Você está na página 1de 255

Organizadores

Alexandre Torres Petry


Teresa Cristina Fernandes Moesch
Cristiano de Moraes Franco
Ricardo Ferreira Breier
Rosângela Maria Herzer dos Santos

DIREITO DO CONSUMIDOR: DESAFIOS E PERSPECTIVAS

Porto Alegre,
Copyright © 2021 by Ordem dos Advogados do Brasil
Todos os direitos reservados

Organizadores
Alexandre Torres Petry
Diretor da Revista da ESA/OABR/RS

Teresa Cristina Fernandes Moesch


Presidente da Comissão Especai de Defesa do Consumidor/OAB/RS

Cristiano de Moraes Franco


Coordenador do Grupo de Estudo de Direito do Consumidor

Ricardo Ferreira Breier


Presidente da OAB/RS

Rosângela Maria Herzer dos Santos


Diretora-Geral da ESA-OAB/RS

D635
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas/. Alexandre Torres
Petry, Teresa Cristina Fernandes Moesch...[et.al] (Organizadores).
Porto Alegre, 2021. 255p.
ISBN: 978-65-88371-07-7
1. Direito do consumidor. 2. Defesa do consumidor I Título.

CDU: 347.451.031

Jovita Cristina Garcia dos Santos – CRB 10/1517

A revisão de Língua Portuguesa e a digitação, bem como os conceitos emitidos em trabalhos


assinados, são de responsabilidade dos seus autores.

Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Rio Grande do Sul


Rua Washington Luiz, 1110 –Centro Histórico
CEP 90010-460 - Porto Alegre/RS
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - CONSELHO FEDERAL

DIRETORIA/GESTÃO 2019/2021

Presidente: Felipe Santa Cruz


Vice-Presidente: Luiz Viana Queiroz
Secretário-Geral: José Alberto Simonetti
Secretário-Geral Adjunto: Ary Raghiant Neto
Diretor Tesoureiro: José Augusto Araújo de Noronha

ESCOLA NACIONAL DE ADVOCACIA – ENA

Diretor-Geral: Ronnie Preuss Duarte

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SECÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL

Presidente: Ricardo Ferreira Breier


Vice-Presidente: Jorge Luiz Dias Fara
Secretária-Geral: Regina Adylles Endler Guimarães
Secretária-Geral Adjunta: Fabiana Azevedo da Cunha Barth
Tesoureiro: André Luis Sonntag

ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA

Diretora-Geral: Rosângela Maria Herzer dos Santos


Vice-Diretor: Darci Guimarães Ribeiro
Diretora Administrativa-Financeira: Graziela Cardoso Vanin
Diretora de Cursos Permanentes: Fernanda Corrêa Osório, Maria Cláudia Felten
Diretor de Cursos Especiais: Ricardo Hermany
Diretor de Cursos Não Presenciais: Eduardo Lemos Barbosa
Diretora de Atividades Culturais: Cristiane da Costa Nery
Diretor da Revista Eletrônica da ESA: Alexandre Torres Petry

CONSELHO PEDAGÓGICO

Alexandre Lima Wunderlich


Paulo Antonio Caliendo Velloso da Silveira
Jaqueline Mielke Silva
Vera Maria Jacob de Fradera
CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS ADVOGADOS

Presidente: Pedro Zanette Alfonsin


Vice-Presidente: Mariana Melara Reis
Secretária-Geral: Neusa Maria Rolim Bastos
Secretária-Geral Adjunta: Claridê Chitolina Taffarel
Tesoureiro: Gustavo Juchem

TRIBUNAL DE ÉTICA E DISCIPLINA

Presidente: Cesar Souza


Vice-Presidente: Gabriel Lopes Moreira

CORREGEDORIA

Corregedora: Maria Helena Camargo Dornelles

Corregedores Adjuntos
Maria Ercília Hostyn Gralha,
Josana Rosolen Rivoli,
Regina Pereira Soares

OABPrev

Presidente: Jorge Luiz Dias Fara


Diretora Administrativa: Claudia Regina de Souza Bueno
Diretor Financeiro: Ricardo Ehrensperger Ramos
Diretor de Benefícios: Luiz Augusto Gonçalves de Gonçalves

COOABCred-RS

Presidente: Jorge Fernando Estevão Maciel


Vice-Presidente: Márcia Isabel Heinen
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

SUMÁRIO

PREFÁCIO - Teresa Cristina Fernandes Moesch ...................................................................... 8

APRESENTAÇÃO - Cristiano de Moraes Franco ..................................................................... 9

O GREENWASHING E A (DES)NECESSIDADE DE SUA REGULAMENTAÇÃO


ESPECÍFICA – Andreza Sordi ................................................................................................ 11

A REDUÇÃO DA MENSALIDADE NA REDE PRIVADA DE ENSINO EM PERÍODO


PANDÊMICO: BREVES CONSIDERAÇÕES DOUTRINÁRIAS E ANÁLISE
JURISPRUDENCIAL – Bárbara Peixoto Nascimento Ferreira de Souza e Maria Luiza de
Almeida Carneiro Silva ............................................................................................................ 30

CONSUMO E LOGÍSTICA REVERSA: A RESPONSABILIDADE NOS PROCESSOS


LOGÍSTICOS – Bruno pinto Coratto....................................................................................... 45

O DIREITO DO CONSUMIDOR: UM OLHAR SOB A PSICOLOGIA E O


SUPERENDIVIDAMENTO ANTE A VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR NAS
RELAÇÕES DE CONSUMO – Camila Possan de Oliveira, Luiz Guedes Sorino e Susandra
Dorneles .................................................................................................................................... 58

PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR NA RESCISÃO CONTRATUAL EM DECORRÊNCIA


DA PANDEMIA DA COVID-19 NOS CASOS DE CANCELAMENTOS DE SHOWS E
EVENTOS CULTURAIS – Camila Queiroz de Medeiros Santos, Marina Linna Pinheiro Cruz
e Fabrício Germano Alves ........................................................................................................ 75

MARKETPLACE E DIREITO DO CONSUMIDOR: DESAFIOS E PERSPECTIVAS – Carlos


Bender Konrad .......................................................................................................................... 90

A PANDEMIA E A SOCIEDADE DE CONSUMO: A OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA


COMO FATOR DE VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR – Cristiano de Moraes
Franco ..................................................................................................................................... 105

PUBLICIDADE REDACIONAL/NATIVA: ABUSO DA VULNERABILIDADE DO


CONSUMIDOR NO MEIO EDITORIAL – Fabrício Germano Alves, Mariana Câmara de
Araújo e Pedro Henrique da Mata Rodrigues de Souza ......................................................... 119

6
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

OS PRINCÍPIOS CONSUMERISTAS COMO ESCUDO ÀS PRÁTICAS ABUSIVAS EM


MEIO A PANDEMIA DA COVID-19 – João Vitor Martins David e Marcelo Melchior .... 133

O SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR COMO PERDA DAS CAPACIDADES


– Jovana De Cezaro ................................................................................................................ 148

CONSUMO E ENDIVIDAMENTO: UMA ANÁLISE DAS MUDANÇAS DE HÁBITOS E


DE COMPORTAMENTO ORIGINADOS PELO CORONAVÍRUS – Luciane Dienstmann
Ferreira.................................................................................................................................... 161

A DIFICULDADE COM A ACESSIBILIDADE DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO


COMÉRCIO ELETRÔNICO – Isadora Leitão Wild Santini Picarelli e Luíza Severnini Sima
................................................................................................................................................ 172

ASPECTOS PROCESSUAIS DA PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR TITULAR DE DADOS


PESSOAIS – Oscar Valente Cardoso ..................................................................................... 182

DEFESA DO CONSUMIDOR E O CUMPRIMENTO DE CONTRATOS EM TEMPO DE


PANDEMIA – Soeli Teresinha Schilling Dienstmann .......................................................... 193

GEOPRICING DIANTE DO ORDENAMENTO JURÍDICO CONSUMERISTA – Vinícius


Wdson do Vale Rocha, Ingrid Altino de Oliveira e Ermana Larissa Soares .......................... 207

PARTICIPAÇÃO ESPECIAL

OS DIREITOS DO CONSUMIDOR EM TEMPOS DE PANDEMIA: ANÁLISE DAS


RESPOSTAS DO GOVERNO FEDERAL E LEGISLATIVO PARA A PROTEÇÃO DOS
CONSUMIDORES – Claudia Lima Marques, Lúcia Souza d’Aquino, Guilherme Mucelin,
Maria Luiza Baillo Targa e Tatiana Cardoso Squeff .............................................................. 223

7
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

PREFÁCIO

Honrada e sensibilizada, recebo a deferência de prefaciar o E-book/2021, Direito do


Consumidor- desafios e perspectivas, mais uma importante obra, dentre outras tantas, editada
pela ESA- Escola Superior da Advocacia, braço cultural da OAB/RS – Ordem dos Advogados
do Brasil, Seccional do Rio Grande do Sul, que tem por finalidade precípua o aperfeiçoamento
profissional da advocacia gaúcha.

Neste E-book são tratados importantes temas, todos pontuais e instigantes, da lavra de ícones e
estudiosos do Direito do Consumidor, para nos auxiliar na atuação em prol do equilíbrio das
relações de consumo.

Com maestria, e em excelente momento, nos são trazidos, para leitura e reflexão, artigos
pertinentes ao Direito do Consumidor, com abordagem técnica, precisa e clara.

Parabenizamos o Dr. Alexandre Torres Petry, Diretor da Revista Eletrônica da ESA, pela
competência e empenho de sempre.

Agradecemos à ESA, na pessoa de sua diretora Rosângela Maria Herzer dos Santos, que a vem
conduzindo com brilhantismo ao longo de tantos anos, sempre na busca do aprimoramento
técnico da advocacia gaúcha.

Em especial, agradecemos ao nosso grande mestre e Presidente da OAB/RS, Dr. Ricardo


Ferreira Breier, que comanda nossa entidade com firmeza e dedicação exemplares.

Que todos tenham uma boa leitura!

Teresa Cristina Fernandes Moesch


Presidente da Comissão Especial de Defesa do Consumidor da OAB/RS

8
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

APRESENTAÇÃO

O avanço da Pandemia causada pelo Coronavírus trouxe consigo situações de preocupação e


reflexão inevitáveis em um dos setores que mais é afetado em tempos de mudanças de cenário
na economia: o mercado de consumo. Obviamente que a normalidade da sociedade foi afetada
e inúmeras transformações sociais foram observadas, o que motivou a necessidade de
adequação para que a proteção aos direitos dos consumidores seguisse sua linha inclusiva e
plural.
Acompanhar os desdobramentos legais e alterações no modo de consumo pressupõe a constante
e indispensável atualização acadêmica, objetivo principal do Grupo de Estudos de Direito do
Consumidor e que deu ensejo a presente obra, cujo intuito maior é o de estimular discussões,
reflexões e mudanças práticas para uma melhor relação entre consumidores e fornecedores,
vislumbrando o progresso das boas práticas de consumo.
Em atenção às angústias quanto a eventuais atividades lesivas às boas práticas de consumo, o
e-book “Direito Do Consumidor: Desafios e Perspectivas” surge da comunhão de esforços entre
a OAB/RS, Escola Superior de Advocacia (ESA), Comissão de Defesa do Consumidor e o
Grupo de Estudos de Direito do Consumidor ao verificar a necessidade de aprofundamento
técnico e teórico na defesa dos preceitos consumeristas, principalmente em razão dos
acontecimentos recentes e marcantes nas relações de consumo, as quais, devido à Pandemia e
ampliação dos meios de acesso ao consumo, principalmente pelas plataformas digitais,
ocasionaram no aumento de práticas abusivas e ilegais por parte dos fornecedores de produtos
e serviços, gerando preocupação quanto a imprescindibilidade da busca de meios capazes de
evitar, ou frear, eventuais litigiosidades.
Assim, alinhado ao tema proposto foram selecionados e aprovados trabalhos que abrangem as
mais diversas áreas do direito do consumidor, incluindo, como contribuição especial, o artigo
de Cláudia Lima Marques, Lúcia Souza d’Aquino, Guilherme Mucelin, Maria Luiza Baillo
Targa e Tatiana Cardoso Squeff sobre “Os direitos do consumidor em tempos de pandemia:
análise das respostas do Governo Federal e Legislativo para a proteção dos consumidores”.
Ainda na linha da perspectiva da análise dos direitos dos consumidores afetados pela Pandemia,
seguem os artigos de Bárbara Peixoto Nascimento Ferreira de Souza e Maria Luiza de Almeida
Carneiro Silva (A redução da mensalidade na rede privada de ensino em período pandêmico:
breves considerações doutrinárias e análise jurisprudencial), Camila Queiroz de Medeiros
Santos, Marina Linna Pinheiro Cruz e Fabrício Germano Alves (Proteção do consumidor na
rescisão contratual em decorrência da pandemia da covid-19 nos casos de cancelamentos de
shows e eventos culturais), Cristiano de Moraes Franco (A pandemia e a sociedade de consumo:
a obsolescência programada como fator de vulnerabilidade do consumidor), João Vitor Martins
David e Marcelo Melchior (Os princípios consumeristas como escudo às práticas abusivas em
meio a pandemia da covid-19), Luciane Dienstmann Ferreira (Consumo e endividamento: uma
analise das mudanças de hábitos e de comportamento originados pelo coronavírus) e Soeli
Teresinha Schilling Dienstmann (Defesa do consumidor e o cumprimento de contratos em
tempo de pandemia).

9
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Outros importantes temas acolhidos dizem respeito à crescente utilização dos meios eletrônicos
de consumo e a observância à proteção de dados, os quais foram explorados por Carlos Bender
Konrad (Marketplace e direito do consumidor: desafios e perspectivas), Fabrício Germano
Alves, Mariana Câmara de Araújo e Pedro Henrique da Mata Rodrigues Sousa (Publicidade
redacional/nativa: abuso da vulnerabilidade do consumidor no meio editorial), Isadora Leitão
Wild Santini Picarelli e Luíza Severnini Sima (A dificuldade com a acessibilidade das pessoas
com deficiência no comércio eletrônico), Oscar Valente Cardoso (Aspectos processuais da
proteção do consumidor titular de dados pessoais) e Vinícius Wdson do Vale Rocha, Ingrid
Altino de Oliveira e Ermana Larissa Soares (Geopricing diante do ordenamento jurídico
consumerista).
Uma das grandes preocupações atuais entre consumidores e fornecedores é a evolução para um
consumo mais consciente, sustentável e menos agressivo ao meio ambiente, tema abordado
através dos artigos de Andreza Sordi (O greenwashing e a (des)necessidade de sua
regulamentação específica) e Bruno Pinto Coratto (Consumo e logística reversa: a
responsabilidade nos processos logísticos).
Completam a presente obra artigos que tratam de relevante alteração legislativa e que traz um
novo paradigma ao direito do consumidor, que é a questão do superendividamento, temática
abarcada por Camila Possan de Oliveira, Luiz Guedes Soriano e Susandra Dorneles (O direito
do consumidor: um olhar sob a psicologia e o superendividamento ante a vulnerabilidade do
consumidor nas relações de consumo) e Jovana De Cezaro (O superendividamento do
consumidor como perda das capacidades).
Assim, a presente obra é fruto da reunião de esforços para que a defesa dos consumidores seja
viabilizada e concretizada através do conhecimento, pois, muito além do estudo direcionado na
matéria que engloba todos os atores do mercado de consumo, avançar em tópicos controvertidos
e debatê-los se mostra como o verdadeiro caminho para o progresso.
Boa leitura!

Cristiano de Moraes Franco


Coordenador do Grupo de Estudos de Direito do Consumidor da ESA/RS

10
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

O GREENWASHING E A (DES)NECESSIDADE DE SUA


REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA
Andreza Sordi1

Resumo: O presente estudo objetiva traçar considerações acerca do greenwashing. Tal prática
verifica-se quando, utilizando-se de estratégias de marketing e motivadas pelo intuito de
alavancar suas vendas a um público ambientalmente responsável, organizações empresariais
vendem a ideia de que seus produtos são sustentáveis e, portanto, respeitam o meio ambiente,
contudo, essa informação não encontra respaldo na realidade. Diante disso, pretende-se
investigar se os efeitos possivelmente ocasionados pelos apelos contidos implícita ou
explicitamente nos bens de consumo, frutos do greenwashing já se encontram regulamentados
no conjunto legislativo do ordenamento pátrio. Por meio de uma perspectiva hermenêutica,
abordam-se aspectos atinentes ao surgimento e aos impactos causados pela prática no meio
ambiente e na sociedade. A importância do assunto em tela ganha destaque na medida em que
se constata que o greenwashing já é amplamente utilizado por grande parte das empresas, em
âmbito nacional e mundial. A conclusão alcançada é a de que as leis, resoluções e a
principiologia constitucional e infraconstitucional que já existe no ordenamento jurídico
brasileiro é suficiente para regular as relações decorrentes da prática, não havendo a necessidade
de criação de nova regulamentação sobre o tema.

Palavras chave: Greenwashing, consumo sustentável, meio ambiente, publicidade, direito do


consumidor.

1 INTRODUÇÃO

Nunca foi tão fácil ser um consumidor consciente. Basta adquirir um produto que “cuida
do meio ambiente”. Tendo essa premissa como ponto de partida, o presente trabalho versa sobre
a prática conhecida como greenwashing, tendo por intuito investigar se o estabelecimento de
uma legislação específica sobre o tema se faz necessário – ou não – no ordenamento jurídico
brasileiro.
Justifica-se a importância da pesquisa pelo fato de este ser um assunto que está presente
no quotidiano de todos os consumidores, manifestando-se por meio de apelos – implícitos ou
explicitamente contidos nos bens de consumo. Além disso, o instituto em tela afeta
consideravelmente o meio ambiente, na medida em que traz informações que, em muitos casos,
não são verdadeiras, induzindo o consumidor em erro e gerando um efeito adverso: ao invés de
proteger, acaba por poluir o ecossistema.

1
Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de Passo Fundo – UPF. Pós-graduada em Ciências
Jurídicas – Atividades de Magistratura pelo Centro Universitário Projeção – Uniprojeção. Advogada, inscrita na
OAB/RS sob nº 106.703/RS. E-mail para contato: andreza.sordi@hotmail.com.
11
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Isso ocorre devido ao fato de o consumidor ser levado a acreditar que está adquirindo
um produto ambientalmente responsável, produzido de acordo com as normas técnicas e com
base no respeito à natureza, quando, isso, em verdade, trata-se de uma estratégia de marketing.
Confiando em elementos provenientes unilateralmente do fornecedor, o consumidor adquire o
produto de boa-fé, mesmo que, na maioria dos casos, tais informações estejam desprovidas de
dados comprobatórios e inseridas unicamente com o intuito de alavancar as vendas.
Diante disso, busca-se enfrentar a seguinte problemática: a criação de novas leis ou
regulamentos específicos para combater o greenwashing é, realmente, necessária, ou a prática
já encontra suficientes regulamentações no ordenamento jurídico pátrio, ainda que de forma
implícita?
Com base nesta indagação, o presente trabalho possui como objetivo geral investigar a
prática definida como greenwashing, e como objetivos específicos averiguar suas origens e o
seu surgimento, através de um panorama sociológico, ambiental e constitucional, tudo à luz do
direito do consumidor e do ordenamento jurídico-constitucional. Ainda, visa perquirir quais as
principais razões pelas quais a sua regulamentação por meio de uma legislação específica se
faz - ou não, necessária.
Visando responder a questão apresentada, optou-se por realizar uma pesquisa de revisão
bibliográfica, por meio da abordagem qualitativa. Para tanto, foram analisadas diversas obras
doutrinárias, textos e artigos científicos atinentes ao assunto em debate, os quais tiveram uma
delimitação temporal abrangente, envolvendo publicações desde os anos 1992 até 2020.
Como critérios de inclusão à pesquisa, foram selecionados materiais já publicados em
renomados periódicos, livros e sites que mantivessem relação direta com o tema, escritos tanto
em língua portuguesa quanto em inglesa. Publicações que não contemplassem o tema proposto
no presente estudo, bem como, que não estivessem disponíveis na íntegra, juntamente com
pesquisas provenientes de fontes desconhecidas foram os critérios de exclusão adotados para a
realização do trabalho.
A investigação bibliográfica foi realizada tendo como fontes diversos repositórios e
bases de dados, como por exemplo a Biblioteca Virtual Pearson, a Scientific Electronic Library
Online (SciELO), e o Google Acadêmico. Além disso, também foram utilizadas obras
doutrinárias, bem como, dados provenientes de pesquisas de campo realizadas por instituições
de renome na área e pela Secretaria Nacional do Consumidor. Também foram consultadas
legislações em vigor atualmente, extraídas diretamente do site oficial da Presidência da
República.

12
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

No que tange à apresentação do presente estudo, optou-se por ordená-lo em dois


capítulos, sendo o primeiro denominado de: greenwashing: a sustentabilidade disfarçada e o
segundo denominado de: principais regulamentações atinentes ao greenwashing no
ordenamento jurídico brasileiro.
O primeiro capítulo foi dividido em dois subtópicos, denominados “contextualização”
e “o greenwashing: breves noções conceituais” e visa trazer breves noções a respeito do
surgimento do instituto, bem como, traçar algumas definições que auxiliam na tentativa de sua
conceituação. Já o segundo capítulo é responsável por trazer exposições acerca de como a
prática é regulamentada, mostrando que existem várias regras e princípios que cuidam do tema
no ordenamento pátrio, ainda que de forma indireta. Este, por sua vez, foi dividido em três
subtópicos, sendo eles: regulamentação – CONAR; projeto de lei nº 4.752-b, de 2012 e o
greenwashing e a (des)necessidade de sua regulamentação específica.
Por último, importa ressaltar que o presente estudo não possui o intuito de esgotar a
matéria objeto de debate, mas sim, servir como caminho para possibilitar maiores reflexões.
Isto porquê, não se trata de um tema simples que pode ser esgotado em breves linhas, mas algo
instigante e que comporta inúmeras discussões.

2. GREENWASHING: A SUSTENTABILIDADE DISFARÇADA

2.1 Contextualização

Cada vez mais, temas como o esgotamento de recursos naturais, os altos níveis de
consumo e de descarte e a elevada poluição ambiental vêm ganhando destaque e sendo
debatidos de maneira mais intensa por grande parte dos estudiosos e da população mundial.
Inegavelmente, “vivemos em uma era de mudanças planetárias aceleradas sem
precedentes. De fato, muitos cientistas acreditam que nosso consumo crescente e o consequente
aumento da demanda por energia, solo e água estão moldando uma nova época geológica: o
Antropoceno”2 (Relatório Planeta Vivo - WWF, 2018, p. 03).

2
O surgimento do conceito do Antropoceno tem sido amplamente discutido na literatura. O termo foi usado pela
primeira vez pelo biólogo Eugene F. Stoemer na década de 1980, mas só foi formalizado em 2000, numa
publicação conjunta com o Prêmio Nobel de Química, Paul Crutzen, na Newsletter do International Geosphere
Biosphere Programme (IGBP) do mês de maio. Nessa comunicação, os autores propõem o uso do termo
Antropoceno para a época geológica atual, para enfatizar o papel central do homem na geologia e ecologia, e o
início dessa época nos finais do século XVIII, que coincide com o aumento nas concentrações de CO2 e CH4, e,
também, com a invenção da máquina a vapor, em 1784, por James Watt. (...) Em 2002, Crutzen publicou um artigo
sucinto, intitulado “Geology of Mankind” na revista Nature. Para Crutzen, o homem tem se convertido em uma
poderosa força geológica e será uma força predominante no meio ambiente no futuro, fazendo necessário distinguir
esta nova época com um termo que descreva apropriadamente esta “Idade dos Humanos” (“Age of Humans”) (DA
SILVA, Cleyton; ARBILLA, Graciela, 2018, p. 1621-1622).
13
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Apesar de ser um dos assuntos mais debatidos nos dias atuais, a preocupação com o
meio ambiente não é um tema tão recente. É sabido que a origem dos movimentos
ambientalistas remonta ao Século XVIII, quando especialistas já demonstravam preocupações
afetas a temas ligados a questões ambientais, como a poluição e o esgotamento das riquezas
naturais (MENDONÇA; DIAS, 2019, p. 208, apud RODRIGUES, 2009).
A partir da tomada de consciência quanto a finitude dos recursos ambientais, os
consumidores passaram a atentar para a necessidade de mudanças nos padrões de consumo.
Diante disso, temas como consumo e desenvolvimento sustentáveis começaram a ser debatidos.

Declarado pela Resolução ONU nº 153/1995, o chamado consumo sustentável


exsurge como nova preocupação da ciência consumerista. Com efeito, o próprio
consumo de produtos e serviços, em grande parte, pode e deve ser considerado como
atividade predatória dos recursos naturais. E, como se sabe, enquanto as
necessidades do ser humano, sobretudo quando alimentado pelos meios de
comunicação em massa e pelos processos de marketing, são infinitas, os recursos
naturais são finitos, sobretudo quando não renováveis. A nova vertente, pois, do
consumerismo visa exatamente a buscar o necessário equilíbrio entre essas duas
realidades, afim de que a natureza não seja privada de seus recursos, o que, em
consequência, estará a ameaçar a própria sobrevivência do ser humano neste planeta
(...) (GRINOVER, 2019, pg. 11).

Impulsionado pelos meios de comunicação em massa, como por exemplo, a internet,


constata-se o surgimento de um “despertar da atenção da sociedade” com relação aos impactos
causados pela ação humana no meio ambiente. Em decorrência disso é que os consumidores
passaram a analisar dados referentes a como os produtos que eles consomem afetam o
ecossistema (MÉO, 2017, pg. 12).
Em 2019, o instituto de pesquisas NIELSEN entrevistou mais de 21 mil consumidores
brasileiros e constatou que a sustentabilidade é um tema que está em pauta. Segundo dados
coletados, “42% dos consumidores brasileiros estão mudando seus hábitos de consumo para
reduzir seu impacto no meio ambiente e 30% dos entrevistados estão atentos aos ingredientes
que compõem os produtos” (NIELSEN, 2019).
Assim, é possível afirmar que o consumidor moderno está tendente a optar, diante da
ampla oferta de bens de consumo, por aqueles cuja produção causa menos impactos ambientais.
Dados retirados da pesquisa “Vida Saudável e Sustentável”, realizada no ano de 2019 pelo
Instituto Akatu, em parceria com a GlobeScan, corroboram esta afirmação, mostrando que 57%
(cinquenta e sete por cento) dos consumidores analisam informações sobre questões
socioambientais na hora de adquirir um produto (AKATU; GLOBESCAN, 2019, p. 17). Além

14
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

disso, uma parcela significativa afirmou que deseja reduzir o impacto negativo gerado pelos
produtos que consomem no meio ambiente (AKATU; GLOBESCAN, 2019, p. 16).
Nesse cenário, fica clara a necessidade de as empresas mudarem sua forma de produção
se quiserem se manter competitivas no mercado e, efetivamente, vender os bens que produzem.
A adaptação voltada à preocupação ambiental deve se dar desde a parte inicial da fabricação,
no que tange ao cuidado com os insumos utilizados, até o pós-consumo, com o tratamento que
é dado aos dejetos resultantes da fabricação, bem como, com o destino que terá o produto
quando de seu descarte.
Em outros termos, levando em conta essa mudança de mentalidade do consumidor, os
produtos e serviços que passaram a se destacar e a ganhar valor de mercado são os que fazem
uso de sistemas de produção ecologicamente corretos, seja por meio da utilização de matérias
primas menos danosas, alterações do modo de extração e práticas pouco nocivas que causam
menos impactos ambientais (PAVIANI, 2019, p. 93).

A partir desses alertas e da crescente preocupação ambiental, surgiram diversas


iniciativas que prometiam cuidado com o meio ambiente, dentre as quais os selos de
sustentabilidade, que representam um elo entre produtor e consumidor e identificam
produtos que não causam (ou causam menos) impactos ao meio ambiente. Sob uma
identificação visual, trata-se de um diagrama informativo para bens produzidos no
âmbito das especificações ambientais. A iniciativa tem origem principalmente na
Europa, tendo recebido impulso de Organizações Não-Governamentais (ONGs).
(STELZER; GONÇALVES, 2016, p. 133).

Tendo isso em vista, em decorrência da crescente preocupação com a conservação do


meio ambiente, as empresas se viram obrigadas a adotar novos posicionamentos e a criar novas
formas de produção, voltadas à conservação ambiental. O consumidor ecologicamente correto,
cada vez mais preocupado com o que consome e em como o seu consumo afeta a vida no
planeta, impôs, de certa forma, o desenvolvimento de produtos que resultem em menos
impactos negativos ao ecossistema.
Cientes destes dados, cada vez mais empresas buscam adaptar suas formas de produção,
de modo que menos consequências negativas sejam sentidas pelo meio-ambiente. O problema
ocorre quando as empresas dizem estar utilizando métodos de produção sustentáveis apenas
como forma de marketing, no intuito de aumentar os índices de vendas, sem, contudo, estarem
adotando essas condutas na prática. Daí é que tem surgimento a prática que se convencionou
chamar de greenwashing.

15
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

2.2 O greenwashing: breves noções conceituais

A expressão greenwashing não é algo que comporta uma definição simples. Mediante
breve pesquisa, é possível encontrar inúmeras tentativas de estabelecer um conceito para essa
complexa prática. Uma delas define o greenwashing como:

aglutinação do inglês green, que significa verde, e washing, lavando, o termo


greenwashing, corresponde, em tradução livre, lavagem verde, mas também pode ser
compreendido como “maquiagem verde”, ocorrendo quando as organizações se valem
da política ambiental para promoverem um produto ou serviço, sendo que na
realidade, busca-se apenas o lucro (PAVIANI, 2019, pg. 98).

Existem registros sobre o termo que datam de 1992. Nesse ano, o Greenpeace3 publicou
um livro denominado “The Greenpeace book of Greenwash”, no qual há menção acerca do
surgimento dessa prática. Conforme o registro, por volta das décadas de 1970 e 1980 foi
constatado um aumento com a preocupação ambiental. Isso se deu em decorrência de diversos
fatores, dentre os quais, o surgimento de movimentos de cidadãos de diversos países contrários
à degradação ambiental, bem como, a maior exposição da mídia quanto aos problemas
relacionados ao meio ambiente (GREENPEACE FOUNDATION, 1992, p. 2-3).
Mas foi mais precisamente no fim dos anos 80 que esse movimento se intensificou,
quando as pessoas começaram a correlacionar temas como a poluição das águas e da camada
de ozônio, a extinção das florestas e a alta quantidade de emissão de resíduos tóxicos às
empresas multinacionais. Diante disso, tornou-se extremamente difícil para elas negarem a sua
contribuição com a degradação ambiental, e foi aí que nasceu a estratégia Greenwash (lavagem
verde), como um projeto desenvolvido pela indústria com o intuito de convencer os
consumidores de que as empresas transnacionais preocupam-se e adotam medidas voltadas à
preocupação ambiental (GREENPEACE FOUNDATION, 1992, p. 2-3).
Com o passar do tempo, essa prática tornou-se amplamente difundida em âmbito
mundial, e vastamente utilizada pelas mais diversas companhias empresariais. No Brasil, não
foi diferente. Uma pesquisa realizada em 2019 pelo IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor), conseguiu comprovar que o greenwashing está presente também no mercado
brasileiro.
Referida pesquisa utilizou dados coletados em grandes supermercados nos estados do
Rio de Janeiro e São Paulo, entre dezembro de 2018 e fevereiro de 2019, sendo que os produtos
analisados foram delimitados por categorias (cosméticos, higiene, produtos de limpeza e

3
O Greenpeace é uma organização internacional sem fins lucrativos e totalmente financiada por seus apoiadores.
Está presente em mais de 55 países e desenvolve campanhas globais coordenadas entre vários escritórios
(GREENPEACE BRASIL).
16
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

utilidades domésticas). A pesquisa teve por objetivo analisar se os produtos avaliados


continham indícios da prática do greenwashing, levando em conta os dados apresentados nas
embalagens e comparando as alegações com sites de referência de certificadoras independentes
e canais de serviço de atendimento das empresas (SACs) (INSTITUTO BRASILEIRO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR, 2019, p. 6).
As informações coletadas mostraram que, dentre os produtos analisados, “509
continham alguma alegação cunho socioambiental, sendo que 67% (341 produtos)
corresponde à categoria de higiene e cosméticos, seguido de limpeza, 17% (89 produtos); e
utilidades domésticas, 16% (79 produtos)” (INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR, 2019, p. 9).

A partir da avaliação feita, foi constatado que 48%, sendo 243 produtos analisados
praticam Greenwashing e a categoria que mais o faz proporcionalmente é a de
utilidades domésticas. Foram encontradas alegações irregulares em 75% dos itens
dessa categoria, o que indica que 3 em cada 4 produtos desse tipo apresentaram
alguma irregularidade. No caso dos produtos de limpeza, o Greenwashing apareceu
em 66% dos rótulos analisados - portanto, 2 em cada 3 produtos. Na categoria de
higiene e cosméticos, enfim, a prática foi constatada em 37% dos produtos estudados,
o que indica que o Greenwashing esteve presente em 1 em cada 3 embalagens. O
problema mais recorrentemente encontrado nos rótulos analisados foi o da falta de
provas das vantagens ambientais dos produtos - especialmente das “alegações
animais”, que informam a não realização de testes ou a ausência de ingredientes de
origem animal. Os fabricantes dos produtos estudados pelo Idec que incorreram nessa
irregularidade não disponibilizaram na embalagem dos produtos, em seu site, pelo
canal do SAC ou após serem notificados extrajudicialmente documentos que
embasassem suas alegações. Além da falta de provas, a pesquisa encontrou diversos
produtos com alegações irrelevantes, destacando-se os aerossóis que alegam não
conter CFC e os produtos saneantes que indicam fazer uso de tensoativos
biodegradáveis (INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR,
2019, p. 10-11).

Assim, fica claro que, mesmo sendo uma prática com surgimento não tão recente, o
fenômeno greenwashing está cada dia mais presente no dia a dia dos consumidores. É fato que
existem empresas que demonstram preocupação verdadeira com o meio ambiente, e que, com
base nisso, prezam pela sua conservação na elaboração dos produtos que oferecem ao mercado.
Ocorre, contudo, que infelizmente, essas não são a maioria. O problema surge exatamente na
hora de diferenciar as fabricantes que realmente cumprem seu papel ambiental das que apenas
vendem a ideia, mas não a implementam na prática.
O ordenamento jurídico brasileiro, preocupado com a parte vulnerável das relações de
consumo, possui diversos comandos protetivos voltados aos consumidores, os quais podem ser
utilizados como manto protetor contra possíveis abusos cometidos por parte dos fornecedores.

17
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

3. PRINCIPAIS REGULAMENTAÇÕES ATINENTES AO GREENWASHING NO


ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

A Constituição da República Federativa do Brasil (CF/88) demonstrou particular


preocupação com a defesa da parte vulnerável da relação de consumo. Nesse ímpeto, elencou,
em seu art. 5º, XXXII CF/884, a promoção da defesa do consumidor como sendo um direito
fundamental. Ademais, mediante breve análise do inciso V do artigo 170 da CF/885, verifica-
se que a defesa do consumidor também foi tratada pela Carta Maior como um dos princípios
que regem a ordem econômica brasileira.
Nessa senda, como forma a dar efetividade ao comando estabelecido no artigo 5º,
XXXII da CF/88, foi criada, em 1990, a Lei 8.078/90, denominada Código de Defesa do
Consumidor (CDC). O referido diploma foi considerado um marco de extrema importância na
busca pela efetivação e proteção dos direitos dos consumidores.
Contudo, apesar de trazer conceitos e previsões extremamente afrentes de seu tempo, o
Código em debate não apresentou nenhuma regulamentação que tratasse, especificamente,
sobre a prática do greenwashing. Não obstante, mesmo diante da ausência de uma normatização
específica, constata-se que dentre os princípios e regras que o Código, efetivamente, prevê,
existem alguns que podem ser utilizados para acautelar e combater a prática.
Dentre os princípios, vale destacar os que demandam uma atuação transparente por parte
do fornecedor, reconhecem a vulnerabilidade do consumidor frente o mercado consumerista,
determinam que o comportamento dos atores integrantes da relação de consumo deva se pautar
na boa-fé e no fornecimento de informações quanto a seus direitos e deveres (MÉO, 2017, pg.
329).
Ênfase maior merece o princípio da informação, o qual auxilia na construção de uma
consciência voltada ao desenvolvimento sustentável. Referido princípio pode ser conceituado
como a obrigação que as empresas possuem de prestar ao consumidor informações que sejam
claras, verdadeiras e precisas, além disso, também encerra o direito que este possui de ser
devidamente informado sobre o desenvolvimento sustentável da sociedade em que vive
(LOVATO, p. 167-170).

4
Art. 5º CF. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.
5
Art. 170 CF. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: V -
defesa do consumidor.
18
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Além disso, o artigo 6º, inciso III do CDC prevê que a informação adequada e clara
sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade,
características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos
que apresentem é um direito básico do consumidor, bem como, um dever do fornecedor.
O CDC também regulamenta a prática da publicidade no ordenamento jurídico
brasileiro. É possível comprovar a preocupação do microssistema com a tutela desse tema
mediante a regulamentação da proteção contra a publicidade enganosa e abusiva como um dos
direitos básicos6 do consumidor.
Tendo em vista as diversas formas pelas quais o greenwashing se manifesta, verifica-se
que em muitos casos, pode caracterizar espécie de publicidade enganosa nas modalidades
comissiva e por omissão7 (fulcro no artigo 37 CDC). Assim, tem-se que não somente o
fornecimento de informações falsas, mas também a ausência de informações essenciais ao
consumidor é considerada pelo CDC como publicidade enganosa (SENACON, 2013, p. 138).
Mais precisamente, a proteção contra publicidade enganosa e abusiva, consideradas
como práticas comerciais condenáveis é conferida pelo CDC a partir de seu artigo 30. A oferta
publicitária é tratada pelo CDC como um dos mais relevantes aspectos do mercado
consumerista e, diante disso, a ela é atribuído caráter vinculativo. Assim, conforme o diploma,
tudo o que disser respeito a um produto ou a um serviço deve, obrigatoriamente, corresponder
à expectativa que foi incutida no consumidor, sob pena de sofrer sanções especificadas na Seção
II do Capítulo V do CDC (GRINOVER, 2019, pg. 145).
O artigo 378 veda qualquer modalidade de publicidade enganosa. É importante ressaltar
que o dispositivo não proíbe a publicidade. Posiciona-se somente contra dois tipos de
publicidade perniciosa ao consumidor (GRINOVER, 2019, pg. 340).

6
Art. 6º CDC. São direitos básicos do consumidor: IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva,
métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no
fornecimento de produtos e serviços.
7
Em primeiro lugar, podemos identificar dois tipos de publicidade enganosa: a por comissão e a por omissão. Na
publicidade enganosa por comissão, o fornecedor afirma algo capaz de induzir o consumidor em erro, ou seja, diz
algo que não é. Já na publicidade por omissão, o anunciante deixa de afirmar algo relevante e que, por isso mesmo,
induz o consumidor em erro, isto é, deixa de dizer algo que é (GRINOVER, 2019, pg. 343).
8
Art. 37 CDC. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. § 1° É enganosa qualquer modalidade de
informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo,
mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade,
quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. § 2° É abusiva, dentre
outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição,
se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja
capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. § 3°
Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial
do produto ou serviço. § 4° (Vetado).
19
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

De acordo com a Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor (SENACON), a


“enganosidade” nos anúncios publicitários pode se manifestar de várias formas, dentre elas:

a falta de comprovação dos benefícios socioambientais alegados; a aposição de


informação dessa natureza em locais de difícil identificação pelo consumidor,
colocando-o em dúvida se a qualidade se refere ao produto ou à sua embalagem;
informar que o produto é reciclável sem que haja sistema de logística reversa ou coleta
seletiva que viabilize a sua real reciclagem; e sustentar seu aspecto “natural” mesmo
após ter sido industrializado (SENACON, 2013, p. 138-139).

Além de configurar prática vedada e de ferir os direitos básicos do consumidor, realizar


afirmação falsa ou enganosa, e a omissão de informação relevante sobre as características,
qualidade, quantidade, segurança e desempenho dos produtos são considerados crimes pela
legislação consumerista, conforme os arts. 669 e 6710, do CDC (SENACON, 2013, p. 139).

3.1 Regulamentação - CONAR

Diante da constatação da inexistência de normas específicas no CDC - ou em qualquer


outro diploma, sobre vedação ao greenwashing, o anexo U do Código Brasileiro de
Autorregulamentação Publicitária do CONAR traz apelos à publicidade voltada à
responsabilidade socioambiental e à sustentabilidade.
O CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) é uma
organização não governamental criada em 1980, com o intuito de regulamentar a publicidade
no Brasil. Possui como missão “impedir que a publicidade enganosa ou abusiva cause
constrangimento ao consumidor ou a empresas e defender a liberdade de expressão
comercial”. Em cumprimento aos objetivos que motivaram a sua criação, a entidade define
princípios básicos que definem a ética na publicidade:

Os preceitos básicos que definem a ética publicitária são: todo anúncio deve ser
honesto e verdadeiro e respeitar as leis do país, deve ser preparado com o devido senso
de responsabilidade social, evitando acentuar diferenciações sociais, deve ter presente
a responsabilidade da cadeia de produção junto ao consumidor, deve respeitar o
princípio da leal concorrência e deve respeitar a atividade publicitária e não
desmerecer a confiança do público nos serviços que a publicidade presta (CONAR).

9
Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica,
qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços: Pena -
Detenção de três meses a um ano e multa. § 1º Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta. § 2º Se o
crime é culposo; Pena Detenção de um a seis meses ou multa.
10
Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva: Pena Detenção de
três meses a um ano e multa. Parágrafo único. (Vetado).
20
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

O CONAR recebe denúncias provenientes de consumidores, associados e outras


autoridades, a cerca de irregularidades praticadas por fornecedores em atos publicitários. É
possível encontrar menção de dois casos11 nos quais foram feitas representações acerca de
supostas práticas de greenwashing, julgados pela ONG. Em ambos, foi reconhecida a
ocorrência da prática.
Contudo, tendo em vista que o CONAR não é um órgão estatal, ele não é dotado do
poder de aplicar multas, bem como, suas normas são de natureza não vinculativa. Ao analisar
as denúncias recebidas, se verificada a sua procedência, o CONAR apenas expede
recomendações para alterar ou suspender a veiculação do anúncio (CONAR). Entretanto,
apesar de não possuir força judicial, os pareceres emitidos pelo CONAR influenciam nas
decisões, bem como nas escolhas dos consumidores e de investidores externos (PAVIANI,
2019, pg. 101).

3.2 Projeto de lei nº 4.752-B, de 2012

Diante dessa aparente falha legislativa, no intuito de realizar uma regulamentação


específica da prática do greenwashing, mais recentemente, no ano de 2012, foi apresentado à

11
CASO 1: ACHOLATADO ORGÂNICO NATIVE. Mês/Ano Julgamento: MAIO/2013. Representação nº:
087/13. Autor(a): Grupo de consumidores Anunciante: Usina São Francisco. Relator(a): Conselheiro Manoel
Zanzoti Câmara: Sétima Câmara Decisão: Alteração Fundamentos: Artigos 1º, 3º, 6º, 27, 36 e 50, letra "c" do
Código e seu Anexo U Resumo: Grupo de consumidores reunidos pela Proteste questiona embalagem do
Achocolatado Orgânico Native, em especial a menção "Aço - Reciclável - Ecológico", considerada irrelevante e
passível de induzir o consumidor a erro. Em sua defesa, a anunciante alude a documento da ABNT, intitulado
Simbologia de Identificação de Materiais. O relator considerou a denúncia pertinente. Segundo o seu
entendimento, a lata é reciclável, mas o aço não é ecológico. "A prática do greenwashing como estratégia de
marketing é conhecida do mercado e cabe a instituições como o Conar e aos consumidores fazer com que ela seja
reduzida", escreveu o relator em seu voto. Ele considerou importante a denúncia formulada, demonstrando o
crescimento do nível de consciência das pessoas. Recomendou a alteração da embalagem, de forma que seja
retirada a palavra "ecológico". Seu voto foi aceito por unanimidade (CONAR. Disponível em:
http://www.conar.org.br/processos/detcaso.php?id=3546. Acesso em: 15 ago. 2020).
CASO 2: ORGANIQUE BRASIL. Mês/Ano Julgamento: ABRIL/2013. Representação nº: 046/13. Autor(a):
Conar, mediante queixa de consumidor. Anunciante: Organique Brasil. Relator(a): Conselheira Tânia Pavlovsky.
Câmara: Segunda Câmara. Decisão: Alteração. Fundamentos: Artigos 1º, 3º, 23, 27 e 50, letra "b" do Código.
Resumo: Consumidora de Osasco (SP) queixa-se de anúncio em internet da Organique, uma empresa
fabricante de cosméticos. No entendimento da denunciante, a empresa divulga usar ingredientes naturais em seus
produtos, o que não corresponderia à verdade, na medida em que vários componentes químicos fazem parte das
fórmulas. Não estaria havendo, questiona a consumidora, greenwashing? Em sua defesa, a empresa esclarece que
comercializa três linhas de produtos, sendo que em uma delas não são empregados conservantes, matérias-primas
de origem animal e petróleo. Para a defesa, a consumidora estendeu essa propriedade específica de uma das suas
linhas para as demais. A relatora não julgou suficientes esses argumentos. Ela considerou que as alegações de
cuidados com o meio ambiente frisados no site da empresa não estão devidamente provados. "O site deixa muitas
dúvidas em aberto e foi isso o que causou a queixa da consumidora", escreveu em seu voto. Ela recomendou a
alteração, de forma a esclarecer que a empresa também comercializa linhas de produto que não se enquadram na
apresentação geral do site, além de comprovar as ações que diz promover em benefício do meio ambiente. Seu
voto foi aceito por unanimidade (CONAR. Disponível em:
http://www.conar.org.br/processos/detcaso.php?id=3420. Acesso em: 15 ago. 2020).
21
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Câmara dos Deputados o Projeto de Lei número 4.752/2012, que regulamentava o


greenwashing de maneira expressa.
Referido projeto tinha por intuito obrigar “organizações e empresas que utilizam
propaganda sobre sustentabilidade ambiental de seus produtos ou serviços a explicarem-na a
partir dos rótulos dos produtos e do material de publicidade (...) (BRASIL; Câmara dos
Deputados, 2012).
Além disso, o projeto também previa as sanções a serem aplicadas em caso de prática
da “maquiagem verde”, conforme denominada pelo projeto. O Art. 4º estabelecia que “A
prática da maquiagem verde sujeita as pessoas físicas e jurídicas por ela responsáveis às
sanções previstas no art. 72 da Lei n o 9.605, de 12 de fevereiro de 1998” (BRASIL; Câmara
dos Deputados, 2012).
Ou seja, o greenwashing, quando comprovadamente praticado pelas empresas no Brasil,
passaria a configurar uma infração administrativa ambiental, prática lesiva ao meio ambiente
que poderia acarretar como punição desde uma simples advertência, até a destruição ou
inutilização do produto.
O projeto foi recebido e analisado pela Câmara dos Deputados, contudo, ao ser emitido
o parecer da Comissão de Defesa do Consumidor, a proposição foi considerada inapropriada.
Dentre as diversas razões adotadas para o indeferimento do projeto, a principal delas foi a
afirmação que a prática do greenwashing já é regulamentada, ainda que indiretamente, pelo
CDC, quando este se refere à publicidade enganosa, em seu artigo 37 (BRASIL; Câmara dos
Deputados, 2012).
Além disso, alegou-se que o projeto extrapolaria a seara consumerista, uma vez que
estabelecia punições previstas na legislação ambiental aos que praticassem a referida conduta.
Não obstante, também foi arguido que a criação de exigências de que as empresas obtivessem
certificação por parte de terceiros, ou comprovassem as alegações por meio de dados científicos
“implica um grande desincentivo às mencionadas ações, por criar insegurança jurídica
flagrante às empresas, além de criar ônus adicionais imprevisíveis” (BRASIL; Câmara dos
Deputados, 2012).
Tendo isso em vista, a Comissão responsável pelo parecer apontou as soluções que
entendeu serem cabíveis e suficientes para a prevenção e repressão da “maquiagem verde”. De
acordo com ela, “o que se deveria incentivar é a criação de critérios claros para a utilização
de apelos ambientais e/ou de sustentabilidade na publicidade de produtos e, com estas regras,

22
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

criar penalidades para as empresas que estiverem usufruindo destes apelos, sem cumprir os
critérios estabelecidos” (BRASIL; Câmara dos Deputados, 2012).
Assim, verifica-se que apesar da tentativa de criação de uma norma que tratasse,
especificamente, da prática do greenwashing, optou-se pela não conversão do projeto em lei.
Um dos principais argumentos para tanto foi a alegação de que a prática já se encontra
devidamente acautelada no ordenamento pátrio, não necessitando de maiores regulamentações.

3.3 O greenwashing e a (des)necessidade de sua regulamentação específica

Diante do panorama apresentado, no qual o greenwashing aparece como prática


responsável por ocasionar danos não só ao meio ambiente, mas também aos consumidores como
um todo, surge a necessidade de intervenção por parte do direito, através de mecanismos aptos
a possibilitar a proteção e defesa da parte vulnerável da relação de consumo. Contudo, como
ocorre com outras condutas ilícitas já reconhecidas pelo ordenamento jurídico, nem sempre a
regulamentação específica sobre o assunto é necessária, uma vez que, em grande parte dos
casos, as normas já existentes são suficientes para reger o tema e disponibilizar instrumentos
capazes de coibir e reprimir a prática.
Nessa senda, ganham destaque as previsões estabelecidas no CDC, as quais, somadas,
constituem um manto protetor ao consumidor-vítima (efetiva ou potencial) do greenwashing.
O arcabouço protetivo inicia-se no artigo 3112 do referido diploma e prossegue nos
artigos seguintes, ganhando destaque o parágrafo único do artigo 36, que estabelece uma
obrigação que deve ser cumprida pelo fornecedor, no intuito de acautelar a veracidade das
informações que são disponibilizadas nos produtos. Aponta o referido dispositivo que, “o
fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para
informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão
sustentação à mensagem”.
Constata-se que este artigo é uma das mais importantes ferramentas no combate ao
grenwashing, uma vez que estabelece a obrigatoriedade de o fornecedor estar munido dos dados
comprobatórios das informações que disponibiliza nos invólucros dos bens de consumo. Assim,
não seria suficiente a mera alegação de que o produto respeita o meio ambiente, uma vez que o

12
Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas,
ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia,
prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança
dos consumidores
23
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

consumidor poderia solicitar acesso às informações para conferir se aquilo que está descrito no
produto realmente foi cumprido.
Contudo, é no artigo 37 do CDC que encontramos o dispositivo que mais se coaduna e
é capaz de acautelar o consumidor para que ele não se torne vítima do greenwashing, prática
que, conforme já ressaltado, amolda-se perfeitamente ao conceito de publicidade enganosa. O
artigo 3713 veda qualquer conduta que seja capaz de iludir ou ludibriar o consumidor.
Nesse ímpeto, conforme artigo 66 do CDC, “fazer afirmação falsa ou enganosa, ou
omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade,
segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços”, configura
crime contra as relações de consumo, estando o fornecedor sujeito à pena de detenção que varia
de três meses a um ano e multa. Importa ressaltar que, ainda que a conduta seja culposa, seu
autor pode sofrer sanções de detenção, de um a seis meses ou multa.
Além disso, a conduta de “fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser
enganosa ou abusiva” também é considerada crime pelo CDC, sujeito a pena de detenção, que
pode ser de três meses a um ano e multa”, conforme preceitua o artigo 67 do referido diploma
legislativo.
Não obstante, além das diversas sanções penais, outras, de índole administrativa,
também podem ser impostas ao fornecedor que pratica greenwashing. Tais sanções encontram
previsão no artigo 56 do CDC14, e podem ser aplicadas inclusive de forma cumulativa.
Diante disso, fica claro que o ordenamento pátrio possui diversos mecanismos que estão
previstos legalmente e que são capazes de combater o greenwashing. Além disso, outros
instrumentos, não jurídicos, também podem ser invocados para fazer frente à prática. Citam-se
como exemplo as já mencionadas recomendações expedidas pelo CONAR, a importância da

13
Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. § 1° É enganosa qualquer modalidade de informação
ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por
omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade,
propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. § 2° É abusiva, dentre outras a
publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se
aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz
de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. § 3° Para os
efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do
produto ou serviço.
14
Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções
administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas: I - multa; II -
apreensão do produto; III - inutilização do produto; IV - cassação do registro do produto junto ao órgão
competente; V - proibição de fabricação do produto; VI - suspensão de fornecimento de produtos ou serviço; VII
- suspensão temporária de atividade; VIII - revogação de concessão ou permissão de uso; IX - cassação de licença
do estabelecimento ou de atividade; X - interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade;
XI - intervenção administrativa; XII - imposição de contrapropaganda. Parágrafo único. As sanções previstas neste
artigo serão aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser aplicadas
cumulativamente, inclusive por medida cautelar, antecedente ou incidente de procedimento administrativo.
24
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

educação ambiental, bem como, medidas preventivas que podem ser adotadas pelos próprios
consumidores antes da aquisição dos produtos. Ressalta-se que a prevenção e cuidado na hora
da aquisição do produto é uma das formas mais eficazes de não ser vítima da prática.
Assim, algumas condutas são recomendadas para que o consumidor não seja enganado
com afirmações inverídicas. A primeira é fugir de afirmações falsas, desconfiando de “produtos
que possuem afirmações ambientais vagas como “ecológico”, “sustentável” ou “amigo do
meio ambiente”” contudo, não apresentam nenhum dado comprobatório ou suporte para
comprovação. Além disso, mas não menos importante, é fundamental ter cuidado com imagens
que parecem selos oficiais, mas na verdade, são desenhos criados pela própria empresa para
confundir os adquirentes de seus produtos (INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR, 2019, p. 25).
Outra dica importante é ter cuidado com as mensagens que são inseridas nos produtos,
sempre pesquisando se elas são realmente compatíveis com o alegado pelos fornecedores, uma
vez que

muitas empresas colocam recomendações e sugestões em suas embalagens, como


“Preserve o Meio Ambiente, ele agradece”, “Economize água”, “Por favor, recicle
essa embalagem”. No entanto, a empresa carece de política socioambiental e de ações
voltadas à sustentabilidade de seus produtos. A responsabilidade com o meio
ambiente é tanto do consumidor, quanto da empresa. É comum encontrar casos em
que o consumidor quer reciclar a embalagem do produto, mas o fabricante não investiu
em embalagens 100% recicláveis ou biodegradáveis e não consegue. Até mesmo
casos nos quais a empresa pede para o consumidor economizar água, mas a sua
empresa não tem a prática de fazer reuso de água, reaproveitamento e até mesmo
racionamento (INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, 2019,
p. 26).

A conduta mais indicada para confirmar a veracidade dos dados contidos nos produtos
é entrar em contato com o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) da empresa, por meio
de telefone ou e-mail, os quais precisam estar informados no rótulo do produto, solicitando
provas concretas das afirmações realizadas. Deste modo, constata-se que “o consumo
sustentável apenas é bem sucedido se a maioria dos consumidores participarem dele
voluntariamente, sendo educados para traduzir as informações que recebem sobre o tema em
novos comportamentos, aqui e agora” (MÉO, p. 186).
Somada a isso, a educação ambiental15 é outro importante instrumento no combate ao
greenwashing. Prevista na Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999, desempenha importante papel

15
Art. 1o Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade
constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do
meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.
25
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

de conscientização e sensibilização dos consumidores e também das empresas, auxiliando no


reconhecimento de práticas que “possam realmente ser comprovadas através da oferta de
informações claras, uma vez que as embalagens devem trazer informações verdadeiras e com
linguagem adequada ao entendimento do público geral” (SIQUEIRA; VARGAS, 2013, p. 03).
Assim, constata-se que o sistema jurídico brasileiro é rico e completo ao prever regras
e princípios suficientemente capazes de proteger o consumidor do greenwashing. Diante disso,
verifica-se que não é indispensável a edição de uma regulamentação específica para combater
a prática e viabilizar a proteção do consumidor. Isto porque, ainda que indiretamente,
encontram-se disposições principiológicas e regramentos dispostos no ordenamento jurídico
brasileiro capazes de combater e regular os efeitos possivelmente causados pelo greenwashing.

4. CONCLUSÃO

No presente trabalho estudou-se a prática conhecida como greenwashing, sua relação


com o meio ambiente e com a sociedade atual. O intuito principal foi aferir se existe (ou não) a
necessidade de serem criadas leis específicas para sua regulamentação.
Constatou-se que é notória a preocupação mundial com o impacto que os altos índices
de consumo vêm ocasionando ao meio ambiente no decorrer dos últimos séculos. Em
decorrência disso, se tornou urgente a mudança nos padrões de produção e consumo,
principalmente no que tange ao cuidado com a finitude dos recursos naturais.
Assim, os movimentos ambientalistas influenciaram os consumidores do século XXI a
adquirirem produtos que são feitos de modo a causar menos prejuízo ao ecossistema, tanto na
fase de produção, quanto no descarte. Tendo isso em vista e imbuídos do intuito de alavancar
suas vendas, muitos fabricantes começaram a inserir nas embalagens dos bens de consumo que
ofertam informações que levam a entender que eles são feitos de modo ambientalmente correto,
contudo, isso não é o que ocorre na realidade. Esta prática ficou conhecida como greenwashing.
O Código de Defesa do consumidor foi publicado em 1990 de forma a dar efetividade
ao comando constitucional que estabelecia a obrigatoriedade de sua criação. Apesar de
configurar um diploma com normas consideradas bastante avançadas para seu tempo, o Código
não trouxe nenhuma regulamentação que tratasse especificamente do greenwashing.
Com o passar dos anos e com o aumento da prática, foram surgindo questionamentos
acerca da necessidade de criação de uma lei que previsse de forma especifica condicionantes à
sua ocorrência. Assim, em 2012 foi apresentado o Projeto de lei nº 4.752-B, de 2012 à Câmara
dos Deputados, o qual estabelecia normas específicas sobre o greenwashing. Referido projeto,
26
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

no entanto, não foi convertido em lei sob o principal argumento de que regulamentava algo que
já encontra previsão legal no ordenamento jurídico, ainda que implicitamente.
Deste modo, conclui-se que, apesar de não possuir uma legislação que trate de maneira
particularizada sobre o tema, o ordenamento jurídico brasileiro contém instrumentos capazes
de combater o greenwashing. Exemplos desta alegação são os pareceres expedidos pelo
CONAR, os quais, apesar de não serem dotados de força judicial, influenciam nas decisões do
público consumerista.
Além disso, as normas do Código de Defesa do Consumidor que regulamentam a
publicidade no ordenamento jurídico brasileiro também podem ser utilizadas no combate à
prática. Igualmente, do CDC, podem ser extraídos diversos princípios aplicáveis. Assim, com
base na transparência, na vulnerabilidade do consumidor, na boa-fé e na informação, é possível
estabelecer vedações e combater o greenwashing.
Por fim, também existem outras formas de combate à referida prática, como a educação
ambiental e outras que podem ser adotadas pelo próprio consumidor. Medidas simples e não
jurídicas, como a busca de dados comprobatórios no próprio site da fornecedora para se
certificar de que as alegações contidas na embalagem do produto são verdadeiras, e o
acompanhamento de pesquisas feitas por instituições ambientalistas, são alguns exemplos
disso.
Deste modo, conclui-se que, a criação de novas leis ou regulamentos específicos para
combater o greenwashing não se faz necessária no ordenamento jurídico brasileiro. Isto porque,
apesar de não possuir uma legislação que trate de maneira particularizada sobre o tema, é
possível constatar que existem inúmeras normas (tanto regras quanto princípios)
suficientemente capazes de regulamentar a prática, protegendo de maneira satisfatória a parte
mais fraca da relação de consumo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AKATU; GLOBESCAN. Pesquisa Vida Saudável e Sustentável, 2019. Disponível em:


<https://www.akatu.org.br/wp-content/uploads/2020/04/Apresentac%CC%A7a%CC%83o-
Webinar-VSS_com-me%CC%81dia-internacional_final_v.3_final_utilizada_FF.pdf>. Acesso
em 25 jul. 2020.

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:


Senado, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 29 ago.
2020.
BRASIL, Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 4752/2012. Obriga organizações e empresas
que utilizam propaganda sobre sustentabilidade ambiental de seus produtos ou serviços a
27
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

explicarem-na a partir dos rótulos dos produtos e do material de publicidade e estabelece as


sanções à prática da maquiagem verde, previstas na Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.
Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=560705>.
Acesso em: 26 set. 2020.

BRASIL, Lei Federal n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do


consumidor e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm>. Acesso em: 29 ago. 2020.

BRASIL, Lei n. 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a
Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 13 fev. 2021.

BRASIL. Secretaria Nacional do Consumidor. Departamento de Proteção e Defesa do


Consumidor. Consumo Sustentável. Patrícia Faga Iglecias Lemos et al; Juliana Pereira da Silva
e Amaury Martins Oliva (coord.). Brasília: Ministério da Justiça, 2013. Disponível em:
<https://www.vidaedinheiro.gov.br/wp-content/uploads/2017/08/SENACON-
Caderno_ConsumoSustentavel.pdf>. Acesso em: 01 ago. 2020.
CONSELHO NACIONAL DE AUTORREGULAMENTAÇÃO PUBLICITÁRIA. Disponível
em: <http://www.conar.org.br/>. Acesso em: 15 ago. 2020.

DA SILVA, Cleyton; ARBILLA, Graciela. Antropoceno: Os Desafios de um Novo Mundo.


Revista Virtual de Química, Rio de Janeiro: v. 10, n. 6, p. 1619-1647, mar. 2018.

GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto: direito material e processo coletivo: volume único.12 ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2019.
GREENPEACE BRASIL. Disponível em: <https://www.greenpeace.org/brasil/quem-somos/>.
Acesso em: 26 set. 2020.

GREENPEACE FOUNDATION. The Greenpeace Book of Greenwash. Editora Worldwide


Home Environmentalists' Network, 1992.

INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Mentira verde: a prática de


Greenwashing nos produtos de higiene, limpeza e utilidades domésticas no mercado brasileiro
e suas relações com os consumidores. São Paulo, 2019. Disponível em:
<https://idec.org.br/greenwashing>. Acesso em: 17 out. 2020.

MENDONÇA, Francisco; DIAS, Mariana Andreotti. Meio Ambiente e Sustentabilidade.


Editora Intersaberes, 2019.

MÉO, Letícia Caroline. O greenwashing como problema do sistema jurídico brasileiro de


defesa do consumidor. 2017. 366 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2017.

NIELSEN. Brasileiros estão cada vez mais sustentáveis e conscientes, 2019. Disponível em:
<https://www.nielsen.com/br/pt/insights/article/2019/brasileiros-estao-cada-vez-mais-
sustentaveis-e-conscientes/>. Acesso em: 01 ago. 2020.

28
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

PAVIANI, Gabriela Amorim. Greenwashing: o falso marketing e a responsabilidade civil em


relação ao consumidor. Revista de Direito e Sustentabilidade, Goiânia: v. 5, n. 1, p. 92-109,
jan/jun. 2019.

SIQUEIRA, Rosana Rocha; VARGAS, Maria A. Mundim. Educação ambiental no combate ao


“greenwashing”. Revista Ambivalências do Grupo de Pesquisa “Processos Identitários e
Poder”, Sergipe: v. 01, n. 1, jan/jun. 2013.

STELZER, Joana; GONÇALVES, Everton das Neves. Greenwashing e a certificação no


comércio justo e solidário: consumismo e sustentabilidade na formação da sociedade
transnacional. Revista de Direito, Globalização e Responsabilidade nas Relações de Consumo,
Brasília: v. 2, n. 1, p. 130-148, jan/jun. 2016.

WWF - World Wide Fund for Nature. 2018. Relatório Planeta Vivo - 2018: uma ambição maior.
Grooten, M. and Almond, R.E.A. (Eds). WWF, Gland, Suíça. Disponível em:
<https://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/especiais/relatorio_planeta_vivo_2018/>.
Acesso em: 17 out. 2020.

29
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

A REDUÇÃO DA MENSALIDADE NA REDE PRIVADA DE ENSINO


EM PERÍODO PANDÊMICO: BREVES CONSIDERAÇÕES
DOUTRINÁRIAS E ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

Bárbara Peixoto Nascimento Ferreira de Souza1


Maria Luiza de Almeida Carneiro Silva2

Resumo: O presente trabalho trata das solicitações, realizadas por alunos e pais/responsáveis,
de redução da mensalidade na rede privada de ensino, que veio à tona como uma das
consequências da pandemia da Covid-19, em virtude da ausência de aulas presenciais em meio
ao risco de contaminação e, consequentemente, risco à saúde e à vida de todos os envolvidos
no ambiente acadêmico. Nesse contexto, serão abordados os posicionamentos a favor e contra
à redução da mensalidade nas escolas e faculdades da rede privada de ensino, bem como o
posicionamento os Tribunais Superiores. As dificuldades com relação à matéria são determinar
medidas que não sobreponham os interesses de uma das partes, considerando as famílias e as
instituições envolvidas nessa relação jurídica, e a construção de uma jurisprudência sólida nesse
sentido. O estudo do tema escolhido é necessário e importante, pois traz consequências para a
realidade social, econômica e jurídica. À vista das dificuldades apontadas, o presente trabalho
tem como objetivo apresentar o debate relativo ao tema e apontar como solução viável o
preenchimento de certos critérios para que seja a lide decidida, retirados do entendimento
jurisprudencial. Como procedimentos metodológicos foram utilizados a pesquisa explicativa e
exploratória, bem como a técnica de pesquisa documental indireta e o método dedutivo.
Conclui-se que a temática não se encontra pacificada jurisprudencialmente, demandando
estudos mais aprofundados para solucionar as questões práticas que lhe são inerentes.

Palavras-chave: Ensino privado. Redução da mensalidade. Prestação de serviço. Pandemia.

1 INTRODUÇÃO

Diante da incidência do coronavírus (Sars-Cov-2), em nível de pandemia, reconhecida


pela Organização Mundial da Saúde, sobrevieram recomendações e restrições de isolamento
social impostas pelo Ministério da Saúde, de modo que os governos estaduais e municipais
foram levados a tomar diversas medidas visando tutelar direitos fundamentais
constitucionalmente estabelecidos como o direito à vida e à saúde, sendo uma delas a suspensão
das atividades presenciais nas escolas e faculdades. Esta medida, em especial, proporcionou
mais à frente a utilização da educação à distância ou ensino remoto como forma de substituir
as aulas presenciais e dos estudantes não serem de todo prejudicados.

1
Mestra em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2020). Especialista em Direito
Constitucional e Tributário pela Universidade Potiguar (2015). Parecerista ad hoc da Revista Antinomias.
Advogada – OAB/RN n° 11.970. E-mail: barbarapeixoto_nfs@hotmail.com.
2
Mestra em Direito pela Universidade do Rio Grande do Norte (2020). Especialista em Direito Processual Civil
pela Universidade de Anhanguera – MS (2016). Pós-graduanda em Direito Constitucional pela Damásio
Educacional. Parecerista ad hoc da Revista Antinomias. E-mail: marialuiza.acs@hotmail.com.
30
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

A somar, em razão do cenário pandêmico existente, surgiram inúmeras consequências


deletérias na saúde pública, bem como nas mais diversas relações de mercado, ante à
paralisação da atividade econômica ou à sua significativa redução, refletindo integralmente na
situação socioeconômica da população e das próprias empresas.
Justamente nesse quadro, verificou-se por parte dos pais/responsáveis - nos casos em
que os alunos são menores de idade - e dos próprios discentes a necessidade de adoção de
providências conducentes ao reequilíbrio das obrigações contratuais, que terminaram por ser
afetadas em razão da pandemia, considerando, para tanto, que o advento desse fato
extraordinário impôs a cobrança desproporcional das mensalidades escolares, assim como uma
prestação de serviço supostamente irregular.
Em razão desta solicitação, de outro lado estão as Instituições de Ensino privadas, que,
por sua vez, alegam que as consequências da pandemia enfrentada são comuns às partes
contratantes, portanto, não somente um lado vivencia os inconvenientes do momento de
extrema excepcionalidade social e econômica. Além disso, esclarecem que a interrupção
ocorrida não foi causada por sua vontade ou conduta, dentre outros motivos.
Destarte, em meio a essa discussão jurídica, o trabalho propõe a exposição e análise dos
posicionamentos a favor e contra à redução da mensalidade nas escolas e faculdades da rede
privada de ensino, a fim de se determinar solução ou soluções através de preenchimento de
certos critérios argumentativos para que seja a lide decidida, retirados do entendimento
jurisprudencial pátrio.
Para tanto, em um primeiro momento buscou-se destacar os argumentos positivos à
redução da mensalidade e o porquê ela seria o caminho jurídico mais acertado, para
posteriormente analisar, de igual forma, as dificuldades enfrentadas pelas Instituições de Ensino
privadas a serem consideradas na modificação do negócio jurídico, como redução de receita,
manutenção dos profissionais contratados e de sua estrutura etc., para, por fim, apontar alguns
critérios a serem levados em consideração no ato decisório, mediante a jurisprudência, de
maneira a favorecer o acesso à educação aos alunos e ao mesmo tempo não prejudicar em
demasia a rede privada.
Ressalta-se que, para a realização deste estudo, utilizou-se do método dedutivo, partindo
das premissas previamente definidas na legislação e doutrina, por intermédio de pesquisa de
documentação indireta, tendo como base, para tanto, documentos que não somente abordem o
tema, mas que sejam necessários para a discussão dele.

31
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Foi efetuada uma pesquisa explicativa, visando identificar os fatores que determinam
ou que contribuem para a redução das mensalidades no ensino privado, a fim de compreender
qual seria o melhor caminho; e exploratória, buscando, ao explicitar a temática em seu atual
estado e aprimorar o conhecimento já existente.

2 A REDUÇÃO PELO DIREITO FUNDAMENTAO SOCIAL DE ACESSO À


EDUCAÇÃO

Do Estado exige-se, para a proteção do direito à vida, em seu duplo aspecto (direito de
nascer e direito de subsistir), tanto abstenções, quanto ações, traduzidas em prestações negativas
e positivas, respectivamente. No cenário pandêmico, como mencionado anteriormente, houve
a imposição de restrições, através de normas governamentais, com o propósito de tutelar, a
partir do direito à vida, como mencionado, o direito à saúde, constitucionalmente definidos nos
artigos 5° e 6° da Constituição Federal (BRASIL, 1988), respectivamente, sendo uma delas o
lockdown, medida de cunho mais rigoroso, imposta para restringir ao máximo a circulação dos
cidadãos em locais públicos, sendo permitida apenas a saída por motivos essenciais.
A educação, considerada como não essencial, sofreu impacto decisivo desde então e
diante dessa nova realidade, surgiram normas com o objetivo de permitir que o processo de
ensino-aprendizagem continuasse através do ensino remoto; no âmbito das instituições federais
de ensino, o Ministério da Educação publicou a Portaria nº 343, de 17 de março de 2020, seguida
das Portarias de nº 345/2020 e nº 395/2020, dispondo sobre a substituição das aulas presenciais
por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia do Novo Coronavírus –
COVID-19 (BRASIL, 2020). Destarte, convém destacar a redação do seu artigo 1º, abaixo
transcrito:
Art. 1º Autorizar, em caráter excepcional, a substituição das disciplinas presenciais,
em andamento, por aulas que utilizem meios e tecnologias de informação e
comunicação, nos limites estabelecidos pela legislação em vigor, por instituição de
educação superior integrante do sistema federal de ensino, de que trata o art. 2º do
Decreto nº 9.235, de 15 de dezembro de 2017.

Considerando esta autorização, as Instituições de ensino passaram a disponibilizar suas


aulas através do ensino remoto, como forma de dar continuidade ao período letivo, no entanto,
com o transcorrer do tempo, a expectativa gerada no setor educacional de que o retorno às aulas
presenciais dar-se-ia com segurança em junho ou julho do ano de 2020, em verdade, não se
concretizou, de maneira que o planejamento realizado pelas instituições para o ano letivo,
considerando o ensino presencial, não foi efetivado, graças a manutenção pandemia e,
consequentemente, do ensino remoto por mais tempo do que o previsto; passando
32
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

posteriormente para o ensino híbrido e atualmente, após mais de um ano, o retorno das aulas
presenciais em alguns Estados do país.
Nesse contexto, há de se considerar que houve a redução de alguns custos fixos por parte
da rede de ensino privada relativos à itens de manutenção, energia e água durante todo o período
sem aula presencial, de modo que, em busca do reestabelecimento do equilíbrio contratual,
torna-se cabível existir essa atenuação da mensalidade, até mesmo porque aqueles que
promovem o seu pagamento também tiveram seus rendimentos fortemente afetados, pois
dúvida não há de que a pandemia provocada pelo novo coronavírus trouxe a reboque a
fragilização de uma economia já bastante combalida.
Como consequência, as relações contratuais de trato sucessivo foram abruptamente
afetadas pela imprevisibilidade desse fato, estatuindo aos dois lados desse liame novas bases
para a criação de uma nova compreensão acerca dos direitos e das obrigações estabelecidos
nesta relação contratual.
Cabe o destaque que os serviços educacionais ofertados se caracterizam como relação
de consumo, formada pelo binômio consumidor, como destinatário final do serviço (art. 2°
caput, do CDC), e fornecedor, como prestador do serviço (art. 3°, caput, e §2° do CDC),
portanto, se submetem ao regime de tutela do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL,
1990).
O artigo 6º, em seu inciso V, do CDC, permite essa rediscussão contratual quando
dispõe que a modificação ou revisão das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações
desproporcionais em razão de fatos supervenientes que as tornem extremamente onerosas é um
dos direitos do consumidor (BRASIL, 1990). Ao passo que os artigos 39, V e 51, § 1º, III,
ambos igualmente do CDC, determinam que é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços,
exigir do consumidor vantagem obviamente excessiva, que se mostre onerosa ao considerar a
natureza e o conteúdo do contrato pactuado entre as partes (BRASIL, 1990).
Uma vez que se a realidade foi modificada, os contratos firmados antes precisam
adaptar-se, seja quanto ao serviço ou produto fornecidos, seja quanto ao preço ou
contraprestação exercida, a um contexto em que o lucro se mostre menos expressivo em virtude
da continuidade da atuação. Nesse sentido, diversos são os fatores a serem considerados para
se readequar os contratos pactuados, como capacidade de substituição das atividades
presenciais por digitais; retirada dos serviços acessórios incorporados (atividades
extracurriculares, alimentação etc.); impacto econômico causado pela pandemia quanto aos
custos das instituições de ensino (PIZZOL, 2020, p. 550).

33
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Igualmente há de se atentar para o fato de que a cessação de uma relação pedagógica


em virtude de dificuldades financeiras, possui a capacidade de gerar outros danos aos
diretamente interessados, seja de esfera emocional ou acadêmica.
A educação à distância é acompanhada de dificuldades em vários ramos da sua
atividade, tem-se o desafio a instrução pedagógica, tendo em vista que o processo educativo da
EAD difere do processo presencial de educação, dependendo da criação de um ambiente virtual
de aprendizagem que seja integrativo e interativo o suficiente, cabendo ao docente-tutor a
missão de procurar criar laços com os seus alunos, abrangendo todas as competências didático-
pedagógicas, sociais, tecnológicas, linguísticas, tutoriais, interculturais e de aprendizagens
(CARMO; FRANCO, 2019).
Nessa perspectiva, não obstante estejam disponíveis plataformas digitais capazes de
prover o ensino remoto, a ausência de formação específica dos professores quanto a utilização
das tecnologias da informação e comunicação dificulta o processo de lecionar (AVELINO;
MENDES, 2020, p. 60). Os docentes se mostram despreparados para ensinar de forma remota
e utilizar sites que disponibilizam serviço de videoconferências (ARTIGAS, 2017, p. 24400), o
que acaba prejudicando a transmissão da educação.
Quanto aos estudantes, estes indicam divergências quanto a qualidade e frequência das
aulas, bem como demanda desse aluno acesso as tecnologias disponíveis para acompanhar o
ensino à distância (SANTOS JUNIOR; MONTEIRO, 2020, p. 13), o que pode vir a gerar custos
para os seus familiares, desde o aumento da capacidade da rede de internet instalada em casa à
compra de notebook e deslocamento para locais que tenham fácil acesso à internet.
Com efeito, não se pode minimizar o valor da educação enquanto direito fundamental,
pela simples leitura do art. 205 da Constituição Federal, verifica-se que a educação é um direito
de todos, cabendo ao Estado o dever de fornecê-la, de forma gratuita ao menos nos graus
elementares e fundamentais, e incentivá-la com a colaboração da sociedade, respeitando a
liberdade de aprendizagem e de ensino, de acordo com o art. 206 da Carta (BRASIL, 1988).
O direito à educação não somente é um direito fundamental, é também um direito
humano, ultrapassando os limites do texto constitucional; sendo enfatizado no preâmbulo da
Declaração Universal dos Direitos Humanos - que, por sua vez, foi proclamada objetivando o
respeito, por parte dos órgãos e indivíduos, aos direitos e liberdades por meio do ensino -, a
importância da educação como forma de solidificação dos outros direitos fundamentais
(CARVALHO, 2020).

34
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Essa essencialidade faz com que a educação seja um direito que transcenda os limites
do texto constitucional. É mais do que um direito fundamental; é um direito humano. Inclusive,
a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi proclamada como um ideal comum a ser
atingido por todos os povos e nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da
sociedade se esforce em promover o respeito aos direitos e liberdades por meio do ensino e da
educação. Enfatiza, em seu preâmbulo, a importância do ensino e da educação para a
concretização dos demais direitos fundamentais (CARVALHO, 2020).
Tais circunstâncias colaboram com a compreensão da possibilidade dessa diminuição,
que, por sua vez, deverá ser efetivada em um percentual que não inviabilize, a curto ou médio
prazo, a própria sobrevivência da instituição, o que não traria nenhum benefício futuro aos
estudantes.
Nos Tribunais de Justiça de vários estados brasileiros desenrola-se o ajuizamento de
Ação Civil Pública, através da qual requerem a diminuição das mensalidades e/ou a suspensão
da prestação de serviços contratados em primeiro momento - as aulas presenciais -, é o caso,
por exemplo, dos seguintes estados: Ceará; Amazonas; Pernambuco; Rondônia; Alagoas; Rio
Grande do Norte; isto porque o desequilíbrio contratual provocado pela pandemia juntamente
com o caráter de fundamentalidade do direito de acesso à educação autoriza o ingresso da ação
(NASCIMENTO; RICHTER; ROSA, 2020, p. 89).
Atestado este desequilíbrio, é direito subjetivo do consumidor obter à revisão contratual,
independentemente se trata ou não de risco inerente à atividade ou se o evento superveniente
foi causado ou não pelo fornecedor.
Logo, tem-se que é plenamente cabível, sob o ponto de vista social, econômico e jurídico
o desconto nas mensalidades escolares, seguindo a tendência do movimento atual e de pós-
pandemia, objetivando garantir o direito fundamental à educação e evitar prejuízo econômicos
aos que procedem com o pagamento, e emocionais e de aprendizado aos discentes.

3 A REDUÇÃO COMO INTERVENÇÃO NA LIBERDADE CONTRATUAL


PRIVADA: AUSÊNCIA DE DESEQUILÍBRIO E ONEROSIDADE EXCESSIVA.

Em virtude dos severos impactos socioeconômicos causados pela pandemia, além da


paralisação total ou parcial de inúmeras atividades, a renda percebida por alguns núcleos
familiares também foi impactada. Buscando adequar-se a essa nova realidade a todos imposta,
os serviços educacionais vêm tentando se rearranjar e se reinventar, sobretudo com a adoção
do ensino remoto ou do Ensino à Distância.
35
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Para tanto, além de preparar e viabilizar um ambiente virtual de aprendizagem,


disponibilização de conteúdos on-line, elaboração de atividades e provas virtuais, bem como
capacitação e atualização dos docentes e dos demais funcionários, as instituições de ensino
frequentemente têm sofrido com a falta de adesão dos alunos e com a falta de incentivo e
credibilidade por parte dos próprios pais/responsáveis.
Desta feita, começou-se a indagar se seria possível pleitear descontos/redução dos
valores à título de mensalidade escolar ou universitária.
Visando a melhor compreensão da temática ora exposta, faz-se mister ressaltar o teor
do artigo 478 do Código Civil (BRASIL, 2002), in verbis:

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de


uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para
a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá
o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar
retroagirão à data da citação.

Ademais, deve ser destacado o Enunciado nº 365 do CJF/STJ, na IV Jornada de Direito


Civil: “A extrema vantagem do art. 478 deve ser interpretada como elemento acidental da
alteração das circunstâncias, que comporta a incidência da resolução ou revisão do negócio por
onerosidade excessiva, independentemente de sua demonstração plena” (BRASIL, 2006).
Compreende-se por onerosidade que pode servir de fundamento para a revisão ou
resolução contratual, e que não necessita de prova, aquela em que um dos contraentes auferiu
vantagens em detrimento de outro, devendo-se comprovar o prejuízo e consequente
desequilíbrio do contrato.
No caso em apreço, para a reivindicação de redução de mensalidade é imprescindível
que seja demonstrada, de fato, uma alteração na renda considerada, decorrente dos efeitos
imprevisíveis da pandemia da Covid-19, gerando a impossibilidade de arcar com a mensalidade
que vinha sendo adimplida até então, devendo ser proceder-se à análise de cada caso concreto.
O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, V, determina que são direitos
básicos do consumidor a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações
desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem
excessivamente onerosas (BRASIL, 1990).
Nessa esteira, cumpre destacar que nos autos do Processo nº 0722291-
35.2020.8.07.0016, em trâmite perante o 5º Juizado Especial Cível de Brasília, os pedidos da
parte autora foram julgados improcedentes, não entendendo o Juízo pela redução de
mensalidade em razão da pandemia, tendo em vista que não houve inadimplência ou

36
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

desequilíbrio contratual por parte da instituição de ensino, de modo que o objetivo do contrato
firmado seria alcançado ao final do ano letivo (DISTRITO FEDERAL, 2021).
A parte autora sustentou que após a suspensão das aulas presenciais devido as medidas
de isolamento social, o contrato teria sofrido desequilíbrio financeiro, já que a mensalidade não
teria sido alterada, mas sem a correspondente prestação de integral dos serviços contratados.
Ademais, aduziu que existiria correlação direta entre o valor das mensalidades e o cumprimento
do calendário escolar inicial, com a previsão de 200 dias letivos. Por fim, requereu a redução
em 50% das mensalidades de maio e junho de 2020, além das vincendas, até o retorno das aulas
presenciais (DISTRITO FEDERAL, 2021).
Por seu turno, a instituição de ensino afirmou ter realizado todas as adequações
necessárias e emergenciais decorrentes da Covid-19, com ajustes na organização pedagógica e
administrativa, bem como reorganização do calendário letivo, seguindo os ditames legais,
preservando a qualidade do ensino e sem que houvesse perda de aprendizado por parte dos
alunos, destacando que a redução da mensalidade seria inviável no caso em apreço (DISTRITO
FEDERAL, 2021).
Segundo a Magistrada ao proferir a sentença, ao contrário do que afirmou a parte autora,
não se pode deduzir que a escola tenha inadimplido o contrato de prestação de serviços
educacionais, uma vez que a suspensão das aulas presenciais não decorreu de sua vontade
própria, por negligência quanto ao cumprimento das obrigações oriundas do instrumento
contratual (DISTRITO FEDERAL, 2021).
Ademais, frisou-se que em razão de ajustes pedagógicos para dar continuidade à
prestação dos serviços, adveio nova legislação que adotou critérios outros, aplicáveis à situação
ora vivenciada. Destacou-se ainda que a instituição de ensino prestou todos os esclarecimentos
à parte autora, além do seu calendário escolar, que foi reformulado de acordo com as
necessidades do ensino à distância, de modo que cabia ao autor aceitar esta nova realidade
contratual ou pugnar pela rescisão (DISTRITO FEDERAL, 2021).
O autor interpôs recurso inominado em face da sentença de improcedência, sustentando
que deveria ser restabelecido o reequilíbrio das condições contratuais em face das medidas
sanitárias adotadas e que o teriam prejudicado desproporcionalmente, pugnando pelo desconto
de 50% nas mensalidades dos seis meses de paralisação ou outro percentual entendido como
justo por ocasião do julgamento da lide (DISTRITO FEDERAL, 2021).
Ao contrário do que foi alegado pelo Recorrente, entendeu a Segunda Turma Recursal
dos Juizados Especiais do Distrito Federal que ambas as partes sofreram impactos financeiros,

37
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

de modo que não se verificou enriquecimento injusto da escola frente ao suposto desequilíbrio
contratual. Ainda, destacou-se que a forma e o modo de prestação de serviço educacional foram
alterados por determinação legal, a saber o Decreto nº 40.509/2020, do Distrito Federal, de sorte
que a recusa da escola em negociar desconto de mensalidade não caracterizaria ato ilícito, mas
apenas ato discricionário da empresa, exercício regular de seu direito, razão pela qual não cabe
ao Poder Judiciário substituir a vontade da parte em questão para renegociar os termos
contratuais, mantendo-se a sentença de primeiro grau (DISTRITO FEDERAL, 2021).
Nos autos do Agravo de Instrumento nº 5017332-51.2020.8.24.0000, a Quarta Câmara
Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, à unanimidade, manteve decisão de primeiro
grau que indeferiu o pedido de redução em 30% sobre o valor das mensalidades do curso de
Direito de uma Universidade do Norte do Estado. A parte autora sustentou que os alunos teriam
recebido serviços educacionais diversos daqueles contratados originalmente, além de não terem
acesso à biblioteca, salas de aula e laboratórios, tendo ainda que arcar com a mensalidade de
forma integral (SANTA CATARINA, 2020).
O desembargador Selso de Oliveira ressaltou que a instituição de ensino vinha adotando
as medidas necessárias para manter as contratações e readequá-las à atual situação de cada
aluno, tais como abertura de edital para concessão de bolsas, abstenção de cobrança de juros e
multa em caso de atraso no pagamento, renegociação, parcelamento etc. Acerca das atividades
que exigem participação presencial, destacou que poderiam ser futuramente repostas, sem
prejuízo dos alunos e com a isenção de novos custos, com a readequação dos calendários
acadêmicos (SANTA CATARINA, 2020).
No âmbito do Tribunal de Justiça da Paraíba, convém mencionar que nos autos do
Agravo de Instrumento nº 0800130-28.2020.8.15.9001 o desembargador relator Marcos
Cavalcanti de Albuquerque indeferiu o pedido de antecipação da tutela recursal requerido pela
parte agravante, visando a redução imediata do valor da mensalidade enquanto o
estabelecimento de ensino permanecesse fechado para aulas presenciais na forma contratada,
alegando significativas mudanças financeiras na contratação. Ainda, aduziu que a instituição
de ensino teve diminuição de gastos, alteração na modalidade de ensino contratado, bem como
redução qualitativa e quantitativa dos serviços (PARAÍBA, 2020).
O desembargador relator ressaltou que a revisão contratual é possível, desde que sejam
apresentados motivos concretos que justifiquem o desequilíbrio da relação contratual, ferindo
a função social do contrato. Assim, em consonância com a Teoria da Imprevisão, um contrato
pode ser revisto desde que a parte que sofreu uma perda substancial no contrato comprove que

38
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

o contrato se tornou excessivamente oneroso para ela, necessitando ser revisado, conforme os
artigos 478, 479 e 480 do Código Civil, bem como o artigo 6º do Código de Defesa do
Consumidor (PARAÍBA, 2020).
O pedido de antecipação de tutela recursal foi indeferido, tendo em vista que a parte
agravante não demonstrou probabilidade jurídica do pedido, pois não acostou prova concreta
que houve redução substancial dos gastos da instituição, bem como análise técnica de redução
qualitativa e quantitativa do ensino com o sistema virtual implementado em virtude da
pandemia de Covid-19. Ademais, os serviços continuam sendo prestados, os professores
continuam ministrando suas aulas, de modo que a instituição de ensino tem seus gastos
decorrentes de todas essas atividades, não havendo como alegar a redução. Frisou-se, ainda que
a Agravante, primeiramente, deveria ter demonstrado mudança em sua própria condição
financeira, oriunda de um impacto imprevisível decorrente da pandemia e impossibilidade de
arcar com o valor da mensalidade (PARAÍBA, 2020).
Acerca da temática ora analisada, em 28 de dezembro de 2020, o Supremo Tribunal
Federal julgou inconstitucionais as leis dos Estados do Ceará, Maranhão e Bahia, que
estabeleceram desconto obrigatório nas mensalidades da rede privada de ensino durante a
pandemia do novo coronavírus. O Ministro Edson Fachin foi relator da ADI nº 6.423, na qual
a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino – Confenen – contestava a Lei
Estadual nº 17.208/2020, do Ceará; bem como da ADI nº 6.575, cujo objeto de questionamento
era a Lei Estadual nº 14.279/2020, da Bahia. Já o Ministro Alexandre de Moraes foi o relator
da ADI nº 6.435, na qual a Confenen questionava a Lei Estadual nº 11.259/2020, do Maranhão
(BRASIL, 2020).
O voto do Ministro Alexandre de Moraes prevaleceu no julgamento das três Ações
Diretas de Inconstitucionalidade, sustentando que as normas violariam a competência privativa
da União para legislar sobre Direito Civil. Ademais, esclareceu que, ao estabelecerem redução
geral dos preços contratualmente fixados para os serviços educacionais, as leis modificaram, de
forma geral e abstrata, o conteúdo dos negócios jurídicos (BRASIL, 2020).
Sendo assim, a competência concorrente dos Estados para legislar sobre direito
consumerista se restringe a normas sobre a responsabilidade por dano ao consumidor, não se
confundindo com competência legislativa geral sobre direito do consumidor, que é exercida
pela União por meio do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 2020).
O Ministro Alexandre de Moraes ainda ressaltou que os efeitos decorrentes da pandemia
do novo coronavírus sobre os negócios jurídicos privados, até os decorrentes de relações de

39
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

consumo, receberam tratamento através da Lei Federal nº 14.010/2020, que dispôs sobre o
Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no
período da pandemia do coronavírus (Covid-19). Nessa esteira, a referida lei acabou
restringindo o âmbito de competência complementar por parte dos Estados para legislar, além
de não conter qualquer previsão geral de modificação contratual de prestação de serviços
educacionais (BRASIL, 2020).
Nessa toada, resta evidente que a pandemia impôs inúmeros e severos desafios aos
setores da sociedade, da saúde, da economia e da educação, impactando de maneira contundente
a vida da coletividade. Não obstante, as instituições de ensino privadas, frente à esse
acontecimento imprevisível, foi compelida a realizar diversas alterações e rearranjos
procedimentos pedagógicos e metodológicos, treinamento de docentes, aperfeiçoamento do
quadro administrativo, desenvolvimento de ferramentas virtuais, tais como, ambientes virtuais
de aprendizagem, entre outros, dependendo do dispêndio de recursos financeiros para tanto,
razão pela qual não há como alegar redução de gastos tão somente pela ausência de aulas e
atividades presenciais.
Portanto, constata-se que a jurisprudência pátria ainda não possui entendimento
consolidado, mas há a tendência em considerar o ensino à distância como prestação efetiva dos
serviços educacionais, de modo que não haveria que falar em descumprimento contratual ou
desequilíbrio que importe na revisão do contrato pactuado, já que a suspensão das aulas
presenciais se dá por razões alheias à instituição de ensino, devendo ser aplicada a Teoria da
Imprevisão para ambas as partes. Ademais, cabe a quem pleiteia a redução da mensalidade
comprovar de forma eficaz a diminuição da capacidade financeira que justifique o seu pleito e
gere onerosidade excessiva.

4 CONCLUSÃO

Através da pesquisa realizada, verificou-se que pandemia do novo coronavírus alterou


de maneira significativa os serviços educacionais tradicionalmente ofertados no âmbito
privado, firmados através de instrumento contratual.
Para tanto, as instituições de ensino necessitaram de readequações nos setores
pedagógico, administrativo e de tecnologia da informação, gerando, por conseguinte, uma
modificação dos papeis dos docentes e discentes, com a reformulação da própria transmissão
de conhecimento, a partir da adoção do ensino à distância ou da modalidade remota, com
amparo legal.

40
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Já os alunos foram drasticamente impactados com a suspensão das referidas aulas


presenciais e implementação de ambientes minimamente adequados para assistirem às aulas
virtuais, por vezes sofrendo com problemas de conexão da internet ou mesmo pela falta de um
local próprio ao desempenho de suas atividades acadêmicas, sendo observada, ainda, a redução
da renda de inúmeras famílias em virtude da pandemia.
Nessa esteira, verifica-se o surgimento de um verdadeiro dilema entre os alunos e seus
responsáveis, e as instituições de ensino. Os primeiros pleiteiam a redução das mensalidades
contratualmente pactuadas, entendendo que as instituições de ensino tiveram redução de custos
fixos com a implementação da modalidade virtual, como energia elétrica, água e manutenção,
aduzindo o desequilíbrio contratual e onerosidade excessiva, devendo ser observada, ainda, a
condição de consumidor no caso em apreço. Ademais, afirmam que a educação à distância
acarreta inúmeras dificuldades, que refletem no desempenho dos próprios alunos, ao passo em
que os docentes não estariam devidamente preparados para essa nova realidade.
Por seu turno, as instituições de ensino aduzem ter realizado todas as adequações
urgentes e necessárias decorrentes da pandemia de Covid-19 e das medidas de isolamento
social, por intermédio de alterações nos calendários letivos, criação de ambientes virtuais de
aprendizagem, organização administrativa e pedagógica, visando preservar a qualidade do
ensino, razão pela qual a redução da mensalidade não se justificaria, uma vez que o
desequilíbrio contratual não fora verificado.
A celeuma foi observada em inúmeros estados brasileiros, a exemplo do Ceará,
Amazonas, Paraíba, Bahia, Pernambuco, Distrito Federal, Rio Grande do Norte, dentre outros.
Destarte, resta evidente que ainda não há um entendimento pacificado pelos Tribunais
Superiores, que têm sustentado a necessidade de análise detida de cada caso concreto, cabendo
a quem pleiteia a redução de mensalidade comprovar de forma eficaz o impacto na renda
auferida em decorrência da situação pandêmica, defendendo a aplicação da Teoria da
Imprevisão para ambas as partes.
Assim, o Judiciário tem buscado, até então, a composição e harmonização dos interesses
que compõem a lide, uma vez que a pandemia é um acontecimento totalmente imprevisível e
cujos efeitos, a curto e longo prazo, estão longe de serem mensurados.

41
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

REFERÊNCIAS

ARTIGAS, Natalia Aline Soares. Dificuldades apresentadas no ensino de educação à distância.


Formação de professores: contexto, sentidos e práticas. IV Seminário de representações sociais,
subjetividade e educação. 2017. Disponível em:
https://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2017/24812_12508.pdf. Acesso em: 24 jun. 2021.

AVELINO, Wagner Feitosa. MENDES, Jessica Guimarães. A realidade da educação


brasileira a partir da COVID-19. Boletim de Conjuntura (BOCA), ano II, vol. 2, n. 5, Boa Vista,
2020, pp. 56-62. Disponível em: https://revista.ufrr.br/boca/article/view/AvelinoMendes.
Acesso em: 23 jun. 2021.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm. Acesso em: 26 jun. 2021.

BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso
em: 20 jun. 2021.
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe
sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Acesso em: 20 jun. 2021.

BRASIL. Enunciado nº 365. IV Jornada de Direito Civil. Brasília, 2006. Disponível em:
https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/483. Acesso em: 26 jun. 2021.

BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 343, de 17 de março de 2020.


Dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a
situação de pandemia do Novo Coronavírus - COVID-19. Publicado em: 18/03/2020,
Edição: 53, Seção: 1, Página: 39. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-
n-343-de-17-de-marco-de-2020-248564376. Acesso em: 20 jun. 2021.

BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 395, de 15 de abril de 2020.


Publicado em: 16/04/2020, Edição: 73, Seção: 1, Página: 61. Disponível em:
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-395-de-15-de-abril-de-2020-252725131.
Acesso em: 20 jun. 2021.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.423. Relator:


Ministro Edson Fachin. Relator do Acórdão: Ministro Alexandre de Moraes. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5912216. Acesso em: 26 jun. 2021.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.575. Relator:


Ministro Edson Fachin. Relator do Acórdão: Ministro Alexandre de Moraes. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6018020. Acesso em: 26 jun. 2021.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.435. Relator:


Ministro Alexandre de Moraes. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5918103. Acesso em 26 jun. 2021.

CARMO, Renata de Oliveira Souza; FRANCO, Aléxia Pádua. Da docência presencial à


docência online: aprendizagens de professores universitários na educação a
42
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

distância. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 35, e210399, 2019. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
46982019000100420&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 26 jun. 2021.

CARVALHO, Tiago Cappi Janini, Denis. O direito fundamental à educação e as relações de


consumo: desafios perante a pandemia da COVID-19. Revista Relações Internacionais do
Mundo Atual. v. 4, n. 29, setembro/dezembro (2020). Disponível em:
http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/RIMA/article/view/5084. Acesso em: 20 jun. 2021.

CARUARU: MPPE AJUÍZA ACP PARA QUE QUATRO INSTITUIÇÕES DE ENSINO


ASSEGUREM REDUÇÃO DAS MENSALIDADES. Ministério Público de Pernambuco.
Publicado em 25 de maio de 2020. Disponível em: https://www.mppe.mp.br/mppe/ultimas-
noticias/459-caop-defesa-da-infancia-e-juventude-noticias/12839-caruaru-mppe-ajuiza-acp-
para-que-quatro-instituicoes-de-ensino-assegurem-reducao-das-mensalidades. Acesso em: 20
jun. 2021.

COVID-19: AÇÃO DO MPAM, DPE E CDC-ALEAM PEDE REDUÇÃO DE


MENSALIDADES DE ESCOLAS PARTICULARES. Ministério Público do Estado do
Amazonas. Procuradoria-Geral de Justiça. Publicado em 22 de abril de 2020. Disponível em:
https://www.mpam.mp.br/noticias-mpam/12937-covid-19-acao-do-mpam-dpe-e-cdc-aleam-
pede-reducao-de-mensalidades-de-escolas-particulares#.YNvA-ehKiUk. Acesso em: 20 jun.
2021.

DEFENSORIA PÚBLICA INGRESSA COM AÇÃO COLETIVA POR DESCONTO EM


MENSALIDADES ESCOLARES. Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Norte.
Publicado em 14 de maio de 2020. Disponível em>
https://defensoria.rn.def.br/noticia/defensoria-publica-ingressa-com-acao-coletiva-por-
desconto-em-mensalidades-
escolares#:~:text=A%20Defensoria%20P%C3%BAblica%20do%20Estado,coronav%C3%A
Drus%20(Covid%2D19). Acesso em: 20 jun. 2021.

DISTRITO FEDERAL. Turma Recursal. Recurso Inominado nº 0722291-35.2020.8.07.0016.


Relator: Juiz Almir Andrade de Freitas. Brasília, 22 de fevereiro de 2021. Disponível em:
https://bityli.com/mncdP. Acesso em: 26 jun. 2021.

EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA, MINISTÉRIO PÚBLICO REQUER REDUÇÃO DE


MENSALIDADES ESCOLARES ENTRE 30% E 35%. Ministério Público do Estado de
Alagoas. Publicado em 4 de maio de 2020. Disponível em: https://www.mpal.mp.br/em-acao-
civil-publica-ministerio-publico-requer-reducao-de-mensalidades-escolares-entre-30-e-35/.
Acesso em: 20 jun. 2021.

MP ENTRA NA JUSTIÇA PARA REDUÇÃO DE MENSALIDADES ESCOLARES


DURANTE A PANDEMIA. Rondoniagora. Publicado em 8 de maio de 2020. Disponível em:
https://www.rondoniagora.com/geral/mp-entra-na-justica-para-reducao-de-mensalidades-
escolares-durante-a-pandemia. Acesso em: 20 jun. 2021.

NASCIMENTO, Arthur Martins; RICHTER, Daniela; ROSA, Monique Zanon da. O princípio
da fraternidade como guia no direito do consumidor: o direito à educação x avaliação e
solicitação de descontos nas mensalidades escolares em tempos de pandemia. Pandemia, direito
e fraternidade: um mundo novo nascerá. Josiane Rose Petry Veronese, Carlos Augusto
43
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Alcântara Machado, Lafayette Pozzoli (organizadores). – Caruaru-PE: Asces-Unita, 2020.


Disponível em: http://repositorio.asces.edu.br/handle/123456789/2624. Acesso em: 26 jun.
2021.

NOTA PÚBLICA – ESCLARECIMENTOS SOBRE ACP DA MENSALIDADE ESCOLAR


DURANTE A PANDEMIA. Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará. Publicado em 21
de dezembro de 2020. Disponível em: https://www.defensoria.ce.def.br/noticia/nota-publica-
esclarecimentos-sobre-acp-da-mensalidade-escolar-durante-a-pandemia/. Acesso em: 20 jun.
2021.

PARAÍBA. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 0800130-28.2020.8.15.9001.


Relator: Desembargador Marcos Cavalcanti de Albuquerque. João Pessoa, 18 de novembro de
2020. Disponível em: https://pje-
jurisprudencia.tjpb.jus.br/jurisprudencia/view/AXXjYaEIU2n4Vco4YqAv?words=. Acesso
em: 26 jun. 2021.

PIZZOL, Ricardo Dal. Sinalagma funcional e contratos de prestação de serviços educacionais:


efeitos da pandemia de Covid-19 sobre o equilíbrio dessas relações. Direito do Consumidor:
reflexões quanto aos impactos da pandemia de Covid-19 - Edição especial de 30 anos de
vigência do CDC. 2020. Disponível em: https://bityli.com/T2QCB. Acesso em: 20 jun. 2021.

SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 5017332-


51.2020.8.24.0000. Relator: Desembargador Selso de Oliveira. Florianópolis, 05 de novembro
de 2020. Disponível em:
http://busca.tjsc.jus.br/jurisprudencia/html.do?q=&only_ementa=&frase=&id=321604884059
612223994596563733&categoria=acordao_eproc. Acesso em: 26 jun. 2021.

SANTOS JUNIOR, Verissimo Barros dos. MONTEIRO, Jean Carlos da Silva. Educação e
covid-19: as tecnologias digitais mediando a aprendizagem em tempos de pandemia. Revista
Encantar - Educação, Cultura e Sociedade - Bom Jesus da Lapa, v. 2, p. 01-15, jan./dez. 2020.
Disponível em: http://www.revistas.uneb.br/index.php/encantar/article/view/8583.
Acesso em: 23 jun. 2021.

44
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

CONSUMO E LOGÍSTICA REVERSA: A RESPONSABILIDADE NOS


PROCESSOS LOGÍSTICOS

Bruno Pinto Coratto1

Resumo: Em uma sociedade em que o consumo é vendido como uma necessidade inerente a
cada um de nós, a manutenção do modelo de exploração capitalista conduz a humanidade para
o colapso ambiental. Neste cenário emerge a necessidade de gerenciamento eficiente de matéria
prima como forma de tentar amenizar os efeitos da produção de resíduos sólidos decorrente da
fabricação bens em larga escala. A logística reversa, neste contexto, se destaca como um dos
pontos centrais da discussão inserida pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, já que conduz
ao correto descarte dos materiais após a utilização pelo consumidor, além de funcionar como
uma ferramenta de preservação ambiental. Este artigo investiga a responsabilidade pelo
processo de logística reversa, tendo em vista sua complexidade e a atuação de diferentes atores,
utilizando pesquisa bibliográfica na literatura relacionada ao tema e documental na legislação
aplicável. Pelas análises realizadas, foi possível concluir que o caso é de responsabilidade
compartilhada por todos os envolvidos na cadeia de produção e consumo e pelo poder público,
circunstância que é corroborada pelas disposições constitucionais relacionadas à proteção
ambiental e da saúde humana, bem assim pela Lei nº 12.305/10.

Palavras-chave: Política Nacional de Resíduos Sólidos; Pós-consumo; Resíduos Urbanos;


Responsabilidade Compartilhada; Solidariedade Intergeracional.

INTRODUÇÃO

As relações de consumo, mais do que objeto de estudo do Direito do Consumidor,


representam verdadeira externalização do modo de ser e de existir dos indivíduos dentro da
sociedade contemporânea (ou “pós-pós-moderna”). O modelo de produção capitalista, baseado
na exploração e na acumulação infinitas de bens materiais, encontra obstáculo na finitude dos
recursos ambientais que sustentam este mesmo modelo, criando uma espécie de contradição
interna – ou um tipo de dilema do capitalismo, um paradoxo.
Na busca por soluções que atenuem os impactos nocivos da exploração dos recursos
naturais em larga escala e que possam responder à geração de resíduos decorrente desta
exploração, surge a possibilidade de reaproveitamento de materiais (ou de partes de produtos,
como embalagens) para substituir a retirada de matéria prima da natureza na fabricação de
novos bens, ideia pautada em uma lógica de desenvolvimento sustentável. Neste contexto, a
logística reversa se revela como instrumento que possibilita o desenvolvimento de políticas

1
Mestre em Ambiente e Desenvolvimento, Especialista em Direito Processual Civil, Advogado inscrito na
OAB/RS sob o nº 82.192. E-mail: bruno.coratto@universo.univates.br.
45
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

econômicas e sociais com o escopo de fomentar o adequado gerenciamento de resíduos sólidos


e de concretizar a proteção constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à
saúde humana.
Dessa relação emerge o problema de pesquisa formulado, qual seja de que forma se
organiza a responsabilidade no âmbito dos processos de logística reversa, tendo em vista se
tratar de procedimento complexo e com a inclusão de diferentes sujeitos. O objetivo geral é
descrever como a responsabilidade civil se apresenta na logística reversa de resíduos sólidos.
Para tanto, identificar-se-á o contexto social em que se inserem os processos de logística
reversa, bem como serão conceituados os processos logísticos analisados. Como hipótese,
aventa-se estar diante de caso de responsabilidade compartilhada, uma vez que a gênese da
logística reversa possui estreita relação com o sistema de proteção ambiental
constitucionalmente delineado que, por sua vez, traz a solidariedade intergeracional como
característica marcante.
A pesquisa proposta se mostra relevante em um contexto em que não só a preocupação
com a proteção ambiental é urgente, mas também as relações de consumo se alteram em razão
de fatos de grande impacto mundial, como a pandemia de COVID-19, que aumentou
demasiadamente a produção de resíduos sólidos nas residências no mundo inteiro. Como se
verá, é impossível pensar em proteção ambiental efetiva sem falar em consumo, o que, por seu
turno, conduz ao estudo das normas aplicáveis às relações consumeristas. O consumo, por sua
vez, age como um importante fator de produção de resíduos sólidos com potencial de
contaminação ambiental e de risco à saúde da população, sendo importante debruçar-se sobre
potenciais soluções para estas questões.
Para tanto, partir-se-á de uma reflexão acerca da natureza das necessidades humanas
que movem os sujeitos ao consumo, ponto crucial para o entendimento da produção de resíduos
sólidos tratada pela logística reversa. Adotando como referencial teórico ideias oriundas da
sociologia e da filosofia, a parte inicial buscará contextualizar as relações sociais em que as
ferramentas de logística estão inseridas, a partir do ponto de vista do sujeito. Posteriormente,
será abordado o conceito de logística reversa com base na legislação brasileira aplicável ao
gerenciamento de resíduos sólidos, bem assim em doutrina e literatura pertinentes ao tema.
Com a consolidação do contexto social em que a logística reversa é desenvolvida e uma
vez fixado o conceito que será trabalhado, serão abordados os aspectos legais relacionados à
responsabilidade pelos processos logísticos. Esta abordagem, por seu turno, se desenvolverá

46
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

tendo como pano de fundo as disposições constitucionais relacionadas ao meio ambiente e à


saúde humana, áreas que possuem estreita relação com o objeto abordado neste estudo.

1 A NECESSIDADE COMO MERCADORIA

Antes de ingressar no cerne da questão proposta, é necessário dar um passo atrás em um


esforço para delinear o contexto social em que as relações expostas ocorrem, a fim de facilitar
a melhor compreensão do problema analisado. É indiscutível que o modelo capitalista de
produção de bens/produtos, mundialmente hegemônico, gera impactos ao meio ambiente que
podem ser irreversíveis, já que a necessidade de produção constante é intrínseca ao próprio
sistema (KEUCHEYAN, 2019). Mais do que isto, a incessante produção com a finalidade de
acúmulo ilimitado de capital demanda, invariavelmente, um aporte igualmente incessante de
consumo – tanto é assim que a produção excedente está historicamente relacionada ao
surgimento do capitalismo.
É nesse contexto que o consumo ganha lugar de destaque: para Bauman (2008, p. 41),
quando o consumo passa a ser a “principal força propulsora e operativa da sociedade” e a
coordenar “a integração e a estratificação sociais, além da formação de indivíduos humanos,
desempenhando ao mesmo tempo um papel importante nos processos de autoidentificação
individual e de grupo” se está diante do fenômeno do consumismo. Vale dizer que neste cenário
em que o consumo funciona como parte estruturante da própria sociedade, ele adquire quase
uma espécie de vontade própria com relação às necessidades que serão atendidas. E continua o
sociólogo:

De maneira distinta do consumo, que é basicamente uma característica e uma


ocupação dos seres humanos como indivíduos, o consumismo é um atributo da
sociedade. Para que uma sociedade adquira esse atributo, a capacidade profundamente
individual de querer, desejar e almejar deve ser, tal como a capacidade de trabalho na
sociedade de produtores, destacada (‘alienada’) dos indivíduos e reciclada/reificada
numa força externa que coloca a ‘sociedade de consumidores’ em movimento e a
mantém em curso como uma forma específica de convívio humano, enquanto ao
mesmo tempo estabelece parâmetros específicos para as estratégias individuais de
vida que são eficazes e manipula as probabilidades de escolha e conduta individuais
(BAUMAN, 2008, p. 41)

Dentro da lógica de produção e acumulação capitalista, o consumo age como


engrenagem que mantém o sistema funcionando com força total. A produção excedente deve
ser consumida pela sociedade para que mais bens sejam produzidos; esta produção, por sua vez,
aumenta exponencialmente, gerando uma estrutura que se retroalimenta e que tende ao colapso,
já que toda esta dinâmica se desenvolve em condições materiais limitadas. O consumo,
47
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

portanto, encontra razão de ser na necessidade dos seres humanos enquanto indivíduos. A ideia
de necessidades básicas – saúde, alimentação, moradia etc. – possui estreita relação com o
conceito de mínimo existencial, ou seja, com o que se considera que sejam as condições básicas
para que um ser humano possa ver concretizada sua dignidade fundamental2.
O ponto do qual o capitalismo se apropria através do consumismo são as necessidades
que vão além daquilo que é básico, as chamadas necessidades artificiais (les besoins artificiels),
criadas justamente para dar vasão à massiva produção do sistema. Nesta lógica, uma rede de
ferramentas muito bem engendradas - como a publicidade e a obsolescência programada -
incute no sujeito, já submerso na sociedade de consumo, necessidades artificiais das quais nem
sempre ele está totalmente consciente (KEUCHEYAN, 2019). Naturalmente, a aquisição de
bens depende da promessa de satisfação dos desejos do sujeito consumidor; quer dizer, uma
mercadoria só se torna atraente se dela puder ser extraído o atendimento de uma necessidade
(BAUMAN, 2008), muitas vezes artificial.
No caminho das necessidades inventadas, a banalização do que é de fato necessário
transforma a própria insatisfação dos sujeitos em mercadoria que a todo momento nos é
ofertada. Na sociedade de consumo, o ápice da satisfação do sujeito é alcançado no exato
momento em que ele está consumindo, nem antes, nem depois: é o consumo que faz desaparecer
qualquer barreira socioeconômica entre os sujeitos; no instante em que o consumo se concretiza
não existem diferenças entre ricos e pobres. A constante sensação de insatisfação, nesta
perspectiva, é um trampolim para o consumo (DEBORD, 1997), algo fomentado pelo sistema
através das necessidades artificiais.
A dinâmica descrita é mais fácil de ser entendida a partir de um exemplo simples: uma
grande multinacional do ramo de tecnologia lança seu smartphone uma vez por ano, sempre na
mesma época. A aquisição do bem no exato momento de seu lançamento representa a satisfação
máxima do sujeito, já que concretiza o consumo e possibilita ao consumidor se destacar ao
ostentar um signo que o tornará diferente daqueles que não podem consumir como ele (a
logomarca da empresa estampada no smartphone). No entanto, na sociedade de consumo, no
ano seguinte o bem adquirido por este sujeito já não carregará os mesmos atributos de quando
foi lançado; lhe faltará a novidade, a característica que torna seu portador distinto dentre os
demais consumidores.

2
Evidentemente, a criação de condições mínimas de existência digna do ser humano não deve ser adotada como
padrão para a atuação estatal, que deve buscar sempre a máxima densificação dos direitos fundamentais elencados
pela Constituição Federal, concretizando, em sua máxima extensão, os direitos e garantias constitucionais.
48
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Em termos de tecnologia, um ano é pouco tempo para que um aparelho eletrônico perca
sua utilidade, de modo que se presume que o smartphone conserve suas características e seu
desempenho originais. Apesar disto, o sujeito da sociedade consumista entenderá que existe a
necessidade de ter sempre o melhor e mais moderno telefone, fabricado pela empresa que cobra
mais caro por seus produtos, porque somente assim ele alcançará lugar de destaque em seu
contexto social. Esta necessidade – que é artificial, já que no exemplo o bem não necessita ser
trocado apenas um ano após o lançamento – é incutida na mente dos sujeitos através de diversos
mecanismos, como a publicidade, que vende a promessa de que ter determinado bem fará com
que se alcance algum tipo de sucesso – quase como um “hiperfetichismo” da mercadoria. O
produto “antigo”, rejeitado pelo sujeito em razão da aquisição de seu novo bem, retornará à
cadeia de produção e consumo de alguma forma ou, então, será descartado pelo seu antigo
proprietário.
O descarte inadequado de resíduos sólidos possui um grande potencial lesivo ao meio
ambiente e à saúde da população em geral, representando um problema a ser enfrentado pelo
Estado e um risco à coletividade. É a partir desta dinâmica de consumo constante e de aumento
da geração de resíduos sólidos urbanos, aliada ao descarte inadequado de materiais, que surge
a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei nº 12.305/2010 e que elenca
expressamente em seu art. 3º, IX o consumo como atividade geradora de resíduos sólidos. Neste
contexto, a logística reversa é um dos instrumentos previstos pela PNRS na concretização do
gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos sólidos.

2 O CONCEITO DE LOGÍSTICA REVERSA

As disposições relacionadas à logística reversa estão inseridas em um contexto maior


que se ocupa do gerenciamento integrado de resíduos sólidos. Um dos grandes objetivos da
PNRS é possibilitar “gestão integrada e o gerenciamento ambientalmente adequado dos
resíduos sólidos” (BRASIL, 2010), sendo a logística reversa um dos instrumentos mais
importantes previstos para a concretização desta gestão.
A PNRS, por sua vez, faz parte de um conjunto amplo de políticas públicas ambientais,
tais como a Política Nacional do Meio Ambiente, a Política Nacional de Educação Ambiental
e a Política Federal de Saneamento Básico (art. 5º, Lei nº 12.305/2010). Nesta perspectiva, não
se pretende esgotar todas as previsões da Lei nº 12.305/2010, que cria um sistema amplo e
complexo de princípios, objetivos e instrumentos de gerenciamento ambiental e
desenvolvimento sustentável, mas tão somente investigar as disposições pertinentes à
responsabilidade pelos processos de logística reversa.
49
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

A logística reversa tem como ponto de partida o último sujeito da cadeia de produção e
consumo: o consumidor. É possível alegar, portanto, que o caminho percorrido pela logística
reversa é o inverso daquele da logística convencional de produção e distribuição de bens para
consumo, já que seu objetivo é a restituição de resíduos ao setor produtivo – indústria ou
comércio. O conceito integrado à legislação está descrito na norma do art. 3º, inciso XII da
PNRS, que caracteriza a logística reversa como:

[...] instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um


conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a
restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu
ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente
adequada. (BRASIL, 2010)

Da leitura da norma supracitada verifica-se que o conceito de logística reversa é


complexo, pois se desdobra em outras caracterizações, como a de “destinação ambientalmente
adequada”, circunstância que também é tratada pela PNRS em seu art. 3º, inciso VII. Além
disto, é importante se atentar para a condição de instrumento de desenvolvimento econômico e
social que a logística reversa possui, bem assim para os objetivos que devem ser alcançados
através das ações adotadas.
O conceito de “destinação final ambientalmente adequada”, por seu turno, abarca uma
série de procedimentos possíveis de serem adotados, dentre os quais estão a reciclagem de
materiais e sua reutilização, a compostagem, a recuperação de produtos e seu aproveitamento
energético. O rol trazido pelo inciso VII do art. 3º da PNRS não é taxativo e possibilita a adoção
de outras ações, desde que haja autorização do órgão competente.
Além disso, é de se destacar o conceito de “disposição final ambientalmente adequada”
(art. 3º, inciso VIII da PNRS), que diz respeito aos casos de distribuição dos rejeitos em aterros
sanitários de forma segura. De toda sorte, em ambos os casos deve-se agir para evitar o risco
da ocorrência de dano à saúde pública e à segurança, com vista a minimizar eventuais impactos
ambientais decorrentes dos processos adotados. A necessidade de redução de riscos ambientais
fica evidente na disposição do art. 33 da Lei nº 12.305/2010, que prevê a implementação
compulsória de logística reversa para (i) agrotóxicos; (ii) pilhas e baterias; (iii) pneus; (iv) óleos
lubrificantes; (v) lâmpadas fluorescentes; e (vi) eletroeletrônicos, em razão de seu altíssimo
potencial de contaminação ambiental e de agravos à saúde da população em caso de descarte
inadequado.
A viabilização do recolhimento e da devolução de resíduos sólidos à indústria é apenas
um dos objetivos dos processos de logística reversa, conceito que não se esgota neste ponto. É

50
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

necessário que as ações logísticas possibilitem o desenvolvimento econômico e social de


determinados setores e regiões, já que o desenvolvimento sustentável é um dos princípios
elencados pela PNRS. Estes processos logísticos, ao mesmo tempo em que contribuem para o
desenvolvimento econômico e social, devem possibilitar o retorno do produto à cadeia de
produção ou a destinação ambientalmente adequada do resíduo – evitando a ocorrência de
danos ou riscos ao meio ambiente e à saúde pública. Ou seja, em última análise, os processos
logísticos evitam a produção de lixo desnecessariamente, viabilizando o reingresso de materiais
na cadeia de produção como forma de desenvolvimento econômico e social e, em caso de
impossibilidade deste retorno, garantem o descarte seguro de rejeitos. Neste mesmo sentido, é
a explicação de Viviane Kelly Silva Sá:

Ao se falar, pois, em LR, não basta que seja evitado apenas o retorno do produto
utilizado ao Meio Ambiente. O que, na verdade, se pretende com o sistema é que o
material passível de reaproveitamento seja recolhido pelo mercado fornecedor e
reinserido no ciclo de negócios ou ciclo produtivo. (SÁ, 2021, p. 47)

Portanto, assim como os processos de logística que possibilitam a distribuição de bens


para consumo, a logística reversa se materializa através de processos complexos com a
participação de diferentes atores, o que pode tornar nebulosa a definição da responsabilidade
por cada uma das etapas dos procedimentos adotados. A logística reversa é um instrumento que
não se encerra na mera viabilização do recolhimento e da devolução de resíduos sólidos à
indústria produtora, de modo que a responsabilidade dos sujeitos envolvidos nos processos
logísticos vai além do simples transporte de resíduos, uma vez que estes procedimentos devem
contribuir para o desenvolvimento econômico e social, de forma sustentável e com o mínimo
de riscos e de danos ao meio ambiente e à saúde da população.

3 A RESPONSABILIDADE NA LOGÍSTICA REVERSA

Viu-se que a Lei nº 12.305/10 disciplina o gerenciamento de resíduos urbanos no país


através da previsão de diretrizes, objetivos e instrumentos a serem implementados na
materialização de seu propósito. A ratio legis da PNRS vem da matriz constitucional de
proteção aos direitos fundamentais à saúde humana e ao meio ambiente – notadamente dos
artigos 196 e 225 da Carta da República -, tendo em vista que se está diante de norma que
impacta diretamente questões de saúde pública e de proteção ambiental. Este fato, por si só, já
confere uma ideia de como se organiza a responsabilidade nos processos de logística reversa,

51
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

que são instrumentos de concretização da PNRS, no entanto existem disposições específicas na


legislação que corroboram este ponto.
É cediço que dentro do sistema normativo brasileiro a Constituição Federal ocupa lugar
de superioridade hierárquica, de modo que o respeito às disposições constitucionais, em última
análise, garante a manutenção da “superlegalidade” (BONAVIDES, 2004) da norma
constitucional que fundamenta o Estado e, portanto, sua qualidade de norma máxima. Daí
porque normas infraconstitucionais são estruturadas de acordo com as disposições
constitucionais sobre os temas dos quais tratam, podendo repetir alguns dispositivos da
Constituição Federal ou apenas estar em conformidade com a norma superior. No caso da PNRS
é possível identificar duas bases constitucionais distintas para sua estruturação: as disposições
sobre a saúde da população e sobre a proteção ambiental.
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 196, dispõe que a saúde é um direito
universal, incumbindo ao Estado a responsabilidade por sua proteção, promoção e recuperação
através de políticas públicas com escopo de reduzir os riscos de doenças e outros agravos,
possibilitando também à iniciativa privada a exploração econômica da assistência à saúde (art.
199, CF/88). A ideia de redução de riscos remete aos princípios da precaução e da prevenção
relacionados às ações de saúde e aparece em diversos pontos da PNRS – como ocorre
expressamente no art. 6º, inciso I. A relação entre resíduos sólidos urbanos e agravos à saúde
pública é bastante evidente, já que o descarte inadequado de materiais possui potencial de
contaminação do solo, da água e do ar e pode, de forma objetiva, causar danos à saúde da
população.
Da mesma forma, as disposições constitucionais de proteção ambiental ficam evidentes
ao longo da PNRS. Inicialmente porque todas as relações aqui abordadas – sejam elas de
consumo, de logística, de desenvolvimento social, de descarte de resíduos etc. – se desenvolvem
dentro de um ambiente – natural, artificial, do trabalho etc. É impossível dissociar a atividade
humana do ambiente na qual ela se desenvolve e onde o sujeito está inserido. Neste contexto, o
art. 225 da Carta da República eleva o acesso integral ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado ao patamar de bem jurídico constitucional – o bem ambiental -, repetindo a ideia de
universalidade do direito – como ocorre com a saúde –, mas indo além no que tange à
responsabilidade por sua proteção e preservação. Isto porque a norma constitucional é expressa
ao impor não só ao Poder Público, mas também à coletividade – sociedade civil, por exemplo -
, o dever de preservação ambiental. Tem-se, assim, a vinculação da ideia do bem ambiental –

52
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

e, portanto, à preservação ambiental - àquilo que é considerado essencial à sadia qualidade de


vida e de uso comum da população (FIORILLO; FERREIRA, 2009).
Significa dizer que além de agir de modo a preservar o meio ambiente ecologicamente
equilibrado, é dever de toda a coletividade defender o bem ambiental para que as futuras
gerações tenham assegurado o direito ao acesso integral à natureza em toda sua extensão,
determinação que consagra o princípio da solidariedade3 – no sentido de responsabilidade
compartilhada, universal -, tanto na titularidade da prerrogativa ao acesso integral ao meio
ambiente equilibrado como no dever de proteção e de preservação ambiental. Fala-se, assim,
em responsabilidade intergeracional pela proteção do meio ambiente ecologicamente
equilibrado, conceito que se relaciona de forma muito estreita ao desenvolvimento sustentável
presente na PNRS.
A partir da matriz constitucional relatada, é possível perceber que a logística reversa,
enquanto instrumento de densificação da proteção constitucional ao meio ambiente e à saúde
humana, atrai para si uma responsabilidade ampla e compartilhada. Esta hipótese é corroborada
pela análise das disposições da Lei nº 12.305/10, já que sujeita à PNRS as pessoas físicas e
jurídicas, de direito público e privado, desde que sejam responsáveis direta ou indiretamente
pela geração de resíduos sólidos ou, ainda, que desenvolvam ações de gestão integrada ou de
gerenciamento de resíduos. A abrangência da lei, trazida em seu art. 1º, §1º, é dilatada pela
disposição constante no art. 3º, inciso IX, que elenca o consumo de bens como atividade
geradora de resíduos sólidos. Nesta perspectiva, é importante que se fixe a premissa de que o
consumidor pessoa física (ou o consumidor final de produtos) também está sujeito às
disposições da legislação de regência, podendo ser, desta forma, elencado como responsável
solidário pelos processos de logística abordados.
De igual modo, ao discorrer sobre os objetivos gerais da PNRS, a Lei nº 12.305/10, em
seu art. 4º, refere se tratar de uma política pública composta por uma série de objetivos, metas
e instrumentos que devem ser adotados pelo Governo Federal de forma isolada ou em conjunto
com os demais entes federativos ou, ainda, com particulares, mas sempre buscando alcançar a
gestão integrada e o gerenciamento adequado de resíduos sólidos. Fica cada vez mais claro que
a responsabilidade pelo alcance dos objetivos elencados pela PNRS – e pelos processos de
logística reversa -, é compartilhada, tendo em vista a possibilidade de realização de ações

3
Não ser solidário com o outro e com o meio ambiente levou o ser humano a negar-se como parte do problema e
a entender suas interações com a natureza como algo que pode ser dissociado das grandes questões enfrentadas, o
que está absolutamente equivocado.
53
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

conjuntas entre o Poder Público e a sociedade civil, dispositivo diretamente relacionado com a
solidariedade trazida pelo art. 225 da Constituição Federal.
Esta forma de organização da responsabilidade pela logística reversa é reforçada pelos
princípios elencados nos art. 6º da Lei nº 12.305/10, especialmente aqueles dos incisos VI e
VII, quais sejam “a cooperação entre as diferentes esferas do poder público, o setor empresarial
e demais segmentos da sociedade” e “a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos
produtos” (BRASIL, 2010), respectivamente. Novamente a legislação retoma o princípio
ambiental da solidariedade para fundamentar o permissivo legal da ação conjunta entre o poder
público e a sociedade civil a fim de alcançar os objetivos da PNRS.
Esse tipo de responsabilidade se materializa através da realização dos processos
logísticos: no caso da logística reversa de garrafas plásticas, por exemplo, tão importante quanto
a disposição de locais adequados para a coleta dos materiais após sua utilização (indústria e
comércio, com ou sem a participação do poder público) é a conscientização do consumidor final
sobre o descarte adequado do produto. Esta conscientização, por seu turno, pode vir de ações
informativas oriundas de políticas públicas de educação ambiental com foco na logística reversa
(novamente há a participação do Estado nos processos), ou mesmo da troca de garrafas plásticas
usadas por desconto na aquisição de novos produtos (participação ativa da indústria e do
comércio). Nesta situação é possível visualizar que todos os integrantes dos processos de
produção e consumo – pessoas físicas e jurídicas de direito público ou privado - têm sua parcela
de responsabilidade para que o objetivo seja alcançado.
Outro exemplo de logística reversa aplicada no Brasil se relaciona com as embalagens
de produtos agrotóxicos. Estabelecida pela Lei nº 9.974/00, a norma aplicável a estes produtos
determina que é do usuário de agrotóxicos o dever de efetuar a devolução das embalagens
vazias aos estabelecimentos comerciais no prazo de até um ano após sua aquisição, salvo
exceções devidamente autorizadas. Após a devolução pelo consumidor final, é da empresa que
produz, comercializa ou importa o agrotóxico a responsabilidade por dar a destinação final
ambientalmente adequada, a fim de proporcionar a reutilização, reciclagem ou sua inutilização.
Nesta dinâmica, cabe ao poder público exercer a fiscalização do cumprimento das etapas,
realizar o licenciamento dos locais de recebimento de embalagens e atuar de forma a
conscientizar os consumidores destes produtos acerca da importância do descarte adequado
destes materiais.
A logística reversa de embalagens de agrotóxicos é realizada no país através do chamado
Sistema Campo Limpo, que é operacionalizado pelo Instituto Nacional de Processamento de

54
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Embalagens Vazias – inpEV. De acordo com dados do inpEV, em 2019 o programa de logística
reversa recebeu cerca de 45,6 mil toneladas de material, deste total, 94% foram destinados para
a reciclagem (destinação final ambientalmente adequadas) e 6% para a incineração (disposição
final ambientalmente adequada) (INPEV, 2020). Estas informações demonstram o impacto
potencial que os processos de logística reversa possuem sobre questões de política ambiental e
de proteção à saúde da população, pois, neste exemplo específico, se está diante de resíduo
sólido altamente contaminante e extremamente prejudicial.
É interessante observar que o consumidor final adquire grande relevância nessa
dinâmica, pois representa o ponto de partida da logística reversa, que depende do descarte
correto dos resíduos sólidos em primeiro lugar. Evidentemente, todos os integrantes desta
cadeia logística possuem sua importância, já que as ações a serem tomadas dependem de um
esforço conjunto dos envolvidos. No entanto, em geral, as políticas públicas são criadas a partir
de estruturas verticalizadas, ou seja, de prestações direcionadas do poder público – algumas
vezes em conjunto com particulares - a determinados grupos sociais; na logística reversa o que
se verifica é uma estrutura mais horizontal com relação à organização do sistema, que deriva
da conduta integrada daqueles englobados na cadeia de produção e de consumo de bens.
Assim, é possível concluir que a responsabilidade pelos processos de logística reversa é
ampla e compartilhada, sendo imputável à indústria produtora, aos integrantes da cadeia de
comercialização dos produtos – inclusive ao importador em substituição ao fabricante
internacional -, ao consumidor final e ao poder público de forma solidária. Nesta perspectiva, é
de extrema importância que todos os envolvidos na cadeia de produção e consumo de
bens/produtos estejam engajados nos processos de logística reversa, cumprindo os papeis
designados a cada um deles, a fim de possibilitar a efetividade das ações realizadas e a
concretização dos objetivos inicialmente estabelecidos, tanto para os processos de logística
reversa, como para a PNRS de forma integrada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo geral deste artigo foi analisar a forma como a responsabilidade se apresenta
na logística reversa, tendo em vista se tratar de um processo complexo, do qual participam
diferentes sujeitos e que está inserido em um contexto mais amplo de políticas ambientais. A
pesquisa se mostrou relevante do ponto de vista acadêmico, dada a necessidade de investigação
do tema proposto em razão de sua pouca discussão e da ausência de implementação efetiva dos
processos de logística reversa de forma mais ostensiva. Metodologicamente, os procedimentos

55
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

adotados – pesquisa bibliográfica e documental – se mostraram suficientes para se chegar ao


resultado pretendido, especialmente porque o que se propôs inicialmente foi uma abordagem
teórica sobre o tema.
Inicialmente, investigou-se o contexto social em que as relações de consumo se
desenvolvem, considerando que estas relações caracterizam atividades geradoras de resíduos
sólidos e, portanto, estão sujeitas à PNRS. Viu-se que a sociedade consumista, como produto
capitalista, impulsiona o consumo dos indivíduos através de uma série de instrumentos que
incutem necessidades artificiais nos sujeitos. Estes processos são infinitos, já que se constroem
sobre a lógica capitalista de acumulação sem fim de riquezas, elevando seu potencial de geração
de resíduos, de contaminação ambiental e de riscos à saúde da população em caso de descarte
inadequado.
A partir daí, foi analisado o conceito de logística reversa em um esforço para delimitar
as ações que fazem parte dos processos logísticos investigados. Foi possível constatar que a
viabilização do retorno de materiais à indústria e ao comércio é apenas um dos objetivos da
logística reversa, que deve cumprir uma série de outras funções relacionadas ao
desenvolvimento econômico e social do local onde se desenvolve. Além disto, a coleta e
devolução de resíduos sólidos à indústria e ao comércio tem como escopo possibilitar seu
reaproveitamento na cadeia produtiva ou, não sendo possível, uma destinação ambientalmente
adequada aos resíduos, sem que haja riscos ambientais ou à saúde da população.
Uma vez estabelecidas a dinâmica social em que a geração de resíduos sólidos se
desenvolve e a caracterização da logística reversa, partiu-se para a investigação da
responsabilidade pelos processos logísticos. A análise da Lei nº 12.305/10 demonstrou a
presença de matriz constitucional na construção da PNRS, especialmente no que trata sobre a
proteção ambiental e sobre a saúde da população. Esta constatação se mostrou relevante do
ponto de vista do que se propôs neste estudo porque a responsabilidade pela proteção ambiental
é marca distintiva das disposições constitucionais sobre o tema. Desta forma, a hipótese
inicialmente aventada se mostrou verdadeira, uma vez que se está diante de caso de
responsabilidade compartilhada entre todos os envolvidos na cadeia de produção e de consumo
de bens, assim como da responsabilidade solidária do poder público, conclusão que se origina
não apenas da análise do texto constitucional, mas também da própria norma infraconstitucional
analisada.
Naturalmente, este estudo possui algumas limitações, sendo importante que se prossiga
na análise da responsabilidade pelos processos de logística reversa a fim de avançar no tema e

56
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

de verificar como as ações são delineadas na prática, o que possibilitará o exame da matéria
para além da abordagem teórica. Ademais, uma vez identificadas eventuais dificuldades na
implementação destes procedimentos, é importante que sejam apontados caminhos para
solucionar estas questões, com o intuito de alcançar os objetivos traçados na PNRS,
densificando a proteção ambiental e de saúde pública por meio do gerenciamento integrado de
resíduos sólidos e da otimização da logística reversa.

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. Vida Para Consumo: a transformação das pessoas em mercadoria.


Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 2004

BRASIL. Constituição da República Federativa Brasileira de 1988. Brasília, DF: Presidência


da República, 1988.

BRASIL. Lei nº 9.974 de 6 de junho de 2000. Altera a Lei no 7.802, de 11 de julho de 1989
[...]. Brasília, DF. Presidência da República, 2000.

BRASIL. Lei nº 12.305 de 2 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos
[...]. Brasília, DF. Presidência da República, 2010.

DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo.


Tradução: Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco; FERREIRA, Renata Marques. Direito Ambiental


Tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

INSTITUTO NACIONAL DE PROCESSAMENTO DE EMBALAGENS VAZIAS (INPEV).


Sistema Campo Limpo em Números. 2020. Disponível em <https://inpev.org.br/sistema-campo-
limpo/em-numeros/>. Acesso em 10 jun. 2020.

KEUCHEYAN, Razmig. Les Besoins Artificiels: comment sortir du consumérisme. Paris:


Zones, 2019.

SÁ, Viviane Kelly Silva. A (in)efetividade do sistema de logística reversa no Brasil. Belo
Horizonte: Dialética, 2021. E-book Kindle.

57
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

O DIREITO DO CONSUMIDOR: UM OLHAR SOB A PSICOLOGIA E O


SUPERENDIVIDAMENTO ANTE A VULNERABILIDADE DO
CONSUMIDOR NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

Camila Possan de Oliveira1


Susandra Dorneles2
Luiz Guedes Soriano3

Resumo: Objetiva-se com o presente artigo, analisar-se os direitos do consumidor em tempos


de Covid-19. Para tanto, serão analisados os desafios e perspectivas do consumidor ante a sua
vulnerabilidade, assim como considerações acerca do seu superendividamento. E, finalmente,
abordar-se-á o contexto do consumo como parâmetro de sucesso, bem como demonstrar-se-á a
visão da psicologia do sentido da vida sobre o consumismo.
Palavras-chave: Direito do Consumidor. Superendividamento. Direito e Psicologia.
Pandemia. Covid-19.

INTRODUÇÃO

O presente artigo, em um primeiro momento, tem como escopo analisar os direitos do


consumidor em tempos de Covid-19, sob uma perspectiva “presente e futuro”, tendo em vista
que o relacionamento entre as pessoas físicas e jurídicas mudaram consideravelmente (levando
em consideração – especialmente – a proteção do consumidor enquanto pessoa física). Assim,
analisar-se-ão os desafios e as perspectivas ante a vulnerabilidade dos consumidores.
O consumidor em tempos de pandemia enfrenta inúmeros problemas: desde serviços
que já haviam sido contratados e foram interrompidos a abuso de preço de itens de consumo.
Contudo o fator mais preocupante é, sem dúvidas, com relação à saúde mental dos
consumidores, eis que experimentam prejuízos muitas vezes nefastos, sobretudo porque são
vulneráveis e, se não forem protegidos pelo Estado, ficarão à mercê tanto de problemas
financeiros quanto patológicos.
Em um segundo momento, a preocupação será com o superendividamento dos
consumidores em tempos de Covid-19, visto que muitos, até mesmo antes já estavam
superendividados, ou seja, o vírus tão somente agravou ainda mais um cenário que já antes se

1
Advogada (OAB/RS 102.333). Mestre em Direito do Consumidor e da Concorrência pela UFRGS, especialista
em Direito Bancário, Direito do Consumidor e Direito Processual Civil. E-mail: camila.possan@gmail.com
2
Advogada (OAB/RS nº 117.926). Pós-graduanda LLM em LGPD & GDPR na FMP. Especialista em Direito do
Consumidor pela Verbo Jurídico. MBA em Licitações e Contratos Administrativos e MBA em Administração
Pública Municipal pela Unipública. Graduada em Direito pela PUCRS. E-mail: susandradorneles@hotmail.com
3
Psicólogo (CRP 07/30195). Mestrando em Psicologia e Saúde na UFCSPA. Especialista em Psicologia
Humanista Fenomenológica Existencial e em Logoterapia e Análise Existencial. Graduado em Psicologia pela
UniRitter. E-mail:psicoluizguedes@gmail.com
58
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

mostrava preocupante. Para tanto, serão analisadas propostas normativas que visam resguardar
o consumidor durante a pandemia. E, nesse sentido, impende destacar que estão sendo tomadas
providências legislativas que refletem direta ou indiretamente no cuidado com o
superendividamento do consumidor, o que se mostra de suma importância, principalmente para
o atual momento.
E, por fim, a abordagem psicológica se faz necessária, sobretudo porque houve um
aumento expressivo nos índices de crises e transtornos de ansiedade no Brasil em decorrência
do isolamento social. Este aumento é resultado – em sua maior parte – das compras realizadas
por meio do comércio eletrônico, visto que facilitam e instigam à compra pelo impulso, levando
o consumidor a experimentar sentimentos momentâneos de saciedade e que logo são
substituídos pela culpa de uma compra, muitas vezes, desnecessária, a qual pode acarretar um
superendividamento.

OS DIREITOS DO CONSUMIDOR E O COVID-19: DESAFIOS E PERSPECTIVAS


ANTE A VULNERABILIDADE DOS CONSUMIDORES

Os direitos dos consumidores estão expressamente previstos no Código de Defesa do


Consumidor, desde o seu advento em 11 de setembro de 1990. Além disso, o consumidor tem
um direito fundamental de proteção pelo Estado, eis que a Constituição Federal estabeleceu que
este deve proteger àquele na forma da lei, como se pode atestar pela regra estabelecida no artigo
5º, XXXII, da CF4.
Em março de 2020, quando o Covid-19 de fato assustou a população brasileira, houve
um aumento abusivo nos preços de produtos de higiene, especialmente o álcool em gel, água
sanitária, máscaras cirúrgicas e luvas o que acarretou a falta de tais itens em muitas prateleiras
de supermercados e farmácias, eis que a demanda aumentou significativamente (SOGLIO,
2020). Contudo, sabe-se que, de acordo com o CDC tal prática é tida como abusiva e
expressamente vedada, consoante disposto no artigo 39, X5.
Diante desse cenário, a relação entre as pessoas físicas e jurídicas modificou-se
consideravelmente, à medida que até aqueles consumidores que eram relutantes ao comércio
eletrônico tiveram de lançar mão do mesmo para satisfazer as suas necessidades e os
fornecedores que somente dispunham de loja física tiveram de se “reinventar”, fazendo uso dos

4
XXXII –“ o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; ” (BRASIL, 1988).
5
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: [...] X - elevar sem justa
causa o preço de produtos ou serviços. (BRASIL, 1990)
59
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

meios eletrônicos para ao menos tentarem fornecer os seus produtos e, assim, não acabarem
tendo de fechar as portas de seus estabelecimentos.
Nesse “universo novo”, surgem os desafios para ambos os lados da relação de consumo,
de onde deve ser observado sobretudo, os direitos do consumidor, já que este indivíduo é
sempre o elo mais fraco das relações. A boa-fé contratual e os seus deveres anexos estarão
sendo respeitados? O dever de informação, especialmente? Quem deve proteger os
consumidores?
Afinal, sabe-se que por meio do comércio eletrônico, como é a publicidade quem vai
até a casa dos consumidores, a aceitação é realizada com apenas um clique (LORENZETTI,
2010). Portanto, depreende-se que a violação aos direitos básicos do consumidor pode-se tornar
bastante frequente, como no caso da presença de publicidade enganosa, das cláusulas abusivas,
bem como da falta de transparência e boa-fé (BAGGIO, 2015).
Destarte, se antes da pandemia do Covid-19, o consumidor já era posto em risco no
comércio eletrônico, imagine-se agora em um cenário no qual até os que não estavam
habituados ao seu uso tiveram de se adequar. Pode-se dizer que há uma “insegurança
endêmica”, pois se até os fornecedores habituais já colocavam no mercado eletrônico, muitas
vezes, produtos e serviços sem certa cautela ou mesmo análise criteriosa acerca dos riscos, o
que esperar dos que tiveram de se adequar praticamente de supetão à nova realidade?
Logo, a preocupação se faz necessária sobretudo ante a vulnerabilidade do consumidor,
que aliás, acrescente-se que se pode dar sob quatro aspectos: técnica (onde o consumidor não
tem conhecimentos técnicos suficientes acerca do produto ou dos serviços que está adquirindo);
jurídica (o consumidor tem pouco conhecimento jurídico, econômico, contábil acerca da pessoa
jurídica); fática ou econômica (há desigualdade no quesito recursos financeiros, onde
geralmente o fornecedor detém o monopólio) e; informacional (onde o consumidor não dispõe
de informação ou a tem de maneira incompleta, incompreensível) (MARQUES; MIRAGEM,
2014). Em breve síntese:

A vulnerabilidade do consumidor é reconhecida pelo CDC em seu art. 4º, I, pois se


entende que este está exposto às técnicas agressivas de publicidade, podendo vir a ser
induzido a contratar algo que sequer necessita, sem ter a oportunidade de discutir as
condições do negócio. São comuns as situações em que o consumidor não detém
informações suficientes sobre o produto ou serviço, e que, quando contrata algo que
realmente precisa, deve submeter-se às regras impostas pelos fornecedores (BAGGIO,
2015, p. 280).

Diante deste cenário, é importante ressalvar que incumbe ao Estado a defesa e a proteção
dos interesses econômicos do consumidor, a fim de que este não sofra prejuízo e/ou seja passado
60
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

para trás. Assim, ainda que alguns fornecedores não estejam preparados para o atual cenário,
pode-se esperar que, se os consumidores estiverem bem orientados, a tendência é de que sejam
menos lesados nos seus direitos.
Dessa forma, no tocante ao caso de abuso de preços de itens de consumo, impende
ressaltar que ainda que seja vedado, é importante que os consumidores também façam a sua
parte, tal como denunciando as empresas que os desrespeitam junto aos órgãos de proteção ao
consumidor, tais como Procons estaduais e municipais, pois o fornecedor não pode se aproveitar
da situação de pandemia para auferir vantagem.6
Um ponto que merece relevante destaque na questão de abuso e desrespeito por parte
dos fornecedores em tempos de covid-19, diz respeito ao abuso de preço das empresas de
serviços funerários quanto à qualidade na prestação dos serviços, eis que se têm relatos de que
muitas funerárias se aproveitaram do momento de fragilidade pelo qual o consumidor passa, ao
perder um ente querido, para auferir lucros e vantagens.7
E, se não bastasse, os consumidores depararam-se com problemas dos mais diversos,
tais como cancelamento de viagens, shows, peças de teatro, dentre outros. E, no caso dos danos
suportados pelo consumidor no comércio eletrônico, indaga-se como ficarão protegidos estes
indivíduos no “novo mercado” pós-pandemia, onde muitos restarão superendividados, lesados
e desamparados. Afinal, conforme muito bem assevera Bruno Miragem:

A agilidade do fornecimento e o conforto de adquirir e receber em casa rivaliza com


as dificuldades no caso de desacertos negociais, a crescente automatização das
contratações, a reclamação de vícios de produtos e serviços, ou ainda problemas de
conexão (em especial para quem não contratar planos com melhor velocidade e
dados). A equação de vantagens e desvantagens permite perceber a tendência de que
muitas dessas atividades que passaram a se realizar pelo meio digital prossigam assim
no pós-pandemia (MIRAGEM, 2021).

Os danos podem ser estratosféricos, eis que vão desde uma simples compra de produto
com defeito – exemplificativamente – a um vazamento de dados do consumidor, que pode ferir
a sua imagem, honra, bom nome, assim como também sofrer golpes de estelionato, invasão de
privacidade, dentre outros. Infere-se, portanto, que os exemplos são inúmeros e sobretudo
preocupantes.
No caso de um consumidor hipervulnerável, como é o caso dos idosos, a preocupação
se torna ainda maior, pois estes – em sua maioria – não têm o mínimo tato para lidar com a

6
É conveniente salientar que o PROCON RS, inclusive, lançou cartilha acerca das Relações de Consumo e
Pandemia. Disponível em: https://www.procon.rs.gov.br/procon-rs-lanca-cartilha. Acesso em 04 jun. 2021
7
Para maiores informações, recomenda-se a leitura da matéria publicada no site do IDEC. Disponível em:
https://idec.org.br/dicas-e-direitos/coronavirus-os-principais-direitos-do-consumidor. Acesso em: 1 jun.2021.
61
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

nova tecnologia, são carentes de informações, assim como são passados para trás com maior
facilidade, podendo ou não contrair débitos que nem mesmo conhecem a procedência ou, se
conhecem, foram induzidos a contratar.
A estimativa é de que muitos consumidores restarão superendividados num cenário pós-
covid, o que traz à tona a preocupação com a saúde mental do consumidor, principalmente do
compulsivo, que compra sem ter a real necessidade e vai se endividando; do que não estava
habituado ao manejo do comércio eletrônico; do que muitas vezes gasta o que não tem em um
momento de desespero, de dor, como no caso relatado dos serviços funerários.
Portanto, num atual momento, a única resposta conclusiva à que se pode chegar, no que
tange ao futuro dos consumidores no “novo mercado” pós-pandemia, é a de que se o Estado
controlar e regulamentar assiduamente o mercado de consumo, uma vez que é seu dever a
proteção e a defesa do consumidor, menores serão os danos. Caso contrário – consoante já
mencionado – o cenário será desastroso.

BREVES LINHAS SOBRE O SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR

Um dos nefastos efeitos da pandemia de Covid-19 no mundo, foi o abalo econômico, o


qual ensejou a perda de empregos e outras fontes de renda dos cidadãos. Dessa situação,
resultou a impossibilidade de alguns consumidores arcarem com seus compromissos
financeiros. Alguns já se encontravam superendividados, antes mesmo da crise em comento.
Sobre essa situação, Claudia Lima Marques, Káren Rick Danilevicz Bertoncello e
Clarissa Costa de Lima referem se tratar de uma situação de força maior "agravada ainda pelas
medidas de ‘isolamento social’, com a parada do comércio, doença em massa e fragilidade dos
empregos, especialmente, os informais, liberais e autônomos” (2020, p. 2).
No atual momento, há três dispositivos do Código Civil que merecem ser trazidos à
baila. Tratam-se dos artigos 393, 394 e 395, os quais prevêem:

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força
maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O
caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era
possível evitar ou impedir.
Art. 394. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor
que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.
Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros,
atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente
estabelecidos, e honorários de advogado. (BRASIL, 2002).

Em análise à presente situação pandêmica, a doutrina ensina que “deve haver um


impedimento real e comprovado que justifique a impossibilidade de cumprimento do dever
62
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

contratualmente assumido” (CHATER, 2020). Requisito este que está, à toda evidência
preenchido, no caso do trabalhador que não mais consegue auferir renda (ou ao menos, não nas
proporções anteriores), encontrando, portanto, uma impossibilidade justificável em dar
cumprimento às avenças celebradas.
Nesse sentido, convém trazer à baila, a título exemplificativo, o notório caso dos
funcionários do IPA (Centro Universitário Metodista de Porto Alegre). Conforme extensamente
noticiado nos veículos de comunicação, o referido Instituto passou a atrasar os salários dos
funcionários em setembro de 2016 (GZH, 2018), dando início à desestruturação da vida
financeira dos mesmos. Com a pandemia, lockdown, e consequente perda de alunos, a
instituição passou por dificuldade financeira maior ainda, tendo passado a pagar os funcionários
em valor menor do que o ajustado, tendo, inclusive, firmado confissões de dívida em razão
dessa situação.
No entanto, esses funcionários, sendo muitos deles professores com mais de décadas de
docência na mesma universidade, os quais já possuíam uma vida financeira estruturada sob os
seus rendimentos, viram-se inadimplentes da noite para o dia. Assim, foi se iniciando um
calvário de inadimplência diante de bancos, fornecedores de serviços básicos como água e luz,
despesas imobiliárias etc. Estes funcionários, os quais têm importante papel de consumidores
na sociedade, tiveram que acabar por contratar empréstimos, ou, ainda, fazendo uso do cheque
especial, viram suas tranquilas vidas financeiras virarem uma grande bola de neve, chegando,
inclusive, ao superendividamento.
Estas situações transbordam os limites dos problemas econômicos de cada família e
afetam toda a sociedade de modo geral. Com o superendividamento ocasionado pela pandemia,
mais pessoas deixam de ser consumidoras ativas e, com isso, diminui-se o fluxo do consumo,
reduzindo, também, os lucros dos fornecedores, o que, por sua vez, reduz empregos, criando
um ciclo de crise econômica sem fim.
Para falar no superendividamento, antes é necessário conceituar o endividamento, o qual
pode ser explicado como a existência de alguma dívida, fato este inerente à partição de uma
sociedade de consumo (MARQUES, LIMA, BERTONCELLO, 2010, p. 17).
A doutrina conceitua o superendividamento como o comprometimento de 50% ou mais
da possibilidade futura ou atual de pagamento de gastos, retirando-se o utilizado com o mínimo
existencial (MARQUES, LIMA, BERTONCELLO, 2010, p. 20). Ou ainda, in verbis:
O superendividamento pode ser definido como impossibilidade global do devedor-
pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, de pagar todas as suas dívidas atuais e
futuras de consumo (excluídas as dívidas com o Fisco, oriundas de delitos e de

63
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

alimentos) em um tempo razoável com sua capacidade atual de rendas e patrimônio


(MARQUES, LIMA, BERTONCELLO, 2010, p. 21).

Essa situação tem ocorrido, conforme já referido, com muitos brasileiros, o que
demanda o planejamento de uma solução efetiva e rápida para o problema, com o fito de evitar-
se um colapso total no mercado de consumo e nas vidas daqueles que dele fazem parte, sejam
como fornecedores, consumidores e, também, trabalhadores.
Algumas medidas vêm sendo tomadas, como pode-se citar como exemplo, o Instituto
Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) que exarou manifestação em sentido da
impossibilidade de cancelamento dos planos de saúde de consumidores que se encontrem
inadimplentes (IDEC, 2020). Nesta ordem de ideias, também podem ser mencionados algumas
propostas normativas que visam resguardar o consumidor durante a pandemia: Projeto de Lei
nº 1087/20, que atualmente está com a Comissão de Defesa do Consumidor, Projeto de Lei nº
1080/20, o qual se encontra com a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e, ainda,
Projeto de Decreto Legislativo nº 131/20, que está com a Comissão de Seguridade Social e
Família.
O Projeto de Lei nº 1087/20 tem a seguinte ementa:

Altera o disposto na Lei 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, acrescentando o inciso


IV, §2º do Art. 3º, e assim, ficando impedida a majoração, sem justa causa, do preço
de produtos ou serviços, durante todo o período do reconhecimento de estado de
calamidade pública em razão dos efeitos da pandemia de coronavírus (CÂMARA
DOS DEPUTADOS, 2020, b.).

Já o Projeto de Lei nº 1080/20, por sua vez, conforme consta nas suas informações no
site da Câmara de Deputados, “proíbe a cobrança de taxas, multas e encargos em casos de
cancelamento ou remarcação de serviço por causa de epidemias” (CÂMARA DOS
DEPUTADOS, 2020, a.).
O Projeto de Decreto Legislativo nº 131/20, pretende sustar o reajuste de medicamentos,
conforme prevê a sua ementa:

Susta os efeitos da Resolução nº 1, de 26 de março de 2010, da Agência Nacional de


Vigilância Sanitária, que dispõe sobre a forma de definição do Preço Fabricante (PF)
e do Preço Máximo ao Consumidor (PMC) dos medicamentos em 31 de março de
2019, estabelece a forma de apresentação do Relatório de Comercialização à Câmara
de Regulação do Mercado de Medicamentos - CMED, disciplina a publicidade dos
preços dos produtos farmacêuticos e define as margens de comercialização para esses
produtos (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2010).

64
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

De fato, vê-se que estão sendo tomadas providências legislativas que refletem, direta ou
indiretamente, no cuidado com o superendividamento do consumidor neste momento de
pandemia.
Um Projeto que, também merece destaque, em que pese seja anterior à situação de
pandemia, é o Projeto de Lei nº 3515/2015, já aprovado na Câmara, remetido ao Senado Federal
em 12/05/2021. A proposição restou assim ementada:

Altera as Leis nºs 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do


Consumidor), e 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), para aperfeiçoar
a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do
superendividamento, e a Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1997. (CÂMARA DOS
DEPUTADOS, 2015).

O Projeto de Lei acima referido pretende incentivar a concessão e obtenção de crédito


de maneira responsável, inclusive, com educação financeira dos consumidores. Claudia Lima
Marques refere sobre a necessidade do referido Projeto de Lei:

Ainda que haja algumas normas esparsas, acórdãos de tribunais superiores e


iniciativas de programas de tratamento de superendividamento há intensa necessidade
de uma norma sistematizadora, sendo a atualização do Código de Defesa do
Consumidor, por intermédio do Projeto de Lei nº 3515/2015 o veículo ideal para tal
desiderato (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2015).

A aprovação do referido projeto e sua transformação efetiva em legislação, com a


alteração do Código de Defesa do Consumidor, é um dos instrumentos para a reconstrução da
economia do país e das finanças de cada consumidor. O que se espera é que sua morosa
tramitação, agora com os problemas agravados em razão do Coronavírus, seja acelerada,
oferecendo-se, ao menos, este alento aos brasileiros.

O CONTEXTO DO CONSUMO COMO PARÂMETRO DE SUCESSO

O homem contemporâneo é perpassado pelo contexto que está inserido, ou seja, dentro
de suas vivências é submetido aos condicionamentos que o colocam à mercê de um modelo de
sociedade que preza por características específicas para delimitar o que é sucesso e fracasso,
sendo, o maior parâmetro de sucesso, o consumo.
Dentro do viés de consumo, é necessário observar que a captura de desejo, tão bem
descrita por Deleuze, ao analisar o pensamento de Foucault acerca da sociedade do controle, é
um processo consciente de uma indústria que busca lucrar a partir de angústias existenciais do
consumidor (DELEUZE, 2018; FOUCAULT, 2014). Por meio dessa captura de desejo, o
sujeito se vê frente a diversas dúvidas existenciais, que não são elaboradas de maneira correta
65
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

por fatores que o limitam, porém, com uma certeza quase que metafísica, deve consumir cada
vez mais como mecanismo de autoafirmação do seu sucesso.
Tal comportamento de ação sem reflexão é descrito por Chul Han como uma
característica de uma sociedade que herda aspectos muito específicos da sociedade do controle,
mas que passa para outros paradigmas – ainda permeados pelo consumo – e se torna uma
sociedade do desempenho, onde existe a necessidade constante de produção individual e
coletiva, e o sujeito constantemente precisa acelerar suas ações, diminuindo sua capacidade
reflexiva e, consequentemente, trazendo graves problemas no ato de controlar impulsos,
fazendo com que potências positivas – a capacidade de dizer sim ao meio – esteja a todo vapor;
enquanto as potências negativas – a capacidade de negar o desejo do meio – estejam debilitadas
(CHUL HAN, 2010). Na prática, o que existe é um sujeito que cede ao consumo e não reflete
sobre as razões que o fazem consumir.
Lipovétsky traz uma visão sobre o homem hipermoderno relacionado ao hedonismo e a
enfermidade, um ser humano que busca novas experiências por meio do consumo e, portanto,
nunca considerar-se-á o suficiente, ficando refém do mercado e das novas necessidades criadas
a cada uma das experiências sanadas na relação dual entre mercado-consumidor
(LIPOVÉTSKY, 2006). O homem em crise consigo, acaba por passar por experiências ainda
mais vazias, na tentativa de preencher-se com o efêmero do consumo, portanto, sente-se mais
vazio, mais frustrado existencialmente e com cada vez mais urgência na busca de experiências.
Um ciclo de busca por prazer para preencher sentido, mas que no fim da experiência traz o
mesmo resultado: vazio existencial por uma vivência desprovida de sentido (FRANKL, 2016).

O TER E O SER: O CONSUMO COMO BUSCA DE SER

A relação do ato de ter com o consumo é intuitiva, faz parte do processo de adquirir um
bem e ser proprietário de tal bem, exercendo poder sobre esse bem; enquanto o consumo está
ligado à compra de alguma coisa. Portanto, o ter e o consumir mesclam-se desde que tais atos
existem.
Fromm descreve o ato de ter como decorrente da propriedade privada, onde o seu dono
passa a exercer poder direto diante do que foi adquirido (FROMM, 1977). A necessidade de
ter, varia de acordo com a construção do sujeito que busca tal ter, das experiências
internalizadas por ele durante suas vivências. Um exemplo é o pré e o pós primeira guerra
mundial. No pré-guerra, o valor das coisas antigas era maior; no pós, o que é novo tem um valor
agregado maior.

66
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Com o consumo do novo, do efêmero, de coisas não feitas para durar, também foi
modificando-se a ligação do ser com o ter, onde o ser mescla-se com a capacidade de ter, ou
seja, o existencial é confundido com a capacidade de consumo (SILVA, 2011). A mescla entre
o ser e o ter causam profundas mudanças nas experiências e nas percepções do homem frente
a própria realidade. Onde antes existia um limite bem estabelecido, existe uma apropriação das
perturbações como características de posse:

O estilo mais recente de fala indica a vigência de alto grau de alienação. Ao dizer
“tenho um problema”, em vez de “estou perturbado”, a experiência subjetiva é
eliminada: o eu da experiência é substituído por uma expressão impessoal
relacionado com posse. (FROMM, 1977, p. 41).

O dinheiro, como instrumento das trocas que possibilitam o ter, acaba por se tornar um
passe livre para tudo o que bem entender, sendo depositado nele não apenas o desejo pelo
consumo, mas também uma satisfação antecipada de adquirir objetos, ou seja, ele é visto como
objeto necessário para o prazer na esfera pessoal e social (SILVA, 2011). Com o entendimento
do dinheiro como fonte de gratificação, perde-se o horizonte do simbólico do dinheiro como
meio para um fim e se coloca no ato de consumo um peso de satisfação como ser, o que não
corresponde com a realidade concreta, justamente pelo caráter efêmero da compra e do
significado esvaziado no impacto de preenchimento existencial que o consumo exerce no ser
humano (FRANKL, 2016).
O ter e o ser como expressão do mesmo fenômeno, torna-se um sintoma de uma
sociedade doente, que adoece os indivíduos ao retirar o referencial de quem se é como
característica humana e coloca valores existenciais como condicionados aos valores de
consumo (FROMM, 1977).

A VISÃO DA PSICOLOGIA DO SENTIDO DA VIDA SOBRE O CONSUMISMO

Com as visões de Deleuze, analisando Foucault, Lipovétsky sobre a sociedade


hipermoderna, Chul Han sobre a sociedade do desempenho, a sociedade atual e Fromm sobre
o ser e ter, pode-se partir para o ponto central da análise do consumo a partir de uma perspectiva
da Logoterapia e Análise Existencial de Viktor Frankl, a terceira escola de psicoterapia de
Viena, focada em uma complementação do pensamento vigente da época, baseada na
psicanálise de Freud e na psicologia individual de Adler.
Frankl refere que a visão psicanalítica de ser humano vê como motivador uma busca
primordial por prazer; enquanto a visão adleriana enxerga o ser humano que tem como força
67
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

motriz uma busca por prazer. A logoterapia não nega as vontades de poder e prazer, pelo
contrário, diz que ambas são importantes, o poder como meio de realização de sentido e o prazer
como consequência de tal realização, porém o que move mesmo o ser humano seria uma
vontade de sentido (FRANKL, 2008).
A partir da vontade de sentido é necessário conceituar que quando ela se encontra
frustrada por alguma razão existencial, abre-se espaço para que as vontades de poder e prazer
se sobreponham, criando interações vazias do ser humano com o mundo que o cerca em uma
busca incessante e infrutífera para a realização e preenchimento de sentidos da vida (FRANKL,
2008). Neste escopo também está inserida a relação humana frente ao consumo, mais
precisamente como forma de se atingir o prazer por meio do poder de compra, mas sempre
sendo insuficiente quando se fala de questões existenciais (FRANKL, 2016).
A felicidade – aqui representada pelo prazer – não deve ser algo de uma busca por si só,
e sim uma consequência, visto que o homem não busca a felicidade em si, mas sim um motivo
para experimentar tal sensação de felicidade (STUDART, 2020). Ela, por si só, não passa de
uma falsa sensação efêmera, que se esvai em um processo de busca por novos desejos a atingir
e que dialoguem com: 1. o que a sociedade demanda, colocando o homem como passivo e
abrindo mão da sua liberdade responsável pela própria existência e; 2. a ideia de que é possível
construir uma existência humana a partir de estímulos externos e de consumo, complementando
a ideia de Chul Han sobre a diminuição da reflexão em detrimento a uma ação vazia de vontade
de sentido (CHUL HAN, 2010).
Quanto ao prisma do consumismo, é necessário falar sobre valores sociais e como tais
valores permeiam não apenas a relação do homem com o seu social, mas também consigo
mesmo. Scheler, em seus estudos sobre os valores humanos, estabelece que tais valores são
universais, porém, a capacidade de apreensão de tais valores perpassa pela interação do homem
em grupos e subgrupos específicos, gerando conhecimento e também influenciando na própria
noção de realidade criada por tais grupos e, consequentemente, pelos indivíduos pertencentes a
tais grupos (SCHELER, 2019).
Majoritariamente, na sociedade contemporânea, o poder de compra é visto como um dos
valores mais importantes nas relações sociais e de poder, estabelecendo caráter valorativo para
indivíduos de acordo com tal poder de consumo (CHUL HAN, 2010). Portanto, a busca de
aceitação e pertencimento – natural em seres sociais – acaba por gerar uma apreensão de valores
importantes para a sociedade vigente, no caso, consumo para atingir algo além de si, mas sem

68
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

a capacidade primordial do ser humano, a autotranscedência, ou seja, a capacidade de se voltar


para algo ou alguém além de si mesmo (FRANKL, 2016).
A debilidade de autotranscedência faz com que o ser humano fique preso em ações
apequenadas e infrutíferas, no que tange à busca pela realização de sentidos na vida. O sentido
jamais está do lado de dentro, mas sim no lado de fora, quando se é capaz de sair de si e realizar-
se no – e com – o mundo (FRANKL, 2008).
Portanto, é plausível que as relações de consumismo desenfreado possam ser vistas não
como uma característica natural da sociedade contemporânea, mas sim como um sintoma de
adoecimento social (FRANKL, 2016). Uma classe dominante dita o que é valoroso por meio
do marketing, adoecendo a capacidade reflexiva e individual a partir do adoecimento social, o
qual mantém o ser humano com a capacidade de transcender ao social adoecido, cada dia mais
debilitado, gerando um rebanho formado por seres incapacitados de exercer uma autonomia
completa frente a própria realidade (CHUL HAN, 2010; LIPOVÉTSKY. 2006; FRANKL,
2016).
A patologia é social, mas afeta o indivíduo com neuroses noogênicas, psicopatologias
existenciais, que advêm da esfera noética do ser humano, a dimensão acima da fisiológica e da
psicológica – dimensões que o homem compartilha com animais – sendo a dimensão
unicamente humana, que não adoece por si só, mas pode se tornar menos acessível pelo
enfraquecimento existencial (FRANKL, 2016).
As neuroses noogênicas perpassam por várias esferas humanas, nas relações consigo e
com o mundo, afetando e fazendo com que o indivíduo afete quem com ele interage. Abrindo
margem para um ponto específico dos tempos atuais: a realidade implacável de uma pandemia
global que causa impacto em praticamente todos os setores humanos, principalmente no que
tange à saúde mental. O ser humano como ser integral – biopsicossocialnoético – vive um
paralelismo psicofísico, onde o que é físico influencia, e é influenciado constantemente o que
é psicológico, gerando também uma debilidade na capacidade de transcender esse paralelismo
por meio do antagonismo psiconoético, a capacidade de ser além do físico e psicológico, agora
debilitado por fatores que oprimem o ser humano de todos os lados globalmente (FRANKL,
2008).
No cenário de pandemia, no isolamento social, para os que o podem fazer, e no cenário
de exposição ao Covid-19, para os que não podem se dar a tal luxo, existe uma constante: um
aumento crítico nos índices de crises e transtornos de ansiedade no Brasil (OMS, 2021)¹. Tal
aumento na ansiedade está ligado ao aumento de consumo pelas compras no comércio

69
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

eletrônico, facilitadas pelo impulso ao preenchimento que o consumo exerce na vida do


indivíduo contemporâneo, levando a sentimentos momentâneos de saciedade, mas que logo são
substituídos pela culpa de uma compra, muitas vezes, desnecessária e que pode gerar um
superendividamento (FRANKL, 2016).
Somada à culpa pela compra, também está a insatisfação por não se poder consumir o
suficiente em uma sociedade hiperconsumista, que faz com que o sujeito experiencie não apenas
o vazio do descontrole pelo consumo, mas também a frustração por não poder fazê-lo o
suficiente para o que é exigido (CHUL HAN, 2010; LIPOVÉTSKY, 2006). A pandemia do
Covid-19 não apenas amplia esse sentimento no indivíduo – muitas vezes financeiramente
afetado pela crise global –, como também deixa mais visível socialmente os impactos de um
consumo desenfreado e que jamais poderá ser saciado.
A busca por sentido mediante o prazer da satisfação imediata trazida pelo consumo, e
do poder de ser apto a consumir, causam impactos tão profundos na saúde mental do indivíduo
que geram um vazio preocupante e um caos inclusive no que tange à saúde pública, com
aumento de demanda por tratamento psicológico que não consegue ser aplacado pelo poder
público (FRANKL, 2016). A lógica de ter de representar uma existência plena é reforçada
diariamente pelo mercado, gerando consumo, o que consequentemente traz insatisfação por não
dar às pessoas o que elas realmente procuram, impactando na saúde mental, encadeando na
saúde física, impactando na capacidade laboral que perpetua a crise, afetando o próprio
mercado.
A sociedade do desempenho busca a satisfação por meio do prazer que a produção
incansável deveria causar, porém, não coloca na equação um ponto de extrema importância no
que tange ao ser humano, a capacidade de sofrer (CHUL HAN, 2010; FRANKL, 2008). A fuga
do desenvolvimento do ato de sofrer – que só pode ser desenvolvido sofrendo – coloca o ser
humano à mercê de toda essa lógica do prazer como ponto alto da existência humana, tornando-
se um vetor de patologias das mais variadas e sendo utilizada como jargão mercadológico para
influenciar as massas ao consumo (FRANKL, 2016).
Os impactos sociais podem ser medidos quando se observa um poder cada vez maior da
indústria do consumo e um aumento cada vez maior nas patologias do vazio, nos transtornos
depressivos e também nos transtornos ansiosos, seria um simples acaso? (OMS, 2020).
Enquanto não existir uma educação que perpassa a saúde mental reflexiva e a desaceleração da
ação para um aumento da capacidade crítica do indivíduo e da coletividade, as patologias
ligadas ao consumo exacerbado vão sobrecarregar o poder público na esfera da saúde física,

70
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

mental e também, na esfera judicial, com relações abusivas frente ao consumidor


psicologicamente adoecido.

CONCLUSÃO

Conforme visto, o consumo em si, bem como, o direito do consumidor, em razão da


pandemia de Covid-19, precisa ser abordado por um novo enfoque. Nesse sentido, inclusive, a
defesa dos consumidores, devido à situação pandêmica em que se vive, vem encontrando cada
vez mais desafios, pois, a vulnerabilidade destas figuras mais fracas do mercado, restou ainda
mais evidenciada.
Nesse “universo novo”, surgem os desafios para ambos os lados da relação de consumo,
de onde deve ser observado sobretudo, os direitos do consumidor, já que este indivíduo é
sempre o elo mais fraco das relações. A boa-fé contratual e os seus deveres anexos estarão
sendo respeitados? O dever de informação, especialmente? Quem deve proteger os
consumidores?
Assim, o presente trabalho ventilou alguns questionamentos, de modo que se pudesse
compreender que a atual situação, além de tudo, inclusive, agravou a situação financeira de
alguns consumidores que já se encontravam endividados, tornando-os superendividados. E,
nessa ordem de ideias, explicou-se que há algumas iniciativas em andamento para beneficiar o
consumidor superendividado, bem como para evitar que outros, que já se encontram
endividados, acabem por ter a sua inadimplência agravada. Para isso, no entanto, é necessária
maior celeridade na tramitação de tais projetos, o que se espera do Legislativo.
Nessa ordem de ideias, ainda, abordou-se, pelo enfoque da psicologia, o consumo como
parâmetro de sucesso, demonstrando-se que o homem contemporâneo é perpassado pelo
contexto que está inserido, ou seja, dentro de suas vivências ele é submetido aos
condicionamentos que o colocam à mercê de um modelo de sociedade, que preza por
características específicas para delimitar o que é sucesso e fracasso, sendo, o maior parâmetro
de sucesso, o consumo.
Portanto, o que se viu foi que a Covid-19 mudou o cenário econômico da sociedade e
de seus membros, demandando um novo enfoque no tratamento do superendividamento. Para
tratar o referido problema, também é necessário observar-se que o consumo não pode ser uma
ferramenta de escape, mas apenas um meio de manter o funcionamento do mercado, de modo
que todos possam consumir o necessário para suas vidas.

71
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

REFERÊNCIAS

BAGGIO, Andreza Cristina. A proteção da confiança e a formação de redes contratuais como


fundamentos da responsabilidade dos sites de compras coletivas perante o consumidor. Revista
de Direito do Consumidor, v. 24, n. 97, p. 271-299, jan./fev. 2015.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 4 jun. 2021.

BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e


dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 4 jun. 2021.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, 10 de janeiro
de 2002. D.O.U. 11 jan de 2002.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. PDL 131/2020. Susta os efeitos da Resolução nº 1, de 26 de


março de 2010, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que dispõe sobre a forma de
definição do Preço Fabricante (PF) e do Preço Máximo ao Consumidor (PMC) dos
medicamentos em 31 de março de 2019, estabelece a forma de apresentação do Relatório de
Comercialização à Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos - CMED, disciplina a
publicidade dos preços dos produtos farmacêuticos e define as margens de comercialização para
esses produtos. Autor: Luciano Ducci (PSB-PR). Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2242523> Acesso em: 6 jun. 2021.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei PL 1080/2020 Apensado ao PL 677/2020.


Altera os arts. 6º e 39 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, que "Dispõe sobre a proteção
do consumidor e dá outras providências" para disciplinar o direito básico do consumidor à
proteção a vida, saúde e segurança em caso de pandemias e tornar abusiva a cobrança de taxas
em virtude da alteração dos serviços em situações de epidemias. Autor: Carlos Chiodini (MDB-
SC). Disponível em: <https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2242141> Acesso em:
6 jun. 2021. A.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei PL 1087/2020. Altera o disposto na Lei 13.979,
de 06 de fevereiro de 2020, acrescentando o inciso IV, §2º do Art. 3º, e assim, ficando impedida
a majoração, sem justa causa, do preço de produtos ou serviços, durante todo o período do
reconhecimento de estado de calamidade pública em razão dos efeitos da pandemia de
coronavírus. Autor: Paulo Pimenta (PT-RS). Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2242148> Acesso em: 6 jun. 2021. B.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei PL 3515/2015. Altera as Leis nºs 8.078, de 11
de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), e 10.741, de 1º de outubro de 2003
(Estatuto do Idoso), para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a
prevenção e o tratamento do superendividamento, e a Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1997.
Autor: Senado Federal - José Sarney (PMDB-AP). Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2052490> Acesso em: 6 jun. 2021.

72
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

CHATER, Priscilla. Coronavírus e força maior: o que diz o seu contrato? Opinião. Revista
Consultor Jurídico. P. 19 de março de 2020. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-
mar-19/priscilla-chater-coronavirus-forca-maior-contrato>Acesso em: 6 jun. 2021.

CHUL HAN, Byung. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2010.

CONJUR. Superendividamento dos consumidores: Vacina e o PL 3.515 de 2015. Claudia Lima


Marques e Roberto Castellanos Pfeiffer. P. 14 maio 2020. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/2020-mai-14/garantias-consumo-superendividamento-
consumidores-vacina-pl-3515-2015> Acesso em: 6 jun. 2021.

DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. São Paulo: Paz & Terra, 2018.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2014.

FRANKL, Viktor Emil. Psicoterapia e sentido da vida. São Paulo: Quadrante, 2016.

______. Teoria e terapia das neuroses: introdução à logoterapia e análise existencial. São
Paulo: É realizações, 2016.

______. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. Petrópolis: Vozes,


2008.

FROMM, Erich. Ter ou ser? Rio de Janeiro: Zahar, 1977.

GZH. Justiça obriga IPA a pagar salários atrasados a professores. Omar Freitas. P. 3 ago.
2018. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao-e-
emprego/noticia/2018/08/justica-obriga-ipa-a-pagar-salarios-atrasados-a-professores-
cjkecnues00fz01piasmdh7cg.html#:~:text=A%20Justi%C3%A7a%20do%20Trabalho%20det
erminou,honrar%20o%20pagamento%20dos%20vencimentos. Acesso em: 6 jun. 2021.

INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Coronavírus: os principais


direitos do consumidor. Disponível em: <https://idec.org.br/dicas-e-direitos/coronavirus-os-
principais-direitos-do-consumidor>. Acesso em: 1 jun. 2021.

______. Coronavírus: seus direitos com seu plano de saúde. Publicado em 27 mar. 2020.
Disponível em:
<https://idec.org.br/dicas-e-direitos/coronavirus-seus-direitos-com-seu-plano-de-saude>
Acesso em: 6 jun. 2021.
LIPOVÉTSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo.
Lisboa: Edições 70. 2006.

LORENZETTI, Ricardo Luis. Comércio Eletrônico: parte general. 2. ed. Buenos Aires:
Rubinzal-Culzoni, 2010.

MARQUES, Claudia Lima; BERTONCELLO, Káren Rick Danilevicz; LIMA, Clarissa Costa
de. Exceção dilatória para os consumidores frente à força maior da Pandemia de COVID-19:
Pela urgente aprovação do PL 3.515/2015 de atualização do CDC e por uma moratória aos
consumidores. Revista de Direito do Consumidor. vol. 129/2020, maio–jun,
2020DTR\2020\6377, online, p. 2. Disponível em:
73
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

<https://revistadedireitodoconsumidor.emnuvens.com.br/rdc/article/view/1039/908> Acesso
em: 6 jun. 2021.

MARQUES, Claudia Lima; LIMA, Clarissa Costa; BERTONCELLO, Káren. Prevenção e


tratamento do superendividamento. Brasília: DPDC/SDE, 2010.

MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo direito privado e a proteção dos
vulneráveis. 2. ed. São Paulo: RT, 2014.

MIRAGEM, Bruno. O direito do consumidor pós-pandemia. Disponível em:


<https://www.conjur.com.br/2021-mar-17/garantias-consumo-direito-consumidor-pos-crise-
covid-19>. Acesso em: 10 jun. 2021.

PROCON/RS. Procon RS lança cartilha de relações de consumo e pandemia. Disponível em:


https://www.procon.rs.gov.br/procon-rs-lanca-cartilha. Acesso em: 4 jun. 2021.

SCHELER, Max. Da reviravolta de valores: ensaios e artigos. Petrópolis: Vozes, 2019.

SILVA, Lorena Bandeira da. Sobre consumo e consumismo: a consumação do vazio, o ter, a
logoterapia e o ser. 2011. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Psicologia).
Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, 2011. Disponível em:
<http://dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/handle/123456789/291> Acesso em: 6 abr. 2021.

SOGLIO, Roselle A. Pandemia e o direito do consumidor: como fica o direito de quem já


pagou um evento, de quem tinha ou tem casamento ou cerimônias marcadas, viagens, entre
outros? Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/324315/pandemia-e-o-direito-
do-consumidor. Acesso em: 4 jun. 2021.

STUDART, Ivo Pereira. Ética do Sentido da vida: fundamentos filosóficos da logoterapia. São
Paulo: Ideias e Letras, 2020.

74
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR NA RESCISÃO CONTRATUAL EM


DECORRÊNCIA DA PANDEMIA DA COVID-19 NOS CASOS DE
CANCELAMENTOS DE SHOWS E EVENTOS CULTURAIS

Camila Queiroz de Medeiros Santos1


Marina Linna Pinheiro Cruz2
Fabrício Germano Alves3

Resumo: O ato de contratar é um importante instituto jurídico, pois está intrínseco nas relações
sociais desde os primórdios. Ocorre que, com o surgimento da pandemia da COVID-19, houve
algumas mudanças inevitáveis nas relações contratuais. Nesse contexto, o consumidor, antes
elo fragilizado e protegido da relação, viu-se, repentinamente, responsabilizado pelos encargos
das relações contratuais, mudando a então perspectiva criada no Direito, onde o prestador de
serviço quem devia encarregar-se daqueles. À vista disso, o presente trabalho tem como intuito
elucidar, a partir da legislação previamente existente, bem como as extraordinárias criadas para
atender o novo cenário, as dificuldades enfrentadas pelas partes do contrato, diante de toda a
crise, financeira e econômica, no âmbito da pandemia. Busca-se, portanto, analisar de forma
mais detalhada as possibilidades atuais para que se possam resolver os conflitos consumeristas
decorrentes do cancelamento de shows e eventos de uma forma justa para ambas as partes.
Adotou-se como procedimentos metodológicos a pesquisa de natureza aplicada, com
abordagem qualitativa exploratória, e metodologia dedutiva, com o intuito de analisar e propor
soluções viáveis para enfrentar as dificuldades do cenário atual, com apoio em textos
bibliográficas e entendimentos jurisprudenciais. Conclui-se, portanto, que por se tratar de um
momento extraordinário, é necessária tolerância de ambas as partes, e, ainda, a boa-fé contratual
como parâmetro de distribuição de equidade dos encargos nos contratos de consumo
enquadrados no entretenimento.

Palavras-chave: cancelamento de eventos; coronavírus; rescisão contratual; direito do


consumidor; pandemia.

1 INTRODUÇÃO

Tendo seus primeiros casos confirmados em meados de dezembro de 2019 em Wuhan,


na China, e o primeiro caso brasileiro em fevereiro de 2020, em São Paulo, onde um homem
de 61 anos que regressou de uma viagem feita à Itália, o coronavírus – SARS-Cov-2,
popularmente conhecido como COVID-19, avançou e se difundiu com extrema rapidez em todo

1
Discente do Curso de Graduação em Direito do Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES) da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E-mail: kmilaqms@hotmail.com
2
Discente do Curso de Graduação em Direito do Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES) da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E-mail: marinalpc@hotmail.com
3
Advogado (OAB/RN 6318). Especialista em Direito do Consumidor e Relações de Consumo (UNP). Mestre e
Doutor em Sociedad Democrática, Estado y Derecho pela Universidad del País Vasco / Euskal Herriko
Unibertsitatea (UPV/EHU) – Espanha. Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E-
mail: fabriciodireito@gmail.com
75
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

o mundo, tornando-se um evento extraordinário que traz consigo grandes riscos à saúde pública
universal. Ainda, foi no dia 11 de março de 2020, que o diretor-geral da Organização Mundial
da Saúde (OMS), classificou o estado da contaminação como uma pandemia global (DE
OLIVEIRA, 2020).
Trata-se de uma doença volátil e de transmissibilidade fácil, uma vez que, entre outras
tantas formas, se difunde pelo ar, por isso demandou medidas mais extremas para promover a
sua contenção. Uma delas foi a medida restritiva quanto ao trânsito de pessoas, proibindo a
abertura de diversos estabelecimentos, visando diminuir o contato da população entre si,
restringido o vírus a determinados indivíduos, e, em consequência dessa medida, restou
proibida também a realização de eventos, festivais, entre tantas outras atividades culturais.
Com efeito, as sociedades passaram a vivenciar os impactos sociais, econômicos,
culturais e políticos decorrentes da pandemia. Outrossim, nas relações jurídicas de consumo
não foi diferente. De um lado fornecedores precisam ter receitas para manter seus negócios; de
outro, consumidores não querem pagar por serviços que não estão sendo prestados e querem
proteger suas economias pessoais (BRITTO, 2020).
Logo, a repercussão no meio jurídico sobre os efeitos da pandemia do novo coronavírus,
diante da crise vivenciada, demanda que o intérprete-aplicador tenha que revisitar os
fundamentos jurídicos das relações em matéria contratual.
No setor da cultura, os cancelamentos de shows e eventos geraram algumas
consequências, como mudanças nas obrigações de fazer, dispensa no pagamento de multas
rescisórias, entre outros danos que colocam os consumidores em desvantagem manifestamente
exagerada.
Por consequência, o Poder Judiciário correntemente admite que, para a resolução de
conflitos dentro desse ramo, e, diante as circunstâncias nas quais os indivíduos se inserem,
deve-se buscar uma alternativa cordial que satisfaça fornecedor e consumidor, levando sempre
em consideração o panorama econômico e os resultados que a pandemia causará ao país,
sobretudo compatibilizando-se com os princípios da boa-fé e da confiança. Todavia, os juízes
não devem atender automaticamente aos pedidos de sociedades empresariais ou empresários
sem demonstração real de desequilíbrio financeiro (NOTÍCIAS STJ, 2020).
Diante disso, tem-se como foco a análise dos impactos do coronavírus no mercado de
consumo brasileiro pela perspectiva do produtor, observando juntamente a situação do do
consumidor individual, estritamente no setor da cultura no que tange a shows e eventos, com o
propósito de notabilizar o ordenamento jurídico protetivo do consumidor como um

76
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

intermediário de boas negociações para o corpo social em tempos de dificuldades, solucionando


os problemas acerca das novas possibilidades e situações, decorrentes da pandemia, dentro do
âmbito contratual, sempre buscando uma forma cordial de resolução de conflitos. Essa análise
é de grande importância, uma vez que esse tema está intrínseco no convívio em sociedade por
natureza, em razão dessa modalidade negocial se fazer fortemente disposta no dia a dia dos
brasileiros.
Por fim, como método adota-se a investigação dedutiva, com uma pesquisa de natureza
aplicada e de abordagem qualitativa e exploratória, de modo que fundamentado aos princípios
gerais do Direito e especificamente do Direito das Relações de Consumo, serão determinadas
conclusões ao tema aqui abordado, buscando a solução que o mundo jurídico manifesta para
conciliar as relações afetadas pela pandemia da COVID-19.
Em um primeiro tópico, são dispostas informações acerca das relações contratuais de
consumo, em razão de que, para se entender as mudanças ocorridas na fase de pandemia, faz-
se necessário que se entenda previamente o modelo ordinariamente seguido nas relações
contratuais.
Na segunda análise, levanta-se o debate acerca do setor cultural e da não obrigação de
fazer em face da COVID-19, pois com a pandemia surgiram novos fatos e encargos, os quais
livraram o prestador de serviço, em algumas situações, de cumprir prontamente a obrigação de
fazer imposta a ele anteriormente.
E no último tópico, como análise complementar, é disposto sobre o tema da revisão
contratual por fato superveniente diante da pandemia, onde é levantada uma análise mais
aprofundada acerca da consideração ou não da pandemia como fato superveniente, sendo, por
essa razão, passível de mudanças no modelo contratado previamente.

2 RELAÇÃO CONTRATUAL DE CONSUMO

O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 3°, §2º, traz o conceito de serviço como
a atividade elaborada, mediante remuneração, que irá proporcionar benefícios e/ou
compensações ao adquirente. Isto posto, a expressão “remuneração” permite incluir todos
aqueles contratos em que for possível identificar, no sinalagma escondido (contraprestação
escondida), uma remuneração indireta do serviço de consumo. “[...] Remuneração” (direta ou
indireta) significa um ganho direto ou indireto para o fornecedor. “Gratuidade” significa que o
consumidor não “paga”, logo, não sofre um minus em seu patrimônio” (MARQUES;
BENJAMIN; MIRAGEM, 2019).
77
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Para mais, produto é qualquer bem, consumível fisicamente ou não, móvel ou imóvel,
novo ou usado, material ou imaterial, fungível ou infungível, principal ou acessório
(BENJAMIN; MARQUES; BESSA, 2020 a). Desta maneira, o bem irá ser o ponto principal da
relação consumerista, e, segundo José Geraldo Brito Filomeno (2018), o fornecedor será
compreendido quando propiciar a oferta de bens e serviços no mercado de consumo,
parcamente importando sua finalidade.
Sendo assim, seguindo a temática do enunciado, o art. 6° da Constituição Federal de
1988 insere o direito ao lazer no rol dos direitos sociais com a intenção de possibilitar melhores
condições de vida às pessoas. O lazer, como bem imaterial relacionado ao consumo de serviços
artístico-culturais é de grande importância para ampliar as relações sociais, como também para
elevar o desenvolvimento socioeconômico, de modo que esses liames estão ligados diretamente
ao capital, que, assim, influenciam positivamente o aproveitamento desses recursos do
entretenimento.
Na perspectiva do Direito das Relações de Consumo, as relações vinculadas a shows e
eventos culturais derivam dos prestadores de serviços; no ato de adquirir um ingresso; a partir
dos organizadores, artistas; e entre vários outros componentes que constituem esse ramo tão
significativo para a economia.
Em vista disso, o Código de Defesa do Consumidor traz variadas disposições que
interessam ao fornecimento de serviços. Com efeito, para a verdadeira proteção do consumidor,
o decisivo é o intérprete determinar com exatidão que se trata de uma relação de consumo e
aplicar o microssistema tutelar do consumidor. Aplicar o CDC (Lei nº 8.078/1990) pressupõe
determinar o seu campo de aplicação (BENJAMIN; MARQUES; BESSA, 2020b). Outrossim,
as leis atravessam os direitos consumeristas, civis e até penais, que são empregadas às violações
da norma.
A indústria do entretenimento se tornou um ramo econômico que está em constante
busca do consumidor. Logo, quando se observa a compra e venda de ingressos, a título de
exemplo, o produtor está admitindo a obrigação de executar um evento inteiramente
estabelecido dentro dos requisitos que foram apresentados ao usufruidor, consoante um
contrato. Além disso, mais um caso que pode ser considerado, acontece quando há alteração no
contexto do evento (v.g., localização, horário, data), a qual assevera ao comprador o direito de
resgatar o seu valor pago, como também a opção de troca de ingresso por outro, se houver a
alternativa.

78
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

No meio dos shows e eventos culturais, para que ocorra a relação de consumo, o
fornecedor, nos termos do art. 3° do Código de Defesa do Consumidor, que arrola todos os seus
atributos, funciona de modo típico e característico, no qual o irá dispor de um usuário, gerando
uma ligação contratual, por escrito ou não, baseados na prestação de serviços.
Diante dos contratos, deve-se ser aplicado a proporcionalidade entre consumidores e
prestadores, pela simples situação de desigualdade, para que o prejuízo seja distribuído deforma
igualitária entre eles, visando esclarecer e verificar o contrato de acordo com o meio que o
cerca.
O art. 47 da Lei nº 8.078/1990 consolida o princípio in dubio para o consumidor, ao
determinar que “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao
consumidor”. Isto posto, o princípio da função social do contrato é evidente pela atenção em
preservar o consumidor, já que corresponde à parte mais vulnerável da relação negocial,
ecoando na interpretação do negócio jurídico.
A Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019) fortaleceu essa segurança no art.
113, §1º, inciso IV, ao designar que a compreensão do acordo jurídico tem de atribuir a
percepção que for mais conveniente à parte que não elaborou o dispositivo, se identificável.
Assim, a interpretação favorável ao aderente não atinge apenas as situações de conflito entre
duas cláusulas contratuais, mas também os casos em que há conflito interpretativo decorrente
de apenas uma cláusula isoladamente (TARTUCE; NEVES, 2020 a).
Em conformidade com os arts. 39 a 41 do Código de Defesa do Consumidor, que
regulam as práticas abusivas, impulsionam-se essas questões ao intérprete para que leve em
consideração para um bom relacionamento contratual, sempre ao lado do princípio do
protecionismo.
A vulnerabilidade é uma situação que poderá ser permanente ou provisória, individual
ou coletiva, e que fragiliza, enfraquece o sujeito de direitos, desequilibrando a relação de
consumo (BENJAMIN; MARQUES; BESSA, 2020 c). Consequentemente, o Código de Defesa
do Consumidor objetiva restabelecer, proteger e preservar a estabilidade contratual na relação
de consumo, mantendo, dessa forma, o sinalagma da relação contratual, onde ele distribui os
encargos para o prestador de serviços, por ser a parte mais fortalecida e favorecida da relação
contratual, e oferece amparo ao consumidor, a parte fragilizada da relação.

79
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

3 O SETOR CULTURAL E A OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER FACE À PANDEMIA


DO COVID-19

É de se concordar que o contrato é um dos institutos mais importantes do Direito


Privado, e como qualquer relação jurídica, o vínculo da obrigação procede de um fato jurídico.
Desse modo, quando dois lados se posicionam na perspectiva objetiva e subjetiva de um
contrato, há uma expectativa de que o acordo seja adimplido. No entanto, na rota em que se faz
do seu início a sua conclusão podem ocorrer múltiplos imprevistos que podem acarretar um
inadimplemento.
No que tange ao setor contratual do mercado consumerista, em razão da pandemia que
assola, entre tantos outros, o Brasil, tem-se tornado cada vez mais comuns situações em que os
fornecedores não cumprem com as obrigações a quais se dispuseram face ao consumidor, assim,
não executando a parte contratual em que lhes cabia no período em que firmaram negócio com
o comprador.
Dentro dessa realidade, foram realizadas diversas publicações de medidas de proteção,
com o intuito de retardar a propagação desse vírus tão volátil que assombra o país e que está
afetando intensamente o campo das relações contratuais. Desse modo, está se tornando cada
vez mais habitual as notícias de cancelamentos de shows, congressos, entre tantos outros
eventos. Um exemplo acerca disso, corresponde à limitação de um público de quinhentas
pessoas para a realização de shows e eventos. Continuadamente, deu-se a proibição total da
realização de shows e eventos em algumas localidades. Uma das medidas mais drásticas
adotadas em momento mais devastador da pandemia.
Nesse cenário, e por previamente não haver normas específicas, teoricamente seriam
adotadas as normas gerais e habituais do microssistema protetivo do consumidor. Contudo,
ocorre que, a não efetivação das obrigações no âmbito da pandemia da COVID-19 não
corresponde a uma simples recusa por parte do fornecedor. Destarte, é importante salientar que
a ausência de serviço ou de uma inexecução não irá se confundir com as hipóteses dispostas
nos artigos 12 a 17, nem nos artigos 18 a 25 do referido Código, que tratam, respectivamente,
dos casos referentes à responsabilidade civil do fornecedor por fato ou por vício do produto ou
do serviço.
O artigo 35 do Código de Defesa do Consumidor dispõe sobre o caso da recusa do
fornecedor de cumprir com sua parcela na obrigação, e, nessa hipótese, o consumidor poderá
exigir seu direito, na forma de cumprimento forçado da obrigação, como também rescindir ou
aceitar a prestação de serviço equivalente.

80
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Ainda sobre o tema, o artigo 84 do mesmo Código trata dos casos da obrigação de fazer
ou não fazer, e em seu §1°, o legislador afirma que “a conversão da obrigação em perdas e
danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou
a obtenção do resultado prático correspondente”, abrindo possibilidade então para a reparação
por meio de indenização, uma vez que é praticamente impossível a obtenção do resultado
correspondente na data marcada.
Todavia, nem sempre essa inexecução obrigacional será relacionada a uma conduta
culposa ou dolosa por parte do devedor. Em casos fortuitos ou de força maior, como o cenário
pandêmico atualmente vigente no país, que rompem o nexo causal, por mais que o fornecedor
queira cumprir com sua obrigação, ele está impossibilitado frente ao problema de saúde pública,
bem como as normas estatais impostas diante da conjuntura buscando solucioná-la.
O caso fortuito é mais do que a força maior, pois é um fato que não se espera, o que
constitui algo raro na atualidade, uma vez que, no mundo pós-moderno, tudo pode acontecer
(TARTUCE; NEVES, 2020b). Não havia possibilidade de o contratante preparar-se para uma
pandemia que surpreendeu toda a população mundial, e que se deu por um vírus que sequer
existia previamente na forma encontrada atualmente.
Portanto, a regulamentação disposta no Código Civil em seu artigo 393, em condições
gerais, dispõe que para que se averigue a inimputabilidade do obrigado, a ausência de prestação
necessita decorrer de impasse intransponível a realização da obrigação, incomum ao controle
do devedor, decorrente de evento extraordinário ou de terceiros.
A vulnerabilidade como base principiológica sempre esteve presente ao se justificar a
proteção aos mais frágeis, ao exemplo de consumidores e trabalhadores. A contemporaneidade
está fazendo entender que todos são vulneráveis, alguns ainda mais (CARVALHO;
FERREIRA, 2020).
Como resultado de tamanhas restrições e para tentar amenizar a crise decorrente da
conhecida pandemia, criou-se a Lei n° 14.046 de 2020, com apoio no estado de calamidade
pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, a qual “dispõe
sobre medidas emergenciais para atenuar os efeitos da crise decorrente da pandemia da covid-
19 nos setores de turismo e cultura”.
Essa nova disposição normativa visa dar amparo aos empresários do setor de turismo e
cultura, que estão suportando imensos encargos da atual fase que o Brasil está vivenciado, com
redução e baixo caixa há meses, buscando, portanto, viabilizar a continuação de suas atividades,
com intuito de evitar o fechamento definitivo. Na atual conjuntura, o prestador de serviço, antes

81
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

predador da relação consumerista, passou a ser também um elo fragilizado da relação


contratual, em razão de seus muitos negócios suspensos e paralisados.
Na proposta inicial para Medida Provisória n° 948, que dispõe sobre o cancelamento de,
entre outros, eventos nos setores de cultura, devido ao estado de calamidade pública aceito pelo
Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, que posteriormente transformou-se na
mencionada Lei de n° 14.046/2020, as entidades mencionadas anteriormente necessitam de
medidas urgentes para o enfrentamento da crise que está a se desenrolar, ocasionando, além de
cancelamento de reservas em estabelecimentos hoteleiros, também inúmeros cancelamentos
diversos eventos. Esta crise impacta o fluxo no caixa das sociedades empresariais e ameaça
suas permanências no mercado, correndo um risco de encerrarem de vez suas atividades
(BRASIL, MP 948, 2020)
A Lei de n° 14.046/2020, em seu artigo 2°, desobriga o fornecedor a reembolsar os
valores pagos pelo consumidor no caso de adiamento ou cancelamento de shows, eventos e
espetáculos em decorrência da pandemia da COVID-19, desde que obedeça a alguns
regramentos, que são dispostos em seus incisos: “I – a remarcação dos serviços, das reservas e
dos eventos adiados;” ou “II – a disponibilização de crédito para uso ou abatimento na compra
de outros serviços, reservas e eventos disponíveis nas respectivas empresas”.
Sobre o inciso I, é importante destacar que deverão ser respeitadas as condições
originalmente contratadas, ou seja, o novo evento deverá ser oferecido na mesma qualidade da
proposta inicial, e é isso de que trata o §5° do artigo em questão. Ou seja, no primeiro comando,
o prestador do serviço não será obrigado a reembolsar instantaneamente os valores pagos pelo
consumidor.
Entretanto, imagine a hipótese em que uma turma em um determinado curso de uma
Universidade contratou um fornecedor específico para organizar as festas referentes às
comemorações que acontecem no decorrer de seu curso. Ocorre que, a festa de 50% (festa na
qual os discentes comemoram o lapso temporal de metade de seu curso decorrido) da turma
restou-se impossibilitada de ser realizada em razão das atuais restrições impostas visando a
preservação da saúde pública, contudo, uma realização posterior possivelmente não será mais
de interesse dos contratantes, pois a festa perderá a razão de ser. Nessa análise, resta o
entendimento de que esse seria um típico caso no qual a não obrigação do produtor quanto ao
ressarcimento seria invalidada, e ele deveria sim arcar com os encargos contratuais, pois, ainda
que esteja enfraquecido, ele continua sendo o dominador da relação, enquanto o consumidor
corresponde à parte mais fragilizada.

82
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

A Medida Provisória nº 1.036/2021 – que atualiza a Lei nº 14.046/2020 – prorroga


regras para cancelamento ou remarcação de eventos durante o período da pandemia, uma vez
que o antigo decurso de tempo previsto em lei, não foi suficiente para cessar a pandemia e
tampouco seus impactos. Nessa ocasião, o legislador em seu art. 2°, §4º, dilatou o prazo anterior
para o novo prazo: até 31 de dezembro de 2022.
Sobre a solicitação da remarcação ou reembolso, a Lei estabelece, em seu artigo 2°, §1°,
que o consumidor respeite o prazo de 120 (cento e vinte) dias, contados desde a comunicação
do cancelamento ou adiamento, ou de 30 (trinta) dias antes da realização do evento, sendo usado
o prazo que decorrer antes. E, caso o consumidor não respeite esse prazo, fica o fornecedor
desobrigado de ressarcir a parte, em consonância com o §3° do mesmo artigo.
Diante o exposto, a volta dos eventos com grandes públicos ainda depende do
cronograma de vacinação e da contenção do vírus. Logo, a situação do consumidor que realizou
a compra de ingressos, na maioria dos casos, é de solicitação do reembolso. Entretanto, a
legislação instituiu alguns empecilhos, como foi mostrado.
Isto posto, a ordem é de que o prestador do serviço não será obrigado a reembolsar
instantaneamente os valores pagos ao consumidor desde que garanta: remarcação ou
disponibilização do crédito para utilização na compra de outros serviços, reservas ou eventos
da mesma entidade empresarial, isto é, somente se não for possível remarcar ou oferecer o
crédito, o consumidor poderá requerer o reembolso dos ingressos pagos para shows e eventos.

4 REVISÃO CONTRATUAL POR FATO SUPERVENIENTE DIANTE DA


PANDEMIA DA COVID-19

No momento em que se fala de direito dos contratos no âmbito da COVID-19, verifica-


se que o Código Civil, em seu artigo 317, consolidou a revisão contratual por fato
superveniente, diante de uma imprevisibilidade somada a uma onerosidade excessiva. Quando,
por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida
e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que
assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
Apesar da possibilidade de interpretação no sentido de que esse dispositivo possibilita
a revisão contratual, principalmente se conjugado com o art. 478 do Código Civil, que trata da
resolução por onerosidade excessiva, atualmente, a revisão judicial do contrato civil por fatos
posteriores à celebração está tratada isoladamente no art. 317, pois o art. 478 dispõe sobre a
extinção, e não sobre a revisão contratual (TARTUCE, 2014).

83
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Ainda sobre o tema, é possível enxergar nesse dispositivo uma cláusula para revisão
contratual permitida ao julgador. Na oportunidade, o juiz poderá fixar correção monetária, se
dando o valor real da prestação, como pode ser inferido a partir da identificação do escopo do
dispositivo. Essa cláusula é colocada para que ocorra a alteração entre a formação do contrato,
que compõe o plano de existência, e a ocasião da execução do contrato, uma vez que será esse
contrato abstrato colocado em prática.
Dando continuidade, para que o juiz se torne apto para uma possível revisão de contrato,
deverá haver uma desproporção entre o valor da prestação no momento da formação e o
momento da execução, e ainda, a desproporção deverá ser decorrente de motivos os quais não
poderiam ser previstos (SCHREIBER et al, 2019)
Esse artigo trata do caso em que os contratos são feitos de forma a manter o sinalagma
da relação jurídica, até porque, caso não o façam, o contrato será inválido, somente
posteriormente sofre um desequilíbrio, que se dará por motivo imprevisível, e um grande
exemplo prático e importante para o debate aqui explanado, é o caso da pandemia causada pela
COVID-19.
Nesse sentido, o dispositivo adota a teoria da imprevisão (desdobramento da antiga
cláusula rebus sic stantibus). E, sobre tal, a I Jornada de Direito Civil adotou o enunciado n°
17: “A interpretação da expressão “motivos imprevisíveis” constante do art. 317 do novo
Código Civil deve abarcar tantas causas de desproporção não previsíveis como também causas
previsíveis, mas de resultado imprevisíveis”.
Inclusive, tal teoria ressurgiu no Direito em decorrência dos impactos deixados pela
primeira guerra nas relações contratuais, como uma forma de amenizar o caos instaurado
economicamente após uma catástrofe de tamanha magnitude, e, para tanto, o legislador adotou
medidas extraordinárias visando admitir a revisão contratual.
Nessa perspectiva, nota-se que os princípios que guiam o dispositivo são a conservação
do negócio jurídico e a função social em sua eficácia interna, pois buscam manter, diante dos
novos fatos e das novas configurações, o pacto inicial ou o mais perto possível, firmado em
contrato.
Em épocas normais, os contratos devem ser efetuados em sua totalidade, em
conformidade com o princípio pacta sunt servanda, que pode ser traduzido como a
consolidação da força obrigatória que as obrigações assumidas devem ser respeitadas e
cumpridas integralmente.

84
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Contemporaneamente, a problemática contratual envolvendo a pandemia e suas


complicações imprevisíveis, mitiga o princípio pacta sunt servanda, assim, tornando-se uma
exceção às ordens de força obrigatória. De fato, o estado de calamidade na saúde mundial, em
uma apreciação abstrata e genérica, por se tratar de um evento fora do comum, faz com que a
prestação se torne demasiadamente onerosa.
Não restam dúvidas de que a revisão contratual tratada pelo Código de Defesa do
Consumidor é facilitada justamente por não exigir o fator imprevisibilidade, bastando que o
desequilíbrio negocial ou a onerosidade excessiva decorra de um fato superveniente
(TARTUCE; NEVES, 2020c). A situação de shows e eventos no Brasil não deixa consumidores
e fornecedores em situação de igualdade para que o prejuízo seja distribuído deforma igualitária
entre eles.
A Medida Provisória nº 1.036/2021 gera alguns impactos no mercado de consumo
cultural. A princípio, os consumidores que estavam impossibilitados de usufruir do evento
contratado em razão da pandemia, em consequência do seu adiamento ou cancelamento, devem
procurar os seus produtores para negociarem qual a melhor forma de resolução da necessidade
ali apresentada. Além disso, os fornecedores devem oferecer crédito para os consumidores
utilizarem em futuros eventos, como também remarcar ou reembolsar o valor até 31 de
dezembro de 2022.
Partindo dessa premissa, observa-se que as partes dos negócios bilaterais – ou
pluraterais – estão passando por obstáculos por ambos os lados. Logo, uma das soluções a serem
analisada é a retificação dos contratos, a qual permitirá a reavaliação das cláusulas do negócio
de uma obrigação, a fim de reconstituir a estabilidade financeira por meio da manutenção das
convenções, alterando ou, na sua inviabilidade, resolvendo a obrigação amigavelmente.
Diante de todo o exposto, sendo a pandemia fato superveniente e abarcando a
imprevisibilidade, bem como a execução do contrato demandando uma onerosidade excessiva,
no âmbito do fornecedor, sendo inclusive atentado contra a saúde pública efetuar o
cumprimento de diversos contratos, como por exemplo a realização de shows, resta-se o
entendimento de que as novas normas, as quais impõe um novo prazo para que se efetue o
cumprimento contratual, são viáveis, uma vez que são medidas extraordinárias para momentos
extraordinários.

85
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

4 CONCLUSÃO

Como restou demonstrado, no âmbito de shows e eventos, o Direito das Relações de


Consumo é essencial e imprescindível, uma vez que é com fundamento nele que as relações são
regularizadas e os contratos são pactuados. Nessas relações os prestadores de serviços se
obrigam e comprometem-se a efetivar a execução de um contrato nas medidas e condições
previamente combinadas, executando um evento dentro dos requisitos apresentados ao
usufruidor. Dentro desse tema, a priori, entende-se o ordenamento consumerista como fiel
protetor dos consumidores, como parte mais fragilizada da relação. É o caso do artigo 47 da Lei
n° 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) que traz o princípio in dubio para o
consumidor e o princípio pacta sunt servanda.
Porém, algumas vezes esses contratos não conseguem ser realizados por motivos que
vão além do domínio do fornecedor. É o exemplo dos casos fortuitos ou de força maior, como
o caso da pandemia enfrentada pelo Brasil, onde por mais que a parte queira cumprir com o que
ficou acordado, este cumprimento resta impossibilitado. Além disso, não existia possibilidade
de prever antecipadamente a situação, bem como se preparar para ela.
Nessa realidade, os fornecedores de serviços passaram a suportar encargos altíssimos,
com redução de fluxo de caixa, tornando-se também uma parte fragilizada na relação jurídica,
e em razão disso, juntamente com a crise financeira, o legislador lançou a Lei de n° 14.046 de
2020, no intuito de realizar a manutenção das sociedades empresariais, possibilitando a
continuação das atividades e retardando o seu fechamento, já que deu suporte econômico.
Levantadas as considerações, a referida Lei se faz essencial diante do cenário pandêmico
atual, para que se possa distribuir os encargos e manter o sinalagma da relação jurídica,
deixando-a mais viável para ambas as partes. Não cumpriria a função social, um contrato que
resultasse no fechamento de diversas entidades empresariais, por estar cobrando encargos
acima da realidade dos brasileiros, em razão da crise desencadeada pela pandemia. Entretanto,
é importante destacar que o consumidor ainda é a parte mais protegida da relação jurídica,
contudo, resta agora destinar um olhar mais cuidadoso para a outra figura da relação, que
também se encontra fragilizada de certa forma.
Sobre o contrato, o fornecedor não terá mais a obrigação de pagar imediatamente o valor
referente aos ingressos, contudo, ele ainda deverá promover os eventos na mesma qualidade do
anteriormente acordado. Ou seja, acredita-se que no caso de festas únicas e insubstituíveis, que
sua realização em outra época perca sua razão de ser (como o já mencionado caso das festas de
50% dos cursos de graduação), o mais correto nesses casos seria prender-se ao modelo

86
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

tradicional contratual, pois, ainda que o fornecedor se encontre enfraquecido, ele continua
sendo a parte mais forte da relação. Por isso, o mais adequado é que o consumidor não tenha
que arcar sozinho com os encargos contratuais.
Diante da análise disposta, resta-se o entendimento de que as normas editadas em razão
da pandemia, protegendo também o fornecedor de serviços, são uma fonte viável e socialmente
aceitável de manter a equivalência nas relações jurídicas. São uma forma mais pacífica de
enfrentar a crise que assola o Brasil, e é interessante ressaltar que, em ocasiões extraordinárias,
medidas extraordinárias são tomadas, já que as medidas tradicionais não abarcam a
problemática.
Assim, dentro do âmbito de exceção, é uma alternativa altamente racional e razoável,
pois busca manter o consumidor protegido, quando continua a oferecer a efetuação do contrato
nos mesmos termos realizados na oportunidade inicial, mas busca também auxiliar o prestador
de serviços, pois dilata o prazo para a realização dos eventos, e permite que o dinheiro
arrecadado possa permanecer em caixa, para que assim ele consiga manter suas atividades.
Para que o enfrentamento da crise se dê de forma positiva, é necessário que ambas as
partes cedam um pouco e façam algum esforço, pois a pandemia é um evento que afeta a todos,
sem restrições, e nesse momento é necessário se valer da solidariedade, considerando, além de
partes contratuais, serem humanos atrás delas.

REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe.
Manual de direito do consumidor. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.

BRASIL. Lei n° 8.078, 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá


outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 24 jun. 2021.

BRASIL. Lei n° 10.406, 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 9 jun. 2021.

BRASIL. Lei n° 14.046 de 24 de agosto de 2020. Dispõe sobre medidas emergenciais para
atenuar os efeitos da crise decorrente da pandemia da covid-19 nos setores de turismo e cultura.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14046.htm.
Acesso em: 07 jun. 2021.

BRASIL. Medida provisória nº 948, de 8 de abril de 2020. Dispõe sobre o cancelamento de


serviços, de reservas e de eventos dos setores de turismo e cultura em razão do estado de

87
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da


emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-
19). Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 8 abril 2020.

BRITTO, Igor Rodrigues. Covid-19 e o mercado de consumo: a escolha é do consumidor. [S.


l.], 31 mar. 2020. Disponível em: https://idec.org.br/artigo/artigo-covid-19-e-o-mercado-de-
consumo-escolha-e-do-consumidor. Acesso em: 4 jun. 2021.

CARVALHO, Diógenes Faria de; FERREIRA, Vitor Hugo do Amaral. Políticas Públicas e as
Lições Preliminares da COVID-19: Análise Comportamental, Direito do Consumidor e a
Economia do Cuidado. Revista da Defensoria Pública da União, [s. l.], n. 13, p. 17-20, 30 jun.
2020.

DE OLIVEIRA, Pedro Ivo (ed.). Organização Mundial da Saúde declara pandemia de


coronavírus. [S. l.], 11 mar. 2020. Disponível em:
https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-03/organizacao-mundial-da-saude-declara-
pandemia-de-coronavirus. Acesso em: 4 jun. 2021.

DENARI, Zelmo. Código de Defesa do Consumidor. Comentado pelos autores do anteprojeto.


4ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.

DIAS, Daniel. Coronavírus e o CDC: o vírus que revela a vulnerabilidade da lei hospedeira. 20
de mar. de 2020. Disponível em:
https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/823301831/coronavirus-e-o-cdc-o-virus-que-
revela-a-vulnerabilidade-da-lei-hospedeira. Acesso em: 07 jun. 2021.

FILOMENO, José Geraldo Brito. Direitos do consumidor. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2018.

GONÇALVES, Andressa Urano. Direito Civil – Contratos – A teoria da imprevisão. 5 de mar.


de 2017. Disponível em: https://andressaurano.jusbrasil.com.br/artigos/435825354/direito-
civil-contratos-a-teoria-da-imprevisao. Acesso em 10 de jun. de 2021.

LOPES, Geraldo Evangelista. As cláusulas pacta sunt servanda e rebus sic stantibus e suas
consequências jurídicas. [S. l.], 1 dez. 2017. Disponível em:
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-civil/as-clausulas-pacta-sunt-servanda-e-rebus-
sic-stantibus-e-suas-consequencias-juridicas/. Acesso em: 9 jun. 2021.

MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman de V; MIRAGEM, Bruno.


Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2019.

NOTÍCIAS, STJ. Para o presidente do STJ, “princípio da Covid-19” não pode levar à
interferência excessiva nos contratos. [S. l.], 1 jun. 2020. Disponível em:
https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Para-o-presidente-do-STJ-
-%E2%80%9Cprincipio-da-Covid-19%E2%80%9D-nao-pode-levar-a-interferencia-
excessiva-nos-contratos.aspx. Acesso em: 4 jun. 2021.

QUINTELLA, Felipe. Considerações sobre a Medida Provisória (MP) nº 948. 09 de abr. de


2020. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2020/04/09/medida-provisoria-948/. Acesso
em: 07 jun.2021.
88
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

SANAR. Coronavírus: o que você precisa saber após 1 ano de pandemia no Brasil. 2021.
Disponível em: https://www.sanarmed.com/coronavirus-o-que-voce-precisa-saber-apos-1-
ano-de-pandemia-no-brasil. Acesso em: 4 de jun. de 2021.

SCHREIBER, Anderson et al. Código Civil comentado: Doutrina e Jurisprudência. Rio de


Janeiro: Forense, 2019.

TARTUCE, Flávio. Direito Civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. 9. ed. rev.
atual. e aum. São Paulo: Método, 2014. v. 2.

TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor:


direito material e processual. 9. ed. São Paulo: Método, 2020.

89
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

MARKETPLACE E DIREITO DO CONSUMIDOR: DESAFIOS E


PERSPECTIVAS

Carlos Bender Konrad1

Resumo: Este artigo objetiva desenvolver uma reflexão crítica sobre os impactos que a
pandemia do Covid-19 pode causar nas relações envolvendo consumidores e como se deve
compreender o instituto do marketplace, que foi exponencialmente beneficiado pela ampliação
do uso, diante das restrições impostas pelo confinamento. Num primeiro momento, após a
introdução, haverá uma breve contextualização da figura do marketplace. Após, passa-se a
analisar, em linhas gerais, como é feita a identificação do referido instituto no âmbito do direito
privado. No terceiro tópico, analisam-se os impactos desse arranjo privado no direito do
consumidor, apresentando alguns pontos que desafiam a defesa do consumidor. Após, caminha-
se para a conclusão do presente trabalho.

Palavras-chave: Marketplace. Fornecedor. Intermediador. Proteção Consumidor. Pandemia

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial da Saúde declarou, no início de 2020, que o surto da doença


causada pelo novo coronavírus se constituía uma emergência de saúde pública de importância
internacional.
O Brasil rapidamente identificou contágio de estrangeiros que realizaram viagens
internacionais e chegaram ao território nacional. O primeiro caso da doença foi oficialmente
diagnosticado em 26 de fevereiro de 2020 e até o presente momento a pandemia segue
dizimando vidas e atividades empresariais, com ou sem reflexo direto em outras áreas do
Direito.
Relevante do ponto de vista do e-commerce, principalmente com a vasta digitalização
dos serviços exigida pela pandemia decorrente da Covid-19, as raízes do marketplace estão
fincadas no modelo do shopping center.
Nesse cenário, verifica-se que, além de atual, o tema é relevante do ponto de vista
econômico, na medida em que as principais plataformas de comércio eletrônico
experimentaram significativo impacto positivo nas suas atividades nos últimos meses, apesar
do encolhimento econômico decorrente da crise sanitária do novo vírus.
É inegável que a exigência do confinamento, bem como o fato de que as pessoas foram
impedidas de se deslocar livremente para realizar suas compras favoreceram o modelo de

1
Mestrando e Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Inscrito na Ordem
dos Advogados do Brasil do Rio Grande do Sul sob o número 88.862. E-mail: carlosbkonrad@hotmail.com
90
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

comércio eletrônico e reafirmaram a importância do estudo da proteção do consumidor em


plataformas de e-commerce. As publicações de resultados de companhias abertas demonstram
que o consumo on-line se manteve durante a pandemia e, em alguns casos, aumentou,
impactando positivamente as empresas.
Assim, a presente pesquisa pretende analisar brevemente o modelo interno utilizado
preponderantemente no âmbito das relações de marketplace, bem como quais os impactos
desses arranjos no âmbito do direito do consumidor.
A hipótese levantada corresponde a que o marketplace se trata de arranjo contratual,
compatível já com o sistema constitucional e legislativo de proteção do consumidor, como
desdobramento, entende-se que o consumidor já está suficientemente protegido pelas normas
infraconstitucionais que são compatíveis com o modelo atual de comércio eletrônico.
O trabalho contará com a seguinte estrutura: introdução, considerações sobre o
marketplace, aspectos societários, reflexos do arranjo do marketplace no direito do consumidor
e qual a consequência das relações consumeristas na relação societária para, então, direcionar
para as conclusões do trabalho.
O método empregado corresponde a revisão bibliográfica, com procedimento
monográfico e metodologia dedutiva.
Busca-se responder ao seguinte questionamento: diante da evolução das novas
tecnologias, principalmente a vasta digitalização da economia, a legislação de proteção do
consumidor é atual e suficiente para tratar da responsabilização dos fornecedores e
intermediadores, componentes do marketplace, perante o consumidor?
O tema, além de relevante e atual, tem aplicação prática e foi pouco explorado no âmbito
acadêmico, justificando-se a presente pesquisa, a fim de trazer uma reflexão e atualização
acerca de temática inovadora, útil e pertinente à advocacia e comunidade acadêmica.

1. MARKETPLACE: ALGUMAS APROXIMAÇÕES

O marketplace é um termo anglófono e corresponde a “open area in a town where a


market is held” (LONGMAN, 2010, p. 1071).
O Banco Central do Brasil2 conceitua como “empresas de comércio eletrônico, que
aproximam compradores e vendedores por meio de plataformas centralizadas para a venda de
produtos ou serviços”.

2
O que são “arranjos de pagamento”. Disponível em:
www.bcb.gov.br/htms/novaPaginaSPB/liqcentralizada.asp?idpai=SPBARRPAG&frame=1#11. Acesso em 22 jun
2021.
91
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Não existe legislação específica sobre o assunto no Brasil, tampouco o modelo de


negócios é conceituado em alguma lei, diferentemente do que o faz o Código de Defesa do
Consumidor ao definir, já no início, o seu âmbito de incidência, com conceitos muito claros e
delimitados (BRANDÃO, 2021).
Em regra, trata-se de um modelo semelhante ao shopping center, embora tenha
assumido novos formatos com a ampla digitalização da economia e das relações empresariais.
Com efeito, o Prof. Dr. Klaus considerava entre os principais efeitos da revolução
tecnológica a ampla digitalização das atividades, o que alcançaria, sem dúvidas, as relações
empresariais e teria impactos nas relações consumeristas (SCHWAB, 2014).
Embora houvesse recalcitrância por diversos setores para a ampla digitalização, a
ocorrência e rápida disseminação da Covid-19 exigiu rapidamente ampla digitalização de
produtos, serviços, etapas e processos de empresas e particulares.
A ocorrência da pandemia acabou com a resistência dos agentes econômicos em aceitar
a vasta digitalização dos serviços, tratando-se de verdadeira revolução tecnológica em poucos
meses3. Os agentes econômicos têm o dever de se adaptar à nova realidade tecnológica, como
dever de resiliência (LUPION, 2020), sob pena de serem superados pelos concorrentes.
Assim, as relações estabelecidas unicamente ou preponderantemente a ambientes
físicos, como centros de compras (shopping centers), sofreram gravemente com as
determinações legislativas de restrição de circulação, confinamento, fechamento de espaços,
entre outros.
Foram diversas as discussões envolvendo revisão de alugueis4, demandas contra
orientações de fechamento de estabelecimentos comerciais, questionamentos sobre pagamentos
de alugueis, entre outras disputas comerciais envolvendo agentes econômicos como decorrência
das medidas sanitárias e sociais.
Porém, os sítios eletrônicos não foram diretamente afetados pelas medidas sanitárias.
Verificaram-se diversos resultados positivos5 empresas que disponibilizam plataformas
de comércio e, entre os destaques mundiais, estão os e-marketplaces ou, em tradução literal, o
“shopping center virtual”.

3
https://www.economist.com/finance-and-economics/2020/10/08/how-the-digital-surge-will-reshape-finance.
Acesso em 20 abr 2021.
4
https://valorinveste.globo.com/mercados/renda-variavel/empresas/noticia/2020/04/16/grandes-redes-
renegociam-aluguel-de-lojas-e-armazens.ghtml Acesso em 27 abr 2021.
5
https://forbes.com.br/forbes-tech/2021/04/receita-do-e-commerce-europeu-deve-atingir-us-465-bilhoes-em-
2021-clearlake-capital-oystr-receiv-ao-cubo-muito-mais/. Acesso em 27 abr 2021.
92
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

1.1. Modelo de shopping center

O modelo de negócio de shopping center foi controvertido por muitos anos, até que foi
positivado em lei.
É possível verificar que o modelo de shopping center tem pontos de convergência
(PSCHEIDT, 2019) que podem auxiliar a compreender o modelo de marketplace, embora este
último tenha pontos que o diferenciam - a demonstrar a atualidade e os desafios para o Direito
do Consumidor.
Os centros de compras representam novo instrumento da atividade econômica, típico
dos países que contam com uma economia de mercado, capitalista. O shopping center é
utilizado preponderantemente para o fornecimento de produtos e serviços. Cuida-se de
fenômeno econômico-social da pós-modernidade, originado nos Estados Unidos da América,
que se espalha por outros países, inclusive o Brasil (NOGUEIRA DA GAMA, 2002).
Após um período de controvérsia, pode-se verificar que a Lei do Inquilinato (Lei
8.245/1991) adota expressamente a nomenclatura de shopping center, consagrando, pois, figura
tipificada no Direito brasileiro:

Art. 52. O locador não estará obrigado a renovar o contrato se:


(...)
§ 2º Nas locações de espaço em shopping centers, o locador não poderá recusar a
renovação do contrato com fundamento no inciso II deste artigo.
§ 3º O locatário terá direito a indenização para ressarcimento dos prejuízos e dos
lucros cessantes que tiver que arcar com mudança, perda do lugar e desvalorização do
fundo de comércio, se a renovação não ocorrer em razão de proposta de terceiro, em
melhores condições, ou se o locador, no prazo de três meses da entrega do imóvel,
não der o destino alegado ou não iniciar as obras determinadas pelo Poder Público ou
que declarou pretender realizar.

Art. 54. Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center,


prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos
e as disposições procedimentais previstas nesta lei.
§ 1º O empreendedor não poderá cobrar do locatário em shopping center :
a) as despesas referidas nas alíneas a , b e d do parágrafo único do art. 22; e
b) as despesas com obras ou substituições de equipamentos, que impliquem modificar
o projeto ou o memorial descritivo da data do habite - se e obras de paisagismo nas
partes de uso comum.
§ 2º As despesas cobradas do locatário devem ser previstas em orçamento, salvo casos
de urgência ou força maior, devidamente demonstradas, podendo o locatário, a cada
sessenta dias, por si ou entidade de classe exigir a comprovação das mesmas.

Assim, do ponto de vista físico, o marketplace tem semelhanças com o modelo do


shopping center. O caso mais próximo, mas com menor risco de envolver controvérsias é a
situação do marketplace híbrido, isto é, quando o fornecedor tem uma plataforma eletrônica em
que reúne diversos fornecedores, ao mesmo tempo em que conta com lojas físicas.
93
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Trata-se do principal modelo do mercado varejista brasileiro. É possível identificar essas


empresas que atuam no ramo varejista em grandes centros de compras nas capitais brasileiras,
assim como os seus sites na rede mundial de computadores.
Ocorre que esses empreendimentos que contam com lojas físicas também foram
duramente afetados durante a pandemia, como pode ser visto das diversas demandas
envolvendo revisões de alugueis e indenizações pelo fechamento dos locais físicos. Não foram
poucos os casos de grandes redes varejistas demandando condomínios de centro de compras
quando houve a determinação do poder público para fechamento dos centros de compras.
Além disso, a responsabilidade de shopping center não é objeto de controvérsia atual na
doutrina e na jurisprudência, quanto a contratação com as lojas que integram o local de compras.
O consumidor, quando ingressa no condomínio de lojas que integra o centro de compras,
consegue facilmente identificar onde ou com quem contratou determinado produto ou serviço.
Assim, quando adquire um produto em determinada rede varejista sabe quem poderá questionar
ou demandar se houver algum problema com o produto ou serviço.
Embora seja uma forma interessante de compreender a figura do marketplace puro, em
oposição ao híbrido, acima mencionado, a figura do shopping center não é capaz de captar as
controvérsias e desafios para o Direito do Consumidor que o e-marketplace gera no âmbito da
proteção do consumidor.

1.2. Shopping center versus marketplace

O modelo de shopping center pode auxiliar a compreensão do modelo do marketplace,


porém não é capaz de demonstrar a complexidade do modelo de negócios virtual (e-
marketplace).
Com efeito, o agente econômico que administra o centro de compras virtual tem
algumas vantagens em incluir outros agentes econômicos na sua plataforma, como (i)
ampliação de portfólio de bens e serviços; (ii) desnecessidade de contratação de mais
colaboradores; (iii) atribuição de maior visibilidade aos seus produtos; (iv) reunião de produtos
em um único “carrinho de compras” virtual; (v) possibilidade de pagar todos os produtos de
diversos fornecedores de uma só vez; (vi) usar o mesmo sistema de entregas para todos os
produtos; (vii) possibilitar ao consumidor comparar os produtos de diversos fornecedores e um
único site; (ix) estabelecer maior garantia ou prestígio de que o contrato celebrado pelo
consumidor será cumprido, porque a titular do marketplace, de certa forma, avaliza os produtos
e serviços ali disponibilizados, entre outros.

94
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

O marketplace é espécie do gênero e-commerce, comercio eletrônico; Claudia Lima


Marques (2004, p. 39) conceitua comércio eletrônico como sendo “uma das modalidades de
contratação não presencial ou à distância para a aquisição de produtos e serviços através do
meio eletrônico ou via eletrônica”.
De maneira ampla, o comércio eletrônico é um novo método de fazer negócios com o
uso de sistemas de redes eletrônicas.
Jean Mikhael Makdissi Junior (2018, p. 45) define a plataforma como uma plataforma
tecnológica digital com endereço eletrônico (site) e com objetivo de promoção de venda. O
principal diferencial é promover a integração de diversos vendedores. Os clientes do
marketplace, independentemente do número de vendedores, realizam uma jornada de compras
única (conceito one-stop-shop), uma vez que todas ofertas são disponibilizadas através de um
único carrinho de compras, pagamento e, em alguns casos, entrega.
Uma diferença inicial em relação ao modelo de shopping center é que a contratação é
realizada com o agente que administra a plataforma, o que traz uma noção maior de segurança
para o consumidor, pelo prestígio ou seriedade que o titular do marketplace confere àquela
transação.
Richard (KESTENBAUM, 2017) identifica basicamente três tipos marketplaces, os
quais são os seguintes: (i) vertical, isto é, aquele que vende bens de diversos fornecedores, mas
todos os bens são de um único tipo, como joias; (ii) horizontal, sendo aquela situação em que
são vendidos bens diferentes e de diferentes fornecedores, como roupas ou livros, neste caso,
porém, há uma característica; (iii) global, é aquele que vende bens de qualquer tipo, como
roupas, livros, eletrodomésticos, móveis...
Assim, muitas vezes o consumidor tem a impressão de que o proprietário da plataforma,
ou seu administrador, de alguma forma “garante” que aquele produto tem as qualidades
especificadas e que a entrega será feita.
Este ponto tem como consequência a noção de que o marketplace age como
intermediador, o que atrai a disciplina do Código de Defesa do Consumidor.
A negociação nos sítios eletrônicos que operam com essa modalidade, aponta a
existência de três tipos de marketplace, a saber: (i) marketplace puro, em que os vendedores
se valem da plataforma para venda dos seus produtos, não realizando esta as vendas diretas
aos consumidores; (ii) modelo híbrido, mais comum e usual no mercado varejista on-line, em
que, além de serem comercializados produtos próprios dessas empresas, há também a
negociação, no próprio site, de produtos e serviços de terceiros; (iii) modalidade híbrida e

95
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

loja física, em que as empresas possuem comércio virtual próprio, atuam como marketplaces,
além de possuírem venda direta ao consumidor em lojas físicas.
Nesse contexto, verifica-se que embora tenha origens no arranjo de shopping center, o
marketplace, principalmente em meio eletrônico, corresponde a um modelo de negócios mais
complexo, mais atual e com outro sistema de responsabilidade.
Essa evolução no âmbito empresarial, naturalmente tem repercussões no âmbito do
direito do consumidor, na medida em que a contratação foge da clareza de ingressar em um
estabelecimento comercial para adquirir um produto, seja em uma loja física única, seja em uma
loja física integrante do condomínio de shopping center.

2. ASPECTOS INTERNOS NO MARKETPLACE

Este item se justifica para compreender como é criada a figura do marketplace entre os
agentes econômicos, como lojistas. Isto é, o foco, neste ponto, é na figura dos agentes privados
não consumidores.
O modelo de e-marketplace afasta a noção de competição pura e simples entre agentes
econômicos, amparada na clássica noção de ser econômico puramente racional (THALER,
2000). Não se trata de oposição de interesses e competição entre agentes econômicos, mas de
colaboração e coordenação de interesses.
Com efeito, a economia compartilhada, amplamente vigente na realidade
contemporânea demonstra como os agentes econômicos cooperam em busca de uma melhoria
nas suas condições (HAMARI; SJOKLINK; ANTTI, 2015).
Assim, diante dos reflexos da shared economy, incumbe ao Direito identificar e adaptar
a legislação e seus institutos para regular a vida em sociedade.
Embora o conceito adotado pelo Banco Central do Brasil indique uma tendência a
considerar uma “empresa”, não parece ser possível enquadrar o marketplace na figura do artigo
966 do Código Civil, não só porque muitas vezes envolve fornecedores que normalmente
competem no mercado, mas também porque não se trata de reunião de particulares para formar
uma sociedade empresária. Com efeito, é possível verificar que diversos sítios reúnem na
mesma plataforma muitas vezes fornecedores de roupas ou móveis concorrentes e que, se
comparado ao modelo de shopping center, muitas vezes devem obedecer às cláusulas de raio e
que competem pelo mesmo consumidor.
As pesquisas sobre o contrato celebrado entre os agentes que integram o marketplace
são restritas, mas é possível verificar que normalmente envolvem contratos de adesão, de um

96
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

fornecedor/vendedor (seller), em relação à plataforma do agente econômico principal. Esses


elementos são corroborados pelo seguinte teor de instrumento contratual:

Se o estoque das lojas parceiras da xxx não puder entregar as mercadorias


encomendadas por você, iremos notifica-lo o mais rápido possível e qualquer quantia
debitada pela xxx do seu cartão de crédito será re-creditada em sua conta e a xxx irá
notificá-lo por e-mail, no endereço fornecido por você no momento da encomenda
(CANEN, 2019).

Em se tratando de dois agentes econômicos organizados, com interesse lucrativo e perfil


profissional, fica afastada a regência pelo Código de Defesa do Consumidor. O contrato é
regido, pois, pelo Código Civil.
O contrato é atípico, de modo que resta incidente a disciplina da matéria por instrumento
particular “e outras avenças” (FORGIONI, 2016, p. 52).
A menção a contratos de “parceria comercial” e congêneres não auxilia na compreensão
do fenômeno, merecendo ser tratado como instrumento contratual atípico.
Dessa forma, a tendência é a de elaborar os contratos entre os agentes que compõem o
marketplace à luz do Código Civil, seja porque envolvem dois agentes econômicos interessados
em obter lucro, seja porque as atividades são integradas, sem que ocorra o fim da cadeia de
consumo (capaz de afastar a incidência do Código de Defesa do Consumidor nesta relação de
marketplace).
É possível questionar a possibilidade de que uma pessoa física, não profissionalmente
organizada e voltada para o lucro, realizar a venda de produtos em marketplace, como a venda
de livros ou outros produtos. Embora viável abstratamente, há uma tendência de que as
plataformas exijam qualificações de “empresas”, pessoas jurídicas, para cadastro,
especialmente o número de Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), incentivando a
integração de atividades empresariais nesta plataforma.
No âmbito interno, prevalece, pois, a liberdade de contratar entre os elos do
marketplace.
Assim, há temas que são tratados por cláusulas comuns, como forma de pagamento.
Diferentemente do e-commerce, que vende diretamente ao seu cliente, o marketplace se
posiciona como parte, sendo comum o uso da ferramenta chamada split, que consiste em
funcionalidade que realiza a divisão automática dos valores entregues pelo consumidor,
permitindo a partição do valor relativo ao fornecedor e ao portal divulgador intermediador,
separando a quantia em um único momento.

97
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Essa ferramenta reafirma a liberdade contratual das partes integrantes do marketplace e


reafirma a autonomia de vontade das partes. Afasta-se, de certa forma, a noção de empresa, ou
sociedade empresária, em favor da noção de relação eminentemente contratual.
Diante da vasta possibilidade de redação das cláusulas e da aproximação da adesão de
um contratante aos termos, é evidente a incidência do Código Civil.
Nesse contexto, extrai-se que as partes podem fixar os termos do contrato livremente,
restando à parte aderente apoiar-se no regime previsto no Código Civil, com as alterações da
Lei de Liberdade Econômica.
O princípio do pacta sunt servanda gera obrigações, direito e deveres às partes
contratantes e deve ser utilizado pelas empresas que prestam serviço de marketplace.
Contratos de “parceria” comercial com os vendedores (sellers) são importantes para a
definição da responsabilização civil destes tanto nas demandas administrativas como nas
judiciais - isentando, por conseguinte, as plataformas da reparação de danos a consumidores.
Os contratos com os consumidores ou os termos de uso da plataforma devem alertar,
com destaque, que a responsabilidade nas transações é somente da empresa com a qual se
compra/contrata, reforçando as teses defensivas em caso de judicialização. Busca-se, de certa
forma, reaproximar a figura do marketplace com a do shopping center.
Caso a plataforma de comércio cometa erros ou abusos, porém, será responsável
perante os consumidores.
Ressalva-se, por último, o direito de regresso em caso de responsabilização objetiva
por vício no produto ou falha na prestação de serviço em sua plataforma, não devendo o
marketplace arcar com prejuízos financeiros a que não deu causa.
Ocorre, também, por ocasião da celebração do contrato entre os sellers e o marketplace
a estipulação de mecanismos como a retenção do pagamento do consumidor até a efetiva
entrega do produto ou serviço ao consumidor.
No Brasil é comum o uso em marketplaces globais, isto é, que contam com uma grande
quantidade de produtos de diversos tipos. Assim, o transportador é contratado pelo marketplace
e após a entrega do produto a plataforma já autoriza a transferência dos valores para o
fornecedor componente da plataforma.
Verifica-se, pois, que no âmbito eminentemente privado, regido por regras civis e
empresariais, os fornecedores regulam seus interesses por contratos atípicos e com ferramentas
que protegem seus interesses.

98
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

3. REFLEXOS NO DIREITO DO CONSUMIDOR

Relevante para o estudo do Direito do Consumidor é sempre responder à pergunta como


proteger o consumidor e como equilibrar a sua relação com os fornecedores.

3.1. Algumas aproximações

Os arranjos contratuais envolvendo o atual tema do marketplace não contam com


positivação, a qual estabeleça termos, condições, responsabilidade etc.
O Brasil segue sem lei específica tratando de comércio eletrônico.
Porém, todas aquelas atividades que se enquadrem no regime de relação
fornecedor/produtor e consumidor devem adequar-se à legislação consumerista, inclusive o e-
commerce.
Fabio Ulhôa Coelho destaca que “a circunstância de a venda ter se realizado num
estabelecimento físico ou virtual em nada altera os direitos dos consumidores e os correlatos
deveres dos empresários” (1999, p. 67).
Bruno Miragem (2014. p. 104) trata do objeto da relação jurídica consumerista,
afirmando que a mercadoria da relação sempre será serviço ou produto e qual a incidência da
norma. Deste modo, a incidência das normas de proteção do consumidor a uma série de
atividades é dependente da caracterização das mesmas como produto ou serviços na exata
definição legal. Muitos agentes econômicos desejam colocar-se à margem do regime do Código
de Defesa do Consumidor, visando a aplicação, por exemplo, das normas gerais do sistema,
com grande interesse em ter suas relações regidas pelo Código Civil.
Assim, todos aqueles que se beneficiam do moderno arranjo do marketplace devem
servir como garantes, arcar com o ônus das transações com os consumidores. Nesse contexto,
a tendência, no Brasil, é considerar o marketplace simples intermediador, encaixando a relação
entre o consumidor e a plataforma já nos contornos estabelecidos pelo Código de Defesa do
Consumidor.
O caso das intermediadoras de consumo não está intimamente ligado a produção em
série dos produtos ou serviço, tampouco os custos e benefícios dos mesmos, mas sim o valor
que lucra por “aluguel” do espaço ao fornecedor para venda dos seus serviços e produtos.
A plataforma é remunerada pela venda dos produtos de terceiros, intermediando a
relação. Isto é, oferece sua plataforma para o público, lucrando por venda de produto ou serviço
que não detém.

99
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

A responsabilidade dos intermediadores da relação de consumo em meio eletrônico


decorre da violação do dever de segurança, além de que, na atuação de aproximação entre o
consumidor e o fornecedor, é remunerado por percentual da venda, diretamente e/ou taxas de
utilização do serviço. A responsabilidade do fornecedor pelo fato do produto ou do serviço na
internet provém por danos decorrentes de atos ilícitos com fundamento no risco decorrente do
desenvolvimento de sua atividade (MIRAGEM, 2018, p. 588).
Mais adiante o referido autor (MIRAGEM, 2018, p. 676) afirma que os sítios eletrônicos
que realizam anúncios ou intercambio ou aproximação de relações negociais participam do
resultado econômico por lucro no percentual sobre os valores negociados, ou indiretamente, em
vista da valorização da marca, formação de conceito economicamente avaliável, e informações
de finalidade econômica ou promocional.
Conclui o referido autor que os sítios eletrônicos de intermediação de consumo ou leilão
virtual possuem os serviços caracterizados como objetos de relação de consumo, incidindo
assim a responsabilização pelo fato do serviço, conforme o art. 14 do CDC analisado acima,
pois presume o risco proveito de toda a cadeia de fornecedores vinculados à prestação. Inferi o
autor que não importa se a vítima do dano foi parte ou não da relação de consumo, uma vez que
o art. 17 do CDC preceitua os consumidores equiparados, em virtude do evento danoso causado
por um acidente de consumo.

3.2. A “lei do e-commerce”

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) contém previsões expressas a respeito das


obrigações e responsabilidades quanto ao fornecimento de produtos e serviços, cujas regras
receberam relevantes adaptações através do Decreto 7.962/2013.
O referido Decreto acrescentou novas regulamentações acerca do comércio eletrônico,
como por exemplo a exigência das informações que identifiquem claramente o fornecedor
(CNPJ, endereço), forma de atendimento, informações sobre a oferta, entrega dos produtos e
serviços contratados.
Amplia-se o acesso a informação e proteção do consumidor.
Desta forma, segundo a legislação consumerista, o fato da operadora
de marketplace atuar como intermediadora da negociação entre o anunciante e o consumidor a
torna solidariamente responsável, equiparando-a ao fornecedor do serviço ou produto.
Levanta-se a tese de que a Lei 12.965/14, "Marco Civil da Internet", traz em seu bojo
normativo a expressa vedação de responsabilização civil ao provedor de conexão à internet

100
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, o que, por analogia, aplicar-se-ia aos
marketplaces. O referido diploma prevê ainda a "responsabilização dos agentes de acordo
com suas atividades" e a "liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet" (art.
3º, VI, VIII da lei 12.965/14).
Essa interpretação não tem sido aceita, tendo em vista que a plataforma de marketplace
não se confunde com a figura do provedor de acesso à internet. Os provedores de acesso a
internet organizam a infraestrutura necessária para que um cliente da empresa consiga acesso
à rede mundial de computadores, que não se confunde com uma plataforma orientada para
aquisição de produtos e serviços.
A tendência é no sentido de que quando há interação da plataforma de marketplace
com os vendedores e consumidores, ela assume a posição de intermediador e, portanto, incide
a disciplina do Código de Defesa do Consumidor.
Trata-se de medida que efetivamente protege o consumidor e, de alguma forma,
equilibra seus poderes diante da plataforma e dos vendedores que compõem o marketplace.

3.3. Os membros do marketplace

Não está excluída da figura do marketplace, porém, a possibilidade de pessoa física


realizar a venda de produtos na referida plataforma.
Nesta situação, ocorre um dos maiores desafios da matéria envolvendo Direito do
Consumidor, na medida em que a pessoa física, em tese, não se enquadra na figura de
fornecedor que “desenvolve atividade”, conforme previsão do artigo 3º do CDC. Trata-se de
um elo na corrente que pontualmente realizou um ato.
Assim, é possível considerá-lo fornecedor e atrair o regime de proteção ao consumidor,
entendendo que aquele vendedor episódico “desenvolve atividade” de “distribuição ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços”? Uma pessoa física que vende um
equipamento esportivo numa plataforma de e-commerce pode ser enquadrada como fornecedor
na forma da lei consumerista?
Em se tratando de relação privada, não envolvendo consumidor, incide, no caso a
liberdade das partes em contratar, prestigiada pelo Código Civil e fortalecida pela Lei
13.874/2019.
Porém, uma relação privada em que uma pessoa física retira um produto ou serviço da
cadeia de consumo deve ser protegida pelo CDC, trata-se da destinação final, “destruição”
(EFING, 1999, p. 53).

101
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Este é um dos maiores desafios no âmbito do Direito do Consumidor, na medida em que


não há uma resposta clara pelos operadores do Direito, diversamente dos outros pontos aqui
estudados sobre a figura do marketplace.

4. CONCLUSÃO

A resistência dos agentes econômicos em digitalizar seus produtos, serviços e etapas de


trabalho foi mitigada com a rápida disseminação do novo vírus.
O comércio eletrônico foi claramente beneficiado, apesar das restrições sanitárias e
sociais, na medida em que possibilitou que os consumidores adquirissem bens e produtos a
ainda que na vigência do confinamento.
A relação da figura do shopping center com o marketplace é muito próxima e, se em
alguns pontos diferenciam-se, em outros, aproximam-se. Tanto em um como em outro caso,
facilita-se a compreensão dessa figura integrante do e-commerce.
Os agentes econômicos que compõem a plataforma de marketplace têm desenvolvido
ativamente modelos contratuais e ferramentas para que protejam seus direitos no contexto de
uma economia compartilhada.
A proteção do consumidor e o equilíbrio entre consumidor e fornecedor é um desafio
nas relações privadas, principalmente num contexto de vasta digitalização de serviços. Se por
um lado os agentes ativamente buscam formas de proteger seus direitos, como ocorre entre a
plataforma e os sellers, por outro, não há essa proatividade em relação aos consumidores.
Assim, a legislação de proteção do consumidor tem sido atualizada, principalmente por meio
de atos infralegais, para amparar o consumidor num contexto de grande utilização do comércio
eletrônico.
Fica claro, pois, que a legislação de proteção ao consumidor é compatível com os novos
arranjos empresariais, especialmente o ajuste chamado marketplace.
A evolução das tecnologias tem facilitado o ajuste das empresas, o que é compatível
com o papel que a Constituição consagra à livre iniciativa, mas também é adequado com o
mandamento constitucional que determina a proteção do consumidor.

102
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

REFERÊNCIAS

BARROS, Mariana. Marketplace - responsabilidade objetiva ou culpa exclusiva de terceiros?


Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/337550/marketplace---responsabilidade-
objetiva-ou-culpa-exclusiva-de-terceiros Acesso em 20 abr 2021.

BRANDÃO, Luiza. Institute for research on internet and society: E-commerce law in Brazil.
Disponível em: https://irisbh.com.br/en/e-commerce-law-in-brazil/. Acesso em 20 abr 2021.

CANEN, Doris. Marketplaces: ISS e desafios. Revista de direito e as novas tecnologias. Revista
dos tribunais. vol. 3. Abr-jun, 2019.

COELHO, Fábio Ulhôa. O Estabelecimento Virtual e o Endereço Eletrônico. São Paulo:


Tribuna do Direito, 1999.

EFING, Antonio Carlos. Contratos e procedimentos bancários à luz do Código de Defesa do


Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 53.

FORGIONI, Paula. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação. 2. ed. São Paulo: RT,
2016.

HAMARI, Junho; SJOKLINK, Mimi; UKKONEN, Antti. The Sharing Economy: Why People
Participate in Collaborative Consumption.

KESTEBAUM, Ricard. What are online marketlaces and what is their future? Disponível em:
www.forbes.com/sites/richardkestenbaum/2017/04/26/what-are-online-marketplaces-and-
what-is-the. Acesso em 28 jun 2021.

LAUDON, Kenneth. E-commerce Essentials. Nova Iorque, 2014.

LUPION, Ricardo. O sonho da liberdade econômica, o pesadelo da pandemia do covid-19 e a


empresa resiliente. Disponível em:
https://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2020/4/2020_04_2493_2521.pdf. Acesso em 15 jun 2021.

MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio H. V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao


código de defesa do consumidor. 3. ed. São Paulo: RT, 2010.

________. Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor. São Paulo: Revista


dos Tribunais, 2004.

________. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações


contratuais. 6. ed. São Paulo. RT. 2011.

MARTINS-COSTA, Judith. Crise e modificação da ideia de contrato no direito brasileiro.


Revista de Direito Civil, n. 59. São Paulo: Método, 1992.

MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do consumidor. 5.° ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2008.

103
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

MORAIS, Davi P. O marketplace: análise da relação de consumo em prol do fornecedor e a


responsabilidade civil das intermediadoras de produtos e serviços. Trabalho de conclusão de
curso, Faculdade Bahiana de Direito. Salvador, 2019.

NOGUEIRA DA GAMA, Guilherme C. Contrato de shopping center. Disponível


em:https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista18/revista18_187.pdf.
Acesso em 14 abr 2021.
PASQUALOTTO, Adalberto. Defeito do produto: algumas considerações em torno da
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a.9, n. 2, 2020.
Disponível em: http://civilistica.com/defeito-do-produto/. Acesso em 22 jun 2021.

PEARSON, Longman Dictionary Of Contemporary English. Nova Iorque: Pearson, 2014.

PSCHEIDT, Kristian R. O marketplace na ótica do Poder Judiciário. Disponível em:


https://www.ecommercebrasil.com.br/artigos/o-marketplace-na-otica-do-poder-judiciario/.
Acesso em 20 abr 2021.

SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2014.

THALER, Richard. From Homo Economicus to Homo Sapiens. Disponível em:


https://www.aeaweb.org/articles?id=10.1257/jep.14.1.133. Acesso em 28 jun 2021.

104
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

A PANDEMIA E A SOCIEDADE DE CONSUMO: A OBSOLESCÊNCIA


PROGRAMADA COMO FATOR DE VULNERABILIDADE DO
CONSUMIDOR

Cristiano de Moraes Franco1

Resumo: Tendo em vista uma sociedade impulsionada pelo consumo, onde os fornecedores buscam o
lucro máximo acima de qualquer coisa, o consumidor se vê desamparado no mercado de consumo ante
as práticas utilizadas para manter a economia em movimento. Estas práticas buscam envolver o
consumidor, sem que este perceba que esta sendo manipulado, para seguir as tendências previstas pelos
fabricantes, por meio do uso exaustivo da publicidade visando alimentar o desejo dos consumidores e
atingir suas metas de lucro. Nesse sentido, o objetivo deste artigo é contextualizar a obsolescência
programada enquanto uma das práticas permeadas no mercado de consumo, analisando-se a
vulnerabilidade do consumidor frente a este fenômeno e o seu agravamento durante a Pandemia da
Covid-19.

Palavras-chave: Mercado de consumo. Obsolescência programada. Consumidor. Vulnerabilidade.

1. INTRODUÇÃO

A estrutura econômica e os modelos de negócios adotados pelas sociedades modernas


incentivam e impulsionam, em muitos casos, a prática comercial desenfreada, vertendo a
estabilização financeira e a organização dos Estados na manutenção da sociedade no consumo
de massa.
Como passo natural da evolução humana e tecnológica, resultado da superação dos
desafios impostos por difíceis momentos históricos, tais como conflitos territoriais, crises na
produção e instabilidades econômicas, a indústria observa na sociedade de consumo as
tendências pelas quais irá fomentar e criar necessidades de demanda sobre aqueles que
consomem seus produtos e serviços.
Dentro desta perspectiva observa-se o fenômeno da obsolescência programada como
uma maneira da indústria movimentar o mercado de consumo, de modo a não deixar suas
vendas em baixa, induzindo os consumidores a adquirirem produtos em espaços cíclicos de
tempo, onde os fabricantes fazem com que os consumidores inclinem-se em acreditar na
essencialidade dos seus produtos e serviços mais atuais para que possam permanecer ativos no
convívio em sociedade, mesmo não sendo esta uma necessidade real.

1
Advogado, graduado em Direito pela FMP (2012), pós-graduado em Direito do Consumidor e Direitos
Fundamentais pela UFRGS (2014) e o em Direito Processual Civil pela PUCRS (2017). OAB/RS 95.121.
105
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Logo, o presente artigo busca compreender a vulnerabilidade do consumidor frente à


técnica da obsolescência planejada e de que forma ela pode estar sendo utilizada durante a
Pandemia da Covid-19.

2. DEFININDO A OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA

A busca pela retomada da economia em tempos de crises econômicas, tais como a que
se vive hoje em razão do evento pandêmico causado pela Sars-Cov2 (Covid-19), tem como um
de seus pilares a manutenção da livre circulação de mercadorias e da sociedade do consumo em
massa.
O sistema econômico que proporciona a sociedade baseada no consumo tem como
características essenciais a produção em série de produtos (com ciclo de vida pré-estabelecido
pelo fabricante), a formação de crédito para a massa social consumidora e a pressão publicitária
para levar a massa a consumir ao máximo possível a produção (GOYTISOLO, 1968, p. 53),
gerando o fenômeno da alegria em comprar ser maior que a alegria de possuir o bem ou de ter
o serviço.
Este é considerado o escopo fundamental para a constante necessidade de consumir:
publicidade, crédito e obsolescência. Afinal, o consumidor é alvo e formador de tendências,
cedendo suas necessidades instintivas àquelas criadas e promovidas pela cultura do consumo
(MARCONDES FILHO, 1986, p. 146), sendo o ato de consumir uma “produção de uma
felicidade etérea e efêmera, que ilude e abastece a pessoa por um curto espaço de tempo”
(GONÇALVES, 2012, p. 470).
Desta forma, a “riqueza”, baseada nos bens imateriais e pela informação, conduziu-nos
ao aumento do consumo na sociedade, onde a maior parte do crédito se destinada ao consumo,
pois, como lecionada Bauman, todo indivíduo é, antes de tudo, um ser consumidor, onde o
consumo contínuo atrai valores que irão moldar as identidades dos indivíduos para que se
sintam mais satisfeitos e incluídos na sociedade de consumo, visto que “numa sociedade de
consumidores, todo mundo precisa ser, deve ser e tem que ser um consumidor por vocação”
(BAUMAN, 2007, p. 73).
Esta sociedade envolvida no consumismo, fez com que o mercado passasse a valer-se
da produção em série para a satisfação da angústia dos indivíduos pelo consumo e para
corresponder à nova necessidade de distribuição em massa, de forma que o mercado econômico
“passa a ser caracterizado por uma cultura de adesão, sem possibilidades de escolha”
(CAVALCANTE, 2013, p. 74), de maneira que o consumidor se tornou o centro da economia

106
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

contemporânea por estar cada vez mais autônomo no mercado de consumo, sobretudo pela
ampliação e difusão do comércio eletrônico durante a Pandemia.
É sob este cenário que, com o intuito de ampliar suas vendas, e respectivamente seus
lucros, em meados da Década de 1920, os fabricantes deram início à aplicação da obsolescência
programada, ou planejada, em seus produtos, utilizando em suas linhas de produção novos
critérios de qualidade, inferiores aos usualmente praticados, como forma de manter o mercado
de consumo ativo (NEVES, 2013, p. 325).
Destaca-se que tal plano de negócio fora conceituado na Década de 1930 sob a ideia de
que, com a obrigatoriedade da redução da vida útil dos produtos, a fragilizada economia
americana, que buscava se reerguer após a Crise de 1929, iria reaquecer, justificando-se sua
aplicação no sentido de que, por se tratarem de produtos com menos resistência, estes teriam
um menor custo final ao consumidor e seriam mais acessíveis a uma faixa maior de uma
população empobrecida e em crise, considerando-se que esta população sem poder de compra
estava utilizando os seus bens por mais tempo, ao seu máximo, provocando o adiamento na
retomada da economia baseada no consumo (CONCEIÇÃO; CONCEIÇÃO; ARAÚJO, 2014,
p. 91/92).
Aliada a este conceito de redução de tempo de durabilidade e utilização do produto, em
1950 passou a se compreender que a obsolescência poderia ser causada intrinsecamente no
consumidor, teoria esta defendida pelo designer industrial norte-americano chamado Clifford
Brooks Stevens. Sua definição consistia em criar o desejo do consumidor de ter algo um pouco
mais novo, um pouco melhor, um pouco antes do que seria necessário, dando azo ao estilo de
vida americano (NEVES, 2013, p. 331).
Isso fez com que os fabricantes começassem a fazer uso das ferramentas de
comunicação para seduzir o consumidor a adquirir o que era novo, utilizando novos designs e
funções a fim de fazer despertar no consumidor o seu desejo de ter consigo o que era tido como
novidade, moderno, de melhor qualidade que o antigo e o que a grande massa de consumidores
desejava ter ou já tinha, configurando-se a “obsolescência percebida, companheira da planejada,
cujos objetivos são um só: a intensificação do consumo” (CONCEIÇÃO; CONCEIÇÃO;
ARAÚJO, 2014, p. 92/93).
Portanto, nas relações de consumo modernas, e diante da possibilidade de uso da
obsolescência programada, é grande a possibilidade de que um produto, ao entrar na linha de
produção, já possua uma estimativa de duração no tempo, a chamada vida útil, ou ainda, ciclo
de vida. Este ciclo pode ser mais longo ou mais curto, e o que tem se tornando cada vez mais

107
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

notório é que o tempo de vida útil dos produtos vem decaindo, sobretudo por haver excesso de
oferta no mercado de consumo, isto é, vasta opção de bens disponíveis ao consumidor, e por
vontade econômica do fabricante pela necessidade da economia em fluir.
A indústria, portanto, se utiliza da obsolescência programada através de duas
perspectivas: ou com o objetivo de reduzir o ciclo de vida de seus produtos, ou mesmo na
criação de ciclos consideravelmente curtos, com base na projeção de novas necessidades ao
consumidor, mas sempre buscando a movimentação do mercado e o controle do fluxo de
produtos, uma vez que estes são desenvolvidos já pensados na sua substituição.
Isto vai de encontro à concepção de que um cliente satisfeito não gera demanda, não
adquire novos produtos, o que, por óbvia consequência, não gera lucros à indústria.
Para Lipovetsky, “enquanto se acelera a obsolescência dirigida dos produtos, a
publicidade e as mídias exaltam os gozos instantâneos, exibindo um pouco por toda parte dos
sonhos do eros, do conforto e dos lazeres” (LIPOVETSKY, 2007, p. 36).
É, neste contexto, que podemos observar a ocorrência do fenômeno dos “produtos
tornarem-se rapidamente ultrapassados, seja pela necessidade do consumidor em comprar, [...],
seja em razão de as empresas programarem a vida útil dessas mercadorias para períodos cada
vez mais curtos” (CABRAL; RODRIGUES, 2012, p. 49).
Conforme aponta Bruno Miragem (2014, p. 43), o avanço tecnológico das últimas
décadas acarretou em dois efeitos imediatos sobre o mercado de consumo:

Primeiro, uma ampliação do acesso a bens de consumo, tanto mediante a inclusão de


novos consumidores (...) quanto no surgimento veloz de novos produtos . [...]
Segundo, uma rapidez maior com que produtos adquiridos por consumidores tornam-
se obsoletos, em especial, pelas expectativas em relação à sua utilidade serem logo
frustradas em razão de outros produtos que apresentam aperfeiçoamentos em relação
ao original.

O que se observa é que nos novos produtos a ideia geral de durabilidade já não pode ser
mais a mesma que a de algumas poucas décadas passadas, onde a obsolescência das coisas
ocorria de um processo natural, “orgânico”.
Vê-se que a prática da indústria em fabricar produtos que tenham uma vida útil reduzida,
já objetivando a sua substituição pelo consumidor, induzindo este a assim agir em razão de
incisivas campanhas publicitárias, é uma das pilastras do consumismo, que faz com que a
economia flua no mercado de consumo através da criação da necessidade nos consumidores
para que almejem pelo novo, justificando tal medida pelas barreiras impostas à manutenção
daquilo que é antigo, seja pela falta de insumos ou pelo alto custo em realizar o reparo.

108
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Logo, para a indústria, a manutenção dos lucros com um bom nível de vendas, não
ocorre tão e somente pela inclusão de novos consumidores no mercado de consumo, mas
depende, sobretudo, dentro de uma ideologia mercadológica, da sistemática “substituição
periódica dos produtos adquiridos por outros, para o que exigirá, necessariamente, a redução
do seu ciclo de vida útil, de sua durabilidade” (MIRAGEM, 2014, p. 44).
Nota-se aqui o cerne da obsolescência programada, que pode ser definida como a
redução artificial da durabilidade ou funcionamento do produto quanto ao seu ciclo de vida,
pela vontade de seu fabricante em aplicar uma estratégia negocial para que seja feita a
substituição planejada daquele bem em uma frequência maior do que demandaria naturalmente
(VIO, 2004, p. 193), estimulando, ou até mesmo obrigando, uma nova compra desta mercadoria
ou sua substituição por novos modelos, podendo ser configurada de três maneiras: função,
qualidade e desejabilidade.
A obsolescência por função pode ser tida como a modalidade mais antiga e de maior
ocorrência da redução da vida útil de um produto (CABRAL; RODRIGUES, 2012, p. 52),
configurando-se como aquela cujo objetivo é tornar uma determinada mercadoria ultrapassada
assim que um novo artigo é lançado e introduzido no mercado de consumo, com novas
funcionalidades aparentes, também podendo ser denominada de obsolescência tecnológica, pois
comumente sua aplicação recebe como pretexto o avanço de determinada tecnologia (que pode
ocorrer de fato, ou não, hipótese de quando se percebe o uso de tal artifício para introduzir uma
irreparabilidade artificial, na qual o consumidor não entende ser possível, ou ao menos razoável,
a manutenção da função do produto adquirido).
Já a obsolescência por qualidade, ou deterioração acelerada, ocorre quando o artigo é
desenvolvido para tenha sua durabilidade mitigada, quebrando ou se desgastando em tempo
inferior àquele esperado quando da sua aquisição. Ou seja, o fabricante introduz no mercado
algo que sabe que poderia ter uma vida útil superior a que realmente tem, mas mantem o seu
perecimento precoce com o intuito de incrementar suas receitas, sendo tal atitude passível de
recriminações e sanções por não respeitar a garantia mínima estipulada em lei (PADILHA;
BONIFÁCIO, 2013).
Por sua vez, a obsolescência de desejabilidade, psicológica ou percebida, ocorre quando
o produto se torna ultrapassado e imprestável, ainda que em condições perfeitas de uso pelo
consumidor, mas este assim compreende em razão de lançamentos de itens similares com
modificações de design, principalmente, tornando o item antigo menos desejado (CABRAL;

109
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

RODRIGUES, 2012, p. 52). Ou seja, é quando o fabricante cria a percepção de desejo pelo
novo no consumidor, que passa a precisar daquilo em razão da aceitação que terá na sociedade.
Fato é que, além de ser uma estratégia constantemente utilizada pela indústria, a
obsolescência programada persevera na sociedade hiperconsumerista pela manutenção do
modelo econômico adotado pela sociedade moderna, em que há excesso de produção e estímulo
constante ao consumo sem que haja a prestação de informações claras ao consumidor final
quanto à vida útil daquilo que adquire, fazendo-se prevalecer a ideia de poder e felicidade de
ter algo novo sem questionar a sua qualidade e longevidade (HOLANDA; VIANA, 2018, p.
112), notando-se o cumprimento estrito do objetivo dos fabricantes de criar um desperdício de
algo desnecessariamente descartado mesmo que ainda pudesse cumprir com a sua finalidade,
sendo oportuno verificar eventuais ilicitudes e ilegalidades na prática de tal política utilizada
no fabrico de produtos forte à legislação consumerista.

3. OS PRINCÍPIOS PROTETIVOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR EM


RELAÇÃO À OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA

É nítido que, atualmente, o consumidor se encontra diante de uma sociedade que


convive com excessos, seja de produção, oferta ou publicidade, estando o mercado de consumo
afetado pelo consumismo e pelas políticas industriais que objetivam o lucro em larga escala e
em menor espaço de tempo. Para combater abusividades e ilegalidades àqueles que se
caracterizam como a parte frágil desta relação, os princípios gerais do direito do consumidor,
conferidos a partir do Código de Defesa do Consumidor, visam promover a correta
interpretação e aplicação das regras que regulamentam tal relação.
Nas relações de consumo, como sabido, o consumidor enquadra-se como a parte fraca,
que demonstra fragilidade real e concreta decorrente de dois aspectos: um de ordem técnica e
outro de cunho econômico (NUNES, 2011, p. 175), devendo haver uma busca pela igualdade
diante da diversidade de vulnerabilidade a qual o consumidor está sujeito: técnica, jurídica,
fática e informacional.
No que tange à verificada redução desejada da durabilidade de um produto como prática
lesiva ao consumidor, percebe-se a necessidade de proteção daquele que aparece como a parte
mais frágil na relação de consumo, com o objetivo de evitar uma relação ainda mais onerosa,
injusta e desigual ao consumidor, posto que a política da obsolescência programada fere a boa-
fé e a confiança dos consumidores, os tornando vulneráveis a um fenômeno ocasionado por
verdadeiro truque da indústria, que se vale de seu conhecimento técnico, afinal, arquiteta o

110
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

produto sem prestar as informações necessárias capazes de evitar frustrações e erros por parte
de quem irá consumir suas criações.
O princípio da boa-fé objetiva tem em seu núcleo a busca pela harmonia e transparência
das relações de consumo, visando o equilíbrio entre os atos jurídicos celebrados entre
consumidores e fornecedores.
Sob a temática da obsolescência programada, o princípio da boa-fé se vê ferido em razão
do perecimento dos produtos tão logo finde sua garantia legal, tornando-se este um bem
inutilizado ou por defeito insanável ou pela falta de peças de reposição, frustrando amplamente
a perspectiva do consumidor àquela mercadoria (CABRAL; RODRIGUES, 2012, p. 41),
deixando o fabricante de agir dentro dos parâmetros da honestidade e lealdade, em desacordo à
prestação de informação qualificada para que o consumidor efetivamente compreenda no que
está empenhando o seu dinheiro.
Na mesma ótica, o princípio da transparência objetiva uma relação mais sincera e menos
danosa entre os agentes que celebram o contrato no mercado de consumo, com intuito de que o
consumidor não adquira um bem sem ter as informações claras e precisas sobre a qualidade
daquilo que está negociando e que satisfaça e seja adequado ao que pretende.
Por tal razão, o princípio da transparência deve ser compreendido como uma
oportunidade do consumidor conhecer os produtos e serviços que são oferecidos e ao
fornecedor de proporcionar conhecimento prévio do conteúdo a que se obrigará a entregar, não
podendo fazer uso da publicidade para negligenciar informações, iludir e induzir o consumidor
a erro, a fim de que este consuma algo pensando em uma durabilidade que não se mostrará
verdadeira e condizente com a realidade (CABRAL; RODRIGUES, 2012, p. 42).
Por sua vez, o princípio do equilíbrio objetiva direitos e deveres que confiram equidade
aos contratos, almejando a justiça contratual entre os contratantes da relação de consumo,
fazendo uso de normas imperativas com o intuito de coibir cláusulas abusivas, que possam vir
a oferecer vantagem a somente uma das partes, onde ocorram excessivos benefícios ao
fornecedor, ou que tais cláusulas sejam incompatíveis com a boa-fé, sobretudo no que condiz
ao equilíbrio econômico a ser perseguido diante da ocasião do ato abusivo do produto tornar-
se obsoleto e obrigar o consumidor a adquirir um novo (MIRAGEM 2013, p. 129).
Deve-se vislumbrar o equilíbrio nas relações de consumo juntamente com o princípio
da confiança, de maneira que, ocorrendo uma inexecução de contrato, seja assegurado ao
consumidor a sua troca ou seu ressarcimento, evitando-se riscos e prejuízos.

111
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Assim, em que pese as normas do Direito do Consumidor influenciem ações e medidas


adotadas pelos fornecedores e agentes econômicos, temos que a proteção do consumidor frente
à obsolescência programada recebe importante guarida principiológica, recaindo sobre os
fornecedores os deveres de observância ao poder da livre iniciativa para que não recaiam em
abusos e práticas condenáveis.

4. A OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA SOB A ANÁLISE DO DIREITO DO


CONSUMIDOR TENDO COMO PLANO DE FUNDO À PANDEMIA PELA SARS-
COV-2 (COVID-19)

Com o surgimento do vírus Sars-CoV-2, conhecido popularmente por Covid-19, o


mundo decretou estado de calamidade pública e adotou, como medida para frear a sua
propagação, o isolamento social. E estas medidas de distanciamento social, adotadas
massivamente, surtiram efeitos diretos no mundo do trabalho e nas formas de consumo.
Isto porque as relações de trabalho e ensino, anteriormente desenvolvidas
predominantemente de forma presencial, passaram a ser desenvolvidas de forma remota, o que
ocasionou em mudanças significativas na forma de consumir, que anteriormente também
ocorria com maior frequência pela presença física dos consumidores nos estabelecimentos
comercias, ampliando de forma exponencial o consumo no formato e-commerce.
O trabalho e o estudo, agora desenvolvidos em home office, gerou a necessidade de que
os trabalhadores e estudantes “aparelhassem” as suas residências para que pudessem continuar
a desenvolver as suas atividades, gerando uma grande procura por aparelhos eletrônicos, como
notebooks, smartphones, mesas de trabalho e cadeiras ergonômicas, assim como, a sua
permanência por maior tempo em casa ampliou exponencialmente a utilização de
eletrodomésticos, gerando nesses consumidores a necessidade de adquirir novos aparelhos
domésticos que antes não pareciam tão imprescindíveis
Além da aquisição desses bens, a aquisição de produtos do gênero alimentício,
farmacêutico e de vestuário, antes adquiridos essencialmente de forma presencial, passaram a
ser adquiridos, predominantemente, de forma online.
Diante deste cenário, notadamente o evento pandêmico causado pela Sars-CoV-2
(Covid-19) apontou um novo marco na era do consumo, com transformações significativas ao
mercado e à sociedade, acarretando em um movimento de aceleração da obsolescência
programada de diversos produtos, principalmente os eletrônicos e eletrodomésticos, que
passaram a ter maior utilização por seus usuários no período de distanciamento social e uma
chegada ainda mais breve à vida útil destes aparelhos.
112
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

A indústria, visando o lucro máximo, projeta suas criações já com a característica da


durabilidade reduzida, seja pelo material empregado na fabricação, causando um desgaste mais
rápido, ou seja, pela “reinvenção” dos produtos de nova geração, nada mais sendo que uma
renovação de moda para movimentar o mercado de consumo, tornando as inovações não
adaptáveis aos produtos antigos.
Sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor (CDC) “o produto não é considerado
defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado” (art. 12, § 2.º),
mas apenas quando “não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em
consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais sua apresentação, o uso e os riscos que
razoavelmente dele se esperam e a época em que foi colocado em circulação” (art. 12, § 1.º, I,
II, III).
Neste ponto, ao considerar a obsolescência programada como uma política empresarial
já sedimentada, a atuação de órgãos e instituições de defesa do consumidor para coibi-la é
legítima, servindo para, conforme destaca Bruno Miragem (2014, p. 45):

(...) verificar seus efeitos tanto no tocante à transparência da política de informação


dos fornecedores sobre o uso de matérias-primas e outras informações relevantes do
processo de fabricação e oferta ao mercado, quanto do efetivo benefício ao
consumidor, mediante redução de preços, assim como a apuração de outros custos
sociais e ambientais decorrentes da prática.

Dito isso, nota-se que eventual barreira à aplicação de políticas de redução artificial da
durabilidade dos produtos ou do ciclo de vida de seus componentes, com o intuito de lhes
diminuir o tempo estimado de vida útil e torna-los obsoletos, se daria com a inserção de normas
reguladoras e proibitivas sobre esta prática perversa e lesiva à dignidade, segurança e dos
interesses dos consumidores, isto é, com a implementação de expressa tipificação da
obsolescência programada como prática abusiva.
Muito embora não haja previsão direta no texto legal e a realidade demonstre a
ocorrência cada vez mais presente de produtos destinados a ter sua durabilidade artificialmente
reduzida de maneira abusiva através da aplicação da obsolescência planejada aos produtos,
existem movimentos legislativos para que o Código de Defesa do Consumidor receba
atualizações pontuais sobre o tema.
É o que se verifica pelos Projetos de Lei 7.875/2017, 3.019/2019 e 1.791/2021, que
tramitam na Câmara dos Deputados e o Projeto de Lei 2.833/2019, de tramitação junto ao
Senado Federal.

113
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Mas importante perceber que, mesmo que o CDC se revele insuficiente para coibir tal
estratégia ou até mesmo, quando necessário, reparar o dano, tal prática não pode ser vista com
singeleza como parte do exercício regular da livre-iniciativa por parte dos fabricantes, posto
que estes não cumprem com o seu dever de prestação de boa informação aos consumidores para
que estes possam ter ciência da real expectativa a se ter sobre determinado bem.
Na prática, o que se verifica é que o consumidor fica à margem da vontade dos
fabricantes em resolver o problema da reposição de peças ou de consertos para seus produtos,
isso quando o fazem e não forçam o consumidor a adquirir um novo produto semelhante de
mesma funcionalidade.
Aliás, no que tange à possibilidade de conserto dos produtos, é sabido ser de praxe das
assistências técnicas a cobrança de valores elevados de custos e peças de reposição, isso quando
há peças disponíveis para efetuar o conserto, como com o viés de inviabilizar o reparo e
influenciar a aquisição de uma nova mercadoria, persuadindo o consumidor a desistir do
produto antigo para substituí-lo a fim de evitar dissabores ainda maiores (CABRAL;
RODRIGUES, 2012, p. 52).
Considerando a obsolescência programada como uma política empresarial já
sedimentada, tratando-se de uma estratégia negocial,

(...) é inequívoca a legitimidade dos órgãos e instituições de defesa do consumidor


(...) para verificar seus efeitos tanto no tocante à transparência da política de
informação dos fornecedores sobre o uso de matérias-primas e outras informações
relevantes do processo de fabricação e oferta ao mercado, quanto do efetivo benefício
ao consumidor, mediante redução de preços, assim como a apuração de outros custos
sociais e ambientais decorrentes da prática.

Sob este prisma é que se percebe a importância de uma necessária e expressa proteção
ao consumidor à manutenção e propagação de tal prática comercial, afinal, a se ver
impossibilitado de prolongar a vida útil de seus bens torna-se verdadeira vítima nesta sociedade
da cultura do consumismo e de políticas tortas de desenvolvimento.
Embora seja uma prática de difícil identificação, por estarmos em uma sociedade de
ordem jurídica fundada na livre iniciativa, como já visto, o fenômeno da obsolescência
programada deve ser enfrentado, pois é um meio de atingir inúmeros direitos do consumidor e
da sociedade como um todo.
Nota-se que a vulnerabilidade do consumidor frente a esta prática negocial está justo na
falta de percepção da qualidade do produto que se adquire, não se sabendo se este cumprirá sua
expectativa legítima de utilidade, algo que deveria ser esclarecido adequadamente no momento

114
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

da escolha da mercadoria pelo consumidor, afinal, trata-se de informação básica que envolve a
sua segurança.
Vê-se que a ideia de satisfação que o consumidor cria sobre o produto é encurtada por
fatores exógenos aplicados pelos fabricantes que assim os arquitetam e os idealizam com a
intenção de diminuir seu ciclo de vida útil, de maneira que o consumidor, inevitavelmente, será
lesado em sua legítima expectativa.
Configura-se, assim, como uma vulnerabilidade técnica, uma vez que ao comprar o bem
“o comprador não possui conhecimentos específicos sobre o objeto que está adquirindo e,
portanto, é mais facilmente enganado quanto às características do bem ou quanto à sua
utilidade” (MARQUES; MIRAGEM, 2012, p. 154).
Vejamos que o encurtamento do ciclo útil do produto ocorre ao frustrar uma expectativa
real do consumidor sobre este bem, posto ser perfeitamente natural algo se tornar obsoleto
através do desgaste natural ou pelo uso indevido.
Esta lesão, quanto a real e legítima expectativa do consumidor em ter produtos e serviços
que satisfaçam sua vontade, atinge diretamente o princípio basilar da boa-fé objetiva, traçado
no artigo 4° do Código de Defesa do Consumidor, bem como fica reforçado no inciso IV, do
artigo 51, que expressamente torna nula as cláusulas que “estabeleçam obrigações consideradas
iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja,
incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.
E, como se não bastasse o consumidor estar sujeito a esta e tantas outras práticas
abusivas no mercado de consumo, a Pandemia causada pelo vírus Sars-CoV-2, trouxe como
incremento à prática da obsolescência programada a sua aceleração, isto é, o maior uso de
aparelhos eletrônicos, como notebooks, smartphones, além de eletrodomésticos, como fogões
e máquinas de lavar, por maiores períodos de tempo, seja em razão do trabalho ou estudo remoto
e maior permanência em tempo de utilização, fez com que se criasse no consumidor uma
necessidade irreal de consumir mais e além do que o necessário.
Neste ensejo, para que haja confiança entre os agentes que compõe a relação de
consumo, necessário que exista lealdade recíproca. Esta lealdade, por parte do fornecedor,
principalmente, se dá através da informação clara sobre a qualidade de produção e durabilidade
de seus produtos e serviços, com o intuito de que não se criem expectativas incertas ao
consumidor, de modo que este consuma ou não seus produtos conforme seus critérios de
necessidade e conveniência.

115
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Finalizando, há de destacar a ideia inicial de que o Código de Defesa do Consumidor


em muito tem contribuído para a proteção e salvaguarda dos consumidores nas relações de
consumo. É certo que vivemos em um país que preza pela livre iniciativa econômica, dentro de
um Estado Democrático, e que se exerce uma economia capitalista.
A realidade da sociedade de consumo hoje faz com que a demanda pelo lucro dos
fornecedores os levem a fazer uso de práticas que fogem da boa-fé objetiva, conceituada como
princípio básico dos contratos consumeristas, para trazer ao mercado produtos cada vez mais
atrativos aos olhos dos consumidores, para que prefiram estes produtos dentro da forte
concorrência do mercado.
Neste ponto, não há como deixar de constatar a importante situação de vulnerabilidade
dos consumidores frente a estas inúmeras técnicas de persuasão para que consumam
constantemente, levando a um devaneio social pelo consumo. Vê-se que as aquisições do
consumidor não se restringem mais ao que lhe seja útil ou necessário no dia-a-dia, pois a
indústria ao fazer uso de intensas operações publicitárias leva o consumidor a acreditar que
“precisa” daquilo que lhe é ofertado para se sentir incluído na sociedade, pois acredita que tais
bens ou serviços sejam imprescindíveis à sua vida e que somente assim atingirá o status
necessário para que a sociedade como um todo o aceite.
Nota-se que a obsolescência programada se apresenta como uma prática que busca
introduzir na sociedade uma política de rápido descarte de seus bens de consumo, uma vez que
são utilizados por pouco tempo até que se tornem obsoletos, seja por falta de peças de reposição
ou pelo desejo do consumidor em adquirir aquilo que é o novo, ou que ofereça alguma outra
função.
Assim, em razão das alterações na forma de consumo geradas pela Pandemia, que passa
a ser predominantemente um consumo por meios online, é possível verificar que a indústria
consegue expandir as suas técnicas de publicidade para criar mais demanda e necessidade de
novos produtos ao se utilizar da fragilidade do consumidor que estava acostumado a consumir
de uma maneira tradicional, utilizando o momento de crise para sedimentar e permear a
obsolescência programada de forma ainda mais acintosa.

116
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

CABRAL, Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat; RODRIGUES, Maria Madalena de Oliveira. A


obsolescência programada na perspectiva da prática abusiva e a tutela do consumidor. Revista
Magister de Direito Empresarial, Concorrencial e do Consumidor. Porto Alegre: Magister, v.7,
n.42, dez. 2011/jan. 2012, p. 35-58.

CAVALCANTE, Elizabeth Nantes. O consumidor e a livre-iniciativa: perspectivas de um


mercado de consumo contemporâneo na realidade democrática atual. Revista Magister de
Direito Empresarial, Concorrencial e do Consumidor, Porto Alegre: Magister, n. 48, dez.
2012/jan. 2013, p. 69-80.

CONCEIÇÃO, Joelma Telese Pacheco; CONCEIÇÃO, Márcio Magera; ARAÚJO, Paulo


Sérgio Lopes de. Obsolescência programada – Tecnologia a serviço do capital. Revista INOVAE
- Journal of Engineering and Technology Innovation. São Paulo: Inovae, v. 2, n. 1, jan./abr.,
2014, p. 90-105.

GONÇALVES, Antonio Baptista. A Degradação da Globalização e a Felicidade Artificial do


Consumo: um Olhar Crítico sobre o Humanismo ante a Crise Econômica. Repertório de
Jurisprudência IOB: Civil, Processual, Penal e Comercial, São Paulo , v. 3, n. 13, jul. 2012,
p.466-473.

HOLANDA, Fábio Campelo Conrado de; VIANA, Janile Lima. Indução de comportamentos
(neurolaw): obsolescência programada na sociedade pós-moderna e uma reflexão sobre as
relações de consumo. Revista Argumentum-Argumentum Journal of Law, v. 19, n. 1, 2018, p.
111-127.

GOYTISOLO, Juan Berchmans Vallet de. Sociedade de masas y derecho. Madrid: Taurus,
1968.

LIPOVETSKY, Gilles. A Felicidade Paradoxal: ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo.


Trad. Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

MARCONDES FILHO, Ciro. Quem manipula quem? Petrópolis: Vozes, 1986.

MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo direito privado e a proteção dos
vulneráveis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

MIRAGEM, Bruno. Consumo sustentável e desenvolvimento: por uma agenda comum do


direito do consumidor e do direito ambiental. Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo.
Curitiba: Bonijuris, v. 4, n. 13, mar. 2014, p. 31-48.

MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor, 4. ed.rev., atual. e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2013.

117
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

NEVES, Julio Gonzaga Andrade. A obsolescência programada: desafios contemporâneos da


proteção ao consumidor. Revista do IBRAC – Direito da Concorrência, Consumo e Comércio
Internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 23, I p., jan. 2013, p. 321-340.

NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 6. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2011.

PADILHA, Valquíria; BONIFÁCIO, Renata Cristina A. Obsolescência planejada: armadilha


silenciosa na sociedade de consumo. 02 set. 2013. Disponível em: <<
https://diplomatique.org.br/obsolescencia-planejada-armadilha-silenciosa-na-sociedade-de-
consumo/>>. Acesso em: 29 jun. 2021.

VIO, Daniel de Avila. O Poder Econômico e a Obsolescência Programada de Produtos, Revista


de Direito Mercantil. São Paulo: Malheiros, n.133, jan./mar. 2004, p.193-202.

118
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

PUBLICIDADE REDACIONAL/NATIVA: ABUSO DA


VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR NO MEIO EDITORIAL

Fabrício Germano Alves1


Mariana Câmara de Araújo2
Pedro Henrique da Mata Rodrigues Sousa3

Resumo: O desenvolvimento paulatino da tecnologia, aliado à busca constante por informações


adequadas e verídicas, gera a necessidade, notadamente dos consumidores, de se informarem
acerca dos mais variados assuntos. Mais ainda, nota-se que a facilidade que a informação é
alcançada possibilita a diversidade de fontes consultadas, o que pode ser um problema quando
determinadas técnicas publicitárias são utilizadas em meios alternativos. Nesse contexto, a
publicidade redacional/nativa, inserida clandestinamente em meios editoriais, como jornais,
documentários, entrevistas etc., quando não é facilmente identificada, pode vir a prejudicar o
processo decisório dos consumidores, uma vez que estes não esperam a presença de campanhas
publicitárias em espaços reservados apenas para fins informacionais. Assim, o empecimento da
questão transita em torno, em primeiro, da premência pela captação dos consumidores,
principalmente em contextos pandêmicos, de vulnerabilidade mental, física e informacional, e,
em segundo, da impossibilidade de identificação de tal estratégia publicitária. A partir disso, de
modo a explicitar a importância da temática para fins de proteção dos consumidores, objetiva-
se analisar as limitações jurídicas da utilização deste mecanismo publicitário, sobretudo,
quando o discernimento dos consumidores sobre a percepção da publicidade no meio editorial
entrava o seu processamento de informações. Para tanto, tem-se como procedimento
metodológico a pesquisa de natureza aplicada, com abordagem qualitativa e hipotético-
dedutiva, e objetivo descritivo. À vista disso, conclui-se que a vulnerabilidade dos
consumidores reside na ausência de identificação da publicidade nativa/redacional, mormente
em períodos pandêmicos, com base no princípio da identificação publicitária previsto nas
regulamentações consumeristas e publicitárias.
Palavras-chave: Consumidor; publicidade nativa; identificação publicitária; períodos
pandêmicos.

1 INTRODUÇÃO

Em meio à era da informação, a partir da disseminação constante e facilitada sobre fatos


e acontecimentos do cotidiano, matérias, documentários, notícias e reportagens adquiriram um
destaque elevado. Nessa perspectiva, a busca pela informação verídica e adequada influenciou

1
Advogado (OAB/RN 6318). Especialista em Direito do Consumidor e Relações de Consumo (UNP). Mestre e
Doutor pela Universidad del País Vasco / Euskal Herriko Unibertsitatea (UPV/EHU) – Espanha. Professor da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E-mail: fabriciodireito@gmail.com
2
Acadêmica do Curso de Graduação em Direito do CCSA da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN). Bolsista de Iniciação Científica do Projeto de Pesquisa intitulado Proteção jurídica do consumidor no
comércio eletrônico (marketplace). E-mail: marrie.camara@yahoo.com.br
3
Acadêmico do Curso de Graduação em Direito do CCSA da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN). Aluno de Iniciação Científica do Projeto de Pesquisa intitulado Proteção jurídica do consumidor no
comércio eletrônico (marketplace). E-mail: pedro.damatta@outlook.com.br
119
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

o discernimento de diversos cidadãos para com a percepção sobre a realidade, ou seja, percebe-
se que as fake news (notícias falsas) não são mais uma problemática urgente, uma vez que a
averiguação/verificação de informações se tornou mais descomplicada devido ao acesso à
internet e a matérias jornalísticas de noticiários com integridade e credibilidade.
Em contrapartida, ao se beneficiarem da credibilidade adquirida em razão do processo
de disseminação de informações verídicas, diversas ferramentas jornalísticas passaram a abrir
espaço para a publicidade furtiva, disfarçada, dissimulada, clandestina (que não permite sua
identificação pelos consumidores). De modo mais específico, nota-se que o meio editorial,
favorecido pela atenção constante de incalculáveis consumidores, tornou-se, paulatinamente,
um espaço oportuno para inserir peças publicitárias disfarçadas de notícias ou, até mesmo,
ocultadas por estas.
Mais ainda, avista-se que a publicidade redacional, também chamada de publicidade
nativa, pode vir a ser potencializada em meio a períodos pandêmicos e de isolamento social,
quando as informações relativas à saúde individual e coletiva são essenciais para o pleno
desenvolvimento dos indivíduos.
Nessa conjuntura, é oportuno destacar que o empecimento da questão se relaciona a dois
pontos: a) a utilização de ferramentas e de meios alternativos, no meio editorial, que incitam o
consumo, potencializada em contextos pandêmicos, de premência pela informação; e b) a
dificuldade/impossibilidade de identificação publicitária, neste meio, por parte dos
consumidores, os quais têm o seu processo decisório prejudicado devido à dificuldade de
distinção entre notícia e publicidade.
Assim, considera-se que o entendimento sobre a temática é um fator primordial para a
percepção da publicidade nativa no meio editorial pelo consumidor, isto é, torna-se necessário
analisar este mecanismo publicitário devido à sua relevância para o público consumerista que,
por diversas vezes, pode confundir matérias jornalísticas com campanhas publicitárias
disfarçadas, fato que prejudica seu processo decisório.
A partir da menção da problemática e da importância quanto à tal espécie publicitária,
tem-se como finalidade fulcral analisar os limites jurídicos para a utilização da publicidade
redacional como ferramenta de incitação ao consumo do público leitor/telespectador,
principalmente com base no princípio da identificação da publicidade instituído pelo Código de
Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990). De fato, objetiva-se verificar
estas limitações uma vez que podem ser inseridos anúncios publicitários em matérias

120
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

jornalísticas, em noticiários, em entrevistas informativas etc., notadamente em períodos


pandêmicos, quando a informação alcança patamares mais elevados.
Para tanto, como procedimentos metodológicos, serve-se de pesquisa de natureza
aplicada, com abordagem qualitativa e hipotético-dedutiva, além de possuir objetivo descritivo.
Para mais, com base na necessidade de inserir a discussão no contexto da relação jurídica de
consumo e da publicidade, utiliza-se das técnicas de coleta de pesquisa padrão – leitura
informativa por seleção de modo interpretativo (LAKATOS; MARCONI, 2021) – de
doutrinas/literatura jurídica referentes ao Direito das Relações de Consumo e ao Direito
Publicitário.
Por fim, no que tange à estruturação, segmenta-se em dois tópicos. O primeiro insere na
discussão o conceito de consumidor equiparado com o fito de incidir devidamente a aplicação
do Código de Defesa do Consumidor, uma vez configurada a relação jurídica de consumo por
exposição do consumidor à publicidade. Mais ainda, tal tópico também define a publicidade, a
título de contextualização, e apresenta as diretrizes para a compreensão conceitual da
publicidade nativa/redacional.
No segundo, por sua vez, a partir dos critérios normativos constantes no Código de
Defesa do Consumidor, no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e no Código
Consolidado da Câmara de Comércio Internacional sobre Práticas de Publicidade e
Comunicação Comercial, é caracterizada a abusividade da publicidade redacional/nativa e,
além disso, a discussão é inserida em possíveis condições de contextos pandêmicos e de
isolamento social, quando a informação verídica é de extrema necessidade e constantemente
buscada em meios editoriais, a saber, jornais, documentários, entrevistas etc.

2 PUBLICIDADE E PUBLICIDADE REDACIONAL/NATIVA

Embora a relação jurídica seja um dos elementos mais essenciais e importantes da


experiência jurídica (REALE, 2013), o legislador optou pela não delimitação expressa da sua
conceituação no Código de Defesa do Consumidor, ou seja, da conceituação da relação jurídica
de consumo. Desse modo, para que haja a efetiva compreensão da sua significância, faz-se
necessária a análise em conjunto dos elementos que a formam, sendo estes: os elementos
subjetivos, caracterizados pelas figuras do consumidor e do fornecedor; o objeto, em referência
ao produto ou ao serviço, e o elemento causal ou finalístico, relacionado à destinação final do
objeto (ALVES, 2014).

121
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Para efeitos de conveniência temática, toma-se como foco principal, nessa primeira
abordagem, a figura do consumidor e as suas definições legais presentes no Código de Defesa
do Consumidor (CDC). A primeira é proveniente do art. 2º, caput¸ dessa legislação, o qual, de
maneira stricto sensu, define consumidor como sendo “toda pessoa física ou jurídica que
adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”, ou seja, adquire ou utiliza bens
ou serviços em seu próprio benefício, satisfazendo, assim, seus anseios e necessidades
(BENJAMIN; MARQUES; BESSA, 2020).
Há também presente no CDC a figura do consumidor equiparado, o qual, de maneira
lato sensu, é caracterizado pelo parágrafo único do art. 2º como sendo “a coletividade de
pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”. Ademais,
também integram tal rol de definições os textos dos arts. 17 e 29, ambos do Código de Defesa
do Consumidor, os quais asseveram, respectivamente, que “para os efeitos desta Seção,
equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento” e que “equiparam-se aos
consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”,
dentre as quais estão às práticas publicitárias.
Em outra perspectiva, para percepção do fornecedor e do objeto da relação de consumo,
há de se compreender a publicidade como sendo um conjunto de ferramentas com o objetivo
primordial de informar e convencer o público como forma de estímulo ao consumo (SOUSA;
ALVES, 2020); assim, de certa forma, a publicidade conta como uma influência capaz de
persuadir o consumidor (AMA, 2017) na aquisição de produtos e serviços, pois as funções da
prática publicitária se relacionam, de todo modo, a apelos de ordem lógica e psicológica com o
fito de convencimento e persuasão dos consumidores (DIAS, 2018).
Com base nas considerações acerca das figuras equiparadas da classe consumerista, há
de se relacionar tais designações com a publicidade, de forma a haver o pleno reconhecimento
de uma relação jurídica de cunho consumerista, pois, somente assim, haverá a compreensão do
caráter das campanhas publicitárias quanto à sua influência para com a decisão do consumidor
no que tange ao consumo de produtos e de serviços.
Diante dessa premissa, observa-se que o Código de Defesa do Consumidor, ao denotar,
em seu art. 29, que uma das formas de equiparação à figura consumerista é referente àqueles
consumidores expostos às práticas previstas no Código (BRASIL, 1990a), promove, em síntese,
a regulamentação da publicidade, uma vez que as “práticas previstas no Código” podem ser as
práticas publicitárias enganosas e de cunho abusivo que influem negativamente no processo
decisório do consumidor.

122
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

À vista disso, sob tal percepção, dentro do âmago do estudo da publicidade, revela-se
imprescindível o estudo das publicidades redacional e nativa, supostamente vistas como
furtivas e abusivas, portanto, pertinentes ao conteúdo adotado. Assim, convém destacar o
conceito de publicidade denominada redacional ou dissimulada, que é configurada quando o
anúncio é veiculado de maneira disfarçada, seja uma matéria de cunho editorial online ou
impressa em jornais, revistas e outros meios de comunicação das massas (SILVA, 2002).
Este tipo de publicidade pode ser caracterizado como sendo uma forma de veiculação
cujo anúncio passa para o seu público-alvo a impressão de ser isenta e revestida de objetividade,
de maneira que os leitores são influenciados a pensar que determinada publicidade é, na
verdade, um informativo ao público, sem qualquer interesse econômico diretamente exposto
(PASQUALOTTO, 1997). Tal forma de comunicação publicitária é veiculada nos meios
regulares de produção de conteúdo que fazem parte dos veículos de comunicação, ocultando,
de toda forma, o seu verdadeiro caráter publicitário (MARQUES; BENJAMIN; MIRAGEM,
2019).
O Código de Defesa do Consumidor, em seu âmago, não se deteve a dispor de maneira
expressa nenhuma normativa que fizesse menção à publicidade redacional. No entanto, infere-
se que o microssistema de proteção consumerista busca coibir esse tipo de publicidade, uma
vez que rechaça qualquer forma de comunicação publicitária que tenha o propósito de confundir
o consumidor (ALVES, 2020), de acordo com o art. 30 do Código Brasileiro de
Autorregulamentação Publicitária (BRASIL, 1980) e com o art. 36, caput, CDC, o qual
determina que a publicidade deve ser facilmente identificada.
Já a publicidade nativa (native advertising) diz respeito aos anúncios pagos que estão
correlacionados ao conteúdo de determinada página, sendo assimilados pelo design, de forma
que o usuário é influenciado a pensar que tal publicidade pertence à página (ALVES, 2016).
Assim, entende-se que, para ser considerado de fato uma publicidade nativa, o anúncio tem de
estar totalmente de acordo com o conteúdo, de tal maneira que o leitor não perceba que está
sendo alvo de uma campanha publicitária.
Logo, com fulcro na importância da publicidade nas práticas relacionadas ao consumo,
uma vez que estas despertam no consumidor mais interesse de compra, ressalta-se a
problemática dessa prática publicitária quando for utilizada de forma abusiva diante da
vulnerabilidade da figura do consumidor nos meios editoriais, como jornais, entrevistas etc.

123
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

3 ABUSIVIDADE DA PUBLICIDADE REDACIONAL/NATIVA EM PERÍODOS


PANDÊMICOS

Em resposta ao fomento e à disseminação do mercado de consumo para o maior


contingente de pessoas possíveis, a publicidade é utilizada como uma ferramenta que incita a
aquisição e a utilização de produtos e serviços (ALMEIDA, 2009), uma vez que a sua natureza
impende a necessidade de informar o público consumidor, de forma a convencê-lo e a persuadi-
lo, facilitando o ímpeto de consumo de bens e de serviços (SANTOS, 2000).
Assim, resta comprovada que a atuação da publicidade é uma forma muito eficiente de
angariar benefícios para a ampliação da cultura consumerista. No entanto, em seu exercício, a
prática publicitária também pode trazer alguns malefícios ao grupo consumidor, principalmente
quando assume uma postura de caráter abusivo, enganando a figura consumidora e exercendo,
manifestamente, um abuso de direito.

3.1 Publicidade como prática abusiva

É notório que a massa populacional que figura o polo consumerista de uma relação de
consumo não consegue diferenciar, em sua integralidade, uma publicidade com um teor
verdadeiro de um falso, haja vista que as pessoas buscam ilusões e subterfúgios, sendo,
portanto, alienados neste tipo de relação (FREUD, 2011). Desse modo, a parcela dominante,
isto é, o polo que abarca os fornecedores, pode se utilizar dessa fragilidade informacional e
perceptiva do consumidor sobre o que vem a ser real e irreal para veicular campanhas
publicitárias que influenciam ainda mais o processo decisório.
Diante dessa premissa, percebe-se que a utilização da publicidade redacional/ nativa
pode ser vista como forma de ludibriar o interesse e a decisão de compra da massa populacional
às custas da sua fragilidade informacional no que diz respeito às práticas publicitárias. Assim,
tais tipos de publicidade podem ser considerados abusivos, uma vez que se utilizam de uma
vulnerabilidade da classe consumidora para influenciá-la indevidamente.
Ao considerar que a publicidade é oriunda do direito constitucional à liberdade de
iniciativa posto pelo art. 170, caput, (BRASIL, 1988), tem-se que as ações que se aproximam
do teor dos atos ilícitos passam a ser consideradas abusivas ao consumidor e ao mercado de
consumo. Assim, a atuação do fornecedor não poderá incidir em abuso de direito, pois, assim,
de acordo com o art. 187 do Código Civil, restará configurado o ato ilícito (BRASIL, 2002).
Observa-se, portanto, que a publicidade é amparada constitucionalmente dentro dos
limites da livre iniciativa, todavia, o seu excesso, caracterizado como abusividade, poderá
124
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

ensejar a responsabilização dos sujeitos envolvidos. Nesse sentido, tem-se as práticas abusivas
como ações, condutas ou posturas que agridem o consumidor, notadamente na fase pré-
contratual, a qual a publicidade está inserida (NUNES, 2018), de maneira a acarretar prejuízo
ao consumidor (OLIVEIRA, 2019), desrespeitando direitos e princípios estabelecidos no
Código de Defesa do Consumidor.
Em se tratando dos princípios consumeristas, o art. 4º do CDC, em seu inciso VI, expõe
a coibição e repressão a todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive aqueles
que podem causar prejuízos aos consumidores (BRASIL, 1990a). A publicidade
nativa/publicidade redacional se encaixa nos parâmetros desse texto normativo, uma vez que
se configura como abusiva devido à sua dificuldade de identificação.
Não obstante, revela-se também a importância do inciso IV do art. 6º do Código de
Defesa do Consumidor, o qual caracteriza expressamente como um dos direitos básicos do
consumidor “a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais
coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no
fornecimento de produtos e serviços”. Ademais, nessa linha, considera-se proibida toda
publicidade enganosa ou abusiva, mediante os dizeres do art. 37, caput, do CDC (BRASIL,
1990a)
Nesse ínterim, uma publicidade será tida como abusiva quando, em seu âmago, a for de
caráter discriminatório de qualquer natureza, que incite violência, explore medos ou
superstições, aproveite-se da deficiência de julgamento e da experiência da criança, desrespeite
valores ambientais ou, ainda, que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma
prejudicial ou perigosa à sua saúde ou à sua segurança, de acordo com o art. 37, §2º do CDC.
O referido dispositivo apresenta um rol de natureza exemplificativa e não taxativa, o que
implica dizer que não prevê expressamente todas as espécies de publicidade que podem ser
consideradas abusivas (ALVES, 2020).

3.2 Princípio da identificação publicitária em relação à publicidade redacional/nativa

Nesse viés, percebe-se que a veiculação dos anúncios publicitários deve ser pautada
pelo princípio da clareza, da ostentação, isto é, pelo princípio da identificação da publicidade
(JACOBINA, 1996). Tal princípio viabiliza a noção de que a publicidade deverá ser
disseminada de forma a ser compreendida em seu caráter publicitário, ou seja, deverá um
anúncio revelar explicitamente o seu teor como publicidade, de modo que o público esteja
consciente que está sendo alvo de uma campanha dessa natureza.

125
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

O princípio da identificação da publicidade tem o objetivo primordial justamente de


garantir a supressão das formas abusivas veiculadas pelas campanhas publicitárias, estas que
ludibriam o consumidor com uma mensagem publicitária propositalmente furtiva, oculta ou
simulada (DENSA, 2014), como a publicidade redacional/nativa.
O caput do art. 36 do Código de Defesa do Consumidor prevê o princípio da
identificação da publicidade quando institui que “a publicidade deve ser veiculada de tal forma
que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal” (BRASIL, 1990a). Não
somente, o art. 28 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária também consagra
este princípio quando expõe que “o anúncio deve ser claramente distinguido como tal, seja qual
for a sua forma ou meio de veiculação” (BRASIL, 1980).
Ademais, como complemento, o art. 9º do Código Consolidado da Câmara de Comércio
Internacional sobre Práticas de Publicidade e Comunicação Comercial prevê não apenas a
necessidade da publicidade ser identificada facilmente, mas busca a garantia de que o
anunciante também tenha a sua própria identificação de modo explícito, especificando que
“quando um anúncio é difundido em um meio que contenha notícias ou matéria editorial, deve
ser apresentado de forma a que possa ser facilmente reconhecido como anúncio, e a identidade
do anunciante deve ser evidente” (BRASIL, 2006).
Diante disso, impera a necessidade de uma peça publicitária ser reconhecida pelo
consumidor como tal, e, notadamente em períodos pandêmicos, como o causado pela pandemia
da COVID-19, responsável pela necessidade de isolamento social e pela busca por informação
relacionadas à saúde e ao bem-estar populacional, deve-se levar na mais alta consideração o
disposto no art. 36, §2º do CDC, o qual frisa que é abusiva, dentre outras, a publicidade que
“seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à saúde”
(BRASIL, 1990a).
Nesse contexto, nota-se que, em virtude da proliferação excessiva de casos de infecção
pelo coronavírus, por exemplo, diversas diretrizes foram editadas e estabelecidas com o intuito
de evitar o aumento desenfreado no número de casos e, consequentemente, no número de
mortes. Sob esse prisma, a propaganda, que possui o objetivo puramente informativo,
diferentemente da publicidade (ALVES, 2020), exerce um papel ativo muito importante: o de
transmitir as informações e as regras a serem seguidas para o bom funcionamento social dentro
da situação pandêmica atual.
O consumidor, notadamente, já se utiliza do meio publicitário para a busca de
informações sobre produtos/serviços, e essa atitude, dentro de um período de pandemia, é ainda

126
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

mais frequente, uma vez que as pessoas procuram, na propaganda, informativos que dizem
respeito à saúde, bem como as restrições impostas pelas autoridades. Assim, os consumidores,
que confundem a publicidade com a propaganda, mais ainda nos meios jornalísticos, são alvos
da publicidade nativa/redacional em virtude da dificuldade de identificação.
A grande problemática a esse respeito, porém, vige em torno do caráter abusivo de
alguns tipos de publicidade, como a redacional e nativa, as quais não propiciam ao consumidor
a integralidade de informações e a percepção imediata de seu teor publicitário. Sendo assim, o
consumidor, vulnerável em sua própria natureza na relação jurídica de consumo, ao adentrar na
busca por informações importantes no dado momento, não consegue identificar o anúncio
publicitário como tal, tendo, portanto, a sua vulnerabilidade agravada em razão da abusividade
da publicidade, o que pode acarretar danos psicológicos e, muitas vezes, físicos à figura do
consumidor, notadamente em períodos de pandemia.

3.3 Responsabilidade civil, administrativa e penal dos agentes

À vista disso, no que se refere às maneiras de responsabilização dos agentes das


campanhas publicitárias, seja o fornecedor anunciante, as agências publicitárias ou, até mesmo,
os veículos de comunicação, há de se perceber três vertentes da responsabilidade: civil,
administrativa e penal.
Em primeiro lugar, nota-se que a responsabilidade civil – considerada como decorrente
de um ato de omissão ou de comissão, seja doloso ou culposo, que cause dano a outrem
(GONÇALVES, 2021) – é eduzida do próprio Código de Defesa do Consumidor, o qual
regulamenta as relações de consumo, à medida que, no seu artigo 12, aborda, como regra geral,
a apuração da responsabilidade por fato ou dano de modo objetivo, uma vez que independe da
comprovação de culpa stricto sensu ou dolo do agente.
De fato, percebe-se que o referido Código não exige a verificação acerca das intenções
do fornecedor, em razão de as publicidades enganosas e abusivas já serem consideradas ilícitas
por si só – artigo 37 (BRASIL, 1990a). Neste caso, relativo a campanhas publicitárias, a
aferição da responsabilidade civil funciona como um mecanismo de garantia dos direitos dos
consumidores (ALVES; SOUSA, 2021).
Em segundo lugar, tem-se a responsabilidade administrativa – verificada quando, por
omissão ou comissão, determinado agente causa dano a outrem no exercício de suas funções e
de seu cargo (DI PIETRO, 2020) –, mas de igual teor à responsabilidade civil. Assim, de
maneira mais específica, no que se refere ao ambiente publicitário para configurar o cargo de
fornecedor anunciante, de agência publicitária ou de veículo de comunicação, nota-se que o
127
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

dano aos consumidores dar-se-á quando as campanhas publicitárias vierem a lesar o processo
decisório destes, por exemplo, à medida que ficam impossibilitados de identificar a publicidade
nativa nos meios editoriais.
A responsabilização administrativa pode se efetivar igualmente com fundamento nas
disposições constantes no Código de Defesa do Consumidor. Ela é exercida por órgãos que
possuem poder de polícia, tais como os PROCONs, a Defensoria Pública ou o Ministério
Público, que também possuem competência para atuar na tutela coletiva do consumidor.
Para regulamentar a responsabilidade no campo ético, avista-se o artigo 46 do Código
Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP), que possibilita a responsabilização de
diretores e de qualquer outro cargo em uma firma, companhia ou instituição que sejam parte do
planejamento, da criação, da execução e/ou da veiculação de um anúncio ou de uma campanha
publicitária. Além disso, tal Código regulamenta, de modo especifico, a responsabilidade dos
três protagonistas da atividade publicitária, quais seja, anunciante, agência publicitária e veículo
de divulgação – artigo 45, alíneas “a”, “b” e “e”, respectivamente (BRASIL, 1980).
Em terceiro lugar, por último, para a caracterização da responsabilidade penal, incide,
principalmente, o próprio Código de Defesa do Consumidor, o qual tutela as relações de
consumo de modo imediato ou mediato. Este, diretamente, objetiva proteger as relações de
consumo de acordo com o artigo 61 do mencionado Código (BRASIL, 1990a) e,
especificamente, com o artigo 7°, caput, da Lei n° 8.137/1990 (BRASIL, 1990b). Aquele,
indiretamente, possui a finalidade de resguardar os bens previstos nos artigos 63 ao 74 do
Código (BRASIL, 1990a) e nos incisos do artigo 7° da referida Lei (BRASIL, 1990b).
Dessa forma, evidencia-se que há diversas alternativas para responsabilizar os agentes
publicitários, os veículos e os fornecedores anunciantes com o fito de proteger os consumidores
e as relações de consumo, uma vez constatada a publicidade nativa ao considerar a sua não
identificação por parte dos consumidores expostos a ela, notadamente em períodos assolados
por pandemias, na medida em que a busca por informação se torna constante.

5 CONCLUSÃO

A publicidade passou a ser veementemente discutida pelas sociedades, notadamente por


causa das suas mais diversas formas de aparição no mercado de consumo com o fito principal
de incitar os consumidores. A partir disso, com o objetivo de proteger e salvaguardar, então,
tais consumidores expostos às práticas publicitárias, é de extrema importância utilizar o Código

128
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

de Defesa do Consumidor, o qual apresenta e define a incidência a partir da consideração dos


seus elementos capazes de configurar a relação jurídica de consumo.
De fato, para a incidência do Código, é necessário que os seus elementos essenciais
sejam considerados, quais sejam, o consumidor, o fornecedor, o produto/serviço e a destinação
final. Logo, o primeiro pode ser visualizado como aquele exposto às práticas publicitárias, de
acordo com o art. 29 do citado Código; o segundo, por sua vez, quando relacionado à
publicidade, pode ser o agente publicitário ou o fornecedor-anunciante; o terceiro é o
produto/serviço ao qual o consumidor é exposto por meio das campanhas publicitárias, e o
último elemento é referente à utilização do produto/serviço para uso próprio/final.
Dessa maneira, uma vez caracterizado o consumidor por equiparação, exposto à
publicidade, de modo geral, esta é responsável por incitar o consumo e por tentar persuadir
determinado consumidor a adquirir produtos/serviços. De modo mais específico, tem-se o
conceito da publicidade nativa/redacional quando determinada campanha publicitária é
veiculada no meio editorial/jornalístico ou em websites de notícias e de entrevistas de cunho
informacional, ou seja, a peça publicitária é inserida neste contexto informativo sem que o
consumidor perceba, o que lesa o seu processo decisório devido a não identificação da
publicidade.
Nessa perspectiva, então, de busca informacional por parte dos consumidores,
principalmente em períodos pandêmicos, quando a necessidade de informações relativas à
saúde é de extrema relevância, a publicidade nativa/redacional pode ser utilizada de maneira
indiscriminada para influenciar o consumidor a adquirir produtos/serviços justamente nesse
contexto de vulnerabilidade acentuada.
É por este motivo que o princípio da identificação publicitária é de fulcral importância
para regulamentar a utilização desta espécie de publicidade. Esse princípio está previsto em
diversas determinações como ferramenta para coibir anúncios publicitários que lesam os
consumidores, quais sejam, no art. 36, caput, do Código de Defesa do Consumidor, no art. 28
do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e, mais ainda, no art. 9º do Código
Consolidado da Câmara de Comércio Internacional sobre Práticas de Publicidade e
Comunicação Comercial. Tais normatizações preveem exatamente a vedação de anúncios
publicitários que dificultem a sua identificação por parte do público consumerista, o que se
aplica perfeitamente à publicidade nativa/redacional.
Posto isso, com a utilização da técnica de publicidade nativa/redacional no meio
editorial/jornalístico, uma vez que ausência de identificação publicitária prejudica o processo

129
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

decisório racional dos consumidores, nota-se que existem maneiras de responsabilizar os


sujeitos envolvidos na campanha publicitária, quais sejam, no meio civil, no administrativo e
no penal.
Em primeiro, no âmbito civil, deve-se responsabilizar tais agentes por meio do Código
de Defesa do Consumidor, notadamente dos artigos 12 e 37, os quais dispõem sobre
responsabilidade objetiva, sem a necessidade de aferição de dolo ou de culpa stricto sensu, e
sobre as publicidades ilícitas, respectivamente. Em segundo, no âmbito administrativo, nota-se
que a responsabilidade reside no dano a outrem, e pode ser concretizada por uma das
autoridades competentes, a exemplos dos PROCONs e do Ministério Público. Em terceiro, no
penal, a responsabilidade é assegurada igualmente pelo próprio Código de Defesa do
Consumidor e pela Lei n° 8.137, quando são salvaguardados bens jurídicos relativos às relações
de consumo, como omitir informações ou promover peças publicitárias abusivas.
Assim, é perceptível que a publicidade nativa é um problema referente à
ausência/impossibilidade de identificação, pelos consumidores, de campanhas publicitárias
veiculadas nos meios jornalísticos, que pode ocorrer ou ser acentuada em períodos pandêmicos,
de vulnerabilidade social, quando a busca por informação é constante devido ao necessário
isolamento social.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 7. ed. São Paulo: Saraiva,
2009.

AMA. American Marketing Association. 2017. Disponível em:


https://www.ama.org/thedefinition-of-marketing-what-is-marketing/. Acesso em: 16 jun. 2021.

ALVES, Amanda Helena Guimarães. Native advertising ou publicidade nativa: a inserção de


marcas no meio editorial. 66 f. Monografia (graduação em Comunicação) – Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Escola de Comunicação, 2016.

ALVES, Fabrício Germano. Direito publicitário: proteção do consumidor. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2020.

ALVES, Fabrício Germano; SOUSA, Pedro Henrique da Mata Rodrigues. Publicitário. In:
GARDETA, Juan Manuel Velázquez (coord.); ALVES, Fabrício Germano; XAVIER, Yanko
Marcius de Alencar; NÓBREGA, José Carlos de Medeiros (org.). Responsabilidade civil dos
profissionais liberais. Natal: Polimatia, 2021, v. 1, p. 17-33.

ALVES, Fabrício Germano, XAVIER, Yanko Marcius de Alencar. Análise conceitual da


relação jurídica de consumo no Brasil. In: XAVIER, Yanko Marcius de Alencar et al. (org.).

130
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Perspectivas atuais do Direito do Consumidor no Brasil e na Europa. v. I. Natal, RN: EDURN,


2014.

BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe.
Manual de direito do consumidor. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.

BRASIL. CBAP. Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária Código e Anexos,


1980. Disponível em: http:// www.conar.org.br/codigo/codigo.php. Acesso em: 14 jun. 2021.

BRASIL. Código Consolidado da Câmara de Comércio Internacional sobre Práticas de


Publicidade e Comunicação Comercial. 2006. Disponível em:
http://www.icap.pt/icapv2/images/memos/CCI_PT_FINAL.pdf. Acesso em: 21 jun. 2021.

BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe
sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. 1990a. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm. Acesso em: 11 mar. 2021.
BRASIL. Lei n° 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Define crimes contra a ordem tributária,
econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências. 1990b. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8137.htm. Acesso em: 14 jun. 2021.

BRASIL. Lei n. 10.406, 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406compilada.htm. Acesso em: 21 jun.
2021.

DENSA, Roberta. Direito do Consumidor. 9. ed. São Paulo, Atlas, 2014.

DIAS, Lúcia Ancona Lopez de Magalhães. Publicidade e direito. 3. ed. São Paulo: Saraiva
Educação, 2018.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 33. ed. São Paulo: Forense, 2020.

FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização (1930). In: FREUD, Sigmund. O mal-estar na


civilização, novas conferências introdutórias à psicanálise e outros textos (1930-1936). São
Paulo: Companhia das Letras, 2011.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 16. ed. São
Paulo: Saraiva Jur, 2021. v. 4.

JACOBINA, Paulo Vasconcelos. Publicidade do direito do consumidor. Rio de Janeiro:


Forense, 1996.

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos da metodologia


científica. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2021.

MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman de V; MIRAGEM, Bruno.


Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2019.

NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 13. ed. São Paulo: Saraiva,
2018.
131
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

OLIVEIRA, Júlio Moraes. Curso de direito do consumidor completo. 5. ed. Belo Horizonte:
D’Plácido, 2019.

PASQUALOTTO, Adalberto. Os efeitos obrigacionais da publicidade no Código de Defesa do


Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva. 2013.

SANTOS, Fernando Gherardini. Direito do marketing: uma abordagem jurídica do marketing


empresarial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
SILVA, Patrícia Andréa Cárceres da. Da publicidade prejudicial ao consumidor. São
Cristóvão: Editora UFS; Aracajú: Fundação Oviêdo Teixeira, 2002.

SOUSA, Pedro Henrique da Mata Rodrigues; ALVES, Fabrício Germano. Publicidade


testemunhal e unboxing no comércio eletrônico. In: Luciano Ehlke Rodrigues; Gustavo Afonso
Martins; Erika Leahy. (org.). Direito, novas tecnologias e proteção de dados. 1. ed. p. 345-365.
Curitiba: Instituto Memória, 2020.

132
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

OS PRINCÍPIOS CONSUMERISTAS COMO ESCUDO ÀS PRÁTICAS


ABUSIVAS EM MEIO A PANDEMIA DA COVID-19

João Vitor Martins David1


Marcelo Melchior2

Resumo: O tema deste artigo trata da importância que a aplicação dos princípios do direito do
consumidor como amparo na seara de aplicação do código de defesa do consumidor. O objetivo
desta temática se dá pela necessidade de transparência entre as relações de consumo, bem como
a sua importância para que os consumidores não sejam enganados ou mesmo prejudicados pela
sua ausência, ainda mais em se tratando dos tempos pandêmicos que se enfrenta. A justificativa
da pesquisa corresponde à possibilidade de escolha entre a melhor opção defensiva para o
resguardo dos direitos do consumidor. A pesquisa, por sua vez, manteve-se na linha teórica, com
ênfase na pesquisa bibliográfica, buscando na doutrina os conceitos e entendimentos abordados.
Assim sendo, os dados coletados foram tratados de forma qualitativa e descritiva analítica.
Relativo ao método de interpretação dos dados será utilizado o método hipotético-dedutivo. No
que diz respeito à visão geral do artigo, abordará a aplicação dos princípios norteadores do
código de defesa do consumidor como escudo às práticas abusivas na pandemia. Desse modo,
pode-se concluir que os princípios são extremamente importantes e indispensáveis para as
relações de consumo como forma de garantir ao consumidor todas as informações e diretrizes
defensivas possíveis para o resguardo de seus direitos, tendo em vista a sua condição de
hipossuficiência e como instrumentos defensivos aos abusos dos fornecedores de insumos
essenciais em plena pandemia do COVID-19.

Palavras-chave: princípios – código de defesa do consumidor – formas de proteção.

INTRODUÇÃO

O presente artigo científico fará uma análise da aplicação dos princípios norteadores das
relações de consumo, respaldadas pela constituição e principalmente frente ao código de defesa
do consumidor.
Como objetivo geral, buscam-se apresentar os diversos direitos que possuem os
consumidores em suas relações, com ênfase na aplicabilidade princípios como instrumentos de
resguardo do direito do consumidor na pandemia do COVID-19.
Deste modo, o presente artigo justifica-se pela importância de compreender o papel que
estes princípios ocupam dentro do Código de Defesa do Consumidor, partindo desde a sua
origem constitucional até as suas aplicações contemporâneas na seara consumerista.

1
Bacharel em Direito pela Fundação Educacional Machado de Assis – FEMA Santa Rosa/RS, pós-graduando em
advocacia tributária pela EBRADI, e em Direito Civil e Processo Civil pela Faculdade LEGALE, advogado
inscrito na OAB sob nº 120.126/RS. E-mail: advogadojoaodavid@gmail.com
2
.Bacharel em Direito pela Fundação Educacional Machado de Assis – FEMA Santa Rosa/RS, pós-graduando em
Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade LEGALE. E-mail: marcelomelchior@outlook.com
133
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Além disso, é vital pesquisar e inteirar-se sobre a extensão do tema e sua relação com
todo o ordenamento jurídico brasileiro da qual a constituição serve de base, donde se buscam os
conceitos para exemplificar a aplicação cotidiana.
A pesquisa em questão qualifica-se primeiramente como pesquisa teórica, visto que
explana conceitos referentes aos princípios das relações de consumo, sendo que as
considerações e análises foram concebidos através da exploração e coleta de dados em livros,
artigos científicos e na legislação aplicada ao tema.

1 CONCEITUAÇÃO DE PRINCÍPIO

Imperioso conceituar a palavra princípio, para que se verifique a importância que tal
vocábulo tem no ordenamento jurídico. Logo, princípio tem como sinônimos as palavras
início e origem, isto é, donde tudo se começa sendo a base das demais fontes do direito.
Assim sendo, princípios, para Miguel Reale Júnior, são como:

[...] verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza


a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos à dada
porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas proposições,
que apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como
fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus
pressupostos necessários. (REALE, 1986, p. 60).

Da mesma forma, segundo Luís Roberto Barroso:

[...] são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus


postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais
são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais
da ordem jurídica que institui. (BARROSO, 1999, p. 147).

Adverte Celso Antônio Bandeira de Mello:

Princípio - já averbamos alhures - é, por definição, mandamento nuclear de um


sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre
diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata
compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalização do
sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o
conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes
componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo [...]. Violar
um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção
ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas
a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou de
inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa
insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais,
contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto
porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que os sustêm e alui-se toda a estrutura
nelas esforçada. (MELLO, 2000, p. 747-748).

134
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Conforme se verifica, princípio é donde provêm os ideias, as primeiras formas de


conceituação de ato e fato, ou seja, o núcleo de todo um ordenamento jurídico, concebido no
âmago das culturas de determinada sociedade.
Ainda, a própria lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor é tida pela
doutrina com uma norma principiológica, visto que possui proteção constitucional dos
consumidores, frente ao art. 5° XXXII da CF. Nesse sentido Tartuce e Neves afirmam:

A Lei n. 8.078 é norma de ordem pública e de interesse social, geral e principiológica,


o que significa dizer que é prevalente sobre todas as demais normas especiais
anteriores que com ela colidirem. As normas gerais principiológicas, pelos motivos
que apresentamos no início deste trabalho ao demonstrar o valor superior dos
princípios, têm prevalência sobre as normas gerais e especiais anteriores.
(TARTUCE; NEVES, 2014, p. 28).

Ressalvada a importância dos princípios para todo o ordenamento jurídico, parte-se para
a análise pontual de cada um dos princípios norteadores do direito consumerista, sendo eles:
Boa-fé objetiva, Vulnerabilidade e Hipossuficiência do consumidor, Transparência e confiança
nas relações de consumo e o princípio da Publicidade.

1.1 PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA

A boa-fé se trata de uma conduta atrelada a lealdade, o que significa dizer que as
relações de consumo devem ser pautadas pela honestidade e a lealdade, vocábulos que são
sinônimos da boa-fé. Assim, a boa-fé objetiva está previsto no art. 4º, III, CDC.
A melhor descrição do princípio é o que apresenta Flávio Tartuce:

[...] harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e


compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento
econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a
ordem econômica (art. 170 da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e
equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. (TARTUCE, 2020, p. 89).

Analisando os ensinamentos do nobre doutrinador acima citado, se verifica que o


objetivo do princípio apresentado é a busca pelo justo equilíbrio e uma harmonia entre as partes
que se relacionam entre consumidores e fornecedores.
Além do mais, a objetividade do princípio da boa-fé trata-se de uma evolução do
conceito, saindo do plano abstrato (intenção) adentrando o campo da concretude (atuação do
homem) conforme distingue Flávio Tartuce:

135
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Como é notório, a boa-fé objetiva representa uma evolução do conceito de boa-fé, que
saiu do plano psicológico ou intencional (boa-fé subjetiva), para o plano concreto da
atuação humana (boa-fé objetiva). Pelo conceito anterior de boa-fé subjetiva, relativo
ao elemento intrínseco do sujeito da relação negocial, a boa-fé estaria incluída nos
limites da vontade da pessoa. Esse conceito de boa-fé subjetiva, condicionado
somente à intenção das partes, acaba deixando de lado a conduta, que nada mais é do
que a própria concretização dessa vontade. E como se sabe, conforme o dito popular,
não basta ser bem intencionado, pois de pessoas bem intencionadas o inferno está
cheio. (TARTUCE, 2020, p. 89-90).

Outrossim, o dever da boa-fé objetiva, ainda que previsto no art. 4º, III do CDC, é um
dever ético, o que o torna uma obrigação inerente a qualquer negócio jurídico. Ademais,
imperioso ressaltar os deveres anexos à boa-fé objetiva, tais como: dever de agir com
honestidade e com razoabilidade, dever de transparência, informação, lealdade e probidade,
sendo que alguns deles estão previstos no art. 6º do CDC, dispositivo que trata dos direitos dos
consumidores.

1.2 Princípio da vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor

Ademais, outros importantes princípios da relação de consumo são os princípios da


vulnerabilidade e da hipossuficiente do consumidor. Nesse ponto, a legislação consumerista
busca dar equidade à relação de consumo, uma vez que ampara o consumidor armando-o e
protegendo-o material e processualmente por meio do dispositivo legal que é o Código de
Defesa do Consumidor.
A desigualdade entre consumidor e fornecedor é notória e um dos exemplos dessa
desigualdade é a possibilidade da inversão do ônus probatório no decurso da demanda
processual. Outro exemplo está na responsabilidade objetiva do fornecedor, bastando ao
consumidor demonstrar o fato, o dano e nexo de causalidade entre o fato e o dano causado ao
mesmo.
Portanto, é imprescindível tal tratamento material e processual dado a relação de
consumo, ao passo que a equidade é a solução para reequilibrar esse negócio jurídico. O que se
vê na importância que Flávio Tartuce dá à temática:

Com a mitigação do modelo liberal da autonomia da vontade e a massificação dos


contratos, percebeu-se uma discrepância na discussão e aplicação das regras
comerciais, o que justifica a presunção de vulnerabilidade, reconhecida como uma
condição jurídica, pelo tratamento legal de proteção. Tal presunção é absoluta ou iure
et de iure, não aceitando declinação ou prova em contrário, em hipótese alguma.
(TARTUCE, 2020, p. 89-90).

136
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Além do mais, essa equidade é verificada nas decisões judiciais que preceituam e
aplicam os princípios abordados, no claro entendimento da desproporcionalidade de condições
jurídicas entre consumidor e fornecedor. Importante demonstrar a real aplicabilidade dos
princípios, pois são artifícios realmente usados na prática, não permanecendo apenas no campo
teórico, o que se vê a partir da decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

APELAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL.


INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. BENEFICIO
DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA. PERDA DA QUALIDADE DO FUMO. FALTA
DE GERADOR. CULPA CONCORRENTE NÃO COMPROVADA. DANOS
MATERIAIS CONFIGURADOS. - A falta de impugnação ou recurso em relação a
concessão do benefício da Gratuidade de Justiça no momento correto gera a preclusão
temporal que impede o conhecimento por este Tribunal. Ademais, não apresentado
nas contrarrazões nenhum fato superveniente a justificar a revogação da gratuidade,
razão de sua manutenção. - No caso em tela plenamente aplicável o CDC uma vez que
o autor, ainda que não seja o destinatário final do serviço, é pequeno produtor rural,
encontrando-se em situação de vulnerabilidade frente ao fornecedor. - A
responsabilidade civil da requerida é objetiva com base no art. 37, § 6º, da CF e art.
14 do CDC, bastando a comprovação do dano e do nexo de causalidade. - A
interrupção da energia elétrica causou diversos danos suportados pela parte autora e
que, frente a comprovação do nexo causal devem ser ressarcidos integralmente. -
O consumidor não tem obrigação de adquirir um gerador próprio para socorre-lo no
caso de ineficiência do serviço fornecido pela ré, pois tal exigência seria a
transferência da responsabilidade de fornecer um serviço eficiente da concessionária
para os usuários. - Para efeitos de prequestionamento, consideram-se incluídos no
acórdão os elementos suscitados pela parte ré. GRATUIDADE DA JUSTIÇA DA
PARTE APELANTE MANTIDA. APELAÇÃO PROVIDA. UNÂNIME.(Apelação /
Remessa Necessária, Nº 50018416420208210007, Sexta Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em: 27-05-2021) (grifou-se)

Por conseguinte, os princípios trazidos à discussão têm viés protetivo aos consumidores.
Além disso, são realmente aplicados às lides consumeristas, o que torna o dispositivo com
respaldo maior para com os usuários, visto que o disposto na lei é respeitado e aplicado no
campo empírico.

1.3 Princípio da publicidade

Outrossim, segundo Vidal Serrano Nunes Júnior, publicidade é: “o ato comercial de


índole coletiva, patrocinado por ente público ou privado, com ou sem personalidade, no âmago
de uma atividade econômica, com a finalidade de promover, direito ou indiretamente, o
consumo de produtos e serviços” (NUNES, 2001, p. 22-23).
Ainda segundo o mesmo autor, são quatro os aspectos fundamentais da publicidade: o
material, o subjetivo, o conteudístico e o finalístico. Aspecto material por se tratar de
acontecimentos da comunicação social, embora nem toda comunicação social integre o
conceito de publicidade. Aspecto subjetivo por ser bancada por instituições públicas ou

137
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

privadas, personalizadas ou não. Aspecto conteudístico por possuir uma vinculação econômica.
E aspecto finalístico por ter como objeto direta ou indiretamente a promoção da venda de
produtos e serviços por meio de uma divulgação efetiva (NUNES, 2003, p. 114).
Portanto, as relações de consumo têm como premissa a venda de produtos ou a prestação
de serviços entre fornecedores e consumidores. A publicidade envolve sempre a venda de
produtos ou a prestação de serviços de forma direta ou indireta. Na publicidade direta ou
proporcional, o preço ou forma de pagamento de um produto ou serviço é divulgado na mídia,
enquanto na publicidade indireta ou institucional, apenas o nome da empresa é exibido, o que
não impede a promoção de empresas de serviço de produtos negociadas por terceiros.
Com relação à definição de produtos e serviços, o artigo 3º do Código de Defesa do
Consumidor nos seus §1º e 2º que trazem a conceituação legal de produto e serviço, que é:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou


estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de
produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação,
distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante
remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária,
salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (BRASIL, 1990).

Os fornecedores podem ser entendidos como fabricantes, produtores, importadores


comerciantes e prestadores de serviços, enquanto os consumidores são as pessoas que compram
ou usam produtos ou serviços como o destinatário final, isto é, utilizam-se do produto/serviço
para o seu benefício, sem qualquer intenção de repasse ou revenda.
No entanto, há outro conceito de consumidor conforme a legislação consumerista, que
são os consumidores por equiparação. Essa ideia baseia-se no sentido de que para implementar
uma legislação destinada ao consumidor, está deve amparar todos os indivíduos, sejam eles
determinados ou não, desde que estejam sujeitos às práticas comercias, devendo ser
considerados como consumidores por equiparação, sujeitos à reparação em caso de dano.
(NUNES, 2003, p. 114).
Obviamente, o objetivo desse conceito é garantir que a partir da vigência das disposições
da Lei de Defesa do Consumidor, mesmo que garanta meios legais para quem não pagou por
produtos ou serviços, deve assegurar sua eficácia.
O princípio da publicidade é essencial para o direito. Assim sendo, não se pode falar em
seguridade nas relações jurídicas, sem que os jurisdicionados possuam realmente o direito de
usufruir e fiscalizar a sua aplicabilidade. Destarte, não há exercício de cidadania sem que o

138
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Estado assegure tal direito, trazendo isso para a temática deste artigo, a sua negativa colocaria
em risco a seguridade e confiabilidade jurídica dos negócios jurídicos, visto que isto seria um
retrocesso para o Direito.
Primeiramente é necessário destacar a base constitucional que o princípio da publicidade
possui, na qual a Constituição Federativa do Brasil no seu artigo 37 narra: "A administração
pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência [...]". Fica clara a intenção do legislador em propagar tais ideias sobre
as demais legislações infraconstitucionais. (BRASIL, 1988).
Um exemplo da aplicabilidade desta publicidade, dentro do Código de Defesa do
Consumidor é o princípio da vinculação contratual da publicidade, contido no artigo 30 e 35:

Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por


qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos
ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra
o contrato que vier a ser celebrado.
Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta,
apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre
escolha:
I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou
publicidade;
II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;
III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente
antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos. (BRASIL, 1990).

Portanto, o nível do contrato, as diretrizes incluem o princípio da publicidade


vinculativa. A publicidade é uma questão jurídica verdadeiramente unilateral porque obrigou
os fornecedores a cumprirem suas promessas desde a propagação.
O artigo 36 do mesmo Código traz as obrigações que os fornecedores têm para com os
consumidores, com a seguinte redação:

Art. 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e
imediatamente, a identifique como tal.
Parágrafo único. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá,
em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos
e científicos que dão sustentação à mensagem. (BRASIL, 1990).

Outro exemplo fácil de constatar, a importância de tal princípio é o da veracidade,


presente no artigo 37 do mesmo Código, em que o legislador se preocupou em punir a
publicidade enganosa com a seguinte redação: “É proibida toda publicidade enganosa ou
abusiva”. Esta legalidade apresenta duas formas, por comissão ou por omissão. Em anúncios

139
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

de comissões enganosas, os fornecedores afirmam que certas declarações podem estar


incorretas, o que pode enganar os consumidores. Já na forma omissiva os patrocinadores não
confirmam o conteúdo relevante de uma determinada maneira e também induzem os
consumidores a cometerem erros. (BRASIL, 1990).
Ainda dentro do mesmo artigo, tem-se a proibição de qualquer forma de discriminação
que uma publicidade possa apresentar, necessitando assim de um padrão ético e extremo
cuidado nas informações inseridas nos mesmo.
Portanto, é fácil de perceber a preocupação em que o legislador teve em proporcionar a
faculdade e a necessidade de informar os consumidores sobre seus direitos. Reconhecendo
assim a hipossuficiência e a vulnerabilidade que esta relação jurídica entre fornecedores e
consumidores possui. Desta forma instituiu um código recheado de normas e princípios para o
seu controle, onde se destaca a publicidade, por onde o legislador agiu para coibir quaisquer
modalidades de anúncios enganosos ou abusivos, para resguardar a boa-fé dos consumidores.

2 DAS PRÁTICAS ABUSIVAS

No que se refere às práticas abusivas nas relações de consumo, imperioso ressaltar o que
se trata de prática abusiva, abusividade e abuso de direito. Todos esses termos estão
relacionados entre si, encontram conceituações próximas ao passo que servem de fundamentos
mútuos.

Nesse sentido, as práticas abusivas não são atos ilícitos, muito pelo contrário, são atos
legais, pautados na legislação, porém praticados com excesso, ou seja, o exercício de um direito
legalmente previsto, porém usado de maneira excessiva capaz de causar dano a outrem.
Assim disciplina Rizatto Nunes:

[...] a prática real do exercício dos vários direitos subjetivos acabou demonstrando
que, em alguns casos, não havia ato ilícito, mas era o próprio exercício do direito em
si que se caracterizava como abusivo. A teoria do abuso do direito, então, ganhou
força e acabou preponderando. (NUNES, 2018, p. 403).

Ainda, são consideradas práticas abusivas, todas as formas de atividade dos


fornecedores no mercado de consumo, que apresentam características contrárias ao estabelecido
nas normas reguladoras, isto é, que estão em desacordo com o ordenamento jurídico, no caso
em tela, brasileiro.
Neste ínterim, aborda Bruno Miragem:
Por práticas abusivas considera-se toda a atuação do fornecedor no mercado de
consumo, que caracterize o desrespeito a padrões de conduta negociais regularmente

140
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

estabelecidos, tanto na oferta de produtos e serviços, quanto na execução de contratos


de consumo, assim como na fase pós-contratual. Em sentido amplo, as práticas
abusivas englobam toda a atuação do fornecedor em desconformidade com padrões
de conduta reclamados, ou que estejam em desacordo com a boa-fé e a confiança dos
consumidores. (MIRAGEM, 2020, p. 273).

No tocante a origem histórica do conceito de abuso de direito, este tem início no Direito
Romano, estando intimamente ligado com a intenção de prejudicar outro indivíduo, sendo
aplicado de maneira mais abrangente às relações de vizinhança, conforme traz Flavio Tartuce:

A respeito das raízes históricas do conceito, sinaliza Renan Lotufo que o abuso de
direito decorre da aemulatio do Direito Romano, ou seja, do “exercício de um direito,
sem utilidade própria, com a intenção de prejudicar outrem”, cuja aplicação ampliada
atingiu as relações de vizinhança. Na mesma linha, San Tiago Dantas demonstra que
o abuso de direito encontra origens no Direito Romano, principalmente nos conceitos
de aequitas e no ius honorarium. (TARTUCE, 2021, p. 356).

Avançando no tema, sabe-se que no abuso de direito tem interpretação equivalente no


Código Civil Brasileiro, a partir da análise do artigo 927, caput. A legislação busca
analogamente gerar o dever de indenizar a partir de uma nova interpretação deste artigo,
comparando o abuso de direito ao ato ilícito stricto sensu, conforme explica Flávio Tartuce:

Tal dispositivo já revolucionou a visualização da responsabilidade civil, trazendo


nova modalidade de ilícito, também precursora do dever de indenizar. O abuso de
direito é tratado pelo Código Civil de 2002 como um ilícito equiparado, pelo que
consta do art. 927, caput, da mesma codificação. De acordo com o último comando,
“aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a
repará-lo”. Como se percebe, a norma compara o abuso de direito ao ilícito puro, ao
colocar o art. 187 ao lado do art. 186, dando tratamento equivalente a ambos para os
fins de gerar o dever de reparar. Trata-se do ilícito indenizante, na classificação
atribuída a Pontes de Miranda. (TARTUCE, 2021, p. 356).

Assim, as práticas abusivas estão previstas no artigo 39 do Código de Defesa do


Consumidor, elencando em um rol exemplificativo, todas as situações tidas como abusos de
direito dos fornecedores, se tratando de exemplificativo para que não sejam engessadas as
possibilidades, ofertando maior amplitude à aplicação da norma e maior segurança aos
consumidores.

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas


abusivas:
I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro
produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;
II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas
disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;
III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou
fornecer qualquer serviço;

141
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade,


saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;
V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
VI - executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa
do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes;
VII - repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no
exercício de seus direitos;
VIII - colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo
com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas
não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade
credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade
Industrial (Conmetro);
IX - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se
disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de
intermediação regulados em leis especiais;
X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços.
XI - Dispositivo incluído pela MPV nº 1.890-67, de 22.10.1999, transformado em
inciso XIII, quando da conversão na Lei nº 9.870, de 23.11.1999;
XII - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a
fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério
XIII - aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente
estabelecido;
XIV - permitir o ingresso em estabelecimentos comerciais ou de serviços de um
número maior de consumidores que o fixado pela autoridade administrativa como
máximo.
Parágrafo único. Os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao
consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às amostras grátis,
inexistindo obrigação de pagamento. (BRASIL, 1990).

A importância da definição de que o rol de práticas abusivas, trazidos pelo Código de


defesa do consumidor, seja exemplificativo, uma vez que toda e qualquer ação que esteja em
desacordo com a norma jurídica estará amparada pelo ordenamento, fato que, se taxativo fosse,
o rol estaria engessado às mudanças sociais. Assim, para que seja configurada a prática abusiva,
deve-se atentar à violação do princípio da boa-fé e da própria confiança do consumidor.
É o que referenda Bruno Miragem:

A referência e a proibição das práticas abusivas no CDC têm caráter exemplificativo,


admitindo, além do que expressamente foi previsto pela legislação (em especial, o rol
do artigo 39), o reconhecimento de diversos comportamentos que por sua natureza,
ou pelo fato de se darem nocurso de uma relação de consumo, caracterizam-se como
violadores da boa-fé e da confiança dos consumidores. A natureza da abusividade da
conduta dos fornecedores, neste particular, observa-se tanto pelo exercício de uma
posição dominante na relação jurídica (Machtposizion), quanto pela contrariedade da
conduta em exame aos preceitos de proteção da confiança e à boa-fé. (MIRAGEM,
2020, p. 273)

A conceituação das práticas abusivas apresenta os parâmetros do Código Civil, numa


clara manifestação baseada no diálogo das fontes, sendo eles: o fim social e econômico, a boa-
fé objetiva e os bons costumes, tendo como a principal consequência no campo consumerista,
a responsabilidade objetiva do fornecedor.

142
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Ademais, as práticas abusivas estão presentes igualmente no artigo 51 do Código de


Defesa do Consumidor, de forma complementar, pois prevê as cláusulas abusivas. Assim, toda
a matéria que for contratual está amparada no artigo 51, já os casos extracontratuais estão
amparados no artigo 39, ambos da Lei 8.078/90, conforme apresenta Flavio Tartuce:

Além disso, deve-se compreender o art. 39 do CDC como em um diálogo de


complementaridade em relação ao art. 51 da mesma norma. Deve haver, assim, um
diálogo das fontes entre as normas da própria Lei Consumerista. Nesse contexto de
conclusão, se uma das situações descritas pelo art. 51 como cláusulas abusivas ocorrer
fora do âmbito contratual, presente estará uma prática abusiva. Por outra via, se uma
das hipóteses descritas pelo art. 39 do CDC constituir o conteúdo de um contrato,
presente uma cláusula abusiva. Em suma, as práticas abusivas também podem gerar a
nulidade absoluta do ato correspondente. (TARTUCE, 2021, p. 358).

A presente pesquisa se ateve ao inciso X do artigo 39 do Código de Defesa do


Consumidor, visto que foram recorrentes as práticas abusivas de elevação substancial do preço
de produtos essenciais à proteção do ser humano no combate à pandemia do novo corona vírus
– COVID-19.
Imperioso ressaltar que a Lei 8.078/90 não possui o condão de limitar e determinar o
preço dos produtos e serviços. Ocorre que o aumento do preço, independentemente de qualquer
elemento razoável que justifique tal mudança do preço trata-se de uma ação coibida pelo
dispositivo legal.
Assim, a justa causa está relacionada com as boas práticas, com a boa-fé objetiva e
também com os bons costumes, princípios protetivos da relação de consumo. Portanto, há um
parâmetro a ser obedecido, trata-se dos índices da inflação, sendo que todo o aumento muito
superior à inflação, há presunção de abusividade da conduta, conforme Antônio Herman de
Vasconcellos e Benjamin:

A regra, então, é que os aumentos de preço devem sempre estar alicerçados em justa
causa, vale dizer, não podem ser arbitrários, leoninos ou abusivos. Em
princípio, numa economia estabilizada, elevação superior aos índices de inflação cria
uma presunção – relativa, é verdade – de carência de justa causa. (VASCONCELLOS
& BENJAMIN, 2021, p. 534).

Diversos foram os casos de aumentos exacerbados dos preços de materiais e produtos


essenciais no combate ao novo corona vírus. Órgãos de proteção do consumidor de diversos
estados brasileiros registraram aumento de até 1000% (hum mil por cento) nos preços de álcool
em gel e máscaras, produtos altamente eficazes contra a disseminação do vírus, entre fevereiro
e abril de 2020, período em que foram identificados os primeiros casos positivos de brasileiros
contaminados.

143
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Esses aumentos de preços não apresentam uma justificativa plausível, uma vez que se
tratam de crescimentos desproporcionais sobre produtos essenciais, além de que ocorrem em
momento de extrema vulnerabilidade e hipossuficiência dos consumidores.
A situação se verifica a partir de estudos do PROCON/RS que apresentam relatos dos
mais variados produtos que aumentaram com o advento da pandemia do novo corona vírus,
onde resta caracterizada a prática abusiva com a demonstração do aumento do preço sem que
haja relevantes aumento nos custos do produto:

Ressalta-se, para que haja aumento abusivo dos valores são obrigados os fornecedores
e comerciantes aumentem os valores sem qualquer tipo de aumento no custo do
produto ou que venham se aproveitar de situações de desastres, como foram os casos
dos itens de prevenção: luvas, máscaras e álcool em gel. Nesse caso, o consumidor
que se sentir lesado deve procurar e relatar o fato ao PROCON e até mesmo ao
Ministério Público Estadual. As empresas que elevarem os valores de mercadores,
sem justa causa, poderão sofrer aplicação de multa administrativa até mesmo serem
processadas criminalmente. (RIO GRANDE DO SUL, 2021)

Todavia, os reflexos dessas condutas são inúmeros, além do fato de violarem princípios
protetores dos consumidores e também dispositivos legais que configuram as ações dos
fornecedores como abusivas, além do inciso X, amplamente debatido. Ocorre que a prática de
aumento de preço relacionada com o período caótico e de desespero social que representa uma
pandemia, faz com que a conduta do fornecedor se prevaleça sobre a vulnerabilidade humana.
Assim, o fornecedor de produtos ou serviços que vê na necessidade humana em meio a
uma pandemia uma oportunidade lucrativa sobre seus bens ou serviços essenciais não atenta
apenas contra a legislação consumerista, mas também, contra a dignidade e a existência da
pessoa humana.
Mas o questionamento que se insurge é o fato de como o consumidor pode se resguardar
dessas práticas abusivas. Objetivamente, deverá o consumidor que tomar conhecimento de
qualquer irregularidade, denunciar o ato junto aos órgãos de proteção ao consumidor (PROCON
estadual), como também, informar aos representantes do Ministério Público a existência de tais
condutas.
Porém, o que se verifica subjetivamente, é o fato de que o Código de Defesa do
Consumidor apenas prevê e proíbe as práticas abusivas. Ocorre que não há qualquer previsão
de sanção legal a ser aplicada ao fornecedor. Assim, ao ser evidenciado o ilícito, apresentam-
se duas correntes: a primeira que assegura a impunibilidade da conduta frente a ausência de
tipificação; e a outra que é aplicada no ordenamento jurídico brasileiro, assegura que todas as
sanções que rejeitem a prática abusiva poderão ser aplicadas.
Assim disciplina Bruno Miragem:
144
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Além da enumeração exemplificativa das condutas tipificadas como proibidas, outra


característica particulariza a disciplina das práticas abusivas pelo CDC, com respeito
às sanções pela violação da proibição pelos fornecedores. Neste aspecto, note-se que
a regra de proibição foi econômica. Apenas estabeleceu a vedação às condutas que
define, dentre outras que podem ser acrescidas mediante interpretação e concreção
judicial do conceito indeterminado de prática abusiva. Nada mencionou sobre as
sanções nos casos de violação da proibição. E, neste aspecto, surgem duas
possibilidades de interpretação da regra: uma primeira, mais restritiva, indicaria a
impossibilidade da cominação de sanções frente à ausência de previsão expressa.
Outra, mais abrangente – e acolhida corretamente no direito brasileiro – de que a
ausência de sanções específicas, ao tempo em que se define como proibidas certas
condutas enunciadas, caracteriza o ilícito da violação da proibição. Neste caso,
reconhecido o ilícito, todas as sanções que o rejeitem são admitidas. (MIRAGEM,
2020, p. 326).

Portanto, a prática abusiva é coibida por diferentes searas, conforme prevê o próprio
Código de Defesa do Consumidor, que em seu artigo 56, caput, traz a seguinte redação: “Art.
56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às
seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em
normas específicas: [...]”. (BRASIL, 1990).
Todavia, as aplicações destas sanções são de responsabilidade dos órgãos de
fiscalização, principalmente no âmbito estadual, mais notadamente dos PROCONS. Imperioso
ressaltar a atuação do cidadão/consumidor, ainda que não seja lesado, denuncie práticas
abusivas, com responsabilidade, lealdade e boa-fé. Somente assim que será possível coibir as
condutas ileais e eivadas de má-fé, criando assim uma relação harmônica entre consumidor e
fornecedor, nos termos das legislações vigentes.

CONCLUSÃO

O presente artigo científico fez uma análise principiológica acerca da construção e


estruturação do Código de Defesa do Consumidor bem como a sua aplicabilidade aos negócios
jurídicos contemporâneos. Para tanto, primeiramente foi elaborado uma conceituação do termo
princípio, para posteriormente explanar acerca da publicidade, da boa-fé objetiva, da
vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor.
Destarte, as ponderações precípuas e conclusivas envolvem as condições mínimas
necessárias para que se concretize uma relação justa e democrática entre as relações de
consumo, porquanto o Código de Defesa dos Consumidores é o principal meio pelo qual o
consumidor tem buscado exercer seus direitos e garantias.
Ademais, constata-se que o Estado é modelado em conformidade ao meio social que,
por sua vez, é dotado de tecnologia e procedimentos democráticos, logo, a publicidade, a boa-

145
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

fé são garantias mínimas para que sejam realizados negócios jurídicos justos. Nesta celeuma,
se faz importante destacar ainda a hipossuficiência e a vulnerabilidade que os consumidores
possuem em relação aos fornecedores, vez que, geralmente o porte econômico de ambos
possuem diferenças significativas.
Outrossim, destaca-se o papel do Código de Defesa do Consumidor na defesa contra as
práticas abusivas, muitas dessas praticadas em virtude do grande avanço da globalização e as
facilidades propiciadas pela tecnologia. Meios estes que são utilizados como ferramentas para
muitas vezes transgredir normas e abusar de direitos frente aos consumidores.
Ao final, percebe-se o quanto a sociedade avança em direção ao amplo acesso de
informações e, portanto, faz-se fundamental que o seu ordenamento jurídico, em destaque aqui
o Código de Defesa dos Consumidores, haja para garantir tais direitos e protege-los, fornecendo
os meios para que todos os alcancem.
Por fim, com esse avanço social é imprescindível a atuação conjunta do cidadão e dos
órgãos de fiscalização, uma vez que as denúncias e as sanções a serem aplicadas tenham o
condão de coibir o fornecedor de praticar condutas desproporcionais e contrárias ao aparato
legislativo consumerista.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma


dogmática constitucional transformadora. Editora Saraiva. São Paulo, 1999.

BRASIL. Código de Defesa do Consumidor Brasileiro. Lei nº 8.078/1990.

----------. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988.

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. PROCON/RS. Práticas abusivas nas relações de


consumo durante a pandemia do COVID-19. Disponível em:
<https://www.procon.rs.gov.br/praticas-abusivas-nas-relacoes-de-consumos-durante-a-
pandemia-do-covid-19>. Acesso em: 19 de junho de 2021.

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO


GRANDE DO SUL. Apelação Cível nº 5001841-64.2020.8.21.0007. Relator: Gelson Rolim
Stocker. Julgado em 27 maio 2021. Disponível em:
<https://www.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php?nome_comarca=Tribunal%
20de%20Justi%C3%A7a%20do%20RS&versao=&versao_fonetica=1&tipo=1&id_comarca=
700&num_processo_mask=&num_processo=50018416420208210007&codEmenta=7706337
&temIntTeor=true>. Acesso em: 19 de junho de 2021.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 12ª Edição. Editora
Malheiros. São Paulo, 2000.

146
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. Livro eletrônico. 6ª Edição. São Paulo,
Thomson Reuters Brasil, 2019.

NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Publicidade comercial: proteção e limites na Constituição de


1988. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p. 22-23.

NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano; SERRANO, Yolanda Alves Pinto. Código de Defesa do
Consumidor interpretado. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 114.

NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 12ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2018.
1.Consumidores – Leis e legislação – Brasil 2. Consumidores – Proteção – Brasil I. Título. 17-
1612 CDU 34:381.6(07).

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 11ª Edição. Editora Saraiva. São Paulo, 1986.

TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assunção. Manual de Direito do Consumidor:


direito material e processual. 3ª Edição. Método, São Paulo, 2014. Disponível em:
<https://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/artice/viewFile/331/326>. Acesso
em: 15 de junho de 2021.

__________. Manual de Direito do Consumidor: direito material e processual. Volume único.


10 ª Edição. Editora Forense, Rio de Janeiro, 2021.

VASCONCELLOS, Antônio Herman de e BENJAMIN. Código Brasileiro de Defesa do


Consumidor. Comentado pelos autores do anteprojeto: GRINOVER, Ada Pellegrini... [et al];
colaboração FILHO, Vicente Gomes de Oliveira; BRAGA, João Ferreira. Direito matéria e
processo coletivo. Volume único. 12ª Edição. Editora Forense. Rio de Janeiro, 2019.

147
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

O SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR COMO PERDA DAS


CAPACIDADES

Jovana De Cezaro1

Resumo: O presente artigo visa promover reflexões acerca do superendividamento do


consumidor como perda das capacidades civis. Objetiva-se debater se o superendividamento do
indivíduo na sociedade de consumo é instrumento capaz de fazer com que o consumidor perca
suas capacidades civis, afetando a sua dignidade. A sociedade de consumo, por meio da
publicidade, instiga o consumo de bens ou serviços e o seu rápido descarte, fazendo com que
alguns indivíduos busquem créditos visando consumir cada vez mais e acabem se endividando
excessivamente. Na sociedade de consumo, por meio do marketing, objetiva-se tão somente
estimular desejos e incentivar o consumo, sem pensar na situação econômica e financeira do
consumir. Sendo assim, denota-se que o superendividamento leva o consumidor a perder suas
capacidades civis, sendo estas indispensáveis para uma vida digna.
Palavras-chave: Consumidor. Perda das capacidades. Sociedade de consumo.
Superendividamento.

INTRODUÇÃO

Vive-se, atualmente, em uma sociedade de consumo, onde o ato de consumir impera,


dita padrões a serem seguidos e tornou-se um pressuposto para uma existência digna. Contudo
não se trata apenas do consumo de produtos e serviços essenciais, mas também de bens
supérfluos e desnecessários.
A sociedade de consumo ergue-se em torno do verbo adquirir, onde o indivíduo é
motivado e impulsionado a consumir. Para consumir produtos e serviços os consumidores
necessitam do crédito, que atua como elemento indispensável nas relações interpessoais, porém,
muitas vezes acabam superendividando-se.
O superendividamento é caracterizado pelo estado de insolvência do indivíduo, de
maneira que torna-se improvável o pagamento de seus débitos. O consumidor endividado se
encontra em um estágio ameaçado, uma vez que o acumulo de dívidas prejudica o custeio das
necessidades básicas e, assim sendo, de sua dignidade.
Nesse sentido, o superendividamento do consumidor pode ser compreendido como
perda das capacidades civis, tendo em vista a incapacidade de consumir, o que faz com que o
indivíduo seja, consequentemente, excluído da vida social.

1
Mestranda do Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade de Passo Fundo - UPF. Pós-Graduanda
em Direito do Trabalho. Advogada. Inscrita na OAB/RS sob número 120.665. Endereço de e-mail:
jovanadc@hotmail.com.
148
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

1. A SOCIEDADE DE CONSUMO

O consumo é uma atividade presente em toda e qualquer sociedade humana e é parte


integrante da vida das pessoas. Mas, a doutrina afirma que, um dos elementos centrais que
define a pós-modernidade vivida atualmente é o consumismo, o que faz com que se defina a
atual sociedade como sociedade de consumo.
Nessa sociedade que encoraja o ato de consumir, todos os sujeitos são tidos como
consumidores2. O consumo está preenchendo uma função além da satisfação de necessidades
básicas comuns a todos os grupos sociais, tendo em vista que o consumidor precisa estar
cercado de novas vontades e de buscar a todo momento satisfazer suas necessidades infinitas.
O consumo é compreendido como uma atividade necessária à subsistência e “tem raízes
tão antigas quanto os seres vivos”. Mas, “de maneira distinta do consumo, que é basicamente
uma característica e uma ocupação dos seres humanos como indivíduos, o consumismo é um
atributo da sociedade (BAUMAN, 2008, p. 37-41).
Diferentemente do consumo, o consumismo se caracteriza pela aquisição de tudo aquilo
que possa proporcionar felicidade.

pode-se dizer que o “consumismo” é um tipo de arranjo social resultante da


reciclagem de vontades, desejos e anseios humanos rotineiros, permanentes e, por
assim dizer, “neutros quanto ao regime”, transformando-os na principal força
propulsora e operativa da sociedade, uma força que coordena a reprodução sistêmica,
a integração e a estratificação sociais, além da formação de indivíduos humanos,
desempenhando ao mesmo tempo um papel importante nos processos de auto-
identificação individual e de grupo, assim como na seleção e execução de políticas de
vida individuais. O “consumismo” chega quando o consumo assume papel-chave que
na sociedade de produtores era exercido pelo trabalho. [...] De maneira distinta do
consumo, que é basicamente uma característica e uma ocupação dos seres humanos
como indivíduos, o consumismo é um atributo da sociedade. Para que uma sociedade
adquira este atributo, a capacidade profundamente individual de querer, desejar e
almejar deve ser [...] destacada (alienada) dos indivíduos e reciclada/reificada numa
força externa que coloca “a sociedade dos consumidores” em movimento e a mantém
em curso como uma forma específica de convívio humano, enquanto ao mesmo tempo
estabelece parâmetros específicos para as estratégias individuais de vida que são
eficazes e manipula as probabilidades de escolha e condutas individuais (BAUMAN,
2008, p. 41).

Para Canclin “el consumo es el conjunto de procesos socioculturales en que se realizan


la apropiación y los usos de los productos". Para o mesmo autor, “consumir suele asociarse a

2
Artigo 2° do Código de Defesa do Consumidor: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou
utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de
pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo” (BRASIL, 1990).
149
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

gastos inútiles y compulsiones irracionales” (1995, p. 41). Muitos dos produtos3 e serviços4
consumidos não são necessários, mas, grande parte dos consumidores, consomem com o
propósito de buscar a felicidade e o bem estar.
Nesse sentido, Bauman afirma que a busca pela felicidade é “o propósito mais invocado
e usado como isca nas campanhas de marketing” (2008, p. 51). A publicidade está sempre à
buscar sua finalidade de instigar o consumo. Marques define publicidade como “toda
informação ou comunicação difundida com o fim direto ou indireto de promover junto aos
consumidores a aquisição de um produto ou a utilização de um serviço, qualquer que seja o
local ou meio de comunicação utilizado”. Sendo assim, “o elemento caracterizador da
publicidade é a sua finalidade consumista” (2005, 801).
Conforme Fradera, a publicidade faz parte do nosso cotidiano, desde a infância até os
nossos últimos dias. É através dela que o mundo “nos é oferecido, como se fora uma vitrine,
onde são expostas as ‘novidades’ que, a partir de então, passam a ser ‘necessidades’, mostradas
que são como indispensáveis ao conforto e à atualização da vida e dos lares” (1992, p. 06).
A difusão da publicidade deve se dar por meio de informações corretas e claras que
objetivam responsabilizar quem a veicula e responsabilizar os fornecedores, exigindo-se a boa-
fé entre fornecedor5 e consumidor (MARQUES, 2005, p. 800). Importante mencionar que “la
sociedad actual, socialmente más consciente y mejor conocedora de las prácticas persuasivas,
exige una publicidad más igualitaria y respetuosa” (FEENSTRA, 2014, p. 18).
Por meio da publicidade aproxima-se os consumidores dos fornecedores, que
anteriormente eram anônimos, e “suas principais finalidades consistem em fazer com que os
índices de vendas se mantenham elevados”. Ainda, dedica-se “à tarefa de, diariamente, utilizar
o tempo livre dos consumidores apresentando-lhes novos produtos e serviços, ou seja, novas
necessidades” (TONIAL; SORDI, 2018, p. 132).
Nessa senda, a sociedade de consumidores representa um conjunto de condições
existenciais em que é “elevada a probabilidade de que a maioria dos homens e das mulheres
venha a abraçar a cultura consumista em vez de qualquer outra, e de que na maior parte do

3
Artigo 3° do Código de Defesa do Consumidor: “[...] § 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material
ou imaterial” (BRASIL, 1990)
4
Artigo 3° do Código de Defesa do Consumidor: “[...] § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de
consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as
decorrentes das relações de caráter trabalhista” (BRASIL, 1990).
5
Artigo 3° do Código de Defesa do Consumidor: “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada,
nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção,
montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de
produtos ou prestação de serviços” (BRASIL, 1990).
150
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

tempo obedeçam aos preceitos dela com máxima dedicação” ou seja, interpela seus membros
na condição de consumidores (BAUMAN, 2008, p. 70).
Esta sociedade “promove, encoraja ou reforça a escolha de um estilo de vida e uma
estratégia existencial consumista, e rejeita todas as opções culturais alternativas” Assim, “todo
mundo precisa ser, deve ser e tem que ser um consumidor por vocação (ou seja, ver e tratar o
consumo como vocação) [...] que é ao mesmo tempo um direito e um dever humano universal
que não conhece exceção” (BAUMAN, 2008, p. 71-72).
Lopes define a sociedade de consumo como

[...] uma sociedade de massas e de classes: suas relações definem-se pelo mercado,
que ao mesmo tempo permite interações anônimas e despersonalizadas entre grandes
números de pessoas (por isso sociedade de massas) e determinadas pela sua posição
respectiva no processo produtivo (na apropriação dos benefícios da vida social, por
isso sociedade de classes) (1996, p. 1).

No mundo moderno o consumo se tornou o foco central da vida do indivíduo. Levando


em consideração essa característica alguns autores descrevem a sociedade contemporânea de
uma forma negativa, como uma sociedade materialista, que gira em torno do lucro e da
acumulação e que o valor social das pessoas é aferido não pelo que elas são, mas sim pelo que
elas têm (BARBOSA, 2004, p. 31).
A sociedade se consolida “num sistema onde as pessoas aparentam ser e ter - o que não
são e o que não tem. A vida gira em torno do adquirir bens e continuar adquirindo”
(CALGARO; PEREIRA, 2016, p. 75). O ser humano passou a ter valor pelo que ele detinha,
mas não pelo que ele era.
Assim, o consumo “passa a ser o elemento principal das atividades humanas, deslocando
o ser para o ter e, posteriormente, para o aparentar” (PEREIRA; CALGARO; PEREIRA, 2016,
p. 267). Nas palavras de Galeano “ser es tener” e “quiem más tiene, más quiere” (1994, p. 125).
Essa forma de consumo

consiste em fazer a afirmação do ego dos grandes consumidores. Em outras palavras,


a subjetividade heterônoma faz com que os indivíduos acreditem que, ao consumirem
mais que a grande maioria, serão mais importantes que essa maioria. O valor do ser
humano está no consumir e não mais na sua moral, nos seus atos, no seu amor, ou
seja, o poder de consumo dita as novas regras sociais. Quem consome mais tem mais
valor. Assim, quanto maior for a população de excluídos melhor será o status do
grande consumidor. [...] ter para ser feliz (PEREIRA; PEREIRA; PEREIRA, 2009, p.
11).

O outro lado traz uma perspectiva mais positiva, que define a cultura do consumo como
um universo que predomina a soberania do consumidor e a sua autonomia de escolha, podendo
151
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

levar o produto ou contratar o serviço de acordo com os seus interesses (BARBOSA, 2004, p.
31).
Porém, se o indivíduo é visto pelo que ele tem, a única maneira de conquistar um lugar
de destaque é comprando bens, que na maioria das vezes não seria possível de adquirir somente
com os rendimentos básicos, levando os consumidores a buscarem o acesso ao crédito.

2. O SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR

A partir do século XXI, a sociedade brasileira presenciou o desenvolvimento do


fenômeno da concessão de crédito. O acesso ao crédito potencializou a economia do país e
possibilitou as classes econômicas de menor poder aquisitivo uma vida mais digna. Contudo, o
oferecimento do crédito, aliado ao interesse financeiro e a uma publicidade que ínsita o
consumo, ocasionaram o superendividamento da população.
Visando consumir para buscar uma posição mais confortável e de satisfação pessoal,
muitos consumidores não percebem que acabam perdendo o controle de suas obrigações e
caindo em um estado de insolvência com relação as suas dívidas. O superendividamento pode
ocorrer por inúmeros fatores, dentre eles o consumo desenfreado de bens e serviços.
O crédito ao consumo está associado ao desenvolvimento econômico, visto que,
possibilita o acesso dos mais carentes a bens e serviços de consumo, sendo um fator de inclusão
social. O crédito é importante para gerar crescimento, tendo em vista que ao aumentar o
consumo obriga as empresas a produzir em maior escala e isso afeta, consequentemente, na
geração de empregos, aumentando o poder de compra da população e assim por diante.
Destaca Marques que o consumo e o crédito são faces de uma mesma moeda, ou seja,
“para consumir muitas vezes necessita-se de crédito, se há crédito ao consumo, a produção
aumenta e a economia ativa-se, há mais emprego e aumenta o ‘mercado’ de consumo brasileiro”
(MARQUES, 2010, p. 18). Quando refere-se ao crédito ao consumo significa dizer que

crédito é ‘tempo’, ‘tempo’ que a pessoa ‘adquire’ através de vários contratos


oferecidos no mercado ao consumidor [...] é este ‘tempo’ para poder pagar sua dívida,
pois a pessoa recebe imediatamente a quantia em dinheiro que necessita para o
consumo e a devolve em parcelas, com juros e taxas acrescidos, no passar de alguns
meses (ou mesmo anos). Crédito é um serviço especializado e oneroso que só pode
ser prestado por alguns fornecedores do Sistema Financeiro Nacional. Crédito é um
contrato real (se perfectibiliza com o ato da entrega do dinheiro pelo fornecedor-
banco, administradora do cartão ou financeira), em que cabe ao consumidor-devedor
a prestação típica, ‘pagar’ os juros (preço do crédito) e devolver o principal corrigido,
e mais algumas taxas pelo uso desse tipo de crédito. Os perigos do crédito podem ser
atuais ou futuros. Atuais, pois o crédito fornece ao consumidor, pessoa física, a
impressão de que pode - mesmo com seu orçamento reduzido - tudo adquirir, e,
embebido das várias tentações da sociedade de consumo, multiplica suas compras até

152
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

que não lhe seja mais possível pagar em dia o conjunto de suas dívidas em um temo
razoável (MARQUES, 2010, p. 04).

As altas taxas de juros praticas no mercado financeiro nacional, as insuficientes


informações sobre os riscos do crédito ao consumidor, as cláusulas abusivas presentes nos
contratos, o elevado custo do dinheiro e a grande quantidade de publicidade enganosa que
impera em nosso país são os principais problemas ocasionados pelo crédito ao consumo no país
O mercado de consumo está sempre a buscar novas formas de seduzir o consumidor ao
consumo de bens ou serviços e isso, muitas vezes, culmina em dívidas insustentáveis. Para
Marques o superendividamento caracteriza “a impossibilidade global de o devedor, pessoa
física, consumidor, leigo, de boa-fé6, pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo
[...] em um tempo razoável com sua capacidade atual de rendas e patrimônio” (2005, p. 256).
É possível dizer que o fenômeno do superendividamento se caracteriza “pela
insuficiência de recursos econômicos da pessoa física para o cumprimento de suas obrigações
financeiras, cujo resultado é um aumento de suas dívidas frente aos seus rendimentos”
(BOLADE, 2012, p. 183). Ou seja, constitui-se na assunção de inúmeras obrigações pelo
consumidor, momento que esse não se mostra mais capaz de adimplir todos os seus
compromissos.
Destaca Vasconcelos que o superendividamento é um fenômeno multifacetado, cultural
e pluricasual que adentrou na sociedade pós-moderna, paulatinamente, como direito líquido,
conduzido pela onda da globalização e pela excessiva oferta de produtos no mercado (2007, p.
21).
Não se pode confundir o superendividamento com o simples endividamento7, pois
possuem significados diferentes8. O primeiro é superior ao normal, é um inadimplemento

6
Em regra, “quando contrata-se o crédito ou adquire-se o produto ou serviço em prestações, o consumidor tem
condições de honrar sua dívida. Trata-se de uma boa-fé contratual que é sempre presumida. Em todos os países
que possuem leis sobre a prevenção e tratamento do superendividamento dos consumidores, aquele que é
protegido é sempre o consumidor pessoa física de boa-fé contratual. A boa-fé é a base do combate ao
superendividamento dos consumidores. Como já afirmamos muitas vezes, a imposição do princípio da boa-fé
objetiva às relações de crédito com consumidores (Art. 4, III do CDC) leva à existência de um dever de cooperar
dos fornecedores para evitar a ruína destes consumidores. Haveria, pois, na relação de crédito ao consumo e nos
financiamentos para o consumo (art. 52 do CDC), novos deveres de cooperação dos fornecedores de serviços
bancários, de crédito e financeiros (Súmulas 297 e 283 do Superior Tribunal de Justiça-STJ) que imporiam um
esforço de boa-fé para adaptar estes contratos e preservá-los (neue Verhandlungspflichten) de modo a evitar a
ruína e o superendividamento dos consumidores de boa-fé” (MARQUES, 2010, p. 23).
7
O endividamento ou ter alguma dívida frente a um fornecedor (supermercado, banco, cartão de crédito, loja de
departamentos, financeira de carros) é um fato inerente à vida na atual sociedade de consumo, faz parte da
liberdade das pessoas no mercado de hoje, do ser “consumidor”, em qualquer classe social (MARQUES, 2010,
p. 17).
8
Importante destacar que os superendividamento, endividamento, inadimplemento e insolvência são distintos e
não devem confundir-se.
153
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

duradouro, que não é mais passível de controle por parte de consumidor, ou seja,
inadimplemento definitivo. É um problema enfrentado pela sociedade de consumo num mundo
globalizado9, fenômeno este que se expande rapidamente.
Superendividado é sempre o consumidor, ou seja, a “pessoa física que contrata a
concessão de um crédito, destinado à aquisição de produtos ou serviços que, por sua vez, visam
atender a uma necessidade pessoal, nunca profissional do adquirente”, que agiu de boa-fé, mas
que não conseguiu pagar seus débitos (CARPENA; CAVALAZZI, 2006, p. 329).
O superendividamento pode surgir de duas situações: o superendividamento ativo e o
passivo. O primeiro subdivide-se em superendividamento ativo consciente e inconsciente.
Ambos surgem de maneira espontânea e se dão em virtude do uso desmedido do crédito e do
consumo em demasia, extrapolando a medida de seu orçamento o que causa uma acumulação
de dívidas (MARQUES, 2005, p. 14).
Porém, no caso de superendividamento ativo consciente, o indivíduo contrai a dívida
de má fé, ciente de que o bem adquirido, o serviço contratado ou crédito obtido não condizem
com sua realidade de renda. No segundo não se caracteriza a má fé, mas sim uma
desorganização financeira no adimplemento, situação que o indivíduo esforçou-se para adimplir
sua dívida, mas que logrou-se inexitosa (MARQUES, 2005, p. 64-65).
Nesse sentido, a má fé configura-se quando o indivíduo efetua dívidas ciente de que não
pode pagá-las, ou seja, realiza o ato sabendo que o credor não terá como cobrar-lhe. Assim, o
superendividamento que ocorre pela falta de cautela com os gastos não configura a má fé, visto
que ao assumir as suas dívidas tem o intuito de quitá-las, mas que por uma má gestão de seus
rendimentos e gastos acaba comprometendo-se financeiramente mais do que os seus
rendimentos possam suportar.
O superendividamento passivo não configura má fé e ocorre por alguns fatores que são
comuns a vida cotidiana, mas que o consumidor não contribui de forma direta para que a
situação se instale. Caracteriza-se por um evento inesperado que ocorre na vida da pessoa, tal
como dívida proveniente de um desemprego, doença que acomete uma família, dentre outros.
O indivíduo em situação de superendividamento, quando em situações extremas, perde
a sua capacidade de consumir. Além disso, vê sua dignidade reduzida frente a impotência de
conseguir gerir suas necessidades e gastos, mesmo que básicas.

9
Globalização “significa a experiência cotidiana da ação sem fronteiras nas dimensões da economia, da
informação, da ecologia, da técnica, dos conflitos transculturais e da sociedade civil [...] a globalização significa
o assassinato da distância, o estar lançado a formas de vida transnacionais [...]” (BECK, 1999, p. 46-47).
154
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

3. A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO E O SUPERENDIVIDAMENTO


COMO PERDA DAS CAPACIDADES

A lógica do mercado de consumo da sociedade líquida está presa a um desenvolvimento


sem liberdade. A evolução da economia, sob as lentes da Análise Econômica do Direito, vem
acompanhada de uma perda de liberdades individuas em detrimento dos interesses financeiros
dos operadores do crédito.
A Análise Econômica do Direito parte do pressuposto de que a economia, em especial
a microeconomia, seja útil para a análise e prática do direito. Destaca Timm que

a Análise Econômica do Direito nada mais é que a aplicação do instrumental analítico


e empírico da economia, em especial da microeconomia e da economia do bem-estar
social, para se tentar compreender, explicar e prever as implicações fáticas do
ordenamento jurídico, bem como da lógica (racionalidade) do próprio ordenamento
jurídico. Em outras palavras, a AED é a utilização da abordagem econômica para
tentar compreender o direito no mundo e o mundo no direito (2012, p. 14).

Mackaay e Rousseau destacam que a Análise Econômica do Direito “parte da premissa


de que os instrumentos de análise que podem ser utilizados para compreender o ‘direito
econômico’ são, igualmente, aplicáveis a outros ramos do direito”. Propõe, então, “a partir da
concepção do ser humano e de suas relações com os outros, a releitura do direito. Procura
atualizar ‘a economia do direito’” (2015, p. 7).
A Análise Econômica do Direito desenvolveu-se em quatro fases: o lançamento entre
os economistas, que ocorreu entre 1957 a 1972; a aceitação do paradigma pelo direito que se
deu de 1972 até 1980; o debate sobre os fundamentos de 1980 até 1982 e o movimento ampliado
que deu-se a partir de 1982 (MACKAAY; ROUSSEAU, 2015, p. 9).
No que concerne ao desenvolvimento como liberdade, Sen nos remete ao seguinte
pensamento

Vivemos em um mundo de opulência sem precedentes, de um tipo que teria sido difícil
até mesmo imaginar um ou dois séculos atrás. Também tem havido mudanças notáveis
para além da esfera econômica. O século XX estabeleceu o regime democrático e
participativo como o modelo preeminente de organização política. Os conceitos de
direitos humanos e liberdade política hoje são parte da retórica prevalecente. As
pessoas vivem em média muito mais tempo do que no passado. Além disso, as
diferentes regiões do globo estão agora mais estreitamente ligadas do que jamais
estiveram, não só nos campos da troca, do comércio e das comunicações, mas também
quanto a ideias e ideais interativos. Entretanto, vivemos igualmente em um mundo de
privação, destituição e opressão extraordinárias. Existem problemas novos
convivendo com antigos — a persistência da pobreza e de necessidades essenciais não
satisfeitas, fomes coletivas e fome crônica muito disseminadas, violação de liberdades
políticas elementares e de liberdades formais básicas, ampla negligência diante dos
interesses e da condição de agente das mulheres e ameaças cada vez mais graves ao
nosso meio ambiente e à sustentabilidade de nossa vida econômica e social. Muitas

155
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

dessas privações podem ser encontradas, sob uma ou outra forma, tanto em países
ricos como em países pobres. Superar esses problemas é uma parte central do processo
de desenvolvimento (2010, p.10).

A busca pelo desenvolvimento se tornou um paradigma a ser buscado pela sociedade.


A perspectiva do desenvolvimento como liberdade foi desenvolvido por Sen, economista
indiano, que desenvolveu a abordagem das capacitações e que compreende o desenvolvimento
como uma processo de ampliação das liberdades, visando eliminar as privações vivenciadas
pelos indivíduos. Tais privações são vistas pelo autor como restrições que impossibilitam as
pessoas de fazerem escolhas (2010, p. 10).
Considerando a abordagem das capacitações de Sen, as liberdades correspondem aos
meios pelos quais os indivíduos conseguem alcançar o seu bem estar e ampliar o seu número
de liberdades, o que promove o desenvolvimento humano (2010, p. 25).
Para o autor há cinco formas de liberdade que as pessoas possuem e consequentemente,
ampliam suas capacitações, são elas:

(1) liberdades políticas, (2) facilidades econômicas, (3) oportunidades sociais, (4)
garantias de transparência e (5) segurança protetora. Cada um desses tipos distintos
de direitos e oportunidades ajuda a promover a capacidade geral de uma pessoa (SEN,
2010, p. 25).

Em consonância com o pensamento de Sen, o desenvolvimento econômico não deve


reduzir a pobreza à comparação de renda. Os argumentos, segundo o autor, em favor da
abordagem da pobreza como privação das capacidades são os seguintes:

1) A pobreza pode sensatamente ser identificada em termos de privação de


capacidades; a abordagem concentra-se em privações que são intrinsecamente
importantes (em contraste com a renda baixa, que é importante apenas
instrumentalmente). 2) Existem outras influências sobre a privação de capacidades —
e, portanto, sobre a pobreza real — além do baixo nível de renda (a renda não é o
único instrumento de geração de capacidades). 3) A relação instrumental entre baixa
renda e baixa capacidade é variável entre comunidades e até mesmo entre famílias e
indivíduos (o impacto da renda sobre as capacidades é contingente e condicional)
(2010, p. 120).

Nesse sentido a pobreza não deve ser considerada exclusivamente do ponto de vista de
renda dos indivíduos. A ideia de que pobreza é “simplesmente escassez de renda está
razoavelmente estabelecida na literatura sobre o tema. Não é uma ideia tola, pois a renda -
apropriadamente definida - tem enorme influência sobre o que podemos ou não podemos fazer”
(SEN, 2010, p. 101).
Porém,

156
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

existe um argumento igualmente bom para não terminar apenas com a análise da
renda. A clássica análise de John Rawls sobre os “bens primários” fornece um quadro
mais amplo dos recursos de que as pessoas necessitam independentemente de quais
sejam seus respectivos objetivos; neles inclui-se a renda, mas também outros “meios”
de uso geral. Os bens primários são meios de uso geral que ajudam qualquer pessoa a
promover seus próprios fins, como “direitos, liberdades e oportunidades, renda e
riqueza e as bases sociais do respeito próprio”. A concentração em bens primários na
estrutura rawlsiana relaciona-se a essa visão da vantagem individual segundo as
oportunidades que os indivíduos têm para buscar seus objetivos (SEN, 2010, p. 101).

Assim, a perda das capacidades civis também é causa da perda da liberdade. Denota-se,
nesse contexto, a importância que a liberdade individual tem no âmbito da sociedade uma vez
que é “um determinante principal da iniciativa individual e da eficácia social” (SEN, 2010, p.
33).
O superendividamento é essa diminuição ou perda das capacidades do consumidor. Com
o estimulo ao consumo desenfreado, um indivíduo superendividado se mostra inadequado para
o sistema, tendo em vista que não consegue consumir e é, consequentemente, excluído da
sociedade.
Não deve se considerar o endividamento excessivo apenas da aferição de renda dos
indivíduos, mas sim como perda de capacidades. Sen aborda que “a privação relativa de rendas
pode resultar em privação absoluta de capacidades” (2010, p. 122).

A “capacidade” [capability] de uma pessoa consiste nas combinações alternativas de


funcionamentos cuja realização é factível para ela. Portanto, a capacidade é um tipo
de liberdade: a liberdade substantiva de realizar combinações alternativas de
funcionamentos (ou, menos formalmente expresso, a liberdade para ter estilos de vida
diversos) (SEN, 2010, p. 105).

Além da diminuição da renda, superendividar-se é uma forma de ser privado das


capacidades civis, indispensáveis para uma vida digna. Garantir as capacidades civis do
superendividado é de suma importância, tendo em vista que se não asseguradas dificilmente o
indivíduo vai conseguir voltar ao mercado de consumo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sociedade de consumo busca despertar novos desejos de consumo, ou seja, seus


objetivos estão focados na produção e aquisição de bens de consumo. Nesse contexto surgiu o
consumismo, prática pela qual os indivíduos são hodiernamente bombardeados pela
publicidade de novos produtos que surgem e incentivados a consumir além do necessário para
a sua sobrevivência.

157
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

As pessoas, em grande parte das vezes, não percebem que não necessitam de
determinados produtos, que eles não são essenciais, mas as constantes mudanças das
necessidades e desejos do consumidor, impulsionados pela publicidade, precisam ser satisfeitos
através da aquisição de novos produtos.
O comprar e o descartar é o que movimenta a economia, porém também é uma
circunstância que potencializa as situações de superendividamento do consumidor. A
concepção do crédito como dinheiro fez surgir uma sociedade de consumo que se movimenta
pelo acumulo desproporcional de dívidas futuras que fogem do controle do indivíduo.
Nesse sentido, o superendividamento, caracterizado pelo estado de insolvência do
indivíduo diante da incapacidade de cumprir com o pagamento dos seus débitos, deve ser
entendido como a perda das capacidades civis dos consumidores pessoas físicas de boa-fé,
diante da diminuição da renda ocasionada pelo endividamento excessivo, afetando,
diretamente, a dignidade da pessoa humana.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBOSA, Livia. Sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Jorge Zaliar Ed., 2004.

BAUMAN, Zigmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria.


Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

BECK, Ulrich. O que é globalização? equívocos do globalismo: respostas à globalização.


Tradução de André Carone. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

BOLADE, Geisianne Aparecida. O superendividamento do consumidor como um problema


jurídico-social. ANIMA: Revista Eletrônica do Curso de Direito das Faculdades OPET.
Curitiba PR - Brasil. Ano III, nº 8, p. 180-209, jul/dez. 2012.

BRASIL. Lei Federal número 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do
consumidor e dá outras providências. Brasília, DF: Senado, 1990. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8078.htm>. Acesso em: 22 fev. 2021.

CALGARO, Cleide; PEREIRA, Agostinho Oli Koppe. A Sociedade Consumocentrista e seus


Reflexos Socioambientais: A Cooperação Social e a Democracia Participativa para a
Preservação Ambiental. Revista de Direito, Economia e Desenvolvimento Sustentável,
Curitiba, v. 2, n. 2, p. 72-88, jul./dez. 2016. Disponível em: <
https://www.indexlaw.org/index.php/revistaddsus/article/view/1388>. Acesso em: 20 fev.
2021.

CANCLINI, Néstor García. Consumidores y Ciudadanos: Conflictos multiculturales de la


globalización. México: Grijalbo, 1995.

158
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

CARPENA, Heloísa; CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli. Superendividamento: proposta


para um estudo empírico e perspectiva de regulação. In: MARQUES, Cláudia Lima;
CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli (Coord). Direitos do Consumidor Endividado:
Superendividamento e crédito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 310-344.

FEENSTRA, Rámon A. Etica de la publicidad: retos en la era digital. Madrid: Editorial


Dykinson, 2014.

FRADERA, Vera Maria Jacob. A interpretação da proibição de publicidade enganosa ou


abusiva à luz do princípio da boa-fé: o dever de informar no Código de Defesa do Consumidor.
Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 4/1992, p. 173-191, out-dez. 1992.

GALEANO, Eduardo. Úselo y tírelo. Buenos Aires: Grupo Editorial Planeta, 1994.

LOPES, José Reinaldo de Lima. Crédito ao consumidor e superendividamento - uma


problemática geral. Revista de Direito do Consumidor, v. 17, 1996, p. 57 – 64, jan./mar. 1996.
Disponível em: <http://www.rt.com.br/marketing/hotsite/Revistas2014/RDC.html>. Acesso
em: 21 fev. 2021.

MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução de


Rachel Sztajn. São Paulo: Atlas, 2015.

MARQUES, Claudia Lima. Algumas perguntas e respostas sobre prevenção e tratamento do


superendividamento dos consumidores pessoas físicas. Revista de Direito do Consumidor,
Brasília, v. 75/2010, p. 9 – 42, jul./ set. 2010.

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime


das relações contratuais. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2005.

MARQUES, Claudia Lima. Sugestões para uma lei sobre o tratamento do superendividamento
de pessoas físicas em contratos de credito ao consumo: proposições com base em pesquisa
empírica de 100 casos no Rio Grande do Sul. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo:
Revista dos Tribunais, n. 55, p. 11-52, jul./set. 2005.

MARQUES, Claudia Lima; LIMA Clarissa Costa; BERTONCELLO, Káren. Prevenção e


tratamento do superendividamento: caderno de investigações cientificas. Brasília:
Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor/Secretaria de Direito Econômico/
Ministério da Justiça, 2010.

PEREIRA, Agostinho Oli Koppe; CALGARO, Cleide; PEREIRA, Henrique Mioranza Koppe.
Consumocentrismo e os seus reflexos socioambientais na sociedade contemporânea. Revista
Direito Ambiental e sociedade, v. 6, 2016, n. 2. p. 264-279, 2016.

PEREIRA, Agostinho Oli Koppe; PEREIRA, Henrique Mioranza Koppe; PEREIRA, Mariana
Mioranza Koppe. Hiperconsumo e a ética ambiental. In: PEREIRA, Agostinho Oli Koppe;
HORN, Luiz Fernando Del Rio. Relações de consumo: meio ambiente. Caxias do Sul, RS:
Educs, 2009. Disponível em:
<https://www.ucs.br/site/midia/arquivos/RC_MEIO_AMBIENTE_EBOOK.pdf#page=13>.
Acesso em: 19 fev. 2021.
159
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia da Letras, 2000.

TIMM, Luciano Benetti. Direito e economia no Brasil. São Paulo: Atlas, 2012.

TONIAL, Nadya Regina Gusella; SORDI, Andreza. A obsolescência programada e sua relação
com direito à informação e concretização do consumo sustentável. In: SOBRINHO, Liton
Lanes Pilau; ZIBETTI, Fabíola Wüst; SILVA, Rogerio da. Balcão do Consumidor: coletânea
educação para o consumo: sustentabilidade. Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo,
2018. Disponível em: < https://www.upf.br/balcaodoconsumidor/>. Acesso em: 20 fev. 2021.

VASCONCELOS, Paulo Roberto Bentes. O resgate da cidadania: ressignificação do papel da


Defensoria Pública do Estado do Ceará na redução do superendividamento do cidadão. 2007.
Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade de Fortaleza, Fundação Edson Queiroz,
Fortaleza, 2007.

160
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

CONSUMO E ENDIVIDAMENTO: UMA ANÁLISE DAS MUDANÇAS


DE HÁBITOS E DE COMPORTAMENTO ORIGINADOS PELO
CORONAVÍRUS

Luciane Dienstmann Ferreira1

Resumo: O presente trabalho analisa os efeitos jurídicos e sociológicos nas relações de


consumo causados pela pandemia de Covid-19, iniciada em março de 2020. A estagnação
abrupta da economia, decorrente das medidas sanitárias restritivas e de confinamento, propiciou
um vertiginoso aumento no uso dos ambientes digitais, alterando hábitos e o comportamento
dos usuários. Em consequência, os modelos de negócios tiveram que se adaptar, recorrendo ao
uso de novas tecnologias e fomentando o comércio eletrônico através de criativas estratégias
de marketing digital. Nesse contexto, o consumidor, fragilizado por sua condição física e/ou
psicológica, acaba facilmente influenciado e induzido a compras impulsivas, sem necessidade
ou utilidade, resultando, no mais das vezes, em prejuízos financeiros, sociais e familiares. Essas
mudanças comportamentais, definitivas ou não, servem de alerta para reavaliar questões como
o consumismo, a hipervulnerabilidade e o superendividamento, especificamente abordados no
decorrer do estudo, com base em pesquisa bibliográfica, jurisprudencial e legislativa, incluindo
o Projeto de Lei 1.805/21 (substitutivo do PL 3.515/15) que altera Código de Defesa do
Consumidor para aperfeiçoar a disciplina do crédito e dispor sobre a prevenção e o tratamento
do superendividamento.

Palavras-chave: consumidor; pandemia; hipervulnerabilidade; superendividamento.

1. INTRODUÇÃO
A pandemia da Covid-19 causou desordem biomédica e epidemiológica em escala
mundial, trazendo em seu bojo transformações nos hábitos e comportamentos humanos sem
precedentes. Naturalmente, o consumo e as prioridades atreladas a ele também sofreram
atualizações drásticas, mobilizando legisladores, juízes, entidades de classe e órgãos de defesa
do consumidor na busca de soluções de consenso capazes de minimizar os prejuízos.
Em tal cenário, para além do sistema obrigatório de home office, as restrições ao
deslocamento de consumidores, trabalhadores e bens de consumo, assim como o fechamento
do varejo considerado “não essencial”, alavancou vertiginosamente o comércio de mercadorias
e serviços realizado em ambiente virtual, incluindo o uso das redes sociais (E-commerce).
Aliou-se a isso um quadro de declínio econômico, em que muitos indivíduos

1
Advogada atuante, com dedicação ao Direito do Consumidor, graduada na Universidade Feevale de Novo
Hamburgo/RS, pós-graduada em investigação criminal e perícia forense pela faculdade Uniasselvi, mestranda em
psicologia criminal na universidade Del Atlântico, autora de produções e textos na área jurídica. Inscrita na
OAB/RS 66.354. E-mail: lubombinhas@gmail.com

161
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

enfrentaram – e continuam enfrentando – efeitos adversos, como redução ou perda de renda,


desemprego, despesas inesperadas com saúde, etc., refletindo no comportamento social e de
consumo.
Nessa senda, o exercício publicitário, enquanto mecanismo mercadológico, também
precisou ser reavaliado sob vários aspectos para acompanhar as mudanças, explorando e
aperfeiçoando novos formatos de anúncios, adequando-se, ainda, à Lei Geral de Proteção de
Dados-LGPD.
O consumo está no ápice de uma cadeia que envolve direta e indiretamente vários
setores, e movido essencialmente pelo dinheiro. Não há produção sem dinheiro, tampouco
trabalhador sem salário. O próprio serviço judiciário depende de verbas que chegam através de
tributos indiretos, e a maioria deles incide sobre o consumo.
E, em que pese não ser possível, no momento, afirmar que os ambientes digitais
permanecerão dominando a preferência dos consumidores, conforme as regras de isolamento
social foram se afrouxando, o presente trabalho busca analisar a questão do endividamento, as
causas e consequências que o cercam, e o grande desafio na busca de soluções capazes de
minimizá-lo.
A pesquisa ampara-se em bibliografia, legislação e jurisprudência.

2. CONSUMO X CONSUMISMO

A produção e o consumo são feitos históricos, mas segundo Marx (apud KONDER,
1999, p.121-122), é sob a ideologia capitalista, voltada para interesses mercadológicos e
obtenção do lucro, que os produtos ganham status próprio de mercadoria, alterando
profundamente a relação entre consumidores e objetos. Em outras palavras, o capitalismo foi o
regime que mercantilizou a vida humana.
Pois bem, o consumo se apresenta como espaço fundamental das sociedades
contemporâneas e um dos alicerces da economia, caracterizado pela ação de obter itens
necessários, como luz, água e alimentação.
A partir do crescimento do consumo surgiu a expressão ‘sociedade de consumo’,
representando a relação entre o comportamento consumista e o capitalismo, em que a produção
de bens e serviços excede a necessidade dos consumidores.
O consumismo não faz distinção entre o necessário e o desejável, instalando-se na
superficialidade. E ao exceder o limiar da segurança financeira leva à inadimplência e a
problemas sociais de difícil solução.
162
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Para Fernando Maskobi “há uma problemática entre o consumo consciente e o atual
sistema que depende do crescimento constante para se manter” (apud MANDALAH, 2021, p.
24).
Roldão Alves de Moura (2018, p.1). com propriedade assenta que:

O capitalismo depende do consumo, e a sociedade capitalista é refém do consumismo.


O consumo exagerado se transforma em consumismo, ou seja, as pessoas passam a
adquirir produtos e serviços muito além daquilo que seria considerado essencial para
a sua sobrevivência. A produção em grande escala, aliada à prática da obsolescência
programada, tem agravado a situação do planeta graças à grande quantidade de lixo
eletroeletrônico e à exploração indiscriminada dos recursos naturais. O ser humano
tem o direito ao atendimento de suas necessidades humanas como condição para uma
vida digna, mas não pode se tornar refém das “ofertas” e das “novidades”.

De fato, por um lado tem-se a defesa do crescimento econômico com a produção em


massa e a busca do lucro a qualquer custo, moldando, promovendo, encorajando ou reforçando
comportamentos e estilos de vida sob uma perspectiva consumista (FAMA; PRADO, 2016).
De outro, tem-se as consequências, com prejuízos ao ambiente e ao bem-estar social.
A causa do consumismo vem sendo discutida por muitos autores em várias vertentes e
dimensões. Alguns apontam a obsessão pelo ato de comprar como uma espécie de terapia, uma
maneira de consolar-se das desventuras existenciais, apoiados e incentivados por criativas
campanhas publicitárias (COLOMBO, 2012). Outros destacam a vinculação histórica da
revolução industrial e da produção em massa como o propulsor da cultura do consumo,
associando-o à vida boa, poder, riqueza e status (GOMES, 2012).
Em outras palavras, a sociedade está presa na armadilha viciosa de consumir para ser
feliz. Os indivíduos são levados a adquirir não apenas objetos, mas estilos de vida em que os
bens de consumo são vistos como objetos criados com a finalidade de propiciar felicidade, ou
expressar singularidades individuais, e o desejo de demonstrar pertencimento (ao contexto
imediato, classe social, profissional etc.).
Os comportamentos e hábitos de consumo não são uniformes e encontram justificativa
em vários fatores, mas a publicidade é fortemente apontada como responsável na construção da
crença de “que toda felicidade se resume à posse das mercadorias carregadas de valores
simbólicos” (SILVA, 2007, p.1).
E ao relacionar a felicidade com o consumo, a publicidade não reflete apenas os valores
de uma época, mas reproduz e sedimenta continuamente esta visão (CARVALHO, 2010).
Estamos vivendo um momento histórico de profundas mudanças e incertezas
impactando o mercado de consumo. Com a aceleração do processo de virtualização o

163
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

consumidor brasileiro passou a realizar não apenas compras de produtos, mas atividades online
até então inéditas, como a utilização de aplicativos de bem-estar, meditação, serviços de
telemedicina, ensino à distância, etc.
Alie-se a isso, a exploração das redes sociais pelo marketing, onde são expostas fotos e
mensagens glamourizando estilos de vida e hábitos de consumo com a intenção de despertar o
desejo de gastar com aquilo que antes sequer era imaginado.
E apesar da sociedade de consumo estar calcada no crescimento para manter a circulação
de capitais e garantir que mais lucros sejam gerados nas várias áreas da economia, há, também,
muitas críticas a esse modelo que tende a chegar a um limite, e insustentável na perspectiva
ambiental, pois demanda aumento na exploração de recursos naturais e na geração de lixo e
poluição (LIMA, 2010).
Portanto, em que pese as pesquisas sobre meio ambiente e consumo, responsabilidade
social ou consumo sustentável tenham progredido, trata-se de uma problemática de caráter
ambivalente.

3. NOVAS ESTRATÉGIAS NA PUBLICIDADE DE CONSUMO

O discurso publicitário é eminentemente o discurso do consumo. Cumpre uma função


social e é considerado um ato lícito, com o objetivo de levar a conhecimento público uma
imagem ou mensagem informativa, com fins econômicos, destinados a fomentar direta ou
indiretamente a cadeia de negócios jurídicos.
A prática não constitui nenhum problema se os objetivos não ultrapassarem os limites
éticos e jurídicos (MARTINEZ, 2006). Para tanto, deve coadunar-se a determinações legais,
como a Lei n. 4.680/1965, que dispõe sobre o exercício da profissão de publicitário e de
agenciador de propaganda, ao CONAR, ao Código de Defesa do Consumidor, etc.
Pois bem, com a pandemia passaram a ser adotadas medidas inéditas na história do
Brasil, com restrição da circulação de pessoas para evitar a disseminação do vírus, suspensão
dos transportes públicos, das atividades escolares e de estabelecimentos comerciais
considerados não essenciais.
O contexto alterou a rotina de todos e afetou de formas diferentes os setores da
economia. E as áreas de marketing e publicidade estão entre algumas das mais afetadas. O fato
se deve ao clima de incertezas e das medidas securitárias, com muitos eventos cancelados,
adiados ou inviabilizados, fazendo com que muitas empresas reformulassem seu setor
financeiro, cortando gastos com publicidade.
164
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Em tal cenário, e com a crescente participação do e-commerce, as empresas passaram a


se comunicar através de blogs, sites, marketplaces, mídias sociais, apps de mensagens, etc.,
fazendo com que as estratégias de marketing também focassem nesses canais.
Esse passo, acompanhado da facilidade proporcionada pela alta tecnologia em conseguir
padrões e informações comportamentais para fins econômicos, e o revés da criação dos
bloqueadores de anúncios digitais, vem fomentando investimentos em novas e sofisticadas
estratégias publicitárias para criar no consumidor uma necessidade de consumo, muitas vezes
com métodos psicológicos de persuasão e elementos sensoriais não utilizados
convencionalmente.
E há uma tênue linha entre persuadir, influenciar e manipular as atitudes ou crenças do
indivíduo. A questão remete à vulnerabilidade comportamental ou psicológica como
característica do atual estágio da sociedade de consumo, e ao assédio de consumo, sobretudo
ante a publicidade subliminar, comprometendo a capacidade decisória. Ou seja, a problemática
está na limitação da capacidade de escolha (PINHEIRO; SADDI, 2005).
Cite-se a exemplo o marketing de conteúdo, focado na criação e distribuição de artigos,
ebooks e posts nas redes sociais, e o marketing de influência, em que as ações e estratégias tem
como base a figura de um interlocutor com alto poder de convencimento ou liderança
(celebridades, blogueiros, influenciadores digitais, etc.).
Ambas estratégias não promovem explicitamente uma marca. A publicidade é
disfarçada em material informativo, dificultando identificar seu caráter comercial. Tal conduta
afeta com mais intensidade os hipossuficientes e vulneráveis e é vedada pelo Código de
Consumo (art. 37).
As recomendações do CONAR quanto ao uso de hashtags publi, publicidade ou
publipost com fonte quase imperceptível, e no meio de outras informações, também não
permitem a plena e clara compreensão do caráter publicitário, sendo inúteis, notadamente por
serem disponibilizados em inglês ou em outros idiomas, portanto, ilícitas a teor dos arts. 31 e
46 do Código de Defesa do Consumidor.
A publicidade tornou-se um poderoso fenômeno de massa, dirigido a um grande
universo de consumidores potenciais, e ao causar danos dificilmente o faz de forma isolada,
atingindo, em regra, um grande número de pessoas (ROCHA, 2012).
Nesse sentido, o Projeto de Lei n. 3.514/15 traz atualizações ao Código de Defesa do
Consumidor, expandindo a lista de práticas e cláusulas abusivas, reconhecendo o assédio de
consumo como um dano.

165
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

O assédio de consumo vem sendo considerado como um dos grandes desafios para o
Direito do Consumidor, ante o poder das redes socias e dos ambientes virtuais, da indústria
cultural e sua capacidade para influenciar o comportamento através da publicidade.

4. A (HIPER)VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR

No âmbito das leis do Direito do Consumidor, o indivíduo é considerado vulnerável em


comparação ao fornecedor (art. 4º, I), com sua gênese no art. 5°, XXXXIII, da Constituição
Federal.
Vulnerabilidade é a característica de fragilidade. Parte-se do pressuposto de que o
fornecedor detém conhecimentos relativos ao produto que o consumidor desconhece, fazendo-
o a parte mais frágil desta relação (GONÇALVES, 2017).
Importante referir que a vulnerabilidade não se confunde com a hipossuficiência. A
vulnerabilidade é instituto de direito material com presunção absoluta, enquanto a
hipossuficiência é um conceito particularizado e processual, com presunção relativa.
A vulnerabilidade pode ser quanto ao desconhecimento técnico acerca do produto ou
serviço; pela falta de conhecimento jurídico que permita ao consumidor entender as
consequências daquilo a que se obriga e se desvencilhar das abusividades do mercado; fática
ou socioeconômica, que remete à fragilidade do indivíduo por encontrar-se, normalmente, em
posição de inferioridade na administração de seus interesses com o fornecedor; e
informacional que advém da ausência, insuficiência ou complexidade da informação prestada,
e que não permite compreensão pelo consumidor (GONÇALVES, 2017).
A condição de vulnerabilidade pode ser, ainda, agravada ou potencializada, aí
denominada hipervulnerabilidade do consumidor, prevista no art. 39, IV, do Código do
Consumidor, derivando do manifesto desequilíbrio entre as partes.

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas


abusivas:
[...];
IV - Prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade,
saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;

A hipervulnerabilidade tem seu foco na individualidade da pessoa. E, em caso de dúvida


ou lacuna, incumbe ao juiz realizar materialmente os objetivos expressos em lei, mesmo que
implícitos. Logo, a interpretação deve acompanhar os princípios e diretrizes do CDC, baseado
no reconhecimento não apenas dos sujeitos vulneráveis, como também dos indefesos e
hipossuficientes econômica e juridicamente, ou seja, carentes em sentido lato, destituídos de
166
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

meios financeiros, de informação e de acesso à justiça (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça,


2020).
Com efeito, o isolamento e a insegurança promovida pela pandemia da Covid-19
reforçam a potencialização de lesões advindas do crescimento do comércio eletrônico e do
incremento do ambiente virtual, onde a velocidade das mudanças impõe barreira quase
intransponível àqueles dotados de uma natural fragilidade física, psicológica ou até mental.
A pandemia incentivou os indivíduos a falarem sobre seus medos e vulnerabilidades e
compartilharem solidariamente as dificuldades do momento. Tema como a saúde mental
ganhou força nas redes sociais, fazendo com que as estratégias publicitárias também se
alinhassem por meio de ações e conteúdo.
Outro fator a ser citado é a vulnerabilidade informacional, na qual a divulgação e
proliferação de notícias, não necessariamente verídicas, tem seu compartilhamento
potencializado, facilitando a exploração de uma grande parcela da população que não dispõe
ou desconhece recomendações de segurança cibernética, tornando-a mais suscetível a fraudes,
golpes e ação praticada por hackers.
Conclui-se, pelo exposto, que consumidores hipervulneráveis são todos aqueles que se
encontram numa posição ainda mais desfavorável na escala de desigualdade entre consumidor
e fornecedor, seja por idade ou condição, tornando-se alvos fáceis de publicidade abusiva ou
enganosa, das facilidades ofertadas pelas instituições que oferecem crédito rápido e fácil, de
operadoras de planos de saúde, etc., justificando e intensificando a efetivação dos instrumentos
de proteção nas relações de consumo.

5. SUPERENDIVIDAMENTO E A RELAÇÃO DE CONSUMO

A fragilidade do mercado de trabalho e o desemprego, aliado a novas estratégias na


publicidade de consumo, hipervulnerabilidade, facilidade de crédito e a conveniência do
comércio eletrônico estão entre os fatores que afetam o equilíbrio financeiro, levando ou
acentuando o endividamento e a inadimplência de um grande número de brasileiros.
O endividamento não é questão nova e, com a intenção de criar mecanismos de controle
na concessão de créditos, o Projeto de Lei 1.805/21 (substitutivo do PL 3.515/15 que aguardava
votação desde 2015), altera o Código de Defesa do Consumidor para dispor sobre a prevenção
e o tratamento do superendividamento.
Aguardando sanção presidencial, no momento, o texto traz vedações ao assédio ou
pressão para que o consumidor contrate empréstimo, principalmente os mais vulneráveis, tendo
167
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

em vista sua idade, saúde, conhecimento e condição social. Veda, também, a contratação de
empréstimos acima da capacidade de pagamento do consumidor.
A aprovação do projeto, segundo Teresa Liporace (2021), diretora executiva do Idec, é
uma boa perspectiva para todos, pois auxilia tanto as famílias endividadas quanto a economia,
reabilitando milhões de brasileiros para o mercado de consumo.
E o cenário de pandemia, combinando diminuição de renda e grande oferta de
empréstimos, amplia o endividamento das famílias, que, segundo o Banco Central, já é o maior
da série histórica (MARTELLO, 2021).
Com efeito, há necessidade de viabilizar alternativas que atendam aos desafios impostos
ou acentuados pela crise sanitária, e não apenas no campo jurídico, mas sob vários ângulos.
Encontrar alguém feliz por estar endividado é algo praticamente impossível. Portanto,
além de afetar a autoestima, o endividamento interfere na saúde física e mental do indivíduo,
com quadro de ansiedade e depressão, repercutindo em sua vida familiar e profissional. O
mesmo ocorre com credores, pois ter grande volume de inadimplência pode levar a empresa a
danos irreversíveis.
Paula Forgioni (2010) simplifica a questão assegurando que todo negócio possui uma
função econômica e nessa função encontra sua razão de ser, pois se liga à circulação de bens e
serviços.
As recentes mudanças demonstram que os indivíduos precisam aprender a lidar com
informações que influenciam diretamente o seu ambiente e suas escolhas. A própria
configuração social, conforme referido, evidencia a tendência consumista, requerendo da
população o desenvolvimento de um saber crítico para administrar sua renda, fazer escolhas e
definir suas prioridades.

6. CONCLUSÃO

O trabalho procurou coadunar duas linhas de pensamento sobre o comportamento de


consumo: uma a favor do desenvolvimento econômico e outra visão mais crítica ao
consumismo e suas consequências.
A conclusão inevitável é que a estratégia de crescimento econômico no Brasil foi
impulsionada, nas últimas décadas, pelo consumo e concessão de crédito fácil. Contudo, ao
longo do tempo também trouxe endividamento para muitas famílias, situação agravada pela
decretação de calamidade pública em 2020.
Além da crise sanitária, a pandemia de Covid-19 trouxe desafios a muitos setores devido
ao isolamento social e lockdown, e muitas implicações econômicas que estão a produzir tanto
168
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

uma crise de oferta como de demanda.


Desse modo, fortemente impactado, o comércio vem se reinventando e adaptando a
novos hábitos e comportamentos de consumo para continuar lucrando e vendendo, a exemplo
do crescimento do e-commerce e do marketing digital.
Mas o cenário desfavorável reascende o debate acerca do superendividamento, as causas
e consequências que o cercam, e o grande desafio na busca de soluções capazes de minimizá-
lo, pois afeta a todos e impede o retorno de investimentos na economia.
Em que pese agora agravado, o endividamento crônico do brasileiro vem sendo
fortemente impulsionado pelo consumo exacerbado - induzido por fatores psicológicos, crédito
rápido e fácil e a conveniência das compras online - e situações alheias a sua vontade, como
desemprego, inflação, juros altos, etc.
Além de afetar a autoestima, o endividamento interfere na vida profissional e familiar,
gerando estados de ansiedade e depressão.
Nada obstante a crise sanitária, e importantes produções legislativas emergenciais, a
falta de uma norma que atualize o Código de Defesa do Consumidor vem impondo ao Poder
Judiciário a tarefa de enfrentar essa dura realidade por meios diversos, muitas vezes com
incentivo a utilização de métodos de solução consensual disponibilizados pelos sites dos
próprios tribunais.
O louvável incentivo e a opção de conciliar, pré ou pós a judicialização, economiza
tempo, dinheiro e o desgaste emocional de manter um conflito por tempo indeterminado. Além
disso, traz a segurança jurídica com a homologação dos acordos. Contudo, são pontuais.
Nessa senda, a pandemia reafirmou a necessidade de atualização do arcabouço legal,
destacando-se o PL n. 3.514/15, que dispõe sobre o comércio eletrônico, e o PL n.1.805/21, com
medidas para aperfeiçoar o crédito e tratar o superendividamento, eis que uma grande massa de
consumidores precisará lidar por muito tempo, ainda, com dificuldades financeiras em ritmo
incerto e dependente de inúmeros fatores alheios.
Além dos esforços legislativos, o cenário reclama um olhar mais crítico sob outras
perspectivas para que o consumo como fator de emulação social ceda lugar ao crescimento
cultural e psicológico.
A solução não é simples, rápida ou fácil, mas vem com prevenção em campanhas de
conscientização e educação financeira, tanto do consumidor quanto dos fornecedores, para o
uso eficiente do dinheiro. Formar cidadãos capazes financeira e socialmente, mudando o
presente e o futuro com educação é um dos caminhos.

169
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

REFERÊNCIAS E OBRAS CONSULTADAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:


Senado, 1988.

________. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. “Dispõe sobre a proteção do consumidor


e dá outras providências”. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

__________. Superior Tribunal de Justiça. Corte Especial. Embargos de Divergência em


Agravo em Recurso Especial n. 600.663 - RS (2014/0270797-3) Rel. Maria Thereza de Assis
Moura. DJ: 21 out. 2020. Disponível em:< https://www.stj.jus.br/> Acesso em: 09 jun. 2021.

__________.Segunda Seção. AREsp n. 1658218. Rel.: Luís Felipe Salomão. DJ: 18 mai.2020.
Disponível em:< https://www.stj.jus.br/> Acesso em: 09 fev. 2021.

__________. Senado Federal. Projeto de Lei n. 3.514 de 2015. “Altera a Lei nº 8.078, de 11 de
setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), para aperfeiçoar as disposições gerais
do Capítulo I do Título I e dispor sobre o comércio eletrônico, e o art. 9º do Decreto-Lei nº
4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), para
aperfeiçoar a disciplina dos contratos internacionais comerciais e de consumo e dispor sobre as
obrigações extracontratuais”, em tramitação no Senado Federal. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br> Acesso em: 10 jun. 2021.

__________. Projeto de Lei n. 3.515 de 2015. “Altera as Leis ns. 8.078, de 11 de setembro de
1990 (Código de Defesa do Consumidor), e 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do
Idoso), para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o
tratamento do superendividamento, e a Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1997”, em tramitação
no Senado Federal. Disponível em: <https://www.camara.leg.br > Acesso em: 10 jun. 2021.

CARVALHO, Camila da Silva. O consumo e a representação da felicidade em 40 anos de


propaganda brasileira. Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Comunicação, da
Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia, da Universidade Federal de Goiás, para a
obtenção do título de Mestre. Goiânia, 2010.

COLOMBO, Caio Prisco da S. T. N. Ranieri. Hiperconsumo, comunicação, condicionamento


e compras das décadas de decisão à década de descontrole. Tese apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo para obtenção do título de
Doutor em Comunicação e Semiótica – Signo e Significação nas Mídias. São Paulo, 2012.

FAMA, Rubens; PRADO, André Brisola Brito. O consumo e a importância da Educação


Financeira para o Brasil, Revista da Faculdade de Administração e Economia, São Paulo, v. 8,
n. 1, p. 02-12, 2016.

FORGIONI, Paula A. Teoria Geral dos Contratos Empresarias. 2ª ed. rev. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010.
GOMES, Vanda Viana. Estilos de vida nas telenovelas: cultura do consumo, identidade e
pósmodernidade. Dissertação (mestrado em Letras e Ciências Humanas) – Universidade do
Grande Rio. Rio de Janeiro, 2012.

170
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

GONÇALVES, Fábio Antunes; GONÇALVES, PATRICIA ANTUNES. A evolução do


conceito de consumidor e o princípio da vulnerabilidade. 1 set. 2017. Disponível
em:.<https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-164/a-evolucao-do-conceito-de-
consumidor-e-o-principio-da-vulnerabilidade/ >. Acesso em: 28 mar. 2021.

KONDER, Leandro. Mercadoria. In: Marx – vida e obra. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

LIMA, Ana Karmen Fontenele Guimaraes. Consumo e Sustentabilidade: Em busca de novos


paradigmas numa sociedade pós-indutrial. In: Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI
(Fortaleza/CE). Florianópolis: Fundação Boiteux, 2010.

LIPORACE Teresa. Senado pode melhorar PL do Superendividamento aprovado na Câmara.


Atualizado em 09 jun. 2021. Disponível em: < https://idec.org.br/noticia/com-pressao-do-idec-
camara-aprova-projeto-de-lei-do-superendividamento> Acesso em: 14 jun. 2021.

MANDALAH. CC+ Um estudo sobre o consumo consciente no Brasil, março de 2021.


Disponível em: < https://ciclovivo.com.br/vida-sustentavel/equilibrio/estudo-12-
comportamentos-consumo-consciente/> Acesso em: 08 jun. 2021.

MARTELLO, Alexandro. Endividamento das famílias bate recorde na pandemia, aponta Banco
Central. G1, Brasília, 15 fev.2021. Disponível em: < https://g1.globo.com> Acesso em: 08 jun.
2021.

MARTINEZ, Sergio Rodrigo. O ambiente conceitual da publicidade de consumo e de seu


controle no Brasil. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 58, abr./jun. 2006.

MOURA, Roldão Alves de. Consumo ou consumismo: uma necessidade humana? Rev. Fac.
Direito São Bernardo do Campo, São Paulo, v. 24, n.1, 2018. Disponível em: <
http://www.mpsp.mp.br/> Acesso em: 08 jun. 2021.

ROCHA, Raquel Heck Mariano da. Modelos de regulamentação: reflexões para um eficiente
controle jurídico da publicidade no Brasil, Rev. Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 38, n. 2, p.
200-212, jul./dez. 2012.

SILVA. Lívia Valença da. A Publicidade como Instrumento do Capitalismo na Propagação da


Cultura de Consumo e da Estilização da Vida. Trabalho apresentado ao GT Publicidade e
Propaganda, do IX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação da Região Nordeste.
Salvador – BA. 7-9 de junho de 2007.

171
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

A DIFICULDADE COM A ACESSIBILIDADE DAS PESSOAS COM


DEFICIÊNCIA NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

Luíza Severnini Sima1


Isadora Leitão Wild Santini Picarelli2

Resumo: O presente trabalho visa escrever brevemente sobre o direito de igualdade do


Consumidor no Brasil, focando especificamente na inclusão de pessoas com deficiência
auditiva e visual no mercado de consumo eletrônico, para observar se atualmente o direito de
igualdade do consumidor nesse contexto está sendo respeitado. O direito de igualdade protege
os consumidores de sofrerem situações com tratamento desigual no mercado de consumo, e o
Código de Defesa do Consumidor fomenta a igualdade material e formal dos consumidores,
visando diminuir a vulnerabilidade e desequilíbrio entre os consumidores versus fornecedores.
O texto procura observar se os consumidores com deficiências auditivas e visuais correm o
risco de serem marginalizados do mercado de consumo digital, por existir falta de acessibilidade
e igualdade de tratamento nas plataformas de comércio eletrônico. O artigo foi escrito por meio
do método de abordagem dedutivo, sendo uma pesquisa exploratória, por meio de levantamento
bibliográfico.

Palavras-Chave: Consumidor; Igualdade; Acessibilidade; Comércio Eletrônico

1. INTRODUÇÃO

O comércio eletrônico no Brasil tem crescido de forma exponencial, sendo uma


modalidade de comércio mais utilizada, ainda mais com o cenário atual em que se vive a
pandemia mundial de COVID-19, e em razão das pessoas necessitarem cumprir isolamento
social para evitar a propagação do vírus, o mercado eletrônico foi visto como uma forma prática
e rápido de compras sem precisar o consumidor se dirigir fisicamente no estabelecimento
comercial.

1
Mestranda em Direito na linha de pesquisa Tutelas à Efetivação de Direitos Transindividuais pela Fundação
Escola Superior do Ministério Público - RS. Especialista em Direito Público pela Fundação Escola Superior do
Ministério Público - RS. Pós-graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Fundação Escola Superior do
Ministério Público - RS. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa "A Proteção do Consumidor como Direito
Fundamental", coordenado pela Prof. Dra. Cristina Stringari Pasqual, do PPGD/FMP. Egressa do Curso
Preparatório para Carreiras Jurídicas na Fundação Escola Superior do Ministério Público - RS (2020). Bacharela
em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (2019).
2
Mestranda em Direito em Tutelas à Efetivação de Direitos Públicos Incondicionados do Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Direito da Faculdade de Direito da Fundação Escola Superior do Ministério Público
(FMP). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa de Relações Tensionais entre Mercado, Estado e Sociedade, Interesses
Públicos x Interesses Privados. Bacharela em Direito pela Faculdade de Direito da Fundação Escola Superior do
Ministério Público (FMP).

172
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

O problema, no entanto, é que as pessoas que possuem deficiência, acabam se deparando


com sites de comércio eletrônico não oferecendo acessibilidade adequada para que os
consumidores com deficiência auditiva e visual possam efetuar uma compra da mesma forma,
e com igual acesso de descrições de produtos, que um consumidor que não possui as mesmas
barreiras.
O que se verifica na prática são obstáculos decorridos da discriminação por omissão do
setor privado, que se contrasta com a lei do Estatuto da Pessoa com Deficiência.
A dificuldade de acesso para as pessoas com deficiência no comércio eletrônico gera
desigualdade social, onde os mesmos não podem gozar de seus direitos e fruir do mercado
econômico e consumerista como outras pessoas o fazem, prejudicando a acessibilidade e a
dignidade da pessoa humana.

2. O CONCEITO DE DEFICIÊNCIA

Para começar-se a falar sobre o conceito de deficiência, pode-se dizer que conforme
destaca o dicionário Aurélio (2009, s/p) o significado de deficiência é: “s.f. Insuficiência
orgânica ou mental. / Defeito que uma coisa tem ou perda que experimenta na sua quantidade,
qualidade ou valor”. Contudo, por um longo período de tempo histórico, o termo deficiência
sempre foi visto como uma deformação física, uma lacuna no ser humano, sendo as pessoas
com deficiência encaradas como pessoas inválidas, e vítimas das próprias limitações.
No decorrer dos anos as pessoas que possuem deficiência acabam sendo oprimidas e
excluídas da sociedade em geral, onde são indivíduos vistos em situação vulnerável. De acordo
com Izabel Maria Madeira de Loureiro Maior (2015), em virtude da diferença, as pessoas com
deficiência são excluídas e segregadas da sociedade, além de serem tomadas como incapazes e
doentes.
Para reverberar essa ideia, Isaías Pessotti (1984, p.4) lembra que a deficiência era
conceituada pelo catolicismo como um castigo:
Até o aparecimento do cristianismo, o deficiente era visto como um ser sem alma,
dotado de uma infelicidade por ser assim constituído. A partir de então, ele ganha uma
alma e não pode ser mais abandonado e morto, sem atentar-se contra os desígnios de
Deus. Entretanto, [...] também passa a ser culpado pela sua condição, já que é
deficiente por um castigo divino. E como cristão, é castigado e deve sofrer e ser
punido.

Pessotti (1984, p. 9) ainda destaca como alguém com deficiência era visto na
sociedade:

173
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

[...] era visto como portador de desígnios especiais de Deus ou como presa de
entidades malignas às quais “obviamente” serviria através de atos bizarros como os
das bruxas. Dada a credulidade da população rural e seu fanatismo clerical, não
surpreende que entre as cem mil pessoas queimadas por bruxaria, só na Alemanha do
século XVII, estivessem incluídos centenas de dementes e amentes ou deficiente
mentais.

Além disso, durante muitos anos, decorrente a cultura da época e por não haver
investigação suficiente sobre as pessoas que possuíam algum tipo de deficiência, elas acabam
sendo vistas como objeto de desconhecimento, onde muitas eram consideradas como bruxaria,
onde a sociedade as considerava até mesmo “endemoniadas”, conforme Moisés e Stockmann
preceituam (2020).
Essa visão foi mudando após a Segunda Guerra Mundial, que deixou muitos soldados
mutilados, além dos horrores do Holocausto, que nessa época, houve maior reconhecimento da
dignidade humana e os direitos humanos, com a Declaração dos Direitos Humanos em 1948
(EFDH, 2016, p.13). Assim, a deficiência passa a ser vista como um problema social, onde falta
estrutura para que as pessoas com deficiência possam ter menos limitações, tanto física como
em razão de discriminações, e terem uma vida mais digna.
A Lei Federal n° 13.146/2015, que regulamenta internamente as disposições da
Convenção da ONU, prevê em seu artigo 2º:

Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo
prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com
uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em
igualdade de condições com as demais pessoas.

O Decreto 3.298/1999 passou a definir a deficiência como:

Art. 3º Para os efeitos deste Decreto, considera-se:


I - deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica,
fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade,
dentro do padrão considerado normal para o ser humano;
II - deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período
de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se
altere, apesar de novos tratamentos; e
III - incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração
social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais
para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações
necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser
exercida.

O mesmo Decreto além disso fez de forma categórica a diferenciação dos diferentes
tipos de deficiência como física, auditiva, visual, mental e múltipla, para assim, a melhor

174
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

diferenciação dos tipos de deficiência auxiliarem no melhor entendimento para o respectivo


Decreto.
E ainda, segundo a Classificação Internacional das Deficiências, Atividades e
Participação CIDDM-2 concebe a deficiência como uma perda ou anormalidade de uma parte
do corpo (estrutura) ou função corporal (fisiológica), incluindo as funções mentais.

3. O DIREITO DE IGUALDADE DO CONSUMIDOR

No ordenamento brasileiro, o direito positivado dos consumidores é considerado direito


fundamental (artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal), e surgiu de determinação
constitucional, no artigo 48 do ADCT.

Como observa o ilustre doutrinador Bruno Miragem, os direitos fundamentais


“colocam-se em posição superior relativamente aos demais preceitos do ordenamento jurídico”
(MIRAGEM, 2002, p. 03). O direito do consumidor é um direito de proteção deste contra a
intervenção de terceiros, e é protegido pelo Estado, tanto em relação privada, como pelo próprio
Estado, que também tem o dever de promover a proteção do direito do consumidor.
Assim, o Estado se coloca em uma posição de garantidor dos direitos de proteção do
consumidor, e tem que respeitar a proibição de excesso, e de proibição de omissão, devendo
indicar como deve ser promovido o direito do consumidor na sociedade civil.
A figura do consumidor, como titular do direito subjetivo constitucional, está expressa
no Código de Defesa do Consumidor, assegurando no artigo 6º, inciso II, o direito de igualdade
nas contratações. Miragem (2002, p. 04) também observa que a igualdade do direito do
consumidor, ela segue os ensinamentos de Aristóteles, que orienta “tratamento igual aos iguais
e desigual aos desiguais na medida da sua desigualdade”.
Na mesma senda, o Código de Defesa do Consumidor, segue essa orientação de
Aristóteles para proporcionar maior igualdade para os consumidores, e segundo Adalberto
Pasqualotto, alcança assim a justiça distributiva:

“A justiça distributiva, que em Aristóteles tinha o sentido de “distribuição de honras,


de dinheiro ou das outras coisas que são divididas (...)”, adquiriu nova significação na
revolução francesa com Babeuf, quando proclamou que a justiça exige que o Estado
redistribua bens para os pobres. Uma das inspirações de Babeuf teria sido um discurso
de Armand de la Meuse perante a Assembléia Nacional francesa, em 17 de abril de
1793, dizendo que “não poder haver ... uma contradição mais perigosa, absurda e
imoral do que a igualdade política sem igualdade social e econômica”. Mudou-se
assim a concepção meritória que a justiça distributiva tinha em Aristóteles. A
distribuição deve ser feita independentemente do mérito.” (PASQUALOTTO, 2009,
p. 71-72).

175
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Ainda, para Platão, “quando a igualdade é conferida a coisas desiguais, o resultado será
desigual, a menos que se aplique a medida devida” (HELVESLEY, 2004, p. 144).

A fim de diminuir essa desigualdade do consumidor em relação ao fornecedor, que


possui maior poder econômico na relação, o Código de Defesa do Consumidor visa proteger o
consumidor dessa fragilidade e vulnerabilidade, visando impedir desequiparações injustificadas
em face dos consumidores.
No Código de Defesa do Consumidor, o direito de tratamento igualitário está previsto
no artigo 4, inciso II, ao definir sobre ao direito de igualdade nas contratações. Esse direito visa
evitar a discriminação ilícita na relação consumerista, e que todo consumidor seja atendido,
sem diferenciação por sua cor, raça, deficiência, sexo, classe social, etc. Na sociedade civil,
pessoas com deficiência frequentemente não são tratadas de forma igualitária socialmente, em
razão da falta de estrutura de ambientes inclusivos e acessíveis.
Segundo Celso Antônio de Mello, para identificar quebra de isonomia, é preciso
primeiramente identificar o critério discriminatório, e verificar se existe uma justificativa
racional para esse traço desigualador, e analisar se existe uma correlação lógica abstrata entre
“o fator diferencial e a diferenciação consequente” (MELLO, [2006?]).
Esse traço diferencial é o elemento que serve de base para sujeitar essas pessoas a
regimes de tratamento diferente, e que no presente artigo, seria para os casos onde pessoas com
deficiência auditiva e visual se deparam com discriminações, sendo tratados de forma desigual
no mercado de consumo.
A legislação do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146/2015), considera
como barreira: “qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a
participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à
acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à
informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros”, e na alínea d), “
barreiras nas comunicações e na informação: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou
comportamento que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens e de
informações por intermédio de sistemas de comunicação e de tecnologia da informação.
Assim, o artigo se questiona se estaria todos os consumidores, tendo assegurado o
direito de igualdade, no acesso a compras por comércio eletrônico.

176
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

4. A INCLUSÃO E O DIREITO DE IGUALDADE PARA ACESSIBILIDADE EM


SITES DE COMÉRCIO ELETRÔNICO PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
VISUAL E AUDITIVA

No Brasil, de acordo com o Censo Demográfico IBGE (2012), mais de 45 milhões de


pessoas possuem alguma deficiência, seja ela visual, auditiva, motora, mental ou intelectual, o
que acaba correspondendo a 23,9% da população brasileira, sendo a Região Nordeste com o
maior percentual de pessoas com deficiência, correspondendo então a 23,9% da população
brasileira, onde estatisticamente tendem a possuir entre 40 a 59 anos de idade.
A primeira lei aliada a igualdade e a dignidade da pessoa humana está nos fundamentos
do Estado Democrático de Direito – em seu Título I, Dos Princípios Fundamentais da
Constituição Federal de 1988. Conforme apontam os objetivos republicanos, se busca uma
sociedade justa e igualitária, com o objetivo de reduzir as desigualdades sociais, assim como
promover uma população sem que haja preconceitos.
Para dar ainda mais ênfase, no Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, se
garante a liberdade e a igualdade entre os cidadãos. Assim, é possível associar a acessibilidade
das pessoas com deficiência, ao princípio da dignidade humana e igualdade, visando que todos
dentro da sociedade civil tenham acesso justo e igualitário para todos os setores da sociedade.
Com relação a vida social online, o Estatuto da Pessoa com Deficiência afirma que a
concepção e implantação de projetos de “informação e comunicação, inclusive sistemas e
tecnologias da informação e comunicação” devem atender tendo como referência as normas de
acessibilidade. Onde rege acerca “Do acesso à informação e à comunicação”, impõe-se que “é
obrigatória a acessibilidade nos portais privados e sítios eletrônicos do Poder Público na rede
mundial de computadores, para uso das pessoas com deficiência” (art. 74, Estatuto da Pessoa
com Deficiência).
De acordo com o Estatuto da Pessoa com Deficiência, há também a necessidade de
fomentar que os sites eletrônicos se tornem acessíveis, onde se espera que haja uma atitude
estatal para que auxilie nessa tarefa:
Art. 74. Devem ser estimulados a pesquisa, o desenvolvimento, a inovação e a difusão
de tecnologias voltadas para ampliar o acesso da pessoa com deficiência às
tecnologias da informação e comunicação e às tecnologias sociais. Parágrafo único.
Serão estimulados, em especial: (…)
II – a adoção de soluções e a difusão de normas que visem a ampliar a acessibilidade
da pessoa com deficiência à computação e aos sítios da internet.

O presente Estatuto reitera também a ideia de que “todas as pessoas com deficiência são
iguais perante a lei e não sofrerão nenhuma espécie de discriminação”. Porém, é importante

177
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

destacar-se que a discriminação não é considerada somente a exclusão, ação violenta, ou ato
ofensivo à pessoa com deficiência, mas também a omissão com relação ao gozo de seus direitos
plenos, e também a falta de igualdade de oportunidades dessas pessoas com as demais.
É importante destacar-se também, que no ano de 2019, as vendas online no país
tiveram o crescimento de 22,7%, onde segundo o estudo da Compre&Compre, passou-se a
atingir um faturamento de 75 bilhões de reais, o qual em 2020, com a pandemia, aumentou
ainda mais.
Apesar da haver uma obrigação jurídica, o cenário de acessibilidade digital no Brasil
não é nada bom, onde de acordo com dois estudos realizados pelo Movimento Web para Todos,
que revelam dados preocupantes, menos de 1% dos sites brasileiros permitem o acesso para
pessoa com deficiência, e 100% dos sites mais acessados do e-commerce brasileiros apresentam
barreiras para a navegação deste público.
De acordo com um estudo feito pelo Web para todos em 2018, onde o nome é “As
Principais Barreiras de Acesso em Sites do E-commerce Brasileiro – 2º Estudo de
Acessibilidade em Sites”, foi destacado que haviam vários obstáculos na efetivação de
conseguir tornar viável o e-commerce para as pessoas com algum tipo de deficiência, sendo
esses sites considerados os principais nomes do mercado.
Outro objeto do estudo destacado foi que, apesar de haver uma descrição de imagem
pelo site, este se mostrou ineficaz, haja vista que pessoas que possuíam algum problema de
visão ou até mesmo uma deficiência visual, não conseguiam ler apenas pela descrição, e nesse
caso, a porcentagem de afetados ao não conseguirem efetuar a compra foi de 76%. Dentre as
informações que faltavam, se incluía por exemplo, a cor do produto, o que tornaria algo
dificultoso para que a pessoa pudesse efetuar sua compra sem saber essa informação.
Mais um dado importante é a dificuldade encontrada ao finalizar a compra na área do
formulário, onde por mais que a pessoa já tenha conseguido passar pela parte de escolha do
produto, a finalização ainda é um obstáculo. Foi destacado então que em 28% dos testes esses
usuários não conseguiram finalizá-la.
Nesse caso, ocorrem dois direitos violados. Primeiramente, a violação do atendimento
facilitado ao consumidor (art. 1º, Decreto 7.962/2013), tendo ele deficiência ou não.
Segundamente, a violação do direito de acessibilidade nos sítios mantidos por empresas com
sede no Brasil, conforme dispõe o artigo 63 do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei
13.146/2015).

178
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Algumas alternativas para sanar essa desigualdade por meio da tecnologia, são os
recursos que podem ser desenvolvidos acerca da acessibilidade no e-commerce, onde esses
recursos podem fomentar a acessibilidade no comércio eletrônico: sites com WAI-ARIA para
o conteúdo ser mais acessível na interface do site, leitores de tela, possibilidade do usuário
alterar cores no site, elementos dinâmicos no site, a audiodescrição de produtos, combinado
com uma descrição de imagem de qualidade; Possibilidade de zoom de 200%, com site
responsivo; Display em braille para facilitar o uso; Controle por entrada de voz também para
pessoas com dificuldades motoras; Cadastro simplificado; Interface limpa e objetiva; Textos
diretos e objetivos; Intérprete virtual de libras, entre outros.

5. CONCLUSÃO

A conscientização da sociedade para a criação de políticas públicas com relação a


acessibilidade digital é importantíssima, haja vista que as dificuldades enfrentadas por esse
público necessitam de uma maior atenção estatal e do setor privado.
De modo concreto, a efetivação dos direitos dos consumidores da pessoa com
deficiência ainda tem muitas barreiras para que se consiga garantir um melhor atendimento e
inserção das pessoas com deficiência auditiva e visual no mercado de consumo, haja vista que
é necessário que se alie a tecnologia juntamente com os instrumentos legislativos, pois de nada
adianta ter a lei, porém, não conseguir viabilizar de fato a acessibilidade digital.
Desta forma, no mesmo sentido, o princípio de igualdade do consumidor determina que
todos os consumidores sejam tratados sem discriminação, sem situações de desequilíbrio, no
acesso de produtos ou serviços de que necessitem.
No comércio eletrônico, nem todos os sites estão prontos para receber todos os
consumidores, que por vezes, se deparam com dificuldades em ler, ouvir, entender a descrição
dos produtos. Pode-se destacar então com o presente artigo que as pessoas que possuem algum
tipo de deficiência sempre acabam se deparando com barreiras, tanto físicas, quanto sociais, na
tentativa de viverem e exercerem a sua cidadania como qualquer outra pessoa.
Apesar disso, se percebe que ainda há uma discriminação com relação as pessoas que
possuem deficiência, até mesmo devido o decorrer histórico pela qual essas passaram a serem
vistas como pessoas inválidas, incapazes, inferiores, e atualmente, se faz necessário um maior
destaque e ênfase para mudar esse histórico social, sendo imperioso destacar que pessoas com
deficiência são possuidores de direitos, e que devem ser tratados sem distinção, haja vista que
merecem ter acesso a oportunidades de modo que a equidade seja estabelecida, incluindo

179
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

também, que seus direitos de acessibilidade e igualdade sejam respeitados em relação as


compras via e-commerce.
Ainda é espantoso que nos dias atuais, com toda a tecnologia existente, que a maioria
das plataformas digitais não estejam adaptadas para facilitar o consumo das pessoas que
possuem deficiência auditiva e visual, sendo que os fornecedores também precisam se atentar
à necessidade da pluralidade do público consumidor existente.
O tema do presente artigo se faz necessário para que de algum modo, auxilie na
construção social de que há a necessidade de uma maior acessibilidade para todos os
consumidores, onde os fornecedores consigam perceber que além de promover uma nova
oportunidade para seus negócios, também estão contribuindo para uma cidadania mais efetiva.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CONSUMIDOR MODERNO. Acessibilidade no e-commerce ainda é desafio para marcas.


Disponível em: https://www.consumidormoderno.com.br/2021/05/27/acessibilidade-e-
commerce/ Acesso em: 30 jun. 2021.

ESCOLA DE FORMAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS DE MINAS GERAIS EFDH.


Proteção, promoção e reparação dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Belo Horizonte:
Marginália Comunicação. v. 10, 2016.

HELVESLEY, José. Isonomia Constitucional: Igualdade formal versus igualdade material.


ESMAFE, Escola de Magistratura Federal da 5ª Região. v. 07, p. 143-164, 2004, ago.
Disponível em: https://revista.trf5.jus.br/index.php/esmafe/article/view/260. Acesso em: 29
jun. 2021.

MAIOR, Izabel Maria Madeira de Loureiro. Movimento político das pessoas com deficiência:
reflexões sobre a conquista de direitos. Inclusão Social, v. 10, n. 2, dez. 2017.

MELLO, Celso Antônio Bandeira. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3.ed. São
Paulo: Malheiros Editores.

MIRAGEM, Bruno. O direito do consumidor como direito fundamental: consequências


jurídicas de um conceito. Revista de Direito do Consumidor (RDC). v. 43, p. 111-132,
jun./set. 2002. Base de Dados RT Online.

180
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

MOISÉS, Ronaldo Rodrigues; STOCKMANN, Daniel. A pessoa com deficiência no curso da


história: aspectos sociais, culturais e políticos. History of Education in Latin America -
HistELA, v. 3, 2020.

ONU. Disponível em: https://brasil.un.org/. Acesso em: 30 jun. 2021.

PASQUALOTTO, Adalberto. Fundamentalidade e efetividade da defesa do consumidor.


Revista Direitos Fundamentais & Justiça. n. 09, out./dez, 2009.

PESSOTTI, Isaías. Deficiência mental: da superstição à ciência. São Paulo: T.A. Queiroz/
Edusp, 1984.

WEB PARA TODOS. Comprar online: tarefa sofrida pra quem tem deficiência. Disponível
em: https://mwpt.com.br/comprar-online-tarefa-sofrida-pra-quem-tem-deficiencia/Acesso em:
30 jun. 2021.

181
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

ASPECTOS PROCESSUAIS DA PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR


TITULAR DE DADOS PESSOAIS

Oscar Valente Cardoso1

Resumo: O artigo analisa determinados aspectos processuais incidentes nas relações jurídicas
entre fornecedor e consumidor, com fundamento na aplicação conjunta do Código de Defesa
do Consumidor (CDC – Lei nº 8.078/90) e da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº
13.709/2018). De forma mais específica, examina a tutela provisória e a proteção preventiva
desses direitos como o meio processual mais adequado, além dos deveres de registro do
fornecedor controlador de dados e à consequente inversão do ônus da prova no processo
judicial.
Palavras-Chave: Direito do Consumidor; Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais; Tutela
Provisória; Ônus da Prova.

INTRODUÇÃO
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018 – LGPD) é, como a sua
denominação indica, uma lei geral que se aplica a qualquer atividade de tratamento de dados,
realizada por qualquer pessoa (natural ou jurídica, de direito público ou privado), em todos os
segmentos econômicos (ressalvadas as exceções do art. 4º da LGPD).
Além disso, há uma opção legislativa clara de proteger objetivamente os dados pessoais,
ou seja, é uma lei que estabelece os requisitos e os procedimentos adequados para o tratamento
de dados pessoais.
A LGPD incide para proteger objetivamente os dados pessoais em relações jurídicas
subjetivas reguladas por outras normas (como o Código de Defesa do Consumidor, o Código
Civil, o Marco Civil da Internet etc.)
Além disso, a LGPD também contém normas processuais (como a inversão do ônus da
prova), que incidem sobre os conflitos que tiverem em seu objeto o tratamento e a proteção de
dados pessoais.
Este artigo examina as regras processuais sobre a tutela provisória e a inversão do ônus
da prova, com a sua aplicação prática nos processos judiciais acerca de conflitos entre o
fornecedor controlador de dados pessoais e o consumidor titular desses dados.

1
Doutor em Direito (UFRS), Mestre em Direito e Relações Internacionais (UFSC), Professor e Juiz Federal.
182
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

1. PROTEÇÃO DE DADOS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) contém as primeiras normas sobre


a regulação da formação dos bancos de dados no Brasil. Com a entrada em vigor da Lei Geral
de Proteção de Dados, o CDC deve ser aplicado em conjunto para reger especificamente as
práticas de tratamento de dados pessoais nas relações de consumo.
O diálogo das fontes entre a LGPD e o CDC para a regulação da obtenção, tratamento
e proteção de dados nas relações de consumo (entre outras atividades relacionadas aos dados
pessoais) deve ser, na prática, a combinação de normas legais mais utilizada.
As relações jurídicas mantidas entre uma pessoa (natural ou jurídica, de direito público
ou privado) que realiza atividades de tratamento de dados e outra pessoa (natural) titular desses
dados, em regra, enquadra-se no conceito de relação de consumo submetida ao microssistema
do Código de Defesa do Consumidor.
Com isso, a incidência do CDC nas atividades de tratamento de dados pessoais deve
ocorrer principalmente para equilibrar as relações entre fornecedor e consumidor, assegurar a
informação adequada, coibir práticas abusivas, prevenir ou reprimir métodos comerciais
coercitivos ou desleais, entre outras situações.
Além disso, no Direito Processual, o consumidor também possui um tratamento
diferenciado para a facilitação de seus direitos, como, por exemplo, na inversão do ônus da
prova a seu favor (art. 6º, VIII, do CDC), o que também poderá incidir nos processos sobre
tratamento de dados nas relações de consumo (tendo em vista a existência de norma semelhante
no art. 42, § 2º, da LGPD).
Há, assim, uma dupla proteção legal do titular dos dados pessoais em relações de
consumo: pelo Código de Defesa do Consumidor e pela Lei Geral de Proteção de Dados.
Em consequência, existe uma dupla atuação administrativa para essa tutela, por parte do
PROCON local e da ANPD, o que permite inclusive a aplicação de sanções administrativas
pelos dois órgãos em decorrência do mesmo fato.
Na sequência, serão analisadas duas questões processuais que possuem características
específicas nos processos entre consumidor e fornecedor, quando envolver a proteção de dados
pessoais.

183
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

2. TUTELA PROVISÓRIA DOS DIREITOS DOS CONSUMIDORES TITULARES DE


DADOS PESSOAIS

O CPC/2015 unificou as espécies de tutela não definitivas sob a denominação genérica


de tutela provisória, regulamentada no Livro V da Parte Geral (arts. 294/311). Com isso, há
uma simplificação da regulamentação dessas medidas, que são instrumentos do direito material,
relacionados a uma pretensão principal de cognição ou de execução.
Dessa forma, fica mais clara a distinção entre tutela:
(a) provisória, baseada em cognição sumária, com aptidão para a estabilidade, que não
forma coisa julgada e precisa ser confirmada para se tornar definitiva;
(b) e definitiva, apoiada em cognição exauriente, com aptidão para a coisa julgada.
A tutela provisória divide-se em:

(a) tutela de urgência, consistente em uma proteção imediata a situações urgentes, sobre
as quais há um risco (comprovado) de que não poderão ser prestadas no final do processo2;

(b) e tutela da evidência, que se baseia exclusivamente na demonstração do direito,


dispensada a prova do risco de dano (art. 294 do CPC).

Assim a tutela provisória pode ter como fundamento a urgência ou a evidência do


direito.
Por sua vez, a tutela provisória de urgência subdivide-se em:
(a.1) tutela antecipada, que antecipa no tempo o resultado do objeto do pedido e tende a
ser consolidada na sentença de procedência (que mantém a entrega do direito material à parte);
(a.2) e tutela cautelar, que assegura a existência do direito material no fim do processo
e é sempre temporária, nunca se torna definitiva (por ser um meio para assegurar a prestação
da tutela definitiva). Por isso, critica-o uso da denominação “tutela provisória” no CPC, porque
a tutela cautelar não é provisória, mas sim temporária.
A tutela provisória é gênero, do qual são espécies as tutelas de urgência e da evidência.
Por sua vez, a tutela provisória de urgência tem como espécies as tutelas cautelar e antecipada.
Urgência e evidência são fatos, que recebem um tratamento diferenciado no processo3.

2
Sobre o conceito da tutela de urgência no CPC: “(...) a técnica processual empregada para impedir a consumação
ou o agravamento do dano – o que pode consistir no agravamento do prejuízo ou no risco de que a decisão final
seja ineficaz no plano dos fatos, que geram a necessidade de uma solução imediata – e que pode ser classificada
como a tutela de urgência. É, pois, a resposta do processo a uma situação de emergência, de perigo, de urgência”
(WAMBIER, CONCEIÇÃO, RIBEIRO, MELLO, 2015, p. 498).
3
Para Daniel Mitidiero, a antecipação de tutela é uma técnica processual, enquanto a tutela cautelar é uma espécie
de tutela jurisdicional do direito. Em suma, a tutela antecipada é uma técnica de julgamento, com cognição sumária,
184
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

O principal critério de distinção entre as duas espécies de tutela provisória é a urgência.


Como a própria denominação indica, a tutela de urgência destina-se a situações inadiáveis,
enquanto a tutela da evidência se destina a todas as outras formas de tutela provisória não
urgentes, mas que são prestadas liminarmente em virtude da evidência do direito.
Por outro lado, como ponto comum, ambas buscam assegurar o resultado útil do
processo, garantindo que a prestação jurisdicional possa ser efetiva, com a entrega do direito
material a uma das partes ou assegurando a sua preservação, independentemente da medida
(acautelatória ou antecipatória) adotada.
A tramitação do processo ocorre durante um determinado período de tempo, que não é
igual em todos os procedimentos e, até mesmo, em casos similares perante um mesmo juízo. A
formação do juízo de cognição exauriente e a prestação da tutela definitiva precisa observar o
princípio do devido processo legal (e todas as normas nele inseridas, especialmente o
contraditório, a ampla defesa, a primazia do julgamento de mérito e a duração razoável do
processo), o que leva à existência de uma tensão permanente no processo, entre a segurança
jurídica de um lado e, de outro, a eficácia e a celeridade.
Em suma, a diferenciação realizada pelo CPC sobre as espécies finais de tutela
provisória é a seguinte:
(a) tutela antecipada (tutela provisória de urgência antecipada), que é satisfativa e
urgente, mas não definitiva, ou seja, pode ser alterada (como qualquer espécie de tutela
provisória);
(b) tutela cautelar (tutela provisória de urgência cautelar), que é conservativa, urgente e
provisória, ou seja, também é fundada na urgência e pode ser modificada (por ser provisória),
mas é conservativa, porque não satisfaz o direito da parte, mas apenas conserva a existência do
direito, para que oportunamente ele seja entregue a quem for declarado seu titular no processo
judicial (assegura a utilidade ou fruição do que é pleiteado na tutela definitiva);
(c) e tutela da evidência (tutela provisória da evidência), que é satisfativa e provisória,
mas não tem a característica da urgência.
As duas espécies de tutela provisória de urgência (cautelar e antecipada) podem ser
prestadas de forma:

porque o juiz decide com base na probabilidade do direito, antecipando os efeitos do provimento final, que em
regra seriam produzidos apenas após o trânsito em julgado da decisão final (MITIDIERO, 2013, p. 17).
185
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

(a) antecedente, quando a urgência for demonstrada antes da propositura do pedido


principal, e é analisada em medida liminar, com a apresentação posterior do pedido de tutela
definitiva;
(b) ou incidental, quando a urgência ocorrer no curso do processo, a partir da
apresentação do pedido inicial de tutela definitiva.
Na proteção de dados dos consumidores, a possibilidade de apresentação do pedido de
tutela provisória de urgência de forma antecedente é essencial para a proteção processual dos
dados pessoais.
Em situações como a necessidade de identificação do endereço IP, o bloqueio ou a
eliminação de dados pessoais e, até mesmo, a desindexação do nome e de outros dados da parte
autora, o procedimento previsto nos arts. 303/304 (tutela antecipada) e 305/310 (tutela cautelar)
pode ser utilizado, com a apresentação posterior do pedido de tutela definitiva e, eventualmente,
com a sua dispensa e a estabilização da tutela provisória de urgência antecipada concedida em
caráter antecedente.
Recorda-se que a prevenção é um dos pilares da segurança da informação, que busca a
adoção de medidas preventivas à ocorrência de incidentes, porque não há uma forma apropriada
de correção integral dos ilícitos praticados e dos danos causados aos dados pessoais.
Na Lei Geral de Proteção de Dados, o princípio da prevenção (art. 6º, VIII) consiste na
“adoção de medidas para prevenir a ocorrência de danos em virtude do tratamento de dados
pessoais”.
A prevenção é a regra na proteção dos direitos da personalidade, considerando que
eventual violação e o cometimento de danos aos seus titulares não podem ser corrigidos com o
retorno ao estado jurídico anterior (status quo ante). Em outras palavras, o vazamento de dados
pessoais não pode ser corrigido com o retorno dos dados vazados ao seu local de origem, mas
apenas por meio da sua conversão em perdas e danos (materiais e morais), ou seja, da
transformação de um dano à personalidade em um dano patrimonial.
Por exemplo, o vazamento de fotos íntimas, ou de sentença judicial de concessão de
benefício por incapacidade em virtude de uma doença estigmatizante ou de concessão de
medicamento para o tratamento de saúde podem causar danos à personalidade irreparáveis para
o titular dos dados.
O pagamento de 10 mil reais pelos danos morais causados por esse tipo de incidente
nem sempre é suficiente para compensar os danos, tampouco impede que eles continuem

186
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

ocorrendo, com a circulação pública dos dados pessoais na internet (em um vazamento que se
renova diariamente).
Por isso, é preciso fazer uso das técnicas processuais adequadas para prevenir os danos
e para corrigir com celeridade os incidentes ocorridos com dados pessoais (principalmente no
cumprimento de obrigações de fazer e de não fazer e das medidas necessárias para esse fim,
como a busca e apreensão de equipamentos e dispositivos), a fim de minimizar a ocorrência de
danos e evitar a sua ampliação.

3. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

O ônus da prova é um encargo, e não um dever, e consiste na atribuição de quem deve


comprovar os fatos controvertidos, pertinentes e relevantes. A sua inobservância não resulta em
pena ou sanção, mas pode levar à perda do litígio, ou deixar a parte em uma posição processual
desvantajosa. Nesse sentido é o brocardo latino allegatio et non probatio quasi non allegatio
(alegar e não provar é o mesmo que não alegar). Em consequência, a parte que alegar e não
provar pode sofrer a consequência de ser sucumbente no processo.
A desvantagem processual ou o julgamento desfavorável não decorrem necessariamente
da inércia da parte, tendo em vista que as regras de distribuição do ônus da prova possuem
importância somente quando não existir nos autos qualquer prova do fato a ser demonstrado.
Com base no sistema de valoração das provas, o julgador somente decidirá com
fundamento no ônus da prova, ou em ficções ou presunções legais (como, por exemplo, a
confissão ficta), quando não existirem provas suficientes para o reconhecimento (ou o
afastamento) do direito controvertido. Em outras palavras, as regras sobre o ônus da prova só
devem ser utilizadas na ausência de prova.
Em resumo, as regras de ônus da prova determinam:
(a) diretamente, quem deve produzir a prova;
(b) e indiretamente, quem estará em uma posição processual de desvantagem se não
produzir a prova.
Trata-se, nas duas situações, do mesmo sujeito processual, em uma relação de atribuição
do ônus e das consequências por seu descumprimento.
A distribuição do ônus da prova consiste na fixação de regras (prévias) sobre a definição
do sujeito processual que deve comprovar determinado fato (ou, eventualmente, direito).

187
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Enquanto a distribuição do ônus da prova destina-se aos sujeitos parciais do processo, a


valoração da prova destina-se aos sujeitos imparciais incumbidos de reconstruir os fatos para
decidir no processo (julgador ou legislador, variável conforme o sistema de valoração da prova).
O CPC adota, no seu art. 373, duas teorias de distribuição do ônus da prova, que
estabelecem a forma de sua realização:
(a) a teoria da distribuição estática, que é a regra geral e adota a máxima de que “quem
alega deve provar” (art. 373, I e II), ou seja, trata-se de um ônus da afirmação. Desde pelo
menos o Digesto de Justiniano (do ano 533), observa-se a regra de que a prova incumbe a quem
afirma;
(b) e a teoria da distribuição dinâmica (ou diversa), que pode ser usada em situações
específicas e adota a máxima de que “quem tem maior facilidade deve provar” ou “quem pode
deve provar” (art. 373, §§ 1º a 4º).
A teoria da distribuição estática determina que, em regra, cada litigante deve demonstrar
o direito alegado, independentemente da situação fática. Essa denominação significa que as
regras de distribuição do ônus da prova são fixadas de acordo com critérios prévios e
inalteráveis, ou seja, a distribuição feita pela lei é estática porque não varia.
Por sua vez, a teoria da distribuição dinâmica (ou da carga dinâmica) do ônus da prova
é uma exceção à teoria estática, porque permite a alteração da regra genérica e previamente
fixada em lei, desde que se enquadre nas hipóteses igualmente estabelecidas previamente em
lei.
Enquanto a regra estática distribui o ônus entre autor e réu de acordo com os fatos
alegados, a regra dinâmica (ou da carga dinâmica) altera a distribuição estática do ônus da prova
em razão de particularidades do direito discutido ou do litígio, especialmente quando uma das
partes tem maior facilidade de acesso à prova, ou seja, quando as partes não estão em condição
de igualdade de acesso ao meio de prova.
Em resumo, o melhor acesso aos fatos e aos meios de prova por uma das partes justifica
a distribuição dinâmica do ônus da prova. Nessa perspectiva, a distribuição concretiza o
princípio da isonomia material e a norma fundamental da paridade de tratamento (também
material), ao tratar desigualmente as partes em situação desigual, na medida de suas
desigualdades.
O juiz avalia qual das partes tem melhores condições de produzir a prova, ou seja, prova
quem pode provar (ou quem tem maior facilidade para provar). A teoria dinâmica não leva em
conta as posições que as partes ocupam na relação processual, mas sim a facilidade da parte em

188
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

relação à prova a ser produzida. Como visto, busca-se, por meio dela, obter o equilíbrio entre
as partes, a isonomia processual e a paridade (material) de armas.
Enquanto a distribuição judicial ocorre nas situações genericamente descritas na
segunda parte do § 1º do art. 373 do CPC (a impossibilidade ou excessiva dificuldade de
cumprir o ônus ou a maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário) e exigem uma
análise subjetiva (logo, com maior grau de discricionariedade) do julgador, a distribuição legal
ocorre nas situações objetivamente descritas em lei.
O ônus da prova não pode ser distribuído de forma diversa quando tornar impossível ou
excessivamente difícil a produção da prova pela parte a quem se distribuiu o ônus (art. 373, §
2º, do CPC). Isso significa que a realização da distribuição dinâmica pressupõe, em tese, a
possibilidade de a parte se desincumbir do ônus. Tendo em vista que se atribui o ônus para a
parte que tem melhores condições de produzir a prova, não se pode conferi-lo a quem não tem
meios de apresentá-la. Em outras palavras, é vedada a distribuição do ônus da “prova
diabólica”, que é aquela que não pode ser demonstrada pela parte autora, mas igualmente não
pode ser demonstrada pelo réu. Assim, se o ônus da prova pode ser distribuído para a parte que
tiver maior facilidade para a produção da prova, isso também significa que não pode ser
efetivado para a parte que não puder apresentá-la. Em suma, a redistribuição do ônus da prova
não pode implicar na imposição da produção de prova diabólica para a outra parte.
Deve também ser observado o momento processual adequado para o juiz determinar a
distribuição dinâmica do ônus da prova, que é o saneamento do processo. Logo, trata-se de uma
regra de instrução processual (ou de procedimento) e não de uma regra de julgamento. Assim,
a parte não pode ser surpreendida ao final do processo com uma regra de distribuição diferente
do ônus da prova (o que violaria os princípios do devido processo legal, do contraditório e da
ampla defesa). Com fundamento no princípio do contraditório, o juiz deve anunciar
previamente a distribuição dinâmica do ônus da prova, para permitir que a parte se desincumba
desse ônus. Por isso, como visto, a parte para quem se atribui o ônus deve ter a oportunidade
de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído (contraditório), o que deve ocorrer durante a
fase instrutória, a partir da distribuição dinâmica. Desse modo, o CPC também prioriza a
segurança jurídica e a previsibilidade das decisões judiciais, como consequência do
contraditório prévio.
Excepcionalmente, caso se constate no final da fase da instrução a necessidade da
produção de outras provas para esclarecer determinado fato, e que para esse fim estejam
presentes os cinco requisitos anteriores para a distribuição dinâmica, o juiz pode converter o

189
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

julgamento em diligência e determinar o ônus da prova de modo diverso, desde que também
reabra a instrução processual e permita à parte atingida se desincumbir de seu ônus.
Na LGPD, existem duas regras sobre o ônus da prova:
(a) o controlador tem o ônus de provar que o consentimento do titular (quando for a base
legal do tratamento de dados pessoais) foi prestado de acordo com os requisitos legais, ou seja,
há uma inversão legal do ônus da prova (art. 8º, § 2º, da LGPD);
(b) o juiz pode distribuir o ônus da prova de modo diverso, para atribui-lo à parte
contrária ao titular dos dados pessoais, quando for verossímil a alegação, houver
hipossuficiência para fins de produção de prova ou quando a produção de prova pelo titular
resultar-lhe excessivamente onerosa (art. 42, § 2º, da LGPD).
Em primeiro lugar, o art. 8º, § 2º, atribui ao controlador o ônus da prova sobre o
consentimento do titular (quando for a base legal do tratamento de dados pessoais).
O consentimento é definido no inciso XII do art. 5º da LGPD como a “manifestação
livre, informada e inequívoca pela qual o titular concorda com o tratamento de seus dados
pessoais para uma finalidade determinada”. Trata-se da autorização fornecida pelo titular para
a realização das atividades de tratamento dos dados pelo controlador, ou pelo operador em nome
deste.
Conforme o art. 8º da LGPD, deve ser expresso (manifestação positiva da vontade do
titular), realizado por escrito, é revogável e deve constar de uma cláusula exclusiva, com
finalidade específica e limitada (tendo em vista que não há poder absoluto e genérico para o
tratamento dos dados pessoais). Ainda, o consentimento não pode ser genérico, o titular deve
ter o pleno conhecimento de todo o ciclo de vida do tratamento dos dados pessoais pelo
controlador (da captura ao descarte).
Em suma, o controlador tem o ônus de provar que o consentimento foi dado e, mais do
que isso, que o consentimento foi dado de acordo com os requisitos legais.
Por isso, caso haja controvérsia judicial sobre o fornecimento (ou não) do consentimento
pelo titular para o tratamento de seus dados pessoais, nesse ponto o ônus da prova é do
controlador (sem prejuízo de definição de outras regras de distribuição para outras questões
controvertidas no processo).
Não se trata da única hipótese de documentação ou registro de atividades pelo
controlador prevista na LGPD. A lei contém diversos deveres de registro, especialmente sobre
o relatório de impacto (arts. 5º, XVII, 10, § 3º, 32 e 38, todos da LGPD), documento essencial

190
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

para as organizações que realizam o tratamento de dados, porque descreve todo o seu
processamento e o ciclo do tratamento.
Busca-se, com isso, a preservação adequada dos atos praticados pelo controlador (ou
pelo operador sob a sua ordem), a fim de assegurar a auditabilidade, a autenticidade e a
integridade das provas, quando forem necessárias (não apenas em processos judiciais, mas
também em processos administrativos, ou para atender requerimento do titular, ou para controle
interno da própria organização).
Em segundo lugar, o art. 42, § 2º, da LGPD contém uma regra de distribuição dinâmica
do ônus da prova em favor do titular dos dados pessoais, com as seguintes características:
(a) é uma distribuição limitada à inversão do ônus da prova, do titular para o controlador;
(b) é possível mediante o cumprimento de três requisitos, consistentes em
(b.1) existência de controvérsia processual sobre uma relação jurídica entre um titular
de dados pessoais e o agente de tratamento (controlador e, eventualmente, operador);
(b.2) verossimilhança das alegações do titular;
(b.3) e hipossuficiência do titular na produção da prova ou quando produção da prova
pelo titular for possível, mas excessivamente onerosa.
Assim, em cada caso, o juiz deve avaliar qual das partes tem melhores condições de
produzir a prova e atribuir o ônus à parte que litigar contra o titular dos dados pessoais (autor
ou réu), para alcançar o equilíbrio entre as partes, a isonomia processual e a paridade (material)
de armas.
Há uma clara semelhança entre a regra do art. 42, § 2º, da LGPD, com a regra de inversão
do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90
– CDC).

CONCLUSÕES

Como visto, o CDC contém as primeiras normas sobre a regulação da formação dos
bancos de dados no Brasil e diálogo em diversas questões com a LGPD.
O diálogo das fontes entre a LGPD e o CDC para a regulação da obtenção, tratamento
e proteção de dados nas relações de consumo (entre outras atividades relacionadas aos dados
pessoais) deve ser uma combinação de normas frequentemente utilizada na prática (em conjunto
com o Marco Civil da Internet).
As práticas de tratamento de dados pessoais nas relações de consumo são reguladas pela
LGPD e pelo CDC, que buscam equilibrar as relações entre o fornecedor controlador de dados
e o consumidor titular dos dados pessoais, garantir a informação adequada, coibir práticas
191
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

abusivas, prevenir ou reprimir métodos comerciais coercitivos ou desleais, entre outras


situações abrangidas pelas duas leis.
Desse modo, existe uma dupla proteção legal do titular dos dados pessoais em relações
de consumo, pelo Código de Defesa do Consumidor e pela Lei Geral de Proteção de Dados, o
que compreende também as normas processuais, a definição da responsabilidade objetiva, entre
outras. Por isso, não é por acaso que, por exemplo, o art. 45 da LGPD remete a aplicação das
regras de responsabilidade do CDC sobre as hipóteses de violação do direito do titular de dados
pessoais nas relações de consumo.
Essa aproximação entre as normas da LGPD e do Código de Defesa do Consumidor
influencia as regras da primeira sobre o ônus da prova, o que permite uma aplicação conjunta e
não excludente das normas que tratam da relação jurídica subjetiva e das normas que versam
sobre o tratamento e a proteção de dados pessoais.

REFERÊNCIAS

MITIDIERO, Daniel. Antecipação da tutela: da tutela cautelar à técnica antecipatória. São


Paulo: RT, 2013.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo
Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código
de Processo Civil artigo por artigo. São Paulo: RT, 2015.

192
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

DEFESA DO CONSUMIDOR E O CUMPRIMENTO DE CONTRATOS


EM TEMPO DE PANDEMIA

Soeli Teresinha Schilling Dienstmann1

Resumo: O presente trabalho analisa os impactos da pandemia do Covid-19 nos contratos


alcançados pelo Código de Defesa do Consumidor, e como o Poder Judiciário vem se
posicionando à luz da teoria da imprevisão e da onerosidade excessiva superveniente. O
interesse parte da premissa de que o estudo do contrato, na perspectiva de mercado e do contexto
social que lhe ampara, atrai atenção peculiar, eis que a empresa atua no mercado com diversos
agentes visando a obtenção de lucro, característica fundamental a partir da qual se desdobram
as demais peculiaridades. Por esse viés, o estudo examina a forma como o princípio da função
social dos contratos vêm sendo aplicada, e o posicionamento dos julgadores perante as
disposições do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor. A pesquisa tem como base
fontes bibliográficas, legislativas e jurisprudenciais.

Palavras-chave: consumidor; contratos; princípios; imprevisão.

1. INTRODUÇÃO

A pandemia do covid-19, iniciada no início de 2020, vem alterando a vida das pessoas
em escala mundial, sem precedentes. A rápida disseminação do vírus e a necessidade de
isolamento social trouxe consigo a paralisação da indústria, da prestação de serviços, o
fechamento do comércio considerado não essencial, de instituições de ensino, etc., alterando
abruptamente a situação econômica dos indivíduos. Corolário lógico, afetou diretamente o
cumprimento dos contratos nos termos originalmente estabelecidos, e a busca por soluções
tanto conciliatórias quanto judiciais.
Em que pese a teoria contratual não sofrer mais a rigidez do princípio pacta sunt
servanda, amparada pelos princípios da função social, da boa-fé e do equilíbrio econômico,
com aplicação das teorias da imprevisão e da lesão, que permitem ao Judiciário, quando
provocado, rever as cláusulas do contrato para restaurar eventual desequilíbrio econômico, a
questão não é simples, pois atinge a todos.
Parte-se, então, do entendimento de que a justiça se faz por meio de princípios e valores
jurídicos associados à dignidade da pessoa humana, e aos fundamentos do Estado Democrático

1
Advogada atuante na esfera cível, com dedicação ao Direito do Consumidor, graduada na Universidade Feevale
de Novo Hamburgo/RS. Autora da obra: A Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo, e demais produções,
textos e artigos na área jurídica. OAB/RS 66.593.
193
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

de Direito, em que a aplicação das normas se flexibiliza para melhor atender as demandas
sociais.
Junta-se ao contexto, o fundamento da ordem econômica expressa pela Constituição
Federal em dois pilares principais: a valoração do trabalho e a livre iniciativa, com destaque ao
princípio da defesa do consumidor (art. 1°, II, III c/c art. 170, V).
A premissa do Código de Defesa do Consumidor é a de proteger a parte mais vulnerável
da relação, colocando em situação de equilíbrio pessoas social e economicamente distintas.
Mas as consequências jurídicas da pandemia, e os inúmeros atos normativos que dela
decorrem, atinge praticamente todos os ramos do Direito Civil, germinando ações judiciais
na frenética busca de revisão de contratos, das mais variadas vertentes.
Nesse rumo, por mais exploradas que sejam as questões de consumo, os magistrados se
encarregam de modificar interpretações legais, surgindo novas soluções para antigos
problemas, a depender do contexto analisado. Já assentou Rizzatto Nunes: “a cada dia, nós da
área jurídica, ficamos mais inseguros na medida em que parece mesmo que se pode falar
qualquer coisa a respeito de qualquer coisa” (2018, p.1).
Nesse norte, com base em pesquisa legislativa, fontes jurisprudenciais e bibliográficas,
o presente trabalho revisa os princípios consumeristas, notadamente a boa-fé, a função social,
o equilíbrio contratual, e os limites da teoria da imprevisão no contexto pandêmico da covid-
19, e o modo como o Judiciário vem se posicionando a respeito.

2. O CONTRATO DE CONSUMO

Contrato é um acordo de vontades visando criar, modificar ou extinguir um direito. É


um negócio jurídico bilateral ou plurilateral, criando um vínculo jurídico entre dois ou mais
sujeitos de direito – capazes - e correspondido pela vontade e responsabilidade do ato firmado,
resguardado pela segurança jurídica em seu equilíbrio social.
Há vários tipos de contrato, classificados por sua finalidade jurídica, mas importa para
o presente estudo os contratos consumeristas e suas peculiaridades.
Pois bem, para caracterizar um contrato de consumo a relação jurídica deve envolver,
basicamente, um fornecedor de produtos ou serviços e um consumidor.
O consumidor é definido pelo Código de Consumo como “toda pessoa física ou jurídica
que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” (art. 2°). E fornecedor é a
pessoa física ou jurídica pública ou privada, nacional ou estrangeira, ou mesmo entes
despersonalizados, que desenvolvam atividades de produção, montagem, criação, construção,
194
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou


prestação de serviços (art. 3º).
Vale pontuar que o Código do Consumidor não criou para os profissionais liberais
nenhum regime privilegiado. Assim, sujeitam-se as regras da responsabilidade subjetiva (com
culpa) nos casos em que assumam obrigações de meio, e as regras da responsabilidade objetiva
(sem culpa) nos casos em que assumam obrigação de resultado.
Portanto, toda relação que envolver, de um lado, um consumidor ou alguém a ele
equiparado (sob a análise casuística da hipótese), e de outro, um fornecedor de produto ou
serviço, será considerada de consumo (art. 29).
A proteção contratual está disposta no capítulo VI do Código consumerista apresentando
as disposições gerais e as cláusulas consideradas abusivas, dispondo que:

Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se


não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou
se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão
de seu sentido e alcance (art. 46).

No que pertine aos contratos de adesão, estes devem ser “redigidos em termos claros e
com caracteres ostensivos e legíveis de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor”
(art. 54, §3º).
Outrossim, apesar do Código do Consumidor adotar a denominação “contrato de
adesão”, algumas decisões judiciais acentuam a distinção entre os termos “de” adesão e “por”
adesão.
O contrato “de” adesão seria aquele em que o consumidor só dispõe de uma empresa
para buscar o produto, não podendo fugir daquele contrato, como o fornecimento de energia
elétrica, por exemplo. E o contrato “por” adesão seria aquele em que haveria outras opções para
aderir, como no caso de cartões de crédito, em que o consumidor poderia escolher não contratar,
ou contratar a opção que lhe seria mais benéfica ou vantajosa (GOMES, 1995, p. 109).
De qualquer modo, a possibilidade de revisão judicial dos contratos decorre da
manifesta abusividade dos encargos contratados, de vícios na manifestação de vontade, ou de
evento superveniente que tenha tornado a obrigação extremamente onerosa para o consumidor.

3. OS LIMITES DA TEORIA DA IMPREVISÃO NAS RELAÇÕES CONTRATUAIS


DIANTE DA PANDEMIA DE COVID-19

Em curso normal os contratos extinguem-se pelo cumprimento ou pagamento da


obrigação. Todavia, também podem ser extintos em virtude de causas contemporâneas ou
195
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

supervenientes à sua formação, geralmente com base na teoria da imprevisão, também


conhecida como onerosidade excessiva superveniente, com previsão legal expressa nos arts.
478 a 480 do Código Civil, e art. 6º, V, do Código do Consumidor.
A base da teoria da imprevisão assemelha-se ao caso fortuito - quando o evento que
impede o cumprimento da obrigação não era previsível a partir de diligência normal; e a força
maior - quando, apesar de previsível, o fato não podia ser evitado.
O Código Civil assim rege a hipótese:
Art. 393: O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou
força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário,
cujos efeitos não eram possíveis evitar ou impedir.

Apesar de não estarem expressamente previstos no Código do Consumidor, na visão


judicial o caso fortuito ou força maior são hipóteses de exclusão da responsabilidade civil, com
base na ruptura do nexo de causalidade (BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos
Territórios, 2015).
Enquanto no caso fortuito ou de força maior o cumprimento torna-se impossível, e a
execução do contrato pode ser extinta sem que seja imposta penalidade, na onerosidade
superveniente e imprevista a prestação se tornou desproporcional, permitindo uma
renegociação consensual ou revisão judicial para restabelecer o equilíbrio contratual, sem
necessariamente ser extinto.
Importa ressaltar que o Código do Consumidor não exige a imprevisibilidade do fato
superveniente que torne excessivamente onerosa a prestação para o consumidor (art. 6°, V, 2ª
parte), ao contrário da teoria da imprevisão acolhida no Código Civil.
Dispõe o texto:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
V: a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações
desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem
excessivamente onerosas;

Com base no Código de Defesa do Consumidor a revisão contratual serve para modificar
eventuais cláusulas iníquas e abusivas (geralmente em contratos de adesão), face a
vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor. Ou, ainda, em circunstância excepcional ou
extraordinária posterior, alterando as condições objetivas vigentes na celebração
do contrato, tornando excessivamente onerosa a prestação para uma das partes (BRASIL.
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2019).
A teoria da imprevisão não é nova, e é emblemática em matéria contratual, notadamente
no que se convencionou chamar de “indústria da revisional”, diga-se, no mais das vezes, arguida
196
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

de forma equivocada para revisão de cláusulas contratuais supostamente desproporcionais


desde a formação da relação jurídica, o seja, contemporâneas à contratação e não posteriores.
Os pressupostos que devem estar presentes na teoria da imprevisão, nos termos do art.
478 do Código Civil, são: 1) a configuração de eventos extraordinários e imprevisíveis; 2) a
comprovação da onerosidade excessiva que causa a insuportabilidade do cumprimento do
acordo para um dos contratantes e vantagem excessiva a outra, em decorrência desses eventos;
3) que o contrato seja de execução continuada ou de execução diferida.
A revisão contratual (de execução continuada) no Código de Defesa do Consumidor
pode ser requerida em razão de “fatos supervenientes” que tornem as prestações
“excessivamente onerosas”, cabendo ao juiz, nas instâncias ordinárias, e diante do caso
concreto, a averiguação dos fatos e a existência de prejuízo que exceda a álea normal do
contrato, o que leva a interpretações diversas e até contraditórias.
Nesse rumo, a Desª Judith dos Santos Mottecy do Tribunal do Rio Grande do Sul
acrescenta “o caráter de generalidade no acontecimento que altera a situação de fato”, e não
apenas um “evento que se manifesta na esfera individual de um dos contraentes” (BRASIL.
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2020-A).
O Des. Ricardo Torres Hermann, do mesmo Tribunal, referindo precedente do Superior
Tribunal e Justiça, entende pela “inaplicabilidade da Teoria da Imprevisão quando o evento
imprevisível atinge ambas as partes da relação contratual”. (BRASIL. Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul, 2021-A).
De qualquer modo, o cenário atual e a crise econômica vêm impulsionando inúmeras
demandas consumeristas, considerando o evento da pandemia Covid-19 como um
fato superveniente a justificar a revisional.
As decisões judiciais não são uníssonas e demonstram cautela, dispondo que além do
fato superveniente alheio à vontade das partes (Covid-19), é necessário prova material
suficiente a comprovar que houve uma efetiva alteração na base econômica objetiva do
contrato, em decorrência das medidas públicas adotadas (BRASIL. Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, 2021).
No entendimento do Tribunal do Rio Grande do Sul deve ser demonstrado, de forma
inequívoca, que o fato superveniente imprevisível tornou a execução excessivamente onerosa
para uma das partes e extremamente vantajosa para a outra. Vejamos:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE


RESCISÃO DE CONTRATO C/C DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS.
OCORRÊNCIA DE FATO SUPERVENIENTE. DESEMPREGO.
197
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

TEORIA DA IMPREVISÃO.INAPLICABILIDADE. A teoria da imprevisão tem


aplicabilidade, via de regra, quando um fato superveniente causar excessiva
onerosidade para uma das partes e excessiva vantagem para a outra. Na espécie,
ausente a vantagem excessiva da parte credora, não se mostra possível o acolhimento
da tese esposada pela recorrente. Improcedência mantida. Sentença confirmada.
NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME (BRASIL. Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, 2020-B).

GRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS.


MODIFICAÇÃO DO CONTRATO. [...]. Para configurar alteração imprevisível das
bases do contrato, de forma a determinar a aplicação da cláusula ¨rebus sic
stantibus¨, necessário se faz a presença de prova inequívoca de que a pandemia em
curso afetou sobremodo a situação financeira do recorrente, o que não ocorre, no caso.
AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (BRASI. Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul, 2021-B).

O Tribunal de Santa Catarina, do mesmo modo, entende que não se pode aplicar a teoria
da imprevisão para favorecer apenas uma das partes, como seria o caso da pandemia de Covid-
19 (BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina, 2021-A).
Fundamenta as decisões o fato de que os efeitos adversos da pandemia atingem a todos,
seja na área da saúde, no setor social ou econômico, e assim seria “necessária a demonstração
não apenas de que quem pretende a revisão do contrato esteja sofrendo sérios prejuízos
financeiros, mas também de que a parte contrária esteja beneficiando-se da situação” (BRASIL.
Tribunal de Justiça de Santa Catarina, 2021-B).
As decisões transcritas prejudicam o consumidor, impondo-lhe o ônus de demonstrar,
também, a vantagem do fornecedor ou prestador de serviços. Tal encargo é inviável, pois não
possui condições para tanto. A inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII), exceção da regra do
Código de Processo Civil, no caso, também não lhe beneficia, pois nada obriga o credor a fazer
prova em seu desfavor.
De forma diversa, e em maior sintonia com o CDC, o Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e dos Territórios entende que:

... a pandemia do Covid-19 impactou de forma substancial os setores econômicos e as


mais diversas atividades, principalmente o setor de prestação de serviços. Referido
cenário imprevisível e excepcional, em tese, possibilita, com amparo
na teoria da imprevisão uma eventual revisão nos contratos firmados, de forma a
buscar reequilíbrio entre os contratantes, distribuindo, de forma mais amena e
solidária as consequências advindas da pandemia, de onde se extrai a probabilidade
do direito da executada/embargante em relação a revisão da cobrança das multas
rescisórias. 5. Com efeito, a pandemia é uma hipótese reconhecida de caso fortuito ou
força maior, razão pela qual o ordenamento jurídico autoriza a parte a resolver o
contrato (art. 478 do Código Civil) ou pleitear a readequação do valor real da
prestação (art. 317 do Código Civil). [...]. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e dos Territórios, 2021).

Depreende-se que a imprevisibilidade do contexto pandêmico é apenas um dos

198
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

requisitos na busca de soluções para as diversas questões contratuais postas ao Judiciário, que
tem se mostrado exigente em relação ao consumidor quanto a demonstração do desequilíbrio
contratual.
Vale referir que a teoria da imprevisão não encontra amparo por quem já se encontrava
inadimplente ou prestes a inadimplir antes da ocorrência do imprevisto, prevalecendo o
princípio da boa-fé objetiva.

4. DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO

Em se tratando de contratos privados, a doutrina civilista denominou como princípios


sociais: o da função social, o da boa-fé objetiva e o do equilíbrio econômico.
O Código Civil traz menção expressa à “função social do contrato” (art. 421) e é mais
incisivo que o Código de Consumo que consagra o princípio da função social dos contratos
relativizando o rigor do pacta sunt servanda. Há, contudo, aproximação entre os dois códigos,
e ambos pretendem distanciar-se do individualismo.
O parágrafo único do artigo 421 do Código Civil também não estabelece critérios
específicos na forma de promover a revisão do contrato a partir de sua função social, precisando
ser aliado aos demais marcos normativos.
Apesar dos esforços doutrinários no intuito de descrever os objetivos da função social
do contrato, Eduardo Sens dos Santos (2004, p. 128) alerta que a expressão “função social” é
cláusula geral, que possui uma vagueza semântica e não pode ser conceituada a não ser no caso
concreto, desafiando análise interpretativa.
A subjetividade ou “vagueza” do termo, para Judite Martins Costa (2000, p. 274), é uma
estratégia legislativa que permite ao intérprete uma maleável interpretação de seu conteúdo
legal.
Para Rainer Grigolo de Oliveira Alves (2021, p.1), a essência da função social do
contrato “consiste na atual concepção do Estado e na noção de Direito, que ora privilegia mais
o particular, ora privilegia mais o coletivo. Mas nunca, em hipótese alguma, afasta um do outro,
nem mesmo afasta este ou aquele da proteção jurídica”.
Ao analisar a função social dos contratos no âmbito consumerista, o autor refere que é
possível identificar que a principal função e objetivo é a de atender tanto aos interesses
particulares quanto coletivos. Ou seja, garantir os interesses do fornecedor e do consumidor
“com equidade e, consequentemente, a existência do próprio mercado de consumo”,
gravemente afetados pela pandemia de Covid-19 (ALVES, 2021, p. 1).

199
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Inúmeros setores estão sofrendo os malefícios trazidos pelo Coronavírus, e a prestação


de serviços na área da educação é uma das mais afetadas, com muitos litígios em curso, e onde
a função social pode ser mais evidenciada.
O Tribunal de Justiça de São Paulo pondera que:

[...]. É certo que a pretendida redução do valor das mensalidades trará consequências
econômicas desfavoráveis à instituição de ensino agravante. Cabe ponderar,
entretanto, em contrapartida, (i) que, pelo prisma da função social do contrato (CC,
art. 421), o dano proveniente da situação, transcendendo o plano patrimonial, seria
ainda muito maior para a agravada, se compelida pelas circunstâncias a abandonar o
curso; (ii) que a medida e qualidade das aulas provavelmente não têm sido as mesmas
nesse período, até em função das sabidas dificuldades técnicas para trabalhos
realizados em sistema de videoconferência; (iii) que os custos da prestação de serviços
pelo agravante certamente se reduziram nesse período da pandemia, no mínimo pela
drástica diminuição dos gastos com a manutenção dos prédios em que normalmente
são realizadas as atividades educacionais, e pelo igualmente significativo decréscimo
dos respectivos encargos trabalhistas; e (iv) que o prejuízo para a instituição de ensino
agravante seria bem maior caso a agravada deixasse o curso prejuízo esse, por sinal,
ainda muito mais significativo se projetada a questão em maior escala, vale dizer, com
o foco voltado aos certamente inúmeros outros alunos que enfrentam situações
semelhantes à da agravada. (BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo, 2020).

No argumento acima transcrito, o dano proveniente da inexecução, pelo prisma da


função social do contrato, transcende o plano patrimonial, hipótese que deve ser verificada no
caso concreto, e extrai-se que a melhor solução, em razão de onerosidade excessiva a um dos
contraentes, não é a extinção, mas a readequação do contrato, o que se mostra mais coerente
com o princípio da boa-fé objetiva.
Enfim, face a abstração do termo, a função social deve ser analisada caso a caso, pois
se ampara em princípios ético, sociais e econômicos de ordem geral.

5. DA BOA-FÉ OBJETIVA

O princípio da boa-fé subdivide-se em duas linhas interpretativas da conduta do


agente: “boa-fé subjetiva, ou concepção psicológica da boa-fé, e boa-fé objetiva, a concepção
ética da boa-fé” (GONÇALVEZ, 2012, p. 91).
A boa-fé objetiva é um princípio basilar do direito do consumidor e, a exemplo da
função social, transformou-se em cláusula geral conformando todo o sistema contratual
brasileiro, agindo sobre os demais princípios.
Determina que as partes tem o dever de agir com base em valores éticos e morais da
sociedade. Desse comportamento decorrem outros deveres anexos, como lealdade,
transparência e colaboração em todas as fases do contrato. Deve haver respeito ao parceiro
contratual, a seus interesses, expectativas e direitos, agindo sem abuso, sem obstrução, sem

200
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o cumprimento das obrigações
e a realização dos interesses de ambos.
O Código Civil dispõe que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão
do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e de boa-fé” (art.422).
As partes devem cooperar para superar eventual crise surgida na execução do contrato,
observadas as condições próprias. Marçal Justen Filho (2020, p. 5) assenta que a sociedade
enfrenta problemas e dificuldades de mesma natureza e de extensão similar. No entanto, alguns
apresentam vulnerabilidade mais acentuada aos problemas, dentre eles os consumidores, e não
podem ser ignoradas.
Para o referido autor, o relacionamento entre as partes deve subordinar-se ao dever de
boa-fé objetiva e lealdade, conduzindo-se de modo honesto, respeitoso e cauteloso
relativamente aos interesses e direitos da outra parte; dever de adoção de providências
preventivas e mitigadoras de efeitos danosos; dever de comunicar à outra parte a ocorrência de
eventos capazes de afetar a execução da prestação, dentre outras condutas.
O ideal de boa-fé é mutável, mas serve como referencial no Judiciário para limitação de
ilegalidade e abusos.

6. REVISÃO DO CONTRATO PARA RESTAURAÇÃO DO EQUILÍBRIO


ECONÔMICO

Em tempos de pandemia global causada pelo Covid-19 e dos efeitos econômicos


negativos daí resultantes, o rompimento do equilíbrio econômico contratual é matéria
relevante e impacta a todos, em maior ou menor grau.
O ministro Humberto Martins prevê que “haverá, como decorrência dessa pandemia,
um aumento exponencial dos litígios por inadimplência contratual e não só. O Poder Judiciário,
como nunca, será chamado para impedir que o coronavírus transforme a sociedade em uma
barbárie” (Brasil. Superior Tribunal de Justiça, 2021).
Pois bem, para a doutrina majoritária, o Código de Defesa do Consumidor adotou a
teoria do direito subjetivo à revisão contratual, que dispensa qualquer discussão a respeito da
previsibilidade do fato econômico superveniente, bastando a simples constatação de que algum
fato novo tornou excessivamente onerosa a prestação para uma das partes (quebra da base
objetiva do negócio).

201
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

O princípio do equilíbrio contratual visa proteger a parte mais vulnerável da relação


consumerista, colocando em situação de equilíbrio pessoas social e economicamente distintas.
Também é considerado um limitador do princípio do pacta sunt servanda.
Manter o equilíbrio econômico entre as partes significa não aceitar proveito injustificado
de uma em detrimento de outra, ou enriquecimento sem causa.
Nessa análise, o Superior Tribunal de Justiça se manifestou da seguinte maneira:

[...]. Deveras, consoante cediço, o princípio pacta sunt servanda, a força obrigatória
dos contratos, porquanto sustentáculo do postulado da segurança jurídica é princípio
mitigado, posto sua aplicação prática estar condicionada a outros fatores, como, por
v.g., a função social, as regras que beneficiam o aderente nos contratos de adesão e a
onerosidade excessiva.( BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 2011).

A cláusula de preço, ou valores dos contratos é, em síntese, o grande referencial do


equilíbrio econômico da relação, e que as próprias partes acordaram no momento da celebração
do pacto. Nesse sentido, o contrato permanece fortemente vinculado à ideia de operação
econômica, mas estabelece a sociedade como o lugar onde vai ser executado e analisado (CDC
- art. 51, §1º, III).
Tanto a legislação quanto a jurisprudência determinam que demonstrada (não
presumida) a onerosidade excessiva, devem ser afastadas ou reajustadas as cláusulas que se
mostrarem abusivas ou onerosas, para restaurar o equilíbrio contratual. A regra vale para as
cláusulas inicialmente estabelecidas (geralmente em contratos de adesão), ou se no curso do
adimplemento do contrato de execução sucessiva sobrevier algum fato novo que torne a
prestação excessivamente onerosa para o consumidor.
Oportuno repisar que a onerosidade não é presumida, a redução da capacidade
financeira da parte contratante, a ponto de impossibilitar o cumprimento do contrato, deve ser
comprovada. Portanto, não é prudente ao autor descuidar do encargo probatório, ainda que lhe
seja facultado a inversão desse ônus (CDC, art. 6º, VIII), sob pena de não obter êxito na
revisional.

7. CONCLUSÃO

A crise do coronavírus representa um choque econômico sem precedentes, com efeitos


negativos de oferta, demanda, liquidez, no mercado de trabalho e de endividamento público e
privado, levando muitos consumidores, em variadas situações, a buscarem a renegociação dos
contratos de execução continuada através de soluções judiciais com base na teoria da
imprevisão e nos conceitos de caso fortuito e força maior.
202
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Seja dito de passagem, que o Código de Defesa do Consumidor prevê a revisão


contratual para o afastamento de cláusulas abusivas, onerosas ou ambíguas (arts. 46 e 51), com
interpretação contratual sempre em benefício do consumidor. Também acolhe a revisão por
onerosidade excessiva superveniente, não exigindo, expressamente, a imprevisibilidade do fato
(art. 6º, V, 2ª parte), ao contrário da teoria da imprevisão acolhida no Código Civil, cabendo ao
juiz, nas instâncias ordinárias, e diante do caso concreto, analisar os fatos e a existência de
prejuízo que exceda a álea normal do contrato.
A imprevisibilidade, contudo, tem sido o motivo principal de um grande número de
revisionais que chegam aos tribunais em decorrência da pandemia de Covid-19, o que não gera,
por si só, uma presunção de onerosidade excessiva. A teoria da imprevisão também não pode
ser arguida por quem já se encontrava inadimplente ou prestes a inadimplir antes da pandemia.
Em análise das decisões judiciais já tomadas, denota-se que além do fato superveniente
(Covid-19), os magistrados tem exigido dos consumidores a demonstração da redução de sua
capacidade financeira e, muitas vezes, a excessiva vantagem para o fornecedor ou prestador de
serviços. O fundamento, segundo os magistrados, é o de não ser coerente favorecer apenas uma
das partes, em detrimento da outra, num contexto de prejuízos globais.
Extrai-se que há forte influência do princípio da função social dos contratos, bem como
cautela nas decisões, ante os efeitos deletérios que atingem a todos, alcançando também
fornecedores e prestadores de serviços, especialmente os que não desempenham atividades
consideradas essenciais, agravando a crise econômica nacional.
De outra banda, há o temor de um aumento exponencial dos litígios por inadimplência
contratual, gerando crise de ordem moral e fomentando uma cultura de judicialização
contratual, outrora denominada de “indústria da revisional”, ante uma conduta generalizada e
desmedida de provocação judicial indevida.
No entanto, há de se considerar que além de novos desafios à vida, à saúde, ao bem-
estar, ao convívio social e às relações jurídicas, dentre elas as consumeristas, não se pode perder
de vista a justa proteção do consumidor. E a revisão de contrato, com fundamento no artigo 6º,
do CDC, demanda apenas a existência de um fato superveniente do qual resulte excessiva
onerosidade ao consumidor. Não exige que da onerosidade excessiva causada a uma parte,
resulte vantagem indevida a outra.
Na espécie, além de não haver previsão legal, torna-se inviável para o consumidor, parte
vulnerável e hipossuficiente, demonstrar a vantagem indevida da parte credora (fornecedor). E
de nada adianta arguir a inversão do ônus da prova, eis que ninguém é obrigado a fazer prova

203
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

desfavorável a si próprio. Requerer tal prova é, portanto, afrontar a legislação consumerista e


favorecer o réu que tradicionalmente tem posição mais cômoda no processo.
Em resumo, tempos sombrios, como o presente, sem amarras normativas, os julgadores
buscam em princípios sociais e valores jurídicos os fundamentos para emitirem suas sentenças,
nem sempre em favor da parte mais vulnerável.
Nada obstante a edição legislativa emergencial, visando mitigar os prejuízos suportados
por trabalhadores, consumidores, empresas, dentre outros afetados pelas medidas restritivas, o
momento é de bom senso, cooperação e boa-fé entre os contratantes para preservar o equilíbrio
do negócio jurídico, recorrendo, preferencialmente, a métodos de solução consensual.

OBRAS CONSULTADAS

ALVES, Rainer Grigolo de Oliveira. A função social dos contratos de consumo e a pandemia
Covid-19, 08 abr. 2021. Disponível em:< https://procon.rs.gov.br/funcao-social-dos-contratos-
de-consumo-e-a-pandemia-covid-19> Acesso em: 15 jun. 2021.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:


Senado, 1988.

________. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. “Dispõe sobre a proteção do consumidor


e dá outras providências”. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

________. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. “Código de Processo Civil”. Disponível


em:< http://www.planalto.gov.br/> Acesso em: 05 jul. 2019.

________. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Turma. AREsp nº 838127. Rel. Ministro Luiz
Fux. DJ: 17 fev. 2009. Disponível em: <https://www.stj.jus.br> Acesso em: 10 maio. 2021.

_________._________. REsp 858.785. Rel. Min. Humberto Gomes de Barros. DJ: 08 jun.
2010. Disponível em: <https://www.stj.jus.br> Acesso em: 10 maio. 2021.
________._________. AREsp 1799380. Rel. Ministro Humberto Martins. DJ: 19 fev. 2021.
Disponível em: <https://www.stj.jus.br> Acesso em: 10 maio. 2021.

_________. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Décima Quinta Câmara Cível. AI
n°1.0000.20.543748-6/001 - 5437494-08.2020.8.13.0000 (1)
Rel. Des. Octávio de Almeida Neves. DJ: 15 abr. 2021. Disponível em:
<https://www.tjmg.jus.br> Acesso em: 10 maio 2021.

_________. Tribunal de Justiça de São Paulo. Décima Nona Câmara de Direito Privado. AI nº
2177627-59.2020.8.26.0000. Rel. Ricardo Pessoa de Mello Belli. DJ: 20 nov. 2020. Disponível
em: <https://www.tjsp.jus.br> Acesso em: 10 maio. 2021.

_________. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vigésima Quarta Câmara Cível. AC nº
70083241810. Rel. Jorge Alberto Vescia Corssac. DJ: 27 nov. 2019. Disponível em:
<https://www.tjrs.jus.br> Acesso em: 20 maio. 2021.
204
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

_________._________. Décima Quarta Câmara Cível. AC nº 70084086461. Rel. Judith dos


Santos Mottecy. DJ: 27 ago. 2020. Disponível em: <https://www.tjrs.jus.br> Acesso em: 20
maio 2021.

_________.________. Décima Oitava Câmara Cível. AC nº 70082770462. Rel. Nelson José


Gonzaga. DJ: 29 maio 2020. Disponível em: <https://www.tjrs.jus.br> Acesso em: 06 jun.
2021.

_________.________. Segunda Câmara Cível. AC nº 50010864920208210101. Rel.: Ricardo


Torres Hermann. DJ: 05 maio 2021. Disponível em: <https://www.tjrs.jus.br> Acesso em: 16
jun. 2021.

_________.________. Vigésima Terceira Câmara Cível. AI nº 50327511320218217000. Rel.


Bayard Ney de Freitas Barcellos. DJ: 01 jun. 2021. Disponível em: <https://www.tjrs.jus.br>
Acesso em: 06 jun. 2021.

_________. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Quinta Câmara de Direito Comercia. AI n°


5002655-79.2021.8.24.0000. Rel. Jânio Machado. DJ: 29 abr. 2021. Disponível em: <https://tj-
sc.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/ >Acesso em: 14 jun. 2021.

_________._________. Segunda Câmara de Direito Civil. AI N. 5011978-45.2020.8.24.0000.


Rel. Luiz Cézar Medeiros. DJ: 21 jan. 2021. Disponível em: <https://tj-
sc.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/ >Acesso em: 14 jun. 2021.

_________. Tribunal de Justiça de Alagoas. Segunda Câmara Cível. AI n.º 0803264-


63.2020.8.02.0000. Rel. Des. Klever Rêgo Loureiro. D: 13 maio 2020. Disponível em:
<https://www.tjal.jus.br> Acesso em: 20 maio. 2021.

_________. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Segunda Turma Recursal.
Acórdão n° 07229548120208070016. Rel. João Luís Fischer Dias. DJ: 24 maio 2021.
Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br> Acesso em: 12 jun. 2021.

_________._________. Primeira Turma Cível. Acórdão n. 880376. Rel. Des. Simone Costa
Lucindo Ferreira. DJ: 08 jul. 2015. Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br> Acesso em: 25
maio. 2021.

COSTA, Judith Martins. A Boa-Fé no Direito Privado: sistema e tópica no processo


obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

GOMES, Orlando. Contratos. 16 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Contratos e Atos Unilaterais. 3ª


edição. São Paulo: Saraiva, 2007.

JUSTEN FILHO, Marçal. Efeitos Jurídicos da Crise Sobre as Contratações Administrativas.


24 mar. 2020. Disponível em:< http://www.justenfilho.com.br/> Acesso em: 28 maio 2021.

205
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

NUNES, Rizzatto. A proteção contratual no CDC, 19 abr, 2018. Disponível


em:<https://www.migalhas.com.br/coluna/abc-do-cdc/278682/a-protecao-contratual-no-cdc >
Acesso em: 20 jun. 2021.

SANTOS, Eduardo Sens dos. A Função Social do Contrato. Florianópolis: OAB/SC Editora,
2004.

206
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

GEOPRICING DIANTE DO ORDENAMENTO JURÍDICO


CONSUMERISTA

Vinícius Wdson do Vale Rocha1


Ingrid Altino de Oliveira2
Ermana Larissa Soares3

Resumo: Frente à verificação da prática da precificação de produtos e serviços com base em


critérios de geolocalização (geopricing), propõe-se o estudo acerca da relação jurídica de
consumo no comércio eletrônico, da prática do geopricing e das disposições constitucionais e
do microssistema jurídico consumerista atinentes à prática, com o objetivo de identificar a
conformidade ou desconformidade da precificação com base na geolocalização com o
ordenamento jurídico consumerista. Para tanto, utiliza-se pesquisa de natureza objetiva
descritiva, por meio de técnicas de coleta padrão de pesquisas doutrinárias e leituras
documentais, mediante pesquisa informativa por seleção e por meio de pesquisa interpretativa,
com abordagem predominantemente hipotético-dedutiva, na medida em que se lança mão de
uma cadeia descendente (do geral ao particular) de raciocínio.

Palavras-chave: Direito do consumidor; precificação; comércio eletrônico; geopricing;


geolocalização.

1 INTRODUÇÃO

O Direito, enquanto campo do conhecimento, não cinge sua abrangência à análise de


normas jurídicas. Isso pode ser constatado pela necessidade de observação dos fenômenos da
vida prática e dos valores atribuídos aos fatos, que fomentam a gênese de normas jurídicas que
protegem bens jurídicos e representam fatores que possibilitam a convivência social harmônica.
Nessa conjectura, é evidente que a ascensão do uso da internet e das redes sociais para
realização de trocas comerciais consiste em fato relevante do ponto de vista jurídico, na medida
em que consubstancia um conjunto de situações antes não previstas pelo legislador, mas que
podem ser tuteladas por normas jurídicas existentes, na medida em que grande parcela dessas
possui teor principiológico e atribuível aos mais variados fenômenos.

1
Acadêmico do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Aluno
de Iniciação Científica do Projeto de Pesquisa nomeado Interfaces entre o Direito das Relações de Consumo e o
Direito Animal. E-mail: vi.wdson@gmail.com.
2
Acadêmica do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Aluna
de Iniciação Científica do Projeto de Pesquisa intitulado Interfaces entre o Direito das Relações de Consumo e o
Direito Animal. E-mail: ingridoliveira779@gmail.com.
3
Técnica em Administração (IFRN). Acadêmica do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte (UFRN). Aluna de Iniciação Científica do Projeto de Pesquisa nomeado Interfaces entre o
Direito das Relações de Consumo e o Direito Animal. E-mail: ermanalarissa2014@gmail.com.
207
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Em tal viés, propõe-se o estudo acerca da prática da precificação de produtos com base
em critérios de geolocalização (geopricing), diante das normas jurídicas constitucionais e do
microssistema do consumidor, a partir da compreensão das relações de consumo no comércio
eletrônico, da precificação por meio de critérios de geolocalização e das normas jurídicas
incidentes sobre a prática, com o objetivo de identificar a conformidade ou desconformidade
da precificação com base na geolocalização com o ordenamento jurídico.
Para tanto, utiliza-se pesquisa de natureza objetiva descritiva, por meio de técnicas de
coleta padrão de pesquisas doutrinárias e leituras documentais, mediante pesquisa informativa
por seleção e por meio de pesquisa interpretativa, com abordagem predominantemente
hipotético-dedutiva, na medida em que se lança mão de uma cadeia descendente (do geral ao
particular) de raciocínio.

2 DAS RELAÇÕES DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

A sociedade de redes consiste na conjectura na qual se verifica grande parcela das


relações jurídicas de consumo do século XXI. Tal contexto consiste em modelo social
organizado e sistematizado por intermédio de redes que constituem morfologia socioeconômica
cuja difusão gera interferências em processos de poder, produção, cultura e experiência
(CASTELLS, 2010).
Nesse viés, as redes se referem especialmente ao contexto da comunicação eletrônica
feita a partir da rede mundial de computadores. A criação da infraestrutura necessária para o
surgimento da sociedade de redes do século XXI advém do uso de tais meios para a troca de
informações, impulsionador de uma revolução da comunicação na última metade do século XX
(CASTELLS, 2010).
Nesse contexto, o uso da rede mundial de computadores gera exponencial avanço na
troca de dados por intermédio do ambiente digital, o que pode ser verificado nas mais diversas
esferas sociais (TAKASE, 2007). Por essa razão, é observável que, no século XXI, o
consumidor tem o poder de explorar quantidades representativas de produtos e serviços
mediante aparelhos, mecanismos e ferramentas originadas pela revolução comunicacional e
tecnológica geradora da sociedade de redes (MOURA, 2018). Portanto, as relações de consumo
passam a ter enquanto principal ambiente o virtual, no qual se desenvolvem os maiores
montantes de trocas de produtos e serviços, especialmente na conjectura pandêmica.
Em tal cenário, o comércio eletrônico pode ser caracterizado como o conjunto de
transações comerciais em que os contraentes interagem sem a necessidade de contato

208
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

simultâneo, direto e presencial (KLEE, 2014), sendo elemento fundamental da sociedade de


redes. O comércio eletrônico tem enquanto aspecto caracterizador o conjunto de operações
comerciais realizadas mediante mecanismos informáticos, isto é, pelo complexo de transações
efetivadas por uma junção de elementos de comunicação cibernética empregadas com objetivos
contratuais ou publicitários entre fornecedores e consumidores (MIRANDA SERRANO,
2012), representando opção às sociedade empresariais para a realização de transações
comerciais e obtenção de lucros no contexto pandêmico, já que grande parte dos protocolos de
segurança ensejaram e ensejam vedações ao consumo presencial (BERNARDES; SILVA;
LIMA, 2020).
As relações jurídicas estabelecidas entre fornecedores e consumidores no âmbito do
comércio eletrônico consistem em relações jurídicas de consumo, cujo conceito não tem
menção legislativa explícita, mas cuja definição parte da verificação de elementos
fundamentais, consistentes nos elementos subjetivos, objetivos e causal (MIRAGEM, 2019).
Os sujeitos da relação jurídica, ou seja, o consumidor e fornecedor, constituem os
elementos subjetivos. A identificação do produto ou do serviço, por sua vez, remete-se aos
elementos objetivos (GARCIA, 2020). Não se pode olvidar, além disso, que a coletividade de
pessoas vítimas de fato do produto ou serviços e exposta à publicidade, contratos de adesão e
cobrança de dívidas também são consideradas consumidoras, mas indiretas ou equiparadas
(BENJAMIN; MARQUES; BESSA, 2019).
Acerca dos elementos subjetivos, o fornecedor pode ser caracterizado mediante análise
da atividade econômica por esse desempenhada (LARROSA AMANTE, 2011), que se
consubstancia na “produção, montagem, criação, construção, transformação, importação,
exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços” (BRASIL,
1990).
Produto, por sua vez, consiste em qualquer bem imóvel ou móvel, material ou imaterial,
consumível ou inconsumível (STOCO, 2014; MARQUES; BENJAMIN; MIRAGEM, 2019).
Corresponde, em suma, a tudo que pode ser usado ou obtido para o preenchimento das
necessidades do consumidor, no contexto da relação jurídica de consumo (LIMEIRA, 2017). O
serviço, por sua vez, consiste na atividade realizada mediante remuneração na conjuntura do
mercado de consumo, com exceção daquelas oriundas de relações jurídicas trabalhistas, em
conformidade com o que aduz o parágrafo 2º do artigo 3º, do Código de Defesa do Consumidor.
Por fim, há de se elucidar o elemento causal, que consiste na destinação final dada ao
serviço ou ao produto. Há, em suma, três principais teorias para a caracterização do elemento

209
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

causal. Segundo a teoria maximalista, o consumidor é o destinatário final do produto ou serviço,


a independer da utilização que fizer desses, seja pessoal ou profissional (NETTO, 2020). De
acordo com a teoria finalista, por sua vez, a relação consumerista somente existe quando o
destinatário final usar o produto ou serviço com a finalidade de satisfação pessoal, restando
excluído o uso para atividades lucrativas ou produtivas (PAIVA, 2015). Por fim, de acordo com
a teoria finalista atenuada, empregada pelo Superior Tribunal de Justiça, a relação de consumo
far-se-á existente quando se verificar a utilização, pelo destinatário final, do produto ou serviço
para satisfazer pretensões pessoais ou profissionais, mas desde que haja, na situação concreta,
vulnerabilidade do consumidor na relação jurídica estabelecida (MARQUES; BENJAMIN;
MIRAGEM, 2019).
No contexto pandêmico, as relações jurídicas de consumo no âmbito do comércio
eletrônico ganham relevo, na medida em que protocolos de contenção viral retiram do
consumidor, em diversas situações, a possibilidade de adquirir produtos ou serviços de modo
presencial (COSTA, 2020).

3 GEOLOCALIZAÇÃO E PRECIFICAÇÃO DE PRODUTOS E SERVIÇOS

A Geolocalização pode ser compreendida como a técnica por meio da qual é possível
descobrir onde um usuário está localizado e, conforme desejado, compartilhar essa informação
com outras pessoas ou aplicativos. Para isso, diferentes métodos podem ser utilizados para
recepcionar a localização do indivíduo, como seu endereço eletrônico, sua conexão de rede sem
fio, a torre de celular com a qual o telefone está conectado, ou por Sistemas de Posicionamento
Global - GPS. (SANTOS JÚNIOR, 2015).
O processo de geolocalização é viabilizado pela ampla conexão do sistema de internet,
que a partir de uma rede descentralizada cria um conjunto de protocolos de comunicação através
dos quais inúmeras redes de computadores transmitem dados entre si. Essa comunicação se
baseia no protocolo denominado Transmission Control Protocol/Internet Protocol (TCP/IP).
(CARVALHO, 2006).
Esse protocolo é o que permite um diálogo efetivo entre os computadores, pois
estabelece um mecanismo de controle e verificação da transmissão das mensagens trocadas; um
mecanismo de endereçamento lógico, que permite a identificação única de uma máquina e a
sua consequente localização e conexão entre diversas redes. (CERF; KAHN, 1974).

210
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Desse modo, há uma constante coleta de dados dos usuários, por aplicativos ou
aparelhos eletrônicos, os quais interpretam os dados por algoritmos próprios que permitem
identificar a localização diária dos indivíduos. Há, assim, um mapeamento dos usuários por
parte das grandes empresas ligadas a essa tecnologia geoespacial. Nesse ínterim, as pessoas
estão sendo constantemente rastreadas em virtude do crescente uso da internet das coisas, por
meio da qual sensores, microfones e câmeras conectadas aos dispositivos utilizados no
cotidiano passam a coletar cada vez mais dados sobre os indivíduos (EZRACHI; STRUCKE,
2016).
Destarte, “toda compra feita é documentada; todo local visitado é mapeado; os gostos
pessoais são registrados; os problemas de saúde são conhecidos; a situação financeira é
informada” (FERGUSON, 2017). Em posse dessas informações as empresas podem usá-las
para fins próprios, como a construção do perfil do usuário de modo a traçar estratégias de
marketing mais eficientes, que acatam as preferências de cada consumidor em potencial.
Por outro lado, muitas empresas que fornecem bens e serviços utilizam a geolocalização
do indivíduo para estabelecer o preço dos seus produtos, definindo, assim, preços diferentes
como consequência das posições geográficas distintas. Essa prática de precificar com base na
geolocalização dos usuários é denominada de geopricing/geoprecificação, por meio da qual é
estabelecida uma diferenciação de preços tendo em vista a origem geográfica do consumidor
(GUIMARÃES, 2019).
Assim sendo, é importante examinar se há razões econômicas legítimas que justifiquem
a diferenciação do preço ofertado e tornem a discriminação do preço razoável. Aqui cabe
menção às questões logísticas, que encarecem o envio de um produto ou o desempenho de um
serviço em determinada região. Entretanto, se o aumento do preço não tiver relação com o custo
do produto ou do serviço, a diferenciação é desprovida de justificativa. É o caso da cobrança de
valores diferentes com base no poder de compra de alguns consumidores, o que se mostra
injustificável (GUIMARÃES, 2019).
Segundo pesquisa realizada em 2012 pelo jornal Wall Street Journal, o mecanismo da
geoprecificação pode ser interpretado como a reprodução de uma tática comercial comum e que
é normalmente legítima. Seria a precificação uma consequência da quantidade de concorrentes
no local da proposta. Desse modo, é usual que em locais que têm muitas ofertas, os preços
entrem em concorrência e, por isso, baixem. Em contraposição, em locais com poucas ofertas
o produto é geralmente oferecido com preço mais alto, pois não há concorrência que ameace a

211
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

venda e ative o comerciante a reduzir o valor da oferta. (VALENTINO-DeVRIES; SINGER-


VINE; SOLTANI, 2012).

3.1 Vulnerabilidade do consumidor na relação de consumo

Assim sendo, é fácil constatar que todos os indivíduos são, em maior ou menor grau,
consumidores de bens e serviços. Isso porque, a cada instante do cotidiano o ser humano precisa
usar algum produto, seja bem ou serviço, desde a alimentação diária até serviços de assistência
jurídica, econômica ou psicológica. Desse modo, é possível entender que a estruturação do
Estado, com a divisão do poder e organização dos meios de produção, tem em vista o consumo,
que é uma faceta do bem-comum. (FILOMENO, 2015).
Contudo, no histórico das relações consumeristas, foi constatada a vulnerabilidade dos
consumidores perante os fornecedores. Isso porque, quando os vendedores regulam a forma do
comércio, os consumidores ficam à mercê das estipulações do mercado. Além disso,
historicamente, preços abusivos comprometeram o consumo por parte dos indivíduos de baixa
renda (FILOMENO, 2015).
Porém, o consumo é importante para a qualidade de vida e por isso, a partir da segunda
metade do século XIX, o movimento consumerista se alinhou a movimentos sindicalistas,
pleiteando por melhores condições de trabalho e do poder aquisitivo, além dos direitos humanos
universais (FILOMENO, 2015).
Desse modo, o consumidor é considerado hipossuficiente e, por isso, possui tratamento
especial nas diversas legislações. No Brasil, a proteção do consumidor está prevista na
Constituição Federal, que em seu Art. 170, V, cujo conteúdo determina que a ordem econômica
está fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo como finalidade,
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, devendo observar a
defesa do consumidor (BRASIL. 1988).
Aliado a isso, o Brasil possui um microssistema de defesa do consumidor, o qual
assenta-se na Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), norma de ordem pública
e relevante interesse social (GRAU, 2017). Assim, com o propósito de conferir maior proteção
aos consumidores, o CDC estabeleceu a responsabilidade objetiva do fornecedor, determinando
em seu artigo 14 que a responsabilidade do fornecedor não depende de culpa para reparação de
danos causados por defeitos na prestação de serviços ou pela insuficiência ou inadequação das
informações prestadas ao consumidor (BRASIL, 1990).

212
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Segundo o parágrafo primeiro do referido artigo, o serviço é defeituoso quando não


fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as
circunstâncias relevantes, entre as quais: modo de fornecimento; resultado e riscos que
razoavelmente dele se esperam; e a época em que foi fornecido (BRASIL, 1990).
Já na esfera processual, o Art. 373, I, do Código de Processo Civil (CPC), prevê que o
ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito (BRASIL, 2015).
Todavia, em caso de hipossuficiência do consumidor, o Art. 6, VIII do CDC determina a
possibilidade da inversão do ônus da prova (BRASIL, 1990).
Desse modo, constata-se que a proteção do consumidor se sustenta na presunção de
vulnerabilidade e hipossuficiência, “o que impõe ao Estado a necessidade de intervenção para
equalizar a relação, em claro rompimento do paradigma do direito privado clássico da
autonomia da vontade” (MUNHOZ, 2015).
Neste ínterim, o Código de Defesa do Consumidor prevê em seu art. 6º os direitos
básicos do consumidor, como direito à vida, saúde, segurança, proteção contra métodos
comerciais desleais, a liberdade de escolha e informação adequada e o direito à prevenção e
reparação dos danos (BRASIL, 1990).
Cabe salientar, ainda, que com o advento da internet a modalidade de comércio virtual
tem se popularizado. O e-commerce tem crescido exponencialmente nos últimos anos, graças
às vantagens que oferece ao consumidor, como seu fácil acesso a partir de vários dispositivos,
sua maior variedade de produtos e serviços e a oportunidade de preços competitivos e com
opções de pagamento cada vez mais seguras (OECD, 2016).
Porém, também surgem práticas abusivas no meio virtual, como a geoprecificação sem
justificativa plausível, que consiste em condutas discriminatórias para com consumidores, que
são fundadas na posição geográfica e/ou na nacionalidade daqueles. Nota-se, com isso, que no
comércio virtual há comportamentos que podem limitar a concorrência e lesar direitos dos
consumidores (LESSIG, 2006).
Assim sendo, surge a necessidade de proteção em relação ao consumo virtual, pois se
deixada livre por sua própria autorregulação a internet pode viabilizar várias práticas abusivas
para com seus usuários. Dessa forma, é importante que os Estados despendam esforços em
regular o e-commerce, pois “deixada livre para se autorregular a internet não se mostrou capaz
de cumprir suas promessas de liberdade, tornando-se uma perfeita ferramenta de controle”
(LESSIG, 2006).

213
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

3.2 Alcance e dimensão constitucional (quais direitos constitucionais estão sendo


atingidos?)

O Direito do consumidor possui amparo constitucional, sendo que a matéria sobre a


Ordem Econômica e Financeira de um Estado reúne, em última análise, a própria política de
produção, circulação e consumo. Dessa forma, a Constituição Federal despendeu esforços em
tratar dos princípios gerais da atividade econômica brasileira, anunciando em seu artigo 170
que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social” (BRASIL,
1988).
A Carta Magna acrescentou, ainda, que devem ser observados alguns princípios, dentre
os quais a defesa do consumidor. Dessa forma, se compreende que as práticas comerciais no
Brasil, em observância à Constituição, precisam levar em consideração a hipossuficiência do
consumidor, de modo a protegê-lo de práticas abusivas.
Desse modo, como já analisado, a prática da precificação com base na localização do
usuário sem justificativas plausíveis confere tratamento desigual injustificado aos
consumidores, sendo uma prática comumente silenciosa, difícil de ser notada. Destarte, o direito
do consumidor está sendo violado, na medida em que preços desconformes fazem com que
alguns indivíduos não comprem o produto e fiquem, por isso, desprovidos do bem ou serviço
que buscavam.
Ademais, é necessário reforçar que a Constituição preza pela igualdade, sendo essa um
direito fundamental tipificado no caput do Art. 5º da Carta Magna. Estendendo o direito à
igualdade ao Código de Defesa do Consumidor, é possível compreender que o tratamento
desigual injustificado a consumidores está vedado com amparo na Constituição. Dessa forma,
colocar preços distintos com base na localização de modo arbitrário é uma forma de
discriminação que viola a igualdade buscada pelo Estado Democrático de Direito brasileiro.
Desse modo, a geoprecificação é prática abusiva que merece punição, nos termos do Art. 5º,
XLI, da CF: “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades
fundamentais” (BRASIL, 1988).
Para além disso, cabe reiterar que a Carta Magna brasileira busca promover a igualdade
regional, prevendo como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a redução das
desigualdades sociais e regionais, conforme o Art. 3º, III da Constituição. De igual modo, veda-
se a discriminação, inclusive por origem, sendo também um objetivo fundamental a promoção

214
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

“do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação” (BRASIL, 1988).
Neste ínterim, cabe acrescentar, ainda, que o Art. 170 estabelece como princípio geral
da atividade econômica a redução das desigualdades regionais e sociais. Contudo, na medida
em que o geopricing estabelece preços diferentes para regiões diferentes, se configura uma
discriminação regional que é capaz de agravar desigualdades regionais e sociais. Isso porque
consumidores de uma região com preços mais caros, mediante o fator da geoprecificação,
possuem seu poder de compra corroído, enquanto usuários de regiões com mercadorias mais
baratas possuem maior capacidade de consumir aquele bem.

3.3 Perspectivas socioeconômicas

A desigualdade social é um problema marcante na história brasileira, sendo esse


atestado continuamente pelos indicadores socioeconômicos. Segundo levantamento realizado
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019 o Brasil apresentou
Coeficiente de Gini 0,543. Referido indicador mede a taxa de concentração de renda,
comparando com a distribuição de riqueza em uma nação; tem escala de zero a um, e quanto
mais próximo de um, maior a desigualdade (SILVEIRA, 2020).
Em análise nacional, nota-se que o Brasil reduziu o seu coeficiente de Gini, saindo de
0,545 em 2018, para 0,543 em 2019. Porém, essa redução é pouco significativa, sobretudo,
quando analisada a desigualdade regional. Isso porque a região Nordeste teve aumento do seu
Coeficiente de Gini, passando de 0,545 em 2018, para 0,559 em 2019. Já a região Norte marcou
0,537, o Sudeste 0,527, o Centro-Oeste 0,507 e a Região Sul, que tem a menor desigualdade, o
índice marcou 0,467 (SILVEIRA, 2020).
Diante disso, nota-se que as oportunidades não são as mesmas para indivíduos de regiões
diferentes. Ainda que regido por uma Constituição que tem a igualdade como direito
fundamental, o Brasil ainda persiste como um país com ampla desigualdade. É importante
analisar, que a plena igualdade pressupõe iguais oportunidades, que “é a ideia de que cada
pessoa deve ter as mesmas chances de ser bem-sucedida” (MATTOS, 2020).
As oportunidades responsáveis pelo sucesso dos indivíduos vão desde uma boa
educação, o acesso a cursos de capacitação ou a materiais que possibilitem o estudo ou montar
o próprio negócio. Dessa forma, é possível analisar que oportunidades podem ser bens de
consumo, como um produto que ajuda o microempreendedor ou um curso de informática, que
promove a capacitação do usuário.

215
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

É indubitável que qualificação profissional tende a agregar ao salário do profissional,


pois empregos com melhores remunerações e seguridade social exigem, comumente, elevada
capacitação acadêmica. Nesse sentido concluiu o pesquisador Sergio Firpo, professor da
Instituição de Ensino Superior e Pesquisa, que ao estudar a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílio (Pnad), concluiu que um trabalhador com diploma pode ganhar até 5,7 vezes mais
do que os profissionais com outros níveis de escolaridade (MINAS, 2018).
Desse modo, se oportunidades são bens de consumo, é possível constatar que a prática
da geoprecificação tem privado indivíduos de melhores oportunidades. Isso porque, ao
precificar bens e serviços com base no local de compra do usuário, regiões mais desiguais são
afetadas por preços mais altos. Dessa forma, bens e serviços essenciais a uma boa capacitação
tornam-se inacessíveis àqueles das regiões mais pobres do país.
Diante disso, a geoprecificação tende a colaborar para uma inacessibilidade sistêmica,
que prejudica as oportunidades acadêmicas e profissionais de certos indivíduos, já menos
favorecidos. Nesse contexto, faz-se necessária uma intervenção do Estado de modo a coibir esta
prática abusiva, já que ela contraria o propósito igualitário da nação brasileira, ao contribuir
para a manutenção do ciclo de desigualdades regionais, quando feita sem justificativas
plausíveis.

4 TRATAMENTO JURÍDICO DA PRECIFICAÇÃO PERANTE O DIREITO DO


CONSUMIDOR

No que concerne à precificação, é comum encontrar, principalmente no comércio


eletrônico, uma política de omissão do preço de mercadorias. Tal situação é considerada, por
diversos motivos, que serão demonstrados abaixo, uma prática abusiva, já que o consumidor
possui o direito à transparência.
Junto a isso, é necessário enfatizar que a relação de consumo deve trazer benefícios para
ambas as partes, fornecedor e consumidor, e o Código de Defesa do Consumidor tem a
finalidade de proteger a parte considerada como mais vulnerável dessa relação, isto é, o
consumidor (FRANCISCHINI, 2018).
Diante disso, é preciso enfatizar que o Código de Defesa do Consumidor brasileiro,
como também leis esparsas, preveem inúmeras situações denominadas como abusivas,
figurando uma delas como a maneira com que a precificação do produto/serviço é feita. Para
que não haja ilicitude, deve ser realizada de maneira clara, através de etiquetas com caracteres
legíveis, conforme aduz o art. 2° da Lei n° 10.962/04:

216
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Art. 2o São admitidas as seguintes formas de afixação de preços em vendas a varejo


para o consumidor:

I – no comércio em geral, por meio de etiquetas ou similares afixados diretamente nos


bens expostos à venda, e em vitrines, mediante divulgação do preço à vista em
caracteres legíveis;

II – em auto-serviços, supermercados, hipermercados, mercearias ou estabelecimentos


comerciais onde o consumidor tenha acesso direto ao produto, sem intervenção do
comerciante, mediante a impressão ou afixação do preço do produto na embalagem,
ou a afixação de código referencial, ou ainda, com a afixação de código de barras. (...)

Parágrafo único. Nos casos de utilização de código referencial ou de barras, o


comerciante deverá expor, de forma clara e legível, junto aos itens expostos,
informação relativa ao preço à vista do produto, suas características e código.
(BRASIL, 2004).

Dito isso, a função do Estado é evitar as práticas errôneas por parte dos empresários e
proteger o consumidor, pois sua proteção está ancorada na sua presunção de vulnerabilidade e
hipossuficiência. Assim, o Estado deve ter como objetivo a intervenção para deixar a relação
de consumo mais equitativa. (MUNHOZ, 2015)

4.1 Fatores que fazem o preço das mercadorias serem de menor custo, no comércio
eletrônico.

É inegável que o advento do comércio online impactou as vendas de lojas presenciais,


situação que trouxe à sociedade a facilidade de comprar um produto sem sair de casa, sendo,
portanto, algo bem aceito pela maior parte das pessoas. De início, era evidente a falta de
confiança do consumidor, mas com a aproximação do mercado online e, principalmente, no
contexto da pandemia, em que o distanciamento social se fez presente na vida da população em
geral, a relação do consumidor com o ambiente virtual se tornou mais estreita.
Para além disso, cabe destacar a lei da oferta e da procura. Nesse ínterim, as variantes
da qualidade, tecnologia empregada no bem, produto, serviço, preço e outros interferem na
oferta, ou seja, para que um determinado produto ou serviço seja procurado, ele deve se tornar
interessante e atender aos requisitos estabelecidos pelo comprador, seja de qualidade, seja de
facilidade para efetuar a compra (ALMEIDA, 2020).
Posto isso, tem-se que em toda prática comercial existe a prática de precificar os
produtos. Para isso, é preciso levar em consideração as variantes para calcular o preço, sendo
elas a localização do consumidor, o tempo gasto para fabricar o produto, transporte, carga
tributária e outros.
Ao visualizar o comércio eletrônico, é possível identificar uma variante que interfere no
valor, fazendo com que ele seja, até mesmo, mais baixo do que o produto vendido na loja física.
217
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Outrossim, ocorre, na conjectura do século XXI, o fenômeno denominado como


precificação, cookies e geolocalização, em que o mercado tem se mostrado pelo alto e complexo
grau de competição entre os fornecedores e produtores, até mesmo em território estrangeiro, e
em que os que não se adequarem à evolução tecnológica tendem a perder clientes e,
consequentemente, seus lucros. (ALMEIDA, 2020).
É preciso, também, conhecer o conceito de cookie, que consiste em informação
armazenada no computador por um site, fazendo com que, ao acessar determinados sítios
eletrônicos, sejam oferecidas informações que estão ligadas à necessidade do internauta
(ALMEIDA, 2020).
Junto a isso, tem-se que, na contemporaneidade, as empresas estão cada vez mais
buscando adotar modelos de negócios focados em dados pessoais, razão pela qual esses dados
são conhecidos como uma nova moeda da internet (OECD, 2016).
Dessa maneira, não é por acaso que quando se abre um site para ver o preço de algum
produto, esse tende a aparecer posteriormente em outro, em forma de oferta. Isso ocorre em
razão dos cookies. Dito isso, outro elemento que influencia na precificação é a geolocalização,
a partir do qual, dependendo da localização em que o consumidor acessa/procura determinado
produto, gerará um preço diferente.
Não obstante, as pessoas tendem a ser constantemente rastreadas, tanto pelos artefatos
da rede, como também pelos objetos eletrônicos, tais como o smartphone e o computador, que
permanecem interligados diretamente com a população, sendo necessário enfatizar o crescente
uso da internet das coisas, em que os sensores, microfones e câmeras conectadas aos diversos
dispositivos que são usados diariamente, servem como coletores de dados (EZRACHI e
STUCKE, 2016).
Sendo assim, é possível concluir que caso haja razões legítimas para diferenciação de
preços a determinados consumidores, não há que se falar em ilicitude perante o microssistema
consumerista. Porém, caso haja a referida diferenciação unicamente em decorrência do critério
da geolocalização, estar-se-á diante de prática abusiva e vedada pelo ordenamento jurídico,
especialmente no que se refere à vedação à não discriminação e à regra da isonomia nas
contratações e no tratamento dos consumidores, presumidamente hipossuficientes e
vulneráveis.

218
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

5 CONCLUSÃO

Diante do exposto, é possível concluir que na sociedade de redes, as relações de


consumo, caracterizadas pela verificação dos elementos subjetivos, objetivos e causal, tendem
a ocorrer no ambiente virtual, isto é, por intermédio do comércio eletrônico, caracterizado pela
ausência de contato direto e simultâneo entre fornecedor e consumidor, especialmente no
contexto pandêmico.
Nesse ínterim, a precificação de produtos e serviços com base em critérios de
geolocalização torna-se prática comum e estratégica de alguns fornecedores. A realização de
tal precificação, porém, não guarda correspondência com o ordenamento jurídico se feita sem
justificativas plausíveis, relativas, por exemplo, à extrema dificuldade logística de entrega do
produto em determinada região.
Ou seja, caso haja diferença de valores em razão, unicamente, da geolocalização, estar-
se-á diante de prática ilícita e discriminatória, desconforme aos princípios constitucionais de
defesa do consumidor e igualdade material, bem como às leis ordinárias relativas à fixação de
preços e ao Código de Defesa do Consumidor.
Tal assertiva é intensificada quando se analisa o regime jurídico consumerista, que
determina o tratamento dos consumidores como sujeitos presumivelmente hipossuficientes e
vulneráveis. Ademais, como exposto, a discriminação de fornecedores com base em critérios
arbitrários de geolocalização tende a intensificar as desigualdades regionais, em confronto
direto ao objetivo constitucional da República de reduzir as desigualdades sociais que há tantos
séculos assola o país.
Além disso, é possível concluir que a realização de precificação com base em dados
pessoais de consumidores é facilitada pelos mecanismos de coleta e análise inteligente de tais
informações, por meio, por exemplo, do uso de cookies e da internet das coisas, que realiza o
acúmulo de dados pessoais oriundo da utilização, pelos usuários, de uma considerável
diversidade de aparelhos conectados à rede mundial de computadores.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Valério Catarin. Precificação baseada em cookies e GEOLOCALIZAÇÃO:


Direito do Consumidor. Revista Juris UniToledo, Araçatuba, out./dez 2020.

BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe.
Manual de direito do consumidor. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.

219
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

BERNARDES, Juliana Reis; SILVA, Bárbara Letícia de Sousa; LIMA, Thaís Cristina Ferreira.
Os impactos financeiros da COVID-19 nos negócios. Revista da FAESF, Floriano, v. 4, jun.
2020.

BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe
sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm. Acesso em: 7 jun. 2021.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.


Brasília, DF: Senado Federal, 05 out. 1988.

BRASIL. Lei nº 10.962, de 11 de outubro de 2004. Dispõe sobre a oferta e as formas de afixação
de preços de produtos e serviços para o consumidor. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.962.htm. Acesso em: 27 jun.
2021.

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 27 jun.
2021.

CARVALHO, Marcelo Sávio Revoredo Menezes de. A Trajetória da Internet no Brasil: do


Surgimento das Redes de Computadores à Instituição dos Mecanismos de Governança. 2006.
239f. Dissertação (Mestrado em Ciências de Engenharia de Sistemas e Computação) –
Faculdade de Engenharia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. p. 157.

CASTELLS, Manuel. The Information Age: Economy Society and Culture. Volume I: The Rise
of the Network Society. 2. ed. Wiley-Blackwell: Malden, 2010.

CERF, Vinton G.; KAHN, Robert E. A Protocol for Packet Network Intercommunication. IEEE
Transactions on Communications, [s.l.], v. 22, n. 5, p. 637-648, maio. 1974.

COSTA, Aline Raquel Gonçalves da. Impacto da pandemia da COVID-19 no Brasil e uma
leitura dos seus reflexos na aceleração abrupta à adesão ao mundo virtual e das relações
jurídicas sociais e comerciais nacionais e internacionais. In: REZENDE, Elcio Nacur;
FREITAS, Josiane Oliveira de; LOURENÇO, Larissa Cristina; LOPES, Isabela Bernardes
Moreira (coord.). Implicações Jurídicas da Covid-19. Belo Horizonte: ARRAES Editores,
2020.

EZRACHI, A.; STUCKE, M. E. Virtual Competition: The Promise and Perils of the Algorithm-
Driven Economy. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2016.

FERGUSON, A. G. The Rise of Big Data Policing: Surveillance, Race, and the Future of Law
Enforcement. New York: New York University Press, 2017.

FILOMENO, José Geraldo Brito. Direitos do consumidor. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2018.

FRANCISCHINI, Nadialice. Sistema de Princípios das Relações de Consumo. Revista Direito,


2018. Disponível em: http://revistadireito.com/tag/principios-das-relacoes-de-consumo/.
Acesso em: 17 jun. 2021

220
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

GARCIA, Leonardo Medeiros de. Direito do consumidor: Lei nº 8.078/1990. 14. ed. Salvador:
Juspodivm, 2020.

GRAU, E. R. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2017.

GUIMARÃES, Marcelo Cesar. Geoblocking e geopricing: uma análise à luz da teoria do


interesse público de Mike Feintuck. Revista de Direito, Estado e Telecomunicações, Brasília,
v. 11, n. 2, p. 87-106, out. 2019.

KLEE, Antonia Espíndola Longoni. Comércio eletrônico. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2014.

LARROSA AMANTE, Miguel Ángel. Derecho de consumo: protección legal del consumidor.
Madrid: El Derecho, 2011.

LESSIG, Lawrence. Code. 2. ed. New York: Basic Books, 2006.

LIMEIRA, Tânia Maria Vidigal. Comportamento do consumidor brasileiro. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2017.

MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman de V; MIRAGEM, Bruno.


Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2019.

MATTOS, Alessandro Nicoli de. O Livro Urgente da Política Brasileira: Um guia para
entender a política e o Estado no Brasil. 4. ed. Brasil: [s. n.], 2020. E-book (222 p.).

MINAS, Estado de (org.). Quanto maior a escolaridade, melhores são as oportunidades


salariais: trabalhador com ensino superior completo recebe 5,7 vezes mais do os profissionais
com outros níveis de escolaridade. Trabalhador com ensino superior completo recebe 5,7 vezes
mais do os profissionais com outros níveis de escolaridade. 2018. Disponível em:
https://www.em.com.br/app/noticia/especiais/educacao/2018/08/14/internas_educacao,98013
2/quanto-maior-a-escolaridade-melhores-sao-as-oportunidades-salariais.shtml. Acesso em: 01
jun. 2021.

MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2019.

MIRANDA SERRANO, Luis María. La contratación a distância de consumo: TRDCU y


Directiva 2011/83/UE. In: MIRANDA SERRANO, Luis María; PAGADOR LÓPEZ, Javier
(coord.). Derecho (privado) de los consumidores. Madrid: Marcial Pons, 2012.

MOURA, Roldão Alves de. Consumo ou consumismo: uma necessidade humana? Revista da
Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, São Paulo, v. 24, n. 1, 2018.

MUNHOZ, G. A. Consumidor, Concorrência e Estado. Revista do Ministério Público do Rio


Grande do Sul, n. 76, p. 55-66, jan./abr. 2015.

NETTO, Felipe Braga. Manual de Direito do Consumidor à luz da jurisprudência do STJ. 15.
ed. Salvador: Juspodivm, 2020.
221
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD).


Consumer Protection in E-Commerce: OECD Recommendation. Paris: OECD Publishing,
2016.

PAIVA, Clarissa Teixeira. O que caracteriza uma relação de consumo. Revista Jus Navigandi,
ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4401, 20 jul. 2015. Disponível em:
https://jus.com.br/artigos/34128. Acesso em: 7 jun. 2021.

SANTOS JÚNIOR, Gesmar de Paula. Desenvolvimento de Sistema de Geolocalização em


Realidade Aumentada para Multiplataforma Móvel. 2015. 63 f. Tese (Doutorado) - Curso de
Engenharia Elétrica, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2015.

SILVEIRA, Daniel. Desigualdade de renda cresce no Nordeste e diminui nas demais regiões,
aponta IBGE. 2020. Disponível em:
https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/05/06/desigualdade-de-renda-cresce-no-
nordeste-e-diminui-nas-demais-regioes-aponta-ibge.ghtml. Acesso em: 01 jun. 2021.

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2014.

TAKASE, Sonia. Impacto da revolução tecnológica na dimensão humana da informação.


Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) – Faculdade de Economia, Administração,
Contabilidade e Ciência da Informação e Documentação, Universidade de Brasília, 2007.

VALENTINO-DeVRIES, Jennifer; SINGER-VINE, Jeremy; SOLTANI, Ashkan. What They


Know: websites vary prices, deals based on user’s information. The Wall Street Journal, 12 dez.
2012.

222
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

OS DIREITOS DO CONSUMIDOR EM TEMPOS DE PANDEMIA:


análise das respostas do Governo Federal e Legislativo para a proteção dos
consumidores

Claudia Lima Marques1


Lúcia Souza d’Aquino2
Guilherme Mucelin3
Maria Luiza Baillo Targa4
Tatiana Cardoso Squeff5
INTRODUÇÃO

Em 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi informada a


respeito de casos de pneumonia na cidade de Wuhan, na China, com causa desconhecida. Nos
dias 11 e 12 de janeiro do corrente ano, a Comissão de Saúde Nacional chinesa comunicou a
OMS de que havia identificado um novo tipo de coronavírus, o SARS-Cov-2, o qual estava
causando essa nova espécie de pneumonia, que viria a ser posteriormente denominada de
Covid-19 e atingir a todos os continentes de forma tal que, em 11 de março, foi reconhecida
pelo Diretor Geral da OMS como uma pandemia (WORLD HEALTH ORGANIZATION,
2020b).
A UFRGS, como universidade pública, criou uma força tarefa para ajudar o país a
enfrentar a pandemia e este artigo reúne estudos de integrantes do Grupo de Pesquisa CNPq
“Mercosul, Direito do Consumidor e Globalização” UFRGS, liderado pela Profa. Dra. Dr. h. c.
Claudia Lima Marques.6 No Brasil, até o dia 4 de maio, foram reportados 107.708 casos
confirmados da nova enfermidade e 7.321 óbitos por causa do COVID-19, o que representa um

1
Diretora ( ) e Professora Titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Professora Permanente do PPGD da mesma instituição. Doutora em Direito pela Universidade de Heidelberg.
ORCID: 0000-0001-9548-0390. OAB/RS 25.593. e-mail: cmarques.ufrgs@gmail.com
2
Professora Substituta na Faculdade de Direito e Relações Internacionais da Universidade Federal da Grande
Dourados. Doutora e Mestra em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. ORCID: 0000-0002-
0838-3566. OAB/RS 73.318. e-mail: luciadaquino@ufgd.edu.br
3
Professor Voluntário na Universidade Federal de Goiás. Doutorando e Mestre em Direito pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Bolsista CAPES. ORCID: 0000-0003-3709-6539. OAB/RS 94.127. e-mail:
mucelin27@gmail.com
4
Doutoranda em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Especialista em Direito Francês e
Europeu dos Contratos pela Université Savoie Mont Blanc, em Direito do Consumidor e Direitos Fundamentais
pela UFRGS e em Direito Público pelo UniCEUB. ORCID n. 0000-0002-3110-0317. OAB/RS 89.847B. e-mail:
mlbtarga@gmail.com
5
Professora permanente da Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Uberlândia e Professora
Adjunta na Graduação na mesma instituição. Doutora em Direito Internacional pela UFRGS. ORCID n. 0000-
0001-9912-9047. OAB/RS 78.643. e-mail: tatiafrcardoso@gmail.com
66
Para uma visão mais completa destes estudos, veja MARQUES et al., 2020; TARGA; SQUEFF, 2020;
MUCELIN; D’AQUINO, 2020.
223
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

índice de letalidade de 6,8% (BRASIL, 2020h), a bem demonstrar a velocidade de disseminação


da doença no território nacional. O objetivo deste texto é examinar as respostas (e propostas)
do governo federal atual e do Poder Legislativo brasileiro para a proteção dos consumidores
durante o início desta pandemia (3 de fevereiro a 4 de maio de 2020).
Outrossim, mesmo antes de ser reportado o primeiro caso importado de Covid-19 no
Brasil7, o Ministério da Saúde, acompanhando os dramáticos acontecimentos internacionais,
expediu a Portaria n. 188 no dia 3 de fevereiro, declarando emergência em saúde pública de
importância nacional e estabelecendo que o Centro de Operações de Emergências em Saúde
Pública (COE-nCoV) seria o mecanismo nacional da gestão coordenada da resposta à
emergência no âmbito nacional (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020). No dia 6 de março, o
Decreto Legislativo n. 6 do Senado Federal reconheceu o estado de calamidade pública no
território nacional, com efeitos até 31 de dezembro de 20208, exclusivamente para os fins do
artigo 65 da Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000 (BRASIL, 2000).
Como medidas de contenção da doença, o governo brasileiro, seguindo o exemplo de
outros países, determinou a restrição, em caráter excepcional e temporário, da entrada e saída
do país por rodovias, portos ou aeroportos, ao passo que autoridades sanitárias nacionais,
juntamente com prefeitos e governadores, vêm orientando o distanciamento social dos
cidadãos, adotando, para tanto, medidas de restrição de circulação de pessoas nas ruas, em
estabelecimentos comerciais, no uso de transporte público, além de orientar a realização do
trabalho, se possível, em home office.
Tais medidas vêm afetando diretamente as relações de consumo e a economia nacionais,
não apenas em decorrência da restrição de circulação, o que por si só já afeta o consumo in loco
– consumidores deixam de ir aos estabelecimentos comerciais para adquirir bens ou serviços
ao mesmo tempo em que estes reduzem jornadas de trabalho ou até mesmo encerram
temporariamente suas atividades – como também em virtude da necessidade da imediata
adaptação à comercialização de produtos e serviços ao e-commerce e ao delivery, o que agrava
a vulnerabilidade do consumidor na medida em que o afasta ainda mais do fornecedor. Isso sem
falar nas pessoas que se encontram em condições de extrema vulnerabilidade social, as quais
vêm encontrando dificuldades para manter o sustento de suas famílias e para suprir suas
necessidades básicas.

7
O primeiro caso foi reportado em 27 de fevereiro (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2020a).
8
O Decreto Legislativo n. 6 reconheceu a ocorrência do estado de calamidade pública, nos termos da solicitação
do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem n. 93, de 18 de março de 2020 (BRASIL, 2020b).
224
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Ademais, a nova situação em que se encontra o país também demonstra uma maior
ocorrência de práticas abusivas por parte dos fornecedores, dentre elas o preço abusivo do
álcool em gel e de máscaras, além da cobrança de taxas elevadas para a entrega dos produtos
na residência do consumidor ou em caso de cancelamento de serviços turísticos contratados
antes da pandemia ser assim declarada e das próprias restrições atinentes a mobilidade de
indivíduos serem adotadas no território nacional. Outrossim, algumas dessas medidas adotadas
pelos fornecedores, especialmente aqueles vinculados ao Turismo, sob o pretexto de evitar o
colapso deste setor, passaram a ser vistas como “necessárias” pelo Governo Federal,
especialmente ao considerar que ele, em 2019, representou 8,1% do Produto Interno Bruto
(PIB), empregando 6,9 milhões de pessoas (SANIELE, 2019).
Todavia, por certo que estas medidas não poderiam resguardar apenas os interesses
empresariais em detrimento do dever constitucional de proteção ao consumidor, que é ao
mesmo tempo direito fundamental (Art. 5, XXXII da CF/1988) e princípio norteador da ordem
econômica pátria (Art. 170, V da CF/1988). Por isso, as duas Medidas Provisórias de números
925 e 948 expedidas pelo Poder Executivo, voltadas ao setor em comento, as quais tentam
assegurar o fluxo de caixa empresarial através da supressão de direitos assegurados aos
consumidores pela legislação em vigor serão objeto de análise da primeira parte do presente
texto.
Outrossim, importa dizer que essas não essas as únicas respostas à crise gerada pela
Covid-19 no país relacionadas à pauta consumerista, devendo ser analisada a atividade do
Parlamento Brasileiro. Ponderando que o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor é
que fundamenta o dever estatal de promoção de sua defesa, vislumbra-se em dois Projetos de
Lei, os de números 3515/20159 e 1997/2020, medidas que visam resguardar os interesses e
assegurar o bem-estar da parte vulnerável da relação de consumo através da concessão de alívio
financeiro aos mesmos, que, em tempos tão difíceis como estes introduzidos pela pandemia,
mostram-se essenciais para a sociedade como um todo – inclusive para o setor econômico – e,
à luz da própria experiência do direito comparado, seriam as ações mais apropriadas para o
presente momento, motivo pelo qual elas serão igualmente objeto de análise na segunda parte
deste texto.

9
Referido Projeto de Lei foi aprovado e sancionado, tendo se convertido na Lei n. 14.181/2021 (BRASIL,
2021.). Por razões de coerência com o restante do texto, foi mantida a redação original do artigo, elaborado
anteriormente à aprovação da lei.
225
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

1. AS RESPOSTAS DO PODER EXECUTIVO PARA COMBATER A PANDEMIA DE


COVID-19 - EM DEFESA DE QUEM: CONSUMIDORES OU FORNECEDORES?

Indubitavelmente, alguns dos setores mais afetados pela pandemia são o de turismo e o
de serviços aéreos, uma vez que o fechamento de fronteiras por parte de diversos países e as
medidas de distanciamento social acabaram por reduzir drasticamente a atividade das
companhias aéreas e também daqueles que atuam no ramo do turismo – guias turísticos, hotéis,
agências de viagens. Se na primeira quinzena de março, quando iniciaram as medidas restritivas
no Brasil, a Covid-19 provocou perdas de R$ 2,2 bilhões no turismo brasileiro, representando
uma queda de 16,7% em relação ao mesmo período do ano passado (CAMPOS, 2020), a
segunda quinzena já reportava perdas de R$ 11,96 bilhões – uma queda de 84% no faturamento
em relação ao mesmo período do ano anterior, projetando uma perda de 295 mil empregos
(TURISMO..., 2020).
Em vista disso, buscando adotar medidas emergenciais destinadas ao combate das
consequências geradas pela pandemia naqueles setores vinculados ao turismo, incluindo-se o
de transporte aéreo, muito em razão da sua importância para a economia brasileira, o Poder
Executivo decidiu por editar uma série de Medias Provisórias, dentre as quais destacam-se a de
n. 925 e a de n. 948 vez que atreladas às relações de consumo vinculadas à este setor e que têm
gerado uma grande controvérsia, notadamente por resguardarem os interesses dos fornecedores
em detrimento dos consumidores, como explora-se nos itens a seguir.

a) A Medida Provisória n. 925 e a redução de direitos dos consumidores no transporte


aéreo

A Lei Federal n. 13.979, aprovada em 6 de fevereiro de 2020, que disciplinou as medidas


para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do
surto da COVID-19 (BRASIL, 2020c), inserindo, dentre elas, a possibilidade de restrição
excepcional e temporária de entrada e saída do País por rodovias, portos ou aeroportos10.
Inicialmente, com casos apenas importados e posteriormente com a detecção de transmissão
comunitária11, as companhias aéreas brasileiras LATAM (LATAM..., 2020), AZUL (LAIER,

10
A Medida Provisória n. 926, de 20 de março, alterou a redação do inciso VI do artigo 3º da referida Lei, que
passou a conter a seguinte redação: “restrição excepcional e temporária, conforme recomendação técnica e
fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por rodovias, portos ou aeroportos de: a) entrada e
saída do País; e b) locomoção interestadual e intermunicipal;” (BRASIL, 2020d).
11
A Portaria n. 454, de 20 de março de 2020, do Ministério da Saúde, declarou, em todo o território nacional, o
estado de transmissão comunitária da COVID-19 (BRASIL, 2020o). Todavia, antes disso, já se verificava em
alguns municípios e estados a transmissão comunitária (cf. CADEMARTORI, 2020).
226
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

2020) e GOL (ALERIGI JR., 2020) divulgaram a suspensão de grande parte de seus voos,
especialmente aqueles com destino e origem no exterior. Outrossim e a exemplo do que vem
ocorrendo em outras nações, os voos internacionais e, por consequência, os nacionais, passaram
realmente a diminuir quando o país determinou o fechamento excepcional e temporário de
fronteiras terrestres e aéreas (RIVIERA, 2020).
Por meio da Portaria Interministerial n. 120, de 17 de março, sancionou-se a restrição
excepcional e temporária de entrada no país de estrangeiros oriundos da Venezuela (BRASIL,
2020i) em virtude de uma recomendação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA) (ARAÚJO; OLIVEIRA, 2020); por sua vez, a Portaria Interministerial n. 125, de
19 de março, estabeleceu a restrição excepcional e temporária de entrada por via terrestre de
estrangeiros oriundos da Argentina, Bolívia, Colômbia, Guiana Francesa, Guiana, Paraguai,
Peru e Suriname (BRASIL, 2020j); já a Portaria Interministerial n. 126, também de 19 de
março, restringiu a entrada por via aérea de estrangeiros provenientes da Austrália, da China,
da Coréia, da Irlanda do Norte, da Islândia, do Japão, da Malásia, da Noruega, do Reino Unido,
da Suíça e da União Europeia (BRASIL, 2020l); por seu turno a Portaria n. 132, de 22 de março,
determinou a restrição de entrada no país, por via terrestre, de estrangeiros provenientes do
Uruguai (BRASIL, 2020m); e, por fim, a Portaria n. 133, de 23 de março, incluiu, no rol da
Portaria Interministerial n. 126, o Irã (BRASIL, 2020n).
De acordo com informação atualizada constante no site da Associação Internacional de
Transporte Aéreo (IATA)12, nenhum passageiro está permitido, no momento, a entrar no país,
com exceção dos nacionais e migrantes residentes em território nacional, bem como de
‘profissionais não-nacionais’ a serviço de órgãos internacionais, de não-nacionais que tenham
familiares brasileiros natos ou naturalizados que estejam no Brasil, de migrantes com ingresso
autorizado pelo Governo Federal em vista do interesse público e de migrantes que sejam
portadores de Registro Migratório Nacional (IATA, s.d.).
Não apenas isso, a orientação de distanciamento social dada por autoridades sanitárias
nacionais e internacionais, por prefeitos e governadores (VALENTE, 2020), bem como em
vista do receio de contrair a enfermidade e/ou do cancelamento de eventos profissionais,
acadêmicos e pessoais, que ensejavam o deslocamento aéreo, fez com que os voos não apenas
fossem reduzidos como também motivou diversos consumidores brasileiros a solicitar o
cancelamento do serviço e a consequente remarcação ou o reembolso do valor pago na

12
A IATA, International Air Transport Association, foi fundada em 1945 e é hoje considerada o principal veículo
de cooperação entre companhias aéreas na promoção de serviços seguros e confiáveis.
227
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

aquisição dos bilhetes aéreos. Logo, em virtude deste cenário, não restam dúvidas de que um
dos setores mais afetados pela pandemia da Covid-19 é justamente o de transporte aéreo, cujos
prejuízos às transportadoras, segundo estimativa da IATA (2020), será de aproximadamente
314 bilhões de dólares.
Portanto, na tentativa de auxiliá-lo a sobreviver à crise e com o objetivo de padronizar
as respostas a serem fornecidas aos consumidores13 o Presidente da República expediu, em 18
de março, a Medida Provisória (MP) n. 925, a qual dispõe sobre medidas emergenciais para a
aviação civil brasileira em razão da pandemia causada pela COVID-19, segundo assevera o seu
artigo 1º, entrando em vigor na data de sua publicação (18.03.2020), como preceitua o artigo
4º.
Em relação ao seu artigo 2º, este refere que, nos contratos de concessão de aeroportos
firmados pelo Governo Federal, as contribuições fixas (montante a ser pago em decorrência de
oferta realizada através de leilão) e variáveis (montante anual resultante da aplicação de alíquota
sobre a receita bruta da empresa concessionária do serviço e de suas subsidiárias integrais)14
que vencerem no ano de 2020 poderão ser pagas até o dia 18 de dezembro de 2020. A Agência
Nacional de Aviação Civil (ANAC), corroborando com tal dispositivo, divulgou, em 28 de
abril, a aprovação do pedido de adiamento de pagamento de outorgas fixas e variáveis dos
aeroportos de Confins, Galeão, Fortaleza, Salvador, Florianópolis e Porto Alegre. Segundo a
ANAC, tal medida visa manter o funcionamento do setor aéreo durante a pandemia, mitigando
as dificuldades financeiras de curto prazo e aliviando o fluxo de caixa das concessionárias dos
aeroportos (LEAL, 2020).
De frisar ainda que a ANAC também adotou medida que abona o cancelamento dos
slots, isto é, dos horários de pouso e decolagem em aeroportos, caso as companhias aéreas não
realizem os voos (BRASIL, 2020a), já que a pandemia estava causando o fenômeno que se
chama “voos fantasma”, uma vez que, para não perder os slots, as transportadoras estavam

13
Em 27 de fevereiro, a Associação Brasileira de PROCONS expediu Nota Informativa orientando que o
adiamento ou o cancelamento da passagem aérea deveria ser realizado sem ônus ao consumidor em vista do motivo
de saúde pública (PROCONSBRASIL, s/d.). Em 6 de março, os Ministérios da Justiça e Segurança Pública, do
Turismo, da Economia e da Saúde expediram a Nota Técnica n. 2/2020, referindo que, se solicitado reembolso
pelo passageiro, deverão ser aplicadas as penalidades contratualmente previstas (BRASIL, 2020f). E, em 10 de
março, o Ministério Público Federal encaminhou a Recomendação n. 3/2020 à Agência Nacional de Aviação Civil
para que publicasse ato normativo assegurando aos consumidores a possibilidade de cancelamento sem ônus de
passagens aéreas para destinos atingidos pela pandemia, considerando prática abusiva a imposição de taxas e
multas em situações de emergência mundial em saúde (BRASIL, 2020g).
14
Cf. a título exemplificativo, o Contrato de concessão do Aeroporto Internacional de Guarulhos disponível no
seguinte endereço eletrônico: <https://www.anac.gov.br/assuntos/paginas-tematicas/ concessoes/aeroportos-
concedidos/guarulhos/arquivos/01contrato-de-concessao/contrato-gru>. Acesso em: 3 maio 2020.
228
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

realizando voos com poucos ou nenhum passageiro (PANDEMIA..., 2020). A medida é válida
até 24 de outubro e visa também reduzir os prejuízos financeiros das transportadoras.
O artigo 3º da Medida Provisória estabelece que o prazo para reembolso do valor
utilizado para adquirir a passagem aérea será de 12 meses, devendo ser observadas as regras do
serviço contratado, bem como mantida a assistência material nos termos da regulamentação
vigente. O parágrafo 1º assevera que, se o passageiro aceitar, quando do pedido de
cancelamento de sua viagem, um crédito correspondente ao valor pago pelo bilhete aéreo e para
uso no prazo de 12 meses contados da data de partida do voo originariamente contratado com
a companhia, não serão cobradas as penalidades contratuais. Já o parágrafo 2º refere que o
presente artigo se aplica aos contratos de transporte aéreo firmados até 31 de dezembro de 2020.
Em outros termos, o artigo em comento estabelece que, para todos os contratos de
serviço de transporte aéreo firmados durante o ano de 2020, somente há duas opções aos
passageiros: (a) ou aceitam a conversão do valor pago em um crédito que deve ser utilizado em
até 12 meses da data da viagem original, sem quaisquer custos adicionais, presumindo que o
serviço estará disponível na sua integralidade nos meses subsequentes15 e que os consumidores
(e a sociedade) não estarão mais expostos ao vírus16; (b) ou optam pelo reembolso do valor
pago, o qual será realizado em até 12 meses – provavelmente a contar da data da solicitação do
reembolso –, deduzidas as penalidades contratuais, que, por vezes, são extremamente abusivas,
e sem sequer mencionar eventual incidência de correção monetária e juros legais, tal como
deveria suceder à luz da legislação consumerista pátria. Não há exceções possíveis ou acordos
previstos!
A toda evidência, tal disposição da MP vai contra as normas que regulamentam
especificamente a matéria, uma vez que a Resolução n. 400/2016 da ANAC, que dispõe sobre
as condições gerais de transporte aéreo, refere que o prazo para reembolso será de sete dias a
contar da data da solicitação realizada pelo passageiro (artigo 29, caput), bem como que será
integral em caso de cancelamento de voo, interrupção do serviço ou preterição de passageiro se
solicitado no aeroporto de origem, de escala ou conexão, ou proporcional ao trecho não
utilizado, se já iniciado o serviço (artigo 30, incisos I e II). Referida Resolução também assinala

15
Deve-se recordar que as companhias aéreas estão redesenhando as suas rotas internas e internacionais, de modo
que os passageiros poderão enfrentar dificuldades em obter a prestação do serviço nas mesmas condições da
contratação. Cf. CAULYT, 2020; GOL..., 2020.
16
“De frisar que a prática corrente dos fornecedores de produtos e serviços relacionados ao turismo é a cobrança
de taxas e multas em caso de cancelamentos ou alterações, o que é um desincentivo às alterações, praticamente
obrigando o consumidor a viajar. No caso da pandemia de COVID-19, isso significaria exposição do consumidor
e de toda a comunidade a um risco aumentado de que a doença se espalhe ainda mais” (MUCELIN; D’AQUINO,
2020).
229
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

que o reembolso pode ser convertido em crédito, com a condição que o passageiro assim aceite,
sendo possível, inclusive, a utilização de crédito para aquisição de passagem aérea para
terceiros (artigo 31 e seus parágrafos), ponto sobre o qual, de maneira falha, silencia a MP.
Igualmente, é omissa quanto às situações em que o cancelamento é realizado
unilateralmente pela companhia aérea, sendo certo que o Código Brasileiro de Aeronáutica
afirma em seu artigo 229 que “o passageiro tem direito ao reembolso do valor já pago do bilhete
se o transportador vier a cancelar a viagem” (BRASIL, 1986). Nesse mesmo sentido, o artigo
12 da Resolução n. 400/2016 da ANAC assevera que, em caso de alterações programadas pelo
transportador e não comunicadas com antecedência mínima de 72 horas ou que acarretem atraso
superior a 30 minutos nos voos domésticos ou uma hora nos voos internacionais, este deve
oferecer alternativas de reacomodação e reembolso integral, competindo a escolha sempre ao
passageiro.
Ademais, o artigo 21 da Resolução n. 400/2016 da ANAC estipula a necessidade de
oferecimento da alternativa de reembolso em caso de alterações não programadas que acarretem
atraso do voo superior a quatro horas, cancelamento do voo, interrupção do serviço, preterição
de passageiro e perda de voo subsequente com conexão quando o transportador der causa a tal
fato (BRASIL, 2016) - o que o texto da MP permite desde que mantidas as penalidades
contratuais, em verdadeira contradição à legislação já consolidada no país.
Logo, da simples leitura do seu teor, conclui-se que a MP 925, 2020 procura beneficiar
sobremaneira as companhias aéreas e, também, as concessionárias dos aeroportos, mitigando
os seus gastos para o fim de permitir o seu funcionamento e fluxo de caixa durante a pandemia.
Por outro lado, ela acaba por prejudicar de forma irrazoável os passageiros – consumidores dos
serviços de transporte aéreo, que se encontram em uma situação de vulnerabilidade absoluta e
agravada, em virtude da pandemia, por si só.
Afinal, o documento isenta a incidência de taxas e penalidades contratuais apenas se
aceito crédito futuro, sem qualquer tipo de correção, compelindo o passageiro a aceitar esta
opção mesmo quando do cancelamento unilateral do serviço então contratado por parte das
transportadoras, não lhe dando, pois, a efetiva liberdade de escolha – elemento chave para
romper o desequilíbrio natural que os consumidores detêm nas relações de consumo. Isso sem
considerar que a crise que assola o país torna necessário o reembolso de valores para que os
próprios consumidores possam continuar a pagar as suas despesas básicas17, necessárias ao seu

17
Antes da pandemia, “mais de 60 milhões de brasileiros, o equivalente a 40% da população adulta, número
superior à população da Itália, [já se encontravam inadimplentes e] enfrentarão mais um grande obstáculo para a
reestruturação das suas dívidas” (MARQUES et al., 2020).
230
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

sustento e ao de suas famílias, e, ainda, movimentar a economia do Estado em tempos críticos18.


A MP não traz uma exceção sequer, ficando o consumidor refém dos fornecedores se, por
exemplo, preferir outra opção, em virtude dele próprio ter sido vítima da doença COVID-19...
Nesse caso, não se pode olvidar que a dignidade da pessoa humana é o princípio
norteador do ordenamento jurídico pátrio e que a defesa do consumidor é garantia fundamental
e princípio da atividade econômica, tal como consta na Constituição Federal de 1988,
respectivamente, nos artigos 5o, inciso XXXII, e 170, inciso V, de modo que, assegurar-se a
sobrevivência do setor aéreo às custas do afastamento da legislação mais protetiva à pessoa
humana é inconcebível (TARGA; SQUEFF, 2020), razão pela qual necessário e imprescindível
repensar-se o teor dessa Medida Provisória para não onerar os consumidores do transporte aéreo
e lhes agravar, ainda mais, as suas vulnerabilidades tão evidentes em tempos pandêmicos.
Melhor teria sido utilizar o CDC e a SENACON ter proposto uma convenção coletiva de
consumo (Art. 107 do CDC), uma vez que os players eram poucos e o objetivo seria mais bem
alcançado e com mais flexibilidade frente às questões que emergem da Covid-19 nas relações
de consumo (MUCELIN; D’AQUINO, 2020).
Outrossim, essa não foi a única Medida Provisória aprovada pelo governo brasileiro
diante da pandemia que tende a favorecer os fornecedores em detrimento dos consumidores,
sendo a MP n. 948 outro exemplo, conforme se verá a seguir.

b) A Medida Provisória n. 948 e a proteção ao setor do turismo e entretenimento

Outra norma emitida pelo Poder Executivo com a finalidade de minimizar os prejuízos
dos fornecedores em razão da pandemia é a Medida Provisória n. 948, de 8 de abril de 2020,
que “dispõe sobre o cancelamento de serviços, de reservas e de eventos dos setores de turismo
e cultura em razão do estado de calamidade pública (...) e da emergência de saúde pública de
importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19)” (BRASIL, 2020e). Em 6
artigos, a citada Medida Provisória define como se dará a resolução das questões decorrentes
de cancelamentos de eventos dos setores de turismo e cultura. O art. 1º define o escopo de
aplicação da MP.

18
“El aumento del nivel de ingresos o renta del consumidor lleva a mayor consumo [...]. La disminución del
consumo, constituye una de las mayores preocupaciones para todo aquel que efectúa análisis y mediciones
económicas, en especial cuando se preocupa por las crisis profundas y que por efecto de la globalización no
tienen un impacto local o limitado. Es indudable la importancia que se otorga actualmente a la reactivación de
las condiciones de consumo, de allí que pasa a constituirse en un elemento crucial que pone de manifiesto la
recuperación de toda crisis financiera” (LAMBRANO, 2012).
231
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

O art. 2º prevê a não obrigatoriedade de reembolso de valores pagos pelo consumidor


na contratação de serviços, reservas e eventos, desde que assegure a sua remarcação, a
disponibilização de crédito “para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e
eventos, disponíveis nas respectivas empresas” ou outro acordo realizado com o consumidor.
Além disso, a remarcação deve ocorrer sem custos adicionais ao consumidor, desde que
ocorrida até 90 dias após a entrada em vigor da MP, respeitadas a sazonalidade e os valores
originalmente despendidos e o prazo de 12 meses, a contar do fim do estado de calamidade
pública. Em caso de disponibilização de crédito ao consumidor, este pode ser utilizado em até
12 meses a contar da data do encerramento do estado de calamidade. Não havendo possibilidade
de ajuste, o fornecedor deverá restituir ao consumidor o valor pago corrigido monetariamente,
no prazo de 12 meses a contar do fim do estado de calamidade pública.
O art. 3º, por sua vez, determina a aplicabilidade do art. 2º a prestadores de serviços
turísticos e sociedades empresárias a que se refere o art. 21 da lei que institui a Política Nacional
de Turismo, além de cinemas, teatros e plataformas digitais de vendas de ingressos pela internet.
Já o art. 4º determina que os artistas já contratados quando da edição da MP que forem
impactados por cancelamentos “não terão obrigação de reembolsar imediatamente os valores
dos serviços ou cachês, desde que o evento seja remarcado, no prazo de doze meses, contado
da data de encerramento do estado de calamidade pública”, e no caso de não prestação do
serviço nesse prazo, deverão restituir os valores recebidos atualizados, no prazo de 12 meses a
contar do encerramento do estado de calamidade pública.
O art. 5º ressalva que as relações de consumo regidas pela MP caracterizam hipóteses
de caso fortuito ou força maior, não ensejando danos morais, multas ou outras penalidades
previstas no art. 56 do Código de Defesa do Consumidor19. Por fim, o art. 6º determina a entrada
em vigor da MP na data de sua aplicação.
Em que pese sua intenção de proteção de negócios jurídicos durante a pandemia, tendo
em vista que a taxa de cancelamento de viagens em março foi superior a 85% (VILELA, 2020),
deixando o setor do turismo especialmente afetado, a citada Medida Provisória foi alvo de

19
Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções
administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas: I - multa; II -
apreensão do produto; III - inutilização do produto; IV - cassação do registro do produto junto ao órgão
competente; V - proibição de fabricação do produto; VI - suspensão de fornecimento de produtos ou serviço; VII
- suspensão temporária de atividade; VIII - revogação de concessão ou permissão de uso; IX - cassação de licença
do estabelecimento ou de atividade; X - interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade;
XI - intervenção administrativa; XII - imposição de contrapropaganda. Parágrafo único. As sanções previstas neste
artigo serão aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser aplicadas
cumulativamente, inclusive por medida cautelar, antecedente ou incidente de procedimento administrativo.
(BRASIL, 1990)
232
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

críticas. Falcão, por exemplo, ressalta que apesar das adversidades enfrentadas pelos setores do
turismo e cultura, a presunção de vulnerabilidade do consumidor se mantém absoluta, não
devendo as medidas tomadas com a finalidade de socorrer um setor da economia se sobrepor à
“conservação das garantias e dos direitos básicos do consumidor. É plenamente possível e
viável a convergência de interesses, tanto de fornecedores quanto dos consumidores em prol do
reerguimento da economia.” (2020)
O ponto principal de críticas por parte de Falcão é a possibilidade de realização de
acordo entre as partes com a finalidade de estipular alternativas de ressarcimento dos valores
desembolsados. “Ora, adotando-se uma interpretação otimista e até ingênua das relações
humanas, poder-se-ia dizer que, a partir do referido inciso, seria possível resolver eventuais
impasses entre as partes e, quiçá, evitar uma enxurrada de litígios judiciais nesse sentido.”
Entretanto, a falta de especificação do tipo de acordo e quais condições poderiam ser acordadas
dificulta a verificação de sua adequação à lei e sua caracterização com uma solução justa para
ambas as partes, especialmente diante das vulnerabilidades técnica e jurídica do consumidor,
que o impedem de fazer prevalecer suas condições ou de ter pleno conhecimento da
conformidade do acordo com seus direitos enquanto consumidor. (2020)
Vital (2020), por sua vez, direciona suas críticas ao art. 5º, que caracteriza hipótese de
força maior ou caso fortuito, isentando o fornecedor do pagamento de indenização por danos
morais, além de multas e outras penalidades previstas no CDC. Segundo o autor, em consulta
a Pfeiffer, este sustentou que o artigo "é de uma impropriedade completa. Se a possibilidade de
dano moral está na Constituição, como você afasta por MP?" Pfeiffer ainda questiona o caso
em que a situação causadora de danos morais ocorre não em razão da pandemia, mas do próprio
comportamento da empresa, como por exemplo destratar um consumidor que busque
ressarcimento. Segundo ele, a interpretação do art. 5º, nesse caso, seria um salvo-conduto que
levaria a um prejuízo para o consumidor.
Delmondes e Mello, por seu turno, entendem que o art. 5º impõe compulsoriamente uma
excludente de ilicitude para os fornecedores, afastando o princípio da reparação integral,
previsto tanto no Código Civil quanto no CDC, em benefício dos artistas e empresários,
ressaltando o caráter de medida protetiva do fornecedor, que, “à beira do nocaute, (...) respira
com a medida provisória. O fôlego diante de tantas incertezas e inseguranças jurídicas
apresentadas pelo atual cenário mundial traz, ainda que distante, um ar de esperança para
aqueles que combatem um bom combate.” (2020)

233
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Para Vial (2020), a Medida Provisória “trata as relações de consumo daquele setor como
força maior ou caso fortuito, retirando direitos indenizatórios e fiscalizatórios.” Segundo a
autora, ainda que seja razoável uma flexibilização da forma de devolução de valores pagos, há
que se garantir um diálogo entre consumidor e fornecedor.
Percebe-se, dessa forma, que as duas grandes – e acertadas – críticas em relação à
medida residem na possibilidade de acordo entre fornecedor e consumidor e no teor do art. 5º
da MP, que caracteriza caso fortuito e força maior e exclui o dever de indenizar por parte do
fornecedor. Nesse sentido, de se ressaltar o caráter de ordem pública e interesse social do
Direito do Consumidor20, cuja defesa cabe ao Estado21, minando de inconstitucionalidade
qualquer ato contrário a essa defesa.
Os direitos dos consumidores devem ser preservados, não importa a situação. As
relações de consumo possuem como fundamento e base a boa-fé e a confiança, devendo
despertar no fornecedor “o senso de responsabilidade e é com esse espírito de coletividade que
os órgãos precisarão incutir na sociedade brasileira um dever de solidariedade para manutenção
contratual” (VIAL, 2020).
No que tange aos cancelamentos, de se considerar que em alguns casos a remarcação
não será uma opção viável para o consumidor, eis que, ainda que haja uma nova data para o
evento, talvez essa nova data não seja possível ao cidadão. Ou que a viagem ou hospedagem
necessárias para assistir ao show ou evento não são mais viáveis ou desejáveis pelo consumidor.
Muito se tem ressaltado a polaridade entre defesa do consumidor ou da economia, o que
não deve ser a pauta para o momento. Em tempo de pandemia, é quando as relações de consumo
devem ser mais protegidas, eis que o consumidor é “uma das principais molas propulsoras da
economia” (FALCÃO, 2020). Ao deixar de proteger o consumidor para proteger o fornecedor
corre-se o risco de, finda a pandemia, estar em uma situação tal que não haja consumo suficiente
para manter a economia do país ativa, mergulhando em uma recessão muito mais difícil de
conter.
Falcão ressalta a importância do princípio da harmonia nas relações de consumo,
previsto no art. 4º, III do CDC, compatibilizando a proteção do consumidor com as necessidades
de desenvolvimento econômico e tecnológico. “A balança precisa manter-se no melhor

20
Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse
social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições
Transitórias. (BRASIL, 1990)
21
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; (BRASIL, 1988)
234
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

equilíbrio possível entre a adoção de medidas de urgência e a preservação de valores e


princípios, sob pena de se condenar o cenário socioeconômico a um colapso irreversível e de
consequências deletérias.” (2020)
Percebe-se, assim, que as Medidas Provisórias aqui apresentadas tiveram como
principal enfoque a proteção ao mercado e à economia, através de medidas que mitiguem os
prejuízos enfrentados pelos fornecedores em razão da pandemia. Entretanto, justamente por
essa razão é que essas medidas vão diametralmente de encontro aos interesses fundamentais
dos consumidores e ao próprio texto constitucional, o qual não só prescreve enquanto dever do
Estado a proteção destes vulneráveis nas relações de consumo, como também determina que a
sua defesa deveriam ser balizadora das atividades econômicas conduzidas no Estado.
Outrossim, levando em consideração especificamente esses mandamentos é que existem
no país propostas tramitando no âmbito do Poder Legislativo que oferecem respostas distintas
às dificuldades geradas pela pandemia, as quais tem como condão propor regras que ajudam o
país a atravessar por esse momento com o menor dano colateral possível ao consumidor, e que,
aliás, se alinham muito mais às normativas adotadas por outras nações em meio a pandemia do
que as Medidas Provisórias supra analisadas, logo, sendo este o objeto da próxima seção deste
texto.

2. ANÁLISE DAS PROPOSTAS DO PODER LEGISLATIVO E A EXPERIÊNCIA


INTERNACIONAL: URGÊNCIA NA PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR PARA UMA
RETOMADA RÁPIDA

A pandemia, inegavelmente, afetou a economia mundial, modificando o comportamento


e o relacionamento obrigacional já intrincados dos agentes econômicos. Como se viu nas linhas
anteriores, algumas medidas setoriais foram adotadas pelas autoridades públicas brasileiras,
revelando uma ótica em favor mais da economia de mercado do que propriamente de
(legisl)ações concernentes à proteção das pessoas, as quais sentem, de fato, os efeitos nefastos
desse novo vírus, seja na sua saúde física, seja na sua saúde financeira – resultado do isolamento
social, do desemprego em massa, da paralisação das atividade de trabalhadores autônomos e
informais e da diminuição nos rendimentos familiares daí decorrentes.
O efeito disso é, naturalmente, a diminuição do consumo e, consequentemente, a
retração da economia22. A Intenção de Consumo das Famílias (IFC), calculada pela

22
Bauman, analisando a questão do PIB e sua correlação com o consumo, destaca que “o PNB (Produto Nacional
Bruto) não é justamente o índice oficial do bem-estar do país, medido pela quantidade de dinheiro que troca de
mãos? O crescimento econômico não é impelido pela energia e atividade dos consumidores? [...]. Numa sociedade
235
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), caiu no importe de


2,5% só na transição dos meses de março a abril de 2020, revelando a insatisfação dos
consumidores nesse momento. Em seu relatório, a CNC estatuiu que “as famílias começaram a
identificar preocupação com os impactos da crise por conta da covid-19” (2020b).
Nem tão inesperadamente, o único item da medição que apresentou uma variação
mensal positiva (+0,7%) foi o acesso ao crédito (CNC, 2020b). Avaliando o endividamento e a
inadimplência do consumidor no mês de abril de 2020, a CNC alerta que “o percentual de
famílias com dívidas aumentou novamente em abril de 2020, ante março, e na comparação com
abril de 2019, alcançando novo recorde histórico”, e que a “crise de saúde certamente seguirá
afetando os condicionantes do consumo”, sendo que “os resultados mensais favoráveis à
inadimplência revelam que [...] as famílias estão conseguindo quitar os compromissos com
empréstimos e financiamentos” (2020a).
Por conseguinte, em razão deste quadro e na tentativa de assegurar a dignidade dessa
parcela da população, dois Projetos de Lei foram arquitetados no âmbito do Poder Legislativo,
os quais não só se destacam pela tentativa de reverter a situação de endividamento extremado
do consumidor, ensejando, por isso, uma análise pormenorizada, como também se alinham às
medidas que vêm sendo adotada por outras nações com este mesmo fim, cujos exemplos
igualmente se destacam na sequência do texto.

a) Os Projetos de Lei n. 3515/2015 e 1997/2020 e a possibilidade de alívio financeiro aos


consumidores

A relação entre crédito e inadimplência nunca esteve tão nítida quanto agora. Em
verdade, essa circunstância, já presente no Brasil há tempos, foi agravada pelas repercussões
econômicas da pandemia em todos os níveis, fazendo com que um contingente considerável de
pessoas caminhe em direção ao superendividamento (MARQUES et al., 2020), caso medidas
não sejam tomadas pelo Poder Público para além do auxílio emergencial aos mais
economicamente vulneráveis. Vale dizer: a atuação estatal é fundamental para que os mais de
60 milhões de consumidores que já se encontravam em situação de superendividamento ou de

de consumidores e na era das políticas de vida que substituem a Política com p maiúsculo, o ciclo econômico mais
verdadeiro, o único que mantém de fato a economia de pé, é o ciclo de ‘compre e, use e jogue fora’.” (2011. p.
152). Assim também o IBGE: “A maior contribuição para o avanço do PIB vem do consumo das famílias”. (IBGE,
2020).
236
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

inadimplência23 e outros tantos milhões que ainda não estavam, mas que estarão por conta do
Coronavírus, não encontrem a sua ruína (MARQUES, 2019, p. 245).
A fim de evitar o superendividamento em massa dos consumidores decorrente da
pandemia ou por ela agravado, dois Projetos de Lei (PL) tomam frente para que essa crise
econômico-sanitária seja diminuída em seus efeitos perante os mais vulneráveis do mercado de
consumo, os quais, adiante-se, devem ser aprovados urgentemente em um verdadeiro acordo
de líderes para a preservação do bem-estar da população brasileira.
O primeiro deles trata-se do PL 3.515/2015, de atualização do Código de Defesa do
Consumidor (CDC), aprovado por unanimidade no Senado Federal e já relatado em texto de
consenso na Comissão Especial da Câmara de Deputados, cujo teor dispõe sobre o
aperfeiçoamento da disciplina do crédito ao consumidor e sobre a prevenção e o tratamento do
superendividamento (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2015).
Sem sombra de dúvidas, esse Projeto representa um redimensionamento ético-inclusivo
do direito privado, na exata medida em que cria instrumentos e normas para prevenir e tratar
esse fenômeno de endividamento sistêmico da pessoa-física de boa-fé, no mais das vezes
acometidas por um acidente da vida24, como morte ou doença na família, tanto no aspecto da
promoção de acesso ao crédito responsável e educação financeira, quanto para reforçar o
tratamento global das audiências conciliatórias com a totalidade de credores, em que a
finalidade é a elaboração e a aprovação de planos de pagamento de dívidas dos consumidores
superendividados (MARQUES et al., 2020).
Nesse momento conciliatório, segundo a inteligência da redação do art. 104-A, caput,
do referido PL, deve haver a preservação do mínimo existencial frente à totalidade dos
credores25, de modo que, como o próprio signo faz concluir, garanta a existência digna dos
superendividados, por meio, inclusive, de dilação de prazos e de redução dos encargos,
permitindo, assim, o reembolso dos credores sem prejuízo do mínimo indispensável à

23
“Representantes de várias entidades alertaram para a situação dos 63 milhões de brasileiros que estão
inadimplentes, parte deles por causa de eventos imprevistos, como doenças, atraso nos salários e desemprego”.
(CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2020).
24
“Acidentes da vida” caracteriza o consumidor superendividado passivo de boa-fé, havendo relação direta com a
Pandemia: “o superendividado passivo, indivíduo que por motivos exteriores e imprevistos sofreu uma redução
brutal dos recursos devido a áleas da vida, a exemplo do desemprego, do divórcio, do acometimento de doenças,
vistos como acidentes da vida”. (MARQUES et al., 2010, p. 65).
25
Projeto de Lei 3.515/2015 da Câmara dos Deputados. “Art. 104-A. A requerimento do consumidor
superendividado pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, visando à realização
de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os
credores, em que o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos,
preservados o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, e as garantias e as formas de pagamento
originalmente pactuadas”.
237
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

subsistência digna do devedor, o que reforça a dimensão social e de combate à exclusão do


Código de Defesa do Consumidor no mercado de consumo.
A aprovação do PL 3.515/2015, em meio à crise de COVID-19, nesse sentido, permitirá
a conciliação em bloco das dívidas, assim como já faziam outros países, a exemplo da França
e dos Estados Unidos, mesmo de forma não presencial (online), trazendo também instrumentos
de dilação e de renegociação que são necessários para estimular positivamente a economia
como um todo, reduzir conflitualidade social inclusive em tempos de pandemia, sem que, dessa
maneira, ao consumidor endividado seja imposta a sua falência, ou seja, a ele sejam atribuídas
onerosidades agora excessivas ou que comprometam o equilíbrio econômico-contratual dessas
relações de consumo já desequilibradas em tempos normais.
O segundo destaque, específico em relação à pandemia e ao combate aos efeitos
econômicos advindos dela é o PL 1.997/2020 (SENADO FEDERAL, 2020). Apresentado pelo
Senador Rodrigo Cunha e baseado na “Lei para minimizar os efeitos do COVID-19-Pandemia
em Direito Civil, Falência e Superendividamento e em Processo Penal” alemã (DEUTSCHER
BUNDESTAG, 2020), a qual foi aceita em sua totalidade e aprovada já em 25 de março de
2020, o PL brasileiro, de inciativa das professoras Dras. Claudia Lima Marques, Káren Rick
Danilevicz Bertoncello e Clarissa Costa de Lima, pretende instituir a moratória até 12 de
dezembro de 202026 em contratos essenciais, bancários, securitários e planos privados de
assistência à saúde em favor dos consumidores afetados economicamente pela pandemia de
COVID-19, ressalvados os casos de doença ou morte na família ou outros casos graves, a serem
provados e decididos em juízo, cujo prazo poderá ser estendido até 31 de março de 202127.
Em uma interpretação fundada na boa-fé e nos princípios que recobrem o Código de
Defesa do Consumidor (MARQUES et al., 2020) sobre institutos jurídicos aplicáveis a tais

26
Projeto de Lei n. 1.997/2020 do Senado Federal: “Art. 2º: Fica estabelecida, em razão do estado de calamidade
pública provocado pela pandemia de coronavírus (Covid‐ 19), a moratória, até 12 de dezembro de 2020, das
obrigações pecuniárias de consumidores pessoas físicas com vencimento a partir de 1º de abril de 2020, relativas
a contratos vigentes anteriormente a 20 de março de 2020 e mencionados na presente Lei”.
27
Projeto de Lei n. 1.997/2020 do Senado Federal: “Art. 2º: [...]. § 3º: Em caso de doença ou morte na família ou
outros casos graves, a serem provados e decididos em juízo, a moratória poderá ser estendida até 31 de março de
2021 e o montante dos débitos que vencerem durante todo o período da moratória serão pagos pelo consumidor
após essa data, em doze parcelas mensais extras de igual valor, vedada a incidência de juros no parcelamento e
admitida a cobrança de correção monetária.”
238
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

contratos de consumo em relação à pandemia, como a mora28, a exceção dilatória29 e a força


maior30, o que está em xeque não é a existência ou a exigibilidade de débitos, mas tão somente
os prazos pelos quais se devem adimplir com tais obrigações e a vedação de incidência de
multas, juros de mora, honorários advocatícios ou outras cláusulas penais, bem como a
utilização de medidas de cobranças de débitos, incluindo a impossibilidade de inscrição em
cadastros de inadimplentes relativamente ao período da moratória31.
Importa igualmente salientar que a moratória não é irrestrita32. Ela é para aqueles que
foram economicamente afetados pela pandemia e assim prevê o PL 1.997/2020, ao determinar
que os consumidores pessoas físicas que tiveram sua fonte de renda prejudicada, de modo que
o pagamento dos serviços essenciais possa comprometer o mínimo existencial do consumidor
e de seus dependentes, poderão encaminhar pedidos de moratória às empresas fornecedoras dos
serviços por meio eletrônico, devendo serem acatados se carreados com a comprovação desse
fato e com declaração do consumidor nesse sentido33.

28
“Nessa linha de entendimento, considerada a pandemia de COVID-19 como ‘impedimento transitório de fato’
para a configuração da mora, por força maior, parece impositiva a verificação da qualidade de exceção dilatória
desempenhada pelo inadimplemento decorrente da pandemia, porquanto assegurada a existência da obrigação para
cumprimento futuro, mas sem a incidência dos encargos da mora. Em outras palavras, a pandemia e o estado de
emergência, que isolam pessoas doentes, idosos e consumidores em geral, é uma força maior que impede a mora.
Como ensina Cristiano Zanetti, a mora é uma espécie de inadimplemento parcial, no modo e no tempo devido.
Consideramos, porém, que a força maior impede que a mudança no ‘tempo e no modo devido’ seja considerada
injusta ou mesmo seja definida como mora”. (MARQUES et al., 2020)
29
“Veja-se que a dilação do prazo para cumprimento das obrigações tem atuado como fundamento para atenuação
dos efeitos devastadores da causa de exclusão social do superendividamento dos consumidores, visto que, na maior
parte das legislações do mundo, o diferimento do prazo para pagamento das dívidas é previsto, impondo ao
consumidor a convivência prolongada com o resultado do seu consumo. Com isso, as tutelas se assemelham em
muitos aspectos, merecendo especial destaque a finalidade de recuperação do consumidor com a introdução do
tempo nas relações negociais. Nessa linha, como já afirmado outrora, os legisladores empenharam-se em oferecer
o único bem que nada custaria ao Estado: o tempo, o tempo suplementar para o pagamento das dívidas, tempo
capaz de suspender o curso dos juros e das vias de execução, o tempo de “esquecer” para os casos mais
desesperadores na hipótese francesa”. (MARQUES et al., 2020)
30
Força maior é o fato necessário, cujos efeitos eram inevitáveis ou impassíveis de impedimento, tal qual a
pandemia de COVID-19. Inclusive, para Karl Larenz, são impedimentos transitórios de fato, de forma que não há
relação com a solvência: “Tales impedimentos transitórios ajenos a la culpa del deudor, como la enfermidad del
mismo, las consecuencias de una guerra o el error jurídico excusable, nada tienen que ver con la solvencia del
deudor y han de liberar también al que lo sea de una deuda genérica de la responsabilidad por mora”, sendo que
“la mera existencia de una excepción excluye las consecuencias de la mora prescindiendo de si el deudor la
ejercita o no”. (1958, p. 343).
31
Projeto de Lei n. 1.997/2020 do Senado Federal: “Art. 2º: [...]. § 1º: A moratória de que trata o caput importa na
alteração das datas de vencimento das obrigações para as datas estabelecidas por esta Lei, vedadas a incidência de
multa, de juros de mora, de honorários advocatícios ou de outras cláusulas penais, relativamente ao período da
moratória, bem como a utilização de medidas de cobranças de débitos previstas na legislação, inclusive a inscrição
em cadastros de inadimplentes, antes das datas de vencimentos definidas na moratória”.
32
Não é irrestrita, porém poderá ser automática para os consumidores de baixa renda: Projeto de Lei n. 1.997/2020
do Senado Federal. “Art. 3º: [...]. § 1º: A moratória incidirá automaticamente sobre todos os contratos de serviços
essenciais de consumidores de baixa renda, assim considerados para fins de aplicação desta Lei: [...]”.
33
Projeto de Lei n. 1.997/2020 do Senado Federal. “Art. 3º: [...]. § 3º: O pedido de moratória deve ser acompanhado
de documento em que o consumidor requer o benefício da moratória e declara, sob as penas da lei, que, em razão
do estado de calamidade pública provocado pela pandemia de Coronavírus, teve sua fonte de renda prejudicada,
239
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Em relação aos contratos de crédito, as instituições financeiras deverão suspender a


cobrança das parcelas de empréstimos consignados e com desconto em folha34, sendo
obrigatória a revisão da margem de consignação dos contratos de crédito consignados e de
cartão de crédito consignado para os trabalhadores dos setores privado e público, em
conformidade com a redução da jornada de trabalho ou da renda35.
Ainda, as prestações suspensas nesses contratos, que não podem servir como justa causa
para a resolução do contrato36 por parte do fornecedor e, igualmente, não poderão incidir
cláusulas penais, multa, juros de mora, honorários advocatícios ou medidas de cobrança, dentre
as quais a apreensão de bens financiados ou o cadastro em órgãos restritivos de crédito, deverão
ser convertidas em prestações extras, com vencimentos em meses subsequentes à data de
vencimento da última prestação prevista para o financiamento37; se resolvido ou resilido o
contrato, tais prestações deverão ser somadas ao saldo devedor38.
Por fim, prevê o PL competência para expedir determinações complementares à Lei, se
aprovada, para o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, as agências reguladoras e o
Banco Central, a fim de que se garanta o direito à informação do consumidor, além da realização
da fiscalização das disposições constantes na Lei, inclusive com a possibilidade de aplicação
de sanções em caso de descumprimento39.
Apesar de o momento pandêmico atual ser regado de incertezas e inseguranças no que
toca à economia, à sociedade, à ciência – dentre elas a jurídica –, bem como ante ao prévio
cenário de superendividamento da população brasileira e ao cenário prospectivo de
superendividamento em razão da pandemia, deve-se ter por certo que medidas como as aqui

de modo que o pagamento dos serviços e produtos pode comprometer o seu mínimo existencial e de seus
dependentes, possibilitando-se ao consumidor o encaminhamento de documentação probatória”.
34
Projeto de Lei n. 1.997/2020 do Senado Federal. “Art. 5º: [...]. § 1º Durante o período definido no art. 2º, as
instituições financeiras deverão suspender a cobrança das parcelas de empréstimos consignados e de empréstimos
com desconto em folha tomados por aposentados, pensionistas e demais consumidores”.
35
Projeto de Lei n. 1.997/2020 do Senado Federal. “Art. 5º: [...]. § 2º É obrigatória a revisão da margem de
consignação dos contratos de crédito consignados e de cartão de crédito consignado para trabalhadores do setor
privado e público, de acordo com a redução da jornada de trabalho ou da renda”.
36
Projeto de Lei n. 1.997/2020 do Senado Federal. “Art. 5º: [...]. § 7º A suspensão das prestações não poderá ser
considerada justa causa para a resolução do contrato”.
37
Projeto de Lei n. 1.997/2020 do Senado Federal. “Art. 5º: [...]. § 4º Nos contratos de crédito, as prestações
suspensas serão convertidas em prestações extras, com vencimentos em meses subsequentes à data de vencimento
da última prestação prevista para o financiamento”.
38
Projeto de Lei n. 1.997/2020 do Senado Federal. “Art. 5º: [...]. § 5º Em caso de resolução ou de resilição do
contrato, as prestações suspensas deverão ser somadas ao saldo devedor”.
39
Projeto de Lei n. 1.997/2020 do Senado Federal. “Art. 7º: O Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, as
agências reguladoras e o Banco Central deverão expedir determinações complementares à presente Lei para
garantir o direito à informação do consumidor, além de realizar a fiscalização das disposições da presente Lei,
podendo aplicar sanções no caso de descumprimento”.
240
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

defendidas são benéficas não só para os consumidores, como para os próprios fornecedores e
para o reaquecimento do mercado de consumo e, consequentemente, da economia.
Outra não foi a conclusão da CNC, que se consubstancia em uma entidade sindical que
representa os direitos e interesses dos quase cinco milhões de empreendedores do comércio
brasileiro (CNC, s.d.), a qual endossa, pelo entendimento de suas pesquisas, não só o PL
emergencial 1.997/2020, como o PL 3.515/2015, ao estatuir que, nesse contexto pandêmico, é
crucial “viabilizar prazos mais longos para os pagamentos ou alongamentos das dívidas, além
da busca por iniciativas mais eficazes para mitigar o risco de crédito”, sendo que, dessa maneira,
“os consumidores poderão quitar suas contas em dia sem maiores dificuldades, afastando a
piora nos indicadores de inadimplência, nos meses à frente” (CNC, 2020a).
Propostas de Lei essas que não só se distinguem profundamente das Medidas
Provisórias editadas pelo Poder Executivo, pois, consideram o resguardo dos consumidores
como elemento vital da própria manutenção da atividade econômica do Estado, mas que
igualmente seguem a linha adotada por outras nações ao redor do globo, as quais perceberam
antes do Brasil a intrinsecabilidade da relação entre consumidores e fornecedores para reverter
a piora dos mercados domésticos em razão da Covid-19.

b) Propostas de outros países para mitigar os impactos da Covid-19 nas relações de


consumo

Para além do Brasil, outras nações igualmente vêm aprovando medidas legislativas
destinadas a mitigar o impacto da Covid-19 na suas relações sócio-econômicas – muitas das
quais apresentam repercussões positivas para as relações de consumo, em particular para a parte
mais vulnerável – o consumidor –, dentre as quais se destacam aquelas desenhadas na
Alemanha, Polônia, Letônia, México, Colômbia, Uruguai, Argentina, Espanha e França,
detalhadas a seguir.
No caso da Alemanha, o Bundesregierung aprovou, no dia 23 de março medidas
destinadas a garantir alívio financeiro temporário aos consumidores, o qual foi seguido por
outro ato do Bundestag, aprovado em 24 de março, imediatamente adotado pelo Bundesrat em
27 de março (ALEMANHA, 2020). Dentre elas estão as ações relativas à moratória aplicável
aos contratos de empréstimo com vencimento entre 1 de abril e 30 de junho de 2020, firmados
antes de 15 de março de 2020 por consumidores que venham a sofrer uma redução de seus
rendimentos básicos, vislumbrando, por isso, uma ameaça a sua sobrevivência e a de sua
família, para os quais os valores referentes ao pagamento hipotecário, amortização e juros terão

241
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

a sua data de vencimento readequada para três meses após a da data de vencimento (KPMG,
2020). Direito este que, inclusive, “foi ampliado e considerado aplicável aos pequenos
empresários da Alemanha” (MARQUES et al., 2020).
Ademais, eventuais possibilidades de rescisões contratuais unilaterais por parte de
credores na Alemanha, adotadas em razão do default do consumidor ou da deterioração da sua
situação creditícia em função da pandemia, restarão suspensas até o dia 30 de junho, de modo
que qualquer data posterior a essa deverá ser objeto de negociação entre o credor e o
consumidor-devedor, cujos termos devem obrigatoriamente considerar a situação financeira da
parte vulnerável do contrato, sob pena de aplicação de um prazo automático de três meses
contados a partir de 30 de junho, caso as partes não cheguem a um denominador comum –
moratória essa que só não será possível caso esteja claramente comprovada a insuportabilidade
desta medida ao credor (KPMG, 2020) ou pela comprovação de fraude ou má-fé do
consumidor-devedor (MARQUES et al., 2020).
Não só isso, na Alemanha, serviços essenciais como eletricidade, gás, telecomunicações
e água não poderão ser suspensos pelo inadimplemento ocasionado pelas insuficiências
remuneratórias criadas pela pandemia. Em relação ao aluguel residencial ou domiciliar (que na
Alemanha é regulado por normas consumeristas), porém, esta regra não se aplica, pugnando às
partes para que negociem seja uma redução do valor principal devido, seja dos próprios juros
(ALEMANHA, 2020), restando suspensa, por outro lado, a possibilidade de despejo por
inadimplementos havidos entre 1º de abril a 30 de junho de 2020 (MARQUES et al., 2020).
Nessa mesma linha, “[t]ambém é proibido aos proprietários denunciarem os contratos até 30
de junho de 2022” (MARQUES et al., 2020).
A Polônia também editou normas específicas para lidar com os problemas dos
consumidores durante a pandemia de Covid-19. O Polish Anti-Crisis Shield legislation,
sancionado pelo Presidente Andrzej Duda no dia 31 de março, prevê, por exemplo, a
fiscalização e a manutenção de preços de produtos considerados essenciais aos consumidores
(notadamente de saúde e alimentação), a fim de que os mesmos permaneçam disponíveis e a
preços competitivos no mercado, impedindo, assim a abusividade pela elevação injustificada
dos valores e o próprio monopólio através da formação de cartéis (COVID-19..., 2020a).
E não apenas isso, outras duas medidas foram igualmente aprovadas, sendo válidas por
um ano contados a partir de 8 de março de 2019. A primeira é em relação à aplicação de um
limite inferior para empréstimos não vinculados a juros para manter o crédito acessível aos
consumidores, em que o valor devido para contratos com prazo de quitação igual ou superior a

242
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

30 dias será a soma de 15% (em vez de 25%) do valor total do empréstimo, mais 6% (em vez
de 30%) do valor total do empréstimo para cada ano do contrato. Além disso, os custos não-
financeiros vinculados ao empréstimo não devem exceder 45% do montante total de crédito
(anteriormente 100%). No entanto, para contratos a serem quitados em menos de 30 dias, o
limite será de 5% do valor total do empréstimo (COVID-19..., 2020a).
A segunda se refere a contratos de turismo, permitindo que os viajantes se retirem de
contratos de pacote turístico, assim como admite que os operadores turísticos os rescindam,
desde que essa retirada ou rescisão estejam diretamente ligada ao surto de Covid-19. No que
tange ao ressarcimento, ao invés de o consumidor apenas receber um reembolso dos
pagamentos já incorridos, as disposições temporárias (que entrarão em vigor após uma vacatio
de 180 dias contados a partir do vigor da lei, isto é, 08.03.2020) determinam que as partes
transacionem entre si, buscando um equilíbrio entre os interesses das partes. Uma das opções
previstas é a de o viajante receber um voucher equivalente ao valor pago pelo pacote então
suspenso para ser utilizado em futuras viagens, com prazo de validade de um ano e sendo
contados da data que a viagem/evento se iniciaria (COVID-19..., 2020a).
A Letônia também editou algumas medidas na tentativa de assegurar os direitos dos
consumidores, em particular, quanto aos contratos por estes firmados. No dia 18 de março de
2020, o Gabinete de Ministros decidiu que, durante o período de 1o de abril a 1o de setembro
de 2020, os juros de mora por atraso no pagamento de uma obrigação relativa a compra de bens
ou pela contratação de serviços não podem exceder os juros legais, os quais, ao seu turno, ficam
limitados a 6% (taxa básica) ao ano para as relações contratuais envolvendo consumidores
(COVID-19..., 2020b).
Da mesma forma, no México, certas modificações são vistas no setor imobiliário, as
quais trazem determinadas medidas em prol dos consumidores, a exemplo da criação da
Comissão Nacional de Bancos e Valores Mobiliários (CNBVM), em 25 de março de 2020, que
permite a alteração de certos critérios contábeis aplicáveis aos bancos mexicanos de maneira
temporária. Particularmente, no que diz respeito a empréstimos ao consumidor contraídos até
28 de fevereiro de 2020, sejam aqueles garantidos por hipotecas, sejam os rotativos ou não
rotativos voltados a financiamento de automóveis, empréstimos pessoais, consignados, cartão
de crédito e microcrédito, estes poderão ter a data de vencimento do valor principal e/ou dos
juros postergada por até quatro meses, passível de renovação por mais dois, sendo o saldo
devedor total devido congelado para não incorrer em mais juros (TAXAND, 2020).

243
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Ao seu turno, na Colômbia, foi editada a Circular Externa de n. 14, de 30 de março, que
traz prescrições importantes também relativas às condições creditícias dos consumidores no
país durante a pandemia, aplicáveis aos contratos que apresentaram atrasos maior ou igual a 30
dias e menor que 60 dias em 29 de fevereiro de 2020. Segundo esse documento, as instituições
financeiras que oferecem crédito aos consumidores não poderão aumentar a taxa de juros em
caso de prorrogação do prazo para pagamento e tampouco poderão utilizar o mecanismo de
juros sobre juros ou qualquer outra forma de capitalização sobre o valor principal
(COLÔMBIA, 2020).
Ademais, destacou que quaisquer cobranças adicionais nesses casos somente poderão
incidir sobre o valor principal devido, restando excluído do cálculo as comissões e seguros
eventualmente contratados e, ainda, particularmente em casos de crédito rotativo e microcrédito
destinado ao consumidor, as parcelas não poderão ter o valor aumentado (exceto quando referir-
se a seguros), sendo o prazo para pagamento a ser acordado entre as partes, demandando que o
fornecedor busque o consumidor para negociar, havendo um aceite tácito da proposta
(observando todos os limites impostos pela Circular) apenas quando comprovada a notificação
do consumidor e este silencie pelo prazo de oito dias corridos (COLÔMBIA, 2020).
No Uruguai, o Ministério de Economia e Finanças40 expediu comunicado, em 16 de
março, informando as medidas que seriam tomadas para garantir o abastecimento da população
com máscaras, álcool em gel e produtos necessários ao combate à pandemia, referindo que, “em
momentos de emergência sanitária, fazemos um chamado geral para garantir os direitos dos
consumidores e o bem comum da sociedade sobre interesses individuais para fins de superar,
em conjunto, os efeitos derivados da COVID-19” (URUGUAI, 2020a).
Assim como outros países, foi concedido, a partir de 23 de abril, o diferimento de
parcelas de empréstimos perante o Banco de Seguridade Social a aposentados e pensionistas
que recebem menos de 13.600 Pesos Uruguaios (URUGUAI, 2020c), bem como foi vedado o
corte de serviço telefônico por falta de pagamento (BERTOLINI, 2020). Ademais, o governo
uruguaio criou benefícios sociais para auxiliar famílias em situação de extrema vulnerabilidade
socioeconômica, tais como fornecimento de cestas de alimentos em caráter emergencial
(URUGUAI, 2020d) auxílio de custo (cartão social) (URUGUAI, 2020e), e, desde 4 de abril,

40
A Área de Defesa do Consumidor do Ministério da Economia e Finanças uruguaio registrou uma grande
elevação do número de reclamações e consultas realizadas pelos consumidores comparativamente ao mesmo
período do ano passado. Segundo dados aos quais teve acesso o jornal El País, foram recebidas durante o mês de
março de 2020 um total de 2.093 solicitações de consumidores, a maioria dizendo respeito a simples consultas,
em especial sobre serviços de modo geral, serviços financeiros e produtos. Dentre as reclamações, a maioria está
relacionada a serviços de turismo, como a reserva de hotéis, a compra de pacotes e passagens de transporte aéreo,
marítimo e terrestre. (DASILVA; MESA, 2020)
244
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

publica semanalmente, através do Sistema de Informação de Preços ao Consumidor, preços


médios, máximos e mínimos de produtos sanitários e alimentícios, a fim de evitar preços
abusivos (URUGUAI, 2020b).
Também na Argentina foram tomadas medidas de cunho protetivo ao consumidor, tais
como a suspensão temporária de cortes de serviços essenciais por falta de pagamento (Decreto
426/2020) (ARGENTINA, 2020a), e a suspensão de aplicação de multas em caso de
encerramento de contas bancárias e de cheques sem fundos até 30 de junho (Decreto n.
425/2020) (ARGENTINA, 2020a). Assim como no Uruguai, a Secretaria de Comércio Interior,
por meio da Resolução n. 117/2020 (Precios Maáximos), disponibiliza lista contendo preços
tabelados para determinados alimentos e bens de consumo considerados essenciais, cuja
vigência perdurará até o dia 19 de maio. Por seu turno, a Resolução 114/2020 fixa limites de
referência para máscaras e termômetros, cuja vigência é de noventa dias a contar de 17 de abril,
e a Resolução 115/2020 estabelece limites de referência para venda de álcool em gel
(ARGENTINA, 2020b).
Por seu turno, a Espanha promulgou o Decreto-Lei Real n. 8, em 17 de março,
disciplinando diversas medidas de apoio a trabalhadores, famílias e pessoas em situação de
vulnerabilidade, garantindo, por exemplo, a impossibilidade de suspensão dos serviços de
energia elétrica, gás natural e água a determinados consumidores durante o mês seguinte à
entrada em vigor do Decreto (artigo 4º), assim como a possibilidade de solicitação de moratória
de empréstimo hipotecário para a aquisição de residência habitual ou de imóveis afetados pela
atividade econômica do devedor (artigo 12). O Decreto também disciplina a prestação
ininterrupta de serviços de comunicações eletrônicas durante o estado de calamidade (artigo
18) e a interrupção dos prazos para a devolução dos produtos comprados por qualquer
modalidade, seja presencial ou online, enquanto vigente o estado de calamidade (artigo 21)
(ESPANHA, 2020a). Já o Decreto-Lei Real n. 11, de 31 de março, na mesma linha, estabelece
medidas para a obtenção de moratória sobre a dívida de arrendamento para pessoas em situação
de vulnerabilidade econômica nos artigos 3º e seguintes (ESPANHA, 2020b).
Por fim, cumpre ressaltar a adoção, na França, do Decreto n. 2020-293, de 23 de março,
o qual estipula preços máximos referente a álcool gel vigentes até 31 de maio (FRANÇA,
2020a), ao passo que o Decreto n. 2020-506, de 2 de maio, refere que, até 23 de maio, o preço
de venda a retalho dos produtos utilizados na fabricação de máscaras não pode exceder 95
centavos de Euro (FRANÇA, 2020b).

245
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

Ações essas que visam a defesa do pólo mais frágil da relação de consumo tal como os
citados Projetos de Lei arquitetados no Poder Legislativo brasileiro, em particular no que tange
as medias destinadas a assegurar a moratória de valores devidos pelos consumidores, assim
como as formas em que estes poderão ter acesso ao crédito, reconhecendo a verdadeira
necessidade de evitar-se o superendividamento dos consumidores em tempos de pandemia,
pois, realmente temerário à própria realização da atividade econômica como um todo, a qual
depende abertamente do seu counterpart para se reproduzir e que, desta feita, corroboram com
a necessidade de aprovação imediata dos projetos que tramitam no Brasil para um melhor
enfrentamento da crise gerada pelo Covid-19 – particularmente quando em comparação às
medidas do Executivo estudadas na primeira parte do texto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente texto tinha como objetivo central não só expor algumas das respostas
editadas pelo Governo Federal para o setor de turismo, notadamente pelo Poder Executivo, para
tentar combater a recessão econômica que se avizinha em função da Covid-19, como também
explorar as suas fraquezas, especialmente diante do Direito do Consumidor, o qual, além de
restar amparado na Constituição Federal, deveria figurar como elemento balizador das relações
sócio-jurídicas no âmbito do ordenamento jurídico pátrio envolvendo consumidores e
fornecedores em meio a pandemia.
Afinal, o seu pressuposto é justamente a defesa da parte vulnerável, na tentativa de
reequilibrar as relações obrigacionais havidas no contexto de consumo, independentemente do
momento que vivemos – se pandêmico ou de normalidade. Outrossim, inegável que
consumidores encontram-se especialmente vulneráveis hodiernamente por força do vírus que
se espalha com considerável rapidez por entre as fronteiras dos diversos Estados, de modo que
restringir ou mesmo negar a proteção dos consumidores em favor dos fornecedores mostra-se
um verdadeiro contrassenso, mostrando-se um ato contrário à própria base na qual a sua defesa
foi arduamente construída no país e no globo que é justamente a proteção da dignidade humana.
E exatamente isso foi o que fizera o Poder Executivo com a edição das Medidas Provisórias de
n. 925 e 948 em março de 2020.
Ambas normativas parecem partir do pressuposto de que os fornecedores de serviços de
transporte aéreo e turísticos devem ser tutelados à frente dos consumidores, vez que prescrevem
regras claramente limitadoras e diminuidoras dos direitos dos consumidores, as quais não
poderiam ser sustentadas em um país com a legislação consumerista que o Brasil detém e pela

246
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

qual ele é mundialmente reconhecido. Aliás, nos parece que o Brasil, ao editá-las, vai na
contramão das demais nações, as quais vêm buscando ressaltar a importância que os
consumidores detêm para a manutenção e fortalecimento da atividade econômica,
especialmente em momentos de crise. Até mesmo porque, sem consumidores, não há dinheiro
circulando no mercado e, conseqüentemente, nos setores que fomentam a produção nacional,
podendo conduzir a um quadro inflacionário e recessivo muito pior do que o vislumbrado.
E justamente diante desse quadro é que este escrito igualmente voltou-se ao estudo das
propostas do Poder Legislativo para a proteção dos vulneráveis nas relações de consumo em
solo nacional. Isso porque, em que pese o executivo não esteja alinhado às medidas adotadas
noutras nações, o legislativo mostra-se não apenas atento às reações normativas positivas que
– como demonstrado – brotam nos diversos congressos nacionais ao redor do mundo, como
também consciente e preocupado com o consumidor e com o seu papel na atual conjuntura
sócio-política.
Com isso, examinou-se os PLs de n. 3515/2015 e 1997/2020, voltados a concessão de
alívio financeiro aos consumidores cada vez mais endividados a partir da exceção dilatória, por
força da boa-fé, assim como da inaplicabilidade, nos casos previstos, da figura do mora
debitoris em razão da situação excepcional de força maior imposta pela pandemia – projetos
esses que deveriam ser necessária e urgentemente aprovados como uma forma de apoio às
populações mais vulneráveis, largamente afetadas pela Covid-19, para que deixem de o ser,
adimplindo com suas obrigações em tempo diferido, sem que isso prejudique o mínimo
existencial para a subsistência digna desses consumidores e, assim, não os excluindo do
mercado de consumo, já que, como referido, são agentes econômicos indispensáveis para o
desenvolvimento e reaquecimento da economia.
Por isso, conclui-se pela necessidade de sempre buscar equilibrar as relações de
consumo, evitando que consumidores e fornecedores restem em verdadeira vantagem uns sobre
os outros, sendo o papel de regulador dessas relações desenvolvido pelo Estado, o qual não
poderia favorecer sobremaneira um lado em detrimento de outro, tal como de vislumbra no
atual quadro normativo pandêmico brasileiro exemplificado pelas MPs, sendo, portanto, os
referidos PLs, forjados à luz do Direito Comparado, uma forma de restabelecer tal ordem e
primar pela defesa dos direitos humanos fundamentais – o Letimotiv do Direito corrente.
Durante a pandemia e na recuperação, o Direito deve pensar o todo, e proteger em
especial os vulneráveis e pensar no mercado de consumo, como fez o PL 1997/2020. Também
se não houver confiança e um sistema de prevenção e combate ao superendividamento dos

247
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

consumidores, como o proposto no PL 3515/2015, não haverá um mercado de consumo


saudável para o momento de recuperação da economia. Em resumo, consideramos que é a hora
de legislar e atuar de forma efetiva na proteção dos consumidores.

REFERÊNCIAS

ALEMANHA. Governo Federal. Projeto de lei para mitigar as consequências da pandemia do


COVID-19 na lei civil, de falências e de processo penal. Berlim, 23 mar. 2020. Disponível em:
<https://www.bmjv.de/SharedDocs/Gesetzgebungsverfahren/Dokumente/Corona-
Pandemie.pdf?__blob=publicationFile&v=3. Acesso em: 04 maio 2020.

ALERIGI JR., Alberto. Gol cancela todas operações internacionais a partir da próxima semana.
Agência Brasil, São Paulo, 17 mar. 2020. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/
internacional/noticia/2020-03/gol-cancela-todas-operacoes-internacionais-partir-da-proxima-
semana>. Acesso em: 3 maio 2020.
ARAÚJO, Fabrício; OLIVEIRA, Valéria. Fronteira do Brasil com a Venezuela é fechada. G1,
Pacaraima, 18 mar. 2020. Disponível em:
<https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2020/03/18/fronteira-do-brasil-com-a-venezuela-e-
fechada.ghtml>. Acesso em: 3 maio 2020.

ARGENTINA. Decreto 425/2020. Boletín Oficial de la República Argentina. Disponível em:


<https://www.boletinoficial.gob.ar/detalleAviso/primera/228497/20200501>. Acesso em: 4
maio 2020.

ARGENTINA. Resolución 114/2020. Boletín Oficial de la República Argentina. Disponível


em: <https://www.boletinoficial.gob.ar/detalleAviso/primera/227938/20200417>. Acesso em:
4 maio 2020.

BAUMAN, Zygmunt. A ética é possível num mundo de consumidores? Trad. Alexandre


Werneck. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda., 2011.
BERTOLINI, Paula. Uruguay – Antel no podrá cortar el servicio a sus clientes por falta de
pago. DPL News, Montevidéu, 14 abril 2020. Disponível em:
<https://digitalpolicylaw.com/uruguay-antel-no-podra-cortar-el-servicio-a-sus-clientes-por-
falta-de-pago/>. Acesso em: 4 maio 2020.

BRASIL. Agência Nacional da Aviação Civil. ANAC altera regra de uso de slots por conta do
coronavírus. 2020. Disponível em: <https://www.anac.gov.br/noticias/2020/nota-a-imprensa>.
Acesso em: 3 maio 2020.

BRASIL. Agência Nacional da Aviação Civil. Resolução 400, de 13 de dezembro de 2016.


Disponível em: <https://www.anac.gov.br/assuntos/legislacao/legislacao-
1/resolucoes/resolucoes-2016/resolucao-no-400-13-12-2016>. Acesso em: 3 maio 2020.

_______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 04 maio 2020.

_______. Decreto Legislativo n. 6, de 20 de março de 2020. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/portaria/DLG6-2020.htm>. Acesso em: 03 maio 2020.
248
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

_______. Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm>. Acesso em: 18 abr. 2020

_______. Lei n. 7.565, de 19 de dezembro de 1986. Disponível em: <http://www.planalto.


gov.br/ccivil_03/leis/l7565.htm>. Acesso em: 3 maio 2020.

_______. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8078.htm>. Acesso em: 03 maio 2020.)

_______. Lei n. 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L13979.htm>. Acesso em: 3
maio 2020.

_______. Lei n. 14.181, de 01 de julho de 2021. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14181.htm. Acesso em: 15
de julho de 2021.
_______. Medida Provisória n. 926, de 20 de março de 2020. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Mpv/mpv926.htm#art1>. Acesso
em: 3 maio 2020.

_______. Medida Provisória n. 948, de 8 de abril de 2020. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Mpv/mpv948.htm>. Acesso em:
01 maio 2020.

BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Nota Técnica n. 2/2020/GAB-


SENACON/MJ de 6 de março de 2020. Disponível em: <https://www.novo.
justica.gov.br/news/senacon-do-mjsp-lanca-nota-conjunta-para-orientar-consumidor-sobre-
coronavirus/ sei_mj-11181853-nota-tecnica.pdf>. Acesso em: 3 maio 2020.

BRASIL. Ministério Público Federal. Recomendação 003/2020. MPF. 2020. Disponível em:
<http://www.mpf.mp.br/ce/sala-de-imprensa/docs/covid-19-recomendacao-a-anac>. Acesso
em: 3 maio 2020.

BRASIL. Painel Coronavírus. Ministério da Saúde. 2020. Disponível em:


<https://covid.saude.gov.br/ >. Acesso em: 04 maio 2020.

BRASIL. Portaria Interministerial n. 120, de 17 de março de 2020. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/portaria/prt120-20-ccv.htm>. Acesso em: 3 maio 2020.

_______. Portaria n. 125, de 19 de março de 2020. Disponível em: <http://


www.planalto.gov.br/ccivil_03/portaria/prt125-20-ccv.htm>. Acesso em: 3 maio 2020.

_______. Portaria n. 126, de 19 de março de 2020. Disponível em: <http://www.


planalto.gov.br/ccivil_03/portaria/prt126-20-ccv.htm>. Acesso em: 22 mar. 2020.

_______. Portaria n. 132, de 22 de março de 2020. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/portaria/prt132-20-ccv.htm>. Acesso em: 3 maio 2020.

249
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

_______. Portaria n. 133, de 23 de março de 2020. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Portaria/PRT/Portaria%20n%C2%BA%20133-20-
CCV.htm>. Acesso em: 3 maio 2020.

_______. Portaria n. 454, de 20 de março de 2020.. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/portaria/prt454-20-ms.htm>. Acesso em: 3 maio 2020.

CADEMARTORI, Débora. Ministério da Saúde afirma que Porto Alegre tem transmissão
comunitária de coronavírus. Zero Hora, Porto Alegre, 19 mar. 2020. Disponível em:
<https://gauchazh.clicrbs.com.br/coronavirus-servico/noticia/2020/03/ministerio-da-saude-
afirma-que-porto-alegre-tem-transmissao-comunitaria-de-coronavirus-
ck7z760c5063101pq08zhfjpx.html>. Acesso em: 3 maio 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Especialistas defendem aprovação de projeto para diminuir


superendividamento. Agência Câmara de Notícias. Set. 2019. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/noticias/579752-especialistas-defendem-aprovacao-de-projeto-
para-diminuir-superendividamento/. Acesso em: 30 abr. 2020.
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei n. 3.515/2015. Altera a Lei n. 8.078, de 11 de
setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), e o art. 96 da Lei n. 10.741, de 1º de
outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e
dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br>. Acesso em: 4 maio 2020.

CAMPOS, Ana Cristina. Covid-19 provoca perdas de R$ 2,2 bi no turismo brasileiro, diz CNC.
Agência Brasil, Rio de Janeiro, 19 mar. 2020. Disponível em:
<https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-03/covid-19-provoca-perdas-de-r-
22-bi-no-turismo-brasileiro-diz-cnc>. Acesso em: 05 maio 2020.

CAULYT, Fernando. Companhias aéreas que voam para o Brasil em meio à pandemia.
Deutsche Welle, s./l., 26 abr. 2020. Disponível em: <https://p.dw.com/p/3aSRm>. Acesso em:
04 maio 2020.

CNC. Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic). Abr. 2020.


Disponível em: http://cnc.org.br/editorias/economia/pesquisas/pesquisa-de-endividamento-e-
inadimplencia-do-consumidor-peic-abril-de. Acesso em: 4 maio 2020.

CNC. Pesquisa sobre intenção de consumo das famílias. Abr. 2020. Disponível em:
http://cnc.org.br/editorias/economia/pesquisas/pesquisa-de-intencao-de-consumo-das-
familias-icf-abril-de-2020. Acesso em: 4 maio 2020.

CNC. Sobre. Disponível em: <http://cnc.org.br/sobre>. Acesso em: 4 maio 2020.

COLÔMBIA. Circular n. 014: Imparte instrucciones relacionadas con los elementos mínimos
de modificaciones a las condiciones de los créditos e información básica para una decisión
informada de los consumidores financieros, de 30 de março de 2020. Disponível em:
<https://www.superfinanciera.gov.co/publicacion/10102740>. Acesso em: 04 maio 2020.

COVID-19 coronavirus: competition and consumer protection in Poland. Allen & Overy, s./l.,
03 apr. 2020. Disponível em: <https://www.allenovery.com/en-gb/global/news-and-

250
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

insights/publications/covid-19-coronavirus-competition-and-consumer-protection-in-poland>.
Acesso em: 04 maio 2020.

COVID-19 in Latvia: The state of emergency has been extended until 12 May 2020, additional
remedial measures, changes in legal proceedings and other current events. TGS Baltic, s./l., 07
abr. 2020. Disponível em: <https://www.tgsbaltic.com/en/publications/covid-19-in-latvia-the-
state-of-emergency-has-been-extended-until-12-may-2020-additional-remedial-measures-
changes-in-legal-proceedings-and-other-current-events/>. Acesso em: 04 maio 2020.

DASILVA M.; MESA, P. Rescindir contratos en tiempos de coronavirus: ¿Cómo hacerlo?. El


País, Montevidéu, 5 abr. 2020. Disponível em: <https://negocios.elpais.com.uy/rescindir-
contratos-tiempos-coronavirus-hacerlo.html>. Acesso em: 4 maio 2020.

DELMONDES, João Paulo Sales; MELLO, Lucas Nasser de. Coronavírus e a MP 948/20 dos
eventos e turismo: Um socorro para os artistas e empresários em tempos de pandemia.
Migalhas, 14 abr. 2020. Disponível em:
<https://www.migalhas.com.br/depeso/324569/coronavirus-e-a-mp-948-20-dos-eventos-e-
turismo-um-socorro-para-os-artistas-e-empresarios-em-tempos-de-pandemia>. Acesso em: 01
maio 2020.

DEUTSCHER BUNDESTAG. Entwurf eines Gesetzes zur Abmilderung der Folgen der
COVID-19-Pandemie im Zivil-, Insolvenz- und Strafverfahrensrecht. 2020. Disponível em:
<https://dipbt.bundestag.de/doc/btd/19/181/1918110.pdf>. Acesso em: 4 maio 2020.

ESPANHA. Real Decreto-ley 8/2020, de 17 de marzo. Ministerio de la Presidencia, Relaciones


con las Cortes y Memoria Democrática. Disponível em
<https://www.boe.es/buscar/act.php?id=BOE-A-2020-3824>. Acesso em: 4 maio 2020.

ESPANHA. Real Decreto-ley 11/2020, de 31 de marzo. Ministerio de la Presidencia,


Relaciones con las Cortes y Memoria Democrática. Disponível em
<https://www.boe.es/buscar/pdf/2020/BOE-A-2020-4208-consolidado.pdf>. Acesso em: 4
maio 2020.

FALCÃO, Rebeca de Queiroga. MP n. 948/2020 e os efeitos da Covid-19 para o consumidor.


ConJur, 22 abr. 2020. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-abr-22/rebeca-falcao-
mp-948-efeitos-consumidor>. Acesso em: 01 maio 2020.

FRANÇA. Décret n. 2020-293 du 23 mars 2020 prescrivant les mesures générales nécessaires
pour faire face à l'épidémie de covid-19 dans le cadre de l'état d'urgence sanitaire. Legifrance.
Disponível em:
<https://www.legifrance.gouv.fr/affichTexte.do?cidTexte=JORFTEXT000041746694&categ
orie Lien=idd>. Acesso em: 4 maio 2020.

FRANÇA. Décret n. 2020-506 du 2 mai 2020 complétant le décret n. 2020-293 du 23 mars


2020 prescrivant les mesures générales nécessaires pour faire face à l'épidémie de covid-19
dans le cadre de l'état d'urgence sanitaire. Legifrance. Disponível em:
<https://www.legifrance.gouv.fr/
affichTexte.do?cidTexte=JORFTEXT000041842228&categorieLien=id>. Acesso em: 4 maio
2020.

251
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

GOL anuncia readequação da malha aérea a partir de maio. G1, s./l., 22 abr. 2020. Disponível
em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/04/22/gol-anuncia-readequacao-da-malha-
aerea.ghtml>. Acesso em: 04 maio 2020.

IATA Reminds Governments in Latin America and Caribbean on Urgency of Relief to the
Airline Industry in Face of COVID-19 Crisis. IATA, Montreal, 17 abr. 2020. Disponível em:
<https://www.iata.org/en/pressroom/pr/2020-04-17-01/>. Acesso em: 3 maio 2020.

IATA. The Founding of IATA. Disponível em:


<https://www.iata.org/about/Pages/history.aspx>. Acesso em: 3 maio 2020.
IATA. Travel news powered by IATA Timatic. s/d. Disponível em:
<https://www.iatatravelcentre.com/international-travel-document-news/1580226297.htm>.
Acesso em: 2 maio 2020.

IBGE. PIB cresce 1,1% e fecha 2019 em R$ 7,3 trilhões. 2020. Disponível em:
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-
noticias/noticias/27007-pib-cresce-1-1-e-fecha-2019-em-r-7-3-trilhoes. Acesso em: 4 maio
2020.

KPMG. Government and institution measures in response to COVID-19. s./l., 13 apr. 2020.
Disponível em: <https://home.kpmg/xx/en/home/insights/2020/04/germany-government-and-
institution-measures-in-response-to-covid.html>. Acesso em: 04 maio 2020.

LAIER, Paula A. Azul anuncia suspensão de vários voos internacionais. Agência Brasil, São
Paulo, 16 mar. 2020. Disponível em:
<https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2020-03/azul-anuncia-suspensao-de-
varios-voos-internacionais>. Acesso em: 3 maio 2020.
LAMBRANO, Roberto Ruiz D. Los consumidores en tiempos de crisis. In: MARQUES,
Claudia Lima et al. The Global Financial Crisis and the Need for Consumer Regulation: new
developments on international protection of consumers. Porto Alegre: ASADIP, 2012. p. 443-
457.

LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1958.


LATAM reduzirá voos em 70% devido ao coronavírus. Folha de São Paulo, São Paulo, 16 mar.
2020. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/03/latam-reduzira-voos-
em-70-devido-ao-coronavirus.shtml>. Acesso em: 3 maio 2020.

LEAL, Aline. Anac adia pagamento de outorgas de seis aeroportos. Agência Brasil. Disponível
em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-04/anac-adia-pagamento-de-
outorgas-de-seis-aeroportos>. Acesso em: 3 maio 2020.

MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consu


midor: o novo regime das relações contratuais. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.

MARQUES, Claudia Lima; BERTONCELLO, Karen; LIMA, Clarissa Costa de. Exceção
dilatória para os consumidores frente à força maior da pandemia de COVID-19: Pela urgente
aprovação do PL 3.515/2015 de atualização do CDC e por uma moratória aos consumidores.
Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 129, maio/jun. 2020.

252
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

MARQUES, Claudia Lima; LIMA, Clarissa Costa; BERTONCELLO, Karen. Prevenção e


tratamento do superendividamento. Brasília: DPDC/SDE, 2010.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria n. 188, de 3 de fevereiro de 2020. Planalto. Disponível


em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/portaria/prt188-20-ms.htm>. Acesso em: 3 maio
2020.

MUCELIN, Guilherme; D’AQUINO, Lúcia Souza. O papel do direito do consumidor para o


bem-estar da população brasileira e o enfrentamento à pandemia de COVID-19. Revista de
Direito do Consumidor, São Paulo, v. 129, maio/jun. 2020 [versão eletrônica].

PANDEMIA de coronavírus cria o fenômeno dos ‘voos fantasmas’. O Globo, Rio de janeiro,
12 mar. 2020. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/economia/pandemia-de-coronavirus-
cria-fenomeno-dos-voos-fantasmas-24302152>. Acesso em: 3 maio 2020.

PROCONSBRASIL. Nota Informativa Orientações ao Mercado de Consumo: cancelamento ou


remarcação de viagem e Pacotes Turísticos para destinos com casos de Coronavírus (COVID-
19) confirmado. Procon MT. s/d. Disponível em: <http://www.procon. mt.gov.br/documents/
4804190/13574679/Nota+ProconsBrasil/88ed9595-b0ab-8468-cd9c-61eb9edf9402>. Acesso
em: 3 maio 2020.

R7. Restrições a viagens seguirão apesar de avanços contra covid-19. R7, s./l., 29 abr. 2020.
Disponível em: <https://noticias.r7.com/internacional/restricoes-a-viagens-seguirao-apesar-de-
avancos-contra-covid-19-29042020>. Acesso em: 4 maio 2020.

RIVEIRA, Carolina. Com queda na demanda, Gol e Azul reduzem voos domésticos em 90%.
Revista Exame, s./l., 24 mar. 2020. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/negocios/com-
queda-na-demanda-gol-reduz-voos-domesticos-e-mantem-so-capitais/>. Acesso em: 4 maio
2020.

SANIELE, Bruna. Dia do Turismo: setor emprega mais de 6 milhões de pessoas no país.
Agência Brasil, Brasília, 27 set. 2019. Disponível em:
<https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-09/dia-do-turismo-setor-emprega-mais-
de-6-milhoes-de-pessoas-no-pais>. Acesso em? 04 abr. 2020.

SENADO FEDERAL. Projeto de Lei n. 1.997/2020. Institui a moratória em contratos


essenciais, bancários, securitários e planos privados de assistência à saúde em favor dos
consumidores afetados economicamente pela pandemia de coronavírus (COVID-19).
Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141613.
Acesso em: 4 maio 2020.

TARGA, Maria Luiza Baillo; SQUEFF, Tatiana Cardoso. Os direitos dos passageiros-
consumidores de transporte aéreo em tempos de pandemia. Revista de Direito do Consumidor,
São Paulo, v. 129, maio/jun. 2020 [versão eletrônica]

TAXAND. Summary of measures announced in response to the spread of Covid-19. s./l, 02


apr. 2020, p. 41. Disponível em: <www.macf.com.mx/wp-content/uploads/2020/04/Taxand-
Public-economic-measures-against-Covid-19-@-2nd-April-2020.pdf>. Acesso em: 04 maio
2020.

253
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

TURISMO perdeu R$ 14 bilhões com crise do coronavírus, somente em março. Tribuna do


Norte, Natal, 12 abr. 2020. Disponível em: <www.tribunadonorte.com.br/noticia/turismo-
perdeu-r-14-bilha-es-com-crise-do-coronava-rus-somente-em-mara-o/477321>. Acesso em:
05 maio 2020.

URUGUAI. Consumo y venta responsable en el contexto de la Emergencia Sanitaria por Covid-


19. Ministerio de Economía y Finanzas. 2020. Disponível em: <https://www.gub.uy/ministerio-
economia-finanzas/comunicacion/noticias/consumo-venta-responsable-contexto-emergencia-
sanitaria-covid-19>. Acesso em: 4 maio 2020.

URUGUAI. Gobierno pone a disposición valores actualizados de canasta básica sanitaria y de


alimentos. Presidência. 2020. Disponível em: <https://www.presidencia.gub.uy/comunicacion/
comunicacionnoticias/canasta-basica-alimentos-salud-4-abril>. Acesso em: 4 maio 2020.

URUGUAI. Medidas del Gobierno para atender la emergencia sanitaria por coronavirus
(COVID-19). Presidência. 2020. Disponível em:
<https://www.presidencia.gub.uy/comunicacion/comunicacion noticias/medidas-gobierno-
economia-emergencia-sanitaria-covid19#navegacion-contenido>. Acesso em: 4 maio 2020.

URUGUAI. Solicitud de canasta de Emergencia Alimentaria. Ministério do Desenvolvimento


Social. 2020. Disponível em: <https://www.gub.uy/ministerio-desarrollo-
social/comunicacion/comunicados/ solicitud-canasta-emergencia-alimentaria>. Acesso em: 4
maio 2020.

URUGUAI. Tarjeta Uruguay Social. Ministério do Desenvolvimento Social. 2020. Disponível


em: <https://www.gub.uy/ministerio-desarrollo-social/politicas-y-gestion/programas/tarjeta-
uruguay-social>. Acesso em: 4 maio 2020

VALENTE, Jonas. Covid-19: veja como cada estado determina o distanciamento social.
Agência Brasil, Brasília, 01 abr. 2020. Disponível em:
<https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-04/covid-19-veja-como-cada-estado-
determina-o-distanciamento-social>. Acesso em: 3 maio 2020.

VIAL, Sophia Martini. Verdade e solidariedade em tempos de coronavírus. ConJur, 17 abr.


2020. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-abr-17/martini-vial-verdade-
solidariedade-epidemia>. Acesso em: 03 maio 2020.

VILELA, Pedro Rafael. MP regulamenta reembolso de shows, cinemas e pacotes turísticos.


Agência Brasil, 08 abr. 2020. Disponível em:
<https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-04/mp-regulamenta-reembolso-de-
shows-cinemas-e-pacotes-turisticos>. Acesso em: 01 maio 2020.

VITAL, Danilo. MP complementa Código do Consumidor, mas peca na técnica, dizem


especialistas. ConJur, 13 abr. 2020. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-abr-
13/mp-age-complementar-cdc-peca-tecnica-dizem-especialistas>. Acesso em: 01 maio 2020.

254
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas

WORLD HEALTH ORGANIZATION. Coronavirus disease 2019 (COVID-19) Situation


Report – 38. Disponível em: <https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/situation-
reports/20200227-sitrep-38-covid-19.pdf?sfvrsn=2db7a09b_4>. Acesso em: 3 maio 2020.

WORLD HEALTH ORGANIZATION. WHO Director-General's opening remarks at the


media briefing on COVID-19 - 11 March 2020. Disponível em:
<https://www.who.int/dg/speeches/ detail/who-director-general-s-opening-remarks-at-the-
media-briefing-on-covid-19---11-march-2020>. Acesso em: 3 maio 2020.

255

Você também pode gostar