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FACULDADE PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS DE
MARIANA
(COORDENADORA)

SOBRE ATUALIDADES DO
DIREITO
11ª Coletânea de ensaios e artigos

1ª Edição

MARIANA,
FUPAC-MARIANA
2023

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FICHA CATALOGRÁFICA

SOBRE ATUALIDADES DO DIREITO: 11ª Coletânea de ensaios e


artigos

Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana (coordenadora).


Sobre atualidades do Direito: 11ª coletânea de ensaios e artigos. 1
edição. Mariana: FUPAC-MARIANA, 2023. 670p.

ISBN: 978-65-88017-05-0

Coletânea de textos do 11º Concurso de Ensaios e de Artigos


Acadêmicos da Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana.

Capa, edição e diagramação: Magna Campos

1. Direito. 2. Atualidades Jurídicas. 2. Ensino Jurídico. 4. Direito:


contemporaneidade e ensino. 5. Interdisciplinaridade.

* As questões de autoria e de revisão textual são de


responsabilidade dos autores de cada texto do livro.

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AUTORES

Ana Flávia Delgado Oliveira


Cléberson Ferreira de Morais

Eliane Aparecida Marques Damasceno

Eliane das Graças Pereira Ferreira

Eliane Maria Alves dos Santos

Elione de Jesus Gomes Costa

Eliosmara Fagundes

Estéfany Gonçalves Maia

Fábio Júnio Pereira Souza

Gabriella Soares Pimenta

Gisley Alves Freitas

Glaycielle Maria Tito

Henrique Goulart Camilo Gonçalves

Ingrid Rodrigues da Rocha

Isaias José de Lima

Jéssika Braga Vieira Peixoto


Júnior Ananias Castro

Kamilly Cota Miranda

Leticia Aparecida Barbosa

Letícia Porto Couto

Luan de Abreu Pinto


Magna Campos
Maria Luisa Gonçalves de Faria

Mateus Fernandes Leão


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Matheus Dias Cota e Souza
Michele Aparecida Gomes Guimarães
Nayara Feliciana da Silva

Pedro Alexandre de Paula


Raphael Furtado Carminate

Raquel Araújo

Rayonne Massi Araújo

Renato Luís Pereira


René Dentz
Thalia da Silva Matias

Thiago Teixeira Pinto

Wilyanne Silvestre Neves

Em destaque, professores da instituição.

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PREFÁCIO

O Estado democrático de direito deve garantir a

pluralidade das concepções de bem entre os seus cidadãos, sendo

possível afirmar que o "fato do pluralismo" (respeito à

diversidade) consiste em uma das condições de existência das

democracias modernas. A garantia dessa pluralidade deve se dar

por meio das instituições que integram a "estrutura básica da

sociedade", que devem ter instituições justas capazes de

possibilitar o florescimento das liberdades individuais, sem

privilegiar quaisquer escolhas ou concepções específicas de bem

(Rawls, 2000).

Nesse cenário, o direito ou o exercício de (re)pensar o

direito assume papel importante, pois é a partir das normas

jurídicas que o desenho institucional da estrutura básica da

sociedade é feito. Para tanto, pesquisas como as apresentadas

nesta obra são fundamentais para desenvolver um pensamento

crítico em relação ao papel social do direito. Na realidade, mais do

que isso, essas pesquisas servem também para nos mostrar os

limites do direito para resolver os problemas vivenciados pela

nossa sociedade. Até mesmo porque, a complexidade do mundo

não cabe nas letras frias da lei.


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É preciso entender que o direito tem um papel importante

no desenho institucional. Todavia, como bem assinalou Kelsen em

sua "Teoria Pura do Direito" (2009), as normas jurídicas se

encontram no campo do dever ser e não do ser (reino dos fatos).

Isso significa que as normas jurídicas são construções sociais que

refletem os avanços e retrocessos da sociedade em cada etapa da

nossa história e, como construções sociais, são imbuídas de forte

carga ideológica. Dessa forma, incentivar pesquisas como as

apresentadas nesta obra contribui verdadeiramente para que

tenhamos mais acertos do que desacertos, mais avanços do que

retrocessos, na tomada das decisões públicas, de forma que essa

carga ideológica, inerente do reino normativo, não signifique o

simples domínio da maioria sobre a minoria.

Nos inúmeros artigos desta obra, com recortes muito bem

delimitados pelos autores, percebe-se que inúmeros diálogos são

traçados, com temas fundamentais para o direito moderno e para

a literatura jurídica nacional. Os artigos e ensaios constantes neste

livro não são apenas um amontoado de conhecimento dos

autores. Na realidade, muitos deles apresentam soluções para

problemas reais vivenciados pelos profissionais do direito e pelos

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cidadãos, ampliando as fronteiras do conhecimento jurídico

(estado da arte).

Esta obra coletiva reforça o compromisso da FUPAC-

Mariana com os três pilares do ensino universitário de qualidade

previstos no artigo 207 da CRFB, que são o ensino, a pesquisa e a

extensão. Ensino, pois esta obra contempla os melhores trabalhos

de conclusão de curso apresentados pelos discentes, que muitas

vezes são frutos de diálogos que se iniciam em sala de aula entre

professores e alunos; pesquisa, pois permite que os discentes

apresentem seus trabalhos para a comunidade acadêmica, além

de permitir um diálogo interdisciplinar entre diversas áreas do

conhecimento; e extensão, pois inúmeros dos ensaios

apresentados são frutos de projetos de extensão desenvolvidos

pela comunidade acadêmica junto à população marianense.

Ao se aventurar pelas páginas deste livro, o leitor terá

contato com pesquisas empíricas desenvolvidas a partir de dados

coletados com grupos focais, como, por exemplo, os dois

primeiros trabalhos, que tratam, respectivamente, da percepção

dos egressos da FUPAC - Mariana/MG a respeito do curso de

Direito, bem como do ensino jurídico durante a pandemia, ambos

de autoria da professora Magna Campos em conjunto com

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inúmeros discentes da instituição. Infelizmente, nós do Direito

temos pouco contato com pesquisas empíricas. Muitas vezes,

preferimos nos esconder em nossos escritórios cheios de livros e

realizar pesquisas teóricas, afastando-nos de qualquer tipo de

contato com as pessoas que serão diretamente atingidas pelas leis

criadas, leis estas que muitas vezes não têm qualquer ligação com

o mundo real.

É comum criticarmos os juízes “boca de lei”, muito bem

caracterizados por Leon Tolstói em “A morte de Ivan Ilitch”, que é

aquele juiz que aplica a lei sem a sensibilidade de enxergar que a

sua decisão afetará a vida de um ser humano, com sonhos, desejos

e medos. Todavia, nós juristas, ao negligenciarmos a importância

das pesquisas empíricas no direito, ao negligenciarmos a

importância de ouvir aquelas pessoas que serão diretamente

atingidas pelas leis elaboradas do alto de torres de marfim, não

percebemos que muitas vezes agimos como o juiz Ivan Ilitch ao

trabalhar nos processos sem a sensibilidade e o cuidado que todo

profissional do direito deveria ter.

Foram abordados temas modernos do direito que

envolvem o direito civil e a evolução social, digital e tecnológica,

como o artigo que trata dos limites da autoridade parental, face à

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obrigatoriedade de imunização das crianças e adolescentes contra

a COVID, de coautoria entre Eliane Maria Alves dos Santos e Ana

Flávia Delgado Oliveira; a tutela jurídica dos bens digitais após a

morte e a herança digital, de autoria da Eliane Aparecida Marques

Damasceno e Michele Aparecida Gomes Guimarães; as

potencialidades do uso da inteligência artificial no direito, de

autoria da Michele Aparecida Gomes Guimarães e Thiago Teixeira

Pinto.

Aqui é interessante apontar a importância de reflexões

que tratam do papel do direito na "regulação" da inteligência

artificial, sobretudo quando os principais desenvolvedores dessa

tecnologia assinam uma carta em conjunto pedindo que o

desenvolvimento dessa tecnologia seja pausado até que se crie

um sistema de regulação e supervisão do desenvolvimento da IA.

De toda sorte, a inteligência artificial é algo inexorável, logo o que

os profissionais do direito devem se perguntar não é mais "se a

inteligência artificial irá surgir?", mas sim "como o direito deve

enfrentar os desafios do uso da inteligência artificial, como dado

posto da realidade?". E, nesse sentido, os autores do artigo

acadêmico, Michele Aparecida Gomes Guimarães e Thiago

Teixeira Pinto, vão muito bem, pois tratam a IA como um fato

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posto e procuram explorar como ela pode ser utilizada para

otimizar a prestação jurisdicional.

Há ainda textos com fortes conotações sociais, que

envolvem a hipervulnerabilidade da pessoa com deficiência visual

nas relações de consumo pela internet, de coautoria entre Mateus

Fernandes Leão e Raphael Furtado Carminate; a bioética, a

eutanásia e o suicídio assistido como direito a uma morte plena,

de coautoria entre Estéfany Gonçalves Maia, Fábio Júnio Pereira

Souza e Ana Flávia Delgado Oliveira; a aplicação da teoria Romeu

e Julieta na relativização da idade da vítima no crime de estupro

de vulnerável, de coautoria entre Ingrid Rodrigues da Rocha,

Cléberson Ferreira de Morais e Elione de Jesus Gomes Costa; os

critérios de renda para concessão do benefício de prestação

continuada e a necessidade de uma análise detalhada dos gastos

familiares para a concessão ou negativa do BPC, de coautoria

entre Jéssika Braga Vieira Peixoto e Júnior Ananias Castro.

Além dos artigos mencionados acima, a presente obra

conta com inúmeros outros trabalhos que merecem uma leitura

atenta e minuciosa, pois são textos que não só encantam seus

leitores, mas também contribuem para um pensamento jurídico

crítico e atual. Expresso a minha gratidão à professora Magna

12
Campos pelo honroso convite para prefaciar esta obra coletiva.

Agradeço ainda à direção, à coordenação, aos funcionários e ao

corpo docente e discente da FUPAC por me permitirem fazer parte

da história dessa grande instituição. O leitor tem em mãos um livro

com trabalhos acadêmicos de peso que certamente confirmam o

compromisso da FUPAC - Mariana com a pesquisa jurídica de

qualidade, que sem dúvida alguma contribuirá para ampliar os

limites do estado da arte no campo do conhecimento jurídico-

científico.

Prof. Ms. Júnior Ananias Castro


Advogado, professor universitário.
Mestre em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto.

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14
Não somos máquinas de pensar, somos máquinas de sentir que
pensam.

Antônio Damásio.

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SUMÁRIO

O CURSO DE DIREITO NA FACULDADE PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS DE


MARIANA-MG: ANÁLISE DA PERCEPÇÃO DOS EGRESSOS POR MEIO DE GRUPO
FOCAL ........................................................................................................................ 26
Gabriella Soares Pimenta, Gisley Alves Freitas, Glaycielle Maria Tito, Luan de
Abreu Pinto, Nayara Feliciana da Silva, Thalia da Silva Matias e Magna
Campos
RESUMO................................................................................................................ 26
INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 27
2. A FORMAÇÃO DA ÁREA DO DIREITO EM GERAL E NA FUPAC-MARIANA . 31
3. A TÉCNICA DO GRUPO FOCAL ....................................................................... 38
4. A PERCEPÇÃO DO GRUPO FOCAL SOBRE O CURSO DE DIREITO ........... 44
4.1 Curso com desempenho satisfatório e o histórico do curso de Direito na
FUPAC-Mariana: a percepção do grupo focal ................................................... 44
4.2 Experiência e percepção dos entrevistados com relação as contribuições da
FUPAC-Mariana para o mercado profissional e para o exame da OAB ............ 52
4.3 Percepção dos entrevistados em relação ao embasamento teórico e prático
para o mercado de trabalho quanto a preparação para OAB ............................ 55
4.4 Percepção dos entrevistados em relação Atuação Profissional e Desafios 56
4.5 Percepção dos entrevistados em relação a motivação enquanto estudantes
de graduação..................................................................................................... 62
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 65
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 69

ENSINO REMOTO DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19 NA FUPAC-MARIANA:


PERCEPÇÕES DE UM GRUPO FOCAL.................................................................... 72
Pedro Alexandre de Paula, Leticia Aparecida Barbosa, Matheus Dias Cota e
Souza, Henrique Goulart Camilo Gonçalves, Raquel Araújo e Magna Campos
RESUMO................................................................................................................ 72
INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 73
2. O CURSO DE DIREITO E O ENSINO REMOTO NO BRASIL .......................... 74
2.1 Um breve relato do curso de direito no Brasil .............................................. 75
2.1.2 Uma breve introdução sobre a Faculdade Presidente Antônio Carlos de
Mariana-MG....................................................................................................... 76

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2.2. A Pandemia de COVID-19 e suas nuances no ensino remoto do curso de
Direito ................................................................................................................ 77
2.3 Regulamentação do Ensino Remoto ........................................................... 81
3. METODOLOGIA................................................................................................. 86
3.1 Metodologia do estudo com grupo focal na FUPAC-Mariana...................... 86
3.2 Análises e Resultados ................................................................................. 90
3.2.1 A compreensão do ensino remoto embasado por alunos do curso de Direito
sob o olhar de um grupo focal ........................................................................... 91
3.2.2 Ensino Remoto: O impacto na vida de mulheres com jornadas além do
trabalho.............................................................................................................. 98
3.2.3 Do Ensino Presencial ao Ensino Remoto: os aspectos que mais impactam
e a necessidade de adoção de novos processos e procedimentos no Núcleo de
Prática Jurídica (NPJ) ...................................................................................... 101
3.2.4 As vantagens do ensino remoto segundo o grupo focal ......................... 109
3.2.5 Algumas sugestões à instituição mencionadas pelos entrevistados ...... 110
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 114
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 116

A SIMPLIFICAÇÃO DA LINGUAGEM JURÍDICA COMO FATOR ESSENCIAL DE


PROMOÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL AO ACESSO À JUSTIÇA, PREVISTO NO
ART. 5º, INCISO XXXV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ......................... 119
Isaias José de Lima, Michele Aparecida Gomes Guimarães e Magna Campos
RESUMO.............................................................................................................. 119
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 120
2. Nas veredas da linguagem ............................................................................... 123
2.1 Linguagem e Linguagem jurídica............................................................... 123
2.2 Juridiquês .................................................................................................. 128
2.3 O direito fundamental ao acesso à justiça ................................................. 138
2.4 A proposta de simplificação da linguagem jurídica e a promoção do direito
fundamental ao acesso à justiça ..................................................................... 147
2.5 Conscientização dos profissionais acerca da importância da simplificação da
linguagem jurídica para a promoção do direito fundamental ao acesso à justiça
......................................................................................................................... 155
2.6 A simplificação da linguagem jurídica como fator essencial de promoção do
direito fundamental ao acesso à justiça........................................................... 160
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 175

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REFERÊNCIAS .................................................................................................... 184

OS LIMITES JURÍDICOS DA AUTORIDADE PARENTAL EM FACE DA OBRIGAÇÃO


DE IMUNIZAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES CONTRA A COVID-19 ...... 189
Eliane Maria Alves dos Santos e Ana Flávia Delgado Oliveira
RESUMO .............................................................................................................. 189
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 190
2. AUTORIDADE PARENTAL (PODER FAMILIAR) ............................................ 194
2.1 A autoridade parental sob a perspectiva do ordenamento jurídico brasileiro
......................................................................................................................... 197
2.2 Os limites jurídicos decorrente do exercício da autoridade parental .... 200
3. PANDEMIA DA COVID – 19 ............................................................................ 202
3.1 Breve histórico do surgimento da pandemia covid-19 até a necessidade de
imunização ...................................................................................................... 204
3.2 O movimento antivacinas no contexto da pandemia da covid-19.............. 208
4. AUTORIDADE PARENTAL NA QUESTÃO DA VACINAÇÃO CONTRA COVID-19
NO CASO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES .................................................. 213
4.1 Melhor Interesse da criança e do adolescente .......................................... 221
4.2 Vacinação: entre o interesse individual e coletivo ..................................... 223
4.3 As implicações e consequências possíveis da recusa ............................ 226
4.4 Posicionamento do STF e a jurisprudência a respeito da questão ............ 230
CONCLUSÃO....................................................................................................... 238
REFERÊNCIAS: ................................................................................................... 240

DA EXCLUSÃO SUCESSÓRIA POR INDIGNIDADE: E A CAPACIDADE RELATIVA


.................................................................................................................................. 244
Eliosmara Fagundes e Raphael Furtado Carminate
RESUMO.............................................................................................................. 244
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 245
2. DA SUCESSÃO ............................................................................................... 249
2.1. Da capacidade sucessória....................................................................... 250
2.2. Da indignidade.......................................................................................... 254
2.3. Da exclusão por indignidade .................................................................... 257
2.4 Da exclusão sucessória ............................................................................. 260
3. DA COMPETÊNCIA CIVIL E CRIMINAL ......................................................... 264
3.1 Responsabilidade civil do menor incapaz .................................................. 265

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3.2 Inimputabilidade do menor que comete ato infracional ............................. 268
3.3 Aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente ................................. 269
4. INIMPUTABILIDADE X INDIGNIDADE NAS DOUTRINAS E TRIBUNAIS ...... 271
4.1 Recursos especiais.................................................................................... 271
4.2 Sanção civil e o menor indigno .................................................................. 281
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 282
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 283

OS CRITÉRIOS DE RENDA UTILIZADOS PELO INSS PARA FINS DE CONCESSÃO


DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL BPC DE ACORDO COM A LEI 14.176/2021.
ESTUDO SOBRE A NECESSIDADE DE ANÁLISE PORMENORIZADA DOS GASTOS
MENSAIS DO GRUPO FAMILIAR ............................................................................ 287
Jéssika Braga Vieira Peixoto e Júnior Ananias Castro
Resumo ................................................................................................................ 287
Introdução ............................................................................................................ 288
2. Benefício de Prestação Continuada: conceito, previsão legal, requisitos e
finalidade .............................................................................................................. 289
3. Análise quanto ao critério de elegibilidade miserabilidade: interpretação legal 301
4. Critérios de renda utilizados para a concessão do benefício segundo a
jurisprudência e a Lei 14.176 de 2021 ................................................................. 312
Considerações finais ............................................................................................ 327
Referências .......................................................................................................... 331

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E DIREITO: ENTREVISTAS REALIZADAS COM OS


ALUNOS DO 10º PERÍODO DO DIREITO DA FUPAC-MARIANA ........................... 337
Eliane das Graças Pereira Ferreira, Kamilly Cota Miranda, Letícia Porto Couto,
Maria Luisa Gonçalves de Faria, Renato Luís Pereira, Wilyanne Silvestre
Neves e Magna Campos
RESUMO.............................................................................................................. 337
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 337
2. INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS: O USO DAS VIDEOCONFERÊNCIAS E
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO DIREITO .......................................................... 339
3. DESENHO METODOLÓGICO DA PESQUISA: ............................................... 349
4. O QUE AS ENTREVISTAS REVELAM: ........................................................... 351
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 366

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A TUTELA JURÍDICA DOS BENS DIGITAIS APÓS A MORTE E O
RECONHECIMENTO DA HERANÇA DIGITAL ........................................................ 368
Eliane Aparecida Marques Damasceno e Michele Aparecida Gomes
Guimarães
RESUMO.............................................................................................................. 368
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 369
DESENVOLVIMENTO ......................................................................................... 374
2.0 Direito Digital .................................................................................................. 375
3.0 Instituto da Herança ....................................................................................... 378
3.1 Herança Tradicional................................................................................... 379
3.2 Herança Digital ......................................................................................... 382
3.2.1 Conceitos e Natureza Jurídica................................................................ 385
3.2.2 Testamento na Era Digital ...................................................................... 386
3.2.3 A Herança Digital na legislação brasileira .............................................. 389
3.2.4 Herança Digital ou Legado ..................................................................... 398
4.0 A possibilidade jurídica da transmissão de bens jurídicos......................... 402
4.1 Bens digitais .............................................................................................. 404
4.2 Capacidade testamentária para dispor dos bens digitais .......................... 405
4.3 Herança Digital .......................................................................................... 407
CONCLUSÃO....................................................................................................... 410
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 414

ADVOCACIA 4.0: AS POTENCIALIDADES DO USO ESTRATÉGICO DA


INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO DIREITO ............................................................... 418
Michele Aparecida Gomes Guimarães e Thiago Teixeira Pinto
RESUMO.............................................................................................................. 418
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 418
2. DIREITO E ADVOCACIA DIGITAL .................................................................. 421
3. APLICAÇÃO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO DIREITO ........................... 429
4. INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA ADVOCACIA ................................................ 437
5. ALGUNS RECURSOS TECNOLÓGICOS APLICÁVEIS À ADVOCACIA ........ 443
6. ALGUMAS VANTAGENS DA UTILIZAÇÃO ESTRATÉGICA DA INTELIGÊNCIA
ARTIFICIAL NA ADVOCACIA 4.0 ........................................................................ 452
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 461
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 464

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TEORIA DE ROMEU E JULIETA: RELATIVIZAÇÃO DA IDADE DA VÍTIMA DO CRIME
DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL ............................................................................ 467
Ingrid Rodrigues da Rocha, Cléberson Ferreira de Morais e Elione de Jesus
Gomes Costa
RESUMO.............................................................................................................. 467
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 468
2. BREVE ANÁLISE HISTÓRICO-SOCIAL DO CRIME DE ESTUPRO DE
VULNERÁVEL DENTRO DO ORDENAMENTO JURÍDICO-PENAL BRASILEIRO
............................................................................................................................. 471
2.1 Da presunção de vulnerabilidade e a divergência doutrinária ................... 475
3. A TEORIA DE ROMEU E JULIETA NO MODELO ESPANHOL E NO MODELO
AMERICANO........................................................................................................ 481
4. A APLICAÇÃO DA EXCEÇÃO DE ROMEU E JULIETA NO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO ...................................................................................... 486
5. SERIA A APLICAÇÃO DA TEORIA DA EXCEÇÃO DE ROMEU E JULIETA NO
ORDENAMENTO JURÍDICO PENAL BRASILEIRO UMA FLEXIBILIZAÇÃO A
PUNIÇÃO DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL? ............................ 493
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 498
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 501

A BIOÉTICA NO CENTRO DA QUESTÃO: A EUTANÁSIA E O SUICÍDIO ASSISTIDO


COMO RETÓRICA DO DIREITO A MORTE PLENA................................................ 505
Estéfany Gonçalves Maia, Fábio Júnio Pereira Souza e Ana Flávia Delgado
Oliveira
RESUMO.............................................................................................................. 505
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 505
2. A LEGALIDADE DA PRÁTICA NA SUÍÇA SOB O OLHAR DA BIOÉTICA ...... 508
2.1. Suicídio assistido, da repercussão ao possível debate no Brasil ............. 517
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 520
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 522

A HIPERVULNERABILIDADE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA VISUAL NAS


RELAÇÕES CONSUMERISTAS PELA INTERNET ................................................. 525
Mateus Fernandes Leão e Raphael Furtado Carminate
RESUMO.............................................................................................................. 525
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 526

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2.1 Código de defesa do consumidor e o entendimento da vulnerabilidade e
hipervulnerabilidade ........................................................................................ 528
2.2 As garantias trazidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência ............... 531
2.3 Os direitos básicos do consumidor e as pessoas com deficiência ............ 536
2.4 As discussões nos PROCON’s sobre a proteção do consumidor com
deficiência........................................................................................................ 541
3. RELAÇÕES CONSUMERISTAS NO COMÉRCIO ELETRÔNICO .................. 545
3.1 O decreto nº 7962/2013 e o direito do consumidor ................................... 545
3.2 O direito à informação adequada .............................................................. 547
4. A PROBLEMÁTICA DAS RELAÇÕES CONSUMERISTAS NO COMÉRCIO
ELETRÔNICO ASSOCIADAS AO CONSUMIDOR DEFICIENTE VISUAL .......... 549
4.1 Os dados nacionais sobre a população com deficiência visual – IBGE .... 549
4.2 A hipervulnerabilidade no contexto da pessoa com deficiência visual ...... 550
4.3 A “invisibilidade” do consumidor com deficiência visual pelas empresas de
comércio eletrônico: os desafios e a supressão de direitos do consumidor com
deficiência visual ............................................................................................. 555
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 560
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 561

A POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE


POR INDENIZAÇÃO EM DECORRÊNCIA DA DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA NAS
ÁREAS DE OCUPAÇÃO IRREGULAR DO MUNICÍPIO DE MARIANA-MG ............ 564
Braz Luiz de Azevedo e Ana Flávia Delgado Oliveira
RESUMO:............................................................................................................. 564
INTRODUÇÃO: .................................................................................................... 565
2. A DESAPROPRIAÇÃO DIRETA DENTRO DO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO ........................................................................................................ 568
3. TOMADA HISTÓRICA E CONCEITUAL DA DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ......................................................... 571
3.1 Breves linhas históricas sobre o instituto da desapropriação indireta no Brasil
......................................................................................................................... 571
3.2 Notas conceituais e perspectivas sobre a Desapropriação Indireta .......... 576
4. CONTEXTUALIZAÇÃO DAS OCUPAÇÕES IRREGULARES NO MUNICÍPIO DE
MARIANA ............................................................................................................. 582
4.1 Intervenção do Poder Público nas áreas de ocupação ............................. 587

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4.2 A inexequibilidade da sentença judicial ante a prestação jurisdicional tardia
......................................................................................................................... 590
5. A POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE
POSSE EM INDENIZAÇÃO EM DECORRÊNCIA DA DESAPROPRIAÇÃO
INDIRETA NAS ÁREAS DE OCUPAÇÃO IRREGULAR DO MUNICÍPIO DE
MARIANA ............................................................................................................. 590
5.1 Análise das sentenças nas áreas de ocupação irregular em Mariana ...... 592
5.1.1 Processo nº 5001499-94.2019.8.13.0400 – autora CMP Agricultura E
Pecuária Limitada – reintegração de posse .................................................... 592
5.1.2 Processo nº 5000946-13.2020.8.13.0400 – autora CMP Agricultura E
Pecuária Limitada – reintegração de posse .................................................... 594
5.1.3 Processo nº 5000294-30.2019.8.13.0400 – autor Município de Mariana –
reintegração/manutenção de posse ................................................................ 600
5.1.4 Agravo de Instrumento-Cv nº 1.0400.17.0400.17.002918-7/001............ 600
6. A CONVERSÃO DA REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM INDENIZATÓRIA ..... 601
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 610
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 613

ART. 140 – CRIME CONTRA A HONRA: INJÚRIA .................................................. 617


Rayonne Massi Araújo e René Dentz
RESUMO.............................................................................................................. 617
DESENVOLVIMENTO ......................................................................................... 617
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 632
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 633

INDIGNIDADE E EUTANÁSIA .................................................................................. 635


Rayonne Massi Araújo e René Dentz
RESUMO.............................................................................................................. 635
DESENVOLVIMENTO ......................................................................................... 635
2.1 Exclusão da capacidade sucessória.......................................................... 637
2.2 Indignidade sucessória e deserdação: principais diferenças..................... 638
2.3 Eutanásia versus indignidade sucessória .................................................. 639
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 641
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 642

23
FAMÍLIA MULTIESPÉCIE: DA “POSSE” AO AFETO. .............................................. 644
Rayonne Massi Araújo e René Dentz
RESUMO.............................................................................................................. 644
UM BREVE RECORTE HISTÓRICO DO CONCEITO DE FAMÍLIA: ................... 645
1.1 Império Romano ........................................................................................ 645
1.2 Família à luz da religião ............................................................................. 646
1.3 O conceito de família a partir do século XX............................................... 647
2. O CONCEITO DE “FAMÍLIA” NO BOJO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ......... 648
3. DIREITO DOS ANIMAIS – UMA DISCUSSÃO FILOSÓFICA? ............... 650
4. O DIREITO DOS ANIMAIS NO ORDENAMENTO PÁTRIO .................... 653
4.1 O reconhecimento do animal doméstico no código civil: alguns apontamentos
......................................................................................................................... 654
4.2 Dissolução conjugal: com quem fica a guarda do animal doméstico?....... 655
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 656
REFERÊNCIAS: ................................................................................................... 657

RESENHA CRÍTICA SOBRE O FILME “CABO DO MEDO” ..................................... 660


Rayonne Massi Araújo e René Dentz
Referências .......................................................................................................... 669

24
25
O CURSO DE DIREITO NA FACULDADE PRESIDENTE ANTÔNIO
CARLOS DE MARIANA-MG: ANÁLISE DA PERCEPÇÃO DOS
EGRESSOS POR MEIO DE GRUPO FOCAL

Gabriella Soares Pimenta1


Gisley Alves Freitas2
Glaycielle Maria Tito3
Luan de Abreu Pinto4
Nayara Feliciana da Silva5
Thalia da Silva Matias6
Magna Campos7

RESUMO:

O presente artigo discorre sobre a formação acadêmica em Direito, na


FUPAC-Mariana, bem como os desafios encontrados pelos egressos
durante a graduação, a percepção de cada um sobre o curso que lhe foi
ofertado e a sua inserção no mercado de trabalho. Foi realizado um
trabalho com um grupo focal, que buscou entrevistar e identificar
egressos das mais diversas turmas formadas, idades e sexos, com o
intuito de demonstrar a percepção de um público variado com relação

1
Graduanda do 10º período do Curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos
de Mariana.
2
Graduando do 10º período do Curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio
Carlos de Mariana.
3
Graduanda do 10º período do Curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos
de Mariana.
4
Graduando do 10º período do Curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio
Carlos de Mariana.
5
Graduanda do 10º período do Curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos
de Mariana.
6
Graduanda do 10º período do Curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio
Carlos de Mariana.
7
Proponente e orientadora da pesquisa. Professora do curso de Direito da FUPAC-
Mariana na área de linguagem e pesquisa. Graduada em Letras (UFOP). Mestre em Letras
(UFSJ). Especialista em Língua Portuguesa (PUCMG). Especialista em Moderna Educação
(PUCRS). MBA em Liderança, Gestão de Equipes e Produtividade (PUCRS).

26
aos questionamentos apresentados. Durante a entrevista, foram feitas
algumas críticas construtivas para melhorias no curso, elencados alguns
pontos fortes, bem como sobre a perspectiva que cada um tinha sobre
a sua formação e a futura atuação como profissional.

Palavras-chave: Percepção dos Egressos. Formação Acadêmica em


Direito. FUPAC-Mariana. Técnica do Grupo Focal. Ensino Superior.

INTRODUÇÃO:

É comum os novos ingressantes no curso de Direito na Faculdade

Presidente Antônio Carlos de Mariana, ou seus professores e

coordenação/direção, bem como outros interessados da região, se

questionarem com relação à percepção dos egressos sobre a graduação

na FUPAC-Mariana.

Desta feita, o presente artigo tenta levantar a percepção de um

grupo de egressos e proporcionar resultados concretos a respeito das

dúvidas levantadas, somadas a outras relacionadas à inserção dos

egressos no mercado de trabalho na área jurídica.

Para isso, foi realizada uma pesquisa empírica por meio da

metodologia de entrevista com grupo focal, na qual se convidou

egressos de diferentes idades, gêneros e graduados em épocas

diferentes, para assim levantar suas percepções acerca do curso e

algumas especificidades de suas formações na instituição, como por

exemplo, a preparação para a realização e aprovação no exame de

27
ordem e posterior inscrição na OAB, além de informações sobre sua

inserção no mercado.

A técnica de grupo focal é importante porque é uma forma de

entrevistas com grupos, baseada na comunicação e na interação. Seu

principal objetivo é reunir informações detalhadas sobre um tópico

específico (sugerido por um pesquisador, coordenador ou moderador

do grupo) a partir de um grupo de participantes selecionados. Tal

técnica busca colher informações que possam proporcionar a

compreensão de percepções, crenças, atitudes sobre um tema, produto

ou serviços.

Assim, valendo-se da técnica do grupo focal, foram reunidos 07

(sete) entrevistados, divididos da seguinte forma, entrevistado A,

formado em 2020, entrevista do B, formado em 2018, entrevistado C,

formado em 2014 entrevistado D, formado em 2018, entrevistado E,

ausente, entrevistado F, formado em 2014, entrevistado G, formado em

2018, e entrevistado F, formado em 2012. O encontro para o grupo focal

foi realizado na FUPAC-Mariana, em sala de aula reservada

exclusivamente para a entrevista, no dia 12 de abril de 2022 às

18h30min., momento em que os pesquisadores explicaram como seria

a realização da pesquisa, conforme demonstra o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido.

28
Dentre tais entrevistados, encontram-se advogados, bacharéis e

profissionais ainda sem o registro no quadro de Advogados da OAB,

pois optaram por realizar outras atividades jurídicas.

A técnica do grupo focal, consiste na realização de entrevista

com os envolvidos, sem que seja revelada a identidade de cada

participante. Para que o grupo de trabalho pudesse ter acesso ao

material e desenvolver um artigo de qualidade, foi realizada a gravação

da entrevista em vídeo, com prévia autorização de cada um dos

entrevistados. Assim, foram apresentadas 7 (sete) perguntas aos

participantes, que responderam e depois foi realizada a transcrição do

áudio das entrevistas em textual, para uso neste artigo com o relato dos

achados da pesquisa.

Já no início do artigo, no item 2, é aprofundado um pouco sobre

como se dá a formação em Direito no Brasil, trazendo uma perspectiva

atual de número de alunos neste curso, bem como uma comparação de

algumas décadas atrás, identificando assim, um crescimento

exponencial, seja no número de alunos, bem como no crescimento e

dificuldade para os novos advogados diante da concorrência.

Foi tratado no tem 3.0 sobre como funciona a técnica de

entrevistas com grupo focal, sua origem e a aplicação prática desta

modalidade para a realização das entrevistas com os egressos do curso

de Direito da FUPAC-Mariana. Assim, basicamente, o diferencial do

grupo focal, então consiste justamente na interação entre os

29
participantes e o pesquisador, que objetiva colher dados a partir da

discussão focada em tópicos específicos e diretivos, por isso, é

denominado grupo focal.

No subitem 4, foi trabalhado o que foi identificado com a

participação dos egressos da FUPAC- Mariana. Ainda, perpassa por uma

breve conceituação acerca do exame de Ordem e as dificuldades

encontradas pelos egressos rumo à aprovação, inclusive, dando

oportunidade para que cada entrevistado pudesse contar sobre sua

experiência. Foram entrevistados, inclusive, profissionais de ambos os

sexos, feminino e masculino, nas mais diversas idades e período de

formação.

Já no próximo item, as experiências como graduandos da

instituição foram relatadas pelos entrevistados, bem como suas opiniões

sobre a graduação cursada em si, informando as matérias do curso que

mais deram embasamento para, à época, suas futuras a atuações

profissionais. Também são apresentadas críticas construtivas para

melhorias na matriz do curso.

No item 4.2, foi tratado um pouco sobre os cursos com

desempenho satisfatório e o histórico do curso de Direito na FUPAC-

Mariana. O roteiro de entrevista apresentava perguntas relacionadas às

disciplinas disponíveis na matriz curricular, à qualidade do ensino geral

e individual, bem como à satisfação do objetivo profissional e seus

desafios, bem como as sugestões que deixariam ao curso em si.

30
Já no item 4.3, foi trabalhado um pouco sobre a preparação dos

estudantes para prestar o exame da OAB, e, no item 4.4, a percepção

sobre o mercado de trabalho, demonstrando desafios e como se deu a

preparação para o mercado de trabalho, demonstrando, inclusive, o

preconceito e a falta de apoio ao jovem profissional.

Já no item 4.4 foi trabalhada a percepção dos entrevistados em

relação atuação profissional e desafios encontrados no mercado de

trabalho.

Por fim, o item 4.5 aponta as percepções dos entrevistados em

relação à motivação enquanto estudantes de graduação na faculdade.

Sabe-se que não é fácil concluir uma graduação, portanto, vários foram

os desafios para que os egressos pudessem ser, de fato, egressos da

FUPAC-Mariana.

2. A FORMAÇÃO DA ÁREA DO DIREITO EM GERAL E NA FUPAC-


MARIANA

Os cursos de direito é o que possui mais alunos no Brasil, contudo

especialistas alegam que há mercado para todos os profissionais, vez

que se trata de uma carreira tradicional que vem sofrendo mutações.

De acordo o autor Igor Morandi em sua matéria publicada no jornal

digital “GZH educação e trabalho”, o Instituto Nacional de Estudos e

Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) realizou uma pesquisa no

31
qual resultou que a soma de alunos matriculados em curso de direito

seja em rede pública ou privada totaliza em mais de 830 mil alunos,

pesquisa essa realizada no ano de 2019, já no ano de 2009 o número de

matriculados era significativamente inferior, média de 650 mil alunos

matriculados.

Dessa forma, o ramo do direito tem se tornado desanimador

para os possíveis novos alunos ou mesmo egressos, pois em que se pese

se tratar de um curso considerado de alto nível, com uma vasta

oportunidade de mercado, e com salários de modo geral atrativos, bem

acima da renda média brasileira, entende-se que a área se encontra

“saturada”. Assim, aquela está ficando cada vez mais competitiva,

exigindo-se muito mais que um diploma e um número de inscrição na

Ordem de Advogados do Brasil para ser bem-sucedido ou ganhar

dinheiro. Uma vez que é notório conhecimento de todos que há vinte,

trinta anos atrás, o bacharel em direito não se necessitava de muito

esforços para ser reconhecido na sua comunidade local, captar clientes

era mais fácil, consequentemente da mesma forma era ganhar dinheiro.

Quem nunca ouviu falar que: “todo advogado é rico”. E sequer uma

aprovação no exame da OAB era exigido há alguns anos para que se

tivesse licença para advogar. Ocorre que o cenário mudou, e faz-se

necessário enquadrar a nova realidade.

Ademais, apesar da gama tradicional das profissões para

bacharéis em direito ser ampla, há ainda a possibilidade de atuação em

32
outras áreas que admitem o diploma, tem-se como exemplo o

diplomata, auditor fiscal, oficial de polícia, áreas geralmente menos

visadas, seja por falta de interesse, conhecimento ou mesmo de esforços

do candidato. Além do mais, sabe-se que as faculdades e universidades

de direito em sua grande maioria não prepara o aluno para uma

realidade profissional além da de advogado ou de

professor/pesquisador, e o direito não se resume a essas profissões,

pelo contrário. Em nada se adianta profissionais, docentes

mencionarem que o direito possui um leque de oportunidades,

captando alunos principalmente na rede privada, visando lucros,

quando não prepara esses para o mercado, sequer lhes dão um norte

de outras profissões consideradas não tradicionais. O aluno que quer

buscar algo novo tem uma trajetória árdua e precisa seguir a trajetória

solo, ou mesmo complementar o curso superior com um cursinho

preparatório para concurso público, mais um problema se faz presente,

é quando o aluno não possui condições para adquirir esse, fazendo

parte de uma triste estatística que apenas possui o diploma de bacharel

em direito, devido ao mercado se encontrar “inflacionado”.

Com a era digital, as profissionais estão se transformando e no

direito não poderia ser diferente. Segundo a matéria publicada no jornal

digital “GZH educação e trabalho” por Morandi, o professor e

coordenador do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica do

Rio Grande do Sul (PUCRS), Elton Somensi de Oliveira, fala que saber

33
acompanhar as transformações se tornou um diferencial, bem como a

necessidade da formação contínua, para estar no nível exigido do

mercado e suas constantes novidades. Ou seja, novas habilidades estão

sendo exigidas e nem todos os profissionais estão dispostos a pagarem

pelo preço.

Destarte, percebe-se que atualmente o curso de direito exige-se

mais do que dominar as regras, leis e normas, e sim se atualizar

constantemente e se destacar no mercado. Entretanto, a maioria dos

docentes, mestres e até mesmo o Presidente e membros dos órgãos da

ordem, até o alto escalão (Conselho Federal da OAB) trata-se da maioria,

para não se dizer todos, de profissionais conservadores, que

discriminam advogados que fazem uso de aplicativos como TIK TOK por

exemplo, que vedam a captação de clientes e a utilização de aplicativos

de internet para esse fim. Portanto, com o crescente número de

matriculados no curso de direito, a vedação e a discriminação de

profissionais não tradicionais, bem como a falta de preparo para a nova

realidade se torna sim um grande problema. Fazendo-se refletir se a

expansão do curso é o único óbice existente.

Além disso, espera-se que o Ministério da Educação e Cultura

(MEC) fiscalize com eficiência as faculdades de direito no Brasil, para que

assim sejam ofertados cursos e ensino de qualidade. A educação é um

direito fundamental, previsto na Constituição Federal de 1988, portanto

quando se trata de ensino superior, todos poderão gozar de tal direito

34
desde que passem em um vestibular nas universidades da União ou dos

estados-membros, caso contrário terão de utilizar a rede privada,

possuindo o ônus de pagar uma mensalidade. Diante disso, não se

espera menos que a as instituições de ensino ajam com

responsabilidade, pois o direito é curso o que lida com direitos de suma

relevância, como o direito à liberdade, propriedade, a filiação etc. Dessa

forma, um profissional que cursou um curso de péssima qualidade,

possivelmente não será um bom profissional, consequentemente

prestando um serviço de má qualidade a sociedade.

No que tange o curso de direito voltado para a carreira de

advogado, acredita-se que é a profissão mais visada e mais pautada nos

cursos de direito no Brasil. Não pode deixar de mencionar que, o

advogado é figura indispensável para administração da justiça,

conforme previsão constitucional, e sem justiça não há como se falar em

uma sociedade organizada que observa e respeite direitos de modo

geral. De acordo com uma matéria publicada na revista Consultor

Jurídico, pela jornalista Rafa Santos, o número no quadro da advocacia

mantido pelo Conselho Federal da Ordem de Advogados do Brasil,

apresenta um número total por cada estado-membro brasileiro, sendo

que na última atualização os dados eram: 610.369 mil advogadas são de

advogados 610.207, somatória essa que se demonstra significativa pela

média de 212 milhões de brasileiros.

35
Antes o exposto acima, segundo a matéria publicada no portal

de notícias “FOCUS.jor” por Frederico Cortez, a OAB ajuizou uma ação

em desfavor do Ministério da Educação (MEC) perante a Justiça Federal

com o objetivo de inibir a autorização e o credenciamento de cursos de

direito ofertados à distância, ou seja, modalidade virtual (EAD).

Entretanto, a liminar ajuizada não foi deferida, o argumento da

magistrada que julgou o caso em questão foi de que a modalidade à

distância acarreta a flexibilização de horários, mensalidades mais baixas,

bem como a ampliação no acesso à educação, se embasando na

Constituição Federal de 1988, mais precisamente no respectivo artigo

205. Outro ponto levantado pela juíza, de acordo com o portal de

notícias é que, não houve comprovação que a má qualidade do curso

superior está diretamente ligada na forma que é ofertado, seja

presencial ou a distância.

No que concerne a posição da Ordem de Advogados do Brasil,

em relação ao número de matriculados no curso de direito, segundo

Cortez, a OAB ajuizou em uma Ação de Descumprimento de Preceito

Fundamental (ADPF), no qual tem por fundamento que novos cursos de

direito só irão agravar ainda mais o problema existente que é o de

excesso de profissionais, argumentando que haverá grandes prejuízos

para os profissionais já existentes e habilitados. Ante o exposto,

percebe-se que a OAB é instituição que mais preocupa com o seu

número de inscritos, no que concerne a quantidade pelo menos.

36
Opiniões são divididas quando se trata de interferências feitas

pela OAB, pois há pessoas que entendem que se está limitando o direito

ao trabalho e a educação, pois conforme a CF/88 ninguém será vedado

a nenhum trabalho desde que não seja ilícito, bem como a educação é

um direito fundamental como já supracitado. Além do fato de

entenderem que querem manter a profissão “elitizada” como sempre foi

cerceando o direito dos mais humildes a fazerem parte do quadro de

inscritos. Portanto, nesse viés não é nada interessante a OAB limitar o

número de inscritos em seu quadro. Por outro lado, há opinião é de que

tais interferências ou mesmo “preocupações” é benéfica pois, do que se

adianta ampliar o acesso, aumentar a oferta de número de cursos, e os

bacharéis em questão não possuir condições de trabalhar, ocupar uma

vaga no mercado de trabalho e exercer um serviço de qualidade. No que

tange a advocacia, considera-se que o mercado está extremamente

saturado, não havendo clientes para todos, consequentemente a ordem

somente estaria enriquecendo ilicitamente, vez que se é cobrado uma

taxa de inscrição e a taxa de anuidade, valores que são considerados

substanciais. Diante de todo exposto, faz-se refletir é que, o

que levou tantos brasileiros a buscarem a cursar o curso de direito, seria

apenas o status que o curso o proporciona “leque de oportunidades”,

ou os salários atrativos. Por outro lado, sabe-se que a realidade tem

mudado, não é mais todos os salários que são atrativos o mercado está

cada vez mais disputado e o curso tem cada vez mais exigido do aluno

37
ante a atualização doutrinaria, legislativa, e jurisprudencial, até mesmo

a transformação da sociedade.

Nessa conjuntura, leva-se a pensar que o que faz tantas pessoas

buscarem a cursar o direito é devido o Brasil ser um país que tanto

direitos são cercados, com números vergonhosos de desigualdade,

preconceitos, racismo, e ausência de ensino sobre direitos fundamentais

na educação básica, ao menos no que se trata do ensino público,

realidade da maioria dos brasileiros, pois não é vantajoso para a política

educar os cidadãos a serem críticos e serem conhecedores dos seus

direitos. Entende-se, portanto, que, o problema do direito no Brasil deve

ser solucionado, observando os principais aspectos: qualidade de

ensino, ampliação de oportunidades e direito a educação, ao ensino e

profissão, bem como o de oportunidades de emprego.

3. A TÉCNICA DO GRUPO FOCAL

A técnica de grupo focal - GF - foi introduzida no final da década

de 1940, a partir daí é utilizada como metodologia de pesquisas

qualitativa com o objetivo de perceber aspectos estimativos e

normativos que são referência de um grupo em particular, são por

geralmente uma entrevista coletiva que busca identificar tendências.

A origem do grupo focal é atribuída às Ciências Sociais -

antropologia, ciências sociais, mercadologia e educação em saúde, por

38
meio de Paul Lazarselfd e Robert Merton – considerado o pai do Grupo

Focal por ser o primeiro a popularizar essa técnica através de trabalhos

utilizando o Focus Group, segundo Ressel (2002).

Uma vez que as discussões ocorram, elas podem oferecer

insights para se refletir sobre um fato, produto ou serviço, no caso desse


artigo, a entrevista foi feita com egressos da FUPAC- Mariana, para

analisar suas percepções e sugestões para o curso, e assim melhorar o

desempenho e papel do curso de Direito da instituição.

No processo, os encontros grupais possibilitam aos participantes

explorarem seus pontos de vista, a partir de reflexões sobre um

determinado fenômeno social, gerando suas próprias perguntas e

buscando respostas pertinentes à questão sob investigação. Desse

modo, o grupo focal pode atingir um nível reflexivo que outras técnicas

não conseguem alcançar, revelando dimensões de entendimento que,

frequentemente, permanecem inexploradas pelas técnicas

convencionais de coleta de dados. O principal interesse é que seja

recriado, um contexto ou ambiente social no qual o indivíduo pode

interagir com os demais, defendendo, revendo, comprovando suas

próprias opiniões ou influenciando as opiniões dos demais como explica

Rey (2002). Nessa abordagem, é possível ao pesquisador aprofundar sua

compreensão das respostas obtidas. Assim, a ênfase está na interação

dentro do grupo, baseada em tópicos oferecidos pelo pesquisador.

39
A essência do grupo focal, então consiste justamente na

interação entre os participantes e o pesquisador, que objetiva colher

dados a partir da discussão focada em tópicos específicos e diretivos,

por isso, é denominado grupo focal.

Bauer e Gaskell (2002) comentam que nas ciências sociais

empíricas, a entrevista qualitativa - condição sine qua non, é uma

metodologia de coleta de dados muito empregada, pois pode mapear

e ajudar a compreender a vida dos entrevistados e, a partir de esquemas

interpretativos, assimilar relações entre os entrevistados e suas crenças,

valores e motivações. A pesquisa qualitativa se refere, por exemplo, a

entrevistas do tipo semiestruturada ou entrevistas com grupos de foco,

que buscam a profundidade das questões investigadas.

O reconhecimento dos grupos focais tem potencializado sua

utilização em diversas áreas da produção de conhecimentos, inclusive

na área do Direito. No grupo focal, não se busca o consenso e sim a

diversidade, a variedade de ideias.

O grupo focal é composto por essencialmente por 6 a 10

participantes que não são familiares uns aos outros. Estes participantes

são selecionados por apresentar certas características em comum que

estão associadas ao tema ou objeto que está sendo pesquisado. Sua

duração típica é de uma hora e meia. A coleta de dados através do grupo

focal tem como uma de suas maiores riquezas basear-se na tendência

40
humana de formar opiniões e atitudes na interação com outros

indivíduos.

O GF garante aos pesquisados um espaço de reflexão sobre suas

próprias concepções e de autoavaliação, das quais pode decorrer a

mudança de comportamento. É importante considerar a possibilidade

de que tais propostas de mudança possam emergir do próprio grupo,

sustentadas pelo contexto de suas vivências, vindo a constituir-se como

um espaço de formação.

Assim, a vantagem do grupo focal em relação à observação

participante significa oportunidade de observar uma quantidade

relativamente maior de interação entre os participantes a respeito de

um tópico, em um limitado intervalo de tempo, podendo o pesquisador

conduzir e pôr em evidência o tema da pesquisa. Por outro lado, pode-

se ver aí uma desvantagem à medida que, em certo sentido, o grupo

constituído para efeitos de pesquisa já não representa um espaço

natural de trocas sociais, como esclarece Mcdaniel (2003). A interação

em ambientes naturais, objeto da observação participante, possibilita a

coleta de informações sobre uma gama de comportamentos, maior

variedade de interatividade entre os participantes e discussão mais

aberta sobre os temas do estudo. Vale a pena mencionar que o fato de

o pesquisador criar e dirigir o grupo focal pode torná-lo menos natural

do que a observação participante.

41
O planejar e montar o grupo focal é provavelmente a parte mais

trabalhosa de um estudo que utilize esse método de pesquisa.

Entretanto, as possibilidades a serem consideradas vão depender

principalmente do tempo e de recursos financeiros disponíveis. Há

necessidades que precisam ser atendidas e que se referem basicamente

ao recrutamento de participantes, à escolha de um moderador e de seus

assistentes; à organização de recursos técnicos para a gravação das

sessões; à seleção de um local adequado para a realização dos grupos

e à realização ou contratação de profissionais para transcreverem e

analisarem os dados (no caso deste estudo, a própria equipe de

investigação realizou tanto a transcrição quanto a análise sob orientação

da professora coordenadora da pesquisa).

O recrutamento dos participantes ocorre depois de clara

determinação do grupo social que se quer estudar. Um aspecto

relevante e característico da pesquisa qualitativa, como é o caso do

grupo focal, é que não há possibilidade de trabalhar com amostras

probabilísticas e nem visa estudar a frequência com que determinado

comportamento ou opinião ocorre. Trata-se sim, como já foi dito

anteriormente, de utilizar o grupo focal no entendimento de como se

formam e se diferem as percepções, opiniões e atitudes acerca de um

fato, produto ou serviço.

42
Definidas as características das pessoas ou grupo social a ser

estudado, seu recrutamento deve procurar abranger sua diversidade

etária, de gênero, de classe social, dentre outras.

O mediador tem o papel fundamental de garantir, por meio de

uma intervenção favorável ao debate, a participação de todos, ao

mesmo tempo com atuação discreta e firme, para que o grupo aborde

os tópicos de interesse do estudo, de maneira menos diretiva possível.

Além disso, cabe ao mediador controlar o tempo evitando a dispersão

dos objetivos, ser capaz de ouvir, ter clareza de expressão, despertar

confiança para um bom resultado.

Os Grupos Focais podem ser utilizados em todas as fases de um

trabalho de investigação, é uma técnica que privilegia o contato entre

pessoas através do diálogo, no momento de falar e escutar o outro:

“quando exponho a minha opinião... recebo com a entonação, com o

tom emotivo dos valores deles... e pela reação do outro formo a

representação que terei de mim mesmo”. (BAKTIN,1992, apud KRAMER,

2003, p.66).

A qualidade da entrevista funda-se em enumerar de forma mais

abrangente as questões que o pesquisador e/ou mediador pretende

abordar no campo, partindo de suas hipóteses ou pressupostos,

sucedidos da definição do objeto de investigação. Bauer e Gaskell (2002,

p. 79) descrevem: “um debate aberto e acessível a todos porque os

assuntos são de interesse comum, não levando em consideração

43
diferença de status entre os participantes, o fundamento é uma

discussão racional”.

Assim, o grupo focal é apenas uma das muitas maneiras de fazer

pesquisa. Sua utilização irá depender da determinação dos objetivos do

projeto de pesquisa, bem como da definição do problema. Dada a

definição do problema, os objetivos da pesquisa com o grupo focal

devem ser especificados com clareza.

4. A PERCEPÇÃO DO GRUPO FOCAL SOBRE O CURSO DE DIREITO

4.1 Curso com desempenho satisfatório e o histórico do curso de


Direito na FUPAC-Mariana: a percepção do grupo focal

O objetivo desta pesquisa empírica é o de colher informações

dos egressos do Curso de Direito da instituição FUPAC-Mariana, de

diferentes idades, gêneros e graduados em épocas diferentes, para

assim levantar suas percepções acerca do curso feito e algumas

especificidades de suas formações na instituição. Posteriormente, um

roteiro de questões para entrevista com um grupo focal foi estruturado,

apresentando perguntas relacionadas às disciplinas disponíveis na

matriz curricular, à qualidade do ensino geral e individual, bem como à

satisfação do objetivo profissional e seus desafios e as sugestões que

deixariam ao curso, tendo em vista suas experiências como egressos e

agora profissionais atuantes no mercado de trabalho.

44
O questionamento feito, era se a instituição de fato oferece o

desempenho esperado para que seus alunos ao se graduarem teriam

adquirido o conhecimento ou as bases necessárias para ingressarem nas

diversas áreas de atuação disponível, como também se a instituição

oferecia/oferece o preparo prático esperado para o ingresso na vida

profissional, quais as dificuldades experimentadas e a visão que outros

profissionais teriam dos egressos da instituição. Deste modo, podemos

fazer uma análise como um todo da instituição, desde sua formação

acadêmica até sua formação profissional.

Após a elaboração do roteiro com vista a tender os objetivos da

pesquisa empírica, foi feita a o convite aos egressos para a participação

no grupo focal. Também se estabeleceu quem seriam os 02 (duas)

entrevistadoras/mediadoras, e os integrantes da equipe que fariam o

apoio para a realização da entrevista (quem gravaria, organizaria o

grupo etc.).

Na entrevista, as questões eram propostas ao grupo de

entrevistados, os quais expunham suas opiniões e indagações sobre os

temas e ou perguntas selecionadas, e posteriormente debatiam entre si

sua visão geral da instituição e expunham os traços do curso que

agregaram em sua vida acadêmica e/ou profissional, e, claro, aquilo

sentiram falta em suas formações.

Ao final, os entrevistados também expuseram algumas visões

sobre a preparação coletiva e/ou individual para exame da OAB, entre

45
outros assuntos que não foram de fato colacionados nesta análise por

fugirem completamente dos objetivos da investigação.

Foi constatado durante a entrevista que a satisfação e o

desempenho dos alunos quanto à instituição variam dentre aqueles que

ingressaram na instituição nos primeiros anos da faculdade com aqueles

que iniciaram posteriormente.

No que diz respeito a Faculdade Presidente Antônio Carlos –

FUPAC-MARIANA, foi relatado que, nos primeiros anos do curso de

Direito, existia um maior equilíbrio na qualidade de ensino prestado

tendo em destaque as matérias de Direito Penal e Processo Penal,

Direito Civil e Processo Civil, Direito do Trabalho e Processo do Trabalho,

Direito Constitucional e as práticas jurídicas que ocorriam no Núcleo do

Prática Jurídica da própria instituição. Menciona-se alguns relatos dos

entrevistados. Entrevistado “C” – “C- Direito civil. Eu sou do criminal,

sempre gostei do criminal, mas minha prova da OAB foi para civil e
passei”. - Entrevistado “D” – “D- Sem dúvida direito civil. Eu peguei
também um período bem forte no direito penal e no direito do trabalho,
eu acho que as três primeiras turmas foram privilegiadas nisso.” –

Fora relatado que os professores na época tinham um maior

afinco com a matéria, uma maior especialização e ou maior

conhecimento de carreira em algumas matérias, o que dava um maior

domínio para o docente e maior confiança para com os alunos.

46
“Uma pergunta aqui se me permite, por que a
base em civil ser mais forte? Por influências de
professores como, Fabiano/Carminate por
exemplo!?. O Alan Matos Rocha referência em
direito do consumidor” – trecho retirado de uma
resposta dado pelo entrevistado “C”,
“Na minha época 2012 tinhas muitos
professores que eram referencias em outras
áreas, como trabalhista, criminal, previdenciário.
[...] a gente tinha um professor de direito do
trabalho que era um fenômeno, o Fernando
Guilhon, [...] você pega por exemplo a Felipico
Amarelo, referência também tanto na área
consumerista quanto na área de direito
constitucional, você pega também Flavio Desto,
que aí formou o período de penal pra mim.” –
trecho da entrevista dada pelo entrevistado “H”.

Alguns egressos elogiaram também que esses professores,

muitas vezes, faziam um paralelo com a realidade fática, ou até mesmo,

expunham exemplos práticos para a maior elucidação e percepção do

assunto tratado em sala de aula.

Outro ponto que foi bastante elogiado também foi em relação

ao Núcleo de Prática Jurídica (NPJ), pois alguns entrevistados relataram

que ali obtiveram relações mais práticas de fato com o Direito,

espacialmente porque havia entrevista e um certo relacionamento com

os clientes.

“H- Na minha época foi diferente, tínhamos


uma participação mais efetiva no NAJOP, e na

47
época era uma extensão da faculdade né!? Tinha
uma casa locada onde funcionava o grupo de
prática, e a gente teve a oportunidade de
realizar diversos atendimentos e isso contribuiu
bastante” – trecho retirado da entrevista dada
pelo entrevistado “H”.

Em contramão a isso, outros levantaram que o Núcleo de Prática

Jurídica deveria abranger mais áreas do Direito não apenas o Direito

Civil, como também Direito Trabalhista e Penal, para satisfazer o aluno,

caso o mesmo tenha afinco com aquela área do Direito, tendo assim a

faculdade uma maior capacidade de capacitação dos profissionais nas

diversas áreas, e consequentemente, não tendo o aluno que procurar

exclusivamente fontes de conhecimento externos, como por exemplo

fazer “cursinho”, para obter conhecimento em uma área determinada,

uma vez que seria papel da própria instituição satisfazê-la.

“[...] Na prática a gente não tinha o processo


penal, se fosse pela base da faculdade eu não
teria tido essa base nem para a atuação, o que
me ajudou muito foi o estágio em escritórios, a
busca aí na prática, e acompanhar profissionais.
Eu senti essa deficiência na faculdade no
criminal[...]” – trecho da resposta dada por “F”

Já os alunos que passaram pela instituição por volta dos anos de

2014-15 (dois mil e quatorze e quinze) relataram que a instituição estava

carente em certas disciplinas, sendo as de maior consenso as disciplinas


48
de Direito Penal e Processo Penal, Direito do Trabalho e Processo do

Trabalho, e posteriormente tendo a disciplina NPJ nesta lista. De acordo

com esses alunos, por ter ocorrido uma grande rotatividade entre os

docentes, isso teria afetado a qualidade do ensino prestado, bem como

diminuído a própria “qualificação” dos professores que vieram a tomar

posse nas disciplinas.

Em relação a este fato, foi consenso dos egressos que, de fato, a

instituição perdeu em desempenho em relação à qualidade do ensino

prestado anteriormente, situação em que, segundo os entrevistados, a

única matéria que havia continuado com seu desempenho satisfatório

eram as relacionados ao Direito Civil, pois foi a única que não houve

mudanças ou trocas maiores.

“A- Em partes, pois tive que buscar outros


conhecimentos em novos livros, só a faculdade
não daria conta, inclusive com relação a
atendimento ao cliente, se eu não tivesse uma
experiencia com vendas eu teria uma maior
dificuldade. Uma matéria só de PJE, parece que
a Rita faz apenas uma aula, e parece não ser o
suficiente. Na nossa época a gente teve esse
mesmo problema de rotatividade de
professores no direito penal, cai um pouco
porque não tem aquela estabilidade né, na
nossa época não teve essa estabilidade do
penal” – resposta dada por “A”,
“Dá a base sim, no meu caso a gente teve uma
deficiência muito grande na área que eu atuo
hoje que é o criminal, pois havia uma
rotatividade, de troca de professores, e eu senti
49
na época uma deficiência muito grande no
direito penal e processual (penal), inclusive na
pratica [...], na pratica a gente não tinha o
processo penal, se fosse pela base da faculdade
eu não teria tido essa base nem para a atuação,
o que me ajudou muito foi o estágio em
escritórios, a busca ai na pratica, e acompanhar
profissionais.” – trecho da resposta dada por ”F”

Outra grande crítica dos egressos desta época era sobre o

Núcleo de Prática Jurídica, pois estes alunos gostariam de ter tido mais

aulas práticas de fato e em diversas áreas do Direito, pois até então e

NPJ era exclusivamente tratado de assuntos relacionados ao Direito

Civil.

E, de forma geral, os entrevistaram apontaram a disciplina de

Direito Civil e Processo Civil como sendo a matéria mais forte da

instituição, com mais aulas e menos mudança de professores, fato até

que levou a vários deles a realizarem na 2º (segunda) fase do exame da

Ordem dos Advogados do Brasil na referida área.

Todavia, essa inclinação à área Cível foi alvo de crítica, pois

muitos que, posteriormente, quiseram atuar em área diversa a do Direito

Civil tiveram que buscar por cursos além da instituição. Pois como dito

acima, a instituição não teve capacidade de manter o nível de

desempenho que um dia já tivera, como também foi relatado a

estagnação da instituição em focar apenas no ensino de Direito Civil,

50
pois é a única matéria que tem a área pratica na instituição, fazendo

assim uma “instituição de civilistas”.

“Aí eu fiz minha OAB em civil e foi ótimo para


mim né, porque eu não fiz cursinho na primeira
fase” – trecho da resposta dada por “C”
“Eu senti essa deficiência na faculdade no
criminal, eu optei por fazer minha prova na OAB
em criminal, algumas pessoas me criticaram por
isso, “pô, mas você vai fazer, mas não tem base”,
mas eu fiz no penal justamente porque eu queria
aprender aquilo que eu senti deficiência na
faculdade.” – trecho da resposta dada por “F”,
“Se dependesse do curso você seria civilista! –
resposta dada por “G” em referência a resposta
da “F”
Um levantamento apontado pelos próprios egressos era o

porquê de o forte da instituição ser apenas o Direito Civil, alguns

levantaram a hipótese de ser o forte da região ou até mesmo o

preconceito da sociedade com outras áreas, como o Direito Penal, por

exemplo, até mesmo a hipótese de demanda, indagações que não

obtivemos a conclusão dos participantes.

“O preconceito também né? Pela matéria


criminal, muitos a gente consegue visualizar em
determinadas pesquisas que em determinadas
faculdades não é preconceito em si com a
matéria talvez, talvez seja com públicos, talvez
seja o receio de isso trazer para perto pessoas
do meio criminal talvez (referência a

51
“criminosos”) não seria isso?” – trecho da
resposta dada por “G”.

É compreensível que, ao longo dos anos, tanto o corpo docente

quanto as aspirações de cada aluno mudem, tendo assim a instituição

que se adequar a essas mudanças e tentar manter o equilíbrio quanto a

sua proficiência em manter a qualidade de ensino e quanto à

manutenção dessa qualidade em todas as matérias da sua matriz

curricular, para garantir assim formação de qualidade em todas elas, de

forma a respeitar a equidade do ensino prestado.

Todavia, conforme a percepção dos entrevistados pode-se

constatar que a instituição FUPAC-Mariana tem muito a melhorar em tal

tarefa, ainda que a faculdade tenha conquistado uma boa nota no

ENADE (nota 4 em 2014 e 2018) e apresente uma taxa relativamente

boas de aprovação no Exame da Ordem, também precisa melhorar e

ampliar sua área das práticas, assim no plural, sem privilegiar apenas

uma delas, histórico esse que acompanha a instituição desde seus

primórdios.

4.2 Experiência e percepção dos entrevistados com relação as


contribuições da FUPAC-Mariana para o mercado profissional e
para o exame da OAB

52
Ao indagar qual área do curso de Direito da FUPAC-Mariana lhes

deram mais embasamento para atuação profissional, os egressos,

concordaram de forma unânime que a área que mais lhes deram

embasamento para a atuação profissional foi o Direito Civil. Neste

sentido, um dos respondentes afirmou que apesar de gostar do Direito

Criminal, ele fez a segunda fase da prova da OAB (Ordem dos

Advogados do Brasil) em Direito Civil, C (Homem, Advogado) afirma:

“Direito civil. Eu sou do criminal, sempre gostei do criminal, mas minha

prova da OAB foi para civil e passei”.


No que tange a preparação para enfrentar o mercado após se

formar na instituição, a maior parte dos entrevistados afirma que se

sentia preparada “em partes” para enfrentar o mercado de trabalho e

cita alguns fatores que lhe traria maior sensação de preparo se tivessem

sido abordados durante o curso, sendo esses, especialmente, o

atendimento ao cliente e uma matéria que lhes permitissem um contato

prático com o PJE (Processo Judicial Eletrônico). É o que pode ser lido

neste trecho da entrevista:

A: Em partes, pois tive que buscar outros


conhecimentos em novos livros, só a faculdade
não daria conta, inclusive com relação a
atendimento ao cliente, se eu não tivesse uma
experiência com vendas eu teria uma maior
dificuldade. Uma matéria só de PJE, parece que
a Rita faz apenas uma aula, e parece não ser o
suficiente. Na nossa época a gente teve esse
mesmo problema de rotatividade de

53
professores no Direito penal, cai um pouco
porque não tem aquela estabilidade né, na
nossa época não teve essa estabilidade do
penal. (A, Mulher, Advogada)

Ainda neste seguimento, algo que ficou demonstrado de forma

marcante na fala dos entrevistados é a percepção da ausência da prática

do Direito processual penal durante o curso na instituição, como se

pode ler no trecho abaixo, a respondente expõe que no Núcleo de

Prática Jurídica da Faculdade não há atuação no campo criminal, e que

para a preparação para atuação nesta ceara precisou estagiar em

escritórios de advocacia e acompanhar outros profissionais:

F: Dá a base sim, no meu caso a gente teve uma


deficiência muito grande na área que eu atuo
hoje que é o criminal, pois havia uma
rotatividade, de troca de professores, e eu senti
na época uma deficiência muito grande no
Direito penal e processual (penal), inclusive na
pratica como o dr. falou no NPJ aqui no civil, na
pratica a gente não tinha o processo penal, se
fosse pela base da faculdade eu não teria tido
essa base nem para a atuação, o que me ajudou
muito foi o estágio em escritórios, a busca ai na
prática, e acompanhar profissionais. Eu senti
essa deficiência na faculdade no criminal, eu
optei por fazer minha prova na OAB em criminal,
algumas pessoas me criticaram por isso, “pô mas
você vai fazer mas não tem base”, mas eu fiz no
penal justamente porque eu queria aprender

54
aquilo que eu senti deficiência na faculdade. (F,
Mulher, Advogada)
Neste contexto, reforçando o que foi dito e transcrito acima, ao

indagar qual área do Direito é pouco ou não é trabalhada pela faculdade

e faz falta no dia a dia profissional, todos os participantes reiteraram a

ausência da prática no campo penal, e uma das participantes pontuou

também o Direito do consumidor, “Direito penal. Eu pontuo também o

Direito do consumidor” B (Mulher, Advogada).

4.3 Percepção dos entrevistados em relação ao embasamento


teórico e prático para o mercado de trabalho quanto a preparação
para OAB
De forma a contextualizar os resultados, a pesquisa focal oferece

um panorama da evolução recente do Ensino Superior em Direito na

instituição FUPAC-Mariana, quanto à formação acadêmica como um

todo, tanto no que se refere embasamento teórico e prático, assim como

para o mercado de trabalho e a preparação para a realização para o

exame de ordem OAB, ainda foram questionados se fora necessário

buscar ensinamentos, fora do âmbito acadêmico, na qual um dos

entrevistados (C, homem advogado) iniciou as respostas com a seguinte

contribuição “Tivemos uma base, mas fazer um bom estágio é

interessante”.
Ainda sobre o tema outro entrevistado (H, homem advogado)

respondeu: "Se for para analisar sempre tem algo que se pode extrair

bem de um curso, mas teve uma boa base”. Os demais participantes (A,

55
mulher, advogada) (Mulher, advogada) (D, Homem, Bacharel em Direito)

(F, Mulher, Advogada) (G, Mulher, Advogada) apenas concordam sem

manifestar opiniões acerca do assunto.

Diante das respostas, podemos concluir de forma positiva, o

ensinamento obtido na graduação, disponibilizado pela instituição

FUPAC- Mariana. De forma geral os entrevistados relataram que tiveram

um bom ensino durante a graduação e formação como bacharel, que o

ensino obtido lhe serviu como base para a realização e aprovação no

exame de ordem, porém, estes não descartaram o papel da realização

do estágio, para a realização da prova, conforme aponta C (homem,

advogado) “tivemos uma base, mas fazer um bom estágio é

interessante”.
Outro respondente pontuou que todo curso tem algo a

complementar, e em seguida também afirmou que o ensino obtido lhe

serviu como base para a realização da OAB “se for para analisar sempre

tem algo que se pode extrair bem de um curso, mas teve uma boa base”.
(H, homem, advogado)

Neste sentido, foi possível aventar que a faculdade possui um

ensino que tende a ser satisfatório na formação acadêmica e profissional

destes profissionais, precisando, entretanto como já mencionado,

ampliar a área das práticas jurídicas.

4.4 Percepção dos entrevistados em relação Atuação Profissional e


Desafios

56
A realização desse trabalho suscitou ainda a intenção de

compreender os efeitos da graduação para profissionais de Direito, os

estudos sobre o ponto de vista dos entrevistados sobre mercado de

trabalho para graduados.

Assim, foi realizada uma pergunta para os egressos a respeito de como

os demais profissionais formados em outras instituições e com os quais

já conviveram sobre como estes veem a FUPAC-Mariana, e se foram bem

recebidos, se houve receios ou rejeições diante dessa interação. Para

iniciar a discussão uma entrevista (A, mulher, advogada) introduziu

dizendo:

Sempre há algum receio, acho que em todas as


profissões têm um ciuminho, ou algum
profissional que não se dispõe a ajudar a tirar
alguma dúvida, mas também tem aqueles que
ajudam sim tiram alguma dúvida, se quiser fazer
uma parceria está aberto a fazer uma parceria.

Em seguida, os demais participantes deram suas opiniões. A

egressa B (Mulher, advogada) menciona o sentimento de rejeição em

relação a outras instituições, acerca da recepção de outros profissionais

no mercado de trabalho em seu relato:

B- Em relação a faculdade eu senti um pouco de


resistência, quando menciona que formou na
FUPAC-Mariana porque, querendo ou não, na
nossa região a UFOP é muito boa, então o
diploma de UFOP na cabeça de algumas pessoas
57
é maior que o diploma de FUPAC-Mariana, é um
preconceito que já está encrostado na região, e
é algo muito difícil de tirar.

A egressa B trouxe um aspecto importante para a discussão,

enfocando que, como anteriormente mencionado, não tem sido

privilegiado nessas análises, a questão do egresso oriundo de

instituições particulares, quando menciona sobre a instituição federal,

UFOP, (Universidade Federal de Ouro Preto MG). Contudo, os demais

egressos, a respeito dessa situação, possuem uma visão sistêmica a

respeito da instituição particular FUPAC- MARIANA, e, uma instituição

federal como a UFOP, e, de certa forma, apresentam percepção diversa

da apresentada pela egressa B. Estes relatam que foram bem recebidos,

quando necessitavam de outros profissionais, de outras instituições,

conforme os relatos de F (Mulher, Advogada) que aduz:

F- No meu caso eu discordo até certo ponto, não


sei se é pela região também né frequentando
alguns ambientes também, a gente tem outros
profissionais como em uma delegacia por
exemplo a gente conta com uma parceria por
exemplo[..] Não é só porque estudou na mesma
sala, tem outros também eu recebo ligações,
quando eu tenho dúvida eu ligo para outro
profissional também, inclusive isso me dá uma
segurança maior, porque são pessoas que falam
nossa língua também, o que eu percebo é que
aqui em Mariana os advogados que têm maiores

58
atuações são aqueles que estudaram aqui
entendeu, os que se vê mais na ativa são aqueles
que saíram daqui. e eles me atendem e ajudam,
a maior dos bons profissionais que atuam na
área aqui em mariana são daqui da faculdade.
Eu não vejo hoje uma dificuldade, acho que é
mais do perfil do advogado.

Já o egresso C (Homem advogado) respondeu à pergunta com

outra indagação, pois, para ele, conforme você atua no mercado vai

fazendo seu próprio nome, em consequência disso recebe o

reconhecimento de outros profissionais, e de clientes. Ainda relata que

não viu problemas em ser egresso da instituição, e que seu trabalho vem

sendo destaque, por ser ex-funcionário público este diz que uma das

melhores coisas que lhe ocorreu foi “advogar", e que não se arrepende

de ter pedido exoneração do cargo que ocupava :

C- Essa pergunta é de agora ou quando sai da


faculdade? Porque de lá pra cá eu percebi que
mudou muito, o seguinte, você vai ganhando
espaço, por exemplo chegou agora em Mariana
vai ser daqui um tempo que você vai
consolidando, eu posso falar que eu nunca tive
esse problema, hoje eu atuo em vinte e cinco
comarcas, nunca tive esse problema, atuo como
advogado em BH tenho vários parceiros não tive
esse problema, só que quando eu formei vários
advogados falaram assim comigo “não pede
exoneração do seu cargo não”, vários, o único
que falou comigo para pedir exoneração do meu
59
cargo foi o Dr. Cristiano, falou assim, “pede
exoneração do seu cargo que você não vai se
arrepender não”, ai depois eu pedi exoneração,
melhor coisa que fiz na minha vida! Foi começar
a advogar. Agora sai da faculdade e vai tentar
(referência a tentar parceria) vai ser um caso ou
outro, mas nós estamos quebrando esse
paradigma, eu particularmente não tenho
problema nenhum com isso.

Na mesma linha, o relato de H (Homem advogado) aponta para

o fato de a inserção no mercado ser ampliada, conforme os anos de

atuação da instituição na região, e sua visão acerca do assunto:

H- Na medida que a faculdade vai se


consolidando no mercando a visão que as
pessoas têm da faculdade aqui é outra, hoje em
dia há muitos advogados bons que saíram
daqui.

A egressa G (Mulher, Advogada), em seu posicionamento,

menciona de forma positiva sua introdução no mercado de trabalho e

atuação em conjunto com outros advogados, quando atrela a recepção

ao “ego” do profissional da área, por este motivo alguns ajudam e

outros não se disponibilizam a tirar dúvidas ajudar etc., no trecho abaixo:

G- Tem muito apoio, muita parceria, tem gente


muita aberta, mas a gente tem que pensar que
tem o advogado e o ego do advogado, não
posso falar no geral, mas tem muito advogado
60
que é fechado, que é aquela coisa do mundinho,
e não tem a abertura para novos advogados.

Por último, a egressa D (Mulher, Advogada) finaliza a discussão

da retomando a questão do tempo de presença e atuação da instituição

na cidade:

D- Tem que ver também o tempo de atuação da


faculdade aqui na cidade, comparando com
outras igual Lafaiete, quando não tinha opção
aqui em Mariana a pessoa se desloca ou para
Lafaiete ou para Viçosa (no caso de particular)
então o tempo de atuação no município eu acho
que contribui bastante.
Após os relatos dos participantes, foi possível concluir que a

maioria, conseguiu uma inserção excelente no mercado, apesar de

alguns profissionais de outras instituições possuírem algumas vaidades,

estes não são considerados impedimentos ou rejeições. E que estes, na

maioria das vezes, foram bem recebidos no mercado de trabalho por

outros profissionais de forma solícita, e atuação em conjunto ou não

com outros profissionais varia conforme a personalidade destes.

Podemos inferir que a atuação de egressos na região vem

ganhando cada vez mais força, pela maioria dos profissionais da área

terem estudado e se formado na instituição, a maioria ficou satisfeita

com os métodos de ensino e concordam que como toda instituição

deve haver melhorias, mas a atuação foi um instrumento eficiente para

a colocação de profissionais de Direito no mercado de trabalho.

61
4.5 Percepção dos entrevistados em relação a motivação enquanto
estudantes de graduação

Durante a graduação, a motivação pode ser um fator

determinante para a conclusão de um curso superior devido às diversas

barreiras enfrentadas. Diante disso, se faz muito importante, saber o que

motivou os alunos que já cursaram o Curso de Direito na instituição

FUPAC- Mariana, para a criação de parâmetros de melhorias em relação

a qualidade de ensino da instituição.

Nesse sentido, para conceituar a motivação, segundo o autor

Maslow, a teoria da motivação é utilizada como uma força que estimula

as ações das pessoas, levando a um determinado tipo de ação ou

comportamento humano e pode se manifestar de diversas formas e

ainda que as pessoas ocupem o mesmo ambiente e cultura, diversos

fatores podem divergir nos interesses de membros de um mesmo

grupo, ou seja, as prioridades podem estar em campos diferentes, no

âmbito social, econômico ou autorrealização. (OLIVEIRA, GARVÃO e

SARDINHA,2019 p.2).

Motivação é o processo pelo qual um conjunto de razões ou

motivações explica, induz, encoraja, estimula ou motiva um

determinado comportamento ou comportamento humano. Diante

disso, uma variedade de fatores pode motivar os indivíduos a trabalhar,

se formar e outros aspectos importantes da vida das pessoas.

Acerca do assunto, questionou-se se os entrevistados poderiam

nos dizer o que os motivou no curso de Direito, e enquanto estudantes


62
na faculdade o que os motivava, tivemos as seguintes participações

nesta resposta: (A, mulher, advogada) (B, Mulher, advogada) (C, homem,

advogado) (D, Homem, Bacharel em Direito) (F, Mulher, Advogada) (G,

Mulher, Advogada) (H, Homem, Advogado)

Para uma das respondentes, as relações interpessoais

construídas durante o curso foi um fator que lhe motivou, já que o

período de graduação permite um contato frequente com os demais

alunos e professores por no mínimo cinco anos, conforme resposta

transcrita abaixo:

A- Os próprios alunos, os próprios colegas, até


a dona Conceição motivava a gente. Também a
Magna motivou muito a gente, colocava a gente
pra cima, os cursos dela sempre foi motivacional.
(A, mulher, advogada)

Nesta perspectiva, outra respondente reafirmou que os desafios

enfrentados durante o período de graduação lhe motivaram, assim

como superações diárias lhe impulsionou e a levou a quebrar os

próprios paradigmas:

F- Os desafios impostos me ajudaram muito, me


motivaram muito as vezes muitas das vezes pra
gente superar a gente, o cansaço, no meu caso
eu tinha que trabalhar, quebrar paradigmas
próprios mesmos e estudava e isso me motivava.
(F, Mulher, Advogada)

63
O Relato de B (mulher, advogada) aponta que o desfio foi um

grande motivador, assim como os estudos para o ENADE também lhe

incentivou:

B- Me desafiar, mostrar pra mim mesmo que eu


era capaz. E teve o ENADE, que também
incentivou a gente, desafiou a gente um pouco
mais, mostrar que a gente podia ter mais
estrelinhas

Neste sentido, o relato transcrito abaixo reitera que o período

preparatório para o ENADE é motivador e que os alunos juntamente

com uma das professoras da instituição se concentram em analisar as

questões do exame, o qual aponta um bom desempenho dos

estudantes da FUPAC, que possui a nota 4, indicando assim, que a

graduação avaliada está com uma performance superior à média das

demais:

G- Nos somos a turma do ENADE, A gente ainda


fez o preparatório ENADE com a Magna, tivemos
aulas sobre o ENADE, análises sobre as questões
do ENADE pra ver se a gente aumentava a
pontuação, na época eu lembro que a gente não
conseguia chegar no cinco porque a gente não
tinha o número de doutores professores, mas o
quatro a gente podia chegar e chegou. A nossa
pontuação é a mesma da UFOP, a UFOP tem
quatro a gente também tem quatro. (G, Mulher,
Advogada)

64
O professor contribui para que o aluno alcance a formação

acadêmica, mas para além disto, colabora para o desenvolvimento do

aluno enquanto indivíduo e membro da sociedade, já que proporciona

experiências que vão além do âmbito intelectual, portanto, bons

professores motivam os alunos a irem além, o que ocorreu no caso do

respondente que apontou que os bons professores lhe motivaram

durante a graduação:

H- A minha teve bons professores, tivemos


muitos professores que eram amigos. (H,
Homem, Advogado)

Por fim, podemos concluir que, de certa forma, os egressos da

instituição FUPAC-Mariana foram motivados por fatores diversos que

variam de incentivo familiar, de amigos, objetivos pessoais, desafios

interpessoais, desafios da rotina de trabalho em conjunto com a rotina

de estudos, alcançar uma boa avaliação institucional e deixar seu legado

para as gerações futuras de formandos. Observa-se assim, que cada um

dos participantes ficou muito satisfeito em participar da pesquisa e

contribuir da melhor maneira possível, para a conclusão do presente

trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O curso de Direito ainda é um dos cursos com maior número de

discentes no País, como mencionado, e tais discentes, ingressam no


65
curso com a tão sonhada aprovação do exame de ordem, para,

finalmente, se tornarem advogados. Conforme apontado no artigo, o

número de alunos no curso só tende a crescer, tornando o mercado

cada vez mais competitivo, filtrando de fato os melhores profissionais

para o mercado de trabalho. Somado a isso, tem-se também uma

vertiginosa inserção da tecnologia em todas as esferas da vida, e na área

jurídica não é diferente, assim, o profissional da área precisa

acompanhar a evolução para se manter no mercado de trabalho. Desta

feita, uma formação acadêmica de boa qualidade é essencial para a

preparação do futuro profissional e para sua inserção na área jurídica.

Pode-se considerar que planejar e montar o grupo focal tenha

sido, provavelmente a parte mais trabalhosa do presente estudo, antes

da escrita, contudo, foi possível extrair dele resultados surpreendentes

para a elaboração deste relatório.

A partir dos dados coletados dos egressos durante a realização

do grupo focal, podemos concluir que a instituição de ensino FUPAC-

Mariana proporcionou boa base teórica para seus docentes, havendo

apontamentos importantes sobre a abrangência do Núcleo de Prática

Jurídica e suas áreas de atuação. Também houve a percepção acerca da

rotatividade de docentes de certas áreas do curso o que parece ter

levado a uma maior dificuldade de adaptação e aprendizagem dos

alunos.

66
Pode-se observar que durante a entrevista, os envolvidos

puderam enxergar que durante a vida acadêmica, as disciplinas da área

de Direito Civil têm menor rotatividade de professores, inclusive

contribuindo para que os cursistas optem, por escolha ou por

necessidade, por essa área no Exame de Ordem, tendo em vista a maior

preparação que o curso oferece neste setor.

O principal apontamento colhido faz referência ao destaque que

a instituição provê às disciplinas de Direito Civil e Direito Processual Civil,

ficando as demais nas sombras destas, tal como a maior efetividade bem

como se área de abrangência do NPJ.

Como todo estudo, apontamentos negativos também foram

observados, principalmente no que diz respeito a disciplinas pouco

exploradas ou trabalhadas na vida acadêmica, e graças ao estudo, pode-

se entender que quase que de forma unânime, todos os entrevistados

relataram a deficiência na área criminal e a falta de abrangência desta

área no NPJ, citando, inclusive, a rotatividade de professores na área, um

motivo para que esse déficit no aprendizado aconteça.

Conforme relato dos entrevistados, a instituição havia uma base

muito forte e interessante nas áreas de direito do trabalho e direito

penal, com competentes e gabaritados profissionais, contudo, no

decorrer dos anos, esta base foi se perdendo, uma vez que por diversas

vezes houve a substituição de profissionais que lecionam nas cadeiras,

67
mas que, ainda assim, muitos egressos seguiram carreira profissionais

nestas áreas.

Um ponto positivo e que é interessante ser mencionado, é o fato

de a instituição possuir uma nota de destaque no Exame Nacional de

Desempenho dos Estudantes (Enade), que avalia o rendimento dos

concluintes dos cursos de graduação em relação aos conteúdos

programáticos previstos nas diretrizes curriculares dos cursos, o

desenvolvimento de competências e habilidades necessárias ao

aprofundamento da formação geral e profissional, e o nível de

atualização dos estudantes com relação à realidade brasileira e mundial.

No caso da FUPAC-Mariana, foi alcançando a nota 4 (quatro) nas

edições de 2015 e 20188, sendo considerada a mais bem colocada

instituição particular da região no curso de direito.

Ao serem indagados sobre como teria se dado a recepção dos

profissionais formados na FUPAC-Mariana pelo mercado de trabalho, foi

identificado que ainda há certo preconceito da sociedade local em

receber estes profissionais, por serem oriundos de uma instituição

particular, ainda mais com a oferta do curso de Direito pela Universidade

Federal de Ouro Preto na cidade ao lado, mas que isto tem se

desmistificado e que mais espaço tem sido conquistado pelos egressos

da FUPAC, ainda mais por já terem vários outros profissionais já

8
A de 2021 ainda não foi realizada em virtude da pandemia.
68
estabelecidos e formados na casa, fator que reduz a “resistência”

encontrada a princípio.

Ainda, de acordo com os entrevistados, pode-se entender que à

época de graduação, existia uma falha quanto à preparação e estudos

para prestar o Exame de Ordem, e que, foi identificado que os alunos

que tiveram um período de estágio de qualidade, puderam obter êxito

e aprovação mais célere no exame. Segundo relatado, o ensino da

faculdade dava uma base, mas ainda não era o suficiente para prestar o

exame, entendendo que a instituição falhava neste sentido, por não ter

algum projeto ou incentivo voltado diretamente para esta preparação

Outro ponto observado é que, como em todo curso, a motivação

dos profissionais em buscar o conhecimento, atualização e a

especialização, sempre será fundamental para que se obtenha êxito e

sucesso. Entendendo-se, inclusive, que não cabe somente a instituição

em fornecer uma graduação de excelência com mestres e doutores na

linha de frente, mas, como também, ao aluno, ao egresso, e ao, hoje

profissional, a busca constante por evolução e conhecimento.

REFERÊNCIAS

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imagem e som um manual prático. Pedrinho. 3. Ed. Petrópolis: Vozes,
2002.

69
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MORANDI, Igor. Direito é o curso com mais alunos no Brasil: confira as


possibilidades de carreira na área: Inovação ganha cada vez mais espaço
num mercado tão tradicional, garantindo oportunidades a estudantes e
a recém-formados. Há espaço para todos, apontam especialistas. GZH
Educação e Trabalho, [S. l.], p. 01, 8 out. 2021. Disponível em:
https://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao-e-
emprego/noticia/2021/10/direito-e-o-curso-com-mais-alunos-no-
brasil-confira-as-possibilidades-de-carreira-na-area-
ckuh7myfr0075019m1z4ip3x6.html. Acesso em: 22 abr. 2022.

70
SANTOS, Rafa. Pela primeira vez na história, número de advogadas
supera o de advogados. Consultor Jurídico, [S. l.], p. 01, 27 abr. 2021.
Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-abr-27/numero-
advogadas-supera-advogados-vez-brasil. Acesso em: 22 abr. 2022.

71
ENSINO REMOTO DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19 NA
FUPAC-MARIANA: PERCEPÇÕES DE UM GRUPO FOCAL

Pedro Alexandre de Paula9


Leticia Aparecida Barbosa 10
Matheus Dias Cota e Souza11
Henrique Goulart Camilo Gonçalves12
Raquel Araújo13
Magna Campos14

RESUMO

O presente artigo traz a percepção dos operadores do direito quanto


aos pontos positivos e pontos negativos do estudo remoto em
decorrência da pandemia causada pela covid-19. Este estudo objetiva
investigar os desafios encontrados pelos operadores durante este
período, bem como os benefícios trazidos. Para isso, foi utilizada a
modalidade de pesquisa com entrevista à um grupo focal formado por
7 graduandos, sendo 2 do terceiro período e 5 do sétimo. Deste estudo,
conclui-se essencialmente que o principal desafio era conseguir
adaptar-se às novas tecnologias e até mesmo ao respaldo técnico em

9 Graduando do 10º período do Curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio


Carlos de Mariana.
10
Graduanda do 10º período do Curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio
Carlos de Mariana.
11
Graduando do 10º período do Curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio
Carlos de Mariana.
12
Graduando do 10º período do Curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio
Carlos de Mariana.
13
Graduanda do 10º período do Curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio
Carlos de Mariana.
14
Proponente da pesquisa e orientadora. Professora do curso de Direito da FUPAC-
Mariana na área de linguagem e pesquisa. Graduada em Letras (UFOP). Mestre em Letras
(UFSJ). Especialista em Língua Portuguesa (PUCMG). Especialista em Moderna Educação
(PUCRS). MBA em Liderança, Gestão de Equipes e Produtividade (PUCRS).

72
relação à temática. Evidenciou-se ainda, percepções acerca do ensino
presencial e sugeriram o que entendiam que poderiam ampliar ou
implementar novos procedimentos para torná-los mais eficientes e
eficazes.

Palavras-Chave: Desafios do Ensino Remoto, Covid-19,


Regulamentação, Direito, Grupo Focal.

INTRODUÇÃO:

A mais recente Pandemia Mundial teve seu início na cidade

Wuhan na China, no mês de dezembro de 2019, e em pouco tempo se

espalhou pelo mundo inteiro, trazendo desafios a todas as áreas que se

possa imaginar, tornando-se necessário discutir, adaptar e implantar

uma série de orientações, procedimentos e normas a serem seguidos.

Para a educação, os desafios vão além de uma discussão

superficial que se queira fazer, eles abarcam desde a aquisição de novo

aparato tecnológico pelas instituições ensino, percorrendo a adaptação,

a especialização e o treinamento dos profissionais envolvidos no ensino

e, mais ainda, a adaptação dos alunos que viram a modalidade

presencial mudar para o Ensino Remoto em nosso país, e por que não

dizer, já que não é nenhum exagero, o Ensino Remoto ser adotado em

praticamente o mundo inteiro.

De certo, para boa parte da comunidade acadêmica, o

desafio foi muito grande e uma surpresa impensável. Mas adaptar-se se

tornou imperioso em detrimento dos riscos à saúde de todos. A era

73
digital e informatizada talvez nunca tenha sido tão utilizada como em

tempos de pandemia do Covid-19.

Neste estudo, serão ouvidas as percepções dos entrevistados

acerca dos desafios que enfrentaram, uma vez que além de alunos (as),

são profissionais de outras áreas, são pais, irmãos e parte de uma família,

que ao ter o seu ente por perto em pleno estudo e aulas, também

tiveram que se adaptar a uma nova realidade.

A entrevista foi realizada por meio da modalidade de grupo

focal, o que permitiu ter-se uma ideia de como o Ensino Remoto afetou,

contribuiu e desafiou os acadêmicos do Curso de Direito na Faculdade

Presidente Antônio Carlos de Mariana.

O propósito deste estudo é investigar especificamente como os

alunos que cursaram de forma remota o curso de Direito oferecido pela

FUPAC- Mariana, puderam se adaptar ao novo cenário e se houveram

dificuldades, como cada um enfrentou essas e para aqueles

respondentes que trouxeram uma visão diferente, de uma adaptação

mais tranquila e rápida, como aconteceu.

Tal investigação é relevante, pois pode contribuir para que,

mediante cenários parecidos, a instituição possa atender de forma mais

eficiente possível, os seus alunos e corpo discente, assim como entender

se a formação acadêmica dos alunos pode ter sido afetada, sob o ponto

de vista educacional, por assim dizer.

2. O CURSO DE DIREITO E O ENSINO REMOTO NO BRASIL


74
2.1 Um breve relato do curso de direito no Brasil

O Brasil foi colônia de Portugal até 1822 e até então não foi

fundada nenhuma instituição que permitisse a formação de Ensino

Superior aos seus habitantes, e estes, caso desejassem tornarem-se

bacharéis em Direito, realizavam viagens para estudar na Europa, Roma

e Paris, por exemplo.

Entretanto, alguns instrumentos normativos foram utilizados

desde a assinatura do Tratado de Tordesilhas, e se poderia dizer que

decorre daí o nascimento do Direito brasileiro. No ano de 1548, fora

criado um Regimento que dispunha sobre as competências e limitações

de poder do Governante então à época, Tomé de Souza, conforme

explica Tavares (2020).

A tentativa de implantação do curso de Direito no país iniciou-

se através da igreja que queria seguir a metodologia de ensino da

universidade de Coimbra, porém não obteve sucesso e a ideia não

vingou.

Tavares (2020) esclarece que a necessidade de juristas se fazia

imperiosa e nesse ínterim, a Constituinte de 23 trouxe uma resolução

para criação da instituição de Ensino Superior com pelo menos dois

cursos ligados à área jurídica, no país, no entanto também não foi bem-

sucedida, mas teve a ideia colocada em prática em 1927, quatro anos

mais tarde, pelo seu próprio idealizador.

75
Os cursos jurídicos, como eram denominados, foram

implantados em Olinda (sendo transferido posteriormente para o

Recife) e em São Paulo, e as instituições eram chamadas de Academias

de Direito. A admissão para se cursar as Letras Jurídicas era realizada

através da apresentação de certidão comprovando a idade mínima de

15 anos, além da aprovação mediante testes de matérias específicas,

como língua francesa, retórica e outras. Após cinco anos de curso,

recebiam a classificação de Bacharéis em Direito.

Tavares (2020) também informa que, a partir das Academias de

São Paulo e Recife, foram sendo criados os núcleos que hoje são os

Cursos de Direito, sendo que a partir do ano de 1891, as Faculdades

particulares foram criadas, aumentando ainda mais o número de

formandos em Direito.

Atualmente, para o exercício da função de advogado, os

bacharéis em Direito devem se submeter ao exame e aprovação na

Ordem dos Advogados do Brasil- OAB, requisito que se tornou

obrigatório desde 1994.

2.1.2 Uma breve introdução sobre a Faculdade Presidente Antônio


Carlos de Mariana-MG

Fundada em 2003, na cidade de Mariana-MG, a Faculdade

Presidente Antônio Carlos já conta com mais de 13 turmas de alunos

76
formados, totalizando 425 alunos a se formarem na instituição até o

presente momento.

No primeiro semestre de 2004, foi criado o curso de Pedagogia;

em 2005, o de Tecnologia em Gestão Ambiental; e, em 2006, o de

Tecnologia em Gestão Pública.

Em dezembro de 2007, a Faculdade passou a funcionar em outra

sede, localizada à Rua Antônio Alves, nº 78, Bairro São Cristóvão.

Em 6 de agosto de 2007, foi autorizado o curso de Direito, sendo

que, atualmente, a Faculdade tornou-se especializada no Ensino

Jurídico. Tornou-se, com o passar do tempo, pilar da sociedade

Marianense, exercendo considerável função social para com a comarca

de Mariana.

Atualmente conta com cerca de 240 estudantes de Direito

matriculados, 13 professores, 01 coordenador pedagógico, 01

coordenador administrativo e 01 diretora geral.

2.2. A Pandemia de COVID-19 e suas nuances no ensino remoto do


curso de Direito
Sars-CoV-2, conhecido comumente como COVID-19, trata-se

de um vírus que causou grandes problemas institucionais em todos os

cenários, sobretudo na educação, no ensino aprendizagem. E como isso,

foi preciso adotar estratégias para adoção da prática de distanciamento

social para reduzir o contágio pelo vírus (LUIGI; SENHORAS, 2020), e

neste contexto alcançou também, o curso de direito da faculdade de

77
Mariana, que se viu obrigada a adotar medidas para que os sistemas

não paralisassem em sua totalidade.

Em decorrência da Pandemia provocada pela Covid-19, o

Congresso Nacional decretou e reconheceu o Estado de Calamidade,

instituído por meio do Decreto Legislativo 6.º, de 20 de março de 2020

(BRASIL, 2020).

Para Soares (2020), a prática de distanciamento social teve seu

advento com a gripe espanhola entre 1918 e 1919, no qual foi

considerado importante estratégia para evitar a transmissão e contágio

da doença, tal como a situação hoje provinda da Pandemia COVID-19.

Portanto, desde este acontecimento, nenhuma outra doença impactou

medidas de distanciamento social como a que estamos presenciando

entre 2020 e 2021.

Neste mesmo sentido, de forma oficial, em decorrência desta

pandemia que causou um colapso na saúde pública, tendo sido

decretado o Estado de Calamidade Pública, o Congresso Nacional,

permitiu medidas paliativas e provisórias necessárias e previdentes para

que diversas demandas, não paralisassem.

Deste modo, a pandemia COVID-19, obrigou as instituições se

organizarem estrategicamente, e se adaptarem para atenderem seus

alunos, bem como evitar a grande evasão dos estudantes, processo este

que culminou na introdução do Ensino Remoto Emergencial, com a

utilização da tecnologia, o que trouxe mudanças significativas nos

78
serviços fornecidos pelas instituições. Igualmente, casos não se

organizassem para o atual cenário pandêmico, comprometeria

sobremaneira a continuidade do ensino comprometendo assim sua

qualidade.

Para isso, as organizações de Ensino Superior se viram obrigadas

a se reorganizar, frente ao novo para aquela realidade. Portanto, com a

COVID-19, foi necessário implantar estruturas, novos procedimentos

técnicos e formais, em que acelerou, a adaptação quanto ao uso

processos e dos recursos tecnológicos, tanto para os estudantes, quanto

para os professores e técnicos inseridos nesta sistemática, o que

permitiu que os conhecimentos de uma área possam ser adaptados e

serem utilizados por outras por outras.

E assim, fez-se necessário compreender melhor este universo de

forma que o próprio usuário contribua para melhorar a eficiência destes

procedimentos. Além de entender como se configura a avaliação destes

instrumentos de forma a contribuir para melhor adequação dessas

ferramentas tecnológicas a serviço da educação.

Nesta direção, Moraes (2004) explica que um serviço eficiente é

aquilo que o cidadão espera assim a implantação de novas estratégias

visam potencializar as ferramentas tecnológicas já existentes.

Entretanto, a eficiência dos resultados parte do pressuposto do quanto,

estes atendem plenamente a satisfação dos usuários, que em

geralmente, quando os resultados se mostram positivos, essas

79
percepções alcançam aqueles que consomem determinado serviço ou

produto.

E neste sentido, torna-se de suma importância a invocação, com

a inclusão de novos mecanismos e meios tecnológicos para tornar

efetivo essa evolução com vistas à otimização dos processos. E nesta

ótica, percebe-se correlação direta entre os aspectos que norteiam a

eficiência destas.

No entendimento de Becker e Serbena (2017), há neste sentido

a substituição dos procedimentos físicos em ritos eletrônicos na forma

de ensino virtual, ou por videoconferência em tempo real e

simultaneamente por todos os envolvidos, promovendo neste aspecto

uma relação de troca de informações, neste caso de ensino e

aprendizagem.

Ademais, em regra não basta assegurar a prestação de serviços,

é preciso o promover de forma eficiente, para que o curso de Direito,

em sua magnitude, não tenha perda de sua qualidade. Neste contexto

verifica-se que a eficiência pressupõe resultados ótimos no que se

propõe a executar, com rapidez, prontidão, clareza, legitimidade e

objetividade. Assim, tornar-se-á indispensável a capacidade efetiva de

se fazer o que se propõe da melhor forma possível, visto que essa é a

principal prerrogativa de uma oferta de serviço, ou seja, quando alcança

a integridade e o interesse social.

80
Nesta direção Cappelletti e Garth (1998), dissertam que a

tecnologia, influenciada, sobretudo pela evolução social, como quebra

de paradigmas, propõe efetivamente um novo método para tornar o

processo mais eficiente, em que o principal objetivo é o de facilitar o

acesso, e neste caso de pandemia se mostrou eficaz, dada suas

limitações, sobretudo do sentido de adaptação.

Diante de todo exposto, fica evidente pensar que a continuidade

do ensino, sobretudo em tempos de Pandemia COVID-19 sem a

utilização dos meios tecnológicos, traria maior prejuízo tanto para a

organização que oferta, tanto para os consumidores que percebiam essa

paralisação como grande prejuízo no processo e no tempo de

formação.

2.3 Regulamentação do Ensino Remoto

No dia 31 de Dezembro de 2019, a Organização Mundial de

Saúde (OMS) reportou uma doença contagiosa detectada em Wuhan,

China. Pouco depois, esta doença, denominada COVID-19, se alastrou

pelo mundo, tornando-se uma pandemia. Para contê-la, a OMS

recomendou três ações básicas: isolamento e tratamento dos casos

identificados, testes massivos e distanciamento social.

Com o distanciamento social, se tornou impossível a convivência

de alunos dentro de uma sala de aula. Para que a educação no país não

81
fosse paralisada e os milhares de alunos não fossem prejudicados, o

Ministério da Educação (MEC), no dia 17 de março de 2020, por meio

da Portaria nº 343, se manifestou, autorizando e regulamentando a

substituição das aulas presenciais por aulas remotas.

Art. 1º Autorizar, em caráter excepcional, a


substituição das disciplinas presenciais, em
andamento, por aulas que utilizem meios e
tecnologias de informação e comunicação, nos
limites estabelecidos pela legislação em vigor,
por instituição de educação superior integrante
do sistema federal de ensino, de que trata o art.
2º do Decreto nº 9.235, de 15 de dezembro de
2017. (PORTARIA Nº 343, DE 17 DE MARÇO DE
2020, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO).

Segundo o Censo da Educação Superior do Instituto Nacional de

Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2020, o

Brasil contava com mais de oito milhões de matrículas em todos os

níveis e modalidades e a educação a distância corresponde a 40% deste

valor (INEP, 2020). Diante desta pesquisa, restou clara a possibilidade e

a facilidade que o nível superior encontraria para migrar as aulas

presenciais para o ensino remoto, cumprindo a portaria nº 343 do MEC.

No Ensino Superior, é costumeira a utilização de tecnologia

durante o curso. A própria instituição FUPAC-Mariana já contava com

sistema de gestão escolar, além de biblioteca virtual. Sendo assim,

82
tornou-se relativamente mais fácil a adequação da instituição no ensino

remoto.

A resolução permitiu que as Instituições de Ensino Superior (IES),

definissem as disciplinas que poderiam ser realizadas remotamente,

desde que disponibilizassem os meios necessários para que os alunos

pudessem acompanhar.

2º Será de responsabilidade das instituições a


definição das disciplinas que poderão ser
substituídas, a disponibilização de ferramentas
aos alunos que permitam o acompanhamento
dos conteúdos ofertados bem como a realização
de avaliações durante o período da autorização
de que trata o caput.

Neste quesito, a FUPAC-Mariana disponibilizou o Portal

BlackBoard, uma ferramenta que possibilitava que os alunos tivessem

acesso às aulas remotamente, podendo ser síncronas e assíncronas,

além de terem acesso a trabalhos e provas que poderiam ser resolvidas

dentro da própria plataforma.

Ele se estendeu para o estágio e atividades de extensão, onde a

IES deveria disponibilizar meios que pudessem proporcionar aos alunos

o cumprimento das horas obrigatórias nesse período excepcional de

pandemia.

83
O Conselho Nacional de Educação (CNE), emitiu a Resolução

CNE/CP Nº 5/2020, implementando diretrizes para as IES seguirem

durante o período de ensino remoto. Vejam-se algumas:

I - adotar a substituição de disciplinas


presenciais por aulas não presenciais;

84
II - adotar a substituição de atividades
presenciais relacionadas à avaliação, processo
seletivo, TCC e aulas de laboratório, por
atividades não presenciais, considerando o
modelo de mediação de tecnologias digitais de
informação e comunicação adequado à
infraestrutura e interação necessárias;
III - regulamentar as atividades complementares,
de extensão e o TCC;
IV - organizar o funcionamento de seus
laboratórios e atividades preponderantemente
práticas em conformidade com a realidade local;
V - adotar atividades não presenciais de práticas
e estágios, especialmente aos cursos de
licenciatura e formação de professores,
extensíveis aos cursos de ciências sociais;
VI - definir a realização das avaliações de forma
remota;
VII - realização de atividades on-line síncronas
de acordo com a disponibilidade tecnológica;
VIII - oferta de atividades on-line assíncronas de
acordo com a disponibilidade tecnológica;
IX - realização de testes on-line ou por meio de
material impresso entregues ao final do período
de suspensão das aulas; e
X - utilização de mídias sociais de longo alcance
(WhatsApp, Facebook, Instagram etc.) para
estimular e orientar os estudos e projetos.
(CNE/CP Nº 5/2020)

Outro importante ordenamento jurídico que converge de forma

significativa, para maior eficiência e celeridade processual, vem

85
alicerçado no artigo 6º do CPC/2015, ou seja, o Princípio da Cooperação,

neste sentido para Alexandre Freitas Câmara (2017, p. 28), este princípio

está diretamente relacionado à resolução de mérito, sobretudo quando

se trata de procedimentos com a utilização de tecnologia, como é o caso

das Audiências Virtuais.

Neste contexto verifica-se que a eficiência pressupõe resultados

ótimos no que se propõe a executar, com rapidez, prontidão, clareza,

legitimidade e objetividade. Assim, tornar-se-á indispensável a

capacidade efetiva de se fazer o que se propõe da melhor forma

possível, visto que essa é a principal prerrogativa de um serviço público.

Com isso, se concretiza a égide constitucional no contexto da dignidade

humana quando alcança a integridade e o interesse social.

3. METODOLOGIA

3.1 Metodologia do estudo com grupo focal na FUPAC-Mariana

A metodologia utilizada para o alcance da proposta de trabalho,

é caracterizada como técnica dos grupos focais, é classificada como

qualitativa dada a sua natureza, clareza e objetivos propostos. Trata-se

de uma pesquisa empírica, pelo fato de se procurar estabelecer

dimensões internas e externas para orientar e subsidiar a avaliação do

que será estudado.

86
Essa pesquisa é também considerada participativa, dado que nos

remetem a concepções e práticas de investigação sob diferentes

premissas e percepções, no qual se considera que a informação e o

conhecimento são instrumentos significativos de resposta, de poder e

controle.

Neste sentido, Morgan (1997) define grupos focais como uma

técnica de pesquisa que coleta dados por meio investigado, de forma

que a junção de pessoas, caracterizadas por pequenos grupos, de forma

individualizada, com a participação de um intermediador, discutem

sobre determinado tema em questão, a fim de colocarem seus

posicionamentos e assim, em conjunto, reproduzirem percepções

acerca do conteúdo pesquisado. Outrossim, verifica-se que se trata de

uma forma de desvelar o processo de alienação e torná-lo consciente

para os participantes.

O uso dos grupos focais está relacionado com os pressupostos

e premissas do pesquisador. E contribuem para tomadas de decisões

quando se recorrem às informações necessárias para transformação

social, quando se discute fatores pouco conhecidos visando o

delineamento de pesquisas futuras, ou para conhecer certas realidades

cuja interação dos participantes pode auxiliar no debate e nas

informações. O que é claramente visualizado é que os grupos focais

podem atender a interesses práticos ou teóricos, em que concorrem três

87
tipos de tarefas: os processos do próprio grupo, os conteúdos

emergentes e os latentes.

De acordo com Morgan (1997) há também três modalidades de

grupos focais, mas sua tipologia repousa no uso isolado ou

concomitante de outras técnicas e métodos de pesquisa, quais sejam:

a) grupos autorreferentes, usados como principal fonte de

dados;

b) grupos focais como técnica complementar, em que o grupo

serve de estudo preliminar na avaliação de programas de intervenção e

construção de questionários e escalas;

c) grupo focal como uma proposta de diversos métodos

qualitativos, que integra seus resultados com os da observação

participante e da entrevista em profundidade.

Os grupos focais autorreferentes servem a uma variedade de

propósitos, não só para explorar novas áreas pouco conhecidas pelo

pesquisador, mas aprofundar e definir questões de outras bem

conhecidas, responder a indagações de pesquisa, investigar perguntas

de natureza cultural e avaliar opiniões, atitudes, experiências anteriores

e perspectivas futuras.

Neste sentido, foi realizado no dia 11 de abril de 2022 às

19h30min, um encontro com 7 (sete) estudantes do curso de Direito da

Faculdade Presidente Antônio Carlos da Cidade de Mariana. No qual

88
contamos com a presença de 1 (um) graduando (a) do terceiro período,

e 6 (seis) graduandos (a) do sétimo período.

O objetivo deste encontro, acerca do estudo proposto, teve

como premissa identificar a percepção dos graduandos de Direito,

acerca de suas percepções, quanto às vantagens, desvantagens e

dificuldades observadas nos Estudos Remotos durante a pandemia, foi

utilizada a técnica de grupo focal cujo objetivo é coletar informações

junto aos entrevistados, ou seja, a utilização desta técnica consiste

também em “perguntar o que fazem e ou o que pensam acerca de

determinado conceitos futuros (MORGAN, 1997)”.

Concomitantemente, foi explicado aos participantes, que se trata

de uma pesquisa acadêmica, na modalidade grupo focal, e que todos os

participantes seriam denominados como as letras (A), (B), (C), (D), (E),

(F) e (G).

E as questões propostas pelos entrevistadores (P1) e (P2)

seguiam uma ordem, mas a resposta poderia ser em ordem aleatória

de entrevistados, para aquele graduando que quisesse contribuir com

seu entendimento. Ademais, foi coletada a assinatura dos graduandos

no Termo de Livre e Esclarecido.

Igualmente, os participantes responderam 7 (sete) questões

referentes a alguns aspectos e características consoante ao Ensino

Remoto proposto pela Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana,

89
durante a Pandemia, bem como as dificuldades e vantagens

identificadas.

Destas 7 questões respondidas, 5 (cinco) são as que compõem o

objeto em análise, visto que “as demais excluídas eram temas já

contemplados e ou repetitivos, e que sua exclusão não trouxe

prejuízo…” por “duas delas” que acabaram aparecendo nas demais

respostas e a equipe optou por suprimi-las da análise para.

3.2 Análises e Resultados

Neste tópico, as informações coletadas são apresentadas a partir

de suas transcrições, com o objetivo de analisar as respostas dos

entrevistados, bem como demonstrar as percepções dos respondentes

de forma qualitativa e descritiva e assim possibilitar as análises que se

mostraram importantes para responder os principais aspectos do

estudo proposto.

Desta forma, os dados referentes à percepção dos respondentes,

serão analisados individualmente acerca das informações prestadas em

convergência com as questões propostas pelos entrevistadores, assim

as transcrições serão utilizadas com o intuito de identificar os pontos

positivos e negativos do Ensino Remoto durante a Pandemia Covid-19.

Neste contexto, as informações coletadas servirão de subsídios

para adoção de estratégias que visem sanar questões estruturais da

90
Instituição estudada, bem como evidencia comportamentos que podem

prejudicar do desenvolvimento do graduando de direito, quanto às

essas quebras de paradigmas, caso necessite de adaptação de uma

forma de estudos para outra. Como foi o caso vivenciado por eles, ou

seja, de Ensino Presencial para o Ensino Remoto de forma emergencial.

3.2.1 A compreensão do ensino remoto embasado por alunos do


curso de Direito sob o olhar de um grupo focal

O objetivo dessa entrevista realizada na modalidade de grupo

focal é colher informações e opiniões acerca dos desafios enfrentados

durante o tempo em que os alunos do curso de Direito da FUPAC-

Mariana precisaram adaptar-se ao ensino remoto. Todo embasamento

teórico aconteceu a partir de uma entrevista realizada com alunos que

tenham, no mínimo, cursado três períodos de forma remota, na

qual todos puderam levantar as questões envolvendo desde a

faculdade até a realidade individual, por assim dizer, já que foi

possível conversar com um grupo com realidades bem diversas entre

si.

O roteiro de perguntas foi desenvolvido de forma a obter

um apanhado que permitisse o entendimento de cada um sobre a

responsabilidade da instituição, dos docentes e de cada estudante bem

como verificar a eficiência do ensino nessa modalidade.

91
As perguntas foram apresentadas aos integrantes de forma

didática, de maneira que cada participante se sentisse à vontade para

responder os questionamentos levando em conta a sua própria

realidade e opinião. A dinâmica foi estabelecida de forma que houvesse

dois integrantes do grupo de entrevistadores (mediadores) realizando

as entrevistas e o restante da equipe colaboraria na estruturação do

ambiente, gravação e cronometragem do tempo disponível.

Ao final dos questionamentos, os dados foram

levantados de acordo com o material coletado, transcritos e usados na

elaboração do presente artigo. As perguntas foram no sentido de

entender se a faculdade: (i) conseguiu entregar o ensino proposto e se

houve pontos a serem melhorados, quem sabe, em um próximo evento

nesse sentido, (ii) além de buscar o entendimento de como o aluno em

particular pôde se adaptar a esse novo cenário de estudos, (iii) como

cada um desenvolveu sua própria didática de aprendizado e se adaptou

em ambiente não escolar, já que as aulas eram assistidas de forma

síncrona e assíncrona, em seus próprios lares.

Foi constatado, em função do que discorreu a maioria

dos estudantes entrevistados, que o ensino remoto trouxe muitos

desafios, mas o principal deles era a forma de concentração em um

ambiente que outrora não era de dedicação às aulas, do desafio que foi

conseguir adaptar-se às novas tecnologias e até mesmo o respaldo

técnico em relação à temática.

92
Para alguns, até mesmo a instituição teve desafios muito grandes

de adequação, porque, conforme se mostra a seguir, a faculdade não

conseguiu atender e suprir as demandas tecnológicas num primeiro

momento. O respondente B menciona, após ser provocado a responder,

que não se sentiu amparado e que houve alguns desafios e divergências

de informação inicialmente.

“No começo teve bastante divergências né, de


eles informarem uma coisa e aí quando a gente
ia fazer lá era outra. No começo foi bastante
complicado, não foi fácil né… Mas no começo foi
bem confuso né, eles não sabiam explicar
direito… - trecho da entrevista concedida pelo
participante “B”.

Um dos desafios que forçaram uma maior adaptação foi

o ambiente de estudos de cada aluno, pois foi possível verificar que, a

realidade de cada um pode contribuir para facilitar ou dificultar o

aprendizado. Se o aluno estiver inserido num contexto de família na

qual não há tantas pessoas em casa, o aprendizado pode ser mais

facilmente desenvolvido, já em contrapartida, quanto mais pessoas há

no lar de cada um, o desafio aumenta e, mesmo que haja a tentativa de

se disciplinar e manter o foco, há ainda o fator da própria família não

conseguir absorver e viver essa nova realidade de maneira aproximada

do ideal de estudos.

93
Neste sentido, para um dos entrevistados, estar em casa

somente com a companhia de uma pessoa adulta e que consegue

entender a necessidade de silêncio para manter o foco, contribui para

sua adaptação, bem como criar um espaço dentro da própria casa que

aproximasse do ambiente escolar, o que também facilitou os estudos

durante o período de ensino remoto em que continuou o curso de

Direito pela Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana - MG. O

respondente D pontuou que o fator família e companheirismo, ajudou

em suas rotinas de estudos.

“Eu, no começo, eu não me adaptei, depois eu


montei o meu cantinho, adaptei com uma
cadeira, fiz uma mesa, consegui me adequar” ...
Eu acho interessante pontuar, para mim não
impactou tanto porque eu não tenho filho, eu só
tenho marido em casa e ele entende minha
rotina de estudos. Tinha dia que ele parava e
ficava lá, e desligava até a televisão para ele
ouvir a minha aula. Então, para mim, é tranquilo,
eu não tenho filho, agora eu imagino uma mãe
estudar com o filho...” - parte do que D
pontuou ao ser entrevistado.

Já para alguns alunos, o ambiente familiar dificultou muito nas

rotinas de estudo, pois para eles, conseguir que a família entendesse a

necessidade de uma rotina e disciplina foi um desafio difícil de

enfrentar.

94
Mesmo que fossem estabelecidos horários para as aulas

síncronas, conseguir assisti-las sem interrupções, tornou-se complicado,

pois se o aluno que antes estava na instituição no horário de aulas estava

em casa disponível, isso queria dizer que ele poderia ser acionado pelos

membros de sua família. Foi o que um dos alunos expôs diante do

questionamento do entrevistador, sobre o que os estudantes achavam

sobre estudar de forma remota. O respondente A respondeu que a

proximidade com a família, com os entes familiares, durante a rotina de

estudos, acaba impedindo de se manter o foco e de ter um aprendizado

mais eficaz.

...a proximidade do momento de estudo com a


família eu achei que foi um ponto um pouco
prejudicial, porque é em casa, estando em casa,
estudando em casa, todos os problemas da
família estão lá do seu lado, uma porta distância,
um passo de distância, se seu pai, sua mãe dão
uma voz diferente, ah naquele momento por
mais concentrado que você esteja aquele
instinto familiar, o amor familiar te direciona
totalmente, você larga a aula e querendo ou não
acaba que você vai participar daquela situação. E
por outro lado também e mesmo você querendo
não interagir, às vezes você é provocado a
interagir porque, o pessoal sabe que você está
estudando, num momento de estudo, mas, você
ainda é da família, você não é só estudante e aí
eles contam com você. “Então eu acredito que
essa proximidade, essa é da família e você não
ter um ambiente isolado dos problemas
familiares, é o que mais afeta a gente,
95
emocionalmente falando, foi o que mais
desafiou você conseguir desvincular, eu
particularmente não desvinculei, tive que
conciliar todos dois.” - Trecho de parte do que
respondeu o participante “A”.

Corroborando com a opinião da maioria dos entrevistados, estar

inserido num contexto informal de estudos, pode prejudicar muito a

formação acadêmica se não houver uma disciplina e um

comprometimento maior, pois a facilidade de dispersão e a

possibilidade de se deixar certas obrigações para depois, dificulta a vida

dos estudantes.

Conforme já explanado, a realidade individual pode não permitir

que o aprendizado por meio de certos métodos seja eficaz para a

maioria dos estudantes, e não foi diferente com os participantes

inseridos na entrevista realizada. Para eles, mesmo com todo aparato

tecnológico e a adaptação da instituição e dos professores, não foi o

suficiente para suprir as aulas presenciais. Além disso, a expectativa dos

estudantes, quando começaram o curso, era estar inserido em uma

turma composta por colegas que viam durante a semana, estreitando

laços e relações. Conforme explica F, o rendimento durante o ensino

remoto até caiu, em virtude dos desafios e das complicações existentes.

“...esse contato sabe, esse contato com o


pessoal, acho que muitos se adaptam a longa
distância, outros não. Eu pessoalmente não
adaptei, tive uma certa dificuldade, meu
96
rendimento, de forma pessoal o meu, meu
rendimento nas notas caíram, porque querendo
ou não, você tá em casa, tá no conforto de casa,
ai querendo ou não da aquela monotonia na
aula lá, você dispersa, igualzinho o B ali falou,
citou bem, você é filho, você é pai, você é irmão,
você é vizinho, enfim é, eu prefiro o presencial,
mesmo, até mesmo seu contato com o professor
ali, você tira dúvida na hora, querendo ou não
dependendo você tinha que mandar mensagens
pro professor, a comunicação foi falha, teve
muita falha na comunicação principalmente no,
na primeira plataforma, se não me engano no
Google [sic], depois passou pro Meet né,
quando no segundo, no segundo ano que
melhorou, mesmo assim a comunicação ficou
falha, você mandar via mensagem pro professor,
aí você tinha que esperar o professor responder,
querendo ou não eu acho que foi uma
dificuldade imensa...” - conforme trecho da
entrevista concedida pelo participante “F”.

Os desafios encontrados vão para além das metodologias de

ensino durante a pandemia, foi verificado como a individualidade

precisa ser entendida, como cada dificuldade encontrada pode ser

superada no dia a dia destes estudantes e como a instituição pode

contribuir para que a formação acadêmica de cada um não seja

comprometida. Estar inserido no contexto pandêmico trouxe a cada um

a necessidade de adaptação e cada um se viu impelido a desenvolver

97
técnicas, rotina e envolver tudo isso em um ambiente informal, que é o

lar de cada um deles.

Em contrapartida, também foi possível compreender que a

instituição, o corpo discente e os alunos, sempre que estiverem diante

a obstáculos que coloquem o ensino frente a desafios, precisam

caminhar juntos, pois só assim poderão caminhar rumo a um ensino

eficaz, de qualidade e abrangente.

A pandemia do Covid-19 mostrou que os desafios ocorrem em

todas as esferas e são percebidos por estas, de maneira quase que

simultânea, haja vista que ficou evidente que todos buscaram formas de

se adequarem à nova realidade.

3.2.2 Ensino Remoto: O impacto na vida de mulheres com jornadas


além do trabalho

O papel da mulher na sociedade ainda merece ser destaque de

estudo e não seria diferente ao coletar dados sob uma perspectiva da

FUPAC-Mariana. Muito provavelmente, quando se fala em adaptar,

entende-se que algumas condições, que antes eram corriqueiras,

transformaram-se em necessidade de se fazer a mesma coisa sob

cenário diferente.

As mulheres possuem um papel importante no estudo realizado,

uma vez que, em sua maioria, trata-se de pessoas com uma jornada

estendida de obrigações diárias. Muitas delas, durante a pandemia,

precisaram enfrentar o desafio de conciliar estudo, trabalho profissional,


98
filhos em casa, cuidado com o lar, ajuda como “monitora educacional”

dos filhos pequenos nas aulas durante a pandemia, e, não bastassem

todos os obstáculos advindos do Ensino Remoto, a necessidade de se

reinventar todo dia um pouco mais. Muitas se viram inseridas em uma

rotina de fluxo constante de atividades, quase sem horário de descanso

e de atividades, a não ser as poucas horas de sono.

Ter um local apropriado e desenvolvido para estudar, como é a

sala de aula, estar conectado aos ensinamentos ministrados, torna o

estudo de fato mais fácil, afinal a atenção deve estar voltada unicamente

ao que os professores estão ministrando. Em casa ou ambiente familiar,

essa realidade muda bruscamente, ainda mais sob a perspectiva do

momento Pandemia, todos em casa, trabalho dobrado, muitos em home

office, os desafios aumentam e muito para as mulheres que são mães,


profissionais atuantes e/ou donas de casa.

Quando questionados sobre o pensamento de desistência do

curso ou de possibilidades em cada um ser capaz de fazer a sua parte,

alguns respondentes entendem que, para as mulheres que são mães de

família, as dificuldades alcançam níveis ainda maiores que para os

estudantes que trabalham fora ou que são dedicados somente ao

estudo.

O respondente D disse que:

“Eu acho interessante pontuar, para mim não


impactou tanto porque eu não tenho filho, eu só

99
tenho marido em casa e ele entende minha
rotina de estudo.
Para as mulheres que somam rotinas de estudo em casa, tendo

família, a jornada acaba sendo dobrada, se não houver uma rede de

apoio ou pessoas com quem possam dividir as tarefas e

responsabilidades, conseguir estudar em casa pode ser considerado

impossível. A possibilidade de dedicação efetiva diminui e com isso,

acompanhar a turma e tentar manter um nível de aprendizado pode

ficar comprometido e nesse sentido, o respondente D ainda pontuou de

forma mais contundente ainda, ao afirmar que tendo apenas o marido

em casa e que entendia sua realidade e a apoiava, as coisas puderam

ser mais fáceis:

“Tinha dia que ele parava e ficava lá, e desligava


até a televisão para ele ouvir a minha aula. Então
para mim é tranquilo, eu não tenho filho, agora
eu imagino uma mãe estudar com o filho. Isso
tudo tem que ser uma balança né” - conforme
trecho da entrevista concedida pelo
participante D.

Com os depoimentos recolhidos, foi possível observar que, ainda

hoje, com todos os projetos de igualdade espalhados e tão sonhados,

as condições e possibilidades distribuídas entre homens e mulheres,

ainda são diferentes e não são suficientes para atender as necessidades

de todos. Para as mulheres ainda há uma sobrecarga, um acúmulo de


100
funções, que muito provavelmente acontece em virtude de uma

sociedade muito machista, na qual a divisão de tarefas domésticas nem

sempre são realizadas de forma igualitária. Os homens ainda têm a

mentalidade que apenas o trabalho e o carro são suas funções de

cuidado, ou que no máximo precisam “ajudar” as esposas,

companheiras, mães e irmãs.

3.2.3 Do Ensino Presencial ao Ensino Remoto: os aspectos que mais


impactam e a necessidade de adoção de novos processos e
procedimentos no Núcleo de Prática Jurídica (NPJ)

A priori, o que se buscava com este estudo seria a percepção dos


graduandos participantes da pesquisa, acerca das dificuldades e

vantagens decorrentes da transferência repentina da Modalidade do

Ensino Presencial para a Modalidade Ensino Remoto, e como essa os

impactou de forma positiva e/ou negativa.

Contudo, conforme o andamento dos trabalhos, por meio de

entrevistas estruturadas em grupo focal, destacou-se fatores que

ficaram evidentes quando na descrição das informações, bem como sua

as análises propostas em destaques. Acerca das questões referentes ao

estudo remoto, quais as maiores dificuldades encontradas, bem como

as vantagens percebidas neste tipo de Ensino.

Para o respondente F, este trouxe a seguinte percepção:

101
“Eu acho que, como nosso curso é muito
dinâmico, eu acho que essa longa distância, eu
acho que dificulta muito, nosso curso é muito
dinâmico, ele é, ele é muito rápido. O Joaquim
Barbosa, quando ele estava ainda no Supremo,
ele negou um pedido desse, pediram que as
faculdades pudessem ter o curso de Direito a
distância, no qual foi negado com a justificativa.
“Nosso curso é muito dinâmico, muito
dinâmico”.

Ainda na concepção de F, no Ensino Remoto, não havia quase

nenhum questionamento do aluno para com o professor, e que não

houve a interação necessária, pressupostos estes facilmente

identificados quando do curso presencial.

“Agora quando é na aula presencial, é involuntário, às vezes gera aquela


dúvida e a pessoa vai lá e pergunta”.
Em contraponto, o respondente A acredita que o único problema

do rendimento é o desinteresse do graduando e não a dificuldade do

Ensino Remoto.

Observa-se que para este tipo de estudo, o mais importante é a

análise de um todo, sendo certo que quando se trata de percepções e

opiniões acerca de alguma questão, é factível a inserção da

subjetividade de cada graduando de acordo com seu estilo de vida e

planejamento diante das mais diversas situações que compõem este

tipo de pesquisa.

102
Neste sentido, o respondente E, também trouxe suas
considerações, pois para ele:

“é muito importante também se ressaltar nessas


perguntas que estão sendo direcionadas a nós,
a necessidade de se adequar a vida fática de
cada pessoa, então, perspectivas de vidas que
vêm de trabalho, família, essas coisas assim,
tende a ter mais dificuldade sim, isso é inevitável,
pelo fato de essas questões familiares, pessoais,
trabalhistas”.
Ato contínuo ressalta a importância da empatia, visto que para

ele algumas questões devem ser analisadas de forma isolada, sobretudo

quando se trata da pessoalidade de cada pessoa de forma específica,

pois é o que retratou em sua fala a seguir;

"Eh, até mesmo a questão de estágio, ou até


outras questões demandam tempo, então a
pessoa que viveu nesse contexto durante o
ensino remoto tem a tendência de ter mais
dificuldade, isso aí é inevitável. Já por outro lado,
que é o meu caso que fico só por conta dos
estudos, tem essa visão pessoal, entendeu? De
mais facilidade, às adequações ao mundo
virtual. Então, eu acho que a gente tem que
trabalhar com aquelas pessoas que tiveram
dificuldades por esses fatores, que é inevitável,
mas também o outro grupo que tinha esse
tempo livre pra tá dedicando ao estudo. Era só
isso que eu queria falar”.

103
Já para o respondente A, a interatividade foi um fator

preponderante para minimizar o impacto da mudança do Estudo

Presencial para o Estudo Remoto, como bem esclarecido em sua fala:

“A interatividade favorece muito porque nossa


turma, a gente se conheceu e teve praticamente
um ano para poder conviver presencialmente, e
aí, por conta desse conhecimento pessoal e
presencial, facilitou demais, então eu não tive
dificuldade de mandar mensagem para o E, o E
não teve dificuldade de mandar mensagem para
mim, pois para pegar o telefone de alguém, no
grupo de WhatsApp, mandar mensagens no
privado, é assim, eu acho uma indelicadeza
danada”.

Conforme identificado por A ressalta a importância de um

relacionamento interpessoal prévio com os demais colegas de classe, já

que em determinado período estiveram juntos presencialmente por

cerca de 1 ano. Observa-se que tal colocação é pertinente, haja vista

que, em determinadas turmas, o início dos estudos ocorreu por forma

remota, o que, de fato, infere-se maior tempo para interatividade pode

ter prejudicado a interação.

Quanto às questões pertinentes ao Estudo Presencial, o tema

mais discutido foi em razão da limitação do NPJ, em não desenvolver

trabalhos nas outras áreas em questão, como por exemplo, Direito

Criminal. Percebe-se forte crítica ao atendimento exclusivo na área cível.


104
Verificou-se ainda que pudesse ser importante correlacionar a

teoria de forma mais efetiva com a prática, é o que ficou bem presente

na fala do respondente B, que arguiu:

“O que eu acho que poderia agregar muito no


curso presencial, seria ter mais prática, pois a
gente tem muita teoria, e no meu caso, segundo
o que A falou anteriormente, seria de ter mais a
prática. Eu no meu caso, eu aprendo muito mais
na prática tendo o contato com as partes.
Desenvolvendo peças tais como, petição,
impugnação... e com isso, a gente aprende na
sala de aula com o professor e no NPJ a gente
tem a prática, então acho que isso poderia afetar
outras disciplinas, né? Que a gente tenha o
conhecimento também em sala de aula, mas
também que a gente venha a ter outros
conhecimentos na prática”.

Nessa mesma direção o participante “A”, concordou que sua

contribuição, ou seja, “juntar um com o outro''. Eu acho que seria de

muito... eh... ia agregar muito às aulas essa junção da prática e da teoria”.


Nessa mesma linha de raciocínio os participantes A, C e D

convergiram por entenderem que seria de suma importância maior

efetividade e participação no NPJ, bem como com proposições que

pudessem inclusive aumentar a carga horária de disciplinas doutrinárias

que tiveram redução de 20% em sua carga, no ano de 2021. Clama-se

por maior interação das disciplinas com Núcleo de Prática Jurídica, como

se pode observar nas respectivas falas em análises:


105
“Para C, ‘então, no meu ponto de vista, né?
Fazendo um gancho com a letra A, poderia sim
aumentar a carga horária por exemplo, das
matérias, que nós vamos utilizar mais na prática
porque deu uma reduzida grande, né? E de certo
modo isso afeta a gente, né? Isso aí é fato. E que,
que poderia também abrir mais oportunidades
para visitas técnicas nos presídios, e fórum, e
que poderiam ampliar mais esse espaço e ter
maior suporte”.

Com essa afirmação, o respondente C aduz que seria importante

a faculdade ter maior interação com os órgãos que o compõem, desta

forma seria mais fácil a compreensão da teoria quando vivenciada na

prática.

Para o respondente D, este colabora com as observações

propostas pelo responde C, quando ressalta a importância de se ter

maior destaque e espaço para as áreas de humanas que dão uma base

considerada de boa qualidade.

Concordando aqui com a letra A também, eu


acho que a gente deveria envolver mais um
pouco nas áreas humanas, porque a gente tem
matérias que a gente anseia por elas e quando
chega, não é a nossa realidade mais. Eh... foi
montado uma grade de uma forma, e hoje essa
grade não permanece da mesma forma de
quando a gente iniciou o curso. Algumas
matérias diminuíram a carga horária, então
assim, teve que matéria aí que é das áreas
humanas que são de suma importância e a
106
gente tem (gargalo?) que a gente pegou no
primeiro e no segundo período que a gente tem
uma... como que a gente fala? Uma bagagem
que é muito boa e hoje a gente tá andando um
pouquinho para trás, a gente tá retrocedendo
um pouquinho.

Para o entrevistado E, em algumas questões há um contrassenso,

no qual em sua observação faz os destaques que acha pertinente, neste

caso ele não concorda com as questões em relação ao aumento de

carga horária, sobretudo no que se refere ao Estudo Remoto, bem como

nas questões de prática, para ele, é muito mais uma questão de

planejamento graduando para melhor adaptação:

“Eh... ao contrário do que foi falado da questão


prática, dessa necessidade de juntar, ter mais
matérias de prática, convênios, essas questões,
eh... mais de mão na massa mesmo, eu acredito
que de repente parar pra analisar, a prática é a
repetição literal muita das vezes daquilo que a
gente entende das matérias processuais, então
eu não vejo assim, a necessidade de ter essas
matérias práticas a fundo. É necessário? Sim,
mas do jeito que tá, pra mim, supre a
necessidade. Por fim, de caráter indicativo eu
acredito que o meio remoto é o melhor, então
uma sugestão se fosse para indicar isso, indicaria
o modo remoto. E por fim também, acho que há
necessidade de a gente fazer mais questões,
preparar melhor para um filtro, que é a OAB,

107
então a gente tem que tá preparado para esta
barreira que nos espera no final do curso”.

O respondente A interrompe e continua dizendo que:

“As coisas que eu conversei com alguns


professores que poderiam melhorar o nosso
curso, não o curso de Direito. Um NPJ criminal;
existem outras UNIPACS que já contam com NPJ
criminal, então, né? Poderia ser instalado aqui.
Também acredito que explorar os talentos da
nossa faculdade seria algo muito bom. Reforça
ainda que poderia ter concurso de oratória”.

É importante ressaltar que todo questionamento proposto partiu

de uma provocação, na qual se observa como os relatos e experiências

compartilhadas pelos participantes elencaram outras questões que a

princípio não faziam parte do escopo da pesquisa.

Percebe-se com isso, que a utilização de pesquisas com essa

metodologia de grupo focal verifica-se ser bem abrangente, no qual

evidência problemática muito além daquelas que o pesquisador por

hora queria identificar. Dito isto, torna-se necessário a junção de

percepção, a análises das subjetividades apresentadas, bem como os

problemas identificados de forma geral, o que de fato trouxe grandes e

relevantes informações acerca dos pontos positivos e negativos

destacados como relevantes para a análise e a proposição de soluções

para eles, sobretudo às questões de ordem prática.

108
3.2.4 As vantagens do ensino remoto segundo o grupo focal

Com essa nova perspectiva sobre o ensino, em tempos de

isolamento social, provocado pela pandemia de coronavírus, ficar sem

estudar não é uma opção. Então migramos para o mundo virtual, todo

processo de aprendizagem leva tempo, é importante aproveitar a

caminhada, dito isso foram apontadas pelo grupo focal algumas

vantagens do ensino remoto.

Em síntese, a maioria concordou que o conforto de fazer as aulas

em sua própria residência é um dos pontos positivos do ensino remoto,

com a autonomia que a aula remota oferece, o aluno tem também mais

liberdade para um maior aprofundamento nas pesquisas do que

interessa a cada um, trazendo novas possibilidades e enriquecendo o

aprendizado.

Ao se observar a transcrição da entrevista feita com o grupo

focal percebe-se que não são apenas comentários negativos a respeito

da aula on-line, há também aqueles que veem vantagens nesta forma

de ensino, como é o exemplo do respondente E:

“É, eu acredito que essa interação on-line se deu


de maneira efetiva, por que no decorrer das
aulas on-line, quero dizer, é houve inúmeros, por
exemplos, fórum de discussões onde que
ninguém pode negar que foi realizado, com
perguntas, além de mais que durante as
transmissões das aulas que eram ministradas
pelos professores tinha um chat que, os alunos
109
participavam, sem contar também dos, é
acessórios externos que a gente tinha, como
WhatsApp, grupos que utilizou nesta
comunicação, além da possibilidade de tá se
reunindo de maneira virtual com outras pessoas,
é o que eu entende.”

Percebe-se que o respondente E menciona dispositivos

vantajosos do ensino remoto que não são possíveis no ensino

presencial, tais como chats, fóruns entre outras.

Com a tendência inegável de virtualização dos processos, com

audiências remotas e a própria globalização em si, o grupo focal destaca

um ponto importante, o aprimoramento do regime remoto se torna

cada vez mais essencial para o curso de Direito e foi então segundo os

entrevistados uma vantagem o ensino remoto para este sentido.

3.2.5 Algumas sugestões à instituição mencionadas pelos


entrevistados

De acordo com grande interação entre os participantes, na

entrevista do grupo focal, foi possível verificar sugestões para melhoria

relacionada ao Curso de Direito e, também, analisar propostas

direcionadas a elevar a instituição dentro do que ela se propõe com base

em um ensino mais qualitativo.

110
Durante interatividade, característica da pesquisa em foco, entre

o entrevistador e o entrevistado A, notadamente pela maneira cordata

no tratamento recíproco que deixou à vontade ambas as parte e demais

participantes que se posicionaram, quanto ao questionamento feito ao

respondente A, preliminarmente, o entrevistador agradeceu pela

participação voluntária e fez a última pergunta, solicitando por ordem

alfabética primeiramente ao respondente A: “O que vocês acham que

pode melhorar no curso de Direito?”. Porém, esta pergunta trouxe uma


resposta que sobrepesa o conceito de dogmática, pois dogmaticamente

falando o respondente aduz que haveria necessidade de aumentar a

carga horária de matérias indiscutíveis e quais seriam indiscutíveis. Para

o respondente A: “Poderia ter uma carga um pouco maior das disciplinas

dogmáticas (...)”.
A questão se nos apresenta bem como à análise do grupo focal

como sendo um entrave quando se analisa que, do ponto de vista do

curso em foco, o aumento de disciplinas não viabilizaria demanda de

condição para adequar o que está fora dos padrões para que se tenha

eficiência em seu ministrar. Atendendo ajustes e pontos primordiais no

quesito mudanças, caso haja mesmo necessidade, deveria haver

manutenção das disciplinas outorgadas com ênfase em melhorias

necessárias para seu aprimoramento, levando-se em conta a grade já

definida como praxe.

111
O entrevistado A sugere sair do ambiente acadêmico para que o

curso tenha melhora: “Outra coisa que eu acho que é útil para melhorar

o curso de Direito é a possibilidade de nós saímos desse ambiente”.


Pondera-se aqui nesta afirmação que o respondente A deseja ter

oportunidade de fazer estágio fora da faculdade, o que poderá atender

suas expectativas quando em contato com outras instituições e outras

pessoas do meio jurídico terá possibilidades de crescimento como

profissional em formação, desta feita a FUPAC-Mariana contribuiria para

encaminhamento, conforme sugerido por A:”(...) é por exemplo, estudar

a possibilidade de nós saímos desse ambiente”.


Para a pesquisa ora falada, o ambiente acadêmico pode se

expandir ao oferecer base ao maior aprendizado e interação de seus

alunos no mercado de trabalho, propiciando intercâmbio entre

bacharelando e judiciário, bacharelando e sociedade, conforme

menciona A:

“(...) talvez um convênio pedagógico, entre essa


instituição... na escola, por exemplo, com o
fórum, e da escola com a prefeitura e outros
órgãos que trabalham com a justiça na cidade,
sabe?”

Os tempos remotos trouxeram preocupações e dificuldades,

nesse ínterim a FUPAC-Mariana não fechou e se empenhou em manter

a qualidade do ensino, se reconstruiu a partir da desconstrução

necessária gerada pela pandemia, o NPJ não parou o atendimento, o


112
estágio, visando atendimento sanitário à portaria de isolamento e

demais cuidados com a pandemia passaram a ser virtual. Neste viés, a

posição do A é muito pertinente, pois vê na possibilidade da FUPAC -

Mariana realizar estímulo profissional, interesse participativo e

aprimoramento em situações fáticas dentro do contexto sociológico

que visa atender a maior interação entre FUPAC - Mariana e Sociedade.

Em sintonia com a entrevista, o respondente B afirma: “(...) eu no

meu caso, eu aprendo muito mais na prática.” A prática é o que define


o bom profissional, uma vez que lhe dá experiência no dia a dia para se

aprimorar e tornar-se expert. O entrevistado B toca num assunto que

condiz com o interesse da análise focal, pois essa sugestão soa como

um pedido de esclarecimento de até onde seria o conhecimento em sala

de aula e o conhecimento na prática.

Talvez se houvesse uma prática voltada ao conhecimento dentro

de sala, talvez a prática fosse atingida sanando o tabu de que em sala

não há prática, há que se ter equilíbrio em propostas como essa, o que

a pesquisa em foco detecta como fato notório a dedicação do aluno

quanto à prática de exercícios em sala de aula, porém a prática em

campo de atuação fora da faculdade demanda uma intervenção

contundente e eficaz para que sejam sanados obstáculos com o único

intuito de atender aos tópicos sugeridos dentro das possibilidades de

condições econômicas, de tempo, disponibilidade e grande peso das

solicitações.

113
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se, portanto, que, diante do cenário atípico vivido, a

educação foi considerada como atividade essencial, que não poderia

parar. Assim, as instituições de ensino tiveram que se adaptar para que

pudessem oferecer as aulas remotamente para os alunos. O

aprendizado por si só sempre passou por desafios consideráveis em

todos os seus aspectos, quando enfrentando um a novidade de

proporções tão grandes como foi a pandemia mundial do Covid-19,

deixou ainda mais evidente como a condição e possibilidade de cada

um pode impactar na educação da sociedade e como o sistema

educacional é importante quando consegue entender ou busca atender

as necessidades da maioria e buscar formas mais eficazes de incentivo

e fomento à formação acadêmica.

A regulamentação serviu como parâmetro e respaldo legal para

que as instituições exercessem suas atividades de modo prático, seguro

e eficiente. Não foi um período fácil de adaptação para os profissionais

e alunos, porém, todos tiveram que se unir para que funcionasse e

chegasse em resultado bom para todos. Acredita-se que o objetivo foi

alcançado com sucesso pela FUPAC-Mariana, a qual tentou se adaptar

e disponibilizar todas as ferramentas necessárias para que os alunos

pudessem acompanhar o curso de Direito.

114
A entrevista realizada permitiu a percepção dos desafios

advindos do ensino remoto, de como cada um conseguiu ou pode

continuar com uma nova rotina, já que houve mudanças significativas

em suas vidas. Foi possível observar que, para alguns participantes, os

desafios diários eram menores e nem por isso o aprendizado foi

facilitado. Já para uma minoria, adaptar-se não foi tão impactante, haja

vista que a rotina era quase que de dedicação exclusiva aos estudos.

Sob o ponto de vista dos respondentes, houve uma dificuldade

de adaptação em geral, ainda que demonstrem perceber que houve um

esforço contínuo da faculdade de melhorar os serviços ofertados, mas

não foi suficiente para superar certas dificuldades, especialmente de

interação e de dinâmica das aulas. Além disso, é perceptível que aquilo

que já era problemático no ensino presencial ficou ainda mais evidente

no Ensino Remoto.

Foi possível entender que, cenários como estes da pandemia,

trazem à tona a diferença social, de condição de vida e de possibilidades,

que podem afetar ainda mais pessoas que precisam executar jornadas

estendidas de trabalho. Entender que a adaptação precisou ocorrer

entre aluno, seus familiares, professor e instituição, de forma ordenada

e harmoniosa, tornando-se imperioso para um aprendizado efetivo e

que um ambiente adequado para dar continuidade nos estudos, faz

toda diferença mas que, novamente, a possibilidade individual pode

criar um abismo entre as pessoas, até mesmo a condição econômica e

115
dedicação aos estudos, são diferentes entre mulheres mães de família,

homens e pessoas que podem dedicar-se somente aos estudos, quando

necessário.

A pesquisa também permitiu perceber algumas críticas à

restrição de atendimento NPJ à área Civil e o quanto os estudantes

anseiam pela incrementação de atendimentos da área Penal, bem como

a ampliação do número de profissionais atuando na orientação dos

estudantes por lá.

Reforçou-se também a preocupação dos estudantes com a

diminuição de carga-horária das disciplinas, pois sentem que isso os

está prejudicando na formação.

Espera-se, que este estudo, possa contribuir para a discussão de

alternativas que visem aprimorar a FUPAC-Mariana com mecanismos

que permitam minimizar os riscos de incorrer na perda da eficiência, e

neste sentido, o estudo fornece informações que podem contribuir para

adoção das melhores estratégias, quando se trata de uma quebra de

paradigmas, como principal meio para proporcionar maior satisfação

aos graduandos independente se a oferta do curso é presencial ou de

forma remota em consequência de quaisquer fatores, sejam estes

internos ou externos, como foi o caso da pandemia.

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Disponível em:
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impacto-da-pandemia-na-aprendizagem/

118
A SIMPLIFICAÇÃO DA LINGUAGEM JURÍDICA COMO FATOR
ESSENCIAL DE PROMOÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL AO
ACESSO À JUSTIÇA, PREVISTO NO ART. 5º, INCISO XXXV, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Isaias José de Lima1


Michele Aparecida Gomes Guimarães2
Magna Campos3

RESUMO

Demonstrar a importância da simplificação da linguagem jurídica na


promoção do direito fundamental ao acesso à justiça, previsto no art.
5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988 é o objetivo do
presente trabalho. A metodologia utilizada no artigo é a modalidade de
pesquisa básica, teórica, com desenvolvimento de pesquisa bibliográfica
e o apoio documental, com a utilização central da Constituição Federal
de 1988. A simplificação da linguagem jurídica e o direito fundamental
ao acesso à justiça são elementos intrinsecamente ligados e
profundamente impactantes para a área Direito e, sobretudo, a
sociedade. Foi possível concluir que a simplificação da linguagem
jurídica atua como fator essencial de efetivação da garantia fundamental
do acesso à justiça na medida em que a linguagem jurídica deixa de ser
vista como uma barreira ao acesso à justiça e se torna um instrumento
democratização e de promoção da ordem jurídica.

1
Graduado em Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana.
2
Mestre em Direito; Pós-graduada em Direito; Professora do Curso de Direito da
Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana; Advogada e Consultora Jurídica e
Tutora da Universidade Federal de Ouro Preto.
3
Temática inspirada pelas aulas da professora Magna Campos. Professora do curso de
Direito da FUPAC-Mariana na área de linguagem e pesquisa. Graduada em Letras
(UFOP). Mestre em Letras (UFSJ). Especialista em Língua Portuguesa (PUCMG).
Especialista em Moderna Educação (PUCRS). MBA em Liderança, Gestão de Equipes e
Produtividade (PUCRS).

119
Palavras-chave: Direito fundamental ao acesso à justiça. Simplificação
da linguagem jurídica. Juridiquês. Linguagem jurídica. Linguagem.

INTRODUÇÃO

A linguagem jurídica é um elemento crucial na promoção do

direito fundamental ao acesso à justiça. Dependendo da forma e

complexidade em que é utilizada, a linguagem jurídica pode atuar como

uma ferramenta positiva na promoção dos anseios e necessidades dos

indivíduos ou como um instrumento de mitigação dos direitos das

pessoas.

Nesse sentido, buscar formas de utilizar a linguagem da área

jurídica da forma mais adequada possível para a defesa dos interesses

dos cidadãos é primordial. Objetivando evitar e solucionar os problemas

decorrentes da utilização inadequada linguagem da jurídica, a

simplificação da linguagem jurídica surge como fator essencial de

promoção do acesso à justiça.

Para o devido desenvolvimento do tema do presente trabalho,

visualizam-se as seguintes questões norteadoras: O que é linguagem,

linguagem jurídica, juridiquês e o direito fundamental ao acesso à

justiça? A que se refere a proposta de simplificação da linguagem

jurídica e por que este seria um fator essencial de promoção do direito

fundamental ao acesso à justiça? Quais as formas de incentivo e de

conscientização dos profissionais do Direito e relacionados, adotadas

pelas entidades jurídicas e outras que sirvam à sociedade em geral


120
acerca da importância da simplificação da linguagem jurídica na

promoção do direito fundamental ao acesso à justiça? Quais as medidas

e estratégias efetivas para a simplificação da linguagem jurídica atuar

como fator essencial de promoção do direito fundamental ao acesso à

justiça?

Demonstrar a importância da simplificação da linguagem jurídica

na promoção do direito fundamental ao acesso à justiça é o objetivo

central do presente trabalho. Para isso é preciso: demonstrar o que é

linguagem, linguagem jurídica, juridiquês e o direito fundamental ao

acesso à justiça; descrever a que se refere a proposta de simplificação

da linguagem jurídica e por que este seria um fator essencial de

promoção do direito fundamental ao acesso à justiça; investigar as

formas de incentivo e de conscientização dos profissionais do Direito e

relacionados, adotadas pelas entidades jurídicas e outras que sirvam à

sociedade em geral acerca da importância da simplificação da

linguagem jurídica na promoção do direito fundamental ao acesso à

justiça e expor medidas e estratégias efetivas para a simplificação da

linguagem jurídica atuar como fator essencial de promoção do direito

fundamental ao acesso à justiça.

A simplificação da linguagem jurídica é um tema relevante para

a área do Direito e, sobretudo, para toda a sociedade, tendo em vista

que impacta de forma profunda na promoção do acesso à justiça,

promovendo imensas e positivas transformações no seio da realidade.

121
A metodologia utilizada no trabalho em epígrafe é a modalidade

de pesquisa básica, teórica, com desenvolvimento de pesquisa

bibliográfica, uma vez que, essencialmente, os livros e artigos científicos

acerca da delimitação traçada são usados como fontes de informações

e ajudam a preencher as respostas das questões norteadoras

levantadas. É observado o apoio documental por meio da utilização de

variadas legislações, sobretudo a Constituição Federal de 1988.

Os principais autores observados neste trabalho são: Mauro

Cappelletti (1988), Bryant Garth (1988), Fabio Trubilhano (2019), Antonio

Henriques (2019) e Marcelo Paiva (2015). A principal legislação utilizada

neste trabalho é a Constituição Federal de 1988.

No primeiro tópico serão expostos os conceitos de linguagem e

linguagem jurídica. Em seguida, no segundo tópico será abordado o

conceito de juridiquês. Depois, o terceiro tópico irá explanar a dimensão

do significado do direito fundamental ao acesso à justiça. O quarto

tópico explanará acerca da proposta de simplificação da linguagem

jurídica e o motivo de ela ser um fator essencial de promoção do direito

fundamental ao acesso à justiça. No quinto tópico, serão mostradas as

formas de incentivo e de conscientização dos profissionais do Direito e

relacionados, adotadas pelas entidades jurídicas e outras que sirvam à

sociedade em geral acerca da importância da simplificação da

linguagem jurídica na promoção do direito fundamental ao acesso à

justiça. No último tópico, serão mostradas estratégias e medidas

122
realmente efetivas para a simplificação da linguagem jurídica atuar

como fator essencial de promoção do direito fundamental ao acesso à

justiça. Por fim, nas considerações finais, são expostas as reflexões

acerca dos pensamentos apresentados no presente trabalho, com a

conclusão de que a simplificação da linguagem jurídica não é apenas

algo meramente importante, mas algo determinante e crucial que

impacta as mais diversas esferas possíveis e inimagináveis, na medida

em que atua como um potente fator essencial na efetivação do direito

fundamental ao aceso à justiça, como um verdadeiro fator de

transformação da realidade social nos mais variados âmbitos e aspectos

do contexto da vida dos cidadãos e da coletividade como um todo.

2. NAS VEREDAS DA LINGUAGEM

2.1 Linguagem e Linguagem jurídica

Os conceitos de linguagem e linguagem jurídica estão

estreitamente ligados um ao outro. A linguagem jurídica é um fruto

derivado dos ramos da árvore do conceito geral de linguagem. Por

consequência, pelo fato de o conceito de linguagem jurídica estar

englobado dentro do arcabouço do conceito de linguagem, não faz

sentido explanar acerca do conceito de linguagem jurídica sem antes

discorrer sobre as nuances do conceito geral de linguagem.

123
A linguagem é um dos meios que os indivíduos fazem uso para

realizarem atos comunicativos. Ela permite o estabelecimento e a

promoção da interação entre os indivíduos e, assim, ela diferencia a

espécie humana dos seres irracionais, promovendo o desenvolvimento

da sociedade. Na visão de Ernani Terra (1997, p. 12), ela é compreendida

como “[...] todo o sistema de sinais convencionais que nos permite

realizar atos de comunicação [...]”. Nessa linha, a linguagem age como

um elo substancial nas relações sociais cotidianas. Com diferente

concepção, Maria José Constantino Petri (2017, p. 13) explica que, “[...]

por linguagem, tradicionalmente, entende-se um sistema de sinais

empregados pelo homem para exprimir e transmitir suas ideias e

pensamentos [...]”. Em linhas gerais, por meio da linguagem, os

indivíduos podem se comunicar, a fim de expressar suas colocações,

percepções e experiências.

Avançando nas nuances do conceito geral de linguagem, ela

pode ser desdobrada em linguagem verbal, linguagem não verbal e

linguagem mista (TRUBILHANO; HENRIQUES, 2019, p. 3). Pela primeira,

o processo comunicativo é procedido por meio das palavras, seja pela

forma escrita ou pela forma falada. Na segunda, o processo

comunicativo não é procedido pela utilização de palavras, em outras

linhas, faz-se o uso de gestos, de fotografias, das expressões corporais,

dentre outras possibilidades. Pela terceira, o processo comunicativo é

124
procedido pela utilização da linguagem verbal e não verbal, ao mesmo

tempo, como exemplo, as histórias em quadrinhos.

Exemplo inevitável de resultado dos impactos das

transformações culturais, históricas, sociais, econômicas e políticas

sobre à linguagem é a existência de níveis de linguagem. São expostos

como níveis de linguagem, a linguagem formal e a linguagem coloquial

(PAIVA, 2015, p. 31-32). Na primeira, é observado o atendimento e a

adequação às normas e regras gramaticais. Ela é utilizada em trabalhos

científicos e acadêmicos, por exemplo. Em outro plano, a segunda é

caracterizada pela margem de liberdade no que se refere ao

cumprimento às normas e regras gramaticais, em outras palavras, tem

como traço essencial a informalidade. Faz-se seu uso no cotidiano em

geral. É visto o uso de gírias, de vocabulário limitado, de desvios

gramaticais, de termos de baixo calão e de expressões informais, por

exemplo. Tendo em vista as especificidades de cada um dos níveis de

linguagem, cada situação em concreto vai demandar a utilização do

nível de linguagem adequado para cada contexto visualizado em

perspectiva.

Decorrente da complexa diversidade das ramificações da

concepção geral de linguagem, a linguagem jurídica é comumente

denominada também como linguagem do Direito ou como linguagem

da área jurídica. A linguagem jurídica é uma manifestação da expressão

das atividades da área jurídica e tudo que impacta ao seu redor. A

125
linguagem jurídica pode ser vista em legislações, decisões judiciais,

trabalhos científicos e acadêmicos, dentre outros.

Na linguagem jurídica são vistas como características principais

predominantes a procura da observância às normas e regras

gramaticais, bem como a utilização de expressões, termos e

vocabulários técnicos da área jurídica. Nesse sentido, há marcante

utilização do nível de linguagem formal na linguagem jurídica.

Independentemente de a linguagem ser jurídica ou não, ela

deve ser adequada a cada contexto para o cumprimento dos seus

objetivos de comunicação, interação e expressão. Pelo fato de o Direito

e a linguagem trabalharem conjuntamente no dia a dia, bem como o

fato de o Direito dever estar voltado para o cidadão em si e a sociedade

como um todo, a linguagem jurídica requer ainda mais atenção com a

sua destinação. Nessa perspectiva, Paulo Nader explana acerca do elo

entre a linguagem e o direito:

[...] A dependência do Direito Positivo à


linguagem é tão grande, que se pode dizer que
o seu aperfeiçoamento é também um problema
de aperfeiçoamento de sua estrutura linguística.
Como mediadora entre o poder social e as
pessoas, a linguagem dos códigos há de
expressar com fidelidade os modelos de
comportamento a serem seguidos por seus
destinatários. Ela é também um dos fatores que
condicionam a efetividade do Direito. Um texto
de lei mal redigido não conduz à interpretação
126
uniforme. Distorções de linguagem podem levar
igualmente a distorções na aplicação do Direito
[...] (NADER, 2021, p. 246).

Muitos profissionais da área jurídica e relacionados, ao

fazerem uso inadequado da linguagem jurídica, acabam violando os

objetivos da linguagem e não têm noção das consequências prejudiciais

oriundas dessa conduta para a imagem do próprio ofício, para os

cidadãos e para a efetividade do sistema jurídico como um todo.

Desse modo, o problema não é a utilização de termos,

expressões, vocabulários técnicos e outros elementos da área jurídica,

quando necessários no caso particular vislumbrado, nem o uso

adequado do nível de linguagem formal, as incorreções gramaticais

comuns, os erros materiais dentre outras questões semelhantes. Como

se vê, o problema maior é o fato de os profissionais do Direito e

assemelhados, no momento de utilizarem a linguagem jurídica de forma

inadequada, se esquecem que o objetivo maior da comunicação em

geral é a promoção da interação eficaz entre os indivíduos, o que acaba

por prejudicar o movimento do sistema jurídico e da vida do cidadão e

da sociedade em geral. A utilização de períodos longos e complexos; a

utilização inadequada e abusiva de termos, expressões e outros

elementos jurídicos; a utilização majoritária da voz passiva; utilização de

vestuário e outros itens excessivamente formais, extravagantes ou

luxuosos; o uso de arcaísmos; o estrito formalismo e o rebuscamento

127
são apenas alguns exemplos de fatores que prejudicam os objetivos da

linguagem jurídica e da linguagem como um todo. Juntos, esses e

outros elementos representam a concepção de um problema maior que

atua como uma barreira para a promoção dos anseios e necessidades

dos cidadãos e da sociedade como um todo, bem como entrave para a

efetivação da ordem jurídica: o juridiquês. Esse é o tema abordado no

próximo tópico.

2.2 Juridiquês

O neologismo juridiquês significa o uso inadequado da

linguagem jurídica em sua forma mais prejudicial. O juridiquês atua

como potente ferramenta segregação, exclusão, discriminação e

dominação social. Sobre o conceito de juridiquês, com as palavras do

jurista e professor Zeno Veloso (2005 apud SOUZA, 2005, p. 65):

[...] Ademais, entendo que é sinal de atraso [...] a


manutenção desse dialeto sofisticado e
pretensioso que se utiliza nos meios jurídicos, já
chamado “juridiquês”, uma linguagem afetada,
empolada, impenetrável, não raro ridícula, dos
que supõem que utilizar expressões incomuns,
exóticas, é sinal de cultura ou de sabedoria. O
“juridiquês”, infelizmente, só tem mostrado
eficiência e grande utilidade na perversa e
estúpida missão de afastar o povo do Direito, de
desviar a justiça do cidadão [...].

128
O juridiquês representa uma faceta conservadora e antiquada do

sistema jurídico. É um retrocesso da área do Direito que prejudica a

promoção das necessidades sociais e, consequentemente, a efetivação

da ordem jurídica. Ele apenas contribui para atrapalhar a aproximação

de muitos indivíduos junto do sistema jurídico.

A utilização de períodos longos e complexos; a utilização

inadequada e abusiva de termos, expressões e outros elementos

jurídicos; a utilização majoritária da voz passiva; a utilização excessiva da

ordem inversa na construção e desenvolvimento de raciocínios e

pensamentos; o uso desnecessário de palavras em latim; os tratamentos

formais exagerados; a utilização de vestuário e acessórios

excessivamente formais, extravagantes ou luxuosos; o estrito

rebuscamento; os arcaísmos, dentre outros mais diversos elementos,

configuram a utilização inadequada da linguagem jurídica na sua forma

mais radical. Esses fenômenos, expostos como exemplos de

manifestações do juridiquês no dia a dia cotidiano, permanecem

fortemente vivos em decorrência de vícios e comportamentos reiterados

e prejudiciais, vistos equivocadamente como comuns pelos profissionais

da área jurídica e assemelhados, praticados ao longo do tempo e

perpassados por variadas gerações de indivíduos. A manutenção e

resistência do juridiquês, ao longo de tantas épocas distintas, representa

a vergonhosa normalização do distanciamento entre o Direito e a

129
sociedade em geral; representa uma barreira a efetividade do

ordenamento jurídico e a organização da coletividade.

As transformações da conjuntura social jurídica brasileira

refletem muito no cotidiano atual. Isso porque o Direito impactou

brutamente a formação e o desenvolvimento do Brasil como é visto

hoje. O Direito exerce essencial importância na formação da cultura

social brasileira, mas junto de seus impactos positivos, a área jurídica

ainda insiste em promover um fruto ruim infelizmente produzido que é

o juridiquês. O passado diz muito sobre a sua persistência do juridiquês

em terras nacionais atualmente:

[...] O Estado Brasileiro foi formado,


principalmente, por acadêmicos, advogados e
pessoas relacionadas ao contexto jurídico. Essas
pessoas tiveram um papel muito importante na
construção das instituições e órgãos públicos
com quem nos relacionamos até hoje. Assim, o
funcionamento do Estado, leis e regras, foram
pensados a partir do Direito, e claro, de sua
linguagem. Essa é uma das razões pelas quais os
termos e palavras do jargão jurídico se tornaram
o padrão da administração pública, apesar de
serem difíceis para a maioria das pessoas
entenderem [...] (SÃO PAULO (SP), 2020, p. 10).

Vê-se que o juridiquês foi produzido em decorrência de

costumes e comportamentos perpassados por épocas muito antigas

130
que refletem até os dias mais atuais. Esse mal a ser combatido, possui

enorme impacto negativo nos mais variados âmbitos da vida da

coletividade, e tem clara evidência e impacto na evolução da história

social cultural brasileira.

Nessa via, é preciso abordar aspectos da conjuntura histórica

social jurídica brasileira para que seja possível entender alguns

fenômenos percebidos na coletividade do momento presente e, claro,

como mais importante, a existência do juridiquês e tudo o que o

envolve.

Após a Independência, ocorreu a instauração dos primeiros

cursos da área jurídica. As elites dominavam a presença nesses cursos e

tiveram significativa influência na formação da cultura jurídica brasileira.

Os primeiros cursos da área jurídica no Brasil propagavam pensamentos

e ideais estrangeiros que não se adequavam à realidade da grande

parcela da sociedade hipossuficiente, que buscava sobreviver diante das

péssimas condições sociais da época. Isso tudo marcou

significativamente de forma negativa a formação de gerações e mais

gerações de profissionais da área jurídica. Wolkmer diz que:

[...] As primeiras faculdades de Direito,


inspiradas em pressupostos formais de modelos
alienígenas, contribuíram para elaborar um
pensamento jurídico ilustrado, cosmopolita e
literário, bem distante dos anseios de uma
sociedade agrária da qual grande parte da

131
população encontrava-se excluída e
marginalizada [...] (WOLKMER, 2002, p. 81).

A cena jurídica antiga demonstra um forte contexto de

dominação, discriminação e exclusão social por meio da utilização do

juridiquês e tudo o que o envolve. Os indivíduos oriundos das elites

dominantes entravam nos cursos de Direito essencialmente para

ingressarem em carreiras, posições e cargos públicos de prestígio social

e servirem seus propósitos de dominação e poder social. Conforme

Wolkmer:

[...] A implantação dos dois primeiros cursos de


Direito no Brasil [...] refletiu a exigência de uma
elite, sucessora da dominação colonizadora, que
buscava concretizar a independência político
cultural, recompondo, ideologicamente, a
estrutura de poder e preparando nova camada
burocrático-administrativa, setor que assumiria
a responsabilidade de gerenciar o país [...].
(WOLKMER, 2002, p. 80).

Nada tão muito distante da cena da área jurídica brasileira atual.

Os cursos de Direito atuais, essencialmente em instituições de ensino

federais, ainda são dominados por pessoas provenientes de famílias

mais abastadas. Essas, por possuírem um melhor status econômico,

juntando o evidente cenário brasileiro de ampla desigualdade social,

gozam fatalmente de melhores condições para ingressarem nos cursos

132
de Direito. Fatos que contribuem para a manutenção da “elitização” dos

cursos de Direito que vigora desde os primórdios da instalação dos

primeiros cursos jurídicos em terras brasileiras. O que é péssimo, pois se

não houver condições propícias para uma grande diversidade de

pessoas de diferentes etnias, raças e classes sociais na composição das

turmas dos cursos de Direito, consequentemente não haverá ampla

diversidade na ocupação de cargos públicos, nos estágios, na advocacia

e nos projetos de pesquisa, por exemplo. O que contribui violentamente

com a manutenção do juridiquês. Com a perpetuação desse ciclo vicioso

na área jurídica, torna-se difícil o exercício da empatia por grupos mais

privilegiados socialmente na busca de entender as necessidades de

pessoas com realidades completamente distintas, uma vez que o Direito

busca a transformação social e, sendo assim, como buscar a

transformação social se dentro do próprio mundo do Direito existe

grande desigualdade e falta de ampla diversidade?

Há quem use o passado histórico para justificar a continuidade

do juridiquês. É fato que o juridiquês perpassou gerações, e sua

influência ainda é forte atualmente, mas não se pode utilizar a história

para validar o uso do juridiquês. Isso porque na medida em que o

juridiquês foi impactando gerações, em nenhum momento impactou de

forma essencialmente positiva. O juridiquês, desde as gerações mais

antigas até as atuais, sempre atuou para mitigar e devastar direitos,

133
principalmente os direitos das pessoas menos favorecidas dentro do

seio da coletividade.

No Brasil atual, ainda marcado pela desigualdade social, em que

as pessoas com baixa escolaridade e renda são parcela considerável da

população, o juridiquês estabelece a manutenção de um abismo entre

o universo da área jurídica e a sociedade. Conforme dados de estudo do

ano de 2018, mais especificamente o relatório do Indicador de

Alfabetismo Funcional (INAF), realizado pelo IBOPE (Instituto Brasileiro

de Opinião Pública e Estatística) inteligência e promovido em

decorrência de parceria entre o Instituto Paulo Montenegro e pela

organização não governamental (ONG) Ação Educativa, 03 (três) em

cada 10 (dez) brasileiros que se encontravam na faixa de 15 (quinze) e

64 (sessenta e quatro) anos de idade são analfabetos funcionais

(INDICADOR DE ALFABETISMO FUNCIONAL, 2022). Dados

extremamente preocupantes e que merecem muita atenção do Estado

e da sociedade como um todo. Ainda mais em tempos de impactos de

crises sanitárias em decorrência da pandemia da COVID-19 e de fortes

crises econômicas, em que diversos problemas presentes na estrutura

social brasileira foram intensificados, afligindo a vida de tantas famílias

espalhadas por todo o Brasil.

O juridiquês não deve ser combatido apenas pelos profissionais

da área jurídica e pelas entidades jurídicas e outras que servem à

sociedade em geral, mas também pelos cidadãos e a sociedade como

134
um todo. O juridiquês além de prejudicar os objetivos da linguagem

jurídica e da linguagem em geral, por consequência, afeta a função

social do Direito, colocando em perigo a efetividade da ordem jurídica.

Nessa direção, com Damião e Henriques mencionam que:

[...] No Direito, é ainda mais importante o


sentido das palavras porque qualquer sistema
jurídico, para a tingir plenamente seus fins, deve
cuidar do valor nacional do vocábulo técnico e
estabelecer relações semântico-sintáticas
harmônico e seguras na organização do
pensamento [...] (DAMIÃO; HENRIQUES, 1993, p.
35).

Se há dificuldade na compreensão da linguagem jurídica em

decorrência de sua complexidade, os cidadãos comuns e até mesmo os

profissionais da área jurídica potencialmente farão uma interpretação

distinta do real sentido de sua mensagem por meio de uma percepção

equivocada ou até mesmo chegarão a não entender nada do que a

mensagem quer passar. Poderiam também demorar minutos, horas e

até dias para decifrar o que a linguagem jurídica complexa quer passar.

Se a forma precisa e simples da linguagem jurídica, for devidamente

usada, potencialmente o sentido da mensagem poderá ser bem

recebido por eles receptores. Nessa perspectiva, é preciso ter em mente

que as atividades jurídicas impactam fortemente a vida em sociedade e,

nesse sentido, a linguagem jurídica deve ser acessível e inclusiva para

135
todos os indivíduos, principalmente os cidadãos em geral, os principais

destinatários da ordem jurídica, sejam como partes dos conflitos de

interesses ou como partes interessadas integrantes da sociedade que os

circundam.

Não há que falar em defesa do juridiquês com o argumento de

que a área jurídica possui sua linguagem técnica própria e,

consequentemente, termos, expressões, vocabulários e outros

elementos técnicos jurídicos são imprescindíveis ao ofício jurídico. O

juridiquês não se confunde com a mera utilização de linguagem técnica

jurídica. É fato que a linguagem técnica jurídica é uma linguagem

própria da área jurídica, assim como outras áreas e ramos possuem

também. É certo também que os termos, as expressões, vocabulários e

outros elementos técnicos jurídicos têm suas particulares significações

e, às vezes, substituí-los podem causar prejuízos de compreensão,

interpretação e aplicação no âmbito das atividades da área jurídica. A

questão é que a utilização dessas manifestações jurídicas é

imprescindível às atividades do sistema jurídico em geral, mas quando

necessários, adequados e utilizados de forma moderada. Nesse sentido,

Araújo diz que:

[...] a utilização excessiva de expressões fora do


alcance da compreensão do homem comum
termina criando um grupo de pessoas (cientistas
do Direito, advogados, juízes, promotores etc.)
que, por dominarem a linguagem específica,
136
terminam condicionando interpretações sobre a
própria efetividade do direito no caso concreto
[...] (ARAÚJO, 2016, p. 48).

Há uma grande diferença entre a utilização adequada da

linguagem técnica jurídica e o juridiquês. A primeira prima pela precisão,

eficiência, compreensão, acolhimento e o cumprimento da função social

do direito. Enquanto o segundo prima pela imprecisão, ineficiência,

incompreensão, confusão e prejudica o desenvolvimento da sociedade.

Assim, utilizar o juridiquês não representa manifestar-se e interagir-se

bem socialmente. Nesse sentido, Filippetto afirma que:

[...] Tem gente que pensa que escrever bem é


escrever difícil. Engano. Quanto mais simples
forem os termos usados, mais claro será o texto
e, portanto, maior será a qualidade da redação.
Sendo assim, é desaconselhável a utilização de
palavras muito rebuscadas, que ninguém mais
usa, que soam estranho. Além de ser pedante,
[...] denota que o advogado pretende
impressionar não pelo domínio do direito, mas
pelas barreiras intransponíveis à compreensão
comum. Por exemplo: ‘Fossemos acompanhar a
megalegoria e culteranismo dos réus,
mostraríamos a delitescência da patognomônica
vestibular [...]. Escreveu-se, mas nada se disse.
Palavras excessivamente requintadas truncam a
fluência da leitura dificultando a compreensão
do texto [...] (FILIPPETTO, 2001, p. 76).

137
Em suma, uma linguagem jurídica simples, quando adequada e

ponderada, não traz prejuízo nenhum para as atividades que envolvem

o sistema jurídico e seus profissionais. Isso porque a linguagem jurídica

simples, por ser empática, é dotada de alta eficácia no que concerne ao

cumprimento do objetivo maior dos atos comunicativos: a transmissão

de ideias e pensamentos com alta qualidade ao maior número de

indivíduos que for possível.

Dessa forma, conclui-se que o juridiquês persiste há muitas

gerações graças a falta de empatia e a insistência dos profissionais da

área jurídica em geral de seguir padrões antigos culturais e sociais

ultrapassados e antiquados que não podem mais ter lugar na realidade

atual. Tem-se que o juridiquês atua como uma poderosa e perigosa

barreira na promoção das necessidades dos cidadãos na medida em que

a utilização da linguagem jurídica de forma desponderada dificulta o

acesso à justiça dos cidadãos. Nesse sentido, a fim de que seja

compreendida a importância da utilização da linguagem jurídica de

forma simples e adequada para a promoção ideal, real e acolhedora dos

direitos, o tema do próximo do tópico é o direito fundamental ao acesso

à justiça.

2.3 O direito fundamental ao acesso à justiça

138
O direito ao acesso à justiça é um direito fundamental, básico e

essencial. Em razão da sua grande relevância, esse direito inalienável

situa-se como sendo uma das bases primordiais do ordenamento

jurídico brasileiro. Nesse sentido, apesar de ser uma garantia

fundamental vital, que deveria ser obrigatoriamente promovida de

forma efetiva, são grandes os desafios para que os indivíduos e as

entidades em geral possam ter a exata compreensão necessária de todo

o seu impacto e da essencialidade da sua promoção.

O direito fundamental ao acesso à justiça, vastamente conhecido

também, sobretudo pelos profissionais do Direito, como princípio da

inafastabilidade do controle jurisdicional ou como princípio da

inafastabilidade da jurisdição, é estabelecido pela Constituição Federal

de 1988 no seu art. 5°, no inciso XXXV (BRASIL, Constituição Federal,

1988). Conforme o referido mandamento, é estabelecido que “a lei não

excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”

(BRASIL, Constituição Federal, 1988).

Por meio de uma análise superficial do dispositivo constitucional

que prevê o acesso à justiça, muitos profissionais do Direito e a

sociedade em geral chegam na interpretação de que é enunciado o

clássico conceito de acesso à justiça em sentido formal ao ler a referida

norma constitucional. Em outras palavras, chegam à conclusão de que o

direito ao acesso à justiça seria o mero direito de o indivíduo requerer

junto aos órgãos do Poder Judiciário a prestação da tutela jurisdicional,

139
com a finalidade de promover e resguardar os seus direitos. Entretanto,

essa questão é dotada de grande complexidade, visto a combinação de

todas as camadas jurídicas, sociais, históricas, econômicas e políticas em

torno da construção da compreensão do que seja o direito ao acesso à

justiça.

O entendimento do significado do direito ao acesso à justiça

sofreu radicais mudanças ao longo da realidade histórica e foi atualizado

gradativamente consoante os avanços e transformações da sociedade.

De acordo com os autores Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988), na

época dos Estados Liberalistas dos séculos XVIII e XIX, o então sistema

jurídico dava privilégio para uma perspectiva intimamente individualista

dos direitos. O direito ao acesso à justiça era entendido como o mero

direito formal de o sujeito propor ou contestar uma ação. Nesse prisma,

tinha-se apenas a igualdade formal ao acesso à justiça, entretanto não

havia a necessária preocupação com a efetividade do desse direito.

Como resultado disso tudo, o então sistema jurídico não acompanhava

a realidade social, assim não atendia os reais anseios e problemas da

sociedade.

Conforme o crescimento e o avanço das sociedades do laissez-

faire nos mais variados âmbitos e, sobretudo, com a evolução da


concepção dos direitos humanos, foi possível deixar progressivamente

em segundo plano o pensamento individualista dos direitos para dar

espaço a uma perspectiva social e coletiva dos direitos (CAPPELLETTI;

140
GARTH, 1988). Essa ruptura de paradigma só ocorreu quando os

indivíduos notaram a importância do espectro humano e social dos

direitos no que tange o progresso e desenvolvimento da coletividade.

Assim, ocorreu a evolução dos direitos e a criação de novos, bem como

a compreensão da valorização da atuação social conjunta entre

indivíduos, comunidades e Estado no âmbito do impacto do âmbito da

efetivação dos direitos.

Nessa direção, com a transformação dos direitos e o nascimento

de outros mais, aliado à ideia do bem-estar e do aspecto do olhar social

coletivo, o acesso à justiça ganhou contornos de um direito essencial.

Em outras palavras, o acesso à justiça ganhou uma nova significação,

passou a ser considerado como um direito básico fundamental

autônomo que possibilita a efetivação dos demais direitos. Não se trata

apenas de declarar direitos, mas de promovê-los de forma ideal e

acolhedora. Nesse sentido, Cappelletti e Garth dizem que:

[...] Não é surpreendente, portanto, que o direito


ao acesso efetivo à justiça tenha ganhado
particular atenção na medida em que as
reformas do welfare state têm procurado armar
os indivíduos de novos direitos substantivos em
sua qualidade de consumidores, locatários,
empregados e, mesmo, cidadãos. De fato, o
direito ao acesso efetivo tem sido
progressivamente reconhecido como sendo de
importância capital entre os novos direitos
individuais e sociais, uma vez que a titularidade
141
de direitos é destituída de sentido, na ausência
de mecanismos para sua efetiva reivindicação
[...] (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 11).

Na realidade contemporânea, o acesso à justiça não é visto mais

simplesmente na perspectiva do mero direito ao acesso aos órgãos do

Poder Judiciário e à prestação da tutela jurisdicional. O conceito

atualizado e contemporâneo de acesso à justiça possui uma direção

mais abrangente do que a compreensão de acesso à justiça aos moldes

do acesso à jurisdição Estatal. Segundo o ordenamento jurídico

brasileiro vigente, há a compreensão atualizada de que o acesso à justiça

é o direito ao acesso à efetiva ordem jurídica. Em outras linhas, é a

necessidade de proporcionar a todos os indivíduos a promoção dos

seus direitos e anseios de forma équa, justa, inclusiva, célere,

democrática, tempestiva, digna, por meio das mais variadas opções de

instrumentos que estão à disposição pelo sistema jurídico. Nesse

prisma, sobre a concepção de acesso à justiça, os autores Mauro

Cappelletti e Bryant Garth discorrem que:

[...] A expressão “acesso à Justiça” é


reconhecidamente de difícil definição, mas serve
para determinar duas finalidades básicas do
sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas
podem reivindicar seus direitos e/ou resolver
seus litígios sob os auspícios do Estado.
Primeiro, o sistema deve ser igualmente
acessível a todos; segundo, ele deve produzir
142
resultados que sejam individual e socialmente
justos [...] (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 8).

O acesso à justiça é tido como a chave crucial que dá acesso à

promoção dos mais variados direitos, anseios e necessidades. É preciso

que essa chave seja defendida para que haja o equilíbrio e o bem-estar

da coletividade como um todo. Nesse entendimento, Maria Tereza Aina

Sadek explana que:

[...] o direito de acesso à justiça é o direito sem


o qual nenhum dos demais se concretiza. Assim,
a questão do acesso à justiça é primordial para
a efetivação de direitos. Consequentemente,
qualquer impedimento no direito de acesso à
justiça provoca limitações ou mesmo
impossibilita a efetivação da cidadania [...]
(SADEK, 2009, p. 173).

Sem o acesso à justiça não é possível o devido o acolhimento e

inclusão dos indivíduos, a celebração da dignidade humana, a efetivação

das políticas públicas e, principalmente, as transformações no arranjo da

sociedade. Ferir o acesso à justiça é regredir no tempo, é ferir

agressivamente a evolução dos direitos, é ferir o elo existencial vital.

Nesse sentido, Sadek diz que:

[...] o acesso à justiça se constitui na porta de


entrada para a participação nos bens e serviços

143
de uma sociedade. Quaisquer iniciativas que
tenham por meta o combate à exclusão estarão
fadadas ao fracasso se não levarem em conta
garantias e direitos individuais e coletivos. Pois,
não há possibilidade real de inclusão se, de fato,
não houver condições efetivas de acesso à
justiça [...] (SADEK, 2009, p. 170).

Foi inevitável e imprescindível o rompimento do privilégio da

adoção da ótica da acepção formal de direito ao acesso à justiça em

favor da concepção atualizada de acesso à justiça no que tange à

promoção do acesso à ordem jurídica efetiva. A realidade

contemporânea não comporta mais o descaso com a promoção ideal

dos diversos anseios e das mais variadas necessidades da coletividade.

O professor Kazuo Watanabe enuncia que:

[...] A problemática do acesso à justiça não pode


ser estudada nos acanhados limites do acesso
aos órgãos judiciais já existentes. Não se trata de
possibilitar o acesso à justiça enquanto
instituição estatal; e sim de viabilizar o acesso à
ordem jurídica justa [...] (WATANABE, 1988, p.
128-129).

Com o devido entendimento acerca do caráter fundamental do

acesso à ordem jurídica justa, bem como, por via de consequência, com

a valorização dos interesses do cidadão e da coletividade em geral, é

144
possível a celebração da devida promoção e efetivação dos direitos.

Nessa linha, Mauro Cappellletti e Bryant Garth explanam que:

[...] O acesso à justiça pode, portanto, ser


encarado como o requisito fundamental – o
mais básico dos direitos humanos – de um
sistema jurídico moderno e igualitário que
pretenda garantir, e não apenas proclamar os
direitos de todos [...]. O “acesso” não é apenas
um direito social fundamental, crescentemente
reconhecido; ele é, também, necessariamente, o
ponto central da moderna processualística. Seu
estudo pressupõe um alargamento e
aprofundamento dos objetivos e métodos da
moderna ciência jurídica [...] (CAPPELLETTI;
GARTH, 1988, p. 12-13).

Tem-se atualmente a imprescindibilidade da aproximação

popular junto ao sistema jurídico, em outras linhas, a essencialidade da

transformação, inclusão e interação social. Não se comporta mais o

privilégio monumental da figura do Estado, e sim das figuras dos

indivíduos e da sociedade como um todo, que são os verdadeiros

destinatários do acesso à ordem jurídica justa.

Apesar dessa mudança em perspectiva de papéis envolvendo o

cidadão, a sociedade e o Estado, os dois primeiros, que deveriam ser os

verdadeiros destinatários da ordem jurídica justa, não conseguem

exercer efetivamente seus papéis no momento que a linguagem é

utilizada de forma irresponsável, em outras palavras, quando é


145
observado o juridiquês. A linguagem atua nessa direção não com a

função de comunicação, mas como mecanismo de exclusão,

discriminação, dominação e manifestação de poder social. Não adianta

nada a existência do direito se ele não buscar pautar sua atuação nas

verdadeiras necessidades do indivíduo e do povo.

Assim, não justifica a utilização da linguagem jurídica de forma

inadequada na medida em que ela atua como um fator de mitigação e

abatimento do efetivo acesso à justiça, da ordem jurídica social. Kazuo

Watanabe diz que:

[...] Há que se preocupar, outrossim, com o


direito substancial, que, sobre ser ajustado à
realidade social, deve ser interpretado e
aplicado de modo correto. Já se disse alhures
que, para a aplicação de um direito substancial
discriminatório e injusto, melhor seria dificultar
o acesso à Justiça, pois assim se evitaria o
cometimento de dupla injustiça [...] (WATANABE,
1988, p. 128).

Diante de todo o exposto, observa-se que o acesso à justiça é

um direito fundamental básico, é o impulso essencial para a promoção

de tantos outros demais direitos dos indivíduos. Assim, ele deve

percebido atualmente pelo ordenamento jurídico brasileiro como a

entrega efetiva, democrática e acolhedora das demandas dos cidadãos

e da sociedade como um todo, e não mais como o mero acesso do

146
cidadão à prestação jurisdicional. Nesse sentido, não se justifica a

utilização do juridiquês, tendo em vista em que ele atua como um

poderoso fator de mitigação e abatimento do real e acolhedor acesso à

justiça. Nesse sentido, em prol do movimento acerca da necessidade

urgente da compreensão e conscientização do real significado de

promoção do acesso efetivo à justiça, o tema do próximo do tópico é a

proposta de simplificação da linguagem jurídica e o motivo de ela ser

um fator essencial de promoção do direito fundamental ao acesso à

justiça.

2.4 A proposta de simplificação da linguagem jurídica e a promoção


do direito fundamental ao acesso à justiça

Assim como a linguagem pode proporcionar a realização de

sonhos, ela também pode destruí-los. Nesse sentido, os profissionais da

área jurídica, as entidades jurídicas e afetos têm grande parcela de

responsabilidade no que tange à execução do ofício jurídico e afetos.

Isso porque o uso inadequado da linguagem jurídica pode trazer

consequências catastróficas para a vida como um todo, como a

mitigação de direitos, a instabilidade social e, até mesmo, a morte. Nesse

sentido, de acordo com Sytia:

[...] A linguagem jurídica é mediadora entre o


poder social e as pessoas. Por isso, deve
147
expressar com fidelidade os modelos de
comportamento a serem seguidos, evitando-se,
desta forma, distorções na aplicação do Direito.
Os vocábulos técnicos e a linguagem precisa
exercem a função de contribuir para a
compreensão do Direito e para a eficácia do ato
da comunicação jurídica. O emprego da palavra,
portanto, no âmbito jurídico, deve ser exato,
claro e conciso a fim de evitar sutilezas
semânticas e dubiedades na interpretação e na
aplicação das leis [...] (SYTIA, 2002, p. 68).

Há uma grande transgressão ao direito ao acesso à justiça se o

indivíduo não conseguir entender efetivamente a mensagem que

passam as leis, os documentos jurídicos, as decisões judiciais, entre

outros elementos por falta de linguagem jurídica adequada, em outras

palavras, simples, que consegue alto grau em potencial de

compreensão. É direito de todos os indivíduos entenderem as

informações que orientam a sua vida cotidiana (ESCOLA NACIONAL DE

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA; FISHER; NUNES, 2020). Isso representa, a

promoção da cidadania e da dignidade da pessoa humana.

Observando essas preocupações, a proposta de simplificação da

linguagem jurídica trata de informar, incentivar e conscientizar as

pessoas e as entidades no seio da sociedade, sejam da área jurídica ou

não, acerca da importância da simplificação da linguagem jurídica na

promoção real efetiva do direito fundamental ao acesso à justiça.

148
Demonstrar a importância da simplificação da linguagem

jurídica na promoção do direito ao acesso à justiça é essencial para que

a linguagem jurídica não seja mais vista pelo cidadão comum e a

sociedade em geral como uma barreira ao acesso à justiça, e sim um

instrumento essencial para a promoção dos seus direitos; também é

importante abordar a essencialidade do tema para os profissionais da

área jurídica, as entidades jurídicas e outras que sirvam à sociedade em

geral terem a consciência de que a adequada utilização da linguagem

jurídica funciona como um elemento essencial de efetivação da ordem

jurídica. Diante dessa exposição, a proposta em comento atua como um

fator essencial de promoção do direito fundamental ao acesso à justiça

na medida em que busca extinguir as barreiras à efetivação da garantia

fundamental do acesso à justiça, criadas com a utilização inadequada da

linguagem jurídica na sua mais extrema forma prejudicial: o juridiquês.

Simplificar a linguagem jurídica é buscar as melhores formas

acessíveis, acolhedoras e inclusivas para a adequada compreensão dos

diversos anseios e necessidades sociais dos indivíduos e da sociedade

como um todo.

Não é positivo que o cidadão se desinteresse pelo sistema

jurídico ou perca a confiança em sua eficiência em virtude de falhas

comunicativas carregadas de costumes retrógados que apenas

prejudicam o sucesso dos atos comunicativos da linguagem jurídica.

Erros esses no processo comunicativo jurídico que poderiam ser

149
potencialmente muito bem evitados com atitudes simples, mas efetivas

para a promoção ideal das necessidades e anseios dos indivíduos.

Por outro lado, não é positivo que os cidadãos utilizem apenas a

figura do profissional da área jurídica como uma única forma de

compreender as informações do sistema jurídico. O fato de grande parte

dos cidadãos utilizarem o profissional da área jurídica na tentativa de

traduzir a linguagem jurídica para que ela possa ser decodificada para

eles de uma forma mais acessível demonstra uma grande afronta não

só ao direito fundamental ao acesso à justiça, mas a própria dignidade

como ser humano. A decodificação da linguagem jurídica feita por

profissionais do Direito aos cidadãos não significa uma aproximação real

do indivíduo junto ao sistema jurídico, todavia representa uma barreira

entre o cidadão e o sistema jurídico, tendo em vista o fato de a pessoa

precisar de um intermediário para simplesmente traduzir o

desnecessário e prejudicial juridiquês.

A persistência da manutenção de uma linguagem jurídica

ininteligível representa a manifestação do fracasso do Direito no que

concerne ao não cumprimento de sua função de intervenção social

transformadora no berço da coletividade. Conforme Bittar (2010), o

universo do sistema jurídico, como consequência da escolha de se

preservar o juridiquês, perde a sua plena eficácia. Assim, em vez de o

Direito ser uma alternativa adequada para a resolução de conflitos dos

indivíduos, se torna o próprio problema para a sociedade.

150
Nessa linha de pensamento, o que é necessário é simplificar a

linguagem jurídica, a fim de que o maior número de cidadãos o possível

possa potencialmente compreenderem cristalinamente os seus direitos

e o que se passa em ampla visão em suas demandas. Assim será possível

buscar a efetiva aproximação do sistema jurídico junto aos indivíduos e

a sociedade como um todo, esses últimos os verdadeiros e grandes

destinatários da ordem jurídica.

A proposta de simplificação da linguagem jurídica não se trata

de desprestigiar o uso da linguagem jurídica. Muito pelo contrário, ao

simplificar a linguagem jurídica ela se torna mais valorizada na medida

em que as pessoas poderão potencialmente compreender de forma

eficaz a linguagem jurídica, bem como se sentirem devidamente

acolhidas pelo sistema jurídico. É a promoção da dignidade da pessoa

humana na medida em que busca inserir de forma real o cidadão no

âmbito do sistema jurídico, com a devida e ampla promoção de seus

direitos, anseios e necessidades. Nesse sentido, Bittar diz que:

Simplificação não significa perda de técnica e


nem insatisfação no aspecto precisão. Os
excessos barrocos de linguagem, que são típicos
da conformação retórica do direito, podem ser
abolidos sem perda de critérios, mais no sentido
de alcançar maior democratização do direito. A
ideia da simplificação tem um objetivo político,
o da democratização do acesso ao direito, de
um modo geral, na medida em que o direito não
é um acervo de seus especialistas, um privilégio
de alquimistas e iniciados, pois o direito opera
151
na sociedade e para o povo. Isso significa que o
alijamento do povo da participação no processo
de uso e inteligibilidade, principalmente das
decisões judiciárias, prejudica o próprio
processo de democratização do direito. Daí a
ideia de que a simplificação não implica em uma
vulgarização da linguagem ordinária, nem em
uma corrupção da língua culta, ou, mesmo, em
uma redução da beleza estética e harmônica da
língua portuguesa. A democratização implica
numa aproximação do direito da realidade que
procura representar e sobre a qual pretende
agir, implica na adoção de uma postura que não
cria divisões e separações entre universos
discursivos, quando a síntese e a simplicidade
podem significar mais. Nesta medida, no lugar
de representar uma ameaça ao tema da
coerência textual, a ideia da democratização do
direito vem a se somar com o caráter sintético e
preciso do uso da linguagem para produzir
formas de significação e integração da vida
social cada vez mais capazes de representar os
próprios fins que pretende realizar (BITTAR,
2010, p. 390).
A simplificação da linguagem jurídica não é a solução para todos

os problemas da área jurídica, pois o sistema jurídico pátrio possui

muitos outros problemas a serem encarados em um país repleto de

diversidade cultural, mas com ampla desigualdade social. Entretanto,

com um sistema jurídico precisando cada vez mais do que nunca de

produtividade, rapidez, qualidade, inclusão e eficiência, a simplificação

da linguagem jurídica não é uma necessidade idealizada, e sim uma

152
exigência com alto patamar de urgência. Ademais, não há possibilidade

de o Estado e seus indivíduos se desenvolverem sem a plena

funcionalidade da ordem jurídica para buscar garantir a harmonia e a

pacificação social. Assim, a simplificação da linguagem jurídica é um

meio para andar lado a lado das constantes transformações visualizadas

no seio da realidade social. A simplificação ajuda a economizar tempo,

facilita a compreensão de mensagens, evita desperdício de recursos,

reduz a morosidade do sistema jurídico, otimiza a efetivação das

prestações das atividades jurídicas e, consequentemente, com o

alinhamento de todos esses elementos, ajuda também no aumento da

satisfação dos cidadãos e da coletividade, que se sentirão

verdadeiramente acolhidos pelo sistema jurídico.

Não é uma empreitada fácil disseminar a cultura da simplificação

da linguagem jurídica, sobretudo no âmbito de uma área tão

conservadora como a área do Direito. Implementar a simplificação da

linguagem jurídica requer um longo processo gradual, uma vez que

mudanças radicais de posicionamentos requerem desconstrução, e

desconstrução requer pequenas parcelas de atitudes no dia a dia até

que haja a reinvenção real de mentalidade. Além do mais, é preciso que

os profissionais e as entidades da área jurídica percam o medo de

perderem ou enfraquecerem a importância que exercem perante a

coletividade, pois na medida em que os cidadãos se sintam cada vez

mais realmente acolhidos, o sistema jurídico ganha mais confiabilidade

153
acerca do desenvolvimento de seu papel social. Assim, é preciso que os

profissionais e entidades da área jurídica se esforcem e acreditem nos

resultados positivos dessa perspectiva. Além do mais, na atualidade

contemporânea, a capacidade de se reinventar em um mundo cada vez

mais exigente, complexo, mutável, tecnológico, veloz e competitivo é

uma habilidade cada vez mais prestigiada na concepção e visão de

muitos indivíduos, grupos, organizações e instituições.

Por fim, é verdade que a simplificação da linguagem jurídica traz

impactos extremamente positivos para a sociedade, mas é preciso ter

em mente que a simplificação da linguagem jurídica não pode ser de

forma exagerada, deve-se ter ponderação, senão iremos ao encontro do

empobrecimento da linguagem jurídica, da linguagem como um todo

e, assim, por exemplo, a existência de termos, expressões, vocabulários

técnicos próprios e necessários da seara jurídica deixariam de fazer

sentido. Em outras palavras, é preciso ter a consciência de ponderação

no ato de simplificar a linguagem jurídica, a fim de evitar as substituições

ou omissões desnecessárias e prejudiciais de termos, expressões,

vocabulários técnicos e outros elementos próprios da área jurídica, pois

muitas vezes eles são estritamente essenciais para uma adequada e

eficaz compreensão por causa de seus reais significados particulares e

únicos.

Diante do exposto, a proposta para simplificação da linguagem

jurídica é uma necessidade urgente para a coletividade em geral na

154
medida em que busca romper as barreiras estabelecidas pelo juridiquês.

O motivo de ela ser um fator essencial de promoção do direito

fundamental ao acesso à justiça é que na medida em que ela busca

mitigar o distanciamento do sistema jurídico e o cidadão, promovido

pelo juridiquês, ela democratiza e acolhe verdadeiramente os anseios e

necessidades dos indivíduos. Por fim, tendo sido exposta a proposta

para simplificação da linguagem jurídica e o motivo de ela ser um fator

essencial de promoção do direito fundamental ao acesso à justiça, é

imprescindível investigar sobre as formas de incentivo e de

conscientização dos profissionais do Direito e afetos, adotadas pelas

entidades jurídicas e outras que sirvam à sociedade em geral acerca da

importância da simplificação da linguagem jurídica na promoção do

direito fundamental ao acesso à justiça. Esse é o tema do próximo

tópico.

2.5 Conscientização dos profissionais acerca da importância da


simplificação da linguagem jurídica para a promoção do direito
fundamental ao acesso à justiça

Investigar sobre as formas de incentivo e de conscientização dos

profissionais do Direito e afetos, adotadas pelas entidades jurídicas e

outras que sirvam à sociedade em geral acerca da importância da

simplificação da linguagem jurídica na promoção do direito

fundamental ao acesso à justiça é essencial para demonstrar se existem


155
medidas e estratégias adotadas pelas entidades jurídicas, dentre outras

que impactam a sociedade, para a promoção da cultura da simplificação

da linguagem jurídica.

Além do mais, mais importante do que constatar a possível

existência dessas medidas e estratégias é a atitude de ir mais fundo nas

investigações para apresentar respostas ao seguinte questionamento:

elas existem, mas são realmente eficazes na disseminação da cultura da

simplificação da linguagem jurídica e, consequentemente, da promoção

real da ordem jurídica?

A Lei Complementar n. 95, de 1998, trouxe várias disposições a

serem observadas nas atividades de redação, elaboração, alteração e

consolidação de outras legislações (BRASIL, Lei Complementar n. 95, de

26 de fevereiro de 1998, 1998). A referida Lei traz questões de

normatização, forma e regras referentes às legislações. O artigo 11, da

Lei Complementar n. 95, de 1998, estabelece muitas regras para que

legislações sejam dotadas de clareza, precisão e ordem lógica (BRASIL,

Lei Complementar n. 95, de 26 de fevereiro de 1998, 1998). Nesse

sentido, é bem interessante a forma como essa legislação trata de forma

bem específica e particular acerca de muitos elementos em prol da

existência de normas em linguagem simples.

Conforme o parágrafo primeiro, do artigo 14, da Lei n. 9.099/95,

nas atividades no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, deverá ser

observada a acessibilidade da linguagem (BRASIL, Lei n. 9.099, de 26 de

156
setembro de 1995, 1995). Com esse dispositivo, há a clara relação com

o princípio da simplicidade, que vai totalmente de encontro ao conceito

do efetivo acesso à justiça. Com a Lei n. 9.099/95, há a evidente

preocupação na questão de o sistema jurídico ser inclusivo e

democrático para os cidadãos.

No ano de 2005, a Associação dos Magistrados Brasileiros

promoveu campanha sobre a necessidade de simplificar a linguagem

jurídica (AMB..., 2005). Essa iniciativa buscou atingir as mais diversas

entidades e instituições da área jurídica acerca da temática. Trouxe

pequenos, mas importantes resultados à época.

No âmbito do Poder Legislativo, a então Deputada Federal Maria

do Rosário apresentou o Projeto de Lei n. 7.448/06, que tratava sobre a

elaboração de decisões judiciais com linguagem que permitisse a plena

compreensão de qualquer cidadão (MATURANA, 2012). A Câmara dos

Deputados aprovou o projeto em 2010, todavia, no mesmo ano, o

Senado Federal não o aprovou, porque tinha sido recém aprovado o

projeto do novo Código de Processo Civil no Senado.

A Lei n. 12.527, de 2011, a Lei de acesso à informação, proclama

em seu artigo quinto que é dever do Estado garantir o acesso à

informação por meio de linguagem que facilite a compreensão dos

cidadãos (BRASIL, Lei n. 12. 527, de 18 de novembro de 2011, 2011).

Ainda, a Lei em comento diz no artigo 8º, parágrafo 3º, inciso I acerca

do dever de a administração pública e os seus agentes utilizarem, nos

157
sítios oficiais eletrônicos, linguagem que facilite a compreensão dos

cidadãos, para fins de devido acesso à informação (BRASIL, Lei n. 12.

527, de 18 de novembro de 2011, 2011). Ao garantir o acesso à

informação por meio de linguagem inteligível, a Lei acesso à informação

promove a cidadania por meio da inclusão e participação social dos

indivíduos e sociedade na fiscalização dos atos do Estado.

O artigo 28 do novo Código de Ética e Disciplina da Ordem dos

Advogados do Brasil prevê que “consideram-se imperativos de uma

correta atuação profissional o emprego de linguagem escorreita e

polida, bem como a observância da boa técnica jurídica” (CONSELHO

FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, Código de Ética e

Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, 2015). Esse importante

dispositivo impõe como dever ao profissional da área jurídica o

emprego da atenção da devida técnica jurídica, bem como da

linguagem adequada e cuidadosa em sua atuação.

A Lei n. 14.133, de 2021, a Lei de Licitações e Contratos

Administrativos, menciona os conceitos de simplificação de linguagem

jurídica. Ela proclama em seu artigo 53, inciso II que na elaboração do

parecer jurídico deve ser utilizada uma linguagem simples,

compreensível, e que preze pela objetividade e clareza (BRASIL, Lei n.

14.133, de 01 de abril de 2021, Lei de Licitações e Contratos

Administrativos, 2021).

158
Formas de incentivo e de conscientização dos profissionais da

área jurídica e afetos acerca da importância da simplificação da

linguagem jurídica na promoção do direito fundamental ao acesso à

justiça são também observadas em âmbito internacional. Por exemplo,

em 13 de outubro de 2010, nos Estados Unidos, foi assinada a “Plain

Writing Act of 2010”, também conhecida como “Public Law 111-274”,

uma Lei que passou a exigir que as entidades federais americanas

usassem linguagem clara na elaboração de seus documentos, a fim de

que fosse aprimorado o acesso dos cidadãos americanos aos serviços e

informações governamentais. (ESTADOS UNIDOS, Public Law 111–274,

2010).

Por fim, tendo sido investigada e demonstrada a existência de

variadas formas de incentivo e de conscientização dos profissionais do

Direito e afetos, adotadas pelas entidades jurídicas e outras que sirvam

à sociedade em geral acerca da importância da simplificação da

linguagem jurídica na promoção do direito fundamental ao acesso à

justiça, vê-se que, apesar de existirem ações em prol da linguagem

jurídica simples e o melhor acolhimento do sistema jurídico, a maioria

delas estão sendo apenas discursos meramente ilustrativos, porque o

juridiquês ainda persiste e permanece muito vivo no cotidiano. Não

basta existirem ideias, elas precisam transformar a realidade social. Para

contornar tal problema, são necessárias ideias que toquem de forma real

nos problemas causados pelo juridiquês; medidas que sejam possíveis

159
de serem devidamente aplicadas e que realmente funcionem no plano

do dia a dia. Nesse sentido, o próximo tópico abordará atitudes e

estratégias efetivas que tornam a simplificação da linguagem jurídica

um fator essencial de promoção do direito fundamental ao acesso à

justiça.

2.6 A simplificação da linguagem jurídica como fator essencial de


promoção do direito fundamental ao acesso à justiça

Assim como é cristalino que o juridiquês deva deixar de ser

considerado algo banal que todos veem seus problemas e poucos

realmente fazem algo para contorná-los e que o movimento pela

simplificação da linguagem é uma luta visualizada na realidade

contemporânea contra tudo o que representa o juridiquês, é fato a

visualização de muitos discursos rasos e a falta de ações realmente

efetivas para tratar de forma bem específica toda a questão em torno

do uso inadequado da linguagem jurídica e a sua relação prejudicial ao

acesso à justiça.

Nesse sentido, serão demonstradas algumas medidas e

estratégias efetivas que tocam nas especificidades dos principais

problemas do juridiquês em prol da necessária obtenção da

simplificação da linguagem jurídica. Serão abordados pontos como: a

falta de clareza; a falta de objetividade; a falta de coerência e coesão; o

160
rebuscamento; o extremo formalismo; a falta de ponderação na

utilização da linguagem técnica jurídica; os arcaísmos; estrangeirismos,

principalmente latinismos; a pobreza de vocabulário e conteúdo

adequado; dentre outros problemas assemelhados constantes do uso

da linguagem jurídica na sua forma mais inadequada.

O emprego de termos, expressões e vocabulários técnicos

jurídicos são necessários na medida em que trazem importantes

significados próprios. Muitas vezes, se o profissional da área jurídica

troca esses elementos por outras palavras, ele acaba não conseguindo

transmitir o que queria dizer, sendo mal interpretado ou nem

interpretado pelo seu receptor. Conforme Paiva:

A linguagem jurídica é técnica. Isso significa que


muitos termos utilizados em textos jurídicos,
apesar de parecerem complexos e mesmo
estranhos, têm função de definir conceitos de
que aquele que redige não se pode afastar
(PAIVA, 2015, p. 20).

Um dos principais problemas que causam o uso da linguagem

jurídica na sua forma mais inadequada é a falta de limite na utilização

de termos, expressões e vocabulários técnicos próprios da área jurídica.

Conforme Paiva:

É possível, sem conhecimento jurídico, entender


o texto transcrito, mas, provavelmente, parte do
conteúdo da mensagem será perdida. Quando o

161
advogado cita o termo hediondo, refere-se à
enumeração taxativa de lei específica e remete a
todos os efeitos que ela determina. Um leitor
comum não compreende o termo em sua
amplitude jurídica. A essas expressões de
sentido técnico crítica alguma merece ser feita.
Respeita-se o aspecto técnico, mas condena-se
prolixidade e rebuscamento. Transcrevo
exemplos que devem ser evitados (PAIVA, 2015,
p. 20-21).

A solução para esse problema depende do tipo de público em

concreto. Na dúvida, deve-se primar pela compreensão do cidadão

médio e do que teria teoricamente mais dificuldade para entender,

sobretudo usando palavras mais conhecidas e frequentes no cotidiano

comum (SÃO PAULO (SP), 2019). Linguagem técnica da área jurídica não

significa necessariamente segregação e complexidade. Ela não deve ser

vista como uma barreira a compreensão do público em geral. Se os

termos, elementos, expressões e vocabulários técnicos jurídicos

indispensáveis forem devidamente fundamentados, esclarecidos e

desenvolvidos, a linguagem técnica jurídica fatalmente será bem

compreendida pelo público em geral.

Desse modo, palavras técnicas como inadimplentes,

reconvenção, perempção, curatela, litisconsórcio, inimputável, coisa

julgada, dentre outras, devem fazer parte da linguagem técnica jurídica,

pois elas não prejudicam a compreensão da mensagem a ser passada,

162
bem como possuem significação própria no que tange ao

desenvolvimento diário das atividades da área jurídica. Palavras e

expressões arcaicas, rebuscadas e eruditas que são tratadas como

comuns pelos profissionais da área jurídica como exordial, Parquet,

consorte supérstite, ergástulo público, pretório excelso, dentre outras

assemelhadas, potencialmente apenas dificultam comunicação, uma vez

que são bem incomuns e desconhecidas pelo público geral. É preciso

ter o dever de se atentar que o que pode ser claramente compreensível

para um indivíduo, pode ser totalmente incompreensível para outro:

[...] A pessoa que está escrevendo um texto


costuma escolher as palavras que são mais
familiares para ela. No entanto, é preciso
praticar a empatia e imaginar se essas palavras
também serão conhecidas pelas pessoas que
vão ler o texto. Quanto mais usuais e
corriqueiras as palavras forem, melhor será a
comunicação [...] (ESCOLA NACIONAL DE
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA; FISHER; NUNES,
2020).

Por exemplo, as palavras e expressões arcaicas, rebuscadas e

eruditas, mencionadas previamente, poderiam muito bem ser

substituídas por palavras potencialmente fáceis e simples que possuam

o mesmo significado, como petição inicial ou peça, Ministério Público,

viúvo(a), cadeia, Supremo Tribunal Federal e assim por diante. O fato de

uma palavra ou expressão ser comum para o profissional do Direito e


163
para a área do Direito em geral, não significa necessariamente que todos

os receptores irão compreender plenamente a mensagem passada.

Conforme Trubilhano e Henriques:

[...] ainda que o estilo da linguagem jurídica seja


clássico, tal fato não deve servir de incentivo ao
emprego exacerbado de palavras raras ou de
expressões latinas pouco conhecidas. Texto
apinhado de termos arcaicos e de palavras
desconhecidas torna-se enfadonho e, por vezes,
obscuro. A elegância textual se prende mais à
clareza e singeleza com que se transmite uma
ideia do que às formas imoderadamente
excêntricas que se lhe dão[...] (TRUBILHANO;
HENRIQUES, 2019, p. 24).

A linguagem jurídica utiliza essencialmente o nível de

linguagem formal, e nele há a busca em torno da adequação às normas

e regras gramaticais, que é essencial para dar uniformidade e correção.

Para a compreensão do maior de pessoas, a utilização do nível de

linguagem formal na linguagem jurídica depende da ponderação entre

formalidade e simplicidade. Conforme Paiva, “[...] redigir com

simplicidade significa escrever para o leitor. O bom senso estabelecerá

o equilíbrio entre a linguagem técnica e a comum [...]”. (PAIVA, 2015, p.

30). Assim, fazer a análise do contexto comunicativo envolvido,

mediante o exercício da ponderação e da empatia, é imprescindível para

o sucesso da compreensão dos receptores.


164
É preciso ter em mente que formalidade não pode significar

necessariamente rebuscamento, segregação, obscuridade e

complexidade, tampouco simplicidade não pode implicar

fundamentalmente coloquialismo, informalidade e pobreza de

repertório de palavras e expressões. Os conceitos de simplicidade e

formalidade podem e devem ser muito bem usados de forma conjunta

e harmônica.

A utilização do padrão formal de linguagem


representa texto correto em sua sintaxe, claro
em seu significado, coerente e coeso em sua
estrutura, elegante em seu estilo. Ser culto não
é ser rebuscado. As incorreções gramaticais
desmerecem o redator e a própria instituição.
Também não deve ser coloquial, com gírias,
regionalismos etc. (PAIVA, 2015, p. 27).

Utilizar elementos simples e formais que sejam mais

acessíveis a compreensão dos cidadãos médios é essencial para o

sucesso do uso e compreensão do nível de linguagem formal na

linguagem jurídica. Como exemplo, optar por palavras mais familiares

e conhecidas no cotidiano do público médio é extremamente positivo

(SÃO PAULO (SP), 2019). Essas palavras têm o potencial de serem mais

fáceis para ser reconhecidas, interpretadas e compreendidas pelo

público médio. Conforme Paiva, “[...] com palavras adequadas e de

conhecimento amplo, é possível escrever de maneira original e criativa

e produzir frases elegantes, variadas, fluentes e bem interligadas [...]”

165
(PAIVA, 2015, p. 30). Assim, é perfeitamente possível com a utilização de

palavras e elementos mais simples ser preciso e ao mesmo tempo ser

cativante e interessante na transmissão de informações.

Nesse sentido, deve-se tomar cuidado com elementos que

exprimam características de excesso de erudição, pois fatalmente

dificultam a compreensão do cidadão médio devido ao não

reconhecimento deles. Conforme Trubilhano e Henriques, “[...] Deve-se

cuidar [...] para que o excesso de erudição não reverta em texto de

compreensão dificultosa, pois a falta de clareza é altamente prejudicial

à comunicação [...]” (TRUBILHANO; HENRIQUES, 2019, p. 24).

Os estrangeirismos, que são termos, expressões e vocabulários

estrangeiros, em línguas distintas do universo da língua portuguesa,

devem ser evitados (SÃO PAULO (SP), 2019). Eles devem ser utilizados

apenas quando forem estritamente necessários. Como o próprio nome

diz, eles não estão incluídos no mundo da língua portuguesa e, por esse

fato, potencialmente, muitos indivíduos podem não os compreender

bem ou sequer conhecê-los.

Quanto aos latinismos, eles estão dentro da concepção de

estrangeirismos explicados anteriormente, e devem ser evitados (SÃO

PAULO (SP), 2019). Todavia, por possuírem alta incidência na vida

prática da área jurídica dos profissionais do Direito e interessados,

merecem atenção especial. Devem-se usar apenas termos, expressões e

vocabulários em latim que são utilizados com muita frequência no

166
cotidiano das atividades jurídicas e em geral, como exemplo de

latinismo muito comum no cotidiano do mundo jurídico e em geral tem-

se o latinismo habeas corpus.

Os arcaísmos devem ser evitados, pois são elementos que não

têm mais utilização comum no cotidiano geral. Sobre os arcaísmos,

Trubilhano e Henriques dizem que:

[...] trata-se de termos que já decaíram no


tempo, são antiquados, arcaicos, não mais
utilizados na norma atual de uma língua,
embora possam persistir em determinadas
linguagens – que é, exatamente, o que ocorre
com a linguagem jurídica, na qual arcaísmos
soem sobreviver, com muito prestígio, inclusive
[...] a utilização de verbetes arcaicos pode soar
pedante, porquanto se afasta da comunicação
hodierna e corriqueira, fazendo com que alguns
considerem inclusive vício de linguagem
quando excessivos e despropositados [...]
(TRUBILHANO; HENRIQUES, 2019, p. 239).

Quanto ao uso de abreviaturas, elas devem ser evitadas, pois

dificultam a compreensão do cidadão comum por terem, em geral,

significados muito particulares, principalmente as abreviaturas da área

jurídica, que possuem características muito próprias, especificas e

técnicas. Conforme Trubilhano e Henriques:

167
As abreviaturas têm por finalidade imprimir
agilidade à comunicação, mesmo a verbal,
reduzindo as letras/sons que são necessários
para expressar determinado fato, entidade, ato
ou objeto. O excesso de abreviações pode
dificultar a compreensão, prejudicando assim a
clareza e fluidez do texto. Algumas, de fato, são
desnecessárias e mais atrapalham do que
ajudam o exercício do ato comunicativo
(TRUBILHANO; HENRIQUES, 2019, p. 229).

No que se refere a quantidade de palavras, é preciso ter a

noção que simplificar a linguagem jurídica não significa

necessariamente usar uma quantidade menor de palavras. A clareza e

precisão depende de vários aspectos no caso concreto, não apenas da

quantidade de elementos utilizados no contexto de comunicação

(ESCOLA NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA; FISHER; NUNES,

2020). Por exemplo, muitas vezes é necessário usar muitas palavras para

explicar algo da forma mais clara possível ou o oposto também. Isso

depende da situação envolvida em perspectiva, da complexidade da

informação e, principalmente, dos destinatários da mensagem a ser

passada. No geral, é interessante evitar frases que contenham mais de

20 (vinte) palavras, pois frases com menos de 20 (vinte) palavras

potencialmente facilitam o entendimento na medida em que a

mensagem será mais direta (SÃO PAULO (SP), 2019). Nesse sentido, há

o privilégio da precisão e brevidade em detrimento da complexidade e

prolixidade nos atos comunicativos.


168
Sobre o desenvolvimento de orações e períodos, é preciso

evitar redigir períodos muito grandes e, sobretudo, parágrafos com

apenas um extenso período. Conforme Eduardo Sabbag, “[...] Além do

dano evidente quanto à apreensão do conteúdo, tais sentenças cansam

o leitor, que podem interromper de pronto a leitura [...]” (SABBAG, 2012,

p. 24). Assim, orações e períodos muito grandes não são adequados,

devido ao fato de contribuem negativamente para construção de

raciocínio e compreensão dos indivíduos.

No que concerne a organização das informações, é

interessante que seja seguida uma sequência organizada de ideias e

pensamentos, obedecendo uma ordem de relevância, para fins de

melhor sucesso nos atos comunicativos:

[...] A estrutura da informação deve seguir uma


sequência lógica. As informações essenciais e
mais importantes devem aparecer primeiro.
Depois, aparecem as informações
complementares e auxiliares. Estabelecer uma
hierarquia contribui para organizar as
informações de forma objetiva [...] (ESCOLA
NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA;
FISHER; NUNES, 2020).

Isso ajuda a alcançar no contexto em concreto uma sequência

bem estruturada, objetiva e coerente de ideias para que a mensagem

169
possa ser compreendida da forma mais eficaz o possível pelos

receptores.

Nessa mesma visão de organização de ideias pensamentos, os

títulos, os subtítulos, dentre outros indicadores são ferramentas

positivas para organizar, identificar e compreender informações (SÃO

PAULO (SP), 2019).

A utilização de elementos não verbais, conceitos que muitos

indivíduos não dão muita atenção ou simplesmente se esquecem, são

extremamente relevantes para o entendimento de informações. Esses

recursos auxiliam o receptor a melhor compreender a mensagem

passada, por exemplo, quadros, tabelas, ícones e diagramas ajudam a

destacar, organizar, complementar e sequenciar as informações (SÃO

PAULO (SP), 2019). O próprio ato de utilizar roupas, calçados e

acessórios, estão incluídos no contexto de elementos não verbais da

comunicação, e assim é uma forma de linguagem não verbal altamente

impactante no contexto da vida cotidiana, sobretudo no contexto da

área jurídica. É preciso se atentar ao que se veste, calça e enfeita.

Procurar evitar sempre que possível peças excessivamente formais,

luxuosas ou extravagantes e dar espaço para itens mais simples e

adequados é uma forma de os profissionais da área jurídica e

assemelhados se aproximarem melhor da maior parte dos cidadãos e,

consequentemente, auxiliar na promoção real da ordem jurídica em um

país tão desigual em tantos termos e aspectos. É preciso ter em mente

170
que roupas, calçados, adornos excessivamente formais, luxuosos ou

extravagantes são inadequados e desnecessários e apenas contribuem

para distanciar os profissionais do Direito e assemelhados dos

verdadeiros destinatários da ordem jurídica, que são os cidadãos e a

sociedade como um todo, pois grande parte dos indivíduos (levando em

conta o contexto de marcante desigualdade social em variados aspectos

no Brasil) não vão se sentir acolhidos e vão ter a percepção de estarem

distanciados por uma barreira comunicativa não verbal do profissional

que o atende em suas demandas. Ao utilizar itens mais simples e

adequados, os profissionais da área jurídica conseguem promover uma

linguagem jurídica não verbal de forma mais eficaz e precisa, pois vão

conseguir se conectar plenamente com a maior parte dos cidadãos. Isso

é o exercício da empatia, de se aproximar e acolher melhor os cidadãos

e, consequentemente, de promover uma linguagem jurídica não verbal

de forma adequada para a devida promoção do acesso à justiça.

Procurar buscar o desenvolvimento de pequenos parágrafos,

bem como a proporcionalidade de tamanhos dos parágrafos em uma

visão geral, sempre que possível é excelente para o desenvolvimento de

bom raciocínio e compreensão dos destinatários da mensagem que vai

ser passada. Conforme Trubilhano e Henriques:

[...] buscando a clareza é que os advogados e


demais operadores do direito costumam
produzir parágrafos curtos e devidamente

171
concatenados, a fim de que o leitor possa
acompanhar, com maior facilidade, as etapas do
raciocínio expostas no texto [...] (TRUBILHANO;
HENRIQUES, 2019, p. 24).

Priorizar utilizar a ordem direta (sujeito-verbo-complemento) é

extremamente interessante, pois é uma estrutura básica que auxilia

positivamente na compreensão da mensagem pelo público. Conforme

Paiva, a ordem direta “[...] conduz mais facilmente o leitor à essência da

mensagem [...]” (PAIVA, 2015, p. 31). A ordem inversa dificulta a clareza

da linguagem jurídica na medida em que demanda do indivíduo mais

tempo, atenção e foco para que ele compreenda devidamente a

mensagem em perspectiva.

Sobre voz ativa e passiva, a utilização de voz ativa deve ser

priorizada, pois ela facilita mais a compreensão do que a voz passiva.

Deve-se fazer o uso da voz passiva somente quando necessário e o

contexto for adequado.

No que tangem às siglas, elas são usadas para economizar

tempo e espaço, evitar repetições de elementos. Para evitar

incompreensão, é preciso que seus significados sejam devidamente

explicados no momento da primeira aparição (PAIVA, 2015, p. 44).

Deve ser evitado o uso de gírias, pois a linguagem jurídica

emprega essencialmente o nível de linguagem formal. Além do mais, as

gírias podem não ser compreendidas por todos os indivíduos.

172
Para que o texto não fique pobre, cansativo e monótono é

necessário que sejam evitados os excessos de repetição de palavras,

bem como as repetições delas de forma muito próxima umas às outras.

Nesse prisma, as constantes leituras e audições, principalmente de

conteúdos diversos, ajudam a aumentar e fixar o repertório de palavras,

expressões e vocabulários.

Precisam ser criadas legislações mais severas que

desestimulem totalmente o juridiquês, pois as atuais quando não são

apenas discursos ilustrativos são dotados de pouca efetividade. Nesse

sentido, é preciso mais fiscalização do Estado e dos cidadãos para a

prevenção e combate do juridiquês.

No que se referem às faculdades, universidades e outras

instituições assemelhadas, a utilização de linguagem jurídica simples

deve estimulada dentro e fora dos seus espaços, para que se forme uma

ampla rede de conscientização sem fronteiras. Disciplinas especificas de

linguagem jurídica com amplo foco na simplificação da linguagem

jurídica; projetos de extensão; apoio e incentivo às pesquisas

acadêmicas sobre a temática são exemplos de boas medidas a serem

tomadas por faculdades, universidades e outras instituições

assemelhadas.

É preciso que tenham a disposição dos profissionais da área

jurídica e interessados cursos e treinamentos, a fim de que aprendam e

173
desenvolvam suas atividades na observância do pensamento da cultura

da simplificação jurídica.

Para o desenvolvimento de pesquisas e trabalhos científicos,

livros, manuais, revistas, projetos, dentre outras atividades voltadas ao

universo da simplificação da linguagem jurídica, são essenciais maiores

lançamentos de recursos, programas e políticas públicas e privadas em

prol da simplificação da linguagem jurídica.

O reconhecimento do Estado e da coletividade acerca de

iniciativas de simplificação da linguagem jurídica é fundamental na

medida em que serve como fator de motivação e estímulo para mais

pessoas desenvolverem novos e diferentes projetos acerca da

simplificação da linguagem jurídica

É necessária ampla rede de compartilhamento de informações

acerca da simplificação da linguagem jurídica para que ela essa cultura

seja disseminada nos mais diversos meios, ambientes e locais e atinja o

maior número de pessoas que for possível.

Diante de todo o quadro, não adianta nada expor atitudes e

estratégias para a simplificação da linguagem jurídica se os profissionais

da área jurídica e afetos, as entidades jurídicas e outras que servem à

sociedade em geral não estiverem dispostos a mudarem a mentalidade

e deixarem de lado o pensamento tradicional distanciador do acesso à

justiça no trato das atividades jurídicas, dentre outras que impactam a

coletividade. É preciso que esses personagens vão em direção à

174
preocupação sincera, real e efetiva dos anseios sociais, em ouras

palavras, o exercício da empatia para que seja possível o pleno e efetivo

acesso à justiça dos cidadãos e da sociedade como um todo. É preciso

entender que consciência empática não é um clichê, mas o respeito ao

próprio desenvolvimento individual e à responsabilidade social. Saber

se expressar por meio da linguagem jurídica de forma adequada é uma

forma de empatia e buscar atenuar, pelo pouco que seja, com pequenas,

mas eficazes atitudes, a dura realidade de desigualdade social

visualizada no Brasil. Portanto, ter a humildade de reconhecer a

necessidade de buscar as melhores maneiras de como se comunicar

adequadamente no exercício das atividades jurídicas é o estágio em que

o profissional da área jurídica entende que existe um mundo

diversificado de pessoas, com as mais particulares necessidades básicas,

e que essas diversas necessidades precisam ser adequadamente

acolhidas para o sucesso das funções de intervenções sociais

transformadoras do Direito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observou-se que a linguagem e o Direito atuam de forma

conjunta e indissociável no desenvolvimento da coletividade, e,

sobretudo, na defesa dos anseios, desejos e necessidades dos cidadãos.

Nessa via, viu-se que a linguagem é um dos meios que os indivíduos

175
fazem uso para realizarem atos comunicativos e, na área jurídica,

especificamente falando, os profissionais do Direito, para promoverem

o sistema jurídico e assim buscar a essencial pacificação social, fazem

uso da chamada linguagem jurídica, que é derivada do conceito geral

de linguagem e significa a manifestação das concepções e expressões

da área do Direito e de seus profissionais.

Observou-se que a linguagem jurídica possui suas

especificidades e singularidades, assim como também tem qualquer

linguagem de diversas outras áreas específicas, mas isso não é motivo

para a perpetuação da cultura de segregação que o Direito insiste em

promover ao utilizar inadequadamente e sem empatia a linguagem

jurídica.

Explicitou-se que o profissional da área jurídica, ao utilizar a

linguagem jurídica em suas atividades do dia a dia, deve proceder de

forma adequada, cautelosa e empática, uma vez que a linguagem da

área jurídica deve servir como meio para a facilitação da promoção dos

direitos e não como um problema que impede o acesso efetivo, ideal e

adequado do sistema jurídico dos indivíduos e da coletividade como um

todo.

As grandes funções da linguagem em geral e da linguagem

jurídica são buscar a interação, a expressão de pensamentos e o

acolhimento e não discriminar, isolar pessoas e ferir a participação dos

indivíduos nas diversas esferas da vida cotidiana. Ao utilizar a linguagem

176
de forma inadequada, fere de morte não apenas os objetivos cruciais da

linguagem, mas também a dignidade humana e o desenvolvimento

positivo e saudável da sociedade.

Demonstrou-se e que o problema não é a utilização de termos,

expressões, vocabulários técnicos e outros elementos da área jurídica,

quando necessários no caso concreto, nem o uso adequado do nível de

linguagem formal, nem as meras incorreções gramaticais e erros

materiais, dentre outras questões assemelhadas. Mostrou-se que o

problema maior é o fato de os profissionais do Direito e assemelhados

não praticarem o essencial exercício da empatia e do acolhimento, o

exercício de observar as singularidades e necessidades especificas do

próximo, no momento de utilizarem a linguagem jurídica. Isso é

gravíssimo, na medida em que o Direito exerce uma função social

transformadora. É difícil buscar a efetivação dessa função se os próprios

profissionais da área jurídica muitas das vezes agem mais para

prejudicar a promoção efetiva do sistema jurídico, bem como se

esquecem que o exercício da empatia é essencial para o bem-estar dos

indivíduos e regular andamento da sociedade.

Abordou-se que existe uma grande diferença entre a utilização

adequada da linguagem jurídica e o famoso juridiquês. Enquanto a

linguagem jurídica utilizada de forma adequada atua como importante

ferramenta de promoção dos direitos dos indivíduos e da promoção

efetiva da ordem jurídica, o juridiquês consiste na utilização inadequada

177
da linguagem jurídica em sua forma mais prejudicial e funciona como

instrumento de mitigação e devastação de direitos que bloqueia a

aproximação verdadeira dos indivíduos junto ao sistema jurídico.

Explicou-se que são exemplos de manifestação do juridiquês: os

arcaísmos; a utilização de períodos longos e complexos; a utilização

inadequada e abusiva de termos, expressões e outros elementos

jurídicos; a utilização majoritária da voz passiva; a utilização de vestuário

e outros itens excessivamente formais, extravagantes ou luxuosos; o

estrito rebuscamento e formalismo; dentre tantos outros elementos que

prejudicam os objetivos da linguagem jurídica e da linguagem como um

todo.

Demonstrou-se que o mal chamado juridiquês está fortemente

inserido na cultura jurídica há muito tempo, atuando desde gerações de

outros séculos até os dias mais atuais como forma de dominação,

discriminação, exclusão e demonstração de poder, dificultando desde

seus primórdios o acesso à justiça de indivíduos e o bem-estar social.

Isso tudo muito em decorrência da falta de empatia e o desinteresse dos

profissionais do Direito em geral e afetos de romper com os padrões

antigos culturais e sociais ultrapassados e antiquados que de forma

alguma não têm lugar na realidade atual.

A linguagem do mundo atual é a linguagem da empatia, do

acolhimento e do respeito às diversidades e singularidades. A

sobrevivência do juridiquês em tempos atuais representa a manutenção

178
da cultura da distância entre o Direito e da sociedade em geral, pois não

há que falar em promoção adequada do sistema jurídico enquanto a

promoção do juridiquês for mais importante que visar a função social

do Direito e o bem-estar da coletividade.

Explanou-se que o direito ao acesso à justiça é um direito

fundamental. Nesse sentido, ele serve de impulso básico para a

promoção dos mais variados direitos dispostos no ordenamento

jurídico.

Explicou-se que o acesso à justiça é compreendido atualmente

pelo ordenamento vigente como a entrega efetiva, democrática e

acolhedora das demandas e desejos dos cidadãos e da sociedade como

um todo, e que não pode ser mais simplesmente percebido com a

concepção arcaica, ultrapassada, opressora e segregadora de mero

acesso do cidadão à prestação jurisdicional.

Não basta acessar o sistema jurídico é preciso acolher de forma

sincera e adequada as necessidades e anseios dos indivíduos e da

coletividade para que se possa falar em real acesso à justiça. Assim, não

se justifica a utilização do juridiquês, tendo em vista em que ele atua

como um forte fator de enfraquecimento do real sentido de direito ao

acesso à justiça. Ainda mais, em um sistema jurídico que tem tantos

outros problemas tão graves quanto o juridiquês para enfrentar,

sobretudo, em um país como o Brasil que possui tanta diversidade e

beleza, mas que também tem enorme desigualdade, corrupção,

179
desrespeito ao direito de viver uma vida feliz, bem como o cerceamento

e a destruição de sonhos por falta de políticas públicas adequadas e por

falta de uma atuação do Poder Público pautada na seriedade, na ciência

e no olhar humano.

Demonstrou-se que a proposta para uma linguagem jurídica

mais simples não é apenas um posicionamento, mas uma urgente

exigência na medida em que busca romper as barreiras levantadas pelo

juridiquês no que concerne a promoção real da ordem jurídica.

Abordou-se que o motivo da referida proposta ser um fator essencial

de promoção do direito ao acesso à justiça é o fato de que na medida

em que ela busca mitigar o distanciamento entre o sistema jurídico e a

sociedade em geral, promovido pelo juridiquês, ela promove a inclusão

e acolhe verdadeiramente as demandas e necessidades dos cidadãos.

Há a representação do fracasso da função social do Direito

quando os próprios profissionais da área jurídica tornam dificultosos

seus ofícios utilizando o juridiquês para simplesmente satisfazer a

manutenção de seus egos. E pior, a função social do Direito é ferida de

morte quando o cidadão não tem confiança no sistema jurídico por não

se ver plenamente acolhido por ele por falta de uma linguagem jurídica

simples que possui alto grau de compreensão das mensagens.

É vergonhoso o cidadão se sentir constrangido, discriminado,

desamparado, distanciado pelo sistema jurídico quando vê que o

sistema jurídico não está amparado em buscar entender as suas

180
necessidades e as da sociedade em geral, mas amparado em buscar a

manutenção da faceta do status segregador do Direito.

Nesse sentido, a proposta para uma linguagem jurídica mais

simples visa que os cidadãos tenham o direito de compreender

eficazmente seus direitos por meio de uma linguagem da área jurídica

adequada e acolhedora, pautada na busca da efetivação real da ordem

jurídica. Todos têm o direito de entender as mensagens que passam o

Direito e seus profissionais, sobretudo, as concernentes a sua vida, seus

anseios, seus desejos e suas necessidades.

Uma linguagem simples traz inúmeros benefícios: os cidadãos

vão se sentir acolhidos vendo a preocupação de o sistema jurídico de

fazer com que eles entendam as eficientemente as mensagens da área

jurídica; redução da morosidade do sistema jurídico; aplicação

adequada da prestação jurídica; redução de custos financeiros e

econômicos; mais tempo para se ocupar com outras atividades; o

aparecimento da imagem empática e acolhedora do sistema jurídico

perante a sociedade, dentre muitas outras coisas positivas.

Investigou-se formas de incentivo e de conscientização dos

profissionais do Direito e assemelhados, em território nacional, inclusive

no âmbito internacional, adotadas pelas entidades jurídicas e outras que

sirvam à sociedade em geral acerca da importância da simplificação da

linguagem jurídica na promoção do direito fundamental ao acesso à

justiça, onde observou-se que, apesar de existirem ações em prol de

181
uma linguagem jurídica mais simples e um sistema jurídico mais

inclusivo, grande parte delas tratam-se apenas de meros discursos

ilustrativos, uma vez que o juridiquês continua enraizado fortemente na

cultura do dia a dia atual. Explicou-se que não adianta apenas existirem

ideias, que elas também precisam transformar a perspectiva social da

coletividade. Explanou-se que, para contornar a questão do juridiquês,

são necessárias medidas que toquem de forma efetiva nos problemas

causados pelo juridiquês; que sejam plenamente aplicáveis e que

realmente funcionem no plano cotidiano.

Foram expostas medidas, atitudes e estratégias potencialmente

efetivas que abordam o enfretamento e o combate do juridiquês em

prol de uma linguagem jurídica mais simples e, consequentemente, da

promoção da efetivo acesso à justiça. Foram abordados pontos que

buscam a clareza, a persuasão, a eficiência, a concisão, a objetividade, a

coesão, a coerência e, principalmente, a simplicidade, tais como: a

ponderação na utilização de termos, expressões e vocabulários técnicos

próprios da área jurídica; a supressão de períodos longos e complexos;

escolha consciente de palavras, elementos; a redução do estrito

formalismo; a extinção da utilização abusiva de estrangeirismos e,

sobretudo, latinismos; a utilização de vestuários, itens e acessórios

adequados; a diversificação de vocabulário; a compreensão da

diversidade de públicos, dentre muitos outros pontos diversificados.

182
Explicou-se que não é útil apenas expor atitudes e medidas para

uma linguagem jurídica mais simples, mas que é necessário também os

profissionais da área jurídica e assemelhados, as entidades jurídicas e

outras que servem à sociedade em geral estarem plenamente dispostos

a mudarem a mentalidade a fim de deixarem de lado a concepção

ultrapassada de linguagem jurídica como fator prejudicial de

aproximação entre a sociedade e o real sentido de acesso à justiça.

Abordou-se que é necessário que essas mencionadas figuras pratiquem

o exercício da empatia para que consigam focar de forma real nas

necessidades dos cidadãos e da coletividade em geral.

Explanou-se que a simplificação da linguagem jurídica não tem

o poder revolucionário de esgotar todos os problemas da área jurídica

e da sociedade, mas saber se expressar por meio da utilização de uma

adequada linguagem jurídica é mais que essencial, é uma forma de

empatia e de buscar mitigar, por mais pouco que seja, com pequenas,

mas eficazes atitudes, as duras consequências do retrato de ampla

desigualdade social visualizado do norte ao sul do Brasil.

Dessa forma, viu-se que ter a humildade de reconhecer a

preocupação de buscar as melhores formas de se comunicar no ofício

jurídico e, tudo o que o envolve, é o estágio em que o profissional do

Direito entende que existe uma imensidão de pessoas, cada qual com

as mais particulares necessidades básicas, e que essas necessidades

precisam ser devidamente acolhidas para o sucesso dos objetivos

183
primordiais do Direito como um todo: a organização e a transformação

da realidade social.

REFERÊNCIAS

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188
OS LIMITES JURÍDICOS DA AUTORIDADE PARENTAL EM FACE DA
OBRIGAÇÃO DE IMUNIZAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
CONTRA A COVID-19
Eliane Maria Alves dos Santos1
Ana Flávia Delgado Oliveira2

RESUMO:

O aludido estudo irá abordar o conteúdo e os limites jurídicos oriundos


do exercício da autoridade parental, tendo como objetivo principal uma
análise em torno dos marcos desse exercício do poder familiar em face
a obrigação de imunização infantil contra a covid-19. O trabalho é de
extrema relevância, diante do cenário vivenciado, inclusive atualmente,
pela pandemia do Coronavírus, bem como pelo índice de letalidade da
doença que na data de 27 de maio de 2022 já alcançava a quantia de
666.319 (seiscentos e sessenta e seis mil trezentos e dezenove) óbitos
só no Brasil.3 O presente adequa-se como modalidade de pesquisa
básica teórica com apoio documental. Para discorrer sobre o
desenvolvimento do presente estudo, ele será centrado em legislações,
artigos científicos, livros, pesquisas jurisprudenciais, e sites oficiais de
notícias e informações. Após traçados os dados que se destinam, a
finalidade será demonstrar a necessidade de discutir sobre o assunto,
esse tão atual e vivenciado cada dia mais pelo judiciário, logo conforme
será demonstrado a recusa dos pais em vacinar os filhos têm tido um
número significativo. Em vista disso, o presente estudo visa demonstrar
se cabe a eles esse direito de decisão, frente ao exercício da autoridade
parental.

1
Bacharel em Direito pela Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana.
2
Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto. Professora da
Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana. Graduada em Direito pela FUPAC-
Mariana, Advogada, Especialista em Direito e Processo Civil.
3
Informação extraída no site Coronavírus Brasil. Disponível em:
https://covid.saude.gov.br/ Acesso em: 27/05/2022.
189
Palavras-chave: Autoridade Parental. Limites Jurídicos. Imunização.

Pandemia Covid-19.

INTRODUÇÃO:

Em reflexão aos impactos causados pela pandemia da covid-19,

essa que trouxe mudanças em várias áreas do cotidiano humano, com

alterações legislativas, sociais, culturais, econômicas, trabalhistas, entre

várias outras, fato é que são alterações que perduraram para sempre.

Assim sendo, sabe-se que com o surgimento da doença, o mundo se viu

obrigado a mudar radicalmente o modo de vida, seja no trabalho, na

área educacional, nas finanças, no lazer, afetando até mesmo a própria

liberdade, todavia, após transcorridos mais de dois anos, é notório que

tudo isso, talvez seja o “novo normal”4 da humanidade.

4
Temos ainda algum tempo, não há como prever exatamente quanto, de termos que
apostar em um novo modelo de vida. E descobrimos algumas vantagens desse novo
modelo. Temos alternativa de home office, atualmente, e estamos vendo que funciona
– descobrimos que é possível e econômico. Percebemos que não precisamos percorrer
grandes distâncias ou enfrentar chuvas torrenciais para fazermos reuniões. Continuamos
em casa e fazemos nossa própria comida. O trânsito é menor e temos menos poluição.
Essa discussão sobre o novo normalmente está mostrando que é possível uma nova
forma de viver, com as vantagens de descobrirmos o valor da nossa própria casa,
aprendermos a ser mais humildes e que não temos o controle de tudo.

Trecho extraído da análise do conceito de novo normal escrito por Maria Aparecida
Rhein Schirato. Disponível em: https://www.insper.edu.br/noticias/novo-normal-
conceito/ Acesso em: 27 de maio 2022.

190
Em vista disso, um assunto tão atual e que trouxe significativas

mudanças, não tem como passar sem que seja abordado diversas

reflexões, porém, sabendo-se que não é possível esgotar em um único

trabalho todos os impactos causados pela pandemia, o presente estudo

tem como objetivo abordar o conteúdo da autoridade parental, assim

como os limites jurídicos que são impostos aos detentores desse

exercício, quando usando de suas faculdades se recusam a vacinar os

filhos menores.

A problemática em volta do assunto, surge uma vez que os

responsáveis legais, possuem direitos em educar e criar seus filhos

conforme seus próprios costumes, muitas vezes tendo como base

ideologias religiosas, culturais, sociais, filosóficas entre outras, porém

quando o assunto transcende a linha de direitos próprios, essa

autonomia no poder de decisão talvez não seja absoluta, o que gera no

referente artigo a necessidade de discussão e muita inquietação, uma

vez que paira no ar a seguinte dúvida, está no poder de decisão dos

detentores da autoridade parental, permitirem ou recusarem a vacinar

os filhos menores?

O presente trabalho justifica-se pela necessidade de refletir

acerca do tema, logo não é recente a problemática que envolve a

hesitação dos detentores da autoridade parental quanto ao sistema de

vacinação, todavia em virtude do surgimento da pandemia, essas

discussões se apresentam mais constantes, o que por vez desencadeou

191
um número maior pessoas que por motivos diversos se recusam a

permitir que seus filhos sejam devidamente imunizados contra a

doença, mesmo diante de todas as evidências técnicas e científicas

acerca do tema.

A pesquisa, refere-se a um trabalho teórico e bibliográfico,

elaborado por meio de alguns doutrinadores que se dispuseram a

dissertar sobre o poder familiar, também o uso de legislações específicas

como a lei 8.069/1990, o Código Civil Brasileiro, a própria Constituição

Federal, assim como alguns artigos científicos, pesquisas em sites

oficiais como o da OMS (Organização Mundial da Saúde) e

OPAS(Organização Pan Americana da Saúde), algumas pesquisas

jurisprudências, e por fim uma reflexão das ciências socias, serviram

como fundamentação teórica se tornando peças chaves para

compreensão da autoridade parental e para embasamento do presente

estudo, logo de acordo com Giddens (1993) apud Lobo (2021, p.142):

Pode ser democrático um relacionamento entre


pai/mãe e uma criança pequena? Pode, e deve,
exatamente no mesmo sentido que em uma
ordem política democrática. Em outras palavras,
é direito da criança ser tratada como um suposto
igual do adulto. As ações que não podem ser
negociadas diretamente com uma criança,
porque ela é pequena demais para apreender o
que está envolvido, devem ser capazes de uma
justificativa contrafactual.

192
Em relação a divisão do referido trabalho, o tópico 2 destina-se

a introduzir o leitor no assunto, por meio de uma conceituação da

autoridade parental, buscando-se fazer uma breve análise do

surgimento desse termo e sua evolução ao longo dos anos, usando

como base alguns doutrinadores e algumas legislações pertinentes

demonstrando a autoridade parental sob a perspectiva do

Ordenamento Jurídico Brasileiro, assim como alguns limites legais

decorrentes do exercício do poder familiar, visto que não se trata de

uma função irrestrita e ilimitada.

Já o tópico 3 destina-se a fazer uma introdução sobre a

pandemia da covid-19, partindo do surgimento até chegar ao contexto

atual que é a necessidade de imunização, perpassando ainda por um

assunto polêmico que o movimento antivacinas, logo porque, este tem

influenciado muito a decisão dos pais em não vacinar os filhos.

Para finalizar a discussão em torno do assunto, o tópico 4,

apresenta a autoridade parental no contexto da vacinação contra a

covid-19, trazendo discussões mais em torno do poder de decisão frente

a problemática, para isso além de algumas legislações, é necessário

analisar questões diversas como o melhor interesse da criança, e o

conflito entre o direito individual e coletivo, abordando as possíveis

implicações ou consequências que os detentores da autoridade parental

se sujeitam ao cometerem atos contrários ou exercício de sua função,

193
assim como análise de algumas pesquisas jurisprudenciais, e consulta

ao posicionamento do STF sobre a obrigação de vacinação infantil.

Após transcorridos os pontos acima, finaliza-se o presente

estudo, no intuito de criar um posicionamento sobre o assunto, ou seja,

está na esfera da autonomia do detentor da autoridade parental, o

poder de decidir vacinar ou não os filhos menores, ou essa prerrogativa

encontra-se limitada por lei.

2. AUTORIDADE PARENTAL (PODER FAMILIAR)

A princípio para construir o entendimento em volta do referido

trabalho, se faz necessário compreender o surgimento e o conceito do

termo autoridade parental. Deste modo na busca de melhor

contextualizar o assunto sabe-se que o conceito de Pátrio Poder5, é

originado do direito romano, que instituía a expressão: Pater Potestas,

sendo este “direito absoluto e ilimitado conferido ao chefe da

organização familiar sobre a pessoa dos filhos “(DIAS, 2015, p.460).

Neste cenário é possível vislumbrar que se falava em chefe, ou seja,

ideias mais que ultrapassadas voltadas a compreender que o homem

era por vezes o líder no contexto familiar.

5
Expressão utilizada pelo Código Civil de 1916, para ilustrar que o exercício do poder
familiar, compete ao marido, e será exercido por ele, com a colaboração da mulher.
Art. 380. Durante o casamento compete o pátrio poder aos pais, exercendo-o o marido
com a colaboração da mulher. Na falta ou impedimento de um dos progenitores,
passará o outro a exercê-lo com exclusividade.

194
Como se assim não bastasse, o conhecido como chefe de

família exercia seu poder de forma livre e autônoma de modo tão

absoluto que no direito romano isso percorria deste a faculdade de vida

e a morte em favor de seus descendentes (PEREIRA, 2015), o que

infelizmente perdurou por um longo período e foi passando por

transformações lentas e evolutivas até o contexto atual.

Superadas essas premissas que muito desencadeiam a

real finalidade do poder familiar, dá-se um salto na história para o

momento em que a Constituição Federal reconhece a igualdade entre

homens e mulheres, por meio da disposição do art. 5° I deixa claro

através de sua redação “homens e mulheres são iguais em direitos e

obrigações, nos termos desta Constituição” (BRASIL, 1988), assim, a

partir desse cenário, fato é que o exercício do poder familiar é de

competência de ambos os pais, e que por vez não está atrelada ao

matrimônio (LOBO, 2021). Extrema é a conformidade com as exposições

de Diniz (2014, p.624) ao lecionar que o poder familiar é “um conjunto

de direitos e obrigações, quanto a pessoa e bens do filho menor não

emancipado, exercido, em igualdade de condições, por ambos os pais”.

Ainda dentro das possibilidades de se conceituar o poder

familiar, sabe-se que se trata de um conjunto de direitos e obrigações

impostos aos pais em relação aos seus filhos menores e incapazes, em

decorrência de sua autoridade parental e por consequência nos limites

dela (GAGLIANO, PAMPLONA, 2021).

195
Por fim, se faz necessário contextualizar o surgimento do

termo “autoridade parental” em face do pátrio poder. Como citado

anteriormente entendia-se por pátrio poder, o domínio do pai, sendo o

chefe de família, esse entendimento foi se desdobrando até reconhecer

que este encargo é de responsabilidade mútua entre os genitores,

constituindo assim o poder familiar. Todavia ainda não é o melhor termo

que expresse o real sentido da palavra. Assim sendo explica (LOBO,

2021, p. 141).

A evolução gradativa, ao longo dos séculos,


deu-se no sentido da transformação de um
poder sobre os outros em autoridade natural
com relação aos filhos, como pessoas dotadas
de dignidade, no melhor interesse deles e da
convivência familiar. Essa é sua atual natureza.
Assim, a autoridade parental, sendo menos
poder e mais dever, converteu-se em múnus,
concebido como encargo legalmente atribuído
a alguém, em virtude de certas circunstâncias, a
que se não pode fugir.

Segundo o autor a necessidade de mudança na nomenclatura é

necessária para desmistificar o entendimento de poder, e passar a

entender mais como um dever que é atribuído aos pais em relação aos

filhos, e que nos limites dessa autoridade se encontra o melhor interesse

do menor, pois são pessoas de direito e a elas são inerentes a dignidade

da pessoa humana.

196
Fazendo-se necessário explicar que os conceitos “poder e

autoridade”, são termos distintos, Poder é relação entre força legitimada

e sujeição dos destinatários, por outro lado a autoridade é competência

reconhecida, destituída de força e sujeição, exercida no interesse dos

destinatários, de forma mais resumida “O poder é vertical, emanando de

cima para baixo; a autoridade é horizontal, porque consubstanciada em

direitos e deveres recíprocos” (LOBO,2021, p.141)

Mediante o exposto é cabível ainda reforçar que conforme

mencionado a terminologia que mais satisfaz os doutrinadores é

autoridade parental, nas palavras de Pereira (2015, p.501):

Tem sido frequente a nomenclatura “autoridade


parental “por melhor refletir o conteúdo
democrático da relação, além de traduzir
preponderantemente uma carga maior de
deveres do que poderes para que o filho, pessoa
em desenvolvimento, tenha uma estruturação
psíquica adequada.

Para finalizar as questões inerentes a parte conceitual, pode-se

concluir que ao longo dos tempos a terminologia passou por grandes

modificações indo de pátrio poder até autoridade parental, sendo essa

de maior aceite, isto porque compreende aquela que expressa com

maior clareza a real função do exercício do poder familiar.

2.1 A autoridade parental sob a perspectiva do ordenamento


jurídico brasileiro
197
Para explanar melhor as disposições referentes ao entendimento

sobre a autoridade parental, é propício vislumbrar legislações

específicas como a lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente),

que elenca em seu texto os deveres inerentes ao que detém o poder

familiar. O Código Civil Brasileiro também não deixou de amparar esses

direitos, dispondo do art. 1634 e seguintes sobre as questões inerentes

a esse exercício. E como garantia constitucional da Carta Magna

também não os desampara, de modo a destinar dentro de seu texto

legal, dispositivo voltado a assegurar-lhes direitos que são invioláveis.

Portanto, o estudo passará a demonstrar a compatibilidade que há entre

esses dispositivos, que buscam garantir o cumprimento da autoridade

parental em conformidade com a lei.

Primeiramente a Constituição Federal que exerce o poder de

garantia dos direitos que são essenciais para a dignidade da pessoa

humana, trouxe em evidência através do art. 227 que além do dever do

estado e da sociedade é dever da família assegurar a criança ao

adolescente e ao jovem, e com absoluta prioridade o direito à vida, à

saúde, à alimentação, à educação, respeito, liberdade, e tantos outros

que corroboram para entender o papel dos pais no exercício da

autoridade parental.

Em sequência o Código Civil também trata com

particularidade algumas das obrigações que são próprias daqueles que

detém o poder familiar, através do art. 1634 CC/02 já encontramos a


198
seguinte disposição: "Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua

situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em,

quanto aos filhos”. Em sequência o referido artigo apresenta por meio

dos incisos I ao IX, algumas funções que são inerentes ao cumprimento

desse encargo, como por exemplo o inciso “I- Dirigir-lhes a criação e a

educação, II - Exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos

do art. 1.584, III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para se

casarem” entre outros, (BRASIL 2002).

Porém, de acordo com Dias (2015), este extenso rol não

demonstra o mais importante, não sendo de fato o poder que detém os

pais sobre os filhos, mas o dever dos pais em relação aos filhos que é

inerente ao exercício da autoridade parental.

Por fim e não menos importante, tem-se a lei 8.069/1990 mais

conhecida como Estatuto da criança e do adolescente, para construção

dos entendimentos sobre o conteúdo do poder familiar, logo porque,

conforme exposição do art.1° a referida lei foi promulgada com a

finalidade de garantir a proteção integral da criança e do adolescente.

Por vez, reafirmando as disposições constitucionais, o

ECA apresenta em seu art.4° o dever familiar em assegurar e com

prioridade absoluta que seja efetivado os direitos que são inerentes a

dignidade da pessoa. E ainda no estimado estatuto o art. 22 que é claro

na sua redação a função do detentor do poder familiar ao expressar “Aos

pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos

199
menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de

cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais” (BRASIL, 1990), o que

permite fazer uma ponte com o já citado por Dias (2015) de fato o

Código civil deixou de fora os reais conteúdos próprios do poder

familiar.

2.2 Os limites jurídicos decorrente do exercício da autoridade


parental

Após as notas conceituais referentes ao exercício do poder

familiar, é esperado questionamentos em relação a esta autoridade, no

decorrer do tópico anterior, ao ser introduzido o termo objeto deste

estudo ficou concluído que se entende por autoridade parental um

conjunto de direitos e obrigações que detém os genitores em relação

aos filhos menores e não emancipados.

Em sequência, a abordagem pretende ressaltar os limites

compreendidos nessa autoridade, adianta-se que ela não é irrestrita e

ilimitada, e sim que há previsões legais quanto ao exercício dessa

função, de modo a assegurar que ela seja realizada em observância de

seu real objetivo.

Em primeiro lugar, cita-se a necessidade do dever de cuidado

que é inerente à relação, uma vez que por meio do art. 227 CF/88, está

disposto o dever da família em assegurar com absoluta prioridade o

direito à vida, à saúde, à alimentação etc... da criança, do adolescente e

do jovem (BRASIL,1988) o que também está assegurado no art.4° do


200
estatuto da criança e do adolescente, motivo este que demonstra com

nitidez que um dos limites genéricos impostos nessa relação é a

obrigação de garantir ou buscar meios para assegurar o cumprimento

dos direitos fundamentais do menor.

Partindo para outro lado obrigacional é fato inerente ao menor

o direito à educação. A respeito disso, Dias (2015, p.466) declara: "Como

o ensino é reconhecido como um direito subjetivo público, é dever do

Estado e da família promovê-lo e incentivá-lo (CF 205 e 208 §1°). Assim

sendo outro limite imposto aos detentores do poder familiar é

obrigação de mantença do menor devidamente matriculado em

unidade de ensino, e pelo não cumprimento estará o responsável sujeito

a penalidades que variam de uma infração administrativa que tem

previsão no art. 249 do ECA, ou até mesmo o cometimento de um delito

previsto no código penal que é o abandono intelectual art. 246 (DIAS,

2015).

Outro limite imposto aos detentores da autoridade parental é a

obrigação em vacinar os menores, essa prerrogativa tem fundamento

legal quando se fala no direito constitucional à saúde, e mais profunda

é a disposição do art. 14 § 1° do ECA, que apresenta a seguinte redação:

O Sistema Único de Saúde promoverá


programas de assistência médica e
odontológica para a prevenção das
enfermidades que ordinariamente afetam a
população infantil, e campanhas de educação
201
sanitária para pais, educadores e alunos.
Parágrafo Primeiro. É obrigatória a vacinação
das crianças nos casos recomendados pelas
autoridades sanitárias. (BRASIL, 1990).

Visto que a redação é clara ao dizer que sendo recomendado

pelas autoridades sanitárias a vacinação será obrigatória, não caberá ao

detentor do poder familiar seja qual for o motivo pessoal, se recusar a

vacinar o menor, evidenciando assim outro limite imposto ao exercício

dessa autoridade.

Esses foram alguns exemplos genéricos que demonstram a

princípio que o exercício dessa autoridade está vinculado a obrigações,

porém, deve-se ter ciência que existem limites no exercício desse poder,

e que em regra essa chamada autoridade parental se trata de uma

obrigação e essa deverá ser exercida em observância ao interesse do

menor, de modo que cabe a interferência estatal, (VENOSA, 2007),

demonstrando assim novamente que o exercício do poder familiar está

sujeito a limitações, não sendo um direito autônomo e inviolável, que

será devidamente cumprido quando estiver em observância com o mais

benéfico, garantindo ao menor uma vida digna, logo porque, a

autoridade parental, consiste em uma obrigação dos pais para com os

filhos. (SILLMANN; DE SÁ, 2015).

3. PANDEMIA DA COVID – 19

202
Notório é o conhecimento que a mais de dois anos o mundo se

viu diante de um terrível e mortal vírus, o qual paralisou a humanidade,

ceifando vidas, superlotando as unidades de saúde, os cemitérios,

rompendo com o direito de liberdade, desafiando a ciência, afetando

nas áreas trabalhistas, educacionais, contratuais, enfim, difícil é

mensurar tamanho transtorno social, gerando, inclusive, a necessidade

de alteração da legislação. A esse respeito Luz (2021, p.906) declara:

O ano de 2020, infelizmente, será eternizado na


história da humanidade: a pandemia global de
COVID-19 (abreviação de Corona Virus Disease
– “doença causada pelo vírus Corona”, em
tradução literal da língua inglesa), gerada pelo
vírus SARS-CoV-2, ceifou um número
extraordinário de vidas, mudou radicalmente o
cotidiano de milhões de pessoas, assombrou
governos, enfim, desregulou o funcionamento
das sociedades como um todo.

Fato inegável é que jamais um acontecimento tão radical como

o surto da covid-19 será um dia esquecido, ao contrário é um algo que

perdura até o momento atual, e não se sabe até quando teremos que

conviver com as suas consequências, além de outras tantas implicações

que serão eternizadas, sejam por mudanças legislativas, por novas

formas do ser humano ver a vida, enfim é objeto do qual não se pode

deixar de falar, uma vez que afetou não só um estado, um país, mas todo

o mundo.

203
Diante disso é cabível traçar uma linha do tempo referente ao

surgimento dessa terrível patologia transformada em pandemia, da

evolução a até a necessidade da vacinação, para poder chegar ao real

objetivo do referido trabalho, que é a necessidade de imunização infantil

e a recusa dos detentores da autoridade parental.

3.1 Breve histórico do surgimento da pandemia covid-19 até a


necessidade de imunização

Conforme expresso na própria nomenclatura covid-19, esta teve

os seus primeiros relatos em dezembro de 2019, quando a organização

mundial de saúde teve conhecimento que em uma cidade chamada

Wuhan localizada na China, estava ocorrendo diversos casos de

Pneumonia, porém, tratava-se de uma nova cepa, ainda não vista em

seres humanos. 6

Apenas uma semana depois foi confirmado pelas

autoridades Chinesas que os referidos casos de pneumonia se tratavam

de um novo tipo de coronavírus e que estava por toda parte, porém, por

décadas é raro causarem doenças graves em seres humanos se

limitando a resfriados comuns, até o surgimento da nova cepa chamada

6
Notícia sobre o histórico da Pandemia da Covid-19, vinculada no site da (OPAS).
Disponível em: https://www.paho.org/pt/covid19/historico-da-pandemia-covid-19
Acesso em: 05 de maio 2022.
204
de SARS-CoV-2, nome dado em (11 de fevereiro de 2020) sendo este o

tipo de coronavírus responsável pela doença da covid-19. 7

O surto do novo coronavírus foi declarado pela OMS em

30 de janeiro de 2020, constituindo assim emergência na saúde pública

de importância internacional, visando criar medidas para interromper a

propagação do vírus, ressalta-se que essa medida é a mais

extraordinária, só ocorreu 06 vezes na história da humanidade.

Todavia, tais medidas não foram suficientes para controle

da disseminação do coronavírus, assim sendo em data de 11 de março

de 2020, a OMS, declara a Covid-19 como uma pandemia, que se refere

à distribuição geográfica da doença atingindo vários países de todo o

mundo8

Trazendo a situação para o nosso cenário segundo divulgação

pelo Ministério da Saúde, o primeiro caso confirmado da covid-19 no

Brasil foi registrado no dia 26 de fevereiro de 2020, na cidade de São

7
O novo coronavírus é chamado cientificamente de SARS-CoV-2. Essa palavra difícil
contém informações importantes, como: SARS é uma abreviação de uma síndrome
chamada de Severe Acute Respiratory Syndrome, que é traduzida como Síndrome
Respiratória Aguda Grave. Essa é a forma grave de muitas doenças respiratórias e o
principal sintoma é a dificuldade de respirar; CoV é uma abreviação de coronavírus, a
família de vírus que ele pertence; por fim, o número 2, porque ele é muito parecido com
uma outra espécie de coronavírus que quase virou uma pandemia em 2002, o SARS-
CoV. Informação extraída do site da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais.
Disponível em: https://coronavirus.saude.mg.gov.br/blog/27-como-surgiu-o-
coronavirus Acesso em: 30 de maio 2022.
8
Notícia sobre o histórico da Pandemia da Covid-19, vinculada no site da (OPAS).
Disponível em: https://www.paho.org/pt/covid19/historico-da-pandemia-covid-19.
Acesso em: 05 de maio de 2022.
205
Paulo (SP), sendo o portador um homem de 61 anos de idade, com

histórico de viagem ao exterior propriamente na Itália. 9

A partir desse momento é de conhecimento notório a drástica

evolução da referida doença, indo de casos assintomáticos, até a morte

de milhares de pessoas em todo mundo. Devido a rápida propagação

do vírus, as formas de contágio, e sem falar na mutação que o vírus foi

sofrendo ao longo da pandemia, que tornou mais difícil a elaboração de

um imunizante realmente eficaz.

Como dito os números de casos são alarmantes,

atualmente o Brasil possui cerca de 30,5 milhões de casos confirmados,

desses mais de 666.000,00 óbitos. 10

Dado exposto acima, fato é que a pandemia da covid-19

se tornou uma das piores crises na saúde do mundo, levando as

autoridades competentes a buscarem uma forma de conter a dissipação

da doença, e por consequência o número de mortes que só

aumentavam. A corrida foi contra o tempo, onde inúmeros países

buscaram desenvolver a necessária imunização. Conforme dito pela

OMS, é através da vacinação que será possível acabar com a pandemia

9
Notícia vinculada no site Una-Sus. Brasil confirma primeiro caso da doença coronavírus.
Disponível em:https://www.unasus.gov.br/noticia/coronavirus-brasil-confirma-
primeiro-caso-da-
doenca#:~:text=O%20Minist%C3%A9rio%20da%20Sa%C3%BAde%20confirmou,para%
20It%C3%A1lia%2C%20regi%C3%A3o%20da%20Lombardia Acesso em: 05 de maio
2022.
10
Informação extraída no site Coronavírus Brasil. Disponível em:
https://covid.saude.gov.br/ Acesso em: 27/05/2022.
206
da covid-19, o que se mostrou mais que necessário diante do cenário

vivenciado. 11

Pois bem, transcorridos esses fatos, em 16 de dezembro de 2020,

o ministério da saúde em parceria com outras instituições das quais cito

Programa Nacional de Imunizações, Departamento de Imunização e

Doenças Transmissíveis , Secretaria de Vigilância em Saúde, Organização

Pan-Americana da Saúde, entre outras, criou a 1° edição do plano

nacional de operacionalização da vacinação contra a covid-19, que

dispõe sobre diversos assuntos ligados a doença como por exemplo e

mais importante nesse contexto a imunização, as aplicações das doses

e seus intervalos, a faixa etária, e também a ordem de vacinação de

acordo com os grupos prioritários, e depois a vacinação ocorrerá

gradativamente em ordem decrescente de idade , a princípio só

vacinando os maiores de 18 anos. 12

Vale dizer que o presente plano, conta hoje com a 12°

edição, porém, desde a 10° edição, ele contempla a necessidade de

11
O acesso equitativo a vacinas seguras e eficazes é fundamental para acabar com a
pandemia COVID-19, por isso é extremamente encorajador ver tantas vacinas provando
e entrando em desenvolvimento. A OMS está trabalhando incansavelmente com
parceiros para desenvolver, fabricar e implantar vacinas seguras e eficazes. Trecho
extraído da redação Covid-19 vacinas da OMS. Disponível em:
https://www.who.int/pt/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/covid-19-
vaccines Acesso em: 05 de maio 2022.
12
Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 ,1° edição.
Disponível em:
file:///C:/Users/User/Downloads/1%C2%AA%20edi%C3%A7%C3%A3o%20-
%20PNO%20-%2016.12.2020.pdf. Acesso em: 05 de maio 2022.
207
proceder-se-á a imunização do grupo etário de 12 a 17 anos sem

comorbidade, com uso exclusivo da vacina Pfizer.13

E para finalizar na última edição do referido plano, datado em 01

de fevereiro de 2022, apresentou informações relevantes como por

exemplo que a Anvisa aprovou em 15 de dezembro de 2021, a

ampliação da vacinação de modo a atender a faixa etária de 05 a 11

anos de idade, sendo testado sua segurança e eficácia14. Todavia a

princípio ficou descrito no referido plano que a imunização nessa faixa

etária não é obrigatória, ficando a cargo dos pais, levarem os menores

e manifestarem sua concordância. Porém, fica devidamente

recomendado pelo plano, limitar a essa faixa etária as vacinas Pfizer e

Coronavac e seguir as normas que a Anvisa orientam. 15

3.2 O movimento antivacinas no contexto da pandemia da covid-19

13
Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, 10° edição.
Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/secovid/pno_edicoes/10a-
edicao-pno-14-08-2021.pdf/view Acesso em: 05 de maio 2022.
14
Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, 12° edição.
Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/coronavirus/publicacoes-
tecnicas/guias-e-planos/plano-nacional-de-operacionalizacao-da-vacinacao-contra-
covid-19.pdf Acesso em: 05 de maio 2022.
15
Recomendamos seguir as normas orientadas pela ANVISA, no que pese as diferenças
existentes em cada município, resguardando sempre a segurança da campanha,
conforme as notas técnicas emanadas pela SECOVID referentes aos imunizantes Pfizer
e Coronavac a esta faixa etária.
12° edição do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19.
Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/coronavirus/publicacoes-
tecnicas/guias-e-planos/plano-nacional-de-operacionalizacao-da-vacinacao-contra-
covid-19.pdf Acesso em: 05 de maio 2022.
208
Em primeiro lugar, é oportuno apresentar que o movimento

antivacinas, não surgiu no contexto atual, pelo contrário, ele vem de

longas datas, apenas tomando dimensões maiores ao longo dos anos.

Sabe-se que o primeiro caso de pessoas que se juntaram para protestar

contra a método de imunização no Brasil, ocorreu na cidade do Rio de

Janeiro no ano de 1904, quando Oswaldo Cruz, enviou ao congresso

uma lei que reiterasse a obrigação da vacinação, logo essa já havia sido

instituída desde 1837(PORTO, 2003). A necessidade da vacinação adveio

após uma epidemia de varíola, todavia, nesse caso já havia ciência

quanto a resistência da opinião pública, e uma atitude drástica foi

tomada, quando se formou brigadas sanitárias para entrar nas casas das

pessoas e elas eram vacinadas a força. O que desencadeou uma grande

revolta popular, e o primeiro movimento antivacinas no Brasil.

A indignação levou ao motim popular, que


explodiu em 11 de novembro de 1904,
conhecido como a "Revolta da Vacina". Carroças
e bondes foram tombados e incendiados, lojas
saqueadas, postes de iluminação destruídos e
apedrejados. Pelotões dispararam contra a
multidão. Durante uma semana, as ruas do Rio
viveram uma guerra civil. Segundo a polícia, o
saldo negativo foi de 23 mortos e 67 feridos,
tendo sido presas 945 pessoas, das quais quase
a metade foi deportada para o Acre, onde foi

209
submetida a trabalhos forçados. (PORTO, 2003).
16

Conforme visto, a hesitação quanto aos meios de prevenção de

doenças através dos imunizantes injetáveis, não é algo recente, porém

o movimento contra vacinas no Brasil surgiu no contexto drástico acima

exposto, mas que vem perpassando aos longos dos anos e tomando

maiores dimensões. Nos dias de hoje os motivos pelos quais as pessoas

se recusam a vacinar ou vacinar seus filhos, decorre de fatores

socioculturais, políticos, ou pessoais, como por exemplo dúvidas quanto

a real necessidade ou eficácia das vacinas, preocupação com a

segurança, questões filosóficas, religiosas entre outras. 17

Atualmente no contexto da pandemia da covid-19, o movimento

antivacinas, ganha mais força e visibilidade, uma vez que com a

globalização, as notícias são de fácil e rápida propagação, atingindo

assim em instantes um extenso número de pessoas, disseminando

informações falsas e negativas sobre a imunização, desencadeando

pensamentos contrários a respeito das vacinas. Acerca disso esclarecem,

VIGNOLI et al:

16
Notícia vinculada a revista Ciência e Cultura. Uma revolta popular contra a vacinação.
Disponível em: http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-
67252003000100032&script=sci_arttext&tlng=pt. Acesso em: 02 de junho 2022.
17
Artigo desenvolvido por Regina Célia de Menezes Succi. Recusa Vacinal - o que é
preciso saber. Vinculado ao site Scielo Brasil. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/jped/a/YhH9ndMZmZLN6y3wkwqVxKS/?lang=pt# Acesso em:
02 de junho 2022.
210
Houve, também, destaque para a proliferação de
fake news a respeito da COVID-19 nas redes
sociais, que tentam limitar as informações
verídicas acerca da doença. Há, nas redes sociais,
verdadeiras redes e teorias de conspiração a
respeito das vacinas, inclusive acerca da COVID-
19. Segundo pesquisa de Edwards et al. (2021),
na mesma dimensão, indivíduos hesitantes à
vacinação acreditam que muito barulho (ou
alarde) foi feito em relação a COVID-19. Não há,
portanto, necessidade de tamanha preocupação
com a pandemia da COVID-19, apesar dos
milhares de mortos e infectados em todo o
planeta. (VIGNOLI et al. 2022 p. 465).
Nesse cenário, observa-se grandes inquietações com estes

grupos, logo porque além de se recusarem a vacinar, também divulgam

falsas informações sobre a doença, ou sobre a vacina, como por

exemplo, que só há barulho em relação a pandemia, não havendo

necessidade de preocupação, isso tudo diante de milhões de infectados

e milhares de óbitos em todo o Brasil.

A OMS divulgou uma notícia no ano de 2019, listando as dez

maiores ameaças na saúde global, estando neste rol, a hesitação vacinal,

sendo esta uma possível causa de reverter o progresso alcançado no

combate a doenças que são prevenidas com vacinas. Na mesma

pesquisa, encontra-se um dado de extrema relevância, visto que

segundo a Organização Mundial de Saúde, anualmente são evitadas

211
aproximadamente de dois a três milhões de óbitos em virtude da

imunização. 18

Diante dos fatos aqui expostos é possível evidenciar que os

movimentos antivacinas, tem sido de grande problemática para o

controle de disseminação de doenças imunopreveníveis ao longo dos

anos, o que se observa com maior nitidez no contexto atual, logo

porque o mundo passa por uma crise pandêmica de grandes dimensões,

e os meios de informação tem colaborado para a propagação rápida de

notícias muitas vezes inverídicas, que são publicadas por grupos de

pessoas, que estão contra ao sistema de imunização, desde modo fazem

uso dos meios de comunicação mais sofisticados como é o caso das

redes sociais, para proliferarem sua discordância fundadas em

argumentos formados por questões pessoais, mas que ao serem vistas

por outras pessoas criam nelas dúvidas e anseios em relação a vacina.

Sobre isso acentuam, Mendes et al (2020 p.243).

Alguns dos estudos analisados, referem ainda


que o tipo de fonte de informação influencia
ativamente a decisão de imunização. Os meios
de comunicação social, internet e artigos de
jornais podem induzir a interpretações erróneas,
alimentando a convicção dos pais é que melhor
não vacinarem os seus filhos.

18
Notícia extraída do site da OMS. Dez ameaças a saúde global em 2019. Disponível em:
https://www.who.int/vietnam/news/feature-stories/detail/ten-threats-to-global-health-
in-2019. Acesso em: 02 de junho de 2022.
212
Em relação ao tema aqui abordado, sabe-se que em decorrência

do movimento antivacinas, vários pais se encontram perdidos quanto a

necessidade ou segurança de imunização de seus filhos, uma vez que

não sabem no que acreditar, diante tantas informações que chegam a

todo tempo através das redes sociais, desencadeando um número maior

de genitores que estão decidindo de forma errônea em não vacinar os

filhos menores.

4. AUTORIDADE PARENTAL NA QUESTÃO DA VACINAÇÃO CONTRA


COVID-19 NO CASO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

A partir de tudo que foi exposto anteriormente sobre a

autoridade parental, seus limites, o surgimento da pandemia da covid -

19 e a necessidade de imunização, chega-se ao cerne do referido

estudo, para isso é necessário unificar esses dispositivos com a

finalidade de responder o que se propõe com a presente pesquisa. Logo

o que se almeja é delinear o entendimento em volta do exercício da

autoridade parental em face da obrigação de imunização contra o

covid-19, ou seja, compete aos pais decidirem vacinar os filhos, ou sua

decisão encontra-se limitada por lei.

Segundo uma pesquisa realiza da pela Fundação

FIOCRUZ, entre os dias 17/11 e 14/12/2021, momento em que estava

em fase de análise a imunização infantil, foram entrevistados 15.297 pais

de crianças e adolescentes, questionados sobre a decisão de vacinar ou

213
não os filhos, desses 14,9% de pais de adolescentes e 12,8% de pais de

crianças entre 5 e 11 anos, hesitaram quanto a vacina, e os motivos

variam como por exemplo, medo de reações adversas, subestimam a

gravidade da pandemia, preferem a imunidade natural, ou ainda

acreditam que crianças e adolescentes não tem nenhuma chance de


19
ficar grave se contraírem a covid.

A princípio esse número parece ser pouco expressivo,

todavia se abordar o número de crianças nessa faixa etária, essa

percepção logicamente não será a mesma, visto que nessa mesma

pesquisa o estimado é um público de 20 milhões de crianças entre 05 a

11 anos de idade, logo considerando que cerca de 12,8 % dos pais nessa

faixa etária hesitam quanto a vacina, o Brasil teria aproximadamente

2.560.000 (dois milhões quinhentos e sessenta mil) crianças entre 05 a

11 anos não imunizadas, o que por vez desmistifica ser um número

pouco alarmante.

Outra pesquisa abordada que remete a necessidade

desse estudo, foi publicada pelo instituto Butantan no dia 07/01/2022,

que ao contrário do que alguns pais pensam, a covid-19 já matou mais

de 1400 crianças de até 11 anos de idade no Brasil, e mais de 2.400 casos

de síndrome respiratória multissistêmica pediátrica, doença associada a

19
Pesquisa realizada pela Fundação FIOCRUZ, para levantar a aceitação dos pais em
vacinar os filhos contra a covid-19.Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/covid-
19-fiocruz-divulga-resultados-do-estudo-vacinakids Acesso em: 12 de maio 2022.

214
covid-19 que pode levar a morte. 20 Diante dos fatos, é cabível evidenciar

algumas legislações pertinentes ao caso, que irá ajudar a criar um

posicionamento sobre a referida questão.

Primeiramente enfatiza-se que a saúde é um direito

constitucional expresso pela lei maior ora que em seu art. 196 dispõe o

seguinte “ A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido

mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco

de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às

ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (BRASIL,

1988), o que fortalece o mesmo disposto no art. 11 do ECA, que

assegura o acesso a saúde das crianças e adolescentes.

Diante do texto legal, vislumbra-se o direito fundamental a

saúde, esse que compete ao Estado, o dever de assegurá-lo, deste modo

é questionável a autonomia do detentor da autoridade parental em

recusar-se a vacinar o menor, logo porque tal atitude, ensejaria

rompimento ao direito, sendo que é através da imunização que se

promove a proteção para diversos tipos de patologias, inclusive a covid-

19.

20
Notícia vinculada ao site do instituto Butantan. Covid já matou mais de 1400 crianças
de zero a 11 anos no Brasil, e deixou outros milhares com sequelas. Disponível em:
https://butantan.gov.br/noticias/covid-19-ja-matou-mais-de-1.400-criancas-de-zero-
a-11-anos-no-brasil-e-deixou-outras-milhares-com-
sequelas#:~:text=Covid%2D19%20j%C3%A1%20matou%20mais,milhares%20com%20s
equelas%20%2D%20Instituto%20Butantan Acesso em: 14 de maio 2022.
215
A obrigatoriedade da vacinação, não surgiu no contexto

atual, há algumas previsões legais que já tratavam sobre o assunto,

como por exemplo o decreto lei 78.231 promulgado em 1976 já

dispunha em seu art. 27 sobre a obrigação em imunizar-se nos casos

definidos pelo ministério da saúde cuja doença fosse controlada por

essa técnica de prevenção, logo em analogia com o cenário atual, é

notório que se aplica tal obrigação em face da imunização contra a

covid-19, inclusive o referido decreto ainda expressa claramente por

meio do art. 29 que compete aos responsáveis legais fazer cumprir tais

obrigações , “É dever de todo cidadão submeter-se e os menores dos

quais tenha a guarda ou responsabilidade, à vacinação obrigatória”

(BRASIL, 1976), deste modo , aumenta-se a dúvida quanto ao poder de

decisão dos genitores em vacinar ou não os menores, conforme foi

facultado pelo plano de operacionalização da vacinação contra a covid-

19.

No contexto atual tem-se a lei 13.979/2020, que dispõe

sobre as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública

em virtude da covid 19, mais precisamente seu art. 3° III d, ao expressar

a determinação de realização compulsória de vacinação, e que muito

tem se discutido sobre sua constitucionalidade.

Para enfrentamento da emergência de saúde


pública de importância internacional de que
trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no
âmbito de suas competências, entre outras, as
seguintes medidas:
216
III determinação de realização compulsória de:
d) vacinação e outras medidas profiláticas
(BRASIL, 2020).

O estatuto da criança e do adolescente dispôs-se a

regulamentar sobre a vacinação para crianças e adolescentes, de modo

que em seu art. 14 ficou a cargo do Sistema Único de Saúde (SUS), as

devidas assistências sejam médicas ou odontológicas, e prevenção de

enfermidades que afetam a população infantil, por vez o parágrafo

primeiro, expressa que sendo a vacinação recomendada pelas

autoridades sanitárias, ela terá caráter obrigatório, o que se aplica ao

caso da vacinação contra a covid-19 que por vez, foi devidamente

recomendado pelo ministério da saúde, para os menores acima de 05

anos de idade. 21

Ainda dentro das legislações sobre a obrigação da imunização

pode-se usar analogamente o CFM n.2.232/2019, este expressa normas

éticas sobre a recusa terapêutica em pessoas incapazes, e a postura a

ser adotada pelos profissionais nos casos de discordância entre o

21
Notícia publicada pelo ministério da saúde no site gov.br. Ministério da Saúde
recomenda vacinação de crianças contra covid-19. Disponível em:
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2021-1/dezembro/ministerio-da-
saude-recomenda-vacinacao-de-criancas-contra-a-covid-
19#:~:text=O%20Minist%C3%A9rio%20da%20Sa%C3%BAde%20recomendou,e%20co
m%20a%20prescri%C3%A7%C3%A3o%20m%C3%A9dica. Acesso em: 13 de maio 2022.

217
médico e o representante legal, conforme dispõe o art. 3° e 4° do

conselho federal de medicina.

Art. 3º Em situações de risco relevante à saúde,


o médico não deve aceitar a recusa terapêutica
de paciente menor de idade ou de adulto que
não esteja no pleno uso de suas faculdades
mentais, independentemente de estarem
representados ou assistidos por terceiros.
Art. 4º Em caso de discordância insuperável
entre o médico e o representante legal,
assistente legal ou familiares do paciente menor
ou incapaz quanto à terapêutica proposta, o
médico deve comunicar o fato às autoridades
competentes (Ministério Público, Polícia,
Conselho Tutelar etc.), visando o melhor
interesse do paciente.

Conforme demonstrado nos referidos artigos, caberá ao

médico, ou profissional da área de saúde não aceitar por parte dos

responsáveis legais a recusa em face de tratamento necessário ao

melhor interesse do paciente, sendo seu dever em casos de hesitação

comunicar aos órgãos competentes para providências.

Mediante o exposto, é oportuno introduzir no referido

trabalho, que a imunização se trata de uma intervenção no corpo da

pessoa, e para que isso ocorra dentro das normas previstas no campo

218
da bioética e do biodireito, se faz necessário observar os princípios

basilares a relação paciente e profissional da área de saúde. 22

Neste sentido (SÁ; NAVES, 2021) lesionam que são princípios

básicos da bioética: autonomia, justiça e beneficência, e os princípios do

biodireito são: autonomia privada, precaução, dignidade e

responsabilidade. Em análise ao princípio da autonomia ou da

autonomia privada, visto que “O princípio da autonomia pode ser

entendido como o reconhecimento de que a pessoa possui capacidade

para se autogovernar. “(SÁ; NAVES, 2021 p.26), indo um pouco mais

além “O princípio da autonomia privada significa o dever do cientista de

respeitar a capacidade de autodeterminação do sujeito que participa de

uma investigação biomédica, no sentido de aceitar ou não em participar

da mesma.” (SCHETTINI, 2010 p.30).

Partindo desse contexto, é fato que para o exercício dessa

autonomia, é necessário antes de tudo que a pessoa tenha a capacidade

para apresentar seu consentimento livre e esclarecido, nesse sentido Sá;

Naves (2021), descrevem sobre os requisitos de validade da autonomia

22
“Bioética é, portanto, a disciplina que estuda os aspectos éticos das práticas dos
profissionais da saúde e da Biologia, avaliando suas implicações na sociedade e relações
entre os homens e entre esses e outros seres vivos” (SÁ; NAVES, 2021, p.06).
O Biodireito surge da necessidade de estabelecer limites jurídicos para a atuação
biomédica, e configura-se como um novo ramo do direito que tem por objeto a
normatização da biotecnologia por meio da fixação de normas que assegurem o
respeito à integridade, à identidade e à dignidade do ser humano diante da atuação
biomédica. (SCHETTINI 2010, p.24)

219
privada, sendo um deles o necessário discernimento ou seja, conforme

dispõe o art.104 do CC, agente capaz, que nesse sentido seria aquele

capaz de no momento de a tomada de decisão saber compreender a

situação que se encontra. (SÁ; NAVES 2021).

Enfim, retornando a discussão sobre a autoridade parental,

tendo em vista o agente incapaz de manifestar seu consentimento

diante de alguma intervenção médica, como é o caso da vacinação

infantil contra a covid-19, notório é que este consentimento

primeiramente pertence àquele que é legalmente responsável pelo

menor, a questão é, esse poder de consentimento ou recusa é

autônomo, frente a problemática aqui tratada.

Com a finalidade de chegar a uma resposta sobre esse

questionamento, primeiramente cabe ressaltar que de acordo com

Pereira, (2020 p.114) “O primeiro ponto de reflexão é o objeto deste

negócio jurídico. O direito à vida, à saúde, e a livre disposição do corpo

são direitos existenciais ligados à personalidade do ser humano.” Nesse

caso, um bem jurídico tão precioso é possível está sujeito ao poder de

autonomia de outra pessoa, aumentando assim a dúvida sobre o tema.

De fato, é grande a discussão sobre o referido assunto, vejamos

que de um lado temos o exercício da autoridade parental, nesse mesmo

sentido a faculdade que o plano de operacionalização de imunização

contra a covid 19 insurgiu sobre os responsáveis legais em vacinar ou

não os menores, e contrapartida, legislações específicas que

220
determinam a obrigatoriedade da vacina nos casos recomendados pelas

autoridades sanitárias, fazendo-se necessário analisar outros fatores que

permeiam o assunto.

4.1 Melhor Interesse da criança e do adolescente

O melhor interesse da criança e do adolescente é um princípio

firmado na convenção internacional sobre os direitos da criança desde

1989 adotada pela ONU e da qual o Brasil é signatário desde 24 de


23
setembro de 1990. O art. 3° da referida convenção ilustra essa

principiologia nos seguintes termos.

Todas as ações relativas à criança, sejam elas


levadas a efeito por instituições públicas ou
privadas de assistência social, tribunais,
autoridades administrativas ou órgãos
legislativos, devem considerar primordialmente
o melhor interesse da criança. (CONVENÇÃO
INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DA
CRIANÇA, 1990).

Conforme expressão do citado artigo, todas as ações

relativas à criança, deverão ser tomadas observando-se com total

prioridade o melhor interesse do menor, de modo que se adequa na

23
Convenção sobre os direitos da criança. Disponível em:
https://www.unicef.org/brazil/convencao-sobre-os-direitos-da-crianca . Acesso em: 13
de maio 2022.
221
relação da autoridade parental, uma vez que diante da tomada de

decisões, caberá ao genitor optar por aquilo que melhor satisfaça o

interesse da criança. Neste sentido é necessário considerar que:

O princípio do melhor interesse significa que a


criança – incluído o adolescente, segundo a
Convenção Internacional dos Direitos da Criança
– deve ter seus interesses tratados com
prioridade, pelo Estado, pela sociedade e pela
família, tanto na elaboração quanto na aplicação
dos direitos que lhe digam respeito,
notadamente nas relações familiares, como
pessoa em desenvolvimento e dotada de
dignidade. (LOBO, 2021 p. 36).
Ainda na mesma linha de entendimento, voltados para o

cumprimento do dever que é imposto ao detentor do poder familiar,

disserta Lobo (2021 p.144), “Em matéria de exercício da autoridade

parental, deve-se ter presente o seu conceito de conjunto de direitos e

deveres tendo por finalidade o interesse da criança e do adolescente.”

Entendimento este também adotado por Diniz (2015) ao conceituar o

poder familiar, que consiste em encargos impostos pela norma jurídica

a ambos os pais, em vista ao interesse e a proteção do filho.

Numa visão do biodireito, é preciso considerar que em analogia

ao declarado por Sá; Naves (2021 p.79)

Tormentosa é a questão de crianças cujo país


professam religiões que proíbem transfusão de
sangue. Nessas circunstâncias, diversamente do
que entendemos quanto ao item anterior, há

222
que se proteger o melhor interesse da criança,
preservando-lhe a vida, e a razão é simples.

Sem dúvida, independente do procedimento, quando o que está

em jogo é a vida e a saúde de uma criança ou adolescente, vigora-se

seu melhor interesse, de modo que caberá ao médico, ou profissional

competente, realizar os procedimentos necessários ao caso com

liberdade e independência, (SÁ; NAVES 2021).

Assim sendo, permite-se concluir que na tomada de qualquer

decisão, compete aos responsáveis observar com total prioridade o

melhor interesse do menor, independentemente de sua própria

vontade, e também daquilo que se tem de conceitos religiosos, políticos,

culturais, entre outros.

4.2 Vacinação: entre o interesse individual e coletivo

Preliminarmente, destaca-se que compete aos

detentores da autoridade parental, o poder de decisão frente aos filhos

menores, todavia, vimos que esse exercício não é ilimitado, e possui

limites legais. Fato é que, ao descumprir certos tipos de obrigações

como por exemplo o da imunização que está previsto no art. 14 §1° do

ECA, o genitor não estará tão somente violando um direito fundamental

do menor, mas por consequência violando direitos coletivos, tendo em

vista que são através dos imunizantes que se controla o contágio de

223
vários tipos de doenças, como é o caso da covid-19 que teve um surto

transmissível de grande impacto. A esse respeito, Teixeira; Menezes

(2022 p. 7) declara:

Importa considerar que a recusa dos pais em


vacinar os filhos menores transborda os limites
da autoridade parental, notadamente, a sua
liberdade/privacidade para definir o modo
como os cria e os educa. Ofende o direito
subjetivo da criança e do adolescente em
receber a imunização, descumprindo regra legal
cogente assentada no Art.14, parágrafo primeiro
do ECA e compromete a saúde comunitária, vez
que favorece a facilitação da transmissão de
doenças contagiosas imunopreveníveis.

Ademais, age com abuso de direito os responsáveis que

usando da autoridade parental, excede os limites impostos pela norma.

Nessa linha de entendimento explicam Tartuce e Gramstrup (2016, p.02)

Aplicando essas premissas a nosso tema, pode-


se extrair que o abuso do poder familiar
compreende as situações em que os detentores
daquele poder-dever excedem as balizas
socialmente esperadas de sua atuação e
desviam-se das finalidades jurídicas associadas
à sua condição de pais. Podemos incluir aqui
todos aqueles que ocupam posições
juridicamente assemelhadas: guardiões, tutores
e curadores. Como a potencial atuação desses
“custodes” foi ampliada a ponto de reconhecer-
se no seu bojo a presença de uma “família

224
substituta”, podem eles também incorrer em
abuso de poder, similar em tudo ao tipo que nos
ocupa.

Sabe-se que atualmente se vive sob um regime democrático de

direitos, e que muitas vezes o interesse individual será confrontado com

os interesses coletivos. Diante disso é cabível uma reflexão do art. 3° IV

da CF/88 que dispõe “Constituem objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil: IV promover o bem de todos, sem preconceitos de

origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de

discriminação.” (BRASIL,1988).

De acordo com a leitura acima, pode-se extrair, que é necessário

a promoção do bem coletivo, mesmo que para isso atinja a esfera

individual de modo a ser necessário decisões que contrariam a sua

própria vontade, se ela estiver vinculada a uma necessidade de um

grupo maior de pessoas.

Diante disso faz-se necessário demonstrar que no momento em

que os detentores da autoridade parental, usando da sua faculdade

dada pelo plano de imunização contra a covid-19 , hesitarem quanto

vacinação infantil, estarão de fato, exercendo seu poder de decisão

quanto a pessoa dos filhos, porém sua posição poderá atingir um bem

jurídico tutelado alheio, visto que nesse caso a proteção contra a doença

possui um caráter de interesse social, uma vez que estando todos

225
imunizados há maior facilidade no controle da doença, logo porque

estará rompendo com a dissipação do coronavírus .

4.3 As implicações e consequências possíveis da recusa

Conforme abordagens feitas ao longo do referido artigo,

mostrou-se evidente que estando a vacinação devidamente

recomendada pelas autoridades sanitárias, ela terá um caráter

obrigatório, conforme disposição do decreto lei 78.231, e do art.14 §1°

do ECA. Logo é evidente que recusando-se os responsáveis legais pelo

menor a adotar a aplicação da vacina, cometerão atos contrários à

legislação e descumprindo o dever imposto a eles decorrente da

autoridade parental.

Nesse sentido, conforme todo descumprimento legal, é

acometido por uma sanção, não estarão estes isentos de consequências

quando se recusam a submeter o menor, as imunizações necessárias.

O Código Civil Brasileiro, apresenta por meio do artigo 1637 que

o pai ou a mãe abusando do seu poder autoritário, ou faltar com os

deveres que são inerentes a relação, será cabível a algum parente ou ao

Ministério Público, propor ação, sendo possível, inclusive, a suspensão

do poder familiar, caso seja necessário.

Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade,


faltando aos deveres a eles inerentes ou
arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz,

226
requerendo algum parente, ou o Ministério
Público, adotar à medida que lhe pareça
reclamada pela segurança do menor e seus
haveres, até suspendendo o poder familiar,
quando convenha. (BRASIL, 2002).

Deste modo é possível vislumbrar no referido estudo, que a

recusa dos pais em vacinar os filhos, enseja numa falta ao dever de

cuidado a eles inerentes, o que por vez configura uma violação imposta

em lei, sendo cabível intervenção estatal, para solução do impasse. De

acordo com Dias, (2015, p.471) “A suspensão do poder familiar é medida

menos grave, tanto que se sujeita a revisão”.

O rol demonstrado no art.1637 que enseja nas causas possíveis

de suspensão são meramente exemplificativas, de modo que poderão

ser observadas outras hipóteses em que o juiz poderá de forma

fundamentada e em observância ao melhor interesse da criança, realizar

tal procedimento.

As causas de suspensão vêm mencionadas um


tanto genericamente no código civil (art.1637)
para que se veja o juiz munido de certa dose de
arbítrio, que não pode ser usado a seu capricho,
porém sob a inspiração do melhor interesse da
criança. (PEREIRA,2015 p.521).

Ainda, dentro do Código Civil é possível perceber medidas mais

severas em relação ao descumprimento quanto à pessoa dos filhos,

227
pode-se observar no art. 1638 IV, o pai ou a mãe que reintegradas às

vezes incidirem nas faltas do artigo anterior, poderão perder por ato

judicial o poder familiar (BRASIL,2002). Ou seja, aquele que por diversas

vezes, faltar com o dever inerente aos cuidados com o menor, ou agindo

com abuso de autoridade, está propenso a perda do exercício da

autoridade parental.

O Estatuto Da Criança e do Adolescente também explicita

as possibilidades de perda e suspensão do poder familiar, conforme art.

24 que apresenta a seguinte redação:

A perda e a suspensão poder familiar serão


decretadas judicialmente, em procedimento
contraditório, nos casos previstos na legislação
civil, bem como na hipótese de descumprimento
injustificado dos deveres e obrigações a que
alude o art. 22. (BRASIL,1990).

Ao final do referido artigo, tem-se que uma das hipóteses

que podem conter os motivos para perda ou suspensão do poder

familiar, é descumprir e de forma injustificada os deveres impostos no

art. 22 do estatuto, ou seja dever de sustento, guarda e educação dos

filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de

cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. (BRASIL,1990).

Cabe ainda ressaltar que outra consequência possível dessa

recusa, está amparada no art. 249 ECA, este prevê a possibilidade de

multa pecuniária, para aqueles que descumprirem dolosa ou

228
culposamente os deveres que são inerentes ao exercício da autoridade

parental.

Descumprir, dolosa ou culposamente, os


deveres inerentes ao poder familiar ou
decorrente de tutela ou guarda, bem assim
determinação da autoridade judiciária ou
Conselho Tutelar.
Pena - multa de três a vinte salários de
referência, aplicando-se o dobro em caso de
reincidência.

A referida sansão se amolda perfeitamente no caso em tela, em

virtude da recusa em vacinar os menores, quando se é recomendado

pelas autoridades sanitárias, logo porque nesse caso estarão

descumprindo e de forma dolosa, um dever inerente ao poder familiar

que é a garantia a saúde e a vida do menor.

Por fim, é oportuno citar que está tramitando um projeto de lei

3842/2019, que tem como objetivo tipificar criminalmente a conduta

omissiva dos pais, quando a recusa em vacinar crianças e adolescentes.

A proposta é incluir no Código Penal Brasileiro o art. 244-A com a

seguinte redação. 24

24
Projeto Lei, oriundo do site da Câmara dos Deputados. EMENTA: Tipifica
criminalmente a conduta, de pais ou responsáveis, de omissão ou de contraposição à
vacinação de crianças ou adolescentes, incluindo artigo no Decreto-Lei nº 2.848, de 7
de dezembro de 1940, Código Penal. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2210372 . Acesso em 13 de maio
2022.
229
Omitir-se ou contrapor-se, sem justa causa,
violando dever inerente ao poder familiar, tutela
ou guarda, à vacinação de criança ou
adolescente, prevista no programa nacional de
imunização: Pena – detenção, de um mês a um
ano, ou multa. Parágrafo único. Na mesma pena
incorre quem divulga ou propaga, por qualquer
meio, notícias falsas sobre as vacinas do referido
programa ou sobre sua ineficiência.
(BRASIL,2019).

Portanto, é possível perceber que existem diversos

dispositivos legais voltados a garantir que os detentores do poder

familiar exerçam seu dever em conformidade com o melhor interesse do

menor, estando os mesmos sujeitos a implicações conforme algumas

aqui apresentadas, sendo elas a possibilidade de suspensão ou perda

do poder familiar, multa pelo descumprimento, ou conforme prevê o

projeto lei até mesmo o cometimento de um ilícito penal decorrente da

recusa de vacinação prevista no programa nacional de imunização.

Todavia vale a pena introduzir que de acordo com Rodrigues

(1999) apud Venosa (2007), tais medidas implicam mais uma atitude em

favor dos menores, e menor intuito punitivo em desfavor dos pais.

4.4 Posicionamento do STF e a jurisprudência a respeito da questão

Primeiramente é cabível ressaltar nesse tópico que o referido

assunto tem sido fato de muita discussão , logo porque quando foi
230
incluída a vacinação infantil no plano de imunização, este trouxe

expresso que a medida de prevenção não era obrigatória para crianças

na faixa etária de 05 a 11 anos de idade, o que por vez desencadeou

inúmeros questionamentos se não estaria contrariando o art.14 §1° do

ECA , assim como disposições constitucionais previstas no art.5°, 196 e

o 227 que dispõe sobre a proteção prioritária da criança e do

adolescente.

Salienta-se que esses foram alguns argumentos usados pelo

partido Rede Sustentabilidade que pleiteou junto ao Supremo Tribunal

Federal, a fiscalização sobre a vacinação infantil obrigatória contra a

covid-19 (ADPF 754).25 Sendo notório que o Supremo Tribunal Federal,

ao determinar no julgamento da ADPF que os membros do Ministério

Público empreendam as medidas necessárias para que seja cumprido as

normas quanto a imunização infantil contra a covid-19, posiciona-se a

favor da vacinação obrigatória.

Assim sendo, observa-se que há unanimidade no STF, quanto a

obrigação da vacinação contra covid 19, seja em adultos ou para

menores de idade, todavia o que se faz necessário é a compreensão do

art.3° III d da lei 13.979/2020, que dispõe sobre a vacinação compulsória,

essa que não quer dizer forçada, ou seja ninguém será submetido a força

ao processo de imunização, até porque isso sim contraria preceitos

25
Julgamento da ADPF 754 (Arguição de descumprimento de preceito fundamental).
Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6034102
Acesso em: 19 de maio de 2022.
231
constitucionais e éticos, contrapartida, o exercício facultativo da recusa

está sujeito a aplicações de medidas indiretas, como por exemplo, a

restrição de permanecer em determinados lugares, conforme

julgamento da ADI 6586 , que julgou constitucional tal medida de

enfrentamento contra a pandemia. 26

Por fim, a questão da constitucionalidade sobre a obrigação da

vacinação infantil, cujo argumentos ligados a fundamentos filosóficos,

religiosos, existenciais ou morais, foram discutidos por meio do tema

1.103 do STF com repercussão geral, firmando a seguinte decisão:

O Tribunal, por unanimidade, apreciando o tema


1.103 da repercussão geral, negou provimento
ao recurso extraordinário, nos termos do voto
do Relator. Foi fixada a seguinte tese: "É
constitucional a obrigatoriedade de imunização
por meio de vacina que, registrada em órgão de
vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no
Programa Nacional de Imunizações ou (ii) tenha
sua aplicação obrigatória determinada em lei ou
(iii) seja objeto de determinação da União,
Estado, Distrito Federal ou Município, com base
em consenso médico-científico. Em tais casos,
não se caracteriza violação à liberdade de
consciência e de convicção filosófica dos pais ou
responsáveis, nem tampouco ao poder familiar".
Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário,

26
Julgamento da ADI 6586 (Ação direta de inconstitucionalidade. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6033038 Acesso em: 19 de
maio 2022.
232
17.12.2020 (Sessão realizada inteiramente por
videoconferência - Resolução 672/2020/STF). 27

Após concluir como tem sido a posição do STF, diante da

obrigação de vacinação infantil, é oportuno analisar alguns julgados

frente essa problemática, logo há inúmeros casos análogos ao tema, em

que a recusa dos responsáveis legais aos meios de imunização tem

chegado ao conhecimento do judiciário.

O TJRS em julgamento da apelação civil de n° 0032921-

70.2021.8.21.7000, datada em 23 de agosto de 2021, negou provimento

ao recurso interposto por Mauricio B. e Camila P. R, estes inconformados

com a sentença proferida por este juízo, em ação de medida de proteção

ajuizada pelo Ministério Público em favor do menor Caruanã P. C, para

determinar que os genitores procedessem com a vacinação do menor

conforme o programa nacional de imunização, o que foi confirmado em

sentença, após concessão da medida liminar. Os pais em defesa alegam

que são pessoas esclarecidas e que querem cuidar o filho com medicina

vanguardista e tratamentos homeopáticos, quando se fizer necessário,

e que o menor tem 1 ano e 4 meses de idade, saudável e bem cuidado,

não vendo a necessidade desse tipo de intervenção, uma vez que

27
Julgamento do tema 1103, extraído do site do Supremo Tribunal Federal Disponível
em:
https://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?in
cidente=5909870&numeroProcesso=1267879&classeProcesso=ARE&numeroTema=1
103 Acesso em: 19 de maio 2022.
233
moram afastados em um sítio não correndo o menor risco de

transmissão de alguma doença, não se esgota aqui, a vasta lista de

argumentos usados pelas partes, visando revisão da referida sentença.

Todavia não foi esse o entendimento do tribunal, que indeferiu o

recurso, alegando que questões ligadas a religião, estilo de vida, ou

qualquer outro argumento, não sobrepõe o direito à vida e a saúde do

menor, devendo prevalecer seu melhor interesse. 28

Apelação cível. Direito da criança e do


adolescente. Medida de proteção promovida
pelo ministério público. Direito à saúde.
Vacinação de criança, de 01 (um) ano de idade,
de acordo com o programa nacional de
imunizações do ministério da saúde. Vacinação
obrigatória. Opção dos genitores por não
vacinar o filho menor de idade por motivos de
religião, ideologia e estilo de vida que não pode
se sobrepor às políticas de saúde pública
utilizadas há longos anos. Preponderância do
melhor interesse do infante. Obrigatoriedade da
vacinação das crianças nos casos recomendados
pelas autoridades sanitárias. Repercussão geral
reconhecida. Conflito aparente de normas que
se resolve pela superioridade do direito
individual da criança, ainda sem discernimento.
Matéria firmada em repercussão geral no STF:
tema 1. 103.[...]Apelo não provido. Apelo
desprovido. (TJ-RS - AC: 70085193688 RS,

28
Consulta Processual extraída do site do TJRS.
Disponível em:
https://www.tjrs.jus.br/novo/busca/?return=proc&client=wp_index.Acesso em 19 de
maio 2022.
234
Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Data de
Julgamento: 23/08/2021, Sétima Câmara Cível,
Data de Publicação: 25/08/2021)

Na mesma linha de entendimento se encontra o TJMG, que

apreciou sentença proferida pelo MM. Juiz do Juizado da Infância e da

Juventude da Comarca de Poços de Caldas MG, em ação movida pelo

MP, em face de Leandro Ribeiro de Oliveira e Daiana Franco de Oliveira,

cujo pleito era determinar aos mesmo que providenciassem a

administração aos filhos de todas as vacinas pendentes, assim como as

que estivessem por vir, conforme regulamenta o plano de imunização.

Decisão essa provida em 1° instância, o que originou o recurso de

apelação n° 10518180076920001. No caso em tela os pais buscam

sustentar sua decisão quanto a recusa em vista de questões religiosas,

alegando que a família se convertera a algum tempo a religião Igreja

Genesis II da Saúde e da Cura, e essa por vez proíbe a contaminação por

vacina, e ainda que a imposição do Estado configura violação do poder

familiar e ao direito à liberdade e crença religiosa. Os genitores foram

devidamente orientados pelo conselho tutelar, assim como ouvidos

pelo MP, porém confirmaram as informações, o que gerou para eles, o

levantamento do inquérito policial, pela prática do crime disposto no

art.268 CP, “Infringir determinação do poder público, destinada a

impedir introdução ou propagação de doença contagiosa: Pena -

detenção, de um mês a um ano, e multa.” (BRASIL, 1940). Sabe-se que

235
após conhecimento da ordem judicial a genitora se prontificou a

cumprir a obrigação e as crianças foram devidamente vacinadas.

Recurso esse também desprovido.

Neste caso os argumentos da decisão além de pautados no

melhor interesse do menor, ainda se fez presente a supremacia do

interesse coletivo, uma vez que se tratando de vacinação como meio de

diminuição ou erradicação de doenças, este deve prevalecer, devendo

haver ponderação na liberdade religiosa e no exercício do poder

familiar.29

Ementa: apelação cível - medida de proteção -


direito à saúde - vacinação obrigatória - direito
coletivo - melhor interesse do menor - liberdade
religiosa – ponderação.
[...]
(TJ-MG - AC: 10518180076920001 MG, Relator:
Dárcio Lopardi Mendes, Data de Julgamento:
12/12/2019, Data de Publicação: 17/12/2019)

Finalmente no Rio de Janeiro a genitora de uma criança de 11

anos, impetrou habeas corpus preventivo de nº 5006181-

88.2022.4.02.5101/RJ, contra ato praticado pelo diretor do colégio Dom

29
Consulta processual, site TJMG. Disponível em:
https://www4.tjmg.jus.br/juridico/sf/proc_resultado2.jsp?tipoPesquisa2=1&txtProcesso
=10518180076920001&nomePessoa=&tipoPessoa=X&naturezaProcesso=0&situacao
Parte=X&codigoOAB2=&tipoOAB=N&ufOAB=MG&numero=20&select=1&listaProce
ssos=10518180076920001&tipoConsulta=1&natureza=0&ativoBaixado=X&comrCodi
go=0024 .Acesso em 19 de maio de 2022.
236
Pedro II, o objetivo do referido era fazer cessar a proibição da sua filha

em entrar no campus educacional que está devidamente matriculada.

Em defesa o colégio alegou que desde o mês de janeiro informou aos

pais, que era necessário apresentar o comprovante de vacinação contra

a covid-19, para poderem acessar o campus e frequentar as aulas

presenciais. Relata a genitora que sua filha está matriculada na

Instituição no 6º ano do Ensino Fundamental, e desta forma está sendo

impedida de estudar, exercer sua liberdade de ir e vir pelo motivo de

não apresentar o passaporte vacinal contra Covid 19, o qual não é

obrigatório por lei. Todavia ainda assim não foi o entendimento da MM

juíza da 26° vara federal do Rio de Janeiro que indeferiu a inicial e julgou

extinto o processo sem a resolução do mérito, oficiando ainda o MP e o

conselho tutelar para providências, visto que a vacinação é obrigatória

e direito da menor, estando a genitora descumprindo um preceito

fundamental, além de sua atitude privar outro direito que é a educação.


30

O caso em tela foi levado a instância superior, e o tribunal

regional da 2° região do Rio de Janeiro, através de mandado de

segurança, reconhecendo o direito da aluna em permanecer no ensino

educacional, determinou ao diretor do colégio Pedro II, que se abstenha

30
Decisão do Habeas Corpus n° 5006181-88.2022.4.02.5101, extraída da revista jurídica
ConJur. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/antivax-colegio-pedro.pdf Acesso
em: 20 de maio 2022.
237
de exigir da aluna passaporte vacinal contra covid-19 para adentrar às

dependências daquela unidade. 31

Logo é possível compreender que conforme mencionado

anteriormente os pais estão sim sujeitos a penalidades em virtude da

recusa na vacinação contra a covid-19, porém é certo que a sansão

quanto a hesitação não possa interferir diretamente nos direitos do

menor, como por exemplo o de receber uma educação de qualidade.

CONCLUSÃO

O presente artigo originou-se do anseio, de buscar analisar o

instituto da autoridade parental e os limites jurídicos que são impostos

aos detentores desse chamado poder familiar, tendo como principal

recorte a recusa dos genitores frente a obrigação de imunização contra

a covid-19, sendo que o maior questionamento e pontos divergentes

se encontra na autonomia dos pais em hesitarem vacinar os filhos contra

a patologia, isso porque, primeiramente já é corriqueiro no Brasil essa

questão envolta da recusa de imunização, o que decorre de posições

sociais, opções religiosas, filosóficas, estilo de vida, insegurança quanto

sua eficácia e efeitos colaterais dos imunizantes entre outros.

31
Decisão Mandado de Segurança n° 5001723-05.2022.4.02.0000. Disponível
em:https://www.migalhas.com.br/arquivos/2022/2/A56F85A9D4B98D_decisaoVacina.p
df Acesso em: 20 de maio 2022.
238
Em relação especifica a vacinação infantil contra a covid-19,

vimos que a controvérsia quanto a sua obrigação, se encontra na

disposição do ministério da saúde que ao incluir no plano de imunização

as crianças de 05 a 11 anos, dispôs que nessa faixa etária a vacina não

era obrigatória, cabendo aos pais o poder de decisão, todavia esse

entendimento não é o aceito pelo STF, logo conclui-se que o que vigora

é a ordem do art.14 § 1° do ECA, ou seja a vacinação será obrigatória

nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.

Também se abordou no referido artigo a possibilidade de os

responsáveis sofrerem algumas implicações relacionadas a recusa da

imunização, que varia, da suspensão, multa ou até a perda do poder

familiar, entre outras, isso porque estariam descumprindo com o dever

inerente ao exercício da autoridade parental, esta que conforme

abordado possui um status de mais dever e menos poder.

Mediante todo o exposto, depreende-se que os limites da

autoridade parental, em face da obrigação de imunização de crianças e

adolescentes contra a covid-19, estão devidamente amparados por lei,

e vinculado ao princípio do melhor interesse do menor, e de um bem

coletivo, logo porque o que está em risco é a vida, a saúde e o bem estar

da criança e de uma sociedade, permitindo-se afirmar que o exercício

do poder familiar, não possui autonomia absoluta, logo porque está

restrito a questões de caráter legal, que visam o melhor interesse

239
daquele que esta incapacitado de assegurar por si só os direitos que são

fundamentais, para uma existência digna.

Deste modo, em resposta ao questionamento inicial levantado,

conclui-se no referido trabalho que, não está na esfera da autonomia do

detentor da autoridade parental o poder absoluto de decisão sobre

vacinar ou não os filhos menores contra a covid-19, este é um direito do

menor, uma necessidade para a saúde pública, outrossim transcende os

direitos oriundos do exercício da autoridade parental.

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http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-
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junho 2022.

SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de


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242
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VIGNOLI, Richele Grenge et al. Movimento antivacina e hesitação


vacinal na COVID-19: reflexões e percepções para a Ciência da
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maio 2022. ISSN 1981-8920. Disponível em:
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20. Acesso em: 02 jun. 2022.

243
DA EXCLUSÃO SUCESSÓRIA POR INDIGNIDADE: E A CAPACIDADE
RELATIVA

Eliosmara Fagundes1
Raphael Furtado Carminate2
RESUMO

O presente ensaio visa verificar a possibilidade de exclusão da sucessão


hereditária do menor que comete ato infracional, visto a dissimilitude
no trato da temática nas esferas penal e cíveis. Possuindo o escopo, de
elucidar a tônica, através, da pesquisa teórica e bibliográfica esteada,
contribuições do Dr. Peluso. O estudo, percorre a esfera penal,
reconhecida pela doutrina majoritária como “última ratio”, a última
instância do Direito, onde espera-se que o fato delitivo seja punido,
possuindo indiretamente interesses de toda uma sociedade. Entretanto,
ressalta-se que esse Código legal aborda o menor como inimputável,
assim, há a prática do ato análogo ao crime. Inquiriu-se, portanto, como
dar-se-á a eficácia do Código Civil, mediante, a esse aparente confronto.
Com os resultados da pesquisa, pode-se afirmar que, o núcleo essencial
da norma é não ter o direito a herança quem de forma intencional
atentar contra a vida de seus pais, independente de consumação do ato.
Logo, o tecnicismo-jurídico entre homicídio doloso e ato análogo ao
homicídio doloso, embora possua sua importância na esfera penal em
decorrência de sua repercussão jurídica, não possui a mesma relevância
em âmbito civil.

Palavras-chave: Indignidade. Indigno. Menor indigno. Exclusão da


sucessão. Direito sucessório

1
Graduando do 10º período do Curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio
Carlos de Mariana.
2
Doutor e mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais. Professor de Direito Civil da Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana e
Itabirito-Fupac. Advogado. (Orientador)
244
INTRODUÇÃO

Ao examinar a tônica acerca da probabilidade de exclusão da

sucessão por indignidade, ante ao recente julgado Resp. 1.938.984 e

Resp.1.943.848, insurge, o aparente conflito jurídico-normativo entre o

Código de Direito Civil (BRASIL, Código Civil, 2002) e Código de Direito

Penal (BRASIL, Código Penal, 1940), no que concerne a direitos

sucessórios e a capacidade relativa.

Faz-se necessário, a menção acerca da tutela jurisdicional

dispensada à família presente nos textos constitucionais de 1988

(BRASIL, Constituição Federal, 1988), em seu artigo 226, predispõe que

a família é o esteio estrutural da sociedade, ou seja, a coletividade

“particular” é de suma importância para a coletividade comum,

resultando, portanto, em políticas públicas voltadas ao zelo de tal

entidade, por parte do Estado.

Desse modo, é notório que a solicitude da atual ordem jurídica

confronta o âmbito patrimonial da esfera familiar, ultrapassando,

portanto, o campo do direito das famílias e adentrando, com singular

peculiaridade, no ramo do direito das sucessões.

Diante disso, a problemática central deste artigo gira em torno

de verificar se é possível a exclusão hereditária por indignidade de um

menor. Visto que para o Código Penal (BRASIL, Código Penal, 1940), o

menor é inimputável, logo, não há crime, mas ato infracional análogo a

crime.
245
Nesta senda, surge a necessidade primária quanto a elucidação

de alguns conceitos para a compreensão do presente ensaio, quais

sejam o objetivo geral que visa apresentar uma abordagem legal,

doutrinária e jurisprudencial do instituto da sanção cível da indignidade

ao menor, e os objetivos secundários do presente ensaio observará a

capacidade sucessória, verificará a menor idade e a ação penal e

estudará a exclusão na sucessão por indignidade.

Considerando os textos constitucionais que elevam a família

como base da sociedade, e atraindo para o Estado a tarefa de proteção

integral para essa célula social. Evidencia-se a temática abordada na

tônica, quando a lesão entre os particulares ultrapassa a esfera cível e

recai sobre o âmbito penal, que dialoga com o Estatuto da Criança e do

Adolescente.

Justifica-se, portanto, a necessidade de explanar esta possível

lacuna no ordenamento pátrio, uma vez que, a mácula moral e ética para

a sociedade de uma tentativa/consumação de um homicídio por parte

de um descendente contra um ascendente, desestabiliza a paz social.

O homem para sobreviver, abdicou de sua liberdade e adotou a

aglomeração humana, e posteriormente deu origem as cidades. A

ciência jurídica nasceu para domesticar, e, assim, apaziguar os males

trazidos pela vida em sociedade. É notório que o direito é fruto do

próprio homem, ele nasce e renova-se conforme o dinamismo pungente

da sociedade contemporânea.

246
Entretanto, há lacunas na ordem jurídica, das quais as analogias

poderão ser empregadas, para “selar” a paz social, ora, ameaçada diante

de infortúnios não previstos.

Para alcançar tais propósitos, este estudo, no plano doutrinário,

a pesquisa dar-se-á pela sua efetiva realização marcas singulares do

observador. Segundo Lüdke e André (1986), a pesquisa, como atividade

humana e social se realiza a partir da carga de valores, preferências,

interesses e princípios que orientam o observador.

O presente estudo tem como escopo de análise a aplicação do

instituto da indignidade quando o autor do ato delitivo for menor de

idade, após, discorrerá brevemente sobre a norma e a capacidade

sucessória, examinará os dispositivos legais quanto a incapacidade civil,

inimputabilidade penal e o tratamento dispensado pelo Estatuto da

Criança e do Adolescente por meio das concepções filosóficas de Peluso

(2019).

À medida que o estudo pretendido nesta pesquisa se faz a partir

da análise bibliográfica, como formas textuais, definiu-se como método

de pesquisa a abordagem qualitativa. Segundo Bogdan e Biklen (1994),

a investigação qualitativa possui cinco características, no entanto, a

determinação dessas não classifica se uma investigação é ou não

totalmente qualitativa, trata-se na verdade de uma questão de grau.

Esta abordagem se justifica, pois não se trata de um estudo de

quantidade; será adotada uma série de mecanismos de seleção que

247
possibilitem a análise de um universo menor composto por trabalhos

publicados nos últimos cinco anos a partir do ano de 2018. Instaurou-

se com a observação dos resumos de dissertações, teses e artigos

científicos realizados em universidades de todas as regiões do país,

fornecidos pelo Banco de Teses e Dissertações do Portal CAPES.

A amostra inicial constitui 5 (cinco) artigos. 5 (cinco) (Scielo via

Web of Science). 5 (cinco) dissertações (Scielo via Web of Science).

Critérios de inclusão para seleção dos artigos: artigos publicados em

português; artigos na íntegra; que retratarem o tema definido. Como

critérios de exclusão serão eliminadas as publicações que não

atenderam os critérios estabelecidos na metodologia.

Foram estabelecidos os seguintes descritores: Indignidade.

Sucessão. Menor Indigno. As palavras-chaves: Direito das Sucessões.

Exclusão da Herança. Indignidade. Indigno. As estratégias de busca

estabelecidas serão baseadas na língua portuguesa. As fontes de

informação estabelecidas serão: Web of Science. E as bases de dados

com cobertura SciELO.

Dessa forma, a presente investigação consistiu em analisar as

ideias presentes, após a escolha da tônica pelo pesquisador e a

formulação da questão de pesquisa, com a busca nas bases de dados

dos estudos que serão incluídos na revisão. Possuiu como importante

ferramenta, a internet, a seleção dos estudos a fim de se obter a validade

248
da revisão, bem como indicador atestando confiabilidade, amplitude e

poder de generalização das conclusões da revisão (MENDES, et al, 2010).

Assim, o primeiro tópico consistiu em apresentar o instituto

primordial ao direito hereditário, o nascimento com vida, pressuposto

da Teoria Concepcionista, do qual explanou a capacidade sucessória

como início para a discussão, considerando definições e conceitos, além

da análise dos requisitos, assim, finalizando com o instituto da

indignidade, que retira do indivíduo nascido com vida o direito

hereditário. No seguinte tópico, fora abordado as competências e

diferenciações quanto as esferas cíveis e penais, ainda, utilizou-se o

Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL Estatuto da Criança e do

Adolescente, 1990), ressaltar-se-á posicionamentos da doutrina.

O terceiro tópico referente aos entendimentos jurisprudenciais

acerca da tônica, em especial aos Resp. 1.938.984 e Resp.1.943.848

ambos do Superior Tribunal de Justiça, onde solidificaram o

entendimento quanto a possibilidade de exclusão hereditária ao menor

que comete ato infracional. Por fim, as considerações finais com

reflexões acerca de toda ideia defendida durante a dissertação.

2. DA SUCESSÃO

A palavra sucessão, provém do latim succedere, possui o sentido

de substituição, seja do sujeito ou objeto, em uma relação jurídica-

normativa. Assim, a esfera civil é a responsável por legislar acerca da


249
cultura patrimonialista, embora, haja outras formas de sucessão, o

estudo abordará especificadamente a sucessão por causa mortis, ou

seja, a transmissão do patrimônio pelo falecimento do de cujus.

Ocorre pela lei, ou, pelo que os doutrinadores intitularam como

o último ato de vontade, qual seja, o testamento. Segundo Clóvis

Beviláqua, o direito das sucessões é: “[...] o complexo de princípio e

normas reguladoras que visam a transmissão de patrimônio de alguém

que deixa de existir”. (BEVILÁQUA apud GONÇALVES, 2018, p. 20).

2.1. Da capacidade sucessória

A Teoria Natalista adotada pelo Código Civil brasileiro (BRASIL,

Código Civil, 2002), salvaguarda a aquisição da personalidade jurídica e,

por consequente, o início da vida civil o nascimento com vida, o artigo

2º do referido diploma legal, aduz que “a personalidade civil da pessoa

começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a

concepção, os direitos do nascituro “. Em síntese, o nascimento com

vida baliza a personalidade jurídica, ou seja, o indivíduo passa a ter a

maestria reconhecida pela ordem jurídica para exercer direitos e

obrigações.

Esteado pelo entendimento pátrio, é de suma importância, ao

direito sucessório do nascituro a primeira respiração após o parto, sendo

250
este pressuposto inarredável ao direito hereditário, tal qual preleciona

Peluso (2018.p. 32):

O nascido com vida, enseja o direito hereditário


sobre os bens do autor da herança (pai), que
houver falecido antes de seu nascimento,
enquanto nascituro, e após, houver o
falecimento recém-nascido, os bens herdados
serão transmitidos sua mãe. Caso nasça
natimorto, não herdará, e os bens do pai antes
falecido serão transmitidos para os demais
herdeiros, observada a ordem de vocação
hereditária.

Desse modo, após o nascimento ou concebidos, ao tempo da

abertura da sucessão, o ente possui legitimidade para suceder, a

capacidade jurídica é componente primordial da capacidade sucessória.

Difere-se, portanto, da prole eventual onde há tão somente uma

expectativa de vida intrauterina, que só irá ser confirmada após o

nascimento com vida. Conforme, suscita Peluso (2018. P. 32):

A lei permite que, mesmo com a expectativa de


nascimento com vida, lhe sejam atribuídos bens
na sucessão que serão resguardados por seu
curador legal, nomeado pelo juiz, possuindo
prazo de dois anos, salvo disposição em
contrário do testador, deverá ser concebido o
herdeiro esperado, e, caso não ocorra o

251
patrimônio será transmitido aos herdeiros
legítimos.

Ou seja, a prole eventual poderá ser objeto do testador,

explanando a temática, um indivíduo poderá destinar parte de seu

patrimônio, a um neto ainda não nascido, estipulando o prazo de 2

(dois) anos para sua concepção, a partir da abertura da sucessão, artigo

1.800 do Código Civil (BRASIL, Código Civil, 2002) “§ 4o se, decorridos

dois anos após a abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro

esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do

testador, caberão aos herdeiros legítimos”.

O direito a herança, assim, como o direito testamentário é

garantido pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, inciso XXX

(BRASIL, Constituição Federal, 1988), e enquadra-se no rol de direitos e

garantias fundamentais individuais. Está, a herança, ocorre quando o de

cujus falece sem que tenha exercido seu direito de testar, manifestando

sua última vontade, logo, seu patrimônio é destinado a seus herdeiros

necessários, pela ordem de grau de parentesco em linha reta, onde os

de grau mais próximos excluem os de graus mais remotos.

Desse modo, sucede os descendentes (caso de pré-morto os

netos), na ausência desta classe sucede os ascendentes (estes sendo

pré-mortos os avós), ressalta-se que em todo caso o conjugue concorre

com os herdeiros, também, é necessário observar a meação, a depender

252
do regime de casamento. Quando não houver descendentes e

ascendentes, os parentes colaterais assumem a linha sucessória.

Vale ressaltar, que embora o testamento seja considerado

legalmente como o último ato de vontade do de cujus, o testador não

poderá dispor da totalidade de seu patrimônio, sem observar a chamada

regra da legitima, o que figura acerca da previsão legal da reserva de

50% (cinquenta por cento) do seu patrimônio aos herdeiros necessários.

Assim, essa manifestação de vontade é limitada até metade de seus

bens, onde, a outra metade poderá ser doada há quem quiser testar.

Assim, predispõe o Art. 1.789 do Código Civil brasileiro (BRASIL,

Código Civil, 2002), “Havendo herdeiros necessários, o testador só

poderá dispor da metade da herança”. A jurisprudência pátria elenca TJ-

DF nº 20150020141805:

Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA


DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS
Gabinete do Des. Sebastião Coelho Número do
processo: 0708509-14.2017.8.07.0000 Classe
judicial: Agravo de instrumento (202) agravante:
Mauro Cesar Da Silva agravado: Norma Suely Da
Silva Puccinelli, Eloiza Helena Da Silva
Bitencourt, Vera Lucia Da Silva ementa civil e
processo civil. Agravo de instrumento.
Inventário. Testamento. Herdeiros necessários.
Permissão legal de disposição de metade do
patrimônio. Determinação judicial de correção
do esboço de partilha em obediência às regras
legais. Decisão mantida. 1. Nos termos do artigo

253
1.789 do Código Civil, havendo herdeiros
necessários, o testador só poderá dispor da
metade da herança. Assim, a parte disponível
corresponde a 50% do patrimônio deixado, o
que, no caso, em se tratando de bens de meeira,
equivale a 25%. O percentual remanescente
deve ser dividido igualitariamente entre os
sucessores.
2. Discussão subjetiva acerca das disposições de
última vontade da autora da herança deve ser
remetida às vias ordinárias, pois, no
procedimento de inventário, só é cabível a
análise de vício externo do testamento (CPC,
arts. 735 e 736), não sendo permitida a cognição
ampla (CPC, art. 612). 3. Recurso conhecido e
desprovido.

Nesta baila, poderá ser observado que o status conferido ao

direito à herança como um direito e garantia fundamental, é a resultado

da proteção constitucional ao núcleo familiar, bem, como sua

capacidade produtiva e a própria valorização da pessoa humana.

2.2. Da indignidade

O conceito de indignidade está associado à repercussão de uma

ação, moralmente reprovável, seja, está injuriosa, violenta ou

ameaçadora contra a outro indivíduo de relação consanguínea, ou

parente por afeição. Correlacionando, o instituto civil a deveres éticos e

morais, portanto, o legislador quis disciplinar a natureza punitiva do


254
mecanismo como forma de defesa patrimonial acerca do direito a

herança do herdeiro necessário. Para Peluso (2018. P. 34):

A indignidade provém de uma ilicitude


cometida por um herdeiro, o que resulta na
exclusão sucessória da herança do de cujus. A
sanção é aplicada em casos nos quais a lei
considera que houve, por parte do sucessor,
ingratidão incompatível com a sucessão, em
face do autor pela herança ou familiares
próximos dele. O mecanismo é aplicado a todas
as castas de sucessores: herdeiros legítimos e
testamentários, e legatários.

Insta salientar que, o instituto da indignidade difere-se do

também instituto civil da deserdação, pois, este último não é vinculado

a lei, mas a vontade do autor da herança manifestada em testamento.

Ademais, o mecanismo jurídico é aplicado ao cônjuge concorrente com

descendentes ou ascendentes, entretanto, haja a vista, a ausência de

previsão legal, o direito a meação de bens pertinente ao direito de

família, em decorrência do regime de bens do casamento, não poderá

ser objeto do instituto da indignidade.

A indignidade está disciplinada no artigo 1.814 do Código Civil

(BRASIL, Código Civil, 2002):

Art. 1.814. São excluídos da sucessão os


herdeiros ou legatários:

255
I - Que houverem sido autores, coautores ou
partícipes de homicídio doloso, ou tentativa
deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar,
seu cônjuge, companheiro, ascendente ou
descendente;
II - Que houverem acusado caluniosamente em
juízo o autor da herança ou incorrerem em crime
contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou
companheiro; III - Que, por violência ou meios
fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da
herança de dispor livremente de seus bens por
ato de última vontade.

Ressalva-se, que os homicídios na modalidade culposa, sejam

tentados ou consumados, são excluídos da aplicabilidade de exclusão

sucessória por indignidade, pois, a ação por imprudência, negligência

ou imperícia isenta a sanção, haja vista que, o nível de reprovação social

nesta modalidade é menor, também, há a exclusão na modalidade de

crimes preterdolosos, onde o agente age com dolo na ação e culpa no

resultado. Assim, dispõe Nucci (2019. P.545) que:

Dolo na ótica finalista, é conceituado como a


vontade consciente de praticar a conduta típica
(denomina-se dolo natural). Na doutrina clássica
(causalista) o dolo é a vontade consciente de
praticar a conduta típica, acompanhada da
consciência de que se realiza um ato ilícito
(denomina-se dolo normativo).

256
Por consequente, é notável a intenção do legislador ao criar o

mecanismo punitivo da indignidade. Excluir o agente transgressor de

concretizar seus objetivos, quais sejam, o deleite patrimonial resultante

da herança que somente existiu pela prática delitiva.

Ao excluir os crimes culposos da aplicabilidade, o legislador

utiliza a mesma balança moral e ética que deu origem ao instituto da

indignidade, a reprovação social.

2.3. Da exclusão por indignidade

A previsão legal expressa no artigo 1.814, inciso I, do Código Civil

(BRASIL, Código Civil, 2002), menciona a exclusão da sucessão

hereditária a quem tiver sido autor, coautor ou partícipe de homicídio

doloso, ou tentativa, excluindo os crimes praticados na modalidade

culposa.

A proteção patrimonialista, asseverada pelo legislador aos

herdeiros necessários e testamentários do autor da herança, custodia o

axioma da moral familiar, pela representação do de cujus por intermédio

de seu patrimônio.

Em analogia, a premissa da patrimonialidade elencada no

ordenamento, infere-se na concepção no inciso II do referido artigo

“que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança

257
ou incorreram em crime contra a sua honra, ou de seu conjugue ou

companheiro”.

Frisa-se que, tanto a injúria quanto a difamação, estão exclusos

da indignidade, dado ao baixo grau de reprovação da sociedade. Pois,

o crime de injúria é velado pela honra subjetiva, ou, seja, trata-se de um

sentimento próprio internalizado pelo ofendido. Segundo Capez

(2019.P.324):

A injúria, não é velada a um fato concreto, o que


a difere da difamação, mas, perfaz atribuições de
qualidades negativas ou de defeitos. Provém de
uma opinião pessoal do agente ativo sobre o
sujeito passivo, sem qualquer fundamento de
realidade fática. São maledicências, má-dizeres
(meliante, pilantra, bandido, moleque, palhaço,
grosso.). Ainda que tal, atributo seja verídico,
não se excluí o cunho injurioso da manifestação.
A injúria também constitui na imputação de
fatos desabonadores, dede que não haja
materialidade para tal.

Embora o crime de difamação, também atinja a honra objetiva,

tal qual o crime de calúnia, ele consiste em proferir palavras negativas

quanto ao físico, intelectual ou moral de alguém. Para Capez (2019.P

346):

A ofensa deve chegar necessariamente ao


conhecimento de terceiros, e não somente do
ofendido, pois assim disciplina a lei, uma vez
que, a tutela é dada a reputação do indivíduo, a
258
estima que ele possui para o convívio social,
indivíduo, difere-se , portanto, da injúria onde a
ofensa dar-se-á na honra subjetiva,
configurando o crime, bastando tão somente o
conhecimento do ofendido acerca da opinião
maculosa pelo ofensor.

O inciso III do artigo 1.814 do Código Civil (BRASIL, Código Civil,

2002), dispõe sobre a exclusão da sucessão herdeiros e legatários, “que,

por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da

herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade”.

Ou, seja, o herdeiro possuindo o prévio conhecimento acerca da

vontade do autor da herança, utiliza a coação moral ou física, ou, por

fraude impossibilite que este a exerça a vontade plena para testar.

A exclusão sucessória por indignidade por maus tratos ou

abandono do autor da herança, já é entendimento sedimentado pelos

Tribunais Superiores, como dispõe o informativo jurisprudencial nº 0135

da quarta turma do STJ:

REsp 334.773-RJ, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha,


julgado em 21/5/2002.
Trata-se de ação ordinária para exclusão de
mulher da sucessão de tio, que apresentava
problemas mentais por esclerose acentuada,
anterior ao consórcio. O casamento restou
anulado por vício da vontade do nubente, que
também foi interditado a requerimento de uma
das recorridas, bem como anulada a doação de
apartamento à recorrente. Apesar de o recurso

259
não ser conhecido pela Turma, o Tribunal a quo
entendeu que, embora o efeito da coisa julgada
em relação às três prestações jurisdicionais
citadas reste adstrito ao art. 468 do CPC, os
fundamentos contidos naquelas decisões,
trazidos como prova documental, comprovam
as ações e omissões da prática de maus tratos
ao falecido enquanto durou o casamento, daí a
previsibilidade do resultado morte. Ressaltou,
ainda, que, apesar de o instituto da indignidade,
não comportar interpretação extensiva, o
desamparo à pessoa alienada mentalmente ou
com grave enfermidade comprovados (arts.
1.744, V, e 1.745, IV, ambos do CC) redunda em
atentado à vida a evidenciar flagrante
indignidade, o que leva à exclusão da mulher da
sucessão testamentária. (Grifo nosso)

Apesar da existência de um rol taxativo, a doutrina

majoritariamente aplica a analogia extensiva, até por coerência

legislativa, a outros delitos tipificados no Código Penal (BRASIL, Código

Penal, 1940).

2.4 Da exclusão sucessória

A ação declaratória de indignidade, busca preservar a memória

e a honra do autor da herança, pois, torna-se moralmente inaceitável

para a sociedade que o mentor de um ato delitivo, atente contra a vida

de um antecedente por mero ganho patrimonial, e desfrute do feito,

após condenação na esfera penal.


260
Vale ressaltar, que a sanção civil possui cunho personalíssimo,

ou, seja, a afetação é tão somente para o indigno. Não se estende aos

herdeiros do excluído, tal qual, preconiza a Constituição Federal de 1988

(BRASIL, Constituição Federal, 1988) artigo 5º, inciso XLV da Constituição

Federal/88:

Nenhuma pena passará da pessoa do


condenado, podendo a obrigação de reparar o
dano e a decretação do perdimento de bens ser,
nos termos da lei, estendidas aos sucessores e
contra eles executadas, até o limite do valor do
patrimônio transferido.

Nesta toada, o herdeiro pré-morto, declarado indigno, falece

antes do autor da herança, é como se morto fosse, suas ações não

recaem sobre seus herdeiros descendentes do excluído a sua cota parte

na herança, do qual, herdarão por representação seus quinhões, como

elenca o artigo 1.816 do Código Civil (BRASIL, Código Civil 2002) “dá-se

o direito de representação, quando a lei chama certos parentes do

falecido a suceder em todos os direitos, em que ele sucederia, se vivo

fosse’’.

A decisão que prolatou a indignidade possui efeito retroativo,

assim, retorna ao tempo da abertura da sucessão, como se o indigno

nunca houvesse existido. Existindo filhos menores do indigno, estes

deverão ser concebidos antes da morte do autor da herança, para que

261
possam herdar por representação, conforme predispõe a jurisprudência

acordam da 6ª turma do TJ-DFnº 07085091420178070000:

Órgão: 6ª TURMA CÍVEL Classe: AGRAVO DE


INSTRUMENTO N. Processo:
20150020141805AGI (0014324-
04.2015.8.07.0000) Agravante(s): JOSÉ VIEIRA
LOPES Agravado(s): SEBASTIÃO LOPES
SOBRINHO Relator Desembargador JOSÉ
DIVINO Acórdão N.: 883773 DIREITO CIVIL.
HERANÇA. INDIGNIDADE. PRESSUPOSTO.
SUCESSÃO POR REPRESENTAÇÃO. REQUISITOS.
I - A indignidade é a privação do direito à
herança como pena imposta ao sucessor capaz,
em virtude de atos de ingratidão contra o
falecido. Trata-se de uma sanção civil de caráter
pessoal, de sorte que não atinge a estirpe do
herdeiro afastado, nos termos do art. 1.816 do
Código Civil.
II - Os descendentes do herdeiro excluído, no
entanto, não podem ser chamados para suceder
por representação se, à época da abertura da
sucessão, sequer tinham sido concebidos.
Inteligência do art. 1.798 do Código Civil.
III - A exclusão do herdeiro, em qualquer caso,
deve ser declarada por sentença judicial,
conforme art. 1.815 do Código Civil.
IV - Deu-se parcial provimento ao recurso.
Relatório: Trata-se de agravo de instrumento da
decisão que admitiu os descendentes do
herdeiro excluído na sucessão de Francisco
Ferreira da Silva e manteve o mesmo herdeiro na
sucessão de Maria Lopes Ribeiro (fls. 190/191).

262
Em suas razões recursais, o agravante informa
que o seu irmão, o agravado Sebastião Lopes
Sobrinho, foi declarado indigno e excluído da
sucessão de seus genitores, em razão da prática
de crime de injúria real contra o inventariado
Francisco, que acabou por inclusive ceifar-lhe a
vida.
Enfatiza que a indignidade e a exclusão abarcam
o inventário da genitora Maria Lopes, pois, não
obstante a decisão declaratória, dispõe o art.
1.814, II, do Código Civil que são excluídos da
sucessão os herdeiros que incorreram em crime
contra a sua honra ou de seu cônjuge. Aduz que
também não seria possível admitir os
descendentes do herdeiro excluído na sucessão
de seu genitor, porquanto nascidos após o seu
óbito. Acrescenta que, se mantida a decisão, terá
que pagar alugueres para o excluído e seus
filhos, no valor atual de R$ 12.000,00.
Requer assim a atribuição do efeito suspensivo
ao recurso e a reforma da decisão impugnada.
(grifos meus). Por fim, é de fundamental
importância que se destaque, o indigno não terá
direito a usufruto e nem administração dos bens
dos inimputáveis, caso estes sejam concebidos
antes da morte do autor da herança, sendo
assim, mesmo que o indigno detenha o poder
familiar, seria inadmissível, de certa forma, o
usufruto indireto da herança, gozando e
administrando os bens da qual foi afastado.
Logo o magistrado nessas situações deverá
nomear um administrador até que os menores
adquiram a maioridade e possam gerir seus
bens

263
Ressalta-se que, o indigno não possui direito a usufruto, ou,

administração dos bens dos inimputáveis, desse modo, mesmo

possuindo o poder familiar, o excluído não poderá gozar dos bens dos

quais fora afastado.

Após, exposição quanto ao instituto da capacidade civil onde

elenca o direito a capacidade sucessória, fora percebido que o

nascimento com vida é o elo entre o direito a herança e todos os seus

efeitos, assim, como o instituto da indignidade é o rompimento dele.

Desse modo, o próximo tópico abordará a ótica do direito civil,

penal, e o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL Estatuto da

Criança e do Adolescente, 1990), para compreender o julgado que

excluiu da herança um menor infrator, por assassinar seus pais.

3. DA COMPETÊNCIA CIVIL E CRIMINAL

Para o direito, quando um indivíduo ocasiona um dano a outrem,

insurge a obrigação quanto a reparação. O Direito Civil, regula as

relações entre os particulares, são as relações privadas que se limitam

ao interesse dos mesmo e algumas vezes a terceiros.

Pertinente a esfera penal, reconhecida pela doutrina majoritária

como “última ratio”, a última instância do Direito, possuindo

indiretamente interesses de toda uma sociedade. Enquanto, o Direito

Civil as partes interessadas expressam suas vontades, mediante a

contratos de modo expresso ou tácito, o Direito Penal afeta a

264
incolumidade pública, ou, seja, a segurança pública, pois, sem a devida

punição ao ato delitivo, a paz social e o bem-estar social estarão em

risco.

Apesar das divergências, existe um diálogo, entre ambas a

esferas do Direito, conforme o Código Penal (BRASIL, Código Penal,

1940) em seu artigo 91, inciso I, define que “os efeitos da condenação

criminal é: I – Tornar certo a obrigação de indenizar o dano causado pelo

crime”. Assim, pode se afirmar que apesar da independência entre si, há

a interdisciplinaridade entre as esferas jurídicas.

3.1 Responsabilidade civil do menor incapaz

O ordenamento jurídico brasileiro, não isentou completamente

o incapaz da responsabilidade pela reparação do dano, em situações

excepcionais. O Código Civil (BRASIL, Código Civil,2002) em seu artigo

928 afirma que “o incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as

pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não

dispuserem de meios suficientes”, Peluso (2019.P 899), ao comparar o

Código Civil Português (PORTUGAL, Código Civil,1967) aduz que :

Cumprido um dos dois requisitos para a


responsabilização do incapaz. Só poderá ser
concretizada por ele, caso não prejudique sua
subsistência, ou, de quem dele dependa. Ou
seja, aqui é abordado não somente a suas

265
necessidades, ou de quem dele dependa, mas a
sua existência digna ou, conforme o Código Civil
português (art. 489), alimentos necessários de
acordo com o estado e a condição do incapaz.

Assim, distante da ótica do Código Penal (BRASIL, Código Penal,

1940) em seu artigo 27, do qual declara que o menor de 18 (dezoito)

anos é inimputável, a legislação civilista não o exime completamente da

reparação do dano.

A jurisprudência confirma no julgado da apelação civil nº

2010091020360APC, da 3ª turma Civil, do TJ-DF 37 que assim segue:

E M E N T A - CIVIL. PROCESSUAL CIVIL.


RESPONSABILIDADE CIVIL. PRESSUPOSTOS.
CONFIGURAÇÃO. ESPANCAMENTO.
PARTICIPAÇÃO DE INCAPAZ. DANOS MORAIS E
MATERIAIS. ART. 928 CÓDIGO CIVIL. SÚMULA
490 STF. 1. Infere-se da norma prevista no artigo
928 do Código Civil a ponderação de dois
interesses em conflito, vale dizer, a necessidade
de ressarcimento do dano decorrente de ato
ilícito e a situação peculiar do menor em
desenvolvimento, razão pela qual a
responsabilidade civil do incapaz é
subsidiária e excepcional.
2. Ao atingir a maioridade civil, o agente
deve, nesta condição, responder pelos danos
que impôs à vítima do evento, sobretudo
quando se verifica que a consequência de
seus atos permanece hígida na vida do
ofendido, no momento em que o fato está
sendo objeto de conhecimento judicial. Tal
266
situação derroga a aplicação do artigo 928 do
Código Civil.
3. Presentes os pressupostos caracterizadores
da responsabilidade civil, vale dizer, ato ilícito,
dano e nexo de causalidade, a condenação na
reparação moral e material é medida de justiça.
4. O quantum fixado a título de reparação de
danos morais deve observar os parâmetros da
proporcionalidade, razoabilidade e do bom
senso, a fim de assegurar o caráter punitivo da
medida e evitar o enriquecimento ilícito da parte
ofendida.
5. Inexistindo indicação precisa de renda da
vítima, revela-se aplicável a Súmula 490 do STF,
para fins de arbitramento de pensão decorrente
de ato ilícito, segundo a qual “a pensão
correspondente à indenização oriunda de
responsabilidade civil deve ser calculada com
base no salário-mínimo vigente ao tempo da
sentença e ajustar-se às variações ulteriores.”
6. Recurso improvido. (Grifos nossos).

Através da Súmula nº 490 do Supremo Tribunal Federal,

confirmou a responsabilidade civil do menor o condenando a

pagamentos pecuniários, entretanto, elencados no Código Penal

(BRASIL, Código Penal, 1940) nos termos do artigo 129, § 2º, inciso III,

“o adolescente não responderá por lesão corporal grave”. Assim,

demonstra-se que a ordem penal não altera o entendimento civil,

independentemente se para a esfera penal não houve o crime, para a

esfera civil, não apenas houve a sua consumação, como o dano que

deverá ser reparado.

267
3.2 Inimputabilidade do menor que comete ato infracional

Para que haja a responsabilização penal pelos atos praticados

contrários a lei, é necessário que o indivíduo esteja em pleno gozo de

sua capacidade para compreender o caráter ilícito da conduta, assim, a

imputabilidade é a capacidade pessoal de discernimento que perfaz a

condição jurídica para a responsabilização dos atos praticados. Logo,

em simetria com o princípio da culpabilidade, o agente capaz de

compreender a ilicitude é plenamente culpável.

O pressuposto da punição é a prática do fato típico, ou seja, é

necessário a previsão legal, como define bem Nucci (2019. P.719):

A culpabilidade é elencada como o instituto


primordial, moral e ético, une o crime e pena,
pois está presente em ambos os cenários. Em
outros termos, é o fundamento e o limite da
pena. Cometido o fato típico e antijurídico,
verifica-se a existência do crime pelo grau de
reprovabilidade da conduta e do autor,
necessitando este ser imputável, agir com
consciência potencial de ilicitude (para os
causalistas, inclui-se, também, ter atuado com
dolo ou culpa) e com exigibilidade e
possibilidade de um comportamento conforme
o direito.

No Brasil, o critério utilizado para mensurar a menoridade é de

caráter puramente biológico, ou, seja, possuir menos de 18 (dezoito)

268
anos para que o agente não tenha discernimento quanto ao caráter

ilícito do fato praticado, conforme o artigo 27 do Código Penal (BRASIL,

Código Penal, 1940), “os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente

inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação

especial”.

Tal disposição é alvo de críticas, por parte da população, visto

que o desenvolvimento mental passa naturalmente pela evolução e

dinamismo da própria sociedade.

3.3 Aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente

O Estatuto da Criança e Adolescente (BRASIL, Estatuto da Criança

e do Adolescente, 1990), foi enfático ao disciplinar em seu artigo 2º, que

“considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até 12 (doze)

anos de idade incompletos, e adolescente aquele entre 12 (doze) e 18

(dezoito) anos de idade”. Assim, a ótica biológica acerca da menoridade

é comungada com o direito penal.

Para esse ser humano em desenvolvimento, há todo um

arcabouço jurídico de amparo, a própria Constituição Federal de1988

(BRASIL, Constituição Federal, 1988), dispõe de direitos fundamentais a

criança e ao adolescente, inclusive, podendo o Estado intervir no poder

familiar visando resguardar a integridade da criança ou adolescente.

269
Entretanto, há um aparente desacordo entre o tratamento

dispensado pelo Código Civil (BRASIL, Código Civil, 2002) e Código

Penal (BRASIL, Código Penal, 1940). O direito criminal trata o menor

como inimputável, assim, não responde por crimes mas por atos

infracionários análogos as transgressões penais, desse modo, a

aplicabilidade de medidas socioeducativas visando a reeducação do

menor infrator, onde a medida mais gravosa é a internação de no

máximo 3 (três) anos, artigo 121, § 3º do ECA ( BRASIL, Estatuto da

Criança e do Adolescente, 1990) elenca que:

A internação constitui medida privativa da


liberdade, sujeita aos princípios de brevidade,
excepcionalidade e respeito à condição peculiar
de pessoa em desenvolvimento.
§ 3º em nenhuma hipótese o período máximo
de internação excederá a três anos.

Todavia, o Estatuto da Criança e Adolescente (BRASIL, Estatuto

da Criança e do Adolescente, 1990), recepcionou a premissa civil quanto

a obrigatoriedade de reparação do dano, como dispõe em seu artigo

1.645. “em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a

autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua

a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma,

compense o prejuízo da vítima”.

Desse modo, o ECA (BRASIL, Estatuto da Criança e do

Adolescente, 1990), visa a proteção das crianças e adolescentes, mas,


270
demonstra consonância ao caminho já pavimentado, acerca da

compreensão que na esfera civil o menor poderá responder por atos

que atentem contra a vida ou honra do autor da herança almejando

benefícios patrimoniais.

Desse modo, para uma melhor compreensão acerca do

problema de pesquisa, usar-se-á o entendimento dos Tribunais

Superiores permeia ratificar acerca da responsabilização do menor, será

abordado a decisão de exclusão de indigno, após assassinar seus pais.

4. INIMPUTABILIDADE X INDIGNIDADE NAS DOUTRINAS E


TRIBUNAIS

O homem para sobreviver, abdicou de sua liberdade e adotou a

aglomeração, e posteriormente deu origem as cidades. A ciência jurídica

nasceu para domesticar, e, assim, apaziguar os males trazidos pela vida

em sociedade. É notório que o direito é fruto do próprio homem, ele

nasce e renova-se conforme o dinamismo pungente da sociedade

contemporânea.

Entretanto, há lacunas na ordem jurídica, das quais as analogias

poderão ser empregadas, para “selar” a paz social, ora, ameaçada diante

de infortúnios não previstos.

4.1 Recursos especiais

271
Após, o julgamento do recente recurso ocorrido em 15 (quinze)

de fevereiro de 2022 (dois mil e vinte e dois), solidificou-se o

entendimento que a regra que exclui da sucessão os autores, coautores

ou partícipes de homicídio doloso contra o autor da herança, também é

válida para o herdeiro menor de idade, mesmo que tecnicamente o seu

crime seja "análogos ao homicídio doloso".

Tal entendimento fora firmado pela 3ª Turma do Superior

Tribunal de Justiça, do qual negou provimento a Recursos Especiais, de

um indivíduo que tentava receber herança deixada pelos pais,

assassinados por ele próprio quando este tinha 17 (dezessete) anos e 6

(seis) meses. Segundo informações publicadas por Danilo Vital (2022).

O site divulgou, que o recorrente fora réu em uma ação

declaratória de indignidade com pedido de exclusão de herdeiro,

ajuizada por seus dois irmãos, do qual, fora julgada procedente com

base no artigo 1.814, inciso I do Código Civil ( BRASIL, Código Civil,

2002).

Segundo Danilo Vital, (2022) a defesa alegou que: “A norma tem

interpretação taxativa e, ao tratar de casos de "homicídio doloso", não

pode ser estendida ao "ato infracional análogo ao homicídio doloso".

Entretanto, ao observar a decisão proferida pelos magistrados,

demonstra-se que o entendimento é totalmente favorável a aplicação

do instituto da indignidade, mesmo diante de um homicídio consumado

ou tentado por herdeiro menor de idade. A Decisão proferida do

272
Superior Tribunal de Justiça acerca do Resp.1.938.984 - PR

(2021/0151974-3):

CIVIL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO


DAS SUCESSÕES. AÇÃO declaratória de
reconhecimento de indignidade com pedido de
exclusão de herdeiro. Omissões relevantes.
Inocorrência. Questão expressamente decidida
no acórdão recorrido. Possibilidade jurídica do
pedido. Condição da ação no CPC/73. Questão
de mérito no CPC/15. Reconhecimento da
impossibilidade jurídica do pedido. Resolução
do processo com mérito. Aptidão para formar
coisa julgada material. Conceito e conteúdo
inalterados. Ausência de vedação à pretensão
do autor, sob pena de julgamento de
improcedência liminar. Contundente
divergência sobre a natureza do rol do
art. 1.814 do CC/2002 e sobre as técnicas
hermenêuticas admissíveis para a sua
interpretação. Pedido juridicamente possível,
vedado o julgamento de improcedência
liminar.
1- Ação ajuizada em 09/11/2017. Recurso
especial interposto em 23/11/2020 e atribuído
à Relatora em 19/05/2021.
2- O propósito recursal, para além da negativa
de prestação jurisdicional, é definir se é
juridicamente possível o pedido de exclusão do
herdeiro em virtude da prática de ato
infracional análogo ao homicídio, doloso e
consumado, contra os pais, à luz da regra do
art. 1.814, I, do CC/2002.

273
3- Não há que se falar em omissão relevante no
acórdão recorrido que está suficientemente
fundamentado e que enfrentou
adequadamente a questão devolvida no agravo
de instrumento interposto pela parte, firmando
a sua convicção no sentido de que é
juridicamente possível o pedido de exclusão da
sucessão do herdeiro que ceifou a vida dos
pais, mesmo na hipótese em que se trata de ato
cometido por adolescente.
4- O enquadramento da possibilidade jurídica
do pedido, na vigência do CPC/73, na categoria
das condições da ação, sempre foi objeto de
severas críticas da doutrina, que reconhecia o
fenômeno como uma questão de mérito, tendo
sido esse o entendimento adotado
pelo CPC/15, conforme se depreende de sua
exposição de motivos e dos dispositivos legais
que atualmente versam sobre os requisitos de
admissibilidade da ação. Precedentes.
Documento: 2137110 - Inteiro Teor do Acórdão
- Site certificado - DJe: 18/02/2022 Página 5 de
5
Superior Tribunal de Justiça
5- O fato de a possibilidade jurídica do pedido
ter sido realocada como questão de mérito,
conquanto provoque reflexos significativos na
forma como o processo será resolvido, com
mérito e aptidão para formar coisa julgada
material, não acarreta modificação substancial
em seu conceito e conteúdo, que continua
sendo a ausência de vedação, pelo
ordenamento jurídico, à pretensão deduzida
pelo autor, sob pena de, após o CPC/15,
conduzir à improcedência liminar do pedido.
274
6- Na hipótese, a questão relativa à
possibilidade de exclusão do herdeiro que
atenta contra a vida dos pais é objeto de
severas controvérsias doutrinárias, seja sob a
perspectiva da taxatividade, ou não, do rol do
art. 1.814 do CC/2002, seja sob o enfoque dos
métodos admissíveis e apropriados para a
interpretação das hipóteses listadas no rol,
razão pela qual as múltiplas possibilidades
hermenêuticas do referido dispositivo induzem
à inviabilidade do julgamento de
improcedência liminar do pedido. 7- Recurso
especial conhecido e não-provido. Superior
Tribunal de Justiça (Grifo nosso)

Ao analisar, o acórdão infere-se que o pedido de exclusão do

herdeiro, autor do homicídio que vitimou seus pais, é plenamente

possível, mesmo que este seja menor de idade a época do fato.

Da decisão proferida do Superior Tribunal de Justiça acerca do

REsp 1.943.848 PR (2021/0151974-3):

CIVIL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO


DAS SUCESSÕES. AÇÃO declaratória de
reconhecimento de indignidade com pedido de
exclusão de herdeiro. Omissões relevantes.
Inocorrência. Questão expressamente decidida
no acórdão recorrido. Possibilidade jurídica do
pedido. Condição da ação no CPC/73. Questão
de mérito no CPC/15. Das omissões do acórdão
recorrido. Alegada violação ao art. 1.022, ii,
do CPC/15.

275
01) De início, sustenta-se que o acórdão
recorrido não teria se pronunciado ou
considerado questões relevantes, mesmo após
a oposição de aclaratórios, a saber: (i) que o
recorrente era menor ao tempo do fato; (ii
) que o ato infracional análogo ao homicídio é
distinto do crime de homicídio; (iii ) que há a
necessidade de proteção integral do
adolescente; (iv ) que a lei apenas prevê a
exclusão do herdeiro na hipótese do crime de
homicídio; (v) que as regras protetivas
do Estatuto da Criança e do Adolescente e se
aplicam a todos os adolescentes; e (vi ) que não
seria cabível o julgamento por equidade.
02) Diferentemente do que se alega, contudo,
o acórdão recorrido está suficientemente
fundamentado e enfrentou adequadamente a
Superior Tribunal de Justiça questão devolvida
no agravo de instrumento interposto pelo
recorrente, que consiste em definir se
é juridicamente possível o pedido de exclusão
da sucessão do herdeiro que ceifou a vida dos
pais, mesmo na hipótese em que se trata de ato
cometido por adolescente.
03) Quanto ao ponto, anote-se que o acórdão
recorrido firmou sua convicção no sentido de
que se trata de pedido juridicamente possível ,
na medida em que: (i) há independência entre
as esferas cível e penal; (ii ) a regra do
art. 1.814 4, I, do CC/2002 2, não se relaciona
com o crime de homicídio em sentido
técnico; (iii ) a regra, conquanto prevista em rol
taxativo, abrange também o ato infracional
análogo ao homicídio; (iv ) é despicienda a

276
prévia condenação penal para a exclusão do
herdeiro.
04) Como se percebe, sob o rótulo de supostas
omissões, pretendia o recorrente, em verdade,
a reforma do próprio acórdão recorrido em
embargos de declaração, a fim de que
prevalecesse a tese que foi expressamente
afastada pelo Tribunal local, razão pela qual
não há que se falar em violação ao art. 1.022, II,
do CPC/15.
DA POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO DE
DECLARAÇÃO DE INDIGNIDADE E DA
EXCLUSÃO DA SUCESSÃO DO HERDEIRO QUE
PRATICA ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO
HOMICÍDIO CONTRA OS PAIS. ALEGADA
VIOLAÇÃO AOS ARTS. 140, CAPUT
E PARÁGRAFO ÚNICO, E 485, IV, AMBOS
DO CPC/15, AO ART. 1.814, I, DO CC/2002 E
AOS ARTS. 1º, 2º, 3º, CAPUT E PARÁGRAFO
ÚNICO, 5º, 27, 103 E 104, TODOS DO ECA.
05) Conquanto sejam apontados inúmeros
dispositivos legais como
Superior Tribunal de Justiça violados, fato é que
a questão em debate é única e, como dito,
consiste em saber se é juridicamente possível o
pedido de exclusão do herdeiro em virtude da
prática de ato infracional análogo ao homicídio,
doloso e consumado, contra os pais.
06) A esse respeito, como é cediço, a inserção,
no CPC/73, da possibilidade jurídica do pedido
na categoria das condições da ação decorre da
adoção, por Alfredo Buzaid, da teoria eclética
da ação desenvolvida por Enrico Tullio
Liebman e que se fundava, essencialmente, em
apenas uma situação exemplificativa: o
277
ajuizamento da ação de divórcio, ao tempo
proibido na Itália.
07) Ocorre que, como detalhadamente noticia
a doutrina, Liebman , já na terceira edição de
seu clássico Manual de Direito Processual Civil
(publicado no ano em que foi aprovado
o CPC/73), abandonou a possibilidade jurídica
do pedido como uma terceira condição da
ação, o que se deve, justamente, ao fato de ter
sido aprovada a Lei nº 898 de 1970, que passou
a permitir o divórcio na Itália, fazendo com que,
na doutrina de Liebman , a possibilidade
jurídica do pedido passasse a ser classificada, a
partir daquele momento, conjuntamente com o
interesse de agir. (DIDIER JR., Fredie. Curso de
direito processual civil. Vol. 1. 11ª edição. Bahia:
JusPodivm, 2009. p. 201).
08) Desse modo, a possibilidade jurídica do
pedido como terceira condição da ação foi obra
exclusiva do legislador do CPC/73 (que
decorria, em especial, do art. 267, VI) e que
sofreu, desde a sua entrada em vigor,
contundentes críticas da doutrina que, àquela
época, já qualificava a possibilidade jurídica do
pedido como uma questão de mérito. Nesse
sentido, confira-se a precisa lição de Ovídio
Araújo Baptista da Silva, Luiz Melíbio Uiraçaba
Machado, Ruy Armando Gessinger e Fábio Luiz
Gomes:
Superior Tribunal de Justiça Quanto à
possibilidade jurídica do pedido, a lição de
Calmon de Passos é insuperável. Demonstra ele
que não há qualquer distinção entre a
impossibilidade da tutela em abstrato e a
pretendida no caso concreto, citando como
278
exemplo uma ação de usucapião em que o
autor declinasse na inicial estar na posse de
determinado imóvel há oito anos com “animus”
de dono, requerendo a final que o juiz lhe
declarasse proprietário; obviamente, pela
sistemática do Código seria julgado “carecedor
da ação” ante a ausência de previsão legal para
o atendimento do pedido; por igual não se
poderia falar em julgamento de mérito.
Contudo, segue Calmon, se este mesmo autor
houvesse ingressado com a ação alegando
possuir a área há mais de dez anos e invocasse
o art. 156, § 3º (da Constituição Federal de
1946), estaria presente a referida “condição” da
ação, ainda que durante a instrução do feito
viesse a ficar comprovada a posse só de oito
anos; mas neste caso não haveria “carência” de
ação e sim julgamento de improcedência, ainda
que resultante da impossibilidade de aplicar a
vontade da lei. Qual a diferença entre as duas
decisões, pergunta Calmon; ao que responde:
Nenhuma, rigorosamente nenhuma. (SILVA,
Ovídio Araújo Baptista da; MACHADO, Luiz
Melíbio Uiraçaba; GESSINGER, Ruy Armando;
GOMES, Fábio Luiz. Teoria geral do processo
civil. Porto Alegre: Letras Jurídicas, 1983. p.
122).
09) É sintomático, pois, que o CPC/15 não
tenha reproduzido a possibilidade jurídica do
pedido no atual art. 485, VI (que corresponde
ao revogado art. 267, VI, do CPC/73), limitando-
se a dizer, agora, que o juiz não resolverá o
mérito somente quando “verificar ausência de
legitimidade ou de interesse processual”. Nesse
sentido, anote-se que a requalificação da
279
possibilidade jurídica do pedido, de uma
condição da ação para uma questão de mérito,
consta expressamente da Exposição de Motivos
do CPC/15:Com o objetivo de se dar maior
rendimento a cada processo, individualmente
considerado, e atendendo a críticas tradicionais
da doutrina, deixou, a possibilidade jurídica do
pedido, de ser condição da ação. A sentença
que, à luz da lei revogada seria de carência da
ação, à luz do Novo CPC é de improcedência e
resolve definitivamente a controvérsia.
10) O tema, a propósito, foi amplamente
abordado por Adroaldo Furtado Fabrício, que
assim leciona: Superior Tribunal de Justiça.

Assim, fora concluído que o artigo 1.814, inciso I do Código Civil

(BRASIL, Código Civil, 2002), é aplicável ao caso do menor de idade

excluído da sucessão por ser autor do homicídio dos pais.

Para a ministra Nancy Andrighi, relatora de ambos os processos,

o fato do Código Civil (Brasil, Código Civil, 2002), apresentar um rol

taxativo quanto a exclusão da sucessão, não deverá ser interpretado

pela literalidade dele, uma vez que, é uma das formas, mas não a única

maneira de obtenção da norma jurídica.

Percebe-se, portanto que o núcleo essencial da norma é não ter

o direito a herança quem de forma intencional atentar contra a vida de

seus pais, independente de consumação do ato.

Portanto, a dissimilitude técnico-jurídico entre homicídio doloso

e ato análogo ao homicídio doloso, embora possua sua importância na

280
esfera penal em decorrência de sua repercussão jurídica, não possui a

mesma relevância em âmbito civil.

Compreender que o ato análogo praticado pelo recorrente, não

acarretaria a exclusão da sucessão esvaziaria a norma civil. Visto que,

para tal norma o crime existiu, logo, há a lesão e o direito a reparação.

Que no caso em tela, fora proposto pelos irmãos do autor do fato

delitivo, com a ação declaratória de indignidade.

4.2 Sanção civil e o menor indigno

A dicotomia entre a responsabilidade civil e penal, é o bem

jurídico tutelado, ora de particulares, ora de interesse público. Ocorre

que o instituto da indignidade, possui relevância social. Visto que, o

mecanismo é utilizado em casos de crime contra a vida de um ente

familiar, que necessita de resposta para a comunidade buscando

reestabelecer a ordem social. Define Senise (2013. P 267):

A sanção suportada pelo excluído da herança,


seja por indignidade ou deserdação é, resultado
de sua conduta delitiva, que possui alto grau de
reprovabilidade, seja pelo próprio autor da
herança, seja pelos seus familiares ou pela
sociedade em geral. Seria inadmissível que o
herdeiro indigno ou desertado pudesse usufruir
da herança, seria uma afronta moral a todos. O
princípio da solidariedade familiar deve ser

281
observado, logo, quem feriu este preceito não
poderá usufruir livremente da herança, e não
apenas, isto como implicaria em locupletamento
indevido em prol do sucessor, que herdaria a
partir de ato ilícito praticado contra o de cujus
ou contra a pessoa com a qual ele manteve
relações de afeição e respeito (conjugue, o
convivente, o ascendente e o descendente).

Assim, buscou-se evidenciar o entendimento do recente julgado

acerca da exclusão da herança por indignidade de herdeiro, autor do

homicídio dos pais. No presente ensaio fora proposto, a reflexão acerca

das lacunas existentes no ordenamento, mediante aos novos anseios

sociais, verificou-se que a moral e a ética são balizas utilizadas em

analogia para trazer uma resposta aos jurisdicionados acerca das novas

questões.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando os textos constitucionais que elevam a família

como base da sociedade, e atraindo para o Estado a tarefa de proteção

integral para essa célula social. Evidencia-se a temática abordada no

presente ensaio, quando a lesão entre os particulares ultrapassa a esfera

cível e recai sobre o âmbito penal, que dialoga com o Estatuto da

Criança e do Adolescente.

282
Os escassos julgados sobre a tônica reforçam o entendimento

majoritário, quanto a possibilidade de exclusão da sucessão hereditária,

por indignidade, no caso em tela fora abordado um recente julgado que

afirmou quanto ao núcleo essencial da norma: não ter o direito a

herança o indivíduo que atentou dolosamente contra a vida de seu

antecessor para pleitear ganhos patrimoniais.

Embora, haja uma diferenciação técnico-jurídica quanto a

homicídio doloso e o ato análogo ao homicídio doloso, a sua relevância

está vinculada a seara penal em decorrência de suas consequências e

repercussões no mundo jurídico, mas, que é um fato irrelevante ao

direito civil, pois, para esta esfera não deixa de ser um homicídio, eis a

máxima.

Compreende-se, portanto, que por mais que para a esfera penal

não seja tecnicamente considerado um homicídio, o que isenta um

menor indigno da culpa, os efeitos civis independem da condenação

penal, renegar a competência civil seria como esvaziar completamente

as regas em relação aos menos de 18 (dezoito) anos presente no Código

Civil.

Desse modo, pautado no exame ético e moral da própria

sociedade resguardado pelos julgados, a exclusão de um menor por

indignidade é possivelmente capaz.

REFERÊNCIAS

283
BOGDAN, Roberto C.; BIKLEN, Knopp Sari. Investigação qualitativa
em Educação. Portugal: Porto Editora, 1994.

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal.


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NUCCI, Guilherme Souza. Curso de Direito Penal: Parte Geral, Volume


1, 3ª Edição, Rio de Janeiro – RJ, Editora Forence, 2019

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284
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<https://www./jurisprudencia/stj/488311410>, acessado em
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PR Nancy Andrighi (2021/0151974-3), Disponível em:
<https://www./jurisprudencia/stj/488311410>, acessado em
13/12/2022.

STJ, Informativo de Jurisprudência, Recurso Especial nº Resp.1.938.984


- PR Nancy Andrighi (2021/0151974-3), Disponível em:
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STJ, Informativo de Jurisprudência, Recurso Especial nº 334.773-RJ,


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<https://www./jurisprudencia/stj/488311410>, acessado em
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BRASÍLIA, Tribunal de Justiça. nº 20150020141805-DF. Rel. Alexandre


Santiago. Brasília. D.p. 12/05/2017. Disponível em:
<https://pesquisajuris.tjdft.jus.br/IndexadorAcordaos-web/sistj> em
acessado em 02/01/2023

BRASÍLIA, Tribunal de Justiça. 07085091420178070000. Rel. Alexandre


Santiago. Brasília. D.p. 12/05/2017. Disponível em:
<https://pesquisajuris.tjdft.jus.br/IndexadorAcordaos-web/sistj> em
acessado em 02/01/2023

BRASÍLIA, Tribunal de Justiça. nº 20160130102728 APC. Rel. Alexandre


Santiago. Brasília. D.p. 12/05/2017. Disponível em:
285
<https://pesquisajuris.tjdft.jus.br/IndexadorAcordaos-web/sistj> em
acessado em 02/01/2023

VITAL. Danilo. Menor de idade que mata os pais não tem direito a
herança, diz STJ. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2022-
mar-05/menor-idade-mata-pais-nao-direito-heranca-stj> acessado em
15/12/2022

286
OS CRITÉRIOS DE RENDA UTILIZADOS PELO INSS PARA FINS DE
CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL BPC DE ACORDO COM
A LEI 14.176/2021. ESTUDO SOBRE A NECESSIDADE DE ANÁLISE
PORMENORIZADA DOS GASTOS MENSAIS DO GRUPO FAMILIAR

Jéssika Braga Vieira Peixoto1


Júnior Ananias Castro2

RESUMO

Este trabalho tem como tema de pesquisa o benefício de prestação


continuada (BPC) e as alterações trazidas pela Lei 14.176/2021. Foi
abordada a natureza, a previsão legal, os requisitos e finalidades do
BPC. A pesquisa busca responder quais são os critérios de renda
utilizados na concessão do BPC e qual a importância da Lei 14.176/21
nesse tema. A metodologia empregada foi a pesquisa bibliográfica
qualitativa, valendo-se do método dialético, tendo em vista os
aspectos sociais, políticos e econômicos que interferem no estudo do
tema. O tema escolhido é pertinente aos estudos jurídicos por
abordar a discussão sobre a possibilidade ou não de relativizar o
critério de miserabilidade constante na lei que regulamenta o referido
benefício, e como isso acontece.

Palavras-chaves: Benefício de prestação continuada. Critério de


miserabilidade. Lei 14.176/2021.

1
Graduanda do 10º período do Curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos
de Mariana.
2
Advogado. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
Especialista em Direito Administrativo, Tributário e Previdenciário. Bacharel em Direito
pela UFOP. Professor de Direito Tributário, Direito Previdenciário e Prática Jurídica da
Universidade Presidente Antônio Carlos - Unidade Mariana/MG.

287
INTRODUÇÃO

O objetivo do presente trabalho é analisar os critérios de

elegibilidade utilizados pelo INSS para fins de concessão do benefício

assistencial de prestação continuada, comumente conhecido como

BPC, especialmente quanto ao critério de renda, e quais alterações

advieram da Lei nº 14.176/2021 no que se refere a esse quesito e como

essas alterações podem gerar uma distorção do binômio necessidade

versus concessão
Desse modo, para tratar do referido tema, buscou-se verificar

quais são os critérios definidos pela legislação para concessão do

benefício de prestação continuada e como esses requisitos são

aplicados na prática, seja na seara administrativa pelo INSS, seja no

âmbito judicial, pelos juízes.

A escrita do texto foi realizada com apoio documental,

valendo-se do método dialético, tendo em vista que os aspectos

sociais, políticos e econômicos são relevantes para a análise do tema

abordado neste trabalho, para tanto será realizada uma análise de

documentos jurídicos, normas técnicas ou regulamentos, buscas por

meio de livros, relatórios, revistas, sites.

Na primeira seção será abordado primeiramente os conceitos

gerais do benefício em questão, a sua previsão legal, sua natureza, seus

requisitos e finalidades. Posteriormente, será realizado um estudo mais


288
aprofundado sobre as previsões da legislação que regulamenta o BPC,

a saber lei nº 8.742/1993. Por fim, será abordada como a jurisprudência

e a doutrina têm entendido acerca da aplicação dos critérios,

especialmente em relação ao critério de miserabilidade.

Por fim, cumpre salientar que o presente trabalho não tem por

objetivo exaurir o tema proposto, mas sim busca alimentar a discussão

sobre a importância e o papel das políticas públicas no combate às

desigualdades sociais.

2. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA: CONCEITO, PREVISÃO


LEGAL, REQUISITOS E FINALIDADE

O Benefício de Prestação Continuada, comumente conhecido

como BPC, é um benefício de caráter assistencial com envergadura

constitucional, previsto no artigo 203 da Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), localizado topograficamente

no capítulo destinado às disposições da Seguridade Social, na seção IV

“Da Assistência Social”, que assim dispõe:

Art. 203. A assistência social será prestada a


quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por
objetivos: [...]
V - A garantia de um salário mínimo de
benefício mensal à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso que comprovem não
possuir meios de prover à própria

289
manutenção ou de tê-la provida por sua
família, conforme dispuser a lei.
VI - A redução da vulnerabilidade
socioeconômica de famílias em situação de
pobreza ou de extrema pobreza (BRASIL,
1988).

Nos termos do artigo 194 da CRFB/88, a Seguridade Social,

“[...] compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos

Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos

relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (BRASIL, 1998).

Assim, apesar de o BPC ser um benefício operacionalizado

pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, ele não está inserido

no contexto da Previdência, mas integra a Assistência Social. Nesse

sentido, Ferreira e Reis (2020, p. 114) esclarecem que

Na verdade, a assistência social é uma espécie


do gênero da Seguridade Social (assim como
a saúde e a previdência) que objetiva amparar
pessoas que vivem em situação de
miserabilidade, sem exigência de contribuição
prévia ao seguro social. Por isso, no âmbito de
benefícios, trabalhadores segurados são
amparados pela previdência e os que não
possuem condições de garantir o próprio
sustento e vivem em situação de
vulnerabilidade econômica, são acolhidos
pela assistência social.

Por conseguinte, por ser um benefício que integra a

290
Assistência Social e sendo um dos objetivos desta, o BPC independe de

prévia contribuição à seguridade social, diferentemente dos demais

benefícios pagos pela Previdência, de caráter essencialmente

contributivo, a exemplo das aposentadorias. Isso gera alguns reflexos

nas características do BPC, conforme ressalta Barboza (2021, p. 31):

[...] o benefício assistencial em questão se


caracteriza por ter caráter personalíssimo,
sendo, consequentemente, intransferível. Por
conseguinte, a concessão deste não gera
garantia de direitos sucessórios, como, por
exemplo, a pensão por morte. Como é vedada
a transmissão, na hipótese de falecimento do
titular, o benefício cessará (art. 21, §1º, Lei no
8.742/93).

Segundo Senna et al. (2021) trata-se de um benefício de

proteção social utilizado como instrumento no combate à

miserabilidade, criado com a CRFB/88, que assegura uma renda

mínima para aquela população que não era contemplada pelo sistema

de seguridade social antes de sua promulgação, diante de seu caráter

preponderantemente contributivo.

Conforme Oliveira (2021) a Assistência Social surge em um

contexto pós-guerra em que o Estado visa assegurar o chamado

Welfare State, isto é, visa assegurar o mínimo existencial capaz de


proporcionar uma vida com dignidade.

Quanto à importância da abrangência do Benefício de


291
Prestação Continuada, Senna et al. (2021) mencionam que

Apesar de seu caráter altamente focalizado e


seletivo, o BPC abriu espaço para a
incorporação de segmentos sociais
amplamente excluídos dos mecanismos
públicos de proteção social e assegurou o
acesso à renda de seus beneficiários,
chegando a constituir-se, muitas das vezes, na
única fonte de renda da família (SENNA et al.,
2021, n.p).

Isso significa dizer que o BPC é uma política pública que

beneficia até mesmo aqueles que nunca realizaram qualquer tipo de

trabalho e que, por isso, nunca contribuíram diretamente para a

seguridade social por meio de contribuições previdenciárias (ALVES,

2020).

Nesse sentido, Santana (2018, p.11) assevera que

O Benefício de Prestação Continuada/BPC


constitui-se como provisão assistencial mais
expressiva da política de Assistência Social,
constitucionalmente reconhecido, o que o
diferencia de outras proteções afiançadas pela
política de Assistência Social. Quanto aos
princípios norteadores do BPC, aplicam-se a
ele as diretrizes adotadas pela Lei Orgânica da
Assistência Social (LOAS) nº 8.742, de 7 de
dezembro de 1993, que prevê em seu artigo
4º:

292
Art. 4º. A assistência social rege-se pelos
seguintes princípios:
I- supremacia do atendimento às
necessidades sociais sobre as exigências de
rentabilidade econômica;
II - universalização dos direitos sociais, a fim
de tornar o destinatário da ação assistencial
alcançável pelas demais políticas públicas;
III - respeito à dignidade do cidadão, à sua
autonomia e ao seu direito a benefícios e
serviços de qualidade, bem como à
convivência familiar e comunitária, vedando-
se qualquer comprovação vexatória de
necessidade; IV - igualdade de direitos no
acesso ao atendimento, sem discriminação de
qualquer natureza, garantindo-se
equivalência às populações urbanas e rurais;
V - divulgação ampla dos benefícios, serviços,
programas e projetos assistenciais, bem como
dos recursos oferecidos pelo Poder Público e
dos critérios para sua concessão (BRASIL,
1993).

O BPC tem como base o princípio da universalidade dos

direitos sociais, segundo o qual visa “[...] promover indistintamente o

acesso ao maior número possível de beneficiários, na tentativa de

proteger a população que necessitada (sic), dos riscos sociais

previsíveis e possíveis, por meio de ações que devem contemplar

necessidades individuais e coletivas” (SANTANA, 2018, p. 65).

Também, tem como uns dos fundamentos principais o

293
princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que o benefício, na

maioria das vezes, acaba constituindo-se como a única e principal fonte

de renda de todo o núcleo familiar do beneficiário, visando assegurar

necessidades básicas, o mínimo existencial daqueles que dele

dependam (SENNA et al., 2021).

Apesar da previsão constitucional do referido benefício, o

Constituinte deixou sua regulamentação à cargo do legislador

infraconstitucional, de modo que é possível caracterizar o artigo 203,

inciso V, da CRFB/88 como uma norma constitucional de eficácia

limitada (BARBOSA; ARAÚJO; LUCENA, 2017).

Foi somente em 1993, com a edição da Lei Orgânica da

Assistência Social (LOAS) nº 8.742, de 7 de dezembro, que o Benefício

de Prestação Continuada foi efetivamente instituído e regularizado.

Todavia, segundo Stopa (2017), o comando constitucional do artigo

203, inciso V, da CRFB/88 somente foi efetivamente cumprido com a

edição do Decreto nº 1.744/95, que foi o responsável por prever as

regras de efetivação e operacionalização no âmbito do INSS, fazendo

com que o benefício só começasse a ser concedido no início de 1996.

A Lei nº 8.742/1993 (LOAS) é a lei que regulamenta as políticas

de assistência social como um todo, prevendo, dentre outros assuntos,

os princípios aplicáveis, diretrizes de organização e gestão e os

benefícios assistenciais em espécie.

No que se refere especificamente ao Benefício de Prestação

294
Continuada - BPC, objeto de estudo do presente trabalho, tem-se que

ele se encontra previsto a partir do artigo 20 da Lei nº 8.742/1993

(LOAS). Dispõe o artigo 20, caput, da Lei nº 8.742/1993:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é


a garantia de um salário-mínimo mensal à
pessoa com deficiência e ao idoso com 65
(sessenta e cinco) anos ou mais que
comprovem não possuir meios de prover a
própria manutenção nem de tê-la provida por
sua família (BRASIL, 1993).

Da leitura do artigo 20, caput, da LOAS, percebe-se que

referido dispositivo veio complementar o texto constitucional do artigo

203, inciso V, da CRFB/88, ao conceituar o benefício de prestação

continuada como uma garantia de renda mínima à pessoa idosa ou

com deficiência que não seja capaz de prover a sua própria

subsistência, ou que não possua familiares aptos a garanti-la,

evidenciando a responsabilidade subsidiária do Estado.

Assim, observa-se que o legislador ao prever o benefício em

questão visou proteger dois grupos vulneráveis da sociedade, expostos

à miserabilidade, sendo eles a pessoa idosa e a pessoa com deficiência.

Para concessão do BPC à pessoa idosa, a lei estabelece,

atualmente, os seguintes requisitos: a) idade igual ou superior a 65

anos e, b) renda per capita familiar inferior a 1/4 (um quarto) do salário

mínimo.

295
Já para a concessão do BPC à pessoa com deficiência (PcD),

os requisitos são: a) existência de deficiência a longo prazo e b) renda

per capita familiar inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. Assim,
não há que se falar em exigência de idade mínima para a concessão do

BPC para a pessoa com deficiência (CASTRO; LAZZARI, 2020).

É importante salientar que, no que tange ao critério etário

previsto no BPC pago à pessoa idosa, a redação original do artigo 20

da Lei nº 8.742/1993 previa que a idade mínima para se ter acesso ao

benefício seria de setenta anos. Foi somente em 2007, com a edição do

Decreto nº 6.214/2007 e com o Estatuto do Idoso - Lei nº 10.741/2003

é que houve uma redução no requisito etário, passando a ser de

sessenta e cinco anos, nos termos do artigo 34 da Lei nº 10.741/2003

– Estatuto do Idoso:

Art. 34. Às pessoas idosas, a partir de 65


(sessenta e cinco) anos, que não possuam
meios para prover sua subsistência, nem de
tê-la provida por sua família, é assegurado o
benefício mensal de 1 (um) salário mínimo,
nos termos da Loas (BRASIL, 2003).

Já no que se refere ao BPC pago à pessoa com deficiência, o

§2º do artigo 20, da Lei nº 8.742/1993, com a redação dada pela Lei nº

13.146, de 2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência, traça o conceito

de pessoa com deficiência para fins de concessão do benefício,

prevendo:
296
§2º. Para efeito de concessão do benefício de
prestação continuada, considera-se pessoa
com deficiência aquela que tem impedimento
de longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, o qual, em interação
com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em
igualdade de condições com as demais
pessoas (BRASIL, 1993).

Ainda, na dicção do §10º do artigo 20 da mesma lei,

“considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2º deste

artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos”

(BRASIL, 1993).

Consoante Barboza (2021) há que se fazer uma distinção

quando da análise do critério relativo à deficiência, de modo que nem

toda pessoa que apresenta incapacidade ao trabalho é considerada

deficiente, e nem toda pessoa com deficiência é incapaz ao trabalho,

de modo que é imprescindível o atendimento do artigo 20, §§2º e 10

da LOAS.

A avaliação da deficiência e do grau de impedimento é

realizada por meio perícia médica a ser realizada no âmbito

administrativo pelo INSS (Instituto Nacional de Seguro Social), em que

será averiguado se aquela deficiência gera impedimento permanente

ou de longa duração que impossibilite o pretenso beneficiário de

praticar suas atividades habituais de maneira independente (CASTRO;


297
LAZZARI, 2020).

Além dos requisitos citados até aqui, idade superior a

sessenta e cinco anos no caso de BPC idoso e existência de deficiência,

no caso do BPC deficiente, o próximo requisito previsto no artigo 20,

caput, da LOAS é comum às duas espécies do benefício, sendo ele o


critério de hipossuficiência econômica ou de miserabilidade.

Isso quer dizer que o BPC é devido somente àquelas pessoas

que comprovadamente não possuem condições de prover a sua

própria subsistência nem de tê-la provida pela sua família (caráter

subsidiário). A fim de delimitar o critério de miserabilidade, o §3º do

artigo 20 da LOAS estabelece:

§3º. Observados os demais critérios de


elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito
ao benefício financeiro de que trata o caput
deste artigo a pessoa com deficiência ou a
pessoa idosa com renda familiar mensal per
capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo (BRASIL, 1993).

Assim somente poderão receber o benefício de prestação

continuada à pessoa idosa ou portadora de deficiência que não tenha

renda familiar per capita (por cabeça) superior a um quarto do salário

mínimo, o que, nos dias de hoje, corresponde à R$303,00 (trezentos e

três reais), considerando que no ano de 2022 o salário mínimo foi

fixado em R$1.212,00 (um mil duzentos e doze reais).

298
Este último critério de elegibilidade previsto na LOAS é

polêmico e é alvo de inúmeros questionamentos pela via judicial,

culminando com as alterações previstas na Lei nº 14.176, de 2021, que

serão abordadas oportunamente em capítulo próprio. Além dos

requisitos previstos na legislação especial, Ferreira e Reis (2020)

ressaltam que há outros critérios de elegibilidade que não constam da

LOAS, mas estão previstos no decreto que regulamenta o BPC, qual

seja o Decreto nº 6.214/2007.

Nesse sentido, nos termos do artigo 7º do Decreto nº

6.214/2007, somente fará jus ao recebimento do benefício o brasileiro

nato ou naturalizado ou de nacionalidade portuguesa, desde que

comprovada a residência no Brasil.

Contudo, Ferreira e Reis (2020) observam que, malgrado não

haver previsão normativa acerca da possibilidade do pagamento do

benefício aos estrangeiros que não portugueses, o Supremo Tribunal

Federal (STF) já entendeu que o estrangeiro que possua residência fixa

no Brasil possui direito ao BPC, qualquer que seja sua nacionalidade. O

alargamento da interpretação quanto ao critério da nacionalidade

levou em consideração o princípio da dignidade da pessoa humana, da

solidariedade social, da erradicação da pobreza e a assistência aos

desamparados, todos previstos na CRFB/88.

O último critério de elegibilidade a seguir abordado também

não foi previsto inicialmente pela legislação especial, mas foi

299
estabelecido pelo Decreto nº 6.214/2007, com a redação dada pelo

Decreto nº 8.805, de 2016 e incluído pela Lei nº 13.846, de 2019. Ele diz

respeito à necessidade de inscrição do beneficiário no Cadastro Único,

comumente chamado de CadÚnico. Tal exigência encontra-se prevista

no artigo 20, §12 da LOAS e no artigo 12 do Decreto nº 6.214/2007,

que dispõe:

Art. 12. São requisitos para a concessão, a


manutenção e a revisão do benefício as
inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas -
CPF e no Cadastro Único para Programas
Sociais do Governo Federal – CadÚnico [...]
(BRASIL, 2007).

Sobre este último requisito, Senna et al. (2021) criticam a sua

adoção, uma vez que os §§ 1º e 2º do artigo 12 do citado decreto

mencionam o encerramento do benefício para aqueles que não

mantiverem o CadÚnico atualizado nos bancos governamentais. Nesse

sentido, para os referidos autores, a exigência da manutenção do

Cadastro Único atualizado a cada dois anos cria obstáculos ao

desconsiderar “especificidades desses segmentos, geralmente com

mobilidade reduzida imposta pela idade avançada ou pela deficiência,

sobreposta pela extrema pobreza e baixa escolaridade”, dificultando o

acesso ao benefício (SENNA, 2021, n.p).

Assim como qualquer norma, a Lei nº 8.742/1993 (LOAS)

bem como o Decreto nº 6.214/2007 são constantemente objetos de


300
interpretações pelo Poder Judiciário, especialmente em decorrência da

alta judicialização do BPC, tendo em vista os critérios de elegibilidade

previstos nas referidas legislações e a sua adequação para o

cumprimento dos seus fins a que se destina.

3. ANÁLISE QUANTO AO CRITÉRIO DE ELEGIBILIDADE


MISERABILIDADE: INTERPRETAÇÃO LEGAL

Como visto na seção anterior, para fazer jus ao recebimento

do BPC, o pretenso beneficiário deve comprovar que não aufere renda

que ultrapasse o montante de um quarto do salário mínimo vigente, a

fim de fazer cumprir o requisito da hipossuficiência

econômica/miserabilidade estampado na parte final do §3º do artigo

20, da Lei 8.742/93, tratando-se, à primeira vista, de um critério objetivo

(BARBOZA, 2021).

§3º. Observados os demais critérios de


elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito
ao benefício financeiro de que trata o caput
deste artigo a pessoa
com deficiência ou a pessoa idosa com renda
familiar mensal per capita igual ou inferior a
1/4 (um quarto) do salário-mínimo (BRASIL,
1993).

Isso significa dizer que o legislador, a partir do §3º do artigo

20 da LOAS, traçou um critério objetivo de miserabilidade, partindo da

premissa de que a pessoa idosa com sessenta e cinco anos ou mais ou


301
portadora de deficiência não consegue prover a sua subsistência ou de

tê-la provida por sua família recebendo uma renda per capita igual ou

inferior a um quarto do salário mínimo (OLIVEIRA; GARCIA, 2021).

Para a aferição do referido requisito, tanto a Lei nº 8.742/93

como o Decreto nº 6.214/2007 preveem critérios a serem observados

quando do momento da análise da concessão do benefício.

Nesse sentido, o §3º da Lei nº 8.742/93 menciona que

entrarão no cálculo da renda familiar toda a renda recebida pela família

daquele que se encontra em estado de vulnerabilidade, adotando-se,

para tanto, o conceito de família definido pelo artigo 4º, inciso V, do

Decreto nº 6.214/2007 que dispõe:

Art. 4º Para os fins do reconhecimento do


direito ao benefício, considera-se: [...]
V - família para cálculo da renda per capita:
conjunto de pessoas composto pelo
requerente, o cônjuge, o companheiro, a
companheira, os pais e, na ausência de um
deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos
solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o
mesmo teto (BRASIL, 2007).

Pelo referido dispositivo infere-se que o conceito de família

para fins de cálculo da renda familiar estipulado pelo Decreto nº

6.214/2007 considera todos os integrantes familiares, desde que vivam

na mesma residência que o pretenso beneficiário, adotando-se,

302
portanto, o critério da coabitação (ALVES, 2019).

Quanto ao cálculo, há que se observar que o que se leva em

consideração é a renda familiar per capita, isto é, a soma da renda

mensal bruta familiar dividida pelos integrantes componentes da

família (CASTRO; LAZZARI, 2020).

Assim, nos termos da legislação, o cálculo a ser feito é:

primeiro, somam-se as rendas mensais auferidas por todos os entes

familiares que vivem sob o mesmo teto (renda mensal bruta familiar)

e, após esse valor é dividido pelo número de integrantes da família

coabitante, chegando-se à renda familiar per capita. Esse valor,

segundo o §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, não poderá ser superior a

um quarto do salário mínimo vigente, pois, caso ultrapasse esse limite,

em tese, o sujeito se tornará inelegível ao recebimento do benefício

por não cumprir o requisito econômico (CASTRO; LAZZARI, 2020).

Paiva e Pinheiro (2021, p.8) destacam que o conceito de

família para fins de elegibilidade ao BPC é de suma importância, uma

vez que “[...] a depender de quem é considerado parte do núcleo

familiar, a sua inserção nele pode elevar ou reduzir a renda da família”.

Conforme o artigo 4º, inciso VI, do Decreto nº 6.214/2007,

considera-se renda mensal bruta familiar:

[...] a soma dos rendimentos brutos auferidos


mensalmente pelos membros da família
composta por salários, proventos, pensões,
pensões alimentícias, benefícios de
303
previdência pública ou privada, seguro-
desemprego, comissões, pró-labore, outros
rendimentos do trabalho não assalariado,
rendimentos do mercado informal ou
autônomo, rendimentos auferidos do
patrimônio, Renda Mensal Vitalícia e Benefício
de Prestação Continuada, ressalvado o
disposto no parágrafo único do art. 19
(BRASIL, 2007).

Ou seja, pela leitura do artigo 4º, inciso VI, do Decreto nº

6.214/2007, estariam, em tese, incluídos no cômputo da renda mensal

familiar os benefícios previdenciários eventualmente recebidos pelos

integrantes do grupo familiar, pagos seja pelo regime geral ou regime

próprio de previdência.

Em compensação, por outro lado, a legislação ressalva quais

rendimentos não entrarão no cálculo da renda familiar per capita,

conforme artigo 4º, §2º, do Decreto nº 6.214/2007:

§ 2º Para fins do disposto no inciso VI do


caput, não serão computados como renda
mensal bruta familiar:
I - benefícios e auxílios assistenciais de
natureza eventual e temporária; II - valores
oriundos de programas sociais de
transferência de renda;
III- bolsas de estágio supervisionado;
IV - pensão especial de natureza indenizatória
e benefícios de assistência médica, conforme
disposto no art. 5º;
V - rendas de natureza eventual ou sazonal, a

304
serem regulamentadas em ato conjunto do
Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome e do INSS; e
VI - rendimentos decorrentes de contrato de
aprendizagem (BRASIL, 2007).

Interessante ressaltar que, consoante Sousa (2018), a

intenção do legislador ao considerar a renda de todos os integrantes

familiares no cálculo para a concessão do benefício assistencial reside

no fato de que o BPC foi criado com base na responsabilidade

subsidiária do Estado, o que significa dizer que a responsabilidade

primeira de prover o sustento das pessoas em condição de

vulnerabilidade social recai sobre família, sendo a do Poder Público de

caráter subsidiário.

Ao tratar sobre o tema, Pereira (2012, p. 18) menciona que

Assim, extrai-se que a responsabilidade do


Estado é secundária à da família e, portanto,
subsidiária ou residual, uma vez que o Estado
somente arcará com a responsabilidade pela
manutenção do mínimo de dignidade e
cidadania do idoso e do deficiente quando a
sua família não tiver condições de prover a sua
subsistência e houver demonstrado a sua
miserabilidade.

Na mesma linha, leciona Sousa (2018, p. 42)

A Constituição atribuiu em primeiro momento

305
a responsabilidade a família para com os
idosos e trouxe em caráter subsidiário o dever
do Estado. Em vista disso, o legislador ao
regulamentar o BPC na LOAS instituiu como
obrigatoriedade a comprovação do
rendimento familiar, conforme artigo 20 [...].

Contudo, em que pese o critério econômico ou de

miserabilidade ser de natureza objetiva, Castro e Lazzari (2020)

afirmam que, historicamente, esse requisito foi/é relativizado pela

doutrina e pela jurisprudência, especialmente levando em

consideração o princípio da dignidade da pessoa humana, o que

acabou por culminar na alteração feita pela Lei nº 14.176/2021, que

será abordada em tópico próprio.

Isso porque antes da edição da Lei nº 14.176/2021, a

legislação não previa qualquer margem para a flexibilização do critério

econômico e de miserabilidade, independentemente da circunstância

do caso concreto. A ausência de previsão que permitisse uma maior

maleabilidade na interpretação do requisito em questão sempre fora

bastante criticada pela doutrina e pela jurisprudência, desembocando

na judicialização excessiva dos requerimentos.

Toda a celeuma que circunda o requisito da miserabilidade

relaciona-se ao fato de que o valor estipulado pela legislação é muito

baixo, afrontando, inclusive, princípios e direitos fundamentais

previstos na CRFB/88, a exemplo do princípio da dignidade da pessoa

306
humana. (CASTRO; LAZZARI, 2020).

Sobre o assunto, Martins (2019, p. 32) menciona que

O critério atual de renda familiar per capita


inferior a um quarto do salário mínimo carece
de base técnica. Sua fundamentação não tem
origem nos princípios constitucionais que
guiam a assistência social no Brasil. Se o
objetivo do BPC é proteger famílias pobres
que não são capazes de prover o sustento de
seus membros, o valor de menos de um
quarto do salário mínimo per capita é
incorreto.

No mesmo sentido, menciona Sousa (2018, p. 55) que

A exigência de valor inferior a ¼ de salário


mínimo limita muito o acesso ao benefício,
pois implica na comprovação dessa renda e
desconsidera particularidades de cada pessoa.
Assim, uma família poderia em tese, ter uma
renda acima do mínimo exigido, mas na
prática as necessidades peculiares do idoso,
ou deficiente, destinatários do benefício,
comprometerem grande parte dessa renda.

Isso porque a finalidade do benefício de prestação

continuada é retirar o público-alvo da condição de miserabilidade,

promovendo uma renda mensal apta a prover o mínimo existencial

para uma vida digna. Contudo, considerando o patamar de

miserabilidade fixado pela lei, a finalidade do BPC é colocada em


307
xeque. Assim, Ferreira e Reis (2020, p.112) destacam que

Ocorre que a Lei 12.435 de 2011, que regula


este benefício, estabelece critérios taxativos
que reduzem o acesso e prejudicando o
mesmo público-alvo que vive em situação de
miserabilidade e ultrapassa o limite de renda
per capta de ¼ do salário mínimo exigido.

Nesse ponto, é importante repisar que, o salário mínimo

vigente no ano de 2022 era de R$ 1.212,00 (um mil duzentos e doze

reais), de modo que um quarto desse valor corresponde à quantia de

R$ 303,00 (trezentos e três reais). Assim, a pessoa portadora de

deficiência ou idosa de sessenta e cinco anos ou mais que recebesse

renda mensal superior a R$ 303,00 (trezentos e três reais) era

considerada inelegível ao recebimento do BPC, pois, pela lei, presumia-

se que estava fora da zona objetiva de “miserabilidade”.

Todavia, é questionável a afirmação de que uma pessoa que

possui uma renda que ultrapassa, mesmo que minimamente, o

patamar legal de um quarto do salário mínimo viva dignamente

(FERREIRA; REIS, 2020).

Além disso, outro ponto que influencia no requisito

econômico é o fato de que os benefícios previdenciários recebidos por

integrante do grupo familiar, nos termos da LOAS, entram no cálculo

da renda per capita. Isso porque consoante § 4º do artigo 20 da LOAS

(Lei nº 8742/1993), o BPC é um benefício inacumulável, com exceção


308
de benefício de assistência médica ou de pensão especial de natureza

indenizatória.

Sobre o assunto, dispõe Sousa (2018, p.43):

Com essa previsão é possível concluir que


todos os benefícios recebidos por qualquer
dos membros da família serão computados
para a soma da renda de ¼ de salário mínimo
e, por se tratar de um critério objetivo para
concessão do benefício “na prática proíbe que
mais de uma pessoa possa ter acesso ao
benefício dentro da mesma família ainda que
atenda os critérios de deficiência ou de idade
[...]” (apud SPOSATI, 2004, p. 199).

Contudo, ao regulamentar sobre a matéria, o Estatuto do

Idoso previu, em seu artigo 34, parágrafo único abaixo transcrito, a

possibilidade de em uma mesma família, mais de uma pessoa receber

o BPC:

Art. 34. Às pessoas idosas, a partir de 65


(sessenta e cinco) anos, que não possuam
meios para prover sua subsistência, nem de
tê-la provida por sua família, é assegurado o
benefício mensal de 1 (um) salário mínimo,
nos termos da Loas.
Parágrafo único. O benefício já concedido a
qualquer membro da família nos termos do
caput não será computado para os fins do
cálculo da renda familiar per capita a que se
refere a Loas.

309
Assim, há aqui o que se chama de conflito aparente de

normas, já que, à primeira vista, as normas são contrárias entre si. Tal

questão, como será vista no tópico a seguir gerou questionamento

judicial, sendo que a questão foi para no STF (CASTRO; LAZZARI, 2020).

Ainda, Ferreira e Reis (2020) criticam a aferição desse critério

de elegibilidade ocorrer de forma objetiva pela autarquia

previdenciária na seara administrativa, pois o cálculo da renda per

capita é feito mediante simples média aritmética, sem levar em


consideração as especificidades de cada pessoa, a depender do caso

concreto, o que acaba obstando o acesso ao benefício, limitando a sua

abrangência.

Referidos autores ainda observam que se trata de um

requisito cruel, ao deixar de fora “alguns indivíduos que necessitavam

da percepção do benefício para manter a sua dignidade, por não

atenderem o requisito cruel de miserabilidade (FERREIRA; REIS, 2020,

p. 116).

Barboza (2021) ainda esclarece que a conferência do critério

econômico na seara administrativa do INSS é feita à distância, através

do cruzamento de dados governamentais com as informações obtidas

no Cadastro Único, ou seja, não há, no que se refere ao quesito de

miserabilidade, prova pericial feita in loco, a fim de aferir a situação de

cada caso em específico.

Nesse sentido, a limitação quando da estipulação do critério

310
objetivo de miserabilidade pela Lei 8.742/93 antes das alterações

trazidas pela Lei nº 14.176, de 2021 acabava inviabilizando a autarquia

de considerar administrativamente outros elementos na verificação da

elegibilidade pelo referido requisito, como despesas pormenorizadas

que acabam por comprometer a renda familiar, como gastos médicos,

alimentação e tratamentos especiais, medicamentos e etc., uma vez

que a Administração Pública, direta e indireta, está subordinada aos

princípios que a regem, a exemplo do princípio da legalidade.

Por esta razão, Paiva e Pinheiro (2021) esclarecem que

juntamente com o requisito de deficiência, o não atendimento do

critério econômico constituem a grande maioria de indeferimento e

consequente judicialização do benefício de prestação continuada.

Nesse sentido, observam que

[...] este processo de judicialização tem como


principais motivações não apenas os
indeferimentos administrativos relativos ao
não cumprimento do critério de renda, mas
principalmente os indeferimentos referentes
ao não atendimento dos critérios de
deficiência. Entre 2004 e 2015, dados do Suibe
revelam que cerca de 52% dos indeferimentos
foram motivados por não atenderem ao
critério de deficiência e 26% ao critério renda
(PAIVA; PINHEIRO, 2021, p. 12).

Quando o assunto é a judicialização de requerimentos de

311
concessão de benefícios, o que se observa é que há um aumento da

possibilidade probatória. Sobre isso, Castro e Lazzari (2020, p. 1.288)

destacam que

Os critérios para aferição do requisito


econômico são polêmicos e segundo
orientação do STJ o magistrado não está
sujeito a um sistema de tarifação legal de
provas, motivo pelo qual a delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser
tida como único meio de prova da condição
de miserabilidade do requerente (CASTRO;
LAZZARI, 2020, p. 1.288).

Conforme será demonstrado na próxima seção,

especialmente no que tange ao requisito econômico, a jurisprudência

tratou de flexibilizar os critérios estabelecidos na legislação, trazendo

nova interpretação, culminando, inclusive, na declaração de

inconstitucionalidade do critério de miserabilidade no patamar de um

quarto do salário mínimo determinado pela LOAS.

4. CRITÉRIOS DE RENDA UTILIZADOS PARA A CONCESSÃO DO


BENEFÍCIO SEGUNDO A JURISPRUDÊNCIA E A LEI 14.176 DE 2021

Na presente seção será abordada a evolução jurisprudencial

e normativa quanto à interpretação do critério de elegibilidade relativo

à condição de miserabilidade do BPC/LOAS até a recente alteração

legislativa advinda com a edição da Lei 14.176 de 2021 e como isso

312
impactou no dia a dia para a concessão do benefício.

Conforme esclarece Reis (2013), o benefício de prestação

continuada já era pauta de questionamento no Poder Judiciário mesmo

antes de sua efetiva implementação, que se deu com a edição da Lei

Orgânica de Assistência Social – Lei 8.742/1993. Isso porque embora a

previsão do benefício assistencial fosse assegurada pela Constituição

desde a sua outorga em 1988, houve uma demora irrazoável por parte

do Legislativo no que se refere a sua regulamentação e consequente

implementação, inviabilizando o direito em questão.

A regulamentação normativa do BPC só veio após a

impetração do Mandado de Injunção de nº 448 perante o STF, em

novembro de 1993, via da qual a Corte Suprema reconheceu a mora

do Congresso Nacional em editar lei que desse eficácia ao inciso V, do

artigo 203 da CRFB/88 (REIS, 2013).

Já em dezembro do mesmo ano, a Lei Orgânica de

Assistência Social – Lei 8.742/1993 foi promulgada, estabelecendo as

normas do BPC dentre outras normativas da assistência social. Apesar

disso, Reis (2013, p. 35) ressalta que “[...] novo questionamento surge a

respeito dos critérios de elegibilidade deste benefício, desta vez, por

iniciativa da Procuradoria-Geral da República por meio de interposição

de Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.232/95”.

A ADI nº 1.232/95 questionava a constitucionalidade do

critério objetivo de miserabilidade do §3º do artigo 20 da LOAS, que

313
previa, originalmente, que somente seria considerado apto ao

recebimento do BPC, aquele que tivesse uma renda per capita inferior

a um salário mínimo (SEREAFIN, 2021).

Sobre a ADI em questão, Serafin (2021, n.p.) pontua que

A ação foi proposta dois anos após os critérios


de elegibilidade serem definidos com a LOAS,
tal ação questionava a constitucionalidade
dos critérios para acesso ao benefício do BPC
que definia o nível de pobreza de idosos e
pessoas portadoras de deficiência,
requerendo a ampliação de tal conceito
alegando que deveria ser analisado o
contexto social, gastos mensais como por
exemplo gasto com remédios, e não somente
a renda em si.

A ação, que teve relatoria do Ministro Ilmar Galvão, foi

julgada improcedente pelo STF em agosto de 1998, confirmando a

constitucionalidade do dispositivo da LOAS que delimitava o critério

de ¼ do salário mínimo para fins de recebimento do BPC. Assim,

observa-se que

[...] na decisão proferida na ADI 1.232, o


Tribunal definiu que o critério de ¼ do salário
mínimo é objetivo e não pode ser conjugado
com outros fatores indicativos da
miserabilidade do indivíduo e de seu grupo
familiar, cabendo ao legislador, e não ao juiz

314
na solução do caso concreto, a criação de
outros requisitos para a aferição do estado de
pobreza daquele que pleiteia o benefício
assistencial (BRASIL, 2013, p.5).

No mesmo sentido, Silva, Diniz e Medeiros (2010, p. 55)


apontam que

Em síntese, o STF considerou que o critério de


renda de um quarto do salário mínimo
previsto na Loas não afrontava a Constituição
Federal de 1988. No julgamento, prevaleceu o
entendimento do ministro Nelson Jobim de
que o critério e a forma de comprovação da
condição de pobreza familiar seriam
definições que somente a lei poderia fixar.
Embora com resistências, o STF concluiu que
a lei era soberana na definição de critérios.

Consoante Silva, Diniz e Medeiros (2010) a decisão do STF

não enfrentou o cerne da questão, de modo que os pretensos

beneficiários continuaram a submeter a demanda sob o crivo do Poder

Judiciário a fim de questionar os milhares de indeferimentos

fundamentados no critério de miserabilidade.

Tal situação gerou uma nova onda de judicialização do BPC

mesmo após o julgamento da ADI de nº 1.232/95, de modo que no

ano de 2005 o tema voltou à pauta do STF através da Reclamação nº

2.303, de relatoria da Ministra Ellen Gracie (REIS, 2013). Conforme

315
menciona Barboza (2021, p. 40):

Durante um período, o Supremo reiterou a


posição consolidada na ADI nº 1.232/DF,
porém, outras instâncias do Poder Judiciário
continuaram a considerar que outros
elementos probatórios também eram
significativos para comprovação de
miserabilidade, além do critério mínimo
estabelecido pela lei.

O motivo de nova análise sobre o tema se deveu porque o

período que se sucedeu ao julgamento da ADI de nº 1.232/95 foi

marcado por importantes alterações nas normas assistencialistas,

prevendo requisitos mais brandos para comprovação de

miserabilidade, razão pela qual o critério de ¼ se mostrava um tanto

quanto destoante das demais normas. Nesse sentido, menciona Reis

(2013, p. 39)

Decisões de juízes federais colocaram na


pauta das discussões judiciais o critério de
pobreza para acesso ao BPC uma vez que
passaram a reinterpretar a decisão da
Suprema Corte na ADI 1.232, reforçando a
ideia de que a avaliação da condição de
pobreza, de até ¼ de salário mínimo per
capita familiar, para fins de concessão do BPC,
deveria ser usada somente como parâmetro e
não como limite de renda acima do qual o
requerente ficaria excluído do benefício.
Outros critérios passaram a ser analisados
316
com o fim de identificar fatores que
caracterizassem a condição de pobreza ou
vulnerabilidade. O parâmetro legal se
apresentava como insuficiente para cumprir
com o princípio da dignidade da pessoa
humana, devendo cada caso concreto ser
avaliado em suas peculiaridades subjetivas.

Isto é, apesar da decisão do STF que reconheceu a

constitucionalidade do critério econômico de ¼ do salário mínimo

para fins de concessão do BPC, os juízes de primeira instância

entendiam que a aferição da miserabilidade poderia ser atestada por

outras maneiras, e não unicamente através do critério objetivo

aritmético da renda per capita definido pela legislação e entendido

pelo STF. A partir disso, percebe-se um movimento de reinterpretação

do dispositivo da LOAS e da própria decisão em sede de controle

concentrado de constitucionalidade pelos juízes de primeira instância

(SEREAFIN, 2021).

A análise histórica dos modos de raciocínio


judiciário demonstra que os juízes, quando se
deparam com uma situação de
incompatibilidade entre o que prescreve a lei
e o que se lhes apresenta como a solução mais
justa para o caso, não tergiversam na procura
das melhores técnicas hermenêuticas para
reconstruir os sentidos possíveis do texto
legal e viabilizar a adoção da justa solução
(BRASIL, 2013, p. 5).

317
Assim, quando o benefício saía da esfera administrativa e

adentrava na seara judicial, os juízes não estavam restritos à presunção

de miserabilidade do artigo 20,

§3º da LOAS, de modo que passaram a se utilizar de análise

subjetiva de acordo com cada caso concreto, se utilizando, inclusive de

instrumentos como perícias socioeconômicas judiciais (REIS, 2013).

Nesse sentido, Serafin (2021, n.p.) observa que

Os magistrados permaneceram analisando


para além do critério de ¼ de salário mínimo,
analisando então as condições concretas e as
peculiaridades do caso, onde os requerentes e
sua família viviam em situação de pobreza
extrema, estando incapacitados para o
trabalho, bem como comprovar gastos
adicionais decorrentes das precárias
condições de saúde, gastos extraordinários,
entre outras coisas.

Apesar disso, a posição adotada na ADI nº 1.232/95 foi

reafirmada pelo STF em 2005, quando do julgamento da Reclamação

nº 2.303. Todavia, a discussão estava longe de chegar a um termo

definitivo.

A matéria chegou ao Superior Tribunal de Justiça - STJ por

meio da sistemática dos recursos repetitivos, no julgamento do leading

case Recurso Especial nº 1112557/MG, que foi cadastrado no Tema


Repetitivo nº 185, julgado em 28/10/2009. Na ocasião o STJ fixou a

318
seguinte tese:

A limitação do valor da renda per capita


familiar não deve ser considerada a única
forma de se comprovar que a pessoa não
possui outros meios para prover a própria
manutenção ou de tê-la provida por sua
família, pois é apenas um elemento objetivo
para se aferir a necessidade, ou seja, presume-
se absolutamente a miserabilidade quando
comprovada a renda per capita inferior a 1/4
do salário mínimo (BRASIL, 2009).

Assim, em 2013, a posição adotada até então foi revista pelo

STF, quando o tema voltou ao plenário com a Reclamação nº4.374/PB,

de relatoria do Ministro Gilmar Mendes (SERAFIN, 2021).

Ao julgar a referida reclamação, em suas razões o relator

fundamentou que a possibilidade de se utilizar critérios

complementares para a aferição da condição de miserabilidade é

possível, uma vez que a aplicação dos requisitos estabelecidos pelo

legislador “[...] encontrou sérios obstáculos na complexidade e na

heterogeneidade dos casos concretos”, sendo o critério de ¼ do salário

mínimo considerado inconstitucional (BRASIL, 2013, p. 2).

Sobre o assunto, Reis (2013, p.45) pontua que

É interessante observar que esta decisão


proferida demonstra uma nova postura da
Corte Constitucional, se comparada às

319
decisões anteriores sobre a mesma questão
quando se limitava em repetir os argumentos
adotados pelo STF nos autos da ADI 1.232. O
posicionamento legalista, de observar de
forma irrestrita os termos da lei para
concessão do BPC, começa a sofrer um
processo de mutação, à medida que Corte
passa a proferir decisões a partir de uma
interpretação mais sistemática dos
dispositivos constitucionais, levando-se em
consideração os objetivos e princípios da
Constituição.

A Reclamação nº 4.374/PB é, portanto, o marco temporal de

revisão do entendimento do STF que continua vigente até os dias de

hoje. Nesse sentido, conforme leciona Alves (2020, p. 184):

[...] a definição dos critérios a serem


observados para a concessão do benefício
assistencial depende de apurado estudo e
deve ser verificada de acordo com as reais
condições sociais e econômicas de cada
candidato a beneficiário, não sendo o critério
objetivo de renda per capita o único legítimo
para se aferir a condição de miserabilidade.

Também, outra questão que entrou em pauta no STF quanto

à interpretação do quesito econômico do BPC foi se o recebimento de

outro benefício assistencial ou previdenciário pago no valor de um

salário mínimo a integrante do núcleo familiar entrava ou não no

cálculo da renda familiar (REIS, 2013).


320
Referida a controvérsia se originou da redação do artigo 34,

parágrafo único, da Lei nº 10.471/03 - Estatuto do Idoso, que previu

que o benefício no valor de um salário mínimo pago à pessoa idosa

não entraria no cálculo da renda familiar para fins do BPC. A previsão

gerou discussão no STF, uma vez que se questionou se tal dispositivo

normativo deveria ser interpretado extensivamente na análise do BPC

pago à pessoa com deficiência, em atenção ao princípio da igualdade.

A matéria foi julgada em 19 de abril de 2013 no bojo dos Recursos

Extraordinários 567985 e 580963, de repercussão geral (SERAFIN,

2021).

No julgamento, o STF decidiu pela declaração de

inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade também do artigo

34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, no sentido de determinar a

aplicação extensiva também ao deficiente. Sobre o tema, Alves (2020,

p. 185) elucida que

Diante desse entendimento, abriu-se a


possibilidade de exclusão não somente de
valor originário de benefício assistencial ao
idoso, mas também o da Pessoa com
Deficiência e o benefício previdenciário de
valor correspondente a um salário mínimo,
pois não haveria fundamento em tratar
desigualmente situações de vulnerabilidade e
necessidades iguais.

Um ponto importante sobre essas decisões, tanto da


321
Reclamação nº 4.374/PB, como dos Recursos Extraordinários de nºs

567985 e 580963, é que, apesar de fato haver a declaração de

inconstitucionalidade, ela se deu de maneira parcial, para declarar

inconstitucional apenas o critério de ¼ do salário mínimo sem,

contudo, declarar a nulidade do artigo 20, §3º, da Lei 8.742/1993 e

artigo 34, parágrafo único, da Lei nº 10.471/03, conforme trecho da

ementa da referida reclamação transcrita abaixo.

Não se declara a inconstitucionalidade do art.


20, § 3º, da Lei n° 8.742/93, mas apenas se
reconhece a possibilidade de que esse
parâmetro objetivo seja conjugado, no caso
concreto, com outros fatores indicativos do
estado de penúria do cidadão (BRASIL, 2013,
p. 3)

Nesse sentido, Reis (2013, p. 49) observa que

O Plenário declarou a inconstitucionalidade


dos dispositivos infraconstitucionais, no
entanto, não pronunciou a nulidade das
regras atuais. Isto significa que houve uma
mitigação dos efeitos da declaração de
inconstitucionalidade, tendo em vista que os
efeitos retroativos da decisão podem trazer
um vácuo legislativo que se afaste ainda mais
da vontade constitucional. Esse argumento
também se justifica uma vez que dá a
oportunidade ao legislador e ao próprio
Poder Executivo, enquanto gestor desta
política social, de corrigir a imperfeição
322
identificada.

Isso significa dizer que, por não haver sido declarada a

inconstitucionalidade do dispositivo normativo que previa o critério no

valor de ¼ do salário mínimo, na prática, o INSS, autarquia que fica

encarregada de analisar e conceder o benefício à população,

continuava a valer-se do referido critério para indeferir os

requerimentos administrativos, gerando um entrave à concessão do

benefício administrativamente. Delgado (2019, p. 113) menciona que

O que se verifica é que a autarquia


previdenciária (INSS), a quem cabe
operacionalizar o BPC, faz aplicação concreta
da LOAS de forma avalorativa, neutra e literal,
de modo que não leva em consideração
aspectos subjetivos de cada caso concreto. A
consequência prática deste fato é a exclusão
de um contingente expressivo de pessoas
hipossuficientes que têm seu requerimento
negado por não se enquadrarem nos exatos
(SIC) temos da LOAS.

Veja-se que em razão disso, a saber, da não decretação de

nulidade do artigo 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 pelo STF, o problema da

judicialização do BPC não foi resolvido, já que o INSS está vinculado

aos requisitos legais estipulados na lei, de modo que a autarquia

indeferia os requerimentos alegando obediência ao princípio da

323
legalidade (ALVES, 2020).

Assim, visando resolver a discrepância entre as

interpretações dadas pelo Poder Judiciário e pelo Instituto Nacional de

Seguro Social, houve edição de leis que repercutiram no tema, a

exemplo da Lei 13.146, de 2015 e Lei nº 14.176 de 2021 (ALVES, 2020).

A Lei 13.146/2015 foi a responsável pela inclusão do §11 na

LOAS, trazendo a possibilidade de utilização de outros elementos para

aferição da miserabilidade e vulnerabilidade das pessoas elegíveis ao

BPC, indo ao encontro do entendimento firmado pelos Tribunais

Superiores:

§ 11. Para concessão do benefício de que trata


o caput deste artigo, poderão ser utilizados
outros elementos probatórios da condição de
miserabilidade do grupo familiar e da situação
de vulnerabilidade, conforme regulamento
(BRASIL, 1993).

Já no ano de 2021, o Poder Legislativo editou a Lei nº 14.176,

que altera a Lei nº 8.742/93 justamente no que tange ao critério de

miserabilidade. Conforme ementa da Lei nº 14.176/21, ela altera a

LOAS para

[...] para estabelecer o critério de renda


familiar per capita para acesso ao benefício de
prestação continuada, estipular parâmetros
adicionais de caracterização da situação de

324
miserabilidade e de vulnerabilidade social e
dispor sobre o auxílio-inclusão de que trata a
Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto
da Pessoa com Deficiência); autoriza, em
caráter excepcional, a realização de avaliação
social mediada por meio de videoconferência;
e dá outras providências (BRASIL, 2021).

Assim, uma das principais alterações proporcionadas pela

edição da referida lei foi a possibilidade de alargamento do critério de

miserabilidade de ¼ para até ½ do salário mínimo em se tratando de

BPC, conforme teor da nova redação do §11-A do artigo 20 da LOAS:

§ 11-A. O regulamento de que trata o § 11


deste artigo poderá ampliar o limite de renda
mensal familiar per capita previsto no § 3º
deste artigo para até 1/2 (meio) salário-
mínimo, observado o disposto no art. 20-B
desta Lei (BRASIL, 1993).

Contudo, esse aumento no limite da renda per capita não é

aplicado indiscriminadamente, de modo que o próprio § 11-A faz

menção ao disposto no artigo 20-B, que também foi uma novidade

trazida pela Lei nº 14.176 de 2021, prevendo:

Art. 20-B. Na avaliação de outros elementos


probatórios da condição de miserabilidade e
da situação de vulnerabilidade de que trata o
§ 11 do art. 20 desta Lei, serão considerados
os seguintes aspectos para ampliação do

325
critério de aferição da renda familiar mensal
per capita de que trata o § 11-A do referido
artigo:
I - o grau da deficiência;
II - a dependência de terceiros para o
desempenho de atividades básicas da vida
diária; e
III - o comprometimento do orçamento do
núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20
desta Lei exclusivamente com gastos médicos,
com tratamentos de saúde, com fraldas, com
alimentos especiais e com medicamentos do
idoso ou da pessoa com deficiência não
disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou
com serviços não prestados pelo Suas, desde
que comprovadamente necessários à
preservação da saúde e da vida.

Sobre as recentes alterações, Carmo (2021, p. 51) observa


que

Compulsando as normas expostas acima,


nota-se que as mudanças legislativas se
coadunam (SIC) as vertentes fixadas pela
Justiça no sentido
de alargar o critério de miserabilidade, tendo
em vista que este pode ter o limite aumentado
para ½ do salário mínimo. No entanto,
esclarece-se que esta norma tem eficácia
condicionada a edição de um decreto pelo
Presidente da República, que regulamente o
assunto de acordo com as regras
orçamentárias e de responsabilidade fiscal
(art. 6º, parágrafo único da Lei nº
326
14.176/2021).

Assim, veja-se que antes das alterações legislativas em

comento, a mensuração do critério de miserabilidade do benefício de

prestação continuada era feita unicamente observando o requisito

objetivo da renda familiar mensal per capita no valor de ¼ do salário

mínimo, o que restringia sobremaneira o alcance do benefício.

Ademais, esse requisito era visto como critério soberano de

identificador da situação de miserabilidade ou vulnerabilidade, de

modo que os gastos ordinários e extraordinários do núcleo familiar não

eram considerados na hora do cálculo aritmético (CASTRO; LAZZARI,

2020).

Com as alterações, passou-se a prever legalmente que o INSS

poderia se utilizar de meios adicionais para comprovar a

vulnerabilidade do pretenso beneficiário, levando-se em consideração,

inclusive, o grau de deficiência, a dependência de terceiros e o

comprometimento do orçamento do grupo familiar, sendo possível até

mesmo o seu alargamento para até ½ salário mínimo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo teve como escopo analisar os critérios para

a concessão do benefício assistencial de prestação continuada, mais

conhecido como BPC, especialmente o critério relacionado à renda.

327
Na primeira seção, tratou-se de discorrer sobre o benefício

de prestação continuada, qual a sua natureza, previsão legal, seus

requisitos, espécies e a sua finalidade. Como visto, o BPC é um

benefício assistencial previsto pela Lei nº 8742/1993, destinado à

pessoa com idade igual ou maior de sessenta e cinco anos ou

deficiente, que comprovem não possuir meios de prover à própria

manutenção ou de tê-la provida por sua família, sendo este último o

critério de miserabilidade. O benefício tem como finalidade prover uma

renda mínima àqueles em condição de vulnerabilidade.

No segundo momento, discorreu-se sobre o critério de

elegibilidade da miserabilidade segundo a interpretação legal, e como

isso era aplicado pelo INSS na prática na seara administrativa. Nesse

sentido, o §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, que menciona que será

considerado apto a receber o benefício somente as pessoas que se

encontram economicamente vulneráveis. Para aferir essa condição, por

muitos anos considerou-se a interpretação legalista da norma, de

modo que a renda mensal per capita no valor de ¼ do salário mínimo

previsto no §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93 era considerada o único

critério para concessão do benefício no que se refere ao requisito

econômico.

Todavia, a doutrina e a jurisprudência sempre discordaram

desse critério, sob o fundamento de que ele não poderia ser usado

como critério único de avaliação das condições econômico sociais da

328
população alvo do benefício, motivo que levou o benefício de

prestação continuada às graças do fenômeno da judicialização.

Na terceira seção passou-se à análise do entendimento

doutrinário e jurisprudencial acerca da possibilidade de relativização

do critério de miserabilidade de ¼ do salário mínimo previsto no §3º

do artigo 20, da Lei 8.742/93, até culminar na edição da Lei nº 14.176

de 2021.

Observou-se que a questão da caracterização do estado de

miserabilidade para fins de concessão do benefício de prestação

continuada sempre foi um tema de debates, especialmente dentro do

Poder Judiciário, uma vez que se questionava se o critério objetivo de

¼ do salário mínimo estava em consonância com os ditames

constitucionais e com a finalidade do benefício assistencial.

Em 2013, por meio da Reclamação nº 4.374/PB o STF, em

revisão de posicionamento, pacificou a questão ao decidir que o

critério objetivo previsto no §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93 não é

absoluto, de modo que é admissível estabelecer parâmetros adicionais

e complementares a fim de se aferir a real condição social e econômica

daquele que deseja receber o benefício assistencial.

Para o STF, a fórmula de cálculo prevista pela lei até então

(renda mensal familiar não superior a ¼ do salário mínimo) era

insuficiente e inconstitucional, levando-se em consideração a

finalidade do benefício, que é a de promover condições dignas a

329
pessoas em situação de vulnerabilidade.

A referida decisão do STF foi um verdadeiro marco, e a partir

dela a legislação que regulamenta o benefício sofreu alterações no que

se refere ao quesito socioeconômico. A exemplo disso, cita-se a Lei nº

13.146/2015, que trouxe a possibilidade de utilização de outros

elementos para aferição da miserabilidade e vulnerabilidade das

pessoas elegíveis ao BPC e a Lei nº 14.176.

No que se refere à Lei nº 14.176, verificou-se que ela foi a

responsável por aumentar o critério de miserabilidade de ¼ para ½ do

salário mínimo. Outra alteração relevante também diz respeito à

possibilidade de comprovar gastos extraordinários caso a renda

ultrapasse o quantitativo legal, sem que isso gerasse a inelegibilidade

do beneficiário.

Na prática, isso possibilita que pessoas que possuam uma

renda per capita um pouco acima do teto legal, mas que possuam

muitos gastos extraordinários, como saúde, alimentação especial, etc.,

tenham acesso ao benefício. A lógica é que, apesar de possuir uma

renda per capita maior, os gastos adicionais acabam retirando o poder


econômico daquela família em questão, mantendo a condição de

miserabilidade.

Conclui-se, portanto, que a alteração legislativa aproxima a

previsão legal do BPC ao entendimento jurisprudencial firmado e,

consequentemente, à realidade das pessoas em situação de

330
vulnerabilidade, proporcionando uma ampliação do benefício em

questão, além de privilegiar uma interpretação mais justa acerca da

situação de vulnerabilidade dos beneficiários.

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STOPA, Roberta. O direito constitucional ao Benefício de Prestação


Continuada da assistência social (BPC): o penoso caminho para o
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2017. Disponível em: https://sapientia.pucsp.br/handle/handle/20386.
Acesso em: 10 jan. 2023.

336
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E DIREITO: ENTREVISTAS REALIZADAS
COM OS ALUNOS DO 10º PERÍODO1 DO DIREITO DA FUPAC-
MARIANA

Eliane das Graças Pereira Ferreira2


Kamilly Cota Miranda
Letícia Porto Couto
Maria Luisa Gonçalves de Faria
Renato Luís Pereira
Wilyanne Silvestre Neves
Ms. Magna Campos3

RESUMO:

O presente ensaio apresenta uma breve pesquisa sobre o uso da


inteligência artificial no âmbito jurídico explorando opiniões e
experiências de estudantes do curso de Direito da instituição FUPAC-
Mariana. As discussões são embasadas em posicionamentos teóricos
relevantes sobre interface Inteligencia Artificial e o Direito.

Palavras-chave: inteligencia artificial. Direito. Modernidade líquida.

Covid-19. Inovações tecnológicas no Direito.

INTRODUÇÃO

1
Alunos do 10º período que estão fazendo agora a disciplina de Métodos para a
Normalização do Trabalho Acadêmico, do 1º período.
2
Todos(as) os integrantes são graduandos 1º período do curso de Direito da Faculdade
Presidente Antônio Carlos de Mariana.
3
Proponente e orientadora da pesquisa exploratória que deu origem a este ensaio.
Professora do curso de Direito da FUPAC-Mariana na área de linguagem e pesquisa.
Graduada em Letras (UFOP). Mestre em Letras (UFSJ). Especialista em Língua Portuguesa
(PUCMG). Especialista em Moderna Educação (PUCRS). MBA em Liderança, Gestão de
Equipes E Produtividade (PUCRS).
337
Desde os adventos da Revolução Industrial, o homem buscou

por inovações tecnológicas que pudessem ajudá-lo no seu cotidiano.

Nesta busca por melhorias as tecnologias transformaram o mundo em

que vivemos, e o homem a cada vez mais buscou por essa evolução

tecnológica até chegarmos no que temos hoje, que é a Inteligência

Artificial. Hoje a IA é uma realidade que a algum tempo atrás não era

nem imaginada e está presente em quase todas as áreas e não seria

diferente no âmbito jurídico.

No ano de 2020 a IA tornou-se um grande aliado e ganhou

destaque durante a pandemia da COVID-19 e contribuiu positivamente

nas demandas judiciais. Entretanto, o seu uso apresenta desafios tanto

para os acadêmicos quanto profissionais da área do Direito. Com a

inserção dessa tecnologia existem preocupações com a forma de

atuação e a falta de recursos para melhor aplicação de métodos

didáticos. Sob essa lógica, a tecnologia no ramo do direito ainda é vista

como complexa porque lida com realidades fáticas e jurídicas que

atrasam os resultados de aprendizagem tecnológica. Mas o uso da IA

no direito é um caminho sem volta, isso porque ela está cada vez mais

presente no âmbito social e profissional e isso acarreta muitas vezes

uma dificuldade de adaptação de seu uso no ambiente de trabalho,

porque muitas vezes existe uma barreira da utilização da IA como uma

ferramenta de auxílio no meio jurídico.

338
O uso da IA no meio jurídico trouxe alguns benefícios, dentre

eles podemos citar o aumento da produtividade dos profissionais e

melhorias na qualidade de diversas atividades como processamento,

coleta e análise de dados. A utilização de um ou de outro equipamento

tecnológico possibilita uma forma hábil de organizar o Estado.

Como qualquer outra atividade, existem riscos associados ao uso

das IA e outras tecnologias quando se fala em processo legal, isso

porque a falta de monitoramento no potencial das inovações

tecnológicas no que diz respeito aos direitos humanos. Ele precisa se

pautar no estabelecimento de padrões éticos mínimos para coibir essas

possíveis violações, abrindo assim novas possibilidades em prol da

justiça e do bem-estar de todos, ao mesmo tempo otimizando as

atividades desenvolvidas pelos profissionais da área.

Assim, o presente trabalho apresenta discussões que são

embasadas em posicionamentos teóricos relevantes para a construção

das ideias alcançadas por acadêmicos e profissionais da área do Direito.

INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS: O USO DAS VIDEOCONFERÊNCIAS E


INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO DIREITO

Hoje em dia muito se fala sobre a sociedade ou modernidade

líquida, o termo líquido, muito utilizado, pode nos levar a várias

questões, principalmente o que ele significa. A expressão nos é

339
apresentada pelo filósofo e sociólogo Zygmunt Bauman, que analisou a

mudança da modernidade “sólida” para a modernidade “líquida”.

O termo fluído, segundo Bauman é uma característica dos

líquidos e gases e não podem sustentar uma força e sofrem mudanças.

De acordo com o autor “os fluídos, por assim dizer, não fixam o espaço

nem prendem o tempo”. (BAUMAN, 2000).

Para Bauman, a sociedade estava no seu momento “sólido” onde

as coisas eram mais duradouras, e com a mudança para esse momento

líquido os primeiros sólidos a se dissolver foram “as lealdades

tradicionais, os direitos costumeiros e as obrigações que atavam pés e

mãos, impediam os movimentos e restringiam as iniciativas.” (BAUMAN,

2000). Ainda de acordo com o autor dissolver os sólidos quer dizer

acabar com os deveres inferiores que impossibilitava “a via do cálculo

racional dos efeitos.

O termo líquido é usado para refletir sobre a sociedade em que

vivemos, dessa forma é importante perceber que, como afirma Bauman

“a sociedade que entra no século XXI não é menos moderna que a que

entrou no século XX. O máximo que se pode dizer é que ela é moderna

de um modo diferente.” Então a pergunta que se faz é o que seria esses

“tempos líquidos?”

Para Bauman usar o termo pós-modernidade não seria apropriado

porque o padrão “moderno do capital e do consumo ainda não foram

superados”. Ele explica que o termo que melhor define seria

340
modernidade líquida, isso poque os “tempo são líquidos”, tudo muda

depressa, nada dura para sempre, nada é sólido. As situações se

acomodam temporariamente, provisoriamente para se desorganizar em

seguida. “Tudo é temporário. É por isso que sugeri a metáfora da

liquidez para caracterizar o estado da sociedade moderna que, como os

líquidos se caracteriza por uma incapacidade de manter a forma.”

(BAUMAN, 2000)

Dessa maneira, essa liquidez pode ser percebida em qualquer

segmento da nossa sociedade, quer estejamos falando dos

relacionamentos afetivos, quer seja no ambiente de trabalho, nas mídias

sociais, tudo muda com uma rapidez incrível. E como resultado dessa

liquidez temos transformações socioculturais e tecnológicas criadas pela

Modernidade Líquida tais como: curto prazo/aceleração; fragmentação

e a dispersão; o hiperconsumo de conteúdo/informação; a onipresença

da rede, da virtualidade; a convergência das tecnologias e das mídias; a

hiper-realidade e os nichos culturais.

Essas mudanças afetam de forma significativa o cotidiano das

pessoas, provocam nelas uma mudança no modo de ver e pensar o

mundo que os cercam. Modifica o seu ser, fazendo com que se forme o

que Bauman chama de sociedade líquida, onde nada é suficiente ou

para sempre.

A tecnologia que usamos no nosso dia a dia é um exemplo dessa

liquidez. Objetos que hoje são vistos como os de última geração

341
tecnológica se tornam obsoletas num período curto de meses, isso

porque os avanços tecnológicos caminham a passos largos, dentre ele,

temos a chamada Inteligência Artificial ou IA.

Listada pela Gartner entre as 12 principais tendências tecnológicas

de 2022, a Inteligência Artificial é, em suma, uma reprodução ou

simulação do pensamento humano por sistemas e máquinas. Por meio

dessa tecnologia, há a criação de robôs com a capacidade de não

somente efetuar tarefas como resolver problemas que antes precisavam

do raciocínio humano, podendo tomar decisões de forma autônoma. É

notório destacar que “robô” é um termo que não se restringe a

máquinas que simulam a forma física de uma pessoa. Ele pode ser

apenas um programa de computador que realiza tais funções através de

algoritmos inteligentes de modo semelhante a um ser humano.

Segundo os estudiosos do tema, a Inteligência Artificial deve ser

dividida em dois tipos: a IA Geral ou “forte” e a IA “fraca”. A IA Geral ou

“forte” é em sua maioria desenvolvida nos cenários de ficção, onde as

máquinas possuem a capacidade de decidirem pelos seres-humanos em

uma sociedade com contornos futuristas, um exemplo de utilização são

os episódios da série norte-americana Black Mirror disponível na

plataforma de streaming Netflix.

Apesar de existirem muitos estudos a respeito da possibilidade

do aprendizado de máquina e da autonomia para tomada de decisões

disponíveis em alguns sistemas de IA, as soluções atualmente existentes

342
no mercado estão longe dessa “perigosa modernidade”. Além disso, as

ferramentas hoje aplicadas em várias empresas e órgãos públicos não

podem ser comparadas a um mecanismo de uma Inteligência Artificial

“forte”.

Dessa forma, quando surgem discursos titulados de que a IA

tomará efetivas decisões pelos seres humanos ou de que as sentenças

judiciais serão proferidas pelas máquinas no futuro, deve-se ter cuidado,

esse tipo de solução se quer está disponível nos campos de pesquisa e

no mercado. Todavia, por mais que a tecnologia não tenha limitações

em questões de agilidade e intelecto, experiências intrinsecamente

humanas como a empatia e contextualização sociocultural ainda são

difíceis de reproduzir.

Com o uso da inteligência artificial cada vez mais presente no

nosso dia a dia e com a captação dos dados que circulam nas redes, ela

tem ganhado cada vez mais espaço para auxiliar e melhorar o

desempenho de vários profissionais dando lugar para outras inovações

tecnológicas. Com a sua chegada na área do direito pode trazer ganhos

na produtividade e melhor qualidade das atividades, otimizando o

tempo em tarefas que por mais simples demandam tempo para sua

realização.

Por meio de algoritmos sofisticados, é possível que através de

coleta de dados, processamentos e pesquisas, haja um aprendizado

muito mais rápido, para que possa auxiliar nas demandas dos escritórios

343
de advocacia, assim através de uma máquina é possível simular o

raciocínio de um profissional, para que o trabalho seja mais rápido e

organizado.

Com o uso da inteligência artificial é possível captar clientes

através de uma assistente virtual que pode ser pré-programada para

captação de dados e podendo desenvolver respostas rápidas a fim de

agilizar o atendimento e consultorias, potencializando as diversas

tarefas e o tempo dos advogados.

Nos dias atuais, mais do que nunca, a tecnologia e seus meios

vieram tomando grade espaço em nossa vida, desde as áreas comerciais,

trabalhista e até mesmo em nossa vida pessoal.

No ano de 2020, fomos pegos de surpreso por uma pandemia

mundial recorrente do vírus Covid-19 que acabou nos limitando em

diversos aspectos em nosso meio de viver e convier em sociedade. Um

vírus extremamente contagioso, acabou ocasionando de forma

catastrófica a morte de milhares de pessoas ao redor do mundo, além

desse impasse, enfrentamos problemas como o meio de trabalhar e

estudar que por exemplo tornaram de forma remota devido ao risco de

contaminação pelo vírus. Nesse período foi necessário a implantação de

meios para a resolução temporária em diversas áreas de trabalho, como

no meio jurídico.

Audiências de forma on-line se tornaram bastante comum

devido a situação que todos se encontraram, até mesmo agora com

344
grande parte da população com suas vacinas em dia muitos trabalhos

estão voltando presencialmente, meios que no começo vieram apenas

para ajudar passar pela pandemia estão ficando de fato, devido trazer

grandes benéfico para o ramo que trabalhamos. É de extrema

importância para nós, enquanto estudantes de direito, pesquisar e

ficarmos antenados aos benéficos que a Inteligência Artificial pode

trazer para o ramo jurídico.

No entanto, é necessário atentar que apesar dessa inovação

denominada, Inteligência Artificial, já está sendo aplicada na área do

direito, ela nem sempre irá resolver todas as questões, isso porque a

máquina não conseguirá resolver situações que apenas os humanos,

conseguem elaborar e resolver. Isso porque as máquinas são

programadas por outros profissionais através de algoritmos e desse

modo o algoritmo pode ser influenciado pelas pessoas que os criaram.

Durante os anos de 2020 e 2021 o uso da tecnologia foi algo

inovador em algumas áreas dentre ela no direito, as audiências

passaram a ser virtuais, para isso as videoconferências se tornaram

ferramenta indispensável no dia a dia jurídico. A presença das

videoconferências no Direito devido a pandemia de COVID- 19,

ocasionou um grande impacto no Poder Judiciário. Com o isolamento

social, e trabalhos acumulados o sistema judiciário necessitou adequar-

se ao novo modo de trabalho. Dessa forma, as audiências presenciais

foram substituídas por audiências virtuais, para suprir as demandas.

345
Assim, mesmo com algumas dificuldades a tecnologia

possibilitou o acesso do judiciário de modo simples e dando um marco

importante com diversas plataformas digitais, em que, possibilitou uma

medida importante sobre o cumprimento digital em atos processuais e

da ordem judicial nas: unidades jurisdicionais de primeira e segunda

instâncias dos Estados, Federal, do Trabalho, Militar e Eleitoral, bem

como os Tribunais Superiores com exceção do Supremo Tribunal

Federal. Nesse sentido, os direitos e garantias foram assegurados

constitucionalmente sempre sendo invocados pelas partes, expondo no

regulamento ações importantes para adequação virtual, de modo,

proporcionando uma nova visão acerca do direito e da tecnologia.

Segundo Vianna, pode-se considerar que a presença das

videoconferências no Direito a partir da pandemia de COVID- 19 devem

ser consideradas como o grande legado ao Poder Judiciário, aos

impactos sociais que estabelecem.

A inteligência artificial no Direito, segundo a autora, é resultado

da evolução gradual das tecnologias da informática. Primeiro, as

planilhas digitais simplificaram muito o armazenamento e consulta a

dados relevantes para processos, decisões e estratégias de defesa ou

acusação. Para Vianna as soluções de big data permitem processar esses

dados de maneira muito rápida, de modo que atualmente se perde

menos tempo com pesquisas e consultas a bancos de dados. Ela pode

atuar como assistente virtual dos profissionais do segmento,

346
automatizando tarefas de atendimento. Outra possibilidade é utilizá-la

para fazer pesquisas, prever resultados e rever contratos, tarefas que

geralmente trabalhosas quando feitas manualmente.

Ainda de acordo com Vianna, a inteligência artificial no judiciário,

sobem-se mais alguns degraus, pois os algoritmos aproveitam todos

esses dados para tomar ou sugerir decisões, apontar riscos e expor

correlações ou incongruências.

Ao automatizar certas tarefas, a IA permite que o profissional

aproveite melhor o seu tempo e dê maior atenção às ações estratégicas

e atendimento próximo ao cliente. Essa tecnologia, portanto, faz muito

mais do que apenas substituir o trabalho dos advogados. Ela reduz as

falhas e melhora a qualidade do serviço prestado para clientes e

contribuintes o que, no fim, resulta em mais justiça para todos.

O autor Fabiano Hartmann Peixoto, em seu livro “Direito e

Inteligência Artificial (2020), aborda como a IA pode ser útil nas questões

do Direito, dessa forma é necessário conhecer as capacidades de

sistema de IA para assim executar apoio as demandas jurídicas, as regras

de seu uso no Direito, bem como suas características e quais

ferramentas podem ser utilizadas no poder judiciário.

De acordo com Peixoto (2020) existem diversas capacidades de

sistema de IA que são relevantes no campo do direito e que podem

oferecer um suporte nas questões de ordem jurídicas. Dentre essas

capacidades, Peixoto (2020) destaca: reconhecer objetos/pessoas;

347
converter linguagem/imagem em texto; extrair significado através de

sentenças geradas; ordenar informações de uma forma prática;

combinar informações para alcançar conclusões, programar uma

sequência de ações para cumprir. O autor aponta também que, os

sistemas de reconhecimento, classificação, tradutores de perguntas e

respostas, de diagnósticos, de recomendação e planejadores, podem ser

importantes na resolução de problemas jurídicos nas mais diversas

ordens.

Outro fato trazido por Peixoto (2020) diz respeito as áreas do

Direito em que a IA pode ser utilizada. O autor afirma que os sistemas

de IA, podem ser elaborados e utilizado para o bem-estar e performance

no Direito. Sua utilização, de acordo com o autor, está desde a análise e

revisões de documentos, reunião e organização de informações

estratégias, pesquisas jurídicas e predição de decisões para determinada

tese, compliance e planejamentos sobre passivos, análise e otimização

de diligências até ampliação de canais de comunicação e inserção

profissional, “são só algumas áreas do Direito que já relataram

experiencias interessantes para o apoio da IA (PEIXOTO, p. 23, 2020).

Reconhecer padrões, identificar consistências e inconsistências

sob referências de uma racionalidade, melhorar aproveitamento de

fluxos informacionais, incrementar organização de ações estratégias e

permitir registros confiáveis para sistemas accountability, são

348
características da IA que podem auxiliar nas demandas jurídicas de

acordo com o autor.

Peixoto (2020) aborda que a característica de otimização dos

fluxos apoiado pela IA está sendo apreendida pelo judiciário em

dispositivos ajustáveis que aceitam a integração com a linguagem

jurídica, a estrutura de argumentação processual e a natureza dos

documentos envolvidos, nesse caso as peças processuais, documentos,

narrativas testemunhais e registros formais de andamento. Nesse

sentido, segundo Peixoto (2020), o uso da IA “justifica-se quando atenta

aos princípios estruturantes da jurisdição e ao processo, em que ela irá

contribuir com a celeridade, qualidade, profundidade e sensibilidade”, a

partir dessa afirmação, pode-se perceber o amplo campo em que a IA

pode contribuir para que o sistema judiciário possa crescer junto com a

tecnologia e o quanto essa tecnologia pode ser benéfica.

3. DESENHO METODOLÓGICO DA PESQUISA:

A implantação de novas tecnologias modifica a sociedade de

maneira cada vez mais radical. A associação entre pessoas e coisas se

modificam e dão origem a problemas jurídicos mais complexos. Devido

a um ritmo incessante das transformações, pautada pelo individualismo

e consumo, é abordado nessa pesquisa mudanças no direito advindas

da tecnologia e seus impactos para os institutos jurídicos tradicionais e

349
para a atuação dos profissionais do direito e na sociedade líquida, termo

difundido por Zygmunt Bauman.

Com o objetivo de saber o que pensam os alunos do curso de

Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos - FUPAC Mariana, sobre

o tema, a professora orientadora e docente na disciplina de Métodos

para a Normalização do Trabalho Acadêmico, propôs que os alunos do

1º período matriculados na disciplina, fizessem uma pesquisa com

alunos que estão nos períodos mais avençados do curso.

Dessa forma, a pesquisa apresentada, foi feita com seis alunos,

sendo quatro mulheres e dois homens, todos formandos em turma

especial4 do curso do Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos –

FUPAC-Mariana.

As entrevistas foram realizadas no período do dia 19/05 a

25/05/2022 e o objetivo principal é conhecer as opiniões acerca da

relação do Direito e Tecnologia na Sociedade Líquida. Para que se

obtivesse um resultado mais preciso, foram elaboradas sete questões

para um roteiro da entrevista, ao qual os entrevistados só tiverem acesso

no momento da entrevista, para evitar respostas artificializadas. No

momento da entrevista, o entrevistador não se posicionou, cumprindo

somente o papel de ouvinte, para que não houvesse interferências nos

resultados.

350
O grupo dos entrevistadores, alunos do 1º período, escolheram

seus entrevistados entrando em contato via WhatsApp, agendando o

melhor horário e o local. Assim, todas as entrevistas foram realizadas

nas dependências da faculdade, nos intervalos das aulas e todos se

mostraram abertos e dispostos a participar da pesquisa.

Após essa 1ª etapa, cada integrante do grupo ficou responsável

por fazer a transcrição da sua entrevista e em outro momento todas as

transcrições foram agrupadas em um arquivo e disponibilizadas para

que todos do grupo tivessem acesso as mesmas.

É importante ressaltar que todos os entrevistados assinaram um

termo de consentimento livre e esclarecido e para manter o sigilo de

todos os entrevistados tiveram seu nome omitidos, renomeados por

Respondente 1, R2, R3, R4, R5 e R6, respectivamente.

4. O QUE AS ENTREVISTAS REVELAM:

Primeira pergunta: Se a adoção do rito de videoconferências

para as audiências e julgamentos ocorreram, especialmente por causa


da pandemia, trouxe ganhos ou prejuízos aos processos para você?

Ao analisar as respostas da primeira questão, percebe-se que

para todos os entrevistados, R1, R2 R3, R4, R5 e R6 foram enfáticos ao

responder que sim, a adoção do rito de videoconferências trouxe

351
ganhos, no que diz respeito a utilização dessa nova forma de audiência,

responderam ser uma opção viável quando o isolamento devido a

pandemia era essencial.

R1: Acredito que trouxe benefícios (...) acredito


que não prejudica em nada o acesso à justiça (...)

R2: … acho que temos mais ganhos do que


perdas, em especial pelas partes poderem
realizar audiências de onde elas estiverem (...)

R3: … trouxe ganhos porque deu celeridade,


garantiu a qualidade de vida (...)

R4: … Acho que o rito de videoconferência


trouxe ganhos, é uma vez a época que vivemos
de pandemia (...)

R5: … trouxe ganhos, de forma bem objetiva,


porque tornou alguns processos mais céleres (...)

R6: … Bom em minha análise trouxe diversos


ganhos porque primeiramente facilitou como as
audiências acontecem né (...)

O que se percebe é que, para todos os entrevistados, a

inteligência artificial pode ser uma grande ferramenta para o judiciário

não apenas devido a pandemia.

Segunda Pergunta: Em sua perspectiva, esse sistema de

videoconferência para audiências e julgamentos, deve continuar ou não,


especialmente agora que a pandemia parece estar “indo embora” e

352
temos condições do retorno dos trabalhos presenciais. Pode nos
explicar por quê?

Com relação a segunda questão, os Respondentes 2, R3, R4, R5

e R6 acreditam que o sistema de videoconferências para audiências e

julgamentos devem continuar, isso porque o sistema adotado no

período de pandemia continua sendo viável, mesmo nesse momento

que esperamos ser uma pós-pandemia, mas que ao menos as atividades

presenciais puderam retornar a acontecer.

R2: Eu acho que deve continuar pelos avanços,


pelos ganhos (...)

R3: Eu acredito que deve continuar, porque


como eu disse garante qualidade de vida (...)

R4: É, eu acho que deve continuar (...)

R5: Sim, deve continuar (...)

R6: Sim, eu acho que isso é uma realidade que


veio para ficar. (...)

Já o entrevistado R1 acredita que deva continuar, mas tem uma

ressalva quando se trata de um júri popular. Para ele esse tipo de júri

requer perícia técnica e é necessário um contato mais próximo, tanto

para quem está sendo julgado quanto para a vítima. Mas para ou outros

tipos, acredita que seja viável que as videoconferências se mantenham.

353
R1: (…) uma audiência com júri popular, acredito
né, no meu pensamento, minha opinião pessoal,
que presencialmente é melhor (...)

(...), mas, audiências de conciliação, mediação,


(...) de alimentos mais simples, o ideal é que se
mantenha por videoconferência

De acordo com as repostas, pode-se perceber que o sistema de

videoconferências em alguns casos deva continuar, pois segundo eles é

viável pois traz segurança e celeridade aos processos.

Terceira Pergunta: No seu ponto de vista, em relação ao

emprego da inteligência artificial no poder judiciário, esse


direcionamento ou essa transferência da capacidade
jurisdicional/judicante às máquinas, empossadas de inteligência artificial
e isentas de características de pensamento humanas, representa
benefício ou perigo à segurança jurídica? Pode nos explicar por quê?

Com relação a terceira questão, os Respondentes 1, R2, R3 E R5,

acreditam que a respeito do emprego da inteligência artificial no poder

judiciário e seus possíveis benefícios e malefícios, há preocupações com

a forma de atuação que a inteligência artificial pode apresentar.

Questões como a imparcialidade, o caso concreto, a ética, o lado

humano por trás das sentenças, os valores morais, foram justificados.

354
R1: Acredito que, eu que a justiça, ela tem
muitas vezes que, de fato, estar um semelhante,
uma pessoa, ali por trás daquela decisão. Porque
uma máquina ela não vai ter sentimentos, vai
observar princípios, ela não vai observar valores
morais, éticos (...)

R2: (...) somente a inteligência artificial eu não


acho que seja efetivo, porque quando se fala de
processo você fala da vida humana você fala de
uma série de acontecimentos que não dá pra
programar uma coisa pra lidar com um processo
(...)

R3: (...) se uma pessoa tiver um viés, por


exemplo, o preconceito, então isso vai se
perpetuar com a máquina, então acredito que
isso é um problema porque a gente ainda não
tem capacidade de ser 100% imparcial. Então a
máquina também não tem essa capacidade
porque quem vai treinar a máquina é o ser
humano(...)

R5: (...) eu acredito que tem demandas que a


inteligência artificial ela pode ser usada de
forma pontual, tantas as outras não, até mesmo
porque a própria inteligência artificial ela
também é manipulada pelo homem(...)

Contudo, há também argumentos que expõem o lado positivo

da situação, os entrevistados R1, R2, R4, R5 e R6 acreditam que, em

355
casos nos quais sejam necessárias apenas a letra da lei, o trabalho com

trocas mútuas entre o ser humano e a máquina, com vistas a aumentar

a celeridade das demandas que são encontradas no judiciário, a

tecnologia pode facilitar o trabalho judiciário onde quer que os

profissionais estiverem e em situações como a pandemia da Covid-19,

por exemplo. Logo, é posto os prós e os contras em uma balança por

parte de todos os entrevistados, exibindo situações em que a

inteligência artificial é bem quista e em que ainda há a necessidade do

lado humano voltado para dentro do judiciário e uma possível

conciliação entre as partes.

R1: (...) em algumas situações que não vai ser


necessária uma análise de um ser humano, só
letra de lei, como um contrato, é, que já vem
preestabelecido, com as cláusulas
preestabelecidas, tudo bem (...)

R2: (...) a inteligência artificial trabalhando junto


com a mente humana pode ter um ganho
gigantesco (...)

R4: (...) eu acho que benefícios é tudo que


criaram aí durante a pandemia né, veio para
ajudar a gente para melhorar o sistema (...)

R5: (...) eu acredito que tem demandas que a


inteligência artificial ela pode ser usada de
forma pontual... eu acredito que dependendo do
caso concreto, ela pode ser sim uma ferramenta
de grande importância, e em outros é preciso

356
verificar e analisar a possibilidade de ser
utilizada ou não.

R6: (...) vejo muitas coisas benéficas ao poder


judiciário e as partes envolvidas em um
processo, porque nós temos aí, por exemplo, o
PJE que é o sistema de processo eletrônico que
já existia, mas que com a pandemia teve que ser
adaptado ali de forma muito rápida, né?

Quarta Pergunta: Qual a sua opinião sobre a seguinte alegação

de alguns dos defensores de maior uso da Inteligência Artificial no


Judiciário: “da capacidade de recursos tecnológicos inteligentes teriam
de “selecionar” e “atribuir” a melhor resposta a determinado caso
concreto [...], isto é, seriam responsáveis por trazer soluções mais
adequadas e pertinentes ao caso que se apresenta, de modo a promover
melhor aproximação do caso fático ao que se encontra preconizado no
ordenamento jurídico”.

Os entrevistados levantaram pontos de grande importância na

adição da Inteligência Artificial no meio jurídico, de grande

enriquecimento na área de forma para agregar ao profissional do Direito

ao longo de sua jornada de trabalho, mas também, entre eles, pontos

negativos. Essa afirmação pode ser confirmada pelos depoimentos dos

respondentes que de forma unânime acreditam que o uso da

inteligência artificial no meio jurídico pode ser de grande valia no

357
momento de selecionar e atribuir a melhor resposta em alguns casos

concretos.

R1 – (...) “Acredito que trouxe benefícios,


vez que fomenta a (...) processual e
acredito que não prejudica em nada o
acesso à justiça (...)

R2 – (...) “facilitar muita coisa a parte


autora por exemplo se não participar, ela
tem o processo extinto e arquivado (...)”

R3 - “Então, na minha análise, trouxe


ganhos porque deu celeridade, garantiu a
qualidade de vida, acesso (...)

R4 - “Acho que o rito de videoconferência


trouxe ganhos, é uma vez a época que
vivemos de pandemia não tá podendo ser
presencial os encontros, então veio para
ajudar e sanar o problema que estamos
no momento, para não paralisar os
processos que está tendo...”

R5 - “Trouxe ganhos, de forma bem


objetiva, porque tornou alguns processos
mais céleres, mais rápidos, no então tudo
que vem para desafogar o judiciário
independente de pandemia ou não”

R6 - “Bom, em minha análise trouxe


diversos ganhos porque primeiramente
facilitou como as audiências acontecem
né, podendo ali as partes envolvidas num

358
processo fazerem as audiências de sua
própria casa...”

Tento como base as respostas dos entrevistados, percebe-se que

os entrevistados são favoráveis a inclusão de mais recursos tecnológicos

e acreditam que se possa obter pontos positivos e negativos ao

adotarmos a Inteligência Artificial na área jurídica.

Quinta Pergunta: E quanto a essa outra alegação: “o emprego

da Inteligência Artificial na resolução de demandas repetitivas e

constantes (usuais) seria uma alternativa para “desafogar” o Judiciário,

promovendo a célere [rápida] resolução de litígios”.

Com relação ao emprego da Inteligência artificial ser uma opção

para “desafogar” o judiciário, os R1, R2, R4, R5 e R6 concordam que o

uso da inteligência artificial pode colaborar sim com a resolução de

demandas repetitivas e para ajudar a acelerar vários processos, desde

que seja utilizado em pequenas demandas e que não tenham impacto

em causas que dependam da prévia análise de casos individualmente,

mas que o uso dessa inteligência sempre teria que ser em conjunto com

a mente humana para que possa de fato ser eficiente.

R1 – Sim, nesse caso, se não for nada que


se for um caso que seja necessário apenas
a aplicação do texto de lei, eu acredito
que sim, a máquina ela pode estar
substituindo

359
R2: Sim, eu acho que ajuda a resolver
célere resolução dos litígios, porém eu
não acho que só a inteligência artificial
seja efetiva, como eu já disse
anteriormente é necessário a mente
humana para trabalhar em conjunto com
essa mente artificial.

R3: (...) muitos casos repetitivos devem ser


usados sim para ajudar (...)

R5: Sim, no próprio direito do trabalho,


tendo um instrumento que utiliza a forma
de você eliminar um processo porque ele
está sendo repetitivo (...)

R6: Bom, eu acho que não é só o, esses


meios eletrônicos que a gente precisa
para desafogar o judiciário, né? (...) Então,
sim, não creio que é uma alternativa que
consegue de fato, desafogar o judiciário,
mas já é um começo.

Já o R3 acredita que não vá ajudar de forma eficaz na resolução

dos casos, para ele seria preciso buscar soluções que fossem

compatíveis com determinados casos concretos, e que se for usada

como ferramenta tem grandes chances de contribuir, mas não como

instrumento de resolução.

R3:Litígios. É eu acredito que não (...). Eu


acredito que se for usada como

360
ferramenta tem grandes chances de
contribuir, mas como instrumento só pra
resolução não.

Sexta Pergunta: Você tem conhecimento de algum destes

sistemas de inteligência artificial empregados no judiciário brasileiro?


Quer citar algum deles?

Diante das respostas apresentadas perante a pesquisa Direito e

tecnologia, é perceptível variações acerca das respostas dos seis

respondentes do 1° período invertido. Nesse sentido, R1, R2 e R6

apresentaram um certo conhecimento sobre como a tecnologia vem

avançando para facilitar as demandas.

R1: Inteligência artificial acredito que é


aplicada hoje ao TJE(...) contribuir bastante
com os advogados porque já notifica, avisa
quando que o caso está em aberto, se foi
visualizado ou não, não precisa mais fazer
carga dos autos, já desafoga(...)

R2: (...) uma ferramenta implementada na


AGU que é para auxiliar na elaboração de
defesa é dentro da AGU acho que a
ferramenta chama até sapiens se seu não me
engano e é como eu disse, essa ferramenta é
para auxiliar.

R6: (...) eu conheço um sistema que ele não


julga, ele direciona mesmo as demandas é...

361
pra gente não perder prazo, citações, agora
esses que fazem o julgamento ou então que
aproximam né, (...) conheço alguns, como eu
já citei o PJE que o sistema de processo
eletrônico. Em São Paulo, não é PJE é SAGI.
Conheço da polícia civil também, que é o
PCNet, é, tem um da justiça criminal também,
se não me engano, é SCIELO.

Logo, é perceptível um conhecimento mais superficial,


pelo fato de os entrevistados não vivenciarem alguma relação das
tecnologias citadas nos estágios ou, até mesmo, na faculdade,
tendo um conhecimento breve acerca do direito e tecnologia.
Assim, os respondentes R3, R4, R5 demonstraram nenhum
conhecimento da inserção da tecnologia na profissão.

R3: Não, não conheço nenhum. Eu


conheço um sistema que ele não julga, ele
direciona mesmo as demandas é... (...)

R4: No momento que eu me lembre não.


Não lembro de nenhum não.
R5: Não, eu não tenho conhecimento, já
até ouvi falar sobre essa possibilidade,
mas na prática não presenciei nenhum
caso ou ouvir falar que foi utilizado cerca
de algum julgamento ou investigação,
não tenho conhecimento.

Portanto, a questão de como o Direito e tecnologia na profissão

ainda é muito insipiente, parte dos respondentes tem um conhecimento

sucinto e outros não apresentam nenhum.

362
Sétima pergunta: Você se sente animado ou preocupado com

a inserção da Inteligência Artificial no judiciário? Pode nos explicar por


quê?

Ao serem questionados se sentiam-se animados ou

preocupados com a inserção da inteligência artificial no judiciário, os

respondentes expressaram tanto pensamentos otimistas quanto

preocupações para com essas mudanças.

Por exemplo, o R6 foi o único a se mostrar animado, afirmando

que a adesão das tecnologias nos meios judiciais seria uma mudança

positiva, pois facilitaria o trabalho dos advogados.

R6: (...) “as pessoas precisavam estar


sempre indo ao fórum, gastando papel.
Hoje em dia não, hoje em dia um
advogado pode trabalhar de sua casa,

Já os respondentes R2 e R4, ao mesmo tempo que se

demonstraram animados, mas também expressaram certas

preocupações. O R2 afirma que, se a ideia for trazer a inteligência

artificial como uma maneira para auxiliar o ser humano na análise dos

casos, seria sim algo interessante. Mas, se a intenção for de que a

tecnologia realize todo o trabalho substituindo a análise humana então,

não seria uma adesão positiva. O R4 também se mostrou receoso,

363
acreditando que esta mudança poderia ser um meio de acabar com a

profissão dos advogados.

R2: (...) “se for para a inteligência artificial


trabalhar em conjunto com a mente
humana e trazer solução mais célere (...) é
sim eficiente e legal, porém se for pra essa
inteligência artificial trabalhar sozinha eu
acho que não é efetivo (...)

R4: (...) “mas é eu acho que tem que se


preocupar pode ser uma forma de acabar
mesmo com o emprego dos advogados
né (...)

Os entrevistados R1, R3 e R5 foram os únicos que expressaram

preocupações com o uso da tecnologia nas áreas jurídicas. O

respondente 5 afirma que a demanda tecnológica que essa mudança

pede não alcançaria todas as áreas, sendo que muitas cidades e

municípios mais simples não dispões da tecnologia necessária para

realizar determinados trabalhos virtuais.

R1: “Então, implantar a tecnologia em


todos os setores, eu acho que é algo que
deve ser repensado, principalmente no
judiciário porque já é comprovado que o
ser humano está se tornando cada vez
mais estressado, mais ansioso... devido a
tecnologia. (...)

364
R5: “Eu sinto preocupado porque as
audiências virtuais é um investimento bem
mais inferior e muitas cidades pararam por
faltas desses instrumentos, quanto mais o
uso das inteligências artificiais que
dependeria de uma demanda totalmente
maior, já que estamos falando de
computadores e tecnológicas avançadas,
então faltaria demanda presente nesse
meio jurídico.”

Já o entrevistado R3, não acredita que o uso da tecnologia

artificial como órgão julgador daria certo. Para ele, o advogado ainda

exerce bem esta função. Ele demonstrou-se extremamente preocupado

com a questão da proteção dos dados pessoais dos indivíduos, para ele

a iniciativa só daria certo depois de ser feita uma mudança e ampliação

no judiciário.

R3: “como que isso pode dar certo num


país que nem o Brasil que tem muitos
processos que demoram a ser julgados,
mas é porque tem um grande volume e
pouca mão de obra, então assim, eu acho
que primeiro a gente tinha que ampliar
mesmo o nosso judiciário pra depois
pensar em ferramentas, porquê se elas
forem utilizadas somente como
ferramentas tem grandes chances de dar
certo.”

365
De acordo com as análises feitas percebe-se que todos os

entrevistados concordam que durante a pandemia a inteligência

artificial trouxe grandes benefícios para o meio jurídico, mas se torna

algo preocupante em outro momento. O medo de ser substituído é um

deles mesmo sabendo que algumas decisões não se podem contar

apenas com a razão, algo que a máquina com seus algoritmos saberia

responder. O fator humano deve estar sempre presente em qualquer

decisão em que a vida de uma pessoa será afetada.

REFERÊNCIAS:

ALENCAR, Ana Catarina. A Inteligência Artificial no Poder Judiciário


Brasileiro: entendendo a nova “Justiça Digital”. Disponível em:
https://www.turivius.com/portal/inteligencia-artificial-no-poder-
judiciario/ .Acesso em: 02 jun. 2022.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de janeiro: Jorge Zahar,


2001.

BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,


2007.

BLOG NEGÓCIOS E TECNOLOGIA. Inteligência Artificial no Direito: qual


a importância e como é implementada. Disponível em:
https://www.umov.me/inteligencia-artificial-no-direito/ Acesso em: jun.
2022.

EBRADI. Qual é a influência da Inteligência Artificial no Direito?


Disponível em: https://blog.ebradi.com.br/inteligencia-artificial-no-
direito/ Acesso em: mar. 2023.

366
FIA BUSINESS SCHOOL. Inteligência Artificial no Direito: O que é e
Principais Impactos. Disponível em:
https://fia.com.br/blog/inteligencia-artificial-no-direito/amp/ Acesso
em: mar. 2023.

VIANNA, Maria Amelia Mastrorosa. Audiências virtuais: o legado da


covid-19 ao Poder Judiciário. Disponível em:
https://www.migalhas.com.br/depeso/345325/audiencias-virtuais--o-
legado-da-covid-19-ao-poder-judiciario. Acesso em: jun. 2022.

367
A TUTELA JURÍDICA DOS BENS DIGITAIS APÓS A MORTE E O
RECONHECIMENTO DA HERANÇA DIGITAL

Eliane Aparecida Marques Damasceno1


Michele Aparecida Gomes Guimarães2

RESUMO

O presente estudo enreda um tema amarrado numa premissa - que é


do conhecimento geral - de que o homem é um ser social e o único
animal que produz cultura. Sendo assim, procura-se demonstrar que,
em todos os tempos, o homem, enquanto um ser social promoveu
mudanças no meio ambiente à sua volta deixando rastros de sua
passagem e se adaptando frente aos novos desafios que lhe eram
apresentados. O homem moderno está inserido num cenário de espaços
virtuais, e, apesar de este espaço existir já há algum tempo, o homem
ainda está tateando no escuro no que tange a forma como convive com
as suas interações com este espaço. Neste sentido, buscou-se inserir o
homem moderno dentro de um cenário de redes sociais
interconectadas, traçando uma luz, sob a perspectiva do direito, sobre a
herança digital, a herança sobre estas pegadas deixadas no ciberespaço.
A pesquisa visa analisar os desafios do mundo moderno e do Direito
frente à internet, visando os meios de comunicação cada vez mais
rápidos e seu impacto nas tradicionais agências de socialização e a
posterior adaptação do homem e das agências de socialização frente à
estas novas modalidades de comunicação bem como a atuação do
direito frente à herança digital deixada por alguém com todo o seu
emblemático valor sentimental. Desta análise, extraiu-se a conclusão de

1Graduada em Direito pela Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana,.


2
Mestre em Direito. Professora de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos de
Mariana. Tutora à Distância da Universidade Federal de Ouro Preto. Advogada e
Consultora Jurídica.
368
que o Direito, apesar das diversas tentativas de regulamentar a herança
digital respeitando sua natureza ainda não a normatizou plenamente.

Palavras-chave: Herança. Direito. Redes Sociais. Sucessão.

INTRODUÇÃO

Hodiernamente, as pessoas estão cada vez mais conectadas via

redes sociais, como, por exemplo, Facebook, Twitter, Instagram, Whats

App, Snapchat, LinkedIn, You Tube, 3


dentre tantas outras. Nestes

espaços, a imagem realmente vale mais do que mil palavras. Para

Almeida (2017, p. 27):

O que se pode observar é que na sociedade


atual está-se rapidamente mudando hábitos,
passa-se de um mundo físico para um mundo
digital. É muito comum, hoje, que a primeira
coisa a se fazer pela manhã seja verificar o
celular. Lá estará a agenda, as notícias do dia e
não só de política ou economia, mas dos amigos
que compõem a rede social. Com o celular,
também é possível escutar músicas ou receber o
direcionamento de algum lugar que se deseje ir
ou de informações sobre o tráfego. O celular,
provavelmente, é conectado ao carro. É possível
ainda, por meio dele, pagar contas ou
acompanhar suas despesas feitas pelos cartões
de débito e/ou crédito por meio de um

3
Redes sociais acessadas em mídia digital.
369
aplicativo nele instalado. É possível tirar fotos de
algum evento ou de algo que repute ser notícia
e rapidamente compartilhá-las.

Neste nicho, o foco do estudo em epígrafe é o direito da

sucessão do acervo digital, mais especificadamente, no âmbito da tutela

jurídica dos bens digitais post mortem no Ordenamento Jurídico

Brasileiro, quanto ao reconhecimento da herança digital e sua relação

com o Direito da Personalidade e o Direito à Privacidade do de cujus.

A pergunta motriz que direciona esta pesquisa é: qual o destino

dado aos bens digitais após a morte de seu titular? A referida indagação

é das subsequentes perguntas que desta se derivam: Há possibilidade

jurídica de transmissão de bens digitais no Ordenamento Jurídico

Brasileiro? A transmissão dos bens digitais afetaria o Direito da

Personalidade e o Direito à Privacidade do de cujus? Existe a

possibilidade de testamento de bens digitais?

Diante de tais questionamentos, para que se consiga efetivar

esta pesquisa foram elencados objetivo geral e objetivos específicos,

sendo o geral discutir a possibilidade de reconhecimento da herança

digital, bem como analisar se a transmissão desses bens afeta o Direito

da Personalidade e o Direito à Privacidade do de cujus. Isso é seguido

dos objetivos específicos: caracterizar Herança como uma Garantia

Constitucional; descrever a evolução da internet, o conceito de bem

digital e o crescente armazenamento desses bens por seus titulares;

expor a atual regulamentação dos bens digitais (Termos de uso e


370
serviços, Políticas de Privacidade); e, por fim, demonstrar uma possível

regulamentação legal dos bens digitais através dos Projetos de Lei

4099/2012 e 4847-2012 (arquivado).

O estudo traz à tona uma importante discussão a respeito de

haver ou não a possibilidade de transmissão dos bens digitais do de

cujus aos seus herdeiros, a fim de levar esclarecimento para qualquer


um que possa vir a ler este estudo futuramente. Já, na esfera acadêmica,

sendo a herança digital um assunto relativamente novo, porquanto se

sabe que o direito não se move na mesma velocidade que a sociedade,

a qual através de avanços tecnológicos, muda seu comportamento,

costumes e consumo sem que o direito esteja preparado para a atual

realidade.

O estudo se valerá do método de pesquisa indutivo, tendo em

vista que a temática não está pacificada e ainda não possui total

regulamentação legal. Para Marconi e Lakastos (2003, p. 86): “indução é

um processo mental por intermédio do qual, partindo de dados

particulares, suficientemente constatados, infere-se uma verdade geral

ou universal, não contida nas partes examinadas”. Já a caracterização da

pesquisa quanto ao tipo, encaixa-se na categoria geral da pesquisa

teórica, básica e qualitativa, por se destinar ao conhecimento

aprofundado acerca da herança digital, por meio de análise textual, de

legislações, códigos e julgados, já que conforme Gil (2008, p. 134) “nas

pesquisas qualitativas, o conjunto inicial de categorias em geral é

371
reexaminado e modificado sucessivamente, com vista em obter ideais

mais abrangentes e significativos.” E, na categoria específica, classifica-

se como pesquisa bibliográfica, tendo em vista que se valerá de estudos

da literatura específica contida em artigos científicos e livros. Ainda, por

se propor a usar a legislação, códigos e julgados também ganha o

patamar de pesquisa documental. Ainda segundo Gil (2008, p. 44) “a

pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já

elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”.

Quanto aos procedimentos, a pesquisa será desenvolvida da

seguinte forma: em primeiro lugar, haverá um estudo da legislação e

códigos que tratem da herança a fim de conceituar e abordar seus

principais aspectos. Consoante com isto ocorrerá um estudo e

contextualização da evolução da internet a partir da análise de livros e

artigos científicos seguido de um levantamento, por meio de

questionário para ilustrar o crescente armazenamento de bens digitais.

Posteriormente, seguirá a demonstração da atual regulamentação dos

bens digitais a partir do estudo dos Termos de Uso e Políticas de

Privacidade, bem como o estudo dos Projetos de Leis 4099/2012 e

4847/2012, buscando o reconhecimento da Herança Digital e sua

possível regulamentação legal sem ferir os Direitos da Personalidade e

os Direitos à Privacidade do de cujus.

Salienta-se que este tema é bastante recente, e, devido a isto, foi

pouco pesquisado. No entanto, é possível elencar alguns autores como,

372
por exemplo, Castells (1999), Levy (1999), Ribeiro (2016), Adriano de

Cupis (2008) e Dias (2008), cujos entendimentos servem de marco

teórico para a presente pesquisa. Este referencial será montado sobre a

dinamicidade da sociedade, os avanços da tecnologia, as mudanças de

comportamento das pessoas frente as novas possibilidades de

interagirem e como o Direito acompanha estas mudanças.

A estruturação deste trabalho far-se-á da seguinte forma: na

parte introdutória, haverá uma contextualização, de forma geral, bem

como a caracterização da pesquisa, em suas diversas e a justificativa

para ela. Na parte do desenvolvimento, serão contemplados os

seguintes temas: direitos da personalidade versus direito sucessório na

sociedade em rede, temporalidade dos direitos da personalidade da

pessoa falecida, noções gerais de direito das sucessões, breve evolução

histórica do desenvolvimento da internet ao ciberespaço, sociedade em

rede, a herança digital: necessidade de tutela legislativa por meio de

avanços no direito digital, conceituação de herança digital e ativos

digitais, auto-regulamentação: possibilidades ofertadas por alguns sites

e aplicativos para o gerenciamento de contas de pessoas falecidas, casos

internacionais e nacionais envolvendo a herança digital, projetos de lei

n° 4.099/2012 e n° 4.847/2012 e o marco civil da internet (lei

12.965/2014). Por fim, na parte da conclusão, será elencada uma

consideração final sobre o arcabouço teórico.

373
A sociedade descobriu e se descobriu nas redes sociais, nestas

novas formas de ver e se ver no mundo, novos comportamentos são

celebrados. Neste sentido, a herança digital aparece como uma nova

possibilidade de deixar seus bens, e, simultaneamente, uma nova forma

de se ver estes bens. A emoção, o carinho passam a virar parte de um

grande patrimônio digital. O Direito, seguindo sua finalidade atual,

tende a acompanhar normatizando esta importante parte da vida

moderna. A busca pela elucidação do seguinte questionamento

norteará a pesquisa: qual o destino dado aos bens digitais após a morte

de seu titular? A tutela jurídica dos bens digitais após a morte impõe

uma análise da possibilidade de reconhecimento da herança digital nos

moldes das redes sociais é um imperativo para a Lei já que “a questão

valorativa, seja ela um valor econômico, afetivo ou histórico é apenas

uma a ser evidenciada” (ALMEIDA, 2017, p. 29). A valorização do

material, apesar de parecer dúbio, subjetivo e objetivo deve ser

vislumbrada no instituto da transmissão de bens digitais nesta nova

sociedade.

DESENVOLVIMENTO

Nesta parte, far-se-á um arcabouço teórico elaborado com os

autores renomados da área onde se buscará elucidar os conceitos que

envolvem meandros intrincados que levam ao escopo do texto.

Definição de herança contextualizada nas sociedades em redes,

374
herdeiros legalmente constituídos, natureza do bem digital inserido

num cenário de multiplicidade de formas de comunicação. Tais

conceitos servirão de base para, em seguida, elaborar análise de dados.

2.0 DIREITO DIGITAL

O homem é um ser social, desde o nascimento até a sua morte

vive rodeado por seus pares conforme enfatiza Durkheim (1978, p. 45)

citado por Setton (2009, p. 337-338) quando diz que:

Na verdade, o homem não é humano senão


porque vive em sociedade. [...] É a sociedade que
nos lança fora de nós mesmos, que nos obriga a
considerar outros interesses que não os nossos,
que nos ensina a dominar as paixões, os
instintos, e dar-lhes lei, ensinando-nos o
sacrifício, a privação, a subordinação dos nossos
fins individuais a outros mais elevados. Todo o
sistema de representação que mantém em nós
a ideia e o sentimento da lei, da disciplina
interna ou externa, é instituído pela sociedade.

A configuração em rede trouxe novas possibilidades para realçar

a interação social de tal forma que o advento da internet trouxe diversas

inovações para a rotina das pessoas. Entretanto, este movimento

iniciou-se um pouco antes. Nas décadas de 1950 e 1960, houve grandes

transformações decorrentes da guerra fria entre EUA e URSS. Buscavam

corroborar a ideologia com a pragmática da ciência. Novas conquistas


375
para a humanidade foram alcançadas, o ser vivo no espaço, o homem

na lua, novas tecnologias foram introduzidas na sociedade, iniciou-se

uma inovação, uma nova estrutura social dominante: a sociedade em

rede. Para Castells, “uma sociedade em rede é um conjunto de nós

interconectados que podem ser dos mais variados tipos, como por

exemplo, rede de fluxo financeira globais, de produção e distribuição de

drogas, etc.” (CASTELLS, 1999, p. 39).

A visibilidade nas redes sociais é um assunto que emerge dos

tempos modernos e das invenções tecnológicas, das novas formas de

ver e de ser visto pelo outro. Hoje, conforme o artista Andy Warhol disse,

na década de 60, que: “no futuro, toda a gente será célebre durante

quinze minutos” (WARHOL citado por SANTANA, 2006, p. 1). Profética,

esta frase está alinhada com a necessidade que cada ser humano tem

de ser reconhecido pelo outro. Em face de haver morte ou incapacidade,

todo o arquivo digitalizado permanece e, daí surge à questão do que

fazer com este material. Outro ponto a ser levantado também é a

receptividade que este material digital recebe dos fãs do falecido. Estas

pessoas precisam de alguma coisa do seu ídolo, algo que assegure uma

sensação de possuir seu ídolo novamente.

Para Hall (1997) citado por Setton (2009, p. 336), hoje, “é cada

vez mais difícil manter a tradicional distinção entre ‘interior’ e ‘exterior’,

entre o social e o psíquico, quando a cultura intervém” de tal forma que

o acervo do ídolo passa a ser de domínio coletivo”. Percebe-se a

376
mudança na sociedade de forma palpável, as pessoas viraram modelos

e seguidores, ao mesmo tempo. Elas querem se mostrar não somente

para seus vizinhos, mas para todo o mundo. Todos querem visibilidade.

E, este desejo íntimo de aceitação e de visibilidade, deixa todo um

acervo digital.

Além da dimensão interior e exterior, nota-se que o tempo

ganha uma nova definição nas sociedades em redes, ainda Castells

(1999, p. 526) aponta para esta nova forma de lidar com o tempo

quando diz que:

Esse tempo linear, irreversível, mensurável e


previsível está sendo fragmentado na sociedade
em rede, em movimento de extraordinária
importância histórica. No entanto, não estamos
testemunhando apenas uma relativização do
tempo de acordo com os contextos sociais ou,
de forma alternativa, o retorno à reversibilidade
temporal, como se a realidade fosse
inteiramente captadas em mitos cíclicos.

O acervo digital de uma pessoa que possui muitos fãs ganha

importância, pois leva aos mesmos a recriarem os momentos vividos

pelo ídolo em ciclos que vão se repetindo para esta e para novas

gerações.

Percebe-se que, neste novo formato de interagir, as redes

sociais, a herança ganha uma nova conceituação, tanto na sua natureza,

já que não se trata de dinheiro ou imóveis, como tradicionalmente


377
ocorre. Esta herança é composta por vivencias compartilhadas em rede

e sua valoração é mensurada pelo grau de importância do falecido para

suas fãs. Logo, em princípio há que se definir a instituição da herança

nos termos da lei.

3.0 INSTITUTO DA HERANÇA

O instituto da herança, o direito de herança, encontra-se

definido na Constituição, em seu artigo 5º, inciso XXX:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem


distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
XXX - é garantido o direito de herança; (BRASIL,
CF 1988)

O instituto desse direito é regulamentado nos artigos de

números 1.784 a 2.027 do Código Civil. O conjunto destas normas que

tratam exclusivamente da transferência do patrimônio (incluindo bens e

dívidas) é denominado de Direito das Sucessões. De tal forma que estas

normatizações regulamentam a transferência de patrimônio entre o

ente falecido e seus herdeiros legalmente estabelecidos. O Código Civil

também vislumbra as exclusões, como, por exemplo, aquelas que

atuaram como autores, coautores ou partícipes de crimes específicos

378
contra o autor da herança - homicídio doloso ou tentativa deste, crimes

contra a honra - são excluídas da sucessão, conforme Código Civil,

Capítulo V, artigos de números 1814 a 1818. Estabelece-se, neste

recorte, o instituto da herança (BRASIL, NCPC, 2015). O Instituto

da herança diz respeito à normatização da forma como as pessoas

dispõem de seus bens, seja para seus descendentes diretos seja para

pessoas de sua preferência. A rigor, tal instituto acaba enaltecendo a

família, na medida em que preserva o seu patrimônio. E, de outra forma,

também pontua a exclusão do herdeiro que busca antecipar a herança

por meio do assassinato - o que inviabiliza a ideia de família, de núcleo

familiar.

3.1 Herança Tradicional

Dentro do Instituto da herança e frente ao tema abordado nesta

pesquisa, torna-se necessário discernir a herança tradicional da herança

digital. Instituto, este, já definido nas normatizações do Código Civil,

passa-se, então, a análise da natureza da herança. A herança tradicional

constitui-se de um conjunto de bens e ações ou o patrimônio, em que

se abarcam os direitos, dívidas, encargos e obrigações que uma pessoa

falecida – o de cujus - deixa aos seus sucessores legítimos. Entende-se

a herança como um todo, mesmo que sejam vários os herdeiros

(FAZENDA, 2015, p. 2).

379
Para Ribeiro (2016, p. 17) a definição de herança é pautada como

sendo “patrimônio deixado pelo falecido, o qual será transferido aos

herdeiros necessários ou testamentários. Com o falecimento, transmite-

se, instantaneamente, aos sucessores a herança, e esta passa a fazer

parte do patrimônio de quem a recebeu”.

A sucessão ou o direito sucessório possui uma transcendência

sobre o tempo, pois nele está implícito o direito de propriedade privada

conforme esclarecem Barreto e Nery Neto (2016, p. 1) quanto à natureza

da sucessão:

O direito sucessório é instituto milenar, de


extrema importância para a vida em sociedade.
É dotado de uma relevante função social, que
pode passar despercebida em um primeiro
olhar: a garantia de sucessão ou
transmissibilidade dos bens fortalece o instituto
da propriedade privada e o interesse do homem
em produzir, gerar renda, valores, bens, sabendo
que aquilo se transmitirá a seus herdeiros.

Como já mencionado anteriormente, o instituto da herança

fortalece o núcleo familiar na medida em que transfere bens para

herdeiros diretos mantendo uma linhagem. Para além disto, tal instituto

também assegura a importância da propriedade privada, cuja função

social está centrada na transmissão dela aos herdeiros em linha direta

da família, perpetuando a noção de núcleo familiar.

Quanto à formalidade da sucessão, Ribeiro propõe que:

380
A transferência ocorre mesmo que o sucessor
ainda não tenha conhecimento da morte do
titular da herança, ela acontece no momento da
abertura da sucessão.
A sucessão aos bens deixados pelo falecido por
seus herdeiros pode ocorrer de duas formas:
testamentária, expressa pelo de cujus em
disposição de última vontade, por meio do
testamento, ou legítima a que decorre de
previsão em lei (RIBEIRO, 2016, p. 16).

Esta transferência de herança pode acontecer através do

testamento, no qual o detentor de bens passa-os para todos os seus

herdeiros diretos, especificando quem fica com o quê, preterindo alguns

herdeiros em detrimento de outros, ou com alguém de fora do núcleo

familiar. As regras de sucessão testamentária visam normatizar tais

transferências. Dentro do arcabouço do Direito, cada pessoa tem a

liberdade de escolher a quem deixar seus bens conforme determinado

pela sucessão testamentária na forma da Lei:

A sucessão testamentária ocorre por disposição


de última vontade (testamento). Havendo
herdeiros necessários (cônjuge sobrevivente,
descendentes ou ascendentes), o testador só
poderá dispor de metade da herança (art. 1.789
do código civil). A outra metade constitui a
“legítima”, assegurada aos herdeiros
necessários. Se o testador for casado sob o
regime da comunhão universal de bens (art.
1.667 do código civil) o patrimônio do casal será
dividido em duas meações e a pessoa só poderá

381
dispor da sua meação (BRASIL, NCPC, SENADO
FEDERAL, 2016).

A sucessão testamentária, dentro do instituto da herança

tradicional, vislumbra bens e dívidas que são palpáveis, materialmente

construídas, compõe-se de imóveis, dinheiro em contas, dívidas a pagar,

automóveis, terrenos etc. O foco deste trabalho dirige-se a um outro

tipo de herança, imaterial, intangível, a herança digital que pegou carona

na ascensão das mídias sociais e na democratização do acesso à

internet.
Nesse cenário, seria possível elencar a normatização, já

pacificada da sucessão testamentária, também para a herança digital,

visto que esta se assente em bens que não se encontram tangenciado

pelo meio material como os tradicionais? É o que se pretende responder

nos tópicos que seguem.

3.2 Herança Digital

O acervo digital foi criado diante das novas possibilidades

tecnológicas; novas formas de interagir foram criadas; novos

simbologismos foram emergindo. “O advento da modernidade arranca

crescentemente o espaço do tempo fomentando relações entre outros

”ausentes”, localmente distantes de qualquer situação dada ou interação

face-a-face” (GIDDENS apud SETTON, 2005, p. 337 ).

382
Em face disto assim se expõe Lévy: “uma comunidade virtual não

é irreal, imaginária ou ilusória, trata-se simplesmente de um coletivo

mais ou menos permanente que se organiza por meio do novo correio

eletrônico mundial ” (LÉVY, 1999, p. 132).

E este coletivo pode ser visto como um mercado econômico

pronto para ser explorado em diversas áreas inclusive com os ativos

resultantes da memória de uma pessoa já falecida e que, em vida, tinha

grande projeção social. Em outros países, a preocupação com a

destinação dada aos bens digitais já vem sendo estabelecida como

aponta Edward:

Países da common law, tais como Estados


Unidos e Reino Unido, têm definido os bens
digitais - digital assets - de forma ampla,
incluindo, perfis de redes sociais, e-mail, tweets,
base de dados em nuvem, dados de jogos
virtuais, senhas de contas, nomes de domínio,
icons de contas4 ou imagens relacionadas a
avatars, e-books, músicas, imagens, textos
digitalizados, entre outras possibilidades
(EDWARDS; HARBINJA, 2013 citado por
ALMEIDA, 2017, p. 37).

Em uma pesquisa realizada pela empresa McAfee entre

consumidores brasileiros aferiu-se que o acervo digital de uma

personalidade pode ser revertido em um ativo financeiro rentável que

transforma em mercadorias aliadas com a imagem da personalidade

falecida tais como:

383
Arquivos, fotos, documentos, PDFs, e-books,
músicas, senhas de redes sociais: a cada dia, o
patrimônio digital de usuários da internet
aumenta. Pesquisa sobre o Valor dos Ativos
Digitais no Brasil, realizada pela empresa de
segurança digital McAfee e divulgada em
setembro, revela que o valor médio atribuído
pelos brasileiros aos seus patrimônios digitais é
de mais de R$ 200 mil. Além disso, entrevistados
indicaram que 38% de seus bens digitais são
insubstituíveis, volume avaliado em mais de R$
90 mil. Com a crescente importância desses
bens, surge a pergunta: o que fazer com todo
esse patrimônio após a morte? No Brasil e o no
exterior, a nova era de tecnologia traz mais uma
preocupação para quem já parou para pensar na
própria morte: a herança digital (TERRA
TECNOLOGIA, 2012 citada por FAVERI, 2014, p.
72).

Alinhado com este pensamento Ignácio (2011, p. 47) diz que a

herança, nos moldes digitais, é constituída por um patrimônio que pode

vir a abarcar tudo o que pode ser digitalizado, armazenado e/ou

adquirido através de compras na Internet.

Quanto à natureza da herança digital, Barreto e Nery Neto

apontam que “além do valor patrimonial acumulado, há o sentimental

que, na maioria das vezes, tem prevalência sobre o primeiro” (BARRETO;

NERY NETO, 2016, p. 1). Percebe-se que o valor aferido na herança

digital vai além do material e tem um componente emocional que

extrapola e ganha contornos mundiais com o alcance das mídias sociais.

384
Alinhado com esta parte imaterial da herança digital e, ainda para

Giddens “isto é, os locais são completamente penetrados e moldados

em termos de influências sociais bem distantes deles” (GIDDENS, 1991

citado por SETTON, 2005, p. 337).

A herança digital mais que uma questão jurídica refere-se a uma

questão social muito importante, tendo em vista que além de ser pouco

difundida e com literatura escassa, a maior parte da sociedade não

possui conhecimento sobre a temática em questão. Poucos indivíduos

pensam no que acontecerá com seu acervo digital após sua morte.

Posto que esta seja uma sociedade que viva intensamente o presente, o

imediato. Porém, esta discussão se faz necessária, para que cada pessoa

decida o destino de seu acervo digital.

Frente a estes novos hábitos, novas formas de interagir

socialmente, novos direitos emergem. O direito aceita os desafios que a

sociedade lhe impõe e busca normatizar estes comportamentos

pautados em conceitos e definições legais que já existem abarcando a

mesma matéria. Tendo em vista esta nova modalidade de ver e se ver

no mundo, necessário se faz entender estes conceitos e permeá-los com

o instituto da herança digital.

3.2.1 Conceitos e Natureza Jurídica

385
Torna-se necessário definir, em princípio e, sob o ponto de vista

jurídico, alguns conceitos para conduzir melhor o encadeamento de

ideias neste trabalho, como, por exemplo, testamento de acervo digital,

legado etc.

3.2.2 Testamento na Era Digital

Já no prefácio do seu livro – “VERTIGEM DIGITAL: Porque as

redes sociais estão nos dividindo, diminuindo e desorientando”, sob o

interessante título de “hipervisibilidade”, Keen diz que: “por trás deste

livro, está o cadáver mais visível do séc. XIX – o corpo do filósofo

utilitarista Jeremy Bentham, um morto que tem vivido em público desde

o seu falecimento em 1832.” Este autor esclarece que Bentham doou seu

corpo para ficar em exposição permanente num “corredor no claustro

sul do prédio Bloomsbury do University College na Groover Street.” na

cidade de Londres com o honorável título que ele se deu de maior

benfeitor da humanidade (KEEN,. 2012, p. 9). Esta é a hipervisibilidade

em sua maior forma, o uso da hipérbole para criar um personagem que

vai interagir com tudo e com todos e, que se torna atemporal, posto que

sobreviva ao tempo e ao espaço, são nestes patamares que se assentam

as interações digitais. Assim também é o acervo digital.

A herança digital está diretamente ligada ao direito da

personalidade da pessoa falecida, e, logo, sobre sua herança digital

386
infere-se a normatização que regula a personalidade, a saber, calúnia

contra a pessoa morta (artigo 138 § 2º do Código Penal) crimes contra

o respeito aos mortos (artigos 209 a 212 do Código Penal). Já no Código

Civil nos artigos de números 11 a 21. Reitera-se, aqui, que com o

falecimento da pessoa não morre sua personalidade, que sobrevive

levando a cabo contra si processos de calúnia, e, por outro lado, toda a

carga emocional que sua personalidade carrega no imaginário dos seus

familiares, fãs e amigos.

Como se trata de uma novidade que veio junto com a era da

sociedade em rede o testamento digital gera algumas situações

inusitadas no dia a dia das pessoas como mostra Ignácio (2011, p. 1):

Em São Paulo, um tabelião foi consultado


recentemente para saber se aceitaria fazer um
inventário cerrado [fechado] com senhas de
alguns serviços na internet – como de e-mails,
de contas bancárias e de acesso a redes sociais.
O tabelião aceitou – explicou que a legislação
brasileira não traz qualquer impedimento nesse
sentido. “Já começam a chegar casos assim nos
cartórios”, afirma o advogado Alexandre
Atheniense, especialista em direito eletrônico.
Ele é um dos advogados que já receberam
consultas de pessoas interessadas em incluir em
testamentos ou em processos de inventário os
chamados “ativos digitais”. [...] Segundo o
advogado Renato Opice Blum, também
especialista no assunto, o que há, por enquanto,
ainda são consultas isoladas. Em um dos casos,
segundo ele, o cliente está preocupado com sua

387
produção intelectual em redes sociais – no
futuro, esse conteúdo poderá servir para a
realização de outros projetos, como a edição de
livros. “O sujeito tem blogs e guarda tudo o que
produz na nuvem”, explica o advogado.

No caso destacado pelo autor, o tabelião se antecipou à

normatização antevendo que os novos hábitos da sociedade virtual

produzem novos formatos de herança que ainda não se encontram

delineados pela lei. O proativismo do tabelião se deu mediante a

demanda por herança virtual no cartório. Frente aos avanços

tecnológicos, este proativismo se ocupou da lacuna existente pela falta

de regulamentação.

O instrumento do testamento visa conduzir a transferência de

bens amealhados em vida de uma personalidade para outra (s)

personalidades conforme demonstra Stacchini (2013) citado por Faverí

(2014, p. 14) quando este esclarece que o testamento virtual é

vislumbrado como um “aspecto essencial ao seu titular, dada a

privacidade de alguns conteúdos digitais, como e-mails, que se tornam

acessíveis aos herdeiros após a morte do usuário, o que, por sua vez,

pode não ser a vontade do falecido”.

A herança digital, por suas peculiaridades, é um instituto recente

na sociedade que apareceu frente à um novo formato de se comunicar.

Neste novo formato, aparecem diferentes modos de guardar

lembranças que devem ter seu destino regulamentado após a morte do

388
titular. Por óbvio, tabeliões já perceberam tal necessidade, e, se

adiantaram, antecipando o que, futuramente, podem se tornar leis. Cada

caso é único e cabe ao Direito regulamentar este novo comportamento.

3.2.3 A Herança Digital na legislação brasileira

Conforme muito oportunamente Veloso afirma que ainda não há

na legislação brasileira normas que vinculem a herança com as mídias

digitais e os novos comportamentos. Esta lacuna no direito, leva às

situações em que as pessoas envolvidas não sabem muito bem o que

fazer diante do acervo digital de uma pessoa falecida já que não existe

nenhum precedente legal. Conforme Veloso aponta que:

Segundo o presidente do Conselho de


Tecnologia da Informação da Federação de
Comércio de São Paulo, Renato Opice Blum, os
parentes têm direito às informações e arquivos
postados por quem já morreu, mas não há nada
que possa ser feito quanto ao destino da conta.
“O usuário concordou com essa política no
momento em que fez a inscrição no site. Então,
a empresa não está errada em seguir o que foi
previamente determinado”, explica. Para ele, ler
antes de assinar – ou, nesse caso, clicar – é uma
das principais precauções que o usuário deve
tomar se quiser que seu perfil acabe se tornando
um legado [...]. A questão é complexa,
principalmente porque não há precedentes na
lei que possam servir de orientação sobre o que

389
fazer com uma herança digital, mas não há como
fugir do assunto. “A cada dia que passa, o
legado que deixamos na internet fica maior. E,
considerando que alguma parte desse conteúdo
pode ter valor comercial, vai chegar um
momento em que ficará difícil diferenciar a
herança real da digital”, analisa Blum. Como na
vida fora da internet, a melhor estratégia é
pensar desde já sobre o que fazer com os nossos
bens digitais quando partirmos. No mínimo, é
um assunto a menos para os herdeiros
discutirem (VELOSO, 2012 apud FAVERÍ, 2014, p.
73).

O Conselho salienta, em sua fala, que o acesso de parentes dos

falecidos à suas contas já são permitidas, o que ainda não se encontra

definido é o que fazer com os arquivos virtuais do falecido. Neste

sentido, cabe ao direito uma interferência maior no que tange a

normatização da herança digital o que, na visão de Durkheim (1978, p.

42) citado por Setton (2009, p. 337) se justifica na constatação de que “a

sociedade se encontra, a cada nova geração, como que diante de uma

tabula rasa, sobre a qual é preciso construir quase tudo de novo”.


Outro ponto a ser levantado, aqui, reside no fato de que um

nicho digital, mesmo após a morte do titular, e, devido a isso, continua

a receber mensagens de terceiros – o que pode levar a um intenso

sofrimento da família. A demora, neste caso, leva a intensificação deste

sofrimento conforme demonstra a liminar citada por Barreto e Nery

Neto (2016, p. 2):

390
O perigo na demora está consubstanciado no
direito da personalidade, tanto da pessoa morta
quanto da mãe (art. 12, parágrafo único, do CC),
sanando o sofrimento decorrente da
transformação do perfil em "muro de
lamentações", o que ataca diretamente o direito
à dignidade da pessoa humana da genitora, que
além do enorme sofrimento decorrente da
perda prematura de sua única filha, ainda tem
que conviver com pessoas que cultivam a morte
e o sofrimento.

A mensagens de terceiros trazem, ao mesmo tempo, um alento

onde se demonstra todo o carinho que o filho tem dos seus fãs virtuais

e um sofrimento já que lembra para a família que ele está falecido e, não

mais se encontra entre eles. Outro ponto a ser levantado é que sendo

um espaço aberto e democrático, o acervo também pode trazer

mensagens que ofendem a moral da pessoa morta gerando

constrangimento para seus familiares.

Como ponto de partida para entender o corpo de normatizações

que delimitam a herança digital são os princípios da Constituição

Federal conhecidos e reconhecidos como direitos fundamentais, a saber,

direito da personalidade, da dignidade da pessoa humana, que, de

acordo com o que enfatiza Miranda (2000, p. 213):

Os direitos fundamentais podem ser entendidos


prima facie como direitos inerentes à própria
noção de pessoa, como direitos básicos da
pessoa, como os direitos que constituem a base
jurídica da vida humana no seu nível actual de
391
dignidade, como as bases principais da situação
jurídica de
cada pessoa, eles dependem das filosofias
políticas, sociais e econômicas e das
circunstâncias de cada época e lugar.

Conforme apontado antes, dentro desta situação, a dignidade da

pessoa humana pode ser elencada tanto para o de cujus quanto para

seus familiares, pois para Neto “os direitos da personalidade relevam no

direito civil e regulam tendencialmente relações de igualdade. Os

direitos fundamentais antes relevam do direito constitucional e

pressupõem relações de poder.” (NETO, 2004 citada por NUNES, 2014,

p. 3). De tal forma que Doneda comunga com este pensamento e ainda

expressa enfaticamente que “a ascensão da pessoa humana se deveu,

primeiramente, ao cristianismo, o qual exaltava o indivíduo, detentor do

livre-arbítrio, singularizando-o perante a coletividade” (DONEDA, 2003,

p. 37 citado por FÁVERI, 2014, p. 15).

Corroborando com isso, também na Constituição Federal de

1988, nos artigos 1º inciso III - que determina o respeito à dignidade

humana, o artigo 5º incisos I, X, XII e XXX que apontam aspectos

específicos inerentes a pessoa humana.

Já o Código Civil, visto sob este critério – o da personalidade, da

pessoa humana e os aspectos a este princípio ligados – determinando

seu início com o nascimento com vida, apesar de o nascituro estar a

salvo desde a concepção especificado no artigo 2º. Já o artigo 6º define

392
que o final da existência indica o fim da personalidade. Entretanto,

conforme salienta Ribeiro (2016, p. 11) apesar do que ficou exposto no

artigo 6º, a tutela dos direitos da personalidade termina para o que

detinha a titularidade, tal tutela da personalidade post mortem (honra,

imagem, direitos e deveres, intimidade, dignidade e privacidade) se

estende para além da vida seguindo tuteladas por herdeiros legalmente

estabelecidos conforme aponta o artigo 12º e 20º do Novo Código Civil:

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à


administração da justiça ou à manutenção da
ordem pública, a divulgação de escritos, a
transmissão da palavra, ou a publicação, a
exposição ou a utilização da imagem de uma
pessoa poderão ser proibidas, a seu
requerimento e sem prejuízo da indenização
que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama
ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins
comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morte ou de
ausente, são parte legítimas para requerer essa
proteção o cônjuge, os ascendentes ou
descendentes.

Por fim, Gonçalves diz que sobre os direitos da personalidade,

vistos sob a perspectiva do privado, aqui, no Brasil, efetiva-se por meio

de leis especiais e por jurisprudência, principalmente, aquelas as

quais “se incumbem do desenvolvimento da tutela à imagem, à

intimidade, ao corpo, ao nome e à dignidade

da pessoa” (GONÇALVES, 2013, p. 185).

393
Neste espectro, o autor De Cupis (2008, p. 34-35) em sua obra

“direitos da personalidade” esclarece que existem determinados

direitos, de abordagem pública, da personalidade e da liberdade civil,

que, simultaneamente, e, em grupo, tutelam a necessidade de liberdade

do indivíduo posto em oposição a uma coletividade estatal quando diz

que:

A personalidade, ou capacidade jurídica, é


geralmente definida como sendo a
susceptibilidade de ser titular de direitos e
obrigações, e nem é mais do que a essência de
uma simples qualidade jurídica. A
personalidade, não se identifica com os direitos
e com as obrigações jurídicas, constitui a
precondição deles, ou seja, o seu fundamento e
pressuposto.

Este mesmo autor segue ainda esclarecendo que esta premissa

tem uma ressalva, a de que bens imateriais são entendidos como bens

em si mesmos e, por isso, suplantam a ideia da coletividade devendo ser

entendidos como direitos privados:

existem certos direitos sem os quais a


personalidade restaria uma susceptibilidade
completamente irrealizada, privada de todo o
valor concreto: direitos sem os quais todos os
outros direitos subjetivos perderiam todo o
interesse para o indivíduo - o que equivale a
dizer que, se eles não existissem, a pessoa não
existiria como tal. São esses os chamados
“direitos essenciais" com os quais se identificam
precisamente os direitos da personalidade. Que
394
a denominação de direitos da personalidade
seja reservada aos direitos essenciais justifica-se
plenamente pela razão de que eles constituem a
medula da personalidade (DE CUPIS, 2008, p.
24).

Este autor ressalta que os direitos inerentes à personalidade são

intangíveis concretamente, ou seja, não podem constituir-se em

formato concreto, palpável e, sendo assim são difíceis de serem

tangenciados e, assim normatizados.

Tais direitos são ainda mais especificados por Diniz como sendo:

os subjetivos da pessoa de defender o que lhe é


próprio, ou seja, a sua integridade física (vida,
alimentos próprios corpo vivo ou morto, corpo
alheio vivo ou morto, partes separadas do corpo
vivo ou morto); a sua integridade intelectual
(liberdade de pensamento, autoria científica,
artística e literária) e sua integridade moral
(honra, recato ou intimidade, segredo pessoal,
doméstico e profissional, imagem, identidade
pessoal, familiar e social (DINIZ, 2000, p. 102).

Diniz aprofunda a reflexão sobre a tangência destes direitos

quando estabelece que eles sejam subjetivos e não objetivos já que

estão diretamente ligados com a individualidade da pessoa.

Especificadamente, os direitos de personalidade expõem o que a pessoa

é, o que ela acredita, seus credos, suas manias, enfim, sua alma.

395
Já Neto (2004, p. 190 citada por NUNES, 2011, p. 4) infere que se

encontra na seguinte constatação a maneira como o Direito analisa o

direito de personalidade.

a razão radical do fundamento último do direito


geral de personalidade, ou dos direitos de
personalidade, em que a pessoa é,
simultaneamente, o objeto e o sujeito de
direitos. Em segundo plano, a proteção da
pessoa exige a proteção do seu
desenvolvimento, da sua maturação, bem como
da sua autenticidade como centro de decisão.

Passado sua definição, buscou-se classificar os direitos da

personalidade em duas dimensões, a saber: objetivos e subjetivos. Neste

sentido, muito lúcida a definição de Amaral que classificou os direitos

da personalidade como “direitos subjetivos que têm por objeto bens e

valores essenciais da pessoa, no seu aspecto físico, moral e intelectual”.

Mais adiante, o mesmo autor esclarece que “os direitos da

personalidade podem sintetizar-se no direito à integridade física, no

direito à integridade intelectual e no direito à integridade moral,

conforme apresentem a proteção jurídica desses bens ou valores”

(AMARAL, 2006, p.258).

De tal forma que a conclusão a respeito da origem deste direito

de personalidade encontra-se no cerne da Constituição Federal, já que

em seu artigo 5º, caput, há a pacificação de alguns direitos fundamentais

e, em seu artigo1º, inciso III, a proteção da dignidade da pessoa humana

396
ganha status de primazia enquanto solidários comas à cláusula geral de

direito de personalidade. Sobre o direito da pessoa humana frente a esta

hipervisibilidade assim sugere Tepedino:

Poucos temas jurídicos revelam maiores


dificuldades conceituais quanto os
direitos da personalidade. De um lado, os
avanços da tecnologia e dos
agrupamentos urbanos expõem a pessoa
humana a novas situações que
desafiam o ordenamento jurídico, reclamando
disciplina; de outro lado, a
doutrina parece buscar em paradigmas do
passado as bases para as soluções das
controvérsias que, geradas na sociedade
contemporânea, não
se ajustam nos modelos nos quais se pretende
enquadrá-las (TEPEDINO, 1999, p. 24).

Dentre estes novos desafios estão a sucessão e a herança digital

do de cujus. Sendo estes os desafios inerentes à normatização

absolutamente necessária em tempos de intenso uso nas redes sociais.

São estes desafios impostos pelo virtualismo da sociedade que colocam,

frente a frente, a hipervisualização da pessoa e o direito da

personalidade quanto a sua privacidade.

O Direito de personalidade é um direito subjetivo e encontra-se

ligado a características individualizadas inerentes a personalidade de

cada um, suas preferências, suas crenças, enfim todo um conjunto que

diz ao mundo quem você é.

397
3.2.4 Herança Digital ou Legado

Destarte as outras mudanças ocorridas no mundo com o

advento das redes sociais, mudou-se também a forma de armazenar

outra forma de riqueza, encontrando-se, esta, cada vez mais desenhada

no espectro virtual. Decorre daí a importância acadêmica de se verificar

o posicionamento do direito em dirimir conflitos acerca da disputa de

propriedade desses bens, já que ainda não há previsão legal sobre o

assunto. Barreto e Nery Neto (2016, p. 1) apontam que:

A digitalização das relações sociais tem mudado


a maneira como o ser humano interage no seu
ciclo social. Há uma grande exposição diária de
cada indivíduo na Internet, com postagem de
fotografias, imagens, vídeos, armazenamento de
conteúdo em nuvem e uma infinidade de
situações que acabam por formar um
gigantesco patrimônio digital.

Também Ribeiro (2016, p. 12) aponta para esta necessidade

quando diz que: “em muitas situações para o direito tem sido difícil

acompanhar as velozes mudanças trazidas pelas novas tecnologias que

surgem a cada dia. No entanto essas novas tecnológicas necessitam ser

balizadas em seu uso,” levando em conta que tais tecnologias trazem

398
consigo vantagens e desvantagens frente a hipervisibilidade

proporcionada por ela.

Neste cenário, essa tal hipervisibilidade torna-se uma regra e não

uma exceção, e dela se originam um patrimônio digitalizado. Barreto e

neto ainda chamam a atenção para o fato de que este patrimônio

acumulado possui um valor sentimental, que se destaca sobre o

primeiro (BARRETO; NERY NETO, 2016, p. 2).

No entanto, muitos juristas salientam que a herança digital ou

legado encontra-se pautado numa personalidade que, mesmo após o

falecimento, ainda se encontra amparada sob a forma da Lei:

Os direitos da personalidade, regulados de


maneira não exaustiva pelo Código Civil, são
expressões da cláusula geral de tutela da pessoa
humana, contida no art. 1.º, III, da Constituição
(princípio da dignidade da pessoa humana). Em
caso de colisão entre eles, como nenhum pode
sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica
da ponderação. (CONSELHO, 2006 citado por
NUNES, 2011, p. 4).

Concluindo Miranda afirma que “certo, a personalidade em si

não é direito; é qualidade, é o ser capaz de direitos, o ser possível estar

nas relações jurídicas como sujeito de direito”. Solidário com esta ideia

pressupõe-se que tudo acerca de um sujeito, sua personalidade, então

são qualidades suas, coisas, objetos pertinentes ao sujeito, em caso de

399
morte, sobrevive as manifestações da personalidade post mortem.

Miranda segue este alinhamento quando estabelece que “o direito de

personalidade, os direitos, as pretensões e ações que dele se irradiam

são irrenunciáveis, inalienáveis, irrestringíveis. São direitos irradiados

dele os de vida, liberdade, saúde (integridade física e psíquica), honra,

igualdade” (MIRANDA, 2000, p. 216).

De acordo com Campos citado por Tepedino (1999, p. 34), “a

doutrina, as leis, os juízes, afirmam a permanência, depois da morte, de

um certo número de interesses e dos direitos respectivos: [...] o direito à

imagem que “era” [...]; o direito ao nome; o direito moral do autor etc.”.

Venosa (2005) citado por Fáveri (2014, p. 62) leciona que:

é certo que os direitos da personalidade se


extinguem com a morte, todavia há resquícios
ou rescaldos que podem a ela se sobrepor. A
ofensa à honra dos mortos pode atingir seus
familiares, ou, como assevera Larenz (1978:163),
pode ocorrer que certos familiares próximos
estejam legitimados a defender a honra pessoal
da pessoa falecida atingida, por serem
“fiduciários” dessa faculdade. Nesse diapasão, o
art. 12, parágrafo único do atual Código, dispõe:
“Em se tratando de morto, terá legitimação para
requerer a medida prevista neste artigo o
cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em
linha reta, ou colateral até o quarto grau”. Não
se pode negar, também ao companheiro ou
companheira, na união estável, o direito de
defender a honra do morto.

400
Gonçalves demonstra que os direitos da personalidade podem

ser tutelados após a morte da pessoa, como, por exemplo, “o respeito

ao morto, à sua honra ou memória e ao seu direito moral de autor”

(GONÇALVES, 2013, p. 190). Por outro lado, e, posicionando esta

premissa no assunto delimitado neste trabalho tem o seguinte cenário

descrito por Barreto e Nery Neto (2016, p. 3) onde se estabelece que:

“as empresas de tecnologia e a legislação ainda não sabem lidar com o

destino dos ativos digitais de falecidos ou incapacitados. Esses ativos

digitais podem incluir: contas de email, conteúdos de redes sociais,

arquivos de música e de livros.”

Poder-se-ia vislumbrar que por trás deste legado deixado pelo

de cujus encontra-se delimitado a figura de uma pessoa, seu modo de


vida, suas opiniões, seus gostos, seus amores, suas afeições, toda a sua

intimidade ali exposta nas redes sociais e outros meios. Segundo Silva

(2004, p. 211) citado por Ribeiro (2016, p. 14) “a vida privada é a vida

inteira que se debruça sobre a mesma pessoa, sobre os familiares e seus

amigos e a intimidade seria o conjunto do modo de ser e viver a própria

vida”. Neste sentido, já é oferecido aos herdeiros o acesso aos bens

digitalizados deixados por um morto pelo PL 4099/12 que altera o art.

1.788 da Lei nº 10.406 de 2002 que determina que não apenas os bens

compreendidos no testamento, mas que todos os outros terão a mesma

regulamentação.

401
Então, a herança digital, o legado do de cujus são os recortes da

lembrança dele, sua vida, seus amores, suas verdades, suas afeições

colocadas em uma linha cronológica. O que fazer isso e qual sua

relevância para a família são os motes que sustentarão a análise desta

pesquisa.

4.0 A possibilidade jurídica da transmissão de bens jurídicos

Conforme abarca a lei, existem possibilidades de transmissão de

bens jurídicos de uma pessoa falecida e seus herdeiros legalmente

constituídos ou por força de vontade da pessoa morta. Conforme muito

bem pontua Ribeiro (2016, p. 15) há um “conflito entre o direito à

herança dos ativos digitais pelos sucessores e os direitos da

personalidade do falecido”. Nesse campo, a Constituição Federal traz o

direito à herança em seu artigo 5º, inciso XXX:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem


distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
XXX - é garantido o direito de herança;

Diante do que foi evidenciado neste artigo, a isonomia é

assegurada a todos e o direito do que fazer e aquém destinar sua

402
herança também. Comparando este artigo com ao artigo X observa-se

este conflito:

X – São invioláveis a intimidade, a vida privada,


a honra e a imagem das pessoas assegurado o
direito a indenização pelo dano material ou
moral decorrente de sua violação; (BRASIL,
NCPC, 2014)

Entendendo-se que em linhas gerais, quanto à disposição da

transmissão de bens a disposição legal exposta no Novo Código Civil

regulamenta que a herança se transmite automaticamente para os

herdeiros diretos, legítimos e a sucessão dar-se-á com a seguinte

ordem:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na


ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o
cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com
o falecido no regime da comunhão universal, ou
no da separação obrigatória de bens (art. 1.640,
parágrafo único); ou se, no regime da comunhão
parcial, o autor da herança não houver deixado
bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o
cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais. (BRASIL, NCPC, 2014)

O mesmo Código ainda determina quem são os herdeiros

legalmente constituídos e o que lhes cabe:

403
Art. 1.845. São herdeiros necessários os
descendentes, os ascendentes e o cônjuge.
Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários,
de pleno direito, a metade dos bens da herança,
constituindo a legítima. (BRASIL, NCPC, 2014-B).

Esta parte da lei trata, especificadamente, do ritual estabelecido

para a sucessão, a transmissão de bens entre o falecido e seus herdeiros

dando-lhe o necessário olhar legal. Descritas as normatizações, passa-

se para a classificação dos bens, posto que existam bens mensuráveis e

bens não mensuráveis.

4.1 Bens digitais

Em se tratando de um tema tão atual e, devido a isso, carecendo

de normatização específica, os bens precisam ser devidamente

separados, classificados. Existem bens materiais e, que são passíveis de

serem comparados e mensurados economicamente. Outros bens são

imateriais, abstratos como, por exemplo, os sentimentos gerados pelas

memórias de uma pessoa falecida, e, sendo assim, não podem ser

mensurados economicamente (Ribeiro, 2016, p. 7)

Já Barreto e Nery Neto (2016, p. 3) esclarecem que:

Bens insuscetíveis de valoração econômica:


quaisquer arquivos (textos, e-mails, fotografias)
criados por um indivíduo diretamente na Web
ou que, após sua elaboração ou edição em um

404
computador local, fez o upload para um serviço
de nuvem.

Bens economicamente valoráveis: quaisquer


bens digitais que tenham utilidade patrimonial.
Trata-se de arquivos (álbuns musicais, ebooks,
games, filmes) e serviços (armazenamento em
nuvem, licença de software) comprados pelo
indivíduo por meio de um provedor de serviços
online. Geralmente esses ativos ficam
armazenados em nuvem, estando disponíveis ao
usuário onde quer que se encontre.

É cediço e indiscutível que há necessidade de inclusão dos bens

digitais dos indivíduos na herança, através do testamento, por exemplo,

com vistas a transmiti-los imediatamente aos herdeiros. Convém

salientar que tais bens tem caráter diferenciado frente a sua natureza

econômica, mas que, no entanto não deixam de se constituírem bens,

logo tangíveis de sucessão.

4.2 Capacidade testamentária para dispor dos bens digitais

A sucessão dos bens dar-se-á por meio de duas vias, a saber, a

testamentária, “expressa pelo de cujus em disposição de última vontade,

por meio do testamento,” ou a via chamada de legítima “a que decorre

de previsão em lei.” Desta forma a pessoa falecida “pode dispor de uma

parte, caso possua herdeiros necessários, ou de todos os bens

livremente. A sucessão legítima ocorrerá quando o testamento for

405
inválido ou tiver caducado e nas situações não abarcadas por ele” (

RIBEIRO, 2016, p. 17). Estas disposições são citadas abaixo:

Art. 1.786 do Código Civil: A sucessão dá-se por


lei ou por disposição de última vontade.
Art. 1.788 do Código Civil: Morrendo a pessoa
sem testamento, transmite a herança aos
herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto
aos bens que não forem compreendidos no
testamento; e subsiste a sucessão legítima se o
testamento caducar, ou for julgado nulo
(BRASIL, NCPC, 2002)

Ribeiro segue esclarecendo que a sucessão legítima ocorrerá

“quando o testamento for inválido ou tiver caducado e nas situações

não abarcadas por ele” conforme aponta o artigo 1788 do Novo Código

Civil:

Art. 1.788 do Código Civil: Morrendo a pessoa


sem testamento, transmite a herança aos
herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto
aos bens que não forem compreendidos no
testamento; e subsiste a sucessão legítima se o
testamento caducar, ou for julgado nulo
(BRASIL, NCPC, 2002).

Já o PL 4847 de 2012 acrescenta o capítulo II – A assim como

também os artigos 1.797-A até o 1.797-C à lei 10.406/02. Neste sentido,

Zeger (2014) citado por Fáveri (2014, p. 75) aconselha que:

406
O mais importante daqui para frente é que as
pessoas se lembrem do mundo virtual ao
realizarem seus testamentos; que determinem
quem cuidará dos negócios e indiquem os que
deverão cuidar da memória virtual.
As redes sociais e seus conteúdos formam
também o enorme acervo que a
humanidade deixará para as próximas gerações.
Nos próximos anos, certamente, novas
regulamentações surgirão para dar conta desse
mundo
tão virtual quanto ilimitado.

Novos caminhos, novos direitos e, mais importantes novos

hábitos devem ser criados. Zeger, muito apropriadamente, lembra as

pessoas que utilizam o espaço virtual que, estas, devam colocar, no

testamento, o nome dos herdeiros que irão tutelar seus bens após sua

morte antecipando-se às futuras legislações.

4.3 Herança Digital

Quanto à herança digital propriamente dita assim se expressa

Ribeiro (2016, p. 32) esclarecendo a natureza imaterial, incorpórea,

intangível destes bens sobre os quais pode incidir uma valoração

econômica e, ainda mais além, a digitalização da vida que vem

ocorrendo nos últimos tempos. Esta rápida adaptação aos meios

digitalizados na vida prática encontra resistência na mudança de hábitos

no campo individual. Aberta esta lacuna e, posto que esta interfira na

407
coletividade cabe ao direito normatizar. As leis devem existir ter como

finalidade a proteção da pessoa, tanto em relação a si mesma quanto

em relação a terceiros, e em relação ao Estado. Assim o é que para

Nunes “o princípio da dignidade da pessoa humana fundamenta e

confere unidade aos direitos fundamentais, direitos sociais, dentre

outros que asseguram as bases da existência humana digna” (NUNES,

2006, p.173).

No entanto, este, em determinados momentos pode chocar-se

de frente com o direito, também legítimo à privacidade. Ainda na

justificativa, o texto do PL nº 8.562 traz o seguinte esclarecimento:

“tudo o que é possível guardar em um espaço virtual – como músicas e

fotos, passa a fazer parte do patrimônio das pessoas e,

consequentemente, da chamada “herança digital”.” (BRASIL, PL nº 8.562

de 2017). Diniz ensina que “o direito à imagem é o de ninguém ver o

seu retrato exposto em público ou mercantilizado sem seu consenso e

o de não ter sua personalidade alterada material ou intelectualmente,

causando danos à sua reputação” (DINIZ, 2005, p. 131). Ainda sobre isto,

defende Almeida (2017, p. 162) que:

No que se refere aos bens digitais de natureza


mista, deverão seguir os
parâmetros já sedimentados através dos direitos
autorais. Assim é que fotos, mensagens, blogs,
microblogs, vídeos são bens de conteúdo
autoral e com a morte do proprietário serão de

408
gestão dos herdeiros que poderão ter acesso
para possível exploração econômica e
legitimidade processual para tutela dos direitos
morais do autor. Com a morte do proprietário, a
gestão desses bens não é de acesso exclusivo do
provedor, mas também de seus herdeiros.
Explica-se: em vida o proprietário cede uma
licença não exclusiva ao provedor de serviço de
internet que poderá continuar a fazer uso dentro
dos limites impostos no termo de uso do
serviço; contudo, os
herdeiros poderão, já que a licença não é
exclusiva, também explorá-los e/ou requererem
a tutela desses bens.

É neste recorte que se estabelece, caso a caso, a legitimidade da

herança digital. Todo este legado que ganha contornos que vão muito

além do valor econômico conforme atesta Alves citado por Tartuce

(2018, p. 1) quando diz que:

instituto do testamento afetivo, notadamente


no plano da curadoria de memórias da afeição,
apresenta-se, agora, não apenas como uma
outra inovação jurídica, pelo viés
tecnológico.(...) (um novo ‘L’hymne à L’amour’),
de pessoas, apesar de mortas, continuarem
existindo pelo amor que elas possuíam e por
ele também continuarem vivendo” Além
do testamento afetivo, pode-se falar também
em testamento digital, com a atribuição dos
bens acumulados em vida no âmbito virtual,
como páginas, contatos, postagens,
manifestações, likes, seguidores, perfis
pessoais, senhas, músicas entre outros
409
elementos imateriais adquiridos nas redes
sociais.

A herança vista, sob o ponto de vista virtual, torna-se uma

novidade na seara jurídica que busca normatizá-la enquanto um acervo

que tem valor. Este valor não é concreto, é imaterial e, como tal, ligado

a subjetividade do indivíduo, trata-se da personalidade do de cujus.

Ocorre que, desde que, devidamente, pedido pelos herdeiros, que o

acervo digital seja incluído na herança dado que possa gerar dividendos

para os herdeiros. Sendo assim, necessário se faz a normatização dele.

CONCLUSÃO

Novos tempos demandam novos hábitos, novos

comportamentos. Em dias de redes sociais, disputas por likes e curtidas

levam as pessoas a se perderem numa falsa presunção de imortalidade,

mesmo que esta se encontre num clique, num vídeo.

No entanto, a natureza ou o destino como queiram chamar

alguns desponta como um ser colérico e, por meio da morte, demonstra

sua superioridade deixando para traz, além das saudades, toda uma vida

compartilhada em redes sociais. O que fazer com todo este material?

Quem deve se responsabilizar por este material? Estas e outras que

destas decorrem são cada vez mais frequentes nos meios jurídicos. Este

legado extrapola os contornos delimitados pelo valor econômico

colocando valores afetivos, portanto subjetivos, sobre o acervo digital

410
deixado pelo de cujus. A personalidade de uma pessoa que se encontra

falecida é mostrada num cenário virtual em todas as suas peculiaridades.

Esta pessoa, apesar de morta, encontra-se viva e vívida nas memórias e

emoção que sua imagem sucinta nas pessoas. Ocorre que o cenário

virtual amplia, de forma muito intensa, o alcance que uma imagem pode

chegar.

É cediço que uma normatização urge para delimitar a herança

digital em todos os seus aspectos. O Direito sempre solidário com as

mudanças da sociedade e, atento às suas urgências. Neste sentido, cabe

a tutela legislativa com bastante urgência, posto que as pessoas tenham

se envolvido cada vez mais com as redes sociais e, principalmente, nas

redes sociais.

O Novo Código Processual Civil iniciou um caminho de

mudanças nas relações pessoais, caminho, este condizente com a

realidade e com as aspirações de justiça e equidade. Para um ambiente

virtual, tão novo, formatos diferenciados, herança que não pode ser

mensurada em termos econômicos imediatos, necessário foi analisar a

natureza jurídicas novas relações estabelecidas neste campo. No Brasil,

o marco civil da internet, a lei nº 12.965 do ano de 2014 foi um passo

bastante decisivo para normatizar o ambiente virtual tornando-o mais

livre.

411
Por óbvio, este assunto não se esgota com a demanda pautada

nesta pesquisa e, devido a velocidade com que as mudanças ocorrem,

necessário se faz normatizar este amplo cenário digital.

Voltando para a pergunta motriz sobre a qual se estabeleceu a

construção desta pesquisa, a saber: qual o destino dado aos bens

digitais após a morte de seu titular? A respeito desta indagação, aferiu-

se que, conforme normas vigentes, torna-se necessário aos sucessores,

legitimados por lei, buscarem a justiça para conseguirem acesso aos

bens digitais já que eles possuem caráter pessoal. Deste

questionamento decorrem outros subjacentes que são inerentes a

situação vislumbrada na sucessão da herança, mas da herança digital.

Deste modo, torna-se pertinente o questionamento levantado se

há possibilidade jurídica de transmissão de bens digitais no

Ordenamento Jurídico Brasileiro? Dentro do que foi esclarecido, o

ordenamento jurídico ainda não normatiza, em detalhes, a herança dada

sua natureza digital, virtual e imaterial. Em se tratando de uma situação

muito nova vivenciada pela sociedade, pouco se tem estabelecido em

normas. Neste sentido, acaba-se adaptando as leis para a sucessão

testamentária para a herança digital.

Em seguida, buscaram-se as respostas para a seguinte pergunta:

a transmissão dos bens digitais afetaria o Direito da Personalidade e o

Direito à Privacidade do de cujus? Diante do que foi encontrado, com

base nos autores revisados, elucidou-se que o Direito da personalidade,

412
na sociedade virtual, passa a constituir-se em um acervo de grande valor

sentimental não apenas para sua família, mas também para as pessoas

que a ela se afeiçoaram. Tendo em vista, a possibilidade de se alavancar

lucros sobre o acervo digital deixado pelo de cujus, o acervo encontra

possibilidades de se somar com o resto do patrimônio a fim de compor

a herança deixada por ele.

Passadas estas considerações, chega-se ao seguinte

questionamento - existe a possibilidade de testamento de bens digitais?

Ora se o acervo digital pode ser considerado como parte integrante da

herança, por conseguinte, deve, igualmente, ser descrita em testamento.

Ou seja, num futuro, após as normatizações necessárias, o trâmite para

que o acervo digital de uma pessoa se tornará muito mais rápida do que

acontece hoje. Se o acervo digital for definitivamente e devidamente

inserido na transcrição testamentária conseguirá conciliar os direitos da

personalidade com a plena visibilidade no espaço virtual já que a própria

pessoa atestaria, de pleno conhecimento e vontade, que sua

personalidade poderia ser usada no espaço virtual. Desta forma, a

própria pessoa renunciaria a sua privacidade em prol da visibilidade e

fama alçados na plataforma virtual conectando definitivamente com o

que foi aferido na primeira questão que tratava sobre o destino

adequado aos bens digitais. Neste sentido, há que se promover mais

rapidamente a normatização desta área.

413
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417
ADVOCACIA 4.0: AS POTENCIALIDADES DO USO ESTRATÉGICO DA
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO DIREITO

Michele Aparecida Gomes Guimarães4


Thiago Teixeira Pinto5

RESUMO:

Esse artigo discute o emprego da inteligência artificial na Advocacia


Digital, evidenciando algumas ferramentas tecnológicas aplicáveis e
respectivos proveitos decorrentes de uma utilização estratégica,
reflexiva e humanamente supervisionada. Parte-se da hipótese de que,
se bem aplicada, a inteligência artificial pode possibilitar ganhos para
Advogados e clientes, com redução de custos e tempo, maior eficiência
nos resultados e assertividade no exercício das funções. Em uma
pesquisa bibliográfica sobre o tema, recorrendo aos métodos
descritivos e dedutivos, os resultados apontam que se bem
supervisionada por Advogados a inteligência artificial e recursos
tecnológicos são aptos para somar potencialidades no âmbito da
Advocacia moderna e de excelência.

Palavras-chave: Inteligência Artificial. Advocacia Digital. Vantagens

tecnológicas.

INTRODUÇÃO

4 Mestre em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável. Advogada e Consultora


Jurídica. Professora Universitária da UNIPAC Mariana. Tutora EAD da Universidade
Federal de Ouro Preto. E-mail: micheleguyma@yahoo.com.br
5 - Pós-Graduado em Direito Civil e Processo Civil. Advogado e Consultor Jurídico.
Professor do Colégio Técnico Inconfidente Álvares Maciel. E-mail:
thiagoteixeira.adv@gmail.com
418
O presente artigo tem como tema central a utilização da

inteligência artificial na Advocacia. Tema relevante na Ciência Jurídica

hodierna, notadamente no exercício da Advocacia.

A pesquisa proposta se justifica diante de um contexto no qual

se exige cada vez mais que Advogados dominem ferramentas

tecnológicas e deem respostas cada vez mais eficientes e céleres para

os clientes e problemas jurídicos. Daí, conhecer algumas ferramentas

tecnológicas que podem otimizar serviços advocatícios, além de

viabilizar outros benefícios faz-se imperioso nos tempos de hoje e ainda

mais para o futuro.

Os autores do trabalho são advogados militantes e sentem que

urge aplicar no cotidiano a inteligência artificial para tornar os afazeres

profissionais mais eficientes, assertivos e compatível com as

expectativas dos clientes e do mercado. Ocorre que, antes de escolher

os recursos tecnológicos a serem aplicáveis, é indispensável conhecer

ao menos um conjunto mínimo de ferramentas e suas respectivas

funções, da mesma forma que refletir fundamentadamente sobre riscos

e potencialidades da aplicação. À vista disso, pensa ser possível colher

frutos com o uso estratégico da inteligência artificial na Advocacia.

Nesse quadro, julga-se que tais conhecimentos sejam valorosos

para os operadores do Direito em geral, dos quais se exigem

crescentemente conhecimentos, domínio e aplicação da inteligência

artificial nos seus labores habituais.

419
O problema científico que norteia o artigo é delineado a partir

dos seguintes questionamentos: Como a inteligência artificial pode ser

utilizada na Advocacia? Quais são alguns exemplos de ferramentas que

podem ser utilizadas para otimizar a Advocacia? Como o emprego de

recursos tecnológicos podem possibilitar o exercício da Advocacia de

forma mais eficiente? Quais os pontos negativos e positivos do uso da

inteligência artificial na Advocacia?

Feitas tais indagações, a hipótese da pesquisa em epígrafe

consiste na afirmação de que a Advocacia Moderna é Digital sendo certo

que alguns recursos tecnológicos e a inteligência artificial podem ser

utilizados nas práticas da advocacia a fim de trazer eficiência, melhor

gestão, redução de despesas e consequentemente aumento da

lucratividade, economia de tempo, maior sustentabilidade e maior

satisfação dos clientes.

O objetivo geral do trabalho é apontar algumas vantagens do

emprego de recursos tecnológicos e da inteligência artificial na

Advocacia Moderna. Já os objetivos específicos da pesquisa são:

apresentar noções conceituais sobre Direito e Advocacia Digital; abordar

a aplicação da inteligência artificial no Direito; dissertar sobre o

emprego da inteligência Artificial na Advocacia; e, apontar alguns

benefícios do uso de tecnologias na Advocacia.

Nesse contexto, a fim de responder o problema científico e para

atingir os objetivos geral e específicos ora traçados, o trabalho será

420
subdividido nos seguintes tópicos: 1 – Direito e Advocacia Digital; 2 -

Aplicação da inteligência artificial no Direito; 3 - Inteligência Artificial na

Advocacia; 4 - Alguns recursos tecnológicos aplicáveis à Advocacia; e, 5

– Algumas vantagens da adequada utilização da inteligência artificial na

Advocacia.

Ainda em caráter de introito, vale clarear que a pesquisa utilizará

os métodos descritivo e dedutivo, realizando-se de levantamentos

bibliográficos, tendo como base referencial trabalhos já desenvolvidos

sobre a temática, em sua maioria artigos científicos, trabalhos de

conclusão de curso e legislações, diante da novidade do assunto.

Como marco teórico, em resumo, sustenta-se como

entendimento central, a partir de Konzen (2019), Lage e Pedron (2020),

Medeiros (2019), Nunes e Marques (2018), Pimentel (2018), Santos

(2019), Viana (2019) e Zanatta (2010) que o adequado emprego da

inteligência artificial e tecnologias na Advocacia traz inúmeras

vantagens tanto para os profissionais quanto para clientes.

Finalmente, chega-se à conclusão no sentido de que o emprego

estratégico da inteligência artificial e ferramentas tecnológicas na

Advocacia, juntamente com habilidades e “olhar humano”, assegura a

obtenção de numerosos benefícios, para Advogados e clientes,

compatível com a Administração da Justiça e a pacificação social.

2. DIREITO E ADVOCACIA DIGITAL

421
No presente trabalho, de início, cabe tecer algumas

considerações primeiro acerca do Direito Digital e, na sequência, sobre

Advocacia Digital.

Nessa toada, tem-se, com base em Pimentel (2018, p. 18),

que o “Direito Digital vem sendo considerado uma nova disciplina

jurídica”. Sobre o assunto, Pimentel (2018) traz uma contextualização

relevante, segundo a qual, o:

Direito Digital nasceu da necessidade de se


regularem as questões surgidas com a evolução
da tecnologia e a expansão da internet,
elementos responsáveis por profundas
mudanças comportamentais e sociais, bem
como para fazer frente aos novos dilemas da
denominada “Sociedade da Informação”
(PIMENTEL, 2018, p. 18).

Disso decorre que o Direito Digital surge a partir da Sociedade

da Informação na medida em que as relações estabelecidas na internet

começam a demandar soluções por parte do Direito. Seguindo tal

raciocínio, tem-se que temas das variadas searas jurídicas interessam ao

Direito Digital. Em apertada síntese, o Direito Digital emerge a partir da

necessidade de regulamentar relações decorrentes da evolução

tecnológica e da expansão da internet (PIMENTEL, 2018).

Ainda segundo Pimentel (2018):

O Direito Digital abrange todas as áreas do


Direito, de maneira transversal, e congrega
422
novos elementos para dirimir os conflitos
surgidos com a tecnologia, especialmente a
Internet, e regular as relações da denominada
“sociedade da informação” (PIMENTEL, 2018, p.
18).

Resumindo, o Direito Digital emerge na perspectiva de dirimir

conflitos decorrentes das atividades e meios informáticos, sendo uma

parte do Direito, sem objeto próprio, que se estende aos demais ramos

da Ciência Jurídica, abrangendo princípios e institutos vigentes com a

introdução de novos elementos jurídicos compatíveis com a Sociedade

de Informação (PIMENTEL, 2018).

Igualmente pensa Zanatta (2010) ao prelecionar que:

O direito digital consiste na evolução do próprio


Direito, abrangendo a todos os princípios
fundamentais e institutos que estão vigentes e
são aplicados até hoje, assim como introduzindo
novos elementos e institutos para o pensamento
jurídico, em todas as suas áreas. (ZANATTA,
2010, p. 07).

Seguindo tais ensinamentos, observa-se que o Direito Digital

utiliza elementos de todas as searas jurídicas a depender do tipo de

relação que analisar, agindo transversalmente sobre os ramos jurídicos.

Nesse sentido, constata-se que o Direito Digital trata de assuntos

variados como: responsabilidade civil no meio eletrônico, direitos

autorais na internet, uso e privacidade de e-mails nas relações

trabalhistas, teletrabalho, transações bancárias virtuais, relações de


423
consumo na internet, crimes cibernéticos, criptomoedas (PIMENTEL,

2018). Consequentemente, o Direito Digital se inter-relaciona com o

Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Trabalho, Direito do

Consumidor, Direito Empresarial e demais ramos.

Pimentel (2018, p. 37) ensina que o Direito Digital “congrega

novos elementos para dirimir os conflitos surgidos com a tecnologia,

especialmente a Internet, e regular as relações da denominada

“sociedade da informação”. Complementando a tratativa, Zanatta (2010)

faz uma ponderação interessante, a saber:

Quanto aos aspectos constitucionais do direito


digital, pode-se afirmar que ele é fundado na
liberdade de acesso ao meio e à forma da
comunicação. O art. 220 da Constituição Federal
institui que “A manifestação do pensamento, a
criação, a expressão e a informação, sob
qualquer forma, processo ou veículo não
sofrerão qualquer restrição, observado o
disposto nesta Constituição. (ZANATTA, 2010, p.
07-08)

Nesse contexto, surge a necessidade de um novo profissional do

Direito, explicado por Zanatta (2010) nos seguintes termos:

Após toda construção teórica proposta, cabe


dedicar um momento para analisar qual o futuro
do profissional do Direito. Na sociedade digital
atual, o advogado tem de ser um estrategista.
Toda complexidade da tecnologia em questão
traz e trará somente maior complexidade
424
jurídica. Não basta apenas conhecer o Direito,
com suas normas, jurisprudências e doutrinas,
deve-se, também, conhecer a tecnologia, os
modelos que conduzem o mundo das relações
interpessoais, das empresas, dos mercados e
dos Estados. Cabe a este novo modelo de
profissional dar os caminhos e as soluções
viáveis, pensadas no contexto competitivo e
globalizado de um cliente virtual-real multi-
culturalizado, que terá uma facilidade antes
nunca vista para colocar à prova o
conhecimento técnico-jurídico utilizado.
(ZANATTA, 2010, p. 31)

Daí, hoje como sustenta Zanatta (2010, p. 31) a formação do

Advogado há de incluir o “domínio sobre novas ferramentas e novas

tecnologias”, sendo que o uso e desafios das tecnologias devem integrar

os processos de formações jurídicas, fazendo parte das grades

curriculares. Isso porque mudanças nas noções de soberania no

contexto globalizado e relações virtuais requerem uma ampliação das

visões jurídicas (ZANATTA, 2010).

Ainda segundo Zanatta (2010):

Verifica-se que essa revolução na informatização


tem trazido aos profissionais do Direito muitas
mudanças, tanto na maneira de pensar, quanto
na maneira de trabalhar. Na lida diária, em
breve, não poderá mais ser admitido um
profissional que não esteja preparado para
compreender e discutir tais questões do meio

425
virtual. Como exemplo, podemos elencar o
profissional do Direito que, ainda hoje, produz
suas peças processuais em máquina de escrever,
ao invés de utilizar um editor de texto no
computador para agilizar seu trabalho. Talvez
seja o momento de repensar os currículos das
Faculdades de Direito e exigir que neles conste
um mínimo de conhecimento técnico a respeito
das mudanças dos paradigmas e os princípios
que regem a nova Era Digital. (ZANATTA, 2010,
p. 31)

Tal trecho demonstra a profundidade das mudanças

ocorridas pela inteligência artificial, bem como a grandeza dos desafios

aos operadores do direito, que em seus processos formais de

conhecimento precisam desenvolver novas habilidades consoante a

Sociedade de Informação.

Passadas essas notas, vale adentrar na abordagem acerca da

Advocacia Digital, o que se faz nos parágrafos subsequentes.

Nesse ponto, calha explicar que Santos (2019) denomina a

Advocacia Digital de Advocacia 4.0, aludindo as constantes evoluções

nas profissões tradicionais decorrentes da era da Quarta Revolução

Industrial, incluindo, obviamente a advocacia.

Segundo Santos (2019, p. 18) “vem ganhando força ultimamente

nos debates sobre a influência das tecnologias na atividade do

profissional jurídico, o surgimento de uma nova advocacia, chamada de

426
advocacia 4.0”. De forma resumida, a Advocacia 4.0, ou a Advocacia

Digital investe no uso constante das tecnologias.

Santos (2019, p. 18) acrescenta que “a tecnologia não é

considerada uma adversária, mas um auxílio para ajudar a advocacia

moderna. O advogado 4.0, utiliza as tecnologias para resolver questões

burocráticas e dedicar o seu tempo a potencializar a sua produtividade”.

Na visão de Santos (2019):

Um exemplo de como a advocacia 4.0 já está


utilizando a tecnologia para aperfeiçoar a sua
prática profissional é a inserção da automação e
da inteligência artificial na rotina de alguns
escritórios. Cada vez mais, grandes escritórios
estão investindo no uso da tecnologia na sua
rotina diária. Essas mudanças provocadas pela
utilização de tecnologia têm ajudado a diminuir
os custos financeiros e de tempo dos escritórios.
(...) Diante desta nova realidade, várias
atividades do dia a dia da advocacia podem ser
realizadas com mais agilidade e segurança. Uma
das vantagens que esse novo cenário
proporciona, é que o advogado voltará a exercer
o seu papel de essência, ou seja, terá mais
tempo para traçar estratégias com os seus
clientes, elaborar teses jurídicas, participar de
reuniões, utilizar plataformas digitais na
captação de clientes, podendo desenvolver um
atendimento especializado e de excelência
(SANTOS, 2019, P. 18).

427
Na Advocacia Digital se sobressaem os profissionais com

habilidade de aplicar as tecnologias e a inteligência artificial na melhoria

das atividades advocatícias, selecionando ações a serem executadas

pela inteligência artificial e outras a serem praticadas pelos próprios

operadores do Direito.

Santos (2019, p. 19) leciona que “o advogado 4.0 está sempre

atualizado acompanhando as mudanças mais recentes de sua profissão.

Temas como: Direito Digital, Internet das coisas, entre outros fazem

parte do seu campo de interesse”. Dessa forma, o Advogado Digital se

moderniza para aprimoramentos na sua carreira e com vistas a se

manter bem-posicionado junto a clientes.

Por certo, a Advocacia Digital exige novas posturas dos

Advogados que precisam se atualizar e desenvolver habilidades relativas

ao emprego de novas tecnologias, ligados às dinâmicas tecnológicas

num mercado cada vez mais competitivo e excludente.

A tecnologia deve ser vista pelos advogados como possibilidade

de crescimento e qualidade, capaz de somar às atividades de advocacia

e não como substituta dos trabalhos humanos dos advogados. Trata-se,

pois, de união de forças da inteligência artificial com as capacidades

humanas. Dito de outro modo, cabe ao Advogado 4.0 ou ao Advogado

Digital usar a seu favor a inteligência artificial, destinando seu tempo às

tarefas selecionadas como não meramente repetitivas (KONZEN, 2019).

428
A Advocacia Digital cuida-se da modernização da advocacia,

com utilização estratégica da inteligência artificial. Mesmo nos

escritórios físicos as tecnologias podem e devem ser empregadas. De

mais a mais, a Advocacia Digital não se restringe ao Direito Digital, pelo

contrário se aplica às variadas ramificações da Ciência Jurídica.

Em síntese, arremata-se que são distintas as noções de Direito

Digital e Advocacia Digital, sendo que o Direito Digital compreende a

seara da Ciência Jurídica destinada a solucionar as demandas

decorrentes das relações estabelecidas em meios tecnológicos, ao passo

que a Advocacia Digital, OU 4.0, consiste no emprego da inteligência

artificial e de ferramentas tecnológicas nas execuções de tarefas

advocatícias. Aliás, como será desenvolvido nos tópicos subsequentes,

a inteligência artificial se aplica tanto ao Direito tal como à Advocacia.

3. APLICAÇÃO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO DIREITO

Como cediço, as máquinas gradativamente substituem os seres

humanos na execução de tarefas, conseguindo desempenhar atividades

cada vez mais complexas e inteligentes. De fato, inúmeras são as

possibilidades de utilização da inteligência artificial e recursos

tecnológicos pelos Operadores do Direito, a exemplo de Bancos de

dados digitais, sites de consultas de legislação, sistemas de buscas de

429
jurisprudências, modelos de petições e softwares de variadas funções e

programações.

Viana (2019, p. 21) ensina que “a Inteligência Artificial (IA) pode

ser entendida como a capacidade de um computador desempenhar

tarefas tipicamente humanas”. Com isso, exemplificativamente, as

máquinas podem praticar tarefas de Magistrados, Advogados e de

outros profissionais. Em suma, a inteligência artificial auxilia a resolução

de problemas, inclusive no Direito, fazendo parte do nosso dia a dia.

Nesse contexto, vale a pena trazer à baila uma noção sobre

Inteligência Artificial apresentada por Medeiros (2019):

A Inteligência Artificial é, a nosso ver, uma


tecnologia baseada na reprodução e aplicação,
pelas máquinas computacionais, de processos
análogos ao raciocínio humano com o objetivo
de execução e automatização de tarefas que até
então somente poderiam ser desempenhadas
pelos próprios seres humanos, resultando na
produção de conhecimento de forma artificial,
ou “criação sintética de conhecimento
(MEDEIROS, 2019, p. 34.)

A inteligência artificial se aplica ao Direito com variadas

possibilidades, tanto na prestação jurisdicional como também nas

práticas de advocacia sendo muito relevante para trazer soluções para

demandas em massa.

Sobre o assunto, Medeiros (2019) comenta:


430
a Inteligência Artificial tem se mostrado aplicável
em diversas esferas da atividade humana, em
razão de sua capacidade de sistematizar e
automatizar tarefas intelectuais. E o campo do
direito também não ficou incólume às
transformações e inovações disruptivas
causadas pelo uso da inteligência artificial. O
fato de parte das atividades relacionadas à
prática jurídica serem padronizadas e repetitivas;
o crescimento das demandas de massa
(litigiosidade repetitiva) e a crescente
necessidade do aumento da produtividade
tornaram a área do direito uma candidata ideal
para sofrer as fortes transformações decorrentes
da aplicação de tecnologias disruptivas como a
inteligência artificial, permitindo a automação
de tarefas que antes somente poderiam ser
desempenhadas por profissionais do direito
(MEDEIROS, 2019, p. 34).

Conforme se verifica no entendimento acima apresentado, o uso

da inteligência artificial contribui muito para a produtividade no Direito

notadamente ante a automatização de algumas tarefas. A economia no

tempo de prática das tarefas acaba contribuindo para resolver maior

volume de demanda. Com isso, é possível tanto a prolação de decisões

judiciais em escala como também produção de documentos e petições

em massa na Advocacia.

De fato, na Ciência Jurídica, o uso da inteligência artificial

não se restringe à Advocacia, pelo contrário, vem sendo usada inclusive


431
na prestação jurisdicional por parte do Estado. Nesse desiderato,

Medeiros (2019):

Os Tribunais também estão encampando as


potencialidades tecnológicas dos sistemas de
inteligência artificial, utilizando as aplicações
para automatizar tarefas de pesquisas de
legislações e precedentes ou até mesmo auxiliar
a tomada de decisões. (MEDEIROS, 2019, p. 55).

Atualmente tem-se o chamado juiz-robô capaz de prolatar

decisões judiciais contribuindo para a denominada massificação de

julgamentos. Vale destacar que por meio do juiz-robô pretende-se

julgar maior volume de processos num espaço de tempo menor se

comparado ao tempo dos julgamentos por humanos. Outo ponto a ser

realçado ainda no mesmo contexto é a importante atuação para fins de

unificação de precedentes. Tudo isso se torna possível ante a existência

de recursos tecnológicos e diante da reformulação e avanços

processuais como ocorreu com os processos eletrônicos.

Observa-se que os Tribunais Brasileiros têm utilizado

ferramentas de inteligência artificial até mesmo nos processos de

tomada de decisões, incluindo decisões em massa de demandas

repetitivas e julgamentos de recursos. A possibilidade de julgamento em

massa por robôs permite a diminuição de estoques de processos no

Judiciário, amenizando o problema da morosidade.

432
Em se tratando de decisões prolatadas pelo juiz-robô, cumpre

contextualizar a redação do art. 20 de Lei Geral de Proteção de Dados,

a saber:

Art. 20. O titular dos dados tem direito a solicitar


a revisão de decisões tomadas unicamente com
base em tratamento automatizado de dados
pessoais que afetem seus interesses, incluídas as
decisões destinadas a definir o seu perfil
pessoal, profissional, de consumo e de crédito
ou os aspectos de sua personalidade.

Com fulcro em tal dispositivo legal, havendo lesão a aspectos da

personalidade em virtude de decisão exclusivamente automatizada, o

direito de revisão subsiste. Daí, o entendimento no sentido de que a

inteligência artificial deve sim ser usada nos variados campos jurídicos,

inclusive na prolação de decisões, mas sob a supervisão humana. Assim,

entende-se que é possível alcançar resultados mais céleres, eficientes,

satisfatórios e que respeitam princípios e regras vigentes no

ordenamento jurídico vigente.

De certo, vários são os impactos da utilização da inteligência

artificial no Direito, tanto de ordem negativa como também positiva.

Nessa órbita, a utilização inadequada da inteligência artificial

principalmente nos julgamentos traz alguns riscos, a exemplo de não se

levar em conta as especificidades do caso concreto. A prolação de

decisões em massa pelo Judiciário não pode prejudicar direitos e


433
garantias fundamentais, nem servir para desconsiderar as nuances do

caso concreto.

A fim de minimizar os riscos da inteligência artificial entende-se

que por vezes é necessário um “toque humano” após o trabalho dos

robôs. Ou seja, entende-se que o trabalho robotizado deve ser

supervisionado por pessoas a fim de corrigir eventuais erros e evitar a

ocorrência de prejuízos aos jurisdicionados.

Nesse ponto, mister se torna trazer à lume a advertência feita por

VIANA (2019):

“Nos dias atuais, pelo menos disponíveis ao


“grande público”, são poucas as ferramentas a
serviço da advocacia, que possam ser
consideradas efetivamente dotadas de IA. É o
que se constatou no grupo de pesquisa da
Comissão de Tecnologia e Inovação da Ordem
dos Advogados do Brasil (subseção Contagem),
eis que alguns membros fizeram ampla pesquisa
no mercado, no intuito de se obter orçamentos
de produtos de IA – que pudessem auxiliar a
prática dos advogados -, porém, o retorno foi
insatisfatório, ao menos por ora. A ressalva é
feita porque há muitas ferramentas tecnológicas
e induvidosa eficiência, ocorre que, muitas delas,
talvez, não possuam, ainda, uma inteligência
artificial, nos moldes apresentados. Isto é, não
são dotadas da capacidade de aprendizado e
melhoria com base no ambiente, à semelhança
de um humano” (VIANA, 2019, p. 28)

434
O trecho acima colacionado é condizente com a observação

segundo a qual pode ser questionada a eficiência das ferramentas

tecnológicas se não avaliadas pelos seres humanos.

Refletindo sobre a aplicação da inteligência artificial no Direito,

esbarra-se no seguinte questionamento: Quem é melhor: o homem ou

a máquina? A resposta é depende. A depender de cada situação um ou

outro podem apresentar resultados mais satisfatórios.

De todo modo, entende-se que a utilização da inteligência

artificial no Direito e na Advocacia trazem benesses, que podem ser

ainda maiores se tais práticas forem chanceladas e conferidas por

profissionais. Grosso modo, sustenta-se que o homem tem que revisar

o trabalho das máquinas sanando imediatamente eventuais distorções.

No Direito, aliar ferramentas tecnológicas disponíveis ao “olhar

humano” pode representar um caminho adequado à obtenção de

resultados muito satisfatórios, pois permite somar as capacidades e

desempenhos positivos das máquinas e do intelecto humano.

Muitos programas são capazes de fazer triagens e adiantar

trabalhos antes exercidos pelos Advogados e demais operadores, sendo

que esse tipo de serviço já permite poupar boa parte do tempo dos

profissionais. Ainda que parte das tarefas devam ser praticadas por

Advogados, a parcela do serviço que é realizada por meio da inteligência

artificial já é relevante nas rotinas dos escritórios.

Ainda em se tratando da inteligência artificial, Viana (2019):

435
“A possibilidade de um juiz-robô, como visto, é
real e parece próxima. Há, sem dúvidas,
potencialidades e virtudes no uso da Inteligência
Artificial, podendo-se indicar a possibilidade de
essa ferramenta organizar os bancos de dados
de julgados dos Tribunais brasileiros, o que faria
com que o jurista pudesse melhor compreender
o direito jurisprudencial pátrio. A ferramenta
também poderia ser bastante útil para fins de
gerenciamento processual, isto é, o juiz-robô
desenvolver as atividades típicas de impulso
oficial, pois não é incomum, mesmo nos
processos que tramitam em plataforma
eletrônica, haver demora na manifestação do
órgão jurisdicional, ainda que se trate da exata
sequência prevista na legislação processual. Há
que se cogitar também da utilização de
algoritmo de inteligência artificial para
gerenciamento de casos repetitivos, para fins de
identificação e monitoramento”. (VIANA, 2019,
p. 42)

O Poder Judiciário deve ficar atento à justiça nos processos

decisórios. Cada caso tem suas especificidades. Padrões gerais de

julgamento auxiliam mas não são a solução para todas as situações. Há

de se alertar que julgamentos robotizados sem revisão humana acabam

por provocar verdadeiras injustiças.

Sintetizando, é notório que cada vez mais cresce a utilização de

recursos tecnológicos no Direito, destacando-se a utilização da

436
inteligência artificial nas práticas jurídicas, rompendo paradigmas

antigos e propiciando modernizações e avanços. Sabe-se que o uso da

inteligência artificial no Direito tem riscos e potencialidades.

Consequentemente, unir os pontos positivos das ferramentas

tecnológicas disponíveis para os profissionais do Direito com a

capacidade crítica e reflexiva dos Advogados podem realçar habilidades

e contribuir para a excelência e qualidade dos serviços de Advocacia.

4. INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA ADVOCACIA

Antes de desenvolver a temática da utilização da inteligência

artificial na Advocacia, como cediço, não é demais repetir parte do

importante art. 133 da Constituição de 1988 que dispõe que “o

advogado é indispensável à administração da justiça”. Igualmente, o art.

2° do Estatuto da Advocacia (Lei n°. 8906-94) prevê:

Art. 2º O advogado é indispensável à


administração da justiça.
§ 1º No seu ministério privado, o advogado
presta serviço público e exerce função social.
§ 2º No processo judicial, o advogado contribui,
na postulação de decisão favorável ao seu
constituinte, ao convencimento do julgador, e
seus atos constituem múnus público.
§ 3º No exercício da profissão, o advogado é
inviolável por seus atos e manifestações, nos
limites desta lei.
437
Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no
território brasileiro e a denominação de
advogado são privativos dos inscritos na Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB).

Desta feita, tanto a Norma Constitucional quanto a legislação

extravagante reconhecem a importância da atuação dos Advogados na

sociedade. Consequentemente, são extremamente valiosas as

ferramentas tecnológicas que podem aprimorar as práticas da

Advocacia e trazer maior eficiência no exercício de atos considerados

verdadeiros múnus público, essenciais ao Estado Democrático de Direito

e à formação de uma sociedade mais justa.

A Revolução Tecnológica trouxe impactos para a Humanidade

não apenas nos meios e formas de produção de bens como também

nas mais variadas atividades profissionais. Com a Advocacia, isso não

fora diferente. Paulatinamente, o uso de ferramentas tecnológicas

integra o cotidiano do Advogado e suas respectivas ações.

Atualmente é quase impossível pensar na atuação do Advogado

sem recursos tecnológicos, aparelhos tecnológicos e acesso à internet.

De fato, computador, celular, assinatura digital, token, sistemas de

tecnologia de informação, uso de softwares etc. integram as atividades

da Advocacia de modo corriqueiro. O que em um primeiro momento

438
parecia algo inerente a Advocacia de grandes escritórios, hoje é também

é evidenciado em escritórios de estruturas modestas.

Em se tratando da inteligência artificial e advocacia, vale a pena

colacionar a explicação de Medeiros (2019):

A crescente concorrência, a pressão pelo


aumento da eficiência e produtividade, a
necessidade de oferecer serviços que
atendessem às novas demandas do mercado e
de reduzir custos fez com que grandes
escritórios de advocacia do mundo inteiro
buscassem soluções para diminuir o tempo
gasto com as tarefas e aumentar a precisão de
como elas são executadas (MEDEIROS, 2019, p.
48-49).

A utilização da inteligência artificial na Advocacia vem tanto no

sentido de suprir novas demandas e necessidades de mercado como

também para suprir as necessidades internas dos escritórios de

advocacia. Muitas tarefas de Advocacia são otimizadas a partir da

utilização da inteligência artificial.

Nesse contexto, Medeiros (2019) ensina:

Alguns escritórios de advocacia passaram a ter


setores inteiros dedicados à pesquisa,
desenvolvimento e aplicação de softwares
baseados em inteligência artificial e, parte deles,
começam a seguir caminhos para criação de

439
suas próprias Lawtechs ou Legaltechs, ou seja,
empresas especializadas em desenvolvimento
de produtos e serviços para o ramo do direito.
(MEDEIROS, 2019, p. 51).

Lage e Pedron (2020, p. 136) dizem que “os juristas brasileiros, e

geral, vêm se apaixonando (e se preocupando) com as potencialidades

do uso das ferramentas e das plataformas de inteligência artificial (IA)

no Direito, de modo (quase que em sua totalidade) completamente

acrítico”. Dito de outro modo, a inteligência artificial na Advocacia não

há de ser aplicada sem propósitos específicos, sem reflexões, ao

contrário, há de fazer parte de uma estratégia que justifica sua aplicação.

Outrossim, cumpre destacar que a ética profissional deve estar

presente na Advocacia com uso de inteligência artificial. De fato,

responsabilidade, deveres e princípios profissionais, boa-fé, continuam

fazendo parte da missão dos Advogados mesmo na Advocacia Digital.

Ou seja, o Estatuto da Advocacia e o Código de Ética e disciplina da OAB

devem ser cumpridos igualmente na Advocacia Digital, sendo certo que

o uso das tecnológicas deve acontecer de maneira ética, profissional e

responsável.

Outro aspecto que merece ser acrescentado vem no tocante ao

ser humano no centro da utilização da inteligência artificial, dissertado

por Lage e Pedron (2020):

440
Estes sistemas devem “estar centrados no ser
humano” e assentados no “compromisso de
serem utilizados a serviço da humanidade e do
bem comum, com o objetivo de melhorar o
bem-estar e a liberdade dos seres humanos”,
haja vista que, embora ofereçam grandes
oportunidades, “os sistemas de IA também
apresentam certos riscos, que devem ser geridos
de forma adequada e proporcionada”. Assim, os
membros do grupo buscam meios para “garantir
que podemos confiar nos ambientes
sociotécnicos em que eles estão incorporados,
sendo essencial que os produtores dos sistemas
de IA obtenham “uma vantagem competitiva ao
incorporarem uma IA de confiança nos seus
produtos e serviços”. Faz-se elementar, nesse
contexto, “procurar maximizar os benefícios dos
sistemas de IA, prevenindo e minimizando
simultaneamente os seus riscos” visto que
somente através de uma IA de confiança será
possível colher os benefícios da evolução
tecnológica de forma consentânea com o
respeito dos direitos humanos, pilar da
democracia e do Estado de direito. (LAGE e
PEDRON, 2020, p. 141).

Mister acrescentar que a inteligência artificial na Advocacia

precisa estar associada ao papel social do Direito e à busca da

efetividade de direitos e garantias fundamentais. Dessa forma, as

ferramentas tecnológicas devem ser aplicadas aos objetivos da Ciência

Jurídica, lembrando que o cerne do Direito e da Advocacia é a dignidade

humana em todas as suas dimensões.


441
Nesse diapasão, a inteligência artificial não pode se restringir a

uma mera produção em massa, pelo contrário, os desafios e objetivos

do Direito e da Advocacia continuam os muitos de uma sociedade

complexa, sendo a Advocacia um dos meios de diminuição de

desigualdades e alcance de justiça.

Nessa parte, lembra-se a noção de justiça caso a caso o que é

possível por meio de práticas da Advocacia. Com certeza, se os

Advogados enfrentam limitações para buscar a justiça social de toda a

coletividade, por vezes, é factível o alcance da justiça de forma pontual,

em alguns casos concretos.

Destarte, Lage e Pedron (2020) ponderam que:

Tal como acontece com qualquer tecnologia, a


utilização de sistemas de IA suscita vários
desafios éticos, nomeadamente em relação ao
seu impacto nas pessoas e na sociedade, nas
capacidades decisórias e na segurança. Como
lembra Dedeo, sempre que se fala em
algoritmos, é necessário lembrar que estes
“podem ser matematicamente ótimos, mas
eticamente problemáticos”. Traçando uma
interligação essencial entre o caráter legal e o
caráter ético, afirmam os especialistas que “o
respeito dos direitos fundamentais num quadro
de democracia e Estado de direito, proporciona
as bases mais promissoras para identificar
princípios e valores éticos abstratos que podem
ser operacionalizados no contexto da IA”,
Direitos estes que têm referência a dignidade, as
442
liberdades, a igualdade e solidariedade, e a
justiça. Pode entender-se que “a base comum
que une estes direitos está alicerçada no
respeito da dignidade humana”, refletindo assim
aquilo que se designou chamar de “abordagem
centrada no ser humano”, na qual este goza de
um “estatuto moral único e inalienável de
primazia dos domínios civil, político, econômico
e social”. (LAGE e PEDRON, 2020, p. 143-144).

Nesse desiderato, destacam-se algumas benesses da utilização

da inteligência artificial na Advocacia, visto que, por vezes, propiciam

melhorias na gestão e acompanhamento das tarefas, contribuindo para

qualidade e eficiência dos serviços prestados.

Pensa-se que a implementação de práticas com inteligência

artificial na Advocacia é um “caminho sem volta” que demanda muitas

adaptações. Os profissionais precisam se atualizar, buscar conhecer e

dominar novas ferramentas para lograr êxito nessa nova realidade. Da

mesma forma, se torna necessária adequação aos novos procedimentos,

lembrando sempre de não deixar de lado as peculiaridades das

demandas.

Aplicada de modo apropriado, com ética profissional e de forma

responsável, em procedimentos com revisão humana, a utilização da

inteligência artificial na Advocacia traz uma série de benesses.

5. ALGUNS RECURSOS TECNOLÓGICOS APLICÁVEIS À ADVOCACIA

443
Vários são os benefícios da adequada utilização dos recursos

tecnológicos nas rotinas da Advocacia. Portanto, nessa parte do

trabalho, vale a pena apresentar alguns recursos tecnológicos úteis aos

Advogados, consoante doravante passa a explicá-los.

Inicia-se trazendo à baila as palavras de Lage e Pedron (2020):

O famoso sistema ROSS, usado por uma das


maiores bancas de advocacia dos Estados
Unidos, a Baker & Hostetler, utiliza a inteligência
artificial não apenas para encontrar casos
antigos já julgados, como um bom sistema de
buscas, mas também para dar dicas sobre a
melhor maneira de utilizar as referidas decisões
a título argumentativo nos casos atuais, e dado
suas potencialidades, ficou conhecido entre os
diversos escritórios de advocacia brasileiros. O
software é uma espécie de “advogado virtual”
que usa a tecnologia IBM Watson para compilar
e avaliar um enorme volume de dados,
aprendendo com o tempo (machine learning) a
melhor maneira de aplicar toda essa informação
(LAGE e PEDRON, 2020, p. 136).

O sistema Ross, advogado virtual, responde a questionamentos

utilizando legislações, jurisprudências, selecionando, num curto espaço

de tempo, respostas relevantes com resultados atualizados.

444
O Software Dra. Luzia foi idealizado pela Legal Labs para fazer a

gestão de processos em massa com o emprego da inteligência artificial,

transformando o trabalho com repetição em mecanismo de arrecadação

destinado às Procuradorias municipais e estaduais. Desde 2017 o

software é usado pela Procuradoria Geral do Distrito Federal (PGDF)


(MEDEIROS, 2019).

Medeiros (2019) explica que:

Através da utilização de técnicas de machine


learning e uso de redes neurais, o software
realiza extração de dados públicos e compara
com as bases internas das procuradorias,
permitindo a apuração de informações tais
como índices de recuperação de crédito e
apuração de riscos, além de confeccionar um
score da dívida e do devedor para dar prioridade
às execuções mais eficazes. O sistema de IA
também é utilizado para auxiliar na confecção
de petições e no cruzamento de dados internos
para encontrar o endereço ou bens do devedor
(MEDEIROS, 2019, P. 52-53).

O software Ravel Law que é de empresa dos EUA possui uma

ferramenta chamada Court Analytics por meio da qual é possível traçar

perfis de julgamentos tanto de juízes como de tribunais por meio do

histórico de decisões prolatadas. Assim, é possível antever possíveis

resultados processuais, bem como o estabelecimento de estratégias

445
usadas no caso concreto a fim de convencer cada Magistrado

(MEDEIROS, 2019).

A Advocacia Geral da União desenvolveu em 2014 o Sapiens,

chamado de “Sistema AGU de Inteligência Jurídica” destinado a

simplificações de rotinas e expedientes por meio da inteligência artificial

que utiliza base de dados e auxilia na elaboração de defesas, com

opções de modelos, teses e sugestão de organização de argumentos

potencialmente aplicáveis às casuísticas (MEDEIROS, 2019).

Há de se realçar ainda as ferramentas de autocomposição on-

line muito usadas nas tentativas extrajudiciais de solução de

controvérsias seguindo as premissas estatuídas no Código de Processo

Civil de 2015, possibilitando a diminuição de ações judiciais e

viabilizando composições em tempo menor do que o dispendido pelo

Poder Judiciário (CAMPOS e SILVA, 2019).

A BBDE Comunicação, “agência que atua na adequação e gestão

das ferramentas de Marketing e Comunicação, para nichos de mercado

de comunicação restrita, com foco na área Jurídica”, publicou em seu

site que o Google organizou um evento em São Paulo “para divulgar a

plataforma Google Apps for Work ao mercado Jurídico e mostrar como

seus produtos podem ser úteis para os Escritórios de Advocacia”.

A BBDE destacou algumas ferramentas disponíveis no Google

Apps for Work que podem ajudar na rotina dos escritórios, quais sejam:

446
1. GMAIL CORPORATIVO: E-mail
corporativo que, definitivamente,
emprega mais credibilidade e segurança
para o destinatário do e-mail. Não se
esqueça de usar uma assinatura de e-
mail personalizada com suas
informações;
2.CALENDÁRIO: Sistema de agenda
digital que fornece a opção de criar
reuniões, receber notificações no celular
com lembretes, compartilhamento de
agenda e até integração com o Google
Maps para calcular o tempo de
deslocamento até seu próximo
compromisso;
3. GOOGLE HANGOUTS: Aplicativo que
permite conversas simultâneas com até
25 pessoas por videoconferência,
podendo gerar diminuição do número
de reuniões presenciais;
4. GOOGLE DRIVE: É a nuvem de
informação do escritório, onde todos os
arquivos são compartilhados e podem
ser acessados de forma remota e com
permissão de níveis de acesso;
5. GOOGLE VAULT: É uma espécie de
“cofre” onde os administradores de
contas corporativas do Google podem
acessar todas as informações criadas
pelos funcionários da empresa, até e-
mails que nunca foram enviados, mas
foram salvos como rascunho e depois
apagados.

447
As ferramentas do Google que foram descritas, realmente são

importantíssimas nas rotinas da Advocacia, de modo que, se bem

utilizadas e geridas podem auxiliar muito nas tarefas on-line,

organização de agenda, atendimentos e reuniões remotas. Os serviços

em nuvem como o Google Drive possibilitam acessar dados de qualquer

dispositivo como e-mails, servidores, backups e até ferramentas como

o Pacote Office, em qualquer hora e lugar, trazendo flexibilidade para a

Advocacia.

Existem softwares específicos e variados para apoiar a gestão das

atividades dos advogados do escritório que podem realizar Gestão de

processos e casos; Agenda e controle de prazos; Busca de processos nos

sites dos tribunais; Notificações automáticas sobre o andamento dos

processos; Acesso às publicações do Diário Oficial; e, Criação de

documentos padrões.

Barreto (2020) comenta que “outra ferramenta indispensável

atualmente, e na Advocacia 5.0, são os celulares e dispositivos móveis,

que cada vez mais ganham mais relevância ao cotidiano da advocacia

na era digital”. Os aparelhos cada vez mais modernos têm várias

funcionalidades, usados para consulta de processos, pesquisas e

contato com clientes.

Escritórios de Advocacia on line são outra opção, incluindo

aqueles com serviços 100% digital com organização totalmente

448
tecnológica, dispensando ou diminuindo a necessidade de escritório

físico.

Para Orlando e Pereira (2019), “o Whatsapp é um ótimo

aplicativo de comunicação no dia a dia. Tal ferramenta também pode

ser utilizada para a vida profissional do advogado; tornando a

comunicação do advogado com o cliente muito mais moderna, rápida e

eficiente”. O Watsapp é uma ferramenta que aproxima os Advogados de

seus clientes, permitindo conversas por texto, áudio, chamadas

instantâneas, inclusive de vídeo. Sem falar na possibilidade de anexar

arquivos de variados formatos, fotos. Enfim, muitos profissionais têm

usado de forma adequada o aplicativo para desempenhar suas

atividades e melhor atendimento aos clientes.

Interessante colacionar trecho de autoria de Campos e Silva

(2019), nos termos:

Um desafio foi feito para comparar a capacidade


humana com a da IA na advocacia. 20
profissionais renomados, com experiência,
foram desafiados a realizar uma determinada
tarefa, que também foi executada pelo software,
com a finalidade de comparar o desempenho de
ambos. O trabalho designado foi examinar
riscos existentes em cinco contratos de
confidencialidade. O resultado já era esperado.
A IA obteve precisão de 94%, enquanto a média
dos 20 advogados, de 85%. A inteligência
artificial executou a tarefa em inacreditáveis 26

449
segundos, sendo que o advogado mais rápido
do grupo levou 51 minutos (CAMPOS e SILVA,
2019).

O desafio ora descrito é capaz de representar que em se tratando

da execução de algumas atividades o desempenho da inteligência

artificial pode ser bem superior do que desempenhos humanos,

podendo trazer mais celeridade, assertividade e eficiência.

Outra constatação interessante é a expressada por Campos e

Silva (2019):

Estudo feito por McKinsey Global Institute


estima que quase 1/4 do trabalho de um
advogado pode ser automatizado com o uso da
IA. Além disso, algumas pesquisas sugerem que
a adoção da tecnologia legal (incluindo AI)
reduziria as horas de trabalho dos advogados
em 13%. O mesmo fenômeno se verifica no
Brasil, apesar de ainda ser constatado em menor
escala. O Watson, por exemplo, foi implantado
em um escritório de Recife para a automatização
de serviços repetitivos, aumentando a média de
acertos, em relação ao preenchimento de dados,
de 75% para 95% (CAMPOS e SILVA, 2019).

Campos e Silva (2019) asseveram que o “supercomputador

Watson é muito solicitado por escritórios advocatícios para fazer

pesquisas jurídicas, analisar documentos, redigir contratos e prever

resultados”. A inteligência artificial como auxiliar de tarefas mecânicas

450
contribui para maior velocidade, precisão e qualidade, sendo capaz de

redigir procurações, contratos, petições etc.

Barreto (2020) expressa que “o papel do advogado do futuro

deverá ser estratégico”. E mais:

Com isso, poderá criar teses próprias, com


controle mais detalhado sobre as decisões
judiciais e sabendo, de imediato, quantas vezes
aquela vara ou aquela turma já julgou a mesma
matéria. Os sistemas de inteligência artificial de
fato se sobressaem frente à identificação de
padrões, linguagem natural, eliminação de
preconceitos e capacidade de armazenar
grandes volumes de dados. Porém, atuarão
como super assessores, complementando as
habilidades dos advogados, mas jamais
substituindo-os. Barreto (2020)

Finalizando, com o emprego da inteligência artificial na

Advocacia, os Advogados poderão supervisionar atividades, conferir

trabalhos, economizar tempo e escolher as tarefas que precisam ser

desempenhadas, destinando seu trabalho mais a estratégias do que a

repetições de tarefas aptas a serem mecanizadas, apropriando-se dos

variados benefícios decorrentes da adequada utilização da inteligência

artificial na Advocacia.

De resto, vale destacar que a pandemia do novo Corona vírus

contribuiu muito para a maior utilização dos recursos tecnológicos na

Advocacia, visto que boa parte das demandas extrajudiciais e

451
processuais passaram a ser resolvidas a partir de peticionamentos por

e-mail, atendimentos via aplicativos, audiências on-line, uso de ligações

telefônicas, assinaturas digitais em documentos, sem falar da ampliação

do quantitativo dos processos judiciais eletrônicos com a virtualização

de processos físicos.

6. ALGUMAS VANTAGENS DA UTILIZAÇÃO ESTRATÉGICA DA


INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA ADVOCACIA 4.0

Obviamente, o uso das tecnologias na Advocacia ainda está em

desenvolvimento no Brasil, sendo incluídas, aos poucos no cotidiano

dos escritórios. O uso adequado, crítico, estratégico e supervisionado da

inteligência artificial na Advocacia pode implicar em resultados viáveis e

eficientes, o que, em certa medida acaba por contribuir com a própria

qualidade de vida dos profissionais de Advocacia, que terão a partir da

aplicação de ferramentas minimizados os riscos de erros no exercício da

profissional.

Nunes e Marques (2018) contextualizam nas exatas palavras:

O uso de sistemas de inteligência artificial (IA) é


crescente nos mais diversos ramos, em razão do
aumento da eficiência e da precisão dos serviços
por eles proporcionado. No Direito, vislumbra-
se também esse fenômeno, com a utilização das
soluções das lawtechs, por exemplo, para
otimização de serviços, principalmente no que
452
concerne à litigância de massa. Nos Estados
Unidos, sistemas de inteligência artificial, como
o Ross e o Watson, são utilizados por escritórios
advocatícios para realizar pesquisas jurídicas,
analisar documentos, redigir contratos e prever
resultados. As vantagens do uso de tal
tecnologia, que proporciona maior rapidez,
precisão e qualidade na realização de trabalhos
maçantes e repetitivos, têm feito com que cada
vez mais escritórios invistam em sua utilização.
De acordo com uma pesquisa realizada pela
CBRE, cerca de 48% dos escritórios advocatícios
de Londres já utilizam sistemas de inteligência
artificial e 41% pretendem implantá-los.
Segundo a pesquisa, a IA é utilizada,
principalmente, para gerar e revisar documentos
e para a eletronic discovery, mas também tem
aplicação relevante na realização de pesquisas
jurídicas e na due diligence – investigação prévia
de companhias antes da realização de
negócios.3 O mesmo fenômeno se verifica no
Brasil, apesar de ainda ser constatado em menor
escala. A plataforma Watson, por exemplo, foi
implantada em um escritório advocatício de
Recife para a automatização de serviços
repetitivos, aumentando a média de acertos, em
relação ao preenchimento de dados, de 75%
para 95%. Sistemas de inteligência artificial
também são utilizados por escritórios para a
análise de tendência de juízes ao julgar
determinados temas, possibilitando uma maior
especificidade à defesa.5 A Advocacia Geral da
União (AGU) iniciou a implantação de seu
Sistema AGU de Inteligência Jurídica (Sapiens)
em 2014, o qual tem por objetivo “facilitar o
453
trabalho do procurador, tornando mais rápida e
simplificada a produção de peças,
automatizando e eliminando a necessidade de
registro manual da produção jurídica”. Trata-se
de ferramenta que auxilia, inclusive, na tomada
de decisão, sugerindo teses jurídicas cabíveis em
cada caso concreto (NUNES e MARQUES, 2018,
p. 02).

Na Advocacia a litigância em massa torna-se uma possibilidade

com a inteligência artificial visto que em se tratando de demandas

similares programas de elaboração de petições podem contribuir para

ajuizamento de várias demandas individuais num espaço de tempo bem

menor se comparado ao tempo dispendido para a redação de petição

inicial de forma tradicional.

Aliás, além da litigância em massa tem-se a confecção de

documentos em grande escala, como ocorre no caso de contratos com

cláusulas padrão redigidos dentro de sistemas nos quais são

preenchidos, por exemplo, apenas os dados pessoais e informações

peculiares às tratativas celebradas entre as partes.

Nesse âmbito, Nunes e Marques (2018) declaram que:

Nos Estados Unidos, sistemas de inteligência


artificial, como o Ross e o Watson, são utilizados
por escritórios advocatícios para realizar
pesquisas jurídicas, analisar documentos, redigir
contratos e prever resultados. As vantagens do
uso de tal tecnologia, que proporciona maior
454
rapidez, precisão e qualidade na realização de
trabalhos maçantes e repetitivos, têm feito com
que cada vez mais escritórios invistam em sua
utilização (NUNES e MARQUES, 2018, p. 02).

Seguindo as explicações apresentadas, rapidez, precisão e

qualidade se destacam nas aplicações da tecnologia para fins de

serviços repetitivos.

O mercado hoje oferece para os Advogados várias ferramentas

que colaboram com os profissionais para uma melhor prestação de

serviços, formando um novo panorama no qual a inteligência artificial é

aplicada na Advocacia com propósitos bem delineados.

Complementando o raciocínio, relevante transcrever as palavras

de Nunes e Marques (2018):

Individualmente, esses sistemas existentes e


emergentes desafiarão e mudarão o modo
como determinados serviços jurídicos são
fornecidos. Coletivamente, eles vão transformar
todo o panorama legal. Quando me refiro à
ruptura, geralmente falo da destruição causada
pelo lado da oferta do mercado jurídico, isto é,
pelos escritórios de advocacia e outros
prestadores de serviços jurídicos. Para o
consumidor de serviços jurídicos, essa
interrupção costuma ser uma notícia muito boa.
A perturbação de uma pessoa pode ser a
salvação de outra pessoa. As tecnologias legais
disruptivas são: automação documental,

455
conexão constante via Internet, mercados legais
eletrônicos (medidores online de reputação,
comparativos de preços e leilões de serviços),
ensino online, consultoria legal online,
plataformas jurídicas abertas, comunidades
online colaborativas fechadas, automatização de
trabalhos repetitivos e de projetos,
conhecimento jurídico incorporado, resolução
online de conflitos (Online Dispute Resolutions
– ODR), análise automatizada de documentos,
previsão de resultados de processos e respostas
automáticas a dúvidas legais em linguagem
natural (NUNES e MARQUES, 2018, p. 03-04):

Vaja-se, pois, que as tecnologias disponíveis para os Advogados

são diversas permeando desde a automação documental, passando pela

consultoria via internet e chegando à possibilidade resolução on line de

conflitos, trazendo facilitações e melhorias nas buscas de soluções

jurídicas.

A automatização de atividades repetitivas na Advocacia segue

como uma tendência vantajosa em termos de ganho de eficiência e

produtividade. Sobre o assunto, Nunes e Marques (2018) esclarecem

que:

os sistemas de IA trazem diversos benefícios à


prática do Direito, especialmente como já
apontado em relação à automatização de
atividades repetitivas, proporcionando maior
agilidade e precisão em sua realização. Trata-se

456
de mecanismo essencial, principalmente no
quadro de litigância em massa e acúmulo de
processos no Poder Judiciário que verificamos
em nosso País. Contudo, todo esse movimento
irrefreável aludido, ao qual se nomina de virada
tecnológica no direito, vem se impondo sem que
os juristas se preocupem adequadamente com
ele ou com geração apenas de um
encantamento com os ganhos de eficiência e
produtividade nas atividades a serem realizadas,
em especial por suas virtudes serem
apresentadas (“vendidas”) por fornecedores de
produtos e serviços ( Legal Techs) que evitam
divulgar os riscos no uso dessas tecnologias
para correção e legitimidade (NUNES e
MARQUES, 2018, p. 04):

Um detalhe muito importante que merece atenção é o fato de

que as funções automatizadas não podem servir para reproduzir

desigualdades. Contrário disso, a automatização de tarefas não afasta

em nenhum momento a busca por uma sociedade mais justa e solidária.

Tal noção é aliada à compreensão de que as máquinas também podem

cometer erros. Consequentemente, a supervisão humana é inafastável e

necessária à maior eficiência do uso da inteligência artificial na

Advocacia.

Na perspectiva de evitar o uso inapropriado da inteligência

artificial que desrespeita as finalidades do Direito, relevante colacionar

a advertência de Nunes e Marques (2018):

457
Assim como ocorre com os vieses cognitivos dos
julgadores humanos, deve-se primeiro
reconhecer o problema para que se possa
buscar soluções capazes de eliminar ou reduzir
o enviesamento das máquinas, sendo certo que
a implementação de sistemas de IA no direito de
forma irrefletida, ou capturada pelos
imperativos de eficiência ou mesmo mercantis
dos fornecedores de serviços (LegalTechs),
poderá lesar princípios constituidores do Estado
Democrático de Direito, como o devido
processo constitucional e o acesso à Justiça
(NUNES e MARQUES, 2018, p. 10):

A aplicação da inteligência artificial não pode ser irrefletida nem

violar as bases fundamentais do ordenamento jurídico pátrio. O uso há

de ser estratégico, refletido e condizente com os princípios

fundamentais e regras vigentes.

Nesse âmbito, Nunes e Marques (2018) esclarecem sobre os

cuidados na aplicação da inteligência artificial:

O movimento de inserção de mecanismos


tecnológicos no Direito é irrefreável e pode
trazer diversos benefícios para o sistema.
Todavia, é imprescindível que se tenha cuidado
em sua implementação, pois, conforme o
exposto, as ferramentas de IA, apesar de
pretensamente objetivas, também são
permeadas por subjetividades, que surgem
tanto no momento de elaboração dos
algoritmos quanto no fornecimento de dados

458
para o machine learning. (NUNES e MARQUES,
2018, p. 11):

Outra vantagem que merece destaque é a possibilidade de

aumentar a velocidade de tramitação do processo utilizando

inteligência artificial, a celeridade processual é buscada e a morosidade

processual pode trazer uma série de prejuízos aos jurisdicionados.

Nos escritórios de Advocacia, o gerenciamento processual pode

ser bem mais eficiente através de recursos tecnológicos, melhorando o

acompanhamento processual e, por vezes, auxiliando no cumprimento

de prazos. Nesse compasso, mister se faz destacar que os sistemas de

acompanhamento de publicações otimizam o cumprimento de prazos

mesmo sem que os operadores do Direito tenham que adentrar em

todos os processos individualmente. A consulta individual dos processos

demanda tempo, que, se economizado, pode ser destinado a outras

tarefas também relevantes para o exercício da Advocacia.

Vale lembrar, nesse compasso, que atualmente os Advogados

têm a sua disposição sistemas de buscas de publicações tanto gratuitos

quanto pagos, nas quais os resultados são enviados para os e-mails dos

Advogados, facilitando demasiadamente a organização, gestão e

práticas processuais a partir do histórico de publicações.

Consequentemente, acompanhamento atento aos sistemas de publicas

já é capaz de auxiliar no bom acompanhamento dos processos, bem

459
como na organização para fins de cumprimento dos prazos processuais,

inclusive os preclusivos.

Um aspecto muito positivo do uso da inteligência artificial na

Advocacia consiste na economia do tempo gasto para a execução das

tarefas, que por meios tecnológicos acabam sendo realizadas de forma

mais célere se comparada às efetuadas sem o uso de nenhuma

ferramenta. É possível também perceber melhoria na precisão dos

trabalhos feitos com o amparo da inteligência artificial. Isso porque

muitos programas têm mecanismos que propiciam revisões e correções

automáticas com relevante grau de precisão e assertividade.

Corroborando com o referido entendimento, Nunes e Marques (2018,

p. 09) exprimem que a inteligência artificial para “pesquisas, classificação

e organização de informações, vinculação de casos a precedentes e

elaboração de contratos tem se mostrado efetiva na prática por

proporcionar maior celeridade e precisão”.

Por conseguinte, a inteligência artificial traz inúmeras soluções

para a área jurídica. Na Advocacia, é possível produzir mais rapidamente

documentos e petições, sem perder a qualidade e a assertividade.

Portanto, em se tratando da Advocacia é possível se deparar com

os seguintes resultados, além de outros tantos: economia de tempo,

celeridade, qualidade nos serviços prestados, cumprimento de prazos

processuais, gestão adequada do escritório e processo, aumento da

satisfação dos clientes, maior assertividade, maior lucratividade,

460
aumento da segurança, minimização de erros, diminuição de falhas,

aumento do profissionalismo, além de outros tantos benefícios para

profissionais, clientes, e, quiçá, para o próprio Estado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Sociedade de Informação é fruto de mudanças nas relações e

nos modos de fazer num cenário que decorre do uso das tecnologias.

Nos mais variados campos, o desenvolvimento tecnológico

mostra seus impactos. E, na Ciência Jurídica, isso não é diferente. A

inteligência artificial usada no Direito torna possível a prática de tarefas

antes exclusivamente desempenhadas por seres humanos. É o caso do

juiz-robô que prolata decisões em massa num curto espaço de tempo.

Do mesmo modo, a inteligência artificial passa a ser empregada na

Advocacia, emergindo a chamada Advocacia 4.0, Advocacia 5.0, ou,

ainda, Advocacia Digital.

Com isso, se torna relevante compreender as noções de Direito

Digital e de Advocacia Digital. A primeira expressão se refere ao ramo

do Direito que se destina a trazer soluções jurídicas para relações e

conflitos decorrentes de contextos tecnológicos e informáticos, ao

passo que Advocacia Digital cuida-se de práticas de Advocacia com o

emprego da inteligência artificial ou de ferramentas tecnológicas.

461
Hodiernamente, inúmeras são as possibilidades de aplicação da

inteligência artificial e de ferramentas tecnológicas na Advocacia. Ao

longo do desenvolvimento do artigo em tela apresentou-se como

possibilidades: sistema Ross, advogado virtual, Software Dra. Luzia,

software Ravel Law, o Sapiens, ferramentas de autocomposição on-line,


ferramentas do Google Apps for Work: (Gmail Corporativo, Calendário,

Google Hangouts, Google Drive e Google Vault), softwares específicos

e variados para apoiar a gestão de processos e casos; agenda,

acompanhamento de controle de prazos, sistemas de busca de

processos nos sites dos tribunais, notificações automáticas sobre o

andamento dos processos, acesso às publicações do Diário Oficial,

criação de documentos padrões, celulares e dispositivos móveis,

escritórios de Advocacia on line, WhatsApp, e o supercomputador

Watson.

As ferramentas descritas neste texto foram escolhidas num viés

exemplificativo, sem prejuízos de aplicar tantas outras. As ferramentas

de inteligência artificial são tanto para a Advocacia Pública, quanto para

a privada, além de serem úteis também ao Poder Judiciário. Considera-

se que várias ferramentas podem ser agregadas com vistas a aproveitar

as vantagens de cada uma delas.

Inegavelmente, se bem empregada, a inteligência artificial pode

trazer muitas vantagens para a Advocacia, a exemplo das destacadas ao

longo do texto, como: sistematização de bancos de dados, mecanismos

462
de consultas, buscas, organização de jurisprudências, modelos de

petições e documentos, modernização da advocacia, auxílio na

resolução de problemas, automatização de tarefas, soluções para

demandas em massa, aumento da produtividade, economia no tempo,

resolução de maior volume de demanda, prolação de decisões judiciais

em escala, produção de documentos e petições em massa, melhorias na

gestão, compilação e avaliação um enorme volume de dados, respostas

a questionamentos, emprego de legislações, gestão de processos em

massa, previsão de resultados processuais, auxílio na elaboração de

defesas, encontros remotos, notificações com lembretes,

compartilhamento de agenda, videoconferências, organização da

agenda e controle de prazos, criação de documentos padrões, contato

facilitado com clientes, celeridade, assertividade, eficiência, precisão,

minimização dos riscos de erros no exercício da profissional, correções

automáticas, qualidade nos serviços prestados, cumprimento de prazos

processuais, gestão adequada do escritório e processo, aumento da

satisfação dos clientes, maior lucratividade, aumento da segurança,

minimização de erros, diminuição de falhas, aumento do

profissionalismo e melhoria na qualidade de vida dos profissionais de

Advocacia.

Por certo, a aplicação inapropriada e acrítica da inteligência

artificial do Direito e na Advocacia geram riscos notadamente na

perspectiva de aplicações de soluções jurídicas que não condizem com

463
as especificidades do caso concreto, podendo, até mesmo, ensejar

injustiças e violar a dignidade humana em suas dimensões.

Em conclusão, entende-se que a inteligência artificial não

substitui por completo o Advogado, mas, trata-se de forte aliada capaz

de somar potencialidades. Em outros termos, as vantagens da

inteligência artificial na Advocacia 4.0 se sobressaem quando se

seleciona adequadamente as funções que serão automatizadas e com a

supervisão e aprimoramentos da insubstituível capacidade humana.

Unir a eficiência e vantagens da inteligência artificial às estratégias dos

profissionais da Advocacia pode ser o caminho de sucesso para serviços

de excelência num mercado exigente e altamente competitivo.

REFERÊNCIAS

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da Advocacia 5.0. Disponível em:
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nos Escritórios de Advocacia. Disponível em:
http://bbde.com.br/como-usar-tecnologia-para-melhorar-gestao-nos-
escritorios-de-advocacia/ Acessado em: 05 jan. 2021.

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464
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/outros/a-interligencia-
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466
TEORIA DE ROMEU E JULIETA: RELATIVIZAÇÃO DA IDADE DA
VÍTIMA DO CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL

Ingrid Rodrigues da Rocha6


Cléberson Ferreira de Morais7
Elione de Jesus Gomes Costa8

RESUMO

O presente artigo tem como principal objetivo realizar uma análise da


possível aplicação da teoria de Romeu e Julieta no ordenamento
jurídico, bem como abordar relevantes discussões à cerca da
relativização da vulnerabilidade da vítima do crime de estupro de
vulnerável que está fixada em 14 anos conforme art. 217-A do código
Penal. Desse modo, define-se como objetivo geral do trabalho analisar
o instituto mencionado como sendo uma forma de flexibilização do tipo
penal descrito no Código penal vigente como forma de não punir o
desenvolvimento precoce da sexualidade dos adolescentes. Diante
disso será feito um estudo do uso da exceção de Romeu e Julieta nos
ordenamentos jurídico espanhol e americano, fazendo análise de
pesquisas bibliográficas, com um viés dedutivo.

Palavras-chave: Estupro de vulnerável; Presunção de vulnerabilidade;


Relativização da idade da vítima; teoria de exceção de Romeu e Julieta.

6
Bacharel em Direito pela Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana.
7
Mestrando em Direito, “Novos Direitos e Novos Sujeitos”, pela Universidade Federal
de Ouro Preto. Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes e
Gestão de Políticas Públicas pela Universidade Federal de Ouro Preto. Bacharel em
Direito e Administração pela Universidade Federal de Ouro Preto. Integrante do Grupo
de Estudos de Direito do Trabalho da UFOP. Professor da Faculdade Presidente Antônio
Carlos de Mariana. Advogado.
8
Bacharel em Direito pela Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana. Pós-
graduanda em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade da Região Serrana. Gerente
financeira na Assembleia de Deus - Ministério de Mariana. Advogada.
467
INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por finalidade analisar a possível aplicação do

instituto de Romeu e Julieta no ordenamento jurídico brasileiro. A

exceção em questão trata de maneira mais racional de casos em que

menores de 14 anos se relacionam sexualmente com outros

adolescentes. Teoricamente no Brasil o ato sexual em si, já tipificaria o

crime de estupro de vulnerável disposto no art. 217-A 9do código penal,

que prevê pena de reclusão de 8 a 15 anos, no qual presume-se a

violência quando estiver envolvida pessoas menores de 14 anos.

(BRASIL, 1940)

A violência sexual cometida contra o menor representa uma das

mais graves formas de violência, pois lesa os direitos fundamentais das

crianças e adolescentes, estando presente em todas as fases da história

9
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14
(catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1 o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que,
por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a
prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
§ 2 o (VETADO)
§ 3 o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
§ 4 o Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
§ 5º As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se
independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações
sexuais anteriormente ao crime.
468
humana, causando repulsa e ódio perante à sociedade, porém, existe

casos que são submetidos à julgamento que muitas das vezes, se trata

de um ato que foi consentido, que existe uma diferença pequena de

idade entre o acusado e a suposta vítima e ainda a presença de um

relacionamento amoroso entre os sujeitos do tipo penal descrito no art.

217-A (BRASIL, 1940), sendo inegável que cada caso seja analisado de

forma peculiar e se necessário a aplicação da exceção de Romeu e

Julieta, que evitará a imposição de medida sócio educativa ao jovem

que pratica sexo ou qualquer outro ato libidinoso com menor de 14

anos.

Embora seja admirável que o legislador assegure aos

adolescentes maior proteção no que se refere aos crimes sexuais, a

aplicação de forma inflexível desta norma acaba por criminalizar as

relações consentidas entre adolescentes, com uma limitada diferença de

idade. Decorrente disso, há doutrinadores contrários ao tratamento

rígido, razão pela qual se utilizam do raciocínio da exceção de Romeu e

Julieta.

Entretanto essa não é uma corrente majoritária, seja na doutrina

ou na jurisprudência, tanto que o Superior Tribunal de Justiça tem

assentado o entendimento na súmula 593 na qual dispõe que o crime

de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática

de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual

consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual

469
anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente. (STJ,

Súmula 593,2017)

O Estatuto da Criança e do adolescente (1990) e o Código Penal

(1940) procuram dar maior proteção aos jovens, tratando-os como

pessoas em um estado especial de desenvolvimento que merecem um

maior cuidado e compreensão da sociedade. Por outro lado o Código

Penal (1940) é mais enérgico no que se trata do criminoso sexual,

aplicando penas altas e paralelamente a isso a sociedade os julga com

ódio e desprezo pelo mal causado ao bem jurídico valorizado, por se

tratar de uma forma de violência considerada como sendo a mais grave

da sociedade, causando repulsa quando não interpretado a

peculiaridade do caso e demonstrado a existência de uma possível

exclusão de culpa do acusado.

Diante desse paradigma, surge os adolescentes que é

enquadrado ao tipo penal que tem por intuito proteger a liberdade

sexual e ao mesmo tempo sendo tratados como autores e vítimas do

mesmo crime.

Inegavelmente as mudanças sociais vivenciadas nos últimos

tempos que apontam que os jovens estão, a cada dia mais expostos a

conteúdos ligados diretamente à sexualidade. A maturidade sexual

atualmente tem chegado muito mais precoce do que nas décadas

anteriores.

470
Diante disso, a problemática central desse artigo gira em torna

de verificar a possibilidade de aplicação da teoria de exceção de Romeu

e Julieta no ordenamento jurídico brasileiro, tendo como objetivo geral

apresentar relevantes discussões por meio de doutrinas, jurisprudência

e legislação, analisando questões relacionadas a relativização da

vulnerabilidade da vítima do crime de estupro de vulnerável como

sendo uma forma de flexibilização do tipo penal disposto no art. 217-A

do Código Penal.

Especialmente pretende-se analisar os conceitos e requisitos da

teoria exceção de Romeu e Julieta expondo apontamentos acerca do

tema no nosso sistema jurídico, propondo uma pesquisa teórica e

bibliográfica, que irá permitir analisar e interpretar os dados

pesquisados.

Desse modo, o estudo da problemática será desenvolvido

através de um viés dedutivo, utilizando-se de observações e reflexões

sob a temática estudada, bem como, fazendo uso de pesquisas

bibliográficas, legislação, jurisprudências, princípios e conceitos

doutrinários como forma de desenvolver a investigação do instituto da

exceção de Romeu e Julieta pautando-se na teoria e na prática.

2. BREVE ANÁLISE HISTÓRICO-SOCIAL DO CRIME DE ESTUPRO DE


VULNERÁVEL DENTRO DO ORDENAMENTO JURÍDICO-PENAL
BRASILEIRO

471
Com a criação da Lei n. 12.015/2009, significativas alterações

foram aplicadas no Capítulo II do Código Penal, o qual fez substituição

do termo “crimes contra os costumes” por “crimes contra a dignidade

sexual”, passando a contemplar o delito de estupro de vulnerável

disposto no art. 217-A, como uma tentativa de adaptar a legislação

penal às novas tendências de desenvolvimento das relações

interpessoais. Que de acordo com esse tipo penal é crime a conduta de

“ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14

anos”. (BRASIL, 1940)

Nota-se que com uma interpretação literal do dispositivo legal,

não haveria margem de flexibilização para admitir a relação sexual com

menores de 14 anos.

Em primeiro lugar, faz-se necessário uma breve análise da

presunção de violência ao longo da história dos códigos penais até o

atual.

O tipo penal que caracteriza o estupro de vulnerável está

presente no nosso ordenamento jurídico desde o Código criminal do

Império do ano de 1830, que teve fortes influências do Direito Romano

e Direito Grego. Nessa época no art. 219 era cabível pena maior para

crimes de estupro praticado contra menores de 17 anos10. (BRASIL,

1830)

10
Código Criminal de 1830.
Art. 219. Deflorar mulher virgem, menor de dezessete anos.
472
Posteriormente com o código penal de 1890 especificamente no

art. 272 estabelecia que a presunção da violência era cometida sempre

que a pessoa ofendida fosse menor de 16 anos11. (BRASIL, 1890)

Com a promulgação do código de 1940 ainda vigente, a

presunção de violência foi baixada para 14 anos, conforme o revogado

art. 22412, e atualmente com o novo artigo 217-A, inserido pela lei n°

12.015/09. Desta maneira o estupro de vulnerável prevê como crime a

conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso com menor de 14

anos de idade. (COLVARA, 2014).

Entendeu o legislador que os menores de 14 anos são incapazes

de compreender e avaliar as consequências dos atos sexuais e que lhes

faltam maturidade fisiológica e capacidade para entender o ato.

(ARAÚJO; LIMA, 2016, p. 139)

Segundo Guilherme de Souza Nucci a vulnerabilidade contida no

artigo 217-A trata-se da capacidade de compreensão e aceitação no

tocante ao ato sexual. Por isso, continua existindo a presunção de que

determinadas pessoas não têm a referida capacidade para consentir.

(NUCCI, 2011).

Penas - de desterro para fora da comarca, em que residir a deflorada, por um a três anos,
e de dotar a esta.
Seguindo-se o casamento, não terão lugar as penas.
11
Código Penal de 1890.
Art. 272. Presume-se cometido com violência qualquer dos crimes especificados neste e
no capítulo precedente, sempre que a pessoa ofendida for menor de 16 anos.
12
Art. 224. Presume-se a violência, se a vítima: a) não é maior de catorze anos; b) é
alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância; c) não pode, por
qualquer outra causa, oferecer resistência”. (Revogado pela lei n° 12.015/2009)
473
Mediante o exposto, percebe-se que a reforma do referido

dispositivo legal reforçou o caráter absoluto da presunção de

vulnerabilidade estabelecendo a idade menor de 14 anos, entretanto, há

quem defende uma relativização da vulnerabilidade, uma vez que

somente com a análise de cada caso poderá concluir se existiu ou não

vulnerabilidade.

O estatuto da criança e do adolescente (1990) dispõe no

parágrafo 2°13 que criança é a pessoa com até 12 anos de idade

incompletos e adolescentes as de idade entre 12 e 18 anos. Sendo assim,

entende-se que a tutela do direito penal, no campo dos crimes sexuais,

deve ser absoluta quando se tratar de criança menor de 12 anos, mas

relativa ao cuidar do adolescente (NUCCI, 2013).

É delicado discutir estupro quando se trata de menores que se

enquadra como autores e vítimas do mesmo tipo penal, adolescentes

que ora é considerado vulneráveis por entender o código penal que

estes não têm total discernimento para a prática do ato.

Entende-se ainda que deve ser dada aos adolescentes garantias

e direitos que são extremamente necessários para que cheguem na fase

adulta sem os riscos que a idade o coloca no que se trata das possíveis

libidinagem ou ato de conjunção carnal que caracteriza o crime de

estupro.

13
ECA- Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos
de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
474
No entanto, merece total atenção ao raciocínio que o crime de

estupro de vulnerável pode ser flexibilizado quando houver

circunstâncias que o justifique. Tais circunstâncias seriam como por

exemplo se a vítima tenha consentido pelo ato e que seu parceiro tenha

uma diferença de idade consideravelmente pequena (no Brasil se fala

em 5 anos), ou ainda se os dois possuírem relacionamento amoroso.

É através de tal argumento, que se levanta a hipótese da

aplicação da exceção de Romeu e Julieta no nosso ordenamento

Jurídico, que irá evitar a condenação de possíveis contatos sexuais entre

jovens e que em tese não causaria prejuízo ao bem jurídico tutelado, por

se tratar de atitudes típicas do crescimento e desenvolvimento da vida

sexual dos jovens.

2.1 Da presunção de vulnerabilidade e a divergência doutrinária

Inicialmente é necessário fazer uma breve análise de

vulnerabilidade absoluta e vulnerabilidade relativa. A presunção

absoluta da vulnerabilidade irá determinar a culpabilidade do agente,

aplicando a responsabilidade objetiva para a condenação sem ao menos

que essa tenha oportunidade de produzir provas em contrário e isso

ofende os princípios constitucionais do direito à defesa. Como defensor

da Teoria Absoluta pode-se citar Rogério Greco, na qual se pronuncia

da seguinte forma:

475
A lei penal havia determinado, de forma objetiva
e absoluta, que uma criança ou mesmo um
adolescente menor de 14 (quatorze) anos, por
mais que tivesse uma vida desregrada
sexualmente, não era suficientemente
desenvolvido para decidir sobre seus atos
sexuais. Sua personalidade ainda estava em
formação. Seus conceitos e opiniões não
haviam, ainda, se consolidado. (GRECO, 2017, p.
145)

Para os doutrinadores que defendem a teoria absoluta se

utilizam como base a segurança jurídica para proteção de direitos

fundamentais, como por exemplo a presunção de inocência, sendo esse

o elemento chave para os adeptos da teoria absoluta da vulnerabilidade.

Em outras palavras, podemos dizer que independentemente do

consentimento da vítima ou qualquer outro fator possível de

desmoralizar a prática do crime existente no art. 217-A do Código Penal

(1940), a conduta sempre estará caracterizada, por força da presença do

elemento subjetivo, que somente importará na idade da vítima e assim

não será possível realizar a análise de casa a caso.

Contrário a esse pensamento surge então a presunção relativa

da vulnerabilidade que irá permitir a análise de cada caso como sendo

peculiar, analisando se houve ou não o intuito (dolo) de cometer o crime

e ainda se houve o consentimento da suposta vítima.

Guilherme de Souza Nucci (2009) partidário desse entendimento

assegura que a relativização deverá ser efetuada em situações

476
excepcionais, voltadas para os adolescentes com idade entre 12 e 14

anos.

Nucci em sua obra faz comentários a respeito das alterações

trazidas pela lei n° 12.015/2009.

O nascimento do tipo penal inédito não tornará


sepulta a discussão acerca do caráter relativo ou
absoluto da anterior presunção de violência.
Agora, subsumida na figura da vulnerabilidade,
pode-se tratar da mesma como sendo absoluta
ou relativa. Pode-se considerar o menor, com 13
anos, absolutamente vulnerável, a ponto de seu
consentimento para a prática sexual ser
completamente inoperante, ainda que tenha
experiência sexual comprovada? Ou será
possível considerar relativa à vulnerabilidade em
alguns casos especiais, avaliando-se o grau de
conscientização do menor para a prática sexual?
Essa é a posição que nos parece mais acertada.
A lei não poderá, jamais, modificar a realidade e
muito menos afastar a aplicação do princípio da
intervenção mínima e seu correlato princípio da
ofensividade (NUCCI, 2009 p.37)

Nos ensinamentos de Nucci os princípios da intervenção mínima

e da ofensividade estão ligados, pois ambos objetivam uma alteração

da interferência estatal na esfera privada, a fim de garantir que os

tutelados possam exercer suas liberdades de forma ampla, dessa forma

a carência de uma análise do caso concreto como sendo único gera uma

ofensa à autonomia sexual.

Ainda se faz necessário destacar o seguinte raciocínio:


477
A lei penal presume de forma absoluta que as
pessoas menores de 14 anos não possuem
entendimento para a prática de atos sexuais,
punindo de forma rigorosa aquele que
transgredir a dignidade sexual dos mesmos.
Entretanto, considerar de forma absoluta a
vulnerabilidade do menor de 14 anos é um risco
para a sociedade e para o ordenamento jurídico
como um todo, uma vez que ao não admitir a
prova em contrário, estamos aplicando o
reprovado instituto da responsabilidade
objetiva. (ARAÚJO; LIMA, 2016, p. 144)

Por ter a responsabilidade subjetiva como principal fundamento

a culpa, muitas das vezes essa não é possível de comprovar, assim se

ocasiona como uma responsabilidade objetiva, ou seja, por força deste

instituto a lei determina que o agente responda pelo resultado, mesmo

tendo agido com ausência de dolo ou de culpa.

A lei n° 12.015/2009 e o Código Penal (1940) consideram os

menores de 14 anos como sendo incapazes de decidir sobre sua

liberdade sexual, alegando sua imaturidade psicológica, dessa forma,

considerou o legislador como vulneráveis aqueles que são

absolutamente inimputáveis, que nesse caso são os menores de 14 anos

que para o sistema jurídico tem seu consentimento irrelevante, que no

entender da legislação, não tem o necessário discernimento para a

prática do ato. (BRASIL, 1940)

478
Por conseguinte, fica a seguinte dúvida: é possível o menor de

quatorze anos possuir uma maturidade sexual na qual lhe conceda

discernimento para consentir ou resistir com o ato libidinoso?

Para responder essa questão se faz necessário citar uma análise

feita pela autora Laura Lowenkron (2015) de um acordão do Superior

Tribunal de 1996, no qual se discutia um caso que envolvia o estupro

por violência presumida de uma menina de 12 anos, o que atualmente

na legislação vigente seria classificado como estupro de vulnerável,

nesse caso os nobres julgadores decidiram pela absolvição do acusado

frisando-se na aparência “madura” e na experiência sexual precoce da

adolescente, a autora destacou o seguinte trecho:

A menoridade sexual não depende apenas da


idade cronológica, baseada em um sistema de
datação (Debert, 1998), para ser construída e
desconstruída, mas, sim, está associada a um
complexo de fatores que se combinam, dentre
eles, o exame do comportamento e da
personalidade dos atores, a avaliação do tipo de
relação e das distâncias sociais do “menor” e que
se relacionou sexualmente, e a análise do
contexto no qual a relação aconteceu
(LOWENKRON, 2007, p.739-740 apud
LOWENRON, 2015, P.236).

Percebe-se que antes das mudanças proporcionada pela

lei n° 12.015/09 já se falava em um possível processo de relativização da

idade do consentimento, e como ficou evidente na decisão citada é

necessário a realização de exames do comportamento e da


479
personalidade que irá avaliar se o menor no momento do ato tinha

discernimento para entender da prática.

Pensar na realização de uma avaliação

psicossocial/pericial que será feita observando a peculiaridade de cada

caso é pensar na necessidade desse laudo para comprovar um resultado

que dificilmente seria constatado sem a sua existência, que nesse caso

seria a maturidade sexual do adolescente, uma vez que essa se

desenvolve de maneiras diferente em cada pessoa, e só por meio de

uma avaliação pericial que vai dizer se no momento do ato o menor

envolvido na relação sexual possuía capacidade para entender ou não

das consequências.

Em consonância disso que o termo “menor maduro” pode entrar

em pauta, que nos pensamentos da autora Tamara Poza Miguel essa

expressão é utilizada para explicar que os direitos da personalidade e

outros direitos civis podem ser exercidos pelo indivíduo a partir do

momento preciso em que pode desfrutá-las, e que isso pode acontecer

muitas vezes antes dos 18 anos de idade, ou seja “considera-se que o

menor maduro é o menor que possui capacidade suficiente para tomar

decisões em relação a uma determinada ação” (MIGUEL, 2018, p. 21)

Em resposta à pergunta anterior, levando em consideração as

observações apontadas até aqui, conclui-se que para ser possível dizer

que um menor de quatorze anos possui maturidade sexual na qual lhe

conceda discernimento para consentir ou resistir com o ato libidinoso,

480
é necessário a análise do caso de forma como sendo único e através da

realização de exames psicossocial/periciais irá avaliar se o menor no

momento do ato tinha discernimento para entender da prática e

consequentemente proporcionando um julgamento justo e adequado.

3. A TEORIA DE ROMEU E JULIETA NO MODELO ESPANHOL E NO


MODELO AMERICANO

Como o próprio nome fala, a teoria em estudo foi inspirada na

famosa obra de William Shakespeare, que conta a trágica história de

amor de dois jovens. Na literatura a personagem Julieta tinha apenas 13

anos de idade quando se envolveu com Romeu de 17 anos, fato esse

que se enquadraria na legislação ora vigente no Brasil, como conceito

de estupro de vulnerável.

A exceção defende a tese que não haverá presunção de violência

quando os dois sujeitos envolvidos na relação estejam em um mesmo

estágio de descoberta da sexualidade, sendo coerente considerar o

consentimento e a pouca diferença de idade.

A exceção de Romeu e Julieta em síntese trata-se de uma tese

defensiva e sua principal razão é que se há o consentimento para a

prática da relação sexual por parte da suposta vítima do estupro de

vulnerável, e entre ela e o acusado tiver uma diferença de idade

pequena, poderia ocorrer uma flexibilização da punição do crime de

estupro.
481
Fazendo uma análise penal, o personagem de Romeu, poderia

enfrentar acusações criminais por causa do ato em relação a idade

juvenil, sendo julgado como criminoso sexual. Talvez isso pode até

parecer absurdo, por termos a ideia de se tratar da história de um amor

condenado por causa da briga existente entre as famílias dos dois

jovens, que ao final acabaram morrendo tragicamente em nome do

afeto amoroso que tinham um pelo outro.

Entretanto essa é uma realidade que já aconteceu, ainda

acontece e provavelmente vai continuar acontecendo com muitos

adolescentes da atualidade.

Para ocasionar na aplicação da exceção de Romeu e Julieta se

exige três requisitos, sendo eles: existência de relacionamento amoroso

entre agente e a vítima; consentimento da vítima no ato sexual;

diferença de idade, entre agente e vítima, de até́ cinco anos.

Como parâmetro de idade, o código penal espanhol, traz a idade

de consentimento para fins criminais que está fixada aos 16 anos

conforme dispõe o art. 183 do dispositivo legal espanhol, e sendo

considerada uma das mais alta no ordenamento jurídico, senão vejamos:


Artículo 18314
El que, interviniendo engaño, cometiere abuso
sexual con persona mayor de doce años y menor
de dieciséis, será castigado con la pena de multa

14
Tradução do ART. 183: Aquele que, intervindo engano, comete abuso sexual com
pessoa maior de doze anos e menor de dezesseis anos, será punido com pena de multa
de doze a vinte e quatro meses. Quando o abuso consistir em acesso carnal, introdução
de objetos ou penetração oral ou anal, a pena é de reclusão de seis meses a três anos
482
de doce a veinticuatro meses. Cuando el abuso
consista en acceso carnal, introducción de
objetos o penetración bucal o anal, la pena será
de prisión de seis meses a tres años. (ESPANHA,
1995)

No ordenamento jurídico espanhol, não haverá responsabilidade

criminal nas relações que são dadas com o consentimento do menor e

desde que haja proximidade de idade e maturidade ou desenvolvimento

entre ambas as pessoas.

Essa questão de “proximidade de idade” pode ser explicada

conforme o entendimento do espanhol José Antônio Ramos Vásquez na

qual dispõe:

Se estabelece a ideia de que até 5 ou 6 anos de


diferença entre o menor e o outro interveniente
na relação sexual, a regra deve ser a absolvição,
enquanto, entre 6 e 10 anos de diferença
cronológica, a regra deve ser considerar que não
são idades próximas. Acima de dez anos, a
jurisprudência que exclui a aplicação do art. 183c
CP. (VÁSQUEZ, 2021 p.350-351)

Paralelamente a isso os Estados unidos editou a lei no qual a

apelidaram de Romeo and Juliet law, a referida lei possui como escopo

alcançar as relações sexuais entre jovens cuja diferença de idade seja

consideravelmente pequena, assegurando que o ato sexual consentido

não seja considerado crime levando em consideração que ambos

estariam em fase de desenvolvimento da sexualidade.

483
O ordenamento norte-americano é dotado de um critério etário

tendo como marco a idade de 16 anos, que irá estabelecer o

consentimento válido do agente para a pratica do ato sexual, mas que

devido a sua forma de estado cada um dos estados do território dos

Estados Unidos possui leis locais próprias, isso determina suas

singularidades, o que justifica o fato de um estado para outro haver

diferenciações nas idades de consentimento bem como no modo de

aplicação da exceção que afasta a punibilidade entre as relações sexuais

praticadas levando em consideração a proximidade de idade entre os

indivíduos. (MOREIRA, 2017, p. 17)

Oportuno destacar que os Estados Unidos da América (EUA), não

adotam especificamente só sistema common law, uma vez que adotam

civil law também, possuindo um direito misto, no qual seus julgadores

não consideram apenas a legislação como meio de convicção, pois se

servem também dos costumes, conforme pode-se destacar do

pensamento de Gabriel Colvara:

Deve considerar que nesses país que há um


misto jurídico em seu sistema judiciário fazendo
a previsão tanto do sistema do common law
quanto civil law, o que permite que em alguns
estados como o Colorado e a Flórida o sexo seja
punido, quando a vítima for menor de 16 anos
de idade. E já em outro, como a Geórgia, cuja
legislação criminaliza a prática sexual consentida
entre adolescentes, seja aplicada a exceção de
Romeu e Julieta. (COLVARA,2014)

484
Nota-se que tanto no ordenamento jurídico americano quanto

no espanhol, a legislação que regulamenta o crime de estupro de

vulnerável é mais severa que a utilizada no Ordenamento jurídico

brasileiro, uma vez que nos modelos ocidentais utiliza-se como

referência a idade de 16 anos, idade essa maior que a adotada no Brasil,

qual seja 14 anos de idade.

Nessa linha de entendimento, conclui-se que a aplicação da

exceção de Romeu e Julieta é adotada em outros sistemas jurídicos

como meio de não criminalizar a fase de descoberta da sexualidade,

desde que sejam observados os requisitos da exceção conjuntamente.

Por fim, recomenda-se citar um exemplo emblemático levado a

suprema corte do estado da Geórgia que pôs em liberdade um jovem

de 17 anos que foi pego realizando sexo oral a uma também jovem de

15 anos.

Liberou da prisão Garnalow Wilson, de


dezessete anos de idade, que estava preso pela
prática de sexo oral com uma menina de 15
anos. A legislação do Estado criminalizava a
conduta de práticas sexuais entre adolescentes,
mas a Suprema Corte determinou que Wilson
fosse liberado porque a nova regra
desconfigurou a criminalização do sexo
consensual entre adolescentes. A rigor, a
manutenção em 14 anos de idade para a
chamada presunção de violência, apta a
configurar crime ante a revogação do art. 224 e
a nova redação do art. 217- A, todos do CP,

485
reclama uma reflexão maior (COLVARA, 2014, p.
36).

Esse exemplo, demostra o quanto tem acontecido significativos

avanços em países de influência da língua inglesa, que apesar de

preverem punições para as relações sexuais entre os menores, esse

coloca em ressalvas o consentimento e a presença de proximidade de

idade entre os sujeitos do tipo penal.

4. A APLICAÇÃO DA EXCEÇÃO DE ROMEU E JULIETA NO


ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O sistema jurídico brasileiro apoia-se na lei, por isso que exige

atenção para o estudo da Teoria de exceção de Romeu e Julieta, que

apesar de ser utilizada em diferentes sistemas jurídicos ocidentais, a

mesma encontra-se dificuldades para se instalar na legislação brasileira,

uma vez que nosso sistema é positivado da lei, adequada ao sistema do

civil law, ou seja, aquele que tem premissa a norma legal, não se
baseando em fontes exteriores a lei, com exceção de tratados

internacionais que adquirem postura de emenda constitucional.

Por força da lei n°12.015/2009 que inseriu o art. 217-A no CP,

não há dúvida que os tribunais reconhecem a vulnerabilidade do menor

de 14 anos como sendo absoluta, ainda que haja seu consentimento.

Para reforçar o caráter absoluto o Superior Tribunal de Justiça tem

assentado o entendimento na súmula 593 na qual dispõe que:


486
O crime de estupro de vulnerável se configura
com a conjunção carnal ou prática de ato
libidinoso com menor de 14 anos, sendo
irrelevante eventual consentimento da vítima
para a prática do ato, sua experiência sexual
anterior ou existência de relacionamento
amoroso com o agente. (STJ, Súmula 593, 2017)

Com advento da lei n° 13.718/2018 foi inserido o §5° do referido

dispositivo legal a dizer que “As penas previstas no caput nos §§ 1º, 3º

e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da

vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao

crime” (BRASIL, 1940).

Para a lei não é interessante se para a caracterização típica do

ato o agente tenha constrangido a vítima seja ela homem ou mulher,

com violência ou grave ameaça ou, mesmo que tenha dela obtido o

consentimento, apenas basta que tenha mantido atos de libidinagem,

incluindo a conjunção carnal, com menor de idade inferior a 14 anos.

(LIMA, 2020, p.79)

Tal raciocínio carece de coerência, uma vez que tais atos são

praticados em razão de desenvolvimento da personalidade sexual não

havendo consistência no que se trata de reconhecer os direitos dos

menores.

Estamos presos em um sistema em que o menor pode ter

maturidade suficiente para enfrentar a responsabilidade criminal a partir

dos 12 anos, quando esses praticam ato infracional e impostos a

487
medidas socioeducativas, podem ainda viajar desacompanhados pelo

território nacional15, e ainda conforme art. 2816 do Estatuto da Criança e

do Adolescente (1990) esses possui capacidade de consentir sobre

colocação em família substituta, que se fará mediante guarda tutela ou

adoção, dessa forma a criança ou adolescente será ouvida e sua opinião

em relação a colocação de família vai ser considerada, mas no entanto

entende o legislador que esses mesmos jovens não seja suficientemente

maduros para ter relações sexuais, quando decide não reconhecer sua

liberdade sexual até que ele tenha completado 14 anos.

No mesmo sentido Guilherme de Souza Nucci dispõe:

Que a definição do patamar etário para a


caracterização da vulnerabilidade é baseada
numa ficção jurídica, que nem sempre
encontrará respaldo na realidade do caso

15
ECA- Art. 83. Nenhuma criança ou adolescente menor de 16 (dezesseis) anos poderá
viajar para fora da comarca onde reside desacompanhado dos pais ou dos responsáveis
sem expressa autorização judicial.
§ 1º A autorização não será exigida quando:
a) tratar-se de comarca contígua à da residência da criança ou do adolescente menor
de 16 (dezesseis) anos, se na mesma unidade da Federação, ou incluída na mesma região
metropolitana;
16
ECA-Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou
adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos
desta Lei.
§ 1 o Sempre que possível, a criança ou o adolescente será previamente ouvido por
equipe Interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de
compreensão sobre as implicações da medida, e terá sua opinião devidamente
considerada. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009)
§ 2 o Tratando-se de maior de 12 (doze) anos de idade, será necessário seu
consentimento, colhido em audiência. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009)
Vigência
488
concreto, notadamente quando se leva em
consideração o acentuado desenvolvimento dos
meios de comunicação e a propagação de
informações, que aceleram o desenvolvimento
intelectual e capacidade cognitiva das crianças e
adolescentes (NUCCI et.al., 2010, p. 77).

Diante do exposto a Teoria poderia ser aplicada, levando em

consideração todos os requisitos que essa exige (consentimento do

menor para o ato; diferença de 5 anos de idade entre os jovens;

existência de relacionamento amoroso).

Nos termos dessa lei, os atos sexuais consentidos e quando

tivesse uma proximidade de idade entre o sujeito ativo e passivo não

seriam tipificados como crime pela lei penal, pois ambos estariam no

mesmo momento de descoberta sexual.

Embora tenha o art. 217-A do CP reforçado o caráter absoluto

em relação a presunção de vulnerabilidade do menor de 14 anos, e o

§5° excluído qualquer possibilidade em relação do uso da exceção de

Romeu e Julieta quando determinou que o consentimento do menor é

irrelevante, se tem conhecimentos de julgados no sistema jurídico

brasileiro que absolveram acusados do crime de estupro de vulnerável

fazendo uso da referida Teoria de exceção, senão vejamos:

APELAÇÃO CÍVEL. ECA. ATO INFRACIONAL.


ESTUPRO. MATERIALIDADE E AUTORIA
CONFIRMADA. APLICAÇÃO DA? EXCEÇÃO DE
ROMEU E JULIETA? CABIMENTO. REFORMA DA
SENTENÇA. IMPROCEDÊNCIA DA

489
REPRESENTAÇÃO. Fato. Estupro de vulnerável
(art. 217-A, caput? do Código Penal).
Materialidade Boletim de ocorrência e prova
oral colhida em juízo que provam a respeito da
materialidade do fato praticado. Autoria A
autoria do ato infracional praticado contra a
vítima restou comprovada pela prova oral
colhida em juízo. Improcedência da
representação. Adequada análise judicial do
agente ministerial, neste grau de jurisdição,
opinando pelo provimento do apelo diante da
viabilidade da aplicação da? Exceção de Romeu
e Julieta? ao caso concreto e, por consequência,
reformar a sentença recorrida para julgar
improcedente a representação e absolver o
apelante do fato a ele imputado. DERAM
PROVIMENTO. (TJ-RS - AC: 70084660364 RS,
Relator: Rui Portanova, Data de Julgamento:
11/12/2020, Oitava Câmara Cível, Data de
Publicação: 15/12/2020)

O julgado acima trata-se de um recurso de apelação interposto

pela defesa técnica de um jovem de 14 anos que fez sexo com uma

adolescente de 12 anos sendo esse absolvido da medida socioeducativa

por força da teoria de Romeu e julieta.

O Juizado da Infância e Juventude da Comarca de Lavras do Sul-

RS havia julgado procedente a representação feita pelo Ministério

Público contra o menor, que alegou ato infracional equiparado ao delito

previsto no art. 217-A do CP, aplicando-o medida socioeducativa de

490
prestação de serviços à comunidade durante o prazo de seis meses à

razão de 8 horas semanais.

Para combater a sentença, a defesa do menor interpôs apelação

perante o Tribunal de Justiça pedindo que o caso fosse analisado com

cautela e que esse considerasse que os adolescentes envolvidos teriam

uma proximidade de idade e de desenvolvimento físico e psicológico e

que ambos estariam em fase de descoberta da sexualidade, e por fim

alegou que o menor acusado não poderia ser penalizado apenas porque

a mãe da vítima não aceitou a relação juvenil.

A 8° Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

entendeu que por se tratar de uma relação consensual, sem registros de

violência e sem provocar traumas psicológicos, ainda a diferença de

menos de 5 anos de idade entre os adolescentes não houve ato

infracional podendo ser aplicado a exceção de Romeu e Julieta.

O Presidente e Relator Rui Portanova em seu voto não negou a

existência da sumula 593 editada pelo STJ que estabelece que o crime

de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática

de ato libidinoso com menor de 14 anos, ainda nos dizeres da súmula

defende ser irrelevante o consentimento da vítima para a prática do ato,

sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento

amoroso com o agente. (STJ, Súmula 593, 2017). Mesmo com essa

redação prevista na súmula entendeu o relator que ambos os jovens

estariam em fase de descoberta da sexualidade.

491
A esse respeito destaca-se o brilhante entendimento do

desembargador Rui Portanova:

Aqui, como no exemplo clássico, tem-se que


ambos vivenciaram uma fase de descoberta da
sexualidade. Assim, a incriminação fere, no
mínimo, o bom senso. Por isso, é possível
pensar-se na aplicação do princípio da ação
socialmente adequada, em face das
peculiaridades próprias do costume e da forma
como viviam as partes. Lícito, no ponto, pensar
sobre a coerência legal, na medida em que o
ECA considera adolescente a pessoa com mais
de 12 (doze) anos de idade, quando então será
sujeita a ser apreendida pelo cometimento de
um ato infracional análogo a crime.
Em face disso, a adolescente menina maior de
12 (doze) anos, que (a) pode ser sujeito passivo
de medidas socioeducativas decorrentes da
prática de ato infracional, (b) podem viajar pelo
território nacional desacompanhados e (c)
possuem capacidade para consentir sobre a
colocação em família substituta, por igual
podem consentir quanto à prática do ato sexual
(TJ-RS - AC: 70084660364 RS, Relator: Rui
Portanova, Data de Julgamento: 11/12/2020,
Oitava Câmara Cível, Data de Publicação:
15/12/2020)

Interessante explicar que o princípio da ação socialmente

adequada usado como um dos fundamentos na decisão do

desembargador Rui Portanova, pode ser conhecido também como

sendo o princípio da adequação social que se constitui a partir de um

492
critério subjetivo de aceitação ou reprovação que é determinado pela

sociedade, e o Direito surge como um reflexo dos anseios da sociedade,

não cabendo criminalizar uma sanção cujo o fato é considerado

costumeiro pela sociedade ou em outras palavras, as condutas

socialmente adequadas são aquelas que não afrontam o sentimento

social de justiça da população. (JORGETTE, 2020)

Nota-se que com esse entendimento é preciso adequar à lei com

a realidade fática da sociedade, não podendo o legislador negar que os

adolescentes hoje em dia iniciam sua vida sexual cada vez mais cedo,

por estarem exposto a conteúdos ligados diretamente à sexualidade,

cabendo aos responsáveis somente educar e informar os jovens de

maneira que poderão entender das consequências de seus atos.

Vale refletir que ao se discutir a aplicabilidade da teoria exceção

no ordenamento jurídico pátrio, deve-se ter em vista que se trata de

uma problemática que envolve a dignidade sexual, sendo essa

considerada uma dimensão da dignidade da pessoa humana que tem

previsão na Constituição Federal de 1988.

5. SERIA A APLICAÇÃO DA TEORIA DA EXCEÇÃO DE ROMEU E


JULIETA NO ORDENAMENTO JURÍDICO PENAL BRASILEIRO UMA
FLEXIBILIZAÇÃO A PUNIÇÃO DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE
SEXUAL?

493
De fato o intuito do legislador quando designou um capítulo

somente para tratar do crime de estupro de vulnerável foi preservar os

indivíduos do tipo penal com maior rigor em comparação aqueles

existentes no crime de estupro, previsto no artigo 213 do CP17,

prevalecendo o princípio da isonomia, que tem como premissa tratar

desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.

Porém em que pese as ponderações referente a relatividade da

idade da vítima do crime de estupro de vulnerável, que está definida em

14 anos por força do art. 217-A do Código Penal (1940), há uma colisão

entre normas, senão vejamos:

Os menores de 14 (quatorze) anos não dotados


de autodiscernimento suficiente para decidir
sobre seus atos sexuais, não cabendo nenhuma
exceção. De outra banda o art. 2º do Estatuto da
Criança e do adolescente (ECA) considera como
adolescente entre 12 e menores de 18 anos de
idade, podendo até sofrerem medidas
socioeducativas (NUCCI, 2009, p. 32).

Percebe-se que ao inserir a lei n° 12.015/2009 no ordenamento

jurídico o legislador não adotou como base de faixa etária a idade

disposta no estatuto da criança e do adolescente (ECA) que prevê 12

17
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção
carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação
dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de
18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
494
anos. Entretanto concorda-se que o legislador reafirmou a

vulnerabilidade do menor, por isso é importante destacar o seguinte

entendimento:

A razão da vulnerabilidade etária se baseia na


imaturidade da vítima, que ainda não possui
discernimento suficiente para entender a
extensão do ato sexual que está praticando. No
caso dos menores de 14 (quatorze) anos, o
legislador optou por não emprestar validade a
eventual consentimento da vítima, sendo
irrelevante sua aquiescência para o
aperfeiçoamento do crime (BRAYNER, 2014, p. 1
apud SILVA, 2019).

É por força de observações como essa que se entende não ser

inoportuno a possível aplicação da exceção Romeu e Julieta no Brasil,

sendo necessário um estudo em conjunto da doutrina e da

jurisprudência.

Uma problemática referente ao tema que merece ser abordada

se trata do estupro bilateral, ou seja, pensar se dois adolescentes

menores de 14 anos que mantem relações sexuais consentidas, estariam

praticando ato infracional de estupro de vulnerável, ou ainda se essa

proximidade de idade tornaria seus consentimentos inválidos, cabendo

medidas socioeducativas em desfavor dos menores.

A autora Tamara Poza Miguel considera que haverá menores que

realmente tem uma capacidade que os permita entender e decidir de

forma consistente as questões sexuais, sendo considerado uma violação

495
aos seus direitos de liberdade quando negados a eles essa capacidade,

ainda implicando em não os considerar como sujeitos de direitos e

inegavelmente implicará em uma decisão que somente foi tomada pelo

estado. (MIGUEL, 2018, p.21)

Se a legislação brasileira reconhece a condição de adolescente

desde os 12 anos de idade autorizando a privação de liberdade na

hipótese de autoria de um ato infracional, é um exagero a norma fixar

em 14 anos e não em 12 anos a idade como limite, ao menos sem

estabelecer uma regra como a possível aplicação da exceção de Romeu

e Julieta, reconhecendo a presunção de inocência, quando estiverem

presentes pressupostos como, consentimento, diferença de idade entre

a suposta vítima e o acusado igual ou menor de 5 anos e considerando

que ambos estariam no mesmo momento da descoberta da sexualidade

(LIMA, 2020, p. 79-80)

Não se pode negar que nos últimos anos os jovens estão

iniciando a vida sexual cada vez mais precoce e em situações como essas

é certo que o legislador não fique alheio ao mundo e sua evolução,

devendo garantir a satisfação dos desejos sexuais, de forma digna e

respeitada, desde que não incorra em exploração, violência ou grave

ameaça. (NUCCI, 2013).

A teoria pode ser considerada uma flexibilização do crime de

estupro de vulnerável, mas somente seria aplicada em casos de relações

sexuais consentidas, observando a proximidade entre os sujeitos, se há

496
a presença de um relacionamento entre os jovens, e devendo ser punido

somente o excesso quando constatado. Fazendo isso, seria um método

de fazer a sociedade encarar de uma forma mais natural a sexualidade

dos adolescentes.

Com a aplicação da Teoria, não se quer dizer que o

consentimento do menor deverá prevalecer para qualquer situação, mas

que nesse caso quando observados os requisitos de proximidade de

idade e maturidade dos dois envolvidos na relação, entende-se que o

menor esteja habilitado a consentir ou não com o relacionamento,

tendo ele capacidade para enfrentar as decisões.

É importante ainda demostrar que para salvaguardar a

interferência da tutela penal sobre as relações sexuais reciprocas

praticadas por menores na esfera privada o correto é que o

menor/adolescente seja orientado no ambiente familiar onde ele faz

parte de um ato participativo. Ainda para proteger o desenvolvimento

do menor, quando os pais não se sentirem confortáveis para dialogar

com os filhos a respeito de relações sexuais cabe a secretaria de saúde

orienta-los, deixando-os confortáveis com a sexualidade, uma vez que

promover essa discussão não apenas alcaçaria o sistema penal como o

sistema de saúde, na qual esses serão conscientizados de outros

possíveis perigos advindo de uma relação sexual e entendendo com

senso e responsabilidade que cada ato tem suas consequências.

497
Além de trabalharem em conjunto a família e o sistema de saúde

como meio de orientar os adolescentes para relevantes apontamentos

acerca da sexualidade na adolescência, demonstra-se importante

também a presença da educação sexual na escola, já que jovens mais

informados tendem a se prevenir mais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho se mostrou relevante à medida que realizou

análises na legislação, jurisprudência e doutrinas sobre a exceção de

Romeu e Julieta, verificando a possibilidade de utilização da Teoria

como forma de flexibilização do sujeito vulnerável etário que pratica

atos sexuais envolvendo adolescentes em processo de formação da vida

sexual.

Ficou demonstrado que está nítido a evolução sexual dos jovens

na atualidade, não podendo o legislador ficar alheio à essas mudanças,

devendo garantir a satisfação dos desejos sexuais, de forma digna e

respeitada, a partir do momento que não incorra em exploração,

violência ou grave ameaça ao bem jurídico tutelado. (NUCCI, 2013).

Nos deparamos com o problema de ter que condenar e penalizar

os possíveis contatos sexuais que ocorrem entre jovens e que não causa

prejuízo ao bem jurídico tutelado considerando que se trata do início da

vida sexual dos jovens que ocorre cada vez mais precoce.

498
Nas palavras de Laura Lowenkron (2015) “o sujeito moderno não

nasce autônomo, é preciso torná-lo autônomo e, com isso, capaz de

exercer livremente a sua vontade” revelando que para a construção

dessa autonomia, requer como imprescindível a formação de um sujeito

moral e autodisciplinado, “de tal maneira que as normas não se opõem

à vontade do sujeito, mas, sim, constituem-na” (LOWENKRON, 2015,

p.231)

Com isso, pretende-se afastar da esfera criminal as possíveis

relações sexuais que possam ocorrer entre adolescentes uma vez de

existir carência de relevância criminal e são atitudes típicas do

crescimento e desenvolvimento da juventude.

Um dos fundamentos empregue foi o fato do legislador ter

adotado a idade de 14 anos como faixa etária para caracterização da

vulnerabilidade, sendo que esse poderia ter se valido como parâmetro

o critério que adota o art. 2° do Estatuto da Criança e do Adolescente,

no qual, considera adolescente pessoas maiores de 12 anos de idade,

podendo essas serem apreendidas pelo cometimento de um ato

infracional análogo a crime. (BRASIL, 1990)

Nesse sentido se questiona o fato de o maior de 12 anos poder

sofrer medidas socioeducativas por consequência de um ato infracional,

poder viajar pelo território brasileiro desacompanhadas, possuir

discernimento para consentir sobre a colocação em família substituta,

499
mas as mesmas pessoas maiores de 12 anos para o legislador não

possuem capacidade para consentir quanto a prática do ato sexual.

Conforme verificou-se, a doutrina se isenta para a possibilidade

da implantação da exceção de Romeu e Julieta no ordenamento jurídico

brasileiro, a partir do momento que a jurisprudência no que toca à sua

relativização tem suporte na Lei nº 12.015/09, que em sua interpretação

pressupõe o caráter da vulnerabilidade absoluta do menor de 14 anos,

não cabendo interpretação reversa. E afastando por completo a

possibilidade de aplicação da referida teoria, o legislador seguiu o

entendimento da súmula 593 do STJ editada em 2017 e com a criação

da lei 13.718/2018 acrescentou no art. 217-A do Código Penal o § 5°

estabelecendo que vai existir o crime de estupro de vulnerável em

qualquer situação de vulnerabilidade não importando o consentimento

do menor de 14 anos. (BRASIL, 1940)

Dessa forma, a vontade do agente deste ato não é considerada

válidas na esfera jurídica e por isso são tuteladas, deixando em evidência

que os adolescentes para o estado democrático de direito não são

considerados capazes de governar voluntariamente a si próprio.

Verificou-se que no ordenamento jurídico, quando vigorava a

presunção de violência, a jurisprudência variava seus entendimentos

entre uma presunção absoluta e relativa. Neste cenário, podia-se pensar

na aplicação da teoria de Romeu e Julieta, uma vez que, os que

defendiam a presunção relativa, entendiam que só haveria crime se os

500
atos não se encaixassem nos requisitos da teoria mencionada. Levava-

se em consideração o consentimento da vítima, sua experiência, ou seja,

seria possível fazer uma análise peculiar de cada caso concreto.

O intuito desse artigo foi demonstrar que é possível a aplicação

da teoria de Romeu e Julieta no nosso ordenamento jurídico, provando

que existe meios de proibir o abuso sexual de menores sem punir,

fazendo uso das políticas públicas, sendo o mais cabível que o

adolescente seja orientado no ambiente familiar, bem como promover

o diálogo entre os menores e a secretaria de saúde, que irá orienta-los

de forma que os faça sentirem seguros e confortáveis com a

sexualidade, alcançando tanto a esfera penal como o sistema de saúde,

e ainda que seja feito discussões a respeito da educação sexual nas

escolas, não que essa fará com que os adolescentes adiem suas

primeiras relações, porque se eles se sentirem preparados para tê-las

não será a família, secretaria de saúde ou a escola que os impedirá. Mas,

com certeza, elas ocorrerão de uma forma mais segura uma vez que

existe muitos Romeus e Julietas que se desenvolve sexualmente antes

dos 14 anos, sem risco ou intuído de causar prejuízos ao bem jurídico

tutelado.

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e a presunção relativa da vulnerabilidade, quanto aos menores de
14 anos. 2016.

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504
A BIOÉTICA NO CENTRO DA QUESTÃO: A EUTANÁSIA E O
SUICÍDIO ASSISTIDO COMO RETÓRICA DO DIREITO A MORTE
PLENA

Estéfany Gonçalves Maia1


Fábio Júnio Pereira Souza2
Ana Flávia Delgado Oliveira3

RESUMO:

O presente ensaio propõe questões a respeito do suicídio assistido,


tendo como marco geográfico a aplicabilidade na Suíça, a partir do
ponto de vista do Psicanalista René Dentz, buscando entender este
processo do ponto de vista legal e ético. As análises levantadas são
questionamentos que importam a Bioética e ao Biodireito, deste modo
o presente construto utiliza essas áreas como bússola, para o encontro
de trabalhos e pesquisadores que possam contribuir com o debate
suscitado.

INTRODUÇÃO

O tema eutanásia e suicídio assistido provoca de certa forma

controvérsias. Primeiro, por se tratar de uma questão complexa que vai

de encontro com o status sacralizado4 do direito à vida, onde apenas o

1
Acadêmica do 3º período da Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana.
2
Acadêmica do 3º período da Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana.
3
Orientadora do ensaio. Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto.
Especialista em Direito pela Fundação Presidente Antônio Carlos de Mariana (2016).
Possui graduação em Direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos (2015).
Advogada, Professora da FUPAC Mariana e Assessora Jurídica no Município de Mariana.
Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Processual Civil e Processo
Administrativo.
4
Sob a ótica de Dworkin (2009), a sacralidade da vida é parte da sacralidade humana,
ou seja, a vida humana é valiosa. Justamente por ser valiosa ela pode ir contra em seu
505
poder divino pode arrebatá-la. Segundo, como as duas práticas

referem-se à abreviação da própria existência, estaria diretamente em

contraposição ao direito à vida, sobretudo na perspectiva jurídica e legal

brasileira

Assim, este ensaio traz conceitos primários acerca deste debate.

Onde em sua primeira parte irá conceituar brevemente sobre as

diferenças entre a eutanásia e o suicídio assistido, para isso foi utilizada

os estudos dos autores Maria de Fátima Freire Sá e Bruno Torquato De

Oliveira NAVES (2021), que fazem abordagem sob a ótica do Biodireito

e a Bioética, que conceituaram tanto estes dois itens, quanto os termos

eutanásia e suicídio assistido.


Ainda nessa perspectiva, será abordado o trabalho de Mariana

Parreiras Reis de Castro (2016) et. al, que se debruçou neste tema, tendo

realizado análise de diversos artigos científicos, para a construção de

sua pesquisa, trazendo dados importantes principalmente sobre a Suíça,

país que escolhemos abordar neste ensaio acadêmico.

Logo após para dar exemplos acerca do suicídio assistido, tema

principal deste trabalho, trouxemos algumas questões levantadas em

matérias que noticiaram a morte de Jean-Luc Godard5, famoso cineasta,

benefício, pois a vida teria um valor sagrado e inquestionável. À luz de Dworkin, nas
palavras de BARBOSA e COSTA (2016), a sacralidade da vida humana se revela com
ressalvas, visto que ora porque não respeita a autonomia do paciente ou interesse da
família, ora porque visa à quantidade de vida, independente da qualidade. (BARBOSA e
COSTA, 2016, p.310)
5
Jean-Luc Godard, foi um cineasta franco-suíço que esteve entre os criadores do
movimento de vanguarda Nouvelle Vague ("nova onda", em tradução literal), que ousou
506
franco-suíço que morreu recentemente em um processo de suicídio

assistido, na Suíça. Nesta perspectiva, realizamos uma entrevista com o

Professor Ph.D. René Armand Dentz Júnior6, que elucidou importantes

questões a respeito do olhar da psicanálise e a ética, sobre o suicídio

assistido.

Na sequência tratamos a respeito da previsão legal da Suíça

sobre o suicídio assistido no país, sob a perspectiva do código penal e

o que prevê os artigos que são utilizados para legitimar essa prática.

Nesse sentido, para corroborar as informações levantadas, são utilizados

matérias e artigos sobre as decisões do Parlamento Suíço que

apresentou moção a Suíça para regulamentar o suicídio assistido.

Ao final, fazemos um importante questionamento que surgiu

após os estudos da repercussão do caso de Jean-Luc Godard e sobre a

primeira morte de uma pessoa com doença não terminal na América

Latina, no sentido de que este debate acerca do suicídio assistido,

chegue ao brasil. Tal apontamento é feito pelo Professor de bioética do

Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em

Botucatu, Valdir Gonzalez Paixão (2022). Neste sentido, fazemos um

breve resumo da aplicação da lei brasileira que define tanto a eutanásia,

criar uma estética na linguagem cinematográfica a partir do final da década de 1950.


Considerado uma lenda do cinema autoral, influenciou gerações de cineastas.
6
Professor do Departamento de Filosofia da PUC-Minas. Psicanalista atuante. Pós-
Doutorado pelas: Université de Fribourg (Suíça/2019), Universidade Católica
Portuguesa-Braga (2019), PUC-Rio (2019) e University of Warsaw (Polônia/2018) Doutor
em Teologia pela FAJE (2017-CAPES 6).
507
quanto o suicídio assistido como crime, a luz do que escreve Otavio

Morato de Andrade (2021). Para ponderar essa questão, também

trazemos novamente o pensamento do Professor Ph.D. René Armand

Dentz Júnior, que levanta uma questão importante sobre esse debate

no Brasil.

Para fechar o trabalho proposto, ao final concluímos este estudo,

trazendo considerações a respeito do tema proposto, levantando novo

questionamento sobre a possibilidade do tema, vir a ser discutido no

Brasil. Além disso, questionamos sobre a decisão individual de cada

pessoa em optar pelo suicídio assistido e o olhar da psicanálise sobre

este fato, colocando um posicionamento em relação ética.


2. A LEGALIDADE DA PRÁTICA NA SUÍÇA SOB O OLHAR DA
BIOÉTICA

O fim da personalidade é marcado a partir do momento em que

as funções do encéfalo passam a ser inexistentes no corpo humano,

porém o que se falar quando essas funções existem, mas a pessoa se

encontra acometida em sofrimento decorrente de alguma doença, sem

qualquer perspectiva de melhora, ou até em um estado de inconsciência

constante? Nesse ínterim a discussão acerca do direito de morrer se faz

presente no ordenamento jurídico atual, provocando pontos de vista

dúbios tanto na literatura quanto na opinião popular.

Nesse diapasão é possível se deparar com conceitos como

eutanásia e suicídio assistido. A eutanásia é caracterizada por uma ação


ou omissão, sob o argumento de diminuir o sofrimento do paciente, que
508
tem como intuito encurtar da vida de uma pessoa. Desta ação ou

omissão surgirá, diretamente, a morte, como descreve os autores Maria

de Fátima Freire Sá e Bruno Torquato De Oliveira NAVES (2021) ao citar

Diaulas Costa Ribeiro (1999), que nessa mesma perspectiva, alude ao

suicídio assistido: “No suicídio assistido, a morte não depende

diretamente da ação de terceiro. Ela é consequência de uma ação do

próprio paciente, que pode ter sido orientado, auxiliado ou apenas

observado por esse terceiro”. (RIBEIRO,1999 apud SÁ e NAVES, 2021,

p.452)

Visto assim, percebe-se que na eutanásia, bem como no suicídio

assistido, o que prevalece é a vontade ou o consentimento da pessoa e,

deste modo, fica conhecida como morte voluntária. Não há o que se

negar que se trata de temas polêmicos, contudo existem países onde a

legislação vem de encontro para regulamentar a sua prática, por outro

lado há aqueles que contestam por diversos motivos, sejam eles

religiosos, culturais, políticos e legais.

Vale destacar o significado histórico da palavra “eutanásia”, pois

por de trás de tal construto revela-se a finalidade da conduta a fim de

quebrar com o paradigma depreciativo de tal ato. No sentido literal a

conduta eutanásia significa “boa morte”, pois forma-se do grego eu

(boa), thanatos (morte). O que deveria se caracterizar em uma morte

sem dor e sem sofrimento, percebe-se o quanto a polêmica em torno

da prática é comumente explorada no que pese a importância da

509
eutanásia, ou mesmo do suicídio assistido, para aqueles que buscam

dignidade.

Tendo como ponto de partida para esta análise o suicídio

assistido, bem como o processo legal em países como a Suíça, que

desde 1942 é autorizado, é necessário entender como ocorre, quais os

critérios, os aspectos legais da prática, e se há alguma relação entre a

saúde mental e a busca pela abreviação da vida em detrimento do

sofrimento.

Conforme mencionado, na Suíça o suicídio assistido é permitido,

tendo sua prática legitimamente atestada desde que não seja por

motivos “não altruístas”, o que difere de outros países, onde a prática

não possui critérios para ser requisitada, conforme colocado por

Mariana Parreiras Reis de Castro (2016) et al:

O suicídio assistido é permitido na Suíça, e, de


acordo com o artigo 115 do Código Penal de
1918, a prática só é passível de pena quando
realizada por motivos “não altruístas”. Ao
contrário de outros países, como Holanda, e de
alguns estados dos EUA, o suicídio assistido não
é regulamentado de maneira clara, e não
existem leis específicas que determinam sob
quais condições uma pessoa pode solicitar
assistência. (Castro et al, 2016, p.360)

510
Observa-se que um dos elementos base é o altruísmo, mas sob

a ótica do Biodireito7 e bioética8, tal definição bastaria para uma

concordância com a prática do suicídio assistido? Tal questionamento

importa a Bioética e ao Biodireito, conforme coloca Broken (1998) citado

por Maria de Fátima Freire de Sá e Bruno Torquato de Oliveira Naves

(2021), uma vez que o corpo medicalizado já se encontra juridicizado:

É importante para a bioética constatar que os


corpos submetidos a uma medicalização já se
encontram juridicizados e vice-versa. A
medicalização e juridicização são processos
fundamentais que outorgam significado à
interpretação do corpo como entidade cultural.
Logo, mantém a ética sob seu poder, tal e como
demonstram abundantemente o direito e a
medicina. (BROKEN, 1998 apud SÁ e NAVES,
2021, p.32)

Estabelecida a compreensão sobre como decisões acerca da vida

humana, quando é impelido sobre o outro uma ação ou omissão, com

intuito de reduzir seu tempo de vida, sob a alegação de lhe diminuir o

sofrimento causado por uma doença que acomete este paciente

7
“O Biodireito é disciplina incipiente no universo jurídico e ainda não ocupou seu devido
lugar nem nos currículos das faculdades de Direito, nem na própria dogmática. Seu
estudo é normalmente setorial, não havendo quem procedesse à formulação de uma
teoria geral, regente dos conceitos, princípios e fundamentos desse ramo jurídico”. (SÁ
e NAVES, 2021, p.33)

8
“Bioética é, portanto, a disciplina que estuda os aspectos éticos das práticas dos
profissionais da saúde e da Biologia, avaliando suas implicações na sociedade e relações
entre os homens e entre esses e outros seres vivos”. (SÁ e NAVES, 2021, p.37)
511
hospitalizado, por exemplo, essa questão é de interesse a bioética e ao

biodireito. Contudo, é preciso compreender ainda, como se dá este

processo de “apressar, abreviar” a morte, sob ótica do Direito sendo que

este é responsável por regulamentar a prática da eutanásia e o suicídio

assistido em diversos países.

Recentemente o tema eutanásia e suicídio assistido voltou a

ocupar as manchetes, tendo a Suíça como palco após a morte do

cineasta francês Jean-Luc Godard. O cineasta já havia afirmado em

entrevista que poderia recorrer ao suicídio assistido, onde disse: "Não

estou ansioso de perseguir a qualquer preço. Se estiver doente demais,

não tenho vontade alguma de ficar sendo arrastado em um carrinho de

mão" (O GLOBO, 2022).

Nesta perspectiva é importante trazer ao debate, questões

importantes levantadas em entrevista realizada com o Professor Ph. D,

René Armand Dentz Junior (2022), acerca da psicanálise e filosofia,

tendo a ética como centro de uma questão tão importante quanto o

suicídio assistido e a eutanásia. O professor diz que:

Primeiro a psicanálise vai dizer de uma pulsão de


vida e pulsão de morte. E que quando se pensa
no processo de interrupção dessa vida, é porque
já se perdeu o desejo de viver. Isso pode ser por
elementos psicológicos, psíquicos ou elementos
físicos, que geram essas questões psíquicas.
(DENTZ, 2022)

512
O professor faz um entrelaçamento entre a psicanálise, a ética e

o suicídio assistido, quando afirma que essa temática é muito diversa,

sendo necessário observá-la de forma separada. Ele cita o exemplo de

uma pessoa que tendo vivido durante muito tempo, fazendo uso de sua

mobilidade, quando a perde, poderá sim, ter um desejo de viver, no

entanto, haverá aqueles em que o caminho será diferente e, que seria

ilusório pensar que ressignificariam o desejo de viver.

Então, situações em que a pessoa não pode mais


andar por exemplo, tetraplegia e tal, há um
elemento de liberdade naquela pessoa, na
elaboração também de situações acerca da
continuação da vida dela. Então, algumas
pessoas poderiam sim elaborar de forma
razoável isso, para conseguir ressignificar sua
vida com os elementos da personalidade que
tem. Mas tem pessoas que não, porque a vida, o
caminho, foi muito de significantes assim, que
dependiam do corpo, daquela mobilidade e ela
hoje não tem mais. Então aí, entra numa situação
de ética e a psicanálise é um discurso que parte
também de um conceito de liberdade. Então se
você tem um desejo que está reprimindo, que
está de alguma forma sufocado, a psicanálise vai
de fato no processo analítico, desbloqueá-lo.
Agora quando há uma impossibilidade disso,
seria ilusório pensar que a pessoa poderia, por
exemplo, ressignificar a vida com outra coisa, o
que não, ela não passa pelo desejo dela. E aí
muitas vezes o trabalho é contrário, o trabalho é
de aceitação daquela situação, mas também a
aceitação da morte. Então é muito por aí, a
513
psicanálise parte de elementos que são
materiais, não espirituais, não transcendentes,
mas imanentes. (DENTZ, 2022)

Seguindo nessa discussão o professor René Dentz (2022) traz o

exemplo de Sigmund Freud, pai da psicanálise, acometido por diversos

tumores na boca em decorrência do consumo compulsivo de charutos,

além de um câncer de laringe, tendo falecido em setembro de 1939.

Segundo o professor afirma, Freud diante do sofrimento imposto pelo

procedimento para a retirada dos tumores, optou pela interrupção dos

tratamentos. Essa questão está diretamente ligada ao desejo de não

mais conviver com aquele sofrimento. A eutanásia e suicídio assistido, é

defendido por diversos entusiastas que argumentam que a pessoa deve

ter o poder de optar pela hora de sua morte.

Em matéria de suicídio assistido, a Suíça é referência na prática

liberal da assistência ao suicídio. Para Dentz (2022), o próprio contexto

político e histórico do país sugestiona em tal prática, visto que a Suíça é

um dos poucos países europeus em que não há influências e

interferências religiosas nas decisões, nesse aspecto o Estado acaba por

valorizar a liberdade individual da população por meio do regime

político da Democracia Direta. Inclusive esse é um dos motivos para o

país não integrar a União Europeia, por acreditar que a população

perderia essa liberdade de decisão dado o caráter da soberania popular.

Me parece que essa questão da eutanásia e do


suicídio assistido é muito fundamentada no
514
direito do cidadão e uma ausência de elementos
religiosos. Então o suíço chega a uma conclusão:
se eu não tenho mais condições de viver como
eu gostaria ou como é o meu desejo, porque
não o Estado me ajudar a morrer? O Estado
suíço não vê isso como uma afronta no sentido
religioso, uma afronta a Deus, mas um direito do
cidadão. (DENTZ, 2022)

A prática do suicídio assistido é prevista no Código Penal Suíço

de 1937 artigo 115, onde diz que: “quem, movido por motivo egoísta,

incitar pessoa ao suicídio, ou lhe prestar assistência com vista ao

suicídio, será punido, se o suicídio tiver sido consumado ou tentado,

com pena de prisão até cinco anos ou uma sanção pecuniária” (SUÍÇA,

1937, p.62, tradução com o auxílio do Google Tradutor)9. A

hermenêutica por trás de tal previsão legal, no entanto, deixa clara que

será considerado crime quando a assistência ao suicídio ocorrer por

motivação egoísta, e não quando há a intenção de matar.

A lei em questão não aborda precisamente o termo “suicídio

assistido”, tampouco se a presença de um médico no momento do ato

é necessária ou não. Contudo é consensual que não há regulamentação

quanto a ajuda à morte, e que a morte é autoadministrada. Outro ponto

relevante a ser abordado por tal norma, é que não foi especificado a

9
“Celui qui, poussé par un mobile égoïste, aura incité une personne au suicide, ou lui
aura prêté assistance en vue du suicide, sera, si le suicide a été consommé ou tenté, puni
d’une peine privative de liberté de cinq ans au plus ou d’une peine pécuniaire.” (SUÍÇA,
1937, p.62)
515
qual público se destina, por exemplo se é somente para pacientes

terminais, mas há de se inferir que se destina a todos.

Ainda sobre o Código Penal Suíço o artigo 114 dispõe: “quem,

cedendo a um motivo honroso, em particular a piedade, matar uma

pessoa a pedido grave e urgente desta, será punido com pena privativa

de liberdade não superior a três anos ou com pena pecuniária” (SUÍÇA,

1937, p.62, tradução com o auxílio do Google Tradutor)10. Ou seja, a

morte antecipada via eutanásia não é uma opção no território suíço,

visto que quem se escusa a cumprir a lei sofrerá um sansão de três anos

ou a pagar ao fundo penitenciário uma quantia fixada na sentença e

calculada em dias-multa.

Tendo como base o artigo 115 do Código Penal, a Suíça tornou-

se conhecida pelo desenvolvimento de práticas que prestam assistência

a quem deseja cometer o suicídio assistido por meio de organizações

não-governamentais. Atualmente existem seis instituições atuantes

nesse âmbito no país, sendo que quatro delas recebem estrangeiros

para o chamado “turismo da morte”. Porém cada associação realiza uma

espécie de triagem àqueles que desejam uma morte digna, algumas

solicitam evidências médicas a fim de se assegurar que as pessoas que

desejam uma morte antecipada estão a proceder com grande

discernimento e não de forma precipitada.

10
“Celui qui, cédant à un mobile honorable, notamment à la pitié, aura donné la mort à
une personne sur la demande sérieuse et instante de celle-ci sera puni d’une peine
privative de liberté de trois ans au plus ou d’une peine pécuniaire.” (SUÍÇA, 1937, Art.114)
516
Nesse aspecto o Parlamento suíço vem ao longo dos anos

apresentando moções com o objetivo de regulamentar o suicídio

assistido visando condições de ajuda ao suicídio, considerando que a

Confederação assuma o papel de vigilância das organizações que

prestam assistência ao suicídio, a fim de evitar abusos com pessoas em

emergência e criar um quadro legal para as associações que a praticam.

Porém o governo se mostrou contra uma lei específica sobre o suicídio

assistido e contra o papel de controle pela Confederação, pois eventuais

abusos em matéria de suicídio assistido devem ser coibidos através de

uma aplicação coerente do direito penal e da legislação sanitária, além

do mais essa responsabilidade fica a cargo dos cantões11 e comunas12.

O entendimento comum é de que a lei atual é o suficiente,

embora o Tribunal Europeu de Direitos Humanos considera que a

legislação é omissa, no aspecto de não apresentar as condições e as

circunstâncias em que o suicídio assistido é possível.

2.1. Suicídio assistido, da repercussão ao possível debate no Brasil

11
A Suíça é dividida em 26 cantões, todos eles são autônomos e funcionam com suas
próprias leis e Constituições que precisam ser compatíveis com as leis da Confederação.
Os cantões são independentes e soberanos em relação à Confederação. A nível de
comparação seria o modelo de estados federados que temos no Brasil.
12
As comunas equivalem ao que conhecemos como município. Assim como os cantões,
as comunas desfrutam de alto grau de autonomia para gerenciar seus próprios
negócios. Os grandes municípios são dotados de um parlamento municipal (assembleia)
e de um governo comunal.
517
Observando aspectos legais que envolvem o suicídio assistido

na Suíça e a partir da consequente repercussão do caso da morte de

Jean-Luc Godard em setembro de 2022, mas também levando em

consideração a morte da primeira pessoa sem doença terminal na

América Latina, a partir da descriminalização do homicídio por piedade

em pacientes não terminais, feito pela Corte Constitucional da

Colômbia, em agosto de 2021, fica o seguinte questionamento: Esse

debate chegará ao Brasil?

De acordo com o Professor de bioética do Instituto de

Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu,

Valdir Gonzalez Paixão (2022), essa discussão acerca do suicídio

assistido, “inevitavelmente chegará ao Brasil.” É correto afirmar, que com

base na legislação Brasileira, tanto a Eutanásia, quanto o Suicídio

Assistido, são considerados crime, onde quem praticar tal ato, conforme

pondera Otavio Morato de Andrade (2021), “poderá incorrer

criminalmente no artigo 121, parágrafo primeiro, artigo 122 ou no artigo

135, todos do Código Penal vigente, a depender das particularidades do

caso concreto.” (ANDRADE, 2021)

Ainda nesta perspectiva, Andrade (2021) apropriando-se do que

diz TAVARES (2008), afirma que mesmo não havendo uma legislação

específica, para tratar deste tema em nosso ordenamento jurídico, o

entendimento é que a punição do instituto possui base legal, e que o

direito à vida é inviolável, devendo estar acima da dignidade:

518
Assim, de um lado, não se pode validamente
exigir, do Estado ou de terceiros, a provocação
da morte para atenuar sofrimentos. De outra
parte, igualmente não se admite a cessação do
prolongamento artificial (por aparelhos) da vida
de alguém, que dele dependa. Em uma palavra,
a eutanásia é considerada homicídio. Há, aqui,
uma prevalência do direito à vida, em
detrimento da dignidade. (TAVARES, 2008, p.50
apud ANDRADE, 2021)

Segundo Dentz (2022), apesar do Brasil possuir uma influência

religiosa muito forte, ele acredita que este debate acerca do suicídio

assistido, deve chegar ao nosso país, e que essa é uma questão ligada a

liberdade.

Acredito que tudo que está ligado à liberdade e


aí pensando em direitos humanos fundamentais,
também de outras gerações. Quer dizer,
ampliando essa perspectiva de horizonte
constitucional e interpretações hermenêuticas,
as hermenêuticas de liberdade mais expandidas,
eu creio que isso vai chegar sim. Porque a ideia
de que você deve sofrer por um elemento de
expiação de pecados, elementos religiosos, são
influências metafísicas na Constituição, só que
ferem o estado democrático de direito, da
mesma forma como a não legalidade do
casamento homoafetivo. Acho que todos esses
direitos que são privados, são impedidos de
serem realizados, concretizados, por causa de

519
elementos metafísicos, vão sair do Brasil de
alguma maneira. (DENTZ, 2022)

Deste modo, o entendimento é de que em nosso ordenamento

jurídico, muitos aspectos religiosos são levados em consideração.

Segundo o pensamento de Dentz (2022), a partir de uma ampliação do

horizonte constitucional, ou nesta perspectiva de interpretações,

hermenêuticas de uma liberdade que seria um direito de todos, levaria

a essa possível mudança ou abertura ao debate sobre o suicídio

assistido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todo o exposto, fica evidente que a eutanásia e o

suicídio assistido, ainda são temas que geram polêmicas. O debate em

torno das duas práticas levanta questões complexas do ponto de vista

ético. Assim, a bioética e o biodireito irão estudar tais procedimentos,

visto que conforme bem colocado pelos autores citados, “uma vez que

estes corpos já estão submetidos a uma medicalização já se encontram

juridicizados”. (BROKEN, 1998 apud SÁ e NAVES, 2021,p.32)

Contudo, visto que a escolha por receber um tratamento que irá

gerar desconforto, sofrimento e ainda sim a pessoa deverá conviver com

a dor, não deveria ser também o direito dela a escolha de viver ou

520
morrer? Essa questão é bem observada do ponto de vista ético, sob o

olhar da psicanálise e da filosofia. A psicanálise irá falar de uma pulsão

de vida e pulsão de morte, essas ligadas a questões psíquicas.

É importante salientar que seria equivocado dizer que as mortes

de indivíduos que ocorrem na Suíça, são exclusivamente por questões

de saúde mental. Uma vez que a Suíça é um país pequeno, onde a

prática do suicídio assistido é legalizada. Mas como bem pondera Dentz

(2022), a decisão de escolher o suicídio assistido mesmo que por uma

pessoa que perdeu a mobilidade, mas que ainda preserve sua

consciência, se dará em alguma medida por uma questão psíquica. Vale

lembrar, que como colocado pelo professor René Dentz, essas questões

são relacionadas a uma liberdade individual.

Ainda nessa perspectiva, também é importante considerar que

muitos procuram o serviço de suicídio assistido, diante do inevitável

desejo de encurtar sua a vida. As leis na Suíça, por exemplo, não deixam

claro o estado físico em que se encontra uma pessoa, para ela possa

realizar o procedimento existe apenas uma ponderação de que a pessoa

que auxiliar o suicídio o faça por uma questão altruísta. Como no caso

do suicídio Assistido do cineasta Jean-Luc Godard, que fala apenas em

“múltiplas patologias incapacitantes”, não precisando se haveria uma

doença terminal. Contudo, preservou-se o direito individual do cineasta,

levando-se em consideração a lei do país que diz que o procedimento

deva ser realizado por motivos altruístas.

521
Diante de tantas questões colocadas, além da repercussão dos

casos de suicídio assistido, é importante compreender que este debate

consequentemente chegará ao Brasil. Resta saber, qual impacto terá

esta discussão nas leis do nosso ordenamento jurídico, visto que tanto

a eutanásia quanto o suicídio assistido são considerados crime.

REFERÊNCIAS

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Brasil. Jus Navigandi, 2021. Disponível em:
https://jus.com.br/artigos/81213/status-legal-da-eutanasia-e-
ortotanasia-no-brasil. Acesso em: 25 nov. 2022.

BARBOSA, Evandro; COSTA, Thaís Cristina Alves. A concepção de


dignidade humana em Ronald Dworkin: um problema de ética prática.
Griot: Revista de Filosofia, v. 13, n. 1, p. 306–316, 2016. Disponível em:
https://www3.ufrb.edu.br/seer/index.php/griot/article/view/683. Acesso
em: 28 março. 2023

BONDOLFI, Sibilla ; UDA , Kaoru . Redirecting. Swissinfo.ch. Disponível


em: http://bit.ly/3OHLScz. Acesso em: 22 Nov. 2022.

BONDOLFI, Sibilla. Redirecting. Swissinfo.ch. Disponível em:


http://bit.ly/3XFjc8r. Acesso em: 25 Nov. 2022.

CASTRO, Mariana Parreiras Reis de; ANTUNES, Guilherme Cafure;


MARCON, Lívia Maria Pacelli; et al. Eutanásia e suicídio assistido em
países ocidentais: revisão sistemática. Revista Bioética, v. 24, n. 2,
p. 355–367, 2016. Disponível em:
https://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/vie
w/1142/1461. Acesso em: 04 Out. 2022.

DENTZ JUNIOR, René Armand. Eutanásia e Suicídio Assitido. [Entrevista


concedida a] Fábio Júnio Pereira Souza. YouTube. 25 nov. 2022.
522
Disponível em: https://youtu.be/9dBQfoQhBmg. Acesso em: 27 Nov.
2022.

DWORKIN, Ronald. Domínio da vida. São Paulo. Martins Fontes, 2009.

JANSEN, Roberta. Suicídio assistido de Godard: Essa discussão chegará


ao Brasil, diz professor. Estadão, 2022. Disponível em:
https://www.estadao.com.br/saude/morte-de-godard-discussao-do-
suicidio-assistido-chegara-ao-brasil-diz-professor-de-bioetica/. Acesso
em: 21 Nov. 2022.

O Globo. Jean-Luc Godard: velório e cremação serão só para íntimos,


sem homenagem de governos. Folha de Pernambuco. Disponível em:
https://www.folhape.com.br/cultura/jean-luc-godard-velorio-e-
cremacao-serao-so-para-intimos-sem/240268/. Acesso em:
21 Nov. 2022

SÁ, Maria de Fátima Freire De; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira.


Bioética e Biodireito: Revista, atualizada e ampliada. [s.l.]: Editora
Foco, 2021.

SUÍÇA. 311.0, Código Penal Suíço de 21 de dezembro de 1937.


Disponível em: https://www.fedlex.admin.ch/eli/cc/54/757_781_799/fr.
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SANTOS, Laura F. Hoje Não Posso, é o Dia que o Meu Pai Escolheu para
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Voluntária Assistida na Cultura Ocidental do Século XXI do Século XXI.
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https://www.interacoes-ismt.com/index.php/revista/article/view/223.
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SEVILLANO, Elena G. Número de doentes que vão à Suíça para se


suicidar dobra em quatro anos. Ediciones EL PAÍS S.L., 2014. Disponível
em:
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13.html. Acesso em: 22 Nov. 2022.
523
TOGNINA, Andrea. Redirecting. Swissinfo.ch. Disponível em:
https://www.swissinfo.ch/por/parlamento-vai-discutir-
suic%C3%ADdio-assistido/5941730. Acesso em: 25 Nov. 2022.

524
A HIPERVULNERABILIDADE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA VISUAL
NAS RELAÇÕES CONSUMERISTAS PELA INTERNET

Mateus Fernandes Leão1


Dr. Raphael Furtado Carminate2

RESUMO:

Com a evolução da tecnologia, os empreendedores perceberam na


internet a oportunidade e possibilidade de alcance nunca visto antes.
Muitos dos fornecedores que somente atuavam de forma presencial,
agora podem ser encontrados também na internet. Não se trata
meramente de uma simples migração do comércio físico para o meio
eletrônico, e sim de uma nova forma de fazer negócio e oferecer
produtos e serviços, tendo inclusive empresas planejadas desde sua
constituição para a atuação nessa modalidade. Seja pela praticidade,
agilidade, segurança ou mesmo mobilidade e tempo, é inegável as
vantagens oferecidas pelo comércio eletrônico, entretanto, cabe analisar
se todos os consumidores estão tendo as mesmas condições de acesso
e tratamento, especialmente os consumidores com deficiência visual,
especificamente aqueles que fazem uso de softwares leitores de tela,
para tanto, foi utilizado como metodologia pesquisa bibliográfica com
apoio documental da legislação pertinente. Como resultado desta
pesquisa, foi possível observar que Existem poucas discussões e
informações sobre o assunto, e que os fornecedores ainda não estão
preparados para atender os consumidores com deficiência visual.

Palavras-chave: CDC, hipervulnerabilidade, consumidor com


deficiência visual, acessibilidade, inclusão, comércio eletrônico

1
Bacharel em Direito pela FUPAC-Mariana. Mestrando em “Novos Direitos, Novos
Sujeitos” pela Universidade Federal de Ouro Preto.
2
Doutor e mestre em Direito Privado da PUC-Minas. Professor de Direito Civil da FUPAC
Mariana e Itabirito. Advogado. (Orientador)
525
INTRODUÇÃO

O presente artigo buscou compreender os pressupostos que

configuram a hipervulnerabilidade prevista pelo CDC, elucidando os

efeitos contratuais bem como as garantias inerentes ao equilíbrio

contratual face ao consumidor com deficiência visual na relação

consumerista pela internet, colacionando os dispositivos do CDC e do

estatuto da pessoa com deficiência.

Quanto a justificativa, se depreende da ausência considerável de

discussões sobre o tema proposto, no que se refere a pessoa com

deficiência visual, motivo pelo qual se fundamenta a presente pesquisa.

Ademais, destaca-se o interesse pessoal do autor quanto o tema, por

ser pessoa com deficiência visual, inserido tanto na vivência

consumerista, quanto na vida acadêmica, tendo portanto, experiência

prática e teórica sobre o assunto, o que por sua vez corrobora para uma

pesquisa mais aprofundada e específica, por vivenciar na prática o

objeto pesquisado. Outrossim, o CDC trata-se de norma de ordem

pública, por tutelar direitos indisponíveis, extraindo-se por

consequência sua relevância social e acadêmica para o artigo em

questão.

Inicialmente, buscou-se compreender o entendimento e

aplicação da vulnerabilidade e hipervulnerabilidade. Em seguida são

apresentadas as garantias trazidas pelo estatuto da pessoa com

deficiência sob uma ótica geral de direitos; prosseguindo logo após com
526
os direitos básicos inerentes aos consumidores, colacionando-os ao

direito de acesso à informação conforme previsto pelo estatuto da

pessoa com deficiência.

Buscou-se também levantar as discussões do PROCON sobre a

pessoa com deficiência no âmbito da região sudeste, considerando a

competência atribuída aos PROCONS estaduais para a defesa e

proteção de direitos difusos.

Em seguida, passou-se a análise do decreto que regulamenta a

contratação no comércio eletrônico, no que tange ao direito de

arrependimento, atendimento facilitado e informação. Especificamente

sobre a informação, foram apresentados importantes ponderações em

relação ao consumidor com deficiência visual em relação a aspectos

inerentes a barreira nas comunicações.

Já adentrando ao cerne da problemática abordada, buscamos

em primeiro momento identificar o cenário Brasileiro em relação a

população com deficiência visual, para logo em seguida analisar a

hipervulnerabilidade no contexto proposto, finalizando com a

percepção dos direitos suprimidos em decorrência do não

reconhecimento da pessoa com deficiência visual como consumidor por

parte dos fornecedores.

2. Vulnerabilidade e a hipervulnerabilidade na relação de consumo:


o que dizem o CDC e Estatuto da Pessoa com Deficiência

527
2.1 Código de defesa do consumidor e o entendimento da
vulnerabilidade e hipervulnerabilidade
O código de defesa do consumidor (CDC), lei Nº 8.078/90, possui

o objetivo principal de nortear as relações consumeristas, objetivando a

proteção e defesa dos consumidores frente os fornecedores. Trata-se de

uma norma de ordem pública e de interesse social, o que significa que

sempre que se configurar a mencionada relação jurídica, e desde que as

partes se enquadrem nas condições dispostas pelo respectivo código,

ele deve ser observado e cumprido, sem hipótese de desconsideração

ou afastamento, mesmo que “pactuado” entre as partes. Em outras

palavras, o CDC possui como caraterística a inafastabilidade.

Vejamos portanto a definição de consumidor e fornecedor

conforme estabelece os arts. 2º e 3º do CDC:

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou


jurídica que adquire ou utiliza produto ou
serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a
coletividade de pessoas, ainda que
indetermináveis, que haja intervindo nas
relações de consumo.
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou
jurídica, pública ou privada, nacional ou
estrangeira, bem como os entes
despersonalizados, que desenvolvem atividade
de produção, montagem, criação, construção,
transformação, importação, exportação,
distribuição ou comercialização de produtos ou
prestação de serviços.

528
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel,
material ou imaterial.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no
mercado de consumo, mediante remuneração,
inclusive as de natureza bancária, financeira, de
crédito e securitária, salvo as decorrentes das
relações de caráter trabalhista. (BRASIL, Código
de defesa do consumidor, 1990)

Nessa perceptiva, a fim de garantir a real defesa e proteção do

consumidor no mercado de consumo o CDC em seu art. 4º, inciso I,

reconhece sua vulnerabilidade frente os fornecedores:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de


Consumo tem por objetivo o atendimento das
necessidades dos consumidores, o respeito à
sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de
seus interesses econômicos, a melhoria da sua
qualidade de vida, bem como a transparência e
harmonia das relações de consumo, atendidos
os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei
nº 9.008, de 21.3.1995)
I - reconhecimento da vulnerabilidade do
consumidor no mercado de consumo. (BRASIL,
Código de defesa do consumidor, 1990)

A doutrina classifica a vulnerabilidade do consumidor em 3

espécies: vulnerabilidade técnica, vulnerabilidade jurídica e fática.

A vulnerabilidade técnica versa sobre o conhecimento

especializado sobre o produto ou serviço que esteja no mercado de

consumo, o qual presume-se ser caraterística de quem os oferta. Ou

529
seja, o fornecedor possui a expertise relacionada ao produto ou serviço

comercializado, enquanto o consumidor não detém o mesmo grau de

informação que aquele que os comercializa. Em outras palavras, é

impossível esperar que o consumidor conheça mais sobre o produto

que esteja adquirindo ou o serviço que esteja sendo contratado do que

o próprio fornecedor o qual foi o responsável pela criação ou prestação

dele, razão pela qual torna-se vulnerável.

A vulnerabilidade jurídica refere-se aos efeitos, direitos e deveres

relacionados ao contrato de consumo que o consumidor venha a

celebrar. Trata-se da ausência do conhecimento jurídico por parte do

consumidor inerente as implicações decorrentes da contratação

pactuada. Conforme Bruno Miragem,

Já se observou que a vulnerabilidade jurídica é


presumida com relação ao consumidor não
especialista, pessoa natural, não profissional, a
quem não se pode exigir a posse jurídica.
(MIRAGEM, 2019, p. 1.)

Assim sendo, a vulnerabilidade jurídica não é considerada

absolutamente presumível a todos os consumidores, tendo em vista

existir consumidores os quais pode-se esperar a compreensão jurídica

necessária sobre a relação contratual em questão.

A vulnerabilidade fática por sua vez se preocupa em analisar

caraterísticas subjetivas do consumidor, buscando identificar

530
circunstâncias em casos concretos que possam gerar o desiquilíbrio

contratual na relação jurídica entre as partes.

Nesse senário, por se tratar de aspectos subjetivos, é possível

que se evidencie um agravamento da vulnerabilidade

(hipervulnerabilidade) do consumidor, considerando o caso concreto.

Assim sendo, temos que a hipervulnerabilidade fundamenta-se

a partir da análise subjetiva das caraterísticas específicas de cada

consumidor.

2.2 As garantias trazidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência

Tendo como base a convenção internacional sobre os direitos das

pessoas com deficiência, incorporado no ordenamento jurídico

Brasileiro em 25 de Agosto de 2009 através do decreto Nº 6.949/09 com

status de emenda constitucional conforme o parágrafo 3º do art. 5º da

constituição federal de 1988, a lei 13.146/15 (estatuto da pessoa com

deficiência) foi um grande avanço quanto o devido reconhecimento de

direitos das pessoas com deficiência no plano nacional, ao conferir a

efetividade e regulamentação jurídica a mencionada convenção no

Brasil.

De início, cabe ressaltar a ruptura do antigo


modelo de avaliação da deficiência, o qual
pautava-se apenas na percepção médica. O

531
novo modelo de avaliação previsto na
convenção internacional sobre os direitos das
pessoas com deficiência em seu art. 1º, e no
estatuto da pessoa com deficiência em seu art.
2º estabelece que “Considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de
longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, o qual, em interação
com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em
igualdade de condições com as demais
pessoas.” (Brasil, estatuto da pessoa com
deficiência, 2015)
Ademais, o parágrafo 1º do art. 2º do estatuto
da pessoa com deficiência determina que “A
avaliação da deficiência, quando necessária, será
biopsicossocial, realizada por equipe
multiprofissional e interdisciplinar e considerará:
I - os impedimentos nas funções e nas
estruturas do corpo;
II - os fatores socioambientais, psicológicos
e pessoais;
III - a limitação no desempenho de
atividades; e
IV - a restrição de participação.” (BRASIL,
Estatuto da pessoa com deficiência, 2015)

Não se trata apenas de uma alteração avaliativa e conceitual. A

ruptura com o antigo modelo de avaliação que considerava apenas o

critério médico traz consigo além de uma redação legal, um novo

panorama social em prol das pessoas com deficiência, uma realidade

fática na vida dessas pessoas.

532
Quando a deficiência é vista como resultado de
fatores extrínsecos e a legislação vem em
socorro para instrumentalizar o afastamento
desses obstáculos, a promoção da igualdade
material e da universalização dos direitos
fundamentais torna-se mais tangível; ou seja,
busca-se conceder às pessoas com deficiência
os mesmos direitos que são a todos garantidos
indistintamente, visto que somente assim é
possível pensar no efetivo acesso a uma vida
digna. (NASPOLINI, 2017, p. 11.)

De igual importância, o estatuto da pessoa com deficiência em

seu art. 6º, assegura a plena capacidade civil das pessoas com

deficiência, garantindo portanto que seus atos e desejos inerentes aos

seres humanos bem como a vida em sociedade não serão impedidos,

cerceados ou direcionados por terceiros, salvo previsão legal, respeitado

o princípio da dignidade da pessoa humana e o melhor interesse do

representado, limitando-se a questões patrimoniais.

Já no art. 3º temos definições importantes de conceitos que são

aplicados em situações concretas de rotina, em especial a acessibilidade,

desenho universal, tecnologia assistiva e barreiras:

Art. 3º Para fins de aplicação desta Lei,


consideram-se:
I - acessibilidade: possibilidade e condição
de alcance para utilização, com segurança e
autonomia, de espaços, mobiliários,
equipamentos urbanos, edificações, transportes,
533
informação e comunicação, inclusive seus
sistemas e tecnologias, bem como de outros
serviços e instalações abertos ao público, de uso
público ou privados de uso coletivo, tanto na
zona urbana como na rural, por pessoa com
deficiência ou com mobilidade reduzida;
II - desenho universal: concepção de
produtos, ambientes, programas e serviços a
serem usados por todas as pessoas, sem
necessidade de adaptação ou de projeto
específico, incluindo os recursos de tecnologia
assistiva;
III - tecnologia assistiva ou ajuda técnica:
produtos, equipamentos, dispositivos, recursos,
metodologias, estratégias, práticas e serviços
que objetivem promover a funcionalidade,
relacionada à atividade e à participação da
pessoa com deficiência ou com mobilidade
reduzida, visando à sua autonomia,
independência, qualidade de vida e inclusão
social;
IV - barreiras: qualquer entrave, obstáculo,
atitude ou comportamento que limite ou impeça
a participação social da pessoa, bem como o
gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à
acessibilidade, à liberdade de movimento e de
expressão, à comunicação, ao acesso à
informação, à compreensão, à circulação com
segurança, entre outros, classificadas em:
a) barreiras urbanísticas: as existentes nas
vias e nos espaços públicos e privados abertos
ao público ou de uso coletivo;
b) barreiras arquitetônicas: as existentes nos
edifícios públicos e privados;

534
c) barreiras nos transportes: as existentes nos
sistemas e meios de transportes;
d) barreiras nas comunicações e na
informação: qualquer entrave, obstáculo, atitude
ou comportamento que dificulte ou
impossibilite a expressão ou o recebimento de
mensagens e de informações por intermédio de
sistemas de comunicação e de tecnologia da
informação;
e) barreiras atitudinais: atitudes ou
comportamentos que impeçam ou prejudiquem
a participação social da pessoa com deficiência
em igualdade de condições e oportunidades
com as demais pessoas;
f) barreiras tecnológicas: as que dificultam
ou impedem o acesso da pessoa com deficiência
às tecnologias;
V - comunicação: forma de interação dos
cidadãos que abrange, entre outras opções, as
línguas, inclusive a Língua Brasileira de Sinais
(Libras), a visualização de textos, o Braille, o
sistema de sinalização ou de comunicação tátil,
os caracteres ampliados, os dispositivos
multimídia, assim como a linguagem simples,
escrita e oral, os sistemas auditivos e os meios
de voz digitalizados e os modos, meios e
formatos aumentativos e alternativos de
comunicação, incluindo as tecnologias da
informação e das comunicações. (BRASIL,
Estatuto da pessoa com deficiência, 2015)

De forma geral, o estatuto da pessoa com deficiência apresenta

um rol de dispositivos essenciais que garantem a vida plena das pessoas

com deficiência dentro de um contexto global de direitos, como por


535
exemplo a vida, educação, trabalho, lazer, liberdade, igualdade,

dignidade etc.

2.3 Os direitos básicos do consumidor e as pessoas com deficiência

Entre as garantias estabelecidas no CDC, o legislador preocupou-

se em definir um conjunto de direitos considerados básicos aos

consumidores, assim dispondo:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:


I - a proteção da vida, saúde e segurança contra
os riscos provocados por práticas no
fornecimento de produtos e serviços
considerados perigosos ou nocivos;
II - a educação e divulgação sobre o consumo
adequado dos produtos e serviços, asseguradas
a liberdade de escolha e a igualdade nas
contratações;
III - a informação adequada e clara sobre os
diferentes produtos e serviços, com
especificação correta de quantidade,
características, composição, qualidade, tributos
incidentes e preço, bem como sobre os riscos
que apresentem; (Redação dada pela Lei nº
12.741, de 2012) Vigência
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e
abusiva, métodos comerciais coercitivos ou
desleais, bem como contra práticas e cláusulas
abusivas ou impostas no fornecimento de
produtos e serviços;

536
V - a modificação das cláusulas contratuais que
estabeleçam prestações desproporcionais ou
sua revisão em razão de fatos supervenientes
que as tornem excessivamente onerosas;
VI - a efetiva prevenção e reparação de danos
patrimoniais e morais, individuais, coletivos e
difusos;
VII - o acesso aos órgãos judiciários e
administrativos com vistas à prevenção ou
reparação de danos patrimoniais e morais,
individuais, coletivos ou difusos, assegurada a
proteção Jurídica, administrativa e técnica aos
necessitados;
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos,
inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu
favor, no processo civil, quando, a critério do
juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele
hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de
experiências;
IX - (Vetado);
X - a adequada e eficaz prestação dos serviços
públicos em geral.
Parágrafo único. A informação de que trata o
inciso III do caput deste artigo deve ser acessível
à pessoa com deficiência, observado o disposto
em regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.146,
de 2015) (Vigência) (BRASIL, Código de defesa
do consumidor, 1990)

Como se pode observar, o fornecedor possui a obrigação de

proteger a vida, saúde e segurança dos consumidores, devendo para

tanto garantir que seus produtos ou serviços estejam apropriados para

a utilização ou consumo de forma segura. Ou seja, não se admite que

537
os fornecedores coloquem em circulação produtos impróprios para o

consumo, tais como vencidos, estragados ou que causem intoxicação

ou envenenamento. Em linhas gerais, são inadmissíveis serviços ou

produtos que causem dano ao consumidor, seja ele físico ou

psicológico.

O segundo direito apresentado como básico pelo art. 6º, se

refere a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos

produtos por parte dos fornecedores, bem como a garantia da livre

escolha por parte dos consumidores. Assim sendo, o mencionado

direito garante aos consumidores o conhecimento necessário para a

utilização dos serviços e produtos de forma segura e consciente, como

por exemplo a disponibilização de materiais relacionados a educação

financeira para clientes de serviços bancários, manuais de utilização de

equipamentos adquiridos etc.

De igual forma, os consumidores possuem o direito de escolher

os produtos conforme seus próprios interesses e condições financeiras,

o que por exemplo fundamenta a proibição imposta aos fornecedores

quanto a venda casada.

Na mesma linha de raciocínio, os fornecedores possuem o dever

de informar os consumidores de forma clara e precisa a respeito das

caraterísticas inerentes as diferenças dos produtos e serviços, bem como

as especificações de quantidade, características, composição, qualidade,

538
tributos incidentes e preço, inclusive sobre os eventuais riscos

apresentados em decorrência de sua utilização.

Claudia Lima Marques (2014, p. 840) afirma sobre o direito à

informação:

[...] deveres instrumentais ao bom desempenho


da obrigação, deveres oriundos do princípio da
boa-fé objetiva na relação contratual, deveres
chamados anexos. O dever de informar passa a
representar no sistema do CDC um verdadeiro
dever essencial, dever básico (art. 6°, III) para a
harmonia e transparência das relações de
consumo. A jurisprudência brasileira valorizou o
dever de informar, sua origem na boa-fé e seus
efeitos para determinar a prestação esperada.
[...]informar é comunicar, é compartilhar o que
se sabe de boa-fé, é cooperar com o outro, é
tornar “comum” o que era sabido apenas por
um. (Cláudia Lima Marques APUD Renata
Carrara Bussab, Jorge Luiz Galli)

Outra proteção tutelada pelo CDC se refere a proibição de

cláusulas abusivas, métodos desleais e propaganda enganosa.

Especialmente por esse e outros motivos, o CDC garante a possibilidade

de modificação de cláusulas que atente contra a boa-fé e direitos

tutelados, bem como a própria revisão contratual, a depender do caso

concreto.

Insta ressaltar, que os consumidores quando possuem seus

direitos lesados, recai sobre os fornecedores o dever de reparar o dano


539
sofrido, seja ele patrimonial ou moral. E o CDC é claro quanto a hipótese

de reparação, tendo os consumidores a garantia ao acesso aos órgãos

judiciários e administrativos com o propósito a respectiva reparação,

inclusive existindo a possibilidade jurídica da inversão do ônus da prova

em seu favor, conforme o parágrafo 1º do art. 373 do código de

processo civil:

Art. 373. O ônus da prova incumbe:


[...]
§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de
peculiaridades da causa relacionadas à
impossibilidade ou à excessiva dificuldade de
cumprir o encargo nos termos do caput ou à
maior facilidade de obtenção da prova do fato
contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova
de modo diverso, desde que o faça por decisão
fundamentada, caso em que deverá dar à parte
a oportunidade de se desincumbir do ônus que
lhe foi atribuído. [...] (BRASIL, Código de
processo civil, 2015)

Assim sendo, quando o consumidor depender de prova que

apenas o fornecedor possua, ou a depender das peculiaridades do caso

concreto, o magistrado poderá de forma fundamentada inverter o ônus

da prova, fazendo com que o fornecedor tenha por exemplo a obrigação

de apresentar ao juízo a cópia do contrato eventualmente discutido,

histórico de atendimento, gravação de ligações decorrente dos canais

de atendimento etc.

540
Cabe frisar que por força do art. 69 da lei 13.146/15 (estatuto da

pessoa com deficiência), os fornecedores devem assegurar o acesso

integral do consumidor com deficiência as informações dos produtos

ou serviços conforme o inciso III do art. 6º do CDC. Dessa forma, os

fornecedores são obrigados a garantir o acesso as mencionadas

informações, seja através de impressos em Braille ou ampliados,

formatos acessíveis, em áudio ou mesmo em LIBRAS (língua Brasileira

de sinais).

Ressalta-se que embora o art. 6º do CDC trate de direitos básicos

dos consumidores, o rol apresentado é meramente exemplificativo,

tendo em vista o art. 7º:

Art. 7º Os direitos previstos neste código não


excluem outros decorrentes de tratados ou
convenções internacionais de que o Brasil seja
signatário, da legislação interna ordinária, de
regulamentos expedidos pelas autoridades
administrativas competentes, bem como dos
que derivem dos princípios gerais do direito,
analogia, costumes e equidade. (BRASIL, Código
de defesa do consumidor, 1990)

Portanto, são reconhecidos outros direitos, mesmos que não

previstos expressamente no CDC.

2.4 As discussões nos PROCON’s sobre a proteção do consumidor


com deficiência

541
A fim de levantar as eventuais discussões do PROCON em

relação aos consumidores com deficiência, tentamos identificar a

existência de campanhas, informativos, matérias e eventos através dos

sites institucionais vinculados aos PROCONS da região sudeste.

Entretanto, dos sites oficiais consultados (PROCON-MG,

PROCON-ES, PROCON-RJ e PROCON-SP), constatamos que apenas o

PROCON-SP possuía no momento da consulta a publicação de uma

pesquisa realizada com o objetivo de iniciar investigações sobre as

dificuldades encontradas por pessoas com deficiência no mercado de

consumo.

A mencionada pesquisa realizada pelo PROCON-SP ocorreu

através da internet no período de 08 de outubro a 03 de novembro de

2020, e concluiu que A pessoa com deficiência enfrenta dificuldades em

exercer seu direito de consumidor. A pesquisa indica que no comércio

físico os problemas mais corriqueiros relacionam-se a barreiras

arquitetônicas e obstáculos físicos, falta de sinalização, portas e

elevadores com medidas inadequadas e a ausência de banheiros

acessíveis, bem como a falta de preparo dos atendentes. Já em relação

ao comércio eletrônico os problemas apontados referem-se a site não

acessível, fazer cadastro e/ou validar senhas e acessos e obter

informações sobre os produtos.

542
Do universo de 976 entrevistados, 550 (56,35%) informaram não

ser pessoa com deficiência, mas que presenciaram pessoas com

deficiência em relação de consumo.

Questionados sobre o que constataram ao


verem pessoa com deficiência na relação de
consumo, quanto à dificuldade de consumir e o
que ocorreu, a maioria, 64% (352) observou
dificuldades, sendo que o fornecedor só prestou
auxílio em 44,03% (155) dos casos; 46,02% (162)
verificaram que a pessoa em questão teve
auxílio de outra pessoa e 9,94% (35) relataram
que a pessoa com deficiência sequer conseguiu
comprar o produto ou contratar o serviço.
(PROCON-SP, 2020)

Especificamente sobre as lojas físicas, e considerando os 426

entrevistados que declararam ser pessoa com deficiência ou

acompanhante de pessoa com deficiência, Apenas 6,10% (26) afirmaram

que nunca encontraram dificuldades para comprar ou utilizar produtos

e serviços. A maioria, 59,15% (252) informou que “às vezes” ocorrem

dificuldades e 34,74% (148), disseram que “sempre”.

Já sobre o comércio eletrônico, dos 426 entrevistados, 74,18%

(316) fazem compras pela internet.

A maioria, 60,76% (192), considera que não há


dificuldades em comprar e acessar serviços no
comércio virtual. Porém, considerando que a lei
garante acesso a todos, o percentual daqueles

543
que têm dificuldades é elevado: 39,24% (124).
(PROCON-SP, 2020)

Em relação as providências adotadas por parte dos

consumidores sobre as dificuldades enfrentadas no comércio físico, 293

(73,25%) não tomaram nenhuma providência, enquanto 107 dos

entrevistados procuraram os fornecedores a fim de solucionar os

problemas experimentados. 50,47% (54) afirmaram que o problema foi

solucionado, porém 68,22% (73) disseram que não houve mudança por

parte do fornecedor.

Dos 426 entrevistados, 74,18% (316) fazem compras pela

internet.

Os que passaram por algum problema na compra, utilização

e/ou contratação de produtos e serviços online, apenas 19,35% (24)

tomaram alguma atitude (procuraram o fornecedor por meio de seus

canais de atendimento ou recorreram a um órgão de defesa do

consumidor), 80,65% (100) não fizeram nada.

A maioria, 66,67%, não teve seu problema solucionado e quase

nenhuma mudança foi observada no site do fornecedor reclamado.

Assim sendo, e considerando ser atribuição dos PROCONS

estaduais a defesa e proteção de direitos difusos bem como a escassez

de iniciativas dos demais PROCONS consultados sobre o assunto, é

possível identificar a aparente timidez do órgão em relação a discussões

sobre o consumidor com deficiência, o que por consequência pode

544
ocasionar na falta de informações inerentes aos direitos relacionados a

essa parcela de consumidores, justificando por conseguinte a baixa

procura por soluções dos problemas enfrentados.

Outrossim, através da pesquisa foi possível perceber o baixo

índice de soluções para as demandas apresentadas aos fornecedores

por parte dos entrevistados/consumidores, o que pode significar na

prática a ausência de fiscalizações por parte dos PROCONS, dada a

despreocupação dos fornecedores quanto as reclamações realizadas.

3. RELAÇÕES CONSUMERISTAS NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

3.1 O decreto nº 7962/2013 e o direito do consumidor

O decreto federal Nº 7.962/13 estabelece parâmetros para a

contratação no meio eletrônico, os quais visam propiciar um ambiente

seguro e transparente as pessoas que utilizam dessa modalidade de

consumo. Todas as informações relacionadas aos produtos e ou serviços

comercializados precisam ser disponibilizadas de forma transparente

aos consumidores, inclusive aquelas inerentes aos próprios

fornecedores, como por exemplo o nome empresarial, número de

inscrição, forma de contato, endereço físico e eletrônico (em local de

destaque e de fácil visualização). Ou seja, além de possuir o direito de

saber as especificações e caraterísticas dos produtos ou serviços que

estão sendo contratados, os consumidores devem ter a sua disposição

545
as informações do fornecedor afim que esse seja localizado e contatado

sempre que necessário.

O ministro do Superior Tribunal de Justiça


Humberto Martins explica que o direito à
informação está diretamente relacionado com a
liberdade de escolha daquele que consome
(EREsp 1.515.895). Ele explicou que a
autodeterminação do consumidor depende
essencialmente da informação que lhe é
transmitida, pois esse é um dos meios de formar
a opinião e produzir a tomada de decisão a
respeito do que é consumido."Mais do que
obrigação decorrente de lei, o dever de informar
é uma forma de cooperação, uma necessidade
social. Na atividade de fomento ao consumo e
na cadeia fornecedora, o dever de informar
tornou-se autêntico ônus proativo incumbido
aos fornecedores (parceiros comerciais, ou não,
do consumidor), pondo fim à antiga e injusta
obrigação que o consumidor tinha de se
acautelar (caveat emptor)", explicou Humberto
Martins no julgamento do REsp 1.364.915. (Min.
HUMBERTO MARTINS apud CONJUR)

Outra exigência imposta aos fornecedores através do

mencionado decreto é o atendimento facilitado aos consumidores, o

qual deve ser viabilizado pelos fornecedores, de forma a garantir com

que os clientes possam visualizar o sumário do contrato antes da

contratação (com ênfase em cláusulas que limitem direitos), que possam

identificar e corrigir de forma imediata eventuais erros antes do aceite


546
final, e que seja possível o recebimento da confirmação da aceitação da

oferta por parte do fornecedor, logo após a conclusão das etapas de

contratação.

Ademais, o contrato deve ser disponibilizado ao consumidor de

forma que ele consiga preservá-lo e reproduzi-lo imediatamente a

contratação.

Outra caraterística do atendimento facilitado, é a obrigação por

parte do fornecedor em manter serviço adequado e eficaz de

atendimento em meio eletrônico, que possibilite ao consumidor a

resolução de demandas referentes a informação, dúvida, reclamação,

suspensão ou cancelamento do contrato, sendo que todas demandas

recepcionadas devem ser acompanhadas de confirmação, pelo mesmo

meio que as originou, sendo que para a hipótese de cancelamento, o

respectivo procedimento deve ser oferecido pela mesma ferramenta

utilizada para a contratação, sem prejuízo de outros meios

disponibilizados. Sendo oportuno salientar, que o fornecedor deve

informar ao consumidor o prazo de arrependimento previsto pelo art.

49 do CDC, bem como a forma eficaz de fazer valer tal direito, se assim

desejar. (Brasil, Decreto Nº 7.962, 2013)

3.2 O direito à informação adequada

547
Como já exposto, a informação é um direito fundamental

inerente aos consumidores conforme o art. 6º, inciso III do CDC.

Entretanto, de nada adiantará a prestação das informações se realizada

de forma inacessível.

Assim sendo, os fornecedores devem atentar não apenas para o

fato meramente informativo, e sim se tais informações estão sendo

transmitidas de forma correta. Como já visto, o estatuto da pessoa com

deficiência em seu art. 3, inciso IV apresenta definições importantes

sobre as barreiras que podem impedir ou limitar a acessibilidade,

especialmente as barreiras de comunicação/informação e as atitudinais,

devendo para tanto a devida atenção sobre os elementos que as

caracterizam, a fim de garantir o devido direito à informação aos

consumidores com deficiência visual.

Nesse sentido:

5. É dever do fornecedor nas relações de


consumo manter o consumidor informado
permanentemente e de forma adequada sobre
todos os aspectos da relação contratual. O
direito à informação visa assegurar ao
consumidor uma escolha consciente, permitindo
que suas expectativas em relação ao produto ou
serviço sejam de fato atingidas, manifestando o
que vem sendo denominado de consentimento
informado ou vontade qualificada.”
Acórdão 1087911,
07072753420178070020, Relator: ARNALDO
CORRÊA SILVA, Segunda Turma Recursal dos
548
Juizados Especiais do Distrito Federal, data de
julgamento: 11/4/2018, publicado no DJE:
17/4/2018.

Como exemplo de inacessibilidade na comunicação e

informação podemos mencionar os materiais informativos produzidos

sob a percepção visual, como aqueles em que as imagens ou

screenshots (prints) são utilizados como única fonte de informação, sem

a presença das descrições textuais de seus conteúdos. E já com relação

a inacessibilidade em decorrência das barreiras atitudinais, podemos

nos servir do exemplo de determinada narrativa construída a partir de

referências e orientações meramente visuais para fins publicitários, de

ensino, de informação etc. Portanto, além de cumprir com o dever de

informação, os fornecedores devem garantir que os

destinatários/consumidores estejam realmente sendo informados de

fato.

4. A PROBLEMÁTICA DAS RELAÇÕES CONSUMERISTAS NO


COMÉRCIO ELETRÔNICO ASSOCIADAS AO CONSUMIDOR
DEFICIENTE VISUAL

4.1 Os dados nacionais sobre a população com deficiência visual –


IBGE

Tentamos elucidar o número de pessoas com deficiência visual

no Brasil na esperança de levantar dados oficiais de quantos cidadãos

549
estariam propensos a relação consumerista dentro da problemática

estudada, entretanto os dados mais recentes são de 2010.

Segundo dados do IBGE de 2010, no Brasil, das


mais de 6,5 milhões de pessoas com alguma
deficiência visual: 528.624 pessoas são incapazes
de enxergar (cegos) e 6.056.654 pessoas
possuem baixa visão ou visão subnormal
(grande e permanente dificuldade de enxergar).
(IBGE 2010 APUD FUNDAÇÃO DORINA, P01)

Quando do levantamento dos dados em 2010, o número de

pessoas com deficiência visual representava na época 3,5% da

população Brasileira, dentro de um panorama geral de 45,6 milhões de

pessoas com deficiência.

De forma muito lamentável, Mais de 10 anos se passaram desde

o último senso, deixando por consequência um cenário muito defasado

e desconhecido.

4.2 A hipervulnerabilidade no contexto da pessoa com deficiência


visual
Como já exposto, os consumidores são considerados vulneráveis

na relação de consumo, sendo que em alguns casos concretos, é

possível que seja constatado um agravamento em decorrência das

caraterísticas/qualidades pessoais do consumidor, configurando

portanto, a chamada hipervulnerabilidade.

550
Nessa perceptiva, observaremos os aspectos do consumidor

com deficiência visual no âmbito da vulnerabilidade fática, no que se

refere ao enquadramento da hipervulnerabilidade nas relações

consumeristas pela internet. Entretanto, inicialmente se faz necessário

conceituar e distinguir a deficiência visual conforme parâmetros

aplicáveis.

A deficiência visual é definida como a perda total


ou parcial, congênita ou adquirida, da visão. O
nível de acuidade visual pode variar, o que
determina dois grupos de deficiência:
Cegueira – há perda total da visão ou
pouquíssima capacidade de enxergar, o que leva
a pessoa a necessitar do Sistema Braille como
meio de leitura e escrita.
Baixa visão ou visão subnormal – caracteriza-se
pelo comprometimento do funcionamento
visual dos olhos, mesmo após tratamento ou
correção. As pessoas com baixa visão podem ler
textos impressos ampliados ou com uso de
recursos óticos especiais. (FUNDAÇÃO DORINA,
p.1)

Conforme o ministério da Saúde:

Portaria Nº 3.128, de 24 de Dezembro de 2008


Define que as Redes Estaduais de Atenção à
Pessoa com Deficiência Visual sejam compostas
por ações na atenção básica e Serviços de
Reabilitação Visual
[...]

551
Parágrafo 1º Considera-se pessoa com
deficiência visual aquela que apresenta baixa
visão ou cegueira.
Parágrafo 2º Considera-se baixa visão ou visão
subnormal, quando o valor da acuidade visual
corrigida no melhor olho é menor do que 0,3 e
maior ou igual a 0,05 ou seu campo visual é
menor do que 20º no melhor olho com a melhor
correção óptica (categorias 1 e 2 de graus de
comprometimento visual do CID 10) e
considera-se cegueira quando esses valores se
encontram abaixo de 0,05 ou o campo visual
menor do que 10º (categorias 3, 4 e 5 do CID
10).
[...] (BRASIL, Ministério da saúde, 2008)

Uma vez superado o entendimento classificatório da deficiência

visual, ressalta-se a infinidade de produtos e ou serviços que estão

disponíveis no mercado eletrônico, fazendo com que seja impossível

uma análise profunda e específica sobre todos, considerando inclusive

a tendência normal de crescimento do mercado e da tecnologia ao

longo do tempo. Por esse motivo, nos limitamos em questões gerais, as

quais podem ser aplicadas e ou consideradas em outras hipóteses

eventualmente não abordadas no presente trabalho.

Os consumidores com deficiência visual que fazem uso de

softwares leitores de tela por muitas vezes enfrentam dificuldades em

exercer seus direitos inerentes ao mercado de consumo, considerando

o evidente foco dos fornecedores em relação ao convencimento visual

de seus pretensos clientes. Dessa forma, partindo de um propósito de


552
construir uma comunicação rápida e objetiva, os fornecedores acabam

por negligenciar as descrições textuais dos produtos e ou serviços,

impactando por consequência na experiência do consumidor com

deficiência visual, tendo em vista que os softwares leitores de tela não

conseguem realizar a leitura das imagens. Portanto, quando os

fornecedores não se atentam para uma comunicação acessível e

inclusiva, acabam por vezes limitando o acesso do consumidor com

deficiência visual, total ou parcialmente, a depender do nível de

inacessibilidade observada.

Outra dificuldade enfrentada por consumidores com deficiência

visual refere-se a validações de formulários e ou cadastros, os quais

possuem desafios visuais que devem ser solucionados pelos usuários.

Geralmente os mencionados desafios visuais denominados captcha

solicitam que a pessoa selecione ou identifique determinada frase,

palavra ou imagem destorcida, ou que escreva em determinado campo

o conteúdo que é apresentado. Como já mencionado, os softwares

leitores de tela não conseguem realizar a leitura de imagens, tão pouco

as frases ou palavras eventualmente inseridas nas mesmas, sendo,

portanto, impossível com que o consumidor com deficiência visual

consiga prosseguir. Registre-se que alguns dos captchas possuem a

alternativa de se ouvir um determinado áudio em vez de solucionar o

desafio visual, entretanto na maioria das vezes o áudio é fornecido em

inglês. Existem duas outras espécies de captcha comumente utilizados

553
como desafios, um em que algoritmos analisam de forma automática o

comportamento do usuário, e outra em que os usuários necessitam

marcar uma caixa de seleção intitulada “não sou robô”, entretanto,

ambos desafios não conseguem suprir o problema de acessibilidade,

vez que constatado um falso positivo dos algoritmos, o usuário é

direcionado para o captcha visual.

Outro recurso utilizado, geralmente por instituições financeiras,

se trata do teclado virtual, o qual não é acessível aos leitores de tela, tão

pouco as pessoas com deficiência visual, já que ele impede a utilização

do teclado, sendo acionado unicamente pelo mouse.

De igual forma, outra prática que vem se tornando corriqueira

no mercado eletrônico mais que também não oferece a devida

acessibilidade, são os chamados QR Code, imagens que quando

escameadas através das câmeras dos smartphones acionam

determinadas ações, como por exemplo a validação de acesso a

plataformas/aplicações. Como o QR Code precisa ser necessariamente

focalizado pela câmera do smartphone para executar a ação desejada,

temos, portanto, a constatação da inacessibilidade em face da pessoa

com deficiência visual.

Outros aspectos relacionados ao consumidor com deficiência

visual no mercado de consumo eletrônico resumem-se basicamente a

navegabilidade e usabilidade dos sites ou aplicativos, tendo em vista

que o desenvolvimento das aplicações influencia diretamente na

554
acessibilidade, como por exemplo botões e links não identificados

textualmente, ausência de cabeçalhos, formulários confusos ou não

acessíveis, seletor de datas através de calendários virtuais acionados

unicamente através do mouse, imagens sem descrições ou descrições

confusas e ou incompletas, ausência de referências de navegação,

campos inacessíveis a leitores de tela, etc.

Assim sendo, considerando os aspectos inerentes às diversas

barreiras que podem ser observadas em relação à acessibilidade

informacional, tecnológica e atitudinal em relação à pessoa com

deficiência visual no comércio eletrônico, constata-se a

hipervulnerabilidade.

4.3 A “invisibilidade” do consumidor com deficiência visual pelas


empresas de comércio eletrônico: os desafios e a supressão de
direitos do consumidor com deficiência visual

De forma geral, a invisibilidade da pessoa com deficiência visual

pode ser observada ao longo dos períodos históricos, desde a

eliminação, assistencialismo e a segregação, até chegar finalmente à

inclusão. A invisibilidade em relação a pessoa com deficiência visual

nada mais é do que o não reconhecimento de seus direitos e ou

existência como pessoa frente a sociedade, o que por sinal justificava

todos os atos cometidos contra essas pessoas no passado.

555
Já com relação ao comércio eletrônico, a invisibilidade refere-se

ao não reconhecimento por parte dos fornecedores como potenciais

consumidores. A partir do momento que os fornecedores não

reconhecem a pessoa com deficiência visual como um potencial

consumidor, deixam de se preocupar com essa parcela minoritária de

pessoas, envidando por conseguinte todos os esforços na experiência

dos demais consumidores.

Por consequência, nasce daí todas as experiências negativas

experimentadas/vivenciadas pelos consumidores com deficiência visual

no comércio eletrônico, sendo verdadeiros reféns da invisibilidade

imposta pelos fornecedores.

Por oportuno, cabe ressaltar que mesmo comercializando os

produtos e serviços de forma não presencial, os fornecedores são

obrigados a observar e cumprir as legislações aplicáveis.

Assim sendo, limitar o acesso a serviços e ou produtos pode ser

compreendido como uma recusa de venda, barreira de acesso ou até

mesmo discriminação. Da mesma forma que podem existir barreiras

físicas e atitudinais no ambiente físico, o mesmo pode ocorrer no âmbito

digital, sendo dever dos fornecedores a supressão delas para que seus

serviços e produtos sejam e estejam acessíveis a todos.

Nesse sentido, vejamos o art. 63 do estatuto da pessoa com

deficiência:

556
Art. 63. É obrigatória a acessibilidade nos sítios
da internet mantidos por empresas com sede ou
representação comercial no País ou por órgãos
de governo, para uso da pessoa com deficiência,
garantindo-lhe acesso às informações
disponíveis, conforme as melhores práticas e
diretrizes de acessibilidade adotadas
internacionalmente. (BRASIL, Estatuto da pessoa
com deficiência, 2015)

Ainda no mesmo sentido, a Lei Nº 12.965/14 em seu art. 7º,

incisos XI e XII, considerando o acesso à internet essencial ao exercício

da cidadania, assim dispõem:

Art. 7º O acesso à internet é essencial ao


exercício da cidadania, e ao usuário são
assegurados os seguintes direitos:
[...]
XII - acessibilidade, consideradas as
características físico-motoras, perceptivas,
sensoriais, intelectuais e mentais do usuário, nos
termos da lei; e
XIII - aplicação das normas de proteção e defesa
do consumidor nas relações de consumo
realizadas na internet.

De igual importância, vejamos o que diz o art. 2º da mesma lei:

Art. 2º A disciplina do uso da internet no Brasil


tem como fundamento o respeito à liberdade de
expressão, bem como:
[...]

557
II - os direitos humanos, o desenvolvimento da
personalidade e o exercício da cidadania em
meios digitais;
III - a pluralidade e a diversidade;
[...]
V - a livre iniciativa, a livre concorrência e a
defesa do consumidor; e
VI - a finalidade social da rede. (BRASIL, Lei Nº
12.965, 2014)

Como se percebe, os fornecedores devem garantir a

acessibilidade quanto o acesso e utilização de seus serviços e produtos.

Além disso, o CDC veda aos fornecedores a recusa da venda de seus

produtos bem como a prestação de seus serviços, nos termos do art. 39,

senão vejamos:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou


serviços, dentre outras práticas abusivas:
(Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
[...]
IX - recusar a venda de bens ou a prestação de
serviços, diretamente a quem se disponha a
adquiri-los mediante pronto pagamento,
ressalvados os casos de intermediação
regulados em leis especiais; (Redação dada pela
Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

No mesmo sentido, o fornecedor que deixa de cumprir com a

oferta, apresentação ou publicidade, incorre no art. 35 do CDC:

558
Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços
recusar cumprimento à oferta, apresentação ou
publicidade, o consumidor poderá,
alternativamente e à sua livre escolha:
I - exigir o cumprimento forçado da obrigação,
nos termos da oferta, apresentação ou
publicidade;
II - aceitar outro produto ou prestação de
serviço equivalente;
III - rescindir o contrato, com direito à restituição
de quantia eventualmente antecipada,
monetariamente atualizada, e a perdas e danos.
(Brasil, código de defesa do consumidor, 1990)

Já em relação a discriminação, vejamos:

Art. 4º Toda pessoa com deficiência tem direito


à igualdade de oportunidades com as demais
pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de
discriminação.
§ 1o Considera-se discriminação em razão da
deficiência toda forma de distinção, restrição ou
exclusão, por ação ou omissão, que tenha o
propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou
anular o reconhecimento ou o exercício dos
direitos e das liberdades fundamentais de
pessoa com deficiência, incluindo a recusa de
adaptações razoáveis e de fornecimento de
tecnologias assistivas.
[...]
Art. 5º A pessoa com deficiência será protegida
de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, tortura, crueldade,

559
opressão e tratamento desumano ou
degradante.
Parágrafo único. Para os fins da proteção
mencionada no caput deste artigo, são
considerados especialmente vulneráveis a
criança, o adolescente, a mulher e o idoso, com
deficiência.
Art. 88. Praticar, induzir ou incitar discriminação
de pessoa em razão de sua deficiência:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e
multa. (BRASIL, Estatuto da pessoa com
deficiência, 2015)

Em suma, o fornecedor deve garantir a acessibilidade, não

podendo se recusar a vender ou prestar o serviço a quem se disponha

a pagar, e deixando de cumprir com a oferta que o vinculou após o início

da relação jurídica poderá responder por perdas e danos ou ser impelido

ao cumprimento da publicidade, ou mesmo incorrer no crime de

discriminação, nos termos da lei.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo demonstrou os pressupostos e especificidades

sobre a hipervulnerabilidade relacionados ao consumidor com

deficiência visual, bem como as garantias de reequilíbrio contratual e

ruptura de barreiras de acesso e utilização dos serviços e ou produtos

fornecidos pela internet a luz dos principais dispositivos aplicáveis.

560
Entretanto, percebe-se que ainda existem poucas discussões

sobre o tema, mesmo se tratando de direitos fundamentais ao exercício

da cidadania, especialmente por parte dos órgãos competentes.

Evidenciou-se também a ausência de dados recentes sobre as pessoas

com deficiência visual no Brasil, sendo um fato muito preocupante,

tendo em vista a importância de tais levantamentos para a elaboração e

execução de políticas públicas, por exemplo.

Ademais, registra-se que o fato da eventual resistência ou não

reconhecimento dos direitos dos consumidores com deficiência visual

por parte dos fornecedores não pode ser argumento para a recusa de

acesso aos serviços por eles fornecidos, considerando se tratar de

direitos vinculados necessariamente a essência da relação consumerista

bem como a igualdade e ao exercício da cidadania, sendo caraterísticas

inerentes a todos cidadãos, não podendo portanto existir diferenciação

de tratamento em razão de deficiência.

Assim sendo, destaca-se a importância de ações que visem as

pessoas com deficiência visual o conhecimento sobre os direitos

inerentes a relação consumerista, especialmente ao mercado eletrônico.

E aos fornecedores, ressalta-se a necessidade do cumprimento quanto

a exigência de produtos e ou serviços acessíveis a todos os

consumidores.

REFERÊNCIAS

561
BRASIL. Código de defesa do consumidor, 1990, disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm acesso
em: Abr., 2021.

BRASIL. Convenção internacional sobre os direitos das pessoas com


deficiência, 2009, disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2009/decreto/d6949.htm acesso em: Abr., 2021.

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562
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W3C BRASIL. Cartilha de acessibilidade na web, disponível em


<https://www.w3c.br/pub/Materiais/PublicacoesW3C/cartilha-w3cbr-
acessibilidade-web-fasciculo-I.html> acesso em: Abr, 2021.

563
A POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO
DE POSSE POR INDENIZAÇÃO EM DECORRÊNCIA DA
DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA NAS ÁREAS DE OCUPAÇÃO
IRREGULAR DO MUNICÍPIO DE MARIANA-MG

Braz Luiz de Azevedo1


Ana Flávia Delgado Oliveira2
RESUMO:

O presente artigo apresenta e problematiza a possibilidade de


conversão da ação de reintegração de posse por indenização em
decorrência da desapropriação indireta nas áreas de ocupação irregular
do Município de Mariana, considerando a impossibilidade de o
particular expropriado reivindicar o objeto.
O objetivo geral é analisar a possibilidade da citada conversão,
buscando amenizar os prejuízos sofridos pelo expropriado. A
abordagem se estriba em pesquisa empírica qualitativa, base teórica,
com consultas em artigos científicos, doutrinas e apoio documental em
legislações e jurisprudências. Com a conclusão dos aspectos
controvertidos e amparando-se nas interpretações jurídicas
apresentadas, nasce o entendimento jurisprudencial que possibilita a
discussão na aceitação da conversão supracitada como forma de
entregar à expropriada prestação jurisdicional com a minimização do
prejuízo suportado.

Palavras-chave: Reintegração de Posse; Indenização; Desapropriação


Indireta; Ocupação irregular; Mariana-MG.

1
Graduando do 10º período do Curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio
Carlos de Mariana.
2
Professora de Direito Civil e Processual Civil do Curso de Direito da Faculdade
Presidente Antônio Carlos de Mariana. Mestranda em Direito pela Universidade Federal
de Ouro Preto. Advogada.
564
INTRODUÇÃO:

O Município de Mariana, localizado no Estado de Minas Gerais,

região Sudeste do país, é cercado por extensas propriedades

particulares, incluindo áreas de preservação permanentes e de Mata

Atlântica, protegidas pela legislação ambiental. O município conta hoje

com um crescimento populacional demasiado, trazendo,

consequentemente, uma especulação imobiliária com parcelamento de

solo em preços exorbitantes, inalcançados pelo poder aquisitivo da

maioria da população. A expansão de loteamentos regularizados torna-

se bastante escassa, incapaz de atender às demandas existentes e

agrava-se ainda mais pela identificação de áreas impróprias para

edificações e outras com restrições ambientais.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 fixou,

expressamente, o direito à propriedade como garantia fundamental do

indivíduo, determinando que “é garantido o direito de propriedade e

[que] esta atenderá a sua função social” (BRASIL, 1988, n.p.).

Assim, esse direito tem como um dos principais objetivos limitar

qualquer intervenção que venha a reduzir tal garantia. Contudo,

comporta uma exceção, podendo o indivíduo ver sua propriedade

incorporada ao patrimônio público, através da desapropriação, que,

constitucionalmente, deverá estar fundamentada nos requisitos

565
específicos previstos na legislação, destacando a necessidade ou

utilidade pública ou interesse social.

Em análises de casos concretos, deparamo-nos com situações

nas quais os requisitos, legalmente previstos nos postulados

constitucionais e infraconstitucionais, vigentes no Estado Democrático

de Direito, são mitigados pelo ente público no momento da intervenção

na propriedade privada, surgindo o direito ao Instituto da

Desapropriação Indireta.

Nesse sentido, o presente artigo tem por propósito discutir a

possibilidade de conversão da Ação de Reintegração de Posse em

indenização pela decorrência da Desapropriação Indireta nas áreas de

ocupação irregular do Município de Mariana-MG, devido à inutilidade

do pleito possessório em decorrência da estabilização das ocupações

em áreas do município.

Destaca-se que, da análise do Código Civil Brasileiro (BRASIL,

2002), o proprietário poderá ser privado da coisa, pela desapropriação,

quando ficar configurada a necessidade, a utilidade pública ou o

interesse social, bem como pela requisição nos casos de perigo público

iminente. Ao ocorrer a desapropriação, o expropriado terá direito a uma

indenização prévia e justa, salvo na ocorrência de requisição, em que

haverá indenização ulterior se comprovado perdas e danos.

Nesse contexto, o presente trabalho se justifica tendo em vista

que a propriedade é direito fundamental do indivíduo e a restrição ou a

566
perda desmedida desse direito, consequentemente, poderá gerar

impactos negativos na vida dos expropriados, bem como prejuízos

decorrentes. Assim, buscar uma indenização, através da desapropriação

indireta, em caráter antecipatório, torna-se uma proposta relevante para

o Direito Processual Civil e para os expropriados, que terão a

possibilidade de uma solução mais próxima da realidade, minimizando

prejuízos e evitando uma longa espera por decisão judicial. Desse modo,

poderia ser prevista uma obrigação de indenizar, pelo fato da afetação

efetivamente ocorrida pela Administração Pública e da impossibilidade

fática de levar a cabo uma ação possessória.

Diante disso, questiona-se: É possível a conversão da ação de

reintegração de posse em indenização pela desapropriação indireta nas

áreas de ocupação irregular afetadas pelo município de Mariana?

A delimitação do problema vinculou observar o atual contexto

da ocupação irregular nesse município e as intervenções do Poder

Público nos locais sem que haja a devida desapropriação, fazendo

nascer o direito à indenização para o particular. Isto posto, foram

estabelecidos os seguintes objetivos específicos: a) na primeira sessão,

caracterizar o estatuto de posse imobiliária no direito brasileiro atual; b)

na segunda sessão, analisar as sentenças nos julgados das Ações de

Reintegração de Posse nas áreas de ocupação irregular; c) na terceira

seção, confrontar as interpretações jurídicas entre as Ações de

Reintegração de Posse e o Instituto da Desapropriação Indireta; d) na

567
quarta sessão, apresentar os aspectos que possam contribuir com a

possibilidade de conversão da reintegração de posse em indenização

por via da desapropriação indireta.

O presente artigo ajusta-se em pesquisa empírica qualitativa,

desenvolvendo-se por meio de consulta a casos concretos, leis, artigos

científicos, dissertações, doutrinas e dados estatísticos, tendo como

principal objetivo entender e aprofundar conhecimentos acerca da

desapropriação indireta com base nas Ações de Reintegração de Posse,

bem como provocar discussões acerca do tema.

A busca foi delimitada no período de 2019/2020, sendo trazida

para análise uma menção a quatro processos de reintegração de posse,

que seguem em tramitação na Comarca de Mariana, com demandas de

ocupação irregular, tanto em propriedade privada como em áreas

públicas.

2. A DESAPROPRIAÇÃO DIRETA DENTRO DO ORDENAMENTO


JURÍDICO BRASILEIRO

No âmbito da legislação brasileira, o processo de

desapropriação segue nos ditames do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de

junho de 1941, que dispõe sobre a desapropriação por utilidade pública.

Com o advento da Lei nº 13.867/2019, o poder público, após decretar a

desapropriação por utilidade pública, deverá notificar o proprietário,

enviando uma oferta de indenização, com o prazo de 15 dias para


568
aceitar, sendo o silêncio considerado como rejeição, nos termos do

Decreto-Lei nº 3.365/1941 (BRASIL, 1941).

Quando se fala em desapropriação, compete ao Poder Público

fundamentar a intervenção no domínio da propriedade do particular,

observando, entre outros, o princípio da necessidade, da utilidade

pública ou do interesse social e o dever de uma indenização prévia e

justa ao expropriado.

A desapropriação será realizada em duas fases, sendo a primeira

Declaratória, em que se configura a etapa administrativa, a qual

promoverá a declaração de utilidade pública, individualizando o bem a

ser desapropriado e a publicação do Decreto de Desapropriação. A

segunda fase é a chamada Executória, na qual será feita a indenização,

se amigável, ou a Interposição de Ação Judicial, quando houver

imposição do proprietário (FELIPPO, [s.d.]).

Declarada a utilidade pública, a autoridade pública poderá

penetrar no imóvel, podendo valer-se de força policial em caso de

oposição. Cabe, aqui, indenização por perdas e danos àquele que,

porventura, for molestado por excesso ou abuso de autoridade. A

desapropriação poderá partir da iniciativa do Poder Legislativo, sendo o

Executivo responsável por praticar os atos necessários à sua efetivação.

No processo de desapropriação, o Poder Judiciário ficará

impedido de avaliar ou decidir quanto à utilidade pública. A

desapropriação ocorrerá de forma amigável quando o Poder Público

569
notificar o proprietário e apresentar-lhe a oferta de indenização ou se

intentar judicialmente no prazo de cinco anos contados a partir da

expedição do respectivo decreto, nos termos do Decreto-Lei nº

3.365/1941 (BRASIL, 1941).

Ao aceitar a oferta e realizar o pagamento, o acordo será lavrado

e valerá como título hábil para transcrição no registro de imóveis.

Rejeitada a oferta, ou transcorrido o prazo sem manifestação, a

desapropriação correrá através de processo judicial, nos termos do

Decreto-Lei nº 3.365/1941 (BRASIL, 1941).

Em conformidade com o Decreto-Lei nº 3.365/1941, em seu art.

35, os bens expropriados, incorporados à Fazenda Pública, não mais

poderão ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do

processo de desapropriação, restando ao expropriado reclamar

indenização em perdas e danos (BRASIL, 1941):

Art. 35. Os bens expropriados, uma vez


incorporados à Fazenda Pública, não podem ser
objeto de reivindicação, ainda que fundada em
nulidade do processo de desapropriação.
Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-
á em perdas e danos.

Ocorrendo a publicação do decreto de desapropriação, torna-se

inevitável o impedimento da ação, independentemente da opinião do

particular, considerando a supremacia do interesse público em relação

ao particular.
570
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 garante

que a indenização deverá ser paga, com objetivo de compensar de

forma efetiva a perda sofrida pelo expropriado com pagamento de uma

quantia justa, prévia e, como regra, em dinheiro (BRASIL, 1988).

3. TOMADA HISTÓRICA E CONCEITUAL DA DESAPROPRIAÇÃO


INDIRETA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

3.1 Breves linhas históricas sobre o instituto da desapropriação


indireta no Brasil

A ideia de desapropriação indireta origina-se na França, nos anos

de 1850 a 1880, que ocorre quando a Administração pratica um

atentado, desapossamento, contra a propriedade privada, imóvel, sem,

contudo, ser considerado totalmente desprovido de legalidade,

dividindo essa desapropriação em duas modalidades, sendo a primeira

prevista em lei e a segunda resultante de uma intervenção do Estado na

propriedade particular. Assim, descreve Cláudia de Rezende Machado

de Araújo que:

[...] os doutrinadores franceses admitem duas


modalidades de desapropriação indireta. A
primeira abrange os casos de desapropriação
previstos em lei. A outra é resultante do domínio
ilegítimo da propriedade particular pelo Estado,
em virtude de construção de uma obra pública.
571
Neste último caso, ocorre a invasão da
propriedade particular pela Administração
Pública, sem o devido processo de
desapropriação. Esta modalidade é aceita pela
doutrina e jurisprudência como um caso de
desapropriação indireta, apesar de não haver
uma previsão legal específica. (ARAUJO, 1996, p.
271)

A análise da citação acima nos remete ao entendimento de que

a teoria da desapropriação indireta, aplicada no Brasil, baseia-se na

teoria francesa de 1880, em especial na segunda hipótese que define

como domínio ilegítimo da propriedade, em virtude da construção de

uma obra pública, conforme traz Cláudia de Rezende Machado de

Araújo.

Segundo Joaquim de Almeida Batista, o primeiro brasileiro a

utilizar o termo “desapropriação indireta” no Brasil teria sido o Ministro

Orosimbo Nonato. De acordo com Baptista:

A expressão “desapropriação indireta” foi


atribuída ao saudoso Min. Orosimbo Nonato,
que a teria usado, pela primeira vez, em idos
tempos, e, com a sequência, foi incorporada em
nosso vocabulário jurídico. Não poderia prever
S. Exa., que acabasse a cômoda designação, por
criar uma errônea interpretação do que
significava. Na atualidade, tem-se visto
frequentes afirmações, à guisa de sua
conceituação, que se trataria de uma

572
expropriatória, à qual apenas faltou o
pagamento prévio, ou a prévia iniciativa da
propositura da ação. (BAPTISTA, 2011, p. 121)

Fica clara a afirmativa de que a desapropriação indireta se

inspirou na teoria francesa, expandindo-se no direito brasileiro,

passando a ser discutida por doutrinadores brasileiros e conceituada

como um esbulho por parte da administração, parte da doutrina

questionando a sua legalidade, defendendo a tese de que tal teoria

poderia ser considerada como uma espécie de “usucapião

administrativa”.

Com o passar do tempo, o instituto foi ganhando nova

roupagem e, atualmente, está inserido como uma intervenção estatal na

propriedade particular, praticada pela Administração Pública de forma

irregular.

É inquestionável, em nossa Carta Magna, a importância e a

garantia do direito à propriedade, trazidas pelo art. 5º, inciso XXII do

mencionado diploma legal, cabendo-nos ressaltar que nenhum direito

é absoluto, surgindo exceções quando fundamentadas em justificativas

amparadas pelo ordenamento jurídico vigente. Desta feita, também

nasce o importante princípio da supremacia do interesse público sobre

o interesse privado; esse quando invocado tem como finalidade a

satisfação das necessidades coletivas.

A intervenção do Estado na propriedade privada, quando para

satisfazer um interesse da coletividade, torna-se lícita, devendo ser


573
observados os procedimentos legais e a devida indenização justa e

prévia.

Ao analisar a trajetória nos conceitos e garantias trazidos pelas

constituições anteriores, tem-se que, na Constituição Brasileira de 1824,

o direito à propriedade já era garantido, com a previsão da

desapropriação, com a justa e prévia indenização.

CF/1824 - Artigo 179, XXII. É garantido o Direito


de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o
bem público legalmente verificado exigir o uso,
e emprego da Propriedade do Cidadão, será ele
previamente indenizado do valor dela. A Lei
marcara os casos, em que terá lugar está única
exceção, e dará as regras para se determinar a
indenização. (BRASIL, 1824, n.p.).

Na constituição de 1891, surge, pela primeira vez, a expressão

“necessidade ou utilidade pública”. “CF/1891 - Artigo 72, § 17. O direito

de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salva a

desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante

indenização prévia” (BRASIL, 1891, n.p.).

Em 1937, surge a autorização para que as autoridades possam

utilizar a propriedade privada, quando configurado caso de perigo

iminente ou guerra, possibilitando a indenização ulterior (BRASIL, 1937).

574
Em 1969, fica instituída a possibilidade de pagamento da

desapropriação, por meio de título de dívida pública, não sendo mais

exigida a prévia indenização por força do AI nº 9.

Nessa análise histórica, percebe-se o desenvolvimento da

desapropriação indireta no direito brasileiro, partindo de um marco

inicial quando o Ministro Orosimbo Nonato é registrado como o

primeiro brasileiro a utilizar a expressão “desapropriação indireta” no

Brasil (BAPTISTA, 2011, p. 121).

Atualmente, encontramos o fundamento da desapropriação

indireta no art. 35 do Decreto-Lei nº 3.365/1941, dispondo que os bens

expropriados, depois de incorporados à Fazenda Pública, não poderão

ser objetos de reinvindicação, ainda que fundada em nulidade do

processo de desapropriação, devendo-se qualquer ação, julgada

procedente, resolver-se em perdas e danos.

Extrai-se deste artigo que, ocorrendo a apropriação do bem

particular pela administração, sem cumprir os preceitos legais, estará

configurado um apossamento administrativo, chamado também de

esbulho possessório, restando ao expropriado reclamar pelo

pagamento de uma indenização através de uma ação judicial, em que

poderá questionar somente o valor, sem a possibilidade de reivindicar o

bem, salvo quando a este não for dada a finalidade pública

(tredestinação). Nesse momento, a jurisprudência e a doutrina

majoritárias entendem que o particular poderá impetrar ações

575
possessórias, visando se manter ou retomar a posse, aplicando o

instituto de retrocessão3.

Contudo, a presente súmula foi editada na vigência do Código

Civil de 1916, que definia este mesmo prazo. Atualmente, em

entendimento jurisprudencial consolidado, o Superior Tribunal de

Justiça, pela 1ª Seção, fixou a tese de que o prazo prescricional, aplicável

à desapropriação indireta, é de dez anos, conforme parágrafo único do

art. 1.238 Código Civil 2002, fazendo analogia ao prazo da usucapião

extraordinária, observando-se, ainda, o art. 205 do Código Civil de 2002,

definindo a prazo de prescrição em dez anos, quando a lei não fixar

prazo menor: Art. 205. “A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei

não lhe haja fixado prazo menor.” (BRASIL, 2002).

Importante destacar que a desapropriação é forma

supressiva do direito de propriedade, enquanto as demais representam

medidas restritivas a esse direito, podendo afetar parte do imóvel ou até

mesmo a sua totalidade.

3.2 Notas conceituais e perspectivas sobre a Desapropriação


Indireta

3
Retrocessão é a obrigação pessoal de devolver o bem ao expropriado, quando na
ocorrência da tredestinação, decorrente do desvio de finalidade na desapropriação, ou
seja, o uso do bem desapropriado para fim diverso daquele mencionado no ato
expropriatório.
576
Hely Lopes Meirelles entende a desapropriação como:

[...] a transferência compulsória da propriedade


particular (ou entidade de grau inferior para a
superior) para o Poder Público ou seus
delegados, por utilidade ou necessidade pública
ou, ainda, por interesse social, mediante prévia e
justa indenização em dinheiro (CF, art. 5°, XXIV),
salvo as exceções constitucionais [...].
(MEIRELLES, 2010, p. 650)

O tema desapropriação indireta ainda apresenta alguns pontos

bastante controvertidos por parte da doutrina, que considera como uma

forma de esbulho possessório. Hely Lopes Meirelles afirma que o

fenômeno da desapropriação indireta não encontra respaldo legal e que

se configura como uma verdadeira invasão: “A desapropriação indireta

não passa de esbulho da propriedade particular e, como tal, não

encontra apoio na lei” (MEIRELLES, 2010, p. 650).

Em destaque, o Ministro Humberto Martins, ao relatar o Agravo

Regimental no Agravo no Recurso Especial nº 18.092/MA, manifestou

em relação à desapropriação indireta:

A desapropriação indireta pressupõe conduta


positiva do ente estatal consistente no
apossamento administrativo da área,
caracterizando-se esbulho possessório ou ato
que vise obstar o exercício da posse reivindicada

577
pelo particular no caso de imóvel objeto de
invasão. (BRASIL, 2011, n.p.)

Baseando-se neste julgado, fica claro o entendimento de que a

desapropriação indireta se caracteriza como um “esbulho possessório”,

que à luz do Direito Civil se configura em ato completamente ilícito,

sendo agente a própria Administração Pública, atentando contra o

direito de propriedade, resguardado pela Constituição, a qual garante a

possibilidade de defesa da posse, através de ações possessórias.

Fernanda Marinela ensina que:

Ocorridos o esbulho e a incorporação ao


patrimônio público, a afetação do bem ao
atendimento de uma finalidade pública, o art.
35, do Decreto-Lei n° 3.365/41, impede que o
Estado devolva o bem a seu titular, portanto
resta ao proprietário o recurso à via judicial, com
o objetivo de receber a indenização pela perda
do direito de propriedade. A medida nessa
hipótese é a Ação de Desapropriação Indireta.
(MARINELA, 2010, p. 831).

Nesse sentindo, têm-se o Resp. 1.442.440/AC, rel. Min. Gurgel de

Faria. 07/12/2017, que diz:

[...] possibilidade de conversão da ação


possessória em indenizatória, em respeito aos
princípios da celeridade e economia

578
processuais, a fim de assegurar ao particular a
obtenção de resultado prático correspondente à
restituição do bem, quando situação fática
consolidada no curso da ação exigir a devida
proteção jurisdicional, com fulcro nos arts. 461,
§ 1º, do CPC/1973. (BRASIL; STJ, 2018, grifo
nosso, n.p.).

Este julgado vem demostrar que, em caso de desapropriação

indireta, a ação possessória está cada vez mais em desuso, motivado

pelas constantes mudanças no decorrer do processo, resultando, em sua

maioria, em indenizações, considerando a impossibilidade de

reivindicação do objeto expropriado, resultado que nem sempre atende

os interesses do particular ofendido.

Segundo o artigo 5°, inciso XXII da Constituição Federal de 1988,

“É garantido o direito de propriedade”.

Artigo 5° Todos são iguais perante a lei, sem


distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: [...] “XXII – é
garantido o direito de propriedade”. (BRASIL,
1988, n.p. grifo nosso).

De acordo com a jurista brasileira Maria Helena Diniz, o direito

de propriedade pode ser entendido como: “o direito que a pessoa física

579
ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar e dispor

de um bem, corpóreo ou incorpóreo, bem como de reivindicá-lo de

quem injustamente o detenha” (DINIZ, 2006, p. 386).

Consolidando a garantia da propriedade, explícita na

Constituição de 1988, inicialmente entendemos por ser um direito

pleno, contudo, nota-se, na prática jurídica, que esse direito, assim como

todos os demais trazidos no mencionado diploma legal, não é absoluto,

podendo sofrer restrições por estar interligado à função social, interesse

público e social.

Em poucas palavras, temos que a desapropriação indireta é tida

como válida e legal, estando amparada tanto nas normas

infraconstitucionais como nas normas constitucionais. Entretanto, surge

um embate desse instituto com o direito de propriedade garantido pela

constituição.

Para Hely Lopes Meirelles, a desapropriação indireta é uma

“situação de fato que se vai generalizando em nossos dias!” (MEIRELLES,

2010, p. 436).

José Carlos de Moraes Salles, complementa que: “[...] essa prática

vai se transformando em procedimento corriqueiro, diuturna e

conscientemente empregado” (SALLES, 2006, p. 847).

Marçal Justen Filho contribui para a discussão e admite que a

prática é inconstitucional gerando punição aos responsáveis:

580
Trata-se, em última análise, de prática
inconstitucional, cuja solução haveria de ser a
restituição do bem ao particular, acompanhada
de indenização por perdas e danos, e a punição
draconiana para os responsáveis pela ilicitude
[...].
Lamentavelmente, reputa-se que o
apossamento fático pelo Estado de um bem
acarreta sua integração no domínio público, tese
fundada do art. 35 do Decreto-Lei n. 3.365/41 e
em outras disposições pretéritas. Essa
concepção deve ser repudiada em vista da
Constituição: se a desapropriação depende da
prévia e justa indenização em dinheiro, a ser
fixada judicialmente, não há fundamento
jurídico mínimo para afirmar a aquisição do
domínio do Estado mediante um ato de força,
incompatível com a ordem jurídica. É evidente
que, em face da Constituição, cabe a
reivindicação de bens indevidamente apossados
pelo Estado. (JUSTEN FILHO, 2006, p. 453)

O autor supracitado questiona, ainda, o alto valor atribuído ao

poder público na condenação a pagar a título de danos,

consequentemente gerando prejuízos aos cofres públicos.

Os cofres públicos têm arcado com o


pagamento de indenizações vultuosíssimas. O
montante das indenizações supera largamente o
preço de mercado dos bens, especialmente por
efeito da incidência dos juros compensatórios
desde a ocupação. (JUSTEN FILHO, 2006, p. 454).

581
José Carlos de Moraes Salles identifica que alguns agentes

públicos atuais, de maneira conveniente, preferem praticar o

apossamento, descumprindo os preceitos legais, considerando que a

obrigação de pagar será protelada e, na maioria das vezes, transmitida

esta obrigação para os futuros governantes, que já iniciarão a gestão

com esta atribuição a ser resolvida, gerando a responsabilidade pela

indenização a ser aplicada pelo judiciário. “Torna-se mais fácil invadir a

propriedade particular para só depois de muitos anos indenizar [...]

deixando o encargo do pagamento das indenizações para governos

futuros.” (SALLES, 2006, p. 184).

De todo o exposto, é notório e cristalino o entendimento de que

o apossamento administrativo é, na verdade, uma prática abusiva e

ilícita de se adquirir uma propriedade privada, principalmente pelo fato

de violar um direito garantido pela nossa Carta Magna de 1988, apesar

de não absoluto.

4. CONTEXTUALIZAÇÃO DAS OCUPAÇÕES IRREGULARES NO


MUNICÍPIO DE MARIANA

O atual contexto da ocupação irregular no Município de

Mariana, somado à intervenção do Poder Público, com a construção de

obras públicas nos locais, sem que ocorra a devida desapropriação, faz

nascer o direito à indenização para o particular expropriado.


582
A maior parcela dos terrenos que circulam o Município de

Mariana é desprovida de cercamento, inexistindo também uma

constante vigilância por parte dos proprietários tidos como grandes

latifundiários, em sua maioria pessoas jurídicas de direito privado.

O Município de Mariana possui um histórico de invasões que

percorre décadas, fato que influencia a ocorrência de constantes

invasões de terrenos particulares por pessoas de baixa renda,

agravando-se com o episódio “grilagem”, realizado por oportunistas

que praticam vendas de “lotes” de forma clandestina, nascendo, nesse

ato, a ocorrência de crimes como enriquecimento ilícito, estelionato,

entre outros.

Ressalta-se que o maior público que chega a realizar a invasão e

consequente ocupação irregular é formado por pessoas de baixa renda,

desprovidas de recurso financeiro para adquirir uma propriedade de

forma regular.

A área ocupada, aos poucos, vai se transformando em um

conjunto habitacional precário, com a formação de famílias morando

em espaços até mesmo de risco, dada à falta de estruturas, saneamento

e demais necessidades básicas para se viver com o mínimo de

dignidade.

O particular, legítimo proprietário do imóvel, quando do

surgimento da invasão do terreno, aciona força policial para o devido

registro ou tentativa de um desforço imediato com amparo no art. 1.210,

583
parágrafo primeiro, do Código Civil de 2002, para a remoção das

demarcações e liberação da área atingida.

Depois de registrada a invasão do imóvel, não sendo

restabelecida a posse ou sua manutenção ao proprietário, a ele restará

a impetração de Ação de Reintegração de Posse na comarca do imóvel.

Conforme Nelson Rosenvald (2011, p. 281), reintegração de

posse:

[...] é o remédio processual adequado à


restituição da posse àquele que a tenha perdido
em razão de um esbulho, sendo privado do
poder físico sobre a coisa. A pretensão contida
na ação de reintegração de posse é a reposição
do possuidor à situação pregressa ao ato de
exclusão da posse, recuperando o poder fático
de ingerência socioeconômica sobre a coisa.

Ao ocorrer a prática do desforço imediato, citado acima, será

realizada a retirada de demarcações e materiais dos invasores às custas

do proprietário expropriado, com o apoio dos órgãos de segurança

pública, quando necessário.

A Ação de Reintegração de Posse poderá, ainda, ser resolvida de

forma liminar, desde que proposta dentro de ano e dia da turbação ou

do esbulho, com fundamento no art. 558 do Código de Processo Civil

de 2015.

584
Não sendo efetivada a reintegração da posse, nas modalidades

acima expostas, a Ação Judicial tramitará em procedimento comum,

aguardando-se uma sentença final.

Em que pese, a reconhecida preocupação dos processualistas

em dar uma maior celeridade aos processos, somada à necessidade da

justiça, o que se observa na prática, na maioria dos casos, é a tardia

prestação jurisdicional que, consequentemente, traz a incontestável

angústia e sofrimento das partes, aliada ao descrédito na eficiência da

justiça.

Com a necessidade de proporcionar celeridade nas decisões

processuais, o legislador pátrio criou mecanismos de antecipação do

provimento final, quando preenchidos os requisitos necessários à

concessão do provimento liminar, previsto nos arts. 561 e 562 do

CPC/2015 (BRASIL, 2015).

Conforme expresso no Código de Processo Civil 2015, o autor da

Ação de Reintegração de Posse, visando alcançar uma tutela de urgência

em espécie, deverá provar: a sua posse; a turbação ou o esbulho

praticado pelo réu; a data da turbação ou do esbulho; a continuação da

posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse na

ação de reintegração. Deverá ser comprovado, ainda, que o esbulho

tenha ocorrido a menos de ano e dia, tendo ocorrido a perda da posse.

Nesse sentido, têm caminhado as decisões judiciais:

585
REINTEGRAÇÃO DE POSSE – POSSE INJUSTA E
DE MÁ-FÉ – CONCESSÃO DE LIMINAR –
RECURSO IMPROVIDO – 1 – Estando a petição
inicial de ação de reintegração de posse,
proposta dentro de ano e dia, instruída com a
prova do esbulho decorrente de
desapossamento por invasão clandestina do
terreno, da data de sua ocorrência e da perda da
posse, correta é a decisão que defere, sem ouvir
o réu, o mandado liminar de reintegração. 2 –
Agravo não provido4. (ESPÍRITO SANTO, 2010, p.
9)

AGRAVO DE INSTRUMENTO – REINTEGRAÇÃO


DE POSSE – Presença dos requisitos legais
exigíveis à imediata reintegração dos autores,
ora agravados, na posse do imóvel objeto do
litígio. Pretensão que colima a revogação da
liminar concedida. Descabimento. Invasão do
imóvel admitida pelos agravantes. Pedido de
revogação da liminar pautado em decreto de
desapropriação. Inadmissibilidade. Hipótese em
que o procedimento de desapropriação se
encontra em sua fase inicial. Atos clandestinos
que não induzem à posse justa. Decisão
mantida. Recurso improvido5. (SÃO PAULO,
2011, p. 1006)

Assim, para a admissibilidade da concessão de liminar em Ação

de Reintegração de Posse, é necessário que se cumpra os requisitos

4
TJES – Al 006.089.000.241 – 1ª C. Cív. – Rel. Des. Fábio Clem de Oliveira – Dje 15.07.2010.
5
TJSP – Al 990.10.233034-6 – São Paulo – 37ª CDPriv. – Rel. Luiz Fernando Lodi – Dje
15.03.2011
586
acima mencionados, não podendo o esbulho possessório contar com

mais de ano e dia, não se exigindo prova plena e exaustiva, ficando está

reservada para a sentença de mérito.

4.1 Intervenção do Poder Público nas áreas de ocupação

Nesse momento, apesar de estarem diante de uma ocupação

irregular, os moradores começam a se organizar e reivindicar, junto ao

Poder Público, por necessidades básicas, a fim de proporcionar às

famílias ali assentadas uma moradia mais digna e contemplada com o

mínimo de segurança.

Em que pese isso, parte das ocupações irregulares estão

instaladas em áreas impróprias para edificações, por motivos diversos,

como em áreas de risco, de preservação permanente, nas quais, em

regra, não seria possível uma aprovação de expansão habitacional por

força da legislação vigente. Quando constatada a concentração de

núcleos familiares compostos por pessoas de baixa renda,

inquestionavelmente surge a necessidade de certas intervenções por

parte do Poder Público, ainda que ocorram com a única e exclusiva

finalidade de prevenção quanto a possíveis ocorrências de sinistros que

venham colocar em risco iminente a segurança e a integridade física das

pessoas que ali residem.

587
Independentemente da irregularidade real existente na

instalação de ocupações, não cabe ao Poder Público se furtar do dever

constitucional de proporcionar a essas famílias seus direitos e garantias

fundamentais trazidos pelo art. 5º da nossa Carta Magna de 1988.

Dentre os principais direitos devidos ao cidadão pela Carta

Magna de 1988, destacamos o direito à vida. Instalando-se qualquer

tipo de ameaça a esse direito, compete ao Poder Público agir

preventivamente e com habilidade eficaz, sem medir esforços para se

restabelecer a normalidade e a tranquilidade pública.

Diante de todo o exposto, identificamos como uma das mais

urgentes e necessárias intervenções o acesso viário às famílias

instaladas. Algumas famílias, em épocas de tempo chuvoso, ficam

completamente “ilhadas”, tornando-se dificultosa qualquer ação, em

especial a necessidade de transitar com um veículo em socorro ou

equipamento similar.

Conclui-se que, embora essas áreas de ocupação estejam quase

sempre sub judice, nas ações de reintegração de posse, as intervenções

pelo Poder Público, quando caracterizadas como necessárias e urgentes,

devem caminhar paralelamente, com objetivo principal de resguardar a

vida e a saúde dos envolvidos.

Consequente a essas ideias, determinados agentes públicos,

aproveitando-se do quadro apresentado, realizam intervenções nas

áreas de ocupação irregular com a implantação de obras públicas, sem

588
qualquer observância da legislação vigente, mesmo estando o objeto

sub judice. Sem muitas palavras, essa ação do Poder Público configura
uma verdadeira invasão de propriedade privada, sob a alegação de estar

realizando obras de caráter necessário em benefício às famílias

envolvidas.

Notório se torna o entendimento de que, o ente público agindo

dessa forma contribui para o nascimento de uma desapropriação

indireta, uma vez que, sendo realizada uma obra pública na propriedade

privada, por força do art. 35 do Decreto-Lei nº 33.65/1941, este imóvel

será incorporado à Fazenda Pública, não sendo mais possível de ser

reivindicado pelo particular expropriado.

Ao final de uma Ação de Reintegração de Posse, com sentença

desfavorável aos invasores, o Poder Judiciário determina que a posse

seja restabelecida ao autor da Ação. Em decorrência de uma longa

duração do processo, o cenário na área afetada se transforma em uma

nova realidade. Agora são inúmeras famílias existentes no local,

incluindo crianças e idosos. Várias dessas pessoas não compunham o

polo passivo da referida ação, agora passando a integrá-lo, mesmo sem

estarem devidamente cadastradas, por consequência de haverem

adquirido os lotes nas mãos de terceiros durante a tramitação do

processo.

589
4.2 A inexequibilidade da sentença judicial ante a prestação
jurisdicional tardia

Apesar de declarada a reintegração da posse, sua execução se

torna prejudicada e, em alguns casos, inviável, considerando a realização

de obras públicas no local, como por exemplo o asfaltamento de

determinadas ruas, sinalização viária, construção de pontes, entre

outras.

Aliada a essa situação, surge, de maneira superveniente, um dos

requisitos da desapropriação caracterizado pelo interesse social, agora

podendo ser reconhecido, sendo inegável a inviabilidade da retirada de

inúmeras famílias de uma área consolidada em moradias, ainda que

precárias, sem uma alternativa de realocação. Esse fato,

indiscutivelmente, provocaria uma complexidade ainda maior, agravada

pela falta de local adequado e em condições seguras para direcionar as

famílias e, especialmente, crianças e idosos que dependem de

tratamento diferenciado.

Outro fator a ser considerado se refere à construção de obras

públicas que impedem, em tese, a reintegração de posse ao particular.

5. A POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO


DE POSSE EM INDENIZAÇÃO EM DECORRÊNCIA DA
DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA NAS ÁREAS DE OCUPAÇÃO
IRREGULAR DO MUNICÍPIO DE MARIANA

590
Ao ocorrer a intervenção da Administração Pública através de

construção de obras públicas, em propriedade particular, restar-se-á

configurada a “desapropriação indireta”, também chamada por alguns

juristas de “apossamento administrativo”, o qual ocorre sem a

observância e a obediência dos procedimentos e requisitos legais que

compõem o processo de desapropriação por vias diretas.

A desapropriação indireta poderá ser reconhecida por analogia

ao art. 65 do Decreto-Lei nº 33.65/1941, considerando que, nesse viés,

ficará o particular impedido de reivindicar a posse da área expropriada.

No decorrer da Ação de Reintegração de Posse, confirmado o

interesse social, mesmo que de forma superveniente, passa o ente

público a buscar uma nova alternativa para a resolução do conflito. Na

prática, tem-se que alguns casos são resolvidos através de uma

“desapropriação indireta” com a indenização ulterior ao proprietário da

área afetada, iniciando-se, logo em seguida, uma regularização e uma

urbanização, com a finalidade de melhorias nas condições de habitação.

Para se chegar a uma indenização ulterior, decorrente da

desapropriação indireta, incumbe ao expropriado ingressar com Ação

Indenizatória, na qual se limitará em discutir valores, uma vez que o

objeto não poderá ser reivindicado, com fundamento no art. 65 do

Decreto-Lei nº 33.65/1941.

Em que pese isso, conforme sustentado por alguns

doutrinadores, a Administração Pública, ao realizar obras em

591
propriedade particular sem observância dos procedimentos legais,

estará verdadeiramente caracterizando um esbulho possessório, com

abuso de poder. Resta-nos o entendimento de que a área afetada não

poderá ser objeto de reintegração por força do diploma acima citado.

5.1 Análise das sentenças nas áreas de ocupação irregular em


Mariana

Neste tópico, são analisados processos selecionados, no período

de 2019/2020, em tramitação na Comarca de Mariana, que estarão

anexos, haja vista serem processos públicos que não precisam de

segredo de justiça. Necessário ressaltar que o Agravo de Instrumento Cv

nº 1.0400.17.0400.17.002918-7/001, constante no item 5.1.4, apesar de

ser originário do processo nº 0029187-87.2017.8.13.0400, anterior ao

período em análise, trouxe considerável relevância à pesquisa,

considerando possuir decisão prolatada em 2019, com resultado

semelhante aos demais processos citados, suspendendo os efeitos da

liminar de primeira instância que determina a demolição imediata das

edificações irregulares.

5.1.1 Processo nº 5001499-94.2019.8.13.0400 – autora CMP


Agricultura E Pecuária Limitada – reintegração de posse

592
Nessa ação de reintegração de posse, com petição inicial em 10

de julho de 2019, foi proferida, pela 1ª Vara Cível da Comarca de

Mariana, liminar determinando a retirada dos invasores no prazo de 72

horas, não permitindo a demolição das obras existentes, até decisão

final, todavia, autorizando a autora a proceder a total interdição do

imóvel, evitando que terceiros nele adentrem.

É interposto Agravo de Instrumento (Cv nº 1.0000.19.111593-

0/001), pela autora, requerendo a demolição das edificações, tendo sido

negado provimento em razão de se mostrar precipitado frente à total

irreversibilidade da medida.

Os réus, em 8 de outubro de 2019, diante da notificação judicial

para deixarem o imóvel, impetraram também Agravo de Instrumento

com pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal, alegando,

entre outros, a inexistência de comprovação da propriedade do imóvel

pela autora.

O processo se arrasta no aguardo de decisões recursais, com

registro de última movimentação em 4 de novembro de 2022.

No decorrer dessa ação, é notório o agravamento do cenário a

cada dia, com o surgimento de novas invasões no local em demanda,

consequentemente, ampliando os problemas sociais para decisão

futura, que poderá trazer a inviabilidade da reintegração.

593
5.1.2 Processo nº 5000946-13.2020.8.13.0400 – autora CMP
Agricultura E Pecuária Limitada – reintegração de posse

Nessa ação de reintegração de posse, foi proferida, pela 1ª Vara

Cível da Comarca de Mariana, liminar determinando a reintegração de

posse à autora e consequente demolição das obras edificadas pelos

invasores, mediante a comprovação de caução no valor de R$ 80.000,00,

entendendo a Magistrada como sendo uma medida necessária, tendo

em vista que a autora, desde 2017, vem tentando eliminar as constantes

invasões em suas propriedades.

Em 16 de outubro de 2020, os invasores impetraram Agravo de

Instrumento (com pedido de efeito suspensivo), sob alegação de

estarem residindo no local, com residências edificadas há mais de ano e

dia, prazo este que inviabiliza a retirada de ocupantes em sede de

liminar (art. 558, parágrafo único – Código de Processo Civil/2015),

alegando ainda a ausência de comprovação da propriedade pela autora.

Em julgamento do recurso, pelo TJMG, fica deferido o pedido de

suspensão da liminar que determinava a retirada das famílias, bem como

a demolição das construções, considerando a existência de pessoas em

estado de vulnerabilidade social e a viabilidade de se aguardar

instauração de contraditório, evitando-se o risco de irreversibilidade de

danos, devendo ser aguardada decisão final da turma julgadora.

O processo se arrasta no aguardo de decisões recursais, com

registro de última movimentação em 9 de março de 2022. O

594
que se percebe no decorrer desse processo é a continuidade de novas

invasões, agravando-se a cada dia.

Em uma análise mais aprofundada das sentenças6 emitidas pela

justiça, em relação às Ações de Reintegração de Posse, temos que, na

Primeira Instância, a maioria dos julgados se restringe à notificação

judicial dos invasores determinando a sua saída do imóvel, sem,

contudo, determinar a demolição das construções entes do julgamento

do mérito, a fim de se evitar a ocorrência de danos irreversíveis. Diante

de uma sentença dessa natureza, os invasores recorrem ao Tribunal de

Justiça de Minas Gerais, pleiteando a permanência no imóvel sob

alegação de estarem na ocupação por mais de ano e dia, situação que

inviabiliza uma desocupação em sede de liminar, em respeito ao

prescrito nos arts. 558 e 565 do Código de Processo Civil de 2015.

Art. 558. Regem o procedimento de manutenção


e de reintegração de posse as normas da Seção
II deste Capítulo quando a ação for proposta
dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho
afirmado na petição inicial.

Parágrafo único. Passado o prazo referido


no caput, será comum o procedimento, não
perdendo, contudo, o caráter possessório.

Art. 565. No litígio coletivo pela posse de imóvel,


quando o esbulho ou a turbação afirmada na
petição inicial houver ocorrido há mais de ano e

6
Vara Cível da Comarca de Mariana-MG.
595
dia, o juiz, antes de apreciar o pedido de
concessão da medida liminar, deverá designar
audiência de mediação, a realizar-se em até 30
(trinta) dias, que observará o disposto nos §§ 2º
e 4º.

§ 1º Concedida a liminar, se essa não for


executada no prazo de 1 (um) ano, a contar da
data de distribuição, caberá ao juiz designar
audiência de mediação, nos termos dos §§ 2º a
4º deste artigo.

§ 2º O Ministério Público será intimado para


comparecer à audiência, e a Defensoria Pública
será intimada sempre que houver parte
beneficiária de gratuidade da justiça.

§ 3º O juiz poderá comparecer à área objeto do


litígio quando sua presença se fizer necessária à
efetivação da tutela jurisdicional.

§ 4º Os órgãos responsáveis pela política agrária


e pela política urbana da União, de Estado ou do
Distrito Federal e de Município onde se situe a
área objeto do litígio poderá ser intimados para
a audiência, a fim de se manifestarem sobre seu
interesse no processo e sobre a existência de
possibilidade de solução para o conflito
possessório. (BRASIL, 2015, n.p.)

De forma até mesmo preventiva, verifica-se que o juízo de

primeira instância se reserva em não determinar a demolição das

construções irregulares em primeira mão, visto que, nas decisões dos

596
Tribunais Superiores, essa discussão quanto a demolições somente vem

a se efetivar no julgamento de mérito, eliminando a possibilidade de

danos irreparáveis. Outra possibilidade apresentada pelo juízo de

primeira instância em relação às demolições de construções irregulares

em terreno alheiro se processa mediante caução de valor razoável, com

objetivo de resguardar eventuais prejuízos trazidos pela concessão da

liminar.

Ainda, reafirmando as ações realizadas com o propósito de se

proceder a reintegração da posse, é possível observar que a duração

razoável do processo acaba por se prolongar por um período muito

extenso, permitindo o agravamento da demanda enfrentada e se

distanciando cada vez mais de um resultado útil ao processo.

Depois de percorrido um longo caminho pelas camadas

recursais, o resultado do processo acaba por se tornar impraticável, em

decorrência da inevitável consolidação de núcleos familiares, muitos

destes com perfil de baixa renda, compostos inclusive por crianças e

idosos.

Com efeito, atualmente a ocupação irregular se insere em um

quadro mais complexo por se tratar de um problema social a ser

enfrentado, principalmente pela municipalidade, onde se instala o

conflito.

No decorrer do processo, constata-se a intervenção da

Administração Pública nas áreas de ocupação irregular, realização de

597
obras públicas, mesmo sem ter havido a desapropriação legal. O

alegado, na maioria dos casos, é a necessidade de se garantir o mínimo

de dignidade às famílias em situação de risco, principalmente em

relação ao acesso às construções, minimizando riscos e melhorando a

segurança.

Frisa-se que, embora o cumprimento da determinação judicial

de reintegração de posse deva ser exercido, em se tratando de uma área

já consolidada com inúmeras construções, torna-se um procedimento

complexo, com a necessidade do envolvimento de vários órgãos para

sua efetivação. Dentre os órgãos, podemos citar a Secretaria Municipal

de Desenvolvimento Social e Cidadania, a Secretaria Municipal de

Defesa Social, o Conselho Tutelar, o Sistema de Segurança e outros afins.

Após a expedição da sentença para a reintegração de posse,

inicia-se as diversas reuniões e planejamentos entre os envolvidos na

operação, que se arrastam por tempos e tempos, protelando ainda mais

o verdadeiro cumprimento. Passam-se anos e a situação não se resolve,

agravando-se a cada dia os problemas sociais.

Como salientado e oportunamente demonstrado adiante, o

quadro apresentado é extremamente grave e não suporta mais

aguardar por uma solução somente na esfera da Administração Pública.

Para uma corrente, quando se efetiva a construção de qualquer

obra pública na área em demanda, configura-se o apossamento

administrativo, sem a observância das normas vigentes, momento em

598
que o ente expropriante estaria cometendo, na realidade, uma

verdadeira invasão de propriedade privada, não muito diferente

daqueles populares que ocuparam anteriormente.

Pela corrente contrária, em que pese a administração pública

haver realizado obra em propriedade alheia, restará configurada a

desapropriação indireta, visto que a obra pública se integra ao

patrimônio da Fazenda Pública e, por força de lei, não poderá mais ser

objeto de reinvindicação a área afetada.

A Constituição Federal de 1988 traz a garantia do direito de

propriedade, que, apesar de não ser absoluto, em se tratando de

desapropriação indireta, pode ser entendida a sua violação pela

Administração Pública quando essa intervém na propriedade do

particular, sem observância dos preceitos legais.

Oportuno destacar que, em se tratando de ocupação irregular

por pessoas de baixa renda, quando consolidada a área afetada em

diversas moradias, com núcleos familiares, consequentemente, nasce,

de forma superveniente, a figura do interesse social, antes não

identificado, momento em que surge, para a administração pública, a

necessidade de ofertar às famílias, ainda que de maneira precária, o

mínimo de condições básicas para amenizar os riscos e trazer melhorias

na segurança, em especial àqueles locais com aspectos de maior

carência e riscos.

599
5.1.3 Processo nº 5000294-30.2019.8.13.0400 – autor Município de
Mariana – reintegração/manutenção de posse

Nesta ação interposta pelo município, foi proferida decisão, pela

Magistrada da Comarca de Mariana, com deferimento parcial de tutela

de urgência antecipada, determinando a desocupação da área de

preservação permanente, bem como a suspensão de qualquer obra no

local, sob pena de multa diária e sem prejuízo de responsabilidade por

crime de desobediência à ordem judicial. Nesse episódio, havia somente

uma invasora, tendo esta edificado obra em terreno público, envolvendo

danos ambientais. Depois de citada, cumpriu a determinação judicial e

deixou o local, sendo a construção demolida. Ocorrido o trânsito em

julgado em 5 de maio de 2020.

5.1.4 Agravo de Instrumento-Cv nº 1.0400.17.0400.17.002918-


7/001

Cuida-se este agravo, interposto pelos invasores de área pública,

contra decisão proferida pela 1ª Vara Cível de Mariana, que determinou

a desocupação da área de propriedade da municipalidade e

desfazimento de quaisquer obras erguidas no local, no prazo de 30 dias,

sob pena de desocupação compulsória.

Nesse agravo, em que pese o processo originário ter se iniciado

em 2017, período anterior ao pesquisado neste estudo, apresenta-se

600
uma decisão em 2019, que muito se assemelha aos processos em

análise. Nesse caso em específico, mesmo se tratando de ocupação

clandestina em terreno público, onde não se pode reconhecer como

posse, mas simplesmente como mera detenção de natureza precária, a

decisão no agravo foi pelo parcial provimento, tendo os julgadores

mantido a decisão de 1ª instância no quesito de desocupação, contudo

vedando a demolição das edificações erigidas no local.

Mais uma vez verifica-se que a demora no julgamento de mérito,

para decisão final do processo, contribui com o inquestionável

agravamento da situação, motivando o aumento de invasões e a

construção de mais obras clandestinas na área afetada, ampliando,

ainda mais, os futuros problemas sociais.

6. A CONVERSÃO DA REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM


INDENIZATÓRIA

Este estudo visa analisar a possibilidade de conversão da Ação

de Reintegração de Posse por Indenização em decorrência da

desapropriação indireta nas áreas de ocupação irregular do Município

de Mariana.

Diante de todo o exposto apresentado neste artigo, verifica-se

que as áreas de ocupação irregular, por pessoas de baixa renda, aqui

tratadas, se referem a propriedades privadas que foram invadidas.

601
Constatada a invasão, o proprietário recorre às forças de

segurança requisitando o registro da Ocorrência Policial e, uma vez não

resolvida a situação de imediato, este ingressa com a respectiva Ação

de Reintegração de Posse, transferindo-se ao Poder Judiciário uma

atuação para se buscar o reestabelecimento e a garantia do direito à

propriedade previsto na Carta Magna de 1988, visto que diante do

cenário apresentado o proprietário, por seu esforço próprio, não

consegue se manter na posse.

Em decorrência de um longo período na tramitação do processo

de reintegração de posse, gradativamente, a situação vai se agravando

e aumentando a cada dia o número de ocupantes e construções

clandestinas.

Em algumas sentenças de primeira instância, decide-se, em sede

de liminar, pela demolição das edificações irregulares. Contudo, na

maioria das vezes, quando notificados os ocupantes, estes recorrem às

instâncias superiores que suspendem a decisão sob argumento da

possibilidade de danos irreversíveis, adiando tais decisões para quando

do julgamento de mérito.

Essa situação contribui de forma inequívoca para o agravamento

e a consequente consolidação de muitas unidades familiares que

passam a residir na área invadida. O crescimento da ocupação irregular

vai ganhando proporções incontroladas pelo poder público que carece

de uma fiscalização mais eficiente, surgindo edificações em locais de

602
risco, impróprios para a permanência de pessoas. Apesar das

notificações iniciais pelo ente público, determinando a paralisação

imediata das construções e retirada dos invasores destas áreas, ocorre a

desobediência e resistência, inclusive com construções sendo erguidas

na clandestinidade, durante madrugadas, em regime de mutirão,

objetivando driblar os órgãos fiscalizadores. Muitas dessas áreas

invadidas, sendo propriedade privada, são desprovidas de vigilância e

controle por parte de seus proprietários, inclusive com ausência de

cercamento e demarcação de limites, fato que motiva e facilita ainda

mais o crescimento desordenado.

Diante das sentenças judiciais, determinando a retirada de

invasores e desocupação de áreas afetadas, atribui ao Oficial de Justiça,

apoiado por força policial, quando necessário, o cumprimento da

ordem, vencendo-se mais uma etapa do processo.

Dada a complexidade encontrada na propriedade a ser

reintegrada, as partes envolvidas no cumprimento da sentença acabam

por postergar a execução, sob alegação de diversas dificuldades

efetivamente implantadas, em especial a consolidação de inúmeros

núcleos familiares formados por pessoas de baixa renda.

Apesar da obrigação jurídica imposta para o cumprimento da

sentença, a realidade se mostra bastante diferente e os problemas

sociais se arrastam, acarretando consequentes obstáculos à demanda.

603
Na expectativa de uma solução mais pacífica e próxima da

realidade social, quando no julgamento dos recursos, preliminarmente,

as cortes têm reconhecido o agravamento dos aspectos sociais,

conforme já mencionado, e suspendendo efeitos de liminares de

primeira instância que determinam a imediata desocupação e

demolição das edificações irregulares.

Neste momento, quando ainda não se espelhava a existência de

interesse social, este agora passa a fazer parte do cenário real da área

em conflito.

Por um lado, se mostra a obrigação de se restituir a propriedade

ao seu legítimo proprietário, em outra vertente a complexidade de

fatores que surgiram no decorrer do processo e que agora implicam em

obstáculos e dificuldades ao resultado que se busca alcançar para

finalização da demanda judicial.

No decorrer do tempo, mesmo que de forma irregular,

apareceram obras públicas, ainda que emergenciais, sob a justificativa

de prevenção e proteção às famílias instaladas nas áreas de

vulnerabilidade.

Com o objetivo de garantir as mínimas condições de segurança

e sobrevivência das pessoas em áreas irregulares, proporcionando o

mínimo de dignidade, enquanto não se decide judicialmente a

demanda, surge, de maneira inquestionável, a obrigação, por parte da

Administração Pública, em atender às necessidades básicas e reduzir a

604
vulnerabilidade social. Temos como uma das principais necessidades o

acesso às edificações, possibilitando a entrada e a saída com segurança

em casos de emergência.

Findando o processo na reintegração da posse, o que se depara

é com uma verdadeira consolidação da ocupação, atualmente com a

permanência de vários núcleos familiares, predominantemente formado

em sua maioria por pessoas de baixa renda.

O Poder Público não pode se furtar da obrigação de garantir os

direitos fundamentais das pessoas em situação de vulnerabilidade, sob

pena de responsabilização, agravada pelo resultado.

Depois de consolidada uma ocupação irregular por pessoas de

baixa renda, é presumida a necessidade e urgência de determinadas

intervenções pelo poder público, com a finalidade de prevenção contra

possíveis sinistros ou tragédias em decorrência de pontos críticos e

áreas de risco iminente. Algumas dessas intervenções somente são

possíveis com a inevitável construção de obras, como por exemplo:

ampliação de acessos, pontes, pinguelas, muros de contenção,

saneamento, sinalizações e outras.

Com a realização de obra pública, em propriedade privada, surge

a inviabilidade de haver a reintegração de posse, com fundamento no

artigo 35 do decreto lei nº 3.365/1941 que prevê a impossibilidade dos

bens expropriados, incorporados à Fazenda Pública, serem objeto de

605
reivindicação, restando ao expropriado a possibilidade de indenização

em perdas e danos.

Em análise ao histórico do município de Mariana, em relação às

ocupações irregulares, conclui-se que diversos bairros se originaram de

invasões, existindo até o presente momento, muitos moradores ainda

sem o registro de seu imóvel, considerando pendências diversas na

regularização do conjunto habitacional. Essa realidade acaba por

incentivar a criação de novas ocupações e um crescimento desordenado

do município, movido pela esperança dos ocupantes de que no futuro

terão a propriedade do imóvel regularizada.

É partindo dessa premissa que o presente estudo busca uma

exceção no cumprimento de Ações de Reintegração de Posse, focando

na possibilidade de conversão da Ação de Reintegração de Posse por

indenização em decorrência da Desapropriação Indireta nas áreas de

ocupação irregular no município de Mariana.

É notório que a regra comporta exceções. Por um lado, a

Administração Pública fica impedida de executar uma obra em terreno

particular, sem observância dos procedimentos legais em relação à

desapropriação por utilidade ou necessidade pública ou interesse social,

com prévia e justa indenização. Em outra vertente é possível se discutir

a realização de obras emergenciais e necessárias, em caráter preventivo,

garantindo-se as mínimas condições básicas à saúde e segurança,

visando o bem-estar social das famílias.

606
Partindo-se da normativa, de que o bem expropriado não

poderá ser objeto de reivindicação, quando incorporado à Fazenda

Pública, esta característica resta configurada quando a administração

pública realiza obras, ainda que emergências e necessárias, nas áreas de

ocupação irregular. Na letra fria da lei paira o entendimento de que,

diante do acima exposto, o expropriado não podendo rever o objeto em

questão, resta-lhe a possibilidade de indenização.

O que se observa na prática é a pura realidade de serem essas

áreas renegociadas entre o Poder Público e proprietário expropriado,

buscando uma alternativa de se resolver a permanência dos ocupantes,

mediante uma indenização pela desapropriação indireta e posterior

urbanização em decorrência do superveniente interesse social.

Em busca de uma argumentação jurisprudencial, tem-se o

entendimento pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe e Superior

Tribunal de Justiça, com fundamento nos princípios da celeridade e

economia processuais, de que se torna possível a conversão da ação

reivindicatória em indenizatória por desapropriação indireta, havendo o

pedido. (Acórdão: 201313330 – Apelação Cível 5812/2013 – Processo:

2013213583)

Baseado no entendimento do Superior Tribunal de Justiça,

permitindo até de ofício, possível se torna a conversão da ação de

reintegração de posse em pedido de indenização, em decorrência de

desapropriação indireta, quando configurada a impossibilidade de

607
devolução do bem pelo ente público, uma vez afetado o imóvel a um

fim público.

A decisão, no julgamento do REsp 144244/AC, Rel. Ministro

GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07/12/2017, DJe

15/02/2018), também vem confirmar a possibilidade da conversão da

Ação de Reintegração de Posse em Indenização, decorrente da

desapropriação indireta. Vejamos:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO.


REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CASO CONCRETO.
IMPOSSIBILIDADE. INVASÃO DO IMÓVEL POR
MILHARES DE FAMÍLIAS DE BAIXA RENDA.
OMISSÃO DO ESTADO EM FORNECER FORÇA
POLICIAL PARA O CUMPRIMENTO DO
MANDADO JUDICIAL. APOSSAMENTO
ADMINISTRATIVO E OCUPAÇÃO
CONSOLIDADA. AÇÃO REINTEGRATÓRIA.
CONVERSÃO EM INDENIZATÓRIA. POSTERIOR
EXAME COMO DESAPROPRIAÇÃO JUDICIAL.
SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO E SOCIAL
SOBRE O PARTICULAR. INDENIZAÇÃO.
RESPONSABILIDADE DO ESTADO E DO
MUNICÍPIO. JULGAMENTO EXTRA PETITA E
REFORMATIO IN PEJUS. NÃO
OCORRÊNCIA.LEGITIMIDADE AD CAUSAM.
JUSTO PREÇO. PARÂMETROS PARA A
AVALIAÇÃO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.

608
CÁLCULO DO VALOR. LIQUIDAÇÃO DE
SENTENÇA7. (BRASIL; STJ, 2018, n.p.)

Conforme se extrai do presente julgado, verificando-se no caso

concreto a impossibilidade de devolução da posse ao proprietário, será

lícito ao Magistrado converter a ação reintegratória em indenizatória,

diante da constatação de intervenção do ente público na propriedade,

caracterizando-se a desapropriação indireta.

Referendando este entendimento, o Superior Tribunal de Justiça,

manifesta-se favorável a essa conversão, em respeito aos princípios da

celeridade e economia processuais, assegurando ao expropriado a

indenização correspondente à restituição do bem. O que se encontra na

prática é que o cumprimento de decisões dessa natureza se arrasta por

um longo período.

O Poder Público não pode se furtar da obrigação de garantir os

direitos fundamentais das pessoas em situação de vulnerabilidade, sob

pena de responsabilização, agravada pelo resultado.

Depois de consolidada uma ocupação irregular por pessoas de

baixa renda, é presumida a necessidade e a urgência de determinadas

intervenções pelo poder público, com a finalidade de prevenção contra

possíveis sinistros ou tragédias em decorrência de pontos críticos e

áreas de risco iminente. Algumas dessas intervenções somente são

7
REsp 1442440/AC, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em
07/12/2017, DJe 15/02/2018.
609
possíveis com a inevitável construção de obras, como por exemplo:

ampliação de acessos, pontes, pinguelas, muros de contenção,

saneamento, sinalizações e outras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No processo de desapropriação, temos como regra a declaração

de necessidade ou utilidade pública ou interesse social, podendo ser

efetivada mediante prévia indenização justa.

Ocorrendo a ocupação irregular e estando o imóvel afetado à

prestação de serviço público, restará configurada a desapropriação

indireta, inviabilizando a pretensão reivindicatória do bem, cabendo ao

proprietário indevidamente expropriado buscar o ressarcimento por

perdas e danos. Nesse entendimento, havendo a apropriação da área

pelo município, mediante a realização de obras públicas, não se

mostraria lícito ao juízo decidir pela reintegração da área afetada por

vedação expressa no art. 35 do Decreto-Lei nº 3.365/41 já mencionado.

No momento da propositura da ação de reintegração de posse,

o autor ainda não tem como prever que a retomada do bem poderá ser

frustrada, dada a inexistência, nesse instante, de interesse público ou

social, estando a propriedade sendo invadida por pessoas diversas.

Depois de consolidada a permanência de núcleos familiares, composto

por pessoas de baixa renda, indiscutivelmente, surge a necessidade de

610
algumas intervenções pelo poder público, ainda que na realização de

obras emergenciais com a finalidade de minimizar possíveis riscos à

integridade das pessoas ocupantes que permanecem no local em

condições precárias. Partindo dessa premissa, e comprovada a

realização de obras públicas, portanto, a composição dos prejuízos

sofridos pelo expropriado só será possível mediante a conversão em

perdas e danos, pleiteando assim por uma indenização.

Comprovada a intervenção do ente público na realização de

quaisquer obras, como ampliação de acesso, muros de contenção, a fim

de prevenir contra riscos iminentes, entende estar configurada uma

desapropriação indireta.

A determinação em sentença judicial para a reintegração de

posse, em muitos casos práticos, encontra obstáculos dos mais diversos

níveis, desde a omissão do Estado em fornecer força policial para

desocupar a área afetada, como também aspectos sociais que dificultam

o seu cumprimento, entre eles: realocação de famílias de baixa renda,

idosos e crianças em estado de vulnerabilidade, consolidação de

unidades familiares, com a presença de obras públicas.

Somado a esse acontecimento e ancorando no entendimento

trazido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por ocasião do

julgamento da Apelação Cível AC10398160000509001-MG:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE


POSSE. IMÓVEL AFETADO À PRESTAÇÃO DE

611
SERVIÇO PÚBLICO. CONVERSÃO DO PEDIDO
REINTEGRAÇÃO EM INDENIZATÓRIO.
DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. POSSIBILIDADE.
Na esteira do entendimento do Superior
Tribunal de Justiça, é possível a conversão da
ação de reintegração de posse em ação de
indenização por desapropriação indireta,
quando configurada a destinação pública da
área objeto da demanda, em observância dos
princípios da celeridade e economia processual.
(BRASIL; STJ, 2018, n.p.)

Concluindo a exposição dos fatos trazidos em relação às

ocupações irregulares instaladas no Município de Mariana, chega-se ao

consenso jurisprudencial de que as ações sentenciadas com

determinação de reintegração de posse, quando constatada de forma

efetiva a presença de obras públicas, caracterizando a desapropriação

indireta, poderão ser convertidas em indenizatórias, passando a integrar

no polo passivo o ente público causador, com solução resolutiva

amparada no art. 35 do Decreto-Lei nº 3.365/1941.

Enquanto não se cumpre a reintegração de posse, determinada

judicialmente, a parte autora permanece privada do seu direito de

utilizar sua propriedade. Em consequência da omissão do Estado em

combater as constantes invasões, estas se agravam a cada dia,

ampliando os problemas sociais para o município.

Para concluir, quando constatado o descabimento de devolução

do bem à parte autora, ao julgador não caberá outra decisão a não ser

612
pela margem de discricionariedade em converter a ação em

indenização, buscando-se adequar no princípio da proporcionalidade,

da razoabilidade e da segurança jurídica, em consequência de já estar

pública e notória a consolidação dos núcleos familiares com a realização

de obras e serviços de interesse social e econômico relevante. A decisão

pela via da indenização passa a contribuir com a pacificação social das

famílias que concretizam uma função social às terras em litígio,

utilizando-as como moradia, nascendo uma possibilidade na resolução

dos conflitos implantados e uma alternativa que venha a facilitar uma

indenização mais justa ao expropriado, com a finalização do processo.

REFERÊNCIAS

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm.
Acesso em: 5 out. 2022.

613
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1891. Disponível em:
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Acesso em: 5 out. 2022.

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Brasil. Brasília: Senado, 1988. Disponível em:
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Acesso em: 3 mai. 2022.

BRASIL. Decreto-Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial


da União. Código Civil. Brasília, DF, 2002.

BRASIL. Decreto-Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Diário Oficial


da União. Código de Processo Civil. Brasília, DF, 2015.

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941. Dispõe sobre


desapropriações por utilidade pública. Diário Oficial da União. Brasília,
DF, 1941.

BRASIL. Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017 – REURB. Dispõe sobre a


regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos
concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização
fundiária no âmbito da Amazônia Legal. Diário Oficial da União.
Brasília, DF, 2017.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AGRAVO REGIMENTAL NO


AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL Nº 18.092/MA, Ministro Humberto
Martins. Brasília, DF, 2011.

BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. REsp. 1.442.440/AC, rel. Min.


Gurgel de Faria, PRIMEIRA TURMA, 07/12/2017, Dje 15/02/2018. Brasília,
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614
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indireta e seu viés ilícito perante a Administração Pública. 4. ed. Rio de
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MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Processo


nº 5001499-94.2019.8.13.0400. Autora CMP Agricultura e Pecuária
Limitada. Reintegração de posse. 2019.
615
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Processo
nº 5000294-30.2019.8.13.0400. Autor Município de Mariana.
Reintegração/Manutenção de posse. 2019.

MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Processo


nº 5000946-13.2020.8.13.0400. Autora CMP Agricultura e Pecuária
Limitada. Reintegração de posse. 2020.

MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Agravo


de Instrumento-Cv nº 1.0400.17.0400.17.002918-7/001. 2017.

MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Processo


nº 0029187-87.2017.8.13.0400. Autor Município de Mariana.
Reintegração/Manutenção de posse. 2017.

ROSEVALD, Nelson. Direitos Reais. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,


2011.

SALLES, José Carlos de Moraes. Direito Administrativo Brasileiro.


2010.

616
ART. 140 – CRIME CONTRA A HONRA: INJÚRIA

Rayonne Massi Araújo1.


René Dentz2.
RESUMO:

Em se tratando de um suposto conflito, ou, colisão, entre os direitos


preceituados pelo art. 5°, ix, cf. (liberdade de expressão), em face do art.
5°, x e iv, cf. (mais atidamente no que se colaciona ao direito à honra).
Quais destes direitos, supracitados, devem preponderar? Tendo como
pressuposto a presente temática, algumas considerações de cunho mais
introdutórias, me parecem serem pertinentes. Posto que, buscar-se-á,
por meio deste, um maior aprofundamento e horizontalização sobre os
princípios e direitos que, de certo, se comunicam e se complementam.
Sem o qual, a negligência deste, acaba por trazer reflexos deletérios,
quanto à compreensão daquele.

DESENVOLVIMENTO

Nada obstante, espera-se que a partir de uma breve “genealogia

do saber”, possamos ensejar uma compreensão mais pormenorizada

sobre tal temática. Buscando-se, por óbvio, uma linearidade

argumentativa, em que se esteja disposta, uma certa “linearidade”

temporal, permitindo ao examinador, neste caso, à brilhante

examinadora, se situar, dentro do recorte temporal empreendido, de

1
Graduando do 9° período. Bacharelado em Direito, FUPAC-Mariana/MG.
2
Professor da PUC-Minas e da FUPAC-Mariana; Pós- Doutorado pela Université de
Fribourg/Suíça; Psicanalista.

617
modo a que se possa, sem perder a dimensão da amplidão envolta

sobre a temática, trazer um conforto quanto à um início temporal, bem

como, o percurso a que se pretende trilhar, desaguando, por

conseguinte, não em um “fim”, por certo, mas a uma finalidade

decorrente do recorte conceitual, a que se optou.

Por conseguinte, podemos dizer, de modo a se responder a

indagação realizada, doravante, que, não haveria, nestes termos,

preponderância de um direito sobre o outro, qual sejam: o direito à

Honra, disposto pelo Art. 5°, X , IV, CF em detrimento à Liberdade de

Expressão, preceituado pelo Art. 5°, IX, CF., e vice-versa. Mas, in verbis,

dever-se-á guardar certa observância ao princípio elencado pela

Constituição de 1988, em que pese, o Princípio da Ponderação.

Assim sendo, observa-se que, por meio da Carta Cidadã de 1988,

a Constituição trouxe expressivos e, no meu entendimento, positivos

contributos quanto à efetivação do Estado democrático de Direitos.

Contributos estes, afeitos à forma-função do pensar e fazer, próprios

de uma sociedade democrática. Posto que, por meio desta, os

dispositivos legais, bem como, a forma de se compreender e executar,

tais pressupostos legais, “tornaram-se”, ou, ensejaram uma maior

sensibilização de toda uma sistemática jurisdicional.

À vista disso, a nossa constituição de 1988, trouxe uma tecitura

mais aberta, espelhando, por conseguinte, os aspectos fáticos da

sociedade, em que as leis deixam de ter um caráter, meramente,


618
formalista, passando-se, deste modo, a ser permeada por um sentido de

“justiça-material”. Sendo este, por conseguinte, um substrato da “vida,

vivida”, diferentemente, do que ocorria em tempos de outrora, em que

as leis, no mais das vezes, eram fruto de uma mera abstração,

homogeneizante.

Sendo assim, não há de se falar em um direito em detrimento do

outro, mas, dentro dos aspectos afeitos ao Princípio da Ponderação,

dever-se-á, diligentemente, observância aos elementos envoltos ao

caso concreto. Em que pese, as nuances e especificidades, atinentes ao

caso. Sendo necessário, para tanto, fundamental observância aos

princípios ora citados, quais seja: o princípio da proporcionalidade e

razoabilidade etc.

Dentre os direitos aqui elencados, a saber: (Liberdade de

Expressão) Art. 5°, IX, CF., e o (Direito à Honra) Art. 5°, X e IV, CF.,

observa-se, por meio dos noticiários, entrevistas etc., uma,

hipervalorização, do direito à Liberdade de Expressão. Sendo, por vezes,

“propalado”, por alguns meios de comunicação e, até mesmo, por parte

da sociedade, como sendo este, um direito absoluto.

Nada obstante, sobre a presente temática, como nos é

apresentado pelo eminente Ministro Gilmar Mendes, “a ideia de conflito

ou de colisão de direitos individuais comporta temperamentos. É que

nem tudo que se pratica no suposto exercício de determinado direito

encontra abrigo no seu âmbito de proteção”. A vista disso, podemos


619
interpretar, mediante ao pensamento do Ministro do STF, que os direitos

individuais não são absolutos, devendo-se, portanto, atenção e

observância ao próprio regramento jurídico e, claro! do bom senso.

Neste diapasão, e de maneira elucidativa, Bernardo Gonçalves

Fernandes, ilustre constitucionalista, nos apresenta a seguinte reflexão

sobre a temática, em que pese:

“Nesses termos, para a doutrina dominante, falar


em direito de expressão ou de pensamento não
é falar em direito absoluto de dizer tudo aquilo
ou fazer tudo aquilo que se quer. De modo
lógico-implícito a proteção constitucional não
se estende à ação violenta. Nesse sentido, para
a corrente majoritária de viés axiológico, a
liberdade de manifestação é limitada por outros
direitos e garantias fundamentais como a vida, a
integridade física, a liberdade de locomoção.
Assim sendo, embora haja liberdade de
manifestação, essa não pode ser usada para
manifestação que venham a desenvolver
atividades ou práticas ilícitas (antissemitismo,
apologia ao crime etc.)”.

Por meio deste prisma, por conseguinte, observa-se que o autor,

citado anteriormente, traz a lume uma compreensão de que a Liberdade

de Expressão, não seria um direito absoluto. Posto que, a este, não é

outorgado vilipendiar direitos e princípios, igualmente tutelados pela

Constituição de 1988, sob pena de se violar preceitos basilares e


620
fundantes, da nossa, ainda jovem, República Democrática de Direitos.

Acerca desta análise, o eminente Ministro, Gilmar Mendes, nos chama a

atenção para o fato de que,

“[…] o texto constitucional parece deixar claro


que a liberdade de expressão não foi concebida
como direito absoluto, insuscetível de restrição,
seja pelo Judiciário, seja pelo Legislativo. Não se
excluindo a possibilidade de serem impostas
limitações à liberdade de expressão e de
comunicação, estabelecendo, expressamente,
que o exercício dessas liberdades haveria de se
fazer com observância do texto constitucional.
Não poderia ser outra a orientação do
constituinte, pois, do contrário, outros valores,
igualmente relevantes, quedariam esvaziados
diante de um direito absoluto e insuscetível de
restrição”.

Ipsis verbis, em se tratando da temática afeita a uma concepção


de absolutização do direito à Liberdade de expressão, notória

interpretação nos é apresentada pelo egrégio filósofo e jurista, Robert

Alexy, que nos chama a atenção para o fato de que “o direito de

liberdade de expressão – assim como os demais direitos fundamentais

– deve ser entendido como princípio constitucional, norteador da

hermenêutica jurídica”.

621
Entrementes, a ideia oportunizada pelo notório Filósofo do

Direito, traz um novo “frescor” para a discussão, uma vez que, desmonta,

a partir da concepção hermenêutica, a ideia de um direito como um fim

em si mesmo. Ensejando, pelo contrário, uma concepção que, sem

rejeitar o direito posto, se debruça na contextualização fática do caso. O

que comportaria, por sua vez, interpretações, “gradações”

argumentativas etc., de modo a que se busque, por meio da

concatenação, razoável e lógica das ideias, dilatar a compreensão sobre,

o que estaria adstrito ou não, mediante a uma determinada norma

jurídica. O que fugiria, por óbvio, à cômoda interpretação de um direto,

hermético.

Robert Alexy defende a liberdade de expressão como uma forma

de assegurar que a sociedade como um todo tenha liberdade para

debater e discutir as questões mais relevantes em pauta. Para ele, o

controle de determinadas expressões poderia restringir aumentar o

controle do Estado, limitar a capacidade de ação dos cidadãos e impedir

o desenvolvimento pleno e livre da sociedade. Além disso, mesmo que

algumas expressões possam conter conteúdos ofensivos, Alexy acredita

que a eliminação destas formas de expressão teria um impacto muito

maior e prejudicial do que as permitir, permitindo ainda que gerar

debates e desenvolvimento mais saudáveis e positivos.

Ronald Dworkin considera a liberdade de expressão como um

direito fundamental que envolve a liberdade de expressar opiniões,


622
ideias e crenças sem temer a censura do governo. Ele destaca a

importância da liberdade de expressão como mecanismo de indução à

democracia e à igualdade, ao afirmar que, ao garantir o direito de

expressão, o Estado tem o dever de poupar o indivíduo de ser impedido

de expressar suas opiniões pessoais e compartilhar seu conhecimento e

entendimento. Para ele, a censura governamental torna os indivíduos

amedrontados e impede o progresso da sociedade. Em sendo assim, a

liberdade de expressão é uma dimensão essencial na realização da

igualdade política. Além disso, ele considera que a liberdade de

expressão também pode desempenhar um papel importante na

proteção de outros direitos fundamentais, como a liberdade de

sindicalização, de reunião pacífica e de associação. Dworkin argumenta

que a liberdade de expressão é importante para preservar a liberdade,

os direitos e a dignidade humanas, e que os indivíduos têm o direito de

expressar suas opiniões sem temer represálias. Ele acredita que a

censura governamental dificulta o processo de tomada de decisões

racionais e responsáveis em democracias, pois limita a liberdade de

pensar e de expressar livremente suas opiniões.

Afeita, portanto, à uma concepção hermenêutica do sistema

jurisdicional e, por conseguinte, dos dispositivos legais, na qual a

Constituição de 1988 nos parece tutelar. Não podemos perder de vista,

no entanto, que, mesmo que se exista um liame subjetivo, quanto às

interpretações do caso concreto, em face de um dispositivo legal, que


623
pressuponha uma maior discricionariedade argumentativa. Tornar-se-ia,

deveras descuidado, por parte deste estudante de direito, não

considerar algumas técnicas que são utilizadas, em uma compreensão

pessoal, como “verniz” de segurança jurídica, cujo objetivo, pretende-

se, tornar as decisões prolatadas, menos permeáveis às paixões

humanas, no que desrespeito à ponderação.

Data vênia, em se tratando de uma suposta colisão entre o


Direito à Liberdade de Expressão e o Direito à Honra, grande

importância tem sido atribuída à teoria alemã, dos Círculos

Concêntricos. Sendo esta considerada, por grande parte dos

doutrinadores, uma importante ferramenta de ponderação analítica,

para que se possa chegar a “bom termo”, sobretudo, aos aspectos

relacionados aos direitos da personalidade (Art. 5°, X, CF), quando em

colisão com os demais direitos.

Afeita à teoria supracitada, Carlos Frederico Barbosa Bentivegna,

nos alerta sobre a importância de considerá-la, quando se tratar da

proteção à honra, à imagem, à intimidade e à privacidade. Uma vez que,

com base na ideia de um círculo, temos que: “o maior deles seria a esfera

privada , em seguida a esfera da intimidade e, finalmente, como o mais

estreito dos círculos concêntricos, a esfera do segredo”.

Em síntese, portanto, podemos dizer que, (com relação aos

direitos da personalidade, em consonância com a Teoria do Círculos

Concêntricos), maior será a proteção daqueles direitos que estiverem,


624
contidos, no maior círculo e, por conseguinte, menor proteção será

destinada aos direitos que, por sua vez, estiverem contidos no círculo,

menor.

O ilustre autor e jurista Carlos Frederico Barbosa Bentivegna,

mesmo tendo como pressuposto referencial, a Teoria do Círculo

Concêntrico. Nos proporciona uma interpretação que vai além daquela

encerrada pela teoria alemã. Posto que, parte de uma compreensão

empírica, colimada com a teoria referencial, sobre o tema, ensejando,

portanto, uma nova interpretação sobre os aspectos que devem ser

sopesados, no que concerne à uma suposta relativização dos Direitos da

Personalidade.

Neste ínterim, nos apresenta os elementos a serem levados em

consideração na ponderação, em que pese:

“1) a redução da esfera de proteção dos direitos


da personalidade de pessoas notórias; 2) a
vedação do discurso de ódio; 3) o direito ao
esquecimento; 4) o animus jocandi e 5) a
redução da esfera de proteção dos direitos da
personalidade do criminoso e do acusado do
cometimento de crime”.

De maneira justaposta ao que fora apresentando, por

Bentivegna, cabe menção a decisão do HC 78426, Rel. Min. Sepúlveda

Pertence, Primeira Turma, DJ 07-05-1999. Cuja decisão deste Tribunal,

625
considerou, por exemplo, “ que o maior ou menor grau de exposição

pública da vítima é critério relevante para aferição de possível lesão à

honra e para a definição do limite à liberdade de expressão”.

Ainda sobre este aspecto, cabe destaque a manifestação do

excelentíssimo senhor Ministro do STF, Luiz Roberto Barroso, que, à luz

da constituição nos adverte sobre o fato de que,

“na colisão entre a liberdade de informação e de


expressão e os direitos da personalidade os
critérios de ponderação a serem verificados no
caso concreto são os seguintes: [...] a veracidade
do fato, a licitude do meio empregado na
obtenção da informação, a personalidade
pública ou estritamente privada da pessoa
objeto da notícia, o local do fato, a natureza do
fato, a existência de interesse público na
divulgação, especialmente quando o fato
decorra da atuação de órgãos ou entidades
públicas, e a preferência por medidas que não
envolvam a proibição prévia da divulgação”.

É imperativa a compreensão, por meio da doutrina majoritária,

de que

“a função precípua do Direito Penal é a proteção


de bens jurídicos, isto é, dos valores
fundamentais, mais importantes para a
coletividade que, ao serem tutelados pelo

626
Direito Penal, são elevados à categoria de bens
jurídicos penais”.

Segundo o entendimento do jurista alemão, Hans Welzel, o “bem

jurídico” pode ser definido como sendo um bem “vital do grupo ou do

indivíduo, que em razão de sua significação social, passa a ser protegido

juridicamente”.

Isto posto, cabe ao Direito Penal, “a tarefa de selecionar os

comportamentos humanos mais graves e danosos à sociedade e

tipificá-los como ilícitos penais […]”. Buscando-se, deste modo, a

proteção dos “valores fundamentais do corpo social”, como por

exemplo, a vida, a liberdade, o patrimônio e a honra. Sim, A honra!

Tem-se, portanto, a partir do que nos fora apresentado, a

percepção de que certos bens jurídicos, considerados pela coletividade

como “mais importantes”, terão a tutela do Direito Penal. Certa feita,

dentro desta conjectura, poderíamos nos indagar sobre a pertinência

em se considerar o Direito à Honra, como um “direito vital”, e, portanto,

amparado por este Direito.

Segundo o jurista Luiz Régis Prado, a Honra deve ter este

reconhecimento, por se tratar de um direito fundamental, decorrente do

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Já que, por meio dele,

“reconhece-se que cada pessoa é dotada de um


valor em si mesma e merecedora de respeito

627
simplesmente por ser humana,
independentemente do cumprimento de
qualquer condição, constituindo atributo
ontológico do homem como ser integrante da
espécie humana”.

Desta maneira, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e,

por consequência, o Direito à Honra, relaciona-se com a própria

essência do homem, garantindo-lhe, por conta disso, “tríplice proteção,

sendo tutelada pelo direito constitucional, pelo direito civil e pelo direito

penal”.

Em se tratando de uma conceituação referente à Honra, o

distinto jurista, Magalhães E. Noronha, nos apresenta uma interpretação,

que me parece pertinente, posto que, segundo ele, a Honra seria um

“complexo ou conjunto de predicados ou condições da pessoa que lhe

conferem consideração social e estima própria”. Em interpretação

similar, Paulo Lúcio Nogueira, parte do princípio de que Honra seria “um

atributo da pessoa, estando de tal modo ligada e vinculada à

personalidade que lhe dá a dimensão moral do seu valor na sociedade”.

Tendo-se em conta a interpretação que nos fora apresentada

pelos eminentes juristas, mediante ao parágrafo anterior, ao que tange

o conceito relacionado à Honra, algumas ponderações nos parecem ser

pertinentes, a saber: 1) o Direito à Honra abarcaria uma concepção mais

objetiva, qual seja atrelada à imagem do sujeito, na sociedade 2) de

628
outro lado, também está implícita uma característica, de cunho mais

subjetiva, deste direito. Posto que, a sua tutela não visa somente a

proteção da imagem do indivíduo perante a sociedade, mas também, a

sua condição de ser humano, deve ser protegida e respeitada, em

atenção ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Nada obstante, a Honra poderia ser conceitualmente

compreendida, como sendo o gênero de três espécies, em que pese,

a) calúnia; b) difamação e, c) injúria. Sobre uma compreensão histórica

acerca da temática, o jurista e escritor, Juarez Tavarez, nos adverte para

o fato de que,

“embora os crimes de calúnia, difamação e


injúria constassem implicitamente na ampla
noção romana de injuria, somente foram
reconhecidos como três espécies distintas de
delitos pelo direito francês em 1881, com as
modificações introduzidas na Lei de Imprensa
em 29 de julho daquele ano.

Sendo assim, poderíamos dizer que os crimes contra a Honra,

são aqueles nos quais o bem jurídico tutelado é a Honra do indivíduo,

quer seja ela na sua dimensão objetiva ou mesmo, subjetiva.

Tomando-se como base os crimes contra à Honra, podemos

classificá-las da seguinte forma, a calúnia e a difamação, como

elementos objetivos da Honra, em que se busca tutelar a imagem do

indivíduo, perante a sociedade e, o crime de injúria, donde, se busca

629
tutelar a honra subjetiva, ou seja, tem-se por resultado a busca por

atingir a pessoa, na sua subjetividade e pessoalidade. Certa feita, a

presente ofensa não se trata de um “FATO, mas da emissão de um

conceito depreciativo sobre o ofendido (piranha, fedorento, safado,

etc.)”.

Tutelado pelo Código Penal, o crime de injúria está preceituado

pelo Art. 140, do CP., em que nos traz a seguinte redação: “Injuriar

alguém, ofendendo lhe a dignidade ou o decoro: Pena - detenção, de

um a seis meses, ou multa”. Todavia, diferentemente dos demais, é

necessário que a própria vítima tome conhecimento das ofensas.

Sobre o crime de injúria, fato curioso nos é apresentado pelo O

§ 1°, em que o próprio texto legal, admite-se, em certos casos, a figura

do Perdão Judicial. Como se segue:

§ 1o - O juiz pode deixar de aplicar a pena:


I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou
diretamente a injúria;
II - no caso de retorsão imediata, que consista em
outra injúria.

Ou seja, nos casos em que haja a provocação e a retorsão.

Em se tratando do crime de injuria, especial atenção deve ser

dada ao § 2°, do Art. 140, CP., que dispõe sobre a Injúria Real, em que,

630
por meio do contato físico, o agente tem os ânimos de humilhar o

ofendido, (tapa na cara humilhante, por exemplo).

§ 2° - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato,


que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se
considerem aviltantes:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa,
além da pena correspondente à violência.

Por fim, e de maneira ainda mais reprovável, o § 3°, do Art. 140,

CP., dispõe sobre a figura da Injúria Racial. Sendo esta uma modalidade

de injúria para a qual a lei prevê uma pena mais grave, em razão da

maior reprovabilidade da conduta.

§ 3 o Se a injúria consiste na utilização de elementos


referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a
condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:
(Redação dada pela Lei no 10.741, de 2003)
Pena - reclusão de um a três anos e multa. (Incluído
pela Lei no 9.459, de 1997)

Destarte, sobre esta modalidade de crime contra a honra, a

saber, Injúria Racial, é importante se ater ao fato de que a intenção do

agente, é a de ofender. Não devendo-se confundir com o crime de

racismo, “no qual o infrator pratica uma espécie de segregação, de

631
forma a marginalizar determinada pessoa em razão de alguma condição

pessoal (Crimes da Lei 7.716/89)”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sendo assim, tem-se em conta que os direitos fundamentais

positivados na Constituição não são absolutos, encontrando seus limites

nos demais valores fundamentais expressos no texto constitucional.

Posto que, por meio desta narrativa, a liberdade de expressão, como

preleciona o jurista Paulo Henrique Burg Conti,

“encontra limites nos direitos à honra, à


intimidade, à imagem e à vida privada, que, além
de encontrarem-se protegidos pelo texto
constitucional de maneira positiva, como
direitos fundamentais, também são assegurados
de maneira negativa, funcionando como limites
a outros direitos desta espécie”.

No entanto, assim como a Liberdade de Expressão encontra os

seus limites, não seria diferente com os diretos atrelados à

personalidade, dentre eles, o Direito à Honra. Em que, segundo Conti,

duas seriam as hipóteses, admitidas, em que o Direito à Liberdade de

Expressão, prevaleceria em relação aos diretos da personalidade, quais

632
sejam, na hipótese de aplicação da exceção de verdade ou, quando

houvesse, manifesto, interesse público.

REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Salvador: Jus


Podivm, 2018.

Conti, Paulo Henrique Burg. Aborto eugênico: aspectos éticos e


jurídico-penais em face da Constituição Federal / Paulo Henrique
Burg Conti. – Porto Alegre, 2008.

BENTIVEGNA, Carlos Frederico Barbosa. Revista Consultor Jurídico, 11


de fevereiro de 2022. Disponível em: <www.conjur.com.br>

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do


Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal.


Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 78426, Rel. Min. Sepúlveda


Pertence, Primeira Turma, DJ 07-05-1999.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl 28747 AgR, Redator p/


Acórdão: Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 12-11-2018 e Rcl 22328,
Relator(a): Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 10-05-2018.

DWORKIN, Ronald. O direito da liberdade. São Paulo: Martins Fontes,


2006.

633
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. 3.
ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

NORONHA, E. Magalhães. Direito penal: parte geral. 25 ed. São Paulo:


Saraiva, 1987, v. I.
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal brasileiro: parte geral; 8ª.
Ed; Revista dos Tribunais: São Paulo, 2008

TAVARES, Juarez. Espécies de dolo e outros elementos subjetivos do


tipo; Revista da Faculdade de Direito do Paraná: Curitiba, pp. 107 119.
(Disponível em: https://revistas.ufpr.br/direito/article/view/7199/5150)

WELZEL, Hans. O Novo Sistema Jurídico-Penal: Uma introdução à


doutrina da ação finalista; Trad. Luiz Regis Prado; 4ª Ed.; Editora Revista
dos Tribunais: São Paulo, 2015.

634
INDIGNIDADE E EUTANÁSIA

Rayonne Massi Araújo3


René Dentz4
RESUMO:

A indignidade sucessória é a privação do direito de herança, de quem


comete determinado ato, ou atos ofensivos contra o autor da herança
ou ao interesse do hereditando. Neste sentido, o presente trabalho
realizará, uma breve análise sobre as questões incidentes do instituto da
eutanásia e suas influências, nos estudos sobre a indignidade sucessória.

DESENVOLVIMENTO:

Segundo o eminente jurista e professor, Rogério Greco, a

epistemologia da palavra eutanásia, significa “boa morte”. É o antônimo

de distanásia, consiste em pôr fim à vida de alguém, cuja recuperação é

de dificílimo prognóstico, mediante o seu consentimento expresso ou

presumido, com a finalidade de abreviar-lhe o sofrimento. Troca-se, a

pedido do ofendido, uma dolorosa existência por uma cessação

imediata da vida, encurtando sua aflição física.

Fato é, que apresente discussão, associada à “eutanásia”, traz em

seu bojo, uma série de questões complexas e controversas, posto que,

ensejam discussões de cunho ético, moral, religiosas etc., necessitando,

3
Graduando do 9° período. Bacharelado em Direito, FUPAC-Mariana/MG.
4
Professor da PUC-Minas e da FUPAC-Mariana; Pós- Doutorado pela Université de
Fribourg/Suíça; Psicanalista.

635
por conseguinte, de uma discussão mais aprofundada e atenta, por

parte do legislativo, judiciário, intelectuais, sociedade civil organizada,

entre outros. Para que, assim sendo, se possa equacionar e sopesar, com

máxima seriedade, os casos decorrentes da “livre manifestação

consciente de vontade”, bem como, aqueles que derivem de um senso

de “solidariedade”.

Como mencionado, para muitos autores, tal feito configura-se

como um ato de “solidariedade” com o próximo, na medida em que,

com auxílio de um “terceiro”, busca-se atenuar a dor, a aflição física,

mental e psicológica de uma pessoa.

Contudo, para a doutrina e jurisprudência dominantes aqui no

Brasil, esse instituto é considerado como um ato homicida,

caracterizando a indignidade sucessória, pois ele recai sobre o Art.

1814, I do CC.

Deste modelo, em se tratando da doutrina majoritária, bem

como, pela jurisprudência pátria, tem-se o entendimento de que, aquele

que comete a eutanásia, será considerado, como um homicida,

especificamente, caracterizando o homicídio privilegiado, com base no


parágrafo 1°, Art. 121, CP - por relevante valor moral.
Trazendo tal entendimento, mencionado no parágrafo anterior,

para a temática dá “indignidade”, é importante uma observação mais

atenta, ao que se encontra prelecionado pelo Art. 1.814, do CC., uma vez

636
que, trata-se dos modos de exclusão do direito de suceder por

indignidade, em que pese:

Art. 1.814. São excluídos da sucessão os


herdeiros ou legatários:
I - que houverem sido autores, coautores ou
partícipes de homicídio doloso, ou tentativa
deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar,
seu cônjuge, companheiro, ascendente ou
descendente;
II - que houverem acusado caluniosamente em
juízo o autor da herança ou incorrerem em crime
contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou
companheiro;
III - que, por violência ou meios fraudulentos,
inibirem ou obstarem o autor da herança de
dispor livremente de seus bens por ato de última
vontade.

Desta feita, é necessário que o ato seja, por exemplo, um

atentado contra a vida, contra a honra e/ou, contra a liberdade de testar

do autor da herança.

Nesta esteira, como sugere Beviláqua, a indignidade seria,

portanto, “a privação do direito, cominada por lei, a quem, cometeu

certos atos ofensivos à pessoa ou ao interesse do hereditando”.

2.1 Exclusão da capacidade sucessória

637
Como prelecionado por Sílvio de Salvo Venosa, “a capacidade de

suceder é a aptidão para se tornar um herdeiro ou legatário numa

determinada herança”, neste ínterim, o momento se concretiza quando

ocorre a morte do de cujus. Conforme exposto no Art. 1.798 do Código


civil (CC).

Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas


nascidas ou já concebidas no momento da
abertura da sucessão.

Outrossim, a falta de legitimidade para suceder é definida, por

alguns autores, como “a ausência de legitimação para suceder como a

inaptidão de alguém para receber a herança”.

2.2 Indignidade sucessória e deserdação: principais diferenças

Apesar de serem institutos que contêm grandes semelhanças,

são institutos distintos.

A primeira área de análise diz respeito ao elemento vontade por

parte do de cujus, ou seja, na indignidade essa vontade é presumida,

pois, está expressa em lei, já na deserdação a vontade do testador deve

ser expressa, isto é, uma advém da norma, enquanto outra se

fundamenta na vontade do autor da herança.

638
Como se pode observar, ambas decorrem da legislação, porém,

na própria lei se observa a segunda distinção, posto que, na indignidade

sucessória encontra-se como fonte de punição a lei, ou seja, “deve-se

ter o devido processo legal, com fundamento nas hipóteses do art. 1814

do CC, e após uma sentença declaratória”, enquanto que na deserdação

a pena é aplicada pelo próprio autor da herança, que o faz por meio de

“testamento ao sucessor que tenha praticado atos reprováveis,

geralmente ações expressas nos artigos 1.814, 1.962 e 1.963 do Código

Civil”.

2.3 Eutanásia versus indignidade sucessória

Nesse contexto, percebe-se que existe um conflito entre o direito

à vida, em sua acepção geral, e o direito a dignidade da pessoa humana,

no que tange a escolha de ter uma vida digna.

Notadamente, o direito à vida não se encontra sozinho na

constituição, existem diversos direitos que são de suma importância

para a existência humana, uma vez que, não basta ter, é necessário,

também, viver e viver bem.

Eutanásia é o ato de fazer com que um doente ou alguém com

alguma doença incurável, sofrendo e sem esperança de melhora, acabe

com a sua vida de uma forma digna e controlada.

639
Peter Singer defende que os direitos à morte dignam são formas

válidas de autodeterminação para algumas pessoas e que a eutanásia é,

muitas vezes, uma forma razoável e moralmente adequada de se lidar

com dores debilitantes, sofrimentos insuportáveis e potencialmente

longas degradações físicas ou mentais.

Ele vê as questões ético-morais por trás da eutanásia como

sendo mais do que apenas uma questão de saúde. De acordo com ele,

a moralidade e a efetividade da eutanásia dependem fortemente do

contexto em questão, e a legítima desse ato deve ser mantida ao longo

de todos os indivíduos que sejam capazes de fazer escolhas racionais.

Singer também defende que, do ponto de vista prático, a

eutanásia é a forma mais humana, digna e responsável para se enfrentar

problemas de saúde que sejam quase certamente incuráveis, sofrimento

extremo. Para ele, a eutanásia deve ser um processo que seja fornecido

por uma equipe médica de acordo com a legislação estabelecida em

cada país e deve ser realizada com o consentimento livre, informado e

real daquela pessoa.

Tal reflexão se faz de suma importância, na medida em que irá

tratar sobre o que é visualizado como ato indigno, visto que, uma

interpretação literal do Art. 1.814 do CC, poderá corresponder a um

julgamento injusto, aos olhos sociais, para quem será penalizado por

esse ato. “Sua imagem social será sempre lembrada como um homem,

ou mulher que matou seu ente, por motivos meramente patrimoniais”.


640
Por esta senda, como sugere o jurista Fernando Capez, a

“aplicação da indignidade sucessória deve ser realizada de forma

minuciosa, pois, ao produzir a norma o legislador buscou afastar os

indignos e não os amigos”.

Dentre os doutrinadores que partilham do presente

entendimento (defendem a impossibilidade da aplicação da indignidade

sucessória nos casos de eutanásia), destaca-se o entendimento de Dolor

Barreira, em que advoga-se, para o fato de que,

“não deve ser excluído da sucessão o que


auxiliou o suicídio do de cujus, ou, a pedido
deste, lhe apressou a morte, para minorar-lhe os
sofrimentos. É que, em tal hipótese, desaparece
a razão da lei. Pois, ao invés de revelar o agente
do auxílio que lhe faltava amizade ao morto,
demonstrou tê-la em excesso, a ponto de se
expor a um processo e uma condenação
criminal.”

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com efeito, e com fundamento no posicionamento do jurista

espanhol Valle Muñiz (1989, p. 156), o tema exige um tratamento

jurídico, pois é indiscutível que os avanços na ciência e técnica médicas

permitem hoje a manipulação e a manutenção da vida até extremos

641
dificilmente qualificáveis como humanos, lançando luz ao binômio vida

e morte.

Desta feita, em uma frente, encontram-se os defensores da

eutanásia e do suicídio assistido, por entenderem que essas práticas

tornariam mais eficaz o direito de autonomia da pessoa

(consentimento), além de chancelar a vontade do paciente a uma morte

digna.

Doravante, de maneira contrária, sustenta-se a necessidade de

preservação e manutenção da vida humana, caracterizada como dever

do Estado e, portanto, numa escala superior à própria autodeterminação

da pessoa, o que evitaria, sobremaneira, possíveis abusos não apenas

na morte em si, mas no processo de morrer (SÁ, 2001, p. 69).

Ou seja, ambos os entendimentos têm em si, a sua razão de ser,

encontrando, deste modo, justificativas plausíveis. Porém, será

necessário, para um maior aprofundamento sobre a questão, que se

discuta, em algum momento, assim como o direito à vida, que encontra

proteção constitucional, os casos em que seria, “oportuno”, ou até

mesmo, “recomendável”, a “eutanásia”, como pressuposto ao direito à

“boa morte”, com fulcro no respeito à própria dignidade da pessoa

humana.

REFERÊNCIAS

642
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Volume 2: Parte especial. 14.
ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. Volume II. 11.
ed. Niterói: Impetus, 2014.

GUSMÃO, Ernane Nelson Antunes. Ortotanásia – a morte com


dignidade. Disponível em: <www.portal.cfm.org.br>. Acesso em:
08/11/22.

SINGER, Peter. Ética Prática. São Paulo: Martins Fontes, 2018.

VALLE MUÑIZ, José Manuel. Relevancia jurídico-penal de la eutanasia.


Cadernos de Política Criminal, n. 37, 1989.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões. Volume


7. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

643
FAMÍLIA MULTIESPÉCIE: DA “POSSE” AO AFETO.

Rayonne Massi Araújo5


René Dentz6
(…)

Mas quando o neném fica doente (Uô! Uô!)


Procura uma farmácia de plantão
O choro do neném é estridente (Uô! Uô!)
Assim não dá pra ver televisão
Família êh! Família ah!
Família!
Família êh! Família ah!
Família!
(…)

Família, família
Cachorro, gato, galinha
Família, família
Vive junto todo dia
Nunca perde essa mania
(…)

(Titãs – Família)

RESUMO:

Buscar-se-á, por meio do presente trabalho, se discutir sobre a


“evolução” do conceito de “família”, que, em decorrência de uma

5
Graduando do 9° período. Bacharelado em Direito, FUPAC-Mariana/MG.
6
Professor da PUC-Minas e da FUPAC-Mariana; Pós- Doutorado pela Université de
Fribourg/Suíça; Psicanalista.

644
reinterpretação apresentada pela Constituição de 1988, trouxe novas
tecituras e nuances quanto à dimensão interpretativa. Desta feita, o
presente texto constitucional, trouxe à baila novos contornos para o
Direito de Família, em que pese, o reconhecimento entre a igualdade
entre o homem e a mulher, protegendo de igual forma todos os
membros do grupo familiar, destaca-se ainda, as diretrizes trazidas pela
União Estável, bem como, o reconhecimento de novas formas de família,
a exemplo, das homoafetivas e as famílias não monogâmicas.

UM BREVE RECORTE HISTÓRICO DO CONCEITO DE FAMÍLIA:

Para que possamos melhor compreender o modelo de Família,

ora denominado de Multiespécie, faremos uma breve incursão historio-

jurídica, buscando-se demonstrar as principais interpretações

conceituais de família ao longo do decurso temporal. Para que assim

sendo, com o marco temporal, sobre a presente temática, apresentado

a contento, possamos, desta feita, desaguar na presente interpretação

de família trazida no bojo da Pós-Modernidade ou, contemporaneidade,

em cuja interpretação, atinente à “Família Multiespécie”, decorrente do

vínculo afetivo entre os seres humanos e animais de estimação, pudesse

vir a “prosperar”.

1.1 Império Romano

No Direito Romano, havia a predominância do patriarcalismo.

Donde tal espécie de família, consistia no homem como chefe e esposas


645
e filhos submissos à figura do pater (pai). Devendo-se, desta forma,

obedecer e seguir as regras impostas por ele.

Nada obstante, não havia por meio deste modelo, o sentimento

de afeto ligando os membros da família. Neste sentido, havia, por parte

da figura do homem (pai), a centralização dos poderes, fazendo com

que, deste modo, inexistisse direitos dos demais membros da família.

1.2 Família à luz da religião

A partir do século X, com o advento e consolidação da moral

católica, no ocidente, a igreja passa, por meio do direito canônico, a

normatizar e estabelecer regras comportamentais e relacionais para os

indivíduos. Tendo como pano de fundo, é claro, a visão religiosa

atinente à Igreja Católica.

Notadamente, todo arcabouço normativo trazido pela

concepção religiosa, permeou grande parte das estruturas

comportamentais e institucionais à época, chegando a influenciar,

inclusive, na compreensão e percepção de família, adequada aos olhos

de “Deus”, ou pelo menos, da visão Católica.

De maneira geral, como aponta Wald, (2013), a Igreja, tornou o

casamento um ato sagrado, sendo assim, as famílias só poderiam ser

646
constituídas através do casamento não podendo haver dissolução ou

qualquer ato que viesse a afetar a estrutura familiar.

1.3 O conceito de família a partir do século XX

Com o advento do século XX, novas perspectivas e mentalidades

tomaram forma no seio social, em que pese, por exemplo, a conquista

da mulher ao direito de ter a sua independência e fazer suas próprias

escolhas. Em vista disso, a relação familiar passa a ter um contorno mais

afetivo, alterando, por conseguinte, o papel do homem e da mulher no

cenário doméstico.

De um modo geral, como salienta Carbonera (1998, p. 295),

Embora continuem existindo famílias nos moldes patriarcais, a recepção

de outras formas abriu espaço para famílias fundadas no afeto e no

desejo de estar junto, formando uma comunhão de vida e fazendo com

que este seja seu elemento central, nos dias de hoje.

No entanto, Meleu e Costa (2008, p. 385), nos chama a atenção

para o fato de que, mesmo com os avanços “interpretativos” acerca da

presente área, ainda se faz necessária a superação dos preconceitos e

heranças coloniais que enfrentamos até hoje. De modo aque se possa

afastar a existência de família patriarcal, matrimonial e hierarquizada do

século passado, para aceitação de uma nova formação de família livre,

priorizada pela igualdade de seus membros (pai, mãe e filhos) com a

647
prevalência do ser e não mais do ter, tendo como pilar mestre da família

atual o afeto. (grifo nosso)

2. O CONCEITO DE “FAMÍLIA” NO BOJO DA CONSTITUIÇÃO DE


1988

Com o passar dos anos e com os novos valores trazidos pela

“modernidade”, podemos observar a remodelação da concepção de

família, bem como, dá própria estrutura familiar.

Dentre as principais modificações atinentes à concepção de

“família” na “contemporaneidade”, destaca-se, a valorização e

promoção do vínculo afetivo entre os integrantes do grupo, tornando-

se, desta forma, os laços afetivos de carinho e de amor como fator

preponderante no contexto familiar (DIAS, 2016, p. 48).

Ao que se colaciona, propriamente, ao “Direito de Família”, tais

modificações conceituais, adstritas à temática familiar, foram

recepcionadas pela Carta Magna de 1988, o que viria a “substituir”, as

concepções patriarcais, ultrapassando, portanto, a percepção da família

como unidade produtiva e reprodutiva, como era previsto pelo Código

Civil de 1916 (FARIAS;ROSENVALD, 2015, p. 57) e, estabelecendo

princípios gerais de proteção à família. (MADALENO, 2018. p. 88)

A parir, portanto, do estímulo a uma visão mais principiológica,

sistêmica e hermenêutica, valorizando-se, desta feita, o caso concreto.


648
A constituição de 1988, trouxe mudanças paradigmáticas para o direito

de família. Fazendo com que o presente conceito, pudesse ter a sua

compreensão “alargada” para além das, por vezes, “limitadas” visões

patriarcais, formalistas e religiosas.

Neste giro, o jurista Paulo Lôbo (2017, p. 59), nos chama a

atenção, para o importante papel das Cortes brasileiras que, por sua vez,

passaram a dar reconhecimento jurídico para outros contextos de

famílias. Reconhecendo-se, por exemplo, as uniões homoafetivas como

entidade familiar, cuja proteção foi concedida através do julgamento do

Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.

4.277, de 2011.

De fato, se considerarmos o presente texto constitucional,

perceberemos que ele irá tutelar, expressamente, três espécies de

família, a saber: a) família constituída pelo casamento, b) pela união

estável e c) a família monoparental, formada por um dos genitores com

seus filhos, conforme previsto no art. 226, § 4°, CF/88. Porém, além

dessas, existem as famílias não previstas constitucionalmente, mas que

recebem a mesma proteção jurídica, como as homoafetivas e as famílias

não monogâmicas (ULHOA, 2020, p. 16)

Como já mencionado anteriormente, para além da “letra fria da

lei”, o texto constitucional de 1988, se notabiliza, dentre outros fatores,

pela valorização e estímulo aos princípios, proporcionando, neste

sentido, uma maior abertura interpretativa para um determinado


649
conceito, que, deve coadunar com a própria realidade factual e suas

nuances e subjetividades inerentes.

No caso do Direito de Família, a noção de afetividade e

solidariedade tornaram-se princípios fundamentais, mediante a esta

nova guinada interpretativa. Como apontado por Madaleno (2017, p.

32), os novos modelos de família foram reestruturados a partir do valor

do afeto, e não apenas no elo consanguíneo, bem como na

solidariedade e proteção dos entes.

Neste cenário, portanto, propiciada pela atual Constituição

Federal, novos arranjos familiares passaram a ser tutelados pelo

ordenamento pátrio, e outras, buscam a sua tutela jurisdicional para que

possam, desta feita, terem reconhecidas a sua noção de família através

da Lei. A exemplo disso, cabe menção a visão doutrinária que reconhece

a “Família Multiespécie” a qual refere-se às entidades constituídas pelos

donos e seus animais de estimação, não humanos.

Em se tratando da Família Multiespécie, Dias (2016, p. 232) nos

chama a atenção para o fato de que tal reconhecimento decorre da

tendência de considerar os animais domésticos como seres sencientes,

bem como das decisões judiciais que estabeleceram guarda

compartilhada e pagamento de alimentos para animais domésticos em

casos de dissolução conjugal.

3. DIREITO DOS ANIMAIS – UMA DISCUSSÃO FILOSÓFICA?


650
Atinente à discussão filosófica, sobre a presente temática, cabe

destacar três modelos de pensamentos a) Libertação Animal, b)

Abolicionismo Animal e C) Princípio do Tratamento Humanitário. Que

serão de fundamental importância na construção de um olhar mais

sensível e, ao mesmo tempo, crítico, sobre as relações atinentes ao ser

humano em face dos animais, mais especificamente, os domésticos.

Em se tratando do primeiro modelo, este teve como percursor o

filósofo australiano Peter Singer, tendo publicado a obra, Libertação

Animal, em 1973. Considerada, por muitos autores, como sendo um

marco para o movimento contemporâneo de defesa dos animais, pois,

por meio de sua obra, denunciava as condições desumanas reservadas

aos animais usados nos laboratórios científicos e nas indústrias.

Singer apresenta uma nova forma de debate acerca da matéria,

dado que ressalta a senciência do animal.

Mediante ao segundo movimento (Abolicionismo Animal), este

se diferencia do primeiro (Libertação Animal), pelo seu caráter ético.

Posto que, Singer adota uma visão teleológica, consequencialista,

enquanto, Tom Regan, filósofo estadunidense, percursor desta corrente

filosófica, fundamenta-se em uma teoria deontológica, em que os

animais teriam uma espécie de dignidade animal, que vetaria toda e

qualquer forma de exploração, inclusive as pesquisas científicas -

diferentemente da primeira visão.


651
De fundamental importância na presente discussão, aparece a

concepção trazida por Gary Lawrence Francione, filósofo e jurista

estadunidense, através do Princípio do Tratamento Humanitário, a


concepção de que, certas pesquisas científicas que utilizam animais, são
importantes na atualidade. Todavia, esta concepção se diferencia das
demais, na medida em que, para ele, tais procedimentos devem ser
utilizados em último caso, na medida em que não cause sofrimento
desnecessário aos animais (SOUZA, 2017, p. 122).
Por último, inserida na filosofia francesa, veio somar aos
fundamentos da ética animal a proposta reflexiva de Corine Pelluchon.
Pelluchon é uma filósofa francesa que defende firmemente a ética

animal. Ela acredita que as outras formas de vida e as criaturas não

humanas merecem respeito, consideração e igualdade com os

humanos. Em sua obra, ela argumenta que a vida de cada ser vivo,

humano ou não, tem um valor intrínseco e intransferível e exige o nosso

cuidado devido.

A filósofa defende que a ética animal não se baseia em nossas

próprias preferências mas sim em princípios universais e justos. Isso nos

impede de fazer qualquer uso irresponsável dos direitos dos animais e

nos exige evitar as violações desses direitos. Ao mesmo tempo, ela

argumenta que a ética animal deve ser aplicada de forma integral às

práticas de exploração animal como criação, maus-tratos, transporte,

uso das fábricas de móveis e biotecnologia.


652
Segundo a filósofa francesa é necessário encarar a realidade: que

os humanos praticam maus-tratos aos animais e erram quando utilizam

o outro ou o exploram para o seu conformismo ou interessa próprio.

Para ela, uma ética animal verdadeira implica em dar conta, para além

da natureza dos animais, das nossas responsabilidades, ou seja, nosso

dever de não explorar o outro de forma irresponsável.

Por fim, Corine Pelluchon nos lembra que é fundamental

reconhecer que as criaturas não-humanas são seres dotados de

sofrimento, inteligência e consciência e, portanto, merecem

consideração e direitos iguais.

4. O DIREITO DOS ANIMAIS NO ORDENAMENTO PÁTRIO

Anterior à Constituição de 1988, existiam leis esparsas sobre a

proteção dos animais. Porém, grande parte destes dispositivos legais,

foram recepcionados pela Carta Magna de 1988, tendo sido, inclusive,

destinado um capítulo inteiro a promoção e defesa do Meio Ambiente,

e, vedando explicitamente práticas cruéis contra os animais, como pode

se observar mediante ao Art. 225 e seguintes, da CF/88.

Sobre a presente temática contida pela Constituição Federal, o

egrégio jurista Vicente de Paula Ataide Junior (2018, p. 52), nos chama

atenção para o fato de que a norma da proibição da crueldade está

fundada na dignidade animal, de índole individual, isto é, decorrente


653
da sua capacidade de sentir dor e de vivenciar sofrimento, não tendo

relação com a sua função ecológica. Sendo assim, como complementa

Medeiros e Petterle,

Isso significa que, para a Constituição brasileira,


os animais não humanos são seres sencientes,
são seres dotados da capacidade de sentir dor,
prazer, medo, fome, sede, alegria, raiva, frio,
calor, e assim por diante. (MEDEIROS; PETTERLE,
2019, p. 72)

Deste modo, conclui-se que, para o ordenamento constitucional

pátrio, os animais não são, portanto, coisas.

4.1 O reconhecimento do animal doméstico no código civil: alguns


apontamentos

A constituição de 1988 trouxe importante inovação quanto à

compreensão e proteção dos animais. Fato este que não fora

acompanhado, pari passu, pelo Código Civil de 2002.

Segundo Medeiros e Petterle (2019, p. 72), o presente Código,

permaneceu, no plano material, com as mesmas regras do Código de

1916, no que tange o status dos animais. Posto que, os animais

domésticos continuaram sendo classificados como coisas, ainda que

haja uma tendência de considerá-los como sujeitos de direitos, sem


654
regulação específica, estarão submetidos às normas aplicáveis aos bens,

incluídos no art. 82 do Código Civil (TARTUCE, 2019, p. 452).

Diversamente à concepção que consideram os animais

domésticos como coisas, Medeiros e Petterle (2019, p. 79), nos adverte

para o fato de que, tal enquadramento, despreza a sua capacidade de

ser senciente, que sente dor, que está sujeito ao sofrimento e, portanto,

fora da esfera das coisas (inanimadas), violando, deste modo,

materialmente a constituição.

Sendo assim, tem-se de um lado a Constituição que, sobre a

temática a contento, sugere um determinado entendimento, qual seja,

reconhece que os animais detêm sensibilidade, diversamente do Código

Civil de 2002, que desconsidera tal entendimento e mantém a

compreensão dos animais como coisas. O que gera, por assim dizer,

uma certa instabilidade jurídica, restando aos magistrados “agir” de

acordo com o entendimento de cunho mais personalíssimo.

4.2 Dissolução conjugal: com quem fica a guarda do animal


doméstico?

Como nos aduz Gordilho e Coutinho, (2017, p. 269), em se

tratando das demandas judiciais nos casos que cuidam da guarda dos

animais de estimação, de casais que tenham se divorciado e buscam a

tutela do animal, devem seguir o mesmo rito dos casos em que se


655
discute a guarda de filhos humanos do casal, devendo-se, portanto, ser

disciplinado pelo Direito de Família.

Sendo assim, presente tal situação, deve o magistrado, segundo

aponta Silva (2015, p. 107), considerar a preservação dos interesses dos

animais, visto que não é suficiente apenas demonstrar a propriedade do

animal para a concessão da guarda. Posto que, pode haver casos em

que a relação afetiva do animal com o não proprietário seja mais forte

e saudável. Neste ínterim, cabe aos interessados na guarda demonstrar

que possuem condições para a criação do animal, que devem abarcar

as questões psicológicas, sentimentais, financeira e, não menos

importante, o tempo disponível.

Notadamente, outro ponto interessante, para além da questão

da guarda, colaciona-se com o fato de o animal ter ou não direito

receber pensão alimentícia do não guardião. Segundo o entendimento

do jurista Silva (2015, p. 111), há a possibilidade das normas que cuidam

da obrigação de prestar alimentos serem aplicadas por analogia para os

tutores e seus animais de estimação, uma vez que, assim como nos casos

de filhos humanos, a obrigação de prestar alimentos é um dever

indeclinável e independe de quem estiver com a guarda.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

656
Nesta senda, em detrimento do aspecto formal de tempos

pretéritos, a nova modulação conceitual de “família”, que emerge, a

partir da Constituição de 1988, nos apresenta uma interpretação

permeada polo devir, ou seja, uma concepção que passa a compreender

a “família”, como um conceito aberto, que não se encerra em uma ou

duas definições, mas, pelo contrário, a partir do elemento subjetivo, que

subjaz através da compreensão deste “instituto”, pelos olhos da

“afetividade”,

A noção concernente ao presente conceito, passa a ter tantas

possibilidades quanto a capacidade do indivíduo de sentir carinho,

querer estar próximo, de amar etc., outro ser humano, ou até mesmo,

como se observou aqui, os animais domésticos.

REFERÊNCIAS:

ATAIDE JUNIOR, Vicente de Paula. Introdução ao Direito Animal


brasileiro. Revista Brasileira de Direito Animal, Salvador, v. 13, n. 3, p. 48-
76, set-dez. 2018. Disponível em:
https://periodicos.ufba.br/index.php/RBDA/article/view/28768. Acesso
em: 26 abr. 2021.

CARBONERA, Silvana Maria. O papel jurídico do afeto nas relações de


família In: FACHIN, Luiz Edson (coord.). Repensando Fundamentos do
Direito Civil Brasileiro Contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar,1998.

657
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil: família e sucessões. 5.ed.
rev. E atual. São Paulo: Saraiva, 2012, v. 5.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. Porto Alegre:


Livraria do Advogado, 2011.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil


[livro eletrônico]: famílias. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

LÔBO, Paulo. Direito Civil [livro eletrônico]: famílias. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2017.
MADALENO, Rolf. Direito de Família [livro eletrônico]. 10. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2020.

MADALENO, Rolf. Manual de direito de família. Rio de Janeiro:


Forense,2017.

MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de; PETTERLE, Selma Rodrigues.


Análise crítica do Código Civil de 2002 à luz da Constituição brasileira:
animais não humanos. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, Ano 24,
v. 93, p. 61-88, jan-mar/2019.

MELEU, Marcelino; COSTA, Thaise Nara Graziottin. Temas Emergentes


no Direito. 1. ed. Passo Fundo: IMED, 2008.

PELLUCHON, Corine. Les lumières à l´âge du vivant. Paris: Seuil, 2021.

SILVA, Camilo Henrique. Animais, divórcio e consequências jurídicas.


Revista INTERthesis. Florianópolis, v.12, n.1, p.102-116, jan./jun., 2015.
Disponível:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/interthesis/article/view/1807-
1384.2015v12n1p102 Acesso: 30 de abril de 2021.

658
SOUZA, Isabela. O que são direitos humanos? 2017. Disponível em:
https://www.politize.com.br/direitos-humanos-o-que-sao/.

TARTUCE, Flávio. Direito Civil [livro eletrônico]: direito de família. 14. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2019.

WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 18 ed. São Paulo: Saraiva,


2013.

659
RESENHA CRÍTICA SOBRE O FILME “CABO DO MEDO”

Rayonne Massi Araújo7


René Dentz8

O presente trabalho buscará, à luz do filme “Cabo do Medo”

(Cape Fear), do diretor, Martin Scorsese, de 1991. Trazer a lume, uma

singela análise crítica, do mesmo. Com o fito de se discutir e levantar

questões que, nos pareça, inquietantes e “provocativas”. In verbis, a

atividade em questão, buscará, pela amplidão da temática, bem como,

pela sua complexidade, instigar, no sentido de despertar para novas

questões, novas perspectivas interpretativas, novas problemáticas etc.,

que nos são trazidas no bojo do filme em análise.

Sendo assim, por meio deste, buscar-se-á, muito mais, a

instigação, a provocação, a inquietude etc., do que se aventurar em

arrogantes devaneios conclusivos, que, tende a nos trazer uma falsa

sensação de conforto, segurança e comodismo. NÃO! Nos importa,

nestes termos, a construção intersubjetiva, que enseje a um caminho

reflexivo, donde o objeto a ser compreendido não tem por resultado, o

encerramento da análise, a partir de uma pseudo “verdade”. Mas,

7
Graduando do 9° período. Bacharelado em Direito, FUPAC-Mariana/MG.
8
Professor da PUC-Minas e da FUPAC-Mariana; Pós- Doutorado pela Université de
Fribourg/Suíça; Psicanalista.

660
possibilitar a compreensão de que, um mesmo objeto, pode ter, uma

miríade de possibilidades interpretativas.

A trama contida no filme, Cabo do Medo, se desenvolve a partir

de pelo menos, cinco personagens centrais, em que pese: A) Max Cady

(ex-presidiário); B) Sam Bowden (advogado); C) Leigh (esposa de Sam);

D) Danielle (filha de Sam e Leigh) e; E) Kersek (detetive contratado por

Sam).

O presente filme, tem como pano de fundo, a relação entre o

advogado, Sam Bowden, bem como os desdobramentos de um caso,

em que houvera atuado como advogado de defesa, em face de Max

Cady. Este, por conseguinte, fora preso e condenado por estupro há

cerca de 14 anos atrás, tendo cumprido a sua pena, e, desta feita,

“reintegrado” à sociedade.

Nada obstante, Cady, pretende se vingar de Sam Bowden, seu

ex-advogado, pelo fato de ele, ter omitido informações que poderiam

modificar a decisão do júri. Segundo ele, o advogado omitiu,

propositalmente, o relatório da polícia, cujo teor, traziam evidências de

que a “vítima”, era promíscua. Fato este que poderia ensejar, em uma

pena mais branda.

Este é, portanto, o quadro geral a partir do qual, o enredo do

filme, Cabo do Medo, se desdobrará.

Nas linhas a seguir, buscaremos traçar alguns pormenores,

buscando concatenar o filme, em apreciação, com elementos jurídicos,


661
filosóficos e da psicologia. Com intuito, em vista disso, de possibilitar

uma simples análise crítica, sem no entanto, ser “piegas” ou mesmo,

simplista. Doravante, é oportuna a informação, aos estimados

leitores, de que, a linha de raciocínio que se desdobrará, NÃO

representa, estritamente, os anseios, visões de mundo, os aspectos

morais etc., de cada indivíduo do grupo. Na medida em que, optou-se

por este “norte”, como sendo a oportunidade de exercitar e desenvolver

a técnica do discurso, bem como, da retórica. Elementos estes, deveras,

importantes, como futuros profissionais do Direito.

O filme em questão, propositalmente, nos apresenta uma

narrativa, um tanto quanto misteriosa e, por vezes, confusa. porém, nos

parece, de fato, ser esta a opção do diretor, qual seja, a de instigar

múltiplas visões interpretativas, sobre um mesmo fato. Nos remetendo,

por conseguinte, à “máxima” contida na Síndrome de Pirandello, donde,

podemos partir da interpretação de que, “nem tudo o que pareça ser,

de fato, seja”.

Adstrito aos componentes formativos do sujeito, é pacífico,

atualmente, o entendimento de que o elemento externo, através da

linguagem, dos símbolos, e, portanto, da semiótica. Traz influências

diretas, nas nossas sensações, emoções, pensamentos etc., e, desta feita,

alterando, significativamente, a nossa percepção sobre a realidade que

nos cerca.

662
Notadamente, destaca-se ainda, a emblemática citação, ao

filósofo alemão Friedrich Nietzsche, e, mais propriamente, ao seu

icônico livro, “Assim falou Zaratustra”. Quando do diálogo entre o

advogado (Sam), e o detetive particular (Kersek). Já que, este livro, traz,

pela primeira vez, o conceito de “super-homem”, na obra obra do

filósofo. Tendo um significado, nos parece, significativo, para a

interpretação que se buscará delinear, por este grupo, nesta resenha.

Em Nietzsche, o termo “Super Homem”, representa, a quebra de

valores correntes, que moldam os indivíduos, se libertando, em especial,

da moralidade cristã. Sendo assim, o filósofo empreende uma oposição

aos modelos centrados na padronização, na possibilidade de uma

“verdade absoluta”, permeado por uma razão universalista.

Como se pode observar, o enredo do filme, cabo do medo, busca

nos direcionar para um olhar, por assim dizer, mais parcial.

Logo no início, já temos os personagens apresentados na trama,

bem como, os aspectos simbólicos decorrente dos mesmos. Em que

assim se delineia: I) Sam Bowden (advogado); Leigh (esposa de Sam) e

Danielle (filha de Sam e Leigh). Ou seja, uma família, economicamente

bem estruturada, composta por pessoas loiras, de pele clara e olhos

azuis. De outro lado, temos a visão de um ex-presidiário, de ascendência

italo-americana, ou seja, latino. Tendo a sua pele sobreposta por

inúmeras tatuagens, e claro! Tendo cumprido pena por estupro.

663
Desta feita, a forma como nos são apresentados os personagens,

nos parece, como já dito anteriormente, proposital. E de fato! Logo de

imediato, somos tomados por uma percepção de que,

aprioristicamente, Max Cady é um indivíduo desajustado, tomado pelo

“lado negro da força”, e, portanto, culpado!

Neste diapasão, com o desenrolar do contexto, percebemos que

as ações de Cady, são decorrentes da “epifania” moral, que viria

acometer o seu advogado, que deixou de prestar a devida assessoria a

seu cliente, nos moldes dos arts. 33, do Estatuto da Advocacia e a OAB.

Bem como do art. 2°, incisos, I e II, do Código de Ética da OAB. Frisa-se

que ambos os artigos decorrentes de leis brasileiras. Mas, podemos

citar, de igual forma o art. 7°, do Código da Ordem dos EUA.

Art. 33. O advogado obriga-se a cumprir


rigorosamente os deveres consignados no
Código de Ética e Disciplina.
Parágrafo único. O Código de Ética e Disciplina
regula os deveres do advogado para com a
comunidade, o cliente, o outro profissional e,
ainda, a publicidade, a recusa do patrocínio, o
dever de assistência jurídica, o dever geral de
urbanidade e os respectivos procedimentos
disciplinares. (Estatuto da Advocacia e a OAB)

Art. 2º. O advogado, indispensável à


administração da Justiça, é defensor do Estado
democrático de direito, da cidadania, da

664
moralidade pública, da Justiça e da paz social,
subordinando a atividade do seu Ministério
Privado à elevada função pública que exerce.
Parágrafo único. São deveres do advogado:
I – preservar, em sua conduta, a honra, a nobreza
e a dignidade da profissão, zelando pelo seu
caráter de essencialidade e indispensabilidade;
II – atuar com destemor, independência,
honestidade, decoro, veracidade, lealdade,
dignidade e boa-fé;
[…]. ( Código de Ética da OAB)

art. 7°. O advogado defenderá com zelo o seu


cliente (Código da Ordem dos Estados Unidos
da América)

In verbis, como nos é apresentado pelo filme, Sam, o advogado,


reconhece que houvera deixado de oferecer a defesa correta, posto que,

omitiu informação importante nos autos processuais, decorrente do

relatório da polícia, a saber: “que a vítima era promíscua, […], tendo pelo

menos três amantes”.

Se tomarmos como análise o fato decorrente do parágrafo

acima, colimado com Como art. 213, do Código Penal., “Constranger

alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou

a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: […]”.

Observa-se, neste ínterim que o fator “consentimento”, é um

elemento extremamente importante, para a tipificação do crime relativo

665
ao estupro (ressalvado os casos em face de crimes sexuais contra

incapazes).

Assim sendo, o fator omitido pelo advogado, em que pese, “que

a vítima era promíscua, […], tendo pelo menos três amantes”, como fora

apresentado pelo relatório policial. Traz o elemento da “dúvida”, para o

campo argumentativo. Ensejando a possibilidade de que o ato sexual

entre Cady e a suposta vítima, pudesse ter decorrido de uma ação

consensual. Sendo que, por sua vez, neste caso, não haveria a conduta

ilícita, e, desta feita, o próprio crime.

Mediante ao exposto, poderíamos levantar a seguinte

indagação: caberia ao advogado(a), se balizar por uma conduta “moral”,

ou seja, personalíssima, na condução da lida profissional? De maneira

ainda mais ampla, poderíamos suscitar a seguinte indagação, pode a

atividade jurídica estar permeada por uma noção “moral”?

Partimos do pressuposto que não. É defeso ao profissional do

direito condutas derivadas das convicções e crenças pessoais.

Tendo reconhecido o ato ilícito por parte de Sam (advogado), as

condutas de Max, serão motivadas por um misto de revolta e vingança.

Porquanto, em razão da valoração presente na conduta do advogado,

Max Cady, cumpriu uma pena de 14 anos, de reclusão.

Em dado momento do filme, Sam Bowden (advogado),

reconhece o erro e busca minorar os seus impactos, em face do ex-

detento, lhe propondo uma compensação pecuniária, um valor em


666
dinheiro. Contudo, Max, de maneira discordante, suscita as seguintes

questões: o valor de uma vida pode ser computado pelo dinheiro? Qual

o valor, por ter perdido a família, uma vida e, notadamente, a própria

dignidade?

Cabe destacar ainda, que o advogado, em nenhum momento do

filme, teve a “ombridade” de pedir desculpas. Uma vez que, no auge de

sua arrogância e vaidade, não lhe é facultado o reconhecimento e a

autocrítica sobre o erro cometido.

Neste sentido, em atenção ao que Bauman chama de Sociedade

Líquida Moderna, as relações humanas como um todo, passam por um

processo de distanciamento, insegurança e indiferença.

Todavia, no campo profissional, nas diferentes áreas de atuação,

temos a sensação de uma relação “paciente” e “especialista”, bem

próxima, do que o eminente sociólogo Manuel Castells, denomina por

“blasé”. Ou seja, marcada por uma certa dose de indiferença. Claro que

muito em decorrência da própria ideia científica de neutralidade e

distanciamento. Mas, também em decorrência do que se entende por

“time is money”. Donde, quanto mais “pacientes” forem atendidos por

hora, maior será a benesse pecuniária.

Neste ponto (nada contra a ambição alheia, dentro de um

modelo de liberdades econômicas e individuais), temos a reificação do

“indivíduo-paciente”, transmutado, por vezes, para uma condição de

“objeto”. Em que se passa da posição de ser humano, dotado de


667
histórias, fatores emocionais, subjetividades etc., para outra, no plano

da estatística, ou seja, um número.

Em assente ao filme em tela, este comportamento, blasé, fica

evidente em um dos diálogos entre Sam Bowden (advogado), e sua

esposa Leigh. Que quando indagado por esta, sobre quem seria este

homem (Max Cady), que os estavam importunando, Sam - mesmo já

tendo estado com o ex-detento, recentemente - de maneira bastante

indiferente, não sabia dizer quem era, o que fez ou, do que se tratava.

Totalmente alheio e insensível à realidade apresentada por Cady, que

houvera passado 14 anos na prisão, por uma possível falha de seu

advogado à época, Sam Bowden.

Deste modo, como já dito anteriormente, não se trata de se

desconsiderar o que o Personagem Max Cady, tenha feito. Contudo, por

meio do presente, busca-se trazer a reflexão sobre se de fato fora

respeitado o devido processo legal, se oportunizando a ampla defesa e

o contraditório, no caso a contento.

De maneira conclusiva, partimos da percepção de que o Direito

não é um campo, propriamente, da moral. Devendo-se, nestes termos,

buscar a partir da análise concreta, do caso em específico, concatenar a

lógica, a razoabilidade, a proporcionalidade, e a razão, não como em

tempos de outrora, buscando-se uma verdade absoluta. Mas, para

tanto, dever-se-á, diligentemente, à luz da reflexão intersubjetiva, se

“construir” a “melhor resposta”, para o fato em análise.


668
Ademais, como Freud nos adverte, não podemos analisar um

quadro, meramente, pelo seu recorte, mas, de todo o seu contexto […],

na sua singularidade e subjetivismo.

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas


em mercadorias. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro:
Zahar, 2008.

CASTELLS, M. A sociedade em rede. 2.ed. São Paulo: Paz e Terra,


1999.

Freud, S. (1996a). O mal-Estar na civilização (Edição Standard Brasileira


das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. 21). Rio de
Janeiro: Imago. (Originalmente publicado em 1929).

NIETZSCHE, Friedrich. Assim falava Zaratustra. Um livro para todos e


para ninguém. 3ª Edição. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

Psicologia Jurídica / José Osmir Fiorelli, Rosana Cathya Ragazzoni


Mangini. – 10. ed. – São Paulo: Atlas, 2020.

669
Este e-book usou, , essencialmente, fonte
Ebrima 11, e foi produzido em maio de 2023

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