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REVISTA DA FEDERAÇÃO
NACIONAL DE MEDIAÇÃO DE CONFLITOS
5.ª EDIÇÃO | julho 2020
Coordenação
Federação Nacional de Mediação de Conflitos
Sede Avenida da República, 120, R/c, 2780-158 Oeiras
Registo 9 de abril 2012
Direção:
Presidente: Maria João Castelo-Branco
Secretário-Geral: Sandra Inês Feitor
Tesoureiro: Célia Nóbrega Reis (IMAP)
Vogal: Maria Filomena Pedroso (PROCONSENSO)
Vogal: Carla Menezes
Vogal: Carla Fidalgo de Matos (CONSULMED)
Vogal: Carolina Teves
Assembleia-Geral:
Presidente: Miguel Cancela de Abreu (CONCÓRDIA)
Secretário: Catarina Castro Oliveira
Secretário: Maria Eusébio
Conselho Fiscal:
Presidente: Domingos Pinto Coelho (CONCÓRDIA)
Relator: Mário Ferraz
Secretário: João Marques
Editor
Federação Nacional de Mediação de Conflitos
Título: Conselho Científico
Revista da Federação Nacional de
Mediação de Conflitos Anabela Quintanilha
Célia Nóbrega Reis
5 ª Edição julho 2020 Fernanda Molinari
Fundada pela Federação Nacional de Isabel Oliveira
Mediação de Conflitos em abril de 2018, no João Chumbinho
mandato de 2018-2020 Jorge Duarte Pinheiro
José Fernando Seifarth
Formato: Digital - em linha Maria João Castelo-Branco
Paulo Guerra
ISSN: 2184-2973 Sandra Inês Feitor
Periodicidade: Semestral
Ano: 2020
Contatos:
Website:
https://fmcgeral2018.wixsite.com/
federacaoemail:
fmc.geral2018@gmail.com
fmc.tesouraria@gmail.com
NORMAS EDITORIAIS
a) Título;
b) Nome dos autores e titulação, função e/ou instituição a que se vincula.
c) Resumo entre 100 a 300 palavras.
d) Introdução.
e) Corpo de texto - máximo de 15 páginas A4.
f) Notas de rodapé numeradas.
g) Referências bibliográficas
h) Letra times new roman, tamanho 12, espaço 1,5.
Editorial:
É com enorme prazer que publicamos a 5ª Edição da REVISTA FMC!
Assumindo a missão e objetivos desta Federação, de promoção, desenvolvimento e
divulgação dos Meios Extrajudiciais de Resolução de Conflitos, nomeadamente a Mediação de
Conflitos, trazemos a possibilidade de partilha e divulgação de experiências, nesta edição, por
profissionais nacionais, de diversas áreas no âmbito da resolução pacífica dos conflitos.
Os artigos publicados são originais e foram avaliados pelo Conselho Cientifico da
REVISTA FMC.
Esperamos, desta forma, levar mais além o conhecimento e desenvolvimento destas
práticas, para promoção da pacificação social.
Desejamos a todos boas leituras!
Maria João Castelo-Branco
(Presidente da Direção)
Federação Nacional de Mediação de Conflitos
Índice:
A solução está na mediação? A paz como núcleo central das funções e competências do
mediador escolar
Pedro Cunha
1
Mestre em Direito FDUL e UFMG| Especialização em resolução estratégica de conflitos |Pós-Graduada em
Gestão de Recursos Humanos | Juíza Coordenadora Julgado de Paz Sta. Mª da Feira (2008-13)| Advogada com OA-
Pt e OA-Br; Advogada Colaborativa IPC; Advogada na Mediação certificada pelo IMI e Master ICFML|
Mediadora certificada IMI e Master ICFML, com cadastro nos sistemas de mediação pública Pt e Br| Professora
especializada em MARC| Supervisora de Mediação NUMEC-OABMG| Coordenadora Pós-graduação LLM
Mediação, gestão e resolução de conflitos na PósESA | Criadora dos projetos .dn com destaque na CHAVE para
advogar na mediação| Coordenadora da Mediação, Conciliação e Arbitragem ESA-OABMG| Diretora da
DUMANA-consenso e desenvolvimento| Vice-Presidente da certificação de advocacia na mediação ICFML Brasil|
Membro Comissão Nacional de Mediação e Conciliação do Conselho Federal da OAB; Conselho Consultivo da
Câmara Portuguesa de Comércio no Brasil-MG; Conselho de Governadores da Associação Lusófona de Direito da
Saúde; Comissão Organizadora da Competição Brasileira de Mediação Empresarial da CAMARB; Comissão
Nacional do Meeting de Negociação Brasil - dulce@dulcenascimento.online
1
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.........................................................................................................................................................1
1 ORDENAMENTOS JURÍDICOS..................................................................................................................2
2 ACESSO À JUSTIÇA.....................................................................................................................................2
4 HUMANIZAÇÃO DO DIREITO..................................................................................................................6
5 O PAPEL DO ADVOGADO........................................................................................................................10
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................................................13
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................................................15
2
INTRODUÇÃO
O ser humano tem procurado equilibrar as suas relações com os outros, estabelecendo
critérios norteadores com regras de comportamento individual para uma vida em sociedade
organizada e estável. Direito e Justiça são dois conceitos distintos, mas intimamente ligados
desde sempre. Filósofos deram ao termo Justiça o sentido ético e formal, enquanto os
romanos lhe atribuíram um sentido jurídico e material. Já sobre o termo Direito, segundo
filósofos e juristas, é o veículo para a realização da justiça como meta da ordem jurídica,
resultando clara a intrínseca a relação entre estes dois conceitos2. Com bastantes semelhanças
o debate acerca da efetividade dos Direitos e Garantias fundamentais tem vindo a ser
analisado de forma muito próxima, quase em paralelo, com o conceito de Acesso à Justiça.
Uma cultura de cidadania ativa, eficaz e responsável necessita saber e conhecer,
previamente à tomada de decisão, junto de profissionais jurídicos qualificados, quais os seus
direitos e obrigações. O Princípio da autonomia da vontade privada, intimamente relacionado
com auto responsabilização e atuação direta na tomada de decisão final, impõe aos próprios
envolvidos a direção do conflito, independentemente de terceiros, acedendo assim à justiça
do caso concreto de forma individualizada e própria. De igual modo, quando não consegue
identificar, nem reconhecer seus direitos e obrigações, ou apresenta um conhecimento
limitado sobre como efetivar a sua pretensão, o acesso à justiça fica limitado e
comprometido.
Atendendo ao exposto, acesso à justiça, enquanto meio de efetivação dos direitos de
justiça social encontra-se intimamente ligado ao princípio da decisão informada 3, em especial
informação jurídica realizada exclusivamente por profissionais autorizados4, sendo necessária
uma constante disponibilidade de todos para aprender, ensinar e mudar, em especial sobre as
diferentes formas de atuar nos distintos métodos de gestão e resolução de conflitos.
Buscaremos analisar, de forma objetiva, os novos processos disponíveis para trabalhar
2
Embora se procure expressar o que pensamos de tão complexa matéria, por considerar interessante e de fácil
leitura, remetemos para o artigo publicado em 2008 no cite direitopositivo.com.br, por FERNADES, Sónia
Regina Vieira, Mestre em Direito e Professora de Direito Constitucional da Universidade Estácio de Sá e
advogada, disponível em: http://www.direitopositivo.com.br/modules.php?name=Artigos&file=display&jid=58
3
O artigo 133 da Constituição Brasileira estabelece que “o advogado é indispensável à administração da justiça,
sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. Em sentido similar,
o ordenamento jurídico português no artigo 88º do Estatuto da Ordem dos advogados de Portugal, dispõe: no nº
1 “O advogado é indispensável à administração da justiça e, como tal, deve ter um comportamento público e
profissional adequado à dignidade e responsabilidades da função que exerce, cumprindo pontual e
escrupulosamente os deveres consignados no presente Estatuto e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e
tradições profissionais lhe impõem.; e no nº 2 “A honestidade, probidade, retidão, lealdade, cortesia e
sinceridade são obrigações profissionais.”
4
COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. Garantias Constitucionais e Segurança Jurídica. Editora Fórum., pág. 75
a 84 sobre a inviolabilidade do advogado como garantia constitucional.
1
conflitos, assim como a sua institucionalização, em Portugal e no Brasil, onde me encontro
desde 2013, considerando a proximidade e influência dos ordenamentos jurídicos, em
especial a lei processual civil brasileira que entrou em vigor em março de 2016, a qual de
forma inovadora e atemporal, regulamenta como etapa processual inicial obrigatória
processos voluntários, confidenciais, informais e flexíveis, de conciliação e mediação.
1 ORDENAMENTOS JURÍDICOS
Antes de entrarmos no papel do advogado na mediação importa entender como as
sociedades se organizam por meio de norteadores com influência histórica, social e cultural.
Importa neste momento como o direito constitucional e processual tem modificado na
consagração do Direito de acesso à justiça em diferentes ordenamentos jurídicos. De acordo
com os diferentes modelos de sociedades organizadas, continuamos com especial ênfase à
influência dos ordenamentos anglo saxônico e romano-germânico na estrutura das
sociedades mais relevantes no tratamento do tema.
Tendo como referência os constitucionalistas Guilherme da Fonseca 62 e Jorge
Miranda63, numa visão de conexão em rede do mundo atual, impõe-se incluir, além da Era
Digital da Globalização/ Mundialização que começámos a aprender e usar, a constatação de
que vivemos e convivemos com a Inteligência Artificial.
Considerar e entender a existência de dois sistemas ou modelos de ordenamentos
jurídicos distintos, como sendo os mais relevantes, denominados de Common Law
(característico dos ordenamentos jurídicos anglo-saxónicos (como são Estados Unidos da
América e Reino Unido) e Civil Law (característico dos ordenamentos jurídicos
continentais, onde incluímos a título de exemplo Alemanha, Portugal e Brasil) possibilita
uma maior compreensão e entendimento de diferentes metodologias. Acresce que a
importância de entender as diferenças históricas destes dois tipos de ordenamentos jurídicos,
e dos mencionados países, é essencial e importa por variadíssimas razões, das quais
destacamos a necessidade de respeitar a identidade e estrutura de cada povo, bem como a
cultura histórica do ordenamento, sendo possível identificar possíveis combinações e
absolutas incompatibilidades.
2 ACESSO À JUSTIÇA
O registo documental mais antigo sobre o Acesso à Justiça datado do século XVIII
A.C., unificado no Código de Hamurabi, Rei da Babilónia, baseando-se o mesmo no aspeto
religioso segundo o qual o rei representava a personificação da justiça. O Código
2
de Humarabi surgiu numa época em que tudo era resolvido de acordo com a convicção de
que o rei era munido de poder divino. Este código, baseado no aspeto religioso de que o rei
era a personificação da justiça com o poder de eliminar o mal da terra, protegendo e
impedindo a opressão dos mais fracos pelos mais fortes, estimulava todo aquele que se
sentia oprimido a procurar a via judicial na figura do rei, para ver analisado o direito de que
se arrogava.
De forma sucinta, durante os séculos XVIII e XIX, de acordo com o modelo de estado
liberal e filosofia estritamente individualista de direitos, o acesso à justiça encontrou-se
limitado à garantia formal dos cidadãos proporem ou responderem a uma ação judicial.
Contudo, em boa verdade, o acesso apenas formal à justiça correspondia a uma igualdade
formal, mas não efetiva.
Com o Estado Social, no século XX iniciam-se os movimentos de ampliação do acesso
à justiça5, passando a reclamar-se pela atuação positiva do Estado, para assegurar
materialmente a igualdade no acesso aos direitos individuais e sociais proclamados por
todos os cidadãos, vindo a surgir meios de resolução alternativa ao judiciário como forma
de resolução de litígios, sendo estes considerados como possíveis instrumentos
de ampliação do acesso à justiça.
No Estado Moderno, a dificuldade de encontrar um conceito ou definição simplificada
sobre o acesso à justiça encontra-se relacionado, nomeadamente, com a complexidade dos
assuntos ligados a este tema. Atualmente acesso à justiça não se resume apenas à existência
de criação de leis, mas sim à efetivação de direitos como cultura, educação, liberdades
entre outros. Reproduzindo Mauro Capeletti (1978, p. 8) “A expressão “acesso à justiça”
é reconhecidamente de difícil reparação, mas serve para determinar duas finalidades
básicas do sistema jurídico, pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou
resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente
acessível a todos; segundo, deve produzir resultados que sejam individuais e socialmente
justos”.
Em conclusão, historicamente, o acesso à justiça evoluiu no tempo, encontrando-se
caracterizado pelo momento histórico de cada época. Em cada momento as evoluções
verificadas tiveram por base sempre o propósito de permitir e proporcionar o acesso de
todos os cidadãos a uma ordem jurídica justa e eficaz, expressão desenvolvida e
aprofundada pelo Professor Doutor Kazuo Watanabe6.
5
Boaventura Sousa Santos, in Justiça: Promessa e Realidade - página 405 e 406.
6
Indica-se a visualização da entrevista com o Professor Doutor Kazuo Watanabe
https://www.conjur.com.br/2014-nov-09/entrevista-kazuo-watanabe-advogado-desembargador-aposentado-tj-sp
3
Convictos da complexidade da temática (acesso à justiça e acesso ao direito), não se
pretende aqui esgotar a mesma7, nomeadamente face aos necessários desenvolvimentos que
tal implica. Contudo, entendemos relevante formalizar que, se por um lado, a expressão
“acesso à justiça” é reconhecida como condição indispensável de eficiência e validade para
sistemas jurídicos que tenham por objetivo assegurar direitos (MATTOS, 2009, p. 70), por
outro lado, de acordo com Batista (2010), “o termo acesso à Justiça compreende os
equivalentes jurisdicionais, os quais são: autotutela, auto composição, mediação
e arbitragem”. (BATISTA, 2010, p. 24).
Parte da doutrina defende que, se por um lado, são sinônimas as expressões “acesso à
justiça” e “acesso ao judiciário”, por outro lado, partindo de uma visão axiológica a
expressão Justiça compreende o acesso a ela, como o acesso a uma determinada ordem de
valores e direitos fundamentais para o ser humano. Neste sentido, que corresponde ao que
vimos defendendo, entendemos que “acesso à justiça” vai além do acesso ao Poder
Judiciário, pois compreende o acesso a uma ordem de valores e direitos fundamentais
específicos, que devem respeitar a natureza dos ordenamentos jurídicos respetivos.
Os próprios Cappelletti e Garth (1988, p. 11- 12) destacam que a conceituação serve
para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico: sistema pelo qual as pessoas
podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado (o
sistema deve ser igualmente acessível a todos), acrescido do dever de produzir resultados
que sejam individual e socialmente justos (...)
Atendendo a que a titularidade de direitos é destituída de sentido na ausência de
mecanismos para sua efetiva reivindicação, o direito ao seu acesso efetivo tem sido
progressivamente reconhecido como sendo de essencial importância entre os novos direitos
individuais e sociais. Neste sentido, este direito é visto como o mais básico dos direitos
humanos, de um sistema jurídico moderno e igualitário, que pretenda garantir, e não apenas
proclamar, os direitos de todos. Em suma, visando assegurar de forma efetiva os direitos
das pessoas, é fundamental que o acesso à justiça seja compreendido como o acesso a todo
e qualquer meio utilizado para a gestão e resolução de conflitos, desde que salvaguarde e
promova os direitos e garantias fundamentais.
7
Indica-se a leitura da tese de mestrado da autora, onde a mesma aborda a temática, a qual se encontra
disponível em http://repositorio.ulusiada.pt/bitstream/11067/716/1/md_dulce_nascimento_dissertacao.pdf
4
solicitadores8, no artigo 1º dispõe: nº 1 “Apenas os licenciados em Direito com inscrição em
vigor na Ordem dos Advogados e os solicitadores inscritos na Câmara dos Solicitadores
podem praticar os atos próprios dos advogados e dos solicitadores.” Ou seja, não restam
dúvidas sobre o necessário conhecimento técnico jurídico e legal destes profissionais.
Sucede que, para além do conhecimento jurídico impõe-se aos mesmos desenvolverem
novas competências, onde se exige inclui o aprofundamento técnico de três áreas, a que
denomino de triângulo do conhecimento para o exercício de uma advocacia consensual, a
saber: conflito; comunicação e negociação.
Sobre conflito, além da evolução do significado e teorias, restringindo-nos às mais
recentes, que comportam em si inúmeros desafios na forma como os humanos pensam, se
relacionam e visualizam situações onde, maioritariamente, ocorre falta de comunicação ou
percepção de interesses incompatíveis e inconciliáveis. Em consequência é necessário
investir e trabalhar no sentido de conseguir incutir, nomeadamente, a necessidade, primeiro,
de compreenderem, e segundo, aceitarem, que os cidadãos têm o direito de escolher o tipo de
processo onde pretendem obter resposta jurisdicional ou específica para o seu caso, podendo
optar por uma gestão e resolução com características auto compositivas (negociação;
conciliação e mediação) ou hetero compositivas (arbitragem e judiciário).
No final do século passado, Mary Parket Follet convida-nos a refletir sobre conflito de
uma forma construtiva. A filósofa, advogada, economista e administradora, afirma que as
divergências são extremamente importantes como possibilidade de aprendizado, crescimento
e geração de ganhos mútuos. Partindo deste pressuposto básico, a mesma autora conclui pela
inevitabilidade do conflito, que a leva a concluir que importa atender e compreender quais as
percepções individuais, para ser possível encarar a situação como uma oportunidade. Neste
sentido, abordando o conflito de forma apropriada (com técnicas adequadas) pode ser um
meio importante de conhecimento, amadurecimento e aproximação de seres humanos. Ao
mesmo tempo, o conflito quando conduzido corretamente pode impulsionar relevantes
alterações quanto à ética e à responsabilidade profissional.
Mais recentemente, Morton Deutsch, (psicólogo social, psicanalista e pesquisador de
resolução de conflitos), vem defender que “O conflito tem muitas funções positivas. Previne
a estagnação, estimula interesses e curiosidades, é o meio através do qual problemas podem
ser arejados e soluções atingidas, é a raiz das mudanças pessoais e sociais(...) Uma
sociedade flexível, beneficia-se do conflito”9. Neste sentido, o conflito seria considerado uma
8
Lei nº 49/2004, de 24 de Agosto, Publicada no Diário da República n.º 199, Série I-A, de 24 de Agosto de
2004, p. 5656-5657
9
DEUTSCH, Morton. In The Resolution of Conflicts, Yale University Press, 1973
5
força positiva, sendo necessário e inevitável para uma atuação eficaz nas interações humanas,
sob pena de se tornar estático, apático e insensível a necessidades como mudança e inovação.
Concluindo aqui pela noção de que conflito corresponde a um processo, em que duas ou
mais pessoas divergem, em razão de metas, interesses ou anseios individuais, percebidos
como mutuamente incompatíveis e inconciliáveis, importa compreender o pouco da sua
estrutura e elementos. De forma simplificada, podemos afirmar que o conflito é algo
estruturalmente complexo, sendo composto por um conjunto de elementos manifestos, que
são perceptíveis a partir das declarações, verbais e não verbais, dos intervenientes. Assim, ao
tradicional entendimento dos fatos juridicamente relevantes, porque contidos nos
ordenamentos jurídicos, importa para a resolução efetiva do conflito, e não apenas do
problema, construirmos uma visão inicial de mapa do conflito, que nos permita
posteriormente desenvolvermos uma visão territorial, onde é possível traçar novos caminhos
e percorrer diferentes percursos para conseguir alcançar o destino pretendido.
Sobre a comunicação, segundo vértice do triângulo do conhecimento, é necessário o
desenvolvimento pela advocacia das competências de escuta ativa e assertividade, com as
quais o profissional tem de desenvolver habilidade de escutar para entender e não para
responder.
Por fim, relativamente à negociação resulta imprescindível uma profissionalização
técnica da negociação, em especial de modelos de negociação onde não se tira vantagem do
outro, mas, diferentemente, se cria valor acrescentado ao pensar conjuntamente. Essa
negociação, com base em interesses e necessidades, precisa entender e atender a diversos
elementos, cuja preparação e posterior reflexão são momentos absolutamente essenciais.
A partir deste momento, que conseguimos enumerar as lacunas na formação jurídica,
reforçamos competências da forma como se advoga.
4 HUMANIZAÇÃO DO DIREITO
6
mesmo. Contudo, o conflito pode configurar-se como uma situação positiva, promovendo
um redimensionamento das questões relacionadas ao conflito e consequentemente, uma
mudança satisfatória tanto no relacionamento, como no comportamento das pessoas
envolvidas.
Para o poder judiciário o foco de atuação é o de promover uma análise apenas sob o
enfoque jurídico da procedência ou improcedência, pelo que eventuais anseios, desejos,
aflições, angústias e expectativas dos intervenientes não são considerados, apenas
decidindo-se o processo jurídico. Neste sentido, uma decisão judicial não é possivel ter em
consideração as questões emocionais relacionadas ao conflito ou atingidas. De forma a
viabilizar a utilização de métodos consensuais, com processos, procedimentos e princípios
diferenciados é muito importante implementar uma nova educação, demonstrando as
vantagens e benefícios destes métodos, que designadamente, potencializam a resolução dos
conflitos de forma mais rápida, menos onerosa e dando resposta aos elementos subjetivos
(emocionais) do conflito. A intervenção de uma terceira pessoa para a gestão e resolução dos
conflitos pode significar uma estratégia para evitar um confronto direto, bem como a
manifestação e verbalização de todos os sentimentos angustiantes que envolvem a busca de
uma solução para o impasse.
Os operadores do direito precisam saber distinguir, em especial, negociação,
mediação e conciliação, devendo esta mudança começar pelas instituições de ensino, desde
as de ensino superior, incluindo as instituições de classe, como seja Escola Superior de
Advocacia, Escola Superior da Magistratura, Escola Superior da Defensoria Pública (no
Brasil), Escola Superior do Ministério Público. Assim, devemos trilhar caminhos para
acabar com o falso conceito de confiar apenas no judiciário para a resolução de todas as
situações, preparando os diferentes profissionais para solucionarem seus conflitos de forma
adequada, prevalecendo as resoluções tomadas pela jurisdição estatal, devido ao fato de
confiar apenas a ela a resolução adequada.
A gestão e resolução de conflitos pode se dar de inúmeras formas, como a intervenção
ou não de uma terceira pessoa, bem como com uma maior ou menor autonomia de vontade
entre as partes envolvidas no processo decisório, contudo nunca deve de se perder o carácter
inviolável dos seus princípios de processo voluntário e confidencial.
A escolha e intervenção de um terceiro com atuação em métodos consensuais permite
que enquanto os intervenientes descrevem o conflito a uma terceira pessoa, ganhem tempo
para se acalmar, já que interrompem o conflito para descrevê-lo. Outra das potencialidades
da intervenção deste de terceiro é o fato de que ele trabalha a comunicação, atendendo a que
auxilia os intervenientes a terem mais clareza e ouvirem melhor o outro interveniente; por
meio da oralidade os intervenientes determinam quais os temas/ assuntos que necessitam ser
trabalhados, surgindo o terceiro no sentido de priorizar alguns aspetos conflitantes; e por
último o valor de custo e desgaste em permanecer no conflito, sendo que por meio dos
métodos consensuais podem ser controlados e até reduzidos.
No processo de mediação, mais importante que a justificação e argumento é conseguir
a necessária confiança para os envolvidos no conflito revelarem dados e informações
7
confidenciais, a partir da confiança no processo e no profissional 10. Neste sentido importa
desde já proceder à diferenciação entre os processos de mediação e conciliação, onde
apresentamos de forma sumária a existência de quatro correntes de pensamento. Um
primeiro que considera conciliação e mediação como sinónimos (sistema americano da
Common Law); um segundo para quem o que os separa é o sujeito que as realiza e seu poder
de autoridade, onde a conciliação é realizada pelo juiz no cumprimento prévio do seu dever
de pacificação social, o qual não conseguido realizará julgamento com produção de
sentença, sendo a mediação realizada por um mediador sem poder de autoridade (modelo
português e brasileiro11); um terceiro onde conciliador e mediador são terceiros sem poder
de decisão e a diferença se encontra na possibilidade do conciliador sugerir e na
impossibilidade dessa faculdade ao mediador, bem como à circunstância da conciliação ser
indicada para situações sem relação continuada e a mediação para situações com
continuidade da relação; e por fim um quarto 12 para quem a diferença se encontra nos
elementos do conflito (mediação, não sendo terapia, trabalha elementos subjetivos,
comunicacionais e relacionais, como emoções e sentimentos, para além dos elementos
objetivos mensuráveis numa lógica de construção da melhor solução) e nas características
dos sujeitos envolvidos (capacidade de responsabilização, respeito suficiente, consciência de
que o processo de mediação é a melhor alternativa das existentes), diferente da conciliação
que visa o acordo e trabalha apenas questões objetivas mensuráveis.
Sucede que em termos legislativos e institucionais regulamentados no Brasil a
conciliação é bem mais antiga, tendo tido suas primeiras aparições legislativas no Brasil em
1934, com a edição da Consolidação das Leis do Trabalho, por meio das quais foram
instauradas as Juntas de Conciliação e Julgamento, posteriormente extintas pela EC 24/1999.
Posteriormente, com os Juizados Especiais a conciliação ganhou força, prevendo o antigo
Juizado Especial de Pequenas Causas, em seu art. 2º, que se buscaria, sempre que possível, a
conciliação13. Esta introdução ali, e outras que posteriormente lhe seguiram (como a criação
dos Juizados Especiais para conciliar causas de menos complexidade), tem tido como
principal objetivo estabelecer acordos para responder à morosidade do judiciário,
pretendendo uma redução, imediata e efetiva, do número de processos 14. Esta principal
10
Mauro Cappelletti, defende que os meios adequados de solução de conflito se inseririam como resposta ao
obstáculo processual do acesso à justiça, enquadrando-se nos casos em que o processo litigioso tradicional
poderia não ser a forma mais indicada para a vindicação efetiva de direitos. CAPPELLETTI, Mauro, Os
Métodos Alternativos de Solução de Conflitos no Quadro do Movimento Universal de Acesso à Justiça,
in Revista de Processo, vol. 74, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, pp. 82/97.
11
Em 1994, com a edição da Lei nº 8.952/94, alterou-se o CPC/73 para incluir a conciliação entre os deveres do
Juiz e inseri-la como uma das finalidades da audiência preliminar.
12
Indica-se também aqui a leitura da tese de mestrado da autora, onde a mesma aborda a temática, a qual se
encontra disponível em
http://repositorio.ulusiada.pt/bitstream/11067/716/1/md_dulce_nascimento_dissertacao.pdf
13
Ada Pellegrini Grinover, comentando a lei então vigente, asseverava que “A conciliação é buscada
incessantemente no processo brasileiro de pequenas causas. Pode-se até dizer que constitui tônica da lei,
obstinadamente preocupada em conciliar”. (Grinover, Ada Pellegrini, in Novas tendências do direito
processual, 2ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1990, p – 186).
14
A título de exemplo referimos as semanas da conciliação que se traduzem em mutirões onde a preocupação é
sobre o número de processos findos e os valores dos acordos, em vez de a satisfação com o acesso à justiça por
meios dos utilizadores do sistema (http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/conciliacao-mediacao/semana-
nacional-de-conciliacao/resultados).
8
preocupação, tem-se verificando um desvio significativo à necessária preocupação sobre o
modo como a mesma se realizava, descurando-se a necessária formação e especialização
técnica destes profissionais para alcançarem resposta uma efetiva e necessária a uma
resultado maior, que urge efetivar resposta, de ausência de efetividade de algumas das
decisões estatais.
Reforçamos a importância da atividade, em especial da mediação, ser conduzida por
mediador profissional, imparcial e sem proximidade com o conflito, afastando aqui que esta
função possa ser acumulada por outros profissionais, como juízes, promotores e defensores
públicos (servidores do Estado), entendimento este prestigiado pelo ordenamento jurídico
brasileiro. Nunca é demais afirmar que a mediação não corresponde ao processo mais
adequado para todas as situações, nem para todos os sujeitos, motivo pelo qual não podemos
tratar o instituto como algo que vem resolver tudo para todos.
Consideramos ter encontrado a efetividade de direitos e garantias fundamentais na
resolução de conflitos através dos processos consensuais, em especial a mediação, onde
efetivamente ocorre uma humanização do direito e cidadania, por meio da
institucionalização de processos e procedimentos consensuais, onde é possível dar nome em
vez de número ao conflito; escutar a história ao invés de produzir e determinar provas;
identificar interesses ao invés de fundamentar e argumentar posições; procurar soluções
responsáveis e de ganhos mútuos, ao invés de culpados com soluções que por vezes deixam
todos insatisfeitos, entre outras vantagens e benefícios.
A verificação desta efetividade, em especial do acesso à justiça, resulta da
possibilidade dada aos intervenientes de compreenderem a situação vivenciada,
restabelecendo a comunicação por meio da autodeterminação na construção do resultado,
solucionando a situação, por meio da intervenção e auxílio do profissional da mediação.
Outro elemento fundamental verificado corresponde à circunstância da tomada de decisões
em conformidade com reais necessidades, ao invés de uma decisão imposta por terceiro.
O processo de mediação impõe mudanças na forma como se enfrenta o conflito,
fazendo-o de forma despreocupada com a obtenção de respostas e soluções imediatas, fixa-
se na construção da melhor solução, considerando como tal aquela que irá satisfazer a todos,
alcançando assim as maiores e melhores expetativas sobre o desfecho da situação. Em suma,
o instituto da mediação em si tem como principal e fundamental objetivo finalizar
efetivamente o conflito, jurídico e emocional, e não apenas o problema apresentado como
sendo o principal, procurando identificar a origem, identificado as reais motivações e
construindo soluções sem prejuízo.
Desta forma, através do processo de mediação, que não é nem corresponde a terapia,
mas sim um processo de gestão e resolução de conflitos, prevalece a vontade das partes
envolvidas nos acordos estabelecidos, de forma soberana, com soluções que facilitam a
finalização efetiva do conflito e proporcionam uma maior pacificação social entre os
envolvidos, com possibilidade inclusive de restabelecimento de algumas relações ou
relacionamentos, independentemente do grau de intimidade e proximidade. Por meio deste
instrumento tem vindo a ser possível desenvolver a capacidade de educar a possibilidade de
conviver com diferenças na criação de soluções, sem necessidade da intervenção externa de
9
um terceiro que decide (desenvolvendo a emancipação efetiva), desenvolvendo capacidade
de autonomia, democracia e cidadania, decidindo questões relacionadas aquilo que
necessitam e acreditam como sendo correto, para si e para os outros, ou seja, o justo.
5 O PAPEL DO ADVOGADO
10
de forma consensual é praticar uma atividade direcionada à pacificação e humanização do
direito, por meio da utilização de métodos consensuais para a solução de conflitos, sendo um
caminho diferenciado e uma efetiva oportunidade no mercado de trabalho.
Confirmada a ideia de que a defesa dos direitos e interesses do cliente não se faz
exclusivamente em Juízo, o espaço proporcionado pela advocacia consensual no processo de
mediação corresponde a uma oportunidade de consecução do exercício ético do advogado
que pode e deve participar ativamente e de forma estratégica no processo de mediação 16. Ou
seja, a mediação é mais bem sucedida quando advogados e assessores dos mediados têm
conhecimentos e formação nos princípios, procedimentos e processo de mediação, bem
como nas teorias de negociação, conflito e comunicação (triângulo do conhecimento17).
Certamente já se deparou no escritório com situações de prescrição; questões que não
são consideradas juridicamente relevantes; casos que economicamente o processo judicial
não é viável; entre outras que nos levam a informar o cliente de que não existe solução. Pois
bem, essas e outras prestações que dispensamos a nossa intervenção, se tiverem elementos
de continuidade na relação ou questões subjetivas e relacionais podem ser trabalhadas por
meios do processo de mediação, onde advogar pode ser exercida de diferentes formas de
acordo com as particularidades da situação e interesses do cliente. Desenvolveremos de
seguida, diferentes possibilidades de intervenção dos advogados consensuais no processo de
mediação, incluindo aqui uma abordagem desde o advogado que não vai, nem participa no
processo, até aquele que comparece sozinho munido, nos termos legais, de procuração com
poderes especiais em representação do cliente18.
Optando por advogar de forma consensual, dando preferência à composição do
conflito pelos próprios intervenientes, podemos otimizar a nossa atuação quando auxiliados
por um terceiro imparcial e sem poder de decisão (mediador), tendo ao nosso dispor, pelo
menos, 5 possíveis formas de intervir, atuar e participar na atividade de advogar na
mediação, de acordo com os elementos da situação e características do cliente:
Desconhecida - para clientes cuja situação implica necessidade de aconselhamento
jurídico, onde na cultura da relação, essa presença é vista como desagregadora ou até
provocadora. O profissional aconselha e prepara o cliente que vai sozinho ao processo de
mediação. Ninguém sabe da existência do advogado, além do cliente.
Consultiva – aplicável diante clientes ou situações onde não seja imprescindível
acompanhamento, quer pela simplicidade do conflito, quer pelas qualidades de autonomia
do cliente. Aqui a atividade de advogar corresponde a aconselhar e preparar
16
art. 2 Código de ética e disciplina da OAB
O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado Democrático de Direito, dos
direitos humanos e garantias fundamentais, da cidadania, da moralidade, da Justiça e da paz social,
cumprindo-lhe exercer o seu ministério em consonância com a sua elevada função pública e com os valores
que lhe são inerentes. 3 Parágrafo único. São deveres do advogado:
...
VI - estimular, a qualquer tempo, a conciliação e a mediação entre os litigantes, prevenindo, sempre que
possível, a instauração de litígios;
VII - desaconselhar lides temerárias, a partir de um juízo preliminar de viabilidade jurídica;
17
Conceito desenvolvido no evento online - 1ª Semana para advogar na mediação
18
§10º art. 334 CPC
11
estrategicamente o cliente para ir sozinho ao processo. É conhecida a existência e
disponibilidade do profissional para participar no processo. Nesta modalidade, o cliente
deverá ser instruído sobre a possibilidade de interromper a mediação, remarcar nova data
(para continuação), bem como da viabilidade de solicitar pausa para conversar
telefonicamente e em privado com o seu advogado. O advogado pode ou não participar
presencialmente do processo, sendo a sua participação meramente consultiva. Além de
informar sobre direitos e obrigações, deverão ser capazes de aconselhar, instruir e definir,
estrategicamente, qual a forma mais adequada de ser construída a melhor solução, no mais
curto espaço de tempo, com menor desgaste e maior satisfação. Os profissionais que atuam
desta forma podem ser juridicamente generalistas, mas precisam ser especialistas no
processo de mediação.
Especialista – quando temos situações técnicas, de alguma especialidade do direito
(com perfil de arbitragem caso não se alcance consenso), com interesse em manter,
melhorar, não prejudicar ou iniciar uma relação ou relacionamento, independentemente do
grau de proximidade ou intimidade entre os envolvidos. O profissional da advocacia irá ter
uma especial intervenção prévia de análise e preparação do cliente, com enorme foco na
estratégia a ser usada. Pode ou não acompanhar o cliente durante os encontros, sendo
aconselhável que o faça para facilitar os necessários reajustes da estratégia. A atuação e
papel do advogado especialista no processo de mediação varia de acordo com a situação e
intervenientes, sendo muito importante além da especialização jurídica ser especialista no
processo de mediação para determinar como, quando e de que forma usar o mediador e a
mediação; identificar e entender interesses desapercebidos; dificuldades de comunicação e
superar impasses.
Interventiva – perante clientes receosos, inseguros, desconfortáveis ou com reduzida
autoestima é aconselhável que o profissional da advocacia esteja preparado para, além da
preparação prévia, realizar uma atuação participativa e ativa durante a mediação. Esta
atuação desmistificada o mito do advogado apenas prestar aconselhamento jurídico.
Representativa – apesar de não ser o mais desejado, atendendo ao pressuposto da
pessoalidade na mediação (o próprio sabe efetivamente o que é melhor para si), existe a
possibilidade do profissional da advocacia, munido de procuração específica, substituir o
cliente no processo, representando os seus interesses (§10º art. 334 CPC brasileiro). Esta
intervenção faz sentido quando estamos a falar por exemplo de mediação empresarial onde
não é possível o cliente se representar pelo Presidente, CEO ou outro cargo de topo
atendendo ao porte da empresa. Nestes casos, é aconselhável que a empresa envie
representante que conheça o contexto do conflito, com poderes e legitimidade para construir
a melhor solução para todos. Caso apenas se faça representar por advogado, por respeito aos
princípios e objetivos do processo, deverá ter efetivos poderes e não apenas uma procuração
para atender ao formalismo processual. Em relação, por exemplo, a casos de clientes que se
encontrem no estrangeiro ou que estejam impedidos por questões de saúde será interessante
o advogado fazer uso da faculdade legal de poder realizar a mediação pela internet ou por
12
outro meio de comunicação que permita a transação à distância 19, desde que todos estejam de
acordo.
A escolha da mediação e do mediador pressupõe uma análise e avaliação prévia, que
será sugerida e indicada pelos advogados. Falar de preparação e estratégia em qualquer uma
das modalidades estamos a reportar-nos à necessidade de saber, nomeadamente: que tipo de
mediação escolher (judicial/extrajudicial); onde e como vão ser realizados os encontros
(presencial/online); como vai ser realizado o procedimento (reuniões conjunta/individuais);
quem vai ao processo (cliente, advogado, os dois...); quem começa a falar na abertura do
processo (cliente ou advogado); quem diz o quê e como; como será garantido que na agenda
constem os seus objetivos; como vai ser gerida a informação confidencial, se houver; como
vai usar a mediação e o mediador; entre tantas outras especificidades.
O profissional que escolhe advogar na mediação precisa conhecer procedimentos e
objetivos de cada etapa do processo e atuar com respeito para alcançar os mesmos. Neste
sentido, atendendo nomeadamente à informalidade do processo é inclusivamente possível, e
espectável, que exista um diálogo franco e aberto diretamente entre todos os presentes na
mesa de trabalho, com respeito e boa-fé.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
13
invés de deixar, em especial, os meios consensuais, como a mediação e conciliação para o
mercado privado, vem instituir implementação e regulamentação sobre mediação judicial.
Estamos a falar sobre uma mudança mundial de competências, com
desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes, coroando o Código de Processo
Civil brasileiro pela ousadia de colocar todos os esforços nos operadores de direito e
profissionais de outras áreas, no sentido de efetivamente mudar a forma de pensar, agir e
conviver nas negociações, bem como na gestão e resolução de conflitos nas relações. As
mudanças solicitadas aplicam-se a todos os operadores de direito, sejam advogados, juízes,
procuradores ou promotores, mas também aos envolvidos diretamente no conflito, sendo
importante trabalharem a necessidade de, sempre que for o caso, trazerem para si a
responsabilidade sobre a resolução em vez de o submeter para decisão por um terceiro.
É muito importante que se conheça em especial o processo de mediação no
ordenamento jurídico nacional correspondente, assim como se saiba distinguir os modelos de
mediação no ordenamento jurídico de Civil Law e de Common Law, combinando e
aproveitando o que for possível, e respeitando o que é absolutamente incompatível
caracterizando a individualidade de cada ordenamento. Concluímos com a convicção da
extraordinária importância em que todos os operadores do direito devem conhecer as
diferenças entre negociação, conciliação e mediação, assim como de outros mecanismos de
gestão e resolução de conflitos. Esse conhecimento, conjugado com a efetiva de divulgação,
certamente, potencializará que possam ser cada vez mais utilizados, proporcionando a
possibilidade de serem construídas soluções que atendam aos interesses dos intervenientes,
aumentando a sensação de efetivo acesso à justiça, com o respeito e cumprimento da
efetividade de direitos e garantias fundamentais na gestão e resolução de conflitos.
Por todo o exposto, a advocacia é essencial para o processo de mediação onde irá
prestar assistência jurídica para a verificação da legalidade do acordo, mas também irá
interferir nessa elaboração usando do processo que temporalmente, financeiramente e
emocionalmente é menos custoso para o cliente e mais rentável para os profissionais da
advocacia. Acresce que, além da função jurídica, cumpre ao advogado definir conjuntamente
com o cliente a estratégia para usar no processo de mediação, mediante o desenho de um
plano de mediação, definindo não só a forma de intervenção como a divisão de tarefas entre
cliente e advogado de acordo com os momentos do processo. Conforme tive oportunidade de
publicar em outro artigo, podemos encontrar um de cinco panoramas no processo de
mediação,
Iniciei um programa de apresentação da advocacia na mediação junto de diferentes
escritórios, em especial na cidade de Lisboa. Deixo a minha esperança de que o movimento
legislativo e educativo do Brasil possa inspirar e influenciar a comunidade jurídica
portuguesa potencializando o papel imprescindível do advogado no processo de mediação, o
qual deve ter uma intervenção obrigatória, mesmo que não presencial, para que seja
respeitado o princípio decisão informada, juntamente com o da autonomia da vontade.
14
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
15
Título: A Mediação enquanto procedimento facilitador da Coparentalidade
Revisão temática
28 de abril de 2020
Índice:
1
Mediador no Sistema privado e público (D.G.P.J.) de Mediação Familiar. E-mail: albertoneves42@gmail.com
0
Resumo:
Antecedentes: A Mediação Familiar tem vindo a assumir uma importância gradual na promoção
da Coparentalidade. A morosidade do sistema de justiça convencional e a consequente ausência de
comunicação profícua, entre progenitores em conflito, tem vindo a constituir terreno fértil para
aumentar a escalada do conflito conjugal que, ao continuar latente, interfere no conflito parental
manifesto.
Objetivos: Este estudo de revisão de literatura tem por objetivo descrever modelos teóricos da
Mediação Familiar que apontam para o ajuste de boas práticas procedimentais e competências
comportamentais do Mediador, enquanto facilitador da Coparentalidade, no âmbito da Regulação do
Exercício das Responsabilidades Parentais.
Método: A partir da revisão temática, foram pesquisadas bases de dados eletrónicas para a
identificação e seleção independente de literatura temática e artigos de referência científica, que
incluem a temática da Mediação, enquanto procedimento facilitador da Coparentalidade.
Resultados: A revisão da literatura indica-nos que a Mediação Familiar, enquanto mecanismo
extrajudicial, permite reabrir canais de comunicação interrompidos e reconstruir a Coparentalidade,
proporcionando, aos progenitores separados, uma alternativa eficaz e eficiente de tratamento do
conflito parental.
A revisão temática permitiu reforçar a importância atribuída à Mediação Familiar, enquanto
procedimento facilitador da Coparentalidade.
Discussão: O desafio é atrair o interesse de outros estudos e investigação futura, ajustando o
procedimento da Mediação Familiar, enquanto procedimento facilitador da Coparentalidade entre
progenitores separados, não advindo um vencedor e um vencido e preservando o desenvolvimento
biopsicossocial do(s) filho(s), a despeito das diferenças que os levaram à rutura da convivência
conjugal.
Palavras-chave:
Mediação Familiar; Coparentalidade; Conflito Parental; Responsabilidades Parentais.
1
Mediation as a facilitating procedure for coparentality
Summary:
Background: Family mediation has been gradually gaining importance in the promotion of
coparentality. The slowness of the conventional justice system and the consequent lack of fruitful
communication between parents in conflict has been fertile ground for increasing the escalation of
conjugal conflict, which, by remaining latent, interferes in the manifest parental conflict.
Objectives: This literature review study aims to describe theoretical models of family mediation
that point to the adjustment of good procedural practices and behavioral competencies of the mediator,
as a facilitator of coparentality.
Method: From the thematic review, electronic databases were researched for the identification
and independent selection of thematic literature and scientific reference articles, which include the
topic of mediation, as a facilitator procedure of coparentality.
Results: The literature review indicates that family mediation, as an extrajudicial mechanism,
allows reopening interrupted communication channels and reconstructing coparentality, providing
separate parents with an effective and efficient alternative of overcoming parental conflict.
The thematic review allowed us to reinforce the importance given to family mediation, as a
procedure that facilitates coparentality.
Discussion: The challenge is to attract the interest of other studies and future research, adjusting
the procedure of family mediation, as a procedure that facilitates coparentality between separated
parents, not resulting in a winner and a loser and preserving the biopsychosocial development of the
child(ren), despite the differences that led them to the rupture of conjugal coexistence.
Keywords:
Family Mediation; Coparentality; Parental Conflict; Parental Responsibilities.
2
1 - Introdução:
O recurso à mediação familiar pode ajudar a ultrapassar uma situação de dissolução conjugal e,
quando há filhos menores, auxiliar ambos os progenitores a decidirem sobre a regulação do exercício
das responsabilidades parentais.
A intensificação de conflitos, face ao corte do vínculo afetivo conjugal, não deve estender-se aos
filhos, mas é comum que um ou ambos os progenitores ofereçam resistência relativamente ao melhor
regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais, proposto pelo outro.
Não raras vezes, as separações tornam-se litigiosas e os ex-cônjuges iniciam a disputa pela
guarda do(s) filho(s) que pode interferir na sua formação psicológica, sabendo-se que a emersão do
conflito parental interfere no reconhecimento do vínculo afetivo que uma criança construiu com ambos
os progenitores.
A influência positiva da coparentalidade na formação da personalidade das crianças e a
regulação do exercício das responsabilidades parentais, não imposta por decisão externa ao casal
separado, está corroborada cientificamente.
Quando os progenitores separados sentem a comunicação interpessoal limitada, têm a
possibilidade de explorar interesses face à necessidade de darem continuidade à relação pós-separação
(fim da relação conjugal), priorizando a relação parental, o que permite colocar, acima de tudo, o bem-
estar do(s) filho(s) perante novas situações e possíveis problemas (emocionais, económicos e de
organização familiar) a curto, médio ou longo prazo.
A coparentalidade passa pela responsabilização conjunta dos cuidados com os filhos, partilhando
a superação de dificuldades resultantes da separação conjugal, evitando afastamentos, distanciamentos
ou conflitos colaterais que podem ser transversais à experiência parental.
2 - Revisão da literatura:
A maioria dos pais e mães acordam fora dos tribunais a regulação do exercício das
responsabilidades parentais (Marinho, 2018).
3
Baseado na teoria das necessidades básicas de Maslow2 e McClelland3, C. W. Moore (2014)
refere a “importância da mediação e da comunicação bidirecional baseada em interesses conjuntos e
não em posições individuais, concebida para chegar a um acordo que atenda aos interesses comuns e
opostos das partes”.
Progenitor X Progenitor Y
Interesses
Necessidades
Comuns
Coparentalidade
2
Maslow, A. H. (2013). A theory of human motivation. Simon and Schuster. ISBN: 978-1-62793-396-4.
3
McClelland, D. C. (1987). Human motivation. CUP Archive.Cambridge University Press. ISBN: 0-521-36951-7.
4
Fig. 1 - Triângulo da Coparentalidade.
Adaptado pelo autor, baseado em Moore, 2014, p.128.
Havendo várias opções técnicas disponíveis para os mediadores utilizarem em situações de crise
e conflito familiar (Lemmon, 2008), há espaço para a criação de potenciais opções4 que possam
conduzir à melhor opção, que salvaguarde o superior interesse do(s) filho(s) e necessariamente a
coparentalidade, separando as pessoas dos problemas, permitindo a diminuição de tensões e aumento
da capacidade de comunicação.
Para que os resultados sejam alcançados devem as partes concentrarem-se no reconhecimento
recíproco, permitindo fortalecer a interação e a confiança necessárias para o exercício da
coparentalidade.
A escuta ativa poderá ser conquistada através de um diálogo aberto, no qual o mediador presta
genuína atenção áquilo que é dito (e também à linguagem não-verbal), explorando as informações com
perguntas abertas que permitam a criação de opções pelas partes, na procura da satisfação de interesses
e necessidades comuns.
A adaptação com sucesso à coparentalidade exige estratégias de auto-regulação do
relacionamento parental, na transição pós separação conjugal, que permitam melhorar a comunicação e
outros comportamentos positivos de relacionamento (Rauch-Anderegg, Kuhn, Milek, Halford, &
Bodenmann, 2020).
A adaptação dos progenitores ao ajustamento da (co)parentalidade pode ser facilitado por via da
comunicação, onde são explorados interesses e necessidades, orientados gradualmente para o
reconhecimento recíproco.
Atendendo aos desafios, especificidades e transversalidades familiares, a comunicação no
exercício da parentalidade é essencial para o bem-estar relacional entre pais e filhos (Portugal &
Alberto, 2010).
4
Por exemplo, recorrendo ao “brainstorming” enquanto técnica que consiste no convite às partes mediadas para que
exponham as suas ideias na procura do consenso para a solução do conflito, explorando a criatividade para atender as
motivações e necessidades que permitam abrir soluções à medida da família e da resolução do conflito.
Para o efeito, abordam-se o máximo de detalhes possível e abre-se espaço para que ambas as partes possam
esclarecer dúvidas reciprocamente, reconhecendo (e se possível hierarquizando e eliminando) a(s) causa(s) do(s) conflito(s)
na procura da melhor solução e definição de um plano de ação que pode ser materializado sob a forma de acordo subscrito
por ambas as partes.
5
Para além das referências teóricas sobre a mediação, o mediador deve procurar identificar o
padrão partilhado de comunicação das partes, para que o sistema do impasse sobre o exercício da
parentalidade pós separação, mude para outras narrativas menos marcadas pelo conflito conjugal
(inter-relacional) e, consequentemente, auxiliar os progenitores a encontrem a solução centrada na
coparentalidade (Cobb, 1997).
O mediador deve procurar certificar-se, a partir de outras referências para a compreensão dos
conflitos familiares, procurando ter conhecimento sobre os “processos de comunicação na família, o
ciclo de vida familiar (papéis e regras) e os processos de mudança” (Cobb, 1997). Dessa forma, melhor
poderá auxiliar as partes mediadas a que exercitem a externalização do conflito parental, separando as
questões pessoais e interpessoais, da relação conjugal, do problema que os progenitores enfrentam
sobre a necessidade de encontrar uma solução para a Regulação do Exercício das Responsabilidades
Parentais.
Na mediação, a comunicação funciona como a estrutura que fornece inúmeras opções de gestão
de conflitos (Brinkert, 2016).
Através da consciencialização e autodeterminação das partes, sobre matéria de regulação do
exercício das responsabilidades parentais pós separação / divórcio, a mediação auxilia os progenitores
a transformarem o conflito parental, restabelecendo/restruturando o diálogo, a escuta e a cooperação.
Por isso, os mediadores precisam estar qualificados para entenderem o impacto das dinâmicas
familiares antes e durante o procedimento de mediação (Raines & Indovina, 2020).
A gestão de conflitos parentais, resultante da separação conjugal, carece do auxílio de um
mediador capacitado em facilitar decisões ponderadas e consensuais das partes, sendo determinante a
questão de quem pode mediar, de acordo com a natureza dos conflitos e as características das partes
(Kelly, 2004).
Nos casos de conflitos no relacionamento de casais separados ou divorciados, com filhos
menores, é recomendável que o ato de mediar seja preferencialmente facilitado por um(a) mediador(a)
com formação de base e experiência supervisionada em Psicologia e especialização avançada em
intervenção sistémica.
Da experiência enquanto mediador de conflitos familiares, verifico ser habitual, na primeira
sessão de mediação (quando são explorados interesses), os progenitores começarem a “acusar-se”
reciprocamente, conjugando os verbos no pretérito perfeito, dizendo que estão na mediação para
decidirem o futuro do(a)/s filho(a)/s de ambos (relação parental) “mas” frequentemente, e de forma
inconsciente, estão mais focados na relação de conflitualidade conjugal pretérita.
6
É frequente a utilização da conjugação, “mas”, quase sempre entre duas proposições opostas,
representadas por cada um dos progenitores em conflito.
Nesta circunstância, o mediador familiar deve estar capacitado a potenciar a mudança, auxiliando
as partes mediadas a formularem hipóteses para ativar o processo de circulação da informação
necessária através da formulação de perguntas abertas que permitam testar junto dos progenitores
mediados, a razoabilidade das expectativas e riscos estimados, projetados para o futuro da relação
parental, minimizando ou eliminando o foco na relação conjugal e, por essa forma, potenciar a
coparentalidade.
Nesse sentido, também a mediação familiar pode auxiliar as partes a acordarem planear a
participação parental com intuito de, no futuro, os progenitores separados, conviverem de forma
pacífica e estável, tornando-se efetivamente protetores e educadores dos seus filhos, visando o efeito
contínuo e/ou restabelecimento e preservação pacífica do exercício da coparentalidade inerente ao
ecossistema familiar específico.
O conflito interparental surge como variável preditora da vinculação aos pais, afetando a
qualidade do laço emocional relativamente a ambas as figuras parentais, independentemente da
estrutura familiar (Moura & Matos, 2008).
O novo paradigma científico engloba o pensamento sistémico. Por norma, no conflito subjaz
uma questão central e várias questões menores, secundárias ou tácitas (Cobb, 1997).
Na abordagem sistémica, as relações são focadas para além da forma de pensar disjuntiva do tipo
“ou-ou”. Para além do antagonismo, na perspetiva de que prevalecem complementaridades do tipo “e-
e” e que essas complementaridades “e-e” compõem processos e articulações que superam e
ultrapassam as posições, sem, no entanto, eliminar as respetivas teses e antíteses (contradições).
Sendo a família um sistema dinâmico e interdependente, que está sujeito a mudanças e
transições, mais ou menos acentuadas, a parentalidade pode variar entre a coesão e o conflito (no caso
de rutura conjugal), gerando emoção e stress, resultante da vinculação estabelecida entre os vários
subsistemas interdependentes; o procedimento inerente ao ato de mediar exige que o mediador tenha
presente a visão sistémica do conflito parental, conforme Figura 2 infra:
7
Subsistema
Conjugal
Subsistema
Filial
Coparentalidade
Fig. 2 - Núcleo sistémico do conflito parental (elaborado pelo autor).
Qualquer mudança na estrutura familiar, em alguns dos seus membros ou dentro de um dos seus
subsistemas, repercutir-se-á em todo o sistema.
Linda Nielsen (2018) fez uma revisão de todos os estudos que comparam os níveis de conflito e a
qualidade dos relacionamentos de coparentalidade. Da investigação, surgiram conclusões que refutam
crenças comuns que podem levar a decisões contrárias ao melhor interesse dos filhos de pais separados
e que, consequentemente, não promovem a coparentalidade.
A investigação de O'Hara, Sandler, Wolchik, Tein e Rhodes (2019) indica uma relação
significativa entre os efeitos conjuntos do tempo “frequente, contínuo e significativo” na qualidade da
coparentalidade, configurando-se benéfica para crianças de famílias divorciadas ou separadas, e que a
não superação do conflito interparental está associado ao aumento dos problemas de saúde mental
infantil.
O papel do mediador é o de um facilitador que auxilia a clarificar questões, a reformular e
diferenciar as posições dos interesses, a identificar sentimentos e a criar canais de comunicação e
opções que possam conduzir a um acordo.
Para o efeito, é importante o conhecimento sobre as modalidades do conflito latente e manifesto,
já que estes estão na base dos conflitos interpessoais, enquanto objeto da mediação familiar.
8
Uma das técnicas que começo por utilizar, enquanto mediador familiar, consiste em auxiliar as
partes a separar a personificação do conflito conjugal latente5 do conflito parental manifesto6.
No âmbito da mediação de conflitos não se exige formação específica por parte do mediador que
o habilite a trabalhar com os conflitos intrapsíquicos, mas no caso da mediação familiar, o mediador
deveria poder contar com a assessoria de um técnico habilitado a intervir num processo paralelo ao da
mediação.
Quando o objeto da mediação é a Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, essa
técnica permite que cada um dos cônjuges se capacite na mediação transformativa a partir de outra
perspetiva que não o conflito conjugal passado ou conflito interpessoal latente.
O foco no exercício futuro da parentalidade permite a criação de histórias alternativas que
incorporem aspetos antes negados e submersos na vivência do conflito conjugal e/ ou interpessoal.
5
O conflito conjugal latente é percebido (racionalmente) mas não é declarado e não há (das partes envolvidas) uma
manifestação aberta e clara consciência da sua existência (apesar de perceberem racionalmente a existência).
Eventualmente não necessitam ser trabalhados na mediação familiar quando o objeto é a Regulação do Exercício das
Responsabilidades Parentais.
6
O conflito parental manifesto é sentido, já atingiu ambas as partes (mas não há emoção e forma consciente). Deve ser
percebido pelo mediador familiar. Pode interferir na dinâmica da família, na exploração de interesses e necessidades dos
progenitores relativamente à tomada de decisão conjunta sobre o melhor regime da Regulação do Exercício das
Responsabilidades Parentais.
9
procuram conduzir a resultados do tipo “ganha-perde” dando origem ao conflito, porque estão
envolvidas construções pessoais, tais como perceções, sentimentos, valores e crenças”.
Essas construções são pessoais, porque as partes envolvidas constroem objetivos que estão
relacionados a necessidades e motivações psicológicas não-atendidas. Emoções, valores e pontos de
vista, estão ligados a experiências de vida que moldam a perspetiva e determinam maior ou menor
capacidade de resolver os problemas sentidos.
Os progenitores que aceitam recorrer à mediação familiar e são desafiados a reduzir os níveis de
conflitualidade, têm a opção de acordarem pela coparentalidade cooperativa, assente na parentalidade
partilhada que é benéfica para as crianças, tanto em situações de baixo como em alto conflito
(Fabricius & Luecken, 2007).
A investigação conclui que a limitação dos/as pais/mães no envolvimento da vida dos seus filhos
está correlacionada com os níveis de conflito parental, que o conflito entre progenitores aumenta nos
acordos de residência única, e diminui, ao longo do tempo, nos acordos da parentalidade partilhada, e
quando nenhum dos progenitores é ameaçado pela perda dos seus filhos, o conflito diminui. As
carências mais relevantes na investigação, que se encontra dispersa, sobre mediação, situam-se nas
intervenções práticas dos mediadores, nas relações entre procedimentos de mediação e nos resultados e
na análise dos modelos sobre mediação bem-sucedida (Kelly, 2004).
O modelo elaborado por Gonzalo Serrano, Carla Lopes, Dámaso Rodríguez & Lourdes Mirón
(2006) e referido por Carla Lopes, Pedro Cunha & Gonzalo Serrano (2010), segue um esquema
abrangente em que se ordenam e relacionam todos os factores ou dimensões relevantes para a
eficiência e eficácia da mediação familiar, relacionados com indicadores ligados/relacionados com as
características dos mediadores, tendo por referencia várias investigações sobre mediação familiar,
conforme reproduzido na Figura 3, infra.
FACTORES PESSOAIS
- Idade
- Sexo
- Habilitações Literárias
- Nível Sócio-Económico CARACTERÍSTICAS da
Nº e idade dos Filhos SEPARAÇÃO CARACTERÍSTICAS da
MEDIAÇÃO
- Tempo desde a separação
- Problemas no momento da separação - Iniciativa de recorrer
- Grau de conflito - Vontade em chegar a acordo RESULTADOS da
- Iniciativa da separação - Confiança na mediação MEDIAÇÃO
CARACTERÍSTICAS - Tipo de separação
da RELAÇÃO
- Eficácia percebida
- Satisfação com o processo
- Tempo de matrimónio
- Satisfação com o acordo
- Causas da rutura
CARACTERÍSTICAS do - Cumprimento do acordo
MEDIADOR - Melhoria na relação
- Imparcialidade
- Formação 10
- Firmeza
- Credibilidade
- Simpatia
- Atitude conciliadora
- Compreensão dos interesses
Fig. 3 - Modelo de Mediação Familiar eficaz.
Reprodução de Serrano et al, 20067, p. 78, como referido em Lopes et al., 2010, p. 918.
Não existindo entendimento entre os progenitores acerca das questões relativas à vida do(s)
filho(s), a solução poderá passar por ambos os progenitores superarem os conflitos existentes entre si
e, na medida do necessário, dialogarem, auxiliados por mediador(a), explorando interesses e
necessidades e definindo as linhas orientadoras para o futuro da sua individualidade e
fundamentalmente sobre o envolvimento parental igualitário (coparentalidade).
Os progenitores separados, em relação ao exercício das suas responsabilidades parentais, não
podem deixar de negociar e de estabelecer um acordo.
7
Serrano, G., Lopes, C., Rodríguez, D., Mirón, L. (2006). Características de los mediadores y éxito de la mediación.
Anuário de Psicología Jurídica. Colégio Oficial de Psicólogos de Madrid, 16(1), 75-88. ISNN: 1133-0740.
8
Sá & Silva. Alienação Parental. Coimbra: Edições Almedina. 2011, p. 100.
9
Idem.
10
Ibidem. p. 114.
11
de Carvalho (2011 p.126).
11
“A mediação familiar consubstancia um dos meios extrajudiciais mais relevantes no que tange à
resolução de litígios familiares, nomeadamente quanto a questões referentes à atribuição da guarda
física e definição do respetivo regime de convívio com filhos menores pelo progenitor não residente”.12
“O mediador, ao invés de estar adstrito a critérios jurisprudenciais, tem um poder mais amplo de
intervenção junto dos progenitores, podendo contribuir de um modo crucial na resolução de muitos dos
conflitos existentes neste âmbito, nomeadamente em casos onde a cisão entre ambos é de tal forma
grave que as repercussões nefastas no crescimento e educação de determinada criança/jovem serão,
inevitavelmente, irreversíveis”.13
“À mediação familiar deve ser reconhecido, por conseguinte, um papel crucial de resolução e,
quiçá, de prevenção dos crescentes casos de alienação parental, que, efetivamente identificados, se
suscitam e continuarão a suscitar nos nossos tribunais”.14
É do conflito tóxico que as crianças, filhos de progenitores separados, necessitam ser protegidas.
Os filhos menores são melhor protegidos quando ambos os progenitores estão envolvidos de
forma igualitária no cumprimento das responsabilidades parentais (Kruk, 2018).
Porque os fatores contextuais podem afetar de forma favorável ou desfavorável o exercício do
papel parental, as competências podem melhorar ou deteriorar-se com o tempo.
Assim, as competências parentais remetem para uma dimensão sincrónica, correspondendo aos
recursos comportamentais, cognitivos e emocionais que um prestador de cuidados parentais utiliza
num determinado momento para responder às necessidades da criança (p.e., prestação de cuidados
básicos, estabelecimento de regras e limites, estimulação adequada da criança, gestão do seu
comportamento, promoção da sua socialização).
Por isso, o mediador deve auxiliar as partes a desenvolverem o pensamento prospetivo, focado
no futuro, privando-se da prática utilizada nos atos que definem o seu exercício profissional de origem.
Por exemplo, ao psicólogo é vedada a interpretação e ao advogado, a defesa.
Não obstante o caráter imparcial e neutral, quando ao objeto da mediação subjaz a regulação do
exercício das responsabilidades parentais, o mediador deve ter profundo conhecimento das várias
dimensões dos modelos parentais e dos aspetos centrais da coparentalidade.
12
Idem, p. 126.
13
Ibidem, p.127.
14
Ibidem, p. 129.
12
Promoção da
comunicação
e troca de
informação
entre os
progenitores.
Enfoque na Pressuposto de
criança e no que a dupla
planeamento parental
das relações sobrevive à
familiares. dupla
conjugal.
Aspetos
Centrais
da
Coparentalidade
Contacto
Coparentalidade frequente de
e ambos os
coresponsabilização progenitores
dos progenitores. com os filhos
menores.
Exercício
conjunto das
responsabilidades
parentais.
13
Hoje, a comunidade científica destaca o contributo, tanto materno como paterno, para o
desenvolvimento adaptado da criança, salientando o impacto do seu efeito conjunto: i.e., crianças com
vínculos seguros, simultaneamente com a mãe e com o pai, parecem evidenciar maior adaptação
emocional e comportamental e redução substancial do conflito conjugal e/ou parental.
À luz do estado atual do conhecimento científico, o melhor interesse da criança passa pela
promoção da coparentalidade, enquanto meio dissuasor da prática da alienação parental, mas também
como possibilidade de efetivação dos direitos da criança e do adolescente.
A literatura científica tem-nos mostrado resultados positivos, em vários domínios, na relação
com a criança, quanto maior for o envolvimento parental.
Por exemplo, de acordo com J. H. Pleck (2010) o envolvimento parental inclui 3 componentes
primárias:
- Envolvimento positivo nas atividades e interação com a criança ao ponto de influenciar o seu
desenvolvimento;
- Afetos e responsividade; e
- Controlo, em particular monitorização e tomada de decisão.
Porque não há qualidade da coparentalidade sem envolvimento parental no tempo, também os
horários de trabalho dos progenitores separados podem constituir um fator importante para adequar a
exploração dos interesses dos progenitores ao superior interesse do(s) filhos menores (Pilarz, Cuesta
& Drazen, 2020). E isso pode ser explorado em contexto de mediação familiar.
O recente estudo de D. Wray (2020) conclui que o avanço civilizacional da licença parental pode
aumentar a responsabilidade dos progenitores pelos filhos, beneficiando o bem-estar da família e a
igualdade de género de maneira mais ampla.
Por isso, também a desconstrução de mitos é fundamental para que a adesão dos progenitores
separados à mediação familiar, possa centrar as partes mediadas no conceito que melhor dá resposta às
necessidades e interesses das crianças, que é o envolvimento parental mais igualitário.
Recorrendo a experiências e métodos de investigação em psicoterapia, C. J. A. Beck & B. D.
Sales (2001) revelam a prática e a investigação em mediação familiar, referindo os meandros,
inadequações e situações em que a mediação é mais eficaz.
Mais tarde, a investigação de A. Siddiqui & H. Ross (2004) indicou que a mediação pode ser uma
poderosa ferramenta para a capacitação dos pais na resolução produtiva de conflitos.
Numa parentalidade cooperativa, os pais procuram isolar os conflitos conjugais ou interpessoais
das suas funções parentais. Discutem planos para os filhos, procurando um apoio mútuo e esforço
14
comum na partilha de responsabilidades parentais, bem como a disponibilidade física e emocional para
satisfazerem as necessidades evidenciadas pelos filhos (Margolin et al.,2001).
4 - Método:
Para a revisão da literatura, foram selecionados livros e artigos publicados em revistas científicas
especializadas ou indexados de 1997 a 28 de abril de 2020 e que incluem fatores associados à
Mediação Familiar enquanto procedimento facilitador da Coparentalidade.
Oito bases de dados da literatura científica internacional foram consultadas, objetivando uma
revisão temática da literatura disponível: Academic Search Complete, Google Scholar, APA PsycNET,
Researchgate.net, Web of Science, PsycArticles, Current Contents e SCOPUS, destacando-se as
seguintes revistas científicas:
Journal of Conflict Resolution; Corporate Mediation Journal; Family & Law; Journal of
Marriage and Family; Journal of Family Psychology; Journal of Divorce & Remarriage; Journal of
Mediation and Applied Conflict Analysis; Psychology, Public Policy, and Law; Family Court Review;
Journal of Family Issues; Journal of Child Custody; Journal of Arbitration and Mediation; Family
and Conciliation Courts Review e International Journal of Conflict Engagement and Resolution.
5 - Conclusões:
Quando há filhos menores, a mediação familiar pode constituir uma excelente opção, para definir
o regime mais adequado ao exercício das responsabilidades parentais, não havendo um modelo
parental único.
A rutura conjugal não implica necessariamente a rutura parental.
A decisão de uma separação conjugal pode ser considerada a melhor opção para a família.
Porque cada família, divórcio e criança são um caso diferente, deve ser dada a oportunidade aos
progenitores, por via da Mediação Familiar, de poderem decidir acordar os termos da coparentalidade
na sua multidimensionalidade e complexidade.
15
É do mais elementar bom senso que os progenitores de uma criança, durante e após a separação
conjugal, comuniquem no sentido de manterem a todo o custo a relação parental, protegendo os filhos
da conflitualidade.
A evidência empírica robusta, de apoio à coparentalidade cooperativa após a separação conjugal,
pode ser testada em contexto de mediação familiar, enquanto procedimento que permite gerir o
conflito, quer conjugal, quer parental.
Perante a necessidade de significar a triangulação das crianças no conflito parental, o recurso à
judicialização da relação parental aquando do divórcio/separação, pode constituir um dos maiores
fatores de desajustamento para os filhos do casal em conflito. Por isso, o recurso à Mediação Familiar
é um recurso eficaz e eficiente que pode potenciar a capacitação para o acordo parental extrajudicial.
Porque o envolvimento parental na vida dos filhos no período pós-separação/divórcio é
fundamental, a mediação familiar surge como o espaço oportuno para os progenitores expressarem os
interesses, necessidades comuns e esclarecimento mútuo dos interesses envolvidos em conflito.
A forma como os progenitores se relacionam um com o outro após a separação é crucial para os
filhos, que necessitam que eles interajam de forma construtiva e responsável na sua educação, sem
interferência conflituosa, independentemente da forma como o tempo da parentalidade é dividido entre
ambos.
A rutura do casal não deve resultar numa perda de parentalidade… porque uma criança necessita
de pai e mãe para toda a vida.
A celeridade é um princípio da mediação familiar15, que atende ao superior interesse das crianças
e jovens, sendo os consensos alcançados no seguimento do processo de mediação, tendencialmente,
mais duradouros e que apresentam menor probabilidade de serem incumpridos.
Proteger as crianças do sofrimento psicológico inerente ao conflito parental perante a
possibilidade de os progenitores alcançarem um acordo sobre o regime que entendem ser o mais
adequado quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais, é uma inevitabilidade na
mediação familiar.
O acordo parental pode ser homologado por Conservador do Registo Civil com o necessário aval
de um Magistrado do Ministério Público, passando a ter força executiva16.
15
Art. 2º do Despacho nº 18778/2007, de 22 de agosto, que regula a atividade do sistema de mediação familiar.
16
Art. 9º da Lei 29/2013, de 19 de abril, que regula o princípio da executoriedade dos acordos de mediação. O termo de
acordo sobre a matéria de regulação do exercício das responsabilidades parentais, tem sempre que ter a homologação
judicial.
Em Portugal, a mediação está regulada pela Lei n.º 29/2013, de 19 de abril (Lei da Mediação), que estabelece os princípios
gerais aplicáveis à mediação realizada em Portugal, independentemente da entidade que realiza a mediação (pública ou
privada) ou da matéria em causa.
16
O mediador de conflitos familiares é um profissional especializado, com formação própria e
devidamente credenciado para o exercício da função17, que não avalia as competências parentais e
respeita os objetivos a serem atingidos e os princípios subjacentes 18. Para além de estar habilitado a
informar os progenitores intervenientes se as pretensões sobre as cláusulas de eventual acordo a
subscrever sobre o exercício da guarda do(s) filho(s) estão em conformidade com a lei, constitui
sempre uma mais valia o mediador familiar dominar técnicas que lhe permitam melhor auxiliar os
intervenientes a encontrarem as suas próprias soluções para o conflito parental, explorando as
necessidades com foco no superior interesse do(s) filho(s) menores.
A formação, de base e contínua acreditada, do mediador familiar, deve constituir uma garantia de
qualidade e competência na sua intervenção de facilitador da mudança e transição pós-separação,
auxiliando os progenitores intervenientes a capacitarem-se para alcançar o fortalecimento dos vínculos
da parentalidade positiva e resolução de futuras situações de crise.
É, por isso, sempre oportuno salientar a utilidade da Mediação Familiar 19 enquanto procedimento
facilitador da Coparentalidade.
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future prospects. American Psychological Association, 181-204, Washington, DC.
doi: 10.1037/10401-000.
17
Capítulo IV da Lei 29/2013, de 19 de abril.
18
Capítulo II da Lei 29/2013, de 19 de abril. Princípios da mediação: Voluntariedade; confidencialidade; igualdade e
imparcialidade; independência e responsabilidade.
19
Guia Informativo sobre Mediação Familiar, de iniciativa da Federação Nacional de Mediação de Conflitos, que contou
para o efeito com a colaboração e apoio da Direção-Geral da Política de Justiça (DGPJ), em
https://dgpj.justica.gov.pt/Portals/31/GRAL_Media%E7%E3o/GUIA%20INFORMATIVO%20FMC.pdf
17
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"narrador de histórias". In Nuevas direcciones en mediación: investigación y perspectivas
comunicacionales, pp. 83-104. Coord.:Tricia S. Jones & Joseph P. Folger. Paidós.
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18
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Legislação Consultada:
20
Mediador no Sistema privado e público (D.G.P.J.) de Mediação Familiar. E-mail: albertoneves42@gmail.com
19
A MEDIAÇÃO ENQUANTO RAMO DO CONHECIMENTO E DISCIPLINA
CIENTÍFICA
Autoras:
Pilar Munuera
Mediadora e Professora Titular de Universidade
Universidade Complutense de Madrid, Espanha
pmunuera@ucm.es
RESUMO
1
INTRODUÇÃO
2
mesma autora explica que “não se pode formar em Mediação, sem esclarecer o
propósito dessa formação, ou seja a Mediação. Apenas a Mediação pode fundar a
identidade profissional do Mediador e sustentar a profissão” (idem, p. 117).
Helena Nadal, enuncia as limitações da Mediação ao ser considerada apenas como um
método de resolução de conflitos com várias ferramentas e estratégias. Nadal afirma que
“en los enfoques teóricos se encuentra el verdadero sentido de la mediación. El
hecho de ser ésta una disciplina que se transmite sobre parámetros prácticos no
quiere decir que éstos constituyen su esencia, sino que más bien, la continua
referencia a su aplicación encubre magnitud de sus cimientos teóricos, de la
tradición que arrastra tras de sí y de la incansable investigación que se desarrolla
dentro de ella. La evolución y el perfeccionamiento de la mediación dependen de
este corazón teórico que es el enfoque” (Nadal, 2016, pp. 95-96).
Esta reflexão tem vindo a ser ampliada durante os últimos anos, assumindo a
importância e necessidade de assegurar formação adequada, de qualidade e reconhecida
pelas agências competentes, nacionais e internacionais, para garantir a identidade e o
reconhecimento profissional dos Mediadores (Faget, 2010; Costa, 2014; Silva, 2015;
Bonaffé-Schmitt, 2017). A par deste debate em diferentes fóruns, ao longo da última
década foram criados cursos de pós-graduação, mestrados e doutoramentos em
Mediação em múltiplas universidades da Europa e de outros continentes dando
consistência à consolidação do conhecimento em Mediação e à sua afirmação como
ramo de conhecimento.
3
Neste sentido, a formação é um fator essencial para a qualidade, profissionalização e
identidade dos Mediadores. Tal como observa Faget (2010, p. 211), “a construção de
uma identidade profissional supõe um certo número de pré-requisitos: a existência de
uma formação inicial e contínua especializada, que seja exigente e de qualidade…”,
requisito que também Guillaume-Hofnung (2012, p.116) sublinha sem reservas ao
afirmar: “a formação dos Mediadores deve ser uma formação. É necessária muita
lucidez e determinação para resistir à tentação de obter diplomas ou certificados de uma
formação de apenas vinte a quarenta horas”.
Importa, todavia, clarificar alguns aspetos que se consideram fundamentais sobre o tema
da formação em Mediação e dos Mediadores. Ao referirmo-nos à formação em
Mediação salvaguardamos a sua especificidade e distinção em relação a outros modos
de resolução de conflitos, habitualmente identificados como MARC (Métodos
Alternativos de Resolução de Conflitos), que incluem a arbitragem, a negociação, a
conciliação e a Mediação. Existem curso que incorporam uma disciplina ou módulo em
MARC (o que é cada vez mais frequente nos cursos de direito, de criminologia e
outros). Considerando a relevância deste conhecimento e formação para profissionais de
diferentes áreas (jurídica, educativa, gestão…), importa distingui-la de uma formação
em Mediação que habilite para o exercício profissional enquanto Mediador1.
A Mediação está classicamente associada a um modo extrajudicial, alternativo de
resolução de conflitos, que tem vindo a assumir progressivamente outra abrangência,
nomeadamente a gestão positiva, pacífica e participativa da conflitualidade com vista a
preveni-la, regulá-la e transformá-la. Assume, assim, para além de uma dimensão
instrumental, um caráter expressivo declarado na facilitação da comunicação, da
participação, da interação e aproximação das pessoas, grupos e instituições.
Armadans, López e Viola (2016) assinalam a necessidade de um referente para a
avaliação da formação em Mediação. Para tal, as autoras reconhecem e apontam o
contributo inegável do Programa de Avaliação e Certificação do International Mediation
Institute (IMI), o qual destaca os seguintes aspetos para avaliar a qualidade de um
1
A este propósito, Guillaume-Hofnung (2012, p. 117) salienta num artigo algumas observações, das quais
partilhamos: “…une formation aux Marc n’est pas une formation à la médiation. D’abord parce ces
formations banalisent la médiation et ne tiennent pas compte de sa spécificité. Une définition qui ne
mettrait pas l’accent sur la neutralité du médiateur, c’est-à-dire son absence de pouvoir décisionnel ou
consultatif sur le fond, pencherait vers l’expertise, l’arbitrage, la négociation, le conseil ou l’assistanat
social. Les médiateurs se voient proposer des formations totalement orientées vers la fonction de
désengorgement des tribunaux, de sécurité ou d’accompagnement qui les attend. La formation n’est pas
une formation à une branche du travail social, de la thérapie, du droit ou encore de la négociation. La
médiation est un processus autonome et les formations qui mêlent dans leur intitulé la médiation à une
quelconque technique (négociation, arbitrage, expertise) doivent susciter les plus grandes réserves”.
4
programa formativo: 1) a experiência da pessoa Mediadora; 2) os conhecimentos
teóricos em Mediação; 3) as habilitações da pessoa Mediadora; 4) a transparência do
programa; 5) a integridade do programa; 6) o acompanhamento dos programas em
curso; 7) o compromisso com a diversidade.
Santiago Madrid (2017) chama igualmente a atenção sobre a importância da formação e
da sua qualidade, observando que: «qualquer pessoa», com um curso online e sem
qualquer aproximação à prática pode exercer como Mediador, acabando por repercutir
na identidade da profissão. Insiste também que a Mediação é mais do que uma
ferramenta, ou um conjunto de técnicas para resolver problemas. Reduzi-la a isso resulta
em baixa exigência no trabalho realizado e na insatisfação dos que recorrem à
Mediação. Tal como Nadal (2016), Madrid (2017) atribui à Mediação um conjunto
elaborado de conhecimentos, reivindicando o estatuto de disciplina, assumindo uma
base epistemológica e um constructo teórico que deve ter em conta a natureza e fins
específicos da Mediação, oriente a prática profissional e seja enriquecido
progressivamente por ela.
A Mediação inclui um saber com raízes sociológicas e antropológicas ancestrais,
reinvestido, alargado e enquadrado no pensamento contemporâneo (Silva et al., 2010).
A especificidade da Mediação radica no agir, no desenvolvimento de uma praxis, que,
para além de uma importante componente téorica-epistemológica e técnica, contempla
uma forte componente ética e reflexiva.
5
formação em Mediação: no primeiro caso, integrando como conteúdo importante e
complementar de outras formações no que toca ao desenvolvimento de competências
transversais; no segundo caso, diz respeito à formação de Mediadores, assumindo que o
exercício da prática da Mediação exige uma formação sustentada, teórica,
epistemológica, ética, metodológica e prática.
Este processo tem sido respaldado por investigações e debates levados a cabo por redes
de especialistas e associações nacionais e internacionais. A título de exemplo, referimos
apenas trabalhos desenvolvidos mais recentemente. No âmbito de um projeto europeu
Erasmus+ (CreE.A: Création d’un Espace Européen de la Médiation Sociale, ref.:
580448-EPP-1-2016-1-FR-EPPKA3-IPI-SOC-IN, 2016-2019), foi implementado um
modelo de formação de Mediadores através da mobilidade europeia e identificada a
necessidade de uma formação graduada de nível de Licenciatura, essencial à formação
de um perfil identitário dos Mediadores. Estas conclusões têm vindo a ser debatidas em
fóruns vários. Em Portugal, a Comissão Portuguesa de Mediação Arlekin, criada em
2018 e constituida por Mediadores, associações de Mediadores, investigadores e
professores de várias universidades portuguesas, tem fundamentado e apresentado
recomendações no sentido da necessidade da consolidação e profissionalização dos
Mediadores. Esta Comissão, numa recomendação aprensentada à Assembleia da
República (2018, não publicada) para regulamentação do perfil dos Mediadores,
explicita que “o nível de Licenciatura é o nível básico, generalista e interdisciplinar
fundamental para a obtenção do reconhecimento profissional e habilitação a exercer a
profissão de Mediador, que poderá ser aprofundada e especializada num ou vários
domínios específicos em formação pós-graduada, nomeadamente de nível de mestrado”
(p. 2).
A Conferencia Universitaria para el Estudio de la Mediación y el Conflicto
(CUEMYC), uma Associação formada em 2012 por diretores e responsáveis de pós-
graduações e ou de grupos de investigação de mais de 50 universidades de Espanha e de
outros países, acaba de publicar um livro coletivo, organizado por Álamo e Villaluenga,
(2020) resultante de uma reflexão sistemática e aprofundada sobre “Las competencias
para la formación de la persona Mediadora”. Conforme se refere neste livro, a Mediação
não é uma disciplina fechada, em que as metodologías, procedimentos e técnicas
estejam estabelecidas e constatadas; na realidade estamos no início de uma disciplina
complexa (Álamo & Villaluenga, 2020, p. 31).
6
O processo que proporciona a implementação da Licenciatura em Mediação nas
universidades passa, necesariamente, pela criação de um ramo de conhecimento, o qual
supõe a configuração da disciplina de Mediação na academia e, portanto, na
universidade. Este tem sido o caminho que vem sendo expandido e consolidado,
admitindo que a Mediação não se reduz a uma única disciplina, pois supõe
conhecimentos, metodologias e técnicas multidisciplinares e complexas, associadas a
um ramo do conhecimento da área científica das Ciências Sociais (Comissão Portuguesa
de Mediação Arlekin, 2018).
A construção deste ramo do conhecimento sustentará a Licenciatura em Mediação e
facilitará uma perspetiva comum acerca dos conteúdos desta área de formação, ou seja,
da aprendizagem das competências fundamentais dos Mediadores profissionais (Álamo
& Villaluenga, 2020, p. 14). No mesmo sentido, é fundamental para a consolidação da
formação por competências que o Espaço Europeu de Educação Superior (EEES)
implementou recentemente na Europa, na maioria dos planos de estudos. Estas
condições permitirão, igualmente, situar todos os investigadores e académicos que
investigam e formam em Mediação em igualdade de condicões com os especialistas de
outras disciplinas e ramos do conhecimento.
LICENCIATURA EM MEDIAÇÃO
7
Esta formação inicial, de nível de Licenciatura em Mediação, deverá contemplar e
coordenar esforços nas várias universidades, com faculdades interessadas nesta
formação e com especialistas na área. Estas são condições fundamentais para conceber e
organizar um plano de estudos consistente “que privilegia unidades curriculares
específicas de Mediação, complementadas por outras das ciências sociais e humanas.
(…) uma formação estruturante sobre os fundamentos teóricos da Mediação, dos
direitos humanos, dos estudos para a paz, da justiça, da cidadania e da responsabilidade
social, assim como da inovação e do empoderamento pessoal e social. (…) apoiada num
rigoroso quadro teórico-metodológico, técnico-operativo e ético inerente à profissão”
(Comissão Portuguesa de Mediação Arlekin, 2018, p. 2).
A Licenciatura em Mediação aglutinará os conteúdos necessários para desenvolver o
ramo científico de Mediação que se nutre da área científica das Ciências Sociais,
nomeadamente a Psicologia, a Sociologia, o Direito, a Antropología Cultural, as
Ciências da Educação, as Ciências da Comunicação, a Conflitologia, para além da
Mediação nas suas componentes teórico-metodológicas e práticas (Romero, 2011;
Comissão Portuguesa de Mediação Arlekin, 2018).
O nível de Licenciatura é compatível com a continuidade de cursos especializados ao
nível da pós-graduação em Mediação (especialização, mestrado e doutoramento). O
nível pós-graduado, como o mestrado, corresponde à necessidade de especialização e
aprofundamento da formação inicial, de natureza mais generalista e polivalente, para os
diferentes contextos/âmbitos de atuação, devendo manter a natureza interdisciplinar. O
Mestrado em Mediação oferece a possibilidade de aprofundar o conhecimento e o
desenvolvimento de competências de pesquisa bibliográfica e empírica, numa ou mais
áreas específicas de Mediação e o acesso a Doutoramento, como é o caso do
Doutoramento em Mediação desenvolvido pela Universidade de Murcia, em Espanha.
CONCLUSÕES
8
A Mediação, como técnica, metodologia e profissão, deve diferenciar-se de experiências
ou práticas naturais de resolução de conflitos nas sociedades precedentes.
A saturação dos tribunais, o aumento dos conflitos, a afirmação da Mediação a nível
internacional, favoreceu a sua implantação, consolidando-a também através do marco
legislativo. A Mediação tem-se ampliado, os seus campos de atuação são mais
diversificados, o que torna necessária uma formação especializada de qualidade e uma
formação universitária de Licenciatura que prepare profissionais competentes, capazes
de prevenir, gerir e resolver cooperativamente os conflitos com os saberes necessários,
de forma eficaz, e com garantias para os usuários.
Em resumo, o alicerçamento da Mediação como disciplina científica deve fundamentar-
se nos aspetos estruturais e fundamentais, que são menos mutáveis no tempo do seu
desenvolvimento teórico-prático. Isso permite que a profissão guarde a sua identidade e,
ao mesmo tempo, a sua alteridade relativamente a outras profissões. Como assinalam
Álamo e Villaluenga (2020, p. 16), a formação de origem garante em absoluto os
conhecimentos e a sua devida aplicação na prática da Mediação.
Uma disciplina é a conjunção de saberes necessários e úteis no exercício profissional;
saberes específicos e não específicos mas complementares; saberes que surgem de
outras disciplinas, de natureza teórica-epistemológica, filosófica, ética, metodológica e
empírica. A Mediação deve desenvolver-se como ramo do conhecimento, disciplina
científica e profissão para bem da sociedade e de todos os profissionais, formadores e
investigadores que a põem em prática e lhe dão consistência científica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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formación en mediación en el ámbito universitario. Comunicación presentada en
el I Congreso Internacional para el Estudio de la Mediación y el Conflicto.
CUEMYC. Almagro, Cuidad Real.
9
Comissão Portuguesa de Mediação Arlekin (2018). Proposta de regulamentação do
perfil de Mediador/a e da sua formação. Recomendação apresentada ao
Parlamento Português. (n/p).
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tentação de exercer o poder e o poder do Mediador segundo a sua profissão de
origem. In D. F. Schnitman & S. Littlejohn (orgs), Novos Paradigmas em
Mediação (pp. 185-206). Porto Alegre: Artmed Editora.
Madrid, S. (2017). La fama cuesta. Revista de Mediación, Vol. 10. (1), pp. 1-3.
10
Silva, A. M. C., Caetano, A. P., Freire, I., Moreira, M. A., Freire, T. & Ferreira, A.
(2010). Novos actores no trabalho em educação: os Mediadores socioeducativos.
Revista Portuguesa de Educação, Vol. 23, nº 2, 119-151.
11
“A solução está na mediação? A paz como núcleo central das funções e competências do
mediador escolar”
Pedro Cunha
Prof. Convidado
Universidade do Porto
Resumo
O presente artigo versa sobre alguns aspetos relativos à importância da implementação da mediação
no contexto escolar. Para tal, após procurarmos fazer um breve e conciso “ponto de situação” sobre
o que nos diz a ciência quanto ao conflito, à gestão do mesmo e à paz, começamos por descrever
sumariamente o processo de mediação escolar para nos focamos, de seguida, na conexão entre
mediação escolar e paradigma da paz, sendo este a base central da atuação do mediador atual e
pressuposto da educação para a paz e para a gestão de conflitos.
Fernando Pessoa
Muito se tem falado e escrito já, a nível científico, sobre as vantagens e desvantagens do conflito na
nossa existência, tanto ao nível do nosso desenvolvimento pessoal como no que respeita ao próprio
desenvolvimento social. Também parece cientificamente bem assente que uma perspetiva
construtiva, positiva e plural sobre o entendimento do que os conflitos representam na nossa vida
pode significar um excelente meio para construir a paz individual e social.
Por outro lado, são várias as vias, metodologias e procedimentos que um pouco por todo o mundo
se têm vindo a desenvolver e a divulgar para atingir o objetivo da pacificação após uma situação
conflitual que permita, sobretudo, reter os aspetos positivos da mesma e alavancar,
simultaneamente, o desenvolvimento das pessoas e das suas relações.
Assim, mediante inúmeros meios de formação e educação, transversais a diferentes faixas etárias,
contextos de vida e objetivos, os seres humanos têm vindo a familiarizar-se, no contexto das
modernas democracias, com a ideia de que a maior parte dos conflitos são essencialmente perceção
(invariavelmente enviesada) sobre si, o outro, os assuntos ou a situação (tensional e geradora de
ansiedade) em que os indivíduos se encontram envolvidos e que os mesmos podem, na maioria das
vezes, ser eficazmente resolvidos.
Neste contexto de uma cada vez maior valorização da inteligência emocional, todos temos vindo
assim a aprender que os conflitos podem assim ser geridos (versem eles sobre interesses, afetos ou
valores ou sobre todos em simultâneo) e que a estratégia da assertividade é algo que se pode
aprender e, afortunadamente, reproduzir incontáveis vezes, conduzindo a resultados mais positivos
do que aqueles que as lógicas da separação e da divisão provocam, nomeadamente a rutura dos
relacionamentos e a dor e sofrimento a eles aliados e que pouco ou nada ajudam os indivíduos.
Como seria de esperar, enquanto meio primário de socialização e contexto propiciador de tensões e
conflitos, a escola não tem (felizmente) escapado a este imenso avanço científico no conhecimento
e intervenção prática no conflito humano. Portanto, não é de estranhar que sejam cada vez mais os
interessados na construção de uma cultura de paz e de salutar convivência escolar, atendendo aos
péssimos resultados que a permanência em conflito traz para a existência cotidiana dos
protagonistas da escola. Desde logo, destaque para um desses resultados: o conflito passa a ser ele
mesmo o protagonista, respondendo os conflituantes apenas ao seu caráter autorreprodutor e
disfuncional, com a consequente diminuição do seu bem-estar psicológico, físico e social.
Desenvolver uma educação para a convivência passa por contemplar ainda outra das evoluções que
a ciência nos tem dado neste campo: as estratégias de evitação e de competição que aprendemos
invulgarmente a repetir como primeira resposta a um conflito não são tão eficazes para o resolver
ou gerir, só funcionando em determinadas e bem identificadas situações de exceção.
A estratégia de gestão de conflito que melhor permite a conciliação de interesses, afetos e/ou
valores é, salvo honrosas exceções, a da solução de problemas, por ter precisamente o foco na
solução (e não no problema) e na negociação (e não na imposição de um e na submissão de outro).
Através da prática da solução de problemas verifica-se que as pessoas têm vindo a descobrir que as
diferenças (porque as enriquecem e complementam) afinal podem ajudá-las mais que as
semelhanças (quantas vezes alicerçadas em falsos consensos que em nada ajudam ao
desenvolvimento da paz interior de cada um e das comunidades como um todo).
Em suma, os conflitos têm vindo a ser cada vez mais perspetivados como aquilo que realmente são:
uma realidade indissociável dos seres humanos, que contém benefícios e desvantagens, pode ser
gerida na maioria das situações e para isso é necessário que as pessoas detenham competências de
assertividade que as foquem na solução de problemas (sendo estes a génese dos conflitos).
Para este “fim da demonização” do conflito, muito tem contribuído a mediação, essa forma de
negociação assistida por um terceiro, com a sua cultura e tempo próprios e notavelmente pelos
excelentes resultados que proporciona, designadamente em valorizar o que é positivo na relação,
centrar os envolvidos na solução e no presente e ajudando-os a ressignificar a situação conflitual
que lhe deu origem. Na escola, como nos ensinou Paulo Freire (2011), a educação muda pessoas e
estas transformam o mundo. Ora, isso só é possível quando somos os protagonistas da nossa própria
vida.
É aqui que, na minha opinião, a Medição é profundamente capaz de nos ajudar a construir o nosso
presente e a imaginar o nosso futuro numa peça em que somos o/a ator/atriz principal, e não meros
agentes reativos de um conflito que, muitas vezes, não é sequer o nosso. Numa palavra: permite a
pacificação pessoal e interpessoal.
É com base nestes princípios que nos iremos de seguida debruçar mais aprofundadamente sobre a
aplicação da mediação no contexto escolar.
Lembremo-nos que os Estados Unidos viveram, nos anos 60 e 70, tempos de grande
conflitualidade, o que teve como consequência o surgimento do chamado paradigma da paz. Assim,
é importante assinalar aqui que a génese da mediação esteve desde sempre ligada quer aos
movimentos pacifistas quer ao estudo científico dos conflitos, que começou entretanto a surgir
também como resposta à inquietação social incitada pelas circunstâncias históricas que se viviam
naquela época (Ibarrola- García & Iriarte, 2012).
Assim sendo, a mediação escolar constitui uma oportunidade que ultrapassa a aprendizagem de
novas formas de relação e comunicação e que realça a importância de uma convivência salutar
assente no diálogo e no respeito pelos direitos humanos. Insere-se legitimamente numa cultura de
paz, razão pela qual nos dedicamos de seguida à especificidade da cultura da mediação enquanto
cultura propiciadora da construção de paz entre aqueles que, muitas vezes, se vêem primeiro como
conflituantes e depois como construtores da sua tranquilidade e da dos outros.
Dito de um modo muito claro, a mediação consiste num procedimento não-adversarial que tem por
propósito encontrar condições que sustentem uma confrontação construtiva do conflito cujo
resultado seja um crescimento ou transformação individual ou coletiva. Nesse sentido, a mediação
concorre diretamente para a construção da paz entre litigantes (Cunha & Monteiro, 2018).
Como temos constatado, a mediação escolar está intrinsecamente ligada ao paradigma da paz, e
para se entender como ela surgiu, assim como se criou a educação para a paz e a educação para a
gestão de conflitos, teremos que remeter para os fundamentos do mesmo (Ibarrola-García & Iriarte,
2012). Integrada nesses princípios da cultura de paz, a edificação de uma cultura de mediação na
escola acarreta a formação para a cidadania, a educação para a paz, a prevenção da violência e a
construção de um clima tranquilo que promova uma boa convivência escolar (Cunha & Monteiro,
2017). De acordo com Munné & Mac-Gragh (2006), esses princípios são os seguintes:
1 - Humildade de admitir que se precisa de ajuda externa - o recurso à mediação (e à utilização das
suas potencialidades) pressupõe que as partes percebem que sozinhas não conseguem resolver o
conflito. Solicitar ajuda é um ato de humildade e de sabedoria. A cultura da mediação pressupõe
esta humildade que conduz ao conhecimento e aceitações das limitações de cada indivíduo,
oferecendo um espaço único de realce do que é mais humano no ser humano;
6 - Capacidade para aprender nos momentos críticos - a aprendizagem nos momentos de crise é
muito potente para promover a alteração de emoções, pensamentos e comportamentos;
8 - Compreensão do sofrimento que o conflito pode produzir – é capital que compreender bem os
custos inseparáveis de se optar por uma lógica conflitual na relação com o outro;
9 - Crença nas próprias possibilidades e nas da outra parte - na mediação é colocada a confiança nos
protagonistas do conflito retirando o poder aos interesses em diferendo (Boqué, 2008). A mediação
constitui um procedimento pacífico, tendo em consideração que a decisão vem da escolha das partes
que vivem o conflito, as quais encontram uma solução, mediante o diálogo e de forma colaborativa,
com o auxílio do mediador. As pessoas que vivenciam a controvérsia são responsáveis pela sua
gestão e solução. O poder de decisão é das partes e não do mediador. A voluntariedade é, assim, um
requisito essencial;
Considerando os princípios que se encontram na base de uma cultura de paz, podemos frisar que a
mediação escolar se assume como um processo que procura ir para além da mera resolução do
conflito, apontando cada vez mais para a gestão positiva do mesmo. Defendemos, portanto, a
mediação como um processo que restaura e fortifica a comunicação entre as pessoas e é evidente o
seu importante papel preventivo dos riscos e efeitos menos positivos que os conflitos não resolvidos
naturalmente comportam no contexto escolar (Boticas & Cunha, 2019; Cunha & Monteiro (2014,
2016, 2018).
Em termos práticos, a mediação escolar consiste numa intervenção neutral de um terceiro com o
propósito de ajudar as partes na resolução do seu conflito num ambiente seguro, sendo-lhes
facultadas normas de atuação que permitem criar um ambiente de partilha de informação e de
desenvolvimento de esforços para a gestão do conflito.
No caso do mediador escolar, este pode ser uma pessoa da escola ou um elemento externo. Em
qualquer das situações, trata-se sempre de uma pessoa respeitada pelas partes, com formação
adequada e competências necessárias para o exercício da mediação.
O mediador escolar (tal como em outros contextos) tem como objetivo principal a alteração de um
paradigma cultural contrário ao vigente no que diz respeito ao modo como os envolvidos lidam com
o conflito (eg, considerar, quase automaticamente, que a opinião diferente do outro é
necessariamente oposta à nossa) e à consequente criação de hábitos de gestão de conflitos (eg, as
diferenças, enquanto tal, são consideradas um direito e não uma ameaça) (Cunha e Monteiro, 2018).
As consequências desta mudança de cultura passam pela prevenção da violência, fortalecimento dos
valores democráticos, esforço na manutenção de uma cultura de paz, construção de um clima
pacífico entre os diferentes atores sociais envolvidos na escola, desenvolvimento do pensamento
crítico, da empatia e da aceitação do outro, entre outras.
É preciso ter sempre em conta o caráter situacional inerente à eficácia de um processo de mediação,
mas a literatura tem revelado a pertinência da posse de determinadas competências transversais para
a atividade socioprofissional do mediador (Cunha & Leitão, 2016; Lopes, 2015; Millán & Gómez,
2011; Torrego, 2000). As competências que seguidamente exploramos inscrevem-se numa
abordagem que procurou sistematizar o “estado da arte” sobre o assunto (Cunha & Monteiro, 2018).
São elas:
Diversos trabalhos têm demonstrado que a escuta ativa proporciona o alcance de diversos
benefícios conducentes a uma mediação eficaz nomeadamente na esfera escolar (Diego et al., 2006;
Torrego, 2000): os mediados compreendem o que foi ouvido e tido em consideração; cada parte
sente-se valorizada e pode perceber melhor o oponente; possibilita que os mediados explorem e
clarifiquem as suas emoções sobre um dado tema e percebam as suas próprias reações; coloca o
interlocutor completamente à vontade, sem receios de ser julgado, criticado ou mal-entendido; cria
um clima positivo; apoia o entendimento das partes e a participação; aumenta a fidelidade da
comunicação; ajuda as pessoas a tornarem-se mais racionais; e pode ainda facilitar a diminuição das
tensões existentes através da expressão de sentimentos;
2. Estruturação das atividades - compete ao mediador realizar intervenções para garantir a ordem e a
direção do processo de mediação e das suas fases, assim como manter os mediados focados nos
assuntos principais do conflito;
3. Empatia - é criada quando o mediador demonstra que a sua atenção se centra na situação, o que
envolve olhar a pessoa que fala e comunicar corporal e gestualmente que compreende o que é
expresso. A empatia abrange sentir o que o outro sente (componente afetiva) e compreender a
experiência do outro (componente cognitiva). O mediador deve promover expressões que
demonstrem que cada parte em conflito compreende a visão do mesmo, sentimentos, interesses e
posições da outra parte, levando a que cada envolvido consiga percecionar a outra perspetiva de
sentir, pensar e agir nos problemas através desse exercício;
O resumo pode também servir para reformular declarações agressivas, auxiliando os mediados a
ouvirem e tomarem consciência do que efetivamente comunicam, constituindo um meio de trazer
ordem à discussão;
10. Criatividade – inclui inventariar alternativas, criar novas soluções, reenquadrar temas, centrar-se
nas soluções (e não nos conflitos ou nos problemas em que estes se baseiam), ultrapassar pontos
mortos na negociação entre as partes, centrar-se na relação futura das partes, entre outros
procedimentos;
11. Equilibrar o poder - em situações onde o desequilíbrio de poder entre as partes é notório e/ou
percebido como inultrapassável, o mediador deve determinar a viabilidade da mediação. Se a
mediação for considerada viável, deve garantir que a parte "fraca" se sente segura e capaz de
expressar e manifestar as suas opiniões, desejos, interesses, etc, de forma que no processo o poder
seja o mais equilibrado possível;
12. Gerir impasses - quando o processo de mediação se encontra numa estagnação devido a
bloqueios ou posturas inflexíveis, o mediador pode encontrar saídas para a situação mudando de
tema, convidando à participação de terceiros ou especialistas, mudando de espaço físico, usando o
humor, entre outras possibilidades. O mediador deve ouvir as partes em conjunto e em privado,
colocando questões e estimulando o diálogo sobre interesses comuns no sentido de flexibilizar as
posições que causaram a estagnação (Griggs et al., 2005);
13. Escuta e queixa em mediação - uma queixa deve sempre ser escutada em mediação, pois ao
ouvir o mediador demostra apreço e respeito pela parte que a apresenta. O mediador deve ajudar os
mediados a refletirem sobre os sentimentos e os interesses subentendidos na queixa, pois uma
queixa nem sempre expressa aquilo que manifesta (Diego et. al., 2006). Uma queixa pode obstruir o
processo de mediação, devendo ser analisada como um sintoma, um ponto de partida para encetar a
mudança das partes quanto às suas abordagens aos problemas. Transformar a queixa em pedido é o
primeiro passo para comprometer os mediados na definição do conflito e na respetiva solução;
14. Gerir a ira e as emoções fortes - em situações muito tensionais (eg., ira, angústia ou indignação)
é difícil ao mediador construir um diálogo produtivo (Griggs et al., 2005), pois podem existir
mesmo acusações ou insultos. O mediador deve agir de forma preventiva através do uso da
paráfrase (eliminando comentários desagradáveis ou negativos) de modo a preservar o controlo
sobre o processo e atenuar a tensão (Griggs et al., 2005). A paráfrase positiva revela-se vantajosa
quer para o mediador (permite-lhe gerir a ira entre as partes e o processo de mediação), quer para as
partes (o uso desta técnica possibilita frequentemente uma melhor comunicação entre litigantes e
evita uma escalada de violência e agressividade);
A adoção de uma postura assertiva é igualmente de grande utilidade nestas ocasiões (com
assertividade o mediador pode relembrar aos conflituantes que se comprometeram a respeitar a
outra parte e que devem suspender os ataques verbais, especialmente se estes constituem uma
manifesta perda de controlo);
15. Projetando para o futuro - o mediador coloca as partes em cenários hipotéticos para testar
possíveis reações para à concretização das alternativas que estão a ser debatidas;
16. Velar pela eficácia dos resultados do processo - o mediador deve ter como prioridade garantir a
qualidade do acordo, tanto no que se refere às possíveis consequências para as partes, como no que
se refere às potenciais consequências sobre terceiros. Neste sentido, em mediação escolar é comum
o acordo contemplar, de forma direta e concreta, a forma de o concretizar (Torrego, 2000).
É essencial que o mediador mantenha o objetivo de conservar e/ou melhorar as relações entre as
partes, dotando-as de recursos para que sejam capazes de resolver disputas futuras (Alcover de la
Hera, 2006; Griggs et al., 2005).
A satisfação das partes com o processo de mediação e a confiança nesse processo constitui também
um importante critério de eficácia (mesmo que não seja obtido um acordo, devem ser criadas
condições durante o processo para que as partes apreciem a mediação como uma das formas de
resolução dos seus conflitos futuros) (Griggs et al., 2005).
No campo escolar – que é o que por ora nos interessa - as competências que analisamos permitem
transformar o conflito (reputado classicamente como uma intimidação) numa oportunidade (de
desenvolvimento pessoal e social e mesmo, se gerido de forma ajustada, de solidificação das
relações que se estabelecem no meio escolar). Tal é o grande objetivo da mediação escolar.
Na nossa perspetiva, os objetivos do mediador escolar são melhorar a qualidade de vida de todos os
atores sociais da escola, aumentar o grau de satisfação de todos com o objetivo de melhorar os seus
desempenhos, diminuir o risco de litígios e a violência dentro da escola e reduzir a discriminação,
promovendo a diversidade.
Nesse âmbito, as funções do mediador escolar são as seguintes: avaliar com as diferentes equipas as
dificuldades da escola (assim como deve ter em conta os seus sucessos); garantir a participação
ativa de todas as partes; decidir sempre com as diversas equipes da escola quais os passos seguintes
a implementar; redesenhar os sistemas de comunicação; mudar a cultura (quase sempre mais
competitiva) da escola para uma maior cooperação, promover a integração e a participação de todos
os que direta e indiretamente se relacionam com a escola, demonstrando sempre que “somar é mais
importante que dividir”; e, por fim, capacitar as pessoas para conviverem com essa nova cultura de
mediação no seu dia-a-dia (Cunha e Monteiro, 2018).
Como afirma Muszkat (2005), pensamos que o mediador poderá atuar nas escolas como um
“arquiteto de sistemas”, ou seja, como alguém que entra na escola com fins preventivos
(reorganizando as relações interpessoais consegue-se evitar conflitos) e com o objetivo de gerir os
conflitos que estejam a prejudicar o ambiente escolar. A sua função é idealizar um plano de
intervenção que prepare os diferentes atores sociais para gerirem os seus conflitos pessoais e
interpessoais e capacitar lideranças (de docentes, alunos, funcionários, etc.) para a resolução
pacífica desses conflitos, tornando-os mediadores dos seus colegas.
A realidade atual do nosso país demonstra que são ainda escassas as experiências e projetos de
intervenção construtiva nos conflitos escolares, nomeadamente de mediação escolar, os quais
podem acontecer entre os distintos protagonistas envolvidos nesse contexto (alunos, docentes,
colaboradores, órgãos de gestão, pais). Nesse sentido, não é demais ressaltar, uma vez mais, que a
mediação escolar é uma prática educativa recente em Portugal.
Enquanto organização assente numa profunda rede de relações de interdependência afetiva, social e
profissional, a escola não é naturalmente imune a conflitos (interpessoais, intergrupais, etc).
Consideramos que isso pode constituir um bom desafio para investigadores, docentes e outros
profissionais do contexto escolar, designadamente no sentido de estabelecer bases sólidas para
disseminar e promover informação e conhecimentos quanto à cultura de paz em tão relevante
organização social (Cunha, Lourenço, Paiva, & Monteiro, 2016).
É fundamental que todos os que participam na escola tenham a possibilidade de conhecer, aprender
e praticar a comunicação não-violenta e assertividade. Os conflitos, a violência e a indisciplina
assim nos convocam (Cunha & Monteiro, 2014, 2016).
Referências Bibliográficas
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sua gestão. In J. C. Alchieri, C. W. A. G. Bezerra & C. H. L. Alves (Orgs.). Cadernos de Psicologia
Jurídica da Associação Brasileira de Psicologia Jurídica, Volume II – Psicologia Jurídica:
Desafios Atuais (pp. 11-28). São Luís: UNICEUMA.
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Jares, X. R. (2002). Educação e conflito. Guia de educação para a convivência. Porto: Asa.
Millán, J. M., & Gómez, M.M. (2011). Conflitos – Como desenvolver capacidades enquanto
mediador. Lisboa: Escolar Editora.
Lisboa, 2020
1
Introdução
Comecemos por ver o modelo de Harvard: Na obra “Chegar ao Sim”, Roger Fisher,
William Ury e Bruce Patton marcam a necessidade de uma boa preparação para que
se consiga estabelecer um procedimento de negociação baseado na cooperação.
Quando o modelo de negociação de Harvard foi importado para a mediação,
estabeleceu-se que, antes das situações trazidas pelos mediados serem trabalhadas,
seria fundamental um momento de explicação inicial das regras e um compromisso
dos participantes em aderir voluntariamente às mesmas.
2
o respeito as individualidades de todos, sempre a partir dos seus limites e perspetivas
pessoais, com base em suas visões individuais únicas” (Braga Neto, 2018, 31).
- “Os mediadores tentam reconciliar os casais? Ou será que eles os ajudam a obter
um divórcio?”
4
mantenha contacto visual com os participantes e será útil que estas perguntas estejam
memorizadas e não sejam lidas. Alguns exemplos de perguntas quem devem ser
elaboradas em sequências das respostas que vamos obtendo dos participantes:
- Que condições devem estar asseguradas para que a mediação tenha início?
Deve ficar claro que um dos motivos para levantar a confidencialidade é a existência
de violência física ou psicológica sobre terceiros, dando especial ênfase à violência
exercida sobre crianças. O compromisso de mediação (chamado de Protocolo de
5
mediação no Sistema de Mediação Familiar do Ministério da Justiça, devido a uma
infeliz importação da Lei de Arbitragem) deve prever expressamente esta exceção ao
princípio da confidencialidade.
Marinés Suares refere que “é aconselhável que existindo derivação do caso para
outras instituições, a mesma seja realizada de forma personalizada, comunicando-se
diretamente a quem receber o caso, guardando a confidencialidade exigida pela
mediação e indicando aos mediados não só o lugar onde se devem dirigir, a morada e
o horário de funcionamento como também a pessoa que as irá atender (Suares, 2003,
386).
Que medidas devem ser tomadas para garantir a segurança dos participantes no
procedimento de mediação em casos de violência doméstica?
- Se o mediador que fez a Pré-Mediação não seguir para mediação (cenário mais
aconselhável pelo papel demasiado interventivo que teve durante o diagnóstico e
pelos motivos atrás descritos), deve alertar a equipa de mediadores que vai conduzir a
mediação ou os serviços de mediação que integra para a necessidade de tomada de
medidas específicas devido à existência de violência doméstica. É uma das poucas
situações de quebra de confidencialidade entre a Pré-Mediação e a mediação, sendo
que os participantes são informados desta transmissão de informação no final da Pré-
Mediação.
6
- Se for necessário, podem existir salas de espera separadas e os mediadores devem
receber as pessoas assim que estas cheguem às instalações.
7
Conclusão
8
Referências Bibliográficas