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Porto Alegre,
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Todos os direitos reservados
Organizadores
Alexandre Torres Petry
Diretor da Revista da ESA/OABR/RS
D635
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas/. Alexandre Torres
Petry, Teresa Cristina Fernandes Moesch...[et.al] (Organizadores).
Porto Alegre, 2021. 255p.
ISBN: 978-65-88371-07-7
1. Direito do consumidor. 2. Defesa do consumidor I Título.
CDU: 347.451.031
DIRETORIA/GESTÃO 2019/2021
CONSELHO PEDAGÓGICO
CORREGEDORIA
Corregedores Adjuntos
Maria Ercília Hostyn Gralha,
Josana Rosolen Rivoli,
Regina Pereira Soares
OABPrev
COOABCred-RS
SUMÁRIO
6
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
PARTICIPAÇÃO ESPECIAL
7
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
PREFÁCIO
Neste E-book são tratados importantes temas, todos pontuais e instigantes, da lavra de ícones e
estudiosos do Direito do Consumidor, para nos auxiliar na atuação em prol do equilíbrio das
relações de consumo.
Com maestria, e em excelente momento, nos são trazidos, para leitura e reflexão, artigos
pertinentes ao Direito do Consumidor, com abordagem técnica, precisa e clara.
Parabenizamos o Dr. Alexandre Torres Petry, Diretor da Revista Eletrônica da ESA, pela
competência e empenho de sempre.
Agradecemos à ESA, na pessoa de sua diretora Rosângela Maria Herzer dos Santos, que a vem
conduzindo com brilhantismo ao longo de tantos anos, sempre na busca do aprimoramento
técnico da advocacia gaúcha.
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
APRESENTAÇÃO
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Outros importantes temas acolhidos dizem respeito à crescente utilização dos meios eletrônicos
de consumo e a observância à proteção de dados, os quais foram explorados por Carlos Bender
Konrad (Marketplace e direito do consumidor: desafios e perspectivas), Fabrício Germano
Alves, Mariana Câmara de Araújo e Pedro Henrique da Mata Rodrigues Sousa (Publicidade
redacional/nativa: abuso da vulnerabilidade do consumidor no meio editorial), Isadora Leitão
Wild Santini Picarelli e Luíza Severnini Sima (A dificuldade com a acessibilidade das pessoas
com deficiência no comércio eletrônico), Oscar Valente Cardoso (Aspectos processuais da
proteção do consumidor titular de dados pessoais) e Vinícius Wdson do Vale Rocha, Ingrid
Altino de Oliveira e Ermana Larissa Soares (Geopricing diante do ordenamento jurídico
consumerista).
Uma das grandes preocupações atuais entre consumidores e fornecedores é a evolução para um
consumo mais consciente, sustentável e menos agressivo ao meio ambiente, tema abordado
através dos artigos de Andreza Sordi (O greenwashing e a (des)necessidade de sua
regulamentação específica) e Bruno Pinto Coratto (Consumo e logística reversa: a
responsabilidade nos processos logísticos).
Completam a presente obra artigos que tratam de relevante alteração legislativa e que traz um
novo paradigma ao direito do consumidor, que é a questão do superendividamento, temática
abarcada por Camila Possan de Oliveira, Luiz Guedes Soriano e Susandra Dorneles (O direito
do consumidor: um olhar sob a psicologia e o superendividamento ante a vulnerabilidade do
consumidor nas relações de consumo) e Jovana De Cezaro (O superendividamento do
consumidor como perda das capacidades).
Assim, a presente obra é fruto da reunião de esforços para que a defesa dos consumidores seja
viabilizada e concretizada através do conhecimento, pois, muito além do estudo direcionado na
matéria que engloba todos os atores do mercado de consumo, avançar em tópicos controvertidos
e debatê-los se mostra como o verdadeiro caminho para o progresso.
Boa leitura!
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Resumo: O presente estudo objetiva traçar considerações acerca do greenwashing. Tal prática
verifica-se quando, utilizando-se de estratégias de marketing e motivadas pelo intuito de
alavancar suas vendas a um público ambientalmente responsável, organizações empresariais
vendem a ideia de que seus produtos são sustentáveis e, portanto, respeitam o meio ambiente,
contudo, essa informação não encontra respaldo na realidade. Diante disso, pretende-se
investigar se os efeitos possivelmente ocasionados pelos apelos contidos implícita ou
explicitamente nos bens de consumo, frutos do greenwashing já se encontram regulamentados
no conjunto legislativo do ordenamento pátrio. Por meio de uma perspectiva hermenêutica,
abordam-se aspectos atinentes ao surgimento e aos impactos causados pela prática no meio
ambiente e na sociedade. A importância do assunto em tela ganha destaque na medida em que
se constata que o greenwashing já é amplamente utilizado por grande parte das empresas, em
âmbito nacional e mundial. A conclusão alcançada é a de que as leis, resoluções e a
principiologia constitucional e infraconstitucional que já existe no ordenamento jurídico
brasileiro é suficiente para regular as relações decorrentes da prática, não havendo a necessidade
de criação de nova regulamentação sobre o tema.
1 INTRODUÇÃO
Nunca foi tão fácil ser um consumidor consciente. Basta adquirir um produto que “cuida
do meio ambiente”. Tendo essa premissa como ponto de partida, o presente trabalho versa sobre
a prática conhecida como greenwashing, tendo por intuito investigar se o estabelecimento de
uma legislação específica sobre o tema se faz necessário – ou não – no ordenamento jurídico
brasileiro.
Justifica-se a importância da pesquisa pelo fato de este ser um assunto que está presente
no quotidiano de todos os consumidores, manifestando-se por meio de apelos – implícitos ou
explicitamente contidos nos bens de consumo. Além disso, o instituto em tela afeta
consideravelmente o meio ambiente, na medida em que traz informações que, em muitos casos,
não são verdadeiras, induzindo o consumidor em erro e gerando um efeito adverso: ao invés de
proteger, acaba por poluir o ecossistema.
1
Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de Passo Fundo – UPF. Pós-graduada em Ciências
Jurídicas – Atividades de Magistratura pelo Centro Universitário Projeção – Uniprojeção. Advogada, inscrita na
OAB/RS sob nº 106.703/RS. E-mail para contato: andreza.sordi@hotmail.com.
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Isso ocorre devido ao fato de o consumidor ser levado a acreditar que está adquirindo
um produto ambientalmente responsável, produzido de acordo com as normas técnicas e com
base no respeito à natureza, quando, isso, em verdade, trata-se de uma estratégia de marketing.
Confiando em elementos provenientes unilateralmente do fornecedor, o consumidor adquire o
produto de boa-fé, mesmo que, na maioria dos casos, tais informações estejam desprovidas de
dados comprobatórios e inseridas unicamente com o intuito de alavancar as vendas.
Diante disso, busca-se enfrentar a seguinte problemática: a criação de novas leis ou
regulamentos específicos para combater o greenwashing é, realmente, necessária, ou a prática
já encontra suficientes regulamentações no ordenamento jurídico pátrio, ainda que de forma
implícita?
Com base nesta indagação, o presente trabalho possui como objetivo geral investigar a
prática definida como greenwashing, e como objetivos específicos averiguar suas origens e o
seu surgimento, através de um panorama sociológico, ambiental e constitucional, tudo à luz do
direito do consumidor e do ordenamento jurídico-constitucional. Ainda, visa perquirir quais as
principais razões pelas quais a sua regulamentação por meio de uma legislação específica se
faz - ou não, necessária.
Visando responder a questão apresentada, optou-se por realizar uma pesquisa de revisão
bibliográfica, por meio da abordagem qualitativa. Para tanto, foram analisadas diversas obras
doutrinárias, textos e artigos científicos atinentes ao assunto em debate, os quais tiveram uma
delimitação temporal abrangente, envolvendo publicações desde os anos 1992 até 2020.
Como critérios de inclusão à pesquisa, foram selecionados materiais já publicados em
renomados periódicos, livros e sites que mantivessem relação direta com o tema, escritos tanto
em língua portuguesa quanto em inglesa. Publicações que não contemplassem o tema proposto
no presente estudo, bem como, que não estivessem disponíveis na íntegra, juntamente com
pesquisas provenientes de fontes desconhecidas foram os critérios de exclusão adotados para a
realização do trabalho.
A investigação bibliográfica foi realizada tendo como fontes diversos repositórios e
bases de dados, como por exemplo a Biblioteca Virtual Pearson, a Scientific Electronic Library
Online (SciELO), e o Google Acadêmico. Além disso, também foram utilizadas obras
doutrinárias, bem como, dados provenientes de pesquisas de campo realizadas por instituições
de renome na área e pela Secretaria Nacional do Consumidor. Também foram consultadas
legislações em vigor atualmente, extraídas diretamente do site oficial da Presidência da
República.
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
2.1 Contextualização
Cada vez mais, temas como o esgotamento de recursos naturais, os altos níveis de
consumo e de descarte e a elevada poluição ambiental vêm ganhando destaque e sendo
debatidos de maneira mais intensa por grande parte dos estudiosos e da população mundial.
Inegavelmente, “vivemos em uma era de mudanças planetárias aceleradas sem
precedentes. De fato, muitos cientistas acreditam que nosso consumo crescente e o consequente
aumento da demanda por energia, solo e água estão moldando uma nova época geológica: o
Antropoceno”2 (Relatório Planeta Vivo - WWF, 2018, p. 03).
2
O surgimento do conceito do Antropoceno tem sido amplamente discutido na literatura. O termo foi usado pela
primeira vez pelo biólogo Eugene F. Stoemer na década de 1980, mas só foi formalizado em 2000, numa
publicação conjunta com o Prêmio Nobel de Química, Paul Crutzen, na Newsletter do International Geosphere
Biosphere Programme (IGBP) do mês de maio. Nessa comunicação, os autores propõem o uso do termo
Antropoceno para a época geológica atual, para enfatizar o papel central do homem na geologia e ecologia, e o
início dessa época nos finais do século XVIII, que coincide com o aumento nas concentrações de CO2 e CH4, e,
também, com a invenção da máquina a vapor, em 1784, por James Watt. (...) Em 2002, Crutzen publicou um artigo
sucinto, intitulado “Geology of Mankind” na revista Nature. Para Crutzen, o homem tem se convertido em uma
poderosa força geológica e será uma força predominante no meio ambiente no futuro, fazendo necessário distinguir
esta nova época com um termo que descreva apropriadamente esta “Idade dos Humanos” (“Age of Humans”) (DA
SILVA, Cleyton; ARBILLA, Graciela, 2018, p. 1621-1622).
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Apesar de ser um dos assuntos mais debatidos nos dias atuais, a preocupação com o
meio ambiente não é um tema tão recente. É sabido que a origem dos movimentos
ambientalistas remonta ao Século XVIII, quando especialistas já demonstravam preocupações
afetas a temas ligados a questões ambientais, como a poluição e o esgotamento das riquezas
naturais (MENDONÇA; DIAS, 2019, p. 208, apud RODRIGUES, 2009).
A partir da tomada de consciência quanto a finitude dos recursos ambientais, os
consumidores passaram a atentar para a necessidade de mudanças nos padrões de consumo.
Diante disso, temas como consumo e desenvolvimento sustentáveis começaram a ser debatidos.
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
disso, uma parcela significativa afirmou que deseja reduzir o impacto negativo gerado pelos
produtos que consomem no meio ambiente (AKATU; GLOBESCAN, 2019, p. 16).
Nesse cenário, fica clara a necessidade de as empresas mudarem sua forma de produção
se quiserem se manter competitivas no mercado e, efetivamente, vender os bens que produzem.
A adaptação voltada à preocupação ambiental deve se dar desde a parte inicial da fabricação,
no que tange ao cuidado com os insumos utilizados, até o pós-consumo, com o tratamento que
é dado aos dejetos resultantes da fabricação, bem como, com o destino que terá o produto
quando de seu descarte.
Em outros termos, levando em conta essa mudança de mentalidade do consumidor, os
produtos e serviços que passaram a se destacar e a ganhar valor de mercado são os que fazem
uso de sistemas de produção ecologicamente corretos, seja por meio da utilização de matérias
primas menos danosas, alterações do modo de extração e práticas pouco nocivas que causam
menos impactos ambientais (PAVIANI, 2019, p. 93).
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
A expressão greenwashing não é algo que comporta uma definição simples. Mediante
breve pesquisa, é possível encontrar inúmeras tentativas de estabelecer um conceito para essa
complexa prática. Uma delas define o greenwashing como:
Existem registros sobre o termo que datam de 1992. Nesse ano, o Greenpeace3 publicou
um livro denominado “The Greenpeace book of Greenwash”, no qual há menção acerca do
surgimento dessa prática. Conforme o registro, por volta das décadas de 1970 e 1980 foi
constatado um aumento com a preocupação ambiental. Isso se deu em decorrência de diversos
fatores, dentre os quais, o surgimento de movimentos de cidadãos de diversos países contrários
à degradação ambiental, bem como, a maior exposição da mídia quanto aos problemas
relacionados ao meio ambiente (GREENPEACE FOUNDATION, 1992, p. 2-3).
Mas foi mais precisamente no fim dos anos 80 que esse movimento se intensificou,
quando as pessoas começaram a correlacionar temas como a poluição das águas e da camada
de ozônio, a extinção das florestas e a alta quantidade de emissão de resíduos tóxicos às
empresas multinacionais. Diante disso, tornou-se extremamente difícil para elas negarem a sua
contribuição com a degradação ambiental, e foi aí que nasceu a estratégia Greenwash (lavagem
verde), como um projeto desenvolvido pela indústria com o intuito de convencer os
consumidores de que as empresas transnacionais preocupam-se e adotam medidas voltadas à
preocupação ambiental (GREENPEACE FOUNDATION, 1992, p. 2-3).
Com o passar do tempo, essa prática tornou-se amplamente difundida em âmbito
mundial, e vastamente utilizada pelas mais diversas companhias empresariais. No Brasil, não
foi diferente. Uma pesquisa realizada em 2019 pelo IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor), conseguiu comprovar que o greenwashing está presente também no mercado
brasileiro.
Referida pesquisa utilizou dados coletados em grandes supermercados nos estados do
Rio de Janeiro e São Paulo, entre dezembro de 2018 e fevereiro de 2019, sendo que os produtos
analisados foram delimitados por categorias (cosméticos, higiene, produtos de limpeza e
3
O Greenpeace é uma organização internacional sem fins lucrativos e totalmente financiada por seus apoiadores.
Está presente em mais de 55 países e desenvolve campanhas globais coordenadas entre vários escritórios
(GREENPEACE BRASIL).
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
A partir da avaliação feita, foi constatado que 48%, sendo 243 produtos analisados
praticam Greenwashing e a categoria que mais o faz proporcionalmente é a de
utilidades domésticas. Foram encontradas alegações irregulares em 75% dos itens
dessa categoria, o que indica que 3 em cada 4 produtos desse tipo apresentaram
alguma irregularidade. No caso dos produtos de limpeza, o Greenwashing apareceu
em 66% dos rótulos analisados - portanto, 2 em cada 3 produtos. Na categoria de
higiene e cosméticos, enfim, a prática foi constatada em 37% dos produtos estudados,
o que indica que o Greenwashing esteve presente em 1 em cada 3 embalagens. O
problema mais recorrentemente encontrado nos rótulos analisados foi o da falta de
provas das vantagens ambientais dos produtos - especialmente das “alegações
animais”, que informam a não realização de testes ou a ausência de ingredientes de
origem animal. Os fabricantes dos produtos estudados pelo Idec que incorreram nessa
irregularidade não disponibilizaram na embalagem dos produtos, em seu site, pelo
canal do SAC ou após serem notificados extrajudicialmente documentos que
embasassem suas alegações. Além da falta de provas, a pesquisa encontrou diversos
produtos com alegações irrelevantes, destacando-se os aerossóis que alegam não
conter CFC e os produtos saneantes que indicam fazer uso de tensoativos
biodegradáveis (INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR,
2019, p. 10-11).
Assim, fica claro que, mesmo sendo uma prática com surgimento não tão recente, o
fenômeno greenwashing está cada dia mais presente no dia a dia dos consumidores. É fato que
existem empresas que demonstram preocupação verdadeira com o meio ambiente, e que, com
base nisso, prezam pela sua conservação na elaboração dos produtos que oferecem ao mercado.
Ocorre, contudo, que infelizmente, essas não são a maioria. O problema surge exatamente na
hora de diferenciar as fabricantes que realmente cumprem seu papel ambiental das que apenas
vendem a ideia, mas não a implementam na prática.
O ordenamento jurídico brasileiro, preocupado com a parte vulnerável das relações de
consumo, possui diversos comandos protetivos voltados aos consumidores, os quais podem ser
utilizados como manto protetor contra possíveis abusos cometidos por parte dos fornecedores.
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
4
Art. 5º CF. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.
5
Art. 170 CF. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: V -
defesa do consumidor.
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Além disso, o artigo 6º, inciso III do CDC prevê que a informação adequada e clara
sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade,
características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos
que apresentem é um direito básico do consumidor, bem como, um dever do fornecedor.
O CDC também regulamenta a prática da publicidade no ordenamento jurídico
brasileiro. É possível comprovar a preocupação do microssistema com a tutela desse tema
mediante a regulamentação da proteção contra a publicidade enganosa e abusiva como um dos
direitos básicos6 do consumidor.
Tendo em vista as diversas formas pelas quais o greenwashing se manifesta, verifica-se
que em muitos casos, pode caracterizar espécie de publicidade enganosa nas modalidades
comissiva e por omissão7 (fulcro no artigo 37 CDC). Assim, tem-se que não somente o
fornecimento de informações falsas, mas também a ausência de informações essenciais ao
consumidor é considerada pelo CDC como publicidade enganosa (SENACON, 2013, p. 138).
Mais precisamente, a proteção contra publicidade enganosa e abusiva, consideradas
como práticas comerciais condenáveis é conferida pelo CDC a partir de seu artigo 30. A oferta
publicitária é tratada pelo CDC como um dos mais relevantes aspectos do mercado
consumerista e, diante disso, a ela é atribuído caráter vinculativo. Assim, conforme o diploma,
tudo o que disser respeito a um produto ou a um serviço deve, obrigatoriamente, corresponder
à expectativa que foi incutida no consumidor, sob pena de sofrer sanções especificadas na Seção
II do Capítulo V do CDC (GRINOVER, 2019, pg. 145).
O artigo 378 veda qualquer modalidade de publicidade enganosa. É importante ressaltar
que o dispositivo não proíbe a publicidade. Posiciona-se somente contra dois tipos de
publicidade perniciosa ao consumidor (GRINOVER, 2019, pg. 340).
6
Art. 6º CDC. São direitos básicos do consumidor: IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva,
métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no
fornecimento de produtos e serviços.
7
Em primeiro lugar, podemos identificar dois tipos de publicidade enganosa: a por comissão e a por omissão. Na
publicidade enganosa por comissão, o fornecedor afirma algo capaz de induzir o consumidor em erro, ou seja, diz
algo que não é. Já na publicidade por omissão, o anunciante deixa de afirmar algo relevante e que, por isso mesmo,
induz o consumidor em erro, isto é, deixa de dizer algo que é (GRINOVER, 2019, pg. 343).
8
Art. 37 CDC. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. § 1° É enganosa qualquer modalidade de
informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo,
mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade,
quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. § 2° É abusiva, dentre
outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição,
se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja
capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. § 3°
Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial
do produto ou serviço. § 4° (Vetado).
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Os preceitos básicos que definem a ética publicitária são: todo anúncio deve ser
honesto e verdadeiro e respeitar as leis do país, deve ser preparado com o devido senso
de responsabilidade social, evitando acentuar diferenciações sociais, deve ter presente
a responsabilidade da cadeia de produção junto ao consumidor, deve respeitar o
princípio da leal concorrência e deve respeitar a atividade publicitária e não
desmerecer a confiança do público nos serviços que a publicidade presta (CONAR).
9
Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica,
qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços: Pena -
Detenção de três meses a um ano e multa. § 1º Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta. § 2º Se o
crime é culposo; Pena Detenção de um a seis meses ou multa.
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Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva: Pena Detenção de
três meses a um ano e multa. Parágrafo único. (Vetado).
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
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CASO 1: ACHOLATADO ORGÂNICO NATIVE. Mês/Ano Julgamento: MAIO/2013. Representação nº:
087/13. Autor(a): Grupo de consumidores Anunciante: Usina São Francisco. Relator(a): Conselheiro Manoel
Zanzoti Câmara: Sétima Câmara Decisão: Alteração Fundamentos: Artigos 1º, 3º, 6º, 27, 36 e 50, letra "c" do
Código e seu Anexo U Resumo: Grupo de consumidores reunidos pela Proteste questiona embalagem do
Achocolatado Orgânico Native, em especial a menção "Aço - Reciclável - Ecológico", considerada irrelevante e
passível de induzir o consumidor a erro. Em sua defesa, a anunciante alude a documento da ABNT, intitulado
Simbologia de Identificação de Materiais. O relator considerou a denúncia pertinente. Segundo o seu
entendimento, a lata é reciclável, mas o aço não é ecológico. "A prática do greenwashing como estratégia de
marketing é conhecida do mercado e cabe a instituições como o Conar e aos consumidores fazer com que ela seja
reduzida", escreveu o relator em seu voto. Ele considerou importante a denúncia formulada, demonstrando o
crescimento do nível de consciência das pessoas. Recomendou a alteração da embalagem, de forma que seja
retirada a palavra "ecológico". Seu voto foi aceito por unanimidade (CONAR. Disponível em:
http://www.conar.org.br/processos/detcaso.php?id=3546. Acesso em: 15 ago. 2020).
CASO 2: ORGANIQUE BRASIL. Mês/Ano Julgamento: ABRIL/2013. Representação nº: 046/13. Autor(a):
Conar, mediante queixa de consumidor. Anunciante: Organique Brasil. Relator(a): Conselheira Tânia Pavlovsky.
Câmara: Segunda Câmara. Decisão: Alteração. Fundamentos: Artigos 1º, 3º, 23, 27 e 50, letra "b" do Código.
Resumo: Consumidora de Osasco (SP) queixa-se de anúncio em internet da Organique, uma empresa
fabricante de cosméticos. No entendimento da denunciante, a empresa divulga usar ingredientes naturais em seus
produtos, o que não corresponderia à verdade, na medida em que vários componentes químicos fazem parte das
fórmulas. Não estaria havendo, questiona a consumidora, greenwashing? Em sua defesa, a empresa esclarece que
comercializa três linhas de produtos, sendo que em uma delas não são empregados conservantes, matérias-primas
de origem animal e petróleo. Para a defesa, a consumidora estendeu essa propriedade específica de uma das suas
linhas para as demais. A relatora não julgou suficientes esses argumentos. Ela considerou que as alegações de
cuidados com o meio ambiente frisados no site da empresa não estão devidamente provados. "O site deixa muitas
dúvidas em aberto e foi isso o que causou a queixa da consumidora", escreveu em seu voto. Ela recomendou a
alteração, de forma a esclarecer que a empresa também comercializa linhas de produto que não se enquadram na
apresentação geral do site, além de comprovar as ações que diz promover em benefício do meio ambiente. Seu
voto foi aceito por unanimidade (CONAR. Disponível em:
http://www.conar.org.br/processos/detcaso.php?id=3420. Acesso em: 15 ago. 2020).
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
criar penalidades para as empresas que estiverem usufruindo destes apelos, sem cumprir os
critérios estabelecidos” (BRASIL; Câmara dos Deputados, 2012).
Assim, verifica-se que apesar da tentativa de criação de uma norma que tratasse,
especificamente, da prática do greenwashing, optou-se pela não conversão do projeto em lei.
Um dos principais argumentos para tanto foi a alegação de que a prática já se encontra
devidamente acautelada no ordenamento pátrio, não necessitando de maiores regulamentações.
12
Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas,
ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia,
prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança
dos consumidores
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
consumidor poderia solicitar acesso às informações para conferir se aquilo que está descrito no
produto realmente foi cumprido.
Contudo, é no artigo 37 do CDC que encontramos o dispositivo que mais se coaduna e
é capaz de acautelar o consumidor para que ele não se torne vítima do greenwashing, prática
que, conforme já ressaltado, amolda-se perfeitamente ao conceito de publicidade enganosa. O
artigo 3713 veda qualquer conduta que seja capaz de iludir ou ludibriar o consumidor.
Nesse ímpeto, conforme artigo 66 do CDC, “fazer afirmação falsa ou enganosa, ou
omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade,
segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços”, configura
crime contra as relações de consumo, estando o fornecedor sujeito à pena de detenção que varia
de três meses a um ano e multa. Importa ressaltar que, ainda que a conduta seja culposa, seu
autor pode sofrer sanções de detenção, de um a seis meses ou multa.
Além disso, a conduta de “fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser
enganosa ou abusiva” também é considerada crime pelo CDC, sujeito a pena de detenção, que
pode ser de três meses a um ano e multa”, conforme preceitua o artigo 67 do referido diploma
legislativo.
Não obstante, além das diversas sanções penais, outras, de índole administrativa,
também podem ser impostas ao fornecedor que pratica greenwashing. Tais sanções encontram
previsão no artigo 56 do CDC14, e podem ser aplicadas inclusive de forma cumulativa.
Diante disso, fica claro que o ordenamento pátrio possui diversos mecanismos que estão
previstos legalmente e que são capazes de combater o greenwashing. Além disso, outros
instrumentos, não jurídicos, também podem ser invocados para fazer frente à prática. Citam-se
como exemplo as já mencionadas recomendações expedidas pelo CONAR, a importância da
13
Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. § 1° É enganosa qualquer modalidade de informação
ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por
omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade,
propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. § 2° É abusiva, dentre outras a
publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se
aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz
de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. § 3° Para os
efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do
produto ou serviço.
14
Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções
administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas: I - multa; II -
apreensão do produto; III - inutilização do produto; IV - cassação do registro do produto junto ao órgão
competente; V - proibição de fabricação do produto; VI - suspensão de fornecimento de produtos ou serviço; VII
- suspensão temporária de atividade; VIII - revogação de concessão ou permissão de uso; IX - cassação de licença
do estabelecimento ou de atividade; X - interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade;
XI - intervenção administrativa; XII - imposição de contrapropaganda. Parágrafo único. As sanções previstas neste
artigo serão aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser aplicadas
cumulativamente, inclusive por medida cautelar, antecedente ou incidente de procedimento administrativo.
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
educação ambiental, bem como, medidas preventivas que podem ser adotadas pelos próprios
consumidores antes da aquisição dos produtos. Ressalta-se que a prevenção e cuidado na hora
da aquisição do produto é uma das formas mais eficazes de não ser vítima da prática.
Assim, algumas condutas são recomendadas para que o consumidor não seja enganado
com afirmações inverídicas. A primeira é fugir de afirmações falsas, desconfiando de “produtos
que possuem afirmações ambientais vagas como “ecológico”, “sustentável” ou “amigo do
meio ambiente”” contudo, não apresentam nenhum dado comprobatório ou suporte para
comprovação. Além disso, mas não menos importante, é fundamental ter cuidado com imagens
que parecem selos oficiais, mas na verdade, são desenhos criados pela própria empresa para
confundir os adquirentes de seus produtos (INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR, 2019, p. 25).
Outra dica importante é ter cuidado com as mensagens que são inseridas nos produtos,
sempre pesquisando se elas são realmente compatíveis com o alegado pelos fornecedores, uma
vez que
A conduta mais indicada para confirmar a veracidade dos dados contidos nos produtos
é entrar em contato com o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) da empresa, por meio
de telefone ou e-mail, os quais precisam estar informados no rótulo do produto, solicitando
provas concretas das afirmações realizadas. Deste modo, constata-se que “o consumo
sustentável apenas é bem sucedido se a maioria dos consumidores participarem dele
voluntariamente, sendo educados para traduzir as informações que recebem sobre o tema em
novos comportamentos, aqui e agora” (MÉO, p. 186).
Somada a isso, a educação ambiental15 é outro importante instrumento no combate ao
greenwashing. Prevista na Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999, desempenha importante papel
15
Art. 1o Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade
constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do
meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.
25
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
4. CONCLUSÃO
no entanto, não foi convertido em lei sob o principal argumento de que regulamentava algo que
já encontra previsão legal no ordenamento jurídico, ainda que implicitamente.
Deste modo, conclui-se que, apesar de não possuir uma legislação que trate de maneira
particularizada sobre o tema, o ordenamento jurídico brasileiro contém instrumentos capazes
de combater o greenwashing. Exemplos desta alegação são os pareceres expedidos pelo
CONAR, os quais, apesar de não serem dotados de força judicial, influenciam nas decisões do
público consumerista.
Além disso, as normas do Código de Defesa do Consumidor que regulamentam a
publicidade no ordenamento jurídico brasileiro também podem ser utilizadas no combate à
prática. Igualmente, do CDC, podem ser extraídos diversos princípios aplicáveis. Assim, com
base na transparência, na vulnerabilidade do consumidor, na boa-fé e na informação, é possível
estabelecer vedações e combater o greenwashing.
Por fim, também existem outras formas de combate à referida prática, como a educação
ambiental e outras que podem ser adotadas pelo próprio consumidor. Medidas simples e não
jurídicas, como a busca de dados comprobatórios no próprio site da fornecedora para se
certificar de que as alegações contidas na embalagem do produto são verdadeiras, e o
acompanhamento de pesquisas feitas por instituições ambientalistas, são alguns exemplos
disso.
Deste modo, conclui-se que, a criação de novas leis ou regulamentos específicos para
combater o greenwashing não se faz necessária no ordenamento jurídico brasileiro. Isto porque,
apesar de não possuir uma legislação que trate de maneira particularizada sobre o tema, é
possível constatar que existem inúmeras normas (tanto regras quanto princípios)
suficientemente capazes de regulamentar a prática, protegendo de maneira satisfatória a parte
mais fraca da relação de consumo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL, Lei n. 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a
Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 13 fev. 2021.
GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto: direito material e processo coletivo: volume único.12 ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2019.
GREENPEACE BRASIL. Disponível em: <https://www.greenpeace.org/brasil/quem-somos/>.
Acesso em: 26 set. 2020.
NIELSEN. Brasileiros estão cada vez mais sustentáveis e conscientes, 2019. Disponível em:
<https://www.nielsen.com/br/pt/insights/article/2019/brasileiros-estao-cada-vez-mais-
sustentaveis-e-conscientes/>. Acesso em: 01 ago. 2020.
28
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
WWF - World Wide Fund for Nature. 2018. Relatório Planeta Vivo - 2018: uma ambição maior.
Grooten, M. and Almond, R.E.A. (Eds). WWF, Gland, Suíça. Disponível em:
<https://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/especiais/relatorio_planeta_vivo_2018/>.
Acesso em: 17 out. 2020.
29
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Resumo: O presente trabalho trata das solicitações, realizadas por alunos e pais/responsáveis,
de redução da mensalidade na rede privada de ensino, que veio à tona como uma das
consequências da pandemia da Covid-19, em virtude da ausência de aulas presenciais em meio
ao risco de contaminação e, consequentemente, risco à saúde e à vida de todos os envolvidos
no ambiente acadêmico. Nesse contexto, serão abordados os posicionamentos a favor e contra
à redução da mensalidade nas escolas e faculdades da rede privada de ensino, bem como o
posicionamento os Tribunais Superiores. As dificuldades com relação à matéria são determinar
medidas que não sobreponham os interesses de uma das partes, considerando as famílias e as
instituições envolvidas nessa relação jurídica, e a construção de uma jurisprudência sólida nesse
sentido. O estudo do tema escolhido é necessário e importante, pois traz consequências para a
realidade social, econômica e jurídica. À vista das dificuldades apontadas, o presente trabalho
tem como objetivo apresentar o debate relativo ao tema e apontar como solução viável o
preenchimento de certos critérios para que seja a lide decidida, retirados do entendimento
jurisprudencial. Como procedimentos metodológicos foram utilizados a pesquisa explicativa e
exploratória, bem como a técnica de pesquisa documental indireta e o método dedutivo.
Conclui-se que a temática não se encontra pacificada jurisprudencialmente, demandando
estudos mais aprofundados para solucionar as questões práticas que lhe são inerentes.
1 INTRODUÇÃO
1
Mestra em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2020). Especialista em Direito
Constitucional e Tributário pela Universidade Potiguar (2015). Parecerista ad hoc da Revista Antinomias.
Advogada – OAB/RN n° 11.970. E-mail: barbarapeixoto_nfs@hotmail.com.
2
Mestra em Direito pela Universidade do Rio Grande do Norte (2020). Especialista em Direito Processual Civil
pela Universidade de Anhanguera – MS (2016). Pós-graduanda em Direito Constitucional pela Damásio
Educacional. Parecerista ad hoc da Revista Antinomias. E-mail: marialuiza.acs@hotmail.com.
30
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
31
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Foi efetuada uma pesquisa explicativa, visando identificar os fatores que determinam
ou que contribuem para a redução das mensalidades no ensino privado, a fim de compreender
qual seria o melhor caminho; e exploratória, buscando, ao explicitar a temática em seu atual
estado e aprimorar o conhecimento já existente.
Do Estado exige-se, para a proteção do direito à vida, em seu duplo aspecto (direito de
nascer e direito de subsistir), tanto abstenções, quanto ações, traduzidas em prestações negativas
e positivas, respectivamente. No cenário pandêmico, como mencionado anteriormente, houve
a imposição de restrições, através de normas governamentais, com o propósito de tutelar, a
partir do direito à vida, como mencionado, o direito à saúde, constitucionalmente definidos nos
artigos 5° e 6° da Constituição Federal (BRASIL, 1988), respectivamente, sendo uma delas o
lockdown, medida de cunho mais rigoroso, imposta para restringir ao máximo a circulação dos
cidadãos em locais públicos, sendo permitida apenas a saída por motivos essenciais.
A educação, considerada como não essencial, sofreu impacto decisivo desde então e
diante dessa nova realidade, surgiram normas com o objetivo de permitir que o processo de
ensino-aprendizagem continuasse através do ensino remoto; no âmbito das instituições federais
de ensino, o Ministério da Educação publicou a Portaria nº 343, de 17 de março de 2020, seguida
das Portarias de nº 345/2020 e nº 395/2020, dispondo sobre a substituição das aulas presenciais
por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia do Novo Coronavírus –
COVID-19 (BRASIL, 2020). Destarte, convém destacar a redação do seu artigo 1º, abaixo
transcrito:
Art. 1º Autorizar, em caráter excepcional, a substituição das disciplinas presenciais,
em andamento, por aulas que utilizem meios e tecnologias de informação e
comunicação, nos limites estabelecidos pela legislação em vigor, por instituição de
educação superior integrante do sistema federal de ensino, de que trata o art. 2º do
Decreto nº 9.235, de 15 de dezembro de 2017.
posteriormente para o ensino híbrido e atualmente, após mais de um ano, o retorno das aulas
presenciais em alguns Estados do país.
Nesse contexto, há de se considerar que houve a redução de alguns custos fixos por parte
da rede de ensino privada relativos à itens de manutenção, energia e água durante todo o período
sem aula presencial, de modo que, em busca do reestabelecimento do equilíbrio contratual,
torna-se cabível existir essa atenuação da mensalidade, até mesmo porque aqueles que
promovem o seu pagamento também tiveram seus rendimentos fortemente afetados, pois
dúvida não há de que a pandemia provocada pelo novo coronavírus trouxe a reboque a
fragilização de uma economia já bastante combalida.
Como consequência, as relações contratuais de trato sucessivo foram abruptamente
afetadas pela imprevisibilidade desse fato, estatuindo aos dois lados desse liame novas bases
para a criação de uma nova compreensão acerca dos direitos e das obrigações estabelecidos
nesta relação contratual.
Cabe o destaque que os serviços educacionais ofertados se caracterizam como relação
de consumo, formada pelo binômio consumidor, como destinatário final do serviço (art. 2°
caput, do CDC), e fornecedor, como prestador do serviço (art. 3°, caput, e §2° do CDC),
portanto, se submetem ao regime de tutela do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL,
1990).
O artigo 6º, em seu inciso V, do CDC, permite essa rediscussão contratual quando
dispõe que a modificação ou revisão das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações
desproporcionais em razão de fatos supervenientes que as tornem extremamente onerosas é um
dos direitos do consumidor (BRASIL, 1990). Ao passo que os artigos 39, V e 51, § 1º, III,
ambos igualmente do CDC, determinam que é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços,
exigir do consumidor vantagem obviamente excessiva, que se mostre onerosa ao considerar a
natureza e o conteúdo do contrato pactuado entre as partes (BRASIL, 1990).
Uma vez que se a realidade foi modificada, os contratos firmados antes precisam
adaptar-se, seja quanto ao serviço ou produto fornecidos, seja quanto ao preço ou
contraprestação exercida, a um contexto em que o lucro se mostre menos expressivo em virtude
da continuidade da atuação. Nesse sentido, diversos são os fatores a serem considerados para
se readequar os contratos pactuados, como capacidade de substituição das atividades
presenciais por digitais; retirada dos serviços acessórios incorporados (atividades
extracurriculares, alimentação etc.); impacto econômico causado pela pandemia quanto aos
custos das instituições de ensino (PIZZOL, 2020, p. 550).
33
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
34
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Essa essencialidade faz com que a educação seja um direito que transcenda os limites
do texto constitucional. É mais do que um direito fundamental; é um direito humano. Inclusive,
a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi proclamada como um ideal comum a ser
atingido por todos os povos e nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da
sociedade se esforce em promover o respeito aos direitos e liberdades por meio do ensino e da
educação. Enfatiza, em seu preâmbulo, a importância do ensino e da educação para a
concretização dos demais direitos fundamentais (CARVALHO, 2020).
Tais circunstâncias colaboram com a compreensão da possibilidade dessa diminuição,
que, por sua vez, deverá ser efetivada em um percentual que não inviabilize, a curto ou médio
prazo, a própria sobrevivência da instituição, o que não traria nenhum benefício futuro aos
estudantes.
Nos Tribunais de Justiça de vários estados brasileiros desenrola-se o ajuizamento de
Ação Civil Pública, através da qual requerem a diminuição das mensalidades e/ou a suspensão
da prestação de serviços contratados em primeiro momento - as aulas presenciais -, é o caso,
por exemplo, dos seguintes estados: Ceará; Amazonas; Pernambuco; Rondônia; Alagoas; Rio
Grande do Norte; isto porque o desequilíbrio contratual provocado pela pandemia juntamente
com o caráter de fundamentalidade do direito de acesso à educação autoriza o ingresso da ação
(NASCIMENTO; RICHTER; ROSA, 2020, p. 89).
Atestado este desequilíbrio, é direito subjetivo do consumidor obter à revisão contratual,
independentemente se trata ou não de risco inerente à atividade ou se o evento superveniente
foi causado ou não pelo fornecedor.
Logo, tem-se que é plenamente cabível, sob o ponto de vista social, econômico e jurídico
o desconto nas mensalidades escolares, seguindo a tendência do movimento atual e de pós-
pandemia, objetivando garantir o direito fundamental à educação e evitar prejuízo econômicos
aos que procedem com o pagamento, e emocionais e de aprendizado aos discentes.
36
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
desequilíbrio contratual por parte da instituição de ensino, de modo que o objetivo do contrato
firmado seria alcançado ao final do ano letivo (DISTRITO FEDERAL, 2021).
A parte autora sustentou que após a suspensão das aulas presenciais devido as medidas
de isolamento social, o contrato teria sofrido desequilíbrio financeiro, já que a mensalidade não
teria sido alterada, mas sem a correspondente prestação de integral dos serviços contratados.
Ademais, aduziu que existiria correlação direta entre o valor das mensalidades e o cumprimento
do calendário escolar inicial, com a previsão de 200 dias letivos. Por fim, requereu a redução
em 50% das mensalidades de maio e junho de 2020, além das vincendas, até o retorno das aulas
presenciais (DISTRITO FEDERAL, 2021).
Por seu turno, a instituição de ensino afirmou ter realizado todas as adequações
necessárias e emergenciais decorrentes da Covid-19, com ajustes na organização pedagógica e
administrativa, bem como reorganização do calendário letivo, seguindo os ditames legais,
preservando a qualidade do ensino e sem que houvesse perda de aprendizado por parte dos
alunos, destacando que a redução da mensalidade seria inviável no caso em apreço (DISTRITO
FEDERAL, 2021).
Segundo a Magistrada ao proferir a sentença, ao contrário do que afirmou a parte autora,
não se pode deduzir que a escola tenha inadimplido o contrato de prestação de serviços
educacionais, uma vez que a suspensão das aulas presenciais não decorreu de sua vontade
própria, por negligência quanto ao cumprimento das obrigações oriundas do instrumento
contratual (DISTRITO FEDERAL, 2021).
Ademais, frisou-se que em razão de ajustes pedagógicos para dar continuidade à
prestação dos serviços, adveio nova legislação que adotou critérios outros, aplicáveis à situação
ora vivenciada. Destacou-se ainda que a instituição de ensino prestou todos os esclarecimentos
à parte autora, além do seu calendário escolar, que foi reformulado de acordo com as
necessidades do ensino à distância, de modo que cabia ao autor aceitar esta nova realidade
contratual ou pugnar pela rescisão (DISTRITO FEDERAL, 2021).
O autor interpôs recurso inominado em face da sentença de improcedência, sustentando
que deveria ser restabelecido o reequilíbrio das condições contratuais em face das medidas
sanitárias adotadas e que o teriam prejudicado desproporcionalmente, pugnando pelo desconto
de 50% nas mensalidades dos seis meses de paralisação ou outro percentual entendido como
justo por ocasião do julgamento da lide (DISTRITO FEDERAL, 2021).
Ao contrário do que foi alegado pelo Recorrente, entendeu a Segunda Turma Recursal
dos Juizados Especiais do Distrito Federal que ambas as partes sofreram impactos financeiros,
37
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
de modo que não se verificou enriquecimento injusto da escola frente ao suposto desequilíbrio
contratual. Ainda, destacou-se que a forma e o modo de prestação de serviço educacional foram
alterados por determinação legal, a saber o Decreto nº 40.509/2020, do Distrito Federal, de sorte
que a recusa da escola em negociar desconto de mensalidade não caracterizaria ato ilícito, mas
apenas ato discricionário da empresa, exercício regular de seu direito, razão pela qual não cabe
ao Poder Judiciário substituir a vontade da parte em questão para renegociar os termos
contratuais, mantendo-se a sentença de primeiro grau (DISTRITO FEDERAL, 2021).
Nos autos do Agravo de Instrumento nº 5017332-51.2020.8.24.0000, a Quarta Câmara
Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, à unanimidade, manteve decisão de primeiro
grau que indeferiu o pedido de redução em 30% sobre o valor das mensalidades do curso de
Direito de uma Universidade do Norte do Estado. A parte autora sustentou que os alunos teriam
recebido serviços educacionais diversos daqueles contratados originalmente, além de não terem
acesso à biblioteca, salas de aula e laboratórios, tendo ainda que arcar com a mensalidade de
forma integral (SANTA CATARINA, 2020).
O desembargador Selso de Oliveira ressaltou que a instituição de ensino vinha adotando
as medidas necessárias para manter as contratações e readequá-las à atual situação de cada
aluno, tais como abertura de edital para concessão de bolsas, abstenção de cobrança de juros e
multa em caso de atraso no pagamento, renegociação, parcelamento etc. Acerca das atividades
que exigem participação presencial, destacou que poderiam ser futuramente repostas, sem
prejuízo dos alunos e com a isenção de novos custos, com a readequação dos calendários
acadêmicos (SANTA CATARINA, 2020).
No âmbito do Tribunal de Justiça da Paraíba, convém mencionar que nos autos do
Agravo de Instrumento nº 0800130-28.2020.8.15.9001 o desembargador relator Marcos
Cavalcanti de Albuquerque indeferiu o pedido de antecipação da tutela recursal requerido pela
parte agravante, visando a redução imediata do valor da mensalidade enquanto o
estabelecimento de ensino permanecesse fechado para aulas presenciais na forma contratada,
alegando significativas mudanças financeiras na contratação. Ainda, aduziu que a instituição
de ensino teve diminuição de gastos, alteração na modalidade de ensino contratado, bem como
redução qualitativa e quantitativa dos serviços (PARAÍBA, 2020).
O desembargador relator ressaltou que a revisão contratual é possível, desde que sejam
apresentados motivos concretos que justifiquem o desequilíbrio da relação contratual, ferindo
a função social do contrato. Assim, em consonância com a Teoria da Imprevisão, um contrato
pode ser revisto desde que a parte que sofreu uma perda substancial no contrato comprove que
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
o contrato se tornou excessivamente oneroso para ela, necessitando ser revisado, conforme os
artigos 478, 479 e 480 do Código Civil, bem como o artigo 6º do Código de Defesa do
Consumidor (PARAÍBA, 2020).
O pedido de antecipação de tutela recursal foi indeferido, tendo em vista que a parte
agravante não demonstrou probabilidade jurídica do pedido, pois não acostou prova concreta
que houve redução substancial dos gastos da instituição, bem como análise técnica de redução
qualitativa e quantitativa do ensino com o sistema virtual implementado em virtude da
pandemia de Covid-19. Ademais, os serviços continuam sendo prestados, os professores
continuam ministrando suas aulas, de modo que a instituição de ensino tem seus gastos
decorrentes de todas essas atividades, não havendo como alegar a redução. Frisou-se, ainda que
a Agravante, primeiramente, deveria ter demonstrado mudança em sua própria condição
financeira, oriunda de um impacto imprevisível decorrente da pandemia e impossibilidade de
arcar com o valor da mensalidade (PARAÍBA, 2020).
Acerca da temática ora analisada, em 28 de dezembro de 2020, o Supremo Tribunal
Federal julgou inconstitucionais as leis dos Estados do Ceará, Maranhão e Bahia, que
estabeleceram desconto obrigatório nas mensalidades da rede privada de ensino durante a
pandemia do novo coronavírus. O Ministro Edson Fachin foi relator da ADI nº 6.423, na qual
a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino – Confenen – contestava a Lei
Estadual nº 17.208/2020, do Ceará; bem como da ADI nº 6.575, cujo objeto de questionamento
era a Lei Estadual nº 14.279/2020, da Bahia. Já o Ministro Alexandre de Moraes foi o relator
da ADI nº 6.435, na qual a Confenen questionava a Lei Estadual nº 11.259/2020, do Maranhão
(BRASIL, 2020).
O voto do Ministro Alexandre de Moraes prevaleceu no julgamento das três Ações
Diretas de Inconstitucionalidade, sustentando que as normas violariam a competência privativa
da União para legislar sobre Direito Civil. Ademais, esclareceu que, ao estabelecerem redução
geral dos preços contratualmente fixados para os serviços educacionais, as leis modificaram, de
forma geral e abstrata, o conteúdo dos negócios jurídicos (BRASIL, 2020).
Sendo assim, a competência concorrente dos Estados para legislar sobre direito
consumerista se restringe a normas sobre a responsabilidade por dano ao consumidor, não se
confundindo com competência legislativa geral sobre direito do consumidor, que é exercida
pela União por meio do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 2020).
O Ministro Alexandre de Moraes ainda ressaltou que os efeitos decorrentes da pandemia
do novo coronavírus sobre os negócios jurídicos privados, até os decorrentes de relações de
39
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
consumo, receberam tratamento através da Lei Federal nº 14.010/2020, que dispôs sobre o
Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no
período da pandemia do coronavírus (Covid-19). Nessa esteira, a referida lei acabou
restringindo o âmbito de competência complementar por parte dos Estados para legislar, além
de não conter qualquer previsão geral de modificação contratual de prestação de serviços
educacionais (BRASIL, 2020).
Nessa toada, resta evidente que a pandemia impôs inúmeros e severos desafios aos
setores da sociedade, da saúde, da economia e da educação, impactando de maneira contundente
a vida da coletividade. Não obstante, as instituições de ensino privadas, frente à esse
acontecimento imprevisível, foi compelida a realizar diversas alterações e rearranjos
procedimentos pedagógicos e metodológicos, treinamento de docentes, aperfeiçoamento do
quadro administrativo, desenvolvimento de ferramentas virtuais, tais como, ambientes virtuais
de aprendizagem, entre outros, dependendo do dispêndio de recursos financeiros para tanto,
razão pela qual não há como alegar redução de gastos tão somente pela ausência de aulas e
atividades presenciais.
Portanto, constata-se que a jurisprudência pátria ainda não possui entendimento
consolidado, mas há a tendência em considerar o ensino à distância como prestação efetiva dos
serviços educacionais, de modo que não haveria que falar em descumprimento contratual ou
desequilíbrio que importe na revisão do contrato pactuado, já que a suspensão das aulas
presenciais se dá por razões alheias à instituição de ensino, devendo ser aplicada a Teoria da
Imprevisão para ambas as partes. Ademais, cabe a quem pleiteia a redução da mensalidade
comprovar de forma eficaz a diminuição da capacidade financeira que justifique o seu pleito e
gere onerosidade excessiva.
4 CONCLUSÃO
40
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
REFERÊNCIAS
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em: 20 jun. 2021.
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe
sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Acesso em: 20 jun. 2021.
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NASCIMENTO, Arthur Martins; RICHTER, Daniela; ROSA, Monique Zanon da. O princípio
da fraternidade como guia no direito do consumidor: o direito à educação x avaliação e
solicitação de descontos nas mensalidades escolares em tempos de pandemia. Pandemia, direito
e fraternidade: um mundo novo nascerá. Josiane Rose Petry Veronese, Carlos Augusto
43
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
SANTOS JUNIOR, Verissimo Barros dos. MONTEIRO, Jean Carlos da Silva. Educação e
covid-19: as tecnologias digitais mediando a aprendizagem em tempos de pandemia. Revista
Encantar - Educação, Cultura e Sociedade - Bom Jesus da Lapa, v. 2, p. 01-15, jan./dez. 2020.
Disponível em: http://www.revistas.uneb.br/index.php/encantar/article/view/8583.
Acesso em: 23 jun. 2021.
44
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Resumo: Em uma sociedade em que o consumo é vendido como uma necessidade inerente a
cada um de nós, a manutenção do modelo de exploração capitalista conduz a humanidade para
o colapso ambiental. Neste cenário emerge a necessidade de gerenciamento eficiente de matéria
prima como forma de tentar amenizar os efeitos da produção de resíduos sólidos decorrente da
fabricação bens em larga escala. A logística reversa, neste contexto, se destaca como um dos
pontos centrais da discussão inserida pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, já que conduz
ao correto descarte dos materiais após a utilização pelo consumidor, além de funcionar como
uma ferramenta de preservação ambiental. Este artigo investiga a responsabilidade pelo
processo de logística reversa, tendo em vista sua complexidade e a atuação de diferentes atores,
utilizando pesquisa bibliográfica na literatura relacionada ao tema e documental na legislação
aplicável. Pelas análises realizadas, foi possível concluir que o caso é de responsabilidade
compartilhada por todos os envolvidos na cadeia de produção e consumo e pelo poder público,
circunstância que é corroborada pelas disposições constitucionais relacionadas à proteção
ambiental e da saúde humana, bem assim pela Lei nº 12.305/10.
INTRODUÇÃO
1
Mestre em Ambiente e Desenvolvimento, Especialista em Direito Processual Civil, Advogado inscrito na
OAB/RS sob o nº 82.192. E-mail: bruno.coratto@universo.univates.br.
45
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
portanto, encontra razão de ser na necessidade dos seres humanos enquanto indivíduos. A ideia
de necessidades básicas – saúde, alimentação, moradia etc. – possui estreita relação com o
conceito de mínimo existencial, ou seja, com o que se considera que sejam as condições básicas
para que um ser humano possa ver concretizada sua dignidade fundamental2.
O ponto do qual o capitalismo se apropria através do consumismo são as necessidades
que vão além daquilo que é básico, as chamadas necessidades artificiais (les besoins artificiels),
criadas justamente para dar vasão à massiva produção do sistema. Nesta lógica, uma rede de
ferramentas muito bem engendradas - como a publicidade e a obsolescência programada -
incute no sujeito, já submerso na sociedade de consumo, necessidades artificiais das quais nem
sempre ele está totalmente consciente (KEUCHEYAN, 2019). Naturalmente, a aquisição de
bens depende da promessa de satisfação dos desejos do sujeito consumidor; quer dizer, uma
mercadoria só se torna atraente se dela puder ser extraído o atendimento de uma necessidade
(BAUMAN, 2008), muitas vezes artificial.
No caminho das necessidades inventadas, a banalização do que é de fato necessário
transforma a própria insatisfação dos sujeitos em mercadoria que a todo momento nos é
ofertada. Na sociedade de consumo, o ápice da satisfação do sujeito é alcançado no exato
momento em que ele está consumindo, nem antes, nem depois: é o consumo que faz desaparecer
qualquer barreira socioeconômica entre os sujeitos; no instante em que o consumo se concretiza
não existem diferenças entre ricos e pobres. A constante sensação de insatisfação, nesta
perspectiva, é um trampolim para o consumo (DEBORD, 1997), algo fomentado pelo sistema
através das necessidades artificiais.
A dinâmica descrita é mais fácil de ser entendida a partir de um exemplo simples: uma
grande multinacional do ramo de tecnologia lança seu smartphone uma vez por ano, sempre na
mesma época. A aquisição do bem no exato momento de seu lançamento representa a satisfação
máxima do sujeito, já que concretiza o consumo e possibilita ao consumidor se destacar ao
ostentar um signo que o tornará diferente daqueles que não podem consumir como ele (a
logomarca da empresa estampada no smartphone). No entanto, na sociedade de consumo, no
ano seguinte o bem adquirido por este sujeito já não carregará os mesmos atributos de quando
foi lançado; lhe faltará a novidade, a característica que torna seu portador distinto dentre os
demais consumidores.
2
Evidentemente, a criação de condições mínimas de existência digna do ser humano não deve ser adotada como
padrão para a atuação estatal, que deve buscar sempre a máxima densificação dos direitos fundamentais elencados
pela Constituição Federal, concretizando, em sua máxima extensão, os direitos e garantias constitucionais.
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Em termos de tecnologia, um ano é pouco tempo para que um aparelho eletrônico perca
sua utilidade, de modo que se presume que o smartphone conserve suas características e seu
desempenho originais. Apesar disto, o sujeito da sociedade consumista entenderá que existe a
necessidade de ter sempre o melhor e mais moderno telefone, fabricado pela empresa que cobra
mais caro por seus produtos, porque somente assim ele alcançará lugar de destaque em seu
contexto social. Esta necessidade – que é artificial, já que no exemplo o bem não necessita ser
trocado apenas um ano após o lançamento – é incutida na mente dos sujeitos através de diversos
mecanismos, como a publicidade, que vende a promessa de que ter determinado bem fará com
que se alcance algum tipo de sucesso – quase como um “hiperfetichismo” da mercadoria. O
produto “antigo”, rejeitado pelo sujeito em razão da aquisição de seu novo bem, retornará à
cadeia de produção e consumo de alguma forma ou, então, será descartado pelo seu antigo
proprietário.
O descarte inadequado de resíduos sólidos possui um grande potencial lesivo ao meio
ambiente e à saúde da população em geral, representando um problema a ser enfrentado pelo
Estado e um risco à coletividade. É a partir desta dinâmica de consumo constante e de aumento
da geração de resíduos sólidos urbanos, aliada ao descarte inadequado de materiais, que surge
a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei nº 12.305/2010 e que elenca
expressamente em seu art. 3º, IX o consumo como atividade geradora de resíduos sólidos. Neste
contexto, a logística reversa é um dos instrumentos previstos pela PNRS na concretização do
gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos sólidos.
A logística reversa tem como ponto de partida o último sujeito da cadeia de produção e
consumo: o consumidor. É possível alegar, portanto, que o caminho percorrido pela logística
reversa é o inverso daquele da logística convencional de produção e distribuição de bens para
consumo, já que seu objetivo é a restituição de resíduos ao setor produtivo – indústria ou
comércio. O conceito integrado à legislação está descrito na norma do art. 3º, inciso XII da
PNRS, que caracteriza a logística reversa como:
50
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Ao se falar, pois, em LR, não basta que seja evitado apenas o retorno do produto
utilizado ao Meio Ambiente. O que, na verdade, se pretende com o sistema é que o
material passível de reaproveitamento seja recolhido pelo mercado fornecedor e
reinserido no ciclo de negócios ou ciclo produtivo. (SÁ, 2021, p. 47)
51
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
52
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
3
Não ser solidário com o outro e com o meio ambiente levou o ser humano a negar-se como parte do problema e
a entender suas interações com a natureza como algo que pode ser dissociado das grandes questões enfrentadas, o
que está absolutamente equivocado.
53
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
conjuntas entre o Poder Público e a sociedade civil, dispositivo diretamente relacionado com a
solidariedade trazida pelo art. 225 da Constituição Federal.
Esta forma de organização da responsabilidade pela logística reversa é reforçada pelos
princípios elencados nos art. 6º da Lei nº 12.305/10, especialmente aqueles dos incisos VI e
VII, quais sejam “a cooperação entre as diferentes esferas do poder público, o setor empresarial
e demais segmentos da sociedade” e “a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos
produtos” (BRASIL, 2010), respectivamente. Novamente a legislação retoma o princípio
ambiental da solidariedade para fundamentar o permissivo legal da ação conjunta entre o poder
público e a sociedade civil a fim de alcançar os objetivos da PNRS.
Esse tipo de responsabilidade se materializa através da realização dos processos
logísticos: no caso da logística reversa de garrafas plásticas, por exemplo, tão importante quanto
a disposição de locais adequados para a coleta dos materiais após sua utilização (indústria e
comércio, com ou sem a participação do poder público) é a conscientização do consumidor final
sobre o descarte adequado do produto. Esta conscientização, por seu turno, pode vir de ações
informativas oriundas de políticas públicas de educação ambiental com foco na logística reversa
(novamente há a participação do Estado nos processos), ou mesmo da troca de garrafas plásticas
usadas por desconto na aquisição de novos produtos (participação ativa da indústria e do
comércio). Nesta situação é possível visualizar que todos os integrantes dos processos de
produção e consumo – pessoas físicas e jurídicas de direito público ou privado - têm sua parcela
de responsabilidade para que o objetivo seja alcançado.
Outro exemplo de logística reversa aplicada no Brasil se relaciona com as embalagens
de produtos agrotóxicos. Estabelecida pela Lei nº 9.974/00, a norma aplicável a estes produtos
determina que é do usuário de agrotóxicos o dever de efetuar a devolução das embalagens
vazias aos estabelecimentos comerciais no prazo de até um ano após sua aquisição, salvo
exceções devidamente autorizadas. Após a devolução pelo consumidor final, é da empresa que
produz, comercializa ou importa o agrotóxico a responsabilidade por dar a destinação final
ambientalmente adequada, a fim de proporcionar a reutilização, reciclagem ou sua inutilização.
Nesta dinâmica, cabe ao poder público exercer a fiscalização do cumprimento das etapas,
realizar o licenciamento dos locais de recebimento de embalagens e atuar de forma a
conscientizar os consumidores destes produtos acerca da importância do descarte adequado
destes materiais.
A logística reversa de embalagens de agrotóxicos é realizada no país através do chamado
Sistema Campo Limpo, que é operacionalizado pelo Instituto Nacional de Processamento de
54
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Embalagens Vazias – inpEV. De acordo com dados do inpEV, em 2019 o programa de logística
reversa recebeu cerca de 45,6 mil toneladas de material, deste total, 94% foram destinados para
a reciclagem (destinação final ambientalmente adequadas) e 6% para a incineração (disposição
final ambientalmente adequada) (INPEV, 2020). Estas informações demonstram o impacto
potencial que os processos de logística reversa possuem sobre questões de política ambiental e
de proteção à saúde da população, pois, neste exemplo específico, se está diante de resíduo
sólido altamente contaminante e extremamente prejudicial.
É interessante observar que o consumidor final adquire grande relevância nessa
dinâmica, pois representa o ponto de partida da logística reversa, que depende do descarte
correto dos resíduos sólidos em primeiro lugar. Evidentemente, todos os integrantes desta
cadeia logística possuem sua importância, já que as ações a serem tomadas dependem de um
esforço conjunto dos envolvidos. No entanto, em geral, as políticas públicas são criadas a partir
de estruturas verticalizadas, ou seja, de prestações direcionadas do poder público – algumas
vezes em conjunto com particulares - a determinados grupos sociais; na logística reversa o que
se verifica é uma estrutura mais horizontal com relação à organização do sistema, que deriva
da conduta integrada daqueles englobados na cadeia de produção e de consumo de bens.
Assim, é possível concluir que a responsabilidade pelos processos de logística reversa é
ampla e compartilhada, sendo imputável à indústria produtora, aos integrantes da cadeia de
comercialização dos produtos – inclusive ao importador em substituição ao fabricante
internacional -, ao consumidor final e ao poder público de forma solidária. Nesta perspectiva, é
de extrema importância que todos os envolvidos na cadeia de produção e consumo de
bens/produtos estejam engajados nos processos de logística reversa, cumprindo os papeis
designados a cada um deles, a fim de possibilitar a efetividade das ações realizadas e a
concretização dos objetivos inicialmente estabelecidos, tanto para os processos de logística
reversa, como para a PNRS de forma integrada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo geral deste artigo foi analisar a forma como a responsabilidade se apresenta
na logística reversa, tendo em vista se tratar de um processo complexo, do qual participam
diferentes sujeitos e que está inserido em um contexto mais amplo de políticas ambientais. A
pesquisa se mostrou relevante do ponto de vista acadêmico, dada a necessidade de investigação
do tema proposto em razão de sua pouca discussão e da ausência de implementação efetiva dos
processos de logística reversa de forma mais ostensiva. Metodologicamente, os procedimentos
55
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
de verificar como as ações são delineadas na prática, o que possibilitará o exame da matéria
para além da abordagem teórica. Ademais, uma vez identificadas eventuais dificuldades na
implementação destes procedimentos, é importante que sejam apontados caminhos para
solucionar estas questões, com o intuito de alcançar os objetivos traçados na PNRS,
densificando a proteção ambiental e de saúde pública por meio do gerenciamento integrado de
resíduos sólidos e da otimização da logística reversa.
REFERÊNCIAS
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 2004
BRASIL. Lei nº 9.974 de 6 de junho de 2000. Altera a Lei no 7.802, de 11 de julho de 1989
[...]. Brasília, DF. Presidência da República, 2000.
BRASIL. Lei nº 12.305 de 2 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos
[...]. Brasília, DF. Presidência da República, 2010.
SÁ, Viviane Kelly Silva. A (in)efetividade do sistema de logística reversa no Brasil. Belo
Horizonte: Dialética, 2021. E-book Kindle.
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
INTRODUÇÃO
1
Advogada (OAB/RS 102.333). Mestre em Direito do Consumidor e da Concorrência pela UFRGS, especialista
em Direito Bancário, Direito do Consumidor e Direito Processual Civil. E-mail: camila.possan@gmail.com
2
Advogada (OAB/RS nº 117.926). Pós-graduanda LLM em LGPD & GDPR na FMP. Especialista em Direito do
Consumidor pela Verbo Jurídico. MBA em Licitações e Contratos Administrativos e MBA em Administração
Pública Municipal pela Unipública. Graduada em Direito pela PUCRS. E-mail: susandradorneles@hotmail.com
3
Psicólogo (CRP 07/30195). Mestrando em Psicologia e Saúde na UFCSPA. Especialista em Psicologia
Humanista Fenomenológica Existencial e em Logoterapia e Análise Existencial. Graduado em Psicologia pela
UniRitter. E-mail:psicoluizguedes@gmail.com
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
mostrava preocupante. Para tanto, serão analisadas propostas normativas que visam resguardar
o consumidor durante a pandemia. E, nesse sentido, impende destacar que estão sendo tomadas
providências legislativas que refletem direta ou indiretamente no cuidado com o
superendividamento do consumidor, o que se mostra de suma importância, principalmente para
o atual momento.
E, por fim, a abordagem psicológica se faz necessária, sobretudo porque houve um
aumento expressivo nos índices de crises e transtornos de ansiedade no Brasil em decorrência
do isolamento social. Este aumento é resultado – em sua maior parte – das compras realizadas
por meio do comércio eletrônico, visto que facilitam e instigam à compra pelo impulso, levando
o consumidor a experimentar sentimentos momentâneos de saciedade e que logo são
substituídos pela culpa de uma compra, muitas vezes, desnecessária, a qual pode acarretar um
superendividamento.
4
XXXII –“ o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; ” (BRASIL, 1988).
5
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: [...] X - elevar sem justa
causa o preço de produtos ou serviços. (BRASIL, 1990)
59
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
meios eletrônicos para ao menos tentarem fornecer os seus produtos e, assim, não acabarem
tendo de fechar as portas de seus estabelecimentos.
Nesse “universo novo”, surgem os desafios para ambos os lados da relação de consumo,
de onde deve ser observado sobretudo, os direitos do consumidor, já que este indivíduo é
sempre o elo mais fraco das relações. A boa-fé contratual e os seus deveres anexos estarão
sendo respeitados? O dever de informação, especialmente? Quem deve proteger os
consumidores?
Afinal, sabe-se que por meio do comércio eletrônico, como é a publicidade quem vai
até a casa dos consumidores, a aceitação é realizada com apenas um clique (LORENZETTI,
2010). Portanto, depreende-se que a violação aos direitos básicos do consumidor pode-se tornar
bastante frequente, como no caso da presença de publicidade enganosa, das cláusulas abusivas,
bem como da falta de transparência e boa-fé (BAGGIO, 2015).
Destarte, se antes da pandemia do Covid-19, o consumidor já era posto em risco no
comércio eletrônico, imagine-se agora em um cenário no qual até os que não estavam
habituados ao seu uso tiveram de se adequar. Pode-se dizer que há uma “insegurança
endêmica”, pois se até os fornecedores habituais já colocavam no mercado eletrônico, muitas
vezes, produtos e serviços sem certa cautela ou mesmo análise criteriosa acerca dos riscos, o
que esperar dos que tiveram de se adequar praticamente de supetão à nova realidade?
Logo, a preocupação se faz necessária sobretudo ante a vulnerabilidade do consumidor,
que aliás, acrescente-se que se pode dar sob quatro aspectos: técnica (onde o consumidor não
tem conhecimentos técnicos suficientes acerca do produto ou dos serviços que está adquirindo);
jurídica (o consumidor tem pouco conhecimento jurídico, econômico, contábil acerca da pessoa
jurídica); fática ou econômica (há desigualdade no quesito recursos financeiros, onde
geralmente o fornecedor detém o monopólio) e; informacional (onde o consumidor não dispõe
de informação ou a tem de maneira incompleta, incompreensível) (MARQUES; MIRAGEM,
2014). Em breve síntese:
Diante deste cenário, é importante ressalvar que incumbe ao Estado a defesa e a proteção
dos interesses econômicos do consumidor, a fim de que este não sofra prejuízo e/ou seja passado
60
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
para trás. Assim, ainda que alguns fornecedores não estejam preparados para o atual cenário,
pode-se esperar que, se os consumidores estiverem bem orientados, a tendência é de que sejam
menos lesados nos seus direitos.
Dessa forma, no tocante ao caso de abuso de preços de itens de consumo, impende
ressaltar que ainda que seja vedado, é importante que os consumidores também façam a sua
parte, tal como denunciando as empresas que os desrespeitam junto aos órgãos de proteção ao
consumidor, tais como Procons estaduais e municipais, pois o fornecedor não pode se aproveitar
da situação de pandemia para auferir vantagem.6
Um ponto que merece relevante destaque na questão de abuso e desrespeito por parte
dos fornecedores em tempos de covid-19, diz respeito ao abuso de preço das empresas de
serviços funerários quanto à qualidade na prestação dos serviços, eis que se têm relatos de que
muitas funerárias se aproveitaram do momento de fragilidade pelo qual o consumidor passa, ao
perder um ente querido, para auferir lucros e vantagens.7
E, se não bastasse, os consumidores depararam-se com problemas dos mais diversos,
tais como cancelamento de viagens, shows, peças de teatro, dentre outros. E, no caso dos danos
suportados pelo consumidor no comércio eletrônico, indaga-se como ficarão protegidos estes
indivíduos no “novo mercado” pós-pandemia, onde muitos restarão superendividados, lesados
e desamparados. Afinal, conforme muito bem assevera Bruno Miragem:
Os danos podem ser estratosféricos, eis que vão desde uma simples compra de produto
com defeito – exemplificativamente – a um vazamento de dados do consumidor, que pode ferir
a sua imagem, honra, bom nome, assim como também sofrer golpes de estelionato, invasão de
privacidade, dentre outros. Infere-se, portanto, que os exemplos são inúmeros e sobretudo
preocupantes.
No caso de um consumidor hipervulnerável, como é o caso dos idosos, a preocupação
se torna ainda maior, pois estes – em sua maioria – não têm o mínimo tato para lidar com a
6
É conveniente salientar que o PROCON RS, inclusive, lançou cartilha acerca das Relações de Consumo e
Pandemia. Disponível em: https://www.procon.rs.gov.br/procon-rs-lanca-cartilha. Acesso em 04 jun. 2021
7
Para maiores informações, recomenda-se a leitura da matéria publicada no site do IDEC. Disponível em:
https://idec.org.br/dicas-e-direitos/coronavirus-os-principais-direitos-do-consumidor. Acesso em: 1 jun.2021.
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
nova tecnologia, são carentes de informações, assim como são passados para trás com maior
facilidade, podendo ou não contrair débitos que nem mesmo conhecem a procedência ou, se
conhecem, foram induzidos a contratar.
A estimativa é de que muitos consumidores restarão superendividados num cenário pós-
covid, o que traz à tona a preocupação com a saúde mental do consumidor, principalmente do
compulsivo, que compra sem ter a real necessidade e vai se endividando; do que não estava
habituado ao manejo do comércio eletrônico; do que muitas vezes gasta o que não tem em um
momento de desespero, de dor, como no caso relatado dos serviços funerários.
Portanto, num atual momento, a única resposta conclusiva à que se pode chegar, no que
tange ao futuro dos consumidores no “novo mercado” pós-pandemia, é a de que se o Estado
controlar e regulamentar assiduamente o mercado de consumo, uma vez que é seu dever a
proteção e a defesa do consumidor, menores serão os danos. Caso contrário – consoante já
mencionado – o cenário será desastroso.
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força
maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O
caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era
possível evitar ou impedir.
Art. 394. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor
que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.
Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros,
atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente
estabelecidos, e honorários de advogado. (BRASIL, 2002).
contratualmente assumido” (CHATER, 2020). Requisito este que está, à toda evidência
preenchido, no caso do trabalhador que não mais consegue auferir renda (ou ao menos, não nas
proporções anteriores), encontrando, portanto, uma impossibilidade justificável em dar
cumprimento às avenças celebradas.
Nesse sentido, convém trazer à baila, a título exemplificativo, o notório caso dos
funcionários do IPA (Centro Universitário Metodista de Porto Alegre). Conforme extensamente
noticiado nos veículos de comunicação, o referido Instituto passou a atrasar os salários dos
funcionários em setembro de 2016 (GZH, 2018), dando início à desestruturação da vida
financeira dos mesmos. Com a pandemia, lockdown, e consequente perda de alunos, a
instituição passou por dificuldade financeira maior ainda, tendo passado a pagar os funcionários
em valor menor do que o ajustado, tendo, inclusive, firmado confissões de dívida em razão
dessa situação.
No entanto, esses funcionários, sendo muitos deles professores com mais de décadas de
docência na mesma universidade, os quais já possuíam uma vida financeira estruturada sob os
seus rendimentos, viram-se inadimplentes da noite para o dia. Assim, foi se iniciando um
calvário de inadimplência diante de bancos, fornecedores de serviços básicos como água e luz,
despesas imobiliárias etc. Estes funcionários, os quais têm importante papel de consumidores
na sociedade, tiveram que acabar por contratar empréstimos, ou, ainda, fazendo uso do cheque
especial, viram suas tranquilas vidas financeiras virarem uma grande bola de neve, chegando,
inclusive, ao superendividamento.
Estas situações transbordam os limites dos problemas econômicos de cada família e
afetam toda a sociedade de modo geral. Com o superendividamento ocasionado pela pandemia,
mais pessoas deixam de ser consumidoras ativas e, com isso, diminui-se o fluxo do consumo,
reduzindo, também, os lucros dos fornecedores, o que, por sua vez, reduz empregos, criando
um ciclo de crise econômica sem fim.
Para falar no superendividamento, antes é necessário conceituar o endividamento, o qual
pode ser explicado como a existência de alguma dívida, fato este inerente à partição de uma
sociedade de consumo (MARQUES, LIMA, BERTONCELLO, 2010, p. 17).
A doutrina conceitua o superendividamento como o comprometimento de 50% ou mais
da possibilidade futura ou atual de pagamento de gastos, retirando-se o utilizado com o mínimo
existencial (MARQUES, LIMA, BERTONCELLO, 2010, p. 20). Ou ainda, in verbis:
O superendividamento pode ser definido como impossibilidade global do devedor-
pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, de pagar todas as suas dívidas atuais e
futuras de consumo (excluídas as dívidas com o Fisco, oriundas de delitos e de
63
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Essa situação tem ocorrido, conforme já referido, com muitos brasileiros, o que
demanda o planejamento de uma solução efetiva e rápida para o problema, com o fito de evitar-
se um colapso total no mercado de consumo e nas vidas daqueles que dele fazem parte, sejam
como fornecedores, consumidores e, também, trabalhadores.
Algumas medidas vêm sendo tomadas, como pode-se citar como exemplo, o Instituto
Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) que exarou manifestação em sentido da
impossibilidade de cancelamento dos planos de saúde de consumidores que se encontrem
inadimplentes (IDEC, 2020). Nesta ordem de ideias, também podem ser mencionados algumas
propostas normativas que visam resguardar o consumidor durante a pandemia: Projeto de Lei
nº 1087/20, que atualmente está com a Comissão de Defesa do Consumidor, Projeto de Lei nº
1080/20, o qual se encontra com a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e, ainda,
Projeto de Decreto Legislativo nº 131/20, que está com a Comissão de Seguridade Social e
Família.
O Projeto de Lei nº 1087/20 tem a seguinte ementa:
Já o Projeto de Lei nº 1080/20, por sua vez, conforme consta nas suas informações no
site da Câmara de Deputados, “proíbe a cobrança de taxas, multas e encargos em casos de
cancelamento ou remarcação de serviço por causa de epidemias” (CÂMARA DOS
DEPUTADOS, 2020, a.).
O Projeto de Decreto Legislativo nº 131/20, pretende sustar o reajuste de medicamentos,
conforme prevê a sua ementa:
64
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
De fato, vê-se que estão sendo tomadas providências legislativas que refletem, direta ou
indiretamente, no cuidado com o superendividamento do consumidor neste momento de
pandemia.
Um Projeto que, também merece destaque, em que pese seja anterior à situação de
pandemia, é o Projeto de Lei nº 3515/2015, já aprovado na Câmara, remetido ao Senado Federal
em 12/05/2021. A proposição restou assim ementada:
O homem contemporâneo é perpassado pelo contexto que está inserido, ou seja, dentro
de suas vivências é submetido aos condicionamentos que o colocam à mercê de um modelo de
sociedade que preza por características específicas para delimitar o que é sucesso e fracasso,
sendo, o maior parâmetro de sucesso, o consumo.
Dentro do viés de consumo, é necessário observar que a captura de desejo, tão bem
descrita por Deleuze, ao analisar o pensamento de Foucault acerca da sociedade do controle, é
um processo consciente de uma indústria que busca lucrar a partir de angústias existenciais do
consumidor (DELEUZE, 2018; FOUCAULT, 2014). Por meio dessa captura de desejo, o
sujeito se vê frente a diversas dúvidas existenciais, que não são elaboradas de maneira correta
65
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
por fatores que o limitam, porém, com uma certeza quase que metafísica, deve consumir cada
vez mais como mecanismo de autoafirmação do seu sucesso.
Tal comportamento de ação sem reflexão é descrito por Chul Han como uma
característica de uma sociedade que herda aspectos muito específicos da sociedade do controle,
mas que passa para outros paradigmas – ainda permeados pelo consumo – e se torna uma
sociedade do desempenho, onde existe a necessidade constante de produção individual e
coletiva, e o sujeito constantemente precisa acelerar suas ações, diminuindo sua capacidade
reflexiva e, consequentemente, trazendo graves problemas no ato de controlar impulsos,
fazendo com que potências positivas – a capacidade de dizer sim ao meio – esteja a todo vapor;
enquanto as potências negativas – a capacidade de negar o desejo do meio – estejam debilitadas
(CHUL HAN, 2010). Na prática, o que existe é um sujeito que cede ao consumo e não reflete
sobre as razões que o fazem consumir.
Lipovétsky traz uma visão sobre o homem hipermoderno relacionado ao hedonismo e a
enfermidade, um ser humano que busca novas experiências por meio do consumo e, portanto,
nunca considerar-se-á o suficiente, ficando refém do mercado e das novas necessidades criadas
a cada uma das experiências sanadas na relação dual entre mercado-consumidor
(LIPOVÉTSKY, 2006). O homem em crise consigo, acaba por passar por experiências ainda
mais vazias, na tentativa de preencher-se com o efêmero do consumo, portanto, sente-se mais
vazio, mais frustrado existencialmente e com cada vez mais urgência na busca de experiências.
Um ciclo de busca por prazer para preencher sentido, mas que no fim da experiência traz o
mesmo resultado: vazio existencial por uma vivência desprovida de sentido (FRANKL, 2016).
A relação do ato de ter com o consumo é intuitiva, faz parte do processo de adquirir um
bem e ser proprietário de tal bem, exercendo poder sobre esse bem; enquanto o consumo está
ligado à compra de alguma coisa. Portanto, o ter e o consumir mesclam-se desde que tais atos
existem.
Fromm descreve o ato de ter como decorrente da propriedade privada, onde o seu dono
passa a exercer poder direto diante do que foi adquirido (FROMM, 1977). A necessidade de
ter, varia de acordo com a construção do sujeito que busca tal ter, das experiências
internalizadas por ele durante suas vivências. Um exemplo é o pré e o pós primeira guerra
mundial. No pré-guerra, o valor das coisas antigas era maior; no pós, o que é novo tem um valor
agregado maior.
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Com o consumo do novo, do efêmero, de coisas não feitas para durar, também foi
modificando-se a ligação do ser com o ter, onde o ser mescla-se com a capacidade de ter, ou
seja, o existencial é confundido com a capacidade de consumo (SILVA, 2011). A mescla entre
o ser e o ter causam profundas mudanças nas experiências e nas percepções do homem frente
a própria realidade. Onde antes existia um limite bem estabelecido, existe uma apropriação das
perturbações como características de posse:
O estilo mais recente de fala indica a vigência de alto grau de alienação. Ao dizer
“tenho um problema”, em vez de “estou perturbado”, a experiência subjetiva é
eliminada: o eu da experiência é substituído por uma expressão impessoal
relacionado com posse. (FROMM, 1977, p. 41).
O dinheiro, como instrumento das trocas que possibilitam o ter, acaba por se tornar um
passe livre para tudo o que bem entender, sendo depositado nele não apenas o desejo pelo
consumo, mas também uma satisfação antecipada de adquirir objetos, ou seja, ele é visto como
objeto necessário para o prazer na esfera pessoal e social (SILVA, 2011). Com o entendimento
do dinheiro como fonte de gratificação, perde-se o horizonte do simbólico do dinheiro como
meio para um fim e se coloca no ato de consumo um peso de satisfação como ser, o que não
corresponde com a realidade concreta, justamente pelo caráter efêmero da compra e do
significado esvaziado no impacto de preenchimento existencial que o consumo exerce no ser
humano (FRANKL, 2016).
O ter e o ser como expressão do mesmo fenômeno, torna-se um sintoma de uma
sociedade doente, que adoece os indivíduos ao retirar o referencial de quem se é como
característica humana e coloca valores existenciais como condicionados aos valores de
consumo (FROMM, 1977).
motriz uma busca por prazer. A logoterapia não nega as vontades de poder e prazer, pelo
contrário, diz que ambas são importantes, o poder como meio de realização de sentido e o prazer
como consequência de tal realização, porém o que move mesmo o ser humano seria uma
vontade de sentido (FRANKL, 2008).
A partir da vontade de sentido é necessário conceituar que quando ela se encontra
frustrada por alguma razão existencial, abre-se espaço para que as vontades de poder e prazer
se sobreponham, criando interações vazias do ser humano com o mundo que o cerca em uma
busca incessante e infrutífera para a realização e preenchimento de sentidos da vida (FRANKL,
2008). Neste escopo também está inserida a relação humana frente ao consumo, mais
precisamente como forma de se atingir o prazer por meio do poder de compra, mas sempre
sendo insuficiente quando se fala de questões existenciais (FRANKL, 2016).
A felicidade – aqui representada pelo prazer – não deve ser algo de uma busca por si só,
e sim uma consequência, visto que o homem não busca a felicidade em si, mas sim um motivo
para experimentar tal sensação de felicidade (STUDART, 2020). Ela, por si só, não passa de
uma falsa sensação efêmera, que se esvai em um processo de busca por novos desejos a atingir
e que dialoguem com: 1. o que a sociedade demanda, colocando o homem como passivo e
abrindo mão da sua liberdade responsável pela própria existência e; 2. a ideia de que é possível
construir uma existência humana a partir de estímulos externos e de consumo, complementando
a ideia de Chul Han sobre a diminuição da reflexão em detrimento a uma ação vazia de vontade
de sentido (CHUL HAN, 2010).
Quanto ao prisma do consumismo, é necessário falar sobre valores sociais e como tais
valores permeiam não apenas a relação do homem com o seu social, mas também consigo
mesmo. Scheler, em seus estudos sobre os valores humanos, estabelece que tais valores são
universais, porém, a capacidade de apreensão de tais valores perpassa pela interação do homem
em grupos e subgrupos específicos, gerando conhecimento e também influenciando na própria
noção de realidade criada por tais grupos e, consequentemente, pelos indivíduos pertencentes a
tais grupos (SCHELER, 2019).
Majoritariamente, na sociedade contemporânea, o poder de compra é visto como um dos
valores mais importantes nas relações sociais e de poder, estabelecendo caráter valorativo para
indivíduos de acordo com tal poder de consumo (CHUL HAN, 2010). Portanto, a busca de
aceitação e pertencimento – natural em seres sociais – acaba por gerar uma apreensão de valores
importantes para a sociedade vigente, no caso, consumo para atingir algo além de si, mas sem
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
CONCLUSÃO
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REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, 10 de janeiro
de 2002. D.O.U. 11 jan de 2002.
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei PL 1087/2020. Altera o disposto na Lei 13.979,
de 06 de fevereiro de 2020, acrescentando o inciso IV, §2º do Art. 3º, e assim, ficando impedida
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Autor: Senado Federal - José Sarney (PMDB-AP). Disponível em:
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74
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Resumo: O ato de contratar é um importante instituto jurídico, pois está intrínseco nas relações
sociais desde os primórdios. Ocorre que, com o surgimento da pandemia da COVID-19, houve
algumas mudanças inevitáveis nas relações contratuais. Nesse contexto, o consumidor, antes
elo fragilizado e protegido da relação, viu-se, repentinamente, responsabilizado pelos encargos
das relações contratuais, mudando a então perspectiva criada no Direito, onde o prestador de
serviço quem devia encarregar-se daqueles. À vista disso, o presente trabalho tem como intuito
elucidar, a partir da legislação previamente existente, bem como as extraordinárias criadas para
atender o novo cenário, as dificuldades enfrentadas pelas partes do contrato, diante de toda a
crise, financeira e econômica, no âmbito da pandemia. Busca-se, portanto, analisar de forma
mais detalhada as possibilidades atuais para que se possam resolver os conflitos consumeristas
decorrentes do cancelamento de shows e eventos de uma forma justa para ambas as partes.
Adotou-se como procedimentos metodológicos a pesquisa de natureza aplicada, com
abordagem qualitativa exploratória, e metodologia dedutiva, com o intuito de analisar e propor
soluções viáveis para enfrentar as dificuldades do cenário atual, com apoio em textos
bibliográficas e entendimentos jurisprudenciais. Conclui-se, portanto, que por se tratar de um
momento extraordinário, é necessária tolerância de ambas as partes, e, ainda, a boa-fé contratual
como parâmetro de distribuição de equidade dos encargos nos contratos de consumo
enquadrados no entretenimento.
1 INTRODUÇÃO
1
Discente do Curso de Graduação em Direito do Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES) da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E-mail: kmilaqms@hotmail.com
2
Discente do Curso de Graduação em Direito do Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES) da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E-mail: marinalpc@hotmail.com
3
Advogado (OAB/RN 6318). Especialista em Direito do Consumidor e Relações de Consumo (UNP). Mestre e
Doutor em Sociedad Democrática, Estado y Derecho pela Universidad del País Vasco / Euskal Herriko
Unibertsitatea (UPV/EHU) – Espanha. Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E-
mail: fabriciodireito@gmail.com
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
o mundo, tornando-se um evento extraordinário que traz consigo grandes riscos à saúde pública
universal. Ainda, foi no dia 11 de março de 2020, que o diretor-geral da Organização Mundial
da Saúde (OMS), classificou o estado da contaminação como uma pandemia global (DE
OLIVEIRA, 2020).
Trata-se de uma doença volátil e de transmissibilidade fácil, uma vez que, entre outras
tantas formas, se difunde pelo ar, por isso demandou medidas mais extremas para promover a
sua contenção. Uma delas foi a medida restritiva quanto ao trânsito de pessoas, proibindo a
abertura de diversos estabelecimentos, visando diminuir o contato da população entre si,
restringido o vírus a determinados indivíduos, e, em consequência dessa medida, restou
proibida também a realização de eventos, festivais, entre tantas outras atividades culturais.
Com efeito, as sociedades passaram a vivenciar os impactos sociais, econômicos,
culturais e políticos decorrentes da pandemia. Outrossim, nas relações jurídicas de consumo
não foi diferente. De um lado fornecedores precisam ter receitas para manter seus negócios; de
outro, consumidores não querem pagar por serviços que não estão sendo prestados e querem
proteger suas economias pessoais (BRITTO, 2020).
Logo, a repercussão no meio jurídico sobre os efeitos da pandemia do novo coronavírus,
diante da crise vivenciada, demanda que o intérprete-aplicador tenha que revisitar os
fundamentos jurídicos das relações em matéria contratual.
No setor da cultura, os cancelamentos de shows e eventos geraram algumas
consequências, como mudanças nas obrigações de fazer, dispensa no pagamento de multas
rescisórias, entre outros danos que colocam os consumidores em desvantagem manifestamente
exagerada.
Por consequência, o Poder Judiciário correntemente admite que, para a resolução de
conflitos dentro desse ramo, e, diante as circunstâncias nas quais os indivíduos se inserem,
deve-se buscar uma alternativa cordial que satisfaça fornecedor e consumidor, levando sempre
em consideração o panorama econômico e os resultados que a pandemia causará ao país,
sobretudo compatibilizando-se com os princípios da boa-fé e da confiança. Todavia, os juízes
não devem atender automaticamente aos pedidos de sociedades empresariais ou empresários
sem demonstração real de desequilíbrio financeiro (NOTÍCIAS STJ, 2020).
Diante disso, tem-se como foco a análise dos impactos do coronavírus no mercado de
consumo brasileiro pela perspectiva do produtor, observando juntamente a situação do do
consumidor individual, estritamente no setor da cultura no que tange a shows e eventos, com o
propósito de notabilizar o ordenamento jurídico protetivo do consumidor como um
76
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 3°, §2º, traz o conceito de serviço como
a atividade elaborada, mediante remuneração, que irá proporcionar benefícios e/ou
compensações ao adquirente. Isto posto, a expressão “remuneração” permite incluir todos
aqueles contratos em que for possível identificar, no sinalagma escondido (contraprestação
escondida), uma remuneração indireta do serviço de consumo. “[...] Remuneração” (direta ou
indireta) significa um ganho direto ou indireto para o fornecedor. “Gratuidade” significa que o
consumidor não “paga”, logo, não sofre um minus em seu patrimônio” (MARQUES;
BENJAMIN; MIRAGEM, 2019).
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Para mais, produto é qualquer bem, consumível fisicamente ou não, móvel ou imóvel,
novo ou usado, material ou imaterial, fungível ou infungível, principal ou acessório
(BENJAMIN; MARQUES; BESSA, 2020 a). Desta maneira, o bem irá ser o ponto principal da
relação consumerista, e, segundo José Geraldo Brito Filomeno (2018), o fornecedor será
compreendido quando propiciar a oferta de bens e serviços no mercado de consumo,
parcamente importando sua finalidade.
Sendo assim, seguindo a temática do enunciado, o art. 6° da Constituição Federal de
1988 insere o direito ao lazer no rol dos direitos sociais com a intenção de possibilitar melhores
condições de vida às pessoas. O lazer, como bem imaterial relacionado ao consumo de serviços
artístico-culturais é de grande importância para ampliar as relações sociais, como também para
elevar o desenvolvimento socioeconômico, de modo que esses liames estão ligados diretamente
ao capital, que, assim, influenciam positivamente o aproveitamento desses recursos do
entretenimento.
Na perspectiva do Direito das Relações de Consumo, as relações vinculadas a shows e
eventos culturais derivam dos prestadores de serviços; no ato de adquirir um ingresso; a partir
dos organizadores, artistas; e entre vários outros componentes que constituem esse ramo tão
significativo para a economia.
Em vista disso, o Código de Defesa do Consumidor traz variadas disposições que
interessam ao fornecimento de serviços. Com efeito, para a verdadeira proteção do consumidor,
o decisivo é o intérprete determinar com exatidão que se trata de uma relação de consumo e
aplicar o microssistema tutelar do consumidor. Aplicar o CDC (Lei nº 8.078/1990) pressupõe
determinar o seu campo de aplicação (BENJAMIN; MARQUES; BESSA, 2020b). Outrossim,
as leis atravessam os direitos consumeristas, civis e até penais, que são empregadas às violações
da norma.
A indústria do entretenimento se tornou um ramo econômico que está em constante
busca do consumidor. Logo, quando se observa a compra e venda de ingressos, a título de
exemplo, o produtor está admitindo a obrigação de executar um evento inteiramente
estabelecido dentro dos requisitos que foram apresentados ao usufruidor, consoante um
contrato. Além disso, mais um caso que pode ser considerado, acontece quando há alteração no
contexto do evento (v.g., localização, horário, data), a qual assevera ao comprador o direito de
resgatar o seu valor pago, como também a opção de troca de ingresso por outro, se houver a
alternativa.
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
No meio dos shows e eventos culturais, para que ocorra a relação de consumo, o
fornecedor, nos termos do art. 3° do Código de Defesa do Consumidor, que arrola todos os seus
atributos, funciona de modo típico e característico, no qual o irá dispor de um usuário, gerando
uma ligação contratual, por escrito ou não, baseados na prestação de serviços.
Diante dos contratos, deve-se ser aplicado a proporcionalidade entre consumidores e
prestadores, pela simples situação de desigualdade, para que o prejuízo seja distribuído deforma
igualitária entre eles, visando esclarecer e verificar o contrato de acordo com o meio que o
cerca.
O art. 47 da Lei nº 8.078/1990 consolida o princípio in dubio para o consumidor, ao
determinar que “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao
consumidor”. Isto posto, o princípio da função social do contrato é evidente pela atenção em
preservar o consumidor, já que corresponde à parte mais vulnerável da relação negocial,
ecoando na interpretação do negócio jurídico.
A Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019) fortaleceu essa segurança no art.
113, §1º, inciso IV, ao designar que a compreensão do acordo jurídico tem de atribuir a
percepção que for mais conveniente à parte que não elaborou o dispositivo, se identificável.
Assim, a interpretação favorável ao aderente não atinge apenas as situações de conflito entre
duas cláusulas contratuais, mas também os casos em que há conflito interpretativo decorrente
de apenas uma cláusula isoladamente (TARTUCE; NEVES, 2020 a).
Em conformidade com os arts. 39 a 41 do Código de Defesa do Consumidor, que
regulam as práticas abusivas, impulsionam-se essas questões ao intérprete para que leve em
consideração para um bom relacionamento contratual, sempre ao lado do princípio do
protecionismo.
A vulnerabilidade é uma situação que poderá ser permanente ou provisória, individual
ou coletiva, e que fragiliza, enfraquece o sujeito de direitos, desequilibrando a relação de
consumo (BENJAMIN; MARQUES; BESSA, 2020 c). Consequentemente, o Código de Defesa
do Consumidor objetiva restabelecer, proteger e preservar a estabilidade contratual na relação
de consumo, mantendo, dessa forma, o sinalagma da relação contratual, onde ele distribui os
encargos para o prestador de serviços, por ser a parte mais fortalecida e favorecida da relação
contratual, e oferece amparo ao consumidor, a parte fragilizada da relação.
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Ainda sobre o tema, o artigo 84 do mesmo Código trata dos casos da obrigação de fazer
ou não fazer, e em seu §1°, o legislador afirma que “a conversão da obrigação em perdas e
danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou
a obtenção do resultado prático correspondente”, abrindo possibilidade então para a reparação
por meio de indenização, uma vez que é praticamente impossível a obtenção do resultado
correspondente na data marcada.
Todavia, nem sempre essa inexecução obrigacional será relacionada a uma conduta
culposa ou dolosa por parte do devedor. Em casos fortuitos ou de força maior, como o cenário
pandêmico atualmente vigente no país, que rompem o nexo causal, por mais que o fornecedor
queira cumprir com sua obrigação, ele está impossibilitado frente ao problema de saúde pública,
bem como as normas estatais impostas diante da conjuntura buscando solucioná-la.
O caso fortuito é mais do que a força maior, pois é um fato que não se espera, o que
constitui algo raro na atualidade, uma vez que, no mundo pós-moderno, tudo pode acontecer
(TARTUCE; NEVES, 2020b). Não havia possibilidade de o contratante preparar-se para uma
pandemia que surpreendeu toda a população mundial, e que se deu por um vírus que sequer
existia previamente na forma encontrada atualmente.
Portanto, a regulamentação disposta no Código Civil em seu artigo 393, em condições
gerais, dispõe que para que se averigue a inimputabilidade do obrigado, a ausência de prestação
necessita decorrer de impasse intransponível a realização da obrigação, incomum ao controle
do devedor, decorrente de evento extraordinário ou de terceiros.
A vulnerabilidade como base principiológica sempre esteve presente ao se justificar a
proteção aos mais frágeis, ao exemplo de consumidores e trabalhadores. A contemporaneidade
está fazendo entender que todos são vulneráveis, alguns ainda mais (CARVALHO;
FERREIRA, 2020).
Como resultado de tamanhas restrições e para tentar amenizar a crise decorrente da
conhecida pandemia, criou-se a Lei n° 14.046 de 2020, com apoio no estado de calamidade
pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, a qual “dispõe
sobre medidas emergenciais para atenuar os efeitos da crise decorrente da pandemia da covid-
19 nos setores de turismo e cultura”.
Essa nova disposição normativa visa dar amparo aos empresários do setor de turismo e
cultura, que estão suportando imensos encargos da atual fase que o Brasil está vivenciado, com
redução e baixo caixa há meses, buscando, portanto, viabilizar a continuação de suas atividades,
com intuito de evitar o fechamento definitivo. Na atual conjuntura, o prestador de serviço, antes
81
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Ainda sobre o tema, é possível enxergar nesse dispositivo uma cláusula para revisão
contratual permitida ao julgador. Na oportunidade, o juiz poderá fixar correção monetária, se
dando o valor real da prestação, como pode ser inferido a partir da identificação do escopo do
dispositivo. Essa cláusula é colocada para que ocorra a alteração entre a formação do contrato,
que compõe o plano de existência, e a ocasião da execução do contrato, uma vez que será esse
contrato abstrato colocado em prática.
Dando continuidade, para que o juiz se torne apto para uma possível revisão de contrato,
deverá haver uma desproporção entre o valor da prestação no momento da formação e o
momento da execução, e ainda, a desproporção deverá ser decorrente de motivos os quais não
poderiam ser previstos (SCHREIBER et al, 2019)
Esse artigo trata do caso em que os contratos são feitos de forma a manter o sinalagma
da relação jurídica, até porque, caso não o façam, o contrato será inválido, somente
posteriormente sofre um desequilíbrio, que se dará por motivo imprevisível, e um grande
exemplo prático e importante para o debate aqui explanado, é o caso da pandemia causada pela
COVID-19.
Nesse sentido, o dispositivo adota a teoria da imprevisão (desdobramento da antiga
cláusula rebus sic stantibus). E, sobre tal, a I Jornada de Direito Civil adotou o enunciado n°
17: “A interpretação da expressão “motivos imprevisíveis” constante do art. 317 do novo
Código Civil deve abarcar tantas causas de desproporção não previsíveis como também causas
previsíveis, mas de resultado imprevisíveis”.
Inclusive, tal teoria ressurgiu no Direito em decorrência dos impactos deixados pela
primeira guerra nas relações contratuais, como uma forma de amenizar o caos instaurado
economicamente após uma catástrofe de tamanha magnitude, e, para tanto, o legislador adotou
medidas extraordinárias visando admitir a revisão contratual.
Nessa perspectiva, nota-se que os princípios que guiam o dispositivo são a conservação
do negócio jurídico e a função social em sua eficácia interna, pois buscam manter, diante dos
novos fatos e das novas configurações, o pacto inicial ou o mais perto possível, firmado em
contrato.
Em épocas normais, os contratos devem ser efetuados em sua totalidade, em
conformidade com o princípio pacta sunt servanda, que pode ser traduzido como a
consolidação da força obrigatória que as obrigações assumidas devem ser respeitadas e
cumpridas integralmente.
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4 CONCLUSÃO
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
tradicional contratual, pois, ainda que o fornecedor se encontre enfraquecido, ele continua
sendo a parte mais forte da relação. Por isso, o mais adequado é que o consumidor não tenha
que arcar sozinho com os encargos contratuais.
Diante da análise disposta, resta-se o entendimento de que as normas editadas em razão
da pandemia, protegendo também o fornecedor de serviços, são uma fonte viável e socialmente
aceitável de manter a equivalência nas relações jurídicas. São uma forma mais pacífica de
enfrentar a crise que assola o Brasil, e é interessante ressaltar que, em ocasiões extraordinárias,
medidas extraordinárias são tomadas, já que as medidas tradicionais não abarcam a
problemática.
Assim, dentro do âmbito de exceção, é uma alternativa altamente racional e razoável,
pois busca manter o consumidor protegido, quando continua a oferecer a efetuação do contrato
nos mesmos termos realizados na oportunidade inicial, mas busca também auxiliar o prestador
de serviços, pois dilata o prazo para a realização dos eventos, e permite que o dinheiro
arrecadado possa permanecer em caixa, para que assim ele consiga manter suas atividades.
Para que o enfrentamento da crise se dê de forma positiva, é necessário que ambas as
partes cedam um pouco e façam algum esforço, pois a pandemia é um evento que afeta a todos,
sem restrições, e nesse momento é necessário se valer da solidariedade, considerando, além de
partes contratuais, serem humanos atrás delas.
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atual. e aum. São Paulo: Método, 2014. v. 2.
89
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Resumo: Este artigo objetiva desenvolver uma reflexão crítica sobre os impactos que a
pandemia do Covid-19 pode causar nas relações envolvendo consumidores e como se deve
compreender o instituto do marketplace, que foi exponencialmente beneficiado pela ampliação
do uso, diante das restrições impostas pelo confinamento. Num primeiro momento, após a
introdução, haverá uma breve contextualização da figura do marketplace. Após, passa-se a
analisar, em linhas gerais, como é feita a identificação do referido instituto no âmbito do direito
privado. No terceiro tópico, analisam-se os impactos desse arranjo privado no direito do
consumidor, apresentando alguns pontos que desafiam a defesa do consumidor. Após, caminha-
se para a conclusão do presente trabalho.
INTRODUÇÃO
1
Mestrando e Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Inscrito na Ordem
dos Advogados do Brasil do Rio Grande do Sul sob o número 88.862. E-mail: carlosbkonrad@hotmail.com
90
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
2
O que são “arranjos de pagamento”. Disponível em:
www.bcb.gov.br/htms/novaPaginaSPB/liqcentralizada.asp?idpai=SPBARRPAG&frame=1#11. Acesso em 22 jun
2021.
91
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
3
https://www.economist.com/finance-and-economics/2020/10/08/how-the-digital-surge-will-reshape-finance.
Acesso em 20 abr 2021.
4
https://valorinveste.globo.com/mercados/renda-variavel/empresas/noticia/2020/04/16/grandes-redes-
renegociam-aluguel-de-lojas-e-armazens.ghtml Acesso em 27 abr 2021.
5
https://forbes.com.br/forbes-tech/2021/04/receita-do-e-commerce-europeu-deve-atingir-us-465-bilhoes-em-
2021-clearlake-capital-oystr-receiv-ao-cubo-muito-mais/. Acesso em 27 abr 2021.
92
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
O modelo de negócio de shopping center foi controvertido por muitos anos, até que foi
positivado em lei.
É possível verificar que o modelo de shopping center tem pontos de convergência
(PSCHEIDT, 2019) que podem auxiliar a compreender o modelo de marketplace, embora este
último tenha pontos que o diferenciam - a demonstrar a atualidade e os desafios para o Direito
do Consumidor.
Os centros de compras representam novo instrumento da atividade econômica, típico
dos países que contam com uma economia de mercado, capitalista. O shopping center é
utilizado preponderantemente para o fornecimento de produtos e serviços. Cuida-se de
fenômeno econômico-social da pós-modernidade, originado nos Estados Unidos da América,
que se espalha por outros países, inclusive o Brasil (NOGUEIRA DA GAMA, 2002).
Após um período de controvérsia, pode-se verificar que a Lei do Inquilinato (Lei
8.245/1991) adota expressamente a nomenclatura de shopping center, consagrando, pois, figura
tipificada no Direito brasileiro:
94
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
loja física, em que as empresas possuem comércio virtual próprio, atuam como marketplaces,
além de possuírem venda direta ao consumidor em lojas físicas.
Nesse contexto, verifica-se que embora tenha origens no arranjo de shopping center, o
marketplace, principalmente em meio eletrônico, corresponde a um modelo de negócios mais
complexo, mais atual e com outro sistema de responsabilidade.
Essa evolução no âmbito empresarial, naturalmente tem repercussões no âmbito do
direito do consumidor, na medida em que a contratação foge da clareza de ingressar em um
estabelecimento comercial para adquirir um produto, seja em uma loja física única, seja em uma
loja física integrante do condomínio de shopping center.
Este item se justifica para compreender como é criada a figura do marketplace entre os
agentes econômicos, como lojistas. Isto é, o foco, neste ponto, é na figura dos agentes privados
não consumidores.
O modelo de e-marketplace afasta a noção de competição pura e simples entre agentes
econômicos, amparada na clássica noção de ser econômico puramente racional (THALER,
2000). Não se trata de oposição de interesses e competição entre agentes econômicos, mas de
colaboração e coordenação de interesses.
Com efeito, a economia compartilhada, amplamente vigente na realidade
contemporânea demonstra como os agentes econômicos cooperam em busca de uma melhoria
nas suas condições (HAMARI; SJOKLINK; ANTTI, 2015).
Assim, diante dos reflexos da shared economy, incumbe ao Direito identificar e adaptar
a legislação e seus institutos para regular a vida em sociedade.
Embora o conceito adotado pelo Banco Central do Brasil indique uma tendência a
considerar uma “empresa”, não parece ser possível enquadrar o marketplace na figura do artigo
966 do Código Civil, não só porque muitas vezes envolve fornecedores que normalmente
competem no mercado, mas também porque não se trata de reunião de particulares para formar
uma sociedade empresária. Com efeito, é possível verificar que diversos sítios reúnem na
mesma plataforma muitas vezes fornecedores de roupas ou móveis concorrentes e que, se
comparado ao modelo de shopping center, muitas vezes devem obedecer às cláusulas de raio e
que competem pelo mesmo consumidor.
As pesquisas sobre o contrato celebrado entre os agentes que integram o marketplace
são restritas, mas é possível verificar que normalmente envolvem contratos de adesão, de um
96
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, o que, por analogia, aplicar-se-ia aos
marketplaces. O referido diploma prevê ainda a "responsabilização dos agentes de acordo
com suas atividades" e a "liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet" (art.
3º, VI, VIII da lei 12.965/14).
Essa interpretação não tem sido aceita, tendo em vista que a plataforma de marketplace
não se confunde com a figura do provedor de acesso à internet. Os provedores de acesso a
internet organizam a infraestrutura necessária para que um cliente da empresa consiga acesso
à rede mundial de computadores, que não se confunde com uma plataforma orientada para
aquisição de produtos e serviços.
A tendência é no sentido de que quando há interação da plataforma de marketplace
com os vendedores e consumidores, ela assume a posição de intermediador e, portanto, incide
a disciplina do Código de Defesa do Consumidor.
Trata-se de medida que efetivamente protege o consumidor e, de alguma forma,
equilibra seus poderes diante da plataforma e dos vendedores que compõem o marketplace.
101
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
4. CONCLUSÃO
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
REFERÊNCIAS
BRANDÃO, Luiza. Institute for research on internet and society: E-commerce law in Brazil.
Disponível em: https://irisbh.com.br/en/e-commerce-law-in-brazil/. Acesso em 20 abr 2021.
CANEN, Doris. Marketplaces: ISS e desafios. Revista de direito e as novas tecnologias. Revista
dos tribunais. vol. 3. Abr-jun, 2019.
FORGIONI, Paula. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação. 2. ed. São Paulo: RT,
2016.
HAMARI, Junho; SJOKLINK, Mimi; UKKONEN, Antti. The Sharing Economy: Why People
Participate in Collaborative Consumption.
KESTEBAUM, Ricard. What are online marketlaces and what is their future? Disponível em:
www.forbes.com/sites/richardkestenbaum/2017/04/26/what-are-online-marketplaces-and-
what-is-the. Acesso em 28 jun 2021.
MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do consumidor. 5.° ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2008.
103
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
104
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Resumo: Tendo em vista uma sociedade impulsionada pelo consumo, onde os fornecedores buscam o
lucro máximo acima de qualquer coisa, o consumidor se vê desamparado no mercado de consumo ante
as práticas utilizadas para manter a economia em movimento. Estas práticas buscam envolver o
consumidor, sem que este perceba que esta sendo manipulado, para seguir as tendências previstas pelos
fabricantes, por meio do uso exaustivo da publicidade visando alimentar o desejo dos consumidores e
atingir suas metas de lucro. Nesse sentido, o objetivo deste artigo é contextualizar a obsolescência
programada enquanto uma das práticas permeadas no mercado de consumo, analisando-se a
vulnerabilidade do consumidor frente a este fenômeno e o seu agravamento durante a Pandemia da
Covid-19.
1. INTRODUÇÃO
1
Advogado, graduado em Direito pela FMP (2012), pós-graduado em Direito do Consumidor e Direitos
Fundamentais pela UFRGS (2014) e o em Direito Processual Civil pela PUCRS (2017). OAB/RS 95.121.
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
A busca pela retomada da economia em tempos de crises econômicas, tais como a que
se vive hoje em razão do evento pandêmico causado pela Sars-Cov2 (Covid-19), tem como um
de seus pilares a manutenção da livre circulação de mercadorias e da sociedade do consumo em
massa.
O sistema econômico que proporciona a sociedade baseada no consumo tem como
características essenciais a produção em série de produtos (com ciclo de vida pré-estabelecido
pelo fabricante), a formação de crédito para a massa social consumidora e a pressão publicitária
para levar a massa a consumir ao máximo possível a produção (GOYTISOLO, 1968, p. 53),
gerando o fenômeno da alegria em comprar ser maior que a alegria de possuir o bem ou de ter
o serviço.
Este é considerado o escopo fundamental para a constante necessidade de consumir:
publicidade, crédito e obsolescência. Afinal, o consumidor é alvo e formador de tendências,
cedendo suas necessidades instintivas àquelas criadas e promovidas pela cultura do consumo
(MARCONDES FILHO, 1986, p. 146), sendo o ato de consumir uma “produção de uma
felicidade etérea e efêmera, que ilude e abastece a pessoa por um curto espaço de tempo”
(GONÇALVES, 2012, p. 470).
Desta forma, a “riqueza”, baseada nos bens imateriais e pela informação, conduziu-nos
ao aumento do consumo na sociedade, onde a maior parte do crédito se destinada ao consumo,
pois, como lecionada Bauman, todo indivíduo é, antes de tudo, um ser consumidor, onde o
consumo contínuo atrai valores que irão moldar as identidades dos indivíduos para que se
sintam mais satisfeitos e incluídos na sociedade de consumo, visto que “numa sociedade de
consumidores, todo mundo precisa ser, deve ser e tem que ser um consumidor por vocação”
(BAUMAN, 2007, p. 73).
Esta sociedade envolvida no consumismo, fez com que o mercado passasse a valer-se
da produção em série para a satisfação da angústia dos indivíduos pelo consumo e para
corresponder à nova necessidade de distribuição em massa, de forma que o mercado econômico
“passa a ser caracterizado por uma cultura de adesão, sem possibilidades de escolha”
(CAVALCANTE, 2013, p. 74), de maneira que o consumidor se tornou o centro da economia
106
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
contemporânea por estar cada vez mais autônomo no mercado de consumo, sobretudo pela
ampliação e difusão do comércio eletrônico durante a Pandemia.
É sob este cenário que, com o intuito de ampliar suas vendas, e respectivamente seus
lucros, em meados da Década de 1920, os fabricantes deram início à aplicação da obsolescência
programada, ou planejada, em seus produtos, utilizando em suas linhas de produção novos
critérios de qualidade, inferiores aos usualmente praticados, como forma de manter o mercado
de consumo ativo (NEVES, 2013, p. 325).
Destaca-se que tal plano de negócio fora conceituado na Década de 1930 sob a ideia de
que, com a obrigatoriedade da redução da vida útil dos produtos, a fragilizada economia
americana, que buscava se reerguer após a Crise de 1929, iria reaquecer, justificando-se sua
aplicação no sentido de que, por se tratarem de produtos com menos resistência, estes teriam
um menor custo final ao consumidor e seriam mais acessíveis a uma faixa maior de uma
população empobrecida e em crise, considerando-se que esta população sem poder de compra
estava utilizando os seus bens por mais tempo, ao seu máximo, provocando o adiamento na
retomada da economia baseada no consumo (CONCEIÇÃO; CONCEIÇÃO; ARAÚJO, 2014,
p. 91/92).
Aliada a este conceito de redução de tempo de durabilidade e utilização do produto, em
1950 passou a se compreender que a obsolescência poderia ser causada intrinsecamente no
consumidor, teoria esta defendida pelo designer industrial norte-americano chamado Clifford
Brooks Stevens. Sua definição consistia em criar o desejo do consumidor de ter algo um pouco
mais novo, um pouco melhor, um pouco antes do que seria necessário, dando azo ao estilo de
vida americano (NEVES, 2013, p. 331).
Isso fez com que os fabricantes começassem a fazer uso das ferramentas de
comunicação para seduzir o consumidor a adquirir o que era novo, utilizando novos designs e
funções a fim de fazer despertar no consumidor o seu desejo de ter consigo o que era tido como
novidade, moderno, de melhor qualidade que o antigo e o que a grande massa de consumidores
desejava ter ou já tinha, configurando-se a “obsolescência percebida, companheira da planejada,
cujos objetivos são um só: a intensificação do consumo” (CONCEIÇÃO; CONCEIÇÃO;
ARAÚJO, 2014, p. 92/93).
Portanto, nas relações de consumo modernas, e diante da possibilidade de uso da
obsolescência programada, é grande a possibilidade de que um produto, ao entrar na linha de
produção, já possua uma estimativa de duração no tempo, a chamada vida útil, ou ainda, ciclo
de vida. Este ciclo pode ser mais longo ou mais curto, e o que tem se tornando cada vez mais
107
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
notório é que o tempo de vida útil dos produtos vem decaindo, sobretudo por haver excesso de
oferta no mercado de consumo, isto é, vasta opção de bens disponíveis ao consumidor, e por
vontade econômica do fabricante pela necessidade da economia em fluir.
A indústria, portanto, se utiliza da obsolescência programada através de duas
perspectivas: ou com o objetivo de reduzir o ciclo de vida de seus produtos, ou mesmo na
criação de ciclos consideravelmente curtos, com base na projeção de novas necessidades ao
consumidor, mas sempre buscando a movimentação do mercado e o controle do fluxo de
produtos, uma vez que estes são desenvolvidos já pensados na sua substituição.
Isto vai de encontro à concepção de que um cliente satisfeito não gera demanda, não
adquire novos produtos, o que, por óbvia consequência, não gera lucros à indústria.
Para Lipovetsky, “enquanto se acelera a obsolescência dirigida dos produtos, a
publicidade e as mídias exaltam os gozos instantâneos, exibindo um pouco por toda parte dos
sonhos do eros, do conforto e dos lazeres” (LIPOVETSKY, 2007, p. 36).
É, neste contexto, que podemos observar a ocorrência do fenômeno dos “produtos
tornarem-se rapidamente ultrapassados, seja pela necessidade do consumidor em comprar, [...],
seja em razão de as empresas programarem a vida útil dessas mercadorias para períodos cada
vez mais curtos” (CABRAL; RODRIGUES, 2012, p. 49).
Conforme aponta Bruno Miragem (2014, p. 43), o avanço tecnológico das últimas
décadas acarretou em dois efeitos imediatos sobre o mercado de consumo:
O que se observa é que nos novos produtos a ideia geral de durabilidade já não pode ser
mais a mesma que a de algumas poucas décadas passadas, onde a obsolescência das coisas
ocorria de um processo natural, “orgânico”.
Vê-se que a prática da indústria em fabricar produtos que tenham uma vida útil reduzida,
já objetivando a sua substituição pelo consumidor, induzindo este a assim agir em razão de
incisivas campanhas publicitárias, é uma das pilastras do consumismo, que faz com que a
economia flua no mercado de consumo através da criação da necessidade nos consumidores
para que almejem pelo novo, justificando tal medida pelas barreiras impostas à manutenção
daquilo que é antigo, seja pela falta de insumos ou pelo alto custo em realizar o reparo.
108
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Logo, para a indústria, a manutenção dos lucros com um bom nível de vendas, não
ocorre tão e somente pela inclusão de novos consumidores no mercado de consumo, mas
depende, sobretudo, dentro de uma ideologia mercadológica, da sistemática “substituição
periódica dos produtos adquiridos por outros, para o que exigirá, necessariamente, a redução
do seu ciclo de vida útil, de sua durabilidade” (MIRAGEM, 2014, p. 44).
Nota-se aqui o cerne da obsolescência programada, que pode ser definida como a
redução artificial da durabilidade ou funcionamento do produto quanto ao seu ciclo de vida,
pela vontade de seu fabricante em aplicar uma estratégia negocial para que seja feita a
substituição planejada daquele bem em uma frequência maior do que demandaria naturalmente
(VIO, 2004, p. 193), estimulando, ou até mesmo obrigando, uma nova compra desta mercadoria
ou sua substituição por novos modelos, podendo ser configurada de três maneiras: função,
qualidade e desejabilidade.
A obsolescência por função pode ser tida como a modalidade mais antiga e de maior
ocorrência da redução da vida útil de um produto (CABRAL; RODRIGUES, 2012, p. 52),
configurando-se como aquela cujo objetivo é tornar uma determinada mercadoria ultrapassada
assim que um novo artigo é lançado e introduzido no mercado de consumo, com novas
funcionalidades aparentes, também podendo ser denominada de obsolescência tecnológica, pois
comumente sua aplicação recebe como pretexto o avanço de determinada tecnologia (que pode
ocorrer de fato, ou não, hipótese de quando se percebe o uso de tal artifício para introduzir uma
irreparabilidade artificial, na qual o consumidor não entende ser possível, ou ao menos razoável,
a manutenção da função do produto adquirido).
Já a obsolescência por qualidade, ou deterioração acelerada, ocorre quando o artigo é
desenvolvido para tenha sua durabilidade mitigada, quebrando ou se desgastando em tempo
inferior àquele esperado quando da sua aquisição. Ou seja, o fabricante introduz no mercado
algo que sabe que poderia ter uma vida útil superior a que realmente tem, mas mantem o seu
perecimento precoce com o intuito de incrementar suas receitas, sendo tal atitude passível de
recriminações e sanções por não respeitar a garantia mínima estipulada em lei (PADILHA;
BONIFÁCIO, 2013).
Por sua vez, a obsolescência de desejabilidade, psicológica ou percebida, ocorre quando
o produto se torna ultrapassado e imprestável, ainda que em condições perfeitas de uso pelo
consumidor, mas este assim compreende em razão de lançamentos de itens similares com
modificações de design, principalmente, tornando o item antigo menos desejado (CABRAL;
109
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
RODRIGUES, 2012, p. 52). Ou seja, é quando o fabricante cria a percepção de desejo pelo
novo no consumidor, que passa a precisar daquilo em razão da aceitação que terá na sociedade.
Fato é que, além de ser uma estratégia constantemente utilizada pela indústria, a
obsolescência programada persevera na sociedade hiperconsumerista pela manutenção do
modelo econômico adotado pela sociedade moderna, em que há excesso de produção e estímulo
constante ao consumo sem que haja a prestação de informações claras ao consumidor final
quanto à vida útil daquilo que adquire, fazendo-se prevalecer a ideia de poder e felicidade de
ter algo novo sem questionar a sua qualidade e longevidade (HOLANDA; VIANA, 2018, p.
112), notando-se o cumprimento estrito do objetivo dos fabricantes de criar um desperdício de
algo desnecessariamente descartado mesmo que ainda pudesse cumprir com a sua finalidade,
sendo oportuno verificar eventuais ilicitudes e ilegalidades na prática de tal política utilizada
no fabrico de produtos forte à legislação consumerista.
110
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
produto sem prestar as informações necessárias capazes de evitar frustrações e erros por parte
de quem irá consumir suas criações.
O princípio da boa-fé objetiva tem em seu núcleo a busca pela harmonia e transparência
das relações de consumo, visando o equilíbrio entre os atos jurídicos celebrados entre
consumidores e fornecedores.
Sob a temática da obsolescência programada, o princípio da boa-fé se vê ferido em razão
do perecimento dos produtos tão logo finde sua garantia legal, tornando-se este um bem
inutilizado ou por defeito insanável ou pela falta de peças de reposição, frustrando amplamente
a perspectiva do consumidor àquela mercadoria (CABRAL; RODRIGUES, 2012, p. 41),
deixando o fabricante de agir dentro dos parâmetros da honestidade e lealdade, em desacordo à
prestação de informação qualificada para que o consumidor efetivamente compreenda no que
está empenhando o seu dinheiro.
Na mesma ótica, o princípio da transparência objetiva uma relação mais sincera e menos
danosa entre os agentes que celebram o contrato no mercado de consumo, com intuito de que o
consumidor não adquira um bem sem ter as informações claras e precisas sobre a qualidade
daquilo que está negociando e que satisfaça e seja adequado ao que pretende.
Por tal razão, o princípio da transparência deve ser compreendido como uma
oportunidade do consumidor conhecer os produtos e serviços que são oferecidos e ao
fornecedor de proporcionar conhecimento prévio do conteúdo a que se obrigará a entregar, não
podendo fazer uso da publicidade para negligenciar informações, iludir e induzir o consumidor
a erro, a fim de que este consuma algo pensando em uma durabilidade que não se mostrará
verdadeira e condizente com a realidade (CABRAL; RODRIGUES, 2012, p. 42).
Por sua vez, o princípio do equilíbrio objetiva direitos e deveres que confiram equidade
aos contratos, almejando a justiça contratual entre os contratantes da relação de consumo,
fazendo uso de normas imperativas com o intuito de coibir cláusulas abusivas, que possam vir
a oferecer vantagem a somente uma das partes, onde ocorram excessivos benefícios ao
fornecedor, ou que tais cláusulas sejam incompatíveis com a boa-fé, sobretudo no que condiz
ao equilíbrio econômico a ser perseguido diante da ocasião do ato abusivo do produto tornar-
se obsoleto e obrigar o consumidor a adquirir um novo (MIRAGEM 2013, p. 129).
Deve-se vislumbrar o equilíbrio nas relações de consumo juntamente com o princípio
da confiança, de maneira que, ocorrendo uma inexecução de contrato, seja assegurado ao
consumidor a sua troca ou seu ressarcimento, evitando-se riscos e prejuízos.
111
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Dito isso, nota-se que eventual barreira à aplicação de políticas de redução artificial da
durabilidade dos produtos ou do ciclo de vida de seus componentes, com o intuito de lhes
diminuir o tempo estimado de vida útil e torna-los obsoletos, se daria com a inserção de normas
reguladoras e proibitivas sobre esta prática perversa e lesiva à dignidade, segurança e dos
interesses dos consumidores, isto é, com a implementação de expressa tipificação da
obsolescência programada como prática abusiva.
Muito embora não haja previsão direta no texto legal e a realidade demonstre a
ocorrência cada vez mais presente de produtos destinados a ter sua durabilidade artificialmente
reduzida de maneira abusiva através da aplicação da obsolescência planejada aos produtos,
existem movimentos legislativos para que o Código de Defesa do Consumidor receba
atualizações pontuais sobre o tema.
É o que se verifica pelos Projetos de Lei 7.875/2017, 3.019/2019 e 1.791/2021, que
tramitam na Câmara dos Deputados e o Projeto de Lei 2.833/2019, de tramitação junto ao
Senado Federal.
113
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Mas importante perceber que, mesmo que o CDC se revele insuficiente para coibir tal
estratégia ou até mesmo, quando necessário, reparar o dano, tal prática não pode ser vista com
singeleza como parte do exercício regular da livre-iniciativa por parte dos fabricantes, posto
que estes não cumprem com o seu dever de prestação de boa informação aos consumidores para
que estes possam ter ciência da real expectativa a se ter sobre determinado bem.
Na prática, o que se verifica é que o consumidor fica à margem da vontade dos
fabricantes em resolver o problema da reposição de peças ou de consertos para seus produtos,
isso quando o fazem e não forçam o consumidor a adquirir um novo produto semelhante de
mesma funcionalidade.
Aliás, no que tange à possibilidade de conserto dos produtos, é sabido ser de praxe das
assistências técnicas a cobrança de valores elevados de custos e peças de reposição, isso quando
há peças disponíveis para efetuar o conserto, como com o viés de inviabilizar o reparo e
influenciar a aquisição de uma nova mercadoria, persuadindo o consumidor a desistir do
produto antigo para substituí-lo a fim de evitar dissabores ainda maiores (CABRAL;
RODRIGUES, 2012, p. 52).
Considerando a obsolescência programada como uma política empresarial já
sedimentada, tratando-se de uma estratégia negocial,
Sob este prisma é que se percebe a importância de uma necessária e expressa proteção
ao consumidor à manutenção e propagação de tal prática comercial, afinal, a se ver
impossibilitado de prolongar a vida útil de seus bens torna-se verdadeira vítima nesta sociedade
da cultura do consumismo e de políticas tortas de desenvolvimento.
Embora seja uma prática de difícil identificação, por estarmos em uma sociedade de
ordem jurídica fundada na livre iniciativa, como já visto, o fenômeno da obsolescência
programada deve ser enfrentado, pois é um meio de atingir inúmeros direitos do consumidor e
da sociedade como um todo.
Nota-se que a vulnerabilidade do consumidor frente a esta prática negocial está justo na
falta de percepção da qualidade do produto que se adquire, não se sabendo se este cumprirá sua
expectativa legítima de utilidade, algo que deveria ser esclarecido adequadamente no momento
114
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
da escolha da mercadoria pelo consumidor, afinal, trata-se de informação básica que envolve a
sua segurança.
Vê-se que a ideia de satisfação que o consumidor cria sobre o produto é encurtada por
fatores exógenos aplicados pelos fabricantes que assim os arquitetam e os idealizam com a
intenção de diminuir seu ciclo de vida útil, de maneira que o consumidor, inevitavelmente, será
lesado em sua legítima expectativa.
Configura-se, assim, como uma vulnerabilidade técnica, uma vez que ao comprar o bem
“o comprador não possui conhecimentos específicos sobre o objeto que está adquirindo e,
portanto, é mais facilmente enganado quanto às características do bem ou quanto à sua
utilidade” (MARQUES; MIRAGEM, 2012, p. 154).
Vejamos que o encurtamento do ciclo útil do produto ocorre ao frustrar uma expectativa
real do consumidor sobre este bem, posto ser perfeitamente natural algo se tornar obsoleto
através do desgaste natural ou pelo uso indevido.
Esta lesão, quanto a real e legítima expectativa do consumidor em ter produtos e serviços
que satisfaçam sua vontade, atinge diretamente o princípio basilar da boa-fé objetiva, traçado
no artigo 4° do Código de Defesa do Consumidor, bem como fica reforçado no inciso IV, do
artigo 51, que expressamente torna nula as cláusulas que “estabeleçam obrigações consideradas
iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja,
incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.
E, como se não bastasse o consumidor estar sujeito a esta e tantas outras práticas
abusivas no mercado de consumo, a Pandemia causada pelo vírus Sars-CoV-2, trouxe como
incremento à prática da obsolescência programada a sua aceleração, isto é, o maior uso de
aparelhos eletrônicos, como notebooks, smartphones, além de eletrodomésticos, como fogões
e máquinas de lavar, por maiores períodos de tempo, seja em razão do trabalho ou estudo remoto
e maior permanência em tempo de utilização, fez com que se criasse no consumidor uma
necessidade irreal de consumir mais e além do que o necessário.
Neste ensejo, para que haja confiança entre os agentes que compõe a relação de
consumo, necessário que exista lealdade recíproca. Esta lealdade, por parte do fornecedor,
principalmente, se dá através da informação clara sobre a qualidade de produção e durabilidade
de seus produtos e serviços, com o intuito de que não se criem expectativas incertas ao
consumidor, de modo que este consuma ou não seus produtos conforme seus critérios de
necessidade e conveniência.
115
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
116
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
HOLANDA, Fábio Campelo Conrado de; VIANA, Janile Lima. Indução de comportamentos
(neurolaw): obsolescência programada na sociedade pós-moderna e uma reflexão sobre as
relações de consumo. Revista Argumentum-Argumentum Journal of Law, v. 19, n. 1, 2018, p.
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GOYTISOLO, Juan Berchmans Vallet de. Sociedade de masas y derecho. Madrid: Taurus,
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MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo direito privado e a proteção dos
vulneráveis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor, 4. ed.rev., atual. e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2013.
117
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 6. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2011.
118
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
1 INTRODUÇÃO
1
Advogado (OAB/RN 6318). Especialista em Direito do Consumidor e Relações de Consumo (UNP). Mestre e
Doutor pela Universidad del País Vasco / Euskal Herriko Unibertsitatea (UPV/EHU) – Espanha. Professor da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E-mail: fabriciodireito@gmail.com
2
Acadêmica do Curso de Graduação em Direito do CCSA da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN). Bolsista de Iniciação Científica do Projeto de Pesquisa intitulado Proteção jurídica do consumidor no
comércio eletrônico (marketplace). E-mail: marrie.camara@yahoo.com.br
3
Acadêmico do Curso de Graduação em Direito do CCSA da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN). Aluno de Iniciação Científica do Projeto de Pesquisa intitulado Proteção jurídica do consumidor no
comércio eletrônico (marketplace). E-mail: pedro.damatta@outlook.com.br
119
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
o discernimento de diversos cidadãos para com a percepção sobre a realidade, ou seja, percebe-
se que as fake news (notícias falsas) não são mais uma problemática urgente, uma vez que a
averiguação/verificação de informações se tornou mais descomplicada devido ao acesso à
internet e a matérias jornalísticas de noticiários com integridade e credibilidade.
Em contrapartida, ao se beneficiarem da credibilidade adquirida em razão do processo
de disseminação de informações verídicas, diversas ferramentas jornalísticas passaram a abrir
espaço para a publicidade furtiva, disfarçada, dissimulada, clandestina (que não permite sua
identificação pelos consumidores). De modo mais específico, nota-se que o meio editorial,
favorecido pela atenção constante de incalculáveis consumidores, tornou-se, paulatinamente,
um espaço oportuno para inserir peças publicitárias disfarçadas de notícias ou, até mesmo,
ocultadas por estas.
Mais ainda, avista-se que a publicidade redacional, também chamada de publicidade
nativa, pode vir a ser potencializada em meio a períodos pandêmicos e de isolamento social,
quando as informações relativas à saúde individual e coletiva são essenciais para o pleno
desenvolvimento dos indivíduos.
Nessa conjuntura, é oportuno destacar que o empecimento da questão se relaciona a dois
pontos: a) a utilização de ferramentas e de meios alternativos, no meio editorial, que incitam o
consumo, potencializada em contextos pandêmicos, de premência pela informação; e b) a
dificuldade/impossibilidade de identificação publicitária, neste meio, por parte dos
consumidores, os quais têm o seu processo decisório prejudicado devido à dificuldade de
distinção entre notícia e publicidade.
Assim, considera-se que o entendimento sobre a temática é um fator primordial para a
percepção da publicidade nativa no meio editorial pelo consumidor, isto é, torna-se necessário
analisar este mecanismo publicitário devido à sua relevância para o público consumerista que,
por diversas vezes, pode confundir matérias jornalísticas com campanhas publicitárias
disfarçadas, fato que prejudica seu processo decisório.
A partir da menção da problemática e da importância quanto à tal espécie publicitária,
tem-se como finalidade fulcral analisar os limites jurídicos para a utilização da publicidade
redacional como ferramenta de incitação ao consumo do público leitor/telespectador,
principalmente com base no princípio da identificação da publicidade instituído pelo Código de
Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990). De fato, objetiva-se verificar
estas limitações uma vez que podem ser inseridos anúncios publicitários em matérias
120
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
121
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Para efeitos de conveniência temática, toma-se como foco principal, nessa primeira
abordagem, a figura do consumidor e as suas definições legais presentes no Código de Defesa
do Consumidor (CDC). A primeira é proveniente do art. 2º, caput¸ dessa legislação, o qual, de
maneira stricto sensu, define consumidor como sendo “toda pessoa física ou jurídica que
adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”, ou seja, adquire ou utiliza bens
ou serviços em seu próprio benefício, satisfazendo, assim, seus anseios e necessidades
(BENJAMIN; MARQUES; BESSA, 2020).
Há também presente no CDC a figura do consumidor equiparado, o qual, de maneira
lato sensu, é caracterizado pelo parágrafo único do art. 2º como sendo “a coletividade de
pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”. Ademais,
também integram tal rol de definições os textos dos arts. 17 e 29, ambos do Código de Defesa
do Consumidor, os quais asseveram, respectivamente, que “para os efeitos desta Seção,
equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento” e que “equiparam-se aos
consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”,
dentre as quais estão às práticas publicitárias.
Em outra perspectiva, para percepção do fornecedor e do objeto da relação de consumo,
há de se compreender a publicidade como sendo um conjunto de ferramentas com o objetivo
primordial de informar e convencer o público como forma de estímulo ao consumo (SOUSA;
ALVES, 2020); assim, de certa forma, a publicidade conta como uma influência capaz de
persuadir o consumidor (AMA, 2017) na aquisição de produtos e serviços, pois as funções da
prática publicitária se relacionam, de todo modo, a apelos de ordem lógica e psicológica com o
fito de convencimento e persuasão dos consumidores (DIAS, 2018).
Com base nas considerações acerca das figuras equiparadas da classe consumerista, há
de se relacionar tais designações com a publicidade, de forma a haver o pleno reconhecimento
de uma relação jurídica de cunho consumerista, pois, somente assim, haverá a compreensão do
caráter das campanhas publicitárias quanto à sua influência para com a decisão do consumidor
no que tange ao consumo de produtos e de serviços.
Diante dessa premissa, observa-se que o Código de Defesa do Consumidor, ao denotar,
em seu art. 29, que uma das formas de equiparação à figura consumerista é referente àqueles
consumidores expostos às práticas previstas no Código (BRASIL, 1990a), promove, em síntese,
a regulamentação da publicidade, uma vez que as “práticas previstas no Código” podem ser as
práticas publicitárias enganosas e de cunho abusivo que influem negativamente no processo
decisório do consumidor.
122
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
À vista disso, sob tal percepção, dentro do âmago do estudo da publicidade, revela-se
imprescindível o estudo das publicidades redacional e nativa, supostamente vistas como
furtivas e abusivas, portanto, pertinentes ao conteúdo adotado. Assim, convém destacar o
conceito de publicidade denominada redacional ou dissimulada, que é configurada quando o
anúncio é veiculado de maneira disfarçada, seja uma matéria de cunho editorial online ou
impressa em jornais, revistas e outros meios de comunicação das massas (SILVA, 2002).
Este tipo de publicidade pode ser caracterizado como sendo uma forma de veiculação
cujo anúncio passa para o seu público-alvo a impressão de ser isenta e revestida de objetividade,
de maneira que os leitores são influenciados a pensar que determinada publicidade é, na
verdade, um informativo ao público, sem qualquer interesse econômico diretamente exposto
(PASQUALOTTO, 1997). Tal forma de comunicação publicitária é veiculada nos meios
regulares de produção de conteúdo que fazem parte dos veículos de comunicação, ocultando,
de toda forma, o seu verdadeiro caráter publicitário (MARQUES; BENJAMIN; MIRAGEM,
2019).
O Código de Defesa do Consumidor, em seu âmago, não se deteve a dispor de maneira
expressa nenhuma normativa que fizesse menção à publicidade redacional. No entanto, infere-
se que o microssistema de proteção consumerista busca coibir esse tipo de publicidade, uma
vez que rechaça qualquer forma de comunicação publicitária que tenha o propósito de confundir
o consumidor (ALVES, 2020), de acordo com o art. 30 do Código Brasileiro de
Autorregulamentação Publicitária (BRASIL, 1980) e com o art. 36, caput, CDC, o qual
determina que a publicidade deve ser facilmente identificada.
Já a publicidade nativa (native advertising) diz respeito aos anúncios pagos que estão
correlacionados ao conteúdo de determinada página, sendo assimilados pelo design, de forma
que o usuário é influenciado a pensar que tal publicidade pertence à página (ALVES, 2016).
Assim, entende-se que, para ser considerado de fato uma publicidade nativa, o anúncio tem de
estar totalmente de acordo com o conteúdo, de tal maneira que o leitor não perceba que está
sendo alvo de uma campanha publicitária.
Logo, com fulcro na importância da publicidade nas práticas relacionadas ao consumo,
uma vez que estas despertam no consumidor mais interesse de compra, ressalta-se a
problemática dessa prática publicitária quando for utilizada de forma abusiva diante da
vulnerabilidade da figura do consumidor nos meios editoriais, como jornais, entrevistas etc.
123
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
É notório que a massa populacional que figura o polo consumerista de uma relação de
consumo não consegue diferenciar, em sua integralidade, uma publicidade com um teor
verdadeiro de um falso, haja vista que as pessoas buscam ilusões e subterfúgios, sendo,
portanto, alienados neste tipo de relação (FREUD, 2011). Desse modo, a parcela dominante,
isto é, o polo que abarca os fornecedores, pode se utilizar dessa fragilidade informacional e
perceptiva do consumidor sobre o que vem a ser real e irreal para veicular campanhas
publicitárias que influenciam ainda mais o processo decisório.
Diante dessa premissa, percebe-se que a utilização da publicidade redacional/ nativa
pode ser vista como forma de ludibriar o interesse e a decisão de compra da massa populacional
às custas da sua fragilidade informacional no que diz respeito às práticas publicitárias. Assim,
tais tipos de publicidade podem ser considerados abusivos, uma vez que se utilizam de uma
vulnerabilidade da classe consumidora para influenciá-la indevidamente.
Ao considerar que a publicidade é oriunda do direito constitucional à liberdade de
iniciativa posto pelo art. 170, caput, (BRASIL, 1988), tem-se que as ações que se aproximam
do teor dos atos ilícitos passam a ser consideradas abusivas ao consumidor e ao mercado de
consumo. Assim, a atuação do fornecedor não poderá incidir em abuso de direito, pois, assim,
de acordo com o art. 187 do Código Civil, restará configurado o ato ilícito (BRASIL, 2002).
Observa-se, portanto, que a publicidade é amparada constitucionalmente dentro dos
limites da livre iniciativa, todavia, o seu excesso, caracterizado como abusividade, poderá
124
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
ensejar a responsabilização dos sujeitos envolvidos. Nesse sentido, tem-se as práticas abusivas
como ações, condutas ou posturas que agridem o consumidor, notadamente na fase pré-
contratual, a qual a publicidade está inserida (NUNES, 2018), de maneira a acarretar prejuízo
ao consumidor (OLIVEIRA, 2019), desrespeitando direitos e princípios estabelecidos no
Código de Defesa do Consumidor.
Em se tratando dos princípios consumeristas, o art. 4º do CDC, em seu inciso VI, expõe
a coibição e repressão a todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive aqueles
que podem causar prejuízos aos consumidores (BRASIL, 1990a). A publicidade
nativa/publicidade redacional se encaixa nos parâmetros desse texto normativo, uma vez que
se configura como abusiva devido à sua dificuldade de identificação.
Não obstante, revela-se também a importância do inciso IV do art. 6º do Código de
Defesa do Consumidor, o qual caracteriza expressamente como um dos direitos básicos do
consumidor “a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais
coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no
fornecimento de produtos e serviços”. Ademais, nessa linha, considera-se proibida toda
publicidade enganosa ou abusiva, mediante os dizeres do art. 37, caput, do CDC (BRASIL,
1990a)
Nesse ínterim, uma publicidade será tida como abusiva quando, em seu âmago, a for de
caráter discriminatório de qualquer natureza, que incite violência, explore medos ou
superstições, aproveite-se da deficiência de julgamento e da experiência da criança, desrespeite
valores ambientais ou, ainda, que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma
prejudicial ou perigosa à sua saúde ou à sua segurança, de acordo com o art. 37, §2º do CDC.
O referido dispositivo apresenta um rol de natureza exemplificativa e não taxativa, o que
implica dizer que não prevê expressamente todas as espécies de publicidade que podem ser
consideradas abusivas (ALVES, 2020).
Nesse viés, percebe-se que a veiculação dos anúncios publicitários deve ser pautada
pelo princípio da clareza, da ostentação, isto é, pelo princípio da identificação da publicidade
(JACOBINA, 1996). Tal princípio viabiliza a noção de que a publicidade deverá ser
disseminada de forma a ser compreendida em seu caráter publicitário, ou seja, deverá um
anúncio revelar explicitamente o seu teor como publicidade, de modo que o público esteja
consciente que está sendo alvo de uma campanha dessa natureza.
125
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
126
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
mais frequente, uma vez que as pessoas procuram, na propaganda, informativos que dizem
respeito à saúde, bem como as restrições impostas pelas autoridades. Assim, os consumidores,
que confundem a publicidade com a propaganda, mais ainda nos meios jornalísticos, são alvos
da publicidade nativa/redacional em virtude da dificuldade de identificação.
A grande problemática a esse respeito, porém, vige em torno do caráter abusivo de
alguns tipos de publicidade, como a redacional e nativa, as quais não propiciam ao consumidor
a integralidade de informações e a percepção imediata de seu teor publicitário. Sendo assim, o
consumidor, vulnerável em sua própria natureza na relação jurídica de consumo, ao adentrar na
busca por informações importantes no dado momento, não consegue identificar o anúncio
publicitário como tal, tendo, portanto, a sua vulnerabilidade agravada em razão da abusividade
da publicidade, o que pode acarretar danos psicológicos e, muitas vezes, físicos à figura do
consumidor, notadamente em períodos de pandemia.
dano aos consumidores dar-se-á quando as campanhas publicitárias vierem a lesar o processo
decisório destes, por exemplo, à medida que ficam impossibilitados de identificar a publicidade
nativa nos meios editoriais.
A responsabilização administrativa pode se efetivar igualmente com fundamento nas
disposições constantes no Código de Defesa do Consumidor. Ela é exercida por órgãos que
possuem poder de polícia, tais como os PROCONs, a Defensoria Pública ou o Ministério
Público, que também possuem competência para atuar na tutela coletiva do consumidor.
Para regulamentar a responsabilidade no campo ético, avista-se o artigo 46 do Código
Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP), que possibilita a responsabilização de
diretores e de qualquer outro cargo em uma firma, companhia ou instituição que sejam parte do
planejamento, da criação, da execução e/ou da veiculação de um anúncio ou de uma campanha
publicitária. Além disso, tal Código regulamenta, de modo especifico, a responsabilidade dos
três protagonistas da atividade publicitária, quais seja, anunciante, agência publicitária e veículo
de divulgação – artigo 45, alíneas “a”, “b” e “e”, respectivamente (BRASIL, 1980).
Em terceiro lugar, por último, para a caracterização da responsabilidade penal, incide,
principalmente, o próprio Código de Defesa do Consumidor, o qual tutela as relações de
consumo de modo imediato ou mediato. Este, diretamente, objetiva proteger as relações de
consumo de acordo com o artigo 61 do mencionado Código (BRASIL, 1990a) e,
especificamente, com o artigo 7°, caput, da Lei n° 8.137/1990 (BRASIL, 1990b). Aquele,
indiretamente, possui a finalidade de resguardar os bens previstos nos artigos 63 ao 74 do
Código (BRASIL, 1990a) e nos incisos do artigo 7° da referida Lei (BRASIL, 1990b).
Dessa forma, evidencia-se que há diversas alternativas para responsabilizar os agentes
publicitários, os veículos e os fornecedores anunciantes com o fito de proteger os consumidores
e as relações de consumo, uma vez constatada a publicidade nativa ao considerar a sua não
identificação por parte dos consumidores expostos a ela, notadamente em períodos assolados
por pandemias, na medida em que a busca por informação se torna constante.
5 CONCLUSÃO
128
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
129
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
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profissionais liberais. Natal: Polimatia, 2021, v. 1, p. 17-33.
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
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NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 13. ed. São Paulo: Saraiva,
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131
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OLIVEIRA, Júlio Moraes. Curso de direito do consumidor completo. 5. ed. Belo Horizonte:
D’Plácido, 2019.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva. 2013.
132
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Resumo: O tema deste artigo trata da importância que a aplicação dos princípios do direito do
consumidor como amparo na seara de aplicação do código de defesa do consumidor. O objetivo
desta temática se dá pela necessidade de transparência entre as relações de consumo, bem como
a sua importância para que os consumidores não sejam enganados ou mesmo prejudicados pela
sua ausência, ainda mais em se tratando dos tempos pandêmicos que se enfrenta. A justificativa
da pesquisa corresponde à possibilidade de escolha entre a melhor opção defensiva para o
resguardo dos direitos do consumidor. A pesquisa, por sua vez, manteve-se na linha teórica, com
ênfase na pesquisa bibliográfica, buscando na doutrina os conceitos e entendimentos abordados.
Assim sendo, os dados coletados foram tratados de forma qualitativa e descritiva analítica.
Relativo ao método de interpretação dos dados será utilizado o método hipotético-dedutivo. No
que diz respeito à visão geral do artigo, abordará a aplicação dos princípios norteadores do
código de defesa do consumidor como escudo às práticas abusivas na pandemia. Desse modo,
pode-se concluir que os princípios são extremamente importantes e indispensáveis para as
relações de consumo como forma de garantir ao consumidor todas as informações e diretrizes
defensivas possíveis para o resguardo de seus direitos, tendo em vista a sua condição de
hipossuficiência e como instrumentos defensivos aos abusos dos fornecedores de insumos
essenciais em plena pandemia do COVID-19.
INTRODUÇÃO
O presente artigo científico fará uma análise da aplicação dos princípios norteadores das
relações de consumo, respaldadas pela constituição e principalmente frente ao código de defesa
do consumidor.
Como objetivo geral, buscam-se apresentar os diversos direitos que possuem os
consumidores em suas relações, com ênfase na aplicabilidade princípios como instrumentos de
resguardo do direito do consumidor na pandemia do COVID-19.
Deste modo, o presente artigo justifica-se pela importância de compreender o papel que
estes princípios ocupam dentro do Código de Defesa do Consumidor, partindo desde a sua
origem constitucional até as suas aplicações contemporâneas na seara consumerista.
1
Bacharel em Direito pela Fundação Educacional Machado de Assis – FEMA Santa Rosa/RS, pós-graduando em
advocacia tributária pela EBRADI, e em Direito Civil e Processo Civil pela Faculdade LEGALE, advogado
inscrito na OAB sob nº 120.126/RS. E-mail: advogadojoaodavid@gmail.com
2
.Bacharel em Direito pela Fundação Educacional Machado de Assis – FEMA Santa Rosa/RS, pós-graduando em
Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade LEGALE. E-mail: marcelomelchior@outlook.com
133
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Além disso, é vital pesquisar e inteirar-se sobre a extensão do tema e sua relação com
todo o ordenamento jurídico brasileiro da qual a constituição serve de base, donde se buscam os
conceitos para exemplificar a aplicação cotidiana.
A pesquisa em questão qualifica-se primeiramente como pesquisa teórica, visto que
explana conceitos referentes aos princípios das relações de consumo, sendo que as
considerações e análises foram concebidos através da exploração e coleta de dados em livros,
artigos científicos e na legislação aplicada ao tema.
1 CONCEITUAÇÃO DE PRINCÍPIO
Imperioso conceituar a palavra princípio, para que se verifique a importância que tal
vocábulo tem no ordenamento jurídico. Logo, princípio tem como sinônimos as palavras
início e origem, isto é, donde tudo se começa sendo a base das demais fontes do direito.
Assim sendo, princípios, para Miguel Reale Júnior, são como:
134
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Ressalvada a importância dos princípios para todo o ordenamento jurídico, parte-se para
a análise pontual de cada um dos princípios norteadores do direito consumerista, sendo eles:
Boa-fé objetiva, Vulnerabilidade e Hipossuficiência do consumidor, Transparência e confiança
nas relações de consumo e o princípio da Publicidade.
A boa-fé se trata de uma conduta atrelada a lealdade, o que significa dizer que as
relações de consumo devem ser pautadas pela honestidade e a lealdade, vocábulos que são
sinônimos da boa-fé. Assim, a boa-fé objetiva está previsto no art. 4º, III, CDC.
A melhor descrição do princípio é o que apresenta Flávio Tartuce:
135
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Como é notório, a boa-fé objetiva representa uma evolução do conceito de boa-fé, que
saiu do plano psicológico ou intencional (boa-fé subjetiva), para o plano concreto da
atuação humana (boa-fé objetiva). Pelo conceito anterior de boa-fé subjetiva, relativo
ao elemento intrínseco do sujeito da relação negocial, a boa-fé estaria incluída nos
limites da vontade da pessoa. Esse conceito de boa-fé subjetiva, condicionado
somente à intenção das partes, acaba deixando de lado a conduta, que nada mais é do
que a própria concretização dessa vontade. E como se sabe, conforme o dito popular,
não basta ser bem intencionado, pois de pessoas bem intencionadas o inferno está
cheio. (TARTUCE, 2020, p. 89-90).
Outrossim, o dever da boa-fé objetiva, ainda que previsto no art. 4º, III do CDC, é um
dever ético, o que o torna uma obrigação inerente a qualquer negócio jurídico. Ademais,
imperioso ressaltar os deveres anexos à boa-fé objetiva, tais como: dever de agir com
honestidade e com razoabilidade, dever de transparência, informação, lealdade e probidade,
sendo que alguns deles estão previstos no art. 6º do CDC, dispositivo que trata dos direitos dos
consumidores.
136
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Além do mais, essa equidade é verificada nas decisões judiciais que preceituam e
aplicam os princípios abordados, no claro entendimento da desproporcionalidade de condições
jurídicas entre consumidor e fornecedor. Importante demonstrar a real aplicabilidade dos
princípios, pois são artifícios realmente usados na prática, não permanecendo apenas no campo
teórico, o que se vê a partir da decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
Por conseguinte, os princípios trazidos à discussão têm viés protetivo aos consumidores.
Além disso, são realmente aplicados às lides consumeristas, o que torna o dispositivo com
respaldo maior para com os usuários, visto que o disposto na lei é respeitado e aplicado no
campo empírico.
137
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
privadas, personalizadas ou não. Aspecto conteudístico por possuir uma vinculação econômica.
E aspecto finalístico por ter como objeto direta ou indiretamente a promoção da venda de
produtos e serviços por meio de uma divulgação efetiva (NUNES, 2003, p. 114).
Portanto, as relações de consumo têm como premissa a venda de produtos ou a prestação
de serviços entre fornecedores e consumidores. A publicidade envolve sempre a venda de
produtos ou a prestação de serviços de forma direta ou indireta. Na publicidade direta ou
proporcional, o preço ou forma de pagamento de um produto ou serviço é divulgado na mídia,
enquanto na publicidade indireta ou institucional, apenas o nome da empresa é exibido, o que
não impede a promoção de empresas de serviço de produtos negociadas por terceiros.
Com relação à definição de produtos e serviços, o artigo 3º do Código de Defesa do
Consumidor nos seus §1º e 2º que trazem a conceituação legal de produto e serviço, que é:
138
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Estado assegure tal direito, trazendo isso para a temática deste artigo, a sua negativa colocaria
em risco a seguridade e confiabilidade jurídica dos negócios jurídicos, visto que isto seria um
retrocesso para o Direito.
Primeiramente é necessário destacar a base constitucional que o princípio da publicidade
possui, na qual a Constituição Federativa do Brasil no seu artigo 37 narra: "A administração
pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência [...]". Fica clara a intenção do legislador em propagar tais ideias sobre
as demais legislações infraconstitucionais. (BRASIL, 1988).
Um exemplo da aplicabilidade desta publicidade, dentro do Código de Defesa do
Consumidor é o princípio da vinculação contratual da publicidade, contido no artigo 30 e 35:
Art. 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e
imediatamente, a identifique como tal.
Parágrafo único. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá,
em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos
e científicos que dão sustentação à mensagem. (BRASIL, 1990).
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
No que se refere às práticas abusivas nas relações de consumo, imperioso ressaltar o que
se trata de prática abusiva, abusividade e abuso de direito. Todos esses termos estão
relacionados entre si, encontram conceituações próximas ao passo que servem de fundamentos
mútuos.
Nesse sentido, as práticas abusivas não são atos ilícitos, muito pelo contrário, são atos
legais, pautados na legislação, porém praticados com excesso, ou seja, o exercício de um direito
legalmente previsto, porém usado de maneira excessiva capaz de causar dano a outrem.
Assim disciplina Rizatto Nunes:
[...] a prática real do exercício dos vários direitos subjetivos acabou demonstrando
que, em alguns casos, não havia ato ilícito, mas era o próprio exercício do direito em
si que se caracterizava como abusivo. A teoria do abuso do direito, então, ganhou
força e acabou preponderando. (NUNES, 2018, p. 403).
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
No tocante a origem histórica do conceito de abuso de direito, este tem início no Direito
Romano, estando intimamente ligado com a intenção de prejudicar outro indivíduo, sendo
aplicado de maneira mais abrangente às relações de vizinhança, conforme traz Flavio Tartuce:
A respeito das raízes históricas do conceito, sinaliza Renan Lotufo que o abuso de
direito decorre da aemulatio do Direito Romano, ou seja, do “exercício de um direito,
sem utilidade própria, com a intenção de prejudicar outrem”, cuja aplicação ampliada
atingiu as relações de vizinhança. Na mesma linha, San Tiago Dantas demonstra que
o abuso de direito encontra origens no Direito Romano, principalmente nos conceitos
de aequitas e no ius honorarium. (TARTUCE, 2021, p. 356).
141
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
142
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
A regra, então, é que os aumentos de preço devem sempre estar alicerçados em justa
causa, vale dizer, não podem ser arbitrários, leoninos ou abusivos. Em
princípio, numa economia estabilizada, elevação superior aos índices de inflação cria
uma presunção – relativa, é verdade – de carência de justa causa. (VASCONCELLOS
& BENJAMIN, 2021, p. 534).
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Esses aumentos de preços não apresentam uma justificativa plausível, uma vez que se
tratam de crescimentos desproporcionais sobre produtos essenciais, além de que ocorrem em
momento de extrema vulnerabilidade e hipossuficiência dos consumidores.
A situação se verifica a partir de estudos do PROCON/RS que apresentam relatos dos
mais variados produtos que aumentaram com o advento da pandemia do novo corona vírus,
onde resta caracterizada a prática abusiva com a demonstração do aumento do preço sem que
haja relevantes aumento nos custos do produto:
Ressalta-se, para que haja aumento abusivo dos valores são obrigados os fornecedores
e comerciantes aumentem os valores sem qualquer tipo de aumento no custo do
produto ou que venham se aproveitar de situações de desastres, como foram os casos
dos itens de prevenção: luvas, máscaras e álcool em gel. Nesse caso, o consumidor
que se sentir lesado deve procurar e relatar o fato ao PROCON e até mesmo ao
Ministério Público Estadual. As empresas que elevarem os valores de mercadores,
sem justa causa, poderão sofrer aplicação de multa administrativa até mesmo serem
processadas criminalmente. (RIO GRANDE DO SUL, 2021)
Todavia, os reflexos dessas condutas são inúmeros, além do fato de violarem princípios
protetores dos consumidores e também dispositivos legais que configuram as ações dos
fornecedores como abusivas, além do inciso X, amplamente debatido. Ocorre que a prática de
aumento de preço relacionada com o período caótico e de desespero social que representa uma
pandemia, faz com que a conduta do fornecedor se prevaleça sobre a vulnerabilidade humana.
Assim, o fornecedor de produtos ou serviços que vê na necessidade humana em meio a
uma pandemia uma oportunidade lucrativa sobre seus bens ou serviços essenciais não atenta
apenas contra a legislação consumerista, mas também, contra a dignidade e a existência da
pessoa humana.
Mas o questionamento que se insurge é o fato de como o consumidor pode se resguardar
dessas práticas abusivas. Objetivamente, deverá o consumidor que tomar conhecimento de
qualquer irregularidade, denunciar o ato junto aos órgãos de proteção ao consumidor (PROCON
estadual), como também, informar aos representantes do Ministério Público a existência de tais
condutas.
Porém, o que se verifica subjetivamente, é o fato de que o Código de Defesa do
Consumidor apenas prevê e proíbe as práticas abusivas. Ocorre que não há qualquer previsão
de sanção legal a ser aplicada ao fornecedor. Assim, ao ser evidenciado o ilícito, apresentam-
se duas correntes: a primeira que assegura a impunibilidade da conduta frente a ausência de
tipificação; e a outra que é aplicada no ordenamento jurídico brasileiro, assegura que todas as
sanções que rejeitem a prática abusiva poderão ser aplicadas.
Assim disciplina Bruno Miragem:
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Portanto, a prática abusiva é coibida por diferentes searas, conforme prevê o próprio
Código de Defesa do Consumidor, que em seu artigo 56, caput, traz a seguinte redação: “Art.
56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às
seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em
normas específicas: [...]”. (BRASIL, 1990).
Todavia, as aplicações destas sanções são de responsabilidade dos órgãos de
fiscalização, principalmente no âmbito estadual, mais notadamente dos PROCONS. Imperioso
ressaltar a atuação do cidadão/consumidor, ainda que não seja lesado, denuncie práticas
abusivas, com responsabilidade, lealdade e boa-fé. Somente assim que será possível coibir as
condutas ileais e eivadas de má-fé, criando assim uma relação harmônica entre consumidor e
fornecedor, nos termos das legislações vigentes.
CONCLUSÃO
145
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
fé são garantias mínimas para que sejam realizados negócios jurídicos justos. Nesta celeuma,
se faz importante destacar ainda a hipossuficiência e a vulnerabilidade que os consumidores
possuem em relação aos fornecedores, vez que, geralmente o porte econômico de ambos
possuem diferenças significativas.
Outrossim, destaca-se o papel do Código de Defesa do Consumidor na defesa contra as
práticas abusivas, muitas dessas praticadas em virtude do grande avanço da globalização e as
facilidades propiciadas pela tecnologia. Meios estes que são utilizados como ferramentas para
muitas vezes transgredir normas e abusar de direitos frente aos consumidores.
Ao final, percebe-se o quanto a sociedade avança em direção ao amplo acesso de
informações e, portanto, faz-se fundamental que o seu ordenamento jurídico, em destaque aqui
o Código de Defesa dos Consumidores, haja para garantir tais direitos e protege-los, fornecendo
os meios para que todos os alcancem.
Por fim, com esse avanço social é imprescindível a atuação conjunta do cidadão e dos
órgãos de fiscalização, uma vez que as denúncias e as sanções a serem aplicadas tenham o
condão de coibir o fornecedor de praticar condutas desproporcionais e contrárias ao aparato
legislativo consumerista.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1.Consumidores – Leis e legislação – Brasil 2. Consumidores – Proteção – Brasil I. Título. 17-
1612 CDU 34:381.6(07).
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 11ª Edição. Editora Saraiva. São Paulo, 1986.
147
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Jovana De Cezaro1
INTRODUÇÃO
1
Mestranda do Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade de Passo Fundo - UPF. Pós-Graduanda
em Direito do Trabalho. Advogada. Inscrita na OAB/RS sob número 120.665. Endereço de e-mail:
jovanadc@hotmail.com.
148
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
1. A SOCIEDADE DE CONSUMO
2
Artigo 2° do Código de Defesa do Consumidor: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou
utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de
pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo” (BRASIL, 1990).
149
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
gastos inútiles y compulsiones irracionales” (1995, p. 41). Muitos dos produtos3 e serviços4
consumidos não são necessários, mas, grande parte dos consumidores, consomem com o
propósito de buscar a felicidade e o bem estar.
Nesse sentido, Bauman afirma que a busca pela felicidade é “o propósito mais invocado
e usado como isca nas campanhas de marketing” (2008, p. 51). A publicidade está sempre à
buscar sua finalidade de instigar o consumo. Marques define publicidade como “toda
informação ou comunicação difundida com o fim direto ou indireto de promover junto aos
consumidores a aquisição de um produto ou a utilização de um serviço, qualquer que seja o
local ou meio de comunicação utilizado”. Sendo assim, “o elemento caracterizador da
publicidade é a sua finalidade consumista” (2005, 801).
Conforme Fradera, a publicidade faz parte do nosso cotidiano, desde a infância até os
nossos últimos dias. É através dela que o mundo “nos é oferecido, como se fora uma vitrine,
onde são expostas as ‘novidades’ que, a partir de então, passam a ser ‘necessidades’, mostradas
que são como indispensáveis ao conforto e à atualização da vida e dos lares” (1992, p. 06).
A difusão da publicidade deve se dar por meio de informações corretas e claras que
objetivam responsabilizar quem a veicula e responsabilizar os fornecedores, exigindo-se a boa-
fé entre fornecedor5 e consumidor (MARQUES, 2005, p. 800). Importante mencionar que “la
sociedad actual, socialmente más consciente y mejor conocedora de las prácticas persuasivas,
exige una publicidad más igualitaria y respetuosa” (FEENSTRA, 2014, p. 18).
Por meio da publicidade aproxima-se os consumidores dos fornecedores, que
anteriormente eram anônimos, e “suas principais finalidades consistem em fazer com que os
índices de vendas se mantenham elevados”. Ainda, dedica-se “à tarefa de, diariamente, utilizar
o tempo livre dos consumidores apresentando-lhes novos produtos e serviços, ou seja, novas
necessidades” (TONIAL; SORDI, 2018, p. 132).
Nessa senda, a sociedade de consumidores representa um conjunto de condições
existenciais em que é “elevada a probabilidade de que a maioria dos homens e das mulheres
venha a abraçar a cultura consumista em vez de qualquer outra, e de que na maior parte do
3
Artigo 3° do Código de Defesa do Consumidor: “[...] § 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material
ou imaterial” (BRASIL, 1990)
4
Artigo 3° do Código de Defesa do Consumidor: “[...] § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de
consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as
decorrentes das relações de caráter trabalhista” (BRASIL, 1990).
5
Artigo 3° do Código de Defesa do Consumidor: “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada,
nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção,
montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de
produtos ou prestação de serviços” (BRASIL, 1990).
150
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
tempo obedeçam aos preceitos dela com máxima dedicação” ou seja, interpela seus membros
na condição de consumidores (BAUMAN, 2008, p. 70).
Esta sociedade “promove, encoraja ou reforça a escolha de um estilo de vida e uma
estratégia existencial consumista, e rejeita todas as opções culturais alternativas” Assim, “todo
mundo precisa ser, deve ser e tem que ser um consumidor por vocação (ou seja, ver e tratar o
consumo como vocação) [...] que é ao mesmo tempo um direito e um dever humano universal
que não conhece exceção” (BAUMAN, 2008, p. 71-72).
Lopes define a sociedade de consumo como
[...] uma sociedade de massas e de classes: suas relações definem-se pelo mercado,
que ao mesmo tempo permite interações anônimas e despersonalizadas entre grandes
números de pessoas (por isso sociedade de massas) e determinadas pela sua posição
respectiva no processo produtivo (na apropriação dos benefícios da vida social, por
isso sociedade de classes) (1996, p. 1).
O outro lado traz uma perspectiva mais positiva, que define a cultura do consumo como
um universo que predomina a soberania do consumidor e a sua autonomia de escolha, podendo
151
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
levar o produto ou contratar o serviço de acordo com os seus interesses (BARBOSA, 2004, p.
31).
Porém, se o indivíduo é visto pelo que ele tem, a única maneira de conquistar um lugar
de destaque é comprando bens, que na maioria das vezes não seria possível de adquirir somente
com os rendimentos básicos, levando os consumidores a buscarem o acesso ao crédito.
2. O SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR
152
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
que não lhe seja mais possível pagar em dia o conjunto de suas dívidas em um temo
razoável (MARQUES, 2010, p. 04).
6
Em regra, “quando contrata-se o crédito ou adquire-se o produto ou serviço em prestações, o consumidor tem
condições de honrar sua dívida. Trata-se de uma boa-fé contratual que é sempre presumida. Em todos os países
que possuem leis sobre a prevenção e tratamento do superendividamento dos consumidores, aquele que é
protegido é sempre o consumidor pessoa física de boa-fé contratual. A boa-fé é a base do combate ao
superendividamento dos consumidores. Como já afirmamos muitas vezes, a imposição do princípio da boa-fé
objetiva às relações de crédito com consumidores (Art. 4, III do CDC) leva à existência de um dever de cooperar
dos fornecedores para evitar a ruína destes consumidores. Haveria, pois, na relação de crédito ao consumo e nos
financiamentos para o consumo (art. 52 do CDC), novos deveres de cooperação dos fornecedores de serviços
bancários, de crédito e financeiros (Súmulas 297 e 283 do Superior Tribunal de Justiça-STJ) que imporiam um
esforço de boa-fé para adaptar estes contratos e preservá-los (neue Verhandlungspflichten) de modo a evitar a
ruína e o superendividamento dos consumidores de boa-fé” (MARQUES, 2010, p. 23).
7
O endividamento ou ter alguma dívida frente a um fornecedor (supermercado, banco, cartão de crédito, loja de
departamentos, financeira de carros) é um fato inerente à vida na atual sociedade de consumo, faz parte da
liberdade das pessoas no mercado de hoje, do ser “consumidor”, em qualquer classe social (MARQUES, 2010,
p. 17).
8
Importante destacar que os superendividamento, endividamento, inadimplemento e insolvência são distintos e
não devem confundir-se.
153
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
duradouro, que não é mais passível de controle por parte de consumidor, ou seja,
inadimplemento definitivo. É um problema enfrentado pela sociedade de consumo num mundo
globalizado9, fenômeno este que se expande rapidamente.
Superendividado é sempre o consumidor, ou seja, a “pessoa física que contrata a
concessão de um crédito, destinado à aquisição de produtos ou serviços que, por sua vez, visam
atender a uma necessidade pessoal, nunca profissional do adquirente”, que agiu de boa-fé, mas
que não conseguiu pagar seus débitos (CARPENA; CAVALAZZI, 2006, p. 329).
O superendividamento pode surgir de duas situações: o superendividamento ativo e o
passivo. O primeiro subdivide-se em superendividamento ativo consciente e inconsciente.
Ambos surgem de maneira espontânea e se dão em virtude do uso desmedido do crédito e do
consumo em demasia, extrapolando a medida de seu orçamento o que causa uma acumulação
de dívidas (MARQUES, 2005, p. 14).
Porém, no caso de superendividamento ativo consciente, o indivíduo contrai a dívida
de má fé, ciente de que o bem adquirido, o serviço contratado ou crédito obtido não condizem
com sua realidade de renda. No segundo não se caracteriza a má fé, mas sim uma
desorganização financeira no adimplemento, situação que o indivíduo esforçou-se para adimplir
sua dívida, mas que logrou-se inexitosa (MARQUES, 2005, p. 64-65).
Nesse sentido, a má fé configura-se quando o indivíduo efetua dívidas ciente de que não
pode pagá-las, ou seja, realiza o ato sabendo que o credor não terá como cobrar-lhe. Assim, o
superendividamento que ocorre pela falta de cautela com os gastos não configura a má fé, visto
que ao assumir as suas dívidas tem o intuito de quitá-las, mas que por uma má gestão de seus
rendimentos e gastos acaba comprometendo-se financeiramente mais do que os seus
rendimentos possam suportar.
O superendividamento passivo não configura má fé e ocorre por alguns fatores que são
comuns a vida cotidiana, mas que o consumidor não contribui de forma direta para que a
situação se instale. Caracteriza-se por um evento inesperado que ocorre na vida da pessoa, tal
como dívida proveniente de um desemprego, doença que acomete uma família, dentre outros.
O indivíduo em situação de superendividamento, quando em situações extremas, perde
a sua capacidade de consumir. Além disso, vê sua dignidade reduzida frente a impotência de
conseguir gerir suas necessidades e gastos, mesmo que básicas.
9
Globalização “significa a experiência cotidiana da ação sem fronteiras nas dimensões da economia, da
informação, da ecologia, da técnica, dos conflitos transculturais e da sociedade civil [...] a globalização significa
o assassinato da distância, o estar lançado a formas de vida transnacionais [...]” (BECK, 1999, p. 46-47).
154
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Vivemos em um mundo de opulência sem precedentes, de um tipo que teria sido difícil
até mesmo imaginar um ou dois séculos atrás. Também tem havido mudanças notáveis
para além da esfera econômica. O século XX estabeleceu o regime democrático e
participativo como o modelo preeminente de organização política. Os conceitos de
direitos humanos e liberdade política hoje são parte da retórica prevalecente. As
pessoas vivem em média muito mais tempo do que no passado. Além disso, as
diferentes regiões do globo estão agora mais estreitamente ligadas do que jamais
estiveram, não só nos campos da troca, do comércio e das comunicações, mas também
quanto a ideias e ideais interativos. Entretanto, vivemos igualmente em um mundo de
privação, destituição e opressão extraordinárias. Existem problemas novos
convivendo com antigos — a persistência da pobreza e de necessidades essenciais não
satisfeitas, fomes coletivas e fome crônica muito disseminadas, violação de liberdades
políticas elementares e de liberdades formais básicas, ampla negligência diante dos
interesses e da condição de agente das mulheres e ameaças cada vez mais graves ao
nosso meio ambiente e à sustentabilidade de nossa vida econômica e social. Muitas
155
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
dessas privações podem ser encontradas, sob uma ou outra forma, tanto em países
ricos como em países pobres. Superar esses problemas é uma parte central do processo
de desenvolvimento (2010, p.10).
(1) liberdades políticas, (2) facilidades econômicas, (3) oportunidades sociais, (4)
garantias de transparência e (5) segurança protetora. Cada um desses tipos distintos
de direitos e oportunidades ajuda a promover a capacidade geral de uma pessoa (SEN,
2010, p. 25).
Nesse sentido a pobreza não deve ser considerada exclusivamente do ponto de vista de
renda dos indivíduos. A ideia de que pobreza é “simplesmente escassez de renda está
razoavelmente estabelecida na literatura sobre o tema. Não é uma ideia tola, pois a renda -
apropriadamente definida - tem enorme influência sobre o que podemos ou não podemos fazer”
(SEN, 2010, p. 101).
Porém,
156
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
existe um argumento igualmente bom para não terminar apenas com a análise da
renda. A clássica análise de John Rawls sobre os “bens primários” fornece um quadro
mais amplo dos recursos de que as pessoas necessitam independentemente de quais
sejam seus respectivos objetivos; neles inclui-se a renda, mas também outros “meios”
de uso geral. Os bens primários são meios de uso geral que ajudam qualquer pessoa a
promover seus próprios fins, como “direitos, liberdades e oportunidades, renda e
riqueza e as bases sociais do respeito próprio”. A concentração em bens primários na
estrutura rawlsiana relaciona-se a essa visão da vantagem individual segundo as
oportunidades que os indivíduos têm para buscar seus objetivos (SEN, 2010, p. 101).
Assim, a perda das capacidades civis também é causa da perda da liberdade. Denota-se,
nesse contexto, a importância que a liberdade individual tem no âmbito da sociedade uma vez
que é “um determinante principal da iniciativa individual e da eficácia social” (SEN, 2010, p.
33).
O superendividamento é essa diminuição ou perda das capacidades do consumidor. Com
o estimulo ao consumo desenfreado, um indivíduo superendividado se mostra inadequado para
o sistema, tendo em vista que não consegue consumir e é, consequentemente, excluído da
sociedade.
Não deve se considerar o endividamento excessivo apenas da aferição de renda dos
indivíduos, mas sim como perda de capacidades. Sen aborda que “a privação relativa de rendas
pode resultar em privação absoluta de capacidades” (2010, p. 122).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
157
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
As pessoas, em grande parte das vezes, não percebem que não necessitam de
determinados produtos, que eles não são essenciais, mas as constantes mudanças das
necessidades e desejos do consumidor, impulsionados pela publicidade, precisam ser satisfeitos
através da aquisição de novos produtos.
O comprar e o descartar é o que movimenta a economia, porém também é uma
circunstância que potencializa as situações de superendividamento do consumidor. A
concepção do crédito como dinheiro fez surgir uma sociedade de consumo que se movimenta
pelo acumulo desproporcional de dívidas futuras que fogem do controle do indivíduo.
Nesse sentido, o superendividamento, caracterizado pelo estado de insolvência do
indivíduo diante da incapacidade de cumprir com o pagamento dos seus débitos, deve ser
entendido como a perda das capacidades civis dos consumidores pessoas físicas de boa-fé,
diante da diminuição da renda ocasionada pelo endividamento excessivo, afetando,
diretamente, a dignidade da pessoa humana.
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consumidor e dá outras providências. Brasília, DF: Senado, 1990. Disponível em:
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158
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GALEANO, Eduardo. Úselo y tírelo. Buenos Aires: Grupo Editorial Planeta, 1994.
MARQUES, Claudia Lima. Sugestões para uma lei sobre o tratamento do superendividamento
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empírica de 100 casos no Rio Grande do Sul. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo:
Revista dos Tribunais, n. 55, p. 11-52, jul./set. 2005.
PEREIRA, Agostinho Oli Koppe; CALGARO, Cleide; PEREIRA, Henrique Mioranza Koppe.
Consumocentrismo e os seus reflexos socioambientais na sociedade contemporânea. Revista
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PEREIRA, Agostinho Oli Koppe; PEREIRA, Henrique Mioranza Koppe; PEREIRA, Mariana
Mioranza Koppe. Hiperconsumo e a ética ambiental. In: PEREIRA, Agostinho Oli Koppe;
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<https://www.ucs.br/site/midia/arquivos/RC_MEIO_AMBIENTE_EBOOK.pdf#page=13>.
Acesso em: 19 fev. 2021.
159
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SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia da Letras, 2000.
TIMM, Luciano Benetti. Direito e economia no Brasil. São Paulo: Atlas, 2012.
TONIAL, Nadya Regina Gusella; SORDI, Andreza. A obsolescência programada e sua relação
com direito à informação e concretização do consumo sustentável. In: SOBRINHO, Liton
Lanes Pilau; ZIBETTI, Fabíola Wüst; SILVA, Rogerio da. Balcão do Consumidor: coletânea
educação para o consumo: sustentabilidade. Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo,
2018. Disponível em: < https://www.upf.br/balcaodoconsumidor/>. Acesso em: 20 fev. 2021.
160
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
1. INTRODUÇÃO
A pandemia da Covid-19 causou desordem biomédica e epidemiológica em escala
mundial, trazendo em seu bojo transformações nos hábitos e comportamentos humanos sem
precedentes. Naturalmente, o consumo e as prioridades atreladas a ele também sofreram
atualizações drásticas, mobilizando legisladores, juízes, entidades de classe e órgãos de defesa
do consumidor na busca de soluções de consenso capazes de minimizar os prejuízos.
Em tal cenário, para além do sistema obrigatório de home office, as restrições ao
deslocamento de consumidores, trabalhadores e bens de consumo, assim como o fechamento
do varejo considerado “não essencial”, alavancou vertiginosamente o comércio de mercadorias
e serviços realizado em ambiente virtual, incluindo o uso das redes sociais (E-commerce).
Aliou-se a isso um quadro de declínio econômico, em que muitos indivíduos
1
Advogada atuante, com dedicação ao Direito do Consumidor, graduada na Universidade Feevale de Novo
Hamburgo/RS, pós-graduada em investigação criminal e perícia forense pela faculdade Uniasselvi, mestranda em
psicologia criminal na universidade Del Atlântico, autora de produções e textos na área jurídica. Inscrita na
OAB/RS 66.354. E-mail: lubombinhas@gmail.com
161
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
2. CONSUMO X CONSUMISMO
A produção e o consumo são feitos históricos, mas segundo Marx (apud KONDER,
1999, p.121-122), é sob a ideologia capitalista, voltada para interesses mercadológicos e
obtenção do lucro, que os produtos ganham status próprio de mercadoria, alterando
profundamente a relação entre consumidores e objetos. Em outras palavras, o capitalismo foi o
regime que mercantilizou a vida humana.
Pois bem, o consumo se apresenta como espaço fundamental das sociedades
contemporâneas e um dos alicerces da economia, caracterizado pela ação de obter itens
necessários, como luz, água e alimentação.
A partir do crescimento do consumo surgiu a expressão ‘sociedade de consumo’,
representando a relação entre o comportamento consumista e o capitalismo, em que a produção
de bens e serviços excede a necessidade dos consumidores.
O consumismo não faz distinção entre o necessário e o desejável, instalando-se na
superficialidade. E ao exceder o limiar da segurança financeira leva à inadimplência e a
problemas sociais de difícil solução.
162
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Para Fernando Maskobi “há uma problemática entre o consumo consciente e o atual
sistema que depende do crescimento constante para se manter” (apud MANDALAH, 2021, p.
24).
Roldão Alves de Moura (2018, p.1). com propriedade assenta que:
163
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
consumidor brasileiro passou a realizar não apenas compras de produtos, mas atividades online
até então inéditas, como a utilização de aplicativos de bem-estar, meditação, serviços de
telemedicina, ensino à distância, etc.
Alie-se a isso, a exploração das redes sociais pelo marketing, onde são expostas fotos e
mensagens glamourizando estilos de vida e hábitos de consumo com a intenção de despertar o
desejo de gastar com aquilo que antes sequer era imaginado.
E apesar da sociedade de consumo estar calcada no crescimento para manter a circulação
de capitais e garantir que mais lucros sejam gerados nas várias áreas da economia, há, também,
muitas críticas a esse modelo que tende a chegar a um limite, e insustentável na perspectiva
ambiental, pois demanda aumento na exploração de recursos naturais e na geração de lixo e
poluição (LIMA, 2010).
Portanto, em que pese as pesquisas sobre meio ambiente e consumo, responsabilidade
social ou consumo sustentável tenham progredido, trata-se de uma problemática de caráter
ambivalente.
165
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
O assédio de consumo vem sendo considerado como um dos grandes desafios para o
Direito do Consumidor, ante o poder das redes socias e dos ambientes virtuais, da indústria
cultural e sua capacidade para influenciar o comportamento através da publicidade.
4. A (HIPER)VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR
em vista sua idade, saúde, conhecimento e condição social. Veda, também, a contratação de
empréstimos acima da capacidade de pagamento do consumidor.
A aprovação do projeto, segundo Teresa Liporace (2021), diretora executiva do Idec, é
uma boa perspectiva para todos, pois auxilia tanto as famílias endividadas quanto a economia,
reabilitando milhões de brasileiros para o mercado de consumo.
E o cenário de pandemia, combinando diminuição de renda e grande oferta de
empréstimos, amplia o endividamento das famílias, que, segundo o Banco Central, já é o maior
da série histórica (MARTELLO, 2021).
Com efeito, há necessidade de viabilizar alternativas que atendam aos desafios impostos
ou acentuados pela crise sanitária, e não apenas no campo jurídico, mas sob vários ângulos.
Encontrar alguém feliz por estar endividado é algo praticamente impossível. Portanto,
além de afetar a autoestima, o endividamento interfere na saúde física e mental do indivíduo,
com quadro de ansiedade e depressão, repercutindo em sua vida familiar e profissional. O
mesmo ocorre com credores, pois ter grande volume de inadimplência pode levar a empresa a
danos irreversíveis.
Paula Forgioni (2010) simplifica a questão assegurando que todo negócio possui uma
função econômica e nessa função encontra sua razão de ser, pois se liga à circulação de bens e
serviços.
As recentes mudanças demonstram que os indivíduos precisam aprender a lidar com
informações que influenciam diretamente o seu ambiente e suas escolhas. A própria
configuração social, conforme referido, evidencia a tendência consumista, requerendo da
população o desenvolvimento de um saber crítico para administrar sua renda, fazer escolhas e
definir suas prioridades.
6. CONCLUSÃO
169
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
__________.Segunda Seção. AREsp n. 1658218. Rel.: Luís Felipe Salomão. DJ: 18 mai.2020.
Disponível em:< https://www.stj.jus.br/> Acesso em: 09 fev. 2021.
__________. Senado Federal. Projeto de Lei n. 3.514 de 2015. “Altera a Lei nº 8.078, de 11 de
setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), para aperfeiçoar as disposições gerais
do Capítulo I do Título I e dispor sobre o comércio eletrônico, e o art. 9º do Decreto-Lei nº
4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), para
aperfeiçoar a disciplina dos contratos internacionais comerciais e de consumo e dispor sobre as
obrigações extracontratuais”, em tramitação no Senado Federal. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br> Acesso em: 10 jun. 2021.
__________. Projeto de Lei n. 3.515 de 2015. “Altera as Leis ns. 8.078, de 11 de setembro de
1990 (Código de Defesa do Consumidor), e 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do
Idoso), para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o
tratamento do superendividamento, e a Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1997”, em tramitação
no Senado Federal. Disponível em: <https://www.camara.leg.br > Acesso em: 10 jun. 2021.
FORGIONI, Paula A. Teoria Geral dos Contratos Empresarias. 2ª ed. rev. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010.
GOMES, Vanda Viana. Estilos de vida nas telenovelas: cultura do consumo, identidade e
pósmodernidade. Dissertação (mestrado em Letras e Ciências Humanas) – Universidade do
Grande Rio. Rio de Janeiro, 2012.
170
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
KONDER, Leandro. Mercadoria. In: Marx – vida e obra. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
MARTELLO, Alexandro. Endividamento das famílias bate recorde na pandemia, aponta Banco
Central. G1, Brasília, 15 fev.2021. Disponível em: < https://g1.globo.com> Acesso em: 08 jun.
2021.
MOURA, Roldão Alves de. Consumo ou consumismo: uma necessidade humana? Rev. Fac.
Direito São Bernardo do Campo, São Paulo, v. 24, n.1, 2018. Disponível em: <
http://www.mpsp.mp.br/> Acesso em: 08 jun. 2021.
ROCHA, Raquel Heck Mariano da. Modelos de regulamentação: reflexões para um eficiente
controle jurídico da publicidade no Brasil, Rev. Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 38, n. 2, p.
200-212, jul./dez. 2012.
171
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
1. INTRODUÇÃO
1
Mestranda em Direito na linha de pesquisa Tutelas à Efetivação de Direitos Transindividuais pela Fundação
Escola Superior do Ministério Público - RS. Especialista em Direito Público pela Fundação Escola Superior do
Ministério Público - RS. Pós-graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Fundação Escola Superior do
Ministério Público - RS. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa "A Proteção do Consumidor como Direito
Fundamental", coordenado pela Prof. Dra. Cristina Stringari Pasqual, do PPGD/FMP. Egressa do Curso
Preparatório para Carreiras Jurídicas na Fundação Escola Superior do Ministério Público - RS (2020). Bacharela
em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (2019).
2
Mestranda em Direito em Tutelas à Efetivação de Direitos Públicos Incondicionados do Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Direito da Faculdade de Direito da Fundação Escola Superior do Ministério Público
(FMP). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa de Relações Tensionais entre Mercado, Estado e Sociedade, Interesses
Públicos x Interesses Privados. Bacharela em Direito pela Faculdade de Direito da Fundação Escola Superior do
Ministério Público (FMP).
172
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
2. O CONCEITO DE DEFICIÊNCIA
Para começar-se a falar sobre o conceito de deficiência, pode-se dizer que conforme
destaca o dicionário Aurélio (2009, s/p) o significado de deficiência é: “s.f. Insuficiência
orgânica ou mental. / Defeito que uma coisa tem ou perda que experimenta na sua quantidade,
qualidade ou valor”. Contudo, por um longo período de tempo histórico, o termo deficiência
sempre foi visto como uma deformação física, uma lacuna no ser humano, sendo as pessoas
com deficiência encaradas como pessoas inválidas, e vítimas das próprias limitações.
No decorrer dos anos as pessoas que possuem deficiência acabam sendo oprimidas e
excluídas da sociedade em geral, onde são indivíduos vistos em situação vulnerável. De acordo
com Izabel Maria Madeira de Loureiro Maior (2015), em virtude da diferença, as pessoas com
deficiência são excluídas e segregadas da sociedade, além de serem tomadas como incapazes e
doentes.
Para reverberar essa ideia, Isaías Pessotti (1984, p.4) lembra que a deficiência era
conceituada pelo catolicismo como um castigo:
Até o aparecimento do cristianismo, o deficiente era visto como um ser sem alma,
dotado de uma infelicidade por ser assim constituído. A partir de então, ele ganha uma
alma e não pode ser mais abandonado e morto, sem atentar-se contra os desígnios de
Deus. Entretanto, [...] também passa a ser culpado pela sua condição, já que é
deficiente por um castigo divino. E como cristão, é castigado e deve sofrer e ser
punido.
Pessotti (1984, p. 9) ainda destaca como alguém com deficiência era visto na
sociedade:
173
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
[...] era visto como portador de desígnios especiais de Deus ou como presa de
entidades malignas às quais “obviamente” serviria através de atos bizarros como os
das bruxas. Dada a credulidade da população rural e seu fanatismo clerical, não
surpreende que entre as cem mil pessoas queimadas por bruxaria, só na Alemanha do
século XVII, estivessem incluídos centenas de dementes e amentes ou deficiente
mentais.
Além disso, durante muitos anos, decorrente a cultura da época e por não haver
investigação suficiente sobre as pessoas que possuíam algum tipo de deficiência, elas acabam
sendo vistas como objeto de desconhecimento, onde muitas eram consideradas como bruxaria,
onde a sociedade as considerava até mesmo “endemoniadas”, conforme Moisés e Stockmann
preceituam (2020).
Essa visão foi mudando após a Segunda Guerra Mundial, que deixou muitos soldados
mutilados, além dos horrores do Holocausto, que nessa época, houve maior reconhecimento da
dignidade humana e os direitos humanos, com a Declaração dos Direitos Humanos em 1948
(EFDH, 2016, p.13). Assim, a deficiência passa a ser vista como um problema social, onde falta
estrutura para que as pessoas com deficiência possam ter menos limitações, tanto física como
em razão de discriminações, e terem uma vida mais digna.
A Lei Federal n° 13.146/2015, que regulamenta internamente as disposições da
Convenção da ONU, prevê em seu artigo 2º:
Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo
prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com
uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em
igualdade de condições com as demais pessoas.
O mesmo Decreto além disso fez de forma categórica a diferenciação dos diferentes
tipos de deficiência como física, auditiva, visual, mental e múltipla, para assim, a melhor
174
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
175
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Ainda, para Platão, “quando a igualdade é conferida a coisas desiguais, o resultado será
desigual, a menos que se aplique a medida devida” (HELVESLEY, 2004, p. 144).
176
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
O presente Estatuto reitera também a ideia de que “todas as pessoas com deficiência são
iguais perante a lei e não sofrerão nenhuma espécie de discriminação”. Porém, é importante
177
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
destacar-se que a discriminação não é considerada somente a exclusão, ação violenta, ou ato
ofensivo à pessoa com deficiência, mas também a omissão com relação ao gozo de seus direitos
plenos, e também a falta de igualdade de oportunidades dessas pessoas com as demais.
É importante destacar-se também, que no ano de 2019, as vendas online no país
tiveram o crescimento de 22,7%, onde segundo o estudo da Compre&Compre, passou-se a
atingir um faturamento de 75 bilhões de reais, o qual em 2020, com a pandemia, aumentou
ainda mais.
Apesar da haver uma obrigação jurídica, o cenário de acessibilidade digital no Brasil
não é nada bom, onde de acordo com dois estudos realizados pelo Movimento Web para Todos,
que revelam dados preocupantes, menos de 1% dos sites brasileiros permitem o acesso para
pessoa com deficiência, e 100% dos sites mais acessados do e-commerce brasileiros apresentam
barreiras para a navegação deste público.
De acordo com um estudo feito pelo Web para todos em 2018, onde o nome é “As
Principais Barreiras de Acesso em Sites do E-commerce Brasileiro – 2º Estudo de
Acessibilidade em Sites”, foi destacado que haviam vários obstáculos na efetivação de
conseguir tornar viável o e-commerce para as pessoas com algum tipo de deficiência, sendo
esses sites considerados os principais nomes do mercado.
Outro objeto do estudo destacado foi que, apesar de haver uma descrição de imagem
pelo site, este se mostrou ineficaz, haja vista que pessoas que possuíam algum problema de
visão ou até mesmo uma deficiência visual, não conseguiam ler apenas pela descrição, e nesse
caso, a porcentagem de afetados ao não conseguirem efetuar a compra foi de 76%. Dentre as
informações que faltavam, se incluía por exemplo, a cor do produto, o que tornaria algo
dificultoso para que a pessoa pudesse efetuar sua compra sem saber essa informação.
Mais um dado importante é a dificuldade encontrada ao finalizar a compra na área do
formulário, onde por mais que a pessoa já tenha conseguido passar pela parte de escolha do
produto, a finalização ainda é um obstáculo. Foi destacado então que em 28% dos testes esses
usuários não conseguiram finalizá-la.
Nesse caso, ocorrem dois direitos violados. Primeiramente, a violação do atendimento
facilitado ao consumidor (art. 1º, Decreto 7.962/2013), tendo ele deficiência ou não.
Segundamente, a violação do direito de acessibilidade nos sítios mantidos por empresas com
sede no Brasil, conforme dispõe o artigo 63 do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei
13.146/2015).
178
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Algumas alternativas para sanar essa desigualdade por meio da tecnologia, são os
recursos que podem ser desenvolvidos acerca da acessibilidade no e-commerce, onde esses
recursos podem fomentar a acessibilidade no comércio eletrônico: sites com WAI-ARIA para
o conteúdo ser mais acessível na interface do site, leitores de tela, possibilidade do usuário
alterar cores no site, elementos dinâmicos no site, a audiodescrição de produtos, combinado
com uma descrição de imagem de qualidade; Possibilidade de zoom de 200%, com site
responsivo; Display em braille para facilitar o uso; Controle por entrada de voz também para
pessoas com dificuldades motoras; Cadastro simplificado; Interface limpa e objetiva; Textos
diretos e objetivos; Intérprete virtual de libras, entre outros.
5. CONCLUSÃO
179
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MAIOR, Izabel Maria Madeira de Loureiro. Movimento político das pessoas com deficiência:
reflexões sobre a conquista de direitos. Inclusão Social, v. 10, n. 2, dez. 2017.
MELLO, Celso Antônio Bandeira. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3.ed. São
Paulo: Malheiros Editores.
180
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
PESSOTTI, Isaías. Deficiência mental: da superstição à ciência. São Paulo: T.A. Queiroz/
Edusp, 1984.
WEB PARA TODOS. Comprar online: tarefa sofrida pra quem tem deficiência. Disponível
em: https://mwpt.com.br/comprar-online-tarefa-sofrida-pra-quem-tem-deficiencia/Acesso em:
30 jun. 2021.
181
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Resumo: O artigo analisa determinados aspectos processuais incidentes nas relações jurídicas
entre fornecedor e consumidor, com fundamento na aplicação conjunta do Código de Defesa
do Consumidor (CDC – Lei nº 8.078/90) e da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº
13.709/2018). De forma mais específica, examina a tutela provisória e a proteção preventiva
desses direitos como o meio processual mais adequado, além dos deveres de registro do
fornecedor controlador de dados e à consequente inversão do ônus da prova no processo
judicial.
Palavras-Chave: Direito do Consumidor; Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais; Tutela
Provisória; Ônus da Prova.
INTRODUÇÃO
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018 – LGPD) é, como a sua
denominação indica, uma lei geral que se aplica a qualquer atividade de tratamento de dados,
realizada por qualquer pessoa (natural ou jurídica, de direito público ou privado), em todos os
segmentos econômicos (ressalvadas as exceções do art. 4º da LGPD).
Além disso, há uma opção legislativa clara de proteger objetivamente os dados pessoais,
ou seja, é uma lei que estabelece os requisitos e os procedimentos adequados para o tratamento
de dados pessoais.
A LGPD incide para proteger objetivamente os dados pessoais em relações jurídicas
subjetivas reguladas por outras normas (como o Código de Defesa do Consumidor, o Código
Civil, o Marco Civil da Internet etc.)
Além disso, a LGPD também contém normas processuais (como a inversão do ônus da
prova), que incidem sobre os conflitos que tiverem em seu objeto o tratamento e a proteção de
dados pessoais.
Este artigo examina as regras processuais sobre a tutela provisória e a inversão do ônus
da prova, com a sua aplicação prática nos processos judiciais acerca de conflitos entre o
fornecedor controlador de dados pessoais e o consumidor titular desses dados.
1
Doutor em Direito (UFRS), Mestre em Direito e Relações Internacionais (UFSC), Professor e Juiz Federal.
182
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183
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(a) tutela de urgência, consistente em uma proteção imediata a situações urgentes, sobre
as quais há um risco (comprovado) de que não poderão ser prestadas no final do processo2;
2
Sobre o conceito da tutela de urgência no CPC: “(...) a técnica processual empregada para impedir a consumação
ou o agravamento do dano – o que pode consistir no agravamento do prejuízo ou no risco de que a decisão final
seja ineficaz no plano dos fatos, que geram a necessidade de uma solução imediata – e que pode ser classificada
como a tutela de urgência. É, pois, a resposta do processo a uma situação de emergência, de perigo, de urgência”
(WAMBIER, CONCEIÇÃO, RIBEIRO, MELLO, 2015, p. 498).
3
Para Daniel Mitidiero, a antecipação de tutela é uma técnica processual, enquanto a tutela cautelar é uma espécie
de tutela jurisdicional do direito. Em suma, a tutela antecipada é uma técnica de julgamento, com cognição sumária,
184
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
porque o juiz decide com base na probabilidade do direito, antecipando os efeitos do provimento final, que em
regra seriam produzidos apenas após o trânsito em julgado da decisão final (MITIDIERO, 2013, p. 17).
185
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
186
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
ocorrendo, com a circulação pública dos dados pessoais na internet (em um vazamento que se
renova diariamente).
Por isso, é preciso fazer uso das técnicas processuais adequadas para prevenir os danos
e para corrigir com celeridade os incidentes ocorridos com dados pessoais (principalmente no
cumprimento de obrigações de fazer e de não fazer e das medidas necessárias para esse fim,
como a busca e apreensão de equipamentos e dispositivos), a fim de minimizar a ocorrência de
danos e evitar a sua ampliação.
187
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
188
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
relação à prova a ser produzida. Como visto, busca-se, por meio dela, obter o equilíbrio entre
as partes, a isonomia processual e a paridade (material) de armas.
Enquanto a distribuição judicial ocorre nas situações genericamente descritas na
segunda parte do § 1º do art. 373 do CPC (a impossibilidade ou excessiva dificuldade de
cumprir o ônus ou a maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário) e exigem uma
análise subjetiva (logo, com maior grau de discricionariedade) do julgador, a distribuição legal
ocorre nas situações objetivamente descritas em lei.
O ônus da prova não pode ser distribuído de forma diversa quando tornar impossível ou
excessivamente difícil a produção da prova pela parte a quem se distribuiu o ônus (art. 373, §
2º, do CPC). Isso significa que a realização da distribuição dinâmica pressupõe, em tese, a
possibilidade de a parte se desincumbir do ônus. Tendo em vista que se atribui o ônus para a
parte que tem melhores condições de produzir a prova, não se pode conferi-lo a quem não tem
meios de apresentá-la. Em outras palavras, é vedada a distribuição do ônus da “prova
diabólica”, que é aquela que não pode ser demonstrada pela parte autora, mas igualmente não
pode ser demonstrada pelo réu. Assim, se o ônus da prova pode ser distribuído para a parte que
tiver maior facilidade para a produção da prova, isso também significa que não pode ser
efetivado para a parte que não puder apresentá-la. Em suma, a redistribuição do ônus da prova
não pode implicar na imposição da produção de prova diabólica para a outra parte.
Deve também ser observado o momento processual adequado para o juiz determinar a
distribuição dinâmica do ônus da prova, que é o saneamento do processo. Logo, trata-se de uma
regra de instrução processual (ou de procedimento) e não de uma regra de julgamento. Assim,
a parte não pode ser surpreendida ao final do processo com uma regra de distribuição diferente
do ônus da prova (o que violaria os princípios do devido processo legal, do contraditório e da
ampla defesa). Com fundamento no princípio do contraditório, o juiz deve anunciar
previamente a distribuição dinâmica do ônus da prova, para permitir que a parte se desincumba
desse ônus. Por isso, como visto, a parte para quem se atribui o ônus deve ter a oportunidade
de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído (contraditório), o que deve ocorrer durante a
fase instrutória, a partir da distribuição dinâmica. Desse modo, o CPC também prioriza a
segurança jurídica e a previsibilidade das decisões judiciais, como consequência do
contraditório prévio.
Excepcionalmente, caso se constate no final da fase da instrução a necessidade da
produção de outras provas para esclarecer determinado fato, e que para esse fim estejam
presentes os cinco requisitos anteriores para a distribuição dinâmica, o juiz pode converter o
189
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
julgamento em diligência e determinar o ônus da prova de modo diverso, desde que também
reabra a instrução processual e permita à parte atingida se desincumbir de seu ônus.
Na LGPD, existem duas regras sobre o ônus da prova:
(a) o controlador tem o ônus de provar que o consentimento do titular (quando for a base
legal do tratamento de dados pessoais) foi prestado de acordo com os requisitos legais, ou seja,
há uma inversão legal do ônus da prova (art. 8º, § 2º, da LGPD);
(b) o juiz pode distribuir o ônus da prova de modo diverso, para atribui-lo à parte
contrária ao titular dos dados pessoais, quando for verossímil a alegação, houver
hipossuficiência para fins de produção de prova ou quando a produção de prova pelo titular
resultar-lhe excessivamente onerosa (art. 42, § 2º, da LGPD).
Em primeiro lugar, o art. 8º, § 2º, atribui ao controlador o ônus da prova sobre o
consentimento do titular (quando for a base legal do tratamento de dados pessoais).
O consentimento é definido no inciso XII do art. 5º da LGPD como a “manifestação
livre, informada e inequívoca pela qual o titular concorda com o tratamento de seus dados
pessoais para uma finalidade determinada”. Trata-se da autorização fornecida pelo titular para
a realização das atividades de tratamento dos dados pelo controlador, ou pelo operador em nome
deste.
Conforme o art. 8º da LGPD, deve ser expresso (manifestação positiva da vontade do
titular), realizado por escrito, é revogável e deve constar de uma cláusula exclusiva, com
finalidade específica e limitada (tendo em vista que não há poder absoluto e genérico para o
tratamento dos dados pessoais). Ainda, o consentimento não pode ser genérico, o titular deve
ter o pleno conhecimento de todo o ciclo de vida do tratamento dos dados pessoais pelo
controlador (da captura ao descarte).
Em suma, o controlador tem o ônus de provar que o consentimento foi dado e, mais do
que isso, que o consentimento foi dado de acordo com os requisitos legais.
Por isso, caso haja controvérsia judicial sobre o fornecimento (ou não) do consentimento
pelo titular para o tratamento de seus dados pessoais, nesse ponto o ônus da prova é do
controlador (sem prejuízo de definição de outras regras de distribuição para outras questões
controvertidas no processo).
Não se trata da única hipótese de documentação ou registro de atividades pelo
controlador prevista na LGPD. A lei contém diversos deveres de registro, especialmente sobre
o relatório de impacto (arts. 5º, XVII, 10, § 3º, 32 e 38, todos da LGPD), documento essencial
190
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
para as organizações que realizam o tratamento de dados, porque descreve todo o seu
processamento e o ciclo do tratamento.
Busca-se, com isso, a preservação adequada dos atos praticados pelo controlador (ou
pelo operador sob a sua ordem), a fim de assegurar a auditabilidade, a autenticidade e a
integridade das provas, quando forem necessárias (não apenas em processos judiciais, mas
também em processos administrativos, ou para atender requerimento do titular, ou para controle
interno da própria organização).
Em segundo lugar, o art. 42, § 2º, da LGPD contém uma regra de distribuição dinâmica
do ônus da prova em favor do titular dos dados pessoais, com as seguintes características:
(a) é uma distribuição limitada à inversão do ônus da prova, do titular para o controlador;
(b) é possível mediante o cumprimento de três requisitos, consistentes em
(b.1) existência de controvérsia processual sobre uma relação jurídica entre um titular
de dados pessoais e o agente de tratamento (controlador e, eventualmente, operador);
(b.2) verossimilhança das alegações do titular;
(b.3) e hipossuficiência do titular na produção da prova ou quando produção da prova
pelo titular for possível, mas excessivamente onerosa.
Assim, em cada caso, o juiz deve avaliar qual das partes tem melhores condições de
produzir a prova e atribuir o ônus à parte que litigar contra o titular dos dados pessoais (autor
ou réu), para alcançar o equilíbrio entre as partes, a isonomia processual e a paridade (material)
de armas.
Há uma clara semelhança entre a regra do art. 42, § 2º, da LGPD, com a regra de inversão
do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90
– CDC).
CONCLUSÕES
Como visto, o CDC contém as primeiras normas sobre a regulação da formação dos
bancos de dados no Brasil e diálogo em diversas questões com a LGPD.
O diálogo das fontes entre a LGPD e o CDC para a regulação da obtenção, tratamento
e proteção de dados nas relações de consumo (entre outras atividades relacionadas aos dados
pessoais) deve ser uma combinação de normas frequentemente utilizada na prática (em conjunto
com o Marco Civil da Internet).
As práticas de tratamento de dados pessoais nas relações de consumo são reguladas pela
LGPD e pelo CDC, que buscam equilibrar as relações entre o fornecedor controlador de dados
e o consumidor titular dos dados pessoais, garantir a informação adequada, coibir práticas
191
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
REFERÊNCIAS
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo
Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código
de Processo Civil artigo por artigo. São Paulo: RT, 2015.
192
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
1. INTRODUÇÃO
A pandemia do covid-19, iniciada no início de 2020, vem alterando a vida das pessoas
em escala mundial, sem precedentes. A rápida disseminação do vírus e a necessidade de
isolamento social trouxe consigo a paralisação da indústria, da prestação de serviços, o
fechamento do comércio considerado não essencial, de instituições de ensino, etc., alterando
abruptamente a situação econômica dos indivíduos. Corolário lógico, afetou diretamente o
cumprimento dos contratos nos termos originalmente estabelecidos, e a busca por soluções
tanto conciliatórias quanto judiciais.
Em que pese a teoria contratual não sofrer mais a rigidez do princípio pacta sunt
servanda, amparada pelos princípios da função social, da boa-fé e do equilíbrio econômico,
com aplicação das teorias da imprevisão e da lesão, que permitem ao Judiciário, quando
provocado, rever as cláusulas do contrato para restaurar eventual desequilíbrio econômico, a
questão não é simples, pois atinge a todos.
Parte-se, então, do entendimento de que a justiça se faz por meio de princípios e valores
jurídicos associados à dignidade da pessoa humana, e aos fundamentos do Estado Democrático
1
Advogada atuante na esfera cível, com dedicação ao Direito do Consumidor, graduada na Universidade Feevale
de Novo Hamburgo/RS. Autora da obra: A Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo, e demais produções,
textos e artigos na área jurídica. OAB/RS 66.593.
193
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
de Direito, em que a aplicação das normas se flexibiliza para melhor atender as demandas
sociais.
Junta-se ao contexto, o fundamento da ordem econômica expressa pela Constituição
Federal em dois pilares principais: a valoração do trabalho e a livre iniciativa, com destaque ao
princípio da defesa do consumidor (art. 1°, II, III c/c art. 170, V).
A premissa do Código de Defesa do Consumidor é a de proteger a parte mais vulnerável
da relação, colocando em situação de equilíbrio pessoas social e economicamente distintas.
Mas as consequências jurídicas da pandemia, e os inúmeros atos normativos que dela
decorrem, atinge praticamente todos os ramos do Direito Civil, germinando ações judiciais
na frenética busca de revisão de contratos, das mais variadas vertentes.
Nesse rumo, por mais exploradas que sejam as questões de consumo, os magistrados se
encarregam de modificar interpretações legais, surgindo novas soluções para antigos
problemas, a depender do contexto analisado. Já assentou Rizzatto Nunes: “a cada dia, nós da
área jurídica, ficamos mais inseguros na medida em que parece mesmo que se pode falar
qualquer coisa a respeito de qualquer coisa” (2018, p.1).
Nesse norte, com base em pesquisa legislativa, fontes jurisprudenciais e bibliográficas,
o presente trabalho revisa os princípios consumeristas, notadamente a boa-fé, a função social,
o equilíbrio contratual, e os limites da teoria da imprevisão no contexto pandêmico da covid-
19, e o modo como o Judiciário vem se posicionando a respeito.
2. O CONTRATO DE CONSUMO
No que pertine aos contratos de adesão, estes devem ser “redigidos em termos claros e
com caracteres ostensivos e legíveis de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor”
(art. 54, §3º).
Outrossim, apesar do Código do Consumidor adotar a denominação “contrato de
adesão”, algumas decisões judiciais acentuam a distinção entre os termos “de” adesão e “por”
adesão.
O contrato “de” adesão seria aquele em que o consumidor só dispõe de uma empresa
para buscar o produto, não podendo fugir daquele contrato, como o fornecimento de energia
elétrica, por exemplo. E o contrato “por” adesão seria aquele em que haveria outras opções para
aderir, como no caso de cartões de crédito, em que o consumidor poderia escolher não contratar,
ou contratar a opção que lhe seria mais benéfica ou vantajosa (GOMES, 1995, p. 109).
De qualquer modo, a possibilidade de revisão judicial dos contratos decorre da
manifesta abusividade dos encargos contratados, de vícios na manifestação de vontade, ou de
evento superveniente que tenha tornado a obrigação extremamente onerosa para o consumidor.
Com base no Código de Defesa do Consumidor a revisão contratual serve para modificar
eventuais cláusulas iníquas e abusivas (geralmente em contratos de adesão), face a
vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor. Ou, ainda, em circunstância excepcional ou
extraordinária posterior, alterando as condições objetivas vigentes na celebração
do contrato, tornando excessivamente onerosa a prestação para uma das partes (BRASIL.
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2019).
A teoria da imprevisão não é nova, e é emblemática em matéria contratual, notadamente
no que se convencionou chamar de “indústria da revisional”, diga-se, no mais das vezes, arguida
196
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
O Tribunal de Santa Catarina, do mesmo modo, entende que não se pode aplicar a teoria
da imprevisão para favorecer apenas uma das partes, como seria o caso da pandemia de Covid-
19 (BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina, 2021-A).
Fundamenta as decisões o fato de que os efeitos adversos da pandemia atingem a todos,
seja na área da saúde, no setor social ou econômico, e assim seria “necessária a demonstração
não apenas de que quem pretende a revisão do contrato esteja sofrendo sérios prejuízos
financeiros, mas também de que a parte contrária esteja beneficiando-se da situação” (BRASIL.
Tribunal de Justiça de Santa Catarina, 2021-B).
As decisões transcritas prejudicam o consumidor, impondo-lhe o ônus de demonstrar,
também, a vantagem do fornecedor ou prestador de serviços. Tal encargo é inviável, pois não
possui condições para tanto. A inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII), exceção da regra do
Código de Processo Civil, no caso, também não lhe beneficia, pois nada obriga o credor a fazer
prova em seu desfavor.
De forma diversa, e em maior sintonia com o CDC, o Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e dos Territórios entende que:
198
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
requisitos na busca de soluções para as diversas questões contratuais postas ao Judiciário, que
tem se mostrado exigente em relação ao consumidor quanto a demonstração do desequilíbrio
contratual.
Vale referir que a teoria da imprevisão não encontra amparo por quem já se encontrava
inadimplente ou prestes a inadimplir antes da ocorrência do imprevisto, prevalecendo o
princípio da boa-fé objetiva.
199
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
[...]. É certo que a pretendida redução do valor das mensalidades trará consequências
econômicas desfavoráveis à instituição de ensino agravante. Cabe ponderar,
entretanto, em contrapartida, (i) que, pelo prisma da função social do contrato (CC,
art. 421), o dano proveniente da situação, transcendendo o plano patrimonial, seria
ainda muito maior para a agravada, se compelida pelas circunstâncias a abandonar o
curso; (ii) que a medida e qualidade das aulas provavelmente não têm sido as mesmas
nesse período, até em função das sabidas dificuldades técnicas para trabalhos
realizados em sistema de videoconferência; (iii) que os custos da prestação de serviços
pelo agravante certamente se reduziram nesse período da pandemia, no mínimo pela
drástica diminuição dos gastos com a manutenção dos prédios em que normalmente
são realizadas as atividades educacionais, e pelo igualmente significativo decréscimo
dos respectivos encargos trabalhistas; e (iv) que o prejuízo para a instituição de ensino
agravante seria bem maior caso a agravada deixasse o curso prejuízo esse, por sinal,
ainda muito mais significativo se projetada a questão em maior escala, vale dizer, com
o foco voltado aos certamente inúmeros outros alunos que enfrentam situações
semelhantes à da agravada. (BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo, 2020).
5. DA BOA-FÉ OBJETIVA
200
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o cumprimento das obrigações
e a realização dos interesses de ambos.
O Código Civil dispõe que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão
do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e de boa-fé” (art.422).
As partes devem cooperar para superar eventual crise surgida na execução do contrato,
observadas as condições próprias. Marçal Justen Filho (2020, p. 5) assenta que a sociedade
enfrenta problemas e dificuldades de mesma natureza e de extensão similar. No entanto, alguns
apresentam vulnerabilidade mais acentuada aos problemas, dentre eles os consumidores, e não
podem ser ignoradas.
Para o referido autor, o relacionamento entre as partes deve subordinar-se ao dever de
boa-fé objetiva e lealdade, conduzindo-se de modo honesto, respeitoso e cauteloso
relativamente aos interesses e direitos da outra parte; dever de adoção de providências
preventivas e mitigadoras de efeitos danosos; dever de comunicar à outra parte a ocorrência de
eventos capazes de afetar a execução da prestação, dentre outras condutas.
O ideal de boa-fé é mutável, mas serve como referencial no Judiciário para limitação de
ilegalidade e abusos.
201
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
[...]. Deveras, consoante cediço, o princípio pacta sunt servanda, a força obrigatória
dos contratos, porquanto sustentáculo do postulado da segurança jurídica é princípio
mitigado, posto sua aplicação prática estar condicionada a outros fatores, como, por
v.g., a função social, as regras que beneficiam o aderente nos contratos de adesão e a
onerosidade excessiva.( BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 2011).
7. CONCLUSÃO
203
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
OBRAS CONSULTADAS
ALVES, Rainer Grigolo de Oliveira. A função social dos contratos de consumo e a pandemia
Covid-19, 08 abr. 2021. Disponível em:< https://procon.rs.gov.br/funcao-social-dos-contratos-
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204
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
_________. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Segunda Turma Recursal.
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Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br> Acesso em: 12 jun. 2021.
_________._________. Primeira Turma Cível. Acórdão n. 880376. Rel. Des. Simone Costa
Lucindo Ferreira. DJ: 08 jul. 2015. Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br> Acesso em: 25
maio. 2021.
205
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
SANTOS, Eduardo Sens dos. A Função Social do Contrato. Florianópolis: OAB/SC Editora,
2004.
206
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
1 INTRODUÇÃO
1
Acadêmico do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Aluno
de Iniciação Científica do Projeto de Pesquisa nomeado Interfaces entre o Direito das Relações de Consumo e o
Direito Animal. E-mail: vi.wdson@gmail.com.
2
Acadêmica do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Aluna
de Iniciação Científica do Projeto de Pesquisa intitulado Interfaces entre o Direito das Relações de Consumo e o
Direito Animal. E-mail: ingridoliveira779@gmail.com.
3
Técnica em Administração (IFRN). Acadêmica do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte (UFRN). Aluna de Iniciação Científica do Projeto de Pesquisa nomeado Interfaces entre o
Direito das Relações de Consumo e o Direito Animal. E-mail: ermanalarissa2014@gmail.com.
207
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Em tal viés, propõe-se o estudo acerca da prática da precificação de produtos com base
em critérios de geolocalização (geopricing), diante das normas jurídicas constitucionais e do
microssistema do consumidor, a partir da compreensão das relações de consumo no comércio
eletrônico, da precificação por meio de critérios de geolocalização e das normas jurídicas
incidentes sobre a prática, com o objetivo de identificar a conformidade ou desconformidade
da precificação com base na geolocalização com o ordenamento jurídico.
Para tanto, utiliza-se pesquisa de natureza objetiva descritiva, por meio de técnicas de
coleta padrão de pesquisas doutrinárias e leituras documentais, mediante pesquisa informativa
por seleção e por meio de pesquisa interpretativa, com abordagem predominantemente
hipotético-dedutiva, na medida em que se lança mão de uma cadeia descendente (do geral ao
particular) de raciocínio.
208
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
209
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
A Geolocalização pode ser compreendida como a técnica por meio da qual é possível
descobrir onde um usuário está localizado e, conforme desejado, compartilhar essa informação
com outras pessoas ou aplicativos. Para isso, diferentes métodos podem ser utilizados para
recepcionar a localização do indivíduo, como seu endereço eletrônico, sua conexão de rede sem
fio, a torre de celular com a qual o telefone está conectado, ou por Sistemas de Posicionamento
Global - GPS. (SANTOS JÚNIOR, 2015).
O processo de geolocalização é viabilizado pela ampla conexão do sistema de internet,
que a partir de uma rede descentralizada cria um conjunto de protocolos de comunicação através
dos quais inúmeras redes de computadores transmitem dados entre si. Essa comunicação se
baseia no protocolo denominado Transmission Control Protocol/Internet Protocol (TCP/IP).
(CARVALHO, 2006).
Esse protocolo é o que permite um diálogo efetivo entre os computadores, pois
estabelece um mecanismo de controle e verificação da transmissão das mensagens trocadas; um
mecanismo de endereçamento lógico, que permite a identificação única de uma máquina e a
sua consequente localização e conexão entre diversas redes. (CERF; KAHN, 1974).
210
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Desse modo, há uma constante coleta de dados dos usuários, por aplicativos ou
aparelhos eletrônicos, os quais interpretam os dados por algoritmos próprios que permitem
identificar a localização diária dos indivíduos. Há, assim, um mapeamento dos usuários por
parte das grandes empresas ligadas a essa tecnologia geoespacial. Nesse ínterim, as pessoas
estão sendo constantemente rastreadas em virtude do crescente uso da internet das coisas, por
meio da qual sensores, microfones e câmeras conectadas aos dispositivos utilizados no
cotidiano passam a coletar cada vez mais dados sobre os indivíduos (EZRACHI; STRUCKE,
2016).
Destarte, “toda compra feita é documentada; todo local visitado é mapeado; os gostos
pessoais são registrados; os problemas de saúde são conhecidos; a situação financeira é
informada” (FERGUSON, 2017). Em posse dessas informações as empresas podem usá-las
para fins próprios, como a construção do perfil do usuário de modo a traçar estratégias de
marketing mais eficientes, que acatam as preferências de cada consumidor em potencial.
Por outro lado, muitas empresas que fornecem bens e serviços utilizam a geolocalização
do indivíduo para estabelecer o preço dos seus produtos, definindo, assim, preços diferentes
como consequência das posições geográficas distintas. Essa prática de precificar com base na
geolocalização dos usuários é denominada de geopricing/geoprecificação, por meio da qual é
estabelecida uma diferenciação de preços tendo em vista a origem geográfica do consumidor
(GUIMARÃES, 2019).
Assim sendo, é importante examinar se há razões econômicas legítimas que justifiquem
a diferenciação do preço ofertado e tornem a discriminação do preço razoável. Aqui cabe
menção às questões logísticas, que encarecem o envio de um produto ou o desempenho de um
serviço em determinada região. Entretanto, se o aumento do preço não tiver relação com o custo
do produto ou do serviço, a diferenciação é desprovida de justificativa. É o caso da cobrança de
valores diferentes com base no poder de compra de alguns consumidores, o que se mostra
injustificável (GUIMARÃES, 2019).
Segundo pesquisa realizada em 2012 pelo jornal Wall Street Journal, o mecanismo da
geoprecificação pode ser interpretado como a reprodução de uma tática comercial comum e que
é normalmente legítima. Seria a precificação uma consequência da quantidade de concorrentes
no local da proposta. Desse modo, é usual que em locais que têm muitas ofertas, os preços
entrem em concorrência e, por isso, baixem. Em contraposição, em locais com poucas ofertas
o produto é geralmente oferecido com preço mais alto, pois não há concorrência que ameace a
211
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Assim sendo, é fácil constatar que todos os indivíduos são, em maior ou menor grau,
consumidores de bens e serviços. Isso porque, a cada instante do cotidiano o ser humano precisa
usar algum produto, seja bem ou serviço, desde a alimentação diária até serviços de assistência
jurídica, econômica ou psicológica. Desse modo, é possível entender que a estruturação do
Estado, com a divisão do poder e organização dos meios de produção, tem em vista o consumo,
que é uma faceta do bem-comum. (FILOMENO, 2015).
Contudo, no histórico das relações consumeristas, foi constatada a vulnerabilidade dos
consumidores perante os fornecedores. Isso porque, quando os vendedores regulam a forma do
comércio, os consumidores ficam à mercê das estipulações do mercado. Além disso,
historicamente, preços abusivos comprometeram o consumo por parte dos indivíduos de baixa
renda (FILOMENO, 2015).
Porém, o consumo é importante para a qualidade de vida e por isso, a partir da segunda
metade do século XIX, o movimento consumerista se alinhou a movimentos sindicalistas,
pleiteando por melhores condições de trabalho e do poder aquisitivo, além dos direitos humanos
universais (FILOMENO, 2015).
Desse modo, o consumidor é considerado hipossuficiente e, por isso, possui tratamento
especial nas diversas legislações. No Brasil, a proteção do consumidor está prevista na
Constituição Federal, que em seu Art. 170, V, cujo conteúdo determina que a ordem econômica
está fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo como finalidade,
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, devendo observar a
defesa do consumidor (BRASIL. 1988).
Aliado a isso, o Brasil possui um microssistema de defesa do consumidor, o qual
assenta-se na Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), norma de ordem pública
e relevante interesse social (GRAU, 2017). Assim, com o propósito de conferir maior proteção
aos consumidores, o CDC estabeleceu a responsabilidade objetiva do fornecedor, determinando
em seu artigo 14 que a responsabilidade do fornecedor não depende de culpa para reparação de
danos causados por defeitos na prestação de serviços ou pela insuficiência ou inadequação das
informações prestadas ao consumidor (BRASIL, 1990).
212
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
213
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
214
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
“do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação” (BRASIL, 1988).
Neste ínterim, cabe acrescentar, ainda, que o Art. 170 estabelece como princípio geral
da atividade econômica a redução das desigualdades regionais e sociais. Contudo, na medida
em que o geopricing estabelece preços diferentes para regiões diferentes, se configura uma
discriminação regional que é capaz de agravar desigualdades regionais e sociais. Isso porque
consumidores de uma região com preços mais caros, mediante o fator da geoprecificação,
possuem seu poder de compra corroído, enquanto usuários de regiões com mercadorias mais
baratas possuem maior capacidade de consumir aquele bem.
215
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
216
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Dito isso, a função do Estado é evitar as práticas errôneas por parte dos empresários e
proteger o consumidor, pois sua proteção está ancorada na sua presunção de vulnerabilidade e
hipossuficiência. Assim, o Estado deve ter como objetivo a intervenção para deixar a relação
de consumo mais equitativa. (MUNHOZ, 2015)
4.1 Fatores que fazem o preço das mercadorias serem de menor custo, no comércio
eletrônico.
218
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
5 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe.
Manual de direito do consumidor. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.
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de preços de produtos e serviços para o consumidor. Disponível em:
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STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2014.
222
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
1
Diretora ( ) e Professora Titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Professora Permanente do PPGD da mesma instituição. Doutora em Direito pela Universidade de Heidelberg.
ORCID: 0000-0001-9548-0390. OAB/RS 25.593. e-mail: cmarques.ufrgs@gmail.com
2
Professora Substituta na Faculdade de Direito e Relações Internacionais da Universidade Federal da Grande
Dourados. Doutora e Mestra em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. ORCID: 0000-0002-
0838-3566. OAB/RS 73.318. e-mail: luciadaquino@ufgd.edu.br
3
Professor Voluntário na Universidade Federal de Goiás. Doutorando e Mestre em Direito pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Bolsista CAPES. ORCID: 0000-0003-3709-6539. OAB/RS 94.127. e-mail:
mucelin27@gmail.com
4
Doutoranda em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Especialista em Direito Francês e
Europeu dos Contratos pela Université Savoie Mont Blanc, em Direito do Consumidor e Direitos Fundamentais
pela UFRGS e em Direito Público pelo UniCEUB. ORCID n. 0000-0002-3110-0317. OAB/RS 89.847B. e-mail:
mlbtarga@gmail.com
5
Professora permanente da Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Uberlândia e Professora
Adjunta na Graduação na mesma instituição. Doutora em Direito Internacional pela UFRGS. ORCID n. 0000-
0001-9912-9047. OAB/RS 78.643. e-mail: tatiafrcardoso@gmail.com
66
Para uma visão mais completa destes estudos, veja MARQUES et al., 2020; TARGA; SQUEFF, 2020;
MUCELIN; D’AQUINO, 2020.
223
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
7
O primeiro caso foi reportado em 27 de fevereiro (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2020a).
8
O Decreto Legislativo n. 6 reconheceu a ocorrência do estado de calamidade pública, nos termos da solicitação
do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem n. 93, de 18 de março de 2020 (BRASIL, 2020b).
224
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Ademais, a nova situação em que se encontra o país também demonstra uma maior
ocorrência de práticas abusivas por parte dos fornecedores, dentre elas o preço abusivo do
álcool em gel e de máscaras, além da cobrança de taxas elevadas para a entrega dos produtos
na residência do consumidor ou em caso de cancelamento de serviços turísticos contratados
antes da pandemia ser assim declarada e das próprias restrições atinentes a mobilidade de
indivíduos serem adotadas no território nacional. Outrossim, algumas dessas medidas adotadas
pelos fornecedores, especialmente aqueles vinculados ao Turismo, sob o pretexto de evitar o
colapso deste setor, passaram a ser vistas como “necessárias” pelo Governo Federal,
especialmente ao considerar que ele, em 2019, representou 8,1% do Produto Interno Bruto
(PIB), empregando 6,9 milhões de pessoas (SANIELE, 2019).
Todavia, por certo que estas medidas não poderiam resguardar apenas os interesses
empresariais em detrimento do dever constitucional de proteção ao consumidor, que é ao
mesmo tempo direito fundamental (Art. 5, XXXII da CF/1988) e princípio norteador da ordem
econômica pátria (Art. 170, V da CF/1988). Por isso, as duas Medidas Provisórias de números
925 e 948 expedidas pelo Poder Executivo, voltadas ao setor em comento, as quais tentam
assegurar o fluxo de caixa empresarial através da supressão de direitos assegurados aos
consumidores pela legislação em vigor serão objeto de análise da primeira parte do presente
texto.
Outrossim, importa dizer que essas não essas as únicas respostas à crise gerada pela
Covid-19 no país relacionadas à pauta consumerista, devendo ser analisada a atividade do
Parlamento Brasileiro. Ponderando que o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor é
que fundamenta o dever estatal de promoção de sua defesa, vislumbra-se em dois Projetos de
Lei, os de números 3515/20159 e 1997/2020, medidas que visam resguardar os interesses e
assegurar o bem-estar da parte vulnerável da relação de consumo através da concessão de alívio
financeiro aos mesmos, que, em tempos tão difíceis como estes introduzidos pela pandemia,
mostram-se essenciais para a sociedade como um todo – inclusive para o setor econômico – e,
à luz da própria experiência do direito comparado, seriam as ações mais apropriadas para o
presente momento, motivo pelo qual elas serão igualmente objeto de análise na segunda parte
deste texto.
9
Referido Projeto de Lei foi aprovado e sancionado, tendo se convertido na Lei n. 14.181/2021 (BRASIL,
2021.). Por razões de coerência com o restante do texto, foi mantida a redação original do artigo, elaborado
anteriormente à aprovação da lei.
225
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Indubitavelmente, alguns dos setores mais afetados pela pandemia são o de turismo e o
de serviços aéreos, uma vez que o fechamento de fronteiras por parte de diversos países e as
medidas de distanciamento social acabaram por reduzir drasticamente a atividade das
companhias aéreas e também daqueles que atuam no ramo do turismo – guias turísticos, hotéis,
agências de viagens. Se na primeira quinzena de março, quando iniciaram as medidas restritivas
no Brasil, a Covid-19 provocou perdas de R$ 2,2 bilhões no turismo brasileiro, representando
uma queda de 16,7% em relação ao mesmo período do ano passado (CAMPOS, 2020), a
segunda quinzena já reportava perdas de R$ 11,96 bilhões – uma queda de 84% no faturamento
em relação ao mesmo período do ano anterior, projetando uma perda de 295 mil empregos
(TURISMO..., 2020).
Em vista disso, buscando adotar medidas emergenciais destinadas ao combate das
consequências geradas pela pandemia naqueles setores vinculados ao turismo, incluindo-se o
de transporte aéreo, muito em razão da sua importância para a economia brasileira, o Poder
Executivo decidiu por editar uma série de Medias Provisórias, dentre as quais destacam-se a de
n. 925 e a de n. 948 vez que atreladas às relações de consumo vinculadas à este setor e que têm
gerado uma grande controvérsia, notadamente por resguardarem os interesses dos fornecedores
em detrimento dos consumidores, como explora-se nos itens a seguir.
10
A Medida Provisória n. 926, de 20 de março, alterou a redação do inciso VI do artigo 3º da referida Lei, que
passou a conter a seguinte redação: “restrição excepcional e temporária, conforme recomendação técnica e
fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por rodovias, portos ou aeroportos de: a) entrada e
saída do País; e b) locomoção interestadual e intermunicipal;” (BRASIL, 2020d).
11
A Portaria n. 454, de 20 de março de 2020, do Ministério da Saúde, declarou, em todo o território nacional, o
estado de transmissão comunitária da COVID-19 (BRASIL, 2020o). Todavia, antes disso, já se verificava em
alguns municípios e estados a transmissão comunitária (cf. CADEMARTORI, 2020).
226
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
2020) e GOL (ALERIGI JR., 2020) divulgaram a suspensão de grande parte de seus voos,
especialmente aqueles com destino e origem no exterior. Outrossim e a exemplo do que vem
ocorrendo em outras nações, os voos internacionais e, por consequência, os nacionais, passaram
realmente a diminuir quando o país determinou o fechamento excepcional e temporário de
fronteiras terrestres e aéreas (RIVIERA, 2020).
Por meio da Portaria Interministerial n. 120, de 17 de março, sancionou-se a restrição
excepcional e temporária de entrada no país de estrangeiros oriundos da Venezuela (BRASIL,
2020i) em virtude de uma recomendação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA) (ARAÚJO; OLIVEIRA, 2020); por sua vez, a Portaria Interministerial n. 125, de
19 de março, estabeleceu a restrição excepcional e temporária de entrada por via terrestre de
estrangeiros oriundos da Argentina, Bolívia, Colômbia, Guiana Francesa, Guiana, Paraguai,
Peru e Suriname (BRASIL, 2020j); já a Portaria Interministerial n. 126, também de 19 de
março, restringiu a entrada por via aérea de estrangeiros provenientes da Austrália, da China,
da Coréia, da Irlanda do Norte, da Islândia, do Japão, da Malásia, da Noruega, do Reino Unido,
da Suíça e da União Europeia (BRASIL, 2020l); por seu turno a Portaria n. 132, de 22 de março,
determinou a restrição de entrada no país, por via terrestre, de estrangeiros provenientes do
Uruguai (BRASIL, 2020m); e, por fim, a Portaria n. 133, de 23 de março, incluiu, no rol da
Portaria Interministerial n. 126, o Irã (BRASIL, 2020n).
De acordo com informação atualizada constante no site da Associação Internacional de
Transporte Aéreo (IATA)12, nenhum passageiro está permitido, no momento, a entrar no país,
com exceção dos nacionais e migrantes residentes em território nacional, bem como de
‘profissionais não-nacionais’ a serviço de órgãos internacionais, de não-nacionais que tenham
familiares brasileiros natos ou naturalizados que estejam no Brasil, de migrantes com ingresso
autorizado pelo Governo Federal em vista do interesse público e de migrantes que sejam
portadores de Registro Migratório Nacional (IATA, s.d.).
Não apenas isso, a orientação de distanciamento social dada por autoridades sanitárias
nacionais e internacionais, por prefeitos e governadores (VALENTE, 2020), bem como em
vista do receio de contrair a enfermidade e/ou do cancelamento de eventos profissionais,
acadêmicos e pessoais, que ensejavam o deslocamento aéreo, fez com que os voos não apenas
fossem reduzidos como também motivou diversos consumidores brasileiros a solicitar o
cancelamento do serviço e a consequente remarcação ou o reembolso do valor pago na
12
A IATA, International Air Transport Association, foi fundada em 1945 e é hoje considerada o principal veículo
de cooperação entre companhias aéreas na promoção de serviços seguros e confiáveis.
227
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
aquisição dos bilhetes aéreos. Logo, em virtude deste cenário, não restam dúvidas de que um
dos setores mais afetados pela pandemia da Covid-19 é justamente o de transporte aéreo, cujos
prejuízos às transportadoras, segundo estimativa da IATA (2020), será de aproximadamente
314 bilhões de dólares.
Portanto, na tentativa de auxiliá-lo a sobreviver à crise e com o objetivo de padronizar
as respostas a serem fornecidas aos consumidores13 o Presidente da República expediu, em 18
de março, a Medida Provisória (MP) n. 925, a qual dispõe sobre medidas emergenciais para a
aviação civil brasileira em razão da pandemia causada pela COVID-19, segundo assevera o seu
artigo 1º, entrando em vigor na data de sua publicação (18.03.2020), como preceitua o artigo
4º.
Em relação ao seu artigo 2º, este refere que, nos contratos de concessão de aeroportos
firmados pelo Governo Federal, as contribuições fixas (montante a ser pago em decorrência de
oferta realizada através de leilão) e variáveis (montante anual resultante da aplicação de alíquota
sobre a receita bruta da empresa concessionária do serviço e de suas subsidiárias integrais)14
que vencerem no ano de 2020 poderão ser pagas até o dia 18 de dezembro de 2020. A Agência
Nacional de Aviação Civil (ANAC), corroborando com tal dispositivo, divulgou, em 28 de
abril, a aprovação do pedido de adiamento de pagamento de outorgas fixas e variáveis dos
aeroportos de Confins, Galeão, Fortaleza, Salvador, Florianópolis e Porto Alegre. Segundo a
ANAC, tal medida visa manter o funcionamento do setor aéreo durante a pandemia, mitigando
as dificuldades financeiras de curto prazo e aliviando o fluxo de caixa das concessionárias dos
aeroportos (LEAL, 2020).
De frisar ainda que a ANAC também adotou medida que abona o cancelamento dos
slots, isto é, dos horários de pouso e decolagem em aeroportos, caso as companhias aéreas não
realizem os voos (BRASIL, 2020a), já que a pandemia estava causando o fenômeno que se
chama “voos fantasma”, uma vez que, para não perder os slots, as transportadoras estavam
13
Em 27 de fevereiro, a Associação Brasileira de PROCONS expediu Nota Informativa orientando que o
adiamento ou o cancelamento da passagem aérea deveria ser realizado sem ônus ao consumidor em vista do motivo
de saúde pública (PROCONSBRASIL, s/d.). Em 6 de março, os Ministérios da Justiça e Segurança Pública, do
Turismo, da Economia e da Saúde expediram a Nota Técnica n. 2/2020, referindo que, se solicitado reembolso
pelo passageiro, deverão ser aplicadas as penalidades contratualmente previstas (BRASIL, 2020f). E, em 10 de
março, o Ministério Público Federal encaminhou a Recomendação n. 3/2020 à Agência Nacional de Aviação Civil
para que publicasse ato normativo assegurando aos consumidores a possibilidade de cancelamento sem ônus de
passagens aéreas para destinos atingidos pela pandemia, considerando prática abusiva a imposição de taxas e
multas em situações de emergência mundial em saúde (BRASIL, 2020g).
14
Cf. a título exemplificativo, o Contrato de concessão do Aeroporto Internacional de Guarulhos disponível no
seguinte endereço eletrônico: <https://www.anac.gov.br/assuntos/paginas-tematicas/ concessoes/aeroportos-
concedidos/guarulhos/arquivos/01contrato-de-concessao/contrato-gru>. Acesso em: 3 maio 2020.
228
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
realizando voos com poucos ou nenhum passageiro (PANDEMIA..., 2020). A medida é válida
até 24 de outubro e visa também reduzir os prejuízos financeiros das transportadoras.
O artigo 3º da Medida Provisória estabelece que o prazo para reembolso do valor
utilizado para adquirir a passagem aérea será de 12 meses, devendo ser observadas as regras do
serviço contratado, bem como mantida a assistência material nos termos da regulamentação
vigente. O parágrafo 1º assevera que, se o passageiro aceitar, quando do pedido de
cancelamento de sua viagem, um crédito correspondente ao valor pago pelo bilhete aéreo e para
uso no prazo de 12 meses contados da data de partida do voo originariamente contratado com
a companhia, não serão cobradas as penalidades contratuais. Já o parágrafo 2º refere que o
presente artigo se aplica aos contratos de transporte aéreo firmados até 31 de dezembro de 2020.
Em outros termos, o artigo em comento estabelece que, para todos os contratos de
serviço de transporte aéreo firmados durante o ano de 2020, somente há duas opções aos
passageiros: (a) ou aceitam a conversão do valor pago em um crédito que deve ser utilizado em
até 12 meses da data da viagem original, sem quaisquer custos adicionais, presumindo que o
serviço estará disponível na sua integralidade nos meses subsequentes15 e que os consumidores
(e a sociedade) não estarão mais expostos ao vírus16; (b) ou optam pelo reembolso do valor
pago, o qual será realizado em até 12 meses – provavelmente a contar da data da solicitação do
reembolso –, deduzidas as penalidades contratuais, que, por vezes, são extremamente abusivas,
e sem sequer mencionar eventual incidência de correção monetária e juros legais, tal como
deveria suceder à luz da legislação consumerista pátria. Não há exceções possíveis ou acordos
previstos!
A toda evidência, tal disposição da MP vai contra as normas que regulamentam
especificamente a matéria, uma vez que a Resolução n. 400/2016 da ANAC, que dispõe sobre
as condições gerais de transporte aéreo, refere que o prazo para reembolso será de sete dias a
contar da data da solicitação realizada pelo passageiro (artigo 29, caput), bem como que será
integral em caso de cancelamento de voo, interrupção do serviço ou preterição de passageiro se
solicitado no aeroporto de origem, de escala ou conexão, ou proporcional ao trecho não
utilizado, se já iniciado o serviço (artigo 30, incisos I e II). Referida Resolução também assinala
15
Deve-se recordar que as companhias aéreas estão redesenhando as suas rotas internas e internacionais, de modo
que os passageiros poderão enfrentar dificuldades em obter a prestação do serviço nas mesmas condições da
contratação. Cf. CAULYT, 2020; GOL..., 2020.
16
“De frisar que a prática corrente dos fornecedores de produtos e serviços relacionados ao turismo é a cobrança
de taxas e multas em caso de cancelamentos ou alterações, o que é um desincentivo às alterações, praticamente
obrigando o consumidor a viajar. No caso da pandemia de COVID-19, isso significaria exposição do consumidor
e de toda a comunidade a um risco aumentado de que a doença se espalhe ainda mais” (MUCELIN; D’AQUINO,
2020).
229
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
que o reembolso pode ser convertido em crédito, com a condição que o passageiro assim aceite,
sendo possível, inclusive, a utilização de crédito para aquisição de passagem aérea para
terceiros (artigo 31 e seus parágrafos), ponto sobre o qual, de maneira falha, silencia a MP.
Igualmente, é omissa quanto às situações em que o cancelamento é realizado
unilateralmente pela companhia aérea, sendo certo que o Código Brasileiro de Aeronáutica
afirma em seu artigo 229 que “o passageiro tem direito ao reembolso do valor já pago do bilhete
se o transportador vier a cancelar a viagem” (BRASIL, 1986). Nesse mesmo sentido, o artigo
12 da Resolução n. 400/2016 da ANAC assevera que, em caso de alterações programadas pelo
transportador e não comunicadas com antecedência mínima de 72 horas ou que acarretem atraso
superior a 30 minutos nos voos domésticos ou uma hora nos voos internacionais, este deve
oferecer alternativas de reacomodação e reembolso integral, competindo a escolha sempre ao
passageiro.
Ademais, o artigo 21 da Resolução n. 400/2016 da ANAC estipula a necessidade de
oferecimento da alternativa de reembolso em caso de alterações não programadas que acarretem
atraso do voo superior a quatro horas, cancelamento do voo, interrupção do serviço, preterição
de passageiro e perda de voo subsequente com conexão quando o transportador der causa a tal
fato (BRASIL, 2016) - o que o texto da MP permite desde que mantidas as penalidades
contratuais, em verdadeira contradição à legislação já consolidada no país.
Logo, da simples leitura do seu teor, conclui-se que a MP 925, 2020 procura beneficiar
sobremaneira as companhias aéreas e, também, as concessionárias dos aeroportos, mitigando
os seus gastos para o fim de permitir o seu funcionamento e fluxo de caixa durante a pandemia.
Por outro lado, ela acaba por prejudicar de forma irrazoável os passageiros – consumidores dos
serviços de transporte aéreo, que se encontram em uma situação de vulnerabilidade absoluta e
agravada, em virtude da pandemia, por si só.
Afinal, o documento isenta a incidência de taxas e penalidades contratuais apenas se
aceito crédito futuro, sem qualquer tipo de correção, compelindo o passageiro a aceitar esta
opção mesmo quando do cancelamento unilateral do serviço então contratado por parte das
transportadoras, não lhe dando, pois, a efetiva liberdade de escolha – elemento chave para
romper o desequilíbrio natural que os consumidores detêm nas relações de consumo. Isso sem
considerar que a crise que assola o país torna necessário o reembolso de valores para que os
próprios consumidores possam continuar a pagar as suas despesas básicas17, necessárias ao seu
17
Antes da pandemia, “mais de 60 milhões de brasileiros, o equivalente a 40% da população adulta, número
superior à população da Itália, [já se encontravam inadimplentes e] enfrentarão mais um grande obstáculo para a
reestruturação das suas dívidas” (MARQUES et al., 2020).
230
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Outra norma emitida pelo Poder Executivo com a finalidade de minimizar os prejuízos
dos fornecedores em razão da pandemia é a Medida Provisória n. 948, de 8 de abril de 2020,
que “dispõe sobre o cancelamento de serviços, de reservas e de eventos dos setores de turismo
e cultura em razão do estado de calamidade pública (...) e da emergência de saúde pública de
importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19)” (BRASIL, 2020e). Em 6
artigos, a citada Medida Provisória define como se dará a resolução das questões decorrentes
de cancelamentos de eventos dos setores de turismo e cultura. O art. 1º define o escopo de
aplicação da MP.
18
“El aumento del nivel de ingresos o renta del consumidor lleva a mayor consumo [...]. La disminución del
consumo, constituye una de las mayores preocupaciones para todo aquel que efectúa análisis y mediciones
económicas, en especial cuando se preocupa por las crisis profundas y que por efecto de la globalización no
tienen un impacto local o limitado. Es indudable la importancia que se otorga actualmente a la reactivación de
las condiciones de consumo, de allí que pasa a constituirse en un elemento crucial que pone de manifiesto la
recuperación de toda crisis financiera” (LAMBRANO, 2012).
231
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
19
Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções
administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas: I - multa; II -
apreensão do produto; III - inutilização do produto; IV - cassação do registro do produto junto ao órgão
competente; V - proibição de fabricação do produto; VI - suspensão de fornecimento de produtos ou serviço; VII
- suspensão temporária de atividade; VIII - revogação de concessão ou permissão de uso; IX - cassação de licença
do estabelecimento ou de atividade; X - interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade;
XI - intervenção administrativa; XII - imposição de contrapropaganda. Parágrafo único. As sanções previstas neste
artigo serão aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser aplicadas
cumulativamente, inclusive por medida cautelar, antecedente ou incidente de procedimento administrativo.
(BRASIL, 1990)
232
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
críticas. Falcão, por exemplo, ressalta que apesar das adversidades enfrentadas pelos setores do
turismo e cultura, a presunção de vulnerabilidade do consumidor se mantém absoluta, não
devendo as medidas tomadas com a finalidade de socorrer um setor da economia se sobrepor à
“conservação das garantias e dos direitos básicos do consumidor. É plenamente possível e
viável a convergência de interesses, tanto de fornecedores quanto dos consumidores em prol do
reerguimento da economia.” (2020)
O ponto principal de críticas por parte de Falcão é a possibilidade de realização de
acordo entre as partes com a finalidade de estipular alternativas de ressarcimento dos valores
desembolsados. “Ora, adotando-se uma interpretação otimista e até ingênua das relações
humanas, poder-se-ia dizer que, a partir do referido inciso, seria possível resolver eventuais
impasses entre as partes e, quiçá, evitar uma enxurrada de litígios judiciais nesse sentido.”
Entretanto, a falta de especificação do tipo de acordo e quais condições poderiam ser acordadas
dificulta a verificação de sua adequação à lei e sua caracterização com uma solução justa para
ambas as partes, especialmente diante das vulnerabilidades técnica e jurídica do consumidor,
que o impedem de fazer prevalecer suas condições ou de ter pleno conhecimento da
conformidade do acordo com seus direitos enquanto consumidor. (2020)
Vital (2020), por sua vez, direciona suas críticas ao art. 5º, que caracteriza hipótese de
força maior ou caso fortuito, isentando o fornecedor do pagamento de indenização por danos
morais, além de multas e outras penalidades previstas no CDC. Segundo o autor, em consulta
a Pfeiffer, este sustentou que o artigo "é de uma impropriedade completa. Se a possibilidade de
dano moral está na Constituição, como você afasta por MP?" Pfeiffer ainda questiona o caso
em que a situação causadora de danos morais ocorre não em razão da pandemia, mas do próprio
comportamento da empresa, como por exemplo destratar um consumidor que busque
ressarcimento. Segundo ele, a interpretação do art. 5º, nesse caso, seria um salvo-conduto que
levaria a um prejuízo para o consumidor.
Delmondes e Mello, por seu turno, entendem que o art. 5º impõe compulsoriamente uma
excludente de ilicitude para os fornecedores, afastando o princípio da reparação integral,
previsto tanto no Código Civil quanto no CDC, em benefício dos artistas e empresários,
ressaltando o caráter de medida protetiva do fornecedor, que, “à beira do nocaute, (...) respira
com a medida provisória. O fôlego diante de tantas incertezas e inseguranças jurídicas
apresentadas pelo atual cenário mundial traz, ainda que distante, um ar de esperança para
aqueles que combatem um bom combate.” (2020)
233
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Para Vial (2020), a Medida Provisória “trata as relações de consumo daquele setor como
força maior ou caso fortuito, retirando direitos indenizatórios e fiscalizatórios.” Segundo a
autora, ainda que seja razoável uma flexibilização da forma de devolução de valores pagos, há
que se garantir um diálogo entre consumidor e fornecedor.
Percebe-se, dessa forma, que as duas grandes – e acertadas – críticas em relação à
medida residem na possibilidade de acordo entre fornecedor e consumidor e no teor do art. 5º
da MP, que caracteriza caso fortuito e força maior e exclui o dever de indenizar por parte do
fornecedor. Nesse sentido, de se ressaltar o caráter de ordem pública e interesse social do
Direito do Consumidor20, cuja defesa cabe ao Estado21, minando de inconstitucionalidade
qualquer ato contrário a essa defesa.
Os direitos dos consumidores devem ser preservados, não importa a situação. As
relações de consumo possuem como fundamento e base a boa-fé e a confiança, devendo
despertar no fornecedor “o senso de responsabilidade e é com esse espírito de coletividade que
os órgãos precisarão incutir na sociedade brasileira um dever de solidariedade para manutenção
contratual” (VIAL, 2020).
No que tange aos cancelamentos, de se considerar que em alguns casos a remarcação
não será uma opção viável para o consumidor, eis que, ainda que haja uma nova data para o
evento, talvez essa nova data não seja possível ao cidadão. Ou que a viagem ou hospedagem
necessárias para assistir ao show ou evento não são mais viáveis ou desejáveis pelo consumidor.
Muito se tem ressaltado a polaridade entre defesa do consumidor ou da economia, o que
não deve ser a pauta para o momento. Em tempo de pandemia, é quando as relações de consumo
devem ser mais protegidas, eis que o consumidor é “uma das principais molas propulsoras da
economia” (FALCÃO, 2020). Ao deixar de proteger o consumidor para proteger o fornecedor
corre-se o risco de, finda a pandemia, estar em uma situação tal que não haja consumo suficiente
para manter a economia do país ativa, mergulhando em uma recessão muito mais difícil de
conter.
Falcão ressalta a importância do princípio da harmonia nas relações de consumo,
previsto no art. 4º, III do CDC, compatibilizando a proteção do consumidor com as necessidades
de desenvolvimento econômico e tecnológico. “A balança precisa manter-se no melhor
20
Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse
social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições
Transitórias. (BRASIL, 1990)
21
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; (BRASIL, 1988)
234
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
22
Bauman, analisando a questão do PIB e sua correlação com o consumo, destaca que “o PNB (Produto Nacional
Bruto) não é justamente o índice oficial do bem-estar do país, medido pela quantidade de dinheiro que troca de
mãos? O crescimento econômico não é impelido pela energia e atividade dos consumidores? [...]. Numa sociedade
235
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
A relação entre crédito e inadimplência nunca esteve tão nítida quanto agora. Em
verdade, essa circunstância, já presente no Brasil há tempos, foi agravada pelas repercussões
econômicas da pandemia em todos os níveis, fazendo com que um contingente considerável de
pessoas caminhe em direção ao superendividamento (MARQUES et al., 2020), caso medidas
não sejam tomadas pelo Poder Público para além do auxílio emergencial aos mais
economicamente vulneráveis. Vale dizer: a atuação estatal é fundamental para que os mais de
60 milhões de consumidores que já se encontravam em situação de superendividamento ou de
de consumidores e na era das políticas de vida que substituem a Política com p maiúsculo, o ciclo econômico mais
verdadeiro, o único que mantém de fato a economia de pé, é o ciclo de ‘compre e, use e jogue fora’.” (2011. p.
152). Assim também o IBGE: “A maior contribuição para o avanço do PIB vem do consumo das famílias”. (IBGE,
2020).
236
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
inadimplência23 e outros tantos milhões que ainda não estavam, mas que estarão por conta do
Coronavírus, não encontrem a sua ruína (MARQUES, 2019, p. 245).
A fim de evitar o superendividamento em massa dos consumidores decorrente da
pandemia ou por ela agravado, dois Projetos de Lei (PL) tomam frente para que essa crise
econômico-sanitária seja diminuída em seus efeitos perante os mais vulneráveis do mercado de
consumo, os quais, adiante-se, devem ser aprovados urgentemente em um verdadeiro acordo
de líderes para a preservação do bem-estar da população brasileira.
O primeiro deles trata-se do PL 3.515/2015, de atualização do Código de Defesa do
Consumidor (CDC), aprovado por unanimidade no Senado Federal e já relatado em texto de
consenso na Comissão Especial da Câmara de Deputados, cujo teor dispõe sobre o
aperfeiçoamento da disciplina do crédito ao consumidor e sobre a prevenção e o tratamento do
superendividamento (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2015).
Sem sombra de dúvidas, esse Projeto representa um redimensionamento ético-inclusivo
do direito privado, na exata medida em que cria instrumentos e normas para prevenir e tratar
esse fenômeno de endividamento sistêmico da pessoa-física de boa-fé, no mais das vezes
acometidas por um acidente da vida24, como morte ou doença na família, tanto no aspecto da
promoção de acesso ao crédito responsável e educação financeira, quanto para reforçar o
tratamento global das audiências conciliatórias com a totalidade de credores, em que a
finalidade é a elaboração e a aprovação de planos de pagamento de dívidas dos consumidores
superendividados (MARQUES et al., 2020).
Nesse momento conciliatório, segundo a inteligência da redação do art. 104-A, caput,
do referido PL, deve haver a preservação do mínimo existencial frente à totalidade dos
credores25, de modo que, como o próprio signo faz concluir, garanta a existência digna dos
superendividados, por meio, inclusive, de dilação de prazos e de redução dos encargos,
permitindo, assim, o reembolso dos credores sem prejuízo do mínimo indispensável à
23
“Representantes de várias entidades alertaram para a situação dos 63 milhões de brasileiros que estão
inadimplentes, parte deles por causa de eventos imprevistos, como doenças, atraso nos salários e desemprego”.
(CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2020).
24
“Acidentes da vida” caracteriza o consumidor superendividado passivo de boa-fé, havendo relação direta com a
Pandemia: “o superendividado passivo, indivíduo que por motivos exteriores e imprevistos sofreu uma redução
brutal dos recursos devido a áleas da vida, a exemplo do desemprego, do divórcio, do acometimento de doenças,
vistos como acidentes da vida”. (MARQUES et al., 2010, p. 65).
25
Projeto de Lei 3.515/2015 da Câmara dos Deputados. “Art. 104-A. A requerimento do consumidor
superendividado pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, visando à realização
de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os
credores, em que o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos,
preservados o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, e as garantias e as formas de pagamento
originalmente pactuadas”.
237
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
26
Projeto de Lei n. 1.997/2020 do Senado Federal: “Art. 2º: Fica estabelecida, em razão do estado de calamidade
pública provocado pela pandemia de coronavírus (Covid‐ 19), a moratória, até 12 de dezembro de 2020, das
obrigações pecuniárias de consumidores pessoas físicas com vencimento a partir de 1º de abril de 2020, relativas
a contratos vigentes anteriormente a 20 de março de 2020 e mencionados na presente Lei”.
27
Projeto de Lei n. 1.997/2020 do Senado Federal: “Art. 2º: [...]. § 3º: Em caso de doença ou morte na família ou
outros casos graves, a serem provados e decididos em juízo, a moratória poderá ser estendida até 31 de março de
2021 e o montante dos débitos que vencerem durante todo o período da moratória serão pagos pelo consumidor
após essa data, em doze parcelas mensais extras de igual valor, vedada a incidência de juros no parcelamento e
admitida a cobrança de correção monetária.”
238
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
28
“Nessa linha de entendimento, considerada a pandemia de COVID-19 como ‘impedimento transitório de fato’
para a configuração da mora, por força maior, parece impositiva a verificação da qualidade de exceção dilatória
desempenhada pelo inadimplemento decorrente da pandemia, porquanto assegurada a existência da obrigação para
cumprimento futuro, mas sem a incidência dos encargos da mora. Em outras palavras, a pandemia e o estado de
emergência, que isolam pessoas doentes, idosos e consumidores em geral, é uma força maior que impede a mora.
Como ensina Cristiano Zanetti, a mora é uma espécie de inadimplemento parcial, no modo e no tempo devido.
Consideramos, porém, que a força maior impede que a mudança no ‘tempo e no modo devido’ seja considerada
injusta ou mesmo seja definida como mora”. (MARQUES et al., 2020)
29
“Veja-se que a dilação do prazo para cumprimento das obrigações tem atuado como fundamento para atenuação
dos efeitos devastadores da causa de exclusão social do superendividamento dos consumidores, visto que, na maior
parte das legislações do mundo, o diferimento do prazo para pagamento das dívidas é previsto, impondo ao
consumidor a convivência prolongada com o resultado do seu consumo. Com isso, as tutelas se assemelham em
muitos aspectos, merecendo especial destaque a finalidade de recuperação do consumidor com a introdução do
tempo nas relações negociais. Nessa linha, como já afirmado outrora, os legisladores empenharam-se em oferecer
o único bem que nada custaria ao Estado: o tempo, o tempo suplementar para o pagamento das dívidas, tempo
capaz de suspender o curso dos juros e das vias de execução, o tempo de “esquecer” para os casos mais
desesperadores na hipótese francesa”. (MARQUES et al., 2020)
30
Força maior é o fato necessário, cujos efeitos eram inevitáveis ou impassíveis de impedimento, tal qual a
pandemia de COVID-19. Inclusive, para Karl Larenz, são impedimentos transitórios de fato, de forma que não há
relação com a solvência: “Tales impedimentos transitórios ajenos a la culpa del deudor, como la enfermidad del
mismo, las consecuencias de una guerra o el error jurídico excusable, nada tienen que ver con la solvencia del
deudor y han de liberar también al que lo sea de una deuda genérica de la responsabilidad por mora”, sendo que
“la mera existencia de una excepción excluye las consecuencias de la mora prescindiendo de si el deudor la
ejercita o no”. (1958, p. 343).
31
Projeto de Lei n. 1.997/2020 do Senado Federal: “Art. 2º: [...]. § 1º: A moratória de que trata o caput importa na
alteração das datas de vencimento das obrigações para as datas estabelecidas por esta Lei, vedadas a incidência de
multa, de juros de mora, de honorários advocatícios ou de outras cláusulas penais, relativamente ao período da
moratória, bem como a utilização de medidas de cobranças de débitos previstas na legislação, inclusive a inscrição
em cadastros de inadimplentes, antes das datas de vencimentos definidas na moratória”.
32
Não é irrestrita, porém poderá ser automática para os consumidores de baixa renda: Projeto de Lei n. 1.997/2020
do Senado Federal. “Art. 3º: [...]. § 1º: A moratória incidirá automaticamente sobre todos os contratos de serviços
essenciais de consumidores de baixa renda, assim considerados para fins de aplicação desta Lei: [...]”.
33
Projeto de Lei n. 1.997/2020 do Senado Federal. “Art. 3º: [...]. § 3º: O pedido de moratória deve ser acompanhado
de documento em que o consumidor requer o benefício da moratória e declara, sob as penas da lei, que, em razão
do estado de calamidade pública provocado pela pandemia de Coronavírus, teve sua fonte de renda prejudicada,
239
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
de modo que o pagamento dos serviços e produtos pode comprometer o seu mínimo existencial e de seus
dependentes, possibilitando-se ao consumidor o encaminhamento de documentação probatória”.
34
Projeto de Lei n. 1.997/2020 do Senado Federal. “Art. 5º: [...]. § 1º Durante o período definido no art. 2º, as
instituições financeiras deverão suspender a cobrança das parcelas de empréstimos consignados e de empréstimos
com desconto em folha tomados por aposentados, pensionistas e demais consumidores”.
35
Projeto de Lei n. 1.997/2020 do Senado Federal. “Art. 5º: [...]. § 2º É obrigatória a revisão da margem de
consignação dos contratos de crédito consignados e de cartão de crédito consignado para trabalhadores do setor
privado e público, de acordo com a redução da jornada de trabalho ou da renda”.
36
Projeto de Lei n. 1.997/2020 do Senado Federal. “Art. 5º: [...]. § 7º A suspensão das prestações não poderá ser
considerada justa causa para a resolução do contrato”.
37
Projeto de Lei n. 1.997/2020 do Senado Federal. “Art. 5º: [...]. § 4º Nos contratos de crédito, as prestações
suspensas serão convertidas em prestações extras, com vencimentos em meses subsequentes à data de vencimento
da última prestação prevista para o financiamento”.
38
Projeto de Lei n. 1.997/2020 do Senado Federal. “Art. 5º: [...]. § 5º Em caso de resolução ou de resilição do
contrato, as prestações suspensas deverão ser somadas ao saldo devedor”.
39
Projeto de Lei n. 1.997/2020 do Senado Federal. “Art. 7º: O Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, as
agências reguladoras e o Banco Central deverão expedir determinações complementares à presente Lei para
garantir o direito à informação do consumidor, além de realizar a fiscalização das disposições da presente Lei,
podendo aplicar sanções no caso de descumprimento”.
240
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
defendidas são benéficas não só para os consumidores, como para os próprios fornecedores e
para o reaquecimento do mercado de consumo e, consequentemente, da economia.
Outra não foi a conclusão da CNC, que se consubstancia em uma entidade sindical que
representa os direitos e interesses dos quase cinco milhões de empreendedores do comércio
brasileiro (CNC, s.d.), a qual endossa, pelo entendimento de suas pesquisas, não só o PL
emergencial 1.997/2020, como o PL 3.515/2015, ao estatuir que, nesse contexto pandêmico, é
crucial “viabilizar prazos mais longos para os pagamentos ou alongamentos das dívidas, além
da busca por iniciativas mais eficazes para mitigar o risco de crédito”, sendo que, dessa maneira,
“os consumidores poderão quitar suas contas em dia sem maiores dificuldades, afastando a
piora nos indicadores de inadimplência, nos meses à frente” (CNC, 2020a).
Propostas de Lei essas que não só se distinguem profundamente das Medidas
Provisórias editadas pelo Poder Executivo, pois, consideram o resguardo dos consumidores
como elemento vital da própria manutenção da atividade econômica do Estado, mas que
igualmente seguem a linha adotada por outras nações ao redor do globo, as quais perceberam
antes do Brasil a intrinsecabilidade da relação entre consumidores e fornecedores para reverter
a piora dos mercados domésticos em razão da Covid-19.
Para além do Brasil, outras nações igualmente vêm aprovando medidas legislativas
destinadas a mitigar o impacto da Covid-19 na suas relações sócio-econômicas – muitas das
quais apresentam repercussões positivas para as relações de consumo, em particular para a parte
mais vulnerável – o consumidor –, dentre as quais se destacam aquelas desenhadas na
Alemanha, Polônia, Letônia, México, Colômbia, Uruguai, Argentina, Espanha e França,
detalhadas a seguir.
No caso da Alemanha, o Bundesregierung aprovou, no dia 23 de março medidas
destinadas a garantir alívio financeiro temporário aos consumidores, o qual foi seguido por
outro ato do Bundestag, aprovado em 24 de março, imediatamente adotado pelo Bundesrat em
27 de março (ALEMANHA, 2020). Dentre elas estão as ações relativas à moratória aplicável
aos contratos de empréstimo com vencimento entre 1 de abril e 30 de junho de 2020, firmados
antes de 15 de março de 2020 por consumidores que venham a sofrer uma redução de seus
rendimentos básicos, vislumbrando, por isso, uma ameaça a sua sobrevivência e a de sua
família, para os quais os valores referentes ao pagamento hipotecário, amortização e juros terão
241
Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
a sua data de vencimento readequada para três meses após a da data de vencimento (KPMG,
2020). Direito este que, inclusive, “foi ampliado e considerado aplicável aos pequenos
empresários da Alemanha” (MARQUES et al., 2020).
Ademais, eventuais possibilidades de rescisões contratuais unilaterais por parte de
credores na Alemanha, adotadas em razão do default do consumidor ou da deterioração da sua
situação creditícia em função da pandemia, restarão suspensas até o dia 30 de junho, de modo
que qualquer data posterior a essa deverá ser objeto de negociação entre o credor e o
consumidor-devedor, cujos termos devem obrigatoriamente considerar a situação financeira da
parte vulnerável do contrato, sob pena de aplicação de um prazo automático de três meses
contados a partir de 30 de junho, caso as partes não cheguem a um denominador comum –
moratória essa que só não será possível caso esteja claramente comprovada a insuportabilidade
desta medida ao credor (KPMG, 2020) ou pela comprovação de fraude ou má-fé do
consumidor-devedor (MARQUES et al., 2020).
Não só isso, na Alemanha, serviços essenciais como eletricidade, gás, telecomunicações
e água não poderão ser suspensos pelo inadimplemento ocasionado pelas insuficiências
remuneratórias criadas pela pandemia. Em relação ao aluguel residencial ou domiciliar (que na
Alemanha é regulado por normas consumeristas), porém, esta regra não se aplica, pugnando às
partes para que negociem seja uma redução do valor principal devido, seja dos próprios juros
(ALEMANHA, 2020), restando suspensa, por outro lado, a possibilidade de despejo por
inadimplementos havidos entre 1º de abril a 30 de junho de 2020 (MARQUES et al., 2020).
Nessa mesma linha, “[t]ambém é proibido aos proprietários denunciarem os contratos até 30
de junho de 2022” (MARQUES et al., 2020).
A Polônia também editou normas específicas para lidar com os problemas dos
consumidores durante a pandemia de Covid-19. O Polish Anti-Crisis Shield legislation,
sancionado pelo Presidente Andrzej Duda no dia 31 de março, prevê, por exemplo, a
fiscalização e a manutenção de preços de produtos considerados essenciais aos consumidores
(notadamente de saúde e alimentação), a fim de que os mesmos permaneçam disponíveis e a
preços competitivos no mercado, impedindo, assim a abusividade pela elevação injustificada
dos valores e o próprio monopólio através da formação de cartéis (COVID-19..., 2020a).
E não apenas isso, outras duas medidas foram igualmente aprovadas, sendo válidas por
um ano contados a partir de 8 de março de 2019. A primeira é em relação à aplicação de um
limite inferior para empréstimos não vinculados a juros para manter o crédito acessível aos
consumidores, em que o valor devido para contratos com prazo de quitação igual ou superior a
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
30 dias será a soma de 15% (em vez de 25%) do valor total do empréstimo, mais 6% (em vez
de 30%) do valor total do empréstimo para cada ano do contrato. Além disso, os custos não-
financeiros vinculados ao empréstimo não devem exceder 45% do montante total de crédito
(anteriormente 100%). No entanto, para contratos a serem quitados em menos de 30 dias, o
limite será de 5% do valor total do empréstimo (COVID-19..., 2020a).
A segunda se refere a contratos de turismo, permitindo que os viajantes se retirem de
contratos de pacote turístico, assim como admite que os operadores turísticos os rescindam,
desde que essa retirada ou rescisão estejam diretamente ligada ao surto de Covid-19. No que
tange ao ressarcimento, ao invés de o consumidor apenas receber um reembolso dos
pagamentos já incorridos, as disposições temporárias (que entrarão em vigor após uma vacatio
de 180 dias contados a partir do vigor da lei, isto é, 08.03.2020) determinam que as partes
transacionem entre si, buscando um equilíbrio entre os interesses das partes. Uma das opções
previstas é a de o viajante receber um voucher equivalente ao valor pago pelo pacote então
suspenso para ser utilizado em futuras viagens, com prazo de validade de um ano e sendo
contados da data que a viagem/evento se iniciaria (COVID-19..., 2020a).
A Letônia também editou algumas medidas na tentativa de assegurar os direitos dos
consumidores, em particular, quanto aos contratos por estes firmados. No dia 18 de março de
2020, o Gabinete de Ministros decidiu que, durante o período de 1o de abril a 1o de setembro
de 2020, os juros de mora por atraso no pagamento de uma obrigação relativa a compra de bens
ou pela contratação de serviços não podem exceder os juros legais, os quais, ao seu turno, ficam
limitados a 6% (taxa básica) ao ano para as relações contratuais envolvendo consumidores
(COVID-19..., 2020b).
Da mesma forma, no México, certas modificações são vistas no setor imobiliário, as
quais trazem determinadas medidas em prol dos consumidores, a exemplo da criação da
Comissão Nacional de Bancos e Valores Mobiliários (CNBVM), em 25 de março de 2020, que
permite a alteração de certos critérios contábeis aplicáveis aos bancos mexicanos de maneira
temporária. Particularmente, no que diz respeito a empréstimos ao consumidor contraídos até
28 de fevereiro de 2020, sejam aqueles garantidos por hipotecas, sejam os rotativos ou não
rotativos voltados a financiamento de automóveis, empréstimos pessoais, consignados, cartão
de crédito e microcrédito, estes poderão ter a data de vencimento do valor principal e/ou dos
juros postergada por até quatro meses, passível de renovação por mais dois, sendo o saldo
devedor total devido congelado para não incorrer em mais juros (TAXAND, 2020).
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Ao seu turno, na Colômbia, foi editada a Circular Externa de n. 14, de 30 de março, que
traz prescrições importantes também relativas às condições creditícias dos consumidores no
país durante a pandemia, aplicáveis aos contratos que apresentaram atrasos maior ou igual a 30
dias e menor que 60 dias em 29 de fevereiro de 2020. Segundo esse documento, as instituições
financeiras que oferecem crédito aos consumidores não poderão aumentar a taxa de juros em
caso de prorrogação do prazo para pagamento e tampouco poderão utilizar o mecanismo de
juros sobre juros ou qualquer outra forma de capitalização sobre o valor principal
(COLÔMBIA, 2020).
Ademais, destacou que quaisquer cobranças adicionais nesses casos somente poderão
incidir sobre o valor principal devido, restando excluído do cálculo as comissões e seguros
eventualmente contratados e, ainda, particularmente em casos de crédito rotativo e microcrédito
destinado ao consumidor, as parcelas não poderão ter o valor aumentado (exceto quando referir-
se a seguros), sendo o prazo para pagamento a ser acordado entre as partes, demandando que o
fornecedor busque o consumidor para negociar, havendo um aceite tácito da proposta
(observando todos os limites impostos pela Circular) apenas quando comprovada a notificação
do consumidor e este silencie pelo prazo de oito dias corridos (COLÔMBIA, 2020).
No Uruguai, o Ministério de Economia e Finanças40 expediu comunicado, em 16 de
março, informando as medidas que seriam tomadas para garantir o abastecimento da população
com máscaras, álcool em gel e produtos necessários ao combate à pandemia, referindo que, “em
momentos de emergência sanitária, fazemos um chamado geral para garantir os direitos dos
consumidores e o bem comum da sociedade sobre interesses individuais para fins de superar,
em conjunto, os efeitos derivados da COVID-19” (URUGUAI, 2020a).
Assim como outros países, foi concedido, a partir de 23 de abril, o diferimento de
parcelas de empréstimos perante o Banco de Seguridade Social a aposentados e pensionistas
que recebem menos de 13.600 Pesos Uruguaios (URUGUAI, 2020c), bem como foi vedado o
corte de serviço telefônico por falta de pagamento (BERTOLINI, 2020). Ademais, o governo
uruguaio criou benefícios sociais para auxiliar famílias em situação de extrema vulnerabilidade
socioeconômica, tais como fornecimento de cestas de alimentos em caráter emergencial
(URUGUAI, 2020d) auxílio de custo (cartão social) (URUGUAI, 2020e), e, desde 4 de abril,
40
A Área de Defesa do Consumidor do Ministério da Economia e Finanças uruguaio registrou uma grande
elevação do número de reclamações e consultas realizadas pelos consumidores comparativamente ao mesmo
período do ano passado. Segundo dados aos quais teve acesso o jornal El País, foram recebidas durante o mês de
março de 2020 um total de 2.093 solicitações de consumidores, a maioria dizendo respeito a simples consultas,
em especial sobre serviços de modo geral, serviços financeiros e produtos. Dentre as reclamações, a maioria está
relacionada a serviços de turismo, como a reserva de hotéis, a compra de pacotes e passagens de transporte aéreo,
marítimo e terrestre. (DASILVA; MESA, 2020)
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
Ações essas que visam a defesa do pólo mais frágil da relação de consumo tal como os
citados Projetos de Lei arquitetados no Poder Legislativo brasileiro, em particular no que tange
as medias destinadas a assegurar a moratória de valores devidos pelos consumidores, assim
como as formas em que estes poderão ter acesso ao crédito, reconhecendo a verdadeira
necessidade de evitar-se o superendividamento dos consumidores em tempos de pandemia,
pois, realmente temerário à própria realização da atividade econômica como um todo, a qual
depende abertamente do seu counterpart para se reproduzir e que, desta feita, corroboram com
a necessidade de aprovação imediata dos projetos que tramitam no Brasil para um melhor
enfrentamento da crise gerada pelo Covid-19 – particularmente quando em comparação às
medidas do Executivo estudadas na primeira parte do texto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente texto tinha como objetivo central não só expor algumas das respostas
editadas pelo Governo Federal para o setor de turismo, notadamente pelo Poder Executivo, para
tentar combater a recessão econômica que se avizinha em função da Covid-19, como também
explorar as suas fraquezas, especialmente diante do Direito do Consumidor, o qual, além de
restar amparado na Constituição Federal, deveria figurar como elemento balizador das relações
sócio-jurídicas no âmbito do ordenamento jurídico pátrio envolvendo consumidores e
fornecedores em meio a pandemia.
Afinal, o seu pressuposto é justamente a defesa da parte vulnerável, na tentativa de
reequilibrar as relações obrigacionais havidas no contexto de consumo, independentemente do
momento que vivemos – se pandêmico ou de normalidade. Outrossim, inegável que
consumidores encontram-se especialmente vulneráveis hodiernamente por força do vírus que
se espalha com considerável rapidez por entre as fronteiras dos diversos Estados, de modo que
restringir ou mesmo negar a proteção dos consumidores em favor dos fornecedores mostra-se
um verdadeiro contrassenso, mostrando-se um ato contrário à própria base na qual a sua defesa
foi arduamente construída no país e no globo que é justamente a proteção da dignidade humana.
E exatamente isso foi o que fizera o Poder Executivo com a edição das Medidas Provisórias de
n. 925 e 948 em março de 2020.
Ambas normativas parecem partir do pressuposto de que os fornecedores de serviços de
transporte aéreo e turísticos devem ser tutelados à frente dos consumidores, vez que prescrevem
regras claramente limitadoras e diminuidoras dos direitos dos consumidores, as quais não
poderiam ser sustentadas em um país com a legislação consumerista que o Brasil detém e pela
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
qual ele é mundialmente reconhecido. Aliás, nos parece que o Brasil, ao editá-las, vai na
contramão das demais nações, as quais vêm buscando ressaltar a importância que os
consumidores detêm para a manutenção e fortalecimento da atividade econômica,
especialmente em momentos de crise. Até mesmo porque, sem consumidores, não há dinheiro
circulando no mercado e, conseqüentemente, nos setores que fomentam a produção nacional,
podendo conduzir a um quadro inflacionário e recessivo muito pior do que o vislumbrado.
E justamente diante desse quadro é que este escrito igualmente voltou-se ao estudo das
propostas do Poder Legislativo para a proteção dos vulneráveis nas relações de consumo em
solo nacional. Isso porque, em que pese o executivo não esteja alinhado às medidas adotadas
noutras nações, o legislativo mostra-se não apenas atento às reações normativas positivas que
– como demonstrado – brotam nos diversos congressos nacionais ao redor do mundo, como
também consciente e preocupado com o consumidor e com o seu papel na atual conjuntura
sócio-política.
Com isso, examinou-se os PLs de n. 3515/2015 e 1997/2020, voltados a concessão de
alívio financeiro aos consumidores cada vez mais endividados a partir da exceção dilatória, por
força da boa-fé, assim como da inaplicabilidade, nos casos previstos, da figura do mora
debitoris em razão da situação excepcional de força maior imposta pela pandemia – projetos
esses que deveriam ser necessária e urgentemente aprovados como uma forma de apoio às
populações mais vulneráveis, largamente afetadas pela Covid-19, para que deixem de o ser,
adimplindo com suas obrigações em tempo diferido, sem que isso prejudique o mínimo
existencial para a subsistência digna desses consumidores e, assim, não os excluindo do
mercado de consumo, já que, como referido, são agentes econômicos indispensáveis para o
desenvolvimento e reaquecimento da economia.
Por isso, conclui-se pela necessidade de sempre buscar equilibrar as relações de
consumo, evitando que consumidores e fornecedores restem em verdadeira vantagem uns sobre
os outros, sendo o papel de regulador dessas relações desenvolvido pelo Estado, o qual não
poderia favorecer sobremaneira um lado em detrimento de outro, tal como de vislumbra no
atual quadro normativo pandêmico brasileiro exemplificado pelas MPs, sendo, portanto, os
referidos PLs, forjados à luz do Direito Comparado, uma forma de restabelecer tal ordem e
primar pela defesa dos direitos humanos fundamentais – o Letimotiv do Direito corrente.
Durante a pandemia e na recuperação, o Direito deve pensar o todo, e proteger em
especial os vulneráveis e pensar no mercado de consumo, como fez o PL 1997/2020. Também
se não houver confiança e um sistema de prevenção e combate ao superendividamento dos
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Direito do Consumidor: Desafios e Perspectivas
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