, tendo em vista que ao juiz é possível
verificar a legitimidade da parte, prevista no artigo 17 do Código de Processo Civil, sem
deixar de notar sua condição de parte.
Nesse sentido.
Nesse quadro, parte, no processo, é quem pede e contra quem se pede tutela
jurisdicional. A parte autora é aquela que pede a tutela jurisdicional; a parte ré é
aquela contra quem é pedida a tutela jurisdicional.
198
A condição de parte pode ser adquirida pela propositura da ação, pela sucessão
processual e pela intervenção de terceiro em processo já pendente, exceção feita
ao assistente simples e ao amicus curiae, que permanecem na condição de terceiro
mesmo depois de ingressarem no processo. (CARPES et al, 2016, pág. 102)
Ainda de acordo com Teixeira (2016, pág. 187), “o estímulo do Estado no sentido de
facilitar o acesso à justiça, acarretou no abarrotamento do judiciário, em virtude de estar
199
A utilidade significa que o processo deve trazer proveito para o autor, isto é, deve
representar um incremento em sua esfera jurídica. Assim, por exemplo, diz-se que
não tem interesse em recorrer a parte que obteve provimento totalmente favorável.
Em tal hipótese, eventual recurso não será conhecido, ou seja, não terá o mérito
apreciado.
Nesse mesmo sentido é o entendimento pessoal Kemmerich (2012, pág. 39), “que
são indispensáveis para a configuração do interesse de agir, o prévio requerimento
administrativo e o indeferimento do INSS ou descumprimento do prazo de 30 dias previsto
203
no art.49 da Lei 9.784/99, para a decisão da pretensão requerida”. Assim, não significa que
devem ser esgotadas todas as possibilidades na via administrativa.
Sobre o prazo citado por Kemmerich (2012, pág. 39), cumpre registrar que o processo
administrativo é regido pelo dispositivo da Lei 9.784/99, que regula o processo
administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, que dispõe sobre a regra geral,
visando à proteção dos administrados e o melhor cumprimento dos fins da administração,
nos termos do art. 1º, caput. Mesmo com a previsão de Lei Federal para regulamentação do
processo administrativo Federal, os processos específicos continuarão a reger-se por
legislação própria, aplicando subsidiariamente os preceitos da Lei Federal, nos termos do
art. 69, nesse caso deve ser observado o prazo previsto na Instrução Normativa Nº 77/2015,
do INSS.
A Instrução Normativa Nº 77/2015, do INSS, se refere ao duplo grau de jurisdição
na via administrativa, em seu art. 537, que dispõe sobre a interposição do recurso ordinário
às Juntas de recursos do Conselho de Recursos da Previdência Social – CRPS, das decisões
proferidas pelo INSS. O mesmo dispositivo legal também prevê a faculdade dos
interessados, quando inconformados com a decisão do INSS, ou seja, o interessado
querendo, poderá interpor recurso contra a decisão que lhe foi desfavorável, ou seja, não há
previsão de obrigatoriedade de esgotamento da via administrativa para se buscar a prestação
da tutela jurisdicional do Estado.
como pela unificação dos prazos, não havendo previsão que atribua ao INSS o benefício do
prazo em dobro, como ocorre no processo judicial.
Destaca-se que o número de recursos administrativos interpostos contra as decisões
do INSS vem apresentando uma crescente considerável, conforme publicação do Ministério
da Previdência Social em 05/06/2013, em seu site oficial, de acordo com os dados do
Conselho de Recursos da Previdência Social, que divulgou a marca de 100 mil processos em
maio do mesmo ano, pelo sistema de recursos eletrônicos (e-Recursos), sendo que destes, 54
mil processos administrativos foram reanalisados e julgados, e em 20% dos casos foi
reconhecido o direito dos segurados, reformando a decisão de indeferimento do INSS.
Atualmente o Conselho de Recurso da Previdência Social – CRPS, conta com uma
ferramenta que viabiliza agilidade na tramitação do processo administrativo na fase recursal,
o sistema de processo eletrônico e-Recurso, permitindo também, que os segurados
promovam suas defesas por meio de videoconferência, não necessitando mais o
deslocamento do segurado até a Agência da Previdência Social.
Com a utilização do e-Recurso, tanto o processo administrativo iniciado no INSS,
quanto às razões do recurso, com eventuais documentos que o instrui, serão digitalizados e
encaminhados à instância superior para reexame da matéria, contribuindo com a celeridade
no julgamento dos processos na via administrativa.
Em relação às Câmaras de Julgamentos do CRPS, vale citar.
Ainda com relação ao julgamento do STF, ficou registrado também, que nas ações
em que o entendimento do INSS for reconhecidamente contrário à pretensão do segurado,
torna-se inexigível o prévio requerimento administrativo, porém será incabível em ações que
figurem como polo ativo os trabalhadores informais.
Considerando que o INSS é parte em inúmeros processos judiciais, o STF determinou
a forma de transição para as ações ajuizadas antes do julgamento do Recurso Extraordinário
631.240 de 27/08/2014.
a) juízo Itinerante: Nas ações ajuizadas no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência
de anterior requerimento administrativo não será indicativa da extinção do feito
sem apreciação de mérito;
b) com contestação de mérito: Nas ações em que o INSS houver apresentado
contestação abordando o mérito da causa, configura-se a resistência da autarquia
à pretensão, caracterizando o interesse de agir;
c) ações não precedidas de requerimento administrativo: As ações em que não
houve prévio requerimento administrativo, nem contestação do mérito do pedido,
deverão retornar à origem, baixando em diligência para que o Autor seja intimado
a promover o requerimento administrativo, no prazo de trinta (30) dias, sob pena
de extinção. Comprovada a postulação administrativa, deverá o Juízo a
quo intimar a autarquia para que, em noventa (90) dias, manifeste-se acerca do
pedido. Se o requerimento for acolhido administrativamente, ou, se devido a
razões imputáveis ao próprio requerente, não houver possibilidade de analisar o
mérito, a ação será extinta. (BARROSO, 2014).
Dessa forma, observa-se que tanto a análise administrativa quanto a análise judicial,
terão por base para o início da ação, o início da data de entrada do requerimento, evitando
que o beneficiário tenha sua pretensão negada pela eventual perda da qualidade de segurado
após o ajuizamento da ação. Outro ponto a observar, é em relação ao juízo de origem, que
deverá, após o retorno dos autos judiciais com a análise administrativa, julgar a subsistência
ou não, do interesse de agir, devolvendo os autos ao juízo ad quem, para a análise dos
pedidos.
4 CONCLUSÃO
Considerando que é facultado ao segurado recorrer administrativamente das decisões
de indeferimento proferidas pelo INSS, podendo este ingressar judicialmente contra o INSS
imediatamente após o indeferimento administrativo, vez que está pacificada a exigência que
haja pelo menos o requerimento administrativo para caracterização do interesse de agir na
propositura da ação judicial, ou seja, não é necessário o esgotamento da via administrativa
para que o segurado busque a tutela jurisdicional do Estado, o que acarreta no grande número
de ações judiciais contra o INSS, na busca do reconhecimento dos direitos dos segurados.
207
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei Nº 9784/99. Vade Mecum. 9ª Edição. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013.
DIDIER JR, Fredie. Será o fim da categoria “condição da ação”? Um elogio ao projeto do
novo CPC. Disponível em WWW.frediedidier.com.br/artigos/condicoes-da-acao-e-o-
projeto-de-novo-cpc/, Acesso em 13 de junho de 2021.
1 INTRODUÇÃO
2
Pós-graduando em Direitos Humanos e Movimentos Sociais pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI),
pós-graduado em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Escola do Legislativo (ALEPI) e Bacharel em
Direito pelo Centro Universitário Uninovafapi. E-mail: pjdss858@gmail.com.
210
nos critérios de criação da reforma, houve uma preocupação social? Mediante isso,
apresenta-se como problema de pesquisa: Quais impactos socioeconômicos da reforma da
Previdência do período de 2019 a 2021?
Deste modo, faz-se necessário entender quais as vantagens e desvantagens com a
Reforma da Previdência no ordenamento jurídico, além disso poderá verificar-se quais serão
os impactos diante das dificuldades impostas por ela diante do contexto de pandemia da
COVID-19, que trouxe a impossibilidade de contribuição para autônomos e informais, bem
como com a promulgação da Lei n°14.020 de 6 de julho de 2020.
Assim sendo, a pesquisa pode ser considerada exploratória e descritiva, sendo
exploratória a partir do momento que a mesma parte leituras bibliográficas, a fim de se
chegar a um determinado resultado, e descritiva por fazer uma análise minuciosa em relação
a situação-problema ainda não conhecida (GIL, 2002). Além disso, a pesquisa pode ser
entendida como qualitativa, que tem como como fator principal buscar entender os
fenômenos através de coleta de dados e informações apontados em diversas condutas de um
grupo ou sociedade.
2 REFORMA DA PREVIDÊNCIA
A grande maioria dos animais existentes no planeta terra, sempre tiveram consigo o
sentimento de cuidado com os seus descendentes, e com o ser humano não é diferente. Nesse
contexto, esse sentimento de cuidado, proteção e pensamento bom para o futuro, fez com
que surgisse o termo Previdência.
Na acepção da palavra Previdência é possível perceber esse cuidado das pessoas, a
partir do momento que a palavra Previdência, segundo o dicionário, tem significado de
prever ou buscar evitar previamente transtornos, mostrando-se assim prudente, sensato.
Desta forma, o sentimento de cuidado, projeção para o futuro, de cuidado com o próximo,
fez com que em 1601 fosse criada a lei que é considerada a primeira Lei da Assistência
Social, que seria a conhecida Lei dos Pobres “OLD POOR LAW”, lei está editada pela
Rainha Isabel na qual visava amparar os indigentes que englobaria os validos, inválidos e
crianças, sendo que os inválidos e as crianças recebiam um benefício assistencial, enquanto
os validos iam para um banco de empregos a fim que conseguissem um emprego
(HORVATH JÚNIOR, 2008).
Já o termo Previdência além do entendimento já expresso acima, foi positivada mais
tarde, quando em 1884, na Alemanha, Otto Von Bismarck editou o primeiro ordenamento
212
legal, que instituía o seguro-doença, sendo obrigatório aos trabalhadores das indústrias uma
tríplice contribuição, na qual o Estado, trabalhador e a empresa contribuíam (CASTRO;
LAZZARI, 2014).
Nesse sentido, ainda pode ser expresso muitas transformações que ocorreram pelo
mundo a fora. Além disso, o mundo mesmo diante das dificuldades enfrentadas, só abriu os
olhos para a necessidade da Previdência Social a partir da Revolução Industrial, que foi
quando ocorria muitos acidentes de trabalho e isso impôs um medo na população.
No Brasil, a primeira preocupação com a Previdência Social pode ser observada
apenas na Constituição de 1824, que no seu Artigo 179, XXXI, garantiu os socorros públicos
que tratava de garantias aos cidadãos, consideradas embriões das Santas Casas de
Misericórdia (BRASIL, 1824).
A Previdência Social, assim como determinados institutos e legislações, sempre estão
em mudanças, reformas, afim é claro de seguir a evolução humana. E essas reformas na
Previdência Social em parte se deu para que pudesse manter e oferecer o seu melhor ao
público, em parte deu-se para uma reestruturação econômica, para que da mesma forma
pudesse garantir uma cobertura.
Nesse sentido de transformações, uma das principais mudanças na Previdência
ocorreu com a Emenda Constitucional de n° 20, de 1998, que trazia como mudança a
normatização das regras dos servidores público, extinção da aposentadoria por tempo de
serviço, criando a aposentadoria por tempo de contribuição (BRASIL, 1998).
As reformas nunca pararam e em 2003 houve a Emenda Constitucional de n° 41, que
trouxe mudanças no regime dos servidores públicos que reduzia a proteção previdenciária
dos agentes públicos ocupantes de cargos efetivos e vitalícios, fazendo com que os servidores
passassem a ter uma Previdência Social, mas parecida com o modelo utilizado pelos
trabalhadores em geral (BRASIL, 2003). A exemplo do artigo a seguir:
Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é
assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante
contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos
pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial
e o disposto neste artigo (BRASIL, 2003).
Mas não parava por aí, pois logo depois viria a Emenda constitucional de n° 47 de
2005, que trazia como uma das principais mudanças o abono de permanência, em que o
abono de permanência seria uma parcela remuneratória paga ao servidor público ativo em
213
cargo efetivo que tendo implementado os requisitos previstos para a sua aposentadoria,
optava por permanecer em atividade trabalhando (BRASIL, 2005).
Passado certo tempo, houve mais uma vez entre tantas outras a necessidade de haver
uma reforma na previdência, e assim, a partir de 2016, constantemente passou-se a ouvir,
assistir em jornais e ler sobre a Reforma da Previdência, sendo que a mesma tem sempre
como alvo reduzir o rombo nas contas da Previdência, ficando sempre em evidencia uma
possível crise na Previdência Social. Contudo, é necessário enfatizar que essa crise não é de
tempos atuais, como se observa:
A previdência social amarga uma crise que já dura cinco décadas e além das
dificuldades de funcionamento da Previdência Social, outras, mais comuns, são
apresentadas: aposentados enfrentam enormes filas no INNS e nem sempre
conseguem receber seu benefício; os serviços são bastante precários, faltam
remédios, os hospitais e asilos de idosos estão em condição de miséria. O capital
é mal-empregado pelo governo (NETO, 2010, p.7).
Deste modo, a fim de sanar essa crise, surgiu a Reforma da Previdência tendo como
principal medida a fixação de uma nova idade mínima para a aposentadoria, extinguindo a
aposentadoria por tempo de contribuição, sendo que o texto também estabelece o valor da
aposentadoria a partir da média de todos os salários e eleva alíquota de contribuição para
quem ganha acima do teto do INSS, estabelecendo ainda regras de transição para os
trabalhadores em atividade (COMISSÃO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO OAB-MG,
2020).
A idade para os homens continuou a mesma de 65 anos, já para as mulheres houve
alteração, sendo que antes da reforma era de 60 anos e passou a ser de 62 anos, sendo exigido
para ambos a contribuição mínima de 15 anos. Sendo que além disso o valor do benefício
seguirá uma regra geral de cálculo (BRASIL, 2019).
Nesse contexto, começa a inquietude sobre se teria um limite para a Reforma da
Previdência, sendo que Constituição Federal de 1988 não veda a reforma que busque o
melhoramento, mas sim, as propostas que busquem abolir a essência de direitos básicos já
garantidos, conforme o Art.60, §4° da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988).
Como dito anteriormente, a Reforma da Previdência dentre diversos porquês de
acontecer, teve como “principal” a manutenção da previdência, sendo que foi muito alegado
que o percentual de contribuintes não seria mais capaz de custear as despesas futuras da
Previdência Social, além do que o Brasil estava se tornando um país onde as pessoas morrem
mais tarde, fazendo com que o total de receitas e despesas não batessem (SILVA, 2004).
214
Em meio a pandemia foi criada a Lei 14.020 de 06 de julho de 2020, que institui o
Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, dispondo de medidas de
enfrentamento do estado de calamidade pública, tentando assim garantir a continuidade das
atividades laborais e empresariais, bem como preservar o emprego e renda como já dito, e
reduzir o impacto social diante da pandemia, contudo não se conseguiu evitar os níveis
alarmantes de desemprego (BRASIL, 2020).
Com a pandemia, os níveis de desemprego elevaram consideravelmente, chegando à
marca de vinte estados com taxas recordes de desemprego em 2020. Sendo que segundo a
Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios Continua (PNAD) divulgada pelo IBGE,
o nível de desemprego subiu de 11,9% em 2019, para 13,5% no ano de 2020, resultados
decorrentes dos efeitos da pandemia da COVID-19. Infelizmente os recordes de
desempregos não param no ano de 2020, já que, segundo a agência de notícias do IBGE
anunciou em 30/06/2021, o nível de desemprego manteve se em recorde batendo o recorde
de 14,7% no trimestre encerrado em abril do ano de 2021 (NITAHARA, 2021).
216
Outro ponto bastante interessante é o fato de a pandemia ter mudado até mesmo a
forma de conceção de benefícios previdenciários, já que com as restrições impostas, iniciou-
se a utilização da perícia indireta, para que se tentar voltar a uma demanda normal de
análises.
De acordo com o jornal O Globo, por conta as agências fechadas diante da
necessidade do distanciamento social, o tempo médio de espera para análise de um
determinado benefício por lei é de 45 dias, mas com a pandemia esse tempo chegou a 66
dias, sem se falar na queda de benefícios concedidos (TONDO, 2021).
Diante do exposto, é possível perceber que a pandemia atrapalhou a vida do
trabalhador, tanto diante da perca do emprego quanto nos impactos gerados desde a parada
as agências, quanto da não contribuição. Pois devemos pontuar que a aposentadoria será
calculada diante das contribuições pagas até o 15° dia do mês, mas com o desemprego muitos
não poderão honrar com esse compromisso, gerando impactos a longo prazo.
Impactos esses nítidos através dos dados apresentados pelo Correio do Povo (2020),
sendo que o mesmo afirma que a pandemia do novo Corona vírus prejudicou o emprego
formal, com reflexos na contribuição da Previdência Social do país, gerando um déficit dos
oito primeiros meses de 2020, que foi possível superar em termos nominais todo o ano de
2019. Sendo que na comparação de janeiro a agosto de 2019 comparado ao ano 2020, a
queda de arrecadação foi de 13%.
217
Impactos esses que segundo Pinto (2021), gera uma serie de incertezas dos pós
pandemia, visto que o Brasil tem uma Constituição frágil e com uma certa insegurança
jurídica, podendo analisar que o país está com endividamento brutal, com a estrutura
industrial em queda livre, sem falar no desemprego. Assim sendo o mesmo afirma não
acredita em uma retomada rápida a vida normal, acreditando que o Brasil só retomaria a vida
com força em 2023.
Assim sendo, além do sofrimento enfrentado pelo trabalhador, volta-se para um dos
pontos mais polêmicos da Previdência Social, e consequentemente, da Reforma da
Previdência, que é o déficit de recursos. Já que com a parada no pagamento das
contribuições, afetara diretamente os cofres e, consoante Aquino (2010), a Seguridade Social
é um tema polêmico em qualquer governo e é foco de debates sobre déficit de recursos.
Com isso é possível afirmar que infelizmente milhões de brasileiros e brasileiras
serão afetados já que a previdência interfere diretamente nas condições social dos
contribuintes, impactando então na proteção social e junto a isso na qualidade de vida.
Nesse sentido, Gonçalvez et al (2018, p.13) expressa:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, foi possível perceber que a Previdência Social, desde a sua
criação, buscou pensar no social, e mais do que isso, ser um porto seguro para as pessoas.
Nesse sentido, as reformas que ocorreram pensaram no trabalhador, exceto a Emenda
Constitucional de n°103, de 2019, sendo que muitos estudiosos entenderam que tal reforma
218
REFERÊNCIAS
BRASIL. Emenda Constitucional n° 41. Modifica os arts. 37, 40, 42, 48, 96, 149 e 201 da
Constituição Federal, revoga o inciso IX do § 3 do art. 142 da Constituição Federal e
dispositivos da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, e dá outras
providências. Brasília: DF, 2003. Disponível em:
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221
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estudam-se-a-covid-19-surgiu-em-laboratorio. Acesso em: 15 de jun. de 2021.
222
INTRODUÇÃO
1
Bacharel em Direito - ULBRA (2019), Especialista em Direito Previdenciário – EBRADI (2021). Bacharel
em Direito pela Ulbra 2019 e especialista em Direito Previdenciário pela Ebradi 2021, atua na área
previdenciária trabalhista desde 2017.
223
Art. 3º. A Previdência Social tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios
indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, idade avançada,
tempo de serviço, desemprego involuntário, encargos de família e reclusão ou
morte daqueles de quem dependiam economicamente.
O Regime Geral de Previdência Social tem suas políticas elaboradas pelo Ministério da
Previdência Social e executadas pelo INSS, autarquia federal a ele vinculada. Conforme redação do
art. 201 da Lei 8.213/91:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de
caráter contributivo e de filiação obrigatória observados critérios que preservem o
equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: I - cobertura dos
eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; II - proteção à maternidade,
especialmente à gestante; III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego
involuntário; IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos
segurados de baixa renda; V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher,
ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2o .
2
Art. 18. O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, devidas inclusive em
razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho, expressas em benefícios e serviços:I - Quanto ao
segurado:a) aposentadoria por invalidez;b) aposentadoria por idade;c) aposentadoria por tempo de
contribuição; d) aposentadoria especial;e) auxílio-doença; f) salário-família;g) salário-maternidade;h) auxílio-
acidente;
225
auxílio acidente e a aposentadoria por invalidez, estes podem ser reanalisados pelo INSS
evidenciando fato novo que venha a divergir com o estado incapacitante do segurado. Sobre o
fenômeno do limbo jurídico trabalhista e previdenciário nas palavras de Marco Aurélio Marsiglia
Treviso afirma-se:
Geralmente, diante desta situação, o trabalhador. Com base no laudo emitido pelo
médico da empresa, formula pedido administrativo de reconsideração do
cancelamento do benefício junto ao INSS. Caso tal requerimento seja negado,
passa a bater às portas do judiciário, ingressando ora com uma demanda perante a
Justiça Comum (Federal ou Estadual, a depender da prestação que está recebendo),
para postular o restabelecimento da benesse previdenciária, ora na Justiça do
Trabalho, para reclamar os salários não pagos e demais parcelas durante todo este
período. E, durante o período de tramitação destas demandas, continua o
trabalhador sem receber a renda necessária para sua subsistência. (TREVISO,
2015, p.77)
A divergência entre os laudos pode surgir na avaliação realizada ou pelo empregador ou,
mesmo, pelo médico particular do empregado, em que seja reconhecida sua incapacidade ou
inaptidão ao trabalho, mas que a perícia do INSS concede alta ao empregado, por considerá-lo apto
ao retorno de suas atividades.
A decisão colacionada a seguir do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, a respeito da
matéria, vem corroborar com o confronto e divergências entre os laudos médicos, vejamos:
A respeito do dano moral Wânia Alice Ferreira Lima Campos, conceitua: “o abalo
moral é aquele que atinge a órbita interna da pessoa, gerando um sentimento de derrota e
pesar que lhe impõe uma alteração de comportamento ou psíquica, causando prejuízo à sua
parte social ou afetiva”. (CAMPOS, 2010 p.82)
Portanto, é inviável que o empregado fique sem receber o benefício previdenciário
nem tampouco o salário a que faz jus, haja vista que continua incapacitado para as funções
anteriormente exercidas, mas permanece ligado à empresa.
Segundo Takashi (2006 apud MIRANDA, 2018, p.5) aponta uma dificuldade para
com o processo de RP “no entanto, o caminho para iniciar o desenvolvimento de um serviço
de reabilitação profissional que considere uma visão integrada do processo de reabilitação
torna-se uma trajetória árdua, desafiadora e de contramão com a lógica economicista do
modelo de seguro presente na macroestrutura do sistema previdenciário brasileiro, em que
privilegia a restrição de benefícios em detrimento da garantia de direitos constitucionais
adquiridos.”
O segurado/empregado, sendo a parte hipossuficiente, não pode ficar à mercê da
própria sorte caso exista uma divergência do médico do trabalho com a autarquia, quando a
incapacidade for em relação a atividade a qual o segurado exerce. Assim, a autarquia deve
proporcionar a reabilitação profissional e na falta desta o empregador fica encarregado de
reabilitar seu funcionário, a fim de que o mesmo possa ter condições laborais em atividade
diversa a sua atividade habitual de trabalho. Vejamos o entendimento de Rodrigues e
Carvalho:
Nem sempre é fácil para a empresa encontrar esse novo posto de trabalho para seu
empregado, principalmente sem rebaixá-lo e tratando-o com a dignidade que
merece. Entretanto caberá ao empregador reabilitá-lo na empresa, tomando o
cuidado de não o discriminar perante outros ou mesmo de rotulá-lo como incapaz,
evitando com isso, que venha à empresa a responder judicialmente por assédio
moral. (RODRIGUES; CARVALHO, 2016, p.6)
Assim, o INSS pode contar com parcerias das empresas do sistema, estabelecidas
pela Constituição Brasileira, e subsidiariamente até com o empregador para proceder com a
Reabilitação do profissional em área diversa ao que fora inicialmente contratado.
234
O referido artigo acima citado, irá resolver brevemente a divergência que há entre os
laudos dos médicos do INSS, com os dos médicos assistentes, resolvendo parcialmente
assim o instituto do “limbo jurídico previdenciário”, eis que até o momento em que o próprio
236
INSS, realize sua Instrução Normativa a respeito, eis que tal medida depende da Autarquia,
bem como no Poder Judiciário aceitar os Laudos dos médicos assistentes do
empregado/segurado. Vale ressaltar que a partir do momento em que foi editado o Decreto
acima referido, caso a perícia só possa ser realizada após o término do prazo de afastamento
do empregado indicado no atestado médico, este poderá retornar ao trabalho no dia
seguinte à data indicada para a sua recuperação, independentemente de realização da
perícia médica, e tal previsão está no § 6º do art. 75 : “ A impossibilidade de atendimento
pela Previdência Social ao segurado antes do término do período de recuperação indicado
pelo médico assistente na documentação autoriza o retorno do empregado ao trabalho no
dia seguinte à data indicada pelo médico assistente.”, incluído pelo Decreto. Essa nova
medida beneficia os segurados que, até então, nem recebiam o benefício, nem eram aceitos
pela empresa para retornar ao trabalho e receber seu salário, enquanto não eram submetidos
à perícia médica do INSS.
Estão previstos no art. 1º, incisos III e IV, de nossa Constituição Federal o valor
social do trabalho e a dignidade da pessoa humana que são princípios fundamentais. Nas
palavras de Wilson Steinmetz:
gozar dos seus direitos econômicos, sociais e culturais, bem como dos seus direitos civis e
políticos.
Nesse aspecto sobre a dimensão dos julgados, Luis Roberto Barroso afirma que:
Inclusive, podemos atestar a percepção junto aos tribunais que já decidem sobre o
tema da dignidade da pessoa humana:
elevado em questão legitima a ordem jurídica, que se concentra na pessoa humana. Desta forma,
alicerça-se o direito positivo sobre profundas bases éticas, tornando-o merecedor do título de
‘direito justo’ (SARMENTO, 2008, p. 86). Conforme expressam os entendimentos dos Tribunais
Regionais do Trabalho da 3ª e 4 ª Região:
A questão principal versa sobre o sistema político brasileiro que tem demonstrado
através de suas políticas públicas decisões mais vinculadas a contenção de despesas do que
a promoção do social. As novas reformas elucidadas por diferentes governos não visam a
busca pela solução para limbo, principalmente no que se refere a dignidade da pessoa
humana reforçando uma posição capitalista do que consubstancial social.
despreocupação com a questão social que leva a marginalização do cidadão que são
resultados da falta de previsibilidade da administração governamental.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BALERA, Wagner; MUSSI, Cristiane Miziara. Direito Previdenciário. 10.ed. São Paulo:
Método, 2014
CAMPOS, Wânia Alice Ferreira Lima. Dano Moral no Direito Previdenciário. 1. ed.
Curitiba: Juruá, 2010. p. 82.
FIGUEIREDO, M., Silva, L., Daidone, V., & Magalhães, L. (2018). Trabalhadores em
processo de reabilitação profissional. Revista De Terapia Ocupacional Da Universidade De
São Paulo, 29(1), 56-62. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2238-
6149.v29i1p56-62. Acesso em 1 de jun de 2019.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 6. ed. Vol.
IV. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 19.
LIMA M.A.G, Andrade AGM, Bulcão CMA, Mota EMCL, Magalhães FB, Carvalho RCP,
et al. Programa de reabilitação de trabalhadores com LER/DORT do Cesat/Bahia: ativador
de mudanças na Saúde do Trabalhador. Rev Bras Saúde Ocup 2010; 35:112-21.
MACEDO FCC. Perícia Médica- INSS- Judicial- Benefício por Incapacidade- Auxílio
Doença- Aposentadoria por Invalidez- LOAS [Internet]. 2013. Disponível em:
http://www.carvalhocamposadvocacia.com.br/images/artigos/periciamedica.pdf. Acesso
em 29 mai. 2019.
Rodrigues%20e%20J%C3%A9ssica%20Terezinha%20do%20Carmo%20Carvalho.pdf>
Acesso em 05 mai. 2019.
TREVISO, Marco Aurélio Marsiglia. O limbo jurídico: o trabalhador que é considerado apto
pelo INSS e inapto pelo empregador. Uma solução hermenêutica em prol da justiça do
trabalho. São Paulo: LTr, 2015, p77.
SILVA FILHO, Fernando Paulo da. Período de benefício não renovado pela previdência
social – Suspensão do contrato de trabalho. Disponível em:
https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI177133,21048+Periodo+de+beneficio+nao+re
novado+pela+previdencia+social+suspensao. Acesso em 30 abril 2019.
SOUZA, Andréa Domingues da Silva; QUEIRÓZ, Maria de Fátima Ferreira de. Percepção
dos trabalhadores inseridos na reabilitação profissional do Instituto Nacional do Seguro
Social: a organização do trabalho adoece? Saúde em Debate, v. 42, p. 100-112, 2018.
Rosmeri de Almeida1
Resumo: Este artigo tem como objetivo identificar na legislação previdenciária e normativas
do INSS possível violação ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
O método utilizado foi a pesquisa bibliográfica, sendo que os resultados encontrados
corroboram a ideia de que a legislação previdenciária e normativas do INSS estão se
distanciando progressivamente do necessário amparo à criança e ao adolescente, o que
propicia uma situação de vulnerabilidade social e financeira danosa aos menores
dependentes desegurados do regime geral da previdência.
1. INTRODUÇÃO
1
advogada, OAB/RS 95.619, especialista em Direito Processual Civil, Direito Médico, Direito Previdenciário-
RGPS, Direito Previdenciário - RPPS e, cursando atualmente, MBA em Direito Militar e Militar
Previdenciário.
246
Sendo assim, com a intenção de tratar do assunto proposto de forma ampliada, foi
realizada esta pesquisa bibliográfica utilizando doutrina pertinente, artigos disponíveis na
plataforma do CAPES e Google Acadêmico, entre outros, buscando identificar os aspectos
referentes à observância ou não do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente
nalegislação previdenciária e nas normativas do INSS.
2. RESULTADOS
A Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 227, traz a garantia da proteção integral
à criança e ao adolescente:
O mesmo artigo recorda que o Estado participará de forma efetiva para garantir esta
proteção, sendo que a garantia aos direitos previdenciários e trabalhistas aparece no § 3º,
II: “Odireito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: [...] garantia de direitos
previdenciários e trabalhistas”.
Já o § 6º trata dos dependentes previdenciários descendentes, equiparando os filhos
havidos ou não da relação do casamento e os filhos adotivos.
No § 7º, instrui que para atender aos direitos das crianças e dos adolescentes
devemos levar também em consideração o Artigo 204, que trata da Seguridade e da
Assistência Social: “ As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas
com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes
[...]”.
BARBOZA (2000) corrobora informando que os princípios básicos da Convenção
Internacional sobre os Direitos da Criança foram introduzidos no texto constitucional de
1988,“sendo o artigo 227, de nossa Lei Maior, reconhecido na comunidade internacional
como a síntese da mencionada Convenção”.
A mesma autora entende que é
247
A Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 227, § 8º, I, prevê que “A lei
estabelecerá o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens”.
Para BARBOZA (2000), O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei Nº
8.069, de 13 de julho de 1990, “concretizou e expressou os novos direitos da população
infantojuvenil, que põem em relevo o valor intrínseco da criança como ser humano e a
necessidade deespecial respeito a sua condição de pessoa em desenvolvimento.”
Para a autora, a garantia constitucional de absoluta prioridade explicita a prevalência
dos interesses da criança e do adolescente.
Conforme o ECA, é considerada criança a pessoa até doze anos de idade incompletos
e, adolescente, aquela entre doze e dezoito anos de idade. Excepcionalmente, nos casos
expressos em lei, será aplicado o ECA às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.
Já no Artigo 3º fica definido que
D’OLIVEIRA(2012), por sua vez, entende que “as medidas de proteção abarcam as
situações em que os menores encontram-se desprotegidos, quer por ação ou omissão dos pais
eda sociedade em geral, quer seja por uma conduta passiva do Estado.”
249
De acordo com SCHEINVAR (2000) “A proteção social é uma prática tão antiga
como a vida em grupo. [...] De maneira geral, a proteção é entendida como uma intervenção
no sentidode equilibrar formas de organização”.
Também é fato que, sob o critério da especialidade ou lex specialis derogat legi
generali, o ECA deve prevalecer quando encontrados pontos divergentes entre este e a lei
geral,no caso, a lei previdenciária, respeitando o princípio do melhor interesse da criança e
do adolescente.
O primeiro dispositivo é o art. 1.583 do Código Civil em vigor, pelo qual, no caso
de dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal pela separação judicial por
consentimento mútuo ou pelo divórcio direto consensual, será observado o que
os
cônjuges acordarem sobre a guarda de filhos. Segundo o Enunciado n. 101 do
Conselho da Justiça Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil, a expressão
guarda de filhos constante do dispositivo deve abarcar tanto a guarda unilateral
quanto a compartilhada, sempre atendido o melhor interesse da criança. Se não
houver acordo entre os cônjuges, a guarda deverá ser atribuída a quem revelar
melhores condições para exercê-la (art. 1.584 do CC). Certamente, a expressão
melhores condições constitui uma cláusula geral, uma janela aberta deixada pelo
legislador para ser preenchida pelo aplicador do Direito caso a caso.
Como se pode perceber, no caso de dissolução da sociedade conjugal, a culpa não
mais influencia quanto à guarda de filhos, devendo ser aplicado o princípio que
buscaa proteção integral ou o melhor interesse do menor, conforme o resguardo
do manto constitucional.
250
Por sua vez, BARBOZA (2000) corrobora quando diz que o Estatuto da Criança e do
Adolescente, como lei especial que é, deve ser aplicado prioritariamente quando houver
divergências entre ele e outra lei geral:
E, MARTINS (2018), por sua vez, afirma que “a Previdência Social está diretamente
ligadaao princípio da dignidade da pessoa humana, princípio este norteador para definir as
relações referentes os benefícios da seguridade social.”
Sendo assim, com base nos princípios do melhor interesse da criança e do
adolescente e da dignidade da pessoa humana, os atos administrativos do INSS, quando
251
A Lei nº 9.032 de 1995, por sua vez, revogou o Inciso IV do Artigo 16 da Lei 8213/91,
excluindo a possibilidade do segurado de poder designar menor de 21 anos ou maior de 60
anosou pessoa inválida como seu dependente previdenciário.
Outrossim, várias normativas/decisões do INSS dificultam o amparo ao menor
dependente de segurado e seu acesso ao benefício prioritariamente, permanecendo este
menor desassistido até que decisão judicial seja adotada.
Como exemplo, temos a não aceitação da sentença trabalhista como início de prova
material figurando como um dificultador do acesso dos dependentes ao benefício
previdenciário. Esta determinação se encontra no Artigo 71 da IN 77/2015: “A reclamatória
trabalhista transitada em julgado restringe-se à garantia dos direitos trabalhistas e, por si só,
não produz efeitos parafins previdenciários. [...]”
Significa dizer que, por exemplo, no caso da pensão por morte, o vínculo trabalhista
reconhecido na Justiça do Trabalho, mediante sentença transitada em julgado, não será aceito
administrativamente, levando ao indeferimento do benefício pelo INSS.
Outro fator é a data de início do pagamento do benefício e do percentual a ser pago.
Neste sentido, a lei nº 13.846, de 18 de junho de 2019 traz, em seu Artigo 219, que:
A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que
falecer,aposentado ou não, a contar da data:
I - do óbito, quando requerida em até 180 (cento e oitenta dias) após o óbito,
para os filhos menores de 16 (dezesseis) anos, ou em até 90 (noventa) dias após
o óbito, paraos demais dependentes;
II - do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso
Ido caput deste artigo; ou
III - da decisão judicial, na hipótese de morte presumida. [...]
Ocorre que, para o ECA, a maioridade começa aos 18 anos de idade. Até esta idade
não é justificável que a criança e o adolescente sejam “punidos” por perda do prazo para
que receba o benefício desde a data do óbito do segurado.
Este também é o entendimento do STJ:
Neste sentido, corrobora MARTINS (2018) quando explica que “a pensão por morte
é umbenefício o qual muitas vezes continua assegurando ao beneficiário uma vida digna, a
qual estaria em risco caso não tivesse protegido esse direito, direito este que protege os
dependentesdo falecido.”
Art. 23. A pensão por morte concedida a dependente de segurado do Regime Geral
dePrevidência Social ou de servidor público federal será equivalente a uma cota
familiarde 50% (cinquenta por cento) do valor da aposentadoria recebida
pelo seguradoou servidor ou daquela a que teria direito se fosse aposentado
por incapacidade permanente na data do óbito, acrescida de cotas de 10 (dez)
pontos percentuais pordependente, até o máximo de 100% (cem por cento).
254
O menor sob guarda tem direito à concessão do benefício de pensão por morte
do seu mantenedor, comprovada sua dependência econômica, nos termos do
art. 33,
§ 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda que o óbito do instituidor
da pensão seja posterior à vigência da Medida Provisória 1.523/96, reeditada e
convertida na lei 9.528/97. Funda-se essa conclusão na qualidade de lei
especialdo Estatuto da Criança e do Adolescente (8.069/90), frente à legislação
previdenciária".
Para a autora, com a CF 88, o Decreto 83.080/79 “não mais poderia sustentar-se em
sua existência uma vez que a Magna Carta trouxe consigo previsão constitucional de lei
que reformularia antigos conceitos sobre o direito previdenciário.”
No que se refere à Lei 9.032/95, de acordo com a mesma autora, esta veio a restringir
ainda mais o elenco de dependentes, de modo a extinguir, de vez, a classe 4, que abrigava
aquelaextensão da família (os designados). Critica o autor quando fala sobre a exclusão do
255
menor sobguarda do rol de dependentes prioritários: “Em outubro de 1996, uma medida
provisória extinguiu da classe 1 os menores sob guarda, ou seja, aqueles cuja guarda judicial
havia sido deferida ao segurado. Ou seja, até a classe 1, dos chamados dependentes
preferenciais, antes intocáveis, estava sendo atingida pelas reformas”:
CONCLUSÕES
São vários os empecilhos colocados pelo INSS e pela legislação previdenciária para
aconcessão dos benefícios aos dependentes menores de idade, mesmo que o tema já esteja
pacificado nos tribunais superiores.
O desrespeito à Convenção, à Constituição Federal e ao Estatuto da Criança e do
Adolescente é visível, gritante.
Várias são as justificativas da autarquia para a demora na análise dos requerimentos
e para os indeferimentos e poucas são as soluções adotadas para a concessão do melhor
benefício, neste caso, da melhor assistência ao menor dependente de segurado do regime
geralda previdência social.
Obstáculos são criados e dificilmente derrubados, mesmo que manifestamente
prejudiciais ao dependente/segurado.
Ao concluir este artigo, infelizmente, validamos a hipótese de que a legislação
previdenciária e as normativas/atos do INSS, gradativamente, estão se distanciando do
melhorinteresse da criança e do adolescente, retirando sorrateiramente direitos desta parcela
da população e deixando-a desassistida em situações de maior vulnerabilidade.
REFERÊNCIAS
DELGADO, Fernanda Barbosa. Pensão por morte no regime geral da previdência social
e a PEC 06/2019. 2019. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/199985.
Acesso em20 de maio de 2020.
MARTINS, Juliana Alves. Pensão por morte e suas particularidades no âmbitoda família
moderna. 2018. Disponível em: intertemas.toledoprudente.edu.br.
Acesso em: 18 de maio de 2020.
MOREIRA, Vany Coelho. A pensão por morte e o direito dos dependentes inscritos.
THEMIS: Revista da Esmec, v. 3, n. 1, p. 201-246, 2016.
SPOSATI, Aldaíza. Transitoriedade da felicidade da criança brasileira. Serv. Soc. Soc., São
Paulo , 2017 . Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
66282017000300526&lng=en&nrm=iso. Acesso em 26 de maio de 2020.
Rosmeri de Almeida1
Resumo: Este artigo tem como objetivo tratar da aposentadoria especial do servidor público,
as alteraçõesdo Artigo 40, §4º, da CF 88 de acordo com as Emendas Constitucionais e a sua
real aplicabilidade.
O método utilizado foi a pesquisa bibliográfica, sendo que os resultados encontrados
corroboram com a ideia de que a aposentadoria especial do servidor público sempre foi
um tema controverso, repleto de brechas e omissões legislativas, desconhecida até mesmo
por muitos segurados do RPPS.
1. INTRODUÇÃO
1
advogada, OAB/RS 95.619, especialista em Direito Processual Civil, Direito Médico, Direito Previdenciário-
RGPS, Direito Previdenciário - RPPS e, cursando atualmente, MBA em Direito Militar e Militar
Previdenciário.
259
redação em um curto espaço de tempo. Tudo isto também contribui com a complexidade
excessiva para que o advogado trabalhe com o RPPS e para que os julgadores decidam
sobre os temas previdenciários do regime próprio.
Da mesma forma, os dados previdenciários dos segurados do RPPS tendem a ser
centralizados e raras vezes, acessíveis ao servidor.
Inúmeras vezes, o servidor se apropria de sua “vida previdenciária” somente
quando está próximo de se aposentar. Desta forma, por desconhecimento, não questiona
o que lhe é sugerido ou imposto.
A aposentadoria especial não é exceção à regra e muitos servidores desconhecem
seu direito a requerê-la. Outras vezes, também, devido às regras para a aposentadoria
especial serem análogas às do regime geral de previdência social, o servidor deixa de
usufruir deste benefíciopor ter uma grande perda financeira quando se trata de optar pela
média das contribuições, abrindo mão da integralidade e da paridade que muitos já têm
como direito adquirido.
A relevância deste tema está justamente neste aspecto: buscar o melhor benefício
parao servidor público e obter regras claras para a concessão da aposentadoria especial.
2. RESULTADOS
2
Dispõe sobre regras gerais para a organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência social
dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados
e do Distrito Federal e dá outras providências
3
http://sa.previdencia.gov.br/site/2017/07/PORTARIA-MPS-nº-402-de-10dez2008-atualizada-até-
19jul2017.pdf
4
Permite a adoção integral das regras do regime próprio de previdência social da União, mediante lei estadual
ou municipal. Assegura benefício mensal à criança em situação de pobreza. Dispõe sobre o sistema de proteção
social dos militares dos Estados, a previdência dos servidores públicos dos órgãos de segurança pública, a
reabertura de prazo para opção pelo regime de previdência complementar dos servidores públicos federais e o
plano de equacionamento do déficit atuarial do regime próprio dos Estados e Municípios. Dispõe sobre os
cálculos da pensão por morte e da aposentadoria por incapacidade para o regime geral e para o servidor público
261
federal, das vantagens pecuniárias variáveis para a aposentadoria do servidor público e da aposentadoria do
servidor público federal com deficiência. [...]
262
A paridade foi extinta a partir da EC 41/03, sendo que o reajuste passou a ser
feito pormeio de lei específica, ressalvando a paridade para os segurados e
dependentes com benefícios concedidos com fundamento:
a) no art. 40 da Constituição de 1988, na redação original, por força
da EC 20/98 e art. 3º, da EC 41/03, que garantem a aplicação do revogado §
4º, da redação original do art. 40 da Constituição de 1988;
b) no art. 8º da EC 20/98, por força do art. 3º da EC 41/03, que
garante a aplicaçãodo revogado § 8º, da redação da EC 20/98, do at. 40 da
268
Constituição de 1988;
c) no art. 6º da EC 41/03, por força do art. 7º da EC 41/03, aplicável
com base no art.2º da EC 47/05;
d) no art. 3º, caput e parágrafo único, da EC 47/05;
e) no art. 6º-A, parágrafo único, da EC 41/03 inserido pela EC 70/12.
Entende o autor que os benefícios que forem calculados pela média não terão
reajustecom aplicação da regra da paridade, mas de acordo com lei específica, segundo
Art. 40, §8º, da CF/88.
Atualmente, o tema está sem sede de repercussão geral e ainda não se encontra
decidido:
APOSENTADORIA – POLICIAL CIVIL DO ESTADO DE SÃO PAULO –
PROVENTOS – INTEGRALIDADE E PARIDADE – RECURSOS
EXTRAORDINÁRIOS DE AMBAS AS PARTES – REPERCUSSÃO
GERAL CONFIGURADA5.
5
Disponível em:
http://stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verPronunciamento.asp?pronunciamento=7925084
5 942 - Possibilidade de aplicação das regras do regime geral de previdência social para a averbação do tempo
de serviço prestado em atividades exercidas sob condições especiais, nocivas à saúde ou à integridade física de
servidor público, com conversão do tempo especial em comum, mediante contagem diferenciada.
6
942 - Possibilidade de aplicação das regras do regime geral de previdência social para a averbação do tempo
de serviço prestado em atividades exercidas sob condições especiais, nocivas à saúde ou à integridade física de
servidor público, com conversão do tempo especial em comum, mediante contagem diferenciada
269
Para concluir, o termo “no que couber” contido na Súmula Vinculante 33 abriu
uma gama de possibilidades, questionamentos, adequações necessárias, que estão em
ebulição no meio judicial e que, em sua maioria, remetem à repercussão geral.
Da mesma forma, após decididos estes temas, novo movimento surge no sentido
da revisão das aposentadorias concedidas com outras formatações.
Quanto mais ampla ou inespecífica a decisão ou norma, maior o número de
possíveis interpretações. Sendo assim, a quantidade de processos previdenciários de
servidores públicosem tramitação é imensa, em todos os graus de jurisdição.
Deste modo, Estados, Distrito Federal e Municípios terão que trabalhar muito para
adequar suas regras de regime próprio de previdência social às novas regras trazidas pela
EC 103/2019, no que couber.
272
CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS
1 INTRODUÇÃO
1
Advogada previdenciarista, inscrita na OAB/RS 57.193. Mestre em Direito Público pela UNISINOS. Pós-
graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Fundação do Ministério Público/RS. E-mail:
silviagrantham@yahoo.com.br.
275
Por isso, nesse estudo, sempre que possível, utilizaremos a expressão “criança e
adolescente”, ao invés de “menor”.
No primeiro capítulo, trataremos da guarda, procurando definir quem é a criança e
adolescente sob guarda, valendo-se das lições do direito de família.
Adiante, no segundo capítulo, adentraremos na análise do julgamento da ADIs 4878
e 5083 (BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2021) e abordaremos os reflexos
desse julgamento para o direito previdenciário, em especial, a partir da Emenda
Constitucional 103/2019 (BRASIL, 2019).
todas as funções parentais, elencadas nos dispositivos do Código Civil que versam sobre o
poder familiar. Para o autor, a guarda é atributo do poder familiar e, em nosso ordenamento
jurídico, designa o modo de gestão da vida dos filhos, principalmente após o desfazimento
do vínculo conjugal ou convivencial dos pais.
Efetivamente, é na dissolução do vínculo conjugal que, na maioria das vezes, exsurge
a preocupação com a guarda dos filhos, revelando-se a necessidade de regulamentação da
mesma pelo Código Civil (BRASIL, 2002), no Capítulo XI, intitulado “Da proteção dos
filhos”.
No artigo 1.583 do referido Capítulo (BRASIL, 2002), está disposto que a guarda
poderá ser unilateral ou compartilhada e o parágrafo 1º define as duas modalidades de
guarda2, afirmando que será unilateral a guarda atribuída a um só genitor ou a alguém que o
substitua, e compartilhada quando a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e
deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar
dos filhos comuns.
Vale ressaltar que, quando entrou em vigor o Código Civil de 2002, em 11 de janeiro
de 2003, a guarda era apenas atribuída a um dos pais (redação original do art. 1584). A
alteração na lei civil veio com a publicação da Lei 11.698/2008 (BRASIL, 2008), que
introduziu a possibilidade da guarda compartilhada.
No dizer de Conrado Paulino da Rosa (ROSA, 2021, p. 532):
O mesmo autor (ROSA, 2021, p. 533) citando Cristiano Chaves de Farias, afirma que
o palco mais iluminado para o exercício conjunto da guarda é, exatamente, o litígio, quando
2
Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.
§ 1º. Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art.
1.584, § 5 o ) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do
pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.
§ 2 o Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com
a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos.
277
o genitor que detém a guarda utiliza o filho como um verdadeiro instrumento de chantagem,
dificultando, de diferentes modos, o contato entre pai não guardião e o filho. Por isso, para
evitar esse quadro, em 22 de dezembro de 2014, foi sancionada a Lei 13.058/2014 (BRASIL,
2014), alterando o artigo 1.584, § 2º do Código Civil Brasileiro, passando a estabelecer que:
“mesmo quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho,
encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será instituída a
guarda compartilhada”.
Então, a guarda compartilhada passou a ser a regra na legislação civil e, sempre que
possível, será exercida pelos pais, que serão responsáveis por decisões estruturais da criança,
como escola, atividades extracurriculares e saúde3.
Contudo, embora seja o ideal, nem sempre a guarda (unilateral ou compartilhada) é
exercida pelos pais.
O artigo 1.584, § 5º do Código Civil4 prevê a possibilidade de atribuição da guarda a
pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência,
o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.
Já o art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, Lei n. 8.069, 1990)
também disciplina a guarda de terceiros, prevendo que a guarda obriga a prestação de
assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor
o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. Não decorre do exercício do poder familiar
e é chamada de guarda assistencial5.
Trata-se de um instituto jurídico pelo qual se atribui a uma pessoa, o guardião, um
complexo de direitos e deveres, a serem exercidos com o objetivo de proteger e prover as
3
O Código Civil, no art. 1.634, no entanto, traz situações que competem a ambos os pais, independentemente
da guarda e que dizem respeito ao poder familiar, a saber: “Art. 1.634. (...)I - dirigir-lhes a criação e a
educação; II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584; III - conceder-lhes ou
negar-lhes consentimento para casarem; IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao
exterior; V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro
Município; VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe
sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; VII - representá-los judicial e
extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em
que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; IX -
exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição”.
4
Art. 1584. (...)
§ 5º. Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda a
pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de
parentesco e as relações de afinidade e afetividade.
5
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (GAGLIANO e outro, 2017, p. 1277) distinguem a guarda
decorrente do exercício do poder familiar, prevista no Código Civil, da guarda decorrente da colocação da
criança ou do adolescente em família substituta, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente. Essa guarda,
prevista no ECA, é chamada de “guarda assistencial” porque coloca a criança em família substituta.
278
Nas hipóteses de os pais não estarem aptos ao exercício do poder familiar, os avós
são os primeiros convocados. Talvez não haja pessoas mais indicadas para exercer
esse encargo, ao menos em caráter provisório. Como os avós não podem adotar o
neto (ECA 42 § 1º), destituídos os pais do poder familiar, talvez melhor atenda ao
interesse do neto que seja ele encaminhado à adoção. Há que se atentar se a
permanência na estrutura da família biológica não vai lhe gerar maiores prejuízos.
O passado sempre estará presente em sua vida e ele não terá alguém para chamar
6
Art. 42. (...) § 1º Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando.
7
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
ADOÇÃO POR AVÓS. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR.
PADRÃO HERMENÊUTICO DO ECA.
01 - Pedido de adoção deduzido por avós que criaram o neto desde o seu nascimento, por impossibilidade
psicológica da mãe biológica, vítima de agressão sexual.
02 - O princípio do melhor interesse da criança é o critério primário para a interpretação de toda a legislação
atinente a menores, sendo capaz, inclusive, de retirar a peremptoriedade de qualquer texto legal atinente aos
interesses da criança ou do adolescente, submetendo-o a um crivo objetivo de apreciação judicial da situação
específica que é analisada.
03. Os elementos usualmente elencados como justificadores da vedação à adoção por ascendentes são: i) a
possível confusão na estrutura familiar; ii) problemas decorrentes de questões hereditárias; iii) fraudes
previdenciárias e, iv) a inocuidade da medida em termos de transferência de amor/afeto para o adotando.
04. Tangenciando à questão previdenciária e às questões hereditárias, diante das circunstâncias fática presentes
- idade do adotando e anuência dos demais herdeiros com a adoção, circunscreve-se a questão posta a desate
em dizer se a adoção conspira contra a proteção do menor, ou ao revés, vai ao encontro de seus interesses.
05. Tirado do substrato fático disponível, que a família resultante desse singular arranjo, contempla, hoje, como
filho e irmão, a pessoa do adotante, a aplicação simplista da norma prevista no art. 42, § 1º, do ECA, sem as
ponderações do "prumo hermenêutico" do art.
6º do ECA, criaria a extravagante situação da própria lei estar ratificando a ruptura de uma família socioafetiva,
construída ao longo de quase duas décadas com o adotante vivendo, plenamente, esses papéis intrafamiliares.
06. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 1635649/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/02/2018, DJe
02/03/2018).
279
de mãe ou pai. Além disso, a guarda é uma relação por demais insegura. Não gera
direito de qualquer ordem. A sacralização exacerbada dos vínculos biológicos nem
sempre corresponde ao melhor interesse de quem tem direito à convivência
familiar.
8
APELAÇÃO CÍVEL. GUARDA DE MENOR. AÇÃO AJUIZADA PELO AVÔ MATERNO.
CONCORDÂNCIA DOS GENITORES DA INFANTE. O temor do deferimento de guarda para os avós, via
de regra, reside na possibilidade de se estar deferindo uma falsa guarda, apenas para fins previdenciários. No
caso dos autos, contudo, a guarda da menor é exercida efetivamente pelo avô materno, conforme se depreende
da perícia. Se, de fato, é o avô paterno o guardião, e todos estão de acordo com a efetiva e concreta existência
da guarda avoenga, então o direito de família deve se amoldar, como princípio de realidade, para dar todos os
efeitos jurídicos, enquanto persistir a guarda. NEGARAM PROVIMENTO (Apelação Cível, Nº 70077974251,
Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em: 22-11-2018).
9
Por isso, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RESP 1.751.453 – MS (Rel. Ministro
PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/06/2021, DJe 21/06/2021)
decidiu que criança sob guarda é equiparada a dependente natural em plano de saúde, não podendo ser inserida
como beneficiária do plano apenas como dependente agregada.
10
§ 4 o Salvo expressa e fundamentada determinação em contrário, da autoridade judiciária competente, ou
quando a medida for aplicada em preparação para adoção, o deferimento da guarda de criança ou adolescente
a terceiros não impede o exercício do direito de visitas pelos pais, assim como o dever de prestar alimentos,
que serão objeto de regulamentação específica, a pedido do interessado ou do Ministério Público.
280
11
Art. 16, incisos I a III da Lei 8213/91.
12
Código Civil:
Art. 1.728. Os filhos menores são postos em tutela:
I - com o falecimento dos pais, ou sendo estes julgados ausentes;
II - em caso de os pais decaírem do poder familiar.
281
compromisso constitucional assegurado pelo art. 227, § 3º, VI da Carta Magna, objetivando
efetivar a máxima proteção aos direitos da criança e do adolescente (IBDP, 2020).
Ainda assim, no próprio Superior Tribunal de Justiça não havia unanimidade, como
bem cita o próprio Ministro Relator da ADI 4878 (BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL, 2021), Ministro Gilmar Mendes:
O Superior Tribunal de Justiça (eDOC 9) consigna que o menor sob guarda não
possui direito à pensão previdenciária por morte quando o falecimento do
instituidor tiver ocorrido após o advento da Medida Provisória 1.596, de 10 de
novembro de 1997, no Ag no EREsp 961.230/SC, Terceira Seção, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, Dje 20.2.2009, porquanto entende que a norma
previdenciária, de natureza específica, deve prevalecer sobre o disposto no art. 33,
§3º, do ECA, de cunho genérico, conforme EREsp 696.299/PE, Terceira Seção,
Rel. Min. Paulo Gallotti, Dje 4.8.2009.
13
Em 19.11.2012, sendo distribuída ao Relator, Ministro Gilmar Mendes.
14
Em 06.01.2014, sendo distribuída ao Relator, Ministro Dias Toffoli.
15
Art. 23. (...) § 6º. Equiparam-se a filho, para fins de recebimento da pensão por morte, exclusivamente o
enteado e o menor tutelado, desde que comprovada a dependência econômica.
283
Em seu voto, o Ministro Relator Gilmar Mendes, que negou provimento às ações,
para declarar a constitucionalidade do art. 16, § 2º da Lei 8213/91 (BRASIL, 1991), na
redação dada pela Lei 9.528/97 (BRASIL, 1997), fez alusão à suposta guarda fraudulenta,
referindo que, quando o “menor sob guarda” foi excluído pela Medida Provisória n. 1.523/96
(BRASIL, 1996), convertida na Lei 9.528/97 (BRASIL, 1997), era comum que avós,
segurados do INSS ou servidores públicos, assumissem a guarda dos netos, de modo a torná-
los potenciais beneficiários de sua pensão por morte.
Sobre a reforma previdenciária de 2019, referiu que tinha por objetivo alcançar a
saúde financeira do sistema previdenciário brasileiro, e que repetiu, no texto da Emenda
Constitucional 103 (BRASIL, 2019), a redação dada ao artigo 16 da Lei 8213 (BRASIL,
1991), mantendo a exclusão do menor sob guarda dentre os dependentes do segurado.
Referiu que a análise do processo legislativo que levou à nova redação da norma impugnada,
somada à doutrina e à recente alteração constitucional, demonstra que foi intenção do
legislador excluir o menor sob guarda dentre os possíveis beneficiários do segurado,
mudança que objetivou reduzir os gastos da previdência, inclusive em razão do desvio de
finalidade identificado nos casos em que avós recebiam a guarda dos netos, que continuavam
submetidos ao poder familiar dos genitores, com o objetivo de deixar o neto como
beneficiário da previsão no caso da sua morte.
Adentrando no exame do instituto da guarda, concluiu que esta se coloca como um
instituto temporário, para regulamentar a situação do menor que aguarda o curso do processo
de adoção, a consolidação da tutela ou o retorno à família, quando os genitores estão com o
poder familiar suspenso por qualquer questão que gere vulnerabilidade da criança. No último
caso, segundo o Ministro Relator, o ECA (BRASIL, 1990) prefere que a criança ou
adolescente seja acolhida por família substituta, que ficará com sua guarda provisória até
que o juizado decida pelo retorno aos pais ou responsáveis pela adoção. Aduziu que o fato
de o “menor” estar sob a guarda de um terceiro não determina, necessariamente sua condição
de dependente deste, quer pela provisoriedade da guarda, quer pela manutenção, em muitos
casos, do poder familiar e da condição de dependente de seu genitor, mesmo que falecido,
que por estar sob os cuidados do Estado.
284
E, finalmente, afirmou que o art. 33, § 3º do ECA (BRASIL, 1990) não foi
recepcionado pela Emenda Constitucional 103 (BRASIL, 2019):
Veja-se que a EC 103, em seu art. 23, §6º, repetiu a redação do art. 16, § 2º, da Lei
8.213, aqui impugnado, fazendo constar que apenas se equiparam a filho, para fins
de pensão por morte, “exclusivamente o enteado e o menor tutelado, desde que
comprovada a dependência econômica”. Portanto, a exclusão do menor sob guarda
da condição de dependente para fins de pensão por morte decorre, agora, de norma
constitucional, estando superada a discussão sobre a prevalência do ECA ou da lei
previdenciária.
Em sentido oposto foi o voto do Ministro Edson Fachin, que acabou sendo
acompanhado pela maioria.
Em relação à possibilidade de guarda fraudulenta, referiu que o argumento está
pautado na presunção de má-fé e que pretensas fraudes supostamente ocorridas em processos
de guarda não são justificativas para impedir o acesso de crianças e adolescentes a seus
direitos previdenciários, assegurados, tanto pelo art. 227 da Constituição (BRASIL, 1988),
quanto pelo art. 33 do ECA (BRASIL, 1990).
Aduziu, o Ilustre Ministro que, ao assegurar a qualidade de dependente ao “menor
sob tutela” e negá-la ao “menor sob guarda”, a legislação previdenciária priva crianças e
adolescentes de seus direitos e garantias fundamentais. Disse que a guarda é situação de fato
e, mais adiante, afirmou que, se o guardião falecer, sem que a criança ou adolescente tenha
sido colocada sob tutela ou adoção, é preciso que os direitos previdenciários sejam
resguardados, em observância ao princípio da proteção integral e da prioridade absoluta,
desde que comprovada a dependência econômica, como exige a legislação previdenciária.
Mencionou que a interpretação que assegura ao “menor sob guarda” o direito à
proteção previdenciária deve prevalecer, não apenas porque assim dispõe o Estatuto da
Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), mas porque direitos fundamentais devem
observar o princípio da máxima eficácia. Assegura-se, assim, segundo o Ministro, a
prevalência do compromisso constitucional contido no art. 227, § 3º, VI da Constituição
(BRASIL, 1988).
Sobre a reforma constitucional previdenciária, aduziu que os pedidos formulados nas
ADIs 5083 e 4878 (BRASIL, 2021), não contemplaram a redação do art. 23 da EC 103/2019
(BRASIL, 2019), razão pela qual não procedeu à verificação da constitucionalidade do
dispositivo, em homenagem ao princípio da demanda. De toda sorte, afirmou serem em todo
285
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
16
Há muitos casos de crianças que sofrem maus-tratos pelos pais e acabam sendo criadas pelos avós, em razão
da transferência da guarda. Mas, algumas vezes, a burocracia exigida pela lei para a transferência da guarda
pode levar a resultados nefastos. Exemplo recente é o caso do menino Miguel dos Santos Rodrigues, de 7 anos,
morto pela mãe e pela madrasta no litoral norte do Rio Grande do Sul, em que a avó materna já havia pedido
a guarda da criança, processo iniciado no dia 08 de junho de 2021 através da Defensoria Pública. Segundo o
site de notícia G1 (https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2021/08/02/avo-de-menino-morto-em-
imbe-tinha-feito-pedido-de-guarda-da-crianca-diz-defensoria-publica.ghtml. Acesso em 19 de agos. de 2021),
288
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei 13.058, de 22 de dezembro de 2014. Altera os arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634
da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para estabelecer o significado da
expressão “guarda compartilhada” e dispor sobre sua aplicação. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13058.htm. Acesso em: 23
agos. 2021.
o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul afirmou que o processo de alteração consensual de guarda foi
interposto pela Defensoria às 16h03 do dia 29 de julho e, quando da distribuição, não foi sinalizada qualquer
urgência na tramitação. Ainda, afirmou o Tribunal de Justiça que "as autoras são a mãe e a avó da criança e
o processo foi sinalizado pela parte autora como segredo de justiça".
289
BRASIL. Lei 9.528, de 10 de dezembro de 1997. Altera dispositivos das Leis nºs 8.212 e
8.213, ambas de 24 de julho de 1991, e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9528.htm. Acesso em: 23 agos. 2021.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 14ª ed. Salvador: Jus PODIVM,
2021.
G1. Avó de menino morto em Imbé tinha feito pedido de guarda da criança, diz Defensoria
Pública. Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2021/08/02/avo-
de-menino-morto-em-imbe-tinha-feito-pedido-de-guarda-da-crianca-diz-defensoria-
publica.ghtml. Acesso em: 23 de agos. de 2021.
HIGÍDIO, José. Menores sob guarda têm direito à pensão por morte, decide STF.
Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jun-09/menores-guarda-direito-pensao-
morte-decide-stf. Acesso em: 18 de agos. de 2021.
290
ROSA, Conrado Paulino da. Direito de Família Contemporâneo. 8ª ed. Salvador: Jus
PODIVM, 2021.
291
Resumo: Em primeiro momento, o presente trabalho irá expor conceituações sobre o tema
seguridade social, para permitir adentrar mais a fundo no campo da previdência, além de
demonstrar a importância do advento da inclusão deste tema na Constituição Federal e quais
princípios o regem. Após o entendimento de seguridade social, adentra-se no campo da
previdência social, apresentando conceitos doutrinários e uma breve evolução histórica, que
permita entender o necessário para, então, adentrar no campo do benefício da pensão por
morte. Entretanto, o benefício sofreu mudanças significativas com o surgimento Emenda
Constitucional que deu origem a Reforma da Previdência, estabelecendo uma nova base de
cálculo para o benefício, afim de equilibrar as contas da Previdência Social. Contudo, tal
alteração se mostra inconstitucional, visto que viola os direitos sociais. Sendo assim, o
presente estudo tem como objetivo analisar os limiares da reforma previdenciária frente ao
benefício da pensão por morte, vinculados a redução do valor do benefício.
INTRODUÇÃO
1
Advogada. Mestranda em Direito na Universidade de Santa Cruz do Sul- UNISC
292
social e para a previdência social. Ressalva-se que os direitos inerentes à previdência social,
à saúde e à assistência social são direitos fundamentais de segunda geração, visto que tem
caráter prestacional positivo, e, também, de terceira geração, devido ao seu caráter coletivo
dos mesmos.
Sobre a previdência social, a mesma é um direito humano fundamental definido como
segunda geração que requer políticas ativas para sua eficácia e uma responsabilidade
relevante e substancial. Neste sentido, o Instituto Nacional da Previdência Social, (INSS) foi
concebido para amparar e garantir as seus filiados o oferecimento de uma renda em forma
de benefícios em situações específicos, a fim de propiciar segurança social a sociedade.
Posto isto, a finalidade da previdência social configura-se como a substituição do
salário perdido, de forma temporária ou definitivamente, por umas das eventualidades que
acometem o indivíduo durante sua vida, quer seja de origem biológica ou profissional. Assim
sendo, dentro da previdência social, existem diversos benefícios que necessitam de variados
requisitos que possibilitem sua aplicação, entre eles, temos benefícios que são dispostos para
utilização do próprio segurado e alguns que serão recebidos por seus dependentes, como
forma de mantimento familiar em frente à determinada situação, como é o caso da pensão
por morte, que é garantida aos dependentes do segurado que houver falecido, desde que
preenchidos os dispostos em legislação.
A pensão por morte é um dos benefícios concedidos que se propõem a assegurar os
dependentes do segurado acometido pelo evento morte, para que não fiquem desamparados
após o óbito do provedor da família, e consigam assim manter sua dignidade. Juntamente
com a aposentadoria, a pensão por morte é um dos benefícios de maior relevância no sistema,
sendo em alguns casos, a única fonte de renda que muitas famílias possuem para sobreviver.
Entretanto, vale destacar ainda, que devido ao déficit nos gastos da previdência
social, torna-se necessário revitalizar o sistema para que os benefícios que este propõe não
se tornem o motivo da sua inviabilização, tendo em vista que o presente benefício serve para
tutelar à família a partir de um momento de ampla fragilidade.
Frente a esses desafios, este estudo propõe como objetivo analisar os limiares da
reforma previdenciária frente ao benefício da pensão por morte, vinculados a redução do
valor do benefício. Para a elaboração deste estudo, a metodologia adotada foi o da pesquisa
exploratória, tendo como fonte de investigação a pesquisa bibliográfica, para apontar, a partir
dos dados levantados, reflexões sobre as razões apresentadas pelo governo no âmbito da
reforma.
293
1 DA SEGURIDADE SOCIAL
Sendo assim, Schneider e Sartori (2016) denotam que a expressão seguridade social
mostra uma concepção de provisão para o futuro, enquanto que a expressão segurança social
dá a ideia de presente. E ainda pontua que:
2 PREVIDÊNCIA SOCIAL
A previdência social surgiu em moldes bem mais genéricos do que os que vigoram
atualmente. Inicialmente, sem estrutura ou normas bem definidas. Com o tempo, adquiriu
status de direito e garantia fundamental, consagrada como verdadeiro direito subjetivo em
grande parte dos países do mundo.
Dessa forma, visa cuidar da proteção dos riscos sociais, visto que, qualquer pessoa
está sujeita a riscos, como acidentes, doenças ou ainda, pela idade avançada ou outras
situações que possam impedir o segurado de providenciar sua manutenção (SLIVNIK,
2018).
Leitão e Meirinho (2015) definem como sendo:
Dessa forma, a Previdência Social distingue-se da Seguridade Social, posto que está
relacionada a questões pertinentes ao trabalho, resultante de exigência legal e da necessidade
de contribuições dos trabalhadores e dos empregadores para seus subsídio.
O Regime Geral de Previdência Social é o principal regime previdenciário na ordem
interna e estende-se a todos os trabalhadores da iniciativa privada, ou seja, os que
apresentam relação de emprego regida pela Consolidação das Leis dos Trabalhos (CLT);
aos empregados urbanos, mesmo prestando serviço a entidades paraestatais; aos aprendizes
e funcionários temporários; aos empregados rurais e domésticos, regidos pela Lei nº 5.889
respectivamente; aos trabalhadores domésticos; aos trabalhadores autônomos, eventuais ou
não; aos empresários, titulares de firmas individuais ou sócios gestores e prestadores de
serviços; aos trabalhadores avulsos; pequenos produtores rurais e pescadores artesanais que
trabalham em regime de economia familiar e outras categorias de trabalhadores, como os
garimpeiros, empregados de organismos internacionais, sacerdotes, entre outros (LEITÃO e
MEIRINHO, 2015).
Em relação ao histórico no Brasil, Slivnik, (2018) lembra que a doutrina majoritária
considera o Decreto Legislativo nº 4.682/23, conhecido como Lei Eloy Chaves, o marco
inicial da Previdência Social. A esse respeito, Lazzari e Castro (2017) acentuam:
295
Portanto, por todo o exposto, pode-se observar que as normas que desenvolveram as
ideias de seguridade social no Brasil foram ocorrendo de forma lenta, desenvolvendo-se no
começo do século XX. Como lembra os autores as normas que levaram a construção do ideal
de seguridade social previstas na CF/88, foram reflexos do período econômico pelo qual o
país atravessava, não sendo por outro motivo que os ferroviários foram a primeira categoria
de trabalhadores a experimentarem uma política efetivamente previdenciária.
A previdência social é uma espécie de seguro “pago”, podendo se considerar- lá
como uma poupança forçada no qual o trabalhador participa por meio de contribuições
mensais, imposta ao cidadão com finalidade de garantir uma estabilidade futura no caso de
eventuais riscos que possam lhe atingir de forma temporária ou permanente, tal como o
benefício por pensão por morte.
ou morte presumida e terá o valor de 100% da aposentadoria, caso fosse aposentado, sendo
80% na primeira parcela e mais duas de 10% e 100% do salário-de-benefício ou do salário-
de contribuição vigente no dia do acidente, o que for mais vantajoso, caso o falecimento seja
consequência de acidente do trabalho (BRASIL, 1991, GUILHEM e BRIANCINI, 2016).
Neste sentido, Ramos (2005) afirma que:
Há casos em que não foi possível encontrar o cadáver para exame, nem há
testemunhas que presenciaram ou constataram a morte, mas é extremamente
provável a morte de quem estava em perigo de vida. Nesses casos, não há certeza
da morte, se houver um conjunto de circunstâncias que indiretamente induzam a
certeza, a lei autoriza ao juiz a declaração da morte presumida (RAMOS, 2005, p.
78)
Outrossim, cabe ressaltar que também pode ser beneficiário, o cônjuge divorciado,
separado judicialmente, ou que recebia pensão alimentícia, entretanto, haverá diferenciação
no tipo e na duração do recebimento e também, em conformidade com a Portaria MPS nº
513 de 2010, para óbitos ocorridos a partir de 5 de abril de 1991, é garantido o direito à
pensão por morte ao companheiro ou companheira do mesmo sexo, desde que atendam todas
as condições exigidas em lei.
Ainda, se houver mais de um dependente, o benefício será repartido entre todos em
partes iguais, mesmo que cada fração individual seja inferior ao salário mínimo vigente.
Quando o direito de um acabar, sua parte será revertida para os demais dependentes
(BRASIL, 1991, RAMOS, 2005)
O artigo 74 da Lei nº 8.213/91, aborda sobre a data em que o dependente começara
a receber o benefício, que vai variar conforme a data em que for requerer o benefício no
INSS. Dessa forma, o dependente receberá o benefício, a partir da data do óbito, quando
297
solicitar a pensão em até noventa dias. Fora desse prazo o benefício será devido a partir da
data do requerimento e, no caso de morte presumida, a partir da decisão judicial.
Ademais, frisa-se que existe outro ponto importante disposto na mesma legislação,
pois no parágrafo 1º afirma que: “a existência de dependente de qualquer das classes deste
artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes”, enquanto o parágrafo 2º
equipara o enteado e o menor tutelado, como filhos do segurado, mediante declaração e
comprovação de dependência econômica (BRASIL, 1991, RAMOS, 2005).
Ante ao exposto, tem-se que o benefício era caracterizado por conter poucas
restrições para sua manutenção, acumulação e concessão, fato que permitia algumas
distorções para garantir e facilitar seu recebimento (GUILHEM e BRIANCINI, 2016).
Sendo assim, foi necessário o alinhamento de questões que, se não houvessem mudanças,
poderiam ser responsáveis por um déficit na previdência e prejudicar os demais beneficiários
4 REFORMA DA PREVIDÊNCIA
O Brasil está́ passando por uma rápida transição demográfica em comparação com
a imensa maioria dos países, onde os casais tinham, em média, 6,3 filhos em 1960
e atualmente um casal tem, em média, 1,8 filho, ou seja, isso significa que a
população vai começar a encolher e a fração dos idosos irá aumentar. Esse
fenômeno ocorreu em vários países e resultou na reforma das regras da previdência
social para garantir a sua sustentabilidade
(LEVI, 2019, p. 22).
A Lei 13.135 /2015 já estabeleceu diferentes condições para os cônjuges que recebam
pensão por morte a partir de 2015, cabendo ao cônjuge receptor um período parcial para o,
dependendo do tempo de contribuição do segurado falecido, do tempo de casamento ou
coabitação e da idade do beneficiário recebeu pensão (OLIVEIRA et al., 2019).
A emenda constitucional 103/2019 também levou a outras alterações que determinam
a porcentagem da cota familiar para receber pensão por morte a partir da entrada em vigor
desta emenda e, assim, protegem o direito que o segurado tinha antes da entrada em vigor
de acordo com o art. 24, §4 da referida emenda constitucional.
Art. 24. É vedada a acumulação de mais de uma pensão por morte deixada por
cônjuge ou companheiro, no âmbito do mesmo regime de previdência social,
ressalvadas as pensões do mesmo instituidor decorrentes do exercício de cargos
acumuláveis na forma do art. 37 da Constituição Federal.
§ 4º As restrições previstas neste artigo não serão aplicadas se o direito aos
benefícios houver sido adquirido antes da data de entrada em vigor desta Emenda
Constitucional (BRASIL, 2019, s.p).
por invalidez permanente (aposentadoria por invalidez anterior) mais 10% por membro
dependente, até um máximo de 100% (BRASIL, 2019).
Ante ao exposto, depreende-se que as alterações decorrentes no cálculo da pensão
por morte, trouxe inúmeras repercussões, visto que tal conduta gera perdas aos pensionistas.
No caso, a renda mensal inicial (RMI) da pensão por morte devida à autora deve
observar o art. 75 da Lei n.º 8.213/91: "o valor mensal da pensão por morte será
de cem por cento do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a
que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento"
(BRASIL: Processo n° 0509761-32.2020.4.05.8500, SFSE, 2021, p. 4)
Logo, tem-se que tais alterações vão em desencontro a amparo dos direitos sociais,
os quais são autênticos direitos fundamentais, que demandam observância e reivindicação
como direitos de realização progressiva. Dessa forma, são direitos que estão condicionados
à atuação do Estado, o qual, deve adotar todas as medidas e esforços possíveis para a
efetivação completa desses direitos (SARLET, 2013).
Nesse sentido, Sarlet (2013) traz que os direitos sociais não se consubstanciam como
normas programáticas, ficando a mercê do legislador para obterem a devida eficácia. Não
basta que esses direitos estejam afirmados na Constituição, uma vez que foram criados para
serem efetivados e preservados pelo Estado.
Assim, Canotilho (2013) pontua que é dessa forma que o princípio da vedação do
retrocesso social se insere na sistemática de efetivação dos direitos sociais, uma vez que esse
princípio decorre do Estado Democrático e Social de Direito, bem como do princípio da
302
dignidade da pessoa humana e da máxima eficácia das normas definidoras dos direitos
fundamentais.
Neste sentido, a proteção dos direitos fundamentais por razões judiciais foi
consolidada como um dos pilares do conceito moderno de Constituição e foi apresentada
como uma característica inseparável da ideia contemporânea da democracia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
MUSSI, Cristiane Miziara. A alteração da natureza jurídica do benefício pensão por morte
no regime geral de previdência social brasileiro com a reforma da previdência. Revista
Científica Disruptiva, v. 1, n. 3, p. 4-25, 2019.
304
SARLET, I. W., ZOCKUN, C. Z. Notas sobre o mínimo existencial e sua interpretação pelo
STF no âmbito do controle judicial das políticas públicas com base nos direitos
sociais. Revista de Investigações Constitucionais, v. 3, n. 2, p. 115-141, 2016.
INTRODUÇÃO
1
Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Especialista em Direito Previdenciário
e pós-graduanda em Regimes Próprios de Previdência Social pela Escola da Magistratura Federal do Paraná.
Advogada (OAB/PR n° 105.779). E-mail: suelenisabelsilva@gmail.com.
306
O que não se torna evidente de imediato é que não se trata do uso da autocomposição
para negociar o interesse público, mas sim de forma de atingi-lo com maior eficiência. A
indisponibilidade do interesse público não implica que o Poder Público não possa utilizar do
instituto da autocomposição, até mesmo porque, em uma nova visão da Administração
Pública, impera o consensualismo, em contraposição ao tradicional autoritarismo do Direito
Administrativo.
Neste contexto, o debate exposto nesta pesquisa trata da possibilidade de aplicação
da autocomposição em matéria previdenciária, uma vez que a previdência, estabelecida no
rol do Art. 6º. da Constituição Federal é direito fundamental social e, portanto, em primeiro
momento, é vista como direito que não admite transação. Desta forma, não poderia ser objeto
de autocomposição por meio de conciliação como tem sido feito atualmente em diversos
processos previdenciários.
Merece análise, ainda, a hipossuficiência técnica do particular que litiga com a
Administração Pública, com posição de desigualdade para bem avaliar os benefícios e
prejuízos do acordo proposto. Outro ponto de relevância é a discussão acerca do quanto seria
possível ao indivíduo renunciar de seu direito nas transações, uma vez que, como tem sido
visto em inúmeros casos, o INSS muitas vezes oferece acordos com redução de valores e
renúncia às parcelas em atraso.
Seria possível, portanto, aplicar a lógica processual da autocomposição, por meio da
conciliação, nos litígios que envolvem o direito fundamental social à previdência social ou,
diante da redução e da renúncia de valores, haveria retrocesso social aos níveis já
assegurados de proteção?
As transformações do Direito Administrativo (marcadas pela lógica consensualista)
e do Direito Processual Civil, embora necessárias e de caráter relevante para o alcance da
eficácia almejada na obtenção do interesse público, devem respeitar os princípios que
compõem a autocomposição e os princípios fundantes do Estado Democrático de Direito.
Desta forma, as propostas de acordo em processos previdenciários devem ser analisadas sob
a perspectiva de limites ao indivíduo que dispõe do direito e ao INSS, parte da Administração
Pública Federal, que propõe os acordos em conciliação.
Tais propostas, embora sejam benéficas ao INSS não podem ser vistas como meros
acordos de adesão em que há benefício apenas para um dos polos do processo, mas também,
e principalmente, como meios eficazes de proteção do direito fundamental do particular.
307
Pretende-se estabelecer uma nova cultura para a resolução de litígios que envolvam
direitos disponíveis e indisponíveis que admitam transação no Brasil. Esta visão abandona o
ideal de que apenas as soluções judiciais são passíveis de aplicação e validade e assim,
concede caráter ampliativo aos meios alternativos para a resolução de conflitos. Abre-se
espaço para a justiça multiportas, em que a solução judicial deixa de ser a única forma
legítima de solucionar conflitos (DIDIER JR, 2017, p. 334).
Diante do aumento desenfreado de ações que chegam ao Judiciário, atualmente
verifica-se sobrecarga excessiva de processos,2 o que instaurou a crise de desempenho e a
consequente perda de credibilidade do Poder Judiciário na sociedade (WATANABE, 2011,
p. 381). Neste contexto, Kazuo Watanabe (WATANABE, 2011), sugeriu a criação da
Política Judiciária de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses a fim de substituir a
cultura de sentença (caracterizada pela facilidade dos juízos em sentenciar ao invés de
conciliar), pela cultura da pacificação.
Com base nos aspectos apontados por Kazuo Watanabe (WATANEBE, 2005),
sobreveio a Resolução n° 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que estabeleceu
a política pública de tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de
interesses. Na referida Resolução, foi regulamentada a criação de Núcleos Permanentes de
Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (art. 7°.) e dos Centros Judiciários de Solução
de Conflitos e Cidadania (art. 8°.), os critérios previstos para a atuação como conciliador e
mediador (art. 12.) e outros critérios para a aplicação da política.
Anexo à Resolução, o art. 1° do Código de Ética de Conciliadores e Mediadores
Judiciais estabelece como princípios fundamentais que regem a atuação de conciliadores e
mediadores judiciais a confidencialidade, a decisão informada, a competência, a
imparcialidade, a independência e a autonomia, o respeito à ordem pública e às leis vigentes,
o empoderamento e a validação.
2
De acordo com o Relatório Analítico da Justiça em Números de 2019, elaborado pelo Conselho Nacional de
Justiça (BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2019.Brasília: CNJ, 2019),
no ano de 2018, apenas em matéria previdenciária, o total de ações ajuizadas atingiu o total de 1.528.259 (um
milhão, quinhentos e vinte e oito mil e duzentos e cinquenta e nove).
308
Ademais, em seu art. 2°, estabelece que as regras que regem o procedimento da
conciliação/mediação, com vistas à pacificação são a informação, a autonomia da vontade,
a ausência de obrigação de resultado, a desvinculação da profissão de origem e a
compreensão quanto à conciliação e à mediação.
Para fins conceituais, cumpre realizar brevemente a diferença entre os institutos
heterocompositivos e autocompositivos. A primeira delas, representada pela Jurisdição e
pela Arbitragem, envolve a decisão de terceiro para a resolução do conflito, enquanto na
segunda, as partes decidem por si próprias.
Dentre os meios autocompositivos, destaca-se a mediação e a conciliação. Para o
CNJ, a mediação pode ser definida como o meio que habilita as partes a compreender suas
posições e encontrar, por si próprias (TALAMINI; WAMBIER, 2015, p. 115), soluções que
se compatibilizam com seus interesses (AZEVEDO, 2016, p. 20), sem a interferência de
terceiros.
Na conciliação, com técnicas que também devem ser utilizadas para facilitar o
diálogo e pacificar o conflito, as partes da mesma forma são auxiliadas por terceiro, mas
aqui, este propõe as soluções para o conflito.
Quanto à aplicação destes institutos em conflitos da Administração Pública, a Lei
13.140/2015 utiliza-se do conceito de “autocomposição” como gênero para os meios
estabelecidos na norma. Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro (DI PIETRO, 2018, p.
1065), a lei 13.140/2015 utiliza o termo autocomposição de conflitos, como meio de solução
de conflitos empregado no âmbito da Administração Pública pois trata-se de meio de solução
de controvérsia utilizado quando esta é resolvida pela própria Administração Pública, sem
recurso ao Poder Judiciário ou a terceiros.
Para a mesma autora (DI PIETRO, 2018, p. 1065), a Lei 13.140/2015 estabelece
cinco meios para a autocomposição: a prevenção e resolução administrativa de conflitos, a
mediação, a mediação coletiva de conflitos, a transação por adesão e a composição
extrajudicial de conflitos.
Prevê-se que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão criar
câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos com a finalidade de dirimir
conflitos entre órgãos e entidades da administração pública, avaliar a admissibilidade dos
pedidos de resolução de conflitos e promover, quando couber, a celebração de termo de
ajustamento de conduta (art. 32.), o que, em conjunto com os demais dispositivos,
materializa e torna legítimo o uso da autocomposição no ambiente administrativo,
309
conflitos, que são orientados, dentre outros princípios, pela isonomia entre as partes e pela
busca do consenso. Questiona-se, consequentemente, o suposto afrontamento direto que a
autocomposição teria com os princípios da eficiência e da legalidade, previstos no art. 37,
caput, da Constituição Federal (MELLO, 2002, p. 70).
Em síntese: a indisponibilidade e a supremacia do interesse público e os conflitos
entre os princípios da Administração Pública em frente aos princípios da autocomposição
inibiriam o uso dos meios autocompositivos.
No entanto, por outro viés, defende-se a compatibilidade da autocomposição na
Administração Pública, especialmente porque é meio de alcançar adequadamente os
objetivos orientados pelo princípio da eficiência, cumprindo o interesse público almejado
pela Administração (CUÉLLAR; MOREIRA, 2018) pela esquiva à morosidade e aos
altíssimos gastos gerados pelo processo judicial.
O ponto de conflito é que não se demonstra, de imediato, que não se trata do uso da
autocomposição para negociar o interesse público, mas sim de forma de atingi-lo com maior
eficiência (MOREIRA NETO, 2003, p.154).
Há compatibilidade que permite o devido uso da autocomposição, ainda mais com o
advento de previsões legais (intrinsecamente relacionadas ao necessário respeito ao princípio
da legalidade), que preveem o uso e a forma que será realizada a autocomposição 3. A
indisponibilidade do interesse público não impõe que o Poder Público não possa ou não
deva, em certas condições, submeter-se a pretensões alheias ou mesmo abdicar de
determinadas pretensões (TALAMINI, 2017, p. 84).
Mesmo porque, em uma nova visão da Administração Pública, vige a lógica do
consensualismo4, em contraposição ao tradicional autoritarismo do Direito Administrativo,
com uma nova forma de relacionamento entre a Administração e os cidadãos (SCHREIBER,
2014). Esta mudança, chamada de fenômeno da consensualização, de acordo com Luzardo
Faria (FARIA, 2019, p. 127), permite democratizar a Administração Pública e evitar que
atos arbitrários ocorram. Nas palavras de Fernando Dias Menezes de Almeida (ALMEIDA,
2012, p. 348), o consensualismo possui como principais características:
a) Abandono de um viés autoritário em benefício de um viés democrático, ante a
participação mais efetiva dos destinatários dos atos da Administração em sua
3
Também neste sentido, dentre os 87 (oitenta e sete) enunciados da I Jornada Prevenção e Solução Extrajudicial
de Litígios (agosto de 2016), publicados pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal
(CEJ/CJF), 20 (vinte) enunciados referem-se à aplicação da autocomposição na Administração Pública.
4
Para maior compreensão do tema, recomenda-se a leitura: POMPEU, Gina Vidal Marcílio; MARTINS, Dayse
Braga. A autocomposição de conflitos no contexto do neoprocessualismo civil e o princípio da
consensualidade. Scientia Iuris, Londrina, v. 22, n. 2, p.85-114, jul. 2018.
311
5
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, com as alterações decorrentes da Lei 13.655/2018,
prevê, em diversos artigos, a ponderação, enquanto medida otimizadora dos princípios, bens e interesses
constitucionais, e a impossibilidade de a Administração Pública decidir com base em valores abstratos, como
a simples arguição de indisponibilidade e a supremacia do interesse público. Como exemplo, merece destaque
o art. 20., que assim preceitua: art. 20 . Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com
base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.
Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação
de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.
6
De acordo com o Relatório Analítico da Justiça em Números de 2019, elaborado pelo Conselho Nacional de
Justiça, no ano de 2018, as despesas totais do Poder Judiciário somaram R$ 93,7 bilhões, que correspondem a
1,4% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, ou a 2,6% dos gastos totais da União, dos estados, do Distrito
Federal e dos municípios.
312
desde que não seja pagamento menor de benefício que preenche todos os requisitos legais
que garantem o direito social do indivíduo (TAKAHASHI, 2015, p. 78).
Venturi (VENTURI, 2016, p. 10) defende o relativismo conceitual da
indisponibilidade, em que, muito embora os direitos indisponíveis não comportem a
transação, quando há melhora na proteção e na concretização, há que se aplicar juízo de
ponderação para que, analisando a proporcionalidade e a razoabilidade da medida, seja
admitida a negociação.
As leis infraconstitucionais previdenciárias, preveem, em diversos artigos, a
possibilidade de transação. Conforme dispõe o artigo 1° da Lei 9469/97, é possível ao
Advogado-Geral da União, diretamente ou mediante delegação, autorizar a realização de
acordos ou transações para prevenir ou terminar litígios, inclusive os judiciais. A
competência delegada inicialmente ao Procurador-Geral Federal, é agora também delegada
aos procuradores de hierarquia inferior.
No âmbito dos Juizados Especiais Federais, é previsto no art. 2° da Portaria n° 109
de 2007, que os representantes das autarquias estão autorizados a transigir. Referido ato
normativo prevê, no artigo 3°, que a transação poderá ocorrer quando há erro administrativo,
reconhecido pela autoridade competente ou verificado análise das provas e dos documentos
que instruem a ação, ou quando inexistir controvérsia quanto ao fato e ao direito aplicado.
Há, ainda, a Portaria n° 915/09, que estabelece os limites de valor para a realização de
acordos.
Com diversas previsões e aplicação já implementada no ordenamento jurídico
brasileiro, a transação em processos previdenciários torna-se legítima. No entanto, clara é a
necessidade de que o acordo respeite os princípios autocompositivos e os princípios
constitucionalmente assegurados, principalmente no que tange à necessária conformidade
com o princípio da dignidade da pessoa humana e aos princípios que compõem o regime
jurídico administrativo, em especial a legalidade, a razoabilidade e a proporcionalidade.
Embora a autocomposição em que a Administração Pública é parte busque a
eficiência almejada na atuação administrativa, o INSS não pode simplesmente buscar
celebrar acordos que apresentem vantagem unicamente para a autarquia.
O que se vê, na prática, é que são propostos meros acordos de adesão ao particular,
com redução dos valores do benefício em até 80% e renúncia aos valores em atraso. Esta
postura impede a devida aplicação dos princípios da autocomposição voltados ao equilíbrio
de benefícios e o necessário diálogo entre as partes, uma vez que é benéfico apenas para a
315
autarquia e impede que o direito fundamental social seja assegurado com a maior efetividade
possível.
Respeitando o princípio da legalidade e o sistema de autocontrole, ao realizar a
autocomposição de litígios fundada em deveres impostos ao Estado, o reconhecimento da
legitimidade do benefício é nada mais do que o dever imposto ao INSS, como oportunidade
de rever a ilegalidade, ilegitimidade ou ilicitude (MOREIRA NETO, 2014, p. 254) realizadas
na negativa de benefício devido (TAKAHASHI, 2015, p. 77). O respeito ao princípio da
legalidade impõe à Administração Pública que, uma vez preenchidos os requisitos legais
para o recebimento do benefício, exista reconhecimento da garantia ao indivíduo.
A função realizada pela Administração Pública, aqui representada pelo Instituto
Nacional do Seguro Social, é voltada para a realização do alcance do interesse público, por
meio dos instrumentos definidos constitucional e infraconstitucionalmente (MELLO, 2015,
p. 29), refletindo na devida garantia à previdência social.
Presumir que o Estado deve propor acordos pensando em lógicas particulares de
lucro, sem ponderar a perspectivas de dever-poder quanto às garantias fundamentais, é, além
de ser incoerente com as propostas de Estado Social, contrário aos princípios da
autocomposição.
É claro que não se espera que sejam propostos acordos além dos valores realmente
devidos ao particular, sem que se defenda a pretensão de ir além daquilo que se encaixa
como legal e possível. Os acordos devem ser propostos de forma razoável, garantindo
segurança e estabilidade para que o particular confie no Estado.
No que tange ao direito de assegurar ao particular ampla gama de informações que
possibilitem a igualdade de condições técnicas quanto ao acordo, é necessário que sejam
asseguradas formas que permitam a ponderação consciente quanto à anuência ou
discordância do acordo proposto (TARTUCE, 2017, p. 7). Expor devidamente ao particular
os benefícios e prejuízos decorrentes da transação constitui dever que, desde os primeiros
momentos da conciliação, deve ser observado por todas as partes a fim de extinguir a
possível hipossuficiência técnica do particular em posição desfavorável em relação à
Administração Pública (DUQUE, 2014, p. 117). Ademais, é necessário ver o segurado como
colaborador, e não como adversário, na obtenção dos fins do Estado (DUQUE, 2014, p. 117).
Com a característica de direito fundamental social, que constitui dever imposto ao
Estado, é constitucional e legítima a transação realizada em matéria de previdência social,
desde que, respeitados os princípios do Estado Democrático de Direito e os princípios
316
II. CONCLUSÕES
Muito além de propor meros acordos de adesão com benefícios apenas para a
autarquia, com diminuição de valores e renúncia de valores em atrasos, o processo de
conciliação deve oferecer informações suficientes para que o particular consiga refletir
acerca dos benefícios e prejuízos da conciliação, para que garanta maior efetividade à
almejada proteção do direito fundamental.
REFERÊNCIAS
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DUQUE, Marcelo Schenk. Curso de Direitos Fundamentais: teoria e prática. São Paulo:
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319
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