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EXPEDIENTE
1 - Editor-Chefe
Yulgan Tenno de Farias Lira
2 - Conselho Editorial
Adaylson Wagner Sousa de Vasconcelos
Adriana de Medeiros Gabínio
Aline Alves Lopes
Ana Isabella Bezerra Lau
Anne Caroline Rodrigues de Barros
Giannina Lucas Ferreira da Silva
Igor de Lucena Mascarenhas
Jeferson Alves Teodosio
José Humberto Pereira Muniz Filho
Laryssa Mayara Alves de Almeida
Mariana Torres López
Miguel Felipe Almeida da Câmara
Priscila Vidal Costa de Freitas
Rodrigo Clemente de Brito Pereira
Victor Luiz de Freitas Souza Barreto
Vinicius Leão de Castro
Vinicius Salomão de Aquino
Yulgan Tenno de Farias Lira
3 - Conselho Cieníico
Adriano Marteleto Godinho
Anne Augusta Alencar Leite
Arthur Heinstein Apolinario Souto
Ana Clara Montenegro Fonseca
Érica Simone Barbosa Dantas
Flavianne Fernanda Bitencourt Nóbrega
Francisco José Garcia Figueiredo
Gustavo Rabay Guerra
Jan Marcel de Almeida Freitas Lacerda
José Gomes de Lima Neto
Lorena Melo Freitas
Luciano Nascimento Silva
Marcílio Toscano Franca Filho
Odon Bezerra Cavalcani
Talden Queiroz Farias
Vicente de Paula Ataíde Junior
Consitui desaio para esta revista cieníica permanecer na vanguarda do saber, tendo como missão primordial a de informar
e inovar. Com precisão e clareza, busca dialogar sobre os insitutos jurídicos e temas mais caros ao exercício da práica
advocaícia, em que a doutrina, alicerçada pela jurisprudência, exerce papel determinante. Como cediço, o jurista, no mundo
atual, é constantemente requisitado pela sociedade para demonstrar o seu posicionamento, as suas teses, perante os pontos
mais dissonantes da vida em sociedade, e, diante de seu juízo de valor qualiicado, torna-se uma fecunda nascente de opiniões
fundamentadas na éica e no Direito. Frente a isso, a LEXMAX, mais que uma revista cieníica, propõe-se a ser fonte de
conhecimento e espaço de diálogo para a comunidade jurídica, incenivando estudantes e proissionais a construírem as
bases doutrinárias para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária, mediante a interação entre as lições da
academia e as diretrizes da práica do proissional. Dessarte, com muita saisfação, apresento-lhes a 3º edição da revista
LEXMAX, com arigos e comentários atuais e relevantes para a práxis. A revista está segmentada em três grandes seções,
quais sejam: Seção Editorial (arigos do Conselho Editorial e Consulivo), Seção de Arigos (os textos de maior qualidade
técnica, submeidos a processo rígido de avaliação e escolhidos em ampla concorrência e publicidade), Seção Internacional
(arigo de advogado do exterior, dissertando sobre o direito comparado) e Anexo – Comentários a Inovações Legislaivas
e Jurisprudências (em que proissionais discutem sobre precedente jurisprudencial, súmula e projeto de lei úteis para a
elaboração de peças processuais).
Diante de tal conjuntura, oferecemos ao leitor o melhor de nossa equipe, com a coniança de que o solitário tempo desinado
à leitura dos textos dispostos a seguir se reverterá em calorosas contendas forenses para a solução de casos vivos.
sEção DE ArTIgos
RESPONSABILIDADE CIVIL DAS AGÊNCIAS DE EMPREGADOS DOMÉSTICOS _______________________ 23
sEção INTErNACIoNAL
LA REPARACIÓN DEL DAÑO AL PROYECTO DE VIDA EN EL SISTEMA INTERAMERICANO
DE PROTECCIÓN A DERECHOS HUMANOS__________________________________________________ 108
Mariana Torres López
RESUMO
O presente arigo tem o escopo de explanar a fundamentação de existência da audiência de custódia, do ponto de vista interno e
internacional, além de demonstrar como a garania de obediência de uma norma internacional pode ser ampliada mediante a uilização
de ações coleivas para o exercício do controle de convencionalidade. Avança-se com a demonstração de que a audiência de custódia
foi fomentada, no Brasil, mediante a uilização do controle de convencionalidade na ação civil pública, com o consequente aumento da
eicácia da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políicos. Conclui-se que o uso de
ações coleivos pode aumentar o grau de enforcement da norma internacional de direitos humanos.
Palavras-chave: audiência de custódia. tutela coleiva. tratado internacional de direitos humanos. enforcement reduzido.
ABSTRACT
This aricle has the scope to explain the existence of grounds for the custody hearing, the domesic and internaional perspecive, and
how to demonstrate that the obedience assurance of an internaional standard can be expanded through the use of collecive acion for
the exercise of control of convenionality. Forward with the demonstraion that the custody hearing was fostered in Brazil by using the
convenionality control in the public civil acion, with a consequent increase of the efeciveness of the American Convenion on Human
Rights and the Internaional Covenant on Civil and Poliical Rights. We conclude that the use of collecive acion may increase the degree
of enforcement of the internaional standard of human rights.
Keywords: custody hearing. collecive protecion. internaional human rights treaty. reduced enforcement.
¹Editor-chefe da LEXMAX – Revista do Advogado. Extensionista da Academy on Human Rights and Humanitarian Law da Washington College of Law – American
University em Washington-DC. Membro do Internacional Law Associaion (ILA) – Ramo brasileiro. Membro do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em
Educação e Direito – CIPED. Pós-graduando em Direito Público pelo Insituto Cândido Mendes no Rio de Janeiro. Graduado em Direito pela Universidade
Federal da Paraíba. Advogado.
Os Tratados Internacionais de Direitos Humanos (TIDH), no Brasil, são dotados de natureza jurídica de supralegalidade, estando
acima de todas as normas, salvo a Consituição, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), veiculada no RE 466.343/
SP, em 2008.
Dessarte, possui atributo de supralegalidade a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Convenção ADH) e o Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políicos (PIDCP) que, entre outros preceitos, estabelecem o dever dos Estados em garanir a apresentação
imediata do preso ao juiz em caso de prisão em lagrante.
Consitui consequência da adoção da teoria da supralegalidade das normas internacionais de direitos humanos a uilização de
instrumentos processuais tendentes a conformar a norma de hierarquia inferior (leis e atos infralegais) com as de hierarquia superior
(TIDH).
Tal mecanismo é conhecido como controle de convencionalidade, instrumento de que se vale o órgão jurisdicional para declarar
uma norma incompaível frente às convenções internacionais de direitos humanos.
Contudo, mesmo adquirindo status privilegiado no ordenamento jurídico pátrio, os TIDH são constantemente desconsidera-
dos na solução de contendas jurídicas internas, pois não possuem o que se convenciona chamar de alto grau de enforcement, ou seja,
garanias de observância e aplicação da norma internacional nos processos domésicos do Estado.
Neste passo, a pesquisa aponta que as ações coleivas, quando desempenham o controle de convencionalidade, ampliam as
chances de que a norma internacional seja obedecida por todos, pois a coisa julgada advinda da decretação de inconvencionalidade de
uma lei frente o TIDH, possui eicácia erga omnes, invalidando a referida lei em toda a jurisdição interna.
Noutro giro, desde que foram incorporadas ao ordenamento brasileiro, em 1992, pelo rito especiico de internalização de
tratados, o PIDCP e a Convenção ADH (Decreto no 592 e Decreto no 678, respecivamente) permaneceram despidas de eicácia no que
tange a alguns de seus disposiivos, sendo exemplo deles a audiência de custódia.
Entretanto, a conjuntura muda quando os legiimados para a propositura da ação civil pública (ACP), lastreados pela normaiva
internacional, passam a se valer desta ação coleiva para implementar a audiência de custódia no Brasil, no interesse de parcela da
sociedade prejudicada pela não regulamentação de tal insituto processual penal no País, que já fora previsto por pactos internacionais
desde 1992, porém ignorados.
A discussão levou o CNJ a dar início ao projeto audiência de custódia, com o objeivo de, paulainamente, implementar a referida
audiência em todo o território nacional, com a ajuda dos tribunais de jusiça dos Estados.
Dessa forma, o presente arigo tem o escopo de explanar a fundamentação de existência da audiência de custódia, do ponto de
vista interno e internacional, além de demonstrar como a eicácia de uma norma internacional pode ser ampliada mediante a uilização
de ações coleivas para o exercício do controle de convencionalidade.
A audiência de custódia, também conhecida como audiência de apresentação, é o instrumento processual penal que tem o
escopo de defender a liberdade pessoal e a dignidade do acusado, servindo a propósitos processuais, humanitários e de defesa de direitos
fundamentais inerentes ao devido processo legal.
Em deinição, consiste na apresentação imediata ou sem demora ao juiz de pessoa presa em lagrante ou sem mandado judicial
pela polícia.
Nessa esteira, diversos países ocidentais posiivaram em seus ordenamentos internos a audiência de custódia, com a inalidade
de fazer cessar “eventuais atos de maus tratos ou de tortura e, também, para que se promova um espaço democráico de discussão acerca
da legalidade e da necessidade da prisão” (LOPES JR; PAIVA, 2014).
O regramento encontra lastro normaivo no arigo 9º, 3 do PIDCP e no arigo 7ª, 5, da Convenção ADH, tendo este a seguinte
redação:
Toda pessoa deida ou reida deve ser conduzida, sem demora, à presença de
um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem
direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade,
sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a
garanias que assegurem o seu comparecimento em juízo (grifo nosso).
No excerto, ideniica-se a expressão “sem demora”, interpretada pela Corte IDH no caso Cabrera Garcia e Moniel Flores v. México
(2010), oportunidade em que não considerou compaível com a Convenção (arigo 7º, 5) o prazo de 5 (cinco) dias, contados da data da
prisão, para apresentar o preso ao juiz competente, determinado pela legislação mexicana.
Dessa forma, parte da doutrina acena que a citada expressão deve ser entendida como 24 (vinte e quatro) horas contadas a
parir da prisão em lagrante.
Na CRFB/88, a audiência de custódia se manifesta na norma que determina o imediato relaxamento da prisão ilícita (arigo 5º-
LXV), o rápido desfecho da invesigação e do processo (arigo 5º- LXXVIII) e pelo princípio do juiz natural, conforme o qual o invesigado
tem o direito de ter um julgamento justo, com parâmetros previamente estabelecidos (arigo 5º- LIII), e não por tribunal de exceção (arigo
5º- XXXVII). Tais garanias são inerentes ao devido processo legal insituído pela atual Consituição.
Com isso, o insituto tende a coibir maus tratos aos presos no momento da prisão, além de exercer papel relevante no que tange
à diminuição da população carcerária, na medida em que a apresentação imediata do preso ao juiz possibilitará a apreciação da legalidade
da prisão em lagrante e da necessidade da prisão preveniva de forma célere, minimizando a possibilidade de manter prisões abusivas e
desnecessárias.
Registre-se também a possibilidade de o juiz decretar a prisão preveniva na própria audiência, desde que presentes os requisitos
do arigo 312 do Código de Processo Penal (CPP) – Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941.
Conquanto não exista previsão legal no Brasil sobre a audiência judicial de custódia, o CNJ, em parceria com os tribunais de
jusiça dos Estados federados, vem instaurando a audiência de apresentação em todo o Brasil, com regulamento estabelecido por cada
Tribunal, diante da lacuna na legislação.
Todavia, tramita no Senado Federal o projeto de lei nº 554/2011, de autoria do Senador Antônio Carlos Valadares, propondo a
alteração do §1º do arigo 306 do CPP para insituir a audiência de custódia em 24 horas após a prisão em lagrante.
O texto original do projeto tem a seguinte redação:
§ 2.º A oiiva a que se refere o § 1.º não poderá ser uilizada como meio de prova
contra o depoente e versará, exclusivamente, sobre a legalidade e necessidade
da prisão; a prevenção da ocorrência de tortura ou de maus-tratos; e os direitos
assegurados ao preso e ao acusado.
§ 3.º A apresentação do preso em juízo deverá ser acompanhada do auto de prisão
em lagrante e da nota de culpa que lhe foi entregue, mediante recibo, assinada
pela autoridade policial, com o moivo da prisão, o nome do condutor e os nomes
das testemunhas.
§ 4.º A oiiva do preso em juízo sempre se dará na presença de seu advogado,
ou, se não o iver ou não o indicar, na de Defensor Público, e na do membro do
Ministério Público, que poderão inquirir o preso sobre os temas previstos no § 2.º,
bem como se manifestar previamente à decisão judicial de que trata o art. 310
deste Código.
Em 25/06/2014, o texto recebeu nova emenda subsituiva, de autoria do Senador Francisco Dornelles, estabelecendo que a
audiência de custódia também poderá ser feita mediante o sistema de videoconferência. O subsituivo traz a seguinte redação:
Pondera-se que o texto é de duvidosa convencionalidade, pois a videoconferência reiraria a possibilidade de contato direto
pessoal entre o juiz e o preso, diicultando a aferição das circunstâncias corpóreas, além de facilitar a coação e o abuso da autoridade
policial, de forma a induzir o acusado a faltar com a verdade no depoimento transmiido online.
Ademais, reforçando tal entendimento, a Corte IDH (2005), interpretando o arigo 7ª, 5 da Convenção ADH, decidiu que, para
os ins previsto nos TIDH, o deido deve comparecer em pessoa e render sua declaração exclusivamente perante um juiz ou autoridade
judicial competente.
Consoante aponta Weis (2013), a audiência de custódia “aumenta o poder e a responsabilidade dos juízes, promotores e
defensores de exigir que os demais elos do sistema de jusiça criminal passem a trabalhar em padrões de legalidade e eiciência”.
Na visão da Diretora do Human Rights Watch – Brasil, Maria Laura Canineu (2014), o risco de maus-tratos é frequentemente
maior durante os primeiros momentos que seguem a detenção, quando a polícia quesiona o suspeito, pois “Esse atraso torna os detentos
mais vulneráveis à tortura e outras formas graves de maus-tratos comeidos por policiais abusivos”.
Contudo, apesar da expressa previsão convencional (dotada de natureza jurídica de supralegalidade), a audiência de custódia
não foi efeivamente implementada em todo o País².
Com efeito, o CPP exige apenas que os documentos policiais do caso, mas não o preso, sejam apresentados a um juiz no prazo
de 24 horas (arigo 306, § 1º), momento em que a autoridade judicial terá a incumbência de avaliar a legalidade da prisão e decidir sobre
sua prisão preveniva ou liberdade provisória, com base exclusivamente nos documentos escritos fornecidos pela polícia.
A única circunstância em que a polícia precisa levar imediatamente o preso perante o juiz, de acordo com o CPP, ocorre no
caso da práica de crime inaiançável, não tendo o policial exibido o respecivo mandado judicial no momento da prisão (art. 287). Caso
contrário, o detento também pode chegar a não ver um juiz por vários meses (CANINEU, 2014).
Dessa forma, constata-se que o encontro entre o invesigado e o juiz acaba sendo postergado por meses ou anos, tendo em
vista que o interrogatório é o úlimo ato da instrução (art. 400, caput, do CPP), somente ao inal do processo.
É nesse senido que Lopes Jr. e Paiva (2014) airmam que “o juiz não tem contato com o cidadão preso e, se decretar a prisão
preveniva, somente irá ouvi-lo no interrogatório muitos meses (às vezes anos) depois, pois agora o interrogatório é o úlimo ato do
procedimento.”
Enfaicamente, prevê o arigo 306 do CPP que “a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados
imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada”.
Entretanto, a disposição não passa pelo crivo de convencionalidade, uma vez que a mera comunicação através de correspon-
dência por escrito inviabiliza a análise judicial sobre o corpus, impossibilitando qualquer aferição de maus tratos e o contato direto do juiz
com o acusado.
Nessa esteira, posiciona-se reiteradamente a Corte IDH que “o simples conhecimento por parte de um juiz de que uma pessoa
está deida não saisfaz essa garania, já que o deido deve comparecer pessoalmente e render sua declaração ante ao juiz ou autoridade
competente” (2005) e ainda que “o juiz deve ouvir pessoalmente o deido e valorar todas as explicações que este lhe proporcione, para
decidir se procede a liberação ou a manutenção da privação da liberdade”, concluindo que “o contrário equivaleria a despojar de toda
efeividade o controle judicial disposto no art. 7.5 da Convenção” (2008).
São muitas as vantagens da efeiva implementação da audiência de custódia; para elencá-las, foi-se necessário a reunião dos
moivos no Informaivo Rede de Jusiça Criminal, produzido por organizações de defesa de direitos humanos, tal qual a Associação pela
Reforma Prisional (ARP), Conectas Direitos Humanos, Insituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Insituto de Defensores de
Direitos Humanos (DDH), Insituto Sou da Paz, Insituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), Jusiça Global e Pastoral Carcerária Nacional.
Entre tais vantagens, o citado Informaivo considera as dez seguintes (2013, p. 2):
1. A Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica), raiicada
pelo Brasil em 1992, dispõe que “toda pessoa deida ou reida deve ser conduzida, sem demora,
à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais” (art. 7º);
2. A apresentação da pessoa presa em juízo no prazo de 24 horas é a maneira mais célere de
garanir que a prisão ilegal será imediatamente relaxada e que ninguém será levado à prisão ou
nela manido se a lei admiir a liberdade (garanias consitucionais previstas no art. 5º, LXV e LXVI,
respecivamente);
3. A audiência de custódia servirá para que o juiz i) analise a legalidade e necessidade da prisão
e ii) veriique eventuais maus tratos ao preso havidos até ali, podendo determinar a imediata
apuração de qualquer abuso que venha a tomar conhecimento. No que diz respeito ao controle
da legalidade da prisão, poderá o juiz no momento da audiência de custódia: i) relaxar a prisão
em lagrante ilegal; ii) decretar a prisão preveniva ou outra medida cautelar alternaiva à prisão;
iii) manter solta a pessoa suspeita da práica de determinado delito, se veriicar ausentes os
pressupostos de cautelaridade previstos no arigo 312 do CPP;
4. A previsão da ordem dos atos nesta audiência (Ministério Público requer a medida cautelar que
entender adequada e necessária, a Defesa contra-argumenta e o Juiz decide) é a expressão do
princípio consitucional do contraditório (art. 5º, LV, CF), com a garania inerente de que a defesa
deve sempre manifestar-se depois da acusação;
5. O depoimento prestado nessa audiência deve ser autuado em apartado para que não seja
manuseado no curso da instrução criminal e com isso não contamine a prova a ser produzida e
discuida no futuro, garanindo, portanto, que seu conteúdo não seja uilizado em prejuízo do
acusado em futura ação penal;
O Ministro Gilmar Mendes, em voto no HC 119095 (MENDES, 2014), caso emblemáico de abuso da prisão cautelar, também
ponderou as vantagens da audiência de custódia, releindo se, no Brasil, já não seria o momento de “começar a exigir, talvez, aquilo que
está já na Convenção Interamericana de Direitos Humanos: a observância da apresentação do preso ao juiz ”.
No mesmo senido, pondera Paiva (2014):
No que tange ao direito comparado, a experiência demonstra o êxito da audiência de custódia, inclusive quanto aos ins
propostos, apesar de a simples previsão normaiva não ser suiciente para eliminar por completo a práica de abusos nas detenções
(CANINEU, 2014).
Na Argenina, por exemplo, o Código de Processo Penal federal exige que, em casos de prisão sem ordem judicial, o detento
compareça perante uma autoridade judicial competente no prazo de seis horas após a prisão. No Chile, o Código de Processo Penal
determina que, em casos de lagrante, o suspeito seja apresentado dentro de 12 horas a um promotor, que poderá soltá-lo, ou apresentá-lo
a um juiz no prazo de 24 horas da prisão. Na Colômbia, o Código de Processo Penal prevê que, em casos de lagrante, o detento precisa
ser apresentado ao juiz no prazo de 36 horas. No México, para a maioria dos ipos penais, pessoas deidas em lagrante precisam ser
entregues imediatamente aos promotores, que, por sua vez, devem apresentar os suspeitos a um juiz no prazo de 48 horas ou liberá-los
(CANINEU, 2014).
² O Estado de São Paulo e do Maranhão são exemplos pontuais de Estados brasileiros que expressamente implementaram a audiência de custódia, mas isso
ainda coninua sendo uma realidade remota. Em São Paulo, anota a publicação do Provimento Conjunto nº 03/2015, da Presidência do Tribunal de Jusiça
e Corregedoria Geral de Jusiça, em 27 de janeiro - conforme publicação do MP paulista (htp://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/corregedoria_geral/
Publicacoes/Minist%C3%A9rio%20P%C3%BAblico%20e%20Audi%C3%AAncia%20de%20Cust%C3%B3dia.pdf) - que “Uma vez realizada uma prisão em
lagrante, a pessoa deida deverá ser apresentada ao Juiz de Direito, em ‘audiência de custódia’, no prazo máximo de 24 horas, oportunidade em que a
autoridade judicial decidirá, após ouvido o representante do Ministério Público, sobre a legalidade da prisão e deverá converter a custódia por força do
lagrante em prisão preveniva ou conceder ao preso a liberdade provisória com ou sem imposição de medidas cautelares ou, ainda, determinar a prisão
domiciliar. Também nessa ocasião o advogado do preso ou a Defensoria Pública serão ouvidos e poderão postular medidas liberatórias ou outras em favor
da pessoa deida, bem como o preso poderá denunciar eventual excesso ou tortura a que tenha sido submeido e tais ocorrências deverão ser apuradas
de imediato. A pessoa custodiada, ainda, será entrevistada pelo Magistrado tão somente acerca de sua qualiicação, condições pessoais e circunstâncias
objeivas da sua prisão, sendo vedadas perguntas que possam antecipar eventual instrução criminal de processo de conhecimento, bem como deverá se
submeter a exame de corpo de delito, havendo médicos legistas no local”.
O termo enforcement pressupõe o fazer valer da norma, a garania de sua observância e obediência. Uma norma possui alto grau
de enforcement quando conta com instrumentos que garantem sua aplicação no caso concreto.
Na acepção de Tams (2005, p. 8), o conceito de enforcement, no direito internacional, compreende formas de induzir outro
Estado a cessar sua conduta ilícita e sanar as consequências. Para o direito interno, são as providências tomadas pelo Estado para limitar
sua própria força e induzir a obediência aos diplomas internacionais que se compromete observar.
No Brasil, diversos TIDH possuem a executoriedade compromeida pelos juízes internos, que não se valem dessas normas para
resolver a demanda judicial.
Ao passo que o direito processual civil não oferece uma resposta efeiva para sua tutela, como uma ação direta que proteja essas
normas supralegais, devendo o aplicador do direito se uilizar de métodos subsidiários, como as ações coleivas, para aumentar o grau de
enforcement dos direitos humanos consagrados nos diplomas internacionais.
Na mesma esteira, a não obediência de normas previstas em TIDH, tal qual o dever de apresentação imediata ou sem demora ao
juiz de pessoa presa em lagrante ou sem mandado judicial pela polícia, pode gerar dano de ordem coleivo, autorizando tanto o manejo
de ação coleiva para sua efeiva tutela quanto o uso do controle de convencionalidade.
Os interesses³ coleivos lato sensu e os interesses individuais indisponíveis são caracterizados pela Consituição como interesse
de ordem social e pública.
Nesse senido, não possuem itularidade determinada, pois são comuns aos grupos, classes ou categorias de pessoas que estão
ligadas por uma mesma relação jurídica ou fáica.
Sua relevância jurídico-processual, no mesmo norte, reside no reconhecimento da necessidade de que o acesso coleivo é
preferível frente ao acesso individual do lesado à Jusiça, de modo que “a solução obida no processo coleivo não apenas deve ser apta
a evitar decisões contraditórias como, ainda, deve conduzir a uma solução mais eiciente da lide, porque o processo coleivo é exercido
em proveito de todo o grupo lesado” (MAZZILLI, 2013, p. 51).
Diante disso, a CRFB/88 prescreve, no arigo 5º, o rol de direitos individuais e, destaque-se, coleivos, estabelecendo ainda, no
inciso XXXV, o acesso à Jusiça não só do indivíduo, mas também de toda coleividade.
Assim, o efeito gerado por crises de direito pode ter inluência tanto na ordem individual da pessoa quanto para toda a
coleividade, situação que, em tese, autoriza a parte lesada a requerer resposta judicial.
Mais ainda, qualquer ação (condenatórias, mandamentais, execuivas, declaratórias e consituivas), conforme arigo 83 do CDC,
pode se tornar coleiva, diante do caráter voláil desses direitos, pois “inexiste taxaividade de objeto para a defesa judicial de interesses
transindividuais” (MAZZILLI, 2013, p. 797-805).
Vale ressaltar, por outra via, que, no Brasil, os interesses ou direitos coleivos lato sensu (ou transindividuais) são gênero das
espécies: direito difuso, coleivo stricto sensu e direito individuais homogêneos (DIDIER JR.; ZANETI JR., 2013, p. 75).
Releindo sobre o tema, Didier Jr. e Zanei Jr. (2013, p. 85) apontam que tais categorias de direito foram conceituadas para
facilitar a prestação jurisdicional, sendo, portanto, “conceitos interaivos de direito material e processual, voltados para a instrumentalida-
de, para a adequação ao direito material da realidade hodierna e, dessa forma, para sua proteção pelo Pode Judiciário”.
Tais espécies se encontram previstas no arigo 81 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) – Lei Federal nº. 8.078, de 11 de
setembro de 1990 – que dispõe:
Art. 81 - A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das víimas poderá ser exercida
em juízo individualmente, ou a ítulo coleivo.
Parágrafo único - A defesa coleiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais,
de natureza indivisível, de que sejam itulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias
de fato;
II - interesses ou direitos coleivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindivi-
duais, de natureza indivisível, de que seja itular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas
entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem
comum.
³Apesar das críicas doutrinárias com relação à palavra “interesse” (e.g Didier Jr. e Zanei Jr. [2012, p.88-94]), uiliza-se o termo indisintamente como
sinônimo de “direito” por razões didáicas. Entretanto, faz-se necessário apresentar a visão de Mazzilli (2013, p. 55), para quem a terminologia “interesse”
é uilizada como sinônimo de pretensão de direito. O direito coleivo, por sua vez, é o interesse corroborado em juízo mediante ações coleivas.
Dessarte, como assinala Mazzilli (2013, p. 804), qualquer interesse coleivo lato sensu pode, em tese, ser defendido em juízo por
meio da tutela coleiva, tanto pelo Ministério Público como pelos demais colegiimados do arigo 5º da Lei da Ação Civil Pública (LACP)
– Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985 – e pelo art. 82 do CDC.
As teses aventadas pelos autores citados servem de lastro para o entendimento de que a negaiva da aplicação dos TIDH de
natureza supralegal, no caso concreto, pode gerar danos de ordem coleiva.
Contextualizando a problemáica, considera-se que a lei é um ato normaivo abstrato e genérico por deinição. A não observação
de seus preceitos de forma sistemáica pelos Tribunais gera impedimento do gozo do direito atribuído por ela à toda coleividade.
Com outras palavras, seria o mesmo que dizer que, sempre que o juiz interno (ou alguma autoridade pública) se nega a aplicar
o direito previsto em uma fonte, a conjuntura implica o nascimento de uma pretensão coleiva de que são itulares todas os sujeitos
potencialmente contemplados pelo mesmo direito, mas impedidos de gozá-los pela falta de eicácia da fonte.
Assim como a lei, os TIDH, em regra, possuem as caracterísicas de serem gerais e abstratos, além de que assumem posição
privilegiada no ordenamento jurídico pátrio e podem revogar a própria lei pela natureza de supralegalidade.
Como destaca Rezek (2011, p. 38), “a matéria versada num tratado pode ela própria interessar de modo mais ou menos extenso
ao direto das gentes [...]”, assim como ao direito interno.
Dessa forma, pode-se expor que o interesse coleivo surge no momento em que a norma internacional de direitos humanos
atribuiva de direitos não é aplicada pelas insituições do Estado no caso concreto.
Nesse diapasão, o reduzido grau de enforcement do TIDH – que se traduz na falta de obediência ou aplicação ao caso concreto
dos disposiivos do TIDH e da jurisprudência correlata – gera a pretensão coleiva de requerer em juízo tutela jurisdicional frente à
ineicácia sistemáica de suas disposições, acarretando em lagrante dano transindividual.
Para exempliicar, um tratado que versa sobre os direitos da pessoa com deiciência, com obviedade ululante, interessa à
categoria coleiva dos deicientes ísicos e também a toda sociedade. Seria uma anomalia achar que seu simples desprezo no caso
concreto poderia passar despercebido pela ordem jurídica, sem qualquer forma instrumental de tutela processual.
Dessa forma, o reduzido grau de aplicação do TIDH causa prejuízo generalizado a todos os itulares de direitos subjeivos
fundados nas convenções, sejam eles direitos individuais ou coleivos, pois a não observância de normas obrigatórias resultará em
conduta ilegal das autoridade públicas e em danos transindividuais mulitudinários para os desinatários da norma, que aingem não uma
só categoria de direitos coleivos, mas duas ou três.
Diante do baixo grau de enforcement, no Brasil, do disposiivo convencional que prevê a audiência de custódia, os legiimados
para tutela coleiva de direitos passaram a propor ações civis públicas quesionando a não implementação do direito subjeivo do preso
de ser apresentado, sem demora, a um juiz, presente na Convenção ADH e no PIDCP.
Nesse deambular, o Ministério Público Federal (MPF) do Ceará, em dezembro de 2010, ajuizou a ACP n.º
00.14512.10.2010.4.05.8100, objeivando, liminarmente, compelir o Diretor Geral da Polícia Federal a instauração, em prazo razoável,
dos Procedimentos Administraivos necessários para ins de cumprimento das disposições do arigo 9º, §3º, do Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políicos (1966), primeira parte, no que diz respeito ao direito de apresentação, sem demora, dos presos ou custodiados
aos respecivos juízos competentes.
Em decorrência desta ação, a Advocacia Geral da União (AGU) encaminhou ao Conselho Nacional de Jusiça (CNJ) uma proposta
de Resolução para implantar as audiências.
O Conselho Nacional de Jusiça, por sua vez, autuou esta proposta de resolução no processo n. 0001731-41.2012.2.00.0000,
com o escopo de disciplinar a apresentação em juízo de toda pessoa presa, internada ou de qualquer forma manida sob custódia do
Estado. A medida garante que a autoridade judicial possa ouvir a pessoa sobre as circunstâncias em que se realizou o ato de custódia e
decidir, imediatamente, nos termos da legislação em vigor, sobre a sua legalidade e a apuração de eventuais excessos.
Diante da conjuntura, o Ministro Ricardo Lewandowski, propôs ao CNJ o Projeto “Audiência de Custódia”, elaborado pelo Juiz
Luís Geraldo Sant’Anna Lanfredi, e dirigido pelo próprio CNJ, pelo Tribunal de Jusiça de São Paulo (TJSP) e pelo Ministério da Jusiça, com
o desígnio de prevenção e combate à tortura e de estabelecer um modelo de audiência de custódia a ser implantado no Fórum Criminal
da Barra Funda em São Paulo para os ins do arigo 310 do CPP.
Conforme enunciado pelo mesmo Ministro, mais de 12 (doze) Estados da federação já aderiram ao projeto de audiência de
custódia, e a previsão é que, até o inal de 2015, ela seja realizada em todo o território nacional .
Cabe ressaltar que a implementação do referido insituto traz beneícios de ordem políica, social e econômica, pois evita prisões
desnecessárias, contribui para a ressocialização de autores de crimes leves e representa economia de mais de R$ 4,3 bilhões por ano aos
cofres públicos, vez que a manutenção do preso custa média de R$ 3 mil mensais.
Noutro giro, com o advento da ADIN 5.240, a questão parece ter se estabilizado, haja vista o plenário do STF ter declarado
consitucional a audiência de custódia (ou audiência de apresentação), como será melhor visto posteriormente.
htp://www.sf.jus.br/portal/cms/verNoiciaDetalhe.asp?idConteudo=298112.
Como mencionado acima, o MPF ajuizou ação civil pública – que ainda não transitou em julgado – com o propósito de ver
implementada a garania convencional de apresentação, sem demora, do preso ao juiz, esimulando o debate pátrio tangente à garania
da Convenção ADH e do PIDCP.
Na mesma ação, o parquet federal também requer a declaração de invalidade da Lei de Prisão Temporária (Lei 7.960, de 21 de
dezembro de 1989), por reportar incompaível com o arigo 7º da Convenção ADH, que veda a possibilidade de detenções arbitrárias.
Posteriormente, a Defensoria Pública da União (DPU), ajuizou nova ação civil pública, no Amazonas, em junho de 2014,
“cobrando do Poder Judiciário apenas a concreização de um direito previsto em Tratados Internacionais de Direitos Humanos que o
Brasil – voluntariamente – aderiu” .
No pedido principal, a DPU requer ao juiz o cumprimento da Convenção ADH (art.7º, 5) e do PIDCP (9º, 3), obrigando a União
a viabilizar a realização da audiência de custódia para todos os presos em lagrante, com a condução, no prazo máximo de 24 (vinte e
quatro) horas, do preso à presença do juiz, com prévia inimação para o Ministério Público e para a defesa.
De uma forma ou de outra, a decisão pelo provimento de qualquer das ações (em outras palavras, o exercício do controle de
convencionalidade pelo juiz) tem o condão de concreizar o disposiivo convencional violado em todo o território nacional, nacionalizando
a invalidade e concedendo enforcement a uma norma de baixa aplicabilidade no ordenamento pátrio.
Nem seria preciso, cumpre ressaltar, que o mandamento convencional esivesse regulamentado por norma legal, pois o disposto
no arigo 7º, 5 da Convenção ADH, e 9º, 3 do PIDCP, possui aplicação imediata e eicácia plena no território brasileiro.
Dessarte, nos exatos termos da ACP, anuncia o advocatus pauperum: “A Jusiça Federal do Estado do Amazonas tem, aqui, uma
chance singular de nacionalizar um provimento que fará cessar mais de vinte anos de descumprimento da CADH e do PIDCP [...]”.
Frente a conjuntura referenciada, pode-se airmar que vem se muliplicando o número de ações civis públicas veiculando pedido
de inconvencionalidade por omissão ou por incompaibilidade da norma interna em face do TIDH, ainda que com outra nomenclatura.
É de se expor que o objeivo dessas novas ações será sempre o de tutelar uma categoria vulnerável de pessoas, que têm seus
direitos coleivos violados em face da omissão do Estado ou de uma norma incompaível com o TIDH.
Com o provimento da ação civil pública, no senido de tutelar o direito internacional violado, grande número de pessoas, em
injusto cárcere, serão beneiciadas pela coisa julgada coleiva inerente a este ipo de ação, já que exercerá efeitos em todo o País.
A referenciada ação civil pública proposta pela DPU está disponível em: htps://www.scribd.com/doc/228594540/ACP-audiencia-de-custodia.
Em agosto de 2015, o plenário do STF julgou improcedente a ADIN 5.240, proposta pela Associação de Delegados de Polícia do
Brasil (Adepol/Brasil), que quesionava a Portaria conjunta do Tribunal de Jusiça de São Paulo (TJ-SP) e da Corregedoria Geral da Jusiça,
pela implementação da audiência de custódia em São Paulo.
Neste interim, a Associação alega que a deliberação de tais órgãos públicos viola normas de competência presente na
Consituição, já que a competência para legislar sobre Direito Penal e Processo Penal é da União (arigo 22, inciso I da CRFB/88), assim
a implementação do procedimento apenas poderia ocorrer através de lei federal dispondo expressamente sobre a matéria, e jamais por
intermédio de tal provimento autônomo.
No mesmo passo, aduzem que a norma repercuiu diretamente nos interesses insitucionais dos delegados de polícia, cujas
atribuições são determinadas pela Consituição (arigo 144, parágrafos 4º e 6º).
Para o STF, o procedimento da audiência de apresentação, que consiste no direito fundamental do preso de ser levado sem
demora à presença do juiz, não inovou no ordenamento jurídico, apenas disciplinou a Convenção Americana de Direitos Humanos
(Convenção ADH), norma vigente no País desde 1992, bem como de disposiivos do CPP.
Na ópica do Supremo, trata-se, na verdade, de comandos de mera organização administraiva interna, ou seja, ato de mera
gestão do Tribunal, sem que interferisse na competência de outros Poderes.
Com isso, o STF julgou improcedente a ADIN 5.240 para declarar consitucional a audiência de custódia e a possibilidade de
sua implementação em todo o território nacional, preenchendo o comando normaivo – até então desprovido de eicácia – do PIDCP e
da Convenção ADH.
Nesse senido, o disposiivo do arigo 9º, 3 do PIDCP e do arigo 7ª, 5, da Convenção ADH passam a ter concretude no
ordenamento jurídico brasileiro, gerando beneícios de ordem econômica, políica e social para o País.
8. CoNsIDErAçõEs FINAIs
A audiência de custódia é importante meio para se evitar prisões arbitrárias e o tratamento degradante de presos. Tem previsão
em TIDH internalizados pelo Brasil, inclusive com natureza jurídica de supralegalidade, sendo hierarquicamente superior a qualquer lei.
Contudo, tais atributos excepcionais não foram suicientes para que a audiência de custódia fosse realidade no Brasil,
permanecendo ignorada por mais de 20 anos, ou seja, desde da vigência da Convenção ADH e do PIDCP, em 1992.
A circunstância acarretou em dano transindividual aos presos, gerando ações civis públicas com o escopo de ver assegurado o
direito de ser apresentado em prazo razoável a juiz diante de prisão.
Nesse senido, pode-se dizer que o controle judicial de convencionalidade das normas domésicas realizado pelos juízes internos
representa, no Direito Processual, o principal mecanismo de tutela dos direitos humanos consagrados em tratados internacionais.
Por vezes, a teoria do controle de convencionalidade auxilia as cortes internacionais e os órgãos de proteção internacional de
direitos humanos a aumentar o grau de eicácia do TIDH no direito interno, por meio do diálogo constante entre o direito internacional e
o direito do Estado.
Contudo, alguns países, como o Brasil, não dispõem de uma ferramenta processual prevista na legislação pátria com a inalidade
única de proteger efeivamente a supralegalidade do tratado frente à legislação interna, diicultando a instrumentalização do controle de
convencionalidade e levando a não aplicação das disposições dos TIDH, quando colidentes com a lei interna.
Com efeito, a violação aos direitos humanos, constantes em instrumentos internacionais, representa dano à dignidade humana
e requer resposta efeiva do Direito para sua tutela qualiicada.
Nessa senda, o dano coleivo evidente gera a possibilidade de tutela interna do direito consagrado no TIDH mediante liígio
coleivo, que se convalida como liígio de interesse público e se apresenta como a principal forma de efeivar as normas internacionais de
direitos humanos no direito domésico, com arrimo no controle de convencionalidade.
Dessa forma, assim como a audiência de custódia pôde ser fomentada no Brasil mediante controle de convencionalidade na
ação civil pública, o qual esimulou seu processo de implementação e o consequente aumento da eicácia da Convenção ADH e do
PIDCP, conclui-se que o enforcement de uma norma internacional pode ser também ampliada quando, em situações concretas, as ações
coleivas são uilizadas para o exercício do controle de convencionalidade.
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RESUMO
Este arigo tem por objeto o estudo do direito humano ao desenvolvimento, a despeito de toda a carga posiiva de asserção humana que
o reveste, ressaltando que, a políica pública assistencial tutela a cidadania do ser humano em sua plenitude, conigurando assim a mesma,
como um direito anipobreza e instrumento raiicador do direito humano ao desenvolvimento na era globalizada.
Palavras-Chave: Direito Humano ao Desenvolvimento. Políica Pública Assistencial. Cidadania. Direito Anipobreza.
ABSTRACT
This aricle studies the human right to development, despite all the posiive charge of human asserion that involves it, poining out that
the healthcare public policy protects the ciizenship of the human being in its fullness, thus seing the same as one ani-poverty law and
raifying instrument of the human right to development in the globalized era.
Keywords: Human Right to Development. Public Assistance policy. Ciizenship. Ani-poverty law.
1. INTroDUção
No cenário do mundo globalizado os direitos humanos coniguram o elo entre retórica e práica, discurso e ação, humanidade e
desenvolvimento. Nesse contexto, cumpre ressaltar que os direitos humanos coniguram vertente jurídica, políica, ilosóica, econômica
e social no mundo globalizado.
Não há que se falar em direitos humanos como um discurso elásico, há que se conceber esse ramo como instrumento hábil na
busca da concreização dos direitos fundamentais e, mais do que isso, na esteira da ação, fugindo da retórica por si só, agregando aos
direitos humanos a praicidade que lhe é perinente e que dele relete para os instrumentos jurídicos e políicos no mundo atual.
Nesse diapasão, encontra-se o Direito Humano ao Desenvolvimento e as conseqüentes políicas públicas voltadas para a
concreização deste desenvolvimento. É nesse viés que os direitos humanos permitem conceber a mulidisciplinariedade de sua plataforma
de construção, a parir do momento que adere um conjunto de direitos humanos como a base de seu discurso e a jusiicaiva de sua
ação.
O direito humano ao desenvolvimento conigura direitos de solidariedade, tendo em vista que desenvolvimento é políica e
difere de crescimento por si só; o direito humano ao desenvolvimento reforça outros direitos humanos previamente formulados, tendo
em vista que a observância de determinados direitos humanos não pode em nenhuma hipótese jusiicar a denegação de outros.
O direito humano ao desenvolvimento engloba várias ações de instrumentalização e tutela de vários outros direitos, dentre os
quais, destaca-se o direito da assistência social como políica pública de combate à pobreza e fomento ao desenvolvimento como direito
do ser humano.
A políica pública assistencial é arma poderosa na conirmação e busca da efeivação dos direitos humanos, visto que não se
pode falar em direitos humanos sem buscar a plenitude dos mesmos, de modo que, na ausência de um dos direitos humanos posiivados,
não há que se falar em sua plenitude.
Nesse contexto, cumpre ressaltar que a políica pública assistencial é responsável pela concreização da cidadania humana, que por sua
vez, é relexo do nível de desenvolvimento em que se encontra o ser humano. Assim, pode-se airmar que, em dias globalizados, a políica
pública assistencial apresenta-se como direito anipobreza e conigura um dos viés do direito humano ao desenvolvimento.
A tríade democracia/desenvolvimento/direitos humanos marcou presença na evolução dos Direitos Humanos na era globalizada e
conigurou o reconhecimento do direito ao desenvolvimento como um direito humano, perfazendo assim, a conceituação do direito ao
desenvolvimento como um direito humano.
É certo que o cenário globalizado contribui para a coniguração do Direito ao Desenvolvimento como um dos Direitos Humanos, visto
Em um mundo globalizado abrem-se as fronteiras aos capitais, bens e serviços, mas lamentavelmente não às pessoas, aos seres
humanos, a estes, se fecham às conquistas sociais das úlimas décadas. Concentram-se as riquezas nas mãos de poucos, aumentam
os marginalizados e excluídos e a isto se soma a idolatria do mercado livre e a redução do ser humano a mero agente de produção
econômica.
Neste cenário globalizado e como consequência desta nova tragédia contemporânea, perfeitamente evitável se a solidariedade humana
primasse sobre o egoísmo individual, surge a exclusão social e a pobreza extrema, tornando imperaivo o conceito de direito ao desen-
volvimento como direito humano.
Os sujeitos aivos ou beneiciários do direito ao desenvolvimento são os seres humanos e os povos, e os sujeitos passivos são
os responsáveis pela realização daquele direito, com ênfase especial nas obrigações atribuídas aos Estados, individual e coleivamente.
A signiicação maior dessa evolução reside no reconhecimento ou asserção do direito ao desenvolvimento como um direito
humano inalienável (FEITOSA, 2013).
Nesse diapasão, percebe-se que o direito ao desenvolvimento é reconhecido e se mantém no patamar de direito humano
universal e inalienável, agregador de direitos de ordem social, econômica, cultural e políica, reforçando outros direitos humanos
previamente formulados, tendo em vista que a observância de determinados direitos humanos não pode em nenhuma hipótese jusiicar
a denegação de outros (TRINDADE, 2009).
A im de promover o desenvolvimento, deve-se dar atenção igual e urgente à implementação dos direitos civis, políicos,
econômicos, sociais e culturais e a observância de determinados direitos humanos não pode assim jusiicar a denegação de outros;
do mesmo modo, todos os aspectos do direito ao desenvolvimento são indivisíveis e interdependentes e cada um deles há de ser
considerado no contexto daquele direito como um todo. (SEN; KLIKSBERG, 2010)
O reconhecimento do Direito ao desenvolvimento como um direito humano só pode vir a reforçar outros direitos humanos
previamente formulados e tem contribuído para concentrar atenção na promoção e proteção dos direitos ainentes a um tempo a
indivíduos e coleividades humanas assim como na busca prioritária de soluções a violações graves, lagrantes e generalizadas de direitos
humanos.
A cristalização do direito ao desenvolvimento como um direito humano deve-se em grande parte à perspeciva globalista
avançada pelas Nações Unidas, acarretada pelas mudanças fundamentais experimentadas pela sociedade internacional contemporânea;
o direito ao desenvolvimento reforça os direitos pré-existentes, e prescreve a invocação dos chamados requisitos do desenvolvimento
material para tentar jusiicar restrições ao exercício dos direitos humanos garanidos. Nesse senido discorre Trindade (2009):
Os países pobres necessitam de assistência quanto ao desenvolvimento socieoeconomico há muito tempo já evidenciado nos países
considerados desenvolvidos, ou simplesmente, ricos.
Não há, entretanto, como desassociar o desenvolvimento de um Estado da plenitude da cidadania nele vivenciado, posto que, conforme
Hannah Arendt, a cidadania conigura o direito a ter direitos, direitos estes que, sem dúvida, integram o rol dos direitos ao desenvolvi-
mento, posto que, sem concreização da cidadania, a pobreza e a exclusão social não conseguem ser efeivamente combaidas e os países
pobres não alavancam o salto que tanto necessitam para sair da pobreza e emergirem no desenvolvimento humano, social, econômico
e políico.
A cidadania é uma condição da pessoa humana que se encontra no gozo do conjunto de direitos civis, políicos e sociais. Cumpre ressaltar
que nesse contexto, os de ordem políica consistem na “parte medular desses direitos, porque são os direitos que estabelecem o vínculo
entre o paricular e a sociedade estatalmente organizada” (SORTO; MAIA, 2009, p. 97).
A pluralidade da ação, como condição humana de inserção no mundo políico e, por conseguinte, da efeivação e plenitude da cidadania,
necessita da preservação da liberdade e da manutenção do regime democráico. O pensamento Ariendiano de que a liberdade só existe
na democracia e a cidadania é pautada naquela é conirmado pelos pensadores modernos:
Nesse contexto, cumpre ressaltar que o conceito de cidadania no Mundo Moderno e na Era globalizada é intrinsicamente
relacionado aos Direitos Humanos, assumindo a roupagem de direito inato do ser humano.
Na ópica Kaniana, (KANT, 2005) toda pessoa humana já nasce com direitos inatos, por esta razão, a cidadania assume laços
estreitos com os direitos humanos no Mundo Moderno, passando a ter efeivação internacional.
Os Direitos Humanos coniguram herança maior da transição do Estado Liberal para o Estado Social; surgiram na tentaiva de
resolver uma profunda crise de desigualdade social que se instalou no mundo no período pós-guerra. A cidadania, como direito originador
de outros direitos, relete a real tentaiva de tutela dos Direitos Humanos no Mundo Moderno, suscitando o pensamento jusnaturalista
de Ernest Bloch (2011), onde todos os direitos possuem sua origem na dignidade e no valor da pessoa humana.
É nesse senido que a cidadania é concebida pautada na liberdade e na democracia, conigurando-se como “o direito a ter
direitos”, visto que a cidadania abarca conjuntos de direitos que se apresentam como direitos de liberdade, quais sejam, os civis, políicos
e sociais.
“A cidadania só é possível nos regimes que favoreçam a liberdade, tais como os democráicos. Visto que a liberdade é pressuposto para
o exercício dos direitos que ela compreende.” (SORTO; MAIA 2009, p. 61) Nas palavras de Sem (2010):
No campo da políica, Rawls airmou que a objeividade exige “uma estrutura pública de
pensamento” que proporcione uma visão de concordância de julgamento entre agentes
racionais. A racionalidade requer que os indivíduos tenham a vontade políica de ir além dos
limites de seus próprios interesses especíicos. Mas ela também impõe exigências sociais para
ajudar um discernimento justo, inclusive o acesso a informação relevante, a oportunidade
de ouvir pontos de vista variados e exposição a discussões e debates públicos abertos. Em
sua busca de objeividade políica, a democracia tem de tomar a forma de uma racionalidade
pública construiva e eicaz. (2010, p.54)
A cidadania, na concepção Arendiana, requer a inserção do ser humano na comunidade políica, essa inserção passa, sem
dúvida, pela manifestação do discurso e da palavra. A ação políica é realizada por palavras e no espaço público.
É por meio da ação, fundada na acepção de natalidade, que nasce o conceito de cidadania relacionada aos Direitos Humanos, que
converge no “direito a ter direitos”; a parir do momento que o ser humano nasce para a vida políica e, através desse segundo nascimento,
o nascimento original, inato e tutelado pelos Direitos Humanos, é conirmado e ele passa a exercer direitos e contrair obrigações na
comunidade políica, sendo um humano sujeito de direitos, nascendo um cidadão.
Nesse contexto e em países como o Brasil, a exploração, a pobreza e a desigualdade geram o caldo da exclusão social e a
consequente ineicácia do direito à cidadania.
Necessário é, para a concreização do Direito Humano ao desenvolvimento da conseqüente plenitude da cidadania e, conse-
quentemente do combate à pobreza que macula a efeivação da cidadania, a execução de planos de ação para a redução da desigualdade
e da pobreza, nas esferas econômica, social e políica.
Nesse contexto, percebe-se que a cidadania é instrumento de concreização do direito humano ao desenvolvimento, na medida
em que, sendo tutelada e efeivada a cidadania do ser humano por via não só do discurso, mas da ação, o direito humano ao desen-
volvimento é observado e concreizado, posto que o conjunto de direitos que compõe a cidadania são direitos natos do ser humano,
evidenciados como direitos humanos, dentre os quais, o direito ao desenvolvimento.
Nas palavras de Trindade (2009):
Um novo ideal foi alardeado no cenário do mundo globalizado: os direitos humanos. Ele une
a Esquerda e a Direita, o púlpito e o Estado, o ministro e o rebelde, os países em desenvolvi-
mento e os liberais de Hampstead e Manhatan. [...] Os direitos Humanos são o fado da pós-
modernidade, a energia das nossas sociedades, o cumprimento da promessa do Iluminismo de
emancipação e autorrealização. [...] Os direitos Humanos são alardeados como a mais nobre
criação de nossa ilosoia e jurisprudência e como a melhor prova das aspirações universais da
nossa modernidade, que teve de esperar por nossa cultura global pós-moderna para ter seu
justo e merecido reconhecimento (2009, p. 3)
Os chamados Direitos ao Desenvolvimento (DaD) propósitos mais proteivos do que promocionais, inerentes à concepção
descrita por Douzinas, dialogam com os agentes sociais, se realizam materialmente não exatamente pela emissão de leis, mas pelo
aprimoramento de políicas públicas e diretrizes programadas para a realização do desenvolvimento.
Nesse contexto, cumpre ressaltar que as Metas de Desenvolvimento do Milênio sumarizam a conjugação desses direitos, com a necessária
compreensão de desenvolvimento como processo plural, além da roupagem humana e econômica do termo.
As MDMs coniguram catálogo básico de orientação para adoção de medidas políicas e jurídicas que, amparadas quase sempre
em medidas socioeconômicas, podem servir de guia para a efeivação dos dois direitos – Dad e DdD.
A itularidade dos DdD abrange pessoas ísicas, jurídicas e coleividades determinadas ou difusas, já nos DaD, direitos humanos
por natureza, a itularidade abrange os seres humanos, povos e coleividades humanas. Nesse senido, os sujeitos passivos de ambos se
apresentam como sendo os Estados e as organizações internacionais de variada natureza. (FEITOSA, 2013)
Nesse contexto, percebe-se que o direito humano ao desenvolvimento é instrumento concreizador da cidadania humana e
representa uma das armas de maior intensidade na busca de assistência e de combate à pobreza.
Essas pessoas são as mais pobres dos pobres, os miseráveis do planeta, vivem todos em países em desenvolvimento - tendo em vista que,
nos países ricos existe pobreza, não miséria.
É nesse contexto que a assistência ao desenvolvimento dos países pobres emerge em uma conjuntura integrada de ações
coordenadas dos países ricos, bem como da colaboração dos pobres; passa, necessariamente, pela efeivação e concreização do direito
humano ao desenvolvimento.
4. A POLÍTICA ASSISTENCIAL COMO DIREITO ANTIPOBREZA E INSTRUMENTO RATIFICADOR DO DIREITO HUMANO AO DE-
SENVOLVIMENTO NA ERA GLOBALIZADA: ANÁLISE DO COMBATE À POBREZA MUNDIAL E NACIONAL NA ESTERIA DOS
DIREITOS HUMANOS
Na seara da consolidação do Direito Humano ao Desenvolvimento, o crescimento econômico moderno também trouxe abismos
fenomenais entre os mais ricos e os mais pobres. Os países ricos conseguiram dois séculos de crescimento econômico moderno. Os mais
pobres só começaram seu crescimento décadas depois, com obstáculos (SACHYS, 2005).
A questão fundamental para esses países é que existem soluções práicas para quase todos os seus problemas. As políicas
ruins do passado podem ser corrigidas, tendo em vista que a era colonial acabou. Até os obstáculos geográicos podem ser superados por
tecnologias novas.
A realidade mundial e nacional de combate à pobreza relete a consagração do direito ao desenvolvimento como um direito
humano, visto que, não há que se falar em plenitude dos direitos humanos se os mesmos não forem vivenciados em sua completude. As
políicas públicas assistências emergem nesse contexto, como um verdadeiro direito anipobreza.
Nesse senido, na seara da ordem jurídica interna, as políicas públicas assistenciais brasileiras coniguram instrumentos de
efeivação dos direitos sociais como categorias jurídicas concreizadoras dos postulados do desenvolvimento e da jusiça social, por meio
da observância do princípio da solidariedade, implícito nas três áreas da Seguridade Social Brasileira.
Asssim sendo, a Assistência Social Brasileira se apresenta como um verdadeiro direito anipobreza, objeivando a melhoria das condições
de vida dos hipossuicientes, possuindo como objeivos a serem alcançados - por meio das políicas públicas assistenciais - os previstos no
arigo 203 da Consituição Federal, conigurando-se como instrumento de efeivação dos direitos humanos, bem como da concreização
do direito ao desenvolvimento.
As políicas públicas assistenciais brasileiras devem se apresentar como instrumentos garanidores da efeivação dos direitos
humanos em conjunto com o pleno desenvolvimento econômico do país, passando a consituir instrumentos de efeivação e concreização
desses direitos e na busca do pleno desenvolvimento.
Nesse senido, a Assistência Social Brasileira se consitui como um verdadeiro direito anipobreza e se apresenta como meio
jurídico legíimo da busca pelo direito ao desenvolvimento; o desenvolvimento econômico permeia a atuação estatal, assim sendo, a
assistência social se apresenta como uma das mais variadas formas de intervenção do Estado no direito ao desenvolvimento e na busca
do combate à pobreza.
O desenvolvimento na era globalizada permeia de forma mulidisciplinar as searas da ciência jurídica, conigurando um conjunto
de direitos fundamenias, civis, políicos, econômicos e sociais.
Nesse contexto, a doutrina atual conigura o direito ao desenvolvimento como um direito humano, capaz de englobar várias
acepções jurídicas, políicas e ilosóicas. É conjunto de direitos de solidariedade que, possuem como itulares a coleividade dos seres
humanos e instrumentaliza uma gama de direitos fundamentais, políicos, civis e sociais do ser humano.
O direito ao desenvolvimento é conirmado através da posiivação ao patamar de direito humano fundamental da assistencial
social, ao passo que, efeivando a cidadania do ser humano por meio do combate à pobreza, em sua acepção inanceira, moral, intelectual,
dentre outras pobrezas inerentes ao mundo globalizado, o desenvolvimento é percebido, ou pelo menos, de maneira incipiente lhe
visualiza, quando da aplicação de várias políicas públicas de assistência social no Brasil e no mundo.
Não há que se falar em direito humano ao desenvolvimento se não houver a preservação do conjunto de direitos humanos
dos quais o DAD se insere, visto que, o direito ao desenvolvimento é reconhecido e se mantém no patamar de direito humano universal
e inalienável, agregador de direitos de ordem social, econômica, cultural e políica, reforçando outros direitos humanos previamente
formulados, tendo em vista que a observância de determinados direitos humanos não pode em nenhuma hipótese jusiicar a denegação
de outros.
Resta concluir que, o fortalecimento da democracia/desenvolvimento/direitos humanos conclama a erradicação da pobreza
extrema e da exclusão social como uma alta prioridade, emergindo a real necessidade do papel da políica pública assistencial como direito
anitpobreza e instrumento eicaz na busca do direito humano ao desenvolvimento.
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RESUMO
O arigo analisa a Responsabilidade Civil das agências de empregados domésicos perante a lei nº 7.195/1984. São explanados
de forma clara os insitutos da terceirização e da Responsabilidade Civil perante análise jurisprudencial e julgados dos Tribunais Superiores.
Com a promulgação da PEC nº 72, a busca por empresas que terceirizam o serviço domésico aumentou, entretanto, hodiernamente
ainda não se atentou para a necessidade de criação de legislação especíica para regular tais agências. Esse trabalho aprofunda o debate
acerca a Responsabilidade Civil das agências de empregados domésicos e também das tomadoras de serviço, quando são inadimplidas
as obrigações trabalhistas do prestador de serviços. A pesquisa avança ao propor a formação de legislação especíica e atual, como um
caminho exequível a ser explorado para a proteção efeiva dos direitos dos empregados domésicos e o fortalecimento do insituto da
terceirização.
ABSTRACT
The aricle analyzes the Civil Liability of housework employment agencies before the law nº 7195/1984. It is explained clearly
the insitutes of outsourcing and Civil Liability before jurisprudenial analysis and Courts decisions. By the enactment of PEC nº 72,
the search for companies that outsource housework increased, however, nowadays have not yet looked on the need to create speciic
legislaion to regulate such agencies. This research deepens the debate on the Civil Liability of housework employments agencies and
also the service takers when they are defauling labor obligaions of the service provider. The research advances to propose the formaion
of speciic and current legislaion, as a efecive way to be explored for a beter protecion of the rights of domesic workers and the
strengthening of the outsourcing insitute.
1. INTroDUção
O trabalho terceirizado corresponde hoje a um dos principais ramos de aividades no cenário socioeconômico do Brasil,
absorvendo uma parte considerável da mão de obra nacional. Apesar da forte resistência levantada por aqueles que combatem a
precarização laboral que frequentemente a acompanham, as relações trilaterais de trabalho desenvolvidas por meio da terceirização de
serviços têm lorescido com grande intensidade no cenário socioeconômico brasileiro, desde a década de 1980 do século passado.
Importa notar, ainda, que a implementação da terceirização de serviços decorreu inicialmente da tentaiva de promoção de descentra-
lização do trabalho, objeivando melhor qualidade e produividade das empresas, através da parceria empresarial. Entretanto, em um
segundo momento, mudou-se o objeivo da terceirização, que passou a ser uilizada com o objeivo de redução dos custos empresariais.
Com o advento da Emenda Consitucional (EC) nº 72, uma série de direitos trabalhistas foram implementados à categoria dos empregados
domésicos, aumentando, portanto, os encargos e obrigações dos empregadores. Consequentemente, a busca pelo serviço terceirizado
de diaristas aumentou em 25%, consoante dados do Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação do Rio de Janeiro (Seac-RJ),
evidenciando a promessa de crescimento promovida por este serviço. No entanto, 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses após a promulgação
da EC, não houve signiicaiva modiicação legislaiva que propusesse maior proteção ao empregado domésico que busca terceirizar
seus serviços.
No bojo da pesquisa, propõe-se uma análise especíica acerca do insituto da Responsabilidade Civil das agências de empregados
domésicos. Posteriormente, analisa-se a situação das tomadoras de serviços que arcam com as consequências da irresponsabilidade e
inadimplência das prestadoras de serviços, bem como a consequência jurídica quando são formados contratos de terceirização ilícitos.
Por conseguinte, quanto à possibilidade de ação de regresso, propõe-se uma análise da legislação somada à perspeciva de decisões
judiciais, que evidenciam o posicionamento adotado na pesquisa. Dessarte, observa-se o insituto da terceirização sob a perspeciva de
um viés atual, buscando a possibilidade de se efeivar os direitos dos empregados domésicos, sem ampla modiicação na estrutura do
insituto em evidência, o que corresponde à tentaiva de torná-lo justo e legíimo.
Vários nomes são uilizados para denominar a contratação de terceiros pela empresa para prestação de serviços ligados à
sua aividade-meio. Fala-se em terceirização, subcontratação, terceirização, ilialização, reconcentração, parceria, etc., no entanto,
argumenta-se que o mais correto seria terceirização, em razão de que o setor terciário na aividade produiva seria o setor de serviços,
pois o primário corresponderia à agricultura e o secundário, à indústria (MARTINS, 2009).
Consiste a terceirização na possibilidade de contratar terceiro, para que este realize aividades que não consituem o objeto principal
da empresa. Em outras palavras, consiste na contratação de agências para a prestação de serviços ligados à aividade-meio da empresa
tomadora de serviços.
A terceirização é caracterizada pela volailidade, fragilidade e descartabilidade dos trabalhadores. Visando apenas uma forma de
lexibilização produiva com menor invesimento em capital ixo, a terceirização no plano ideológico, políico e cultural é um incenivo
a individualização, no qual, cada indivíduo é responsável por se adaptar a novas situações, uma vez que seus empregos têm pequenas
durações, seus contratos são precários e sem as garanias e direitos que um trabalhador efeivo (contratado pela tomadora do serviço)
tem em seus contratos de trabalho. A terceirização passa, então, a ser uma ferramenta de lexibilização do trabalho, bastante difundida
atualmente.
Em consonância com os entendimentos supracitados, o jurista Jorge Luiz Souto Maior (2011, p. 650) escreveu:
Desse fenômeno o autor conclui que surge uma relação trilateral, entre o obreiro, a empresa terceirizante e a empresa tomadora
de serviço, que acaba por causar prejuízos aos obreiros, uma vez que apresenta fatores que divergem dos objeivos tutelares do Direito
do Trabalho.
Além disto, a terceirização no âmbito trabalhista não possuía legislação especíica. Assim sendo, o Tribunal Superior do Trabalho
(TST), para suprir tal carência legislaiva, construiu seu entendimento através de súmulas e jurisprudências – que surgiram de acordo com
as necessidades sociais de regulação da terceirização nas relações trabalhistas – e que foram solidiicadas na Súmula 331, conforme será
explanado em tópico próprio.
Consoante assinalado, embora a terceirização seja um assunto bastante difundido e com grande aplicabilidade atualmente,
sua carência legislaiva descredibiliza o insituto. Entretanto, observa-se que existe, atualmente aguardando parecer na Comissão de
Consituição e Jusiça (CCJC) da Câmara dos Deputados, o projeto de Lei nº 4330/2004, o qual, se aprovado, regulamentará o serviço
terceirizado no país.
A palavra “responsabilidade” tem sua origem do verbo laino respondere, signiicando a obrigação que alguém tem de assumir
as consequências jurídicas de suas aividades (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 45). Como pondera Rodrigues (1981, p. 4),
responsabilidade civil é “a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de
pessoas ou coisas que dela dependem”.
O Direito brasileiro possui leis que têm como objeivo fazer com que a convivência social seja mais leve e organizada. A Res-
ponsabilidade Civil visa minimizar a dor e o sofrimento daqueles que, por algum moivo, iveram seu direito lesado, possibilitando à víima
do dano voltar ao status quo anterior, ou algo que dele se aproxime, regressando àquilo que seria ideal. Logo, podemos airmar que este
insituto volta-se para a defesa da dignidade da pessoa humana, expressamente protegida pela CF/88 em seu art. 1º, III.
Conforme Gonçalves (2011, p. 2): “o insituto da responsabilidade civil é parte integrante do direito obrigacional, pois a principal
consequência da práica de um ato ilícito é a obrigação que acarreta, para seu autor, de reparar o dano, obrigação esta de natureza
pessoal, que se resolve em perdas e danos”. Dessa forma, veriica-se que no Direito Civil brasileiro, ao causar o dano, ica o autor obrigado
a repará-lo pecuniariamente. As promessas, obrigações contratuais ou qualquer outro acordo que possa ser feito na vida social, caso não
cumpridas, devem ser reparadas, mesmo que sejam de cunho meramente moral.
O Código Civil, no art. 186 conirma os apontamentos anteriores ao alegar que: “aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Neste mesmo
senido, o referido diploma legal vem proteger, no art. 187, aqueles que iveram seu direito violado, alegando que: “também comete ato
ilícito o itular de um direito que, o exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu im econômico ou social, pela boa-fé
ou pelos bons costumes”.
Há muita discussão doutrinária no que se refere à conceituação da responsabilidade civil, porém, é possível aduzir que a causa
geradora é o interesse em restabelecer o equilíbrio moral ou econômico entre as partes, alterado pelo dano ocorrido. Daí decorre a
obrigação de o causador do dano indenizar aquele que sofreu.
Minimizar a dor de alguém, mesmo que de cunho moral, social ou emocional, faz parte das atribuições do mundo jurídico. O Direito não
pode omiir-se diante de fatos causadores de danos desta relevância, os quais são, muitas vezes, essencialmente irreparáveis. Estar atento
aos senimentos da vida social é estar atento aos sujeitos em si e toda a sua existência vital. Nesse senido, escreveu Bôas (2009):
Segundo Gagliano; Pamplona Filho (2010, p. 63), é necessário tecer algumas considerações antes de apontar a natureza jurídica
da responsabilidade civil. Tanto a responsabilidade civil, quanto a responsabilidade penal decorrem da práica de um ato ilícito, ou seja,
de uma violação da ordem jurídica, gerando desequilibro social. A consequência lógico-normaiva de qualquer ato ilícito é uma sanção,
podendo esta ser deinida, portanto, como “a consequência jurídica que o não cumprimento de um dever produz em relação ao obrigado”,
segundo Maynez (1951, p. 284).
Em conformidade com os apontamentos supracitados, Diniz (2002, p.7) acrescenta:
A sanção é, nas palavras de Gofreso Telles Jr., uma medida legal que poderá vir a ser importa
por quem foi lesado pela violação da norma jurídica, a im de fazer cumprir a norma violada, de
fazer reparar o dano causado ou de infundir respeito à ordem jurídica. A sanção é a consequência
jurídica que o não cumprimento de um dever produz em relação ao obrigado. A responsabilida-
de civil consitui uma sanção civil, por decorrer de infração de norma de direito privado, cujo
objeivo é o interesse paricular, e, em sua natureza, é compensatória, por abranger indenizações
ou reparação de dano causado por ato ilícito, contratual ou extracontratual e por ato lícito.
Com o advento da EC nº 72, popularmente conhecida por “A PEC das domésicas”, uma nova forma de contratação vem
ganhando forças e ocupando um espaço signiicaivo na atual sociedade brasileira, sendo ela a terceirização dos serviços de empregados
domésicos.
É válido ressaltar as mudanças implementadas pela EC nº 72, de modo que agora, com aplicação imediata, tem-se a limitação
da carga horária semanal para 44 horas, além do o adicional para jornada extraordinária e o adicional noturno. Estas novas modiicações
izeram com que aumentassem as obrigações dos empregadores, o que consequentemente aumentou os números de demissões de
empregados domésicos. Segundo os dados do Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação do Rio de Janeiro (Seac-RJ), a procura
pelo serviço aumentou em 25%, e a tendência é que o mercado siga o mesmo modelo do europeu e americano, que fornece este ipo de
mão de obra por meio de empresa (CARVALHO, 2013).
Antes de dar coninuidade, todavia, é oportuno destacar que o empregado domésico contratado por estas agências tem alguns
direitos trabalhistas garanidos, no entanto, todas as burocracias e encargos trabalhistas necessários para contratação e demissão do
empregado domésico icam a cargo da agência especializada. Desta forma, não se faz necessário que o tomador de serviços se preocupe
com detalhes que são incumbências da empresa, como o pagamento das férias do funcionário ou questões referentes ao pagamento do
13º.
Ante o exposto, cabe analisar a Responsabilidade Civil das Agências de Empregados domésicos, que se encontra balizada pela
Lei nº 7.195/1984, regulamentando casos especíicos advindos da relação de natureza civil: agência X empregador domésico. Embora
seja uma lei dispõe de poucos arigos, estabelece procedimentos peculiares que são complementados quando associados à legislação civil
e trabalhista, somados à análise de Orientações Jurisprudenciais, conforme será detalhado adiante.
A primeira consideração a se fazer é sobre a responsabilidade objeiva a que se sujeitam as agências de empregados domésicos,
jusiicado pela própria determinação legal conida no art. 1º da Lei nº 7.195/84, que assim dispõe: “As agências especializadas na
indicação de empregados domésicos são civilmente responsáveis pelos atos ilícitos comeidos por estes no desempenho de suas
aividades”. Desta forma, podemos airmar que esse disposiivo está em conformidade com o que preceitua os arts. 932 e 933 do CC/02,
que tratam da responsabilidade por ato de terceiros, também denominada responsabilidade indireta.
O art. 932, III, reconhece que são também responsáveis pela reparação civil o empregador ou comitente, por seus empregados,
serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes compeir, ou em razão dele. Pode-se airmar, portanto, que o Código Civil de
2002 adotou a responsabilidade objeiva, baseando-se na teoria do risco criado (GODOY, 2010, p. 932).
O arigo seguinte, por sua vez, estabelece que as pessoas indicadas no art. 932, ainda que não haja culpa de sua parte,
responderão pelos atos praicados pelos terceiros ali referidos. Assim, o CC/02 inalmente impôs uma responsabilidade sem culpa por ato
de terceiro, o que afasta a possibilidade de qualquer dos responsáveis procurar se eximir de seu dever ressarcitório alegando que escolheu
bem, ou que vigiou bem².
Ademais, temos o art. 942 do CC/02 que aduz:
Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem icam sujeitos
à reparação do dano causado; e, se a ofensa iver mais de um autor, todos responderão
solidariamente pela reparação.
Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas
designadas no art. 932. (Grifo nosso).
Assim, ocorre a solidariedade entre as pessoas designadas no art. 932 do Código Civil: pais e ilhos, empregadores e empregados
etc., ainda que posteriormente haja ação regressiva daquele que pagou a indenização contra o causador do dano, conforme será analisado
em tópico próprio. Em consequência à solidariedade, a víima pode mover a ação contra qualquer um ou contra todos os devedores
solidários, conforme RJTJSP, 86/174; RT, 613/70.
Na jurisprudência, já é matéria pacíica:
²A norma atual foi além da simples presunção de culpa da Súmula 341 do STF, visto que consagrou a responsabilidade patronal pelo dano pelo menos
culposo causado por seus empregados ou prepostos.
Dessarte, conforme leciona a doutrina amparada pelas Orientações Jurisprudenciais, o fornecedor, ao dispor dos produtos ou
serviços no mercado, passa a garanir esses produtos e serviços e a responder pela qualidade e segurança dos mesmos, não lhe sendo
lícito transferir ao consumidor os riscos nas relações de consumo, tendo, portanto, responsabilidade objeiva perante os mesmos.
Além da sujeição de responsabilização de caráter objeivo decorrente de atos ilícitos praicados por empregados domésicos
indicados pelas agências, estas empresas ainda respondem pelos danos advindos de atos lícitos dos empregados no período de um
ano, conforme determina o art. 2º da Lei nº 7.195/84 que preleciona: “No ato da contratação, a agência irmará compromissos com o
empregador, obrigando-se a reparar qualquer dano que venha a ser praicado pelo empregado contratado, no período de 1 (um) ano”.
Antes, todavia, é importante aclarar que a compreensão dada neste arigo refere-se à responsabilidade civil da agência pelo
dano, e não pelo ato. Por empregar o termo “qualquer”, acredita-se que o legislador quis abranger todos os danos possíveis que fossem
causados pelos atos (lícito ou ilícito) dos empregados domésicos, quer fossem eles com culpa ou não, durante o período do primeiro ano.
Entretanto, apesar de as agências de empregados domésicos estarem submeidas à reparação dos danos ocorridos durante o
primeiro ano de vigência do contrato irmado com os empregados por ela indicados, o empregador domésico possui o prazo prescricional
de 03 (três) anos, contados da data do evento danoso, para pleitear judicialmente o ressarcimento dessas empresas de colocação,
conforme estabelece o art. 206, §3º, V do CC/02 (ADAD, 2013, p. 260).
O trabalho terceirizado envolve uma relação trilateral entre empregador, empregador e tomador do serviço. Na terceirização,
ao contrário do que acontece na relação empregaícia convencional, a igura do empregador é diversa da do tomador do trabalho,
rompendo-se, portanto, com a dicotomia clássica empregado-empregador, existente na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Para
compensar a menor proteção que, em tese, é dispensada ao empregado terceirizado, criou-se um mecanismo de responsabilização da
empresa tomadora de serviços, acerca dos direitos do obreiro, o que nos remete à Súmula 331 do TST.
A Súmula 331 do TST é hoje um dos principais elementos normaivos do insituto da terceirização trabalhista, sendo
imprescindível a análise mais profunda de seus disposiivos, com exclusiva atenção a um inciso em especíico:
Segundo uma pesquisa feita pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) que revelava as principais preocupações das
empresas com relação ao insituto da terceirização, 90% das grandes indústrias procurava veriicar se a empresa contratada cumpria com
os encargos trabalhistas. Essa alta porcentagem relete a apreensão das empresas tomadoras de serviços quanto ao adimplemento dos
encargos trabalhistas por parte das prestadoras de serviços, visto que, caso ocorra inadimplemento, a empresa tomadora será subsidia-
riamente responsável e terá, então, que assumir o pagamento das referidas obrigações.
Consoante com este entendimento está o acórdão 00514/1999 da 15ª região:
Dessarte, conforme observa o especialista em Direito do Trabalho, Lunardi, nossos tribunais já adotam a responsabilidade
subsidiária como premissa de garania aos trabalhadores do cumprimento das decisões emanadas das reclamatórias trabalhistas que
versam sobre terceirização de mão de obra, garanindo ao obreiro o direito de haver deste ou daquele, seus respecivos haveres legais.
Em contraparida, nos casos em que a terceirização é ilícita, há uma polêmica quanto ao entendimento das instâncias ordinárias.
Nesses moldes, entende-se que o vínculo será formado com a empresa tomadora do serviço, e, assim, a empresa prestadora será
interposta, o que recairia no inciso I da Súmula supracitada. Entretanto, não faz senido condenar apenas o tomador do serviço, que se
conigurou empregador, deixando a responsabilidade da empresa prestadora do serviço de fora, se, quando lícita, a terceirização possui
responsabilidade subsidiária. Nada mais lógico, portanto, que sendo ilícita a terceirização, com maior razão deva responder também pelas
verbas inadimplidas, no mínimo, no mesmo grau de responsabilidade.
Embora nada diga a Súmula sob o caso de responsabilidade mútua na terceirização ilegal, a Jurisprudência das instâncias
ordinárias vem condenando as prestadoras de serviços, imputando-lhes responsabilidade solidária, com respalde no art. 942 do CC/02.
No entanto, quesiona-se a aplicabilidade do art. 942 do Código no caso em especíico, visto que este disposiivo aplica-se à responsabi-
lidade civil extracontratual, não servindo para a aplicação supleiva às relações de emprego que possuem natureza contratual.
O TST discorda deste entendimento airmando que o inciso IV da Súmula 331 suplanta toda e qualquer previsão legal. Na citação abaixo,
segue julgado em que o Tribunal Regional, diante de caso de terceirização ilícita, aplicou a responsabilidade solidária, nos termos do art.
942 civil, e o Tribunal Superior, provendo a revista, modiicou a decisão para decretar a responsabilidade subsidiária, nos termos de sua
Súmula 331:
Concluindo, pode-se resumir a questão da responsabilização da empresa prestadora e tomadora de serviços em duas situações:
sendo lícita a terceirização, caso haja inadimplemento da empresa prestadora de serviços, a empresa tomadora será subsidiariamente
responsável pelos encargos trabalhistas; em contraparida, sendo ilícita a terceirização, entende-se que seria o caso de decretar o vínculo
direto entre o empregado e o tomador do serviço. No entanto, há quem aplique, por subsidiariedade, a norma do art. 942 do CC/02
para responsabilizar solidariamente o prestador de serviços, contudo, o TST já entendeu que haverá sempre responsabilidade subsidiária,
conforme a Súmula 331.
Nos casos de responsabilidade da empresa prestadora do serviço por fato do empregado domésico, aquele que paga a
indenização solidariamente tem um direito regressivo contra o causador do dano (GONÇALVES, 2012, p. 142), devendo-se atentar à
observância do emprego de dolo ou culpa por parte do empregado . É o que dispõe o art. 934 do Código Civil: “Aquele que ressarcir o
dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu,
absoluta ou relaivamente incapaz”. Esse direito regressivo é de jusiça manifesta, sendo uma consequência natural da responsabilidade
indireta.
Entretanto, uma ressalva deve ser proposta em relação ao direito à ação de regresso do empregador sob o empregado. Com
observância aos preceitos celeistas, temos o art. 462 da CLT, segundo o qual:
Art. 462 - Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo
quando este resultar de adiantamentos, de disposiivos de lei ou de contrato coleivo.
§ 1º - Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde que esta
possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado.
Conforme o exposto, é correto airmar que, havendo dolo na conduta do empregado, não há dúvidas quanto à possibilidade
de haver descontos salariais. No entanto, em caso de culpa do empregado, é necessário que haja previsão contratual para que se possa
proceder ao desconto, sob pena de ferir o princípio da intangibilidade salarial.
Em aquiescência, estão os julgados:
Dessa forma, desde que o contrato individual de trabalho, a convenção ou o acordo coleivo possibilitem o desconto indenizatório,
poderá o empregador efetuá-lo no limite do valor do dano que lhe for causado por culpa do empregado, no exercício de suas funções.
Ademais, imperioso reforçar que este desconto não poderá ultrapassar 30% da remuneração líquida do empregado, conforme previsto
na Lei nº 10.820/2003.
Por im, há que se ressaltar que, a im de viabilizar a ação de regresso do empregador contra o empregado causador do dano,
faz-se mister sua comprovação, bem como a demonstração de aplicação de punição ao empregado, para que não se conigure perdão
tácito (ARBEX, 2014).
Enunciado nº 44 da I Jornada de Direito Civil do CCJ – Art. 934: na hipótese do art. 934, o empregador e o comitente somente poderão agir regressiva-
mente contra o empregado ou preposto se estes iverem causado dano com dolo ou culpa.
A adoção do processo de terceirização no Brasil foi intensiicada e disseminada no âmbito da reestruturação produiva que
marcou os anos 80, conquanto a terceirização não tenha sido recente no Brasil. Ressalta-se que o tema ganhou destaque na agenda de
trabalhadores e empresários e tornou-se objeto de inúmeras análises. Passado este período, a terceirização foi sendo uilizada como um
dos principais instrumentos para a precarização das relações de trabalho, apesar de ter assumido dimensões signiicaivas. Não obstante,
a presença do tema no debate nacional diminuiu de forma gradaiva, resultando em efeitos negaivos sobre as relexões com relação a
melhoria das condições de trabalho.
Diante do exposto, através da perspeciva de responsabilização civil das pessoas jurídicas, a presente pesquisa em tela aborda a
Responsabilidade Civil das agências de empregados domésicos, as quais foram amplamente difundidas após a implementação da EC nº
72. Nesta senda, balizada pela Lei nº 7.195/84, que versa acerca da regulamentação das relações entre agência e tomador de serviços,
este estudo trouxe a análise dos dois únicos arigos que tratam sobre o direito material propriamente dito.
No que tange ao arigo 1º da supracitada lei, conclui-se que a empresa prestadora de serviços domésicos possui responsabili-
dade objeiva ou indireta pelo empregado, à luz do Código Civil, arts. 932 e 933, regulamentação esta que superou a Súmula 341 do STF,
que determinava a culpa presumida do empregador.
O arigo 2º, por sua vez, trata da responsabilidade da agência pelo dano comeido por resultado de ato lícito ou ilícito do
empregado, prescrevendo ainda o período de 1 (um) ano para responsabilidade objeiva do empregador, já que posteriormente, seria o
próprio empregado quem responderia pelos danos que causassem a outrem.
Ademais, a responsabilização do tomador de serviços pode ser aferida em duas situações disintas: a) a primeira delas relaciona-se
com a ocorrência de inadimplência das obrigações trabalhistas do prestador de serviços. Com efeito, perante a análise da Súmula 331
do TST, conclui-se que a responsabilidade do empregador domésico seria subsidiária, o que garante uma maior proteção ao trabalhador,
assegurando a este o direito de haver seus respecivos haveres legais; b) a segunda situação trata dos casos em que a terceirização é
considerada ilícita. Nestes moldes, vislumbra-se que embora a jurisprudência das instâncias ordinárias admita que a responsabilidade do
tomador de serviços seja solidária, o STF tem entendimento consolidado de que a responsabilidade é, de fato, subsidiária, nos termos da
Súmula 331 do TST.
Por outro lado, a propositura de ação de regresso da agência em face do empregado é um ato de jusiça manifesta e consequência
natural da responsabilidade indireta, consoante o art. 934 do Código Civil. Outrossim, com a análise do art. 462 da CLT, conclui-se que,
em exisindo dolo na conduta do empregado ou estando previsto no contrato individual de trabalho, convenção ou acordo coleivo, não
haveria dúvidas quanto à possibilidade de cabimento ação de regresso através de descontos salariais.
Isto posto, veriica-se a importância do estudo da responsabilização civil das agências de empregados domésicos, sobretudo com
relação à falta de legislação especíica e atual para tutela de direitos trabalhistas precários. É necessário, portanto, que o insituto da
terceirização volte a ser observado com o devido destaque que a demanda requer, sempre no senido da proteção qualiicada do direito
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RESUMO
A dignidade da pessoa humana é um conceito constantemente uilizado para fundamentar decisões judiciais no Brasil. Devido
a seu caráter polissêmico, serve, por muitas vezes, como mero argumento de retórica para jusiicar decisões das mais díspares e é
nesse senido que esta pesquisa objeiva estabelecer contornos mínimos do conceito de dignidade, de modo a torná-lo mais iel aos
valores que lhe são correlatos, a parir do estudo da sua natureza jurídica e do seu tratamento no âmbito do Supremo Tribunal Federal
(STF). Para tanto, o método uilizado foi o deduivo, com uso do procedimento monográico e a técnica de documentação indireta. Em
suma, aingiu-se a conclusão de que, apesar da quase impossibilidade de se desenvolver um conceito fechado de dignidade, vez que
esta se altera no tempo e no espaço, foi o paradigma dimensional proposto por Sarlet o que melhor deu conta de uma deinição aberta
de dignidade humana com algum grau de segurança e estabilidade jurídica. No tocante à natureza jurídica da dignidade humana, esta é
considerada sob a perspeciva principiológica, impondo sua proteção e promoção.
ABSTRACT
The human’s dignity is a concept constantly used to substaniate judicial decisions in Brazil. Due to its polysemic character serves, for
many imes, like a mere rhetorical argument to jusify decisions of the most disparate and it’s accordingly this search establish minimum
contours of dignity concept, so making it more faithful true to the values that are related to you from the study of its legal nature and
its treatment in scope of the ________________ (STF). Therefore the method used was deducive with use of monographic procedure and
the technique of indirect documentaion. In short, reached the conclusion that despite the impossibility of developing a closed concept
of dignity, since this it changes over ime and space, this was the dimensional paradigm proposed by Sarlet, what beter realized an
open deiniion of human dignity with some degree of security and legal stability. Concerning the legal nature of human dignity, this is
considered about the principled approach, imposing their protecion and promoion.
1. INTRODUÇÃO
A dignidade da pessoa humana mostrou-se, nas úlimas décadas, como um valor hegemônico no Ocidente, através de sua
posiivação em documentos nacionais e transnacionais, no entanto precisá-la tornou-se um desaio, e quanto a algumas tentaivas, não
se manifesta consenso a esse respeito.
O presente estudo parte da condição de princípio fundamental que a dignidade alcançou em diversos ordenamentos jurídicos,
a exemplo do Brasil, quando foi expressamente disposta no ítulo dos princípios fundamentais, no arigo 1°, inciso III, da Consituição
da República Federaiva de 1988. Este marco legal é o ponto de parida dogmáico para o reconhecimento, realização e promoção da
dignidade da pessoa humana no país.
Busca-se, a parir do ponto de parida abordado, realizar considerações a respeito do conceito e da natureza jurídica do
princípio da dignidade da pessoa humana. Para aingir a referida meta, tratou-se, primeiramente, sobre a evolução histórica da dignidade,
demonstrando sua tendência atual à universalização; para tal também pretendeu-se situar a dignidade em face da dicotomia entre o
Direito e a moral, destacando a inluência da Filosoia na sua construção. Após essa abordagem geral, o estudo focou-se no tratamento
que o Supremo Tribunal Federal (STF) imprime à dignidade humana e como os expoentes doutrinários sobre o tema no Brasil, capitaneados
por Sarlet e Barroso, também encaram tal conceito.
Dessa forma, a importância deste estudo reside em tornar a dignidade da pessoa humana um conceito mais operacional, capaz
de ser um argumento relevante na atuação de proissionais da área jurídica, e não apenas um mero elemento de retórica, mas sem
descuidar dos perigos que tal operalização abarca, que é o de suplantar a pluralidade de valores de uma sociedade justa e democráica.
Em suma, esta pesquisa, de cunho acadêmico, pretende contribuir para uma melhor interpretação e realização do princípio da dignidade
da pessoa humana por intermédio da relexão de um possível conceito mais claro, objeivo e, ainda assim, plural.
.
¹Graduando do décimo período em Ciências Jurídicas e Sociais. Mediador pelo Núcleo de Práica Jurídica da FAFIC e aprovado na seleção
do XVI Exame de Ordem Uniicado.
A noção de dignidade da pessoa humana conforme se conhece na atualidade remonta à origem religiosa, visto o disposto na
Bíblia que o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus². Nesse senido, Sarlet (2006) anuncia que há:
[...] para a religião cristã a exclusividade e originalidade quanto à elaboração de uma concepção de dignidade da
pessoa, o fato é que tanto no Anigo quanto no Novo Testamento podemos encontrar referências no senido
de que o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus, premissa da qual o crisianismo extraiu a
conseqüência [...] de que o ser humano – e não apenas os cristãos - é dotado de um valor próprio e que lhe é
intrínseco, não podendo ser transformado em mero objeto ou instrumento. (SARLET, 2006, p. 30).
Apesar da grande difusão da ideia pelo crisianismo, a mesma aparece em épocas mais remotas, quando, na Tragédia Grega
Anígona, de Sófocles, “o Homem é apresentado como maior milagre na terra e como senhor de todos os seres vivos”, acentua Sarlet
(2011, p. 34). Não obstante, o pensamento grego estóico manifesta ainda uma noção de dignidade na concepção cosmológica de res-
ponsabilidade éica, alude Bitar (2006, p. 41).
Mesmo havendo remissões à dignidade antes do crisianismo, tal conceito não se vinculava, como hoje, ao simples fato de ser
humano, como apresentou o crisianismo com a ideia de que todo ser humano é digno pelo simples fato de ser imagem e semelhança
divina. O processo histórico para o reconhecimento de uma dignidade intrínseca ao ser humano foi longo e inicia-se no pensamento
romano, quando o jurisconsulto Marco Túlio Cícero, com inediismo, desvencilhou a ideia de dignidade da posição hierárquica ocupada,
reconhecendo a existência de uma acepção moral e intrínseca ao sujeito, conforme corrobora Comparato (1999, p. 11 e ss.). Até então,
a dignidade estava diretamente relacionada à classe social do indivíduo ou o cargo que exercia, porém essa situação foi sendo alterada
paulainamente, principalmente, a parir do século XIII.
A parir do século XIII estabeleceu-se progressivamente a disinção entre oicium (cargo ou função) e dignitas,
para dela se extraírem importantes conseqüências jurídicas. Uma pessoa pode ter o atributo pessoal da dignidade,
sem no entanto exercer cargo algum. (COMPARATO, 2006, p. 480).
Essa percepção da dignidade como elemento extrínseco à pessoa, ligada ao cargo de maior ou menor reconhecimento social
ou a classe social ocupada, foi sendo subsituída. Com São Tomás de Aquino e sua formulação de pessoa para a época, houve incidência
desse novo conceito no âmbito da dignidade, o que inluenciou a ideia contemporânea de dignidade ao tratar da pessoa como substância
individual de natureza racional, aduz Virgínia Santos (2007, p. 16-17).
Com o transcorrer do tempo, valiosas contribuições foram acrescidas à ideia de dignidade da pessoa humana, a saber: a do
espanhol Francisco de Vitória, que, durante a expansão colonial espanhola (século XVI), defendeu pela primeira vez a ideia da liberdade e
da igualdade dos índios com base no fato deles serem sujeitos de direitos, rememora Salert (2011, p. 38), bem como Samuel Pufendorf,
que tratou da liberdade moral como caracterísica diferenciadora do ser humano, servindo como fundamento da dignidade, acentua
Becch (2008, p. 194 e ss.).
Empreendida com Pufendorf, a secularização da dignidade torna-se cabal com Immanuel Kant, que integraliza esse processo.
Isso porque foi Kant quem revelou a dignidade como componente da autonomia éica do ser humano, dispõe Sarlet (2011, p. 39-40).
Posteriormente à Revolução Francesa, especiicamente no século XVIII, foi votada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
que apoiava a promoção da dignidade humana e consolidava o ideal de liberdade relacionado ao direito natural, consigna Altavila (2001,
p. 291-292).
Após a Segunda Guerra Mundial, houve o reconhecimento expresso da dignidade da pessoa humana em diversas Consituições
durante o século XX, sendo que a referida posiivação deu-se, primordialmente, com a acolhida da dignidade da pessoa pela Declaração
Universal da Organização das Nações Unidas (ONU) de 1948, relembra Denninger (1989, p. 275-276), porém, apesar de não estar
presente em todas as Consituições, há uma tendência concreta de expansão da dignidade.
Ainda sobre as atrocidades da Segunda Guerra Mundial, observa-se que, após a Guerra, a dignidade passou a ocupar maior espaço
nos documentos consitucionais modernos, devido ao reconhecimento massiicado do real valor dos direitos do homem e da própria
dignidade, escreve Fernandes (2008, p. 1332). Parte dessa sensibilização decorre da banalização da vida durante o período da Guerra,
conforme Melo (2007), a seguir.
Na verdade, a Declaração Universal de 1948 representa a reconstrução dos direitos humanos que foram violentamente
irrompidos com a Segunda Guerra, assim como signiica uma profunda promoção da dignidade humana, o que proporcionou a elevação
da dignidade ao valor de diretriz éica e jurídica dos direitos humanos. Nas palavras de Piovesan (2006):
O valor da dignidade humana, incorporada pela Declaração Universal de 1948, consitui o norte e o lastro éico
dos demais instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos. Todos eles introjetam, no marco do
posiivismo internacional dos direitos humanos, a dignidade humana como valor fundante. (PIOVESAN, 2006,
p. 18).
Nota-se, porém, que alguns Estados ainda não aderiram a nenhum princípio da Declaração, e deram coninuidade aos conlitos.
Essa não adesão deu-se, principalmente, em Estados do Oriente. Segundo Barcellos (2008):
As inúmeras Declarações e Pactos subscritos, bem como as Conferências promovidas nas décadas que se
seguiram, não foram capazes de erradicar a violação comissiva (por vezes mesmo sistemáica e insitucional) ou
omissiva (pelo desatendimento generalizado) dos direitos humanos em seus mais diversos aspectos [...]. Exemplo,
Biafra, na Nigéria dos anos 60. (BARCELLOS, 2008, p. 129).
Mesmo diante dos entraves e da negaiva de posiivação por parte de alguns Estados Orientais, a dignidade foi recepcionada
como princípio norteador de tantos outros Estados, tendo sido a Declaração Universal um marco internacional para o avanço dos
direitos humanos. Justamente a parir daí, ocorreu à expansão da dignidade humana rumo à universalização, e atualmente o Estado
Consitucional Democráico é de abertura consitucional radicado na dignidade da pessoa humana, destaca Castro (2003, p. 19).
Nesse espaço, merece ênfase ainda a lição de Boaventura de Sousa Santos (1997, p. 18 apud SARLET, 2007, p. 384), ao
vocalizar o conceito de direitos humanos e a ideia de dignidade com fundamento em uma reunião de pressupostos comuns ao Ocidente,
quando, efeivamente, cada cultura tem lapidado, em seu bojo, uma concepção de dignidade da pessoa, conquanto nem toda cultura
lastreia ela nos direitos humanos, impondo-se, por isso, um diálogo intercultural que permita a troca constante entre diferentes culturas
e saberes, concreizada pela aplicação de uma “hermenêuica distópica”, que busca expandir a consciência da incompletude mútua entre
variadas culturas através do diálogo.
Destarte, percebe-se que a ideia de dignidade está em constante processo de construção e desenvolvimento, segundo Rocha
(1999, p. 24). Logo, cada cultura, em determinado período histórico, tende a expressar uma noção de dignidade que apesar de possuir
caracteres próprios, exprime também uma carga anterior.
A dignidade mantém um forte viés axiológico, uma vez que suas primeiras manifestações estavam associadas à ideia de bondade,
jusiça, segurança e solidariedade, aduz Torres (2008, p. 41). Por isso, em uma variedade de obras, a dignidade é ida como uma qualidade
intrínseca à pessoa humana.
Diante disso, ixou-se a existência do Estado a serviço da pessoa humana, sendo esta um im em si mesmo , conforme o
imperaivo categórico de Kant (2004). Nesse senido, é a lição de Barroso; Martel (2010):
A vida de qualquer ser humano tem uma valia intrínseca, objeiva. Ninguém existe no mundo para atender os
propósitos de outra pessoa ou para servir a metas coleivas da sociedade. O valor ou princípio da dignidade
humana veda, precisamente, essa instrumentalização ou funcionalização de qualquer indivíduo. Outra expressão
da dignidade humana é a responsabilidade de cada um por sua própria vida, pela determinação de seus valores
e objeivos. (BARROSO; MARTEL, 2010, p. 250).
Na ordem jurídica brasileira, há uma grande diiculdade de estabelecer um conceito preciso de dignidade humana, devido a
sua ideia polissêmica, sendo que cada um constrói um discurso em torno da ideia de dignidade humana que lhe convém. Isso não se
deve somente por sua plasicidade e ambiguidade, de acordo com Farias (1996, p. 50), mas sobretudo por sua circunstância de categoria
axiológica aberta, “ainda mais quando se veriica que uma deinição desta natureza não harmoniza com o pluralismo e a diversidade de
valores que se manifestam nas sociedades democráicas contemporâneas [...]”.
O STF tem buscado delimitar uma compreensão em torno do conceito de dignidade, apesar de não se aprofundar nesta
questão. Isso se torna evidente na Ação Direta de Inconsitucionalidade (ADI) nº 3510-0, que teve como relator o Ministro Carlos Ayres
Brito e onde foi suscitada a inconsitucionalidade do art. 5º e todos os seus disposiivos, da Lei Federal nº 11.105/05, conhecida pelo
senso comum como Lei de Biossegurança, que trata da uilização em pesquisas de células-tronco embrionárias.
Durante seu voto, o Ministro Gilmar Mendes destacou o marco que a decisão em torno da questão representa para o cenário
jurídico nacional, vez que permiiria um melhor entendimento sobre o conteúdo do princípio da dignidade.
[...] Delimitar o âmbito de proteção do direito fundamental à vida e à dignidade humana e decidir
questões relacionadas ao aborto, à eutanásia e à uilização de embriões humanos para ins de pesquisa
e terapia são, de fato, tarefas que transcendem os limites do jurídico e envolvem argumentos de moral,
políica e religião que vêm sendo debaidos há séculos sem que se chegue a um consenso mínimo sobre
uma resposta supostamente correta para todos (MENDES, 2008).
Por meio do fragmento destacado acima, raiica-se a percepção de que a dignidade da pessoa humana não é um conceito
estritamente jurídico, absorvendo aluentes de outras áreas, assim como temáicas como aborto, eutanásia e uilização de embriões
humanos para ins de pesquisa e terapia compõem o rol do que Dworkin chamou de Hard Cases .
Quanto à impossibilidade de a dignidade humana emergir unicamente enquanto conceito jurídico, assevera Sarlet que “[...] a
dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana, não pode ser ela própria concedida pelo ordenamento jurídico” (2011, p. 84),
porém há grande esforço no senido de precisar contornos mínimos acerca da dignidade humana.
A noção de dignidade humana apresentado por Silva (1998, p. 91) é aplicável ao exposto anteriormente, quando diz que a
dignidade é “[...] atributo intrínseco, da essência, da pessoa humana, único ser que compreende um valor intrínseco superior a qualquer
preço, que não admite subsituição equivalente. Assim a dignidade entranha e se confunde na própria natureza do ser humano.” Dessa
forma, a dignidade é inerente e indissociável à condição da pessoa humana, inclusive daquelas pessoas que praicaram os atos mais
infames e que, mesmo assim, não podem ser objeto de desconsideração, segundo Sarlet (2007, p. 367).
Ainda a respeito da ADI nº 3510-0, a Ministra Cármen Lúcia, em seu voto, dispôs o seguinte: “A uilização de células-tronco embrionárias
para pesquisa e, após o seu resultado consolidado, o seu aproveitamento em tratamentos voltados à recuperação da saúde não agridem
a dignidade da pessoa humana, consitucionalmente assegurada [...]” (ROCHA, 2008).
O imperaivo kaniano estabelece que a ação humana deve obedecer a uma máxima que pudesse ser considerada como lei universal. Para aprofundamento a respeito, conira:
KANT, Immanuel. Fundamentação da metaísica dos costumes. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.
Hard Cases ou “casos diíceis” é uma expressão uilizada por Ronald Dworkin em algumas de suas obras, como “Levando os Direitos a Sério”, 2ª ed. São Paulo: Marins Fontes,
2007, para designar o caso concreto que não possui regra que lhe seja aplicado no ordenamento jurídico, ou quando há mais de uma regra passível de ser aplicada para
solucioná-lo, ou ainda quando a solução encontrada para o caso provoca excessiva estranheza a comunidade e aos seus costumes.
Tornou-se habitual, na doutrina e na jurisprudência contemporânea, estabelecer como elemento nuclear da noção de dignidade
da pessoa humana a matriz kaniana. Para Barroso (2010) e Sarlet (2007), a citada matriz centra-se, abstratamente, na liberdade
(autonomia) e no direito de autodeterminação de cada pessoa. Assim, um indivíduo com discernimento reduzido, temporariamente ou
permanentemente, tem a mesma dignidade de outro ser em pleno exercício de sua capacidade mental ou ísica, vez que a dignidade é
intrínseca a condição humana.
Nesse senido, contribui Balera (2009) ao airmar:
[…] que, para Kant, o homem é um im em si mesmo - e não uma função do Estado, da sociedade ou
da nação - dispondo, portanto, de uma dignidade ontológica. O direito e o Estado, ao contrário, é que
deverão estar organizados em beneício dos indivíduos. Assim é que Kant sustenta a necessidade da
separação dos poderes e da generalização do princípio da legalidade como forma de assegurar aos
homens a liberdade de perseguirem seus projetos individuais. Além de fundar a dignidade no homem,
o conceito kaniano é universal, estendendo a dignidade a todos os seres racionais. (BALERA, 2009, p.
124).
De tal sorte, o Estado deve fornecer condições para que cada pessoa possa se autodeterminar, e assim tomar suas próprias
decisões. Em detrimento disso, quando uma pessoa serve de meio para que o Estado alcance suas metas, experimenta-se a indignidade
que surge com a “coisiicação do homem”. Assim, “a dignidade da pessoa humana poderia ser considerada aingida sempre que a pessoa
concreta (o indivíduo) fosse rebaixada a objeto, a mero instrumento, tratada como uma coisa, (...).” (SARLET, 2007, p. 380).
A Ministra Cármen Lúcia, no seu voto, da ADI nº 3510-0, resumiu a ideia kaniana da seguinte forma:
Para Kant, o grande ilósofo da dignidade, a pessoa (o homem) é um im, nunca um meio; como tal,
sujeito de ins e que é um im em si, deve tratar a si mesmo e ao outro. Aquele ilósofo disinguiu
no mundo o que tem um preço e o que tem uma dignidade. O preço é conferido àquilo que se pode
aquilatar, avaliar até mesmo para a sua subsituição ou troca por outra de igual valor e cuidado; daí
porque há uma relaividade deste elemento ou bem, uma vez que ele é um meio de que se há valer
para se obter uma inalidade deinida. Sendo meio, pode ser rendido por outro de igual valor e forma,
suprindo-se de idênico modo a precisão a realizar o im almejado (ROCHA, 2008).
Conforme já comentado alhures, a dignidade humana, segundo a proposta de Kant, obsta que cada pessoa seja funcionalizada
a servir a projetos de outrem. De tal forma, a percepção contemporânea da dignidade contempla a ideia de que “a conduta éica consiste
em agir inspirado por uma máxima que possa ser converida em lei universal; (...).” (BARROSO, 2010, p. 18). Nesse senido, Dworkin
(1998, p. 307-310), ao tratar da noção de dignidade, remete-se também à fórmula kaniana e defende que o indivíduo jamais deve ser
considerado instrumento para atender aos ins de outros.
Outro julgado do STF merece destaque nesse momento. Trata-se da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF) n° 54, que teve como relator o Ministro Marco Aurélio e onde a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS)
suscitou a violação de direito fundamental na aplicação da lei penal em detrimento da norma consitucional nos casos que versam sobre
antecipação do parto de feto anencéfalo.
Nesse senido, a CNTS alegou a violação, entre outros princípios, da dignidade humana da mulher, compreensão adotada pelos
Ministros Carlos Ayres Brito, Marco Aurélio, Rosa Weber, entre outros. Pelo lado oposto, a dignidade também foi citada como argumento
para a preservação da vida do feto, entendimento acatado, por exemplo, pelos Ministros Eros Grau e Cezar Peluso.
Contudo, percebe-se no voto do Relator uma tendência ípica no STF. Trata-se de acatar a ideia kaniana de dignidade, impedindo a
“coisiicação da mulher”, o que poderia acontecer caso a gravidez fosse levada a cabo para posterior doação dos órgãos do nascituro.
A mulher deve ser tratada como um im em si mesma, dotada de autonomia, sendo assim, livre de qualquer previsão uilitarista
que a reduza a mero objeto. Logo, conforme o voto do Relator, a mulher deve ter sua dignidade respeitada enquanto sujeito de direito
que é. O que revela uma níida percepção kaniana em torno da ideia de dignidade humana.
O voto da Ministra Rosa Weber também se apropriou da concepção kaniana de dignidade da pessoa humana. A supra Ministra
evocou Kant, através da interpretação de Rabenhorst, para quem “[...] a liberdade é mais do que a simples ausência de impedimentos
externos. Livres são aqueles que fazem suas próprias escolhas, embasados em determinados princípios. Dessa forma, apenas os seres
racionais gozam da liberdade” (RABENHORST, 2001 apud WEBER, 2012). Assim, a liberdade (autonomia) encontra-se consubstanciada
na ideia de dignidade.
No julgado em tela, observa-se que novamente a dignidade da pessoa é uilizada para fundamentar posições diametralmente
opostas, e apesar das tentaivas rasas por parte do STF de traçar um conteúdo mínimo, a dignidade ainda é usada, no mais das vezes,
como mero ornamento ao longo do texto, apesar de se perceber certo consenso em torno da matriz kaniana.
Em suma, toda busca do STF em torno de traçar contornos mínimos da dignidade deve ser pautada pela cautela, a im de que seja a noção
plásica o suiciente para permiir um pluralismo e democracia de valores, mas igualmente irme para que o conceito aberto de dignidade
não sirva para legiimar injusiças e a precarização da condição humana.
A dignidade estrutura e fundamenta os direitos sociais materialmente fundamentais e, dessa seara, emerge a valiosa noção
do mínimo existencial. De todo modo, para que cada pessoa possa exercer sua cidadania, requer-se a saisfação de necessidades
indispensáveis à sua existência ísica e psíquica, airma Barroso (2010, p. 25-28). Do mínimo existencial resulta certo consenso doutrinário
a respeitado da sua integração ao conteúdo da noção de dignidade da pessoa humana.
Assim, as condições materiais mínimas são de um todo importantes para uma vida digna. A garania de direito à educação básica,
à saúde, à assistência aos desamparados e ao acesso à jusiça, em âmbito consitucional, caracterizam o mínimo existencial, e o faz ter
eicácia direta e imediata, conforme Barroso (2010, p. 26-27). Resta destacar que a abordagem acima abarca a feição prestacional do
mínimo existencial, sendo assim, denota-se seu caráter de direito social que pode ser exigível frente ao Estado.
Há uma verdadeira impossibilidade de elencar exausivamente o conteúdo do mínimo existencial, porque este se altera no
espaço e no tempo. Ademais, em regra, o mínimo existencial não existe consagrado expressamente em documentos consitucionais
nacionais e internacionais, mas possui status de norma consitucional largamente reconhecida, diz Barroso (2010, p. 26).
Sendo assim, observe-se o trecho da decisão monocráica produzida pelo Relator Ministro Celso de Mello na ADPF nº 45, a seguir.
A meta central das Consituições modernas, e da Carta de 1988 em paricular, pode ser resumida, (...),
na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de parida está em assegurar as condições de sua
própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de
existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão
estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos (MELLO FILHO, 2004).
A Consituição da República Federaiva do Brasil de 1988 assegurou uma gama de direitos sociais fundamentais que tem por
componente essencial o mínimo existencial. De tal sorte, os direitos fundamentais em geral, consubstanciados no mínimo existencial,
operam semelhante a uma regra, não exigindo o prévio desenvolvimento pelo legislador, consoante Barroso (2010, p. 27). Assim, o Estado
democráico de Direito tem por fundamento basilar o bem-estar social através de uma existência digna que, por sua vez, está ligada à
prestação de recursos materiais essenciais, como o salário mínimo, o direito à previdência entre outros, aponta Sarlet (2001, p. 322-323).
A ordem jurídico-consitucional estabelece que, quando provocado para intervir em determinado conlito que trate da dignidade
humana, deve o juiz ou Tribunal proferir uma decisão fundamentada para o caso concreto. Assim, não se pode dispensar uma compreensão
jurídica sobre dignidade que seja capaz de irradiar efeitos sobre a jurisdição nacional. Caso não haja esforço nesse senido, a ideia de
dignidade da pessoa mantém-se de tal maneira apropriável que pode ser sujeita a manipulações variadas e sua perdição pode vir a legiimar
as posições mais diversas. Para tanto, Barroso (2010, p. 19-21) sugere que, para a determinação dos conteúdos mínimos da dignidade,
deve-se optar pela laicidade, uma vez que a dignidade como categoria jurídica não pode servir a concepções estritamente religiosas,
podendo, contudo, comparilhar valores comuns pela neutralidade políica, ressalvado os elementos comuns, por conteúdos universali-
záveis, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) aprovada pela ONU em 1948, entre outros documentos. Somente
assim se pode aingir um conceito operacional, capaz de abarcar os contornos e signiicados da dignidade, como vetor fundamentador de
decisões justas em uma sociedade plural.
Para contribuir com a proposta adotada por esta pesquisa, perinente se manifesta a proposta conceitual de Sarlet (2011), que
como ele assevera está em “processo de construção”. Destarte, a dignidade da pessoa humana é:
a qualidade intrínseca e disiniva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo
respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste senido, um complexo
de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho
degrandante e desumano, como venham a lhe garanir as condições existências mínimas para uma vida
saudável, além de propiciar e promover sua paricipação aiva e co-responsável nos desinos da própria
existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos
demais seres que integram a rede da vida. (SARLET, 2011, p. 73).
Tomando por base o conceito acima, faz-se mister dissecá-lo, tarefa que será realizada a seguir.
A primeira dimensão que se nota na tentaiva conceitual acima diz respeito à dignidade na sua dimensão ontológica. A despeito
de já ter sido tratada nesta pesquisa, é possível subtrair dessa dimensão que a dignidade, enquanto qualidade inerente a toda e qualquer
pessoa, não pode ser renunciada e alienada. Sendo assim, não é possível ir a juízo para ter reconhecida a itularidade de uma pretensão
que lhe conceda a dignidade, pois esta consitui dado prévio, sustenta Sarlet (2007, p. 366-369).
A próxima dimensão é a comunicaiva e relacional da dignidade humana como reconhecimento pelos outros (ou comunitária),
a qual defende Sarlet ser a tese de que “a noção da dignidade como produto do reconhecimento da essencial unicidade de cada pessoa
humana e do fato de esta ser credora de um dever de igual respeito e proteção no âmbito da comunidade humana” (SARLET, 2007, p.
372-373). Assim, o ordenamento jurídico deve cuidar para que todas as pessoas recebam igual respeito e proteção pela comunidade e
pelo Estado.
A terceira dimensão da dignidade é a histórico-cultural, vez que a dignidade é uma categoria axiológica aberta e, em virtude disso,
sempre será um conceito em constante processo de construção, ceriica Rocha (1999, p. 24). Nesse senido, o Tribunal Consitucional de
Portugal, através do acórdão nº 90-105-2/90, consignou que “a ideia de dignidade da pessoa humana, no seu conteúdo concreto – nas
exigências ou corolários em que se desmuliplica – não é algo puramente apriorísico, mas que necessariamente tem de concreizar-se his-
tórico-culturalmente” (PORTUGAL apud SARLET, 2007, p. 374). Logo, a dimensão cultural da dignidade adere a uma condição alcançada
pela efeiva ação de cada pessoa.
A dimensão seguinte e úlima é que se refere à dignidade como limite e como tarefa dos poderes estatais e da comunidade. Ao
se apresentar como limite, a dignidade signiica que ninguém pode se ver reduzido a mero objeto, ou instrumento, perante si mesmo ou
outros, assim como implica que, a parir de atos que a violem ou a exponham a graves ameaças, gera-se contra direitos fundamentais
negaivos, registra Sarlet (2007, p. 378). Enquanto tarefa, a dignidade representa deveres concretos de proteção estatal. Com isso, todos
devem ter sua dignidade protegida e promovida, inclusive por intermédio de prestações (medidas posiivas), conforme Sarlet (2007, p.
378).
Portanto, estabelecido uma compreensão básica (e mutável) acerca da dignidade da pessoa humana, torna-se necessária (ainda
que diícil) a determinação da sua natureza jurídica.
A parir da adesão da dignidade da pessoa humana em documentos consitucionais e internacionais houve sua inserção no
âmbito jurídico. Com isso, a dignidade adquiriu caráter deontológico e serve-se, além do status de valor moral fundamental, do status
consitucional de princípio jurídico, de acordo com Barroso (2010, p. 10). Devido a seu caráter normaivo, a dignidade tornou-se tarefa
também do Poder Judiciário.
Pois bem. Urge a necessidade de compreender a natureza jurídica da dignidade humana no contexto da ordem consitucional
brasileira, desbravando sua força jurídica enquanto norma fundamental, conforme leciona Sarlet (2011, p. 82). Assim, na ordem jurídico-
consitucional pátria, a dignidade é um princípio jurídico e fundamental de direitos e deveres fundamentais.
O disposiivo consitucional (leia-se texto) que contém a dignidade da pessoa humana (art. 1, III, CR/88) abrange não apenas
uma norma (enquadrada na condição de princípio e regra fundamental), mas também embasamento de posições jurídico-subjeivas e
deveres fundamentais, de acordo com Sarlet (2011, p. 83).
Qualiicada enquanto princípio fundamental, adverte Sarlet que a dignidade da pessoa humana implica a convicção de que tal
posiivação não abarca apenas uma “declaração de conteúdo éico e moral, mas que consitui norma jurídico-posiiva dotada, em sua
plenitude, de status consitucional formal e material [...]” (SARLET, 2011, p. 84-85).
Através da abordagem principiológica, dispõe Sarlet, que a dignidade da pessoa humana impõe sua proteção e promoção, sendo, portanto,
um mandado de oimização. Por outro lado, sob uma perspeciva de regra, ela “contém prescrições imperaivas de conduta, [...]” (SARLET,
2011, p. 87).
Destarte, a dignidade tem dupla estrutura que se manifesta por meio de regra e de princípio. Aqui, aduz Sarlet com base nas
idéias de Alexy:
[...]veriica-se que, para Alexy, o conteúdo da regra da dignidade da pessoa decorre apenas a parir
do processo de ponderação que se opera no nível do princípio da dignidade, quando cotejado com
outros princípios, de tal sorte que absoluta é a regra (à qual, nesta dimensão, se poderá aplicar, com
as necessárias ressalvas, a lógica do “tudo ou nada”), mas jamais o princípio (ALEXY, 1997, p. 108-109
apud SARLET, 2011, p. 87).
A dignidade da pessoa, na ordem jurídico-consitucional pátria, é considerada, essencialmente, em sua perspeciva principioló-
gica. Conquanto, alguns cienistas jurídicos já buscaram tratar da dignidade como o valor absoluto de todo ser humano .
De todo modo, o reconhecimento da dignidade da pessoa enquanto princípio absoluto vai de encontro a qualquer noção
básica de princípios, segundo Alexy evocado por Sarlet (ALEXY, 1997, p. 106 e ss. apud SARLET, 2011). Assim, tal raciocínio se deve a
circunstância de residir no princípio da dignidade da pessoa humana uma estrutura de regra e princípio.
Ademais, a condição jurídico-normaiva da dignidade da pessoa se revela enquanto princípio, pois assim é cabalmente reconhecível
sua eicácia, sendo seus efeitos irradiados sobre a comunidade, de tal sorte, que há uma tendência do princípio da dignidade da pessoa
humana predominar, quando se esiver em discussão a instrumentalização do homem ou suas condições mínimas de sobrevivência.
Dentre todos, conira: LOUREIRO, João Carlos Gonçalves. Direito à Idenidade Genéica do Ser Humano, in: Portugal-Brasil Ano 2000, Boleim da Faculdade de Direito,
Universidade de Coimbra, 1999, p. 263-389.
Em face do exposto, torna-se possível traçar algumas ideias conclusivas, tomando como parâmetro a inluência da dignidade da
pessoa humana no atual Estado Consitucional Democráico, sua natureza jurídica e a diiculdade de lhe estabelecer conteúdo mínimo.
A dignidade da pessoa humana tem se expandido gradualmente, a parir da Segunda Guerra Mundial, através da sua posiivação
em documentos nacionais e internacionais, moivada, principalmente, nas atrocidades, injusiças e precarização da pessoa que podem
suceder com sua ausência ou perdição, uma vez que serve de lastro para os direitos humanos e fundamentais. Atualmente, percebe-se
certa tendência a universalização da dignidade, por ser considerada como valor éico e fundamental comparilhado por uma diversidade
de países do mundo ocidental.
A ordem jurídico-consitucional brasileira dispõe sobre a dignidade da pessoa humana expressamente no ítulo dos princípios
fundamentais, atribuindo-a natureza de princípio jurídico e fundamental de direitos e deveres fundamentais, abrangendo uma norma e o
embasamento de posições jurídico-subjeivas e deveres fundamentais. O que representa um marco para o seu reconhecimento, realização
e promoção. Assim sendo, é de um todo úil e necessário desenvolver o alcance e signiicado da dignidade para não só se aingir uma
solução justa aos casos submeidos ao crivo dos juízes e Tribunais no Brasil, mas que também dê conta de garanir o pluralismo de valores
de uma comunidade democráica.
A jurisprudência produzida pelo STF, nos julgados colecionados, tenta, em alguns momentos, precisar uma compreensão
simpliicada da dignidade humana. Assim, o que se observa é que, no Supremo Tribunal, há certo consenso em torno da matriz kaniana
como elemento nuclear da dignidade, visto que é ípica sua menção ao indicar que toda pessoa é um im em si mesma e que, por isso,
não pode servir como objeto para atender aos anseios de outro, sendo vedada a “coisiicação do homem”.
A doutrina nacional também é assente quanto à matriz kaniana, porém vai além e, apesar de reconhecer a impossibilidade
de um conceito estritamente jurídico, tem buscado desenvolver uma compreensão aberta e em construção da dignidade da pessoa
humana. Com isso, também tem surgido algum consenso doutrinário em torno do mínimo existencial, pois, através deste, deve-se
assegurar condições materiais mínimas para uma vida ísica e psíquica digna, o que encontra suporte nos direitos sociais materialmente
fundamentais.
A proposta conceitual adotada nesta pesquisa foi a de Sarlet, porque, ainda que em construção, permite uma operacionaliza-
ção da ideia aberta de dignidade no contexto histórico-cultural brasileiro, sem descuidar da compreensão da dignidade como qualidade
inerente a toda e qualquer pessoa; como sendo cada pessoa merecedora de igual reconhecimento, respeito e proteção pela comunidade;
e como limite e tarefa dos poderes estatais e da comunidade.
Em suma, cabe ainda destacar que, através da referida compreensão apresentada por Sarlet, pode-se fazer uso da dignidade
da pessoa como um argumento relevante na atuação de proissionais da área jurídica, sem negligenciar a pluralidade de valores de uma
sociedade justa e democráica, assim como obedecendo ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, pelo qual o Judiciário deve analisar
matéria submeida a sua apreciação.
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RESUMO
A Consituição Federal deine, no bojo do art. 52, X, a competência privaiva do Senado Federal para suspender a execução,
no todo ou em parte, de lei ou ato normaivo declarado inconsitucional por decisão deiniiva do Supremo Tribunal Federal, em sede de
controle difuso de consitucionalidade. Parcela importante dos juristas pátrios tem sustentado uma nova perspeciva para a atribuição
senatorial, entendendo que a inserção dos insitutos da súmula vinculante, da repercussão geral e da súmula impediiva de recursos
no ordenamento jurídico brasileiro (resultado da tendência de jurisprudencialização do direito e do respeito ao precedente judicial), a
necessidade de salvaguarda dos princípios da força normaiva e supremacia da Consituição e a inércia da Casa da Federação, quando
instada a desempenhar referido mandamento consitucional, ensejam a mutação do arigo 52, X, da Carta Magna, de forma a desencadear
a abstraivização dos efeitos do controle difuso de consitucionalidade. O presente arigo cieníico pretende analisar a citada mudança de
interpretação no âmbito do controle concreto, cuja inalidade é tornar o Senado Federal órgão apto tão somente a conferir publicidade
às decisões deiniivas do Pretório Excelso, que, por sua vez, desde seus pronunciamentos, já possuiriam eicácia geral.
ABSTRACT
The Federal Consituion deines, in the midst of art. 52, X, the exclusive authority of the Federal Senate to suspend in whole or in
part the execuion of any law or normaive act declared unconsituional by a inal decision of the Supreme Court, when doing a
difuse control of consituionality. A signiicant porion of the naional legal experts has sustained a new perspecive to the senatorial
assignment, understanding that the inclusion of the insitutes of the binding precedent, the general repercussion, the appeal-barring
summulas in the Brazilian legal system (as a result of the tendency to respect judicial precedent and the increased use of the jurisprudence
in our law system), the need to safeguard the principles of normaive strength and supremacy of the Consituion and the ineria of
the House of Federaion, when asked to play such consituional law, causes the receivership mutaion of the Aricle 52, X, of the
Consituion, in a manner that renders abstract the efects of difuse control of consituionality. This scieniic aricle intend to analyze
the aforemenioned change of interpretaion regarding the concrete control of consituionality, whose purpose is to make the Senate an
insituional body designed only to give publicity to the inal decisions of the Supreme Court, which would possess overall efeciveness
since their pronouncements.
1. INTRODUÇÃO
O presente arigo cieníico, initulado “O papel do Senado Federal no controle difuso de consitucionalidade”, está inserido na
área do Direito Consitucional, surgindo com o desígnio de discuir os efeitos da declaração deiniiva de inconsitucionalidade de lei ou
ato normaivo pelo Supremo Tribunal Federal (STF), quando instado a se pronunciar pela via concreta ou difusa.
Com efeito, na Consituição Federal de 1988, o art. 52, X, deine a competência do Senado para suspender a execução, no todo ou em
parte, de lei declarada inconsitucional, por decisão deiniiva do Supremo Tribunal Federal, quando em exercício do controle concreto
de consitucionalidade.
No que concerne à natureza consitucional da atribuição do Senado Federal de conferir eicácia geral às decisões em sede de
controle incidental, existe divergência doutrinária e jurisprudencial, notadamente se tal competência seria discricionária ou juridicamente
vinculada.
Os defensores da discricionariedade da capacidade suspensiva do Senado Federal airmam que nem o art. 52, X da Lei
Fundamental nem muito menos o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal fazem alusão a qualquer prazo para o pronunciamento
da Casa da Federação.
¹Advogado. Graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB. Pós-graduando em Direito Processual pela Poniícia Universidade Católica de
Minas Gerais - PUC/MG.
No escopo precípuo de sanar a incongruência existente na aplicação da doutrina norte-americana do judicial review em sistemas
carentes de stare decisis, as Consituições brasileiras, a parir da Carta de 1934, posiivaram a competência do Senado Federal para
suspender a execução da lei ou ato normaivo declarado inconsitucional pelo Supremo Tribunal Federal, como forma de atribuir efeito
erga omnes às decisões prolatadas no controle de consitucionalidade.
Com efeito, a Consituição Federal proclama, no inciso X do art. 52 que, afora as funções ípicas , compete privaivamente ao
Senado:
Com isso, o consituinte de 1988 considerou que o Senado Federal, por ser o representante dos interesses dos Estados
da federação e histórico mediador da estabilização consitucional, seria o legíimo órgão congressual para exercer a competência de
suspensão de execução de lei ou ato normaivo no controle difuso de consitucionalidade.
Embora a Consituição Federal tenha se referido apenas à lei, o melhor entendimento é aquele que advoga no senido de que a
expressão legislaiva sintoniza com o ato normaivo de qualquer categoria (lei formal ou material) declarado inconsitucional por decisão
deiniiva do Supremo Tribunal Federal.
Aliás, esse entendimento vem desde a Consituição de 1934, que previa a competência do Senado Federal para suspender a
execução de lei, ato, deliberação ou regulamento declarado inconsitucional pelo Poder Judiciário .
A referida competência senatorial restringe-se às decisões proferidas pelo Pretório Excelso no âmbito do controle difuso de
consitucionalidade, não se aplicando, dessa forma, na sistemáica de atribuição de efeitos do controle concentrado, conforme tese
inicialmente encampada pelo Ministro Thompson Flores.
Por outro lado, no que tange à natureza da atribuição senatorial de conferir eicácia geral às decisões em sede de controle
concreto, existe divergência doutrinária e jurisprudencial, notadamente se discricionária ou juridicamente vinculada.
Para a vertente da discricionariedade, cabe ao Senado Federal não apenas examinar o aspecto formal da decisão declaratória,
atestando se ela foi tomada por quorum suiciente e de forma deiniiva, mas também analisar a conveniência da suspensão, em ainência
ao princípio republicano do checks and balances in government, insculpido no art. 2º da Consituição Federal.
Oportuno asseverar que o próprio Senado Federal já se recusou a conferir efeito erga omnes à decisão do Supremo Tribunal
Federal proferida no RE 150.764-1/PE, que declarou a inconsitucionalidade de disposiivos da contribuição para o Finsocial.
Entretanto, respeitável parcela da doutrina pátria, além de recentes entendimentos de alguns Ministros do Supremo Tribunal
Federal e Tribunais superiores, vêm admiindo uma nova interpretação da competência senatorial expressa no art. 52, X, da Consituição
Federal.
Pelo relevante lastro argumentaivo, cogente a análise pontual da proposição de mutação consitucional do art. 52, X, da
Consituição Federal, cujo objeto incide na tendência de abstraivização dos efeitos do controle difuso de consitucionalidade.
²A terminologia “separação dos poderes”, usada, historicamente, pela doutrina, é equivocada, porque, em verdade, o poder que resvala da soberania é uno e indivisível. O que
se reparte são as funções realizadas por esses poderes, de acordo com o que fora esipulado pela Consituição de cada país.
A rigor, o Poder Legislaivo é o único ao qual a Consituição Federal atribuiu duas funções ípicas, de igual relevância, a saber: a função de elaborar atos normaivos primários
e a função de iscalizar o Poder Execuivo, sobretudo quando em exercício da aividade administraiva.
As Consituições de 1946 e 1967, inclusive com a Emenda n. 01/69, referiam-se à “lei ou decreto”.
A cláusula que atribui ao Senado Federal a competência para suspender a execução de qualquer lei ou ato normaivo declarado
inconsitucional pelo Supremo Tribunal Federal faz parte da tradição consitucional brasileira, tendo sido consagrada desde a Consituição
de 1934.
Naquela oportunidade, o disposiivo que subordinava a eicácia geral das decisões do Supremo Tribunal Federal acerca da in-
consitucionalidade das normas à resolução do Senado Federal foi alvo de diversas críicas.
Na Assembleia Consituinte que culminou com a promulgação da Consituição de 1934, o então Deputado Federal Godofredo Vianna
apresentou proposta de Emenda, no senido de abstraizar os efeitos do controle difuso de consitucionalidade, quando o Supremo
Tribunal Federal se pronunciasse pela inconsitucionalidade de um mesmo disposiivo por duas vezes.
Não obstante a plausibilidade jurídica da tese exposta, a referida Emenda não foi acatada pela maioria dos parlamentares
consituintes, de modo que permanece até os dias atuais a competência senatorial de suspender a execução de lei declarada inconsitu-
cional pelo Supremo Tribunal Federal.
Variados são os fundamentos que ensejam a guinada interpretaiva da natureza da competência da Casa da Federação insculpida
no art. 52, X, da Lex Mater, dividindo-se em três perspecivas, a saber: legislaiva, doutrinária e jurisprudencial.
O primeiro ensejo para a mutação consitucional proposta encontra-se na repercussão jurídica representada pela criação do
insituto da súmula vinculante e consequente inserção de mecanismos de respeito ao precedente judicial na Consituição Federal e no
Código de Processo Civil, resultado da tendência de jurisprudencialização do direito brasileiro (case-law method).
O art. 103-A, caput, da Consituição Federal, com redação dada pela Emenda Consitucional n. 45/2004 , assim dispõe:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de oício ou por provocação, mediante decisão de dois
terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria consitucional, aprovar súmula que,
a parir de sua publicação na imprensa oicial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do
Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal,
bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
O insituto da súmula vinculante surgiu com o desiderato de reforçar a necessidade de uniicação da interpretação do texto
consitucional ou legal, de maneira a garanir a aplicabilidade práica dos princípios da segurança jurídica, unidade da Consituição e
igualdade das decisões.
Por meio da edição de verbete de súmula, o Supremo Tribunal Federal pode conferir eicácia vinculante ao entendimento
sedimentado nas reiteradas decisões proferidas ao longo da aividade jurisdicional, sem afetar, diretamente, a vigência de leis declaradas
inconsitucionais no controle incidental.
O que se observa atualmente, em virtude da inserção de diversos disposiivos consitucionais e legais que conferem importância
ao precedente judicial, é que a súmula vinculante passa a deter, também, eicácia erga omnes, o que acaba por esvaziar o signiicado da
Resolução suspensiva do Senado Federal no controle concreto de consitucionalidade.
O efeito erga omnes gera consequências genuinamente processuais, impossibilitando que a questão decidida pelo Supremo
Tribunal Federal seja rediscuida por outro interessado em nova demanda, sendo consequência imanente das decisões em sede de
controle abstrato (v.g., ADI e ADC).
Enquanto isso, o efeito vinculante impõe obediência, por parte dos demais órgãos do Poder Judiciário e da administração
pública (direta ou indireta), nas três esferas de governo (municipal, estadual e federal), para além da parte disposiiva do julgado do
Pretório Excelso, isto é, transcendendo seus moivos ou fundamentos determinantes.
Marins (2009, p. 337) assevera que o efeito vinculante circunscreve-se, igualmente, à raio decidendi (fundamentos jurídicos
que embasam a decisão), projetando-se, por via de consequência, para além da parte disposiiva do julgamento, ante a possibilidade de
ser aplicada em outras situações análogas. Por isso, o entendimento de que o efeito vinculante seria um complemento à eicácia erga
omnes.
A eicácia erga omnes da súmula vinculante não advém de mandamento legal, mas sim da atual tendência de jurisprudencializa-
ção do direito e consequente consagração do precedente judicial como princípio, o que, de certa forma, aproxima o ordenamento jurídico
brasileiro, de índole eminentemente romano-germânica (civil law), ao sistema do common law anglo-saxão.
Importante destacar, todavia, que a mesma raio que resultou na criação do insituto da súmula vinculante pela EC nº 45/04 é visualizada no art. 2º do Decreto n. 6.142/1876,
a parir do qual o Superior Tribunal de Jusiça passou a deter a competência de editar assentos com força de lei, como forma de dirimir divergências sobre o alcance das normas
no âmbito do Poder Judiciário, ainda sob a vigência da vetusta Consituição de 1824.
Art. 518. Interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vista ao
apelado para responder.
§ 1. o O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença esiver em conformidade com
súmula do Superior Tribunal de Jusiça ou do Supremo Tribunal Federal.
Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado
ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respecivo tribunal, do Supremo
Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.
§ 1.o-A Se a decisão recorrida esiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência
dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao
recurso.
A aplicação do art. 518, § 1.º e do art. 557, § 1.º-A, disposiivos do Código de Processo Civil, mesmo que de forma ímida, denota
que o sistema jurídico está estruturado para conferir eicácia geral ao verbete de súmula vinculante, uma vez que prevê, como requisito
intrínseco de admissibilidade recursal (cabimento), a compaibilidade com o entendimento sumulado do Supremo Tribunal Federal, sob
pena de não conhecimento do recurso manejado.
Igualmente, vislumbra-se a valorização do precedente judicial na possibilidade de o relator do agravo contra decisão denegatória
de recurso especial ou extraordinário conhecer do agravo, para dar provimento diretamente ao recurso cujo seguimento foi negado, se
a decisão recorrida conlitar com súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Jusiça,
conforme o disposto no caput do art. 544, § 4.º, alíneas “b” e “c”, do Código de Processo Civil:
Art. 518. Interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vista ao
apelado para responder.
§ 1. o O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença esiver em conformidade com
súmula do Superior Tribunal de Jusiça ou do Supremo Tribunal Federal.
Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado
ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respecivo tribunal, do Supremo
Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.
§ 1.o-A Se a decisão recorrida esiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência
dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao
recurso.
Art. 285-A. Quando a matéria controverida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida
sentença de total improcedência em outros casos idênicos, poderá ser dispensada a citação e proferida
sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.
Ainda, o legislador infraconsitucional, ao posiivar a inaplicabilidade do Reexame Necessário quando a sentença combaida
esiver em consonância com jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ou em súmula do Pretório Excelso ou mesmo de qualquer
Tribunal Superior, proclama, novamente, a importância do respeito ao precedente judicial no ordenamento jurídico brasileiro.
O art. 475, caput, § 3.º, do Código de Processo Civil, prevê:
Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de conirmada
pelo tribunal, a sentença:
[...]
§ 3.º Também não se aplica o disposto neste arigo quando a sentença esiver fundada em jurisprudência
do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior
competente.
O fortalecimento da jurisprudência sumulada tem trazido expansão da eicácia dos precedentes dos
tribunais superiores. São exemplos disso: (a) a possibilidade de o relator do agravo de instrumento negar
provimento a recurso que conlite com súmula ou com jurisprudência dominante do respecivo tribunal,
do STF, ou de tribunal superior; ou então dar provimento ao recurso se a decisão recorrida conlitar
com súmula ou jurisprudência dominante do STF, ou de tribunal superior (art. 557, caput, e respecivos
§1.º-A do CPC, redação dada pela Lei 9.756, de 17.12.1998); (b) a possibilidade de o relator do agravo
contra decisão denegatória de recurso especial ou extraordinário, no STF ou STJ, conhecer do agravo
para dar provimento diretamente ao recurso cujo seguimento foi negado, se a decisão recorrida conlitar
com súmula ou jurisprudência dominante do STF e do STJ (art. 544, § 4.º, II, “b” e “c”, do CPC, redação
dada pela Lei 12.322, de 09.09.2010); (c) dispensa do reexame necessário nos casos em que, mesmo
vencido o Poder Público, a sentença esiver fundada em jurisprudência do plenário do STF ou em
súmula deste tribunal ou do tribunal superior competente (art. 475, § 3.º do CPC, acrescentado pela Lei
10.352, de 26.12.2011); (d) a possibilidade de o juiz negar seguimento a recurso de apelação quando
a sentença impugnada esiver amparada em súmula do STJ ou do STF (art. 518, § 1.º do CPC, redação
da Lei 11.276, de 07.02.2006.
Não só as decisões judiciais, mas também os atos emanados da administração pública, direta e indireta, das três esferas de
governo, devem se vincular ao mandamento sumulado pelo Supremo Tribunal Federal, tanto em virtude do caput do art. 103-A da
Consituição Federal, como pela possibilidade de interposição de Reclamação Consitucional ao Pretório Excelso.
Consoante o art. 7.º, § 1.º, da Lei n. 11.417/06, o ato administraivo, ou a omissão da administração pública, que contrarie súmula vinculante, só podem
ser alvo de Reclamação ao Supremo Tribunal Federal depois de esgotados os requerimento nas vias administraivas.
Art. 103. Podem propor a ação direta de inconsitucionalidade e a ação declaratória de consituciona-
lidade:
[...]
§ 3.º Do ato administraivo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente
a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato
administraivo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou
sem a aplicação da súmula, conforme o caso.
Como se vê, eventual entendimento acerca da inconsitucionalidade de lei ou ato normaivo, se considerado reiteradas vezes
em sede de controle difuso no Supremo Tribunal Federal, pode vir a ser sumulado, o que teria o condão de conferir eicácia vinculante e
geral à inconsitucionalidade ainada, mesmo antes da publicação de qualquer Resolução suspensiva do Senado Federal, o que denota a
obsolescência da atribuição da Casa da Federação, disposta no art. 52, X, da Lex Mater.
Entendendo que a súmula vinculante possui, também, eicácia geral, expõe Mendes (2010, p. 1252):
Desde já, aigura-se inequívoco que a referida súmula conferirá eicácia geral e vinculante às decisões
proferidas pelo Supremo Tribunal Federal sem afetar diretamente a vigência de leis declaradas incons-
itucionais no processo de controle incidental. E isso em função de não ter sido alterada a cláusula
clássica, constante do art. 52, X, da Consituição, que outorga ao Senado a atribuição para suspender a
execução de lei ou ato normaivo declarado inconsitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
E conclui:
Não resta dúvida de que a adoção de súmula vinculante em situação que envolva a declaração de incons-
itucionalidade de lei ou ato normaivo enfraquecerá ainda mais o já debilitado insituto da suspensão
de execução pelo Senado. É que essa súmula conferirá interpretação vinculante à decisão que declara
a inconsitucionalidade sem que a lei declarada inconsitucional tenha sido eliminada formalmente do
ordenamento jurídico (falta de eicácia geral da decisão declaratória de inconsitucionalidade). Tem-se
efeito vinculante da súmula, que obrigará a Administração a não mais aplicar a lei objeto da declaração
de inconsitucionalidade (nem a orientação que dela se dessume), sem eicácia erga omnes da declaração
de inconsitucionalidade.
Moraes (2002, p. 715), defensor da discricionariedade, arremata, admiindo que o exercício da competência extraída do art. 52,
X, da Consituição Federal não será mais necessária, tendo em vista a inserção da súmula vinculante pela EC nº 45/04 e a consequente
formalização da sistemáica de respeito ao precedente judicial:
Não será mais necessária a aplicação do art. 52, X, da Consituição Federal – cuja efeividade, até
hoje, sempre foi reduzidíssima –, pois, declarando incidentalmente a inconsitucionalidade de lei ou ato
normaivo do Poder Público, o próprio Supremo Tribunal Federal poderá editar Súmula sobre a validade,
a interpretação e a eicácia dessas normas, evitando que a questão controverida coninue a acarretar
insegurança jurídica e muliplicidade de processos sobre questão idênica.
Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário,
quando a questão consitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste arigo.
[...]
§ 3º Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou
jurisprudência dominante do Tribunal.
Por sua vez, o caput do art. 543-B do Código de Processo Civil deine a forma de resolução de idênicas controvérsias:
Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário,
quando a questão consitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste arigo.
[...]
§ 3º Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou
jurisprudência dominante do Tribunal.
A exegese de tal disposiivo consiste em permiir que os recursos extraordinários selecionados pelo juízo de origem sirvam de
paradigma a respeito da existência, ou não, de repercussão geral acerca da questão consitucional discuida nos recursos repeiivos,
devidamente sobrestados.
Com efeito, apregoa o § 2.º do art. 543-B:
Por outro lado, reputada existente a repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal poderá negar provimento ao recurso
extraordinário ou dar-lhe provimento.
No primeiro cenário, o § 3.º do art. 543-B dispõe:
§ 3.º Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos
Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou
retratar-se.
Os outros requisitos intrínsecos para a interposição do recurso extraordinário são: cabimento, legiimidade recursal, interesse recursal e inexistência de
fato exinivo ou impediivo do direito.
A mutação consitucional nada mais é do que a alteração semânica de determinado preceito da Consituição sem operar-se a
adulteração do corpo do disposiivo, em decorrência de modiicações no prisma hitórico-social ou fáico-axiológico em que se concreiza
a aplicação.
Em lição preciosa, Hesse (2009, p. 151) assim deine o fenômeno da mutação consitucional:
Tanto o Tribunal Consitucional Federal como a doutrina atual entendem que uma mutação consitucional
modiica, de que maneira for, o conteúdo das normas consitucionais de modo que a norma, conservando
o mesmo texto, recebe um signiicado diferente.
Portanto, em alguns casos, os vocábulos da norma conservam-se imutáveis ao longo dos tempos, mas a sua acepção sofre um
processo de corrosão, ou, melhor dizendo, enriquecimento, através da interferência de fatores diversos que vêm amoldar a letra da lei a
um novo espírito, inovando a direção dos enunciados jurídicos.
Os princípios da certeza e segurança jurídica estariam compromeidos se os aplicadores do direito, em nome da abertura e da
riqueza semânica dos enunciados normaivos, pudessem atribuir-lhes qualquer signiicado, à revelia dos cânones hermenêuicos e do
comum senimento de jusiça.
Nesse ínterim, sob pena de instauração de espécie de “ditadura do Poder Judiciário”, é imprescindível o estabelecimento de
parâmetros objeivos de controle e racionalização da interpretação consitucional.
Entrementes, uma teoria jurídica sobre os limites da mutação consitucional só é possível com o sacriício dos pressupostos
metódicos básicos do posiivismo, sustentado na estrita separação entre Direito e realidade, assim como na rejeição de qualquer
consideração histórica e ilosóica do processo de argumentação jurídica.
Destarte, quando a guinada interpretaiva impossibilitar a compreensão lógica do texto consitucional ou quando aparecer em
Tudo o que se situe mais além dessas possibilidades já não será mutação consitucional, e sim quebra
consitucional ou anulação da Consituição. Pode ser que de fato se imponham ‘os acontecimentos
históricos que transformaram os fundamentos do Estado fora do Direito’, as usurpações, e as revoluções.
Isto nenhuma teoria dos limites da reforma consitucional ou da mutação consitucional poderá impedir.
Porém, dentro do estrito âmbito aqui demarcado, assegura-se melhor a defesa da Consituição diante
de perigos de ‘mutações consitucionais’ ilimitadas do que pela renúncia prévia, explícita ou implícita à
elaboração de limites que possam ser respeitados na práica. Disso é que se trata, e não de uma – talvez
não intencional – legiimação dos fatos consumados.
Diante dessas premissas, certo é que a mutação consitucional do art. 52, X, da Consituição Federal não impede sua compreensão
lógica, em razão de permanecer a atribuição do Senado Federal de suspender a execução de lei ou ato normaivo declarado inconsitu-
cional pelo Supremo Tribunal Federal.
O que há, de concreto, é apenas e tão somente a mudança da natureza da competência do Senado Federal, que passará de
essencialmente políica e discricionária para juridicamente vinculada, necessária para conferir publicidade à decisão do Supremo Tribunal
Federal no controle difuso de consitucionalidade.
De outro lado, a mutação consitucional indicada não representa contradição ao texto da norma objeto da guinada interpretaiva,
uma vez que o art. 52, X, da Consituição Federal não nos remete, em nenhum momento, à discricionariedade da competência do Senado,
se omiindo em relação a tal quesionamento.
Em verdade, os defensores do caráter discricionário da competência do Senado Federal se baseiam em uma leitura histórica da
Consituição, embasada no respeito à teoria da separação dos Poderes (em sua conotação rígida) e consequente preservação do equilíbrio
do sistema de checks and balances, posiivado como cláusula pétrea no art. 60, § 4.º, III, da Consituição Federal.
Lastreiam-se, ainda, na iniel percepção sobre o real signiicado do aivismo judicial, vislumbrando-o, erroneamente, como
mecanismo de usurpação da competência do Senado Federal, em virtude da suposta hipertroia do Supremo Tribunal Federal e
consequente atroia do Poder Legislaivo.
O aivismo judicial, no entanto, é fenômeno amplo, inserido dentro da perspeciva do neoconsitucionalismo e do pós-posiivis-
mo por encontrar vínculo com a força normaiva da Consituição, com a expansão da jurisdição consitucional e com o desenvolvimento
de uma nova dogmáica da interpretação consitucional.
Decerto que o aivismo judicial encontra respaldo na lexibilização da teoria da separação dos Poderes, ao passo que permite
que o Supremo Tribunal Federal exerça a guarda da Consituição, sem, com isso, deturpar as competências consitucionais direcionados
ao Poder Legislaivo.
Não se está consagrando, com isso, a desnecessidade de existência do Senado Federal, órgão que, ao longo de quase duzentos
anos, posicionou-se como mediador da estabilização consitucional brasileira, representando a voz dos Estados da federação nas questões
de relevo nacional. O que ocorre, de fato, é que a competência haurida do art. 52, X, da Consituição Federal precisa ser reinterpretada,
face às modiicações legislaivas e jurisprudenciais ocorridas recentemente no Brasil.
Aliás, insta ressaltar que o art. 60, § 4.º, III, da Consituição Federal proíbe qualquer mudança “tendente a abolir” a separação
dos poderes, o que não impede a variação de interpretação sobre a natureza de dada competência do Senado Federal.
Assim, não se pode falar que a mutação consitucional do art. 52, X, da Lei Fundamental tende a abolir a cláusula pétrea
estampada no art. 60, § 4.º, III, da Consituição Federal, em razão de apenas alterar a natureza da competência do Senado Federal, o que,
obviamente, não viola, de forma alguma, a independência entre os Poderes Judiciário e Legislaivo.
Apesar da legalidade e possibilidade jurídica da mutação consitucional do art. 52, X, da Consituição Federal, não se sabe, ao
certo, se o Senado Federal entenderá tal mudança como uma intromissão do Supremo Tribunal Federal, o que poderia desaguar em uma
crise insitucional entre os Poderes da República, ou se a Casa da Federação aceitará a modiicação da natureza de sua competência no
âmbito do controle difuso de consitucionalidade.
A análise da possível reação do Senado Federal à mutação do art. 52, X, da Carta Magna não pode ser realizada ao arrepio do
contexto em que se inseriu o Supremo Tribunal Federal hodiernamente, qual seja, ator secundário do processo legislaivo, ante a ausência
de produção legiferante do Congresso Nacional como um todo.
O que se observa, há de se ressaltar, é que o Supremo Tribunal Federal vem assumindo posições originariamente conferidas pelo
legislador consituinte ao Senado Federal, seja pela desídia do órgão legislaivo em exercer suas competências legais, seja pelas mudanças
fáicas e jurídicas ligadas a mutações consitucionais.
Além da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54, observa-se a atuação posiiva do Supremo Tribunal
Federal no julgamento do Mandado de Injunção n. 670, onde restou consolidado o direito de greve dos servidores públicos civis, em que
pese a inexistência de lei regulamentadora.
Na ocasião, o Supremo Tribunal Federal irmou o entendimento de que o direito fundamental de greve, consitucionalmente
garanido no art. 9º, §1.º, da Consituição Federal, não poderia deixar de ser respeitado em virtude, unicamente, da mora legislaiva em
regulamentar o disposiivo de eicácia conida, cabendo ao Supremo Tribunal Federal “legislar” sobre o tema, o que seria, teoricamente,
função ípica do omisso e inerte Poder Legislaivo.
Não obstante a ausência de debate, entre os senadores, sobre a abstraivização dos efeitos do controle difuso de consitu-
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No desiderato primevo de sanar a incongruência existente na aplicação da doutrina norte-americana do judicial review of
legislaion em ordenamentos carentes de stare decisis, as Consituições brasileiras, a parir da Carta de 1934, posiivaram a competência
do Senado Federal para suspender a execução da lei ou ato normaivo declarado inconsitucional pelo Supremo Tribunal Federal, como
forma de atribuir eicácia geral às decisões prolatadas no controle difuso de consitucionalidade, o que está previsto no inciso X do art.
52 da ordem consitucional atual.
Como visto, no que tange à natureza da atribuição senatorial de conferir eicácia geral às decisões em sede de controle concreto,
existe divergência doutrinária e jurisprudencial, notadamente se tal atribuição deve ser exercida de forma discricionária ou vinculada.
Os defensores da discricionariedade da competência suspensiva da Casa da Federação asseveram que nem o art. 52, X, da Lei
Fundamental, nem muito menos o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal fazem alusão a qualquer prazo para o pronunciamento
senatorial.
Tal vertente sustenta que a intervenção do Senado Federal consiste em um mecanismo jurídico-políico de atender à teoria
da separação dos poderes, posto que, na práica, suspender a execução de determinada norma consiste em revogá-la, competência tal
direcionada apenas a outra lei emanada do mesmo órgão legiferante, em privilégio ao princípio da simetria das formas jurídicas.
Contudo, respeitável parcela da doutrina pátria, além de recentes julgados do Supremo Tribunal Federal e Tribunais superiores
vêm admiindo uma nova interpretação da competência senatorial expressa no art. 52, X, da Lex Mater.
Pela mutação consitucional proposta, se o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle incidental, chegar à conclusão
deiniiva de que a lei ou ato normaivo é inconsitucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação ao Senado Federal,
para que, tão somente, haja a publicação do teor do decisum no Diário do Congresso.
O que se observa atualmente, em virtude da inserção de diversos disposiivos consitucionais (arts. 103-A e 103, caput, § 3.º,
da Consituição Federal) e legais (arts. 285-A, 475, caput, § 3.º, 518, caput, § 1.º, 544, § 4.º, “a” e “b” e 557, caput, § 1.º-A, do Código de
Processo Civil) que conferem importância ao precedente judicial (processo de jurisprudencialização do direito nacional), é que a súmula
vinculante passa a deter, também, eicácia erga omnes, o que acaba por esvaziar o signiicado da Resolução suspensiva do Senado Federal
no controle concreto de consitucionalidade.
Isso porque eventual entendimento acerca da inconsitucionalidade de lei ou ato normaivo, se considerado reiteradas vezes
em sede de controle difuso no Supremo Tribunal Federal, pode vir a ser sumulado, o que teria o condão de conferir eicácia vinculante e
geral à inconsitucionalidade ainada, mesmo antes da publicação de qualquer Resolução suspensiva do Senado Federal, o que denota a
obsolescência da atribuição da Casa da Federação, disposta no art. 52, X, da Carta Magna.
Ainda, percebe-se que o recurso extraordinário passou de uma via recursal de ponderação de interesses subjeivos para assumir
um papel de defesa da ordem consitucional objeiva (objeivação do recurso extraordinário), podendo repercuir na esfera jurídica de
diversos jurisdicionados (arts. 543-A e; 543-B, do Código de Processo Civil), fato que contribui para o irmamento da posição do Supremo
Tribunal Federal como legíimo guardião e intérprete da Consituição Federal.
Ademais, no caso do art. 52, X, da Consituição Federal, plausível a atuação posiiva do Supremo Tribunal Federal no afã de
garanir a aplicabilidade dos direitos e garanias fundamentais consitucionalmente assegurados (força normaiva da Consituição), que
não podem esperar eternamente pela publicação de Resolução suspensiva no Diário do Congresso.
Com efeito, a mutação consitucional indicada não representa contradição ao texto da norma objeto da guinada interpretaiva,
uma vez que o art. 52, X, da Consituição Federal não nos remete, em nenhum momento, à discricionariedade da competência do Senado,
omiindo-se em relação a tal ponto.
O que há, de fato, é apenas a mudança da natureza da competência do Senado Federal, que passará de essencialmente políica
e discricionária para juridicamente vinculada, necessária para conferir publicidade à decisão do Supremo Tribunal Federal no controle
difuso de consitucionalidade.
Não se está consagrando, com a mutação consitucional e consequente abstraivização dos efeitos do controle difuso de cons-
itucionalidade, a desnecessidade de existência do Senado Federal, órgão que, ao longo de quase duzentos anos, posicionou-se como
mediador da estabilização consitucional brasileira, representando a voz dos Estados da federação nas questões de relevo nacional. O que
ocorre, em verdade, é que a competência insculpida do art. 52, X, da Consituição Federal precisa ser reinterpretada, face às modiicações
legislaivas e jurisprudenciais ocorridas recentemente no Brasil.
Por outro lado, a possível reação do Senado Federal à mutação do art. 52, X, da Carta Magna deve ser vislumbrada no contexto
em que o Supremo Tribunal Federal está inserido hodiernamente, qual seja, ator secundário do processo legislaivo, ante a ausência de
produção legiferante do Congresso Nacional como um todo.
Os entendimentos apontados e os ensejos da mutação consitucional estudada permitem concluir que o art. 52, X, da
Consituição Federal merece ser reinterpretado, de maneira a tornar a competência do Senado Federal vinculada, necessária para conferir
publicidade à decisão do Supremo Tribunal Federal no controle difuso de consitucionalidade, o que, de maneira alguma, apequena a
valiosa contribuição da Casa da Federação na sistemáica de estabilização e mediação consitucional brasileira.
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MORAES, Alexandre de. Direito consitucional. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
RESUMO
Este trabalho visa analisar a necessidade de adoção de posturas mais enérgicas em relação aos crimes de trânsito praicados
por condutores alcoolizados, tendo como principal meio para tal, a adoção da teoria do dolo eventual nos sinistros ocorridos nestas
circunstancias. Para tanto, no desenvolvimento deste arigo há de se usar o método de abordagem deduivo, método este que considera
que a conclusão está implícita nas premissas: se o raciocínio deduivo for válido e as premissas forem verdadeiras, a conclusão não pode ser
mais nada senão verdadeira; como técnica de pesquisa, uilizou-se a documentação indireta através de pesquisa bibliográica de doutrina,
revistas especializadas e de noícias em geral, arigos cieníicos, jurisprudência e sites da Internet. O estudo em epígrafe consitui-se
de invesigação bibliográica, mesclando caracteres teóricos como conceituação dos ipos deinidos como crime pelo CTB, bem como a
diferenciação pela doutrina das teorias do dolo eventual e da culpa consciente, e práicos trazendo análise jurisprudencial com um maior
enfoque em julgados recentes que demonstram a necessidade atual real de se criarem mecanismos que inibam a ocorrência de tantos
acidentes como se observa na práica dia após dia país afora. Como resultado práico, observou-se que, em virtude do crescimento
veriginoso de ocorrências envolvendo motoristas alcoolizados, indispensável se faz a criação de uma legislação mais rígida no que tange
a crimes de trânsito praicados por condutor alcoolizado e que visem a resguardar os direitos dos cidadãos, protegendo-os da constante
ameaça de dano que existe, quando se enfrenta o trânsito no Brasil.
Palavras-chave: crimes de trânsito. condutores alcoolizados. dolo eventual. legislação mais rígida.
ABSTRACT
This paper aims to examine the need to adopt stronger posiions in relaion to traic ofenses commited by drunk drivers, the
main means to this, the adopion of eventual intenion theory in claims occurred in these circumstances. Therefore, the development of
this aricle is to use the deducive method of approach, method that it believes that the conclusion is implicit in the assumpions: the
deducive reasoning is valid and the premises are true, the conclusion can’t be anything but true; as research technique, used the indirect
documentaion through literature doctrine, journals and news in general, scieniic aricles, case law and websites. The study referred to
above consists of bibliographic research, combining theoreical conceptualizaion of characters as types deined as a crime by the CTB,
as well as difereniaion by the doctrine of theories of possible fraud and conscious guilt, and pracical bringing jurisprudenial analysis
with a greater focus on Recent judged that demonstrate the real current need to create mechanisms that inhibit the occurrence of many
accidents as observed in pracice day ater day across the country. As a pracical result, it was observed that, given the rapid growth of
occurrences involving drunk drivers, essenial to make the creaion of a more strict legislaion in regard to traic ofenses commited by
drunk driver and aimed to protect the rights of ciizens protecing them from the constant threat of damage exists when facing traic in.
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por escopo analisar a possibilidade de aplicarem-se, com maior rigidez, as leis de trânsito, em especial, nos
crimes comeidos por motorista que guia seu veículo após fazer uso de bebida alcoólica, apresentando entendimentos que os façam ser
imputados nas tenazes da lei referentes aos criminosos que hajam com o chamado dolo eventual.
Com toda a mídia alertando sobre os perigos relacionados à direção após a ingestão de álcool, não faz mais senido se alegar
que não houve intenção no ocorrido, ou que simplesmente não era possível se preverem os resultados gravosos; hodiernamente virou
até jargão popular os dizeres: “se for beber, não dirija e, se for dirigir, não beba”.
Comumente ocorrem tragédias no trânsito, por todo o país, sendo que a quase totalidade desses acontecimentos se dá por
conta deste binômio: bebida + direção, no entanto a Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997, o chamado Código de Trânsito Brasileiro
(CTB), que regula o trânsito no país e que deveria criar mecanismos para controlá-lo, inibindo o enorme número de víimas fatais,
mostra-se bastante paternalista em relação aos agentes causadores dos sinistros.
É de se destacar o art. 302 do citado Código, que ipiica o “homicídio culposo na direção de veículo”, sendo esse o único arigo
do Código inteiro que versa sobre a práica de homicídio no trânsito.
Face aos acontecimentos coidianos, não se pode deixar passar despercebido o crescimento veriginoso das tragédias ocasionadas
por acidentes de trânsito, mais especiicamente aqueles em que o autor do fato guiava seu veículo sob o efeito de álcool, mesmo sabendo
não ter condições para tal e mesmo sendo alertado por todos os meios de comunicação possíveis: televisão, rádio, outdoor’s, adesivos
em locais estratégicos, todos alertam com aquele jargão citado anteriormente, mas, ainda assim, as pessoas coninuam seu intento e
mantém-se na direção ocasionando, cada vez mais, barbáries país afora.
Diante de tal situação, o presente trabalho visa a demonstrar razões fáicas e de Direito, com o im de propor um novo
2. DA APLICAÇÃO DA TEORIA DO DOLO EVENTUAL NOS CRIMES DE TRÂNSITO PRATICADOS POR CONDUTOR ALCOOLIZADO
A revista Veja, edição de 07 de agosto de 2013, estampou em sua capa a matéria denominada: “Assassinos ao volante: as mortes
no trânsito no Brasil já superam os crimes de homicídio”, em que divulgou os dados de uma pesquisa exclusiva onde icou constatado que
o Brasil tem a quinta maior taxa de mortes no trânsito do Planeta, no entanto, se fossem considerados as estaísicas do DPVAT (Danos
Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre - o seguro obrigatório de veículos) no mesmo período, o país saltaria para
a primeira posição.
Essa pesquisa trouxe à tona uma realidade que já podia ser observada nas pequenas cidades, sem muito esforço: hoje, os
motoristas brasileiros matam mais que os assassinos. Foram 60.752 mortos só em 2012.
Para ilustrar quão assombrosos são esses dados, a revista fez uma comparação entre esse número de víimas e as víimas de
outros eventos e observou-se que o trânsito no Brasil matou, em um ano, tanto quanto a guerra civil na Síria nos úlimos 20 meses, ou
que a Guerra do Iraque em 3 anos, ou ainda que a Guerra do Vietnã em 16 anos.
O ato de dirigir embriagado é fator preponderante para que esse número de cresça cada vez mais e gere tantas víimas fatais,
no entanto o Código Penal (CP), em seu art. 28, §§ 1º e 2º, preceitua ser isento de pena, ou pelo menos tem sua pena reduzida o agente
que vem a se embriagar por um caso fortuito, ou por força maior, porém há sempre que se veriicar o quantum dessa embriaguez, bem
como o nível de culpabilidade do agente no fato, conforme se depreende de entendimento do STJ:
[…] Sabe-se que a embriaguez – seja voluntária, culposa, completa ou incompleta – não afasta a
imputabilidade, pois no momento em que ingerida a substância, o agente era livre para decidir se devia
ou não fazê-lo, ou seja, a conduta de beber resultou de um ato livre (teoria da acio ). Desse modo, ainda
que o paciente tenha praicado o crime após a ingestão de álcool, deve ser responsabilizado na medida
de sua culpabilidade. […] (STJ, 6ª Turma, HC 180.978/MT, Rel. Min. Celso Limongi, 09 fev. 2011.)
Imputável é quem tem a capacidade de entender e de querer o que faz assim responde por seus atos, enquanto que inimputável
é a pessoa inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito de seu fato sendo, portanto, isenta de pena.
Entretanto existem casos em que o agente, pretendendo um resultado delituoso, vem, por exemplo, a embriagar-se para adquirir
a coragem necessária ao comeimento do crime. Nessa hipótese, o agente é livre na causa antecedente ao fato, assim, ainda que durante
a práica do delito fosse considerado inimputável, ele será responsabilizado integralmente por sua conduta, pois a constatação de sua
imputabilidade será transferida para o momento anterior, essa é a chamada teoria da acio libera in causa.
O exemplo clássico de aplicação da teoria da acio libera in causa é o da embriaguez preordenada, em que o agente, com o
im precípuo de cometer crime, embriaga-se para buscar coragem suiciente para a execução do ato, ou ainda para eximir-se da pena,
colocando-se em estado de inimputabilidade. Nesse caso, é expresso o dolo do agente em relação ao ato criminoso, conigurando a
embriaguez o primeiro elo na cadeia de eventos que conduz ao resultado anijurídico, ainda que meramente preparatório.
É senso comum que as frágeis leis que regem o trânsito são responsáveis diretas por esses números. Os condutores, mesmo
sabendo estarem agindo ao arrepio da lei, não se sentem inibidos em suas práicas criminosas, por terem a certeza da impunidade, ou de
que mesmo que sejam pegos em lagrante, não sofrerão consequências mais graves em virtude das mirradas penas cominadas.
A necessidade de uma legislação mais incisiva com os agentes que “coisiicam” a vida humana é premente hoje e, diante da realidade aqui
apresentada, faz-se necessária e de extrema perinência.
A conduta de quem dirige seu veículo automotor sob efeito de álcool ou outra substância de efeito análogo é ipiicada no arigo
306 do Código de Trânsito Brasileiro como crime de embriaguez ao volante, que tem pena de detenção de 06 meses a 03 anos, multa e
suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
De acordo com a matéria veiculada pela Veja (2013), em 21% dos acidentes, pelo menos um dos condutores havia bebido,
representando o ato de dirigir alcoolizado a segunda maior causa de acidentes de trânsito no país.
Ainda de acordo com o CTB, constatar-se-á que o condutor dirigia seu veículo sem as condições ideais se ele apresentar
concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar
alveolar, ou ainda se apresentar sinais que indiquem alteração psicomotora.
Geralmente essa quanidade de álcool no organismo é aferida mediante o uso do chamado bafômetro, ou eilômetro, que
é um aparelho que permite determinar a concentração de bebida alcoólica em uma pessoa, analisando o ar exalado dos pulmões,
entretanto, lançando mão do princípio consitucional de que ninguém será obrigado a produzir provas contra si, muitos dos que trafegam
embriagados se recusam a fazer o teste do bafômetro, diicultando as invesigações e evitando sua punição.
Na já citada matéria de Veja (2013) a ineiciência do poder público na aplicação das leis, aliada à inclinação natural de todo
brasileiro de burlar as regras, é apresentada como primeiro problema o qual resulta num número tão alto de mortes no trânsito.
Sem o uso do bafômetro ou de outros meios que venham a provar se o suposto condutor estava ou não embriagado, o
julgamento de casos desse ipo transforma-se em mero bate-boca, sem nunca se chegar a resultados saisfatórios.
Na Paraíba, pelo menos dois casos famosos de acidentes de trânsito envolvendo motoristas embriagados e que terminaram com
víimas fatais iveram desfecho no Tribunal do Júri, onde os causadores dos sinistros saíram condenados por homicídio doloso.
O psicólogo Eduardo Paredes foi julgado culpado pela morte da defensora pública Fáima Lopes e,
por isso, condenado a 12 anos de prisão em regime fechado por homicídio doloso e lesão corporal. O
julgamento começou às 9h e se estendeu por todo o dia tendo seu desfecho por volta das 20h. O juiz
Marcial Henrique Ferraz da Cruz leu a sentença por volta das 20h.
[...]
Fáima Lopes morreu em janeiro de 2010, quando teve seu carro aingido pelo veículo dirigido por
Eduardo Paredes, que avançou um sinal vermelho em alta velocidade no cruzamento da Avenida Epitácio
Pessoa com a João Domingos, no bairro de Miramar, em João Pessoa. No depoimento, o réu negou que
ivesse embriagado, disse que estava apenas distraído e também rebateu a informação de que teria
passado em sinal vermelho. Ele alega que o semáforo estava em sinal intermitente, ou seja, piscando
em amarelo para os dois senidos. Porém, seus argumentos não foram suicientes para convencer os
jurados, que o julgaram culpado (NOGUEIRA, 2013).
E ainda:
Em 16 de julho de 2011, Ronaldo Soares (19) e Raíza Guedes (17) perderam suas vidas na Avenida
Epitácio Pessoa em Paraíba – João Pessoa. Segundo o Ministério Público, Rodrigo Artur da Fonseca
dirigia em alta velocidade, quando cruzou o sinal vermelho colidindo com o veículo em que estavam os
estudantes. O motorista apresentava sinais de embriaguez.
O empresário Rodrigo foi condenado a 17 anos e dois meses em regime fechado por homicídio doloso
no julgamento aconteceu no 2º Tribunal do Júri de João Pessoa em 19 de agosto de 2013.
Nina Ramalho que perdeu o pai, io e primo em um crime de trânsito e que, conseguiu ver a jusiça
acontecer com a condenação do culpado pelo crime da família Ramalho disse: “Um dia quem sabe,
poderemos sair de casa sem o medo de encontrar pelo caminho assassinos do asfalto…”
Segundo o site do G1, “De acordo com informações passadas pela polícia, Rodrigo da Fonseca já foi
lagrado com sintomas de embriaguez em duas iscalizações em 2010, uma do Detran na avenida Rui
Carneiro, na capital, e outra da Polícia Rodoviária Federal (PRF) na BR-230. Nas duas ocasiões ele foi
deido por dirigir sob efeito de bebida alcoólica.” (MARIANO, 2013).
Eles não são números, são rostos. São pessoas felizes, amadas e que inham uma vida inteira pela frente.
A luta é por jusiça, pelo im da impunidade, pelo respeito que temos aos que se foram e por amor aos
que ainda estão conosco. A homenagem é para cada um deles, que descansam ao lado do Pai celesial.
Mas se você quiser conhecer números, as 265 pessoas abaixo representam apenas 0.00665% das
40.000 pessoas que morrem todos os anos no Brasil, víimas de irresponsáveis ao volante.
[...]
As pessoas abaixo foram mortas por motoristas que beberam e dirigiram. Se não mudar seu
comportamento, você pode ser o responsável pela foto ao lado.
Ainda no site, existe uma peição pública pedindo mudanças no CTB com a inalidade de torná-lo mais rígido em relação a
crimes desta natureza, a qual, até este momento, conta com a assinatura de 949.012 cidadãos brasileiros que concordam com esta
mudança.
Como se pode observar, a sociedade urge por mudanças que venham a tornar o CTB mais rigoroso neste quesito, por entender
que essa mudança seria de alguma valia para a diminuição do grande número de acidentes envolvendo condutores em estado de
embriaguez.
No entanto, o Código Penal prevê ser isento de pena o agente que, no momento da conduta, estava embriagado de forma
completa por caso fortuito ou força maior, então, é salutar que sejam aqui abordados os diferentes ipos de embriaguez previstos no
Código e na doutrina, para que não sejam praicadas injusiças, quando da irada de conclusões referentes ao objeto deste trabalho
agindo à margem do que preceitua as normas de direito penal brasileiras.
Como visto no item anterior, para que haja uma condenação, é necessário que o réu possua capacidade de pagar pelo seu
delito, isto é, que ele seja imputável penalmente; também remetendo ao tópico anterior, ica esclarecido que a embriaguez não torna o
delinquente isento de culpa, no entanto essa úlima premissa não é absoluta e, para que seja empregada, faz-se necessário ideniicar o
ipo de embriaguez à que estava submeido o agente.
A doutrina é pacíica quanto às espécies de embriaguez existentes, sendo elas: a embriaguez acidental, a não-acidental,
a patológica e a preordenada. Essa classiicação é dada levando-se em consideração a forma como o agente entrou no estado de
embriaguez, à causa que o fez icar naquela situação.
Greco (2011, p. 393) deine a embriaguez não acidental da seguinte forma:
É aquela prevista no inciso II do mencionado art. 28, e, mesmo sendo completa, permite a punição do
agente, em face da adoção da teoria da acio libera in causa. Na precisa deinição de Narcélio de Queiroz,
devemos entender por acio libera in causa “os casos em que alguém, no estado de não-imputabilidade, é
causador, por ação ou omissão, de algum resultado punível, tendo se colocado naquele estado, ou pro-
positadamente, com a intenção de produzir o evento lesivo, ou sem essa intenção, mas tendo previsto
a possibilidade do resultado, ou, ainda, quando a podia ou devia prever”.
A embriaguez não acidental subdivide-se em voluntária e culposa. A embriaguez voluntária é aquela em que o agente faz uso
de bebida alcoólica com a inalidade de se embriagar, enquanto que a embriaguez culposa exisirá quando a pessoa, sem a intenção
de colocar-se em estado de embriaguez, deixando de observar o seu dever de cuidado, ingere uma quanidade que desencadeie essa
situação, seja por não ter o costume de beber, seja por ter o organismo sensível à ingestão de bebidas alcoólicas.
Nos casos de não-acidental, jamais será excluído o dolo, isso porque o agente, no momento em que ingeria a substância, era
livre pra decidir se podia ou não fazê-lo, isso tudo em conformidade com o que reza a teoria da acio libera in causa.
Já a embriaguez acidental pode decorrer de duas formas: em virtude de um caso fortuito ou por uma força maior.
Capez (2011, p. 341) as diferencia da seguinte forma:
O agente embriagado acidentalmente em um caso fortuito ou força maior poderá ter sua pena reduzida, ou mesmo ser isento
dela dependendo da intensidade de seu estado de embriaguez. Em sendo sua embriaguez incompleta, conforme preceitua o art. 28, §2º
do CP, o agente responderá pelo seu crime com atenuação da pena, desde que haja redução de sua capacidade intelectual ou voliiva. Já
se a embriaguez for completa, o que torna o agente inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito de seu fato no momento, será ele
isento de pena, nos termos do art. 28, §1º.
A embriaguez patológica, conforme explica Jesus (2010, p. 559), “é a que se veriica nos predispostos, nos tarados, nos ilhos de
alcoólatras” e se desencadeia por serem esses indivíduos “extremamente susceíveis às bebidas alcoólicas”, podendo mesmo pequenas
doses desencadearem “acessos furiosos, atos de incrível violência, ataques convulsivos.” Dependendo da intensidade dessa embriaguez
patológica, também poderá o agente ter sua pena reduzida ou até ser isento de punição, nesse caso, em consonância com o que oriente
o art. 26 do CP.
Por im, existe também a embriaguez preordenada, que se dá quando o agente vem a se embriagar propositadamente para
adquirir a coragem suiciente para o comeimento de um determinado delito, o qual não seria capaz de realizar em seu perfeito estado
psicológico. Capez (2011, p. 342) assim o explica:
Essa espécie de embriaguez, diferente das demais, não tem o condão de gerar beneício algum ao agente, ao contrário, ela
consitui causa agravante genérica, prevista no art. 61, II, l do CP.
2.3 O alerta da mídia e o apelo da sociedade como contrapontos à teoria da culpa consciente nos crimes de trânsito praicados por
condutor alcoolizado
Com frequência, nos úlimos tempos, a mídia vem alertando sobre os perigos de se dirigir embriagado. O jargão popular “se for
beber, não dirija e for dirigir não beba” é de amplo conhecimento; nos quatro cantos do país, ele é se faz ouvir, virando inclusive tema de
campanhas de conscienização no trânsito organizada pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), que é órgão responsável pela iscalização do
trânsito das rodovias federais.
Como já foi citado neste trabalho, a revista Veja (2013) recentemente publicou como matéria de capa a divulgação de uma
pesquisa que mostrava a real face dos acidentes de trânsito no Brasil, sendo alavancado esse fator ao patamar de segundo maior causador
de mortes no país.
A referida pesquisa mostrou que os sinistros de trânsito têm como seu segundo maior fator de origem, a embriaguez ao volante,
pois os motoristas perdem seus relexos, indispensáveis à condução de um veículo automotor devido à dinâmica do trânsito onde o
condutor tem que estar à todo o tempo prestando atenção no que acontece á sua volta.
Para que se impute a alguém uma conduta dolosa, necessário se faz que seja provado que essa pessoa assim agiu com a
intenção de provocar o resultado lesivo, entretanto, usando-se a teoria do dolo eventual, que é o que se pretende uilizar em casos como
os aqui estudados, o agente assume o risco por sua conduta, não se importando com o que venha porventura a acontecer.
Com inúmeras campanhas de conscienização versando sobre os riscos da embriaguez ao volante, não se pode compreender
como é que alguém que assim aja o faça sem a consciência de sua aitude e caso venha a cometer algum crime desta espécie seja
condenado por uma conduta culposa, tornam-se absurdos tais julgamentos.
Tem-se aqui o ito de se demonstrar que, com as incessantes campanhas pela conscienização no trânsito, campanhas estas
que mostram dados da violência no trânsito, bem como relatos de pessoas que passaram por, ou que perderam conhecidos e até mesmo
familiares em acidentes assim, não há mais o que se falar em culpa consciente, quando o delinquente o provocar em estado embriaguez.
Como já dito, a grande celeuma que ronda as discussões sobre processo e julgamento dos crimes de trânsito reside nas teorias
antagônicas do dolo eventual e na culpa consciente, entretanto, como já incessantemente demonstrado nas campanhas veiculadas nas
mais diversas espécies de mídia, independente das habilidades pessoais do condutor, direção não combina, de forma nenhuma, com
No item anterior, foi explanado sobre o receio que alguns têm de evitar uma maior rigidez nas penas cominadas aos crimes de
trânsito, por não desejarem que as mesmas conigurem forma de vingança pelo ato comeido, entretanto há que se destacar que, devido
à mentalidade dos brasileiros, as leis só são obedecidas quando impostas de forma mais gravosa e com maior iscalização.
É o que revela a já incessantemente citada pesquisa revelada por Veja (2013) senão veja-se:
Um estudo recente do Centro de Pesquisa Jurídica Aplicada da Fundação Getúlio Vargas revelou que
82% dos brasileiros acham fácil desobedecer às leis no país. E o fazem mesmo quando os maiores
prejudicados são eles próprios. Uma iscalização eiciente e constante teria o poder de fazer os cidadãos
abandonar as condutas de risco até que a postura responsável se tornasse automáica. Foi o que
ocorreu, em certa medida, com o uso do cinto de segurança. E é o se tem tentado, até agora com
pouco sucesso, com a embriaguez ao volante. Em 2008, quando entrou em vigor a Lei Seca, o impacto
posiivo foi imediato. Com medo de serem pegos no bafômetro, muitos motoristas deixaram de conduzir
depois de beber. Como consequência, no ano seguinte, houve uma redução de quase 4.000 pedidos de
indenização por morte ao DPVAT. Bastou os motoristas descobrirem que não eram obrigados a soprar
o bafômetro e que as blitzen eram previsíveis para a curva de mortes retomar a trajetória ascendente.
Para se buscar uma maior rigidez de penas e uma mais efeiva iscalização por parte das autoridades, será necessária uma
legislação que permita essas mudanças, subsidiando a ação dos que promoverão essa mudança.
A princípio, essa mudança passa pela paciicação da adoção da teoria do dolo eventual e, quando se inicia um estudo sobre a
discussão acerca das teorias do dolo eventual e culpa consciente, vez ou outra, depara-se com as máximas “In dubio pro reo” e “in dubio
pro societate”. Tais expressões, princípios gerais do Direito Penal, são sempre invocadas a im de se buscar uma condenação ou absolvição
do acusado e quase sempre são vinculadas às teorias abordadas neste capítulo.
No “In dubio pro reo”, tem-se que, quando exisir dúvida, em matéria de interpretação de lei penal, deve a norma ser entendida
em beneício do agente que supostamente praicou a infração penal, contrario sensu, no “In dubio pro societate”, deve-se levar em
consideração que, estando no início da ação penal, a dúvida deve pender em beneício da sociedade, não se pode exirpar-lhe o condão
de se ver processar uma conduta contrária à legalidade.
Os Tribunais estaduais, bem como os superiores, divergem bastante, quando da aplicação de um princípio, ou de outro, quando
deparados com questões relaivas a incidentes de trânsito. Para que se descorinem as ideias apresentadas, é de se trazer à baila alguns
entendimentos jurisprudenciais, como os colacionados a seguir:
Ainda:
Ambos os julgados apresentados acima são do Tribunal de Jusiça do Estado de Pernambuco e, através de sua análise, ica claro
quão complicado é o julgamento de casos dessa espécie: tratam de acidentes de trânsito com víima fatal, ocasionados por condutor que
havia ingerido bebida alcoólica.
No primeiro exemplo, o agente (condutor alcoolizado) fora absolvido em primeira instância, sob o argumento de haverem
dúvidas quanto à sua culpabilidade, sendo então aplicado o in dubio pro reo, no entanto, inconformado com a decisão, o Ministério Público
apelou da sentença, vindo o Tribunal a reformar a decisão.
Denota-se, através dos presentes julgados apresentados, que, na fase inicial do processo, necessário se faz que seja ouvida a
voz da sociedade, defensora da lei e víima secundária em todo e qualquer delito, principalmente, nos crimes que resultam em morte.
Ao ingerir bebida alcoólica, um motorista sabe muito bem o que está fazendo e sabe dos riscos em que está se metendo. Nos úlimos
anos, a mídia tem exausivamente enfaizado a questão da direção sob efeito de álcool e seus riscos tanto para o próprio motorista
quanto para a sociedade, sabendo disso incompreensível se torna a alegação de que não se teria assumido o risco pela conduta praicada
que gerou o sinistro.
Com esses argumentos, qualquer intenção de se airmar que o condutor alcoolizado agiu culposamente é, no mínimo, duvidosa
e, por ser duvidosa, merece ser levada ao crivo da sociedade, vide in dubio pro societate, haja vista o interesse da coleividade se sobrepor
aos interesses individuais bem como ser o bem da sociedade, o im precípuo que busca a Consituição Federal e a legislação em geral.
É fato que a maior parte das jurisprudências e a grande maioria dos Tribunais encaram os acidentes de trânsito ocasionados por
motorista embriagado como sendo culposos, no entanto há de se destacar que vem crescendo a parcela dos que consideram que quem
dirige seu veículo sob o efeito de álcool tem plena consciência que pode vir a dar origem a uma tragédia, não se importando com essa
hipótese.
Este trabalho buscou esmiuçar os caracteres defendidos por cada uma das correntes ainentes à discussão sobre as teorias
empregadas aos casos de acidentes de trânsito, quais sejam: dolo eventual e culpa consciente, explanando o que cada uma dessas
correntes busca se apoiar para defender-se e ser entendida como a mais correta.
Ficou compreendido que uma evolução da legislação de trânsito se faz necessária, haja vista o crescimento veriginoso e
constante dos casos de acidente em todo o país, causados, acima de tudo, pela falta de respeito dos motoristas pelas normas que
preveem penas leves e que não servem para inibir a praica de condutas criminosas.
Essa celeuma se conigura como algo real no ordenamento jurídico pátrio, devendo ser debaida e entendida em todas as suas
nuances, buscando-se, com isso, um entendimento pacíico e evitando-se que casos semelhantes sejam julgados de formas diferentes e,
acima de tudo, procurando meios que façam com que o número assombroso de acidentes com víimas fatais ocasionados por motoristas
alcoolizados seja reduzido através da prevenção gerada por uma legislação mais adequada e eicaz.
No transcorrer da elaboração deste trabalho, pôde ser constatado que a sociedade brasileira urge em favor da criação de normas
que se apliquem mais ielmente à realidade do coidiano do trânsito e, assim, possam ser seriamente levados em consideração, buscando
proteger os direitos da coleividade que se encontram sob constante ameaça devido à violência do trânsito.
Por tudo que foi estudado e apresentado, icou compreendido que o fator “fragilidade da legislação de trânsito” representa
realmente grande parcela de culpa na questão do número alarmante de acidentes envolvendo condutores alcoolizados e com víimas
fatais, pois, conforme citado, o brasileiro não tem o costume de respeitar as normas, acima de tudo, com a frágil iscalização por parte das
autoridades.
A alegação de culpa consciente em casos como os citados aqui, já há muito deveria ter sido abolida, visto que não saisfaz a
inalidade precípua da lei que é manter a coleividade unida e em harmoniosa convivência, devendo, pois, ser adotada a teoria do dolo
eventual no processo e julgamento dos atos envolvendo automotores e agentes alcoolizados.
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ma-lopes-e-condenado-a-12-anos-de-prisao/>. Acesso em: 27 ago. 2013.
RESUMO
O presente arigo discorre acerca da função social da empresa como instrumento de preservação empresarial, com enfoque na
sua recuperação (extra)judicial. Para tanto, é feita uma análise dos princípios consitucionais integrados ao Direito Empresarial, mormente
a função social da propriedade, reconhecida jurisprudencialmente, da qual deriva o princípio da preservação da empresa. É feito um
estudo sobre a evolução histórica do direito falimentar e dos relexos sociais na Lei nº 11.101/2005 – Lei de Falência e Recuperação
de Empresas, bem como sobre a mudança de paradigmas, ao analisar-se a responsabilidade e a função social decorrentes da aividade
empresarial. O objeivo deste estudo é demonstrar a possibilidade de recuperação com base na função social desempenhada pela
empresa, fator que inceniva sua preservação, com o compromeimento de todos que nela se encontram envolvidos.
Palavras-chave: direito falimentar. função social da empresa. preservação da empresa. recuperação empresarial.
ABSTRACT
This aricle is about the role of company’s social funcion as a tool for business preservaion, focusing on corporate (extra)judicial
recovery. To this end, an analysis is performed of the consituional principles integrated into Corporate Law, especially the social funcion
of property, which has jurisprudenial recogniion, from which derives the principle of conservaion of the company. It is made a study on
the historical evoluion of the bankruptcy law and the social relecions on Law 11,101/2005 – Bankruptcy and Recovery of Companies
Law, as well as on the paradigms shit to analyze the social funcion and responsibility arising from business acivity. The aim of this
research is to demonstrate the possibility of recovery based on the social funcion exerted by the company, factor that encourages its
preservaion, with the commitment of all those who are involved in it.
Keywords: bankruptcy law. social funcion of the company. company preservaion. corporate recovery.
1. INTRODUÇÃO
A vigente Lei de Falência e Recuperação de Empresas – Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005 – percorreu uma longa
evolução histórica até consituir-se um eiciente e célere guia para a preservação e liquidação de empresas. Esse instrumento legislaivo
apresenta diversas inovações ao direito empresarial, culminando em uma nova sistemáica de procedimentos desinados a concessão da
recuperação a empresas em estado de crise econômico-inanceira.
O insituto da recuperação judicial é consagrado pelos princípios da função social e da preservação da empresa, que são
considerados os fundamentos principais e basilares da Lei n. 11.101/05. Esta, por sua vez, relete um cunho social antes omisso na
legislação falimentar - Lei de Falência e Concordata, o Decreto-Lei n. 7.661/1945 -, que já não se coadunava com os novos paradigmas
jurídicos e com a realidade social e econômica do país.
O Decreto-Lei n. 7.661/45 compreendia os insitutos da falência e da concordata, que era o conhecido favor judicial concedido
pelo juiz, sem a necessidade de aprovação prévia dos credores, ao devedor de boa-fé que se encontrava em estado de insolvência e
preenchia os requisitos previstos legalmente. Não obstante representasse um avanço no direito de empresa, o referido Decreto reconhecia
imediatamente a falência diante de qualquer tentaiva de negociação de dívidas do empresário ou da sociedade empresária, com os
seus credores, em meio a uma situação de crise econômica, de modo que vedava o processo conhecido atualmente como recuperação
extrajudicial, entretanto é válido destacar que os insitutos, tanto da falência quanto da concordata, não correspondiam aos interesses
das partes envolvidas, tendo como consequência a possibilidade de fraudes, além de não contribuir efeivamente para a recuperação da
empresa em crise e de ocasionar a convolação da recuperação em falência.
Em meio às inúmeras problemáicas ocorridas durante vigência do Decreto-Lei n. 7.661/45, foram revogados os insitutos da
concordata preveniva, a qual era requerida prevenivamente, como forma de evitar a declaração de falência, e da suspensiva, que, por
sua vez, era concedida no decorrer do processo falimentar, por não ser possível a coninuação da concessão da recuperação conforme
estava prevista na legislação. Além disso, não correspondia às necessidades econômicas e sociais e não viabilizava as condições para
que a empresa coninuasse a exercer sua aividade e, consequentemente, pudesse se recuperar. Com essas considerações, o legislador
pautou como núcleo do direito falimentar a manutenção da empresa, surgindo assim, com a Lei n. 11.101/05, o insituto da recuperação
de empresas, que exinguiu a igura da concordata e subdividiu-se em duas novas possibilidades de recuperação: a judicial, que,
essencialmente, assemelha-se à concordata preveniva, e a extrajudicial.
A consitucionalização do direito privado iniciou-se no direito romano-germânico, ocupando o locus normaivo direcionado a
concepção de indivíduo como singularidade. Nesse contexto, Lôbo (1999) esclarece que:
O direito civil, ao longo de sua história no mundo romano-germânico, sempre foi ideniicado como o
locus normaivo privilegiado do indivíduo, enquanto tal. Em contraposição à consituição políica, era
cogitado como consituição do homem comum, máxime após o processo de codiicação liberal.
Esse fenômeno surge pela inserção consitucional dos fundamentos de validade jurídica das relações civis, ocasionando mu-
danças de paradigmas no processo de transformação do Estado liberal para o Estado social. A transmutação de padrão no conteúdo,
natureza e inalidades dos insitutos básicos do Direito civil desconsiderou as regras ípicas do individualismo jurídico e da ideologia lib-
eral. A função do código no cenário do Direito civil atual e de seu real desinatário omite a atuação do indivíduo proprietário para revelar
a pessoa humana.
Diante desse contexto, surge o reconhecimento da eicácia horizontal dos direitos fundamentais, com a acepção na ressiste-
maização do Direito, isto é, uma nova perspeciva na interpretação dos códigos à luz da axiologia da consituição, de modo a restaurar a
unidade do sistema jurídico. A eicácia horizontal dos direitos fundamentais é o signo dessa mudança, ao apontar pelo “reconhecimento
da existência e aplicação dos direitos que protegem a pessoa nas relações entre pariculares”, de forma que “as normas consitucionais
que protegem tais direitos têm aplicação imediata” (TARTUCE, 2012, p. 57), a parir da aplicação do art. 5º, § 1º da Consituição Federal.
Destarte, o Direito passa a ser reinterpretado à luz dos princípios da Consituição, conjugado pela força normaiva, a parir de
uma nova ordem consitucional. Assim, os valores procedentes da mudança da realidade social, transformados em princípios e regras con-
situcionais, devem orientar a atuação e interpretação do direito privado em seus diferentes planos. A legislação contrária aos princípios
e regras consitucionais deve ser revogada, se anterior à consituição, ou considerada inconsitucional, se posterior a ela.
A imposição de cumprimento da função social em face ao Direito privado passa a ser relaivizado pelos insitutos vigentes, com
enfoque na proteção das múliplas relações jurídicas. Bonavides (2011, p. 65-66) aponta que:
[...] o senido peculiar em que envolveu o consitucionalismo moderno, que não segue a rota do
individualismo tradicional, favorecido e amparado pela separação clássica, mas envereda pelos caminhos
do social, visando não apenas a aiançar ao Homem os seus direitos fundamentais perante o Estado
(princípio liberal), mas, sobretudo, a resguardar a paricipação daquele na formação da vontade deste
(princípio democráico), de modo a conduzir o aparelho estatal para uma democracia efeiva, onde os
poderes públicos estejam capacitados a proporcionar ao indivíduo soma cada vez mais ampla de favores
concretos.cogitado como consituição do homem comum, máxime após o processo de codiicação
liberal.
A análise de posicionamentos de Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) possibilita a ideniicação de uma moderna
tendência jurisprudencial favorável a um entendimento amplo da função social da empresa. Nas palavras de Tavares (2013, p. 94):
Nota-se, com efeito, que o STF caminha para um entendimento de reconhecer a ‘função social’ –
posiiva, reitera-se – que a empresa desempenha para o bom funcionamento da economia e do pleno
emprego. Diversos fundamentos consitucionais, como a livre-iniciaiva, princípios da ordem econômica,
a busca do pleno emprego, além de princípios ‘implícitos’ de efeividade da ordem econômica, são a ela
atrelados.
O STF julgou improcedente a Ação Direta de Inconsitucionalidade (ADI) nº 3.934-2-DF, proposta pelo Parido Democráico
dos Trabalhadores (PDT), na qual impugna os arts. 60, parágrafo único, 83, I e IV, c, e 141, II da Lei 11.101 de 9 de fevereiro de 2005,
que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, por entender incompaíveis
com o disposto nos arts. 1.o, III e IV, 6.o, 7.o, I e 170, VIII, da CF/88. O requerente alegava inconsitucionalidade formal, à medida
que a disciplina de matéria relaiva à “despedida arbitrária e sem justa causa” deveria ser regulada por lei complementar e não por lei
ordinária. Além disso, alegava também inconsitucionalidade material, (i) ao liberar os arrematadores da empresa alienada judicialmente
das obrigações trabalhistas; (ii) da disposição que prevê a transformação de créditos trabalhistas superiores a 150 salários mínimos em
quirografários. Analisaremos a alegação de inconsitucionalidade material e os argumentos que a consideraram improcedente.
Em seu voto, o Min. Ricardo Lewandowski não detecta inconsitucionalidade formal nem material, mas relata que as mudanças
ocorridas na sociedade demandam maior dinamismo das empresas e, como consequência disso, a lei falimentar teria sido prevista para
dar sobrevida às empresas:
Assim, é possível constatar que a Lei 11.101/2005 não apenas resultou de amplo debate com os
setores sociais direta mente afetados por ela, como também surgiu da necessidade de preservar-se o
sistema produivo nacional inserido em uma ordem econômica mundial caracterizada, de um lado, pela
concorrência predatória entre seus principais agentes e, de outro, pela eclosão de crises globais cíclicas
altamente desagregadoras (LEWANDOWSKI, 2009).
[s]e eu trabalhar com a totalidade que a Consituição é, considerar o princípio da função social da
propriedade, considerar que, no combate entre as classes sociais, efeivamente não haverá trabalho se
não houver capital. No modo de produção social dominante entre nós tenho de admiir que o texto é
plenamente adequado à Consituição. (GRAU, 2009)
Ao contrapor as duas perspecivas sob as quais a situação pode ser analisada e ao considerar o que traria mais beneícios para
a coleividade – diretamente – e para o trabalhador – a maior prazo –, o Ministro Cezar Peluso postula, acertadamente:
gostaria de acentuar – isto me parece também importaníssimo – que o que está por trás da interpretação
dessa norma é, na verdade, um conlito entre duas visões. De um lado, uma visão macroeconômica, que
tem o foco no dinamismo da economia e que, por isso mesmo, visa ao beneício de toda a coleividade,
e, de outro, uma visão que eu diria um pouco mais microscópica e um pouco mais rente a aparentes
interesses subjeivos individualizados, mas que, no fundo, reverte em dano geral, porque não permite a
recuperação das empresas, nem que a lei ainja os seus objeivos. Isso tudo, com base na experiência,
que nos mostrou que, durante a vigência da lei velha, ninguém costumava adquirir bens, muito menos
toda a massa. Em muitos e muitos casos, a demora nos processo de falência levava à deterioração
desses bens e, portanto, à perda de seu valor econômico. Os créditos não eram saisfeitos – e a minha
memória não é tão boa quanto o era, mas não me recordo de ter pago crédito trabalhista em falências
há muitos anos, não me lembro de ter feito isso. E as empresas eram exintas, e o desemprego era
acelerado (PELUSO, 2009).
Os argumentos supracitados revelam uma nova perspeciva, disinta da aniga visão civilista da falência de empresas, a respeito
do funcionamento destas e da função social por elas desempenhada. Os Ministros do STF invocaram diversos princípios consitucionais, a
im de jusiicar a importância socioeconômica do funcionamento das empresas, que, portanto, está além de prover lucro e corresponder
exclusivamente a interesses individuais do empresário. Ainda, como pontua Tavares (2013, p.105), os beneícios decorrentes da aividade
empresarial não se resumem a oferta de empregos, mas devem ser consideradas também: a arrecadação de tributos para o Estado, a
prestação de serviços para a comunidade, a mobilização da economia de mercado e a contribuição, ampla ou suil, para o desenvolvimen-
to nacional.
A decisão, por maioria, pela improcedência do pedido de impugnação de partes da Lei nº 11.101/05 reletem a valorização da
preservação empresarial, em decorrência da imprescindibilidade das contribuições posiivas dessa aividade para a coleividade.
A essa maior integração das questões sociais ao direito empresarial, estão atrelados o desenvolvimento da sociedade e as
modernas correntes que impulsionam a progressiva humanização do direito. A ideia de responsabilidade social da empresa está vinculada
ao bem-estar do individuo, que passa a tomar a centralidade da esfera empresarial, dividindo a responsabilidade social em duas espécies:
interna e externa. Nas palavras do professor Tomasevicius Filho (2003, p.47),
[a] responsabilidade social das empresas costuma ser dividida em dois ipos: responsabilidade
social interna, que consiste na preocupação com as condições de trabalho, qualidade de emprego,
remunerações, higiene e saúde de seus funcionários; e responsabilidade social externa, que consiste na
preocupação da empresa com a comunidade em que está inserida bem como seus clientes fornecedores
e enidades públicas.
A fundamentação da responsabilidade da empresa está atrelada ao poder que esta exerce sobre a sociedade, seja ele econômico,
políico ou social, devendo, assim, ponderar os seus objeivos com os reais interesses da comunidade. Assim,
[d]iante principalmente de sua importância econômica, as empresas não podem uilizar seu poder de
maneira a atender unicamente os interesses de seus itulares. Ao exercer suas aividades, a empresa
deve conjugar seus objeivos – especialmente a busca do lucro – com os interesses e as necessidades
da comunidade onde atua, pois muitas de suas decisões têm consequências que inluenciam a vida da
sociedade em geral (TOMASEVICIUS FILHO, 2003, p. 47).
3. A TEORIA DA EMPRESA CONSAGRADA PELO CÓDIGO CIVIL DE 2002 E A LEI DE FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS
A consagração da teoria da empresa no novo Código Civil Brasileiro uniicou os temas concernentes ao Direito civil e comercial,
além de tornar a empresa o alicerce fundamental do Direito empresarial. O Direito de empresa é tutelado pelos arigos 966 até 1.195 do
referido Código, em que estão dispostas as matérias relaivas aos empresários, às sociedades simples e empresárias, ao estabelecimento
empresarial e insitutos complementares.
A teoria da empresa inova, ao adotar como critério para a aferição do empresário o exercício da aividade econômica organizada,
que tem por inalidade a produção ou circulação de bens ou serviços. Atualmente, além de atender aos aspectos somente jurídicos,
o Direito empresarial também norteia as empresas para que haja preocupação com o âmbito social e a coleividade, de forma que se
conigure e exerça efeivamente a função social.
O Código Civil vigente não estabelece explicitamente a deinição de empresa, a qual pode, no entanto, ser extraída do conceito
atribuído a empresário. De acordo com o art. 966, caput, do CC/2002, é considerado empresário aquele que exerce proissionalmente
aividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Dessa forma, de acordo com entendimento
de Campinho (2011, p. 11), a empresa “manifesta-se como uma organização técnico-econômica, ordenando o emprego de capital e
trabalho para a exploração, com ins lucraivos, de uma aividade produiva”. Da mesma forma, Coelho (2011, p. 33) também conceitua
empresa como aividade econômica organizada de produção ou circulação de bens ou serviços e, sendo uma aividade, a empresa não
tem natureza jurídica de sujeito de direito nem de coisa.
Portanto, a moderna concepção de empresa pode ser sinteizada como aividade exercida por um sujeito de direitos e obrigações
(o empresário) que organiza, proissionalmente, os fatores de produção com a inalidade de produzir ou circular bens ou serviços, sendo
esta aividade de caráter econômico junto ao mercado consumidor, com o intuito de obter lucros.
O direito falimentar passou por diversas transformações, traçando uma linha evoluiva ao longo do tempo. Na Aniguidade, em
caso de insolvência, a dívida contraída pelo devedor inha, como pagamento, seu corpo ou até mesmo sua vida, que poderia ser executada
pelo credor.
O direito romano, inicialmente, baseava-se na ideia de que a insolvência deveria ser saisfeita através dos mesmos métodos
executórios operados na Aniguidade, considerando o princípio de que o corpo do devedor respondia pela dividas contraídas (REQUIÃO,
1998, p. 8). Posteriormente, aboliu-se a ideia da responsabilização pessoal em caso de insolvência e passou a adotar-se, como método
liquidante, a responsabilização patrimonial do devedor, através dos insitutos das chamadas bonorum vendiio, missio in bona e bonorum
cessio.
A bonorum vendiio é ida como a primeira forma de expressão da execução patrimonial. Através desse insituto, o pretor –
funcionário da Jusiça na Roma Aniga - inha autonomia para coniscar os bens do devedor, com o intuito de pressionar o pagamento
da dívida. Caso o estado de insolvência prevalecesse, um curador era determinado para o desapossamento e administração dos bens
(ALMEIDA, 2007, p. 5). Devido às inúmeras fraudes ocorridas na vigência da bonorum vendiio, foi instaurado a cessio bonurum. Nas
palavras de Requião (1998, p. 8-9):
A missio in bona e a bonorum cessio contribuíram para o surgimento do concursum creditorum, baseado na iniciaiva dos
credores. O concurso creditório, assim conhecido no Direito brasileiro, foi instaurado na Idade Média e era disciplinado pelo Estado.
Os credores eram obrigados a habilitarem-se, com a inalidade de obter os bens do devedor através da atuação do juiz incumbido de
reparir, entre eles, os créditos reunidos. Nesse contexto histórico, subsitui-se a práica do concurso de credores pela falência, que era
considerada delituosa, e, consequentemente, a ela estavam associadas penalidades, que variavam da prisão à muilação, sendo o falido
considerado fraudador.
O Direito falimentar, após a Idade Média, começa a ganhar maior expressividade e a se difundir para outros países, como
consequência da crescente atuação da aividade comercial na Itália. As Ordenações Afonsinas - uma coleção de leis desinadas a regular a
vida domésica dos súditos do Reino de Portugal, durante o reinado de D. Afonso V, e que foram posteriormente revistas por D. Manuel
e publicadas com a denominação de Ordenações Manuelinas -, foram uma inspiração para a elaboração do Código Comercial Francês de
1807, que insituiu maiores exigências e imposições ao falido. Como consequência das transformações do Código Comercial, a falência
revelou-se de caráter econômico e social, modiicando o conceito de empresa, que passou a ser considerada uma insituição social
(ALMEIDA, 2007, p. 6-7).
O direito falimentar brasileiro, durante o período colonial, encontrou sua fundamentação jurídica nas Ordenações Afonsinas
e Filipinas. A disciplina de tais insitutos era fundamentada no concurso de credores, que priorizava aquele que inha a iniciaiva da
execução. Em seguida, o Código Comercial de 1850 inovou ao inserir, no direito pátrio, os insitutos da falência, da concordata suspensiva
e da moratória. A falência estava associada à ideia de criminalidade, ao passo que a concordata suspensiva inha a sua aplicação limitada
à concordância dos credores, e, por im, a moratória, que foi insituída com a inalidade de que fosse evitada a concessão da falência,
prorrogando o prazo para o pagamento da dívida.
Dessa forma, após analisadas as transformações sofridas pelo Direito falimentar desde a aniguidade até a vigência do Código
Comercial de 1850, delimitaremos a nossa abordagem às transformações trazidas pelo Decreto-Lei nº 7.661/45 e às inovação da vigente
Lei de Falência e Recuperação de Empresas, que serão abordados nos tópicos seguintes.
A concessão de falência, após a vigência do Decreto-lei nº 7.661/45, baseava-se em três elementos principais: o devedor
comerciante, a insolvência e a sentença declaratória de falência. A Lei de Falências, como também é chamada a Lei de Falência e
Recuperação de Empresas, tem por inalidade a proposição da falência, culminando na liquidação do patrimônio do devedor. A declaração
da falência tem o intuito de atender aos interesses dos credores, deixando a possibilidade de uma recuperação empresarial em segundo
plano.
A lei falimentar era composta pelo insituto da concordata, que se subdividia em duas espécies: a concordata preveniva e a
concordata suspensiva. A preveniva pode ser deinida como aquela postulada para se prevenir a declaração de falência, ao passo que
a suspensiva resitui ao falido a livre administração de seus bens. No anigo Código Comercial, atualmente revogado, a legiimação para
a concordata suspensiva era determinada pela maioria dos credores com dois terços no valor de todos os créditos (ALMEIDA, 2007, p.
301).
Dessa forma, durante a vigência do anigo Código Comercial, percebia-se uma insuiciência dos insitutos da falência e da
concordata para a preservação ou recuperação da empresa. O Decreto-lei nº 7.661/45 modiicou a legislação falimentar, resultando na
exinção da concordata suspensiva e alterando a preveniva para a chamada recuperação judicial. De acordo com Requião (1998, p.12):
Na verdade, os insitutos da falência e da concordata se revelaram estreitos para atender aos vultosos
interesses, privados e públicos, envolvidos nas grandes empresas, que manipulam valores econômicos
e sociais. O conceito moderno de empresa, como aividade do empresário desinada à produção ou
circulação de bens ou serviços, fatalmente acarretaria a tomada de outras posições do direito falimentar.
Vivemos, assim, em pleno terceiro estagio, no qual a falência passa a se preocupar com a permanência
da empresa e não apenas com sua liquidação judicial.
A recuperação judicial tem por objeivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-inanceira
do devedor, a im de permiir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos
interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o esímulo
à aividade econômica.
A recuperação judicial traz, em seu contexto, a ideia de preservação da aividade empresarial, tendo como inalidade proporcionar
a possibilidade de superação da situação de crise do devedor, salvaguardar e garanir a manutenção da empresa e atender aos interesses
de todos os que a compõe: aos trabalhadores, interessam o emprego e o salário, ao passo que os credores visam à execução de seus
créditos. Esse insituto é voltado à coninuidade da empresa, a sua função social e ao esímulo à aividade econômica (PACHECO, 2007,
p. 06).
O legislador atentou para listar possíveis alternaivas para a recuperação da empresa, propondo medidas que estão elencadas
no art. 50 da supradita lei. Sobre as alternaivas listadas, Coelho (2011, p. 385) faz as seguintes considerações:
A lei contempla lista exempliicaiva dos meios de recuperação da aividade econômica. Nela, encontram-se
instrumentos inanceiros, administraivos e jurídicos que normalmente são empregados na superação
de crises em empresas. Os administradores da sociedade empresária interessada em pleitear o beneício
em juízo devem analisar, junto com o advogado e demais proissionais que os assessoram no caso, se
entre os meios indicados há um ou mais que possam mostrar-se eicazes no reerguimento da aividade
econômica. Como se trata de lista exempliicaiva, outros meios de recuperação da empresa em crise
podem ser examinados e considerados no plano de recuperação. Normalmente, aliás, os planos deverão
combinar dois ou mais meios, tendo em vista a complexidade que cerca as recuperações empresariais.
Entre as inovações trazidas pela Lei n. 11.101/2005, está a recuperação extrajudicial, que era considerada um ato de falência,
na vigência do Decreto-lei 7.661/1945. Atualmente, ao revés, inceniva-se a negociação entre devedor-credor, como expresso no arigo
161, segundo o qual “o devedor que preencher os requisitos do art. 48 desta Lei poderá propor e negociar com credores o plano de
recuperação extrajudicial”. Outra novidade é a possibilidade de concessão da recuperação da empresa, pelo juiz, mesmo que haja rejeição
do plano de recuperação pela assembleia geral de credores. Para tanto, contudo, são necessários, de acordo com os incisos I ao III,
expressos no § 1º do arigo 58:
I – o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes
à assembleia, independentemente de classes;
II – a aprovação de 2 (duas) das classes de credores nos termos do art. 45 desta Lei ou, caso haja
somente 2 (duas) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 1 (uma) delas;
III – na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores,
computados na forma dos §§ 1o e 2o do art. 45 desta Lei.
Para que se usufrua da concessão da recuperação judicial sem o pleno consenimento dos credores, os requisitos acima
elencados devem ser obedecidos de forma cumulaiva.
Finalmente, veriica-se que as inovações criadas pela Lei de Falência e Recuperação de Empresas revelaram caracterísicas
econômicas e culturais que convergem para um mesmo caminho: a preservação da empresa. Da viabilização, por parte do Estado, de
condições que assegurem a possibilidade de recuperação, bem como a valorização da permanência da aividade empresarial, depreende-se
que o ordenamento brasileiro aprecia o direito da empresa em crise ao consagrar a preservação desta em consonância com os princípios
consitucionais.
A existência de empresas é um fator imprescindível para que haja desenvolvimento socioeconômico da comunidade e, portanto,
é necessário que exista uma dinâmica favorável entre todos os subsistemas que, combinados, compõem a aividade empresarial. Apesar
de possuir viés essencialmente capitalista e de basear-se na busca pelo próprio lucro e crescimento, a empresa transcende esses valores
e, guardadas as devidas proporções, gera inúmeros beneícios aos cidadãos. Como consequências posiivas da aividade empresarial,
é importante destacar a produção de serviços, a geração de empregos, a contribuição tributária e a fomentação da economia local
e nacional, em menor e maior escala. É destacável, no entanto, que algumas empresas baseiam-se em possíveis benesses que sua
existência proporcionaria à sociedade e que, como será exposto mais adiante, contribuem para sua preservação, para coninuarem
a exercer aividades predatórias. Ressalvados esses casos, é interessante pontuar que, para as empresas que realmente contribuem
posiivamente para o desenvolvimento social através de suas aividades, é necessário que haja aparato legal e políicas públicas, nos quais
estas possam encontrar refúgio, para que coninuem desenvolvendo-se e contribuindo para o bem da coleividade.
Conforme exposto previamente, a Lei de Falência e Recuperação de Empresas de 2005 inovou ao incorporar determinados
princípios ao Direito de empresa. O princípio da preservação da empresa tem sua origem nos princípios da busca pelo pleno emprego e
da função social da propriedade e, apesar de não estar expresso no texto da Consituição, nota-se o seu reconhecimento material. Essa
“metanorma que orienta o Direito empresarial”, nas palavras de Mamede (2010, p. 118), tem seus alicerces incados no reconhecimento
das contribuições posiivas prestadas, pela empresa, para a sociedade. De acordo com o mesmo autor:
Por isso, a crise econômico-inanceira da empresa é tratada juridicamente como um desaio passível
de recuperação, ainda que cuide de aividade privada, regida por regime jurídico privado. Como se
não bastasse, a previsão de um regime jurídico para a preservação da empresa decorre, igualmente, da
percepção dos amplos riscos a que estão submeidas as aividades econômicas e seu amplo número de
relações negociais para além de sua exposição ao mercado e seus revezes constantes.
A adoção deste princípio é mais um incenivo à busca pelo processo de recuperação em detrimento do encerramento das
aividades por meio da abertura do processo falimentar. Este úlimo pode ser prejudicial e, em alguns casos, representa maior desvantagem
até para os credores, cujos créditos podem nem ser liquidados, em virtude do esgotamento de recursos da empresa falida. A recuperação
de empresas, por sua vez, possibilita que se mantenham a estrutura organizacional e societária, além dos serviços realizados, ainda que
com modiicações do Estado, e que, apesar de ter sofrido devido a uma crise ou má gestão, a empresa não seja compromeida em sua
totalidade. O esímulo à aividade empresarial é inclusive uma das funções do Estado, que deve dar instrumentos e condições para que
a empresa se recupere.
Mormente em casos nos quais a dívida possui valor ínimo, é preferível que se inicie o processo de recuperação, em vez
de decretar-se a falência da empresa, uma vez que as causas moivadoras da permanência empresarial são mais signiicaivas, para a
sociedade, do que a falência em decorrência do débito existente. Ademais, no Direito brasileiro, o insituto da falência não pode ser
uilizado como um instrumento de coação para pagamento de dívidas. Corroborando para essa preposição, decidiu a 4ª Turma do STJ:
Caso o decreto falimentar seja imediatamente proferido, sem a possibilidade de recuperação, todos os beneícios proporcionados
pela empresa cessarão. Ao revés, é mais indicado que seja dada, ao empresário, a chance de manter sua aividade econômica através de
um plano de recuperação judicial eicaz. É importante destacar que solicitar a recuperação é um direito do empresário, mas esta não pode
ser confundida com um favor judicial, ao passo que sua concessão depende da aceitação do plano de recuperação pela assembleia geral
de credores, conforme art. 56, § 4º, da Lei n. 11.101/2005. Caso o plano seja rejeitado, o juiz decretará falência.
A consideração de que as benesses promovidas à coleividade devem ser consideradas em detrimento da quitação da dívida
individual dá margem a diversas polêmicas. Entre elas, destaca-se – e não entraremos no mérito de discorrer profundamente sobre
ela, mas somente de pontuá-la – a decretação de falência para quitação de créditos trabalhistas, julgados em foro especializado. Nesse
contexto, é razoável que se considere, além dos princípios do direito, as consequências práicas do encerramento da aividade econômica
em números, isto é, o coningente de indivíduos que serão prejudicados pelo im de seus empregos, de onde iram o sustento familiar,
em decorrência do pagamento de créditos trabalhistas reconhecidos perante a Jusiça laboral.
o valor que prepondera é o da preservação da empresa, até mesmo para, depois, se levantar recursos
para o pagamento dos empregados. Permiir que “cada um defenda o seu crédito” implica em [sic] colocar
abaixo o princípio nuclear da recuperação, que é o do soerguimento da empresa, a par de colocar em
risco o princípio da “par condiio creditorum”. (BRASIL, 2008b, p. 9)7.6619411.1013. Recurso especial
não provido (BRASIL, 2012a).
Diante disso, observa-se que a função social da empresa, bem como os demais princípios dela derivados, tange diversas áreas
do Direito e gera uma série de polêmicas quando casos práicos são analisados com mais precisão.
A jurisprudência dominante tem rejeitado pedidos de busca e apreensão de instrumentos que sejam imprescindíveis para
a aividade empresarial, como veículos ou maquinários, porque se reconhece que o processo falimentar só poderá ser evitado se o
empresário iver, de fato, uma chance para recuperar-se. Para tanto, a empresa deve coninuar funcionando e operando duas aividades.
Nesse senindo, observa-se a decisão do Tribunal de Jusiça do Estado de São Paulo (TJSP):
Além do reconhecimento da necessidade de preservação da aividade empresarial em decorrência da função social exercida
pela empresa, reconhece-se também que são plurais os moivos que podem levar ao mau funcionamento desta e que, muitas vezes, essas
causas estão além da corrupção ou da falta de sorte no mercado. Em algumas ocasiões, a empresa adquire dívidas por causa da má gestão
de um sócio, o qual poderá ser afastado e, consequentemente, a gestão empresarial passará a funcionar corretamente, ou por causa do
mau funcionamento de um dos setores de produção, o que também pode ser reparado com a execução de um plano de recuperação,
dentro de um prazo. Dessa forma, seria precipitado decidir pelo im da empresa antes de prover condições para que se recupere e não
sucumba a um problema inicialmente superável. Destaca-se, contudo, que relação obrigacional que, na ocasião, é posiiva de dar (uma
vez que acarreta na necessidade de pagamento de créditos, quando houver a liquidação da empresa), existente entre o empresário e o
credor, é manida em todos os casos.
A consideração dos princípios da função social e da preservação da empresa são consequências de uma perspeciva vanguardista
sob a qual o Direito passa a ser analisado atualmente. Essa nova abordagem tem como objeivo reduzir as aividades socialmente
predatórias – como a exploração da classe trabalhadora pela classe detentora dos meios de produção, objeivando somente o lucro e o
presígio individual – e valorizar os beneícios sociais proporcionados pela aividade empresarial. Além de representar mero incenivo à
preservação da empresa e à produção de bens ou serviços e lucros, a recuperação, seja judicial ou extrajudicial, possibilita maiores chances
de coninuidade dessa aividade com base nas benesses, para a coleividade, consequentes dela, quais sejam: a manutenção de empregos,
o pagamento de tributos ao Estado, a movimentação da economia local e o desenvolvimento da região em que se instala a empresa,
conforme exposto anteriormente. A incorporação desses fundamentos pelo Direito é releida por leis como a Lei de Recuperação e
Falência, a qual, quando contrastada com insitutos mais anigos, como a concordata, revela que o direito empresarial evolui juntamente
com a sociedade.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A evolução do Direito falimentar brasileiro é releida pela atual Lei de Falência e Recuperação de Empresas – Lei n. 11.101/2005.
Uma das grandes diferenças entre essa Lei e a legislação anterior é que os insitutos da recuperação judicial e extrajudicial assumiram
o centro do direito empresarial, outrora ocupado pela falência. Os objeivos dos dois insitutos diferem entre sim, pois, à medida que a
falência visa à liquidação da empresa para execução dos créditos, a recuperação, tanto judicial quando extrajudicial, tem como objeivos a
reorganização da empresa em crise econômico-inanceira, com a inalidade de retomar a aividade empresarial e preservar a função social
da empresa, que é fonte geradora de renda, tributos e empregos.
A função social da propriedade é um princípio consitucional do qual deriva a função social da empresa - um meio de produção.
Consiste no papel que o empresário deve desempenhar perante a coleividade, pois as consequências da aividade empresarial estão
muito além da geração de lucros e do enriquecimento individual. Podemos apontar, como beneícios sociais proporcionados por essa
aividade, a geração de empregos e, consequentemente, a melhora das condições de vida da região, a produção de bens e serviços, a
movimentação da econômica local e a geração de tributos para o Estado, que devem ser invesidos na sociedade. Infelizmente, a aividade
desempenhada pelas empresas também pode ser predatória e exploratória, o que só proporciona maleícios à sociedade, no entanto,
quando a função social e a responsabilidade social são devidamente desempenhadas, a comunidade é ricamente beneiciada.
Dessa forma, é imprescindível que se reconheça a importância que a empresa desempenha para o desenvolvimento social e que,
em vez de decretar a falência, o que exinguiria essa aividade, o Estado proporcione meios que viabilizem a recuperação e permanência
de uma empresa que se encontra em estado de crise.
Diante do exposto supra, conclui-se, portanto, que a função social da empresa deve ser considerada e valorizada e que a
recuperação judicial, em grande parte dos casos, é o insituto adequado, em detrimento da falência, pois garante a coninuidade do
exercício da empresa. Naturalmente, não é possível que se generalize, porque cada caso apresenta suas peculiaridades e, em certas
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RESUMO
A presente pesquisa, elaborada pelo método categórico-deduivo e abordagem hermenêuica, versa sobre a inconsituciona-
lidade da imposição do regime da separação obrigatória de bens em razão da idade avançada dos nubentes. O Direito Civil passou por
profundas modiicações no úlimo século, com a consitucionalização do Direito Civil, que impõe a compaibilidade entre os insitutos
civis e os valores consagrados na Consituição; e a personalização do Direito Civil, que, inspirada na dignidade da pessoa humana, toma
o indivíduo como centro da disciplina, em detrimento do patrimônio, no entanto o legislador pátrio não acompanhou essa evolução,
ao estabelecer a separação obrigatória de bens ao maior de setenta anos, no inciso II do art. 1.641 do Código Civil. O disposiivo
insitui uma indevida intromissão do Estado na família, que contraria os princípios consitucionais e infraconsitucionais. A relevância da
pesquisa repousa na incongruência entre a legislação e a realidade social marcada pelo aumento na expectaiva de vida da população
e no crescente convívio social e nível de orientação do idoso. O objeivo do presente trabalho consiste na demonstração de que a
norma não visa à proteção do idoso, pois tem caráter preconceituoso e patrimonialista, sendo, por isso, contrária à ordem consitucional
vigente. Desse modo, conclui-se pela necessidade de reforma legislaiva, para o im de revogar o art. 1.641, inciso II do Código Civil, com
fundamento na sua inconsitucionalidade.
Palavras-chave: regime de bens. separação obrigatória de bens. setenta anos. inconsitucionalidade. dignidade da pessoa humana.
ABSTRACT
This study, sponsored by the categorical-deducive method and hermeneuic approach, concerns about the unconsituionality of the
imposiion of the mandatory regime of separaion of property due to the advanced age of the intending spouses. The civil law has
undergone profound changes over the last century, with the consituional civil law, which imposes compaibility between civil insituions
and the values enshrined in the Consituion, and customizaion of civil law, which, inspired by the dignity of the human person, takes
individual as the center of the discipline at the expense of shareholders. However, the naional legislature has not followed this trend by
establishing the mandatory segregaion of assets to the greater of seventy, in item II of art. 1641 of the Civil Code. The device establishes
an unwarranted state intrusion in the family, which contradicts the consituional and infra-consituional principles. The relevance of
the research lies in the discrepancy between the legislaion and social reality, marked by the increase in life expectancy of the populaion
and the increasing level of social interacion and orientaion of the elderly. The aim of this work is to demonstrate that the standard is
not intended to protect the elderly, it has prejudiced and patrimonial character, and therefore it is contrary to the current consituional
order. Thus, it is concluded by the need for legislaive reform to revoke the art. 1641, secion II of the Civil Code, on the grounds of
unconsituionality.
Keywords: marital agreement. mandatory separate property. seventy years. unconsituional. human dignity.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objeivo a análise da inconsitucionalidade da imposição do regime da separação obrigatória de
bens ao maior de setenta anos, prevista no art. 1.641, inciso II do Código Civil.
O fenômeno da consitucionalização do Direito Civil, ocorrido na segunda metade do século XX e, no Brasil, com a promulgação da
Consituição Federal de 1988, determinou uma mudança no modo de pensar o Direito Civil, com a sujeição de suas normas e insitutos
clássicos aos valores traçados na Consituição, como a dignidade da pessoa humana, a solidariedade social e a isonomia.
A dignidade da pessoa humana, consagrada pela Consituição Federal como um dos fundamentos da República Federaiva do Brasil (art.
1º, III), deve orientar e, se necessário, redeinir os conceitos e insitutos do Direito Civil. Nesse senido, também a família e o casamento
devem ser compreendidos à luz dos valores adotados pela Consituição Federal.
A Carta Políica preocupou-se em tratar da família em capítulo próprio (Capítulo VII – Da família, do adolescente, do jovem e
do idoso), delimitando seus princípios fundamentais: proteção à dignidade da pessoa humana, solidariedade familiar, igualdade entre os
ilhos, não intervenção estatal, afeividade, função social da família, entre outros.
A tutela jurídica do casamento deve estar alinhada aos valores adotados pela Consituição Federal, entretanto o art. 1.641,
inciso II do Código Civil, contraria os ditames consitucionais ao consignar uma indevida e preconceituosa intervenção estatal na família,
por meio da restrição à liberdade de escolha quanto ao regime de bens do casamento aos maiores de setenta anos.
Essa intervenção representa um retrocesso: não busca a tutela do idoso, de modo inverso, trata-o com desrespeito, ao
O regime de bens do casamento pode ser conceituado como o “conjunto de regras de ordem privada relacionadas com
interesses patrimoniais ou econômicos resultantes da enidade familiar” (TARTUCE, 2011, p. 1032). O Código Civil prevê quatro espécies
de regimes de bens: comunhão parcial de bens, comunhão universal de bens, paricipação inal nos aquestos e separação de bens, que
pode ser convencional ou obrigatório.
Segundo leciona Rodrigues (1999, p. 190 e 191), o regime da separação de bens é “aquele em que os cônjuges conservam
não apenas o domínio e a administração de seus bens presentes e futuros, como também a responsabilidade pelas dívidas anteriores
e posteriores ao casamento”. Na separação de bens, não há comunicação entre os patrimônios dos cônjuges, podendo cada um deles
administrar livremente seus bens, também sendo possível a sua livre alienação e oneração, sem o consenimento do outro.
O regime da separação de bens será convencional, quando os cônjuges assim dispuserem no pacto antenupcial; será obrigatório
quando imposto pela lei. O regime da separação obrigatória de bens ocorre em três hipóteses, previstas nos incisos do art. 1.641 do
Código Civil.
O inciso I impõe o regime da separação obrigatória de bens às pessoas que contraírem casamento com inobservância das suas
causas suspensivas, previstas no art. 1.523. São certas situações em que o Código Civil desaconselha o casamento entre determinadas
pessoas, por questões privadas, de caráter patrimonial. Caso a recomendação legal seja ignorada, determina-se a separação de bens,
como uma espécie de sanção.
O inciso III, por seu turno, impõe a separação de bens aos que dependem de suprimento judicial para o casamento, que ocorre
em duas situações: 1) discordância dos pais em relação ao casamento do ilho relaivamente incapaz (art. 1.519, CC); e 2) casamento do
menor que ainda não aingiu a idade núbil – alcançada aos dezesseis anos (art. 1.517, CC) –, para evitar a imposição de pena criminal
ou em caso de gravidez (art. 1.520, CC). Neste caso, a obrigatoriedade da separação de bens tem a inalidade de proteger os nubentes,
considerados relaivamente incapazes pela lei civil, em razão da sua tenra idade.
A doutrina entende que, nesses casos, é possível a posterior alteração do regime de bens, quando cessada a causa suspensiva
(inciso I) ou quando os cônjuges aingirem a maioridade (inciso III). Neste senido é o Enunciado n.º 262 da III Jornada de Direito Civil:
“Arts. 1.641 e 1.639: A obrigatoriedade da separação de bens, nas hipóteses previstas nos incs. I e III do art. 1.641 do Código Civil, não
impede a alteração do regime, desde que superada a causa que o impôs”.
O inciso II, propositalmente abordado ao inal desse rol, impõe a separação obrigatória de bens em razão da idade avançada dos
nubentes. A imposição mostra-se injusiicada, porque tem caráter patrimonialista e preconceituoso, pois confere ao idoso o tratamento
de incapaz. O disposiivo já sofreu algumas alterações, na tentaiva de acompanhar a evolução social, no entanto, ainda mostra-se
inadequado. Além disso, a separação legal de bens, neste caso, é absoluta, não há possibilidade de alteração do regime em momento
posterior, como ocorre nas duas hipóteses citadas anteriormente.
A evolução cultural e social tornou o Código Civil de 1916 ultrapassado e deu origem à necessidade de uma nova regulamentação
das relações privadas. As primeiras propostas de alteração do diploma de 1916 surgiram em meados das décadas de 1960 e 1970, no
entanto somente em 2002 foi aprovado o novo Código Civil (Projeto de Lei n.º 634, de 1975).
Alguns doutrinadores criicam o Código Civil de 2002, porque entendem que o referido diploma já nasceu ultrapassado, a
exemplo de Gonçalves (2011, p. 40): “A demorada tramitação fez com que fosse atropelado por leis especiais e pela própria Consituição
[...], especialmente no âmbito do direito de família, já estando a merecer, por isso, uma reestruturação”.
A consitucionalidade do regime de separação legal imposto aos maiores de 60 anos vem sendo
discuida, desde a entrada em vigor do Código Civil. De fato, não parece de bom senso a exigência, que
representa uma capiis deminuio aos maiores de 60 anos. A norma os infaniliza, os idioiza, o que não
condiz com a realidade. Hoje, uma pessoa de 60 anos é ainda um jovem, pelo menos para efeito de
casamento (FIUZA, 2010, p. 981).
Pela importância dos argumentos, merece destaque o entendimento de Dias (2010) que expõe severas críicas ao disposiivo
em comento:
Porém, das hipóteses em que a lei determina o regime da separação obrigatória de bens, a mais
desarrazoada é a que impõe tal sanção aos nubentes maiores de 60 anos [...].
Para todas as outras previsões legais que impõem a mesma sanção, ao menos existem jusiicaivas de
ordem patrimonial. Consegue-se ideniicar a tentaiva de proteger o interesse de alguém. Mas, com
relação aos idosos, há presunção juris et de jure de total incapacidade mental. De forma aleatória e sem
buscar sequer algum subsídio probatório, o legislador limita a capacidade de alguém exclusivamente
para um único im: subtrair a liberdade de escolher o regime de bens quando do casamento. A imposição
da incomunicabilidade é absoluta, não estando prevista nenhuma possibilidade de ser afastada a
condenação legal (DIAS, 2010, p. 242).
A Consituição Federal, no art. 226, promoveu um grande avanço no Direito de Família, ao reconhecer a pluralidade da família,
que não mais se restringe ao casamento. Desta forma, também a união estável e a família monoparental são consideradas enidades
familiares (art. 226, §§ 3º e 4º), gozando, portanto, da proteção estatal. O art. 1.621, inciso II, também viola a isonomia consitucional
entre o casamento e a união estável, como alerta Dias (2010):
Outro fundamento não deixa margem a qualquer resposta: a escancarada afronta ao princípio da
isonomia que a regra legal encerra. É que essa restrição não existe na união estável. Assim, injusiicável
o desigualitário tratamento dispensado ao casamento. As limitações impostas à vontade dos noivos
acabam tornando mais vantajosa a união informal (DIAS, 2010, p. 242).
O Código Civil, no art. 1.725, disciplina o regime de bens na união estável, atribuindo aos companheiros a possibilidade de
regulamentarem suas relações patrimoniais em contrato escrito e, caso não exerçam essa faculdade, aplica-se, no que couber, o regime da
comunhão parcial de bens. Dessa forma, se o idoso viver em união estável, sem contrato escrito que regulamente as relações patrimoniais,
aplicar-se-á o regime da comunhão parcial; mas, se o idoso casar-se, será aplicado o regime da separação obrigatória. Diante da realidade
consitucional vigente, a situação retratada mostra-se inaceitável.
Os doutrinadores civilistas estabeleceram uma hipótese de atenuação da separação obrigatória de bens da pessoa maior de
sessenta anos, com a aprovação do Enunciado n.º 261 da III Jornada de Direito Civil, nos seguintes termos: “A obrigatoriedade do
regime da separação obrigatória de bens não se aplica a pessoa maior de sessenta anos, quando o casamento for precedido de união
estável iniciada antes dessa idade”. Essa hipótese de lexibilização assemelha-se à previsão do art. 45 da Lei do Divórcio, no entanto não
estabelece prazo de duração para a união estável; dessa vez, a exigência recai sobre a idade do nubente, pois a convivência deve ter ido
início antes do limite de sessenta anos previsto no art. 1.641, inciso II.
Desde a promulgação do Código Civil de 2002, a doutrina ideniicou a inconsitucionalidade do inciso II do art. 1.641. Reunidos
na I Jornada de Direito Civil, realizada em setembro de 2002, os estudiosos do Direito Civil aprovaram o Enunciado n.º 125, propondo,
desde logo, a revogação do disposiivo, nos seguintes termos:
A jurisprudência também reconhece a inconsitucionalidade da imposição da separação obrigatória ao idoso estabelecida pelo
Código Civil, a exemplo da decisão proferida pela Séima Câmara Cível do Tribunal de Jusiça do Rio Grande do Sul, no julgamento da
Apelação Cível nº 70017318940, julgado em 20/12/2006, com relatoria da então Desembargadora Maria Berenice Dias.
Diante da relevância da fundamentação do voto da Relatora, convém abordar os seus principais argumentos. Primeiramente, a
eminente civilista discorda da imposição do regime da separação obrigatória de bens em razão da idade. Para ela, o Código Civil contraria
a evolução social e jurídica, a regra é preconceituosa e desituída de qualquer cieniicidade, pois não observou o aumento da expectaiva
de vida no Brasil.
Além disso, Dias entende que o art. 1.641, inciso II, viola a dignidade da pessoa humana, que é qualidade inerente e indissociável
de todo e qualquer ser humano, relacionada com a autonomia, razão e autodeterminação do indivíduo.
Nesse ponto do trabalho, convém abordar a intrincada questão acerca da aplicabilidade da Súmula n.º 377 do Supremo Tribunal
Federal ao Código Civil de 2002. Conforme citado, a Súmula em comento enuncia que, no regime da separação legal, comunicam-se os
bens adquiridos na constância do casamento.
Esse tema é objeto de forte divergência doutrinária, sendo possível elencar duas correntes contrárias. A primeira corrente
entende que a Súmula está cancelada, pois seu fundamento decorria do art. 259 do Código Civil de 1916 (“Art. 259. Embora o regime
não seja o da comunhão de bens, prevalecerão, no silêncio do contrato, os princípios dela, quanto à comunicação dos adquiridos na
constância do casamento”), que não foi reproduzido no diploma de 2002. A segunda corrente, por seu turno, defende que a Súmula é
plenamente aplicável, porque está fundada na vedação do enriquecimento sem causa, prevista nos arts. 884 a 886 do Código Civil. Esse
úlimo entendimento tem prevalecido entre os doutrinadores (TARTUCE, 2011).
Antes da análise da Lei n.º 10.741/2003, é importante ressaltar que a Consituição Federal foi bastante ímida, ao tratar especi-
icamente da pessoa idosa, no “Capítulo VII – Da família, da criança, do adolescente, do jovem e do idoso”, integrante do “Título VIII – Da
ordem social”.
Em seu art. 230, a CF atribuiu à família, à sociedade e ao Estado o dever de amparar os idosos, assegurando a sua paricipação
na comunidade e defendendo sua dignidade e bem-estar, bem como garanindo-lhes o direito à vida. Além disso, os §§ 1º e 2º do
referido arigo, preveem, respecivamente que os programas de amparo aos idosos preferencialmente serão executados em seus lares e
a gratuidade dos transportes públicos coleivos aos maiores de sessenta e cinco anos.
Historicamente, o Estatuto do Idoso foi elaborado diante do fenômeno da descentralização ou descodiicação do Direito Civil,
seguindo a tendência dos microssistemas jurídicos. Sobre os microssistemas, lecionam Gagliano e Pamplona Filho (2010, p. 90): “são
compostos de uma legislação setorial dotada de lógica e principiologia própria, desinada a regular insitutos isolados ou uma classe de
relações, o que afasta a incidência da regra geral do Código Civil, que se torna inaplicável, na espécie”.
Os microssistemas jurídicos desinam-se a proteger alguns grupos considerados hipossuicientes, conferindo-lhes a igualdade
material prevista na Consituição Federal. Os microssistemas estabelecem os princípios que irão reger as relações travadas por esses grupos
e buscam tutelar de forma completa as situações que envolvem essas minorias, a exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
n.º 8.069/1990), do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/1990) e do Estatuto do Torcedor (Lei n.º 10.671/2003).
O Estatuto do Idoso foi promulgado em 1º de outubro de 2003, com a inalidade de garanir ao idoso os direitos fundamentais que lhe
são inerentes, bem como evitar e punir qualquer violência ou preconceito praicados contra o idoso. Dessa forma, o Estatuto do Idoso
passou a considerá-lo, inalmente, como um sujeito de direitos. Conforme estabelece o art. 1º, considera-se idosa a pessoa com idade
igual ou superior a sessenta anos, logo, o nubente tratado no inciso II do art. 1.641 do Código Civil é idoso.
O Estatuto do Idoso tem o objeivo de conferir proteção integral ao idoso e dar maior concretude a direitos que já foram consi-
tucionalmente previstos a todos, como decorrência da dignidade da pessoa humana, inerente a qualquer ser humano, não sendo razoável
qualquer limitação fundada exclusivamente na sua idade.
O art. 2º explicita que o idoso é merecedor de todos os direitos assegurados à pessoa humana. Qualquer restrição que diminua
a incidência da norma é inconsitucional. Os direitos fundamentais devem ser interpretados extensivamente, se o consituinte não
estabeleceu ressalvas, não caberá ao legislador ordinário esta tarefa, dessa forma, a diminuição da liberdade do idoso insituída no inciso II
do art. 1.641 do Código Civil é inconsitucional. Além disso, o art. 2º assegura ao idoso as oportunidades e facilidades para a preservação
de sua saúde ísica e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
O art. 3º, por seu turno, é enfáico ao tratar dos direitos do idoso, impõe à família, à comunidade, à sociedade e ao Poder Público
a obrigação de efeivar os direitos assegurados ao idoso, entre eles, a liberdade, a dignidade e o respeito. O Poder Público, no papel
de legislador ordinário, descumpriu este dever ao limitar a liberdade do idoso no que tange ao direito à escolha do regime de bens no
casamento.
5. CÓDIGO CIVIL DE 2002, COM ALTERAÇÃO DADA PELA LEI N.º 12.344/2010
A Lei nº 12.344, de 9 de dezembro de 2010, alterou a redação do inciso II do art. 1.641 do Código Civil, com a inalidade de
aumentar para setenta anos a idade a parir da qual se torna obrigatório o regime da separação de bens no casamento.
O legislador mostrou-se bastante ímido com esta alteração. Deveria ter revogado o disposiivo e não apenas aumentado o
limite da idade. A reforma do Código foi bastante criicada pela doutrina. A ítulo de exemplo, reproduz-se o entendimento de Dias
(2010?), em arigo initulado “Mais 10!”:
O Estado acaba de conceder aos idosos mais 10 anos de lucidez. Dos 60 aos 70 anos.
Esta é a mudança trazida pela Lei 12.344, de 10/12/2010, ao impor o regime da separação legal de
bens a quem casar a parir dos 70 anos de idade.
[...]
Agora – sabe-se lá baseado em que estudos, teorias ou descobertas – acaba de ser decretado que até
os 70 anos homem e mulheres tem plena capacidade. Depois desta idade, os “velhinhos” podem tudo.
Ou quase. Coninuam com o direito de fazer o que quiserem: votar e serem eleitos; seguir trabalhando;
sustentar a família; irar emprésimos consignados. Também podem fazer o que desejaram de seus bens.
Só não são livres para casar. Até podem fazê-lo, mas a lei presume que ninguém ama alguém com mais
de 70 anos e tenta protegê-lo deste ingênuo senimento.
[...]
O alcance da imposição é lagrantemente inconsitucional, pois afronta um punhado de princípios: o
da liberdade, da igualdade e o da dignidade. Isto para citar apenas alguns. Há decisões afastando dita
heresia, mas são poucas. Com a lei, tendem a desaparecer, já que devem os juízes se curvar diante da
mudança.
Apesar de ter sido festejada, este é o real alcance da nova lei que tem um conteúdo dos mais retrógrados.
Chancela um absurdo. Quem sabe para não frustrar a expectaiva de eventuais herdeiros, que avizinham
a possibilidade de receber os bens do parente que, ainal, já está velho e não tem o direito de ser feliz.
Venceu a ganância dos parentes, que tem mais valor do que o amor.
Primeiramente, é importante ressalvar que este não se trata de um princípio exclusivo dos regimes de bens. É um princípio do
Direito de Família, sendo também aplicável à questão especíica dos regimes de bens do casamento.
O princípio da intervenção mínima ou da liberdade está previsto no art. 1.513 do Código Civil e proíbe qualquer interferência,
pública ou privada, na comunhão de vida insituída pela família. Acerca deste princípio, leciona Lôbo (2011):
125 – Proposição sobre o art. 1.641, inc. II: Redação atual: “da pessoa maior de sessenta anos”. Proposta:
revogar o disposiivo. Jusiicaiva: “A norma que torna obrigatório o regime da separação absoluta de
bens em razão da idade dos nubentes não leva em consideração a alteração da expectaiva de vida
com qualidade, que se tem alterado drasicamente nos úlimos anos. Também mantém um preconceito
quanto às pessoas idosas que, somente pelo fato de ultrapassarem determinado patamar etário, passam
a gozar da presunção absoluta de incapacidade para alguns atos, como contrair matrimônio pelo regime
de bens que melhor consultar seus interesses”.
Ao estabelecer o regime de separação obrigatória ao maior de setenta anos, o legislador interfere diretamente na família,
reduzindo a liberdade dos cônjuges quanto à escolha do regime de bens que melhor aprouver aos seus interesses.
O princípio da liberdade está previsto no art. 1.639, caput do Código Civil, é concreização da autonomia privada no âmbito
familiar. Segundo este princípio, podem os nubentes, por meio de pacto antenupcial, esipular o que quiserem em relação aos seus bens.
Caso optem por não exercer esta faculdade, será aplicado o regime legal.
O pacto antenupcial é um contrato solene, que exige escritura pública. É um documento facultaivo: sua inexistência ou nulidade
não interferem na validade do casamento, apenas induzem a aplicação do regime legal – o da comunhão parcial de bens (art. 1.640).
O princípio da liberdade não é absoluto, pois, como visto, o regime da separação obrigatória de bens é imposto nas hipóteses
previstas nos incisos do art. 1.641.
O Direito brasileiro não impõe aos nubentes uma determinada espécie de regime de bens. Pelo contrário, o Código Civil
disciplina quatro regimes diferentes, quais sejam: o da comunhão parcial (arts. 1.658 a 1.666), que é o regime legal; o da comunhão
universal (arts. 1.667 a 1.671); o da paricipação inal nos aquestos, criado pelo Código Civil de 2002 em subsituição ao anigo regime
dotal (arts. 1.672 a 1.686); o da separação de bens, que pode ser convencional ou obrigatória (1.687 e 1.688).
De acordo com este entendimento, podem os cônjuges estabelecer, por exemplo, um regime misto, combinando dois ou mais
dos regimes previstos no Código: comunhão parcial em relação aos bens imóveis e separação quanto aos bens móveis (TARTUCE, 2011).
A dignidade da pessoa humana consitui um dos fundamentos da República Federaiva do Brasil (Consituição Federal, art. 1º,
III) e, segundo Sarlet (2001),
é a qualidade intrínseca e disiniva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e
consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste senido, um complexo de direitos
e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante
e desumano, como venham a lhe garanir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável,
além de propiciar e promover sua paricipação aiva e corresponsável nos desinos da própria existência
e da vida em comunhão com os demais seres humanos (SARLET, 2001, p. 60).
A eicácia restriiva da norma estaria, ainda, a legiimar e perpetuar verdadeira degradação, a qual,
reirando-lhe o poder de dispor do patrimônio nos limites do casamento, ainge o cerne mesmo da
dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da República (art. 1º, III, da Consituição
Federal), não só porque a decepa e castra no seu núcleo consituivo de razão e vontade, na sua
capacidade de entender e querer, a qual, numa perspeciva transcendente, é vista como expressão
substaniva do próprio Ser, como porque não disfarça, sob as vestes grosseiras de paternalismo
insultuoso, todo o peso de uma intromissão estatal indevida em matéria que respeita, fundamentalmen-
te, à consciência, inimidade e autonomia do cônjuge.
(Apelação Cível 007512-4/2-00, TJSP, julgamento 18/08/98, São José do Rio Preto, Relator: Cezar
Peluso).
Segundo o julgado acima, a imposição da separação obrigatória de bens ao idoso ainge a dignidade da pessoa humana em
dois aspectos: primeiramente, porque tolhe a capacidade da pessoa, reirando-lhe a razão e vontade; e porque consitui uma descabida
ingerência do Estado na vida privada da pessoa, no âmbito matrimonial e familiar, a mais ínima das relações humanas.
A Consituição Federal, já na abertura do Título II, referente aos direitos e garanias fundamentais, assegura a todos a inviolabi-
lidade do direito à liberdade (art. 5º, caput).
Segundo a lição de Cunha Júnior (2011, p. 682), o direito à liberdade “consiste na prerrogaiva fundamental que investe o ser
humano do poder de autodeterminação ou de determinar-se conforme a sua própria consciência. Isto é, consiste num poder de atuação
em busca de sua realização pessoal e de sua felicidade”.
É sabido que os direitos fundamentais são dotados da caracterísica da relaividade ou limitabilidade, isto é, os direitos
fundamentais não são absolutos, podem sofrer limitações, jusiicadas pela necessária compaibilização em relação a outros direitos. O
disposto no inciso II do art. 1.641 do Código Civil representa uma limitação à liberdade, no entanto essa limitação está fundada numa
visão preconceituosa, que presume a total incapacidade da pessoa, baseada exclusivamente na sua idade avançada.
Considerando que a limitação à liberdade de escolha do regime de bens pelo maior de setenta anos tem caráter preconceituoso,
percebe-se que há uma violação à dignidade humana, como salienta Novelino (2011, p. 442), relacionando a liberdade à autonomia da
vontade e à dignidade: “Dentro do núcleo do valor liberdade encontra-se a autonomia da vontade, caracterizada como o direito de auto-
determinação que deve ser assegurado a cada pessoa. A autonomia é incindível da dignidade”.
Dessa forma, a imposição do regime da separação obrigatória de bens ao maior de setenta anos viola a liberdade, sobretudo no
que tange à autonomia da vontade e, por consequência, ainge a dignidade humana.
DO princípio da isonomia ou igualdade determina que “todos merecem as mesmas oportunidades, sendo defeso qualquer ipo
de privilégio e perseguição. O princípio em tela interdita tratamento desigual às pessoas iguais e tratamento igual às pessoas desiguais”,
como leciona Cunha Júnior (2011, p. 676).
A Consituição Federal preocupou-se em garanir a igualdade entre as pessoas e, em seu art. 3º, elencou como um objeivo
fundamental do Estado a promoção do bem de todos, repudiando preconceito de qualquer natureza, inclusive aquele em razão da idade.
O princípio da igualdade é direcionado ao Estado, de modo que este se abstenha de qualquer atuação discriminatória, inclusive
na sua aividade legislaiva, conforme ensina Mello (2002):
A Lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que
necessita tratar eqüitaivamente todos os cidadãos. Este é o conteúdo políico-ideológico absorvido pelo
princípio da isonomia e juridicizado pelos textos consitucionais em geral, ou de todo modo assimilado
pelos sistemas normaivos vigentes (MELLO, 2002, p. 10)
Conforme leciona Novelino (2011, p. 249), a “inconsitucionalidade em senido estrito decorre do antagonismo entre uma
determinada conduta comissiva ou omissiva do Poder Público e um comando consitucional”. Até aqui, buscou-se demonstrar a incons-
itucionalidade do inciso II do art. 1.641 do Código Civil, por violar os princípios da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da
isonomia.
A Consituição Federal, “além de imperaiva como toda norma jurídica, é paricularmente suprema, ostentando posição de
proeminência em relação às demais normas, que a ela deverão se conformar (...)” (CUNHA JÚNIOR, 2011, p. 107).
Em decorrência da supremacia consitucional, qualquer norma contrária à Consituição deve ser expulsa do ordenamento
jurídico. No caso do inciso II do art. 1.649 do Código Civil, esta expulsão deverá ser feita por meio da revogação. Segundo o § 1º do
art. 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n.º 4.675/1942), “A lei posterior revoga a anterior quando
expressamente o declare, quando seja com ela incompaível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”.
A revogação do disposiivo em comento depende, portanto, da aividade do Poder Legislaivo, para que edite Lei Ordinária
reformando o Código Civil. Ressalta-se que a doutrina recomenda a revogação, conforme o Enunciado n.º 125 da I Jornada de Direito
Civil, transcrito anteriormente.
A ítulo de esclarecimento, registre-se que não é possível a aplicação da interpretação conforme a Consituição ao inciso II do
art. 1.641 do Código Civil; portanto, a revogação é a única solução capaz de sanar a inconsitucionalidade do disposiivo, conforme será
demonstrado adiante.
Sobre a interpretação conforme a Consituição leciona o Eminente Ministro Gilmar Mendes (2010):
Não se deve pressupor que o legislador haja querido dispor em senido contrário à Consituição; ao
contrário, as normas infraconsitucionais surgem com a presunção de consitucionalidade. Daí que,
se uma norma infraconsitucional, pelas peculiaridades da sua textura semânica, admite mais de um
signiicado, sendo um deles harmônico com a Consituição e os demais com ela incompaíveis, deve-se
entender que aquele é o senido próprio da regra em exame – leitura também ordenada pelo princípio
da economia legislaiva (ou da conservação das normas). (MENDES, 2010, p. 110 e 111).
A interpretação conforme a Consituição pode consisir num princípio instrumental de interpretação consitucional ou numa
técnica de decisão judicial, de acordo com a lição de Novelino (2011):
Há um pressuposto para a aplicação da interpretação conforme a Consituição: que a norma seja plurissêmica, isto é, dotada
de mais de um senido. Segundo Cunha Júnior (2011, p. 230), a interpretação conforme a Consituição “só é legíima quando exisir a
possibilidade de várias interpretações, umas em conformidade com a Consituição e que devem ser preferidas, e outras em desconformi-
dade com ela e que devem ser excluídas”. Logo, diante da literalidade do inciso II do art. 1.641 do Código Civil, não é possível a incidência
da interpretação conforme.
A aplicação da interpretação conforme a Consituição deve atender a certos limites: o senido literal da norma e a inalidade
almejada pelo legislador. Segundo Novelino (2011, p. 190), “Não é permiido ao intérprete contrariar o senido literal da lei (interpretação
contra legem), nem o objeivo inequivocamente pretendido pelo legislador com a regulamentação, pois a inalidade da lei não deve ser
desprezada”. A aplicação da interpretação conforme ao disposiivo que impõe o regime da separação obrigatória de bens ao maior de
setenta anos violaria estes limites, à medida que contraria o senido da lei, bem como o objeivo do legislador.
Dessa forma, resta claro que somente por meio da revogação do inciso II do art. 1.641 do Código Civil será possível a adequação
da norma à ordem consitucional vigente.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A parir do exame da evolução histórica do regime da separação obrigatória de bens, percebeu-se que o Código Civil de 1916
estabelecia a separação obrigatória em razão da idade, diferenciando homens e mulheres: para eles, a parir dos sessenta anos e, para
elas, desde os cinquenta. O tratamento era duplamente preconceituoso, pois insituía diferenciações em relação à idade e ao gênero. A
situação foi atenuada de duas maneiras: no âmbito jurisprudencial, com a aprovação da Súmula n.º 377 pelo Supremo Tribunal Federal, e
no âmbito legislaivo, com a edição da Lei do Divórcio.
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TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: Volume único. São Paulo: Método, 2011.
RESUMO
O presente arigo é pautado na análise contemporânea do direito civil, com base na releitura civil-consitucional que estabelece
uma visão principiológica dos instrumentos civilistas, sobretudo, no que diz respeito ao direito das obrigações. Neste contexto, a dignidade
da pessoa humana passa a ser o norte interpretador das relações jurídicas, com a estrita observância aos princípios da boa-fé objeiva
e da função social do contrato. No estudo, foi dado enfoque ao insituto do bem de família e a sua impenhorabilidade prevista em lei, a
qual possui profunda relevância na seara jurídica obrigacional, uma vez que é um ariício que visa à proteção da dignidade da família do
devedor, em caso de ocorrer a sua insolvência. Nesse senido, foi analisada a doutrina de Luiz Edson Fachin a respeito do estatuto jurídico
do patrimônio mínimo, corroborando com a necessidade de existência do bem de família. O insituto em questão foi observado a parir de
sua gênese de seu tratamento no ordenamento jurídico brasileiro, indo-se da legislação à aplicação do direito, passando a estudar a igura
do Superior Tribunal de Jusiça (STJ) como responsável pela uniformização da legislação infraconsitucional, com enfoque na ampliação
interpretaiva que foi dada a esse disposiivo, conferindo maior efeividade na proteção à enidade familiar. A metodologia uilizada foi a
análise doutrinaria e, sobretudo, jurisprudencial.
Palavras-chave: patrimônio mínimo. consitucionalização. bem de família. direito das obrigações. Superior Tribunal de Jusiça.
ABSTRACT
The present aricle is ruled by the contemporary analisys of the civil law, based on the civil and consituional reinterpretaion,
which estabilishes a principiological vision of civil instruments, specially on the subject of contract law. In this context, the dignity of the
human being turns out to be the interpretaive north of juridical relaions, under the strict observance of the principles of objecive good
faith and social funcion of the contract. The focus of this survey is the homestead and its immunity from seizure, sipulated by law, which
possesses deep relevance in juridical contract ambit, once it is a device that aims protecion to the debtor’s family dignity, in case of
insolvency. In this regard, the analysis of Luiz Edson Fachin’s doctrine concerning the juridical statute of minimum patrimony corroborate
with the necessity of homestead existence. The insitute in quesion have been observed since the genesis of its treatment into brazilian
legal system, from the legislaion to the law enforcement, proceeding to study the igure of the Superior Court as responsible for the stan-
dardizaion of the infraconsituional legislaion, with interpretaive expansion approach that was given to this device, providing greater
efeciveness in protecing the family unit. The methodology used was the doctrinal and, mainly, jurisprudencial analysis.
Keywords: minimum patrimony. consituionalizaion. homestead. law of obligaions. Supreme Court of Jusice.
1. INTRODUÇÃO
Com a Consituição da República de 1988, consolidou-se, efeivamente, o fenômeno da consitucionalização do direito civil.
Nessa esteira, são observadas alterações de paradigmas muito relevantes, ao passo que a introdução de princípios no ordenamento
jurídico posiivado fez com que a interpretação e a aplicação do direito sofressem mudanças substanciais, passando o princípio da
dignidade da pessoa humana a ser o vetor do sistema jurídico como um todo.
Neste contexto, igura o direito das obrigações, que passa a ser norteado pelos princípios da boa-fé objeiva e da função
social do contrato. Há uma releitura da relação obrigacional, chegando a ser subsituída na doutrina pela ideia de processo obrigacional,
evitando a polarização entre credor e devedor.
Sobre a igura do insituto do bem de família, repousa a tese de Fachin, initulada teoria do estatuto jurídico do patrimônio
mínimo, que versa sobre a necessidade de o ordenamento jurídico assegurar um patrimônio mínimo, garanindo, em respeito à dignidade
da pessoa humana, o mínimo existencial. Com esse embasamento, o estudo em apreço visa, então, estudar a igura do insituto jurídico
da impenhorabilidade do bem de família, uma vez que ele consitui uma limitação relevante ao direito do credor de ter o seu crédito
executado. O que se confronta é a dignidade da pessoa humana, releida no direito à moradia consitucionalmente estabelecido, em
detrimento do direito do paricular em ter o que lhe é devido.
Destarte, o que se pretende é trazer o fenômeno de valoração das relações jurídicas ao debate na aplicação do direito, que
ensejou a ampliação da força normaiva do insituto do bem de família. Em meio à jurisprudência do Superior Tribunal de Jusiça (STJ),
formaram-se entendimentos com esse propósito, os quais consituem o objeivo deste trabalho, ao serem efeivamente analisados.
¹Graduanda em Direito pela Universidade Federal da Paraíba. Bolsista do Programa de Monitoria da disciplina Direito Civil I vinculada ao
Departamento de Direito Privado do CCJ/UFPB.
Nos primórdios do fenômeno da posiivação do direito, com o Código de Napoleão de 1804, muito se preocupou em estabelecer
a separação evidente entre o direito público e o direito privado. Paulainamente, essa dicotomia veio sendo superada, ao passo que foram
sendo evidenciadas, em um primeiro momento, interferências de normas de ordem pública no âmbito privado, acarretando a chamada
publicização do direito privado.
No século XX, os estudos e a interpretação do direito, inluenciados pelo contexto histórico e pelos acontecimentos e avanços
tecnológicos da época, pautaram-se no que se convencionou chamar de pós-posiivismo jurídico, ocasionando a guinada interpretaiva,
à medida que se passou a observar a dogmáica jurídica a parir de valores e de princípios.
Desse modo, surge uma nova concepção do direito, desta vez, pautado em pilares principiológicos, os quais conduzem a
sistemaização jurídica a uma preocupação, cada vez mais, constante com o ser humano.
Neste momento, o que se evidenciou foi a posiivação, nas consituições, de princípios oriundos do direito civil, os quais
passaram a nortear a aividade interpretaiva do aplicador do direito no que diz respeito à seara infraconsitucional, garanindo os direitos
e garanias fundamentais, tendo em vista também a sua eicácia horizontal, também são oponíveis no campo privado, ocasionando o
inevitável equilíbrio entre eles e a autonomia privada.
O princípio da dignidade da pessoa humana passou a ser o norte orientador de todo o ordenamento jurídico. Por ser um
conceito jurídico classiicado como indeterminado, o legislador e o aplicador do direito receberam o encargo de alcançar o seu conteúdo,
para proporcionar a sua concreização.
Para Barroso (2010. p.60), o princípio da dignidade da pessoa humana assumiu dimensão transcendental e normaiva, sendo
a Consituição não apenas “o documento maior do direito público, mas o centro de todo o sistema jurídico, irradiando seus valores e
conferindo-lhe unidade”.
Dessa forma, no que diz respeito especiicamente ao campo do Direito das Obrigações, nota-se uma mudança de paradigma
interpretaivo, visto que a releitura da relação obrigacional conforme os direitos fundamentais consitucionalmente assegurados é hoje
uma realidade para os aplicadores do direito.
As obrigações passaram a serem vistas como um processo obrigacional, dinâmico e de deveres recíprocos, sem a existência da
polarização entre devedor e credor, à luz do princípio da boa-fé objeiva. Dessa forma, não deve ser vista mais a submissão de uma parte
a outra, uma vez que a relação deve ser vista como bilateral, em que não há apenas uma parte detentora de direitos.
Dessa forma, pode-se observar que, dentro da relação entre credor e devedor, estão presentes obrigações recíprocas e
interligadas, ocasionando, em determinado momento, a oscilação do polo em que cada parte irá igurar. Assim, é observado o seu caráter
dinâmico. Nessa esteira, caracteriza-se a obrigação como um processo composto de aividades necessárias à saisfação do crédito,
afastando a estaicidade fundada na polarização entre as partes.
No contexto da existência dos direitos recíprocos, há de se ressaltar que deve haver a observância efeiva do princípio da
cooperação por ambas as partes. Observa-se uma crise de cooperação entre credor e devedor, especialmente, ao longo do século XX. As
partes, na relação obrigacional, ainda que com interesses divergentes, devem atuar sempre na perspeciva da eicidade. Assim, à luz da
boa-fé objeiva, avulta-se a importância do insituto do duty to miigate the loss² , com o propósito de coibir abusos.
O duty to miigate the loss se trata de um importante insituto por meio de que impõe-se, ao próprio credor, a obrigação de,
sempre que possível, atuar para miigar a situação de prejuízo experimentada pelo devedor. No Brasil, já existe, inclusive, ocorrência da
aplicação desse princípio pelo Superior Tribunal de Jusiça:
Sendo assim, tendo em vista o processo de personalização ou de despatrimonialização do direito civil, em que o ser humano
passou a ser alvo central das preocupações do ordenamento jurídico, Fachin elaborou sua tese, initulada teoria do estatuto jurídico do
patrimônio mínimo, que versa sobre a necessidade de o ordenamento jurídico assegurar um patrimônio mínimo, garanindo, em respeito
à dignidade da pessoa humana, o mínimo existencial.
O estudo de Fachin possui grande relevância na disciplina do bem de família, sendo este uma explicitação do patrimônio mínimo,
estando previsto no Código Civil e na Lei 8.009/90, em suas vertentes convencional e legal. A im de proteger os direitos inerentes à
personalidade, bem como os patrimoniais, Fachin, por meio da concepção do estatuto jurídico do patrimônio mínimo, busca a valorização
da pessoa humana no tocante ao Direito Privado, dando a devida relevância à dignidade da pessoa humana em detrimento dos insitutos
da propriedade privada, que engloba a noção de defesa dos bens inerentes à subsistência pessoal e do direito crediício.
A proposta de repersonalização e despatrimonialização do Direito Civil possui consequências substancias no direito de família.
As disposições da lei nº 8.009/90, legislação especíica acerca da impenhorabilidade do bem de família, bem como os parágrafos
referentes aos objeivos da República Federaiva do Brasil, elencados no arigo 3º da Consituição Federal, quais sejam a construção de
uma sociedade livre, justa e solidária, no inciso I, e a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais,
no inciso III, demonstram essa preocupação de natureza econômica em relação à estrutura familiar, a qual jusiica as disposições legais
em sua proteção.
Entende a doutrina que o caráter de valor econômico do patrimônio é responsável pela compreensão tanto dos seus elementos
aivos quanto passivos, sendo direito patrimonialista, em sua consequência, intrínseco a todos os indivíduos. Isso posto, há a ressalva de
que a exceção de que trata a ausência de patrimônio não desqualiica ninguém de sua condição de sujeito.
O Estado, com o objeivo maior de concreizar a dignidade humana, miiga o princípio da autonomia privada. É preciso ressaltar
que não há o favorecimento de uma das partes, pois se trata da aplicação do princípio da igualdade. O objeivo não é, pois, preservar um
determinado padrão de vida do indivíduo, mas sim proteger parte do patrimônio, caracterizada como o mínimo existencial, com o intuito
de concreizar a proteção à dignidade da pessoa humana.
O estatuto jurídico do patrimônio mínimo demanda a garania do mínimo existencial, de forma que os seus conceitos não se
misturam. Segundo Fachin (2001):
A pessoa natural, ao lado de atributos inerentes à condição humana, inalienáveis e insusceíveis de apropriação,
pode ser também, à luz do Direito Civil brasileiro contemporâneo, dotada de uma garania patrimonial
que integra na sua esfera jurídica. Trata-se de um patrimônio mínimo mensurado consoante parâmetros
elementares de uma vida digna e do qual não pode ser expropriada ou desapossada. Por força desse princípio,
independente de previsão legislaiva especíica insituidora dessa igura jurídica, e, para além de mera im-
penhorabilidade como abonação, ou inalienabilidade como gravame, sustenta-se exisir essa imunidade
juridicamente inata ao ser humano, superior aos interesses dos credores.
Em caso de inadimplemento, a responsabilidade patrimonial recai sobre o próprio devedor, a ítulo de reparação do que se deve
ao credor, como é o entendimento que se tem sobre o assunto. O texto do art. 341 do Código Civil, sob a luz desta teoria, não deve ser
considerado completamente, em razão de, em caso de inadimplemento das obrigações, responderem todos os bens do devedor, o que
contraria a tutela do patrimônio mínimo do devedor. (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 38)
Em conclusão, o estatuto jurídico do patrimônio mínimo, se devidamente saisfeito e uilizado, promove o princípio da dignidade
humana, evitando decisões que, porventura, venham a ceifar o indivíduo do essencial, uma vez que de nada adianta a sobrevivência, se
não houver condições que viabilizem o exercício do livre arbítrio e o pleno desenvolvimento da personalidade.
O insituto do bem de família possui raízes no direito americano, na República do Texas, notadamente com o Homestead
Exempion Act, para a proteção da pequena propriedade, em virtude da grande crise em que se encontravam os Estados Unidos, resultando
na procedência comum de penhoras realizadas pelos credores. Destarte, a inluência logo chegou à França, que editou a lei insituidora
do bien de famille. (AZEVEDO, 2002, p. 28-37)
Em um breve histórico, o advento da legislação especíica no Brasil se deu no contexto dos insucessos dos planos governamentais
da época, os quais ensejaram uma maior proteção do devedor. Sobre o assunto, vale transcrever as palavras do presigiado ex-Ministro
de Jusiça Saulo Ramos (GONÇALVES, 1998. p. 28-30):
Segundo a lição de Azevedo (2003, p. 11), “o bem de família é um meio de garanir um asilo à família, tomando-se o imóvel onde
ela se instala domicílio impenhorável e inalienável, enquanto forem vivos os cônjuges e até que os ilhos completem sua maioridade”.
Como bem analisado em tópico anterior, quando do estudo do estatuto jurídico do patrimônio mínimo, o bem de família é,
além de uma forma de efeivar o direito consitucionalmente estabelecido à moradia, um meio de proteger a enidade familiar, vez que
concreiza aquilo estabelecido por Fachin como patrimônio mínimo necessário para garanir a dignidade da pessoa humana.
Historicamente, o bem familiar surgiu no Código Civil de 1916, em sua Parte Geral, em que havia o tratamento dos bens, vindo
a possuir posteriormente previsões em outras leis ordinárias. Apenas em 1990, foi promulgada a Lei nº 8.009/90, desinada a tratar o
insituto em minúcias, trazendo consigo a igura do bem de família obrigatório, também conhecido como legal ou involuntário. A novel
legislação, à época, imputou ao Estado a proteção do bem de família, não mais dependendo de seus integrantes. No atual Código de
2002, agora na Parte Especial, encontra-se apenas a disciplina do bem de família voluntário, a qual se encontra na parte referente ao
direito patrimonial.
A Consituição Federal de 1988 introduziu, em seu arigo 5º, XXVI, o bem de família rural, objeivando proteger a pequena
propriedade.
Dessa forma, temos, no atual patamar do ordenamento jurídico brasileiro, dois regimes para o insituto em pauta, isto é, o bem
de família voluntário, também conhecido como convencional, e o bem de família involuntário, legal ou obrigatório. Parir-se-á, então, para
análise de ambos os regimentos.
O bem de família convencional, cuja disciplina advém do Código Civil, consiste na proteção voluntária e espontânea da parte
interessada, que se uiliza do registro público no cartório de imóveis, para conferir publicidade que jusiique a impenhorabilidade e a
inalienabilidade do bem. A legislação de 2002, à luz da Carta Cidadã de 1988, autoriza a insituição do bem também por ato da esposa,
cristalizando a igualdade entre o homem e a mulher, preconizada pela Lei Maior. (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 913)
A legislação também autoriza que o bem de família seja insituído, além de pelo casal, por terceiro, através do testamento, e pela
enidade familiar, que compreende, em seu conceito, a união estável, a família monoparental, o solteiro.
As principais consequências da insituição do bem de família são a impenhorabilidade e a inalienabilidade, ambas relaivas. O
bem familiar se torna impenhorável com efeitos relaivos às dívidas posteriores à sua insituição e, se anteriores, apenas das que dizem
respeito a tributos e a despesas de condomínio referentes ao mesmo prédio. Já a inalienabilidade advém da desinação do bem ao
domicílio e ao sustento familiar, sendo sua alienação excepcional e possível mediante o consenimento dos interessados, com a oiiva do
Ministério Público. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012. p. 411)
A vertente voluntária possui, ainda, expressa limitação conferida pelo Código Civil. Em seu arigo 1.711, é estabelecido o
limite máximo de um terço do patrimônio líquido do insituidor à época da insituição, objeivando-se que não iquem todos os recursos
inaingíveis, em caso de insolvência.
O diploma civil também cuidou em estabelecer as formas para a exinção da proteção, desde que necessária à manutenção da
família, entre seus arigos 1.719 e 1.722. Como bem observou Rodrigues (2004, p. 154), o bem de família voluntário não alcançou grande
sucesso, e pode-se atribuir a isso o fato de o Estado ter transferido tamanha responsabilidade ao paricular.
Parindo-se para a análise do bem de família legal, toma-se, como base, a Lei n° 8.009/90, que ampliou a compreensão do insituto,
passando a resultar, de forma direta, da lei, e não mais de ato voliivo do insituidor. De acordo com a redação de seu arigo 1º:
Art. 1º. O imóvel residencial próprio do casal, ou da enidade familiar, é impenhorável e não responderá por
qualquer ipo de dívida civil, comercial, iscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges
ou pelos pais ou ilhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta Lei.
Na esteira do alargamento da proteção ao bem familiar, neste ano, foram publicadas duas novas leis que modiicaram a
tradicional disciplina do art. 3º da Lei do Bem de Família. A Lei Complementar 105/2015, que dispõe sobre os direitos dos empregados
domésicos, revogou o inciso I do art. 3º, ao passo que a Lei 13.144 traz nova redação ao inciso III do mesmo disposiivo, o qual passa a
dispor que “pelo credor da pensão alimenícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre
união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida”.
Em oposição ao que dispõe a forma voluntária decorrente do Código, a proteção conferida pela Lei nº. 8.009/90 é imediata, ao
derivar diretamente da lei. Dessa forma, não há a necessidade de sua consituição no Cartório de Registros Públicos.
O novo regime de proteção propiciou uma maior concreização da regra oriunda da Lei Maior de garania do domicílio como um
direito social (CF, art. 6º), sendo uma constatação do patrimônio mínimo da pessoa humana.
Sob a égide da Lei nº. 8.009/90, observa-se que há uma ampliação no objeto da proteção, com a jurisprudência vindo a
considerar impenhoráveis bens, como máquina de lavar, computador, videocassete, ar condicionado, televisão, entre outros, os quais
são necessários para manutenção de uma vida digna. Expressamente, em seu arigo 2°, a lei exclui apenas os veículos de transporte e os
adornos suntuosos.
Ademais, é inegável a estrita relação entre a proteção do bem de família e a relação obrigacional, uma vez que a impenhorabili-
dade é um empecilho à saisfação do interesse do credor. Nesse senido, sucintas são as palavras de Lôbo (2011, p. 398):
Como se vê, há, no que tange à relação obrigacional, um notável conlito de interesses entre o credor, detentor do crédito, e
o devedor insolvente. Observadas as circunstâncias, impenhorabilidade é, então, vista no direito das obrigações como uma limitação à
pretensão do credor de ter o cumprimento do seu crédito.
Depois da construção de um raciocínio lógico-sistemáico a respeito da doutrina civil-consitucional, que norteia uma nova
interpretação do direito das obrigações, pautando uma ampla observância à dignidade da pessoa humana, foi possível, a parir da teoria
do estatuto jurídico do patrimônio mínimo, construir a ideia do insituto do bem de família como seu resultado.
Observa-se que, na relação obrigacional, à medida que o devedor se torna insolvente, mesmo tendo o credor o direito à
execução, ela não poderá aingir, ressalvadas as restritas hipóteses legais, o patrimônio mínimo necessário à vida digna do devedor, isto
é, o seu bem de família revesido pela capa a impenhorabilidade garanida em lei.
Parindo dos diplomas legais, cabe, então, aos tribunais, diante de casos concretos, moldar a norma prevista, de acordo com
as situações fáicas. Ao passo em que determinadas situações vão-se tornando recorrentes, as cortes têm a possibilidade de irmar um
entendimento, que poderá se transformar em um norte interpretador para os demais inferiores, a depender da instância, ou consolidar
jurisprudência.
Neste senido, no estudo em apreço, a igura do Superior Tribunal de Jusiça possui um papel decisivo, uma vez que é responsável
pelas matérias de natureza infraconsitucional, em que se inclui o direito civil. Criada pela Consituição de 1988, a Corte é responsável
por ser a guardiã do direito federal, como também por uniformizar a interpretação da legislação infraconsitucional.
É notório que o Tribunal da Cidadania - STJ, desde a sua insituição, reinterpreta o direito privado, fazendo uma releitura a parir
de princípios consitucionalmente estabelecidos, como o da boa-fé objeiva e o da função social do contrato. Dessa forma, a Corte se
direciona de forma a garanir a proteção da dignidade da pessoa humana, principalmente, em lides que há conlitos estabelecidos no
âmbito axiológico.
O STJ coleciona, ao logo dos anos, julgados que lhe dão o patamar de vanguardista em variadas questões. Como bem salientou
o Ministro Luis Felipe Salomão (2013, p. 5), “recentes precedentes desta Corte Superior demonstram forte tendência jurisprudencial de
alargamento da proteção a bens jurídicos relevantes e direitos fundamentais, gerando maior eicácia aos textos legais”.
No que diz respeito ao estudo em questão, direcionado à problemáica do bem de família, encontram-se, na jurisprudência da
Corte, diversos julgados e entendimentos consolidados que ampliam o conceito do insituto, ensejando o aperfeiçoamento também da
sua doutrina. A relevância da construção jurisprudencial se torna necessária, principalmente, no que diz respeito às situações que não são,
especiicamente, tratadas pelo disposiivo legal, mas que estão presentes na realidade fáica.
O objeivo desse Tribunal, sem dúvidas, é promover a aplicação da lei visando aos seus ins sociais, dando maior efeividade ao
art. 6º da Consituição Federal, que impõe o direito à moradia no rol dos direitos fundamentais.
Nessa esteira, é possível analisar o posicionamento do STJ no que diz respeito à temáica tanto no conteúdo dos julgados
quanto nas suas súmulas formuladas, que são verbetes editados para exprimir o entendimento da Corte, seja ele pacíico, ou, ao
menos, majoritário. No caso das súmulas do STJ, ao contrário da Súmula Vinculante privaiva do Supremo Tribunal Federal, sua eicácia
não condiciona os tribunais inferiores ao seu seguimento, uma vez que apenas tem o condão de ser um norteador, na tentaiva de
uniformização da aplicação da matéria.
A respeito do bem de família, destacam-se os verbetes de números 205, 364 e 486, os quais, em seu texto, deinem situações
jurídicas que vislumbram uma efeiva ampliação da enidade familiar.
A Súmula 205 dispõe que a Lei do Bem de Família, mesmo datando de 29 de março de 1990, é aplicada também à penhora
realizada antes de sua vigência. Com efeito, anteriormente à sanção da lei, já exisia, no ordenamento jurídico brasileiro, a igura do bem
de família voluntário, em que o Estado não interferia, para protegê-lo. O que entendeu o STJ foi que a proteção estatal, que caracteriza o
bem de família legal, poderia retroagir, para efeiva proteção. No mais, o entendimento foi, em parte, criicado por quem vislumbrou uma
proteção ao devedor insolvente.
O verbete de número 364 , certamente, foi um dos que causou maior impacto à realidade jurídica obrigacional, ao passo que
garaniu às pessoas solteiras, separadas e viúvas o direito de usufruir a impenhorabilidade do bem familiar. Como bem salientou o Min.
Humberto Gomes de Barros, a Lei nº. 8.009/90 não visa apenas à proteção da enidade familiar, e sim do direito à moradia desinado à
pessoa humana. (SÚMULA...)
Já a Súmula 486, a mais recente a ser editada pelo Pretório, estabelece que “é impenhorável o único imóvel residencial do
devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obida com a locação seja reverida para a subsistência ou a moradia da sua
família”. O entendimento em questão vai além do art. 1º da Lei n°. 8.009/90, o qual caracteriza como bem de família aquele em que ela
reside.
A letra da lei leva à interpretação de que apenas o imóvel uilizado para ins de moradia do devedor ou de sua família estaria
protegido pela impenhorabilidade. Parindo para uma visão da inalidade a que se desina a intenção da lei, dispensa-se a necessidade
de efeiva moradia da família, desde que o imóvel sirva para o seu sustento. Assim, se a locação do bem consista na fonte de renda
substancial para a sobrevivência do devedor, ela está protegida pela incidência da Lei n°. 8.009/90.
Súmula 205 do STJ: A Lei 8.009/90 aplica-se a penhora realizada antes de sua vigência.
Súmula 364 do STJ: O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras,
separadas e viúvas.
A parir de uma concepção doutrinária e teórica, com fulcro na teoria de Fachin sobre o patrimônio mínimo, emiiu-se uma
decisão que garaniu à proteção inclusive a uma pessoa jurídica, tendo em vista a realidade fáica de que se tratava de uma empresa
niidamente familiar. Neste ponto, corrobora-se o alinhamento da Corte Cidadã – STJ, a fazer o diploma legislaivo cumprir as suas
inalidades sociais.
Em linhas, pode-se dizer que, com base nos seguintes entendimentos pretorianos analisados, considerados os mais relevantes
no que diz respeito à problemáica em questão, o que se observou, com a atuação do Superior Tribunal de Jusiça, foi a maximização do
alcance conferido pela Lei nº. 8009. Ressalta-se, portanto, o imprescindível trabalho da Corte no que tange à garania de direitos básicos
à cidadania. Dessa forma, o STJ assume, condizendo com a sua qualidade de Tribunal da Cidadania, o papel de real efeivador de direitos
fundamentais do cidadão, especialmente, no âmbito da presente temáica, o direito à moradia, estabelecido pela Lei Maior de acordo com
as suas implicâncias de ordem infraconsitucional.
A minuciosa análise doutrinária levantada pelo Ministro Luiz Fux impõe a transcrição da ementa em minúcias. STJ Relator: Ministro LUIZ
FUX, Data de Julgamento: 19/04/2005, T1 - PRIMEIRA TURMA.
Ante a problemáica abordada, o que se pode depreender é que, como foi visto, o fenômeno da consitucionalização do direito
civil culminou em uma mudança na forma como deve ser feita a interpretação jurídica, pautada primordialmente pela dignidade da pessoa
humana.
Assim, com a releitura do direito das obrigações, teve-se a incidência determinante da boa-fé objeiva e da função social
do contrato na relação obrigacional, passando a torná-la condizente com os princípios norteadores, à medida que há a exinção da
polarização entre credor e devedor.
Nessa esteira, o que se notou foi que o insituto do bem de família, bem observado por Fachin, em sua teoria sobre o patrimônio
mínimo, busca garanir ao devedor insolvente os meios de possuir uma vida digna. Objeivou-se, pois, salvaguardar a família brasileira,
conferindo-a a segurança do mínimo existencial, condizente com o que preconiza a Consituição da República.
Destarte, o bem de família consitui uma proteção estatal ao devedor, com interferência importante no direito do credor, mas,
ao ser confrontado o direito à moradia e à saisfação do crédito, aquele se mostra de maior relevância, uma vez que possui natureza
fundamental.
Como foi possível observar, o Supremo Tribunal de Jusiça, ao conferir ampliação interpretaiva ao insituto, buscou, assim, a
inalidade precípua da lei de proteger a família. Sendo assim, como visto na jurisprudência da Corte, houve um relevante processo de
extensão protetora do bem de família, a parir da interpretação teleológica da lei, irmando a sua posição como Tribunal da Cidadania.
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RESUMO
Examinam-se, neste arigo, o destaque e a relevância que os direitos humanos estão alcançando, principalmente, com o
aprimoramento do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Através de uma análise sobre seu conceito, suas caracterísicas, suas
classiicações e posições adotadas, ao serem recepcionados pelo ordenamento jurídico interno, esclarecida ica a importância que esses
direitos estão adquirindo. Além disso, o arigo aborda um tópico acerca da prisão civil do depositário iniel, que trará à luz a importância
da Emenda Consitucional nº 45 e uma relexão acerca das teorias de hierarquização dos tratados internacionais de direitos humanos.
Palavras-chave: direitos humanos. hierarquia. direito internacional. consituição federal. depositário iniel. emenda consitucional nº 45.
ABSTRACT
This aricle examines the focus and the relevance that human rights are reaching, especially with the improvement of internaional
human rights law. Through an analysis of its concept, its features, its classiicaions and posiions adopted by the doctrine of the ime it
is introduced into domesic law, clarifying the importance that these rights are acquiring. In addiion, the aricle ends with a discussion
about the civil prison of the unfaithful trustee, which will bring to light the importance of Consituional Amendment number 45 and a
relecion about the hierarchy theories of internaional human rights treaies.
Keywords: human rights. hierarchy. internaional law. consituion. unfaithful trustee. consituional amendment no 45.
1. INTRODUÇÃO
Neste presente arigo, discorrer-se-á acerca dos Direitos Humanos como um todo, através de uma análise de seus vários
aspectos, de suas dimensões e de sua recepção por nosso ordenamento jurídico, assim como será apresentado o caso da prisão civil do
depositário iniel, com sua jurisprudência, seus precedentes e suas consequências.
Inicialmente serão esclarecidas a três possíveis deinições que os Direitos Humanos podem assumir na doutrina: a conceituação
tautológica, a formal e a inalísica, que adota o objeivo que se pretende alcançar com tais direitos como ponto de parida.
Em seguida, serão apresentadas as caracterísicas dos direitos fundamentais, as quais, depois de descritas e esgotadas, levarão ao preciso
entendimento da relevância que atualmente esses direitos alcançaram para a humanidade.
Não obstante, é feito um estudo sobre as dimensões desses direitos, que se dividem em quatro, as quais estão em constante
interação, apresentando complementariedade uma em relação à outra, surgindo em épocas diferentes, de acordo com seus contextos
históricos respecivos.
Apresentar-se-á um embate que é comum no Direito Internacional, o qual diz respeito à soberania dos Estados em relação
às normas contraídas nos tratados internacionais, explicando a caducidade do argumento do princípio da soberania e airmando a
necessidade de se ter um sistema universal de proteção dos direitos fundamentais.
Serão abordadas as teorias de hierarquização dos tratados internacionais, quando recepcionados pelo Direito interno, tendo,
como enfoque, os tratados de direitos humanos. São quatro ao todo: a tese da supraconsitucionalidade, isto é, hierarquia superior à
própria Consituição; a da consitucionalidade material; a da hierarquia supralegal, que é o status inferior à Consituição e superior à
legislação ordinária; a da hierarquia infraconsitucional, ou status de norma ordinária.
Por im, analisar-se-á a questão da prisão civil do depositário iniel, como se chegou à sua ilicitude, os argumentos que irmaram
a tese da supralegalidade e o destaque da Emenda Consitucional (EC) nº 45 em todo esse processo.
No senso comum, a deinição do que seriam direitos humanos é variável e subjeiva, algumas possuindo uma ideia de variedade
de direitos básicos, outras apenas acreditando que seja supérlua tal questão, pois é bem lógico que cada ser humano possui direitos.
Na doutrina especializada, incorre-se na mesma situação de não se encontrar um conceito uniforme, uma vez que basta um simples
exame das deinições existentes para se ceriicar de que a descrição desses direitos não é tarefa fácil (RAMOS, 2005). A conceituação
de Direitos Humanos é, ao mesmo tempo, óbvia e duvidosa, dependendo do ponto de vista que se adota, ao analisar tais termos.
Há três ipos de deinições existentes para explicar o que viriam a ser os direitos humanos (PERES LUÑO, 1995). O primeiro
uma forma abreviada de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana. Esses direitos
são considerados fundamentais porque sem eles a pessoa humana não consegue exisir ou não é
capaz de se desenvolver e de paricipar plenamente da vida (DALLARI, 1998).
faculdades que o Direito atribui a pessoas e aos grupos sociais, expressão de suas necessidades
relaivas à vida, liberdade, igualdade, paricipação políica, ou social ou a qualquer outro aspecto
fundamental que afete o desenvolvimento integral das pessoas em uma comunidade de homens
livres, exigindo respeito ou a atuação dos demais homens dos grupos sociais e do Estado, e com
garania dos poderes públicos para restabelecer seu exercício em caso de violação ou para realizar
sua prestação (PECES-BARBA, 1987).
Ainda mais preciso foi o conceito de Peres Luño, para o qual direitos humanos
Nesse diapasão, os direitos humanos são todas faculdades deixadas ao alcance dos seres humanos para que estes tenham uma
vida digna plena, na medida de suas necessidades.
Para ter uma melhor compreensão da importância alcançada pelos direitos humanos no âmbito internacional, é de muita valia o
estudo das caracterísicas desses direitos, que permiirá o entendimento da consolidação do Direito Internacional dos Direitos Humanos,
com seus muitos tratados, cortes e órgãos assemelhados. Não obstante, servirá de base para conhecimento e aplicação por parte dos
atuantes na área de Direito no Brasil, uma vez que este é signatário de dezenas de tratados de direitos humanos, já reconhecendo a
jurisdição obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Em sede preliminar, será examinada a superioridade normaiva, que é possível de ser compreendida tanto no Direito interno,
quanto no Direito Internacional. No primeiro, as normas de direitos humanos gozam, em geral, de status consitucional, sendo, assim,
superiores às demais normas do ordenamento jurídico, justamente o que se constata no Brasil. Esses direitos estão protegidos e tutelados
na Consituição, e ainda considerados cláusulas pétreas, possuindo, portanto, imutabilidade.
No segundo, por sua vez, essa ideia de superioridade normaiva é nova, pois, nessa instância, é comum criar-se normas que
sejam frutos de acordos mútuos, ou seja, provindas da vontade dos Estados e apenas dependentes desta, todavia,
apesar de recente, é certo que hoje se discute a existência de normas imperaivas internacionais
(ou normas cogentes), que, por conter valores fundamentais da sociedade internacional, só podem
ser derrogadas por normas de igual dignidade (RAMOS, 2005).
O jus cogen é o grupo de normas que possuem conteúdo essencial para a humanidade, possuindo força frente a outras normas
do Direito Internacional. Esse direito imperaivo, que assim se pode chamar, surgiu na doutrina através de debates contra o voluntarismo
existente na esfera internacional, que inicialmente foi criicado por ideias fundadas no Direito Natural, que defende a existência de
normas estranhas à vontade humana, as quais existem independentemente, pois surgem concomitante à humanidade e impõem limites à
liberdade dos Estados em criar tratados. Verdross, jurista alemão, foi um dos primeiros a defender a presença de normas cogentes, com
Pela primeira vez em toda história, a humanidade da Era Nuclear enfrentava o risco do desapa-
recimento, não de um Estado ou outro, mas sim da própria espécie. Além disso, iniciavam-se as
preocupações ambientais, também capazes de ameaçar a sobrevivência da espécie, uma vez que,
como fruto paradoxal da corrida espacial, o homem descobre-se, em plena década de 70, preso
à Terra (RAMOS, 2005).
Como, então, saber que uma norma faz parte do jus cogens, e quem deine que tal norma é cogente ou não? Uma caracterísica
dos direitos humanos é a sua abertura, também reconhecida como principio da não ipicidade, isto é, sempre de acordo com as necessi-
dades humanas de cada período histórico, o rol desses direitos se modiica, com a inclusão de mais alguns.
Outra caracterísica é a indivisibilidade, que corresponde ao entendimento de que os direitos humanos consistem em um único
bloco não passível de reparição, pois todos esses direitos devem ter a mesma proteção jurídica, uma vez que são essenciais para uma
vida com dignidade. Portanto, todos os direitos ditos humanos são jus cogen, já que não podem ser divididos, assim como sua lista não
está esgotada, visto que possuem a caracterísica da abertura, e como é a comunidade internacional que estabelece, em conjunto, quais
são os direitos essenciais à humanidade, por via de consequência lógica, quem deine as normas cogentes também é a comunidade inter-
nacional.
A quarta caracterísica diz repeito à universalidade, que se pode referir a três disintos planos: o da itularidade, que remete
os direitos humanos serem universais, devido aos seus itulares, que são todos os seres humanos, sem disinção de religião, gênero,
convicção políica, raça ou nacionalidade; o da temporalidade, que airma que os direitos humanos são universais, porque os homens
os possuem em qualquer momento histórico; o da cultura, em que os direitos humanos são universais, porque fazem parte de todas as
culturas humanas (PECES-BARBA, 1999).
O arigo 1.o da Declaração de Viena diz que “a natureza universal desses direitos e liberdades não admite dúvidas”, e, em seu
parágrafo 5.o, reconhece a universalidade como caracterísica marcante do regime jurídico internacional dos direitos humanos. Importan-
te notar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos não mencionou a caracterísica da universalidade em sua redação, porque, ao
momento de sua concepção, a Assembleia Geral da ONU contava apenas com a paricipação de 58 Estados, e boa parte da humanidade
vivia sob o jugo colonial.
A Declaração de Viena admiiu, sim, que paricularidades locais de cada Estado, de cada cultura e religião devem ser sopesadas
diante de algum conlito com os direitos fundamentais, mas airmou que é obrigação do Estado proteger os direitos humanos, que são
universais, independentemente de seus sistemas políicos, econômicos e culturais.
Outra caracterísica dos direitos humanos é a interdependência, que se alia ao conceito de indivisibilidade.
A ampliação acelerada do número de direitos protegidos fez nascer, por outro lado, a necessidade
da sistemaização dos mesmos em uma concepção lógica capaz de dar coerência ao conjunto de
direitos humanos protegidos, em especial nos casos de colisão aparente e concorrência entre eles
(RAMOS, 2005).
Nesse deambular, para se evitar qualquer forma de conlito, é necessário interpretar os tratados de direitos humanos em con-
junto, e não separadamente.
Tem-se também a indisponibilidade, como atributo dos direitos humanos, a qual implica entender que esses direitos são irrenun-
ciáveis. Essa indisponibilidade pode ser relacionada a três fatores: a qualidade especial de seu itular, como incapazes, crianças e adoles-
centes; o seu objeto, como bens fora de comercialização e direitos fundamentais da pessoa humana; as relações jurídico-insitucionais,
como o casamento e a família.
Tradicionalmente, a indisponibilidade de um direito fundamental se ancorava no respeito pela ordem pública, mas foi ultrapassa-
da com a consagração da dignidade da pessoa humana no Direito Internacional dos Direitos Humanos e, até mesmo, no Direito interno.
O fundamento da dignidade da pessoa humana traduz a impossibilidade do ser humano se transformar em mero objeto, mesmo que seja
por sua vontade. Dessa forma, torna os direitos humanos indisponíveis, uma vez que estes prezam pela dignidade de todos os indivíduos.
O caráter erga omnes dos direitos humanos é, da mesma forma, necessário de se conhecer. Essa qualidade possui duas facetas:
o reconhecimento do interesse de todos os Estados da comunidade internacional em ter os direitos humanos amplamente protegidos; a
aplicação geral e indiscriminada das normas proteivas a todos os seres humanos, o que implica que todos sob a jurisdição de um Estado
podem invocar tais direitos, sem que a nacionalidade ou seu estatuto jurídico importem, obtendo, assim, acesso às instâncias internacio-
nais de proteção dos direitos humanos (RAMOS, 2005).
Em 1993, a Declaração da Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena, por meio de sua redação, consagrou a crescente
preocupação com a implementação dos Direitos Humanos, tendo em vista que a fase legislaiva de proteção já estava sendo ultrapassada.
Dessa forma, essa Declaração invocou outro atributo dos direitos humanos: a sua exigibilidade.
A implementação dos direitos fundamentais é o desaio atual que se apresenta a toda comunidade internacional. A Convenção
Como penúlimo atributo, tem-se a proibição do retrocesso, que traduz a ideia de que não é permiido regredir na seara dos
direitos humanos. É vedado aos Estados que diminuam ou amesquinhem a proteção já alcançada por esses direitos, assim como não é
autorizado que novos tratados os imponham restrições e diminuições.
Finalmente, a úlima caracterísica dos direitos humanos é a sua eicácia horizontal, que é a aplicação dos direitos fundamentais
nas relações entre pariculares, sem a necessária mediação de uma lei.
Existem duas modalidades de eicácia horizontal de normas de tratados internacionais de direitos humanos: a primeira diz
respeito ao reconhecimento no próprio tratado da possível aplicação desses direitos às relações entre pariculares; e a segunda consiste
em haver iscalização coninua sobre o cumprimento das obrigações dos Estados em prevenir e sanar as possíveis violações dos direitos
humanos em seu território.
Essa ideia de aplicação horizontal dos direitos humanos se confronta com a tese liberal, que airma serem esses direitos ape-
nas de defesa contra o Estado, somente possibilitando sua inserção nas relações vericais (indivíduo-Estado). Consequentemente, esse
posicionamento liberal não permite uma eicácia plena dos direitos fundamentais, ignorando a importância de cada individuo poder, sem
qualquer necessidade de mediação, invocar os direitos e garanias individuais nas suas relações privadas.
Inicialmente, é bastante adequado esclarecer o embate que há sobre os termos “dimensão” e “geração” de direitos humanos.
Aquele vem subsituindo este na doutrina, devido a várias críicas pelo fato da palavra “geração” acarretar uma ideia temporal, fomentan-
do, no raciocínio humano, ao estudar mencionado tema, o entendimento de que a segunda geração de direitos ultrapassou a primeira,
assim como a terceira fez sucumbir a segunda. O que realmente não acontece. No lugar de sucessão de direitos, há uma acumulação
(BONAVIDES, 1993). Uma geração não sucede a outra, mas com ela interage, estando em constante e dinâmica relação (PIOVESAN,
1998).
Assim, toma-se o devido cuidado para que se enfaize a questão da complementariedade, in-
terdependência e indivisibilidade dos direitos humanos, princípios que têm sido enfaizados nas
conferencias internacionais relaivas a esses direitos (BORGES, 2014).
É importante compreender também que os direitos humanos, na modernidade ocidental, são frutos históricos de lutas associa-
das a movimentos burgueses na Europa e nos Estados Unidos, e não, como os jusnaturalistas defendiam, direitos provindos da própria
natureza, pré-exisindo ao direito posiivo.
A primeira dimensão de direitos humanos engloba os chamados direitos de liberdade, que são aqueles que invocam, majoritaria-
mente, as prestações negaivas do Estado, com o intuito de proteger a esfera da autonomia do individuo. Necessário é prestar atenção ao
“majoritariamente”, pois, em certas situações, exige-se uma posição aiva do Estado, para que se garanta a proteção desses direitos. Fazem
parte desse grupo os direitos civis e políicos. São produtos das revoluções liberais do século XVIII na Europa e nos Estados Unidos.
A maioria dos autores ainda defende uma quarta dimensão, que é resultado da globalização dos direitos humanos, tendo como
integrantes os direitos de paricipação democráica (democracia direta), de informação e direito ao pluralismo (BONAVIDES, 1997).
A proteção dos direitos humanos integra o contemporâneo espaço do Direito Internacional, pois, quando se posiiva os direitos
fundamentais em convenções e declarações universais, eles passam a ser reconhecidos simultaneamente para toda a humanidade. Hoje,
temos no Direito Internacional um estabelecido rol de direitos humanos que são protegidos através de mecanismos, também consolida-
dos, de supervisão e controle das ações prevenivas ou correivas de violações a esses direitos por parte dos Estados (RAMOS, 2005).
Isto posto, não é mais aceitável as alegações estatais airmando que a proteção desses direitos é de exclusivo domínio seu, e que
possíveis averiguações internacionais da sua situação interna ofenderiam ao principio da soberania dos Estados. “Com efeito, a crescente
aceitação de obrigações internacionais no campo de direitos humanos consagrou a impossibilidade de se alegar competência nacional
exclusiva em tais matérias” (RAMOS, 2005).
ainda que por sede argumentaiva se queira recorrer aos padrões clássicos de soberania, é
necessário ser destacado que mesmo a atuação nacional na celebração de tais tratados é
manifestação da aividade soberana do Estado (CHOUKR, 2001).
Portanto, a proteção alcançada pelos direitos fundamentais no campo internacional é fruto do exercício pleno da soberania dos
Estados, que, através de experiências históricas, perceberam sua impotência na absoluta tutela desses direitos com apenas seus próprios
mecanismos.
6 TEORIAS ACERCA DA HIERARQUIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO DIREITO INTERNO
A escolha sobre qual teoria de hierarquia dos tratados de direitos humanos seja a mais adequada dentro de cada ordenamento
interno é uma questão de diícil solução diante dos fortes argumentos em defesa de cada uma delas. Há, na doutrina nacional, quatro
posicionamentos sobre a hierarquia dos tratados de direitos humanos: a tese da supraconsitucionalidade, isto é, hierarquia superior à
própria Consituição; a da consitucionalidade material; a da hierarquia supralegal, que é o status inferior à Consituição e superior à
legislação ordinária; a da hierarquia infraconsitucional, ou status de norma ordinária.
A teoria da supraconsitucionalidade atribui aos tratados de direitos humanos posição superior à Consituição. A doutrina que a
defende atenta, especialmente, para o arigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, o qual dispõe sobre a impossibili-
dade de o Estado invocar regras do Direito interno para deixar de cumprir um tratado internacional. Além disso, o princípio da boa-fé, que
é, no Direito Internacional, acolhido de forma majoritária pelos Estados, orienta o não descumprimento das normas previstas em tratados
internacionais.
Apesar de ser uma situação já paciicada, é de muita importância sua análise, para compreender a adoção da teoria da suprale-
galidade para os tratados internacionais de direitos humanos, assim como para quesionar se o aludido posicionamento realmente foi o
mais adequado. Ainal, o direito é uma área de conhecimento extremamente mutável, pois seu curso se move paralelamente ao momento
histórico de cada país.
O depositário iniel é aquele que recebe a incumbência judicial ou contratual de zelar por um
bem, mas não cumpre sua obrigação e deixa de entrega-lo em juízo, de devolvê-lo ao proprietário
quando requisitado, ou não apresenta o seu equivalente em dinheiro na impossibilidade de
cumprir as referidas determinações (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014).
Pois bem, a prisão civil do depositário iniel era permiida pelo arigo 5.o, em seu inciso LXVII, da Consituição Federal, assim
como a prisão civil por inadimplemento inescusável do débito alimentar, esta, porém, permanece lícita.
Não obstante o Brasil ser signatário do Pacto de San José da Costa Rica, e este permiir apenas a prisão civil por débito alimen-
tar, o Supremo Tribunal Brasileiro adotou a postura de permissividade para a prisão do depositário iniel, como estabeleceu o Ministro
Mauricio Correa no julgamento do HC 75.512-7/SP:
Os compromissos assumidos pelo Brasil em tratado internacional de que seja parte (paragrafo
2.o, do arigo 5.o, da Consituição) não minimizam o conceito de soberania do Estado-Povo na
elaboração de sua Consituição: Por esta razão, o Pacto de San José da Costa Rica (ninguém deve
ser deido por divida: este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente
expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar) deve ser interpretado com as
limitações impostas pelo arigo 5.o, inciso LXVII, da Consituição.
Entretanto a Emenda Consitucional nº 45, de 2004, veio a mudar o posicionamento do STF em relação à matéria. Como já
apontado no tópico passado, a parir dessa emenda, adotou-se no Brasil a teoria da supralegalidade dos tratados de direitos humanos e
a do status consitucional para aqueles que fossem aprovados no Congresso como emendas.
Assim, a prisão do depositário iniel não foi especiicamente considerada inconsitucional, pois
sua previsão segue na Consituição (que é considerada, pelo STF, superior aos tratados), mas foi
considerada ilícita, pela ausência de norma legal valida a lhe respaldar (GAGLIANO; PAMPLONA
FILHO, 2014).
Dúvidas são levantas acerca da existência ou não, então, de uma sanção para o depositário iniel, visto que sua prisão foi con-
siderada ilícita.
Mas a solução é bem simples: a conduta deve ser rechaçada com a exigência judicial da obrigação correspondente, através da
tutela especiica da obrigação de fazer.
Isso tudo sem prejuízo do enquadramento da conduta em ipo penal próprio, seja de apropriação
indébita, seja de disposição alheia como própria (nos termos do arigo 55 da Lei nº 10.931, de
2 de agosto de 2004, c/c o arigo 171, paragrafo 2.o, inciso I, Código Penal), cabendo a devida
noiia criminis a autoridade competente (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014).
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através deste arigo é possível compreender a relevância dos direitos humanos no plano nacional e internacional, a parir de
uma detalhada explicação sobre: seu conceito, que são vários, dependendo do objeto que enfoca; suas caracterísicas, que totalizam
doze; suas dimensões, em que foi possível discernir a diferença entre dimensão e geração de direitos humanos, tendo em vista que a
úlima criava uma ideia de ultrapassagem, de superação de um grupo de direitos em relação aos outros, assim como foi importante para a
compreensão do contexto histórico no processo de aquisição desses direitos; sua problemáica, que envolve o princípio da soberania dos
Estados; sua hierarquização (quando inscritos em tratados internacionais) ao serem recepcionados no Direito interno, que possui quatro
correntes ideológicas com fortes argumentos cada uma.
Ao inal, encontra-se um resumo da história jurisprudencial da prisão civil do depositário iniel, que tem o intuito de expor po-
sicionamento que o STF vem adotando em relação aos tratados internacionais de direitos humanos, com destaque para o julgamento do
HC 75.512-7/SP, assim como demonstrar o presígio que os mesmos estão adquirindo com o constante crescimento do Direito Interna-
cional.
Importante foi perceber o que a Emenda Consitucional nº 45 acarretou na jurisprudência do nosso país, consolidando a tese
da supralegalidade, que antes sofria uma forte concorrência com a corrente da consitucionalidade material.
Ainda mais relevante é saber que nada é para sempre, muito menos no campo do Direito, que posições novas poderão ser
adotadas de acordo com as necessidades humanas, que novas teorias surgirão, assim como novos casos serão postos à prova, e novos
direitos serão originados. Cumpre, porém, ressaltar o princípio da proibição ao retrocesso, que é a única exceção a essa caracterísica
costumeira do Direito, de estar modiicando-se a todo tempo.
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dívida do depositário iniel: estudo analíico a parir do sistema global e regional de proteção. João Pessoa, 2014.
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SARLET, Ingo Wolfgang. A eicácia dos direitos fundamentais. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
RESUMO
Argumenta-se, acerca das disintas formas de inserção de crianças em famílias adoivas, explicitando as diiculdades e conquistas
jurídicas e sociais da homoparentalidade. Da veriicação do aparecimento de um conceito hodierno de família, considerado e embasado
na igualdade de direitos, na relevância dos bens jurídicos tutelados, como também na ausência de normaização por lei que regularizem
situações desta natureza, além dos aspectos e embasamentos que estabeleçam uma orientação de tão notável e moderno direito.
Veriicamos que o real norte em que se alicerça o direito à adoção por homoafeivos é, sem muitas delongas, o respeito a inúmeros valores
fundamentais, diversos princípios gerais que norteiam o direito no Brasil, concomitante a recomendação e obediência aos princípios
conidos no texto da Consituição Federal de 1988, tais como a dignidade da pessoa humana e da isonomia.
ABSTRACT
We argue about the diferent forms of inserion of children in foster families, explaining the diiculies and legal and social
achievements of homoparenthood. About the appearance of a concept for family nowadays, considered and grounded in the rights
equality, in the relevance of the protected legal assets, as well as in the absence of a regulaion by the law, to normaize such situaions,
besides the aspects and fundaments that establish a policy of a so remarkable and modern law. We veriied that the real north in which is
the bases of the right of adopion by homosexual couples, is without no more ado, the respect to numerous fundamental values, several
general principles that guide the Law in Brazil, concomitant to the recommendaion and obedience to the principles containing in the text
of the 1988 Consituion, such as the Human Being Dignity And the Isonomy.
1. INTRODUÇÃO
O reconhecimento das mais diversas relações afeivas inseridas no amplo conceito de família abarcado pelas inovações trazidas
no texto da Consituição Federal de 1988 consente à união estável, que, embora não tenha surgido na égide de um casamento, seja
observada com equanimidade a este. Acarretando a extensão da concepção de família, colocando-se diante de moldes familiares que
não sejam apenas aqueles ordenados segundo critérios categóricos que esipulavam caracterísicas inlexíveis dos aspectos e modelos de
formação de laços que poderia ser aproveitado pelo conceito de família.
O conceito tradicional de família exclui as relações homoafeivas, tratando-o de forma taxaiva, que é limitado aos relaciona-
mentos que envolvam homem e mulher, condicionando, de igual maneira, a adoção. Tal ixação incoerente originou diversas discussões
que ponderam parâmetros nos campos éicos e jurídicos, objeivando interpretar o conteúdo da lei de forma menos disiniva e desigual,
adequando as normas às constantes alterações sociais que englobam as diversas vertentes que compõem a sociedade, bem como aos
valores que norteiam os princípios do direito e as relações de cidadania, possibilitando uma nova deinição legal de família, que tutele os
mais diversos arranjos familiares.
Deve-se percorrer os caminhos da dignidade e do respeito, da impossibilidade de disinção do tratamento legal aos cidadãos,
da coerência da aplicabilidade das normas jurídicas e do enquadramento desta recente análise de nova deinição de família na letra da lei,
o que obviamente sanaria decisões judiciais infundadas e eivadas de preconceito e intolerância, que obscurecem as transformações que
ocorrem no campo social em vez de adequar-se a essas.
O que se pretende é o posicionamento determinante que deve ter o Estado para a observância dos princípios consitucionais
que oferecem agasalho a todos sem diferenciação de raça, cor, sexo entre outros. Há de se depreender a importância da dignidade da
pessoa humana no que se refere ao adotando e adotante. Necessita-se de exploração da sensibilidade do legislador quanto à edição
de norma reguladora, no que concerne à homoparentalidade e ao reconhecimento das relações homoafeivas, pondo em práica, dessa
forma, a sua sensatez às mudanças que ocorrem na modernidade em nossa sociedade e, acima de qualquer outro ponto, validar o que já
é preceituado nos princípios informados pela Carta Magna de 1988.
¹Graduando do décimo período de Direito. Professor da Rede Pública. Pesquisador na área de Direitos Humanos e Direitos Homoafeivos.
É habitual, no meio social, considerar-se como família apenas a nuclear, composta por casais heterossexuais, com capacidade de
procriar, no entanto, atualmente, pode-se averiguar, de forma percepível, que não se pode restringir o conceito de família a uma visão
singular, mas, ao contrário, deve-se ter uma abrangência plural, pois, são, cada vez mais, presentes outros ipos de arranjos familiares, os
quais não podem ser ignorados nem socialmente nem legalmente.
A deinição de iliação, pelo fato da valorização jurídica que detém a afeividade, não se resume ao vínculo estabelecido entre
uma pessoa e os seus genitores biológicos. Devido à extensão trazida pelo arigo 227, §6º da Consituição Federal de 1988 de que os
ilhos havidos na constância do casamento ou não e os adoivos seriam equiparados no que se refere aos direitos, vislumbra-se que se
essa nova realidade consitucional patrocina o resguardo das mais disintas formas de se consituir laços familiares, norteando a ixação
de um tratamento isonômico, sem disinção para com os ilhos, sendo eles biológicos ou não.
Desta forma, não é mais novidade a existência de famílias compostas por pessoas do mesmo sexo, assim, o não reconhecimento
deste novo formato de composição familiar é o mesmo que é o mesmo que engessar a noção de família e, por consequência, negar as
transformações sociais que ocorrem no mundo contemporâneo e sustentar uma formalidade que insiste em permanecer estanque e
contrária ao desenvolvimento de normas que disciplinem matérias de interesse social. Procedendo-se desta maneira, nega-se, de forma
banal e incoerente, as diversas mutações sociais, inviabilizando-se a adequação da legislação a temas relevantes e contribui-se para o
endurecimento e perpetuação de um conceito de família tradicional e imutável, que fere os preceitos consitucionais de igualdade e
encontra-se longe do princípio da afeividade, fortalecendo a cultura do preconceito, o que acarreta repercussões sociais, conforme
analisa Zambrano (2006):
Cabe ressaltar que as famílias homoparentais já existem há muito tempo na realidade social, como demonstra
a quanidade de pesquisas feitas sobre elas há trinta anos, faltando apenas o seu reconhecimento legal.
Recusar chamar de “família” esses arranjos e negar a existência de um vínculo intrafamiliar entre os seus
membros (ainda que esses vínculos possam ter um aspecto extremamente polimorfo e variado) signiica
“ixar” a família dentro de um formato único, que não corresponde à diversidade de expressões que ela
adotou nas sociedades contemporâneas (ZAMBRANO, 2006, p. 14).
Percebe-se que ainda há certa resistência para que a homoparentalidade seja abarcada e depreendida na ideia de enidade
familiar. Embora já se possam visualizar algumas decisões do Poder Judiciário que interpretam e ceriicam ser as relações homoafeivas
compreendidas como enidade familiar, faz-se necessário que haja uma aitude por parte do legislador em regulamentar por força de lei
o assunto sub examen.
Inicialmente, faz-se indispensável à conceituação do que seria a homossexualidade à apreciação do que seria a homossexualida-
de. Segundo a deinição dos dicionários mais tradicionais, seria a esipulação de relação de ainidade com indivíduo do mesmo sexo. Nos
estudos do médico Benkert, da Hungria, a palavra advém da junção do grego homo (semelhante) com o vocábulo laino sexus (sexualidade
semelhante).
A práica homoafeiva não é tão recente, pois, na história mais longínqua, já se o vislumbrava, mesmo que de forma implícita, nos
mais diversos contextos históricos vivenciados pela humanidade. Há os mais variados e diferentes entendimentos, explicações e esclare-
cimentos acerca das relações homoafeivas. Estudiosos de diversas áreas da ciência ponderam, das maneiras mais disintas, tal matéria,
porém o que se deve salientar é que a sociedade percebe, ver o aumento de tais relações, mas, por inúmeras vezes, adstringem-se de
aceitar, o que não é diferente para muitos juristas.
Na atualidade, deparamo-nos com diversos escritores e pensadores que imputam as mais diferentes relações, personiicações e
caracterísicas, muitas delas, inviáveis e indutoras de atos preconceituosos, por assimilarem por imorais e anissociais, vendo as relações
homoafeivas como deturpadora dos valores adquiridos pela humanidade. De alinhamento contrário, existem aqueles que conceituam
tais relações afetuosas como ensejadoras de tolerância e respeito às diferenças, como uma questão que envolve todos os cidadãos e
que direcionam a observância dos direitos humanos e sociais englobados nas mais diferentes disposições legais existentes. O primeiro
posicionamento exposto nos afasta do caráter moderno que tem a sexualidade, da liberdade e da dignidade da pessoa humana.
A mais precisa e elogiosa regra noiciada pela Consituição Federal de 1988 é a observância à dignidade da pessoa humana, que
orienta e norteia todo o sistema jurídico brasileiro. Essa regra se reveste de valor axiológico, que deve ser obedecido e resguardado.
O arigo 1º, inciso III do texto consitucional pressupõe ser o respeito à dignidade da pessoa humana a conjectura do Estado
Democráico de Direito. Ao vedar atos discriminatórios e de preconceito, uniformizam a compreensão de efeividade dos Direitos
Fundamentais ensejados pela liberdade e isonomia dos inclusos em sociedade, conjunto este legiimado pela fraternidade e pluralismo.
O arigo 5º da Consituição Federal de 1988 merecidamente preceitua a igualdade de todos perante a lei sem aceitação de
disinção de qualquer natureza.
Faz-se mister a lembrança de que a igualização das uniões entre pessoa do mesmo sexo e de sexos opostos na atualidade,
por meio de inúmeras decisões judiciais e a possibilidade inclusive de se formalizar a união por meio do casamento é prova da efeiva
aplicação dos princípios da não-intervenção estatal na formação de enidades familiares, bem como o princípio da afeividade que
inaugura no Direito de Família brasileiro a amplitude das relações familiares, esipulando ir além de uma mera composição patrimonial ou
aim.
O princípio da não-intervenção previsto no arigo 1.513 do Código Civil que vigora, autua a impossibilidade de intervenção, seja
de pessoa de direito público, ou privado, na comunhão de vida consagrada pela família. Por assim dizer, afasta, salvo, em aplicabilidade de
políicas públicas, a imperiosidade de quaisquer entes que sejam no planejamento familiar.
O norte das relações no âmbito familiar é fundamentado por vias afetuosas, e assim deve ser, pois o afeto, como esclarece
Tartuce, deriva-se da valorização da dignidade humana, dever a ser prezado e respeitado. Apresenta-se a afeividade em seus senidos
estreitos e amplos em inúmeras decisões judiciais que consideram a parentalidade sociofeiva, prevalente sobre o vínculo biológico.
Dessa forma, os novos parâmetros familiares traçam novas deinições às famílias, trazendo conceituação de acordo com o
meio social no qual se insere. Coninuamente a essa aplicabilidade, o princípio da afeividade nas relações de cunho familiar traz a
concepção de que a composição de lares por homoafeivos torna real e conciso e os paradigmas de caráter afeivo, ao se jusiicar que,
com a pluralização do peril das estruturas familiares, não mais se pode impor uma composição matrimonializada, arcaica, inservível as
demonstrações de relacionamentos extramatrimoniais que devem ter sua legiimidade aferida.
A visibilidade de tantos vínculos merece proteção jurídica, pois, ao contrário, teríamos uma postura eminentemente discrimina-
tória. De fato, o afeto nutre vínculos, soluciona conlitos, ameniza diferenças e digniica a convivência. Não há jusiicaiva ao silêncio do
legislador. Passando duas pessoas a conviver harmoniosamente de forma duradoura, pública e conínua, compondo um núcleo familiar,
deve este ser juridicamente revesido de efeitos legais. A postura de algumas normas é obviamente rígida e inlexível, pois o afeto que une
pessoas merece amplitude e quebra de paradigmas morais, sociais e jurídicos, caso contrário, estar-se-á fadado à inércia e a prepotência
onde os preconceitos e injusiças logram êxito em detrimento do surgimento de evoluções e do inquesionável princípio da afeividade,
que rege as relações modernas.
Os posicionamentos de proissionais da Psicologia e ains são um pouco divergentes e não se consegue ter uma ou outra como
adequada ou inadequada. Os posicionamentos de proissionais da Psicologia e ains são divergentes, não possibilitando ter um ou outro
entendimento como adequado ou inadequado diante de tema completamente envolvedor de debates.
Uma primeira corrente se contrapõe à permissão e à admissão do reconhecimento por parte da sociedade e do legislador, no
que se trata da união de casal homoafeivo e do exercício da parentalidade pelos mesmos. Anatrela, adepto dessa corrente, vê a questão
da práica homossexual como um tema paricular e privaivo, compreendendo-a como sinônimo de devassidão, ao mesclar suas visões
religiosas e psicanalistas.
O jurista e psicanalista Pierre Legendre tem a mesma concepção de caracterizar como uma imoralidade a homossexualidade,
concebendo-a como indigna de aceitação legal.
Mesmo uilizando-se de vocábulos envolvidos do linguajar de suas áreas proissionais, os argumentos desses críicos são
reacionários, pois essa preleção é completamente protetora do esilo de família clássica, e se baseiam em hábitos e costumes meramente
fundamentados em lições religiosas.
Há outra corrente que não se posiciona a respeito das relações homoafeivas, ou mesmo a respeito da homossexualidade, porém
se contrapõem à ideia de homoparentalidade, embasando sua oratória no senido de que a dessemelhança dos sexos está no centro das
representações idenitárias, sendo assim, as crianças adotadas por homoafeivos teriam objeção de se idealizar e de imaginar-se geradas
exteriormente a esta disinção. Em decorrência deste discurso, pode-se dizer que para esta corrente a convivência da criança com
pessoas de sexos idênicos exinguiriam os princípios antropológicos da composição da ainidade que se deriva parentesco, da família e
da imaginação de procriar. Tal corrente se apoia na abstração de que os pais homossexuais refutam da criança a disinção entre os sexos
e impede a relação com pessoas do sexo contrário, o que é uma conirmação sem nenhum rudimento teórico.
Por im, a psicanalista e historiadora da Psicanálise Elizabeth Roudinesco e a psicanalista e antropóloga Geneviève Delaisi de
Parseval oferecem um pensamento inverso à aplicação de uma postura psicológica e psicanalíica para se opor as mais inovadoras formas
de composição familiar. Prezam não ser conveniente e de competência dos psicanalistas formarem e deliberarem juízos valoraivos de
moralidade, ao apreciarem diversas categorias de famílias implantadas no convívio da sociedade, mostrando ser valioso aceitar os novos
A legislação brasileira não tutela, de forma explícita, as famílias compostas por pessoas do mesmo sexo, omiindo, então, uma
questão social hodierna, o que agrava ainda mais a realidade dos que compõem as relações homoparentais. Desse modo, reconhecendo
apenas a existência de vínculo familiar nas iguras de um pai e uma mãe, exclui esta nova organização, excluindo destes a proteção estatal,
o que acarreta a privação de vários direitos e deveres. Sobre tal realidade social, Dias (2000) aduz o seguinte:
Como sempre, na ordem comum dos acontecimentos, em uma perspeciva histórica, o fato social
antecipa-se ao jurídico, e a jurisprudência antecede a lei. Mesmo que não se aceite a existência de uma
família homossexual, mesmo que não se queira ver uma enidade familiar para aplicar-lhe a legislação in-
fraconsitucional a ela referente, existe um interesse merecedor de proteção. A omissão do legislador não
deve servir de obstáculo à outorga de direitos e imposição de obrigações às relações homoeróicas (DIAS,
2000, p. 45).
Porém, não se lobriga nenhum obstáculo tão invencível assim para a efeiva adoção por parte de pessoas do mesmo sexo.
Ao interpretar o texto da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e o Adolescente (ECA), quanto às possibilidades
e orientações para a adoção, não se visualiza nenhum estorvo ou óbice para a concreização de adoção por casais do mesmo sexo
que componham uma estrutura familiar, por não ser apresentado pelo texto da lei supracitada qualquer impedimento expresso ao
homossexual, não exigindo, assim, de forma clara uma orientação sexual especíica como requisito para candidatar-se ao processo de
adoção. O art. 42 da lei anteriormente citada dispõe apenas o seguinte: “podem adotar os maiores de 21 anos, independentemente de
seu estado civil”.
O requerimento de interesse em adotar deve ser examinado com esmero, levando em consideração o interesse exclusivo da
criança pelo que esclarece o art. 43 do ECA, “a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em
moivos legíimos”. Dessa feita, pelo que se pode depreender do texto legal, percebe-se que, se a adoção for postulada por uma pessoa
homossexual de forma individual, isto é, sem ser conjuntamente com seu companheiro (a), não há obstáculo algum, mesmo que nesse ipo
de situação as apreciações feitas pelos psicólogos e assistentes sociais que acompanham o processo de adoção sejam mais rigorosas.
No que se refere à adoção pelo casal homoafeivo, o desfecho pode ser bem diferente, haja vista que a comprovação de união
estável e os óbices que são enfrentados são vários, principalmente o levantamento de prejuízos comportamentais, afeivos e sociais,
de forma geral, que podem ser causados ao adotado. Consequentemente, tal proposição de vontade de adotar por parte dos casais
homoparentais é bem mais diicultosa, no entanto o ECA, em seu art. 42, § 2º, preconiza o seguinte: “A adoção por ambos os cônjuges
ou concubinos poderá ser formalizada, desde que um deles tenha completado vinte e um anos de idade, comprovada a estabilidade
da família.”. Diante de tal disposição legal, Lorea (2005, p. 37-44) analisa que a solicitação de adoção não necessariamente deve ser de
parceiros que tenham formalizado o casamento.
O maior embaraço legal encarado pelos que formam famílias homoparentais é justamente o que está disposto no art. 1.622,
do Código Civil Brasileiro, ou seja, a previsão de que aqueles que comprovem união estável po podem adotar, haja vista o art. 226, § 3º,
CF/88 reconhecer como enidade familiar a união estável entre homem e mulher. Ao inal do parágrafo poderia ser acrescido o seguinte:
tais disposiivo legais criam obstáculos para a dupla realização de um sonho: de um lado, o das crianças que desejam ter um lar; de outro,
o dos casais homoafeivos que desejam ter um ilho.
Expostas estas informações legais, é importante analisar o que reza o texto da própria Consituição Federal em seu art. 3º, inciso
4º, que explicita ser o objeivo da República Federaiva do Brasil “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação.” Ora, estar-se-ia diante de uma contradição legal. No momento prefere-se sem plantar
dúvidas, esclarecer que devemos zelar pela aplicação do previsto pela Carta Magna.
A Corregedoria Geral da Jusiça do Estado do Rio Grande do Sul esipulou um provimento administraivo sob nº 06/2004,
que torna possível que uniões estáveis comprovadas, que envolvam pessoas do mesmo sexo sejam objeto de registro civil, dessa forma,
inferimos ser incontestável a adoção pelos companheiros que comprovem a união estável, sem disinguir sua preferência sexual, em
Portanto, seria desconexo concluir que a adoção por uma família homoafeiva traz prejuízo ao adotado, pois essas enidades
familiares também podem ser insituídas com pressupostos referenciais de respeito e de decoro mútuos.
As decisões jurisprudenciais têm irmado a capacidade de adotar por casais do mesmo sexo e fortalecido o parecer de que o bem-estar
do adotando deve ser visto como primordial, fundamentando-se no princípio da dignidade da pessoa humana. O Ministro do Supremo
Tribunal de Jusiça Luis Felipe Salomão no seu posicionamento do REsp 889852 explicita o seguinte:
Os diversos e respeitados estudos especializados sobre o tema, fundados em fortes bases cieníicas
(realizados na Universidade de Virgínia, na Universidade de Valência, na Academia Americana de Pediatria),
‘não indicam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais
importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as
liga a seus cuidadores. (STJ - REsp: 889852 RS 2006/0209137-4, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,
Data de Julgamento: 27/04/2010, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/08/2010).
Salomão ainda expõe: “A adoção, antes de mais nada, representa um ato de amor, desprendimento. Quando efeivada com o
objeivo de atender aos interesses do menor, é um gesto de humanidade [...]”.
Importante apresentar tabela que trata do tema homossexualidade, da união estável entre esses e homoparentalidade. Tais dados
nos orientam para a compreensão da realidade sobre os temas anteriormente elencados. A cada dia, o número de casais homessexuais
que buscam o processo de adoção aumenta, e isso, por ser algo concreto, precisa de atenção cuidadosa.
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A adoção é vista como o insituto jurídico que com entendimentos jurisprudenciais da atualidade mais se lexibiliza, pois, de
forma a garanir os direitos inerentes à criança e ao adolescente que não estão no aconchego de um lar, por muitas vezes, têm de ser
afastados os fundamentos mais preciosos para um ser humano, que são inclusive tratados por lei, tendo sido matéria relevante nos
processos de adoção, ao levar em consideração o princípio da afeividade, que é bastante presente nas relações familiares na atualidade,
e o princípio do melhor interesse da criança. Entendimentos modernos de juristas e operadores do direito tem se fortalecido no senido
de oferecer afeto, lar, educação e acima de tudo o beneício de uma família aos adotandos.
A adoção inicia o surgimento de novos debates e entendimentos mais diferenciados possíveis, no que se refere aos assuntos
concernentes às crianças e adolescentes. Centrando-se nos senidos expressivos dos fundamentos disponibilizados pelas convicções e
elementos reunidos nas disposições legais, em especial o consitucional, a temáica, embora muito discuida ainda, não proporcionou uma
modiicação ou adequação de normas que a regularize.
O mais autênico norte, no tocante às relações homossexuais, assim como dos laços iliais que se derivem destas, é a reverência
ao que disciplina a igualdade e a deferência ao princípio da dignidade da pessoa humana, revesidos de inúmeros outros valores e
fundamentos principiológicos que orientam o direito.
Nessa conjuntura, com a intenção de deferir as mais recentes modiicações sofridas pela sociedade, concomitante ao respeito
que exige a dignidade, direito inerente a todo ser humano, surge a necessidade de democraização do que se entende por enidade
familiar, oferecendo a lexibilidade de que se precisa para tratar as relações que se construam com afeividade ao que se pode denominar
“família”, enquadrado, dessa forma, aos mais modernos surgimentos de relações afeivas e estáveis.
Assegurados pela igualdade diante da lei sem disinções, faz-se necessário, para que tal preceito se desdobre efeivamente entre as
pessoas, que as relações homoafeivas sejam analisadas como a liberdade que cada cidadão detém de realizar suas próprias escolhas,
harmonizando a convivência dos que tendem a se relacionar com pessoas do mesmo sexo à humanização de ser tratado como igual, e não
um disinto. Por consequência, proporcionando aos homoafeivos a possibilidade de oferecer de forma conjunta um lar, afeto e respeito
aos ilhos que possam vir a adotar, compondo, então, sua família, baseada nos valores inerentes a cada ser humano, objeivando a não
diferenciação de tratamentos por orientação sexual e esipulando o devido respeito e a quebra do preconceito.
O que se estranha é justamente o vácuo legal que se nota na hodiernidade, a não apropriação de regras que normaizem tal
temáica, deixando, assim, tais seres humanos distantes de uma sociedade que se abstém de aceitar o que já não é tão incomum.
A compreensão de problemas sociais, comportamentais e psicológicos que possam ser sofridos pelos adotados por casais homoafeivos
é a mais estúpida explicação que se possa ter e a maior visualização do preconceito impregnado nos conceitos valoraivos de uma
civilização.
O que se pretende é a perseguição do direito de os homossexuais serem equanimente tratados e não colocados à margem
social. A ausência de empenho por parte do legislador é facilmente percepível, só restando amargar uma provável sensibilização quanto
ao tema e esperar uma alteração que emende a Consituição e que modiique a depreensão da união estável.
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RESUMEN
La introducción del concepto “daño al proyecto de vida” dentro de las sentencias de reparaciones de la Corte Interamericana
de Derechos Humanos, pretendía abrir las puertas a mecanismos de reparación más complejos que abonaran a lograr un nivel máximo
de resituio in integrum; sin embargo, los constantes cambios y contrastes dentro la línea jurisprudencial en la materia al día de hoy,
implican un reto al dilucidar de qué forma debe abordarse la valoración y reparación del daño al proyecto de vida, llegando incluso a ser
cuesionado si este concepto de reparación realmente responde a una necesidad jurídica imperiosa.
Palabras clave: Corte Interamericana de Derechos Humanos. Reparaciones. Daño al proyecto de vida. Daños inmateriales.
ABSTRACT
The introducion of the concept of “damage to the life project” into the repair judgments of the Inter-American Court of Human Rights,
intended to open the door to mechanisms of repair of a higher complexity in order to reach the maximum level of resituio in integrum.
However, the constant changes and contrasts in the precedents in the mater, represent a challenge to stablish how the damage to the
project of life should be evaluated and repair, or even if this concept really responds to any ideniiable legal need.
Keywords: Inter-American Court of Human Rights. Reparaions. Damage to life project. Immaterial damages.
1. INTRODUCCIÓN
Uno de los imperaivos categóricos que rige al Derecho Internacional, es que la trasgresión de alguna de las normas u obligaciones
que conforma el corpus iuris de la materia, es decir, un acto ilícito internacional, genera responsabilidad para el sujeto de derecho que,
mediante una acción o una omisión, haya incumplido las obligaciones pactadas, lo que conlleva la inexcusable obligación de reparar el
daño.
Al hablar de los Sistemas Internacionales de Protección a Derechos Humanos, este imperaivo implica un tratamiento paricular,
pues la obligación de reparar no se exige entre los sujetos obligados, eniéndase Estados Parte, sino que la trasgresión de la obligación
internacional contraída, afecta la esfera jurídica de un individuo o grupo de individuos en paricular, respecto de quien o quienes, el E
stado trasgresor, iene la obligación de indemnizar por los daños ocasionados.
Para que dicha obligación pueda ser efeciva, es necesario acreditar la responsabilidad internacional del Estado, la cual se
compone de 3 elementos:
a) Una acción u omisión que viole una norma internacional de derechos humanos.
b) Que dicha acción y omisión sea atribuible al Estado, de manera directa o indirecta, es decir, que se tenga por acreditado que fue
comeida, ordenada o tolerada por agentes estatales.
c) Que ésta, cause un daño ísico, material o moral a un sujeto o grupo de sujetos paricularizado.
En el Sistema Interamericano de Protección a Derechos Humanos, la obligación de reparación se encuentra recogida en el
arículo 63.1 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos (CADH), cuya literalidad dispone:
“Cuando decida que hubo violación de un derecho o libertad protegidos en esta Convención, la Corte
dispondrá que se garanice al lesionado en el goce de su derecho o libertad conculcados. Dispondrá
asimismo, si ello fuera procedente, que se reparen las consecuencias de la medida o situación que ha
conigurado la vulneración de esos derechos y el pago de una justa indemnización a la parte lesionada”.
¹Licenciada en Derecho por la Universidad Veracruzana, Asistente Legal en el Programa de Derechos Humanos de la Universidad
Veracruzana, Diplomada en Derechos Humanos y Neoconsitucionalismo Mexicano por el Insituto de Invesigaciones Jurídicas de la
Universidad Veracruzana, Proyecista de la Comisión Estatal para la Atención y Protección de los Periodistas en Veracruz.
Desde su primera sentencia de reparaciones, el Tribunal Interamericano ha reconocido que la reparación del daño ocasionado
por la infracción de una obligación internacional consiste en la plena resitución (resituio in integrum), lo que incluye el restablecimiento
de la situación anterior y la reparación de las consecuencias que la infracción produjo y el pago de una indemnización como compensación
por los daños patrimoniales y extrapatrimoniales incluyendo el daño moral (Corte IDH 21 julio 1989 £26).
En lo que se reiere al daño moral, la Corte Interamericana ha reconocido que éste comprende un sinnúmero de afectaciones
que no son suscepibles de medición pecuniaria, tales como: los sufrimientos y las angusias causadas a las vícimas; el menoscabo de
valores muy signiicaivos para el individuo y las alteraciones a las condiciones de vida de la vícima y/o su familia (Corte IDH 03 diciembre
2001 £53). Bajo esta lógica, al no poder asignar un valor monetario para resarcir el citado daño, su reparación se ha hecho, generalmente,
a través de medidas de compensación. En primer lugar, mediante el pago de una canidad de dinero o la entrega de bienes o servicios
apreciables en valor monetario; y, mediante la realización de actos u obras de alcance o repercusión públicos que tengan efectos como
la recuperación de la memoria de las vícimas, el restablecimiento de su dignidad, la consolación de sus deudos o la transmisión de un
mensaje de reprobación oicial a las violaciones de los derechos humanos de que se trata y de compromiso con los esfuerzos tendientes
a que no vuelvan a ocurrir(Corte IDH 03 diciembre 2001 £53).
Dentro de este rubro de reparaciones por daños inmateriales, se inserta el concepto de “daño al proyecto de vida”, el cual,
según la jurisprudencia del Tribunal Interamericano, aiende a una noción disinta del “daño emergente” y el “lucro cesante”, en virtud
de que no se corresponde con una afectación material consecuencia de los hechos, como lo es el “daño emergente”; y tampoco hace
referencia a la pérdida de ingresos potenciales, tales como salarios o ganancias, englobados en las reparaciones por “lucro cesante”; sino
que el concepto “proyecto de vida”, hace referencia a la realización integral de la persona afectada, considerando su vocación, apitudes,
circunstancias, potencialidades y aspiraciones, que le permiten ijarse razonablemente determinadas expectaivas y acceder a ellas (Corte
IDH 27 noviembre 1998 £147).
La primera vez que la Corte Interamericana introdujo el término “daño al proyecto de vida”, fue en la sentencia de Reparaciones y
Costas en el caso Loayza Tamayo vs. Perú, en el año de 1998. En dicho expediente, fue someido a consideración de la Corte, la respon-
sabilidad internacional del Estado peruano por la detención arbitraria, juicio y encarcelamiento de la maestra María Elena Loayza Tamayo
por presuntos nexos con el grupo terrorista denominado “Sendero Luminoso”.
En dicha resolución, el Tribunal Interamericano estableció que el proyecto de vida
se asocia al concepto de realización personal, que a su vez se sustenta en las opciones que el sujeto puede
tener para conducir su vida y alcanzar el desino que se propone. En rigor, las opciones son la expresión
y garanía de la libertad. Diícilmente se podría decir que una persona es verdaderamente libre si carece
de opciones para encaminar su existencia y llevarla a su natural culminación. Esas opciones poseen, en sí
mismas, un alto valor existencial. Por lo tanto, su cancelación o menoscabo implican la reducción objeiva
de la libertad y la pérdida de un valor que no puede ser ajeno a la observación de esta Corte (Corte IDH
27 noviembre 1998 £148),
destacando que un daño a dicho proyecto implica la pérdida o el grave menoscabo de oportunidades de desarrollo personal, en forma irreparable o muy
diícilmente reparable (Corte IDH 27 noviembre 1998 £147).
Dentro de esta primera sentencia, la Corte determinó que los actos violatorios comeidos por el Estado de Perú
el Estado le proporcione una beca de estudios superiores o universitarios, con el in de cubrir los costos
de la carrera profesional que la vícima elija, así como los gastos de manutención de esta úlima durante el
período de tales estudios en un centro de reconocida calidad académica escogido de común acuerdo entre
la vícima y el Estado (Corte IDH 03 diciembre 2001 £80).
El tercer caso en el que le fue solicitado al Tribunal Interamericano reparar el daño al proyecto de vida de las vícimas, fue en
de Villagrán Morales (Niños de la calle) vs. Guatemala, el cual versa sobre la detención arbitraria de 5 jóvenes en situación de calle, su
posterior tortura y ejecución extrajudicial. Dentro de los alegatos presentados por la Comisión y los representantes de las vícimas para
la determinación de las reparaciones, se exigía a la Corte Interamericana que al momento de establecer el resarcimiento de los daños,
tuviera en consideración que el Estado había truncado de forma arbitraria y deiniiva el proyecto de vida de los jóvenes ulimados.
Ante este planteamiento, la defensa del Estado de Guatemala hizo referencia a que los cinco jóvenes torturados y ejecutados
vivían en condición de calle y puntualizó que “la precaria situación de las vícimas hace altamente previsible que no tuvieran un proyecto
de vida por consumar” (Corte IDH 26 mayo 2001 £87), razón por la cual solicitaba al Tribunal que desesimara los argumentos y peiciones
relacionadas con la reparación al daño al proyecto de vida de las vícimas.
Por su parte, la Corte Interamericana, dentro de sus consideraciones, manifestó que tendría en cuenta las disintas clases de
daño moral a que hicieron referencia tanto los representantes de las vícimas como la Comisión, especíicamente:
los sufrimientos ísicos y psíquicos padecidos por las vícimas directas y sus familiares; la pérdida de la vida,
considerada ésta como un valor en sí mismo, o como un valor autónomo; la destrucción del proyecto de
vida de los jóvenes asesinados y de sus allegados, y los daños padecidos por tres de las vícimas directas en
razón de su condición de menores de edad (Corte IDH 26 mayo 2001 £89).
Este caso es un hito dentro de jurisprudencia interamericana en materia de reparaciones al proyecto de vida, en virtud de que
es la primera sentencia en la que se somete a consideración del Tribunal, la reparación del proyecto de una persona ejecutada. La lógica
nos llevaría a pensar que no es posible determinar dicha reparación toda vez que hablamos de una trasgresión de carácter irreparable
como lo es la pérdida de la vida, prerrequisito para el goce de otros derechos; y que el concepto de “proyecto de vida” es intrínseco a la
individualidad de la vícima, por lo que no puede ser transferido a otro individuo; no obstante, para el análisis del caso especíico, la Corte
Interamericana sí determinó una reparación para este concepto de violación. Si bien, no abordó de forma individualizada las disintas
categorías de daño inmaterial planteadas por las vícimas, podemos suponer, razonablemente, que tomó en consideración todas ellas, en
virtud de que para el estudio y establecimiento de las reparaciones, consituyó un bloque de reparación por concepto de daño moral,
4. CONCLUSIONES
Los contrastes entre las múliples sentencias analizadas, permiten evidenciar claramente los maices tan diversos que se le han
dado a la reparación del daño al proyecto de vida a lo largo de la jurisprudencia de la Corte Interamericana. En este senido, aunque
es cierto que su introducción dentro de las resoluciones es un esfuerzo plausible y apuntalaba para ser un gran progreso en materia de
reparaciones por violaciones a derechos humanos, la realidad es que con el paso del iempo ha devenido en un tema abstracto y diícil de
delimitar, el cual en algunos casos ha merecido la determinación de una reparación especíica; en otros ha sido tomada en consideración,
aun tratándose de personas que perdieron la vida, pero subsumida dentro de los rubros de daños inmateriales; o bien, ni siquiera ha sido
objeto de pronunciamiento por la Corte Interamericana, aun cuando los representantes de las vícimas o la Comisión Interamericana,
hubiera solicitado la reparación correspondiente.
Esto, nos lleva a comparir la postura del ex juez del Tribunal Interamericano, Oliver Jackman (1998), en el senido de que el
concepto de daño al proyecto de vida adolece de falta de claridad y fundamento jurídico, y se instaura en una forma ariicial para casigar
aun más a los Estados demandados, siendo una creación que no responde a una necesidad jurídica ideniicable (Jackman O. 2005).
Si bien, reconocemos que el concepto de “proyecto de vida” deviene del derecho del ser humano a autodeterminarse, y que la
materialización de dicho proyecto depende, en su mayoría de que el Estado, en cumplimiento con sus obligaciones internacionales en
materia de derechos humanos, respete la esfera jurídica de los individuos sujetos a su jurisdicción y les brinde todas las garanías para su
libre y plena realización, lo cierto es que como rubro de reparación, éste puede ser subsumido dentro de las indemnizaciones por daño
inmaterial, y así homologar los criterios de la Corte Interamericana, pues de otra manera pareciera que se trata de una cuesión a capricho,
sin certeza jurídica alguna, máxime cuando por simple concepto, determinar un daño al proyecto de vida, implica el análisis de cuesiones
meramente probabilísicas de diícil, por no decir imposible, comprobación.
En este mismo senido, se debe tener en consideración que aunque es innegable que toda vícima de una violación a derechos
humanos sufre una modiicación abrupta y arbitraria a su proyecto de vida, no toda modiicación de esas proyecciones y condiciones
impacta en el mismo grado en la realización del individuo, por lo que podría jusiicarse que, en algunos casos, el Tribunal considerara
que no amerita una reparación especíica, sino únicamente en aquellos en los que implique verdaderamente una repercusión en los ejes
medulares de la existencia del ser, como por ejemplo un detrimento grave a su estabilidad emocional, la disminución de su capacidad
ísica o intelectual, la destrucción de su entorno familiar o el truncamiento del desarrollo personal y profesional que el individuo, bajo
circunstancias normales, pudo razonablemente alcanzar.
Sin embargo, tal como se analizó previamente, la jurisprudencia de la Corte, no se apega a esta premisa, pues es indubitable que
una vícima de tortura, como lo es el Sr. Wilson Guiérrez Soler; el menor hijo de una perseguida políica, quien tuvo que desarrollar su
vida en el exilio o, los familiares de una joven asesinada en el marco de un contexto sistemáico de feminicidio y la consecuente negación
de acceso a la jusicia; sufren una afección grave en las proyecciones y condiciones de su existencia, sin que para alguno de ellos, el
Tribunal Interamericano haya emiido un pronunciamiento especíico respecto del daño conculcado a su proyecto de vida.
Con esto, no pretendemos adoptar una postura “aniproteccion a derechos humanos”, sino por el contrario, al proponer que
la Corte Interamericana establezca límites claros y especíicos, así como estándares homogeneizados en materia de reparación al daño
al proyecto de vida, pretendemos abonar a la legiimidad del Tribunal y a la aceptación de este nuevo concepto de reparación, para que
tenga un verdadero impacto, ya no sólo en la jurisprudencia interamericana, sino que permee las determinaciones de los tribunales
domésicos de los Estados Partes, pues debemos recordar que el nuevo Estado de Derecho Convencional, propende a que, a través del
control de convencionalidad se logre la universalización, inalienabilidad, intangibilidad e inviolabilidad de los derechos humanos y sus
estándares de protección y reparación, para lo cual es necesario que exista una base mínima de la cual se pueda parir para el desarrollo
de este concepto.
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2015.
Nesta seção da revista desinada a comentários sobre alterações legislaivas e decisões judiciais importantes, escolhemos
tratar do recente acórdão proferido pela Corte Especial do STJ no julgamento do REsp 1.102.479-RJ, de relatoria do Ministro Marco
Buzzi, julgado em 04/03/2015 e publicado no DJe de 25/05/2015, abordando o cabimento de recurso adesivo para majorar quania
indenizatória decorrente de dano moral.
Havia muliplicidade de recursos com fundamento nessa matéria, moivo por que o STJ a elegeu como um dos temas de
recursos repeiivos (tema 459), processando o referido REsp 1.102.479-RJ na condição de recurso representaivo da controvérsia, na
forma do art. 543-C do Código de Processo Civil.
Para entender a questão, tomemos, a ítulo de ilustração, o seguinte caso. Túlio propõe ação de indenização por danos morais
em face de João, pleiteando o pagamento de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). O pedido é julgado procedente, mas o juiz condena o réu
em apenas R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Túlio pensa consigo: “Eu queria mais, porém preiro acabar logo com esse processo e receber
imediatamente R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a icar tentando receber R$ 20.000,00 (vinte mil reais), o que poderia demorar anos; não vou
recorrer”. Ocorre que, no úlimo dia do prazo, João interpõe apelação. Inimado para apresentar contrarrazões, Túlio pensa: “Já que ele
recorreu, eu também vou fazê-lo, para aumentar o valor da indenização; como vou esperar mesmo, quero tentar uma quania maior”.
Nesse caso, é possível ao advogado de Túlio interpor recurso adesivo pedindo a majoração do valor da indenização por danos
morais? Essa foi a questão respondida pelo STJ no julgamento do REsp 1.102.479-RJ.
Os que entendiam não ser cabível o recurso adesivo argumentavam que, no caso descrito, não teria havido sucumbência
recíproca (que é requisito essencial para a interposição do recurso adesivo). Para amparar esse entendimento, invocavam a súmula 326
do STJ, segundo a qual: “Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica
sucumbência recíproca”.
Ocorre que, ao julgar o REsp 1.102.479-RJ, a Corte Especial do STJ fez a disinção entre sucumbência formal e material,
irmando o entendimento de que: “O recurso adesivo pode ser interposto pelo autor da demanda indenizatória julgada procedente,
quando arbitrado, a ítulo de danos morais, valor inferior ao que era almejado, uma vez conigurado o interesse recursal do demandante
em ver majorada a condenação, hipótese caracterizadora de sucumbência material”.
No caso ilustrado, o autor venceu a demanda sob a perspeciva formal, já que a providência processual requerida foi atendida
(o réu foi obrigado a pagar). Apesar disso, do ponto de vista material, teve sim uma sucumbência parcial, na medida em que não obteve
o valor total da indenização pretendida – pleiteou R$ 20.000,00 (vinte mil reais), mas o juiz ixou a indenização em apenas R$ 5.000,00
(cinco mil reais). Havendo irresignação em relação à decisão, caracterizados estão a sucumbência material, o interesse recursal e o
cabimento do recurso adesivo.
Esse entendimento não se contrapõe ao que dispõe a súmula 326 do STJ, pois ela se adstringe à sucumbência ensejadora da
responsabilidade pelo pagamento das despesas processuais e honorários advocaícios, não tendo relação alguma com interesse recursal.
Sua correta leitura, assim, seria a seguinte: para ins de deinir quem pagará as despesas processuais e os honorários advocaícios, “na
ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca”.
Logo, se o autor pediu uma quania a ítulo de danos morais e obteve valor inferior ao desejado, podemos concluir que: sob o
ponto de vista formal, ele foi o vencedor da demanda e não terá que pagar as despesas processuais e os honorários do advogado do réu
(súmula 326 do STJ); sob o ponto de vista material, ele foi sucumbente e terá direito de interpor recurso (principal ou adesivo), já que não
obteve o exato bem da vida pretendido (REsp 1.102.479-RJ).
Aproveitamos, ainda, para lembrar alguns aspectos acerca dos termos iniciais de incidência de juros moratórios e de correção
monetária sobre o valor da indenização por dano moral.
Caso o dano decorra de responsabilidade extracontratual, os juros moratórios incidem desde a data do evento danoso, conforme
a súmula 54 do STJ, a qual enuncia: “os juros moratórios luem a parir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”
. Deveras, é pacíico no STJ o entendimento de que “o fato de, no caso de dano moral puro, a quaniicação do valor da indenização,
objeto da condenação judicial, só se dar após o pronunciamento judicial, em nada altera a existência da mora do devedor, conigurada
desde o evento danoso” (REsp 1.132.866/SP).
Sabe-se que a publicidade proissional é hoje regulamentada pela Lei n. 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e da OAB) e pelo Provimento
n. 94/2000 do Conselho Federal da OAB (Código de Éica e Disciplina da OAB), entretanto está em discussão o Novo CED/OAB, com
previsão de ser apresentado em outubro, quando será realizada a XXII Conferência Nacional dos Advogados.
Nos debates do projeto, o tema mais suscitado é o referente à publicidade proissional (arigos 38 a 46). Embora tenha sido
este o termo adotado, correto seria falar em “markeing jurídico”, uma vez que não se trata apenas de divulgação, mas sobretudo de
invesimento e estratégia. Há quem fale que, na advocacia, a propaganda (publicidade paga) não é a alma do negócio e quem rebata que
o markeing não é exclusivo para produtos, mas também para serviços.
A publicidade pode ser feita individual ou coleivamente, de modo discreto e moderado, sobretudo com inalidade informaiva.
Divulga-se o nome do advogado e/ou escritório, seu número de inscrição na OAB, suas qualiicações. Geralmente se faz através dos
anuários proissionais, das revistas especializadas (nunca pelas comuns), das listas telefônicas, entre outros meios. Quando é pela mídia,
não poderá ser frequente e deverá sempre instruir quem está do outro lado da tela ou do rádio.
Os materiais de escritório mais usados são os cartões de visita, os papéis imbrados e os sites da internet. A correspon-
dência por mala-direta pode ser feita apenas para comunicar a instalação ou a mudança de endereço do advogado a seus clientes e
colegas. A comunicação entre eles ocorrerá também via fax, e-mail ou outros canais de internet. A grande remessa de correspondência, a
panletagem e o envio de sms são proibidos. Facebook e redes sociais são permiidos, desde que respeitem os limites éicos postos nas
normas supramencionadas. Cada secção pode se posicionar sobre o tema, como fez a OAB/SP no Proc. E-4.176/2012, ao possibilitar a
publicidade via Facebook, desde que fossem observados os parâmetros éicos.
Podem ser instaladas placas no escritório ou em casa, desde que sóbrios e proporcionais. É vedado o outdoor, os anúncios
luminosos e outros meios em vias públicas, como clubes e uniformes. Não podem ser uilizados os desenhos que não sejam adequados,
os de uso exclusivo da OAB e as fotos dos tribunais. Uma vez que a advocacia é incompaível com a mercanilização, é proibido o nome
fantasia por escritórios, bem como sua cumulação com outra aividade (como a contábil, a exemplo). Não podem ser feitos anúncios em
rádio e televisão, e, caso algum advogado paricipe de programas como entrevistado, não poderá ser sensacionalista, mencionar cargo ou
função ocupe ou ocupou, falar sobre valores ou gratuidades, captar clientes, nem, por outro lado, usar de expressões que confundam o
público.
O advogado deve ser íntegro e em suas aividades não pode violar o sigilo proissional, nem mencionar clientes ou casos
concretos em sua publicidade. É obvio que não se pode oferecer serviços indiscriminadamente, menos ainda se uilizar de intermediários
(conhecidos como “laçadores”) para angariar causas. Exemplo do que não pode ser feito é o anúncio em saco de pão ou sacolas de
supermercado, como decidido em São Paulo, no Proc. E- 4.474/2015.
Tudo isso porque nossas normas balizadoras se espelharam na orientação francesa, onde há maior restrição à publicidade
proissional, enquanto a americana é livre, e inclusive a advocacia é vista como uma aividade empresarial. No Brasil, é intelectual, porém
é tratada como um negócio, uma vez que prescinde de uma boa gestão, de inanças e comunicação organizadas. Sem um planejamento
eiciente o escritório não prospera.
Súmula vinculante 52-STF: Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das
enidades referidas pelo art. 150, VI, c, da CF, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas aividades para as quais tais enidades
foram consituídas. STF. Plenário. Aprovada em 17/06/2015.
O conteúdo desse enunciado já era previsto na súmula 724 do STF, agora converido em súmula vinculante. Como bem
sabemos, o Plenário do STF tem converido em súmulas vinculantes algumas entendimento já consagrados em súmula comuns, para
atribuir os efeitos consitucionais do art. 103-A da CRFB a anigas proposições, com a inalidade de arrefecer a muliplicação de processos
sobre questão idênica.
Com a conversão, o verbete terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública
direta e indireta de todos os entes federaivos.
Além do mais, abrir-se-á a possiblidade para que os advogados ajuízem reclamação consitucional diretamente ao STF, dos atos adminis-
traivos ou decisões judiciais que contrariarem a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicarem.
Por outro viés, no tocante ao conteúdo da súmula vinculante em comento, ela tem por desinatário as enidades imunes
previstas no art. 150, VI, c, da CRFB, são eles: os paridos políicos, inclusive suas fundações, enidades sindicais de trabalhadores e
insituições educacionais e de assistência social, sem ins lucraivos.
Nessa linha, importa observar que a Consituição torna imune, vale dizer, deine hipótese de não incidência consitucionalmente
qualiicada, sobre o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as inalidades essenciais das enidades elencadas no art. 150, VI,
c, da CRFB, como previsto no art. 150, § 4º, da Carta Magna.
Com efeito, por aplicação direta dos disposiivos consitucionais acima elencados, que insitui garania fundamental dotada de eicácia
plena, é possível airmar que não incide o IPTU sobre o prédio uilizado como sede de paridos políicos ou enidades sindicais de
trabalhadores, por exemplo.
A controvérsia, por sua vez, reside nas hipóteses em que tais enidades imunes alugam imóveis a terceiros. Apesar de não exisir
resposta literal na Consituição, o Supremo Tribunal Federal ofereceu solução de lege lata ao caso, e atribuiu interpretação teleológica ao
art. 150, VI, c, e seu § 4º, airmando que o fator relevante para a solução justa do caso é preservar os valores que o consituinte visou
incenivar e proteger, de modo que importa saber se os recursos serão uilizados para as inalidades incenivadas pela Consituição.
E sendo assim, guiado pela raio teleológica de busca da máxima efeivação dos valores consitucionais, consagrou-se entendimento,
agora expresso na súmula vinculante 52, segundo o qual persisirá a imunidade tributária caso o valor dos aluguéis seja aplicado nas
aividades para as quais tais enidades foram consituídas.
¹Graduado em Direito pela Universidade Federal da Paraíba. Pós-graduando em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes
- Rio de Janeiro/RJ. Advogado