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Coordenadores:

Alexandre Torres Petry


Matheus Ayres Torres
Ricardo Ferreira Breier
Rosângela Maria Herzer dos Santos

REEDUCAÇÃO DA EDUCAÇÃO JURÍDICA

Porto Alegre, 2021


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Coordenadores
Alexandre Torres Petry
Diretor da Revista da ESA/OABR/RS

Matheus Ayres Torres


Presidente da Comissão da Educação Jurídica CEJ-OAB/RS

Ricardo Ferreira Breier


Presidente da OAB/RS

Rosângela Maria Herzer dos Santos


Diretora-Geral da ESA-OAB/RS

R255
Reeducação da Educação Jurídica/. Alexandre Torres Petry, Matheus Ayres
Torres...[et.al] (Coordenadores). Porto Alegre: OABRS, 2021. 206p.
ISBN: 978-65-88371-06-0 
1. Direito. 2.Educação jurídica I Título.

CDU: 34:378

Jovita Cristina Garcia dos Santos – CRB 10/1517

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Presidente: Jorge Fernando Estevão Maciel


Vice-Presidente: Márcia Isabel Heinen
SUMÁRIO

PREFÁCIO – Ricardo Ferreira Breier ....................................................................................... 8

APRESENTAÇÃO – Rosângela Maria Herzer dos Santos ....................................................... 9

INTRODUÇÃO - Alexandre Torres Petry e Matheus Ayres Torres ....................................... 10

ENSINANDO DIREITO EM TEMPOS DE SOCIEDADE EM REDE: A RELAÇÃO ENTRE


TECNOLOGIA E PODER NA EDUCAÇÃO JURÍDICA CONTEMPORÂNEA - Ana Cláudia
Favarin Pinto e Bruna Andrade Obaldia .................................................................................. 11

REEDUCAÇÃO JURÍDICA SOB A PERSPECTIVA DA FILOSOFIA DO DIREITO -


JUSTIÇA, DESIGUALDADE E ESTADO DE EXCEÇÃO - Ana Isabel Mendes e Marcio
Renan Hamel ............................................................................................................................ 24

DIÁLOGOS DE(S)COLONIAIS ENTRE ENSINO JURÍDICO E FEMINISMO - Bianca


Soares Roso e Marina Paiva Alves ........................................................................................... 37

A UTILIZAÇÃO DO CINEMA NACIONAL COMO FERRAMENTA PARA A


EFETIVAÇÃO DA TRANSVERSALIDADE NO ENSINO JURÍDICO BRASILEIRO -
Bruna Andrade Obaldia e Pedro Victor dos Santos Witschoreck ............................................ 51

É POSSÍVEL A VIRTUALIZAÇÃO DO ESTUDO CLÍNICO EM DIREITO? RELATO DA


EXPERIÊNCIA DE ESTUDO CLÍNICO INTERINSTITUCIONAL EM TEMPOS DE
PANDEMIA - Carolina Cyrillo e Luiz Fernando Castilhos Silveira ....................................... 69

A TERCERIZAÇÃO E O TRABALHO DO PROFESSOR DA EDUCAÇÃO SUPERIOR EM


TEMPOS DE PANDEMIA: AVANÇOS DA PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE
TRABALHO - Franceli Bianquin Grigoletto Papalia e Carina Deolinda da Silva Lopes ....... 82

DESFUTURIZAÇÃO DO ENSINO JURÍDICO: IMPLICAÇÕES TECNOLÓGICAS NOS


SISTEMAS DO DIREITO E DA EDUCAÇÃO - Giselle Marie Krepsky ............................ 100

AVALIAÇÃO ACADÊMICA NA ERA PANDÊMICA - Jamil A. H. Bannura .................. 115


NOVAS METODOLOGIAS PARA NOVOS DESAFIOS: APRENDIZAGEM BASEADA
EM PROJETOS NO ENSINO JURÍDICO DURANTE E PÓS-PANDEMIA DE COVID-19-
Larissa de Oliveira Elsner e Gustavo Vinícius Ben ............................................................... 127

EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: UMA NARRATIVA A PARTIR DA PRÁTICA


EXTENSIONISTA - Letícia Virginia Leidens e Taily Dara Fiori Salvador ......................... 145

DESENVOLVIMENTO CURRICULAR DAS FACULDADES DE DIREITO DA


UNIVERSIDADE ESTADUAL DO TOCANTINS SOB A ÉGIDE DOS DIREITOS
HUMANOS - Marcos Júlio Vieira dos Santos e Christiane de Holanda Camilo .................. 158

EDUCAÇÃO E CULTURA DO LITÍGIO: ENSINO JURÍDICO E TRANSFORMAÇÃO


SOCIAL - Tainara Mariana Mallmann e Aldemir Berwig..................................................... 172

AUTOPLÁGIO E EDUCAÇÃO JURÍDICA NO SÉCULO XXI: É POSSÍVEL SUPERAR A


CULTURA DA REPRODUÇÃO? - Tayna Silva Cavalcante ............................................... 192
8

PREFÁCIO

O tempo pós-pandemia do novo coronavírus, inegavelmente, chega com


transformações. Por mais de um ano, a vida, em praticamente todo o planeta, foi impactada pela
Covid-19. O distanciamento e o afastamento das pessoas exigiram soluções ágeis, inclusivas e
seguras.

No caso da advocacia, os impactos se mostraram sem precedentes. O fechamento dos


Foros, por questões sanitárias, é só um exemplo de como advogados e advogadas foram
afetados. Mais do que isso, a cidadania sofreu com todas as restrições e todos os obstáculos
impostos pela pandemia.

A tecnologia ganhou protagonismo, como ferramenta alternativa ao trabalho da


advocacia. Juntamente a essa aceleração do mundo virtual e digital no universo do Judiciário,
observamos o quanto o Direito vai se movendo com novos cenários, formatos e novas práticas.
É preciso estar atento, para perceber as mudanças que ocorrem com mais frequência.

Neste sentido, a educação jurídica emerge no centro do debate. É preciso qualificar e


preparar a advocacia para essa nova realidade. Não há dúvida de que o conhecimento e o estudo
seguirão fazendo diferença.

Com a proposta de debater a “Reeducação da Educação Jurídica”, este ebook tem


relevância, por abordar diferentes áreas de atuação da advocacia, com seus pormenores e suas
particularidades, que transformam o trabalho do advogado numa atividade vibrante e intensa.

Esta coletânea de artigos apresenta riqueza de detalhes e fundamentais reflexões para os


dias que se avizinham. Desde a precarização nas relações de trabalho no ambiente virtual,
passando pelo autoplágio, até a relação entre tecnologia e poder na educação jurídica
contemporânea, e os temas são envolventes e atuais.

Em nome do diretor da Revista da ESA da OAB/RS, Alexandre Torres Petry; do


presidente da Comissão de Educação Jurídica (CEJ) da OAB/RS, Matheus Ayres Torres; e da
diretoria-geral da ESA da OAB/RS, Rosângela Maria Herzer dos Santos, agradeço a dedicação
dos colegas que contribuíram com seu profissionalismo para a realização desta obra.

Boa leitura!

Ricardo Breier
Presidente da OAB/RS
9

APRESENTAÇÃO

A Escola Superior da Advocacia tem a honra e a satisfação de oportunizar juntamente


com a Comissão de Educação Jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Rio
Grande do Sul, brindar a comunidade jurídica com o lançamento do e-book “REEDUCAÇÃO
DA EDUCAÇÃO JURÍDICA”.

Tenho a certeza de que essa valorosa obra, fruto do trabalho coletivo de ilustres autores
que contribuíram com as necessárias reflexões sobre reeducação da educação jurídica, possa
servir como base de referências para estimular discussões e pesquisas acadêmicas sobre
Educação Jurídica.

Agradeço aos autores que contribuíram para que tornasse possível a realização de mais
uma obra sobre o tema Educação Jurídica: Ana Cláudia Favarin Pinto, Bruna Andrade Obaldia,
Ana Isabel Mendes, Marcio Renan Hamel, Bianca Soares Roso, Marina Paiva Alves, Bruna
Andrade Obaldia, Pedro Victor dos Santos Witschoreck, Carolina Cyrillo, Luiz Fernando
Castilhos Silveira, Franceli Bianquin Grigoletto Papalia, Carina Deolinda da Silva Lopes,
Giselle Marie Krepsky, Jamil A. H. Bannura, Larissa de Oliveira Elsner, Gustavo Vinícius
Bem, Letícia Virginia Leidens, Taily Dara Fiori Salvador, Marcos Júlio Vieira dos Santos,
Christiane de Holanda Camilo, Tainara Mariana Mallmann, Aldemir Berwing e Tayna Silva
Cavalcante. Recebam cumprimentos e gratidão, em nome da nossa Escola Superior de
Advocacia da OABRS, pelo desafio e trabalho disponibilizados graciosamente, e que somam
conteúdo e conhecimento a nossa biblioteca virtual jurídica.

Por fim, um agradecimento muito especial ao presidente da OABRS, Ricardo Breier, ao


presidente da Comissão de Educação Jurídica da OABRS, Matheus Ayres Torres e ao diretor
da Revista Eletrônica da nossa Escola, Alexandre Torres Petry, e a todas as pessoas que se
dedicaram na organização do livro.

Boa leitura a todos!


Rosângela Maria Herzer dos Santos
Diretora-Geral da Escola Superior de Advocacia da OAB/RS
10

INTRODUÇÃO

Reeducação da Educação Jurídica, o título escolhido para essa obra, propõem a reflexão
sobre os grandes desafios que a educação jurídica tem enfrentado em virtude da pandemia, o
que implicou uma educação “online” tanto para o ensino como para a pesquisa e a extensão no
Direito.

Essa mudança não foi planejada, apesar das recentes discussões sobre os cursos de
Direito na modalidade EaD. Entre 2020 e 2021, o ensino do Direito sofreu profundas
modificações, sendo incipientes as avaliações e estudos sobre os benefícios oriundos dessa
prática.

O certo é que o tema traz importantes dúvidas, relevantes questionamentos e, mais do


que isso, necessidade de reflexão e propostas efetivas para aumentar a qualidade da educação
jurídica, a qual, historicamente, vive uma enorme crise, tamanha são as críticas à educação
jurídica existente no Brasil.

É diante desse cenário que a Comissão de Educação Jurídica da OAB/RS traz esse E-
book, renovando o seu compromisso permanente com uma educação jurídica transformadora,
responsável, crítica e reflexiva, a qual seja capaz de impactar profundamente na efetivação do
Direito e da Justiça nesse país marcado por desigualdades sociais.

A educação jurídica merece respeito, deve ser tratada com seriedade, pois é essencial
para o aprimoramento da justiça como um todo no Brasil. Urge que instituições, pesquisadores,
juristas, docentes, discentes e todos aqueles ligados com a educação jurídica, repensem o quadro
atual, ou seja, contribuam para a reeducação da educação jurídica, justamente o que se busca
com o presente livro.

Espera-se uma boa leitura a todos e, mais do que respostas, sejam encontradas
perguntas, pois a educação jurídica ainda clama pelas perguntas certas que tenham potencial de
revelar os caminhos que apontem para um futuro sustentável e promissor.

Alexandre Torres Petry


Diretor da Revista Eletrônica da ESA/OAB/RS

Matheus Ayres Torres


Presidente da Comissão da Educação Jurídica CEJ-OAB/RS
11

ENSINANDO DIREITO EM TEMPOS DE SOCIEDADE EM REDE: A


RELAÇÃO ENTRE TECNOLOGIA E PODER NA EDUCAÇÃO
JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

TEACHING LAW IN TIMES OF NETWORK SOCIETY: THE


RELATIONSHIP BETWEEN TECHNOLOGY AND POWER IN
CONTEMPORARY LEGAL EDUCATION

Ana Cláudia Favarin Pinto1


Bruna Andrade Obaldia2

RESUMO

O presente artigo busca compreender os desafios e possibilidades da/na educação jurídica


contemporaneamente, em sede de uma sociedade em rede, analisando as estruturas de poder
que se forjam nesse cenário, bem como o papel da tecnologia nessa realidade. Destarte, o ensaio
subdivide-se, para fins didáticos, em dois capítulos. Inicia-se por um breve apanhado da
historicidade social que deságua nos tempos atuais, culminando em uma sociedade altamente
complexa, globalizada, marcada por suas relações constituídas em rede. Ato contínuo,
investiga-se a importância das novas tecnologias - mormente às de informação de comunicação,
as TIC’s - para o desenvolvimento de uma satisfatória educação jurídica em tempos atuais, além
de estabelecer as bases para uma compreensão de como se manifesta o vínculo entre poder e
conhecimento nessa era digital. Com base nessa estruturação, questiona-se: em que medida a
educação jurídica contemporânea se mostra dependente do mecanismo da tecnologia em
tempos de sociedade em rede? Para solucionar a problemática levantada, o estudo vale-se do
método de abordagem dedutivo, aliado ao método de procedimento monográfico e à técnica de
pesquisa bibliográfica e documental. Ao final da pesquisa, é possível depreender que a
utilização das tecnologias a favor do conhecimento, da construção de saber e no
compartilhamento de boas ideias tende a ser o melhor caminho para o desenvolvimento do
ensino jurídico no país.

Palavras-chave: Educação jurídica. Poder. Sociedade em rede. Tecnologia.

INTRODUÇÃO
O mundo é metamorfose. Na sociedade, a história é responsável por moldar diferentes
perspectivas de mundo ao longo do tempo. Seja na seara econômica, política e/ou cultural, as
relações sociais se forjam e se desenvolvem com base na temporalidade em que estão inseridas.

1
Mestranda em Direito no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Maria.
Membro do grupo de pesquisa Phronesis: Jurisdição e Humanidades da UFSM. Endereço eletrônico:
anaclaudia.favarin@gmail.com
2
Mestranda em Direito no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Maria.
Integrante do Núcleo de Estudos Avançados em Processo Civil (NEAPRO) da UFSM. Advogada (OAB/RS nº
117.541). Endereço eletrônico: obaldiabruna@gmail.com
12

Grandes descobertas e invenções alteram paradigmas de visão de mundo e passam a guiar


outros tipos de pensamento e ação sociais. Parafraseando o poeta Vinícius de Moraes, no soneto
Poética, nosso tempo, enquanto sociedade, é quando.

Atualmente, o que se experimenta é um mundo abraçado, mais do que nunca, pela


globalização. Relações que perdem o caráter de solidez e passam a ser consideradas líquidas
em termos de (pós-)modernidade e assumem, nesse sentido, a complexidade de relações em
rede, como denunciado, respectivamente, pelos sociólogos Zygmunt Bauman e Manuel
Castells. Aliado a isso, a disseminação absoluta da internet, das novas tecnologias de
informação e comunicação e do poder das (novas) mídias sociais corroboram para a necessidade
de se (re)pensar a sociedade na contemporaneidade.

Sob o outro ponto chave da discussão, há que se falar sobre o tema da educação
jurídica. O ensino jurídico está presente na realidade brasileira desde 1827, oportunidade na
qual Dom Pedro I fundou o curso de Ciências Jurídicas como um dos primeiros cursos em nível
superior no país. De lá para cá, obviamente, muitas coisas mudaram. Trazendo a discussão para
a realidade atual, em tempos de sociedade em rede, discutir as necessidades emergentes de
adaptar e (re)construir o ensino jurídico em face das novas demandas é medida que se impõe.

É nesse sentido, então, que a pesquisa busca investigar os desafios e possibilidades


percebidos na seara da educação jurídica contemporaneamente, em sede de uma sociedade em
rede, analisando a manifestação de poder que se forja nesse cenário, bem como o papel da
tecnologia nessa realidade. Subdividido em duas seções principais, o trabalho é iniciado por um
apanhado da historicidade social que deságua nos tempos atuais, culminando em uma sociedade
altamente complexa, globalizada, marcada por suas relações constituídas em rede. Ato
contínuo, investiga-se a importância das novas tecnologias - mormente às de informação de
comunicação, as TIC’s - para o desenvolvimento de uma satisfatória educação jurídica em
tempos atuais, além de estabelecer as bases para uma compreensão de como se manifesta o
vínculo entre poder e conhecimento nessa era digital.

Diante dos objetivos específicos do ensaio, questiona-se: em que medida a educação


jurídica contemporânea se mostra dependente do mecanismo da tecnologia em tempos de
sociedade em rede? Para solucionar a problemática levantada, a título de metodologia científica,
o estudo vale-se do método de abordagem dedutivo, aliado ao método de procedimento
monográfico e à técnica de pesquisa bibliográfica e documental.
13

2 ENTRE A ERA DIGITAL E A GLOBALIZAÇÃO: DESAFIOS E POSSIBILIDADES


E UMA SOCIEDADE EM REDE

A sociedade tem se modificado ao longo dos tempos, principalmente em razão da


sociedade em rede, surgindo a necessidade de que o Estado se remodele, a fim de se adaptar
aos novos desafios propiciados pela globalização.

É notório que na era global, especificamente sob a ótica da globalização e do


desenvolvimento tecnológico, tem ocorrido diversas mudanças na sociedade e na sua forma
de organização. As estruturas sociais que surgiram nos últimos anos, alteram a forma como a
sociedade se organiza principalmente em razão do fato de estarem vinculadas à globalização,
ao fluxo de dados e à comunicação em rede.

Dos diversos conceitos de globalização, referimos o de Stuart Hall (2004), no qual o


autor fala de um processo mundial de contatos e de conectividade, que ultrapassam os limites
das nações, transformando pelas trocas de informações entre culturas diferentes, o
comportamento e a consciência do sujeito.

[...] a “globalização” se refere àqueles processos, atuantes numa escala global,


que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e
organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em
realidade e em experiência mais interconectado (Hall, 2004, p. 67).

O poder de interconexão, bem como o de transmissão de dados possibilita que a


comunicação de forma global se torne cada vez mais fácil. A informação chega até onde o
usuário estiver, e isso se dá pela conectividade e facilidade de propagação de dados que é
propiciada pela rede, ou seja, o processo de globalização contribui fortemente para que os
fluxos de dados que mudem as formas de transmissão de informação e inovação e estabeleçam
novos mecanismos de interação entre seus usuários.

Uma das forças dessa sociedade midiática é a web, a rede mundial de computadores.
Para Manuel Castells, vivemos numa sociedade em rede e dominada pelo poder da internet:

Esta sociedade em rede é a sociedade que eu analiso como uma sociedade cuja
estrutura social foi construída em torno de redes de informação microeletrônica
estruturada na internet. Nesse sentido, a internet não é simplesmente uma tecnologia;
é um meio de comunicação que constitui a forma organizativa de nossas sociedades;
é o equivalente ao que foi a fábrica ou a grande corporação na era industrial. A internet
é o coração de um novo paradigma sociotécnico, que constitui na realidade a base
material de nossas vidas e de nossas formas de relação, de trabalho e de comunicação.
O que a internet faz é processar a virtualidade e transformá-la em nossa realidade,
constituindo a sociedade em rede, que é a sociedade em que vivemos (Castells, 2009,
p. 287).
14

A globalização somente se concretiza, pois é sustentada pela dinâmica mundial de trocas


de informações entre culturas distintas, que se torna possível graças ao desenvolvimento de
tecnologias que ampliaram e estenderam o alcance dos meios de comunicação.

Os fluxos de dados na sociedade global podem ser explicados por uma cadeia
interconectada de forma global que permite a circulação de diversos elementos e,
principalmente, informações. Além de transmitir fluxos valiosos de informação e de ideias em
si, os fluxos de dados permitem o movimento de bens, serviços, finanças e pessoas.

Ainda que a modalidade de organização em rede não seja nova, o surgimento da


tecnologia da informação e a velocidade de propagação dos dados possibilitam a expansão da
rede de forma rápida e com alto alcance.

Para corroborar com tal linha de pensamento, Manuel Castells afirma que “[...] essa
lógica de rede induz a uma determinação social de nível mais alto que aquele dos interesses
sociais específicos expressos através das redes: o poder dos fluxos prevalece em relação aos
fluxos do poder” (CASTELLS, 2010, p. 500). Essa sociedade é chamada por Castells de
“sociedade em rede”.

Destarte, a modernização impulsionou a sociedade em rede, o que contribuiu para que


os fluxos de dados se tornassem cada vez mais rápidos, mudando as formas de interação social
e formando novos nichos. O Estado passou a se comunicar em forma de rede e perdeu o total
controle sobre o fluxo de informações e dados a que os usuários possuem contato.

Boaventura de Sousa Santos, retomando o processo histórico do avanço da


globalização, asseverou:

Entende-se por globalização a intensificação de interações transnacionais para além


do que sempre foram as relações entre Estados nacionais, as relações internacionais,
ou as relações no interior dos impérios, tanto antigos como modernos. São interações
que não são, em geral, protagonizadas pelos Estados, mas antes por agentes
econômicos e sociais nos mais diversos domínios. Quando são protagonizadas pelos
Estados, visam cercear a soberania do Estado na regulação social, sejam os tratados
de livre comércio, a integração regional, de que União Europeia (UE) é um bom
exemplo, ou a criação de agências financeiras multilaterais, tais como o Banco
Mundial e o FMI. (SANTOS, 2017, n.p)

As redes são ambientes que contribuem para que haja a interação, troca de
conhecimentos e aprendizado, podendo ser estabelecida de forma local ou global. Referida
interação leva ao compartilhamento, o que acaba por impulsionar o fluxo de dados e
informações que decorrem do movimento das redes, ou seja, a globalização propicia que a
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sociedade em rede se apresenta como um canal pelo qual o fluxo de informações e


conhecimento ocorre de forma contínua.

Zygmunt Bauman (1999) mostra que a globalização interfere e influencia tudo que
acontece em nossa vida em variadas dimensões. O autor chama atenção para o processo
globalizador em todas as suas manifestações e dualidades, quando observa que esse fenômeno,
ao mesmo tempo em que liga espaços, tempos e pessoas, acaba por dividir a sociedade na
perspectiva financeira, enfatizando ainda mais as desigualdades de classe. A globalização,
segundo o autor, é vista por uns de forma positiva e por outros como algo ruim, mas a verdade
é que estamos em um processo irreversível:

A globalização tanto divide como une; divide enquanto une e as causas da divisão são
idênticas às que promovem a uniformidade do globo. Junto com as dimensões
planetárias dos negócios, das finanças, do comercio e do fluxo de informação, é
colocado em movimento um processo localizador, de fixação do espaço.
Conjuntamente, os dois processos intimamente relacionados diferenciam nitidamente
as condições existenciais de populações inteiras e de vários seguimentos de cada
população (BAUMAN, 1999, p. 8).

Dessa forma, enquanto a globalização se torna modelo e modo de vida, uma vez que
não podemos mudar essa realidade e o que aparece para a sociedade é o que os meios de
comunicação mostram conforme interesses próprios, ela coloca na perspectiva localista, a
degradação social, já que tendemos a valorizar o que está distante em oposto ao que está
próximo.

A intenção aqui não se trata de desconhecer os benefícios da sociedade digital e da


formação da rede. O intrigante é conviver com todos esses avanços tecnológicos e se deparar,
ao mesmo tempo, com uma imensa parcela da população mundial sem acesso à educação básica
e superior, bem como à tecnologia e às redes disponíveis. Nesse sentido:

Essa sociedade tem como elemento central o capital humano qualificado em contínuo
aperfeiçoamento, que consegue criar e aplicar o conhecimento, agregando valor em
suas atividades. O surgimento de uma sociedade global de aprendizado criou a
necessidade de conjunto de ferramentas para a criação e o estímulo contínuo de novas
competências, que incluem elementos como liderança, capacidade de comunicação,
flexibilidade, adaptabilidade, vontade colaborativa e espírito inovador (GARRIDO;
RODRIGUES, 2012, p. 396).

A transformação da sociedade é impulsionada pelas Tecnologias de Informação e


Comunicação (TICs), que diminuem distâncias, melhoram a comunicação e diminuem custos
16

dos aparelhos, permitindo a um número cada vez maior de pessoas terem acesso aos recursos
de telefonia e de informática.

Veloso (2011, p. 49) aponta as TIC como o “conjunto de dispositivos, serviços e


conhecimentos relacionados a uma determinada infraestrutura, composta por computadores,
softwares, sistemas de redes”, tendo a capacidade de produzir, processar, distribuir informações
para organizações e sujeitos sociais.

Ainda, para Veloso existe uma diferença do referido aporte tecnológico dos demais e
esta é relacionada com o fato de que as TIC são resultado de uma junção entre as
telecomunicações com a informática e a computação.

Assim, as TIC acabam superando e mudando a forma como são criados, transmitidos e
armazenados os sistemas anteriores, inaugurando um novo método de articulação das
linguagens, através de novas técnicas e máquinas que são dotadas de capacidade de
armazenamento, processamento e troca de informações e dados em alta velocidade.

Pelo exposto, compreendemos que em diversas áreas da sociedade em rede, a tecnologia


acaba por produzir novas formas e possibilidades de linguagens, assim como novos
conhecimentos, saberes, e, consequentemente, desafios que irão permear a sociedade.

Nessa perspectiva que Castells afirma que:

É informacional porque a produtividade e a competitividade de unidades ou agentes


nessa economia (sejam empresas, regiões ou nações) dependem basicamente de sua
capacidade de gerar, processar e aplicar, de forma eficiente a informação baseada em
conhecimentos. É global por que as principais atividades produtivas, o consumo e a
circulação, assim como seus componentes (capital, trabalho, matéria-prima,
administração, informação, tecnologia e mercados) estão organizados em escala
global, diretamente ou mediante uma rede de conexões entre agentes econômicos. É
rede porque, nas novas condições históricas, a produtividade é gerada, e a
concorrência é feita em uma rede global de interação entre redes empresariais (2003,
p. 119).

Na referida proposta, Castells explica que a informação torna-se um ativo econômico


de suma importância para o desenvolvimento das sociedades globalizadas. O desenvolvimento
das TIC e o avanço da globalização acaba provocando diversas mudanças no tocante à forma
de produção de conteúdos e de formação de saberes, o que tem trazido também, de certa forma,
novos desafios e enfrentamentos.

Diante de tais aspectos, percebemos que a globalização revela a capacidade do homem


de apropriar-se, através do desenvolvimento técnico-científico e dos sistemas de poder, das
17

riquezas do mundo, especialmente através da exploração desmedida dos recursos naturais e do


processo de compressão espaço-tempo do mundo pós-moderno. Atualmente há um processo de
implementação e desenvolvimento da sociedade em rede, fortemente baseada na disseminação
de informações e nas conexões instantâneas.

3 O PAPEL DESEMPENHADO PELAS (NOVAS) TICs PARA O


DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO JURÍDICA EM REDE: ENTRE ENSINO,
TECNOLOGIA E PODER

Uma vez abordada a construção e o desenvolvimento da sociedade contemporânea, em


rede, no capítulo anterior, convém, a partir desse momento, inserir tal cenário na perspectiva da
educação jurídica. Para isso, a presente seção deter-se-á à investigação da importância das
novas tecnologias - mormente às de informação de comunicação, as TIC’s - para o
desenvolvimento de uma satisfatória educação jurídica em tempos atuais, além de estabelecer
as bases para uma compreensão de como se manifesta o vínculo entre poder e conhecimento
nessa era digital.

De acordo com a percepção de Veloso (2011, p. 50), as TICs “[...] agem como
instrumentos inovadores no aceleramento da comunicação, estimulam a interatividade,
modificam a produção e transformam as relações entre os indivíduos”. Sob a ótica de uma
sociedade que edifica seus pilares mais fundamentais na globalização, essas tecnologias - de
desenvolvimento propiciado pela internet - oportunizam em muito características básicas da
atualidade; celeridade na publicação, compartilhamento e, de modo mais geral, acesso a
informações, que constroem o cerne da sociedade globalizada em rede.

O termo “rede”, consoante o filósofo sociólogo alemão Jürgen Habermas (2001, p. 84),
“tornou-se uma palavra-chave, e tanto faz se se trata das vias de transporte para bens e pessoas,
de correntes de mercadorias, capital e dinheiro, de transmissão e processamento eletrônicos de
informações ou de circulações de pessoas, técnica e natureza”. Relações das mais diferentes
naturezas se entrelaçam por meio das TICs e formam redes cada vez mais complexas e
interdependentes.

Em suma,

têm-se hoje condições de tecnologia da informação e de comunicação que não se


dispunha há bem poucos anos. A informática por meio dos computadores pessoais
(microcomputadores) se popularizou a partir do fim da década de 90, assim como
ocorreu com as redes de comunicação para transmissão de dados, entre elas, a internet.
18

Esses recursos tornaram possível o acesso aos dados de um ente público para o mundo
inteiro. Sem sair do escritório ou da residência é possível acessar, analisar, questionar,
criticar e solicitar esclarecimentos da administração pública, sobre atos de gestão
praticados pelos mandatários. (SILVA, 2010, p. 58)

Destarte, é inegável que o surgimento e desenvolvimento das novas tecnologias da


informação e a velocidade de propagação comunicativa de toda sorte possibilita a expansão da
rede de forma rápida e com alto alcance. Por certo que, se essa (nova) realidade em rede,
complexa e globalizada atinge os mais variados aspectos da vida em sociedade, o ensino
também sentiu seus impactos. Em termos mais específicos, é necessário abordar a relação entre
as TICs e a sociedade em rede com o ensino jurídico, com seus desafios e possibilidades na
contemporaneidade.

Ao discutir sobre ensino, processos de aprendizagem e acesso ao conhecimento, é


imprescindível salientar que, por muito tempo, o saber foi privilégio de poucos. É claro que,
não muito rapidamente, essa realidade foi sendo alterada por inúmeros fatores colaborantes para
que um maior número de pessoas pudesse ter acesso à educação de uma maneira minimamente
satisfatória. Deixando de lado alguns desses fatores importantíssimos - não por relativizá-los,
mas sim por não serem o escopo da presente pesquisa - como o alargamento de políticas
públicas educacionais e a consagração do direito à educação como direito social
constitucionalmente garantido (art. 6º da Constituição Federal de 1988), o desenvolvimento da
internet e das novas TICs colaborou em muito para um cenário educacional mais democrático.

Notadamente no que diz respeito à educação no ensino superior, a lógica é a mesma.


Para Foucault (2004, p. 12), a educação é “o instrumento graças ao qual todo o indivíduo, numa
sociedade como a nossa, pode ter acesso a qualquer tipo de discurso”. Assim, reconhece-se o
cariz transformador que esse fenômeno tem em relação às pessoas que dele se beneficiam.
Todavia, o autor também alega que “todo o sistema de educação é uma maneira política de
manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que estes
trazem consigo” (FOUCAULT, 2004, p. 12). Com isso, denota-se a necessidade de utilizar os
mecanismos construtores do conhecimento e do saber com inteligência.

De um modo geral, Foucault (2006) argumenta que conhecimento é (ou mantém uma
relação umbilical com o) poder. Tentando extrair o aspecto mais positivo do conceito de poder
e das relações foucaultianas entre este e o saber, é possível falar em conhecimento como
mecanismo potencialmente emancipador, empoderador e, por isso, modificador de realidades.
19

Em uma percepção dedutiva, aplica-se essa ideia à educação jurídica - delimitação da presente
pesquisa -, onde o ensaio se deterá de agora em diante.

Ensinar direito, literalmente, não é tarefa fácil. Além do vasto cronograma curricular
para o ensino de disciplinas propedêuticas, ordenamentos, princípios, regras, orientações,
súmulas e jurisprudências, há a preocupação de aliar teoria e prática e, também, de estar sempre
consoante com seu tempo. Ao pensar o ensino jurídico contemporaneamente, parece que a
sociedade exige um processo de ensino-aprendizagem que tenha como premissa a incidência
não apenas na seara da qualificação profissional - seja ela de docência, advocacia ou carreiras
públicas diversas -, todavia também na vida pessoal e social dos educandos (SANTOS;
GOMES, 2009).

Em face dessa realidade emergente é que se parte do pressuposto do esgotamento do


que se concebe por modelo tradicional de ensino do direito no país. Essa problemática advém,
segundo Espindola e Seeger (2019, p. 101), de “compromissos
históricos e ideológicos que forjaram o ensino a partir de uma racionalidade subjacente,
que opera sobre os discursos de verdade das ciências humanas”, próprios de uma perspectiva
liberal de sociedade que, durante muito tempo, exclusivamente permeou o solo jurídico
brasileiro.

É essa realidade que Marat (1982) denuncia como sendo o senso comum teórico dos
juristas. O momento é de (ré)pensar as estruturas que compõe o ensino jurídico no país. É, em
sede de uma sociedade em rede, valer-se das TICs para abrir a visão a novas possibilidades e
oportunidades de educação jurídica. Expandir o compartilhamento de saberes dentro das salas
de aula em uma troca permeável, interdependente de professores e alunos. É pensar na
importância da complexidade dessas relações, para construir um direito profundo, conectado
ao seu tempo, disposto e capaz de solucionar as demandas emergentes de uma sociedade
absolutamente globalizada.

Ante a essa complexização de relações sociais, que deságuam na importância de


discussão e tutela de direitos difusos e transindividuais, pensar o direito sob uma perspectiva
estritamente liberal é ignorar todas essas necessidades, haja vista que essa proposta se preocupa
majoritariamente com direitos individuais de primeira geração - o que inegavelmente é
imprescindível, mas deve-se buscar um modelo democrático que melhor atenda a todos os
interesses em rede. “Não se trata de refutar a razão jurídica, mas antes
20

seus excessos que culminam em arbitrariedades e acabam por deslegitimar a fala do jurista e,
em última análise, deslegitimar o próprio Direito” (ESPINDOLA; SEEGER, 2019, p. 110).

Dada a velocidade das mudanças, não mais se pode imaginar que


um ensino focado na transferência de conhecimento do professor para o aluno seja
suficiente. Devem ser promovidas habilidades crítico-analíticas, criatividade e,
em especial, consistentes conhecimentos sobre os princípios orientadores do Direito.
Ao invés do tradicional e obsoleto treinamento positivista de “operadores do
Direito”, há que se ter como norte ter a ambição de forjar profissionais “artíf
ices do direito”, capazes de conceber inovadoras soluções jurídicas para casos
concretos, diante de sociedades que, se cada vez são mais complexas, por out
ro lado estabelecem relações sem solidez, na medida em que se vive uma era líquida,
numa referência baumaniana, e constantemente em mutação; o que influencia o
Direito, que, a princípio, se baseia em normas e precedentes rígidos. (HOGEMANN,
2018, p. 113)

A internet e seus mecanismos adjacentes oferecem uma ampla gama de ferramentas


capazes de potencializar o desenvolvimento do ensino jurídico. Há uma infinidade de materiais,
como livros e artigos científicos disponíveis em poucos cliques na rede. Os caminhos à busca
do conhecimento se tornaram inúmeros; não há, atualmente, assunto que não se possa conhecer
quando lançadas algumas palavras em algum site de buscas. Educar em rede é uma perspectiva
de ensino que se mostra altamente convidativa e possibilitadora de expansão de novos
horizontes.

Por certo que as TICs e seu meio de ação, a internet, não possuem somente pontos
positivos. Como bem relatam Santos e Gomes (2009, p. 145), nesse ambiente “tudo parece ser
“e-rápido”, e, melhor ainda, “e-realizável”, mesmo que o seja apenas no domínio do virtual
[...]”, mas nem tudo é assim tão fácil. “Para além da globalização,
outra dimensão que desafia gestores e docentes dos cursos jurídicos é como bem lidar com
os avanços tecnológicos [...] que, hoje, já atingem a seara do Direito tanto no âmbito
pedagógico como do exercício profissional, como uma realidade objetiva e inquestioná
vel.” (HOGEMANN, 2018, p. 113)

Certo é que novos avanços, novas descobertas e novas técnicas precisam ser
corretamente manejados, a fim de que deles possam ser extraídos seus melhores mecanismos
para a remodelação de uma sociedade condizente ao seu tempo. Assim, usar as novas
tecnologias a favor do conhecimento, da construção de saber e no compartilhamento de boas
ideias tende a render excelentes frutos para o desenvolvimento do ensino jurídico no país.
21

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa pesquisa buscou compreender os desafios e possibilidades percebidos na seara da


educação jurídica contemporaneamente, em sede de uma sociedade em rede, analisando a
manifestação de poder que se forja nesse cenário, bem como o papel da tecnologia nessa
realidade.

Assim, foi realizado um apanhado da historicidade social que deságua nos tempos
atuais, culminando em uma sociedade altamente complexa, globalizada, marcada por suas
relações constituídas em rede.

Ainda, ressaltou-se a importância das novas tecnologias para o desenvolvimento da


educação jurídica na atualidade, além de estabelecer as bases para uma compreensão de como
se manifesta o vínculo entre poder e conhecimento nessa era digital.

O desenvolvimento das TIC, em especial da rede mundial de computadores e de seu


ambiente informacional, tem provocado mudanças significativas quanto às formas de produção
de conteúdo informacional e tem trazido à tona novos desafios e enfrentamentos.

Dessa forma, diante das reflexões consideradas, podemos dizer que o ensino jurídico,
evidentemente, é atingido pela globalização e é para ele que são dirigidas as preocupações
quanto á formação. O que se espera, é que as novas descobertas e novas técnicas sejam
manejadas da forma mais proveitosa, a fim de que deles possam ser extraídos seus melhores
mecanismos para a remodelação de uma sociedade condizente ao seu tempo.

Nesse sentido, é possível alegar que a educação jurídica contemporânea se mostra


dependente do mecanismo da tecnologia em tempos de sociedade em rede na medida em que a
internet e seus mecanismos adjacentes oferecem uma ampla gama de ferramentas capazes de
potencializar o desenvolvimento da referida educação. Estão disponíveis na rede diversos
materiais, como livros e artigos científicos que auxiliam na construção do saber. Assim, as
alternativas na busca do conhecimento se tornaram as mais diversas; não há, atualmente,
assunto que não se possa conhecer quando lançadas algumas palavras em algum site de buscas.
Educar em rede é uma perspectiva de ensino que se mostra altamente convidativa e
possibilitadora de expansão de novos horizontes.

Assim, conclui-se que as novas ferramentas propiciadas pela globalização e pela


sociedade em rede precisam ser corretamente manejadas, a fim de que delas possam ser
22

extraídas seus melhores mecanismos para a remodelação de uma sociedade condizente com a
atualidade. Assim, as novas tecnologias devem ser usadas no auxílio da educação jurídica e da
construção de saber para que possa gerar novos rumos ao desenvolvimento do ensino jurídico
no país.

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VELOSO, Renato. Tecnologias da informação e comunicação: desafios e perspectivas. São


Paulo: Saraiva, 2011.
24

REEDUCAÇÃO JURÍDICA SOB A PERSPECTIVA DA


FILOSOFIA DO DIREITO - JUSTIÇA, DESIGUALDADE E
ESTADO DE EXCEÇÃO

Ana Isabel Mendes1


Marcio Renan Hamel2

RESUMO
A presente pesquisa aborda o atual momento do ensino jurídico e a contribuição da filosofia
do direito para a reeducação do direito no pós-pandemia. O texto apresenta inicialmente uma
análise da situação atual do ensino superior, tendo em vista as mudanças impostas pela
pandemia do vírus Covid-19, causando o imediato fechamento das instituições de ensino em
todos os níveis, com suspensão de todas as atividades presenciais a partir de maço de 2020. Em
segundo momento, analisa-se o potencial da disciplina de filosofia do direito a partir de três
questões-chave: a) a restrição dos campos de manifestação da justiça; b) a desigualdade social;
e, c) medidas de Estado de exceção. A conclusão aponta no sentido que a disciplina de filosofia
do direito apresente potencial capaz de fomentar o pensamento crítico e irresignado, a fim de
que a manutenção do Estado de Direito, a garantia das liberdades constitucionais e a
solidariedade sejam pedras-de-toque no pós-pandemia, considerando que o ensino on-line não
pode causar o reducionismo na formação profissional, o que será ainda mais devastador no pós-
pandemia para a ciência jurídica e social.

Palavras-chave: Desigualdade. Estado de exceção. Filosofia do direito. Justiça.

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa faz uma análise do atual momento do ensino do direito a partir da
eclosão do vírus Covid-19, causando uma pandemia, quando escolas e universidade em todo o
mundo foram repentinamente fechadas para quaisquer tipos de atividades presenciais,
passando-se ao ensino on-line remoto, o qual ainda perdura até o presente momento.

Dentro desse quadro, muitas são as questões que vêm sendo debatidas acerca do
presente e também do futuro do ensino jurídico, podendo-se apontar para questões que giram
desde o acesso dos estudantes à internet para pode acompanhar as aulas e atividades até o
preparo metodológico dos docentes para este tipo de ensino, considerando-se que, trata-se de

1
Mestranda em Direito pelo PPGDireito UPF. Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela UPF. Advogada -
OAB/RS 92.786. E-mail: aisabelmendes@hotmail.com.
2
Pós-Doutor em Direito pela URI Santo Ângelo/RS. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Uff/RJ. Mestre
em Direito, Cidadania e Desenvolvimento pela Unijuí/RS. Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais - e Filosofia
- pela UPF. Professor da Faculdade de Direito e do PPGDireito pela UPF. Advogado - OAB/RS 55.559. E-mail:
marcio@upf.br.
25

um momento não esperado, mas que, repentinamente, se instaurou de maneira quase que
absoluta.

Tal situação suscita muitas questões a serem pensadas a partir da prática pedagógica,
numa verdadeira reeducação do ensino do direito no pós-pandemia. Nesse sentido, a presente
investigação apresenta uma reflexão acerca da contribuição da filosofia do direito para essa
reeducação. Dessa forma, o texto apresenta duas seções, sendo que a primeira seção faz uma
abordagem da atual situação do ensino jurídico ressaltando, inclusive, pontos que são negativos
na relação pedagógica e que, uma vez enfraquecidos, podem ter influência no déficit formativo
do graduando em direito. A segunda seção, analisa, então, a contribuição da filosofia do direito
para a reeducação jurídica a partir de três perspectivas, quais sejam: a) a possível restrição dos
campos de manifestação da justiça; b) o aumento das desigualdades; e, c) a manutenção de
medidas verdadeiramente de Estado de exceção no país.

Para a execução da referida estrutura, o procedimento metodológico percorre a análise


e o esclarecimento de conceitos; identificação da ideia-chave; e argumentos; tentativa de
resumo e reconstrução pessoal do texto; como método de abordagem utiliza-se o hermenêutico-
fenomenológico, no qual a categoria epistemológica fundamental é a compreensão e a meta é a
interpretação dos fatos.

1 O ENSINO JURÍDICO EM ERA PANDÊMICA

A partir da eclosão do vírus batizado de Covid-19, o qual é causado pelo agente


etiológico dito SARS-Cov-2, enquanto síndrome respiratória aguda severa, cujo epicentro foi
na China em dezembro de 2019, mas que de maneira rápida atingiu a Europa e também a
América, tornaram-se necessárias a utilização de medidas denominadas de isolamento social.
Entre as medidas adotas se operou, também, o imediato fechamento das instituições de ensino
em todos os níveis, com suspensão de todas as atividades presenciais a partir de maço de 2020.

Nesse contexto de risco e medo, o Ministério da Educação editou a Portaria nº. 343, de
17 de março de 2020, que dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios
digitais, enquanto durar a situação de pandemia do novo coronavírus - Covid-19, destacando
que é de responsabilidade das instituições a definição das disciplinas que poderão ser
26

substituídas, bem como a disponibilização de ferramentas aos alunos para acompanhamento do


conteúdo e avaliações durante o referido período3.

Dessa forma, houve a substituição das aulas presenciais pelas digitais em caráter
emergencial, aderindo-se ao denominado sistema de ensino remoto, que difere da modalidade
de ensino à distância (EAD). A fim de elucidar melhor a questão, cabe trazer aqui a distinção
entre a modalidade à distância e a modalidade de ensino remoto, sendo que

o ensino remoto emergencial difere da modalidade de Educação a Distância (EAD),


pois a EAD conta com recursos e uma equipe multiprofissional preparada para ofertar
os conteúdos e atividades pedagógicas, por meio de diferentes mídias em plataformas
on-line. Em contrapartida, para esses autores, o intuito do ensino remoto não é
estruturar um ecossistema educacional robusto, mas ofertar acesso temporário aos
conteúdos curriculares que seriam desenvolvidos presencialmente. (RONDINI;
DUARTE, 2020, p. 43)

Os pontos de divergência entre as duas modalidades de ensino são, portanto, o preparo


pela equipe multiprofissional e os recursos nelas utilizados, sendo o modo de ensino remoto,
segundo Barbosa, Viegas e Batista (2021, p. 09) também denominado de híbrido, já que contém
mais de um método utilizado no ensino, reunindo a utilização de meios e tecnologias de
informação e comunicação.
Há ainda aspectos importantes a serem trazidos sobre as diferenciações do ensino
apresentadas atualmente, tais como o modelo síncrono e assíncrono de aulas, pois

novas formas de transmitir o conhecimento e os conteúdos são ofertados nas diversas


plataformas digitais online, na qual as aulas acontecem de forma remota através do
modelo síncrono (em tempo real) ou assíncrono (não é em tempo real), pois há
recursos que funcionam também como o modelo EAD, que é o da gravação e
disponibilização da aula, caso o aluno, naquele momento, não possa assistir.
Cabendo destacar, que o recurso de gravar e disponibilizar o material, não se refere a
tornar o método similar ao EAD, e sim, o de tentar potencializar a ferramenta. Até
porque, a visão deste recurso, é o de proporcionar não só o acesso dos alunos que
não acompanharam a aula de forma remota, mas também destes alunos poderem
revisar a explicação do professor(a), e esclarecer possíveis dúvidas. (BARBOSA;
VIEGAS; BATISTA, 2021, p. 263).

No que se refere, especificamente, ao ensino superior, um estudo realizado por Ferreira,


Branchi e Sugahara (2020, p. 01-10), em uma Instituição de Ensino Superior do estado de São
Paulo, em cursos administrados com metodologia tradicional e com metodologias ativas,

3
BRASIL. Ministério da Educação. Portaria nº 343, de 17 de março de 2020 que dispõe sobre a substituição das
aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia do Novo Coronavírus -
COVID-19.MEC. Disponível em: https://www.mec.gov.br/.
27

durante a pandemia Covid-19, constatou-se que “a falta de interação presencial e do contato


visual com os alunos impedem a real percepção de como os conteúdos estão sendo recebidos
por eles”. O estudo relatou, ainda, que em muitas vezes, mesmo o(a) professor(a) solicitando a
participação, há um silêncio absoluto junto à falta de participação, pois o fato de o aluno estar
“logado” na plataforma não significa estar conectado com a aula. Alguns desafios foram
apontados nessa pesquisa, entre os quais a ausência de relação direta aluno-professor, face a
face, típica de uma sala de aula; perfil do aluno; problemas com a maturidade, autodisciplina e
o isolamento, especialmente críticos em alunos mais jovens, bem como em períodos iniciais
dos cursos.

Quanto à área de ciências jurídicas e sociais, o desafio relacionado à possibilidade de


interação e de aprendizado colaborativo é o que chama atenção, pois corresponde diretamente
a um dos aspectos mais importantes ligados ao Direito: a comunicação, a argumentação e a
convivência em sociedade, objeto direto de estudo da área. Nesse sentido, conforme apontam
Lopes e Papalia (2020, p.112), o ensino jurídico se compreende enquanto ciência social e, em
sua essência normativa, volta-se ao interesse e bem-estar da coletividade. O direito aí pode ser
definido enquanto vinculação bilateral atributiva da conduta humana voltado à realização
ordenada dos valores de convivência humana.

Um fator que deve ser levado em consideração é que antes do cenário pandêmico, o
Brasil já enfrentava o fato da mercantilização do ensino jurídico no país. A prova disso, é a
reportagem publicada na Revista Consultor Jurídico (2020), relatando que o Censo da Educação
Superior constatou que, desde 2014, o direito é o curso com o maior número de estudantes
matriculados no país.

Em que peses os dados acima aparentem maior acesso ao ensino superior, não refletem
a qualidade do ensino jurídico no país. A título de exemplo, em uma análise feita pela Ordem
dos Advogados do Brasil no ano de 2016, entre os Exames da Ordem, abrangendo desde o II
até o XVII, constatou-se que em 16 (dezesseis) edições da avaliação, apenas 17,5% dos
bacharéis foram aprovados da totalidade dos 639.000 participantes.

Trazendo estes dados acima para a realidade enfrentada no ensino on-line durante a
pandemia da Covid-19, onde a interação humana e o diálogo estão prejudicados, bem como o
distanciamento entre o professor e aluno, não se pode ainda mensurar as consequências exatas
da migração total da forma de ensino, nem projetar com segurança se os bônus do momento
tornam esta modalidade de educação mais eficaz.
28

Todavia, o que se percebe na atualidade, em que ainda se enfrenta o processo


pandêmico, é que os cursos de Direito se adaptaram a esta modalidade à distância, realizando,
inclusive, bancas de qualificações de projetos, dissertações e apresentações trabalhos de
conclusão de curso. Isso ocorreu em todo o ambiente jurídico, pois as audiências estão
acontecendo por videoconferências, os processos estão sendo transformados em processos
eletrônicos. A mudança, portanto, ainda está ocorrendo. (LOPES, PAPALIA, 2020, p. 115)

Em verdade, com a mudança gerada na própria profissão, já que os operadores do


Direito têm necessitado da adaptação ao mundo on-line para continuarem trabalhando e ante as
fortes tendências de subsistir tais métodos de trabalho, parece que, cada vez mais, aumenta a
necessidade de inserção do aluno no mundo on-line, o que pode ser facilitado pela
aprendizagem na universidade.

Assim, embora tenha ocorrido a migração total, neste momento, do ensino do Direito
para o mundo on-line, em razão da pandemia, há aspectos que deverão ser levados em conta no
momento pós-pandemia.

Dentre os principais aspectos pode-se apontar o fato de que tanto as leis, quanto a
jurisprudência se modificam diariamente, demandando do profissional do Direito qualificação
não somente sobre aspectos jurídicos, mas também tecnológicos, a fim de que o jurista
acompanhe em tempo real o objeto do seu trabalho, sob pena de ocorrer uma defasagem do
profissional.

Ademais, com audiências, sessões de julgamento e até atendimentos realizados por meio
de videoconferências, o entendimento do mundo on-line se tornou um aspecto quase obrigatório
para o exercício da profissão, já que, sem esta competência, o profissional da área se encontra
à margem do mercado de trabalho, aspecto ressaltado durante este período.

Também se deve suscitar a questão da inacessibilidade à internet que, em era pandêmica,


significa a inacessibilidade à educação e, no aspecto aqui tratado, ao ensino superior, e que deve
ser pensado pelas Instituições de ensino superior neste momento e em momento posterior à
cessação da pandemia:

Apesar de o problema na educação superior ser menor em quantidade, ele atinge,


sobretudo, estudantes de baixa renda, minorias étnicas e domiciliados em regiões mais
pobres do país. Enfrentar esse problema assume um claro caráter de promoção da
equidade, portanto. Assim, distribuir chips de dados e equipamentos para esses
estudantes é fundamental, política que pode – e deve – ser complementada com a
abertura dos campi em horários específicos e pré-agendados para estudantes que não
conseguem acesso mesmo se lhes forem fornecidos os equipamentos necessários.
29

Nascimento et al. (2020) mostram que nem todos os domicílios dispõem de


infraestrutura para acesso à internet, pois sequer captam sinal de celular. (CASTIONI,
et al, 2021, p. 25)

Como se pode perceber, o ensino jurídico passa por diversos aspectos na era pandêmica,
que vão desde o só pesamento dos benefícios e prejuízos decorrentes da obrigatoriedade do
ensino on-line, que passam pelas relações humanas e sociais – imprescindíveis para o direito -,
até aspectos relacionados ao acesso ao ensino superior e, consequentemente, ao mercado
jurídico de trabalho.
Ainda que a população tenha sido surpreendida com um momento totalmente atípico e
repentino, que impossibilitou a preparação de inúmeros setores da sociedade, incluindo a
educação de nível superior - e jurídica -, há de se pensar nas consequências que as escolhas
realizadas no período trarão à sociedade, a fim de que se contribua, ainda em tempo, para a
melhoria do ensino do direito, a fim de se formar profissionais qualificados e atualizados, de
acordo com as exigências do momento e da sociedade.

2 A CONTRIBUIÇÃO DA FILOSOFIA DO DIREITO PARA A REEDUCAÇÃO


JURÍDICA NO PÓS-PANDEMIA

Nesse contexto, coloca-se a pergunta acerca de como será a educação jurídica frente a
um novo e desafiador momento do Brasil e, também, da humanidade no pós-pandemia. Muitas
são as questões a ser debatidas dentro desse tema, conforme exposto no item anterior, desde o
acesso à justiça até o cerceamento da liberdade humana enquanto consequências diretas das
medidas de restrições impostas pelos Estados como o distanciamento social e lockdown.

A primeira análise possível proposta pela perspectiva da filosofia do direito permite


refletir sobre a possibilidade da ampliação ou restrição da manifestação da justiça em uma era
de pandemia e também de pós-pandemia. Por isso reeducar será também ressignificar,
considerando-se a atmosfera de pânico e catástrofe instauradas sobre a terra não se pode
esquecer das promessas das luzes, afinal, liberdade, legitimidade e solidariedade, são estrelas
da constelação iluminista a partir das quais se moldaram os Estados da modernidade.

Para iniciar, pode-se colocar a pergunta feita por Ulrich Beck em A metamorfose do
mundo: “Qual é o significado dos eventos globais que se desenrolam diante de nossos olhos na
televisão”? (2018, p.15). Metamorfose aqui significa uma transformação radical, onde as velhas
certezas da sociedade moderna estão desaparecendo no momento em que algo novo surge.
30

A sociedade contemporânea não encontra mais a solução para os seus problemas em


uma matriz de direito exclusivamente positivista, de viés dedutivista-legalista, a qual já se
mostra inapta para a solução dos problemas que apresentam maiores complexidades sociais.
Esta é a chamada “sociedade do risco” apontada por Beck, segundo a qual as
transformações das ameaças civilizatórias da natureza são transformadas em ameaças sociais,
econômicas e políticas, o que se traduz em um desafio para o presente e para o futuro,
justificando-se o conceito de “sociedade do risco”. Dessa maneira, a produção de riquezas vem
acompanhada de forma sistemática da produção de riscos.

Esta é a lógica do desenvolvimento, onde os riscos da própria modernização se


consolidam em um jogo de tensões entre ciência, prática e esfera pública, cuja consequência
resulta em uma “crise de identidade”, novas formas de organização de trabalho, novos
fundamentos teóricos e novos desenvolvimentos metodológicos (BECK, 1998, p.210).

Nesse contexto, Beck afirma que há a necessidade de assimilação dos erros, bem como
da discussão pública sobre a modernização, pois “la discusión pública de los riesgos de la
modernización es el camino para la reconversión de los errores en oportunidades de expansión
bajo las circustancias de la cientificación reflexiva” (1998, p. 210).

De acordo com Daniel Innerarity (2017, p.143), precisa-se ainda de algum tempo para
entender essa nova situação, para comunicá-la e geri-la. Trata-se de um período caracterizado
pela presença cada vez maior de limites para a ação dos governos do que aqueles em que se
estava acostumado, fato que obriga a reinventar a política e a função dos governos. Reside aí,
um dos maiores problemas da política atual que é a redução das capacidades de controle dos
Estados, pois o que em outros momentos era entendido como o resultado das circunstâncias
contingentes, as quais não se tinha à disposição, hoje é tido como resultado de uma ação ou
omissão em relação à qual alguém é declarado como responsável, pois:

Onde antes o acaso ou o destino funcionavam como explicação, temos agora


responsabilidade política, quer se trate de epidemias, catástrofes naturais ou situações
de pobreza. (...) O sistema político caiu na armadilha da onipotência sugerida pelos
meios de comunicação social, mas convertida na regra da competição entre os agentes
políticos que se acusam mutuamente de não terem feito o suficiente (INNERARITY,
2018, p.144).

Sim, pode-se concordar com Pinzani (2020, p.27) que “a fraqueza do Estado gera falta
de solidariedade nacional e contribui, portanto, para enfraquecer o senso de cidadania e
alimentar a desconfiança contra o próprio Estado”. Nesse sentido, Pinzani alerta para o fato de
31

que tanto no debate público quanto no acadêmico discutem-se muito questões epidemiológicas,
medidas técnicas sobre o combate à epidemia; mas se fala muito pouco sobre a maneira pelas
qual as desigualdades socioeconômicas põem em risco de forma desproporcionada os
indivíduos mais pobres; quase nunca, porém, se ouve falar da necessidade de, por um lado,
fortalecer o aparelho estatal e o sentimento comum de cidadania (2020, p.29).

A segunda análise possível da filosofia do direito para a reeducação jurídica reside na


reflexão sobre as desigualdades sociais, considerando-se que aquelas situações vulneráveis de
pobreza e também de pobreza extrema, tendem a se aprofundarem no momento pós-pandemia.
Pinzani (2020) chama a atenção para esta questão, ressaltando que se impõe com urgência o
resgate de um sentimento comum de cidadania. Nesse sentido a disciplina de filosofia do direito
possui grande potencial capaz de propor essa reflexão, bem como de incutir nos estudantes de
direito o necessário sentimento comum de cidadania.

Em texto sobre a ascensão do neoconservadorismo, Habermas chamou a atenção para a


crise do Estado de bem-estar social e o esgotamento das energias utópicas, da sociedade de
início do século XXI. A perspectiva utópica parece ter sido consumida da consciência política,
ao passo que o futuro está impregnado de pessimismo estando este início do século XXI
debruçado sobre o panorama temível do perigo planetário de aniquilação dos interesses vitais
gerais (1997, p.115).

Habermas segue na tradição da teoria crítica, que atribui à filosofia uma função de
diagnose em relação aos males da sociedade moderna e também ao discurso
intelectual que fundamenta sua insurreição e justifica seus objetivos e motivações. É
exatamente o que acontece na prática da clínica médica, pois o diagnóstico da teoria
crítica não é uma empreitada especulativa, mas uma avaliação orientadora para
possibilitar a cura. Essa avaliação confere à filosofia o fardo e o privilégio da
responsabilidade política. (BORRADORI, 2004, p.26).

Em entrevista ao jornalista francês Nicola Truong, do jornal Le Monde, em 10 de abril


de 2020, posteriormente replicada por La Repubblica, em 12 de abril de 2020, com tradução da
versão italiana de Luisa Rabolini, a qual foi reproduzida no Brasil pelo Instituto Humanistas da
Unisinos em 13 de abril de 2020, Habermas se manifestou sobre a crise global sanitária em
perspectiva ética, filosófica e política.

De acordo com Habermas (2020), o perigo de que o estado de emergência possa se


transformar em uma regra democrática naturalmente existe. Argumenta o filósofo alemão que
a limitação de um grande número de liberdades importantes deve permanecer uma exceção
32

estritamente contida. Entretanto, a exceção é em si mesma exigida pelo direito primário á


proteção da vida e da integridade física.

Por outro lado, Habermas (2020) vê como um importante desafio ético o momento certo
de encerrar o isolamento social, uma medida moral e legalmente exigida para a proteção da
vida. O pensador alemão entende que os políticos devem resistir a tentação utilitarista de pesar
os danos econômicos ou sociais, por um lado, e as mortes inevitáveis, de outro.

Recentemente, e na contramão do pensamento de Habermas, o filósofo italiano Giorgio


Agamben em crítica à biopolítica e ao estado de exceção analisa a situação da pandemia da
Covid-19, afirmando que havendo esgotado o terrorismo como causa de medidas excepcionais,
a invenção de uma epidemia oferece o pretexto ideal para incutir o estado de medo nas pessoas
que se traduz imediatamente em estado de pânico coletivo. Resulta daí um círculo vicioso
perverso onde a limitação da liberdade imposta pelos governos é aceita em nome de um desejo
de segurança dos mesmos (2020, p.19). Essa é a terceira perspectiva possível de análise da
filosofia do direito, qual seja, a da perpetuação das medidas de isolamento social e restrição das
liberdades impostas pelos governos.

Para Agamben (2020, p.33), ainda mais triste do que as restrições das liberdades
impostas é degeneração das relações entre os homens que elas podem produzir. O outro homem,
quem quer que seja, inclusive um ser querido, não pode se aproximar e ser tocado, devendo
estar uma distância segura (distanciamento social). Nesse sentido, os governos determinaram
que tanto as universidades quanto as escolas sejam fechadas de uma vez por todas, sendo que
todos os conteúdos, lições, diálogos culturais e políticos sejam feitos de forma remota, e que,
na medida do possível, as máquinas substituam todo o contato – todo o contágio- entre os seres
humanos.

As medidas de quarentena e distanciamento social que privam os indivíduos de suas


liberdades são consideradas desproporcionais por Agamben, ao passo que elas efetivam uma
tendência crescente de autoridades públicas em utilizar o estado de exceção como um
paradigma normal de governos e, ainda, enquanto forma de exercer o poder de domínio
legal/legítimo sobre a vida dos indivíduos por meio de vigilância e penalização quando da
transgressão de regras da quarentena.

Na leitura de Guedes (2020, p.05), Agamben entende que a política é realizada a partir
da interação, da proximidade e de vivências concretas, enquanto que o distanciamento social e
o confinamento significam a ruptura da comunidade política. Nesse quadro, o pânico coletivo
33

se instaurou e com ele o confinamento e a massificação e passividade dos confinados à espera


de um líder que decrete ordens sobre seu fim.

Nesse ponto, Guedes (2020, p.05) entende que Agamben tem razão, lembrando que o
esvaziamento da vida política já existia antes da pandemia, sendo que na atual situação ele
apenas ganhou uma legitimidade técnica. O desafio de reconstrução da vida política é presente,
ressaltando-se, entretanto, que o individualismo liberal está invadindo a esfera social há tempo,
não sendo, pois, produto exclusivo da profilaxia de isolamento social.

Conforme Innerarity, as instituições educativas desempenham um papel fundamental na


implantação de hábitos que permitem o bom funcionamento do jogo democrático. Segundo o
filósofo, “a educação é muito importante, entre outros fatores, porque nela se pode oferecer
uma imagem caricaturada ou justa dos adversários e dos outros em geral, bem como mostrar a
importância dos acordos na história das sociedades” (2017, p.123).

Com isso, na medida em que aumenta a importância da educação não somente para a
instrução, enquanto educação técnica, mas também no sentido da reflexão, do pensar crítico,
aumenta também a importância da disciplina de filosofia do direito para o necessário
redimensionamento da educação jurídica no pós-pandemia, ou seja, a reeducação jurídica. O
pensamento crítico do operador do direito se reveste de importância fundamental no atual
momento vivido pelo Brasil, seu povo e suas instituições sociais.

Em tempos de ensino à distância no formato on-line, a reeducação jurídica precisará de


direcionamento no sentido da produção de um direito mais justo, capaz de garantir os espaços
necessários de manifestação da justiça no país, ao mesmo tempo em que deve ser capaz de
garantir os direitos humanos fundamentais aos mais pobres e vulneráveis, desde o acesso à
saúde até à educação escolar digna, bem como de garantir as liberdades públicas asseguradas
pela Constituição de 1988 e pelo Estado Democrático de Direito, e não o retrocesso a partir de
suas limitações, o que caracteriza pleno Estado de exceção.

No dizer de Silva (2019, p.212), a sociedade precisa estabelecer e reconhecer ordens


legítimas, por meio das quais cidadãos participantes da vida social e política democrática
graduem o pertencimento aos grupos sociais e também na vida social. O conceito de direito
subjetivo tem uma função fundamental nesse sentido, uma vez que esclarecem os limites bem
como as condições que legitimam o emprego das liberdades de cada sujeito.
34

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da presente pesquisa, pode-se apontar para algumas notas conclusivas, a partir
das quais se conclui pelo enorme potencial que a disciplina de filosofia do direito possui na
contribuição para a reeducação jurídica no momento de pós-pandemia, a partir de três
perspectivas possíveis, quais sejam, justiça, desigualdades e Estado de exceção.

Como primeira nota conclusiva, aponta-se para o fato de que a atualidade do ensino
jurídico no Brasil, forma remota on-line, é preocupante com base nos pontos levantados pela
presente pesquisa. De maneira específica, ressalta-se o levantamento feito por Ferreira, Branchi
e Sugahara, em cursos administrados com metodologia tradicional e com metodologias ativas,
durante a pandemia Covid-19, onde constatou-se que a falta de interação presencial e do contato
visual com os alunos impedem a real percepção de como os conteúdos estão sendo recebidos
por eles. Entre os desafios apontados neste estudo, encontram-se a ausência de relação direta
aluno-professor, face a face, típica de uma sala de aula; perfil do aluno; problemas com a
maturidade, autodisciplina e o isolamento, especialmente críticos em alunos mais jovens, bem
como em períodos iniciais dos cursos. A partir dessas considerações se pode colocar a pergunta
acerca de como este(a) estudante está se preparando para enfrentar uma sociedade
extremamente desigual no sentido socioeconômico e como vê o papel do direito em tal
contexto.

Enquanto segunda nota conclusiva, pode-se assinalar no sentido de que o enfrentamento


de possível encolhimento dos campos de manifestação da justiça no país, bem como do aumento
das desigualdades socioeconômicas, enquanto reflexos diretos da pandemia do Covid-19,
poderão ser realizados por profissionais preparados a partir de perspectivas críticas e humanas.
Cidadania e solidariedade não são elementos decorrentes de dogmatismos, mas sim de
formação humana sólida, a partir de onde se possa ter plena noção do outro, enquanto um dos
nossos. Os cursos e faculdades de direito devem estar atentos, dessa forma, para o fato de que
o ensino remoto on-line pode causar um reducionismo na formação profissional, o que será
ainda mais devastador no pós-pandemia para a ciência jurídica e social.

A terceira nota conclusiva reside na latente preocupação de potencial manutenção das


limitações e restrições das liberdades públicas, a partir das medidas de quarenta e
distanciamento social impostas pelos governos. Referidas medidas não podem ser vistas ou
tidas como um paradigma normal em sua utilização pelos governos, o que caracterizará em
verdadeiro Estado de exceção. Por isso, conforme apontado por Guedes, a reconstrução da vida
35

política é urgente, sendo que pela presente pesquisa, tal tarefa deve ter a contribuição direta da
disciplina de filosofia do direito para a manutenção do Estado Democrático de Direito.

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Acesso em: 02 de maio de 2020.
37

DIÁLOGOS DE(S)COLONIAIS ENTRE ENSINO JURÍDICO E


FEMINISMO1

Bianca Soares Roso2


Marina Paiva Alves3

RESUMO
Este ensaio tem como objeto a de(s)colonialidade do ensino jurídico com a finalidade de se
buscar elementos epistemológicos para o ensino jurídico a partir das especificidades da
realidade Latino-americana. Objetivou-se verificar a história do ensino jurídico no Brasil,
dando um enfoque à participação das mulheres no ensino jurídico, bem como a reprodução da
colonialidade do saber e poder. Desse modo, utilizou-se da construção dos Estudos pós-
coloniais Latino-Americanos, assim como dos Estudos feministas pós-coloniais Latino-
Americanos, buscando a sua aproximação e dar resposta ao presente artigo. Desse modo,
apresentou-se apontamentos para uma aproximação epistemológica entre os estudos pós-
coloniais latino-americanos e os estudos feministas pós-coloniais latino-americanos, com o
objetivo de acolher as epistemologias que circundam os fenômenos jurídicos e torna-las visíveis
a esse sistema, buscando abertura para outras formas de conhecimento e humanidade. Para isso,
adota-se uma abordagem da perspectiva metodológica fenomenológica, enquanto visão de
mundo, como postura/atitude fenomenológica.

Palavras-Chave: De(s)colonialidade. Ensino Jurídico. Estudos pós coloniais. Feminismo


descolonial.

INTRODUÇÃO
“Que possamos pegar nossos livros e canetas. São as armas mais poderosas. Uma
criança, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo” Malala
Yousafzai

A citação de Malala Yousafzai ganha maior significado quando conhecemos a história


que levou a ativista paquistanesa a conquistar o Prêmio Nobel da Paz. Malala se tornou
mundialmente conhecida após sofrer um atentado ao sair da escola quando tinha 15 anos,
baleada na cabeça. Os líderes talibãs que dominavam o local exigiram que fossem interrompidas

1
O presente ensaio é fruto das pesquisas desenvolvidas junto ao Grupro de Pesquisa e Extensão PHRONESIS,
cadastrado no CNPQ e vinculado ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Santa Maria, assim
como contou com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) –
Código de Financiamento 001.
2
Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Graduada em Direito pela
Universidade Franciscana-UFN. Membro do grupo de pesquisa e extensão PHRONESIS: Jurisdição e
Humanidades, cadastrado no CNPQ e vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direito da UFSM. E-mail:
biancasoaresroso@gmail.com.
3
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), membro do Grupo de Pesquisa e
Extensão PHRONESIS: Jurisdição e Humanidades cadastrado no CNPQ e vinculado ao Programa de Pós-
Graduação em Direito da UFSM. E-mail: marinapaivalves@gmail.com.
38

as aulas dadas às mulheres, de modo que Malala se posicionou veementemente contra a


proibição. A partir de então a jovem engajou-se pela educação feminina, se tornando um
símbolo dessa luta (YOUSAFZAI, 2013).

A educação e seu potencial transformador também são retratados por Rubem Alves, em
sua obra “A alegria de ensinar”, na qual o autor desnuda o segredo do feitiço ao qual às pessoas
foram submetidas e viraram sapos: uma característica externa colocada nos seres humanos
através dos processos educativos e relações de poder. Ao mesmo tempo, ele chama a atenção
para a luta constante contra o feitiço, tal feitiço que tenta tornar o corpo das pessoas iguais as
palavras que lhe foram ensinadas.

Ao abordar o tema envolvendo a de(s)colonização do ensino jurídico sob o enfoque das


relações de poder, se faz pertinente trazer os feitiços lançados através do Sistema mundo
colonial/moderno, que enfeitiçam e criam uma roupagem envolta de ideologias opressoras e
excludentes, que se manifestam através de palavras, simbologias, bem como nas legislações,
mesmo em sociedades ditas democráticas, como o Brasil. Desse modo, é inegável a
necessidade de repensar e reordenar a tradição normativa, objetivando problematizar certas
práticas sociais e experiências culturais dominadoras. Tendo em vista que tal indagação se
demonstra muito ampla, toma-se por intenção delimitar tal inquietude por intermédio do
problema posto a seguir: através da de(s)colonização do ensino jurídico é possível visualizar
um cenário rumo a um processo de conscientização e emancipação, superando o modelo
dominante/colonial de educação jurídica? Essas considerações partem de uma perspectiva
metodológica fenomenológica. Dessa forma, busca-se responder a problemática assumindo
uma postura/atitude fenomenológica enquanto visão de mundo, livre de conceitos e definições
apriorísticas acerca daquilo que pretende desvelar-se, questionando seus fundamentos
(MASINI, 1989 e LIMA, 2014), de modo que o trabalho em dois importantes desdobramentos.

Num primeiro momento, estudar-se-á aspectos atinentes, de forma breve, acerca da


historicidade do ensino jurídico no Brasil e a participação feminina no Direito, bem como sobre
a reprodução da colonialidade e poder no ensino do Direito, no intuito de descontruir a matriz
fundada com o Sistema e mundo colonial/moderno. Para tanto, parte-se de uma breve retomada
histórica da construção do ensino jurídico no Brasil, fortemente influenciado pelos ideais
colonizadores, com destaque às limitações ao ensino/exercício do Direito enfrentadas pelas
mulheres. Após, apresenta-se apontamentos para uma aproximação epistemológica entre os
estudos pós-coloniais latino-americanos e os estudos feministas pós-coloniais latino-
39

americanos, com o objetivo de acolher as epistemologias que circundam os fenômenos jurídicos


e torna-las visíveis a esse sistema, buscando abertura para outras formas de conhecimento e
humanidade, rompendo com a dogmática jurídica dominante, conforme pretendemos expor.

1 BREVE HISTÓRICO DO ENSINO JURÍDICO NO BRASIL E A REPRODUÇÃO DA


COLONIALIDADE DO PODER

“Eles tinham dúvida se nós éramos humanos e se podíamos ser admitidos como
católicos, se conseguiríamos pensar o suficiente para entender o que significava tal
privilégio. Eu achava que era só no Brasil que os pretos tinham que pedir dispensa
do defeito de cor para serem padres, mas vi que não, que em África também era assim.
Aliás, em África, defeituosos deviam ser os brancos, já que aquela era a nossa terra
e éramos em maior número. O que pensei naquela hora, mas não disse, foi que me
sentia muito mais gente, muito mais perfeita e vencedora que o padre. Não tenho
defeito algum e, talvez para mim, ser preta foi e é uma grande qualidade, pois se fosse
branca não teria me esforçado tanto para provar do que sou capaz, a vida não teria
exigido tanto esforço e recompensado com tanto êxito. ”

O romance Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves, ilustra a realidade colonizadora


que orientou a construção da nação brasileira. Nesse mesmo contexto foram criados os
primeiros cursos jurídicos no Brasil, em São Paulo e Olinda, logo após a declaração de
independência, por meio da Carta Lei de 11 de agosto de 1827 (BRASIL, 1827), destinados a
formar a elite política brasileira. A “origem dos cursos de direito no Brasil se deu em um
contexto conturbado e de ruptura, onde o absolutismo cedia ao liberalismo e um novo modelo
cientifico emergia” (ESPINDOLA; SEEGER, 2019, p. 97). Mais do que isso, a partir do
processo de independência do Brasil, as instituições jurídicas surgem como um elemento capaz
de amparar o país que precisava descolonizar-se ideológica e intelectualmente da metrópole.

Nessa seara, a criação dos cursos de Direito, somada à elaboração da Constituição e da


Legislação Imperial foram, os principais elementos da construção da cultura jurídica do século
XIX (WOLKMER, 1999, p.80). Wolkmer ainda salienta que durante esse longo processo de
colonização portuguesa foi consolidada uma cultura jurídica singular, que reproduziu condições
contraditórias. Por um lado, a retórica formalista liberal. Por outro, o conservadorismo das
práticas burocrático patrimonialistas. Assim, “a dinâmica dessa junção resultou nos horizontes
ideológicos de uma tradição legal – quer seja em suas ideias, quer em suas instituições –
marcada por um perfil liberal-conservador. ” (WOLKMER, 1999, p.86).

Ao final do século XIX a sociedade brasileira passou por intensas transformações


políticas e sociais que propiciaram outras formas de ver e entender a nova realidade do país.
40

Contudo, a partir de tal afirmação surge o questionamento a respeito da participação feminina


neste cenário de transição, uma vez que se busca problematizar as experiências sociais/culturais
e dominadoras que perpassam o universo jurídico e, por sua vez, o ensino do Direito. Sabe-se
que durante várias décadas os cursos jurídicos brasileiros foram dominados por homens e o
exercício da advocacia manteve uma percepção equivocada de que que a “arte” para a exercer
advinha da virilidade masculina, crença alicerçada desde e no Direito Romano (GUIMARÃES;
FERREIRA, 2009 p. 136).

A mulher que ousava “aventurar-se” no espaço público era vista como inferior, visto
que esse espaço foi culturalmente construído como masculino e à mulher estaria reservada a
esfera doméstica do espaço privado. Ainda hoje a dicotomia entre a esfera pública e privada
demonstra que é impossível compreender de forma deslocada o papel dos indivíduos em cada
um dos âmbitos. A recente incorporação das mulheres no mercado de trabalho ainda está
desacompanhada de uma divisão das tarefas domésticas consideradas tipicamente femininas.
Ou seja, o problema não perpassa somente a divisão sexual, mas aparentemente a divisão social
do trabalho e consequentemente a problematização de estruturas mais amplas do que somente
a desigualdade de gênero (MIGUEL; BIROLI, 2014).

A história da educação das mulheres brasileiras, que teve seu início tardio no final século
XIX, foi influenciada pelos ideais iluministas estabelecidos desde o século XVIII, período no
qual se consolidou o discurso da mulher frágil, emotiva, amorosa, incapaz e, portanto,
“inferior”, não permitindo o acesso ao conhecimento a partir dessa condição opressiva. O
triunfo da burguesia introduziu um conjunto diferente de tarefas que deveriam ser
desenvolvidas pelas mulheres, conforme esclarece Bauer. É nesse momento que se constroem
as figuras da mãe do amor materno, delimitando ainda mais o espaço feminino. A introdução
de novas tarefas a serem desenvolvidas pelas mulheres acompanhou o triunfo da sociedade
burguesa, consolidando a definição do que seriam as tarefas masculinas e femininas: “as tarefas
desempenhadas pela mulher no âmbito do lar deixaram de ser consideradas trabalho, solapadas
pelas ideias do amor, da felicidade familiar e doméstica” e, do mesmo modo, a educação das
jovens e da nobreza tinha por objetivo a preparação para o casamento, a vida social e o cuidado
com os filhos (BAUER, C. 2001, p. 60).

Nesse contexto, a mulher constituía-se como um ser destinado à procriação, ao lar e,


sobretudo, para agradar ao homem. Durante o desenvolvimento da sociedade a história registra
a discriminação entre homens e mulheres, principalmente no que se refere à educação. Temas
41

abordados a partir de uma perspectiva de gênero eram pouco desenvolvidos, considerando que
as intelectuais mulheres enfrentavam grande dificuldade no desenvolvimento de suas pesquisas.
Connelli e Pearse destacam que ainda que as teóricas Harriet Martineau na Grã-Bretanha e
Suzan B. Anthony nos Estados Unidos já abordassem questões sobre sufrágio, reformas
legislativas e educação para mulheres, as temáticas foram pouco aprofundadas. Mais do que
mera dificuldade, mulheres eram excluídas de quase todas Universidades à época (CONNELI;
PEARSE, 2015, p.125).

No Brasil a realidade exclusivamente masculina nos Cursos de Ciências Sociais e


Jurídicas só foi rompida em 1888, 60 anos depois da sua instalação. Assim, concluíram o curso
de Direito na Faculdade do Recife, Maria Coelho da Silva Sobrinha, Delmira Secundina e Maria
Fragoso. No ano seguinte, na mesma instituição Maria Augusta C. Meira Vasconcelos obteve
o grau de bacharela em Direito (GUIMARÃES; FERREIRA, 2009 p. 136). Considerando a
conjuntura majoritariamente masculina destes espaços, a presença dessas mulheres na esfera
pública foi um grande progresso, visto que o poder dominante social estava a cargo do
patriarcalismo.

Contudo, apesar da formação jurídica, nenhuma dessas mulheres chegou efetivamente


a exercer a atividade forense. Tal conquista ocorreu somente no ano de 1906, após muita luta,
por Myrthes Gomes de Campos. Embora bacharelada em 1898 pela Faculdade Livre de
Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, logo após a formatura Myrthes enfrentou uma
série de entraves “comuns” às mulheres pioneiras que desejavam desempenhar a profissão para
a qual estavam academicamente habilitadas. O primeiro obstáculo foi a dificuldade em ter
reconhecido o diploma de bacharel pelo Tribunal da Relação do Rio de Janeiro (GUIMARÃES;
FERREIRA, 2009, p. 138).

Durante o processo em busca do reconhecimento junto ao processo de legitimação


profissional e ingresso nos quadros do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros (IOAB),
Myrthes também buscava permissão para atuação no Tribunal do Júri. Posteriormente, a
primeira advogada brasileira utilizaria de seus anos de atuação na tribuna como plataforma de
luta pela igualdade de gênero e participação social feminina. Apenas em julho de 1906 Myrthes
Campos finalmente conseguiu fazer parte da Casa de Montezuma, como também era chamado
o Instituto da Ordem dos Advogados do Brasil, sendo a primeira mulher a alcançar tal feito
(GUIMARÃES; FERREIRA, 2009, p. 143).
42

Nessa seara, entende-se que nas décadas marcadas pelo período colonial brasileiro, as
mulheres encontravam-se totalmente excluídas do ensino superior, sendo a educação de
segundo grau direcionada às elites do sexo masculino nos cursos imperiais (Medicina,
Engenharia e Direito). Apenas em 1881, por meio de decreto imperial, foi facultada tal
prerrogativa ao gênero feminino, que representava, entre 1907 e 1912, a porcentagem de 1,5%.
(BELTRÃO; ALVES, p. 128-129)

Sendo assim, salienta-se que os motivos do baixo grau de investimento educacional


brasileiro tiveram em suas origens o modelo econômico baseado em uma estrutura escravocrata.
Enquanto a população permaneceu no campo, utilizando meios arcaicos de produção, a escola
não exerceu um papel importante na qualificação dos recursos humanos, sendo apenas agente
de educação para a preparação para as carreiras liberais, no caso dos homens, ou para
professoras primárias e donas-de-casa, no caso das mulheres. (BELTRÃO; ALVES, 136, p.
129.)

O caminho percorrido até aqui demonstra que desde sua criação o Direito brasileiro
deixou de observar as contribuições de sujeitos historicamente subalternizado, como indígenas,
negros e mulheres. Uma vez que o ensino jurídico esteve a serviço dos interesses das elites
dominantes da época, bem como reproduziu os ideais propagados em seu berço – Coimbra –, a
cultura jurídica centrou-se em valores essencialmente europeus e colonizadores, sendo
sustentáculo de processos genocidas e de desintegração cultural, permitindo a regulação servil
de mulheres e o regime escravocrata da população negra e indígena.

Do mesmo modo, Seeger coloca que no ensino jurídico os saberes produzidos por
grupos subalternizados pela dominação colonial não têm voz. Suas vivências e saberes são
desconsiderados e a eles é relegado um espaço marginalizado, inferiorizado e de histórica
exploração (SEEGER, 2018, p 30), enquanto o Direito “que nasceu para proteger e regular os
indivíduos e a sociedade, e o próprio Estado, terminou por selecionar os marginalizados,
(in)visibilizando-os; acentuar as desigualdades sociais; e sustentar as oligarquias de poder no
“topo das colinas administrativas” (RIBEIRO; SPAREMBERGER, 2017, p. 22).

A fim de romper com essa realidade, busca-se suporte na obra Waratiana. A partir da
compreensão da semiologia do poder é possível compreender este contexto. Uma vez verificado
o poder que o discurso confere aos sujeitos, verifica-se “os fatores sociais de certas formações
discursivas como fatores co-determinantes da forma de organização da sociedade” (WARAT;
ROCHA, 1995, s.p). Assim, a semiologia do poder preocupa-se com o condicionamento que os
43

discursos exercem na sociedade, mostrando as funções sociais que o conhecimento jurídico


esquematiza, as diferenças que ignora, as contradições que oculta e a forma como coloca, um
certo limite nas problemáticas ante a emergência dos novos direitos e realidades que foram
ignoradas (WARAT; ROCHA, 1995, s.p).

Conforme expõe Pepe e Hidalgo, o pensamento Waratiano propõe uma “virada”.


Enquanto a disciplina é “entendida como modo de dominação dos corpos e das mentes, e ligada,
no ensino jurídico, à dogmática, desprendida da realidade social” a partir dos estudos rupturais
propostos por Warat é possível alcançar um “lócus privilegiado no seio da qual os saberes se
encontram em uma significação no mundo, [...] a ser sempre transformado com a construção de
sentidos autênticos” (PEPE; HIDALGO, 2013 p. 284). A partir dessas perspectivas iniciais
passamos a desvelar o segundo tópico, a fim de buscar uma reestruturação do pensamento
jurídico que seja capaz de abarcar as realidades que foram ignoradas e torná-las visíveis ao
universo dos juristas.

2 APROXIMAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS ENTRE O FEMINISMO LATINO-


AMERICANO E OS ESTUDOS PÓS-COLONIAIS LATINO AMERICANOS

“Vocês partiram o mundo em vários pedaços e chamaram de países declararam posse


sobre o que nunca lhes pertenceu e deixaram os outros sem nada -colonizado”
Rupi Kaur

A invasão das terras “descobertas” determinou uma organização social, política, cultural
e econômica de exploração e de dominação sobre os povos latino-americanos (SARTORI;
SANTOS; SILVA, p. 86-98, 2015). Dessa forma, resultou na instauração arbitrária de uma nova
ordem de poder, direta e formal de um povo “soberano”, o europeu, sobre os povos que foram
inferiorizados, índios e negros. Esses acontecimentos marcaram de forma permanente o
surgimento de uma nova época: a “descoberta” da América e o encontro com diferentes culturas
e modelos civilizatórios diferente dos europeus que produziram inúmeras consequências.

Na Europa a crise populacional levou à subjugação das mulheres à reprodução. Por


outro lado, na América colonizada a resposta foi o tráfico de escravos, considerando a ausência
de mão de obra nativa (FEDERICI, 2017, p. 20). Esse “modelo” de colonialismo foi
disseminado através da colonização dos povos e das culturas dominadas em toda a América e
posteriormente reproduzido a nível mundial. Ou seja, a colonização é uma etapa do
44

colonialismo que se traduz pela imposição de um modelo único e universal. Neste caso ele é
masculino, branco ou europeu (SARTORI; SANTOS; SILVA, p. 86-98, 2015).

Desse modo, compreende-se que o modelo de dominação se sustenta em dois pilares a


racionalização e a racialização. O primeiro diz respeito a hegemonia dos conhecimentos
produzidos pelos europeus, sendo considerados os únicos detentores de epistemologias válidas.
O segundo, dá-se por meio da construção da ideia de raça, que classifica e hierarquiza os povos
e raças superiores e inferiores, essa construção cultural, distribui lugares e papéis sociais no
sistema de dominação mundial (QUIJANO, 2005).

Como tal característica, o sexismo e o racismo foram legislados e impostos. Assim,


dentre as proibições mais assustadoras, cita-se a que o casamento e as relações sexuais entre
negros e brancos foram proibidas. As mulheres brancas que se casavam com os negros foram
condenadas e os filhos gerados foram escravizados para o resto de suas vidas. De tal modo, a
colonialidade assume não se traduz somente a partir da classificação dos povos em temos de
colonialismo de poder e de gênero. Conforme Lugones, também o processo de redução ativa
das pessoas, o processo de sujeitificação e a tentativa de tornar os colonizados menos que seres
humanos são reflexos dessa atitude colonizadora.

Assim como a discriminação estabelecida pela “raça”, a discriminação sexual era mais
que uma bagagem cultural que os colonizadores trouxeram da Europa. “Tratava-se nada mais,
nada menos, do que da destruição da vida comunitária, uma estratégia ditada por um interesse
econômico especifico e pela necessidade de se criarem as condições para uma economia
capitalista” (FEDERECI, 2017, p. 220-221). Como bem coloca a autora, das mulheres era
esperado que trabalhassem e, assim como os homens, também estavam sujeitas a castigos
cruéis, ainda que estivessem grávidas. Para além da agonia física, a humilhação sexual também
as acompanhava, sujeitas aos ataques de seus senhores.

Nessa seara, enquanto na Europa, a coação das mulheres à procriação havia levado à
imposição da pena de morte pelo uso de contraceptivos, mas colônias, a mudança para uma
política de criação tornou as mulheres mais vulneráveis aos ataques sexuais, embora tenha
levado a certas “melhorias” nas suas condições de trabalho, construíram-se casas de parto e
ofereciam parteiras. “No entanto, essas mudanças não eram capazes de reduzir os danos
infligidos contra as mulheres pelo trabalho nos campos, nem a amargura pela falta de liberdade”
(FEDERICI, 2017, p. 228). A caça às bruxas na América continuou se desenvolvendo em ondas
até que a crescente segurança política e econômica da estrutura de poder colonial se combinara,
45

colocando fim à perseguição, dando lugar a uma perspectiva paternalista que considerava a
idolatria e as práticas mágicas como habilidades de pessoas ignorantes.
Assim, “se aplicarmos as lições do passado ao presente, nos damos conta de que a
reaparição da caça às bruxas em tantas partes do mundo durante a década de 1980 e 1990
constituiu um sintoma claro de uma forma de “acumulação primitiva” (FEDERICI, 2017, p.
417). Observa-se, portanto, esse resquício de “coisificação” das pessoas negras. Em especial,
quando se fala de mulheres negras, existe o imaginário de que são incansáveis, capazes de
suportar grandes esforços (sobre)naturalmente.

Desse modo, verifica-se que as proibições em relação ao casamento e à sexualidade


feminina também aqui serviram para impor a exclusão social. Assim, “o sistema escravista
definia o povo negro como propriedade. Já que as mulheres eram vistas, não menos do que
homens, como unidades de trabalho lucrativas, para os proprietários de escravos elas poderiam
ser desprovidas de gênero” (DAVIS, 2016, p.71). Por outro lado, Lugones propõe “o sistema
moderno colonial de gênero como uma lente através da qual aprofundar a teorização da lógica
opressiva da modernidade colonial”. Dessa forma o que a autora busca é “enfatizar que a lógica
categorial dicotômica e hierárquica é central para o pensamento capitalista e colonial moderno
sobre raça, gênero e sexualidade” (LUGONES, 2014, s/p).

Mesmo com a “descolonização” da América, ao deixar de ser colônia, o padrão mundial


de poder, colonial, patriarcal e capitalista não acabou, pelo contrário, permanece até a
atualidade, com novas roupagens para conservar a sua dominação. De tal modo, a colonialidade
“baseia-se na imposição de uma classificação étnica/racial/sexual/ de gênero da população
mundial como a pedra angular desse padrão de poder” (QUIJANO, 2005). Vale ressaltar que
mesmo dentro dos estudos feministas o recorte racial precisa ser evidenciado, como destaca
Seeger. A autora destaca que enquanto às mulheres brancas a submissão esteve atrelada ao
casamento, ao lar e à figura do marido, às mulheres negras foi reservado o trabalho escravo e a
objetificação (SEEGER, 2018, p. 54-55).

Assim, tem-se que a colonialidade é um processo de dominação e exploração no qual o


ideário colonial penetra as estruturas sociais. Tal somatização de opressões colabora para a
reprodução de estereótipos sociais do papel e profissões cabíveis as mulheres negras, por
exemplo. Logo, “Mulher negra, naturalmente, é cozinheira, faxineira, servente, trocadora de
ônibus ou prostituta. Basta a gente ler jornal, ouvir rádio e ver televisão.” (GONZALEZ, 1984,
p. 226).
46

Para Aníbal Quijano, há três eixos da colonialidade: do poder, do saber e do ser. Para a
perspectiva da colonialidade do poder ela produz e reproduz dicotomias entre os povos
superiores e inferiores, no caso das mulheres do primeiro mundo e das mulheres do terceiro
mundo, o que determina a distribuição e o controle dos povos subalternizados mundialmente.
A colonialidade do saber implica na negação e na invalidação dos conhecimentos dos não-
europeus. Os povos subalternizados, não são reconhecidos e suas epistemologias não são
capazes de produzir conhecimentos verdadeiros para o padrão hegemônico/eurocêntrico. Essas
manifestações consolidam-se na colonialidade do ser que denota da subalternidade do não-
europeu, que passa a aceitar a imagem do colonizador como sua, ocultando a dominação
colonial (QUIJANO, Aníbal. 2005). Dessa forma, “classe e raça se impõem como variáveis
nesse caso, expondo o fato de que as experiências das mulheres variam segundo sua posição
social também no que diz respeito à política reprodutiva” (MIGUEL; BIROLI, 2014, p.3).

Assim, no início do século XX, perspectivas eugênicas foram base para propostas de
flexibilização nas leis que criminalizavam o aborto na América Latina. Nesse sentido, o racismo
e o controle populacional fundamentaram políticas de esterilização (adotada até muito
recentemente no Peru), entre as mulheres negras, indígenas e pobres da América Latina
(MIGUEL; BIROLI, 2014). Nesse seguimento, a colonialidade do gênero ou feminismo
descolonial permite compreender a opressão na qual cada pessoa pode ser vista como um ser
vivo e histórico. Ou seja, a tarefa da feminista descolonial inicia-se vendo a diferença colonial
e enfaticamente resistindo ao seu próprio hábito epistemológico de apagá-la. Pois, é nas
histórias de resistência na diferença colonial onde devemos residir, aprendendo umas com as
outras, bem como para começar a aprender sobre as outras que resistem à diferença colonial.

O movimento feminista descolonial deve repudiar a hegemonia do discurso como um


todo, assim como, criticar os próprios discursos generalizantes, sendo autocrítico quanto a isso.
Dessa forma, deve-se alinhar a teoria com a realidade das mulheres em vulnerabilidade social.
Assim, através da primeira tentativa de aproximação entre o Feminismo Latino-americano e os
Estudos Pós-coloniais Latino-americanos, percebe-se que ambas as teorias mostram
correlações em seus conceitos, uma vez que nos ajudam a olhar para o povo Latino-americano
como protagonista de luta por libertação do sistema colonial/moderno e patriarcal. Ambas
assinalam a necessidade de valorizar os saberes ancestrais e descolonizar-se dos moldes
eurocêntricos. Além disso, através da aproximação das epistemologias é possível ressaltar que
as duas apresentam conjuntamente a busca pela compreensão de processos de descolonização.
47

Como acertadamente colocam Sparemberger e Dallagnol, “a colonialidade se sustentou


e continua a se sustentar, portanto, a partir da construção do imaginário epistêmico da
universalidade” (DALLAGNOL, SPAREMBERGER, 2020, p. 518). O rompimento com as
estruturas dominantes do saber jurídico é, portanto, um desafio a ser enfrentado. Para falar
novamente com Warat, a dogmática jurídica é uma atividade que não só acredita produzir um
conhecimento naturalizado ideologicamente, mas também desvinculado de toda preocupação
seja de ordem sociológica, antropológica, econômica ou política” (WARAT, 1995, p. 42). Ou
seja, sem o rompimento deste paradigma epistemológico não é possível falar sobe
de(s)colonização do ensino jurídico. Assim, a ruptura das amarras impostas pela colonialidade
perpassam o enfrentamento de questões que guardam raízes desde a criação do ensino jurídico,
de tradição europeia. Mais do que isso, tal processo deve observar as particularidades atinentes
aos grupos que ainda hoje ocupam lugares subalternizados, a fim de dar-lhes voz no ensino e
na prática jurídica.

FRAGMENTOS DE UMA CONCLUSÃO

Através do estudo, buscou-se analisar a de(s)colonialidade do ensino jurídico com a


finalidade de buscar elementos epistemológicos para o ensino do Direito a partir das
especificidades da realidade Latino-americana. Desse modo, utilizou-se da construção dos
Estudos pós-coloniais Latino-Americanos, bem como dos Estudos feministas pós-coloniais
Latino-Americanos, buscando, a partir dessas aproximações, construir respostas ao problema
formulado no presente ensaio.

No contexto de formação do Direito brasileiro estiveram presentes os traços da política


colonizadora Portuguesa, que desconsiderou a contribuição dos povos indígenas, negros e
mulheres, uma vez que reproduziu padrões centrados nos valores jurídicos provenientes da
tradição europeia. Assim, a partir do advento do pós-colonialismo, o feminismo também
enfrenta uma série de desafios para abranger a pluralidade e especificidade das diferentes
mulheres, nas mais diversas áreas, pois, inicialmente o movimento feminista surge com
demandas específicas de um grupo de mulheres que reivindicava direitos individuais e políticos
na sociedade patriarcal que, insistentemente, via na mulher um sujeito a ser tutelado.

Preliminarmente, portanto, as especificidades coletivas de mulheres negras e indígenas


não eram abarcadas pelo movimento, que ainda desconsiderava a condição de cidadãs desses
grupos étnicos. Diante desse contexto envolvendo a de(s)colonização do ensino jurídico sob o
48

enfoque das relações de poder, consoante as opressões e discriminações em intersecção,


indagou-se se através da de(s)colonização do ensino jurídico é possível visualizar um cenário
rumo a um processo de conscientização e emancipação, superando o modelo
dominante/colonial de educação jurídica.

Assim, analisou-se, nessa primeira tentativa de aproximação epistemológica, que os


estudos feministas pós-coloniais aliados aos Estudos pós-coloniais latino-americanos, tem
destinado atenção especial às mulheres latino-americanas, visando desmistificar preconceitos
em relação a estas e promover a igualdade de gênero, por meio da despatriarcalização. Desse
modo, é inegável a necessidade de repensar e reordenar a tradição normativa, objetivando
problematizar certas práticas sociais e experiências culturais dominadoras, despindo-se das
roupagens históricas que envolvem todo o ensino jurídico brasileiro, desde a sua origem
passando por sua expansão até os dias de hoje, pode ser possível através de um repensar
epistêmico e pela introdução de novas epistemologias, proporcionando deslocamentos e
questionando-o. Sendo assim, o desafio a ser enfrentado busca realidade jurídica menos
excludente e unilateral, visualizando um cenário de pluralidade e emancipação no ensino
jurídico brasileiro.

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51

A UTILIZAÇÃO DO CINEMA NACIONAL COMO FERRAMENTA


PARA A EFETIVAÇÃO DA TRANSVERSALIDADE NO ENSINO
JURÍDICO BRASILEIRO1

Bruna Andrade Obaldia2


Pedro Victor dos Santos Witschoreck3

RESUMO

Pensar a transversalidade no ensino jurídico brasileiro a partir das novas Diretrizes Curriculares
Nacionais do Curso de Graduação em Direito (Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2018)
demanda verificar a necessidade de ampliar a noção de transversalidade para que tal transcenda
da mera previsão e seja eficaz. Como ferramenta para buscar a efetivação do princípio da
transversalidade, pensa-se o cinema nacional, partindo do que representou o movimento
Cinema Novo. Nesse passo, percebe-se que o manifesto “A estética da fome” serve como pilar
capaz de justificar inicialmente o uso do cinema brasileiro a fim de auxiliar na transversalidade
no ensino jurídico, já que ele demonstra aspectos históricos que rondam a realidade brasileira,
abordando temáticas sobre questões sociais, raciais, luta de classes e colonização. Nesse
sentido, é possível que as produções audiovisuais do Cinema Novo auxiliem na condução da
transversalidade no ensino jurídico brasileiro? Temáticas transversais se compreendem no
Cinema Novo como uma perspectiva de luta aos tradicionalismos do cinema brasileiro da
época, o qual era atravessado pelo capitalismo que comandava as grandes produtoras. O cinema
brasileiro contemporâneo também se manifesta, em grande parte, como luta. Isto é, ambos são
resistências capazes de romper com dogmas e se (re)construir a partir de uma identidade
original, o que é de interesse no âmbito da educação jurídica. Para caminhar com essas
perspectivas, o ensaio se dá através da pesquisa descritiva e da abordagem hermenêutica, por
meio do procedimento histórico e das técnicas de pesquisa bibliográfica e documental.

Palavras-chave: Cinema Novo. Cinema nacional. Ensino jurídico. Glauber Rocha.


Transversalidade.

1
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
- Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
2
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Direito da UFSM (Mestrado). Integrante do Núcleo de Estudos do
Comum (NEC) e do Núcleo de Estudos Avançados em Processo Civil (NEAPRO), ambos vinculados ao
PPGD/UFSM. Bolsista pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. Advogada
(OAB/RS nº 117.541). E-mail: obaldiabruna@gmail.com.
3
Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Direito da UFSM (Mestrado). Integrante do Centro de Estudos e
Pesquisas em Direito e Internet (CEPEDI) e do Núcleo de Estudos do Comum (NEC), ambos vinculados ao
PPGD/UFSM. Bolsista pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. E-mail:
pedroviktor@hotmail.com.
52

INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende demonstrar o movimento cinematográfico brasileiro


denominado “Cinema Novo” e o cinema nacional contemporâneo como alternativas capazes de
auxiliar na transversalidade do ensino jurídico, na medida em que o traz importantes abordagens
políticas, sociais e raciais da realidade desigual do Brasil. Pensar o Direito implica também
pensar o ensino jurídico. Nesse sentido, conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso
de Graduação em Direito (Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2018), é necessário que os
projetos pedagógicos dos cursos de Direito tratem de forma transversal os conteúdos exigidos.
Isso significa dizer que diversos temas em educação devem ser abordados, tais como meio
ambiente, direitos humanos, políticas de gênero, relações étnico-raciais, histórias e culturas
afro-brasileira, africana e indígena, entre outras.

Diante disso, o Cinema Novo e possui características importantes quanto aos temas
referidos, bem como quanto a forma de tratamento cinematográfico. O movimento trabalha sob
a ótica de demonstrar de maneira direta a realidade social brasileira e as construções e
influências políticas por traz dela. Além disso, muitas das obras são compostas por atores
amadores e filmagens em 16mm, demandando um baixo orçamento e estimulando a
criatividade e proporcionando a liberdade para os diretores, produtores e demais envolvidos.
Nesse sentido, a proposta do presente artigo é apresentar a perspectiva a partir do diretor
Glauber Rocha e seu manifesto denominado “A estética da fome”, publicado em 1965. O
referido manifesto proporcionará debates acerca de temas pertinentes à desigualdade social,
racial, e colonialismo – tanto no cinema quanto no processo de construção do Brasil, além de
enfatizar a própria cultura latina. Diante disso, questiona-se: é possível as produções
audiovisuais do Cinema Novo auxiliarem na condução da transversalidade no ensino jurídico
brasileiro?

Nesse viés, se utilizará da abordagem hermenêutica, visto que a partir do referido


manifesto contextualizará o movimento cinema novo e compreenderá a partir do sentido de que
toda a representação é um representar para alguém. Diante dessa perspectiva, buscará
aprofundar-se no manifesto “A estética da fome”. Observará as características históricas e
fenomenológicas que o norteiam a partir do nosso próprio olhar sobre o seu significado, em um
processo de originalidade ao enfrentamento do colonialismo europeu. Atentará também quanto
à perspectiva estrutural do texto, tendo em vista que o julgamento estético da referida obra tem
53

um significado importante na determinação de sentido que ela carrega, pois possui a


historicidade e permite visualizar o movimento contínuo da história e a sua capacidade de
constates renovações.

O documento sociológico, literário e cinematográfico em que o manifesto se


compreende dará um horizonte para (re)pensar o ensino jurídico brasileiro e auxiliá-lo na
transversalidade, transbordando os métodos tradicionais e rompendo com o cartesianismo da
educação. Assim, além do próprio manifesto e do Cinema Novo de maneira geral poderem
assumir os aspectos da transversalidade propriamente dita quando utilizados na educação
jurídica, também buscará demonstrar o cinema brasileiro contemporâneo abordando
brevemente o filme Bacurau. Nessas perspectivas, busca vislumbrar características de
enfrentamento, resistência e identidade em detrimento do colonizador europeu – e do
capitalismo, permitindo que nossa latinidade aflore frente ao cinema. Por isso o cinema nacional
será pensado como inspiração para a luta que a educação jurídica precisa enfrentar
imediatamente.

Para a realização do presente trabalho, além da perspectiva hermenêutica no sentido da


abordagem, escolheu-se o procedimento histórico, por meio das técnicas de pesquisa
bibliográfico e documental, uma vez que a pesquisa se dará com base em artigos e livros sobre
os temas, bem como se atentará ao documento da Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2018
(Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito).

1 A TRANSVERSALIDADE NO ENSINO JURÍDICO BRASILEIRO


CONTEMPORÂNEO

Pensar o ensino jurídico no cenário atual implica vislumbrar o cenário de crise que o
assola, razão pela qual se fala na transversalidade como elemento necessário para mudanças
efetivas. A palavra transversal, segundo a língua portuguesa, significa algo oblíquo em relação
ao ente/objeto determinante, isto é, algo que passa/atravessa por determinado referente. Nesse
sentido, a transversalidade no ensino jurídico como potencial benefício em um cenário de crise
é justamente a colocação de elementos que se encontram separados do Direito
material/processual (o Direito propriamente dito, digamos assim) de maneira que eles
atravessem as disciplinas exclusivamente jurídicas.
54

Esses elementos, conforme traz o Artigo 2º, § 4º das Diretrizes Curriculares Nacionais
do Curso de Graduação em Direito (Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2018), consistem na
inclusão aos Projetos Pedagógicos dos Curso de Direito o tratamento transversal de disciplinas
como: políticas de educação ambiental; educação em direitos humanos; educação para a terceira
idade; educação em políticas de gênero; educação das relações étnico-raciais e histórias e
culturas afro-brasileira, africana e indígena; dentre outras (BRASIL, 2018).

Isso significa que as disciplinas jurídicas constantes em diretrizes nacionais


(especificamente àquelas relativas ao Direito material e ao direito processual) devem ser
atravessadas pelas referidas temáticas acima mencionadas. Nesse sentido, a transversalidade
deve abarcar todas as perspectivas formativas, isto é, a formação geral, a formação técnico-
jurídica e a formação prático-profissional4. Os três domínios estruturantes dos cursos de
graduação em Direito formam a base essencial para a formação jurídica e auxiliam no
enfrentamento dos problemas emergentes e transdisciplinares que permeiam a sociedade
contemporânea (MELLO, 2019).

Diante desse cenário, a transversalidade, bem como as novas Diretrizes Curriculares


Nacionais de maneira geral, têm como objetivo a humanização da formação acadêmica em
Direito aliada à formação profissional e científica. A partir dessa tríade, almeja-se um
profissional do meio jurídico capaz de interpretar os fenômenos jurídicos, sociais e
institucionais que se apresentam na convivência em sociedade. Destaca-se que a Resolução
pensa na formação de cidadão capaz de exercer o pensamento crítico sobre os problemas que o
norteiam, mas sem que deixe também de exercer as suas liberdades e a sua autonomia decisória
(MELLO, 2019).

4
I – Formação geral, que tem por objetivo oferecer ao graduando os elementos fundamentais do Direito, em
diálogo com as demais expressões do conhecimento filosófico e humanístico, das ciências sociais e das novas
tecnologias da informação, abrangendo estudos que, em atenção ao PPC, envolvam saberes de outras áreas
formativas, tais como: Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética, Filosofia, História, Psicologia e
Sociologia;
II – Formação técnico-jurídica, que abrange, além do enfoque dogmático, o conhecimento e a aplicação,
observadas as peculiaridades dos diversos ramos do Direito, de qualquer natureza, estudados sistematicamente e
contextualizados segundo a sua evolução e aplicação às mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais do
Brasil e suas relações internacionais, incluindo-se, necessariamente, dentre outros condizentes com o PPC,
conteúdos essenciais referentes às áreas de Teoria do Direito, Direito Constitucional, Direito Administrativo,
Direito Tributário, Direito Penal, Direito Civil, Direito Empresarial, Direito do Trabalho, Direito Internacional,
Direito Processual; Direito Previdenciário, Formas Consensuais de Solução de Conflitos; e
III – Formação prático-profissional, que objetiva a integração entre a prática e os conteúdos teóricos desenvolvidos
nas demais perspectivas formativas, especialmente nas atividades relacionadas com a prática jurídica e o trabalho
de curso (TC). As atividades de caráter prático-profissional e a ênfase na resolução de problemas devem estar
presentes, nos termos definidos no PPC, de modo transversal, em todas as três perspectivas formativas (artigo 5º,
§ 1º da Resolução CNE/CES n.5, de 17/12/2018) (MELLO, 2019, p. 102-103).
55

Seria possível dizer, conforme o exposto, que a transversalidade representaria o


“transbordamento” do ensino jurídico brasileiro frente às demandas da contemporaneidade.
Essa busca pela relação entre os aspectos científico e profissional, atravessados pela
humanização, seriam vetores no enfrentamento da crise do ensino jurídico que assombra o
Brasil. As novas Diretrizes Curriculares buscam ser um passo – ou um degrau – no caminho de
uma formação jurídica séria e capaz de enfrentar diversos problemas que atrasam o
desenvolvimento brasileiro no que tange ao meio do Direito.

Analisando o artigo 5º das novas DCNs, percebe-se que ocorre o mantimento das
propostas de conteúdos que já eram obrigatórios, conforme a Resolução CNE/CES nº 9/2004.
Entretanto, para Horácio Wanderlei Rodrigues (2017), especialmente no que se refere à
formação geral, exposta no inciso I do referido artigo, a nova abordagem oferece uma redação
melhor que a anterior, mas indica que o rol dos conteúdos elencados são exemplificativos, visto
que são antecedidos pela expressão “tais como”.

Nesse sentido, existe um perigo em taxá-las como exemplificativas, na medida em que


possibilita que o que se depreende do texto ocorra de maneira apenas retórica e não efetiva.
Seria interessante considerar tais áreas formativas (Antropologia, Ciência Política, Economia,
Ética, Filosofia, História, Psicologia e Sociologia) como obrigatórias a partir de um texto mais
simples/genérico5. Esse fator possivelmente daria uma maior autonomia para as Instituições de
Ensino Superior (IES) e possibilidade de escolha no que aprofundar – atentando-se àquilo que
a respectiva IES teria de melhor. Ainda, para garantia de efetividade nesse texto aberto, seria
fundamental estipular uma carga horária mínima (RODRIGUES, 2017).

A crítica realizada por Horácio Wanderlei Rodrigues (2017) implica em compreender


que a transversalidade frente às novas DCNs poderiam abraçar a profundidade ao invés da
variedade, conforme aconteceu. Isto é, as áreas formativas mencionadas serão tratadas de forma
pouco abrangente e sem a devida atenção. Caso houvesse um maior aprofundamento em
determinada área, ela seria mais bem aplicada e supriria algumas das necessidades demandadas
pela lógica da transversalidade.

Percebeu-se a necessidade de flexibilização para os cursos de graduação em Direito, e


não legalismos no sentido de enraizá-los frente aos tradicionalismos ultrapassados. Os

5
I - Formação geral, que tem por objetivo oferecer ao graduando os elementos fundamentais do Direito, em diálogo
com as demais áreas do conhecimento abrangendo estudos que, em atenção ao PPC, envolvam saberes das áreas
de Humanidades e Ciências Sociais (RODRIGUES, 2017, p. 25).
56

conteúdos precisam de bastante tempo de trabalho para serem transmitidos e entendidos de


maneira eficiente, razão pela qual de nada adiantava acréscimos meramente formais. Por isso,
trazer a transversalidade permite o aprofundamento de determinadas temáticas a partir das
próprias disciplinas existentes, aprimorando-as e aproximando-as da realidade (RODRIGUES,
2017).

Diante desse cenário de mudanças, o Direito visa enfrentar uma crise, uma vez que essas
perspectivas permitem contextualizar algumas das razões pelas quais houve a elaboração da
Resolução 5, de 17 de dezembro de 2018, instituindo as já mencionadas Diretrizes. Além disso,
auxilia em entender por que a transversalidade é um princípio essencial para confrontar a
origem da crise. Importa mencionar um pouco da história, começando pelo fato de que o Brasil
conquistou sua independência em 1822, mas a criação dos primeiros cursos de Direito
aconteceu apenas em 1827, em Olinda e São Paulo. Para demonstrar ainda mais o atraso no que
se refere aos processos iniciais da formação jurídica brasileira, é significativo o fato de que a
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi criada apenas em 1930 (SILVA; SERRA, 2017).

Com a criação da OAB, mais cursos de Direito começaram a ser criados pelo país,
porém o ensino jurídico manteve-se estagnado na medida em que as matérias se mantinham
inalteradas desde o princípio da criação, o que implicava em um colonialismo jurídico – de
origem portuguesa – extremamente forte. A partir da institucionalização das universidades no
Brasil, em 1931, por meio do Estatuto das Universidades Brasileiras (Decreto 19.851, de 11 de
abril de 1931), conhecido como “Reforma Francisco Campos” é que o cenário passou a evoluir
(SILVA; SERRA 2017).

Em 1994, em virtude da Portaria nº 1886/84 do Ministério da Educação, passa a ocorrer


transformações para os estudantes de Direito, incluindo uma nota mínima para a aprovação no
exame da ordem, além de outros requisitos, tais como trabalho de conclusão de curso e estágio
obrigatório. Também houve mudanças na grade curricular dos cursos de Direito, na medida em
que o Artigo 3º da Resolução 9/2004 do Conselho Nacional de Educação (CNE) incluiu
disciplinas com conteúdo relativos à antropologia, ciência política, economia, filosofia,
sociologia, ética etc. Ainda assim, evidencia-se a necessidade de que os cursos de Direito se
adequem ao processo de globalização e, para essa “atualização” acontecer, é necessário
mudanças tanto nos currículos como na didática e nas metodologias dos docentes (MOURA;
TASSIGNY; SILVA, 2018).
57

Apesar dessas mudanças com a inclusão das referidas disciplinas, o isolamento delas
frente ao restante da grade curricular do curso ainda é impeditivo para efetivação de evoluções
significativas. Perante esse cenário, o Ministério da Educação (MEC) agiu em sentido de criar
cursos de Direito, ou seja, atentou-se à quantidade ao invés de enfrentar a raiz do problema. O
MEC autorizou mais de mil cursos de Direito, gerando um grande número de matriculados.
Atualmente, são mais de 1.600 cursos de Direito no país (BRASIL, 2017) e a tendência é
aumentar, tendo em vista as recentes aprovações acerca da criação de novos cursos, mesmo
indo contra o posicionamento da OAB.

Pensando a partir das perspectivas instauradas, no sentido de reformular o ensino


jurídico brasileiro, a elaboração das novas Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de
Direito no Brasil surge pensando a transversalidade como um dos pressupostos para mudanças
positivas no conhecimento jurídico. Nessa ótica, a presente medida é dotada de um estudo sobre
capacitar a atualização do conhecimento jurídico6 frente ao cenário instaurado, impondo uma
série de novas compreensões acerca do funcionamento dos cursos, bem como afrontando uma
gama de tradicionalismos enraizados.

Edgar Morin (2008) insiste na necessidade substituir o pensamento isolador e


segregacionista por um pensamento unificador, ou seja, substituir a disjunção pela
complexidade – mas em sentido original –, isto é, aquilo é tecido junto. Diante disso, a
transversalidade, quando convertida em aspectos práticos e formas de abordagem no âmbito da
docência, implica em desafios para ambas as perspectivas, seja a do professor, seja quanto a do
aluno. Visando uma transversalidade capaz de romper os tradicionalismos jurídicos, ela deve
objetivar não apenas transmitir conhecimento, enquanto os alunos são condicionados a
recebedores. A proposição aqui estabelecida é a troca.

6
O conhecimento jurídico deve ser, portanto, assimilado para se inserir na realidade socioinstitucional, para
enfrentamento dos conflitos mediante uma ação humanizada e responsável eticamente. A partir da observação
sensível, deve ser sistematizado no aluno de Direito o pensamento crítico e indagador, ou seja, a formação jurídica
deve ser estabelecida em sala de aula, partindo-se sempre do princípio da dúvida. Há, no âmbito do ensino jurídico,
um obstáculo a ser contornado pelos professores, o elevado número de alunos em salas de aula. Ouvir, pensar e
opinar, esse é o tripé que deve ser estimulado nos alunos ao longo de uma aula, ou seja, é importante quebrar o
sentido burocrático (transmissão/memorização) que as aulas de Direito adquiriram desde os primórdios do ensino
no Brasil. Não basta a apreensão do ordenamento jurídico, é preciso ter lucidez e independência intelectual para
aplicá-los cotidianamente. É preciso, pois, que os cursos de Direito acompanhem as inovações contemporâneas,
se renovem e se adequem aos novos tempos, em que o burocratismo do ensino deixe de ser a tônica dentro das
salas de aulas. Afinal de contas, o futuro bacharel terá diante de si desafios e dilemas que terão que ser enfrentados
com segurança e consciência (MELLO, 2019, p. 105).
58

Encarar a transversalidade como pressuposto para o combate à crise aduz reconhecê-la


como necessária frente aos desafios que se apresentaram e que irão, cada vez mais, permear a
realidade do ensino jurídico. Nesse sentido, o cinema é um dos elementos passíveis de ser
utilizado para auxiliar na proposta de efetivação da transversalidade. Entretanto, acerca do
âmbito nacional, não basta a mera utilização do cinema estrangeiro para demonstrar problemas
generalistas a partir de visões distantes da realidade aqui vivida. Não necessariamente a
realidade jurídica, mas social, em que questões de desigualdade social/racial, preconceitos em
virtude de raça, etnia e classe, bem como as políticas liberais e autoritárias que se alternam no
poder, assumem um papel elementar na modulação do olhar e do tratamento dessa realidade
excludente.

Nesse panorama, a proposta é ir além da forma que muitas vezes o cinema já vem sendo
trabalhado nas salas comerciais de projeção. O esforço consiste em pensá-lo como transversal,
ou seja, capaz de proporcionar “o desenvolvimento do pensamento crítico tendo o filme como
objeto de leitura no contexto educacional é um âmbito no qual o cinema percebe-se como um
elemento de modificação” (CASTRO; PEREIRA; LUÍNDIA, 2011, p. 2-3). Desse modo,
verifica-se que o cinema, em virtude de sua forma dinâmica de demonstrar as diferentes
maneiras de leitura – da realidade – se coloca como um elemento relevante, na medida em que
possibilita sua utilização em uma gama de disciplinas, a fim de abordar várias temáticas e
desenvolver uma perspectiva crítica acerca da obra.

Por isso, o próximo capítulo visa tratar da utilização do cinema nacional – iniciando
pelo movimento cinema novo – como uma ferramenta capaz de demonstrar a realidade e
atravessar o âmbito do ensino jurídico. Muitos filmes produzidos em solo nacional, além de
serem dotados de caráter histórico e crítico – e revolucionário –, também abarcam temas
capazes de incentivar uma leitura realista sobre os problemas vividos no Brasil. Diante disso,
optar-se-á por uma abordagem a partir de Glauber Rocha e sua importância para o cinema novo
a fim de perceber o cinema nacional como um todo no que importa a ser uma ferramenta para
a efetivação da transversalidade no ensino jurídico.

2. (RE)PENSANDO O ENSINO JURÍDICO BRASILEIRO A PARTIR DO CINEMA


NACIONAL

Ainda que o desafio aqui “criado” consista em (re)pensar o ensino jurídico e a


possibilidade do cinema nacional como um meio para abordar a ideia da transversalidade, é
59

necessário que a abordagem também irrompa no sentido metodológico e seja capaz perceber
uma educação jurídica brasileira em constante movimento. Isso quer dizer que não basta induzir
o cinema nacional como fundamento do ensino jurídico, mas colocá-los lado a lado e entrelaçá-
los de forma rizomática.

Diante da rica produção do cinema nacional, inicialmente parte do cinema novo, surgido
em 1960, o qual consiste na negação e na oposição ao cinema industrial que dominava na época
e se dava a partir de grandes estúdios e um financiamento relevante. Segundo Irma Viana da
Silva (2018), o movimento ascende e atinge a sua internacionalidade que demonstra a realidade
sociocultural brasileira, razão pela qual é de extrema importância, ainda que tenha se passado
muitos anos desde as suas últimas produções. Destaca-se a precariedade nos instrumentos
utilizados pelos cineastas formadores do movimento, os quais eram na grande maioria jovens.
Essa maneira de produzir a partir de baixos custos permitiu uma independência nas abordagens
constantes nas obras e, consequentemente, foi possível fazer críticas acerca da realidade
brasileira. Além das abordagens sociais, os cineastas também criticavam o modo das produções
cinematográficas da época, atacando a linguagem e o colonialismo cultural que envolvia os
grandes estúdios e respondia aos interesses imperialistas.

Nesse sentido, Ivana Bentes (2007) afirma que essa passagem do Brasil rural para o
Brasil urbano era constantemente tematizada pelos intelectuais do Cinema Novo, os quais
demonstravam perspectivas relativas aos sertões e às favelas. Apesar de serem abordadas
muitas vezes como pessoas despolitizadas, elas eram mostradas como rebeldes/revolucionários
que detinham uma vontade e um poder primitivo capaz de ocasionar mudanças na realidade
social e nas suas próprias realidades, como era o caso dos filmes produzidos pelo diretor
Glauber Rocha

Ao trazer Glauber Rocha, é importante destacar o manifesto por ele escrito em 1967,
denominado como “A Estética da Fome”. O texto foi escrito por Glauber a fim de ser
apresentado em Gênova, na Itália, e acabou por se transformar em um momento de abandono
das abordagens políticas e sociológicas comuns na época, as quais consideravam a pobreza e a
fome como vitimizações emanadas. Com esse abandono, Glauber assumiu um papel
transformador no que tange aos referidos fenômenos que permeavam a América Latina e passou
a expor uma abordagem afirmativa e visceral, com impulsos criadores os quais estariam
presentes em suas obras a partir daquele momento (BENTES, 2007). O trecho a seguir transmite
um pouco das características mencionadas:
60

[...] A histeria: um capítulo mais complexo. A indignação social provoca discursos


flamejantes. O primeiro sintoma é o anarquismo pornográfico que marca a poesia
jovem até hoje (e a pintura). O segundo é uma redução política da arte que faz má
política por excesso de sectarismo. O terceiro, e mais eficaz, é a procura de uma
sistematização para a arte popular. Mas o engano de tudo isso é que nosso possível
equilíbrio não resulta de um corpo orgânico, mas sim de um titânico e autodevastador
esforço no sentido de superar a impotência: e, no resultado desta operação a fórceps,
nós nos vemos frustrados, apenas nos limites inferiores do colonizador: e se ele nos
compreende, então, não é pela lucidez de nosso diálogo, mas pelo humanitarismo que
nossa informação lhe inspira. Mais uma vez o paternalismo é o método de
compreensão para uma linguagem de lágrimas ou de mudo sofrimento.
A fome latina, por isto, não é somente um sintoma alarmante: é o nervo de sua própria
sociedade. Aí reside a trágica originalidade do Cinema Novo diante do cinema
mundial: nossa originalidade é nossa fome e nossa maior miséria é que esta fome,
sendo sentida, não é compreendida [...] (ROCHA, 2004, p. 65).

Irma Viana da Silva (2018) afirma que essa crítica ao colonialismo ou crítica pós-
colonialista consistiu na ruptura com as racionalidades emanadas pelos colonizadores, as quais
ainda tinham uma enorme influência no cinema nacional. Glauber Rocha construiu uma crítica
reflexiva em torno das artes em geral a partir dessa visão, não apenas em suas produções
cinematográficas, mas também em seus escritos. Isso fez que com que se recusasse a aderir os
pensamentos tradicionais vigentes na época, aderindo a visão de Antonio Gramsci acerca da
hegemonia7 a fim de embasar suas críticas e abordagens sobre a sociedade capitalista.

É justamente essa a importância e o significado de pensar o cinema novo para a


perspectiva da transversalidade no ensino jurídico. Foi um movimento destruidor – irrompeu
com o velho – e criador – construiu novos pressupostos – tal como se espera que a
transversalidade, em sua forma efetiva, ocasione no ensino jurídico brasileiro. O cinema novo,
a partir de Glauber Rocha, criou suas próprias condições para seu desenvolvimento e funcionou
como crítica às maneiras estabelecidas e compreendidas como únicas (VIANA DA SILVA,
2018). O cinema novo atacou as maneiras industriais de produzir e pensar cinema não apenas
com palavras, mas deu um novo sentido e novo um olhar sobre a arte como reflexo da realidade
brasileira.

Pensando a manifestação do significado do cinema novo frente à questão cultural, o


manifesto “A estética da fome” (re)significa os ideais frente à arte – em especial, o cinema –
com relação a aceitação das compreensões do olhar europeu diante da cultura latina. De acordo

7
Segundo Marilena Chaui, Gramsci foi além da crítica da ideologia como exercício da dominação e propôs o
conceito de hegemonia para designar “a luta no interior da sociedade política com o objetivo de operar mudanças
nas ideias, nos valores, no comportamento e nas práticas visando à consciência dos explorados e dominados. Donde
a importância que conferiu à cultura” (CHAUI, 1994, p. 10 apud VIANA, 2018, p. 225).
61

com Paula Siega (2009), a manifestação de Glauber Rocha deve ser pensada a partir dos
aspectos históricos que a envolvem, mas sem desconsiderar os aspectos em torno da
formalidade que permeia o objeto literário proposto. Essa representatividade estética emanada
pelo manifesto é passível de ser assimilada para compreender o Cinema Novo como movimento
social. A estética da fome assimila a historicidade como um evento que se modifica e se
movimenta conforme o processo histórico que transpassa o leitor, renovando-se de forma
contínua.

Diante disso, toda a representatividade vai consistir em uma representação de algo para
alguém, por isso a latinidade na qual A Estética da Fome importa na medida em que ocasiona
sentidos a partir da sua própria realidade – do próprio mundo em que ele se encontra, e não
mais por meio das lentes do colonizador. O leitor brasileiro se depara com a sua própria
identidade em um meio em que é dominado pelas tradições e imposições culturais europeias,
desde a concepção econômica, a partir das oligarquias nacionais (como sequência das
oligarquias europeias), à uma noção idealista, pura e idílica da compreensão da “pátria”.
Preocupa-se com o subdesenvolvimento, com a fome, a pobreza em detrimento da noção
ultrapassada de um Brasil paradisíaco que somente servia para mascarar os reais problemas
sociais frutos da colonização (SIEGA, 2009). Diante dessa ótica, o próprio Glauber Rocha
(2004, p. 63) parte do seguinte:

Dispensando a introdução informativa que se transformou na característica geral das


discussões sobre a América Latina, prefiro situar as relações entre nossa cultura e a
cultura civilizada em termos menos redutivos do que aqueles que, também,
caracterizam a análise do observador europeu. Assim, enquanto a América Latina
lamenta suas misérias gerais, o interlocutor estrangeiro cultiva o sabor desta miséria,
não como sintoma trágico, mas apena como dado formal em seu campo de interesse.
Nem o latino comunica sua verdadeira miséria ao homem civilizado nem o homem
civilizado compreende verdadeiramente a miséria do latino.

São justamente esses pressupostos trazidos pelo manifesto de Glauber Rocha, os quais
significam a importância de suas obras cinematográficas e do Cinema Novo de forma geral,
que importam no que se refere à transversalidade como condição para o ensino jurídico
brasileiro. Akiko Santos (2008) afirma que o tradicionalismo cartesiano é o grande responsável
pela descontextualização do ensino jurídico e a sua separação das demais áreas, incapacitando
um aprofundamento crítico capaz de ser desconstruidor, criador e transcendental. Para o autor,
vale entender que o cartesianismo organizou todo o sistema educacional, confortando e
conformando os modos de pensar. Isto é, fragmentou o ensino, colocando- em “caixas”, fator
que causou um reducionismo objetivista e dualista. Os olhares sobre o ensino se direcionaram
62

àquilo que é objetivo e passível de ser racional, deixando de lado a vida cotidiana dos indivíduos
e a sua dimensão, as quais abarcam questões emocionais, sentimentais, intuitivas e corporais.

A transversalidade no Direito, a partir do ensino jurídico, é mais que necessária para


retirar o Direito dessa caixa, fazendo-o com que dialogue com a psicologia, sociologia,
antropologia, filosofia, economia, política, história por meio do estudo das artes, em especial o
cinema e a literatura (SANTOS, 2008). Diante do rompimento ao cartesianismo, será possível
que o Direito (re)pense acerca das temáticas constantes no Art. 2º, § 4º, das novas DCNs. Por
isso, para Irma Viana da Silva (2018), o cinema nacional tende a auxiliar nesse ato de (re)pensar,
tanto no aprendizado acerca da resistência ao colonialismo e aos tradicionalismos de matriz
europeia quanto as temáticas transversais propriamente ditas, uma vez que as obras tratam da
realidade social a partir de uma visão realista frente aos problemas nacionais.

Para além disso, vale destacar que, tal como a leitura de um livro, assistir um filme e
apreciá-lo a fim de estudá-lo, é necessário critérios avaliativos e pontos de vista bem definidos
com relação ao que será abordado. Também deve-se atentar com a interação entre a obra
cinematográfica e o contexto do espectador. Ademais, é importante ressaltar que muitas vezes
é mais fácil chamar a atenção de um aluno sobre determinado tema por meio de obras
cinematográficas do que pela leitura de textos extensos8. Em suma, a vantagem do cinema com
relação aos textos escritos é ser capaz de sensibilizar mais o espectador. As imagens em
movimento, corroboradas por trilhas sonoras e demais estratégias cinematográficas tocam mais
o emocional dos estudantes. Mas vale destacar que tal perspectiva jamais deve desprezar o
conhecimento emanado por livros e artigos, apenas ressalta as referidas capacidades do
cinema9(CASTRO; PEREIRA; LUÍNDIA, 2011).

8
Deve-se deixar claro que a proposta não é a abolição dos textos em prol obras cinematográficas, até porque elas
sequer dariam conta da amplitude que abarca o ensino jurídico. Inclusive, a leitura textual é essencial para
efetivação plena da transversalidade. O objetivo é a utilização do cinema em alguns momentos em que for possível,
ou de forma a acrescer para além das leituras necessárias – ou até mesmo para compreendê-las – ou, então, a fim
de substituir algum (quando for possível). Enfim, isso é uma prática que depende bastante da visão do docente
sobre o tema, bem como da forma em que a sala se comporta.
9
Conforme destacam Roseana Moreira de Figueiredo Coelho e Marger da Conceição Ventura Viana (2010, p. 91)
“O cinema pode muito bem servir como instrumento útil ao processo de ensino-aprendizagem, pois educar pelo
cinema ou utilizar o cinema no processo escolar é ensinar a ver diferente. É educar o olhar. A educação está
passando por uma fase em que o professor deve se desdobrar para atingir seu objetivo de educar, devido a
dificuldades diversas a serem enfrentadas, fazendo com que a prática de ensino seja um tema bastante discutido
entre os estudiosos da educação, pois qualquer tipo de aperfeiçoamento que se faça com o objetivo de auxiliar na
prática para melhor aproveitamento do aluno é bem-vindo. Teoria e prática precisam andar juntas, a fim de que
uma complemente a outra. Assim, como o cinema é uma arte visual relativamente nova, pode ampliar a visão da
educação dada em sala de aula e oferecer forma diferente de ensinar”.
63

Observa Fernando Armando Ribeiro (2015) que, oposto à televisão, que possui uma
natureza invasiva – em que bombardeia imagens e informações dispersas – o cinema é capaz
de construir um repertório repleto de narrativas, colocando o espectador em um rico solo
hermenêutico. Nesse passo, Fernando Armando Ribeiro (2015, p. 8) considera o cinema como
um lugar “não apenas para reconhecer os limites e excessos de uma sociedade imagética –
contribuindo para a construção de uma consciência crítica -, como também explorar as múltiplas
possibilidades de sentido que os fenômenos culturais nele adquirem”. Desse modo é que a
analiso de direito por meio do cinema poderá ser capaz de se aproximar de uma abordagem que
se aproxime do objeto de ciência jurídica de contemporâneo, a fim de superar o dogmatismo e
a mera análise pelas lentes da normatividade – que é compreendida como o fenômeno jurídico
como um todo. Acerca dessa perspectiva Fernando Armando Ribeiro (2015, p. 8) nos diz o
seguinte:

Cuida-se aqui de inseri-lo na dinâmica das relações de vida, única, segundo os


jusfilósofos contemporâneos, capaz de dimensionar o correto sentido das normas.
Abre-se também a possibilidade para uma compreensão mais efetiva de como a
sociedade de massas percebe o Direito, além de suscitar espaço para uma permanente
crítica aos institutos jurídicos, mediante a abertura ao diálogo com outras ciências e
fenômenos sociais.

Pensando nas obras cinematográficas mais contemporâneas, Bacurau10. Ao decorrer do


filme, diversos acontecimentos que retratam a realidade de muitos brasileiros tomam
importância, como por exemplo: o bloqueio ao acesso à água potável; as ações de um prefeito
corrupto; a invasão de estrangeiros com interesses que não levam em consideração os
moradores da região. O cenário é em um Nordeste futurista, onde a violência tem um papel
importante, seja por parte dos estrangeiros – os detentores do poder (seja de forma velada, por
meio do prefeito, quanto de forma explícita) – quanto nas formas de resistência que se
configuram nas relações que vão se estabelecendo (PALMA; ASSIS; VILAÇA, 2019).

Nas palavras de Alexandre Palma, Monique Ribeiro de Assis e Murilo Vilaça (2019, p
32),

de imediato, Bacurau nos ensina a resistir. Bacurau é o Nordeste que resistiu, nas
últimas eleições presidenciais, à tentação fascista de eliminar, de excluir, aqueles que,
do ponto de vista do opressor, já não pertencem a um espaço. Portanto, deveriam ser
desterritorializados, mas insistem em continuar “vagando” no espaço ao qual não mais
pertenceriam e que, ao mesmo tempo, não mais lhes pertenceria, “atravancando o
progresso”, bordão popularizado pelo famoso personagem Odorico Paraguaçu, da
obra O Bem Amado (Dias Gomes), um símbolo sintetizador dos “poderosos” que
grassam e desgraçam o Brasil.

10
Bacurau é o nome fictício de uma pequena cidade localizada no sertão do Nordeste brasileiro.
64

Isso implica uma diversidade de assuntos pertinentes ao direito que podem ser
trabalhados de forma transversal. O descaso do poder público em desfavor da população
nordestina, a falta de água, comida, e, até mesmo o colonialismo. Os personagens vão se
constituindo a partir da resistência a essa realidade, ou seja, resistem ao sistema estabelecido,
em especial quanto não se rendem às ofertas políticas que partem do prefeito corrupto. A própria
visão do Sul e do Sudeste brasileiro acerca do Nordeste é trabalhada na obra, já que os
forasteiros são de tais regiões, representam a classe média e a elite e estão a serviço dos
estrangeiros – que querem dizimar o povoado nordestino11.

Retornando à Glauber Rocha, suas obras abrangem a tradição literária brasileira e seus
filmes são poéticos e recheados de fotografias notáveis, compondo uma estética magnífica em
sua totalidade (SIEGA, 2009). Segundo o próprio Glauber Rocha (2004), essa estética consistiu
também em uma violência – tal como Bacurau – que veio a ser tanto primitiva como
revolucionária e capaz de fazer com que o colonizador percebesse a existência do colonizado.
Essa conscientização através da violência permitiu que o colonizador ficasse chocado pela força
da cultura a qual estava explorando.

A violência foi um recurso expressivo para as perspectivas revolucionárias e


transformadoras que eram necessárias, com imagens e sonoridades viscerais, reforçando ainda
mais a construção da política do Cinema Novo. Por isso, torna-se importante compreender essa
violência estética como, acima de tudo, a demonstração da desigualdade social brasileira, da
pobreza ocasionada pelo subdesenvolvimento, de um sertão esquecido, da exploração do povo
(ROCHA, 2004). A violência é essência primária e emana como ato destruidor e criador que
chamou a atenção do mundo todo e mostrou a nossa identidade cultural e a humanidade da qual
nós somos dotados. Um grito de revolta. Uma manifestação genuína de um povo que sofreu por
anos. E ainda sofre.

É disso que a educação jurídica brasileira precisa: Revolta! Esse é o ponto essencial que
o cinema brasileiro tem a mostrar para o meio jurídico: o tom crítico, o desejo de autonomia, a
vontade de destruir pressupostos que nos são impostos, o ânimo para criar pressupostos

11
“Além da resistência, a violência, tal como em nosso país, está bastante presente. A gratuidade da violência dos
estrangeiros no filme, que se manifesta terrivelmente no Brasil de hoje, também merece ser problematiza. O ódio
manifesto na violência ideológica, homofóbica, religiosa, sexista, racista, contra os trabalhadores (atualmente, o
servidor público, especialmente da categoria docente, é um dos alvos prediletos) impressiona. Violências gratuitas.
Violência contra os direitos humanos. No filme, os estrangeiros matam os colaboradores forasteiros vindos das
regiões Sul e Sudeste, por discordarem de um assassinato por eles cometido e afirmarem que isso (as mortes) eram
prerrogativas deles próprios” (PALMA; ASSIS; VILAÇA, 2019, p. 34).
65

originais e culturais. Esse é o espírito anticolonialista e resistente que a transversalidade precisa


trazer. Romper a dogmática cartesiana e fundar concepções originais que possibilitem o Direito
dialogar com a realidade e com os problemas sociais. Desconstruir o Direito como mera
manifestação formal e torná-lo expressão do real.

Por fim, destaca-se que o cinema nacional se demonstra extremamente amplo e traz
excelentes filmes que retratam diferentes realidades, como exemplos, podem ser citado Cidade
de Deus (2002), o qual aborda a questão da vida em regiões periféricas; O Bicho de Sete
Cabeças (200), onde temáticas como drogas e a retrógrada visão manicomial são abordados;
Tatuagem (2013), em que trata questões LGBTQIA+; Estômago (2007), onde é tratado a visão
de um nordestino que vai ao sudeste buscar emprego. Poderiam ser citados muitos outros filmes
que podem ser trabalhados nos cursos de Direito de forma transversal, atentando-se a uma
expansão de conhecimentos para além das leis. Ou seja, fica claro a riqueza acerca das obras
nacionais em que a violência serve como ator irrompedor.

CONCLUSÃO

O presente trabalho, na primeira parte, buscou compreender como a transversalidade foi


abraçada pelas novas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito
(Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2018) através do artigo 2º, § 4º e pelo artigo 5º. Nesse
sentido, trouxe um olhar contemporâneo pensando acerca das formações e dos conteúdos que
devem ser abordados frente ao cenário transversal que se busca construir. Por isso, houve a
necessidade de compreender a questão textual que permeia a Resolução, trazendo críticas e
elogios e demonstrando um pouco da trajetória histórica do Direito e da educação jurídica no
Brasil.

Frente a esse cenário, verificou-se alguns desafios a serem enfrentados pelo viés da
educação para que ela realmente seja capaz de subverter o tradicionalismo e fundar uma
vertente crítica e transversal. O principal ponto é fugir dos moldes clássicos de ensino, os quais
levam a um exacerbado formalismo e não permite a evolução do âmbito jurídico em conjunto
com os processos sociais em constante movimento.

Por isso, na segunda parte, buscou um diálogo da educação jurídica brasileira com o
cinema nacional, enfatizando os ideais de Glauber Rocha e do Cinema Novo, oportunidade em
que se aprofundou em seu manifesto denominado “A estética da fome”, escrito e publicado em
1965. Por mais que estejamos em 2020, mais de 50 anos após o manifesto e o ápice do Cinema
66

Novo, verificou-se a importância do referido movimento e o quão ele ainda é importante diante
das temáticas que tratou, consistentes em inovar o cinema nacional demonstrando uma visão
realista do Brasil como país colonizado e subdesenvolvido.

Em que pese, as obras cinematográficas produzidas pelos cineastas do Cinema Novo


compreendam temáticas relativas ao meio ambiente, pobreza, migração do meio rural para os
centros, industrialização do Brasil, racismo, sertão, favelas, etc., optou-se por um olhar sobre o
manifesto em virtude de ele conter uma ideologia geral do Cinema Novo. Nesse sentido, foi
possível extrair da estrutura do movimento alguns dos pressupostos essenciais para a construção
de resistências artísticas contra a colonização europeia.

Por isso o Cinema Novo conseguiu ser um movimento de importância social, histórica
e atual até os dias de hoje. Ele tratou da sociedade em constante movimento e abrangeu uma
realidade de exploração mascarada pelas indústrias vigentes à época. Se utilizou de uma estética
revolucionária que expressou a nossa latinidade e as nossas culturas a partir do nosso próprio
olhar. O movimento irrompeu com a cultura estrangeira estabelecida no âmbito
cinematográfico e construiu sua originalidade de resistência.

Para além do movimento, o cinema nacional como um todo se coloca como capaz ser
eficiente como ferramenta para a efetivação da transversalidade no ensino jurídico brasileiro.
O exemplo que brevemente foi abordado consistiu no filme Bacurau, o qual se demonstrou
como uma obra capaz de explorar diversos problemas sociais capazes de ser pensado por meio
do Direito.

Foram esses os motivos que levaram a pensar o movimento Cinema Novo e o cinema
nacional como instrumentos capazes de auxiliar a transversalidade no ensino jurídico brasileiro,
pois, além das temáticas pertinentes, históricas e transversais das obras, o movimento e o
cinema brasileiro de forma geral são ensinamentos em como romper tradicionalismos e
dogmatismos instaurados. Nessa ótica, o ensino jurídico precisa dessa “violência”
desconstrutiva e inovadora para que os conteúdos saiam das caixas cartesianas e trabalhem a
partir da nossa realidade e da nossa essência enquanto brasileiros. Isso porque, mais de 50 anos
depois, o Brasil ainda clama pelas mesmas coisas: pão, terra e paz!
67

REFERÊNCIAS

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69

É POSSÍVEL A VIRTUALIZAÇÃO DO ESTUDO CLÍNICO EM


DIREITO? RELATO DA EXPERIÊNCIA DE ESTUDO CLÍNICO
INTERINSTITUCIONAL EM TEMPOS DE PANDEMIA

Carolina Cyrillo1
Luiz Fernando Castilhos Silveira2

RESUMO
O presente artigo aborda o método de estudo clínico em direito e a sua possibilidade de
virtualização no período da pandêmica da COVID 19. Apresenta-se um relato de caso sobre
uma experiência de virtualização da atividade de estudo clínico em matéria de direitos humanos,
voltada a elaboração de atuação como amicus curiae nas ADPF 759 e ADI 6565, onde se discute
o tema da autonomia universitária e sua relação com a garantia da liberdade acadêmica, como
pilar fundamental da democracia. O caso apresentado e colocado em debate foi uma estratégia
de união interinstitucional entre o Núcleo Interamericano de Direitos Humanos da Faculdade
Nacional de Direito da UFRJ e a Universidade de Caxias do Sul, campus Hortênsias, de modo
a integrar os discentes e docentes em atividades conjuntas de pesquisa e extensão para
comprovar a possibilidade de virtualização da atividade clínica em direito, no período da
pandemia da COVID 19.
Palavras-chave: Estudo Clínico em Direito. Virtualização. Pesquisa. Extensão. Autonomia
Universitária.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo pretende apresentar uma experiência de virtualização do estudo clínico


em direito, a partir de um projeto integrado de pesquisa e extensão desenvolvido pelo Núcleo
Interamericano de Direitos Humanos da Faculdade Nacional de Direito da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (NIDH), através de sua Clínica Interamericana de Direitos Humanos,
em parceria com a Universidade de Caxias do Sul (UCS), Campus das Hortênsias. O objetivo

1
Professora Adjunta de Direito Constitucional e Administrativo da UFRJ. Coordenadora do Núcleo
Interamericano de Direitos Humanos NIDH/UFRJ, Docente de Elementos de Direito Constitucional da UBA.
Doutoranda em Direito Constitucional na UBA e em Teorias Contemporâneas do Direito na UFRJ. Mestre em
Direito pela UFSC. Especialista em Processo Civil pela UFRGS. Secretária geral da Comissão de Educação
Jurídica da OAB/RS. Advogada inscrita na OAB/RS sob n. 53.676.
2
Professor de Direito da UCS, cursou doutorado (não concluído) na Universidade de Edimburgo (Escócia). Possui
graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFRGS, Mestrado em Direito pela UNISINOS e especialização
em Filosofia e Ensino pela PUC-RS. Membro da Comissão de Educação Jurídica da OAB/RS e do Núcleo
Interamericano de Direitos Humanos NIDH/UFRJ. Advogado inscrito na OAB/RS sob n. 60.407.
70

é discutir a possibilidade de desenvolvimento da atividade clínica em direito, no período da


pandemia da COVID-19, onde as atividades acadêmicas passaram a ser desenvolvidas de modo
presencial-digital, com o objetivo de responder se o modelo virtual permite a implantação do
estudo clínico e, de que modo, essa modalidade permitiu a interação interinstitucional, no caso
concreto, fortalecendo a atividade universitária em rede integrada de pesquisa e extensão
universitária.

Portanto, serão apresentados: 1) o modelo de estudo clínico para o direito, em especial


na modalidade de estudo clínico voltado aos direitos humanos, tal como é a proposta da Clínica
Interamericano de Direitos Humanos do Núcleo Interamericano de Direitos Humanos da
Faculdade Nacional de Direito – NIDH ; 2) o projeto integrado de pesquisa e extensão
universitária, na modalidade interinstitucional realizado em conjunto pelo NIDH e a
Universidade de Caxias do Sul (UCS), campus Hortênsias, com o relato da proposta e o caso
desenvolvido e 3) os resultados obtidos com a experiência de educação clínica em matéria de
direitos humanos no caso implementado, de modo a comprovar a hipótese de que é possível
adaptar o estudo clínico ao modelo presencial-digital e reinventar a atividade nos moldes
possíveis, no contexto da pandemia da COVID-19, sem comprometer a proposta de educação
jurídica com o modelo de estudo clínico em matéria de direitos humanos, virtualizando a
modalidade.

2 ESTUDO CLÍNICO EM DIREITO E A EXPERIÊNCIA NA EDUCAÇÃO EM


DIREITOS HUMANOS

O estudo clínico em direito consiste, basicamente, na proposta de solução de um conflito


jurídico real, a partir da representação de causas sob a supervisão dos professores, de modo a
produzir a proposição de uma solução real com efetiva possibilidade de intervenção por parte
dos alunos em demandas (ACCA e SCABIN, 2009).

A discussão sobre esse modelo surge a partir do pensamento crítico ao assim


denominado estudo tradicional e é, frequentemente, apontado como tendo surgido na
transformação da educação jurídica americana, a partir dos anos 30 do século passado,
fortemente marcada pelo abandono do ensino textual e focado no estudo de casos.

O paper crítico de Jerome Frank (1933) intitulado “Why not a clinical lawyer-school?
” à modalidade de escolas de direito baseadas, quer no estudo de livros, quer no estudo de casos
71

fictícios, é usualmente usado como marco da discussão sobre a necessidade de implementação


de estudos de casos reais na formação do jurista americano e apontado como precursor da
modalidade clínica de estudo no direito. Para o autor nem o estudo tradicional de educação
baseada em leitura de doutrina, nem a baseada em opiniões das cortes era capaz de formar um
profissional do direito adequado a solucionar problemas reais e atuar na advocacia (FRANK,
1992, p. 913), daí a razão pela qual propôs o modelo do estudo clínico. Assim, educação clínica
surge como reação à educação jurídica tradicional enciclopedista, memorista e pouco prática
(LAPA, 2014, p.65).

No mesmo período, no campo da educação, a ideais de John Dewey de crítica a


educação tradicional de imposição de conteúdos de cima para baixo e de fora para dentro,
ganhava força, na chamada escola progressiva ou escola nova (DEWEY, 1979, p. 5). Entre nós
essas ideias compunham o pensamento de Anísio Teixeira, que já na década de 30, propunha
uma modalidade de educação com alunos ativos com projetos integrados numa unidade de
aprendizagem (TEIXEIRA, 1930).

O estudo clínico em direito é uma modalidade de estudo voltada para apreciação da


educação jurídica ativa e se difere da atuação dos Núcleos de Prática Jurídica, serviços de
assistência jurídica ou escritórios modelos, implementados no eixo de formação prático-
profissional estabelecido nas diretrizes curriculares do curso de Graduação em Direito,
elaboradas por força da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996)3. Enquanto os escritórios ou núcleos seguem um modelo assistencial, as
clínicas têm como enfoque a intervenção estratégica e o impacto social, de modo a propiciar
que os discentes atuem em demandas de caráter coletivo ou chamados leading cases.

O cliente dos escritórios-modelo ou Núcleos de Prática Jurídica é o indivíduo, nas


Clínicas é uma coletividade ou grupo não-definido. Quanto à metodologia de atuação, no
escritório modelo ou núcleo de prática jurídica é a representação de causas jurídicas, nas
clínicas há uma diversidade de métodos, inclusive com o uso de estratégias junto ao governo,
políticas públicas e à mídia (LEIVAS; RIOS; SCHÄFER, 2014, p.3).

Portanto, podemos definir que o foco das clínicas é a litigância estratégica e a formação
teórica e científica dos alunos, enquanto os escritórios modelos ou núcleos de prática jurídica,
se voltam para o litígio processual e assistência aos hipossuficientes, sendo essa distinção

3
RESOLUÇÃO Nº 5, DE 17 DE DEZEMBRO DE 2018 http://portal.mec.gov.br/docman/dezembro-2018-
pdf/104111-rces005-18/file
72

importante para que não se confunda os enfoques e abordagens de cada experiência (FORTES,
2018, p. 96).

Especialmente no que diz respeito a atuação da atividade clínica em matéria de direitos


humanos Fernanda Brandão Lapa (2014), estabelece alguns parâmetros de atuação que são: 1)
o compromisso com a Justiça Social (LAPA, 2014, p.86); 2) metodologia participativa (LAPA,
2014, p.88); 3) articulação da teoria com a prática (p.94); 4) atuação em casos emblemáticos e
noção de litigio estratégico (LAPA, 2014, p.93); 4) integração das atividades de ensino,
pesquisa e extensão (LAPA, 2014, p.97); 5) enfoque interdisciplinar (LAPA, 2014, p.99); 6)
institucionalização formal e reconhecimento da Universidade (LAPA, 2014, p.103); 7) público-
alvo universitário (LAPA, 2014, p.104).

Seguindo esses parâmetros propostos na tese de Lapa (2014), o Núcleo Interamericano


de Direitos Humos da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(NIDH), implementou, como atividade de extensão permanente, uma Clínica Jurídica voltada
aos direitos humanos e centrada no Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH), como
sistema regional de proteção do direito internacional de direitos humanos.

A necessidade de uma clínica jurídica, voltada ao sistema regional de proteção dos


direitos humanos, é forma de dar espaço universitário para aquilo que Alexandre Torres Petry
(2017, p.164) chamou atenção, sobre a importância da educação em direitos humanos, como
forma de assegurar o processo transformador de integração da América Latina, em razão de
uma educação jurídica voltada para defesa e a promoção dos direitos humanos, como
compromissos legais e institucionais do Brasil.

Portanto, o objetivo da Clínica Interamericana de Direitos Humanos do NIDH é o de


focar a educação jurídica de modo a fortalecer os direitos humanos e a democracia, com especial
ênfase à proteção e à vocalização dos grupos vulneráveis, tais como crianças, mulheres, idosos,
deficientes, LGBT, trabalhadores escravizados, pessoas privadas de liberdade, bem como, atuar
no desenvolvimento das instituições de garantias desses direitos humanos, de modo a
instrumentalizar a sua efetividade, sempre voltada aos standards regionais de proteção dos
Direitos Humanos4, dando concretude a ideia lançada por Siddharta Legale (2019, p. 121) de

4
Para maiores informações dobre a atuação da Clínica Interamericana de Direitos Humanos, consulte
https://nidh.com.br/sobre/
73

que a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) funciona como uma verdadeira
Constituição Interamericana.

Do ponto de vista metodológico, essa experiência de educação clínica procura


aproximar teoria e prática, utilizando-se técnicas pedagógicas contemporâneas, tais como:
aprendizagem baseada em problemas (BOROCHOVICIUS e TORTELLA, 2014);
aprendizagem baseada em projetos etc. (RODRIGUES e GOLINHAKI, 2021), voltada a
atuações reais.

A principal estratégia de atuação real da Clínica IDH é a de atuação na condição de


amicus curiae ou por meio do auxílio de formulação de peças processuais para proteção dos
referidos grupos e instituições.

Em relação ao processo de institucionalização, a Clínica IDH articula atividades de


ensino, pesquisa e extensão. Quanto ao ensino, trabalha de forma sinérgica com disciplinas
curriculares de direito constitucional e de direitos humanos, dialogando com os projetos de
pesquisa institucionalizados pelo Núcleo Interamericano de Direitos Humanos (NIDH), em
especial o grupo de pesquisa “Casoteca da Corte Interamericana”5 e com o grupo de pesquisa
“Constitucionalismo Sul-Americano”6.

Por fim, quanto à litigância estratégica ou atuação em casos emblemáticos, leading


cases, vale destacar que os casos selecionados priorizam a proteção e a vocalização dos grupos
vulneráveis e instituições de garantias de seus direitos. Esse litígio estratégico significa atuar
em casos de interesse público ou social relevante, seja na esfera judicial interna, como as ações
perante o STF, seja no Sistema Interamericano, aí compreendidas a Comissão Interamericana
de Direitos Humanos (CIDH) e Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH).

A atuação principal se dá na condição de amicus curiae de modo a intervir nas decisões


judiciais, na tentativa de ampliar sua legitimação democrática das mesmas (WELSCH, 2016,
p. 164).

Portanto, seguindo os padrões estabelecidos por Lapa (2014) acima expostos, verifica-
se que a Clínica IDH cumpre o propósito institucional para qual se dispôs, a saber, dar à
educação jurídica um caráter prático, engajamento social e intervenção em litígios de

5
Para maiores informações sobre as pesquisas desenvolvidas pelo projeto de pesquisa “Casoteca da Corte
Interamericana” consulte-se https://nidh.com.br/category/casoteca/
6
Para maiores informações sobre as pesquisas desenvolvidas pelo projeto de pesquisa “Constitucionalismo Sul-
Americano” consulte-se https://nidh.com.br/sud/
74

importância coletiva de modo a formar discentes engajados na promoção dos direitos humanos
e com atuação efetiva em casos reais.

Por sua vez, o desafio estabelecido pela pandemia da COVID 19 e a modificação da


oferta das atividades universitárias, obrigou algumas adaptações na modalidade da atuação da
atividade clínica, sendo a virtualização um desafio que se impôs, para que fosse mantida a
proposta e empregada a metodologia.

Importante esclarecer que também a Corte IDH e o STF, tribunais onde se desenvolve
a atuação primordial de amicus curiae da Clínica IDH, também sofreram adaptações e
virtualizações por causa da pandemia da COVID 19, de modo que suas sessões passaram a ser
on-line, o que, de certa forma, permitiu uma ampliação das atividades da Clínica IDH por
baratear, significativamente, o custo da atuação, uma vez que as atividades desenvolvidas são
gratuitas e não recebem aporte financeiro para custear transporte, hospedagem etc dos alunos e
professores envolvidos.

As sessões da Corte IDH, que habitualmente ocorrem na Costa Rica, foram


reorganizadas para serem feitas através de plataforma de streaming. As sessões do STF que
ocorrem em Brasília, também formam virtualizadas, através das sessões plenárias por
videoconferência e do julgamento através do plenário virtual.

3 VIRTUALIZAÇÃO DA ATIVIDADE CLÍNICA E ATUAÇÃO


INTERINSTITUCIONAL: O RELATO DO CASO

No processo de institucionalização da Clínica IDH, para fins de integrar a atividade de


extensão e pesquisa, dentro de um contexto maior que é o Núcleo Interamericano de Direitos
Humanos (NIDH), ficou estabelecido que a Clínica IDH desenvolveria suas atividades de
educação clínica conectada aos grupos e projetos de pesquisa do NIDH. Os grupos e projetos
de pesquisa do NIDH funcionam em redes integradas com professores, alunos e pesquisadores
de outras instituições, além da UFRJ, e conta com diversas redes integradas nacionais e
internacionais.

Dentre as pesquisas em rede está aquela desenvolvida pelo grupo de pesquisa


Constitucionalismo Sul-Americano, que conta com uma linha de pesquisa sobre as instituições
de garantia de direitos humanos e desenvolve um projeto de pesquisa específico, destinado a
essa linha, chamado: autonomia universitária e liberdade acadêmica, que é realizado em rede
75

integrada com professores pesquisadores da Universidade de Caxias do Sul (UCS), campus das
Hortênsias, devidamente institucionalizado7. Na UCS o projeto foi institucionalizado como a
extensão universitária “Autonomia Universitária como Instituição de Garantia da Liberdade de
Expressão: Aportes Teóricos Interamericanos”, na modalidade EAD síncrona.

Para unir essa atividade de pesquisa com a extensão universitária, foi desenvolvido um
experimento de estudo clínico específico, virtualizado e institucionalizado em rede conjunta
entre o NIDH da UFRJ e a UCS das Hortênsias, para atuação clínica, na condição de amicus
curiae, em dois casos perante o Supremo Tribunal Federal (STF) que discutem a autonomia
universitária, que é o eixo norteador temático dos projetos.

A primeira providência foi a institucionalização das redes nas respectivas instituições.


Perante a UFRJ foi organizado o projeto de pesquisa que incluiu os professores da UCS. Perante
a UCS foi institucionalizada uma extensão universitária coordenada pelos professores da UCS
e composta pelos professores da UFRJ.

A segunda providência foi o pedido de admissão na qualidade de amicus curiae da


Clínica IDH, na qualidade de amicus curie.

O caso levado ao estudo clínico para os alunos e alunas consistiu na atuação e


construção de memorial de amicus curiae nas ADPF 759 e ADI 6565, que tramitam perante o
Supremo Tribunal Federal (STF).

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6565 o Partido Verde questiona a


compatibilidade das listas tríplices para escolha, pelo Presidente da República, dos reitores das
universidades federais de ensino e o respeito a autonomia universitária.

Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 759, o Conselho


Federal da Ordem dos Advogados do Brasil solicita que seja determinado que o presidente
somente nomeie como Reitor o primeiro nome da lista enviada pelas Universidades Federais e
demais Instituições Federais de Ensino Superior, em respeito à consulta feita às respectivas
comunidades acadêmicas, bem como a anulação dos atos de nomeação já realizados que não
obedeceram a escolha da comunidade universitária.

Essa discussão sobre autonomia universitária, que já era o projeto de pesquisa dos
professores, em andamento, motivou a elaboração da atividade de integração entre pesquisa e

7
Para mais informações sobre o projeto de pesquisa consulte-se https://nidh.com.br/sud-projeto-autonomia-
universitaria-e-liberdade-academica/ .
76

extensão, com a interação do corpo discente, para produção do estudo clínico feito em conjunto
entre o NIDH e UCS, campus Hortênsias, através da Clínica Interamericana de Direitos
Humanos, sobre a autonomia universitária, de modo a produzir subsídios técnicos para o
julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 759 (ADPF 759) e da
Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6565 (ADI 6565), na atuação como amicus curiae.

No caso, é a possibilidade de atuação real dos discentes na produção do memorial que


será entregue como contribuição de amicus curiae, nessas ações, bem como o acompanhamento
que farão do caso até o seu final julgamento pelo STF acompanhando, inclusive, a sustentação
oral no plenário.

Para operacionalizar o estudo os discentes foram selecionados, mediante edital, pelas


suas respectivas instituições e divididos em duplas ou trios, de modo a integrar participantes
das diferentes universidades. Na seleção foram observados os critérios de gênero e raça, assim
como a questão do avanço dos alunos no curso de direito, de modo a ter alunos iniciantes,
intermediários e concluintes, num total de 9 discentes selecionados: quatro da UCS e 5 da
UFRJ. Separados em suas respectivas duplas ou trios, iniciaram a fase de investigação sobre
cada tema, de modo a construírem, conjuntamente, o material. Uma aluna abandonou o projeto
após o primeiro encontro virtual.

Os encontros foram virtualizados em razão da pandemia e se realizaram através de salas


de reuniões do aplicativo google.meet, uma vez por semana, com duração de uma hora, durante
5 semanas. Foi criado um grupo de whatsapp com os participantes e os professores, para
dúvidas e comunicação rápida entre o grupo e um drive virtual com acesso à todos para
compilação dos materiais.

Nos encontros virtuais através da plataforma google.meet, havia intervenção dos


professores coordenadores do projeto e eram apresentados, de forma coletiva, os avanços
produzidos pelos discentes.

Foram realizados encontros extras com professores especialistas na matéria nos países
da américa do sul, de modo que os estudantes pudessem verificar o impacto regional da matéria
e construir um padrão, ou costume constitucional de proteção da autonomia universitária na
região.

Da pesquisa geral, uma dupla formada por duas alunas iniciantes no curso, uma da UCS
e outra da UFRJ, desenvolveu uma pesquisa paralela e complementar que foi selecionada para
77

apresentação em um salão internacional de iniciação científica, sob orientação dos professores


coordenadores do projeto8.

Na última reunião virtual os discentes debaterem estratégias de atuação interligadas com


advogado representante de outro amicus curiae sobre a importância do litígio acadêmico em
casos de impacto e transformação social, bem como, sobre o papel do amicus curie na tomada
de decisão judicial.

Por fim, os discentes encontram-se elaborando o documento final do memorial. O


julgamento das ações, que se encontrava pautado para sessão plenária de 23.06.2021, acabou
sendo retirado de pauta e até a conclusão do presente não havia sido reincluído em pauta para
julgamento.

4 OS RESULTADOS OBTIDOS COM A EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO CLÍNICA


EM MATÉRIA DE DIREITOS HUMANOS

Do ponto de vista dos objetivos a serem alcançados no ensino baseado na litigância


estratégica, que é parte do estudo clínico em direito, o caso selecionado priorizava a proteção
das instituições de garantias de direitos, fazendo frente ao quesito de atuar em casos de interesse
público ou social relevante na esfera judicial.

Ficou bastante evidente para os discentes a importância do debate sobre a autonomia


universitária como componente de um Estado Democrático de Direito, que prioriza a
democracia e o respeito aos Direitos Humanos. Essa percepção pelos envolvidos no estudo
clínico se tornou mais evidente nos encontros realizados com os professores do Perú, Equador,
Argentina e Colômbia, visto que todos verbalizaram a importância da proteção da autonomia
universitária para contenção do avanço de governos autoritários, a partir das referências ao tema
em seus respectivos países.

De fato, a importância social ou coletiva dos casos selecionados para atuação como
amicus curie ganhou ainda mais relevância para os discentes envolvidos, quando da troca de
experiências com os professores das demais instituições sul-americanas, pois, foi possível
identificar o impacto da autonomia universitária para proteção de uma série de direitos humanos
como os de educação e liberdade acadêmica, como pilares de uma democracia constitucional.

8
O trabalho de pesquisa foi apresentado no I Seminário Internacional de Iniciação Científica da UNIVALI.
78

Os discentes identificaram um costume constitucional de respeito a autonomia universitária na


região.

A discussão sobre o modelo normativo de autonomia universitária proposto pela


constituição, e sua consequência para proteção dos direitos de liberdade, sobretudo a acadêmica
e cientifica, se enquadra no modelo acima, de intervenção real, feita pelos alunos do direito, na
transformação da compreensão de um modelo de autonomia universitária como instituição de
garantia dos direitos humanos (CYRILLO e SILVEIRA, 2021, p. 78).

Do ponto de vista da metodologia participativa e articulação da teoria com a prática a


elaboração de um memorial e acompanhamento da intervenção de amicus curiae, perante o
STF, parece ser uma ótima forma de engajar os discentes em uma demanda real, não ficta, com
a possibilidade de contribuição técnica na legitimação democrática da tomada de decisão por
parte daquele Tribunal.

Do ponto de vista do conteúdo especifico dos direitos humanos, os discentes tiveram


contato com toda doutrina de proteção multinível dos direitos humanos, visto que o fio condutor
de atuação da Clínica Interamericana de Direitos Humanos do Núcleo Interamericano de
Direitos Humanos da Faculdade Nacional de Direitos da Universidade Federal do Rio de
Janeiro é o de dar voz ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos, instigando que os
tribunais internos obriguem-se a fazer o controle de convencionalidade.

Efetivamente, os discentes desenvolveram as razões técnicas a serem levadas para


Corte, elaborando o memorial a ser entregue, sob supervisão dos professores, que atuam como
advogados no caso. Tiveram a experiência de diálogo internacional sobre o tema e discutiram
estratégia de atuação com o advogado representante de outro amicus curiae também admitido
nas ADPF 759 e ADI 6565.

Fica claro que a demanda do litígio estratégico escolhido transcende o litígio individual,
pois encontra-se no marco das ações do controle de constitucionalidade em abstrato
(BARROSO, 2011, p.175).

No que diz respeito a integração das atividades de ensino, pesquisa e extensão e da


institucionalização da atividade nas universidades participantes o requisito de reconhecimento
da atividade se deu pela institucionalização da pesquisa na UFRJ e da extensão na UCS.

Por fim, constata-se que a experiência serviu para comprovar a possibilidade de


virtualização da atividade de educação clínica, com a possibilidade, inclusive, de realizar essas
79

atividades de modo interinstitucional entre UFRJ e UCS, unindo as atividades de redes de


pesquisa, com participação de professores estrangeiros, o que não teria sido possível na
modalidade presencial, por envolver custos operacionais com deslocamento dos participantes
impossíveis de serem economicamente suportados.

Entende-se que a possibilidade de virtualização da experiência clínica pode abrir espaço


para popularização do método de estudo clínico e das redes integradas de pesquisa o que
poderia, ao menos em tese, desenvolver atividade ativa dos discentes em verdadeira reeducação
jurídica.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pandemia da COVID 19 obrigou uma modificação abrupta na educação jurídica. A


impossibilidade de atividades presencias determinou a virtualização, principalmente, de todas
as atividades de ensino.

Em relação às atividades de pesquisa e extensão, componentes com o ensino dos três


pilares da atividade universitária, a pandemia desafiou a sua sobrevivência.

Nessa toada, e para tentar comprovar que as atividades poderiam também ser
virtualizadas, de modo a dar continuidade à atuação, foi proposto que se desenvolvesse uma
atividade utilizando o método de estudo clínico no direito, através de uma cooperação
interinstitucional entre o Núcleo Interamericano de Direitos Humanos da Faculdade Nacional
de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, através de sua Clínica Interamericana de
Direitos Humanos e a Universidade de Caxias do Sul (UCS), Campus das Hortênsias, para
atuação em uma demanda real por parte do corpo discente das instituições, de modo que as
atividades do estudo clínico foram totalmente virtualizadas.

Nessa experiência se constatou que foi possível manter todos os aspectos que envolvem
um estudo clínico em direito, sobretudo em direitos humanos, tais como o compromisso com a
Justiça Social, metodologia participativa, articulação da teoria com a prática, atuação em casos
emblemáticos, noção de litígio estratégico e coletivo, bem como, a integração das atividades de
ensino, pesquisa e extensão devidamente institucionalizados.

Observou-se que a virtualização da atividade permitiu que ela fosse desenvolvida de


modo interinstitucional e articulando, também, a pesquisa em rede, inclusive com a
80

possibilidade e uma experiência internacional para os discentes, que não teria sido possível se
a modalidade fosse desenvolvida de modo presencial.

Da experiência pode-se extrair a possibilidade, ainda que temporária, de virtualização


da atividade de educação clínica em direito, sendo o engajamento dos participantes fator de
sucesso da experiência relatada.

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WELSCH, Gisele Mazzoni. Legitimação Democrática do Poder Judiciário no Novo CPC. São
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82

A TERCERIZAÇÃO E O TRABALHO DO PROFESSOR DA


EDUCAÇÃO SUPERIOR EM TEMPOS DE PANDEMIA: AVANÇOS DA
PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO

THE OUTSOURCING AND THE WORK OF THE HIGHER


EDUCATION TEACHER IN PANDEMIC TIMES: ADVANCES IN THE
PRECARIZATION OF WORK RELATIONSHIPS
Franceli Bianquin Grigoletto Papalia1
Carina Deolinda da Silva Lopes2

RESUMO
O mundo está acometido de muitas incertezas em todos os aspectos, não sendo diferente no que
se refere as relações de trabalho. A educação também vem enfrentando profundas mudanças
neste momento de pandemia. Mas, muitas novidades já haviam surgido, anteriormente, com a
Reforma Trabalhista, uma delas é a possibilidade de terceirização da atividade fim, e neste caso,
podemos referir que a atividade docente não está fora desta realidade. Assim, a presente
pesquisa buscará investigar o impacto da terceirização do trabalho do professor de ensino
superior em tempos de pandemia do COVID 19, diante da precarização das relações de trabalho.
A temática da pesquisa é referente aos reflexos que poderão ocorrer nas relações de trabalhos
dos professores através da terceirização do setor neste momento de relativização das normas
trabalhistas frente a manutenção dos vínculos trabalhistas. Será utilizado o método hipotético–
dedutivo, no intuito de verificar a eficácia dessa realidade no mundo do trabalho, a técnica é a
teórica conceitual, enfatizando alguns conceitos, como o científico a respeito do coronavírus,
sobre trabalho docente, terceirização e precarização. Trata-se de uma pesquisa de cunho
qualitativo, realizada por meio de levantamento bibliográfico e documental, efetuando chegar
a uma reflexão a respeito da aplicabilidade efetiva da realidade enfrentada nas relações laborais.
Palavras-chave: Educação. Pandemia. Terceirização. Trabalho Docente.

ABSTRACT
The world is affected by many uncertainties in all aspects, and it is no different with regard to
work relations. Education is also facing profound changes in this pandemic moment. However,
many new features had already emerged with the Labor Reform, one of which is the possibility
of outsourcing the core activity, and in this case, we can mention that the teaching activity is
not out of this reality. Thus, this research will seek to investigate the impact of outsourcing the
work of teachers in times of pandemic of COVID 19, given the precariousness of work
relationships. The research theme is related to the reflexes that may occur in the teachers' work
relationships through the outsourcing of the sector at this time of relativization of labor

1
Mestre em Educação pela UFSM. Advogada; Juíza leiga da Comarca de Faxinal do Soturno – TJRS; docente e
pesquisadora do grupo de pesquisa Káiros. E-mail: franpapalia@gmail.com.
2
Doutoranda em Direitos Humanos (UNIJUI), mestre em Direito (URI), especialista em direito processual civil e
direitos constitucional (ULBRA/UNISUL), bolsista CAPES, docente e advogada OAB/RS 71.771, membro da
Comissão de Educação Jurídica da OAB/RS. E-mail: lopesdeo@hotmail.com.
83

standards in view of the maintenance of labor ties. The hypothetical – deductive method will
be used, with the possibility of case studies on the subject, in order to verify the effectiveness
of this reality in the world of work, the technique is the conceptual theoretical, emphasizing
some concepts, such as the scientific one about the coronavirus , on teaching work, outsourcing
and insecurity. it is a qualitative research, carried out by means of bibliographic and
documentary survey, leading to a reflection on the effective applicability of the reality faced by
the outsourcing of the teacher's work in times of pandemic and the advances in the
precariousness of these labor relations.

Keywords: Education. Pandemic. Outsourcing. Teaching Work.

1 INTRODUÇÃO

Diante da pandemia instalada no mundo, bem como das profundas mudanças que a
reforma trabalhista trouxe, não podemos deixar de pensar como a educação seria atingida neste
contexto, sendo que a mesma surgiu com toda a alteração legal. A presente pesquisa é inspirada
nas discussões realizadas por estas pesquisadoras no KAIRÓS – Grupo de Pesquisas sobre
Trabalho, Educação e Políticas Públicas, grupo que desenvolve estudos frequentes sobre
trabalho, mundo do trabalho e educação.

O interesse pela temática advém da situação com a precarização as relações de trabalho


em tempos de pandemia, quando a legislação trabalhista estava sendo ainda mais flexibilizada,
e, especialmente quanto à terceirização do trabalho dos professores frente a inquietações e
incertezas que estes contratos lhe oferecem.

É importante salientar que não se está aqui fazendo uma crítica ao trabalho realizado
pelos professores, e tão pouco menosprezando o que está sendo ensinado por estes profissionais,
mas o que se buscará fazer é apenas uma análise de como a terceirização dos professores do
ensino superior interferirá na maior precarização das relações de trabalho.

O que evidencia a importância do papel do professor do ensino superior frente a


educação para tanto, observa-se que dentre as idealizações do ser humano quanto a
aprendizagem e a importância do papel pedagógico dos professores que possam ir além das
noções de aprender a aprender.

É importante ressaltar que para atender os anseios que norteiam esta pesquisa, procura-
se olhar para a totalidade presente nas relações que se estabelecem e permeiam a educação,
entendendo que não poderia estudar o trabalho dos professores, sem antes olhar para o contexto
84

laborativo ao qual estão inseridos, bem como as determinações legais e a pandemia do


COVID19.

A metodologia utilizada na presente está embasada no hipotético–dedutivo, no intuito


de verificar a eficácia dessa realidade no mundo do trabalho, a técnica é a teórica conceitual,
enfatizando alguns conceitos, como o científico a respeito do coronavírus, sobre trabalho
docente, terceirização e precarização. Trata-se de uma pesquisa de cunho qualitativo, realizada
por meio de levantamento bibliográfico e documental, pois nenhuma teoria, por mais elaborada
que seja, consegue explicar todos os fenômenos e processos da pesquisa e para Lüdke e André
(1986), a análise documental é uma rica fonte de evidências que fundamentam afirmações e
informações sobre o contexto da pesquisa.

Dentro deste cenário, é imprescindível que se analise a problemática relativa para


descobrir quais serão os reflexos que poderão ocorrer no trabalho dos professores do ensino
superior, e aqui se faz a ressalva de que em todo o texto leia-se para o contexto do ensino
superior, diante do cenário de pandemia e terceirização do setor, uma vez que as significativas
mudanças na educação seria superar a precarização das relações de trabalho, para que a
preocupação fosse apenas à relação à produção do conhecimento.

Tendo em vista, inicialmente a reforma trabalhista de uma forma geral, e a pandemia do


COVID 19, busca-se com este estudo aprofundar conhecimentos e responder total ou
parcialmente a questão norteadora do estudo sobre pandemia e seus possíveis reflexos na
terceirização o trabalho do professor ocorrem reflexos na precarização das reações de trabalho
na educação superior.

2 PANDEMIA – COVID 19

A Pandemia tomou o mundo em uma velocidade impressionante, efetivou-se em uma


realidade até então apenas vista em livros e estórias de ficção ou até mesmo que contam antigas
epidemias. Realidade dura de morte e desespero. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já
em 30 de janeiro de 2020 emitiu declaração no sentido de que o surto da doença causada pelo
novo coronavírus (COVID-19) constituía uma Emergência de Saúde Pública de Importância
Internacional – representando o maior nível de alerta da Organização, conforme previsto no
Regulamento Sanitário Internacional.
85

Já em 11 de março de 2020, a COVID-19 foi caracterizada pela OMS como uma


pandemia, a realidade que viveria o mundo a partir de março era sem precedentes, e ainda
estamos vivendo, tão quão difícil é narrar os acontecimentos que se vive em meio ao caos de
infinitas mortes e de muitos infectados, sem se saber ao certo o futuro à frente.

Foram confirmados no mundo 16.812.755 casos de COVID-19 (253.793 novos em


relação ao dia anterior) e 662.095 mortes (5.999 novas em relação ao dia anterior) até 30 de
julho de 2020. Na região que contempla as Américas são 4.466.251 pessoas que foram
infectadas pelo novo coronavírus se recuperaram, conforme dados de 29 de julho de 2020.
(OPAS, 2020).

Importante salientar que a pandemia do COVID gerou uma grande ebulição social,
muitos setores foram atingidos, mas o que mais pesou em todo este contexto foram as inúmeras
mortes relacionadas a pandemia, até maio de 2021 segundo a Organização Mundial da Saúde
globalmente, em 6 de maio de 2021, houve 154.680.561 casos confirmados de COVID-19,
incluindo 3.233.845 mortes, notificados à OMS, já em 5 de maio de 2021, um total de 1 170
942 729 doses de vacina foram administradas.

A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e a OMS estão prestando apoio


técnico ao Brasil e outros países, na preparação e resposta ao surto de COVID-19 o Brasil tem
mantido algumas ações para o auxílio ao cenário que assola os brasileiros, o medo sem dúvida
é real. Podemos encontrar tais auxílios, como informações, dados entre outros no site do
Ministério da saúde e imagens explicativas que buscam orientar a população, como a seguir
evidenciada:

Fonte: https://ifrs.edu.br/sertao/wp-
content/uploads/sites/7/2020/03/87602834_3246465622038698_2257236056871010304_o.jpg
86

O ministério da saúde mobilizou algumas campanhas com a determinação de medidas


de proteção: lavar as mãos frequentemente com água e sabão ou álcool em gel e cobrir a boca
com o antebraço quando tossir ou espirrar (ou utilize um lenço descartável e, após
tossir/espirrar, jogue-o no lixo e lave as mãos).

Da mesma forma, neste tempo em que se decorre a pandemia ficou enfatizada que caso
uma pessoa apresentasse sintomas menores, como tosse leve ou febre leve, não haveria uma
necessidade maior de procurar o atendimento médico, podendo ficar em casa, tirar dúvidas com
contato a programas virtuais de atendimento, fazer autoisolamento (conforme as orientações
das autoridades nacionais) e monitorar os sintomas. Mas caso a pessoa possuir dificuldade de
respirar ou dor/pressão no peito, atendimento médico dever ser imediato, para verificação dos
demais procedimentos a serem evidenciados no tratamento e diagnóstico.

As campanhas de conscientização estão constantemente sendo relembradas e


enfatizadas no campo da mídia por todos os meios de comunicação, pois, diariamente
percebemos tamanha é a gravidade da COVID-19, bem como a ênfase e o empenho em
concretizara a vacinação.

Foram disponibilizados no sítio do governo federal brasileiro manuais, guias e diretrizes


para Diagnóstico e Tratamento da COVID-19, como uma resposta rápida para o enfrentamento
da COVID-19, diante da declaração de pandemia pela Organização Mundial de Saúde e as
iniciativas do Ministério da Saúde para enfrentamento dessa nova situação no meio brasileiro,
além disso o mesmo ministério também disponibiliza um banco de imagens para dar apoio ao
atendimento dos casos e permitir agilidade na adoção de condutas por parte dos profissionais
de saúde no diagnóstico da COVID19.

O serviço de diagnostico está disponível ao meio profissional da saúde que deverá


ingressar na plataforma “http://covid-19.maida.health” através de cadastro. O serviço está
disponível 24 horas, sete dias por semana. Os profissionais também poderão contribuir com o
banco de imagens, registrando novos casos e ajudando a orientar outros profissionais.
(BRASIL, 2020). Percebemos assim que muito ainda há para se ver, estudar e aprender sobre a
realidade do coronavírus.

A pandemia vai ficar registrada negativamente como algo sem precedentes, ocorrido na
história mundial, são inúmeros os prejuízos emocionais e materiais evidenciados, desde então,
consequências sociais que gritam a exploração do trabalho, como no caso da temática trabalha
87

neste texto que é a situação da terceirização para os trabalhadores de estabelecimentos de ensino


são inúmeras, uma vez que:

Considerando a Reforma Trabalhista sancionada no governo de Michel Temer


(MDB), inclusive para a terceirização de professores (as). De forma geral, estes
contratos de trabalho são bastante precários haja visto o aumento da carga horária, a
diminuição de salários, a perda de direitos trabalhistas, sem contar a maior incidência
de acidentes no trabalho e a permanente ameaça de demissão. Além disso, fragiliza as
organizações sindicais diante de negociações coletivas, fragmentando a categoria e
enfraquecendo o poder de luta dos(as) trabalhadores(as). (POZZA, 2020).

Diante do cenário caótico que a COVID-19 nos trouxe, pegando uma população inteira
de surpresa, que já vinha caminhando sobre contornos da exploração, globalização e
mercantilização do trabalho, despreparada para a chegada de tantos transtornos, vivemos um
tempo de dificuldades que em inúmeros setores, sejam econômico, trabalhista, enfim, no
próximo tópico será tratado um pouco mais desses prejuízos, levando em consideração a
precarização do trabalho do professor pela terceirização advinda da última reforma trabalhista,
objeto principal da presente proposta.

3 PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO E A TERCERIZAÇÃO DO


PROFESSOR DO ENSINO SUPERIOR

A reforma trabalhista trouxe inúmeras alterações e mudanças para as leis que gerem as
relações de trabalho, uma delas, e a mais significativa para a presente pesquisa foi a
possibilidade de terceirização de atividade fim da pessoa jurídica fornecedora do serviço,
inclusive para o serviço público.

Cabe salientar que a Lei 13.467, de 13 de julho de 2017, com início de vigência depois
de 120 dias de sua publicação oficial (art. 6º), ocorrida em 14.07.2017, alterou a Consolidação
das Leis do Trabalho e as Leis 6.019/1974, 8.036/1990 e 8.212/1991, a fim de adequar a
legislação às novas relações de trabalho, não podemos ainda esquecer da lei 13.429 de 31 de
março de 2017, que altera dispositivos da Lei n o 6.019, de 3 de janeiro de 1974, e ainda se
dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas e dá outras providências; e dispõe
sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros.

Mas, a precarização das relações de trabalho não é um assunto novo, ou tão pouco surgiu
com a reforma trabalhista,
88

o capitalismo, em suas décadas mais recentes, vem apresentando um movimento


tendencial em que terceirização, informalidade, precarização, materialidade e
imaterialidade são mecanismos vitais, tanto para a preservação quanto para a
ampliação da sua lógica. Em plena eclosão da mais recente crise global, a partir de
2007/2008, esse quadro se intensificou ainda mais e nos faz presenciar uma corrosão
ainda maior do trabalho contratado e regulamentado, que foi dominante ao longo do
século XX, de matriz tayloriano/fordista, e que vem sendo substituído pelos mais
distintos e diversificados modos de terceirização, informalidade e precarização,
ampliando os mecanismos de extração do sobretrabalho em tempo cada vez menor.
Como o tempo e o espaço estão em frequente mutação, nessa fase de mundialização
do capital, estamos presenciando uma explosão de novas modalidades de trabalho,
tanto na indústria quanto na agricultura e nos serviços. (ANTUNES, 2013, p. 214)

Tem-se que a exploração do trabalho é uma constante social e a flexibilização destas


relações, leva-se a abordar alguns conceitos teóricos que fornecerão conhecimentos para buscar
a resposta à problemática apresentada. Num primeiro momento, o mais importante é conceituar,
ou pelo menos trazer uma pequena noção sobre o que é o trabalho.

Diante da dificuldade de se ter um conceito estabelecido por Karl Marx sobre qualquer
assunto, quanto ao conceito de trabalho, o autor apresenta a importância do trabalho para o ser
humano e assim refere:

(...) trabalho e um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que


o ser humano com sua própria ação impulsiona, regula e controla seu intercâmbio
material com a natureza. (...). Põe em movimento as forças naturais de seu corpo,
braços e pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza,
imprimindo-lhe forma útil à vida humana (MARX, 2008, p. 202).

Para Marx a base da sociedade era as condições materiais, sendo a partir dela que se
constrói a sociedade, e a compreensão destas condições que se consegue transformá-la.

A consciência é que determina para Marx o ser social, adquirindo primazia sobre
consciência, sendo essa determinada pela matéria, neste passo, a concepção materialista de
Marx carrega em sua base uma concepção de natureza e da relação do homem com essa
natureza, diferencia-se da natureza por modificá-la e por produzir além do que necessita
também diferente das outras espécies animais, sendo esta uma atividade consciente. A natureza
humanizada é assim construída pelo trabalho, uma atividade prática e consciente do ser
humano.

A produção pelo trabalho destaca-se entre o pensamento de Marx, diferencia a explica


o homem, enquanto ser histórico e social o que leva este homem a transformar a natureza, suprir
as suas necessidades que num processo dinâmico vão se tornando cada vez mais sofisticadas.
89

Assim, o trabalho é uma atividade vital, Marx afirma que o trabalho teria uma conotação
positiva, no entanto quando o processo de trabalho se dá como fim a relação de exploração do
capitalista, na qual o trabalhador aliena o produto e a sua força de trabalho, este torna-se
negativo.

Para Ricardo Antunes situando o trabalho e o seu sentido atual ressalta que mais do que
nunca os sujeitos têm dependido do seu trabalho para sobreviver e:

Encontram cada vez mais situações instáveis, precárias, quando não inexistentes de
trabalho. Ou seja, enquanto se amplia o contingente de trabalhadores e trabalhadoras
no mundo, há uma constrição monumental dos empregos, corroídos em seus direitos
e erodidos em suas conquistas. (ANTUNES, 2009, p.11).

Nesta mesma linha, o conceito de trabalho defendido por Ferreira salienta importância
do trabalho para a humanidade:

Trabalho é toda ação humana no ambiente, transformando-se em acordo com as


demandas e os anseios. É essencialmente ativo e visa ao alcance de um objeto.
Portanto, trata-se de atividade na qual o sujeito investe energia, tempo e
conhecimento, produzindo resultados. Da mesma maneira, é pelo trabalho que se
compreende a história da humanidade, pois cada ser humano e cada formação
societária elabora sua historicidade, na medida em que produz, por meio do trabalho.
(FERREIRA, 2017, p. 22-23)

Neste sentido, o trabalho e educação são atividades especificadamente humanas


(SAVIANI, 2007, p. 152), pois apenas o ser humano trabalha e educa, a fim de se constituir ser
social. Da mesma forma,

Se o trabalho é uma ação social dos sujeitos, sua intervenção no mundo, o modo de
estar e participar do social, entendo não ser possível se referir aos professores como
indivíduos tão somente. Por tal motivo, refiro-me aos professores como sujeitos de
seu trabalho, trabalhadores responsáveis, em primeira instancia pelo trabalho
pedagógico. (FEREIRA, 2017)

Assim, dada à importância do trabalho dos professores como sujeitos de diretos do


trabalho pedagógico e sendo este uma prática social que atua na configuração da existência
humana individual e grupal para realizar nos sujeitos humanos as características de seres
humanos.

Diante disso, percebe-se que essa prática social é munida de forma e conteúdo,
expressando dentro das suas possibilidades objetivas as determinações políticas e ideológicas
90

dominantes em uma sociedade. Segundo Rubia e Alexandre (2017), o docente deve ser
entendido como:

Profissional reflexivo, crítico e competente, voltado a transformação da sociedade, de


seus valores e de suas formas de organização do trabalho; cuidadoso do
aperfeiçoamento da docência buscando a integração de saberes complementares; que
reconhece a docência como um campo de conhecimentos específicos; com atitude de
flexibilidade, de abertura, capacidade de lidar com o imprevisto e o novo. Constitui-
se em um profissional que desenvolve o ensino, a pesquisa e extensão como condição
de existência de ensino crítico investigativo e inovador. Que o docente possa
contribuir em seu espaço de atuação, criando grupos de pesquisa em torno de questões
enfrentadas neste, e constitua nos grupos possibilidades de compreensão das questões
ou até mesmo de ampliação destas. (RUBIA; ALEXANDRE, 2017)

Observa-se que o trabalho do professor se efetiva numa instituição social com os


compromissos assumidos, sendo que a prática educativa é um traço cultural compartilhado,
aliado a dimensão técnica de ensinar, que se caracteriza pelas formas que seu trabalho
pedagógico é realizado.
A educação é um processo natural, que pode ser definida como sendo o processo de
socialização dos indivíduos, pois a pessoa quando recebe a educação assimila e adquire
conhecimentos. Mas, não apenas isso, a educação também envolve uma sensibilização cultural
e de comportamento, onde as novas gerações adquirem as formas de se estar na vida das
gerações anteriores. A educação é inerente à sociedade humana, conforme Brandão (1981)

A educação está presente em casa, na rua , na igreja, nas mídias em geral e todos nos
envolvemos com ela, seja para aprender, para ensinar e para aprender-e-ensinar. Para
saber, para fazer, para ser ou para conviver todos os dias misturamos a vida com a
educação. Com uma ou com várias (...) Não há uma forma única nem um único
modelo de educação; a escola não é o único lugar em que ela acontece; o ensino
escolar não é a única prática, e o professor profissional não é seu único praticante.

A educação é um processo “natural” que ocorre na sociedade humana pela ação de seus
agentes sociais como um todo, configurando uma sociedade pedagógica (PIMENTA,
ANASTASIOU, 2010, p. 64). Essencial nesta perspectiva são as palavras de Saviani, onde
argumenta sobre a compreensão de Pedagogia como teoria que orienta o trabalho em educação:

[...] o conceito de pedagogia reporta-se a uma teoria que se estrutura a partir e em


função da prática educativa. A pedagogia, como teoria da educação, busca equacionar,
de alguma maneira, o problema da relação educador-educando, de modo geral, ou, no
caso específico da escola, a relação professor-aluno, orientando o processo de ensino
e aprendizagem. Assim, não se constituem como pedagogia aquelas teorias que
analisam a educação pelo aspecto de sua relação com a sociedade, não sem o objetivo
de formular diretrizes que orientem a atividade educativa. (SAVIANI, 2010, p. 401).
91

Dada à importância do trabalho dos professores como sujeitos diretos do trabalho


pedagógico e sendo este uma prática social que atua na configuração da existência humana, a
qual é munida de forma e conteúdo, expressando dentro das suas possibilidades objetivas as
determinações políticas e ideológicas dominantes em uma sociedade.

Para tanto, devemos pensar a atividade docente de forma diferente, uma vez que esta
atividade exige, além de segurança e competência profissional, generosidade para compartilhar
conhecimentos e humildade para aprender novos métodos capazes de aperfeiçoar a atividade
desenvolvida frente aluno. Nas palavras de Freire:

Não há nada que mais inferiorize a tarefa formadora da autoridade do que a


mesquinhez com que se comporte. A arrogância farisaica, malvada, com que se julga
ou com que julga os seus. A arrogância que nega a generosidade nega também a
humildade, que não é virtude dos que ofendem nem tampouco dos que regozijam com
sua humilhação. O clima de respeito que nasce de relações justas, sérias, humildes,
generosas, em que a autoridade docente e as liberdades dos alunos se assumem
eticamente, autentica o caráter formador do espaço pedagógico. (FREIRE, 2009, p.
92)

Claro que neste caminho existem alguns obstáculos à efetividade do ensino, busca-se
mostrar neste estudo como se dá a terceirização deste trabalho, sendo que no que tange a questão
do trabalho docente e da terceirização de seu trabalho, o autor Sérgio Pinto Martins, menciona
que no Brasil a noção da terceirização foi trazida por multinacionais na década de cinquenta,
pelo interesse que tinham em se preocupar apenas com a essência do seu negócio, ou seja, a
terceirização consiste na possibilidade de contratar terceiro para a realização de atividades que
não constituem o objeto principal da empresa.

A terceirização é uma das formas visível e palpáveis da precarização das relações de


trabalho, as quais a flexibilização se dá, também, nas condições jurídicas dos contratos de
trabalho, na qual a ideia básica é a possibilidade de recorrer a uma força de trabalho em tempo
parcial e temporária, além da subcontratação e ao trabalho por encomenda. Neste sentido,
Bourdieu (1998) refere quais são os efeitos tais situações trazem ao mundo do trabalho

a precariedade afeta profundamente qualquer homem ou mulher expostos a seus


efeitos; tornando o futuro incerto, ela impede qualquer antecipação racional e,
especialmente, esse mínimo de crença e de esperança no futuro que é preciso ter para
se revoltar, sobre tudo coletivamente, contra o presente, mesmo o mais intolerável.
(BOURDIEU, 1998, p. 120)
92

Mas, a precarização das relações de trabalho se acentuam quando essa contratação pode
envolver tanto a produção de bens como serviços, como ocorre na necessidade de contratação
de serviços de limpeza, de vigilância ou até de serviços temporários, como os educacionais,
(MARTINS, 2005). Já Mauricio Godinho Delgado (2010) leciona que:

Mesmo no redirecionamento internacionalizante despontado na economia nos anos


50, o modelo básico de organização das relações de produção manteve-se fundado no
vínculo bilateral empregado-empregador, sem notícia de surgimento significativo no
mercado privado da tendência à formação do modelo trilateral terceirizante.

Assim, o professor Maurício Godinho Delgado conceituando a terceirização como o


fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação jus trabalhista que
lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do
tomador de serviços sem que se estendam a este os laços jus trabalhistas, que se preservam
fixados com uma entidade interveniente.

A terceirização provoca uma relação trilateral em face da contratação de força de


trabalho no mercado capitalista: o obreiro, prestador de serviços, que realiza suas atividades
materiais e intelectuais junto à empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante, que
contrata este obreiro, firmando com ele os vínculos jurídicos trabalhistas pertinentes; a empresa
tomadora de serviços, que recebe a prestação de labor, mas não assume a posição clássica de
empregadora desse trabalhador envolvido.

A Lei Federal n. 13.467/17, que institui a alteração na Consolidação das Leis do


Trabalho/CLT – Reforma Trabalhista, em seu artigo 4º, deixou muito mais abrangente o
conceito de terceirização, dispondo que:

Art. 4º - Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela


contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade
principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua
capacidade econômica compatível com a sua execução.”

Neste passo, o Tema 725 da repercussão geral do STF, cujo teor é o seguinte: "É lícita
a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas
distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a
responsabilidade subsidiária da empresa contratante".

Assim, é mais do que natural que às empresas estatais e subsidiárias entendam que
possuem uma maior liberdade para uso da terceirização, como se infere do verbete do Tema
93

725 do STF, que literalmente alude às “empresas”, direcionando-se, pois, a uma técnica de
gestão descentralizada, “terceirização empresarial”, incluindo o trabalho docente. A
terceirização, conforme Araújo (2001, p. 56)

A atualidade, entretanto, imprime à terceirização determinados atributos, ao ponto de


se poder afirmar, sem exageros, tratar-se de um fenômeno novo. De peça acessória,
periférica, complementar na arquitetura produtiva, ela se transforma em elemento
central, em condição de flexibilidade, portanto, fundamental do ponto de vista da
produtividade e da competitividade das empresas. Segundo documento do Sindicato
dos Metalúrgicos do ABC (1993), o que marca a terceirização atual é o ritmo veloz
com que tem sido introduzida, a sua abrangência e o fato de estar invadindo a própria
cadeia produtiva.

Ora, os problemas relacionados a terceirização já estavam sendo discutidos a décadas


atrás, e, atualmente, estamos nos adaptados aos mesmos, de forma mais forte e destemida, pois
a terceirização está agora em todos os setores, especialmente, em tempos de pandemia isso se
acentuou ainda mais. Ou seja, a terceirização é um fenômeno velho e novo ao mesmo tempo,
e a novidade está no lugar central que ocupa no capitalismo flexível e no seu crescimento e
generalização, constituindo uma verdadeira epidemia sem controle, mesmo que, no caso
brasileiro, exista, no plano da regulação.

Entretanto, com a aprovação da Lei n. 13.429/17, ficou estabelecida a terceirização sem


limites, isto é, a liberalização para todas as atividades e segmentos, derrubando por terra o
argumento do empresariado e de defensores da terceirização de que ela é necessária, por conta
da imprescindível especialização ou da focalização das atividades da empresa.

Neste passo, o que é exposto neste estudo é percebido pelos sindicatos dos professores
Sindicato dos Professores, como por exemplo o Sindicato do Distrito Federal (2018), da mesma
forma, o presidente da PROIFES – Federação de Sindicatos de Professores e Professoras de
Instituições Federais de Ensino Superior e de Ensino Básico Técnico e Tecnológico, Milton
Brandão (2018), assim detalha:

Quando eu permito a terceirização, eu quebro a carreira. Significa dizer que, em 10


ou 15 anos, a maior parte do quadro de pessoal das universidades federais será
formada por servidores terceirizados. (...) Quando o governo contrata outras pessoas
em condições precarizadas, elas não têm nenhum direito que as carreiras garantem.
Essas pessoas precarizadas não terão a dedicação exclusiva que nós defendemos hoje.
O que está colocado, com este decreto, é a desqualificação da educação.

Neste cenário educacional, a tríade ensino-pesquisa-extensão, necessária para o


desenvolvimento acadêmico, por exemplo, e para uma transformação social, perde lugar para
94

um desempenho universitário baseado na lógica produtivista, resultado do rebaixamento do


quadro de professores e das remunerações; do aumento do número de alunos; da substituição
de professores doutores e experientes por especialistas e graduados; e da rotatividade de
contratados (SANTOS, 2012).

Outro fator destacado por Santos (2012) é a evidência meritocrática e mercadológica,


que avalia os professores em termos de produtividade expressa pela quantidade de produção,
encontrando um contraponto entre o desenvolvimento tecnológico e as produções acadêmicas.
Leva-se também à superficialidade e à repetição dos conhecimentos, sem que haja uma
avaliação atenta acerca da qualidade dessas produções.

Gonçalves e Oliveira (2008) também enfatizaram a forma como a terceirização afeta o


professor, mas relacionada a outros setores, estes autores investigaram “se” e “como” a
terceirização de outros setores de uma universidade pública poderia influenciar no trabalho
desempenhado pelos docentes.

Agora, em tempos de pandemia a precarização do trabalho docente se acentuou, como


bem referido e demostrado por Marinho:

De modo geral, jamais em nossa história nos sentimos tão fragilizados que, por sinal,
não se trata de nenhuma novidade, mas devido a este momento de tanta perplexidade,
alcançou uma dimensão extraordinária, expondo a necessidade de investir fortemente
em educação, seja do ponto de vista de acesso aos insumos tecnológicos, seja por
problemas de desemprego e profundos cortes na renda familiar, cuja condição
existencial encontra-se precarizada ao ponto de serem descartáveis. Parece que a
oferta de formação continuada dos docentes não está posta em questão, pois a situação
atual do processo de precarização docente rege-se cada vez mais pelo modelo que o
docente é cumpridor de tarefas, deixando de ser considerado sujeito pensante,
perdendo sua autonomia intelectual. Então, como exigir de um profissional que
perdeu sua capacidade de pensar e refletir? Como transformar aulas presenciais para
aulas mediadas por diferentes tecnologias no contexto da COVID-19? As medidas
governamentais para o enfrentamento da pandemia vêm procurando manter os
contratos precários sem garantias trabalhistas? (MARINHO, 2020, s. p.).

Ou seja, o receio de ficar sem atividade laborativa em tempos difíceis, ou até, por ter
que cumprir as determinações de seus superiores, o trabalho do professor novamente enfrenta
os problemas, corriqueiros e preexistente, sendo que com um formato novo. Neste sentido:

Em meio ao turbilhão de decretos e medidas provisórias, somos submetidos a


normalidade da anormalidade. Não há garantias de que essa lógica do “sacrifício”
imposta se cumpra. É fato que, essas normas e medidas adequadas a nova
temporalidade do capital no contexto do Covid-19, são temporárias, mas produz
efeitos destrutivos e ampliam modalidades contratuais precárias que se traduzem em
trajetórias incertas pós-Covid-19, tendo impactos óbvios na saúde e qualidade de vida
do trabalhador. Portanto, no momento que começa a discutir os rumos da educação
95

com a flexibilização da quarentena, é crucial que nossa categoria docente estabeleça


estratégias de luta contra a redução de jornada, de salário e todas as medidas
excepcionais relacionadas ao período de enfrentamento da pandemia, bem como a
defesa da garantia de salários, direitos, contratações, concursos públicos e
investimentos nas redes públicas de educação. (MARINHO, 2020).

Na perspectiva de Tom Slee a questão da exploração dos docentes é impactante:

Sem dúvida, o isolamento social possui importância capital como estratégia de


contenção populacional e biológica para controlar a propagação do vírus. Trata-se de
uma norma sanitária adotada como diretriz pelo Ministério da Saúde e pelos governos
estaduais que abrange toda a população, sem distinção de grupos sociais específicos,
dado seu caráter horizontal. No entanto, sob o prisma do trabalho, essa nova geografia
imposta pelo trabalho remoto enfraquece os coletivos de trabalhadores que,
historicamente se fortaleceram do próprio local de trabalho, como lugar de encontro
e de realização da atividade individual e coletiva. Estamos diante de um novo desafio
para a produção de sociabilidades e laços coletivos no trabalho docente que antes eram
baseados na proximidade física, mas que hoje já não existe e não existirão com tanta
intensidade no futuro, especialmente, em tempos de trabalho por plataforma, tal qual
a ‘uberização’ do mercado, que apresenta uma nova face do trabalho precarizado
(Slee, 2017, p. 56).

Desta forma a categoria dos docentes com as questões exploratórias acaba sendo
fragilizada e a uberização proporciona esta situação, principalmente em tempo de pandemia e
isolamento do profissional.

Acredita-se que a precariedade cada vez mais visível do trabalho e a sua exploração,
sendo que diante da importância do trabalho do docente a terceirização não irá colaborar para
o êxito do trabalho executado pelo profissional, pelo contrário, ocorrerá inúmeros prejuízos no
meio educacional, tanto para discentes quanto para docentes, pois, o professor mesmo ficará
prejudicado na realização do seu trabalhado, deixando a desejar em sua qualidade, continuidade
e aperfeiçoamento, uma vez que não possui qualquer tipo de vinculação estável com a
instituição em que desempenha suas funções, totalmente precarizado e frio.

4 CONCLUSÃO

O texto buscou observar e estudar sobre a importância e o impacto das alterações legais
da reforma trabalhista trouxe, bem como as consequências da terceirização e do quanto o tema
atinge os professores na realização do trabalho pedagógico realizado, tudo isso a partir da
realidade da realidade da pandemia.

Inicialmente evidenciou-se uma abordagem de alguns pontos importantes da COVID-


19 no Brasil e no mundo e seus aspectos catastróficos para a humanidade, logo após efetuamos
96

uma análise mais restrita a respeito da precarização do trabalho e deste no contexto dos
professores frente ao contexto pandêmico e social.

Pelas leituras e pesquisas realizadas até o momento verificou-se que o impacto da


precarização das relações de trabalho, em especial a terceirização do professor está sendo
inigualável para a realização do seu trabalho pedagógico. Atualmente já se verifica este
fenômeno, em especial em tempos da pandemia do COVID 19, mas isso já estava a acontecer
anteriormente,

É certo que o trabalho pedagógico desenvolvido por professores tanto das séries iniciais
quanto do ensino superior, decorre de um caminho percorrido por longos anos de pesquisas e
continuidades de estudos específicos, a fim de que os mesmos sejam cada dia mais
aperfeiçoados e minuciosos.

Para tanto, é imprescindível que os professores com a pandemia e suas consequências,


verifica-se que o quadro de insegurança para os docentes se agrava, fazendo com que não
detenham sequer o mínimo possível de segurança jurídica em suas relações de trabalho, para
que possam desenvolver o trabalho pedagógico de forma satisfatória.

A pretensão da pesquisa, não é estanque, e pretende-se dar continuidade a análise da


necessidade de percepção dos reflexos da terceirização aos seus extremos, desta forma ainda é
necessária a verificação dos impactos reais após a passagem deste cenário atual.

A educação é a base de uma sociedade e deve ser fomentada por todos. O trabalho
docente deve estar além dos valores a serem despendidos para os trabalhadores que o realizam,
deve ocorrer a valorização e respeito à segurança jurídica daqueles que demandam tamanha
importância social, para isso verifica-se que deve se ter como prioridade a realização do
trabalho pedagógico, a fim de gerar profissionais habilitados e que atendam os anseios sociais
que a profissão determina.

Demonstra-se assim que diante da importância do trabalho pedagógico do docente, a


terceirização poderá não colaborar para o êxito do trabalho executado por esses profissionais,
uma vez que poderá fica prejudicado em sua qualidade, por não possui qualquer tipo de
vinculação com a instituição em que desempenha suas funções, além da sobrecarga de
desmotivação e insegurança.
97

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100

DESFUTURIZAÇÃO DO ENSINO JURÍDICO: IMPLICAÇÕES


TECNOLÓGICAS NOS SISTEMAS DO DIREITO E DA EDUCAÇÃO

Giselle Marie Krepsky1

RESUMO

Este artigo apresenta uma análise acerca do cenário tecnológico no qual estão inseridos os
Sistemas da Educação (jurídica) e do Direito. A partir da teoria sistêmica, o objetivo da pesquisa
foi identificar como o Direito e a Educação têm lidado com o futuro-presente imposto pelo
contexto tecno-digital e complexo das relações sociais bem como as principais normas
regulamentadoras do ensino jurídico no Brasil têm evoluído cotejando-as com a evolução
tecnológica no sistema de justiça. Por meio do método indutivo e das técnicas de pesquisa
bibliográfica e documental, conclui que o ensino jurídico precisa trazer para o presente
necessárias habilidades prospectadas apenas para o futuro, uma vez que se encontra
descompassado do tempo da tecnologia, sob pena de formar-se profissionais aptos para lidar
com o passado e não com o futuro-presente.

Palavras-chave: Ensino jurídico. Direito. Educação. Tecnologia. Diretrizes Curriculares

INTRODUÇÃO

Atualmente, é fácil perceber que boa parte dos papéis sociais implicam em alguma
atividade vinculada à internet ou às tecnologias. Ser em sociedade é ser conectado, sob pena de
exclusão digital e social.

Chama-se a atenção para as mudanças que a era digital trouxe nos modos de organização
social e que por conta disso devem ser repensadas questões fundamentais como a democracia,
a tecnologia, a privacidade e a liberdade. Sendo a internet um não-lugar, aberta, pública,
interativa e global, além de contemplar baixo custo de operacionalização se comparada a outras
tecnologias, ela altera as formas de tempo e espaço. Dessa forma o jurista se vê em meio a um
terremoto que afeta as estruturas do Direito com o qual vinha acostumado. (LORENZETTI,
2010).

Dessa forma, tanto Direito quanto Educação são dois subsistemas do sistema social
global (sociedade) que também são impactados pela revolução que a cultura digital impõe.
Como consequência desta transformação, o ensino jurídico enfrenta desafios de diversas

1
Doutora em Direito Público pela UNISINOS. Mestre em Educação (FURB). Professora do Programa de Mestrado
em Direito da FURB. Líder do Grupo de Pesquisas CNPq/FURB: JUSTEC (Justiça, Educação e Ciência). OAB/SC
nº 13.697. E-mail: gkrepsky@furb.br.
101

ordens: pedagógicos, estruturais, metodológicos, espaciais entre outros que são evidenciados
no contexto da complexificação das relações.

Sendo a Educação o sistema cuja função é propiciar a adequada formação para o


exercício das profissões e tendo o sistema do Direito aperfeiçoado sua capacidade de
operacionalização diante das tecnologias, torna-se relevante observar como a relação entre eles
e as inovações tecnológicas estão postas para a plena formação jurídica no cenário de uma
cidadania digital.

1. EDUCAÇÃO E DIREITO SOB A ÓTICA SISTÊMICA

Do ponto de vista da teoria sistêmica de Niklas Luhmann, o sistema social global


(sociedade) é composto de vários subsistemas como Direito, Educação, Ciência, Economia,
Política, entre outros. Os sistemas são autopoiéticos, ou seja, fechados do ponto de vista das
suas operações, mas abertos cognitivamente porque observam os demais sistemas sociais como
forma de evoluir e aprimorar suas estruturas. Suas operações se dão com base em códigos e
programas.

O código é uma referência binária com a qual se aplicam os programas norteadores de


cada sistema. Para o Direito, o código é “conforme ou não conforme” e as leis, regulamentos,
as normas em geral são os programas com base nos quais ele irá aplicar o código ao decidir. Já
a Educação, de acordo com Luhmann e Schorr (1990), opera com o código cuja distinção é
melhor/pior, que reflete e é a seleção social futura do estudante. Mas o código “classifica” por
meio de programas que orientam as ações e decisões do sistema. Os programas podem alterar,
mas o código de classificação não. Dessa forma, a função da educação visa também a seleção
social. Ou seja, a inclusão social do sujeito no sentido de carreira.2

Tomando-se a Educação Jurídica como subsistema da Educação e cujos programas se


executam nos Cursos de Direito, o que se observa é uma crise mais que secular. Nesse contexto,
é preciso considerar que a formação do profissional docente é reflexo da base epistemológica

2
“O termo carreira se toma aqui no sentido geral, sem referência a posições e salários dentro de uma organização.
Nele se incluem, como elementos, sucessos que fazem variar a posição e ocorrem pela seleção própria do indivíduo
ou por seleção vinda do exterior. Carreira não é nunca, portanto, somente o mérito próprio ou somente o destino,
senão um produto de ambos” Cf. LUHMANN, Niklas; SCHORR, Karl Eberhard. Presupuestos estructurales de
uma pedagogia reformista. Analisis sociológicos de la pedagogia moderna. In: Revista de Educación. Madrid,
n.29, p. 57, 1990. (tradução nossa).
102

da própria Ciência do Direito e que, geralmente, ele exerce sua atividade profissional dentro do
subsistema jurídico. Assim, é notável a instrumentalidade com a qual lida com os problemas.

Para cada necessidade cria-se um meio apropriado de satisfazê-la. Portanto, conforme


destaca Duran (2005, p. 203-204), “para um novo Direito exige-se um novo profissional do
Direito. E para o surgimento deste profissional, se faz necessário um novo modelo de
formação”. O novo conhecimento para atender aos novos e emergentes direitos em um meio
sabidamente em processo de acelerada complexificação deve ser produzido levando-se em
consideração as inter-relações entre os subsistemas envolvidos e seus elementos constitutivos,
ou seja, carece, ao menos, de interdisciplinaridade.

Nesse sentido, Mascareño (2010, online) salienta que “é necessária uma reorientação da
observação educativa da unidade para a diferença, de modo tal que ela consiga entender sua
relação com a complexidade [...]” e que seja capaz de colocar-se em abertura com o futuro e o
novo. Por isso, Corsi (2002) destaca que as reformas na educação ocorrem a partir de irritações
de outros sistemas (externas) que viabilizam a construção de novas informações e selecionam
quais destas se tornarão pontos de intervenção e modificação das estruturas dela mesma. Esta
intenção de mudança e inovação, todavia, sempre se concretiza como uma vontade interna, mas
que tem efeitos para toda a sociedade.

Esta é uma das grandes vantagens da Educação. A possibilidade de obter resultados que
sirvam para outros sistemas. Assim, apesar de existir um subsistema educativo, a educação não
possui um fim em si mesma, ela é um pressuposto de cooperação entre os outros sistemas.
Justamente porque ela tem se voltado para as carreiras (inclusive as profissionais, mas não
somente estas) é que acaba havendo um nexo entre o objeto da educação, a escolha de seus
conteúdos (programas) e a possibilidade de transferir os seus resultados (LUHMANN;
SCHORR, 1990).

Esses programas são prioritariamente os currículos dos Cursos de Graduação em


Direito, balizados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais. Nesse contexto de reciprocidade
entre o Direito e a Educação (jurídica), a prática profissional e o seu processo de ensinar e
aprender se implicam mutuamente fomentando a constante revisão e adequação dos programas.
Isso implica dizer que toda inovação ou complexificação que reestrutura o Sistema do Direito
afeta os programas da Educação jurídica.
103

2. SIMPLIFICAÇÃO OU COMPLEXIFICAÇÃO DAS RELAÇÕES ANTE A


INCURSÃO TECNO-DIGITAL?

O mundo tecno-digital impõe à sociedade desafios de múltiplas ordens e contextos, ou


policontextos (TEUBNER, 2005). Por um lado, as ferramentas e instrumentos disponibilizados,
pela sociedade virtualizada facilitam a administração do cotidiano pessoal, profissional e
acadêmico. As organizações procuram acelerar a tomada de decisões priorizando resultados.
Isso é possível porque além das otimizações propiciadas pelo próprio aparato tecnológico há o
incremento das tecnologias intelectuais derivadas do uso da internet. Elas aumentam e
modificam a maior parte das capacidades cognitivas como a memória, capacidade de
representação mental e percepção (LÉVY, 2001).

Esse é o constante movimento dos sistemas sociais que, para reduzirem a complexidade
do ambiente, especializam-se, aprimoram suas operações e, por consequência, produzem mais
complexidade. As novas tecnologias são, nesse sentido, uma causa de irritação que leva a uma
auto-organização dos sistemas uma vez que eles não podem ignorá-las. Por um lado, a
tecnologia surge para otimizar processos que, em contrapartida, implementam mais
complexidade aos sistemas sociais na medida que trazem também a necessidade de aquisição
de competências, inovação e regulação.

Tanto para a observação da complexidade do mundo quanto para a sofisticação de cada


subsistema social com intuito de reduzi-la internamente a níveis operáveis implicam escolhas
e seleção de opções.

Da mesma forma que existem muitas possibilidades relacionais, muitas também são as
expectativas. Luhmann (1998, p.48, tradução nossa) ressalta que: “Complexidade [...] significa
coação à seleção. Coação a seleção significa contingência, e contingência significa risco”.
Portanto, o sistema há que realizar escolhas que geram riscos (contingência). Todavia, não há
garantia de escolha certa ou decisão correta em meio a estas inúmeras possibilidades e, além
disso, a concretização ou experimentação delas não depende só das próprias expectativas, mas
das expectativas que os outros também apresentam ao mundo que passam a fazer parte do
mundo das próprias expectativas a partir da experimentação alheia. Isso eleva sobremaneira o
risco da seleção e percepção do mundo, caracterizando, assim, a dupla contingência.
(LUHMANN, 1983). Por isso há:
104

[...] potencialmente muitas possibilidades diferentes de ser, e apenas uma


possibilidade real de acontecer. Há um momento em que se poderia, portanto, escolher
entre as possibilidades. Mas uma vez estando escolhida, esta constitui a realidade (as
outras possibilidades continuam existindo como ambiente). (ROCHA, 2009, p. 21)

Em suma e de acordo com De Giorgi (2007), a complexidade implica uma forçosa


seleção enquanto a contingência significa o perigo de haver uma decepção com as escolhas ou
seleções feitas. E é neste movimento de seleções que a complexidade habita. Assim, a
complexidade representa a totalidade de todos os possíveis acontecimentos e as circunstâncias
do mundo. Isto implica afirmar que toda a transformação operada e processada “por qualquer
sistema social significa acréscimo das possibilidades da sociedade e [...] aumento da
complexidade do ambiente dos demais sistemas sociais que, de alguma forma, devem se adaptar
ao novo contexto” (GONÇALVES, 2013, p. 85).

Apenas a dimensão técnica de redução da complexidade possível a fim de orientação


presente para o futuro não é suficiente. Luhmann (1976) inclui assim, a necessidade de se pensar
no “tempo”, cujo conceito é a interpretação da realidade que se situe exatamente na diferença
entre passado e futuro. Sendo o tempo social e interpretação da realidade com respeito à
diferença entre passado e futuro, há, pois, que se mediar esta relação, para lidar com os graus
de abertura (futurização e desfuturização de um futuro presente). E um aspecto decisivo para
os subsistemas sociais, seja a Educação, o Direito ou a Ciência, é a sua capacidade de lidar com
o futuro que indica a possibilidade de adaptação à temporalidade complexa e como aprendem
viabilizando a evolução necessária. (BORA, 2012).

3. TECNOLOGIA NO DIREITO E ACELERAÇÃO DA JUSTIÇA

Os impactos advindos da quarta revolução industrial (SCHWAB, 2017) afetam as


questões sociojurídicas e modificam a operacionalização do Direito bem como as próprias
apresentadas a este sistema. Se por um lado tem-se o avanço da automatização daquilo que o
computador poderá realizar, tem-se, ao mesmo tempo, uma nova perspectiva de negócios,
prevenção e solução de problemas jurídicos que exigirão expertises muito mais complexas que
programas e softwares.

Com a complexificação das demandas, torna-se premente que o que pode ser
automatizado pela tecnologia ocorra liberando os juristas para resolução dos conflitos que
exijam maior atenção. Demandas complexas exigem soluções complexas, atuação
105

interdisciplinar, criatividade, multiconexões, diferentes metodologias e formas de


comunicação.

Nesse tocante, as tecnologias computacionais incrementam formas de solução de


conflitos judiciais ou extrajudiciais que se tornam aliadas da consecução da justiça
notadamente, na sua instrumentalização.

As vantagens da prática eletrônica de atos ou do processo eletrônico são evidentes tais


como a celeridade processual, a sustentabilidade, a economia e a gestão de resultados. (CAMBI;
NEVES, 2018). Todavia, a tecnologia a favor do Sistema de Justiça não é novidade. É o caso
da ferramenta de Inteligência Artificial chamada Victor. Entre suas habilidades previstas na
fase inicial do projeto realizado em parceria com a Universidade de Brasília, está a de
reconhecer se determinada temática contida em recursos extraordinários apresentados ao
Supremo Tribunal Federal (STF) é vinculada à repercussão geral de todos os processos
similares que tramitam no judiciário em todo o país. (BRASIL, 2018). No âmbito internacional,
o computador Watson da International Business Machines (IBM) tem desempenhos
impactantes no cotidiano jurídico desde sua origem em 2011 (GREGO, 2012).

Apesar de que boa parte do aparato tecno-digital implementado ao longo das últimas
décadas não se constituiu em si em uma virtualidade do Sistema de justiça, mas, sobretudo, em
transformar processos e atos físicos em digitalizados ou virtuais, verifica-se que nos últimos
anos há uma aceleração no uso da tecnologia pelo Direito em inúmeros e diversificados
formatos. As ações mecânicas antes executadas pelos técnicos são automatizadas. A
inteligência artificial disponível se executa, geralmente, para tal fim, mas também para decisões
judiciais. Em verdade, um leque de possibilidades para facilitar o acesso à justiça ou à solução
de conflitos se abre a partir das relações entre Ciência (computacional) e Direito.

De acordo com Susskind (2017), tal revolução pode ser visualizada em diferentes
atuações que impactarão as profissões jurídicas como: a) a produção de documentos jurídicos;
b) a conectividade e aproximação das pessoas; c) marketplaces jurídicos; d) o processo de
ensino-aprendizagem; e) atendimento e formas automatizadas de orientação jurídica; f)
liberação gratuita de softwares e material jurídico; g) redes e grupos de colaboração jurídica
fechadas; h) uso de sistemas para atividades repetitivas otimizando o fluxo de trabalho e de
gerenciamento de projetos; i) automatização e incorporação de legislação e conhecimento
jurídico em objetos, sistemas e processos; j) resolução de disputas online; k) pesquisa jurídica
106

inteligente; l) utilização de big-data; m) inteligência artificial para a solução de problemas


jurídicos.

Acrescente-se a essas transformações toda a gama impactos na forma de pensar e atuar


no e para o Sistema do Direito que advém das relações com várias outras áreas do saber como
Design, Artes, Psicologia, Economia, Administração, entre tantas outras. Tais colaborações
serão necessárias para auxiliar na solução de demandas cada vez mais complexas, globais,
ramificadas e especializadas bem como para a operacionalização do Sistema de Justiça.

Tudo isso, exige mudanças no trato com a observação do tempo e espaço dantes
comentados. E, quanto maior a complexificação retroalimentada pelas tecnologias, novos
problemas ou novas formas de observar problemas cotidianos ocorrerão. Algumas dificuldades
da presencialidade e da exteriorização física serão superadas pelas ferramentas tecnológicas,
porém outras celeumas surgirão de viés ético, cultural, comportamental, tecnológico,
regimental e legal. Alteram-se as plataformas, e, com elas, velhas dificuldades permanecerão e
novas serão agregadas.

Basta observar que, durante a pandemia causada pelo novo coronavírus, houve a
maximização de procedimentos eletrônicos e virtuais que só ocorreram porque já se dispunha
de ferramentas tecnológicas para esta migração. Todavia, em pouco tempo apareceram as
dificuldades de diversas ordens, como acesso à rede de internet, disponibilidade, habilidade e
manuseio da tecnologia, limitações da tecnologia disponível, e várias outras sob os vieses
citados acima. Um exemplo que evidencia vantagens e desafios da virtualização da justiça é a
execução de audiências virtuais, em especial a instrução processual.

Portanto, é nesse cenário complexo e instigante aberto a inúmeras sofisticações que o


profissional, tal qual como se conhece historicamente, bem como as diversas profissões que
surgirão a partir desta nova dinâmica do sistema do Direito carecem de habilidades que serão
adquiridas com a prática, mas cuja responsabilidade advém prioritariamente dos centros
formais de capacitação jurídica, ou seja, de seu ensino.

4. ENSINO DO DIREITO E DIRETRIZES CURRICULARES: QUANDO A


TECNOLOGIA NÃO ESTÁ NO FUTURO

Com o avanço das tecnologias digitais, o sistema da Educação também reorganizou sua
estrutura. Atualmente, os programas educacionais podem ser executados e cumpridos de forma
107

não presencial com a introdução do ensino mediado por tecnologias. As metodologias sofreram
alterações quanto à forma, tempo e espaço com o avanço das mídias e da internet.

Todas as ações sujeitas a essa transformação traduzem novas vivências sob as quais se
pode atribuir o impacto da cultura digital. Nela, a prática profissional do Direito trouxe várias
exigências ao ensino desta mesma prática com repercussão no processo de ensino-
aprendizagem, na formação docente e na estrutura dos Núcleos de Prática Jurídica dos Cursos
do país que concentram os conteúdos da formação prática do futuro jurista. Aliás, toda
transformação ou reforma “é uma descrição temporal da realidade do sistema de educação: esta
se baseia na comparação entre o estado atual do sistema e o que se deseja para o futuro”
(CORSI, 2002, p. 153, tradução nossa).

Sem adentrar-se na historicidade dos Cursos de Direito do país, ao qual se referencia


como em permanente estado de crise, o que importa nesta seara é o cotejamento das Diretrizes
Curriculares Nacionais emitidas pelo Ministério da Educação, pois elas espelham o que se
espera da formação do jurista. Para fins desta pesquisa este cotejamento será feito a partir da
Resolução CNE/CES nº 9/2004, uma vez que o uso da rede pública de telecomunicações para
acesso a internet foi regulamentado pela Portaria nº 148 do MCT (BRASIL, 1995), o sistema
de transmissão de dados para a prática de atos processuais foi permitido com a Lei nº 9.800
(BRASIL, 1999) e o Código de Processo Civil foi alterado para a prática e a comunicação
oficial dos seus atos processuais por meios eletrônicos por meio da Lei nº 11.280 (BRASIL,
2006). Isso se justifica porque seria neste período que o impacto da tecnologia deveria se
apresentar nas orientações pedagógicas para os Cursos de Direito.

Para tanto, foram extraídas das resoluções apenas categorias que identificam orientação
de cunho tecnológico e de inovação com possível repercussão na atuação digital da profissão
jurídica.
108

Tabela 1 – Categorias tecnológicas das Diretrizes Curriculares Nacionais de 2004 e 2018


Diretrizes de 2004 Alterações Diretrizes de 2018 Alteração 2021
2013/2017
domínio de tecnologias incentivo à inovação (art. direito digital (art.
(art. 4º, VIII 2º, § 1º) 5º, II)
compreender o impacto letramento digital
das novas tecnologias (art. 5º, III)
(art. 4º, XI)
possuir o domínio de práticas remotas
tecnologias (art. 4º, XII) mediadas por
tecnologias de
informação e
comunicação (art.
5º, III)
novas tecnologias da
informação (art. 5º, I)
direito cibernético (art. 5º,
III, § 3º)
prática do processo
judicial eletrônico (art. 6º,
§ 6º)
inovação de vivências
(art. 7º)
atividades inovadoras
(art. 8º, caput)
Fonte: elaborada pela autora

Destaca-se que as Diretrizes de 2004 sofreram duas alterações no que se refere aos
estágios curriculares obrigatórios. (BRASIL, 2013; BRASIL, 2017) e, passados mais de catorze
anos é que as Diretrizes foram reformuladas (BRASIL, 2018) registrando sua primeira alteração
em 2021.

O que se percebe é que já havendo inúmeras experiências do Sistema de Justiça com as


tecnologias, as orientações ministeriais para os Cursos de Direito seguiram muito
descompassadas. De fato, o ensino jurídico parece sempre vir a reboque do que se pratica, e,
assim sendo, depende de aperfeiçoamentos individuais das IES.

Das categorias observadas na ordem cronológica, chama a atenção que nem mesmo em
2018 havia a preocupação com os conteúdos tecnológicos em todos os eixos de formação, pois
somente em 2021 o técnico-jurídico contemplou tal tema. Por outro lado, a temática tecnologia
109

e direito digital, aparece, geralmente, relacionado à prática em forma de atividades, exercício


ou estágio.

O estágio curricular obrigatório está normatizado no artigo 5º, III que estabelece que o
Eixo de Formação Prático-profissional:

[...]objetiva a integração entre a prática e os conteúdos teóricos desenvolvidos nas


demais perspectivas formativas, especialmente nas atividades relacionadas com a
prática jurídica e o TC, além de abranger estudos referentes ao letramento digital,
práticas remotas mediadas por tecnologias de informação e comunicação.
(BRASIL, 2018, grifo nosso).

Neste mesmo artigo vislumbra-se que “as atividades de caráter prático-profissional e a


ênfase na resolução de problemas devem estar presentes, nos termos definidos no PPC, de modo
transversal em todas as três perspectivas formativas.” Aliás, foi com estas Diretrizes
Curriculares Nacionais que a formação prática, para além do estágio obrigatório, ganhou
destaque em toda a formação do bacharel em Direito como não se via nas normativas anteriores.
A resolução sugere ainda a inclusão do Direito Cibernético e obriga a prática do processo
judicial eletrônico.

Essa associação é acertada, posto que esse conhecimento ganha sentido, sobretudo,
diante da necessidade, e da aproximação com o cotidiano. Por isso, a prática jurídica sempre
foi e será o locus privilegiado da aprendizagem.

Isso implica na significação do uso da tecnologia. É o que se debate desde o século


passado pela área de educação e tecnologia e sua relação com os currículos. Dockstader (1999,
tradução nossa) sinalizou que, dentre as razões para integrar as TICs aos currículos estão, entre
outras, a necessidade intrínseca de aprender tecnologia em meio a era da informatização e a
importância deste aprendizado não ser de forma isolada.

Verifica-se assim, implicações que repercutem sobre o processo de ensino-


aprendizagem. Se por um lado ele já se inicia imerso em meio às tecnologias de informação,
por outro, precisa fomentar competências ao futuro jurista para ser capaz de se reinserir e criar
ferramentas necessárias à instrumentalização da vida forense.

Nesse contexto, há ainda dois grandes impactos. Se o estágio curricular obrigatório já


era considerado locus privilegiado de aprendizagem tanto da teoria como da prática, já que a
significação de conteúdos se dá prioritariamente pela solução de problemas, agora, tal
significação está ainda mais conectada com a realidade da vida forense. Tanto é, que o segundo
impacto, ainda mais contundente da cultura digital sob a vida do profissional jurista, diz respeito
110

a possível inviabilidade do conhecimento teórico-prático adquirido durante o tempo de


formação, caso não seja garantido aos estudantes também a capacitação tecnológica para o
exercício das profissões, sobretudo, as que estão surgindo e ainda surgirão.

É neste tocante que a cultura digital dantes comentada merece destaque. Bem antes de
as Diretrizes curriculares apresentarem sugestivamente estas temáticas aos currículos, a prática
do estágio obrigatório já estava imersa no contexto do mundo digital, uma vez que, sem ele,
não há como operacionalizar o próprio conteúdo de aprendizagem da prática jurídica. Como
boa parte do estágio é realizado a partir de casos reais, em que os professores ou supervisores
são também os advogados das causas patrocinadas pelos órgãos nos quais se realizam estas
atividades, não há como executá-las sem estar apto para operar as ferramentas eletrônicas e
digitais utilizadas pelo Poder Judiciário. Logo, para o Direito, não é uma opção, mas uma
habilidade necessária. Aliás, como salienta Rodrigues (2019, p. 127) a exigência explicitada no
artigo 6º, § 4º das atuais Diretrizes:

[...] reconhece a existência não de uma prática jurídica, mas de um grande e múltiplo
leque de práticas jurídicas, devendo o curso trabalhar, no mínimo, aquelas
competências que são indispensáveis às diversas profissões da área do Direito.

Ora, conforme se viu ao longo deste estudo, não se está tratando apenas da mera
informatização dos processos, cuja digitalização total é questão de pouco tempo. Já não se pode
mais falar em futuro da advocacia e do direito como algo distante, porque tal condição temporal
é presente-passado. Dessa forma, a recomendação do MEC de que as IES apenas “poderão
introduzir no PPC conteúdos e componentes curriculares”3 é recomendação deveras atrasada
para pensar-se que a obrigação de implementação destas diretrizes deveria ocorrer em até dois
anos e que a formação completa dura cinco. Aliás, parecer coadunar que essa perspectiva um
argumento utilizado no parecer que alterou o artigo 5º:

As DCNs, na forma mais atual do ordenamento pela CES/CNE, têm como foco
competências e não conteúdos. Trata do conjunto das disciplinas de forma geral, para
permitir aos cursos bom desempenho nas áreas básicas e específicas e na atualização
de suas abordagens pelo desenvolvimento teórico e de fronteira das diversas áreas.
Não há foco, portanto, em indicar disciplinas específicas, em uma ou outra
especialidade, deixando isso a critério do curso. (BRASIL, 2020, p. 1, grifo nosso).

3
De acordo com o artigo 5º, § 3º da Resolução nº 05: “Tendo em vista a diversificação curricular, as IES poderão
introduzir no PPC conteúdos e componentes curriculares visando desenvolver conhecimentos de importância
regional, nacional e internacional, bem como definir ênfases em determinado(s) campo(s) do Direito e
articular novas competências e saberes necessários aos novos desafios que se apresentem ao mundo do
Direito, tais como: Direito Ambiental, Direito Eleitoral, Direito Esportivo, Direitos Humanos, Direito do
Consumidor, Direito da Criança e do Adolescente, Direito Agrário, Direito Cibernético e Direito Portuário.”
(BRASIL, 2018, grifo nosso).
111

Mas se a obrigatoriedade se deu no inciso II do artigo 5º referindo-se ao Eixo técnico-


jurídico (direito digital) e no § 6º do artigo 6º referindo-se à prática jurídica (processo judicial
eletrônico) o mesmo não ocorreu no § 3º do artigo 5º evidenciando que, além da significativa
defasagem orientativa da norma, ela deixa lacunas as quais havia tentado evitar.

Ainda no tocante ao que se tornou obrigatório com a alteração de 2021, verifica-se o


necessário estudo acerca do letramento digital e as práticas remotas mediadas por tecnologias
de informação e comunicação, associados, novamente à prática profissional. A justificativa
apresentada foi:

[...] ampliamos o escopo das proposições no artigo 5º da referida DCN, no sentido de


fortalecer os esforços referentes ao letramento digital e às práticas de comunicação e
informação, que expressam as tecnologias educacionais e que devem permear a
formação, inclusive presencial, no sentido de adotar as competências vinculadas a
essas mediações, especialmente em práticas e interações remotas relacionadas ao
aprendizado. (BRASIL, 2020, p. 1-2).

Veja-se que, apesar destas competências estarem associadas à prática profissional,


porquanto incluída no artigo referente a esta formação, o fundamento parece estar muito mais
associado ao momento de virtualização do ensino e da forma remota implementada durante a
pandemia causada pelo coronavírus do que às urgentes habilidades para o exercício das
profissões jurídicas propriamente ditas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim como a complexificação social impulsiona inovação a todo momento ao próprio


sistema de justiça, incluídas as implementações digitais necessárias no Poder Judiciário, aos
Cursos de Direito são impostas condições curriculares que coadunam com tal necessidade. No
entanto, as orientações formativas instituídas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais, apesar de
terem dado um salto significativo desde 2018 no que se refere às habilidades tecno-digitais
imprescindíveis para o exercício das profissões jurídicas das mais diversas áreas, ainda indicam
um futuro-presente quando, na realidade do Sistema de Justiça e até mesmo da Educação, tais
incrementos temáticos já são presente-passado.

Dificuldade em lidar com o futuro é sempre uma expertise que precisa ser aprimorada
pelo Sistema do Direito, porquanto voltado para a segurança jurídica e baseado em normativas
e precedentes, apesar de que, o sistema de acesso à justiça tem demonstrado razoável habilidade
no trato com as tecnologias.
112

Contudo, o Sistema de Educação, cuja função é preparar para a cidadania e, sobretudo,


para o exercício das profissões jurídicas e correlatas ao Direito, não pode ficar a reboque dos
fatos e permanecer no presente-passado, sob pena de, ou não cumprir sua função ou delegar a
apenas uma parte organizacional deste sistema, que são as Instituições de Ensino Superior
(IES), a opção de se exercer seu papel frente aos desafios contemporâneos de forma adequada.
Este é tema que compreende a autorregularão e autonomia preconizada pela Constituição
Federal. No entanto, cabe à principal organização do Sistema da Educação, MEC oferecer
parâmetros compatíveis com o tempo que se projeta por meio da formação pretendida. Ou seja,
é preciso desfuturizar, como bem alerta Bora (2012, p. 128), pois uma das principais
qualificações ao se lidar com o futuro: “diz respeito à questão de se é como a sociedade e seus
subsistemas desenvolvem capacidade de aprendizado e a dispõem para utilização”.

Encerra-se a breve análise que este texto permite, ressaltando que tal capacidade
somente será aperfeiçoada para trazer ao presente um dos possíveis futuros para o ensino
jurídico com a capacidade de observar e aprender com os outros sistemas (Direito, Ciência,
Educação, etc.) com vistas a coevolução. Portanto, mais do que nunca, a inter ou
transdisciplinaridade devem permear as decisões e a tecnologia deve, pois, tornar-se tema
transversal sem o qual nenhum outro será possível apreender-se.

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AVALIAÇÃO ACADÊMICA NA ERA PANDÊMICA

Jamil A. H. Bannura1

RESUMO
A pandemia impôs inúmeras adaptações e modificações na educação jurídica, entre elas a
avaliação acadêmica parece ser o maior desafio diante dos ambientes virtuais, impondo
responsabilidade e consciência de quem pretende ser um profissional ético.
Palavras chave: Pandemia. Avaliação acadêmica. Métodos
Introdução. Importância e necessidade da avaliação formal. Métodos de avaliação.
Autoavaliação. Considerações Finais.

INTRODUÇÃO

Passados ano e meio da nova era de educação e ensino acadêmico inúmeros são os
problemas enfrentados e de toda ordem, desde os mais elementares como a escolha da
plataforma digital para a continuidade das aulas até mesmo a ausência de pessoalidade e contato
direto com os acadêmicos, passando necessariamente pelo problema da avaliação acadêmica
nesta nova era.

Ao que parece, a maioria dos professores nunca tinha utilizado qualquer plataforma
antes da pandemia, não sendo raro encontrar alunos na mesma condição, em especial os mais
velhos concentrados, em regra, no período noturno.

No ensino, assim como na vida, só podemos trabalhar com as opções que temos. Não
sendo possível a continuidade nos moldes tradicionais poucas foram as opções que surgiram.
A primeira seria a suspensão e cancelamento do semestre, alternativa que garantiria a
manutenção das ferramentas anteriores a pandemia em um momento futuro, mas que por outro
lado atrasaria a vida profissional de milhares de acadêmicos, razão de seu descarte. O Conselho
Nacional de Educação igualmente mostrou tal preocupação:

Um Parecer do Conselho Nacional de Educação, aprovado no final de abril, sugeriu a


continuidade das atividades síncronas e assíncronas de ensino e aprendizagem nas
universidades, com adaptações para prover aulas não presenciais. Afirmando o
exercício de autonomia e responsabilidade dessas instituições, na condução de seus

1
Professor da UFRGS. Advogado. OAB RS 21.036. Professor da UNISINOS de 1990 até 1997, Professor da
UFGRS de 1995 até os dias atuais. Endereço: Av. Borges de Medeiros, 340, sala 51, Fone (51) 3227-8177 e
984133895. Advogado OAB RS 21.036. E-mail: jabannura@gmail.com.
116

projetos acadêmicos, recomenda que estas definam a realização das avaliações de


forma remota, bem como a “realização de testes on-line ou por meio de material
impresso entregues ao final do período de suspensão das aulas”. Recomenda a
substituição de atividades presenciais relacionadas à avaliação, por outras mediadas
por tecnologias digitais de informação e comunicação, adequadas à infraestrutura e
interação necessárias.2

Refletido especialmente na solução escolhida pelas empresas, passou-se a pensar na


adoção do mesmo sistema para a educação jurídica, não que a experiência fosse inédita, ao
contrário, o EAD já vinha utilizando os meios digitais especialmente em cursos preparatórios
para concursos públicos e especializações, entre outras modalidades, assim como alguns
professores já utilizavam largamente o Moodle como ferramenta para disponibilização de
material de pesquisa, acesso e comunicação entre os alunos.

Ocorre que tais mecanismos eram sempre utilizados como complementares, mantendo-
se o contato direto, especialmente quando da avaliação do acadêmico, inexistente nos cursos
preparatórios para concursos, por exemplo.

Ao compararmos os cursos preparatórios para concursos, as reuniões das empresas e o


uso complementar dos meios digitais antes da pandemia com a situação atual, a grande
diferença é que naqueles sistemas não há avaliação. Daí porque o grande desafio na reeducação
jurídica é o sistema de avaliação dos acadêmicos como meio necessário ao registro da
progressão semestral e da pretendida habilitação profissional.

IMPORTÂNCIA E NECESSIDADE DA AVALIAÇÃO FORMAL.

Inegavelmente vivemos em um mundo de avaliação permanente, todos somos julgados,


classificados ou desclassificados quase que diariamente. Neste momento histórico, mais do que
em qualquer outro, nossas opiniões e atitudes passam pelo crivo avaliativo até mesmo de
estranhos, na aprendizagem não poderia ser diferente.

A aprendizagem é uma rede de conhecimentos que todo ser humano pode desencadear
no decorrer da vida, logo necessita de meios propícios para direcionar melhor esse
caminho. Nessa perspectiva a avaliação exerce um papel fundamental no processo
ensino-aprendizagem.
Nos níveis básicos de educação, avaliamos porque queremos conhecer.

2 GARCIA, Joe, GARCIA, Nicolas Fish. Impactos da Pandemia de Covid-19 nas Práticas de Avaliação de
Aprendizagem na Graduação, in
https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwjjv5
K1n_LwAhWnH7kGHXaZC_gQFjACegQIAxAE&url=https%3A%2F%2Fperiodicos.uninove.br%2Feccos%2F
article%2Fdownload%2F18870%2F8642&usg=AOvVaw1eijyAzQKxVzc44AgK_gL1, acesso em 27/05/2021.
117

Com essa intencionalidade essencial, a avaliação educativa pode desempenhar as


funções formativas que são chamadas a desempenhar longe de outras intenções menos
explícitas, que acabam transformando a avaliação em um instrumento de seleção e de
exclusão.3

Na educação nunca foi diferente, com raras exceções nos métodos construtivistas de
Piaget4 aplicados especialmente no ensino fundamental, a imensa maioria dos institutos,
faculdades e universidades utilizam-se de método de avaliação individual e qualitativo,
classificando os acadêmicos entre 0 e 10, ou entre conceitos que variam de D até A, com
oportunidades de recuperação e possibilidade concreta de reprovação com repetição integral da
disciplina.

Nada mais injusto.

Sabemos que é uma ilusão acreditar que o conhecimento de um ser humano possa ser
classificado mediante avaliações pontuais por amostragem e aleatórias, ainda que com aparente
método.

De há muito falimos na avaliação dos nossos alunos e um cem números de vezes a


injustiça se apresenta. Ocorre que nos acostumamos com o que é ruim muito facilmente e até
mesmo os acadêmicos se acostumaram com as metodologias de avaliação e passaram a
conviver e aceitar a divisão entre os que buscam notas como afirmação e os que entendem a
ineficácia do sistema, jogando com suas regras.

Mesmo que tal raciocínio possa estar certo, a estrutura institucional da educação jurídica
necessita de uma afirmação final entre os que sabem, os que sabem pouco e os que nada sabem,
como se isso fosse possível; e trabalha há décadas sempre com a resposta final de aprovação ou
reprovação, sem mencionar universidades que ainda distinguem alguns com láureas e outros
prêmios acadêmicos.

Em suma, por mais que se tenha certeza da falha no sistema de avaliação ainda não há
uma outra alternativa eficaz para determinar a habilitação legal do futuro profissional. Creio
que essa é uma das justificativas para o exame da Ordem, ou seja, reavaliar o aluno já aprovado
em sua instituição para se certificar de que apresenta o mínimo necessário no exercício
profissional.

3 Buchelt, Alcir Frizzera et al. A Avaliação nos Processos de Ensino e Aprendizagem. In


https://semanaacademica.com.br/system/files/artigos/artigo_pronto_quinta_0.pdf - acesso em 25 de maio de 2021.
4 MACEDO, Lino de. Para uma avaliação construtivista. In
http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/Escola_mov_p123-129_c.pdf - acesso em 24 de maio de 2021.
118

O mais próximo de uma avaliação justa seria submeter cada aluno a uma prova oral por
duas ou três horas perguntando tudo de tudo e mesmo assim o próprio critério de pontuação
para as respostas poderia ser criticado, isto sem mencionar que em universidades públicas,
especialmente, habitam turmas com mais de 80 alunos tornando inviável tal tentativa. Mesmo
em turmas ideais de 30, 35 alunos, a dedicação de duas ou três horas para cada avaliação
individual em cada disciplina demonstra o quão utópico é a fórmula pretendida.

As avaliações tradicionais como provas discursivas, dissertativas, objetivas de múltipla


escolha, verdadeiro ou falso, com ou sem justificativa, entre outras tantas espécies largamente
utilizadas em todo o país, refletem minimamente um momento do aluno, aquele momento, com
a soma de seus problemas pessoais, de sua condição de saúde para aquele dia e todas as
circunstâncias que o envolveram até a hora da prova.

Trata-se de verdadeira amostragem, aleatória, somada a sorte em ter lido, estudado ou


entendido exatamente o ponto da matéria que está sendo questionado.

De outro lado encontramos o professor que acredita que a qualidade de suas aulas estaria
diretamente ligada a baixa média das notas da turma, vangloriando-se por ter sua disciplina
entre as mais difíceis, em claro desvirtuamento de sua finalidade primeira, as vezes decorrente
do vício acadêmico de classificar as provas de determinado professor como muito fáceis e
desestimular o estudo, quando na verdade é o contrário, a baixa avaliação demonstra
desinteresse e dificuldade do professor antes de qualquer outro.

Contudo, é preciso esclarecer que quando avaliamos a aprendizagem do aluno, também


é avaliado o ensino que lhe é oferecido, e quando não ocorre a aprendizagem significa
que o ensino não atingiu seu objetivo.5

Não é raro encontrar professores questionando em provas o que sequer foi discutido em
sala de aula6, ou preparando questões duvidosas, ambíguas ou maliciosas (o famoso “pega
ratão”), como se estivesse em disputa contra o aluno e um tivesse que vencer no final.

Há igualmente os alunos que estudam pontualmente para as provas, verificando


questões aplicadas em semestres anteriores ou em outras turmas no mesmo semestre, sem se
importar na construção do conhecimento ou na análise crítica do conteúdo, com a única
finalidade de aprovação. Muito pior ainda quando o aluno se dedica horas em fraudar a prova,

5 ENGUE, Maíra Aparecida Souza, et al., A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM DURANTE A PANDEMIA


DE COVID-19, in http://fait.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/DafCwfpmO3muEzn_2020-12-
11-19-51-32.pdf – acesso em 28/05/2021.
6
Ora, se não é importante para ser discutido em sala de aula, por certo não deveria ser importante para ser
questionado em um prova, e não o contrario.
119

preparando “colas” distribuídas entre a classe e os códigos, verdadeiras obras primas da


impressão literária da matéria colacionada em suas folhas brancas, ou mesmo nos sussurros
cometidos na espalda dos professores.

Enfim, de parte a parte o desvirtuamento da finalidade precípua da avaliação acadêmica


é prática reiterada nos institutos de ensino, embora ainda, felizmente, seja a minoria.

Pois bem, vivenciamos agora a impossibilidade de aplicação de provas presenciais e,


como já se disse, continuamos com a necessidade de avaliação em seu caráter formal, razão
pela qual busca-se a melhor alternativa.

A inevitável mudança na educação jurídica surpreendeu a todos, entre fevereiro e abril


de 2020 tudo tinha mudado de modo imediato e radical, impondo a necessidade de novas rotinas
e urgente adaptação.

O tempo de pandemia pelo Coronavírus (COVID-19) trouxe uma ressignificação para


a educação, nunca antes imaginada. A dor causada pela perda de pessoas, o
afastamento, o isolamento social, causaram uma desestruturação no sistema regular e
presencial de ensino. A crise sanitária está trazendo uma revolução pedagógica para
o ensino presencial, a mais forte desde o surgimento da tecnologia contemporânea de
informação e de comunicação.7

A perda inconcebível de vidas humanas sem explicação também atingiu a todos e a cada
novo infectado maior o estresse e o pânico social, o que igualmente refletiu, e muito, no
comportamento de toda a comunidade acadêmica.

MÉTODOS DE AVALIAÇÃO

Todos conhecemos os métodos atuais, falta perceber quais os que podem ser aplicados
e quais os que precisam ser criados para atender a demanda. De há muito a finalidade da
avaliação mudou radicalmente saindo da mera classificação para se tornar uma ferramenta de
construção do conhecimento. Essa modificação e evolução já vinha se notando desde o final do
século passado.

De acordo com Firme (1994)8, a avaliação, desde o século XX, vem passando por
transformações, por gerações de evoluções: mensuração, descritiva, julgamento e

7 PASINI, Carlos Giovani Delevati, et al. A Educação Híbrida em Tempos de Pandemia: Algumas Considerações.
https://www.ufsm.br/app/uploads/sites/820/2020/06/Textos-para-Discussao-09-Educacao-Hibrida-em-Tempos-
de-Pandemia.pdf – acesso em 27/05/2021.
8 Apud BORGES, Cyntia Rosa de Melo Ribeiro, et al. A avaliação de aprendizagem nos tempos de pandemia:
Um relato do curso de nutrição, in Anais do 39 o Seminário de Atualização de Práticas Docentes.
https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwjjv5
K1n_LwAhWnH7kGHXaZC_gQFjAGegQIBxAE&url=http%3A%2F%2Fanais.unievangelica.edu.br%2Findex.
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negociação. A geração de mensuração não separava a avaliação da medida, na qual a


única preocupação era elaborar instrumentos ou testes conseguir avaliar o rendimento
do aluno e o avaliador tinha apenas o papel técnico. Já a era descritiva era baseada nos
objetivos da avaliação, levando o avaliador a descrever padrões e critérios, surgindo
então, o termo avaliação educacional. A geração de julgamento já utilizava como
ferramenta o questionamento sobre as avaliações, e o avaliador assumia a função de
um “juiz”, preservando o que era fundamental das outras gerações, logo o julgamento
passou a ser importante, pois não adiantava apenas mensurar e descrever, mas sim,
também julgar sobre os resultados e os objetivos. A última geração é a da negociação,
na qual a avaliação vem de um processo interativo fundamentado em um paradigma
construtivista, que se diferencia das outras gerações pois parte de variáveis, objetivos,
decisões, que se preocupam com o real objetivo e outros. Ela se situa e desenvolve a
partir de preocupações, proposições ou controvérsias em relação ao objetivo da
avaliação.

A evolução é inerente a educação, ainda que tenha sido feita por necessidade absoluta e
premente imposta pela pandemia, já que recuar não era uma opção possível e a vida devia e
deve prosseguir.

Na tentativa de adaptação diversas são as plataformas existentes para o ensino remoto,


entre elas destacamos o Moodle, Microsoft Teams, Zoom, Google Meet e Google Classroom
como as mais usadas atualmente. Basicamente todas elas, como se sabe, criam um ambiente de
ingresso remoto de pessoas convidadas ou previamente cadastradas que podem-se utilizar de
áudio para ouvir e falar e câmera, ficando a cargo do administrador ou coordenador da sala o
uso de outros recursos como compartilhamento de tela, apresentações de slides, etc.

Os participantes apresentam-se em pequenas telas em sistema de grade com a opção de


abrirem ou não suas câmaras e microfones para participarem ativamente da aula ou
permanecerem apenas ouvindo.

Observou-se nesse modelo algumas características próprias: a um, nos casos em que não
há registro de presença obrigatória a participação tende a ser minoritária; a dois, grande parte
dos alunos não abre a câmera; a três, os questionamentos de dúvidas são reduzidos em
comparação a sala de aula presencial; a quatro, os possíveis debates de questões polêmicas entre
os próprios alunos restou amplamente prejudicado; a cinco, ao final da aula alguns desavisados
ainda permanecem conectados fazendo suspeitar de que se logaram e nada assistiram a ponto
de não saberem que aula tinha terminado.

php%2Fpraticasdocentes%2Farticle%2Fdownload%2F5768%2F3198%2F9532&usg=AOvVaw0NQSZDEn6scP
oVroREvRZ6 – acesso 29/05/2021
121

Dentro desses modelos é possível criar tarefas ou ambientes de avaliação objetiva9, com
a construção de provas de múltipla escolha ou mesmo dissertativas, algumas com correção
automática, outras apenas com o registro da resposta; também é possível a inclusão de arquivos
de documentos e outros materiais a serem utilizados para leitura, resumos, pesquisa, etc.

Os procedimentos descritos como tendo sido introduzidos nas práticas de avaliação


exercidas por alguns professores, no contexto de ensino remoto, incluem:
autoavaliação, provas abertas, questionários e tarefas compartilhadas, bem como
avaliação baseada na intensidade de participação nas atividades durante as aulas
remotas, tais como apresentações, explicações, debates, etc. É importante destacar que
tais abordagens, cuja utilização pode ser encontrada no ensino presencial, foram
introduzidas por uma parcela dos professores entrevistados devido às condições do
ensino remoto emergencial, incluindo a necessidade de usar tecnologias digitais, ao
grau de adaptação a elas e ao comportamento dos alunos, entre outros fatores – alguns
deles bastante subjetivos, como a “segurança” no domínio de plataformas online. 10

É possível determinar o tempo de preenchimento de cada questão ou o tempo total de


disponibilidade da prova para resposta, assim como utilizar em sistema randômico diversas
provas com questões diferentes. De qualquer modo o aluno a utiliza logicamente também dentro
do ambiente virtual, na comodidade de seu espaço e com amplo e irrestrito acesso, sem
nenhuma espécie de controle ou fiscalização.

Na prática o que se vê é a impossibilidade completa do professor de aferir se a resposta


inserida é de autoria efetiva daquele aluno ou foi obtida mediante prévia pesquisa ou auxílio de
terceiros.

A “cola” resta, pois, institucionalizada por absoluta impossibilidade de controle diverso,


ainda que seja de minoria o seu uso.

Sendo a avaliação personalíssima, qualquer quebra no protocolo de autenticidade e


autoria das respostas, seja mesmo por presunção, retira da dita avaliação sua finalidade e
eficácia, resultando em mera solenidade de preenchimento de formulários para alguns, sem
obter, ainda que minimamente, qualquer ideia do grau de compreensão e raciocínio do aluno
sobre o tema, salvo por interesse do próprio aluno.

9 Como é o caso do Microsoft Forms, por exemplo.


10 GARCIA, Joe, GARCIA, Nicolas Fish. Impactos da Pandemia de Covid-19 nas Práticas de Avaliação de
Aprendizagem na Graduação, in
https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwjjv5
K1n_LwAhWnH7kGHXaZC_gQFjACegQIAxAE&url=https%3A%2F%2Fperiodicos.uninove.br%2Feccos%2F
article%2Fdownload%2F18870%2F8642&usg=AOvVaw1eijyAzQKxVzc44AgK_gL1 acesso 29/05/2021.
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Durante o preenchimento do formulário, a depender do tempo disponível, alguns se


comunicam, trocando ideias e respostas de modo a preencher o formulário com o auxílio de
colegas, ou até mesmo em breve pesquisa na própria rede, sem a menor preocupação no debate
e construção crítica de conhecimento.

De que adianta atribuir uma nota ou conceito com base em um formulário preenchido
de modo impessoal e que não representa sequer de perto o domínio do conteúdo, especialmente
em comparação aos que completam as exigências avaliativas sem nenhum auxílio e, por vezes,
obtém graus inferiores. Entender tal mecanismo e pactuar com ele é a representação da
mediocridade por omissão.

A escolha por trabalhos de pesquisa também recebe algumas críticas severas. Antes
utilizado de modo eventual, normalmente como apenas uma das avaliações do semestre ou
mesmo para melhorar um conceito atribuído por outros exames, agora passou-se a ser utilizado
largamente em quase todas as disciplinas resultando em sobrecarga de trabalho para o aluno
que, pela quantidade de pesquisas a serem apresentadas também conta com grupos para sua
execução em prol de todos, assim como sobrecarga de trabalho para o professor que, com medo
da “receita de bolo” se obriga a ler e corrigir todas as folhas, resultando em centenas de horas
sem nenhuma remuneração.

Na tentativa de autenticar as pesquisas, alguns pedem que sejam feitas manuscritas, o


que resultaria no mínimo de aproveitamento obrigatório, outros distribuem temas diferentes,
ferindo a igualdade de condições entre todos.

Esse fenômeno de tentar de alguma forma, acertando, errando e adaptando é digna de


elogios e poderá sim revelar um método adequado de avaliação no futuro. Entretanto,
atualmente, salvo engano, apenas formaliza a realização da avaliação com trabalhos de autoria
desconhecida e correções automáticas ou sem critérios.

Cinco disciplinas por semestre, três avaliações por disciplina resultam, em média, em
quinze trabalhos de pesquisa para o aluno, enquanto para o professor com no mínimo duas
turmas de quarenta alunos podem chegar a 240 trabalhos para leitura e correção, o que atenta
com a própria qualidade da correção aplicada.
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AUTOAVALIAÇÃO

As avaliações realizadas nos ensinos fundamental e médio servem apenas de passagem


para o ingresso universitário. O vestibular, ENEM e outros sistemas delimitam o acesso à
profissão, enquanto que as avaliações realizadas na academia deveriam servir para habilitar de
modo responsável o exercício de uma atividade que vai modificar, para o bem ou para o mal, o
patrimônio jurídico de terceiros, significando, a aprovação do aluno, como sua habilitação para
o exercício da profissão.

Desta premissa deveria se entender que a reprovação também é benéfica, posto que
permitiria a certeza da formação adequada. Entretanto, em um mundo competitivo e em uma
profissão que despeja centenas de formados por semestre, ficar para trás não é considerada uma
vantagem, exigindo de muitos nova preparação após o bacharelado apenas para lograr
aprovação na prova da OAB ou até mesmo para o exercício elementar em qualquer área do
direito.

Isto sem mencionar na qualidade dos cursos oferecidos, que não possuem recursos para
a contratação de bons professores, implantação de estruturas acadêmicas adequadas,
bibliotecas, laboratórios de acesso à internet, estágios, etc, ou que se deixam levar pela
necessidade de obtenção de lucro na saga incansável de buscar matrículas a qualquer custo,
quase que garantindo a aprovação diante da chantagem de abandono da instituição.

No cenário de um país mediano, como é o Brasil, onde a educação está longe de ser
considerada uma prioridade, estabelecer um grau de exigência baseado na excelência acadêmica
também é uma tarefa irreal que não iria auxiliar em nada a sociedade.

Não resta outra alternativa, creio, senão utilizar-se da consciência racional do acadêmico
e do grau de responsabilidade que se precisa para obter dele próprio a autoavaliação formal.

Em um primeiro momento pode parecer incoerente – e efetivamente o é – a ideia de


confiar na responsabilidade e consciência profissional do mesmo acadêmico acusado de
simulação nos demais métodos de avaliação para que exerça sua autoavaliação, fazendo
presumir que esta seria a maneira mais simples e fácil de obter sua aprovação sem necessidade
de comunicação simultânea durante as provas, grupos de execução de trabalhos de pesquisa ou
qualquer outra engenharia com a mesma finalidade. Entretanto, o efeito é contrário, quanto
maior a autonomia e responsabilidade maior a consciência em seu exercício. Logicamente que
muitos se aproveitariam para manterem a falsa avaliação também através desse sistema, mas
124

estes são os mesmos que fraudam nas provas presenciais, que intencionalmente querem se
aproveitar de qualquer situação, seja por qual meio for e são os mesmos que acabam conhecidos
nos Tribunais de Ética. Não há remédio contra estes.

Em verdade, a imensa maioria dos acadêmicos recebe a oferta com sabedoria, refletindo
na sua participação e aproveitamento do semestre e atribuindo, em média, conceito justo, por
vezes até mais rigoroso do que conseguiria nas avaliações usuais.

A experiência é gratificante, ressalvado aquele pequeno grupo, as justificativas, não


exigidas para a autoavaliação, revelam maturidade, consciência e responsabilidade profissional
dignas de registro, favorecendo a adoção de tal sistema, em especial diante das dificuldades
estruturais e pessoais que passamos na era pandêmica.

De outro lado, a autoavaliação retira do aluno e do professor a pressão típica dos outros
meios causadores de excesso desnecessário de trabalho que, somados atualmente com todos os
problemas pessoais resultantes da situação pandêmica que vivemos geram estresse e pânico em
grande parte da comunidade.

Examinar a avaliação acadêmica dissociada da vida pessoal de todos os atingidos seria


o mesmo que acreditar que o ser humano possa se olvidar de tudo o que ocorre a sua volta, de
todas as informações que recebe diariamente e de todas as suas limitações e dificuldades, o que
obviamente é impossível.

Assim, a avaliação acadêmica na era pandêmica também deve ser estudada levando em
consideração a vida pessoal e familiar que envolve todos os partícipes.

Cipriano Luckesi11 (1999, p. 173) que se preocupa há muito com a avaliação prefere
entender a sua necessidade como um ato de amor, quando diz:

[...] podemos entender a avaliação da aprendizagem escolar como um ato amoroso, na


medida em que a avaliação tem por objetivo diagnosticar e incluir o educando pelos
mais variados meios, no curso da aprendizagem satisfatória, que integre todas as suas
experiências de vida.

Não se trata de facilitar ou diminuir o trabalho, mas de entender que neste momento
social precisamos que a vida siga seu caminho da melhor maneira e que, mais do que nunca, se

11 Costa Silva, Lucas de Oliveira, et al. Avaliação Educacional: Uma Ação ressignificada na prática pedagógica
em tempos de pandemia, in
https://editorarealize.com.br/editora/anais/conedu/2020/TRABALHO_EV140_MD1_SA1_ID7806_0110202023
5207.pdf acesso em 29/05/2021.
125

estabeleçam prioridades no comportamento social e na vida das pessoas, permitindo que a vida
seja leve, “há de ser leve, um levar suave, nada que entrave nossa vida breve, tudo que me
atreve a seguir de fato o caminho exato da delicadeza, e ter a certeza de viver no afeto, só viver
no afeto. ”12

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não há método perfeito, eficiente ou suficiente para prosseguirmos na avaliação


acadêmica. Todos representam as dificuldades e impossibilidades de classificação do ser
humano. Uns mais, outros menos.

A pandemia exige pressa na adaptação e experiência com novos métodos ou métodos


antigos antes pouco utilizados.

A preocupação com a simulação é permanente, mas dela nunca se consegue livrar


totalmente.

A autoavaliação aparece como meio autêntico, responsável e consciente na


formalização de uma aprovação que leve em consideração o momento de pânico que nos cerca.
De todos os sistemas é o que parece mais justo atualmente e mais eficaz com o profissional
ético que se gostaria de conviver.

O professor igualmente deve acreditar nesse nível de responsabilidade ainda que


poucos possam se aproveitar da situação. Não há como prosseguir sem a reeducação de todos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Apud BORGES, Cyntia Rosa de Melo Ribeiro, et al. A avaliação de aprendizagem nos tempos
de pandemia: Um relato do curso de nutrição, in Anais do 39o Seminário de Atualização de
Práticas Docentes.
https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&cad=rja&uact=8&v
ed=2ahUKEwjjv5K1n_LwAhWnH7kGHXaZC_gQFjAGegQIBxAE&url=http%3A%2F%2F
anais.unievangelica.edu.br%2Findex.php%2Fpraticasdocentes%2Farticle%2Fdownload%2F5
768%2F3198%2F9532&usg=AOvVaw0NQSZDEn6scPoVroREvRZ6 - acesso em
29/05/2021.

Costa Silva, Lucas de Oliveira, et al. Avaliação Educacional: Uma Ação ressignificada na
prática pedagógica em tempos de pandemia, in

12 Lenine. Leve e Suave, Música. Letra.


126

https://editorarealize.com.br/editora/anais/conedu/2020/TRABALHO_EV140_MD1_SA1_ID
7806_01102020235207.pdf acesso em 29/05/2021.

ENGUE, Maíra Aparecida Souza, et al., A avaliação da aprendizagem durante a pandemia de


covid-19, in
http://fait.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/DafCwfpmO3muEzn_2020-12-
11-19-51-32.pdf – acesso em 28/05/2021.

GARCIA, Joe, GARCIA, Nicolas Fish. Impactos da Pandemia de Covid-19 nas Práticas de
Avaliação de Aprendizagem na Graduação, in
https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&cad=rja&uact=8&v
ed=2ahUKEwjjv5K1n_LwAhWnH7kGHXaZC_gQFjACegQIAxAE&url=https%3A%2F%2
Fperiodicos.uninove.br%2Feccos%2Farticle%2Fdownload%2F18870%2F8642&usg=AOvVa
w1eijyAzQKxVzc44AgK_gL1 - acesso em 27/05/2021.

MACEDO, Lino de. Para uma avaliação construtivista. In


http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/Escola_mov_p123-129_c.pdf - acesso em 24 de maio
de 2021.

PASINI, Carlos Giovani Delevati, et al. A Educação Híbrida em Tempos de Pandemia:


Algumas Considerações. https://www.ufsm.br/app/uploads/sites/820/2020/06/Textos-para-
Discussao-09-Educacao-Hibrida-em-Tempos-de-Pandemia.pdf – acesso em 27/05/2021.
127

NOVAS METODOLOGIAS PARA NOVOS DESAFIOS:


APRENDIZAGEM BASEADA EM PROJETOS NO ENSINO JURÍDICO
DURANTE E PÓS-PANDEMIA DE COVID-19

Larissa de Oliveira Elsner1


Gustavo Vinícius Ben2

RESUMO

Este artigo tem o objetivo de investigar a aplicabilidade da metodologia da Aprendizagem


Baseada em Projetos (ABP) no ensino jurídico para uma modalidade de ensino remoto, que se
desenvolve mediante aulas online, devido às exigências de distanciamento social decorrentes
da atual pandemia de Covid-19. Partindo de uma pesquisa de natureza qualitativa, com o uso
do método de revisão bibliográfica, buscar-se-á compreender os efeitos da pandemia sobre a
educação, bem como o potencial da ABP para aprimorar o ensino jurídico, considerando-se as
particularidades do período pandêmico.

Palavras-chave: ABP. Educação. Ensino Jurídico. Ensino Remoto. Pandemia de Covid-19.

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa reúne esforços de dois pesquisadores que compartilham do interesse


de aprofundar os estudos sobre metodologias de aprendizagem que sirvam a engrandecer o
ensino jurídico, possibilitando aos estudantes uma maior consciência da realidade social e da
importância que o direito tem na consolidação dos fundamentos constitucionais para uma
sociedade mais justa e igualitária.

O tema central desse estudo é a metodologia Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP)


e o ensino jurídico remoto durante a Pandemia de Covid-19. Refletir sobre a potencialidade
dessa metodologia se mostra urgente, visto que desde 11 de março de 2020, com a instauração
do início da pandemia, todos os setores da vida pública têm se readaptado aos desafios impostos
pela necessidade de distanciamento social como forma de conter o contágio pelo novo
coronavírus (Sars-CoV-2). A educação foi um desses setores que se modificou e teve como

1
Doutoranda e Mestra em Direito Público na UNISINOS. Bolsista PROEX/CAPES. Especialista em Direito do
Trabalho na UFRGS. Cofundadora do DiversoS – Educação em Direitos Humanos. Advogada inscrita na OAB/RS
nº 91.060. E-mail: larissaelsner@hotmail.com
2
Mestre em Direito pela UNISINOS. Bolsista PROEX/CAPES. Bacharel em Direito pela UFRGS. Advogado
inscrito na OAB/RS nº 105.078. E-mail: gustavo_ben@hotmail.com.
128

grande aliada à internet, ferramenta essa que passou a ser indispensável para o desenvolvimento
da aprendizagem.

Frente a esse contexto, esta pesquisa tem o objetivo de analisar a aplicabilidade da ABP
para o ensino jurídico em caráter remoto – online – como metodologia que proporciona uma
aproximação dos estudantes de direito da realidade social, mesmo em um contexto de pandemia
de Covid-19, em que o distanciamento social é uma das medidas adotadas para a contenção do
contágio do coronavírus.

O estudo será dividido em quatro etapas: na primeira, mediante uma pesquisa


bibliográfica e documental nos informes e relatórios publicados por organizações
internacionais, faz-se uma análise dos efeitos da pandemia de Covid-19 na educação, dando-se
enfoque à importância do acesso à internet para a sua efetivação em tempos pandêmicos; nas
segunda e terceira etapas, centralizar-se o estudo sobre a metodologia da Aprendizagem
Baseada em Projetos (ABP), com o intuito de identificar suas características e potencialidades
no ensino jurídico remoto durante a pandemia; e, por fim, na quarta etapa, analisa-se como a
ABP pode ser uma alternativa aos desafios educacionais no campo do direito durante e, mesmo
após, a pandemia de Covid-19.

A metodologia empregada no estudo é de natureza qualitativa, aplicando-se os métodos


de revisão bibliográfica e documental para estabelecer os conceitos vinculados ao tema e
apresentar um panorama acerca dos efeitos da pandemia de Covid-19 na educação, com base
em dados estatísticos atuais.

1 EFEITOS DA PANDEMIA DE COVID-19 NA EDUCAÇÃO

No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o início


da pandemia de Covid-19 (WHO, 2020), que impactou todos os países de alguma maneira,
visto que o novo coronavírus (Sars-CoV-2) não apresentava um padrão já conhecido pelos
médicos e cientista. Desde então, a comunidade médica científica mundial tem se engajado com
grande empenho na busca por uma vacina eficaz contra o patógeno e no desenvolvimento de
tratamentos adequados para as pessoas contaminadas. Com a chegada de 2021, já existem
vacinas comprovadamente eficazes que estão sendo aplicadas na população mundial3. Contudo,

3
Em 24 de maio de 2021, estão sendo aplicadas as vacinas da Astrazeneca/Oxford e da Pfizer/Biontech aprovadas
com registro definitivo pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e as vacinas Coronavac/Butantan
e Janssen/Johnson & Johnson aprovadas para uso emergencial (BRASIL, 2021).
129

a pandemia de Covid-19 ainda não chegou ao fim, e essa doença continua provocando a morte
de muitas pessoas em todo o mundo4.

O desafio e a necessidade de se reinventar para a nova realidade imposta pela pandemia


não se limitou ao setor da medicina. A rotina social foi interrompida e modificada muito
rapidamente, pois o coronavírus tem um potencial altamente contagioso. Diante dessa natureza
do coronavírus, uma das medidas adotadas pelos Estados – como recomendações da OMS para
o controle da contaminação – foi o distanciamento social (OPAS, 2020). Assim, as residências
se transformaram em ambientes de trabalho e estudo. E, consequentemente, o modelo de ensino
foi remodelado, pois as salas de aula presenciais tiveram que ser substituídas por ambientes
online.

Logo no início da pandemia, uma das primeiras medidas adotadas em mais de 190 (cento
e noventa) países foram o fechamento e o encerramento de atividades presenciais em
instituições de ensino, com o objetivo de evitar a disseminação e contágio do coronavírus
(CEPAL; UNESCO, 2020, p. 1). Com isso, já em “[...] maio de 2020, mais de 1.200 milhões
de estudantes de todos os níveis de ensino, em todo o mundo, haviam deixado de ter aulas
presenciais nas escolas. Desses, mais de 160 milhões eram estudantes da América Latina e do
Caribe”5 (CEPAL; UNESCO, 2020, p. 1, tradução nossa).

O Brasil foi um desses países que adotou o fechamento das instituições de ensino e
suspensão das aulas presenciais como medida a conter a pandemia de Covid-19, o que afetou
negativamente a vida de cerca de 20 milhões de estudantes brasileiros que não tiveram acesso
à educação, conforme pesquisa do DataSenado, publicada em 12 de agosto de 2020. Esse
levantamento aponta que “Entre os quase 56 milhões de alunos matriculados na educação básica
e superior no Brasil, 35% (19,5 milhões) tiveram as aulas suspensas devido à pandemia de
Covid-19, enquanto que 58% (32,4 milhões) passaram a ter aulas remotas” (AGÊNCIA
SENADO, 2020). A realidade se mostrou ainda mais grave para os estudantes da rede pública,

4
Em 24 de maio de 2021, a Organização Mundial da Saúde (OMS) contabiliza o total de 3,459,996 mortes devido
à Covid-19 (WHO, 2021), sendo que 449.858 mortes ocorreram no Brasil (BRASIL, 2021). Em relação à
vacinação, a OMS estima que 1,489,727,128 pessoas já foram vacinadas em todo o mundo (WHO, 2021). No
Brasil, o número de pessoas que receberam as duas doses da vacina, necessárias para imunização, correspondem
a 18.765.151 (BRASIL, 2021).
5
“[...] mayo de 2020 más de 1.200 millones de estudiantes de todos los niveles de enseñanza, en todo el mundo,
habían dejado de tener clases presenciales en la escuela. De ellos, más de 160 millones eran estudiantes de América
Latina y el Caribe” (CEPAL; UNESCO, 2020, p.1).
130

pois cerca de 26% dos alunos que deveriam ter acesso às aulas na modalidade online, não
possuem acesso à internet (AGÊNCIA SENADO, 2020).

A essencialidade da internet para a educação é exaltada pela CEPAL que considera “A


conectividade, entendida como um serviço de banda larga com uma velocidade adequada e a
posse de dispositivos de acesso, condiciona o direito à saúde, à educação e ao trabalho, ao
mesmo tempo que pode aumentar as desigualdades socioeconômicas”6 (CEPAL, 2020, p.2,
tradução nossa). Com a pandemia de Covid-19, a disponibilidade de equipamentos
tecnológicos, como computadores, que permitam acesso adequado a uma internet de qualidade,
passa a ser um requisito para o exercício de direitos.

Porém, o que se observa das pesquisas publicadas pela CEPAL é que a desigualdade no
acesso à internet já era uma marca presente na região da América Latina e Caribe antes mesmo
da pandemia e que se agravou com a chegada dela. Em pesquisa realizada em 2019, observou-
se que 66,7% dos habitantes tinham conexão à internet, e a terça parte restante tinha um acesso
limitado ou não tinha acesso às tecnologias digitais devido a sua condição econômica e social,
em particular sua idade e localização (CEPAL, 2020, p.3).

Sobre esses marcadores – idade, condição socioeconômica e localização – os dados


apontam que as pessoas que possuem menor conectividade são as crianças de 5 (cinco) a 12
(doze) anos e os adultos maiores de 65 (sessenta e cinco) anos, enquanto os mais conectados
são os grupos etários de 21 (vinte e um) a 25 (vinte e cinco) anos e de 26 (vinte e seis) a 65
(sessenta e cinco) anos (CEPAL, 2020, p.3). E em relação às condições econômicas e sociais,
o informe da CEPAL demonstra que enquanto 70% e 80% dos estudantes dos níveis
socioeconômicos mais altos têm computadores portáteis em suas residências, somente 10% a
20% dos estudantes pertencentes aos níveis socioeconômicos mais baixos contam com esses
dispositivos (CEPAL, 2020, p.9-10). E sobre a localização, existe uma diferença significativa
acerca da conectividade de pessoas que habitam as áreas urbanas e rurais da América Latina e
Caribe, visto que 67% dos domicílios urbanos estão conectados à internet, em comparação a
23% dos domicílios nas áreas rurais, situação essa que ainda se agrava em alguns países como
Bolívia, El Salvador, Paraguai e Peru em que mais de 90% das residências rurais não contam
com conexão à internet (CEPAL, 2020, p.3). Essa desigualdade também se observa em países

6
“La conectividad, entendida como el servicio de banda ancha con una velocidad adecuada y la tenencia de
dispositivos de acceso, condiciona el derecho a la salud, la educación y el trabajo, al tiempo que puede aumentar
las desigualdades socioeconómicas” (CEPAL, 2020, p.2).
131

como Chile, Costa Rica e Uruguai, em que apenas cerca da metade dos domicílios rurais estão
conectados (CEPAL, 2020, p.3).

Portanto, a desigualdade em relação ao acesso à internet é resultante da condição


socioeconômica e, frente à realidade da pandemia de Covid-19, tem aprofundado ainda mais
essa inequidade entre as pessoas em condições mais vulneráveis, visto que a solução encontrada
por grande parte dos países da região da América Latina e Caribe, inclusive o Brasil, foi
promover a educação de forma remota e por meio do uso da internet. Outro ponto salientado
no informe da CEPAL é o fato de que a qualidade da internet também é um elemento que irá
influenciar na possibilidade ou não de estudantes exercerem seu direito à educação, sendo que
“As baixas velocidades de conexão consolidam situações de exclusão já que inabilitam o uso
de soluções digitais de teletrabalho e de educação em linha”7 (CEPAL, 2020, p.3, tradução
nossa). Novamente, os dados demonstram uma realidade não animadora em relação ao acesso
com qualidade à internet na região da América Latina e Caribe, visto que “[...] em junho de
2020, 44% dos países da região não atingiam a velocidade de download que permite que várias
atividades online sejam realizadas simultaneamente”8 (CEPAL, 2020, p. 4, tradução nossa).

Da leitura dos dados apresentados, demonstra-se a importância que a conectividade


passa a ter durante a pandemia de Covid-19, especialmente no que se refere ao exercício de
Direitos Humanos. Frisa-se que a educação é reconhecida como um Direito Humano, desde a
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) da Organização das Nações Unidas
(ONU) de 1948, no artigo 26, que garante o direito à instrução a todas as pessoas
(ANDRIGHETTO; ELSNER, 2020, p.75). O Direito Humano à educação também está previsto
no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) e no Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP), ambos de 19669, que integram o
ordenamento jurídico brasileiro. Essas normativas de direito internacional dos Direitos
Humanos sustentam o disposto nos artigos 6º10 e 20511 da Constituição da República Federativa

7
“Las bajas velocidades de conexión consolidan situaciones de exclusión ya que inhabilitan el uso de soluciones
digitales de teletrabajo y educación en línea” (CEPAL, 2020, p. 3).
8
“[...] a junio de 2020, en el 44% de los países de la región no se alcanzaba la velocidad de descarga que permite
desarrollar varias actividades en línea simultáneamente [...]” (CEPAL, 2020, p. 4).
9
O direito à educação está previsto no artigo 13 do PIDESC (BRASIL, 1992a) e no artigo 18 do PIDCP (BRASIL,
1992b).
10
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma
desta Constituição” (BRASIL, 1988).
11
“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania
e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988).
132

do Brasil de 1988 (CF/88) que abordam o direito à educação enquanto um direito social
(ANDRIGHETTO; ELSNER, 2020, p.77-79).

Frente a esses apontamentos acerca dos efeitos da pandemia de Covid-19 na educação,


em especial no que tange à importância da conectividade, uma vez que a grande parte dos países
adotou o ensino remoto por meio da internet como alternativa à necessidade de distanciamento
social, pretende-se agora estudar uma proposta de metodologia aplicável ao modelo de
educação online com potencial para aprimoramento do ensino jurídico.

2 EM BUSCA POR METODOLOGIAS: A ALTERNATIVA DA APRENDIZAGEM


BASEADA EM PROJETOS (ABP)

Mesmo antes da pandemia de Covid-19, a estrutura tradicional de educação em que o


conhecimento é centrado exclusivamente no professor e transmitido para alunos, geralmente de
formas oral e escrita, com uso predominante de giz, caderno e caneta, gerava insatisfação tanto
nos alunos como nos professores que reclamavam “[...] não só do fato de terem de ficar horas
ouvindo, mas também da rigidez dos horários, do distanciamento do conteúdo proposto com a
vida pessoal e profissional e dos recursos pedagógicos pouco atraentes” (DAROS, 2018, p. 3).
Na verdade, o método de ensino que se limita a transmissão do conhecimento já era criticado
muito antes, por Paulo Freire, que desde a década de 60 denunciava a concepção bancária da
educação que situa o saber como algo a ser doado por aqueles

[...] que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das
manifestações instrumentais da ideologia da opressão – a absolutização da ignorância,
que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se
encontra sempre no outro (FREIRE, 2018, p.81).

Com o intuito de superar essa estrutura antiquada de ensino, tem-se apostado em uma
aprendizagem que se desenvolva a partir de dois conceitos poderosos: as metodologias ativas e
o ensino híbrido (MORAN, 2018, p.4). As metodologias ativas promovem o protagonismo do
educando e concedem àquele que aprende o espaço para construir seu conhecimento junto
àquele que orienta a aprendizagem. Por se tratarem de metodologias, pode-se compreendê-las
a partir da simbologia de uma trajetória, em que as metodologias seriam as coordenadas para
orientar como chegar a um objetivo. E por terem essa natureza ativa, elas ainda possuem o
acréscimo de gerar envolvimento de todos aqueles que participam dessa trajetória. Em síntese,
as metodologias ativas são:
133

[...] estratégias de ensino centradas na participação efetiva dos estudantes na


construção do processo de aprendizagem, de forma flexível, interligada e híbrida. As
metodologias ativas, num mundo conectado e digital, expressam-se por meio de
modelos de ensino híbrido, com muitas possíveis combinações. A junção de
metodologias ativas com modelos flexíveis e híbridos traz contribuições importantes
para o desenho de soluções atuais para os aprendizes hoje (MORAN, 2018, p. 4).

Aliado ao uso das metodologias ativas, sugere-se o conceito de ensino híbrido que está
relacionado ao uso da tecnologia como ferramenta para a aprendizagem, no qual se tem uma
“[...] mediação tecnológica forte: físico-digital, móvel, ubíquo, realidade física e aumentada,
que trazem inúmeras possibilidades de combinações, arranjos, itinerários, atividades”
(MORAN, 2018, p. 4). Pelo uso de programas tecnológicos, educadores e educandos constroem
o processo de conhecimento em conjunto, sendo ressaltada por Camargo e Daros (2018, p. 64)
a potencialidade do ensino híbrido para o aprendizado em grupo, o que possibilita uma maior
participação e troca de experiências de todos.

Consonante os desígnios propostos pela aplicação de metodologias ativas somadas ao


modelo híbrido de ensino, a metodologia da Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP) é uma
ferramenta que permite desenvolver a educação que prioriza o educando, tornando-o
protagonista ativo da construção do seu conhecimento, e possibilita ao educador aprender e
trocar experiências de vida com esses educandos, uma vez que nessa proposta de ensino, todo
o saber é importante e valorizado. Reconhecida e recomendada por muitos líderes educacionais
como uma das melhores práticas educacionais na atualidade, a ABP é um modelo de ensino que
permite aos alunos escolherem os rumos que tomarão para adquirir conhecimento, sendo
motivados pelos problemas do mundo real, tendo a oportunidade de refletir e desenvolver
soluções para os problemas inerentes às suas comunidades (BENDER, 2014, p.15). Adota-se a
definição de ABP enquanto uma

[...] metodologia de aprendizagem em que os alunos se envolvem com as tarefas e


desafios para resolver um problema ou desenvolver um projeto que tenha ligação com
sua vida fora da sala de aula. No processo, eles lidam com questões interdisciplinares,
tomam decisões e agem sozinhos e em equipe. Por meio dos projetos, são trabalhadas
também suas habilidades de pensamento crítico e criativo e a percepção de que
existem várias maneiras de se realizar uma tarefa, competências tidas como
necessárias para o século XXI. Os alunos são avaliados de acordo com o desempenho
durante e na entrega dos projetos (MORAN, 2018, p.16).

A ABP tem um potencial diferenciado para a promoção da aprendizagem que se


estrutura nos seguintes eixos: realidade e autenticidade, investigação, trabalho cooperativo e
interdisciplinaridade. O fato de os alunos terem a tarefa de escolher seus problemas e maneiras
de desenvolver seus projetos torna a ABP uma metodologia que aproxima o ensino tradicional
134

do contexto social em que aquele educando está inserido, permitindo que os trabalhos
desenvolvidos sejam autênticos e únicos, por partirem da perspectiva de cada um dos
integrantes do projeto. Logo, não se prioriza o conhecimento do professor, mas sim, garante-se
o protagonismo dos alunos que serão conduzidos e orientados por esse educador.

Todavia, esse conhecimento não será limitado às experiências pessoais dos alunos. Pela
ABP, todos são convidados a se tornarem investigadores, pois a partir da pesquisa é que os
alunos encontrarão os subsídios para justificar suas tomadas de decisões e suas conclusões para
o projeto. Portanto, oportuniza-se aos educandos tanto o contato com a pesquisa científica como
o engajamento acerca dos problemas sociais de sua comunidade, diante do encorajamento para
que eles escolham problemas reais e desenvolvam projetos a partir disso.

Tanto a investigação como o trabalho cooperativo são potenciais desenvolvidos a partir


da ABP, porque, ainda que os alunos tenham que realizar algumas tarefas individualmente, a
troca de experiências com o grupo, bem como a escolha das melhores ações para o projeto,
serão compartilhadas nas equipes. Essa atmosfera coletiva também enfatiza a importância de
se pensar em um bem comum para o social, de maneira a demonstrar que o sucesso não está
limitado a ações individuais, pois resultados positivos tendem a ser alcançados mediante
trabalhos colaborativos.

E como último eixo, a interdisciplinaridade está presente na aplicação prática da ABP,


visto que essa é uma metodologia que pode ser introduzida em todas as disciplinas, anos
escolares e, também, para aprendizagem de adultos (BENDER, 2014, p.15). Ademais, a ABP
proporciona aos educandos o contato com diferentes áreas do saber durante o processo de
investigação, pois não é determinante que eles consigam encontrar soluções em uma única fonte
do conhecimento. Ao contrário, deve-se estimular que a pesquisa seja ampla e utilize uma
abordagem interdisciplinar.

A ABP é uma metodologia ativa compatível com o modelo de ensino híbrido, que pode
ser aplicada em espaços presenciais ou virtuais (FILATRO; CAVALCANTI, 2018, p.39). A
importância do acesso à internet no uso da ABP se dá pela etapa da investigação, em que os
alunos deverão realizar pesquisas e, para isso, o apoio da conectividade traduz-se em qualidade
e atualidade dos conteúdos pesquisados. “Visto que grande parte da pesquisa em projetos de
ABP é dependente da internet, a disponibilidade de dispositivos com conexão à internet para o
uso dos alunos é crucial para o ensino de ABP atualmente” (BENDER, 2014, p. 74).
135

Entretanto, o que se pode confirmar durante a pandemia de Covid-19 é que a internet


também é uma ferramenta útil a todo o processo de ensino, sendo um ambiente propício para a
execução de aulas e atividades em grupo, facilitando a reunião de pessoas sem a necessidade
que eles estejam no mesmo lugar físico. Logo, a ABP não encontra limites em sua aplicação,
sendo considerada uma metodologia atrativa e eficiente para o desenvolvimento do ensino em
tempos de pandemia Covid-19, mas também aplicável em uma modalidade de ensino presencial
– em um futuro próximo – sem os desafios impostos por esses tempos difíceis.

Considerando as potencialidades da ABP e frente à confirmação de que ela é uma


metodologia ativa compatível com o modelo híbrido de ensino e, portanto, aplicável ao
processo de aprendizagem mediante o uso da internet, pretende-se analisar como a ABP pode
ser útil ao ensino jurídico que está sendo desenvolvido durante o período da pandemia de Covid-
19, mas também, se ela pode ser uma metodologia contributiva à educação no cenário pós-
pandêmico.

3 APONTAMENTOS SOBRE A APLICAÇÃO DA ABP NO ENSINO JURÍDICO

A ABP – ao estimular o contato com a realidade social, a identificação de problemas e


a busca de soluções – permite que os alunos sejam os protagonistas do próprio aprendizado.
Isso porque os estudantes são tirados da segurança dos métodos “[...] que ensinam a pensar com
a cabeça dos outros” (MELO FILHO, 2010, p. 10), rompendo-se com o ensino bancário, no
qual os alunos recebem passivamente informações pretensamente verdadeiras.

Dessa maneira, a ABP possibilita a superação das práticas de transmissão de saber que
afastam o aluno do protagonismo de sua aprendizagem, as quais o alienam dos problemas reais
que enfrentará em sua vida profissional. A flexibilidade e criatividade para desenvolver
soluções jurídicas para casos complexos, bem como para se adaptar às mudanças em legislações
e entendimentos jurisprudenciais, são habilidades que deixam de ser desenvolvidas por
estudantes de direito quando estão imersos em uma concepção jurídica abstrata e
descontextualizada de problemas reais pertinentes à realidade social, e a perpetuação desse
modelo de ensino jurídico é o que faz perpetuar a crise do ensino e da educação jurídica que
carece de um enfrentamento sério e comprometido (ENGELMANN; HOHENDORFF, 2016,
p.71).
136

O problema da descontextualização do direito aprendido pelos estudantes na academia


se sobressai no século XXI, uma vez que o simplismo pedagógico ante as transformações
tecnológicas tem levado professores e alunos a ignorarem problemas de ordem epistemológica,
cultural, socioeconômica e política da era atual (ROSAS et al., 2016, p. 9-10). Tem-se um
cenário de agravamento da crise do ensino jurídico, o que demanda dos educadores a introdução
de práticas que resultem “[...] numa reflexão crítica das relações humanas com o mundo, no
qual esse se desmistifica e desvela a realidade” (ROSAS et al., 2016, p. 10). Por isso, é preciso
apresentar aos estudantes de direito uma visão crítica que permita que eles desenvolvam, em
conjunto, “[...] uma solidariedade ‘a partir dos imperativos da libertação, democracia e
cidadania crítica’” (APARÍCIO, 2016, p. 117).

Além disso, a utilização de metodologias ativas, como a ABP, permite o aprimoramento


dos próprios professores junto aos alunos. Isso porque possibilitam o rompimento da cadeia de
inércia em que muitos educadores estão inseridos, na qual se limitam a repetir os mesmos
ensinamentos recebidos com o modelo de ensino bancário. A abertura de um espaço de diálogo
plural nas salas de aulas, em que os alunos podem se expressar e agir na busca crítica e criativa
de soluções de problemas reais, permite ao professor se afastar daquilo que Melo Filho (2010,
p.10) classifica como uma “[...] total ignorância no domínio da pedagogia, sendo incapazes de
problematizar, sequer, o seu próprio ensino”, o que enseja a sua evolução como educador.

A ABP é, assim, uma prática educacional problematizadora que pode ser utilizada para
incentivar alunos e professores da área jurídica a atuarem na busca de soluções para problemas
reais das comunidades que eles integram. Dessa forma, a importância de aliar essa ferramenta
metodológica ao ensino do direito se justifica pelo fato de o conteúdo teórico e normativo
integrador da ciência jurídica ser essencial à formulação e à estruturação de propostas que
atendam a problemas reais.

Portanto, a ABP é um método que permite a libertação do estudante de direito, que,


sendo dono do próprio saber, torna-se capaz de utilizar o aprendizado como instrumento de
resposta às expectativas específicas da sociedade em que atua, tendo em vista o rompimento
das correntes do ensino dogmatizante formador de juristas imersos em um senso comum que
os afasta da realidade das relações sociais.
137

4 A ABP COMO ALTERNATIVA AOS DESAFIOS EDUCACIONAIS BRASILEIROS


E A ESSENCIALIDADE DA INTERNET

A pandemia de Covid-19 tem desafiado os profissionais da educação a encontrarem


maneiras praticáveis e eficientes de executarem as suas funções. Há uma conjuntura em que a
aplicação de medidas de distanciamento social ainda é a melhor maneira de reduzir a
disseminação do Sars-CoV-2, fator que tem levado à adoção massiva de modelos de ensino
remotos emergenciais (ERE), tais como o Ensino a Distância (EAD) e as categorias híbridas de
ensino.

Em que pese a atribuição de caráter emergencial ao ensino remoto, cabe salientar que a
sua ampla utilização possivelmente não é um mero fenômeno passageiro, que terminaria com
o fim da pandemia, mas uma verdadeira revolução na maneira como o ser humano se relaciona,
ao menos para fins profissionais e educacionais (KIM, 2020). A realidade é que o
distanciamento social tem acelerado a difusão do uso de tecnologias capazes de possibilitar a
continuidade das operações sociais em meio à distância física entre as pessoas, tornando abrupto
um fenômeno cuja ocorrência seria gradual em condições sem as restrições impostas pela
pandemia. Em outras palavras, a pandemia de Covid-19 tem acelerado a ocorrência de
transformações irreversíveis nas relações humanas mediante a grande utilização de tecnologias
mais modernas de comunicação remota - como plataformas de videoconferência -
transformações, estas, às quais a nossa sociedade já estava fadada.

Por essa razão, há de se esperar que a grande utilização do ensino remoto perdurará na
era pós-Covid-19, o que reforça a necessidade de se repensar os modelos pedagógicos para essa
nova realidade. Dessa feita, não há como se esquivar da reflexão sobre a aplicabilidade das
metodologias de ensino ativas, tal qual a ABP, em um contexto de ensino remoto. Para essa
reflexão, insta destacar, primeiramente, a existência de uma importante diferença entre dois
modelos de ensino remoto comumente utilizados por instituições de ensino superior (IES): o
Ensino à Distância (EAD) e o Ensino Híbrido (blended learning ou b-learning).

Quanto ao EAD, trata-se de uma categoria de ensino remoto assíncrono, fora de


sincronia, que ocorre a partir de videoaulas gravadas previamente pelos professores e
disponibilizadas aos alunos em um ambiente virtual de aprendizagem (AVA)12. Os alunos, por

12
Os ambientes virtuais de aprendizagem (AVA) são plataformas capazes de auxiliar na montagem de cursos, e
na criação e administração de conteúdo, além de fornecerem dados para acompanhamento do desempenho de
138

sua vez, precisam se organizar para assistir a essas aulas e desenvolver as atividades
demandadas pelos professores. O EAD proporciona uma grande flexibilidade aos discentes,
que podem adequar as suas rotinas de estudo às suas demais atividades diárias (MILL, 2015, p.
409). O ensino remoto também pode ocorrer de maneira síncrona, no chamado Ensino Híbrido
(blended learning ou b-learning)13, o qual combina o caráter presencial das aulas com a
utilização de ferramentas digitais. Nesse modelo, os participantes acessam a sala de aula
virtual em um horário pré-determinado, a qual se opera com a utilização de uma plataforma de
videoconferência. Como explicam Machado et al., a educação híbrida

Trata-se de uma abordagem na qual o estudante é colocado no centro do processo,


sendo protagonista da sua aprendizagem. O professor tem o papel de incentivar,
mediar e problematizar o processo ensino e aprendizagem, unindo o melhor do
presencial e da educação à distância. (MACHADO et al. 2017, p. 8).

Verifica-se que ABP seria mais praticável em uma modalidade de ensino híbrida, pois
a sincronicidade facilitaria aos professores e alunos criarem um espaço psicológico-
comunicacional para o desenvolvimento das atividades pedagógicas, estreitando o que Moore
chama de distância transacional (MOORE, [2021? ], p. 1)14. Haveria um aprimoramento da
interação e da colaboração entre professores e estudantes, os quais, por meio da tecnologia,
reaproximar-se-iam pedagogicamente em um contexto de distanciamento geográfico.

Ademais, a sincronicidade possibilitaria a prestação de auxílio pelos professores aos


alunos, bem como a efetuação de debates entre os membros de cada grupo em sala de aula,
elementos importantes para o bom funcionamento da ABP. Quanto ao diálogo dos grupos, o
professor poderia direcionar os participantes a salas virtuais separadas, o que permitiria a
realização dos debates necessários para o andamento de seus respectivos projetos. Depois, esses
grupos poderiam ser conduzidos à sala de aula virtual unificada, abrindo-se a oportunidade para
cada um expor os seus progressos e resultados parciais. Obviamente, essa movimentação entre
salas poderia ser feita a qualquer momento, dependendo do que fosse mais oportuno para o
desenvolvimento das atividades. Mas é importante que isso efetivamente ocorresse, pois

alunos e professores. Como exemplos, pode-se citar o Blackboard, o Brightspace, o Canvas e o Moodle, além de
plataformas próprias das instituições de ensino superior (MILL et al., 2012).
13
Também chamado de educação bimodal, dual, semipresencial, semivirtual ou aprendizagem combinada
(MACHADO et al., 2017. p. 8).
14
Distância transacional é o espaço cognitivo entre professor e aluno num ambiente educacional, mais
especificamente na educação à distância. Conforme a teoria, a distância entre professor e aluno não é meramente
geográfica, mas educacional e psicológica (MOORE, [2021?], p. 1).
139

suscitaria a construção de ideias no âmbito de cada grupo, ao mesmo tempo em que permitiria
a adequada condução da metodologia ativa pelo professor.

Por óbvio, faz-se necessária a adaptação de alunos e professores ao uso de tecnologias


para ensino remoto, o que passa pela reorganização da infraestrutura de instituições de ensino
superior (IES) não preparadas para tal. Além da necessidade de os professores das IES
receberem treinamento adequado para executarem suas funções nessas plataformas, é
indispensável a implementação de um ambiente virtual de aprendizagem (AVA) nas
instituições, além de tecnologias de informação e comunicação acessíveis a todos os estudantes,
sejam esses pessoas com deficiência ou não, a fim de não reproduzir qualquer ato
discriminatório que possa impedir o acesso e exercício do direito à educação de qualquer aluno.

Nesse ponto, observa-se que a precariedade do acesso à internet no Brasil representa um


preocupante obstáculo para a utilização do ensino remoto no país, representando uma
verdadeira violação ao direito à educação de milhares de estudantes. Ou seja, embora se
vislumbre a exequibilidade da ABP no ensino remoto do direito no Brasil, e em outros cursos
de ensino superior, é inegável que muitos estudantes seriam excluídos em razão da má
distribuição de recursos tecnológicos no país.

Por isso, para a adequada execução da ABP no ensino remoto brasileiro, indispensável
a distribuição equânime do acesso à internet de qualidade à população. Para tal, é necessário o
investimento governamental em redes e tecnologias. Isso poderia ocorrer, por exemplo,
mediante o desenvolvimento de ferramentas disponibilizadas pela Rede Nacional de Ensino e
Pesquisa (RNP)15 ou mesmo via parcerias entre o Banco Nacional do Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) e empresas capazes de oferecer soluções alternativas (CEMJ;
UBES, 2021, p. 27).

Além disso, considerando que o telefone celular é o principal meio utilizado por
estudantes brasileiros para acompanhar as atividades de ensino remotas (CETIC.BR et al, 2020,
p. 7-8), é preciso desenvolver plataformas compatíveis com seus sistemas operacionais, bem
como universalizar o acesso à Banda Larga no país16. A partir disso, podem-se traçar meios

15
A Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) é uma organização social ligada ao Ministério de Ciência,
Tecnologia, Inovações e Comunicações do governo federal brasileiro, sendo a entidade responsável pelo esquema
de ligações centrais da rede acadêmica brasileira. Em outras palavras, trata-se da organização governamental
responsável pelo “backbone” ou “espinha dorsal” da rede de internet das instituições de ensino e pesquisa do
Brasil, a qual promove a utilização de redes avançadas no país (BRASIL, 2012).
16
No que tange à universalização da Banda Larga no Brasil, verifica-se a possibilidade de utilização do Fundo
de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST), o qual tem como objetivo justamente
140

para o aprimoramento de serviços remotos de ensino, abrindo-se caminhos para a maximização


da utilização de instrumentos oferecidos pela RNP, pelas universidades brasileiras e pelos
demais desenvolvedores de tecnologia (CEMJ; UBES, 2021, p. 28-29).

Enfim, diante da Covid-19, vive-se um cenário em que o ensino remoto se estabelece


como uma alternativa exitosa para manter a funcionalidade do sistema educacional face à
necessidade de distanciamento social para mitigação dos efeitos da pandemia. Nesse contexto,
a Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP) precisa ser adaptada para a sua operacionalização
mediante modelos de ensino remoto. Essa adaptação é possível, contanto que haja engajamento
e organização de professores e alunos para alcançar os resultados almejados, principalmente no
que tange à oportunização de debates entre os participantes e à condução das aulas pelo tutor.

E, principalmente, para que a metodologia atinja plenamente a sua finalidade nesse


contexto, é imprescindível a melhor distribuição do acesso à internet aos brasileiros, pois se
trata de condição básica para o funcionamento do ensino remoto. Sem isso, o direito à educação
acaba sendo negado a uma parcela considerável da população, algo inadmissível em uma
sociedade que se pretende livre, justa e solidária.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A busca por metodologias que sirvam ao aperfeiçoamento do ensino e aprendizagem é


um movimento necessário considerando as rápidas mudanças que o contexto social exige diante
de cenários como a pandemia de Covid-19. Nesse estudo, optou-se por analisar as
potencialidades da metodologia Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP) como uma
alternativa viável ao ensino jurídico que tem sido desenvolvido de forma remota, frente à
necessidade de distanciamento social imposta pela pandemia.

O que se pode concluir com este trabalho é que a ABP é uma metodologia aplicável ao
ensino remoto do direito, e que tem o potencial de aprimorar a educação jurídica porque
possibilita aos alunos um maior protagonismo em relação à construção do conhecimento, bem
como desenvolve as habilidades de análise crítica da realidade social, conhecimentos acerca de
como realizar pesquisas científicas e oportuniza o trabalho cooperativo. Ainda, a ABP supera
os modelos de transmissão de conhecimento exclusivamente por parte do professor, afastando

“proporcionar recursos para cobrir a parcela de custo exclusivamente atribuível ao cumprimento das obrigações
de universalização de serviços de telecomunicações, que não possa ser recuperada com a exploração eficiente do
serviço” (BRASIL, 2015).
141

a concepção bancária de ensino e promove uma aprendizagem que permite o protagonismo dos
educandos.

No tocante a sua aplicação prática no ensino jurídico, entende-se que o modelo de ensino
remoto mais compatível seria o híbrido (blended learning ou b-learning), pois o seu caráter
síncrono permitiria uma melhor interação e colaboração entre professores e estudantes. Nele,
os grupos de alunos poderiam construir suas ideias e desenvolver seus projetos, ao mesmo
tempo em que o professor conseguiria conduzir o aprendizado.

Infelizmente, devido à precariedade do acesso à internet no Brasil, os modelos de ensino


remoto não podem ser utilizados plenamente, pois acabam implicando a exclusão daqueles que
não a têm disponível. Assim, especialmente em razão da possível continuidade da ampla
utilização do ensino remoto no pós-pandemia, faz-se indispensável o aperfeiçoamento da
difusão de meios de acesso à internet, bem com o treinamento para a utilização de ferramentas
de ensino online, pois se trata de condição para a efetivação do direito à educação para todos.

Da mesma forma, se faz indispensável que as tecnologias de informação e comunicação,


bem como os softwares e programas utilizados para o ensino remoto, disponham de ferramentas
de acessibilidade que permitam que tanto alunos com deficiência como alunos sem deficiência
exercem em igualdade de oportunidade o seu direito à educação.

Por fim, em que pese a operacionalidade da ABP no ensino remoto do direito, e de outras
áreas do saber, é indispensável a melhor distribuição do acesso à internet no Brasil. Tornar
pleno o acesso à internet tem se revelado fundamental para a efetivação do Direito Humano à
educação não só enquanto perdurar a pandemia de Covid-19, mostrando-se essencial também
para a edificação de uma sociedade livre, justa e solidária para a era que se seguirá.
142

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Acesso em: 24 mai. 2021.
145

EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: UMA NARRATIVA A


PARTIR DA PRÁTICA EXTENSIONISTA

Letícia Virginia Leidens1


Taily Dara Fiori Salvador2

RESUMO
O compartilhamento de formas distintas para transpor o ensino e aprendizagem jurídico aparece
pela necessidade social de enfrentar complexidades e romper com determinantes comuns, que
de certa forma, nos levam a lugares reflexivos já conhecidos. O estudo dos direitos humanos
requer uma pré-disposição aberta, compartilhada e vinculada com a realidade social para uma
formação crítica, que apresente soluções e contribua para a promoção de uma vida com
dignidade. Propõe-se apresentar uma experiência de campo, reverberada pelo projeto de
extensão -Desenvolvendo: cultura dos direitos humanos na infância e adolescência-,
redimensionado no contexto da pandemia COVID-19, a fim de estimular e incentivar práticas
extensionistas para a alternância da cultura dos direitos humanos e pensar como elas serão
utilizadas com o marcador pandêmico. Trata-se de uma narrativa de partes integrante do
projeto, que divide os processos de criação, desenvolvimento e dificuldades no cenário que
experimentamos, a partir de uma metodologia qualitativa e avaliativa.
Palavras-chave: Criança, Cultura, Educação, Extensão, Direitos Humanos.

INTRODUÇÃO
A sociedade pós-contemporânea e o direito transitam entre ferramentas que lhe servem
no aprimoramento da segurança e a denúncia de que dada a complexidade social o direito
precisa ir além. Nesse sentido, toca-se diretamente reflexões acerca do modelo de
ensino/aprendizagem como estrutura de desenvolvimento, o que busca estimular ações
concretas e articuladas, como a educação para os direitos humanos, que pode produzir novos
comportamentos, reflexões, esclarecimentos políticos e alternância da cultura local
contribuindo em aproximar a universidade da comunidade. O projeto de extensão
Desenvolvendo: cultura dos direitos humanos na infância e adolescência elegeu, unicamente, o

1
Professora Adjunta de Direito Internacional e Direitos Humanos do Departamento de Direito - MDI, da
Universidade Federal Fluminense - UFF. Doutora em Direito Internacional pela Universidade Gama Filho - UGF,
com período de pesquisa na Università di Salerno e Pisa, Itália. Coordenadora do projeto de extensão
“Desenvolvendo: Cultura dos direitos humanos na infância e adolescência. OAB/RS: 72.447 E-mail:
lleidens@id.uff.br
2
Graduanda em Direito pela Universidade Federal Fluminense, integrante do projeto de extensão “Desenvolvendo:
Cultura dos direitos humanos na infância e adolescência, foi bolsista do Programa Direitos Humanos e diversidade
UFF/PROEX (2019-2021). E-mail: tailyfiori@id.uff.br
146

documento internacional, a Declaração Universal de Direitos Humanos- DUDH de 1948, como


objeto de trabalho a ser explorado e disseminado entre os participantes do projeto e a
comunidade, já que engloba debates profundos e complexos em si mesmo, o que contrapõe um
momento político e econômico em que os direitos humanos estão sendo renegados em várias
localidades. A importância do projeto foi ampliada no cenário da pandemia COVID-19, vez
que a pauta dos direitos humanos foi expandida com um viés mais amplo que unicamente
sanitário, o que contribuirá aos fatores de impacto da acessibilidade, disseminação de
informações e conteúdos e acesso à saúde, se consolidando nas trocas de experiências e
acolhimento do público-alvo e seus familiares.

1 O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS: ENTRE A TEORIA E A PRÁXIS

Os temas que envolvem o campo de estudos em direitos humanos perpassam por um


caminho analítico das vertentes históricas, político-sociais, filosóficas e da construção jurídica
dos valores individuais e sociais como categoria de direitos. Os direitos humanos como
estrutura compartilhada no plano global, requer duas perspectivas de análise. Num primeiro
ponto, a linha que orienta a regulamentação dos direitos na disposição legislativa estatal e
também internacional, o que conduz à determinação conceptiva do tema, a partir dos sentidos
que emana, as qualificações, alcances e acessos. E, por outro lado, o pleito que olha para a
materialização dos direitos humanos no plano fático, coadunada com a narrativa normativa de
que existem para todos e sem distinção. Este contraste de perspectivas, estimulado pelo
movimento da práxis dos direitos humanos, nos revela um profundo abismo entre a disposição
regulatória dos direitos humanos no ordenamento jurídico e as experiências socio-individual
nos seus respectivos gozos, pois toca no plano da efetividade dos direitos, espaço de
questionamentos e problematização a partir de uma estrutura normativa global projetada para o
universalismo dos direitos humanos.

Muitas são as questões que envolvem esse debate, e destacamos que a materialização
dos direitos pelos Estados, na maioria das vezes, requer a disposição econômica para promovê-
los e a determinação de escolhas políticas na eleição de políticas públicas e direcionamento de
gastos vinculados com a lógica inclusiva dos direitos humanos e da democracia (LEIDENS,
2019, p. 40). As consequências daquelas condições e a necessidade da proatividade estatal,
quando não orientada para evolver todos os sujeitos integrantes da sociedade vêm justificadas
no plano interno, a partir do recorrente lugar comum da “crise” dos direitos humanos, da
147

“inefetividade” dos direitos e do “não alcance” dos direitos para todos, e aí problematizados
pela teoria crítica a partir de um padrão universal e não real considerando a complexidade das
especificidades locais.

Nesse sentido, a prática do ensino, pesquisa e extensão universitária em direitos


humanos possui pontos expressivamente complexos, vez que traz ao debate formativo para os
discentes, os fenômenos histórico-culturais inacabados e que se transformam no espaço e no
tempo. A qualificação da temática reverbera a lógica de “lugares comuns” da efetividade dos
direitos para uma camada específica da população e o não alcance para aqueles que
historicamente são relegados, a partir do marcador da vulnerabilidade. Nesse sentido, dada
amplitude e a diversidade das dimensões que ela toca, a discussão do ensino/aprendizagem dos
direitos humanos requer o uso de ferramentas aperfeiçoadas a partir de uma perspectiva
dialógica e transdisciplinar com os campos do saber e com a realidade que se apresenta como
complexa, multifacetada, carente em diferentes dimensões, o que inclui o conhecimento
informativo e anterior dos seus direitos e deveres. Nesta seara, pensar a formação de novos
profissionais que recebem tais estímulos na academia para uma projeção futura na advocacia,
carreiras públicas institucionais e privadas que tenha a qualidade da crítica, comporta assimilar
a complexidade do tema e incitar reflexões que trabalhem com hipóteses, respostas e resolução
de conflitos orientados para demarcar espaços e identidades plurais, sobretudo, com o viés
integrador e inclusivo. Para tanto, faz-se necessário estimular a promoção de lugares que
tenham como enfoque o diálogo, a troca de aprendizagens e experiências entre os atores ativos
no processo reflexivo do ensino-aprendizagem, o docente e os discentes, e estes não dissociados
do corpo social vivente, caracterizado pelas diferenças, em termos de escolaridade, idade,
profissões, classe, gênero, raça e regiões. Trata-se de um movimento propositivo de
ensino/aprendizagem ativo, que caminha e se coaduna com a perspectiva da alternância da
cultura dos direitos humanos na sociedade brasileira, experimentada para além do cenário
“comum” do Poder Judiciário, instituições jurídicas e universidades.

Assim, conforme evidencia a doutrina de Antônio Cassese na obra - I Diritti umani oggi
-, quando enumera as dificuldades da materialização e da implementação da cultura dos direitos
humanos na sociedade, destaca principalmente a insuficiência de trabalhos de acessibilidade do
tema direitos humanos junto da população em geral. O autor aborda a necessidade de criar
meios para ampliar o diálogo entre diferentes camadas sociais, para que o tema, direitos
humanos transite de forma natural nas ambiências, como instituições, escolas, bairros,
148

movimentos sociais, grupos e reuniões comunitárias. Assim, a sua doutrina estimula que se
coloque na pauta da ação, reflexões acerca do que são os direitos humanos, o que é considerado
direitos humanos, porque são conhecidos como direitos, qual a sua importância e utilidade
atualmente, a quem cabe o seu uso, como acioná-los, onde encontrá-los dentre outras
indagações a ser avivadas e assimiladas pelo grupo social.

Logo, este caminho se justifica na identificação de uma demanda expressiva da


população que desconhece direitos e deveres, pouco sabe, pouco aciona, pouco assimila,
confunde teórica e informativamente a temática direitos humanos no nosso contexto
sociopolítico. Assim, considerando que a projeção do ensino-aprendizagem deve se orientar a
partir do diálogo, faz-se necessário redimensionar frente às ambiências de ensino, pesquisas,
projetos de extensão, metodologias e experiências teóricas, empíricas e estudos de casos
históricos e atuais, a problematização de tais situações, que compartilhem o conhecimento e a
partir dele anunciem caminhos e sugestões para o enfrentamento dos problemas, respeitando a
relação interativa da teoria e da práxis.

A linha de desenvolvimento tramita em estimular ações concretas e articuladas, como a


educação para os direitos humanos, que pode produzir novos comportamentos, reflexões,
opções políticas e alternância da cultura local contribuindo em aproximar a universidade da
comunidade. Nesse sentido, o papel “social” da Universidade consiste em “garantir para a
sociedade, sobretudo para aquela mais excluída, o acesso à capacidade de manejar
conhecimento” (DEMO, 2001, p. 153).

Nesta abordagem, propõe-se um compartilhamento de experiências em direitos


humanos no campo específico da extensão universitária, através da apresentação do trabalho de
campo realizado pelo projeto de extensão vinculado à Universidade Federal
Fluminense/PROEX (RJ) - “Desenvolvendo: cultura dos direitos humanos na infância e
adolescência” e redimensionado para continuar suas atividades no cenário da pandemia
COVID-19. Assim, o ponto focal da delimitação que será abordada para fins de atendimento
das demandas enumeradas reside em um, dos amplos e múltiplos cenários que propiciam o uso
do diálogo no processo de ensino-aprendizagem dos direitos humanos, qual seja, a extensão
universitária.
149

2 O PROJETO DE EXTENSÃO - “DESENVOLVENDO: CULTURA DOS DIREITOS


HUMANOS NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA”

A criação do projeto de extensão decorreu diretamente da prática de ensino da disciplina


de direitos humanos, do curso de direito da Universidade Federal Fluminense/RJ, que a autora
leciona desde 2015. Verificou-se ao longo dos semestres a necessidade de expandir o diálogo
para além da sala de aula, considerando a complexidade que é ínsita à temática e a necessidade
de tornar acessível e simples o trato com o tema e a forma de explicá-lo, eis que como integrante
da cultura dos povos, deve ser conhecido por qualquer pessoa, que se encontre em qualquer
situação. A ligação entre o ensino, pesquisa e extensão é fundamental para aperfeiçoar cada um
dos cenários, bem como alcançar objetivos benéficos para o ambiente universitário, que precisa
aproximar seus discentes da comunidade. Da mesma forma, contribuir para o desenvolvimento
e troca de saberes com uma camada social local do Município de Macaé/Rio de Janeiro foi um
imenso desafio.

O projeto de extensão “Desenvolvendo: cultura dos direitos humanos na infância e


adolescência” elegeu, a Declaração Universal de Direitos Humanos- DUDH de 1948, como
objeto de trabalho a ser explorado e disseminado entre os participantes do projeto (docentes e
alunos) e a comunidade, tendo em vista ao acontecimento recente de mais de sete décadas de
existência da DUDH, e num movimento de estímulo para a propagação de suas ideias e o seu
valor, fomentadas por diversas instituições governamentais e não governamentais em prol da
divulgação do documento internacional. Tal notoriedade buscou destacar, no contexto de um
momento político e econômico em que os direitos humanos estão sendo renegados em várias
localidades no Brasil. Percebe-se, na sociedade, a difusão de estereótipos do tema, os quais
aparecem de modo não refletido, especificamente a presença de bordões punitivistas na voz
social e na mídia digital e geral, como: – direitos humanos são direitos de bandidos; direitos
humanos para humanos direitos – reproduzidos e disseminados nas diferentes camadas sociais.
Desta forma, enfrentando essa realidade em que o tema aparece renegado, e num processo de
remodelamento do ensino/aprendizagem de temáticas complexas e com um viés crítico,
buscou-se trabalhar na perspectiva inversa, de modo a produzir elementos, noções,
importâncias para a reflexão e formação da temática em ambientes ainda incipientes, para que
se inicie desde já a familiaridade com temas sociais tão relevantes.

O recorte social e a escolha do público-alvo a que se destinou a ação extensionista foi


direcionado para as crianças e adolescentes e teve por fundamento a necessidade de se trabalhar
150

no movimento da cultura, sobretudo, dos direitos humanos, atingindo o seu processo de


formação e contribuindo na produção de efeitos para a alternância da cultura das próximas
gerações. Isso porque além fomentar o esclarecimento atual e o alcance dos sentidos do tema
direitos humanos, buscou-se contribuir para a evolução de uma camada social. Detidamente, a
forma de acesso ao mundo específico eleito, das crianças e adolescentes, foi conduzido com
rigor para atrair, interessar, estimular e trocar conhecimentos.

Trabalhar com o conteúdo da DUDH, como as concepções de liberdade, igualdade,


dignidade, alimentação, moradia, educação, saúde, por exemplo, com crianças e jovens requer
a utilização interativa e lúdica para ser visualizado e instigado em práticas simples e artísticas
como jogos, brincadeiras, música, palestras e rodas de conversas. Assim, a ação proporcionada
por uma equipe que já manejava esse conteúdo no ambiente universitário de ensino e pesquisa
teve um duplo benefício na formação discente e docente. Primeiro, com o público-alvo na busca
de desenvolver o diálogo e ressignificar importância do tema, e num segundo plano, o desafio
de simplificar o conhecimento e a linguagem dos direitos humanos, sobretudo materializar
dentro de um espaço infantil e juvenil. Com isso, a interdisciplinaridade no ensino e
aprendizagem da ação, foi fundamental para alcançar mundos e público diferente do jurídico,
bem como o uso de ferramentas de outras áreas, como a sociológica e a filosófica para a difusão
e superação da complexidade do ambiente da ação. Projetamos que a extensão pode ser
compreendida como um instrumento que viabiliza o cumprimento da função social que a
universidade – como instituição pública – possui. Aliada ao ensino e à pesquisa, ela permite
democratizar o conhecimento produzido e ensinado, assim como atender às demandas mais
urgentes da sociedade, construindo uma realidade mais justa e crítica (NOGUEIRA, 2013).

O público-alvo deste projeto extensionista se deu em ações direcionadas às crianças e


adolescentes, que estão inseridos em escola municipal ou estadual do Município de Macaé/RJ.
A faixa etária das crianças e adolescentes se limitou entre 9 a 14 anos, tendo como abrangência
um cenário de três a quatro turmas escolares, inseridas no limite destacado.

A importância do projeto foi ampliada no cenário da pandemia COVID-19, vez que a


pauta dos direitos humanos foi expandida com um viés mais amplo que unicamente sanitário,
o que contribuiu aos fatores de impacto da acessibilidade, disseminação de informações e
conteúdos e acesso à saúde, se consolidando nas trocas de experiências e acolhimento do
público-alvo e seus familiares.
151

3 NARRATIVA DA AÇÃO EXTENSIONISTA DO PROJETO “DESENVOLVENDO:


CULTURA DOS DIREITOS HUMANOS NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA”: UM
OLHAR DISCENTE DO PROCESSO DE ENSINO/APRENDIZAGEM

As ações que serão compartilhadas aconteceram no segundo semestre de 2019, no Colégio


Municipal Professora Maria Leticia Santos Carvalho, localizado no município de Macaé, no
interior do Estado do Rio de Janeiro. Elas foram aplicadas em turmas do 7° ano com crianças e
adolescentes de (12-13 anos). Antes de detalhar o que foi feito em cada uma das ações, cumpre
explicitar que a construção das atividades pelo grupo extensionista é coletiva. Assim, durante
reuniões presenciais e pré-aplicativas do projeto, as integrantes debatiam ideias e, em conjunto,
discutia-se a aplicabilidade e possíveis melhorias das práticas propostas até que fosse possível
encontrar um denominador comum. O principal objetivo e desafio foi encontrar uma
metodologia interessante e atrativa para o público-alvo que, ao mesmo tempo, transmitisse de
maneira clara e eficiente o conteúdo dos direitos humanos, a partir do uso da Declaração
Universal de Direitos Humanos.

Ressalte-se que cada ação foi diferente, e o projeto buscou adequar-se às necessidades
e especificidades de cada turma escolar. No entanto, durante as reuniões, tomava-se o cuidado
de tentar prever as situações possivelmente complicadas diante dos dados disponíveis para que
o grupo estivesse preparado para eventos imprevisíveis. Assim, a título de exemplo, nas
atividades que exigiam participação ativa das crianças para que fossem bem-sucedidas,
pensava-se em alternativas para a hipótese de encontrarmos uma turma mais tímida com baixa
participação.

Após definir a metodologia mais adequada para aquela faixa etária e preparar o material
necessário, realizou-se a primeira ação no Colégio Maria Letícia com aproximadamente 50
(cinquenta) alunos. Ocorreram as apresentações iniciais, que buscaram aproximar as integrantes
do projeto e os alunos, bem como romper a barreira inicial, de maneira a permitir uma maior
interação durante as próximas atividades. Trabalhou-se com questionários para descobrirmos o
quão próximo estava o tema direitos humanos dos adolescentes. As perguntas questionaram o
conceito de direitos humanos, a importância, razões e a representação lúdica da simbologia
direitos humanos para cada adolescente. O questionário tinha por objetivo identificar o
conhecimento prévio, bem como auxiliar na elaboração das próximas ações, tanto no sentido
de melhorias metodológicas, quanto em termos de identificar as necessidades e dificuldades
152

relacionadas com um ou alguns direitos específicos. Utilizou-se um material de apoio, reflexo


de uma imagem que continha a síntese dos trinta direitos da DUDH, expressos em linguagem
simples, para auxiliar na aprendizagem e fixação do conteúdo. A título de exemplo, o artigo 1º
da Declaração Universal de Direitos Humanos narrava a partir da ideia: “Nascemos livres e
iguais em Dignidade e Direitos”, a qual construímos narrativas a partir da realidade juvenil.

As tarefas e atividades que trabalhamos na ação ocorreram em formato de criação


musical, criação artística e expressão corporal por meio da mímica, todas vinculadas e
transpostas à ideia de direitos humanos. Também se explorou a criação artística, em que cada
aluno poderia escolher um dos trinta direitos da DUDH e transformar o conteúdo em
desenho(s). Auxiliamos na construção de uma cartolina na forma de um corpo humano único,
espaço que foi anexado todas as criações, de maneira a simbolizar que todos aqueles direitos
pertencem a todos os seres humanos, independente de raça, cor, orientação sexual, crença e
etnia.

Destacou-se alguns desenhos que representaram o Direito à Cultura (art. 27 da DUDH)


expresso numa mulher africana, o que remeteu ao passado histórico escravocrata brasileiro e
demonstrou que, até os dias atuais, a inibição da cultura afrodescendente ainda é muito presente,
inclusive nos ambientes infanto-juvenis. Também se destaca a ilustração que trouxe o direito à
saúde (art. 25 da DUDH), representado como um hospital, como ambiência de cura. É inegável
tal relação, no entanto, na percepção das crianças e adolescentes, não foi observada a vinculação
desse direito com o bem-estar em si, mas a partir de problemas sociais.

Em relação à terceira atividade, propôs-se a brincadeira de expressão corporal por meio


da mímica. O grupo foi subdividido em outros grupos menores para trazer maior dinamicidade
à brincadeira. Assim, cada aluno sorteava um dos 30 direitos previstos na DUDH e elaborava
uma mímica para adivinhação. Houve grande adesão das crianças à essa atividade, e as
representações dos direitos foram muito criativas, o que permitiu grande crescimento também
às integrantes, que puderam visualizar outras perspectivas daquele direito na prática e
adentrando em cenários críticos da sociedade brasileira.

Por conseguinte, é possível concluir que a igualdade, para esse grupo, está ligada ao
direito de todos poderem realizar as mesmas ações, ou, ainda, a liberdade de realizar as mesmas
escolhas caso assim desejem. Na perspectiva do grupo extensionista, é enriquecedor o confronto
entre a percepção jurídica de que todos somos iguais perante a lei com a percepção fática das
153

crianças. Ao longo das atividades, houve sugestões, apoio teórico e incentivo por parte das
integrantes do projeto, no entanto as criações são obra da construção coletiva dos alunos.

No final dessa ação, solicitou-se que os resultados das atividades fossem apresentados
para todos os presentes. Para encerrar, apresentou-se um vídeo curto da ONU Mulheres Brasil
(2016), que abordou concepções teóricas e reais do que são Direitos Humanos com o objetivo
de consolidar e complementar o conteúdo abordado ao longo das atividades. Ao final,
percebemos que conseguimos alcançar o universo das crianças, ante alegria, curiosidade e
anotações dos participantes. Continuou-se as várias reuniões do grupo para discussão do
desempenho da equipe, bem como analisar os questionários e revisar a metodologia para as
demais ações.

Durante as reuniões, decidiu-se pelo retorno às mesmas turmas da escola já citada.


Optou-se pela utilização de uma abordagem no formato de Roda de Conversa, que demonstrava
ser o meio mais adequado para o objetivo, a começar com o exercício de jogos no formato de
quis, para manter a abordagem lúdica e interativa do projeto. Destaca-se a preocupação em
torno da linguagem utilizada, simples e acessível para que não constitua uma barreira entre os
grupos. O conteúdo aprofundado abordou dois principais temas: direito à educação e direito à
liberdade de expressão. A escolha decorreu diante da análise do questionário da primeira ação
contendo menção à discriminação, sobretudo racial. Quanto ao Direito à Educação, foi
abordado o caso da ativista de Direitos Humanos Malala e a questão social das crianças-
soldado, visando estimular a reflexão e assimilação do direito à igualdade. O tema da liberdade
de expressão tinha por pano de fundo, acontecimentos recentes no Brasil, acerca da violação à
liberdade de expressão na apreensão de livros com a temática LGBTQI+ que ocorreu na Bienal
do Rio de Janeiro, em setembro de 2019. As integrantes do projeto mantiveram uma postura
neutra, apenas incentivando o debate, mas sem participar ativamente, pois a intenção era ouvir
as opiniões sobre o tema, intermediando caso houvesse algum comentário contrário ao conceito
de direitos humanos. A roda de conversa interativa utilizou um jogo de afirmações verdadeiras
ou falsas.

Destacam-se como pontos positivos, em ambas as ações, o engajamento das crianças,


que participaram ativamente com perguntas e expuseram vivências pessoais sobre os temas
abordados, além de desenvolverem todas as atividades propostas com atenção, curiosidade e
zelo. Esse conteúdo criado pelos alunos incentivou amplamente a reflexão no âmbito do projeto
extensionista, principalmente no processo de ensino/aprendizagem. Outro destaque positivo foi
154

o acolhimento dos trabalhadores da escola, que prestaram todo o auxílio necessário para o
sucesso das ações.

Diante de todo exposto, conclui-se que as crianças, apesar de terem conhecimentos


básicos acerca de direitos humanos, não conheciam especificamente a Declaração Universal, e
após a ação extensionista passaram a conhecer e reconhecer os direitos nela previstos. Nesse
sentido, a temática foi inserida naquele núcleo social, mas não se restringe a ele, pois os alunos
assumem o papel de disseminadores e debatedores dos conteúdos abordados nas ambiências
que transitam. Ainda, ao trabalhar com temas atuais, como a apreensão dos livros na Bienal do
Rio, sob uma perspectiva diferente do habitual, auxiliou-se na formação crítica da turma e,
indiretamente, estimulou-se o ensino e o estudo de um tema complexo para um viés mais leve
e criativa, com uma metodologia lúdica e interativa.

Como o objetivo da extensão é uma troca mútua entre a universidade e a sociedade, as


extensionistas também se beneficiaram de uma formação mais crítica por meio do confronto
entre a perspectiva puramente jurídica dos direitos e o que se entende na prática.

Além disso, contribuiu para o desenvolvimento de outras habilidades pessoais, como a


oratória, desenvoltura, preparação para conflitos, alteridade, criatividade, objetividade de
temáticas – aptidão necessária para atividades jurídicas que serão desenvolvidas no futuro.
Necessário citar a transformação enquanto operadores do direito, eis que foi adquirida uma
maior sensibilidade e conscientização com os problemas da comunidade, além de explicitar-se
a necessidade de tornar a linguagem jurídica mais simples e acessível à população.

Nesse sentido, inclui-se o ativismo jurídico também como consequência, ao demonstrar


que para modificar o cenário do direito atual não é necessário realizar grandes ações, mas
pequenas ações com grande impacto, e o projeto certamente contribuiu positivamente para a
formação dessas crianças, auxiliando a consolidar uma cultura de Direitos Humanos no
município de Macaé/RJ e, porventura, compartilhar um modelo de impacto requer alcançar
outras regiões do Brasil. A prática extensionista foi uma experiência que poderá ser pensada
para outros públicos, a fim de englobar e minimizar a complexidade dos temas que envolvem
os direitos humanos.
155

4 O REDIMENSIONAMENTO DO PROJETO DE EXTENSÃO NO CONTEXTO DA


PANDEMIA COVID-19

A pandemia COVID-19 impôs um novo formato para execução do projeto de extensão,


que se materializou desde a comunicação da equipe, organização das atividades, migração para
o ambiente virtual e online, criações de atividades adequadas ao novo formato, execução das
ações e verificação do impacto e alcance das atividades programadas. O distanciamento e
isolamento social projetou as atividades do projeto exclusivamente para o ambiente virtual, e a
opção mais aberta e acessível entre crianças e adolescentes foi o uso das redes sociais, como
possibilidade de comunicação e presença, trocas informativas e execução do projeto sob outra
perspectiva. Nesse sentido, a criação da página no projeto de extensão em rede social Instagram
(@projetoculturadosdh) e o uso de novas ferramentas virtuais para divulgação do conteúdo e
realização de atividades do projeto, como (lives, enquetes, produção de vídeos com conteúdo
educativos, produção de posts, para simplificar o conteúdo da Declaração Universal dos
Direitos Humanos) foram essenciais para continuidade da execução extensionista diante do
cenário imposto.

As dificuldades residiram no pouco espaço de tempo para reorganização das ações e o


cenário das novas demandas a ser respondidas, principalmente porque tocavam na temática
direitos humanos. Também a preocupação residiu no alcance do nosso público-alvo da
disponibilização e uso das ferramentas escolhidas, por questões que envolvem o acesso à
internet para as crianças e adolescentes das escolas públicas envolvidas. Projetamos oficinas de
grandes temas e correlatos ao cenário da pandemia e direitos humanos. Tratou-se de um
momento inicial, de averiguação do novo formato implementado com a característica da
urgência, a partir de testes semanais do impacto e adesão do público-alvo. Sobre outro prisma,
o impacto estrutural da pandemia COVID-19 com o público-alvo do projeto em questão
(crianças e adolescentes) e a equipe (docente e discentes universitários), incluíram o
redimensionamento dos aspectos de todos, que apresentaram situações de dificuldades
(psicológico, econômico-financeiro, acesso à internet, comunicação com as escolas,
disposição), o que ocasionou um trabalho mais ativo e prestacional da coordenação do projeto.
Verificou-se pouca autonomia da equipe em razão das circunstâncias atuais, vez que
dependentes de respostas das escolas e adoção de modelos compartilhados para execução das
atividades.
156

Ainda, foi possível mensurar resultados satisfatórios e de aderência num contexto


terrivelmente difícil e complexo. A exploração da temática dos direitos humanos em tempos de
pandemia é um campo de estudo indispensável para apurarmos no decorrer das ações, o que
aparece através dos novos modelos de comunicação com o público infanto-juvenil. O
desenvolvimento tecnológico do projeto iniciou com o contexto pandêmico, portanto, ainda
muito incipiente, mas fundamental para auxiliar as demandas sociais, que toquem a pauta de
direitos humanos e principalmente contribuir para a melhoria do dia a dia das crianças e
adolescentes tão afetados neste cenário.

Pode-se dizer que o projeto foi incitado para ocorrência e compartilhamento concreto e
pessoalmente, o que inicialmente encarado com muita dificuldade de alcance. Trata-se de um
momento de amadurecimento, despertar, criação e aperfeiçoamento da equipe e dos temas que
trabalhamos para que pudéssemos responder de forma rápida, aprofundada e interativa a
demanda apresentada, sobretudo representando o acolhimento para as crianças e adolescentes.
O modelo de ação implementado passou por uma avaliação inicial, a partir de testes de
ferramentas tecnológicas possíveis, acessíveis, viáveis num contexto caracterizado pelas
diferenças socioeconômicas, culturais, psicológicas dos envolvidos no projeto e comunidade
em geral. O projeto encontra-se no universo digital e partir dele realizamos atividades,
proporcionamos conteúdos, a fim de estar presente junto ao público-alvo e equipe, aperfeiçoar
ferramentas e metodologias à distância.

CONCLUSÃO

Procurou-se instigar o debate do ensino/aprendizagem dos direitos humanos a partir de


uma perspectiva ativa, representada pelo espaço da extensão universitária. Diante do cenário
complexo, que inclui a necessidade de se trabalhar com a efetividade de direitos e uma
prospecção inclusiva e para todos, resta imprescindível revisitar e experimentar alternativas que
caminhem para o compartilhamento e redimensione as informações que tocam os problemas
sociais e jurídicos no Brasil. As práticas do projeto de extensão ora postas, resultaram no
crescimento e aperfeiçoamento dos envolvidos, tanto com a temática, quanto com a
conscientização aberta e compartilhada para além da academia. Trata-se de possibilidades a ser
aperfeiçoadas com diferentes públicos a fim de ampliar e redimensionar temáticas que
envolvem os sujeitos sociais, sobretudo, preparar com viés crítico o futuro profissional do
direito.
157

Especificamente, a aproximação da linguagem proposta pelo projeto com as escolas foi


limitada com a incidência da pandemia COVID-19, pois houve um movimento de readaptação
e reorganização da realização das ações no espaço tecnológico e suas ferramentas. O desafio
que se impõe é angariar esforços para que a inovação tecnológica seja uma ferramenta natural,
utilizável e praticável no processo ensino/aprendizagem e que reestruture a comunicação,
detidamente em projetos de extensão. Nesse sentido, entendemos que para a participação do
público-alvo e o interesse pelo debate para o desenvolvimento da cultura dos direitos humanos,
resta imprescindível fazer uso de recursos acessados simultaneamente entre a comunidade e
academia, em que mais uma vez esta realidade que se propõe é marcada pela vulnerabilidade
social e requer a inclusão para todos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

50 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 – 1988: Conquistas e desafios,
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77, p. 5-8,out/dez, 2011.

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DEMO, Pedro. Lugar da Extensão. In: FARIA, Dóris Santos de (Org.). Construção Conceitual
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158.

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Acesso em: 26 maio, 2021.

LEIDENS, Leticia Virginia. Convention on civil aspects of international child abduction: an


analysis of the exception articles 12 and 13 “b” in the Brazilian legal system. Revista Juridica,
[S.l.], v. 3, n. 56, p. 39 - 56, jul. 2019. ISSN 2316-753X. Disponível em:
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2021. doi:http://dx.doi.org/10.21902/revistajur.2316-753X.v3i56.3567.

NOGUEIRA, Maria das Dores Pimentel. O Fórum de Pró-reitores de Extensão das


Universidades Públicas Brasileiras: um ator social em construção. Interfaces - Revista de
Extensão, v. 1, n. 1, p. 35-47, jul./nov., 2013.

SAMPAIO, José Adércio Leite; FURBINO, Meire; MANDIETA, David. A Declaração


Universal dos Direitos Humanos nos espaços digitais: uma necessidade em tempos
cibernéticos. Revista Jurídica Unicuritiba, V. 4, n. 61, 2020.
158

DESENVOLVIMENTO CURRICULAR DAS FACULDADES DE


DIREITO DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO TOCANTINS SOB A
ÉGIDE DOS DIREITOS HUMANOS

Marcos Júlio Vieira dos Santos1


Christiane de Holanda Camilo2

RESUMO
Esta pesquisa tem como proposta a análise das adequações dos Projetos Pedagógicos de Curso
(PPCs) das graduações em Direito da Universidade Estadual do Tocantins (Unitins), no que se
refere às diretrizes nacionais sobre Educação em Direitos Humanos. Seu referencial teórico
estabeleceu-se a partir da análise de documentos orientadores internacionais e brasileiros sobre
educação em direitos humanos, tais como o Programa Mundial de Educação em Direitos
Humanos (UNESCO, 2012); Programa Nacional de Direitos Humanos (BRASIL, 2010), Plano
Nacional de Educação em Direitos Humanos (BRASIL, 2007) e as Diretrizes Nacionais para
Educação em Direitos Humanos (BRASIL, 2012). Foi adotada a metodologia de estudo de caso
com base nos apontamentos de Gil (2010), seguindo um protocolo de pesquisa baseado na
análise de conteúdo proposta por Bardin (1977), que estuda palavras-chave que revelem a
inclusão de conteúdos ligados ao tema central, no texto dos documentos analisados a partir de
considerações sobre o contexto em que surgiram e a função semântica que exercem. Nesse
sentido, os termos selecionados foram: direitos humanos, dignidade, democracia, diversidade,
sustentabilidade, conflito e interdisciplinaridade. Ao final, a contextualização de todos os
termos propostos como indicadores temáticos da integralização da educação em direitos
humanos nas faculdades de Direito da Unitins, pode-se dizer que esse conjunto de saberes se
encontra proposto de forma limitada.

PALAVRAS-CHAVE: Direitos Humanos. Educação em Direitos Humanos. Educação


Jurídica. Faculdades de Direito. Universidade Estadual do Tocantins.

INTRODUÇÃO

A Educação em Direitos Humanos é uma proposta de conhecimentos que emana da


Organização das Nações Unidas (ONU), mais precisamente a Organização das Nações Unidas
para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), agência da ONU voltada para o desenvolvimento
dos temas referenciados em seu próprio nome (ONU, 2020).

1
Graduado em Direito pela Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS). Membro do Grupo de Pesquisa
Direitos Humanos, Violência Estado e Sociedade. Bolsista do PIBIC/UNITINS, ciclo 2019-2020. E-mail:
mj.marcosvieira@gmail.com
2
Doutora em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás (UFG); Mestre em Direitos Humanos pela
Universidade Federal de Goiás (UFG). Líder do Grupo de Pesquisa Direitos Humanos, Violência Estado e
Sociedade. Professora titular da Universidade Estadual do Tocantins. E-mail: christiane.hc@unitins.br
159

A importância atribuída a esse tema para a sociedade internacional se deve ao seu


objetivo e sua capilaridade temática para difundir valores éticos do Estado democrático,
baseados na noção de sujeito de direitos humanos, buscando eliminar preconceitos e
desigualdades que se perpetuam ao longo do tempo, corroborando os compromissos assumidos
quando da assinatura da Carta de São Francisco.

Para o sucesso desses objetivos, ocorreram diversas convenções organizadas por aqueles
órgãos, as quais reiteravam a importância da educação como forma de garantia de direitos e de
assegurar a observância dos direitos humanos.

Nesse contexto, o ambiente acadêmico torna-se propício para o inicial debate sobre a
educação em direitos humanos e sua implementação. Em parte, pelo seu caráter inovador e pela
possibilidade de aprimoramento qualitativo do debate pelas universidades, tendo em vista a
valorização da pesquisa científica como pilar indissociável da razão de ser das instituições de
ensino superior, mesmo que o documento reconheça que a educação em direitos humanos deva
ocorrer em espaços formais e informais (BRASIL, 2012).

Para a área jurídica é pertinente a discussão a respeito da formação em Direitos


Humanos daqueles que cursam direito no país, pois esse tema reflete a postura ética e
profissional de juristas, isto é, aqueles que por formação e atribuição funcional lidam
diretamente com o Poder Judiciário e a implementação da justiça mediante a reflexão e
aplicação dos direitos humanos.

Objetiva-se com esta pesquisa a elaboração de um diagnóstico sobre como as


Faculdades de Direito da UNITINS adequaram e atualizaram seus Projetos Pedagógicos de
Curso ao texto dos documentos orientadores principais que tratam da temática da educação em
direitos humanos.

Serão eles: o Plano Mundial de Educação em Direitos Humanos (mais precisamente sua
Segunda Etapa, que tem como grupo estratégico o ensino superior), o Plano Nacional de
Educação em Direitos Humanos e as Diretrizes Nacionais de Educação em Direitos Humanos.

A metodologia empregada é o estudo de caso, conforme Gil. Portanto, para a presente


investigação, tem-se como problema a indagação a respeito de como as graduações em direito
ofertadas pela Unitins tratam a temática da educação em direitos em humanos. Já as unidades-
caso pesquisados são as Faculdades de Direito da Universidade Estadual do Tocantins,
especificamente em relação aos seus Projetos Político Pedagógicos dos cursos e outros
160

documentos que orientem o ensino e a formação desses acadêmicos quanto aos direitos
humanos (Gil, 2010, pp. 137-142).

O procedimento analítico adotado obedecerá aos passos da análise de conteúdo


construída por Laurence Bardin. Para a autora, a análise de conteúdo se opera a partir da captura
das chamadas unidades de codificação no texto analisado, inseridas nas chamadas unidades de
contexto para posterior análise semântica do código identificado, apontando inclusive a
quantidade de vezes que se repetiu (BARDIN, 1977, p. 36-37).

Baseado nesse entendimento, será buscado nos Projetos Pedagógicos de Curso (PPC),
pesquisados, o termo direitos humanos conceito central e estratégico para esta análise. Têm-se
que as demais palavras chave analisadas foram propostas a partir dos princípios dispostos nas
Diretrizes Nacionais para Educação em Direitos Humanos, e são: dignidade, diversidade,
democracia, interdisciplinaridade, sustentabilidade e conflito.

Coletados os dados, esta pesquisa procederá pela interpretação das palavras-chave


captadas, isto é, os objetivos e a natureza do documento analisado, o contexto em que esses
termos específicos aparecem incluídos.

A partir disso, se seguirá abordagem crítica das informações levantadas, através de


comparação direta com aquilo que prescrevem as diretrizes e os documentos orientadores a
respeito da temática investigada.

1. A CONSTRUÇÃO DE UMA PROPOSTA DE FORMAÇÃO EM E PARA OS


DIREITOS HUMANOS

Estabelecidos o problema da pesquisa, é necessário compreender e discutir em que


consiste a educação em direitos humanos antes de investigar de que forma os PPCs Direito a
incluem e a tratam ao longo de seus textos. Para tanto é imprescindível discutir, ainda que
brevemente os direitos humanos, enquanto conteúdo central dessa proposta formativa aqui
tratada.

A Teoria dos Direitos se apresenta, não apenas hoje, mas desde sua concepção, como
marco para a construção de uma sociedade pautada em uma ordem antropocêntrica. Termos
como “homem”, “humano” e “humanidade” sempre foram palavras-chave na construção dos
fundamentos filosóficos desses direitos (DOUZINAS, 2011, p. 06).
161

Uma análise inicial dos mais antigos tratados sobre direitos humanos, demonstra, que
esses textos legais costumam atribuir a esses direitos uma marca universalista, uma busca pela
positivação da liberdade e igualdade entre todos os homens. As alcunhas de “verdades
autoevidentes”, “direitos inalienáveis” e “direitos do homem” trazidas pela Declaração
Americana (1776) e Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) sedimentam a
noção de que tais direitos são inerentes ao homem como uma consequência natural de sua
qualidade humana (HUNT, 2008, pp. 13-17).

A conquista dos direitos humanos representou em seu âmago, a vitória de uma ideologia
burguesa, que buscava, à época, a mais ampla liberdade contra o gigantismo dos estados
absolutistas, que controlavam diversos setores da vida política e social de seus, até então,
súditos (DOUZINAS, 2009, p. 25).

Revestidos de abstração e inatismo, dados pela corrente do direito natural, os direitos


humanos ganham diversos contornos ao longo dos séculos até serem encampados pela
Declaração Universal de 1948 e inaugurarem assim, uma nova ordem jurídica internacional,
que conta com a Organização das Nações Unidas (ONU) e os órgãos internacionais dela
derivados, atuando como principais institutos de promoção e defesa dos direitos humanos
(DOUZINAS, 2009; HUNT, 2008).

A própria a nova ordem jurídica internacional reconhece, porém que o sucesso dos
objetivos relativos à implementação dos direitos humanos passa inexoravelmente pelas práticas
educativas. Nesse sentido a educação foi reconhecida também como um direito humano
estratégico, na medida em que se apresenta como um direito que contribui para a realização de
outros direitos (BORGES, 2015, pp. 03-04; ONU, 2009, p. 02).

Nessa linha, as Nações Unidas foram categóricas ao reafirmar, a partir do Congresso de


Viena (1993), a importância dos direitos humanos como proposta de enfrentamento dos
problemas crônicos da sociedade internacional e a recomendar práticas para uma educação em
prol do Direitos Humanos (OEA, 1993, p. 08).

Surgiu nesse momento, a educação em direitos como proposta internacional para a


efetivação dos ambiciosos propósitos da Declaração de 1948. A chamada Década da Educação
em Direitos Humanos aconteceu entre os anos de 1995 a 2004 e estabeleceu um período
estratégico para a inclusão da temática referenciada em seu nome, por meio da adoção de
iniciativas ao redor do mundo baseadas neste mesmo mote (UNESCO, 2012, p. 02).
162

Todas essas discussões culminaram na elaboração de um Plano Mundial de Educação


em Direitos Humanos, documento promulgado pela Unesco em conjunto com o Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), o qual estabelece
princípios, objetivos e metas, a serem seguidos por toda a sociedade internacional no que se
refere à educação em direitos humanos (UNESCO, 2012, p. 05).

Esse primeiro documento propôs a primeira definição sobre educação em direitos


humanos, que consiste em:

O conjunto de atividades de capacitação e de difusão de informação, orientadas para


criar uma cultura universal na esfera dos direitos humanos, mediante a transmissão de
conhecimentos, o ensino de técnicas e a formação de atitudes (UNESCO, 2012, p. 4).

Fixa-se assim a educação em direitos humanos como um conjunto de ações voltadas


para a promoção dos direitos humanos como perspectiva ética para todas as sociedades ao redor
do globo. Na prática, essa perspectiva busca transformar os direitos humanos como parâmetro
que repercute no modo de agir individual e coletivo dos sujeitos envolvidos nesse processo de
capacitação (BRASIL, 2012, p. 08).

Ainda sobre o Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos, esse projeto prevê
dois Planos de Ação para capacitação de diferentes sujeitos estratégicos em intervalos
progressivos de tempo. A primeira fase (2005/2009) prevê a inclusão da educação em direitos
humanos nos currículos educacionais dos ensinos primário e secundário (UNESCO, 2012, p.
07).

Já o segundo ciclo (2010/2014), trata do ensino superior e qualificação de agentes de


segurança e servidores públicos. É nessa etapa específica que se concentra a análise proposta
nessa pesquisa, uma vez que a instituição escolhida como unidade-caso se dedica à oferta de
ensino superior (UNESCO, 2012, p. 08).

Esse Plano de Ações reconhece como educação superior “estudos em nível pós-
secundário” estabelecendo assim a linearidade dos sistemas de ensino e ressaltando a
necessidade de se propor a formação em direitos também dessa maneira (UNESCO, 2012, p.
09).

Destaca ainda, peculiaridades do ensino superior como pressupostos estratégicos para a


proposição de uma formação em direitos humanos. Algumas dessas peculiaridades citadas são
a autonomia institucional e a liberdade acadêmica, mas também, principalmente, a importância
163

da pesquisa como eixo para o desenvolvimento de novos conhecimentos e novas abordagens


metodológicas (UNESCO, 2012, pp. 12-16).

Essas considerações fomentam uma proposta de educação em direitos humanos para o


ensino superior, que envolve a capacitação não só dos discentes, mas também docentes e outros
atores envolvidos.

2. DIREITOS HUMANOS E EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

No Brasil, signatário de diferentes documentos internacionais que versam sobre direitos


humanos, paulatinamente internalizou-os implementando políticas e programas nacionais tais
como Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), Plano Nacional de Educação em
Direitos Humanos (PNEDH) e por último, as Diretrizes Nacionais de Educação em Direitos
Humanos (DNEDH), uma forma de viabilizar substancialmente o Plano Mundial de Educação
em Direitos Humanos (BRASIL, 2007; 2010; 2012).

Foi só a partir de 1988 que o país inaugurou uma ordem constitucional marcada pela
inclusão dos direitos humanos e profundamente influenciada pelos ditames da Declaração
Universal de 1948. Nesse contexto, sua corte constitucional anuiu ao fundamento kantiano de
direitos humanos que afirma que “toda a ação que por si mesma ou por sua máxima permite
que a liberdade de cada indivíduo possa coexistir com a liberdade de todos os demais de acordo
com uma lei universal é direito (KANT, 1970, p. 133 apud VIEIRA, 2002, p. 15).

Nascida após o fim de um regime ditatorial militar, a nova carta magna brasileira ganhou
a alcunha de “Constituição Cidadã”, exatamente por se dedicar à tratativa dos direitos humanos
em todas as suas dimensões, enquanto perspectivas fundamentais para a realização da cidadania
plena de seu povo (CARVALHO, 2005).

É nesse contexto que floresce a educação em direitos humanos no país. Assim como em
outros países da América Latina, a educação em direitos humanos floresce ainda na década de
1980, a partir dos movimentos de educação popular capitaneados por Paulo Freire, em conjunto
com uma demanda por direitos humanos em âmbito interno e a luta pelo retorno da democracia
como regime político (BRASIL, 2007, p. 22).

Como signatário de pactos e protocolos internacionais sobre direitos humanos, o país


aprovou em 2003 o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), como forma
164

de se adequar ao compromisso internacional perante o Programa Mundial de Educação em


Direitos Humanos (BRASIL, 2007).

Nesse documento, o conceito de educação em direitos humanos foi recepcionado como:

Um processo sistemático e multidimensional que orienta a formação dos sujeitos de


direitos, articulando as seguintes dimensões: a) apreensão de conhecimentos
historicamente construídos sobre direitos humanos e sua relação com o contextos
internacional, nacional e local; b) afirmação de valores, práticas e atitudes que
expressem a cultura dos direitos humanos em todos os espaços da sociedade; c)
formação de uma consciência cidadã capaz de se fazer presente nos níveis cognitivo,
social, ético e político; d) desenvolvimento de processos metodológicos participativos
e de construção coletiva, utilizando linguagens e materiais didáticos contextualizados;
e) fortalecimento de práticas individuais e sociais que gerem ações e instrumentos em
favor da promoção, proteção e defesa dos direitos humanos, bem como reparação de
violações (BRASIL, 2013, p. 35).

O conceito adotado pelo documento orientador brasileiro é bastante amplo, mas


congrega valores já discutidos anteriormente como a difusão dos direitos humanos como
pressuposto ético para a formação de atitude social pautada no respeito aos seus conteúdos para
a construção da cidadania nos sujeitos de direitos.

Como o principal documento brasileiro a respeito de parâmetros educacionais em


direitos humanos o Plano Nacional (PNEDH) influencia e dita o tom de vários outros
documentos internos que tratam desse mesmo tema.

Nesse mesmo contexto, destaca-se ainda, outro documento orientador fundamental,


tratam-se das Diretrizes Nacionais de Educação em Direitos Humanos (DNEDH). Aprovadas
no ano de 2012, a Resolução CNE/CP n° 1/2012 traz uma rica contextualização para a educação
em direitos humanos no país e lança perspectivas e orientações para o sucesso dos objetivos e
ações programáticas propostas pelo Plano Nacional (BRASIL, 2012).

Trata-se de um documento paradigma para a inclusão da educação em direitos humanos


para as diretrizes curriculares e currículos de fato em todo o ensino brasileiro. O objeto
finalístico das Diretrizes Nacionais de Educação em Direitos Humanos é que a partir do
conhecimento, todos possam se relacionar a partir da ótica dos direitos humanos aplicada no
dia-a-dia, por isso, desde sua publicação, tornou obrigatório o ensino de direitos humanos nas
instituições educacionais.

Por esse motivo, esse foi também o documento oficial utilizado como parâmetro para
análise proposta ao final da pesquisa. Os princípios consubstanciados por essas Diretrizes
165

Nacionais foram forneceram embasamento teórico para a propositura dos termos-chave


adotados, conforme será observado, cada item possui um texto de apresentação que esclarece e
contextualiza sua escolha, correlacionando-o com um princípio orientador constante no texto
dessa resolução.

3. A UNIVERSIDADE ESTADUAL DO TOCANTINS E SUAS FACULDADES DE


DIREITO: ANÁLISE DOS TERMOS IMPLICADOS EM SEUS PROJETOS
PEDAGÓGICOS DE CURSO

Dada a sua concepção inicial, essa pesquisa tinha por objetivo central a realização do
diagnóstico quanto a integralização da educação em direitos humanos nos currículos da
graduação em Direito ofertada pela Universidade Estadual do Tocantins através da análise do
texto de seus projetos político pedagógicos.

Nesse sentido, ressalta-se a relevância acadêmica desta pesquisa a respeito da inserção


da educação em direitos humanos dentro das diretrizes curriculares do curso de graduação em
Direito ofertados pela Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS), com o intuito de
perceber pontualmente como a instituição recepcionou e elaborou em seu arcabouço
documental os direitos humanos e a educação em direitos humanos.

Tal investigação possui ainda uma importância social e regional porque poderá ampliar
a compreensão de como a Universidade Estadual do Tocantins – UNITINS, maior universidade
do Estado do Tocantins e termos de quantidade de faculdades de Direito por cidade e
distribuição territorial no Estado escolheu estabelecer a formação de seus acadêmicos.

O diagnóstico proposto baseou-se, para tanto, na seleção de palavras chaves como


indicadores representativos da inclusão das temáticas pertinentes à educação em direitos
humanos nos currículos analisados e o estabelecimento de considerações sobre o contexto em
que surgiram e a função semântica que exercem.

Para tanto, as palavras chaves buscadas foram retiradas do texto das Diretrizes
Nacionais para Educação em Direitos Humanos, documento que estabelece como seus
princípios básicos: a) a dignidade humana; b) igualdade de direitos; c) reconhecimento e
valorização das diversidades; d) laicidade do estado; e) democracia na educação; f)
interdisciplinaridade como metodologia; g) sustentabilidade socioambiental como pressuposto
(BRASIL, 2013, p. 10).
166

A ideia primeira de termos chaves pesquisados surgiu desses princípios. Seriam elas:
dignidade, igualdade, laicidade, diversidade, democracia, interdisciplinaridade e
sustentabilidade.

Análise prévia dos documentos analisados revelou-se, porém, a inexistência do termo


laicidade e outras palavras correlatas, por isso, este termo foi descartado. Também o termo
igualdade também não foi encontrado em quantidade e contextualização que possam subsidiar
uma análise semântica, por isso, também descartado.

Por outro lado, foram identificados uma diversidade de termos relacionados à inclusão
de métodos de resolução pacífica de conflitos, tais como mediação, conciliação, arbitragem e
justiça restaurativa. Dessa forma, sendo a cultura de paz e a resolução pacífica de conflitos
também um dos pressupostos da educação em direitos humanos, esses termos foram incluídos
como elementos a serem analisados.

Ao final, foram fixados os termos: direitos humanos, dignidade, democracia,


diversidade, sustentabilidade, interdisciplinaridade e conflito como palavras-chaves tomadas
como indicadores temáticos e representativos para a investigação sobre a inclusão da educação
em direitos humanos e suas diversas perspectivas, dentro dos projetos pedagógicos de curso
analisados.

A primeira descoberta com o qual esta pesquisa se deparou foi anterior, no entanto, à
busca das palavras chaves, seus contextos textuais e semânticos. Se identificou que muito
embora a Universidade Estadual do Tocantins disponha de quatro graduações em Direitos
distribuídas em diferentes regiões do estado, a instituição apresenta um único modelo de
currículo para todos eles (UNITINS, 2020a, p. 06).

Ainda que cada texto curricular indique a importância de cada campus para o contexto
da região em que se insere e correlacione as propostas de curso à princípios do desenvolvimento
regional, os documentos propostos apresentam textos padrões aos títulos indicados em seus
sumários (UNITINS, 2020a, p. 17).

Assim a universidade deixa de observar as diferentes realidades socioeconômicas de


cada campus e de cada curso, que interferem diretamente nas ofertas e perspectivas
profissionais de seus futuros egressos e que por isso devem refletir na proposta formativas
desses últimos.
167

A mais significativa diferença aqui identificada se refere ao ementário de disciplinas.


Os cursos de Augustinópolis, Dianópolis e Paraíso do Tocantins, muitas vezes nominados
durante a análise como cursos ou campi do interior, adotaram um mesmo ementário e grade de
disciplinas ofertadas. Já a graduação sediada na capital Palmas construiu um currículo próprio.

A pesquisa específica dos termos chave foi iniciada pelo termo direitos humanos, na
intenção de perceber como os documentos analisados compreendem e apresentam esses direitos
como temática. Seu objetivo final era identificar os direitos humanos como conteúdo transversal
e de abordagem interdisciplinar, conforme determina a política nacional de educação em
direitos humanos.

O que se pode perceber, porém, foi uma abordagem ainda muito disciplinar desses
conteúdos. A presença de uma disciplina autônoma autointitulada Direitos Humanos em todos
os currículos que foram objetos da pesquisa, possibilitam discussões necessárias e pertinentes,
porém reduzem as possibilidades de inclusão das problematizações referentes aos direitos
humanos como parte indissociável das outras disciplinas jurídicas e ramos do Direito
(UNITINS, 2020a, p. 116; 2020b, p.52).

Já o termo dignidade foi proposto como forma de identificar o conceito de dignidade


humana adotado pelos objetos pesquisados e como esse conceito se promove através de práticas
e atividades desenvolvidas no âmbito das graduações, ante a sua importância como pressuposto
para a concepção dos direitos humanos.

Aqui se constatou que apesar de trazer a dignidade humana como princípio orientador
das ações e projetos propostos pela universidade como um todo, os projetos pedagógicos Direito
Unitins não trazem uma definição clara de dignidade humana e nem mesmo demostram de que
forma seus programas contribuem para o fomento de tal princípio (UNITINS, 2020b, pp. 14;
106; 116).

No caso do termo democracia, a pesquisa por essa palavra-chave se refere à construção


do ambiente universitário pautado na participação democrática dos seus sujeitos envolvidos.
Nesse sentido, os resultados encontram-se prejudicados.

Foram identificados órgãos de representação democrática nas faculdades pesquisadas,


porém a análise de sua efetividade dependeria de elementos não obtidos pela metodologia
adotada para esta pesquisa (UNITINS, 2020a, pp. 163-165).
168

O termo diversidade foi escolhido como indicador para que que se identificassem nos
documentos pesquisados práticas capazes de fomentar o respeito e valorização da diversidade
e pluralismo no ambiente universitário.

Nesse sentido, a investigação constatou também que o conceito de diversidade adotado


pelas graduações de Direito Unitins apresenta três perspectivas: 1) relações étnico-raciais; 2)
relações de gênero e; 3) diversidade sexual (UNITINS, 2020a, p. 150).

Esta universidade destaca como programa alinhado a esses princípios a política de


reservas vagas para ingresso de alunos por meio do vestibular. As modalidades de reservas de
vagas obedecem a critérios raciais e de renda como justificativa para a oportunizar o acesso ao
ensino superior a grupos historicamente vulneráveis. Por outro lado, a ausência de uma política
de assistência estudantil dificulta a permanência desses mesmos sujeitos no ambiente
universitário (UNITINS, 2020a, p. 151).

Seus currículos também propõem discussões sobre relações étnico-raciais e o processo


de construção cultural do Brasil, a partir de disciplinas como Antropologia Jurídica e História
da Cultura Afro-brasileira, porém deixam de tratar relações de gênero e diversidade sexual ao
longo das disciplinas ofertadas e suas ementas (UNITINS, 2020a, p. 58).

O termo sustentabilidade foi proposto, como forma de investigar a promoção da


sustentabilidade socioambiental como pressuposto para o florescimento para a formação de
atitude pautada nos direitos humanos.

Como resultado, percebeu-se que as graduações em questão apesar de prezarem pela


sustentabilidade como princípio, não trazem uma definição clara de seu conceito e por vezes
inserem o termo em contextos confusos. Da mesma forma, a tratativa da temática da
sustentabilidade se encontra restrita às ementas das disciplinas de Direito Ambiental e não de
forma interdisciplinar (UNITINS, 2020b, p. 127).

No que se refere às formas de resolução consensual, o termo buscado foi a palavra


conflito, como indicador das ações voltadas para a construção de uma cultura de paz na
proposta formativa indicada nos PPCs pesquisados.

Aqui se identificou enorme importância atribuída aos métodos de resolução de conflitos,


intercalados como perspectivas teórica e prática para os formandos em Direito, incluído
discussões sobre resolução pacífica de conflitos tanto em sala de aula, quanto em seus Núcleos
de Prática Jurídica (UNITINS, 2020b, p. 53).
169

Seus ementários de disciplinas apresentam a mediação, conciliação e arbitragem como


mecanismos clássicos para pacificação extraprocessual de conflitos. Destaca-se a inclusão de
formas ainda consideradas inovadoras sobre essa temática como justiça restaurativa e direito
sistêmico (UNITINS, 2020a, p. 82; 2020b, p. 52).

O último indicador pesquisado foi o termo interdisciplinaridade. Sua busca tentou


identificar a inclusão desse termo nos projetos pedagógicos compreendido como abordagem
que melhor se adequa a uma proposta pedagógica voltada para educação em direitos humanos.

Como resultado, foi possível constatar que os currículos pesquisados contextualizam


inúmeras vezes a interdisciplinaridade como abordagem utilizada para a construção de sabres
no âmbito da formação proposta pelos cursos de Direito Unitins. Porém análise do ementário
de disciplinas mostrou que esse esforço não acontece na prática. Pouquíssimas disciplinas
trazem diálogos interdisciplinares umas com as outras (UNITINS, 2020a, pp. 78-130; 2020b,
pp. 100-150).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos objetivos estabelecidos e de posse dos resultados e discussões, a


contextualização de todas essas palavras chaves, utilizadas como indicadores temáticos da
integralização da educação em direitos humanos nas faculdades de Direito da Universidade
Estadual do Tocantins, pode-se dizer que esse conjunto de saberes se encontra proposto de
forma limitada nessa universidade analisada.

Os currículos analisados se dediquem a contextualizar os princípios consubstanciados


nas Diretrizes Nacionais de Educação em Direitos Humanos, e nesse sentido, fazem referência
a eles como fundamentos para a estruturação, tanto de projetos de curso, e também de ações da
Universidade como administração maior. Entretanto, a importância prática desses valores se
mostra enfraquecida pela escassez de programas e políticas no plano concreto.

Ademais, é necessário lembrar que se tratam os documentos aqui analisados de marcos


para a formação de futuros juristas. Nesse contexto, os PPCs deixam a desejar quando da
explanação a respeito de forma esses valores cultivados em seus textos contribuem de forma
específica para as formações jurídicas, dentro de uma perspectiva integrada entre ensino,
pesquisa e extensão.
170

Também foi possível observar a construção de textos curriculares fieis aos ditames das
novas Diretrizes Curriculares para os Cursos de Direito, sendo possível identificar inclusive
trechos copiados da Resolução CNE/CES n° 5/2018.

Talvez por esta razão os PPCs Direito Unitins padecem da mesma incompletude
observada quando da análise do documento nacional. Uma perspectiva apenas cognitiva dos
direitos humanos, pautada na aprendizagem de conceitos, em detrimento da formação de atitude
ética pautada nesses direitos.

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Acesso em: 16/05/2020.
172

EDUCAÇÃO E CULTURA DO LITÍGIO: ENSINO JURÍDICO E


TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

Tainara Mariana Mallmann1


Aldemir Berwig2

RESUMO
O artigo discorre sobre o ensino jurídico abordando diversos aspectos da necessidade de
superação do discurso da crise educacional nas escolas de Direito no Brasil, mas buscando
compreendê-lo. Nesse contexto, a análise de conceitos tem um significado, mas admitem
diversos sentidos para discorrer a “cultura de paz”, a “justiça” e a “cultura do litígio”, entre
outros aspectos, os quais se relacionam a formação jurídica. Aborda a ideia de resolução
consensuada dos conflitos para a pacificação social. Se observa o discurso da crise do ensino
jurídico, se menciona a educação na Constituição da República e suas três perspectivas: o
desenvolvimento da pessoa, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. A partir
dessa ideia se trabalha em perspectivas distintas, o desenvolvimento crítico-reflexivo, o
hermenêutico e o operatório-instrumental. O objetivo central da pesquisa é compreender a crise
do ensino jurídico, se ela é real ou se pode ter distintas interpretações. Se adota uma
metodologia de análise crítica dos temas centrais do estudo, e utiliza-se a técnica bibliográfica
a partir de uma perspectiva hipotético-dedutiva. A partir dos aspectos citados se menciona que
um possível (in)sucesso dos cursos de Direito na formação profissional pode ser decorrente da
formação preponderantemente operatório-instrumental, se defendendo uma formação integral
que contemple também as perspectivas crítico-reflexiva e hermenêutica. É neste contexto que
se aponta a educação jurídica como possibilidade de superação da cultura do litígio e de
valoração de práticas consensuais de solução dos conflitos.

Palavras-chave: Cidadania. Cultura da paz. Ensino universitário. Formação humana. Justiça.

ABSTRACT
The article discusses legal education, addressing several aspects of the need to overcome the
discourse of the educational crisis in law schools in Brazil, but seeking to understand it. In this
context, the analysis of concepts has a meaning, but they admit several senses to discuss the
“culture of peace”, “justice” and the “culture of litigation”, among others aspects, which are
related to legal training. It addresses the idea of consensual resolution of conflicts for social
pacification. It is observed the discourse of the crisis of legal education, education is mentioned
in the Constitution of the Republic and its three perspectives: the development of the person,
the exercise of citizenship and the qualification for work. From this idea, different perspectives
are worked on: critical-reflective, hermeneutic and operative-instrumental development. The
main objective of the research is to understand the crisis of legal education, if it is real or if it
can have different interpretations. A critical analysis methodology of the central themes of the

1
Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
(UNIJUÍ). E-mail: tainaramariana2009@hotmail.com
2
Doutor e Mestre em Educação nas Ciências (UNIJUÍ); Graduado em Direito e Administração (UNIJUÍ) MBA
em Investimentos e Private Banking (IBMEC), Especialista em Direito Tributário (UNISUL). Coordenador do
Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) na UNIJUÍ. Advogado, OABRS 34.750. E-mail berwig@unijui.edu.br
173

study is adopted, and the bibliographic technique is used from a hypothetical-deductive


perspective. From the mentioned aspects, it is mentioned that a possible (in)success of Law
courses in professional training may be due to the predominantly operative-instrumental
training, defending an integral training that also includes the critical-reflexive and hermeneutic
perspectives. It is in this context that legal education is pointed out as a possibility to overcome
the culture of litigation and to value consensual practices for resolving conflicts.
Keywords: Citizenship. Culture of peace. University education. Human formation. Justice.

INTRODUÇÃO

A paz normalmente está associada à guerra. É uma condição que ao longo dos anos foi
algo extremamente desejado, mas apenas entrou efetivamente em pauta após a ocorrência das
duas guerras mundiais. O termo, entretanto, sempre foi associado unicamente a questões de
guerra, sem se levar em conta que é relativo a todos os aspectos da convivência em sociedade.
Em regra, o ser humano está constantemente em litígio e não em paz, questão que permeia a
cultura e as relações humanas. É a partir desse contexto que se aborda o ensino superior em
Direito para analisar como ele possibilita formar pessoas para a vida em sociedade e como
condição para a atuação judicial. Entende-se que a palavra educação ganha um grande destaque
em razão de que ela possibilita a transformação social pela disseminação da cultura de paz e,
consequentemente, a resolução pacifica de conflitos sociais em todas as esferas.

O objetivo inicial desta pesquisa é compreender a crise do ensino jurídico, se ela é real
ou se pode ter distintas interpretações. Para a solução pacífica de conflitos parte-se da ideia de
que existe uma cultura de litígios e que é decorrência de que os conflitos sociais não têm sido
solucionados pacificamente, mas judicializados. Com isso, evidencia-se que a massiva
judicialização é uma consequência natural da formação jurídica preponderantemente
operatório-instrumental.

A construção do texto parte de uma complexa problemática: (a) é possível verificar,


como preocupação geral da formação jurídica no Brasil, a preocupação com o humano e o
social, ou ela está voltada à formação instrumental? (b) pensar uma sociedade menos litigiosa
não demandaria uma formação mais humanista? (c) uma preocupação menos instrumental e
mais relacional nos cursos jurídicos não poderia conduzir a uma sociedade menos utilitarista e
mais solidária? (d) um ensino jurídico de profunda base filosófica não poderia conduzir as novas
gerações ao pensamento crítico-reflexivo para uma vida social menos litigiosa?

As hipóteses que se coloca é que (a) a educação de nível superior em Direito no país,
não está totalmente em crise, ela forma bons profissionais que se destacam no mercado, mas
174

normalmente é uma formação instrumental; (b) um viés menos utilitarista demanda pensar uma
formação jurídica que tenha uma maior preocupação de base filosófica que se preocupe com a
construção moral.

Para se responder aos questionamentos iniciais e verificar seu fundamento se adota uma
metodologia de análise crítica dos temas centrais do estudo, e utiliza-se a técnica bibliográfica
a partir de uma perspectiva hipotético-dedutiva que se fundamenta em fontes bibliográficas
disponíveis a partir de pesquisas desenvolvidas por pesquisadores da área jurídica com uma
abordagem nas humanidades.

No primeiro capítulo se faz a análise de conceitos normalmente utilizados que têm um


significado, mas admitem diversos sentidos e que, portanto, podem ser ideologicamente
utilizados. Parte-se da delimitação geral dos conceitos de “paz”, “cultura de paz”, “educação
para a paz” e de “justiça”, a partir da compreensão que há uma “cultura do litígio” que não se
afasta da ideia de que a formação jurídica é bem avaliada quando tem características
instrumentais. Busca-se compreender a existência de discursos que sustentam determinado
posicionamento, seja em prol de uma resolução consensuada dos conflitos para a pacificação
social, seja no âmbito da sustentação do uso da força e da limitação da autonomia e das
liberdades fundamentais.

No segundo capítulo se observa o discurso da crise do ensino jurídico, para


contextualizá-la a partir da ideia de ensino universitário e, neste, se verifica que a Constituição
da República, ao mencionar a educação, menciona três perspectivas: o desenvolvimento da
pessoa, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. A partir dessa ideia se trabalha
em perspectivas distintas, o desenvolvimento crítico-reflexivo, o hermenêutico e o operatório-
instrumental. A partir dos aspectos citados é que se analisa a problemática e as hipóteses,
aspectos que são abordados nas conclusões, salientando aspectos de um possível (in)sucesso
dos cursos de Direito na formação profissional.

1 CONFLITOS SOCIAIS E CULTURA DE PAZ: PARA A SUPERAÇÃO DO LITÍGIO

Os termos “paz”, “cultura de paz” e “educação para a paz” recebem diferentes acepções
de acordo com o momento histórico que vive a sociedade e no contexto da interpretação
linguística das expressões. Como menciona Nunes (2018, p. 34), “[...] superou-se o conceito de
Paz unicamente negativa rumo a uma abrangência de Paz positiva (e além), com o entendimento
175

de que a guerra não é o único tipo de violência, visto existir formas menos visíveis, mas
igualmente perversas [...]”.

A vida na sociedade, todavia, admite vários contextos nos quais se possa interpretá-la e
compreendê-la. Os conflitos têm proporções locais ou globais. É nesse contexto global,
principalmente, que vai se falar em guerra e conceber que as discussões acerca da paz
transcendem do âmbito principalmente religioso para dominar todos os aspectos da vida. A paz
passa a ser amplamente discutida no século 20, em virtude, principalmente, de acontecimentos
como as duas grandes guerras mundiais. A compreensão da paz e sua consolidação nunca foi
tão elementar quanto a partir deste período, menciona Nunes (2018), inclusive possibilitando o
nascimento da Organização das Nações Unidas, a ONU.

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (UNESCO),


que surge como decorrência daquele momento histórico, visa promover, através da educação,
um ambiente propício para a paz. A “[...] guerra é uma construção humana e este será o eixo
central para o desenvolvimento de uma cultura de paz nas décadas seguintes” (NUNES, 2018,
p. 45). Pode-se considerar que o mundo humano é uma construção humana, somente existe
porque o indivíduo tem a capacidade de pensar e construir, abstratamente, a perspectiva das
relações sociais. E, da mesma forma, tem a capacidade de ser perverso e inventar a guerra, as
armas de destruição em massa, exterminar espécies, aspectos dos quais o próprio ser humano
não está livre. Se utiliza do poder para tirar proveitos próprios, até mesmo utilizando-se da
ordem jurídica como a possível salvaguarda de um futuro possível, mas concretizável apenas
quando a vontade humana o possibilite.

Esse último aspecto demonstra por que a UNESCO considera que a assinatura de
acordos e tratados é insuficiente para estabelecer a paz, tendo em vista que enquanto a cultura
dos indivíduos mantém valores de violência e dominação, a paz resulta em apenas um intervalo
entre guerras. A cultura de paz relaciona-se a solução não violenta dos conflitos sociais,
fundando-se na tolerância e solidariedade (NUNES, 2018). Neste sentido, mais do que
simplesmente o Estado determinar uma ordem jurídica, é necessário que se desenvolva
culturalmente uma visão de paz, é imprescindível um imaginário instituinte voltado à
pacificação social, o qual é possível apenas a partir da formação humana (BERWIG, 2017).

A UNESCO se propõe a colaborar para a manutenção da paz e da segurança, “[...] com


o fim de garantir o respeito universal pela justiça, pela lei, pelos direitos do homem e pelas
liberdades fundamentais, em benefício de todos, sem distinções de raça, de sexo, de língua ou
176

de religião [...]” (CESCON; STECANELA, 2015, p. 87). Essa manutenção da paz e da


segurança, entretanto, não é algo que pode ser imposto por um ente supranacional, como se
fosse obrigatoriamente aceito no âmbito da sociedade e dos planos jurídicos nacionais. Essa
questão não é tão simples assim, pois são necessárias políticas públicas locais para a
concretização da ideia de sociabilidade, em primeiro lugar. É necessário que as pessoas queiram
viver em paz, mas para isso, entende-se que primeiro as pessoas devem ter consciência desse
querer (BERWIG, 2017). Então não é algo tão simples assim, que alguém pensa e todos
aceitam.

No Brasil, verifica-se que em busca de modos mais eficientes de resolução dos conflitos
sociais foi-se buscando introduzir no Direito brasileiro os meios autocompositivos de resolução
dos conflitos. Deve-se mencionar, entretanto, que não se tem uma perfeita compreensão do que
significa isso em termos de formação jurídica. É nesse contexto que surge, por exemplo, a
perspectiva da conciliação e da mediação, numa tentativa de transcender o litígio e estabelecer
uma cultura de paz (NUNES, 2015). Mesmo neste caso, todavia, pode-se dizer que esses
métodos surgem com alguma desconfiança, mas são decorrentes da percepção de que o modelo
de Estado judicializado não dá conta de uma sociedade de paz e os conflitos, via de regra, se
tornam litígios. Nesta seara, ganha valor a diferenciação entre conflito e litigio e os impactos
das decisões judiciais na sociedade. Verifica-se que, na maior parte das vezes, a decisão judicial
elimina o litígio, faz coisa julgada entre as partes, mas não elimina o conflito existente. Esse é
um dos reflexos da educação jurídica, pois o Estado-juiz é egresso da escola de Direito, assim
como todos os profissionais da área jurídica.

Caminha-se, assim, com os novos métodos citados, para uma mudança na perspectiva
da ação estatal visando construir alternativas para um modelo falido que não proporciona a paz
social, amplia os conflitos e está em crise. Surge, portanto, a discussão acerca da justiça
restaurativa como uma possibilidade de análise dos conflitos para mitigar os problemas
existentes na sociedade e como uma tentativa a ser utilizada mesmo na seara criminal, numa
perspectiva de “trocas as lentes” do processo penal punitivista. É uma tentativa de mudar o
comportamento de quem olha e analisa o conflito e consiste trabalhar com o pensamento
humano e com a cultura jurídica, pois “[...] a escolha da lente afeta aquilo que aparece no
enquadramento da foto. [...] Da mesma forma, a lente que usamos ao examinar o crime e a
justiça afeta aquilo que escolhemos como variáveis relevantes [...]” (ZEHR, 2008, p. 08). Em
outras palavras pode-se dizer que é a base jurídica que vai formar a mente do jurista, de forma
177

que ele vai olhar a sociedade a partir dessa compreensão. Aí entra a base de uma sólida
formação filosófica e social, para que ele tenha a capacidade de reconhecer seu pensamento
para contribuir com o futuro (BOUFLEUER; BERWIG, 2020).

Deve-se considerar que o pensamento jurídico brasileiro é construído a partir da visão


de uma elite dominante, de forma que a mudança dessa cultura jurídica depende de um árduo
trabalho que parece ser quase impossível. No contexto dos métodos acima citados os avanços
apenas começam a ser sentidos neste início de século, pois o Código de Processo Civil de 1973
previu, ainda de forma extremamente tímida, meios alternativos de resolução dos conflitos,
capazes de contribuir para a diminuição do número de processos no Judiciário. Passados mais
de quarenta anos de sua vigência os “[...] meios alternativos de resolução de conflitos ainda são
pouco explorados na justiça brasileira, seja por uma deficiente estrutura e efetividade desses
meios por parte do Poder Judiciário ou ainda pelo próprio desconhecimento da população”
(FERNANDES, 2015, p. 08).

Verifica-se, a partir da exposição acima, portanto, que a questão da paz e dos conflitos
envolve a vida em sociedade e que, fazer jurisdição não significa fazer justiça. Deve-se
considerar, entretanto, que desde os primórdios os seres humanos sentem a necessidade de se
agrupar, e que o Direito surge como uma criação humana apta a ordenar e coordenar a vida
social. É uma consequência do uso da força, pois primeiramente surge a autotutela, nas
sociedades primitivas, quando “[...] em consequência da inexistência de leis gerais ou abstratas,
ou ainda, pela ausência de um estado soberano detentor do uso da força para a garantia do
cumprimento do direito [...]” (FERNANDES, 2015, p.10/11) se faz justiça com as próprias
mãos.

A principal característica da autotutela consiste no uso da própria força para a satisfação


de uma pretensão, o que representa a existência de um indivíduo “mais forte” e outro “mais
fraco”. Nos dias atuais ainda se vê resquícios desse instituto mediante permissão legislativa,
embora numa perspectiva distinta da autotutela das civilizações antigas, pois caracterizada pela
imposição de limites (FERNANDES, 2015). Por outro lado, verifica-se que esse uso da força
ainda ocorre mesmo com a existência de lei proibitiva, já que as condutas humanas não são
frias e abstratas como a lei formal, mas o ser humano é movido por emoções e paixões. Dessa
forma se verifica, na atualidade, por exemplo, o caso dos feminicídios que ocorrem mesmo
diante de uma decisão judicial que afasta os agressores das vítimas.
178

É para o controle das ações movidas a partir da emoção e da paixão que o ordenamento
jurídico impõe limites às ações humanas, o que ocorre, na história da humanidade, com a
criação artificial de soluções imparciais dos conflitos, quando se atribui esse encargo a um
indivíduo de confiança mútua. Assim, “[...] surgem os árbitros, que em um primeiro momento,
foram os sacerdotes, cujas ligações com as divindades garantiram soluções acertadas de acordo
com a vontade dos deuses, ou ainda, os anciãos, que conheciam os costumes do grupo social”
(FERNANDES, 2015, p. 13). O jurídico, nesta perspectiva, é a busca de soluções pacíficas para
os conflitos, mas sempre dependendo de debates para seu aperfeiçoamento.

Nessa evolução da solução dos conflitos ocorre outra criação imaginária a partir da ideia
de contrato social que vai possibilitar a pacificação dos conflitos (BERWIG, 2017), de forma
que os indivíduos transferem ao Estado o encargo de resolver os conflitos sociais, o que
ocasiona o surgimento posterior do poder jurisdicional. “A forma de arbitragem que antes era
facultativa foi, por conseguinte, englobada pelo Estado, que estabeleceu normas e
procedimentos para o exercício de sua função jurisdicional [...]” (FERNANDES, 2015, p.
13/14). Nessa perspectiva emerge um poder estatal que será, longe das divindades, o
responsável por garantir a solução dos conflitos, agora na seara dos litígios judiciais. Se constrói
outra forma artificial, abstrata, de solução de conflitos. Assim, o Estado passa a solucionar
litígios, caracterizados por pretensões resistidas, para a aplicação da lei ao caso concreto e com
o objetivo de pacificação social, garantindo a ordem e a paz entre os particulares
(FERNANDES, 2015). Embora seja essa uma função do Estado, verifica-se que ela representa
apenas a possibilidade de resolver os litígios, sem que isso signifique a solução dos conflitos
existentes. Dessa forma, solucionado os litígios por decisões terminativas, ainda persistem,
inúmeras vezes, os conflitos na sociedade. É neste contexto que o sistema jurisdicional não
consegue garantir a paz social e, portanto, demonstra que o problema é uma questão do
pensamento, pois a solução que o Direito positivo tem apresentado é apenas uma solução
abstrata que, inúmeras vezes, não se concretiza na prática.

Como consequência da jurisdição, se verifica “[...] uma concepção de que o Estado é a


única fonte de resolução dos conflitos, desenvolvendo-se uma cultura voltada estritamente para
o litígio no âmbito do direito [...]” (FERNANDES, 2015, p. 15). Talvez essa concepção decorra
da positivação do acesso à justiça pelo inciso XXXV do artigo 5º da Constituição da República
ao dispor que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”
(BRASIL, 1988, s.p.).
179

Ocorre que essa compreensão de que tudo passa pelo Judiciário termina levando a um
aumento de demandas, de modo que o Judiciário já se demonstra incapaz de atender quando
demandado. O número de demandas judiciais, por diversos motivos que se interligam, como é
o caso da morosidade, do número de processos que aguarda decisão e da falta de estrutura física
para o seu atendimento, pode ser verificado no relatório Justiça em Números (CNJ, 2020), onde
consta que

O Poder Judiciário finalizou o ano de 2019 com 77,1 milhões de processos em


tramitação, que aguardavam alguma solução definitiva. Tal número representa uma
redução no estoque processual, em relação a 2018, de aproximadamente 1,5 milhão
de processos em trâmite, sendo a maior queda de toda a série histórica contabilizada
pelo CNJ, com início a partir de 2009.
[...]
Em 2019, apenas 12,5% de processos foram solucionados via conciliação. Em relação
a 2018, houve aumento de apenas 6,3% no número de sentenças homologatórias de
acordos, em que pese a disposição do novo Código de Processo Civil (CPC), que, em
vigor desde 2016, tornou obrigatória a realização de audiência prévia de conciliação
e mediação. Conforme registrado no presente Relatório, aproximadamente 31,5% de
todos os processos que tramitaram no Poder Judiciário foram solucionados. (DIAS
TOFFOLI, 2020, p. 5-6).

Verifica-se, a partir do contexto apresentado acima, que, proporcionalmente, o número


de processos judiciais no Brasil é de 1 (um) processo a cada 2,8 (dois virgula oito) habitantes.
É um número elevado de litígios e, maior ainda, de conflitos, ao se considerar que nem todos
são direcionados ao Judiciário. É uma perspectiva em que o número de processos cresce
exponencialmente enquanto a estrutura do Judiciário é praticamente a mesma, não se multiplica,
de forma que ocorre o congestionamento estrutural. Denominada de “crise numérica do
judiciário”, ocorre quando o surgimento de novas demandas supera a capacidade de resolução
dos conflitos já postos perante o Judiciário. Ocorre a incapacidade do Poder Judiciário de dar
conta da quantidade de processos que lhe são submetidos, “[...] gerando um congestionamento
que compromete a eficácia dos direitos substantivos, tornando a justiça cada vez mais lenta e
ineficiente”. (PARIZZI, 2019, p. 9).

Aqui está outra questão que está relacionada com as hipóteses apresentadas no texto: há
um congestionamento decisório e a previsão legal de meios alternativos de justiça. Não seriam
meios alternativos de solução da incapacidade decisória estrutural? E essa incapacidade
estrutural não levaria a uma incapacidade de formação humana que talvez esteja na estrutura
do ensino jurídico instrumental?

Evidencia-se, portanto, que as mudanças legais, como a previsão de audiência prévia de


conciliação e mediação, como citado, apresentam perspectivas de mudanças nesse quadro, mas
180

podem não representar uma perspectiva de paz ou justiça. É que não basta pensar apenas em
criar meios alternativos se, como foi citado no quarto parágrafo, essa mudança não ocorrer
conjuntamente à mudança de cultura, o que se faz na perspectiva do ensino do Direito. Destaca-
se, nesse contexto, a necessidade de valorização das formas autocompositivas de resolução dos
conflitos, o que ocorre quando o pensamento humano vê o seu valor e sua utilidade. Com a
adoção de uma política de solução consensual dos conflitos, o Judiciário poderia possibilitar
uma espécie de “filtro de litigiosidade”, “[...] assegurando o acesso à ordem jurídica justa e
atuando de modo eficaz na redução da quantidade de conflitos a serem ajuizados e conflitos
judicializados, além de reduzir, também, o número de sentenças, recursos e execuções judiciais”
(FERNANDES, 2015, p. 30).

É nesse contexto que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), através da Resolução nº


125, de 29 de novembro de 2010, instituiu a Política Judiciária Nacional de tratamento de
conflitos de interesse, de modo a oferecer meios autocompositivos de resolução de conflitos,
como a mediação e conciliação, e oferecimento de orientação aos cidadãos. Para fortalecer o
emprego de meios consensuais, a Resolução determinou a criação de Núcleos Permanentes de
Métodos Consensuais de Solução de Conflitos e de Centros Judiciários de Solução de Conflitos
e Cidadania, os CEJUSC, e a criação do Portal da Conciliação no site do CNJ, como medidas
para a efetiva implantação dessa nova perspectiva de solução dos conflitos (CNJ, 2015, s.p.).

No campo legislativo, foram aprovadas leis prevendo a autocomposição, como é o caso


da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, o Código de Processo Civil, acima citado, ou da Lei
nº13.140, de 16 de março de 2015, ao dispor “[...] sobre a mediação entre particulares como
meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da
administração pública” (BRASIL, 2015b, s.p.). Ambas apresentam um grande avanço na
resolução consensual dos conflitos, dispondo sobre a mediação entre particulares como meio
de solução de controvérsias e autocomposição de conflitos, a primeira, no âmbito do processo
judicial, e a segunda, no âmbito da administração pública. Tais aspectos demonstram a
preocupação com a incapacidade judicial de atender as demandas processuais, mas ainda não
refletem a necessidade de mudança cultural da sociedade, a qual deve partir de um diagnóstico
para que não se adotem como solução discursos panfletários e incapazes de produzir um
resultado positivo na sociedade e nas relações sociais.

As mudanças legislativas, evidentemente, representam estímulo à autocomposição de


conflitos, mas vêm calcadas mais na necessidade de resolver o problema do extenso número de
181

demandas judiciais, do que propriamente da superação da cultura do litígio, extremamente


arraigada na sociedade brasileira. Pode-se arriscar a dizer que estas questões são as faces de
uma mesma moeda, mas dependem de soluções diversas para sua solução. Ao recordar que
acima se mencionou que a UNESCO considera a assinatura de acordos e tratados insuficiente
para estabelecer a paz, aqui se torna a dizer que o estabelecimento em lei é semelhante, não
basta para mudar a cultura social. É necessário um forte e comprometido esforço que se
encontra na base da formação jurídica das pessoas para promover mudanças na sociedade.

Arrisca-se dizer que a cultura do litígio vem arraigada na estrutura de um ensino jurídico
preponderantemente operatório-instrumental. O instrumental é necessário, mas não pode
descambar de outras duas perspectivas: a hermenêutica e a crítico-reflexiva (BERWIG, 2017).
A superação da cultura do litígio perpassa na mudança de mentalidade dos juristas, a qual deve
ter início durante a formação no curso de Direito. “Cabe a academia, portanto, a função de
reformular os seus métodos de ensino a fim de possibilitar a implementação da cultura do
consenso nos novos profissionais do direito” (FERNANDES, 2015, p.37). É na formação inicial
do jurista que está a possibilidade de mudar as mentes e os corações. É através da libertação do
pensamento para o livre pensar que se possibilita fomentar um imaginário que contemple a
concretização, por exemplo, dos princípios fundamentais da República para sua concretização
social (BERWIG, 2019).

O ensino do Direito possui, portanto, um importante papel para a transformação da


sociedade, a superação da cultura do litígio e o estabelecimento da cultura da paz. Mesmo ao
se falar em crise do ensino jurídico, deve-se partir de dados concretos e da perspectiva social
que se quer construir. Não é razoável falar em reforma do ensino apenas pensando o operatório-
instrumental como objetivo da formação jurídica. É preciso pensar em qual humanidade e qual
sociedade se quer, utilitarista ou humanista. É preciso pensar se o jurista deve atuar na esfera
econômico-mercantil da advocacia, ou se quer profissionais que tenham uma preocupação com
os fundamentos da República, com seus objetivos e direitos fundamentais e como se pensa a
respeito de tais questões. Assim, a abordagem se justifica ao mencionar os sentidos da paz, da
ideia de litígio, e de todos os conflitos que amarram o passado ao tempo presente, sempre na
perspectiva que as interpretações são produzidas pela mente humana. Para produzir uma
educação para a paz, eliminar a cultura do conflito, tornar a sociedade e as relações sociais
menos conflituosas, deve-se iniciar pela formação humana. Não basta mudar a lei, é necessário
que as pessoas pensem a respeito como uma alternativa consciente.
182

Se debruça, portanto, na necessidade de proporcionar uma formação mais humanista no


âmbito da cultura jurídica, voltada para a pacificação social, cenário em que o ensino não fique
preso unicamente a um enfoque puramente técnico ou operatório-instrumental, para observar a
sociedade e as relações sociais como um corpo vivo. Assim, no próximo capítulo se busca a
compreensão das possibilidades que tem o ensino jurídico como instância de transformação
social a partir do imaginário social que pode ser posteriormente instituído.

2 CULTURA JURÍDICA OPERATÓRIO-INSTRUMENTAL: CRISE DO ENSINO OU


CRISE DE PERSPECTIVA?

Há muito se ouve que a formação nos cursos jurídicos enfrenta uma crise, que seus
egressos não têm os conhecimentos necessários ao exercício da advocacia, que não estão
preparados para o mercado profissional, entre diversos outros aspectos. A questão é que a
Constituição da República garante, em seu artigo 205, uma educação de qualidade a todos: “A
educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988, s.p.). Verifica-se
que no contexto educacional estão três perspectivas: o desenvolvimento da pessoa, o exercício
da cidadania e a qualificação para o trabalho. Tais aspectos não podem ficar de lado quando se
fala em ensino jurídico e, por isso, é necessário entender sua crise.

A crise do ensino, da mesma forma que acima se debate, pode não ser uma crise
específica da aprendizagem jurídica, já que perpassa todos os níveis educacionais. Como se
falou anteriormente, pode ser decorrente da cultura jurídica, ou pode ser um problema de
relacionamento social. Nesta seção, entretanto, o foco será unicamente a crise do ensino nos
cursos de Direito do Brasil. A crise do ensino jurídico é coetânea ao Brasil, já que o país nasce
de uma crise importada de Portugal, que desconhece a importância de uma estrutura
universitária aqui, sendo apenas tardiamente criado, em 1827 (BERWIG, 2017) sob a forma de
cursos isolados. Aliás, um descaso inicial com o ensino superior universitário, pois qualquer
análise demonstrará que o Brasil é talvez o último pais, na América Latina, a criar uma
universidade. A pretensão portuguesa de montar um império é construída com o descaso com
políticas públicas de educação, aspecto que conduz os cursos jurídicos a uma preocupação
utilitarista de índole profissional.
183

Os primeiros cursos de Direito, ou de Ciências Jurídicas e Sociais, são criados


tardiamente, em comparação a América Latina, apenas através da Lei Imperial de 11 de agosto
de 1827, a serem instalados em São Paulo e em Olinda. Deve-se considerar que a criação do
primeiro curso jurídico universitário na América Latina ocorre em 1571 na Universidad
Nacional Mayor de San Marcos, em Lima, Peru. E uma universidade, no Brasil, somente é
criada em 1930 com a Universidade de São Paulo (USP), menciona Berwig (2017). Então, a
História do Brasil demonstra que sempre houve um descaso com o ensino universitário, pois
até a sua criação transcorreram mais de quatro séculos. Embora a instituição da República
trouxesse a possibilidade de criação de faculdades livres e instituições particulares que
poderiam funcionar sob a supervisão governamental (NUNES, 2015), estes fatos apenas
reafirmam o descaso existente com uma educação de qualidade.

É no período da ditadura militar que se dá ênfase à criação de universidades,


principalmente federais, nas quais são criados diversos cursos jurídicos. Este período é
acompanhado por experiências isoladas de cursos jurídicos criados em algumas faculdades
normalmente vinculadas a movimentos religiosos. Verifica-se, todavia, que o ensino jurídico
no Brasil foi fundado “[...] sobre a matriz do modelo liberal e em decorrência dessa postura não
ocorreram significativas mudanças na evolução histórica dos cursos de Direito” (NUNES,
2015).

A partir de 1972 há um grande crescimento no número de cursos de Direito e de vagas,


principalmente através da criação de Faculdades de Direito em instituições particulares
(NUNES, 2015, p. 125). Há uma grande difusão de cursos até o final do século 20, quando
passa a ocorrer um maior controle de sua expansão. Normalmente se verifica que há um certo
alarme a respeito da qualidade dos cursos e, em especial, sobre o que se ensina, o modo como
se ensina e quais atributos se espera dos seus egressos.

Todavia, aqui é necessária uma reflexão: o problema é de ensino e de aprendizagem ou


é cultural? São dois aspectos de uma mesma questão que é de grande relevância quando se trata
de olhar para as questões sociais e para os conflitos existentes na sociedade. Por um lado, se
verifica a capacidade técnica de utilizar os instrumentos jurídicos e, por outro, se olha para a
capacidade do sujeito, profissional egresso de um curso jurídico, de olhar para a sociedade e
sentir-se comprometido com ela, ser um sujeito capaz de empreender uma transformação social.
Esse segundo aspecto que torna o sujeito capaz de olhar para a lei abaixo descrita e, da forma
184

como menciona a UNESCO, citada na seção anterior, ser capaz de concretizá-la no âmbito
social.

Para que o sujeito seja capaz de utilizar as ferramentas jurídicas proporcionadas pela lei
e transformar o social, como ocorre no caso dos meios autocompositivos de resolução de
conflitos através da mediação e conciliação, é necessário que a formação seja comprometida
com esse viés. Essa formação, de cunho humanista, é possível e necessária em uma
universidade, como menciona Berwig (2017), pois trata-se não apenas de uma formação
jurídica, mas de uma formação humana que deve ser possibilitada em conjunto com a primeira.
Deve ocorrer a sensibilização para que o sujeito perceba que a formação não é somente
profissional, mas uma formação necessária para a vida em sociedade. E nesse compasso, o
sujeito tem uma formação que o prepara para os novos desafios da consensualidade e menor
conflituosidade. É uma educação que ensina que o processo litigioso não é a melhor solução,
não se preocupa tanto com o ensino operatório-instrumental para a prática judicial, como se ela
fosse o objetivo do ensino jurídico, mas apenas uma possibilidade que não é a mais desejada.
Nada melhor do que resolver com agilidade e menos conflituosidade.

O discurso da crise no ensino jurídico vem acompanhado sempre da referência a baixos


índices de aprovação no Exame de Ordem. Os dados apresentados no informativo Exame de
Ordem em números, contudo, indicam que em 28 edições de Exame de Ordem Unificado,
contabilizam-se 3.555.972 inscrições; 1.077.837 egressos fizeram a prova e houve a aprovação
de 660.298 ou 61,26% (OAB, 2020). Estes dados, segundo a OAB, são realizados a partir do
cadastro de pessoa física (CPF) de cada candidato, demonstrando que 40% foram aprovados na
primeira tentativa; 22%, na segunda; e 13% a realizaram mais de 3 vezes. Esses números
demonstram que não se pode analisar apenas os números da primeira tentativa no Exame, já
que mesmo quem é aprovado posteriormente, teoricamente está preparado para o desempenho
da advocacia, já que aprovado no certame, mas que comprova apenas a capacidade técnica ou
operatório-instrumental.

No contexto da crise, Nunes (2015) afirma que ainda que os dados resultantes do Exame
de Ordem não sejam suficientes para demonstrar que os cursos de Direito não estejam
formando, com êxito, nem profissionais preparados para o mercado, nem habilitados a
disseminar a cultura da paz, demonstram descompasso entre a formação discente e as exigências
profissionais. Frente a isso, a autora menciona que é “[...] importante refletir e buscar ações
educacionais que favoreçam e atendam às inovações legais e sociais, voltadas à realidade
185

mercadológica, a solução consensual de conflitos, ao diálogo, à Mediação, à Conciliação, a


disseminação da Cultura de Paz na área jurídica” (NUNES, 2015, p. 146).

Outra crítica ao ensino do Direito é de que a ampla maioria dos cursos de Direito não
possui uma formação pedagógica docente, de modo que o Direito é ensinado “[...] através da
transmissão dos conteúdos que aprenderam sem ter, de fato, aprendido a ensinar” (VENTURA,
2004, p. 1). A autora indica que os professores universitários são, normalmente, selecionados
pela “didática” do “falar bem”, não decorrendo das competências pedagógicas do educador.
Considera que comunicar não significa, necessariamente, “transmitir” e, este último não
significa “ensinar”. É nesse contexto que se pode defender a ideia de ensino jurídico como
formação humana comprometida com a sociedade (BERWIG, 2017), com os princípios
fundamentais da República e com os direitos fundamentais dos cidadãos (BERWIG, 2019).
Nesta sociedade globalizada e repleta de desigualdades sociais, torna-se imprescindível que o
Direito forme profissionais conscientes do seu papel e que sejam capazes de disseminar a
cultura de paz visando a solução consensual dos conflitos (NUNES, 2015), mas não somente
isso, pois é relevante pensar sobre a atuação jurídica na sociedade.

Dito de outra forma, compreende-se que um ensino jurídico voltado


preponderantemente ao operatório-instrumental não é suficiente para a transformação social e
concretização dos mandamentos constitucionais. “O perfil que se espera do egresso do Curso
de Direito é de um sujeito que se preocupe com a realidade que o envolve e não apenas domine
funções burocráticas e tecnicistas” (NUNES, 2015). Neste contexto entra em pauta a diferença
entre disciplinas dogmáticas e zetéticas, humanísticas ou propedêuticas. Essas últimas são
previstas na grade curricular para dar o viés mais filosófico, sociológico e antropológico ao
estudo do Direito, enquanto que as disciplinas dogmáticas são as que revelam o Direito positivo.
Estas últimas, sozinhas, “[...] não desenvolvem o senso crítico e o raciocínio do jurista, visto
que ele, quando restrito à dogmática, acaba ficando preso ao texto a lei” (ALMEIDA; SOUZA;
CAMARGO, 2013, p. 20) apenas, destituído desse compromisso social.

A questão é que a organização dos cursos de Direito reforça o aspecto limitado do


ensino, normalmente porque é o aspecto instrumental que predomina na organização curricular.
“[...] Com esse dogmatismo, os cursos jurídicos têm formado profissionais incapazes de
perceber a dimensão real dos problemas com os quais terão de lidar” (ALMEIDA; SOUZA;
CAMARGO, 2013, p. 21), aspecto que não pode ser desconhecido.
186

Mesmo a previsão de uma obrigatória ênfase propedêutica, a partir das Diretrizes


Curriculares Nacionais, nos cursos de Direito, tal previsão não parece ser o suficiente para
modificar o atual panorama. As disciplinas capazes de contribuir para uma compreensão crítica
e interdisciplinar do Direito são sistematicamente “isoladas” em grades curriculares engessadas
e ficam renegadas a apêndices desnecessários, de forma que há pouca integração com as demais
disciplinas jurídicas (ALMEIDA; SOUZA; CAMARGO, 2013). Os autores entendem que essa
crise seria potencialmente resolvida com maiores interações entre as disciplinas destinadas a
uma formação social e humanista, mas é possível desenvolver atividades distintas de
sensibilização discente para demonstrar que o ensino não é apenas transmissão de conteúdos e
que a aprendizagem não é mera repetição. Trata-se de modificar o vício de aprendizagem que
é desenvolvido a partir da educação básica e que apenas agudiza no ensino superior.

Outro fator, segundo os autores, que poderá contribuir para uma formação mais
humanitária, e não meramente técnica, é a contratação de docentes em regime de dedicação
exclusiva. Isto porque a docência não pode ser apenas uma “segunda profissão”, ou algo
complementar para profissionais que já possuam carreira consolidada como promotores, juízes
e membros de outras carreiras jurídicas. O ensino jurídico carece de profissionais que façam do
ensino a sua “profissão principal”, devendo haver um equilíbrio na contratação desses dois tipos
de profissionais (ALMEIDA; SOUZA; CAMARGO, 2013), de forma que

[...] abre-se espaço para a contratação, pelas instituições de ensino, de professores com
dedicação integral e titulação acadêmica, e reduz-se o espaço de atuação dos
profissionais da área jurídica que têm na docência sua segunda atividade. Contudo,
um curso de Direito não pode prescindir de um ou de outro tipo de docente, embora
deva saber equilibrar a distribuição desses atores em sua oferta, não só considerando
as exigências formais do MEC, mas também um projeto pedagógico que valorize a
pesquisa e a dedicação acadêmicas (a cargo preferencialmente dos professores de
tempo integral e maior titulação acadêmica), sem abrir mão da interação com o mundo
prático-profissional (a cargo, preferencialmente, dos profissionais que também são
docentes, sendo indispensável, mesmo nesses casos, a titulação acadêmica)
(ALMEIDA; SOUZA; CAMARGO, 2013, p. 26).

Considera-se que o ensino do Direito não envolve apenas a reprodução de conteúdos,


pois “[...] a função principal do professor é problematizar a realidade para, calcado nesta
premissa, apontar caminhos, despertar a consciência, possibilitando a transformação do meio
social” (NUNES, 2015, p.141). Essa problematização, entretanto, deve aproximar o aluno da
realidade, desenvolver o pensamento crítico-reflexivo à medida que ele desenvolve a
capacidade de pensar, de refletir sobre as situações reais, mas não somente isso, que ele tenha
propósito. Ao se falar em cultura da paz como possibilidade da formação jurídica é importante
187

pensar na proposta do curso, que não prepondere apenas o viés dogmático, mas que estejam os
docentes preparados para uma experiência mais humanizada, e não somente um ensino técnico,
mas principalmente, que o aluno esteja com o pensamento aberto a novas aprendizagens que
possibilitem o compromisso da transformação social. Não se trata de um aprender a ensinar,
mas um aprender a aprender por arte dos alunos para que os egressos do curso de Direito não
se tornem meros reprodutores de conteúdos jurídicos e consigam ser capazes de pensar e refletir
acerca das mais diversas temáticas e atuar para a concretização dos valores fundamentais da
República, de forma transformadora.

É a partir desse contexto que uma proposta de ensino jurídico com formação que opera
nas três perspectivas apresentadas, o crítico-reflexivo, o hermenêutico e o operatório-
instrumental, ganha espaço. Ela se consolida preocupada com o desenvolvimento de
competências cognitivas, instrumentais e interpessoais, de forma que além de conhecer, o
egresso saiba utilizar a capacidade operatório-instrumental, mas com responsabilidade social e
interrelacional.

CONCLUSÕES

Na perspectiva de olhar para a formação jurídica, verifica-se que talvez não seja o caso
de se falar em necessidade de reforma da educação superior em Direito no Brasil, mas olhar
para as finalidades de uma formação jurídica com a transformação da sociedade para a
concretização de uma República que realize os princípios fundamentais estabelecidos nos
artigos introdutórios da Constituição da República. Não se trata, portanto, da preponderância
de uma visão ortodoxa que compreenda que a formação jurídica ocorre apenas através de uma
visão utilitarista na qual prepondere o operatório-instrumental. Seria interessante chegar a um
consenso sobre o futuro que se quer no Brasil, pois a formação utilitarista parece não ser o meio
para a concretização de uma sociedade menos desigual e com maior justiça social.

A partir desse aspecto, pode-se responder aos questionamentos iniciais colocados a


título de problemática. No primeiro aspecto, sobre a formação jurídica com uma preocupação
com o humano e o social em contraposição ao meramente instrumental, pode-se dizer que a
formação atende a sua finalidade quando se tem alguém que pensa na sociedade como um todo.
Como se apresentou no decorrer da exposição, a Constituição da República estabelece a
sociedade que se quer, mas para concretizar seu desejo é necessário que as pessoas tenham um
188

senso crítico-reflexivo e a capacidade hermenêutica para compreender o próprio ordenamento


jurídico constitucional.

No segundo aspecto, se pensar uma sociedade menos litigiosa não demandaria uma
formação mais humanista, deve-se concordar. O humanismo é um contrabalanço ao operatório-
instrumental, de forma que se estará desenvolvendo atributos relacionais que despontam em um
aprimoramento das relações sociais.

No terceiro aspecto, pode-se dizer que uma preocupação menos instrumental e mais
relacional talvez até possa conduzir a uma sociedade mais humana e preocupada com a
solidariedade. Essa consideração vem pautada na ideia de que a formação jurídica não necessita,
obrigatoriamente, formar juristas que se dediquem a lide forense ou até mesmo extrajudicial. A
formação, neste aspecto, é um ingrediente que possibilita a participação cidadã, de forma que
se deseja um grande contingente populacional com formação superior. Deve-se considerar que
o Brasil tem uma bela Constituição Federal, seus princípios concretizados possibilitariam uma
sociedade perfeita. Ocorre que nem mesmo os juristas têm se preocupado com as questões
humanas, e o ensino jurídico, ao ter uma preocupação essencialmente instrumental, também
deixa de lado essa preocupação.

No quarto aspecto, se pensa que uma base filosófica para o ensino jurídico é essencial
ao pensamento crítico-reflexivo. Dessa forma, ao se falar em uma perspectiva distinta para os
cursos jurídicos, se pensa que que a base filosófica é necessária para complementar as
dimensões anteriormente expostas.

A respeito das duas hipóteses levantadas, pode-se dizer que é preciso considerar as
diferentes perspectivas pelas quais se pode considerar uma crise e que o pensamento é o
responsável por produzir diferentes formas de interpretar os fatos e acontecimentos, de modo
que os aspectos que acima foram abordados, permitem olhares distintos sobre a realidade.
Considera-se a primeira hipótese verdadeira, pois o ensino jurídico deve permitir compreender
a pluralidade proporcionada pelo conhecimento. Assim, considera-se apenas parcialmente que
exista uma crise na educação superior em Direito, pois no Brasil se formam juristas com
excelente visão jurídica e, mesmo que nem todos passem em uma avaliação do Exame de
Ordem, ainda assim é preferível que se tenha um maior número de pessoas com formação
superior no país. Basta ver que o ensino jurídico forma bons profissionais que, inclusive, se
destacam no meio jurídico. Talvez seja o caso de buscar uma educação que tenha uma
preocupação mais voltada à sociedade, como se mencionou no artigo. E nesse sentido, a
189

segunda hipótese segue na mesma linha. Uma forte base filosófica poderia conduzir a uma
maior reflexão sobre os problemas da sociedade e, neste sentido, conduzir a um viés menos
utilitarista. Este é um dos aspectos necessários a uma boa formação, a aproximação à realidade
para que o jurista possa desenvolver seu pensamento crítico-reflexivo.

Dessa forma, o egresso do curso de Direito deverá ser alguém que se coloque
socialmente como alguém que, para além conhecer os meandros legais, seja capaz de
externalizar a preocupação com a realidade vivida, colocando em pauta a necessidade e a
importância de uma menor litigiosidade para uma sociedade melhor. Nesse contexto se resgata
a ideia inicial apresentada a partir da compreensão da UNESCO de que não adianta baixar leis
formais, mas é necessário que os juristas tenham uma feição humana. É nesse contexto que se
apresentou as três perspectivas de formação, o crítico-reflexivo, o hermenêutico e o operatório-
instrumental, para demonstrar que o ensino não é só conteúdo. Há necessidade de que o jurista
conheça, aplique e se relacione, concretizando as competências cognitivas, instrumentais e
interpessoais.

Nesse contexto, poderá ser falar em resolução consensual de conflitos como uma
alternativa extremamente viável em múltiplas áreas do conhecimento. Ao se recordar o exemplo
da ineficiência da estrutura jurisdicional, pode-se dizer que esta capacidade pode ser
desempenhada de forma preventiva para que não se transformem em litígios os conflitos. Esse
aspecto depende de uma formação integral, que desenvolva todos esses aspectos acima
enunciados. É nesse contexto que se acredita que é possível superar a cultura do litígio que paira
na sociedade brasileira, nomeadamente através da educação para a paz ou para uma menor
litigiosidade.

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Paulo: Editora Palas Athena, 2008.
192

AUTOPLÁGIO E EDUCAÇÃO JURÍDICA NO SÉCULO XXI: É


POSSÍVEL SUPERAR A CULTURA DA REPRODUÇÃO?

Tayna Silva Cavalcante1

RESUMO

O presente artigo, por meio do método Histórico, da técnica da revisão bibliográfica e do flerte
com pesquisas decoloniais, almeja refletir em que medida a prática de autoplágio colabora com
a manutenção da crise da educação jurídica brasileira. Visto que, a educação jurídica brasileira
está cada vez mais sendo moldada sob o viés do modelo de produção capitalista, norteado pela
ideologia neoliberal, a qual prega um verdadeiro culto à efemeridade, ao individualismo e à
meritocracia. Logo, desvelar os mecanismos ideológicos que retroalimentam essa questionável
ambientação acadêmica. Possibilitará a compreensão desse histórico e pouco elucidado
fenômeno, que há anos vem enfraquecendo a credibilidade das pesquisas acadêmicas no âmbito
jurídico no Brasil. Além disso, busca-se fortalecer a importância de estudos voltados para um
ostensivo diálogo entre saber pedagógico e conhecimento iuris. Nesse sentido, para alcançar
uma resposta válida e metodologicamente comprovável, julgou-se imprescindível elucidar o
que significa plágio e autoplágio, desnudar as interfaces da crise do ensino do direito brasileiro
no século XXI e por fim demonstrar como a inserção de novos recursos didáticos-pedagógicos
poderá auxiliar na reconstrução e na ressignificação do ensino-aprendizagem do Direito, com
foco em abordagens multidisciplinares, transdisciplinares e no correto uso de tecnologias
educativas, em uma postura de total enfrentamento a nociva cultura da reprodução.

Palavras Chave: Educação Jurídica Brasileira. Autoplágio. Recursos Didáticos-Pedagógicos.

1 INTRODUÇÃO

O poema “José” de Carlos Drummond de Andrade, mesmo passado mais de 70 anos de


sua publicação, permanece atual. Não à toa, “O período no qual o poema foi escrito era de
tensão, medo, repressão política e incertezas em relação ao futuro” (SILVA, 2019, p. 66). O
que, por sua vez, implicou na construção de um personagem icônico. Posto que, José apresenta
questionamentos que “[...] são inseparáveis da condição humana. ” (SILVA, 2019, p. 66). Nesse
sentido, sabendo-se que “A arte, em especial a literatura, é um espaço propício para que as
tensões e frustrações humanas possam ser descarregadas. ” (SILVA, 2019, p. 66). E que “[...]

1
Ligante da Liga Jurídica Acadêmico-Criminal - LAJUC (atua no grupo de pesquisa sobre política criminal).
Especialista em Direito Penal/Criminologia e em Direito Processual Civil. Membro da comissão de Educação
Jurídica e da Defesa pela Liberdade Religiosa da OAB/PA. Realiza pesquisas científicas e palestras sobre
Educação jurídica, Metodologias Ativas e temas relacionados à criminologia crítica.
193

ainda persiste uma contraproducente e colonial forma de ensinar o Direito. ” (CAVALCANTE,


2020, p. 201) no Brasil.

O presente estudo almeja refletir sem a mínima pretensão de exaurir o tema sobre em
que medida a prática de autoplágio colabora com a manutenção da crise da educação jurídica
brasileira. Visto que, a educação jurídica brasileira está cada vez mais sendo moldada sob o
viés do modelo de produção capitalista, norteado pela ideologia neoliberal, a qual prega um
verdadeiro culto à efemeridade, ao individualismo e à meritocracia.

Logo, desvelar os mecanismos ideológicos que retroalimentam essa questionável


ambientação acadêmica. Impregnada por ofertas de “ilusões” (JUNQUEIRA, 1999, apud
ROSA, 2016, p. 02) aparentemente inocentes e despretensiosas. Possibilitará a compreensão
desse histórico e pouco elucidado fenômeno (BEDÊ; MESQUITA; PUCCI, 2018), que há anos
vem enfraquecendo a credibilidade das pesquisas acadêmicas no âmbito jurídico no Brasil.
Além disso, busca-se fortalecer a importância de estudos voltados para um ostensivo diálogo
entre saber pedagógico e conhecimento iuris. Vislumbrando materializar teoria e prática
jurídica.

Eis que, “[...] essa lógica de mera reprodução do pensamento autorizado, tão refratária
à inovação, embora seja engendrada desde os bancos de graduação, curiosamente, tende a se
perpetuar, mesmo após o ingresso desses estudantes na pós-graduação. ” (BEDÊ; MESQUITA;
PUCCI, 2018, p. 1209). Fato este no mínimo preocupante, já que é justamente nos cursos de
pós-graduação que são formados os professores que atuarão no ensino superior. Deste modo,
vem à baila a seguinte indagação: Será que é possível propiciar uma formação crítica e
emancipadora, ancorada em multilinguagens e em multisaberes adotando um modelo
educacional colonial, majoritariamente prussiano, baseado em números e em práticas
pedagógicas bolorentas?

A mais disso, da leitura de Amaral Filho (2018) depreende-se que hodiernamente os


pesquisadores, notadamente os das Ciências Humanas estão submersos em um cenário caótico
marcado por uma espécie de ditadura psicológica para que produzam e publiquem suas
pesquisas em tempo recorde. Entendido sob a ótica de (ZUIN; BIANCHETTI, 2015, apud
BEDÊ; MESQUITA; PUCCI, 2018, p. 1212) como um beco sem saída marcado pelo o adágio
do “publique ou pereça”.

Portanto, ao olvidar-se a existência das vicissitudes e variáveis ínsitas aos fenômenos


sociais, abre-se margem para o fortalecimento de estudos plásticos, fragmentados e divorciados
194

da realidade social. Destarte, “tal exigência em produzir textos em abundância não se coaduna
com a própria capacidade das revistas acadêmicas e das editoras universitárias em absorver
tamanha demanda” (AMARAL FILHO, 2018, p. 9).

Em razão disso, veio a lume a necessidade de refutar toda e qualquer estratégia


educacional anacronicamente calcada na busca por formar “‘pesquisadores-copistas’, isto é,
pensadores incapazes de pensar, desapossados de sua razão intrínseca de ser destituídos de sua
autoconsciência, convertidos em meras máquinas de produção [...]” (BEDÊ; MESQUITA;
PUCCI, 2018, p. 1210). Consequentemente tornando a ciência como um fim em si mesma.

Nesse cotejo, para alcançar uma resposta válida e metodologicamente comprovável,


julgou-se imprescindível elucidar o que significa plágio e autoplágio, desnudar as interfaces da
crise do ensino do direito brasileiro no século XXI e por fim demonstrar como a inserção de
novos recursos didáticos-pedagógicos poderá auxiliar na reconstrução e na ressignificação do
ensino-aprendizagem do Direito, com foco em abordagens multidisciplinares,
transdisciplinares e no correto uso de tecnologias educativas, em uma postura de total
enfrentamento a nociva cultura da reprodução. Levando em conta que “O trabalho escolar é a
forma institucionalizada do trabalho pedagógico secundário, é homogêneo e detém
instrumentos de controle tendentes a garantir a ortodoxia, contra a individualidade. ”
(BOURDIEU; PASSERON, apud ROSENDO, 2009, p. 13).

Nessa senda, o caminho metodológico adotado perfez-se do uso do método Histórico e


da técnica da revisão bibliográfica. Caracterizando assim, a existência de uma investigação
científica descritiva-explicativa, no que tange aos objetivos ora perquiridos. E caracterizando-
a como teórica, ou seja, "lastreada em farta, pertinente e atualizada bibliografia” (FINCATO;
GILLET, 2018, p. 49), posto que, por meio de uma incursão histórica e de uma detida análise
doutrinária e legislativa será possível contextualizar a temática central abordada (prática de
autoplágio), bem como enaltecer a importância do saber pedagógico como ferramenta de
enfrentamento desse problema.

2 A NOCIVIDADE DAS PRÁTICAS DE PLÁGIO E AUTOPLÁGIO PARA A CIÊNCIA


E PARA A CIÊNCIA DO DIREITO

Investigações científicas apontam que a criação da prensa pelo alemão Johannes


Gutenberg por volta do ano de 1450, meados do século XV. Foi um divisor de águas para o que
anos depois viria a ser considerado o direito fundamental à tutela e salvaguarda dos direitos
195

autorais. Uma vez que, até aquele momento não havia uma preocupação jurídica explícita no
sentido de garantir o livre exercício dos direitos inerentes à produção, reprodução, divulgação,
registro dentre outros referentes a obras artísticas, literárias, musicais e afins produzidas por
seus autores, quer seja de forma individual, quer seja em parceria.

Nesse contexto, registros históricos de punição ao ato de plagiar podem ser encontrados
nos códex da Inglaterra o “Statute of Anne (Estatuto da Rainha Ana), datada de 1710. Esta lei
disciplinava a concessão de patentes de impressão e direito de cópia por um determinado
período, após o qual a obra cairia em domínio público. ” (BABINSKI, 2015, p. 06). Em seguida
na França o “Decreto datado de 24 de julho de 1793, regularam-se os direitos de propriedade
dos autores de escritos de todo o gênero, do compositor de música, dos pintores e dos
desenhistas” (BABINSKI, 2015, p. 06). Mais de um século depois destaca-se a “Convenção
Internacional para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas, realizada em Berna, na Suíça,
em 9 de setembro de 1886. ” (BABINSKI, 2015, p. 06).

O Brasil passou a prevê a tutela e salvaguarda dos direitos autorais a partir do ano de
1827, mesmo ano da fundação do curso de direito no Brasil, oriundo do Decreto-Lei 11.036-A
de 11 de agosto (BABINSKI, 2015). Atualmente a matéria é tratada na Constituição Federal de
1988 no art. 5°, inciso, XXVII, no Código Civil de 2002, pela lei federal 9.610/98, bem como
em outras leis infraconstitucionais. No Código Penal Brasileiro o art. 184 descreve o crime de
violação aos direitos autorais além de detalhar algumas modalidades da prática. Vejamos o
inteiro teor do dispositivo legal:

Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: Pena – detenção, de 3 (três)
meses a 1 (um) ano, ou multa. § 1º Se a violação consistir em reprodução total ou
parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de
obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do
autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem
os represente: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. § 2º Na mesma
pena do § 1o incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende,
expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou
cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor,
do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma,
ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa
autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente. § 3º Se a violação
consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou
qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção
para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a
demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme
o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de
quem os represente: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
196

Descendo ao nível do detalhe, segundo (AURÉLIO, 2021, não paginado) plágio é a


“Ação ou efeito de plagiar, de expor ou de mostrar uma obra intelectual de outra pessoa como
se fosse de sua própria autoria”. Em termos jurídicos consta a informação que é a “Apresentação
que alguém faz de algo, como se fosse de própria autoria, quando na verdade foi criado ou
pertence a outrem; cópia, imitação: plágio de um livro, trecho de música, de uma pintura etc.”
(AURÉLIO, 2021, não paginado). Sua origem vem “Do grego plágios.a.on. ”. Ainda consta que
“Plágio é sinônimo de: plagiato, contrafação, imitação, cópia” (AURÉLIO, 2021, não
paginado). Enquanto isso, autoplágio, por sua vez, significa a conduta de publicar escritos como
se fossem inéditos, ou seja, o autor utiliza-se do inteiro teor ou de fragmentos de suas obras
para (re)divulgá-las em diferentes meios de comunicação, sem a devida referenciação.

À vista disso, induz leitores e editores a erro, posto que estão tendo acesso a materiais
que não são compreendidos como inéditos. Compartilhando desse entendimento, infere-se de
Dias e Eisenberg (2015) que a ação de autoplágio bem como de plagiar ocasiona a própria
diluição do poder de fala e criticidade de quem escreve, uma vez que a não prática de questionar,
criar, duvidar e analisar holisticamente a realidade que o cerca, obstaculiza a própria construção
da noção de homem como sujeito pensante e potencialmente capaz de transformar o seu meio
social.

Daí a importância e relevância jurídica de se garantir os direitos de “utilização,


publicação e reprodução” (MARTINS, 2017, não paginado) das obras criadas por seus autores
de forma legal, moral e ética. Nessa senda, a revista Veja (2018) apresenta um quadro
explicativo de quais são as principais práticas de plágio e autoplágio existentes no mundo.
Notemos:
197

Fonte: (TURNITIN, apud VEJA, 2018).

Vale ressaltar, que a discussão norteadora desse estudo é a prática de autoplágio. Eis
que, em que pese não seja considerada um crime em sentido formal (não há previsão legal).
Trata-se de um problema grave que assola as pesquisas acadêmicas hodiernas (FURLANETTO;
RAUEN, SIEBERT, 2018). Nesse escopo, da leitura de Bedê; Mesquita e Pucci (2018, p. 117)
conclui-se que a atitude consciente e deliberada de não referenciar publicações anteriores
ocasiona inúmeras consequências epistemológicas para a Ciência do Direito pois “[...] dá azo a
publicações superficiais e que, possivelmente, não tenham uma carga de valor tão expressiva
perante a realidade.”.

Outrossim, à luz das reflexões de (FOUCAULT, 1996 apud MAURÍCIO, 2019, p. 43)
tal anacronismo acadêmico é a reverberação crassa da absorção do pensamento capitalista
neoliberal, ao ponto de fazer emergir apáticos e pacíficos “homo economicus”. Além disso, das
ponderações de Amaral Filho (2018) assimila-se que apesar de no século XXI as pessoas terem
acesso às mais diversas formas de tecnologias e informações em tempo real, diametralmente
vem aumentando o número de publicações rasas e desvencilhadas de rigor científico, um dos
motivos é a forte tendência a sacralização do tempo como parâmetro de produção acadêmica,
198

ao ponto dos indivíduos não conseguirem desenvolver um estilo próprio de escrita, muito menos
identificar qual é o público alvo que lerá e difundirá seus escritos.

Ademais, ainda sob o olhar filosófico de Amaral Filho (2018, p. 04) conclui-se que o
transe hipnótico pela busca por uma “[...] pontuação no Currículo Lattes, em detrimento da
efetividade cognoscitiva [...]” repercute no recrudescimento de ideologias colonialistas
escamoteadas de pseudos neutralidades científicas. Coadunando com esse entendimento
(BOURDIEU; PASSERON, apud ROSENDO, 2009, p. 10) denunciam que para além de uma
função integrativa e mantenedora dos valores sociais “a função de um trabalho pedagógico
eficaz é a de inculcar hábitos que façam esquecer os fundamentos arbitrários da cultura
dominante [...]”. Desse modo, a saída para a obtenção de uma educação realmente libertadora
começaria pela “[...] eliminação da fronteira entre trabalho pedagógico tradicional implícito e
trabalho racional explícito" (BOURDIEU; PASSERON, apud ROSENDO, 2009, p. 12).

2.1 ANACRONISMOS E AUTO SABOTAGENS: AS INTERFACES DA CRISE DO


ENSINO DO DIREITO BRASILEIRO NO SÉCULO XXI

Os registros históricos que versam a despeito do desenvolvimento da cultura


educacional no Brasil, notadamente os de matriz decolonial apontam que a imposição do modo
de vida e visão de mundo lusitano ocasionou consequências sociais, culturais e políticas
sentidas até hoje, quer seja de forma explícita, quer seja de forma simbólica. Uma vez que, “[...]
nos levou a recepcionar uma ‘caixa educacional’ pronta para ser implantada a qualquer custo
[...].” (CORREIA; REBOUÇAS, 2013, p. 528).

No que se refere ao estudo do direito. O decreto-lei 1.036A de 11 de agosto de 1827,


assinado pelo imperador Dom Pedro I. Possuía um texto muito claro no sentido de indicar quais
motivações econômicas e políticas foram cruciais para a implantação dos primeiros cursos de
ciências jurídicas no solo brasileiro (localizados em Olinda e São Paulo). Dentre elas destaca-
se a necessidade de preencher os cargos públicos recém criados e formar uma elite intelectual
apta a gerir os interesses das classes detentoras do poder econômico.

Nesse viés, das análises de Cavalcante (2020) verifica-se que um projeto


pedagogicamente adequado à realidade brasileira não foi levado em consideração, até porque o
foco não era possibilitar melhores condições de vida, emprego e renda para todos os habitantes
do império, mas sim re(legitimar) a atuação das instituições vigentes de cunho notoriamente
patriarcal e baseada na supervalorização da propriedade privada.
199

Diante o exposto, a literatura jurídica pátria contemporânea evidencia os pontos de


choques e tensões deixados ao longo da trajetória do desenvolvimento dos cursos de direito no
Brasil. Pois, não obstante a existência de pontuais e inovadoras modificações curriculares
nesses mais de 190 anos, as práticas em termos de didática e ensino-aprendizagem possuem
anacronismos que não mais podem ser aceitos em pleno século XXI.

Outrossim, repisa-se que sufocar e “[...] limitar o ensino com soluções que, já
consolidadas, podem não ser mais as garantias de amanhã [...]” (MACHADO; GONÇALVES;
POZZATTI JÚNIOR, 2008, p. 543). Pode ser perfeitamente compreendido como um ato
ignóbil de compactuar com a existência de ambientações acadêmicas contra producentes e
refratárias. Ademais, “[...] a transformação do sistema escolar está intimamente ligada à
transformação da estrutura das relações de classe” (BOURDIEU; PASSERON, apud
ROSENDO, 2009, p. 17). Diante do explanado, (HUBERT, 2013) com maestria aduz quais são
os principais entraves epistemológicos existentes na educação jurídica.

[...] a ideologia da competência (competitividade), como intrínseca ao ideário


capitalista; a reprodução da linguagem hermética, dita culta, que constitui escrita e
fala dos operadores do direito, e que trabalha, indubitavelmente, dificultando o acesso
efetivo dos cidadãos pobres ao universo jurídico; e a natureza dos métodos de exame,
nos quais, sente-se, reside um teor positivista a histórico (HUBERT, 2013 p. 462-463).

Ratificando essa explanação, das ponderações de Sá (2013) nota-se que a extensa carga
horária de estudos dogmáticos ofusca a essencialidade do estudo de matérias de cunho
propedêutico, o que, por sua vez, reverbera negativamente na formação dos estudantes, pois a
falta de equilíbrio entre as disciplinas dificulta o desenvolvimento pleno de habilidades e
competências advindas de experiências extramuros e pesquisas in loco.
Situação essa retroalimentada sob a égide do “[...] neotecnicismo, o qual implica as
noções didática/currículo através da composição de modelos estritamente formais de avaliação
ancorados precisamente no alcance de resultados” (SCHMIDT, 2013, p.428). Portanto,
desocultar (HEBERT, 2013) essas interfaces da crise da educação jurídica é um passo crucial
na busca por soluções didático-pedagógicas para a superação do problema. Por isso, defende-
se que debruçar-se sobre a prática de autoplágio sem dúvidas auxilia ativamente neste intento.

3 METODOLOGIA DA PESQUISA

Tendo em vista que, “[...] desencastelar a educação jurídica pátria dos grilhões da
dogmática [...]” é algo vital (CAVALCANTE, 2020, p. 207), bem como de que a prática de
200

autoplágio não é um fenômeno recente no Brasil, notadamente na comunidade acadêmica iuris.


O caminho metodológico adotado no presente estudo perfez-se do uso do método procedimental
Histórico e da técnica da revisão bibliográfica.

Caracterizando assim, a existência de uma investigação científica descritiva-explicativa,


no que tange aos objetivos ora perquiridos. E caracterizando-a como teórica, ou seja, "lastreada
em farta, pertinente e atualizada bibliografia” (FINCATO; GILLET, 2018, p. 49), posto que,
por meio de uma incursão histórica e de uma detida análise doutrinária e legislativa se tornou
possível contextualizar a temática central abordada (prática de autoplágio), bem como enaltecer
a importância do saber pedagógico como ferramenta de enfrentamento desse problema.

Isto posto, Marconi e Lakatos (2003, p. 106) declinam que a vantagem de se utilizar o
método supramencionado cinge-se ao fato de possibilitar preencher “[...] os vazios dos fatos e
dos acontecimentos, apoiando-se em um tempo, mesmo que artificiosamente reconstruído, que
assegura a percepção da continuidade e do entrelaçamento dos fenômenos. ” Dito de outro
modo, “consiste em investigar acontecimentos, processos e instituições do passado para
verificar a sua influência na sociedade de hoje [...]” (MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 106).

Em relação à técnica utilizou-se a revisão bibliográfica “[...] devido ao fato de ter permitido
otimizar o tempo necessário para a realização da consulta e comparação dos escritos que versam
sobre a problemática aqui trabalhada” (CAVALCANTE, 2020, p. 207). Nesse turno, Marconi
e Lakatos (2003, p. 174) explicam que "Técnica é um conjunto de preceitos ou processos de
que se serve uma ciência ou arte [...]". Desse modo, após uma leitura exploratória, seletiva,
analítica e finalmente interpretativa (MARCONI; LAKATOS, 2003) de escritos que versavam
sobre plágio, autoplágio, educação jurídica brasileira e práticas de ensino-aprendizagem na
contemporaneidade encontrou-se o substrato teórico do estudo.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES: A INSERÇÃO DE NOVOS RECURSOS


DIDÁTICOS-PEDAGÓGICOS NO PROCESSO DE RECONSTRUÇÃO E
RESSIGNIFICAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM DO DIREITO NO BRASIL

O referencial teórico aponta que o modelo de ensino implantado no Brasil é


caracterizado por ser “plástico, colonial, opressor e que adoece as pessoas, haja vista, serem
programadas desde a tenra idade, para hostilizar o diferente, o desafiador, ou seja, vivências e
saberes não hegemônicos” (CAVALCANTE, 2020, p. 208).
201

Em razão disso, no que toca à educação jurídica tem-se que superar os anacronismos
inerentes a uma histórica “educação bancária; ensino e avaliação baseados na memorização:
pesquisa (ou não pesquisa) baseada na reprodução [...]” (PETRY, 2017, p. 77). É um passo
necessário para o atingimento do complexo processo de ressignificação da cultura jurídica
brasileira.

Nesse diapasão, “Considerando a angústia como principal motivador para a escrita do


poema “'José', podemos dizer que Drummond se angustiava e se inquietava com o cenário
político e social de sua época. [...] (SILVA, 2019, p. 66). Nesse passo, o estudo ora delineado
comprometeu-se em perquirir as bases ideológicas que sustentam as práticas de autoplágio
dentro das pesquisas jurídicas brasileiras. A resposta fundamentadamente obtida revela que as
nuances do pensamento neoliberal ao penetrarem sorrateiramente nos espaços acadêmicos,
notadamente jurídicos.

Impôs uma busca selvagem pelo atingimento do eficientíssimo e do progresso, por meio
da outorga ao tempo, como marco regulatório inconteste e “apto” a mensurar o
desenvolvimento e difusão do conhecimento, todavia tal “compromisso” com o saber não passa
de mais uma ferramenta velada de instrumentalização e mercantilização, quiçá de escravização
intelectual. Assim, o autoplágio pode ser elucidado como um reflexo do culto à
competitividade, em que se forja uma ideia de meritocracia e livre oportunidade para todos,
também chamada de ideologia do dom (BOURDIEU; PASSERON, apud ROSENDO, 2009).
Logo, alinhada as facilidades ofertadas pelos recursos tecnológicos, a prática de autoplágio
apresenta-se como um atalho muito tentador, em comparação ao tempo que seria depositado
em uma jornada epistemológica repleta de etapas, revisões, análises e reanalises, enfim
eminentemente científica. Enaltecendo esse entendimento, cita-se as palavras de Correia e
Rebouças (2013):

Em primeiro lugar, o neoliberalismo eleva o consumo e o mercado como um meta-


valor, cambiável em todas as relações. A erradicação da pobreza e a inclusão social
são enfrentados por um programa de transferência de renda, para gerar consumo. O
desenvolvimento econômico de espécie passa a ser gênero, neutralizando a discussão
das demais facetas do desenvolvimento, como o desenvolvimento político e cultural.
As relações pessoais também são medidas por consumo e todos passam a ser vistos
como clientes ou consumidores que devem, a qualquer custo, serem conquistados. O
neoliberalismo não nos faz analisar e discutir nossas necessidades e prioridades. Tudo
é necessário, desde que seja consumível (CORREIA; REBOUÇAS, 2013, p. 534).

Além do mais, outro ponto relevante de análise é a percepção de que há uma forte
tendência em políticas “[...] de privatização do ensino, sectarizando e excluindo cada vez mais
202

as classes precárias das bases do ensino público, gratuito e de qualidade” (CORREIA;


REBOUÇAS, 2013, p. 529). Em razão disso, “Se antes nos alarmávamos diante da
mercantilização da educação, hoje, fato consumado, ficamos boquiabertos com a
mercantilização da própria produção do conhecimento. ” (AMARAL FILHO, 2018, p. 08). Daí
a dificuldade em ressignificar a educação jurídica, compreender o que é de fato método
científico, bem como superar a cultura da reprodução.

Por outro lado, e justamente nesse cenário de desalento, desesperança e apreensão sobre
o futuro que brotam alternativas didático-pedagógicas hábeis a emancipar docentes e discentes
das amalgamas utilitaristas e volúveis do mercado. Dentre elas destacam-se as metodologias
ativas, uma vez que seus postulados teóricos e práticos vislumbram empoderar os diferentes
agentes envolvidos no complexo processo de ensino-aprendizagem. Por meio de uma releitura
das formas de avaliação, absorção e repasse dos conteúdos, estimulo à criatividade à ludicidade,
ao compartilhamento de vivências, ao uso adequado e legal de tecnologias educativas etc.
(CAVALCANTE, 2020). Tendo em vista que.

O compromisso com uma sociedade melhor, mais igualitária, libertária, não sexista,
homofóbica, machista e consumista é uma pauta do ensino e do direito que não pode
ser mais adiada. É preciso resgatar a criticidade do jurista e fazê-lo empunhar as
bandeiras de luta que tão silenciosamente o tecnicismo soube desqualificar (e jogar
para as outras áreas do saber.) (CORREIA; REBOUÇAS, 2013, p. 538).

Alinhando a esse raciocínio, dos estudos de Maurício (2019) tem-se que é extremamente
importante construir um ambiente acadêmico saudável, pois quanto maior for a pressão para
produzir, maior será a frustração, o sentimento de impotência e de não pertencimento aos grupos
dos ditos potencialmente produtivos. Isto posto, para muito além da importância da adaptação
e/ou atualização dos materiais didáticos e da própria rotina acadêmica repisar-se:

A formação de profissionais do direito comprometidos com a transformação da


sociedade pressupõe que durante a formação universitária, os estudantes vivenciaram
experiências práticas junto a comunidades, movimentos sociais e outros personagens
sociais para os quais o contato com a realidade de jurídica só se verifica de forma
negativa, por meio da negação de direitos (SÁ, 2013, p. 593).

Diante o anteriormente exposto, permitir vivências reais e um diálogo ostensivo entre


saber pedagógico e saber iuris possibilitará descortinar muitas ideologias escusas que
infelizmente prejudicam o desenvolvimento de um ensino-aprendizagem regular e saudável.
Outrossim, chamar à baila debates em torno do autoplágio dentro dos cursos de graduação e
pós-graduação fará com que professores e estudantes tenham a oportunidade de enfrentar a
203

problemática de forma mais humanizada e realista, pois como bem afirmam Bedê; Mesquita e
Pucci (2018) muitos acadêmicos não tem acesso a eventos, palestras, cursos e afins que
abordam o plágio e autoplágio de forma sistemática e detalhada, com isso muitos acabam que
por cometê-los sem ter informações mínimas a respeito das consequências advindas do ato.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pandemia de Covid-19 descortinou uma série de contrastes sociais há anos ignorados


por muitos setores da sociedade brasileira. E em termos educacionais não foi diferente. Desse
modo, vem colocando em xeque os paradigmas políticos, sociais, de controle sanitário,
epidemiológico e econômicos até então vigentes. Nesse sentido, o presente estudo de cunho
histórico buscou analisar criticamente em que medida a prática de autoplágio colabora com a
manutenção da crise da educação jurídica brasileira. O referencial teórico cuidadosamente
adotado permitiu descobrir que a prática de autoplágio é um dos reflexos mais nocivos da
adoção da ideologia neoliberal nos espaços acadêmicos, que se retroalimenta por meio da
difusão da ideia de eficientíssimo e meritocracia.

Assim, a literatura jurídico-pedagógica consultada deixa claro que os sedutores


“incentivos” ao ato de publicar artigos científicos em tempo recorde. Acaba que por legitimar
um desenho educacional fluído, marcado pela exaltação do espírito de competição, divulgação
de materiais parcos em termos científicos e metodológicos, fortalece a conduta do autoplágio
(já que é inconcebível perder tempo pesquisando fontes seguras e reconhecidas e/ou
referenciando obras já publicadas). As consequências dessa pressão produtivista se fazem sentir
na saúde física e mental dos pesquisadores (MAURÍCIO, 2019). Como também reflete em suas
relações pessoais e interpessoais. Ocasionando, o desenvolvimento de doenças tais como a
depressão, ansiedade, dentre outras (MAURÍCIO, 2019).

Nessa perspectiva, em que pese a existência de uma forte tendência por instrumentalizar
o direito, bem como as pesquisas acadêmicas iuris. Manter a esperança, a coragem, a vontade
de romper barreiras, percorrer distâncias e principalmente lutar pela libertação do saber jurídico
das amálgamas do mercado neoliberal é algo urgente e necessário. Em uma postura que se
assemelha a do personagem José do poema de Drummond, pois apesar das adversidades da vida
nunca se rendeu. Vejamos:
204

Podemos pensar que nem mesmo José sabe do seu destino. Contudo a personagem
continua, e assim como oferece uma réstia de luz ao seu próprio escritor, também
conforta o leitor de alguma forma, que diante do contexto pessimista no cenário social
e pessoal, de vazio existencial, encontra nos versos que encerram o poema, alguns
vestígios de esperança: José “marcha”, sobrevive, resiste, José segue seu caminho
(SILVA, 2019, p. 65).

Portanto, encerra-se a discussão ora ventilada com o intuito de fazer com que a
comunidade acadêmica reflita sobre os perigos e pseudo facilidades camufladas na prática de
autoplágio. Afinal, até quando teremos que ser forçados a normalizar a produção e a reprodução
de textos vazios, mecanizados, regados por impostas noites mal dormidas, amores sacrificados,
ausência e/ou pouco convívio familiar, em prol de uma publicação sem o mínimo de
compromisso científico? Não seria esse um ato de auto sabotagem? Pois, ao contrário do que
está ocorrendo hodiernamente, salvo em raras e louváveis exceções. O ato de pesquisar deve
ser visto como um instrumento de libertação, autoconhecimento (REIS NETTO, 2019),
obtenção de resolução de problemas sociais graves, enfim um ato de resistência. Até porque
viver não cabe no lattes! (MAURÍCIO, 2019).

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