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Coordenadores
Alexandre Torres Petry
Diretor da Revista da ESA/OABR/RS
R255
Reeducação da Educação Jurídica/. Alexandre Torres Petry, Matheus Ayres
Torres...[et.al] (Coordenadores). Porto Alegre: OABRS, 2021. 206p.
ISBN: 978-65-88371-06-0
1. Direito. 2.Educação jurídica I Título.
CDU: 34:378
DIRETORIA/GESTÃO 2019/2021
CONSELHO PEDAGÓGICO
CORREGEDORIA
Corregedores Adjuntos
Maria Ercília Hostyn Gralha,
Josana Rosolen Rivoli,
Regina Pereira Soares
OABPrev
COOABCred-RS
PREFÁCIO
Boa leitura!
Ricardo Breier
Presidente da OAB/RS
9
APRESENTAÇÃO
Tenho a certeza de que essa valorosa obra, fruto do trabalho coletivo de ilustres autores
que contribuíram com as necessárias reflexões sobre reeducação da educação jurídica, possa
servir como base de referências para estimular discussões e pesquisas acadêmicas sobre
Educação Jurídica.
Agradeço aos autores que contribuíram para que tornasse possível a realização de mais
uma obra sobre o tema Educação Jurídica: Ana Cláudia Favarin Pinto, Bruna Andrade Obaldia,
Ana Isabel Mendes, Marcio Renan Hamel, Bianca Soares Roso, Marina Paiva Alves, Bruna
Andrade Obaldia, Pedro Victor dos Santos Witschoreck, Carolina Cyrillo, Luiz Fernando
Castilhos Silveira, Franceli Bianquin Grigoletto Papalia, Carina Deolinda da Silva Lopes,
Giselle Marie Krepsky, Jamil A. H. Bannura, Larissa de Oliveira Elsner, Gustavo Vinícius
Bem, Letícia Virginia Leidens, Taily Dara Fiori Salvador, Marcos Júlio Vieira dos Santos,
Christiane de Holanda Camilo, Tainara Mariana Mallmann, Aldemir Berwing e Tayna Silva
Cavalcante. Recebam cumprimentos e gratidão, em nome da nossa Escola Superior de
Advocacia da OABRS, pelo desafio e trabalho disponibilizados graciosamente, e que somam
conteúdo e conhecimento a nossa biblioteca virtual jurídica.
INTRODUÇÃO
Reeducação da Educação Jurídica, o título escolhido para essa obra, propõem a reflexão
sobre os grandes desafios que a educação jurídica tem enfrentado em virtude da pandemia, o
que implicou uma educação “online” tanto para o ensino como para a pesquisa e a extensão no
Direito.
Essa mudança não foi planejada, apesar das recentes discussões sobre os cursos de
Direito na modalidade EaD. Entre 2020 e 2021, o ensino do Direito sofreu profundas
modificações, sendo incipientes as avaliações e estudos sobre os benefícios oriundos dessa
prática.
É diante desse cenário que a Comissão de Educação Jurídica da OAB/RS traz esse E-
book, renovando o seu compromisso permanente com uma educação jurídica transformadora,
responsável, crítica e reflexiva, a qual seja capaz de impactar profundamente na efetivação do
Direito e da Justiça nesse país marcado por desigualdades sociais.
A educação jurídica merece respeito, deve ser tratada com seriedade, pois é essencial
para o aprimoramento da justiça como um todo no Brasil. Urge que instituições, pesquisadores,
juristas, docentes, discentes e todos aqueles ligados com a educação jurídica, repensem o quadro
atual, ou seja, contribuam para a reeducação da educação jurídica, justamente o que se busca
com o presente livro.
Espera-se uma boa leitura a todos e, mais do que respostas, sejam encontradas
perguntas, pois a educação jurídica ainda clama pelas perguntas certas que tenham potencial de
revelar os caminhos que apontem para um futuro sustentável e promissor.
RESUMO
INTRODUÇÃO
O mundo é metamorfose. Na sociedade, a história é responsável por moldar diferentes
perspectivas de mundo ao longo do tempo. Seja na seara econômica, política e/ou cultural, as
relações sociais se forjam e se desenvolvem com base na temporalidade em que estão inseridas.
1
Mestranda em Direito no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Maria.
Membro do grupo de pesquisa Phronesis: Jurisdição e Humanidades da UFSM. Endereço eletrônico:
anaclaudia.favarin@gmail.com
2
Mestranda em Direito no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Maria.
Integrante do Núcleo de Estudos Avançados em Processo Civil (NEAPRO) da UFSM. Advogada (OAB/RS nº
117.541). Endereço eletrônico: obaldiabruna@gmail.com
12
Sob o outro ponto chave da discussão, há que se falar sobre o tema da educação
jurídica. O ensino jurídico está presente na realidade brasileira desde 1827, oportunidade na
qual Dom Pedro I fundou o curso de Ciências Jurídicas como um dos primeiros cursos em nível
superior no país. De lá para cá, obviamente, muitas coisas mudaram. Trazendo a discussão para
a realidade atual, em tempos de sociedade em rede, discutir as necessidades emergentes de
adaptar e (re)construir o ensino jurídico em face das novas demandas é medida que se impõe.
Uma das forças dessa sociedade midiática é a web, a rede mundial de computadores.
Para Manuel Castells, vivemos numa sociedade em rede e dominada pelo poder da internet:
Esta sociedade em rede é a sociedade que eu analiso como uma sociedade cuja
estrutura social foi construída em torno de redes de informação microeletrônica
estruturada na internet. Nesse sentido, a internet não é simplesmente uma tecnologia;
é um meio de comunicação que constitui a forma organizativa de nossas sociedades;
é o equivalente ao que foi a fábrica ou a grande corporação na era industrial. A internet
é o coração de um novo paradigma sociotécnico, que constitui na realidade a base
material de nossas vidas e de nossas formas de relação, de trabalho e de comunicação.
O que a internet faz é processar a virtualidade e transformá-la em nossa realidade,
constituindo a sociedade em rede, que é a sociedade em que vivemos (Castells, 2009,
p. 287).
14
Os fluxos de dados na sociedade global podem ser explicados por uma cadeia
interconectada de forma global que permite a circulação de diversos elementos e,
principalmente, informações. Além de transmitir fluxos valiosos de informação e de ideias em
si, os fluxos de dados permitem o movimento de bens, serviços, finanças e pessoas.
Para corroborar com tal linha de pensamento, Manuel Castells afirma que “[...] essa
lógica de rede induz a uma determinação social de nível mais alto que aquele dos interesses
sociais específicos expressos através das redes: o poder dos fluxos prevalece em relação aos
fluxos do poder” (CASTELLS, 2010, p. 500). Essa sociedade é chamada por Castells de
“sociedade em rede”.
As redes são ambientes que contribuem para que haja a interação, troca de
conhecimentos e aprendizado, podendo ser estabelecida de forma local ou global. Referida
interação leva ao compartilhamento, o que acaba por impulsionar o fluxo de dados e
informações que decorrem do movimento das redes, ou seja, a globalização propicia que a
15
Zygmunt Bauman (1999) mostra que a globalização interfere e influencia tudo que
acontece em nossa vida em variadas dimensões. O autor chama atenção para o processo
globalizador em todas as suas manifestações e dualidades, quando observa que esse fenômeno,
ao mesmo tempo em que liga espaços, tempos e pessoas, acaba por dividir a sociedade na
perspectiva financeira, enfatizando ainda mais as desigualdades de classe. A globalização,
segundo o autor, é vista por uns de forma positiva e por outros como algo ruim, mas a verdade
é que estamos em um processo irreversível:
A globalização tanto divide como une; divide enquanto une e as causas da divisão são
idênticas às que promovem a uniformidade do globo. Junto com as dimensões
planetárias dos negócios, das finanças, do comercio e do fluxo de informação, é
colocado em movimento um processo localizador, de fixação do espaço.
Conjuntamente, os dois processos intimamente relacionados diferenciam nitidamente
as condições existenciais de populações inteiras e de vários seguimentos de cada
população (BAUMAN, 1999, p. 8).
Dessa forma, enquanto a globalização se torna modelo e modo de vida, uma vez que
não podemos mudar essa realidade e o que aparece para a sociedade é o que os meios de
comunicação mostram conforme interesses próprios, ela coloca na perspectiva localista, a
degradação social, já que tendemos a valorizar o que está distante em oposto ao que está
próximo.
Essa sociedade tem como elemento central o capital humano qualificado em contínuo
aperfeiçoamento, que consegue criar e aplicar o conhecimento, agregando valor em
suas atividades. O surgimento de uma sociedade global de aprendizado criou a
necessidade de conjunto de ferramentas para a criação e o estímulo contínuo de novas
competências, que incluem elementos como liderança, capacidade de comunicação,
flexibilidade, adaptabilidade, vontade colaborativa e espírito inovador (GARRIDO;
RODRIGUES, 2012, p. 396).
dos aparelhos, permitindo a um número cada vez maior de pessoas terem acesso aos recursos
de telefonia e de informática.
Ainda, para Veloso existe uma diferença do referido aporte tecnológico dos demais e
esta é relacionada com o fato de que as TIC são resultado de uma junção entre as
telecomunicações com a informática e a computação.
Assim, as TIC acabam superando e mudando a forma como são criados, transmitidos e
armazenados os sistemas anteriores, inaugurando um novo método de articulação das
linguagens, através de novas técnicas e máquinas que são dotadas de capacidade de
armazenamento, processamento e troca de informações e dados em alta velocidade.
De acordo com a percepção de Veloso (2011, p. 50), as TICs “[...] agem como
instrumentos inovadores no aceleramento da comunicação, estimulam a interatividade,
modificam a produção e transformam as relações entre os indivíduos”. Sob a ótica de uma
sociedade que edifica seus pilares mais fundamentais na globalização, essas tecnologias - de
desenvolvimento propiciado pela internet - oportunizam em muito características básicas da
atualidade; celeridade na publicação, compartilhamento e, de modo mais geral, acesso a
informações, que constroem o cerne da sociedade globalizada em rede.
O termo “rede”, consoante o filósofo sociólogo alemão Jürgen Habermas (2001, p. 84),
“tornou-se uma palavra-chave, e tanto faz se se trata das vias de transporte para bens e pessoas,
de correntes de mercadorias, capital e dinheiro, de transmissão e processamento eletrônicos de
informações ou de circulações de pessoas, técnica e natureza”. Relações das mais diferentes
naturezas se entrelaçam por meio das TICs e formam redes cada vez mais complexas e
interdependentes.
Em suma,
Esses recursos tornaram possível o acesso aos dados de um ente público para o mundo
inteiro. Sem sair do escritório ou da residência é possível acessar, analisar, questionar,
criticar e solicitar esclarecimentos da administração pública, sobre atos de gestão
praticados pelos mandatários. (SILVA, 2010, p. 58)
De um modo geral, Foucault (2006) argumenta que conhecimento é (ou mantém uma
relação umbilical com o) poder. Tentando extrair o aspecto mais positivo do conceito de poder
e das relações foucaultianas entre este e o saber, é possível falar em conhecimento como
mecanismo potencialmente emancipador, empoderador e, por isso, modificador de realidades.
19
Em uma percepção dedutiva, aplica-se essa ideia à educação jurídica - delimitação da presente
pesquisa -, onde o ensaio se deterá de agora em diante.
Ensinar direito, literalmente, não é tarefa fácil. Além do vasto cronograma curricular
para o ensino de disciplinas propedêuticas, ordenamentos, princípios, regras, orientações,
súmulas e jurisprudências, há a preocupação de aliar teoria e prática e, também, de estar sempre
consoante com seu tempo. Ao pensar o ensino jurídico contemporaneamente, parece que a
sociedade exige um processo de ensino-aprendizagem que tenha como premissa a incidência
não apenas na seara da qualificação profissional - seja ela de docência, advocacia ou carreiras
públicas diversas -, todavia também na vida pessoal e social dos educandos (SANTOS;
GOMES, 2009).
É essa realidade que Marat (1982) denuncia como sendo o senso comum teórico dos
juristas. O momento é de (ré)pensar as estruturas que compõe o ensino jurídico no país. É, em
sede de uma sociedade em rede, valer-se das TICs para abrir a visão a novas possibilidades e
oportunidades de educação jurídica. Expandir o compartilhamento de saberes dentro das salas
de aula em uma troca permeável, interdependente de professores e alunos. É pensar na
importância da complexidade dessas relações, para construir um direito profundo, conectado
ao seu tempo, disposto e capaz de solucionar as demandas emergentes de uma sociedade
absolutamente globalizada.
seus excessos que culminam em arbitrariedades e acabam por deslegitimar a fala do jurista e,
em última análise, deslegitimar o próprio Direito” (ESPINDOLA; SEEGER, 2019, p. 110).
Por certo que as TICs e seu meio de ação, a internet, não possuem somente pontos
positivos. Como bem relatam Santos e Gomes (2009, p. 145), nesse ambiente “tudo parece ser
“e-rápido”, e, melhor ainda, “e-realizável”, mesmo que o seja apenas no domínio do virtual
[...]”, mas nem tudo é assim tão fácil. “Para além da globalização,
outra dimensão que desafia gestores e docentes dos cursos jurídicos é como bem lidar com
os avanços tecnológicos [...] que, hoje, já atingem a seara do Direito tanto no âmbito
pedagógico como do exercício profissional, como uma realidade objetiva e inquestioná
vel.” (HOGEMANN, 2018, p. 113)
Certo é que novos avanços, novas descobertas e novas técnicas precisam ser
corretamente manejados, a fim de que deles possam ser extraídos seus melhores mecanismos
para a remodelação de uma sociedade condizente ao seu tempo. Assim, usar as novas
tecnologias a favor do conhecimento, da construção de saber e no compartilhamento de boas
ideias tende a render excelentes frutos para o desenvolvimento do ensino jurídico no país.
21
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim, foi realizado um apanhado da historicidade social que deságua nos tempos
atuais, culminando em uma sociedade altamente complexa, globalizada, marcada por suas
relações constituídas em rede.
Dessa forma, diante das reflexões consideradas, podemos dizer que o ensino jurídico,
evidentemente, é atingido pela globalização e é para ele que são dirigidas as preocupações
quanto á formação. O que se espera, é que as novas descobertas e novas técnicas sejam
manejadas da forma mais proveitosa, a fim de que deles possam ser extraídos seus melhores
mecanismos para a remodelação de uma sociedade condizente ao seu tempo.
extraídas seus melhores mecanismos para a remodelação de uma sociedade condizente com a
atualidade. Assim, as novas tecnologias devem ser usadas no auxílio da educação jurídica e da
construção de saber para que possa gerar novos rumos ao desenvolvimento do ensino jurídico
no país.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASTELLS, Manuel. The rise of the network society: The information age – economy, society
and culture. 2. ed.Chichester: Wiley-Blackwell, v. 1, 2010.
FOUCAULT, Michel. A Microfísica do Poder. Tradução de Roberto Machado. 22. ed. Rio de
Janeiro: Graal, 2006.
HOGEMANN, Edna Raquel. O futuro do Direito e do ensino jurídico diante das novas
tecnologias. Revista Interdisciplinar de Direito, v. 16, n. 1, p. 105-115, 2018. Disponível em:
http://revistas.faa.edu.br/index.php/FDV/article/view/487. Acesso em: 06 abr. 2021.
23
SILVA, Pedro Gabriel Kenne da. Controle social da gestão pública: análise das práticas em
dois municípios do Estado do Rio Grande do Sul. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)
– Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul. Porto Alegre, 2010, 124 f. Disponível em:
http://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/4669Acesso em: 17 abr. 2021.
RESUMO
A presente pesquisa aborda o atual momento do ensino jurídico e a contribuição da filosofia
do direito para a reeducação do direito no pós-pandemia. O texto apresenta inicialmente uma
análise da situação atual do ensino superior, tendo em vista as mudanças impostas pela
pandemia do vírus Covid-19, causando o imediato fechamento das instituições de ensino em
todos os níveis, com suspensão de todas as atividades presenciais a partir de maço de 2020. Em
segundo momento, analisa-se o potencial da disciplina de filosofia do direito a partir de três
questões-chave: a) a restrição dos campos de manifestação da justiça; b) a desigualdade social;
e, c) medidas de Estado de exceção. A conclusão aponta no sentido que a disciplina de filosofia
do direito apresente potencial capaz de fomentar o pensamento crítico e irresignado, a fim de
que a manutenção do Estado de Direito, a garantia das liberdades constitucionais e a
solidariedade sejam pedras-de-toque no pós-pandemia, considerando que o ensino on-line não
pode causar o reducionismo na formação profissional, o que será ainda mais devastador no pós-
pandemia para a ciência jurídica e social.
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa faz uma análise do atual momento do ensino do direito a partir da
eclosão do vírus Covid-19, causando uma pandemia, quando escolas e universidade em todo o
mundo foram repentinamente fechadas para quaisquer tipos de atividades presenciais,
passando-se ao ensino on-line remoto, o qual ainda perdura até o presente momento.
Dentro desse quadro, muitas são as questões que vêm sendo debatidas acerca do
presente e também do futuro do ensino jurídico, podendo-se apontar para questões que giram
desde o acesso dos estudantes à internet para pode acompanhar as aulas e atividades até o
preparo metodológico dos docentes para este tipo de ensino, considerando-se que, trata-se de
1
Mestranda em Direito pelo PPGDireito UPF. Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela UPF. Advogada -
OAB/RS 92.786. E-mail: aisabelmendes@hotmail.com.
2
Pós-Doutor em Direito pela URI Santo Ângelo/RS. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Uff/RJ. Mestre
em Direito, Cidadania e Desenvolvimento pela Unijuí/RS. Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais - e Filosofia
- pela UPF. Professor da Faculdade de Direito e do PPGDireito pela UPF. Advogado - OAB/RS 55.559. E-mail:
marcio@upf.br.
25
um momento não esperado, mas que, repentinamente, se instaurou de maneira quase que
absoluta.
Tal situação suscita muitas questões a serem pensadas a partir da prática pedagógica,
numa verdadeira reeducação do ensino do direito no pós-pandemia. Nesse sentido, a presente
investigação apresenta uma reflexão acerca da contribuição da filosofia do direito para essa
reeducação. Dessa forma, o texto apresenta duas seções, sendo que a primeira seção faz uma
abordagem da atual situação do ensino jurídico ressaltando, inclusive, pontos que são negativos
na relação pedagógica e que, uma vez enfraquecidos, podem ter influência no déficit formativo
do graduando em direito. A segunda seção, analisa, então, a contribuição da filosofia do direito
para a reeducação jurídica a partir de três perspectivas, quais sejam: a) a possível restrição dos
campos de manifestação da justiça; b) o aumento das desigualdades; e, c) a manutenção de
medidas verdadeiramente de Estado de exceção no país.
Nesse contexto de risco e medo, o Ministério da Educação editou a Portaria nº. 343, de
17 de março de 2020, que dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios
digitais, enquanto durar a situação de pandemia do novo coronavírus - Covid-19, destacando
que é de responsabilidade das instituições a definição das disciplinas que poderão ser
26
Dessa forma, houve a substituição das aulas presenciais pelas digitais em caráter
emergencial, aderindo-se ao denominado sistema de ensino remoto, que difere da modalidade
de ensino à distância (EAD). A fim de elucidar melhor a questão, cabe trazer aqui a distinção
entre a modalidade à distância e a modalidade de ensino remoto, sendo que
3
BRASIL. Ministério da Educação. Portaria nº 343, de 17 de março de 2020 que dispõe sobre a substituição das
aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia do Novo Coronavírus -
COVID-19.MEC. Disponível em: https://www.mec.gov.br/.
27
Um fator que deve ser levado em consideração é que antes do cenário pandêmico, o
Brasil já enfrentava o fato da mercantilização do ensino jurídico no país. A prova disso, é a
reportagem publicada na Revista Consultor Jurídico (2020), relatando que o Censo da Educação
Superior constatou que, desde 2014, o direito é o curso com o maior número de estudantes
matriculados no país.
Em que peses os dados acima aparentem maior acesso ao ensino superior, não refletem
a qualidade do ensino jurídico no país. A título de exemplo, em uma análise feita pela Ordem
dos Advogados do Brasil no ano de 2016, entre os Exames da Ordem, abrangendo desde o II
até o XVII, constatou-se que em 16 (dezesseis) edições da avaliação, apenas 17,5% dos
bacharéis foram aprovados da totalidade dos 639.000 participantes.
Trazendo estes dados acima para a realidade enfrentada no ensino on-line durante a
pandemia da Covid-19, onde a interação humana e o diálogo estão prejudicados, bem como o
distanciamento entre o professor e aluno, não se pode ainda mensurar as consequências exatas
da migração total da forma de ensino, nem projetar com segurança se os bônus do momento
tornam esta modalidade de educação mais eficaz.
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Assim, embora tenha ocorrido a migração total, neste momento, do ensino do Direito
para o mundo on-line, em razão da pandemia, há aspectos que deverão ser levados em conta no
momento pós-pandemia.
Dentre os principais aspectos pode-se apontar o fato de que tanto as leis, quanto a
jurisprudência se modificam diariamente, demandando do profissional do Direito qualificação
não somente sobre aspectos jurídicos, mas também tecnológicos, a fim de que o jurista
acompanhe em tempo real o objeto do seu trabalho, sob pena de ocorrer uma defasagem do
profissional.
Ademais, com audiências, sessões de julgamento e até atendimentos realizados por meio
de videoconferências, o entendimento do mundo on-line se tornou um aspecto quase obrigatório
para o exercício da profissão, já que, sem esta competência, o profissional da área se encontra
à margem do mercado de trabalho, aspecto ressaltado durante este período.
Como se pode perceber, o ensino jurídico passa por diversos aspectos na era pandêmica,
que vão desde o só pesamento dos benefícios e prejuízos decorrentes da obrigatoriedade do
ensino on-line, que passam pelas relações humanas e sociais – imprescindíveis para o direito -,
até aspectos relacionados ao acesso ao ensino superior e, consequentemente, ao mercado
jurídico de trabalho.
Ainda que a população tenha sido surpreendida com um momento totalmente atípico e
repentino, que impossibilitou a preparação de inúmeros setores da sociedade, incluindo a
educação de nível superior - e jurídica -, há de se pensar nas consequências que as escolhas
realizadas no período trarão à sociedade, a fim de que se contribua, ainda em tempo, para a
melhoria do ensino do direito, a fim de se formar profissionais qualificados e atualizados, de
acordo com as exigências do momento e da sociedade.
Nesse contexto, coloca-se a pergunta acerca de como será a educação jurídica frente a
um novo e desafiador momento do Brasil e, também, da humanidade no pós-pandemia. Muitas
são as questões a ser debatidas dentro desse tema, conforme exposto no item anterior, desde o
acesso à justiça até o cerceamento da liberdade humana enquanto consequências diretas das
medidas de restrições impostas pelos Estados como o distanciamento social e lockdown.
Para iniciar, pode-se colocar a pergunta feita por Ulrich Beck em A metamorfose do
mundo: “Qual é o significado dos eventos globais que se desenrolam diante de nossos olhos na
televisão”? (2018, p.15). Metamorfose aqui significa uma transformação radical, onde as velhas
certezas da sociedade moderna estão desaparecendo no momento em que algo novo surge.
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Nesse contexto, Beck afirma que há a necessidade de assimilação dos erros, bem como
da discussão pública sobre a modernização, pois “la discusión pública de los riesgos de la
modernización es el camino para la reconversión de los errores en oportunidades de expansión
bajo las circustancias de la cientificación reflexiva” (1998, p. 210).
De acordo com Daniel Innerarity (2017, p.143), precisa-se ainda de algum tempo para
entender essa nova situação, para comunicá-la e geri-la. Trata-se de um período caracterizado
pela presença cada vez maior de limites para a ação dos governos do que aqueles em que se
estava acostumado, fato que obriga a reinventar a política e a função dos governos. Reside aí,
um dos maiores problemas da política atual que é a redução das capacidades de controle dos
Estados, pois o que em outros momentos era entendido como o resultado das circunstâncias
contingentes, as quais não se tinha à disposição, hoje é tido como resultado de uma ação ou
omissão em relação à qual alguém é declarado como responsável, pois:
Sim, pode-se concordar com Pinzani (2020, p.27) que “a fraqueza do Estado gera falta
de solidariedade nacional e contribui, portanto, para enfraquecer o senso de cidadania e
alimentar a desconfiança contra o próprio Estado”. Nesse sentido, Pinzani alerta para o fato de
31
que tanto no debate público quanto no acadêmico discutem-se muito questões epidemiológicas,
medidas técnicas sobre o combate à epidemia; mas se fala muito pouco sobre a maneira pelas
qual as desigualdades socioeconômicas põem em risco de forma desproporcionada os
indivíduos mais pobres; quase nunca, porém, se ouve falar da necessidade de, por um lado,
fortalecer o aparelho estatal e o sentimento comum de cidadania (2020, p.29).
Habermas segue na tradição da teoria crítica, que atribui à filosofia uma função de
diagnose em relação aos males da sociedade moderna e também ao discurso
intelectual que fundamenta sua insurreição e justifica seus objetivos e motivações. É
exatamente o que acontece na prática da clínica médica, pois o diagnóstico da teoria
crítica não é uma empreitada especulativa, mas uma avaliação orientadora para
possibilitar a cura. Essa avaliação confere à filosofia o fardo e o privilégio da
responsabilidade política. (BORRADORI, 2004, p.26).
Por outro lado, Habermas (2020) vê como um importante desafio ético o momento certo
de encerrar o isolamento social, uma medida moral e legalmente exigida para a proteção da
vida. O pensador alemão entende que os políticos devem resistir a tentação utilitarista de pesar
os danos econômicos ou sociais, por um lado, e as mortes inevitáveis, de outro.
Para Agamben (2020, p.33), ainda mais triste do que as restrições das liberdades
impostas é degeneração das relações entre os homens que elas podem produzir. O outro homem,
quem quer que seja, inclusive um ser querido, não pode se aproximar e ser tocado, devendo
estar uma distância segura (distanciamento social). Nesse sentido, os governos determinaram
que tanto as universidades quanto as escolas sejam fechadas de uma vez por todas, sendo que
todos os conteúdos, lições, diálogos culturais e políticos sejam feitos de forma remota, e que,
na medida do possível, as máquinas substituam todo o contato – todo o contágio- entre os seres
humanos.
Na leitura de Guedes (2020, p.05), Agamben entende que a política é realizada a partir
da interação, da proximidade e de vivências concretas, enquanto que o distanciamento social e
o confinamento significam a ruptura da comunidade política. Nesse quadro, o pânico coletivo
33
Nesse ponto, Guedes (2020, p.05) entende que Agamben tem razão, lembrando que o
esvaziamento da vida política já existia antes da pandemia, sendo que na atual situação ele
apenas ganhou uma legitimidade técnica. O desafio de reconstrução da vida política é presente,
ressaltando-se, entretanto, que o individualismo liberal está invadindo a esfera social há tempo,
não sendo, pois, produto exclusivo da profilaxia de isolamento social.
Com isso, na medida em que aumenta a importância da educação não somente para a
instrução, enquanto educação técnica, mas também no sentido da reflexão, do pensar crítico,
aumenta também a importância da disciplina de filosofia do direito para o necessário
redimensionamento da educação jurídica no pós-pandemia, ou seja, a reeducação jurídica. O
pensamento crítico do operador do direito se reveste de importância fundamental no atual
momento vivido pelo Brasil, seu povo e suas instituições sociais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da presente pesquisa, pode-se apontar para algumas notas conclusivas, a partir
das quais se conclui pelo enorme potencial que a disciplina de filosofia do direito possui na
contribuição para a reeducação jurídica no momento de pós-pandemia, a partir de três
perspectivas possíveis, quais sejam, justiça, desigualdades e Estado de exceção.
Como primeira nota conclusiva, aponta-se para o fato de que a atualidade do ensino
jurídico no Brasil, forma remota on-line, é preocupante com base nos pontos levantados pela
presente pesquisa. De maneira específica, ressalta-se o levantamento feito por Ferreira, Branchi
e Sugahara, em cursos administrados com metodologia tradicional e com metodologias ativas,
durante a pandemia Covid-19, onde constatou-se que a falta de interação presencial e do contato
visual com os alunos impedem a real percepção de como os conteúdos estão sendo recebidos
por eles. Entre os desafios apontados neste estudo, encontram-se a ausência de relação direta
aluno-professor, face a face, típica de uma sala de aula; perfil do aluno; problemas com a
maturidade, autodisciplina e o isolamento, especialmente críticos em alunos mais jovens, bem
como em períodos iniciais dos cursos. A partir dessas considerações se pode colocar a pergunta
acerca de como este(a) estudante está se preparando para enfrentar uma sociedade
extremamente desigual no sentido socioeconômico e como vê o papel do direito em tal
contexto.
política é urgente, sendo que pela presente pesquisa, tal tarefa deve ter a contribuição direta da
disciplina de filosofia do direito para a manutenção do Estado Democrático de Direito.
REFERÊNCIAS
AGAMBEN, Giorgio. La invención de una epidemia. In: AGAMBEN, Giorgio; et al. Sopa de
Wuhan. Pensamiento contemporáneo en tiempos de pandemia. Pablo Amadeo e Editorial Social
Preventivo e Obligatorio (ASPO), 2020.
AGAMBEN, Giorgio. Contagio. In: AGAMBEN, Giorgio; et al. Sopa de Wuhan. Pensamiento
contemporáneo en tiempos de pandemia. Pablo Amadeo e Editorial Social Preventivo e
Obligatorio (ASPO), 2020.
BECK, Ulrich. A metamorfose do mundo: novos conceitos para uma nova realidade. Tradução
de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.
BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Traducción de Jorge
Navarro, Daniel Jiménez e Maria Rosa Borras. Buenos Aires: Paidós, 1998.
BRASIL. Ministério da Educação. Portaria nº 343, de 17 de março de 2020 que dispõe sobre a
substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de
pandemia do Novo Coronavírus - COVID-19.MEC. Disponível em: https://www.mec.gov.br/.
CONSELHO FEDERAL DA OAB. Exame de Ordem em números, v.III, 2016. Ordem dos
Advogados do Brasil e Fundação Getúlio Vargas. Disponível em:
https://www.oab.org.br/arquivos/exame-de-ordem-em-numeros-III.pdf. Acesso em 01º de
maio de 2021.
PINTO, Henrique Mota; CORRÊA, Luiza Andrade; PINTO, Camila Batista. O aluno no centro
do ensino do direito: a experiência da escola de formação da SBDP. In: GHHIRARDI, José
Garcez; FEFERBAUM, Marina. (Orgs). Ensino do direito em debate: reflexões a partir do 1º
Seminário Ensino Jurídico e Formação Docente. São Paulo: Direito GV, 2013. p.187-208.
[Recurso eletrônico].
SILVA, Luciano Braz. Alentos para filosofia do direito do século XXI. Reflexões
habermasianas: limites e possibilidades da democracia, do Estado democrático de direito e dos
direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.
VOLTARE, Emerson. Alguns cursos de Direito estão batendo as carteiras das famílias, diz
Santa Cruz. Revista Consultor Jurídico, 25 de março de 2020. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2020-mar-25/alguns-cursos-direito-batendo-carteirafamilias.
Acesso em: 02 de maio de 2020.
37
RESUMO
Este ensaio tem como objeto a de(s)colonialidade do ensino jurídico com a finalidade de se
buscar elementos epistemológicos para o ensino jurídico a partir das especificidades da
realidade Latino-americana. Objetivou-se verificar a história do ensino jurídico no Brasil,
dando um enfoque à participação das mulheres no ensino jurídico, bem como a reprodução da
colonialidade do saber e poder. Desse modo, utilizou-se da construção dos Estudos pós-
coloniais Latino-Americanos, assim como dos Estudos feministas pós-coloniais Latino-
Americanos, buscando a sua aproximação e dar resposta ao presente artigo. Desse modo,
apresentou-se apontamentos para uma aproximação epistemológica entre os estudos pós-
coloniais latino-americanos e os estudos feministas pós-coloniais latino-americanos, com o
objetivo de acolher as epistemologias que circundam os fenômenos jurídicos e torna-las visíveis
a esse sistema, buscando abertura para outras formas de conhecimento e humanidade. Para isso,
adota-se uma abordagem da perspectiva metodológica fenomenológica, enquanto visão de
mundo, como postura/atitude fenomenológica.
INTRODUÇÃO
“Que possamos pegar nossos livros e canetas. São as armas mais poderosas. Uma
criança, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo” Malala
Yousafzai
1
O presente ensaio é fruto das pesquisas desenvolvidas junto ao Grupro de Pesquisa e Extensão PHRONESIS,
cadastrado no CNPQ e vinculado ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Santa Maria, assim
como contou com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) –
Código de Financiamento 001.
2
Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Graduada em Direito pela
Universidade Franciscana-UFN. Membro do grupo de pesquisa e extensão PHRONESIS: Jurisdição e
Humanidades, cadastrado no CNPQ e vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direito da UFSM. E-mail:
biancasoaresroso@gmail.com.
3
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), membro do Grupo de Pesquisa e
Extensão PHRONESIS: Jurisdição e Humanidades cadastrado no CNPQ e vinculado ao Programa de Pós-
Graduação em Direito da UFSM. E-mail: marinapaivalves@gmail.com.
38
A educação e seu potencial transformador também são retratados por Rubem Alves, em
sua obra “A alegria de ensinar”, na qual o autor desnuda o segredo do feitiço ao qual às pessoas
foram submetidas e viraram sapos: uma característica externa colocada nos seres humanos
através dos processos educativos e relações de poder. Ao mesmo tempo, ele chama a atenção
para a luta constante contra o feitiço, tal feitiço que tenta tornar o corpo das pessoas iguais as
palavras que lhe foram ensinadas.
“Eles tinham dúvida se nós éramos humanos e se podíamos ser admitidos como
católicos, se conseguiríamos pensar o suficiente para entender o que significava tal
privilégio. Eu achava que era só no Brasil que os pretos tinham que pedir dispensa
do defeito de cor para serem padres, mas vi que não, que em África também era assim.
Aliás, em África, defeituosos deviam ser os brancos, já que aquela era a nossa terra
e éramos em maior número. O que pensei naquela hora, mas não disse, foi que me
sentia muito mais gente, muito mais perfeita e vencedora que o padre. Não tenho
defeito algum e, talvez para mim, ser preta foi e é uma grande qualidade, pois se fosse
branca não teria me esforçado tanto para provar do que sou capaz, a vida não teria
exigido tanto esforço e recompensado com tanto êxito. ”
A mulher que ousava “aventurar-se” no espaço público era vista como inferior, visto
que esse espaço foi culturalmente construído como masculino e à mulher estaria reservada a
esfera doméstica do espaço privado. Ainda hoje a dicotomia entre a esfera pública e privada
demonstra que é impossível compreender de forma deslocada o papel dos indivíduos em cada
um dos âmbitos. A recente incorporação das mulheres no mercado de trabalho ainda está
desacompanhada de uma divisão das tarefas domésticas consideradas tipicamente femininas.
Ou seja, o problema não perpassa somente a divisão sexual, mas aparentemente a divisão social
do trabalho e consequentemente a problematização de estruturas mais amplas do que somente
a desigualdade de gênero (MIGUEL; BIROLI, 2014).
A história da educação das mulheres brasileiras, que teve seu início tardio no final século
XIX, foi influenciada pelos ideais iluministas estabelecidos desde o século XVIII, período no
qual se consolidou o discurso da mulher frágil, emotiva, amorosa, incapaz e, portanto,
“inferior”, não permitindo o acesso ao conhecimento a partir dessa condição opressiva. O
triunfo da burguesia introduziu um conjunto diferente de tarefas que deveriam ser
desenvolvidas pelas mulheres, conforme esclarece Bauer. É nesse momento que se constroem
as figuras da mãe do amor materno, delimitando ainda mais o espaço feminino. A introdução
de novas tarefas a serem desenvolvidas pelas mulheres acompanhou o triunfo da sociedade
burguesa, consolidando a definição do que seriam as tarefas masculinas e femininas: “as tarefas
desempenhadas pela mulher no âmbito do lar deixaram de ser consideradas trabalho, solapadas
pelas ideias do amor, da felicidade familiar e doméstica” e, do mesmo modo, a educação das
jovens e da nobreza tinha por objetivo a preparação para o casamento, a vida social e o cuidado
com os filhos (BAUER, C. 2001, p. 60).
abordados a partir de uma perspectiva de gênero eram pouco desenvolvidos, considerando que
as intelectuais mulheres enfrentavam grande dificuldade no desenvolvimento de suas pesquisas.
Connelli e Pearse destacam que ainda que as teóricas Harriet Martineau na Grã-Bretanha e
Suzan B. Anthony nos Estados Unidos já abordassem questões sobre sufrágio, reformas
legislativas e educação para mulheres, as temáticas foram pouco aprofundadas. Mais do que
mera dificuldade, mulheres eram excluídas de quase todas Universidades à época (CONNELI;
PEARSE, 2015, p.125).
Nessa seara, entende-se que nas décadas marcadas pelo período colonial brasileiro, as
mulheres encontravam-se totalmente excluídas do ensino superior, sendo a educação de
segundo grau direcionada às elites do sexo masculino nos cursos imperiais (Medicina,
Engenharia e Direito). Apenas em 1881, por meio de decreto imperial, foi facultada tal
prerrogativa ao gênero feminino, que representava, entre 1907 e 1912, a porcentagem de 1,5%.
(BELTRÃO; ALVES, p. 128-129)
O caminho percorrido até aqui demonstra que desde sua criação o Direito brasileiro
deixou de observar as contribuições de sujeitos historicamente subalternizado, como indígenas,
negros e mulheres. Uma vez que o ensino jurídico esteve a serviço dos interesses das elites
dominantes da época, bem como reproduziu os ideais propagados em seu berço – Coimbra –, a
cultura jurídica centrou-se em valores essencialmente europeus e colonizadores, sendo
sustentáculo de processos genocidas e de desintegração cultural, permitindo a regulação servil
de mulheres e o regime escravocrata da população negra e indígena.
Do mesmo modo, Seeger coloca que no ensino jurídico os saberes produzidos por
grupos subalternizados pela dominação colonial não têm voz. Suas vivências e saberes são
desconsiderados e a eles é relegado um espaço marginalizado, inferiorizado e de histórica
exploração (SEEGER, 2018, p 30), enquanto o Direito “que nasceu para proteger e regular os
indivíduos e a sociedade, e o próprio Estado, terminou por selecionar os marginalizados,
(in)visibilizando-os; acentuar as desigualdades sociais; e sustentar as oligarquias de poder no
“topo das colinas administrativas” (RIBEIRO; SPAREMBERGER, 2017, p. 22).
A fim de romper com essa realidade, busca-se suporte na obra Waratiana. A partir da
compreensão da semiologia do poder é possível compreender este contexto. Uma vez verificado
o poder que o discurso confere aos sujeitos, verifica-se “os fatores sociais de certas formações
discursivas como fatores co-determinantes da forma de organização da sociedade” (WARAT;
ROCHA, 1995, s.p). Assim, a semiologia do poder preocupa-se com o condicionamento que os
43
A invasão das terras “descobertas” determinou uma organização social, política, cultural
e econômica de exploração e de dominação sobre os povos latino-americanos (SARTORI;
SANTOS; SILVA, p. 86-98, 2015). Dessa forma, resultou na instauração arbitrária de uma nova
ordem de poder, direta e formal de um povo “soberano”, o europeu, sobre os povos que foram
inferiorizados, índios e negros. Esses acontecimentos marcaram de forma permanente o
surgimento de uma nova época: a “descoberta” da América e o encontro com diferentes culturas
e modelos civilizatórios diferente dos europeus que produziram inúmeras consequências.
colonialismo que se traduz pela imposição de um modelo único e universal. Neste caso ele é
masculino, branco ou europeu (SARTORI; SANTOS; SILVA, p. 86-98, 2015).
Assim como a discriminação estabelecida pela “raça”, a discriminação sexual era mais
que uma bagagem cultural que os colonizadores trouxeram da Europa. “Tratava-se nada mais,
nada menos, do que da destruição da vida comunitária, uma estratégia ditada por um interesse
econômico especifico e pela necessidade de se criarem as condições para uma economia
capitalista” (FEDERECI, 2017, p. 220-221). Como bem coloca a autora, das mulheres era
esperado que trabalhassem e, assim como os homens, também estavam sujeitas a castigos
cruéis, ainda que estivessem grávidas. Para além da agonia física, a humilhação sexual também
as acompanhava, sujeitas aos ataques de seus senhores.
Nessa seara, enquanto na Europa, a coação das mulheres à procriação havia levado à
imposição da pena de morte pelo uso de contraceptivos, mas colônias, a mudança para uma
política de criação tornou as mulheres mais vulneráveis aos ataques sexuais, embora tenha
levado a certas “melhorias” nas suas condições de trabalho, construíram-se casas de parto e
ofereciam parteiras. “No entanto, essas mudanças não eram capazes de reduzir os danos
infligidos contra as mulheres pelo trabalho nos campos, nem a amargura pela falta de liberdade”
(FEDERICI, 2017, p. 228). A caça às bruxas na América continuou se desenvolvendo em ondas
até que a crescente segurança política e econômica da estrutura de poder colonial se combinara,
45
colocando fim à perseguição, dando lugar a uma perspectiva paternalista que considerava a
idolatria e as práticas mágicas como habilidades de pessoas ignorantes.
Assim, “se aplicarmos as lições do passado ao presente, nos damos conta de que a
reaparição da caça às bruxas em tantas partes do mundo durante a década de 1980 e 1990
constituiu um sintoma claro de uma forma de “acumulação primitiva” (FEDERICI, 2017, p.
417). Observa-se, portanto, esse resquício de “coisificação” das pessoas negras. Em especial,
quando se fala de mulheres negras, existe o imaginário de que são incansáveis, capazes de
suportar grandes esforços (sobre)naturalmente.
Para Aníbal Quijano, há três eixos da colonialidade: do poder, do saber e do ser. Para a
perspectiva da colonialidade do poder ela produz e reproduz dicotomias entre os povos
superiores e inferiores, no caso das mulheres do primeiro mundo e das mulheres do terceiro
mundo, o que determina a distribuição e o controle dos povos subalternizados mundialmente.
A colonialidade do saber implica na negação e na invalidação dos conhecimentos dos não-
europeus. Os povos subalternizados, não são reconhecidos e suas epistemologias não são
capazes de produzir conhecimentos verdadeiros para o padrão hegemônico/eurocêntrico. Essas
manifestações consolidam-se na colonialidade do ser que denota da subalternidade do não-
europeu, que passa a aceitar a imagem do colonizador como sua, ocultando a dominação
colonial (QUIJANO, Aníbal. 2005). Dessa forma, “classe e raça se impõem como variáveis
nesse caso, expondo o fato de que as experiências das mulheres variam segundo sua posição
social também no que diz respeito à política reprodutiva” (MIGUEL; BIROLI, 2014, p.3).
Assim, no início do século XX, perspectivas eugênicas foram base para propostas de
flexibilização nas leis que criminalizavam o aborto na América Latina. Nesse sentido, o racismo
e o controle populacional fundamentaram políticas de esterilização (adotada até muito
recentemente no Peru), entre as mulheres negras, indígenas e pobres da América Latina
(MIGUEL; BIROLI, 2014). Nesse seguimento, a colonialidade do gênero ou feminismo
descolonial permite compreender a opressão na qual cada pessoa pode ser vista como um ser
vivo e histórico. Ou seja, a tarefa da feminista descolonial inicia-se vendo a diferença colonial
e enfaticamente resistindo ao seu próprio hábito epistemológico de apagá-la. Pois, é nas
histórias de resistência na diferença colonial onde devemos residir, aprendendo umas com as
outras, bem como para começar a aprender sobre as outras que resistem à diferença colonial.
REFERÊNCIAS
BAUER, C. (2001). Breve História da mulher no mundo ocidental. São Paulo: Xamâ: Edições
Pulsar.
CONNELI, Raewyn; PEARSE, Rebecca. Gênero: uma perceptiva global. São Paulo: NVersos,
2015.
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FEDERICI, Silvia. O calibã e a bruxa. Mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo:
Editora Elefante (tradução Sycoraux), 2017.
GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje,
Anpocs, Rio de Janeiro, p. 223-244, 1984.
GUIMARÃES, Lúcia Maria Paschoal e FERREIRA, Tania Maria Tavares. Myrthes Gomes de
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MIGUEL, Luis Felipe, BIROLI, Flávia. Feminismo e política: uma introdução. 1.ed. São
Paulo: Boitempo, 2014.
PEPE, Albano Marcos Bastos; HIDALGO, Daniela Boito Maurmann. Sequência: Estudos
Jurídicos e Políticos, v. 34, n. 66, p. 283-303, 2013. Disponível em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/2177-
7055.2013v34n66p283/25069. Acesso em: 01 jan. 2021.
SARTORI, Anna Rita; SANTOS, Aline Renata; SILVA, Camila Ferreira. Tecendo os entre o
feminismo latino-americano descolonial e os estudos pós-coloniais latino-americanos. Revista
de Educação Universidade Federal de Pernambuco, Caruaru, v. 1, n. 1, p. 86-98, 2015.
SPAREMBERGER, Raquel Fabiana Lopes; OLIVEIRA, Flavia Dall Agnol de. Colonialidade
e feminismo subalterno em “Quarto de despejo” de Carolina Maria de Jesus. ANAMORPHOSIS
- Revista Internacional de Direito e Literatura, Porto Alegre, v. 6, n. 2, p. 511-527, 2020.
50
WARAT, Luis Alberto, ROCHA, Leonel Severo. O Direito e sua linguagem. 2 ed. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1995.
WOLKMER, A. C. História do Direito no Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro, RJ: Forense, 1999.
YOUSAFZAI, Malala: Eu sou Malala: a história da garota que defendeu o direito à educação
e foi baleada pelo Talibã”. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
51
RESUMO
Pensar a transversalidade no ensino jurídico brasileiro a partir das novas Diretrizes Curriculares
Nacionais do Curso de Graduação em Direito (Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2018)
demanda verificar a necessidade de ampliar a noção de transversalidade para que tal transcenda
da mera previsão e seja eficaz. Como ferramenta para buscar a efetivação do princípio da
transversalidade, pensa-se o cinema nacional, partindo do que representou o movimento
Cinema Novo. Nesse passo, percebe-se que o manifesto “A estética da fome” serve como pilar
capaz de justificar inicialmente o uso do cinema brasileiro a fim de auxiliar na transversalidade
no ensino jurídico, já que ele demonstra aspectos históricos que rondam a realidade brasileira,
abordando temáticas sobre questões sociais, raciais, luta de classes e colonização. Nesse
sentido, é possível que as produções audiovisuais do Cinema Novo auxiliem na condução da
transversalidade no ensino jurídico brasileiro? Temáticas transversais se compreendem no
Cinema Novo como uma perspectiva de luta aos tradicionalismos do cinema brasileiro da
época, o qual era atravessado pelo capitalismo que comandava as grandes produtoras. O cinema
brasileiro contemporâneo também se manifesta, em grande parte, como luta. Isto é, ambos são
resistências capazes de romper com dogmas e se (re)construir a partir de uma identidade
original, o que é de interesse no âmbito da educação jurídica. Para caminhar com essas
perspectivas, o ensaio se dá através da pesquisa descritiva e da abordagem hermenêutica, por
meio do procedimento histórico e das técnicas de pesquisa bibliográfica e documental.
1
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
- Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
2
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Direito da UFSM (Mestrado). Integrante do Núcleo de Estudos do
Comum (NEC) e do Núcleo de Estudos Avançados em Processo Civil (NEAPRO), ambos vinculados ao
PPGD/UFSM. Bolsista pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. Advogada
(OAB/RS nº 117.541). E-mail: obaldiabruna@gmail.com.
3
Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Direito da UFSM (Mestrado). Integrante do Centro de Estudos e
Pesquisas em Direito e Internet (CEPEDI) e do Núcleo de Estudos do Comum (NEC), ambos vinculados ao
PPGD/UFSM. Bolsista pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. E-mail:
pedroviktor@hotmail.com.
52
INTRODUÇÃO
Diante disso, o Cinema Novo e possui características importantes quanto aos temas
referidos, bem como quanto a forma de tratamento cinematográfico. O movimento trabalha sob
a ótica de demonstrar de maneira direta a realidade social brasileira e as construções e
influências políticas por traz dela. Além disso, muitas das obras são compostas por atores
amadores e filmagens em 16mm, demandando um baixo orçamento e estimulando a
criatividade e proporcionando a liberdade para os diretores, produtores e demais envolvidos.
Nesse sentido, a proposta do presente artigo é apresentar a perspectiva a partir do diretor
Glauber Rocha e seu manifesto denominado “A estética da fome”, publicado em 1965. O
referido manifesto proporcionará debates acerca de temas pertinentes à desigualdade social,
racial, e colonialismo – tanto no cinema quanto no processo de construção do Brasil, além de
enfatizar a própria cultura latina. Diante disso, questiona-se: é possível as produções
audiovisuais do Cinema Novo auxiliarem na condução da transversalidade no ensino jurídico
brasileiro?
Pensar o ensino jurídico no cenário atual implica vislumbrar o cenário de crise que o
assola, razão pela qual se fala na transversalidade como elemento necessário para mudanças
efetivas. A palavra transversal, segundo a língua portuguesa, significa algo oblíquo em relação
ao ente/objeto determinante, isto é, algo que passa/atravessa por determinado referente. Nesse
sentido, a transversalidade no ensino jurídico como potencial benefício em um cenário de crise
é justamente a colocação de elementos que se encontram separados do Direito
material/processual (o Direito propriamente dito, digamos assim) de maneira que eles
atravessem as disciplinas exclusivamente jurídicas.
54
Esses elementos, conforme traz o Artigo 2º, § 4º das Diretrizes Curriculares Nacionais
do Curso de Graduação em Direito (Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2018), consistem na
inclusão aos Projetos Pedagógicos dos Curso de Direito o tratamento transversal de disciplinas
como: políticas de educação ambiental; educação em direitos humanos; educação para a terceira
idade; educação em políticas de gênero; educação das relações étnico-raciais e histórias e
culturas afro-brasileira, africana e indígena; dentre outras (BRASIL, 2018).
4
I – Formação geral, que tem por objetivo oferecer ao graduando os elementos fundamentais do Direito, em
diálogo com as demais expressões do conhecimento filosófico e humanístico, das ciências sociais e das novas
tecnologias da informação, abrangendo estudos que, em atenção ao PPC, envolvam saberes de outras áreas
formativas, tais como: Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética, Filosofia, História, Psicologia e
Sociologia;
II – Formação técnico-jurídica, que abrange, além do enfoque dogmático, o conhecimento e a aplicação,
observadas as peculiaridades dos diversos ramos do Direito, de qualquer natureza, estudados sistematicamente e
contextualizados segundo a sua evolução e aplicação às mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais do
Brasil e suas relações internacionais, incluindo-se, necessariamente, dentre outros condizentes com o PPC,
conteúdos essenciais referentes às áreas de Teoria do Direito, Direito Constitucional, Direito Administrativo,
Direito Tributário, Direito Penal, Direito Civil, Direito Empresarial, Direito do Trabalho, Direito Internacional,
Direito Processual; Direito Previdenciário, Formas Consensuais de Solução de Conflitos; e
III – Formação prático-profissional, que objetiva a integração entre a prática e os conteúdos teóricos desenvolvidos
nas demais perspectivas formativas, especialmente nas atividades relacionadas com a prática jurídica e o trabalho
de curso (TC). As atividades de caráter prático-profissional e a ênfase na resolução de problemas devem estar
presentes, nos termos definidos no PPC, de modo transversal, em todas as três perspectivas formativas (artigo 5º,
§ 1º da Resolução CNE/CES n.5, de 17/12/2018) (MELLO, 2019, p. 102-103).
55
Analisando o artigo 5º das novas DCNs, percebe-se que ocorre o mantimento das
propostas de conteúdos que já eram obrigatórios, conforme a Resolução CNE/CES nº 9/2004.
Entretanto, para Horácio Wanderlei Rodrigues (2017), especialmente no que se refere à
formação geral, exposta no inciso I do referido artigo, a nova abordagem oferece uma redação
melhor que a anterior, mas indica que o rol dos conteúdos elencados são exemplificativos, visto
que são antecedidos pela expressão “tais como”.
5
I - Formação geral, que tem por objetivo oferecer ao graduando os elementos fundamentais do Direito, em diálogo
com as demais áreas do conhecimento abrangendo estudos que, em atenção ao PPC, envolvam saberes das áreas
de Humanidades e Ciências Sociais (RODRIGUES, 2017, p. 25).
56
Diante desse cenário de mudanças, o Direito visa enfrentar uma crise, uma vez que essas
perspectivas permitem contextualizar algumas das razões pelas quais houve a elaboração da
Resolução 5, de 17 de dezembro de 2018, instituindo as já mencionadas Diretrizes. Além disso,
auxilia em entender por que a transversalidade é um princípio essencial para confrontar a
origem da crise. Importa mencionar um pouco da história, começando pelo fato de que o Brasil
conquistou sua independência em 1822, mas a criação dos primeiros cursos de Direito
aconteceu apenas em 1827, em Olinda e São Paulo. Para demonstrar ainda mais o atraso no que
se refere aos processos iniciais da formação jurídica brasileira, é significativo o fato de que a
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi criada apenas em 1930 (SILVA; SERRA, 2017).
Com a criação da OAB, mais cursos de Direito começaram a ser criados pelo país,
porém o ensino jurídico manteve-se estagnado na medida em que as matérias se mantinham
inalteradas desde o princípio da criação, o que implicava em um colonialismo jurídico – de
origem portuguesa – extremamente forte. A partir da institucionalização das universidades no
Brasil, em 1931, por meio do Estatuto das Universidades Brasileiras (Decreto 19.851, de 11 de
abril de 1931), conhecido como “Reforma Francisco Campos” é que o cenário passou a evoluir
(SILVA; SERRA 2017).
Apesar dessas mudanças com a inclusão das referidas disciplinas, o isolamento delas
frente ao restante da grade curricular do curso ainda é impeditivo para efetivação de evoluções
significativas. Perante esse cenário, o Ministério da Educação (MEC) agiu em sentido de criar
cursos de Direito, ou seja, atentou-se à quantidade ao invés de enfrentar a raiz do problema. O
MEC autorizou mais de mil cursos de Direito, gerando um grande número de matriculados.
Atualmente, são mais de 1.600 cursos de Direito no país (BRASIL, 2017) e a tendência é
aumentar, tendo em vista as recentes aprovações acerca da criação de novos cursos, mesmo
indo contra o posicionamento da OAB.
6
O conhecimento jurídico deve ser, portanto, assimilado para se inserir na realidade socioinstitucional, para
enfrentamento dos conflitos mediante uma ação humanizada e responsável eticamente. A partir da observação
sensível, deve ser sistematizado no aluno de Direito o pensamento crítico e indagador, ou seja, a formação jurídica
deve ser estabelecida em sala de aula, partindo-se sempre do princípio da dúvida. Há, no âmbito do ensino jurídico,
um obstáculo a ser contornado pelos professores, o elevado número de alunos em salas de aula. Ouvir, pensar e
opinar, esse é o tripé que deve ser estimulado nos alunos ao longo de uma aula, ou seja, é importante quebrar o
sentido burocrático (transmissão/memorização) que as aulas de Direito adquiriram desde os primórdios do ensino
no Brasil. Não basta a apreensão do ordenamento jurídico, é preciso ter lucidez e independência intelectual para
aplicá-los cotidianamente. É preciso, pois, que os cursos de Direito acompanhem as inovações contemporâneas,
se renovem e se adequem aos novos tempos, em que o burocratismo do ensino deixe de ser a tônica dentro das
salas de aulas. Afinal de contas, o futuro bacharel terá diante de si desafios e dilemas que terão que ser enfrentados
com segurança e consciência (MELLO, 2019, p. 105).
58
Nesse panorama, a proposta é ir além da forma que muitas vezes o cinema já vem sendo
trabalhado nas salas comerciais de projeção. O esforço consiste em pensá-lo como transversal,
ou seja, capaz de proporcionar “o desenvolvimento do pensamento crítico tendo o filme como
objeto de leitura no contexto educacional é um âmbito no qual o cinema percebe-se como um
elemento de modificação” (CASTRO; PEREIRA; LUÍNDIA, 2011, p. 2-3). Desse modo,
verifica-se que o cinema, em virtude de sua forma dinâmica de demonstrar as diferentes
maneiras de leitura – da realidade – se coloca como um elemento relevante, na medida em que
possibilita sua utilização em uma gama de disciplinas, a fim de abordar várias temáticas e
desenvolver uma perspectiva crítica acerca da obra.
Por isso, o próximo capítulo visa tratar da utilização do cinema nacional – iniciando
pelo movimento cinema novo – como uma ferramenta capaz de demonstrar a realidade e
atravessar o âmbito do ensino jurídico. Muitos filmes produzidos em solo nacional, além de
serem dotados de caráter histórico e crítico – e revolucionário –, também abarcam temas
capazes de incentivar uma leitura realista sobre os problemas vividos no Brasil. Diante disso,
optar-se-á por uma abordagem a partir de Glauber Rocha e sua importância para o cinema novo
a fim de perceber o cinema nacional como um todo no que importa a ser uma ferramenta para
a efetivação da transversalidade no ensino jurídico.
necessário que a abordagem também irrompa no sentido metodológico e seja capaz perceber
uma educação jurídica brasileira em constante movimento. Isso quer dizer que não basta induzir
o cinema nacional como fundamento do ensino jurídico, mas colocá-los lado a lado e entrelaçá-
los de forma rizomática.
Diante da rica produção do cinema nacional, inicialmente parte do cinema novo, surgido
em 1960, o qual consiste na negação e na oposição ao cinema industrial que dominava na época
e se dava a partir de grandes estúdios e um financiamento relevante. Segundo Irma Viana da
Silva (2018), o movimento ascende e atinge a sua internacionalidade que demonstra a realidade
sociocultural brasileira, razão pela qual é de extrema importância, ainda que tenha se passado
muitos anos desde as suas últimas produções. Destaca-se a precariedade nos instrumentos
utilizados pelos cineastas formadores do movimento, os quais eram na grande maioria jovens.
Essa maneira de produzir a partir de baixos custos permitiu uma independência nas abordagens
constantes nas obras e, consequentemente, foi possível fazer críticas acerca da realidade
brasileira. Além das abordagens sociais, os cineastas também criticavam o modo das produções
cinematográficas da época, atacando a linguagem e o colonialismo cultural que envolvia os
grandes estúdios e respondia aos interesses imperialistas.
Nesse sentido, Ivana Bentes (2007) afirma que essa passagem do Brasil rural para o
Brasil urbano era constantemente tematizada pelos intelectuais do Cinema Novo, os quais
demonstravam perspectivas relativas aos sertões e às favelas. Apesar de serem abordadas
muitas vezes como pessoas despolitizadas, elas eram mostradas como rebeldes/revolucionários
que detinham uma vontade e um poder primitivo capaz de ocasionar mudanças na realidade
social e nas suas próprias realidades, como era o caso dos filmes produzidos pelo diretor
Glauber Rocha
Ao trazer Glauber Rocha, é importante destacar o manifesto por ele escrito em 1967,
denominado como “A Estética da Fome”. O texto foi escrito por Glauber a fim de ser
apresentado em Gênova, na Itália, e acabou por se transformar em um momento de abandono
das abordagens políticas e sociológicas comuns na época, as quais consideravam a pobreza e a
fome como vitimizações emanadas. Com esse abandono, Glauber assumiu um papel
transformador no que tange aos referidos fenômenos que permeavam a América Latina e passou
a expor uma abordagem afirmativa e visceral, com impulsos criadores os quais estariam
presentes em suas obras a partir daquele momento (BENTES, 2007). O trecho a seguir transmite
um pouco das características mencionadas:
60
Irma Viana da Silva (2018) afirma que essa crítica ao colonialismo ou crítica pós-
colonialista consistiu na ruptura com as racionalidades emanadas pelos colonizadores, as quais
ainda tinham uma enorme influência no cinema nacional. Glauber Rocha construiu uma crítica
reflexiva em torno das artes em geral a partir dessa visão, não apenas em suas produções
cinematográficas, mas também em seus escritos. Isso fez que com que se recusasse a aderir os
pensamentos tradicionais vigentes na época, aderindo a visão de Antonio Gramsci acerca da
hegemonia7 a fim de embasar suas críticas e abordagens sobre a sociedade capitalista.
7
Segundo Marilena Chaui, Gramsci foi além da crítica da ideologia como exercício da dominação e propôs o
conceito de hegemonia para designar “a luta no interior da sociedade política com o objetivo de operar mudanças
nas ideias, nos valores, no comportamento e nas práticas visando à consciência dos explorados e dominados. Donde
a importância que conferiu à cultura” (CHAUI, 1994, p. 10 apud VIANA, 2018, p. 225).
61
com Paula Siega (2009), a manifestação de Glauber Rocha deve ser pensada a partir dos
aspectos históricos que a envolvem, mas sem desconsiderar os aspectos em torno da
formalidade que permeia o objeto literário proposto. Essa representatividade estética emanada
pelo manifesto é passível de ser assimilada para compreender o Cinema Novo como movimento
social. A estética da fome assimila a historicidade como um evento que se modifica e se
movimenta conforme o processo histórico que transpassa o leitor, renovando-se de forma
contínua.
Diante disso, toda a representatividade vai consistir em uma representação de algo para
alguém, por isso a latinidade na qual A Estética da Fome importa na medida em que ocasiona
sentidos a partir da sua própria realidade – do próprio mundo em que ele se encontra, e não
mais por meio das lentes do colonizador. O leitor brasileiro se depara com a sua própria
identidade em um meio em que é dominado pelas tradições e imposições culturais europeias,
desde a concepção econômica, a partir das oligarquias nacionais (como sequência das
oligarquias europeias), à uma noção idealista, pura e idílica da compreensão da “pátria”.
Preocupa-se com o subdesenvolvimento, com a fome, a pobreza em detrimento da noção
ultrapassada de um Brasil paradisíaco que somente servia para mascarar os reais problemas
sociais frutos da colonização (SIEGA, 2009). Diante dessa ótica, o próprio Glauber Rocha
(2004, p. 63) parte do seguinte:
São justamente esses pressupostos trazidos pelo manifesto de Glauber Rocha, os quais
significam a importância de suas obras cinematográficas e do Cinema Novo de forma geral,
que importam no que se refere à transversalidade como condição para o ensino jurídico
brasileiro. Akiko Santos (2008) afirma que o tradicionalismo cartesiano é o grande responsável
pela descontextualização do ensino jurídico e a sua separação das demais áreas, incapacitando
um aprofundamento crítico capaz de ser desconstruidor, criador e transcendental. Para o autor,
vale entender que o cartesianismo organizou todo o sistema educacional, confortando e
conformando os modos de pensar. Isto é, fragmentou o ensino, colocando- em “caixas”, fator
que causou um reducionismo objetivista e dualista. Os olhares sobre o ensino se direcionaram
62
àquilo que é objetivo e passível de ser racional, deixando de lado a vida cotidiana dos indivíduos
e a sua dimensão, as quais abarcam questões emocionais, sentimentais, intuitivas e corporais.
Para além disso, vale destacar que, tal como a leitura de um livro, assistir um filme e
apreciá-lo a fim de estudá-lo, é necessário critérios avaliativos e pontos de vista bem definidos
com relação ao que será abordado. Também deve-se atentar com a interação entre a obra
cinematográfica e o contexto do espectador. Ademais, é importante ressaltar que muitas vezes
é mais fácil chamar a atenção de um aluno sobre determinado tema por meio de obras
cinematográficas do que pela leitura de textos extensos8. Em suma, a vantagem do cinema com
relação aos textos escritos é ser capaz de sensibilizar mais o espectador. As imagens em
movimento, corroboradas por trilhas sonoras e demais estratégias cinematográficas tocam mais
o emocional dos estudantes. Mas vale destacar que tal perspectiva jamais deve desprezar o
conhecimento emanado por livros e artigos, apenas ressalta as referidas capacidades do
cinema9(CASTRO; PEREIRA; LUÍNDIA, 2011).
8
Deve-se deixar claro que a proposta não é a abolição dos textos em prol obras cinematográficas, até porque elas
sequer dariam conta da amplitude que abarca o ensino jurídico. Inclusive, a leitura textual é essencial para
efetivação plena da transversalidade. O objetivo é a utilização do cinema em alguns momentos em que for possível,
ou de forma a acrescer para além das leituras necessárias – ou até mesmo para compreendê-las – ou, então, a fim
de substituir algum (quando for possível). Enfim, isso é uma prática que depende bastante da visão do docente
sobre o tema, bem como da forma em que a sala se comporta.
9
Conforme destacam Roseana Moreira de Figueiredo Coelho e Marger da Conceição Ventura Viana (2010, p. 91)
“O cinema pode muito bem servir como instrumento útil ao processo de ensino-aprendizagem, pois educar pelo
cinema ou utilizar o cinema no processo escolar é ensinar a ver diferente. É educar o olhar. A educação está
passando por uma fase em que o professor deve se desdobrar para atingir seu objetivo de educar, devido a
dificuldades diversas a serem enfrentadas, fazendo com que a prática de ensino seja um tema bastante discutido
entre os estudiosos da educação, pois qualquer tipo de aperfeiçoamento que se faça com o objetivo de auxiliar na
prática para melhor aproveitamento do aluno é bem-vindo. Teoria e prática precisam andar juntas, a fim de que
uma complemente a outra. Assim, como o cinema é uma arte visual relativamente nova, pode ampliar a visão da
educação dada em sala de aula e oferecer forma diferente de ensinar”.
63
Observa Fernando Armando Ribeiro (2015) que, oposto à televisão, que possui uma
natureza invasiva – em que bombardeia imagens e informações dispersas – o cinema é capaz
de construir um repertório repleto de narrativas, colocando o espectador em um rico solo
hermenêutico. Nesse passo, Fernando Armando Ribeiro (2015, p. 8) considera o cinema como
um lugar “não apenas para reconhecer os limites e excessos de uma sociedade imagética –
contribuindo para a construção de uma consciência crítica -, como também explorar as múltiplas
possibilidades de sentido que os fenômenos culturais nele adquirem”. Desse modo é que a
analiso de direito por meio do cinema poderá ser capaz de se aproximar de uma abordagem que
se aproxime do objeto de ciência jurídica de contemporâneo, a fim de superar o dogmatismo e
a mera análise pelas lentes da normatividade – que é compreendida como o fenômeno jurídico
como um todo. Acerca dessa perspectiva Fernando Armando Ribeiro (2015, p. 8) nos diz o
seguinte:
Nas palavras de Alexandre Palma, Monique Ribeiro de Assis e Murilo Vilaça (2019, p
32),
de imediato, Bacurau nos ensina a resistir. Bacurau é o Nordeste que resistiu, nas
últimas eleições presidenciais, à tentação fascista de eliminar, de excluir, aqueles que,
do ponto de vista do opressor, já não pertencem a um espaço. Portanto, deveriam ser
desterritorializados, mas insistem em continuar “vagando” no espaço ao qual não mais
pertenceriam e que, ao mesmo tempo, não mais lhes pertenceria, “atravancando o
progresso”, bordão popularizado pelo famoso personagem Odorico Paraguaçu, da
obra O Bem Amado (Dias Gomes), um símbolo sintetizador dos “poderosos” que
grassam e desgraçam o Brasil.
10
Bacurau é o nome fictício de uma pequena cidade localizada no sertão do Nordeste brasileiro.
64
Isso implica uma diversidade de assuntos pertinentes ao direito que podem ser
trabalhados de forma transversal. O descaso do poder público em desfavor da população
nordestina, a falta de água, comida, e, até mesmo o colonialismo. Os personagens vão se
constituindo a partir da resistência a essa realidade, ou seja, resistem ao sistema estabelecido,
em especial quanto não se rendem às ofertas políticas que partem do prefeito corrupto. A própria
visão do Sul e do Sudeste brasileiro acerca do Nordeste é trabalhada na obra, já que os
forasteiros são de tais regiões, representam a classe média e a elite e estão a serviço dos
estrangeiros – que querem dizimar o povoado nordestino11.
Retornando à Glauber Rocha, suas obras abrangem a tradição literária brasileira e seus
filmes são poéticos e recheados de fotografias notáveis, compondo uma estética magnífica em
sua totalidade (SIEGA, 2009). Segundo o próprio Glauber Rocha (2004), essa estética consistiu
também em uma violência – tal como Bacurau – que veio a ser tanto primitiva como
revolucionária e capaz de fazer com que o colonizador percebesse a existência do colonizado.
Essa conscientização através da violência permitiu que o colonizador ficasse chocado pela força
da cultura a qual estava explorando.
É disso que a educação jurídica brasileira precisa: Revolta! Esse é o ponto essencial que
o cinema brasileiro tem a mostrar para o meio jurídico: o tom crítico, o desejo de autonomia, a
vontade de destruir pressupostos que nos são impostos, o ânimo para criar pressupostos
11
“Além da resistência, a violência, tal como em nosso país, está bastante presente. A gratuidade da violência dos
estrangeiros no filme, que se manifesta terrivelmente no Brasil de hoje, também merece ser problematiza. O ódio
manifesto na violência ideológica, homofóbica, religiosa, sexista, racista, contra os trabalhadores (atualmente, o
servidor público, especialmente da categoria docente, é um dos alvos prediletos) impressiona. Violências gratuitas.
Violência contra os direitos humanos. No filme, os estrangeiros matam os colaboradores forasteiros vindos das
regiões Sul e Sudeste, por discordarem de um assassinato por eles cometido e afirmarem que isso (as mortes) eram
prerrogativas deles próprios” (PALMA; ASSIS; VILAÇA, 2019, p. 34).
65
Por fim, destaca-se que o cinema nacional se demonstra extremamente amplo e traz
excelentes filmes que retratam diferentes realidades, como exemplos, podem ser citado Cidade
de Deus (2002), o qual aborda a questão da vida em regiões periféricas; O Bicho de Sete
Cabeças (200), onde temáticas como drogas e a retrógrada visão manicomial são abordados;
Tatuagem (2013), em que trata questões LGBTQIA+; Estômago (2007), onde é tratado a visão
de um nordestino que vai ao sudeste buscar emprego. Poderiam ser citados muitos outros filmes
que podem ser trabalhados nos cursos de Direito de forma transversal, atentando-se a uma
expansão de conhecimentos para além das leis. Ou seja, fica claro a riqueza acerca das obras
nacionais em que a violência serve como ator irrompedor.
CONCLUSÃO
Frente a esse cenário, verificou-se alguns desafios a serem enfrentados pelo viés da
educação para que ela realmente seja capaz de subverter o tradicionalismo e fundar uma
vertente crítica e transversal. O principal ponto é fugir dos moldes clássicos de ensino, os quais
levam a um exacerbado formalismo e não permite a evolução do âmbito jurídico em conjunto
com os processos sociais em constante movimento.
Por isso, na segunda parte, buscou um diálogo da educação jurídica brasileira com o
cinema nacional, enfatizando os ideais de Glauber Rocha e do Cinema Novo, oportunidade em
que se aprofundou em seu manifesto denominado “A estética da fome”, escrito e publicado em
1965. Por mais que estejamos em 2020, mais de 50 anos após o manifesto e o ápice do Cinema
66
Novo, verificou-se a importância do referido movimento e o quão ele ainda é importante diante
das temáticas que tratou, consistentes em inovar o cinema nacional demonstrando uma visão
realista do Brasil como país colonizado e subdesenvolvido.
Por isso o Cinema Novo conseguiu ser um movimento de importância social, histórica
e atual até os dias de hoje. Ele tratou da sociedade em constante movimento e abrangeu uma
realidade de exploração mascarada pelas indústrias vigentes à época. Se utilizou de uma estética
revolucionária que expressou a nossa latinidade e as nossas culturas a partir do nosso próprio
olhar. O movimento irrompeu com a cultura estrangeira estabelecida no âmbito
cinematográfico e construiu sua originalidade de resistência.
Para além do movimento, o cinema nacional como um todo se coloca como capaz ser
eficiente como ferramenta para a efetivação da transversalidade no ensino jurídico brasileiro.
O exemplo que brevemente foi abordado consistiu no filme Bacurau, o qual se demonstrou
como uma obra capaz de explorar diversos problemas sociais capazes de ser pensado por meio
do Direito.
Foram esses os motivos que levaram a pensar o movimento Cinema Novo e o cinema
nacional como instrumentos capazes de auxiliar a transversalidade no ensino jurídico brasileiro,
pois, além das temáticas pertinentes, históricas e transversais das obras, o movimento e o
cinema brasileiro de forma geral são ensinamentos em como romper tradicionalismos e
dogmatismos instaurados. Nessa ótica, o ensino jurídico precisa dessa “violência”
desconstrutiva e inovadora para que os conteúdos saiam das caixas cartesianas e trabalhem a
partir da nossa realidade e da nossa essência enquanto brasileiros. Isso porque, mais de 50 anos
depois, o Brasil ainda clama pelas mesmas coisas: pão, terra e paz!
67
REFERÊNCIAS
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Cinema como ferramenta de ensino: entretenimento e fruição, por um cinema inteligente. X
Congresso de Ciências da Comunicação na Região Norte. Boa Vista. 01 a 03 jun. 2011,
Disponível em: http://intercom.org.br/papers/regionais/norte2011/resumos/R26-0055-1.pdf.
Acesso em 05mai. 2021.
MOURA, Taísa Ilana Maia de; TASSIGNY, Mônica Mota; SILVA, Thomaz Edson Veloso. O
uso da tecnologia no ensino jurídico: o método do ensino híbrido no curso de Direito. Revista
Univap, v. 24, n. 25, p. 70-85, ago. 2018. Disponível em:
https://revista.univap.br/index.php/revistaunivap/article/view/2018/1480. Acesso em: 13 ago.
2020.
PALMA, Alexandre; ASSIS, Monique Ribeiro de; VILAÇA, Murilo Mariano. Bacurau: uma
metáfora do Brasil atual. Revista Praxis, Volta Redonda, RJ, v. 11, nº 22, p. 31-36, dez. 2019.
68
ROCHA, Glauber. Revolução do Cinema Novo. Rio de Janeiro: Cosac Naify, 2004.
SIEGA, Paula. A estética da fome: Glauber Rocha e a abertura de novos horizontes. Confluenzi
– Rivisti di Studi Iberoamericani, v. 1, n. 1, p. 158-157, mai., 2009. Disponível em:
<https://confluenze.unibo.it/article/view/1421>. Acesso em: 25 ago. 2020.
Carolina Cyrillo1
Luiz Fernando Castilhos Silveira2
RESUMO
O presente artigo aborda o método de estudo clínico em direito e a sua possibilidade de
virtualização no período da pandêmica da COVID 19. Apresenta-se um relato de caso sobre
uma experiência de virtualização da atividade de estudo clínico em matéria de direitos humanos,
voltada a elaboração de atuação como amicus curiae nas ADPF 759 e ADI 6565, onde se discute
o tema da autonomia universitária e sua relação com a garantia da liberdade acadêmica, como
pilar fundamental da democracia. O caso apresentado e colocado em debate foi uma estratégia
de união interinstitucional entre o Núcleo Interamericano de Direitos Humanos da Faculdade
Nacional de Direito da UFRJ e a Universidade de Caxias do Sul, campus Hortênsias, de modo
a integrar os discentes e docentes em atividades conjuntas de pesquisa e extensão para
comprovar a possibilidade de virtualização da atividade clínica em direito, no período da
pandemia da COVID 19.
Palavras-chave: Estudo Clínico em Direito. Virtualização. Pesquisa. Extensão. Autonomia
Universitária.
1 INTRODUÇÃO
1
Professora Adjunta de Direito Constitucional e Administrativo da UFRJ. Coordenadora do Núcleo
Interamericano de Direitos Humanos NIDH/UFRJ, Docente de Elementos de Direito Constitucional da UBA.
Doutoranda em Direito Constitucional na UBA e em Teorias Contemporâneas do Direito na UFRJ. Mestre em
Direito pela UFSC. Especialista em Processo Civil pela UFRGS. Secretária geral da Comissão de Educação
Jurídica da OAB/RS. Advogada inscrita na OAB/RS sob n. 53.676.
2
Professor de Direito da UCS, cursou doutorado (não concluído) na Universidade de Edimburgo (Escócia). Possui
graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFRGS, Mestrado em Direito pela UNISINOS e especialização
em Filosofia e Ensino pela PUC-RS. Membro da Comissão de Educação Jurídica da OAB/RS e do Núcleo
Interamericano de Direitos Humanos NIDH/UFRJ. Advogado inscrito na OAB/RS sob n. 60.407.
70
O paper crítico de Jerome Frank (1933) intitulado “Why not a clinical lawyer-school?
” à modalidade de escolas de direito baseadas, quer no estudo de livros, quer no estudo de casos
71
Portanto, podemos definir que o foco das clínicas é a litigância estratégica e a formação
teórica e científica dos alunos, enquanto os escritórios modelos ou núcleos de prática jurídica,
se voltam para o litígio processual e assistência aos hipossuficientes, sendo essa distinção
3
RESOLUÇÃO Nº 5, DE 17 DE DEZEMBRO DE 2018 http://portal.mec.gov.br/docman/dezembro-2018-
pdf/104111-rces005-18/file
72
importante para que não se confunda os enfoques e abordagens de cada experiência (FORTES,
2018, p. 96).
4
Para maiores informações dobre a atuação da Clínica Interamericana de Direitos Humanos, consulte
https://nidh.com.br/sobre/
73
que a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) funciona como uma verdadeira
Constituição Interamericana.
Portanto, seguindo os padrões estabelecidos por Lapa (2014) acima expostos, verifica-
se que a Clínica IDH cumpre o propósito institucional para qual se dispôs, a saber, dar à
educação jurídica um caráter prático, engajamento social e intervenção em litígios de
5
Para maiores informações sobre as pesquisas desenvolvidas pelo projeto de pesquisa “Casoteca da Corte
Interamericana” consulte-se https://nidh.com.br/category/casoteca/
6
Para maiores informações sobre as pesquisas desenvolvidas pelo projeto de pesquisa “Constitucionalismo Sul-
Americano” consulte-se https://nidh.com.br/sud/
74
importância coletiva de modo a formar discentes engajados na promoção dos direitos humanos
e com atuação efetiva em casos reais.
Importante esclarecer que também a Corte IDH e o STF, tribunais onde se desenvolve
a atuação primordial de amicus curiae da Clínica IDH, também sofreram adaptações e
virtualizações por causa da pandemia da COVID 19, de modo que suas sessões passaram a ser
on-line, o que, de certa forma, permitiu uma ampliação das atividades da Clínica IDH por
baratear, significativamente, o custo da atuação, uma vez que as atividades desenvolvidas são
gratuitas e não recebem aporte financeiro para custear transporte, hospedagem etc dos alunos e
professores envolvidos.
integrada com professores pesquisadores da Universidade de Caxias do Sul (UCS), campus das
Hortênsias, devidamente institucionalizado7. Na UCS o projeto foi institucionalizado como a
extensão universitária “Autonomia Universitária como Instituição de Garantia da Liberdade de
Expressão: Aportes Teóricos Interamericanos”, na modalidade EAD síncrona.
Para unir essa atividade de pesquisa com a extensão universitária, foi desenvolvido um
experimento de estudo clínico específico, virtualizado e institucionalizado em rede conjunta
entre o NIDH da UFRJ e a UCS das Hortênsias, para atuação clínica, na condição de amicus
curiae, em dois casos perante o Supremo Tribunal Federal (STF) que discutem a autonomia
universitária, que é o eixo norteador temático dos projetos.
Essa discussão sobre autonomia universitária, que já era o projeto de pesquisa dos
professores, em andamento, motivou a elaboração da atividade de integração entre pesquisa e
7
Para mais informações sobre o projeto de pesquisa consulte-se https://nidh.com.br/sud-projeto-autonomia-
universitaria-e-liberdade-academica/ .
76
extensão, com a interação do corpo discente, para produção do estudo clínico feito em conjunto
entre o NIDH e UCS, campus Hortênsias, através da Clínica Interamericana de Direitos
Humanos, sobre a autonomia universitária, de modo a produzir subsídios técnicos para o
julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 759 (ADPF 759) e da
Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6565 (ADI 6565), na atuação como amicus curiae.
Foram realizados encontros extras com professores especialistas na matéria nos países
da américa do sul, de modo que os estudantes pudessem verificar o impacto regional da matéria
e construir um padrão, ou costume constitucional de proteção da autonomia universitária na
região.
Da pesquisa geral, uma dupla formada por duas alunas iniciantes no curso, uma da UCS
e outra da UFRJ, desenvolveu uma pesquisa paralela e complementar que foi selecionada para
77
De fato, a importância social ou coletiva dos casos selecionados para atuação como
amicus curie ganhou ainda mais relevância para os discentes envolvidos, quando da troca de
experiências com os professores das demais instituições sul-americanas, pois, foi possível
identificar o impacto da autonomia universitária para proteção de uma série de direitos humanos
como os de educação e liberdade acadêmica, como pilares de uma democracia constitucional.
8
O trabalho de pesquisa foi apresentado no I Seminário Internacional de Iniciação Científica da UNIVALI.
78
Fica claro que a demanda do litígio estratégico escolhido transcende o litígio individual,
pois encontra-se no marco das ações do controle de constitucionalidade em abstrato
(BARROSO, 2011, p.175).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nessa toada, e para tentar comprovar que as atividades poderiam também ser
virtualizadas, de modo a dar continuidade à atuação, foi proposto que se desenvolvesse uma
atividade utilizando o método de estudo clínico no direito, através de uma cooperação
interinstitucional entre o Núcleo Interamericano de Direitos Humanos da Faculdade Nacional
de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, através de sua Clínica Interamericana de
Direitos Humanos e a Universidade de Caxias do Sul (UCS), Campus das Hortênsias, para
atuação em uma demanda real por parte do corpo discente das instituições, de modo que as
atividades do estudo clínico foram totalmente virtualizadas.
Nessa experiência se constatou que foi possível manter todos os aspectos que envolvem
um estudo clínico em direito, sobretudo em direitos humanos, tais como o compromisso com a
Justiça Social, metodologia participativa, articulação da teoria com a prática, atuação em casos
emblemáticos, noção de litígio estratégico e coletivo, bem como, a integração das atividades de
ensino, pesquisa e extensão devidamente institucionalizados.
possibilidade e uma experiência internacional para os discentes, que não teria sido possível se
a modalidade fosse desenvolvida de modo presencial.
BIBLIOGRAFIA
ACCA, Thiago S.; SCABIN, Flavia. Clínica de direito. In: GHIRARDI, José Garcez (coord.).
Métodos de ensino em Direito. São Paulo: Saraiva, 2009. P 1-22.
DEWEY, John. Experiência e educação. Trad. Anísio Teixeira, São Paulo: Companhia editora
nacional, 1979.
FORTES, Diego Monteiro de Arruda. Clínicas jurídicas: por um novo modelo de ensino do
direito no Brasil. 2018. 127 f. Dissertação (Direito Político e Econômico) - Universidade
Presbiteriana Mackenzie, São Paulo.
FRANK, Jerome. Why not a clinical lawyer-school. University of Pennsylvania Law Review,
Volume 81, June 1933. Disponível em: <
https://digitalcommons.law.yale.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=5092&context=fss_papers>.
LAPA, Fernanda Brandão. Clínicas de direitos humanos: uma alternativa para formação em
direitos humanos para cursos jurídicos no Brasil. São Paulo, SP. Tese de Doutorado. Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 2014.
LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo; RIOS, Roger Raupp e SCHÄFER, Gilberto. Clínica de Direitos
Humanos do UniRitter: três anos de atividades. Disponível em
81
https://www.uniritter.edu.br/uploads/eventos/sepesq/x_sepesq/arquivos_trabalhos/2969/303/6
85.pdf. Acesso em 30 de maio de 2021.
WELSCH, Gisele Mazzoni. Legitimação Democrática do Poder Judiciário no Novo CPC. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
82
RESUMO
O mundo está acometido de muitas incertezas em todos os aspectos, não sendo diferente no que
se refere as relações de trabalho. A educação também vem enfrentando profundas mudanças
neste momento de pandemia. Mas, muitas novidades já haviam surgido, anteriormente, com a
Reforma Trabalhista, uma delas é a possibilidade de terceirização da atividade fim, e neste caso,
podemos referir que a atividade docente não está fora desta realidade. Assim, a presente
pesquisa buscará investigar o impacto da terceirização do trabalho do professor de ensino
superior em tempos de pandemia do COVID 19, diante da precarização das relações de trabalho.
A temática da pesquisa é referente aos reflexos que poderão ocorrer nas relações de trabalhos
dos professores através da terceirização do setor neste momento de relativização das normas
trabalhistas frente a manutenção dos vínculos trabalhistas. Será utilizado o método hipotético–
dedutivo, no intuito de verificar a eficácia dessa realidade no mundo do trabalho, a técnica é a
teórica conceitual, enfatizando alguns conceitos, como o científico a respeito do coronavírus,
sobre trabalho docente, terceirização e precarização. Trata-se de uma pesquisa de cunho
qualitativo, realizada por meio de levantamento bibliográfico e documental, efetuando chegar
a uma reflexão a respeito da aplicabilidade efetiva da realidade enfrentada nas relações laborais.
Palavras-chave: Educação. Pandemia. Terceirização. Trabalho Docente.
ABSTRACT
The world is affected by many uncertainties in all aspects, and it is no different with regard to
work relations. Education is also facing profound changes in this pandemic moment. However,
many new features had already emerged with the Labor Reform, one of which is the possibility
of outsourcing the core activity, and in this case, we can mention that the teaching activity is
not out of this reality. Thus, this research will seek to investigate the impact of outsourcing the
work of teachers in times of pandemic of COVID 19, given the precariousness of work
relationships. The research theme is related to the reflexes that may occur in the teachers' work
relationships through the outsourcing of the sector at this time of relativization of labor
1
Mestre em Educação pela UFSM. Advogada; Juíza leiga da Comarca de Faxinal do Soturno – TJRS; docente e
pesquisadora do grupo de pesquisa Káiros. E-mail: franpapalia@gmail.com.
2
Doutoranda em Direitos Humanos (UNIJUI), mestre em Direito (URI), especialista em direito processual civil e
direitos constitucional (ULBRA/UNISUL), bolsista CAPES, docente e advogada OAB/RS 71.771, membro da
Comissão de Educação Jurídica da OAB/RS. E-mail: lopesdeo@hotmail.com.
83
standards in view of the maintenance of labor ties. The hypothetical – deductive method will
be used, with the possibility of case studies on the subject, in order to verify the effectiveness
of this reality in the world of work, the technique is the conceptual theoretical, emphasizing
some concepts, such as the scientific one about the coronavirus , on teaching work, outsourcing
and insecurity. it is a qualitative research, carried out by means of bibliographic and
documentary survey, leading to a reflection on the effective applicability of the reality faced by
the outsourcing of the teacher's work in times of pandemic and the advances in the
precariousness of these labor relations.
1 INTRODUÇÃO
Diante da pandemia instalada no mundo, bem como das profundas mudanças que a
reforma trabalhista trouxe, não podemos deixar de pensar como a educação seria atingida neste
contexto, sendo que a mesma surgiu com toda a alteração legal. A presente pesquisa é inspirada
nas discussões realizadas por estas pesquisadoras no KAIRÓS – Grupo de Pesquisas sobre
Trabalho, Educação e Políticas Públicas, grupo que desenvolve estudos frequentes sobre
trabalho, mundo do trabalho e educação.
É importante salientar que não se está aqui fazendo uma crítica ao trabalho realizado
pelos professores, e tão pouco menosprezando o que está sendo ensinado por estes profissionais,
mas o que se buscará fazer é apenas uma análise de como a terceirização dos professores do
ensino superior interferirá na maior precarização das relações de trabalho.
É importante ressaltar que para atender os anseios que norteiam esta pesquisa, procura-
se olhar para a totalidade presente nas relações que se estabelecem e permeiam a educação,
entendendo que não poderia estudar o trabalho dos professores, sem antes olhar para o contexto
84
2 PANDEMIA – COVID 19
Importante salientar que a pandemia do COVID gerou uma grande ebulição social,
muitos setores foram atingidos, mas o que mais pesou em todo este contexto foram as inúmeras
mortes relacionadas a pandemia, até maio de 2021 segundo a Organização Mundial da Saúde
globalmente, em 6 de maio de 2021, houve 154.680.561 casos confirmados de COVID-19,
incluindo 3.233.845 mortes, notificados à OMS, já em 5 de maio de 2021, um total de 1 170
942 729 doses de vacina foram administradas.
Fonte: https://ifrs.edu.br/sertao/wp-
content/uploads/sites/7/2020/03/87602834_3246465622038698_2257236056871010304_o.jpg
86
Da mesma forma, neste tempo em que se decorre a pandemia ficou enfatizada que caso
uma pessoa apresentasse sintomas menores, como tosse leve ou febre leve, não haveria uma
necessidade maior de procurar o atendimento médico, podendo ficar em casa, tirar dúvidas com
contato a programas virtuais de atendimento, fazer autoisolamento (conforme as orientações
das autoridades nacionais) e monitorar os sintomas. Mas caso a pessoa possuir dificuldade de
respirar ou dor/pressão no peito, atendimento médico dever ser imediato, para verificação dos
demais procedimentos a serem evidenciados no tratamento e diagnóstico.
A pandemia vai ficar registrada negativamente como algo sem precedentes, ocorrido na
história mundial, são inúmeros os prejuízos emocionais e materiais evidenciados, desde então,
consequências sociais que gritam a exploração do trabalho, como no caso da temática trabalha
87
Diante do cenário caótico que a COVID-19 nos trouxe, pegando uma população inteira
de surpresa, que já vinha caminhando sobre contornos da exploração, globalização e
mercantilização do trabalho, despreparada para a chegada de tantos transtornos, vivemos um
tempo de dificuldades que em inúmeros setores, sejam econômico, trabalhista, enfim, no
próximo tópico será tratado um pouco mais desses prejuízos, levando em consideração a
precarização do trabalho do professor pela terceirização advinda da última reforma trabalhista,
objeto principal da presente proposta.
A reforma trabalhista trouxe inúmeras alterações e mudanças para as leis que gerem as
relações de trabalho, uma delas, e a mais significativa para a presente pesquisa foi a
possibilidade de terceirização de atividade fim da pessoa jurídica fornecedora do serviço,
inclusive para o serviço público.
Cabe salientar que a Lei 13.467, de 13 de julho de 2017, com início de vigência depois
de 120 dias de sua publicação oficial (art. 6º), ocorrida em 14.07.2017, alterou a Consolidação
das Leis do Trabalho e as Leis 6.019/1974, 8.036/1990 e 8.212/1991, a fim de adequar a
legislação às novas relações de trabalho, não podemos ainda esquecer da lei 13.429 de 31 de
março de 2017, que altera dispositivos da Lei n o 6.019, de 3 de janeiro de 1974, e ainda se
dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas e dá outras providências; e dispõe
sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros.
Mas, a precarização das relações de trabalho não é um assunto novo, ou tão pouco surgiu
com a reforma trabalhista,
88
Diante da dificuldade de se ter um conceito estabelecido por Karl Marx sobre qualquer
assunto, quanto ao conceito de trabalho, o autor apresenta a importância do trabalho para o ser
humano e assim refere:
Para Marx a base da sociedade era as condições materiais, sendo a partir dela que se
constrói a sociedade, e a compreensão destas condições que se consegue transformá-la.
A consciência é que determina para Marx o ser social, adquirindo primazia sobre
consciência, sendo essa determinada pela matéria, neste passo, a concepção materialista de
Marx carrega em sua base uma concepção de natureza e da relação do homem com essa
natureza, diferencia-se da natureza por modificá-la e por produzir além do que necessita
também diferente das outras espécies animais, sendo esta uma atividade consciente. A natureza
humanizada é assim construída pelo trabalho, uma atividade prática e consciente do ser
humano.
Assim, o trabalho é uma atividade vital, Marx afirma que o trabalho teria uma conotação
positiva, no entanto quando o processo de trabalho se dá como fim a relação de exploração do
capitalista, na qual o trabalhador aliena o produto e a sua força de trabalho, este torna-se
negativo.
Para Ricardo Antunes situando o trabalho e o seu sentido atual ressalta que mais do que
nunca os sujeitos têm dependido do seu trabalho para sobreviver e:
Encontram cada vez mais situações instáveis, precárias, quando não inexistentes de
trabalho. Ou seja, enquanto se amplia o contingente de trabalhadores e trabalhadoras
no mundo, há uma constrição monumental dos empregos, corroídos em seus direitos
e erodidos em suas conquistas. (ANTUNES, 2009, p.11).
Nesta mesma linha, o conceito de trabalho defendido por Ferreira salienta importância
do trabalho para a humanidade:
Se o trabalho é uma ação social dos sujeitos, sua intervenção no mundo, o modo de
estar e participar do social, entendo não ser possível se referir aos professores como
indivíduos tão somente. Por tal motivo, refiro-me aos professores como sujeitos de
seu trabalho, trabalhadores responsáveis, em primeira instancia pelo trabalho
pedagógico. (FEREIRA, 2017)
Diante disso, percebe-se que essa prática social é munida de forma e conteúdo,
expressando dentro das suas possibilidades objetivas as determinações políticas e ideológicas
90
dominantes em uma sociedade. Segundo Rubia e Alexandre (2017), o docente deve ser
entendido como:
A educação está presente em casa, na rua , na igreja, nas mídias em geral e todos nos
envolvemos com ela, seja para aprender, para ensinar e para aprender-e-ensinar. Para
saber, para fazer, para ser ou para conviver todos os dias misturamos a vida com a
educação. Com uma ou com várias (...) Não há uma forma única nem um único
modelo de educação; a escola não é o único lugar em que ela acontece; o ensino
escolar não é a única prática, e o professor profissional não é seu único praticante.
A educação é um processo “natural” que ocorre na sociedade humana pela ação de seus
agentes sociais como um todo, configurando uma sociedade pedagógica (PIMENTA,
ANASTASIOU, 2010, p. 64). Essencial nesta perspectiva são as palavras de Saviani, onde
argumenta sobre a compreensão de Pedagogia como teoria que orienta o trabalho em educação:
Para tanto, devemos pensar a atividade docente de forma diferente, uma vez que esta
atividade exige, além de segurança e competência profissional, generosidade para compartilhar
conhecimentos e humildade para aprender novos métodos capazes de aperfeiçoar a atividade
desenvolvida frente aluno. Nas palavras de Freire:
Claro que neste caminho existem alguns obstáculos à efetividade do ensino, busca-se
mostrar neste estudo como se dá a terceirização deste trabalho, sendo que no que tange a questão
do trabalho docente e da terceirização de seu trabalho, o autor Sérgio Pinto Martins, menciona
que no Brasil a noção da terceirização foi trazida por multinacionais na década de cinquenta,
pelo interesse que tinham em se preocupar apenas com a essência do seu negócio, ou seja, a
terceirização consiste na possibilidade de contratar terceiro para a realização de atividades que
não constituem o objeto principal da empresa.
Mas, a precarização das relações de trabalho se acentuam quando essa contratação pode
envolver tanto a produção de bens como serviços, como ocorre na necessidade de contratação
de serviços de limpeza, de vigilância ou até de serviços temporários, como os educacionais,
(MARTINS, 2005). Já Mauricio Godinho Delgado (2010) leciona que:
Neste passo, o Tema 725 da repercussão geral do STF, cujo teor é o seguinte: "É lícita
a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas
distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a
responsabilidade subsidiária da empresa contratante".
Assim, é mais do que natural que às empresas estatais e subsidiárias entendam que
possuem uma maior liberdade para uso da terceirização, como se infere do verbete do Tema
93
725 do STF, que literalmente alude às “empresas”, direcionando-se, pois, a uma técnica de
gestão descentralizada, “terceirização empresarial”, incluindo o trabalho docente. A
terceirização, conforme Araújo (2001, p. 56)
Neste passo, o que é exposto neste estudo é percebido pelos sindicatos dos professores
Sindicato dos Professores, como por exemplo o Sindicato do Distrito Federal (2018), da mesma
forma, o presidente da PROIFES – Federação de Sindicatos de Professores e Professoras de
Instituições Federais de Ensino Superior e de Ensino Básico Técnico e Tecnológico, Milton
Brandão (2018), assim detalha:
De modo geral, jamais em nossa história nos sentimos tão fragilizados que, por sinal,
não se trata de nenhuma novidade, mas devido a este momento de tanta perplexidade,
alcançou uma dimensão extraordinária, expondo a necessidade de investir fortemente
em educação, seja do ponto de vista de acesso aos insumos tecnológicos, seja por
problemas de desemprego e profundos cortes na renda familiar, cuja condição
existencial encontra-se precarizada ao ponto de serem descartáveis. Parece que a
oferta de formação continuada dos docentes não está posta em questão, pois a situação
atual do processo de precarização docente rege-se cada vez mais pelo modelo que o
docente é cumpridor de tarefas, deixando de ser considerado sujeito pensante,
perdendo sua autonomia intelectual. Então, como exigir de um profissional que
perdeu sua capacidade de pensar e refletir? Como transformar aulas presenciais para
aulas mediadas por diferentes tecnologias no contexto da COVID-19? As medidas
governamentais para o enfrentamento da pandemia vêm procurando manter os
contratos precários sem garantias trabalhistas? (MARINHO, 2020, s. p.).
Ou seja, o receio de ficar sem atividade laborativa em tempos difíceis, ou até, por ter
que cumprir as determinações de seus superiores, o trabalho do professor novamente enfrenta
os problemas, corriqueiros e preexistente, sendo que com um formato novo. Neste sentido:
Desta forma a categoria dos docentes com as questões exploratórias acaba sendo
fragilizada e a uberização proporciona esta situação, principalmente em tempo de pandemia e
isolamento do profissional.
Acredita-se que a precariedade cada vez mais visível do trabalho e a sua exploração,
sendo que diante da importância do trabalho do docente a terceirização não irá colaborar para
o êxito do trabalho executado pelo profissional, pelo contrário, ocorrerá inúmeros prejuízos no
meio educacional, tanto para discentes quanto para docentes, pois, o professor mesmo ficará
prejudicado na realização do seu trabalhado, deixando a desejar em sua qualidade, continuidade
e aperfeiçoamento, uma vez que não possui qualquer tipo de vinculação estável com a
instituição em que desempenha suas funções, totalmente precarizado e frio.
4 CONCLUSÃO
O texto buscou observar e estudar sobre a importância e o impacto das alterações legais
da reforma trabalhista trouxe, bem como as consequências da terceirização e do quanto o tema
atinge os professores na realização do trabalho pedagógico realizado, tudo isso a partir da
realidade da realidade da pandemia.
uma análise mais restrita a respeito da precarização do trabalho e deste no contexto dos
professores frente ao contexto pandêmico e social.
É certo que o trabalho pedagógico desenvolvido por professores tanto das séries iniciais
quanto do ensino superior, decorre de um caminho percorrido por longos anos de pesquisas e
continuidades de estudos específicos, a fim de que os mesmos sejam cada dia mais
aperfeiçoados e minuciosos.
A educação é a base de uma sociedade e deve ser fomentada por todos. O trabalho
docente deve estar além dos valores a serem despendidos para os trabalhadores que o realizam,
deve ocorrer a valorização e respeito à segurança jurídica daqueles que demandam tamanha
importância social, para isso verifica-se que deve se ter como prioridade a realização do
trabalho pedagógico, a fim de gerar profissionais habilitados e que atendam os anseios sociais
que a profissão determina.
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histórica. Rio de Janeiro: Garamond, 2012. 436 p.
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do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1º de maio de 1943, a fim de
redefinir os critérios para caracterização das atividades ou operações perigosas, e revoga a Lei
no 7.369, de 20 de setembro de 1985.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo, Ltr, 2010.
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99
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4. ed. São Paulo: Cortez, 2010.
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Disponível em: https://www.proifes.org.br/noticias-proifes/terceirizacao-vai-por-fim-as-
carreiras-dos-professores-afirma-brandao/. Acesso em: 28. Jun. 2020.
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SAVIANI, Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil. 3. ed. rev. Campinas, SP:
Autores Associados, 2010.
RESUMO
Este artigo apresenta uma análise acerca do cenário tecnológico no qual estão inseridos os
Sistemas da Educação (jurídica) e do Direito. A partir da teoria sistêmica, o objetivo da pesquisa
foi identificar como o Direito e a Educação têm lidado com o futuro-presente imposto pelo
contexto tecno-digital e complexo das relações sociais bem como as principais normas
regulamentadoras do ensino jurídico no Brasil têm evoluído cotejando-as com a evolução
tecnológica no sistema de justiça. Por meio do método indutivo e das técnicas de pesquisa
bibliográfica e documental, conclui que o ensino jurídico precisa trazer para o presente
necessárias habilidades prospectadas apenas para o futuro, uma vez que se encontra
descompassado do tempo da tecnologia, sob pena de formar-se profissionais aptos para lidar
com o passado e não com o futuro-presente.
INTRODUÇÃO
Atualmente, é fácil perceber que boa parte dos papéis sociais implicam em alguma
atividade vinculada à internet ou às tecnologias. Ser em sociedade é ser conectado, sob pena de
exclusão digital e social.
Chama-se a atenção para as mudanças que a era digital trouxe nos modos de organização
social e que por conta disso devem ser repensadas questões fundamentais como a democracia,
a tecnologia, a privacidade e a liberdade. Sendo a internet um não-lugar, aberta, pública,
interativa e global, além de contemplar baixo custo de operacionalização se comparada a outras
tecnologias, ela altera as formas de tempo e espaço. Dessa forma o jurista se vê em meio a um
terremoto que afeta as estruturas do Direito com o qual vinha acostumado. (LORENZETTI,
2010).
Dessa forma, tanto Direito quanto Educação são dois subsistemas do sistema social
global (sociedade) que também são impactados pela revolução que a cultura digital impõe.
Como consequência desta transformação, o ensino jurídico enfrenta desafios de diversas
1
Doutora em Direito Público pela UNISINOS. Mestre em Educação (FURB). Professora do Programa de Mestrado
em Direito da FURB. Líder do Grupo de Pesquisas CNPq/FURB: JUSTEC (Justiça, Educação e Ciência). OAB/SC
nº 13.697. E-mail: gkrepsky@furb.br.
101
ordens: pedagógicos, estruturais, metodológicos, espaciais entre outros que são evidenciados
no contexto da complexificação das relações.
2
“O termo carreira se toma aqui no sentido geral, sem referência a posições e salários dentro de uma organização.
Nele se incluem, como elementos, sucessos que fazem variar a posição e ocorrem pela seleção própria do indivíduo
ou por seleção vinda do exterior. Carreira não é nunca, portanto, somente o mérito próprio ou somente o destino,
senão um produto de ambos” Cf. LUHMANN, Niklas; SCHORR, Karl Eberhard. Presupuestos estructurales de
uma pedagogia reformista. Analisis sociológicos de la pedagogia moderna. In: Revista de Educación. Madrid,
n.29, p. 57, 1990. (tradução nossa).
102
da própria Ciência do Direito e que, geralmente, ele exerce sua atividade profissional dentro do
subsistema jurídico. Assim, é notável a instrumentalidade com a qual lida com os problemas.
Nesse sentido, Mascareño (2010, online) salienta que “é necessária uma reorientação da
observação educativa da unidade para a diferença, de modo tal que ela consiga entender sua
relação com a complexidade [...]” e que seja capaz de colocar-se em abertura com o futuro e o
novo. Por isso, Corsi (2002) destaca que as reformas na educação ocorrem a partir de irritações
de outros sistemas (externas) que viabilizam a construção de novas informações e selecionam
quais destas se tornarão pontos de intervenção e modificação das estruturas dela mesma. Esta
intenção de mudança e inovação, todavia, sempre se concretiza como uma vontade interna, mas
que tem efeitos para toda a sociedade.
Esta é uma das grandes vantagens da Educação. A possibilidade de obter resultados que
sirvam para outros sistemas. Assim, apesar de existir um subsistema educativo, a educação não
possui um fim em si mesma, ela é um pressuposto de cooperação entre os outros sistemas.
Justamente porque ela tem se voltado para as carreiras (inclusive as profissionais, mas não
somente estas) é que acaba havendo um nexo entre o objeto da educação, a escolha de seus
conteúdos (programas) e a possibilidade de transferir os seus resultados (LUHMANN;
SCHORR, 1990).
Esse é o constante movimento dos sistemas sociais que, para reduzirem a complexidade
do ambiente, especializam-se, aprimoram suas operações e, por consequência, produzem mais
complexidade. As novas tecnologias são, nesse sentido, uma causa de irritação que leva a uma
auto-organização dos sistemas uma vez que eles não podem ignorá-las. Por um lado, a
tecnologia surge para otimizar processos que, em contrapartida, implementam mais
complexidade aos sistemas sociais na medida que trazem também a necessidade de aquisição
de competências, inovação e regulação.
Da mesma forma que existem muitas possibilidades relacionais, muitas também são as
expectativas. Luhmann (1998, p.48, tradução nossa) ressalta que: “Complexidade [...] significa
coação à seleção. Coação a seleção significa contingência, e contingência significa risco”.
Portanto, o sistema há que realizar escolhas que geram riscos (contingência). Todavia, não há
garantia de escolha certa ou decisão correta em meio a estas inúmeras possibilidades e, além
disso, a concretização ou experimentação delas não depende só das próprias expectativas, mas
das expectativas que os outros também apresentam ao mundo que passam a fazer parte do
mundo das próprias expectativas a partir da experimentação alheia. Isso eleva sobremaneira o
risco da seleção e percepção do mundo, caracterizando, assim, a dupla contingência.
(LUHMANN, 1983). Por isso há:
104
Com a complexificação das demandas, torna-se premente que o que pode ser
automatizado pela tecnologia ocorra liberando os juristas para resolução dos conflitos que
exijam maior atenção. Demandas complexas exigem soluções complexas, atuação
105
Apesar de que boa parte do aparato tecno-digital implementado ao longo das últimas
décadas não se constituiu em si em uma virtualidade do Sistema de justiça, mas, sobretudo, em
transformar processos e atos físicos em digitalizados ou virtuais, verifica-se que nos últimos
anos há uma aceleração no uso da tecnologia pelo Direito em inúmeros e diversificados
formatos. As ações mecânicas antes executadas pelos técnicos são automatizadas. A
inteligência artificial disponível se executa, geralmente, para tal fim, mas também para decisões
judiciais. Em verdade, um leque de possibilidades para facilitar o acesso à justiça ou à solução
de conflitos se abre a partir das relações entre Ciência (computacional) e Direito.
De acordo com Susskind (2017), tal revolução pode ser visualizada em diferentes
atuações que impactarão as profissões jurídicas como: a) a produção de documentos jurídicos;
b) a conectividade e aproximação das pessoas; c) marketplaces jurídicos; d) o processo de
ensino-aprendizagem; e) atendimento e formas automatizadas de orientação jurídica; f)
liberação gratuita de softwares e material jurídico; g) redes e grupos de colaboração jurídica
fechadas; h) uso de sistemas para atividades repetitivas otimizando o fluxo de trabalho e de
gerenciamento de projetos; i) automatização e incorporação de legislação e conhecimento
jurídico em objetos, sistemas e processos; j) resolução de disputas online; k) pesquisa jurídica
106
Tudo isso, exige mudanças no trato com a observação do tempo e espaço dantes
comentados. E, quanto maior a complexificação retroalimentada pelas tecnologias, novos
problemas ou novas formas de observar problemas cotidianos ocorrerão. Algumas dificuldades
da presencialidade e da exteriorização física serão superadas pelas ferramentas tecnológicas,
porém outras celeumas surgirão de viés ético, cultural, comportamental, tecnológico,
regimental e legal. Alteram-se as plataformas, e, com elas, velhas dificuldades permanecerão e
novas serão agregadas.
Basta observar que, durante a pandemia causada pelo novo coronavírus, houve a
maximização de procedimentos eletrônicos e virtuais que só ocorreram porque já se dispunha
de ferramentas tecnológicas para esta migração. Todavia, em pouco tempo apareceram as
dificuldades de diversas ordens, como acesso à rede de internet, disponibilidade, habilidade e
manuseio da tecnologia, limitações da tecnologia disponível, e várias outras sob os vieses
citados acima. Um exemplo que evidencia vantagens e desafios da virtualização da justiça é a
execução de audiências virtuais, em especial a instrução processual.
Com o avanço das tecnologias digitais, o sistema da Educação também reorganizou sua
estrutura. Atualmente, os programas educacionais podem ser executados e cumpridos de forma
107
não presencial com a introdução do ensino mediado por tecnologias. As metodologias sofreram
alterações quanto à forma, tempo e espaço com o avanço das mídias e da internet.
Todas as ações sujeitas a essa transformação traduzem novas vivências sob as quais se
pode atribuir o impacto da cultura digital. Nela, a prática profissional do Direito trouxe várias
exigências ao ensino desta mesma prática com repercussão no processo de ensino-
aprendizagem, na formação docente e na estrutura dos Núcleos de Prática Jurídica dos Cursos
do país que concentram os conteúdos da formação prática do futuro jurista. Aliás, toda
transformação ou reforma “é uma descrição temporal da realidade do sistema de educação: esta
se baseia na comparação entre o estado atual do sistema e o que se deseja para o futuro”
(CORSI, 2002, p. 153, tradução nossa).
Para tanto, foram extraídas das resoluções apenas categorias que identificam orientação
de cunho tecnológico e de inovação com possível repercussão na atuação digital da profissão
jurídica.
108
Destaca-se que as Diretrizes de 2004 sofreram duas alterações no que se refere aos
estágios curriculares obrigatórios. (BRASIL, 2013; BRASIL, 2017) e, passados mais de catorze
anos é que as Diretrizes foram reformuladas (BRASIL, 2018) registrando sua primeira alteração
em 2021.
Das categorias observadas na ordem cronológica, chama a atenção que nem mesmo em
2018 havia a preocupação com os conteúdos tecnológicos em todos os eixos de formação, pois
somente em 2021 o técnico-jurídico contemplou tal tema. Por outro lado, a temática tecnologia
109
O estágio curricular obrigatório está normatizado no artigo 5º, III que estabelece que o
Eixo de Formação Prático-profissional:
Essa associação é acertada, posto que esse conhecimento ganha sentido, sobretudo,
diante da necessidade, e da aproximação com o cotidiano. Por isso, a prática jurídica sempre
foi e será o locus privilegiado da aprendizagem.
É neste tocante que a cultura digital dantes comentada merece destaque. Bem antes de
as Diretrizes curriculares apresentarem sugestivamente estas temáticas aos currículos, a prática
do estágio obrigatório já estava imersa no contexto do mundo digital, uma vez que, sem ele,
não há como operacionalizar o próprio conteúdo de aprendizagem da prática jurídica. Como
boa parte do estágio é realizado a partir de casos reais, em que os professores ou supervisores
são também os advogados das causas patrocinadas pelos órgãos nos quais se realizam estas
atividades, não há como executá-las sem estar apto para operar as ferramentas eletrônicas e
digitais utilizadas pelo Poder Judiciário. Logo, para o Direito, não é uma opção, mas uma
habilidade necessária. Aliás, como salienta Rodrigues (2019, p. 127) a exigência explicitada no
artigo 6º, § 4º das atuais Diretrizes:
[...] reconhece a existência não de uma prática jurídica, mas de um grande e múltiplo
leque de práticas jurídicas, devendo o curso trabalhar, no mínimo, aquelas
competências que são indispensáveis às diversas profissões da área do Direito.
Ora, conforme se viu ao longo deste estudo, não se está tratando apenas da mera
informatização dos processos, cuja digitalização total é questão de pouco tempo. Já não se pode
mais falar em futuro da advocacia e do direito como algo distante, porque tal condição temporal
é presente-passado. Dessa forma, a recomendação do MEC de que as IES apenas “poderão
introduzir no PPC conteúdos e componentes curriculares”3 é recomendação deveras atrasada
para pensar-se que a obrigação de implementação destas diretrizes deveria ocorrer em até dois
anos e que a formação completa dura cinco. Aliás, parecer coadunar que essa perspectiva um
argumento utilizado no parecer que alterou o artigo 5º:
As DCNs, na forma mais atual do ordenamento pela CES/CNE, têm como foco
competências e não conteúdos. Trata do conjunto das disciplinas de forma geral, para
permitir aos cursos bom desempenho nas áreas básicas e específicas e na atualização
de suas abordagens pelo desenvolvimento teórico e de fronteira das diversas áreas.
Não há foco, portanto, em indicar disciplinas específicas, em uma ou outra
especialidade, deixando isso a critério do curso. (BRASIL, 2020, p. 1, grifo nosso).
3
De acordo com o artigo 5º, § 3º da Resolução nº 05: “Tendo em vista a diversificação curricular, as IES poderão
introduzir no PPC conteúdos e componentes curriculares visando desenvolver conhecimentos de importância
regional, nacional e internacional, bem como definir ênfases em determinado(s) campo(s) do Direito e
articular novas competências e saberes necessários aos novos desafios que se apresentem ao mundo do
Direito, tais como: Direito Ambiental, Direito Eleitoral, Direito Esportivo, Direitos Humanos, Direito do
Consumidor, Direito da Criança e do Adolescente, Direito Agrário, Direito Cibernético e Direito Portuário.”
(BRASIL, 2018, grifo nosso).
111
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dificuldade em lidar com o futuro é sempre uma expertise que precisa ser aprimorada
pelo Sistema do Direito, porquanto voltado para a segurança jurídica e baseado em normativas
e precedentes, apesar de que, o sistema de acesso à justiça tem demonstrado razoável habilidade
no trato com as tecnologias.
112
Encerra-se a breve análise que este texto permite, ressaltando que tal capacidade
somente será aperfeiçoada para trazer ao presente um dos possíveis futuros para o ensino
jurídico com a capacidade de observar e aprender com os outros sistemas (Direito, Ciência,
Educação, etc.) com vistas a coevolução. Portanto, mais do que nunca, a inter ou
transdisciplinaridade devem permear as decisões e a tecnologia deve, pois, tornar-se tema
transversal sem o qual nenhum outro será possível apreender-se.
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trato social com a temporalidade complexa. In: SCHWARTZ, Germano (Org.). Juridicização
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2021.
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11280.htm. Acesso em: 30
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SCHWAB, Klaus. The fourth industrial revolution. New York: Crown Business, 2017.
Jamil A. H. Bannura1
RESUMO
A pandemia impôs inúmeras adaptações e modificações na educação jurídica, entre elas a
avaliação acadêmica parece ser o maior desafio diante dos ambientes virtuais, impondo
responsabilidade e consciência de quem pretende ser um profissional ético.
Palavras chave: Pandemia. Avaliação acadêmica. Métodos
Introdução. Importância e necessidade da avaliação formal. Métodos de avaliação.
Autoavaliação. Considerações Finais.
INTRODUÇÃO
Passados ano e meio da nova era de educação e ensino acadêmico inúmeros são os
problemas enfrentados e de toda ordem, desde os mais elementares como a escolha da
plataforma digital para a continuidade das aulas até mesmo a ausência de pessoalidade e contato
direto com os acadêmicos, passando necessariamente pelo problema da avaliação acadêmica
nesta nova era.
Ao que parece, a maioria dos professores nunca tinha utilizado qualquer plataforma
antes da pandemia, não sendo raro encontrar alunos na mesma condição, em especial os mais
velhos concentrados, em regra, no período noturno.
No ensino, assim como na vida, só podemos trabalhar com as opções que temos. Não
sendo possível a continuidade nos moldes tradicionais poucas foram as opções que surgiram.
A primeira seria a suspensão e cancelamento do semestre, alternativa que garantiria a
manutenção das ferramentas anteriores a pandemia em um momento futuro, mas que por outro
lado atrasaria a vida profissional de milhares de acadêmicos, razão de seu descarte. O Conselho
Nacional de Educação igualmente mostrou tal preocupação:
1
Professor da UFRGS. Advogado. OAB RS 21.036. Professor da UNISINOS de 1990 até 1997, Professor da
UFGRS de 1995 até os dias atuais. Endereço: Av. Borges de Medeiros, 340, sala 51, Fone (51) 3227-8177 e
984133895. Advogado OAB RS 21.036. E-mail: jabannura@gmail.com.
116
Ocorre que tais mecanismos eram sempre utilizados como complementares, mantendo-
se o contato direto, especialmente quando da avaliação do acadêmico, inexistente nos cursos
preparatórios para concursos, por exemplo.
A aprendizagem é uma rede de conhecimentos que todo ser humano pode desencadear
no decorrer da vida, logo necessita de meios propícios para direcionar melhor esse
caminho. Nessa perspectiva a avaliação exerce um papel fundamental no processo
ensino-aprendizagem.
Nos níveis básicos de educação, avaliamos porque queremos conhecer.
2 GARCIA, Joe, GARCIA, Nicolas Fish. Impactos da Pandemia de Covid-19 nas Práticas de Avaliação de
Aprendizagem na Graduação, in
https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwjjv5
K1n_LwAhWnH7kGHXaZC_gQFjACegQIAxAE&url=https%3A%2F%2Fperiodicos.uninove.br%2Feccos%2F
article%2Fdownload%2F18870%2F8642&usg=AOvVaw1eijyAzQKxVzc44AgK_gL1, acesso em 27/05/2021.
117
Na educação nunca foi diferente, com raras exceções nos métodos construtivistas de
Piaget4 aplicados especialmente no ensino fundamental, a imensa maioria dos institutos,
faculdades e universidades utilizam-se de método de avaliação individual e qualitativo,
classificando os acadêmicos entre 0 e 10, ou entre conceitos que variam de D até A, com
oportunidades de recuperação e possibilidade concreta de reprovação com repetição integral da
disciplina.
Sabemos que é uma ilusão acreditar que o conhecimento de um ser humano possa ser
classificado mediante avaliações pontuais por amostragem e aleatórias, ainda que com aparente
método.
Mesmo que tal raciocínio possa estar certo, a estrutura institucional da educação jurídica
necessita de uma afirmação final entre os que sabem, os que sabem pouco e os que nada sabem,
como se isso fosse possível; e trabalha há décadas sempre com a resposta final de aprovação ou
reprovação, sem mencionar universidades que ainda distinguem alguns com láureas e outros
prêmios acadêmicos.
Em suma, por mais que se tenha certeza da falha no sistema de avaliação ainda não há
uma outra alternativa eficaz para determinar a habilitação legal do futuro profissional. Creio
que essa é uma das justificativas para o exame da Ordem, ou seja, reavaliar o aluno já aprovado
em sua instituição para se certificar de que apresenta o mínimo necessário no exercício
profissional.
O mais próximo de uma avaliação justa seria submeter cada aluno a uma prova oral por
duas ou três horas perguntando tudo de tudo e mesmo assim o próprio critério de pontuação
para as respostas poderia ser criticado, isto sem mencionar que em universidades públicas,
especialmente, habitam turmas com mais de 80 alunos tornando inviável tal tentativa. Mesmo
em turmas ideais de 30, 35 alunos, a dedicação de duas ou três horas para cada avaliação
individual em cada disciplina demonstra o quão utópico é a fórmula pretendida.
De outro lado encontramos o professor que acredita que a qualidade de suas aulas estaria
diretamente ligada a baixa média das notas da turma, vangloriando-se por ter sua disciplina
entre as mais difíceis, em claro desvirtuamento de sua finalidade primeira, as vezes decorrente
do vício acadêmico de classificar as provas de determinado professor como muito fáceis e
desestimular o estudo, quando na verdade é o contrário, a baixa avaliação demonstra
desinteresse e dificuldade do professor antes de qualquer outro.
Não é raro encontrar professores questionando em provas o que sequer foi discutido em
sala de aula6, ou preparando questões duvidosas, ambíguas ou maliciosas (o famoso “pega
ratão”), como se estivesse em disputa contra o aluno e um tivesse que vencer no final.
A perda inconcebível de vidas humanas sem explicação também atingiu a todos e a cada
novo infectado maior o estresse e o pânico social, o que igualmente refletiu, e muito, no
comportamento de toda a comunidade acadêmica.
MÉTODOS DE AVALIAÇÃO
Todos conhecemos os métodos atuais, falta perceber quais os que podem ser aplicados
e quais os que precisam ser criados para atender a demanda. De há muito a finalidade da
avaliação mudou radicalmente saindo da mera classificação para se tornar uma ferramenta de
construção do conhecimento. Essa modificação e evolução já vinha se notando desde o final do
século passado.
De acordo com Firme (1994)8, a avaliação, desde o século XX, vem passando por
transformações, por gerações de evoluções: mensuração, descritiva, julgamento e
7 PASINI, Carlos Giovani Delevati, et al. A Educação Híbrida em Tempos de Pandemia: Algumas Considerações.
https://www.ufsm.br/app/uploads/sites/820/2020/06/Textos-para-Discussao-09-Educacao-Hibrida-em-Tempos-
de-Pandemia.pdf – acesso em 27/05/2021.
8 Apud BORGES, Cyntia Rosa de Melo Ribeiro, et al. A avaliação de aprendizagem nos tempos de pandemia:
Um relato do curso de nutrição, in Anais do 39 o Seminário de Atualização de Práticas Docentes.
https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwjjv5
K1n_LwAhWnH7kGHXaZC_gQFjAGegQIBxAE&url=http%3A%2F%2Fanais.unievangelica.edu.br%2Findex.
120
A evolução é inerente a educação, ainda que tenha sido feita por necessidade absoluta e
premente imposta pela pandemia, já que recuar não era uma opção possível e a vida devia e
deve prosseguir.
Observou-se nesse modelo algumas características próprias: a um, nos casos em que não
há registro de presença obrigatória a participação tende a ser minoritária; a dois, grande parte
dos alunos não abre a câmera; a três, os questionamentos de dúvidas são reduzidos em
comparação a sala de aula presencial; a quatro, os possíveis debates de questões polêmicas entre
os próprios alunos restou amplamente prejudicado; a cinco, ao final da aula alguns desavisados
ainda permanecem conectados fazendo suspeitar de que se logaram e nada assistiram a ponto
de não saberem que aula tinha terminado.
php%2Fpraticasdocentes%2Farticle%2Fdownload%2F5768%2F3198%2F9532&usg=AOvVaw0NQSZDEn6scP
oVroREvRZ6 – acesso 29/05/2021
121
Dentro desses modelos é possível criar tarefas ou ambientes de avaliação objetiva9, com
a construção de provas de múltipla escolha ou mesmo dissertativas, algumas com correção
automática, outras apenas com o registro da resposta; também é possível a inclusão de arquivos
de documentos e outros materiais a serem utilizados para leitura, resumos, pesquisa, etc.
De que adianta atribuir uma nota ou conceito com base em um formulário preenchido
de modo impessoal e que não representa sequer de perto o domínio do conteúdo, especialmente
em comparação aos que completam as exigências avaliativas sem nenhum auxílio e, por vezes,
obtém graus inferiores. Entender tal mecanismo e pactuar com ele é a representação da
mediocridade por omissão.
A escolha por trabalhos de pesquisa também recebe algumas críticas severas. Antes
utilizado de modo eventual, normalmente como apenas uma das avaliações do semestre ou
mesmo para melhorar um conceito atribuído por outros exames, agora passou-se a ser utilizado
largamente em quase todas as disciplinas resultando em sobrecarga de trabalho para o aluno
que, pela quantidade de pesquisas a serem apresentadas também conta com grupos para sua
execução em prol de todos, assim como sobrecarga de trabalho para o professor que, com medo
da “receita de bolo” se obriga a ler e corrigir todas as folhas, resultando em centenas de horas
sem nenhuma remuneração.
Cinco disciplinas por semestre, três avaliações por disciplina resultam, em média, em
quinze trabalhos de pesquisa para o aluno, enquanto para o professor com no mínimo duas
turmas de quarenta alunos podem chegar a 240 trabalhos para leitura e correção, o que atenta
com a própria qualidade da correção aplicada.
123
AUTOAVALIAÇÃO
Desta premissa deveria se entender que a reprovação também é benéfica, posto que
permitiria a certeza da formação adequada. Entretanto, em um mundo competitivo e em uma
profissão que despeja centenas de formados por semestre, ficar para trás não é considerada uma
vantagem, exigindo de muitos nova preparação após o bacharelado apenas para lograr
aprovação na prova da OAB ou até mesmo para o exercício elementar em qualquer área do
direito.
Isto sem mencionar na qualidade dos cursos oferecidos, que não possuem recursos para
a contratação de bons professores, implantação de estruturas acadêmicas adequadas,
bibliotecas, laboratórios de acesso à internet, estágios, etc, ou que se deixam levar pela
necessidade de obtenção de lucro na saga incansável de buscar matrículas a qualquer custo,
quase que garantindo a aprovação diante da chantagem de abandono da instituição.
No cenário de um país mediano, como é o Brasil, onde a educação está longe de ser
considerada uma prioridade, estabelecer um grau de exigência baseado na excelência acadêmica
também é uma tarefa irreal que não iria auxiliar em nada a sociedade.
Não resta outra alternativa, creio, senão utilizar-se da consciência racional do acadêmico
e do grau de responsabilidade que se precisa para obter dele próprio a autoavaliação formal.
estes são os mesmos que fraudam nas provas presenciais, que intencionalmente querem se
aproveitar de qualquer situação, seja por qual meio for e são os mesmos que acabam conhecidos
nos Tribunais de Ética. Não há remédio contra estes.
Em verdade, a imensa maioria dos acadêmicos recebe a oferta com sabedoria, refletindo
na sua participação e aproveitamento do semestre e atribuindo, em média, conceito justo, por
vezes até mais rigoroso do que conseguiria nas avaliações usuais.
De outro lado, a autoavaliação retira do aluno e do professor a pressão típica dos outros
meios causadores de excesso desnecessário de trabalho que, somados atualmente com todos os
problemas pessoais resultantes da situação pandêmica que vivemos geram estresse e pânico em
grande parte da comunidade.
Assim, a avaliação acadêmica na era pandêmica também deve ser estudada levando em
consideração a vida pessoal e familiar que envolve todos os partícipes.
Cipriano Luckesi11 (1999, p. 173) que se preocupa há muito com a avaliação prefere
entender a sua necessidade como um ato de amor, quando diz:
Não se trata de facilitar ou diminuir o trabalho, mas de entender que neste momento
social precisamos que a vida siga seu caminho da melhor maneira e que, mais do que nunca, se
11 Costa Silva, Lucas de Oliveira, et al. Avaliação Educacional: Uma Ação ressignificada na prática pedagógica
em tempos de pandemia, in
https://editorarealize.com.br/editora/anais/conedu/2020/TRABALHO_EV140_MD1_SA1_ID7806_0110202023
5207.pdf acesso em 29/05/2021.
125
estabeleçam prioridades no comportamento social e na vida das pessoas, permitindo que a vida
seja leve, “há de ser leve, um levar suave, nada que entrave nossa vida breve, tudo que me
atreve a seguir de fato o caminho exato da delicadeza, e ter a certeza de viver no afeto, só viver
no afeto. ”12
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Apud BORGES, Cyntia Rosa de Melo Ribeiro, et al. A avaliação de aprendizagem nos tempos
de pandemia: Um relato do curso de nutrição, in Anais do 39o Seminário de Atualização de
Práticas Docentes.
https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&cad=rja&uact=8&v
ed=2ahUKEwjjv5K1n_LwAhWnH7kGHXaZC_gQFjAGegQIBxAE&url=http%3A%2F%2F
anais.unievangelica.edu.br%2Findex.php%2Fpraticasdocentes%2Farticle%2Fdownload%2F5
768%2F3198%2F9532&usg=AOvVaw0NQSZDEn6scPoVroREvRZ6 - acesso em
29/05/2021.
Costa Silva, Lucas de Oliveira, et al. Avaliação Educacional: Uma Ação ressignificada na
prática pedagógica em tempos de pandemia, in
https://editorarealize.com.br/editora/anais/conedu/2020/TRABALHO_EV140_MD1_SA1_ID
7806_01102020235207.pdf acesso em 29/05/2021.
GARCIA, Joe, GARCIA, Nicolas Fish. Impactos da Pandemia de Covid-19 nas Práticas de
Avaliação de Aprendizagem na Graduação, in
https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&cad=rja&uact=8&v
ed=2ahUKEwjjv5K1n_LwAhWnH7kGHXaZC_gQFjACegQIAxAE&url=https%3A%2F%2
Fperiodicos.uninove.br%2Feccos%2Farticle%2Fdownload%2F18870%2F8642&usg=AOvVa
w1eijyAzQKxVzc44AgK_gL1 - acesso em 27/05/2021.
RESUMO
INTRODUÇÃO
1
Doutoranda e Mestra em Direito Público na UNISINOS. Bolsista PROEX/CAPES. Especialista em Direito do
Trabalho na UFRGS. Cofundadora do DiversoS – Educação em Direitos Humanos. Advogada inscrita na OAB/RS
nº 91.060. E-mail: larissaelsner@hotmail.com
2
Mestre em Direito pela UNISINOS. Bolsista PROEX/CAPES. Bacharel em Direito pela UFRGS. Advogado
inscrito na OAB/RS nº 105.078. E-mail: gustavo_ben@hotmail.com.
128
grande aliada à internet, ferramenta essa que passou a ser indispensável para o desenvolvimento
da aprendizagem.
Frente a esse contexto, esta pesquisa tem o objetivo de analisar a aplicabilidade da ABP
para o ensino jurídico em caráter remoto – online – como metodologia que proporciona uma
aproximação dos estudantes de direito da realidade social, mesmo em um contexto de pandemia
de Covid-19, em que o distanciamento social é uma das medidas adotadas para a contenção do
contágio do coronavírus.
3
Em 24 de maio de 2021, estão sendo aplicadas as vacinas da Astrazeneca/Oxford e da Pfizer/Biontech aprovadas
com registro definitivo pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e as vacinas Coronavac/Butantan
e Janssen/Johnson & Johnson aprovadas para uso emergencial (BRASIL, 2021).
129
a pandemia de Covid-19 ainda não chegou ao fim, e essa doença continua provocando a morte
de muitas pessoas em todo o mundo4.
Logo no início da pandemia, uma das primeiras medidas adotadas em mais de 190 (cento
e noventa) países foram o fechamento e o encerramento de atividades presenciais em
instituições de ensino, com o objetivo de evitar a disseminação e contágio do coronavírus
(CEPAL; UNESCO, 2020, p. 1). Com isso, já em “[...] maio de 2020, mais de 1.200 milhões
de estudantes de todos os níveis de ensino, em todo o mundo, haviam deixado de ter aulas
presenciais nas escolas. Desses, mais de 160 milhões eram estudantes da América Latina e do
Caribe”5 (CEPAL; UNESCO, 2020, p. 1, tradução nossa).
O Brasil foi um desses países que adotou o fechamento das instituições de ensino e
suspensão das aulas presenciais como medida a conter a pandemia de Covid-19, o que afetou
negativamente a vida de cerca de 20 milhões de estudantes brasileiros que não tiveram acesso
à educação, conforme pesquisa do DataSenado, publicada em 12 de agosto de 2020. Esse
levantamento aponta que “Entre os quase 56 milhões de alunos matriculados na educação básica
e superior no Brasil, 35% (19,5 milhões) tiveram as aulas suspensas devido à pandemia de
Covid-19, enquanto que 58% (32,4 milhões) passaram a ter aulas remotas” (AGÊNCIA
SENADO, 2020). A realidade se mostrou ainda mais grave para os estudantes da rede pública,
4
Em 24 de maio de 2021, a Organização Mundial da Saúde (OMS) contabiliza o total de 3,459,996 mortes devido
à Covid-19 (WHO, 2021), sendo que 449.858 mortes ocorreram no Brasil (BRASIL, 2021). Em relação à
vacinação, a OMS estima que 1,489,727,128 pessoas já foram vacinadas em todo o mundo (WHO, 2021). No
Brasil, o número de pessoas que receberam as duas doses da vacina, necessárias para imunização, correspondem
a 18.765.151 (BRASIL, 2021).
5
“[...] mayo de 2020 más de 1.200 millones de estudiantes de todos los niveles de enseñanza, en todo el mundo,
habían dejado de tener clases presenciales en la escuela. De ellos, más de 160 millones eran estudiantes de América
Latina y el Caribe” (CEPAL; UNESCO, 2020, p.1).
130
pois cerca de 26% dos alunos que deveriam ter acesso às aulas na modalidade online, não
possuem acesso à internet (AGÊNCIA SENADO, 2020).
Porém, o que se observa das pesquisas publicadas pela CEPAL é que a desigualdade no
acesso à internet já era uma marca presente na região da América Latina e Caribe antes mesmo
da pandemia e que se agravou com a chegada dela. Em pesquisa realizada em 2019, observou-
se que 66,7% dos habitantes tinham conexão à internet, e a terça parte restante tinha um acesso
limitado ou não tinha acesso às tecnologias digitais devido a sua condição econômica e social,
em particular sua idade e localização (CEPAL, 2020, p.3).
6
“La conectividad, entendida como el servicio de banda ancha con una velocidad adecuada y la tenencia de
dispositivos de acceso, condiciona el derecho a la salud, la educación y el trabajo, al tiempo que puede aumentar
las desigualdades socioeconómicas” (CEPAL, 2020, p.2).
131
como Chile, Costa Rica e Uruguai, em que apenas cerca da metade dos domicílios rurais estão
conectados (CEPAL, 2020, p.3).
7
“Las bajas velocidades de conexión consolidan situaciones de exclusión ya que inhabilitan el uso de soluciones
digitales de teletrabajo y educación en línea” (CEPAL, 2020, p. 3).
8
“[...] a junio de 2020, en el 44% de los países de la región no se alcanzaba la velocidad de descarga que permite
desarrollar varias actividades en línea simultáneamente [...]” (CEPAL, 2020, p. 4).
9
O direito à educação está previsto no artigo 13 do PIDESC (BRASIL, 1992a) e no artigo 18 do PIDCP (BRASIL,
1992b).
10
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma
desta Constituição” (BRASIL, 1988).
11
“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania
e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988).
132
do Brasil de 1988 (CF/88) que abordam o direito à educação enquanto um direito social
(ANDRIGHETTO; ELSNER, 2020, p.77-79).
[...] que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das
manifestações instrumentais da ideologia da opressão – a absolutização da ignorância,
que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se
encontra sempre no outro (FREIRE, 2018, p.81).
Com o intuito de superar essa estrutura antiquada de ensino, tem-se apostado em uma
aprendizagem que se desenvolva a partir de dois conceitos poderosos: as metodologias ativas e
o ensino híbrido (MORAN, 2018, p.4). As metodologias ativas promovem o protagonismo do
educando e concedem àquele que aprende o espaço para construir seu conhecimento junto
àquele que orienta a aprendizagem. Por se tratarem de metodologias, pode-se compreendê-las
a partir da simbologia de uma trajetória, em que as metodologias seriam as coordenadas para
orientar como chegar a um objetivo. E por terem essa natureza ativa, elas ainda possuem o
acréscimo de gerar envolvimento de todos aqueles que participam dessa trajetória. Em síntese,
as metodologias ativas são:
133
Aliado ao uso das metodologias ativas, sugere-se o conceito de ensino híbrido que está
relacionado ao uso da tecnologia como ferramenta para a aprendizagem, no qual se tem uma
“[...] mediação tecnológica forte: físico-digital, móvel, ubíquo, realidade física e aumentada,
que trazem inúmeras possibilidades de combinações, arranjos, itinerários, atividades”
(MORAN, 2018, p. 4). Pelo uso de programas tecnológicos, educadores e educandos constroem
o processo de conhecimento em conjunto, sendo ressaltada por Camargo e Daros (2018, p. 64)
a potencialidade do ensino híbrido para o aprendizado em grupo, o que possibilita uma maior
participação e troca de experiências de todos.
do contexto social em que aquele educando está inserido, permitindo que os trabalhos
desenvolvidos sejam autênticos e únicos, por partirem da perspectiva de cada um dos
integrantes do projeto. Logo, não se prioriza o conhecimento do professor, mas sim, garante-se
o protagonismo dos alunos que serão conduzidos e orientados por esse educador.
Todavia, esse conhecimento não será limitado às experiências pessoais dos alunos. Pela
ABP, todos são convidados a se tornarem investigadores, pois a partir da pesquisa é que os
alunos encontrarão os subsídios para justificar suas tomadas de decisões e suas conclusões para
o projeto. Portanto, oportuniza-se aos educandos tanto o contato com a pesquisa científica como
o engajamento acerca dos problemas sociais de sua comunidade, diante do encorajamento para
que eles escolham problemas reais e desenvolvam projetos a partir disso.
A ABP é uma metodologia ativa compatível com o modelo de ensino híbrido, que pode
ser aplicada em espaços presenciais ou virtuais (FILATRO; CAVALCANTI, 2018, p.39). A
importância do acesso à internet no uso da ABP se dá pela etapa da investigação, em que os
alunos deverão realizar pesquisas e, para isso, o apoio da conectividade traduz-se em qualidade
e atualidade dos conteúdos pesquisados. “Visto que grande parte da pesquisa em projetos de
ABP é dependente da internet, a disponibilidade de dispositivos com conexão à internet para o
uso dos alunos é crucial para o ensino de ABP atualmente” (BENDER, 2014, p. 74).
135
Dessa maneira, a ABP possibilita a superação das práticas de transmissão de saber que
afastam o aluno do protagonismo de sua aprendizagem, as quais o alienam dos problemas reais
que enfrentará em sua vida profissional. A flexibilidade e criatividade para desenvolver
soluções jurídicas para casos complexos, bem como para se adaptar às mudanças em legislações
e entendimentos jurisprudenciais, são habilidades que deixam de ser desenvolvidas por
estudantes de direito quando estão imersos em uma concepção jurídica abstrata e
descontextualizada de problemas reais pertinentes à realidade social, e a perpetuação desse
modelo de ensino jurídico é o que faz perpetuar a crise do ensino e da educação jurídica que
carece de um enfrentamento sério e comprometido (ENGELMANN; HOHENDORFF, 2016,
p.71).
136
A ABP é, assim, uma prática educacional problematizadora que pode ser utilizada para
incentivar alunos e professores da área jurídica a atuarem na busca de soluções para problemas
reais das comunidades que eles integram. Dessa forma, a importância de aliar essa ferramenta
metodológica ao ensino do direito se justifica pelo fato de o conteúdo teórico e normativo
integrador da ciência jurídica ser essencial à formulação e à estruturação de propostas que
atendam a problemas reais.
Em que pese a atribuição de caráter emergencial ao ensino remoto, cabe salientar que a
sua ampla utilização possivelmente não é um mero fenômeno passageiro, que terminaria com
o fim da pandemia, mas uma verdadeira revolução na maneira como o ser humano se relaciona,
ao menos para fins profissionais e educacionais (KIM, 2020). A realidade é que o
distanciamento social tem acelerado a difusão do uso de tecnologias capazes de possibilitar a
continuidade das operações sociais em meio à distância física entre as pessoas, tornando abrupto
um fenômeno cuja ocorrência seria gradual em condições sem as restrições impostas pela
pandemia. Em outras palavras, a pandemia de Covid-19 tem acelerado a ocorrência de
transformações irreversíveis nas relações humanas mediante a grande utilização de tecnologias
mais modernas de comunicação remota - como plataformas de videoconferência -
transformações, estas, às quais a nossa sociedade já estava fadada.
Por essa razão, há de se esperar que a grande utilização do ensino remoto perdurará na
era pós-Covid-19, o que reforça a necessidade de se repensar os modelos pedagógicos para essa
nova realidade. Dessa feita, não há como se esquivar da reflexão sobre a aplicabilidade das
metodologias de ensino ativas, tal qual a ABP, em um contexto de ensino remoto. Para essa
reflexão, insta destacar, primeiramente, a existência de uma importante diferença entre dois
modelos de ensino remoto comumente utilizados por instituições de ensino superior (IES): o
Ensino à Distância (EAD) e o Ensino Híbrido (blended learning ou b-learning).
12
Os ambientes virtuais de aprendizagem (AVA) são plataformas capazes de auxiliar na montagem de cursos, e
na criação e administração de conteúdo, além de fornecerem dados para acompanhamento do desempenho de
138
sua vez, precisam se organizar para assistir a essas aulas e desenvolver as atividades
demandadas pelos professores. O EAD proporciona uma grande flexibilidade aos discentes,
que podem adequar as suas rotinas de estudo às suas demais atividades diárias (MILL, 2015, p.
409). O ensino remoto também pode ocorrer de maneira síncrona, no chamado Ensino Híbrido
(blended learning ou b-learning)13, o qual combina o caráter presencial das aulas com a
utilização de ferramentas digitais. Nesse modelo, os participantes acessam a sala de aula
virtual em um horário pré-determinado, a qual se opera com a utilização de uma plataforma de
videoconferência. Como explicam Machado et al., a educação híbrida
Verifica-se que ABP seria mais praticável em uma modalidade de ensino híbrida, pois
a sincronicidade facilitaria aos professores e alunos criarem um espaço psicológico-
comunicacional para o desenvolvimento das atividades pedagógicas, estreitando o que Moore
chama de distância transacional (MOORE, [2021? ], p. 1)14. Haveria um aprimoramento da
interação e da colaboração entre professores e estudantes, os quais, por meio da tecnologia,
reaproximar-se-iam pedagogicamente em um contexto de distanciamento geográfico.
alunos e professores. Como exemplos, pode-se citar o Blackboard, o Brightspace, o Canvas e o Moodle, além de
plataformas próprias das instituições de ensino superior (MILL et al., 2012).
13
Também chamado de educação bimodal, dual, semipresencial, semivirtual ou aprendizagem combinada
(MACHADO et al., 2017. p. 8).
14
Distância transacional é o espaço cognitivo entre professor e aluno num ambiente educacional, mais
especificamente na educação à distância. Conforme a teoria, a distância entre professor e aluno não é meramente
geográfica, mas educacional e psicológica (MOORE, [2021?], p. 1).
139
suscitaria a construção de ideias no âmbito de cada grupo, ao mesmo tempo em que permitiria
a adequada condução da metodologia ativa pelo professor.
Por isso, para a adequada execução da ABP no ensino remoto brasileiro, indispensável
a distribuição equânime do acesso à internet de qualidade à população. Para tal, é necessário o
investimento governamental em redes e tecnologias. Isso poderia ocorrer, por exemplo,
mediante o desenvolvimento de ferramentas disponibilizadas pela Rede Nacional de Ensino e
Pesquisa (RNP)15 ou mesmo via parcerias entre o Banco Nacional do Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) e empresas capazes de oferecer soluções alternativas (CEMJ;
UBES, 2021, p. 27).
Além disso, considerando que o telefone celular é o principal meio utilizado por
estudantes brasileiros para acompanhar as atividades de ensino remotas (CETIC.BR et al, 2020,
p. 7-8), é preciso desenvolver plataformas compatíveis com seus sistemas operacionais, bem
como universalizar o acesso à Banda Larga no país16. A partir disso, podem-se traçar meios
15
A Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) é uma organização social ligada ao Ministério de Ciência,
Tecnologia, Inovações e Comunicações do governo federal brasileiro, sendo a entidade responsável pelo esquema
de ligações centrais da rede acadêmica brasileira. Em outras palavras, trata-se da organização governamental
responsável pelo “backbone” ou “espinha dorsal” da rede de internet das instituições de ensino e pesquisa do
Brasil, a qual promove a utilização de redes avançadas no país (BRASIL, 2012).
16
No que tange à universalização da Banda Larga no Brasil, verifica-se a possibilidade de utilização do Fundo
de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST), o qual tem como objetivo justamente
140
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que se pode concluir com este trabalho é que a ABP é uma metodologia aplicável ao
ensino remoto do direito, e que tem o potencial de aprimorar a educação jurídica porque
possibilita aos alunos um maior protagonismo em relação à construção do conhecimento, bem
como desenvolve as habilidades de análise crítica da realidade social, conhecimentos acerca de
como realizar pesquisas científicas e oportuniza o trabalho cooperativo. Ainda, a ABP supera
os modelos de transmissão de conhecimento exclusivamente por parte do professor, afastando
“proporcionar recursos para cobrir a parcela de custo exclusivamente atribuível ao cumprimento das obrigações
de universalização de serviços de telecomunicações, que não possa ser recuperada com a exploração eficiente do
serviço” (BRASIL, 2015).
141
a concepção bancária de ensino e promove uma aprendizagem que permite o protagonismo dos
educandos.
No tocante a sua aplicação prática no ensino jurídico, entende-se que o modelo de ensino
remoto mais compatível seria o híbrido (blended learning ou b-learning), pois o seu caráter
síncrono permitiria uma melhor interação e colaboração entre professores e estudantes. Nele,
os grupos de alunos poderiam construir suas ideias e desenvolver seus projetos, ao mesmo
tempo em que o professor conseguiria conduzir o aprendizado.
Por fim, em que pese a operacionalidade da ABP no ensino remoto do direito, e de outras
áreas do saber, é indispensável a melhor distribuição do acesso à internet no Brasil. Tornar
pleno o acesso à internet tem se revelado fundamental para a efetivação do Direito Humano à
educação não só enquanto perdurar a pandemia de Covid-19, mostrando-se essencial também
para a edificação de uma sociedade livre, justa e solidária para a era que se seguirá.
142
REFERÊNCIAS
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pandemia. Brasília, DF.: SENADO, 2020. Disponível em:
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144
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ROSAS, María Francisca Elgueta.; LUNELLI, Isabella Cristina.; GONZALEZ, Eric Palma.
Introdução: a produção de “outros” conhecimentos com o uso da iconografia para a
transformação do ensino do direito. In: ROSAS, María Francisca Elgueta.; LUNELLI, Isabella
Cristina.; GONZALEZ, Eric Palma (orgs.). Conhecimento, iconografia e ensino do direito. São
Leopoldo: Casa Leiria, 2016. Disponível em:
<https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/162130>. Acesso em: 20 maio 2021.
RESUMO
O compartilhamento de formas distintas para transpor o ensino e aprendizagem jurídico aparece
pela necessidade social de enfrentar complexidades e romper com determinantes comuns, que
de certa forma, nos levam a lugares reflexivos já conhecidos. O estudo dos direitos humanos
requer uma pré-disposição aberta, compartilhada e vinculada com a realidade social para uma
formação crítica, que apresente soluções e contribua para a promoção de uma vida com
dignidade. Propõe-se apresentar uma experiência de campo, reverberada pelo projeto de
extensão -Desenvolvendo: cultura dos direitos humanos na infância e adolescência-,
redimensionado no contexto da pandemia COVID-19, a fim de estimular e incentivar práticas
extensionistas para a alternância da cultura dos direitos humanos e pensar como elas serão
utilizadas com o marcador pandêmico. Trata-se de uma narrativa de partes integrante do
projeto, que divide os processos de criação, desenvolvimento e dificuldades no cenário que
experimentamos, a partir de uma metodologia qualitativa e avaliativa.
Palavras-chave: Criança, Cultura, Educação, Extensão, Direitos Humanos.
INTRODUÇÃO
A sociedade pós-contemporânea e o direito transitam entre ferramentas que lhe servem
no aprimoramento da segurança e a denúncia de que dada a complexidade social o direito
precisa ir além. Nesse sentido, toca-se diretamente reflexões acerca do modelo de
ensino/aprendizagem como estrutura de desenvolvimento, o que busca estimular ações
concretas e articuladas, como a educação para os direitos humanos, que pode produzir novos
comportamentos, reflexões, esclarecimentos políticos e alternância da cultura local
contribuindo em aproximar a universidade da comunidade. O projeto de extensão
Desenvolvendo: cultura dos direitos humanos na infância e adolescência elegeu, unicamente, o
1
Professora Adjunta de Direito Internacional e Direitos Humanos do Departamento de Direito - MDI, da
Universidade Federal Fluminense - UFF. Doutora em Direito Internacional pela Universidade Gama Filho - UGF,
com período de pesquisa na Università di Salerno e Pisa, Itália. Coordenadora do projeto de extensão
“Desenvolvendo: Cultura dos direitos humanos na infância e adolescência. OAB/RS: 72.447 E-mail:
lleidens@id.uff.br
2
Graduanda em Direito pela Universidade Federal Fluminense, integrante do projeto de extensão “Desenvolvendo:
Cultura dos direitos humanos na infância e adolescência, foi bolsista do Programa Direitos Humanos e diversidade
UFF/PROEX (2019-2021). E-mail: tailyfiori@id.uff.br
146
Muitas são as questões que envolvem esse debate, e destacamos que a materialização
dos direitos pelos Estados, na maioria das vezes, requer a disposição econômica para promovê-
los e a determinação de escolhas políticas na eleição de políticas públicas e direcionamento de
gastos vinculados com a lógica inclusiva dos direitos humanos e da democracia (LEIDENS,
2019, p. 40). As consequências daquelas condições e a necessidade da proatividade estatal,
quando não orientada para evolver todos os sujeitos integrantes da sociedade vêm justificadas
no plano interno, a partir do recorrente lugar comum da “crise” dos direitos humanos, da
147
“inefetividade” dos direitos e do “não alcance” dos direitos para todos, e aí problematizados
pela teoria crítica a partir de um padrão universal e não real considerando a complexidade das
especificidades locais.
Assim, conforme evidencia a doutrina de Antônio Cassese na obra - I Diritti umani oggi
-, quando enumera as dificuldades da materialização e da implementação da cultura dos direitos
humanos na sociedade, destaca principalmente a insuficiência de trabalhos de acessibilidade do
tema direitos humanos junto da população em geral. O autor aborda a necessidade de criar
meios para ampliar o diálogo entre diferentes camadas sociais, para que o tema, direitos
humanos transite de forma natural nas ambiências, como instituições, escolas, bairros,
148
movimentos sociais, grupos e reuniões comunitárias. Assim, a sua doutrina estimula que se
coloque na pauta da ação, reflexões acerca do que são os direitos humanos, o que é considerado
direitos humanos, porque são conhecidos como direitos, qual a sua importância e utilidade
atualmente, a quem cabe o seu uso, como acioná-los, onde encontrá-los dentre outras
indagações a ser avivadas e assimiladas pelo grupo social.
Ressalte-se que cada ação foi diferente, e o projeto buscou adequar-se às necessidades
e especificidades de cada turma escolar. No entanto, durante as reuniões, tomava-se o cuidado
de tentar prever as situações possivelmente complicadas diante dos dados disponíveis para que
o grupo estivesse preparado para eventos imprevisíveis. Assim, a título de exemplo, nas
atividades que exigiam participação ativa das crianças para que fossem bem-sucedidas,
pensava-se em alternativas para a hipótese de encontrarmos uma turma mais tímida com baixa
participação.
Após definir a metodologia mais adequada para aquela faixa etária e preparar o material
necessário, realizou-se a primeira ação no Colégio Maria Letícia com aproximadamente 50
(cinquenta) alunos. Ocorreram as apresentações iniciais, que buscaram aproximar as integrantes
do projeto e os alunos, bem como romper a barreira inicial, de maneira a permitir uma maior
interação durante as próximas atividades. Trabalhou-se com questionários para descobrirmos o
quão próximo estava o tema direitos humanos dos adolescentes. As perguntas questionaram o
conceito de direitos humanos, a importância, razões e a representação lúdica da simbologia
direitos humanos para cada adolescente. O questionário tinha por objetivo identificar o
conhecimento prévio, bem como auxiliar na elaboração das próximas ações, tanto no sentido
de melhorias metodológicas, quanto em termos de identificar as necessidades e dificuldades
152
Por conseguinte, é possível concluir que a igualdade, para esse grupo, está ligada ao
direito de todos poderem realizar as mesmas ações, ou, ainda, a liberdade de realizar as mesmas
escolhas caso assim desejem. Na perspectiva do grupo extensionista, é enriquecedor o confronto
entre a percepção jurídica de que todos somos iguais perante a lei com a percepção fática das
153
crianças. Ao longo das atividades, houve sugestões, apoio teórico e incentivo por parte das
integrantes do projeto, no entanto as criações são obra da construção coletiva dos alunos.
No final dessa ação, solicitou-se que os resultados das atividades fossem apresentados
para todos os presentes. Para encerrar, apresentou-se um vídeo curto da ONU Mulheres Brasil
(2016), que abordou concepções teóricas e reais do que são Direitos Humanos com o objetivo
de consolidar e complementar o conteúdo abordado ao longo das atividades. Ao final,
percebemos que conseguimos alcançar o universo das crianças, ante alegria, curiosidade e
anotações dos participantes. Continuou-se as várias reuniões do grupo para discussão do
desempenho da equipe, bem como analisar os questionários e revisar a metodologia para as
demais ações.
o acolhimento dos trabalhadores da escola, que prestaram todo o auxílio necessário para o
sucesso das ações.
Pode-se dizer que o projeto foi incitado para ocorrência e compartilhamento concreto e
pessoalmente, o que inicialmente encarado com muita dificuldade de alcance. Trata-se de um
momento de amadurecimento, despertar, criação e aperfeiçoamento da equipe e dos temas que
trabalhamos para que pudéssemos responder de forma rápida, aprofundada e interativa a
demanda apresentada, sobretudo representando o acolhimento para as crianças e adolescentes.
O modelo de ação implementado passou por uma avaliação inicial, a partir de testes de
ferramentas tecnológicas possíveis, acessíveis, viáveis num contexto caracterizado pelas
diferenças socioeconômicas, culturais, psicológicas dos envolvidos no projeto e comunidade
em geral. O projeto encontra-se no universo digital e partir dele realizamos atividades,
proporcionamos conteúdos, a fim de estar presente junto ao público-alvo e equipe, aperfeiçoar
ferramentas e metodologias à distância.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Ordem dos Advogados do Brasil, Brasília, OAB, 1998;
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da Extensão Universitária na América Latina. Brasília: Universidade de Brasília, 2001, p. 141-
158.
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Mulheres Brasil. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=hGKAaVoDlSs&t=6s>.
Acesso em: 26 maio, 2021.
RESUMO
Esta pesquisa tem como proposta a análise das adequações dos Projetos Pedagógicos de Curso
(PPCs) das graduações em Direito da Universidade Estadual do Tocantins (Unitins), no que se
refere às diretrizes nacionais sobre Educação em Direitos Humanos. Seu referencial teórico
estabeleceu-se a partir da análise de documentos orientadores internacionais e brasileiros sobre
educação em direitos humanos, tais como o Programa Mundial de Educação em Direitos
Humanos (UNESCO, 2012); Programa Nacional de Direitos Humanos (BRASIL, 2010), Plano
Nacional de Educação em Direitos Humanos (BRASIL, 2007) e as Diretrizes Nacionais para
Educação em Direitos Humanos (BRASIL, 2012). Foi adotada a metodologia de estudo de caso
com base nos apontamentos de Gil (2010), seguindo um protocolo de pesquisa baseado na
análise de conteúdo proposta por Bardin (1977), que estuda palavras-chave que revelem a
inclusão de conteúdos ligados ao tema central, no texto dos documentos analisados a partir de
considerações sobre o contexto em que surgiram e a função semântica que exercem. Nesse
sentido, os termos selecionados foram: direitos humanos, dignidade, democracia, diversidade,
sustentabilidade, conflito e interdisciplinaridade. Ao final, a contextualização de todos os
termos propostos como indicadores temáticos da integralização da educação em direitos
humanos nas faculdades de Direito da Unitins, pode-se dizer que esse conjunto de saberes se
encontra proposto de forma limitada.
INTRODUÇÃO
1
Graduado em Direito pela Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS). Membro do Grupo de Pesquisa
Direitos Humanos, Violência Estado e Sociedade. Bolsista do PIBIC/UNITINS, ciclo 2019-2020. E-mail:
mj.marcosvieira@gmail.com
2
Doutora em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás (UFG); Mestre em Direitos Humanos pela
Universidade Federal de Goiás (UFG). Líder do Grupo de Pesquisa Direitos Humanos, Violência Estado e
Sociedade. Professora titular da Universidade Estadual do Tocantins. E-mail: christiane.hc@unitins.br
159
Para o sucesso desses objetivos, ocorreram diversas convenções organizadas por aqueles
órgãos, as quais reiteravam a importância da educação como forma de garantia de direitos e de
assegurar a observância dos direitos humanos.
Nesse contexto, o ambiente acadêmico torna-se propício para o inicial debate sobre a
educação em direitos humanos e sua implementação. Em parte, pelo seu caráter inovador e pela
possibilidade de aprimoramento qualitativo do debate pelas universidades, tendo em vista a
valorização da pesquisa científica como pilar indissociável da razão de ser das instituições de
ensino superior, mesmo que o documento reconheça que a educação em direitos humanos deva
ocorrer em espaços formais e informais (BRASIL, 2012).
Serão eles: o Plano Mundial de Educação em Direitos Humanos (mais precisamente sua
Segunda Etapa, que tem como grupo estratégico o ensino superior), o Plano Nacional de
Educação em Direitos Humanos e as Diretrizes Nacionais de Educação em Direitos Humanos.
documentos que orientem o ensino e a formação desses acadêmicos quanto aos direitos
humanos (Gil, 2010, pp. 137-142).
Baseado nesse entendimento, será buscado nos Projetos Pedagógicos de Curso (PPC),
pesquisados, o termo direitos humanos conceito central e estratégico para esta análise. Têm-se
que as demais palavras chave analisadas foram propostas a partir dos princípios dispostos nas
Diretrizes Nacionais para Educação em Direitos Humanos, e são: dignidade, diversidade,
democracia, interdisciplinaridade, sustentabilidade e conflito.
A Teoria dos Direitos se apresenta, não apenas hoje, mas desde sua concepção, como
marco para a construção de uma sociedade pautada em uma ordem antropocêntrica. Termos
como “homem”, “humano” e “humanidade” sempre foram palavras-chave na construção dos
fundamentos filosóficos desses direitos (DOUZINAS, 2011, p. 06).
161
Uma análise inicial dos mais antigos tratados sobre direitos humanos, demonstra, que
esses textos legais costumam atribuir a esses direitos uma marca universalista, uma busca pela
positivação da liberdade e igualdade entre todos os homens. As alcunhas de “verdades
autoevidentes”, “direitos inalienáveis” e “direitos do homem” trazidas pela Declaração
Americana (1776) e Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) sedimentam a
noção de que tais direitos são inerentes ao homem como uma consequência natural de sua
qualidade humana (HUNT, 2008, pp. 13-17).
A conquista dos direitos humanos representou em seu âmago, a vitória de uma ideologia
burguesa, que buscava, à época, a mais ampla liberdade contra o gigantismo dos estados
absolutistas, que controlavam diversos setores da vida política e social de seus, até então,
súditos (DOUZINAS, 2009, p. 25).
A própria a nova ordem jurídica internacional reconhece, porém que o sucesso dos
objetivos relativos à implementação dos direitos humanos passa inexoravelmente pelas práticas
educativas. Nesse sentido a educação foi reconhecida também como um direito humano
estratégico, na medida em que se apresenta como um direito que contribui para a realização de
outros direitos (BORGES, 2015, pp. 03-04; ONU, 2009, p. 02).
Ainda sobre o Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos, esse projeto prevê
dois Planos de Ação para capacitação de diferentes sujeitos estratégicos em intervalos
progressivos de tempo. A primeira fase (2005/2009) prevê a inclusão da educação em direitos
humanos nos currículos educacionais dos ensinos primário e secundário (UNESCO, 2012, p.
07).
Esse Plano de Ações reconhece como educação superior “estudos em nível pós-
secundário” estabelecendo assim a linearidade dos sistemas de ensino e ressaltando a
necessidade de se propor a formação em direitos também dessa maneira (UNESCO, 2012, p.
09).
Foi só a partir de 1988 que o país inaugurou uma ordem constitucional marcada pela
inclusão dos direitos humanos e profundamente influenciada pelos ditames da Declaração
Universal de 1948. Nesse contexto, sua corte constitucional anuiu ao fundamento kantiano de
direitos humanos que afirma que “toda a ação que por si mesma ou por sua máxima permite
que a liberdade de cada indivíduo possa coexistir com a liberdade de todos os demais de acordo
com uma lei universal é direito (KANT, 1970, p. 133 apud VIEIRA, 2002, p. 15).
Nascida após o fim de um regime ditatorial militar, a nova carta magna brasileira ganhou
a alcunha de “Constituição Cidadã”, exatamente por se dedicar à tratativa dos direitos humanos
em todas as suas dimensões, enquanto perspectivas fundamentais para a realização da cidadania
plena de seu povo (CARVALHO, 2005).
É nesse contexto que floresce a educação em direitos humanos no país. Assim como em
outros países da América Latina, a educação em direitos humanos floresce ainda na década de
1980, a partir dos movimentos de educação popular capitaneados por Paulo Freire, em conjunto
com uma demanda por direitos humanos em âmbito interno e a luta pelo retorno da democracia
como regime político (BRASIL, 2007, p. 22).
Por esse motivo, esse foi também o documento oficial utilizado como parâmetro para
análise proposta ao final da pesquisa. Os princípios consubstanciados por essas Diretrizes
165
Dada a sua concepção inicial, essa pesquisa tinha por objetivo central a realização do
diagnóstico quanto a integralização da educação em direitos humanos nos currículos da
graduação em Direito ofertada pela Universidade Estadual do Tocantins através da análise do
texto de seus projetos político pedagógicos.
Tal investigação possui ainda uma importância social e regional porque poderá ampliar
a compreensão de como a Universidade Estadual do Tocantins – UNITINS, maior universidade
do Estado do Tocantins e termos de quantidade de faculdades de Direito por cidade e
distribuição territorial no Estado escolheu estabelecer a formação de seus acadêmicos.
Para tanto, as palavras chaves buscadas foram retiradas do texto das Diretrizes
Nacionais para Educação em Direitos Humanos, documento que estabelece como seus
princípios básicos: a) a dignidade humana; b) igualdade de direitos; c) reconhecimento e
valorização das diversidades; d) laicidade do estado; e) democracia na educação; f)
interdisciplinaridade como metodologia; g) sustentabilidade socioambiental como pressuposto
(BRASIL, 2013, p. 10).
166
A ideia primeira de termos chaves pesquisados surgiu desses princípios. Seriam elas:
dignidade, igualdade, laicidade, diversidade, democracia, interdisciplinaridade e
sustentabilidade.
Por outro lado, foram identificados uma diversidade de termos relacionados à inclusão
de métodos de resolução pacífica de conflitos, tais como mediação, conciliação, arbitragem e
justiça restaurativa. Dessa forma, sendo a cultura de paz e a resolução pacífica de conflitos
também um dos pressupostos da educação em direitos humanos, esses termos foram incluídos
como elementos a serem analisados.
A primeira descoberta com o qual esta pesquisa se deparou foi anterior, no entanto, à
busca das palavras chaves, seus contextos textuais e semânticos. Se identificou que muito
embora a Universidade Estadual do Tocantins disponha de quatro graduações em Direitos
distribuídas em diferentes regiões do estado, a instituição apresenta um único modelo de
currículo para todos eles (UNITINS, 2020a, p. 06).
Ainda que cada texto curricular indique a importância de cada campus para o contexto
da região em que se insere e correlacione as propostas de curso à princípios do desenvolvimento
regional, os documentos propostos apresentam textos padrões aos títulos indicados em seus
sumários (UNITINS, 2020a, p. 17).
A pesquisa específica dos termos chave foi iniciada pelo termo direitos humanos, na
intenção de perceber como os documentos analisados compreendem e apresentam esses direitos
como temática. Seu objetivo final era identificar os direitos humanos como conteúdo transversal
e de abordagem interdisciplinar, conforme determina a política nacional de educação em
direitos humanos.
O que se pode perceber, porém, foi uma abordagem ainda muito disciplinar desses
conteúdos. A presença de uma disciplina autônoma autointitulada Direitos Humanos em todos
os currículos que foram objetos da pesquisa, possibilitam discussões necessárias e pertinentes,
porém reduzem as possibilidades de inclusão das problematizações referentes aos direitos
humanos como parte indissociável das outras disciplinas jurídicas e ramos do Direito
(UNITINS, 2020a, p. 116; 2020b, p.52).
Aqui se constatou que apesar de trazer a dignidade humana como princípio orientador
das ações e projetos propostos pela universidade como um todo, os projetos pedagógicos Direito
Unitins não trazem uma definição clara de dignidade humana e nem mesmo demostram de que
forma seus programas contribuem para o fomento de tal princípio (UNITINS, 2020b, pp. 14;
106; 116).
O termo diversidade foi escolhido como indicador para que que se identificassem nos
documentos pesquisados práticas capazes de fomentar o respeito e valorização da diversidade
e pluralismo no ambiente universitário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Também foi possível observar a construção de textos curriculares fieis aos ditames das
novas Diretrizes Curriculares para os Cursos de Direito, sendo possível identificar inclusive
trechos copiados da Resolução CNE/CES n° 5/2018.
Talvez por esta razão os PPCs Direito Unitins padecem da mesma incompletude
observada quando da análise do documento nacional. Uma perspectiva apenas cognitiva dos
direitos humanos, pautada na aprendizagem de conceitos, em detrimento da formação de atitude
ética pautada nesses direitos.
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Acesso em: 16/05/2020.
172
RESUMO
O artigo discorre sobre o ensino jurídico abordando diversos aspectos da necessidade de
superação do discurso da crise educacional nas escolas de Direito no Brasil, mas buscando
compreendê-lo. Nesse contexto, a análise de conceitos tem um significado, mas admitem
diversos sentidos para discorrer a “cultura de paz”, a “justiça” e a “cultura do litígio”, entre
outros aspectos, os quais se relacionam a formação jurídica. Aborda a ideia de resolução
consensuada dos conflitos para a pacificação social. Se observa o discurso da crise do ensino
jurídico, se menciona a educação na Constituição da República e suas três perspectivas: o
desenvolvimento da pessoa, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. A partir
dessa ideia se trabalha em perspectivas distintas, o desenvolvimento crítico-reflexivo, o
hermenêutico e o operatório-instrumental. O objetivo central da pesquisa é compreender a crise
do ensino jurídico, se ela é real ou se pode ter distintas interpretações. Se adota uma
metodologia de análise crítica dos temas centrais do estudo, e utiliza-se a técnica bibliográfica
a partir de uma perspectiva hipotético-dedutiva. A partir dos aspectos citados se menciona que
um possível (in)sucesso dos cursos de Direito na formação profissional pode ser decorrente da
formação preponderantemente operatório-instrumental, se defendendo uma formação integral
que contemple também as perspectivas crítico-reflexiva e hermenêutica. É neste contexto que
se aponta a educação jurídica como possibilidade de superação da cultura do litígio e de
valoração de práticas consensuais de solução dos conflitos.
ABSTRACT
The article discusses legal education, addressing several aspects of the need to overcome the
discourse of the educational crisis in law schools in Brazil, but seeking to understand it. In this
context, the analysis of concepts has a meaning, but they admit several senses to discuss the
“culture of peace”, “justice” and the “culture of litigation”, among others aspects, which are
related to legal training. It addresses the idea of consensual resolution of conflicts for social
pacification. It is observed the discourse of the crisis of legal education, education is mentioned
in the Constitution of the Republic and its three perspectives: the development of the person,
the exercise of citizenship and the qualification for work. From this idea, different perspectives
are worked on: critical-reflective, hermeneutic and operative-instrumental development. The
main objective of the research is to understand the crisis of legal education, if it is real or if it
can have different interpretations. A critical analysis methodology of the central themes of the
1
Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
(UNIJUÍ). E-mail: tainaramariana2009@hotmail.com
2
Doutor e Mestre em Educação nas Ciências (UNIJUÍ); Graduado em Direito e Administração (UNIJUÍ) MBA
em Investimentos e Private Banking (IBMEC), Especialista em Direito Tributário (UNISUL). Coordenador do
Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) na UNIJUÍ. Advogado, OABRS 34.750. E-mail berwig@unijui.edu.br
173
INTRODUÇÃO
A paz normalmente está associada à guerra. É uma condição que ao longo dos anos foi
algo extremamente desejado, mas apenas entrou efetivamente em pauta após a ocorrência das
duas guerras mundiais. O termo, entretanto, sempre foi associado unicamente a questões de
guerra, sem se levar em conta que é relativo a todos os aspectos da convivência em sociedade.
Em regra, o ser humano está constantemente em litígio e não em paz, questão que permeia a
cultura e as relações humanas. É a partir desse contexto que se aborda o ensino superior em
Direito para analisar como ele possibilita formar pessoas para a vida em sociedade e como
condição para a atuação judicial. Entende-se que a palavra educação ganha um grande destaque
em razão de que ela possibilita a transformação social pela disseminação da cultura de paz e,
consequentemente, a resolução pacifica de conflitos sociais em todas as esferas.
O objetivo inicial desta pesquisa é compreender a crise do ensino jurídico, se ela é real
ou se pode ter distintas interpretações. Para a solução pacífica de conflitos parte-se da ideia de
que existe uma cultura de litígios e que é decorrência de que os conflitos sociais não têm sido
solucionados pacificamente, mas judicializados. Com isso, evidencia-se que a massiva
judicialização é uma consequência natural da formação jurídica preponderantemente
operatório-instrumental.
As hipóteses que se coloca é que (a) a educação de nível superior em Direito no país,
não está totalmente em crise, ela forma bons profissionais que se destacam no mercado, mas
174
normalmente é uma formação instrumental; (b) um viés menos utilitarista demanda pensar uma
formação jurídica que tenha uma maior preocupação de base filosófica que se preocupe com a
construção moral.
Para se responder aos questionamentos iniciais e verificar seu fundamento se adota uma
metodologia de análise crítica dos temas centrais do estudo, e utiliza-se a técnica bibliográfica
a partir de uma perspectiva hipotético-dedutiva que se fundamenta em fontes bibliográficas
disponíveis a partir de pesquisas desenvolvidas por pesquisadores da área jurídica com uma
abordagem nas humanidades.
Os termos “paz”, “cultura de paz” e “educação para a paz” recebem diferentes acepções
de acordo com o momento histórico que vive a sociedade e no contexto da interpretação
linguística das expressões. Como menciona Nunes (2018, p. 34), “[...] superou-se o conceito de
Paz unicamente negativa rumo a uma abrangência de Paz positiva (e além), com o entendimento
175
de que a guerra não é o único tipo de violência, visto existir formas menos visíveis, mas
igualmente perversas [...]”.
A vida na sociedade, todavia, admite vários contextos nos quais se possa interpretá-la e
compreendê-la. Os conflitos têm proporções locais ou globais. É nesse contexto global,
principalmente, que vai se falar em guerra e conceber que as discussões acerca da paz
transcendem do âmbito principalmente religioso para dominar todos os aspectos da vida. A paz
passa a ser amplamente discutida no século 20, em virtude, principalmente, de acontecimentos
como as duas grandes guerras mundiais. A compreensão da paz e sua consolidação nunca foi
tão elementar quanto a partir deste período, menciona Nunes (2018), inclusive possibilitando o
nascimento da Organização das Nações Unidas, a ONU.
Esse último aspecto demonstra por que a UNESCO considera que a assinatura de
acordos e tratados é insuficiente para estabelecer a paz, tendo em vista que enquanto a cultura
dos indivíduos mantém valores de violência e dominação, a paz resulta em apenas um intervalo
entre guerras. A cultura de paz relaciona-se a solução não violenta dos conflitos sociais,
fundando-se na tolerância e solidariedade (NUNES, 2018). Neste sentido, mais do que
simplesmente o Estado determinar uma ordem jurídica, é necessário que se desenvolva
culturalmente uma visão de paz, é imprescindível um imaginário instituinte voltado à
pacificação social, o qual é possível apenas a partir da formação humana (BERWIG, 2017).
No Brasil, verifica-se que em busca de modos mais eficientes de resolução dos conflitos
sociais foi-se buscando introduzir no Direito brasileiro os meios autocompositivos de resolução
dos conflitos. Deve-se mencionar, entretanto, que não se tem uma perfeita compreensão do que
significa isso em termos de formação jurídica. É nesse contexto que surge, por exemplo, a
perspectiva da conciliação e da mediação, numa tentativa de transcender o litígio e estabelecer
uma cultura de paz (NUNES, 2015). Mesmo neste caso, todavia, pode-se dizer que esses
métodos surgem com alguma desconfiança, mas são decorrentes da percepção de que o modelo
de Estado judicializado não dá conta de uma sociedade de paz e os conflitos, via de regra, se
tornam litígios. Nesta seara, ganha valor a diferenciação entre conflito e litigio e os impactos
das decisões judiciais na sociedade. Verifica-se que, na maior parte das vezes, a decisão judicial
elimina o litígio, faz coisa julgada entre as partes, mas não elimina o conflito existente. Esse é
um dos reflexos da educação jurídica, pois o Estado-juiz é egresso da escola de Direito, assim
como todos os profissionais da área jurídica.
Caminha-se, assim, com os novos métodos citados, para uma mudança na perspectiva
da ação estatal visando construir alternativas para um modelo falido que não proporciona a paz
social, amplia os conflitos e está em crise. Surge, portanto, a discussão acerca da justiça
restaurativa como uma possibilidade de análise dos conflitos para mitigar os problemas
existentes na sociedade e como uma tentativa a ser utilizada mesmo na seara criminal, numa
perspectiva de “trocas as lentes” do processo penal punitivista. É uma tentativa de mudar o
comportamento de quem olha e analisa o conflito e consiste trabalhar com o pensamento
humano e com a cultura jurídica, pois “[...] a escolha da lente afeta aquilo que aparece no
enquadramento da foto. [...] Da mesma forma, a lente que usamos ao examinar o crime e a
justiça afeta aquilo que escolhemos como variáveis relevantes [...]” (ZEHR, 2008, p. 08). Em
outras palavras pode-se dizer que é a base jurídica que vai formar a mente do jurista, de forma
177
que ele vai olhar a sociedade a partir dessa compreensão. Aí entra a base de uma sólida
formação filosófica e social, para que ele tenha a capacidade de reconhecer seu pensamento
para contribuir com o futuro (BOUFLEUER; BERWIG, 2020).
Verifica-se, a partir da exposição acima, portanto, que a questão da paz e dos conflitos
envolve a vida em sociedade e que, fazer jurisdição não significa fazer justiça. Deve-se
considerar, entretanto, que desde os primórdios os seres humanos sentem a necessidade de se
agrupar, e que o Direito surge como uma criação humana apta a ordenar e coordenar a vida
social. É uma consequência do uso da força, pois primeiramente surge a autotutela, nas
sociedades primitivas, quando “[...] em consequência da inexistência de leis gerais ou abstratas,
ou ainda, pela ausência de um estado soberano detentor do uso da força para a garantia do
cumprimento do direito [...]” (FERNANDES, 2015, p.10/11) se faz justiça com as próprias
mãos.
É para o controle das ações movidas a partir da emoção e da paixão que o ordenamento
jurídico impõe limites às ações humanas, o que ocorre, na história da humanidade, com a
criação artificial de soluções imparciais dos conflitos, quando se atribui esse encargo a um
indivíduo de confiança mútua. Assim, “[...] surgem os árbitros, que em um primeiro momento,
foram os sacerdotes, cujas ligações com as divindades garantiram soluções acertadas de acordo
com a vontade dos deuses, ou ainda, os anciãos, que conheciam os costumes do grupo social”
(FERNANDES, 2015, p. 13). O jurídico, nesta perspectiva, é a busca de soluções pacíficas para
os conflitos, mas sempre dependendo de debates para seu aperfeiçoamento.
Nessa evolução da solução dos conflitos ocorre outra criação imaginária a partir da ideia
de contrato social que vai possibilitar a pacificação dos conflitos (BERWIG, 2017), de forma
que os indivíduos transferem ao Estado o encargo de resolver os conflitos sociais, o que
ocasiona o surgimento posterior do poder jurisdicional. “A forma de arbitragem que antes era
facultativa foi, por conseguinte, englobada pelo Estado, que estabeleceu normas e
procedimentos para o exercício de sua função jurisdicional [...]” (FERNANDES, 2015, p.
13/14). Nessa perspectiva emerge um poder estatal que será, longe das divindades, o
responsável por garantir a solução dos conflitos, agora na seara dos litígios judiciais. Se constrói
outra forma artificial, abstrata, de solução de conflitos. Assim, o Estado passa a solucionar
litígios, caracterizados por pretensões resistidas, para a aplicação da lei ao caso concreto e com
o objetivo de pacificação social, garantindo a ordem e a paz entre os particulares
(FERNANDES, 2015). Embora seja essa uma função do Estado, verifica-se que ela representa
apenas a possibilidade de resolver os litígios, sem que isso signifique a solução dos conflitos
existentes. Dessa forma, solucionado os litígios por decisões terminativas, ainda persistem,
inúmeras vezes, os conflitos na sociedade. É neste contexto que o sistema jurisdicional não
consegue garantir a paz social e, portanto, demonstra que o problema é uma questão do
pensamento, pois a solução que o Direito positivo tem apresentado é apenas uma solução
abstrata que, inúmeras vezes, não se concretiza na prática.
Ocorre que essa compreensão de que tudo passa pelo Judiciário termina levando a um
aumento de demandas, de modo que o Judiciário já se demonstra incapaz de atender quando
demandado. O número de demandas judiciais, por diversos motivos que se interligam, como é
o caso da morosidade, do número de processos que aguarda decisão e da falta de estrutura física
para o seu atendimento, pode ser verificado no relatório Justiça em Números (CNJ, 2020), onde
consta que
Aqui está outra questão que está relacionada com as hipóteses apresentadas no texto: há
um congestionamento decisório e a previsão legal de meios alternativos de justiça. Não seriam
meios alternativos de solução da incapacidade decisória estrutural? E essa incapacidade
estrutural não levaria a uma incapacidade de formação humana que talvez esteja na estrutura
do ensino jurídico instrumental?
podem não representar uma perspectiva de paz ou justiça. É que não basta pensar apenas em
criar meios alternativos se, como foi citado no quarto parágrafo, essa mudança não ocorrer
conjuntamente à mudança de cultura, o que se faz na perspectiva do ensino do Direito. Destaca-
se, nesse contexto, a necessidade de valorização das formas autocompositivas de resolução dos
conflitos, o que ocorre quando o pensamento humano vê o seu valor e sua utilidade. Com a
adoção de uma política de solução consensual dos conflitos, o Judiciário poderia possibilitar
uma espécie de “filtro de litigiosidade”, “[...] assegurando o acesso à ordem jurídica justa e
atuando de modo eficaz na redução da quantidade de conflitos a serem ajuizados e conflitos
judicializados, além de reduzir, também, o número de sentenças, recursos e execuções judiciais”
(FERNANDES, 2015, p. 30).
Arrisca-se dizer que a cultura do litígio vem arraigada na estrutura de um ensino jurídico
preponderantemente operatório-instrumental. O instrumental é necessário, mas não pode
descambar de outras duas perspectivas: a hermenêutica e a crítico-reflexiva (BERWIG, 2017).
A superação da cultura do litígio perpassa na mudança de mentalidade dos juristas, a qual deve
ter início durante a formação no curso de Direito. “Cabe a academia, portanto, a função de
reformular os seus métodos de ensino a fim de possibilitar a implementação da cultura do
consenso nos novos profissionais do direito” (FERNANDES, 2015, p.37). É na formação inicial
do jurista que está a possibilidade de mudar as mentes e os corações. É através da libertação do
pensamento para o livre pensar que se possibilita fomentar um imaginário que contemple a
concretização, por exemplo, dos princípios fundamentais da República para sua concretização
social (BERWIG, 2019).
Há muito se ouve que a formação nos cursos jurídicos enfrenta uma crise, que seus
egressos não têm os conhecimentos necessários ao exercício da advocacia, que não estão
preparados para o mercado profissional, entre diversos outros aspectos. A questão é que a
Constituição da República garante, em seu artigo 205, uma educação de qualidade a todos: “A
educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988, s.p.). Verifica-se
que no contexto educacional estão três perspectivas: o desenvolvimento da pessoa, o exercício
da cidadania e a qualificação para o trabalho. Tais aspectos não podem ficar de lado quando se
fala em ensino jurídico e, por isso, é necessário entender sua crise.
A crise do ensino, da mesma forma que acima se debate, pode não ser uma crise
específica da aprendizagem jurídica, já que perpassa todos os níveis educacionais. Como se
falou anteriormente, pode ser decorrente da cultura jurídica, ou pode ser um problema de
relacionamento social. Nesta seção, entretanto, o foco será unicamente a crise do ensino nos
cursos de Direito do Brasil. A crise do ensino jurídico é coetânea ao Brasil, já que o país nasce
de uma crise importada de Portugal, que desconhece a importância de uma estrutura
universitária aqui, sendo apenas tardiamente criado, em 1827 (BERWIG, 2017) sob a forma de
cursos isolados. Aliás, um descaso inicial com o ensino superior universitário, pois qualquer
análise demonstrará que o Brasil é talvez o último pais, na América Latina, a criar uma
universidade. A pretensão portuguesa de montar um império é construída com o descaso com
políticas públicas de educação, aspecto que conduz os cursos jurídicos a uma preocupação
utilitarista de índole profissional.
183
como menciona a UNESCO, citada na seção anterior, ser capaz de concretizá-la no âmbito
social.
Para que o sujeito seja capaz de utilizar as ferramentas jurídicas proporcionadas pela lei
e transformar o social, como ocorre no caso dos meios autocompositivos de resolução de
conflitos através da mediação e conciliação, é necessário que a formação seja comprometida
com esse viés. Essa formação, de cunho humanista, é possível e necessária em uma
universidade, como menciona Berwig (2017), pois trata-se não apenas de uma formação
jurídica, mas de uma formação humana que deve ser possibilitada em conjunto com a primeira.
Deve ocorrer a sensibilização para que o sujeito perceba que a formação não é somente
profissional, mas uma formação necessária para a vida em sociedade. E nesse compasso, o
sujeito tem uma formação que o prepara para os novos desafios da consensualidade e menor
conflituosidade. É uma educação que ensina que o processo litigioso não é a melhor solução,
não se preocupa tanto com o ensino operatório-instrumental para a prática judicial, como se ela
fosse o objetivo do ensino jurídico, mas apenas uma possibilidade que não é a mais desejada.
Nada melhor do que resolver com agilidade e menos conflituosidade.
No contexto da crise, Nunes (2015) afirma que ainda que os dados resultantes do Exame
de Ordem não sejam suficientes para demonstrar que os cursos de Direito não estejam
formando, com êxito, nem profissionais preparados para o mercado, nem habilitados a
disseminar a cultura da paz, demonstram descompasso entre a formação discente e as exigências
profissionais. Frente a isso, a autora menciona que é “[...] importante refletir e buscar ações
educacionais que favoreçam e atendam às inovações legais e sociais, voltadas à realidade
185
Outra crítica ao ensino do Direito é de que a ampla maioria dos cursos de Direito não
possui uma formação pedagógica docente, de modo que o Direito é ensinado “[...] através da
transmissão dos conteúdos que aprenderam sem ter, de fato, aprendido a ensinar” (VENTURA,
2004, p. 1). A autora indica que os professores universitários são, normalmente, selecionados
pela “didática” do “falar bem”, não decorrendo das competências pedagógicas do educador.
Considera que comunicar não significa, necessariamente, “transmitir” e, este último não
significa “ensinar”. É nesse contexto que se pode defender a ideia de ensino jurídico como
formação humana comprometida com a sociedade (BERWIG, 2017), com os princípios
fundamentais da República e com os direitos fundamentais dos cidadãos (BERWIG, 2019).
Nesta sociedade globalizada e repleta de desigualdades sociais, torna-se imprescindível que o
Direito forme profissionais conscientes do seu papel e que sejam capazes de disseminar a
cultura de paz visando a solução consensual dos conflitos (NUNES, 2015), mas não somente
isso, pois é relevante pensar sobre a atuação jurídica na sociedade.
Outro fator, segundo os autores, que poderá contribuir para uma formação mais
humanitária, e não meramente técnica, é a contratação de docentes em regime de dedicação
exclusiva. Isto porque a docência não pode ser apenas uma “segunda profissão”, ou algo
complementar para profissionais que já possuam carreira consolidada como promotores, juízes
e membros de outras carreiras jurídicas. O ensino jurídico carece de profissionais que façam do
ensino a sua “profissão principal”, devendo haver um equilíbrio na contratação desses dois tipos
de profissionais (ALMEIDA; SOUZA; CAMARGO, 2013), de forma que
[...] abre-se espaço para a contratação, pelas instituições de ensino, de professores com
dedicação integral e titulação acadêmica, e reduz-se o espaço de atuação dos
profissionais da área jurídica que têm na docência sua segunda atividade. Contudo,
um curso de Direito não pode prescindir de um ou de outro tipo de docente, embora
deva saber equilibrar a distribuição desses atores em sua oferta, não só considerando
as exigências formais do MEC, mas também um projeto pedagógico que valorize a
pesquisa e a dedicação acadêmicas (a cargo preferencialmente dos professores de
tempo integral e maior titulação acadêmica), sem abrir mão da interação com o mundo
prático-profissional (a cargo, preferencialmente, dos profissionais que também são
docentes, sendo indispensável, mesmo nesses casos, a titulação acadêmica)
(ALMEIDA; SOUZA; CAMARGO, 2013, p. 26).
pensar na proposta do curso, que não prepondere apenas o viés dogmático, mas que estejam os
docentes preparados para uma experiência mais humanizada, e não somente um ensino técnico,
mas principalmente, que o aluno esteja com o pensamento aberto a novas aprendizagens que
possibilitem o compromisso da transformação social. Não se trata de um aprender a ensinar,
mas um aprender a aprender por arte dos alunos para que os egressos do curso de Direito não
se tornem meros reprodutores de conteúdos jurídicos e consigam ser capazes de pensar e refletir
acerca das mais diversas temáticas e atuar para a concretização dos valores fundamentais da
República, de forma transformadora.
É a partir desse contexto que uma proposta de ensino jurídico com formação que opera
nas três perspectivas apresentadas, o crítico-reflexivo, o hermenêutico e o operatório-
instrumental, ganha espaço. Ela se consolida preocupada com o desenvolvimento de
competências cognitivas, instrumentais e interpessoais, de forma que além de conhecer, o
egresso saiba utilizar a capacidade operatório-instrumental, mas com responsabilidade social e
interrelacional.
CONCLUSÕES
Na perspectiva de olhar para a formação jurídica, verifica-se que talvez não seja o caso
de se falar em necessidade de reforma da educação superior em Direito no Brasil, mas olhar
para as finalidades de uma formação jurídica com a transformação da sociedade para a
concretização de uma República que realize os princípios fundamentais estabelecidos nos
artigos introdutórios da Constituição da República. Não se trata, portanto, da preponderância
de uma visão ortodoxa que compreenda que a formação jurídica ocorre apenas através de uma
visão utilitarista na qual prepondere o operatório-instrumental. Seria interessante chegar a um
consenso sobre o futuro que se quer no Brasil, pois a formação utilitarista parece não ser o meio
para a concretização de uma sociedade menos desigual e com maior justiça social.
No segundo aspecto, se pensar uma sociedade menos litigiosa não demandaria uma
formação mais humanista, deve-se concordar. O humanismo é um contrabalanço ao operatório-
instrumental, de forma que se estará desenvolvendo atributos relacionais que despontam em um
aprimoramento das relações sociais.
No terceiro aspecto, pode-se dizer que uma preocupação menos instrumental e mais
relacional talvez até possa conduzir a uma sociedade mais humana e preocupada com a
solidariedade. Essa consideração vem pautada na ideia de que a formação jurídica não necessita,
obrigatoriamente, formar juristas que se dediquem a lide forense ou até mesmo extrajudicial. A
formação, neste aspecto, é um ingrediente que possibilita a participação cidadã, de forma que
se deseja um grande contingente populacional com formação superior. Deve-se considerar que
o Brasil tem uma bela Constituição Federal, seus princípios concretizados possibilitariam uma
sociedade perfeita. Ocorre que nem mesmo os juristas têm se preocupado com as questões
humanas, e o ensino jurídico, ao ter uma preocupação essencialmente instrumental, também
deixa de lado essa preocupação.
No quarto aspecto, se pensa que uma base filosófica para o ensino jurídico é essencial
ao pensamento crítico-reflexivo. Dessa forma, ao se falar em uma perspectiva distinta para os
cursos jurídicos, se pensa que que a base filosófica é necessária para complementar as
dimensões anteriormente expostas.
A respeito das duas hipóteses levantadas, pode-se dizer que é preciso considerar as
diferentes perspectivas pelas quais se pode considerar uma crise e que o pensamento é o
responsável por produzir diferentes formas de interpretar os fatos e acontecimentos, de modo
que os aspectos que acima foram abordados, permitem olhares distintos sobre a realidade.
Considera-se a primeira hipótese verdadeira, pois o ensino jurídico deve permitir compreender
a pluralidade proporcionada pelo conhecimento. Assim, considera-se apenas parcialmente que
exista uma crise na educação superior em Direito, pois no Brasil se formam juristas com
excelente visão jurídica e, mesmo que nem todos passem em uma avaliação do Exame de
Ordem, ainda assim é preferível que se tenha um maior número de pessoas com formação
superior no país. Basta ver que o ensino jurídico forma bons profissionais que, inclusive, se
destacam no meio jurídico. Talvez seja o caso de buscar uma educação que tenha uma
preocupação mais voltada à sociedade, como se mencionou no artigo. E nesse sentido, a
189
segunda hipótese segue na mesma linha. Uma forte base filosófica poderia conduzir a uma
maior reflexão sobre os problemas da sociedade e, neste sentido, conduzir a um viés menos
utilitarista. Este é um dos aspectos necessários a uma boa formação, a aproximação à realidade
para que o jurista possa desenvolver seu pensamento crítico-reflexivo.
Dessa forma, o egresso do curso de Direito deverá ser alguém que se coloque
socialmente como alguém que, para além conhecer os meandros legais, seja capaz de
externalizar a preocupação com a realidade vivida, colocando em pauta a necessidade e a
importância de uma menor litigiosidade para uma sociedade melhor. Nesse contexto se resgata
a ideia inicial apresentada a partir da compreensão da UNESCO de que não adianta baixar leis
formais, mas é necessário que os juristas tenham uma feição humana. É nesse contexto que se
apresentou as três perspectivas de formação, o crítico-reflexivo, o hermenêutico e o operatório-
instrumental, para demonstrar que o ensino não é só conteúdo. Há necessidade de que o jurista
conheça, aplique e se relacione, concretizando as competências cognitivas, instrumentais e
interpessoais.
Nesse contexto, poderá ser falar em resolução consensual de conflitos como uma
alternativa extremamente viável em múltiplas áreas do conhecimento. Ao se recordar o exemplo
da ineficiência da estrutura jurisdicional, pode-se dizer que esta capacidade pode ser
desempenhada de forma preventiva para que não se transformem em litígios os conflitos. Esse
aspecto depende de uma formação integral, que desenvolva todos esses aspectos acima
enunciados. É nesse contexto que se acredita que é possível superar a cultura do litígio que paira
na sociedade brasileira, nomeadamente através da educação para a paz ou para uma menor
litigiosidade.
REFERÊNCIAS
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e Realidade: desafios para o ensino jurídico. In: GHIRARDI, José Garcez; FEFERBAUM,
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2021.
BRASIL. Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares
como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da
administração pública [...]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
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CNJ. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números: ano-base 2019. Brasília: CNJ, 2020.
DIAS TOFFOLI. Apresentação. In: CNJ - Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números:
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NUNES, Iôni Heiderscheidt. Educação jurídica para a cultura de paz nos cursos de direito no
Brasil contemporâneo. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2018.
Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/205558/PDPC1413-
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OAB. Conselho Federal. Exame de Ordem em números. Brasília, DF; Rio de Janeiro, RJ:
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PARIZZI, João Hagenbeck. Os atores da crise numérica do judiciário brasileiro: uma análise
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VENTURA, Deysi. Ensinar Direito. Barueri, SP: Manole, 2004. 1ª Edição Brasileira – 2004.
191
ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça restaurativa. São
Paulo: Editora Palas Athena, 2008.
192
RESUMO
O presente artigo, por meio do método Histórico, da técnica da revisão bibliográfica e do flerte
com pesquisas decoloniais, almeja refletir em que medida a prática de autoplágio colabora com
a manutenção da crise da educação jurídica brasileira. Visto que, a educação jurídica brasileira
está cada vez mais sendo moldada sob o viés do modelo de produção capitalista, norteado pela
ideologia neoliberal, a qual prega um verdadeiro culto à efemeridade, ao individualismo e à
meritocracia. Logo, desvelar os mecanismos ideológicos que retroalimentam essa questionável
ambientação acadêmica. Possibilitará a compreensão desse histórico e pouco elucidado
fenômeno, que há anos vem enfraquecendo a credibilidade das pesquisas acadêmicas no âmbito
jurídico no Brasil. Além disso, busca-se fortalecer a importância de estudos voltados para um
ostensivo diálogo entre saber pedagógico e conhecimento iuris. Nesse sentido, para alcançar
uma resposta válida e metodologicamente comprovável, julgou-se imprescindível elucidar o
que significa plágio e autoplágio, desnudar as interfaces da crise do ensino do direito brasileiro
no século XXI e por fim demonstrar como a inserção de novos recursos didáticos-pedagógicos
poderá auxiliar na reconstrução e na ressignificação do ensino-aprendizagem do Direito, com
foco em abordagens multidisciplinares, transdisciplinares e no correto uso de tecnologias
educativas, em uma postura de total enfrentamento a nociva cultura da reprodução.
1 INTRODUÇÃO
1
Ligante da Liga Jurídica Acadêmico-Criminal - LAJUC (atua no grupo de pesquisa sobre política criminal).
Especialista em Direito Penal/Criminologia e em Direito Processual Civil. Membro da comissão de Educação
Jurídica e da Defesa pela Liberdade Religiosa da OAB/PA. Realiza pesquisas científicas e palestras sobre
Educação jurídica, Metodologias Ativas e temas relacionados à criminologia crítica.
193
O presente estudo almeja refletir sem a mínima pretensão de exaurir o tema sobre em
que medida a prática de autoplágio colabora com a manutenção da crise da educação jurídica
brasileira. Visto que, a educação jurídica brasileira está cada vez mais sendo moldada sob o
viés do modelo de produção capitalista, norteado pela ideologia neoliberal, a qual prega um
verdadeiro culto à efemeridade, ao individualismo e à meritocracia.
Eis que, “[...] essa lógica de mera reprodução do pensamento autorizado, tão refratária
à inovação, embora seja engendrada desde os bancos de graduação, curiosamente, tende a se
perpetuar, mesmo após o ingresso desses estudantes na pós-graduação. ” (BEDÊ; MESQUITA;
PUCCI, 2018, p. 1209). Fato este no mínimo preocupante, já que é justamente nos cursos de
pós-graduação que são formados os professores que atuarão no ensino superior. Deste modo,
vem à baila a seguinte indagação: Será que é possível propiciar uma formação crítica e
emancipadora, ancorada em multilinguagens e em multisaberes adotando um modelo
educacional colonial, majoritariamente prussiano, baseado em números e em práticas
pedagógicas bolorentas?
da realidade social. Destarte, “tal exigência em produzir textos em abundância não se coaduna
com a própria capacidade das revistas acadêmicas e das editoras universitárias em absorver
tamanha demanda” (AMARAL FILHO, 2018, p. 9).
autorais. Uma vez que, até aquele momento não havia uma preocupação jurídica explícita no
sentido de garantir o livre exercício dos direitos inerentes à produção, reprodução, divulgação,
registro dentre outros referentes a obras artísticas, literárias, musicais e afins produzidas por
seus autores, quer seja de forma individual, quer seja em parceria.
Nesse contexto, registros históricos de punição ao ato de plagiar podem ser encontrados
nos códex da Inglaterra o “Statute of Anne (Estatuto da Rainha Ana), datada de 1710. Esta lei
disciplinava a concessão de patentes de impressão e direito de cópia por um determinado
período, após o qual a obra cairia em domínio público. ” (BABINSKI, 2015, p. 06). Em seguida
na França o “Decreto datado de 24 de julho de 1793, regularam-se os direitos de propriedade
dos autores de escritos de todo o gênero, do compositor de música, dos pintores e dos
desenhistas” (BABINSKI, 2015, p. 06). Mais de um século depois destaca-se a “Convenção
Internacional para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas, realizada em Berna, na Suíça,
em 9 de setembro de 1886. ” (BABINSKI, 2015, p. 06).
O Brasil passou a prevê a tutela e salvaguarda dos direitos autorais a partir do ano de
1827, mesmo ano da fundação do curso de direito no Brasil, oriundo do Decreto-Lei 11.036-A
de 11 de agosto (BABINSKI, 2015). Atualmente a matéria é tratada na Constituição Federal de
1988 no art. 5°, inciso, XXVII, no Código Civil de 2002, pela lei federal 9.610/98, bem como
em outras leis infraconstitucionais. No Código Penal Brasileiro o art. 184 descreve o crime de
violação aos direitos autorais além de detalhar algumas modalidades da prática. Vejamos o
inteiro teor do dispositivo legal:
Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: Pena – detenção, de 3 (três)
meses a 1 (um) ano, ou multa. § 1º Se a violação consistir em reprodução total ou
parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de
obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do
autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem
os represente: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. § 2º Na mesma
pena do § 1o incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende,
expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou
cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor,
do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma,
ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa
autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente. § 3º Se a violação
consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou
qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção
para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a
demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme
o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de
quem os represente: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
196
À vista disso, induz leitores e editores a erro, posto que estão tendo acesso a materiais
que não são compreendidos como inéditos. Compartilhando desse entendimento, infere-se de
Dias e Eisenberg (2015) que a ação de autoplágio bem como de plagiar ocasiona a própria
diluição do poder de fala e criticidade de quem escreve, uma vez que a não prática de questionar,
criar, duvidar e analisar holisticamente a realidade que o cerca, obstaculiza a própria construção
da noção de homem como sujeito pensante e potencialmente capaz de transformar o seu meio
social.
Vale ressaltar, que a discussão norteadora desse estudo é a prática de autoplágio. Eis
que, em que pese não seja considerada um crime em sentido formal (não há previsão legal).
Trata-se de um problema grave que assola as pesquisas acadêmicas hodiernas (FURLANETTO;
RAUEN, SIEBERT, 2018). Nesse escopo, da leitura de Bedê; Mesquita e Pucci (2018, p. 117)
conclui-se que a atitude consciente e deliberada de não referenciar publicações anteriores
ocasiona inúmeras consequências epistemológicas para a Ciência do Direito pois “[...] dá azo a
publicações superficiais e que, possivelmente, não tenham uma carga de valor tão expressiva
perante a realidade.”.
Outrossim, à luz das reflexões de (FOUCAULT, 1996 apud MAURÍCIO, 2019, p. 43)
tal anacronismo acadêmico é a reverberação crassa da absorção do pensamento capitalista
neoliberal, ao ponto de fazer emergir apáticos e pacíficos “homo economicus”. Além disso, das
ponderações de Amaral Filho (2018) assimila-se que apesar de no século XXI as pessoas terem
acesso às mais diversas formas de tecnologias e informações em tempo real, diametralmente
vem aumentando o número de publicações rasas e desvencilhadas de rigor científico, um dos
motivos é a forte tendência a sacralização do tempo como parâmetro de produção acadêmica,
198
ao ponto dos indivíduos não conseguirem desenvolver um estilo próprio de escrita, muito menos
identificar qual é o público alvo que lerá e difundirá seus escritos.
Ademais, ainda sob o olhar filosófico de Amaral Filho (2018, p. 04) conclui-se que o
transe hipnótico pela busca por uma “[...] pontuação no Currículo Lattes, em detrimento da
efetividade cognoscitiva [...]” repercute no recrudescimento de ideologias colonialistas
escamoteadas de pseudos neutralidades científicas. Coadunando com esse entendimento
(BOURDIEU; PASSERON, apud ROSENDO, 2009, p. 10) denunciam que para além de uma
função integrativa e mantenedora dos valores sociais “a função de um trabalho pedagógico
eficaz é a de inculcar hábitos que façam esquecer os fundamentos arbitrários da cultura
dominante [...]”. Desse modo, a saída para a obtenção de uma educação realmente libertadora
começaria pela “[...] eliminação da fronteira entre trabalho pedagógico tradicional implícito e
trabalho racional explícito" (BOURDIEU; PASSERON, apud ROSENDO, 2009, p. 12).
Outrossim, repisa-se que sufocar e “[...] limitar o ensino com soluções que, já
consolidadas, podem não ser mais as garantias de amanhã [...]” (MACHADO; GONÇALVES;
POZZATTI JÚNIOR, 2008, p. 543). Pode ser perfeitamente compreendido como um ato
ignóbil de compactuar com a existência de ambientações acadêmicas contra producentes e
refratárias. Ademais, “[...] a transformação do sistema escolar está intimamente ligada à
transformação da estrutura das relações de classe” (BOURDIEU; PASSERON, apud
ROSENDO, 2009, p. 17). Diante do explanado, (HUBERT, 2013) com maestria aduz quais são
os principais entraves epistemológicos existentes na educação jurídica.
Ratificando essa explanação, das ponderações de Sá (2013) nota-se que a extensa carga
horária de estudos dogmáticos ofusca a essencialidade do estudo de matérias de cunho
propedêutico, o que, por sua vez, reverbera negativamente na formação dos estudantes, pois a
falta de equilíbrio entre as disciplinas dificulta o desenvolvimento pleno de habilidades e
competências advindas de experiências extramuros e pesquisas in loco.
Situação essa retroalimentada sob a égide do “[...] neotecnicismo, o qual implica as
noções didática/currículo através da composição de modelos estritamente formais de avaliação
ancorados precisamente no alcance de resultados” (SCHMIDT, 2013, p.428). Portanto,
desocultar (HEBERT, 2013) essas interfaces da crise da educação jurídica é um passo crucial
na busca por soluções didático-pedagógicas para a superação do problema. Por isso, defende-
se que debruçar-se sobre a prática de autoplágio sem dúvidas auxilia ativamente neste intento.
3 METODOLOGIA DA PESQUISA
Tendo em vista que, “[...] desencastelar a educação jurídica pátria dos grilhões da
dogmática [...]” é algo vital (CAVALCANTE, 2020, p. 207), bem como de que a prática de
200
Isto posto, Marconi e Lakatos (2003, p. 106) declinam que a vantagem de se utilizar o
método supramencionado cinge-se ao fato de possibilitar preencher “[...] os vazios dos fatos e
dos acontecimentos, apoiando-se em um tempo, mesmo que artificiosamente reconstruído, que
assegura a percepção da continuidade e do entrelaçamento dos fenômenos. ” Dito de outro
modo, “consiste em investigar acontecimentos, processos e instituições do passado para
verificar a sua influência na sociedade de hoje [...]” (MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 106).
Em relação à técnica utilizou-se a revisão bibliográfica “[...] devido ao fato de ter permitido
otimizar o tempo necessário para a realização da consulta e comparação dos escritos que versam
sobre a problemática aqui trabalhada” (CAVALCANTE, 2020, p. 207). Nesse turno, Marconi
e Lakatos (2003, p. 174) explicam que "Técnica é um conjunto de preceitos ou processos de
que se serve uma ciência ou arte [...]". Desse modo, após uma leitura exploratória, seletiva,
analítica e finalmente interpretativa (MARCONI; LAKATOS, 2003) de escritos que versavam
sobre plágio, autoplágio, educação jurídica brasileira e práticas de ensino-aprendizagem na
contemporaneidade encontrou-se o substrato teórico do estudo.
Em razão disso, no que toca à educação jurídica tem-se que superar os anacronismos
inerentes a uma histórica “educação bancária; ensino e avaliação baseados na memorização:
pesquisa (ou não pesquisa) baseada na reprodução [...]” (PETRY, 2017, p. 77). É um passo
necessário para o atingimento do complexo processo de ressignificação da cultura jurídica
brasileira.
Impôs uma busca selvagem pelo atingimento do eficientíssimo e do progresso, por meio
da outorga ao tempo, como marco regulatório inconteste e “apto” a mensurar o
desenvolvimento e difusão do conhecimento, todavia tal “compromisso” com o saber não passa
de mais uma ferramenta velada de instrumentalização e mercantilização, quiçá de escravização
intelectual. Assim, o autoplágio pode ser elucidado como um reflexo do culto à
competitividade, em que se forja uma ideia de meritocracia e livre oportunidade para todos,
também chamada de ideologia do dom (BOURDIEU; PASSERON, apud ROSENDO, 2009).
Logo, alinhada as facilidades ofertadas pelos recursos tecnológicos, a prática de autoplágio
apresenta-se como um atalho muito tentador, em comparação ao tempo que seria depositado
em uma jornada epistemológica repleta de etapas, revisões, análises e reanalises, enfim
eminentemente científica. Enaltecendo esse entendimento, cita-se as palavras de Correia e
Rebouças (2013):
Além do mais, outro ponto relevante de análise é a percepção de que há uma forte
tendência em políticas “[...] de privatização do ensino, sectarizando e excluindo cada vez mais
202
Por outro lado, e justamente nesse cenário de desalento, desesperança e apreensão sobre
o futuro que brotam alternativas didático-pedagógicas hábeis a emancipar docentes e discentes
das amalgamas utilitaristas e volúveis do mercado. Dentre elas destacam-se as metodologias
ativas, uma vez que seus postulados teóricos e práticos vislumbram empoderar os diferentes
agentes envolvidos no complexo processo de ensino-aprendizagem. Por meio de uma releitura
das formas de avaliação, absorção e repasse dos conteúdos, estimulo à criatividade à ludicidade,
ao compartilhamento de vivências, ao uso adequado e legal de tecnologias educativas etc.
(CAVALCANTE, 2020). Tendo em vista que.
O compromisso com uma sociedade melhor, mais igualitária, libertária, não sexista,
homofóbica, machista e consumista é uma pauta do ensino e do direito que não pode
ser mais adiada. É preciso resgatar a criticidade do jurista e fazê-lo empunhar as
bandeiras de luta que tão silenciosamente o tecnicismo soube desqualificar (e jogar
para as outras áreas do saber.) (CORREIA; REBOUÇAS, 2013, p. 538).
Alinhando a esse raciocínio, dos estudos de Maurício (2019) tem-se que é extremamente
importante construir um ambiente acadêmico saudável, pois quanto maior for a pressão para
produzir, maior será a frustração, o sentimento de impotência e de não pertencimento aos grupos
dos ditos potencialmente produtivos. Isto posto, para muito além da importância da adaptação
e/ou atualização dos materiais didáticos e da própria rotina acadêmica repisar-se:
problemática de forma mais humanizada e realista, pois como bem afirmam Bedê; Mesquita e
Pucci (2018) muitos acadêmicos não tem acesso a eventos, palestras, cursos e afins que
abordam o plágio e autoplágio de forma sistemática e detalhada, com isso muitos acabam que
por cometê-los sem ter informações mínimas a respeito das consequências advindas do ato.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nessa perspectiva, em que pese a existência de uma forte tendência por instrumentalizar
o direito, bem como as pesquisas acadêmicas iuris. Manter a esperança, a coragem, a vontade
de romper barreiras, percorrer distâncias e principalmente lutar pela libertação do saber jurídico
das amálgamas do mercado neoliberal é algo urgente e necessário. Em uma postura que se
assemelha a do personagem José do poema de Drummond, pois apesar das adversidades da vida
nunca se rendeu. Vejamos:
204
Podemos pensar que nem mesmo José sabe do seu destino. Contudo a personagem
continua, e assim como oferece uma réstia de luz ao seu próprio escritor, também
conforta o leitor de alguma forma, que diante do contexto pessimista no cenário social
e pessoal, de vazio existencial, encontra nos versos que encerram o poema, alguns
vestígios de esperança: José “marcha”, sobrevive, resiste, José segue seu caminho
(SILVA, 2019, p. 65).
Portanto, encerra-se a discussão ora ventilada com o intuito de fazer com que a
comunidade acadêmica reflita sobre os perigos e pseudo facilidades camufladas na prática de
autoplágio. Afinal, até quando teremos que ser forçados a normalizar a produção e a reprodução
de textos vazios, mecanizados, regados por impostas noites mal dormidas, amores sacrificados,
ausência e/ou pouco convívio familiar, em prol de uma publicação sem o mínimo de
compromisso científico? Não seria esse um ato de auto sabotagem? Pois, ao contrário do que
está ocorrendo hodiernamente, salvo em raras e louváveis exceções. O ato de pesquisar deve
ser visto como um instrumento de libertação, autoconhecimento (REIS NETTO, 2019),
obtenção de resolução de problemas sociais graves, enfim um ato de resistência. Até porque
viver não cabe no lattes! (MAURÍCIO, 2019).
REFERÊNCIAS
AMARAL FILHO, F. dos S. Mais um para o Lattes! para quem escrevemos, afinal? Revista
Polêm!ca (Eletrônica da UERJ). v. 18, n. 3, julho, agosto e setembro, 2018. p. 1-12.
BABINSKI, Daniel. Módulo 1 - direito autoral (Curso: noções gerais de direitos autorais).
Escola Nacional de Administração Pública – ENAP. Disponível em:
<http://repositorio.enap.gov.br/handle/1/1852>, 2015, p. 10. Acesso em: 26 de maio de 2021.
BEDÊ, F. S.; MESQUITA, É. L.; PUCCI, F. P. L. de O. Receita fast food para o autoplágio em
direito: duas doses de ensino jurídico homogeneizante e uma de produtivismo acadêmico – bata
tudo até obter uma massa uniforme de pesquisadores-copistas – sirva com moderação. Revista
Eletrônica do Curso de Direito da UFSM. v. 13, n°. 3/2018. p. 1205-1231.
BRASIL. Lei 1.036 -A, de 11 de agosto de 1827. Crêadous Cursos de sciencias Juridicas e
Sociaes, um na cidade de S. Paulo e outro na de Olinda. Disponível em:<:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM.-11-08-1827.htm>. Acesso em: 19 de maio
de 2021.
205
FINCATO, Denise Pires.; GILLET, Sérgio Augusto da Costa. A Pesquisa Jurídica sem
Mistérios do Projeto de Pesquisa à Banca. 3. ed. Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2018.
HUBERT, A, P. O currículo oculto como uma forma de análise da reprodução social e cultural
na faculdade de direito. In: WOLKMER, Antônio Carlos; Oscar Correas. (Org.). Crítica
Jurídica na América Latina. 1. ed. Aguascalientes: CENEJUS, 2013. p. 463-471.
VEJA. Pesquisa: 87% dos alunos chegam à universidade sem saber o que é plágio.
Disponível em:< https://veja.abril.com.br/educacao/pesquisa-87-dos-alunos-
chegam-a-universidade-sem-saber-o-que->. Acesso em 08 de maio de 2021.