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Coordenação Organização

Karla Meura Karla Meura


Rosângela Maria Herzer dos Santos Janaina Cordeiro
Fernanda Osorio Evelin Ferreira

TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

2ª.ed.

Porto Alegre, 2021


Copyright © 2021 by Ordem dos Advogados do Brasil
Todos os direitos reservados

Coordenação
Karla Meura
Rosângela Maria Herzer dos Santos
Fernanda Osorio

Organização
Karla Meura
Janaina Cordeiro
Evelin Ferreira

Capa:
Victor Baldez Silva

T248
Trajetórias da Advocacia Negra / Meura, Karla; Silva; Cordeiro,
Janaina et.al (Orgs.). 2.ed. Porto Alegre: OAB/RS, 2021. 60.p.
il.
ISBN online: 978-65-88371-18-3
1. Histórias Negras. 2. Advocacia Negra. 3. Biografia. I. Karla
Meura. II. Título
CDU 929

Jovita Cristina Garcia dos Santos – Bibliotecária CRB 10/1.517

A revisão de Língua Portuguesa e a digitação, bem como os conceitos emitidos em trabalhos


assinados, são de responsabilidade dos seus autores.

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COOABCred-RS

Presidente: Jorge Fernando Estevão Maciel


Vice-Presidente: Márcia Isabel Heinen
TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

SUMÁRIO

PREFÁCIO........................................................................................................................................ 7
APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................ 8
Adriana Ferreira Rodrigues ............................................................................................................. 9
Aline da Rosa Ajardo ...................................................................................................................... 12
Ana Paula Moraes ........................................................................................................................... 14
Caroline Albuquerque ..................................................................................................................... 16
Caroline Ribas Sérgio ..................................................................................................................... 18
Cristiane Eveline Ferreira da Silva ................................................................................................ 21
Diogo Rosa Souza............................................................................................................................ 23
Evelin França - Eliane Clalmes Magalhães .................................................................................. 25
Erli Terezinha dos Santos ............................................................................................................... 28
Heleno Gary Rodrigues ................................................................................................................... 31
Karen Suélen Pereira da Silva ........................................................................................................ 32
Leonardo Santos Franco................................................................................................................. 34
Letícia Marques Padilha ................................................................................................................. 36
Letícia da Rosa dos Santos.............................................................................................................. 38
Liane da Silva Oliveira .................................................................................................................... 41
Luiz Carlos Marques Jr. ................................................................................................................. 43
Mateus da Silva Rosa Pereira ......................................................................................................... 45
Paulo dos Santos Maria .................................................................................................................. 47
Rudinei Horst .................................................................................................................................. 50
Silvia Cerqueira ............................................................................................................................... 52
Tatiana Metzdorf Viana .................................................................................................................. 56
Tatiane da Rosa Pinheiro Sampaio ................................................................................................ 59
TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

PREFÁCIO

É com muita felicidade que recebi a incumbência de redigir o Prefácio da segunda edição do
Livro Trajetórias da Advocacia Negra.
Eu tive a honra de participar da Primeira Edição, e meu testemunho a respeito da Obra é que
ela reflete toda uma construção da vida profissional de mulheres e homens negros. E de
como esta construção forja profissionais dedicados, que na maioria das vezes necessitam de
muita determinação para enfrentar as dificuldades de um mercado de trabalho, que não lhes
permite em igualdade de condições, com outros profissionais com formação semelhante.
Tal fato é resultado da longa tradição escravagista existente no DNA da Nação Brasileira e
que ainda hoje lutamos para modificar. Apesar disso, nós podemos contar com o apoio de
nossos antepassados, e familiares, que nos inspiram, levantam nossa autoestima, para que
possamos chegar onde eles não chegaram, e nossas vitórias são resultado direto das lutas que
eles lutaram no passado, ou lutam até hoje.
As histórias que conheceremos através do Livro retratam o quanto determinação, força de
vontade, e muita abnegação, podem nos levar a uma formação profissional, e que através
dela possamos buscar os meios, para podermos nos tornar cidadãos de fato e de direito neste
país.
Vamos celebrar as Trajetórias Profissionais de nossos colegas!
Vamos fazer isso através da leitura desta Obra!

Artêmio Prado da Silva


Vice-Presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB/RS.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

APRESENTAÇÃO

É com muita alegria que nós integrantes da Diretoria e Membros da Comissão da Igualdade
Racial da OABRS apresentamos a segunda edição do livro Trajetórias da Advocacia Negra.
Não existem palavras para expressar a imensa satisfação que temos ao construir
coletivamente um a nova edição deste livro colacionando histórias de vida de colegas negros
e negras.
São relatos, histórias de luta, de colegas advogados e advogadas de como conseguiram
alcançar o tão sonhado diploma de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais. De como o
caminho apresentou obstáculos, barreiras, que foram ultrapassadas com muita luta, garra e
persistência. E mais que isso, conquistaram o tão sonhado diploma com esforço, dedicação,
abdicações e renúncias, mas o mais importante neste percurso, nunca caminharam sozinhos.
Sabemos que a luta do povo preto para ocupar os espaços a que temos direito, porque são
nossos também, é árdua, na maioria das vezes dolorosa, mas sempre com um propósito certo:
representatividade. Queremos ver muitos outros pretos como nós ocupando espaços de
decisão, visto que não temos dúvida do nosso potencial.
E esta nova edição traz algumas dessas histórias de advogados negros e advogadas negras
que em muitos pontos convergem entre si, visto que em várias delas há uma mulher negra
ou mulheres negras que representam o alicerce da família. E em todas as histórias é marcante
o respeito e admiração a nossa ancestralidade.
A segunda edição do livro Trajetórias da Advocacia Negra é repleta de significados para a
Comissão da Igualdade Racial da OABRS. Visto que recentemente conseguimos que esta
comissão se tornasse permanente dentro do sistema OABRS, e teremos uma grande
representatividade da advocacia negra gaúcha no conselho desta Seccional na próxima
gestão (2022-2025). Ganham a OAB, a comunidade negra e toda a sociedade com esses
avanços.
Que venham muitas outras histórias de trajetórias de advogados negros e advogadas negras
que compõem o quadro do sistema OAB. Que sejamos muitos dentro desse sistema. Que ao
olharmos para os lados nos sintamos representados.
Que venham novos tempos!
Letícia Marques Padilha
Secretária Geral Adjunta da Comissão da Igualdade Racial da OAB/RS

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Adriana Ferreira Rodrigues

PRETA, POBRE, COM MAIS DE 45 ANOS, ADVOGADA, ESTA SOU EU,


COM MUITO ORGULHO

Adriana Ferreira Rodrigues, nasci em 19 de setembro de 1972, filha de Valdomiro


Venceslau Rodrigues e Luiza Paula Ferreira Rodrigues, a caçula de 3 irmãos, natural de
Porto Alegre.

Como a maioria de nossos colegas pretos e pretas, sou oriunda de família simples, de
parcos recursos, que atualmente depois de muitos caminhos percorrer consegui a minha
formação de ensino superior. Tenho a felicidade de pertencer aos 7,12% de negros e pardos
que se matriculam em instituições de ensino superior e apenas 3% que chegam a concluir o
curso (dados do IBGE 2018).
Meu primeiro sonho de profissão foi a de Engenharia Civil, que me fez concorrer a
uma vaga no disputado vestibular da UFRGS, não obtendo sucesso. Quando despertou em
mim o interesse pelo curso de Direito, prestei o vestibular na Universidade Pública e
novamente não tive êxito, e no mesmo ano fui aprovada na Pontifícia Universidade Católica
e na Universidade Luterana do Brasil, onde ingressei, pois, questões financeiras, pois a
mensalidade era um pouco mais acessível, e meus pais, que eram funcionários públicos,
teriam um pouco mais de condições de pagar. Meus irmãos também estavam nesta luta pela
a conquista do diploma, mas infelizmente foram abandonando o sonho, assim como eu que
tive que deixar de lado também.
Muitos anos se passaram, acompanhava de longe alguns colegas se formando,
qualificando-se e eu ficando apenas com o sonho de minha formatura.
Neste período, direcionei minha vida profissional para a área da saúde, e qualifiquei
e trabalhei por 20 anos em dois grandes hospitais de Porto Alegre, porém, sempre mantive
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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

meu sonho de ser advogada em meus pensamentos. Houveram muitas tentativas para que eu
pudesse concluir meu curso de Direito, foram quatro tentativas, que tiveram que ser
abandonadas, por motivos financeiros, familiares, profissionais.
Nunca tive muita certeza se conseguiria a minha graduação, mas sempre mantive o
sonho acalentado no coração.
Neste espaço de tempo, me casei, tive meu filho, minha casa, fui feliz, e sempre
atenta ao progresso ou não de nosso povo preto.
Já no início de minha “luta” para ingressar na Universidade pública, já percebi a
dificuldade que enfrentaria, pois já no curso preparatório do vestibular que frequentei lá na
década de 90, me dei conta eu já fazia parte de uma parcela ínfima pertencente naquele lugar,
e como disse os obstáculos vieram, pois eu uma candidata oriunda de escola pública, sem
ter familiares como referência com nível superior senti o golpe percebeu contrariedade de
pertencer a UFRGS em um curso de “elite”, como, Engenharia (que foi meu primeira opção)
ou no Direito, que foi a minha escolha de vida.
Quando veio o ano de 2015, minha vida deu uma nova guinada, com a ajuda de meus
pais, esposo e filho, retornei aos bancos universitário, desta vez ingressando para a PUC-RS,
pois meu último trabalho na área da saúde, foi no Hospital São Lucas da PUC, onde o
funcionário tem o benefício de um desconto de 40% nas mensalidades. A alegria de retomar
o meu sonho tomou conta de meu coração e vibrei muito com este retorno, estudei muito.
Porém, devido a uma crise financeira no Hospital, tiveram que fazer algumas demissões, e
claro que a preta frequentado uma universidade, em um curso de elite, chamou a atenção,
não agradando as pessoas, fui desligada, mesmo informando que necessitava do desconto
para continuar meus estudos, os pedidos foram em vão e o desligamento veio antes do que
eu projetava.
Mas como a nossa palavra é a RESISTÊNCIA, quinze dias depois que fui demitida,
fui selecionada para um estágio na Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, que desperto
em mim uma nova perspectiva, e que me apontou novamente o baixo número de funcionário
de carreira pretos e pretas, o que notei também no estágio da Justiça do Estado do Rio Grande
do Sul. Sempre me chamou a atenção o pequeno n´mero de Juízes e Promotores pretos e
pretas e o grande percentual de pretos e pretas que são julgados e acusados, o que me faz
concluir que nada é por acaso, nem mesmo esta desproporcionalidade. Precisamos “invadir”
o sistema judiciário, é urgente ter mais Juízes, Promotores e Defensores Públicos pretos e
pretas. A mudança deve ocorrer rapidamente.
Finalmente, no dia 04 de janeiro de 2020, colei grau, vesti a garbosa toga e coloquei
as mãos no meu tão sonhado diploma de Direito. O caminho até a conclusão teve altos e
baixos, mas me orgulho do meu grau 10 no Trabalho de Conclusão de Curso e a aprovação
na OAB logo depois da formatura.
Atualmente tenho alguns novos objetivos, entre eles concluir minhas Pós-
Graduações em Direito Civil e Processo Civil e a outra em Direito das Mulheres.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Concluo deixando uma mensagem de esperança, de perseverança, de resistência.


Devemos que superar as nossas dificuldades e ter a consciência de que nua é tarde para
retomar os sonhos, nossa caminhada ainda é grande e temos que deixar o incentivo para as
próximas gerações

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Aline da Rosa Ajardo

Advogada. OAB/RS 121.131. Subseção Estrela/RS

No ano de 2013, conclui o ensino médio no Colégio Estadual Jacob Arnt, situado na
minha cidade natal e atual, Bom Retiro do Sul/RS. No mesmo ano, prestei o ENEM e o
Vestibular na Universidade do Vale do Taquari – UNIVATES, na cidade de Lajeado.
Com a aprovação, sem saber como pagaria os estudos, comecei a buscar o
financiamento estudantil e consegui 100% de financiamento através do FIES. Em fevereiro
de 2014 iniciei os estudos na instituição.
Durante a faculdade, trabalhei por três anos como Monitora Educacional do
Programa Mais Educação em duas escolas da minha cidade. Ganhava em torno de R$300,00
reais mensais. Meus pais pagavam o transporte e demais gastos com os estudos.
Após o fim do programa, tive um curto período de estágio remunerado no Ministério
Público, onde sofri muito com o racismo por parte de uma servidora. Recebi uma ligação
telefônica, onde me chamavam para, durante uma semana, aprender com a outra estagiária,
o trabalho que deveria ser realizado. Na semana em questão, fui dispensada, sob alegação de
que eu estava fazendo muitas perguntas.
Eu não poderia questionar! Esse foi o trunfo usado contra mim e contra eles eu não
possuía armas. O resultado foi o meu desligamento em dois meses, com a justificativa de
que eu não atendia quando solicitada.
Procurei a universidade para que tomassem providencias, porém nada foi feito.
Inclusive, após a minha reclamação, outros alunos procuraram a coordenação do curso para
falar sobre o mesmo assunto.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Esse foi um dos piores episódios de racismo que sofre durante a minha vida e que até
hoje me embarga a voz e me dói ao falar. Mas isso, não tirou de mim a vontade de seguir em
frente.
Iniciei um outro estágio remunerado em uma Delegacia Especializada no
Atendimento a Mulher da cidade de Lajeado/RS, onde fui bem tratada pelos colegas e
superiores. Lá vivi experiencias únicas que agregaram muito ao meu crescimento pessoal e
ao conhecimento jurídico.
Nesse período, fui acolhida por uma professora do curso, Dra. Thaís Carnieletto
Muller, nome que faço questão de citar nesse relato. Nunca me cobrou um centavo pela
estadia em sua casa, que aliás, fazia questão de dizer que era minha também.
Depois de um período, retornei para minha cidade, onde passei a estagiar na
Delegacia de Polícia local, onde vivi um período também maravilhoso da minha vida. Em
2018, passei a atuar em um órgão da administração pública.
Em 23 de março de 2019, colei grau no Teatro da Universidade do Vale do Taquari
– Univates, uma turma de em torno de 60 alunos, com apenas duas alunas negras.
Durante meu período na Administração Pública, adquiri muito conhecimento e tive
oportunidade de aprender com um grande mentor, Dr. Luis Alberto Silva, ilustre membro da
CIR/OABRS e grande persona na luta antirracista. Através dele, que eu entrei para a
Comissão e me aquilombei na luta antirracista.
Além do conhecimento adquirido, vivi novamente as consequências do racismo
institucional, mas desta vez, muito mais forte e acompanhada dos meus colegas de comissão,
não me deixei abater pela situação vivida.
Me exonerei da função e me dedico exclusivamente a advocacia e maternidade, o
que vale ressaltar aqui, pois ser mãe e advogada em tempo integral é de longe desafiador.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Ana Paula Moraes

OAB/RS 110.155

Natural de Porto Alegre, advogada, graduada em Direito pela Uniritter, 2017/2, Pós
Graduada com especialização em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela
FEMARGS, 2021/1.
Tenho a lembrança de aos 06 (seis) anos de idade ao ser perguntada o que eu queria
ser quando crescesse, responder com convicção que seria advogada. A inocência de uma
criança não possuía ideia da dificuldade que seria para uma mulher negra e pobre conseguir
ser uma operadora do direito.
O tempo passou e o sonho de criança ficou distante, ao completar o ensino médio
não consegui aprovação na universidade federal e não possuía condições financeiras de
estudar em uma instituição particular.
Segui a vida trabalhando, depois veio à maternidade e o sonho de ser advogada ficou
esquecido.
No ano de 2011 realizei as provas do ENEM e para minha surpresa com a média
alcançada consegui uma bolsa integral pelo PROUNI para cursar Direito na Uniritter.
Os cinco anos da graduação foram de superação, por muitas vezes tive vontade de
desistir, complicado conviver em uma sala de aula onde a única pessoa negra é você, terrível
a sensação de achar que você está em um local que não é seu. Mas todas as vezes que pensei
em desistir, lembrava que seria a primeira pessoa da minha família a concluir um curso
superior e persisti em busca da realização do meu sonho de infância.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Sou formada há 03 anos, atuou de forma autônoma com ênfase na advocacia


trabalhista, há mais ou menos um ano iniciei as atividades no escritório próprio juntamente
com uma colega de faculdade.
O começo sempre é complicado, principalmente para nós negros as dificuldades são
sempre maiores, pois na maioria das vezes não temos familiares que já exerçam a profissão,
não temos apadrinhamentos.
No meu caso realizei estágio somente nos dois últimos anos do curso e muitas
dúvidas e dificuldades são sanadas no dia a dia.
Atualmente sou bolsista no Instituto de Acesso a Justiça (IAJ), instituto que possui
um projeto que fornece bolsas de estudos para negros, pardos e indígenas em cursos
preparatórios para carreiras jurídicas como magistratura, promotoria, defensoria. Este
projeto maravilhoso já me proporcionou cursar o preparatório para magistratura do trabalho
da FEMARGS, pois possuo a pretensão de me tornar juíza do trabalho.
Fundamental o trabalho do IAJ na efetivação de uma ação afirmativa tão necessária,
pois precisamos cada vez mais ocupar espaços de poder e mostrar nossa competência e
capacidade para exercer qualquer função.
Exerço minha profissão com muita honra e felicidade e espero que para as novas
gerações as dificuldades em busca de uma formação acadêmica sejam menores.
Tenho um orgulho enorme de ser mulher, negra e advogada.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Caroline Albuquerque

Me chamo Caroline Albuquerque, filha caçula da Maria Helena e irmã do Diego,


nascida e criada em Porto Alegre.
Minha história se mistura com a de tantos outros brasileiros, trabalhadores
incansáveis e obstinados a encontrarem um caminho melhor, mais justo e mais igualitário.
Aprendi a admirar a advocacia desde muito pequena, minha mãe se formou em
Direito no final da década de 1970, depois de muito esforço. Temos uma origem
extremamente humilde e isso, sabemos, dificulta o caminho de quem deseja progredir.
Ainda criança a defensora já estava na minha personalidade, sempre tive um traço de
justiça muito forte. Mas não foi tão simples assim para que eu entendesse o meu caminho,
demorei um tempo para perceber que aquele perfil lutador já demonstrava o que viria pela
frente.
Mesmo com toda dificuldade, eu que fui criada por uma mulher fortíssima, acabei
compreendendo que minha trajetória seria única e que não seria necessário que minha vida
se desenvolvesse como a dos outros.
Hoje posso dizer que a profissional que ingressou na graduação lá em 2010 nem de
longe é a mesma. Me graduei em 2017 pela Uniritter, já aprovada no exame da OAB. Um
orgulho imenso que levo comigo, pois sempre fui muito dedicada ao curso.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Apesar de advogar desde 2017, minha experiência é bem anterior. Ingressei na


carreira jurídica em 2008. Essas experiências construíram a profissional que sou hoje e
ajudaram a formar a advogada empática que me tornei.
Com as experiências, outros horizontes e algumas pessoas especiais que cruzaram o
meu caminho, passei a entender meu lugar no mundo e assim a ser uma entusiasta da luta
pela igualdade. Em 2020 concluí a especialização em Direitos Difusos e Coletivos pela FMP,
o que me propiciou mergulhar de vez no universo antidiscriminatório.
A representatividade como mulher, não branca e humilde dentro da advocacia é o
que me impulsiona, mas também é meu maior desafio. Com diria Angela Davis: “Eu não
estou mais aceitando as coisas que eu não posso mudar. Eu estou mudando as coisas que
não posso aceitar. ”
As normas de opressão são construídas histórica e culturalmente nas relações sociais
assimétricas e hoje não cabe mais a nenhuma mulher absorver o papel subalterno, em
qualquer campo de sua vida. Sem perceber, acabei virando uma agente mobilizadora nas
minhas próprias relações, virando uma referência principalmente para mulheres que
chegavam ao meu caminho.
Para coroar essa trajetória, em um período completamente desafiador para todos,
recebi em 2021 - com orgulho - o convite para ingressar na Comissão da Igualdade Racial
da OAB/RS e fui acolhedoramente recebida por todos.
A primeira ação como membro da comissão acabou ocorrendo logo após meu
ingresso, e acredito ser este só o começo. Tenho muita fé de que juntos podemos transformar
os desafios que chegam e só assim, juntos, podemos vencer.
Sigo tentando pautar minha trajetória profissional e pessoal para tornar-me um
instrumento que objetiva a busca da justiça e da mudança de pensamento, para inspirar e
seguir um caminho de aprendizado e crescimento para melhorar a qualidade de vida de outras
pessoas além de contribuir para construir um outro perfil para a sociedade brasileira.
É na ação que a gente se encontra.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Caroline Ribas Sérgio

Meu nome é Caroline Ribas Sérgio, sou advogada, mulher e negra. Tenho 32 anos
de idade, sou natural de Porto Alegre e hoje, a convite da Comissão de Igualdade Racial da
OAB/RS estou compartilhando um pouco da minha história e desafios na advocacia.
Minha história dentro do Direito, se iniciou em 2007, quando fui contemplada por
meio do Programa Universidade para Todos -PROUNI, com uma bolsa integral para cursar
Direito na PUCRS. Sempre estudei durante toda minha vida em escolas públicas e me
considero até hoje uma aluna dedicada, pois gosto de estudar e desde pequena fui ensinada
pela minha família que o crescimento pessoal e profissional é na base de muito estudo e
dedicação. Não tenho uma família que financeiramente foi privilegiada, sendo que sempre
meus pais, tiveram que conquistar tudo que tem hoje com base em muito trabalho. A minha
história não foi diferente, como já dito, fui contemplada com uma bolsa integral para cursar
Direito em 2007, sendo que se não fosse dessa forma, talvez hoje não seria advogada. Digo
talvez, pois na época, com 17 anos de idade minha família sofria uma das piores crises
financeiras, não tendo condições alguma de custear uma universidade privada ou um curso
preparatório. Lembro que estudei muito em casa com livros antigos para o ENEM e dessa
forma, obtive nota suficiente para ser beneficiada com a bolsa integral.
Dentro da faculdade, lembro exatamente do dia que “pisei” dentro desse mundo
novo, onde pude perceber de forma mais clara toda a diferença de classe social e racial. Por
muitas vezes me senti “um peixe fora d’água”, ao participar de conversas com colegas de
suas últimas viagens ao redor do mundo, bolsas de grife, carros de última geração
presenteados pelos pais, apartamento ganho seu nenhum esforço, além de outras
desigualdades gritantes comparadas ao meu mundo naquele momento. Ao longo do curso de
Direito, tive a oportunidade de ir percebendo ainda mais, a escassez de pessoas negras dentro
da Universidade. Haviam turmas de mais de 40 alunos, onde somente eu era a única aluna

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

negra. E isso se repetiu do primeiro ao último semestre da faculdade. Porém, isso nunca me
fez desistir ou me sentir “menor” dentro da Universidade, me fazendo me dedicar mais ainda,
conquistas boas notas, gabaritar o trabalho de conclusão com louvor e me formar com 22
anos de idade. O dia da formatura, considero o grande ápice da felicidade até hoje. Todo este
filme de superação e desafios passava pela minha cabeça, mas com um sentimento lindo de
“gratidão, eu venci! ”.
Após a formatura então, fiz a prova da Ordem e passei logo de início, conquistando
a minha tão sonhada vermelhinha. Na ocasião, trabalhava em um escritório de advocacia e
assim fiquei durante 06 anos, até ter meu próprio escritório. Lembro que ao longo do curso,
tive certeza que queria ser advogada. Nunca tive sonho de fazer concurso, nada disso. Meu
sonho era ter meu próprio escritório e ser advogada. Contudo, não tinha experiência e nem
condições financeiras de na época, “bancar” este sonho. Isso se tornou possível, após
adquirir experiência nos escritórios que trabalhei, os quais somados a maturidade e
planejamento financeiro, me fizeram concretizar meu sonho em fevereiro de 2018, onde tive
a oportunidade de abrir meu escritório de advocacia em um lugar que considero dos meus
sonhos aqui em Porto Alegre.
Atualmente, tenho 03 pós-graduações, sendo duas na área de Direito de Família e
Sucessões e a primeira, concluída em 2015 em Direito Processual Civil. Além disso, sempre
gostei muito de escrever, o que me oportunizou ter mais de 12 artigos jurídicos escritos e
publicados em revistas especializadas. No ano de 2019, fui convidada então a ingressar na
área da Docência, me tornando professora em cursos de atualização do Direito, o qual se
estendeu para um novo convite no presente ano, me tornando professora de Direitos
Humanos em uma nova empresa.
Em relação as dificuldades e preconceitos, estas permanecem existindo e acho difícil
que um dia acabem. Nós negras e negros, percebemos o olhar e muitas vezes o
descontentamento de pessoas que não suportam ver um negro em uma posição de sucesso
ou melhor do que uma pessoa branca. É algo forte a ser dito, mas é a realidade. Vivo isso na
pele cotidianamente e só quem sofre percebe pelo olhar, uma palavra dita, um comentário
infeliz, um elogio disfarçado de crítica que querem nos fazer desistir e nos reduzir na
sociedade.
Infelizmente, ainda percebemos não só na advocacia, mas nas grandes empresas e
bancas de advogados, a escassez de pessoas negras ocupando posições consideradas de
sucesso. Tive a oportunidade de trabalhar em grandes bancas aqui da capital, onde não
haviam chefes ou negros nas áreas de Coordenação. Coincidência? Até pode ser, mas na
minha opinião é algo inerente ao preconceito da nossa sociedade. E isso vem diminuindo a
base de muita luta, mas não o suficiente para alcançarmos a tão sonhada igualdade.
Porém assim como teu o lado negativo, há o lado positivo, onde vejo que muitas
pessoas se espelham na minha trajetória, se orgulham e se inspiram para seguirem seus
caminhos, seja no Direito ou na vida. E isso que me motiva a ser uma pessoa melhor, a não
desistir dos meus sonhos, a sempre batalhar e ser uma guerreira para alcançar tudo que
almejo. Tudo alcançado com base na honestidade, ética e amor pelo que eu faço.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Eu espero que cada vez mais a minha voz e a minha imagem, sirvam como exemplo
para motivar mais mulheres negras e a nossa raça a batalhar, buscar pela justiça, buscar pela
conquista dos nossos espaços e que este mundo seja cada vez mais igualitário para as
próximas gerações que estão por vir.
Agradeço a quem realizou a esta leitura e deixo um grande abraço a todos e todas
que fazem parte da minha história, a qual só tenho a me orgulhar cada vez mais.
Com carinho, Caroline Ribas Sérgio.
Porto Alegre, 24 de outubro de 2021.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Cristiane Eveline Ferreira da Silva

OAB/RS 88.235
Arícia Santos (Mediação)

Sou a Cristiane, mulher preta, advogada, pai, mãe, filha, avó. Jamais pensei que
algum dia pudesse ser advogada, quando pequena pensava em ser professora.
Minha mãe era empregada doméstica, até que, quando eu fiz 11 anos, ela passou num
concurso da prefeitura, para trabalhar de copeira, e, depois de mais alguns anos foi para o
DMAE, onde ficou até se aposentar. Não teve infância, veio de Uruguaiana trazida pela
minha avó para trabalhar de babá.
Completei meu ensino médio e logo engravidei da minha filha mais velha, Marina,
e dois anos depois veio a Roberta, e a perspectiva de estudar cada vez mais longe. Três
anos depois, me separei, e voltei a morar na casa dos meus pais, com as gurias, que me
ajudaram a cuidar delas, enquanto eu trabalhava e estudava.
Na época eu trabalhava num restaurante na cidade de Cachoeirinha, e fazia um “free
lance” num escritório em que eu havia trabalhado quando tinha 16 anos, Costa Pereira
Advogados, da Dra. Fáride Belkis Costa Pereira. Eu fazia relatório de processos, porque
digitava rápido, e conseguia fazer um bom relatório, mesmo não entendendo a matéria.
Certo dia ela me questionou do porquê eu não estudava, e ele me aconselhou a voltar aos
estudos, e fazer direito, pois eu teria um leque de possibilidades.
Mas, como eu disse, jamais pensei que pudesse fazer isso.
Em 2003, passei no vestibular da Unirriter, para direito, e fazia poucas cadeiras, já
que não tinha condições financeiras. Fui, aos trancos e barracos, fazendo duas, três cadeiras
por semestre, até que fiquei desempregada, não mais conseguindo manter os estudos.
Em 2005 consegui emprego em uma, período em que minha colega de trabalho na
época, Olga, me falou que o IPA estava oferecendo bolsa de estudos, em parceria com o

21
TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

CECUNE – Centro Ecumênico de Cultura Negra – e então participei do processo seletivo,


e fui aprovada.
Com isso, começou a minha paixão e dedicação pelo direito, consegui aproveitar
todas as disciplinas cursadas na outra faculdade, fazia todas as disciplinas possíveis e
procurava sempre adiantar as cadeiras, e, em janeiro de 2010 eu me formei, e no, mesmo
ano, em setembro nasceu meu filho Caio, fruto do meu segundo relacionamento.
Neste período em trabalhava em uma outra imobiliária, na qual atuo até hoje, tendo
passado por diversos setores, até ser advogada. Fiz especialização em Direito Imobiliário e
Processo Civil.
Hoje olho para trás e vejo que mudei o rumo da minha família. Minha mãe, se formou
em Serviço Social, aos 54 anos, e minha filha mais velha cursa Enfermagem. A mais nova,
Direito. E o caçula, quer fazer direito também.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Diogo Rosa Souza

Minha trajetória na Advocacia

Último filho dos cinco que meu Pai teve e, também, último filho dos dois de minha
Mãe, ou seja, o caçula de um casal negro. Ela Professora de Biologia na Rede Estadual de
Educação. Ele Fiscal Florestal do Ibama.
Por conta deste histórico nunca houve outra opção que não fosse buscar o sucesso
através da Educação e fora justamente o gosto pelo estudo e pela leitura que me levou a
escolher o Direito como objetivo de estudo e ramo de trabalho. E mesmo tendo minha mãe
a experiência de formação universitária, nunca houve facilidade no curso da Faculdade de
Direito. Sempre o único aluno negro ou apenas com mais um irmão em sala de aula, tendo a
escola pública como origem houveram dificuldades em diversas matérias, em especial, no
início do curso universitário onde fragilidades do ensino médio se mostravam evidentes.
Ainda assim, o gosto pela leitura e estudo me forçaram a vencer esses e outros
obstáculos, mas fora quando a metade do curso de graduação chegou, com todos os colegas
fazendo estágios em escritórios – muitos em escritórios de pais, tios e avôs – enfrentei muita
dificuldade para conseguir meu primeiro estágio. Entrevistas foram muitas, mas para um
jovem negro com cabelo dreadlooks num ramo como o Direito era natural as barreiras, os
olhares e as repostas ao final de todas as entrevistas e conversas sobre vagas de estágio em
escritórios jurídicos sempre terminado com o comum e habitual “entraremos em contato”.
Sem desanimar tive minhas experiências profissionais em escritórios, cartórios
públicos, repartições públicas até com experiências como voluntario junto a Defensoria
Pública e ao final, ainda consegui ser bolsista de iniciação cientifica, oportunidade que

23
TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

culminou em minha pesquisa de monografia de conclusão de curso e posteriormente na


minha primeira especialização após formado.
Logo após a formatura, já ciente das dificuldades do mercado de trabalho para
pessoas negras me obriguei a cortar meu cabelo após dez anos de uso com tranças no estilo
dreadlooks, afinal, havia a necessidade de trabalhar e pagar as contas e o financiamento
estudantil que me permitiu concluir meu curso dentro do prazo de cinco anos. Mesmo com
cabelo cortado, terno e gravata alinhados conseguir a colocação no mercado ou mesmo um
emprego em escritório tem sido uma batalha árdua. Contudo, meu desejo por me aprimorar
me obrigou a buscar especialização e a partir daí a montar meu próprio escritório em parceria
com outros colegas.
O que não fez cessar as dúvidas, olhares e questionamentos ao ingressar de fóruns,
tribunais, penitenciárias e demais órgãos públicos: “És advogado? ”
Os questionamentos foram tantos que até retomei meu penteado de estudante, afinal,
não parece fazer diferença se estou de tranças, black power ou dreadlooks sempre preciso
me autoafirmar e deixar claro, seja por meio de minhas ações, postura, vestimentas ou,
mesmo por meio de minhas petições de que sou um Homem Negro e Advogado. Daí a razão
de ingressar na Comissão Especial de Igualdade Racial, para que o caminho de outros jovens
negros não seja tão árduo, tão difícil como o meu e de tantos outros colegas foram.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Evelin França (Mediadora)


Eliane Clalmes Magalhães (Convidada)

A faculdade é um espaço de formação para diversos profissionais do direito, inclusive


advogados. É na graduação que nos sãos apresentados os alicerces para exercer a advocacia.
Naquele lugar conhecemos futuros, advogados e outros profissionais do direito, ou seja,
aquele espaço pode ser considerado um berço. Grande parte das experiências na
universidade são revividas durante a vida profissional. Dificuldades em ter experiências em
estágios, bem remunerados, são substituídas por obstáculos para se colocar no mercado de
trabalho como advogada. A cor da pele e a classe econômica são fatores que influenciam na
trajetória do advogado, desde o berço de suas aprendizagens. É necessário combater o
preconceito para que práticas de crueldades em razão da cor da pele sejam repudiadas em
todas as fases da vida profissional daqueles que defendem os direitos das pessoas.
A dificuldade de relacionamento com professores em razão da classe econômica ou
da cor da pele influenciam no desempenho do acadêmico de direito e consequentemente na
vida profissional de qualquer possível futuro advogado (a) preto (a). Na Universidade do
vale do Rio do Sinos eu era uma acadêmica duplamente desfavorecida. É inegável que a cor
retinta de minha pele foi um fator determinante para que eu não fosse selecionada em
diversas oportunidades de estágios, durante a faculdade. Fato que me conduzia a ter que
trabalhar no comércio varejista, deixando de vivenciar diversas experiências fundamentais
para meu amplo desenvolvimento na faculdade, afetando diretamente o início de minha
trajetória como advogada.
Ao longo dos anos, a falta de prática em estágios reduziu as minhas possíveis
conexões e integrações com as redes de pessoas do meio social jurídico. Durante o período
que frequentava o curso de direito me enxergava como uma pessoa privilegiada por ter a
oportunidade de estudar. Talvez esse pensamento positivo e opção de deixar de ver todos os
crimes que contra mim foram praticados, tenha sido a forma de me proteger e me fazer
prosseguir. Naquela época, eu deixava de focar em tudo que não era positivo. Os comentários

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

maldosos dos colegas e professores, assim como os olhares de espanto e desprezo que me
isolavam. Foram diversos cumprimentos que se quer eram correspondidos. Diversos
trabalhos em grupo em que eu não era inserida por meus colegas e os professores nenhuma
atitude adotavam. Em alguns momentos fui empurrada e até humilhada na frente daqueles
que comigo estudavam, mas meu desejo de me tornar uma bacharela em direito era maior
que a dor que me faziam sentir. Acreditava que a prática cruel de preconceito em razão da
cor de minha pele e classe econômica não deveria ocorrer em um espaço de formação de
futuros advogados, juízes, defensores, promotores, delegados, entre outros muitos
profissionais do direito.
A ingenuidade foi minha aliada, juntamente com a vontade de me tornar uma
bacharela em direito, pois muitas condutas maldosas eu não percebia. Eu preferia naquele
momento acreditar que as crueldades eram para meu bem. Meu único plano sempre foi me
concluir o meu objetivo, apesar de não ter desenvolvido prévias estratégias para enfrentar
aquele ambiente universitário sutilmente, cruel e hostil. Eu não tinha conhecimento sobre
os códigos culturais e a dimensão sobre a importância do engajamento com professores e
funcionários. Não sabia como o relacionamento com os professores poderia influenciar nas
oportunidades acadêmicas e profissionais, até mesmo como advogada.
Professores, alunos, funcionários e algumas exceções de pessoas negras ou com uma
baixa renda, frequentam os mesmos ambientes. A proximidade entre pessoas de classe mais
alta ou influentes por sua vez, gera um relacionamento de forma estratégica entre pessoas
influentes da universidade ou do meio jurídico, fato que lhes proporciona apoio e conexões
importantes durante a graduação. E após a conclusão do curso, sobretudo por meio de
estágios e cartas de recomendações, muitos se colocavam e ainda se inserem no mercado de
trabalho.
No meu caso tive dificuldade de trabalhar em escritórios, após me tornar advogada.
Então decidi de maneira autônoma identificar aqueles acadêmicos de direito que tinham
dificuldades na graduação e oferecer meus serviços de apoio e consultoria. E a partir daquele
momento passei auxiliar acadêmicos de direito a elaborarem suas pesquisas. Eu trabalhava
e ainda trabalho como se fosse uma espécie de mentora ou coach daqueles que estão
precisando de apoio para elaborar pesquisas acadêmicas ou trabalhos de conclusão de curso
de direito ou preparar artigos ou ultrapassar qualquer outra dificuldade no curso de direito.
Após me tornar uma bacharela, iniciei minha especialização em Direito Penal e
Processo Penal no extinto IDC (Instituto de Desenvolvimento Cultural). Naquele espaço de
aprendizagem não era nada diferente do que eu havia vivido na faculdade. Eu estava mais
preparada para me defender, mas mesmo assim na apresentação do trabalho de conclusão do
curso, a cor de minha pele virou a pauta dos professores. Minha pesquisa não tratava sobre
a questão das cotas de negro no serviço público ou faculdade, mas muito tempo foi destinado
para discutir sobre a (in) efetividade da inclusão racial nas faculdades. Os avaliadores do
meu trabalho concluíram que os negros jamais se desenvolveriam como os não pretos na
graduação, porque a convivência social é muito importante para aprendizagem e os pretos

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

são excluídos. Fiquei chocada, mas ressalto que o tema do meu trabalho não era a questão
racial.
Atualmente, existem leis para defender os animais irracionais, nesse sentido é
inadmissível que em pleno século XXI, advogados sejam vítimas de racismo. O preconceito
racial é um pilar maldito que é regado como uma planta, desde a faculdade. E a sociedade
simula que não enxerga as condutas absurdas praticadas contra as minorias, desde a
graduação. Nas delegacias e fóruns a prática sútil de preconceito continua acontecendo, mas
é preciso colocar nossas mãos pretas nas canetas para extirpar essas práticas criminosas.
Advogados negros não são cães que apanham calados! Há pessoas diferentes e
precisam de advogados com perfis diversos. É incoerente ressaltar os obstáculos econômicos
de alguns advogados pretos para associar a falta conhecimento e futuramente lhes acusar de
incompetentes, devido a cultura preconceituosa de acreditar que advogados pretos não são
inteligentes. Se é crime maltratar os animais é logico que também seja crime, se manter
inerte perante a prática de condutas que desestruturam a vida profissional daqueles que se
propõem a defender as pessoas. Não é segredo que a ditadura do racismo está presente em
nossa sociedade, então é necessária a fiscalização para que de fato advogadas negras, como
eu, estejam inseridas, até mesmo em cargos com poder de decisão.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Erli Terezinha dos Santos

Natural de Santo Antônio da Patrulha, em 1969 estabeleci residência em Novo


Hamburgo, onde até a presente data tenho a sede do escritório profissional e onde realizei a
maioria de minhas atividades profissionais.
Quando desembarcou em Novo Hamburgo em 1969, vinda de Santo Antonio da
Patrulha, Erli era uma jovem recém formada no curso de professora. Era uma anônima no
meio da multidão. Deixou para trás sua terra natural e a família e veio em busca da realização
de um sonho. Um sonho que acalentava desde menina. Ela queria ser advogada e projetava
seu futuro atuando no direito empresarial. A história de Erli guarda semelhança com a de
muita gente. Gente que luta com garra e determinação, enfrenta dificuldades financeiras,
mas não abandona seus sonhos. Erli fez de seus sonhos uma realidade e agora se lança para
novos desafios. Sempre com disposição, ética e seriedade, princípios que norteiam sua vida
toda.
A vida, porém, nem sempre lhe sorriu. De origem humilde, nascida na Vila Palmeira
teve uma infância pobre. Ainda menina, trabalhou como doméstica, foi babá e trabalhou na
lavoura, ajudando a família que vivia de agricultura. Para garantir os estuda da menina pobre,
seus pais já falecidos colocaram-na no colégio interno, primeiramente em Taquari e após
outros internatos até se formar.
Amor, atenção, carinho, fé em Deus e a confiança na capacidade de liderança da filha
não faltaram ao pai Juvenal João dos Santos, agricultor e construtor, e a mãe Antonia
Machado dos Santos, doceira e parteira. Foram eles, seus pais, os professores e os amigos
que incentivaram e apoiaram Erli na busca pelos seus ideais.
A escolha por Novo Hamburgo, cidade que a acolheu e que Erli ama como se fosse
filha dela, esteve alicerçada não apenas no sonho, mas também num projeto que ela começa
a escrever assim que soube que a Prefeitura do Município abriria inscrições para um

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

concurso na rede municipal de ensino. Foi aprovada e contratada como professora e, depois,
fez o vestibular na Unisinos, ingressando no curso de Direito.
Formada em direito pela Unisinos em 1974, busquei aperfeiçoar minha formação
acadêmica através da pós-graduação em Educação e Metodologia do Ensino Superior
(Feevale); especialização em Direito Tributário (IBET), Empresas Binacionais Brasil-
Argentina (Universidade Del Salvador Argentina), Regulamentação de Comércio
Internacional para Importação e Exportação (Unisinos); GBA/Global Business
Administration - foco em Gestão Empresarial e Estratégias de Negócios Internacionais;
cursos de extensão universitária nas áreas cível, penal e societária, Driot Civil- Procedure
Civile (Sorbonne-Paris).
Nas atividades relacionadas na área social e educacional destaco: passagem pela
Secretaria de Educação de Novo Hamburgo, como assessora técnica e jurídica; presidente
do Conselho Municipal de Educação de NH de 1994 a 1999; membro fundador da
Associação Bem-Estar do Menor (ASBEM); professora universitária da Feevale de 1977 a
1987; criadora e coordenadora executiva do Programa de Advocacia Empresarial num
Ambiente Global (PAEG), na Unisinos; assessora técnica e presidente da Fundação Gaúcha
do Trabalho e Ação Social-FGTAS do Estado do Rio Grande do SUL - 2008/2010, bem
como, palestrante em diversos assuntos, nas áreas sociais, educacionais e jurídicas.
No direito, nestes últimos 25 anos, na coordenação do escritório E. Santos
Advogados Associados minha atuação é totalmente voltada para a consultoria e assessoria
jurídica empresarial, atendendo empresas de todos os portes, especialmente na região do
Vale dos Sinos, tendo, recentemente, estendido a atuação para o Estado de Santa Catarina,
com escritório em Itapema. Na E. Santos Advogados Associados agreguei a minha
experiência a de jovens profissionais com alto nível de qualificação jurídica e técnica,
compondo uma equipe multidisciplinar de advogados, consultores e auditores, fazendo com
que E. Santos esteja entre os escritórios de boa avaliação da região. Assessorando empresas
na prevenção de contingências, fazemos parte do planejamento estratégico da empresa, bem
como, se busca as soluções jurídicas cabíveis às demandas existentes, com isto, procura-se
dar ao empresário condições dele concentrar suas energias com foco na gestão do seu
negócio.
O reconhecimento pela atuação da advocacia, principalmente na área empresarial,
resultou em prêmios e distinções concedidas no decorrer da trajetória profissional, dentre as
quais: Título Mulher de Ouro do RS - 1991/92 - Porto Alegre; Personalidade Feminina da
Região Sul - Destaque em Direito - 1995/Florianópolis/SC; Mérito Empresarial do RS –
2004 – Concedido pelo Programa Destaque Gaúcho; Prêmio Top Of Mind Brazil – 2006 e
2007 – Concedido pelo INBRAP – Instituto Brasileiro de Pesquisa de Opinião Pública;
Medalha Mérito Rio-grandense – homenagem do Governo do Estado do RS - 2010.
As dificuldades iniciais não impediram a construção de uma carreira profissional de
sucesso, tornando-se uma advogada voltada para as áreas empresariais e de gestão
corporativa, complementando sua formação com estudos no Brasil e no exterior.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Ela nunca fez da adversidade um drama e nem da pobreza um frado pesado demais.
Tudo isso lhe servia de estimulo para lutar por dias melhores. Construiu sua carreira com
muita confiança e determinação e fez de sua vida um tributa a liberdade e ao trabalho. Erli é
uma protagonista da história de sucesso.
Advocacia, especialmente para mim, considero e a exerço como sendo ”UM
VERDADEIRO SACERDÓCIO”.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Heleno Gary Rodrigues

Heleno Gary Rodrigues sou eu. Oriundo de uma família de atletas, onde os pais
sempre primaram pela educação dos filhos interligando com o esporte. Assim, junto aos
meus três irmãos ingressamos na SOGIPA – Sociedade de Ginástica de Porto Alegre. No
clube ingressei no atletismo; diferente de meus irmãos mais novos que escolheram o
basquete chegando a jogar fora do estado e representando a seleção gaúcha da modalidade e
de minha irmã que ingressou no voleibol onde ainda hoje representa a seleção brasileira se
consagrou em 2012 campeã olímpica e vice-campeã olímpica em 2021.
No meu primeiro ano de participação esportiva foi beneficiado com um bolsa de
estudos no colégio metodista Americano, onde me formei no ensino fundamental e médio.
Posteriormente, recebendo nova bolsa de estudo, agora no ensino superior me formei na
Faculdade São Judas Tadeu no ano de 2012 em Ciências Jurídicas e Sociais.
Já nas pistas de atletismo me consagrei campeão brasileiro e por duas vezes
medalhistas em campeonatos sul-americanos. Encerrei minhas atividades esportivas no ano
de 2012 quando ao me formar iniciei minhas atividades laborais.
Assim, no mesmo ano de formatura fui convidado a fundar o escritório
Tofani&Garay, onde atualmente atuo na área de advocacia empresarial e do trabalho, tendo
especialização em direito desportivo pela Escola Superior da Magistratura – AJURIS e Pós
Graduação em Direito Público.
Hoje. Em paralelo com os afazeres do escritório ainda possuo uma empresa de Ensino
de Esportes praticados na areia, Futevôlei e Vôlei de praia.
Junto a Ordem dos Advogados do Rio Grande do Sul, sou membro da Comissão da
Verdade Sobre a Escravidão Negra do Estado do Rio Grande do Sul da OAB/RS – Desde a
sua fundação em 02 de abril 2015.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Karen Suélen Pereira da Silva

Minha Trajetória de Orgulho

Karen Suélen Pereira da Silva, mulher negra, antirracista, advogada previdenciarista


e familiarista, pós-graduada em Direito da Seguridade Social.
Sou neta de Marilene e Natália, filha de José Maria e Jacqueline, mãe da Luísa e da
Jadeh e esposa do Mateus. Faço esta menção, pois são minha rede de apoio e inspiração,
pessoas impares e plurais que refletem muito do que sou e do que entrego na minha vida
pessoal e profissional.
Sou a filha mais velha, de um casal jovem que vive uma história de amor e união há
37 anos. Pelo lado materno tenho a referência da minha avó Marilene (in memoriam), mulher
forte precisou criar educar três filhas solo, e viveu m prol da família até o fim da sua vida.
Minha avó paterna casou-se jovem, assumindo dois enteados, tendo mais quatro filhos,
perdido uma quando tinha um ano e vivendo um casamento machista, culminando no
divórcio depois de 30 anos de casamento.
Assim, já na minha trajetória tenho presente a questão racial, do patriarcado, do
machismo, o que já entranham na minha personalidade por si só.
Meus pais não possuem ensino superior, tendo meu pai estudado até a quarta série
do ensino fundamental, já minha mãe concluiu o ensino médio.
Eu sou a primeira neta a me formar em uma Universidade.
Nunca repeti o ano escolar, concluindo o ensino médio com 16 anos. Após, fui
trabalhar, mas continuava fazendo curso pré-vestibular, sendo aprovada para bolsa integral
do Programa do Governo Federal PROUNI para o curso de Direito em 2006, aos 19 anos.
Aos 22 anos descobri a gravidez do meu primeiro amor Luísa, fato o qual mudou
toda minha realidade, pois além de mergulhar no mundo real da maternidade, sou mãe solo.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Entretanto, ela foi a minha primeira mola na vida, queria ser a melhor, lhe ofertar o “mundo”
e suprir todas suas ausências.
Com o amadurecimento percebi e entendi que não era o que ela precisava, e aprendo
todos os dias mais um pouco com minhas meninas.
Entretanto, foi o apoio incondicional dos meus pais o fator determinante para a
conclusão do curso de Direito, bem como da aprovação 4 anos depois na OAB.
Eles são o início, meio e fim!
Após, trabalhei por cinco anos como advogados em um escritório de advocacia. Ao
saber da chegada do meu segundo amor, Jadeh, decidi e percebi que era hora de fazer a
minha advocacia, pelo menos tentar.
No ano de 2020, passei a advogar de forma autônoma, intimista, muito em virtude da
pandemia, aproveitando o tempo para me reciclar e posicionar a minha advocacia,
descobrindo o que me faz feliz nela e como posso ser útil verdadeiramente.
Assim, no ano de 2021 decidi coisas grandes, me casei, abri com uma colega meu
escritório e estou aqui contando minha trajetória neste projeto lindo da nossa Comissão da
Igualdade Racial da Seccional OAB/RS.
Expresso ainda, minha gratidão ao meu esposo e amigo Mateus, o qual me apoia e
ajuda incondicionalmente para que possa realizar meus projetos.
Enfim, deixo a você a seguinte mensagem: tenhamos na vida doses de sensatez,
loucura e ousadia, não sejamos submissos a crenças limitantes, lutemos pelo que cremos,
sejamos leais com nossa ancestralidade e nunca esqueçamos de sermos gratos a Deus e quem
nos estendeu a mão, sempre.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Leonardo Santos Franco

Advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, Presidente da


CIROABRS Subseção Montenegro.

Minha trajetória dentro do mundo do Direito, música e luta antirracista se misturam


ao longo dos meus 32 anos.
Embora com várias indecisões ao longo da Faculdade, minha caminhada no Direito
começou desde muito novo, mais precisamente quando eu tinha em torno de cinco anos de
idade, quando defendi minha irmã mais nova no casamento da minha dinda em que queriam
barrá-la por algum motivo formal. Da mesma forma, nos tempos de escola, quando era eu
quem defendia a turma quando nos metíamos em confusão. Enfim, um defensor de causas
juvenis.
Na escola foi onde tive os primeiros contatos com a música e quando decidi que
queria aprender a tocar violão para montar uma banda. Aos 14 anos fiz aula de violão e teoria
musical, algo que expandiu meus horizontes e se tornou a minha paixão.
Também na adolescência, embora o meio em que eu vivia era majoritariamente
branco, foi onde a luta antirracista começou a despertar em mim, seja argumentando com
amigos que tinham posturas racistas, seja assistindo filmes e músicas que abordassem o
tema.
Saindo da escola cursei Direito pela Unisinos, e foi aí que aprendi a gostar e
compreender todas as nuances do universo jurídico. Meu avô já era advogado, então eu tinha
a quem puxar, porém, não foi amor à primeira vista, pois quando entrei na Faculdade eu
ainda não sabia bem o que queria fazer, então escolhi aquilo que me circundou a vida inteira,
que foi o Direito.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Lembro que não foi nada fácil para meus pais conseguirem pagar o curso de Direito,
visto que, além de mim, havia meu irmão cursando Comércio Exterior, e posteriormente
minha irmã cursando Nutrição. Então, toda educação que tive, dentro e fora de casa, devo a
eles. A bem da verdade devo tudo a eles, pois tudo que tinha eram eles que me davam.
Durante a faculdade comecei estagiando em um escritório de advocacia em
Montenegro/RS, depois na Receita Estadual, vindo então, em 2011, a estagiar no escritório
em que hoje sou sócio.
Em julho/2013 fui aprovado no Exame da Ordem e em janeiro/2014 me formei no
curso de Direito na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, e desde então atuo
como advogado na Ferreira & Franco Sociedade de Advogados. Em julho/2018 concluí
minha pós-graduação em Direito e Processo do Trabalho pelo IMED.
Foi através da advocacia que pude me deparar mais de perto com as desigualdades
sociais, com o desespero das pessoas que contribuíram por uma vida inteira e que no
momento em que necessitam o amparo do governo, este não olha para elas.
Foi através da advocacia que me deparei com atitudes racistas de colegas, o que me
fez abrir os olhos, renovando toda a luta antirracista que havia despertado em mim quando
mais jovem. E, a partir daí, foi quando decidi, através de uma conversa com o Presidente da
CUFA de Montenegro, criar a Comissão Especial de Igualdade Racial da OABRS Subseção
Montenegro, e me tornar Presidente da CIROABRS Subseção Montenegro.
Através do envolvimento com a CIR, a advocacia e o Direito começaram a ter um
novo sentido para mim, pois pude aliar a luta antirracista com a profissão que escolhi seguir.
Desde então idealizei, junto com a Presidente da CIROABRS, Karla Meura, o projeto
CIR Cultural, fui mediador da mesa que tratou acerca das Cotas Raciais no Sistema OAB no
3º Seminário Internacional pela Igualdade Racial e estou engajado na criação do Conselho
dos Direitos dos Povos Negros na Prefeitura de Montenegro, RS.
Enfim, sou grato a tudo e todos que estão comigo nessa caminhada, ficando apenas
com o coração apertado pelo fato do meu pai não estar vendo fisicamente as minhas
conquistas, no entanto, tendo a certeza de que ele sempre estará olhando por mim.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Letícia Marques Padilha

Meu nome é Letícia Marques Padilha, sou advogada negra, mestra em Direito pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, secretária geral adjunta
da Comissão da Igualdade Racial OABRS, membra da Comissão da Verdade Sobre a
Escravidão Negra OABRS, membra da Comissão da Igualdade Racial da Associação
Brasileira de Advogados, integrante do Movimento Negro Unificado e do Cômite Estadual
Contra a Tortura/RS.
Importante expor o meu currículo para que compreendam o meu lugar de fala. Visto
que eu, Letícia, sou filha de um militar da reserva do Exército Brasileiro, Luiz Carlos R.
Padilha, e de uma professora de matemática, Heloisa Helena M. Padilha, neta de uma mulher
negra doméstica e de uma mulher branca do lar, e de dois homens, um branco e outro negro,
ambos militares do Exército Brasileiro.
Minha vida certamente é bem diferente da grande maioria da população negra, visto
que meu pai, homem negro, muito cedo percebeu que através do estudo poderia ter uma vida
melhor. Filho de uma mãe analfabeta e de um pai que viajava muito a trabalho. Mas que
apesar da mãe ser analfabeta ela tinha consciência de que através do estudo seria a forma de
uma haveria a oportunidade de uma vida melhor, então sempre incentivou os filhos nos
estudos. Assim meu pai traçou desde cedo o caminho que desejava seguir, ainda criança
decidiu fazer o concurso de admissão do Colégio Militar de Porto Alegre/RS, foi aprovado
e decidiu seguir a carreira militar como oficial do Exército. O caminho não foi fácil, mas
seguiu rumo à Academia Militar das Agulhas Negras (Resende/RJ) e de lá saiu aspirante no
ano de 1977. Em 1978 casou-se com minha mãe e, em 1980 eu nasci, e posteriormente em
1982 nasceu minha irmã Liziane.
Meus pais concluíram o ensino superior após terem constituído família, meu pai
formou-se em Direito e minha mãe em Matemática. Recordo-me que meus pais estudavam
durante à noite, eu e minha irmã tínhamos entre 9 e 7 anos de idade, morávamos na cidade
do Rio de Janeiro, longe da família (residia no Rio Grande do Sul), ficávamos as noites de

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

segunda a sexta-feira sozinhas em casa para que nossos pais pudessem estudar e concluir a
faculdade. E assim, meus pais conseguiram alcançar o tão sonhado diploma na universidade.
Repiso que minha trajetória foi muito diferente da maioria das pessoas negras, visto
que nunca tive que preocupar-me se haveria comida na mesa, se haveria uma casa quentinha,
se eu teria uma escola etc. Meu pai sempre dizia que a minha preocupação e da minha irmã
deveria ser apenas com os estudos, e assim cresci, preocupando-me somente em estudar.
Estudei em escolas particulares e no colégio militar, local em que me formei no primeiro e
segundo graus. Aos 19 anos ingressei na universidade e com 25 anos me graduei-me na
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS.
Tive oportunidade de conhecer e morar em outros estados do Brasil e países. Tudo
isso como consequência dos esforços e das conquistas dos meus pais, mas não gosto de falar
no mérito pessoal deles, até porque não me sinto bem utilizando a palavra meritocracia.
Precisamos falar é da realidade da maioria da população negra brasileira, é com esses
indivíduos que temos que nos preocupar, visto que são as maiores vítimas da violência diária
decorrentes do racismo. Não que o racismo não ocupe todos os lugares, pois ele existe
independe da classe social, mas são as pessoas negras menos favorecidas social e
economicamente que são as grandes vítimas de violência somente pela cor de sua pele. A
cor da pele chega antes do que qualquer coisa.
Eu Letícia, na maioria das vezes era a única negra ocupando os espaços, inclusive
meu primeiro trabalho como profissional depois de formada em Direito foi trabalhar como
assessora de desembargador no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Iniciei ocupado o
cargo de secretária e logo em seguida fui promovida à assessora de desembargador.
Incomodava-me o fato de ser uma das únicas negras a trabalhar num prédio que contava com
145 (cento e quarenta e cinco) desembargadores, e cada uma tinha 1 (um) secretário e 2
(dois) ou 3 (três) assessores. Todavia, eu não conseguia expressar o que me deixava
desconfortável.
Com o passar dos anos e com a maturidade percebi efetivamente o que me
incomodava: o racismo, a história de sofrimento, de violência da população negra, da minha
gente, do meu povo. Então comecei a estudar fervorosamente a causa negra. Notei que tanto
no colégio, como na universidade essa pauta foi esquecida, negada. E depois de uma boa
caminhada nas questões raciais percebi o quanto nos foi tirado, ocultado e negado. E hoje,
sigo meus estudos acerca do racismo e das práticas antirracistas, lutando diariamente e
incansavelmente pela causa negra. Dentro da OABRS pude me descobrir como advogada
negra e questionadora das pautas raciais. Desejo igualdade de oportunidades para
comunidade negra na sociedade brasileira. Desejo um mundo mais igual para todos
independente da cor da pele. Desejo deixar o caminho mais leve, menos árduo para os que
vierem depois de mim, assim como meus ancestrais fizeram.
Enfim, essa foi a minha trajetória, essa é a minha história que divido com vocês e
com o sonho de ainda ver o Estado brasileiro se retratar publicamente, como forma de
reparação, pelo período escravista que perdurou por aproximadamente 400 (quatrocentos)
anos, e que até hoje vivemos os resquícios daquele período.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Letícia da Rosa dos Santos

Minha trajetória
Me chamo Letícia da Rosa dos Santos, tenho 36 anos, sou a filha mais velha da D.
Elete Terezinha Dorneles da Rosa, mulher negra, que desde pequena começou como
doméstica e após trabalhar nas mais diversas atividades, nas quais, muitas vezes, por ser uma
mulher negra, não havia diferenciação no manuseio com cargas e trabalhos braçais. Desde
cedo aprendi que ser mulher não significa ser frágil, muito pelo contrário: sem nós mulheres
não existe futuro, não existe progresso. Por que me atrevo a dizer isso? Porque minha mãe
(embora eu tenha pai vivo e me relacione com ele até hoje) foi responsável por tudo que me
tornei e me ensinou a não depender de ninguém, principalmente, financeiramente.
Cresci em Guaíba, uma cidade vizinha de Porto Alegre/RS, no bairro Santa Rita, que
faz divisa com um outro bairro chamado Cohab. Cresci com a falsa ilusão que a Santa Rita
sempre era melhor e via as pessoas se ofenderem quando diziam que era tudo uma coisa só.
Nunca entendia o porquê daquilo.
Cursei todo o ensino fundamental na mesma escola, numa escola pública municipal,
no mesmo bairro, e me recordo que na 5ª série uma professora de matemática resolveu fazer
algo diferente e questionou a todos o que queriam ser quando crescessem. Para mim, o
Direito sempre foi meu objetivo, acho que sequer sabia ler direito, mas ele já estava lá,
intrínseco. Me lembro bem desse dia na aula, pois não me recordo de ter sido questionada
por ninguém mais além daquela professora, tanto o é que os próprios coleguinhas surpresos
com o meu sonho atrevido deram risada. Lembro disto até hoje e agradeço a ela
imensamente, pois não fosse ela, poderia não ter passado de um pensamento vago.
O ensino médio também foi cursado em escola pública e, por falta de informação,
experiência ou mais interesse da minha parte, somente na metade do curso é que tomei
conhecimento da necessidade de cursar o vestibular para poder conseguir uma vaga no
ensino superior. Pense no meu desespero?! Embora minha bagagem no ensino fundamental

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

até pudesse ser boa, o ensino médio deixou muito a desejar e, na adolescência, sem alguém
que nos estimule, perdemos excelentes oportunidades e eu, por sequer saber deixei de me
dedicar como deveria, de olho no meu objetivo. Contudo, eu tinha um sonho: arremanguei
as mangas, enfrentei meus monstros, virei noites, finais de semana e não passei de primeira,
nem na segunda.
Na minha família cresci sem estímulo ao debate racial, muito pelo contrário, cresci
aprendendo a cultivar, dentro da própria família piadas e comentários racistas, além de ser
“adestrada” a não ocupar certos lugares, pois “ali não era para vocês: pobres e pretos” (ouvi
isso de um parente!).
Cansei, desisti e fui fazer um curso técnico, na expectativa de com isso ter condições
de pagar a faculdade algum dia. Fiz uma prova pleiteando uma vaga para secretariado na
antiga Escola Técnica da UFRGS e, para minha sorte fui uma das primeiras colocadas.
Bingo!
Os meses seguintes, dentro da escola técnica serviram na verdade como uma revisão
e, autoafirmação, pois ao longo do ensino médio fui desestimulada, desenganada a dar
continuidade nos meus sonhos, mas dentro do novo curso, encontrei professores formidáveis
que souberam me motivar e voltar a acreditar que eu sabia bem mais do que imaginava, tanto
é que foi graças a essas mestras e mestres que muito contribuíram, ainda que sem saber, para
que eu pudesse com tranquilidade seguir meus estudos para o Enem. Foi bem difícil,
cansativo, como sempre. No dia da prova não queria ir, mas minha mãe insistiu. Acabei
fazendo a prova, muito mais para não desapontá-la. Semanas depois saiu o resultado:
Consegui uma boa colocação e consegui uma bolsa integral. Ainda cética quanto as
consequências, encaminhei os documentos, dando continuidade no processo, apresentando
os documentos. Sempre incrédula que aquilo estava de fato acontecendo, até que começaram
as aulas.
Pensei que as coisas mudariam, seriam mais fáceis: quem dera! Iniciei, em março de
2007, meus estudos na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Cursava a
graduação à tarde, fazia um estágio pela manhã e ainda dando continuidade ao curso técnico
à noite, chegava em casa sempre muito tarde e saia muito cedo. Em seguida, concluído o
curso técnico, pude trocar o turno da faculdade para à noite e, assim, pleitear estágios na área
jurídica. Logo surgiram oportunidades. Em 2012 recebi meu diploma e, em 2014, após me
tornei advogada.
Pouca coisa mudou, mas com o tempo, pescando uma experiência daqui outra dali e,
por sempre ter sido uma mente inquieta, me percebi sozinha, conseguiria dar andamento nos
meus planos, nos meus sonhos. Claro que precisava de ajuda de outros, mas não precisava
criar raízes dentro de um escritório, onde na maioria das vezes, por querer ser simpática e
servir o café ao cliente, era destratada ou até mesmo testada quanto as minhas
competências/conhecimento, sem falar que, por não ser negra de pele escura, para a
branquitude eu negra jamais serei e, diante disso, os coleguinhas aproveitam a brecha para
lançar mãos das suas piadas infames. Trabalhar com fone nos ouvidos passou a não ser mais
uma opção, mas o único caminho para não criar atritos.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

O caminho nunca foi fácil e sei que ainda assim, por eu não ter a pele retinta usufrui
de excelentes oportunidades em bons escritórios, muito embora, até meados de 2016 nesses
espaços sempre havia alguma coisa no ar que me incomodava, mas por conhecer muito
superficialmente a pauta racial muita coisa passava despercebida ou com tom de “tudo bem,
eu sei que você não fez por mau”.
Em 2017, tomei conhecimento dos grupos de estudos promovido pela ESA/OAB e,
por curiosidade, me inscrevi, participei uma vez de um grupo, mas não gostei, não me senti
pertencente àquele espaço.
Em 2018, vi uma oportunidade num grupo de estudos de questões raciais promovido
pela ESA, me inscrevi e comecei a participar. Embora boa parte dos demais colegas do grupo
demonstrarem já um grande percurso na pauta racial, vi uma oportunidade de ali aprender,
entender, enfim, melhorar meus argumentos. Pela primeira vez me senti pertencente a um
espaço dentro da OAB e, desde então, procuro agregar valor ao mesmo que tem contribuído
de uma forma inimaginável na minha trajetória profissional e, por conseguinte, pessoal. Por
consequência, acabei ingressando também na Comissão de Igualdade Racial na qual passei,
ainda que minimamente, a contribuir na divulgação de questões raciais dentro de outras
esferas que participo.
Foi participando dessas coletividades que tomei conhecimento das diversas facetas
do racismo, dentre elas, o racismo ligado à propriedade, que me perturba muito, pois eu
cresci vivenciando essa realidade, com a pobreza e a precariedade de serviços essenciais e
nunca entendia o porquê daquilo tudo.
Desde então procuro sempre que posso trazer alguma contribuição, na verdade mais
demonstrando uma inquietude minha, resolvendo alguma ânsia que sei que outros também
padecem como eu.
Agradeço a essa coletividade por hoje não mais me perceber sozinha na minha
trajetória. Pude me rebelar, no melhor sentido possível e, graças a essa rede de apoio que
descobri (em constante construção), há pouco mais de um ano decidi não mais ser ponte para
sonhos de outros, mas dar início de fato aos meus. Tem dado certo.
Alguns tropeços ainda surgem, mas, graças aí meu atrevimento e a minha inquietude,
essa coletividade na qual me sinto inserida, recuar não é mais uma opção, a não ser que seja
para pegar impulso e ir adiante.
Sou grata aos que me abriram caminhos até chegar aqui e espero poder contribuir à
altura para os próximos. A caminhada não é fácil, mas hoje podemos e devemos estar em
todos os espaços, quer alguns gostem, ou não.
Obrigada à OAB que através desta Comissão da Igualdade Racial vem oportunizando
os debates sempre tão oportunos e tornando-nos visíveis e pertencentes não somente à esta
Comissão, mas dentro da instituição OAB, dentro da advocacia. Seguimos!

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Liane da Silva Oliveira


Brasileira, Advogada, natural de Porto Alegre, filha de pais negros

Nasci em Porto Alegre, e, em meados do ano 1982, minha família e eu fomos instalar
residência no município de Alvorada. Foi neste município que cresci e vivi boa parte de
minha infância. Na minha adolescência, estudei no Colégio São Judas Tadeu, em Porto
Alegre, época em que pude dividir com colegas de classe, os sonhos e anseios a respeito do
ingresso em Faculdade.
Nessa época, não havia pessoa graduada em Direito na minha família. Porém, foi
pensando nos futuros prestígios que uma carreira jurídica poderia proporcionar, bem como
nos desafios e estímulos que acompanhariam no decorrer do Curso da Graduação, optei pelo
curso de Direito.
Prestei concurso vestibular na UNISINOS, ULBRA Canoas e PUCRS. Tive
aprovação em ambas as Universidades. Escolhi a Universidade UNISINOS que tem uma
boa conceituação na Faculdade de Direito. Ao entrar para a faculdade, toda expectativa que
havia sido gerada durante o processo de ingresso, da escolha do curso ao concurso vestibular,
foi consolidada em cada disciplina cursada. O sentimento era de amor à primeira vista; de
haver dado o passo certo; feito a escolha perfeita que combinou exatamente ao meu perfil de
adorar leituras, de vencer obstáculos, de conhecer os meus direitos e os meus deveres.
Dediquei-me inteiramente ao curso, buscando sempre as melhores colocações em
notas, concluindo-o no 2º semestre do ano 2008.
No ano 2009, para alcançar habilitação para prestar advocacia, realizei o Exame da
OAB, tendo minha aprovação em julho daquele ano, e o recebimento de carteira em outubro
do mesmo ano.
Nesta época já trabalhava como funcionária pública do município de Alvorada. E,
com o recebimento da carteira de habilitação para a advocacia, foi difícil conciliar as
atividades. Por determinado período fiz alguns trabalhos jurídicos (processos) para amigos,
familiares e certas indicações. E, em 2010, tive grande oportunidade de trabalhar no
escritório de advocacia de uma colega que era, também, procuradora do município. Atuando

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

na área trabalhista, permaneci prestando serviço no escritório por três anos, período em que
adquiri grande experiência na área do Direito do Trabalho.
Em 2013, fui convidada para exercer Assessoria Jurídica na Secretaria Municipal de
Educação. Oportunidade em que pude me qualificar quanto a direitos e deveres no
funcionalismo público, bem como na área de educação e do ECA.
No ano de 2015, me tornei mãe, licenciando-me do trabalho tanto na Prefeitura
Municipal, quanto na advocacia. Após o retorno da licença maternidade, fui convidada a
gerenciar o Conselho Tutelar do Município, oportunidade em que pude me qualificar, bem
como ganhar grande experiência nos Direitos da Criança e do Adolescente.
No ano de 2016, dei o pontapé inicial com a abertura de escritório de advocacia, no
município de Porto Alegre, composto por três advogadas negras. Neste escritório, fizemos
trabalhos de assessoria jurídica comunitária em diversas Agremiações e Escolas de Samba
de Porto Alegre e região metropolitana, atendendo gratuitamente suas comunidades.
No ano de 2018, foi o ano de aceitar um novo desafio, qual seja, de dar início a um
empreendimento próprio, vindo a instalar-me profissionalmente no município de Alvorada,
cidade que dispõe de grande demanda jurídica. Desde então, venho desempenhando a
advocacia no município, atuando nas áreas trabalhista, cível, família, previdenciário,
comercial e bancário.
Por fim, neste ano 2021, dei início a uma pós graduação em direito tributário, matéria
que também fará parte do meu campo de atuação.
Após esse breve resumo de minha trajetória, tenho que o curso de Direito oferece,
entre outras vantagens, o prestígio de ter um vasto conhecimento daquilo que é direito e/ou
dever. Ainda, é um curso que oportuniza seguir diversas carreiras. E, por que escolher a
advocacia? Exercer a advocacia é cumprir com uma função que é essencial à Justiça. E
acrescento que tem uma grande função social, pois ser advogado é, além de defender o
direito de seu cliente, orientá-lo, dirimir qualquer dúvida, mediar conflito. Ser advogada
requer sim muita coragem, e, esta profissão que escolhi seguir por plena identificação
pessoal.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Luiz Carlos Marques Jr.

Natural de Santa Cruz do Sul/RS, comecei minha trajetória profissional, ainda que
não ligada ao Direito, basicamente trabalhando na indústria metalúrgica/fumageira, setor que
é a principal economia da cidade. Vim de uma família humilde, como a grande parte da
população brasileira, então, desde cedo percebi que o estudo seria a grande motivação para
realizar sonhos e talvez a única saída na busca de uma vida digna e honrada.
Sempre tive aversão às injustiças, principalmente sociais, e é nesse contexto que o
Direito entrou na minha vida. Uma forma de ajudar as pessoas e um apoio fundamental para
auxiliar os menos favorecidos, que ainda hoje tem dificuldades imensas, tanto no acesso,
quanto na garantia na busca de justiça e de direitos.
Assim, com muita luta, consegui ingressar na faculdade, na Universidade de Santa
Cruz do Sul (UNISC), obtendo graduação no ano de 2008. Com a conclusão do curso, resolvi
sair do interior do Estado e buscar novas oportunidades na capital, Porto Alegre, no ano de
2009. Embora tivesse grande motivação em agarrar as melhores oportunidades, com unhas
e dentes, e com a ilusão de que, já formado, aa coisas seriam bem mais fáceis, provei na pele,
mesmo sendo na capital do Estado, que os negros, infelizmente, ainda têm que provar o seu
valor no mínimo o dobro de vezes do que qualquer outra pessoa.
Mesmo com o diploma na mão, não foram poucas às vezes que a porta foi fechada
na minha cara. E não por falta de um bom currículo, nem de uma boa apresentação. Não é
novidade que o racismo está enraizado na nossa sociedade, e ainda sentimos muito isso na
pele. Antes de conseguir um emprego na minha área de formação, depois muitas tentativas
e nãos recebidos, tive que trabalhar, para me manter, como estoquista, promotor de
marketing, soldador, entre outras coisas, mas sempre no sonho de conseguir atuar na minha
área, o qual nunca renunciei por mais que as dificuldades se apresentassem no horizonte.
Hoje, depois de muita luta, atuo na profissão que escolhi. Sou advogado e tenho
muito orgulho de exercer essa profissão, e ajudar, com o meu conhecimento, pessoas que

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

por circunstâncias da vida, não tiveram o mesmo acesso ao estudo e às mesmas


oportunidades que eu tive.
Embora não seja diferente de muitas histórias que estamos acostumados a ver, a
mensagem que eu deixo, principalmente para nosso povo negro, é que nunca devemos
desistir dos nossos sonhos. Mesmo que seja difícil, mesmo que tenhamos que provar todos
os dias o nosso valor, nunca podemos renunciar aos nossos sentimentos de querer sempre
uma vida melhor e mais digna, e principalmente ajudar a quem não tem as mesmas condições
nas quais estamos inseridos. Nunca, jamais, esquecer que a educação e o conhecimento
ninguém pode tirar da gente, e são os grandes pilares de transformação social, tanto pessoal,
quanto da coletividade.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Mateus da Silva Rosa Pereira

Brasileiro, advogado inscrito na OAB/RS sob nº 110.761, com endereço profissional na


Av. Guerino Pandolfo, nº 857, Sala 01, no centro da cidade de Riozinho/RS, CEP.
95.695-000, fone (51)984923504, e-mail: mateuspereira.jus@gmail.com.

Minha trajetória no meio jurídico teve início no mês de julho de 2013, quando eu, na
época com 23 anos, ingressei no Curso de Direito da Faculdade Cenecista de Osório
(FACOS-UNICENEC/OSÓRIO). Desde pequeno sempre gostei muito de estudar e sempre
tive muito apoio/incentivo da família, que, apesar de serem pessoas extremamente humildes,
sabiam da importância do conhecimento na vida das pessoas. Todos temos princípios e bases
que aprendemos com nossos pais e demais pessoas que nos cercam, e tive a felicidade de
sempre estar rodeado de pessoas sérias, honestas e comprometidas em sempre buscar dias
melhores trabalhando com ética, vigor e seriedade.
No começo do ano de 2016, já com mais ou menos 65 por cento do curso concluído
e muito instigado por tudo que envolve o curso de direito, em especial estar sempre na busca
incessante pela verdade, na luta por justiça e acreditando no direito como a melhor forma,
se utilizando de conhecimento para socorrer a todos que precisarem, em especial as pessoas
mais humildes e sem voz ativa em uma sociedade capitalista, enfim, foi neste momento que
as circunstancias da vida me levaram a trabalhar no meio jurídico. Foi então que comecei a
trabalhar em um escritório de advocacia, o qual foi de extrema importância para minha
formação, não apenas por ter colocado de fato em prática os ensinamentos obtidos na
faculdade, mas por ter reforçado os valores que aprendi desde pequeno, em destaque a
honestidade, a bravura e a ética, que entendo que sejam essenciais a qualquer trabalhador, e,
no que tange a advocacia, é dever de todo advogado cultuar valores e ir até o limite de suas
forças em busca de justiça.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Obtive aprovação no exame da ordem em outubro do ano de 2017, quando cursava o


último semestre de faculdade. Em 27 de dezembro de 2017 me tornei bacharel em direito e
no dia 6 de fevereiro de 2018 recebi a carteira de advogado. Logo após acertei minha saída
do escritório após 2 anos, agora para ter meu próprio escritório, passando a atuar na cidade
de Riozinho/RS, onde fui muito bem recebido. Vale destacar que Riozinho é uma cidade
colonizada por imigrantes em sua maioria italianos e poloneses, um pessoal de uma
simplicidade inigualável, famílias muito acolhedoras, onde, mesmo com um curto espaço de
tempo, já tive diversas oportunidades de ajudar pessoas e de certo modo poder ser visto por
todos como um advogado sério, batalhador e comprometido com a justiça e com a luta para
assegurar/garantir direitos.
Parafraseando o grande Dr Sobral Pinto, “advocacia não é profissão para covardes
“, esta é uma frase que carrego comigo sempre, pois tenho a coragem como uma
característica essencial de quem luta por uma advocacia livre e combatente. Peco pela
repetição, mas em menos de quatro anos de advocacia já tive a oportunidade de contribuir
para que a justiça fosse estabelecida em diversos casos e aproveito este espaço para renovar
o compromisso/juramento de exercer a advocacia com toda a garra que tenho, acreditando
no direito como a melhor forma para a convivência humana e utilizando a justiça para
socorrer a todos que precisarem.
Riozinho, 01 de novembro de 2021.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Paulo dos Santos Maria

Brasileiro, viúvo, advogado trabalhista, estabelecido em Porto Alegre.


Nascido em Canoas, no dia 20 de junho de 1957, filho de PEDRO MANOEL MARIA,
falecido aos 54 anos em 30 de julho de 1980 e de DORCELINA MARQUES DOS
SANTOS MARIA, falecida aos 81 anos em 13 de junho de 2013.
Nasci no Bairro Rio Branco em Canoas, onde reside, atualmente no Bairro da
Harmonia.

Filho mais velho de grupo de sete irmãos (um falecido logo após o nascimento) tive
na minha mãe, exemplo de dedicação e objetividade, sem desprezar a simplicidade do meu
pai, dedicado a prover a família.
Desde a mais tenra idade minha mãe sempre nos ensinou que ser negro também é
enfrentar as enormes dificuldades que teríamos em conviver numa área predominantemente
de brancos. Para isso teríamos que ser fortes, não nos envergonharmos da cor da pele, estudar
bastante porque nas mesmas condições, teríamos que ser tão bons quanto os brancos para
termos chances de crescimento.
Assim, aos sete anos incompletos fui matriculado na Escola municipal, alfabetizado
pela minha mãe. Sabia ler, escrever e algumas contas bem simples. Fiz teste para a segunda
serie, mas a direção da escola não permitiu, em razão da idade.
Desde o casamento meus pais moravam em casa alugada. Em 1964 já éramos três
filhos (Paulo, Roberto e Beatriz). Em 1965 fomos morar de favor no fundo da casa de
compadres de meus pais que chamávamos tios (Godofredo e Geni) onde permanecemos por
dois anos.
Com a economia dos alugueres meus pais conseguiram compras um terreno no
mesmo bairro, na Rua Boa Saúde, em 1967 onde construiu uma pequena casa de quatro
peças. O terreno, hoje numa rua bem prospera, continua na família, hoje residência do irmão
mais novo.

Minha mãe guerreira passou a fazer quitandas para que vendesse em fabricas e em
casas. Foram 7 anos de vendas de quitandas (pasteis e sonhos). De 1967 a 1973, de segundas

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

a segundas (de segundas a sextas-feiras no turno inverso a escola e nos sábados e domingos
em campos de futebol de várzeas). Já éramos cinco irmãos. A rotina de frituras diária era a
gordura da Beatriz, lavando os apetrechos.
Em 1973 meu pai conseguiu um emprego no escritório da empresa onde trabalhava
EBRAF S/A., onde conheci uma grande chefe e amiga, Dona Alda, no começo, e por último
ALDA simplesmente, quando nos tornamos amigos e confidentes nos últimos 40 anos.
Em 1978 ingressei na ARCON S/A. para trabalhar no departamento de pessoal, sob
as ordens do DR. AMARANTO GOMES DO NASCIMENTO, a quem devo a formação em
direito. Obrigou –me estudar, pena de pedra do emprego. Gratidão.
Em outubro de 1979 conheci a mulher da minha vida, ELISETE TERESINHA, mãe
dos meus filhos (Leandro e Ana Jessica) que o câncer me roubou em outubro de 2017.
Casamos em 26 de dezembro de 1981.
Houve época em que trabalhei na Rede pampa de comunicação.no Bairro Teresópolis
em Porto Alegre. Minha rotina: Morava em Sapucaia do Sul, trabalhava no Bairro
Teresópolis, (60 quilômetros) estudava na Unisinos em São Leopoldo (sessenta e quatro
quilômetros). Iniciava a rotina as 6:00 e que findava por volta das 23:00.
Em varias oportunidades quis desistir do curso. A Elisete não permitiu. Já tínhamos
o Leandro e a grana cada vez mais curta. Ela decidiu fazer curso de manicure e passou a
atender as pessoas dentro do nosso apartamento de 30 metros quadrados. Nas sextas feiras e
sábados era um entra e sai de mulheres. Foi com aqueles recursos que ela manteve a
alimentação da família, pelo menos por um ano e meio.
No decorrer do curso me aproximei de um conhecido de campo de futebol, apelidado
CAÇADOR. Também fazia direito na mesma universidade. Aquele sujeito fazia questão de
me esperar frente a faculdade para me dar caronas para canoas ou mesmo para Sapucaia
depois que me mudei. Chamava-se HEITOR VARGAS BABROSA ROESCH, meu melhor
amigo, e irmão já que nos tornámos avós das mesmas crianças (Isabela e Alexandre). Melhor
ser humano que conheci e que a vida nos levou em 19.11.2013.
Em 1987 conclui o curso de Direto, quando já trabalhava na área. Com o Dr.
Amaranto em Porto Alegre e com o Dr. Heitor a noite, em sábados e domingos.
Desde então tenho trabalhado, sempre na área trabalhista. E, claro, não fiquei rico.
Até porque ficar rico depende muito das tuas relações. Mas consegui criar meus filhos (o
primeiro advogado e a segunda, técnica em enfermagem) vivi momentos muito bons,
inimagináveis na minha infância e mantenho uma vida modesta (melhor que uns, pior que
outros).

Tenho, pois, a agradecer a minha mãe DORCELINA, pela tenacidade na formação


de todos os filhos, formação intelectual, mas principalmente moral, já que por muito tempo
sozinha, manteve uma família unida e sem qualquer reparo moral.
Minha sempre mulher ELISETE TERESINHA DA SILVA MARIA, pela
convivência, amor, dedicação, broncas e apoio em toda a minha vida-

Agradecimento aos meus amigos e incentivadores, Dr. AMARANTO e DR.


HEITOR ROESCH, meu irmão Branco.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Agradecimento aos irmãos, ROBERTO, BEATRIZ, JORGE, GENI e SERGIO, pela


parceria de uma vida.
Agradecimento aos amigos, que não vou nominar, para não esquecer nenhum.
Agradecimento e desculpas aos meus filhos, por não ser talvez o pai que desejariam
ter.
Deus nos guie.
Canoas, 28 de abril de 2020.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Rudinei Horst

Advogado negro, da turma dos Direitos humanos, formado pela UNIJUI, em 2017.

Sou filho de Martina Zenir Horst e Romeu Rudi Horst, criado pela mãe, com uma
participação muito especial da avó paterna a querida e sempre amada Anna. Sou o mais
velho entre três filhos, minha mãe com muita dificuldade, trabalhando como empregada
doméstica, nos criou, sempre me orientando como me tornar um bom funcionário, este era
o tamanho da nossa perspectiva.
E assim, trabalhei como Aux. de obras, metalúrgico, vendedor, mas o desejo de
advogar ainda resistia, porém, precisando cuidar da família, o sonho foi ficando de lado.
Em 2010, já com 35 anos, surgiu a oportunidade através do PROUNI, ingressei na
UNIJUI, em 2016 aprovado no XX Exame da Ordem, 2017 me formei, mesmo ano que
passei a advogar com a inscrição 110.591 OAB/RS.
Fui o primeiro dos mais de 150 descendestes de meus avós a alcançar o diploma de
ensino superior, e isto não é somente mérito meu, foi fundamental a educação de minha mãe,
o cuidado de minha avó, a sempre inspiradora atuação do amigo que se tornou meu professor,
orientador e agora colega de profissão, Dr. Sergio Luiz Fernandes Pires, que com sua
trajetória me inspirou e muito contribuiu na minha formação.
A trajetória até a formatura, a obtenção do registro profissional foi marcada por
vários obstáculos, sentindo sempre a discriminação estrutural caracterizada pela falta de
oportunidade, cresci em um bairro construído em programa habitacional popular, em escola
pública próxima, eu assim como a maioria esmagadora dos meus vizinhos e colegas éramos
negros, lembro-me de colegas que atuaram no Grêmio Estudantil, com sonhos do tamanho
do meu, e todos tinham a mesma ou mais capacidade pessoal para realiza-los, mas a falta de
oportunidade, o lugar destinados a nós em uma sociedade com tamanho racismo estrutural
não é o que sonhamos,
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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Hoje ainda encontro muitos destes colegas que são amigos alguns clientes, e por
muitas vezes me entristeci, por saber que, se fosse mérito, muitos tinham mais do que eu, o
que não tiveram foi a chance.
Assim, dedico meu trabalho a tentar de alguma forma mudar esta estrutura.
Formada em Direito pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul, e inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil Secção Rio Grande
do Sul em novembro de 2019. Advogada Previdenciarista, membro da Comissão
Especial da Igualdade Racial – Ijuí, CEIR OAB/RS, e membro da Comissão de
Seguridade Social – Ijuí, OAB/RS.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Silvia Cerqueira

Presidente da CNPI do CFOAB

As mulheres negras ao longo da história do Brasil sempre protagonizaram a


resistência transformadora dos espaços de luta para garantir a liberdade, a diversidade e o
combate ao racismo institucional.
Sempre numa caminhada de insurreição contra o poder hegemônico traçado e
imposto pela sociedade branca, machista e elitista que sempre ditou a subalternização, dessas
mulheres, estas, ingressaram na terra “brasilis” na condição de mercadoria, modalidade de
semovente, superando a travessia do Atlântico e sobrevivendo á rota dos tubarões. Graças a
sua resiliência venceram às primeiras intempéries apresentadas e aqui aportaram para
construírem uma nova narrativa.
Expostas no comércio local como bens para transação comercial, cuja propaganda
perpassava desde as habilidades domésticas até a serventia como objetos sexuais, nessa
condição experimentavam duplo sofrimento praticado pelo (senhor de escravos e pela sinhá
por ciúmes); estas mulheres após a abolição da escravidão em 13 de maio de 1988, foram
jogadas à sua própria sorte, acompanhadas das suas famílias.
A partir do “day after” foram obrigadas a colocarem os seus tabuleiros nas cabeças
para venderem quitutes e as vísceras descartadas dos animais utilizados para alimentação da
casa grande, e dessa foram, garantiam o sustento da família; e nessas circunstâncias e época
foram empurradas para fora dos centros das metrópoles, passando a povoar as encostas,
morros e favelas enquanto integrantes também da população marginalizada, como
consequência da abolição, passando a ocuparem os espaços da cidade que não ofereciam
condições mínimas de habitação, saúde, etc, sem desfrutar o mínimo indício de dignidade
humana.
Apesar dessa trajetória, elas evoluíram significativamente, com as luzes e os registros
trazidos pelo feminismo negro que de forma adequada foi o percursor dessa transição,
avançando para um pensar e agir, cujas experiências trazem para a sociedade enfoques das
questões das suas vulnerabilidades, com destaque para o recorte de raça e classe social sem

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

perder de vistas os aspectos históricos e culturais que demarcam o lugar de ocupação delas
na sociedade brasileira.
Nessa linha de pensamento, convém fazer referência a filósofa e antropóloga Lélia
Gonzales, que sinaliza a necessidade da construção de uma nova interpretação acerca do ser
Mulher negra, enquanto sujeito, considerando as suas experiências vividas, mas sem
naturaliza-las.
Assim, segundo Flavia Rios e Márcia Lima, citando Lélia, dizem elas; a filósofa
entendia que as representações por exemplo: a mãe preta e mucama, doméstica e mulata
eram estereótipos em torno da mulher negra que limitavam o lugar destas na sociedade.
Nessa compreensão vai de mucama a mulata profissional, de mãe preta a doméstica,
fazendo com que a luz desses binômios considerados, as mulheres negras transitem em uma
linha tênue entre a esfera doméstica e o mundo do trabalho, cuja delimitação permanece
imprecisa, dificultando a sua mobilidade e ascensão social.
Nesse contexto o papel das políticas públicas, notadamente as ações afirmativas têm
sido um divisor de águas, sobretudo como medida efetiva de redução de desigualdades;
garantindo e viabilizando o acesso de negras e negros a academia, possibilitando o exercício
do poder do conhecimento.
Acontece que embora essas medidas sejam um instrumento de garantia de acesso,
com vistas a equidade, fatores de outra natureza e externo impedem maiores avanços nessa
seara por que, independentemente do nível, intelectual, social, cultural econômico e
financeiro que as mulheres possam galgar, a eugenia se fará presente porque está impregnada
no imaginário coletivo, que disseminou a ideia de inferioridade e consequentemente a
incapacidade dos negros em razão da cor da pele em detrimento dos não negros considerados
superiores e consequentemente detentores de capacidade.
As teorias filosóficas foram encomendadas a exemplo da que foi desenvolvida pelo
Conde Gobineau, pai do Gobinismo seguido por Nina Rodrigues dentre outros,
determinando a exclusão de negras e negros dos espaços de poder.
Assim, a representatividade da mulher negra, no particular, foi em muito prejudicada
por essas ideias, principalmente nas instituições, as quais assimilaram e repercutiram por via
das representações dos seus gestores as discriminações e preconceitos de raça, cor, etnia ,
classe social etc, e o próprio racismo, tentando inclusive justificar a ausência de negros nas
entidades por questões meritocráticas, considerando o mérito o remédio para suprir todos os
males, afastando a responsabilidade das estruturas sociais marcadas pelo preconceito e pelas
discriminações, atribuindo os insucessos e falta de crescimento aos próprios grupos
vulnerabilizados, por entender que o mérito tão somente como caráter individual daria conta
do desenvolvimento e sucesso de todas as pessoas, abstratamente, nas respectivas áreas de
atuação.
Aqueles que assim compreendem asseveram que não há barreiras intrínsecas para o
sucesso individual.
Porém, trazendo a contraprova e pondo em destaque o fator gênero; não é verdade
que tanto faz ser homem como ser mulher; tampouco no viés racial e étnico, não é verdade
que tanto faz ser negro ou ser branco, ser deficiente ou não deficiente; ser rico ou ser pobre
e por aí vai. Porque no sentido social de cada um desses grupos, existe uma diferença na

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

experiência de vida, de tratamento e de oportunidades; que não são distribuídas por raça,
gênero, classe social etc, na mesma proporcionalidade. Que são consideradas variantes
diretas e determinantes, que se refletem na possibilidade direta de acesso a bens e serviços
que estão disponíveis nas estruturas que fazem parte do universo das necessidades e da
sobrevivência humana, que devem ser asseguradas pelos entes públicos e privados.
Assim, a partir da década de 70, o coletivo de mulheres negras investiu na concepção
de uma outra mulher negra, preservando a sua ancestralidade, suas características sociais e
culturais, mas, elaborando uma desconstrução potente do senso comum que permeava no
imaginário coletivo, a partir do caráter eugênico e hegemônico com relação a essas mulheres.
Assim, todo esse sentimento ficou posteriormente bem definido em 1992, na
República Dominicana, em Santo Domingos, reforçado por momentos simbólicos muito
fortes como o reconhecimento em 2 de junho de 2014, através da Lei nº 12.987, o dia 25 de
julho como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, mulher que liderou
entre 1750 e 1770, após a morte de seu companheiro, José Piolho, o Quilombo do Quariterê,
dentre outros atos que agregados resultaram marcantes para a afirmação da mulher negra no
Brasil, bem como em outros países da américa latina com repercussão no mundo.
Com essa breve digressão, é possível falar na representatividade institucional hoje,
precisamente no sistema da OAB, e a partir daí falar do ganho histórico com a aprovação da
resolução nº 05/2021, que normatizou 30% das cotas raciais na OAB com repercussão em
todos os órgãos nacionalmente da entidade.
Pela primeira vez foi inserido na instituição a paridade negra entre advogadas e
advogados negras (os) em todos os cargos e órgãos, garantindo o tratamento equânime,
considerando os 30% de advogadas e advogados negras (os) na ordem, para viger durante
10 (DEZ) eleições, prevalecendo no período de 2021 a 2048.
Esse é um marco histórico, seguramente o mais importante dos últimos 90 anos de
existência da instituição, guardando manifesta constitucionalidade, enquanto ação
afirmativa, essa medida, alterou o caput e os parágrafos 1o e 2o do art.131, o art. 156-B e o
art. 156-C do Regulamento Geral do EOAB, do Provimento 202/2020 do CFOAB que altera
o art. 7o do Provimento 146/2011.
Esse quantitativo deverá ser entendido como quantitativo mínimo a ser considerado
na ocupação das vagas.
Nessa narrativa que é histórica ratificando, convém socializar ser imperiosa a
exigência do cumprimento desse percentual, bem como a aplicação da paridade, sob pena
das inscrições das chapas serem inviabilizadas, se não houver o preenchimento deste
requisito, cujos concorrentes as vagas terão que se autodeclararem pessoas negras.
Por fim, a paridade negra foi mais um movimento encabeçado pelas mulheres
advogadas que aliadas a Comissão Nacional de Promoção da Igualdade do CFOAB, das
Ceirs seccionais presididas majoritariamente por mulheres, pelo movimento negro e o
movimento social brasileiro articulou e garantiu uma votação histórica no dia 14/12/2020
pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que por maioria dos
Conselheiros Federais, com o apoio integral da diretoria executiva, foi normatizada a
verdadeira paridade da advocacia negra de advogadas e advogados, no percentual de 30%

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

consolidando o ideário democrático que permeia a instituição cuja articulação efetiva baniu
e corrigiu essa desigualdade existente traçando uma nova página na história da OAB.

BIBLIOGRAFIA
A Escravidão Laurentino Gomes.
Rose Marie Muraro sexualidade Da Mulher Brasileira.
Lélia Gonzales a Mulher Negra e na Sociedade Brasileira.
Caio Prado Jr. , Formação do Brasil Contemporâneo.
Robin Diangelo, Não Basta Não Ser Racista Sejamos Antirracista.
Poder de Saia Na Bahia, Silvia Cerqueira.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Tatiana Metzdorf Viana

Advogada, mulher e negra. Sou filha de pai, sapateiro (in memoriam) e mãe, do lar,
que deixou a vida laboral para cuidar da casa e dos filhos.
Sempre tive em meu coração, a empatia, a capacidade de me colocar no lugar do
outro. Lembro de inúmeras vezes na escola, defender colegas que eram diminuídos em razão
da sua classe social, da cor da pele, do corpo, etc. Sim, na infância ficamos inúmeras vezes
diante de situações de preconceito. Talvez não saibamos assimilar no momento, mas
sentimos.
Esse sentimento sempre me fez pensar que nós podemos fazer algo melhor no mundo
e deixa-lo mais justo.
Sempre gostei muito de estudar, e sonhava em fazer faculdade. Era um sonho muito
distante, pois sabia que meus pais nem de longe iriam poder me bancar.
Desde a adolescência fazia faxinas, era babá, para ter o meu próprio dinheiro, mesmo
que não era muito, já fazia me sentir com liberdade. Ah, como é bom ganharmos nosso
próprio dinheiro né; isso faz com que valorizemos o dos nossos pais, e sejamos gratos pela
vida que eles nos proporcionam.
Então, após a conclusão do ensino médio, fiz curso de menor aprendiz, e logo
consegui um estágio. Após o término do estágio, fui contratada na empresa, era o que eu
queria no momento. Nesta empresa me destaquei e fiquei como subgerente (2ª pessoa da
empresa). Sempre gostei de ter responsabilidades, de ser líder.
Anos depois fui para outra empresa que era meu sonho trabalhar, e durante o contrato
fiz vestibular para administração, passei, mas não tinha me preparado financeiramente e
acabei não ingressando na faculdade.
No próximo ano, em 2012, prestei vestibular para Direito, passei, e como já havia me
preparado ingressei na tão sonhada faculdade. Um sonho mesmo, só quem passou, sabe do
valor que é poder entrar em uma faculdade privada no Brasil.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

As mensalidades eram caras, e não sabia se iria pode continuar. O medo era
constante, de que a qualquer mês não iria ter dinheiro para mantê-la.
Fiz minha inscrição no FIES (Fundo de Financiamento Estudantil), e consegui 100%,
ou seja, não precisei pagar nada de mensalidade durante a faculdade inteira. Na época foi a
melhor coisa que me aconteceu, pois sabia que não iria precisar trancar a faculdade.
Entretanto hoje pago a conta, que não é barata, mas graças a Deus a minha advocacia me
possibilita adimplir todas as minhas obrigações.
Era casada, e inclusive ele também é formado em direito (culpa minha, rs), e em 2014
engravidei e tivemos a nossa primogênita Maitê, em agosto de 2015. O susto foi grande,
muitas coisas passaram pela minha cabeça, e agora, minha faculdade, vou ter que desistir,
não vou conseguir, era cheia de crença limitante, que com o tempo pude superar. Graças à
nossa rede de apoio que era grande, não desisti, e continuei a faculdade normalmente, nem
trancar precisei. A Maitê foi o nosso 1º diploma (rsrsrs).
Em 2016, engravidei novamente, e em agosto de 2017 tivemos o nosso menino
Anthoni, nosso 2º diploma (rsrsrs). Agora sim, eu tinha que desistir, imagina só, ano de
iniciar o TCC (Trabalho de Conclusão de Curso), não ia dar conta. Duas crianças pequenas.
É impossível.
Durante a faculdade fiz estágio em um órgão público, e após consegui um estágio em
um escritório bem renomado aqui da minha cidade.
Neste período, continuei lutando diariamente, minha vida era estágio, filhos,
faculdade. Isso durou um bom tempo. Passamos muito sufoco, mas conseguimos, e em
agosto de 2018 me formei em Direito (huhul).
A primeira filha a formar em uma faculdade, era o sonho do meu pai, mas
infelizmente ele não pode estar presente na minha formatura. Sei que deve estar muito
orgulhoso da mim.
Após me formar, fui contratada no escritório onde fazia estágio, mas já percebendo
que não iria ter liberdade de tempo, geográfica e financeira, decidi pedir demissão, para fazer
a prova da OAB, e seguir meu caminho de advogada autônoma. Não foi uma decisão fácil
não, afinal, tinha dois filhos pequenos, mas as vezes temos que ter coragem para seguir
nossos sonhos em busca de uma vida mais digna.
Fiz a OAB e peguei a tão sonhada Carteira de Advogada em novembro de 2019. Mais
um objetivo alcançado.
Como eu já mencionei anteriormente, sempre tive em meu coração o desejo de
colaborar de alguma forma por um mundo mais justo, e desde o início da minha advocacia
trabalhei com direito previdenciário. Me especializei nesta área e trabalho somente nesta
área. O direito previdenciário nos permite fazer a diferença neste mundo, através da busca
pelo reconhecimento de direitos sociais das pessoas. É uma área que nos impulsiona
diariamente a fazermos o melhor e sermos melhor enquanto humanos. Posso dizer que sou
realizada nesta profissão e nesta área de atuação.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Hoje, escrevendo este texto, pude relembrar muitos obstáculos que enfrentamos no
decorrer das nossas vidas, em decorrência de sermos negras e também por sermos mulheres.
Mas o que posso afirmar é que são os obstáculos que nos impulsionam a fazer um mundo
melhor e mais justo. É a luta diária para nos colocarmos em qualquer lugar que quisermos.

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Tatiane da Rosa Pinheiro Sampaio

Prezados(as) leitores(as), é com gratidão que venho contar um pouco da minha


trajetória acadêmica e profissional.
Minha família é de origem humilde, somos da cidade do Alegrete, interior do Estado
do Rio Grande do Sul. Uma família chefiada por mulheres negras que tem sentido na pele
todas as dificuldades que a vida apresenta, sendo as principais as de origens educacionais
e financeiras.
Com esta breve introdução, posso expor uma parte da minha vida. Sou Tatiane da
Rosa Pinheiro Sampaio, advogada, mãe e outros mais títulos que ganhamos ao longo da
vida.
A minha vida acadêmica foi muito tumultuada, pois eu sempre sonhei em fazer uma
faculdade, pois via sempre minha mãe indo para a faculdade, na época eu contava com
apenas 5 anos de idade, de fato ela ingressou na faculdade de Letras da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, sempre foi muito dedicada e eu a admirava
imensamente por isso. Foi desse jeito que meu sonho começou.
Minha tentativa de ingressar na mesma universidade foi frustrada, porém, não
poderia desistir do meu sonho que era advogar para a defesa dos menos favorecidos, pois
acredito que todos devem ter seus direitos garantidos e sonho com uma sociedade mais
justa e igualitária.
Minha história acadêmica iniciou na faculdade LaSalle, em Canoas/RS no ano de
2005, eu não podia pagar todas as cadeiras (fazer o semestre integral com todos os meu
colegas, e tampouco havia um fiador para ter tipo de financiamento estudantil), mas iniciei
fazendo apenas 3 cadeiras do primeiro semestre. Porém, após a conclusão deste semestre,
por questões financeiras, não me matriculei no próximo semestre e este intervalo durou
mais dois anos. Foi quando decidi ir para o Centro Universitário Ritter dos Reis, no ano de
2008/1 ingressei novamente na faculdade de DIREITO - Ciências Jurídicas e Sociais.

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TRAJETÓRIAS DA ADVOCACIA NEGRA

Nesta nova etapa da minha vida, também não foi nada fácil, pois minha família que
é formada pela minha avó, duas tias e minha mãe, me apoiaram integralmente neste sonho
de me tornar uma advogada. Ainda assim, a barreira econômica era constante. E com a
ajuda de todas elas, após longos anos que continuei lutando, consegui me formar no ano
de 2017/2.
Nesta trajetória academia ocorreram alguns fatos que quase me impediram de
realizar meu sonho, dentre eles a dificuldade de encontrar um bom emprego e pagar a
faculdade.
Desde o primeiro semestre, já fui logo procurando um estágio ou emprego, algum que
eu pudesse conciliar com os estudos, mesmo com a ajuda de familiares, que sem elas eu
não teria conseguido, sempre foi muito difícil. Eu estudava um semestre, trancava o outro,
quando eu conseguia algum programa de incentivo, sempre algo acontecia e eu, novamente
trancava a matrícula.
Eu pensei em desistir em vários momentos, mas minha família e uma amiga, jamais
deixaram de me apoiar. Até que o momento da formatura, enfim chegou e consegui
concluir o curso.
Mas as dificuldades apenas começaram, pois a busca de um lugar no mercado de
trabalho foi muito difícil, porém não impossível. Foi quando decidi advogar de forma
autônoma e com muitos colegas de apoio, a rede apenas cresce.
Enfim, este é um breve relato sobre a minha vida, pois não se pode expor em poucos
parágrafos a felicidade de ser mãe, o desespero de ter sido antes da conclusão de curso, os
percalços ocorridos durante a faculdade e toda a dificuldade encontrada hoje no mercado
de trabalho, principalmente por olharem para mim e duvidarem da minha capacidade pela
cor da minha pele.
Mas jamais vou desistir e ninguém vai me parar!
Obrigada a todos(as)!

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