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Organizadoras:

Karla Meura
Rochele Oliveira Silva
Evelin Ferreira

TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Porto Alegre, 2020


Copyright © 2020 by Ordem dos Advogados do Brasil

Todos os direitos reservados

COMISSÃO ESPECIAL DA IGUALDADE RACIAL


Presidente - Karla Meura
Vice-Presidente - Artemio Prado da Silva
Secretária-Geral Adjunta - Franchesca Rodrigues de Souza

Organizadoras:
Karla Meura
Rochele Oliveira Silva
Evelin Ferreira

Capa:
Carlos Pivetta

T248

Trajetórias da Advocacia Negra /Meura, Karla et.al (Orgs.). Ada Elise


de Araújo Leiria...[et.al] –. Porto Alegre: OAB/RS, 2020. 101p.
il.

ISBN online: 978-65-88371-02-2

1. Histórias Negras. 2. Advocacia Negra. 3. Biografia. I. Evelin


Ferreira, Karla Meura, Rochele Oliveira Silva. II. Título

CDU 929

Bibliotecária Jovita Cristina Garcia dos Santos – CRB 10/1517

O conteúdo é de exclusiva responsabilidade dos seus autores.


929

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL


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COOABCred-RS

Presidente: Jorge Fernando Estevão Maciel


Vice-Presidente: Márcia Isabel Heinen
SUMÁRIO

PREFÁCIO – Ricardo Breier .......................................................................................................7


APRESENTAÇÃO – Karla Meura, Artêmio Prado e Franchesca Souza ..........................................8
Ada Elise de Araújo Leiria.........................................................................................................9
Antonio Carlos P. Rosa ........................................................................................................... 12
Artêmio Prado da Silva .......................................................................................................... 15
Beatriz da Rosa Vasconcelos .................................................................................................. 18
Carlos Antônio Carvalho Santos ............................................................................................. 21
Daniela da Rosa..................................................................................................................... 22
Denilson José da Silva Prestes ................................................................................................ 24
Denise Teresinha Pedroso Zilch .............................................................................................. 27
Dorival Sebastião Ipê da Silva ................................................................................................ 30
Franchesca Rodrigues de Souza .............................................................................................. 33
Geisa Carmo da Silva ............................................................................................................. 35
Jurema Praxedes Tubias Quadros ........................................................................................... 38
Karla Regina Meura da Silva .................................................................................................. 42
Lucia Helena dos Santos ......................................................................................................... 47
Luis Alberto da Silva .............................................................................................................. 49
Luiz Alves .............................................................................................................................. 52
Maria do Carmo Santos da Silva ............................................................................................. 61
Mauren Lisiane Acosta Amaral............................................................................................... 65
Nereidy Rosa Alves ................................................................................................................ 68
Patrícia Alves Marques da Silva.............................................................................................. 71
Patricia de Aguiar Soares Nunes............................................................................................. 77
Patricia Oliveira ..................................................................................................................... 80
Renata Santos ....................................................................................................................... 83
Rochele Oliveira Silva............................................................................................................. 85
Romildo Marques da Rosa ..................................................................................................... 88
Tainara Caceres Rodrigues ..................................................................................................... 94
Tatiana dos Santos Schuster................................................................................................... 99
7

PREFÁCIO

É com grande satisfação que vemos ser entregue à sociedade gaúcha mais uma contribuição
envolvendo as Trajetórias da Advocacia Negra. Os relatos trazidos neste e-book realizado pela
Comissão Especial de Igualdade Racial (CEIR) da OAB/RS são fundamentais para termos a dimensão
das dificuldades encontradas por advogados e advogadas negras em suas caminhadas
profissionais. Ao mesmo tempo, registram trajetórias de superação e inspiração para novas
gerações.
A obra 'Trajetórias da Advocacia Negra' amplia o horizonte dos perfis trazidos no primeiro livro
publicado pela CEIR OABRS, intitulado '(Re) conhecendo Histórias Negras', onde foram registradas
52 figuras influentes em cinco áreas de atuação: direito, ciências, literatura, processo abolicionista
e política. Desta vez, são 18 advogados e advogadas que dão seu testemunho e enriquecem a
bibliografia da contribuição da advocacia negra no Rio Grande do Sul.
A leitura das histórias de vida emociona e, ao mesmo tempo, provoca a reflexão da permanente
necessidade de se assegurar espaços em busca da igualdade racial. Seja com colegas de Porto
Alegre ou do interior do Estado, é possível perceber traços de similaridade na superação de
obstáculos que existem em razão da questão racial. A questão do preconceito racial é um tema da
atualidade, basta ver a repetição de casos envolvendo negros na sociedade. Enfrentar e jogar luzes
sobre essa situação é papel fundamental exercido pela OAB/RS
São esses testemunhos verdadeiros e objetivos que reforçam a importância de termos dentro da
nossa Ordem a Comissão Especial de Igualdade Racial (CEIR). Embora relativamente nova, é uma
comissão com um grande protagonismo e propositora de grandes eventos e distinções dentro da
nossa instituição.
Em nome das organizadoras do e-book, Karla Meura, Rochele Oliveira e Evelin Ferreira e da
Diretora da Escola Superior da Advocacia da OAB/RS (ESA/RS), reconheço a valiosa contribuição de
mais esta obra. É preciso seguir abrindo espaços e enaltecer aqueles que contribuem e fazem a
diferença em suas áreas de atuação.

Boa leitura a todas e todos!

Ricardo Breier
Presidente da OAB/RS
8

APRESENTAÇÃO

A publicação desta obra tem o objetivo de potencializar o trabalho de valorização da Advocacia


Negra realizado pela Co-missão Especial de Igualdade Racial pela OAB do Rio Grande do Sul. Nossas
ações são resultado de uma diretriz implementada pelo Presidente Ricardo Breier, no sentido de
que a Instituição acolhe a Diversidade de forma ampla e democrática, repelindo o racismo, a
homofobia, o machismo e a xenofobia, assim como todas as formas de discriminação. Tendo em
vista de que a Ordem dos Advogados é a Casa da Cidadania, também é o lar daqueles que juraram
respeitar e defender os ditames da Constituição Cidadã.
Tomada de um ponto de vista individual, a trajetória da Advocacia Negra pode se resumir a um
esforço singular. Entretanto ela é muito mais do que isso. Em verdade cada Trajetória é o resultado
da união de esforços e competências de pessoas que vieram antes de nós. Cada advogada e
advogado negro traz consigo a responsabilidade de honrar as oportunidades que recebem como
fruto de muito trabalho, pesquisa, dedicação e perseverança que a coletividade investiu em nosso
crescimento pessoal e profissional.
Falamos de nossas avós e avôs, de nossos pais e mães, de tias e tios, madrinhas e padrinhos e toda
a ancestralidade que sempre nos desejaram uma vida melhor e com mais oportunidades do que
eles próprios tiveram.
O fato de podermos retratar nossas experiências de vida profissional nesta obra é uma forma de
testemunho de que eles tiveram pleno êxito em seus objetivos. E também nos dá a oportunidade
de agradecê-los. Também acreditamos que é uma forma de mostrarmos que a jovem advocacia
negra não está sozinha e que é importante caminharmos juntas e juntos para dar continuidade às
conquistas no Sistema OAB, visto que é crescente o número de Advogadas e Advogados Negros
em nossa Instituição. Pretendemos, assim, fortalecer o entendimento de que podemos ocupar
todos os lugares, seja nos Conselhos, nas Comissões, nas Presidências, nas Caixas da Assistência,
nas Escolas Superiores da Advocacia e nos demais departamentos da Ordem dos Advogados do
Brasil.
Acreditamos que a visibilidade da Advocacia Negra demorou a chegar a nossa Casa. Mas ficamos
felizes em estarmos vivenciando este momento, que tomou forma com a Co-missão Especial de
Igualdade Racial, que através de seu trabalho, busca dar forma ao preceito constitucional de
igualdade entre todas as pessoas. Através do trabalho da Co-missão, nós podemos atingir aquelas
pessoas mais necessitadas, assim como também podemos olhar por aqueles colegas negros que
encontram problemas para o desempenho de seu trabalho dentro dos órgãos que compõem o
Poder Judiciário.
Por fim, com imensa alegria, ressaltamos que o lançamento dessa obra se dá também em
comemoração ao aniversário de dois anos de criação da Co-missão Especial de Igualdade Racial da
OAB/RS. Que esta Comissão possa continuar prestigiada em seu trabalho, ajudando a democratizar
nossa Casa por dentro e por fora, e assim tornando cada vez mais visível o valor da Advocacia Negra
do Rio Grande do Sul. E assim escrevemos: “Co-missão” porque entendemos que fazemos parte de
uma ‘missão coletiva’ e de um projeto ancestral.
Desejamos uma excelente leitura, de muitos aprendizados com “As Trajetórias da Advocacia
Negra”.
Karla Meura
Presidenta da CEIR OABRS e Conselheira Seccional
Artêmio Prado
Vice-presidente da CEIR OABR
Franchesca Souza
Secretária Geral Adjunta da CEIR OABRS
9

RESISTIR PARA EXISTIR

Ada Elise de Araújo Leiria

Acadêmica do Curso de Graduação em Direito – PUCRS OAB/RS 51E666 -


E-mail: adaleiria@gmail.com

Meu nome é Ada Elise, tenho 36 anos, nasci e cresci em Porto Alegre, no Rio Grande
do Sul, sou estudante do curso de Direito, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul – PUCRS.
A minha trajetória acadêmica teve início em 2003, quando ingressei no curso de
Pedagogia, na Uniritter, mas devido às circunstâncias e das escolhas da vida o sonho de
concluir o curso superior ficou para trás.
Diante da busca por uma profissão e colocação no mercado de trabalho, decidi fazer
um curso técnico em enfermagem, concluí em 2011 e no mesmo ano fui contratada para
ocupar o cargo técnico na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. No decorrer do
exercício da minha profissão refleti sobre a minha capacidade para dar continuidade aos
estudos e pensei na graduação de Enfermagem, mas percebi que a área da saúde não era
a minha paixão.
Em 2012, ingressei no curso de Licenciatura em Ciências Sociais na PUCRS, porque
acreditava que a sociologia era a minha vocação, porém, no percurso do primeiro semestre
constatei que não. Diante dessa análise e reflexão, decidi solicitar a transferência interna
para outro curso e escolhi o Direito.
10

No início do curso de Direito, observei as semelhanças com o curso anterior, pois as


disciplinas introdutórias abordavam os fundamentos das Ciências Sociais e me deparei
novamente com o meu principal obstáculo, a dificuldade na leitura. Pensei em desistir
inúmeras vezes, mas prossegui. Esse é o meu caminho, hoje eu tenho certeza disso.
Em 2017, decidi abandonar a minha profissão como técnica de enfermagem para
acelerar e direcionar o foco na conclusão do curso de Direito, eu não consegui conciliar a
faculdade, trabalho e família. A autora Djamila Ribeiro1 se posiciona em sua obra referindo
que

Muitas vezes, casos de pessoas negras que enfrentam grandes dificuldades para
obter um diploma ou passar em um concurso público são romantizados.
Entretanto, ainda que seja bastante admirável que pessoas consigam superar
grandes obstáculos, naturalizar essas violências e usá-las como exemplos que
justifiquem estruturas desiguais é não só cruel, como também uma inversão de
valores. Não deveria ser normal que, para conquistar um diploma, uma pessoa
precise caminhar quinze quilômetros para chegar à escola, estude com material
didático achado no lixo ou que tenha que abrir mão de almoçar para pagar um
transporte.

No mesmo ano, me matriculei numa disciplina eletiva “Educação, Cultura, e


Relações étnico-raciais”, ministrada pela professora Dra. Leunice Martins de Oliveira, a qual
me inspirou a abordar sobre a temática racial no meu trabalho de conclusão de curso,
principalmente, por me representar como mulher negra dentro de um espaço que
raramente viabiliza a representatividade negra em seu corpo docente.
No final de 2019, apresentei o meu trabalho de conclusão como escopo principal a
análise da constitucionalidade inerente à Lei nº 12.990 de 2014, a qual reserva aos negros
20% (vinte por cento) das vagas oferecidas em concursos públicos, para provimento de
cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das
autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia
mista controladas pela União, visando a observar a eficácia da política pública e ação
afirmativa de promover a igualdade econômica e social, que viabiliza a inserção da
população negra na sociedade, sobretudo, dos critérios adotados para a garantia do direito
fundamental previsto no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, acerca do princípio da
igualdade. 2

1
RIBEIRO, Djamila. Pequeno Manual Antirracista. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. p. 47-48.
2
Artigo extraído como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, na Escola de Direito
da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, sob a orientação da Prof. Dra. Caroline Vaz.
11

Obtive ótimo resultado, o trabalho de conclusão do curso foi nota DEZ e o artigo foi
indicado à publicação. Foi um dia inesquecível e muito especial, pois recebei o apoio dos
meus familiares e de pessoas amigas, que estavam presentes naquele momento.
Naquele dia, eu pude compreender de fato o verdadeiro significado da palavra
RESISTÊNCIA, falar sobre a nossa história reafirma a luta e a força que vem da nossa
ancestralidade.
Entretanto, precisamos reforçar cada vez mais a importância da abordagem sobre
os temas raciais dentro da academia, o racismo não pode ser tratado como tema
secundário, ele precisa ser debatido constantemente e com urgência, principalmente no
cenário atual em relação à pandemia de COVID-19, que acentuou o racismo no Brasil e em
outros países no mundo.
Nesse seguimento, aproveita-se dos ensinamentos de Silvio Almeida3 que expõe:
[...] o racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do
modo “normal” com que se constituem as relações políticas, econômicas,
jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia social e nem um
desarranjo institucional. O racismo é estrutural. Comportamentos
individuais e processos institucionais são derivados de uma sociedade
cujo racismo é regra e não exceção.

A pandemia do novo coronavírus trouxe os desafios da adaptação de rotina e muitas


incertezas para a maioria das pessoas, inclusive para mim, que também tive os planos
frustrados e com a suspensão das aulas presenciais tive que me adequar à modalidade do
ensino a distância, mas diante da dificuldade na aprendizagem decidi cancelar algumas
disciplinas.
Enfim, tive que superar as inquietações acerca dos preparativos para a formatura,
das incertezas sobre a previsão do próximo exame da Ordem dos Advogados Brasil,
sobretudo da minha perspectiva sobre o meu futuro profissional.
Resistir para existir. A luta ainda não acabou! “Sempre que penso em Zumbi dos
Palmares, reafirma-se a minha confiança na história, na capacidade do tempo de rever e
recontar a história, em aliança com os seres humanos sinceramente empenhados na busca
da verdade. ” (CARNEIRO, 2011, p. 103).4

3
ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019. p. 50.
4
CARNEIRO, Sueli. Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 2011. p. 103.
12

ENSAIOS

Antonio Carlos P. Rosa


Coordenador da Comissão Especial da Igualdade Racial da Subseção
OAB/RS Pelotas da OAB/RS, Pelotas.

Sou Antonio Carlos, advogado, preto, Coordenador da CEIR da OAB/RS, Pelotas.


Minha cidade foi um dos berços escravagistas da região sul.
Me formei na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pelotas no ano de
2004, em uma turma composta por 42 (quarenta e dois) formandos, na qual eu era o único
preto.
Em 2005 fui aprovado no Exame da OAB, mas, somente pude passar a exercer a
advocacia em 2011, quando me aposentei na carreira pública de Escrivão de Polícia da
Polícia Civil do Rio Grande do Sul.
Avalio que o reconhecimento de minha trajetória como advogado representa o
rompimento abrupto com o processo de submissão ao regime de trabalho braçal que fez
parte de todas as gerações de minha família paterna e materna, nas quais, até então, a
regra era “ter um trabalho”. Meu pai era pedreiro e músico e minha mãe, transitava entre
as lides e do lar, empregos como doméstica, faxineira e trabalhadora safrista.
Fui o primeiro de todas as gerações de minha família (paterna e materna) a ingressar
e concluir o ensino superior.
Reconheço que a minha caminhada profissional na advocacia foi bastante
impulsionado por minha trajetória anterior no serviço público, mais precisamente, no
Corpo de Bombeiros e também na Polícia Civil Gaúcha.
13

Tal circunstância me concedeu certa bagagem funcional um pouco diversa daqueles


advogados negros iniciantes na carreira, pois estava vindo de ambientes onde o racismo se
fazia presente, rotineiramente, nos quais haviam apenas duas escolhas: enfrentar ou
silenciar. E minha escolha foi sempre a primeira alternativa.
E essa opção me rendeu algumas intercorrências profissionais, em especial, na
carreira interior, dentre elas, uma ameaça de demissão do serviço público, por um
delegado de polícia, após eu ter afirmado, durante uma discussão a respeito de trabalho,
que “a escravidão já havia acabado no Brasil”, que respondeu nos seguintes termos: “vou
dar um jeito de botar esse negro ‘pra’ rua da polícia, por me desrespeitar. ” Não conseguiu!
Digo isto, para concluir que a advocacia já estava em mim, escondida naquela
“rebeldia sadia”, por essa sede de justiça social que eu não entendia muito bem, até
determinado momento da minha trajetória.
E ao longo dos anos, em contato com a juventude negra da minha cidade, em
especial, os jovens da ONG ODARA, os meninos da Escolinha de Futebol “Moleques de
Vila”, além de jovens estudantes de escolas públicas e de nossas universidades locais, fui
me dando conta da importância desta representatividade personificada na minha presença
nestes espaços.
Isto me trouxe uma consciência e amadurecimento a respeito da importância da
minha presença, enquanto advogado, seja na comunidade propriamente dita, seja nos
espaços públicos ou privados, nos quais os pretos, infelizmente, ainda se fazem ausentes,
a exemplo de nossos tribunais e outros tantos lugares.
Interpreto que antes de mim, outros pretos se doaram, literalmente; muitos
perderam a vida, para que a minha geração pudesse chegar até aqui.
Sendo assim, entendo que nosso processo evolutivo, nos próximos tempos, nos
permitirá caminharmos no sentido de nos colocarmos, tanto na advocacia, como em outras
tantas áreas do conhecimento, na condição de maioria.
E exemplificativamente, a imagem acima, relativa à Faculdade de Direito da UFPel,
nos demonstra esse caminho. Já não somos mais apenas um acadêmico preto, por turma;
estamos chegando, e chegando em massa, com o objetivo de ocupar os espaços que nos
foram negados.
14

Temos muito ainda a conquistar, em termos de reconhecimento e para isto,


entendo que a advocacia negra precisa trabalhar unida e sintonizada, de forma que as
diferenças de pensamentos e opiniões de natureza pessoais, sejam encaradas
positivamente, no sentindo de crescimento e amadurecimento conjunto, para que todos
possamos, efetivamente, evoluir em todos os aspectos pretendidos, pois afinal, nossa
filosofia é UBUNTU.
Antonio Carlos P. Rosa
Advogado militante, formado em Direito pela Faculdade de Direito da UFPel, em
2004;
Especialista em Educação e Relações Étnico-Raciais pela Faculdade de Educação da
UFPel;
Membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil –
Subseção de Pelotas, gestão 2016/2018.
Ex-Presidente do Núcleo Regional da UGEIRM Sindicato dos Escrivães, Inspetores e
Investigadores de Polícia do RS;
Sócio Fundador da ONG ODARA – Centro de Ação Social Educacional, Social e
Cultural; Membro da Comissão de Hetero identificação da UFPel, 2016/2017. Escrivão de
Polícia, aposentado, da Polícia Civil do RS.
.
15

ENSAIOS

Artêmio Prado da Silva

Formado em Ciências Jurídicas e Sociais na Universidade Federal do Rio


Grande do Sul em 23 de dezembro de 1987, e inscrito na Ordem dos
Advogados do Brasil Secção Rio Grande do Sul em 1988. Advogado
Civilista, e atual Vice-Presidente da Comissão Especial de Igualdade Racial
da OAB/RS. Inscrito OABRS 25.211

O que representa o reconhecimento de minha trajetória como um advogado negro


para você, para a comunidade e para a sociedade?
Para responder a esta questão, eu preciso retornar ao momento em que decidi fazer
o Curso de Ciências Jurídicas e Sociais, e me tornar especificamente um advogado.
Basicamente a Advocacia é aquele ramo do Direito que nos dá uma visão ampla das
formas de relações que permeiam e movimentam a vida em sociedade. O que nos leva a
ter um sentimento do quanto as pessoas têm suas vidas tocadas e influenciadas quando
ocorre o entrechoque de suas pretensões com as pretensões de seus semelhantes.
Naquele momento em que termina o direito de um e começa o direito do outro.
E no meio desse fenômeno social, o Advogado surge como o agente que vai
representar o indivíduo na busca do seu direito perante a Justiça. O advogado é um
elemento ativo, que na representação de seu cliente, ele provoca Poder Judiciário (Juiz), o
que vai desencadear a Relação Processual.
16

Diferentemente de Juízes e Membros do Ministério Público, o Advogado não está


inserido em uma redoma de vidro, vivendo numa realidade virtual, onde se acredita que
vivemos num Conto de Fadas, onde o mundo é perfeito.
Nós vivenciamos a dura realidade da vida no Brasil. Onde as injustiças sociais
permeiam todos os principais campos do direito. Seja nas áreas Cível, criminal, trabalhista
e previdenciária. Na prática a lei não é igual para todos e o acesso à Justiça é por demais
oneroso. As pessoas mal possuem renda para se alimentarem, para tratarem de sua saúde,
para se locomoverem, para sustentarem seus filhos, quanto mais para buscarem seus
direitos perante o Judiciário.
As pessoas das quais eu me reporto são as pessoas pobres e dentre estas, a maioria
é a População Negra.
Um grupo social invisível perante as autoridades dos Poderes Executivo, Legislativo
e Judiciário de União, Estados e Municípios.
Nossa população apesar de ser a maior em termos populacionais, não possui a
menor representatividade nas esferas de poder em nosso país. E isto contribui para o
aumento abissal da desigualdade no Brasil, o que se reflete de forma ainda mais acentuada
no Estado do Rio Grande do Sul, onde está chaga social se mostra ainda mais acentuada.
Esta chaga tem um nome, Racismo. E ele é resultado dos 400 anos de escravidão
impostos aos negros trazidos a este país e que apesar de contribuírem com seu sangue
literalmente, para impulsionar seu desenvolvimento. Os mesmos foram “libertos”, ou seja,
forma simplesmente largados na natureza, o que sedimentou a marginalização dos negros
e cujos reflexos são sentidos até os dias de hoje.
O que me levou a abraçar a Advocacia foi a possibilidade de poder ajudar meus
irmãos, e todas aquelas pessoas que precisam buscar seus direitos, e que por sua condição
não são ouvidas por outros profissionais do Direito, e mesmo por Defensores Públicos, mas
que apesar do descaso, merecem reclamar seus direitos.
E como advogado negro, eu me sinto no dever de procurar ajudar a todas as pessoas
que buscam por ajuda profissional, conselhos e muitas vezes até para uma palavra amiga.
Eu procuro não apenas ajudar, como estimular as pessoas a lutarem por seus objetivos. E
se no processo, eu posso inspirá-las, é algo muito gratificante.
17

Mas nem tudo são flores, existem os espinhos... O fato de sermos negros e por
atuarmos numa profissão predominantemente branca, nos deparamos com o Racismo
dentro do Poder Judiciário. E que nos aborda desde o momento em que entramos nos foros
ou tribunais, até o momento em que somos atendidos nos cartórios ou secretarias. O Poder
Judiciário não sabe lidar com advogados negros, e nisso se incluem estagiários,
terceirizados, funcionários, juízes e desembargadores. Necessário se faz um treinamento
educacional de combate ao racismo para membros e funcionários do Judiciário.
Em relação ao nosso Órgão de Classe, eu não me sentia acolhido pela Casa da
Cidadania. Não via na OAB/RS, um catalisador da Advocacia Negra. Porém esta visão
mudou em 2018, quando o Presidente Ricardo Breier criou a Comissão Especial de
Igualdade Racial, que tem como primeira Presidente a Dra. Karla Meura.
No primeiro semestre de 2019, após conversar com a Dra. Karla, eu fui conhecer a
Comissão, de forma totalmente despretensiosa, e hoje estou vice-presidente, e pude ter a
oportunidade de conhecer colegas maravilhosos, e que me acolheram de forma muito
afável. E começamos a desenvolver um trabalho de forma promissora, em perdermos a
consciência de que estamos no começo e que muito ainda deve ser feito.
A partir do momento em que começamos a nos tornar visíveis dentro da OAB/RS,
sendo que o processo ainda não está completo, mas estamos caminhando para concluí-lo.
Penso que este pode ser o começo do nosso reconhecimento como profissionais do direito,
consequentemente como advogados negros dentro da comunidade da advocacia, e
perante nossa sociedade.
É uma porta que se abre, porém ainda temos um caminho a fazer para que este
conhecimento seja pleno. Acredito que ele estará completo quando formos visíveis e
reconhecidos pelos outros elementos formadores do Poder Judiciário, como juízes,
promotores, e outras autoridades.
Ou seja, quando formos efetivamente reconhecidos como advogados e respeitados
como tal independente da corda pele e do sexo.
18

ENSAIOS

Beatriz da Rosa Vasconcelos


Advogada negra e feminista, formada pela URCAMP, em Bagé. OABRS-
22018.

Advogo há 35 anos. Pautei minha vida profissional na perspectiva dos direitos


humanos, trabalhando com os temas de gênero, raça e acesso à Justiça.

Nasci numa família de trabalhadores: meu pai era operário e minha mãe
eratrabalhadora doméstica. Com o esforço do trabalho, eles oportunizaram estudos para
suas duas filhas, uma formou-se emDireito, a outra, em História. Poucas mulheres negras
da minha geração tiveram a chance de estudar eexercer a advocacia. Assim, minha ação
política se focou na defesa dos/dasexcluídos/das.
Ao longo da vida, tive a oportunidade de trabalhar em organizações sociais eem
órgãos governamentais. Trabalhei no Sindicato das Trabalhadoras Domésticas,onde
prestei assessoria jurídica por sete anos.
Na organização feminista Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos, euacolhia
e ajuizava ações de mulheres em situação de violência doméstica,moradoras da periferia
de Porto Alegre. Nessa instituição não governamental, também participei do programa
de formação das Promotoras Legais Populares (PLPs). Essas lideranças comunitárias
femininas, mulheres pobres e mestiças,recebem formação em Direito para a qualificação
do ativismo social e a atuação em redede solidariedade.
Minha prática advocatícia foi sendo direcionada para a defesa das trabalhadoras
19

domésticas e de mulheres populares em situação de violência, em sua maioria mulheres


negras.Em 2014/2015,coordenei o projeto - TrabalhadorasDomésticas: construindo
igualdade no Brasil -, realizado em oito capitais brasileiras, com oobjetivo de fortalecer
os sindicatos da categoria
frente à nova legislação,que estendia direitos aostrabalhadores e às trabalhadoras
domésticas, equiparando-os as demais categorias profissionais.
Na esfera governamental, trabalhei na equipe técnica da Ouvidoria da Segurança
Pública do Rio Grande do Sul. A função era o atendimento às pessoas vítimas de abusos
cometidos pelas polícias civil e militar, em sua maioria, jovens negros e pobres.

Na Secretaria Municipal de Segurança Pública de São Leopoldo prestei assessoria


jurídica e atuei na formação em direitos humanos para a Guarda Municipal e no
atendimento à população vitimada pela violência. No Ministério Público do Rio Grande
do Sul (MP/RS), trabalhei no Centro de Apoio e Operações de Direitos Humanos e na
Promotoria da Violência Doméstica e Familiar.

Em paralelo a minha atividade profissional, desenvolvo ações de formação


política com comunidades periféricas.Com o Centro Ecumênico de Cultura Negra
(CECUNE), ministrei cursos para mulheres negras, em escolas no Rio Grande do Sul. Com
o Instituto de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (IDHESCA),
participei de atendimentos aos familiares de presos junto à Promotoria de Controle e
Execução Criminal (MP/RS). Com o Movimento de Consciência Negra Palmares de São
Leopoldo atuei na assessoria jurídica para vítimas de racismo e crianças e adolescentes
em situação violência e vulnerabilidades.

Atualmente, faço parte do Instituto AKANNI de Pesquisa e Assessoria em Direitos


Humanos, Gênero, Raça e Etnias. A entidade desenvolve projetos de prevenção de
violência racista e de gênero, especialmente junto a escolas, no fortalecimento de
políticas afirmativas, na garantia de direitos aos quilombolas e no apoio aos refugiados
de origem africana e centro-americana.

O meu trabalho cotidiano tem sido sistematicamente realizado para estabelecer


dignidade entre homens, mulheres e crianças, diminuindo asdesigualdades econômicas
e sociais e promovendo os direitos humanos enquanto plataforma de garantia de
20

políticas de promoção de equidade com respeito às diferenças.


21

ENSAIOS

Carlos Antônio Carvalho Santos

Me formei em na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica, no ano


de 1976.
Iniciei minha carreira com o Dr. Obede Vianna quando ainda não estava formado,
sendo estagiário. Após a formatura ingressei no escritório como sócio. Foi um passo
importante e que me encorajou a seguir incentivando outros colegas a investirem na
advocacia.
Sempre atuei com foco nas áreas trabalhista e do Direito da Família. Lembro que
1990 o cenário da advocacia era muito favorecido pela conjuntura do país, eu recebia em
dólares, inclusive. Desde minha formação o escritório sempre foi localizado no bairro
Santana, na Cidade de Porto Alegre/RS.
Já estou totalizando 44 anos de atuação na profissão. Já aposentado, permaneço
exercendo minhas atividades com a mesma dedicação e empenho de sempre. Destaco que
sempre tive muito carinho e atenção por meus clientes, mesmo fora do horário comercial,
quando eventualmente necessário.
22

ENSAIOS

Daniela da Rosa
OAB/RS 71.236

Sou Daniela da Rosa, filha de Eloir Oscar da Rosa e Vera Maria da Rosa, a caçula entre
quatro irmãos, e talvez por isso, a única que pode escolher fazer um curso de nível superior,
pais de profissão pedreiro e empregada doméstica, com pouca escolaridade, mesmo com
as dificuldades financeiras que enfrentaram sempre acreditaram e apoiaram o meu sonho.
Com muito esforço cursei graduação na Unisinos ingressando no ano 2000, colando
grau em 2006/2, regressei a minha cidade em Capão da Canoa e no ano de 2009 montei
meu próprio escritório na casa de meus pais, de forma muito simples, mas com muita
coragem empreendi em carreira solo na profissão da advocacia, vencendo todos os
obstáculos financeiros, preconceitos raciais e sociais.
A cada vitória processual, a cada novo cliente sentia que honrava a minha
ancestralidade pois muitos deram a sua vida na formação da nossa sociedade brasileira e
que até hoje ainda é negado a nossa história e o reconhecimento da nossa fundamental
participação na construção do nosso país.
No ano de 2015, desejando ampliar a área de atuação fui buscar parceria em outros
escritórios, oportunidade em que fui trabalhar com o colega Miguel Glashorester Severo,
23

ex presidente da OAB subseção de Capão da Canoa, de quem recebi importante incentivo


para participar do sistema OAB/RS, começando então a minha trajetória fui conselheira na
gestão de 2015, assumi a presidência da Comissão da Mulher Advogada da OAB subseção
Capão da Canoa em 2016, dois anos depois, para minha surpresa fui convidada pela futura
candidata, na época à Presidência da subseção Rosana Brogni para ser vice-presidente.
Eleitas então, chego hoje como Vice-presidente da subseção, superando muitos desafios,
mas com muito orgulho do trabalho que desenvolvo no escritório e junto a sociedade
dentro do sistema OAB, agradeço imensamente esta instituição que muito se dedica a fazer
o seu papel enquanto defensores da cidadania colocando em prática atitudes antirracistas
construindo ações para a visibilidade da advocacia negra.
24

A TRAJETÓRIA PROFISSIONAL E A DESCONSTRUÇÃO RACIAL EM NOSSA SOCIEDADE

Denilson José da Silva Prestes


OAB/RS 35.465

Quando se fala em trajetória profissional, inegável lembrar que durante toda a


minha formação, o fato de ser o único negro entre o restante dos estudantes nos bancos
acadêmicos, já me remete ao enfrentamento das dificuldades que pautariam a minha
caminhada profissional.
Nesse processo de qualificação, busquei no mundo acadêmico e com vistas a galgar
futuramente no âmbito profissional, um concurso vestibular em um dos cursos mais
concorridos, o Curso de Ciências Jurídicas e Sociais- Direito.
Registre-se, que nessa trajetória fui desbravando corajosamente os espaços aos
quais almejei conquistar, pois como disse anteriormente, ainda vivemos em uma sociedade
que discrimina e que exclui um grande número de pessoas negras. E neste cenário, em
busca de uma qualificação profissional, não é diferente ressalta-se aqui os gestores de
25

empresas, calcados com animus preconceituoso e racista no qual alijam os profissionais


negros do mercado.
Nesse diapasão, para citar dados de acordo com o Censo Jurídico 2018, os
advogados negros representam menos de 1% do corpo jurídico em grandes escritórios
ressaltando que estamos falando de um país onde a maioria da sua população é composta
por negros (60%).
Todavia, algumas vezes, ouvi pessoas dizerem que eu não tinha cara de advogado,
ou me confundirem com alguém que trabalha no escritório em qualquer outro cargo, ou
então me questionei qual a cara que deve ter um advogado diante a sociedade? Somente
brancos são capazes de ocupar determinados cargos? Onde está a diferença? Na nossa
capacidade como indivíduo? No nosso intelecto? Ou será que a cor5 da nossa pele explica
com maior clareza essa discriminação? Estas são algumas provocações que divido com
vocês.
Neste triste cenário, ao que parece está longe de deixar atingir nossa comunidade
negra, e porque refiro isto! Faço esta afirmação, pois se depreende que diariamente fatos
como este referido anteriormente, acontecem diariamente em todos os rincões do Brasil,
nas empresas, e inclusive em nossos Tribunais!
A repercussão dessas ponderações na ordem jurídica e social, são reais e bem
comuns ainda nos dias atuais. Neste contexto, sempre pautei com objetivos bem definidos,
finalizei minha graduação e segui meus estudos com pós-graduação e mestrado, sempre
me atualizando em cursos de extensão até o presente momento!
Não resta dúvida, e acima de qualquer dificuldade que tenha cruzado em minha
vida profissional, jamais pensei em desistir! Desta forma, é preciso que persistamos e que
possamos conscientizar a juventude, os universitários, aqueles que estão iniciando uma
carreira, que apesar de nossa luta ser um tanto árdua pelo reconhecimento dos nossos
direitos, ela só é capaz de ser vencida através da nossa persistência, da nossa voz em
espaços que ainda hoje são reduzidos, como os cargos de maior visibilidade e ascensão
profissional nas organizações.

5
Ao reduzir o corpo e o ser vivo a uma questão de aparência, de pele e cor, outorgando a pele e a cor o
estatuto de uma ficção de cariz biológico, os mundos euro-americanos em particular fizeram do negro e da
raça duas versões de uma única e mesma figura։ a da loucura codificada. (Miriam Eliav-Feldon, Benjamin Isaac
e Joseph Ziegler, The Original of Racism in the West, Cambridge University Press, Cambridge, 2009. (Grifei).
26

Sob este ângulo, fundamental conhecer sobre as relações raciais no Brasil e no


mundo para questionar e atuar de maneira mais contundente para desnaturalizar os
lugares raciais de cada grupo: Estado no sentido macro, Sociedade e no Poder Judiciário. A
resiliência e resistência fazem parte da minha caminhada profissional! A minha luta
continua sim, e a sua?
27

ENSAIOS

Denise Teresinha Pedroso Zilch

Toda história tem um início, um porque, como diz Mano Braw, tudo começa com
"um motivo para". Eu posso dizer que meu motivo foi descoberto com 12 anos, enquanto
fazia a 6º série do ensino fundamental.
Até então, eu era a única filha mulher, da família negra, pobre, periférica, sem
qualquer histórico de estudo ou diplomas. Meu pai pedreiro sempre trabalhou
incansavelmente para dar o melhor para os três filhos, mesmo não tendo tudo que
desejamos tínhamos o suficiente para viver. Minha mãe dividia o tempo das faxinas com a
educação dos filhos.
Sempre frequentei escola pública e posso dizer que gostava de me dedicar aos
estudos. Com 11 anos comecei a trabalhar como baba e auxiliar a mãe nas faxinas,
enquanto meus irmãos já estavam puxando carrinho nas obras junto com o pai. O estudo
sempre foi prioridade lá em casa.
Com 12 anos, uma professora de chegou pra mim e perguntou que profissão
gostaria de seguir, eu fiquei sem resposta, porque até aquele momento, pra minha
realidade, não tinha essa história de profissão, o importante era trabalhar para sobreviver.
Depois de plantar essa sementinha, a mesma professora começou a me incentivar
de várias formas. Descobri então a facilidade na escrita, na fala e na comunicação, que me
levou a objetivar a profissão de repórter. A partir daí, meu sonho estava direcionado para
o Jornalismo, mesmo sem ter qualquer noção do caminho a ser percorrido.
28

Me formei no ensino médio, já com emprego fixo (na área administrativa de um


hospital), podendo então arcar com as mensalidades de uma faculdade. No mesmo ano fiz
a prova do Enem e prestei vestibular para a tão sonhada habilitação em jornalismo. Nesta
época o direito era a penúltima opção de uma lista de cinco possíveis graduações.
Ao receber uma boa pontuação na prova e me inscrever na universidade, pelo
sistema de cotas para pardos e negros, acabei conseguindo uma bolsa integral, justamente
para direito.
Enquanto a família e amigos próximos vibraram com tudo isso, eu só conseguia
alimentar a dúvida: ir atrás do sonho ou fazer uma faculdade sem custo?
E nesse momento a razão falou mais alto, iniciei no direito no ano de 2006.
Alguns meses depois acabei perdendo o emprego e iniciei os estágios em vários
escritórios e órgãos públicos da Cidade. Tudo isso agregou muito conhecimento,
experiências e me fez apaixonar pela carreira.
Nesse meio tempo teve casamento, filhos, mudanças, novos empregos e alguns
semestres interrompidos. Lembro muito bem dos dias que chegava em casa as 18 horas,
depois de um do trabalho, pegava meu filho no colo enquanto comia qualquer coisa e em
meia hora estava embarcando no ônibus até a universidade.
Nessa época, minha forca vinha da minha rede de apoio: marido, pais, sogra. Eu
tinha motivos para ir além.
Diferente dos filmes, a Universidade não era um lugar alegre, de sorrisos, festas e
muitos amigos. Eu era a única negra da sala, isso por longos semestres, nunca me encaixei
nos grupos dos nerds, dos festeiros, dos almofadinhas, das modeletes, dos zoeiros ou dos
zuados. Era simplesmente eu, só queria aprender e terminar tudo aquilo.
Em 2015 eu estava planejando meu último ano: conciliar trabalho, estágios e
projeto de TCC. Então descobri minha terceira gravidez, um grande susto, agora mais do
que nunca precisa me formar.
Em um surto, nada heroico, resolvi conciliar em um semestre, trabalho, filhos,
casamento, estágios, ultimas disciplinas da graduação (as 6 que ainda faltavam) projeto de
tcc e tcc, e ainda, a prova da ordem; resumindo, me formei em agosto de 2015, grávida de
seis meses.
Foram lágrimas de alegria, alivio e orgulho. Nunca vou esquecer meu pai e minha
mãe sentadinhos na primeira filha, com uma rosa na mão, acompanhando cada passo. A
única formanda da família que se tem notícia.
Minha mãe, sonhadora, sempre dizia que depois da formatura tudo ia melhorar,
mal sabia ela (e eu também) que este seria só a primeira batalha.
Trabalhava em um bom escritório, mas como de praxe em início de carreira, a rotina
era massante, o salário era baixo e a valorização, zero.
29

Um ano depois da formatura, uma amiga fez uma proposta de sociedade, um


escritório próprio, no início relutei, afinal, a minha zona de conforto incluía a estabilidade
de um emprego fixo.
Em uma das nodas conversas (eu razão, ela emoção), chegamos a conclusão que
nosso objetivo era o mesmo, não queríamos enriquecer na advocacia (utopia?), mas
sermos reconhecidas, entrar em uma sala de audiência e ser reconhecida pelo nosso
trabalho, ter uma cartela de clientes suficientes para os boletos do final do mês.
Arriscamos. Essa foi minha "virada na chave". Em junho de 2016, as duas recém-
formadas, sem um pila no bolso, abriram as portas do escritório.
Nestes quase cinco anos, posso dizer que alcançamos nosso primeiro objetivo, ser
reconhecidas pelo nosso trabalho. Ainda tenho muitos objetivos pessoais e profissionais e
toda essa trajetória tem possibilitado sonhar com voos mais altos.
A menina de 12 anos nunca imaginou estar neste lugar hoje.
Ingressar nesse mercado jurídico (com padrões ainda de branquitude e nobreza,
dotado de ternos, saltos e escritórios luxuosos) não e fácil, é um choque de realidade, mas
tudo isso se torna necessário ao processo de reconhecimento e fortalecimento, tanto
pessoal, como coletivo.
Sou sim uma advogada negra, em início de carreira, com muitos sonhos já realizados
e uma lista gigante de objetivos. O que desejo é que a minha história, como a de muitos
outros, sirva de inspiração para meninas e meninos negros, de família pobre, de escola
pública, bolsistas e cotistas.
Nossa trajetória pode até ser invisual a alguns olhos, mas as marcas deixadas no
caminho são permanentes.
30

ENSAIOS

Dorival Sebastião Ipê da Silva

Não há como reconhecer quem sou hoje sem observar quem fui no passado. Meu
nome é Dorival Sebastião Ipe da Silva, nascido no dia 08.11.1953, em Linha Capão - Distrito
de Vila Tereza - Santa Cruz do Sul, hoje município de Vera Cruz. Sou filho de pessoas
admiráveis que não tinham estudo nem "letramento", mas tinham muita sabedoria.
Até vir para a capital do Estado, não havia completado o Ensino Fundamental
(antigamente conhecido como primário). Até aquele momento, trabalhei na lavoura, na
roça, plantando e colhendo fumo, milho, mandioca, etc. Trabalhei como jardineiro e
fazendo hortas até os anos de 1967/68. Depois, como servente de obras (construção civil),
bem como em uma funilaria como auxiliar. Em janeiro de 1971 passei a servir o Exército,
onde permaneci pelo período de dois anos e quatro meses.
Durante aquele tempo, aprendi lições importantíssimas para minha vida,
principalmente pela base firme, elogiável e destemida recebida do meu pai, um analfabeto
no sentido literal, mas um "doutor" de fato, um homem inteligente, agregador,
aconselhador, uma verdadeira autoridade, que encontrou no MOBRAL uma forma de me
motivar a estudar ao frequentá-lo.
31

Já em Porto Alegre em 1974, indicado para trabalhar em uma metalúrgica por


possuir em meu currículo um cursinho de Mecânico Ajustador, terminei a escola através
do Supletivo (atual EJA), no Colégio Ana Neri, no bairro Parque São Sebastião. Além disso,
possuía no meu currículo um certificado de Técnico de Enfermagem. Diante dos problemas
de segurança do trabalho existentes na empresa na qual trabalhei, de "peão de fábrica”
virei enfermeiro. Em seguida, passei a exercer os cargos de Assessor de Recursos Humanos
e, por fim, Gerente de Recursos Humanos.
Conto toda essa história, parte de uma sofrida caminhada, para dizer que aprendi
sobre pessoas antes mesmo de aprender sobre Direito. Logo, eu aprendi muito, apesar de
todo esse conhecimento não ser passível de constar em um currículo.
Em 1993 iniciei a graduação em Direito na UNISINOS e em janeiro de 1999 colei
grau, aos 45 anos de idade. Na época, eu já era casado e pai de três filhas. Logo, eu não sou
um Advogado que se formou cedo e contou com o tempo a seu favor – sou um Jovem
Advogado.
Existe um detalhe que não explicitei: eu sou negro. Minha cor é um detalhe, mas
infelizmente é um critério de exclusão. Ao olhar para trás, percebi que eu era o “único
negro”, seja porque num determinado tempo exerci cargo administrativo, seja porque, de
um momento para outro, passei exercer um alto cargo na empresa na qual trabalhei por
muitos anos, e as circunstâncias exigiam de mim compromissos diversos daqueles
comumente proporcionados às pessoas da minha cor.
Não foi diferente na graduação, ou na OAB - Subseção de Cachoeirinha/RS, onde
fui Secretário Geral e Presidente – cargo exercido por três mandatos consecutivos.
Também vivo essa situação no Conselho Estadual da OAB/RS, estando, hoje, no meu
terceiro mandato. Importa registrar minha gratidão ao Presidente Ricardo Breier por ter
dado este importante pontapé inicial visando o debate quanto à questão racial, tendo sido
criada, em sua gestão, a Comissão Especial da Igualdade Racial.
Não é fácil se sentir solitário nos lugares, principalmente porque as pessoas que
estavam no meu entorno não compreenderiam o quanto a caminhada foi mais difícil em
decorrência não da minha cor, mas do racismo alheio. Além disso, eu estava ciente de que,
para muitos, a minha presença nos locais bastava. “Não somos racistas, o Ipe está aqui”.
“Eu não olho cor, eu até tenho o Ipe como amigo”.
32

A verdade é que se eu estou solitário, então somente a minha presença nos espaços
não basta. Aceito ouvir frases como “o Ipe foi o primeiro presidente negro da Subseção de
Cachoeirinha”, mas não quero mais ouvir que sou o único.
Tenho orgulho da minha trajetória, pois sei o quão difícil foi chegar até onde estou.
Fico feliz de saber que garanti às minhas filhas melhores condições para alcançarem os seus
sonhos de forma menos sofrida e tardia. Emociono-me ao ouvir que inspiro pessoas, e que
querem me ouvir.
Porém, não estou satisfeito. Quero que os advogados negros da nova geração não
precisem se arrumar mais que os advogados brancos para que não sejam confundidos com
os réus dos processos. Quero que sejam igualmente ouvidos e considerados, como
profissionais e como pessoas. Não quero que se sintam solitários nos espaços.
Apesar de tudo, meu prognóstico é positivo. A juventude negra está se fazendo
ouvir, e está adentrando nos espaços. Com as cotas, creio que ganharão o tempo que eu
não tive. Vejo uma advocacia negra no futuro mais forte que a atual, o que me faz sentir
esperança. O momento que vivemos hoje me dá substrato para pensar assim.
33

TRAJETÓRIA INSTITUCIONAL

Franchesca Rodrigues de Souza

Meu primeiro contato com a instituição OAB/RS foi através de um estágio que
realizei no Tribunal de Ética e Disciplina durante o período de 16/07/2012 a 04/06/2013.
No estágio desempenhei muitas atividades, mas a que mais gostava era secretariar as
audiências de instrução para adentrar nos detalhes de cada caso. Foi um período de muito
aprendizado, no qual pude aprofundar meu conhecimento sobre o código de ética e
estatuto da OAB, infelizmente, precisei interromper o estágio para cursar estágio
obrigatório da faculdade durante período integral no Foro da Restinga.

Durante todo o período da graduação sempre prestigiei os cursos e eventos


realizados pela OAB/RS para atualização e qualificação profissional, como também para
cumprimento das horas complementares exigidas pela faculdade.

Recebi minha carteira pelas mãos do Presidente, Dr. Ricardo Breier na primeira
prestação de compromisso da gestão 2016/2018, no dia 25/01/2016.

Após o recebimento da credencial, continuei prestigiando os eventos realizados


pela instituição e, no dia 16/05/2018, participei da Conferência Estadual de Direitos
Humanos na OAB Cubo. Este evento marcou bastante porque foi nesta Conferência que
tive a oportunidade de conhecer a Dra. Beatriz Peruffo, Presidente da CMA na época, que
34

era uma das palestrantes, lembro bem de quando ela disse que as portas da CMA estavam
abertas à todas advogadas que quisessem participar, então fiz contato e manifestei
interesse via e-mail e recebi convite para a primeira reunião ordinária realizada no dia
24/05/2018. Ao chegar na reunião já fui recepcionada pela Dra. Beatriz com um PIN das
Mulheres de Ordem e achei o máximo, nunca mais esqueci de usá-lo nas reuniões
seguintes.

Na primeira reunião da CMA conheci a Dra. Karla Meura, Coordenadora do Grupo


de Trabalho Gênero e Raça da CMA e posteriormente as Dras. Bruna Rosa, Fernanda Cabral,
Mariana Ferreira, Izabel Calixto, Daniela da Rosa, Rochele Oliveira, Evelin França e Patrícia
Alves que participavam do Grupo de Trabalho. Passei a integrar o Grupo de Trabalho e
participei ativamente de vários eventos e atividades realizadas dentro e fora da instituição,
pois também realizávamos um lindo trabalho nas comunidades, chamado Mulheres de
Ordem nas Comunidades. Na reunião do dia 24/08/2018, também conheci a Dra. Ellen
Martins, Coordenadora do Grupo de Trabalho OAB Vai à Escola e também tive a
oportunidade de acompanhar este projeto muito importante em algumas visitas.

Os integrantes do Grupo de Trabalho Gênero e Raça da CMA apresentou o pedido


de criação da Comissão Especial da Igualdade Racial da OAB/RS para a Diretoria da Ordem,
o projeto foi aprovado e no dia 13/12/2018 ocorreu a instalação e posse da nossa tão
esperada e amada CEIR, que tem o objetivo de destacar as contribuições civilizatórias dos
povos de ascendência africana, fortalecer e complementar a luta pela garantia dos direitos
humanos, bem como articular estratégias institucionais de combate ao racismo,
valorizando a advocacia negra.

A criação da CEIR é fruto de um trabalho coletivo capitaneado com maestria pela


Dra. Karla Meura. Hoje sou Secretária desta Co-Missão tão importante e necessária, com
muito orgulho, realizo um trabalho árduo, juntamente com todos os membros, que acaba
tomando parte considerável do nosso tempo, mas toda vez que vejo um (a) colega negro
(a) participando da entrega de credenciais, das mesas de variados eventos, ocupando
lugares de destaque dentro da instituição, vejo que todo o esforço despendido por todos
nós valeu a pena. Ainda temos muito a avançar no tocante a equidade racial dentro da
instituição e nós estaremos sempre na luta, ocupando todos os espaços.
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O QUE VOCÊ ESPERA DO FUTURO DA ADVOCACIA PARA ADVOGADOS NEGROS (AS)


COMO VOCÊ?

Geisa Carmo da Silva

O que eu espero? Esperar é o que mais esperamos, somos esperançosos. Há se não


fossemos movidos pela esperança.
Esperança: Sentimento de quem vê como possível a realização daquilo que deseja;
confiança em coisa boa; fé.
Agradeço de forma pensativa a homenagem bem como o reconhecimento do
OAB/RS, através da Comissão de Igualdade Racial, pela indicação do meu nome para
escrever sobre o futuro da advocacia negra.

DO PRIMEIRO e ÚLTIMO CAPÍTULO:

Tomarei a liberdade de escrever sobre a Dra. Miria de Almeida Vieira, OAB/RS


26.861, porque ela reflete a maioria de nossa realidade, portanto, ela sou eu, tenho
esperança de saber, quantas Dras. Miria têm na verdade no Rio Grande do Sul.
Daí meu questionamento, a história da Dra. Miria é linda, ou seja, ela é todas nós,
por isso, nossas histórias de vida são lindas, mas ela não fora homenageada, com mais
trinta anos de exercício da atividade. Por quê?
Não estava em dia com a anuidade.
Ela é a homenageada no meu texto, o que nos separa é apenas a anuidade.
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Obrigada Dra. Miria, por ter começado antes, com certeza, abrira caminhos para
nós, é invisível para alguns colegas, a trajetória da Dra. Miria, mas para nós negras
advogadas não.
Certa feita, por coincidência, uma advogada chamada Dra. Miria, no exercício de
sua atividade profissional, chegara no Cartório Criminal, do Foro Regional do Partenon, e a
pergunta dirigida a ela fora: A Sra. É esposa de presidiário? Irmã? Mãe?
Ela é todas nós, quantos advogados negros temos a final no registro da OAB/RS?
Têm nosso cadastro, eu tenho esperança.
Quantas constrangimentos passamos nos cartórios todos os dias, há
aproximadamente cem anos, eu sei dizer, todos os constrangimentos. Tudo bem, entendi,
sem vitimismo. Vitimismo será?
Meu querido, fiel, revolucionário, conhecedor de nossas angustias, nossas dores,
nossos gritos silenciosos, ter sido homenageada pela Comenda que leva teu nome Dr.
Osvaldo Ferreira dos Reis, me dá sim, esperanças.
Lembra das nossas resenhas, a OAB/RS não sabe de nós.
Não sabe, que não temos grandes escritórios nos esperando, com grandes
aparelhamentos, nossos pais tem sobrenome Silva Santos.
Nossos pais têm as mãos calejadas, somos heróis da advocacia gaúcha, sozinhos,
quase únicos nas salas de aula, vencemos, há se não fossem nossas esperanças e o olhar
de crença de nossos pais.
Eu espero, investimentos, para que possamos ter esperanças, Vavá meu amigo, que
nossos jovens, saiam das faculdades, e tenham um lugar parecido com Quilombo, podendo
todos terem o direito de se prepararem para a prova da ordem, nas mesmas condições de
igualdade.
Ah, ia esquecendo, no momento atual, talvez o Sr. Presidente não saiba, somos com
certeza a maioria dos que não estão “usufruindo” dos serviços na sala da OAB/RS, por quê?
Não estamos em dia com a anuidade, pode chamar de vitimismo, juro não compreendo Sr.
Presidente, para que tantas salas? Se não podemos entrar na casa grande.
Esperança Sr. Presidente, é acreditar na possibilidade para pessoas de baixa renda,
que saem dos cursos de direito e possam prestar as provas da Ordem, eu ouso dizer, que a
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maioria, com raras exceções, são pretos, podres de periferias, que não estão conseguindo
passar na prova da Ordem. Vitimismo? Queremos a lição do Quilombo.
Obrigada Dra. Miria e Dr. Osvaldo Reis. Vocês são nossas esperanças.
Esperança: Sentimento de quem vê como possível a realização daquilo que deseja;
confiança em coisa boa; fé.

Obrigada pela oportunidade.

CURRICULO
VOU TRANSCREVER O TEXTO QUE UMA ESTAGIÁRIA DE JORNALISMO FEZ, ACHO QUE
DEFINE MEU CURRICULO
O DIREITO ME ESCOLHEU
ADVOGADA HÁ 28 ANOS, GEÍSA CARMO DA SILVA ENCONTROU NO DIREITO UMA FORMA
DE AJUDAR OS SEUS. MULHER, NEGRA E DA PERIFERIA, DESDE PEQUENA OUVIA DE SUA
MÃE, QUE ERA DOMÉSTICA, QUE O ESTUDO ERA SUA ÚNICA SAÍDA. SUA MÃE NÃO QUERIA
QUE ELA E SEUS OUTROS DOIS IRMÃO TIVESSEM A MESMA VIDA QUE A DELA.
GEÍSA TEM 53 ANOS E ESTE É O TEMPO EM QUE ELA MORA NA RUA JUVENAL CRUZ, NA
VILA BRASÍLIA, COMUNIDADE DA ZONA LESTE DE PORTO ALEGRE. “ NÃO EXISTE FELICIDDAE
MAIOR QUE PERTENCER A ESSE LUGAR”.
RESPEITADA PELOS MORADORES DA BRASÍLIA OU “DISTRITO FEDERAL”, COMO O CHAMA,
A ADVOGADA NÃO SE IMAGINA VIVENDO EM OUTRO LUGAR MESMO DEPOIS DE TER
CONSEGUIDO ASCENSÃO. “EU NÃO SAIO DA BRASÍLIA E ELA NÃO SAI DE MIM”.
MESMO SENDO ADVOGADA, ENTENDE A JUSTIÇA COMO NÃO SENDO JUSTA PARA TODOS.
“ PARA QUEM TEM DINHEIRO É UMA, PARA QUEM NÃO TEM É OUTRA. QUESTIONADA DE
O PORQUÊ TER ESCOLHIDO O DIREITO, RESPONDE O “ DIREITO ME ESCOLHEU”.
NO LUGAR ONDE VIVO, SEMPRE SENTI NECESSIDADE DE DIALOGAR, DE DEFENDER E DE
DEBATER. VI NO DIREITO A POSSIBILIDADE DE FAZER ISSO. EU PRECISO ADVOGAR.
GEISA TÊM DUAS PAIXÕES: CARNAVAL BAMBAS DA ORGIA E INTERNACIONAL.COLORADA,
PORQUE O TIME SEGUNDA ELA COMBINA COM SEU PERFIL POPULAR E O CARNAVAL FAZ
PARTE DE MIM, DIZ ELA, QUE DEFENDE COM UNHAS E DENTES A MANIFESTAÇÃO
POPULAR.
38

ENSAIOS

Jurema Praxedes Tubias Quadros


OAB/RS 27.282

É com imenso prazer que saúdo a Comissão Especial da Igualdade Racial OAB/RS na
pessoa da sua Presidente, Digníssima Sr.ª Dr.ª Karla Meura e, estendo aos demais colegas,
Nobres Juristas, minhas saudações. Não poderia me furtar de atender ao convite de narrar
minha trajetória como profissional apaixonada, pertencente ao universo jurídico
oficialmente desde o dia 22 de dezembro do ano de 1989, quando jurei honrar a advocacia
e me fazer útil a todos de quem dela necessitasse e, é dessa prorrogativa que comungo até
os dias atuais.
Minha história se confunde com a de muitos colegas: Sou oriunda de uma família
humilde, formada por trabalhadores incansáveis e honestos que fizeram dos valores morais
dos quais eram convictos, base para solidificar a estrada para que seus descendentes
pudessem trilhar na busca pelo conhecimento. Quando decidi que seria Advogada
entreguei-me de forma desmedida aos estudos, ação esta que se tornara uma constante
em minha vida. Recordo que eram tempos onde era grande a concorrência para frequentar
uma Faculdade de Direito, sendo motivo de orgulho para quem ingressava na Universidade
39

e também para os familiares, que ostentavam a conquista dos seus. No decorrer do curso
o empenho era redobrado para estar entre os primeiros da classe, pois esses após colarem
grau seriam privilegiados na busca por um espaço no mercado de trabalho. Eram poucos
os Negros que ocupavam a academia, em razão da condição socioeconômica, ou por falta
de motivação, uma vez que muitos dos algozes segregadores disseminavam a errônea ideia
que nós possuíamos baixa capacidade intelectual. Aprendi que para galgar degraus cada
vez mais altos eu deveria estar em constante aprendizado, sendo assim segui na busca pelo
saber, absorvendo todas as qualificações que me foram proporcionadas. Após conquistar
o direito à advogar, atuei na Área Trabalhista por longos anos para um conceituado banco.
Posteriormente disponibilizei meu ofício à uma empresa igualmente bem vista na área da
saúde e, concomitantemente prestava trabalho em meu próprio escritório que hoje
encontra-se inabilitado em virtude de ter sido acometida por um acidente vascular
cerebral. Superando as limitações que a vida me impôs, voltei a advogar como servidora
do município de Jacuizinho e militar nas causas políticas na região.
Sou a primeira integrante da minha família a possuir formação de nível superior e
acredito que fiz desse marco a motivação para impulsionar que os meus também se
sentissem capazes de repetir esse feito. Em toda a sua simplicidade, minha base familiar
sempre conscientizou minha irmã e a mim do nosso papel na sociedade e, nos segmentos
sociais e culturais os quais transitávamos, capturávamos todos os elementos que ajudaram
a construir nossa identidade. Ao trilhar as vias da evolução confirmei a sensação de
pertencimento cultivada pelos meus mentores, fazendo valer todos os nossos esforços.
Entendi que como cidadã, como mulher negra, eu deveria dar continuidade às
responsabilidades social e afetiva plantadas pela minha família. A partir de então todos os
espaços conquistados foram vitórias coletivas, todas as ações vencidas passaram a ser
êxitos nossos. Com base nos alicerces herdados, construí dia após dia degraus para que a
nossa continuidade também pudesse ascender. Sem pretensão alguma tornei-me
responsável pelo desenvolvimento intelectual não somente de membros da minha família,
mas também de tantas outras pessoas que apostaram em minha vida e que me permitiram
instigar suas aptidões. Quando dei-me por conta havia me tornado referência e abrigo para
aqueles que o destino havia levado ao meu encontro.
40

Receber o reconhecimento pelos trabalhos prestados no decorrer desses 30 anos


de atividade profissional e fulgurar entre tantos Juristas Negros atuantes nessa comarca,
vai além de ser um motivo de orgulho, iluminando a memória daqueles que tornaram-se
ancestrais e confirmando a certeza de que realizei a melhor escolha. Acredito que honro o
juramento feito quando me ponho a disposição daqueles que formam a comunidade a qual
pertenço para auxilia-los, sem fazer distinção, despindo-me de qualquer vaidade para
defende-los quando preciso for. Penso que sou mais um dos tantos elos que formam essa
corrente forte e indissolúvel, simbolizando a luta incessante pelo respeito e, também pela
conquista dos espaços que nos são de direito e que devemos ocupar. Reconhecer minha
atuação no exercício da defesa é potencializar a marcha que se mantém viva a cada um dos
nossos que torna realidade o seu anseio de um dos nossos.
Por fim, agradeço a todos a oportunidade de contar sucintamente minha trajetória
no universo da transformação e da justiça.

BREVE BIOGRAFIA:

Nascida em 06 de janeiro de 1955 em Porto Alegre, recebe o nome de batismo em


homenagem à fé e também à sua Avó e Madrinha, a qual seria uma de suas maiores
incentivadoras. Filha de um Militar da 3ª Região do Exército atuante na Subsistência e de
uma Costureira que também trabalhava na Subsistência do Exército, viveu sua infância no
bairro Partenon, onde transitava livremente entre as festas da Paróquia São Jorge e os ritos
da religiosidade de matriz africana. Estudante da rede pública Estadual, cursou o “Primário”
e o “Ginásio” no Grupo Escolar General Aparício Borges e, formando-se Técnica em
Mecânica Industrial pela Escola Técnica Parobé. Como voluntária do Mobral lecionou na
alfabetização para adultos na Pequena Casa da Criança. Na década de 1970 ingressa no
Curso de Direito na Faculdade Ritter dos Reis no município de Canoas. Na mesma época
inicia as atividades no Banco Sul Brasileiro como Escriturária, permanecendo no quadro de
colaboradores da empresa quando surgia o novo Banco Meridional. Em 22 de dezembro
de 1989 cola grau e por tornar-se Advogada é transferida para o Departamento Jurídico do
Instituição Bancária, onde havia cumprido o período obrigatório de estágio. Permaneceu
na empresa até 1996, quando a instituição passava novamente por uma transição. A partir
41

de então abriu seu próprio escritório, prestando assessoria jurídica para empresas e
defendendo causas nas áreas civil e trabalhista.
42

Construções Coletivas, Conquistas Coletivas

Karla Regina Meura da Silva

Eu sou Karla Meura, filha da Regina Helena Meura e do Carlos Roberto da Silva. Irmã
mais velha de Douglas Meura, do Diego, da Kelly e da Áure. Sou uma mulher negra
Advogada, formada em 2008/2, pelo Centro Universitário Metodista-IPA, em Porto
Alegre/RS, através do Programa de Ações Afirmativas pactuado entre o IPA e o Centro
Ecumênico de Cultura Negra-CECUNE, que garantiu bolsa integral para alunos
afrodescendentes. No Trabalho de Conclusão da Graduação pesquisei sobre Ações
Afirmativas e o Princípio da Dignidade Humana no Estado Democrático de Direito, onde
estudei os obstáculos da inclusão da população negra no acesso aos direitos sociais e
mercado de trabalho. A referida Pesquisa que foi aprofundada no Curso de Pós-Graduação
em Direito Penal e Processo Penal, concluído em 2016/2, cujo Trabalho de conclusão teve
como título: Direito Fundamental de Acesso à saúde no Sistema Prisional do RS. Minha
segunda Pós-Graduação foi no Curso de Direitos Humanos e Contemporaneidade,
realizado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia – UFBA.

Entendo que a qualificação técnica permanente é essencial para o fortalecimento da


advocacia negra, pois somos instrumentos da transformação social e o direito é uma
importante ferramenta que temos ao nosso dispor.
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Minha atuação jurídica está diretamente ligada ao enfrentamento da violação dos


Direitos Humanos, especialmente tratando da promoção da equidade racial e de gênero.
Desde o início da minha trajetória acadêmica realizo trabalho em comunidades com altos
índices de violação de direitos, buscando subsídios para a promoção da cidadania e
garantia de direitos das pessoas privadas de liberdade no Sistema Prisional e
Socioeducativo.

Entre os anos de 2013 e 2015 trabalhei na Coordenação Estadual de Saúde Prisional


da Secretaria Estadual de Saúde do RS. Participei do grupo de trabalho responsável por
conduzir a transformação do Plano Nacional em Política Nacional de Atenção Integral à
Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP).

Considerando a necessidade de reintegração social das pessoas


privadas de liberdade por meio da educação, do trabalho e da saúde, de acordo com a
Lei de Execuções Penais - LEP, através da construção técnica e coletiva, foi publicada a
Portaria Interministerial Nº 1 de 02 de janeiro de 2014. Acompanhar este
processo de transformação de Plano em Política Pública revelou meu perfil de abertura
para mudanças e habilidade em gerenciar complexidades, assim como demonstra
facilidade para trabalhar em equipe e na resolução de conflitos.

Para garantir a efetivação e operacionalização das


diretrizes de implementação da PNAISP, foi também foi necessária a
elaboração de diagnósticos locais acerca do funcionamento das execuções judiciais e dos
serviços penais. Deste modo, as normas, critérios e fluxos de operacionalização foram
estabelecidas través da Portaria nº 482, de 1º de abril de 2014.

A realidade do sistema prisional global, além da forte incidência sobre setores


sociais desprivilegiados, é marcada por condições desumanas de sobrevivência. Nos
modelos em que se apresentam as cadeias reforçam e reproduziam a lógica excludente
pela qual era marcada a sociedade brasileira, configurando-se em importante instrumento
para manutenção da ordem social. A experiência na Coordenação da
Política de Saúde Prisional exigiu destreza e o desenvolvimento de minhas habilidades
para gerenciar e subsidiar a atuação das equipes técnicas locais, pois eram realizados
44

monitoramento e avaliação dos produtos e metas previstas pela gestão do Sistema


Prisional.

Nos anos de 2017 e 2108 atuei como advogada do Centro de Referência


Especial de Assistência Social-CREAS Lomba do Pinheiro, onde fui Coordenadora das
medidas sócio educativas -MSE. Uma das principais funções era elaborar subsídios para a
produção de relatórios técnicos de acompanhamento da implementação das MSE. Como
unidade de referência, foi desenvolvido um trabalho no intuito de estruturar uma rede
efetiva de proteção especial, e para isso contou com uma estreita articulação entre o Poder
Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Conselhos Tutelares e outras
Organizações de Defesa de Direitos, que buscavam construir estratégias com foco no
fortalecimento do monitoramento e da fiscalização do sistema socioeducativo.

Após esta breve apresentação de parte da minha caminhada profissional, penso que
devo compartilhar também a participação na política institucional do nosso órgão de
classe. Me tornei oficialmente advogada em 18 de julho de 2011, no mesmo dia de
aniversário de meu pai. Recebi a Cartei da OAB das mãos do Presidente Cláudio Lamachia.
Os primeiros quatro anos da advocacia dediquei exclusivamente à organização e atuação
do meu escritório de Advocacia na verdade, do nosso escritório, pois na época eu trabalha
em parceria com a Dra. Viviane Santos e o Dr. Carlos Antônio Carvalho dos Santos, colegas
pelos quais tenho admiração e gratidão imensa.

Em 2015 ingressei voluntária e efetivamente no Sistema OAB, quando vi no site a


criação da Sub-Comissão da Verdade Sobre a Escravidão Negra no Brasil, uma pauta que
sempre me interessou e fez parte de minhas pesquisas. Entrei em contato com a Secretaria
da Seccional e manifestei interesse em colaborar com a valiosa Comissão.

Em dezembro de 2016 participei de um Seminário sobre direitos humanos e


discriminações. Chamou minha atenção a ausência da palavra “racismo” no título,
especialmente porque entre as 4 pessoas palestrantes 3 eram negras. Assim, despertei
para a necessidade de realizarmos um trabalho mais direto de enfrentamento e combate
ao racismo no sistema OAB RS. Deste modo, eu e outras pessoas colegas da advocacia
negra nos organizamos e propusemos a realização do “1º seminário Internacional pela
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Promoção da Igualdade Racial”, ideia que foi imediatamente aceita pelo presidente Ricardo
Breier e o seminário realizado pela ESA em março de 2017.

Logo depois recebi um telefonema da Dra. Beatriz Peruffo, presidenta da Comissão


da Mulher Advogada- CMA na época, me convidando para fazer parte da CMA. Fiquei
imensamente honrada e passei a compor também esta Comissão. Logo no 1º encontro
percebi que eu era a única mulher negra da sala, num grupo de quase 100 colegas.
Obviamente percebi que alguma coisa estava errada e convidei outros colegas negros para
participarem na CMA conosco. Aos poucos fomos fomentando as discussões sobre gênero
e raça e no dia 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Afro-latino Americana e
Caribenha, sugeri à Dra Beatriz que fosse criado um Grupo de Trabalho sobre Gênero Raça.
Novamente, minha proposta foi aceita de forma imediata. A partir de então as reuniões da
CMA ficaram mais coloridas. O grupo de advogadas negras aumentava a cada encontra. Na
reunião seguinte foram 8 advogadas negras, depois foram 12 depois 20 e assim nosso GT
Gênero e Raça conseguiu realizar grandes projetos. O mais notório foi o que chamamos de
MOC - Mulheres de Ordem nas Comunidades. Este projeto é fruto de nossas conversas e
desabafos nas reuniões do GT, que nos fizeram enxergar a importância de colocarmos
nosso conhecimento à serviço das nossas comunidades. Cumpre salientar que o MOC
consiste em encontros mensais e itinerantes com o objetivo de realizar rodas de conversa
com as mulheres que são lideranças em suas comunidades e com toda a sociedade que
estivesse disposta a trocar conhecimentos e saberes.

Em fevereiro de 2018 protocolamos junto ao Gabinete do presidente o pedido de


criação da Comissão da Igualdade Racial da OAB RS, solicitação foi votada pelo conselho
Pleno da Seccional em setembro de 2018 e em dezembro do mesmo ano tomamos posse.
Foi um momento histórico. Muitas pessoas felizes, emocionadas e conscientes desta
construção coletiva que nos move.

Desde então viemos realizando inúmeras ações institucionais para a promoção da


igualdade racial, da igualdade de direitos e oportunidades.

Junto com a conquista da criação da CEIR OABRS veio o convite para compor o
Conselho Seccional da OABRS na gestão 2019/2021. Minha reação foi perguntar: por que
eu? As colegas que construíram esta trajetória ao meu lado, não me deixaram titubear e
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responderam que este era o meu momento e que em breve estaríamos ampliando a
participação da Advocacia Negra nos espaços decisórios. Aceitei o desafio e hoje sou uma
das vozes negras no Conselho Seccional, a primeira mulher negra a ocupar uma cadeira no
Conselho Pleno da Seccional RS, mas como sempre destaco, sou a ‘única por enquanto’.

Estou imensamente grata por compartilhar esta construção com vocês. Todas as
ações aqui referidas foram pensadas estratégica e coletivamente, e digo isso sem
demagogia. Somos muito mais producentes quando nós reconhecemos que tem espaço
para ‘todo mundo’, porque tem trabalho para todo mundo! Somos muit@s, somos
divers@as e tod@s nós temos legitimidade.

Eu sei que uma mulher negra quando chega em um espaço nunca chega sozinha. E é
fortalecedor saber que não estamos sozinhas. Continuemos construindo nossas trajetórias
negras, fortalecendo a advocacia negra e oportunizando a ampliação dos espaços para que
possamos exercer nossas potencialidades num movimento que honra a oportunidade que
recebemos da nossa ancestralidade.
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ENSAIOS
Lucia Helena dos Santos

Natural de Porto Alegre/RS; Advogada membro da Ordem dos Advogados


do Brasil, Seccional Rio Grande do Sul. Graduada em Direito pela
UNISINOS/RS, 1993. Pós-Graduada com Especialização em Direito
Processual Civil pela PUCRS, 2006.
Coordenadora do Grupo Afro Juristas do Rio Grande do Sul. Ativista dos
Direitos Humanos com ênfase à vulnerabilidade econômica e social da
população afrodescendente. Professora com formação no Magistério do
ensino fundamental. Escritora na modalidade poesia e texto literário.
Acadêmica na Academia de Letras do Brasil seccional Rio Grande do Sul,
cadeira n° 50, Patrono Castro Alves. Acadêmica na Academia de Letras,
Ciências e Artes do Estado do Rio Grande do Sul, cadeira n° 20, Patronesse
Clarice Lispector. Representante no Brasil da Associação Internacional de
Escritores e Artistas Afrodescendentes, California /USA;

A representatividade na função de Advogada, mulher e afrodescendente na


sociedade em que vivemos é de primordial importância como plano de espelho de
referência e luta frente a família por pertencer a primeira geração com formação
acadêmica diante da historicidade ancestral africana, bem como junto às mulheres e jovens
negros, principalmente para aquelas pessoas que não conseguiram alcançar o sonho de
cursar uma universidade, tão como completar o curso acadêmico em Direito.
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Entendo ser um instrumento em prol da justiça de mudança de pensamento,


comportamento e transformação na vida de muitas pessoas, os quais se destacam as
crianças, adolescentes e jovens egressos da periferia que podem se inspirar e seguir os
nossos passos para crescer e melhorar a sua qualidade de vida e contribuir para a sociedade
brasileira. Nas muitas andanças em contato com essa realidade diversa e sofrida, ao me
conhecer, se surpreendem por saber que sou Advogada, pois até então nunca tinham
estado em contato com uma profissional do Direito da etnia afrodescendente, o que releva
à responsabilidade e representatividade afirmativa de sonho para muitos jovens negros
que não tem acesso e oportunidade à educação
Além da representatividade junto à sociedade civil organizada, também me sinto
muito útil exercendo a função jurídica nos fóruns, em defesa das pessoas no cumprimento
do ofício na difícil tarefa que é fazer justiça num país desigual que é o Brasil, bem como
respirar a atmosfera das audiências, mesmo sabendo que somos as vezes inexistentes
diante de um poder judiciário discriminador e opressor que ainda se espanta ao abrirmos
a porta para nos adentrarmos nas audiências e ainda sermos confundidos por réus ou
prepostos, mas mesmo diante dessa realidade, sigo adiante contemplada lembrando
apenas de mostrar o meu trabalho com competência, eficiência e conhecimento que é o
único referencial que nos iguala.
Tenho esperança que a advocacia brasileira, possa ter um olhar mais focal e
igualitário com todos os Advogados principalmente os afrodescendentes, oportunizando
as mesmas condições de crescimento e desenvolvimento em todos os espaços do poder,
não aquele olhar de compaixão e migalhas, mas sim de efetiva justiça e reparação num
Estado Democrático de Direito sedimentado de forma real pelos princípios e objetivos de
igualdade insculpidos na Carta Magna Constitucional Brasileira, pois então seremos de fato
e de direito iguais na diversidade das nossas diferenças num sistema que insiste ainda nos
excluir.
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UMA TRAJETÓRIA DE RESITÊNCIA E LUTA

Luis Alberto da Silva

Advogado. Sociólogo. Ativista de Direitos Humanos. Desenvolve,


atualmente, atividades profissionais de advocacia e consultoria na área
pública e privada. Especialista em regularização fundiária e Sistema
Financeiro da Habitação –SFH-. Atuou como Chefe da Assessoria Jurídica
da Fundação de Desenvolvimento de Recursos Humanos- FDRH; Assessor
Jurídico da Secretaria de Habitação da Prefeitura Municipal de São
Leopoldo/ RS; Consultor Jurídico de Cooperativas Habitacionais; Assessor
Técnico do Centro de Assessoria e Estudos Urbanos; Coordenador Jurídico
do Departamento Municipal de Habitação de Porto Alegre/RS; Chefe da
Procuradoria do Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul;
Assessor e Coordenador Jurídico da Associação de Mutuários e Inquilinos
do Estado do Rio Grande do Sul- AMIRGS; Coordenador Jurídico da
Federação Riograndense de Associações de Moradores e Amigos de
Bairros -FRACAB.

Desde que tomei consciência da efetiva existência do racismo, no Brasil, sempre


busquei formas de combatê-lo, a meu modo. Inicialmente, com ações individuais e
solitárias, até o momento em que percebi que nada seria transformado sem a ação coletiva.
Esse processo não foi muito fácil, pois demandou muita leitura, militância, escolhas e
resistência.
Antes mesmo de escolher a carreira jurídica, pretendia ser professor de sociologia
e lecionar em alguma universidade. Mas, como dito, desde muito cedo comecei a militar
50

no movimento social negro. Naquela época, na última década da ditadura militar, minha
organização política sofria muitas baixas, ou seja, volta e meia um militante era preso ou
mesmo qualquer cidadão negro. Não tínhamos com quem contar de forma imediata, para
enfrentar e conter abusos, seja nas instituições policiais, ou mesmo no judiciário. Tudo era
muito difícil. Ainda mais, para quem lutava contra o sistema. Éramos considerados
subversivos e perigosos!
Diante destas mesmas dificuldades, fui desafiado pelos meus “camaradas”, do
movimento social negro, a ser um defensor da causa, atuando nos tribunais e na sociedade
em geral, na defesa da comunidade e da democracia. Aceitei o desafio e ingressei na
universidade, no curso de Direito. Nesse período, desenvolvia a profissão de bancário e, na
categoria, militava no Sindicato dos Bancários de Porto Alegre. Como bancário, permaneci
até concluir o curso de direito.
Tão logo recebi minha carteira da OAB/RS, saí da categoria bancária para iniciar
minha carreira profissional na advocacia. Não faltaram convites de grandes escritórios,
para eu trabalhar. Mas, sempre tive a convicção de que poderia ser dono dos rumos da
minha carreira e do meu próprio negócio. Nesse pensamento e prática, fui conquistando
minha autonomia profissional.
Durante toda a minha trajetória profissional, além dos processos do meu escritório
de advocacia, atuei em muitos casos judiciais na defesa dos direitos humanos e,
especificamente, contra a violência racial e doméstica. Assessorei, na condição de
advogado, uma série de associações de moradores, entidades culturais e do movimento
social negro. Contribui na elaboração de políticas públicas que incidiram diretamente na
vida das pessoas, v.g., a criminalização do racismo no Brasil. Tudo isso como forma de
contribuição às lutas pela liberdade, igualdade e fraternidade. Sem nenhum tipo de
assistencialismo ou clientelismo. Mas, sim, com puro compromisso social.
Sobre a questão da criminalização do racismo no Brasil, dedico esse parágrafo ao
amigo e político Senador Paulo Renato Paim, que, com sua generosidade, demandou e se
comprometeu a apresentar projeto de criminalização do racismo. Sendo, que, me coube a
articulação e criação de um grupo de advogados negros, para confecção do projeto de Lei
que, com suporte da militância negra, foi possível materializar, o qual foi apresentado e
51

aprovado na Câmara Federal. Esse momento foi histórico, devido à sua relevância no
mundo jurídico.
Na minha trajetória jurídica e de compromisso social, também nunca deixei de abrir
espaços em meu escritório aos advogados negros. Digo isso, porque, por aqueles que lá
passaram consegui cultivar profundo respeito, amizade e agradecimento. Entre estes,
destaco aqui, in memorian, o grande colega e advogado, que estagiou no escritório,
OSVALDO FEREIRA DOS REIS, que empresta seu nome à homenagem que, eu, e vários
outros advogados negros receberam, através da Comissão Especial da Igualdade Racial da
Ordem dos Advogados do Brasil- Seccional do Rio Grande do Sul. Não poderia deixar de
destacar, também, a pessoa do advogado e grande amigo Artêmio Prado da Silva, vice-
presidente dessa seleta Comissão Especial da Igualdade Racial da OAB/RS, com quem tive
a honra de contar com a colaboração no escritório. São tantos colegas, que peço vênia por
não tê-los citado.
Posso, ainda, afirmar que a linha de atuação jurídica que escolhi, representa a chave
para compreender o funcionamento de uma sociedade de classes e racista como é a
brasileira. Ao mesmo tempo, tenho certeza de pertencer a uma geração – como àquelas
que me antecederam - que abriu muitos caminhos, para que as novas gerações pudessem
colher os frutos de uma série de políticas públicas, que infelizmente começam a sofrer
retrocessos.
Por derradeiro, todos os resultados da minha trajetória profissional, na área do
direito, que passa pelo escritório particular e, instituições públicas que tive a honra de
atuar, me ensinaram que a meritocracia é uma falácia. E, que tudo que nos propomos a
realizar depende das oportunidades, apoio, solidariedade e espírito de equipe. E, que, os
problemas da desigualdade racial não serão resolvidos fora da política e, nem pela mão
generosa de quem concentra os privilégios nesta mesma sociedade de classes. Isso serve
também ao conjunto da sociedade.
52

Luiz Alves
Data de nascimento: 01/09/1949 Filho de: Marina Alves e Luiz
Gomes. Natural de: Bagé/RS

Sou o segundo filho de uma prole de quatro irmãos;


Minha mãe, pessoa semianalfabeta, mas dotada de grande personalidade e força
de vontade; meu pai, semianalfabeto, mas dotado de grande criatividade, porém alcoólatra
e descompromissado com a família.
Em minha infância, pelo fato do pai trabalhar como oleiro vivia-se em ranchos ou
casas de tábua alugadas ou fornecida pelo dono da olaria.
Trabalhador de olaria só recebia os dias que trabalhava, se chovia não recebia.
Portanto, a falta de alimentos em casa era uma constante. Até mesmo porque o pai tinha
que dividir o pouco que recebia com o vício do álcool.
O pouco que a mãe auferia com lavados e faxinas, muitas vezes o pai tomava e
gastava com bebidas e mulheres. Muitas vezes se comia porque os vizinhos alcançavam.
Quando eu tinha 4 anos, em um final de semana, meu pai recebeu na olaria e passou
direto pelo nosso rancho, em direção a cidade.
Eram aproximadamente 01h30min da tarde, minha mãe pediu para uma vizinha dar
uma olhada em minha irmã mais velha que ficaria em casa. Pegou-me pela mão e disse: “
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vamos achar teu pai “ partimos em direção a cidade (a pé). Após muito caminhar sob um
sol escaldante, chegamos em um bar, onde meu pai estava tomando um copo de leite com
bolinho, com outros amigos e mulheres, todos sentados em torno de uma mesa.
Houve um terrível bate-boca, minha mãe se atracou em meu pai, virou a mesa,
deixou ele quase sem roupas e voltamos para casa.
Chegando em casa pegou minhas poucas roupas, fez uma trouxinha, pegou-me pela
mão e levou-me para uma chácara, onde residia uma família de sabatistas, cuja filha queria
ser minha madrinha.
Pediu para me deixar ali por uns dias, até ela arrumar uma casa para residir. Fiquei
ali 4 anos, não era maltratado, mas comia o que sobrava e usava roupas deixada pelos
outros.
Por duas vezes, meu pai foi até o local e pediu para me levar a passear com ele; nas
duas vezes se emborrachou e esqueceu de mim nas ruas da cidade.
Quando completei 8 anos, minha mãe foi até a chácara, agradeceu e disse que havia
alugado uma casa e que eu retornaria a morar com ela. Era um chalé muito velho, sendo
que a cozinha não tinha portas, mas para mim era um castelo, pois ali eu iria morar com a
minha rainha (mãe).
Minha mãe estava solteira, trabalhava pela manhã como cozinheira, pela tarde
alguns dias fazia faxinas, em outras lavados de roupas de família e muitos lavados de roupas
de militares, sendo que passava e engomava as fardas pela noite, até alta madrugada. (com
ferro de brasa)
Estava com 8 anos de idade, quando minha mãe que só sabia escrever o nome,
começou meu processo de alfabetização, comprando uma cartilha de segunda mão.
Quando aprendi o alfabeto, passou a economizar mais e talvez trabalhar mais para
pagar uma professora particular para mim.
Minha irmã mais velha, foi morar com uma família de condições econômica melhor
e nunca mais voltou.
Passei a ser o responsável pela casa, limpando, fazendo comida e cuidando de uma
irmã mais nova.
54

Com 10 anos, quando não estava fazendo as obrigações de casa e nem na escola,
andava pela rua vendendo de balaio, pastéis, verduras ou frutas, para auxiliar na despesa
da casa.
Tinha 10 anos, quando minha mãe conheceu uma pessoa que viria a ser meu
padrasto e o pai que eu não tive. Ele se chamava Benedito Madruga Farias, pessoa humilde,
mas com uma fortuna em retidão, honestidade e educação, incutiu em mim, todos os
princípios de civilidade que um ser humano deve ter.
No início do relacionamento dele com minha mãe, ele trabalhava como pintor de
casas. Mas em pouco tempo, arranjou uma vaga na Viação Férrea, onde iniciou a atividade
de artífice de linha. (tuco)
A vida melhorou um pouco, mas minha mãe continuava trabalhando muito.
Aos 13 anos, deixei de vender verdura, engraxar ou entregar jornal, fui trabalhar em
um armazém, para realizar limpeza e entregar mercadorias, depois, fui trabalhar em uma
lavanderia de roupas e posteriormente em uma carpintaria.
Quando tinha 14 anos, fomos residir em um núcleo ferroviário, em uma casa de
madeira, porém, com aspecto de casa, tinha luz elétrica e até banheiro, o que era um luxo.
Com 16 anos fui trabalhar em um escritório de contabilidade, primeiro, para
recolher as notas fiscais emitidas diariamente nos armazéns, posteriormente, aprendi a
fazer lançamentos e escrituração. Nesta atividade, privei diariamente, com um advogado e
dois contadores, sem contar os clientes do escritório. O contato com essas pessoas foi de
grande valia para minha formação.
Neste escritório, laborei até ir para o exército, sempre estudando a noite.
Incorporei no exército em janeiro de 1969 e pedi exclusão em dezembro do mesmo
ano. Com 4 meses de quartel, fui aprovado em 1º lugar no curso de cabo, promoveram
pessoas que ficaram com a segunda e terceira colocação, para mim não tinha vaga.
Mesmo sem ser promovido a cabo, ingressei no curso de sargento, sendo aprovado
em 3º lugar; as promessas de promoção continuavam.
Ao final do ano de 1969, o comandante insistiu para que eu engajasse como soldado
a espera de uma vaga, estava desgostoso com a situação e não concordei, embora a pouca
idade, sentia que minha cor tinha impedido minha ascensão na carreira militar.
55

Naquela época (1969) filho ou enteado de ferroviário, tinha vaga garantida na Rede
Ferroviária, fui admitido na rede como artífice de comunicações, onde trabalhei por um
ano. Em 1971, fiz concurso para Maquinista, fui aprovado com louvor, sendo um dos
maquinistas mais jovem da Rede Ferroviária (21 anos).
Casei e logo veio a primeira filha. Quando fui para o exército, faltava um ano para
concluir o ginásio; muito embora minha mãe não soubesse ler, conseguiu incutir em mim
o gosto pela leitura, assim, embora não estivesse frequentando escola, nunca estava
afastado dos livros.
Quando veio o segundo filho, 6 anos após a primeira, resolvi que era hora de voltar
a estudar, havia ameaças de privatização da Rede Ferroviária, eu entendia que Maquinista
não era profissão e que necessitava alçar outros voos, até mesmo para dar um futuro
melhor para os filhos.
Foi necessário fazer Supletivo. Em 1981, prestei vestibular para o Curso de Direito,
como maquinista, cursava a faculdade de modo infrequente, sempre carregando a bolsa
com os livros, sendo que por inúmeras vezes, descia da locomotiva e partia para a
faculdade com a roupa de trabalho.
Faculdade particular (paga) esposa sem trabalho fora do lar, dois filhos em escola
privada, foram momentos de muita dificuldade econômica.
Passei a desenvolver atividades junto a um incipiente movimento sindical
ferroviário, que resultou em perseguição dos chefes imediatos.
No início do 4º ano de Direito, inscrevi-me na Ordem dos Advogados na condição
de Estagiário (carteira verde).
Chefes mais próximos, quase todos semianalfabetos, entendiam que eu não
poderia ser maquinista e cursar direito, apregoavam que meu curso não teria utilidade na
empresa. Quando perceberam que eu não desistiria do curso, fizeram uma proposta de
transferência, que eu poderia escolher a cidade, desde que não tivesse faculdade. Sem
outra escolha e com o amor próprio ferido, pedi demissão da empresa.
Com o dinheiro da rescisão, coloquei em nossa casa uma mercearia, que seria para
a esposa atender, estava disposto a iniciar a carreira de advogado.
A mercearia não se manteve por um ano, se fez necessário sobreviver de outra
forma.
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Como estagiário, fui convidado pelo saudoso Dr. Davi Pegas, para estagiar
em seu escritório. Não havia salário, recebia um percentual das ações que
canalizasse para o escritório.
Formei-me em junho de 1986, na forma retratada nos versos da música Pequeno
Burguês do Martinho da Vila:
“Mas da minha formatura, não cheguei participar Faltou dinheiro pra beca e
também pro meu anel Nem o diretor careca entregou o meu papel”
Advoguei por muitos anos, com a carteira de estagiário, visto faltar dinheiro para
pagar a inscrição definitiva.
No ano de 1984, após sair da Rede Ferroviária, reiniciei a militância política que
tivera na Juventude do MDB, só que agora nas fileiras do PDT e atuando fortemente no
Movimento Negro.
No ano de 1986, o PDT assumiu a Prefeitura de Bagé, fui convidado para ocupar um
cargo de confiança (CC) na Secretaria de Desenvolvimento e posteriormente, fui
requisitado para a Procuradoria Jurídica do Município.
No mesmo ano, montei escritório próprio em sociedade com a Dra. Zaida Alice, que
era funcionária da Prefeitura.
Na segunda administração do PDT (ano de 1992) desempenhei atividades na
Procuradoria Jurídica e posteriormente, no Gabinete do Prefeito.
Em 1996, veio a separação, formatura da filha mais velha em direito. Nova vida com
a atual companheira, pessoa ligada a área de educação (orientadora pedagógica) militante
política e sindicalista.
No ano de 2001, os Partidos dos Trabalhadores, juntamente com o PDT, assumem
a Prefeitura de Bagé. Durante a campanha eleitoral, elaborei projetos direcionados à área
do turismo. Por serem inovadores, fui convidado para exercer a atividade de Coordenador
de Turismo. Cargo que exerci por 2 anos e posteriormente, fui convidado a exercer a o
cargo de Assessor Direto do Prefeito Mainardi.
No ano de 2006, fui convidado para lecionar Direito, na Escola Técnica GETECO,
onde fiquei por mais de três anos.
Nos últimos anos, por duas legislaturas, ocupei o cargo de Procurador Jurídico da
Câmara de Vereadores do Município de Hulha Negra.
57

Por volta do ano de 2.003, passei a fazer parte do Conselho da Subseção de Bagé,
estando Conselheiro, há mais de 15 anos.
Representação da trajetória:
Com as devidas vênias, aos organizadores da obra, mas pedir para um profissional
fazer uma análise representativa de sua trajetória profissional, é como pedir para o
carancho falar sobre o seu ninho; na verdade é muito difícil para o ser humano falar de
forma subjetiva, de maneira isenta e sem supervalorizar seus feitos.
Reiterando, eu tenho origem em uma família negra muito pobre, segundo minha
mãe, quando nasci não tinha uma fralda, saíram comigo da Sta. Casa de Caridade, enrolado
em uma camisa do meu pai.
Filho de pai e mãe semianalfabetos, cujos parentes mais próximos também eram
semianalfabetos ou analfabetos.
Não conheci nenhum parente que tivesse completado o ginásio, portanto, eu sou o
primeiro de três famílias (pai, mãe e padrasto) que logrou concluir um Curso Superior e
mais, em advocacia.
No que pese a minha mãe incentivar a leitura, cobrar estudos, com o argumento
que sem estudos uma pessoa não seria nada, nem em seus maiores devaneios imaginou
ter um filho (a) advogado (a).
Tanto é verdade, que em minha adolescência, matriculava-me em todos os cursos
profissionalizantes que surgiam. E sempre que se proporcionava, ou passava comigo pela
frente de alguma oficina cujo proprietário estava bem estabelecido, mostrava como
exemplo.
Costumo dizer que não enriqueci como advogado, porém, logrei com o trabalho de
advogado, constituir uma família, adquirir casa, veículo, escritório próprio e o mais
importante, ver dois filhos com Curso Superior e ambos no Direito. Sinto orgulho da
profissão, para mim, a posse de uma carteira vermelha da OAB, é motivo de muito orgulho
e responsabilidade. Formatura em um Curso Superior e inscrição na Ordem dos Advogados,
são para mim os louros de uma batalha.
Mas a o sentimento de ter vencido a guerra, se concretiza, quando alguém chega
no escritório procurando a Dra. Patrícia Alves. Ali eu vejo a coragem, a força de vontade e
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a dedicação de três gerações dos Alves, que não se entregaram para as condições adversas,
que está sociedade ingrata e hipócrita coloca no caminho do povo negro deste País.
Nessa trajetória profissional, não sou um desbravador, visto que outros negros me
antecederam e por certo enfrentaram mais dificuldades que eu; mas me considero um
caminhante nesta luta, um aplainador de caminho para os que virão.
Assim entendo que a trajetória de advogado negro, para mim, foi de muita luta,
muitas conquistas e muito sentimento de gratidão para com todos aqueles de uma forma
ou outra, me ampararam ou até me carregaram nos momentos de fraqueza.
Eu costumo dizer em roda de amigos ou até mesmo em palestras, que a história de
vida do negro brasileiro, segue sempre o mesmo script, devido a hipocrisia da Lei Áurea,
depois de quase 4 século de serviços prestados na construção deste imenso País, aquele
povo, que adubou o crescimento deste gigante, com seu sangue e sua carne, ter que iniciar
sua vida, do zero, enquanto o imigrante europeu que aportou aqui quando já estava quase
tudo feito pela mão de obra dos escravizados, recebeu terras, ferramentas e dinheiro, já
o povo negro recebeu apenas a estrada pra trilhar sem calçado e só com a roupa do corpo.
Existe uma máxima maldosa que diz: “ negro não gosta de negro” Pode até que
exista algum sentimento de inveja, daqueles negros que ainda não chegaram lá, o que é
normal no ser humano independente da raça. Mas via de regra, a comunidade negra, sente
orgulho, de ver um negro (a) galgar postos pretensamente destinados aos não
afrodescendentes. No meu caso, eu percebo, que a comunidade negra de Bagé e até de
outros municípios, onde atuo no Tribunal do Júri, demonstram orgulho de pertencerem a
raça deste profissional.
Quanto a sociedade, esta é constituída de pessoas de várias raças, a hipocrisia
brasileira com relação aos afrodescendentes, apregoa que não existe racismo e nem
preconceito de cor. Mas mesmo que o cidadão não reconheça, ele traz introjetado em seu
subconsciente o conceito que o trabalho de um profissional negro, está sempre aquém do
trabalho apresentado por um profissional branco.
Na cidade de Bagé, tivemos um grande advogado, tribuno emérito, o Dr. Catalino
Brasil Machado, que do alto dos seus 50 anos de profissão, declarava que sofria
preconceito de possíveis clientes; que só chegavam nele, quando a causa já estava quase
perdida.
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Nos meus 36 anos de profissão, no que pese ter clientes de várias etnias, como
caucasianos, japoneses, libaneses e até ciganos, continuo na mesma senda do Dr. Catalino.
Ou seja, ações grandes ou de empresas de médio porte quando chegam ao escritório, já
vem de segunda mão.
Na realidade, a sociedade atual, ainda não está preparada para ver o profissional
negro em pé de igualdade com o profissional não afrodescendente.
Futuro da advocacia para o profissional negro.

A advocacia é uma profissão madrasta, quando se está longe dela, ela acena com
benesses, quando se passa a conviver com ela, vêm os maus tratos.
É uma profissão que se vive de aparência, os membros do judiciário juiz (a)
promotor (a) defensor (a)) tem bons salário (e fixos).
Pela solenidade e liturgia dos atos que praticam em suas atividades, se apresentam
sempre bem vestidos.
Por consequência, essas pessoas e até mesmo os clientes, esperam que o advogado
se apresente bem vestido e com bons hábitos de higiene.
Como disse alhures, o script dos afro-brasileiros, é o mesmo para todos, origem
humilde, família impossibilitada de lhe garantir os primeiros anos de profissão e via de
regra, reiniciaram os estudos, após constituírem família.
A classe social que esse profissional do direito transita, não lhe trará grandes causas;
por outro lado, a mesma estratificação social, não lhe permite interagir (ter amizades) com
grandes empreendedores que via de regra, contratam grandes escritórios, administrados
por advogados que tem origem em famílias abastadas.
Em suma, o profissional negro, mesmo que já tenha um primeiro degrau para
colocar o pé, como escritório de familiares, vai sempre ter que matar um leão por dia.
Mas tal situação fática, não é motivo para desanimo, devemos lembrar que a
colonização do Brasil, iniciou há 520 anos, que a libertação do povo escravizado, deu- se
há 132 anos.
Que muito embora a Educação Pública no Brasil tenha iniciado no ano de 1.772,
através das Aulas Régias, aos escravos era proibida a educação. No que pese ter
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transcorrido 132 anos da Lei Áurea, até a década de quarenta, metade da população
brasileira não sabia ler e os negros, em sua maioria, eram analfabetos.
Hoje, já temos algumas famílias negras, que já estão na terceira ou quarta geração
de esclarecidos, e com muito esforço, vêm conseguindo proporcionar um curso superior
aos filhos.
Como todas as profissões, a advocacia não deixa de sofrer a influência do pontapé
inicial, assim, o (a) jovem advogado (a) que já tiver onde se estabelecer após a inscrição na
Ordem dos Advogados, tem mais chance de ter sucesso na profissão.
Mas respeitando as demais opiniões, embora seja um apaixonado pela advocacia,
entendo que os negros hoje estudantes de direito, devem fazer um esforço maior e se
prepararem para exercerem atividades no MP, Defensoria e principalmente, na
Magistratura.
Pois é vendo uma “cara preta” ocupando um cargo de Juiz, que muitos jovens
negros (a) poderão dizer yes we can “ sim, nós podemos”.
É através do bom exemplo, que poderemos incentivar os jovens negros a estudarem
e serem bons e honestos profissionais.
Vivemos templos nublados, os dirigentes maiores deste País, se arvoraram no
direito de soltarem seus demônios, nunca o preconceito foi tão difundido em nossa pátria.
Existe um entendimento, que agressões raciais, são delitos de menor poder
ofensivo, tanto que em nossa cidade em ação que patrocinamos, por preconceito racial
contra um senegalês, o inquérito após recebido, dormiu quase um ano em carga com o MP.
Quando procurei falar com a MD. Promotora, para saber o que trancava o processo,
fui informado por sua assessora, que a mesma dissera que “ haviam processos mais
importantes “ para serem tratados.
Por tudo que foi dito, não é de se esperar um futuro para advogados (a) negras na
advocacia brasileira. Nós temos que fazer esse futuro, temos que mostrar para os nossos
filhos que o futuro da nossa raça, depende da educação, sob pena de ser dizimada pela
miséria, doenças, sentimento de impotência e pelo banzo moderno (depressão e
alcoolismo).
Bagé, maio de 2020. Luiz Alves.
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“O QUE REPRESENTA O RECONHECIMENTO DE SUA TRAJETÓRIA COMO UMA


ADVOGADA NEGRA PARA VOCÊ, PARA A COMUNIDADE E PARA SOCIEDADE?”

Maria do Carmo Santos da Silva


OAB 27084

Ser referência é uma responsabilidade tão grande que chega a dar medo.
Nós podemos querer tudo: o que é bom; o que é ruim. Mas o que é bom para mim,
será realmente para o outro? O que é ruim para mim, será realmente para o outro?
Há questionamentos que te fazem pensar. Esse é um deles: o que representa o
reconhecimento de minha trajetória como advogada negra, para a comunidade e para a
sociedade?
Como a maioria das pessoas negras, venho de uma comunidade carente. Acredito,
até, que tenha sido a primeira bacharel em direito da região onde moro: Restinga, em Porto
Alegre.
Hoje a situação está bastante diferenciada: muitos advogados, dentistas, clínicas
médicas...aparentemente não está fácil para ninguém.
Mas a resposta permanece sendo uma incógnita. Via as pessoas me olharem com
certo espanto, admiração, algumas com certa ironia, como àquela em que vindo da
faculdade, Tinga apertado, mais de meia-noite. No tempo em que se levava livros sobre
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livros (a maioria por empréstimo da biblioteca da OAB), para faculdade. Eis que um vizinho,
ao perguntar de onde eu vinha àquela hora, respondi-lhe que da Faculdade, de São
Leopoldo. Perguntada, respondi que fazia Direito na Unisinos. Como resposta, obtive que
ele também frequentava a UFRGS. – Que barato! Poxa, que legal. Eu tentei, mas não
consegui. Respondi-lhe. – E qual faculdade? – Administração. Passados alguns meses, por
acaso, descubro que o mesmo vizinho sequer havia completado o 2º grau. Ora bolas, essa
neguinha da Restinga fazendo faculdade de Direito!
Então percebi que as primeiras pessoas que deveriam acreditar que isto era
possível, estavam dentro da minha própria comunidade e inseridas na minha família. E isto
aconteceu somente quando me formei.
Já no ambiente de trabalho, colegas brancos, quando da formatura, ouvia a famosa
frase: “Ah, mas se a Maria do Carmo conseguiu, eu também consigo”. Este sempre foi um
reconhecimento meio mórbido para mim. A equivocada subestimação da mulher negra.
Mas as glórias chegaram. Foi através da minha formação que consegui convite para
ser Assessora Jurídica da FASC e, provando minha capacidade jurídica, ser convidada, a
fazer parte do Juizado Especial Civil (na época Juizado de Pequenas Causas), da Restinga
como conciliadora e, posteriormente, Juíza Leiga. Foram mais ou menos 08 anos de grande
aprendizagem!
Foi muito agradável ouvir o breve comentário do Secretário do Juizado, de que
meus Pareceres eram os que menos sofriam recursos aos Tribunais. Vitória!
Foi agradável ver alguns vizinhos, nas audiências, se espantarem com a nova Juíza
Leiga e, posteriormente, os verem frequentando faculdades seja de direito, letras,
assistente social, etc.
Foi agradável verificar que, no local onde moro, estudei, trabalhei e me formei, servi
de espelho para outras pessoas, principalmente mulheres negras as quais, até hoje,
percebo respeito e muita consideração.
Como? Um esforço enorme de minha mãe, Gladis, que não mediu esforços para que
eu enfrentasse esse mundo embranquecido e racista. Uma mulher adiante do seu tempo.
Politizada, participou dos movimentos políticos de 1964, alçando, tempos depois, o direito
a ser funcionária pública, no cargo de Merendeira Escolar.
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A ti, mamãe, todo o respeito, amor e saudades desta tua filha, que empurravas para
frente, mesmo no caminho da indecisão.
Hoje tudo se tornou um pouco mais fácil e tento passar para os meus filhos e netos,
que não existe nada maior que a formação educacional, que graças a Deus, eles vêm
conquistando. A luta nunca acaba e devemos elevar, mostrar, compartilhar e trocar nossas
capacidades intelectuais.
Evidente que houve agruras desmedidas, conotações racistas, na faculdade, de
partes e advogados que se surpreendiam com uma Juíza Leiga negra, mas sempre me
detive no proveito que poderia tirar desses momentos. O espaço era meu e, portanto,
deveria e foi conduzido por mim. Temos que reconhecer e valorizar o potencial que existe
dentro de cada um de nós.
Quanto ao futuro, espero que nós advogados negros e negras, deixemos de ser
competitivos entre si, mas que consigamos formar diversas grandes bancas de advogados,
focados e combativos em temas de extrema relevância: meio ambiente, bancário, político,
Mercosul e afins, com renovado conhecimento em áreas tão embranquecidas.
Não sei se consegui responder ao questionamento acima, mas de uma coisa tenho
certeza: Não se pode relembrar um passado racista somente para justificar o presente, e
sim, para transformar o futuro. Temos tudo para, agora, transformar.
A emoção da formatura.
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Se choca com o impacto do racismo. Sofri racismo neste evento.

Mas é no esforço e no trabalho que vencemos. Sejamos exemplo para muitos.


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RECONHECIMENTO E EMPODERAMENTO CONTRA AS DESIGUALDADES


Mauren Lisiane Acosta Amaral

Bacharel em Direito (FURG), Advogada, Pós Graduada Latu sensu em


Direito e Processo Previdenciário; Secretária Geral-adjunta da OAB
Subseção Rio Grande; Presidente da Comissão Especial da Igualdade
Racial da OAB Subseção Rio Grande. E-mail: maurelizz@gmail.com

Vivemos em um país racista. A desigualdade racial no Brasil é evidente e perene, e


à população preta foi reservado o lugar marginal no contexto social. Apesar da negativa de
alguns grupos, sobre o argumento de que a raça não seria um fator gerador de
desigualdades, as condições não são as mesmas para todos, o que dificulta o acesso dos
pretos (as) ao ensino de qualidade, aos bancos universitários e consequentemente ao
mercado de trabalho.
Quando, na contramão das expectativas sociais, alguns de nós alcançamos carreiras
de grande prestígio e reconhecimento social, tal como advocacia, necessitamos travar uma
batalha contra o preconceito e a invisibilidade todos os dias para sermos reconhecidos e
respeitados no exercício da profissão, seja pelos colegas e clientes, seja dentro das
instituições jurídicas.
Somos nós os advogados pretos (as), que somos confundidos com porteiros,
motoristas, ascensorista, recepcionistas. E não estamos aqui depreciando tais ofícios.
Somos nós os que são interpelados ao adentrar Fóruns e confundidos com as partes em
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audiências, sobretudo quando se trata de processos de natureza penal. Fatos que validam
a afirmação de que a desigualdade racial é gritante também na advocacia.
Somando a isso a variável de gênero o problema se potencializa. Ser mulher, preta,
advogada é ser questionada permanentemente acerca da sua condição e competência para
exercer a profissão. O que promove muitas vezes a necessidade de omitir a própria essência
e personalidade, adequando sua aparência e indumentária ao padrão socialmente
aceitável, qual seja ou mais próximo possível das advogadas não pretas.
Da irresignação em relação a invisibilidade que nos era imposta surgiu a Comissão
Especial da Igualdade Racial – CEIR, que concedeu reconhecimento à advocacia preta
através da promoção de estudos e debates acerca das temáticas raciais. Um espaço de fala
para aqueles que outrora foram silenciados pelo preconceito.
Sou Mauren Lisiane Acosta Amaral, mulher, preta, mãe e advogada militante na
Comarca de Rio Grande/RS. Atuo principalmente nas áreas cível e previdenciária desde o
ano de 2006. Desde fevereiro de 2019 “estou” Presidente da Comissão Especial de
Igualdade Racial da Subseção de Rio Grande/RS, e desde fevereiro de 2020, Secretária
geral-adjunta da referida Subseção.
O ano de 2019 foi um divisor de águas sob o ponto de vista profissional. Fui
apresentada ao trabalho de Ordem, como Conselheira Subseccional, e em seguida à
presidência da CEIR na minha cidade. A Comissão Especial da Igualdade Racial promoveu
atividades que repercutiram de forma bastante positiva na comunidade tendo sido
acolhida pelo Movimento Negro local. Com relação ao meio jurídico a promoção de
palestras e eventos voltados para a temática racial fomentaram debates sobre as relações
socioculturais/econômicas, como também, mobilidade social que antes não eram
abordados pela comunidade jurídica.
Pessoalmente, considero a CEIR é um encontro com a minha identidade. Pela
aproximação com outros pretos (as), colegas de profissão, que partilham dos mesmos
anseios e busca por meios de minimizar as desigualdades raciais. Podemos considerar a
CEIR um sistema de empoderamento. Nas palavras de Joice Berth:
Empoderamento como teoria está estritamente ligado ao trabalho social
de desenvolvimento estratégico e recuperação consciente das
potencialidades de indivíduos vitimados pelos sistemas de opressão, e
visa principalmente a libertação social de todo um grupo, a partir de um
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processo amplo e em diversas frentes de atuação, incluindo a


emancipação intelectual. (Berth, 2019, p. 46)

Se hoje tenho um nome e um trabalho reconhecido entre os colegas de profissão e


na comunidade, isso se deve ao trabalho que venho desenvolvendo nesta “Comissão”. E
mais importante do que ser reconhecida como uma advogada é ser referida como “a
advogada preta”. É poder desenvolver projetos e trocar conhecimentos relacionados a uma
temática de grande relevância social como a igualdade racial.
Esse reconhecimento é empoderamento para mim, para meus pares e para todos a
quem eu possa transmitir meu aprendizado. É também a busca por crescimento pessoal
através de desenvolvimento de novos projetos e ampliação dos estudos relacionados à
temática racial. É representatividade para outros pretos (as). Gosto de dizer que nessa
troca constante e revigorante de saberes nós representamos e somos representados.
Dessa forma, espero continuar absorvendo e transmitindo conhecimento ainda por
um bom tempo. É nossa missão perpetuar, fortalecer, empoderar o nosso grupo, a nossa
raça. Devemos preparar o caminho para os que nos sucederão e seguir na luta, da mesma
forma que nossos ancestrais trabalharam para que hoje possamos ocupar esse espaço.
Trabalhamos e buscamos equidade e reconhecimento no presente para que no futuro os
advogados pretos (as) conheçam a real igualdade.

REFERÊNCIAS
BERTH, Joice. Empoderamento. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019.
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O QUE REPRESENTA O RECONHECIMENTO DE SUA TRAJETÓRIA COMO UM (A)


ADVOGADO (A) NEGRO (A) PRA VOCÊ, PARA A COMUNIDADE E PARA A SOCIEDADE?

Nereidy Rosa Alves


OAB/RS 23740.

Natural de Porto Alegre. Graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela


UNISINOS em 1987. Pós-graduações em Processo Civil e Direito de Família.
Servidora da FASC por 30 anos, atuando nas áreas de Direito de Família e
Criança e Adolescente. Participou das Comissões da Mulher, Criança e
Adolescente e de Fiscalização do Exercício Profissional da OAB/RS.
Membro da diretoria executiva da Sociedade Floresta Aurora de 2000 a
2004. Aposentada e ativista ambiental.

Falar de minha trajetória é percorrer um pouco o caminho da história do negro no


Brasil. Tornei-me advogada em 1987, aos 26 anos de idade. Fiz a graduação em uma
universidade privada. Nasci em Porto Alegre, 72 anos após a promulgação da Lei Áurea.
Aos 15 anos me deparei com a realidade da desigualdade social. Fui morar no bairro
Restinga, localizado no extremo sul da Capital. Até então não sabia o que era segregação,
o que era a negação do direito à cidade pela renda, muito menos pela raça. Só sei que lá
encontrei um mundo majoritariamente negro. Se havia déficit habitacional ou a explosão
imobiliária, ignorava, mas passei a observar que o que afeta a sociedade de modo geral,
afeta as pessoas de maneira diferente e lá vi de perto o que representava a exclusão e seu
alargamento. Nas minhas famílias, biológica e afetiva, o assunto escravidão era evitado e
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depois entendi que o era porque doía falar, era uma ferida aberta, que sangrava. Na
sociedade não havia remédio nem sutura para nossa dor, ao contrário, a desigualdade foi
naturalizada. Na escola, era uma história contada a partir da ótica colonizadora, nos
reduzindo, nos envergonhando. Na universidade fazia parte da chamada minoria e me
sentia estranha, por mais que desejasse ali estar.
A questão racial não era pauta nas discussões no meu meio formal acadêmico, o
era em grupos distintos, fora de lá. Era preciso desconstruir muita coisa, me fortalecer,
levar em conta o esforço e história da minha ancestralidade. Fui crescendo junto com a
injustiça social.
O pensamento elitista dominante construiu o senso de que éramos inferiores em
todos os aspectos e que a nossa condição de miseráveis era de nossa absoluta
responsabilidade.
A contribuição histórica negra foi renegada, nossa cultura desprezada. Este cenário
corrosivo e cruel contribuiu e acabou por gerar-me muita insegurança. O mercado de
trabalho esperava e espera um sujeito completo. Como ser este sujeito, nesta sociedade?
Nos anos 80, por sorte, o país borbulhava pela redemocratização, emergindo os
movimentos sociais e entre eles o Movimento Negro, o grande responsável pelo
protagonismo negro na luta. Participei dentro dos meus limites e passei a ter a certeza de
que o coletivo, que os movimentos organizados fazem a diferença.
Já certa de que a luta deveria ser constante, escolhi como tema para meu Trabalho
de Conclusão de Curso - TCC: “A Discriminação Racial à Luz do Direito Brasileiro”. Fui
persuadida por diversos professores para “trocar” o tema; para escolher um que fosse
rentável no futuro; ou que não gerasse tanta polêmica. A lógica continuou a ser perversa,
mas persisti. O tempo era analógico e pouco ou quase nada havia de produção acadêmica
sobre o tema, assim como literatura. A prática de racismo era tipificada como contravenção
penal e já havia uma movimentação na sociedade civil, por força do movimento negro, para
que passasse a ser crime. Esta foi a linha do meu TCC. Formei-me em 1987 e em 1988, com
a Constituição Federal, as práticas de racismo passaram a ser crime. Uma vitória!! Antes
de ser uma advogada negra, eu era uma mulher negra, oriunda de uma família de iletrados
trabalhadores braçais, de onde herdei a resiliência das velhas feridas, dignidade e desejo
de mudança.
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A tomada de consciência para reverter a situação se deu a partir do acesso ao


conhecimento e também porque outros tantos já haviam trilhado o árduo caminho na
busca de qualificação profissional, servindo-me como exemplo. Sem dúvida que a
conclusão do curso de direito e minha inclusão na classe de advogados no meu País me
trouxe uma enorme satisfação pessoal, foi uma conquista que só se tornou possível graças
ao amparo de minha família e de amigos. Tenho a sensação de que foi uma vitória coletiva!
Tal conquista representa estar incluída? Com o diploma e a habilitação profissional
e sem “herança” de um escritório de advocacia, nova batalha, novas batalhas e novas
batalhas foram traçadas, porque as janelas de acesso são de fato muito estreitas.
O mundo passou a ser digital e a internet descortinou, possibilitando a militância
ostensiva. O tempo é outro, a linguagem é outra, mas os desafios não são novos, muito se
tem a fazer.
Ser uma advogada negra em uma sociedade que se mantém racista e machista é
um desafio cotidiano e a necessidade de participação do Estado é fundamental para
reparar os efeitos devastadores do regime escravista e oferecer segurança às mulheres,
criando oportunidades de acesso a bens e serviços essenciais a todos (as), garantindo o
respeito no âmbito dos ambientes de exercício profissional.
Concluindo, digo que entendo que para que haja o efetivo reconhecimento de
nossas trajetórias como advogados e advogadas negros (as) no cenário brasileiro, além da
satisfação pessoal, é preciso que o desafio pela luta e novas conquistas seja conjunto e
constante, ou seja, que cada operador (a) do direito, cada membro da comunidade e a
sociedade em geral sejam os (as) protagonistas do antirracismo e lutem pela implantação
de políticas públicas reparatórias para que de fato possamos nos desenvolver em nível de
igualdade em busca de um mundo mais justo.
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ENSAIOS

Patrícia Alves Marques da Silva

1998: Conclusão do Curso de Direito.


2016: Idealizou o projeto para criação da Coordenadoria Municipal de
Igualdade Racial.
2017: Instituída a Coordenadoria Municipal de Igualdade Racial- Atuação:
Assessora Jurídica
2017: Coordenadora da Comissão Especial de Igualdade Racial OAB
Subseção Bagé.
2017: Presidente do Conselho Municipal de Igualdade Racial.
2018: Passou integrar o GT Gênero e Raça da Comissão da Mulher
Advogada Estadual.
2018: Integrante da Comissão Especial de Igualdade Racial/ OAB RS.
2019: Coordenadora do GT Expansão Institucional da Ceir/RS.

Me chamo Patrícia Alves Marques da Silva, nasci no dia 26 de outubro do ano de


1975 em Bagé, no interior do RS.
Filha de Luiz Alves e Vani Dutra Alves, pessoas a quem devo tudo que eu sou hoje.
Meus pais apesar dos poucos recursos, não mediram esforços para dar uma boa
educação a mim e ao meu irmão.
Desde cedo aprendemos que somente estudando poderíamos conquistar nosso
espaço, e como agradeço estes ensinamentos!
Meu pai foi um dos fundadores do Movimento Negro na cidade nos meados dos anos
80, por esta razão fui criada em um ambiente que sempre me ensinou a ter orgulho da
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minha cor, da minha etnia. Eu costumo dizer que o racismo é uma “guerra” que toda a
pessoa negra mais cedo ou mais tarde, precisará enfrentar, e eu fui preparada muito cedo
para ela.
O fato de ter escutado desde muito pequena, que eu não era melhor que ninguém,
mas que minha cor de pele não me tornava inferior ou menos capaz, com certeza contribuiu
muito para me tornar a mulher que sou hoje, alguém que tem muito orgulho da sua origem.
Este mesmo ensinamento passei a minha filha Emilli, que ainda muito pequena já era
ensinada a ter orgulho da sua cor, seus traços, sua história. E acredito que assim como meus
pais, também tive sucesso neste ensinamento, já que hoje ela é uma adolescente que se
orgulha da sua raça e não admite nenhum tipo de preconceito ou discriminação.
Comecei a trabalhar aos 12 anos de idade juntamente com meu pai, após o mesmo
com muito sacrifício, ter concluído o curso de Direito.
Meu contato com a rotina jurídica começou relativamente cedo, no início
acompanhava meu pai nas idas ao Fórum e Justiça do Trabalho, achando tudo encantador.
Aos 15 anos já sabia que queria ser advogada. Ingressei no curso superior de Direito
aos 18 anos no ano de 1994, tão logo conclui o ensino, médio na Universidade da Região da
Campanha (Urcamp).
Considerando o fato de que a maioria das pessoas negras ingressam em um curso
superior mais tarde, posso considerar que fui privilegiada, privilégio esse que tive graças ao
esforço dos meus pais.
Trabalhei durante toda a minha faculdade, um período no escritório junto ao meu
pai, após fui trabalhar em um escritório de compra e venda de Ações e também trabalhei
como bolsista em uma creche que mantinha convênio com a Universidade, horas
trabalhadas eram abatidas na mensalidade, eram tempos difíceis financeiramente.
Conclui meu curso superior em 1998, mesmo trabalhando estudava muito, pois sabia
que as minhas notas, o meu rendimento seria a resposta para aqueles olhares que
transmitiam a mensagem de que ali não era o lugar de uma mulher pobre e negra. E sempre
tive as melhores notas da sala, conclui todo o curso sem ter realizado nenhum exame. Era a
minha forma de dizer: Esse lugar me pertence sim!
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Por diversas vezes fui a única negra na turma, durante todo o curso, o máximo que
chegamos foram três alunos negros, isso somando os turnos manhã e noite, que totalizavam
mais de setenta alunos.
Eu já estava acostumada em ser a "única" em alguns lugares, pelo fato de ter
estudado em escola particular, da pré-escola até o sexto ano, metade da minha trajetória
escolar, por diversas vezes era a única aluna negra em sala de aula.
Apesar de ter sido ensinada a exigir respeito e não me calar diante das
discriminações, ser a única nos espaços cansava… por vezes entristecia.
Minha trajetória na advocacia: Me formei no ano de 1998 nessa época eu já estava
trabalhando novamente no escritório, apesar de ter todo o suporte e amparo do meu pai ,
o que sem sombra de dúvidas me ajudou muito ,pois como sempre digo ele já havia aberto
grande parte do caminho, era o meu início realmente como advogada, e para uma mulher
negra com 23 anos, ingressar em uma profissão que há vinte anos atrás ainda era
predominantemente masculina e branca, não foi uma tarefa fácil , mas eu estava disposta
a enfrentar, e Deus me permitiu ter alguém ao meu lado , que foi e ainda é o meu espelho,
quem eu sei que eu posso sempre contar.
Sempre que falo em racismo, as pessoas me perguntam se eu sofri alguma
discriminação no exercício da profissão, sim sofri, mas ela nunca foi de forma explícita e sim
velada, por exemplo através da pergunta, mas é advogada mesmo? Ou então nos olhares
surpresos quando procuram a Dra. Patrícia e se deparam com uma mulher Negra, alguns
anos atrás essa surpresa era justificada (tentavam justificar!) Pela pouca idade, quando na
verdade eu sabia que não era a idade que surpreendia, mas o fato de ser uma advogada
Negra.
Mas a cada olhar, a cada “prejulgamento”, cada vez que a minha capacidade era
colocada à prova, mais eu percebia que deveria lutar por aquele espaço, para que as pessoas
entendessem que ele nos pertencia também.
Essa foi uma das razões que sempre estive de uma forma ou outra ligada a
movimentos e projetos de luta pela igualdade de espaços e oportunidades. Em novembro
de 2016 demos início ao projeto para criação da Coordenadoria Municipal de Igualdade
Racial, após cinco meses de muita luta, em abril de 2017 o projeto foi aprovado sendo então
instituída Coordenadoria Municipal.
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Durante o período de atividades da coordenadoria realizamos diversas atividades


junto à comunidade local, orientações e assistência nos casos de crimes raciais.
Foi um período que também valorizamos e demos visibilidade a diversas
personalidades negras que contribuíram para nossa sociedade e que nunca tinham recebido
o devido reconhecimento.
Após foi instituto o Conselho Municipal de Igualdade Racial, na ocasião fui eleita a
presidente do referido conselho.
No ano de 2017, um outro desafio, foi convidada pelo então presidente da Subseção
OAB Bagé, Dr. Marcelo Marinho para criação da Comissão de Igualdade Racial na subseção,
tendo sido então nomeada como coordenadora da mesma, cargo que ocupo até a presente
data.
É um trabalho que me proporciona uma imensa realização pessoal, a cada reunião,
a cada evento, cada palestra realizada, eu tenho a certeza que é um trabalho extremamente
necessário.
No ano de 2018 passei a integrar o GT Gênero e Raça, um grupo de trabalho criado
dentro da Comissão Estadual da Mulher Advogada, e reconheço que ali, pela primeira vez
realmente me senti representada como Mulher Negra Advogada.
Através desse GT nasceu a Comissão Especial da Igualdade Racial da OAB/RS,
estando a frente dela a Dra. Karla Meura que faz um excelente trabalho, principalmente por
exercer uma liderança de forma coletiva, onde todos participam e contribuem nas
construções.

Fazer parte da Comissão de Igualdade Racial, muito me orgulha e fortalece, pelo


trabalho realizado dentro e fora do ambiente jurídico, e por estar com pessoas que
enfrentam as mesmas dificuldades, dividimos dores e conquistas, é um fortalecimento
coletivo.
Para nós negros, a questão da representatividade tem um peso muito importante,
se ver representado ou servir de representação para alguém, significa que um de nós chegou
lá e outros chegarão também. E muito embora o sistema tente nos fazer acreditar, que
determinado espaço não foi feito para nós, a representatividade significa que um de nós
está provando o contrário.
75

Um fato muito marcante na questão da representatividade na minha vida se deu no


ano de 2018, a Comissão da Criança e do Adolescente da OAB subseção local, realizou uma
visita a uma casa abrigo de meninas, e conversando com estas sobre as profissões que
gostariam de seguir, uma delas disse que “gostaria muito de ser advogada, mas que sabia
que não poderia” ao ser questionada por que não poderia ser, ela disse porque não existe
advogada Negra!
Foi explicado para ela que existia sim, que inclusive tinham na OAB uma comissão
coordenada por uma advogada negra. Após alguns dias, houve um evento na sede da OAB,
onde essas meninas compareceram chegando lá, a primeira pergunta que foi feita pela
referida menina foi onde está a advogada Negra? Levaram ela até a mim, que não tinha
conhecimento da história dela, e ela me olhou e disse: A senhora é advogada de verdade?
Quando soube da história e dos sonhos dela, de ser advogada, mas que achava que não
poderia, por ter escutado que não inventasse coisa que onde já se viu negra advogada? Nós
conversamos bastante e eu mostrei, que ela poderia assim que existem advogadas negras e
que ela também poderia ser uma delas, a expressão de felicidade e esperança no olhar
daquela menina, jamais vou esquecer! Sem sombra de dúvida, foi uma das vezes que eu tive
a certeza da importância da representatividade em nossas vidas.
E hoje estar à frente de Ceir /Bagé e fazer parte da Ceir Estadual, gratificam
principalmente por esse trabalho, essa visibilidade, por mostrar que nós existimos e que
esses espaços, ainda que contrariando “pré-conceitos” também é nosso, da advocacia
Negra.
O trabalho nas comissões, para mim representa a continuidade de uma luta pela
conquista e manutenção de espaços, que outros advogados negros que nos antecederam,
como meu pai muito galgaram para entrar em um universo jurídico que foi por muitos anos
exclusivamente Branco.
Apesar dos avanços que já tivemos, vejo que ainda há muito que se caminhar ..., Mas
o caminho se faz caminhando e isso estamos fazendo, caminhando buscando e provando
que temos os mesmos direitos que os nossos colegas não negros, que a cor da nossa pele
não pode ensejar desigualdades e nem tratamento diferenciado negativamente.
Seguimos lutando pelos que vieram antes de nós e que infelizmente pelas
dificuldades enfrentadas não conseguiram seguir em frente.
76

Seguimos por nós, por acreditarmos que esse é o nosso lugar.


Seguimos lutando, pelos que virão para que quando aqui chegarem, encontrem um
espaço mais livre de preconceitos.
77

Patricia de Aguiar Soares Nunes


OAB/RS79188

Ser mulher, negra, mãe e advogada, não é para qualquer uma.

Sou advogada a uma década, ingressei nos quadros da OAB/RS em março de 2010,
sempre trabalhei com direito previdenciário e alguma atuação no direito do trabalho,
também fui advogada correspondente por alguns anos nas comarcas da Região
metropolitana, atuando nos Juizados Especiais.

Não tive um início de carreira fácil, até porque conseguir estágio em grandes
escritórios não missão quase impossível l, morava em Guaíba, era negra, casada e tinha um
filho com menos de 03 anos de idade e me formei com 30 anos, fora dos padrões desejados.

Como sempre gostei muito do direito social, trabalhei por um bom tempo
produzindo as peças cuidando do processo e indo as agências do INSS, para a realização
dos procedimentos administrativos, recebendo muito a quem do valor cobrado pelo
proprietário do escritório, realizava a instrução dos colegas para as audiências em matéria
78

previdenciária e atendimento aos clientes , trabalhava na retaguarda , pois não tinha o


perfil para representar o escritório, fiquei nessa situação por mais ou menos dois anos.

Afinal tinha certo receio de não conseguir andar sozinha, até que meu filho adoeceu
e fui demitida, foi ai que um escritório estava recrutando advogados recém- formados me
contatou, pois havia largado currículo para todo o lado, a proposta que me fizeram não era
a que eu esperava só estavam querendo realizar uma parceria pois a minha localização
geográfica era interessante e sabiam que não tinha experiência, aceitei realizava diligências
e audiências por R$25,00 a R$30,00, nenhuma atuação jurídica, apenas mecânica, mas foi
onde vi a possibilidade de começar advogar por conta própria na área previdenciária, pois
as correspondências me garantiam um fixo que não podia abrir mão, sou casada e nessa
fase meu marido trabalhava como metalúrgico chão de fábrica e o meu dinheiro mesmo
pouco ajudava muito no orçamento familiar.

Mas o que eu sempre almejei foi ter o meu próprio escritório , mas dinheiro faltava
e muito para isso, então resolvi bater na porta de um antigo advogado de Guaíba, cidade
que residia na época e fiz a proposta de cedência de um espaço de seu escritório para
atendimento de meus clientes na área previdenciária em troca da metade dos honorários
auferidos ele aceitou e foi onde realmente me senti advogando em mais ou menos dois
juntei capital e aluguei a minha primeira sala, o orgulho que senti quando entrei a primeira
vez no meu escritório foi indescritível, havia chegado no objetivo levei uns 05 anos após a
inscrição de quadros da Ordem para conseguir ter cartela de clientes e escritório próprio.

Mas em 2013 meu esposo foi aprovado em concurso público e sua vaga era para a
cidade de Uruguaiana, município que resido até hoje. Confesso que a notícia dele ter
conseguido conquistar seu cargo público me gerou um misto de felicidade e frustração,
pois teria que novamente abrir o caminho para advogar em outra cidade me fazer conhecer
captar clientes e fazê-los acreditar no meu trabalho.

Em razão da mudança fiquei um ano sem trabalhar cuidando da adaptação do filho


a cidade nova, fui mãe em tempo integral, mas advogada estava lá pedindo para retornar.

Foi então vi o edital para o processo seletivo de Juiz Leigo para Comarca de
Uruguaiana, fui classificada, mas para assumir não foi assim tive que bater todos os dias na
79

vara para saber quando assumiria e ninguém me passava as informações corretas, assumi
na insistência atuei por 08 meses, mas não era ali que queria atuar, sentia muita falta de
exercer a advocacia.

Durante o tempo que atuei como juíza leiga, conheci o trabalho voluntário de apoio
as vítimas de violência doméstica, abracei a causa e lá trabalhei como advogada voluntária
, o que me trouxe satisfação pessoal em ajudar outras mulheres as auxiliando nesse
momento tão delicado e nesses atendimentos elas traziam outras demandas, pois me
diziam: Dessas falas vi que de maneira simples elas me diziam que a representatividade
importa e faz diferença , pois infelizmente a grande maioria das mulheres vítimas de
violência doméstica são negras, desse trabalho conheci o fórum da igualdade racial e o
movimento negro de Uruguaiana, dos quais faço parte atualmente.

Há cinco anos abri meu escritório de direito previdenciário em Uruguaiana e


continuo atuando na luta pelos direitos sociais, até hoje. Digo sem sombra de dúvidas que
ser mulher negra, mãe e advogar nesse país não é tarefa fácil, mas também tenho certeza
que todas as “pedras” do caminho me fizeram forte e para as futuras colegas peço não
desistam insistam, ocupem os espaços que nos são de direito. Nossa ancestralidade
agradece.
80

BIOGRAFIA PROFISSIONAL LITERARIA

Patricia Oliveira
OAB/RS 37.746

Traduzo minha trajetória de 25 anos na advocacia com palavras de uma guerreira:


gratidão, luta pelos objetivos, estudos, dedicação, amor pela profissão e empatia.
Eu Patricia da Silveira Oliveira nasci em Porto Alegre- RS, sou descendente de uma
família multirracial, com a ancestralidade africana e européia.
Minha trajetória no ensino sempre foi em escolas católicas. Minha graduação se
deu pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos-Unisinos, em 4 de agosto de 1995, aos 24
anos de idade, sendo aluna egressa da instituição em março de 2020 com a titularidade de
mestranda.
O curso de Direito iniciou fazendo parte da vida por incentivo de meu saudoso pai
Paulo Rubilar dos Santos Oliveira. Ingressei na faculdade no ano de 1989, aos 19 anos de
idade. Durante a vida acadêmica estagiei no IPERGS, Defensoria Pública RS e Ministério
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Público RS, sendo que o estágio no IPERGS foi determinante tanto na minha monografia,
como na vida profissional.
Na graduação com maestria obtive a nota máxima no trabalho de conclusão, tendo
sido a única aluna da banca de defesa, em que estava submetida, aprovada com distinção.
Em face a minha pesquisa ter sido realizada sobre a Integralidade da Pensão por Morte no
Estado do RS a luz da Constituição Federal de 1988, num lapso temporal muito exíguo meu
trabalho alcançou uma visibilidade grandiosa que consolidou minha carreira como
advogada.
Militante desde o ano de 1995, as realizações iniciais aconteceram devido o apoio
de familiares e de pessoas amigas que tenho maior apreço, respeito e admiração. Porém,
profissionalmente não posso deixar de citar o meu orientador na graduação Dr. Nei Rafael
Lopes, que me apresentou ao jornalista Enir Borges, fundador da Associação de Idosos
“Ardapi” e apresentador do programa na Rádio Caiçara, locais onde participei de
entrevistas e prestei assessoria jurídica. Meu mestre querido e saudoso Dr. José Luzardo
Silveira, que incansavelmente me transmitiu seus valiosos conhecimentos. Ricardo Gaston,
irmão de coração de meu pai, que gentilmente me cedeu parte de seu espaço no escritório.
Concomitantemente com o exercício da advocacia no escritório, em 1999 por conta
de ter sido aprovada no processo seletivo para um contrato temporário, laborarei no cargo
de advogada Especialista I, na procuradoria do INSS, me desligando da função no ano de
2004. A partir do ano de 2005 passei a fazer parte do quadro de Conciliadores no 5º Juizado
Especial Cível, sendo que na sequencia atuei, também, no 3º e 4º Juizado Especial Cível,
todos na Comarca Porto Alegre. Atuando como conciliadora nos Juizados até 2014,
seguidamente fui convidada a atuar como advogada dativa no 3º Juizado Especial Cível,
função que exerço até a presente data. Igualmente, faz parte de minha trajetória
profissional o cargo de conciliadora pelo CEJUSC.
Paralelamente ao exercício da advocacia, realizei especialização em Direito Civil e
Processo Cível pelo IARGS e a Escola da Ajuris RS, entre tantos outros cursos de atualização.
No ano de 2019 fiz parte do corpo de formação do Grupo Afro Juristas RS, no qual
sou coordenadora, e me tornei membro do Grupo de Pesquisa Antirracismo-Escola do
Legislativo-Câmara Municipal de Porto Alegre.
82

Após ter sido aprovada no processo seletivo do mestrado pela Unisinos, em


dezembro do ano de 2019, com muita honra retornei no ano de 2020 para academia
Mestranda em Direito Público no @ppgdireitounisinos, sendo eleita pelos colegas
representante dos discentes no mestrado Direito. Como pesquisadora tenho por objetivo
estudar o cumprimento das normas jurídicas relativas a equidade de direitos étnico-racial,
como forma de desconstrução do colonialismo e do racismo estrutural.
Ainda no ano de 2020, igualmente me senti honrada pelo convite da Dra. Karla
Meura, Presidenta da Comissão da Igualdade Racial, para ser membro da Comissão da
Igualdade Racial, desenvolver o projeto de formação e coordenar o Grupo de Trabalho e
Pesquisa Antirracismo da OAB/RS. O primeiro trabalho desenvolvido é o Grupo de Estudos
Antirracismo em parceria com a Escola Superior da Advocacia.
Por todos os desafios, vitórias e realizações agradeço primeiramente a Deus, aos
mentores espirituais que me guiam e protegem e aos meus ancestrais. Expresso, também,
minha gratidão aos meus familiares, amigos, professores e colegas que colaborativamente
fazem parte da minha caminhada.
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ENSAIOS

Renata Santos
OAB/RS 94.201B

Sou advogada especialista em direito previdenciário, com escritórios nas cidades de


Osório, Porto Alegre e Canoas.
Em 1999 prestei concurso para o Tribunal de Justiça do RS para um cargo que exigia
apenas ensino fundamental incompleto, embora já tivesse ensino médio completo.
As atribuições do cargo consistiam basicamente em limpeza, mas na verdade
fazíamos serviços administrativos de baixa complexidade nos setores do TJ. Minha chefe
percebendo que eu tinha capacidade e vontade de aprender mais, logo me passou tarefas
mais complexas. Fazíamos rodízio para atendimento dos advogados no balcão, mas nunca
havia passado pela minha cabeça me tornar uma advogada. Quando surgiu, em 2005, a
chance de entrar numa faculdade através do sistema de cotas, escolhi o curso de direito,
mas sempre pensando em alçar voos dentro do próprio TJ. Ao concluir a faculdade, em
2009, percebi que não seria fácil, pois meu cargo era nível fundamental e não havia plano
de carreira. Assim, como nunca tive medo de recomeçar e buscar o que quero, me exonerei
e me aventurei em outro ramo, que logo não deu certo por falta de experiência. Resolvi,
então, mudar para Salvador e chegando lá, depois de passar por alguns perrengues, passei
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num processo seletivo para trabalhar na Defensoria Pública e, posteriormente, na


Secretaria de Administração. Ainda insatisfeita profissionalmente, resolvi, por fim, voltar
para minha terra natal (Osório) e advogar.
Hoje, passados 06 anos dessa decisão, eu não poderia estar mais feliz e realizada.
Tenho muito a agradecer a minha grande amiga e colega Drª Jaqueline Santos que
me apresentou a advocacia previdenciária, ramo do direito que tem meu amor
incondicional.
Agradeço também ao amigo e colega Dr. Gilson Medeiros que acreditou em mim e
oportunizou para que eu iniciasse minha carreira na área jurídica.
Não vou dizer que é fácil ser MULHER, NEGRA, ADVOGADA!! É difícil, muito difícil!
Em 2017 comecei a participar das reuniões da Comissão da Mulher Advogada da
OAB/RS, a convite da minha amiga e colega Karla Meura, que teve a percepção de que
deveríamos ter representatividade dentro da entidade que nos representa.
Dentro da CMA, participei do projeto Mulheres de Ordem nas Comunidades, que
foi um projeto que me trouxe um aprendizado incrível.
Em 2018, tive a oportunidade de participar da criação da Comissão da Igualdade
Racial da OAB/RS, tendo sido nomeada como a 1° secretária da comissão.
As pessoas não estão acostumadas a nos verem em posições diferentes daquelas
que traçaram para nós. Todos os dias temos que matar um leão, respondendo perguntas
que muitos colegas não teriam que responder por serem brancos: A senhora é a parte? O
seu advogado não veio? Só pode entrar advogados? A senhora é a testemunha? A
advogada está?
EU ESTOU INVISÍVEL? NÃO ESTOU!! Estou aqui, estou marcando meu território,
estou fazendo minha história e estou tentando mudar a história de muita gente,
principalmente dos meus sobrinhos para que no futuro eles possam ocupar todos os
espaços e não causem estranheza!!!
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RE(CONHECENDO HISTÓRIAS NEGRAS)

Rochele Oliveira Silva


Filha de Flaír Oliveira Silva e Antônio Carlos Alves de Souza, advogada,
especialista em direito previdenciário, palestrante, presidente da Comissão
da Igualdade Racial OAB Subseção de Cachoeirinha, ativista feminista
negra.

Quando pequenina eu tinha muitos desejos e todos eles incluíam o propósito de


fazer a diferença na vida das pessoas, seja pela ajuda profissional ou pela
representatividade, em mostrar que é possível acreditar no sonho que se tem.

Na juventude essa inquietude foi aumentando e me levou a pensar em duas


possíveis profissões a seguir, o direito ou a psicologia. Até hoje creio que ambas atingem o
meu propósito e que, em minha trajetória, sempre estiveram ligadas de alguma forma,
apesar de ter escolhido o direito como meu norteador.

Ainda no curso de direito, em universidade particular, pude perceber a sutileza de


questões que ainda não havia percebido com o olhar que tenho hoje. Na minha turma, de
quarenta e poucos alunos, éramos apenas em duas mulheres negras. Tenho quase certeza
que ninguém fez essa leitura de maneira crítica, com exceção de alguns professores
engajados na sociologia.
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Trago essa reflexão para reafirmar o meu propósito. Estava ali não só por mim, mas
por todas aquelas pessoas negras que sonhavam em sentar no banco acadêmico com
dignidade e respeitabilidade. Naquela época, talvez, eu não tenha tido essa clareza, mas
hoje vejo que esse foi o meu papel, enquanto universitária.

No Direito escolhi empreender com a advocacia e lembro que, apesar de


reconhecer essa como minha vocação, não foi uma escolha justa. Digo isso porque o
mercado de trabalho não é muito inclusivo com mulheres negras.

Como advogada iniciei meu trabalho institucional, primeiramente na presidência da


Comissão de Direito Humanos da OAB Subseção de Cachoeirinha/RS, posteriormente
engajada à OAB Estadual, participando do Grupo de Trabalho de Gênero e Raça na
Comissão da Mulher Advogada OAB/RS.

Ali, no GT de Gênero e Raça, surgiu uma ideia, um sonho, um propósito em comum


que veio ao encontro de nossos anseios, enquanto advocacia negra. Foi então que, com o
esforço conjunto, sobretudo da presidente da CEIR* Dra. Karla Meura, apoiada pelo
presidente da OAB/RS Dr. Ricardo Breier, que surgiu a Comissão Especial da Igualdade
Racial da OAB/RS. Neste mesmo momento assumi a Comissão Especial da Igualdade Racial
da OAB Subseção de Cachoeirinha/RS.

Foi lindo e gratificante vislumbrar essas formações dentro da advocacia, dando


visibilidade e voz à advocacia negra que, apesar de não aparecer, representa boa parte dos
advogados inscritos no quadro da Ordem Gaúcha.

Apesar disso, ainda percebo que precisamos evoluir muito, enquanto negros
operadores do direito, pois em 10 anos de formação, sendo que todos eles foram
dispendidos em trabalhos dentro da área jurídica, nunca tive a honra de dividir o mesmo
espaço com uma colega negra, seja na condição de juíza, de advogada, ou mesmo
coordenadora ou diretora jurídica de órgãos ou empresas. Isso me entristece e me causa
temor.

Por isso, ao retomar o meu propósito de infância, consigo perceber que ele é muito
maior do que eu imaginava naquela época. É gigante! E faz muito sentido hoje estar
presente, sentir a representatividade de tantas personalidades negras que alçaram voos
87

altos e representar muitas coisas para meninas negras que estão sendo apresentadas para
uma sociedade impregnada pelo patriarcado e por culturas que minimizam, violentam e
preterem as mulheres, sobretudo as mulheres negras.

Na condição de mulher, negra, advogada, percebo que a invisibilidade da advocacia


negra no passado trouxe uma herança que aos poucos está sendo dirimida com a Comissão
Especial da Igualdade Racial e a participação, ainda “tímida”, dos advogados(as) às demais
Comissões da OAB/RS. Vejo que ainda temos muito a evoluir, tendo como principal
demanda a permanência da Comissão da Igualdade Racial na OAB/RS, bem como o recorte
de raça e esse olhar atento à advocacia negra em todas as questões de Ordem, pois dessa
forma é possível um fortalecimento para enfrentar as questões sociais de maneira
profunda e responsiva.
88

UM SONHO QUE SE TORNOU UMA REALIDADE, ADVOGADO, NEGRO, DESCENDENTE


DOS NEGROS DO MORRO ALTO

Romildo Marques da Rosa


OAB/RS nª 35720

O presente trabalho dedico para minha esposa Ângela das Chagas Gomes, meus
filhos, Bruno Menezes da Rosa, Marianne Gomes da Rosa e Rafael Gomes da Rosa.
Meu reconhecimento aos meus colegas, com quem eu tive a honra de conhecer no
período da fase universitária, e depois na labuta profissional, onde compartilharam vitórias
e derrotas, mas, sempre irmanados fraternalmente: Dr. Laércio Carvalho dos Santos e Dr.
Marcelo Fabiano Iorra.
Minha gratidão a este homem que muito me honra com a sua confiança, pelo qual
sinto orgulhoso da sua amizade, em especial ao Dr. Oscar Glusman, Médico sempre
prestativo e presente nos momentos decisivos, em diversos momentos me ouvindo e me
apoiando para que fosse possível a minha realização profissional.
“In memoriam” aos advogados Dr. João Pedro Pacheco Cunha, Zeno Martins
Stenzel, Romildo Bolzan. “In memoriam” ao meu padrinho Armindo Reinaldo Saft e Sr.
Potássio Marques da Rosa, pois foram incentivadores, acolhedores, conselheiros e
compartilharam comigo seus conhecimentos e exemplos, possibilitando a realização do
meu sonho e êxito na carreira jurídica.
89

Eu, Romildo Marques da Rosa, brasileiro, advogado, negro, nasci no dia 12 de


dezembro de 1963, na residência de meus pais, no distrito de Maquiné/Osório/RS (hoje
Município).
Ressalto, que recebi este nome, em homenagem ao ex-Deputado Estadual do RS,
ex-Prefeito de Osório/RS e Advogado, Dr. Romildo Bolzan.
Inscrito nos quadros da OAB/RS, em 12 de agosto de 1994, sob o n.35720. Nasci
em uma região do Estado do Rio Grande do Sul (Litoral Norte), comunidade pobre
(Prainha/Maquiné/RS), onde a atividade ligada aos escravos estava presente, zona rural,
primordialmente, atividade de economia familiar e a maioria delas, economia sustentada
na elaboração de matérias primas, originárias da agricultura e pesca.
As maiorias das famílias da minha comunidade eram parentes entre si e compostas
basicamente, por Negros e Mulatos.
Nasci em uma família composta com 5 (cinco) irmãos:( Amábile Ferreira da Rosa (In
memoriam), Luis Wanderlei Marques da Rosa, Wilson Marques da Rosa, Renato de Jesus
Marques da Rosa (In memoriam) e Romildo Marques da Rosa. Meu pai, Júlio Elói da Rosa
(Nasceu Prainha/Maquiné/RS, em 22/07/1921/Mulato/ agricultor/Comerciante) e minha
mãe, Ercília Marques da Rosa (Nascida em Osório/RS, 14/10/1921- Negra/Professora
Primária em diversas localidades e Municípios da Região, por exemplo:
Prainha/Maquiné/RS, Boa Vista/Terra de Areia/RS, Itatí/RS e Três Forquilhas/RS.
Meus pais sempre foram empreendedores e líderes comunitários, na cidade de
Capão da Canoa/RS e em Maquiné/RS, destacando-se pelo espirito de fraternidade e
solidariedade à todas as pessoas de sua comunidade.
Politicamente, sempre foram ligados aos ideais trabalhistas e filiados ao antigo PTB
(Partido Trabalhista Brasileiro) e por último ao PDT (Partido Democrático Trabalhista),
ambos, sempre cultivaram os ideais de Getúlio Vargas, Alberto Pasqualini, João Goulart e
Leonel de Moura Brizola e sempre foram amigos e militantes (cabos eleitorais) do Ex-
Deputado Estadual, Romildo Bolzan.
Sempre cultivaram as heranças culturais africanas, costumes e tradições religiosas,
eram Católicos, devotos de Nossa Senhora do Rosário, e, integrantes (dançantes, capitão
da espada e festeiros) do Grupo Religioso do Maçambique ( existente em Osório/RS),
composta, somente, por dançantes negros/mulatos(descendentes de africanos), que
90

residem na Prainha, Morro Alto, Aguapés e Osório, contendo danças características e


cantos religiosos, além da coroação de uma Rainha Ginga e um Rei de Congo, personagens
estes existentes na história da África.
Meu aprendizado começou: fase primária na Escola Municipal 20 de Setembro e
Escola Municipal Floriano Peixoto, na comunidade da Prainha/Maquiné/RS. Ensino
Fundamental no Ginásio Divina Providência (Ginásio Dom Luis Guanella) e Escola Estadual
Luiz Moschetti e o segundo grau na Escola Estadual Riachuelo, todos em Capão da
Canoa/RS.
Iniciei no Curso de História na Faculdade Cenecista de Osório - FACOS (Osório/RS),
suspensão do referido curso, quando aprovado em Ciências Jurídicas e Sociais na
Universidade do Vale do Rio dos Sinos/ Unisinos/São Leopoldo/RS.
Em agosto de 1994, com o meu diploma de advogado, começo advogar em Porto
Alegre e Capão da Canoa/RS.
Em 1997, fui nomeado pelo Prefeito de Maquiné/RS, Sr. Enedir José Rech, para
atuar como Procurador Jurídico do Município de Maquiné/RS (Portaria de nomeação
n.035/97).
No ano de 1998, atuei em conjunto com o advogado, Dr. Omar Ferri (OAB/RS
2.406).
Em ato contínuo, ajuizamos as ações próprias, referentes ao processo de cassação
do mandato do Prefeito de Maquiné, e fomos vitoriosos em todos os pleitos, assegurando
juridicamente, que o mandato do Prefeito Municipal, fosse mantido até o fim do período.
Atuamos na defesa do Prefeito Municipal, Sr. Enedir José Rech( PDT), em razão das
várias denuncias, todas com notória subjacência política, fundamentada em Relatórios
de uma Comissão Parlamentar de Inquérito ( CPI), instauradas pelos adversários políticos
do mesmo, na época, composta por seis (6) vereadores pertencentes aos quadros do PMDB
e PPS, na tentativa de cassação do mandato eletivo do Prefeito Municipal, pois, o seu
afastamento implicaria na posse do vice-prefeito, Davenir Bopsin ( PMDB).
No ano de 1999 fui nomeado como Secretário de Assistência Social deste mesmo
Município (Portaria de nomeação n.355/99).
Fui agraciado em razão da minha atuação profissional, em várias oportunidades.
91

E, em 24 de novembro de 2001, tive a honra de receber do Juiz de Direito Diretor


do Foro de Osório, Dr. Gilberto Fontoura, o certificado de participação no Projeto Ronda
da Cidadania do Tribunal de Justiça do RS, em virtude do evento realizado na cidade de
Maquiné/RS.
Neste ano de 2001, fui designado para representar a criação e a fundação do
Estatuto Social da Associação Comunitária Quilombola Rosa Osório Marques.
Esta foi devidamente registrada, e posteriormente, lhe foi concedida a Certidão de
Auto-Reconhecimento, expedido pela Fundação Cultural Palmares, Ministério da
Cultura/DF.
No ano de 2003, a Diretora de Proteção do Patrimônio Afro-Brasileiro da Fundação
Cultural Palmares/Brasília/DF, Dra. Maria Bernadete Lopes da Silva, me convidou para
representar e defender os direitos das comunidades quilombolas no País.
No ano de 2003, desenvolvi vários trabalhos jurídicos para os membros das
comunidades Quilombolas em diversos lugares e Municípios do Estado do RS e pelo Brasil,
participando de temas referentes a nossa gente, nossa História, nossas potencialidades e
dificuldades das comunidades.
Agendei compromissos diversos, com objetivos de promover o intercâmbio
cultural entre comunidade quilombolas, e a defesa de direitos fundamentais violados, por
exemplo: Paracatu/MG, Santa Luzia/PB, Brasília/DF, etc.
No ano de 2004, conheci o local onde formou-se o Quilombo dos Palmares,
quilombo da era colonial brasileira, localizado na Serra da Barriga (antiga Capitania de
Pernambuco) na cidade de União dos Palmares no Estado de Alagoas.
Para encerrar, como advogado, sempre prestei inestimável contribuição à Justiça,
dentro do Município de minha comunidade, e em outras jurisdições, dentro e fora do
Estado do RS, procurando, atuar sempre, com muito cuidado e tenacidade na defesa dos
direitos e interesses dos meus clientes.
No ano de 2020, estou orgulhoso por ser uma referência para minha comunidade,
cujo o índice de analfabetismo era grande.
Sou um profissional que jamais mediu esforços para lutar na defesa dos direitos de
qualquer pessoa.
92

Adquiri esta resistência através de muita luta, estudo, dedicação e trabalho, sempre
pautando minha conduta profissional como advogado, com ética e honestidade, com senso
de JUSTIÇA, na busca de ser bem-sucedido para os meus clientes.
O êxito e a recompensa do meu trabalho profissional, muito me honra, pois,
represento a continuidade do legado e dos ensinamentos propostos pela minha mãe, Sr.ª.
Ercilia Marques da Rosa, Professora e pioneira no Município de Osório (Em 1933/ 1ª
Professora Negra), que sempre nos orientou a estudar e lutar pela Educação e muito
orgulhosa por estar presente no ato da minha formatura na Unisinos: 1º Advogado Negro
do Município de Maquiné.
Hoje, em sua memória, está representada no Município de Maquiné/RS, através de
seu neto, JULIO CESAR DA ROSA, como Secretário Municipal da Educação de Maquiné/RS.
Acrescento estas fotografias anexas, como referências as minhas origens, andanças
e influência que tiveram na minha formação profissional.
93

Esta é a História dos meus antepassados.


Esta é a História dos meus familiares.
Esta é a minha História.
DR. Romildo Marques da Rosa
OAB/RS 35.720
94

A DESIGUALDADE RACIAL NA FORMAÇÃO DA JOVEM ADVOCACIA NEGRA

Tainara Caceres Rodrigues

Bacharel em Direito formada pela instituição PUCRS, Pós


Graduanda em Direito e Processo Civil na instituição FMP,
Advogada inscrita na OABRS 119.976, endereço eletrônico:
tay4caceres@gmail.com.

Inicialmente cumpre analisar a construção histórica do Brasil, da chegada dos


africanos traficados aos dias atuais. Os acontecimentos históricos permitem que façamos
uma leitura adequada, do racismo enraizado na sociedade brasileira. O racismo estrutural
e a ausência de políticas públicas efetivas, influenciam diretamente no desenvolvimento
educacional e ocupação profissional da população negra6.

No contexto da educação básica a desigualdade racial é evidente através dos dados


de pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a formação básica entre
a população negra ainda é uma realidade distante. Por consequência a taxa de frequência

6
Disponível em: <https://www.justificando.com/2019/03/25/o-encadeamento-do-racismo-estrutural/> acesso
em 03 de setembro de 2020.
95

escolar no ensino superior resulta em apenas 18,3%, analisando entre jovens negros de 18
a 24 anos de idade7.

A segregação racial no ensino superior é um obstáculo resistente no progresso


intelectual da população negra8, esta barreira foi à realidade que por anos defrontei.
Oriunda de escola pública como a maioria dos jovens negros brasileiros, o fator econômico
foi predominante após minha formação básica. Sem preparação adequada para os
vestibulares de universidades públicas e a ausência de orçamento para custear o curso de
direito em rede privada, encontrei como opção temporária o ensino técnico. Foi necessário
adiar o desígnio de ser advogada e começar as atividades laborais para encarar a vida
“adulta”, em uma estrutura social que não apresenta igualdade de oportunidades,
principalmente para as mulheres negras.

Neste ponto cabe enfatizar os avanços legais para equiparar a população negra, a
criação das leis 10.639/03 e 12.711/12 embora tardias, são fundamentais na luta pela
igualdade racial na educação9. Somente seis anos após minha formação técnica ao
conhecer um grupo de curso pré-vestibular popular, que o objetivo de cursar a faculdade
de Direito se tornou uma possibilidade real. Com a subsistência de programas de bolsas e
financiamentos governamentais e dois anos de preparação com estudo intenso, conquistei
minha bolsa de estudos em uma das melhores instituições de ensino privado do Brasil.

A desigualdade ao acesso no ensino superior, reflete no ambiente que esses alunos


encontram ao ingressar no mundo acadêmico. A permanência nas instituições de ensino
superior nos confronta diretamente com o racismo institucional, nos deparamos com a
ausência de pertencimento. Os custos durante a graduação com material didático,
transporte e alimentação, são alguns dos exemplos que impõem a necessidade desses
alunos exercerem jornadas de trabalho integral. Esses são apenas alguns pontos
enfrentados pelos alunos negros bolsistas.

7
IBGE. Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil, Rio de Janeiro, 2019. Ed. IBGE. Disponível em:
<https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdf> acesso em 07 de setembro
de 2020.
8
GONCHOROSKY, Juliana de Souza. A SEGREGAÇÃO RACIAL E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO. 2016.
Monografia (graduação). Universidade Federal do Paraná. Curitiba. 2016.
9
LOPES, Maria Auxiliadora. BRAGA, Maria Lúcia de Santana. Acesso e Permanência da População Negra no
Ensino Superior. Ed 01. Brasília. UNESCO/MEC. 2007.
96

Resisti e lutei contra todas as estatísticas diariamente, durante os cinco anos da


graduação. Em dezembro de 2019 conclui a formação acadêmica em Direito bacharelado,
já aprovada no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil, auferi a tão sonhada credencial
de advogada em maio de 2020. Oficialmente passei a compor a jovem advocacia negra,
com os novos desafios que esse avanço me propôs.

Embora exista opção na atuação independente, ao integrarmos o mercado


profissional, não encontramos essa alternativa de imediato como possível. A ausência de
amadurecimento profissional e a busca pela estabilidade financeira, faz necessária à
procura de oportunidades nos escritórios de advocacia já consolidados. Atualmente os
grandes escritórios do Brasil contam com menos de 1% de advogados negros10, onde
novamente a ausência de representatividade é um ponto de relevância que precisamos
encarar.

A inclusão e desenvolvimento da capacitação por parte dos grandes escritórios aos


jovens advogados negros são essenciais, para tornar esses ambientes diversos. É necessário
repensar a mudança comportamental no mundo corporativo, a inclusão racial não esta
limitada ao fato exclusivo da contratação de profissionais negros, é imprescindível acolher
e criar estratégias para políticas de convivência nesses locais. Desenvolvi habilidades e
conhecimentos profissionais em escritórios de médio e grande porte, infelizmente sempre
foi perceptível o número baixo de colegas negros durante o progresso de minhas
experiências.

O Rio Grande do Sul é nacionalmente conhecido por sua forte sociedade racista, o
estado lidera o número de registros no crime de injuria racial11. A OAB/RS ao apoiar a
criação da Comissão Especial da Igualdade Racial (CEIR), assume papel fundamental na
promoção da igualdade racial. Os jovens advogados negros encontram importante
respaldo através da CEIR, iniciamos nossas carreiras fortalecidos com os debates e
contribuições de experiências na batalha pela inclusão e igualdade racial.

10
CONSULTOR JURÍDICO. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2020-jun-12/negros-sao-somente-
advogados-grandes-escritorios> acesso em 09 de setembro de 2020.
11
O INFORMATIVO. Disponível em:<https://www.informativo.com.br/policia/rs-e-o-estado-brasileiro-com-
mais-casos-de-injuria-racial,322632.jhtml> acesso em 10 de setembro de 2020.
97

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ensaio realizado através de pesquisa e fatos que vivenciei, possibilitou uma


análise sobre as transformações históricas e a presença do racismo estrutural em nossa
sociedade. Dessa forma permitiu compreender a desigualdade racial e suas consequências
em diversas dimensões. Buscou mostrar a desigualdade racial no acesso a educação e os
diversos desafios que os acadêmicos negros precisam superar, na construção de tornarem
se jovens advogados.

O desenvolvimento do presente ensaio possibilitou uma análise da trajetória que


jovens advogados negros, precisam compreender para ingressar no mundo profissional. O
objetivo foi compartilhar que embora tenham circunstâncias difíceis a serem superadas, é
possível a realização de nossos sonhos. A luta histórica de nossos ancestrais nos deixa como
lição, que devemos persistir e sermos imponentes as adversidades que nos forem
apresentadas.

Acredito que a educação possa ser a resposta para solucionar diversas


problemáticas sócias no Brasil, somente com equidade no acesso a educação, poderemos
modificar a desigualdade racial qualificando um número maior de profissionais. É essencial
que o debate e combate ao racismo ocorram nos espaços profissionais, para que seja
efetiva a inclusão e pluralidade racial no corporativismo.
98

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CONSULTOR JURÍDICO. Questão de oportunidade. Metade da população, negros são


somente 1% dos advogados dos grandes escritórios. Disponível em:
[https://www.conjur.com.br/2020-jun-12/negros-sao-somente-advogados-grandes-
escritorios]. Acesso em 09 de setembro de 2020.

GONCHOROSKY, Juliana de Souza. A Segregação Racial E As Políticas Públicas De Educação.


2016. Monografia (graduação). Universidade Federal do Paraná. Curitiba. 2016.
IBGE. Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil, Rio de Janeiro, 2019. Ed. IBGE.
Disponível em:
[https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdf]. Acesso em
07 de setembro de 2020.
JUSTIFICANDO. O Encadeamento do Racismo Estrutural. Disponível em:
[https://www.justificando.com/2019/03/25/o-encadeamento-do-racismo-estrutural/].
Acesso em 03 de setembro de 2020.
LOPES, Maria Auxiliadora. BRAGA, Maria Lúcia de Santana. Acesso e Permanência da
População Negra no Ensino Superior. Ed 01. Brasília. UNESCO/MEC. 2007.
O INFORMATIVO. RS é o Estado Brasileiro Com Mais Casos de Injúria Racial. Disponível em:
[https://www.informativo.com.br/policia/rs-e-o-estado-brasileiro-com-mais-casos-de-
injuria-racial,322632.jhtml] acesso em 10 de setembro de 2020.
99

ENSAIOS

Tatiana dos Santos Schuster

Presidente da Comissão Especial da Igualdade Racial da Ordem dos


Advogados do Brasil da Subseção Santa Cruz do Sul; Conselheira junto
Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial - COMPIR de Santa
Cruz do Sul; Integrante da Comissão de Heteroidentificação de Santa Cruz
do Sul.

Data nascimento: 27.10.1979 - na cidade de Santa Cruz do Sul-RS

Nome da mãe: Eliane Antunes dos Santos, casada com Cristiano Daniel Schuster

Formação: Bacharel em Direito 2009/02 na Universidade de Santa Cruz do Sul -


UNISC; Advogada em 2010; Especialista em Direito Previdenciário em 2012, pelo Instituto
Luiz Flávio Gomes - LFG; Pós-graduanda em Advocacia Cível pela EBRADI 2019, Mestranda
em Direito com Bolsa CAPES/Prosuc; Profissional liberal desde 2010 com escritório de
advocacia próprio.

Feitos: Autora do artigo "As Instituições dos adicionais de insalubridade e da


periculosidade e a aposentadoria especial no regime da Previdência Social, pg. 167, no Livro
100

Direito Acontecendo 1ª Edição, Editora Novo Livro. Organizadores Norberto Luiz Nardi,
Marília Possenatto Nardi, ano 2014; Palestrante de mesa redonda no curso de História
Universidade de Santa Cruz do Sul-UNISC: “Trajetória do Movimento Negro em Santa Cruz
do Sul: lutas e conquistas”, realizado no III Fórum da Consciência Negra e Semana Acadêmica
de História, 21.11.2019, carga horária 04h; Participação de Diálogo Projeto de Lei Executivo
nº 089/2019 - APROVADO e Agora? Na EMEF Dois Irmãos na cidade de Venâncio Aires-RS.
O negro no Brasil em decorrência do ranço do passado escravocrata, vive uma
discriminação que acaba excluindo o povo negro das mais diversas formas e nos mais
diversos espaços sociais e de poder. Como advogada e pessoa negra que sou e se colocar na
posição profissional de minha escolha, com certeza traz, um pesado fardo do racismo.
Penso que a minha trajetória como negra na advocacia representa tanto o orgulho
de poder atuar em uma profissão que defende o direito através da justiça ao mesmo tempo
em que demonstra a capacidade que todos possuem de alcançar seus objetivos,
independente de raça. Significa a ascensão da raça negra nos espectros de uma sociedade
que pactua e conserva o racismo (e em especial na própria advocacia), por conta da herança
escravocrata que discrimina e exclui o povo negro. Mesmo ocupando uma profissão que
carrega as características de uma profissão elitizada, não são atenuadas por isso as mazelas
que nós negros advogados temos que enfrentar no dia-a-dia, em que a pergunta sempre
nos soa como algo espantoso ”nossa, você é advogada”?!
Para a comunidade onde atuo, ser advogada negra é algo prestigioso, mas também
desafiador, por ser uma cidade que possui característica predominantemente germânica,
na qual a população negra não possui maior representatividade, a começar pelos bancos da
universidade em que cursei direito, em que duas eram as pessoas negras, eu e uma colega,
num contexto onde nem sequer haviam ações afirmativas em que pudéssemos usufruir.
Nesta realidade em que os desafios são diários, ser advogada e negra é ir muito além de
provar o meu profissionalismo, é também o peso de constantemente provar que, como
negra, sou capaz.
E mesmo hoje, após inúmeras conquistas, especialmente as cotas raciais e o
Programa Universidade para todos - ProUni, muitas barreiras ainda precisam ser
transpostas, pois, não raro, a população negra é que está exposta a condições
socioeconômicas menos favorecidas, o que leva a encontrar dificuldade no acesso a escolas
101

privadas, em que a educação tende a ser melhor, o que impacta sem sombra de dúvida no
acesso ao ingresso de universidades públicas, justamente pela falta de alcance de notas
suficientes para acessar a programas como ProUni, por exemplo.
Atuar na Comissão Especial de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil é
importante como representação da raça negra em um órgão que representa os defensores
do direito e da justiça num país democrático, o que também traz responsabilidade na busca
por igualdade entre todos. Estar representando como mulher negra uma profissão que tem
grande prestígio como é a advocacia, é demonstrar e comprovar que somos dotados das
mesmas capacidades de um branco e que podemos sim ocupar qualquer espaço de poder,
o que prova que os negros não são, e não podem ser considerados inferiores.
Estar à frente desta profissão significa também atuar na defesa do princípio da
igualdade, mas também buscar os direitos dos cidadãos e o senso de justiça e equidade. A
presença de pessoas negras certamente garantiria um olhar mais complexo às respostas
dadas pelo sistema de justiça a diferentes casos, visto que a posição dos indivíduos na
sociedade é fundamental para a construção de sua visão de mundo.

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