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Precatórios:

problemas e soluções

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Or land
Orland o Vaz
lando
Coordenador

Precatórios:
problemas e soluções

Belo Horizonte – 2005

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Copyright © 2005 by Livraria Del Rey Editora Ltda e Centro Jurídico Brasileiro.
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Revisão: Sílvia Maria Mascarenhas Vianna

Direito agrário

Precatórios: problemas e soluções /


P923 Orlando Vaz, coordenador. – Belo Horizonte: Del Rey; Centro
Jurídico Brasileiro, 2005.

328 p.

ISBN 85-7308-782-X

1. Precatórios. I. Vaz, Orlando.

CDD: 341.34
CDU: 351.711

Bibliotecária responsável: Maria da Conceição Araújo


CRB 6/1236

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LISTA DE AUTORES

ORLANDO VAZ
Advogado. Membro da Academia Mineira de Letras. Membro do Con-
selho Superior do Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Membro
do Conselho Diretor do Centro Jurídico Brasileiro – CJB. Professor-
Examinador da Universidade de Paris.

FERNANDO RIBEIRO DE OLIVEIRA


Presidente do Instituto dos Advogados de Minas Gerais.

MÁRCIO ANTÔNIO ABREU CORRÊA DE MARINS


Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

HUMBERTO THEODORO JÚNIOR


Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG. Desembargador
aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

JOSÉ OTÁVIO DE VIANNA VAZ


Advogado. Especialista em Direito de Empresa pela Fundação Dom
Cabral. Mestre em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da
UFMG. Professor de Direito Tributário na Faculdade de Direito Mil-
ton Campos. Doutorando em Direito Tributário na UFMG. Membro
do Instituto dos Advogados de Minas Gerais.

ISABEL VAZ
Doutora em Direito Econômico pela Faculdade de Direito da UFMG.
Diretora do Centro Jurídico Brasileiro – CJB. Diretora do Departamen-
to de Direito Econômico e Financeiro do Instituto dos Advogados de
Minas Gerais – IAMG. Professora de Direito Econômico dos Cursos de
Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Direito da UFMG.

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JOSÉ GUILHERME VILLELA
Ex-Professor da Faculdade de Direito da UFMG e da Universidade
Nacional de Brasília – UNB. Ministro do Tribunal Superior Eleitoral –
TSE. Membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais e do Dis-
trito Federal. Advogado perante os Tribunais Superiores.

SEBASTIÃO ALVES DOS REIS


Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça. Professor aposen-
tado da Faculdade de Direito da UFMG. Ex-Professor da PUC-MG, da
Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG e da Universidade Fede-
ral de Brasília. Presidente do Centro Jurídico Brasileiro – CJB.

VICENZO DEMETRIO FLORENZANO


Bacharel e especialista em Economia. Bacharel em Direito. Mestre
em Economia pela UFMG. Especialista em Teoria da Regulação pela
George Washington University. Doutor em Direito Econômico pela Fa-
culdade de Direito da UFMG. Professor do Curso de Mestrado em
Direito da UNINCOR – Universidade do Vale do Rio Verde de Três
Corações – e de Direito Econômico da PUC-Minas.

Debatedores
CARLOS BASTIDE HORBACH
FERNANDO NETO BOTELHO
HUMBERTO THEODORO JÚNIOR
NILSON REIS
PEDRO CARLOS BITENCOURT MARCONDES
VINCENZO DEMETRIO FLORENZANO

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SUMÁRIO

Nota do Coordenador
Orlando Vaz ............................................................................................. xi

APRESENTAÇÃO
PARA JUSTIFICAR UMA “JORNADA DE ESTUDOS”
Orlando Vaz ............................................................................................. 1

PARTE I
“JORNADA DE ESTUDOS”

CAPÍTULO 1
ABERTURA DOS TRABALHOS
1. Pronunciamento do Presidente do Instituto dos Advoga-
dos de Minas Gerais – IAMG.
Dr. Fernando Ribeiro de Oliveira................................................ 41
2. Pronunciamento do Presidente do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais
Desembargador Márcio Antônio Abreu Corrêa de Marins......... 42

CAPÍTULO 2
A EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA E OS
CRÔNICOS PROBLEMAS DO PRECATÓRIO
Humberto Theodoro Júnior ........................................................................ 45

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CAPÍTULO 3
LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO, COM-
PENSAÇÃO E PODER LIBERATÓRIO
José Otávio de Vianna Vaz ...................................................................... 77

CAPÍTULO 4
DEBATES ............................................................................................. 139
Coordenador
Desembargador Nilson Reis
Debatedores
Procurador Carlos Bastide Horbach / Juiz Fernando Neto Botelho
Dr. Humberto Theodoro Júnior / Juiz Pedro Carlos Bitencourt Marcondes
Professor Vincenzo Demetrio Florenzano

PARTE II
CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

CAPÍTULO 1
O ESTADO DE DIREITO E A QUESTÃO DOS
PRECATÓRIOS
Isabel Vaz ................................................................................................. 167

CAPÍTULO 2
ADVOCACIA NOS TRIBUNAIS SUPERIORES
José Guilherme Villela .............................................................................. 179

CAPÍTULO 3
PRECATÓRIO JUDICIAL E CESSÃO DE CRÉDITO
Sebastião Alves dos Reis ........................................................................... 207

CAPÍTULO 4
A EMENDA CONSTITUCIONAL N. 30, DE 13.9.2000,
SOB A PERSPECTIVA DA ANÁLISE ECONÔMICA DO
DIREITO
Vincenzo Demetrio Florenzano ................................................................. 217

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P A R T E III
JURISPRUDÊNCIA

ANEXO A
INTERVENÇÃO FEDERAL N. 2.915-5 – SP ......................... 239

ANEXO B
ADIN N. 1.662-7 – SP ........................................................................ 269

ANEXO C
ADIN N. 2.851-1 – RO ...................................................................... 307

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NOTA DO COORDENADOR

PRESENÇAS E LEMBRANÇAS

Creio dizer, na apresentação desta coletânea, Precatórios: problemas e


soluções, o que incumbiria ao coordenador falar, na medida em que dis-
corria sobre tema controvertido e sobre autores que lhe apontavam
caminhos e soluções. Trata-se da contribuição de operadores do direi-
to para o equacionamento de problemas crônicos e de difícil solução.
Teria faltado uma nota, ora introduzida, para realçar personalidades,
verdadeiros cultores do Direito, que me ajudaram a formar o Centro
Jurídico Brasileiro – CJB. Dois deles foram meus professores na Facul-
dade de Direito da UFMG e já se ausentaram da vida terrestre, Gerson
de Britto Mello Boson e Raul Machado Horta. Outro, o Ministro Sebas-
tião Alves dos Reis, é convivência diária e prazerosa de minha vida de
advogado, presidindo, desde o nascedouro, esta entidade que nos con-
grega e nos direciona na solução de dificuldades na área jurídica.
Dedico este trabalho, portanto, a essas três figuras notáveis, que me
transmitiram inesquecíveis lições e sem a presença das quais, ao lado
de Isabel Vaz, minha dedicada mulher, não me teria sido possível exer-
cer a advocacia em escaladas assim intensas.

Belo Horizonte, maio de 2005.

Orlando Vaz
Membro do Conselho Diretor do Centro Jurídico Brasileiro – CJB
E-mail:orlandovaz@centraldeprecatorios.com.br

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PARA JUSTIFICAR UMA “JORNADA DE ESTUDOS” 1

APRESENTAÇÃO PARA JUSTIFICAR UMA


“JORNADA DE ESTUDOS”
Orlando Vaz

Sumário
1. Precatórios: introdução aos estudos e explicações iniciais. 2.
Novo marco regulatório não teve ainda eficiente aplicação. 3.
Uma jornada de estudos sobre precatório: impulso novo. 4.
Abertura dos trabalhos. 5. Posições apresentadas na “Jornada
de Estudos” pelos Professores Humberto Theodoro Júnior e
José Otávio de Vianna Vaz. 6. Os debatedores da “Jornada de
Estudos”. 7. Um mercado de precatórios em formação. 8. Pre-
sença necessária do sistema financeiro nacional. 9. Outros traba-
lhos publicados e a metodologia de suas inserções. 10. O Esta-
do de Direito e a questão dos precatórios. 11. Advocacia nos
Tribunais Superiores. 12. O instituto da cessão de créditos. 13. A
jurisprudência colacionada. 14. ADIN n. 1.622-7-SP no âmbito
da Justiça do Trabalho. 15. Intervenção Federal n. 2.915-5 – São
Paulo. 16. A ADIN 2.815-1-Rondônia. 17. Palavras finais.

1. PRECATÓRIOS: INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS E


EXPLICAÇÕES INICIAIS

Quando as Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal


promulgaram a Emenda Constitucional n. 30, de 13 de setembro de
2000, que alterava o texto do art. 100 da Constituição da República e
introduzia o art. 78 no Ato das Disposições Constitucionais Transitó-
rias (ADCT), lá se vão quatro anos e seis meses, os operadores do
Direito passaram a confiar em solução efetiva e prática para o pagamen-
to dos precatórios.
O jornalista Dídimo Paiva, sempre atento, editor de “Opinião” do
jornal Estado de Minas, pediu-me que escrevesse artigo (máximo de 53
linhas com 72 batidas era a recomendação), no qual, como advogado,
pudesse emitir opinião sobre a matéria a partir de então regulada pelo
legislador constituinte brasileiro. As pendências eram conflituosas em
APRESENTAÇÃO

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2 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

milhares de demandas e se arrastavam havia anos, com os credores


tentando receber o que lhes era devido, e os devedores, entes públicos
nas esferas principalmente dos Estados-Membros e dos Municípios,
procurando procrastinar os pagamentos.
De modo ligeiro, em tema tão amplo e em espaço tão curto, atendi
ao pedido (Estado de Minas, de 3.11.2000, p. 6) e escrevi o artigo enco-
mendado, começando por explicar o significado de “precatório”. Preca-
tórios são sentenças judiciais condenatórias contra a Fazenda Pública,
que, depois de transitadas em julgado e após a expedição dos requisitó-
rios em 1º grau, adquirem nos tribunais a denominação e a forma de
precatórios, representando dívidas das Fazendas, que são previstas nos
orçamentos públicos e que devem ser regularmente pagas.
Disse que não existia, na prática, até a edição da Emenda Constitucio-
nal n. 30, certeza de que ocorreria o pagamento, observando que, nas
circunscrições regionais, os presidentes dos Tribunais se dirigiam aos go-
vernadores, solicitando deles providências de intervenção por
descumprimento de decisão judicial (art. 90, XV, da Constituição do Es-
tado de Minas Gerais, por exemplo). Afirmei que os governadores, por
razões diversas, não decretavam a intervenção, permanecendo um impasse
que desafiava a autoridade e a autonomia do Poder Judiciário. Em boa
verdade, os governadores não decretavam a intervenção nos Municípios
porque, eles próprios, na condição de chefes do Poder Executivo dos Es-
tados, não pagavam e não pagam os precatórios da Fazenda Pública esta-
dual e descumprem, assim, as decisões emanadas do Poder Judiciário.
A organização político-administrativa do Brasil (art. 18 da C.F.),
que prevê a autonomia dos Estados, anda capenga, pois nem os Pode-
res Executivo e Judiciário, em matéria de pagamento de precatórios,
nas circunscrições regionais, respeitam-se e se harmonizam.

2. NOVO MARCO REGULATÓRIO NÃO TEVE AINDA


EFICIENTE APLICAÇÃO

Acreditei no novo marco regulatório, em vigor a partir de 13 de


setembro de 2000, data da publicação da emenda, e por meio do qual
seriam transferidas para os presidentes dos Tribunais responsabilida-
des maiores e mais rigorosas. Os governadores de Estado e o Presi-
dente da República estariam afastados da questão do pagamento dos
precatórios, esse era o pressuposto de então, pois outras opções se
APRESENTAÇÃO

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PARA JUSTIFICAR UMA “JORNADA DE ESTUDOS” 3

apresentavam aos credores, a de formação de um mercado de precató-


rios inclusive, até aquele momento inexistente.
Entre as inovações ocorridas com a edição da Emenda Constitucio-
nal n. 30/2000, destacava-se a competência do Presidente do Tribu-
nal para a “liquidação regular de precatório”, sob pena de, retardando
ou frustrando seu pagamento, “por ato comissivo ou omissivo [...]”,
incorrer em “crime de responsabilidade”. Já estava em vigor, desde 4
de maio de 2000, a Lei Complementar n. 101, a chamada Lei de Res-
ponsabilidade Fiscal, circunstância que obrigaria o administrador pú-
blico, sob pena de crime de responsabilidade, ao cumprimento da lei.
Outros mecanismos foram criados pela Emenda Constitucional n.
30 para garantir pagamentos e recebimentos de precatórios. Estavam
previstos, sobretudo, no art. 78 do Ato das Disposições Constitucio-
nais Transitórias. Os entes públicos ganharam o privilégio de pagar, no
prazo de até 10 anos, em prestações anuais, iguais e sucessivas, as
suas dívidas e obrigações, em moeda corrente e pelo seu valor real (prin-
cipal e correção), acrescidas de juros legais de 6% ao ano. Conferiu-se ao
credor, por outro lado, o direito de ceder seus créditos e de decompô-los
a seu critério. As prestações teriam pagamento anual, isto é, deveriam
ser pagas até 31 de dezembro de 2000. As Fazendas Públicas estariam
obrigadas a depositar, segundo o número de parcelas que escolhessem,
os valores correspondentes aos precatórios pendentes. Se não o fizes-
sem, a partir de janeiro de 2001, os valores não recebidos serviriam para
“pagamentos de tributos da entidade devedora”.
Pretendeu a nova disposição constitucional obrigar as Fazendas Pú-
blicas municipal, estadual e federal, acaso inadimplentes, que deixas-
sem de pagar os precatórios judiciais, em vez de arrecadar tributos (IPTU,
ISSQN, ICMS, IPI, COFINS, IR e outros), a receber valores relativos
aos precatórios, quer dizer, papel em lugar de dinheiro. O § 2º do art. 78
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, por isso mesmo,
introduziu o mecanismo do “poder liberatório do pagamento de tributos
da entidade devedora”. A questão está muito bem apresentada nos tra-
balhos desta coletânea pelos especialistas que nela colaboraram, alguns
dos quais são citados e acolhidos pelos Tribunais Superiores do País.
Há, contudo, de se constatar e reconhecer que a Emenda Constitu-
cional n. 30/2000, de modo efetivo e prático, não ofereceu solução
definitiva, ainda, para que os credores recebessem os valores contidos
nos precatórios de que são titulares. Refiro-me aos débitos das Fazen-

APRESENTAÇÃO

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4 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

das municipal e estadual, pois as dívidas de precatórios da União Fe-


deral, embora parceladas, estão sendo rigorosamente pagas e em dia.
Demonstrarei adiante que os mecanismos legais existentes para os
pagamentos e recebimentos dos precatórios, não obstante as dificul-
dades enormes encontradas, estão em vigor, podem e devem ser acio-
nados pelos operadores do Direito.

3. UMA JORNADA DE ESTUDOS SOBRE PRECATÓRIO:


IMPULSO NOVO

Esta coletânea de estudos, que versa sobre matéria e questões de


precatórios, ora editada pela Del Rey e sob a minha coordenação, tem
sua origem em seminário que se realizou na sede do Tribunal de Justi-
ça de Minas Gerais (Rua Goiás, 253, auditório do Anexo II, 3º andar,
Belo Horizonte), em 30 de novembro de 2004, evento idealizado pelo
Instituto dos Advogados de Minas Gerais, com a participação da Es-
cola Judicial Edésio Fernandes do Tribunal de Justiça de Minas Gerais
e do Centro Jurídico Brasileiro.
Os trabalhos foram abertos com o pronunciamento do advogado
Fernando Ribeiro de Oliveira, Presidente do Instituto dos Advogados
de Minas Gerais, seguindo-se a manifestação do Desembargador Márcio
Corrêa de Marins, Presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Trata-se de acontecimento singular sediar o Tribunal de Justiça mi-
neiro um seminário desse teor, quando o próprio Presidente do órgão,
responsável pela “liquidação regular do precatório”, admite discutir
propostas e buscar soluções para essa tormentosa e difícil questão.
Teve o Desembargador Corrêa de Marins o cuidado de convocar a
Escola Judicial Edésio Fernandes, entidade acadêmica do TJMG, ha-
bituada a enfrentar debates no campo da interpretação da lei, das po-
sições doutrinárias e da jurisprudência mais bem direcionada. O
Desembargador Sérgio Rezende, Vice-Presidente do Tribunal e Dire-
tor daquela Escola Judicial, atendeu de pronto a solicitação para parti-
cipar das programações, designando o Juiz Pedro Carlos Bitencourt
Marcondes para representá-lo perante o Instituto dos Advogados de
Minas Gerais e o Centro Jurídico Brasileiro, nos entendimentos e nas
escolhas dos temas, dos conferencistas e dos debatedores.
A reunião realizada na sede do Tribunal de Justiça ganhou tal di-
mensão e interesse, que a Editora Del Rey se faz presente para, em

APRESENTAÇÃO

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PARA JUSTIFICAR UMA “JORNADA DE ESTUDOS” 5

forma de publicação, reunir os pronunciamentos e os debates, acres-


centando outros estudos doutrinários pertinentes ao tema e uma valiosa
e exemplificativa jurisprudência.
A partir da edição deste livro e de sua divulgação, para as quais a
Editora Del Rey solicitou-me colaborar como coordenador, os advo-
gados e os demais operadores do Direito hão de oferecer uma ampla
contribuição para que os precatórios venham a ser regularmente pa-
gos. Há de se formar uma verdadeira “central de precatórios” entre
advogados, professores e juristas, com o objetivo de atender a consul-
tas e prestar as mais amplas informações sobre o tema, melhor inter-
pretando a lei, a doutrina e a jurisprudência.
Devo sugerir, então, além de petições cuidadosamente redigidas,
bem elaboradas e bem fundamentadas, uma estratégia que há de re-
presentar, na acepção do verbete registrado pelo dicionarista Houaiss,
a “arte de coordenar a ação das forças militares, políticas, econômicas
e morais implicadas na condução de um conflito ou na preparação da
defesa de uma nação ou comunidade de nações”. Exagero à parte, se
houver, conclamo e convoco advogados, professores, juristas, magis-
trados, parlamentares, administradores públicos, membros do Minis-
tério Público e forças outras e tantas, para o objetivo de encontrar
soluções para os “crônicos problemas dos precatórios”, como na ex-
pressão adequada do mestre Humberto Theodoro Júnior. Por isso mes-
mo, os estudos que ora se apresentam e se reúnem são denominados
Precatórios: problemas e soluções.
Estou convencido de que, doravante, as ações hão de ser elabora-
das pelos advogados em trabalho conjugado e de equipe, distribuídas,
enfrentadas e resolvidas pelo Poder Judiciário, de maneira serena, com-
petente e corajosa. Os seus membros e integrantes, juízes nos diversos
graus, têm sido os mais afetados com a inadimplência relativa aos
precatórios, em virtude da grave repercussão que ressoa em seus qua-
dros, pelo descumprimento das decisões judiciais.

4. ABERTURA DOS TRABALHOS

Coube ao Presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais,


Desembargador Márcio Antônio Abreu Corrêa de Marins, a abertura
oficial da “Jornada de Estudos” sobre precatório.

APRESENTAÇÃO

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6 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

O pronunciamento do Desembargador Corrêa de Marins é significa-


tivo e de relevante importância. Cita ele os juristas Alexandre Moraes,
José Afonso da Silva e Kildare Gonçalves Carvalho, além de outros
estudiosos do Direito, como Araken de Assis e o Ministro Franciulli
Neto, estes oferecendo “visões mais críticas do problema dos pre-
catórios”.
Perfilhou o Desembargador Corrêa de Marins o entendimento espo-
sado pelo Ministro Franciulli Neto, assim expresso:
A crise, por que passa o que se convencionou chamar “a questão
dos precatórios”, está, antes de tudo, presa ao colapso adminis-
trativo da Administração Pública, apenas suscetível de ser supe-
rada com forte disposição e vontade política.
Citou Araken de Assis, como afirma, “mais ácido em seu livro Ma-
nual do Processo de Execução, ao comentar o estado atual da questão dos
precatórios”:
O sistema é ruim. Freqüentemente, observou Manoel Gonçalves
Ferreira Filho, se “congelam parcialmente as dotações”, persistindo
a “velha alegação de falta de verba, que nada recomenda a
Administração Pública”.
[...] Em realidade, a má vontade de o Estado solver suas dívidas
ultrapassou os limites do bem comum. É hora de pôr cobro a
tais normas benevolentes que, ao invés de o protegerem, esti-
mulam o inadimplemento e criam odiosa imunidade da Admi-
nistração.
Observou o Desembargador Corrêa de Marins a “relevância da maté-
ria”, louvando “a idéia e a realização desta ‘Jornada de Estudos’, promo-
vida pelo Instituto dos Advogados de Minas Gerais, pela Escola Judicial
Desembargador Edésio Fernandes e pelo Centro Jurídico Brasileiro”.
Exaltou o Presidente do TJMG a parceria de advogados e de juízes,
em atividades de estudos que lembravam a época em que o Instituto dos
Advogados de Minas Gerais era presidido pelo mestre Raul Machado
Horta, e a Escola Judicial Edésio Fernandes tinha como assessor o
Professor Ricardo Malheiros Fiuza.
Finalizou, prognosticando resultados:
Das discussões desta manhã, com presença de juristas tão com-
petentes e ilustres do Judiciário, do Executivo, do Legislativo, da
Advocacia, do Magistério e do Serviço Público, poderão surgir

APRESENTAÇÃO

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PARA JUSTIFICAR UMA “JORNADA DE ESTUDOS” 7

novas idéias capazes de aprimorar o Direito em consonância


com a Política.

5. POSIÇÕES APRESENTADAS NA “JORNADA DE ESTUDOS”


PELOS PROFESSORES HUMBERTO THEODORO JÚNIOR E
JOSÉ OTÁVIO DE VIANNA VAZ

Primeira posição: “A execução contra a Fazenda Pública e os crôni-


cos problemas dos precatórios”.
Coube ao Professor Humberto Theodoro Júnior, que alia a condição
de professor titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal de
Minas Gerais à de Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de
Minas Gerais, consagrado e respeitado processualista brasileiro, ofere-
cer valiosa contribuição ao seminário, escolhido como conferencista, na
primeira posição da “Jornada de Estudos”, dissertando sobre “A execu-
ção contra a Fazenda Pública e os crônicos problemas do precatório”.
Trata-se de um ensaio vigoroso e de técnica apurada e segura, abran-
gente dos aspectos processuais. Pela leitura do sumário da conferên-
cia ora publicada, que contém 10 capítulos e mais um relativo às
conclusões, nota-se o grau de erudição, de organização para enfocar
o tema e de sapiência do Professor Humberto Theodoro Júnior. Ob-
serva, aponta caminhos, oferece indicações de procedimentos e, so-
bretudo, protesta contra a inadimplência contumaz das administra-
ções estaduais e municipais.
As conclusões do trabalho do mestre Humberto Theodoro Júnior
são informações e indicações constituídas de dez itens, com recomen-
dações de grande utilidade para os operadores do Direito.
O advogado, o juiz e o estudioso do Direito, interessados em verifi-
car o quadro das relevantes dificuldades do recebimento do precatório,
sobretudo em termos processuais, não podem deixar de examinar, aten-
tamente, as observações contidas em cada um dos itens do sumário
proposto pelo Professor Humberto Theodoro Júnior. Eles analisam os
seguintes aspectos: 1. Tipicidade da execução por quantia certa contra
a Fazenda Pública. 1.1 O título executivo utilizável na execução pre-
vista no art. 730 do CPC. 1.2 Execução definitiva e execução provisó-
ria. 2. Conceito de precatório. 3. Pressuposto. 4. Esquema constitu-
cional da execução a ser processada nos termos dos arts. 730 e 731 do
CPC. 5. Obrigatoriedade do processo executivo. 6. Execução das con-

APRESENTAÇÃO

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8 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

denações relativas a “créditos de natureza alimentícia”. 7. Execuções


referentes a “dívidas de pequeno valor”. 8. Poderes do juiz da execu-
ção e do Presidente do Tribunal. 9. Precatórios complementares. Juros
e correção monetária. 10. Movimento em prol da moralização do regi-
me dos precatórios. 11. Conclusões.
Há dois importantes destaques do Professor Humberto Theodoro
Júnior para o que chama de “esquema constitucional da execução”.
Observou, assim, que após “a Constituição de 1988 e especialmente
após a Emenda Constitucional n. 30, de 13.9.2000, a regulamentação
do procedimento dos precatórios se encontra mais em sede constitu-
cional do que na lei processual ordinária”. Não há razão, portanto,
para que alguns juízes, em decisões ligeiras e precipitadas, no exame
sobretudo de concessão de liminares, indefiram iniciais e afirmem a
necessidade de aguardar a regulamentação da Emenda Constitucional
n. 30/2000. De acordo com os dispositivos contidos no art. 100 da
Constituição Federal e as inovações da Emenda n. 30, claros e preci-
sos, podem e devem os precatórios ser considerados direito líquido e
certo de seus titulares. O Professor Humberto Theodoro Júnior esta-
beleceu o roteiro esquematizado para o regime e o cumprimento dos
precatórios, assim estabelecido, na classificação das letras “a” a “i”:
a) os pagamentos devidos pela Fazenda Pública serão feitos na
ordem cronológica da apresentação dos precatórios (art. 100,
caput);
b) é obrigatória a inclusão, no orçamento do ano seguinte das
entidades de direito público, da verba necessária ao pagamento
de seus débitos provenientes de sentença transitada em jul-
gado, constantes de precatórios apresentados até 1º de julho
(art. 100, § 1º – 1ª parte);
c) o pagamento deverá ser feito até o final do exercício seguin-
te, sujeitando-se a correção monetária por ocasião do paga-
mento (art. 100, § 1º – 2ª parte);
d) as dotações orçamentárias e os créditos abertos serão con-
signados diretamente ao Poder Judiciário (art. 100, § 2º – 1ª
parte);
e) caberá ao Presidente do Tribunal, que expediu o precatório,
determinar o pagamento segundo as possibilidades do depó-
sito (art. 100, § 2º – 2ª parte);

APRESENTAÇÃO

Precatórios - Apresentação.pmd 8 2/5/2005, 16:10


PARA JUSTIFICAR UMA “JORNADA DE ESTUDOS” 9

f) caberá, também, ao Presidente do Tribunal ordenar o seqües-


tro da quantia necessária à satisfação do débito, quando se
verificar pagamento pela Administração com preterimento da
ordem dos precatórios (art. 100, § 2º, in fine);
g) excluem-se da submissão à ordem cronológica dos precatórios
as condenações judiciais referentes a créditos de natureza ali-
mentícia, ou seja, os correspondentes a salários, vencimen-
tos, proventos, pensões, benefícios previdenciários e indeni-
zações por morte ou por invalidez (art. 100, caput, e § 1º);
h) não se sujeitam ao regime dos precatórios os pagamentos de
obrigações definidas em lei como de “pequeno valor” (art.
100, § 3º);
i) comete crime de responsabilidade o Presidente do Tribunal
que, por ato comissivo ou omissivo, retardar ou tentar frus-
trar a liqüidação (entenda-se: o pagamento) regular de preca-
tório (art. 100, § 5º).
Registra o Professor Humberto Theodoro Júnior que a Emenda
Constitucional n. 30 acrescentou, ainda, o art. 78 ao Ato das Disposi-
ções Constitucionais Transitórias, instituindo uma moratória relacio-
nada com os precatórios pendentes na data de 13.9.2000 (a da pro-
mulgação da Emenda n. 30) e os outros, futuros, que decorressem de
ações ajuizadas até 31.12.1999. Relacionou as regras dessa moratória,
assim mencionadas nas letras “a” a “h”:
a) nela não se incluem os precatórios referentes a créditos defi-
nidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimen-
tícia, os que já foram objeto de parcelamento por força do
art. 33 do ADCT e os que já tiverem os seus respectivos re-
cursos liberados ou depositados em juízo (art. 78, caput);
b) os precatórios atingidos pela moratória serão liqüidados pelo
seu valor real, em moeda corrente, em prestações anuais, iguais
e sucessivas, no prazo máximo de dez anos (art. 78, caput);
c) ao valor real (isto é, atualizado monetariamente) das parcelas
serão acrescidos juros legais (art. 78, caput);
d) franqueou-se aos credores a cessão dos créditos constantes
no parcelamento (art. 78, caput, in fine);
e) para a negociação dos créditos, permitiu-se a decomposição
de parcelas, a critério do credor (art. 78, § 1º);
APRESENTAÇÃO

Precatórios - Apresentação.pmd 9 2/5/2005, 16:10


10 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

f) para as parcelas que não forem liquidadas até o final do exer-


cício a que se referem, conferiu-se poder liberatório do paga-
mento de tributos da entidade devedora (art. 78, § 2º);
g) para os precatórios originários de desapropriação de imóvel
residencial único do credor, o parcelamento não pode ir além
de dois anos (art. 78, § 3º);
h) o poder de seqüestro de recursos financeiros da entidade exe-
cutada, conferido ao Presidente do Tribunal competente, foi
ampliado durante o regime de parcelamento da seguinte ma-
neira: além do caso de preterição da ordem de preferência,
caberá também o seqüestro nas hipóteses de falta de paga-
mento no prazo devido e de omissão no orçamento da verba
necessária (art. 78, § 4º).
No capítulo relativo ao movimento em prol da moralização do regi-
me dos precatórios, afirma corajosamente o Professor Humberto
Theodoro Júnior:
Há nos meios forenses e no seio da sociedade um descrédito e
um desânimo em torno da tutela jurisdicional dispensada aos
credores da Fazenda Pública. A sensação geral é de que a Justiça
não tem força para compelir a Administração Pública a cumprir
suas obrigações pecuniárias com os particulares, e de que os
governos, cientes disso, adotam postura de completa imoralida-
de. Simplesmente ignoram as sentenças condenatórias e não se
sentem ameaçados pela expedição dos precatórios, que se vão
acumulando ano a ano, para desespero dos credores. Muitas
vezes, nem mesmo são incluídos no orçamento público, e, quando
o são, as verbas nunca se liberam.
Aconselha o Professor Humberto Theodoro Júnior uma atitude de
melhor definição para o cumprimento do prazo de até 10 anos, estabe-
lecido na Emenda Constitucional n. 30, quando propõe:
Pela maior efetividade conferida às medidas coercitivas e
satisfativas do art. 78 do ADCT, produzir-se-á um salutar efeito
pedagógico, valorizando a moralidade administrativa e refrean-
do o comportamento arraigado nas tradições de inadimplência
contumaz da Administração às condenações judiciais. A quadra
histórica é propícia a esse movimento moralizador, porque du-
rante o longo processamento da moratória imposta pela EC n.

APRESENTAÇÃO

Precatórios - Apresentação.pmd 10 2/5/2005, 16:10


PARA JUSTIFICAR UMA “JORNADA DE ESTUDOS” 11

30, o Judiciário estará munido de poderes que normalmente


não lhe confere o art. 100 da CF, como o seqüestro por
inadimplemento e a facilitação da cessão dos precatórios para
fins de compensação tributária. É preciso fazer uso adequado e
profícuo desses poderes, a bem da moralidade pública e, sobre-
tudo, do prestígio do Poder Judiciário.
Na conclusão de sua notável conferência, alinhou o Professor
Humberto Theodoro Júnior alguns pontos essenciais da Emenda Cons-
titucional n. 30/2000, assim classificados:
a) os precatórios deverão ser registrados no Tribunal em dois
grupos distintos:
1) o das obrigações comuns; e 2) o das obrigações de natu-
reza alimentícia. Assim, estes últimos poderão ser satis-
feitos com preferência sobre os demais, embora se deva
estabelecer a gradação cronológica entre os precatórios
de igual natureza;
b) todos os precatórios devem ser pagos pela entidade devedora
no curso do exercício seguinte à sua apresentação, desde que
ocorra até 1º de julho do ano anterior;
c) a verba orçamentária deve ser disponibilizada para o Presi-
dente do Tribunal de Justiça, a fim de que este centralize o
cumprimento dos diversos precatórios, assegurando o respei-
to à competente ordem cronológica de registro;
d) o pagamento deve ser pelo valor corrigido na data de sua
efetivação, evitando-se, dessa maneira, os precatórios com-
plementares;
e) os juros de mora deixam de correr a partir do encaminhamen-
to do precatório para cumprimento, porque até o fim do exer-
cício seguinte o devedor está dentro do prazo constitucional
de pagamento;
f) a cessação dos juros refere-se, porém, apenas aos moratórios.
Os compensatórios, como se dá nas desapropriações e em
outras situações análogas, regem-se pela sentença, fazendo
parte da condenação e da coisa julgada. Devem, pois, ser in-
tegralmente satisfeitos no cumprimento do precatório. Hou-
ve redução da taxa dos compensatórios para 6% a.a. (Medida
Provisória 1.577/97), a qual, todavia, não atinge as senten-
ças já transitadas em julgado;
APRESENTAÇÃO

Precatórios - Apresentação.pmd 11 2/5/2005, 16:10


12 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

g) havendo pagamento a menor, durante o prazo de cumprimen-


to do precatório, caberá ao credor requerer no prazo de 1º
grau a expedição de precatório complementar. Não haverá,
porém, novo processo de execução, mas apenas um incidente
daquele que ainda permanece em curso, enquanto não satis-
feito por inteiro o crédito exeqüendo. Isso quer dizer que a
citação não será renovada, nem a Fazenda poderá apresentar
novos embargos. Tudo se resolve por meio de simples deci-
são interlocutória do juiz da execução;
h) ao Presidente do Tribunal foram conferidos poderes para con-
trolar a regularidade formal dos precatórios e corrigir os erros
materiais cometidos em sua formação pelo juiz da execução;
i) os erros de julgamento (errores in iudicando) eventualmente co-
metidos pelo juiz da execução têm de ser impugnados peran-
te ele, e a ele competirá solucioná-los, por envolverem o mé-
rito da causa;
j) o parcelamento instituído pela EC n. 30, embora tenha cria-
do um longo prazo para satisfação completa dos precatórios
pendentes e em vias de aperfeiçoamento dentro de processos
em curso, conferiu maiores poderes à Justiça para proporcio-
nar a realização do direito do credor da Fazenda Pública, no
que diz respeito aos precatórios parcelados, ou seja, não sen-
do paga a parcela no respectivo vencimento, o credor pode
usá-la para satisfação de tributos que acaso deva à Fazenda
executada, procedendo-se à respectiva compensação; pode
ceder a terceiros o mesmo crédito; pode, ainda, obter seqües-
tro de valores da Fazenda para satisfação em dinheiro da par-
cela inadimplida, seqüestro este que a Constituição atribui à
competência do Presidente do Tribunal requisitante do paga-
mento (CF, art. 100, § 4º). Já o estabelecimento das parcelas
relativas à moratória do art. 78 do ADCT e as eventuais di-
vergências a seu respeito serão objeto de deliberação do juiz
da execução;
l) os precatórios parcelados sujeitam-se não apenas a correção
monetária mas também a juros de mora durante todo o tem-
po de sua vigência; grande importância foi conferida à fun-
ção do Presidente do Tribunal competente para velar pela
regular tramitação do precatório e pelo seu fiel cumprimento.

APRESENTAÇÃO

Precatórios - Apresentação.pmd 12 2/5/2005, 16:10


PARA JUSTIFICAR UMA “JORNADA DE ESTUDOS” 13

Em contrapartida, a Constituição cominou-lhe as penas de


crime de responsabilidade se, por ato omissivo ou comissivo,
retardar ou tentar frustrar a liqüidação regular de precatório
(CF, art. 100, § 5º);
m) finalmente, foram excluídas do regime processual dos
precatórios as sentenças relativas a dívidas definidas em lei
como de pequeno valor (CF, art. 100, § 3º; ADCT, arts. 86 e
87). Não se dispensou, porém, a ação de execução, nos mol-
des do CPC, art. 730, mas apenas o precatório. Dispensa da
actio iudicati houve apenas para as sentenças do Juizado Es-
pecial Federal, cujo cumprimento se dará por meio de man-
dado de pagamento diretamente expedido pelo juiz senten-
ciante ao órgão competente para realizá-lo, com prazo de
60 dias, sob pena de seqüestro do numerário suficiente ao
cumprimento da decisão (Lei n. 10.259, de 2001, art. 17,
caput e § 2º). Para as dívidas de pequeno valor, não abrangidas
pela competência do Juizado Especial Federal, finda a
tramitação da ação executiva e não ocorrendo o pagamento
pela Fazenda devedora no prazo da requisição, também po-
derá haver seqüestro de numerário, já que a execução não
tem de observar a técnica constitucional dos precatórios ju-
diciários, cabendo, portanto, a aplicação analógica da Lei n.
10.259, de 2001.
Eis o fecho da palestra admirável do Professor Humberto Theodoro
Júnior, no qual reclama a eliminação do “clima de imoralidade que
tanto afeta a dignidade da Justiça e vilipendia os direitos dos credores
da Fazenda Pública”:
A verdadeira e definitiva reforma constitucional no rumo da
moralização do precatório ainda está por ser feita, e será, quan-
do implementada, de extrema singeleza e de alta eficácia. Con-
sistirá em generalizar o seqüestro da verba pública como conse-
qüência necessária do descumprimento da requisição judiciária,
no prazo que a Constituição já impôs para o competente paga-
mento. No dia em que o Constituinte tiver a coragem de com-
pletar a disciplina executiva – tal como já fez com referência ao
parcelamento do art. 78 do ADCT –, estarão eliminados todos
os desalentos dos credores da Fazenda Pública. Demorará um
pouco a satisfação do crédito oriundo de sentença judicial, mas

APRESENTAÇÃO

Precatórios - Apresentação.pmd 13 2/5/2005, 16:10


14 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

certos serão o seu pagamento e o momento de sua concretização.


Já se emendou tanto a Constituição de 1988, no pertinente aos
precatórios inclusive, por que não assumir os brios de fazê-lo
mais uma vez e, desta vez, com os mais honestos e enérgicos
propósitos de eliminar um clima de imoralidade pública que
tanto afeta a dignidade da Justiça e vilipendia os direitos dos
credores da Fazenda Pública?
As transcrições desses trechos da conferência do Professor Humberto
Theodoro Júnior, embora alongadas, foram necessárias, tendo em vis-
ta os pontos essenciais enfocados na árdua batalha dos advogados pelo
recebimento de precatórios. Humberto Theodoro Júniros não é, ape-
nas, um dos maiores processualistas brasileiros contemporâneos, mas
também o advogado aguerrido e arguto, atento aos inúmeros aspectos
que dificultariam a boa trajetória do procedimento processual. Por isso,
incumbi-me de solicitar do Professor Humberto Theodoro parecer
indicativo da ação mais adequada para obrigar as Fazendas Públicas
estaduais e municipais, descuidadas e inadimplentes, a efetuarem o
pagamento dos precatórios vencidos.
Segunda posição: “O poder liberatório dos precatórios não liquida-
dos. A Emenda Constitucional n. 30, de 13 de setembro de 2000”.
O Professor José Otávio de Vianna Vaz foi o segundo conferencista
da “Jornada de Estudos” sobre precatório. Dissertou sobre o chamado
“poder liberatório”, alternativa que tem o credor da Fazenda Pública,
nos termos do § 2º do art. 78 do ADCT, se não liquidadas as presta-
ções até o final do exercício, de utilizar o seu crédito como pagamento
de tributos da entidade devedora.
O trabalho do Professor José Otávio Vaz, que ora se publica, está
em forma de parecer, elaborado a pedido do Ministro Sebastião Alves
dos Reis, Presidente do Centro Jurídico Brasileiro, em resposta às in-
dagações nele contidas, assim formuladas:
1. Pode ser solicitada intervenção federal ou estadual para se
exigir o pagamento dos precatórios?
2. O que significa a expressão “segundo as possibilidades do
depósito”, constantes no art. 100, § 2º, da Constituição Fe-
deral de 1988?
3. Qual o prazo para a Fazenda exercer o direito de opção pelo
parcelamento?

APRESENTAÇÃO

Precatórios - Apresentação.pmd 14 2/5/2005, 16:10


PARA JUSTIFICAR UMA “JORNADA DE ESTUDOS” 15

4. Qual o significado da expressão “poder liberatório do paga-


mento de tributos da entidade devedora”, constante no § 2º
do art. 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitó-
rias – ADCT?
5. Há necessidade de observância da “ordem cronológica” de
apresentação dos precatórios para o exercício do direito ao
“poder liberatório”?
6. O dispositivo constitucional relativo ao “poder liberatório”
carece de regulamentação?
O tema é examinado, de modo minucioso, no parecer que se elabo-
rou. Os argumentos apresentados pelo Professor José Otávio Vaz fo-
ram acolhidos, recentemente, no julgamento da Ação Direta de In-
constitucionalidade n. 2.851-1-Rondônia, em 28 de outubro de 2004,
que teve como Relator o Ministro Carlos Velloso, cujo acórdão, com
votação unânime, está assim ementado:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. PRECATÓRIO. COM-
PENSAÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO COM DÉBI-
TO DO ESTADO DECORRENTE DE PRECATÓRIO.
C.F., art. 100, art. 78, ADCT, introduzido pela EC 30, de 2002.
I. – Constitucionalidade da Lei 1.142, de 2002, do Estado de
Rondônia, que autoriza a compensação de crédito tributário com
débito da Fazenda do Estado, decorrente de precatório judicial
pendente de pagamento, no limite das parcelas vencidas a que se
refere o art. 78, ADCT/CF, introduzido pela EC 30, de 2000.
II. – ADI julgada improcedente.
Entendeu o Ministro Relator, pelo voto proferido, acompanhado
pela unanimidade de seus pares, que
[...] o art. 78, ADCT, introduzido pela EC 30/2000, inova no
tema dos precatórios. Observadas as ressalvas ali inscritas, crédi-
tos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza
alimentícia, os de que trata o art. 33, ADCT, e os que tiverem os
seus respectivos recursos liberados ou depositados em Juízo.
[...] os precatórios pendentes na data de promulgação desta
Emenda (Emenda 30, de 14.9.2000) e os que decorram de ações
iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados
pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros le-

APRESENTAÇÃO

Precatórios - Apresentação.pmd 15 2/5/2005, 16:10


16 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

gais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo


de dez anos, permitida a cessão dos créditos.
Prosseguiu o Ministro Carlos Velloso, Relator do acórdão, dissertan-
do sobre a incidência do § 2º do art. 78 do Ato das Disposições Cons-
titucionais Transitórias, argumentando:
José Otávio Vaz, comentando citado dispositivo constitucio-
nal (“Considerações sobre a Emenda Constitucional n. 30/00”,
“Revista da Associação Brasileira de Direito Tributário”), es-
creve: “8.1. ‘Precatórios pendentes’ são aqueles já devidamente
inscritos no Tribunal competente, cuja respectiva Fazenda dei-
xou de honrar a modo e tempo próprios, aplicando-se o dis-
positivo, também, aos precatórios futuros, decorrentes de ações
ajuizadas até 31 de dezembro de 1999". Depois de asseverar
que a EC 30 foi promulgada em 13.9.2000 e publicada em
14.9.2000, data em que entrou em vigor, acrescentou que, “na
data de publicação, já havia ‘precatórios pendentes’, consigna-
dos nos orçamentos das entidades de direito público, como
‘restos a pagar’, devidos já no exercício de 2000. Estas entida-
des, por sua vez, de acordo com o permissivo constitucio-
nal, deveriam providenciar o pagamento da 1ª parcela até o
final do exercício financeiro, 31 de dezembro de 2000 (cf. art.
34 da Lei n. 4.320/64).” Destarte, o não-pagamento da pri-
meira parcela tem como conseqüência a transformação do
precatório em “moeda liberatória” para pagamento de débi-
tos para a entidade devedora, no limite das parcelas vencidas.
É dizer, já a partir de 31.12.2000, parcelas decorrentes de
precatórios pendentes, vencidas a partir daí, e não pagas, pas-
saram a conter poder liberatório do pagamento de tributos da
entidade devedora, na forma do preceituado no § 2º do art.
78, ADCT, introduzido pela EC 30, promulgada em 13.9.2000
e publicada em 14.9.2000.
O Ministro Marco Aurélio também acompanhou o voto do Ministro
Relator Carlos Velloso, esclarecendo que havia sido relator de uma
ação direta de inconstitucionalidade que previa o caráter liberatório
quanto aos débitos fiscais de uma forma linear. No caso, porém, trata-
va-se de dar cumprimento ao previsto no § 2º do art. 78 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, ou seja, “a lei é específica e
está restrita àquelas parcelas vencidas que, segundo o teor do § 2º do
artigo 78, têm caráter liberatório”.

APRESENTAÇÃO

Precatórios - Apresentação.pmd 16 2/5/2005, 16:10


PARA JUSTIFICAR UMA “JORNADA DE ESTUDOS” 17

A convincente posição adotada pelo parecer do Professor José Otávio


Vaz, ilustrada com minuciosa descrição histórica das questões do
precatório, ao lado da jurisprudência inaugurada pelo Supremo Tribunal
Federal, não deixa dúvida de que o § 2º do art. 78 do ADCT – o do
poder liberatório – vai ganhar foro e consenso nas decisões próximas do
Poder Judiciário brasileiro. Será, ainda, a alternativa viável para impedir
que as Fazendas Públicas, sobretudo as dos Estados-Membros e as dos
Municípios, continuem a desafiar o Estado Democrático de Direito.
Os conferencistas Humberto Theodoro Júnior e José Otávio de
Vianna Vaz, cada qual na sua especialidade, trouxeram valiosa contri-
buição para os estudos sobre os precatórios no Brasil. A leitura de suas
peças, comprovarão os leitores, atesta a afirmativa.

6. OS DEBATEDORES DA “JORNADA DE ESTUDOS”

Quatro foram os debatedores que participaram da “Jornada de Es-


tudos”, todos com suas posições e dissertações que vão transcritas,
textualmente, neste livro: o Juiz Pedro Carlos Bitencourt Marcondes,
o Procurador Carlos Bastide Horbach, o Juiz Fernando Botelho e o
Professor Vincenzo Demetrio Florenzano.
Os debates ocorreram sob a presidência do Desembargador Nilson
Reis, que fez, ele próprio, intervenções válidas, com indagações e res-
postas dos conferencistas Humberto Theodoro Júnior e José Otávio Vaz.
Os debates estão transcritos nesta publicação, sob o título “Debate-
dores da Jornada de Estudos”, critério adotado que, espera o coorde-
nador, possa facilitar o entendimento dos leitores sobre o tema e a
plena compreensão das posições adotadas pelos debatedores.

7. UM MERCADO DE PRECATÓRIOS EM FORMAÇÃO

O Professor Vincenzo Demetrio Florenzano foi, como meu con-


vidado, um dos debatedores da “Jornada de Estudos” sobre preca-
tórios. Trata-se de um bacharel e especialista em Economia, também
bacharel em Direito. É especialista, ainda, em Teoria da Regulação
pela George Washington University e Doutor em Direito Econômico pela
Faculdade de Direito da UFMG, sob a orientação da Professora Dou-
tora Isabel Vaz.

APRESENTAÇÃO

Precatórios - Apresentação.pmd 17 2/5/2005, 16:10


18 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Vincenzo Florenzano tem dois trabalhos nesta edição, considerados


úteis e importantes para análise e reflexão em matéria de precatórios.
Um deles, mais prático, mas nem por isso de menor valor e conteúdo,
representa sua intervenção como debatedor na “Jornada de Estudos”
realizada no Tribunal de Justiça de Minas Gerais. O outro estudo, de-
nominado “A Emenda Constitucional n. 30, de 13 de setembro de
2000, sob a perspectiva da Análise Econômica do Direito”, é uma
incursão aprofundada na perspectiva da formação do mercado brasi-
leiro de precatórios.
Veja-se a observação atenta que faz, quando considera a inadim-
plência no pagamento do precatório como problema “transdisciplinar
complexo, sendo ao mesmo tempo jurídico, econômico e social”:
O não-pagamento dos precatórios é, sem dúvida, um proble-
ma grave que poderíamos classificar como transdisciplinar com-
plexo, sendo ao mesmo tempo jurídico, econômico e social. É
um problema jurídico, porque o não-pagamento dos
precatórios configura um descumprimento de decisões judi-
ciais transitadas em julgado. Ora, se o próprio Estado não cum-
pre as decisões judiciais, não se pode sequer falar em Estado de
Direito. É também, no entanto, um problema econômico,
porque afeta o desenvolvimento da atividade econômica e diz
respeito à alocação de recursos escassos. É, ainda, um proble-
ma social, porque envolve a distribuição e aplicação de recur-
sos públicos.
Chega a prognosticar o Professor Vincenzo Florenzano que a “Emen-
da Constitucional n. 30 é via alternativa” para “forçar o pagamento
dos precatórios”, in verbis:
Como bem observou Paul Streeten, não podemos ser ao mes-
mo tempo objetivos, práticos e idealistas. Assim, o problema
dos precatórios demanda uma postura pragmática. Nessa linha
de raciocínio, procuramos demonstrar neste trabalho que a so-
lução de mercado autorizada pela Emenda Constitucional n. 30,
de 13 de setembro de 2000, é uma via alternativa que pode ser
eficiente, sendo, talvez, a melhor forma de forçar o pagamento
dos precatórios.
Assim, sob a ótica da Ciência Econômica, o Professor Vincenzo
Florenzano vai analisar o precatório, buscando “a formação e o
funcionamento dos mercados, para ponderar sobre a viabilidade e

APRESENTAÇÃO

Precatórios - Apresentação.pmd 18 2/5/2005, 16:10


PARA JUSTIFICAR UMA “JORNADA DE ESTUDOS” 19

a conveniência de se adotar uma solução de mercado para o pro-


blema examinado”.
Indaga o Professor Vincenzo Florenzano se o ordenamento jurídico
em vigor no País permite a adoção de uma solução de mercado para o
problema do pagamento dos precatórios, respondendo afirmativamente.
O argumento essencial é o de que
[...] a solução de mercado nos foi indicada pela própria Consti-
tuição Federal, conforme se depreende do art. 2o da Emenda
Constitucional n. 30/2000, que acrescentou o art. 78 ao Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias.
O Professor Vincenzo Florenzano acrescenta outras razões, de na-
tureza jurídica, em favor da formação do mercado de precatórios:
Esse nosso entendimento está calcado na disposição do art. 78,
caput, do ADCT, que permite a cessão dos créditos referentes
aos precatórios, e no § 2o do mesmo artigo, que atribui a esses
créditos poder liberatório do pagamento de tributos da entida-
de devedora. Esses dois elementos (possibilidade de cessão e
atribuição de poder liberatório) fornecem os requisitos jurídicos
necessários à formação de um mercado de títulos referentes a
precatórios. Além desses, a permissão concedida pelo § 1o para
decompor parcelas, a critério do credor, é outro elemento que
também ajuda na formação desse mercado.
Vários e outros aspectos, sob a perspectiva da Análise Econômica
do Direito, são ainda estudados e desenvolvidos pelo Professor Dou-
tor Vincenzo Florenzano.

8. PRESENÇA NECESSÁRIA DO SISTEMA FINANCEIRO


NACIONAL

Quando se estuda e se propõe a formação de um mercado de precató-


rios, exige-se com ele a presença de empresas que integram o sistema
financeiro nacional. Isso quer dizer que as instituições financeiras, cons-
tituídas nos seus conglomerados pelos bancos comerciais, de investi-
mentos, de corretoras, de companhias de seguros e de outras atividades
correlatas, deveriam participar desse novo setor da produção nacional.
O mercado é indiscutivelmente promissor e, por isso mesmo, reclama e
exige presenças formais, expressivas e bem regulamentadas.

APRESENTAÇÃO

Precatórios - Apresentação.pmd 19 2/5/2005, 16:10


20 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Não se tem, ainda, cálculo exato da dívida global das Fazendas Públi-
cas estaduais e municipais, uma vez que a União Federal, como se sabe,
está cumprindo em dia suas obrigações relativas aos precatórios. As pre-
visões dos débitos dessas Fazendas Públicas no Brasil, já vencidos, a
serem atualizados, estariam em torno de 60 bilhões de dólares ou, em
valores da nossa moeda, hoje, nos arredores de 162 bilhões de reais.
A medida primeira a ser enfrentada na questão é a de levantar os
débitos e atualizá-los. Não é difícil a tarefa. Os Poderes Executivo e
Judiciário, nos Estados-Membros, estariam aptos para tal cadastramen-
to em curtíssimo prazo. Em matéria de precatórios, certamente, a mis-
são estaria facilitada, uma vez que as requisições dos precatórios têm
de se processar, no âmbito do Poder Judiciário, exatamente, até o dia
1º de julho de cada ano para serem pagos no exercício do ano seguinte,
conforme determina o § 1º do art. 100 da Constituição Federal, assim
redigido:
Art. 100 – (...)
§ 1º – É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de
direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débi-
tos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de
precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se
o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus
valores atualizados.
Não sendo possível inicialmente a presença de grandes conglomera-
dos financeiros, atuando nesse mercado de precatórios em formação,
que se lancem nele os bancos regionais pequenos e médios, ou empre-
sas financeiras, desde que submetidos todos à orientação e à fiscaliza-
ção do Banco Central do Brasil. É preciso estejam os titulares de
precatórios, credores, portanto, das Fazendas Públicas brasileiras, pro-
tegidos e seguros no mercado que se vai formar. Os agentes da inter-
mediação existem em toda parte. Trata-se de uma instituição universal,
que há de trabalhar em um mercado regulamentado e fiscalizado, a fim
de que essa atividade profissional se exerça com transparência, corre-
ção e responsabilidade.
A sugestão para a formação de um mercado de precatórios, como
observou o Professor Vincenzo Florenzano, é preconizada pela pró-
pria Constituição Federal, que fez acrescentar o art. 78 ao Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias.

APRESENTAÇÃO

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PARA JUSTIFICAR UMA “JORNADA DE ESTUDOS” 21

9. OUTROS TRABALHOS PUBLICADOS E A METODOLOGIA DE


SUAS INSERÇÕES

Entendi necessária e útil a inserção de outros trabalhos, direta ou


indiretamente válidos como estudos e reflexões sobre o tema precatório.
Eles não puderam ser apresentados, pela programação limitada de tem-
po, durante a “Jornada de Estudos” realizada no Tribunal de Justiça de
Minas Gerais. Passam a integrar, após os trabalhados dos Professores
Humberto Theodoro Júnior e José Otávio Vaz (primeira parte), as po-
sições transcritas dos debatedores (segunda parte), e uma terceira par-
te denominada “Anexos”, onde são reproduzidos, na íntegra, três
acórdãos do Supremo Tribunal Federal.
Os estudos inseridos são contribuições da Professora Isabel Vaz, do
advogado José Guilherme Villela e do Ministro Sebastião Alves dos
Reis, todos eles membros do Centro Jurídico Brasileiro.

10. O ESTADO DE DIREITO E A QUESTÃO DOS PRECATÓRIOS

O estudo da Professora Doutora Isabel Vaz se intitula “O Estado


de Direito e a questão dos precatórios”, especialmente redigido para
esta edição, e está assim sumariado: 1. Introdução. 2. Natureza de al-
gumas normas constitucionais. 3. Direito de propriedade e livre ini-
ciativa. 4. A propriedade privada e a livre iniciativa no ordenamento
jurídico brasileiro. 5. Preceitos fundamentais e precatórios. 6 Conclu-
são: necessidade de restabelecimento do Estado de Direito.
Trata-se de trabalho de teor acadêmico, mas voltado, com argumen-
tos irrespondíveis, para uma solução prática do problema dos precató-
rios. São citados e relembrados ilustres juristas, pátrios e estrangeiros,
que também se debruçaram sobre normas constitucionais, preceitos,
direitos e garantias fundamentais, princípios que asseguram o Estado
Democrático de Direito. Por isso, a autora invocou os estudos e os
ensinamentos de Geraldo Ataliba, Alberto Xavier, José Afonso da Silva,
J. J. Canotilho, Vital Moreira, Balladore Pallieri, John Locke, André
Ramos Tavares e outros.
Suas conclusões são importantes e servem para ajudar os advogados
a refletir melhor para elaborar petições, memoriais e sustentações
orais, quando tratarem dos assuntos pertinentes ao recebimento de
precatórios vencidos e não pagos. As palavras da Professora Isabel

APRESENTAÇÃO

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22 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Vaz são de evidente atualidade, quando alerta, pondera, sugere e


diz:
Assim sendo, importa analisar essas conclusões em face do com-
portamento de alguns Estados da Federação, que reiteradamente
se recusam a acatar as decisões judiciais que lhes ordenam o
pagamento de quantias oriundas de questões transitadas em julga-
do e materializadas em precatórios. Ali, naquelas peças proces-
suais, não há espaço para mais discussões. Trata-se de dívida líqui-
da e certa, de documentos idôneos, comprobatórios de créditos
dos cidadãos contra a União, os Estados ou os Municípios.
Os valores retidos pelos Estados e Municípios representam bens
– dinheiro, moeda corrente – que são suporte de direitos de
propriedade e aos quais fizeram jus, por decisão de um dos
Poderes da República, o Poder Judiciário, os titulares dos preca-
tórios. Retidos indevidamente, esses bens, retirados de circula-
ção e subtraídos à administração de seus legítimos titulares, resta
prejudicada, também, a livre iniciativa, que depende de financia-
mento para se viabilizar.
Ao assim agirem, Estados e Municípios descumprem preceitos
fundamentais, conforme antes explanado, e desrespeitam ainda
o Poder Judiciário, rompendo o equilíbrio que deve reinar, por
mandamento constitucional – art. 2º da Magna Carta – entre os
três Poderes da República.
Violam, ainda, – por lhes dificultarem o cumprimento –, alguns
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, con-
signados no art. 3º da Constituição. Na verdade, entre as metas
a serem alcançadas pelo Estado, nas três esferas de Poder, estão
a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia
do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da
marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais.
Os objetivos de natureza econômica dependem, para a sua con-
cretização, do incremento das atividades econômicas, da criação
de empregos, da geração de tributos e da distribuição de renda.
Imagine-se o impulso na economia dos Estados-Membros e
dos Municípios se os bilhões de reais devidos a título de preca-
tórios, devidamente inscritos nos orçamentos e não pagos, pu-
dessem ser alocados à classe empresarial. Acrescente-se a esses
dados o fato de estar o financiamento da produção excessiva-
mente onerado pela altíssima taxa de juros praticada e pela

APRESENTAÇÃO

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PARA JUSTIFICAR UMA “JORNADA DE ESTUDOS” 23

perspectiva de novos aumentos, a impedir qualquer tentativa de


reaquecimento da economia. Faltam empregos, há miséria, es-
tagnação econômica, aumento da violência a índices inimagináveis.
Esses males seriam amenizados com o pagamento dos valores
devidos às empresas e às pessoas, que poderiam aplicá-los no
aumento de sua capacidade produtiva.
Trata-se de dinheiro do cidadão, de propriedade sua ilegalmente
retida pelos Estados e pelos Municípios, impedindo o exercício
da livre iniciativa, muito embora se cuide, também, de valores
constitucionalmente protegidos. O Poder Judiciário cumpriu a
sua parte, na observância do preceito latino suum cuique tribuere.
Caberia ao Poder Executivo, nas esferas estadual e municipal,
observar o neminem laedere e completar a prestação jurisdicional
que se espera de todo Estado Democrático de Direito.
Caso tal diretriz não seja observada, abre-se a perspectiva para
os prejudicados de, na forma das leis indicadas, proceder à ar-
güição de descumprimento de preceito fundamental. A legiti-
mação para esse remédio processual constitucional se manifesta
pelo direito subjetivo à reparação de um dano e pelo direito
objetivo, assegurado a cada cidadão, de ver restaurado o Estado
de Direito, entendido como aquele que respeita a Constituição e
que obedece às decisões do Poder Judiciário.

11. ADVOCACIA NOS TRIBUNAIS SUPERIORES

A conferência “Advocacia nos Tribunais Superiores” é um estudo


do advogado José Guilherme Villela, formado pela Casa de Afonso
Pena, a nossa tradicional Faculdade de Direito da Universidade Fede-
ral de Minas Gerais. Nasceu em Manhuaçu, Minas Gerais, e está radi-
cado em Brasília desde a inauguração da Capital da República. Este
trabalho foi por ele elaborado recentemente, em 18.12.2004, e apre-
sentado no Seminário “Técnica Jurídica”, promovido pelo Instituto
Brasiliense de Direito Público.
José Guilherme Villela é considerado um dos grandes advogados
brasileiros. Trata-se de respeitável especialista em Recursos Especial e
Extraordinário. Tem freqüentado as contendas percorridas nos Tribu-
nais Superiores e, por isso, fala com autoridade sobre o tema a que se
propôs na conferência pronunciada. É, ainda, grande conhecedor da
questão dos precatórios, pois vivenciou e participou comigo de

APRESENTAÇÃO

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24 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

rumorosa ação judicial que se iniciou no primeiro grau e se concluiu,


resultando em precatório, por decisão do Superior Tribunal de Justiça.
A matéria pertinente a precatórios, como se sabe, é essencialmente
constitucional. Esta circunstância me levou a publicar o estudo do
advogado José Guilherme Villela, utilíssimo, portanto, para os estudio-
sos do Direito que tiverem de postular ou de acompanhar direitos rela-
tivos aos precatórios também nos Tribunais Superiores.
Não há questão que percorra os Tribunais Superiores, no estudo
que se vai ler, que não tenha sido examinada.
Discorreu o advogado José Guilherme Villela sobre matérias per-
tinentes aos “Aspectos gerais da atividade profissional”; examinou
as hipóteses de “Petições, alegações e memoriais”; expôs a matéria
relativa às “Sustentações orais”, pelo prazo breve e improrrogável
de 15 minutos; refletiu sobre o que chamou de “Aspectos peculia-
res aos diversos feitos”, que são os recursos ordinários, especiais e
extraordinários previstos na Constituição Federal; estudou a figura
da “Reclamação”, construção pretoriana consagrada inicialmente
no próprio Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e, pos-
teriormente, incorporada ao texto constitucional; compulsou com
propriedade as “Ações originárias”, que se incluem na competência
originária do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de
Justiça; meditou adequadamente sobre os institutos do “Habeas corpus
e do mandado de segurança”, que constituem garantias constitucio-
nais dos cidadãos; investigou bem o “Controle de Constitucionalidade
da lei ou da norma federal ou estadual”, que veio a atribuir ao Supremo
Tribunal Federal a guarda da Constituição; perquiriu, com amplitude,
as questões das súmulas, dos prequestionamentos, das ações diretas
de inconstitucionalidade, das emendas constitucionais, da doutrina,
da jurisprudência e tantas outras.
A conferência pronunciada pelo advogado José Guilherme Villela,
e ora transcrita para os estudiosos dos precatórios, será de grande uti-
lidade. É uma bela página, afinal, concebida por um grande advogado.

12. O INSTITUTO DA CESSÃO DE CRÉDITOS

As posições doutrinárias assumidas pelos conferencistas Humberto


Theodoro Júnior e José Otávio Vaz, na “Jornada de Estudos” sobre

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PARA JUSTIFICAR UMA “JORNADA DE ESTUDOS” 25

precatórios, hão de ter seqüência e aproveitamento objetivos nas me-


didas futuras a serem adotadas.
O Professor Vincenzo Florenzano aconselhou uma ação válida, com
a sua análise econômica do Direito, na busca e no estímulo de um
mercado regular de precatórios, a ser formado e impulsionado pelo
sistema financeiro nacional. Um outro caminho, também vislumbrado
e em estudos, exigirá operações por meio do instituto da “cessão de
créditos”. O mercado de precatórios, ao formar-se, e com a presença
dos conglomerados bancários brasileiros, estará ajudando a financiar
as Fazendas Públicas estaduais e municipais.
As dívidas acumuladas dessas Fazendas, provavelmente em torno
de 60 bilhões de dólares, e com atrasos variáveis de cinco anos ou
mais, não permitem uma liquidação imediata. A Emenda Constitucio-
nal n. 30/2000, por isso mesmo, já agora um pouco defasada no tem-
po, mas rigorosamente em vigor, prognosticou o parcelamento dessas
dívidas em “até 10 anos”.
Não surgiu ainda, porém, o mercado regular de precatórios. Eis uma
grande lacuna a ser preenchida! O mercado de precatórios vai exigir,
na sua formação e no seu funcionamento, a utilização prática do insti-
tuto da “cessão de créditos”.
O Ministro Sebastião Alves dos Reis, Presidente do Centro Jurídico
Brasileiro, estudando e dissertando sobre a questão, oferece valiosa e
relevante contribuição. Seu trabalho, ora publicado nesta coletânea,
sob o título “Precatório Judicial e cessão de crédito”, há de ser instru-
mento indispensável para a reflexão dos operadores do Direito.
Assim, desenvolveu o Ministro Sebastião Alves dos Reis um exame
do instituto da cessão de créditos em relação ao art. 78 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), introduzido na
Emenda Constitucional n. 30/2000, condição que facilita a com-
preensão do advogado para manejar suas petições e escolher a nature-
za das ações a propor.
O Ministro Sebastião Alves dos Reis, além do mais, demonstra no
seu estudo não ter perdido o louvável estilo do professor, que conti-
nua sendo, quando cita De Plácido e Silva e transcreve uma definição
didática de precatório:
[...] carta de sentença remetida pelo juiz da causa ao Presidente
do Tribunal, para que este requisite ao Poder Público, mediante

APRESENTAÇÃO

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26 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

previsão na lei orçamentária anual, o pagamento de quantia certa


para satisfazer obrigação de condenação das pessoas políticas,
suas autarquias e fundações.
A importância do instituto da cessão de créditos, em matéria de
precatórios, está ressaltada no trabalho pelo art. 78, aditado pela
Emenda Constitucional n. 30/2000 e seu § 2º, constituindo ambos
elementos que serão utilizados, se necessário, para a formação de
um mercado regular.
Vale a pena, assim, ainda uma vez transcrever esses dispositivos
legais:
Art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pe-
queno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33
deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e suas
complementações e os que já tiveram seus respectivos recursos
liberados, ou depositados em juízo, os precatórios pendentes na
data de promulgação desta Emenda e os que decorram de ações
iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidadas
pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescidos de juros le-
gais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo
de 10 (dez) anos, permitida a cessão dos créditos.
§ 1º. (omissis).
§ 2º. As prestações anuais a que se refere o caput deste artigo
terão, se não liquidadas até o final do exercício a que se refe-
rem, poder liberatório do pagamento de tributos da entidade
devedora.
Alerta o Ministro Sebastião Alves dos Reis que há “efeitos extraju-
rídicos da cessão de crédito na esfera dos negócios”, condenando “as
especulações dos agentes econômicos, manifestadas em deságios
abusivos que esvaziam as finalidades pretendidas pelo constituinte
derivado”. Nesse ponto, o advogado há de defender o seu cliente, não
permitindo seja ele levado pelas anomalias de um mercado não regula-
mentado e aleatório.
Salienta o Ministro Sebastião Alves dos Reis, em análise adequada,
que “a Constituição atual, fugindo a extremos polares [...] preferiu [...]
estabelecer um critério sensível às leis do mercado”, quando fixou o
prazo, de até 10 anos, para o pagamento do precatório, sujeitando o
credor a buscar o mercado, “através da cessão de crédito e do poder

APRESENTAÇÃO

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PARA JUSTIFICAR UMA “JORNADA DE ESTUDOS” 27

liberatório dos tributos”. Observa, aliás, que “estes aspectos foram


desenvolvidos com muita ciência e arte nos pareceres e nas posições
que instruem esse livro, sobretudo nos trabalhos do Professor Vincenzo
Demetrio Florenzano e do Professor José Otávio de Vianna Vaz”.
Na condição de juiz que exerceu com independência e competência
o seu mister, o Ministro Sebastião Alves dos Reis acaba por recomen-
dar em seu trabalho que
Só à luz dos princípios maiores da nossa ordem constitucional
[...] garantir-se-á a segurança das relações jurídicas, a plena
efetividade das sentenças judiciais contra a Fazenda Pública [...]
respeitando-lhes a força jurisdicional, subtraindo-as aos artifí-
cios das procrastinações indevidas, que as fragilizam; dos des-
vios morais e administrativos, que as desprestigiam; das inter-
pretações equivocadas, sumamente danosas à paz social, ao equi-
líbrio entre os poderes constituídos, como adverte Carlos
Maximiliano, sem ofensa aos direitos fundamentais da cidadania
e da dignidade da pessoa humana – magnos princípios no Esta-
do de Direito – aos direitos subjetivos do jurisdicionado, à
prolação da sentença pronta e justa do Estado-Juiz.

13. A JURISPRUDÊNCIA COLACIONADA

Entendi devesse incluir, como úteis e necessários, em forma de ane-


xos, três acórdãos do Supremo Tribunal Federal sobre julgamentos de
precatórios.
A Corte Suprema brasileira tem sido acionada, como se sabe, nessa
matéria essencialmente constitucional, para dar solução jurídica ao pro-
blema crônico de impontualidade nos pagamentos dos precatórios, so-
bretudo pela inadimplência das Fazendas estaduais e municipais do País.
Como não se trata de questão meramente judicial, ou de interpreta-
ção de disposições constitucionais, mas de matéria ampla e complexa,
envolvendo aspectos econômicos, financeiros, sociais, administrati-
vos, possibilidades reais de pagamentos e outros, o Supremo Tribunal
Federal não encontrou, ainda, a solução mais consentânea com o Di-
reito das partes. Nem poderia ser chamado para decidir fora de suas
atribuições constitucionais.
Os acórdãos ora transcritos têm como objetivo mostrar as posições
dos julgadores, analisar as dificuldades, apontar novas direções e en-
APRESENTAÇÃO

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28 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

contrar os melhores caminhos. Certo é que não será mais possível,


com os mecanismos previstos na Emenda Constitucional n. 30/2000,
continuem essas Fazendas Públicas a procrastinar os pagamentos le-
galmente orçados e devidos.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) n. 1.622-7-SP, de
30 de agosto de 2001, foi relatada pelo então Ministro Maurício Corrêa.
A Intervenção Federal n. 2.915-SP, de 3 de fevereiro de 2003, teve
como Relator o Ministro Marco Aurélio, vencido e, portanto, como
Relator designado para o acórdão o Ministro Gilmar Mendes.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) n. 2.815-1-RO,
de 28 de outubro de 2004, teve o Ministro Carlos Velloso como
Relator.

14. ADIN N. 1.622-7-SP NO ÂMBITO DA JUSTIÇA DO


TRABALHO

A ADIN n. 1.662-7-SP, que versa matéria trabalhista, requerida pelo


Governador do Estado de São Paulo, referia-se a julgamento proferido
pelo Tribunal Superior do Trabalho.
Os temas tratados naquele procedimento eram da Instrução
Normativa n. 11/97, aprovada pela Resolução n. 67, de 10.4.96, do
órgão Especial do Tribunal Superior do Trabalho. Discutiam-se, entre
outros assuntos, a prejudicialidade da ação em face da superveniência
da Emenda Constitucional n. 30, de 13 de setembro de 2000, a não-
inclusão no orçamento da verba necessária à satisfação de precatórios ju-
diciais, a preterição do direito de precedência, as inexatidões nos cál-
culos dos valores dos precatórios, os créditos de natureza alimentícia,
e a declaração de inconstitucionalidade, tendo a ADIN sido julgada,
em parte, procedente.
A Instrução Normativa n. 11 do TST uniformizava procedimentos
para a expedição de Precatórios e Ofícios requisitórios referentes às
condenações trabalhistas.
Os debates sobre as questões preliminares e de mérito foram inten-
sos, durante e após o voto do Ministro Relator Maurício Corrêa, dos
quais participaram a Ministra Ellen Gracie e os Ministros Nelson Jobim,
Sepúlveda Pertence, Moreira Alves, Marco Aurélio, Ilmar Galvão e
Carlos Velloso.

APRESENTAÇÃO

Precatórios - Apresentação.pmd 28 2/5/2005, 16:10


PARA JUSTIFICAR UMA “JORNADA DE ESTUDOS” 29

Os assuntos ventilados foram muitos, com interpretações e enfoques


diversos pelos julgadores, em demonstração de que o tema precatório
suscita controvérsias.
A leitura do acórdão é bem ilustrativa, no sentido de que ainda está
longe o consenso nos julgamentos do Supremo Tribunal Federal, so-
bretudo quando se discute a modalidade de como cumprir a disposi-
ção legal e constitucional do pagamento do precatório.

15. INTERVENÇÃO FEDERAL N. 2.915-5 – SÃO PAULO

A intervenção federal, como forma de fazer cumprir decisões judi-


ciais, não está sendo concedida pelo Supremo Tribunal Federal. As
razões invocadas nos votos dos Ministros julgadores são múltiplas e
serão lidas na Intervenção Federal n. 2.915-5, ora publicadas nesta
coletânea, na parte dos anexos.
Trata-se de um acórdão paradigma, cujo Relator foi o Ministro
Marco Aurélio, vencido na decisão plenária e, por isso, substituído
pelo Ministro Gilmar Mendes, que se tornou o Relator para o acórdão.
Transcreve-se, de início, a ementa dessa Intervenção Federal:
EMENTA: INTERVENÇÃO FEDERAL. 2. Precatórios ju-
diciais. 3. Não configuração de atuação dolosa e deliberada do
Estado de São Paulo com finalidade de não pagamento. 4. Es-
tado sujeito a quadro de múltiplas obrigações de idêntica hierar-
quia. Necessidade de garantir eficácia a outras normas constitu-
cionais, como, por exemplo, a continuidade de prestação de
serviços públicos. 5. A intervenção, como medida extrema, deve
atender à máxima da proporcionalidade. 6. Adoção da chama-
da relação de precedência condicionada entre princípios consti-
tucionais concorrentes. 7. Pedido de intervenção indeferido.
Os argumentos do devedor, o Estado de São Paulo, anotados pelo
Relator, são os de que não houve “dolo, ou seja, vontade intencional-
mente dirigida” para o descumprimento da ordem judicial ou o não-
pagamento dos precatórios. Argumentos assim são aduzidos, de um
modo geral, pelos devedores de todas as Fazendas Públicas estaduais
e municipais.
Outras razões são fornecidas pelo Governador nas informações, como
as seguintes, ora exemplificadas, nos termos do relatório do Relator:

APRESENTAÇÃO

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30 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

[...] ao assumir o Governo, pendiam de pagamento precatórios


que deveriam ter sido pagos pelo governo anterior, estando as
finanças públicas em situação caótica, pelo que foi necessária a
reorganização do orçamento do Estado.
[...] Por outro lado, alega que o precatório em questão é precedi-
do de outros, também “com direito a preferência”.
[...] Reafirma não estar deixando de cumprir de forma intencio-
nal, arbitrária ou desarrazoada a ordem judicial. Ao contrário,
tem envidado esforços para liquidar todos os precatórios, mas
esbarra na exaustão do erário.
A Procuradoria-Geral da República, ouvida na questão, opinou pela
procedência do pedido de intervenção.
O amplo voto do Relator, Ministro Marco Aurélio, é no sentido de
se determinar a intervenção no Estado de São Paulo.
Por outro lado, o voto do Ministro Gilmar Mendes, que se tornou o
Relator para o acórdão, tem a direção do indeferimento da interven-
ção federal.
Os votos dos Ministros Marco Aurélio e Gilmar Mendes, na inter-
venção em análise, são entendimentos antagônicos, o primeiro defen-
dendo a intervenção federal, e o segundo pleiteando o indeferimento
da medida.
A leitura atenciosa desses dois votos, certamente, há de oferecer
esclarecimento largo à matéria. De qualquer forma, tendo sido ampla-
mente majoritária a corrente pela não-intervenção federal (o Ministro
Marco Aurélio se tornou o único voto vencido), pode-se afirmar que,
por longo período, o Supremo Tribunal Federal não dará guarida aos
pedidos de intervenção federal nos Estados-Membros. Os preceden-
tes são nessa direção. Os advogados, pois, não devem percorrer tais
caminhos, temporariamente obstaculizados.
É importante sejam transcritas algumas das razões principais do voto
do Ministro Marco Aurélio, assim defendidas no voto proferido:
Saliento, mais, a impossibilidade de dizer-se inviável a interven-
ção, considerada a natureza dos atos praticados em razão do
precatório e a insuficiência de recursos. Quanto a esta argumen-
tação, surge a improcedência jurídica. A teor do disposto no
artigo 100 da Constituição Federal, é obrigatória a inclusão, no
orçamento das entidades de direito público, de verba necessária

APRESENTAÇÃO

Precatórios - Apresentação.pmd 30 2/5/2005, 16:10


PARA JUSTIFICAR UMA “JORNADA DE ESTUDOS” 31

ao pagamento de seus débitos constantes de precatórios, apre-


sentados até 1º de julho. [...]
Sem uma efetividade maior, vinga a babel, a insegurança jurídi-
ca, levando os cidadãos a verdadeiro retrocesso, no que, com a
falência do Poder, buscarão a satisfação dos respectivos direitos
substanciais por outros meios. [...]
Em síntese, pretende valer-se do vezo popular, da postura do
mau pagador – devo, não nego; pagarei quando puder. As
razões por último apresentadas não vingam. O elemento sub-
jetivo que é o dolo mostra-se neutro para se definir a proce-
dência, ou não, do pedido de intervenção. Pouco importa que
o Estado, mediante a atuação do Executivo, não proceda com
a intenção de postergar a liquidação do precatório. Cumpre
saber, tão-somente, se na espécie ocorre o descumprimento
de decisão judicial, fator objetivo resultante do vício da negli-
gência, da falta de respeito irrestrito à ordem jurídica em vigor.
A intenção em si afigura-se estranha ao julgamento da inter-
venção. [...]
O Judiciário não prolata sentenças simplesmente formais, sen-
tenças que, sob o ângulo do conteúdo, mostram-se inúteis. É ele
o responsável final pelo restabelecimento da paz social proviso-
riamente abalada, pela prevalência do arcabouço normativo
constitucional, pelo equilíbrio nesse embate Estado-cidadão, evi-
tando que forças direcionadas de forma momentânea e isolada
venham a prevalecer, em detrimento de interesses da coletivida-
de. É certo que o Estado tudo pode: legisla, executa as leis e
julga os conflitos de interesse decorrentes dessa execução. Que o
faça com absoluta fidelidade às regras geradoras da boa convi-
vência na vida social democrática. Ocorrido o desvio de condu-
ta de um dos Poderes, cumpre afastá-lo, prevalecendo o sistema
de freios, e aí surge, com importância maior, o papel do Judi-
ciário, ao qual, no Estado de Direito, cabe a última palavra sobre
o conflito. [...]
É hora de o Judiciário definir-se: ou bem zela pelo dever de
guardião máximo da ordem jurídica, ou se mostra sensível a
atitudes que desta discrepam, e aí acaba como responsável pelo
atual estado de coisas, que pode ser retratado em quadro
estarrecedor quanto aos precatórios que vêm, nos diversos Es-
tados, sendo liquidados, isso considerada a data de expedição.
Julgo procedente o pedido formulado, para que seja requisita-

APRESENTAÇÃO

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32 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

da, nos termos do artigo 36, inciso II, da Constituição Federal, a


intervenção no Estado de São Paulo.
Da mesma forma, descabe agasalhar o elemento subjetivo, ou
seja, a óptica segundo a qual não basta o simples descumprimento
de decisão judicial para ter-se como aberta a via da intervenção,
sendo necessário demonstrar a culpa ou o dolo na ausência de
liquidação do precatório. Essa condição é estranha à ordem ju-
rídica, mesmo porque não é crível que, havendo numerário para
o pagamento, deixe a pessoa jurídica de direito público de
implementá-lo. Prevalece o critério objetivo, o não-cumprimen-
to da ordem judicial, a inobservância do título executivo judicial,
pouco importando saber a causa. Entendimento diverso impli-
ca, diante de definições políticas de gastos, ofensa ao primado
do Judiciário, à certeza da valia dos julgamentos. O Estado vê-se
sempre diante de dificuldades de caixa, sendo presumível, as-
sim, a contumácia no descumprimento das obrigações pecuniárias
estampadas em sentença.
É como voto.
O voto do Ministro Gilmar Mendes balizou o entendimento majori-
tário do Pleno do Supremo Tribunal Federal.
Eis alguns dos fundamentos do voto do Ministro Gilmar Mendes:
Em nosso sistema federativo, o regime de intervenção repre-
senta excepcional e temporária relativização do princípio básico
da autonomia dos Estados. A regra, entre nós, é a não-inter-
venção, tal como se extrai com facilidade do disposto no caput
do art. 34 da Constituição, quando diz que “a União não inter-
virá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: (...)”.
[...] O princípio da proporcionalidade, também denominado
princípio do devido processo legal em sentido substantivo, ou
ainda, princípio da proibição do excesso, constitui uma exigên-
cia positiva e material relacionada ao conteúdo de atos restriti-
vos de direitos fundamentais, de modo a estabelecer um “limite
do limite” ou uma “proibição de excesso” na restrição de tais
direitos. [...]
Em síntese, a aplicação do princípio da proporcionalidade se dá
quando verificada restrição a determinado direito fundamental
ou um conflito entre distintos princípios constitucionais de modo
a exigir que se estabeleça o peso relativo de cada um dos direitos

APRESENTAÇÃO

Precatórios - Apresentação.pmd 32 2/5/2005, 16:10


PARA JUSTIFICAR UMA “JORNADA DE ESTUDOS” 33

por meio da aplicação das máximas que integram o menciona-


do princípio da proporcionalidade. [...]
Desse modo, não podem ser desconsideradas as limitações
econômicas que condicionam a atuação do Estado quanto ao
cumprimento das ordens judiciais que fundamentam o pre-
sente pedido de intervenção. Nesse sentido, constam do memorial
apresentado pelo Estado de São Paulo, os seguintes dados, verbis:
[...] considerando-se as estimativas de arrecadação para o exer-
cício corrente, as despesas com o pessoal dos três Poderes do
Estado deverão se situar em torno de 58% das receitas corren-
tes líquidas estaduais; os gastos com custeio, que permite o
funcionamento do aparato administrativo, incluindo-se certas
parcelas que compõem o percentual mínimo a ser aplicado no
desenvolvimento do ensino (art. 212 da CF) e nas ações e ser-
viços públicos de saúde (art. 198, 2º, da CF), deverão atingir o
montante de 19% das receitas correntes líquidas, ao passo que o
serviço da dívida junto à União consumirá, aproximadamente,
12% daquelas receitas; há finalmente, os gastos com investimen-
tos mínimos indispensáveis para a simples manutenção do fun-
cionamento de serviços essenciais (rodovias estaduais operadas
diretamente pelo Poder Público, aparato de segurança pública,
redes de ensino e de saúde, etc.), estimados em 9% das receitas
correntes líquidas. [...]
Excluídos os gastos apontados no item anterior, o que resta
de recursos é utilizado no pagamento de precatórios judi-
ciais, despesa essa estimada, para o ano de 2002, em cerca de
2% das receitas correntes líquidas, vale dizer, algo em torno
de R$ 750.000.000 (setecentos e cinqüenta milhões de reais).
[...] ainda que ocorra uma intervenção no Estado de São Paulo,
o eventual interventor terá que respeitar as mesmas normas
constitucionais e limites acima assinalados pelo referido Estado,
contando, por conseguinte, com apenas 2% das receitas líquidas
para pagamento dos precatórios judiciais. Ao interventor tam-
bém será aplicável a reserva do financeiramente possível. [...]
Estão claros, no caso, os princípios constitucionais em situação
de confronto. De um lado, em favor da intervenção, a proteção
constitucional às decisões judiciais, e de modo indireto, a posi-
ção subjetiva de particulares calcada no direito de precedência
dos créditos de natureza alimentícia. De outro lado, a posição

APRESENTAÇÃO

Precatórios - Apresentação.pmd 33 2/5/2005, 16:10


34 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

do Estado, no sentido de ver preservada sua prerrogativa cons-


titucional mais elementar, qual seja a sua autonomia, e, de modo
indireto, o interesse, não limitado ao ente federativo, de não se
ver prejudicada a continuidade da prestação de serviços públi-
cos essenciais, como educação e saúde. [...]
Desse modo, enquanto o Estado de São Paulo se mantiver dili-
gente na busca de soluções para o cumprimento integral dos
precatórios judiciais, não estarão presentes os pressupostos para
a intervenção federal ora solicitada. Em sentido inverso, o Esta-
do que assim não proceda estará sim, ilegitimamente, descum-
prindo decisão judicial, atitude esta que não encontra amparo
na Constituição Federal.
Indefiro, pois, o pedido.
Seguiram-se os votos da Ministra Ellen Gracie e do Ministro Nelson
Jobim, que acompanhavam o Ministro Gilmar Mendes; o do Ministro
Ilmar Galvão, que, em primeiro momento, perfilhava o entendimento
do Ministro Marco Aurélio, concedendo, em parte, a intervenção
requerida.
O Ministro Carlos Velloso, após vista solicitada, indeferiu o pedido
de intervenção. Também por meio de pedido de vista, o Ministro Ilmar
Galvão, “retificando as conclusões do entendimento anteriormente es-
posado”, votou pelo “indeferimento do pedido” de intervenção. O
Ministro Celso de Mello votou em seguida, concluindo pelo indefe-
rimento da intervenção federal em São Paulo. Também os Ministros
Sepúlveda Pertence e Moreira Alves votaram pelo indeferimento da
intervenção.

16. A ADIN N. 2.815-1-RONDÔNIA

O recente julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN)


n. 2.851-1-Rondônia, de 28 de outubro de 2004, é marco divisório para
iniciar-se um processo de efetivo recebimento das dívidas vencidas em
precatório no Brasil. Ali se inaugurou um precedente, em relação à
inadimplência das Fazendas estaduais, que serve por extensão às muni-
cipais, por meio do procedimento da compensação, amparado no § 2º do
art. 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
A ADIN teve como Relator o Ministro Carlos Velloso, votada à
unanimidade, com a seguinte ementa:
APRESENTAÇÃO

Precatórios - Apresentação.pmd 34 2/5/2005, 16:10


PARA JUSTIFICAR UMA “JORNADA DE ESTUDOS” 35

EMENTA: CONSTITUCIONAL. PRECATÓRIO. COM-


PENSAÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO COM DÉBI-
TO DO ESTADO DECORRENTE DE PRECATÓRIO.
C.F., art. 100, art. 78, ADCT, introduzido pela EC 30, de 2002.
I. – Constitucionalidade da Lei 1.142, de 2002, do Estado de
Rondônia, que autoriza a compensação de crédito tributário
com débito da Fazenda do Estado, decorrente de precatório
judicial pendente de pagamento, no limite das parcelas vencidas
a que se refere o art. 78, ADCT/CF, introduzido pela EC 30,
de 2000.
II. – ADI julgada improcedente.
Ao desenvolver suas razões e proferir o voto, o Ministro Carlos
Velloso reconheceu que o Supremo Tribunal Federal vinha entenden-
do, “na forma do art. 100 da Constituição Federal”, que “os pagamen-
tos devidos pela Fazenda Pública, em virtude de sentença, devem ser
feitos na ordem cronológica de apresentação dos respectivos precató-
rios: ADI 584-MC/PR, Ministro Celso de Mello, “DJ” de 22.5.92; RE
132.031/SP, Ministro Celso de Mello, “DJ” de 19.4.96; Rcl 1.979/RN,
Ministro Maurício Corrêa, “DJ” de 02.8.2002".
“A matéria, entretanto”, adverte o Ministro Relator Carlos Velloso,
“sofreu alteração com a EC 30, de 2000, que acrescentou ao ADCT o
art. 78, §§ 1º, 2º, 3º e 4º”, citando as novas disposições:
§ 1º. É permitida a decomposição em parcelas, a critério do
credor.
§ 2º. As prestações anuais a que se refere o caput deste artigo
terão, se não liquidadas até o final do exercício a que se refe-
rem, poder liberatório do pagamento de tributos da entidade
devedora.
§ 3º. O prazo referido no caput deste artigo fica reduzido para
dois anos, nos casos de precatórios judiciais originários de desa-
propriação de imóvel residencial do credor, desde que compro-
vadamente único à época da imissão na posse.
§ 4º. O Presidente do Tribunal competente deverá, vencido o
prazo ou em caso de omissão no orçamento, ou preterição ao
direito de precedência, a requerimento do credor, requisitar ou
determinar o seqüestro de recursos financeiros da entidade exe-
cutada, suficientes à satisfação da prestação.

APRESENTAÇÃO

Precatórios - Apresentação.pmd 35 2/5/2005, 16:10


36 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Entendeu o Ministro Carlos Velloso, acompanhado pela unanimida-


de de seus pares, que o “art. 78, ADCT, introduzido pela EC 30/2000,
inova no tema dos precatórios”.
Observou o Ministro Carlos Velloso, no voto proferido, que, pelas
novas disposições,
[...] os precatórios pendentes na data de promulgação desta
Emenda (Emenda 30, de 14.9.2000) e os que decorram de ações
iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados
pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros le-
gais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo
de dez anos, permitida a cessão dos créditos.
Assim, analisando ainda uma vez as disposições daquela lei que dis-
punha sobre compensação, concluiu pela legalidade da
[…] compensação de crédito tributário com débito da Fazenda
Pública do Estado, decorrente de precatório judicial pendente
de pagamento, no limite das parcelas vencidas a que se refere o
artigo 78 do ADCT da Constituição Federal. Não é inconsti-
tucional. Ao contrário, dá eficácia ao disposto no art. 78, ADCT/CF,
com a EC 30, de 2000.
Desse modo, julgou improcedente a ação e declarou a constitucio-
nalidade da Lei n. 1.142, de 2002, do Estado de Rondônia.
Assim votou o Ministro Eros Grau:
– Sra. Presidenta, é muito nítido para mim que, na hipótese da
compensação, não há quebra da ordem cronológica. Acompa-
nho o voto do Relator.
De igual modo, externou seu entendimento, acompanhando o Relator,
o Ministro Marco Aurélio:
Senhora Presidenta, fui relator de uma ação direta de inconstitu-
cionalidade a versar sobre legislação do Estado do Espírito Santo
que previa o caráter liberatório quanto aos débitos fiscais de
uma forma linear, conseqüentemente com prejuízo para credo-
res mais bem colocados na ordem cronológica de satisfação
dos precatórios. Aqui, não. Neste caso, conforme ressaltado pelo
Ministro Carlos Velloso, deu-se cumprimento ao previsto no
§ 2º do artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Tran-
sitórias, ou seja, a lei é específica e está restrita àquelas parcelas
vencidas que, segundo o teor do § 2º do artigo 78, têm caráter

APRESENTAÇÃO

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PARA JUSTIFICAR UMA “JORNADA DE ESTUDOS” 37

liberatório. Acompanho o voto de Sua Excelência, julgando im-


procedente o pedido formulado na inicial da ação direta de
inconstitucionalidade.

17. PALAVRAS FINAIS

As explanações até aqui desenvolvidas, sem dúvida, permitem a


conclusão do trabalho do coordenador desta obra. Ela há de frutificar,
tenho disso convicção, porque a partir de sua divulgação os precatórios
no Brasil, relativos às Fazendas Públicas estaduais e municipais, co-
meçarão a ser pagos.
Os estudos anteriores preparados pelos membros do Centro Jurídi-
co Brasileiro concernentes a precatórios, sob a minha coordenação e a
presidência do Ministro Sebastião Alves dos Reis, mais a “Jornada de
Estudos” realizada no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, com a pre-
sença prestigiosa do Instituto dos Advogados de Minas Gerais e da
Escola Judicial Edésio Fernandes, apoiados todos pelo Desembargador
Presidente Márcio Corrêa de Marins, ofereceram como resultado este
livro. Foram muitas as inovações introduzidas, as hipóteses argüidas,
as interpretações apresentadas, as teses jurídicas sustentadas, as facetas
sugeridas, as conclusões acertadas, todas elas capazes de buscar o bom
direito, procurar a justiça e alcançar o bom êxito judicial.
Estou seguro de que uma nova fase para os recebimentos e os paga-
mentos dos precatórios se iniciará nos foros e nos Tribunais do Brasil
e confiante na nova visão dos operadores do Direito para lidar com a
crônica dificuldades dos precatórios.
Aguardo as sugestões e as críticas dos colegas advogados, dos ope-
radores do Direito, em geral, e especialmente dos novos agentes do
mercado de precatórios que se há de formar, brevemente, dentro do
Sistema Financeiro Nacional, regulamentado pelo Conselho Monetá-
rio Nacional, se necessário, e fiscalizado pelo Banco Central do Brasil.
Os credores de precatórios, em breve, estarão livres da especulação
de um mercado secundário e apático. Não venderão seus títulos e seus
créditos, conquistados a duras penas, com deságios que alcançam
percentuais inadmissíveis e cruéis.
Não seria possível concluir esta introdução, na condição de coorde-
nador do livro, sem registrar uma palavra de agradecimento aos que
dele participaram.
APRESENTAÇÃO

Precatórios - Apresentação.pmd 37 2/5/2005, 16:10


38 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Sem a presença dos autores e dos colaboradores de Precatórios: pro-


blemas e soluções, a toda evidência, não teria sido possível formar e cons-
tituir um verdadeiro axioma para a solução dos pagamentos dos
precatórios. Em verdade, na leitura atenta dos pronunciamentos e dos
estudos dos participantes e dos colaboradores deste livro, encontra-se
a equação da matéria ou, em outras e simples palavras, a solução do
então intricado e difícil problema. As premissas estão evidenciadas e,
com elas, fundamentadas e demonstradas as melhores razões dos cre-
dores dos precatórios devidos, há que se repetir, pelas Fazendas Públi-
cas estaduais e municipais.
Os Professores Humberto Theodoro Júnior e José Otávio de Vianna
Vaz, conferencistas; os debatedores Juiz Pedro Carlos Bitencourt
Marcondes, Procurador Carlos Bastide Horbach, Juiz Fernando Botelho
e Professor Vincenzo Demetrio Florenzano; os colaboradores Profes-
sora Isabel Vaz, advogado José Guilherme Villela e Ministro Sebastião
Alves dos Reis; os participantes do evento “Jornada de Estudos”
Fernando Ribeiro de Oliveira, Presidente do Instituto dos Advogados
de Minas Gerais; Desembargador Sérgio Rezende, Diretor da Escola
Judicial Edésio Fernandes, e Desembargador Márcio Corrêa de Marins,
Presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, são os responsá-
veis diretos pela construção e os melhores artífices da tarefa ora pro-
posta. A eles, portanto, o agradecimento penhorado do coordenador
do livro.
Louvem-se a Editora Del Rey e seu Editor-Geral, Arnaldo Oliveira,
e o Centro Jurídico Brasileiro, capazes de enfrentar desafio como o da
publicação de Precatórios: problemas e soluções.

APRESENTAÇÃO

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PARTE I
“JORNADA DE ESTUDOS”

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40 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

JORNADA DE ESTUDOS

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ABERTURA DOS TRABALHOS 41

CAPÍTULO 1 ABERTURA DOS TRABALHOS

1. PRONUNCIAMENTO DO PRESIDENTE DO INSTITUTO DOS


ADVOGADOS DE MINAS GERAIS – IAMG

Fernando Ribeiro de Oliveira

É imensa a nossa satisfação de estarmos realizando este evento


com a participação da Escola Judicial Edésio Fernandes, particular-
mente considerando-se o tema que nele será posto em foco e que
afeta muito de perto, e pessoalmente, juízes e advogados no exercí-
cio de suas funções.
Isso porque a sistemática adotada para se compelir o Poder Público
a cumprir as decisões que condenam a Fazenda Pública a satisfazer
suas dívidas, na verdade e na prática, como sabido, legaliza um verda-
deiro calote da dívida pública.
O credor, porém, que veio a Juízo em busca da satisfação de seu
crédito, via de regra desconhecedor de toda a trama urdida pelo legis-
lador, muitas vezes vê na pessoa do juiz responsável pelo processo, e
na de seu próprio advogado, a figura precisa da negligência, quando
não da corrupção.
Devemos, contudo, admitir que nós, juízes e advogados, temo-
nos mostrado inadmissivelmente acomodados em face do descalabro
que representa o processo vigente de execução contra a Fazenda
Pública.
Essa apatia nos levou a permanecer inertes até mesmo diante de
uma lei, como a Emenda Constitucional n. 30, que assegura ao Estado
prazo para quitar sua dívida, que, somado àquele despendido no pro-
cesso que culminou com a expedição do precatório, facilmente chega-
rá aos 20 anos. Isso significa, não há como se negar, afrontosa denegação
da Justiça.
CAPÍTULO 1

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 1.pmd 41 2/5/2005, 16:05


42 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Repito, agora, as perguntas do Ministro José Augusto Delgado, pro-


feridas em conferência promovida pelo Centro de Estudos Judiciários
da Justiça Federal, já há cerca de quatro anos:
“– As nossas associações de magistrados já propuseram al-
guns movimentos referentes à mudança do regime de pre-
catórios?”
“– Alguns tribunais superiores, os tribunais de segundo grau
ou as associações de juízes de primeiro grau já apresentaram
ao Congresso Nacional alguma sugestão, mediante projeto
de lei, para que fosse transformado em projeto para mudar o
nosso regime de precatório?”
“– A OAB nacional e as OABs regionais” – e aqui acrescento
os Institutos dos Advogados – “já apresentaram alguma mu-
dança constitucional a respeito?”
Não, ao que eu saiba.
A iniciativa agora tomada, com a realização deste evento, espera-
mos signifique o início de um esforço contínuo a fim de se encontrar
rumos que nos permitam superar essa dificuldade imposta ao cidadão
para efetivar seus direitos relativos à Fazenda Pública.
Esperamos que esse encontro possa culminar, talvez até mesmo,
com a consagração de uma interpretação sistêmica do texto constitu-
cional que, considerado o superprincípio da moralidade, tantas vezes
mencionado na Constituição, os da razoabilidade e da proporcionali-
dade, leve à decretação da inconstitucionalidade do art. 100, nela inseri-
do em desconformidade com aqueles princípios.

2. PRONUNCIAMENTO DO PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE


JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Desembargador Márcio Antônio Abreu Corrêa de Marins

Os juristas Alexandre Moraes, José Afonso da Silva e Kildare


Gonçalves Carvalho, em seus excelentes livros de Direito Constitucio-
nal, abordam com maestria o tema dos precatórios judiciais, ofere-
cendo aos leitores as regras constitucionais e legais para o seu proces-
samento do ponto de vista jurídico.

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 1.pmd 42 2/5/2005, 16:05


ABERTURA DOS TRABALHOS 43

Já Araken de Assis e Domingos Franciulli Neto oferecem visões


mais críticas do problema dos Precatórios, com um tempero jurídi-
co-político.
Em excelente artigo publicado no “Informativo Jurídico da Biblio-
teca Ministro Oscar Saraiva” (v. 12, n.1, Jan/Jun. 2000), com o título
“Notas sobre o Precatório na Execução contra a Fazenda Pública”,
afirma o Ministro Franciulli:
A crise, por que passa o que se convencionou chamar “a questão
dos precatórios”, está, antes de tudo, presa ao colapso adminis-
trativo da Administração Pública, apenas suscetível de ser supe-
rada com forte disposição e vontade política.
Acrescenta ainda o ilustre Conselheiro do Instituto dos Advogados
de São Paulo:
Daí se infere que se cuida muito mais de uma questão política
do que jurídica, conquanto um novo enfoque legal da matéria
possa, sem dúvida, se não obviar, certamente atenuar o angus-
tiante problema dos credores do Erário Público.
Já Araken de Assis, mais ácido, em seu livro Manual do Processo de
Execução (RT, 2002), ao comentar o estado atual da “questão dos preca-
tórios”, escreve:
O sistema é ruim. Freqüentemente, observou Manoel Gonçalves
Ferreira Filho, se “congelam parcialmente as dotações”, persis-
tindo a “velha alegação de falta de verba, que nada recomenda a
Administração Pública”.
Logo no início de minha gestão na Presidência do Tribunal, deter-
minei a realização das primeiras audiências da Central de Concilia-
ção de Precatórios, criada pela Resolução n. 417/2003-TJMG. À
época, noticiaram os jornais: a implantação da Central de Concilia-
ção (de Precatórios) atende, principalmente, às solicitações formu-
ladas pelo Procurador-Geral do Município de Belo Horizonte, Dr.
Marco Antônio de Rezende Teixeira, pelo Advogado-Geral do Esta-
do, Dr. José Bonifácio Borges de Andrada, e pelo Presidente da OAB-MG,
Professor Marcelo Leonardo, por meio de expedientes enviados à Presi-
dência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Decorrente dessa tentativa de minimizar o problema dos precatórios,
as estatísticas mostram que a implantação da Central de Conciliação

CAPÍTULO 1

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 1.pmd 43 2/5/2005, 16:05


44 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

de Precatórios, sob a responsabilidade de um Juiz de Direito e com o


apoio da Assessoria de Precatórios do Tribunal, foi salutar.
Informa, hoje, a Dra. Moema Balbino, Juíza de Direito da Central de
Conciliação de Precatórios do Tribunal, que, de novembro de 2003 a
novembro de 2004, foram realizadas 952 audiências de conciliação, sendo
596 referentes à Fazenda Pública Estadual, e 356 referentes à Fazenda
Pública Municipal, com um pagamento total de R$ 5.991.591,21.
Tendo em vista a relevância da matéria, é de se louvar efusivamente
a idéia e a realização desta “Jornada de Estudos”, promovida pelo
Instituto dos Advogados de Minas Gerais, pela Escola Judicial De-
sembargador Edésio Fernandes e pelo Centro Jurídico Brasileiro.
Tal parceria, de grande importância para advogados e juízes, faz
relembrar e renascer as atividades conjuntas do IAMG e da EJEF, à
época em que o Instituto era presidido pelo mestre Raul Machado Horta,
e a Escola Judicial tinha como assessor o Professor Ricardo Arnaldo
Malheiros Fiuza, que era Secretário do IAMG.
Das discussões desta manhã, com presença de juristas tão compe-
tentes e ilustres do Judiciário, do Executivo, do Legislativo, da Advo-
cacia, do Magistério e do Serviço Público, poderão surgir novas idéias
capazes de aprimorar o Direito em consonância com a Política.
Cumprimentando o Instituto dos Advogados de Minas Gerais, a Es-
cola Judicial Edésio Fernandes e o Centro Jurídico Brasileiro, nas pes-
soas de seus dirigentes, desejo sucesso a esta “Jornada de Estudos”.

Muito obrigado!

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 1.pmd 44 2/5/2005, 16:05


A EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA... 45

CAPÍTULO 2 A EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA


PÚBLICA E OS CRÔNICOS
PROBLEMAS DO PRECATÓRIO
Humberto Theodoro Júnior

Sumário
1. Tipicidade da execução por quantia certa contra a Fazenda Públi-
ca. 1.1 O título executivo utilizável na execução prevista no art. 730
do CPC. 1.2 Execução definitiva e execução provisória. 2. Concei-
to de precatório. 3. Pressuposto. 4. Esquema constitucional da exe-
cução a ser processada nos termos dos arts. 730 e 731 do CPC. 5.
Obrigatoriedade do processo executivo. 6. Execução das condena-
ções relativas a “créditos de natureza alimentícia”. 7. Execuções re-
ferentes a “dívidas de pequeno valor”. 8. Poderes do juiz da execu-
ção e do Presidente do Tribunal. 9. Precatórios complementares.
Juros e correção monetária. 10. Movimento em prol da moralização
do regime dos precatórios. 11. Conclusões. 12. Anexo.

1. TIPICIDADE DA EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA


A FAZENDA PÚBLICA

A execução por quantia certa está estruturada pelo Código de Pro-


cesso Civil como instrumento para realizar a expropriação de bens do
devedor com o objetivo de satisfazer o direito do credor (CPC, art.
646). Por seu intermédio, o órgão judicial sub-roga-se na posição do
devedor, para efetivar a responsabilidade patrimonial que garante aos
credores a satisfação da obrigação do devedor e, independentemente
de seu assentimento, utiliza os bens expropriados como meio de solver
a obrigação exeqüenda.
Como sub-rogado, o Poder Judiciário se apropria de bens do execu-
tado necessários para satisfazer o crédito do exeqüente, mas não de
quaisquer bens, e sim daqueles que são disponíveis ou alienáveis. Ina-
lienabilidade, portanto, é sinônimo de impenhorabilidade.1

1
“São absolutamente impenhoráveis: I – os bens inalienáveis...” (CPC, art. 649).

CAPÍTULO 2

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 2.pmd 45 2/5/2005, 16:01


46 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Uma vez que a inalienabilidade e, conseqüentemente, a impenhora-


bilidade são atributos do patrimônio público, a execução das dívidas
passivas das pessoas jurídicas de direito público não pode submeter-se
ao procedimento comum traçado pelo Código de Processo para reali-
zação de quantia certa. Daí a previsão de uma execução especial, dis-
ciplinada nos arts. 730 e 731 do Código de Processo Civil, cujo desen-
volvimento se dá sem penhora e sem expropriação. Por isso mesmo, a
doutrina a qualifica de execução imprópria ou indireta. A Fazenda
Pública devedora não é citada para pagar sob ameaça de penhora. É
chamada para embargar a execução e, depois de superadas as even-
tuais objeções, ou na falta destas, o juiz, por meio do Presidente do
Tribunal, requisita à Administração que inclua no orçamento a verba
correspondente ao título exeqüendo (CPC, art. 730, I), 2 devendo, no
exercício seguinte, o valor do crédito ser posto à disposição do Judi-
ciário para o competente pagamento ao exeqüente.3
Nos Estados, o competente para processar o requisitório, em face
das pessoas jurídicas de direito público locais, é o Presidente do
Tribunal de Justiça, mesmo quando o julgado exeqüendo provenha
de outro Tribunal ou de juiz de outro Estado. Não se trata de com-
petência jurisdicional, mas de competência administrativa.4 Quem
encaminha o precatório à Administração local deve ser alguém que
tenha condições de controlar a ordem cronológica das requisições,
dentro da recomendação constitucional. Não pode, por isso, um
tribunal de um Estado enviar precatório para a entidade adminis-
trativa de outro Estado.

2
“O juiz requisitará o pagamento por intermédio do presidente do tribunal compe-
tente” (CPC, art. 730, I); e o pagamento far-se-á “na ordem de apresentação do
precatório e à conta do respectivo crédito” (CPC, art. 730, II).
3
Na verdade, a inclusão obrigatória no orçamento do exercício seguinte beneficia os
precatórios que forem apresentados até 1º de julho. Se tal não se der, a inclusão
ocorrerá no segundo exercício subseqüente (CF, art. 100, § 1º).
4
“Os atos prolatados por Presidente do Tribunal em processos de precatório são
de natureza administrativa. Sendo correta decisão que não admite agravo regi-
mental manejado contra tais atos” (STJ, 1ª T., REsp 11.524-RS, Rel. Min. Garcia
Vieira, ac. 7.5.2002, DJU 3.6.2002). Por isso, “não cabe recurso extraordinário de
decisão sobre precatório, por se tratar do exercício de função materialmente ad-
ministrativa (STF, 2ª T., AI 162775/SP, Rel. Min. Celso de Mello, ac. 1.8.1995,
RDA 201/192).

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 2.pmd 46 2/5/2005, 16:01


A EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA... 47

Acolhendo tal argumentação, num conflito de competência entre o


Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (instância recursal do feito
em que se deu a condenação) e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais
(sob cuja jurisdição se encontrava o Município condenado), o STJ de-
cidiu pela competência do Tribunal mineiro, assentando que:
A expressão “Presidente do Tribunal que proferiu a decisão exe-
qüenda”, constante no § 2º do art. 100 da Constituição, só pode
ser entendida, em face do caput do citado artigo e dos princípios
federativos, para significar “Presidente do Tribunal que deter-
minar o pagamento da quantia requisitada via precatório e não o
Presidente do Tribunal que conheceu do recurso à sentença
condenatória”.5
No Estado em que houver além do Tribunal de Justiça um ou mais
Tribunais de Alçada, também deve prevalecer a competência unificada
do Tribunal de Justiça, pela mesma necessidade de controlar a ordem
de cumprimento dos diversos precatórios expedidos contra a mesma
pessoa de direito público local.6

1.1 O título executivo utilizável na execução prevista no art.


730 do Código de Processo Civil

A execução especial por meio de precatório é modalidade de execu-


ção por quantia certa, como deixa bem claro o sistema do Código de
Processo Civil (arts. 730 e 731). Como se passa com todas as execu-
ções, sua admissibilidade depende da existência de um título executivo:
“toda a execução tem por base título executivo”, que pode ser, segun-
do o art. 583 do CPC, “judicial ou extrajudicial”.

5
STJ, 1ª Seção, CC 2.139-RS, Rel. Min. Antônio Pádua Ribeiro, ac. 11.10.1991, RSTJ
26/52.
6
“As requisições de pagamento, na Justiça Estadual, são feitas por intermédio do
Presidente do Tribunal de Justiça, ainda que a competência recursal na causa tenha
sido do TA (Bol. AA SP 918/86)” (THEOTÔNIO NEGRÃO, Código de Processo
Civil e legislação processual em vigor. 35ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 764, nota 19 ao
art. 730). Também no Rio Grande do Sul, segue-se a orientação de que, inexistindo
vinculação entre a competência jurisdicional e a do registro do precatório, “todos os
precatórios, inclusive aqueles expedidos em feitos cuja competência recursal seja do
Tribunal de Alçada – hipótese em causa –, são registrados neste Tribunal de Justiça”
(RSTJ, 26/54).

CAPÍTULO 2

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48 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

A circunstância de a Constituição mencionar na regulamentação do


precatório que este deve referir-se a pagamento “em virtude de sen-
tença judiciária” (CF, art. 100, § 1º) suscitou divergências acerca do
cabimento da exeqüibilidade dos títulos extrajudiciais contra a Fazen-
da Pública. A jurisprudência do STJ, no entanto, superou a controvér-
sia, proclamando reiteradamente que “é admissível a execução contra
a Fazenda, seja o título judicial ou extrajudicial, em interpretação ex-
tensiva do art. 730 do CPC”.7
O argumento que predominou foi no sentido de que a “sentença
judiciária” aludida no dispositivo constitucional era requisito para dis-
ciplinar a expedição do precatório, não necessariamente para titulação
originária do crédito exeqüendo. Assim, no procedimento do art. 730
do CPC, o juiz, quando se tratar de título extrajudicial, pronunciaria a
sentença, após os embargos da Fazenda Pública, ou depois de trans-
corrido in albis o prazo para sua oposição, ordenando a expedição do
competente requisitório.8 Dessa maneira, o requisito da sentença,
imposto pela Constituição, estaria satisfeito em momento anterior à
expedição do precatório, o qual, em seu bojo, já o reproduziria. Ao
processar-se, portanto, o precatório, já estaria presente a “sentença
judiciária”, mesmo nos casos de execução inaugurada com fundamen-
tação em título extrajudicial.
Tendo a Emenda n. 30 inovado na disciplina dos precatórios, pas-
sando a cogitar, de forma expressa, de “sentença judicial transitada
em julgado” (art. 100, § 1º, CF), vozes se ergueram novamente contra
a execução de título extrajudicial na espécie, sob o argumento de que
esse tipo de título jamais poderá, por si, gerar a coisa julgada.9
A jurisprudência do STJ, todavia, não foi abalada pela circunstância
de o novo texto constitucional do § 1º do art. 100 falar em “sentença
judicial transitada em julgado” em vez de “sentença judiciária”. Como
destaca o Ministro José Augusto Delgado, continua “consolidada na

7 STJ, 2ª T., REsp 289.421-SP, Rel. Min. Eliana Calmon, ac. 5.3.2002; no mesmo sentido:
STJ, 3ª T., REsp. 42.774-6/SP, Rel. Min. Costa Leite, ac. 9.8.1994, RSTJ 63/435; STJ,
3ª T., REsp. 79.222/RS, Rel. Nilson Naves, ac. 25.11.1996, RSTJ 95/259.
8
TRF, 4ª Reg., Ag. 52.108-SP, Série Cadernos do CEJ, nº 23, p. 452.
9
FRANCO, 2002, p. 132; DIAS, Francisco Geraldo Apolônio. Execução da obriga-
ção de dar, fazer e não fazer em face da Fazenda Pública. In: Série Cadernos do CEJ,
v. 23, p. 243.

JORNADA DE ESTUDOS

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A EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA... 49

jurisprudência, embora não esteja na doutrina”, a inteligência de que


“o precatório deve ser emitido tanto com base em título judicial como
extrajudicial”. O que – adverte o ilustre Ministro – se deve ter é o
cuidado de, na execução do título extrajudicial, seguir todo o formalismo
legal, “sem se esquecer da aplicação do art. 730 do Código de Proces-
so Civil”.10 Em outras palavras, não se pode deixar de proferir senten-
ça, quer ocorra ou não a oposição de embargos, os quais, no rito espe-
cial do art. 730 citado tem mais a natureza de contestação do que a de
embargos propriamente ditos.
Em julgado recente, o Supremo Tribunal demonstrou que não há
incompatibilidade da execução do título extrajudicial com a sistemáti-
ca da EC n. 30, desde que se faça a harmonização do art. 730 do CPC
com a exigência do § 1º do art. 100 da CF, no que toca ao requisito da
sentença transitada em julgado:
Dessa forma, o art. 730 do CPC há de ser interpretado assim:
a) os embargos, ali mencionados, devem ser tidos como con-
testação, com incidência da regra do art. 188, CPC;11
b) se tais embargos não forem opostos, deverá o juiz profe-
rir sentença, que estará sujeita ao duplo grau de jurisdição (CPC,
art. 475, I);12

10
DELGADO, José Augusto. Precatório judicial e evolução histórica. Advocacia admi-
nistrativa na execução contra a Fazenda Pública. Impenhorabilidade dos bens públi-
cos. Continuidade do serviço público. In: Série Cadernos do CEJ, v. 23, p. 133.
11
Data venia, não vejo como sustentar o entendimento do STF, no acórdão citado, de
aplicar a contagem em quádruplo (CPC, art. 188) ao prazo de resposta (embargos)
da Fazenda Pública, no procedimento do art. 730 do CPC, quando fundado em
título executivo extrajudicial. Judicial ou extrajudicial o título, pouco importa, já
que o procedimento legal é um só. A solução correta, sem dúvida, é a adotada pelo
STJ, que, aliás, tem a última palavra na interpretação da lei federal ordinária: o prazo
do art. 730 não se amplia a benefício da Fazenda executada pela óbvia razão de que
foi estabelecido pela lei exclusiva e especificamente para a própria Fazenda Pública
(Cf. STJ, 4ª T., REsp 139.866/AL, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, ac. 15.2.2001,
DJU, 28.5.2001, p. 173; STJ, 2ª T., REsp 200.482/PR, ac. 01.04.2003, DJU 28.4.2003,
p. 181).
12
Em relação à remessa ex officio, o STJ tem interpretado o art. 475, II, do CPC como
critério que limita o duplo grau de jurisdição apenas aos embargos relacionados com
a execução fiscal. Dessa maneira, a sentença de outros embargos somente poderia ser
revista em segundo grau por meio de apelação. Não cabe, segundo o STJ, portanto,

CAPÍTULO 2

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 2.pmd 49 2/5/2005, 16:01


50 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

c) com o trânsito em julgado da sentença condenatória, o


juiz requisitará o pagamento, por intermédio do Presidente do
Tribunal, que providenciará o precatório.13
Em suma, fez o voto do Relator do aresto da Suprema Corte a se-
guinte e oportuna advertência:
Esclareça-se que não há falar haja a EC 30/2000 suprimido a
execução judicial de título extrajudicial contra a Fazenda Pública.
O art. 730, CPC, está de pé, convindo esclarecer que a EC 30/2000
não inovou, no ponto. O que precisa ser compreendido é que,
ainda sob o pálio da Constituição pretérita, exigia-se, relativamen-
te à execução de título extrajudicial contra a Fazenda Pública, na
forma do art. 730, CPC, sentença transitada em julgado.14
O que, na verdade, não pode faltar, in casu, é a sentença no proce-
dimento do art. 730 do CPC, antes de ordenar-se a formação do
precatório.

1.2 Execução definitiva e execução provisória

O que, por outro lado, produziu a inovação da EC 30/2000 foi a


eliminação da possibilidade da execução provisória contra a Fazenda
Pública fundada em precatório. Quando no § 1º do art. 100 se inseriu
a necessidade de o precatório ser apoiado em “sentença transitada em
julgado”, o que realmente intentou o constituinte foi abolir o entendi-
mento até então acolhido pela jurisprudência de que a execução de
sentença contra a Fazenda Pública poderia ser instaurada antes do
trânsito em julgado, se o recurso pendente não tivesse efeito suspensi-
vo.15 Isso agora positivamente não é mais admitido pela Constituição.

remessa ex officio quando os embargos à execução contra a Fazenda Pública são


rejeitados (STJ, Corte Especial, EREsp 251.841/SP, Rel. Min. Edson Vidigal, ac.
25.03.2004, DJU 3.5.2004, p. 85).
13
STF, 2ª T., RE 421.233-AgRg/PE, Rel. Min. Carlos Velloso, ac. 15.06.2004, DJU
6.8.2004.
14
Voto do Ministro Carlos Velloso no RE 421.123, cit.
15 Diante da restrição consagrada pela EC nº 30/2000, quando se tratar de obrigação
de quantia certa, “a execução provisória não é mais possível por nenhuma forma”
(Francisco Geraldo Apolônio Dias, op. cit., p. 257). Antes da EC 30/2000, já a
Medida Provisória nº 1.984-20, art. 4º, proibia execução contra a Fazenda Pública

JORNADA DE ESTUDOS

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A EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA... 51

2. CONCEITO DE PRECATÓRIO

O juiz que decidiu a causa em 1º grau de jurisdição deve ser tam-


bém o juiz da execução da sentença condenatória, mesmo que no
processo tenha interferido, funcionalmente, um ou alguns tribunais
em grau de recurso (CPC, art. 575, II). Contudo, o precatório (ato
executivo contra a Fazenda Pública) não pode ser remetido direta-
mente pelo juiz da execução ao órgão do Poder Executivo a que cabe
o cumprimento da condenação. Nos termos do art. 730 do CPC, “o
juiz requisitará o pagamento por intermédio do presidente do tribu-
nal competente”.
Daí definir-se o precatório como a “requisição de um juiz de 1º grau,
mediante ofício, à autoridade administrativa, que é o Presidente do
Tribunal, de numerário para pagamento decorrente de decisão judicial
de 1º ou 2º graus, transitada em julgado”.16 Na verdade, não é o Presi-
dente que deve fornecer a quantia necessária ao pagamento, mas é ele
que tem a função administrativa de promover junto à Administração o
fornecimento da referida soma.
Dois órgãos da Justiça, como se vê, participam necessariamente da
execução especial de que se cuida: a diligência parte do juiz de 1º grau,
mas só se completa com a interferência do Presidente do Tribunal.
Sob o rótulo, portanto, de precatório, há duas fases procedimentais dis-
tintas a cargo de autoridades diferentes: em primeiro lugar, o juiz da
execução expede o ofício requisitório, que é encaminhado ao Presidente
do Tribunal. Após a tramitação burocrática de comprovação de sua
regularidade e de registro, o Presidente expede o precatório propriamen-
te dito para o órgão da Administração encarregado do cumprimento
da sentença.

antes do trânsito em julgado, quando se visasse à liberação de recursos, inclusão em


folha de pagamento, equiparação e reclassificação e concessão de aumento e vantagens
a servidores. Naturalmente, o veto que se extrai do atual § 1º do art. 100 da Consti-
tuição refere-se apenas às execuções por quantia certa, pois são exclusivamente estas
as que se processam no regime dos precatórios judiciários. As execuções de obriga-
ções de fazer e de entrega de coisa seguem as regras comuns do CPC e, assim, podem
ensejar tanto execução definitiva como provisória, mesmo contra o Poder Público.
16
ROSA, Fábio Bittencourt. Regulamentação Interna dos Precatórios no âmbito da
Justiça Federal. In: Execução contra a Fazenda Pública. Série de Cadernos do CEJ. Brasília:
Centro de Estudos Judiciários do CJF, v. 23, 2003, p. 164.

CAPÍTULO 2

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 2.pmd 51 2/5/2005, 16:01


52 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Dessa maneira, numa visão de conjunto, o precatório apresenta-se


como a figura da execução por quantia certa contra a Fazenda Pública,
consistente em uma ordem ou requisição da autoridade judiciária à
autoridade administrativa responsável pelo cumprimento da sentença,
determinando que a verba necessária seja incluída no orçamento, e o
respectivo crédito fique à disposição do requisitante, para satisfazer o
direito do exeqüente.
O ato do Presidente de dar curso ao precatório originário do juiz de
1º grau é vinculado. Nenhuma discricionariedade se pode entrever na
deliberação em tela. Se o requisitório está em ordem, quanto às exi-
gências formais, o Presidente não tem como deixar de fazer a requisi-
ção do juiz da execução chegar a seu destino final.17
Tal como se passa em qualquer processo, o princípio básico é o da
demanda (isto é, o princípio dispositivo), de sorte que também a
iniciativa da execução por precatório pertence, com exclusividade,
ao credor: o precatório só é expedido a requerimento da parte inte-
ressada (o credor), não se admitindo que o órgão judicial o expeça de
ofício.18

3. PRESSUPOSTO

No texto constitucional primitivo, a expedição de precatório subor-


dinava-se à existência de sentença, mas não se falava em coisa julgada,
o que levou a jurisprudência a admitir a possibilidade de execução
provisória contra a Fazenda Pública.
A Emenda Constitucional n. 30, no entanto, deu nova redação ao
§ 1º do art. 100 da Constituição, deixando claro que os precatórios
devem referir-se a “débitos oriundos de sentenças transitadas em jul-
gado”. Eliminou-se, de tal sorte, a exeqüibilidade provisória no âmbi-
to dos precatórios.19
O trânsito em julgado é, pois, pressuposto da expedição do precatório,
no atual sistema constitucional brasileiro.

17
FRANCO, Fernão Borba. Execução em face da Fazenda Pública. São Paulo: Ed. Juarez
de Oliveira, 2002, p. 129, nota 243.
18 ROSA, 2003, p. 164.
19
ROSA, 2003, p. 165 e 174.

JORNADA DE ESTUDOS

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A EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA... 53

4. ESQUEMA CONSTITUCIONAL DA EXECUÇÃO A SER


PROCESSADA NOS TERMOS DOS ARTS. 730 E 731 DO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Após a Constituição de 1988 e especialmente após a Emenda Cons-


titucional n. 30, de 13.9.2000, a regulamentação do procedimento dos
precatórios encontra-se mais em sede constitucional do que na lei pro-
cessual ordinária. De acordo com o art. 100 da CF, com as inovações
da Emenda n. 30, o regime da expedição e do cumprimento dos preca-
tórios pode ser assim esquematizado:
a) os pagamentos devidos pela Fazenda Pública serão feitos na or-
dem cronológica da apresentação dos precatórios (art. 100, caput);
b) é obrigatória a inclusão, no orçamento do ano seguinte das
entidades de direito público, da verba necessária ao pagamento
de seus débitos provenientes de sentença transitada em jul-
gado, constantes de precatórios apresentados até 1º de julho
(art. 100, § 1º – 1ª parte);
c) o pagamento deverá ser feito até o final do exercício seguin-
te, sujeitando-se a correção monetária por ocasião do paga-
mento (art. 100, § 1º – 2ª parte);
d) as dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consigna-
dos diretamente ao Poder Judiciário (art. 100, § 2º – 1ª parte);
e) caberá ao Presidente do Tribunal, que expediu o precatório,
determinar o pagamento segundo as possibilidades do depó-
sito (art. 100, § 2º – 2ª parte);
f) caberá, também, ao Presidente do Tribunal ordenar o seqües-
tro da quantia necessária à satisfação do débito, quando se
verificar pagamento pela Administração com preterimento da
ordem dos precatórios (art. 100, § 2º, in fine);
g) excluem-se da submissão à ordem cronológica dos precatórios
as condenações judiciais referentes a créditos de natureza ali-
mentícia, ou seja, os correspondentes a salários, vencimen-
tos, proventos, pensões, benefícios previdenciários e indeni-
zações por morte ou por invalidez (art. 100, caput, e § 1º);
h) não se sujeitam ao regime dos precatórios os pagamentos de
obrigações definidas em lei como de “pequeno valor” (art.
100, § 3º);
CAPÍTULO 2

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 2.pmd 53 2/5/2005, 16:01


54 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

i) comete crime de responsabilidade o Presidente do Tribunal


que, por ato comissivo ou omissivo, retardar ou tentar frus-
trar a liqüidação (entenda-se: o pagamento) regular de precatório
(art. 100, § 5º).
A Emenda Constitucional n. 30 acrescentou, ainda, o art. 78 ao Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias da Carta de 1988 para
instituir uma moratória em relação aos precatórios pendentes na data
de sua promulgação (13.9.2000) e para os futuros que decorrerem de
ações ajuizadas até 31.12.1999 (art. 78, caput). Para essa moratória
foram traçadas as seguintes regras:
a) nela não se incluem os precatórios referentes a créditos
definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza
alimentícia, os que já foram objeto de parcelamento por
força do art. 33 do ADCT e os que já tiverem os seus res-
pectivos recursos liberados ou depositados em juízo (art.
78, caput);
b) os precatórios atingidos pela moratória serão liquidados pelo
seu valor real, em moeda corrente, em prestações anuais, iguais
e sucessivas, no prazo máximo de dez anos (art. 78, caput);
c) ao valor real (isto é, atualizado monetariamente) das parcelas
serão acrescidos juros legais (art. 78, caput);
d) franqueou-se aos credores a cessão dos créditos constantes
no parcelamento (art. 78, caput, in fine);
e) para a negociação dos créditos, permitiu-se a decomposição
de parcelas, a critério do credor (art. 78, § 1º);
f) para as parcelas que não forem liquidadas até o final do exer-
cício a que se referem, conferiu-se poder liberatório do paga-
mento de tributos da entidade devedora (art. 78, § 2º);
g) para os precatórios originários de desapropriação de imóvel
residencial único do credor, o parcelamento não pode ir além
de dois anos (art. 78, § 3º);
h) o poder de seqüestro de recursos financeiros da entidade exe-
cutada, conferido ao Presidente do Tribunal competente, foi
ampliado durante o regime de parcelamento da seguinte ma-
neira: além do caso de preterição da ordem de preferência,
caberá também o seqüestro nas hipóteses de falta de paga-

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 2.pmd 54 2/5/2005, 16:01


A EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA... 55

mento no prazo devido e de omissão no orçamento da verba


necessária (art. 78, § 4º).

5. OBRIGATORIEDADE DO PROCESSO EXECUTIVO

Todas as sentenças contra a Fazenda Pública, que contenham con-


denação a pagamento de quantia certa, sujeitam-se ao procedimento
executivo dos arts. 730 e 731 do CPC. Excetuam-se desse regime ape-
nas as sentenças do Juizado Especial Federal, cujo cumprimento se
disciplina pela Lei n. 10.252, de 12.7.2001. Para estas, não há real-
mente actio iudicati separada do processo de conhecimento. A estrutura
procedimental é unitária, de sorte que o cumprimento da sentença se dá
por meio de mandado expedido por força imediata do decisório. O caso
é de sentença executiva lato sensu, ad instar do que se passa nas ações de
despejo, nas possessórias e, de forma geral, nas sentenças que conde-
nam à entrega de coisas (CPC, art. 461-A). Fazer cumprir o julgado, in
casu, é dever de ofício do seu prolator. Na linguagem do direito medie-
val, ocorre, em lugar da actio iudicati, a executio per officium iudicis.
Fora do Juizado Especial Federal, as condenações da Fazenda Pú-
blica, por obrigações expressas em dinheiro, ocorrem em processo de
conhecimento que se extingue pela sentença (CPC, art. 269).20 Daí a
necessidade, em regra, de instaurar uma nova relação processual, de
finalidade executiva, quando o vencido não cumpre espontaneamente
a sentença condenatória.
A Constituição, em alguns casos, dispensa a observância da ordem
geral dos precatórios (condenações alimentícias; art. 100, caput, CF) e,
em outros, dispensa até mesmo o precatório (dívidas de pequeno valor;
CF, art. 100, § 3º, Emenda Constitucional n. 30). Isso, porém, não equi-
vale a dispensar a ação de execução de sentença, que, contra a Fazenda
Pública, há de observar o procedimento especial dos arts. 730 e 731 do
CPC.21 Só não se aplica tal procedimento, como já restou esclarecido, ao
cumprimento das sentenças condenatórias do Juizado Especial Federal.

20 “Ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional...”


(CPC, art. 463).
21
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. São Paulo: Dialética,
2003, nº 10.1.7, p. 178.

CAPÍTULO 2

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 2.pmd 55 2/5/2005, 16:01


56 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

6. EXECUÇÃO DAS CONDENAÇÕES RELATIVAS A “CRÉDITOS


DE NATUREZA ALIMENTÍCIA”

É remansosa a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sen-


tido de que, para os efeitos do art. 100 da CF, os créditos de natureza
alimentícia submetem-se ao regime de execução via precatório. O que
se lhes outorga é apenas a preferência para pagamento fora da ordem
cronológica geral dos precatórios.22
Na mesma esteira posiciona-se o STJ, que já inseriu em sua Súmula
jurisprudencial o Enunciado n. 144, com o seguinte teor: “os crédi-
tos de natureza alimentícia gozam de preferência, desvinculados os
precatórios da ordem cronológica dos créditos de natureza diversa”.
Diante do caráter preferencial dos precatórios de cunho alimentar,
deverão formar-se duas cadeias cronológicas: a) a dos “precatórios
comuns”; e b) a dos “precatórios alimentares”.23
Essa dupla ordem cronológica é, aliás, reconhecida de maneira
expressa pela Lei n. 9.469, de 10.7.1997, cujo art. 6º, caput, im-
põe se façam os pagamentos devidos pela Fazenda Pública, “ex-
clusivamente, na ordem cronológica da apresentação dos
precatórios judiciários”. Já o parágrafo único do mesmo dispositi-
vo legal ressalva “o direito de preferência alimentícia, obedecida
entre eles, a ordem cronológica de apresentação dos respectivos
precatórios judiciários”.

6.1 Honorários advocatícios


Na exegese do art. 100 da Constituição, vinha a jurisprudência do
STJ entendendo que, para o efeito de cumprimento da ordem de prefe-

22
“A jurisprudência do STF, ao interpretar o alcance da norma inscrita no caput do art.
100 da Constituição, firmou-se no sentido de considerar imprescindível, mesmo
tratando-se de crédito de natureza alimentícia, a expedição de precatório, ainda que
reconhecendo, para efeito de pagamento do débito fazendário, a absoluta prioridade
da prestação de caráter alimentar sobre os créditos ordinários de índole comum”
(STF, 1ª T., RE 188.285/SP, Rel. Min. Celso de Mello, ac. 28.11.1995, DJU 1.3.1996,
p. 5.028).
23
FRANCO, 2002, p. 212; DANTAS, Francisco Wildo Lacerda. Execução contra a Fazen-
da Pública. 1999, p. 85; CUNHA, 2003, p. 168.

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 2.pmd 56 2/5/2005, 16:01


A EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA... 57

rência entre os precatórios, os honorários advocatícios deveriam ser


qualificados como “crédito de natureza alimentícia”.24
A Constituição, todavia, com a Emenda n. 30, de 13.9.2000, pas-
sou a definir no § 1º-A do art. 100 o que se deva considerar por “débi-
tos de natureza alimentícia”, e, ao fazê-lo, valeu-se de um critério
casuístico, ou seja, inseriu no texto constitucional um rol de situações
que deveriam corresponder às obrigações de natureza alimentícia.25
A controvérsia já se instalou entre os intérpretes do novo dispositi-
vo constitucional. Há quem entenda que a conseqüência de ter o legis-
lador constitucional se encarregado de definir as hipóteses configura-
doras de débito alimentício é a eliminação da possibilidade de que,
nesse conceito, o intérprete venha a incluir outras obrigações, como, v.
g., a dos honorários de advogado.26 Há, também os que advogam o
caráter apenas exemplificativo do enunciado do § 1º-A do art. 100 da
Constituição, de maneira que, por exegese, permitir-se-ia o acréscimo
dos honorários advocatícios.27
Convém aguardar que os Tribunais superiores se manifestem, visto
que o tema é realmente polêmico, e não me parece fácil aceitar que a
medida inovadora do novo § 1º-A adotada em âmbito constitucional
tenha sido motivada pelo propósito apenas exemplificativo.
É bom lembrar, ainda, que, do primeiro parcelamento de precatórios
determinado pelo art. 33 do ADCT, a 1ª Turma do STF não excluía os
honorários de sucumbência fixados em ações desapropriatórias, en-
tendendo que a natureza alimentícia não se manifestaria quando não

24 STJ, 2ª T., RMS 1.392-0/SP, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, ac. 5.4.1995, DJU
8/5/1995, p. 12.354.
25
“§ 1º-A. Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de
salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios
previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilida-
de civil, em virtude de sentença transitada em julgado” (CF, com o acréscimo da EC
nº 30).
26
“A respeito da execução por quantia certa de débitos de natureza alimentícia deve ser
dito que, em vista da definição constitucional, descabem outras considerações a res-
peito, como, por exemplo, aquela referente à inclusão, nesse conceito, dos honorários
advocatícios, já mencionada acima” (FRANCO, 2002, p. 211).
27
VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Novas considerações acerca da execução contra a Fazen-
da Pública. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo, agosto, 2003, v. 5, p. 59.

CAPÍTULO 2

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 2.pmd 57 2/5/2005, 16:01


58 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

se tratasse de ação proposta pelo advogado contra o constituinte. Isso


porque lhe atribuía o caráter de verba acessória.28
A 2ª Turma, no entanto, tinha posição diversa e decidia que, para os
fins do art. 33 do ADCT, nos precatórios, “os honorários advocatícios
e periciais têm natureza alimentar. Por isso, excluem-se da forma de
pagamento preconizada no art. 33 do ADCT”.29

7. EXECUÇÕES REFERENTES A “DÍVIDAS DE PEQUENO VALOR”

Não há dúvida de que, nas condenações de “dívidas de pequeno


valor”, a execução contra a Fazenda Pública (Federal, Estadual, Distrital
ou Municipal) não exige o processamento sob a forma de precatórios
judiciários (CF, art. 100, § 3º; com a redação da EC n. 30). Há, porém,
que se instaurar e desenvolver a ação de execução de sentença, nos
moldes dos arts. 730 e 731 do CPC: o credor há de requerer a execu-
ção, e a Fazenda devedora terá de ser citada para embargar, em trinta
dias.30 Não oferecidos embargos ou sendo estes rejeitados, expedir-se-á
ordem de pagamento, a ser cumprida no prazo assinado pelo juiz.
Não há ordem cronológica para cumprimento. Todo mandado deve-
rá ser cumprido no tempo nele assinalado, sob pena de seqüestro ou
bloqueio de verbas públicas, no valor suficiente para o pagamento (Lei
n. 10.259, de 2001, art. 17, § 2º).31

28 “Direito constitucional e processual. Recurso extraordinário. Alegação de ofensa ao art. 33 do


ADCT, por abranger o precatório os honorários de advogado.” 1. O principal da justa indeniza-
ção em processo expropriatório está sujeito à moratória prevista no art. 33 do ADCT,
na conformidade da jurisprudência desta Corte. Se assim é com o principal, pela mesma
razão há de ser com a verba acessória, de honorários advocatícios, em não se tratando
aqui de ação proposta pelo advogado contra o constituinte. 2. RE conhecido e provi-
do” (STF, 1ªT., RE 143.802-9/SP, Rel. Min. Sydney Sanches, ac. 3.11.1998, DJU 9.4.1999,
p. 34. No mesmo sentido: STF, 1ª T., RE 149.989-3/SP, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ
151/956; RE 162.312-8/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU 13.5.1994, p. 11.357).
29
STF, 2ª T., RE 146.318/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, ac. 13.12.1996, DJU 4.4.1997, p.
10.537. No mesmo sentido: STF, 2ªT., RE 170.220-6/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, ac.
19.5.1998, DJU 7.8.1998.
30
Somente nos procedimentos dos Juizados Especiais Federais, a Lei nº 10.259/2001
eliminou a actio iudicati e adotou a técnica de cumprimento imediato da sentença, por
mandado expedido diretamente pelo juiz da condenação ao órgão encarregado do
pagamento.
31
CUNHA, 2003, p. 179, nota 324.

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 2.pmd 58 2/5/2005, 16:01


A EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA... 59

O que não está explicitamente enunciado na Lei n. 10.259 é a manei-


ra de fazer com que a ordem de pagamento alcance o destinatário: have-
ria, ou não, necessidade de a requisição passar pelo Presidente do Tribu-
nal? Na área da Justiça Federal, o Conselho da Justiça Federal baixou a
Resolução n. 258, de 21.3.2002, em que se estabelece a via da requisi-
ção por intermédio do Presidente do Tribunal. Não há precatório nem
tampouco ordem de registro das ordens de pagamento, pois cada uma
delas terá de ser cumprida no respectivo prazo, sob pena de seqüestro,
como já se observou. É, contudo, o Presidente do Tribunal que proce-
derá ao encaminhamento da requisição, que, na linguagem burocrática,
recebeu a denominação de Requisição de Pequeno Valor – RPV.32
A dispensa de precatórios para as dívidas de pequeno valor, segun-
do a EC n. 30 (CF, art 100, § 3º), estende-se também às condenações
das Fazendas Estaduais e Municipais, ocorridas na Justiça dos Esta-
dos.33 Os Tribunais Estaduais poderão, a exemplo da Resolução n.
258-CJF, estabelecer o sistema de ordens de pagamento centralizadas
na Presidência do Tribunal de Justiça, para as “dívidas de pequeno
valor”. Diante da ausência de expressa previsão constitucional, enten-
do, contudo, que não estarão obrigados a fazê-lo. Não se cometerá
ilegalidade se preferirem que as ordens de pagamento, expedidas ao
final do procedimento do art. 730 do CPC, sejam, na espécie, encami-
nhadas ao destinatário pelo próprio juiz da execução.
Para a Justiça Federal, o valor-teto para configuração da execução
de “dívida de pequeno valor” foi fixado pela Lei n. 10.259, de 2001,
em 60 salários mínimos. Para os Estados e Municípios, a Constituição
autorizou fossem por eles adotados limites próprios para a determi-
nação de “dívida de pequeno valor”, no âmbito de cada um (art.
100, § 5º). Enquanto tal não se der, vigora o estatuído pela EC n. 37,
que incluiu o art. 87 no ADCT, prevendo os seguintes limites: I – 40
salários mínimos, perante a Fazenda dos Estados e do Distrito Fede-
ral; e II – 30 salários mínimos, perante a Fazenda dos Municípios.
A execução sem precatório depende do valor final em execução (prin-
cipal mais acessórios). Não pode ser fracionado nem se pode lançar

32
Quando liberadas as importâncias, serão recolhidas, por ordem do Presidente, em
conta à disposição do juiz da execução. A este caberá expedir o alvará para que o
exeqüente levante o montante de seu crédito.
33
CUNHA, 2003, p. 181.

CAPÍTULO 2

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 2.pmd 59 2/5/2005, 16:01


60 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

mão de precatórios complementares para que parte se enquadre no


sistema de precatório e parte no sistema de execução de “dívida de
pequeno valor” (CF, art. 100, § 4º).
Se, porém, houver litisconsórcio no processo condenatório, onde se
possa identificar o valor da condenação em favor de cada consorte,
podem as execuções se desdobrar, permitindo várias ordens de paga-
mento dentro dos limites individuais previstos no § 3º do art. 100 CF,
mesmo que no total a condenação ultrapasse o teto das “dívidas de
pequeno valor”. É que na cumulação de pedidos, cada um deles
corresponde a uma demanda ou uma causa. Logo, o objeto de cada
uma delas conserva suas características, sem embargo da conexão com
as demais. Daí a possibilidade de tratar seu valor, para a execução
individual, com autonomia.34

8. PODERES DO JUIZ DA EXECUÇÃO E DO PRESIDENTE DO


TRIBUNAL
Na execução dos arts. 730 e 731 do CPC, o concurso de atividades
do juiz da causa e do Presidente do Tribunal é obrigatório. A jurispru-
dência entende, porém, que as funções de um e de outro são de natu-
reza diversa. Ao juiz é que se atribui a função jurisdicional na espécie.35 O
Presidente do Tribunal desempenharia apenas atividade administrativa,
quando processasse o precatório oriundo do juiz do feito em que ocor-
reu a condenação da Fazenda Pública.36
Diante da reconhecida natureza administrativa da função do Presi-
dente do Tribunal, sempre se decidiu que inclusão ou exclusão de ju-
ros e correção monetária correspondiam a incidentes que somente teriam

34
CUNHA, 2003, p. 180.
35
“A ordem judicial de pagamento (§ 2º do art. 100 da Constituição Federal), bem
como os demais atos necessários a tal finalidade, concernem ao campo administrati-
vo e não jurisdicional” (STF-Pleno, ADI 1.098/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, ac.
11.9.1996, DJU 25.10.1996, p. 41.026).
36
“Os incidentes ou questões surgidos no cumprimento dos precatórios serão solucio-
nados pelo juiz do processo de execução. A função do Presidente do Tribunal no
processamento do requisitório de pagamento é de índole essencialmente adminis-
trativa, não abrangendo as decisões ou recursos de natureza jurisdicional (STJ, 2ª T.,
REsp 141. 137/SP, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, ac. 7.10.1999, DJU 13.12.1999,
p. 132. No mesmo sentido: STJ, 1ª T., REsp 187.831/SP, Rel. Min. José Delgado, ac.
17.11.1998, DJU, 22.3.1999, p. 83).

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 2.pmd 60 2/5/2005, 16:01


A EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA... 61

cabimento perante o juiz da execução.37 Considerava-se inquestioná-


vel que “o Presidente do Tribunal não tem competência para alterar o
valor da condenação imposta ao Estado, o que remanesce com o juízo
que decidiu a causa em primeiro grau (art. 575, II)”, no entender de
Araken de Assis.38
Essa natureza meramente administrativa não era pacificamente ad-
mitida em doutrina. Observa Wanderley José Federighi que a qualifi-
cativa em questão não condiz com o poder atribuído pelo art. 731 ao
Presidente do Tribunal de controlar o cumprimento do precatório e
determinar medidas coercitivas, como o seqüestro, que são de “cunho
eminentemente jurisdicional”.39
Insistia-se, nada obstante, no caráter administrativo da intervenção
do Presidente no processamento do precatório, porque, a não ser o
controle das formalidades extrínsecas e a corrigenda de erros materiais,
não teria ele poderes para enfrentar os incidentes da execução, como o
reajustamento do quantum debeatur, a revisão do índice a ser aplicado, a
complementação do depósito e a extinção da execução.40
Acontece que rever erros, mesmo que materiais, cometidos no ato
do juiz de 1º grau, não se me afigura ato meramente administrativo.
Se, controlando a regularidade do requisitório oriundo do juiz da cau-
sa a Lei n. 9.494, de 1997, art. 1º-E (redação da Medida Provisória
2.180-35/2001), o Presidente do Tribunal tem poderes para, de ofício
ou a requerimento das partes, rever as contas de definição do valor
exeqüendo, para, afinal, determinar o valor a ser pago ao exeqüente,
não se pode qualificá-lo como quem não desempenha função
jurisdicional.

37
CUNHA, Leonardo José Carneiro, op. cit., p. 169.
38
ARAKEN DE ASSIS. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2000, v.
9, p. 417.
39
FEDERIGHI, Wanderley José. A execução contra a Fazenda Pública. São Paulo: Sarai-
va, 1996, p. 59. Da mesma forma, para Juvêncio Vasconcelos Viana, “a atividade da
Presidência do Tribunal é ainda de índole jurisdicional, haja vista que o precatório é
ato próprio do desenrolar dessa execução especialíssima e, no seu cumprimento,
poderão ainda advir as providências previstas no § 2º, art. 100, CF e no art. 731 do
CPC” (Execução contra a Fazenda Pública. São Paulo: Dialética, 1998, p. 123).
40
STJ, 2ª T., REsp 49.340-4/SP, Rel. Min. José de Jesus Filho, ac. 10.8.94, Boletim
AASP, nº 1.931, p. 413-j; STJ, 1ª T., REsp 19.625/SP, Rel. Min. Garcia Vieira, DJU,
15.6.92, p. 9.227.

CAPÍTULO 2

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 2.pmd 61 2/5/2005, 16:01


62 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

É certo que, nessa quadra, apenas os erros materiais poderão ser


corrigidos. Também ao juiz da causa não é dado fazer correções de
natureza diversa, pois esbarrará sempre no limite da coisa julgada.
Além do mais, após a EC n. 30, não é só para corrigir erros materiais
que o Presidente interfere no valor do precatório. Cabe-lhe, após a
abertura de crédito pela Administração, determinar as providências
para que, sob sua direção, realize-se a liberação do depósito ao cre-
dor em valor atualizado monetariamente na data do pagamento (CF,
art. 100, § 1º).
O certo, porém, é que questões supervenientes que não decor-
ram de erro material e que possam, fora da atualização monetária
já prevista no título, influir no crédito exeqüendo, aumentando ou
reduzindo seu montante, continuam sob a competência do juiz de
1º grau. Quando as retificações de cálculo não atritem com a coisa
julgada e, ao contrário, com ela se afinem, pode perfeitamente o
Presidente do Tribunal realizá-las, sem necessidade de baixar os
autos ao juízo a quo. É o que se deduz do novo art. 1º-E41 da Lei n.
9.494, de 1997.
Entre os incidentes que se processam sob a competência do juiz de
primeiro grau, com recurso para o Tribunal de Justiça, figuram os rela-
tivos ao parcelamento de que cuida o art. 78 do ADCT.42

9. PRECATÓRIOS COMPLEMENTARES. JUROS E CORREÇÃO


MONETÁRIA

Como o cumprimento dos precatórios demanda inclusão dos cré-


ditos em orçamento e posterior liberação de verba, longo é o tempo
que necessariamente se interpõe entre a requisição do juiz da causa e
a efetiva satisfação do direito do credor. Fatalmente ocorre uma defa-

41
Art. 1º-E da Lei nº 9.494, de 1997 – “São passíveis de revisão, pelo Presidente do
Tribunal, de ofício ou a requerimento das partes, as contas elaboradas para aferir o
valor dos precatórios antes de seu pagamento ao credor” (NR – Artigo incluído pela
MP 2180-35, de 24.8.2001).
42
Ao juiz cabe decidir sobre as parcelas a mais e as verbas que nelas figurarão (juros,
correção, etc.). O seqüestro pelo descumprimento do parcelamento, todavia, é provi-
dência afeta apenas ao Presidente do Tribunal, nos termos do art. 78, § 4º do ADCT
(EC nº 30/2000) (TJSP, 7ª Câm. Dir. Público, AgRg. 354.367-5/1-01 e Ag. 354.367-
5/0, Rel. Des. Torres de Carvalho, ac. 9.2.2004, JTJ 279/401-403).

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 2.pmd 62 2/5/2005, 16:01


A EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA... 63

sagem entre o montante lançado no precatório e aquele que o cre-


dor, na realidade, teria direito de receber na ocasião do pagamento.
Uma vez que não se reconhecia ao Presidente do Tribunal poder
para alterar o valor do precatório fixado por ato do juiz da execução,
a solução encontrada pela jurisprudência foi a dos precatórios com-
plementares. Após o pagamento incompleto, caberia ao exeqüente
requerer, em primeiro grau de jurisdição, a apuração dos juros e cor-
reção monetária não compreendidos no resgate da primitiva requisi-
ção de pagamento.43
Para que a cadeia de precatórios complementares não se tornasse
eterna ou infindável, a Emenda Constitucional n. 30 introduziu altera-
ções no art. 100 da Constituição, dispondo que:
a) o cumprimento seria feito até o final do exercício seguinte à
apresentação do precatório;
b) durante esse prazo, o montante do precatório ficaria sujeito
a correção monetária, de sorte que o respectivo cumprimento
seria feito pelo valor atualizado na data do efetivo paga-
mento;
c) não se incluíram na referida atualização os juros de mora,
certamente porque se entendeu que, havendo um prazo le-
gal para o pagamento, não estaria o devedor, dentro dele,
em mora.
Com estas medidas, pretendeu o legislador constituinte eliminar a
necessidade do uso dos precatórios complementares, pois não haveria
juros de mora se a Fazenda devedora cumprisse a requisição de paga-
mento no prazo de lei, e a correção monetária seria automaticamente
aplicada na ocasião do pagamento.
Resta saber o que fazer quando o depósito for insuficiente para
cobrir a totalidade do valor atualizado da dívida, ou quando o paga-
mento se der além do prazo constitucional sem o acréscimo dos ju-
ros moratórios. A jurisprudência tem entendido que, em tal conjun-
tura, continua necessário o recurso ao precatório complementar, pro-

43
STF, Pleno, AR 948, AgRg/RJ, Rel. Min. Cordeiro Guerra, ac. 23.11.1983,
RTJ 108/463; STF, 2ªT., RE 112.889/MG, Rel. Min. Djaci Falcão, ac. 10.12.1987,
RTJ 124/1.231; STF, 2ª T., RE 103.282/PR, Rel. Min. Carlos Madeira, ac.
15.4.1986, RTJ 118/230.

CAPÍTULO 2

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 2.pmd 63 2/5/2005, 16:01


64 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

cessado perante o juiz da execução, já que o Presidente do Tribunal


não teria poder para incluir verbas suplementares no precatório pri-
mitivo. 44
Mesmo quando não se entendam excluídos os juros devidos en-
tre a expedição do precatório e seu efetivo cumprimento, remanesce
na competência do juiz da execução o incidente, posterior ao paga-
mento, para sua apuração e exigência, o que terá de dar-se pelo
procedimento do precatório complementar, como sempre tem de-
cidido o STJ.45
Dessa maneira, as funções judiciárias relativas à tramitação dos
precatórios ficam assim distribuídas:

I – ao juiz da execução, cabe:


a) decidir as questões incidentes que envolvam modificação ou atua-
lização da conta em que se baseou o precatório (salvo a corre-
ção monetária até o pagamento, dentro do exercício seguin-
te, sem inovação do indexador fixado pela sentença
exeqüenda); 46
b) proceder à expedição de precatório complementar, para
fins de pagamento atualizado do valor depositado a me-
nor;47
c) corrigir ou emendar a defeituosa formação do precatório,
quando se tratar de erro que não possa ser considerado ma-
terial;48

44
Competente é o juiz da execução, e não o Presidente do Tribunal, para “promover a
expedição de precatório complementar, para fins de pagamento atualizado do valor
depositado a menor” (STJ, 6ª T., REsp 437.432-SP, Rel. Min. Vicente Leal, ac. 13.8.2002,
DJU 2.9.2002, p. 273).
45
STJ, REsp 252.084/PR, Rel. Min. Edson Vidigal, ac. 24.10.2000, DJU 4.12.2000, p.
87; STJ, REsp 305.278/DF, Rel. Min. José Delgado, ac. 15.8.2000.
46
STJ, 1ª T., REsp. 50.826-6/SP, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, ac. 5.9.1994, RSTJ 64/304;
STJ, 2ª T., REsp 9.296-0/SP, Rel. Min. José de Jesus Filho, ac. 5.4.1993, DJU 3.5.1993,
p. 7.781.
47
STJ, 6ª T., REsp 437.432-SP, Rel. Min. Vicente Leal, ac. 13.08.2002, DJU 2.9.2002,
p. 273.
48
STJ, 1ª T., REsp 40.260-3/SP, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, ac. 26.4.1995,
DJU 22/5/1995, p. 14.367.

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 2.pmd 64 2/5/2005, 16:01


A EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA... 65

II – ao Presidente do Tribunal, cabe:


a) promover a atualização monetária do valor do crédito na data
do pagamento, a ocorrer até o final do exercício seguinte à
apresentação tempestiva do precatório (CF, art. 100, caput);49
b) proceder à correção dos erros materiais ou inexatidões dos cál-
culos, desde que respeite os limites do título executivo judi-
cial fixados pela coisa julgada. Não lhe cabe alterar a senten-
ça exeqüenda, em nenhuma hipótese;50
c) expedir à autoridade competente a requisição de pagamento,
velando pelo respeito à ordem cronológica, com a promoção
do seqüestro inclusive, se necessário.51
Porque a jurisprudência entende sejam de natureza administrativa
os atos prolatados pelo Presidente do Tribunal nos procedimentos re-
lativos aos precatórios, devem ser eles excluídos do campo do recurso
extraordinário.52
Ainda sobre juros moratórios, deve-se observar o seguinte:
a) sua inclusão nos cálculos primitivos do precatório é de regra
e dá-se independentemente de requerimento da parte e de
previsão expressa na sentença condenatória (CPC, art. 293;
STF, Súmula 254);
b) o art. 100, § 1º, da CF autoriza a apuração da correção mone-
tária na ocasião do efetivo pagamento do precatório, mas não
o faz em relação aos juros de mora, certamente porque não
considera em mora a executada que cumpre o precatório até
o final do competente exercício;

49
STF, 2ª T., AgRgAI 153.493/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, ac. 25.10.1993, RTJ 152/630;
STF, 1ª T., RE 195.819-7/PR, Rel. Min. Ilmar Galvão, ac. 7.5.1996, DJU 1.7.96,
p. 23.888.
50 STF-Pleno, ADIn 1.098-1/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, ac. 11.9.1996, DJU 25.10.1996,
p. 41.026.
51
STJ, 2ª T., RMS 1.129-0/SP, Rel. Min. José de Jesus Filho, ac. 16.3.1994, DJU 18.4.1994,
p. 8.471.
52 STF, 2ªT., AI 162775/SP, Rel. Min. Celso de Mello, ac. 1/8.1995, RDA 201/192. Mesmo
sendo confirmados pelo colegiado do Tribunal local, os atos do Presidente fundados no
art. 100 da CF não desafiam recurso extraordinário (STF, 1ª T., AI 165.747-2/PR-AgRg,
Rel. Min. Sepúlveda Pertence, ac. 10.11.98, DJU 5.2.1999, p. 11).

CAPÍTULO 2

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 2.pmd 65 2/5/2005, 16:01


66 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

c) nos parcelamentos previstos na EC n. 30 (art. 78 do ADCT),


estão autorizados a correção monetária e os juros de mora,
exigíveis no pagamento de cada prestação anual;
d) a taxa de juros compensatórios devidos pela Fazenda Públi-
ca, a partir da Medida Provisória n. 1.577, de 1997, passou a
ser de 6% a.a.53 Não houve alteração da taxa dos moratórios,
que continua sendo a legal.
Quanto ao precatório complementar, quando necessário, o caso é
realmente de incidente de natureza jurisdicional, e não simplesmente
administrativa. Deve, pois, ser processado perante o juiz da execução,
com audiência de ambas as partes, de maneira a respeitar a garantia do
contraditório e da ampla defesa.
Não configura, porém, um novo processo, já que, sem o pagamento
completo do crédito do exeqüente, a execução ainda não se encerrou.
É o caso, pois, de simples incidente de feito em curso. Por isso, não há
necessidade de nova citação, nem cabem novos embargos. O credor
simplesmente apresenta o cálculo das verbas não inteiramente satis-
feitas (juros e correção monetária). A Fazenda é ouvida nos autos, e o
Juiz decide, definindo o saldo remanescente por meio de decisão
interlocutória (agravável). Mesmo que haja agravo, pode-se expedir
desde logo o precatório complementar, porque a execução em curso é
definitiva, e o recurso manejado não tem efeito suspensivo. O que
poderia suspender a expedição do precatório seriam os embargos, não
cabíveis, entretanto, na espécie.54

10. MOVIMENTO EM PROL DA MORALIZAÇÃO DO REGIME DOS


PRECATÓRIOS

Há nos meios forenses e no seio da sociedade um descrédito e um


desânimo em torno da tutela jurisdicional dispensada aos credores da
Fazenda Pública. A sensação geral é de que a Justiça não tem força
para compelir a Administração Pública a cumprir suas obrigações
pecuniárias com os particulares, e de que os governos, cientes disso,

53
STJ, 3ª T., REsp 192.159/SP, ac. 19/11/1998, Rel. Min. Ari Pargendler, DJU 7.6.1999,
p. 96.
54
FRANCO, 2002, p. 168, 169.

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 2.pmd 66 2/5/2005, 16:01


A EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA... 67

adotam postura de completa imoralidade. Simplesmente ignoram as


sentenças condenatórias e não se sentem ameaçados pela expedição
dos precatórios, que se vão acumulando ano a ano, para desespero dos
credores. Muitas vezes, nem mesmo são incluídos no orçamento pú-
blico, e, quando o são, as verbas nunca se liberam.
As sanções constitucionalmente estabelecidas são duas:
a) a intervenção (da União nos Estados, e do Estado nos Muni-
cípios) na pessoa jurídica de direito público que não cumpre
o precatório no prazo devido (CF, arts. 34, V, e 35, IV);
b) o seqüestro de receitas da entidade devedora, quando se
quebra o direito de preferência entre os credores (CF, art.
100, § 2º).
Ambos são impotentes, na maioria dos casos, para demover a Fa-
zenda Pública de sua postura de devedor recalcitrante na inadimplência:
o seqüestro, porque de escassa aplicabilidade, visto que só se pode dele
cogitar quando ocorra pagamento fora da ordem cronológica de apre-
sentação dos precatórios (ficam de fora os casos mais graves, que são
os da crônica e geral inadimplência); e a intervenção, porque a Justiça
quase nunca consegue executá-la, e chega-se a reconhecer que a falta de
recursos orçamentários pode, como no caso do Estado de São Paulo
julgado pelo STF, servir de justificativa para o descumprimento dos
precatórios e a denegação da intervenção federal no Estado devedor.
É justamente porque a União não interfere nos Estados que estes tam-
bém se julgam liberados do ônus de intervir nos Municípios. Assim, a
inadimplência se universaliza na seara da dívida pública.
Uma possível saída está, fora do processo civil, na adoção de postu-
ra mais enérgica por parte dos tribunais na responsabilização penal
dos culpados pelo inadimplemento, que prejudica não só o credor mas
até mesmo o próprio Estado, pela improbidade administrativa configu-
rável na espécie.55 Com o processo criminal, não se resolve imediata-
mente o problema do exeqüente insatisfeito. Cria-se, porém, um clima
de maior cuidado com o trato das obrigações das entidades públicas
tuteladas por sentença judicial. Em médio prazo, os gestores dispensa-
rão mais atenção ao cumprimento das condenações da Justiça. O te-

55
FRANCO, 2002, p. 189, 198.

CAPÍTULO 2

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 2.pmd 67 2/5/2005, 16:01


68 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

mor ou a certeza da punição servirá para prevenir futuras infrações e,


assim, quem sabe, os precatórios consigam mais respeito e considera-
ção no meio social.
Duas outras providências, estas ligadas diretamente ao procedimento
dos precatórios, mostram-se recomendáveis para diminuir os percal-
ços da execução contra a Fazenda Pública e para abreviar a satisfação
dos créditos exeqüendos:
a) é de toda conveniência que na Justiça Estadual se adote o
sistema de regulamentação interna para clarear e nortear os
procedimentos da espécie, tal como se faz no âmbito da Jus-
tiça Federal, por iniciativa do Conselho da Justiça Federal. A
uniformização de rotinas, de documentação, de atribuições e
até a padronização de termos por meio de formulários e ex-
pedientes similares são medidas que podem simplificar a
tramitação dos precatórios, impedindo conflitos, divergên-
cias e incidentes procedimentais no caminho a percorrer en-
tre a formação do precatório em 1ª instância e seu cumpri-
mento, já sob o comando do Presidente do Tribunal.
O Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de valorizar essa
normatização interna, reconhecendo que “observadas as balizas cons-
titucionais e legais, cabe ao Tribunal, mediante dispositivos do Regi-
mento, disciplinar a tramitação dos precatórios, a fim de que possam
ser cumpridos”.56
Nesse sentido, os dispositivos do Regimento Interno do Tribunal de
Justiça de Minas Gerais têm sido elogiados pela doutrina, que os con-
sidera mais bem idealizados do que, por exemplo, os do Tribunal de
São Paulo, ao centralizar aquele R. I. na Presidência as liberações dos
pagamentos, em vez de, como o último, delegar aos juízes de 1º grau
essas múltiplas liberações.57
Penso, porém, que não se deva ficar apenas na edição de normas re-
gimentais. É interessante baixar instruções-circulares, ressaltando os pro-
cedimentos práticos necessários para bem e fielmente cumprir o pre-
ceituado, com modelos dos atos e termos mais importantes inclusive;

56
STF-Pleno, ADIn 1.098-1/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, ac. 11/9/1996, DJU 25/10/1996,
p. 41.025.
57
FRANCO, 2002, p. 159.

JORNADA DE ESTUDOS

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A EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA... 69

b) outras medidas de alta relevância podem ser observadas no


parcelamento preconizado pelo art. 78 do ADCT, o qual,
sem dúvida, vai, durante um decênio, envolver a maioria
dos precatórios pendentes na Justiça. Para administrar essa
gigantesca moratória, o Poder Judiciário foi munido de po-
deres maiores do que os ordinários, como o de incluir juros
moratórios no montante de cada parcela anual, o de usar o
seqüestro na eventual omissão de verba no orçamento para
ditas parcelas e pelo não-pagamento de cada uma no res-
pectivo vencimento. Além disso, o não-cumprimento do pre-
catório pela Fazenda devedora a seu tempo, confere força
liberatória para uso em pagamento de tributos devidos pelo
exeqüente à executada, além de facultar-lhe a cessão dos
direitos creditórios no mercado.
A facilitação, pelo Poder Judiciário, dessas faculdades constitucio-
nais conferidas aos titulares dos precatórios parcelados é medida que
pode contribuir, e muito, para amenizar as agruras da longa moratória
e proporcionar alguma receita, de imediato, aos credores.
Pela maior efetividade conferida às medidas coercitivas e satisfativas
do art. 78 do ADCT, produzir-se-á um salutar efeito pedagógico, valo-
rizando a moralidade administrativa e refreando o comportamento ar-
raigado nas tradições de inadimplência contumaz da Administração às
condenações judiciais. A quadra histórica é propícia a esse movimento
moralizador, porque durante o longo processamento da moratória im-
posta pelo EC n. 30, o Judiciário estará munido de poderes que nor-
malmente não lhe confere o art. 100 da CF, como o seqüestro por
inadimplemento e a facilitação da cessão dos precatórios para fins de
compensação tributária. É preciso fazer uso adequado e profícuo des-
ses poderes, a bem da moralidade pública e, sobretudo, do prestígio do
Poder Judiciário.

11. CONCLUSÕES

O legislador, no plano constitucional, tem tomado medidas que


podem estimular a maior eficiência da execução por precatórios, que,
no entanto, são ainda relativamente tímidas, e sua satisfatória imple-
mentação muito depende do esforço do Poder Judiciário para extrair
das inovações todo o seu potencial de satisfatividade para os direitos

CAPÍTULO 2

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 2.pmd 69 2/5/2005, 16:01


70 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

dos credores da Fazenda Pública. Merecem destaque as seguintes no-


vidades pós-EC n. 30:
a) os precatórios deverão ser registrados no Tribunal em dois
grupos distintos: 1) o das obrigações comuns; e 2) o das obri-
gações de natureza alimentícia. Assim, estes últimos poderão
ser satisfeitos com preferência sobre os demais, embora se
deva estabelecer a gradação cronológica entre os precatórios
de igual natureza;
b) todos os precatórios devem ser pagos pela entidade devedora
no curso do exercício seguinte a sua apresentação, desde que
ocorra até 1º de julho do ano anterior;
c) a verba orçamentária deve ser disponibilizada para o Presi-
dente do Tribunal de Justiça, a fim de que este centralize o
cumprimento dos diversos precatórios, assegurando o respei-
to à competente ordem cronológica de registro;
d) o pagamento deve ser pelo valor corrigido na data de sua
efetivação, evitando-se, dessa maneira, os precatórios com-
plementares;
e) os juros de mora deixam de correr a partir do encaminhamen-
to do precatório para cumprimento, porque até o fim do exer-
cício seguinte o devedor está dentro do prazo constitucional
de pagamento;
f) a cessação dos juros refere-se, porém, apenas aos moratórios.
Os compensatórios, como se dá nas desapropriações e em
outras situações análogas, regem-se pela sentença, fazendo
parte da condenação e da coisa julgada. Devem, pois, ser in-
tegralmente satisfeitos no cumprimento do precatório. Hou-
ve redução da taxa dos compensatórios para 6% a.a. (Medida
Provisória 1.577/97), a qual, todavia, não atinge as senten-
ças já transitadas em julgado;
g) havendo pagamento a menor, durante o prazo de cumprimen-
to do precatório, caberá ao credor requerer no prazo de 1º
grau a expedição de precatório complementar. Não haverá,
porém, novo processo de execução, mas apenas um incidente
daquele que ainda permanece em curso, enquanto não satis-
feito por inteiro o crédito exeqüendo. Isso quer dizer que a
citação não será renovada, nem a Fazenda poderá apresentar

JORNADA DE ESTUDOS

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A EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA... 71

novos embargos. Tudo se resolve por meio de simples deci-


são interlocutória do juiz da execução;
h) ao Presidente do Tribunal foram conferidos poderes para con-
trolar a regularidade formal dos precatórios e corrigir os erros
materiais cometidos em sua formação pelo juiz da execução;
i) os erros de julgamento (errores in iudicando) eventualmente co-
metidos pelo juiz da execução têm de ser impugnados peran-
te ele, e a ele competirá solucioná-los, por envolverem o mé-
rito da causa;
j) o parcelamento instituído pela EC n. 30, embora tenha cria-
do um longo prazo para satisfação completa dos precatórios
pendentes e em vias de aperfeiçoamento dentro de processos
em curso, conferiu maiores poderes à Justiça para proporcio-
nar a realização do direito do credor da Fazenda Pública, no
que diz respeito aos precatórios parcelados, ou seja, não sen-
do paga a parcela no respectivo vencimento, o credor pode
usá-la para satisfação de tributos que acaso deva à Fazenda
executada, procedendo-se à respectiva compensação; pode
ceder a terceiros o mesmo crédito; pode, ainda, obter seqües-
tro de valores da Fazenda para satisfação em dinheiro da par-
cela inadimplida. Já o estabelecimento das parcelas relativas à
moratória do art. 78 do ADCT e as eventuais divergências a
seu respeito serão objeto de deliberação do juiz da execução;
l) os precatórios parcelados sujeitam-se não apenas a correção
monetária mas também a juros de mora durante todo o tem-
po de sua vigência; grande importância foi conferida à fun-
ção do Presidente do Tribunal competente para velar pela
regular tramitação do precatório e pelo seu fiel cumprimento.
Em contrapartida, a Constituição cominou-lhe as penas de
crime de responsabilidade se, por ato omissivo ou comissivo,
retardar ou tentar frustrar a liqüidação regular de precatório
(CF, art. 100, § 5º);
m) finalmente, foram excluídas do regime processual dos
precatórios as sentenças relativas a dívidas definidas em lei
como de pequeno valor (CF, art. 100, § 3º; ADCT, arts. 86 e
87). Não se dispensou, porém, a ação de execução, nos mol-
des do CPC, art. 730, mas apenas o precatório. Dispensa da

CAPÍTULO 2

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 2.pmd 71 2/5/2005, 16:01


72 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

actio iudicati houve apenas para as sentenças do Juizado Espe-


cial Federal, cujo cumprimento se dará por meio de mandado
de pagamento diretamente expedido pelo juiz sentenciante
ao órgão competente para realizá-lo, com prazo de 60 dias,
sob pena de seqüestro do numerário suficiente ao cumpri-
mento da decisão (Lei n. 10.259, de 2001, art. 17, caput e
§ 2º). Para as dívidas de pequeno valor, não abrangidas pela
competência do Juizado Especial Federal, finda a tramitação
da ação executiva e não ocorrendo o pagamento pela Fazen-
da devedora no prazo da requisição, também poderá haver
seqüestro de numerário, já que a execução não tem de ob-
servar a técnica constitucional dos precatórios judiciários,
cabendo, portanto, a aplicação analógica da Lei n. 10.259,
de 2001.
A verdadeira e definitiva reforma constitucional no rumo da mora-
lização do precatório ainda está por ser feita, e será, quando imple-
mentada, de extrema singeleza e de alta eficácia. Consistirá em gene-
ralizar o seqüestro da verba pública como conseqüência necessária do
descumprimento da requisição judiciária, no prazo que a Constituição
já impôs para o competente pagamento. No dia em que o Constituinte
tiver a coragem de completar a disciplina executiva – tal como já fez
com referência ao parcelamento do art. 78 do ADCT –, estarão elimi-
nados todos os desalentos dos credores da Fazenda Pública. Demora-
rá um pouco a satisfação do crédito oriundo de sentença judicial, mas
certos serão o seu pagamento e o momento de sua concretização. Já se
emendou tanto a Constituição de 1988, no pertinente aos precatórios
inclusive, por que não assumir os brios de fazê-lo mais uma vez e,
desta vez, com os mais honestos e enérgicos propósitos de eliminar
um clima de imoralidade pública que tanto afeta a dignidade da Justiça
e vilipendia os direitos dos credores da Fazenda Pública?

12. ANEXO
Julgado do TJSP sobre questões relevantes referentes ao art. 78 do
ADCT:
“DESAPROPRIAÇÃO – INDENIZAÇÃO – ARTIGO 78
DO ADCT – JUROS MORATÓRIOS E COMPENSATÓ-
RIOS – CABIMENTO – RECURSO NÃO PROVIDO.

JORNADA DE ESTUDOS

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A EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA... 73

Ementa oficial:
PRECATÓRIO – São Bernardo do Campo – ADCT, art. 78 – Mo-
ratória Constitucional – Desapropriação – Apuração de diferenças
decorrentes de depósitos a menor (duas parcelas) – Decisão judicial
que aprova conta apresentada pelos credores – Agravo da devedora,
com diversas argüições.
1. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA – As partes, na siste-
mática atual, apresentam as contas que entendem corretas e apresen-
tam, querendo, impugnação fundamentada ao cálculo da outra parte;
não lhe cabe exigir prévia manifestação do contador judicial, cuja oitiva
fica ao prudente arbítrio do juiz. A Prefeitura não impugnou a conta,
mas apenas determinados critérios nela utilizados; entendendo o juiz
que os critérios usados pelos credores estão corretos, não havia neces-
sidade de remessa dos autos ao contador. Não se vê, sequer em tese,
ofensa ao contraditório ou à ampla defesa.
2. ATUALIZAÇÃO – Mês de referência do cálculo judicial foi feita
em 30/7/1993 e nela não foi incluído, ante a impossibilidade mate-
rial, índice de correção monetária, para agosto. A atualização se faz a
partir do mês de referência, no caso o mês da conta, dividindo o valor
a atualizar pelo índice correspondente a julho de 1993 e multiplicando
pelo índice do mês a que a atualização se refere. É sistema simples,
que não comporta a impugnação feita. O uso do índice de setembro de
1993, como sugere a Prefeitura, implica em (sic) subtrair dois meses da
atualização pretendida. Correto o critério utilizado pelos credores.
3. JUROS MORATÓRIOS E COMPENSATÓRIOS – A longa dis-
sertação feita pelo Município e sua defesa da relativização da coisa
julgada não convencem nem justificam o abandono, no caso concreto,
de decisão já não sujeita a recurso. O Município foi condenado a pa-
gar, em ação de desapropriação, juros compensatórios e moratórios
cumulados, na esteira de longeva e sólida jurisprudência. Não vejo
como excluir do título verbas nele incluídas nem alterar valores prote-
gidos pela preclusão máxima. Correta a inclusão na conta dos juros
moratórios e compensatórios.
4. MORATÓRIA DECENAL – Acréscimos – O art. 78 do ADCT
da Constituição Federal, ao mandar incluir nas parcelas os juros legais,
adotou linha diversa de moratória anterior. Por ‘juros legais’ enten-
dem-se os juros fixados na sentença, moratórios e compensatórios,

CAPÍTULO 2

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 2.pmd 73 2/5/2005, 16:01


74 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

seja porque os juros foram fixados com base na lei (nunca contra ela),
seja porque ambos os juros têm previsão legal. A moratória implica no
(sic) parcelamento, não na (sic) diminuição, do valor concedido em de-
cisão transitada em julgado. Correta a decisão.
5. COMPETÊNCIA – A lei não proíbe (ao contrário, o sistema re-
comenda) que o juiz intime o devedor para pagamento da diferença
apontada e lhe indique o valor de parcela a pagar nos anos seguintes;
mas não pode o juiz determinar o seqüestro de recursos em caso de
não pagamento. Não há ofensa ao art. 730, I do CPC. O seqüestro é
providência que cabe ao Presidente do Tribunal de Justiça, nos exatos
termos do art. 78, § 4º do ADCT, introduzido pela EC n. 30/00. Ale-
gação rejeitada, com observação.
6. CITAÇÃO – Art. 730 do CPC – Não se trata de nova execução,
mas de simples incidente da execução em curso, não se justificando
nova citação para os efeitos do art. 730 do CPC. O incidente visa
unicamente aferir se as parcelas decenais estão sendo pagas no valor
correto, sem o que mais uma vez estará frustrada a moratória de novo
concedida ao Poder Público. A Prefeitura manifestou-se amplamente
nos autos e entrou com os recursos cabíveis, como está fazendo neste
momento, nenhuma irregularidade processual transparecendo.
7. COMPLEMENTO – Momento temporal – A EC n. 30/00 diz
que tais débitos serão liquidados em prestações anuais, iguais e suces-
sivas; isto é, deve o Município pagar a cada ano 1/10 do valor devido.
A nova benesse concedida ao Poder Público não lhe permite pagar
valor menor nem deixar de pagar, hipóteses que justificam a interven-
ção do juiz. O pagamento de valor inferior implica em (sic) que o débi-
to não será liquidado no final do decênio, frustrando o objetivo da
Emenda. Correto o magistrado em definir desde logo os critérios de
cálculo e o valor das parcelas anuais sempre em benefício dos credores
e da própria devedora.
8. ÍNDICE DE FEVEREIRO DE 1989 – O cálculo é feito segun-
do os índices de correção monetária aceitos em juízo, não segundo
parecer fornecido por entidade (a GV Consult) contratada pela Asso-
ciação dos Municípios que demonstra desconhecimento do sistema
judiciário brasileiro e desrespeita a coisa julgada. O índice de 23,60%,
antes utilizado, foi indicado pelo IBGE em resposta à diminuição do
índice do mês anterior e o índice de 10,14% agora utilizado decorre de
decisões reiteradas do Superior Tribunal de Justiça, que prevalecem

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 2.pmd 74 2/5/2005, 16:01


A EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA... 75

sobre o parecer anexado pela devedora. Hipótese que foge ao caso


concreto, em que a conta foi utilizada a partir de julho de 1993. Corre-
ta a conta ao utilizar a Tabela Prática do Tribunal de Justiça.
9. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ – Entende a Câmara que a ausência
de má-fé deve ser excluída da pena correspondente, vencido o relator
que tão-somente reduzia a multa a R$10.000,00, corrigidos desta data
e excluía a condenação em honorários advocatícios por indevida na
espécie.
Agravo provido em parte para excluir a multa pela litigância de má-
fé em R$10.00,00 e a condenação em honorários, com observação
quanto à competência para o seqüestro de rendas. Agravo regimental
prejudicado.”

CAPÍTULO 2

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 2.pmd 75 2/5/2005, 16:01


76 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

JORNADA DE ESTUDOS

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LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 77

CAPÍTULO 3 LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO:


PAGAMENTO, COMPENSAÇÃO
E PODER LIBERATÓRIO
José Otávio de Vianna Vaz

Sumário
1. Considerações introdutórias: evolução do regramento consti-
tucional dos precatórios no Brasil. 2. A inovação trazida pela
Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998. 3. A
Emenda Constitucional n. 30, de 13 de setembro de 2000, e o
regime dos precatórios. 4. Distinção entre precatórios comuns e
precatórios alimentícios. 5. A consignação dos valores a serem
pagos ao Poder Judiciário. 6. A inclusão da Fazenda Distrital. 7.
O tratamento diferenciado conferido às entidades de direito pú-
blico. 8. A imputação de crime de responsabilidade aos Presiden-
tes de Tribunais de Justiça. 9. O novo prazo concedido às Fazen-
das. 10. Análise das ADI’s n. 2356-0 e n. 2362-4. 11. O real sentido
dos comandos do art. 78 do ADCT. 12. Atualização do valor
dos precatórios. 13. A questão do prazo para o pagamento dos
precatórios. 14. Conseqüência da inadimplência da Fazenda Pú-
blica: caducidade do direito ao pagamento parcelado. 15. A prer-
rogativa da cessão de créditos constitucionalmente assegurada aos
credores das Fazendas Públicas. 16. O poder liberatório dos
precatórios vencidos. 17. O problema da ordem de pagamento
dos precatórios. 18. O regime jurídico do poder liberatório dos
precatórios. 19. A natureza da compensação de créditos. 20. O
prazo de parcelamento dos precatórios decorrentes de desapro-
priação de único imóvel residencial. 21. O cabimento do seqües-
tro de valores. 22. Auto-aplicabilidade das normas constitucionais
analisadas. 23. O advento da Emenda Constitucional n. 37, de 12
de junho de 2002, e as alterações no regime dos precatórios.

EXPOSIÇÃO E CONSULTA
Com o advento da Emenda Constitucional n. 30, de 13 de setembro
de 2000,1 foi alterado o art. 100 da Constituição Federal e acrescentado
o art. 78 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT.

1
DOU de 14 de setembro de 2000.

CAPÍTULO 3

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 77 2/5/2005, 16:02


78 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Dentre outras alterações, a emenda promulgada, posteriormente


complementada por dispositivos da Emenda Constitucional n. 37, de
12 de junho de 2002,2 alterou o prazo de pagamento das obrigações
das Fazendas Públicas devidas em virtude de sentenças judiciais, os
denominados “precatórios”; possibilitou – agora expressamente – a
cessão dos créditos e inovou a ordem jurídica, ao dar a esses créditos o
que denominou “poder liberatório” do pagamento de tributos de com-
petência da entidade devedora.
Diante das emendas à Constituição aqui mencionadas, recebi con-
sulta do Ministro Sebastião Alves dos Reis, Presidente do Centro Jurí-
dico Brasileiro, acerca dos seguintes aspectos:
1. Pode ser solicitada intervenção federal ou estadual para se
exigir o pagamento dos precatórios?
2. O que significa a expressão “segundo as possibilidades do
depósito”, constantes no art. 100, § 2º, da Constituição Fe-
deral de 1988?
3. Qual o prazo para a Fazenda exercer o direito de opção pelo
parcelamento?
4. Qual o significado de “poder liberatório do pagamento de
tributos da entidade devedora”, constante no § 2º do art. 78
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT?
5. Há necessidade de observância da “ordem cronológica” de
apresentação dos precatórios para o exercício do direito ao
“poder liberatório”?
6. O dispositivo constitucional relativo ao “poder liberatório”
carece de regulamentação?

PARECER
1. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS:EVOLUÇÃO DO
REGRAMENTO CONSTITUCIONAL DOS PRECATÓRIOS
NO BRASIL

O “precatório” é, nos dizeres de De Plácido e Silva,3

2 DOU de 13 de junho de 2002.


3
Vocabulário Jurídico. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, v. III e IV, p. 416.

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 78 2/5/2005, 16:02


LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 79

a carta expedida pelos juízes de execução de sentenças, em que a


Fazenda Pública foi condenada a certo pagamento, ao presiden-
te do Tribunal, a fim de que, por seu intermédio, se autorizem e
se expeçam as necessárias ordens de pagamento às respectivas
repartições pagadoras.
Tais ordens de pagamento se fazem necessárias em virtude da inalie-
nabilidade – e conseqüente impenhorabilidade – dos bens públicos, que
exige tenha o processo de execução contra a Fazenda rito especial.
Assim, embora a Constituição de 1891 já previsse a possibilidade de
intervenção federal nos Estados “para assegurar a execução das leis e
sentenças federais”,4 não continha aquele Texto disposições acerca da
forma de cumprimento das decisões judiciais. Nesses termos, apesar de
o Decreto n. 3.084, de 1898, – que aprovou a consolidação das leis
referentes à Justiça Federal – já dispor sobre o pagamento mediante a
expedição de precatórias (sic),5 afirma Lásaro Cândido da Cunha6 que:
[...] o cumprimento de eventual condenação do Estado por ór-
gão do poder judiciário ficava na dependência de cumprimento
espontâneo da obrigação pelo próprio devedor, ou então, abrindo
caminho para que o Estado escolhesse livremente a quem pagar.
Ou seja, o Estado poderia escolher a oportunidade que melhor
lhe conviesse para ressarcir financeiramente qualquer cidadão, já
que este não teria meios para fazer efetivar eventual tutela
jurisdicional em seu favor.
De fato, afirmava Temístocles Brandão Cavalcanti7 – autor da pro-
posta de constitucionalização do precatório – que,

4
Cf. art. 6º, 4º, in Constituições do Brasil. Fernando H. Mendes de Almeida (org.). 5ª ed.
São Paulo: Saraiva, 1967.
5
Cf. FLAKS, Milton. “O precatório judiciário na Constituição de 1988”, apud
CUNHA, Lásaro Cândido da. Precatório – Execução contra a Fazenda Pública. Belo
Horizonte: Del Rey, 1999, p. 41. Informa, ainda, Ricardo Perlingeiro Mendes da Silva
que dispositivo semelhante existia no art. 14 da Instrução Normativa, de 10 de abril
de 1851, do “Directorio do Juizo Fiscal e Contencioso dos Feitos da Fazenda”. In:
Execução contra a Fazenda Pública. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 31.
6
CUNHA, Lásaro Cândido da. Precatório – Execução contra a Fazenda Pública. Belo
Horizonte: Del Rey, 1999, p. 41.
7
Curso de Direito Administrativo. 7ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1964, p. 470, apud
CUNHA, Lásaro Cândido da. Precatório..., p. 50.

CAPÍTULO 3

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 79 2/5/2005, 16:02


80 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Sob o regime anterior à Constituição de 1934, os pagamentos


feitos em virtude de sentença judiciária, quando a Fazenda era
condenada, processavam-se por intermédio das autoridades ad-
ministrativas, isto é, pelo Ministério da Fazenda e Tesouro Na-
cional, que os encaminhavam ao Congresso Nacional, que vota-
va os créditos extraordinários ao pagamento da dívida.
Não obedece tal pagamento a nenhum critério de ordem, ou
cronológico, motivo pelo qual se verificavam os maiores abu-
sos, que por vezes tomavam até aspectos escandalosos, mor-
mente quando se tratava de créditos vultosos.
Para pôr termo a tais irregularidades, propusemos, na Comissão
que elaborou o anteprojeto da Constituição, que tais pagamen-
tos fossem realizados por ordem rigorosa de antigüidade dos
precatórios, dentro de um único crédito aberto para pagamento
de sentenças judiciárias, e por determinação do Presidente da
Corte Suprema.
Outro motivo que levou à constitucionalização da forma de paga-
mento das dívidas da Fazenda mediante precatório foi a nefasta “ad-
vocacia administrativa”, então realizada no Congresso Nacional, e a
capacidade detida por este de negar o crédito para o pagamento da
dívida. A propósito da constitucionalização do instituto do precatório,
informa Castro Nunes:8
Suas origens estão no ante-Projeto (sic) do Itamarati, de onde
passou à Constituição de 34, visando, com base em antece-
dentes conhecidos, coibir a advocacia administrativa que se
desenvolvia no antigo Congresso para a obtenção de crédi-
tos destinados ao cumprimento das sentenças judiciárias. Não
raro, deputados levaram seu desembaraço ao ponto de obs-
truírem o crédito solicitado, entrando no exame das senten-
ças, prática viciosa de que dá notícia o sr. Carlos Maximiliano
no seguinte comentário: “Este (o Congresso), provocado por
proposta de um dos seus membros ou por mensagem do
Executivo a votar verba para o cumprimento de sentença, exa-
minava os fundamentos desta e, se não lhe agradavam, negava
o crédito solicitado.” Assim se sobrepunha um julgamento

8
Da Fazenda Pública em juízo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960, p. 230, apud
CUNHA, Lásaro Cândido da. Precatório ... p. 51.

JORNADA DE ESTUDOS

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LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 81

político ao Judiciário; era um poder exautorado no exercício


pleno de suas funções.
Nesses termos, diante das dificuldades existentes para o pagamento
dos credores da Fazenda, o Constituinte de 1934 fez constar, naquela
Constituição, artigo que assim dispunha:9
Art. 182 – Os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, em
virtude de sentença judiciária, far-se-ão na ordem de apresenta-
ção dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, sendo
vedada a designação de caso ou pessoas nas verbas legais.
§ único. Êstes créditos serão consignados pelo Poder Executivo
ao Poder Judiciário, recolhendo-se as importâncias ao cofre dos
depósitos públicos. Cabe ao Presidente da Côrte Suprema ex-
pedir as ordens de pagamento, dentro das fôrças do depósito, e,
a requerimento do credor que alegar preterição da sua prece-
dência, autorizar o seqüestro da quantia necessária para o satisfa-
zer, depois de ouvido o Procurador-Geral da República.
Embora somente se referisse, expressamente, à Fazenda Federal,
abalizada doutrina e jurisprudência afirmavam que o dispositivo se
aplicava também às Fazendas Estaduais e Municipais, “como garan-
tia implícita resultante da forma de govêrno e dos princípios consig-
nados na Constituição”. 10 Por outro lado, afir mava Pontes de
Miranda11 que
o art. [...] não se dirige só ao Poder Executivo, não é norma
dirigida exclusivamente à autoridades administrativas – é tam-
bém, limitação ao poder da Câmara dos Deputados e do Sena-
do Federal; veda-se-lhes a designação de caso ou pessoas nas
verbas legais [...].
Depois de proibir o pagamento de precatórios fora da sua ordem de
apresentação, prevendo o Constituinte a possibilidade de esse fato
ocorrer, permitiu-se ao credor preterido o requerimento de seqüestro
da quantia necessária à satisfação de seu crédito.

9
Constituições do Brasil, 1967, p. 324.
10
Cf. CASTRO NUNES, p. 230, apud CUNHA, Lásaro Cândido da. Precatório ..., cit., p. 53.
11
Comentários à Constituição de 1967. T. III, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967,
p. 621. Embora o comentário se refira à Constituição de 1967, o mesmo se aplica
ao caso, tendo em vista a semelhança da redação dos dispositivos.

CAPÍTULO 3

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 81 2/5/2005, 16:02


82 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Além da possibilidade de seqüestro da verba necessária a garantir o


pagamento do credor preterido, para dar maior efetividade ao coman-
do constitucional, previa a Carta de 1934, em seu art. 12, a possibili-
dade de intervenção Federal nos Estados, nos seguintes termos:
Art. 12 – A União não intervirá em negócios peculiares aos
Estados, salvo:
(...)
IV – para garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes
Públicos estaduais;
(...)
VII – para a execução de ordens e decisões dos juízes e tribunais
federais.
(...)
§ 3º – Entre as modalidades de impedimento do livre exercício
dos Poderes Públicos estaduais (n. IV), se incluem:
a) o obstáculo à execução de leis e decretos do Poder Legislativo
e às decisões e ordens dos juízes e tribunais;
Dispunha, ainda, a Constituição de 193412 serem crimes de respon-
sabilidade do Presidente da República – sujeitos à pena de perda do
cargo – os atos atentatórios às leis orçamentárias e ao cumprimento
das decisões judiciárias.
Embora demonstrasse inegável evolução em relação à Carta de 1891
– ao determinar que os pagamentos devidos pela Fazenda se fizessem
na ordem de apresentação dos precatórios –, a Carta de 1934 pecava
por não exigir, expressamente, a consignação, no orçamento, dos valores
a serem pagos em virtude de sentenças judiciais (o texto mencionava
“dentro das fôrças do depósito”), fazendo com que o total do crédito
orçamentário destinado ao pagamento dos precatórios ficasse a critério
do Poder Executivo Federal.13
De qualquer maneira, o dispositivo constitucional trouxe norma ino-
vadora, que privilegiou a moralidade administrativa, a igualdade dos

12 Cf. Constituição de 1934, art. 57, alíneas “h” e “i”.


13
Cf. DELGADO, José Augusto. “Execução de quantia certa contra a Fazenda Públi-
ca”. In: RePro 57, apud MENDES DA SILVA, Ricardo Perlingeiro. Execução contra a
Fazenda Pública. 1999, p. 31.

JORNADA DE ESTUDOS

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LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 83

administrados e a impessoalidade da Administração Pública, além de


compensar os credores da Fazenda pelos inconvenientes para eles advin-
dos da impenhorabilidade dos bens das pessoas de direito público.
Constitucionalizada a forma de pagamento, pensou-se que estaria
resolvido o problema da inadimplência estatal e da morosidade do
pagamento das dívidas das Fazendas, chegando Temístocles Brandão
Cavalcanti 14 a afirmar, com relação ao novel instituto, de forma
otimista:
Nada mais natural do que o requisitório como forma de paga-
mento, por isso que a liquidação se efetiva automàticamente,
fornecendo-se ao poder judiciário os recursos financeiros ne-
cessários.
Anualmente o Presidente do Tribunal solicita ao Congresso os
recursos, calculando-os até a data em que deve ser feita a pro-
posta orçamentária. Os créditos respectivos devem ser consig-
nados no orçamento a fim de serem os pagamentos efetuados
no respectivo exercício.
Com o advento da Constituição de 1937, o dispositivo foi mantido
no art. 95 do Texto, com a seguinte redação:15
Art 95 – Os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, em vir-
tude de sentenças judiciárias, far-se-ão na ordem em que forem
apresentadas as precatórias e à conta dos créditos respectivos,
vedada a designação de casos ou pessoas nas verbas orçamentá-
rias ou créditos destinados àquele fim.
§ único – As verbas orçamentárias e os créditos votados para os
pagamentos devidos, em virtude de sentença judiciária, pela Fa-
zenda federal, serão consignados ao Poder Judiciário, recolhen-
do-se as importâncias ao cofre dos depósitos públicos. Cabe ao
Presidente do Supremo Tribunal Federal expedir as ordens de
pagamento, dentro das fôrças do depósito, e, a requerimento
do credor preterido em seu direito de precedência, autorizar o
seqüestro da quantia necessária para satisfazê-lo, depois de ouvi-
do o Procurador-Geral da República.

14
A Constituição Federal Comentada. Rio de Janeiro: José Konfino Editor, 1949, v. IV,
p. 225.
15
Cf. Constituições do Brasil. 1967.

CAPÍTULO 3

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84 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

As alterações relativas ao dispositivo na Constituição de 1937 são


meramente formais. O texto menciona “precatórias” em vez de “pre-
catórios”16 e se refere, ainda, à necessidade de votação (“créditos
votados”). A polêmica acerca dos termos “precatório” e “precatória”
é irrelevante, embora seja preferível o primeiro, por ter sido aquele
utilizado por todas as Constituições brasileiras e pelo fato de evitar
confusão com as “cartas precatórias” mencionadas na legislação pro-
cessual. Por outro lado, a necessidade de votação já existia no art. 50
da Constituição de 1934, razão pela qual entendemos que não houve
alteração na sistemática do precatório com o advento da Constitui-
ção de 1937.
Da mesma forma, foram mantidos os artigos referentes à interven-
ção, nos seguintes termos:
Art 9º – O Governo Federal intervirá nos Estados mediante a
nomeação pelo Presidente da República de um interventor, que
assumirá no Estado as funções que, pela sua Constituição, com-
petirem ao Poder Executivo, ou as que, de acôrdo com as con-
veniências e necessidades de cada caso, lhe forem atribuídas pelo
Presidente da República:
(...)
f) para assegurar a execução das leis e sentenças federais.
§ único. A competência para decretar a intervenção será do Pre-
sidente da República, nos casos das letras a, b e c; da Câmara dos
Deputados, no caso das letras d e e; do Presidente da República,
mediante requisição do Supremo Tribunal Federal, no caso da
letra f.
A Constituição de 1946 manteve o instituto do pagamento por meio
de precatórios, sobre ele dispondo no art. 204, in verbis:
Art 204 – Os pagamentos devidos pela Fazenda federal, esta-
dual ou municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão
na ordem de apresentação dos precatórios e à conta dos crédi-
tos respectivos, sendo proibida a designação de casos ou de pes-

16
Incorretamente, segundo J. Cretella Júnior (Comentários à Constituição de 1988. 2ª ed.
1ª reimpressão, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p. 3.053), embora o
termo “precatória” tenha sido utilizado também por Pontes de Miranda em seus
Comentários ao Código de Processo Civil (T. X, Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 472).

JORNADA DE ESTUDOS

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LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 85

soas nas dotações orçamentárias e nos créditos extra-orçamen-


tários abertos para esse fim.
Parágrafo único – As dotações orçamentárias e os créditos aber-
tos serão consignados ao Poder Judiciário, recolhendo-se as im-
portâncias à repartição competente. Cabe ao Presidente do Tri-
bunal Federal de Recursos ou, conforme o caso, ao Presidente
do Tribunal de Justiça expedir as ordens de pagamento, segun-
do as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do
credor preterido no seu direito de precedência, e depois de ou-
vido o chefe do Ministério Público, o seqüestro da quantia ne-
cessária para satisfazer o débito.
As alterações trazidas a respeito do tema, na redação da Constitui-
ção de 1946, são: a) a inclusão das Fazendas Estaduais e Municipais;
b) a abertura de dotação orçamentária específica para o pagamento
dos precatórios; c) a destinação das receitas à repartição competente
(em vez de destiná-las “ao cofre dos depósitos públicos”); d) a atribui-
ção de competência ao Presidente do Tribunal Federal de Recursos ou
do Tribunal de Justiça para a expedição das ordens de pagamento; e) a
oitiva do Chefe do Ministério Público, em vez do Procurador-Geral da
República, quando da requisição de seqüestro de verba.
A inclusão das Fazendas Estaduais e Municipais teve o escopo de
afastar, de vez, as dúvidas que surgiram a respeito da aplicação do siste-
ma de precatórios aos Estados e aos Municípios. A previsão de abertura
de dotação orçamentária específica, embora significasse maior garantia
ao jurisdicionado, não assegurava o recebimento do crédito, sendo dis-
positivo de efetividade duvidosa. A destinação das receitas à repartição
competente decorria da inclusão das Fazendas Estaduais e Municipais,
pois os créditos deveriam estar sob guarda da repartição sujeita à jurisdi-
ção do Tribunal competente. Por sua vez, a designação do Presidente do
Tribunal Federal de Recursos e do Presidente do Tribunal de Justiça
para expedir as ordens de pagamento decorria, também, da inclusão das
Fazendas Estaduais e Municipais. Assim, o pagamento das dívidas fede-
rais deveria ser determinado pelo Presidente do Tribunal Federal de
Recursos, ao passo que as demais, pelo Presidente do Tribunal de Justi-
ça. O mesmo se pode dizer com relação à substituição do Procurador-
Geral da República pelo Chefe do Ministério Público.
Embora pudesse ser considerada uma evolução com relação às Car-
tas anteriores, o dispositivo não trouxe nenhuma modificação signifi-
CAPÍTULO 3

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 85 2/5/2005, 16:02


86 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

cativa, que assegurasse ao administrado um recebimento mais célere


de seu crédito.
Ressalte-se que a possibilidade de intervenção federal nos Estados
e Municípios continuava presente, para os casos de não-cumprimento
de sentenças judiciárias, nos termos do art. 7º da Constituição de
1946. 17
Com o advento da Constituição de 1967,18 o sistema de pagamento
das dívidas da Fazenda por meio de precatórios foi mantido nos se-
guintes termos:
Art. 112 – Os pagamentos devidos pela Fazenda federal, esta-
dual ou municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão
na ordem de apresentação dos precatórios e à conta dos crédi-
tos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas
nas dotações orçamentárias e nos créditos extra-orçamentários
abertos para esse fim.
§ 1º – É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de
direito público, de verba necessária ao pagamento dos seus dé-
bitos constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º
de julho.
§ 2º – As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão
consignados ao Poder Judiciário, recolhendo-se as importâncias
respectivas à repartição competente. Cabe ao Presidente do Tri-
bunal, que proferiu a decisão exeqüenda, determinar o paga-
mento, segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a re-
querimento do credor preterido no seu direito de precedência, e
depois de ouvido o chefe do Ministério Público, o seqüestro da
quantia necessária à satisfação do débito.
A evolução do instituto é verificada por meio do disposto no § 1º,
que torna obrigatória a inclusão, nos orçamentos, da verba necessária
ao pagamento dos débitos das pessoas jurídicas de direito público, dis-

17
“Art. 7º – O Governo Federal não intervirá nos Estados salvo para: (...); IV – garantir
o livre exercício de qualquer dos podêres estaduais; V – assegurar a execução de
ordem ou decisão judiciária; (...)”
18
Apud Constituição da República Federativa do Brasil. Organização de Rubens B. Minguzzi,
com a colaboração da “Vox Legis”, São Paulo: Sugestões Literárias S.A., 1970. A
Emenda Constitucional nº 01, de 17 de outubro de 1969, manteve, basicamente,
com relação a estes dispositivos, a redação da Constituição de 1967.

JORNADA DE ESTUDOS

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LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 87

positivo até então inexistente. Sobre esse dispositivo, afirmou Pontes


de Miranda:19
Executados o art. 112 e § 1º e 2º, tem-se concorrido para a
moralização da administração pública no Brasil. É o princípio
constitucional contra uma das formas mais correntes de advo-
cacia administrativa.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, comentando a Constituição de
1967, com a redação da Emenda Constitucional n. 01/69 – que ape-
nas modificou o número do dispositivo, sem alterar-lhe substancial-
mente a redação –, assim se manifestou sobre o art. 117, § 1º:20
Inclusão de Verba no Orçamento. É de alta relevância esta regra
que foi editada, pela primeira vez, nesta Constituição. Até sua
entrada em vigor não estavam as pessoas jurídicas de direito
público obrigadas a incluir em seus orçamentos o necessário
para o atendimento às condenações judiciais.
O preceito em tela é uma elogiável inovação da Lei Fundamen-
tal de 1967. Por ela, ficam as pessoas de direito público – o que
significa a União, o Estado, os Municípios e suas entidades des-
centralizadas – obrigadas a incluir em seus orçamentos a previ-
são do necessário para satisfazer, pelo menos, os pagamentos
em razão de condenação judicial, requisitados até 1º de julho.
Tendo em vista, no entanto, que a obra mencionada foi escrita (e
atualizada) após o advento da Constituição Federal de 1967, o ilustre
constitucionalista já dava notícia da burla ao dispositivo constitucio-
nal, nos seguintes termos:21
A previsão constitucional, todavia, vem sendo fraudada, eis que
freqüentemente se “congelam” as dotações orçamentárias para
pagamento de condenações, seja parcial, seja integralmente. Tal
fraude, porém, deve ensejar a devida sanção, pois ela importa,
inequivocamente, numa violação da Constituição. Esta, com efei-
to, não quer que, num ato inútil, se inscreva no orçamento uma
verba; quer evidentemente que se paguem as condenações com
a verba necessariamente prevista. Assim, ex natura esta dotação
orçamentária não pode ser congelada.

19
Comentários à Constituição de 1967. T. III, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967, p. 620.
20
Comentários à Constituição Brasileira. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 463.
21
FERREIRA FILHO, 1986, p. 464.

CAPÍTULO 3

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 87 2/5/2005, 16:02


88 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

De fato, a redação da Constituição de 1967 e, também, a da Emen-


da Constitucional n. 01, de 1969, davam azo a uma interpretação, se
não inconstitucional, extremamente desfavorável aos credores das
Fazendas, pois permitia – com o beneplácito de uma jurisprudência
positivista – que os pagamentos fossem feitos pelo valor “histórico”.
Sobre tal interpretação afirmou o Ministro do Supremo Tribunal Fede-
ral, Marco Aurélio:22
Sob a égide da Constituição pretérita, estabeleceu-se quadro de
extravagância ímpar, considerada a relação jurídica mantida pelo
Estado e credores, e a liquidação de obrigações pecuniárias re-
conhecidas mediante provimento judicial. A interpretação literal
do preceito de regência dos precatórios, ou seja, do artigo 117,
levou à conclusão de que os valores deles constantes, atualizados
em 1º de julho, seriam pagos, até o término do exercício subse-
qüente à respectiva apresentação, na forma nominal. Decorreu
daí, diante de inflação da ordem de trinta por cento ao mês, um
verdadeiro ciclo vicioso. O credor, ao ver satisfeito o precatório,
tinha a desventura de constatar a liquidação parcial do débito da
Fazenda a oscilar entre três e cinco por cento do total devido. O
direito reconhecido em sentença trânsita em julgado transfor-
mava-se em verdadeira pensão vitalícia, forçando o requerimento
da expedição de novo precatório, com sobrecarga para a má-
quina judiciária, no que perpetuadas as execuções e, portanto, a
tramitação dos processos.
Com relação ao “ciclo vicioso” mencionado pelo Ministro Marco
Aurélio, estudos realizados assim se referiam aos precatórios:23
Ao longo dos anos, a inflação tornou irrisórios os pagamentos
feitos pela Fazenda Pública em valores nominais e não reais, não
corrigidos e não atualizados. Com a inflação observada à época
do Congresso Revisor [...] a liquidação de um crédito contra a
Fazenda Nacional demandava 318 anos e exigia 212 precatórios;
de fato, a queda da inflação reduziu tais prazos mas, com uma
inflação de 3% ao mês, demanda cerca de 20 anos e uns 17
precatórios, mantendo acúmulo de trabalho ao judiciário e da-
nos ao credor e não menores ao Erário.

22
STF, Pleno, ADI 1.098-1–SP, j. 11.9.96, DJ 25.10.96.
23
Exposição de Motivos da PEC nº 407/96. Diário da Câmara dos Deputados. 4.9.96, p.
24.608.

JORNADA DE ESTUDOS

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LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 89

Como adiante se demonstrará, esse foi um dos motivos que levaram


o constituinte a alterar o texto constitucional, quando da elaboração
da Constituição de 1988, mantendo o sistema de pagamento por meio
de precatórios, dando-lhe, no entanto, nova redação com o intuito de
sanar a iniqüidade.
No tocante à autoridade competente para determinar o pagamento,
dispôs a Constituição de 1967, diferentemente das anteriores, que esta
seria o “Presidente do Tribunal que proferiu a decisão exeqüenda”.
Importante frisar que a Emenda Constitucional n. 01/69 alterou a re-
dação do dispositivo,24 que passou a ser “Presidente do Tribunal que
proferir a decisão exeqüenda”.
A alteração, quase imperceptível, tem o mérito de esclarecer quem é
a autoridade competente, uma vez que uma interpretação literal do
dispositivo poderia levar à conclusão de que o “Presidente do Tribu-
nal” é o órgão superior ao Juízo de 1ª Instância que proferiu a decisão.
Essa interpretação decorreria do tempo verbal utilizado pelo Consti-
tuinte de 1967, que se referia ao Presidente do Tribunal que proferiu a
decisão exeqüenda – que poderia levar à interpretação de que decisão
exeqüenda era a condenação judicial ao pagamento proferida por Juiz
ou Tribunal nos autos do processo. Assim não é, no entanto. A altera-
ção levada a efeito em 1969 mencionava o Presidente do Tribunal que
proferir a decisão exeqüenda, indicando que “a decisão exeqüenda” é a
ordem de pagamento por meio de precatório.
Nesse sentido, em acórdão proferido já com base no art. 100, § 2º,
da Constituição de 1988 – com o mesmo conteúdo material e a mesma
redação dada à Constituição de 1967 pela Emenda Constitucional n.
01/69, aplicável ao caso, portanto –, assim se manifestou a 1ª Seção
do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, por meio do voto do relator,
Ministro Antônio de Pádua Ribeiro:25
A solução da questão competencial não pode ser, no caso, atra-
vés da interpretação literal da expressão “Presidente do Tribunal

24
Um dos consideranda da Emenda Constitucional nº 01, de 17 de outubro de 1969,
reza que: “[...] a Constituição de 24 de janeiro de 1967, na sua maior parte, deve ser
mantida, pelo que, salvo emendas de redação, continuam inalterados os seguintes
dispositivos: [...] artigo 112 e seus §§ 1º e 2º; [...].” Apud Constituição da República
Federativa do Brasil. Organização de Rubens B. Minguzzi. 1970, p. 2.
25
Conflito de Competência nº 2.139-RS, STJ – 1ª Seção, j. 11.10.91, DJ 4.11.91, unânime.

CAPÍTULO 3

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 89 2/5/2005, 16:02


90 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

que proferir a decisão exeqüenda”, constante do parágrafo 2º


do artigo 100 da Constituição.
A referida expressão, em face do caput do citado artigo e dos
princípios federativos, só pode ser entendida para significar “Pre-
sidente do Tribunal que determinar o pagamento da quantia
requisitada via precatório e não o Presidente do Tribunal que
conheceu do recurso à sentença condenatória, como demons-
trou o ilustre Presidente do Tribunal Suscitante”.
Esse acórdão tratava de conflito negativo de competência, travado
entre o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e o Tribunal de Justi-
ça do Estado de Minas Gerais. No caso analisado, o Juízo de uma das
varas cíveis de Caxias do Sul – RS – remetera precatório ao Presidente
do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, solicitando fosse determinado
ao Município de Montes Claros – MG – pagamento de valor no qual
fora condenado.
O Presidente do TJMG devolveu o precatório ao Presidente do TJRS,
ao argumento de que este seria a autoridade competente para determi-
nar o pagamento. Suscitado o conflito pelo Presidente do TJRS, afir-
mou este, com razão:26
[...] o sentido do precatório é o de viabilizar o controle, nos
pagamentos, da observância da ordem cronológica de apresen-
tação dos precatórios. E para isso é que os precatórios devem
convergir ao Tribunal de Justiça, no que pertine aos feitos julga-
dos pela Justiça dos Estados, da unidade da Federação em que
está sediada a entidade devedora.
Verifica-se, destarte, que o “Presidente do Tribunal que proferir a
decisão exeqüenda” é, na verdade, o Presidente do Tribunal que tem
jurisdição sobre a entidade devedora do precatório e ordena o seu pa-
gamento. Essa é a decisão exeqüenda.
Como forma de assegurar o cumprimento das decisões judiciárias,
manteve a Constituição de 1967 (em dispositivo inalterado pela EC n.
1/69) a possibilidade de intervenção federal nos Estados, nos seguin-
tes termos:

26
Petição do Conflito de Competência nº 2.139-RS, suscitado pelo Presidente do
TJRS, Des. Nelson Luiz Puperi, transcrita pelo Ministro Antônio de Pádua
Ribeiro.

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 90 2/5/2005, 16:02


LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 91

Art 10 – A União não intervirá nos Estados, salvo para:


(...)
VI – prover à execução de lei federal, ordem ou decisão judi-
ciária;
No tocante às ordens e decisões judiciárias, afirmou Pontes de
Miranda27 serem elas:
ORDEM E DECISÃO JUDICIÁRIAS – Ordem; entenda-se:
qualquer comandamento ou mandado. Judiciária; proveniente da
Justiça, e não só dos juízes. Em vez de ordem ou decisão judi-
cial, o texto pôs: ordem ou decisão judiciária. Se alguém, que é
órgão da Justiça, ainda que não seja juiz, pode “dar ordem” e
“decidir”, a sua ordem ou sua decisão é inclusa num desses dois
conceitos.
Decisão; entenda-se: qualquer resolução, que se haja de executar.
Esse ensinamento doutrinário foi consagrado pela jurisprudên-
cia do Supremo Tribunal Federal – STF, na IF 94-7–GO,28 onde se
afirmou:
Ordem ou decisão judiciária a que alude a parte final do inciso
VI do artigo 10 da Constituição Federal é expressão que abraça
qualquer ordem judicial e não apenas as que digam respeito a
sentenças transitadas em julgado.
Superou-se, assim, a divergência sobre quais decisões judiciais des-
cumpridas possibilitariam a intervenção, pois as Cartas de 1934 e 1937
mencionavam “decisões judiciais” e não “decisões judiciárias”.
A intervenção federal – remédio previsto pelas Constituições bra-
sileiras para o descumprimento de decisões judiciais –, no entanto,
nunca foi utilizada. Desde 1954 29 –, ou seja, ainda sob a égide da
Constituição de 1946 –, assim entende a jurisprudência dominante
no Supremo Tribunal Federal:

27 Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1, de 1969. T. II, p. 227, apud STF, IF
2.915-5 – SP, DJ 28.11.2003, destaques no original.
28
In: IF 2.915, cit.
29 Cf. Pedido de Intervenção Federal nº 20 – Minas Gerais, rel. Min. Nelson Hungria, j.
3.5.1954, DJ 15.7.1954, v.u.

CAPÍTULO 3

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 91 2/5/2005, 16:02


92 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Pedido de intervenção federal; seu indeferimento. Art. 7º, V, da


Constituição. Para justificar a intervenção, não basta a demora
de pagamento, na execução de ordem ou decisão judiciária, por
falta de numerário: é necessário o intencional ou arbitrário em-
baraço ou impedimento oposto a essa execução.
De fato, nos casos em que se solicita intervenção federal para de-
terminar o pagamento de precatórios, verifica-se um conflito de prin-
cípios constitucionais – existente em todas as Constituições mencio-
nadas –, que pode ser assim sintetizado:30
De um lado, em favor da intervenção, a proteção constitucional
às decisões judiciais [...]. De outro lado, a posição do Estado, no
sentido de ver preservada sua prerrogativa constitucional mais
elementar, qual seja a sua autonomia, e, de modo indireto, o inte-
resse, não limitado ao ente federativo, de não se ver prejudicada a
continuidade da prestação de serviços públicos essenciais, como
educação e saúde.
Como se afirmou, o Supremo Tribunal Federal tem entendido que a
intervenção somente deve ser deferida quando houver descumprimento
intencional da decisão judicial. Esta, entretanto, não pode ser des-
cumprida, independentemente de dolo, pois,31
[...] é corolário da atuação jurisdicional como ato de soberania.
De nada adiantaria ter-se a atuação do Estado-juiz caso os atos
processuais por ele formalizados, fossem ordens judiciais ou
sentenças e acórdãos, não possuíssem implicitamente uma san-
ção, uma fórmula de chegar-se ao respeito absoluto, mormente
por aquele de quem se espera postura exemplar, como é o Es-
tado, a nortear a conduta do cidadão.
Verificados o impasse e o entendimento majoritário do Supremo
Tribunal Federal no sentido de indeferir a intervenção pelo simples
não-pagamento dos precatórios, buscou o Constituinte de 1988 sanar
a situação, adotando as seguintes medidas: a) manteve a forma de pa-
gamento das dívidas das Fazendas por meio do sistema de precatórios;
b) excluiu as dívidas alimentares do sistema de precatórios; c) mante-
ve a possibilidade de intervenção para garantir o cumprimento de de-

30
Excerto do voto vencedor do Min. Gilmar Mendes, na IF 2.915-5–SP, cit.
31
Excerto do voto do relator, vencido, Min. Marco Aurélio, na IF 2.915-5–SP, cit.

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 92 2/5/2005, 16:02


LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 93

cisões judiciais; d) concedeu moratória e dilação de prazo às Fazen-


das, por oito anos, para o pagamento das dívidas então existentes. Vejam-
se os dispositivos:
Art. 100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os
pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Munici-
pal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente
na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à con-
ta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou
de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais
abertos para este fim.
§ 1º. É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de
direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débi-
tos constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de
julho, data em que terão atualizados seus valores, fazendo-se o
pagamento até o final do exercício seguinte.
§ 2º. As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão con-
signados ao Poder Judiciário, recolhendo-se as importâncias res-
pectivas à repartição competente, cabendo ao Presidente do
Tribunal que proferir a decisão exeqüenda determinar o paga-
mento, segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a re-
querimento do credor, e exclusivamente para o caso de preteri-
mento de seu direito de precedência, o seqüestro da quantia
necessária à satisfação do débito.
A redação do dispositivo demonstra, mais uma vez, a intenção do
constituinte de aperfeiçoar o sistema de pagamento por meio de preca-
tórios, causando ao administrado-credor o menor transtorno possível.
A primeira inovação da Constituição de 1988 refere-se à “exceção”
relativa aos créditos de natureza alimentícia, inexistente nas Consti-
tuições anteriores. A intenção do Constituinte foi determinar o paga-
mento imediato dos débitos de natureza alimentar – dado o caráter de
urgência que esta prestação possui – e o pagamento dos demais débi-
tos por meio de precatórios, na ordem cronológica. Nesse sentido, afir-
mou Celso Ribeiro Bastos:32
Por alimentos deve-se entender não só aquilo que se ingere e que
assegure a sobrevivência física, mas todos os bens necessários à

32
Comentários à Constituição do Brasil. T. III, São Paulo: Saraiva, 4º v. p. 113.

CAPÍTULO 3

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 93 2/5/2005, 16:02


94 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

vida, como moradia, instrução, vestimenta, saúde, etc. Têm na-


tureza alimentar, e, portanto, devem ser pagos de uma única vez,
devidamente atualizados, independentemente de ordem crono-
lógica, os créditos relativos a vencimentos de funcionário públi-
co, objeto de execução por quantia certa contra a Fazenda Pú-
blica (RT, 665:93), aposentadorias e pensões dos servidores, bem
como os benefícios acidentários e previdenciários.
Não foi o que ocorreu, no entanto. Na verdade, criaram-se duas “lis-
tas”, vale dizer, a lista dos precatórios comuns e a dos precatórios ali-
mentares, ambas a serem pagas na ordem de apresentação dos precatórios,
conforme entendimento esposado na Súmula 655 do STF, in verbis:33
A exceção prevista no art. 100, caput, da Constituição, em favor
dos créditos de natureza alimentícia, não dispensa a expedição
de precatório, limitando-se a isentá-los da observância da or-
dem cronológica dos precatórios decorrentes de condenações
de outra natureza.
A segunda inovação foi a determinação de atualização dos preca-
tórios no dia 1º de julho. Tal dispositivo visava a permitir que os valores
a serem incluídos no orçamento se aproximassem o máximo possível do
efetivo valor a pagar, posto que o orçamento deveria sofrer correção.34
Tendo em vista, no entanto, a diminuição do poder aquisitivo da moeda,
causada pela inflação, entendia o Superior Tribunal de Justiça que deve-
riam incidir correção monetária e juros sobre o valor originário.35

33
DJ de 9.10.03, p. 3. Cf., ainda, a Súmula 144 do STJ, que dispõe: “Os créditos de
natureza alimentícia gozam de preferência, desvinculados os precatórios da ordem
cronológica dos créditos de natureza diversa”.
34
Nesse sentido, conferir o REsp nº 2.625-PR, rel. Min. Ilmar Galvão, STJ, 2ª Turma, j.
16.5.90, DJ 4.6.90, p. 5.055, em cuja ementa se lê: “A expedição do precatório não
produz o efeito de pagamento, razão pela qual não elide a incidência dos juros
moratórios, que serão computados enquanto não solvida a obrigação. O inconve-
niente da perenização da obrigação nas execuções contra a Fazenda há de ser obviado
por esta, mediante, v. g., a praxe de atualizar os créditos orçamentários postos à
disposição da justiça, para atendimento dos precatórios, como faz com as demais
verbas, mormente as de custeio, de molde a permitir que os encargos sejam solvidos
por inteiro, dentro do próprio exercício para o qual foram relacionados.”
35
Nesse sentido, confira-se: STJ, AgRg no REsp nº 437.819-DF, 1ª Turma, rel. Min.
José Delgado, j. 3.9.02, DJ 21.10.02, in verbis: “1. Agravo Regimental interposto
contra decisão que deu provimento ao recurso especial da parte agravante, determi-

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 94 2/5/2005, 16:02


LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 95

Acrescentou-se também, de forma expressa, ordem para pagamento


até o final do exercício seguinte. Tal dispositivo não alterou o sentido
do Texto, uma vez que a determinação de inclusão dos valores no
orçamento já implicava ordem – então implícita – para seu pagamento
no exercício seguinte.
Cabe analisar, ainda, o sentido da expressão “segundo as possibili-
dades do depósito” e a faculdade de solicitação de seqüestro de quan-
tia, em caso de preterimento do direito de preferência, constantes no
§ 2º do art. 100.
Como já se demonstrou, desde a constitucionalização do precatório,
todas as Constituições determinavam o pagamento segundo as possi-
bilidades do depósito.36 Nas Cartas de 1934 e 1937, o dispositivo se
justificava, tendo em vista a inexistência de exigência constitucional
de inclusão, nos orçamentos, da verba necessária ao pagamento dos
precatórios. Assim, caso o depósito tivesse sido feito a menor, o paga-
mento se daria “dentro das forças do depósito”.
Com o advento da Constituição de 1967 e a exigência de inclusão
dessa verba no orçamento, o dispositivo deveria ter sido suprimido –
por não ter mais sentido –, uma vez que o valor a ser pago deve, obri-
gatoriamente, constar no orçamento. O valor do depósito, então, deve
equivaler ao valor a ser pago, não havendo sentido em se falar em
“forças” ou “possibilidades” do depósito. Cumprido, então, o disposi-
tivo constitucional que determina a inclusão dos valores a pagar no
orçamento, não se pode falar em pagamento de acordo com as possibi-
lidades do depósito, uma vez que este sempre seria suficiente ao paga-
mento requerido.
Tendo em vista, no entanto, a existência de dois dispositivos consti-
tucionais aparentemente antagônicos, vale dizer, um que determina a

nando a inclusão de índices de correção monetária pelo IPC em cálculo de atualização


de precatório complementar. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está
assentada na compreensão de que devem ser incluídos juros de mora na conta for-
madora do precatório complementar. [...] 5. Agravo regimental não provido”; cf.
ainda, o REsp nº 2.625-PR, já mencionado.
36
CF de 1934, art. 182, § único: “dentro das fôrças do depósito”; CF de 1937, art. 195,
§ único: “dentro das fôrças do depósito”; CF de 1946, art. 204, parágrafo único:
“segundo as possibilidades do depósito”; CF de 1967-1969, art. 112, § 2º; art. 117, §
2º: “segundo as possibilidades do depósito”.

CAPÍTULO 3

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 95 2/5/2005, 16:02


96 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

inclusão do valor a ser pago no orçamento, e outro que diz que o paga-
mento poderá, em tese, ser feito a menor – “segundo as possibilidades
do depósito” –, a única possibilidade que aventamos, para que ambos
os dispositivos sejam cumpridos, é aquela em que o Executivo neces-
sita transpor, remanejar ou transferir recursos de uma categoria de pro-
gramação para outra. O orçamento, assim, conteria, inicialmente, todo
o valor a pagar. Posteriormente, tendo em vista um “interesse público
superior”, o Executivo precisaria alterar determinada rubrica orçamen-
tária – retirando recursos da rubrica “precatórios”, por exemplo –, des-
tinando-os a outra rubrica. Tal hipótese, entretanto, dependeria de pré-
via autorização legislativa, nos termos do art. 64 da Constituição de
1967 (art. 61, de acordo com a EC n. 01, de 1969). A repetição do
dispositivo na Carta de 1988 deve ter a mesma interpretação.37
Com relação ao seqüestro da quantia, foi mantida a determinação –
agora de forma expressa – de que aquele somente fosse concedido em
caso de preterimento de direito de precedência, suprimindo-se a exi-
gência de oitiva do Ministério Público. De fato, afirma abalizada dou-
trina38 que o remédio constitucional para o descumprimento de deci-
são judicial é a intervenção, não se podendo cogitar de seqüestro pelo
descumprimento dessa decisão.39
No tocante à intervenção, manteve a Constituição de 1988 a sua
previsão no art. 34, VI, que dispunha:
Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito
Federal, exceto para:
(...)
VI – prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;
Tendo em vista, porém, que a redação do dispositivo era a mesma
das Constituições anteriores, a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal – no sentido de somente se conceder a intervenção na hipóte-

37
Dispõe o art. 167, VI, da CR de 1988: “Art. 167. São vedados: (...) VI – a transposi-
ção, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programa-
ção para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa;”.
38
Cf. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 16ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p.
511.
39
Há, no entanto, – como adiante se demonstrará –, dispositivo constante no ADCT
que permite o seqüestro da quantia em outras hipóteses.

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 96 2/5/2005, 16:02


LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 97

se de descumprimento intencional da ordem judicial – manteve-se ina-


balada com o advento da nova Carta.
Promulgada a Constituição de 1988, com o conseqüente estabeleci-
mento de novas relações jurídicas, entendeu o Constituinte dar às Fa-
zendas um prazo para a regularização de suas finanças, tendo em vista
a nova ordem estabelecida. Foi concedida, assim, dilação de prazo
para a liquidação dos precatórios pendentes de pagamento à data da
promulgação da Constituição. O dispositivo constava no Ato das Dis-
posições Constitucionais Transitórias – ADCT, que, como o nome in-
dica, existia para vigorar por período certo de tempo. Tais dispositivos
são, nos dizeres de Raul Machado Horta,40 “normas de transição para
regular situações discrepantes das normas constitucionais permanen-
tes”. Concedido novo prazo às Fazendas para a liquidação dos preca-
tórios, pensou-se que, daí por diante, estaria solucionado o problema
do pagamento dessas dívidas. Dispunha o art. 33 do ADCT:
Art. 33. Ressalvados os créditos de natureza alimentar, o valor
dos precatórios judiciais pendentes de pagamento na data da
promulgação da Constituição, incluído o remanescente de juros
e correção monetária, poderá ser pago em moeda corrente, com
atualização, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo
máximo de oito anos, a partir de 1º de julho de 1989, por deci-
são editada pelo Poder Executivo até cento e oitenta dias da
promulgação da Constituição.
Parágrafo único. Poderão as entidades devedoras, para o cum-
primento do disposto neste artigo, emitir, em cada ano, no exa-
to montante do dispêndio, títulos de dívida pública não
computáveis para efeito do limite global de endividamento.
Verifica-se que o dispositivo englobava dois institutos jurídicos: a
moratória e o parcelamento. O termo “moratória”, “do latim moratorius
(“que retarda ou que dilata”), é empregado na terminologia técnico-
jurídica no próprio sentido literal: é a dilatação de prazo [...], para que
(se) cumpra a obrigação, já vencida ou por vencer”,41 e foi concedida
ao se afirmar que o pagamento deveria ser feito “a partir de 1º de julho
de 1989”. O parcelamento, por sua vez, como o próprio nome indica,

40
Estudos de Direito Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 321.
41
Cf. De Plácido e Silva, 1996, p. 211.

CAPÍTULO 3

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 97 2/5/2005, 16:02


98 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

foi concedido quando se estabeleceu a possibilidade de pagamento


dos precatórios “em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo
máximo de oito anos”.
Cabe ressaltar que os dois institutos, “moratória” e “parcelamento”,
não se confundem, embora o primeiro possa englobar o segundo. As-
sim, um “parcelamento” pode ser caracterizado como “moratória”, uma
vez que há dilação do prazo para pagamento. A simples dilação de
prazo (moratória), no entanto, não significa “parcelamento”, uma vez
que o pagamento devido, em data futura, pode ser integral.42
Sobre esse artigo, assim se manifestou o Ministro Marco Aurélio:43
[...] o artigo 33 do Ato das Disposições Constitucionais Transitó-
rias exsurgiu, à primeira hora, pedagógico, afastando o desequi-
líbrio notado na relação jurídica devedor-credor e colocando fim
a verdadeiro calote oficial. Ao menos os credores existentes tive-
ram a certeza do recebimento integral dos créditos, e os futuros
passaram a contar com nova visão, a homenagear a realidade, o
sistema jurídico-constitucional tomado como algo razoável, co-
erente, aceitável em um Estado Democrático de Direito. Os
precatórios pendentes foram alcançados, à mercê de definição
do Poder Executivo, por regra excepcional, buscando-se, assim,
repita-se, sanar a situação verificada na totalidade dos Estados
Federados, no Federal e também nos Municípios. Implica dizer
que a Carta de 1988 trouxe à baila, de forma salutar, contexto
de normas conducentes a concluir-se que, imposta condenação
a pessoa jurídica de direito público, via sentença judicial, ela é
para valer, há de ser observada de maneira irrestrita, devendo a
quantia ser satisfeita de modo atualizado, embora contando a
devedora com o interregno de dezoito meses para fazê-lo [...].
Imaginava-se, à época da promulgação da Carta de 1988, que
haveria por parte dos executivos um cuidado maior na assunção
de dívidas [...]. Ledo engano.
A moratória e a dilação de prazo concedidas pelo Constituinte origi-
nário, inquestionáveis do ponto de vista formal – uma vez que este

42
Conferir, nesse sentido, a Lei Complementar nº 104, de 10.1.01, que, alterando o art.
151 do CTN, incluiu, ao lado da “moratória”, o “parcelamento”, como forma de
suspensão da exigibilidade do crédito tributário.
43 Excerto do voto proferido na IF 2.915-5 – SP, cit.

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 98 2/5/2005, 16:02


LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 99

poderia até mesmo ter “perdoado” as dívidas das Fazendas então exis-
tentes –, fizeram com que os cidadãos prejudicados com esses atos
questionassem o seu conteúdo, vale dizer, pretendessem a incidência
de juros de mora nos pagamentos devidos. Levada a questão ao Supre-
mo Tribunal Federal, este decidiu44 pela não-incidência dos juros du-
rante o período de parcelamento dos precatórios, pois seria impossível
cogitar-se de “mora”, tendo em vista o prazo constitucionalmente es-
tabelecido para pagamento. Segundo o Tribunal, os juros de mora so-
mente seriam devidos na hipótese de ocorrer inadimplência da Fazen-
da Pública, fluindo estes a partir da data estabelecida para satisfação
da parcela até a data do efetivo pagamento.45
Por outro lado, a ampla atribuição conferida às Fazendas (parágrafo
único do art. 33 do ADCT) para emitir títulos da dívida pública a fim
de honrar os precatórios tinha, a seu turno, o objetivo de possibilitar,
de vez, a liquidação dos pagamentos em atraso.

2. A INOVAÇÃO TRAZIDA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL


N. 20, DE 15 DE DEZEMBRO DE 1998

Estava, assim, posta a questão, quando a Emenda Constitucional n.


20, de 15 de dezembro de 1998,46 acrescentou o § 3º ao art. 100 da
Constituição, nos seguintes termos:
§ 3º. O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição
de precatórios, não se aplica aos pagamentos de obrigações de-
finidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal,

44
Cf. STF, Plenário, RE 155.979, rel. Min. Marco Aurélio, j. 11.11.94, DJ
23.2.2001.
45
Cf. STF, 2ª Turma, RE 193.210-SP, rel. Min. Néri da Silveira, j. 27.5.97, DJ 29.5.98,
p. 364, em cuja ementa se lê: “[...] 5. Jurisprudência do Plenário e Turmas do STF,
segundo a qual o art. 33 do ADCT não autoriza o cômputo de juros moratórios e
compensatórios, quanto a essas dívidas, após a promulgação da Constituição. Cum-
pre, entretanto, entender que juros moratórios, relativamente a cada parcela, são
devidos, na hipótese de suceder inadimplência da Fazenda Pública, quanto ao respec-
tivo pagamento, fluindo os juros moratórios a partir da data aprazada para a satisfa-
ção da parcela e até venha o pagamento, em concreto, efetivamente, suceder. Ressalva-
da essa situação não há, todavia, falar em fluência de juros, referentemente a cada
parcela, desde a data da Constituição e até o pagamento”.
46
DOU de 16.12.1998.

CAPÍTULO 3

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 99 2/5/2005, 16:02


100 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Estadual ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judi-


cial transitada em julgado.
O dispositivo criou as denominadas Requisições de Pequeno Valor
– RPV, excluindo-as do sistema dos precatórios. Assim, condenada a
Fazenda a pagamento definido por lei47 como “de pequeno valor” – 60
salários mínimos –, o pagamento se faz na forma dos §§ 2º, 3º e 4º do
art. 17 da Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2001.48 Exigiu, ainda, a
Emenda n. 20 – pela primeira vez – que os pagamentos somente se
fizessem caso houvesse o trânsito em julgado da sentença.
O dispositivo pecava, no entanto, por não mencionar a Fazenda
Distrital, omissão corrigida com o advento da Emenda Constitucional
n. 30, como adiante se demonstrará.

3. A EMENDA CONSTITUCIONAL N. 30, DE 13 DE SETEMBRO


DE 2000, E O REGIME DOS PRECATÓRIOS

Aos 13 de setembro de 2000, novamente com o intuito de forçar as


Fazendas ao pagamento dos precatórios, minorando as dificuldades

47
O montante das obrigações de pequeno valor foi definido no art. 17, § 1º, da Lei nº
10.259 (“Dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no
âmbito da Justiça Federal”), nos seguintes termos: “Art. 17. (omissis). § 1º. Para os
efeitos do § 3º do art. 100 da Constituição Federal, as obrigações ali definidas como
de pequeno valor, a serem pagas independentemente de precatório, terão como
limite o mesmo valor estabelecido nesta Lei para a competência do Juizado Especial
Federal Cível (art. 3º, caput)”. O art. 3º, caput, por sua vez, dispunha: “Art. 3º. Compe-
te ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência
da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as
suas sentenças”.
48
DOU de 13.7.2003: “Art. 17. Tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, após
o trânsito em julgado da decisão, o pagamento será efetuado no prazo de sessenta
dias, contados da entrega da requisição, por ordem do Juiz, à autoridade citada para
a causa, na agência mais próxima da Caixa Econômica Federal ou do Banco do
Brasil, independentemente de precatório. (...). § 2º. Desatendida a requisição judi-
cial, o Juiz determinará o seqüestro do numerário suficiente ao cumprimento da
decisão. § 3º. São vedados o fracionamento, repartição ou quebra do valor da
execução, de modo que o pagamento se faça, em parte, na forma estabelecida no § 1º
deste artigo, e, em parte, mediante expedição do precatório, e a expedição de precatório
complementar ou suplementar do valor pago. § 4º. Se o valor da execução ultrapas-
sar o estabelecido no § 1º, o pagamento far-se-á, sempre, por meio do

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 100 2/5/2005, 16:02


LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 101

de seus credores, foi promulgada a Emenda Constitucional n. 30 (“Al-


tera a redação do art. 100 da Constituição Federal e acrescenta o art.
78 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, referente ao
pagamento de precatórios judiciários”), trazendo importantes modifi-
cações na forma de extinção das dívidas da Fazenda Pública.
Essa emenda deu nova redação aos §§ 1º, 2º e 3º do art. 100, acres-
centando-lhe os §§ 1º-A, 4º e 5°, bem como o art. 78 ao Ato das Dis-
posições Constitucionais Transitórias – ADCT.
Após a entrada em vigor da emenda, que se deu na data de sua publi-
cação,49 o art. 100 da Constituição passou a ter a seguinte redação:
Art. 100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pa-
gamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal,
em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na
ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta
dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de
pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais
abertos para este fim.
§ 1º. É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de
direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débi-
tos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de
precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se
o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus
valores atualizados monetariamente.
§ 1º-A. Os débitos de natureza alimentícia compreendem aque-
les decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e
suas complementações, benefícios previdenciários e indeniza-
ções por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil,
em virtude de sentença transitada em julgado.
§ 2º. As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão con-
signados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presiden-
te do Tribunal que proferir a decisão exeqüenda determinar o
pagamento segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a
requerimento do credor, e exclusivamente para o caso de preteri-

precatório, sendo facultado à parte exeqüente a renúncia ao crédito do valor exceden-


te, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório, da forma lá
prevista”.
49
Diário Oficial do dia 14 de setembro de 2000.

CAPÍTULO 3

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 101 2/5/2005, 16:02


102 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

mento de seu direito de precedência, o seqüestro da quantia


necessária à satisfação do débito.
§ 3º. O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição
de precatórios, não se aplica aos pagamentos de obrigações de-
finidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal,
Estadual, Distrital ou Municipal deva fazer em virtude de sen-
tença judicial transitada em julgado.
§ 4º. A lei poderá fixar valores distintos para o fim previsto no
§ 3º deste artigo, segundo as diferentes capacidades das entida-
des de direito público.
§ 5º. O Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo
ou omissivo, retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de
precatório incorrerá em crime de responsabilidade.
Com a nova redação dada ao § 1º, a partir da vigência da Emenda
Constitucional n. 30, impediu-se, expressamente, o “congelamento”
dos valores a pagar, uma vez que estes devem ser atualizados quando
do pagamento. Afastou-se, assim, a nefasta prática adotada pelas Fa-
zendas de pagar os precatórios pelo seu valor nominal, pois determina
a emenda que o precatório sofra correção monetária entre a data de
sua inscrição e o efetivo pagamento.
Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a correção
não abrange juros moratórios. Na oportunidade do julgamento do RE
nº 305.186–SP, realizado em 17.9.02, a 1ª Turma do Supremo Tribu-
nal Federal, acompanhando voto do Ministro Ilmar Galvão, entendeu
não serem os juros devidos
[...] no período compreendido entre a data da expedição e a
data do efetivo pagamento do precatório judicial, no prazo cons-
titucionalmente estabelecido, em vista da não-caracterização, na
espécie, de inadimplemento por parte do Poder Público.
Em julgamento posterior, levada a questão a Plenário, decidiu-se,
por maioria – vencidos os Ministros Carlos Velloso e Marco
Aurélio –, que os juros não eram devidos.50 Entendeu o Plenário,
na esteira do voto condutor do acórdão da lavra do Ministro Gilmar
Mendes, que

50
Cf. RE nº 298.616-0 – SP, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 31.10.02, DJ 3.10.03.

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 102 2/5/2005, 16:02


LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 103

[...] o próprio texto constitucional determinava prazo para pa-


gamento do precatório, qual seja, até o final do exercício seguin-
te. Assim, somente no caso de seu descumprimento poder-se-ia
falar em mora e, em conseqüência, nos juros a ela relativos, como
penalidade pelo atraso no pagamento.
Entendeu-se, destarte, somente serem devidos juros, caso o paga-
mento não se fizesse no prazo estabelecido pela Constituição, isto é,
até o final do exercício seguinte. Estabeleceu-se, assim, a regra geral
para o pagamento dos precatórios.
Inovou, ainda, o Constituinte, no § 1º do art. 100, ao determinar
que fossem incluídas nos orçamentos as verbas necessárias ao paga-
mento de sentenças “transitadas em julgado”. De fato, o dispositivo
desobriga as Fazendas do pagamento de valores estipulados em sen-
tenças sujeitas a recurso, uma vez que estes não precisam ser incluídos
no orçamento. O pagamento, assim, seria “gasto sem autorização”, o
que é constitucionalmente vedado. Essa inovação, por conseguinte,
alterou toda a jurisprudência relativa à expedição de precatórios an-
tes de transitada em julgado a sentença, como se pode ver pelos se-
guintes arestos:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL.
PRECATÓRIO. ATIVIDADE ADMINISTRATIVA.
1. Tratando-se de execução provisória iniciada antes da edição
da EC n. 30/00 não há a exigência do trânsito em julgado como
condição para expedição do precatório. (Precedentes).
[...]
3. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ, 1ª Turma,
AgRg no AG nº 544.364-SP, rel. Min. Denise Arruda, j. 19.8.04,
DJ 20.9.04, p. 189).
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA CON-
TRA A FAZENDA PÚBLICA DE VALORES INCONTRO-
VERSOS. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 30, DE
13.9.2000.
1. É cediço que, na obrigação de pagar quantia certa, o procedi-
mento executório contra a Fazenda é o estabelecido nos arts.
730 e 731 do CPC que, em se tratando de execução provisória,
deve ser compatibilizado com as normas constitucionais.

CAPÍTULO 3

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 103 2/5/2005, 16:02


104 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

2. Os parágrafos 1º, 1º-A, ambos com a redação da EC nº 30,


de 13.09.2000, e 3º do art. 100 da Constituição, determinam que
a expedição de precatório ou o pagamento de débito de peque-
no valor de responsabilidade da Fazenda Pública, decorrentes
de decisão judicial, mesmo em se tratando de obrigação de na-
tureza alimentar, pressupõem o trânsito em julgado da respecti-
va sentença.
3. Outrossim, às execuções iniciadas após a edição da Emenda
Constitucional n. 30, já a exigência do trânsito em julgado como
condição para a expedição do precatório. (Precedente da 1ª Turma
do STJ; REsp 331.460, DJ de 17/11/2003).
4. Destarte, in casu, além de preenchido o lapso temporal, na parte
relativa ao quantum incontroverso, inexigível é a imutabilidade do
julgado, a permitir, segundo a novel técnica de efetividade, o le-
vantamento da quantia incontroversa, sob a via do precatório.
5. Recurso especial provido. (STJ, 1ª Turma, REsp n. 591.368-RR,
rel. Min. Luiz Fux, j. 1º.10.2004, DJ 25/10/04, p. 232).

4. DISTINÇÃOENTRE PRECATÓRIOS COMUNS E


PRECATÓRIOS ALIMENTÍCIOS

Outra novidade trazida pelo Constituinte derivado consiste em defi-


nir o que sejam “débitos de natureza alimentícia”, excluindo-os da or-
dem cronológica de apresentação dos precatórios, uma vez que, por for-
ça do disposto no art. 100, caput, estes não obedecem àquela ordem.
Como já se afirmou, o motivo que levou o Constituinte a excluir os
débitos alimentares da ordem de apresentação dos precatórios foi o de
determinar o seu pagamento imediato. A jurisprudência, entretanto,
fez com que se criassem duas “listas”: a dos precatórios comuns e a
dos alimentícios. A pouco clara redação do artigo da Constituição, a
seu turno – como se demonstrará quando da análise do art. 78 do
ADCT –, e uma interpretação literal do dispositivo excluíram os
precatórios alimentares dos benefícios concedidos pela própria Cons-
tituição aos titulares de precatórios comuns.
O dispositivo, por outro lado, puniu os advogados, uma vez que os
honorários advocatícios então concedidos nas demandas vitoriosas
contra a Fazenda tinham, até o advento da Emenda Constitucional n.
30, caráter alimentar. Com a inserção do dispositivo – que não os in-

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 104 2/5/2005, 16:02


LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 105

cluiu entre os débitos de natureza alimentícia –, o Superior Tribunal


de Justiça tem entendido, agora, que os mesmos não possuem mais
caráter alimentar, devendo constar na “lista” dos precatórios comuns.
Nesse sentido, confira-se:51
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MAN-
DADO DE SEGURANÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍ-
CIOS DECORRENTES DE SUCUMBÊNCIA. PRECATÓ-
RIO. ART. 100, § 1-A, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
[...]
2. A ratio essendi do art. 1º da Emenda nº 30 dirige-se exata-
mente àquelas verbas necessarium vitae, que são devidas e em
relação às quais as partes não podem praticamente sobreviver,
razão pela qual mereceram um tratamento constitucional pri-
vilegiado.
3. Deveras, a verba decorrente de honorários de sucumbência –
cuja retribuição é aleatória e incerta – depende de êxito da parte
a qual patrocina, não podem ser considerados da mesma cate-
goria dos alimentos necessarium vitae previstos na Carta Magna.
4. Recurso ordinário em mandado de segurança improvido.”
(STJ, 1ª Turma, RMS nº 17.536-DF, rel. Min. Luiz Fux, j. 10.2.04,
DJ 3.5.04, p. 94).

5. A CONSIGNAÇÃO DOS VALORES A SEREM PAGOS AO PODER


JUDICIÁRIO

O § 2º, embora altere a classificação orçamentária dos valores a


serem pagos, determinando sejam eles “consignados diretamente ao
Poder Judiciário”, quando, na redação original, eram “consignados ao
Poder Judiciário, recolhendo-se as importâncias respectivas à reparti-
ção competente”, também não muda, para o credor, a forma de rece-
bimento de seu crédito. A vantagem decorrente da nova redação advém
do fato de os valores deverem, a partir da publicação da emenda, ser

51
Sobre o entendimento anterior do STJ, que atribuía aos honorários advocatícios
caráter alimentar, conferir REsp nº 32.900-SP, 3ª Turma, rel. Min. Nilson Naves, j.
20.4.93, DJ 17.5.93; REsp nº 32.741-SP, 1ª Turma, rel. Min. Humberto Gomes de
Barros, j. 25.8.93, DJ 27.9.93.

CAPÍTULO 3

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 105 2/5/2005, 16:02


106 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

consignados diretamente ao Poder Judiciário, o que dificultaria à Fazen-


da devedora a procrastinação de seu pagamento.

6. A INCLUSÃO DA FAZENDA DISTRITAL

A nova redação do § 3º do art. 100 apenas “corrigiu” a deficiência


da redação anterior (dada pela EC n. 20/98), incluindo no dispositivo
a Fazenda Distrital. Sanou-se, assim, a omissão anteriormente
verificada.

7. O TRATAMENTO DIFERENCIADO CONFERIDO ÀS


ENTIDADES DE DIREITO PÚBLICO

O § 4º permite à lei fixar valores diferenciados para as entidades de


direito público, em função de suas “diferentes capacidades”, vale di-
zer, o que é considerado de pequeno valor para a União pode não o ser
para os Estados e os Municípios, ou, ainda, os valores poderiam ser
estipulados em função da arrecadação de cada entidade de direito pú-
blico, uma vez que há Municípios que arrecadam mais do que Estados.

8. A IMPUTAÇÃO DE CRIME DE RESPONSABILIDADE AOS


PRESIDENTES DE TRIBUNAIS DE JUSTIÇA

De grande relevância o disposto no § 5º, que imputa crime de res-


ponsabilidade ao Presidente de Tribunal que “por ato comissivo ou
omissivo, retardar, ou tentar frustrar a liquidação regular de precatório”.
A dúvida surge da polissemia do termo “liquidação”, que tanto pode
significar “pagamento” como “apuração de valores” ou “atualização
monetária”.
De fato, o caput e o § 1º do art. 100 falam em “pagamentos devidos”
e “pagamento de débitos”, respectivamente, determinando “o paga-
mento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores
atualizados monetariamente”.
Por outro lado, o art. 78 do ADCT dispõe que “os precatórios pen-
dentes na data de promulgação desta Emenda [...] serão liquidados
pelo seu valor real, em moeda corrente [...]”. Tal fato faz crer que a
“liquidação” mencionada no § 5º do art. 100 refere-se a “pagamento”,

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 106 2/5/2005, 16:02


LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 107

pois seria despiciendo “atualizar monetariamente pelo seu valor real,


em moeda corrente”. Assim, a obrigação imposta ao Presidente do
Tribunal é a de “agilizar” o pagamento dos precatórios, respondendo
por crime de responsabilidade se assim não o fizer.
Nesse mesmo sentido, dispunha a Justificação da PEC n. 407/96
da Câmara dos Deputados,52 que deu origem à Emenda Constitu-
cional n. 30:
A redação do § [...] visa coibir práticas condenáveis de alguns
tribunais estaduais cujos presidentes se omitem quanto ao en-
caminhamento tempestivo dos precatórios, para incluir a pre-
visão de verba no projeto de orçamento, ou não determinam
o seqüestro do numerário suficiente para cobrir o débito, a
requerimento do credor, apesar de tal procedimento estar pre-
visto em várias Constituições (1946, art. 204; 1967, art. 112;
1969, art. 117; 1988, art. 100). Tais condutas, violadoras dos
princípios constitucionais, são definidas como crime de res-
ponsabilidade, sem prejuízo de sanção penal, da responsabili-
dade civil por perdas e danos (Lei Orgânica da Magistratura
Nacional, art. 49) e do direito do credor representar ao STF e
ao STJ para os fins do art. 34, VI, da CF; a proteção desse
direito se impõe ante a interpretação do STF de norma regi-
mental que implica, na prática, retirar eficácia da coisa julgada e
deixar ao arbítrio do Tribunal Estadual a solicitação de inter-
venção federal para executar a sentença descumprida pelo Po-
der Executivo.
Como se verifica do excerto da mencionada Justificação, o Poder
Legislativo quer que a Constituição seja cumprida, no caso, com o
pagamento das dívidas das Fazendas – ainda que mediante interven-
ção federal –, sem que haja necessidade de apreciação de culpa ou
dolo do Poder Executivo. Este, por sua vez, afirma que não paga por-
que não possui recursos financeiros para tanto. O Poder Judiciário,53 a
seu turno, afirma, acerca de eventual crime de responsabilidade que
poderia ser cometido pelos Presidentes de Tribunais, que:
A situação verificada relativamente à liquidação dos precatórios
decorreu de atos omissivos e comissivos, não dos Presidentes

52
Cf. Diário da Câmara dos Deputados de 4.9.96, p. 24.608.
53
Excerto do voto do Min. Marco Aurélio na IF 2.915-5 – SP.

CAPÍTULO 3

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 107 2/5/2005, 16:02


108 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

de Tribunais, mas de Governadores e Prefeitos. Logo, outros


deveriam ser os destinatários da norma.
A preocupação do legislador em “resolver de vez a questão dos pre-
catórios pendentes”,54 com a preservação dos princípios constitucio-
nais, sem grave crise institucional, é verificada, ainda, em outro trecho
da Justificação – onde se menciona a possibilidade de parcelamento
dos precatórios pendentes em até quatro exercícios orçamentários con-
secutivos –, nos seguintes termos:
O parcelamento dos precatórios inscritos antes de Dezembro
de 1995, na forma proposta, é altamente conveniente, até neces-
sária (sic), tendo em vista a situação difícil das finanças públicas,
em particular as estaduais: quase todos os estados estão sob
ameaça de intervenção federal por descumprimento de deci-
sões judiciais relativas ao pagamento de precatórios. A redação
proposta contempla a necessidade imperiosa de dar ao Poder
Público condições para quitar suas dívidas e para livrar-se da
iminência de intervenção. Em contrapartida, garante ao credor
que, de fato, receberá o que lhe é devido, ainda que em quatro
parcelas iguais, assegurados os juros e correções que preservem
o valor de seu crédito.

9. O NOVO PRAZO CONCEDIDO ÀS FAZENDAS

Após o trâmite regular da PEC n. 407/96, foi promulgada a Emen-


da Constitucional n. 30, que concedeu novo prazo às Fazendas, não
de quatro anos, como inicialmente se previra, mas de dez anos. Tal
benefício foi efetivado por meio da inserção de novo artigo no Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, com o seguinte teor:
Art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pe-
queno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33
deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas
complementações e os que já tiverem os seus respectivos recur-
sos liberados ou depositados em juízo, os precatórios pendentes
na data da promulgação desta Emenda e os que decorram de
ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liqui-
dados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescidos de

54
Cf. Diário da Câmara dos Deputados de 4.9.96, p. 24.608.

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 108 2/5/2005, 16:02


LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 109

juros legais, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão


dos créditos.
§ 1º. É permitida a decomposição em parcelas, a critério do
credor.
§ 2º. As prestações anuais a que se refere o caput deste artigo
terão, se não liquidadas até o final do exercício a que se refe-
rem, poder liberatório do pagamento de tributos da entidade
devedora.
§ 3º. O prazo referido no caput deste artigo fica reduzido para
dois anos, nos casos de precatórios judiciais originários de desa-
propriação de imóvel residencial do credor, desde que compro-
vadamente único à época da imissão de posse.
§ 4º. O Presidente do Tribunal competente deverá, vencido o
prazo ou em caso de omissão no orçamento, ou preterição ao
direito de precedência, a requerimento do credor, requisitar ou
determinar o seqüestro de recursos financeiros da entidade exe-
cutada, suficientes à satisfação da prestação.
Antes da análise do dispositivo, cabe ressaltar que tramitam no Su-
premo Tribunal Federal, desde o final do ano 2000 (época em que o
atual Ministro Gilmar Mendes era Advogado-Geral da União, impedi-
do, portanto, de votar), as ADI’s n. 2356-0 e n. 2362-4, com o mesmo
objeto, ou seja, a declaração da inconstitucionalidade do art. 2º da EC
n. 30/00, que acrescentou o art. 78 ao Ato das Disposições Constitu-
cionais Transitórias – ADCT.

10. ANÁLISE DAS ADI’S N. 2356-0 E N. 2362-4


Colocadas as duas ADI’s em pauta no dia 18 de fevereiro de 2002,
em ambos os processos o então Relator, Ministro Néri da Silveira,
votou no sentido de deferir a liminar para suspender a eficácia do art.
2º da EC n. 30/00. Segundo o Relator, a moratória para o pagamento
dos precatórios pendentes violaria o princípio constitucional da
obrigatoriedade do cumprimento das decisões judiciárias, porquanto
tais precatórios – decorrentes de sentença condenatória com trânsito
em julgado –, já formados no sistema do art. 100 da Constituição,
garantem ao credor o pagamento até o final do exercício seguinte a sua
inclusão no orçamento. Nesses termos, o dispositivo violaria os pre-
ceitos da imutabilidade do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e

CAPÍTULO 3

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 109 2/5/2005, 16:02


110 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

da coisa julgada. Analisando outro ponto das ADI’s, afirmou o Relator


que a discriminação entre as “ações iniciais ajuizadas até 31 de de-
zembro de 1999” e as demais violaria o princípio da isonomia. Após o
voto do Relator, o julgamento foi suspenso em virtude de pedido de
vista da Ministra Ellen Gracie.
Retomado o julgamento das ADI’s em setembro de 2004, a Ministra
Ellen Gracie votou pelo indeferimento do pedido de suspensão do
dispositivo. Com relação ao parcelamento, afirmou a Ministra que a
medida era excepcional e absolutamente necessária ao reequilíbrio fi-
nanceiro-orçamentário das unidades federadas, sendo acompanhada
pelos Ministros Eros Grau e Joaquim Barbosa. O Ministro Carlos Britto
acompanhou o Relator.
Na mesma sessão, ao apreciar a ofensa ao princípio da isonomia, a
Ministra Ellen Gracie acompanhou o Relator. Afirmou a Ministra que
a norma atacada violaria o princípio da isonomia, pois impedia que
aqueles que ajuizaram suas ações até o final de 1999 concorressem em
igualdade de condições com os que iniciaram suas ações no princípio
de 2000. Divergiram da Ministra, nesse ponto, os Ministros Eros Grau
e Joaquim Barbosa. O Ministro Carlos Britto, também nesse ponto,
acompanhou o Relator.
Pediu vista, então, o Ministro César Peluso, encontrando-se, até a
data deste seminário, com o processo. Tendo em vista que, passados
quatro anos da distribuição, nem sequer a liminar foi decidida, faz-se
necessário encontrar, no próprio dispositivo em vigor, o remédio para
a solução da questão dos precatórios.

11. O REAL SENTIDO DOS COMANDOS DO ART. 78 DO ADCT

Voltando à análise do dispositivo, verifica-se, inicialmente, que o


art. 78, caput, do ADCT exclui da possibilidade de parcelamento os
créditos definidos em lei como de pequeno valor (art. 100, §§ 3º e 4º),
os de natureza alimentícia (art. 100, § 1º-A), aqueles para os quais já
se havia permitido o parcelamento quando da promulgação da Consti-
tuição de 1988 (art. 33 do ADCT) e aqueles cujos valores já estavam
liberados ou depositados em juízo.
O motivo de não se ter permitido o parcelamento dos créditos ali-
mentícios era a necessidade que tem o beneficiário de recebê-los com

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 110 2/5/2005, 16:02


LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 111

“urgência”, uma vez que deles precisa para seu sustento e o de seus
dependentes. Nesse sentido, tais créditos eram “privilegiados” em re-
lação aos precatórios comuns. A parte final do caput e os parágrafos do
art. 78, no entanto, davam benefícios aos credores da Fazenda, com
relação aos precatórios comuns, tais como, possibilidade de fracio-
namento, “poder liberatório” do pagamento de tributos da entidade
devedora, etc.
Infelizmente, em uma interpretação literal, entendeu o Supremo
Tribunal Federal que tais precatórios, por estarem “ressalvados” do
parcelamento, também não poderiam usufruir os benefícios concedi-
dos pelo dispositivo.55
Consideramos, data venia, equivocado o entendimento do STF. Se o
precatório alimentício é “privilegiado” com relação ao precatório co-
mum, todos os benefícios concedidos aos precatórios comuns devem
ser estendidos aos precatórios alimentícios, dando-se ao dispositivo
interpretação conforme a Constituição, sem redução de texto.
No tocante aos precatórios suscetíveis de parcelamento, em julga-
mento no qual se analisou o disposto no art. 33 do ADCT56 (que se
referia a “precatórios judiciais pendentes”), afirmou o Ministro Moreira
Alves que esses precatórios eram aqueles que “[...] estavam pendentes
de pagamento, ou por não terem sido cumpridos anteriormente, ou
por estarem aguardando o momento em que deveriam ser cumpridos
sem atraso.”
Verifica-se, então, que precatórios pendentes são tanto aqueles já
devidamente inscritos no Tribunal competente, como o que a Fazenda
deixou de honrar a modo e tempo próprios e os regularmente inscritos
que aguardam o momento de serem pagos. Assim, o dispositivo cons-
titucional aplica-se a estes (pendentes) e aos precatórios futuros, ou
seja, àqueles a serem expedidos em virtude das ações ajuizadas até 31
de dezembro de 1999. Cabe ressaltar que, com relação a esses
precatórios, há liminar a ser decidida – agora sob a relatoria do Minis-
tro Celso de Mello – pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que

55
Cf. ADI 1.662-7-SP, rel. Min. Maurício Corrêa, j. 30.8.01, DJ 19.9.03, p. 14; AC 75-MG,
Medida Cautelar, Rel. Min. Nelson Jobim, j. 10.9.03, DJ 25.9.03, p. 61.
56
STF, 1ª Turma, RE 159.174-1, Rel. Min. Moreira Alves, j. 28.11.95, DJU 21.6.95,
p. 22.294.

CAPÍTULO 3

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 111 2/5/2005, 16:02


112 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

deverá concluir pela ocorrência, ou não, de ofensa à isonomia dos ad-


ministrados.

12. ATUALIZAÇÃO DO VALOR DOS PRECATÓRIOS

Diferentemente do disposto no art. 33 do ADCT – que concedeu


moratória (prorrogação do prazo para pagamento “a partir de julho de
1989”) e parcelamento (“em prestações anuais, iguais e sucessivas,
pelo prazo máximo de oito anos”), determinando a correção das par-
celas, mas somente permitindo a incidência de juros até a data da pro-
mulgação da Constituição de 1988 – esta nova possibilidade de
parcelamento determina que a liquidação dos créditos será feita, “pelo
seu valor real, em moeda corrente, acrescidos de juros legais”. Em
outras palavras, os precatórios serão, obrigatoriamente, atualizados por
ocasião de seu pagamento, com juros legais e correção monetária. Cum-
pre ressaltar que, embora não se tenha mencionado “correção monetá-
ria”, a expressão “valor real” tem o mesmo sentido. Assim, a correção,
por constituir “mera recomposição do poder aquisitivo da moeda” –
como reiteradamente têm decidido nossos Tribunais –, deve incidir quan-
do do pagamento do precatório.

13. A QUESTÃO DO PRAZO PARA O PAGAMENTO DOS


PRECATÓRIOS

Ao dispor que os pagamentos serão feitos no prazo máximo de dez


anos, permitiu a Constituição que os pagamentos fossem efetivados
em prazo menor, a critério da devedora. Surge, daí, outra questão a ser
resolvida.
Nos termos do art. 3º da Emenda n. 30, esta entrou em vigor na
data de sua publicação. Ora, na data de publicação, já havia “precatórios
pendentes”, consignados nos orçamentos das entidades de direito pú-
blico, como “restos a pagar”, devidos anteriormente ao exercício de
2000. Estas entidades, por sua vez, de acordo com o permissivo cons-
titucional, deveriam providenciar o pagamento da primeira parcela até
o final do exercício financeiro, dia 31 de dezembro de 2000 (cf. arts. 2º
e 34 da Lei n. 4.320, de 1964). O dever de pagar, portanto, já existia e
obrigava ao pagamento integral.

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 112 2/5/2005, 16:02


LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 113

Não se pode, assim, afirmar que a Emenda n. 30 “pegou a Fazenda


de surpresa”. Ora, antes de seu advento, a obrigação da Fazenda era
honrar os precatórios integralmente. Ao permitir que o pagamento fosse
realizado em dez parcelas, a Fazenda foi beneficiada, não podendo
alegar surpresa com a alteração constitucional levada a efeito.
A melhor interpretação do dispositivo, portanto – senão a única pos-
sível –, é a de que, não pretendendo ou não tendo condições materiais
de honrar os precatórios devidos, poderia a Fazenda, a seu exclusivo
critério, liquidá-los, “no prazo máximo de dez anos”, “em prestações
anuais, iguais e sucessivas”. Tendo em vista, no entanto, que a Fazenda
já tinha pagamentos para honrar em 31 de dezembro de 2000, a primeira
das parcelas deveria ter sido paga até esta data (“prestações anuais”),
vez que a Emenda n. 30 permitiu o parcelamento, mas não concedeu
moratória, isto é, não diferiu o prazo para o início do adimplemento da
obrigação, como se as Fazendas pudessem “pular” o pagamento devido
no exercício financeiro findo em 31 de dezembro de 2000. Ressalte-se,
além do mais, que o dispositivo em comento é “regra de exceção”, que
deve ser interpretada restritivamente para impedir que o benefício seja
estendido além do que foi concedido pelo Poder Legislativo.
Relembre-se que, podendo pagar em “até” dez anos, poderia tam-
bém, a Fazenda fazê-lo em prazo menor. As prestações devem, no
entanto, qualquer que seja o prazo escolhido, ser anuais, iguais e su-
cessivas. No tocante a este ponto, ser “anual” significa que a cada ano
deverá ser paga uma parcela, e não que as Fazendas têm até dez anos
para fazer o pagamento em uma única parcela. O valor da parcela, por
sua vez, é definido quando do pagamento da primeira parcela. Assim,
paga a primeira parcela no valor de um décimo do precatório, indicou
a Fazenda que o parcelamento será feito em dez anos. Paga a primeira
parcela no valor de um quinto do precatório, a opção demonstrada é
pelo pagamento em cinco anos. Se assim não for, não há como serem
“iguais” as parcelas.

14. CONSEQÜÊNCIA DA INADIMPLÊNCIA DA FAZENDA


PÚBLICA: CADUCIDADE DO DIREITO AO PAGAMENTO
PARCELADO

O não-pagamento da primeira parcela fez caducar o direito de a


Fazenda realizar o pagamento em dez parcelas, passando a dever todo

CAPÍTULO 3

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 113 2/5/2005, 16:02


114 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

o montante de uma só vez, com poder liberatório para o pagamento de


tributos. Tal entendimento decorre do fato de que as parcelas devem
ser “anuais, iguais e sucessivas”, fato pelo qual a Fazenda deveria es-
tipular o número de pagamentos e, conseqüentemente, o valor (nomi-
nal) das parcelas.
De fato, tratando-se de direito potestativo da Fazenda, esta deveria
exercê-lo no prazo de pagamento da primeira parcela.
Os direitos potestativos, segundo Agnelo Amorim Filho,57 impõem
um estado de sujeição de uma parte da relação jurídica à outra, indepen-
dentemente da vontade destas últimas, caracterizando-se, ainda, pelo
fato de serem insuscetíveis de violação, e a eles não corresponder uma
prestação. Exatamente o caso em questão, quando a Fazenda poderia, a
seu exclusivo critério, parcelar e escolher o prazo, sem que a outra parte
pudesse opor-lhe nenhuma objeção. No tocante à forma de exercício
dos direitos potestativos, afirma Amorim Filho58 que estes “se exerci-
tam e atuam, em princípio, mediante simples declaração de vontade do
seu titular, independentemente de apelo às vias judiciais, e, em qualquer
hipótese, sem o concurso da vontade daquele que sofre a sujeição”.
Nesses termos, Agnelo Amorim Filho,59 discorrendo acerca da fixa-
ção de prazos (pelo antigo Código Civil) para o exercício dos direitos
potestativos, afirma:
[...] há certos direitos cujo exercício afeta, em maior ou menor
grau, a esfera jurídica de terceiros, criando para estes um estado
de sujeição, sem qualquer contribuição da sua vontade, ou mes-
mo contra a sua vontade. [...] É natural, pois, que a possibilidade
de exercício dêsses direitos origine, para os terceiros que vão
sofrer a sujeição, uma situação de intranqüilidade, cuja intensi-
dade varia de caso para caso. Muitas vêzes aquêles reflexos se
projetam muito além da esfera jurídica dos terceiros que sofrem
a sujeição e chegam a atingir interesses da coletividade, ou de
parte dela, criando uma situação de intranqüilidade no âmbito
mais geral. Assim, a exemplo do que ocorreu com referência ao
exercício das ações condenatórias, surgiu a necessidade de se

57
“Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações
imprescritíveis”. In: Revista dos Tribunais, nº 300, p. 12 et seq.
58 Revista dos Tribunais, nº 300, p. 14, destaque no original.
59
Revista dos Tribunais, nº 300, p. 21, destaque no original.

JORNADA DE ESTUDOS

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LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 115

estabelecer também um prazo para o exercício de alguns (ape-


nas alguns) dos mencionados direitos potestativos, isto é, aquêles
direitos potestativos cuja falta de exercício concorre de forma
mais acentuada para perturbar a paz social.
No caso em questão, embora a Emenda Constitucional não tenha
fixado – de forma clara – o prazo para o exercício do direito, como fez
por ocasião da promulgação da Constituição de 1988, esta fixação foi
feita de forma velada.
Analisando o disposto no art. 33 do ADCT, verifica-se que a mora-
tória e o parcelamento ali autorizados deveriam ser feitos “no prazo
máximo de oito anos, a partir de julho de 1989, por decisão editada
pelo Poder Executivo até cento e oitenta dias da promulgação da Cons-
tituição”.
No tocante aos prazos estipulados nos arts. 33 e 78 do ADCT, a
única diferença é a sua extensão, ou seja, oito e dez anos, respectiva-
mente. Com relação ao art. 33, no entanto, verifica-se que a Constitui-
ção, além do parcelamento, concedeu moratória às Fazendas, permi-
tindo-lhes “pular” o pagamento que seria devido até 31 de dezembro
de 1988, diferindo-o para julho de 1989. Como já se afirmou, moratória
semelhante não foi concedida pela Emenda Constitucional n. 30/00,
obrigando as Fazendas a realizar o pagamento dos precatórios até 31
de dezembro de 2000.
Finalmente, estipulou o art. 33 do ADCT que, para o exercício do
direito potestativo (“poderá ser”) então concedido, deveria o Executi-
vo editar decisão “até cento e oitenta dias da data da promulgação da
Constituição”.
Em tais casos, ensina Agnelo Amorim Filho60
[...] que, quando a lei, visando à paz social, entende de fixar
prazos para o exercício de alguns direitos potestativos (seja exer-
cido por meio de simples declaração de vontade [...]; seja exer-
cido por meio de ação [...]), o decurso do prazo sem o exercício
do direito implica na (sic) extinção deste, pois, a não ser assim,
não haveria razão para a fixação do prazo.
Voltando à questão da fixação do prazo para o exercício do direito,
verifica-se que tal prazo foi fixado de forma tácita no art. 78 do ADCT,

60 Revista dos Tribunais, nº 300, p. 22, destaque no original.

CAPÍTULO 3

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116 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

o que se pode verificar pela análise de seu teor e por regras de herme-
nêutica, principalmente aquela que diz que regras de exceção se inter-
pretam restritivamente.
Como se viu, a Fazenda tinha precatórios a honrar até o final do
exercício de 2000. Com a possibilidade de parcelamento em até dez
anos – e lembramos que o direito aqui concedido é potestativo, po-
dendo seu titular exercê-lo ou não –, para que o prazo máximo fosse
alcançado, a primeira parcela (correspondente a um décimo) deveria
ter sido honrada já no exercício de 2000. Tal interpretação decorre do
fato de as parcelas deverem ser anuais, iguais e sucessivas. Portan-
to, não honrada a primeira parcela, não há como obedecer aos demais
comandos, obrigatórios, da anualidade, igualdade e sucessividade.
Tal impossibilidade decorre do fato de o direito potestativo conce-
dido ser uno, vale dizer, o parcelamento é facultado, mas uma vez
exercida a faculdade, o pagamento em parcelas anuais, iguais e suces-
sivas é obrigatório.
Assim, se a Fazenda tinha precatórios a serem pagos até 31 de de-
zembro de 2000, e a Constituição lhe permitiu parcelá-los em até dez
anos, para pagamento em parcelas iguais, anuais e sucessivas – sem
qualquer moratória para o adimplemento da obrigação –, a contagem
do prazo deve iniciar-se, obrigatoriamente, da vigência do dispositivo,
sob pena de se estender, por mais de dez anos, o benefício concedido.
Desta forma, pelo menos um décimo do valor devido pela Fazenda
deveria ter sido pago até 31 de dezembro de 2000, sob pena de não
poder mais aquela entidade exercer o direito ao parcelamento.
De fato, se o valor pode ser parcelado, mas as prestações têm de
ser anuais, iguais e sucessivas, para que o direito potestativo seja
validamente exercido, todos os anos deve haver pagamento de parce-
la, até o adimplemento total da obrigação. Poder-se-ia alegar que a
Fazenda teria o prazo de dez anos para quitar seu débito. Tal alegação,
no entanto, afronta a Constituição, por descaracterizar a anualidade
do pagamento das parcelas. Assim, se a Fazenda não exerceu seu direi-
to potestativo de escolher o número de parcelas, já no primeiro ano de
pagamento devido, este caducou pelo seu não-exercício.
Verifica-se, assim, que o não-pagamento da primeira das parcelas
até o dia 31 de dezembro de 2000 fez caducar o direito das Fazendas
ao parcelamento.

JORNADA DE ESTUDOS

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LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 117

De qualquer forma, admitamos, para argumentar, que esse entendi-


mento esteja equivocado, isto é, que aceitamos ter a Fazenda, em qual-
quer hipótese – mesmo que nada tenha pago –, direito ao parcelamento
em dez anos. Ainda assim, o credor terá direito ao poder liberatório do
valor da parcela não paga.

15. A PRERROGATIVA DA CESSÃO DE CRÉDITOS


CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADA AOS CREDORES
DAS FAZENDAS PÚBLICAS

Permite, ainda, o dispositivo em questão a “cessão dos créditos”.


Não dispondo a Constituição de forma diferente, deve-se aplicar à
cessão de créditos o disposto nos arts. 286 a 298 do novo Código
Civil,61 dos quais destacamos os arts. 288 e 290, que exigem, respecti-
vamente, que a cessão, para valer em relação a terceiros, seja feita por
instrumento público62 e notificada ao devedor.
O § 1º do art. 78 do ADCT permite a decomposição do crédito em
parcelas, a critério do credor. Quer isso dizer que o valor constante de
um mesmo precatório pode ser cedido a vários cessionários, não exigin-
do o texto legal que o crédito seja cedido, por inteiro, a uma só pessoa.63

16. O PODER LIBERATÓRIO DOS PRECATÓRIOS VENCIDOS

O § 2º dispõe que “as prestações anuais a que se refere o caput deste


artigo terão, se não liquidadas até o final do exercício a que se referem,
poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora”. O
dispositivo merece atenção redobrada e interpretação sistemática.
A Emenda n. 30, portanto, entrou em vigor na data de sua publica-
ção, valendo para os precatórios pendentes na data de sua promulga-
ção. De acordo com o que se expôs, os precatórios pendentes estavam
consignados nos orçamentos de 2000, isto é, o valor a ser pago, em até

61
Cf. arts. 1.065 a 1.078 do Código Civil revogado.
62
Permite, ainda, o novo Código Civil que a cessão seja feita por “instrumento particu-
lar revestido das solenidades do § 1º do art. 654”.
63
Nesse sentido entendeu a 1ª Turma do STJ no RMS nº 12.735, rel. Min. Humberto
Gomes de Barros, j. 15.8.02, DJ 23.9.02, p. 225.

CAPÍTULO 3

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 117 2/5/2005, 16:02


118 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

dez parcelas, deveria ter tido seu pagamento iniciado até o final do
exercício financeiro de 2000, e não no prazo de dez anos contados da
publicação da emenda.
Ante o não-pagamento, o valor do precatório – ou, ao menos, o da
parcela – já tem “poder liberatório do pagamento de tributos da enti-
dade devedora”.
Ressalte-se que, embora não previsto no art. 11 da Lei n. 6.830, de
1980,64 tendo o precatório não pago poder liberatório do pagamento
de tributos da entidade devedora, como se dinheiro fosse, entendemos
admissível também possa ele ser utilizado em garantia do juízo em
execuções fiscais. Realmente, quando da elaboração da Lei de Execu-
ções Fiscais, não havia dispositivo constitucional que desse ao preca-
tório não pago “poder liberatório”, existindo dispositivos que, até
mesmo, proibiam a compensação65 ou que exigiam que a lei a autori-
zasse.66 A concessão de “poder liberatório”, no entanto, origina-se na
Constituição, não se lhe podendo opor dispositivos de menor hierar-
quia e cronologicamente anteriores. Deve-se, destarte, interpretar e
adaptar a legislação infraconstitucional à Constituição, e não o contrá-
rio. Assim, não se pode negar, com base em dispositivo infraconstitu-
cional, um direito que a própria Constituição instituiu.

17. O PROBLEMA DA ORDEM DE PAGAMENTO DOS


PRECATÓRIOS

Cumpre trazer à baila questão da maior relevância: a da ordem de


pagamento dos precatórios. Nos termos do art. 100, caput, os paga-
mentos devidos pela Fazenda somente podem ser feitos na ordem cro-
nológica de apresentação dos precatórios. O dispositivo, no entanto,

64
“Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública e dá outras
providências”.
65
Cf. Lei nº 4.320, de 1964: “Art. 54. Não será admitida a compensação da observa-
ção (sic) de recolher rendas ou receitas com direito creditório contra a Fazenda
Pública”.
66 Cf. Lei nº 5.172, de 1966 – CTN: “Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as
garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade admi-
nistrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e
certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública”.

JORNADA DE ESTUDOS

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LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 119

somente se refere aos pagamentos, não se aplicando às hipóteses de


conversão de precatório em “moeda” dotada de “poder liberatório”.
De fato, encontramos nos arts. 304 a 388 do novo Código Civil
diversas modalidades de extinção das obrigações. A primeira delas,
forma de extinção de dívidas por excelência, é o pagamento, regula-
do nos arts. 304 a 345. As obrigações, entretanto, podem ser extintas
por outras formas: por meio de dação em pagamento (arts. 356 a 359);
por novação (arts. 360 a 367); por compensação (arts. 368 a 380); por
confusão (arts. 381 a 384); e, ainda, por remissão (arts. 385 a 388).
Todas estas formas se aplicam às Fazendas Públicas, em virtude da
igualdade dos contribuintes diante da obrigação “de dar” que a Fazen-
da assumiu ou a que foi condenada. Assim, não pode a Fazenda, por
exemplo, liquidar suas obrigações por meio de dação em pagamento,
fora da ordem de apresentação dos precatórios, porquanto tal ato vio-
laria a isonomia entre os contribuintes. Poderia, no entanto, transacionar
para extinguir ou reduzir valor de obrigação antiga, mas não poderia
pagar ao credor que com ela transacionou antes de liquidar a obriga-
ção com quem o precedia na “fila” dos precatórios – ou, pelo menos,
sem que lhe fosse dada a oportunidade de transacionar nos mesmos
moldes.67 Nada impede, no entanto, que o contribuinte conceda re-
missão à Fazenda, extinguindo a obrigação, uma vez que tal ato em
nada ofende a isonomia entre os administrados. A forma de extinção
das obrigações da Fazenda depende, assim, do instituto jurídico a ser
utilizado, preservando-se, sempre, a isonomia e a impessoalidade na
relação com os administrados.
Nesses termos, reza o dispositivo que a Fazenda não pode pagar a
seus credores fora da ordem de apresentação dos precatórios, signifi-
cando o comando legal o dever de a Fazenda liquidar suas dívidas, por
meio da obrigação “de dar”, que somente pode ser feita na ordem de
apresentação dos precatórios. O “poder liberatório”, no entanto, não
se enquadra nesta hipótese, uma vez que a relação, no caso, tem senti-
do (vetor) diferente, vale dizer, trata da extinção da obrigação (tribu-
tária) do contribuinte (credor de precatório e devedor de tributo) para

67
Conferir, nesse sentido, STF, 1ª Turma, RE nº 132.031, rel. Min. Celso de Mello, j.
15.9.95, DJ 19.4.96, p. 766; Rcl nº 2.143-AgR, Plenário, rel. Min. Celso de Mello, j.
12.3.03, DJ 6.6.03, p. 30.

CAPÍTULO 3

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 119 2/5/2005, 16:02


120 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

com a Fazenda (credora de tributos e devedora de precatório), por


meio de outro mecanismo, do qual o poder liberatório é conseqüência.
O crédito tributário, por sua vez, pode ser extinto, nos termos do
art. 156 do CTN, pelo pagamento (inciso I); pela compensação (inciso
II); pela transação (inciso III); pela remissão (inciso IV); pela prescri-
ção e pela decadência (inciso V); pela conversão do depósito em renda
(inciso VI); pelo pagamento antecipado e sua homologação, nos ter-
mos do disposto no art. 150 e seus §§ 1º e 4º (inciso VII); pela consig-
nação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do art. 164 (inciso
VIII); pela decisão administrativa irreformável, assim entendida a de-
finitiva na órbita administrativa, que não possa mais ser objeto de ação
anulatória (inciso IX); pela decisão judicial passada em julgado (inciso
X); pela dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições
estabelecidas em lei (inciso XI).
Tratando-se de direito do contribuinte, verifica-se que, embora o
pagamento seja a maneira usual de extinção das obrigações, não há
ordem para que as outras formas ocorram, uma vez que não há ofensa
à isonomia dos administrados – desde que lhes seja concedido trata-
mento igualitário. Verifica-se, por exemplo, que prescrição, decadên-
cia, remissão, etc. podem atingir somente um grupo de contribuintes,
sem que os demais possam insurgir-se contra isso.
Como se verifica dos dispositivos transcritos, “poder liberatório”
não é forma de extinção de obrigações, mas o efeito da inadimplência
da Fazenda em honrar o pagamento de precatórios. Assim, todas as
hipóteses aqui mencionadas são “causa” de extinção de obrigações, ao
passo que o chamado “poder liberatório” é o efeito decorrente de hi-
pótese que não consta no Código Civil ou no Código Tributário Nacio-
nal, qual seja, a inadimplência da Fazenda. É, nesses termos, direito
potestativo puro dos contribuintes credores de precatório contra a
Fazenda, podendo ser exercido a qualquer momento, uma vez que,
para tanto, basta a existência de precatório vencido e não pago.

18. O REGIME JURÍDICO DO PODER LIBERATÓRIO DOS


PRECATÓRIOS

Tendo em vista, entretanto, que o “poder liberatório” é efeito, faz-


se necessário verificar com qual dos mencionados institutos (causas)

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 120 2/5/2005, 16:02


LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 121

ele se identifica, para se adotar, por analogia, o melhor regime jurídico


para a sua aplicação.
Como já se afirmou, o “poder liberatório”, como conseqüência, equi-
para-se a todas as formas de extinção de obrigações aqui enumeradas.
Tendo em vista, no entanto, que se trata de direito oponível à Fazen-
da, a este deve ser dado tratamento semelhante às formas de extinção
das obrigações tributárias constantes no CTN.
Não poderia, assim, ser assemelhado ao “pagamento”, porque neste
há a transferência de numerário do sujeito passivo (devedor tributário-
credor do precatório) para o sujeito ativo (credor tributário-devedor
do precatório), consistindo em uma prestação de “dar dinheiro”, o que
não ocorre; pelo mesmo motivo, não se pode equipará-lo à “dação em
pagamento em bens imóveis”, à “conversão do depósito em renda”,
ao “pagamento antecipado e sua homologação” e à “consignação em
pagamento”, pois todas essas formas de extinção envolvem, de certa
forma, uma obrigação de “dar”, seja em dinheiro, seja em imóveis; a
“transação”, em geral, envolve acordo, o que não ocorre no caso do
“poder liberatório”, por ser este um direito potestativo do credor da
Fazenda; a “remissão” exige ato unilateral do credor, o que também
não ocorre no caso; “a prescrição e a decadência” necessitam, para sua
ocorrência, de lapso de tempo pré-definido e inércia do titular, para o
exercício do direito ou da ação, requisitos inexistentes no caso em ques-
tão; a “decisão administrativa irreformável” e a “decisão judicial pas-
sada em julgado”, às quais se refere a lei, são formas de reconhecimen-
to do direito material invocado pela parte, que pode ser qualquer uma
das hipóteses já mencionadas. Resta, portanto, a compensação.

19. A NATUREZA DA COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS

Nos termos do art. 368 do novo Código Civil, “se duas pessoas
forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obri-
gações extinguem-se, até onde se compensarem”.68
A redação do dispositivo dá margem a duas interpretações: a pri-
meira, literal, é a de que as obrigações se extinguem, ex lege, até onde se
compensarem; a segunda, teleológica, é a de que a compensação é

68
O art. 1.009 do Código Civil revogado tinha a mesma redação.

CAPÍTULO 3

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 121 2/5/2005, 16:02


122 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

direito potestativo do devedor. No caso em tela, a primeira interpreta-


ção é mais benéfica ao contribuinte, uma vez que o “poder liberatório”
seria atribuído ao precatório não honrado, sem necessidade de qual-
quer outro ato. Entendemos, no entanto, que “poder liberatório”, ao
contrário da interpretação literal, é direito potestativo do contribuin-
te, que pode exercê-lo, ou não, a seu exclusivo critério.
Por óbvio, o “poder liberatório” do valor do precatório somente ocor-
re quando não há o seu pagamento. Assim, o “poder liberatório” dos
precatórios mais se assemelha à compensação, que se dá pela extinção
das dívidas até o montante em que se compensarem, quando duas
pessoas forem, ao mesmo tempo, credora e devedora uma da outra.
Verifica-se, destarte, não ter aplicação, no caso, o caput do art. 100,
uma vez que não se trata de “pagamento”, mas de espécie de “com-
pensação” de dívidas.
Tendo em vista, no entanto, a diferença de sentido do vetor da rela-
ção jurídica (contribuintes vs. Estado, e não Estado vs. contribuintes),
a exigência de ordem cronológica de pagamento não existe, posto não
haver violação ao princípio da isonomia, uma vez que todos os contri-
buintes podem “compensar”. Dessa forma, tratando-se de direito
potestativo dos contribuintes contra a Fazenda, sendo permitido a todos
eles “compensar”, se assim o entenderem, não há ofensa ao princípio
da isonomia, pois não se pode obrigar o titular de um direito potestativo
a exercê-lo. No caso de “pagamento”, no entanto, a questão é diferen-
te, uma vez que o pagamento fora da ordem ofende o princípio da
isonomia. Vê-se, assim, que “pagamento” e “poder liberatório”, por
meio de “compensação”, não se confundem. Basta ao credor (ou
cessionário), destarte, requerer a compensação de seu crédito com dí-
vida sua. Daí entendermos equivocada a interpretação segundo a qual
os precatórios em questão somente podem ser “compensados” na or-
dem em que tiverem sido inscritos no Tribunal.69
Entender de outra forma seria punir ainda mais o credor da Fazen-
da, pois este, além de receber em até dez anos, somente receberá quando
forem “compensados” (ou pagos) todos os precatórios (ou parcelas

69
Nesse sentido, conferir a liminar concedida aos 17.12.99, na ADI 2.099-ES, rel. Min.
Marco Aurélio; STJ, 2ª Turma, REsp nº 157.913-ES, rel. Min. Franciulli Netto, j.
10.9.02, DJ 31.3.03, p. 182.

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 122 2/5/2005, 16:02


LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 123

deles), existentes na frente do seu. Ressalte-se que, bem ou mal, a


emenda teve por objetivo “resolver de vez” a questão da protelação
do pagamento dos precatórios. Assim, exigir que a compensação seja
feita na ordem cronológica é beneficiar duplamente a Fazenda
inadimplente.
Por outro lado, tal entendimento é uma porta à fraude. Se um prefei-
to, por exemplo, sendo credor da sua própria prefeitura de R$ 200,00,
não providenciar, por qualquer modo, o recebimento de seu crédito,
poderá deixar de pagar milhões em precatórios, que seriam devidos na
sua administração.
Acresça-se ao argumento antes desenvolvido o fato de que o paga-
mento em ordem cronológica é garantia do credor, que, vendo-a não
observada, somente podia – nos termos da redação original da Consti-
tuição – requerer o seqüestro da quantia necessária ao pagamento de
seu crédito, que estava sendo preterido. Com a nova redação, se todos
os credores podem utilizar o “poder liberatório” de seus precatórios –
ou cedê-los a terceiros –, não há nenhuma ofensa à isonomia dos ad-
ministrados.
Em julgamentos anteriores,70 sustentou o Ministro Marco Aurélio,
relator, para negar a “compensação” de precatórios que:
[...] conquanto atenda à necessidade de o Estado liquidar os res-
pectivos débitos, acaba por conduzir a um verdadeiro círculo
vicioso. Em primeiro lugar, estimula a negociação dos precatórios,
e, diante das notórias dificuldades de caixa, ao que apontei, [...],
como calote oficial, induz os titulares de precatórios a negocia-
rem o título executivo com deságio. Uma vez realizada a cessão,
aquele que o adquira liquidará dívida fiscal deixando, assim, de
recolher o valor em pecúnia. Esse procedimento afasta, iniludi-
velmente, a possibilidade de alcançar-se receita. Com isso, os
demais credores do Estado, até mesmo aqueles que contam com
o precatório relativo à dívida alimentícia, estarão prejudicados.
Considere-se, para tanto, a diminuição de aportes e, portanto,
de receita do próprio Estado.
Acompanhando o voto do relator, sustentou o Ministro Nelson
Jobim:

70
Cf. ADI 2.099-ES, cit.

CAPÍTULO 3

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124 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

[...] expedido o precatório, cede-se o crédito, a pessoa recebe o


crédito a o compensa por imposto devido pela pessoa jurídica.
Compensa-se crédito de terceiros, fugindo à ordem.
Concedo a liminar, acompanhando o Relator [...].
Como já afirmamos anteriormente, entendemos equivocado, data
venia, esse entendimento. Em primeiro lugar, se a Constituição exige
que os valores destinados ao pagamento de precatórios estejam con-
signados no orçamento, eventual não-recebimento de receita em nada
o altera, pois o valor a pagar (constante no orçamento) será “cancela-
do” exatamente no montante da receita não recebida (valor do
precatório “compensado”). Assim, ante a diminuição de “receita”, há
a correspondente diminuição de “despesa”. Em segundo lugar, a pró-
pria Constituição, ao permitir – expressamente – a cessão dos crédi-
tos, procurou transferir para o “mercado” o problema da fixação dos
valores dos precatórios não honrados pelas Fazendas. Se o deságio é
grande, é porque o Poder Judiciário não obriga o Executivo a honrá-
los; houvesse garantia do recebimento, o deságio seria menor.
O óbice apresentado pelo eminente Ministro Nelson Jobim também
não merece prosperar. Como já dissemos, a ordem é garantia do credor,
tendo em vista o princípio da isonomia, ou seja, o Estado deve tratar a
todos de forma equivalente. Se todos os credores podem compensar,
não há ofensa à isonomia, não existindo, portanto, “quebra de ordem”.
Por outro lado, a Fazenda Federal aceita, administrativamente, a
compensação de tributos por ela administrados,71 sem que isto envol-
va qualquer discussão acerca de “quebra” de ordem de pagamento.
Poder-se-ia dizer que, no caso, a compensação é administrativa e que a
observância de ordem de pagamentos se refere aos precatórios. Tal
argumento, entretanto, é falacioso. Se o contribuinte pode compensar
tributos sem ter de recorrer à via judicial, não se pode exigir que, após
o longo trâmite do processo judicial, o exercício de seu direito seja,
ainda, dificultado ou obstado por meio da exigência de observância da
ordem cronológica para a “compensação”.
Acreditamos, assim, que tais argumentos são suficientes para afas-
tar o entendimento de que as compensações têm de ser feitas na or-
dem cronológica da apresentação dos precatórios. Nessa mesma linha

71
Cf. Instrução Normativa SRF nº 460, de 18 de outubro de 2004, DOU de 19.10.2004.

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 124 2/5/2005, 16:02


LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 125

de raciocínio, o Supremo Tribunal Federal vem modificando sua juris-


prudência, no tocante à possibilidade de compensação fora da ordem
de apresentação dos precatórios, como se pode ver do seguinte julga-
do,72 da lavra do eminente Ministro Carlos Velloso, acompanhado à
unanimidade, no Plenário, por seus pares:
CONSTITUCIONAL. PRECATÓRIO. COMPENSAÇÃO
DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO COM DÉBITO DO ESTA-
DO DECORRENTE DE PRECATÓRIO. C.F. art. 100, art.
78, ADCT, introduzido pela EC 30, de 2000.
I – Constitucionalidade da Lei 1.142, de 2002, do Estado de
Rondônia, que autoriza a compensação de crédito tributário com
débito da Fazenda do Estado, decorrente de precatório judicial
pendente de pagamento, no limite das parcelas vencidas a que se
refere o art. 78, ADCT/CF, introduzido pela EC 30, de 2000.
II – ADI julgada improcedente.
Nesse julgamento, sustentou o requerente, Governador do Estado
de Rondônia, que haveria quebra da ordem cronológica de pagamento,
violação dos princípios da moralidade, da impessoalidade e da igual-
dade, além da perda de arrecadação por parte do Estado.
Depois de analisar os dispositivos constitucionais pertinentes à
matéria, bem como a lei impugnada, afirmou o ilustre Relator, revolu-
cionando a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
Como se verifica, a Lei 1.142, de 11.12.2002, do Estado de
Rondônia, autoriza a compensação de crédito tributário com
débito da Fazenda Pública do Estado, decorrente de precatório
judicial pendente de pagamento, no limite das parcelas vencidas
a que se refere o artigo 78 do ADCT da Constituição Federal.
Não é inconstitucional. Ao contrário, dá eficácia ao disposto no
art. 78, ADCT/CF, com a EC 30, de 2000.
Do exposto, julgo improcedente a ação e declaro a constituciona-
lidade da Lei 1.142, de 2002, do Estado de Rondônia.
O Ministro Eros Grau, por sua vez, afirmou: “[...] é muito nítido
para mim que, na hipótese da compensação, não há quebra de ordem
cronológica [...]”.

72
Cf. STF, ADI 2.851-1-RO, j. 28/10/01, DJ 3/12/04.

CAPÍTULO 3

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 125 2/5/2005, 16:02


126 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

20. O PRAZO DE PARCELAMENTO DOS PRECATÓRIOS


DECORRENTES DE DESAPROPRIAÇÃO DE ÚNICO IMÓVEL
RESIDENCIAL

O § 3º do art. 78 do ADCT reduz de dez para dois anos o prazo de


liquidação dos precatórios “originários de desapropriação de imóvel
residencial de credor, desde que comprovadamente único à época da
imissão de posse”. Tal dispositivo tem o intuito de beneficiar o credor
da Fazenda cujo único imóvel foi desapropriado, não tendo ele recebi-
do a indenização devida, aplicando-se-lhe todas as demais regras da
Emenda n. 30.

21. O CABIMENTO DO SEQÜESTRO DE VALORES

Merece atenção o disposto no § 4º do art. 78 do ADCT, ao dispor que


Art. 78. (...)
(...)
§ 4º. O Presidente do Tribunal competente deverá, vencido o
prazo ou em caso de omissão no orçamento ou preterição ao
direito de precedência, a requerimento do credor, requisitar ou
determinar o seqüestro de recursos financeiros da entidade exe-
cutada, suficientes à satisfação da prestação.
Quanto a esse dispositivo, verifica-se que o mesmo é exceção à re-
gra geral (art. 100, § 2º, da CF de 1988), segundo a qual o seqüestro é
cabível “exclusivamente para o caso de preterimento do direito de pre-
cedência” de credor. Assim, no tocante ao pagamento de precatórios –
nos termos do art. 100 da CF –, somente pode ser solicitado o seqües-
tro em caso de preterimento de direito de precedência. Tal seqüestro,
no entanto, pode ser solicitado também nas hipóteses do caput do art.
78 do ADCT, vale dizer, se houver parcelamento de precatórios e se
ocorrer qualquer uma das hipóteses seguintes: a) não-pagamento de
parcela (“vencido o prazo”); b) “omissão no orçamento”; c): “preterição
ao direito de precedência” quanto ao valor parcelado.
A redação do dispositivo reforça os argumentos, aqui já expendidos,
no sentido de que o art. 78 do ADCT estipulou prazo para a Fazenda.
Verifica-se que, ao parcelar e ao não honrar o pagamento, cabe o se-
qüestro da verba, a pedido do credor.

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 126 2/5/2005, 16:02


LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 127

Cabe lembrar, entretanto, que o Supremo Tribunal Federal enten-


deu,73 com base em uma interpretação literal do dispositivo, que não
se pode requerer o seqüestro quando se tratar de não-pagamento de
créditos definidos em lei como de pequeno valor, de natureza alimen-
tícia e daqueles de que trata o art. 33 do ADCT e suas complementa-
ções, uma vez que estes estariam “ressalvados” das disposições do
art. 78 do ADCT.
Partindo, assim, da regra geral do direito, segundo a qual o judiciário
não age a não ser por provocação (ne procedat iudex ex officio), dispõe o § 4º
em comento que, “a requerimento da parte”, o “Presidente do Tribu-
nal competente deverá [...] requisitar ou determinar o seqüestro [...]”.
Nos termos do dispositivo, a requerimento da parte, o Presidente do
Tribunal competente deverá, isto é, é obrigado a requisitar o seqüestro.
Caso este não seja realizado, deverá determinar que seja feito. Tal enten-
dimento parte do pressuposto de que, simplesmente “requisitando”, caso
o seqüestro não seja realizado, incorre o Presidente em crime de respon-
sabilidade, como previsto no art. 100, § 5º, uma vez que estaria, por sua
inércia, retardando ou tentando frustrar o pagamento do precatório.
Por outro lado, embora as hipóteses de seqüestro sejam mais exten-
sas do que aquelas do art. 100, § 2º, do ADCT, estas ainda são restri-
tas, a saber: a) “vencido o prazo” de pagamento; b) em caso de “omis-
são no orçamento”; e c) “preterição ao direito de preferência”.
Por óbvio, o seqüestro na hipótese da alínea “a”, só se aplica quan-
do o credor pretender receber, em dinheiro, o valor do precatório (to-
tal ou sua parcela, conforme o caso), hipótese em que deverá observar
a ordem cronológica dos pagamentos, não se aplicando a hipótese nos
casos de “compensação”.
A omissão do valor do precatório no orçamento é motivo para o
requerimento do seqüestro, uma vez que seria impossível “compen-
sar” valores não consignados no orçamento, pois a Fazenda não os
reconheceria. Nessa hipótese, entretanto, o valor seqüestrado deve ser
consignado ao Poder Judiciário, aguardando-se o momento de pagar
ao credor de precatório cujo valor foi omitido do orçamento, sob pena
de haver violação à ordem de pagamento dos precatórios.

73
Cf. STF, Pleno, ADI 1.662-SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 30.8.01, DJ 19.9.2003;
STF, Pleno, Rcl 1.987, Rel. Min. Maurício Corrêa, j, 1.10.2003, DJ 21.5.2004.

CAPÍTULO 3

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 127 2/5/2005, 16:02


128 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Finalmente, como já afirmamos, a ordem cronológica dos paga-


mentos é instituída como garantia do credor, para que a Administra-
ção não resolva pagar seus apaniguados em primeiro lugar. Assim, só
haverá a hipótese de preterição da ordem dos pagamentos quando a
Fazenda realizar tais pagamentos (cumprindo obrigação de “dar”),
não se aplicando o dispositivo nas hipóteses de utilização do crédito
com “efeito liberatório” que, como antes explicitado, mais se asse-
melha à “compensação” de créditos, não se confundindo, no entan-
to, com essa.

22. AUTO-APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS


ANALISADAS

Cumpre ressaltar ainda que a Emenda Constitucional é auto-aplicá-


vel, por ser norma declaratória de direitos e obrigações, nada havendo
nela que exija regulamentação.
Nesses termos, pertinente se faz o magistério de Thomas Cooley,
citado por Paulo Bonavides:74
Pode-se dizer que uma disposição constitucional é auto-executá-
vel (self executing), quando nos fornece uma regra mediante a qual
se possa fruir e resguardar o direito outorgado, ou executar o
dever imposto, e que não é auto-aplicável, quando meramente
indica princípio, sem estabelecer normas, por cujo meio se logre
dar a esses princípios vigor de lei.
É importante observar que a norma constitucional em comento não
delineia princípios a serem observados, quando da criação de futura
lei que regulamentará a matéria, e isso porque a própria Constituição
da República de 1988, em seu art. 100 e no art. 78 do Ato das Dispo-
sições Constitucionais Transitórias, já disciplina a questão de forma
suficiente ao exercício do direito pelo administrado, tornando desne-
cessária a edição de lei regulamentadora.
Ora, excetuada a dilação do prazo para seu pagamento, a única alte-
ração significativa no regime dos precatórios foi a possibilidade de se
utilizá-los com “efeito liberatório” do pagamento de tributos da enti-
dade devedora.

74
Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1997, p. 216.

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 128 2/5/2005, 16:02


LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 129

Impende notar que em nenhum momento é utilizada a expressão


“na forma da lei” ou similar, usualmente empregada em dispositivos
constitucionais que demandam legislação infraconstitucional para
explicitar conceitos e dispor sobre determinados procedimentos ne-
cessários ao exercício do direito previsto na Magna Carta. E isso, por
uma razão simples e que retomamos: a própria Lei Maior já dispôs, de
forma suficiente, sobre a matéria, sendo possível, desde já, a fruição,
pelo administrado, do direito em exame.
Outro ponto que se destaca são os termos utilizados nas novas re-
dações dos artigos mencionados, que não necessitam de nenhuma nor-
ma posterior para esclarecer seu significado preciso, e eventuais dúvi-
das são seguramente solucionadas por meio de interpretação sistêmica.
Assim, não cabe invocar o disposto no art. 170 do Código Tributário
Nacional, dado que a autorização para a utilização do crédito decor-
rente de precatórios não pagos, no caso, que se assemelha à compen-
sação, advém da Constituição, não sendo possível tentar adaptar a
Constituição ao CTN. Assim, em regra, a compensação tributária rege-
se pelo disposto no CTN e na legislação extravagante. No caso de
precatórios não honrados, no entanto, o seu “poder liberatório” advém
da Constituição, não se podendo restringir esse direito com base em
dispositivos infraconstitucionais anteriores e hierarquicamente inferio-
res ao Texto Magno.
A argumentação de que a norma precisaria ser regulamentada não
procede, uma vez que, conforme foi acentuado, a única alteração sig-
nificativa do regime dos precatórios foi a possibilidade de utilizá-los
para o pagamento de tributos, de forma assemelhada à “compensa-
ção”, já devidamente tratada pelo antigo e pelo novo Código Civil.
Nem se diga que o dispositivo do novo Código Civil relativo à com-
pensação de dívidas fiscais75 foi revogado antes da vigência do Códi-
go. Como já se afirmou aqui, o “poder liberatório”, que se assemelha à
“compensação”, provém da Constituição, e não da legislação infracons-
titucional. Assim, revogado o dispositivo do novo Código Civil que

75
O art. 374 do novo Código Civil dispunha: “Art. 374. A matéria da compensação, no
que concerne às dívidas fiscais e parafiscais é regida pelo disposto neste capítulo”. Tal
dispositivo havia sido revogado pela MP 75, de 24.10.02, que foi rejeitada pela Câma-
ra dos Deputados. Posteriormente, a MP 104, de 9.1.03 revogou, novamente, o
dispositivo, sendo convertida na Lei nº 10.677, de 22.5.03.

CAPÍTULO 3

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 129 2/5/2005, 16:02


130 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

permitia que a compensação de dívidas fiscais fosse feita na forma ali


estipulada, tem-se que a “compensação” de dívidas fiscais, em regra,
será realizada nos termos do Código Tributário Nacional. No tocante
ao “poder liberatório”, no entanto, este é regulado pela Constituição.
Nesse sentido, oportuna, aqui, a lição do notável Carlos Maximiliano:76
Deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo
que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniên-
cias, vá ter conclusões inconsistentes e impossíveis. Também se
prefere a exegese de que resulte eficiente a providência legal ou
válido o ato, à que torne aquela sem efeito, inócua, ou este, juri-
dicamente nulo.
Releva acrescentar o seguinte: “É tão defectivo o sentido que
deixa ficar sem efeito (a lei), como o que não faz produzir efeito
senão em hipóteses tão gratuitas que o legislador evidentemente
não teria feito uma lei para preveni-las”. Portanto a exegese há
de ser de tal modo conduzida que explique o texto como não
contendo superfluidades, e não resulte um sentido contraditório
com o fim colimado ou a caráter do autor, nem conducente a
conclusão física ou moralmente impossível”.
Na mesma linha da doutrina aqui transcrita, confira-se excerto do
voto do Ministro Carlos Velloso no RE n. 161.264-RS:77
Os estudiosos de hermenêutica constitucional ensinam que as
normas constitucionais que contenham vedações, proibições ou
que declarem direitos são, de regra, de eficácia plena. Assim, no
Brasil, contemporaneamente, a lição de José Afonso da Silva
(<Aplicabilidade das Normas Constitucionais>, Ed. Rev. dos
Tribs., 2ª ed., 1982, pág. 89), na linha, aliás, da doutrina e da
jurisprudência americanas, que Ruy Barbosa expôs, admiravel-
mente. Em voto que proferi neste Plenário, disse eu que a regra
que vem do Direito americano é esta: as normas constitucionais
que veiculam declarações de direito, imunidades e vedações são,
de regra, auto-executáveis.
No mesmo sentido, afirmou o Ministro Maurício Corrêa, nos autos
do RE n. 193.456/RS:

76
Hermenêutica e aplicação do Direito. 13ª ed. Forense: Rio de Janeiro, 1993, p. 166.
77
RTJ 155/307.

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 130 2/5/2005, 16:02


LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 131

O direito constitucional, a exemplo do restante, é produzido


com vistas à sua aplicação, voltado à produção de efeitos práti-
cos. Ele é, portanto, preordenado a enquadrar as hipóteses que
disciplina sob o manto da sua eficácia: impõe aos fatos e com-
portamentos empíricos o mandamento previsto na norma. To-
davia, esta capacidade de incidir imediatamente sobre os fatos
regulados não é uma característica de todas as normas constitu-
cionais. Muitas delas não ostentam tal virtude, o que significa
dizer que não têm condições de incidir imediatamente sobre o
real. Para que elas preencham suas finalidades demandam uma
legislação intercalar, isto é: uma lei que se interpõe entre a norma
constitucional e o fato empírico.
Em verdade, a maior ou menor aptidão para atuar, para incidir
sobre os fatos abstratamente descritos na hipótese da norma
constitucional, depende do modo como a própria norma regu-
la a matéria de que se nutre. A possibilidade de plena incidência
da norma está sempre condicionada à forma de regulação da
respectiva matéria. Se esta é descrita em todos os seus elementos,
é plasmada por inteiro quanto aos mandamentos e as conseqüên-
cias que lhe correspondem, no interior da norma formalmente
posta, não há necessidade de intermédia legislativa, porque o
comando constitucional é bastante em si. Tem autonomia
operativa e idoneidade suficiente para deflagrar todos os efeitos
a que preordena.
De revés, se a matéria que se põe como conteúdo da norma é
deficientemente plasmada, de modo que tal defeito de confor-
mação intercorra por qualquer um dos seus elementos lógico-
estruturais – que são a hipótese, o mandamento e a conseqüência
– aí se torna necessária a expedição de um comando comple-
mentar da vontade constitucional.
Como se vê, os elementos lógico-estruturais da norma (hipótese,
mandamento e conseqüência) estão devidamente previstos no pró-
prio dispositivo constitucional, que autoriza o credor de precatório
não pago a dele se utilizar com efeito liberatório do pagamento de
tributos.
Assim, a exigência de todas as questões aqui contestadas levaria a
flagrante incoerência na interpretação da norma sub examine, contra-
riando a ratio legis e tornando-a inócua e sem qualquer efeito, em bene-
fício do Estado, devedor inadimplente.

CAPÍTULO 3

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 131 2/5/2005, 16:02


132 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Dessa forma, já detendo o Estado a prerrogativa de liquidar suas


dívidas em até dez anos, não pode ele ser beneficiado com o acrésci-
mo de prazo necessário à elaboração das leis (supostamente) necessá-
rias à efetivação do direito dos credores. De fato, devendo as leis ser
oriundas de cada ente da Federação, seria “fácil” impedir o “poder
liberatório” dos precatórios pela inércia legislativa ou, ainda, pelo exer-
cício dos poderes de veto e de “persuasão” do Poder Executivo sobre
o Poder Legislativo.
Ressalte-se, ainda, que as Fazendas têm interpretação, no mínimo,
curiosa a respeito do tema. Como já se afirmou aqui, o direito
potestativo concedido às Fazendas é uno, ou seja, a elas é facultado
parcelar os precatórios devidos, desde que honrem as parcelas ou lhes
reconheçam o “poder liberatório”. As Fazendas, no entanto, parcela-
ram – ou simplesmente suspenderam o pagamento dos precatórios –,
mas afirmam que o direito concedido a seus credores não é auto-
executável. Assim, no entendimento das Fazendas, o dispositivo Cons-
titucional lhes confere um direito auto-executável, mas, para seus cre-
dores, este direito carece de regulamentação.
Verifica-se, pois, que, entender ser o dispositivo não auto-aplicável,
é beneficiar o Poder Executivo inadimplente, em detrimento dos direi-
tos do cidadão.

23. O ADVENTO DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 37, DE 12


DE JUNHO DE 2002, E AS ALTERAÇÕES NO REGIME DOS
PRECATÓRIOS

Finalmente, alterando, novamente o dispositivo constitucional rela-


tivo ao pagamento dos precatórios, foi promulgada a Emenda Consti-
tucional n. 37, de 12 de junho de 200278 (“Altera os arts. 100 e 156 da
Constituição Federal e acrescenta os arts. 84, 85, 86, 87 e 88 ao Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias”), com o seguinte teor,
no que interessa:
Art. 1º. O art. 100 da Constituição Federal passa a vigorar acres-
cido do seguinte § 4º, renumerando-se os subseqüentes:
“Art. 100. (...)

78
DOU de 13.6.2002.

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 132 2/5/2005, 16:02


LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 133

(...)
§ 4º São vedados a expedição de precatório complementar ou
suplementar de valor pago, bem como fracionamento, reparti-
ção ou quebra do valor da execução, a fim de que seu pagamen-
to não se faça, em parte, na forma estabelecida no § 3º deste
artigo e, em parte, mediante expedição de precatório”. (NR)
(...)
Art. 3º. O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias pas-
sa a vigorar acrescido dos seguintes arts. 84, 85, 86, 87 e 88:
(...)
Art. 86. Serão pagos conforme disposto no art. 100 da Consti-
tuição Federal, não se lhes aplicando a regra de parcelamento
estabelecida no caput do art. 78 deste Ato das Disposições Cons-
titucionais Transitórias, os débitos da Fazenda Federal, Estadual,
Distrital ou Municipal oriundos de sentenças transitadas em jul-
gado, que preencham, cumulativamente, as seguintes condições:
I – ter sido objeto de emissão de precatórios judiciários;
II – ter sido definidos como de pequeno valor pela lei de que
trata o § 3º do art. 100 da Constituição Federal ou pelo art. 87
deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias;
III – estar, total ou parcialmente, pendentes de pagamento na
data da publicação desta Emenda Constitucional.
§ 1º Os débitos a que se refere o caput deste artigo, ou os respec-
tivos saldos, serão pagos na ordem cronológica de apresentação
dos respectivos precatórios, com precedência sobre os de maior
valor.
§ 2º Os débitos a que se refere o caput deste artigo, se ainda não
tiverem sido objeto de pagamento parcial, nos termos do art.
78 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, po-
derão ser pagos em duas parcelas anuais, se assim dispuser a lei.
§ 3º Observada a ordem cronológica de sua apresentação, os
débitos de natureza alimentícia previstos neste artigo terão pre-
cedência para pagamento sobre todos os demais.
Art. 87. Para efeito do que dispõem o § 3º do art. 100 da Consti-
tuição Federal e o art. 78 deste Ato das Disposições Constitucio-
nais Transitórias serão considerados de pequeno valor, até que se
dê a publicação oficial das respectivas leis definidoras pelos entes

CAPÍTULO 3

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 133 2/5/2005, 16:02


134 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

da Federação, observado o disposto no § 4º do art. 100 da Cons-


tituição Federal, os débitos ou obrigações consignados em
precatório judiciário, que tenham valor igual ou inferior a:
I – quarenta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Estados e
do Distrito Federal;
II – trinta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Municípios.
Parágrafo único. Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido
neste artigo, o pagamento far-se-á, sempre, por meio de precatório,
sendo facultada à parte exeqüente a renúncia ao crédito do valor
excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o
precatório, da forma prevista no § 3º do art. 100.
(...).
A nova emenda, no tocante ao novo § 4º do art. 100, teve dois obje-
tivos: a) impedir a transformação do precatório em “pensão vitalícia”, o
que se dava por meio dos inúmeros precatórios complementares que
eram expedidos devido ao pagamento sem correção; b) impedir o
fracionamento do precatório, para que o montante equivalente ao “pe-
queno valor” fosse pago de uma vez, e o restante, por meio de precatório.
A proibição de expedição de precatório complementar seria total-
mente desnecessária se a Constituição fosse cumprida.79 De fato, se o
comando constitucional (art. 100, § 1º, com a redação dada pela EC n.
30, de 2000) determina que o precatório seja pago em valor atualiza-
do, não há necessidade – nem possibilidade – de se expedir precatório
complementar. Assim, a interpretação necessária é a de que precatórios
complementares não serão expedidos porque não poderá haver paga-
mento “a menor”. Lembramos que a complementação dos precatórios
se dava em virtude de jurisprudência, assentada sobre outro texto cons-
titucional, que autorizava o pagamento em valores nominais ou que
determinava a atualização em 1º de julho, para pagamento até o final
do exercício seguinte. Diante do novo texto, no entanto, tal iniqüidade
teria sido sanada.
Com relação à proibição de fracionamento, o dispositivo traz políti-
ca legislativa lamentável, impedindo que credores de precatórios de
“pequenos valores”, mas de valor superior ao definido em lei como de
“pequeno valor”, fracionem seus precatórios, recebendo fora do par-

79
Cf. voto do Min. Carlos Velloso no RE 298.616-SP, j. 31/10/02, DJ 3.10.03, p. 10.

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 134 2/5/2005, 16:02


LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 135

celamento “em até dez anos”. De lege ferenda, o ideal seria que os cre-
dores pudessem fracionar seus créditos recebendo, à vista, o “pequeno
valor”, e o restante em parcelas anuais.
O art. 86, acrescentado ao ADCT, tem a virtude de determinar o
pagamento, de uma vez, dos precatórios que haviam sido parcelados,
mas que foram definidos em lei como de “pequeno valor”, observados
os requisitos ali enumerados.
Por sua vez, o art. 87 definiu, provisoriamente, o que seria débito de
“pequeno valor” para as Fazendas Estaduais e Municipais – para efei-
to de exclusão destes valores do sistema geral dos precatórios –, facul-
tando aos credores, ainda, a renúncia ao valor excedente, para que o
recebimento se faça como se fosse de pequeno valor.
Feitas as considerações que entendemos necessárias à compreen-
são do sistema de precatórios, bem como à da jurisprudência aplicá-
vel às diversas hipóteses suscitadas, passamos à resposta aos quesi-
tos elaborados.

RESPOSTAS AOS QUESITOS

1. Pode ser solicitada intervenção federal ou estadual para


exigir o pagamento dos precatórios?

A intervenção, federal ou estadual, é o remédio constitucionalmen-


te previsto para o caso de descumprimento de decisões judiciais. O
Supremo Tribunal Federal, no entanto, tem entendido, por maioria,
que o descumprimento de decisão judicial que justifica a intervenção
é apenas o descumprimento doloso.
Nesses termos, tendo em vista que os Estados e os Municípios ale-
gam que não pagam os precatórios por absoluta impossibilidade finan-
ceira, os pedidos de intervenção têm sido indeferidos pelo STF.

2. O que significa a expressão “segundo as possibilidades do


depósito”, constantes no art. 100, § 2º, da Constituição
Federal de 1988?

A expressão “segundo as possibilidades do depósito” e outras asse-


melhadas, utilizadas nas Constituições passadas, somente se justifica-

CAPÍTULO 3

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 3.pmd 135 2/5/2005, 16:02


136 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

vam até o advento da Constituição de 1967, cujo art. 112, § 1º, deter-
minou “a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de
verba necessária ao pagamento dos seus débitos constantes de
precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho”. Após essa exi-
gência, cumprida a Constituição, “as forças do depósito” devem equi-
valer ao montante a pagar, não havendo mais falar-se em pagamento
“dentro das forças do depósito”.

3. Qual o prazo para a Fazenda exercer o direito de opção


pelo parcelamento?

Tendo em vista que o direito dado à Fazenda de parcelar os pagamen-


tos devidos é potestativo, uma vez ultrapassado o prazo para o seu exer-
cício, ocorre a sua decadência. As Fazendas, assim, deveriam ter inicia-
do o pagamento das parcelas até 31 de dezembro de 2000, prazo após o
qual, à ausência de qualquer pagamento, ocorreu a decadência do direi-
to de parcelar, dando ao crédito decorrente de precatório não pago o
“poder liberatório” de pagamento de tributos da entidade devedora.

4. Qual o significado do “poder liberatório do pagamento de


tributos da entidade devedora”, constante no § 2º do art.
78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias –
ADCT?

O “poder liberatório” atribuído pela Constituição Federal aos


precatórios não pagos significa que o credor desses precatórios poderá
– sponte sua – utilizar o crédito para pagamento de tributos da entidade
devedora do precatório, em mecanismo assemelhado à “compensa-
ção”. Ressaltamos que, tendo poder liberatório de pagamento de tri-
butos, como se dinheiro fosse, tem, também, poder de garantir execu-
ções fiscais.

5. Há necessidade de observância da “ordem cronológica”


de apresentação dos precatórios para o exercício do direito
ao “poder liberatório”?
A “ordem cronológica” determinada pela Constituição tem o esco-
po de dar aos credores da Fazenda tratamento isonômico, impedido-a

JORNADA DE ESTUDOS

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LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 137

de privilegiar alguns deles. No caso de utilização do “poder liberatório”,


em que todos os credores podem compensar seus créditos, não há ofen-
sa ao princípio da isonomia, sendo dispensada a observância da ordem
cronológica para a “compensação”.

6. O dispositivo constitucional relativo ao “poder liberatório”


carece de regulamentação?
Como afirmamos anteriormente, o dispositivo é auto-aplicável, por
conter todos os elementos necessários a sua concretização. As Fazen-
das poderiam regulamentá-lo em seus aspectos formais, mas a inércia
das Fazendas não pode ser óbice ao exercício do direito conferido pela
Constituição.
É o nosso parecer, salvo juízo melhor e mais alto.

Belo Horizonte, fevereiro de 2005.

José Otávio de Vianna Vaz

CAPÍTULO 3

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138 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

JORNADA DE ESTUDOS

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DEBATES 139

CAPÍTULO 4 DEBATES
Coordenador Desembargador Nilson Reis
Debatedores Procurador Carlos Bastide Horbach, Juiz Fernando Neto
Botelho, Dr. Humberto Theodoro Júnior, Juiz Pedro Carlos Bitencourt
Marcondes, Professor Vincenzo Demetrio Florenzano

Desembargador Nilson Reis:


O tempo é muito escasso, vou fazer as perguntas, e são todas pro-
vindas do auditório e, como diz o Professor Humberto Theodoro, “o
tempo é implacável”.
“A Emenda Constitucional n. 30/2000 estabeleceu que a inadim-
plência pelo Estado das parcelas de precatório gerariam poder libera-
tório para a quitação de tributos. O Estado, entretanto, não vem aca-
tando tal poder liberatório. Qual o instrumento processual apto ou
hábil para assegurar o direito do contribuinte previsto no art. 78, § 2º,
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias?”
Essa pergunta é do Dr. João Cláudio Barbosa.

Dr. Humberto Theodoro Júnior:


Tem que se resolver pela garantia de pleno acesso ao Poder Judiciá-
rio, alguma medida, alguma ação, que seja compatível com a situação
jurídica ou de documentos que dispõe. A ação ordinária seria a via
ampla, dentro da qual isso poderia ser discutido.
Pode-se pensar também no mandado de segurança, se a clareza
dos fatos, espelhada em documentos, produzir a figura do direito
líquido e certo.
Enfim, acho que a ação pode ser montada pela “engenharia” do
advogado sob uma forma cominatória, condenatória, declaratória, inde-
nizatória, podem-se imaginar várias saídas, mas não fica o credor
desguarnecido da tutela jurisdicional.

Desembargador Nilson Reis:


O Professor Dr. Nassan Jan Louwerens, da Assessoria de Precatórios
do Tribunal, pergunta:
CAPÍTULO 4

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140 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

“Como fica a aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal em


matéria de precatórios? Na prática, ela não está sendo aplicada. Os
juros moratórios são devidos em precatórios? Há jurisprudência
pacificada?”

Dr. Humberto Theodoro Júnior:

A questão da responsabilidade fiscal é tema de debate na doutrina,


e há estudos já divulgados que defendem a possibilidade de configura-
ção de crime de responsabilidade, de improbidade administrativa. Não
há, ainda na prática, uma experiência dos Tribunais. Eles não foram
levados a enfrentar esse tema de uma maneira concreta, e é justamen-
te um dos motivos pelos quais é fácil para o administrador público se
esconder atrás dessa impunidade e adotar condutas não muito probas
no campo do cumprimento das decisões judiciais.
Os juros moratórios, no sistema atual do art. 100, não são devidos,
segundo a melhor interpretação, entre o registro do precatório até o
seu cumprimento, desde que ele ocorra no exercício seguinte até o fim
do exercício. A partir daí, voltam a correr, nos precatórios comple-
mentares, os juros pelo atraso.

Desembargador Nilson Reis:

“É Constitucional a Lei Estadual n. 14.669, de 2003, que impõe a


observância da ordem cronológica para a compensação de tributos no
âmbito do Estado de Minas Gerais? Pode haver seqüestro de precatório
alimentício?”

Dr. Humberto Theodoro Júnior:

Essa ordem cronológica nada tem, a meu ver, com a força liberatória
e, conseqüentemente, com o poder de compensação.
O sistema de compensação é definido por lei quando cabe compen-
sação, quando dívidas líquidas e certas, pessoas em posições contrá-
rias fazem a aproximação de seus débitos e créditos. O que se requer
para uma compensação é a liquidez e a exigibilidade dos dois créditos
e a fungibilidade de pessoas envolvidas na operação.

JORNADA DE ESTUDOS

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DEBATES 141

Não sei se o problema é constitucional, mas me parece que se a


garantia dessa liberação, por essa via, foi assegurada pela Constitui-
ção, não é razoável admitir que, por meio de uma lei local, se venha
inviabilizar a garantia da Carta Máxima, porque basta então não pagar
a ninguém, para não haver compensação para ninguém.
Então, aquilo que foi imaginado como uma garantia seria facilmen-
te burlado por uma manobra do devedor esperto.

Desembargador Nilson Reis:

“Professor, os precatórios alimentícios não seguem a ordem geral


para o seu pagamento, segundo a lei? Se essa ordem, porém, não for
observada, qual a providência judicial que pode ser tomada? Há prefe-
rência para os precatórios que beneficiam os jurisdicionados com ida-
de superior a 65 anos?”
Pergunta encaminhada pela Dra. Leda Duarte Machado.

Dr. Humberto Theodoro Júnior:

Os precatórios alimentícios não estão fora do sistema de ordem de


preferência. Eles têm uma ordem própria, e os demais têm outra or-
dem, mas a desobediência, se for entre os próprios precatórios alimen-
tícios, vai resultar diretamente no seqüestro. Se for entre um precatório
alimentício e outro não alimentício, com maior razão ainda, terá o cre-
dor alimentício direito ao seqüestro.
Quanto à preferência dos precatórios de pessoas com idade de 65
anos, já vi esse tema questionado por alguns autores e não sei se isso
chegou a algum pretório, se já houve algum pronunciamento. Parece-
me, no entanto, que, nessa ordem constitucional de direitos materiais,
porque o que está em jogo no precatório e na garantia de ordem não é
uma questão puramente processual, é uma questão de satisfação ma-
terial do crédito em uma determinada ordem, e uma regra como essa
que protege o idoso é uma regra de mera tutela processual.

Desembargador Nilson Reis:

“Pode o Presidente do Tribunal autorizar, mediante alvará, o le-


vantamento do valor pela parte, ainda que existam outros precatórios

CAPÍTULO 4

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142 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

na ordem cronológica de preferência, mas que não foram reclama-


dos, ou dependerá da natureza do precatório?”. Pergunta sem iden-
tificação.

Dr. Humberto Theodoro Júnior

Pela natureza do precatório, é claro que, se for um precatório ali-


mentício em relação a um não alimentício, estará facilmente recuperá-
vel a preferência do alimentício. Na seqüência, porém, do seu próprio
grupo, parece-me que o seqüestro não pode beneficiar fora da ordem.
Mesmo que o requerimento seja de alguém que está longe da ordem do
pagamento, não poderá receber este pagamento passando por cima
dos outros que estão a sua dianteira. O seqüestro seria, quando muito,
para restabelecer a ordem, e não para criar uma nova ordem, colocan-
do um credor numa posição privilegiada que a ele não corresponde.
Esse tema também não é pacífico e gera muita divergência, muito de-
bate, mas, na minha opinião, a solução correta seria essa: restabelecer
a ordem, e não criar um privilégio para aquele que se insurgiu contra a
quebra da seqüência constitucional.

Desembargador Nilson Reis:


“‘Pegando carona’ na pergunta do Dr. Pedro, qual é o ano de venci-
mento da primeira parcela dos precatórios vencidos em 1997 e não
pagos até hoje?”. Sem identificação.

Dr. Humberto Theodoro Júnior:

Pela sistemática constitucional, que não é rigorosa, não é detalhada,


instituiu-se, a partir de uma determinada data, um sistema de
parcelamento anual. Quem é que tem de promover esse parcelamento?
Não dizem, não falam. O parcelamento terá de ser requerido por al-
guém interessado. Pode ser o próprio Estado, ao criar o seu esquema e
colocar a forma numa lei local, dizendo que vai pagar tudo direitinho.
Mas, se não fizer isso, então deve ser o próprio credor que comparece
perante o juiz de primeiro grau e requer que lhe seja assegurado o
parcelamento, com a fixação das parcelas e, conseqüentemente, a par-
tir daquele momento, seguirá o sistema constitucional. A parcela do

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DEBATES 143

ano deverá ser paga no exercício previsto pela Constituição, cada par-
cela em um exercício.

Desembargador Nilson Reis:

“A Emenda Constitucional n. 30, de 2000, é bastante clara ao defi-


nir o poder liberatório. A parcela vencida e não paga pode ser utilizada
para pagamento de tributos. Pergunto: qual a natureza jurídica do po-
der liberatório?”. Dr. Francisco Amaral, do Instituto dos Advogados.

Dr. Humberto Theodoro Júnior:

A dívida de dinheiro, o poder liberatório é o poder do dinheiro. Em


outros termos, a execução se reconhece ao próprio título de crédito, título
executivo, a força de pagar uma dívida que deveria ser paga por dinheiro.
O que a Constituição quer fazer é transformar o crédito, na relação deve-
dor-credor, a algo equivalente à moeda, para se liberar da obrigação.

Desembargador Nilson Reis:

Antes porém de encerrar, queria agradecer ao Professor Humberto,


Dr. Pedro, Dr. Carlos, e dizer, como Voltaire, quando tentava reabili-
tar a memória... (inaudível). Ao agradecer a homenagem do parlamen-
to, ele dizia: “Não há necessidade de agradecer, fiz um pouco de bem”.
Muito obrigado. V. Exa. fez muito bem a todos nós.

Intervenção do Juiz Fernando Neto Botelho:

Desembargador Nilson Reis, Presidente da Mesa; Dr. José Otávio


Vaz, nosso ilustre palestrante, e Professor Doutor Vincenzo Florenzano;
senhoras e senhores.
Depois que ouvimos o Professor Humberto Theodoro Júnior, como
ressalvou o próprio Dr. José Otávio Vaz, chega-se a um ponto de tra-
tar aqui da questão prática ou da possibilidade prática de solução des-
se intrigante problema do precatório.
Ouvir o Professor Humberto Theodoro Júnior é fundamental, ex-
tremamente importante para todos nós que trabalhamos com o Direi-

CAPÍTULO 4

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144 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

to, sempre. Dr. Humberto Theodoro foi magistrado, tem quase uma
centena de trabalhos publicados sobre matéria processual, Direito
material, e falar sobre a impossibilidade de eficácia de prestação
jurisdicional é extremamente importante, principalmente para nós
magistrados. Creio que os meus colegas aqui presentes devem sentir
também isso, sobretudo aqueles que atuam na Fazenda Pública, dian-
te de sua advertência, com toda a autoridade que têm, quanto à inefi-
cácia efetiva e indiscutível da prestação jurisdicional no que diz res-
peito às condenações contra a Fazenda Pública, que não faz cumprir o
título judicial.
Fixado esse pressuposto e chegado agora esse momento de tratar-
mos, efetivamente, de uma solução para atingir a eficácia, principal-
mente os que militam na Fazenda Pública, vamos deparar com essa
equação e temos de estudar um modo de resolvê-la dentro do princí-
pio da legalidade, dentro de um respeito mínimo à estrutura armada e
prevista na própria Constituição Federal para apreciação das normas
que ela edita, ainda que depois de reformada ou revisada, e, também,
das normas infraconstitucionais que lhe dão complemento.
Ouvi, com muita atenção, a abordagem do Professor José Otávio
Vaz a respeito da auto-aplicabilidade desses dispositivos, especifica-
mente com relação à compensação tributária como instituto realiza-
dor da liberação prevista na Emenda Constitucional n. 30. Não há
dúvidas de que, se nós estivéssemos, e neste caso eu faço, com muito
respeito, uma provocação a essa afirmação do ilustre Professor, mas
se nós estivéssemos na realidade imediatamente posterior à edição da
Emenda n. 30, talvez pudéssemos caminhar mais tranqüilamente nes-
se entendimento da auto-aplicabilidade deduzida por nós mesmos, por
meio da atividade, em primeiro grau ou mesmo pelos Tribunais Esta-
duais, desse dispositivo constitucional.
Nós, porém, temos hoje a palavra do Supremo Tribunal Federal, que
já foi lembrada aqui na primeira Mesa, no sentido de que ele já interpre-
tou normas infraconstitucionais diante da Emenda Constitucional n.
30, lembramos aqui uma obra muito importante em Direito Tributário,
do Professor Humberto Ávila, que, ao concluir seu doutorado na Ale-
manha, faz uma advertência muito importante a respeito da necessida-
de, sobretudo em matéria tributária, de não nos esquecermos da palavra
do Supremo Tribunal Federal – das Supremas Cortes – que detém a
atividade de controle e de custódia dos princípios constitucionais. O

JORNADA DE ESTUDOS

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DEBATES 145

Supremo Tribunal Federal, porém, analisando uma das oito leis esta-
duais já editadas no País, regulando a chamada Seguridade do Crédito
das Fazendas Públicas, e disciplinando a compensação de precatórios,
apreciou uma delas, editada pelo Estado de Rondônia, no julgamento
da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.851. Essa decisão é de outu-
bro, e tenho a sua nota oficial, em que o Ministro Carlos Velloso, Relator
daquela ADIn, diz expressamente o seguinte: “[...] que a lei autoriza (a
lei daquele Estado de Rondônia) a compensação de crédito tributário
com débito da Fazenda do Estado decorrente de precatório judicial pen-
dente de pagamento no limite das parcelas vencidas”.
O Ministro afirmou que o procedimento não é inconstitucional, ao
contrário da eficácia ao disposto no art. 78 do ADCT. Essa expressão
está entre aspas e foi extraída do acórdão. Não conheço o acórdão no
seu inteiro teor, mas supondo até a possibilidade – embora tenha sido
uma improcedência da ADIn, – de se ter ali utilizado a interpretação
da Constituição, com preservação do texto, não obstante a improce-
dência da ADIn, e o Supremo estar, nesse julgamento, fixando não
apenas um precedente jurisprudencial, mas um princípio de comando
para a jurisdição infraconstitucional, sobretudo para esses Estados,
como o de Minas Gerais, que já editaram leis estaduais disciplinando
essa questão relacionada com a compensação.
Parece-me, portanto, salvo melhor juízo, que o Supremo já disse
que a norma infraconstitucional tem foro de constitucionalidade dian-
te da Emenda Constitucional n. 30.
Em Minas Gerais, foi editada, em 2003, a Lei n. 14.699, que, é uma
norma extensa, trata exatamente da cessibilidade e da compensabilidade
do precatório estadual, e o faz estabelecendo, no art. 9º, § 6º, que o
Poder Executivo manterá sistema informatizado, que é o CIAF – para
aqueles que não o conhecem – de controle dos precatórios expedidos
contra o Estado e as entidades de Direito Público da Administração
Indireta. O acesso a ele é perfeitamente possível, via internet, e com
isso temos condição de fiscalizar até a ordem dos precatórios registrados.
Com a obrigatoriedade do registro do precatório contra o Estado de
Minas Gerais no CIAF, possibilitou-se a aplicação do mecanismo de
compensação do precatório. Diz a lei:
O Poder Executivo autorizará compensação de crédito inscrito
em dívida ativa, com precatórios vencidos ou parcelas vencidas
de precatórios parcelados, desde que:

CAPÍTULO 4

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146 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

I – não exista precatório de outro credor do Estado anterior,


em ordem cronológica àquele utilizado nos termos do caput deste
artigo;
II – o precatório parcelado esteja registrado no sistema de regis-
tro de precatórios.
Nós temos hoje norma formal, lei em sentido formal-material, edi-
tada pela Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, um pre-
cedente do Supremo Tribunal Federal que, examinando norma do
mesmo porte, da mesma matéria, reconhece a sua constitucionalidade,
ainda que relativa ao Estado de Rondônia. Temos, pois, essa questão
para ser tratada em primeiro grau, no âmbito das Fazendas Públicas.
Pergunto, portanto, como faríamos para adequar esse precedente do
Supremo Tribunal Federal e neutralizar a aplicabilidade da norma for-
mal do Estado de Minas Gerais, que exige a observância da ordem que
está registrada no CIAF.

Intervenção do Professor Doutor Vincenzo Demetrio


Florenzano:

Sr. Presidente, Dr. Fernando, Dr. José Otávio Vaz, senhores e se-
nhoras, cumprimento a todos e quero, inicialmente, juntar-me aos que
me antecederam para dizer que esta jornada de estudos é uma oportu-
nidade ímpar de se discutir um tema da maior relevância. Portanto,
quero dar os parabéns aos idealizadores dessa jornada de estudos.
O problema dos precatórios é muito grave e preocupante, merecen-
do, pois, a atenção de todos. Nesse sentido, foi ilustrativo o caso men-
cionado pelo Professor Humberto Theodoro Júnior, a respeito dos
conferencistas estrangeiros que vêm ao Brasil e ficam espantados com
a situação dos precatórios. Nessa mesma linha, é oportuno mencionar
que observadores ligados à Organização das Nações Unidas têm,
reiteradamente, apontado o descumprimento de decisões judiciais como
um dos problemas mais graves do Estado brasileiro.
Seria, pois, um terrível engano pensar que o problema dos precatórios
é um problema apenas daqueles que estão nas filas aguardando o pa-
gamento de seus créditos. O problema dos precatórios é um problema
de todos nós. A injustiça contra um só homem é uma violência para
todos, é uma agressão a todos, é uma ameaça para todos.

JORNADA DE ESTUDOS

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DEBATES 147

Dito isso, gostaria de lembrar uma observação que encontrei, recen-


temente, em um autor alemão, Paul Streeten, sobre ética empresarial.
Diz esse autor que “Não podemos ser, ao mesmo tempo, práticos,
objetivos e idealistas”.
Refletindo sobre o tema, penso que a solução do problema dos
precatórios demanda uma postura pragmática. Diante da atual situa-
ção dos precatórios, qual seria a solução ideal? A solução ideal seria o
pagamento imediato e integral do total da dívida referente a precatórios.
Essa seria a solução ideal, mas será que isso é possível? Vou responder
a essa indagação com as palavras de um emérito professor da Funda-
ção Getúlio Vargas, o ex-Ministro Mário Henrique Simonsen, quando
disse que “a análise econômica, infelizmente, é a ingrata ciência da
escassez que a todo instante relembra que o desejável nem sempre é
possível...”.
Falando de análise econômica, vou passar rapidamente a comentar
a decisão do Supremo Tribunal Federal na ação de Intervenção Fede-
ral no Estado de São Paulo (IF 2.127-8), por não cumprimento de
decisão judicial referente ao pagamento de precatório, que já foi men-
cionada neste evento pelos expositores que me antecederam.
Sobre análise econômica, o Ministro Gilmar Mendes, do Supremo
Tribunal Federal, que proferiu o voto vencedor no mencionado julga-
mento (IF 2.127-8), fez a seguinte observação:
Como tenho afirmado, esse exame de dados concretos, ao in-
vés de apenas argumentos jurídicos, não é novidade no Direito
comparado. No âmbito dos reflexos econômicos da atividade
jurisdicional, a experiência internacional tem assim demonstrado
que a proteção dos direitos fundamentais e a busca da redução
das desigualdades sociais, necessariamente, não se realizam sem
a reflexão acurada acerca do seu impacto.
O voto do Ministro Gilmar Mendes é um exemplo de aplicação, a
um caso concreto, do que se chama Análise Econômica do Direito.
Embora não faça menção expressa à denominação “Análise Econômi-
ca do Direito”, o Ministro Gilmar Mendes deixa claro que se trata da
utilização desse instrumental teórico que se desenvolveu nos Estados
Unidos, a partir dos anos 60, e que passou a ser muito utilizado tam-
bém na Europa e em outros países, da América Latina inclusive. Ao
que tudo indica, essa poderosa ferramenta começa agora a chegar tam-
bém ao Brasil.

CAPÍTULO 4

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148 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Vejamos, então, com um pouco mais de detalhe, o procedimento


adotado pelo Ministro Gilmar Mendes no exame desse pedido de in-
tervenção no Estado de São Paulo, por não-cumprimento de decisão
judicial referente ao pagamento de precatório. Na fundamentação do
seu voto, o Ministro analisou os dados apresentados pela Procuradoria
do Estado de São Paulo e verificou que, descontando-se os recursos já
comprometidos com despesas que não se pode deixar de realizar, como
as despesas com o pessoal dos três Poderes do Estado, que alcançam
58% das receitas correntes líquidas, a despesa com educação, que não
pode ser inferior a 25% da receita resultante de impostos (art. 212 da
CF/88), a despesa com saúde (art. 198, § 2º., da CF/88) e outras,
restam ao Governador do Estado cerca de 2% das receitas correntes
líquidas para o pagamento dos precatórios, que é o que está sendo
efetivamente pago.
Assim, concluiu o Ministro Gilmar Mendes que o Governador do
Estado de São Paulo, democraticamente eleito pelos cidadãos do Es-
tado, tem disponível para pagamento de precatórios apenas 2% das
receitas correntes líquidas do Orçamento, e que o Governador já está
utilizando o total desses recursos no pagamento dos precatórios, não
sendo, pois, razoável nomear um interventor para atuar no lugar do
Governador, porque o interventor, estando sujeito a essas mesmas
limitações legais e constitucionais, não vai poder fazer melhor do que
aquilo que o Governador já está fazendo.
Portanto, se o interventor não vai poder fazer melhor do que o que
já está fazendo o Governador democraticamente eleito, ponderou o
Ministro que a intervenção, no caso em julgamento, não seria o meio
jurídico adequado para se alcançar o fim desejado, que é o pagamento
dos precatórios. Com base nessa análise ponderada de meios e fins,
incorporada aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, o
Ministro Gilmar Mendes acabou decidindo pela rejeição do pedido de
intervenção federal no Estado de São Paulo.
O raciocínio do Ministro Gilmar Mendes é lógico, consistente e muito
bem concebido. Ficam, contudo, a angústia, o desconforto e o desa-
lento decorrentes da falta de solução para o problema do pagamento
dos precatórios.
Já que não podemos ser idealistas (pleiteando o pagamento imedia-
to do total das dívidas de precatórios), vejamos, então, o que se pode
esperar de uma postura pragmática.

JORNADA DE ESTUDOS

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DEBATES 149

Para melhor vislumbrar onde podemos chegar com uma postura prag-
mática, devemos ter em vista duas situações extremas. A primeira si-
tuação extrema é a que temos hoje, em que os Governos Federal, Es-
tadual e Municipal têm absoluta liberdade, livre arbítrio, para decidir
quando querem pagar os precatórios, porque, efetivamente, não há
uma sanção para a falta de pagamento. Com isso, os governantes ficam
numa posição confortável para decidir quando vai ser pago. Esse é um
extremo. Qual seria o outro extremo? O outro extremo seria o paga-
mento forçado e imediato do total das dívidas de precatório.
Entre esses dois extremos, existem soluções alternativas, e é isso
que nós precisaríamos perceber e entender. Uma solução alternativa
nos foi dada pela Constituição, precisamente, pelo art. 78 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias. É uma solução de mercado,
como o Professor Humberto Theodoro bem ressaltou.
Refletindo sobre essa questão, fiquei convencido de que a solução
de mercado acolhida pelo art. 78 do Ato das Disposições Constitucio-
nais Transitórias, dentro de uma visão pragmática, é a melhor solução
que se poderia pensar para o pagamento dos precatórios atrasados.
Isso porque, por um lado, de fato, não é possível exigir o pagamento
imediato do total da dívida, o que implicaria a paralisação da presta-
ção de serviços essenciais. Não se pode paralisar o Legislativo, o Exe-
cutivo e o Judiciário Estadual, por exemplo, que dependem dessas
verbas. Isso realmente não seria razoável. Também não se podem pa-
ralisar escolas, nem serviços de saúde. Por outro lado, a decisão de
pagar não pode depender do livre arbítrio dos governantes. Estes, na-
turalmente, vão querer realizar suas promessas de campanha, e não
pagar precatórios atrasados de governos anteriores. A solução que nos
foi dada pela Constituição (art. 78 do ADCT) é um meio-termo entre
esses dois extremos. Não é o pagamento imediato e integral da dívida,
mas é mais do que aquilo que os governantes estão dispostos a pagar.
Em outros termos, obriga os governantes a pagar mais do que esta-
riam normalmente dispostos a pagar.
Essa solução nos foi dada quando a Constituição permitiu o parcela-
mento do pagamento, atribuindo poder liberatório às parcelas não pagas
no prazo previsto. A solução de mercado está, portanto, no poder
liberatório dos créditos e na possibilidade de cessão desses créditos.
Gostaria de fazer uma observação sobre a posição adotada pelo
Estado de Minas Gerais no tocante ao disposto no art. 78 do ADCT.

CAPÍTULO 4

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150 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Segundo nos foi informado pelo Procurador aqui presente, o Estado


de Minas Gerais teria optado por não fazer o parcelamento previsto
nesse dispositivo constitucional. Isso, a nosso ver, é muito prejudicial
para os credores. Não procedendo ao parcelamento do débito, o Estado
de Minas Gerais está negando aos seus credores um direito essencial
assegurado pela Constituição: o direito ao poder liberatório dos créditos.
Gostaria de frisar que o art. 78 do ADCT não dá ao Estado a facul-
dade de parcelar ou não o pagamento da dívida. Pelo contrário, o
parcelamento é obrigatório. Nesse sentido, o art. 78 do ADCT é
taxativo quando diz que os créditos “[...] serão liquidados pelo seu
valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em presta-
ções anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permi-
tida a cessão dos créditos”. A toda evidência, a expressão “serão liqui-
dados” indica, inequivocamente, que o parcelamento é obrigatório,
não havendo aí nenhuma faculdade. Ao dizer que os créditos serão
liquidados em prestações anuais, a Constituição não deixou ao
governante a opção (faculdade) de parcelar ou não a dívida.
Concordo, pois, plenamente com o Professor José Otávio Vaz quan-
do diz que não é possível ficar diante de um dispositivo desses, aguar-
dando regulamentação, porque, se fizermos isso, vamos sempre dar ao
Estado a possibilidade de não cumprir as normas, sob pretexto de que
há necessidade de nova (mais) regulamentação. A norma do art. 78 do
ADCT é clara e auto-executável, não podendo haver nenhuma dúvida
em relação a isso.
Também estou de acordo com o Professor José Otávio Vaz quando
diz que o parcelamento e o pagamento da primeira parcela já deveriam
ter sido feitos em 2001. Importante ressaltar que, se essa disposição
do art. 78 do ADCT tivesse sido cumprida, metade do problema já
estaria resolvido. Nós estamos em 2004, praticamente 2005, portanto,
das dez prestações anuais previstas, pelo menos quatro já estariam
pagas ou quitadas por meio de compensação. Se tivéssemos cumprido
a Constituição literalmente, mais de 40% dos precatórios já estariam
pagos ou teriam tido os créditos compensados.
Reiteramos, pois, que a Constituição nos deu a solução, sem cair no
extremo de exigir o pagamento integral e imediato do total da dívida
nem no outro extremo, que é o que nós vivemos hoje, em que o paga-
mento fica a critério do Chefe do Executivo, que paga quando bem
entender. Assim, realmente, o credor desse título não tem nenhuma

JORNADA DE ESTUDOS

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DEBATES 151

esperança, ou melhor, tem uma esperança sem esperança, uma quase


desesperança. Nesse sentido também se posicionou o Professor José
Otávio, quando disse que os precatórios estão desmoralizados, apesar
de ser um título em torno do qual deveria haver credibilidade e respei-
tabilidade.
É imprescindível, pois, resgatar a credibilidade e a respeitabilidade
desses títulos. Com isso, poder-se-ia, em conformidade com o preceito
constitucional, formar um mercado dinâmico e eficiente, capaz de aten-
der aos anseios dos credores. Sem dúvida, inúmeras empresas e tam-
bém pessoas físicas poderiam interessar-se em adquirir esses títulos,
criando-se, por outro lado, para o Estado, a possibilidade de antecipar
receitas.
Portanto, com o surgimento de um mercado de títulos de precatórios,
o Estado teria um auxílio do setor privado para o pagamento dessas
dívidas, beneficiando-se de uma antecipação de receitas.
Insisto, pois, que a Constituição Federal nos deu a solução, estabe-
lecendo para os precatórios antigos (ações ajuizadas até 31 de dezem-
bro de 1999) o parcelamento do débito, atribuindo-se poder de libera-
ção às parcelas não quitadas. Para os precatórios novos (ações ajuiza-
das após 31 de dezembro de 1999), o pagamento deveria ser efetivado
normalmente, é dizer, pontualmente, sem atraso e sem parcelamento,
sendo injustificável e inaceitável qualquer atraso em relação a esses
precatórios novos. Com isso, a Constituição pretendia, entre outras
coisas, resgatar a credibilidade e a respeitabilidade dos títulos públicos
e dos próprios governantes brasileiros.
O problema é que, lamentavelmente, mais uma vez, não cumpri-
mos a Constituição. E os precatórios, hoje, continuam sendo uma tra-
gédia que já fez milhares de vítimas e que continua pairando sobre
nossas cabeças como um fantasma, uma ameaça que, a qualquer mo-
mento, pode fazer novas vítimas. Afinal, a qualquer momento, pode-
mos sofrer danos por atos ilícitos do Estado, ou ter um imóvel desa-
propriado, e só de pensar nessas hipóteses e na via crucis dos precatórios
já temos motivos para ficarmos apavorados.
No tocante aos precatórios velhos, para a formação de um mercado
dinâmico, bastaria que se resgatassem a credibilidade e a respeitabili-
dade desses títulos e que esses direitos de crédito estivessem adequa-
damente representados. Para ilustrar, vou citar outro autor, o peruano

CAPÍTULO 4

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152 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Hernando de Soto, professor da Universidade de Harvard, que desen-


volveu um trabalho maravilhoso, publicado nos Estados Unidos, pelo
qual veio a ganhar vários prêmios. Esse trabalho foi publicado sob o
título “O mistério do capital”. Nessa obra, o autor parte da seguinte
indagação: por que o capitalismo dá certo em alguns lugares do mundo e
não dá certo em outros? Por que o capitalismo dá certo nos EUA, dá
certo na Europa, dá certo no Japão, mas não dá certo no Oriente Médio?
Examinando o tema, o autor faz uma extensa pesquisa abrangendo
mais de 50 países, na América Latina, na Ásia, na Europa, em vários
países, e chega à conclusão de que um dos fatores determinantes do
sucesso ou do fracasso do capitalismo é o sistema de representação
dos direitos de propriedade.
A pesquisa revela que, nos países em que não há um sistema ade-
quado de representação dos direitos de propriedade, o capitalismo não
deslancha. Em outras palavras, os negócios não fluem como desejado,
e a economia não se desenvolve na plenitude de seu potencial. Isso
ocorre porque as pessoas têm propriedades, têm riquezas, mas essas
propriedades, essas riquezas não estão adequadamente representadas,
não há título que as represente. As pessoas têm imóveis, mas esses
imóveis são irregulares, é dizer, o direito de propriedade sobre esses
imóveis não está adequadamente representado (não há escritura, não
há registro no cartório de imóveis). De acordo com Soto, até mesmo
os pobres nos países em desenvolvimento (subdesenvolvidos) têm ri-
quezas (propriedades). O problema é que esses recursos são mantidos
sob formas defectivas, por exemplo, construções edificadas sobre ter-
renos cuja propriedade não está adequadamente registrada, empresas
irregularmente constituídas com responsabilidades indefinidas, indús-
trias localizadas onde financistas e investidores não as podem ver. Essas
pessoas possuem bens, mas não têm o processo adequado para repre-
sentar esses direitos de propriedade. Estando os direitos sobre esses
bens inadequadamente representados, esses ativos não podem ser trans-
formados em capital. Exatamente essa é a situação dos precatórios no
Brasil, ou seja, é riqueza mantida sob forma defectiva, é ativo que não
pode ser transformado em capital.
Em contraste, nos países desenvolvidos do Ocidente, cada parcela
de terra, cada edificação, cada pedaço de equipamento está devida-
mente representado num documento de propriedade, que é um sinal
visível de um vasto processo submerso que conecta todos esses ativos

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DEBATES 153

ao resto da economia. Graças a esse processo de representação, os


ativos podem servir de garantia para a obtenção de crédito. Segundo
Soto, a fonte mais importante de financiamento para novas empresas
nos Estados Unidos é a hipoteca sobre a casa do próprio empresário.
Portanto, por intermédio desse processo de representação das proprie-
dades, injeta-se vida sobre os ativos, permitindo-lhes gerar capital.
Afirma Soto (2000, p. 7) que os países do Terceiro Mundo e os
países que até recentemente eram comunistas (leste europeu) não têm
esse sistema de representação. Por isso, estão subcapitalizados, da
mesma forma que uma empresa está subcapitalizada quando emite
menos títulos de capitalização que sua receita e seu ativo lhe permiti-
riam emitir. Sem um sistema adequado de representação das proprie-
dades, os pobres são como companhias (sociedades anônimas) que
não conseguem emitir ações ou títulos para obter novo financiamento.
Seus ativos são capital morto. No caso brasileiro, os precatórios são
como capital morto.
O trabalho de Soto é muito interessante, e aqui foi lembrado para
ilustrar que, no nosso caso, para que o mercado de precatórios possa
desenvolver-se e cumprir a sua função, é necessário que se constitua um
sistema adequado de representação desses créditos, com transparência
e com uma instituição idônea para custodiar esses títulos. O mercado
faria o resto, oferecendo-nos uma solução mais eficiente e mais rápida,
provavelmente a mais satisfatória para esse problema dos precatórios.
Com estas considerações, encerro minha exposição, devolvendo a
palavra ao Presidente da Mesa.

Desembargador Nilson Reis:

O poder liberatório abrange também os precatórios alimentares,


uma vez que o art. 78 do ADCT trata desta matéria apenas em face
dos precatórios comuns? Os alimentares podem ser seqüestrados?

Professor José Otávio de Vianna Vaz

Entendo que sim. A separação entre precatório alimentar e precatório


comum foi feita para que o alimentar fosse recebido primeiro, em fun-
ção da natureza alimentar que ele tem.

CAPÍTULO 4

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154 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Então, nesse sistema, o precatório alimentar deveria, todo precatório


alimentar, ser pago antes do precatório comum. Por isso, acho que o
precatório alimentar foi excluído desse parcelamento, para que ele
pudesse ter um tratamento privilegiado com relação ao comum.
Portanto, se o precatório comum serve para pagamento de dívida, a
meu ver, o alimentar também serve para o pagamento de dívida e,
conseqüentemente, para compensação.
Há uma questão sendo julgada no Supremo nesse momento, de
processo oriundo aqui de Minas Gerais. O Tribunal de Justiça de
Minas Gerais aceitou uma cessão de crédito de precatório alimen-
tar, e a Fazenda recorreu, alegando que o precatório alimentar não
podia ser cedido e que, se fosse cedido, perderia a natureza de cré-
dito alimentar.
Portanto, pelo caráter personalíssimo que o crédito alimentar teria –
essa questão está, como disse, com o Ministro Sepúlveda Pertence,
para ser resolvida –, acho que pode ser cedido. Entendo que não perde
o caráter alimentar. Temos, no entanto, de aguardar a manifestação
final do Supremo Tribunal Federal.

Juiz Pedro Carlos Bitencourt Marcondes:

Ao contrário do que dispõe o art. 33 do ADCT, que determinava o


início do pagamento dos precatórios a partir de 1º de julho de 1989, a
Emenda n. 30/00, em seu art. 78, que dispôs sobre a liquidação dos
créditos relativos às dívidas da Fazenda Pública, no prazo de 10 anos,
em prestações anuais, iguais e sucessivas, não estabeleceu data de iní-
cio desse parcelamento, donde se conclui que poderia ser feito em
duas, três ou quatro vezes, a começar, por exemplo, do sexto ano, a
critério do ente federado.
Na hipótese dessa liquidação, o seqüestro dos recursos financeiros
só caberia em três hipóteses: a) – vencimento do prazo de 10 anos (art.
78, § 4º, do ADCT); b) – preterição do direito de precedência; c) –
omissão, a partir do oitavo ano, do prazo de 10 anos, de inclusão de
verba no orçamento, prevista no § 1º do art. 100, quanto aos créditos
de que trata o art. 78, § 4º do ADCT.
Não poderia ocorrer o seqüestro dos recursos financeiros que com-
prometessem a continuidade dos serviços públicos essenciais, tais como

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DEBATES 155

a educação e a saúde, sob pena de inviabilizar a preservação e a conti-


nuidade do próprio Estado. Embora o não-pagamento do precatório
implicasse a inobservância da estabilidade jurídica, deveria preponde-
rar a própria preservação do Estado.
A verba honorária sucumbencial não tem caráter alimentar, nos ter-
mos do art. 100, § 1º-A, da Constituição Federal, a não ser que o crédito
principal tenha esse caráter, e, devido à redação do § 1º do art. 100, não
caberia mais execução provisória contra a Fazenda Pública.

Intervenção do Juiz Fernando Neto Botelho, após a


conferência do Professor José Otávio de Vianna Vaz:

Houve debate sobre a afirmação do palestrante José Otávio de


Vianna Vaz, que assegurou que o Professor Humberto Theodoro Júnior,
com a autoridade de ex-magistrado da ativa e do alto de seu indiscutí-
vel conhecimento jurídico, com quase uma centena de obras publicadas
e consagradas, havia feito advertência, que a todos tocava, e tocava
particularmente aos magistrados, quanto à ineficácia da prestação
jurisdicional em condenações contra a Fazenda Pública, o que decor-
ria do fato, segundo advertira o Professor, de não serem cumpridos os
precatórios judiciais expedidos.
Comentando essa específica passagem da palestra proferida pelo
Professor Humberto Theodoro Júnior, destaquei que, para resolver a
questão trazida por essa advertência, ter-se-ia de examinar, primeiro, a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que já existe a este res-
peito, pois, recentemente, foi julgada Ação Direta de Inconstituciona-
lidade de lei estadual do Estado de Rondônia – de temática similar à
da Lei Mineira n. 14.699, de 2003 –, tendo o STF declarado, nesse
aresto, a constitucionalidade dessa norma estadual, rejeitando, por-
tanto, a inconstitucionalidade argüida.
Acentuo que a Lei Mineira n. 14.699, de 2003, contém disposição
que impõe observância da ordem dos precatórios, na compensação
(liberatória) que se queira fazer diante dos créditos tributários, razão
pela qual submeti, como debatedor, à apreciação do palestrante José
Otávio de Vianna Vaz indagação sobre o modo de se interpretar essa
restrição, em relação à jurisprudência do STF, que julgara (e declarara
constitucional) idêntica lei estadual, de Rondônia.

CAPÍTULO 4

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156 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Professor José Otávio de Vianna Vaz:

Com relação à primeira questão – ADIN 2.851 do Supremo Tribu-


nal Federal –, tenho a dizer que nela não foi questionado se havia
necessidade de lei ou não para regular a compensação do precatório.
Assim sendo, o que foi dito está correto: a lei não é inconstitucional.
Essa é uma matéria que não está interpretada nesse voto. Essa decisão
foi unânime, concluindo que a compensação não é inconstitucional.
O acórdão foi relatado pelo Ministro Carlos Velloso e acompanhado, à
unanimidade, pelo Tribunal, revendo jurisprudência anterior (de 1999),
que dizia ser essa compensação inconstitucional.
Em segundo lugar, como afastar a aplicabilidade do dispositivo da
lei formal do Estado de Minas Gerais? Dizendo que ela é inconstitu-
cional. É assim que se afasta a aplicabilidade de dispositivos de qual-
quer lei. Por quê? Porque ela faz uma exigência que a Constituição não
faz. Concordo que o Estado de Minas Gerais possa regular, em seu
caráter formal, a compensação do precatório, dizendo que ele só será
compensado se estiver inscrito no CIAF. Assim eu concordo, desde
que o Estado crie o CIAF e o coloque à disposição do contribuinte.
Criar, no entanto, uma exigência que a Constituição não estabeleceu
em qualquer disposição, eu acho absurdo, e, por outro lado, há um
último aspecto que precisa ser analisado. Essa lei é de 2003, mas va-
mos supor que o Estado não editasse a lei. Indago: o cidadão ficaria
privado de um direito que o constituinte concedeu, pela inércia do
Poder Legislativo estadual? Não seria razoável admitir tal posição, em-
bora respeite o entendimento do Supremo Tribunal Federal em alguns
casos, como, por exemplo, quando a Constituição outorga um direito,
dizendo “nos termos da lei”. Isso ocorreu diversas vezes, ao se inter-
pretar a Constituição de 1988. A doutrina me parecia mais consentânea
com os direitos e as garantias individuais. Dizia que um direito que o
constituinte outorgou não pode ser obstado pela inércia do legislador
infraconstitucional. Portanto, quando há remissão “nos termos da lei”,
e a lei não vem, eu tenho o direito pleno até que essa lei venha para
regular o meu direito.
Não foi, porém, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal,
que chegou à conclusão de que, quando a Constituição diz “nos ter-
mos da lei”, o direito não pode ser exercido enquanto não vier a lei.
Submeto-me e acato a decisão do Supremo, mas, em casos como o do

JORNADA DE ESTUDOS

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DEBATES 157

art. 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT),


em que não há nenhuma condicionante, um direito outorgado de for-
ma clara, dizendo que a emenda entra em vigor na data de sua publica-
ção, sem qualquer condição, bastaria aos Estados não editar lei, e o
cidadão deveria receber em 10 vezes e, se não receber em 10 vezes,
vai pedir intervenção, que não vai ser concedida. Ao final, o cidadão
não recebe nada, e o Poder Judiciário não vê como afastar a aplicabili-
dade de uma lei formal da maneira como ela deve ser afastada, qual
seja, dizendo que é uma lei inconstitucional. É o que os Tribunais têm
feito diuturnamente, julgar leis formais e materiais inconstitucionais.

Desembargador Nilson Reis:

Com a palavra, o Dr. Carlos Bastide Horbach.

Dr. Carlos Bastide Horbach:

Exmo. Sr. Desembargador Nilson Reis, Presidente dessa Mesa;


Exmo. Sr. Dr. Humberto Theodoro Júnior;
Sr. Dr. Pedro Carlos Bitencourt Marcondes;
Exmo. Sr. Advogado Adjunto do Estado de Minas Gerais, Dr. Alberto
Guimarães Andrade.
Antes de iniciar as minhas considerações e as minhas contribuições
para este debate, preciso fazer duas observações de ordem pessoal.
Em primeiro lugar, preciso dar os parabéns ao Instituto dos Advo-
gados de Minas Gerais, ao Centro Jurídico Brasileiro e à Escola Judi-
cial Edésio Fernandes pela iniciativa de promover esse evento.
Isso porque não é todo dia que se tem a oportunidade de se discutir,
em alto nível acadêmico, do ponto de vista teórico, do ponto de vista
da ciência do direito, um tema tão complexo e tão polêmico como é o
dos precatórios e a execução contra a Fazenda Pública.
A oportunidade que tivemos agora de ouvir uma palestra erudita,
como a do Professor Doutor Humberto Theodoro Júnior sobre o tema,
seguida das ponderadas observações do Juiz Pedro Carlos Bitencourt
Marcondes, desde logo vale este evento e o coloca como uma prova
do altíssimo desenvolvimento que tem a ciência do Direito no Estado
de Minas Gerais.

CAPÍTULO 4

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158 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Este evento também, não preciso dizer isso, honra a tradição da


Escola Judicial Edésio Fernandes que, há quase 30 anos, desde a Re-
solução n. 61, de 1975, do Tribunal de Justiça, que autorizou a Corte a
criar uma Escola Judicial, vem contribuindo enormemente para o apri-
moramento da ciência jurídica no Estado de Minas Gerais com influ-
xos no país inteiro.
Dou os parabéns, também, em especial, à Escola Judicial Edésio
Fernandes.
Fazendo essas observações, afirmo também, de maneira expressa, a
minha satisfação e a minha honra em poder participar deste evento, fa-
zendo-me, até com uma certa pretensão, partícipe da história da Escola.
Por outro lado, tendo em vista a importância do tema que hoje aqui
está sendo tratado, fica ressaltada a minha responsabilidade como re-
presentante da Advocacia Pública do Estado de Minas Gerais. E essa
responsabilidade de estar aqui neste evento, como representante da
Advocacia Pública do Estado de Minas Gerais, fica ainda mais
enfatizada pelo fato de eu estar aqui, de inopino, substituindo o Pro-
curador do Estado, Dr. Ronaldo Cheib.
Dr. Ronaldo Cheib, chefe da Procuradoria de Precatórios, é, sem
dúvida alguma, o maior conhecedor do assunto, que nós temos na Casa,
mas, apanhado de imprevisto por um compromisso no interior do Es-
tado, não pôde estar aqui hoje debatendo neste importante evento, de
modo que fui convocado pelo Exmo. Sr. Advogado-Geral do Estado
de Minas Gerais, Dr. José Bonifácio Borges de Andrada, a vir ontem
de Brasília para substituir, uma substituição bastante difícil, o Profes-
sor Ronaldo Cheib.
Creio que a escolha da minha pessoa se deve, acima de tudo, ao fato
de eu estar, junto à Advocacia do Estado, trabalhando nos Tribunais
Superiores e acompanhando de perto a evolução da jurisprudência sobre
esse tema em Brasília e, também, por já ter trabalhado em conjunto
com a Procuradoria de Precatórios em algumas causas e algumas de-
mandas que tramitam naqueles Tribunais.
Assim, tentando solucionar de maneira adequada essa difícil tarefa
de substituir o insubstituível, vou limitar-me a fazer algumas observa-
ções de duas ordens.
Primeiro, vou analisar alguns precedentes que são importantes do
ponto de vista da advocacia pública para a compreensão do tema dos

JORNADA DE ESTUDOS

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DEBATES 159

precatórios e, depois, farei algumas reflexões, algumas referências, para


que possamos analisar a conveniência, enfim, o mérito desses proje-
tos. Farei referências a alguns projetos legislativos que ora tramitam
para modificação tanto do art. 100 da Constituição Federal quanto
dos arts. 730 e seguintes do Código de Processo Civil.
Essas vão ser, portanto, as minhas duas linhas, para que, brevemen-
te, eu consiga levantar alguns pontos de discussão e fazer algumas
indagações ao Professor Doutor Humberto Theodoro Júnior.
Nessa primeira perspectiva, nessa primeira aproximação, que é rela-
tiva à jurisprudência do Supremo, não se pode deixar de levar em con-
sideração, como uma decisão fundamental para essa questão dos
precatórios, a decisão tomada pelo Plenário do Supremo Tribunal Fe-
deral, na Intervenção Federal 2.953, que tem como Relator para o
acórdão o Ministro Gilmar Mendes, o qual está publicado no Diário da
Justiça do dia 5 de dezembro de 2003, decisão essa reproduzida em
inúmeros outros precedentes do Supremo Tribunal Federal. Essa deci-
são já foi mencionada na palestra do Professor Doutor Humberto
Theodoro Júnior e, como é sabido, ela rechaçou a intervenção federal
que se pretendia efetuar no Estado de São Paulo, por falta de paga-
mentos de precatórios judiciais.
O Supremo Tribunal Federal entendeu que essa intervenção federal
somente seria possível naqueles casos em que houvesse conduta deli-
berada e dolosa do Estado em não pagar os precatórios judiciais, ou
seja, as dificuldades financeiras do Estado que impedem o pagamento
desses precatórios afastam, portanto, a possibilidade de intervenção
federal, a não ser, repito, ante a evidente hipótese do deliberado e
doloso descumprimento dessas ordens.
Assim, é possível dizer, fazendo uma interpretação bastante ele-
mentar da decisão do Supremo Tribunal Federal, que os Estados que
se encontrem em dificuldades financeiras, em extremas dificuldades
financeiras, eles, com base nesse precedente, encontram-se de certa
forma desonerados desses pagamentos, tendo em vista que não se apli-
ca a eles a principal sanção, que seria a intervenção federal.
Importante destacar, quando se analisa esse precedente, que o Es-
tado de Minas Gerais, apesar da crise financeira pela qual passou e
com a qual deparou nos últimos anos, tem efetuado o pagamento de
precatório o que, certamente, acarretará um influxo positivo dos ar-

CAPÍTULO 4

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160 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

ranjos financeiros que foram realizados pelo atual governo e que fo-
ram amplamente divulgados nas últimas semanas.
Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal, em 1996, ao julgar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.098, de relatoria do Minis-
tro Marco Aurélio, assentou que o parâmetro de aferição dos erros
materiais nos precatórios era exatamente o título executivo judicial,
ou seja, a sentença exeqüenda. Em outras palavras, afirmou o Supre-
mo Tribunal Federal que o padrão de fixação, ou padrão de investiga-
ção da existência de erros materiais, bem como da sua correção pelo
Presidente do Tribunal, é a sentença exeqüenda.
Tal entendimento permite concluir, como tem feito a advocacia do
Estado de Minas Gerais, que erro material é tudo aquilo que estiver
em desacordo com a coisa julgada do processo, e esse entendimento,
evidentemente, empresta plena efetividade à decisão judicial, empres-
ta plena efetividade às conclusões dos magistrados, impossibilitando
que se altere o que ele entendeu como direito no processo de conheci-
mento e na fase de execução, ou seja, esse entendimento impede que
seja substituído o juízo dos magistrados pelo juízo do perito em perío-
do posterior.
Como disse, entendimento diverso a esse, por óbvio, afeta a coisa
julgada e, enfim, atenta contra a autoridade das decisões do Poder
Judiciário.
Outro precedente importante que também quero trazer para o de-
bate é o da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.662, de relatoria
do Ministro Maurício Corrêa, que está publicada no Diário da Justiça do
dia 19 de setembro de 2003. Nessa ação, além de se delimitar um
pouco mais as questões relativas ao erro material, anteriormente fixa-
da na ADIN 1.098, o Tribunal declarou inconstitucional uma instru-
ção normativa do TST que abria espaço, abria possibilidade para ou-
tras hipóteses de seqüestros que não aquelas expressamente previstas
no texto da Constituição. Entendeu o Supremo Tribunal Federal que
somente aquelas hipóteses eram possíveis e, portanto, a instrução
normativa do Tribunal Superior do Trabalho seria inconstitucional.
O mais importante nessa decisão, porém, não é exatamente o que
foi fixado sob o ponto de vista do mérito da ação, mas sim os efeitos
que foram emprestados a essa decisão. Essa decisão foi a primeira em
que o Tribunal atribuiu os efeitos vinculantes aos fundamentos

JORNADA DE ESTUDOS

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DEBATES 161

determinantes da decisão, ensejando uma série de reclamações sobre


essa matéria, que acabaram chegando ao Supremo Tribunal Federal e
ensejando que ele afirmasse, no agravo regimental na Reclamação n.
1.980, a constitucionalidade do próprio efeito vinculante, em ação di-
reta de inconstitucionalidade.
Mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal julgou a ADIN
2.868, do Estado do Piauí, oportunidade em que afirmou a competên-
cia dos Estados para fixar o que seria “pequeno valor” para efeito das
requisições. O Estado do Piauí fixou “pequeno valor” em cinco salá-
rios mínimos, pouco mais de R$ 1.000,00 (mil reais), e o Supremo
Tribunal Federal entendeu constitucional essa norma, dizendo que cabe
aos Estados fixar o que é o “pequeno valor” para execuções contra a
sua Fazenda Pública.
Mencionei o julgado anterior exatamente para destacar esse fato,
qual seja, o de que essa decisão acabou ensejando, exatamente na se-
mana passada, uma reclamação do Estado de Minas Gerais, tendo em
vista uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais,
relativa ao afastamento da aplicabilidade ou da aplicação da lei que
fixou, no âmbito do nosso Estado, o que seria “pequeno valor” em
R$ 9.600,00 (nove mil e seiscentos reais), aplicando a lei federal. Essa
reclamação, feliz ou infelizmente, não teve chance de ser apreciada
pelo Supremo Tribunal Federal, tendo em vista a perda de objeto, uma
vez que o próprio Tribunal Regional do Trabalho acabou voltando atrás
e reconhecendo a aplicabilidade e a constitucionalidade dessa norma.
Para encerrar a minha análise, a minha exposição e o levantamento
das minhas questões a serem discutidas, farei referência a dois projetos.
Um que é a PEC 26/2004, que pretende alterar o art. 100 da Constitui-
ção Federal, instituindo o título sentencial, e, por outro lado, um projeto
do Conselho da Justiça Federal, que ora é analisado pela Casa Civil da
Presidência da República, pelo Ministério da Justiça e pela Procuradoria
da Fazenda Nacional – Ministério da Fazenda – acerca das modifica-
ções dos arts. 730 e seguintes do Código de Processo Civil.
Num primeiro momento, esse título sentencial e essa emenda vão
trazer, resumidamente, duas grandes novidades.
Em primeiro lugar, ela impõe o parcelamento como regra,
parcelamento da execução vira regra dentro do processo de execução
contra a Fazenda Pública e, por outro lado, a emenda também, se apro-

CAPÍTULO 4

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 4.pmd 161 2/5/2005, 16:09


162 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

vada nos termos em que proposta, suprime a possibilidade de seqües-


tro no caso do não-pagamento das requisições de pequeno valor.
Além disso, o texto expressamente consagra a questão da livre cir-
culação de mercado desses títulos e também do poder liberatório dos
precatórios.
É importante destacar que essa idéia do título sentencial tem sido
repudiada pelos seus próprios autores. Na semana passada, em Brasília,
o Ministro Humberto Gomes de Barros acabou repudiando essa emenda,
que foi fruto de um estudo do Conselho do qual ele participou, e outro
autor dessa proposta, o Juiz Federal Ricardo Perlingeiro, professor da
Universidade Federal Fluminense, num artigo publicado na Revista do
Centro de Estudos Judiciais do Conselho da Justiça Federal, disse que essa
proposta era contrária ao princípio do Estado de Direito.
Por fim, esse artigo, esse projeto de lei, para modificação dos arts.
730 e seguintes, traz como principal inovação, além de estender algu-
mas idéias já constantes no Sistema dos Juizados Especiais Federais, o
art. 731-A do Código de Processo Civil, que prevê a penhora de bens
dominicais, nos casos de não atendimento, no prazo de 60 dias, das
requisições de pequeno valor, com um conseqüente apraçamento des-
ses bens dominicais, transformando a execução imprópria contra a
Fazenda Pública numa verdadeira execução.
Todas essas medidas, por mais complexas que sejam, visam, certa-
mente, a um aprimoramento no sistema de precatório.
Existem, no entanto, outras medidas, muito mais simples e muito
mais práticas que, igualmente, aprimoram esse sistema e, igualmente,
dão maior efetividade à execução contra a Fazenda Pública. Exem-
plos disso, nós temos aqui no Estado de Minas Gerais.
A partir de maio de 2001, existe no Estado de Minas Gerais, e os
Srs. sabem disso, no TRT, o Juiz Auxiliar de Conciliação de Precatórios
e, até setembro passado, desde o início do seu funcionamento – maio
de 2000 até setembro do ano passado – esse juízo auxiliar de concilia-
ção de precatórios efetuou o pagamento de mais de R$ 270.000.000,00
(duzentos e setenta milhões de reais), liquidando, saldando o corres-
pondente a mais de 3.741 precatórios. Em outros termos, são milhares
de credores da Fazenda Pública que tiveram satisfeitos, por meio des-
sas medidas administrativas de instauração de um juízo auxiliar, os
seus débitos contra a Fazenda Pública. Dirão os cépticos que duzen-

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 4.pmd 162 2/5/2005, 16:09


DEBATES 163

tos e setenta milhões de reais é muito pouco, mas, efetivamente, como


disse, são milhares de jurisdicionados que tiveram os seus créditos
saldados.
Por outro lado, no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de Mi-
nas Gerais, temos a Central de Conciliação de Precatórios, a CECOP,
que também tem apresentado resultados bastante interessantes, como
foi destacado até pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de
Minas Gerais. A CECOP, ao longo desse ano, em precatórios, já pagou
mais de R$ 720.000,00 (setecentos e vinte mil reais) e, também, já
possibilitou o pagamento por requisições de pequeno valor de alguns
milhões de reais.
Neste ano de 2004, o Governo do Estado de Minas Gerais já pa-
gou mais de R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais), em dívidas
judiciais, e a perspectiva é a de que cheguemos a um valor próximo dos
R$ 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de reais), até o final do ano.
Por outro lado, também, medidas administrativas simples, com de-
cisões políticas efetivas, acabam facilitando essas questões relativas
aos precatórios, como, por exemplo, a decisão de não se adotar, no
âmbito do Estado, o parcelamento que foi possibilitado pela Emenda
Constitucional n. 30. Em outras palavras, a solução passa, sim, por
medidas que são mais amplas, medidas de reforma do sistema, mas
também passa por medidas mais simples, como essas que tivemos aqui,
vividas, e fruto dessas experiências do Estado de Minas Gerais.
São essas as minhas considerações. Peço desculpas por ter extrapo-
lado, certamente, o tempo que deveria ser fixado a um debatedor e,
enfim, coloco em discussão e peço a opinião dos eminentes membros
da Mesa acerca dessas inovações de propostas legislativas e também
sobre a sua compatibilidade, a sua oportunidade, tendo em vista a
própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Muito obrigado.

Palavras de encerramento do Desembargador Nilson Reis:

Não há mais perguntas, e quero, primeiramente, em nome do Comi-


tê Técnico da Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes e do
nosso 2º-Vice-Presidente, Desembargador Sérgio Antônio de Resende,
agradecer a todos os Juízes de Direito, nossos colegas, que foram con-

CAPÍTULO 4

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 4.pmd 163 2/5/2005, 16:09


164 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

vocados e que aqui compareceram, ressaltando o inestimável e sem-


pre presente apoio do nosso dinâmico e atuante Presidente, Desem-
bargador Márcio Antônio Abreu Corrêa de Marins.
Desejo também salientar que esse evento organizado pelo Institu-
to dos Advogados de Minas Gerais, pelo Centro Jurídico Brasileiro,
em parceria com a Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes,
sempre se renove e sempre se repita, porque aprendi, de uma manei-
ra pleonástica, lembrando-me das palavras de Montesquieu e de Henri
de Page, que o Juiz deve sempre vivificar o direito na sua interpreta-
ção de perseguição da principiologia finalística, haja vista o art. 5º
da Lei de Introdução ao Código Civil, disposição legal de índole cons-
titucional.
Com estas palavras, quero ainda dizer que as palestras contêm estu-
do científico, lições doutrinárias e jurisprudenciais, agradecendo a to-
dos aqueles que nos brindaram com suas palavras, com seus ensina-
mentos, enfatizando que, diante do que ouvimos e de que participa-
mos, afirma-se a consciência de que o direito é uma coisa viva e que
deve ser sempre plasmado.
Diz a jurista e Professora Carmem Lúcia Antunes Rocha, em sua
obra Princípios Constitucionais da Administração Pública, que “não existe
República onde as leis não vivem”.
Vou sonhar, continuar sonhando e lembrando-me do Direito Com-
parado, que anuncia a inexistência de precatório em legislação de ou-
tros países e, oxalá aconteça, em tempos futuros, que não haja mais
precatório, seja no Brasil seja em qualquer outro país e, quando hou-
ver ordem judicial, que ela seja cumprida, repito, imediatamente.

Muito obrigado, está encerrada a sessão.

JORNADA DE ESTUDOS

Precatórios - Parte 1 - Capítulo 4.pmd 164 2/5/2005, 16:09


O ESTADO DE DIREITO E A QUESTÃO DOS PRECATÓRIOS 165

PARTE II
CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

CAPÍTULO 1

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166 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

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O ESTADO DE DIREITO E A QUESTÃO DOS PRECATÓRIOS 167

CAPÍTULO 1 O ESTADO DE DIREITO


E A QUESTÃO DOS PRECATÓRIOS
Isabel Vaz

Sumário
1. Introdução. 2. Natureza de algumas normas constitucionais.
3. Direito de propriedade e livre iniciativa. 4. A propriedade
privada e a livre iniciativa no ordenamento jurídico brasileiro. 5.
Preceitos fundamentais e precatórios. 6. Conclusão: necessidade
de restabelecimento do Estado de Direito.

1. INTRODUÇÃO

No momento em que a inadimplência dos Estados federados quanto


ao pagamento dos precatórios atinge as raias do absurdo, é hora de se
pensar no conceito de Estado Democrático de Direito, nos preceitos
fundamentais consagrados pela Constituição da República de 1988 e de
indagar do seu respeito e de seu cumprimento pelos Poderes Públicos.
Para tanto, mister se faz refletir sobre a natureza, o sentido e o valor
de algumas normas constitucionais, de preceitos e de direitos e garan-
tias fundamentais, muitos deles contidos em enunciados de princípios,
cuja observância vem sendo postergada pelas autoridades públicas,
calcadas em razões nem sempre plausíveis. Não menos importante é a
tarefa de se revisitar o conceito de Estado Democrático de Direito,
nos termos preconizados pela Constituição vigente.

2. NATUREZA DE ALGUMAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

Invoca-se, pela sua pertinência, a palavra sempre oportuna e sábia


de Geraldo Ataliba. A certa altura de seu República e Constituição, lem-
brando Alberto Xavier, afirma que
[...] desde 1946 ressurge no mundo ocidental vigoroso movi-
mento de idéias no sentido de restaurar, em sua plenitude, os
ingredientes essenciais do estado de direito, com a readoção e

CAPÍTULO 1

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168 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

até aprimoramento dos instrumentos que o promovem e asse-


guram [...]1
José Afonso da Silva, ao tratar das distinções existentes entre as nor-
mas que integram os princípios fundamentais, afirma terem as mesmas
relevância jurídica diversa.2 Evoca os ensinamentos de Canotilho e de
Vital Moreira, para quem essas normas são normas-síntese ou normas-ma-
triz, cuja relevância consiste exatamente na integração das normas de
que são súmulas, ou que as desenvolvem, mas que têm eficácia plena e
aplicabilidade imediata, como as que contêm os princípios da soberania
popular e da separação de poderes (arts. 1º, parágrafo único, e 2º). Sobre
a expressão “República Federativa do Brasil”, diz que é, em si, uma
declaração normativa, sintetizando as formas de Estado e de governo,
“sem relação predicativa ou de imputabilidade explícita, mas vale tanto
quanto afirmar que ‘o Brasil é uma República federativa’”.3
Posição semelhante adota Canotilho, referindo-se ao sistema jurídi-
co português:
[...] o sistema jurídico do Estado de direito democrático por-
tuguês é um sistema normativo aberto de regras e princí-
pios. Este ponto de partida carece de <<descodificação>>:
(1) é um sistema jurídico porque é um sistema dinâmico de
normas; (2) é um sistema aberto porque tem uma estrutura de
dialógica (Caliess), traduzida na disponibilidade e <<capaci-
dade de aprendizagem>> das normas constitucionais para
captarem a mudança da realidade e estarem abertas às concepções
cambiantes da verdade e da justiça; (3) é um sistema normativo
porque a estruturação das expectativas referentes a valores,
programas, funções e pessoas é feita através de normas; (4) é
um sistema de regras e de princípios, pois as normas do siste-
ma tanto podem revelar-se sob a forma de princípios como
sob a sua forma de regras.4

1
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Editora Revista dos Tribu-
nais, 1985, p. 150.
2 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª ed. São Paulo:
Malheiros Editores Ltda., 2004. p. 96.
3
SILVA, 2004, p. 96.
4
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 3ª
ed. (Reimpressão). Coimbra: Livraria Almedina, 1999, p. 1.085. (Os destaques se
encontram no original).

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

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O ESTADO DE DIREITO E A QUESTÃO DOS PRECATÓRIOS 169

Retomando-se o pensamento de José Afonso da Silva sobre a pro-


posição antes destacada, diz o autor tratar-se de uma norma implícita,
e norma-síntese e matriz de ampla normatividade constitucional. Da
mesma forma, salienta que a afirmativa segundo a qual a
República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Demo-
crático de Direito” não é mera promessa de organizar tal tipo
de Estado, “mas a proclamação de que a Constituição está fun-
dando um novo tipo de Estado, e, para que não se atenha a isso
apenas em sentido formal, indicam-se-lhe objetivos concretos,
embora de sentido teleológico, que mais valem por explicitar
conteúdos que tal tipo de Estado já contém [...]”.5
Segundo Canotilho, os princípios são normas de natureza ou dota-
dos de papel fundamental no ordenamento jurídico graças à posição
hierárquica que ocupam nos sistema das fontes ou à sua importância
estruturante dentro do sistema jurídico. E dá como exemplo “[...] o
princípio do Estado de Direito”.6
Diante da alocução “Estado Democrático de Direito”, e segundo as
lições transcritas, dúvidas não restam de que se está diante de uma
realidade jurídico-normativa, constitucionalmente imposta à observân-
cia e ao respeito tanto da sociedade quanto dos Poderes Públicos. Im-
porta, porém, ainda, uma aproximação do seu sentido.
Encontra-se superada, por sua insuficiência, a idéia segundo a qual
Estado de Direito é aquele que se subordina à lei. A ascensão de Hitler
ocorreu com plena observância da Constituição de Weimar. Vale, en-
tão, concordar com Ataliba, que, invocando Balladore Palliere, afirma
que, para reputar-se um Estado como de Direito, “[...] é preciso que
nele se reúna à característica da subordinação à lei, a da submissão à
jurisdição [...]”.7 (Destaques no original).
Talvez seja esta a característica mais marcante e a mais importante
para o desenvolvimento dessas reflexões: a submissão do Estado às
decisões proferidas pelo Poder Judiciário.
Prosseguindo, Balladore Palliere afirma que só é possível reconhe-
cer um Estado de Direito em que:

5
SILVA, loc. cit.
6
Cf. CANOTILHO, op. cit., p. 1.086.
7
Cf. PALLIERI, Giorgio Balladore. Diritto Costituzionale, apud ATALIBA, 1985, p. 94.

CAPÍTULO 1

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170 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

a) o estado se submeta à jurisdição; b) a jurisdição deva aplicar a


lei preexistente; c) a jurisdição seja exercida por uma magistratu-
ra imparcial (obviamente independente) cercada de todas as ga-
rantias; d) o estado a ela se submeta como qualquer pars, chama-
da a juízo em igualdade de condições com a outra pars [...].8
Conforme observa Geraldo Ataliba, diante das exigências descritas,
poucos são os estados contemporâneos capazes de receber a qualifica-
ção de Estado de Direito:
Tal concepção corresponde ao princípio rule of law – governo
da lei e não dos homens – que inspirou o direito constitucional
anglo-saxão, na longa e árdua luta pela supremacia do direito e
superação do arbítrio.9
Algumas vezes a noção de Estado de Direito se iguala à de “estado
constitucional”. Isso pretende significar que se reconhecem afirmados
os padrões do constitucionalismo
[...] onde o ideário das Revoluções Francesa e Americana se tra-
duziu em preceito constitucional, em torno da teoria da tripartição
de poder, fórmula empírica – resultante da experiência histórica
– que assegura a independência do Judiciário e idoneidade aos
meios e modos de exercício da jurisdição, [...]
é ainda Ataliba10 quem o diz.
Aquelas Revoluções marcaram a luta contra o absolutismo e o arbí-
trio do rei, na medida em que deram origem à consagração dos direitos
fundamentais, que John Locke sintetizara no termo “propriedades”,
para nele incluir “a vida, a liberdade e os bens”.11
Com uma terminologia distinta e algo diferente, a vigente Consti-
tuição da República recebeu e ampliou a noção de direitos fundamen-
tais, conservando, porém, a sua característica de oponibilidade ou de
instrumento de defesa do cidadão contra o arbítrio dos Poderes Públi-
cos. O art. 5º da Constituição passou a consagrar, além do princípio da

8
PALLIERE, apud ATALIBA, 1985, p. 94.
9
ATALIBA, 1985, p. 94.
10
ATALIBA, loc. cit.
11
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Tradução de E. Jacy Monteiro. São
Paulo: Instituto Brasileiro de Difusão Cultural S.A. IBRASA, 1963 (Col. Clássicos
da Democracia, v. 11), p. 67. Título original: The Second Treatise of Government.

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

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O ESTADO DE DIREITO E A QUESTÃO DOS PRECATÓRIOS 171

igualdade aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, o direi-


to à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade. O direito de proprie-
dade se projeta, em razão de imperativo constitucional – o inciso IV,
segunda parte, do art. 1º – no plano da “livre iniciativa”, que, ao lado
dos “valores sociais do trabalho”, representa um dos fundamentos da
República Federativa do Brasil que se constitui em “Estado Democrá-
tico de Direito”.
A livre iniciativa, ou liberdade de empreendimento, impregnada da
noção de valor social, pode ser classificada como um dos componen-
tes da ideologia da democracia econômica e social,12 entendida como
“o conjunto dos princípios constitucionais, que funcionarão como di-
retrizes básicas para a aferição do sentido da ideologia adotada e
parâmetro de valoração das medidas de política econômica”.13

3. DIREITO DE PROPRIEDADE E LIVRE INICIATIVA

Talvez o direito de propriedade seja uma das instituições jurídicas


que mais tenham ocupado a atenção da sociedade, as preocupações
dos juristas, da Igreja e de todos quantos aspiram, enfim, a um míni-
mo de dignidade. Não é o momento, aqui, neste breve espaço, de
tecer considerações mais profundas sobre a natureza desse direito.14
Basta lembrar as prerrogativas do proprietário, como o direito de usar,
gozar e dispor de um bem, levando-o a desempenhar uma função
social, requisito que a Constituição impõe em todas as oportunida-
des em que a garantia da propriedade é assegurada (v. g., no art. 5º,
caput e incisos XXII e XXIII, no art. 170, II e III, no art. 182, § 2º, e
no art. 186). Em nenhum momento, as restrições às faculdades do
proprietário implicam a supressão do direito de propriedade, mas tão-

12
Conferir os sentidos em VAZ, Isabel. Direito Econômico das propriedades. 2ª ed. Rio
de Janeiro: Forense, 1993, p. 209, 210 et seq., com apoio em Dmitri-Georges
Lavroff (Les Institutions Politiques de l‘Espagne: Constitution du 29 décembre
1978. Notes et Études Documentaires, ns. 4.629-4.630. Paris: La Documentation
Française, 1981).
13
VAZ, 1993, p. 210.
14
A autora dedicou sua tese de doutorado ao tema das “propriedades”, remetendo o
leitor, por ora, para a bibliografia, os estudos e as teorias ali desenvolvidos (Direito
Econômico das propriedades, 1993).

CAPÍTULO 1

Precatórios - Parte 2 - Capítulo 1.pmd 171 2/5/2005, 16:09


172 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

só obrigam o titular a uma utilização do bem em conformidade com


o interesse social. Até mesmo as hipóteses de desapropriação de bens
móveis, imóveis ou imateriais – como o licenciamento compulsório
de uma patente – buscam preservar o princípio constitucional que
assegura o direito de propriedade, atribuindo ao proprietário uma
indenização prévia e justa.
A Constituição norte-americana de 1787, em seu art. V, na parte
final, já dispunha que ninguém seria privado da vida, da liberdade ou
da propriedade sem o devido processo legal e nenhuma propriedade
privada seria tomada para uso público sem justa indenização.
O art. 2º da Declaração Francesa de 1789 determinava que o fim de
toda associação política era a conservação dos direitos naturais e
imprescritíveis do homem. Esses direitos são, dizia o texto, a liberda-
de, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão. Quanto à
desapropriação, assim constava no art. 17, que, sendo a propriedade
um direito inviolável e sagrado, ninguém poderia ser dela privado a
não ser quando o interesse público, legalmente constatado, exigisse-o,
comprovadamente, e sob a condição de prévia e justa indenização.
Nem os governos socialistas que detiveram o poder na França, mais
recentemente, chegaram a abolir o direito de propriedade, por enten-
der o Conselho Constitucional que as Declarações de Direitos vinham
sendo reafirmadas por todas as Constituições – até a Constituição de
1958 –, podendo o legislador ordinário apenas definir o seu regime. É
o que determina o art. 34, reconhecendo ao Parlamento poderes para
fixar as regras referentes ao regime, não, porém, para atingir a essência
do direito de propriedade.15
A livre iniciativa passou a figurar nas constituições democráticas
a partir do momento em que a Revolução Francesa decidiu dar fim
às corporações de ofício por meio dos Decretos de Allarde, de março
de 1791, e consagrou a possibilidade de todo cidadão dedicar-se ao
ofício que julgasse bom, desde que não contrariasse a lei ou o regula-
mento. A liberdade de empreendimento, a autonomia da vontade, a
intangibilidade do contrato e a propriedade privada formaram o nú-
cleo do liberalismo econômico. No âmbito político, a consagração
das liberdades públicas, com os chamados direitos de primeira gera-

15
Cf. VAZ, Isabel. 1993, p. 586-593.

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

Precatórios - Parte 2 - Capítulo 1.pmd 172 2/5/2005, 16:09


O ESTADO DE DIREITO E A QUESTÃO DOS PRECATÓRIOS 173

ção,16 veio acrescentar valores e princípios que deram nascimento ao


Estado liberal, modelo que, no plano econômico, mostrou seu esgo-
tamento na Europa com a Primeira Grande Guerra. Mesmo os con-
flitos que se sucederam, com a Segunda Guerra Mundial e o chama-
do constitucionalismo social, não chegaram, nos países ocidentais
de economia de mercado, a abolir a livre iniciativa.
É verdade que o liberalismo econômico cedeu espaço a modelos
que consagravam a intervenção dos Poderes Públicos no domínio eco-
nômico, mas houve mais um compartilhamento de atribuições entre o
Estado e a iniciativa privada do que uma coletivização da atividade
econômica.

4. A PROPRIEDADE PRIVADA E A LIVRE INICIATIVA NO


ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

A propriedade privada e a livre iniciativa permanecem como uma


espécie de direitos subjetivos, limitados, a primeira, pela função so-
cial, em seus vários desdobramentos, e a segunda, conformada aos
preceitos e aos condicionamentos ditados pelo corpo de princípios,
regras e instituições que compõem a livre concorrência (art. 170, IV,
da Constituição vigente).
No ordenamento jurídico brasileiro, a liberdade de empreendimento
e o direito de propriedade se projetam como uma manifestação das
liberdades do cidadão, merecendo a proteção da Constituição, que a
eles se refere ora como fundamento da República (art. 1º, IV) e da
ordem econômica (art. 170, caput), ora como direito fundamental (art.
5º, caput e inciso XXII). Não se trata de direitos fundamentais absolu-
tos, como o direito à vida, mas são direitos merecedores da garantia do
devido processo legal, no caso de questionamento ou de sua colocação em
risco. Isso se deduz facilmente com relação ao direito de propriedade,
que figura no caput do art. 5º, tendo o constituinte determinado, no
inciso LIV do mesmo artigo, que ninguém será privado da liberdade ou
de seus bens sem o devido processo legal. Já o inciso II do art. 170 da
Constituição trata da propriedade privada, sim, mas da propriedade

16
Cf., a propósito, de Paulo BONAVIDES, “A teoria dos direitos fundamentais”
(Capítulo 16 da obra Curso de Direito Constitucional. 7 ed. São Paulo: Malheiros Edito-
res, 1997, p. 514-531.

CAPÍTULO 1

Precatórios - Parte 2 - Capítulo 1.pmd 173 2/5/2005, 16:09


174 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

dinamizada em regime de empresa,17 uma vez que esse artigo inaugura


os princípios aplicáveis às atividades econômicas, expressão da “livre ini-
ciativa”, expressamente classificada como fundamento da ordem
econômica.
Assim, a livre iniciativa é fundamento da República Federativa do
Brasil e fundamento da ordem econômica, a partir do momento em
que o constituinte reserva a atuação direta do Estado na atividade
econômica apenas para os casos de ser necessária aos imperativos da
segurança nacional ou do relevante interesse coletivo. É o que se en-
contra no caput do art. 173 da Constituição vigente.
Encontra-se, então, o intérprete diante de valores reiteradamente
mencionados pela Constituição como dignos de merecer a proteção e
o respeito conferidos pelos meios processuais constitucionais antes
mencionados. Cabe, pois, ao Estado Democrático de Direito subme-
ter-se às decisões jurisprudenciais que reconheçam ao cidadão direi-
tos representativos daqueles valores. Aqui, recordando Balladore
Palliere, citado por Geraldo Ataliba, ambos já mencionados, cogita-se
daquele Estado que se submete à jurisdição, que, por sua vez, aplica o
direito preexistente, sendo exercida por uma magistratura imparcial,
submetendo-se a ela o Estado de Direito como qualquer parte, em
igualdade de condições com outra parte qualquer. Cogita-se também
da presença de preceitos fundamentais, cujo descumprimento desa-
fia o remédio processual constitucional previsto no § 1º do art. 102 da
Constituição vigente.

5. PRECEITOS FUNDAMENTAIS E PRECATÓRIOS

A Constituição de 1988 diz pouco acerca do instituto em epígrafe.


O parágrafo único do art. 102 diz que “A argüição de descumprimento
de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será aprecia-
da pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei”. As leis previstas
são a Lei n. 9.868, de 1999, e a Lei n. 9.882, de 1999. Uma das gran-
des dificuldades apontadas pelos estudiosos consistiria na identifica-
ção do que seja preceito fundamental. Em sua esclarecedora e
percuciente abordagem, diz André Ramos Tavares:

17
Cf. VAZ, Isabel, 1993, p. 148, com apoio em Fábio Konder Comparato (O poder de
controle na Sociedade Anônima. 3. ed. Forense: Rio de Janeiro, 1983, p. 98 et seq.).

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

Precatórios - Parte 2 - Capítulo 1.pmd 174 2/5/2005, 16:09


O ESTADO DE DIREITO E A QUESTÃO DOS PRECATÓRIOS 175

Pode-se afirmar que os preceitos fundamentais de uma Consti-


tuição cumprem exatamente o papel de lhe conferir identidade
própria. Constituem, em seu conjunto, a alma da Constituição.
E, embora se permita a mudança e até a supressão de alguns
desses preceitos, pela via reformadora (já que nem todos se
encontram, como se verá, acobertados pela garantia explícita da
intangibilidade reformadora), pode-se seguramente afirmar que
uma alteração mais extensa provocaria a mudança da própria
concepção de Constituição até então vigente.18
Do exposto, infere-se que a supressão da livre iniciativa, constitu-
cionalmente classificada como fundamento do Estado Democrático
de Direito (art. 1º, IV) e da ordem econômica (art. 170, caput), impli-
caria profunda mudança na própria estrutura da Constituição vigen-
te (com conseqüências importantes nas regras do art. 173), e não
apenas a abolição de uma prerrogativa ou de um direito subjetivo do
indivíduo.
O mesmo se poderia afirmar em relação ao direito de propriedade,
valor que sempre figurou, de modo ora mais, ora menos absoluto, em
todas as Constituições brasileiras.
Vale lembrar ainda Ramos Tavares, quando afirma que os valores
superiores de certo ordenamento jurídico estão vertidos tanto em for-
ma principiológica – referindo-se aos princípios constitucionais fun-
damentais – quanto em forma de regramento – a exemplo das “regras
jurídicas incorporadas à Constituição e que lhe conferem tonalidade
própria, juntamente com aqueles princípios fundamentais, sendo por
isso também considerados fundamentais”.19
Há muito já se convenceram os estudiosos de que jamais houve
modelos econômicos puros. Mesmo durante o apogeu do socialismo
implantado na ex-U.R.S.S. – União das Repúblicas Socialistas Soviéti-
cas –, quando se aboliu o direito de propriedade sobre os bens de produ-
ção, e a economia foi coletivizada, jungida aos diferentes Planos ela-
borados pelo Gosplan, era possível ao indivíduo possuir alguns poucos
bens como propriedade sua. Por outro lado, nos modelos econômicos

18
TAVARES, André Ramos. Tratado da Argüição de Preceito Fundamental. Prefácio de
Celso Bastos. São Paulo: Editora Saraiva, 2001, p.134.
19
TAVARES, 2001, p. 134.

CAPÍTULO 1

Precatórios - Parte 2 - Capítulo 1.pmd 175 2/5/2005, 16:09


176 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

liberais tidos como puros, como o norte-americano ou o inglês, o Es-


tado sempre esteve presente, de forma indireta, quase sempre, ora re-
gulando, ora promovendo o desenvolvimento de regiões pobres ou
pouco desenvolvidas. O Brasil, ao inaugurar a figura das “agências
reguladoras”, foi buscar a sua inspiração nos Estados Unidos, onde,
desde meados do século XIX, essas instituições intervinham nos seto-
res ferroviário e hidrelétrico.20 A propriedade dos bens de produção,
no entanto, quase sempre pertenceu aos particulares.
Essas considerações permitem afirmar que o regime das proprieda-
des sempre foi objeto de disposições constitucionais devido a sua im-
portância para a definição da opção ideológica de cada Estado.21 Como
consectária da propriedade privada, a livre iniciativa segue os mesmos
parâmetros de essencialidade do direito de propriedade, dadas as cons-
tantes referências a sua garantia na Constituição, como se nota, além
dos textos mencionados, no parágrafo único do art. 170, onde se lê:
“É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econô-
mica, independentemente de autorização dos órgãos públicos, salvo
nos casos previstos em lei”.
Pode-se reiterar, com segurança, que tanto a propriedade privada
quanto a livre iniciativa, se forem suprimidas ou desrespeitadas, irão
causar profundas alterações no sistema jurídico nacional, calcado que
está naqueles valores constitucionais reiteradamente evocados na Cons-
tituição da República.
Nem a Constituição nem as leis de regência – Lei n. 9.868, de 1999,
e Lei n. 9.882, de 1999 – enumeram ou dizem quais são os preceitos
fundamentais. Pelo que se vem de expor, no entanto, a essencialidade
da livre iniciativa e do direito de propriedade para a plenitude do
ordenamento jurídico brasileiro, além de sua tradicional manutenção
por todas as constituições que estiveram em vigor no País, permite
classificar aqueles valores como preceitos fundamentais de correntes
da Constituição.

20
Vide, a propósito, a evolução das agências reguladoras nos EUA in JUSTEN FILHO,
Marçal. O Direito das Agências Reguladoras Independentes. São Paulo: Dialética, p. 54 et
seq.; VAZ, Isabel, 1993, p. 552 et seq.
21
Sobre “os condicionamentos de natureza ideológica do regime das propriedades”, v.
VAZ, Isabel, 1993, p. 216 et seq.

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

Precatórios - Parte 2 - Capítulo 1.pmd 176 2/5/2005, 16:09


O ESTADO DE DIREITO E A QUESTÃO DOS PRECATÓRIOS 177

6. CONCLUSÃO: NECESSIDADE DE RESTABELECIMENTO DO


ESTADO DE DIREITO
Assim sendo, importa analisar essas conclusões em face do compor-
tamento de alguns Estados da Federação, que reiteradamente se recu-
sam a acatar as decisões judiciais que lhes ordenam o pagamento de
quantias oriundas de questões transitadas em julgado e materializadas
em precatórios. Ali, naquelas peças processuais, não há espaço para
mais discussões. Trata-se de dívida líquida e certa, de documentos idô-
neos, comprobatórios de créditos dos cidadãos contra a União, os Es-
tados ou os Municípios. Em sua grande maioria, os valores devidos
pela União e consignados em precatórios vêm sendo rigorosamente
cumpridos. O mesmo não ocorre em relação aos Estados e aos Muni-
cípios, que, ao se recusarem a cumprir a decisão judicial ordinatória do
pagamento dos créditos obtidos depois do trânsito em julgado das sen-
tenças que os originaram, violam, escancaradamente, os princípios ine-
rentes ao Estado de Direito e os preceitos fundamentais correspon-
dentes ao direito de propriedade e à livre iniciativa.
Os valores retidos pelos Estados e Municípios representam bens –
dinheiro, moeda corrente – que são suporte de direitos de propriedade
e aos quais fizeram jus, por decisão de um dos Poderes da República, o
Poder Judiciário, os titulares dos precatórios. Retidos indevidamente,
esses bens, retirados de circulação e subtraídos à administração de
seus legítimos titulares, resta prejudicada, também, a livre iniciativa,
que depende de financiamento para se viabilizar.
Ao assim agirem, Estados e Municípios descumprem preceitos fun-
damentais, conforme antes explanado, e desrespeitam ainda o Poder Ju-
diciário, rompendo o equilíbrio que deve reinar, por mandamento cons-
titucional – art. 2º da Magna Carta – entre os três Poderes da República.
Violam, ainda, por dificultarem, o cumprimento de alguns objeti-
vos fundamentais da República Federativa do Brasil, consignados no
art. 3º da Constituição. Na verdade, entre as metas a serem alcançadas
pelo Estado, nas três esferas de poder, estão a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento
nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução
das desigualdades sociais e regionais.
Os objetivos de natureza econômica dependem, para a sua
concretização, do incremento das atividades econômicas, da criação

CAPÍTULO 1

Precatórios - Parte 2 - Capítulo 1.pmd 177 2/5/2005, 16:09


178 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

de empregos, da geração de tributos e da distribuição de renda. Imagi-


ne-se o impulso na economia dos Estados-Membros e dos Municípios
se os bilhões de reais devidos a título de precatórios, devidamente
inscritos nos orçamentos e não pagos, pudessem ser alocados à classe
empresarial. Acrescente-se a esses dados o fato de estar o financia-
mento da produção excessivamente onerado pela altíssima taxa de ju-
ros praticada e pela perspectiva de novos aumentos, a impedir qual-
quer tentativa de reaquecimento da economia. Faltam empregos, há
miséria, estagnação econômica, aumento da violência a índices
inimagináveis. Esses males seriam amenizados com o pagamento dos
valores devidos às empresas e às pessoas, que poderiam aplicá-los no
aumento de sua capacidade produtiva.
Trata-se de dinheiro do cidadão, de propriedade sua ilegalmente retida
pelos Estados e pelos Municípios, impedindo o exercício da livre inicia-
tiva, muito embora se cuide, também, de valores constitucionalmente
protegidos. O Poder Judiciário cumpriu a sua parte, na observância do
preceito latino suum cuique tribuere. Caberia ao Poder Executivo, nas esfe-
ras estadual e municipal, observar o neminem laedere e completar a presta-
ção jurisdicional que se espera de todo Estado Democrático de Direito.
Caso tal diretriz não seja observada, abre-se a perspectiva para os
prejudicados de, na forma das leis indicadas, proceder à argüição de
descumprimento de preceito fundamental. A legitimação para esse
remédio processual constitucional se manifesta pelo direito subjetivo à
reparação de um dano e pelo direito objetivo, assegurado a cada cida-
dão, de ver restaurado o Estado de Direito, entendido como aquele que
respeita a Constituição e que obedece às decisões do Poder Judiciário.

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

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ADVOCACIA NOS TRIBUNAIS SUPERIORES 179

CAPÍTULO 2 ADVOCACIA
NOS TRIBUNAIS SUPERIORES*
José Guilherme Villela

Sumário
1. Aspectos gerais da atividade profissional. 1.1 Petições, alega-
ções e memoriais. 1.2 Sustentações orais. 2. Aspectos peculiares
aos diversos feitos. 2.1 Recurso extraordinário e recurso espe-
cial. 2.2 Reclamação. 2.3 Ações originárias. 2.4 Habeas corpus e
mandados de segurança. 2.5 Controle de constitucionalidade.

1. ASPECTOS GERAIS DA ATIVIDADE


PROFISSIONAL

Não ignoro que a motivação do honroso convite para participar deste


Seminário promovido pelo prestigioso IDP se deve, menos ao saber
jurídico, que, certamente, não possuo, do que à antigüidade na militância
profissional perante o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal
de Justiça, os quais serão focalizados nesta exposição sob o ângulo
particular do advogado.
2. Prescindindo de digressões doutrinárias sobre nosso nobilitante
múnus profissional, procurarei encarar o lado prático de nosso ofício
em face dessas Altas Cortes Superiores.
3. A primeira observação a fazer é que a advocacia, mesmo em ní-
vel tão alto, não exige do profissional senão o diploma de bacharel em
Direito e a inscrição na Ordem. Não raro se ouvem advertências no
sentido da conveniência de sujeitar os advogados a uma habilitação
específica para exercício dessa advocacia, mas não é essa a tradição do
País, onde até mesmo o elementar e necessário Exame de Ordem ain-
da suscita controvérsias.

* Palestra do advogado José Guilherme Villela proferida em 18.12.2004, no Seminário


“Técnica Jurídica: O Direito no dia-a-dia”, promovido em Brasília pelo Instituto
Brasiliense de Direito Público.

CAPÍTULO 2

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180 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

4. Como é óbvio que a advocacia no STF e no STJ exige preparo


técnico mais apurado do que a realizada nas instâncias ordinárias, nas
quais têm plena aplicação os brocardos da mihi factum dabo tibi
jus, jura novit curia ou la Cour connaît le droit, muitas vezes ocorre
que o litigante perca a causa ou sofra algum outro gravame por efeito
da incapacidade do seu representante judicial ou da inépcia de seus
arrazoados ou alegações. Esse, porém, é um risco inevitável da clien-
tela do Poder Judiciário, que nós advogados, com esforço e trabalho,
por certo, poderemos diminuir ou quase eliminar.
5. Outro ponto a salientar, desde logo, é que a advocacia no STF e
no STJ não impõe, necessariamente, o domicílio profissional em
Brasília. É que, embora sediados na Capital da União, esses órgãos
têm jurisdição em todo o território nacional e estão aptos a receber
petições originárias de qualquer parte do País. Hoje, até mesmo o dili-
gente acompanhamento da tramitação dos processos nas Cortes – por
mais morosa que ainda, infelizmente, seja – pode ser feito seguramen-
te mercê dos prodigiosos meios da informática, que são de uso genera-
lizado. Já houve tempo em que tudo dependia da publicação dos atos
no Diário da Justiça, de feição gráfica anacrônica e distribuição irregular
e retardada, mas superamos esses inconvenientes com o aperfeiçoa-
mento daquela publicação oficial, a numeração ordenada das intimações
e o índice de nomes das partes e dos advogados, sem falar nos aludi-
dos recursos da informática, cuja ausência os mais jovens não pode-
riam sequer imaginar.
6. A presença constante do advogado nos trabalhos dos Tribunais
também poderia favorecer o advogado residente na Capital, quando as
sessões não eram transmitidas pela televisão, e o contato pessoal com
Juízes e servidores das Secretarias era mais fácil (atualmente, tanto os
advogados de Brasília quanto os dos Estados só são atendidos nos
gabinetes mediante prévia marcação de horários, nem sempre para datas
muito próximas). Já tive ocasião de dizer, numa reunião de advogados,
que, embora fosse da tradição brasileira nosso livre ingresso e trânsito
nas repartições judiciais e cartoriais, o Poder Judiciário, ultimamente,
vem mudando a feição de suas antigas e modestas instalações, que
facilitavam o mais próximo convívio da comunidade forense. Predo-
minam hoje palácios faraônicos e uma verdadeira paranóia de segu-
rança que impõe aos advogados constrangedoras medidas de controle,
como crachás de identificação e registros fotográficos.

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

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ADVOCACIA NOS TRIBUNAIS SUPERIORES 181

7. Satisfeitas essas exigências dos encarregados da segurança, o ad-


vogado não encontra maiores obstáculos na execução de suas tarefas
habituais, nem mesmo em relação às defesas orais nas sessões de jul-
gamento, para o que basta anunciar aos funcionários o propósito de
sustentar e até mesmo o pedido de preferência (desde os primeiros
tempos da nova Capital, essa preferência sempre tem sido assegurada
aos advogados residentes nos Estados, para livrá-los de estada mais
prolongada e onerosa fora de sua residência).
8. Ainda no plano desta introdução, cabe uma referência aos ins-
trumentos principais de que se valem os advogados no desempenho
da atividade profissional perante os dois Tribunais de que ora nos
ocupamos, que são, evidentemente, as alegações escritas e as sus-
tentações orais.
9. Não carece tratar aqui – porque esse tema já foi abordado em
palestras anteriores deste Seminário – da técnica de elaboração dos
trabalhos de advocacia, mas, como antigo advogado militante, não
posso furtar-me a algumas ligeiras observações práticas, seja em rela-
ção aos arrazoados, seja no tocante às defesas orais.

1.1 Petições, alegações e memoriais

10. Quem se der ao trabalho de confrontar as peças escritas de hoje


e de ontem, logo perceberá que o advogado moderno não produz mais
as longas e eruditas dissertações do passado, repletas de incursões na
doutrina e no direito comparado, bem assim da exposição e discussão
de concepções teóricas em torno dos problemas da lide. Se algum mi-
litante puder e quiser adotar esse modelo superado corre, sem dúvida,
o risco imediato de não ser lido, pois a carga de processos pendentes
de apreciação dos Ministros do STF e do STJ é assoberbante, não lhes
permitindo senão resolver as questões necessárias à normal solução
da causa; daí ser de toda a conveniência prática que tais questões lhes
sejam submetidas pelos advogados mediante petições ou arrazoados
claros, concisos e, quando possível, corretos, de modo a poupar-lhes o
tempo, sempre muito escasso para o exame de cada vez maior número
de feitos (nesse particular, venho observando que a facilidade de edi-
tar textos escritos no computador, paradoxalmente, tem ampliado em
demasia as dimensões das peças advocatícias, não raro simples produ-
to do aproveitamento, até mesmo inadequado, de textos anteriores).

CAPÍTULO 2

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182 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

11. A necessidade de facilitar o exame das alegações escritas pelos


Ministros, ainda no já distante ano de 1963, levou o próprio STF a reco-
mendar aos advogados um modelo para os trabalhos, que, como devem
lembrar-se os mais antigos, provocou protestos gerais da classe, sempre
muito ciosa de sua liberdade na execução das tarefas profissionais. A
esse tempo, década de 60, o notável e saudoso Ministro Victor Nunes
Leal empreendeu ingente esforço parar a racionalização do serviço da
Corte, que já se considerava, então, excessivo (à guisa de meros exem-
plos, o julgamento monocrático de recursos dirigidos ao Tribunal e a
Súmula são frutos sazonados desse verdadeiro apostolado).
12. O texto dessa Terceira Emenda do Regimento Interno, que foi
aprovada na sessão de 28.8.63, praticamente desapareceu das nume-
rosas edições regimentais posteriores, talvez até mesmo pela forte rea-
ção adversa do foro, motivo pelo qual julgo conveniente recordá-lo
agora. Com declarada inspiração no exemplo da Suprema Corte ameri-
cana, Victor Nunes conseguiu que o STF adotasse a seguinte disposi-
ção, aplicável a todas as alegações e memoriais, embora estabelecida
como simples recomendação aos advogados:
As petições iniciais, contestações, recursos, arrazoados e memo-
riais, de qualquer natureza, dirigidos ao Supremo Tribunal Fede-
ral ou a qualquer dos Ministros, devem conter, em capítulos ou
parágrafos separados, os seguintes elementos, nesta ordem de
colocação:
I – Exposição – Relatório sucinto das etapas e incidentes do pro-
cesso e dos fatos a que o mesmo se refere, no que for de interes-
se para o julgamento.
II – Cabimento – Natureza da peça, com citação da norma jurídi-
ca em que se apóia.
III – Oportunidade – Demonstração sucinta de ter sido o pedi-
do ou recurso apresentado no prazo legal com remissão às
folhas dos autos ou aos números dos documentos, que o com-
provem.
IV – Decisões ou atos impugnados – Citação precisa, inclusive quanto
às folhas dos autos, das decisões ou atos impugnados.
V – Questões apresentadas – As teses ou proposições de direito
sustentadas na petição, arrazoado ou memorial enunciadas sepa-
radamente em forma sucinta, podendo ser referidas às circuns-
tâncias ou particularidades do processo.

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

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ADVOCACIA NOS TRIBUNAIS SUPERIORES 183

VI – Direito aplicável – Indicação das normas de direito que a


parte considere aplicáveis ao caso, fazendo prova do teor e vi-
gência do direito estadual, municipal e estrangeiro.
VII – Precedentes Judiciais – Indicação, com precisa referência às
fontes, dos julgados que a parte considere favoráveis à sua sus-
tentação.
VIII – Argumentação – Demonstração das proposições ou teses
afirmadas e da legitimidade da pretensão da parte, pela maneira
que o signatário julgar mais adequada. (cf. art. 1º da Terceira
Emenda de 28.8.63, In: DJ de 5.9.63, p. 2.884).
13. É claro que observar em todos os arrazoados o invariável mode-
lo recomendado tolhe a imaginação, a criatividade e a arte do causídico
e o submete a ônus maiores, dificultando-lhe a elaboração de suas
peças, donde o natural inconformismo que gerou no meio forense.
Mas não tenho a menor dúvida – e o digo com a experiência de quem
já o praticou habitualmente – que o modelo atende, com muita eficiên-
cia, ao propósito de facilitar o exame dos autos pelos Ministros, que é
estágio indispensável à formação do convencimento do julgador, o qual
deve ser, obviamente, o maior objetivo de nosso trabalho forense.
14. Como acentuei, o figurino do Regimento foi abandonado, hoje
não há mais o dever profissional de arrazoar sob títulos invariáveis e
sua colocação por ordem inflexível. Estou, no entanto, absolutamente
convencido de que as informações básicas daquele modelo regimental
são as que o Juiz do STF ou do STJ precisa conhecer para a boa apre-
ciação da causa sub judice e, por isso mesmo, são as que ele comumente
procura encontrar nos autos, muitas vezes com grande – ou até insu-
perável – dificuldade. Creio, assim, que facilitar essa etapa indispensá-
vel do convencimento do Tribunal é dever indeclinável do advogado,
ainda quando não se encontre adstrito à observância de regras rígidas
de nomenclatura e ordenação.

1.2 Sustentações orais

15. O outro instrumento de nossa faina de advogado nos Tribunais


Superiores é a sustentação oral pelo tempo breve e improrrogável de
15 minutos, salvo nas ações penais originárias, em que a defesa de
mérito, que é obrigatória, dispõe de maior tempo (uma hora).

CAPÍTULO 2

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184 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

16. A defesa oral deve ser a mais objetiva possível, dando ênfase
aos pontos principais para o julgamento, sem preocupação de esgotar
os fundamentos jurídicos em que se apóia ou, principalmente, de ensi-
nar direito aos julgadores, que podem dispensar tais lições, pois sua
própria investidura já pressupõe notável saber jurídico.
17. A defesa oral competente, que, a meu ver, não deve ser lida nem
aparentemente decorada, talvez seja hoje o principal instrumento da
advocacia perante os Tribunais Federais, que, na maioria das vezes, são
chamados a resolver questões de direito, que conhecem de sobra e que
podem dirimir à vista de uma simples enunciação delas. A importância
da defesa oral cresce à medida que a carga de processos aumenta, já que
esse acúmulo torna praticamente impossível a leitura pelos Juízes de
todas as peças escritas dos autos, notadamente dos memoriais, habitual-
mente distribuídos a todos os Ministros às vésperas dos julgamentos.
18. O excessivo número de defesas orais em cada sessão não costuma
ser bem recebido pela maioria dos julgadores, alguns mais preocupados
com o aumento da produção de decisões ou até com a emulação advinda
das habituais estatísticas. De qualquer modo, posso assegurar, pela ob-
servação de mais de 40 anos de atividade nos Tribunais Superiores, que
as sustentações orais, em regra, são ouvidas com a necessária atenção,
mesmo quando enfadonhas ou destituídas de boa técnica.
19. Nesse tópico destinado à defesa oral, convém insistir que os Tri-
bunais, de modo geral, estão abarrotados de recursos, a maioria deles
surgidos de causas repetidas que só continuam vindo às Cortes Superio-
res por insistência dos entes públicos na obstinada resistência ao paga-
mento de suas dívidas. Há períodos em que, numa única sessão de julga-
mento, são decididas algumas centenas de processos, que, na verdade,
só servem para as demonstrações estatísticas de eficiência burocrática.
Esse quadro é peculiar à instância especial e à extraordinária, mas, no
plano das apelações, é muito comum também a observação de ser pe-
quena a utilidade da defesa oral, em face da existência de um relator e de
um revisor, que tiveram ocasião de manusear os autos, para, com isen-
ção, resolver a controvérsia travada entre as partes. Por uma ou outra
razão, há alguma descrença dos magistrados na defesa oral, que muitos
vêem como pura perda de tempo nas sessões de julgamento.
20. O legislador, contudo, vem encorajando o exercício da oralidade,
a ponto de haver o Estatuto da Ordem (Lei n. 8.906, de 4.3.94) estabe-
lecido, no inciso IX do art. 7º, que a sustentação poderá ser feita após o

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

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ADVOCACIA NOS TRIBUNAIS SUPERIORES 185

voto do relator. Como procurei mostrar em trabalho anterior, essa nor-


ma estatutária pretendeu repristinar a antiga Lei Castilho Cabral (Lei n.
2.970, de 24.11.56), que o Supremo Tribunal Federal — sem provoca-
ção de qualquer interessado e agindo de ofício, talvez pela única vez em
sua centenária história – julgou inconstitucional dois dias após a sua
publicação no órgão oficial (DO de 28.11.56 e julgamento na sessão de
30.11.56, ut DJ de 1º.12.56). Nesse insólito julgamento, só votaram ven-
cidos os saudosos Ministros Luiz Galloti e Hannemann Guimarães, que,
aliás, não eram oriundos da magistratura. Pelos magistrados possivel-
mente haja falado o grande e saudoso Ministro Nelson Hungria, que,
com sua proverbial veemência, assim anatematizou a Lei de 1956:
Foi, naturalmente, um desses advogados teimosos, obstinados,
que não se arredam jamais de seus agudíssimos ângulos de visão,
supondo-se monopolizadores, detentores exclusivos da verdade,
que soprou nos ouvidos de Licurgo a fórmula da lei n. 2.970. Os
juízes relatores estariam sujeitos a todos os atropelos da oratória
de tais advogados. Se há advogados serenos e corteses, outros há
que andam sempre com quatro pedras na mão, não se abstendo
de linguagem contundente ou desrespeitosamente irônica para com
os juízes, esquecidos de que estes são os agentes do Poder Público
que mais necessitam do acatamento e crédito de confiança dos
que pleiteiam por seus interesses. (Apud Ruy de Azevedo Sodré,
em O advogado e a ética profissional, ed. de 1967, p. 525).
21. Diante de tão surpreendente e indignada repulsa da Suprema
Corte à Lei n. 2.970, de 1956, só restou ao Senado Federal suspender-
lhe a vigência mediante a Resolução n. 23, de 1959.
22. Essa última tentativa estatutária de assegurar que a sustentação
oral seja posposta ao voto do relator não teve melhor sorte. Já agora por
regular provocação do Procurador-Geral da República, na via própria da
ação direta de inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal, com a sereni-
dade do estilo, voltou a fulminar a mesma providência, que, sendo maté-
ria de economia interna dos Tribunais, só poderia caber aos respectivos
Regimentos Internos. Houve dois substanciosos votos dissidentes dos
Ministros Sepúlveda Pertence e Marco Aurélio, tendo sido lavrado o
acórdão pelo Ministro Paulo Brossard, que resumiu nesta expressiva
ementa a opinião que vem predominando na Corte nos últimos 50 anos:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, Inciso
IX do art. 7º da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da Or-

CAPÍTULO 2

Precatórios - Parte 2 - Capítulo 2.pmd 185 2/5/2005, 16:08


186 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

dem dos Advogados do Brasil), que pospõe a sustentação


oral do advogado ao voto do relator. Liminar.
Os antigos regimentos lusitanos se não confundem com os regi-
mentos internos dos tribunais; de comum eles têm apenas o
nome. Aqueles eram variantes legislativas, da monarquia absolu-
ta, enquanto estes resultam do fato da elevação do Judiciário a
Poder do Estado e encontram no Direito Constitucional seu
fundamento e previsão expressa.
O ato do julgamento é o momento culminante da ação
jurisdicional do Poder Judiciário e há de ser regulado em
seu regimento interno, com exclusão de interferência dos
demais Poderes.
A questão está em saber se o legislador se conteve nos limites
que a Constituição lhe traçou ou se o Judiciário se manteve nas
raias por ela traçadas, para resguardo de sua autonomia. Neces-
sidade do exame em face do caso concreto.
A lei que interferisse na ordem do julgamento violaria a in-
dependência do Judiciário e sua conseqüente autonomia.
Aos tribunais compete elaborar seus regimentos internos, e neles
dispor acerca de seu funcionamento e da ordem de seus servi-
ços. Esta atribuição constitucional decorre de sua independência
em relação aos Poderes Legislativo e Executivo.
Esse poder, já exercido sob a Constituição de 1891, tornou-se
expresso na Constituição de 34, e desde então vem sendo reafir-
mado, a despeito dos sucessivos distúrbios institucionais.
A Constituição subtraiu ao legislador a competência para
dispor sobre a economia dos tribunais e a estes a imputou,
em caráter exclusivo.
Em relação à economia interna dos tribunais a lei é o seu
regimento.
O regimento interno dos tribunais é lei material. Na taxinomia
das normas jurídicas o regimento interno dos tribunais se equi-
para à lei. A prevalência de uma ou de outro depende da maté-
ria regulada, pois são normas de igual categoria. Em matéria
processual prevalece a lei, no que tange ao funcionamento
dos tribunais o regimento interno prepondera.
Constituição, art. 5º, LIV e LV, e 96, I, a.
Relevância jurídica da questão: precedente do STF e resolução
do Senado Federal.

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

Precatórios - Parte 2 - Capítulo 2.pmd 186 2/5/2005, 16:08


ADVOCACIA NOS TRIBUNAIS SUPERIORES 187

Razoabilidade da suspensão cautelar de norma que alterou a


ordem dos julgamentos, que é deferida até o julgamento da
ação direta. (ADInMC 1.105, de 3.8.94).
23. Apesar de essa providência – repito afirmação anterior – ter
dado lugar a uma visceral confrontação entre o Supremo e a nossa
classe, tenho eu minhas dúvidas de que seria sempre conveniente
ao advogado falar após o voto do relator, quando, eventualmente,
contrário ao interesse por ele defendido, pois, nessa hipótese, pas-
saria a ter o óbvio encargo de opor àquele voto uma réplica imedia-
ta e convincente. Para apontar possível erro do relator, parece-me
muito mais útil a prestação de esclarecimento sobre matéria de fato
durante o julgamento, que os tribunais costumam admitir num caso
ou noutro com maior ou menor liberalidade, mas não podem recusá-
la, já que o art. 7º, n. X, do Estatuto, atribui ao advogado também
o direito de
[...] usar da palavra, pela ordem, em qualquer juízo ou tribunal,
mediante intervenção sumária, para esclarecer equívoco ou dú-
vida surgida em relação a fatos, documentos ou afirmações que
influam no julgamento, bem como para replicar acusação ou
censura que lhe forem feitas.
Com essa norma, sem dúvida, previne-se o manifesto inconvenien-
te do prolongamento excessivo e estéril da discussão, sem impossibili-
tar um efetivo e oportuno esclarecimento de fato sobre erro passível
de comprometer o próprio julgamento.
24. Lamentavelmente, os maus profissionais podem valer-se da opor-
tunidade da defesa oral até para ofender os juízes, por certo, conside-
rando-se protegidos pela libertas conviciandi garantida pelo Código
Penal, cujo art. 142, de fato, estabelece não constituir injúria ou difa-
mação punível a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela
parte ou seu procurador. Vale, contudo, lembrar que, segundo a opi-
nião prevalecente, a imunidade em análise não acoberta a ofensa
irrogada ao juiz da causa, pois não vingou o magistral e belo
ensinamento que nos legou o insigne Desembargador Raphael de
Almeida Magalhães num antológico despacho de 1928. A lição é mui-
to conhecida, mas não deixarei de reproduzir a passagem final, que dá
cabal testemunho da excelsa qualidade daquele magistrado mineiro,
que tanto ilustrou o antigo Tribunal da Relação:

CAPÍTULO 2

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188 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Apontar os erros do julgador, profligar-lhe os deslizes, os abu-


sos, as injustiças em linguagem veemente, é direito sagrado do
pleiteante. O calor da expressão há de ser proporcionado à in-
justiça que a parte julgue ter sofrido. Nada mais humano do que
a revolta do litigante derrotado. Seria uma tirania exigir que o
vencido se referisse com meiguice e doçura ao ato judiciário e à
pessoa do julgador que lhe desconheceu o direito. O protesto há
de ser, por força, em temperatura alta. O juiz é que tem de se
revestir da couraça e da insensibilidade profissional necessária
para não perder a calma e não cometer excessos. (RF. 51/629).
25. Finalizando a primeira parte destas palavras dedicadas aos as-
pectos gerais da atividade profissional do advogado perante o STF e o
STJ, lembro que se lhe assegura, ainda por norma legal expressa, o
direito a exame de quaisquer autos de processos judiciais ou adminis-
trativos e à vista deles fora de secretarias, cartórios ou repartições pú-
blicas. Nos Regimentos Internos das Cortes Superiores, essa vista, que
já se tornou habitual, encontra-se satisfatoriamente disciplinada (Reg.
STF, art. 86, e Reg. STJ, art. 94).

2. ASPECTOS PECULIARES AOS DIVERSOS FEITOS

26. Nesta segunda parte da exposição, desejo assinalar – ainda sob a


ótica exclusiva do advogado militante – alguns aspectos peculiares
aos principais feitos a cargo do STF e do STJ, cuja competência, como
é notório, está definida diretamente na Carta Magna (arts. 102 e 105) e
compreende assim os processos originários como os recursos ordiná-
rios e os de feição extraordinária ou especial.

2.1 Recurso extraordinário e recurso especial

27. Até o advento da Carta de 88, a idéia de reservar o Supremo


Tribunal para as questões de natureza exclusivamente constitucional
sempre se renovava com o propósito de obviar o mal do notório con-
gestionamento dos serviços judiciários, que resultava principalmente
da massa de recursos extraordinários e de agravos originários da
denegação do próprio extraordinário pelo juízo prévio de admissibili-
dade, ainda no Tribunal de origem. A providência jamais foi apoiada
pelo próprio Tribunal, que, em sentido diametralmente oposto, mani-

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

Precatórios - Parte 2 - Capítulo 2.pmd 188 2/5/2005, 16:08


ADVOCACIA NOS TRIBUNAIS SUPERIORES 189

festou-se, em caráter oficial, pelo menos duas vezes (em 1965 e em


1986), mas acabou triunfando na Assembléia Constituinte de 87/88.
28. Modificando profundamente o modelo então vigente, que atri-
buía ao STF, além das funções peculiares às chamadas Cortes Consti-
tucionais, a de Tribunal da Federação e, por isso mesmo, garantidor da
autoridade e da unidade do direito federal em todo o País, a Constitui-
ção de 88 instituiu o Superior Tribunal de Justiça com a precípua fun-
ção de tutela do direito federal.
29. Assim, o velho recurso extraordinário sofreu um processo de
cissiparidade, dando origem a um novo recurso denominado especial,
destinado ao contencioso infraconstitucional, que passou a coexistir
com o recurso extraordinário, desde então, limitado, tão-somente, ao
contencioso constitucional.
30. Com o considerável reforço do controle abstrato e concentrado,
que o STF exerce por via das ações diretas de inconstitucionalidade
ou declaratórias de constitucionalidade, a Corte caminha celeremente
para o destino de Corte Constitucional exclusiva, deixando ao STJ parte
do papel que era seu e que tanto relevo lhe deu sua quase centenária
presença na definição e interpretação do direito brasileiro, notadamente
dos principais Códigos e leis do País.
31. A Corte Suprema, malgrado conserve a eminente função políti-
ca de guarda-maior da Constituição, perdeu a relevante atribuição téc-
nico-jurídica de dizer o sentido e o alcance das normas legais ordiná-
rias, que é a matéria com a qual se defronta a cada dia nossa atividade
profissional, como ministério privado (basta acentuar que, nesses últi-
mos 15 anos, os advogados já batemos às portas do STJ em mais de
700 mil recursos especiais e em outros 650 mil agravos interpostos de
denegação de tentativas frustradas de recursos especiais, o que mostra
já estarmos perto de um milhão e meio de recursos ou de quase 500
mil por qüinqüênio).
32. À época, o principal fundamento para subtrair parte da com-
petência do STF em favor do STJ era a existência da criticada e
criticável argüição de relevância, que permitia ao Supremo excluir
de sua apreciação inúmeros possíveis recursos extraordinários, o mais
das vezes, frise-se, de natureza meramente protelatória do encerra-
mento dos litígios definitivamente dirimidos pelas Justiças Estaduais
ou pela Federal.

CAPÍTULO 2

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190 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

33. Com a recente Reforma do Judiciário, em parte já promulgada,


mas ainda não publicada, e noutra parte dependente da aguardada
reapreciação pela Câmara dos Deputados, o requisito da relevância
ressurgiu com outro nome – repercussão geral das questões consti-
tucionais para o recurso extraordinário do STF e, para o recurso espe-
cial do STJ, casos de inadmissibilidade por previsão da lei, e não
mais do Regimento Interno, como antes.
34. O requisito da alta relevância da questão federal, tal como suge-
rido pelo Ministro Victor Nunes ainda em 1965 (Reforma Judiciária,
DIN, 1965), parece ser mesmo o melhor caminho, se se quiser manter
os recursos de índole extraordinária ou especial, que são imperativo de
nosso modelo de Estado Federal, já que a plena liberdade de recorrer,
mais cedo ou mais tarde, inviabilizará o funcionamento das Cortes
Federais, que não poderão suportar o imenso crescimento da demanda
de recursos neste País continental. A meu ver, o que se deve evitar a
todo custo é o ressurgimento da antiga argüição de relevância, que se
processava em apartado e, além de adotar um frívolo e exagerado
tecnicismo, sujeitava-se a julgamento secreto e não motivado.
35. No que concerne aos recursos extraordinário e especial, como
se vê, a recente Reforma Judiciária ainda depende da prometida
complementação do legislador ordinário, que, por certo, terá o escopo
de desestimular os inúmeros recursos meramente procrastinatórios,
mediante sanções pecuniárias às partes e até a seus procuradores, como
já se anunciou. Assinalo, desde logo, dois pontos da recente Reforma
relacionados com os pressupostos constitucionais do RE e do REsp,
que, provavelmente, foram adotados para corrigir imperfeição do cons-
tituinte de 88.
36. O primeiro deles foi a inclusão de novo caso de recurso extra-
ordinário – “d) julgar válida lei local contestada em face de lei fede-
ral” – que, embora típica questão constitucional, fora arrolada entre
os casos de recurso especial a cargo do STJ (atual alínea b do inciso
III do art. 105, já que esta correção ainda depende da esperada apre-
ciação pela Câmara dos Deputados).
37. O outro ponto, este, sim, já aprovado pela recente Emenda Cons-
titucional n. 45/2004, é a inclusão da contrariedade a dispositivo da
Constituição, entre os casos de recurso especial pela alínea a, de modo
a eliminar a anomalia de impedir que o STJ examine, como qualquer

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

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ADVOCACIA NOS TRIBUNAIS SUPERIORES 191

juiz, matéria constitucional no âmbito do recurso especial, o que, à


primeira vista, parece modificar a sistemática anterior da simultanei-
dade desses dois recursos para estabelecer a regra da sucessividade
(será que se pretende que a palavra definitiva do STF sobre eventual
ofensa à Constituição só venha a ocorrer após o pronunciamento do
STJ sobre a mesma matéria?). Aí está, dentre muitos outros, um pro-
blema delicado que o legislador ordinário ainda terá de resolver sob a
inspiração das luzes dos operadores do direito, notadamente do Presi-
dente Nelson Jobim, que vem assumindo uma nítida liderança na con-
dução da ansiada Reforma Judiciária, que a Emenda Constitucional n.
45/2004 apenas iniciou.
38. Ainda com a recente Emenda Constitucional n. 45, de 8.12.2004,
emprestou-se força vinculante à Súmula do STF, como se colhe do
novo art. 103-A, assim redigido:
Art. 103-A – O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou
por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus mem-
bros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, apro-
var súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial,
terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder
Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas
federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão
ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
39. A seu turno, caberá ao STJ a possibilidade de adoção de Súmula
impeditiva de recursos, como se depreende do art. 105-A da segunda
parte da Reforma Judiciária em vias de conclusão, que é deste teor:
Art. 105-A – O Superior Tribunal de Justiça poderá, de ofício
ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus
membros, após reiteradas decisões sobre a matéria, aprovar
Súmula que, a partir de sua publicação, constituir-se-á em impe-
dimento a interposição de quaisquer recursos contra a decisão
que a houver aplicado, bem como proceder à sua revisão ou
cancelamento, na forma estabelecida em lei.
40. Vê-se, pois, que a Súmula foi, entre nós, uma instituição que
fez fortuna: imaginada em janeiro de 1964 com a despretensiosa fina-
lidade de “não somente proporcionar maior estabilidade à jurispru-
dência, mas também facilitar o trabalho dos advogados e do Tribunal,
simplificando o julgamento das questões mais freqüentes”, consoante

CAPÍTULO 2

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192 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

se lê na Explicação Preliminar da lavra do relator Victor Nunes Leal,


passou a ser imitada por numerosos órgãos judiciários e administrati-
vos e está agora a ponto de converter-se numa peculiar e anômala
regra jurídica de máxima cogência, passível de impor-se até mesmo
pela via excepcional da reclamação.
41. Não deve causar espanto essa evidente tendência legislativa para
cercear os recursos extraordinário e especial, porquanto, em verdade,
a prática dos litigantes ficou longe da ortodoxia e da finalidade política
desses instrumentos de impugnação de decisões dos Tribunais esta-
duais ou regionais. De fato, é comum os recorrentes tentarem, median-
te esses recursos, transformar o STJ e o STF em 3ª e 4ª instâncias
ordinárias, o que, certamente, concorre para agravar a decantada lenti-
dão das causas judiciais.
42. Decerto, em termos ortodoxos, não importa, para os recursos
extraordinário ou especial, que se tenha feito alguma injustiça à parte
vencida ou que se tenha negado o jus litigatoris; a eventual reparação
dessa injustiça deve ser tentada por meio dos recursos ordinários pre-
vistos nas leis processuais. Em tema de recurso extraordinário ou de
recurso especial, a preocupação única deve ser o restabelecimento da
norma constitucional ou infraconstitucional acaso violada, isto é, a
solução da quaestio juris federal suscitada pelo recorrente em face do
decidido pelo Tribunal de origem.
43. Ao apreciar o recurso extraordinário ou o recurso especial, o
STF ou o STJ não reexaminam a matéria de fato ou de prova, mesmo
quando a instância ordinária não o tenha feito corretamente. Toman-
do os fatos na versão aceita pelo acórdão recorrido, verificam aquelas
Cortes, tão-somente, se a norma constitucional ou infraconstitucional
federal foi bem aplicada àqueles fatos ou se, no caso do recurso espe-
cial, o Tribunal a quo divergiu de outro Tribunal, quanto ao jus in thesi.
44. As regras técnicas a observar nesses recursos vêm sendo objeto
de longa gestação, notadamente no STF, que durante quase um século
as elaborou no dia-a-dia das disputas judiciais (após 89, o STJ reco-
lheu, como era de esperar, o trabalho acumulado, mas vem ministran-
do sua contribuição original no trato da matéria; a princípio, manifes-
tou tendência liberal, suavizando alguns rigores do prequestionamento
e repudiando a tese da interpretação razoável, a que alude a temida
Súmula 400-STF; atualmente, premido pela insuportável pletora de

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

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ADVOCACIA NOS TRIBUNAIS SUPERIORES 193

recursos, vem, ele próprio, apertando as craveiras, como mostram os


exigentes julgamentos monocráticos de agravos sempre denegados em
face de deficiências mínimas e facilmente supríveis quanto à forma-
ção do instrumento).
45. Como os recursos extraordinário e o especial são os mais fre-
qüentes na atividade dos advogados, apresentam rica casuística coti-
dianamente debatida nas Cortes Superiores, e numerosas questões já
constam até da Súmula, tanto do Supremo, quanto do Superior Tribu-
nal (conquanto de interesse geral, o tempo reservado a esta palestra
não permitiria nem mesmo examiná-la à vol d’oiseau, razão pela qual só
destacarei agora algumas questões de ordem genérica).
46. É notório que os pressupostos especiais desses dois recursos
passam primeiro pelo crivo dos Tribunais de origem, onde se sujei-
tam a um juízo prévio de admissibilidade a cargo da Presidência, que
foi instituído pela Lei n. 3.396, de 2.6.58, com o declarado propósito
de limitar o acesso ao Supremo. O rigor do juízo primeiro de
admissibilidade, que se vem acentuando a cada dia, é a causa princi-
pal da proliferação dos agravos de instrumento, que, no passado, eram
julgados pelo colegiado, mas, desde 1963, são invariavelmente sub-
metidos a decisões monocráticas dos relatores, das quais, à sua vez,
cabe agravo para o respectivo órgão colegiado, antes previsto apenas
nos Regimentos Internos, daí o nome tradicional – agravo regimen-
tal. Como hoje está estabelecido na própria lei (Código de Processo
Civil, art. 544), o adjetivo tornou-se inadequado e está agora em
voga agravo interno, agravo inominado ou simplesmente agravo.
Qualquer que seja o nome, salvo erro conspícuo que o próprio relator
acaba emendando na oportunidade do juízo de retratação, raramente
o colegiado provê tal agravo, que, assim, serve apenas para acumular
as pautas das Turmas.
47. Esses recursos são recebidos apenas no efeito devolutivo, mas
algumas vezes as partes pretendem emprestar-lhes efeito suspensivo,
o que costuma ser postulado, antes da admissão, ainda no tribunal de
origem, e, uma vez admitido, perante o relator do STF ou do STJ pela
via da medida cautelar, que, no caso, obedece ao rito regimental, que é
mais simples do que o codificado.
48. O requisito do prequestionamento – isto é, ter sido a questão
federal ventilada na decisão recorrida – suscita também inúmeros pro-

CAPÍTULO 2

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194 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

blemas. Noutros tempos, já houve mais tolerância, com a dispensa do


requisito nalguns casos, que praticamente desapareceram da crônica
forense. Hoje, com censurável e censurada demasia, alguns chegam a
exigir, explícita ou implicitamente, o absurdo prequestionamento nu-
mérico, que só se satisfaz com a menção do próprio artigo de lei, igno-
rando que basta haver tratado o acórdão impugnado da apontada ques-
tão jurídica em contrário à lei ou aos precedentes, mesmo quando não
faça alusão aos pertinentes dispositivos legais.
49. A cautela contra as ciladas do prequestionamento é a oposição
de embargos declaratórios, pelos quais os tribunais revelam verdadei-
ra idiossincrasia, tanto que já se fala em extingui-los, como se a única
finalidade deles fosse servir para prequestionar matéria que não pu-
desse ou não devesse ser prequestionada (muitos talvez presumam
que os Tribunais jamais omitem a apreciação de questões sobre as
quais teriam o dever de pronunciar-se...).
50. Uma novidade introduzida pela Lei n. 9.756, de 1998, que acres-
centou um § 3º ao art. 542 do Código de Processo Civil, diz respeito à
retenção nos autos do recurso especial quando a decisão recorrida for
de natureza interlocutória, o qual somente pode ser efetivamente pro-
cessado, se o reiterar a parte no prazo para a interposição do recurso
contra a decisão final, ou para as contra-razões.
51. O recurso retido, que se justifica como medida processual de
economia e evita o tumulto de sucessivos recursos na mesma causa,
foi adotado, no entanto, com extrema generalidade, e já começaram a
surgir casos em que, por exemplo, o recurso especial retido impediria
que, no nascedouro, se pusesse termo ao processo, sem o julgamento
do mérito de uma ação de manifesta inviabilidade. Para evitar a con-
sumação desse mal, que consistiria em permitir que a lei fosse aplica-
da contrariando sua óbvia finalidade de economia processual, o STJ já
vem atenuando o rigor de sua aplicação literal, como fez a 3ª Turma ao
acompanhar expressivo voto do relator, Ministro Eduardo Ribeiro (MC
2 097, de 9.11.99).
52. A esta altura, parece ainda adequada uma breve alusão aos em-
bargos de divergência, que possibilitam que alguns recursos extraordi-
nários e especiais julgados pelas Turmas sejam apreciados uma segun-
da vez pelo Plenário do STF ou pelas Seções ou Corte Especial do STJ
(art. 546 do Código de Processo Civil). A norma não abrange os agra-

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

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ADVOCACIA NOS TRIBUNAIS SUPERIORES 195

vos, mesmo quando na apreciação deles possa surgir divergência entre


órgãos fracionários das respectivas Cortes.
53. A denominação “embargos de divergência” remonta à Lei n.
623, de 1949, mas, desde então, não vinha sendo utilizada com o sen-
tido próprio das leis processuais, pois aquela lei cuidava de um verda-
deiro recurso de revista, então existente para possibilitar a uniformiza-
ção de jurisprudência interna nos Tribunais.
54. Esses embargos, segundo nossa tradição, surgiram em virtude
da divisão do STF em Turmas, a qual havia sido deliberada em 1931
como medida de emergência para descongestionar o serviço do Tribu-
nal, mas se converteu em situação definitiva e permanente, impondo a
manutenção desses embargos para prevenir eventuais e inconvenien-
tes dissensões internas. A Lei n. 8.038, de 1990, estendeu tais embar-
gos ao Superior Tribunal de Justiça, onde são julgados, ora pelas Se-
ções, ora pela Corte Especial, conforme a divergência apontada se
estabeleça entre Turmas da mesma Seção ou de Seções diversas.
55. Os embargos de divergência não cabem, se o dissídio já foi su-
perado (art. 266, § 3º, e Súmula 168), sendo, porém, admissíveis quan-
do se confrontarem decisões de uma mesma Turma, embora com com-
posição majoritária diferente, o que tem sido comum pela variação
dos componentes das Turmas.
56. É muito comum a tentativa de embargos de divergência sob a
alegação de discrepância com julgados ou até com enunciados das res-
pectivas Súmulas, que consagram regras técnicas para apreciação pelo
STF e pelo STJ dos recursos extraordinário e especial, as quais não
teriam sido observadas, pelo menos implicitamente, no acórdão
embargado. Essas Cortes, no entanto, já firmaram o entendimento de
que, nessa hipótese, o embargante está simplesmente infringindo o
julgado impugnado, mas não confrontando a tese jurídica por ele ado-
tada com a tese jurídica do paradigma, como deveria fazer para justifi-
car os mal denominados embargos de divergência, que, como ocorria
com a antiga revista, pressupõem dissídio quanto ao direito em tese.
57. O STJ, já desvelando certa tendência restritiva, que não surpreen-
de diante do elevado número de recursos especiais, estabeleceu na
Súmula 158 que “não se presta a justificar embargos de divergência o
dissídio com acórdão de Turma ou Seção que não mais tenha compe-
tência para a matéria neles versada”.

CAPÍTULO 2

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196 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

58. Os problemas peculiares aos recursos extraordinário e especial,


que surgiram ao longo de sua centenária prática e da necessidade de
conter os freqüentes abusos, passaram a constituir uma verdadeira es-
pecialidade profissional, que já comporta atualmente vasta literatura
jurídica, à qual todos dedicamos a necessária atenção, quando mais
não seja para prevenir surpresas desagradáveis em nossa atividade
advocatícia perante os Tribunais Federais.
59. Em suma, o retrospecto da evolução do antigo recurso extraor-
dinário ou da atual dicotomia recurso extraordinário-recurso especial
revela que estamos em marcha batida no sentido de sua virtual aboli-
ção, que só não se consumou até hoje por não se haver encontrado um
sucedâneo que, acautelando os verdadeiros propósitos da instituição
desses recursos inerentes ao regime federativo, possa efetivamente
impedir sua abusiva utilização pelos litigantes vencidos, mas, quase
sempre, não convencidos.

2.2 Reclamação

60. Mercê de uma utilíssima construção pretoriana, o Supremo Tri-


bunal vinha, há muito, admitindo reclamação sob dupla inspiração:
preservar sua competência e garantir a autoridade de suas decisões.
61. A ação precursora da jurisprudência foi, sucessivamente, consa-
grada pelo Regimento Interno, pelo legislador e até mesmo pelo consti-
tuinte de 88 e, após a vigência da Emenda Constitucional n. 45/2004,
poderá vir a ser utilizada à outrance, com o propósito de garantir maior
eficácia à regra da obrigatoriedade da Súmula, conforme dispõe o § 3º
do art. 103-A, in verbis:
Art. 103-A – (...)
(...)
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a
Súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá recla-
mação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a proceden-
te, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial re-
clamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem
aplicação da Súmula, conforme o caso.
62. Algumas vezes, vale-se o advogado da reclamação para fazer
subir os agravos em casos de denegação de recursos extraordinário e

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

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ADVOCACIA NOS TRIBUNAIS SUPERIORES 197

especial, quando obstado seu normal seguimento nos tribunais de ori-


gem, mas pode ela fazer as vezes até de sucedâneo do habeas corpus,
quando um processo ou eventual condenação criminal ignorar, v. g.,
que o processado ou condenado faça jus a foro especial no STJ ou no
Supremo. Embora não seja freqüente o descumprimento de decisões
do STJ e do STF pelos órgãos judiciários de menor hierarquia, o certo
é que, quando isso ocorre, a reclamação constitui meio pronto e eficaz
de exigir o cumprimento da lei.
63. Em caso de urgência, há possibilidade de suspensão liminar dos
efeitos da decisão reclamada. Ultimamente, vem-se consolidando uma
orientação jurisprudencial que não admite a reclamação quando já haja
transitado em julgado a decisão impugnada, restringindo, assim, a afir-
mação corrente no passado de que a reclamação não se sujeitava a
qualquer prazo.

2.3 Ações originárias

64. Certas causas se incluem na competência originária do STF ou


do STJ em razão da própria natureza ou da condição das pessoas en-
volvidas.
65. O STF, por exemplo, é competente para processar e julgar ori-
ginariamente, nas infrações penais comuns, o Presidente da Repúbli-
ca, o Vice-Presidente da República, os membros do Congresso Nacio-
nal, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República; nas
infrações penais comum e nos crimes de responsabilidade, os Mi-
nistros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da
Aeronáutica, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal
de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter
permanente.
66. Já em relação ao STJ, compete-lhe o processo e o julgamento,
nos crimes comuns, dos Governadores dos Estados e do Distrito Fe-
deral, dos Desembargadores dos Tribunais de Justiça, Regionais Fede-
rais, Eleitorais e do Trabalho, dos membros dos Tribunais ou dos Con-
selhos de Contas dos Estados, do Distrito Federal e do Municípios e
do Ministério Público da União que oficiem perante Tribunais.
67. Uma peculiaridade dessas ações penais originárias, que merece
destaque em termos de advocacia, refere-se ao contraditório prévio

CAPÍTULO 2

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198 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

que se trava antes da própria instauração da ação penal, isto é, na


oportunidade preliminar do julgamento inicial da denúncia.
68. É notório que, segundo a regra geral do art. 43 do Código de
Processo Penal, o exame vestibular da admissibilidade da denúncia ou
da queixa, limita-se à verificação da descrição de um fato típico, cuja
punibilidade não se ache extinta, bem como da existência dos pressu-
postos processuais e das condições da ação penal.
69. Por força de normas regimentais do STF, que a Lei n. 8.038, de
1990, veio a incorporar, os procedimentos originários que envolvem
acusação contra altas autoridades públicas, detentoras, por isso mes-
mo, de foro por prerrogativa de função, devem observar o que Frederico
Marques denominou contraditório prévio, ao fim do qual a decisão
plenária da Corte, ainda no limiar da ação penal, pode, não só rejeitar
a denúncia inepta como também reconhecer, desde logo, “a improce-
dência da acusação, se a decisão não depender de outras provas”, sen-
do certo que essa norma legal apenas consolidou e aprofundou a linha
de jurisprudência já construída, antecipadamente, pelo Supremo Tri-
bunal (cf. Inq 388, de 8.3.91, relator o Ministro Octávio Gallotti).
70. Outro ponto interessante a referir é que o STF, modificando
orientação pacífica por mais de 40 anos, revogou a Súmula 394, se-
gundo a qual “cometido o crime durante o exercício funcional, preva-
lece a competência especial por prerrogativa de função ainda que o
inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele
exercício” (essa revogação foi operada em 25.8.99, no julgamento ple-
nário de Questão de Ordem suscitada pelo relator, Ministro Sydney
Sanches, no Inq 687).
71. Acudiu, então, o Congresso Nacional com a Lei n. 10.628, de
24.12.2002, que simplesmente repristinou a Súmula revogada, dando
ao § 1º do art. 84 do Código de Processo Penal esta redação:
Art. 84 – (...)
§ 1º – A competência por prerrogativa de função, relativa a atos
administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a
ação penal sejam iniciados após a cessação do exercício da fun-
ção pública.
72. Com apoio nas mesmas razões vitoriosas quando da revisão da
Súmula 394, pretendeu-se sustentar a inconstitucionalidade da men-
cionada Lei n. 10.628, de 2002, mas as ADIns 2.797 e 2.870, embora

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

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ADVOCACIA NOS TRIBUNAIS SUPERIORES 199

em pauta desde 19.12.2003, não chegaram a ser julgadas até o adven-


to da recente Emenda Constitucional n. 45/2004, que, de modo de-
senganado e incontestável, restabeleceu o princípio da velha Súmula
cancelada, assim dispondo no caput do art. 97-A:
Art. 97-A – A competência especial por prerrogativa de função,
em relação a atos praticados no exercício da função pública ou
a pretexto de exercê-la, subsiste ainda que o inquérito ou a ação
judicial venham a ser iniciados após a cessação do exercício da
função.
73. A meu ver, merece encômios, nesse particular, a Emenda Cons-
titucional n. 45/2004, porquanto só o motivo pragmático de limitar a
carga de processos penais originários, que cresceu muito nos últimos
tempos, poderia explicar a revogação da Súmula 394, que recolhera
uma orientação aceita pelo Supremo por mais de 50 anos.
74. Matéria de índole cível pode caber ainda na competência origi-
nária do STF, como as causas e conflitos entre a União e os Estados, a
União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, bem como os que
envolvam Estados estrangeiros ou organismo internacional e os entes
federativos nacionais. Nessa classe costumam inserir-se as disputas de
limites entre os Estados-Membros e, mais recentemente, pendências
sobre terras indígenas, em que a União assiste sempre o órgão tutelar
dos silvícolas em ações que, muitas vezes, discutem a validade de con-
cessões estaduais de supostas terras devolutas, que os Estados conti-
nuam defendendo em juízo.
75. Outro caso de competência originária atribuído pela Constitui-
ção de 88, em caráter excepcional, ao Supremo, foi processar e julgar a
ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indi-
retamente interessados e aquela em que mais da metade dos membros
do Tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indireta-
mente interessados. No exercício dessa atribuição excepcional, a Corte
vem agindo com seu habitual comedimento, evitando, quando possível,
avocar para si o julgamento, que, em princípio, deveria ser realizado
no foro natural da demanda.
76. A recentíssima Emenda Constitucional n. 45/2004 incluiu tam-
bém na competência originária do Supremo “as ações contra o Conse-
lho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do Ministério
Público”, embora a própria existência de tais Conselhos já seja objeto

CAPÍTULO 2

Precatórios - Parte 2 - Capítulo 2.pmd 199 2/5/2005, 16:08


200 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

de impugnação pela via de ações diretas de inconstitucionalidade, já


intentadas por entidades das respectivas classes.
77. Outra atribuição tradicional do STF, até o advento da referida
Emenda Constitucional n. 45/2004, era a homologação das sentenças
estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias, matéria
que já ocupou o Tribunal em cerca de 10.000 casos e, talvez por isso
mesmo, acaba de ser transferida ao STJ, dada a notória tendência de
reservar ao STF exclusivamente as funções peculiares a uma Corte
Constitucional.
78. O processo de natureza deliberatória adotado pelo Supremo
aprecia tão somente a verificação das formalidades extrínsecas e a
inocorrência de violação da soberania nacional, da ordem pública e
dos bons costumes. Mesmo nesse restrito campo balizado pela simples
delibação, pelo menos até a adoção do divórcio no País, o STF sempre
encontrou a possibilidade de reprimir a fraude à lei do domicílio ou da
nacionalidade dos cônjuges, de modo a não dar efeitos no Brasil à
dissolução de casamento obtida no estrangeiro em notórios juízos
facilitários, como o Estado de Nevada (USA) e alguns Estados mexi-
canos, muito combatidos pelo incansável e saudoso internacionalista
Haroldo Valladão. Ultimamente, as sentenças estrangeiras de divórcio
não oferecem maiores problemas, os quais hoje praticamente estão
circunscritos às decisões arbitrais estrangeiras, que despertam ainda
algumas reservas por efeito da tradição judiciarista de nosso País.
79. Vale lembrar, ainda no plano das relações internacionais, a ex-
tradição passiva, em que há boa superfície para a advocacia criminal,
pois cabe discutir perante o STF, dentre outros temas, os principais
óbices ao deferimento da pretensão do Estado requerente, seja por
motivos de ordem processual, seja pelos motivos substanciais clássi-
cos, isto é, nacionalidade brasileira do extraditando, natureza política
do crime imputado, ausência de dupla incriminação, prescrição pela lei
mais favorável de um ou de outro dos Estados envolvidos.

2.4 Habeas corpus e mandados de segurança

80. Outro ponto alto da história do STF é o das garantias constitu-


cionais dos cidadãos, que foi o terreno propício para medrar a célebre
doutrina brasileira do habeas corpus no primeiro quartel do século pas-

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ADVOCACIA NOS TRIBUNAIS SUPERIORES 201

sado, quando a falta do mandado de segurança determinou a extensão


do remédio heróico para assegurar direitos individuais muito além da
simples liberdade de ir e vir, que o é verdadeiro alvo do habeas corpus.
81. O habeas corpus é um procedimento bastante simples, que não
exige sequer a formulação inicial do advogado, podendo chegar ao
STF até em petições manuscritas pelos próprios pacientes e ser origi-
nárias do fundo dos cárceres. Assegura-se sempre prioridade no julga-
mento e, não raro, vale-se o relator até da prerrogativa de nomear advo-
gado dativo, quando isso lhe pareça mais necessário à melhor defesa dos
interesses do paciente.
82. Foi pela via do habeas corpus, por exemplo, que as arbitrariedades
praticadas pelo regime militar a partir de 1964 foram eficazmente coibi-
das, pelo menos até o momento em que o draconiano Ato Institucional
n. 5, de 13.12.69, suspendeu “a garantia de habeas corpus, nos casos de
crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e
social e a economia popular” (art. 10).
83. Normalizada a vida política e restabelecidas as franquias demo-
cráticas, o habeas corpus continua sendo de extrema valia na tutela da
liberdade de locomoção contra a coação ilegal emanada de autoridade
administrativa ou judiciária, ora cabendo ao STF, ora ao STJ, confor-
me a qualificação do paciente ou do coator.
84. Foi, aliás, o habeas corpus o motivo do primeiro aberto conflito
entre os Tribunais Superiores, porque ambos se declararam competen-
tes para julgar as impetrações contra atos de qualquer Tribunal, em-
bora o STJ só reconhecesse a competência originária do STF, quando
se tratasse de coação emanada de Tribunal Superior. A vexata quaestio
foi resolvida pela Emenda Constitucional n. 22, de 1999, que adotou
o entendimento do STJ, o qual, de resto, já contava com o apoio de
expressiva corrente minoritária na própria Suprema Corte.
85. Também o mandado de segurança instituído para proteger direi-
to líquido e certo, não amparado por habeas corpus, quando atingido por
ilegalidade ou abuso de poder de autoridade ou agente públicos, tem
largo uso nos Tribunais Superiores. É certo que a impetração de uma e
outra dessas medidas exige especial cuidado dos advogados, já que
ambas não admitem dilação ou instrução probatória, devendo, por isso
mesmo, fundar-se em prova pré-constituída, a ser subministrada, des-
de logo, com a petição inicial.

CAPÍTULO 2

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202 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

86. Antes de generalizar-se a prática das medidas cautelares, que


foram disciplinadas mais sistematicamente pelo diploma processual
de 1973, a grande atração que o mandado de segurança exercia em
relação aos advogados era a possibilidade da concessão de liminar,
que suspendesse prontamente o ato impugnado, como ocorreu em
milhares de casos submetidos aos dois Tribunais Superiores. Hoje, é
tranqüila a possibilidade de liminar também no âmbito do habeas corpus,
mas compraz-me registrar que o primeiro deferimento liminar de tal
ordem pelo STF resultou de desassombrado despacho do Ministro
Gonçalves de Oliveira, que atendeu a postulação do inolvidável ad-
vogado Sobral Pinto em favor do ex-Governador de Goiás Mauro
Borges, quando o paciente, em pleno exercício do mandato popular,
achava-se ameaçado de prisão por tropas federais (cf. acórdão relativo
ao HC 41.296, de 23.11.64, RTJ. 33/590-616).
87. A casuística do habeas corpus e do mandado de segurança tam-
bém é muito extensa e rica, tanto no STF quanto no STJ, embora, à
míngua do tempo necessário, não possa ser agora recapitulada.
88. Para concluir este tópico, devo mencionar ainda que a Consti-
tuição, no propósito de garantir maior eficácia ao habeas corpus e ao
mandado de segurança, estabeleceu que a primeira denegação de um
ou de outro oferece possibilidade de recursos ordinários, quer para o
STF, quer para o STJ, quando, então, a questão poderá ser amplamente
reapreciada, seja em relação aos fatos dos autos, seja no concernente
às questões de direito, portanto, de modo mais abrangente até do que
o reexame feito nas vias extraordinária ou especial, que, notoriamente,
adstringe-se à simples revisão juris.
89. Entre as inovações de 88, há que referir ainda o habeas data –
para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do
impetrante, constantes em registros ou bancos de dados de entidades
públicas ou particulares – bem assim o mandado de injunção, que cabe
sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercí-
cio das liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacio-
nalidade, à soberania e à cidadania.
90. O STF estancou a onda da injunção, que se vinha avolumando
no pós-88, ao reconhecer que suas decisões não poderiam impor ao
Congresso Nacional a elaboração da regulamentação reclamada pela
impetração nem poderiam valer simplesmente para supri-la.

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ADVOCACIA NOS TRIBUNAIS SUPERIORES 203

91. No que tange ao habeas data, não houve sequer pressão dos
interessados, e foram pouco numerosos os casos dirigidos aos Tribu-
nais Superiores. A prática está a demonstrar que o instituto do habeas
data foi uma inútil demasia do constituinte de 88 ou mera manifesta-
ção de preciosismo jurídico em momento de verdadeira exacerbação
das garantias individuais do regime democrático que se estava resta-
belecendo.

2.5 Controle de constitucionalidade

92. Foi, sem dúvida, no plano do controle de constitucionalidade da


lei ou do ato normativo federal ou estadual a principal modificação
que o regime de 1988 produziu em relação ao Supremo Tribunal Fede-
ral, porquanto, desde a inscrição de pórtico do caput do art. 102, foi-lhe
atribuída, precipuamente, a guarda da Constituição.
93. Sob o direito anterior, como todos sabem, além do controle difuso
de constitucionalidade a cargo de qualquer juiz ou tribunal, o STF já
exercia o controle abstrato por via de ação direta, então denominada
representação, para a qual só o Procurador-Geral da República estava
legitimado.
94. Em 1988, já em prol da futura e inevitável consolidação de uma
Corte Constitucional exclusiva, o constituinte aliviou o STF da maté-
ria infraconstitucional, notadamente da relativa ao direito privado, que
empolgou sua melhor atenção durante mais de 80 anos. Além disso,
quebrou o monopólio do Procurador-Geral, reconhecendo legitimação
ad causam também ao Presidente da República, às Mesas do Senado
Federal, da Câmara dos Deputados e das Assembléias Legislativas e
aos Governadores e, o que foi ainda mais significativo para a eficácia
do controle abstrato, ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil, aos Partidos Políticos com representação no Congresso Na-
cional e às confederações sindicais ou às entidades de classe de âmbi-
to nacional.
95. Talvez temendo o peso da nova atribuição, o STF inflectiu por
uma senda restritiva quanto ao rol dos legitimados, tanto que negou
legitimidade às entidades sindicais diversas das confederações, mes-
mo quando de âmbito nacional; de outra parte, várias restrições foram
estabelecidas para reduzir a expressão “entidades de classe de âmbito

CAPÍTULO 2

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204 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

nacional”, que acabou não abrangendo importantes entidades de in-


tensa e destacada atuação na comunidade brasileira.
96. O novo controle de constitucionalidade se exerce, principal-
mente, mediante o controle abstrato de normas como processo obje-
tivo, susceptível de gerar efeitos erga omnes e ex tunc, independente-
mente dos direitos subjetivos que a decisão suprema possa atingir,
razão pela qual não se admite a intervenção de terceiros como
litisconsortes ou assistentes. À medida que se vai formando a
processualística desse controle abstrato, que está concentrado no STF,
o que se tem, com alguma freqüência, consentido aos interessados é
a intervenção a título de amicus curiae, que lhes permite apenas ofere-
cer subsídios à apreciação da causa por meio de alegações escritas
ou memoriais; ultimamente, apesar de alguma resistência, já se ad-
mite até a sustentação oral.
97. A construção dogmática que o Supremo Tribunal vem desen-
volvendo em torno tanto da ação direta de inconstitucionalidade quanto
da declaratória de constitucionalidade, que são os instrumentos fun-
damentais para desempenhar seu papel precípuo de guarda da Carta
Magna, recebeu decisivo impulso nos últimos três lustros, notadamente
por influência do Ministro Moreira Alves, como está bem demonstra-
do em substanciosa e completa obra do Ministro Gilmar Mendes edi-
tada recentemente (Moreira Alves e o Controle de Constitucionalidade no
Brasil, ed. de 2000).
98. Muito há de favorecer também à prática cotidiana do controle
abstrato a excelente disciplina da Lei n. 9.868, de 10.11.99, que siste-
matizou os princípios da doutrina e da jurisprudência acerca das ações
direta de inconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade,
nela cuidadosamente reguladas.
99. Como o confronto in abstracto da norma inquinada de
inconstitucional com a Constituição não fica adstrito às razões do au-
tor da ação direta, já que se entende ser aberta a causa petendi, o Tribu-
nal Supremo dispõe de um campo amplo de especulação doutrinária,
que muito enriquece os julgados, como tem sido comum nos últimos
tempos (para comprovar essa afir mação, a título meramente
exemplificativo, lembro a ADIn 3.105, julgada no corrente ano, em
que se apreciou a contribuição previdenciária imposta ao pessoal ina-
tivo pela Emenda Constitucional n. 41, de 19.12.2003).

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

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ADVOCACIA NOS TRIBUNAIS SUPERIORES 205

100. A recente Emenda Constitucional n. 45/2004 contribuiu so-


bremodo para realçar a preeminência da Corte Suprema, ao estabele-
cer que
[...] as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo
Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas
ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo
federal ou estadual, produzirão eficácia contra todos e efeito
vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário
e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal,
estadual e municipal.
101. Convém recordar, talvez até com um ponta de nostalgia, que a
contribuição da advocacia pública nessa matéria deve ser muito mais
significativa do que a dos advogados privados, pois as ações diretas
envolvem, o mais das vezes, questões administrativas ou políticas,
quase sempre a cargo dos Procuradores das entidades públicas. Resta-
nos o consolo da possibilidade de defender confederações sindicais,
partidos políticos ou entidades de classe, além da posição mais mo-
desta de amicus curiae. Na citada obra de Gilmar Mendes Ferreira, a
matéria do novo controle de constitucionalidade pelo Supremo Tribu-
nal foi magistralmente desenvolvida, sendo de leitura obrigatória para
a boa compreensão do tema.
102. Para remate desta ligeira apreciação em torno da advocacia
nos tribunais federais, julgo oportuno reproduzir alguns excertos
do capítulo em que o acatado constitucionalista aborda as especifici-
dades do sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, que
são deste teor:
O monopólio de ação direta outorgado ao Procurador-Geral
da República no sistema constitucional de 1967/69 não provo-
cou uma alteração profunda no modelo incidente ou difuso
então existente. Este continuou predominante, integrando-se a
representação de inconstitucionalidade a ele como um elemento
ancilar, que contribuía muito pouco para diferençá-lo dos de-
mais sistemas “difusos” ou “incidentes” de controle de constitu-
cionalidade.
Assim, se se cogitava de um modelo misto de controle de constitu-
cionalidade, é certo que o forte acento residia, ainda, no amplo e
dominante sistema difuso de controle, resultando o controle di-
reto em algo acidental e episódico dentro do sistema difuso.

CAPÍTULO 2

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206 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Ao ampliar, de forma marcante, a legitimação para proposi-


tura da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 103), a Cons-
tituição de 1988 reduziu o significado do controle de
constitucionalidade incidental ou difuso, permitindo que, pra-
ticamente, todas as controvérsias constitucionais relevantes
fossem submetidas ao Supremo Tribunal Federal mediante
processo de controle abstrato de normas. (Mendes Ferreira,
2000, p. 15).
[...]
A ampla legitimação, a presteza e a celeridade desse modelo
processual – dotado inclusive da possibilidade de se suspender
imediatamente a eficácia do ato normativo questionado, me-
diante pedido de cautelar – fazem com que as grandes questões
constitucionais passem a ser solvidas, na sua maioria, mediante a
utilização desse típico instrumento do controle concentrado.
(Mendes Ferreira, 2000, p. 16).
103. Ao final desta cansativa exposição, estou seguro de que não
lhes ofereci senão um pot-pourri dos processos da competência originá-
ria ou recursal do STF e do STJ, tais são as dificuldades técnicas e
práticas que cada um deles apresenta. Espero, pois, que a contribuição
dos ilustres participantes deste Seminário, por meio do debate que se
seguirá, possa suprir as lacunas e corrigir as falhas que não pude evitar.

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

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PRECATÓRIO JUDICIAL E CESSÃO DE CRÉDITO 207

CAPÍTULO 3 PRECATÓRIO JUDICIAL


E CESSÃO DE CRÉDITO
Sebastião Alves dos Reis

1. O tema sub cogitacione objetiva examinar, em seus contornos ge-


rais, a interpretação, o sentido e o conteúdo da cláusula cessão de crédito,
constante do art. 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitó-
rias, acrescido pela Emenda Constitucional n. 30, de 13 de setembro
de 2000 (Diário Oficial da União, 14 de setembro de 2000) e sua inser-
ção no perfil técnico-jurídico do instituto do requisitório-precatório,
consoante disciplina ali estruturada.
2. Para o melhor encaminhamento da matéria a ser focalizada, é de
acentuar-se que o Direito é um fato histórico-cultural, dinâmico e dialé-
tico, que se forma, estrutura-se e aperfeiçoa-se, num esforço permanen-
te, no tempo e no espaço, e no seu processo institucional e sociológico
de criação e evolução, na sua elaboração científica, jurisprudencial e
construção lógica, e, na sua fenomenologia geral, está exposto às trans-
formações políticas, culturais e socioeconômicas, em diferentes épo-
cas e lugares.
3. No contexto do debate a ser desenvolvido, frise-se que a impenho-
rabilidade dos bens públicos, decorrente do princípio da inalienabilida-
de respectiva, aceita, entre nós, desde a Constituição do Império (art.
15, inciso XV), consagrada no Código Civil vigente (arts. 98-103), sem-
pre ocasionou embaraços tormentosos à cobrança dos créditos contra a
Fazenda Pública. Esses embaraços eram decorrentes da condenação em
sentenças judiciais, permitindo que os pagamentos correspondentes se
processassem sem critério técnico ou jurídico idôneo, possibilitando
procrastinações abusivas e desvios éticos, em prejuízo dos credores,
consoante foi observado, entre outros, desde tempos, por Themístocles
Cavalcanti (Curso de Direito Administrativo. 7ª ed., p. 470) e Castro Nunes
(Da Fazenda Pública em juízo. 2ª ed., p. 230) e relembrado por Lázaro
Cândido da Cunha (Precatório – Execução contra a Fazenda Pública. Belo
Horizonte: Del Rey, 1999)1 em douto trabalho específico.

CAPÍTULO 3

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208 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

4. Enfatize-se, no particular da impenhorabilidade dos bens públi-


cos, que o direito brasileiro não acolhe a execução forçada contra a
Fazenda Pública no seu modelo clássico, como se vê dos arts. 730 e
731 do CPC, embora certos doutrinadores falem em “execução indire-
ta” ou “execução imprópria”; sob essas ressalvas, a cobrança contra a
Fazenda se processaria antes num esquema de ação de conhecimento,
consoante ensinamento do doutíssimo processualista Professor
Humberto Theodoro Júnior.
5. Em face dessa experiência que desprestigiava a prestação juris-
dicional e a própria Administração no regime da Constituição Fede-
ral de 1891, o constituinte de 1934 institucionalizou, constitucio-
nalmente, a técnica do precatório-requisitório – modelo único no
Direito Comparado – por meio do qual, sob uma ótica geral, o Judi-
ciário passaria a ter a sua disposição créditos para efetivar os paga-
mentos devidos pela Fazenda Pública oriundos de decisões judiciá-
rias transitadas em julgado.
6. Cuida-se de instituto que, segundo De Plácido e Silva,2 é
[...] carta de sentença remetida pelo juiz da causa ao Presidente
do Tribunal, para que este requisite ao Poder Público, mediante
previsão na lei orçamentária anual, o pagamento de quantia certa
para satisfazer obrigação de condenação das pessoas políticas,
suas autarquias e fundações.
Na mesma ordem de idéias, coloca-se o Dicionário Jurídico da Acade-
mia Brasileira de Letras Jurídicas.3
7. O saudoso Professor Celso Ribeiro Bastos,4 em seu autorizado
magistério, doutrina que
[...] em linhas gerais, o precatório é uma requisição judicial
expedida ao Presidente do Tribunal pelo juiz da execução da
sentença em que a Fazenda Pública foi condenada a pagamento

1
CUNHA, Lázaro Cândido da. Precatório – Execução contra a Fazenda Pública. Belo
Horizonte: Editora Del Rey, 1999.
2
DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 627.
3
Dicionário Jurídico da Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora
Forense Universitária, p. 613.
4
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição Brasileira. São Paulo: Saraiva, 4º v.,
T. III, p. 47.

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

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PRECATÓRIO JUDICIAL E CESSÃO DE CRÉDITO 209

de quantia certa, a fim de que sejam expedidas as necessárias


ordens de pagamento às respectivas repartições competentes.
8. Tal mecanismo foi recebido pelas Constituições posteriores, com
algumas alterações na sua linguagem, e incorporado aos estatutos pro-
cessuais supervenientes, tendo sido objeto do art. 100 e seus parágra-
fos da Lei Fundamental de 1988, na sua redação originária.
9. Sem embargo dessas providências, o pagamento dos precatórios
continuou a apresentar obstáculos vários na sua aceleração e efetivação,
o que levou o legislador constituinte derivado, para tentar o seu aper-
feiçoamento, a editar a Emenda Constitucional n. 30 pré-citada, a qual,
ao lado de modificar a redação originária do art. 100 e parágrafos (art.
1º), acresceu ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias o
art. 78, já referido.
10. Centrando-se, agora, no instituto da cessão de crédito, é de fi-
xar-se que a cessio romana, diante da tese então consagrada do caráter
essencialmente personalista da obligatio, e da impossibilidade de sua
desvinculação do sujeito ativo e, assim, de sua natureza de intransferi-
bilidade a outrem, foi, a princípio, estruturada em termos de novação,
depois de ter sido configurada num quadro de procuração in rem suam,
atuando o cessionário nomine alieno, na qualidade de procurator, repre-
sentante do cedente, e, mais tarde, modelada na técnica da distinção
entre direito e ação.
11. Só no Direito moderno, em razão de extensas e intensas transfor-
mações no cenário jurídico e econômico-social, ante a ampliação das
relações comerciais e imperativos de ordem prática, veio o instituto em
causa a receber uma construção doutrinária e dogmática, hábil a via-
bilizar a cessão de crédito e de direito, modelo, em suas linhas maiores,
adotado pelo Código Civil Brasileiro de 1917, como se vê em seu Livro
III, Capítulo das Obrigações, arts. 1.065 a 1.078,5 recebido igualmente,
no Código Civil de 2002, Título II, Capítulo I, arts. 286-298.
12. Às luzes da sistemática aceita em ambos os Códigos, louvando-se
em ensinamentos, o consagrado mestre Caio Mário, citado, no seu sem-
pre autorizado magistério, leciona que cessão de crédito é o “negócio

5
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, v. II, p. 228, 229. SANTOS, J. M. Carvalho dos. Repertório Enciclopédico do
Direito Brasileiro. vol. VIII, p. 104.

CAPÍTULO 3

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210 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

jurídico em virtude do qual o credor transfere a outrem a sua qualida-


de creditória contra o devedor, recebendo o cessionário o direito res-
pectivo com todos os acessórios e garantias”.6
13. Da mesma sorte, a douta jurista Maria Helena Diniz,7 numa
conceituação abrangente, ensina que
[...] a cessão de crédito é o negócio jurídico bilateral, gratuito ou
oneroso, pelo qual o credor de uma obrigação (cedente) trans-
fere, no todo ou em parte, a terceiro (cessionário), independente
de consentimento do devedor (cedido), sua posição na relação
obrigacional, salvo disposição em contrário, sem que se opere a
extinção do vínculo obrigacional.
Na mesma ordem de pensamento, situam-se Clovis Bevilaqua (Có-
digo Civil comentado. V. IV, p. 229) e a Enciclopédia Saraiva do Direito (ver-
bete Precatório. São Paulo: Ed. Saraiva, v. XIV, p. 195).
14. Em suma, ao foco do Direito Brasileiro, em ambos os estatutos,
de 1917 e 2002, na cessão de crédito, ocorre a mutação subjetiva do
vinculum juris, em referência ao sujeito ativo (cedente), sem a extinção
da obrigação, no atinente ao devedor cedido, apresentando-se como
negócio jurídico autônomo e abstrato.
15. Prosseguindo na apreciação da matéria em discussão, nesta altu-
ra, cabe transcrever-se o art. 78 aditado pela Emenda Constitucional
em causa, e seu § 2º:
Art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de peque-
no valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e suas comple-
mentações e os que já tiveram seus respectivos recursos liberados,
ou depositados em juízo, os precatórios pendentes na data de
promulgação desta Emenda e os que decorram de ações iniciais
ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidadas pelo seu
valor real, em moeda corrente, acrescidos de juros legais, no pra-
zo máximo de 10 (dez) anos, permitida a cessão dos créditos.
§ 1º. (omissis).
§ 2º. As prestações anuais a que se refere o caput deste artigo
terão, se não liquidadas até o final do exercício a que se

6
PEREIRA. Instituições de Direito Civil. v. II, p. 227.
7
DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. São Paulo: Ed. Saraiva, p. 690.

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

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PRECATÓRIO JUDICIAL E CESSÃO DE CRÉDITO 211

referem, poder liberatório do pagamento de tributos da


entidade devedora.
16. Detendo-se no quadro normativo do art. 78 retro, ab initio, acen-
tue-se que, nesta hora de mutações densas, intensas e extensas, nos
moldes tradicionais do Estado e da sociedade, quando os supravalores
da cidadania e da dignidade da pessoa humana – a síntese e fonte dos
direitos fundamentais individuais, sociais, coletivos e difusos – positi-
vados constitucionalmente, e a tônica predominantemente autoritária
do Direito Público cedem diante da sua nova concepção de instru-
mento de proteção, do cidadão, face ao arbítrio estatal; nesta etapa em
que os princípios maiores do processo são constitucionalizados, bem
como suas garantias, e o cânone da isonomia entre os sujeitos do pro-
cesso questiona privilégios demasiados da Fazenda Pública, consoan-
te sinaliza o art. 101 do novo Código Civil, e ainda a história do
precatório, entre nós, o instituto reclama o seu aperfeiçoamento jurídi-
co-constitucional.
17. O aprimoramento do precatório judicial representa um desafio
para os nossos legisladores, e a emenda sob análise impõe reflexões
detidas. A criatividade deve ser posta a serviço de sua exegese, em
ordem a captar-lhe a vocação e a sua destinação, fecundando-a, extrain-
do dela todas as suas virtualidades, posicionando-a na sua ocasio legis
aqui desenhada, com vistas a afastar a sua corrosão, frustrar os seus
desígnios essenciais, dando efetividade à sua aplicação e execução,
concretizando, enfim, a trilogia de que fala Cândido Dinamarco para a
sentença judicial – justiça, efetividade e tempestividade.
18. Correlatamente, registre-se que a doutrina e a dogmática pro-
cessual de hoje prestigiam os princípios específicos da instrumentali-
dade, do resultado, da vocação do processo a serviço do cidadão (como
preconiza o eminente Ministro José Augusto Delgado), da aceleração
e do acesso à jurisdição, entendida essa garantia constitucional não
como simples regulação do ingresso em juízo, mas, ainda, consideran-
do a tempestividade da prestação jurisdicional, a sua destinação volta-
da para o cidadão, a resposta pronta e justa à demanda ajuizada.8

8
CAPELLETTI, Mauro. O acesso à Justiça e a função do jurista em nossa época.
Revista do Processo, n. 61, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 144-159.
DINAMARCO, Cândido R. A aceleração dos procedimentos. Caderno de Doutrina, p.

CAPÍTULO 3

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212 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

19. De outro lado, há a considerarem-se os efeitos extrajurídicos da


cessão de crédito na esfera dos negócios, em função da confiança do
mercado na solvabilidade do precatório e do sistema econômico vi-
gente. É certo, neste particular, que qualquer interpretação distorcida
desses aspectos apontados das normas pertinentes pode levar o credor
aos azares do mercado, às especulações dos agentes econômicos, ma-
nifestadas em deságios abusivos que esvaziam as finalidades pretendi-
das pelo constituinte derivado.
20. Descendo ao contato direito com o texto transcrito, ora sob co-
mento, sente-se, primeiramente, que, aqui, o legislador constituinte
instituído pretendeu conciliar valores em confronto; de um lado, privi-
legia a Fazenda Pública, observadas as ressalvas ali postas, conceden-
do-lhe o prazo máximo de dez anos para liquidação dos precatórios de
sua responsabilidade, e, de outro, cogita, em favor dos credores, os
direitos subjetivos da cessão de crédito (art. 78) e do poder liberatório
de pagamento de tributos, na hipótese definida no § 2º.
21. Averbe-se, ainda, que fatos e atos jurídicos têm uma transcendên-
cia econômica, política, e social, consoante emerge do magistral voto do
Ministro Gilmar Mendes, exarado na Intervenção Federal n. 2.915 – SP
(STF, RTJ, Vol. 188, n. 2, páginas 610, 616), na qual se nega a medida
requerida, sob fundamentos econômicos, financeiros e políticos.
22. Ali, argumenta-se que o Estado se sujeita a múltiplas obrigações
públicas, de hierarquia idêntica, surgindo, então, conflitos constitucio-
nais condicionantes e concorrentes, e, de outro lado, apela-se para o
princípio da continuidade do serviço público, invocando-se, inclusive,
a reserva do financiamento possível, corrente na doutrina alemã.
23. Paralelamente, consta na parte final do artigo 78 já transcrito,
que o parcelamento em causa é obrigatório, em até dez prestações
anuais, conforme estabeleça a legislação pertinente, pois os precatórios
ali atingidos “serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente,
acrescidos dos juros legais”, além de permitida a cessão de crédito; de
outro lado, as prestações constantes do “caput” referido terão, se não

337 et seq.; DELGADO, José Augusto. Execução contra a Fazenda Pública. Caderno
do CEJ, p. 812. ROSAS, Roberto. Efetividade e instrumentabilidade. Estruturação
processual. Caminhos de uma reforma. Revista da OAB. Ano XXVI, nº 63, julho/
dezembro, 1996, p. 71-84.

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

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PRECATÓRIO JUDICIAL E CESSÃO DE CRÉDITO 213

forem liquidadas até o final a que se referem, poder liberatório do pa-


gamento de tributos da entidade devedora.
24. Como se inferem do quadro exposto, a constituição atual, fugin-
do a extremos polares, preferiu, antes, estabelecer um critério sensível
às leis do mercado, de ordem prática, fixando balizas para o exato cum-
primento do devedor do precatório, e, de outra parte, o credor fica
sujeito ao mercado, por meio da cessão de crédito e do poder liberatório
dos tributos. Aliás, tais aspectos foram desenvolvidos com muita ciên-
cia e arte nos pareceres e nas posições que instruem esse livro, sobre-
tudo nos trabalhos do Professor Vincenzo Demetrio Florenzano e Pro-
fessor José Otávio de Vianna Vaz.
25. Assinalo que as considerações ora expostas voltam-se apenas ao
instituto da cessão de crédito. Na seqüência dessa exposição, é de sa-
lientar-se que não cabe criar-se restrição proibitiva da cessão, ora sob
exame, mesmo nos domínios do Direito Público, na área do instituto
do precatório, pois se cuida de operação permitida em norma portado-
ra de status de emenda constitucional, incorporada ao ordenamento
jurídico supremo; de outro lado, é irrecusável que se trata tecnicamen-
te da denominada cessão voluntária, ato consensual que, para operar
inter partes, independe da anuência do devedor, em princípio.
26. Dessarte, fixado, em face dos comentários oferecidos, que, in
casu, a cessão de crédito tem sede em emenda constitucional, sem quais-
quer reservas, e que, assim, vale por si mesma, sendo de aplicação
imediata, e que se cuida de cessão voluntária, não há exigir-se, em
princípio, para sua operacionalidade, regulação ou regulamentação es-
pecífica, sendo por isso de aplicar-se, na espécie, o regime jurídico do
Código Civil vigente – sede própria desse instituto.
27. Quanto ao objeto da cessão de crédito em geral, na dicção do
art. 286 do nosso Estatuto de Direito Civil, e consoante assente na
doutrina e na jurisprudência, o credor pode efetuar a transferência res-
pectiva como ocorre com qualquer outro elemento de seu patrimônio,
[...] se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a
convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não
poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do
instrumento da obrigação.
28. Anote-se que a operação em causa, na sua extensão, salvo dispo-
sição em contrário, compreende todos os acessórios e garantias (art. 287

CAPÍTULO 3

Precatórios - Parte 2 - Capítulo 3.pmd 213 2/5/2005, 16:08


214 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

do CC), e, assim, em se cogitando de crédito formalizado em precatório,


abrange o valor respectivo e os acessórios e garantias pertinentes.
29. No concernente à validade e eficácia negotium juris, na modalida-
de voluntária, perante o devedor cedido, impõe-se a sua notificação,
por via judicial ou extrajudicial (art. 290 do CC), sendo de admitir-se a
notificação presumida, expediente que tem por meta integrar o deve-
dor na operação e resguardar os direitos do cessionário em face do
último e de terceiros.
30. Além do mais, saliente-se que a cessão, ora objeto de conside-
rações, para valer diante de terceiros, deverá ser celebrada por ins-
trumento público ou particular, revestido das exigências do § 1º do
art. 654 do Código Civil Brasileiro (art. 288 do CC); na hipótese de
solenização por instrumento particular, impõe-se a inscrição perti-
nente no Registro de Títulos e Documentos, formalidade que, no
entendimento do autorizadíssimo Caio Mário da Silva Pereira, é
exigida ad substantiam, como elemento substantivo da operação, e
não ad probationem.9
31. Por outro lado, é de observar-se que, de acordo com o direito
nacional (art. 294 do CC), o devedor pode opor ao cessionário e ao
credor todas as exceções que lhe competirem, no momento em que
tiver ciência da cessão, mas não pode opor ao cessionário de boa-fé a
simulação do cedente.
32. Por igual, averbe-se que, no plano da responsabilidade entre as
partes, em se tratando de cessão voluntária – hipótese em exame – o
cedente responde apenas pela realidade, veracidade do crédito trans-
ferido – veritas nominis – e não pela solvência do devedor – bonitas nominis
– salvo estipulação em contrário (art. 296 do CC).
33. Note-se que a interpretação, o alcance e o sentido da cláusula
ora comentada devem ser voltados para a perspectiva de uma exegese
que viabilize o instituto da cessão trazida com o art. 78, ao lado de
acelerar a tramitação e a dinâmica procedimental do precatório, para a
plena efetivação das finalidades inovadoras pretendidas no art. 2º da
Emenda Constitucional referida, afastada a frustração dos efeitos da-
quele expediente, contribuindo, assim, para a eliminação de desvios
ético-administrativos, que a sua prática tem, muitas vezes, propiciado.

9 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Op. cit., p. 234.

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

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PRECATÓRIO JUDICIAL E CESSÃO DE CRÉDITO 215

34. Na continuação dessas reflexões, sublinhe-se que a problemáti-


ca da interpretação e aplicação das normas constitucionais e das emen-
das a elas incorporadas legitimamente, embora se inclua nos domínios
da hermenêutica geral, reveste-se, no entanto, de especificidades que
as qualificam, em razão da sua supremacia normativa, do elemento
político-social que as permeia, dos valores superiores perseguidos,
sobretudo nessa hora em que a tônica do constitucionalismo contem-
porâneo se centra no controle da constitucionalidade.
35. Nessa linha de considerações, é sempre oportuno relembrar
que, para melhor compreensão das normas em causa, é necessário,
ante omnia, uma expressiva sensibilidade política, social e jurídica,
para a melhor captação dos seus comandos; uma significativa cons-
ciência da constitucionalidade, o sentimento constitucional de sua
hierarquia no ordenamento jurídico, consoante preleciona o Profes-
sor Raul Machado Horta.
36. Só à luz dos princípios maiores da nossa ordem constitucional,
vendo em suas normas uma eficácia potenciada, garantir-se-á a seguran-
ça das relações jurídicas, a plena efetividade das sentenças judiciais con-
tra a Fazenda Pública, transitadas em julgado, respeitando-lhes a força
jurisdicional, subtraindo-as aos artifícios das procrastinações indevidas,
que as fragilizam; dos desvios morais e administrativos, que as
desprestigiam; das interpretações equivocadas, sumamente dano-
sas à paz social, ao equilíbrio entre os poderes constituídos, como ad-
verte Carlos Maximiliano, sem ofensa aos direitos fundamentais da
cidadania e da dignidade da pessoa humana – magnos princípios no
Estado de Direito – aos direitos subjetivos do jurisdicionado, à prolação
da sentença pronta e justa do Estado-Juiz.
37. Nessa altura do evolver do Direito, no quadro do cenário jurídi-
co contemporâneo, quando se homenageiam os princípios da interpre-
tação teleológica e axiológica, nesse momento, em que os princípios
hierarquizantes de que fala Canotilho, da supremacia da Constituição,
da submissão do Estado à jurisdição e às leis votadas pelos represen-
tantes do povo, eleitos em pleito livre, da dignidade da pessoa huma-
na, da cidadania, da liberdade, da igualdade, da segurança jurídica e da
propriedade, com irradiação no direito privado dos subprincípios da
boa-fé, da lisura, da confiabilidade, a regulação constitucional do
precatório judicial não pode ficar confinada ao plano do “dever-ser”,

CAPÍTULO 3

Precatórios - Parte 2 - Capítulo 3.pmd 215 2/5/2005, 16:08


216 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

mas impõe-se cogentemente a sua realização na esfera do “ser”, da


efetividade e da concretização plena.
Assim, in specie, conjugados os parâmetros cessão de crédito e
precatório, são essas as cogitações mínimas que me parecem de relevo,
nos estreitos limites dessa análise ora feita.

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

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A EMENDA CONSTITUCIONAL N. 30, DE 13.9.2000... 217

CAPÍTULO 4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N. 30,


DE 13.9.2000, SOB A PERSPECTIVA DA
ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO
Vincenzo Demetrio Florenzano

Sumário
1. Viabilidade de uma solução de mercado. 2. Custos e benefícios
da solução de mercado. 3. Análise Econômica do Direito. 4. O
princípio da escassez. 5. O princípio da eficiência. 6. A moderna
noção de direito como estrutura de incentivos. 7. O direito de
propriedade. 8. Conclusão. 9. Referências bibliográficas.

É fato notório que Estados e Municípios têm dívidas acumuladas


referentes a precatórios não pagos de exercícios anteriores. Sabe-se
também que a Fazenda Pública Estadual e a Municipal alegam não
disporem de recursos financeiros para efetuar de forma imediata o
pagamento do total dessa dívida. Tal fato, contudo, não pode ser acei-
to como fundamento de validade para a situação que se tem hoje, em
que o devedor se dispõe a pagar apenas quando houver recurso, ou
quando assim entender o chefe da Administração Pública estadual ou
municipal. Portanto, se não é possível juridicamente expropriar o
patrimônio público, como ocorre com os particulares, é preciso buscar
uma forma alternativa de obter o pagamento.
O não-pagamento dos precatórios é, sem dúvida, um problema
grave que poderíamos classificar como transdisciplinar complexo,
sendo ao mesmo tempo jurídico, econômico e social. É um problema
jurídico, porque o não-pagamento dos precatórios configura um
descumprimento de decisões judiciais transitadas em julgado. Ora,
se o próprio Estado não cumpre as decisões judiciais, não se pode
sequer falar em Estado de Direito. É também, no entanto, um pro-
blema econômico, porque afeta o desenvolvimento da atividade eco-
nômica e diz respeito à alocação de recursos escassos. É, ainda, um
problema social, porque envolve a distribuição e aplicação de recur-
sos públicos.

CAPÍTULO 4

Precatórios - Parte 2 - Capítulo 4.pmd 217 28/4/2005, 16:52


218 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Como bem observou Paul Streeten,1 não podemos ser ao mesmo


tempo objetivos, práticos e idealistas. Assim, o problema dos precató-
rios demanda uma postura pragmática. Nessa linha de raciocínio, pro-
curamos demonstrar neste trabalho que a solução de mercado autori-
zada pela Emenda Constitucional n. 30, de 13 de setembro de 2000, é
uma via alternativa que pode ser eficiente, sendo, talvez, a melhor
forma de forçar o pagamento dos precatórios.
Na busca de solução para esse problema transdisciplinar complexo,
o que se fará aqui é utilizar conhecimentos que são fornecidos pela
Ciência Econômica sobre a formação e o funcionamento dos merca-
dos, para ponderar sobre a viabilidade e a conveniência de se adotar
uma solução de mercado para o problema examinado.

1. VIABILIDADE DE UMA SOLUÇÃO DE MERCADO

Uma primeira pergunta que se apresenta é saber se o ordenamento


jurídico em vigor no país permite a adoção de uma solução de merca-
do para o problema do pagamento dos precatórios.
A resposta a essa indagação é, sem dúvida, afirmativa, pois a
solução de mercado nos foi indicada pela própria Constituição Fe-
deral, conforme se depreende do art. 2o da Emenda Constitucional
n. 30/00, que acrescentou o art. 78 ao Ato das Disposições Constitu-
cionais Transitórias.
Esse nosso entendimento está calcado na disposição do art. 78, caput,
do ADCT, que permite a cessão dos créditos referentes aos precatórios,
e no § 2o do mesmo artigo, que atribui a esses créditos poder liberatório
do pagamento de tributos da entidade devedora. Esses dois elementos
(possibilidade de cessão e atribuição de poder liberatório) fornecem os
requisitos jurídicos necessários à formação de um mercado de títulos
referentes a precatórios. Além desses, a permissão concedida pelo § 1o
para decompor parcelas, a critério do credor, é outro elemento que
também ajuda na formação desse mercado.
Além disso, para a formação de um mercado novo, é necessário um
produto capaz de desempenhar as funções de uma mercadoria. Sem
mercadoria não há mercado. A questão, pois, que se apresenta é a de

1 Citado por LEISINGER, 2001, p.17.

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

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A EMENDA CONSTITUCIONAL N. 30, DE 13.9.2000... 219

saber se esses títulos referentes a dívidas de precatórios poderiam de-


sempenhar as funções de uma mercadoria.
A busca de uma resposta para tal indagação pressupõe a elaboração
de uma definição para esse mercado de títulos referentes a dívidas de
precatórios. Sem muito rigor científico, poderíamos definir esse mer-
cado como o meio ou o ambiente por intermédio do qual aqueles que
têm títulos de créditos referentes a precatórios a receber ofertam ao
público esses títulos, e aqueles que se interessam em adquirir esses
títulos se aproximam, ou entram em contato, apresentando suas pro-
postas de aquisição.
Dessa definição, depreende-se que, no caso desse mercado, é neces-
sário um título (mercadoria) capaz de induzir uma oferta pública e
uma demanda por essa mercadoria. Percebe-se, pois, que é preciso
mais do que um título de crédito, é necessário um valor mobiliário. Os
títulos de crédito não são aptos a desempenhar a função de mercado-
ria, porque não possibilitam uma oferta ao público. Já os valores mobi-
liários possibilitam a oferta ao público.
Conforme veremos mais adiante, no tópico sobre o direito de proprie-
dade, para um desenvolvimento satisfatório desse mercado de títulos de
créditos referentes a precatórios, é fundamental que se estabeleça um
sistema eficiente de representação desses direitos. É fundamental tam-
bém que haja transparência, que as informações estejam disponíveis
para compradores e vendedores interessados em transacionar com es-
ses títulos.

2. CUSTOS E BENEFÍCIOS DA SOLUÇÃO DE MERCADO

Mesmo que estejamos convencidos de que o mercado pode ajudar


na solução do problema do pagamento dos precatórios, não podemos
criar ilusões. Como não poderia deixar de ser, a solução de mercado
apresenta benefícios, mas tem também os seus custos.
Pelo lado dos credores, há custos de transação2 com a intermediação
financeira. Em outros termos, para vender no mercado o seu título

2 Sobre o conceito de custos de transação, ver FLORENZANO, Vincenzo D. Sis-


tema financeiro e responsabilidade social: uma proposta de regulação fundada na
análise econômica do direito e na teoria da justiça. São Paulo: Ed. Textonovo (no
prelo).

CAPÍTULO 4

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220 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

referente a precatório, o credor terá de pagar a comissão do interme-


diário, que poderá ser uma instituição financeira, uma corretora de
títulos e valores mobiliários, ou mesmo um escritório de advocacia.
Além disso, se o credor quiser vender o título no mercado, terá de
aceitar um deságio em relação ao valor de face do precatório. Se o
precatório for referente ao ano de 2001, por exemplo, os potenciais
compradores, certamente, vão oferecer pelo título menos do que o
valor de face.
O grande benefício para os credores está na liquidez que os títu-
los referentes ao precatório passarão a ter. Em outras palavras, o
credor poderá trocar o seu título por dinheiro vivo, ou poderá, even-
tualmente, dar o título em garantia de um empréstimo bancário,
por exemplo. Para um pequeno empresário, esse é um benefício
significativo.
O valor dos precatórios no mercado irá, certamente, oscilar, acom-
panhando os movimentos de oferta e de demanda desses títulos. Quan-
to maior a demanda, maior será o preço que o titular do precatório
poderá conseguir no mercado. Menor a demanda, menor o preço, va-
lendo o inverso para a oferta (maior oferta implica menor preço).
A economia, como um todo, poderá ser beneficiada pela transfor-
mação de ativos mortos (precatórios sem liquidez) em ativos vivos
(precatórios que têm liquidez). Um dos efeitos dessa transformação é
que o setor privado terá mais recursos para investir, poupar ou consu-
mir. Se houver uma boa aplicação desses recursos por parte do setor
privado, bons frutos serão colhidos, vale dizer, renda (lucros, dividen-
dos, participações, etc.) e empregos serão gerados, promovendo-se um
crescimento da riqueza do país.
Pelo lado dos devedores (União, Estados e Municípios), o balanço
entre custos e benefícios é mais complexo, pois há uma série de efeitos
de difícil avaliação. Um aspecto negativo para a Fazenda Pública é
que vai haver uma diminuição da arrecadação futura, à medida que os
seus créditos (tributos devidos pelo setor privado) forem compensa-
dos com os seus débitos (precatórios). Esse efeito poderá ser, pelo
menos em parte, compensado pelo aumento da arrecadação decorren-
te do crescimento da renda e do emprego do setor privado. De todo
modo, o Estado jamais poderia alegar que está sendo prejudicado por
ter de pagar as suas dívidas (precatórios).

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

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A EMENDA CONSTITUCIONAL N. 30, DE 13.9.2000... 221

O aspecto positivo é que o Estado, pagando os precatórios, iria me-


lhorar a sua imagem (credibilidade) perante a comunidade interna e
externa. O que é importante, pois ajudaria muito a aperfeiçoar o siste-
ma de pagamentos do Estado brasileiro e a condição de vida dos cida-
dãos deste país.

3. ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

A Análise Econômica do Direito (AED) é um instrumental teórico


que vem sendo cada vez mais utilizado em todo o mundo, tanto por
economistas como por juristas. Nesse sentido, é ilustrativo o julga-
mento proferido pelo Supremo Tribunal Federal no caso do pedido de
Intervenção Federal no Estado de São Paulo (IF 2.127-8), por não-
cumprimento de decisão judicial referente ao pagamento de precatório.
Esse julgamento é emblemático porque, a nosso ver, o voto vencedor
proferido pelo Ministro Gilmar Mendes pode ser considerado um exem-
plo prático de aplicação desse instrumental teórico (AED) na solução
de um problema jurídico. Embora não faça menção expressa à deno-
minação “Análise Econômica do Direito”, o Ministro Gilmar Mendes
deixa claro que se trata da utilização desse instrumental teórico (AED),
conforme se depreende das seguintes passagens de seu voto:
Desse modo, não podem ser desconsideradas as limitações eco-
nômicas que condicionam a atuação do Estado quanto ao cum-
primento das ordens judiciais que fundamentam o presente pe-
dido de intervenção. Nesse sentido, constam do memorial apre-
sentado pelo Estado de São Paulo, os seguintes dados, verbis: [...]
Como tenho afirmado, esse exame de dados concretos, ao in-
vés de apenas argumentos jurídicos, não é novidade no Direito
comparado. No âmbito dos reflexos econômicos da atividade
jurisdicional, a experiência internacional tem, assim, demonstra-
do que a proteção dos direitos fundamentais e a busca da redu-
ção das desigualdades sociais necessariamente não se realizam
sem a reflexão acurada acerca de seu impacto.
In casu, valendo-se do exame de dados concretos referentes às fi-
nanças públicas do Estado de São Paulo, o Ministro-Relator Gilmar
Mendes argumentou que, descontando-se os recursos já comprometi-
dos com despesas que não se podem deixar de realizar, como as despe-
sas com o pessoal dos três Poderes do Estado que alcançam 58% das

CAPÍTULO 4

Precatórios - Parte 2 - Capítulo 4.pmd 221 28/4/2005, 16:52


222 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

receitas correntes líquidas, a despesa com educação, que não pode ser
inferior a 25% da receita resultante de impostos (art. 212 da CF/88), a
despesa com saúde (art. 198, § 2o, da CF/88) e outras, restam ao Go-
vernador do Estado cerca de 2% das receitas correntes líquidas para o
pagamento dos precatórios, que é o que está sendo efetivamente pago.
Diante dessa análise, o Ministro concluiu que a intervenção não é o
meio jurídico mais eficiente para remediar o problema do não-paga-
mento dos precatórios, já que um eventual interventor não poderia
fazer melhor do que aquilo que o Governador, democraticamente elei-
to, já está fazendo. Isso porque: “Ao interventor também será aplicá-
vel a reserva do financeiramente possível”.
A Análise Econômica do Direito se propõe justamente a ajudar a
decidir sobre os meios mais eficientes para se alcançar determinado
fim, ponderando entre os meios jurídicos (remédios) e o fim também
jurídico (nesse caso, o cumprimento das decisões judiciais com o pa-
gamento dos precatórios) a ser realizado.
Em síntese, pois, pode-se dizer que a Análise Econômica do Direi-
to (AED) consiste fundamentalmente na aplicação de conhecimentos
elaborados e desenvolvidos pela Ciência Econômica na solução de
problemas jurídicos. Como se vê, o não-pagamento de precatórios é
também um problema jurídico.
Para traduzir em poucas palavras a idéia que sintetiza a proposta
desta escola de pensamento, poderíamos dizer que a AED visa a in-
vestigar a função da norma jurídica como estrutura de incentivos para
a atividade econômica. Em outras palavras, visa a explicitar os efeitos
do direito, o direito posto pelas sentenças judiciais inclusive, sobre a
economia. A AED é, portanto, um instrumento teórico que serve para
auxiliar na análise, na crítica, na compreensão, na interpretação e na
aplicação do Direito, tendo em vista o aperfeiçoamento do sistema
jurídico composto de normas e instituições. Portanto, a idéia é empre-
ender uma análise das conseqüências do ordenamento jurídico vigente
num dado momento histórico, incluindo normas constitucionais,
infraconstitucionais e decisões judiciais (jurisprudência) sobre a eco-
nomia, notadamente em relação à alocação de recursos escassos, para,
então, proceder a uma adequação dos institutos jurídicos aos critérios
da racionalidade econômica, sobretudo no que se refere à eficiência e
à maximização da riqueza.

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

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A EMENDA CONSTITUCIONAL N. 30, DE 13.9.2000... 223

Por intermédio do sistema jurídico, tratam os homens de conse-


guir situações de certeza, de segurança, de ordem e de paz em suas
relações sociais. Além disso, deseja-se que essas situações ordenadas
e pacíficas sejam justas. Para a AED, justiça e eficiência andam jun-
tas, é dizer, a idéia de ordem justa se aproxima da idéia de ordem
eficiente, que é dada pelo sistema jurídico, que proporciona a estru-
tura de incentivos mais adequada à realização do potencial produti-
vo da sociedade.
Na utilização da AED como instrumental teórico para a crítica que
visa ao aperfeiçoamento do ordenamento jurídico, parte-se da seguin-
te indagação: como o Direito posto interfere, influencia e determina o
funcionamento da economia? A partir das respostas encontradas nas
investigações de casos concretos, a AED vai sugerir como o Direito
posto pode ser aperfeiçoado, no sentido de proporcionar ou de favore-
cer o melhor funcionamento possível da economia, o que pressupõe
uma economia funcionando com a máxima eficiência possível.
Tem toda a razão, pois, Dworkin (1980, p.191), quando diz que a
AED é uma teoria política do direito, que apresenta um ramo descriti-
vo e um ramo normativo, em que os teóricos sustentam que os juízes,
pelo menos os juízes do common law, têm como um todo decidido hard
cases,3 de modo a maximizar a riqueza social, e que eles devem mesmo
decidir esses casos com base nesse critério.

4. O PRINCÍPIO DA ESCASSEZ

O que governa a economia é o princípio da escassez. Tal princípio


decorre do fato de que as necessidades e os desejos de consumo, con-
seqüentemente as demandas por bens e produtos, sejam eles básicos,
como alimentação, moradia, vestuário, etc., ou bens de luxo, como
jóias, perfumes, iates, etc., são ilimitados ou infinitos, enquanto os
recursos (fatores de produção) para atender a essas demandas são finitos
ou, mais precisamente, escassos.

3
Hard cases são aquelas causas em que o direito (lei) aponta para um lado, e o ideal de
justiça aponta para o lado contrário. A expressão hard cases (que poderíamos traduzir
por “causas difíceis de decidir”) se refere, pois, às causas que envolvem juízos de
eqüidade em que os juízes ficam tentados a flexibilizar, mitigar ou mesmo não
aplicar a lei que rege o caso concreto.

CAPÍTULO 4

Precatórios - Parte 2 - Capítulo 4.pmd 223 28/4/2005, 16:52


224 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Tendo por base esse princípio da escassez e os postulados de racio-


nalidade das condutas dos agentes, segundo os quais o homem busca
o máximo de satisfação com o mínimo de dispêndio, o problema a
ser solucionado é o de determinar a alocação mais eficiente possí-
vel desses recursos escassos (fatores de produção), de modo a
maximizar a riqueza.
Os teóricos da Análise Econômica do Direito (AED) defendem a
adoção do critério da eficiência econômica (maximização da riqueza)
como princípio normativo, ou seja, como guia para a criação de nor-
mas jurídicas (incluindo decisões judiciais). De acordo com Posner, as
normas jurídicas, notadamente aquelas promulgadas pelas cortes do
common law, podem ser mais bem compreendidas (interpretadas) como
esforços, ainda que muitas vezes inconscientes, destinados a maximizar
a riqueza. Nas palavras do autor:
A maximização da riqueza como um guia para decisões, inclusi-
ve judiciais, significa que o objetivo de tal ação (decisão) é pro-
mover a alocação de recursos que faz com que o “bolo” (PIB)
fique tão grande quanto possível, independentemente do tama-
nho relativo das fatias (repartição do bolo). Isso implica utilizar
análises custo-benefício como critério para decisões (escolhas)
sociais, em que os custos e os benefícios são mensurados pelos
preços que o mercado estabelece, ou estabeleceria se lhe fosse
permitido funcionar.4
Na visão de Posner, a maximização da riqueza (eficiência econômica)
é um objetivo eticamente válido e um critério que apresenta vantagens
em relação a outros princípios normativos. A idéia é que o Direito, como
ideal de justiça distributiva que busca dar a cada um o que é seu, pode e
deve pautar-se por esses mesmos critérios de eficiência, pois aqui tam-
bém se trata da distribuição e da alocação de bens escassos. Ao maximizar
benefícios e minimizar custos (eficiência), consegue-se a maximização
da riqueza que, por sua vez, pode ajudar na maximização do bem-estar
social, que é o fim para o qual a Economia está voltada, como é também
o fim para o qual o Direito está voltado. Afinal, mais é melhor do que
menos, se o problema é dar a cada um o que lhe é devido, ou seja, se
houver mais (maior riqueza), haverá mais para dar a cada um.

4 Cf. POSNER, 1984, p.132.

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

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A EMENDA CONSTITUCIONAL N. 30, DE 13.9.2000... 225

5. O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA

Como explica Cooter (2000, p. 265):


Eficiência pode se referir ao padrão Pareto – se uma alteração
na lei pode melhorar a situação de alguém sem que ninguém
tenha sua situação piorada. Alternativamente, eficiência pode se
referir ao padrão custo-benefício – se os favorecidos pela mu-
dança na lei ganham mais riqueza do que perdem os
desfavorecidos. Ou eficiência pode se referir a um padrão de
bem-estar – se os favorecidos pela mudança na lei ganham mais
bem-estar do que perdem os desfavorecidos.5
O estilo mais comum da Análise Econômica do Direito (AED) con-
siste em avaliar mudanças no ordenamento jurídico do ponto de vista
do status quo. Neste caso, devemos indagar se a mudança na Constitui-
ção Federal de 1988, introduzida pela Emenda n. 30/00, gerou maior
eficiência.
Nesse aspecto, entendemos que a aprovação da Emenda Constitu-
cional n. 30/00 significou um aumento de eficiência do ordenamento
jurídico pátrio no tocante ao problema do pagamento dos precatórios,
porque melhorou a situação dos credores sem piorar a situação dos
devedores (Estados e Municípios).
À primeira vista, poderia parecer que a Emenda Constitucional n.
30/00 prejudicou os credores, ao postergar o pagamento dos
precatórios, que se deveria fazer de forma imediata. Contudo, uma
reflexão mais aprofundada e mais abrangente do problema nos faz
perceber que, em verdade, a Emenda n. 30/00 melhorou a situação
dos credores, pois abriu uma porta, via alternativa por meio do mer-
cado, que, se bem explorada, poderá trazer uma solução satisfatória
para os precatórios.
O argumento torna-se mais compreensível se admitirmos que os
Estados e os Municípios não têm, de fato, recursos financeiros para
pagar de uma só vez os precatórios atrasados. Contra essa constatação,

5
No original: Efficiency might refer to the Pareto standard – whether a change in law can make
someone better-off without making anyone worse-off. Alternatively, ‘efficiency’ might refer to
the cost-benefit standard – whether the winners from a change in law gain more wealth than the
losers lose. Or ‘efficiency’ might refer to a welfare standard – whether the winners from a change
in law gain more welfare than the losers lose.

CAPÍTULO 4

Precatórios - Parte 2 - Capítulo 4.pmd 225 28/4/2005, 16:52


226 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

seria inútil argumentar que a despesa está prevista no Orçamento.


Haver previsão orçamentária de despesa é uma coisa, ter o recurso
(dinheiro!) em caixa para o pagamento é outra completamente distin-
ta. O Orçamento é uma planilha, é papel! O papel aceita tudo, como
se costuma dizer no meio jurídico. O problema é que, de fato, não há o
recurso financeiro (dinheiro em caixa para ser bem claro) para pagar de
uma só vez os precatórios atrasados.
Nesse caso, medidas de força, como o seqüestro de recursos dos Es-
tados e dos Municípios, depositados em instituições financeiras oficiais,
poderia acarretar a paralisação das atividades de foros, delegacias, servi-
ços de saúde, educação, e outros serviços públicos essen-ciais à popula-
ção. Da mesma forma, um interventor nomeado em função de uma even-
tual decisão judicial não poderia fazer diferente, como bem disse o STF
no julgamento do caso do Estado de São Paulo.
Portanto, antes da Emenda Constitucional n. 30/00, só restava aos
credores aguardar na fila. Com a emenda, é possível pensar na forma-
ção de um mercado ágil e dinâmico, capaz de dar liquidez a esses títu-
los de crédito, mais precisamente valores mobiliários constituídos por
precatórios.
Por isso, pensamos que a revogação ou a declaração de inconstitu-
cionalidade da Emenda n. 30/00 traria de volta a situação de impasse
e, nesse sentido, de desesperança em que estavam os credores antes da
edição dessa emenda constitucional.
Também por isso, consideramos que o ajuizamento das ADIn’s n.
2356-0 e n. 2362-4, ambas visando à declaração de inconstitucionali-
dade do art. 2o da Emenda Constitucional n. 30/00, que acrescentou
o art. 78 ao ADCT, talvez não tenha sido a medida mais apropriada
para proteger os direitos dos credores de precatórios.

6. A MODERNA NOÇÃO DE DIREITO COMO ESTRUTURA DE


INCENTIVOS

Segundo Marchal ([s.d.], p. 19),


[...] a introdução das noções de estrutura e de sistema parece
ser o único meio que a ciência tem encontrado até aqui para
lançar uma ponte entre as duas ordens de pesquisas, com de-
masiada freqüência separadas: a investigação histórica e a aná-
lise teórica.

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

Precatórios - Parte 2 - Capítulo 4.pmd 226 28/4/2005, 16:52


A EMENDA CONSTITUCIONAL N. 30, DE 13.9.2000... 227

No campo das teorias jurídicas, passou-se do ideário que acompa-


nhou o processo de codificação do século XIX, notadamente o Código
de Napoleão, que via o código como um conjunto de normas comple-
to e final, para novos paradigmas que concebem os novos códigos
como um sistema funcional e aberto. É nessa linha de concepção das
normas jurídicas como sistema funcional e aberto que se insere a mo-
derna noção de direito como estrutura de incentivos que deduzimos
da Análise Econômica do Direito (AED).
A idéia é que a norma jurídica funciona como instrumento de polí-
tica econômica à medida que fornece aos agentes6 uma estrutura de
incentivos que direciona, influencia, enfim, é determinante para suas
decisões e, conseqüentemente, para suas ações, no que se refere à con-
dução de suas atividades econômicas, isto é, financiamento, produ-
ção, circulação, distribuição e consumo de bens e serviços.
De acordo com Ferreira,7 a palavra estrutura, originária do latim
structura, pode ser entendida como disposição e ordem das partes de
um todo. No mesmo sentido, Lalande8 define estrutura como disposi-
ção das partes que formam um todo. A Enciclopédia Logos,9 por sua
vez, diz que a palavra estrutura “comporta tanto um sentido
arquitectónico, de construção de um edifício, de disposição das suas
partes, como um sentido mental, de ordenação das idéias, do pensa-

6 Esclarece Sen (2000, p. 33) que: “O agente, às vezes é empregado na literatura


sobre economia e teoria dos jogos em referência a uma pessoa que está agindo
em nome de outra (talvez sendo acionada por um ‘mandante’), e cujas realiza-
ções devem ser avaliadas à luz dos objetivos da outra pessoa (o mandante).
Estou usando o termo agente não nesse sentido, mas em sua acepção mais
antiga – e ‘mais grandiosa’ – de alguém que age e ocasiona mudança e cujas
realizações podem ser julgadas de acordo com seus próprios valores e objetivos,
independentemente de as avaliarmos ou não também segundo algum critério
externo.” É nesta segunda acepção (mais antiga) que estamos empregando o
termo “agente”. Portanto, para nós, agente é todo aquele que, de alguma forma,
atua no mercado. Essa atuação pode ser pelo lado da demanda ou pelo lado da
oferta. Assim, o comprador (consumidor) é um agente, tal como o produtor, o
investidor, o especulador, o corretor, etc.
7
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 2. ed.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
8
LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico da filosofia. 2ª. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1996.
9
Logos Enciclopédia luso-brasileira de filosofia. Editorial Verbo-Lisboa.

CAPÍTULO 4

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228 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

mento”. Do conceito de estrutura, é a idéia de disposição que nos


interessa, pois é dela que derivamos a idéia de norma jurídica como
disposição de estímulos, como sinaleiro que vai orientar as decisões
dos agentes no tocante à atividade econômica.
Calcada na idéia de estrutura de incentivos, segundo a qual a nor-
ma jurídica funciona como sinaleiro, encorajando condutas, colo-
cando para os agentes uma disposição de estímulos, que vai
direcionar suas decisões relativas à atividade econômica. Essas
decisões dos agentes dizem respeito, por exemplo, ao que comprar,
como comprar, onde comprar, o que produzir, como financiar a
produção, onde produzir, como produzir, quanto produzir, a quem
vender e a que preço.
Tratamos, pois, neste tópico, de desenvolver estas idéias investi-
gando seus possíveis desdobramentos. No capitalismo globalizado dos
dias de hoje, o capital, mais do que nunca, busca os ambientes mais
propícios para sua reprodução. Com isso, o que se verifica é que se
acirra, cada vez mais, a concorrência entre os países para atrair capital.
Não só o capital estrangeiro, mas o próprio capital interno (nacional).
Em outros termos, antes mesmo de atrair o capital estrangeiro, os pa-
íses precisam criar as condições para que o próprio capital nacional
fique no país. Se isso não é feito com sabedoria, o capital nacional
migra para os países que oferecem melhores condições. A Argentina é
um exemplo disso e, desafortunadamente para nós, o Brasil também.
Não é, pois, por acaso que brasileiros mantêm recursos no exterior.
A propósito, é ilustrativa a matéria veiculada pelo Diário do Comércio,10
sob o título “Dinheiro exportado”, segundo a qual:
Ao final do ano passado os ativos brasileiros no exterior soma-
vam, conforme estimativa do Banco Central, cerca de U$ 70
bilhões [...] Estamos falando de depósitos legítimos, de empre-
sas ou de pessoas físicas, que imigraram (sic) face às incertezas
internas. Com garantias, este dinheiro poderia voltar ao país,
ajudando a alimentar a economia, a produção e com toda certe-
za contribuindo para melhorar as contas do país.
Em todo o mundo, os países estão-se empenhando cada vez mais
para criar internamente as condições propícias para atrair o capital.

10 Diário do Comércio. Belo Horizonte, 5 de jul. 2002, p. 2.

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

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A EMENDA CONSTITUCIONAL N. 30, DE 13.9.2000... 229

Certamente, uns se aplicam mais e outros menos a essa tarefa. Conse-


qüentemente, alguns são mais bem-sucedidos que outros.
A esse respeito, o que nos interessa destacar é que entre os vários
fatores que favorecem a reprodução do capital está o sistema jurídi-
co do país que se propõe a atrair o capital. Os teóricos da Análise
Econômica do Direito têm mostrado que o sistema de normas e o
sistema de instituições que regem o funcionamento da economia
doméstica são de suma importância nessa concorrência para atrair o
capital. Um Estado que cumpre e faz cumprir as leis e as decisões
judiciais e um sistema jurídico que transmite confiança entre os agen-
tes (segurança jurídica), que assegura a estabilidade das relações, que
estimula a concorrência nos mercados, que favorece a alocação efi-
ciente de recursos escassos e que está aliado a um sistema eficiente
de solução de conflitos de interesses (litígios), são determinantes
para atrair o capital.
O capital, contudo, não se engana. De nada adianta uma Constitui-
ção e Códigos modernos se essas normas não são cumpridas, se não
têm efetividade. Não adianta uma lei perfeita que assegure os direitos
subjetivos de propriedade, como é o direito de crédito, tão caro ao
capitalismo, se as decisões judiciais transitadas em julgado não são
cumpridas. O tempo destrói o direito. Um sistema eficiente, capaz de
fornecer com presteza e segurança soluções definitivas para os confli-
tos intersubjetivos de interesses é imprescindível para o bom funcio-
namento da economia.

7. O DIREITO DE PROPRIEDADE

Os teóricos da Análise Econômica do Direito, de modo geral, res-


saltam a importância dos direitos de propriedade para o desempenho
da economia. A idéia de norma jurídica como estrutura de incentivos
ajuda muito na compreensão dessa relação.
Não é difícil entender a relação entre direitos de propriedade e ativi-
dade econômica, pois, até que os direitos de propriedade (individuais,
coletivos, públicos e privados) estejam definidos, não há incentivo
para a atividade econômica (produção de bens). O raciocínio é sim-
ples: se não houver previsão legal estabelecendo o direito de proprie-
dade sobre a terra, por exemplo, ninguém terá estímulo para cultivar
ou edificar. Ninguém vai cultivar ou edificar sobre um terreno, se não

CAPÍTULO 4

Precatórios - Parte 2 - Capítulo 4.pmd 229 28/4/2005, 16:52


230 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

tiver a garantia de que o produto de seu trabalho poderá ser apropria-


do. Da mesma forma, ninguém vai contratar outra pessoa para traba-
lhar, se não tiver assegurado o direito de propriedade sobre o resultado
desse trabalho. A estrutura de incentivos que resulta desse ordenamento
jurídico que não assegura o direito de propriedade é totalmente desfa-
vorável ao desenvolvimento de qualquer atividade econômica.
À medida que os direitos de propriedade passam a ser assegurados
por esse ordenamento jurídico, apresenta-se para os agentes uma nova
estrutura de incentivos mais favorável ao desenvolvimento das ativi-
dades econômicas. Já que o direito de propriedade sobre um terreno é
atribuído a um titular, este vai, certamente, buscar a melhor forma de
se beneficiar desse direito, o que se dará pelo desenvolvimento de al-
guma atividade econômica (cultivo da terra, construção de uma habi-
tação ou de uma fábrica, e assim por diante).
Os teóricos da Análise Econômica do Direito (AED) adotam o pos-
tulado de que a definição e a proteção de direitos de propriedade parti-
cular aumentam a eficiência alocativa dos recursos produtivos. Nesse
sentido, Ronald Coase,11 depois de analisar a disciplina da distribuição
das freqüências de rádio nos Estados Unidos, de 1900 a 1959, basea-
da em autorizações para exploração emitidas pela agência reguladora
(Federal Communications Commission – FCC ), concluiu que o estabeleci-
mento de direitos de propriedade privada sobre essas freqüências de
rádio promoveria uma utilização mais eficiente desses canais de co-
municação.
Não basta, porém, a simples definição dos direitos de propriedade
num ordenamento jurídico. Nesse sentido, é ilustrativa a obra de Soto
(2000), que investiga as causas que fazem ser o capitalismo bem-suce-
dido em algumas partes do Ocidente, mas não consiga o mesmo resul-
tado nas demais partes do mundo. “O mistério do capital”, segundo
Soto (2000), está num sistema eficiente de representação dos direitos
de propriedade.
De acordo com Soto (2000, p. 5), até mesmo os pobres nos países
em desenvolvimento (subdesenvolvidos) têm riquezas (propriedades).
O problema é que esses recursos são mantidos sob formas defectivas,

11 The Federal Communications Commission. Journal of Law and Economics, p. 1-40,


1959.

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

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A EMENDA CONSTITUCIONAL N. 30, DE 13.9.2000... 231

por exemplo, construções edificadas sobre terrenos cuja propriedade


não está adequadamente registrada, empresas irregularmente consti-
tuídas com responsabilidades indefinidas, indústrias localizadas onde
financistas e investidores não as podem ver.
Essas pessoas possuem bens, mas não têm o processo adequado
para representar esses direitos de propriedade. Estando os direitos so-
bre tais bens inadequadamente representados, esses ativos não podem
ser transformados em capital. Exatamente essa é a situação dos
precatórios no Brasil, ou seja, é riqueza mantida sob forma defectiva,
é ativo que não pode ser transformado em capital.
Em contraste, nos países desenvolvidos do Ocidente, cada parcela de
terra, cada edificação, cada pedaço de equipamento está devidamente
representado num documento de propriedade, que é um sinal visível de
um vasto processo submerso que conecta todos esses ativos ao resto da
economia. Graças a esse processo de representação, os ativos podem
servir de garantia para a obtenção de crédito. Segundo Soto (2000, p. 6),
a fonte mais importante de financiamento para novas empresas nos Es-
tados Unidos é a hipoteca sobre a casa do próprio empresário. Portanto,
por intermédio desse processo de representação das propriedades, inje-
ta-se vida sobre os ativos, permitindo-lhes gerar capital.
Afirma Soto (2000, p. 7), ainda, que os países do Terceiro Mundo e
os países que até recentemente eram comunistas (leste europeu) não
têm esse sistema de representação. Por isso, estão subcapitalizados, da
mesma forma que uma empresa está subcapitalizada quando emite
menos títulos de capitalização que sua receita e seu ativo permitiriam
emitir. Sem um sistema adequado de representação das propriedades,
os pobres são como companhias (sociedades anônimas) que não con-
seguem emitir ações ou títulos para obter novo financiamento. Seus
ativos são capital morto. No caso brasileiro, os precatórios são como
capital morto.
Para ilustrar, Soto (2000, p. 15) propõe o seguinte exercício:
Imagine um país onde não se consegue identificar quem possui
o quê, endereços não são facilmente verificáveis, não se conse-
gue fazer com que as pessoas paguem seus débitos, não se con-
segue converter convenientemente recursos em dinheiro, não se
consegue repartir a propriedade em cotas, descrições de ativos
não estão padronizadas e não podem ser facilmente compara-
das, e as regras que governam as propriedades variam de vizi-

CAPÍTULO 4

Precatórios - Parte 2 - Capítulo 4.pmd 231 28/4/2005, 16:52


232 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

nhança para vizinhança ou até de uma rua para outra. Você aca-
ba de se colocar na pele de alguém que vive num país em desen-
volvimento ou num país do extinto bloco comunista.
Note-se que é exatamente a situação dos precatórios no Brasil, uma
vez que não se consegue fazer com que a dívida seja paga e também
não se consegue converter precatórios em dinheiro.
“O mistério do capital”, portanto, segundo Soto (2000), consiste
num sistema de representação dos direitos de propriedade e num am-
biente institucional capaz de fazer com que os ativos (propriedades)
se transformem em capital, ou seja, capaz de criar capital ou transfor-
mar capital morto em capital vivo, enfim, capaz de dinamizar a proprie-
dade, no sentido de que nos fala Vaz (1993, p.148).
Com essa argumentação, pretende-se demonstrar que, formando-
se um mercado de precatórios, é possível transformar este capital
morto que temos hoje (precatório) em capital vivo, capaz de dinami-
zar a propriedade.
Como o milho, a soja, o trigo ou qualquer outra commodity, o crédito
dos precatórios pode ser alocado por meio de um sistema de preços
que direciona o bem para o usuário que lhe atribui o maior valor. No
caso do crédito, o preço são os termos que o banco pode negociar no
contrato de empréstimo. Se as instituições financeiras podem conse-
guir melhores termos de troca, não há por que impedir a transferência
do crédito para o usuário que lhe atribui maior valor.
Além disso o mercado pode promover maior especialização, porque
os bancos e as demais instituições que se interessarem pelo mercado
de precatórios teriam maior incentivo em desenvolver know-how em
realizar esse tipo de operação. Podem surgir também outros interessa-
dos em atuar nesse mercado. Aqueles que forem mais bem-sucedidos
nesse tipo de operação poderão vender seus serviços às demais insti-
tuições. Por intermédio da concorrência, os mais eficientes na realiza-
ção dessas operações conquistariam essa nova fatia de mercado.
Em relação à estrutura de incentivos, as piores coisas que se podem
apresentar para o mercado são: 1) descumprimento das regras 2) que-
bras de contrato; 3) incerteza normativa.
Se o próprio Estado não cumpre as decisões judiciais, ninguém vai
sentir-se seguro contratando. Isso explica, em parte, por que o Estado
precisa pagar preços mais elevados para adquirir os produtos e os servi-

CONTRIBUIÇÕES DOUTRINÁRIAS

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A EMENDA CONSTITUCIONAL N. 30, DE 13.9.2000... 233

ços de que necessita. As empresas, quando transacionam com o Esta-


do, embutem no preço o risco da inadimplência. Explica também, pelo
menos em parte, o porquê de termos taxas de juros tão elevadas. Se o
Estado, que é o maior tomador de crédito no mercado financeiro nacio-
nal, precisa pagar altas taxas de juros (porque os agentes temem a
inadimplência e temem ainda mais os precatórios), os demais tomadores
(consumidores, por exemplo), para concorrer aos créditos disponíveis,
acabam precisando também pagar altas taxas de juros.
O medo (verdadeiro pânico!) que se disseminou pela sociedade bra-
sileira em relação aos precatórios tem outros efeitos danosos. Certa-
mente, as empresas que transacionam com o Estado, participando das
licitações, não querem nem ouvir falar em precatório. Isso, muitas ve-
zes, leva o empresário a recorrer ao pagamento de propina para rece-
ber o que lhe é devido. Em outras palavras, para fugir dos precatórios,
as empresas acabam sujeitando-se a pagar propina para receber o que
lhes é devido. Portanto, além de todos os males que a dívida acumula-
da dos precatórios acarreta, há mais este, que é o incentivo à corrupção
de servidores públicos, agentes políticos e empresários.

8. CONCLUSÃO

Embora legítimo, por um lado, não é viável, por razões práticas,


econômicas e financeiras, forçar o pagamento imediato, de uma só
vez, do total da dívida referente a precatórios. Por outro lado, também
não é aceitável que a decisão de pagar as dívidas referentes a precatórios
fique entregue ao livre alvedrio dos chefes da Administração.
Conforme argumentamos ao longo da exposição, a Emenda Consti-
tucional n. 30, de 13 de setembro de 2000, abriu a possibilidade jurídi-
ca de se adotar uma solução de mercado como via alternativa, que
pode ser eficiente, sendo, talvez, a melhor forma de se forçar o paga-
mento dos precatórios.
Consideramos que a formação de um mercado de precatórios pode
ser uma solução eficiente, porque favorece a dinamização desse direi-
to de propriedade, na linha da transformação de ativos mortos em
ativos vivos, elaborada por Soto (2000).
Assim, por tudo que foi exposto, entendemos que a retirada do
ordenamento jurídico (declaração de inconstitucionalidade) dos dis-

CAPÍTULO 4

Precatórios - Parte 2 - Capítulo 4.pmd 233 28/4/2005, 16:52


234 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

positivos da Emenda Constitucional n. 30, de 13 de setembro de 2000,


que autorizaram a adoção da solução de mercado aqui examinada se-
ria prejudicial para os próprios credores de precatórios e para o restan-
te da sociedade brasileira.

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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PARTE III
JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo A.pmd 237 2/5/2005, 16:06


238 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo A.pmd 238 2/5/2005, 16:06


INTERVENÇÃO FEDERAL N. 2.915-5 – SP 239

ANEXO A INTERVENÇÃO FEDERAL


N. 2.915-5 – SP

Proced.: São Paulo


Relator originário: Ministro Marco Aurélio
Relator para o acórdão: Min. Gilmar Mendes
Reqtes.: Nair de Andrade e outros
Advdos.: Antonio Roberto Sandoval Filho e outros
Reqdo.: Estado de São Paulo
Advdos.: Pge-SP – Edson Marcelo Veloso Donardi e outros

EMENTA: INTERVENÇÃO FEDERAL. 2. Precatórios judiciais.


3. Não configuração de atuação dolosa e deliberada do Estado de São
Paulo com finalidade de não pagamento. 4. Estado sujeito a quadro de
múltiplas obrigações de idêntica hierarquia. Necessidade de garantir
eficácia a outras normas constitucionais, como, por exemplo, a conti-
nuidade de prestação de serviços públicos. 5. A intervenção, como
medida extrema, deve atender à máxima da proporcionalidade. 6. Ado-
ção da chamada relação de precedência condicionada entre princípios
constitucionais concorrentes. 7. Pedido de intervenção indeferido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do


Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, na conformidade da
ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por maioria, indeferir o
pedido formulado na inicial da intervenção.
Brasília, 03 de fevereiro de 2003.

MINISTRO MARCO AURÉLIO – PRESIDENTE E RELATOR


MINISTRO GILMAR MENDES – REDATOR P/ O ACÓRDÃO
ANEXO A

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240 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) –
Nair de Andrade e outros requerem o deferimento de intervenção fede-
ral no Estado de São Paulo, diante do não-pagamento de valor requisi-
tado em precatório que envolve prestação de natureza alimentícia,
expedido em 1997, para inclusão no orçamento de 1998. O processo
teve início em 1987.
Após ouvir o Governador do Estado e o Ministério Público, o Tri-
bunal de Justiça julgou procedente o pedido, determinando a remessa
do processo a esta Corte, o que ocorreu em maio de 2001.
Solicitadas informações, manifestou-se o Governador, afirmando
não ter sido descumprida ordem judicial. É que, por ter caráter excep-
cional, a regra do artigo 34 da Constituição Federal há de ser interpre-
tada de forma restritiva, não restando, na espécie, tipificada a conduta
ali prevista, pois não ocorreu “dolo, ou seja, vontade intencionalmen-
te dirigida” para o descumprimento da ordem judicial ou o não-paga-
mento dos precatórios. Ressalta que, ao assumir o Governo, pendiam
de pagamento precatórios que deveriam ter sido pagos pelo governo
anterior, estando as finanças públicas em situação caótica, pelo que
foi necessária a reorganização do orçamento do Estado. Aduz ter dado
bons resultados a gestão dos recursos públicos, permitindo “avanços
consideráveis no pagamento dos débitos do Estado decorrentes de
decisões judiciais”. Sustenta ter despendido quantia superior àquela
que fora gasta nos oito anos anteriores, com o pagamento de precatórios.
Por outro lado, alega que o precatório em questão é precedido de ou-
tros, também “com direito a preferência”. Discorre sobre a crise eco-
nômica que assola o País e atinge o Estado e o particular, mas chama
atenção para o fato de o primeiro ter o dever de promover o bem co-
mum, custear a educação, a saúde, a habitação, a segurança, gerar
empregos para os cidadãos e manter em perfeito funcionamento a
máquina administrativa, não podendo sacrificar os interesses de toda
a sociedade para quitar precatórios acumulados. Reafirma não estar
deixando de cumprir de forma intencional, arbitrária ou desarrazoada
a ordem judicial. Ao contrário, tem envidado esforços para liquidar
todos os precatórios, mas esbarra na exaustão do erário.
A Procuradoria-Geral da República opinou pela procedência do pe-
dido de intervenção.

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo A.pmd 240 2/5/2005, 16:06


INTERVENÇÃO FEDERAL N. 2.915-5 – SP 241

Diante da passagem do tempo, despachei, à folha 385, intimando as


partes a manifestarem-se sobre eventual liquidação do débito.
Os requerentes, à folha 396 à 400, insistem no deferimento da in-
tervenção, pois não providenciado o pagamento do valor devido.
O Estado de São Paulo, por sua vez, reitera o teor das informações
prestadas pelo Governador, salientando não estar caracterizado o
descumprimento de ordem judicial que autorize a intervenção.
O Governador do Estado, convidado por esta Presidência a debater
sobre o tema dos precatórios atrasados, a fim de encontrar-se uma solu-
ção, encaminhou ofício datado de 23 de abril de 2002, no qual noticia a
satisfação de precatórios de natureza alimentar e a previsão de conti-
nuar liquidando os débitos, assim que aprovado, no Congresso, o projeto
de lei que contém permissão de os Estados utilizarem oitenta por cento
dos depósitos judiciais para quitar precatórios de natureza alimentar.
Ouvidos, os requerentes esclareceram não ter sido alcançado pelo
pagamento mencionado pelo Governador o precatório que ensejou este
pedido de intervenção.
Em 12 deste mês, chegou ao Gabinete petição na qual o Estado
revela fatos ligados à liquidação dos precatórios, o que resultou na
seguinte informação da Assessoria:
O Estado de São Paulo, requerido na intervenção mencionada,
tendo em conta a publicação da Lei n. 10.482, de 3 de julho de
2002, bem como do Decreto Estadual n. 46.933, de 19 de julho
passado, noticia quais as providências tomadas, a fim de pro-
mover a liquidação dos precatórios alimentares atinentes ao re-
ferido Estado.
No decreto aludido, fora estabelecido que “o repasse da quan-
tia correspondente aos depósitos efetuados de 1º.01.2001 até
3/7/2002 seria feito em 3 (três) parcelas mensais”, tendo sido
apurada a quantia de R$ 101.284.597,84 (cento e um milhões,
duzentos e oitenta e quatro mil, quinhentos e noventa e sete reais
e oitenta e quatro centavos), correspondente à primeira.
Prossegue, destacando a antecipação de R$ 781.834,56 (setecen-
tos e oitenta e um mil, oitocentos e trinta e quatro reais e cin-
qüenta e seis centavos), também, destinados ao pagamento dos
débitos referentes aos precatórios. Sendo assim, segundo o re-
querido, mais de R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais)

ANEXO A

Precatórios - Parte 3 - Anexo A.pmd 241 2/5/2005, 16:06


242 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

serão utilizados nos meses de agosto e setembro, na solvência da


obrigação citada.
Ressalta, ainda, ter sido efetuado o pagamento de “todos os
precatórios de natureza alimentar de até R$ 8.000,00 (valor fixado
pela Constituição Federal) no último dia 26 de julho”, consoante a
documentação em anexo, elaborada pela Coordenadoria de
Precatórios da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo.
Assevera, outrossim, a ocorrência de quitação concernente a
precatórios de natureza comum, resultante do emprego de re-
cursos financeiros oriundos da receita ordinária estadual, indi-
cando terem sido empregados R$ 131.364.814,34 (cento e trinta
e um milhões, trezentos e sessenta e quatro mil, oitocentos e
quatorze reais e trinta e quatro centavos) na liquidação dos
precatórios, somente nos meses de junho e julho de 2002.
Sustenta, alfim, estar “lutando por todas as formas para a obten-
ção de novos recursos, de modo a acelerar o resgate desse passi-
vo”, ainda não realizado, em virtude da impossibilidade material e
jurídica existente, porquanto não seria possível o desvio de verbas
imprescindíveis ao funcionamento dos demais setores estatais.
Observe-se, apenas, ter sido incluída em pauta a intervenção fe-
deral citada, no dia 25 de junho passado – Pauta de n. 24/2002.
Os requerentes pronunciaram-se salientando que o precatório obje-
to do pedido de intervenção, de n. 991/98 na ordem cronológica, não
tem perspectiva de ser pago, de acordo com as informações do Procu-
rador-Geral do Estado de São Paulo. Destacam que, nos últimos sete
anos, não houve a quitação integral de nenhum precatório de natureza
alimentar e que nada foi pago em relação aos precatórios dos anos de
1998, 1999, 2000 e 2001. Ressaltam que o valor pago no mês de ju-
nho decorreu da aprovação da Lei n. 10.482/2002. Todavia a verba
ficara aquém do valor prometido pelo Governador do Estado, até por-
que o referido diploma legal restou desfigurado do projeto original,
“deixando de solucionar o grave problema dos precatórios alimenta-
res, para continuar beneficiando as instituições financeiras”. Asseve-
ram que os duzentos milhões de reais prometidos para os meses de
agosto e setembro, também decorrentes da Lei n. 10.482/2002, são
insuficientes para a liquidação dos precatórios de 1997.
Sustentam que o pagamento dos precatórios de pequeno valor im-
plicou a exclusão de ações plúrimas, “tanto que nenhum dos partici-

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo A.pmd 242 2/5/2005, 16:06


INTERVENÇÃO FEDERAL N. 2.915-5 – SP 243

pantes deste pedido de intervenção federal tiveram seus créditos


quitados, apesar de vários deles terem quantias a receber inferiores
a R$ 100,00 (cem reais)”.
Alegam que o Procurador-Geral do Estado confirma “a inversão
total da ordem constitucional ao afirmar que a Administração preten-
de pagar R$ 600.000.000,00 (seiscentos milhões de reais), no corrente
exercício, aos precatórios não alimentares” e questionam qual seria o
fundamento para se subverter a prioridade constitucional. Por outro
lado, apontam não pretenderem o desvio de recursos necessários ao
funcionamento do aparato estatal, bastando que o Governador “desti-
ne a verba orçamentária para pagamento dos precatórios de natureza
alimentar”. Finalmente, asseveram que o cidadão comum não tem a
possibilidade de alegar a existência de outra dívida para se furtar ao
cumprimento de obrigação que tenha assumido.
É o relatório.

VOTO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) –
Os esforços desenvolvidos com o objetivo de solucionar a pendência
não frutificaram.
Contatos foram mantidos com o Chefe do Poder Executivo do Es-
tado. Reafirmou-se a impossibilidade de depósito do valor do precatório,
ante a falta de recursos. A ordem natural do processo desaguou, então,
na inclusão em pauta. O fenômeno ocorreu por força de um dever
inerente ao ofício judicante, e não considerado o disposto no § 5º do
artigo 100 da Constituição Federal:
O Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo
ou omissivo, retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de
precatório incorrerá em crime de responsabilidade.
Aliás, há de fazer-se certo registro. A previsão constitucional resul-
tou da Emenda n. 30/2000, deixando de guardar sintonia com o dia-a-
dia dos tribunais.
A situação verificada relativamente à liquidação dos precatórios
decorreu de atos omissivos e comissivos, não dos Presidentes dos Tri-
bunais, mas de Governadores e Prefeitos. Logo, outros deveriam ser
os destinatários da norma.

ANEXO A

Precatórios - Parte 3 - Anexo A.pmd 243 2/5/2005, 16:06


244 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Na oportunidade do julgamento da Ação Direta de Inconstituciona-


lidade n. 1.098, fiz consignar, em voto, a quadra então vivida, consi-
derados os débitos das Fazendas Públicas. O registro alcançou não só
a origem do grande número de precatórios pendentes de liquidação,
como também o círculo vicioso notado a partir da óptica segundo a
qual impossível seria, na vigência da Constituição Federal anterior,
cogitar-se da inserção, no instrumento, do valor real. Vê-se que a situa-
ção piorou a cada dia, perdendo os jurisdicionados a esperança na li-
quidação dos débitos da Fazenda e nutrindo sentimento contrário ao
primado do Judiciário, à necessidade de respeito irrestrito às decisões
imutáveis, não mais sujeitas a recurso. Para assim concluir-se, é suficiente
ter presente o grande número de processos de intervenção existentes nes-
ta Corte, fundados na regra do artigo 34, inciso VI, da Constituição Fede-
ral, autorizadora da intervenção nos Estados e no Distrito Federal,
quando descumprida ordem ou decisão judicial. A grosso modo, é dado
constatar processos reveladores de pedidos de intervenção, a maioria
deles ligados a descumprimento de precatórios, contra os seguintes
Estados:

Alagoas 1 processo;
Ceará 17 processos;
Distrito Federal 48 processos;
Espírito Santo 10 processos;
Goiás 10 processos;
Mato Grosso 10 processos;
Pará 11 processos;
Paraná 10 processos;
Rio de Janeiro 8 processos;
Rio Grande do Sul 176 processos;
Rondônia 2 processos;
Santa Catarina 111 processos;
São Paulo 2.822 processos;
Tocantins 16 processos.

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo A.pmd 244 2/5/2005, 16:06


INTERVENÇÃO FEDERAL N. 2.915-5 – SP 245

Reitero o que consignado no referido voto:


Sob a égide da Constituição pretérita, estabeleceu-se quadro de
extravagância ímpar, considerada a relação jurídica mantida pelo
Estado e credores, e a liquidação de obrigações pecuniárias re-
conhecidas mediante provimento judicial. A interpretação literal
do preceito de regência dos precatórios, ou seja, do artigo 117,
levou à conclusão de que os valores deles constantes, atualizados
em 1º de julho, seriam pagos, até o término do exercício subse-
qüente à respectiva apresentação, na forma nominal. Decorreu
daí, diante de inflação da ordem de trinta por cento ao mês, um
verdadeiro ciclo vicioso. O credor, ao ver satisfeito o precatório,
tinha a desventura de constatar a liquidação parcial do débito da
Fazenda a oscilar entre três a cinco por cento do total devido. O
direito reconhecido em sentença transitada em julgado transfor-
mava-se em verdadeira pensão vitalícia, forçando o requerimento
da expedição de novo precatório, com sobrecarga para a má-
quina judiciária, no que perpetuadas as execuções e, portanto, a
tramitação dos processos. Iniludivelmente, tendo em vista a busca
da realização de obras e, também, a delimitação temporal dos
mandatos, proibida a reeleição, a sistemática consagrada jurispru-
dencialmente acabou por levar a sucessivas e pouco planejadas
desapropriações, não se preocupando os governantes com a
necessidade de conciliá-las com as dotações orçamentárias e,
destarte, com créditos abertos para tal fim. Projetaram-se, com
isso, as liquidações dos débitos, a alcançarem toda e qualquer
importância devida pela Fazenda Pública em razão de condena-
ções sofridas. A par do pernicioso critério homenageando o
valor nominal em detrimento do valor real, contavam ainda, as
Fazendas, com a denominada ciranda financeira. Os recursos
eram aplicados no mercado, multiplicando-se dia a dia. A “bola
de neve” formou-se e aí, em visão prognóstica, em face até
mesmo dos novos ares constitucionais, no sentido de um maior
equilíbrio na relação Estado-cidadão, o Constituinte de 1988,
para ordenar o quadro e extirpá-lo, fez inserir no Ato das Dispo-
sições Constitucionais Transitórias preceito revelador de verda-
deira moratória. Refiro-me ao artigo 33, segundo o qual “ressal-
vados os créditos de natureza alimentar, o valor dos precatórios
judiciais pendentes de pagamento na data da promulgação da
Constituição, incluindo o remanescente de juros e correção mo-
netária, poderá ser pago em moeda corrente, com atualização, em
prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de oito

ANEXO A

Precatórios - Parte 3 - Anexo A.pmd 245 2/5/2005, 16:06


246 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

anos, a partir de 1º de julho de 1989, por decisão editada pelo


Poder Executivo até cento e oitenta dias da promulgação da Cons-
tituição”. Previu-se, mais, que “poderão as entidades devedoras,
para o cumprimento do disposto neste artigo, emitir, em cada
ano, no exato montante do dispêndio, títulos de dívida pública
não computáveis para efeito do limite global de endividamento”.
Da norma extraem-se várias premissas: a primeira diz respeito à
exclusão dos créditos de natureza alimentar, cuja razão de ser
estava em afastar-se a projeção no tempo, ou seja, o pagamento
em oito prestações anuais iguais e sucessivas. A segunda concerne
ao caráter do dispositivo constitucional que, mostrando-se tran-
sitório, aplicava-se apenas aos “precatórios judiciais pendentes
de pagamento na data da promulgação da Constituição”. A ter-
ceira corre à conta de se ter feito estancar, como acabou por
sedimentar esta Corte, os juros, quer os decorrentes da mora,
quer os compensatórios. A quarta premissa implicou a desmiti-
ficação da esdrúxula tese do privilégio da Fazenda Pública de
ver projetada indefinidamente no tempo a satisfação dos res-
pectivos débitos. Em consonância com o corpo permanente da
Carta, previu-se que as parcelas seriam iguais e sucessivas, reve-
lando-se, ainda, atualizadas, ou seja, sem saber-se a percentagem
alusiva à reposição do poder aquisitivo, impôs-se a manutenção
do poder da moeda, mesmo porque, não fosse assim, de nada
adiantaria o dispositivo constitucional. Neste ponto, o artigo 33
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias exsurgiu, à
primeira hora, pedagógico, afastando o desequilíbrio notado na
relação jurídica devedor-credor e colocando fim a verdadeiro
calote oficial. Ao menos os credores existentes tiveram a certeza
do recebimento integral dos créditos, e os futuros passaram a
contar com nova visão, a homenagear a realidade, o sistema
jurídico-constitucional tomado como algo razoável, coerente,
aceitável em um Estado Democrático de Direito. Os precatórios
pendentes de pagamento foram alcançados, à mercê de defini-
ção do Poder Executivo, por regra excepcional, buscando-se,
assim, repita-se, sanear a situação verificada na totalidade dos
Estados federados, no Federal e também nos Municípios. Im-
plica dizer que a Carta de 1988 trouxe à balha, de forma salutar,
contexto de normas conducentes a concluir-se que, imposta
condenação a pessoa jurídica de direito público, via sentença
judicial, ela é para valer, há de ser observada de maneira irrestrita,
devendo a quantia ser satisfeita de modo atualizado, embora

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo A.pmd 246 2/5/2005, 16:06


INTERVENÇÃO FEDERAL N. 2.915-5 – SP 247

contando a devedora com o interregno de dezoito meses para


fazê-lo, coisa que nenhum devedor dispõe, no que se prevê, na
execução que, citado, deve pagar a totalidade do valor em vin-
te e quatro horas, sob pena de seguirem-se atos de constrição-
penhora e praça pública. Imaginava-se, à época da promulga-
ção da Carta de 1988, que haveria por parte dos Executivos
um cuidado maior na assunção de dívidas, especialmente aquelas
decorrentes de desapropriações. Ledo engano. Conforme cons-
ta das informações prestadas pelo Tribunal de Justiça de São
Paulo, os precatórios posteriores a 1988 continuaram alcançan-
do, ano a ano, a casa do milhar, oscilando entre cinco e dez mil,
isso apenas no Estado de São Paulo.
Ainda embrionária a visão segundo a qual os precatórios, uma
vez satisfeitos, hão de implicar a liquidação do débito, devendo,
para isso, sofrer a incidência da indispensável correção monetá-
ria, mais um fator surgiu, revelando possuir a balança da vida
dois pratos. De um lado, o Plano Real, que se seguiu a diversos
outros (Plano Delfim I, Plano Delfim II, Plano Delfim III, Pla-
no Dornelles, Plano Cruzado, Plano Bresser, Plano Arroz com
Feijão, Plano Verão, Plano Collor I, Plano Collor II, Plano Marcílio,
etc.), mitigou, nos últimos dois anos, a inflação. Reduziu-a, subs-
tancialmente, passando-se a ter, ao invés de cerca de trinta por
cento ao mês, algo pouco acima de um por cento. De outro,
deixou os Estados e Municípios sem a fonte de receita que era o
mercado financeiro e, portanto, a possibilidade de, jogando com
o tempo, terem considerável aporte de recursos. Mesmo a partir
da esdrúxula insistência, contrária à Carta Política da República,
de liquidar os precatórios pelo valor nominal e não real, vieram
a constatar que, ao invés da obrigação de pagamento girar em
torno de cerca de dois a cinco por cento do débito, que estavam
compelidos a liquidar, teriam de satisfazer cerca de oitenta por
cento. Isso ocorreu passados cerca de seis anos da data em que
os Executivos em geral tiveram facilitada, sobremaneira, a solu-
ção da problemática dos precatórios pendentes, em face da
moratória do artigo 33 e da viabilidade de emissão de títulos da
dívida pública não computáveis para efeito do limite global de
endividamento. A tudo isso, acrescem os problemas ligados à
distribuição tributária – os médios e grandes Municípios estão
muito bem – e o inchaço da folha de pessoal, agravado com o
desrespeito ao teto constitucional, via, especialmente, a ingênua
óptica da desconsideração das vantagens pessoais.

ANEXO A

Precatórios - Parte 3 - Anexo A.pmd 247 2/5/2005, 16:06


248 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Com desassombro é dado perceber o motivo da esperança


depositada, pelo Estado de São Paulo, no desfecho desta ação
direta de inconstitucionalidade. Ele salta aos olhos. A insolvência
dos Estados da Federação é flagrante. Nem por isso tem-se
como aberta a porta ao menoscabo dos princípios insertos na
Carta de 1988. Sem potencializar-se os inúmeros pedidos de
intervenção, hoje sobre os largos ombros deste Tribunal, único
fato novo surgido após o exame do pedido de liminar, inidôneo,
de qualquer forma, à definição da pecha atribuída às normas
que serão analisadas, há de perquirir-se a harmonia dos preceitos
atacados, mediante esta ação direta de inconstitucionalidade, com
os artigos da Carta da República, empolgados pelo Requerente e,
aí, dizer-se da procedência, ou não, do pedido formulado. Descabe,
também, considerar-se, para aferição da constitucionalidade das
normas, a aplicação que vêm merecendo no âmbito organizacional
do Tribunal de Justiça. O julgamento da ação direta de
inconstitucionalidade não leva em conta situações concretas a
serem dirimidas na via apropriada. Examina-se a compatibilida-
de constitucional a partir do caráter abstrato da norma. Da
mesma forma, há de proceder-se diante da necessidade de bus-
car-se solução para o quadro de insolvência supra-referido. O
caráter político do julgamento da ação direta de inconstitucio-
nalidade sofre limitação decorrente da supremacia da Carta Fe-
deral, sob pena de vir à balha, em prejuízo de toda a sociedade
e dos avanços no campo democrático, a insegurança. O Estado
não pode contar com o privilégio de editar a lei, aplicá-la e vê-la
sopesada pelo Judiciário ao sabor de política governamental, a
partir de óptica tendenciosa, sempre isolada e momentânea, sem-
pre a revelar o oportunismo de plantão. Ao Estado-juiz, especial-
mente ao Supremo Tribunal Federal, cumpre, em razão de com-
promisso maior – e a história é uma cobradora infatigável –
zelar pela intangibilidade da ordem jurídico-constitucional, pou-
co importando que, assim o fazendo, seja incompreendido. É
de se ter presentes as palavras de Calamandrei, citado por Ed-
gar de Moura Bittencourt em “O Juiz”, segundo as quais há
mais coragem em ser justo, parecendo injusto, do que ser injusto
para salvaguardar as aparências de justiça. Os incautos, os mío-
pes, os pobres de espírito democrático, não esperem do Supre-
mo Tribunal Federal atitude acomodadora, por mais convidati-
va que seja a quadra, já que se afigura, na concepção da Carta da
República, como o Juiz Maior da Federação, não se lhe sendo

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo A.pmd 248 2/5/2005, 16:06


INTERVENÇÃO FEDERAL N. 2.915-5 – SP 249

opostos óbices ao cumprimento do dever constitucional de as-


segurar a intangibilidade da ordem jurídica.
Frente a tais premissas e salientando, mais uma vez, a crença na
máxima de que, em sendo o Direito uma ciência, o meio justifi-
ca o fim, e não este, aquele, passo ao exame dos diversos dispo-
sitivos atacados.
Saliento, mais, a impossibilidade de dizer-se inviável a intervenção,
considerada a natureza dos atos praticados em razão do precatório e a
insuficiência de recursos. Quanto a esta argumentação, surge a improce-
dência jurídica. A teor do disposto no artigo 100 da Constituição Fede-
ral, é obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito pú-
blico, de verba necessária ao pagamento de seus débitos constantes de
precatórios, apresentados até 1º de julho. A intervenção visa, acima de
tudo, à supremacia da Constituição Federal, ao saneamento do quadro,
devendo atuar administrador diverso daquele que ocupa a chefia do Poder
Executivo. A um só tempo, tem cunho satisfatório, quanto ao cumpri-
mento da ordem ou decisão judicial, e saneador, sinalizando, de forma
exemplar, a necessidade de serem observados os parâmetros próprios a
um Estado Democrático de Direito, no qual não há como deixar de ter o
primado do Judiciário, a eficácia, a partir de medidas coercitivas, das
decisões prolatadas. Sem uma efetividade maior, vinga a babel, a inse-
gurança jurídica, levando os cidadãos a verdadeiro retrocesso, no que,
com a falência do Poder, buscarão a satisfação dos respectivos direitos
substanciais por outros meios. Ao invés de restabelecer-se a paz social
momentaneamente abalada, dar-se-á o agravamento da situação.
Devem ser salientados aspectos quanto à causa de intervenção, que
é a alusiva ao desrespeito a ordem ou decisão judicial, em vista do
instituto do precatório.
A Constituição Federal de 1891 mostrou-se de contornos limitados.
Mediante o item IV do artigo 6º, previa-se que o Governo Federal
poderia intervir em negócios peculiares aos Estados “para assegurar a
execução das leis e sentenças federais.” A Emenda Constitucional de
3 de setembro de 1926 não modificou essa cláusula. Foi ela mantida,
já então, sob o inciso IV, “para assegurar a execução das leis e senten-
ças federais e reorganizar as finanças do Estado, cuja incapacidade
para a vida autônoma se demonstrar, pela cessação de pagamentos de
sua dívida fundada, por mais de dois anos”.

ANEXO A

Precatórios - Parte 3 - Anexo A.pmd 249 2/5/2005, 16:06


250 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Destarte, nota-se a restrição quanto às sentenças – somente as fede-


rais descumpridas ensejavam a intervenção. A Constituição Federal
de 1934 veio a dar maior extensão à cláusula autorizadora da inter-
venção nos negócios do Estado, abrangendo expressões que não po-
dem ser tidas como sinônimos:
Art. 12 A União não intervirá em negócios peculiares aos Esta-
dos, salvo: VII para a execução de ordens e decisões dos juízes
e tribunais federais;
Percebe-se, portanto, o abandono da palavra “sentença”, ou seja,
do vocábulo revelador do ato processual final dos processos. Entre-
mentes a possibilidade de intervenção por descumprimento de ordens
e decisões dos juízes e tribunais ficou limitada à esfera federal, não
alcançando, assim, decisões da Justiça estadual. Essa previsão perdu-
rou até 1937, quando veio à balha nova Carta e, aí, voltou-se à disci-
plina de 1891:
Art. 9º O Governo Federal intervirá nos Estados, mediante a
nomeação, pelo Presidente da República, de um interventor que
assumirá no Estado as funções que, pela sua constituição, com-
petirem ao Poder Executivo, ou as que, de acordo com as con-
veniências e necessidade de cada caso, lhe forem atribuídas pelo
Presidente da República:
f) para assegurar a execução das leis e sentenças federais;
Então, observa-se, como já consignado, o retorno à disciplina preté-
rita, mais uma vez limitando-se a possibilidade de intervenção ao
descumprimento de sentenças emanadas de órgãos federais. A Carta
de 1946, de nítido cunho democrático, uma Carta, tal como as de 1891,
1934 e 1988, popular, a homenagear a supremacia do Judiciário e a
atuação deste como indispensável ao Estado Democrático de Direito,
veio a reintroduzir, no cenário constitucional, a regra da Constituição
de 1934, fazendo-o sem a especificidade alusiva à natureza do órgão
judiciário prolator da decisão (gênero) descumprida – se federal ou
estadual. Portanto, houve verdadeiro avanço, emprestando-se, sob o
argumento da intervenção, valia a ordens e decisões judiciárias, sem
se distinguir a origem:
Art. 7º. O Governo Federal não intervirá nos Estados, salvo
para:
V) assegurar a execução de ordem ou decisão judiciária;

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo A.pmd 250 2/5/2005, 16:06


INTERVENÇÃO FEDERAL N. 2.915-5 – SP 251

A Constituição Federal de 1967, embora outorgada, repetiu a cláu-


sula da Carta anterior, ao dispor, no inciso VI do artigo 10, competir à
União a intervenção nos Estados para “prover a execução de lei fede-
ral, ordem ou decisão judiciária...”.
Também a Constituição de 1969 tomou de empréstimo a regência
inaugurada com a Carta de 1946, ao prever, no inciso VI do artigo 10,
a possibilidade de a União intervir nos Estados para “prover a execu-
ção de lei federal, ordem ou decisão judiciária...”.
Com a Carta de 1988, deu-se novo alargamento da matéria. Em vez
de fazer-se referência a decisão judiciária, a pressupor, assim, ato de
jurisdição, jurisdicionalizado, propriamente dito, aludiu-se ao gênero
“decisão judicial” e, mesmo assim, sem se extirpar, como móvel da
intervenção, o descumprimento de ordem judicial. Eis como está redi-
gido o preceito hoje em vigor:
Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito
Federal, exceto para:
VI – prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;
Forçoso é concluir pela abrangência da cláusula autorizadora de
intervenção. Ainda na vigência da Constituição pretérita, Pontes de
Miranda, em “Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda
n. 1, de 1969”, fez ver que, por “ordem”, deve-se entender “qual-
quer comandamento ou mandado”, e, por “decisão”, “qualquer reso-
lução, que se haja de executar” (página 244). A medida extravagante
é ditada pela cláusula reveladora dos alicerces da União, a da exis-
tência de Poderes independentes e harmônicos entre si – o Legislativo,
o Executivo e o Judiciário. Mais do que isso, encerra meio de man-
ter-se o respeito ao Judiciário, os parâmetros próprios a um Estado
Democrático de Direito, tornando regra eficaz a garantia constitucio-
nal de acesso, para ver-se restabelecida a ordem jurídica, no que aba-
lada por ameaça ou lesão a direito individual – inciso XXXV do arti-
go 5º. Ademais, é corolário da atuação jurisdicional como ato de
soberania. De nada adiantaria ter-se a atuação do Estado-juiz caso
os atos processuais por ele formalizados, fossem ordens judiciais ou
sentenças e acórdãos, não possuíssem implicitamente uma sanção,
uma fórmula de chegar-se ao respeito absoluto, mormente por aque-
le de quem se espera postura exemplar, como é o Estado, a nortear a
conduta do cidadão.

ANEXO A

Precatórios - Parte 3 - Anexo A.pmd 251 2/5/2005, 16:06


252 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Destarte, pouco importa que a ordem judicial descumprida tenha


caráter administrativo. Aliás, a assim não se compreender, o Estado,
sem receio de intervenção, poderia vir a descumprir sentenças transi-
tadas em julgado. É que a execução prevista no texto constitucional
faz-se mediante precatório, e este, como proclamado pelo Tribunal em
inúmeros processos, uma vez suscitado incidente, deságua em decisão
de cunho administrativo. Nem por isso é dado desvincular o que deci-
dido pelo Presidente do Tribunal no cumprimento do precatório, ao
dirimir questão surgida, do título-base, do título executivo judicial a
que objetiva tornar eficaz.
A hipótese dos autos é, assim, mais favorável do que aquela que
motivou o deferimento do pedido de intervenção no Estado de Goiás
e que veio a ser autuado sob o n. 94-7, quando este Plenário, a uma só
voz, proclamou:
Ordem ou decisão judiciária a que alude a parte final do inciso
VI do artigo 10 da Constituição Federal é expressão que abarca
qualquer ordem judicial e não apenas as que digam respeito a
sentenças transitadas em julgado.
O relator, no acórdão que veio a ser publicado no Diário da Justiça
de 3 de abril de 1987, fez ver:
A interpretação dada pela Procuradoria-Geral da República à
parte final do inciso VI do artigo 10 da Constituição Federal (o
qual estabelece, como caso de intervenção federal, o de ser ne-
cessário “prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judi-
ciária”) no sentido de que essa ordem seria apenas a resultante de
sentença, e que a sentença deve ser definitiva, sem estar sujeita a
reforma ou suspensão, é manifestamente improcedente.
Para sustentá-la, CLÁUDIO PACHECO teve de invocar passa-
gem de RUI BARBOSA relativa ao texto constitucional de 1891
(art. 6º, 4ª) que só aludia, como caso de intervenção, a falta de
execução das leis “e sentenças federais”, e passagem essa em que
RUI afirmava (o que não o impediu de mais tarde defender o
contrário) que decisão em habeas corpus não era sentença.
Se a Constituição presentemente – e isso ocorre desde da de
1946 – alude a “ordem ou decisão judiciária”, e se a finalidade
do dispositivo constitucional é inequivocamente a da preserva-
ção do cumprimento das ordens e das decisões do Poder Judi-
ciário, que é Poder desarmado, não há dúvida alguma de que

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo A.pmd 252 2/5/2005, 16:06


INTERVENÇÃO FEDERAL N. 2.915-5 – SP 253

essas expressões não podem ser tomadas com restrições que


acabem por deixar o cumprimento delas, em virtude de resis-
tência ilícita da parte a quem se dirigem, ao arbítrio do Poder
Executivo estadual. Para a distribuição da justiça, é absoluta-
mente indispensável o cumprimento de qualquer ordem judicial,
e não apenas daquelas que digam respeito a sentenças transitadas
em julgado. Por isso mesmo, interpretando o texto constitucio-
nal vigente, acentua PONTES DE MIRANDA (Comentário à
Constituição de 1967 com a Emenda n. 1, de 1969, tomo II, pág. 227):
“ORDEM E DECISÃO JUDICIÁRIAS. – Ordem; entenda-se:
qualquer comandamento ou mandado. Judiciária: proveniente da
Justiça, e não só dos juízes. Em vez de ordem ou decisão judi-
cial, o texto pôs: ordem ou decisão judiciária. Se alguém, que é
órgão da Justiça, ainda que não seja juiz, pode “dar ordem” e
“decidir”, a sua ordem ou a sua decisão, é inclusa num desses
dois conceitos.
Decisão; entenda-se: qualquer resolução, que se haja de executar”.
Então, concluiu o relator, o ministro Moreira Alves, que, no caso,
havia mandado judicial com requisição de força para que fosse de-
socupado certo imóvel. O acórdão restou prolatado em 19 de de-
zembro de 1986 e, à época, a Carta em vigor não aludia sequer a
ordem judicial, mas a ordem judiciária. Participaram do julgamen-
to os ministros Moreira Alves – relator –, Rafael Mayer, Néri da
Silveira, Aldir Passarinho, Sydney Sanches, Octavio Gallotti, Carlos
Madeira e Célio Borja.
Tem-se, assim, o envolvimento de hipótese agasalhada pelo texto
constitucional autorizadora do pedido de intervenção. A determina-
ção de depósito atinente a precatório consubstancia ordem judicial e,
mais do que isso, tem a respaldá-la, considerada a presunção da
razoabilidade, o título executivo.
Resta o exame da situação concreta destes autos e, portanto, do
enquadramento, ou não, do pedido formulado no permissivo constitu-
cional. A inicial mostra-se adequada. Revela requerimento por parte
legítima, devidamente representada, com causa de pedir e pedido, ha-
vendo passado pelo crivo do Tribunal de Justiça do Estado.
Na espécie, os requerentes litigaram durante longos onze anos, vin-
do a pleitear a intervenção em outubro de 1999. Os créditos são de
natureza alimentar. Vale dizer, têm, na essência, o objetivo de prover a

ANEXO A

Precatórios - Parte 3 - Anexo A.pmd 253 2/5/2005, 16:06


254 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

subsistência de cada qual e das respectivas famílias. O Estado exauriu


os meios de defesa, visando à demonstração da improcedência do plei-
to. Findou derrotado. Sucumbiu na demanda. Mesmo em face do trân-
sito em julgado e do fato de haver contado com dezoito meses para a
liquidação do débito, isso após a expedição do precatório, não o fez,
certamente esperançoso na prevalência do argumento da autoridade,
do argumento, inaceitável, da deficiência de caixa, em que pese à cir-
cunstância de ser o maior Estado da Federação. A rigor, não deveria
sequer contar com a dilação própria aos precatórios. Em bom verná-
culo, o artigo 100 afasta desse sistema de execução os créditos de na-
tureza alimentícia. Confira-se com o preceito:
À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos de-
vidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de
sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica
de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos,
proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orça-
mentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
A interpretação do texto constitucional desaguou, no entanto, no
estabelecimento de uma nova ordem de preferência, afastada ficando
a exclusão prevista no citado artigo. Ainda bem que esse enfoque não
prevaleceu na definição do alcance do artigo 33 do Ato das Disposi-
ções Transitórias, talvez quem sabe por nele haver-se utilizado, em
vez do vocábulo “exceção”, a palavra “ressalvados”. O mesmo ocor-
reu com a Emenda n. 30, abandonando-se a forma primitiva adotada
no corpo permanente da Carta e repetindo-se a que veio a ser tomada
como excludente dos créditos alimentícios.
E o que alega, no caso, o Estado? Que deve, deixando assim de
enveredar por caminho tortuoso. Entretanto evoca a ladainha de sem-
pre – a ausência de recursos, em menosprezo à regra do § 1o do artigo
100 da Carta:
Art. 100. (...)
§ 1º. É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de
direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débi-
tos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de
precatórios judiciários, apresentados até 1o de julho, fazendo-se
o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus
valores atualizados monetariamente.

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo A.pmd 254 2/5/2005, 16:06


INTERVENÇÃO FEDERAL N. 2.915-5 – SP 255

Em síntese, pretende valer-se do vezo popular, da postura do mau


pagador – devo, não nego; pagarei quando puder. As razões por último
apresentadas não vingam. O elemento subjetivo que é o dolo mostra-
se neutro para se definir a procedência, ou não, do pedido de interven-
ção. Pouco importa que o Estado, mediante a atuação do Executivo,
não proceda com a intenção de postergar a liquidação do precatório.
Cumpre saber, tão-somente, se na espécie ocorre o descumprimento
de decisão judicial, fator objetivo resultante do vício da negligência,
da falta de respeito irrestrito à ordem jurídica em vigor. A intenção em
si afigura-se estranha ao julgamento da intervenção.
Quanto à lei viabilizadora da utilização dos depósitos judiciais e
extrajudiciais relativos a tributos – Lei n. 10.482, de 3 de julho de
2002 –, considerem-se dados que a ditaram e o alcance revelado. A
Emenda n. 30, de setembro de 2000, ao introduzir nas Disposições
Transitórias da Constituição o artigo 78, excluiu do campo de aplica-
ção, é certo, os créditos definidos em lei como de pequeno valor e, de
forma abrangente, os de natureza alimentícia, parcelando em dez anos
a satisfação dos comuns. Qual foi a conseqüência prática do novo tex-
to? A visão pragmática do Executivo resultou na inversão de valores.
O privilégio do crédito alimentício veio a ser alijado. É simples: a nova
disposição constitucional trouxe à balha o instituto do seqüestro com
amplitude maior. Ante o texto permanente da Constituição, apenas
pode ser acionado uma vez verificada a preterição, a desobediência à
ordem cronológica dos precatórios, beneficiando-se credor em detri-
mento de outrem – § 2o do artigo 100. Pela disposição transitória,
verificada a ausência de inclusão de valor no orçamento, preterição ou
inadimplemento relativo a qualquer das dez prestações, possível é o
seqüestro de recursos financeiros da entidade executada – § 4o do arti-
go 78. Logo, em face desse salutar meio de coerção, os esforços do
Executivo direcionaram-se, em prejuízo da satisfação dos créditos pre-
ferenciais – os alimentares –, ao pagamento dos comuns.
Então, ocorreu a idéia de utilizarem-se, no pagamento exclusivo dos
créditos de natureza alimentícia, os depósitos. O projeto inicial,
expungida a previsão de uso preferencial dos citados depósitos para
tal fim, no que substituída a cláusula pela reveladora da exclusividade,
alcançava, independentemente da vontade dos estabelecimentos ban-
cários, oitenta por cento dos existentes e futuros, ficando os restantes
vinte por cento como fundo de reserva a fim de atender a alvarás de

ANEXO A

Precatórios - Parte 3 - Anexo A.pmd 255 2/5/2005, 16:06


256 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

levantamento, na hipótese de sucumbência da Fazenda. A Câmara dos


Deputados aprovou, em regime de urgência, o Projeto Arnaldo Madeira
tal como apresentado. A esperança na mitigação, simples mitigação,
do problema persistiu por pouco tempo. Assustaram-se os estabeleci-
mentos bancários no que perderiam verdadeiro filão, a disponibilidade
de vultoso numerário captado a preço muito inferior aos acessórios
cobrados daqueles que viessem a tomá-lo por empréstimo. O substitu-
tivo Romeu Tuma esvaziou o Projeto ao prever:
a) a utilização, a critério dos estabelecimentos depositários, de
cinqüenta por cento dos depósitos e, mesmo assim, dos reali-
zados a partir de janeiro de 2001;
b) relativamente aos novos depósitos, a destinação, também, da
percentagem não de oitenta por cento, mas de cinqüenta por
cento;
c) a constituição do fundo de reserva de vinte por cento, no
mínimo, considerados os cinqüenta por cento repassados, di-
minuindo-os, portanto, a quarenta por cento;
d) a chamada do Estado para complementar, se necessário, o
fundo de reserva, incólume a disponibilidade dos bancos.
Daí a inarredável conclusão. Ao beneficiar-se o “sistema financei-
ro”, os bancos, em detrimento do fim inicialmente visado com o Pro-
jeto Arnaldo Madeira – o de viabilizar avanço na liquidação dos
precatórios ditos alimentares –, afastou-se do cenário jurídico algo es-
perado e que poderia, quem sabe, evitar o julgamento de milhares de
pedidos de intervenção.
O aceno do Estado requerido é insatisfatório, presente a circuns-
tância de haver alcançado apenas a liquidação de pendências surgidas
em 1996 – ano da expedição dos precatórios – e, assim, inadimple-
mentos configurados no exercício de 1997. A ordem natural das coi-
sas, cuja força é insuplantável, escancara continuarem pendentes os
precatórios expedidos em 1997, 1998, 1999, 2000, 2001 e, já agora,
2002. Os títulos judiciais que os respaldam, cobertos pela preclusão
recursal após a passagem de alguns anos da tramitação dos processos,
continuam desrespeitados. O fato implica verdadeiro paradoxo. O par-
ticular citado, na execução, tem vinte e quatro horas para satisfazê-la,
sob pena de ver penhorados bens e levados à praça. O Estado, contan-
do não com prazo fixado em horas, mas considerada a unidade de

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo A.pmd 256 2/5/2005, 16:06


INTERVENÇÃO FEDERAL N. 2.915-5 – SP 257

tempo ano – dezoito meses – mesmo assim não observa as decisões


judiciais cujo conteúdo seja a obrigação de dar. Pleitear, a esta altura,
mais tempo é um escárnio.
Concluo, então:
O Judiciário não prolata sentenças simplesmente formais, senten-
ças que, sob o ângulo do conteúdo, mostram-se inúteis. É ele o res-
ponsável final pelo restabelecimento da paz social provisoriamente
abalada, pela prevalência do arcabouço normativo constitucional, pelo
equilíbrio nesse embate Estado-cidadão, evitando que forças direcio-
nadas de forma momentânea e isolada venham a prevalecer, em detri-
mento de interesses da coletividade. É certo que o Estado tudo pode:
legisla, executa as leis e julga os conflitos de interesse decorrentes des-
sa execução. Que o faça com absoluta fidelidade às regras geradoras
da boa convivência na vida social democrática. Ocorrido o desvio de
conduta de um dos Poderes, cumpre afastá-lo, prevalecendo o sistema
de freios, e aí surge, com importância maior, o papel do Judiciário, ao
qual, no Estado de Direito, cabe a última palavra sobre o conflito. Não
lhe é dado silenciar, contemporizar o que, a mais não poder, discrepa
das comezinhas noções da atuação estatal, respaldando atitude que,
em relação a credores, implica tripudiar, resulta em menosprezo. A
falta de celeridade nas decisões judiciais não pode servir ao respectivo
descumprimento. Mas é esse o sentimento que predomina. Constante-
mente os veículos de comunicação retratam a rebeldia de dignitários
relativamente a decisões judiciais. Afirma-se, com absoluto desprezo
à responsabilidade maior, que não se cumprirá esta ou aquela decisão,
pouco importando, até mesmo, que seja originária do Supremo Tribu-
nal Federal e se mostre coberta pela preclusão. Parte-se da óptica: re-
corram ao Judiciário e esperem. Será essa uma sentença final? No
momento em que oitenta por cento das ações que chegam aos tribu-
nais superiores envolvem o Estado, partir-se, quanto aos débitos des-
te, retratados em sentenças judiciais, em precatórios, em requisições,
para a teoria do “homem da mala” ou do “trem pagador”, sem os quais
não cabe deferir intervenção, é aceitar que o tempo e a ordem jurídica
consagrem a atitude dos inadimplentes e protejam não só o Estado
devedor, mas também o Estado contumaz no descumprimento de de-
cisões judiciais, como se estas existissem para atender não aos anseios
de justiça do próprio povo, mas a simples formalidade. Continuo acre-
ditando que o exemplo a ser seguido, o bom exemplo, vem de cima;

ANEXO A

Precatórios - Parte 3 - Anexo A.pmd 257 2/5/2005, 16:06


258 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

persevero na crença no Direito, no caráter perene dos princípios que o


respaldam, na prevalência da Constituição como lei fundamental, nada
justificando o abandono, o menoscabo de que vem sendo alvo. É hora
de o Judiciário definir-se: ou bem zela pelo dever de guardião máximo
da ordem jurídica, ou se mostra sensível a atitudes que desta discre-
pam, e aí acaba como responsável pelo atual estado de coisas, que
pode ser retratado em quadro estarrecedor quanto aos precatórios que
vêm, nos diversos Estados, sendo liquidados, isso considerada a data
de expedição.
Julgo procedente o pedido formulado, para que seja requisitada, nos
termos do artigo 36, inciso II, da Constituição Federal, a intervenção
no Estado de São Paulo.
Da mesma forma, descabe agasalhar o elemento subjetivo, ou seja, a
óptica segundo a qual não basta o simples descumprimento de decisão
judicial para ter-se como aberta a via da intervenção, sendo necessário
demonstrar a culpa ou o dolo na ausência de liquidação do precatório.
Essa condição é estranha à ordem jurídica, mesmo porque não é crível
que, havendo numerário para o pagamento, deixe a pessoa jurídica de
direito público de implementá-lo. Prevalece o critério objetivo, o não-
cumprimento da ordem judicial, a inobservância do título executivo ju-
dicial, pouco importando saber a causa. Entendimento diverso implica,
diante de definições políticas de gastos, ofensa ao primado do Judiciário,
à certeza da valia dos julgamentos. O Estado vê-se sempre diante de
dificuldades de caixa, sendo presumível, assim, a contumácia no
descumprimento das obrigações pecuniárias estampadas em sentença.
É como voto.

VOTO

O Senhor Ministro Gilmar Mendes: Em nosso sistema federati-


vo, o regime de intervenção representa excepcional e temporária relati-
vização do princípio básico da autonomia dos Estados. A regra, entre
nós, é a não-intervenção, tal como se extrai com facilidade do dispos-
to no caput do art. 34 da Constituição, quando diz que “a União não
intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: (...)”.
Com maior rigor, pode-se afirmar que o princípio da não-interven-
ção representa sub-princípio concretizador do princípio da autonomia,

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo A.pmd 258 2/5/2005, 16:06


INTERVENÇÃO FEDERAL N. 2.915-5 – SP 259

e este, por sua vez, constitui sub-princípio concretizador do princípio


federativo. O princípio federativo, cabe lembrar, constitui não apenas
princípio estruturante da organização política e territorial do Estado
brasileiro, mas também cláusula pétrea da Carta de 1988.
No processo de intervenção federal nos Estados e no Distrito Fe-
deral, verifica-se, de imediato, um conflito entre a posição da União,
no sentido de garantir a eficácia daqueles princípios constantes do
art. 34 da Constituição, e a posição dos Estados e do Distrito Fede-
ral, no sentido de assegurar sua prerrogativa básica de autonomia. A
primeira baliza para o eventual processo de intervenção destinado a
superar tal conflito encontra-se expressamente estampada na Cons-
tituição, quando esta consigna a excepcionalidade da medida
interventiva.
Diante desse conflito de princípios constitucionais, considero ade-
quada a análise da legitimidade da intervenção a partir de sua confor-
midade ao princípio constitucional da proporcionalidade.
O princípio da proporcionalidade, também denominado princípio
do devido processo legal em sentido substantivo, ou ainda, princípio
da proibição do excesso, constitui uma exigência positiva e material
relacionada ao conteúdo de atos restritivos de direitos fundamentais,
de modo a estabelecer um “limite do limite” ou uma “proibição de
excesso” na restrição de tais direitos. A máxima da proporcionalidade,
na expressão de Alexy, coincide igualmente com o chamado núcleo
essencial dos direitos fundamentais concebido de modo relativo – tal
como o defende o próprio Alexy. Nesse sentido, o princípio ou máxi-
ma da proporcionalidade determina o limite último da possibilidade
de restrição legítima de determinado direito fundamental.
A par dessa vinculação aos direitos fundamentais, o princípio da
proporcionalidade alcança as denominadas colisões de bens, valores
ou princípios constitucionais. Nesse contexto, as exigências do prin-
cípio da proporcionalidade representam um método geral para a so-
lução de conflitos entre princípios, isto é, um conflito entre normas
que, ao contrário do conflito entre regras, é resolvido não pela revo-
gação ou redução teleológica de uma das normas conflitantes nem
pela explicitação de distinto campo de aplicação entre as normas,
mas antes e tão-somente pela ponderação do peso relativo de cada
uma das normas em tese aplicáveis e aptas a fundamentar decisões

ANEXO A

Precatórios - Parte 3 - Anexo A.pmd 259 2/5/2005, 16:06


260 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

em sentidos opostos. Nessa última hipótese, aplica-se o princípio da


proporcionalidade para estabelecer ponderações entre distintos bens
constitucionais.
Em síntese, a aplicação do princípio da proporcionalidade se dá quando
verificada restrição a determinado direito fundamental ou um conflito
entre distintos princípios constitucionais de modo a exigir que se estabe-
leça o peso relativo de cada um dos direitos por meio da aplicação das
máximas que integram o mencionado princípio da proporcionalidade.
São três as máximas parciais do princípio da proporcionalidade: a ade-
quação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Tal como
já sustentei em estudo sobre a proporcionalidade na jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal (“A Proporcionalidade na Jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal”, in Direitos Fundamentais e Controle de
Constitucionalidade: Estudos de Direito Constitucional, 2ª ed., Celso Bastos
Editor: IBDC, São Paulo, 1999, p. 72), há de perquirir-se, na aplicação
do princípio da proporcionalidade, se em face do conflito entre dois
bens constitucionais contrapostos, o ato impugnado afigura-se adequa-
do (isto é, apto para produzir o resultado desejado), necessário (isto é,
insubstituível por outro meio menos gravoso e igualmente eficaz) e pro-
porcional em sentido estrito (ou seja, se estabelece uma relação ponde-
rada entre o grau de restrição de um princípio e o grau de realização do
princípio contraposto).
Registre-se, por oportuno, que o princípio da proporcionalidade apli-
ca-se a todas as espécies de atos dos poderes públicos, de modo que
vincula o legislador, a administração e o judiciário, tal como lembra
Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra,
Almedina, 2ª ed., p. 264).
Cumpre assinalar, ademais, que a aplicação do princípio da propor-
cionalidade em casos como o presente, em que há a pretensão de atua-
ção da União no âmbito da autonomia de unidades federativas, é admi-
tida no direito alemão. Nesse sentido, registram Bruno Schmidt-Bleibtreu
e Franz Klein, em comentário ao art. 37 da Lei Fundamental, que “os
meios da execução federal (“Bundeszwang”) são estabelecidos pela Cons-
tituição, pelas leis federais e pelo princípio da proporcionalidade” (“Die
Mittel des Bundeszwanges werden durch das Grundgesetz, die
Bundesgesetze und das Prinzip der Verhältnismäβigkeit bestimmt”,
Kommentar zum Grundgesetz, 9ª ed., Luchterhand, p. 765).

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo A.pmd 260 2/5/2005, 16:06


INTERVENÇÃO FEDERAL N. 2.915-5 – SP 261

O exame da proporcionalidade, no caso em apreço, exige algumas


considerações sobre o contexto factual e normativo em que se insere a
presente discussão.
Desse modo, não podem ser desconsideradas as limitações econô-
micas que condicionam a atuação do Estado quanto ao cumprimento
das ordens judiciais que fundamentam o presente pedido de interven-
ção. Nesse sentido, constam do memorial apresentado pelo Estado de
São Paulo, os seguintes dados, verbis:
... considerando-se as estimativas de arrecadação para o exercí-
cio corrente, as despesas com o pessoal dos três Poderes do Esta-
do deverão se situar em torno de 58% das receitas correntes
líquidas estaduais; os gastos com custeio, que permite o funciona-
mento do aparato administrativo, incluindo-se certas parcelas
que compõem o percentual mínimo a ser aplicado no desenvol-
vimento do ensino (art. 212 da CF) e nas ações e serviços públi-
cos de saúde (art. 198, 2º, da CF), deverão atingir o montante de
19% das receitas correntes líquidas, ao passo que o serviço da
dívida junto à União consumirá aproximadamente, 12% daque-
las receitas; há finalmente, os gastos com investimentos mínimos
indispensáveis para a simples manutenção do funcionamento de
serviços essenciais (rodovias estaduais operadas diretamente pelo
Poder Público, aparato de segurança pública, redes de ensino e
de saúde, etc.), estimados em 9% das receitas correntes líquidas.
E continua o Estado de São Paulo:
Excluídos os gastos apontados no item anterior, o que resta de
recursos são utilizados no pagamento de precatórios judiciais,
despesa essa estimada, para o ano de 2002 em cerca de 2%
das receitas correntes líquidas, vale dizer, algo em torno de
R$ 750.000.000 (setecentos e cinqüenta milhões de reais).
Como tenho afirmado, esse exame de dados concretos, ao invés de
apenas argumentos jurídicos, não é novidade no Direito comparado. No
âmbito dos reflexos econômicos da atividade jurisdicional, a experiên-
cia internacional tem, assim, demonstrado que a proteção dos direitos
fundamentais e a busca da redução das desigualdades sociais necessaria-
mente não se realizam sem a reflexão acurada acerca de seu impacto.
Um caso paradigmático neste sentido é aquele em que a Corte
Constitucional alemã, na famosa decisão sobre “numerus clausus” de

ANEXO A

Precatórios - Parte 3 - Anexo A.pmd 261 2/5/2005, 16:06


262 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

vagas nas Universidades (“numerus-clausus Entscheidung”), reconheceu


que pretensões destinadas a criar os pressupostos fáticos necessários
para o exercício de determinado direito estão submetidas à “reserva do
financeiramente possível” (“Vorbehalt des finanziellen Möglichen”). Nesse caso,
segundo o Tribunal alemão, não pode existir qualquer obrigação cons-
titucional que faça incluir o dever de, no sistema educacional, forne-
cer vagas a qualquer tempo e a qualquer um que as pleiteie, exigindo
altos investimentos destinados a suprir demandas individuais sem qual-
quer consideração sobre o interesse coletivo. (BVerfGE 33, 303 (333)).
Com efeito, não se pode exigir o pagamento da totalidade dos
precatórios relativos a créditos alimentares sem que, em contrapartida,
se estabeleça uma análise sobre se tal pagamento encontra respaldo
nos limites financeiros de um Estado zeloso com suas obrigações cons-
titucionais. Tanto é verdade que, ainda que ocorra uma intervenção
no Estado de São Paulo, o eventual interventor terá que respeitar as
mesmas normas constitucionais e limites acima assinalados pelo refe-
rido Estado, contando, por conseguinte, com apenas 2% das receitas
líquidas para pagamento dos precatórios judiciais. Ao interventor tam-
bém será aplicável a reserva do financeiramente possível.
Já afirmei, em outras oportunidades, a real necessidade de que os
órgãos judicantes, ao julgarem questões intrincadas, analisem com a
maior amplitude possível informações e dados concretos para obte-
rem uma interpretação precisa.
Com esse objetivo, vale destacar que, conforme informações apre-
sentadas pela Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, este Esta-
do vem atuando de maneira bastante positiva no tocante ao pagamen-
to dos precatórios judiciais.
Primeiramente, referido ente federado, atendendo ao disposto no
art. 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, acrescido
pela Emenda Constitucional n. 30, de 13 de setembro de 2000, satis-
fez a totalidade do primeiro décimo dos precatórios não alimentares
no ano de 2001.
Ademais, por meio do Decreto Estadual n. 46.933, de 19 de julho
de 2002, que regulamentou a Lei Federal n. 10.482, de 3 de julho de
2002, destinou-se, no próprio mês de julho, mais de R$ 100.000.000
(cem milhões de reais) para pagamento de precatórios alimentares,
perfazendo, neste ano (até o presente momento), o total de

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo A.pmd 262 2/5/2005, 16:06


INTERVENÇÃO FEDERAL N. 2.915-5 – SP 263

R$ 170.221.716,98 (cento e setenta milhões, duzentos e vinte e um


mil, setecentos e dezesseis reais e noventa e oito centavos) com paga-
mento de precatórios alimentares.
Também, consoante dados fornecidos por aquela Procuradoria, serão
repassados à Fazenda Estadual, nos meses de agosto e setembro, cerca
de R$ 202.000.000 (duzentos e dois milhões de reais), o que resultará
até o final do ano no pagamento de mais de R$ 400.000.000 (quatrocen-
tos milhões de reais), ou seja, mais de 10% da dívida total estimada.
Portanto, não resta configurada uma atuação dolosa e deliberada
do Estado de São Paulo com a finalidade de não-pagamento dos
precatórios alimentares.
No caso em exame, a par de um quadro de impossibilidade financei-
ra quanto ao pagamento integral e imediato dos precatórios relativos a
créditos de natureza alimentícia, verifica-se a conduta inequívoca da
unidade federativa no sentido de honrar tais dívidas.
É evidente a obrigação constitucional quanto aos precatórios relati-
vos a créditos alimentícios, assim como o regime de exceção de tais
créditos, conforme a disciplina do art. 78 do ADCT. Mas também é
inegável, tal como demonstrado, que o Estado encontra-se sujeito a
um quadro de múltiplas obrigações de idêntica hierarquia.
Nesse quadro de conflito, assegurar, de modo irrestrito e imediato, a
eficácia da norma contida no art. 78 do ADCT, pode representar nega-
tiva de eficácia a outras normas constitucionais. Exemplo bastante
ilustrativo é a obrigação dos Estados no que se refere à educação e à
saúde. Nos termos do art. 212 da Constituição, os Estados estão obri-
gados a aplicar vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultan-
te de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na
manutenção e desenvolvimento do ensino. A Constituição também
prevê, no art. 198, § 2º, a aplicação de recursos mínimos pelos Esta-
dos na área de saúde. O descumprimento de tais obrigações, por ób-
vio, representaria negativa de eficácia a normas constitucionais, bem
como implicaria a configuração de específica hipótese de intervenção
federal. De fato, o art. 34, VI, alínea “e”, prevê expressamente, como
hipótese de intervenção, a garantia da observância da “aplicação do
mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compre-
endida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvi-
mento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde”.

ANEXO A

Precatórios - Parte 3 - Anexo A.pmd 263 2/5/2005, 16:06


264 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Diante de tais circunstâncias, cumpre indagar se a medida extrema


da intervenção atende, no caso, às três máximas parciais da propor-
cionalidade.
É duvidosa, de imediato, a adequação da medida de intervenção. O
eventual interventor, evidentemente, estará sujeito àquelas mesmas
limitações factuais e normativas a que está sujeita a Administração
Pública do Estado. Poderá o interventor, em nome do cumprimento
do art. 78 do ADCT, ignorar as demais obrigações constitucionais do
Estado? Evidente que não. Por outro lado, é inegável que as disponibi-
lidades financeiras do regime de intervenção não serão muito diferen-
tes das condições atuais.
Enfim, resta evidente que a intervenção, no caso, sequer consegue
ultrapassar o exame de adequação, o que bastaria para demonstrar sua
ausência de proporcionalidade.
Também é duvidoso que o regime de intervenção seja necessário,
sob o pressuposto de ausência de outro meio menos gravoso e igual-
mente eficaz. Manter a condução da Administração estadual sob o
comando de um Governador democraticamente eleito, com a ressalva
de que esteja o mesmo atuando com boa-fé e com o inequívoco pro-
pósito de superar o quadro de inadimplência, é inegavelmente medida
menos gravosa que a ruptura na condução administrativa do Estado.
Pode-se presumir, ademais, que preservar a chefia do Estado será igual-
mente eficaz à eventual administração por um interventor, ou, ao
menos, não se poderia afirmar, com segurança, que a administração de
um interventor, sujeito às inúmeras condicionantes já apontadas, será
mais eficaz que a atuação do Governador do Estado.
A intervenção não atende, por fim, ao requisito da proporcionalidade
em sentido estrito. Nesse plano, é necessário aferir a existência de pro-
porção entre o objetivo perseguido, qual seja o adimplemento de obri-
gações de natureza alimentícia, e o ônus imposto ao atingido que, no
caso, não é apenas o Estado, mas também a própria sociedade. Não se
contesta, por certo, a especial relevância conferida pelo constituinte
aos créditos de natureza alimentícia. Todavia, é inegável que há inú-
meros outros bens jurídicos de base constitucional que estariam sacri-
ficados na hipótese de uma intervenção pautada por um objetivo de
aplicação literal e irrestrita das normas que determinam o pagamento
imediato daqueles créditos.

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo A.pmd 264 2/5/2005, 16:06


INTERVENÇÃO FEDERAL N. 2.915-5 – SP 265

Por fim, consideradas as peculiaridades do caso em exame, diante


dos princípios constitucionais que supostamente encontram-se em
conflito, afigura-se recomendável a adoção daquilo que a doutrina de-
fine como uma “relação de precedência condicionada” entre os princí-
pios concorrentes. Nesse sentido, ensina Inocêncio Mártires Coelho:
Por isso é que, diante das antinomias de princípios, quando em
tese mais de uma pauta lhe parecer aplicável à mesma situação
de fato, ao invés de se sentir obrigado a escolher este ou aquele
princípio, com exclusão de outros que, prima facie, repute
igualmente utilizáveis como norma de decisão, o intérprete fará
uma ponderação entre os standards concorrentes – obvia-
mente se todos forem princípios válidos, pois só assim po-
dem entrar em rota de colisão – optando, afinal, por aquele
que, nas circunstâncias, lhe pareça mais adequado em termos
de otimização de justiça.
Em outras palavras de Alexy, resolve-se esse conflito estabelecen-
do, entre os princípios concorrentes, uma relação de precedência
condicionada, na qual se diz, sempre diante das peculiaridades do
caso, em que condições um princípio prevalece sobre o outro, sendo
certo que, noutras circunstâncias, a questão da precedência poderá
resolver-se de maneira inversa”. (Coelho, Inocêncio Mártires,
Racionalidade Hermenêutica: Acertos e Equívocos, in: As Vertentes
do Direito Constitucional Contemporâneo, Estudos em Homenagem
a Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Coord. Ives Gandra S. Martins,
São Paulo, América Jurídica, 2002, p. 363).
Estão claros, no caso, os princípios constitucionais em situação de
confronto. De um lado, em favor da intervenção, a proteção constitu-
cional às decisões judiciais, e de modo indireto, a posição subjetiva de
particulares calcada no direito de precedência dos créditos de nature-
za alimentícia. De outro lado, a posição do Estado, no sentido de ver
preservada sua prerrogativa constitucional mais elementar, qual seja a
sua autonomia, e, de modo indireto, o interesse, não limitado ao ente
federativo, de não se ver prejudicada a continuidade da prestação de
serviços públicos essenciais, como educação e saúde.
Assim, a par da evidente ausência de proporcionalidade da inter-
venção para o caso em exame, o que bastaria para afastar aquela medi-
da extrema, o caráter excepcional da intervenção, somado às circunstân-

ANEXO A

Precatórios - Parte 3 - Anexo A.pmd 265 2/5/2005, 16:06


266 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

cias já expostas recomendam a precedência condicionada do princípio


da autonomia dos Estados.
Por fim, cabe aqui lembrar da pioneira decisão desta Corte sobre o
tema ora em discussão, em acórdão da relatoria do eminente Ministro
Nelson Hungria (IF n. 20, DJ de 15/7/1954).
Tratava-se de pedido de intervenção no Estado de Minas Gerais,
que havia alegado não poder efetivar a decisão judicial que embasou o
apelo, não por deliberado propósito de descumprir o requisitório, mas
em razão de ocasional falta de numerário.
Este Tribunal, por unanimidade, reconheceu que: “Para justificar a
intervenção, não basta a demora de pagamento, na execução de ordem ou decisão
judiciária, por falta de numerário: é necessário o intencional ou arbitrário emba-
raço ou impedimento oposto a essa execução”.
Acrescentou o Ministro Nelson Hungria em seu voto: “Ora, no caso
vertente, o retardamento não promana de obstáculo criado pelo Governador mi-
neiro, mas da acidental exaustão atual do erário do Estado”.
O precedente desta Corte bem se aplica ao pedido de intervenção
sob exame. Com efeito, consoante as informações apresentadas pelo
Estado de São Paulo, este ente federativo tem sido diligente na tenta-
tiva de plena satisfação dos precatórios judiciais. Encontra, contudo,
obstáculos nas receitas constitucionalmente vinculadas e na reserva
do financeiramente possível. A ele também se aplica a máxima invocada
pelo Ministro Nelson Hungria: “Onde não há, até rei perde”.
Ressalte-se, porém, que não se está a atribuir uma imunidade aos
Estados, relativamente ao cumprimento ou não dos precatórios judi-
ciais, sob pena de absoluta inaplicabilidade do art. 78 do ADCT – o
que certamente vai de encontro à força normativa da Constituição –,
com a conseqüente perda de credibilidade das decisões proferidas pelo
Poder Judiciário perante a sociedade brasileira.
O que se pretende é ultrapassar uma leitura simplista do texto cons-
titucional, sobretudo, quando se tem em mente que a regra é da auto-
nomia do ente federado.
Desse modo, enquanto o Estado de São Paulo se mantiver diligente
na busca de soluções para o cumprimento integral dos precatórios ju-
diciais, não estarão presentes os pressupostos para a intervenção fede-
ral ora solicitada. Em sentido inverso, o Estado que assim não proce-

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo A.pmd 266 2/5/2005, 16:06


INTERVENÇÃO FEDERAL N. 2.915-5 – SP 267

da estará sim, ilegitimamente, descumprindo decisão judicial, atitude


esta que não encontra amparo na Constituição Federal.
Indefiro, pois, o pedido.

VOTO

A Senhora Ministra Ellen Gracie: – Sr. Presidente, com vênia de V.


Exa., também indefiro o pedido.
Todo o sistema de precatórios, tão salutar se considerarmos a situa-
ção anterior, vigorante até a Constituição de 1923, repousa em alguns
princípios básicos: o da igualdade democrática, igualdade de oportuni-
dades no pagamento, e o respeito à precedência cronológica de regis-
tro dessas requisições de pagamento.
Talvez não tenha prestado a devida atenção, mas não ouvi a afirma-
tiva de que os requisitórios, que embasam os pedidos em julgamento,
sejam os primeiros da longa lista de credores alimentares do Estado de
São Paulo. Essa é uma primeira colocação que faço.
No entanto, não hesitaria em acompanhar V. Exa. se a solução pre-
conizada pelo eminente Ministro-Relator fosse útil à solução do grave
problema que nos é apresentado. O Tribunal tem grave responsabili-
dade: compete-lhe dar a cada um o que é seu, buscando fórmulas que
representem uma verdadeira iniciativa conducente ao objetivo do
restabelecimento da paz social.
Salta aos olhos que decretar intervenção em um Estado da Fede-
ração a menos de dois meses da realização de eleições, que recolocam
à disposição do povo o cargo de Governador – ao qual, aliás, con-
corre o seu atual ocupante – vale apenas, e tão-somente, para agra-
var a atual situação de desequilíbrio financeiro-orçamentário. Even-
tual interventor – isso foi bem colocado pelo eminente Ministro
Gilmar Mendes – encontrará exatamente as mesmas limitações fáticas
hoje existentes.
Considero suficiente para afastar a pretensão no mérito – pelos da-
dos que recebi em memoriais que foram apresentados – a efetiva
inexistência de recursos financeiros, os quais permitam o atendimento
imediato dos precatórios. Não apenas dos que embasam este pedido,
mas de todos quantos os antecedem e de todos quantos tenham sido,
na forma prevista pela Constituição, incluídos em orçamento.

ANEXO A

Precatórios - Parte 3 - Anexo A.pmd 267 2/5/2005, 16:06


268 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

É esse, realmente, o inteiro volume do débito que deve ser pago,


mas, como as condições demonstram, há evidências de que é impossí-
vel fazê-lo de imediato. Sobrepõe-se, portanto, aquele velho brocardo
romano: “ad impossibilia nemo tenetur”. É esta, aliás, a razão por que o
eminente Ministro Villas Boas, em precedente ainda anterior ao que
foi referido pelo Ministro Gilmar Mendes, nos idos de 1962, indeferiu
pedido de intervenção federal no Estado do Rio Grande do Norte.
Disse então S. Exa.:
Impossibilidade jurídica do atendimento à decisão afasta o caráter de desobe-
diência judicial. (IF n. 31/RN)
Entendo, Sr. Presidente, que a desobediência que autoriza a interven-
ção exige expressão ativa de vontade, que não verifico na atuação do
executivo estadual paulista. Por isso, não vejo como deferir o pedido.
Com vênia de V. Exa., acompanho a divergência.
À revisão de apartes dos Srs. Ministros Marco Aurélio (Presidente e
Relator), Sepúlveda Pertence e Moreira Alves.

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo A.pmd 268 2/5/2005, 16:06


ADIN N. 1.662-7 – SP 269

ANEXO B ADIN N. 1.662-7 – SP

Relator: Min. Maurício Corrêa


Requerente: Governador do Estado de São Paulo
Advogado: Márcio Sotelo Felippe
Requerido: Tribunal Superior do Trabalho – TST

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDA-


DE. Instrução Normativa 11/97, Aprovada pela Resolução 67, de
10.4.97, do Órgão Especial do Tribunal Superior do Trabalho, que
uniformiza procedimentos para a expedição de precatórios e ofícios
requisitórios referentes às condenações decorrentes de decisões tran-
sitadas em julgado.
1. Prejudicialidade da ação em face da superveniência da Emenda
Constitucional 30, de 13 de setembro de 2000. Alegação improceden-
te. A referida Emenda não introduziu nova modalidade de seqüestro
de verbas públicas para a satisfação de precatórios concernentes a dé-
bitos alimentares, permanecendo inalterada a regra imposta pelo arti-
go 100, § 2º, da Carta Federal, que o autoriza somente para o caso de
preterição do direito de precedência do credor. Preliminar rejeitada.
2. Inconstitucionalidade dos itens III e XII do ato impugnado, que
equiparam a não-inclusão no orçamento da verba necessária à satisfação
de precatórios judiciais e o pagamento a menor, sem a devida atualiza-
ção ou fora do prazo legal, à preterição do direito de precedência, dado
que somente no caso de inobservância da ordem cronológica de apre-
sentação do ofício requisitório é possível a decretação do seqüestro,
após a oitiva do Ministério Público.
3. A autorização contida na alínea b do item VIII da IN 11/97 diz
respeito a erros materiais ou inexatidões nos cálculos dos valores dos
precatórios, não alcançando, porém, o critério adotado para a sua ela-
boração nem os índices de correção monetária utilizados na sentença

ANEXO B

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 269 2/5/2005, 16:04


270 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

exeqüenda. Declaração de inconstitucionalidade parcial do dispositi-


vo, apenas para lhe dar interpretação conforme precedente julgado
pelo Pleno do Tribunal.
4. Créditos de natureza alimentícia, cujo pagamento far-se-á de
uma só vez, devidamente atualizados até a data da sua efetivação,
na forma do artigo 57, § 3º, da Constituição paulista. Preceito
discriminatório de que cuida o item XI da Instrução. Alegação im-
procedente, visto que esta Corte, ao julgar a ADIMC 446, manteve a
eficácia da norma.
5. Declaração de inconstitucionalidade dos itens III, IV e, por
arrastamento, da expressão “bem assim a informação da pessoa jurídica de
direito público referida no inciso IV desta Resolução”, contida na parte final
da alínea c do item VIII, e, ainda, do item XII, da IN/TST 11/97, por
afronta ao artigo 100, §§ 1º e 2º, da Carta da República.
6. Inconstitucionalidade parcial do item IV, cujo alcance não encer-
ra obrigação para a pessoa jurídica de direito público.
Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente em parte.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do


Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da
ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, re-
jeitar a prejudicialidade da ação direta de inconstitucionalidade. Por
unanimidade, julgar improcedente o pedido formulado na ação, quan-
to aos itens I, II, V, VI, VII, IX, X, XI e XIII, da Instrução Normativa
nº 11, de 10 de abril de 1997, do Tribunal Superior do Trabalho. Por
maioria, julgar procedente o pedido formulado quanto aos itens III e
XII, da referida instrução normativa. Por unanimidade, julgar parcial-
mente procedente o pedido formulado na ação, quanto à alínea b do
item VIII da Instrução Normativa nº 11/97-TST, fixando a interpreta-
ção segundo a qual as diferenças agasalhadas são resultantes de erros
materiais ou aritméticos, ou de inexatidão dos cálculos dos precatórios,
não podendo, porém, dizer respeito ao critério adotado para a elabora-
ção do cálculo ou a índices de atualização diversos dos que foram
utilizados em primeira instância, salvo na hipótese de substituição por
força de lei do índice aplicado. E, por maioria de votos, julgar proce-

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 270 2/5/2005, 16:04


ADIN N. 1.662-7 – SP 271

dente, em parte, o pedido formulado quanto ao item IV, para assentar


o alcance único, segundo o qual o dispositivo não encerra obrigação
para a pessoa jurídica.

Brasília, 30 de agosto de 2001.

MARCO AURÉLIO – PRESIDENTE


MAURÍCIO CORRÊA – RELATOR

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO MAURÍCIO CORRÊA – O Governador


do Estado de São Paulo propõe ação direta de inconstitucionalidade
na qual impugna a Instrução Normativa 11/97, aprovada pela Reso-
lução 67, de 10.04.97, do Órgão Especial do Tribunal Superior do
Trabalho (DJ de 2.05.97, p. 16.798), destinada a uniformizar os proce-
dimentos relativos às execuções movidas contra as Fazendas Públicas
Federal, Estadual e Municipal, no âmbito da Justiça Trabalhista. A
referida norma tem o seguinte teor:

“INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 11

Uniformiza procedimentos para a expedição de Precatórios e Ofícios requisi-


tórios referentes às condenações decorrentes de decisões trânsitas em julgado, con-
tra a União Federal (Administração Direta), Autarquias e Fundações, até a
nova regulamentação prevista no projeto de reforma do Poder Judiciário, na Cons-
tituição da República.”
I – Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Esta-
dual, Municipal e suas Autarquias e Fundações, em virtude de senten-
ça judicial trabalhista, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica
de apresentação dos precatórios e à conta dos respectivos créditos, na
forma da lei.
II – É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades condena-
das, de verba necessária ao pagamento de seus débitos constantes de
precatórios apresentados até 1º de julho de cada ano, data em que
serão atualizados seus valores, fazendo-se o pagamento até o final do
exercício seguinte.

ANEXO B

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 271 2/5/2005, 16:04


272 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

III – O não cumprimento da ordem judicial relativa à inclusão, no respectivo


orçamento, pela pessoa jurídica de direito público condenada, de verba necessária
ao pagamento do débito constante de precatório regularmente apresentado até 1º
de julho, importará na preterição de que tratam os §§ 1º e 2º do art. 100 da
Constituição da República e autorizará o Presidente do Tribunal Regional do
Trabalho, a requerimento do credor, expedir, após ouvido o Ministério Público,
ordem de seqüestro nos limites do valor requisitado.
IV – A pessoa jurídica de direito público informará ao Tribunal, até 31
de dezembro, se fez incluir no orçamento os precatórios apresentados até 1º
de julho.
V – Os precatórios de requisição de pagamento serão dirigidos pelo
Juiz da execução a quem compete o cumprimento do precatório, ao
Presidente do Tribunal Regional do Trabalho, que, no exercício de ati-
vidade administrativa, examinará as suas formalidades extrínsecas.
VI – O precatório conterá, obrigatoriamente, cópia das seguintes
peças, além de outras que o Juiz entender necessárias ou as partes
indicarem:
1) petição inicial da demanda trabalhista;
2) decisão exeqüenda;
3) conta de liquidação;
4) decisão proferida sobre a conta de liquidação;
5) certidão de trânsito em julgado das decisões referidas nos itens 2
e 4;
6) indicação da pessoa ou pessoas a quem deve ser paga a importân-
cia requisitada;
7) citação da entidade devedora;
8) procuração com poderes expressos para receber e dar quitação,
no caso de pedido de pagamento a procurador;
9) manifestação do Representante legal da União, atestando que o
precatório está conforme os autos originais;
10) número da conta, exclusiva, na qual deverão ser efetuados os
depósitos;
11) inteiro teor do despacho que ordenou a formação do precatório.
VII – Os precatórios recebidos no setor competente do Tribunal
Regional do Trabalho serão processados, observando-se o seguinte:

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 272 2/5/2005, 16:04


ADIN N. 1.662-7 – SP 273

a) cada precatório será autuado e numerado de acordo com a ordem


cronológica de chegada, para efeito de precedência do seu cumpri-
mento;
b) o precatório será submetido ao Presidente do Tribunal, após exa-
minados os pressupostos exigidos à sua formação, devidamente infor-
mado, e certificadas as eventuais irregularidades;
c) encerrado a 1º de julho de cada ano o período destinado à propos-
ta orçamentária, serão, pelo Juiz da execução, calculados os valores e
atualizados na forma da lei, a fim de que a entidade devedora seja
comunicada do débito geral apurado, para inclusão do valor na dota-
ção orçamentária do exercício seguinte.
VIII – Ao Presidente do Tribunal Regional compete, além de expe-
dir os ofícios requisitórios, o seguinte:
a) baixar instruções gerais necessárias à tramitação dos precatórios
e ordenar as diligências cabíveis à sua regularização;
b) determinar, de ofício ou a requerimento das partes, a correção
de inexatidões materiais ou a retificação de erros de cálculo;
c) encaminhar ao juízo da execução cópia do ofício requisitório, para
que o faça constar dos autos de que se extraiu o precatório, bem as-
sim a informação da pessoa jurídica de direito público referida
no item IV desta Resolução.
IX – Os pagamentos deverão ser feitos nos autos do processo de
execução, observando-se:
a) na medida em que ocorrer a liberação, as importâncias respecti-
vas serão depositadas, na conta indicada pelo Juiz requisitante, à sua
disposição, considerado nos depósitos e levantamentos o que dispõe o
art. 100 da Constituição da República;
b) efetivado o pagamento do valor requisitado, remanescendo dife-
renças devidas por atualização monetária, os cálculos deverão ser efetua-
dos pelo Juiz da execução, que, após a intimação das partes, expedirá
nova requisição de pagamento e a encaminhará ao Presidente do Tribu-
nal Regional, para a remessa do precatório à entidade devedora.
X – Para o cumprimento do que dispõe a letra a do item IX desta
Resolução, as Juntas de Conciliação e Julgamento providenciarão a aber-
tura de conta em estabelecimento bancário oficial, destinada, exclusiva-
mente, à movimentação das importâncias referentes aos precatórios.

ANEXO B

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 273 2/5/2005, 16:04


274 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

XI – Ficam ressalvadas, no que couber, quanto à observância do


estabelecido nesta Resolução, as situações alcançadas pelo que dispõe
o art. 57, § 3º, da Constituição do Estado de São Paulo, segundo o
qual “os créditos de natureza alimentícia” – cujos precatórios obser-
varão ordem cronológica própria – “serão pagos de uma só vez, devi-
damente atualizados até a data do efetivo pagamento”.
XII – Na hipótese ressalvada no item anterior, caso efetivado o pagamento
por meio inidôneo, a menor, sem a devida atualização ou fora do prazo legal,
poderá o Juiz da Execução, a requerimento da parte interessada, requisitar ao
Presidente do Tribunal o seqüestro da quantia necessária à satisfação do crédito,
após a atualização do débito e oficiada a entidade devedora com prazo para
pagamento.
XIII – Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação,
revogando o Ato GP Nº 1554/92, publicado no DJ de 4.11.92, Seção
I, págs. 1.919/1.920, e a Resolução Administrativa nº 320/96, publicada
no DJ de 5/7/96, pág. 24.520.”
2. Afirma o requerente que o ato impugnado, contrariando o dispos-
to no artigo 100, §§ 1º e 2º, da Constituição, alterou prazos e a forma
de atualização e de pagamento dos débitos decorrentes de decisões
judiciais transitadas em julgado, criou modalidades de seqüestro para
hipóteses diversas daquela prevista na Carta Federal, modificou dis-
posições do Código de Processo Civil e da CLT e, além disso,
excepcionou os Tribunais Regionais do Trabalho da 2ª e da 15ª Região,
que têm jurisdição no Estado de São Paulo, do procedimento geral a
ser adotado pelos demais TRTs da Federação quanto ao cumprimento
dos precatórios.
3. Argumenta que as duas novas modalidades de seqüestro de ren-
das públicas para o cumprimento de precatórios judiciais oriundos da
Justiça do Trabalho, instituídas pelos itens III e XII da Instrução
Normativa 11/97, não se enquadram na única hipótese autorizada
pela Constituição, que é a preterição do direito de precedência (artigo 100,
§ 2, in fine), podendo até mesmo prejudicar o direito dos demais credo-
res em situação similar à dos contemplados com a medida.
4. Com relação ao item XII do ato impugnado, aduz que a determina-
ção nele contida se contrapõe à própria finalidade da norma prevista no
artigo 100, § 2º, da Carta da República, conforme decisão proferida pela
Primeira Turma no RE 132.031-SP, Celso de Mello, unânime, RTJ 159/

JURISPRUDÊNCIA

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ADIN N. 1.662-7 – SP 275

943. Além disso, privilegia os reclamantes de uma única unidade da


Federação, o que viola o princípio constitucional da isonomia e o fede-
rativo (CF, artigo 5º, caput, e 19, III).
5. Acresce que a exceção prevista no item XI da IN 11/97, além de
ofender os princípios constitucionais já mencionados, subtrai do Esta-
do o direito ao devido processo legal e ao contraditório, à medida que
não contempla a oitiva da entidade devedora quanto aos valores apu-
rados antes da decretação do seqüestro.
6. Sustenta, ademais, que o Tribunal Superior do Trabalho, ao editar
a IN 11/97, objetivando uniformizar os procedimentos para expedi-
ção e cumprimento dos precatórios oriundos daquela Justiça Especia-
lizada, substituiu-se ao legislador, afastando a aplicação das normas
processuais em vigor e antecipando a vigência daquelas constantes do
projeto de reforma do Poder Judiciário, ainda em tramitação no Con-
gresso Nacional, o que contraria o princípio da separação dos Poderes
(CF, artigo 2º) e o preceito contido no artigo 22 da Constituição, que
atribui competência privativa à União para legislar, dentre outros, so-
bre matéria processual.
7. Alega que os dispositivos contidos nos números 6, 9 e 10 do item
VI da norma impugnada estabelecem requisitos para a formação do
precatório judicial, o que é da competência exclusiva da União (CF,
artigo 22, I); da mesma forma, a regra contida no item IX, a, que, se
mantida, causará transtornos à Administração.
8. Sobre o procedimento estabelecido no item VII, diz que além de
inconstitucional mostra-se contraditório, tendo em vista que após a
expedição de ofício requisitório pelo Juiz da execução, com a indica-
ção do valor devidamente homologado, o precatório, recebido e pro-
cessado junto ao Tribunal Regional do Trabalho, retornará àquele juízo
para nova atualização do débito e comunicação à entidade devedora,
a fim de ser incluído no orçamento.
9. Assegura, por fim, que o ato em exame, além de revogar os arti-
gos 730 e 731 do Código de Processo Civil e dispor sobre matéria
processual, afronta o Título IV da Constituição, que consagra o princí-
pio da divisão de poderes, já que não é permitido ao Judiciário tratar
de questões administrativas da alçada exclusiva do Executivo.
10. Pede a declaração de inconstitucionalidade da norma impugna-
da, em especial dos itens III, XI e XII (fls. 2/24).

ANEXO B

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 275 2/5/2005, 16:04


276 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

11.O pedido cautelar foi deferido em parte, à unanimidade, para


suspender a eficácia dos incisos III e XII e dar interpretação conforme
a Constituição à alínea b do item VIII, segundo a qual as expressões
“correção de inexatidões materiais ou a retificação de erros de cálculo” somente
podem referir-se a “erros materiais ou aritméticos ou de inexatidões dos cálcu-
los dos precatórios, não podendo, porém, dizer respeito ao critério adotado para a
elaboração do cálculo ou a índices de atualização diversos dos que foram utiliza-
dos em primeira instância” (fl. 116).
12.O Presidente do Tribunal requerido prestou informações, nas
quais esclarece que a aprovação do ato decorreu da necessidade de
suprir deficiências na regulamentação então em vigor, com fundamen-
to na Carta da República, no Código de Processo Civil e na legislação
ordinária específica. A respeito das disposições que tiveram a sua efi-
cácia suspensa (itens III e XII da IN 11/97), assevera que buscou aquela
Corte dar interpretação eficaz às normas constitucionais pertinentes
(fls. 88/9 e documento de fls. 90/2).
13.O Advogado-Geral da União, no exercício da atribuição prevista
no § 3º do artigo 103 da Carta Federal, defende a constitucionalidade
do ato emanado do Tribunal Superior do Trabalho, por entender que
viera especificar os casos que autorizam o seqüestro da quantia neces-
sária à satisfação do débito, suprindo a lacuna do § 2º do artigo 100 da
Constituição, além de dar solução prática e rápida à liquidação dos
precatórios. Assinala, ademais, que o seqüestro não é um ato
jurisdicional, mas administrativo, dado que visa satisfazer direitos de
terceiros já reconhecidos pelo Poder Judiciário (fls. 123/135).
14.O Procurador-Geral da República manifesta-se em parecer subs-
crito pelo Subprocurador-Geral Flávio Giron, opinando pela confir-
mação da cautelar, nos termos em que concedida (fls. 137/145).
15.Tendo em vista a superveniência da Emenda Constitucional
30, de 13/9/00, solicitei nova manifestação de Sua Excelência (fl.
156), que no parecer de fls. 158/60 opinou no sentido de que seja
julgada prejudicada a ação. Transcrevo, no que interessa, os seus fun-
damentos:
(...) O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADIN nº 2.131-1/
BA, rel. Min. NELSON JOBIM, DJ de 01.09.00, p. 105, deci-
diu ser impossível pela via do controle concentrado de lei esta-
dual editada antes de Emenda Constitucional que altera disposi-

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 276 2/5/2005, 16:04


ADIN N. 1.662-7 – SP 277

tivo considerado afrontado pela norma impugnada. O acórdão


da referida ação direta está assim ementado:
Constitucional. Lei estadual editada antes da EC nº 20/98. Im-
possibilidade de confronto pela via do controle concentrado. A
via do controle difuso é a própria para se saber se houve a
revogação da lei, em face da Constituição. Precedentes.
Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada prejudicada.
Ao proferir seu voto, o eminente relator referiu-se aos prece-
dentes, com transcrição de algumas decisões, entre elas, a deci-
são proferida na ADI 1674 (RTJ 169/921, rel. Min. SYDNEY
SANCHES), do seguinte teor:
...no controle concentrado de constitucionalidade, realizado no
âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade, de que trata o
art. 102 da CF/88, o texto a ser confrontado com a Constituição
é de ato normativo federal ou estadual elaborado durante sua
vigência e desde que aquela (a Constituição) continue em vigor.
(...)
Se esse novo texto das normas constitucionais federais revogou,
ou não, a norma estadual objeto da impugnação, é questão que
só se pode resolver no controle difuso de constitucionalidade,
ou seja, na solução de casos concretos, nas instâncias próprias.
Não assim, no controle concentrado “in abstrato”, da Ação
Direta de Inconstitucionalidade, na qual o STF só leva em conta
o texto constitucional em vigor, não, portanto, o revogado ou
substancialmente alterado.
Ressalte-se, ainda, que o item III da Instrução Normativa nº 11/97,
do Tribunal Superior do Trabalho, permitia ao Presidente do Tri-
bunal Regional do Trabalho, a requerimento do credor, expedir
ordem de seqüestro, em caso de não inclusão no orçamento de
verba pública necessária para pagamento de precatório regular-
mente apresentado até 1º de julho.
Embora o art. 100 da Constituição Federal fosse omisso quanto
à medida de seqüestro na circunstância citada, o art. 78 acrescen-
tado ao ADCT pela Emenda Constitucional nº 30, de 13 de
setembro de 2000, prevê tal modalidade de seqüestro, verbis:
O Presidente do Tribunal competente deverá, vencido o prazo
ou em caso de omissão no orçamento, ou preterição ao direito
de precedência, a requerimento do credor, requisitar ou deter-

ANEXO B

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 277 2/5/2005, 16:04


278 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

minar o seqüestro de recursos financeiros da entidade executa-


da, suficientes à satisfação da prestação.
Nessa linha, aliás, estabelece o § 5º do art. 100, acrescentado
pela EC nº 30/2000, o enquadramento em crime de responsa-
bilidade do Presidente de Tribunal que, por ato comissivo ou
omissivo, retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de
precatório.
É de se concluir, pois, que o dispositivo constitucional, modificado
pela Emenda Constitucional nº 30/2000, torna impossível a
concretização do controle concentrado de constitucionalidade do ato
normativo, ora impugnado, confrontado com preceito constitucional
não mais vigente, conforme tem decidido o Supremo Tribunal Fede-
ral, ou seja, no sentido de que o texto a ser confrontado com a Consti-
tuição é de ato normativo federal ou estadual elaborado durante sua
vigência e desde que ela continue em vigor. (grifo do original)
É o relatório, de que serão encaminhadas cópias a todos os Senho-
res Ministros (RISTF, artigo 172).

VOTO

O SENHOR MINISTRO MAURÍCIO CORRÊA (Relator) – Como


resulta da leitura que acabei de fazer, a Procuradoria-Geral da Repú-
blica entende que a ação se encontra prejudicada, porque embora o
artigo 100 da Carta Federal seja omisso quanto à medida de seqüestro
na hipótese de não-inclusão no orçamento estatal da verba necessária
ao cumprimento de precatório, o artigo 78 acrescentado ao ADCT
pela Emenda Constitucional 30, de 13 de setembro de 2000, prevê
essa modalidade.
2. Nessa perspectiva, tendo ocorrido alteração no preceito constitu-
cional mencionado, o ato normativo do Tribunal Superior do Traba-
lho, confrontado com dispositivo da Constituição não mais vigente,
levaria à declaração de prejudicialidade da ação, na conformidade do
que julgou esta Corte nas ADIs 2.131-BA, Nelson Jobim, DJ de
01.09.00, e 1.674, Sydney Sanches, RTJ 169/921.
3. Examinemos a preliminar suscitada pelo Parquet.
4. De pronto, parece-me não ter ocorrido substancial modificação
na redação do texto primitivo do artigo 100 da Constituição Federal

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 278 2/5/2005, 16:04


ADIN N. 1.662-7 – SP 279

no que se refere às hipóteses de seqüestro de verbas públicas que inte-


ressam ao caso.
5. O artigo 100, § 2º, da Constituição, tirante o acréscimo dos §§ 1º-A,
4º e 5º, e alguma reestruturação de frases do texto originário sem maiores
implicações, manteve o seqüestro exclusivamente para o caso de
preterição do credor.
6. Por sua vez, o novo artigo 78 e seus parágrafos do ADCT-CF/88,
ao dilatar o prazo para pagamento dos precatórios pendentes na data
da promulgação da EC-30/00 e daqueles decorrentes de ações ajuiza-
das até 31 de dezembro de 1999, ressalvados os créditos definidos em lei
como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o artigo 33 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações e os
que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo,
apenas previu, em face do disposto no caput, a possibilidade de seqües-
tro de verbas públicas quando vencido o prazo estipulado ou nos ca-
sos de omissão no orçamento da quantia necessária ao cumprimento
da obrigação ou de preterição do direito de precedência.
7. Se assim é, fica claro que a norma transitória, ao prever como
passível de seqüestro a omissão no orçamento dos órgãos públicos
requisitados da verba suficiente à satisfação da obrigação, não alcan-
çou os créditos de natureza alimentar – dentre os quais se incluem os
oriundos de reclamações trabalhistas propostas contra as Fazendas
Federal, Estadual e Municipal –, nem as situações ali excetuadas.
8. Para as demais hipóteses expressamente excepcionadas, inclusi-
ve as relativas aos precatórios provenientes de ações ajuizadas após o
dia 31 de dezembro de 1999, somente são aplicáveis as regras do arti-
go 100 da Carta da República.
9. É evidente que a previsão constitucional diz respeito a outros
precatórios, não especificamente àqueles resultantes de condenações
proferidas pela Justiça do Trabalho. Assim sendo, os créditos daí de-
correntes, os de que trata o artigo 33 do ADCT e suas complementações,
os de pequeno valor definidos em lei e os que já tiveram os seus res-
pectivos recursos liberados ou depositados em juízo estão categorica-
mente excluídos de suas disposições.
10. O vencimento do prazo previsto no artigo 78 do ADCT-CF/88
e a não-inclusão no orçamento da entidade devedora da verba sufi-
ciente à satisfação do débito são as novas hipóteses constitucionais

ANEXO B

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 279 2/5/2005, 16:04


280 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

que autorizam o seqüestro, exclusivamente para os casos ali especifi-


cados, além da quebra de cronologia.
11. Com relação aos precatórios originários de débitos alimentares e
a outros não incluídos no preceito transitório, a única hipótese de se-
qüestro constitucionalmente admissível continua sendo a pertinente à
quebra de precedência (CF, artigo 100, § 2º), que não foi objeto de
alteração pela EC 30/00.
12. Tem-se, por isso, que a espécie não guarda qualquer semelhança
com os precedentes invocados pela Procuradoria Geral da República
no seu já citado parecer. De fato, na ADI 1.674-GO, Sydney Sanches,
DJ de 28.05.99, submeteu-se a exame do Tribunal dispositivo da Cons-
tituição do Estado de Goiás que dispunha sobre o teto de vencimen-
tos e proventos dos servidores.
13. Com a promulgação da EC 19/98 houve, aí sim, alteração subs-
tancial nos textos originais dos artigos 37, XI, e 39, § 1º, da Constitui-
ção Federal, o que prejudicou seu conhecimento.
14. Na ADI 2.131-BA, Nelson Jobim, DJ de 01.09.00, cuidou-se de
matéria atinente ao sistema de seguridade social dos servidores públi-
cos estaduais. Nesse caso, a EC 20/98 alterou o artigo 195 da Consti-
tuição, que se constituía fundamento da suscitada inconstitucionali-
dade, e, por isso, a ação foi julgada prejudicada.
15. Na espécie, dá-se que a EC 30/00 não introduziu nova modalida-
de de seqüestro para pagamento de precatórios originários de débitos
alimentares, tampouco o artigo 78 acrescido ao Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias tratou da questão. Ao contrário, permane-
ceu a faculdade de autorizar-se o seqüestro de verbas públicas exclusi-
vamente para o caso de preterição do direito de precedência do credor
(CF, artigo 100, § 2º, in fine).
16. Inaplicáveis aqui os acórdãos destacados pela Procuradoria-
Geral da República, bem assim outros que com eles têm correlação,
v.g., ADI 2.109-BA, Nelson Jobim, DJ de 01.09.00; ADI 424-PR,
Marco Aurélio, DJ de 15.09.00; ADI 512-PB, Marco Aurélio, DJ de
18.06.01; ADI 155-SC, Octavio Gallotti, DJ de 08.09.00; ADI 1.907-
DF, Octavio Gallotti, DJ de 26.03.99; ADI 575-PI, Pertence, DJ de
25.06.99; ADI 2.204-MT, Sydney Sanches, DJ de 02.02.01; ADI 44-
DF, Aldir Passarinho, DJ de 25.05.90 e ADI 871-DF, Francisco Rezek,
DJ de 27.08.93.

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 280 2/5/2005, 16:04


ADIN N. 1.662-7 – SP 281

17. A questão destes autos guarda identidade com o que decidido


no julgamento da ADIMC 2.125-DF, de que fui relator, DJ de
29.09.00, oportunidade em que se examinou a inconstitucionalidade
da MP 2.014-4/00. A ação foi conhecida, porquanto “as modificações
introduzidas no artigo 37 da Constituição Federal pela EC nº 19/98 mantive-
ram inalterada a redação do inciso IX da disposição constitucional, que prevê a
contratação de pessoal por tempo determinado na Administração Pública”.
18. Fixadas essas premissas, rejeito a preliminar suscitada pela Pro-
curadoria-Geral da República, por entender que não ocorreu alteração
substancial no preceito contido no artigo 100, § 2º, da Constituição
Federal, relativamente à sistemática de seqüestro ali prevista, de modo
que se torne possível a incidência da jurisprudência invocada.

VOTOS/PRELIMINAR

A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE – Sr. Presidente,


acompanho o eminente Ministro-Relator, entendendo que não há
dúvida de que a Instrução Normativa nº 11/97 disciplina exclusiva-
mente créditos de natureza alimentar. Enquanto isso, ao que me pa-
rece, a Emenda Constitucional nº 30 só produziu alteração no trata-
mento dos créditos não alimentares.

VOTOS/PRELIMINAR

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Sr. Presidente, o texto


da Emenda Constitucional nº 30 altera meramente, no enunciado, não
na proposição jurídica, o § 2º do art. 100 da Constituição Federal.
O texto anterior da Constituição Federal, no seu § 2º, art. 100, dizia
o seguinte:
§ 2º – As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão
consignados ao Poder Judiciário...
O art. 1º, § 2º, da Emenda nº 30 revela que:
... diretamente ao Poder Judiciário.
E, ainda, o texto anterior preceitua:
... recolhendo-se as importâncias respectivas à repartição com-
petente...

ANEXO B

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 281 2/5/2005, 16:04


282 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Saiu a expressão “recolhendo à repartição competente”, para “diretamente”,


ou seja, não teria um intermediário nesse depósito; este seria feito
“diretamente ao Poder Judiciário”. No mais, o texto é igual: no final do
dispositivo, tanto a emenda como o art. 100 – no texto primitivo –
assegura uma hipótese de seqüestro que já estava prevista: o não-cum-
primento da precedência necessária.
Diz o art. 100 da Constituição Federal (texto primitivo):
Art. 100 – O Presidente do Tribunal, autorizara requerimento
credor e exclusivamente para o caso de preterimento do seu
direito de precedência, o seqüestro da quantia necessária à satis-
fação do débito, portanto, o texto permanente.
O art. 78 do Ato das Disposições Transitórias introduzido é pela
Emenda Constitucional nº 30 – é curiosa essa técnica legislativa, quer
dizer, em vez de eles fazerem uma disposição da própria emenda, in-
troduzem no Ato das Disposições Transitórias um novo artigo. Isso é
um tipo de norma da própria emenda.
Criou-se, de fato, uma norma transitória. E qual é? Há um passivo
imenso de precatórios devidos pelos Estados, Municípios e pela União,
passivo este insuscetível de ser atendido com as forças orçamentárias
e as receitas dos Estados e Municípios. E o texto estabeleceu uma
segunda espécie de moratória e uma forma de parcelamento desses
precatórios – já havia sido criada, naquilo que se chamava “emenda
Buzaid”, que é o art. 33 do ADCT. Então, criou-se uma nova modali-
dade: esses débitos serão pagos em dez anos e determinou-se que, se
não forem cumpridas essas prestações, é causa de seqüestro – só que
não é possível. Estão fora deste pagamento parcelado de dez anos, em
prestações anuais, “os débitos de natureza alimentícia, os do art. 33
deste ADCT” – que são os precatórios Buzaid -, “os dos recursos libe-
rados ou depositados em juízo” – aqui há os recursos liberados e depo-
sitados em juízo -, “os precatórios pendentes na data da promulgação
desta Emenda e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 30 de
dezembro de 1999”. Se ressalvadas essas hipóteses conjuntas, tería-
mos, então, os dez anos. E, na hipótese de não serem cumpridos os 10
anos anuais, diz o § 4º do art. 2º da Emenda Constitucional nº 30, que:
§ 4º – O Presidente do Tribunal competente deverá, vencido o
prazo ou em caso de omissão no orçamento, ou preterição ao
direito de precedência, a requerimento do credor, requisitar ou

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 282 2/5/2005, 16:04


ADIN N. 1.662-7 – SP 283

determinar o seqüestro de recursos financeiros da entidade exe-


cutada, suficientes à satisfação da prestação.
Por quê? Porque a cada ano anterior, feito o parcelamento em 10
anos, terá que incluir no orçamento para o pagamento dos precatórios
parcelados. Se não forem incluídos no orçamento ou se, no caso da
omissão do orçamento ou de preterição da precedência dos 10 anos,
então, cria-se uma figura de requisição que, no caso específico, era
exatamente “requisitar ou determinar o seqüestro de recursos finan-
ceiros da entidade executada, suficientes à satisfação da prestação”.
Isso significa basicamente que a preterição já estava prevista no texto
permanente; criou-se uma figura nova, não incluiu no orçamento, e
aqueles parcelados dos 10 anos teriam o direito do seqüestro.
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE — Não es-
tou afirmando nada. Estou com uma certa perplexidade em dizer que
isso nada tem a ver com a presente ação direta.
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Veja o que houve.
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE — V. Exª
nem está respondendo a questão posta.
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Veja o que se passa:
há uma decisão com precatório, com execução, com situações cons-
tituídas. O que resolveu fazer o constituinte derivado? Parcelar em dez
anos. E estes, sujeitos ao parcelamento em dez anos, se não o cumprirem
pela não-inclusão no orçamento, seqüestram-se. Uma opção que foi feita.
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – A inter-
pretação lógico-literal está perfeita. Pergunto-me é se não há uma ques-
tão a examinar, à luz desse novo ordenamento constitucional da maté-
ria criado com essa nova emenda.
O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – O texto é expres-
so. Só se chega a uma interpretação lógica quando o texto é expresso.
No texto dessa resolução, no qual a preterição autorizava exclusiva-
mente o seqüestro, lê-se como preterição a não-inclusão no respectivo
orçamento. Ou seja, criou-se uma figura nova. A não-inclusão no or-
çamento é uma preterição. E aí se autorizou o seqüestro.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) –
A dúvida suscitada funda-se na premissa de que, na verdade, surgiu
uma realidade constitucional que estaria, de certa forma, a modificar o
parâmetro da inicial desta ação direta de inconstitucionalidade. Que

ANEXO B

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 283 2/5/2005, 16:04


284 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

realidade constitucional seria essa? A da Emenda nº 30, no que, con-


forme ressaltado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, veio a elastecer a
hipótese de seqüestro – que era única antes –, prevendo-o diante do
inadimplemento quanto à prestação e, também, por falta de inserção
de numerário no orçamento.
Aí surge a pergunta feita por Sua Excelência: não teria havido a
mudança do arcabouço constitucional a respeito da matéria? É possí-
vel, por exemplo, entendermos que os créditos comuns têm, hoje, esse
mecanismo de coerção quanto ao pagamento, e os de natureza alimen-
tar não o têm?
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Só para os créditos
parcelados em dez anos. A única hipótese de se considerar isso era se
V. Exª admitisse o parcelamento dos créditos alimentícios. Aí sim, ele
estaria proibido.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) –
A dúvida não é quanto ao resultado, e sim quanto à modificação do
balizamento constitucional existente à época da propositura da ação.
E houve uma modificação.
O SENHOR MINISTRO MAURÍCIO CORRÊA (RELATOR) –
Mas pergunto: para efeito de precatório, na verdade, houve...
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Para a própria emenda
não houve diferença. O juízo é subjetivo, é objetivo.
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Isso é o
que está em discussão. A nossa jurisprudência diz que quando é preci-
so solver controvérsias sobre o sentido do novo parâmetro de constitu-
cionalidade para julgar uma ação direta de constitucionalidade, não a
julgamos, mas a declaramos prejudicada.
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Não estamos discu-
tindo o parâmetro, mas examinando se ele foi alterado. E a única for-
ma de saber isso é estudando-o, senão, nunca o analisaremos. Teremos
que fazer aquela coisa chapada.
O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Não estamos in-
terpretando textos duvidosos. Aqui é ele expresso ao excluir e ao dizer
que esses casos são apenas aqueles em que há parcelamento.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) –
Daí a perplexidade, considerada a colocação do ministro Sepúlveda
Pertence. Será que a nossa Carta tem esse alcance? Os débitos co-

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 284 2/5/2005, 16:04


ADIN N. 1.662-7 – SP 285

muns geram o seqüestro, mas aqueles que visam à subsistência do cre-


dor não geram?
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Foi a contrapartida
do parcelamento.
O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Pois é o parcelamento.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) –
Devo revelar ao Plenário – já que estou lidando com cerca de três mil
processos a conter pedidos de intervenção pelo descumprimento de
débitos constantes de sentenças judiciais de há muito transitadas em
julgado – que tenho sido procurado por credores, mas grandes credo-
res, visando a esclarecer o alcance da Emenda nº 30 como algo salutar.
Porque, antes, tinha-se o descumprimento das decisões – por isso exis-
tem três mil processos com pedidos de intervenção na Corte; em rela-
ção a São Paulo, existem cerca de dois mil e quinhentos processos – e
não havia como chegar à satisfação das decisões judiciais, com o des-
crédito para um único Poder, o Judiciário.
Agora, é a questão que se coloca: se se preservou a satisfação dos
créditos de natureza alimentícia, a ausência dessa satisfação não conta
com o mesmo mecanismo reproduzido na Carta da República?
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – E há mais,
Ministro Marco Aurélio. A inovação do § 2º do art. 100 não é tão
anódina quanto prescreve o depósito direto. Qual é então a hipótese
de preterição, se o depósito é direto? Não será a de não inclusão no
orçamento?
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Do próprio Presi-
dente do Tribunal.
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE — Ela vai
seqüestrar a verba que já está em seu poder?
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Ele inverte a situação.
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – O proble-
ma é muito mais profundo.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) –
Permitam-me ressaltar uma outra modificação que, de certa forma,
veio a afastar, em definitivo, aquele dogma sacrossanto...
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Quando
eram depositários, as repartições competentes da Administração po-
deriam sonegar a transferência do depósito em juízo para determinado

ANEXO B

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 285 2/5/2005, 16:04


286 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

credor. Hoje, se a dotação orçamentária é diretamente consignada ao


Tribunal, então se teria dado ao Presidente do Tribunal, exclusiva-
mente, o poder de um seqüestro de suicida, um seqüestro contra si
mesmo? O problema é muito mais sério do que parece.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) –
Haverá responsabilidade, se retardar. Mas a modificação maior, para
mim, não está aí.
O SENHOR MINISTRO ILMAR GALVÃO – Está-se fazendo sem
observância da ordem, antecipando um pagamento, privilegiando um
determinado credor.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) –
Importa para concluir sobre o prejuízo, ou não, da ação direta de in-
constitucionalidade.
Ministro Pertence, houve uma outra modificação do texto do corpo
permanente da Carta. Afastou-se, do cenário jurídico, em definitivo, aquela
jurisprudência, como ia dizendo, elevada a dogma sacrossanto, segundo
a qual o precatório não podia ser indexado, porque no § 1º mudou-se a
data da atualização do valor devido. Antes, a atualização ocorria em 1º
de julho; agora, manda-se atualizar no momento do pagamento.
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Mas isso não está
em causa. O que está em causa é uma decisão do Tribunal do Trabalho
que resolveu seqüestrar na hipótese de não haver consignação em or-
çamento. Não estamos mais discutindo a atualização. Essa já está re-
solvida pelo texto.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) –
Espero presenciar as conseqüências desse dispositivo, porque estou,
por exemplo, com uma situação inusitada. Vossa Excelência sabe a
data do último precatório satisfeito por Goiás, a envolver prestação de
natureza alimentícia? 1980.
O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Acho que o Tribu-
nal tem de interpretar.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) –
Temos de enfrentar e dizer se está prejudicada, ou não, a ação direta
de inconstitucionalidade.
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE — Ou va-
mos rever a nossa jurisprudência de que, se se tinha de interpretar o
novo texto constitucional, é de julgar prejudicada a ação direta.

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 286 2/5/2005, 16:04


ADIN N. 1.662-7 – SP 287

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Mas aqui o proble-


ma é de texto expresso.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) –
A pergunta que se faz é esta: precisaria o constituinte que emendou o
artigo 100 dizer que, também em relação aos créditos de natureza ali-
mentícia, cabe o seqüestro?
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Precisaria, sim, claro.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) –
Então, ficamos com um sistema um tanto quanto capenga.
O SR MINISTRO NELSON JOBIM – Pode ser que a decisão não
seria salutar, mas a discussão dessa decisão não é aqui, é lá. Aqui não
se legisla. Aqui não se reforma a Constituição.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) –
Deu-se de barato, Senhor Ministro, no seqüestro, uma vez envolvido o
crédito de natureza alimentícia.
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE — Partindo
da premissa de que a Constituição diz isso, V. Exa., Ministro Jobim,
também, o diz. E se eu entender que ela não diz?
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Mas V. Exa. não dis-
se o que entendeu, V. Exa. só ameaça, porque o que está pretendendo
é o seguinte: só poderíamos examinar (inaudível). A análise é a interação
à alteração de proposição. A pretensão do Sr. Ministro Pertence é que
não poderíamos examinar se houve mudança de enunciado. Trabalha-
mos não com enunciado; trabalhamos com proposição jurídica e esta é
rigorosamente a mesma. Se uma vírgula e se as expressões mudaram, a
proposição jurídica é a mesma, e esta autorizaria a mudança na propo-
sição, e não no enunciado; autorizaria a prejudicialidade da ação direta
de inconstitucionalidade.
No caso – como demonstrou claramente o Relator, e a leitura do
texto leva a isso –, não houve nenhuma alteração da proposição jurídi-
ca; houve, isso sim, uma mudança meramente de enunciado.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) –
Isso é o que estamos decidindo. Por exemplo, não me sinto em situa-
ção confortável de sustentar que os créditos comuns, hoje, contam
com esse meio coercitivo, sob o ângulo da satisfação, e os créditos de
natureza alimentícia, não.

ANEXO B

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 287 2/5/2005, 16:04


288 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Então, V. Exa. está


pretendendo que o Congresso teria de parcelar, também, os créditos
de natureza alimentícia.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) –
Estou entendendo – e em homenagem ao próprio Congresso Nacional –
que não havia necessidade, diante do novo contexto, de prever-se que a
ausência de pagamento de crédito alimentício gera o seqüestro. A me-
nos que se espere que o credor morra, para, então, a família herdar.
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Não é esta a realidade.
Sr. Presidente, acompanho o Ministro-Relator.

VOTO

S/PRELIMINAR
O SENHOR MINISTRO ILMAR GALVÃO – Sr. Presidente, com
a devida vênia dos Srs. Ministros que entenderam de modo contrário,
creio que as novas previsões de seqüestro não se aplicam aos créditos
de natureza alimentícia.
Houve, realmente, como ressaltado pelo Ministro Pertence, um contra-
senso flagrante, mas do legislador que ditou norma expressa a respeito.
Por essa razão, acompanho o Sr. Ministro-Relator.

VOTO

(VOTO S/ PRELIMINAR)
O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO – Sr. Presidente, o
art. 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, acrescen-
tado pela Emenda Constitucional nº 30, no seu art 2º, dispõe:
Art. 78 – ... os precatórios pendentes na data de promulgação
desta Emenda e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até
31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real,
em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações
anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, per-
mitida a cessão dos créditos.
O constituinte derivado criou uma hipótese de satisfação e liqüidação
de precatórios num novo prazo, estabelecendo, mais, no § 4º, do art. 78:

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 288 2/5/2005, 16:04


ADIN N. 1.662-7 – SP 289

Art. 78 (...)
§ 4º O Presidente do Tribunal competente deverá, vencido o
prazo ou em caso de omissão no orçamento, ou preterição ao
direito de precedência, a requerimento do credor, requisitar ou
determinar o seqüestro de recursos financeiros da entidade exe-
cutada, suficientes à satisfação da prestação.
Quer-me parecer que tal disposição diz respeito, apenas, aos crédi-
tos com a forma de pagamento nova instituída pela Emenda Constitu-
cional nº 30.
O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Esse texto é tran-
sitório e, obviamente, só diz respeito ao que está na transitoriedade,
não podendo ser conjugado a um texto permanente.
O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO – E há a ressalva
expressa dos créditos de pequeno valor, de natureza alimentícia, etc.
Convenci-me, na linha do voto do Sr. Ministro-Relator, de não ter ha-
vido alteração no que toca, por exemplo, a esses créditos de natureza
alimentícia.
Com essas breves considerações, acompanho o voto de S. Exa., en-
tendendo não estar prejudicada a ação.

VOTO

VOTO S/PRELIMINAR
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE — Sr. Pre-
sidente, nos apartes ao Ministro Nelson Jobim, já deixei clara a minha
posição. Tão mais brilhantes, não posso negar, e convincentes à pri-
meira vista, são as notáveis interpretações da Emenda Constitucional
nº 30, a que estou assistindo, quanto mais eu me convenço de que
estamos julgando uma ação direta de inconstitucionalidade ante um
parâmetro constitucional superveniente.
Por isso, peço todas as vênias aos que me antecederam para julgar
prejudicada a ação.

VOTOS/PRELIMINAR

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Sr. Presidente, con-


tinuo a sustentar que, quando há necessidade de interpretação

ANEXO B

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 289 2/5/2005, 16:04


290 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

aprofundada do próprio texto, o Tribunal não deverá fazê-la, para o


efeito de se conhecer de ação direta de inconstitucionalidade. Mas
este caso é diferente, pois se não houvesse o art. 78, ter-se-ia dúvida
de que o § 2º, antes e depois daquele, com relação a esse problema,
mudou? Não, porque continua exatamente a mesma coisa.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) –
O artigo 78 integra o sistema constitucional.
O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – O art. 78 é exce-
ção, e o sendo, só se aplica, obviamente, aos casos que nele estão
excepcionados.
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Não te-
nho dúvida do caráter estrito de uma norma transitória. Mas, no con-
texto de uma mesma emenda – que alterou, a meu ver, significativa-
mente o § 2º, do art. 100 da Constituição – a adoção, repito, nesta
mesma emenda, de uma ampliação do conceito de seqüestro, me traz
indagações. Isso, como orientação exegética: não estou afirmando que
essa norma transitória se aplica aos casos aos que ela própria prescre-
ve não se aplicar.
O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – O § 2º, com rela-
ção ao problema do seqüestro, continua exatamente a mesma coisa,
quando se refere à hipótese que é exclusivamente de preterição e prefe-
rência, mas não diz respeito a problema de não-pagamento e às
hipóteses que estão no art. 78 do ADCT. Parece-me, aliás, que o
constituinte derivado fez muito bem em colocar isso no texto da
Constituição Federal, em vez de deixar como artigo da Emenda.
Tratando-se de norma permanente, aplica-se a todo e qualquer caso,
exceto àqueles que estão previstos no art. 78, e, para isso, não há ne-
cessidade de interpretação aprofundada para se chegar a essa conclu-
são, dada a clareza do texto.
Com a devida vênia, acompanho o eminente Relator.

VOTOS/PRELIMINAR

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Sr. Presidente, con-


tinuo a sustentar que, quando há necessidade de interpretação
aprofundada do próprio texto, o Tribunal não deverá fazê-la, para o
efeito de se conhecer de ação direta de inconstitucionalidade. Mas
este caso é diferente, pois se não houvesse o art. 78, ter-se-ia dúvida

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 290 2/5/2005, 16:04


ADIN N. 1.662-7 – SP 291

de que o § 2º, antes e depois daquele, com relação a esse problema,


mudou? Não, porque continua exatamente a mesma coisa.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) –
O artigo 78 integra o sistema constitucional.
O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – O art. 78 é exce-
ção, e o sendo, só se aplica, obviamente, aos casos que nele estão
excepcionados.
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Não te-
nho dúvida do caráter estrito de uma norma transitória. Mas, no con-
texto de uma mesma emenda – que alterou, a meu ver, significativa-
mente o § 2º, do art. 100 da Constituição – a adoção, repito, nesta
mesma emenda, de uma ampliação do conceito de seqüestro, me traz
indagações. Isso, como orientação exegética: não estou afirmando que
essa norma transitória se aplica aos casos aos que ela própria prescre-
ve não se aplicar.
O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – O § 2º, com rela-
ção ao problema do seqüestro, continua exatamente a mesma coisa,
quando se refere à hipótese que é exclusivamente de preterição e
preferência, mas não diz respeito a problema de não-pagamento e às
hipóteses que estão no art. 78 do ADCT. Parece-me, aliás, que o consti-
tuinte derivado fez muito bem em colocar isso no texto da Constituição
Federal, em vez de deixar como artigo da Emenda.
Tratando-se de norma permanente, aplica-se a todo e qualquer caso,
exceto àqueles que estão previstos no art. 78, e, para isso, não há ne-
cessidade de interpretação aprofundada para se chegar a essa conclu-
são, dada a clareza do texto.
Com a devida vênia, acompanho o eminente Relator.

VOTOS/PRELIMINAR

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Sr. Presidente, con-


tinuo a sustentar que, quando há necessidade de interpretação
aprofundada do próprio texto, o Tribunal não deverá fazê-la, para o
efeito de se conhecer de ação direta de inconstitucionalidade. Mas
este caso é diferente, pois se não houvesse o art. 78, ter-se-ia dúvida
de que o § 2º, antes e depois daquele, com relação a esse problema,
mudou? Não, porque continua exatamente a mesma coisa.

ANEXO B

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 291 2/5/2005, 16:04


292 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) –


O artigo 78 integra o sistema constitucional.
O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – O art. 78 é exce-
ção, e o sendo, só se aplica, obviamente, aos casos que nele estão
excepcionados.
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Não te-
nho dúvida do caráter estrito de uma norma transitória. Mas, no con-
texto de uma mesma emenda – que alterou, a meu ver, significativa-
mente o § 2º, do art. 100 da Constituição – a adoção, repito, nesta
mesma emenda, de uma ampliação do conceito de seqüestro, me traz
indagações. Isso, como orientação exegética: não estou afirmando que
essa norma transitória se aplica aos casos aos que ela própria prescre-
ve não se aplicar.
O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – O § 2º, com rela-
ção ao problema do seqüestro, continua exatamente a mesma coisa,
quando se refere à hipótese que é exclusivamente de preterição e prefe-
rência, mas não diz respeito a problema de não-pagamento e às hipóte-
ses que estão no art. 78 do ADCT. Parece-me, aliás, que o constituinte
derivado fez muito bem em colocar isso no texto da Constituição Fe-
deral, em vez de deixar como artigo da Emenda.
Tratando-se de norma permanente, aplica-se a todo e qualquer caso,
exceto àqueles que estão previstos no art. 78, e, para isso, não há ne-
cessidade de interpretação aprofundada para se chegar a essa conclu-
são, dada a clareza do texto.
Com a devida vênia, acompanho o eminente Relator.

VOTO SOBRE PRELIMINAR

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – A


matéria suscita questionamento, o que, para mim, já evidencia não se ter
campo propício para dizer-se da prevalência, em termos de intangibili-
dade, da ação ajuizada. Afirmo que o artigo 78 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias versa também sobre crédito de natureza
alimentícia, e o faz para revelar, acima de tudo, a envergadura maior
desses créditos; o faz na abertura do próprio artigo 78, ao dispor:
“Art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pe-
queno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 292 2/5/2005, 16:04


ADIN N. 1.662-7 – SP 293

deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas


complementações e os que já tiverem os seus respectivos recur-
sos liberados ou depositados em juízo, os precatórios penden-
tes...” – cláusula que tem merecido aplausos, pelo menos dos
grandes credores; há esperança de receberem-se os créditos –
“...na data de promulgação desta Emenda e os que decorram
de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão
liquidados pelo seu valor real...” – e não nominal – “...em moe-
da real, acrescido de juros legais...” – durante esse período, ao
contrário do que se verificou quanto ao artigo 33 – “...em pres-
tações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos,
permitida a cessão dos créditos”.
É também permitido, se houver a concordância por parte dos cre-
dores, o número maior de prestações.
Não posso interpretar um dispositivo, muito menos constitucional, a
ponto de chegar a um paradoxo que, para mim, está no que se assenta
que houve o elastecimento das hipóteses de seqüestro, para alcançar-se
a não-inserção de verba no orçamento, para alcançar-se a não-liquida-
ção de prestação quanto aos créditos de natureza comum, e, pelo me-
nos, no prazo de vigência do dispositivo transitório, não se pode chegar
ao mesmo seqüestro na ausência de inserção de numerário suficiente à
liquidação, ou na hipótese de não se liquidar até o final do exercício
seguinte um crédito de natureza alimentícia. Teríamos uma proteção
maior quanto ao crédito comum e uma menor no tocante àquele crédito
de envergadura maior, a teor da Carta da República, do sistema em si.
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE — Não é à
toa que já há notícias de que os planos de parcelamento, conforme o
artigo 78, estão sendo feitos mantendo a falta de dotações orçamentá-
rias suficientes para os créditos alimentares. Está no noticiário de hoje.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) –
Seria essa a conseqüência do dispositivo constitucional?
O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Sr. Presidente, para
fazermos um “pendant”, deveríamos fazê-lo também com relação aos
dez anos. Então, vamos parcelar todos os créditos alimentícios.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) –
Não, Ministro, porque se presume que possa o credor do crédito ali-
mentício sobreviver durante 18 meses, não mais do que isso. E estamos
aqui a julgar algo que se encontra no âmbito da Justiça do Trabalho.

ANEXO B

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 293 2/5/2005, 16:04


294 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

A meu ver, contamos com base, na própria Carta, para chegar a essa
interpretação, que não tenho como ativista nem integrativa, mas
teleológica, considerado o objetivo da nova disciplina.
De acordo com o § 2º do artigo 5º da Constituição Federal:
Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados (...)
Penso que o artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Tran-
sitórias compõe um grande todo, muito embora balizado no tempo,
que é o revelado pelo sistema constitucional.
Peço vênia àqueles que entendem de maneira diversa para não abrir a
porta à postergação, ainda maior, dos créditos de natureza alimentícia,
porque, em última análise, tendo em vista o preceito do artigo 78, relativa-
mente ao seqüestro, quanto aos créditos comuns, serão estes, daqui para a
frente, de maior envergadura, e, aí, diante da escassez de recursos, colo-
car-se-ão em plano secundário os créditos de natureza alimentícia.
Acompanho o ministro Sepúlveda Pertence, assentando, portanto,
o prejuízo da ação direta de inconstitucionalidade.

VOTO

(S/ITENS III E XII DA


INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 11/97 – TST)
A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE – Sr. Presidente, nes-
sa parte, acompanho o voto do eminente Ministro-Relator.
Entendo que não é tão grande o poder do Tribunal Superior do Tra-
balho a ponto de criar a presunção de preterição configurada nos itens
III e XII desta resolução. Essa presunção, para efeito de seqüestro,
parece-me que não pode perdurar. A preterição a que o texto constitu-
cional se refere é aquela na qual ocorre a quitação de um precatório
posterior antes de um precatório anterior, ou seja, a preterição de fato.

VOTO

(S/ ITENS III E XII DA


INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 11/97 – TST)
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Sr. Presi-
dente, votei, creio que com a unanimidade do Tribunal, para deferir

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 294 2/5/2005, 16:04


ADIN N. 1.662-7 – SP 295

medida cautelar suspensiva dos dispositivos agora declarados inconsti-


tucionais pelo eminente Ministro-Relator.
Maior reflexão – e até os fatos nacionais e notórios da ineficácia
sistêmica das decisões judiciais condenatórias do Poder Público – me
levam, a não mais me sentir preso à jurisprudência assentada pelo Tri-
bunal, no sentido dessa interpretação absolutamente restritiva do con-
ceito de “preterição” no art. 100, § 2º, da Constituição Federal, e rever a
sua leitura para entender que não há forma mais radical, nem irreme-
diável, de preterição, do que a falta de inclusão da verba necessária ao
pagamento do precatório, de acordo com o sistema constitucional. Nem
chego a aprofundar a diferença trazida pela mudança aparentemente
mínima do sistema do § 2º do art. 100, porque o Tribunal, por esmaga-
dora maioria, já entendeu que ele é substancialmente idêntico ao da
redação originária.
Fico, então, com a redação anterior, mas, com a firme convicção
pessoal – reconheço, jamais acolhida pelo Tribunal –, de que a não-
inclusão da verba necessária – primeira obrigação do Poder Público no
sistema de execução das condenações contra ele proferidas – implica a
forma mais radical de preterição.
Julgo improcedente a ação direta.

VOTO

(SOBRE ITENS III E XII DA


INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 11/97 – TST)
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) –
Vejo que acabamos mal, nós, presidentes dos tribunais, porque se in-
seriu, no corpo permanente da Carta de 1988, um dispositivo que de-
veria estar dirigido àqueles que exercem a chefia do Poder Executivo.
E, como que se sinalizando – pelo menos isso numa leitura primeira
do § 5º do novo artigo 100 – aos cidadãos em geral, revelou-se que a
culpa de tudo seria dos presidentes dos tribunais. Previu-se:
§ 5º O Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo
ou omissivo, retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de
precatório incorrerá em crime de responsabilidade.
Comungo com o ministro Sepúlveda Pertence quando Sua Excelên-
cia alude à preterição que o tratamento diferenciado, à base da inter-

ANEXO B

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 295 2/5/2005, 16:04


296 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

pretação que se estaria dando aos dispositivos do artigo 78, ocasiona-


rá. Os créditos de natureza alimentícia ficarão em segundo plano e, aí,
evidentemente, diante dos novos elementos coercitivos que passaram
a proteger o crédito comum, não haverá como se inserir, no orçamen-
to, numerário para satisfação desses créditos que a Carta da República
indica terem envergadura maior, a ponto de os ter afastado do
parcelamento previsto no artigo 78. Não posso proceder a outra inter-
pretação senão à sistemática, à luz, portanto, dos princípios, pelo me-
nos considerado o prazo de parcelamento de que cogita o artigo 78,
consagrados pelo nosso constituinte derivado, autor da Emenda nº 30.
Defrontamo-nos com um ato do Tribunal Superior do Trabalho – e
também revejo a minha posição inicial quando enfrentamos o pedido
de concessão de medida acauteladora – que se coaduna com o alcance
real da Carta da República, no que encerra, mediante os meios previs-
tos, a necessidade desses créditos de natureza alimentícia serem pa-
gos, após transcorrido o prazo fixado no artigo 100 da Constituição
Federal. O cidadão comum, uma vez condenado, transitada em julga-
do a sentença condenatória que revele obrigação de dar, tem vinte e
quatro horas para pagar o débito; o Estado conta com dezoito meses
e, mesmo assim, não efetua esse pagamento. O exemplo está na
tramitação, na Corte, de três mil processos versando sobre pedido de
intervenção em decorrência da falta de liquidação de precatório. Pelo
levantamento que acabo de fazer, dois mil e quinhentos, quase todos,
envolvem prestação alimentícia – o nobre procurador de São Paulo
pode confirmar o que estou dizendo.
Ora, a partir do momento em que se potencializa o crédito de nature-
za comum, em que se admite que, relativamente a esse crédito, é possí-
vel chegar-se, na hipótese de inadimplemento de uma das prestações ou
de não-inserção no orçamento do valor correspondente necessário, ao
seqüestro e não se assenta a mesma possibilidade no tocante àquele
crédito que, pela Carta, tem importância maior – o alimentício –, pode-
mos prever, porque não somos ingênuos, o que ocorrerá em relação a
esses mesmos créditos. Para fugir do seqüestro, os devedores incluirão
numerário nos orçamentos, pagarão as parcelas anuais previstas no arti-
go 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e deixarão
em segundo plano, justamente, os créditos prioritários, ou seja, os de
natureza alimentícia. Na interpretação, há de se observar o grande todo
constitucional, sob pena de vir-se agasalhar um contra-senso.

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 296 2/5/2005, 16:04


ADIN N. 1.662-7 – SP 297

Peço vênia aos colegas que acabam de formar a maioria, para acompa-
nhar o voto divergente do Ministro Sepúlveda Pertence, julgando impro-
cedente o pedido formulado nesta ação direta de inconstitucionalidade.

VOTO
(S/ ITEM IV DA INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 11/97 – TST)
A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE – Sr. Presidente, creio
que o Ministro Maurício Corrêa poderá computar mais uma adesão a
esse ponto de vista manifestado agora.
Entendo que a necessidade de comunicação criada pelo inciso IV
da Instrução Normativa nº 11/97 cria, para os órgãos do Poder Exe-
cutivo, obrigação nova, não prevista em lei nem na Constituição Fede-
ral, e, tampouco, portanto, merece manutenção.
Acompanho S. Exa.

TRIBUNAL PLENO
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.662-7
VOTO
(S/ ITEM IV DA INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 11/97 – TST)
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Sr. Presidente, eu
havia acompanhado o Ministro-Relator e continuo na mesma posição,
lembrando que a recíproca teria de ser verdadeira, ou seja, poderia o
Executivo, por uma resolução ou decreto próprio, determinar ao Po-
der Judiciário informar, anualmente, todas as demandas que contra ele
circulam. Evidentemente, não gostaríamos de receber uma determi-
nação do Executivo mandando os Tribunais comunicarem quais cir-
culam dentro do Poder Judiciário em relação a esse fato.

VOTO
(S/ ITEM IV DA INSTRUÇÃO NORMATIVA N.º 11/97 – TST)
O SENHOR MINISTRO ILMAR GALVÃO – Sr. Presidente, peço
vênia ao eminente Relator para indeferir a cautelar. Fica, a regra, como
se fosse um apelo, uma solicitação. Se a pessoa de direito público não
sofre nenhuma punição pela desobediência, a norma não causa ne-

ANEXO B

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 297 2/5/2005, 16:04


298 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

nhum mal. Agora, é preciso, realmente, que o Poder Público comuni-


que ao Poder Judiciário se incluiu os créditos no orçamento e, se não o
fez, o porquê. Aqui, como se trata de regra despida de sanção, fica
como se fosse um indicativo.

VOTO
(S/ITEM IV da INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº11/97-TST)
O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO – Sr. Presidente, a
pessoa de direito público é obrigada, na forma do que dispõe o § 1º do
art. 100 da Constituição Federal, a fazer a inclusão, no orçamento, de
verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças
transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresen-
tados até 1º de julho. A obrigação decorre da Constituição.
Parece-me que esse dispositivo se inclui no âmbito da competência
do juiz que se encarrega da fase de execução, o Presidente do Tribunal.
Acho razoável a disposição. Entendo que essa norma visa a obter da
autoridade, ou da pessoa jurídica de direito público, a informação de
que ela está cumprindo a obrigação básica que lhe impõe a Constituição.
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – V. Exa. está fazendo
interpretação conforme?
O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO – Não!
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – O meu problema é
saber: se obrigatório, sou contrário; mas, se for mera sugestão, estarei a
favor. Qual é a restrição que V. Exa. está fazendo?
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Realmen-
te, ficou sem sanção porque esse item pressupunha a sanção do item III.
O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO – Os italianos di-
zem, com graça, que norma sem sanção é sino sem badalo. Por isso,
sinto dificuldade em dizer que ela obriga.
Então, não há inconstitucionalidade nessa disposição que, bem dis-
se o Sr. Ministro Sepúlveda Pertence, simplesmente retrata uma obri-
gação constitucional do poder público.
Na Presidência do Tribunal, também estive a braços com precatórios.
E acrescento que toda norma que chama a atenção do poder público
de que ele deve cumprir as decisões judiciais me parece salutar.
Peço licença ao Sr. Ministro Relator para manter o item IV.

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 298 2/5/2005, 16:04


ADIN N. 1.662-7 – SP 299

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Exa., aqui, há um


aspecto importante. O item VIII da Instrução Normativa nº 11 diz:
VIII – Ao Presidente do Tribunal Regional compete, além de
expedir os ofícios requisitórios, o seguinte:
c) encaminhar ao juízo da execução cópia do ofício requisitório,
para que o faça constar dos autos de que se extraiu o precatório,
bem assim a informação da pessoa jurídica de direito público
referida no item IV desta Resolução.
Na realidade, temos de interpretar que isso não está criando obriga-
ção ao Poder Público. É uma informação que, se ele não tiver, tem de
solicitar.
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – A possi-
bilidade de obter esta informação obviamente está implícita nos pode-
res. Mas, por isso não ter sanção, fica como uma norma de conveniên-
cia na omissão.
O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Não, mas isso não
se dirige à autoridade pública, porque, se assim fosse, aí seria
inconstitucional, pois isso decorreria da Constituição e não desta nor-
ma. Portanto, esta norma não cria obrigação ao Poder Público. Apenas
diz que o Presidente do Tribunal, quando encaminhar ao juízo de exe-
cução o ofício requisitório, encaminhará também a informação da pes-
soa jurídica e, se esta não prestar informação, ele tem de pedir. Isso
precisa ser dito, e não dizer que se trata de uma obrigação, porque a
Constituição estabelece que tem de incluir no precatório.
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Tenho dúvi-
das se é anódina a recusa de uma informação sobre o cumprimento de
uma obrigação. Tenho desdito que outras serão as sanções. Se, no caso
concreto, o Executivo negar essa informação, então há outros problemas.
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Aí é outra história.
O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Sim, mas se negar
a informação solicitada. Não é dizer que ele está se omitindo num
dever criado por um ato do Tribunal, porque o tribunal, obviamente,
não pode impor dever nenhum a um outro Poder.
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – O dever
está aqui. Se este não for cumprido, realmente basta o Tratado Geral
do Código Penal em que a agravante ...

ANEXO B

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 299 2/5/2005, 16:04


300 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – A minha proposta


é no sentido de se declarar que essa norma há de ser entendida dessa
forma. Não se dirige ao Poder Público, mas apenas, se houver a infor-
mação, o Presidente tem o dever de comunicar ao Juiz da execução
que, quando ele encaminha a cópia do ofício requisitório, ele tem o
dever de também encaminhar essa informação. De modo que o dever
é do Tribunal, não do Poder Executivo.

CONFIRMAÇÃO DE VOTO
(S/ ITEM IV DA INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 11/97 – TST)
O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO – Sr. Presidente, pen-
so ser esta uma obrigação constitucional imposta ao Poder Público. Por-
tanto, o Presidente do Tribunal, que tem a responsabilidade por esta fase
da execução, deve ser informado se foi cumprida essa obrigação.
Mantenho o meu voto.

VOTO
(SOBRE ITEM IV DA
INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 11/97 – TST)
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) –
A satisfação do precatório é um ato complexo. Tem-se a participação
sine qua non do Chefe do Poder Executivo.
Conforme ressaltei, olvidou-se que a quadra atualmente vivida de-
corre de uma certa displicência – vou utilizar o vocábulo – não do
Presidente do Tribunal no qual está pendente o precatório, mas dos
devedores, do Estado. E, aí, previu-se o crime de responsabilidade
praticado pelo Presidente do Tribunal, na hipótese de ato comissivo
ou omissivo.
Ora, já se disse que os Poderes são harmônicos e devem atuar em
conjunto buscando o resultado próprio à Carta da República. O pre-
ceito é simplesmente pedagógico e almeja até mesmo uma economia e
celeridade processuais: o máximo de eficácia da lei com o mínimo de
atividade judicante. Simplesmente dispôs-se que a pessoa jurídica de
direito público – e isso é o mínimo – informará ao Tribunal, até 31 de
dezembro, se fez incluir no orçamento valores para o pagamento dos
precatórios apresentados até 1º de julho.

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 300 2/5/2005, 16:04


ADIN N. 1.662-7 – SP 301

Receio que a interpretação preconizada e dita conforme a Consti-


tuição Federal resulta no fato de a pessoa jurídica de direito público
devedora não estar, em si, obrigada a proceder a essa comunicação.
Peço vênia aos colegas para ficar, portanto, com a óptica do Minis-
tro Carlos Velloso.

VOTO
(S/ ALÍNEA B DO ITEM VIII DA
INSTRUÇÃO NORMATIVA N.º 11/97 – TST)
O SENHOR MINISTRO ILMAR GALVÃO – Sr. Presidente, vejo
que só faltou, nessa instrução normativa, uma norma que previsse a
manifestação do Ministério Público nos processos de precatórios, o
que talvez serviria para evitar a ocorrência de erros capazes de elevar
os débitos da Fazenda a valores irreais, como ocorreu com o INSS, no
Rio de Janeiro.
Acompanho o eminente Ministro-Relator.
Ministro Ilmar Galvão

VOTO – MÉRITO
Ultrapassada essa questão preliminar, passo ao exame do mérito da
ação.
2. Não tenho como acolher a impugnação dos itens I e II da Instru-
ção Normativa 11/97, pela simples razão de que apenas transcrevem
parte do que se contém no artigo 100 e seu § 1º da Constituição. Nesta
parte, portanto, é improcedente o pedido.
3. O item III equipara a não-inclusão no orçamento das verbas relativas
aos precatórios apresentados até 1º de julho de cada ano à preterição
do direito de precedência, e prevê a hipótese de seqüestro sem qualquer contra-
ditório, ouvindo-se apenas o Ministério Público; também o item XII
equipara o pagamento a menor, sem a devida atualização ou fora do prazo,
que denomina de inidôneo, à preterição do direito de precedência, e faculta
o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito.
4. O requerente vê nessas equiparações a criação de duas novas moda-
lidades de seqüestro, além da única prevista na parte final do § 2º do
artigo 100 da Constituição Federal, verbis: “As dotações orçamentárias e os

ANEXO B

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 301 2/5/2005, 16:04


302 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Pre-


sidente do Tribunal que proferir a decisão exeqüenda determinar o pagamento se-
gundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do credor, e ex-
clusivamente para o caso de preterimento de seu direito de prece-
dência, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito”.
5. Infere-se daí que esse preceito (CF, artigo 100, § 2º) não foi pródi-
go na autorização de seqüestros, ao prever sua efetivação exclusiva-
mente para o caso de preterição do direito de precedência.
6. Não vejo como harmonizar-se a abrangência que a Instrução
Normativa do Tribunal Superior do Trabalho deu para o seqüestro com
a parcimônia do constituinte, pelo menos por três motivos: primeiro,
porque tanto a não-inclusão no orçamento da verba necessária à satisfa-
ção dos precatórios quanto o seu pagamento a menor, por não estar
atualizado ou ter sido feito fora do prazo, constituem evidente descum-
primento de ordem judicial, sujeitando-se o Estado infrator à interven-
ção federal, como expressamente prevê o inciso VI do artigo 34 da Cons-
tituição (a União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto
para:... VI – prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial); segun-
do, porque os seqüestros indiscriminados determinados pela Justiça do
Trabalho perturbam seriamente a execução do orçamento, implicam
preterimento do direito de precedência dos demais credores e incidem
sobre valores já liberados para pagamento de outros débitos; terceiro,
porque o seqüestro ocorre sem que haja o mínimo contraditório, ou
ouvindo-se apenas o Ministério Público, como no caso do item III.
7. Assim entendendo, neste ponto julgo procedente o pedido, para
declarar a inconstitucionalidade dos itens III e XII da Instrução
Normativa 11/97, do Tribunal Superior do Trabalho.
8. O item IV impõe aos Estados e Municípios uma obrigação admi-
nistrativa. Por essa razão, ultrapassa os lindes de atuação do Judiciário
e invade área da competência do Executivo, o que implica ingerência
de um Poder nas atribuições do outro e viola o princípio da separação
dos Poderes (CF, artigo 2º). Noto que a suspensão da eficácia desta
disposição torna sem sentido a parte final da alínea c do item VIII da
Instrução impugnada.
9. De resto, assinalo que os Tribunais Regionais do Trabalho podem
utilizar-se de outros meios para obter a informação referida no item IV,
sem exercer coerção inconstitucional sobre órgãos do Poder Executivo.

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 302 2/5/2005, 16:04


ADIN N. 1.662-7 – SP 303

10. Julgo procedente o pedido referente ao item IV da IN 11/97-TST.


Anoto que por ocasião do exame da medida cautelar fui vencido, na
companhia do Ministro Nelson Jobim. No entanto, não me convenci
do entendimento em sentido contrário.
11. Os itens V, VII e VIII, com exceção da alínea b deste último,
tratam de procedimentos internos do Tribunal, sem qualquer reper-
cussão na esfera da Administração. Por isso mesmo, não há como aco-
lher o pedido de inconstitucionalidade desses dispositivos por afronta
aos preceitos indicados na inicial. Julgo-o improcedente.
12. Com relação ao item VIII, b, segundo o qual ao Presidente do
Tribunal Regional compete:... b) determinar, de ofício ou a re-
querimento das partes, a correção de inexatidões materiais ou a
retificação de erros de cálculo, ressalto que esse procedimento diz
respeito apenas a erros materiais ou inexatidões nos cálculos dos valo-
res dos precatórios, não alcançando o critério adotado para a sua ela-
boração nem os índices de atualização monetária utilizados na primei-
ra instância.
13. Faço tal reserva, visto que, como recordado durante os debates
ocorridos por ocasião da apreciação da medida cautelar, esse foi o
entendimento adotado pelo Tribunal ao julgar a ADI 1.098-SP (Ses-
são Plenária de 11.09.96), Marco Aurélio, DJ de 28/4/95, na parte em
que examinou o artigo 337, III, VI e VII, do Regimento Interno do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
14. Julgo procedente em parte o pedido, somente para dar interpre-
tação conforme ao item VIII, b da mencionada Instrução.
15. Quanto aos itens VI, IX e X, tenho por improcedente o pedido.
A alegação de que se trata de matéria processual da competência ex-
clusiva da União (CF, artigo 22, I) não se sustenta, visto que a disposi-
ção normativa limita-se a delinear o procedimento a ser observado na
execução contra a Fazenda Pública; relativamente ao número 10 do
inciso VI e à alínea a do item IX, não vejo afronta à primeira parte do
§ 2º do artigo 100 da Constituição, que estabelece, verbis: “As dotações
orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judi-
ciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exeqüenda
determinar o pagamento segundo as possibilidades do depósito...”, sem explicitar
que os depósitos devem ser feitos em uma única ou em múltiplas con-
tas, na forma indicada.

ANEXO B

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 303 2/5/2005, 16:04


304 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

16. Parece-me claro que a pretensão do Estado de efetuar depósitos


específicos para cada credor facilita e desburocratiza sobremaneira os
trâmites e a liquidação dos débitos, mas não vejo o procedimento ado-
tado pelo ato normativo como afronta ao artigo 100 da Constituição.
17. Em conseqüência, julgo improcedente o pedido referente a es-
ses itens.
18. O item XI cuida do que dispõe o artigo 57, § 3º, da Constitui-
ção paulista e, assim, não há falar em discriminação onerosa contra o
Estado.
19. Com efeito, este Tribunal, ao apreciar a ADIMC 446 (DJ de
18.12.98), Brossard, requerida pelo Governador do Estado de São
Paulo, negou o pedido de liminar para suspender a eficácia do § 3º do
artigo 57 da Constituição paulista, sendo irrelevante que ainda não
tenha sido julgada a ADI 187-SP, que impugna a mesma disposição e o
artigo 12, I a VIII, do ADCT da Carta Estadual.
20. A decisão cautelar tomada no referido julgamento, mantendo a
eficácia do dispositivo mencionado (CE, artigo 57, § 3º), vem sendo
reiteradamente aplicada pelo Pleno e por ambas as Turmas desta Cor-
te, conforme se verifica dos seguintes julgamentos: AGRAG 151.491
(DJ de 29.05.95 e Em. 1.802-03-512) e AGRRE 172.615 (DJ de
08.08.95 e Em. 1.803-05-1.012), ambos da minha relatoria; RE
159.163 (DJ de 03.05.96 e Em. 1.826-04-659) e RE 173.238 (DJ de
15.09.95 e Em. 1.810-07-1.287), Moreira Alves; RE 189.942 (DJ de
24.11.95), Pertence; RE 134.064 (DJ de 18.04.97 e Em. 1.865-02-
306), RE 159.029 (DJ de 17.05.96 e Em. 1.828-05-1.106), Octavio
Gallotti; e dezenas de outros casos semelhantes. Além disso, a nova
redação do parágrafo 1º do artigo 100 da Constituição Federal impõe a
atualização monetária do débito na data do pagamento.
21. Julgo improcedente o pedido concernentemente a esse dispositivo.
22. A alegação de inconstitucionalidade do item XIII também não
procede, porquanto trata apenas do marco da entrada em vigor da Ins-
trução em exame, que revoga as disposições vigentes anteriormente à
sua aprovação pela Resolução 67/97 do Tribunal Superior do Trabalho.
23. Em conclusão, Senhor Presidente, sintetizo o meu voto:
a) julgo improcedente a ação quanto aos itens I, II, V, VI, VII, VIII,
salvo a parte final de sua alínea b, IX, X, XI e XIII, da Instrução em
apreço;
JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 304 2/5/2005, 16:04


ADIN N. 1.662-7 – SP 305

b) julgo procedente a ação no que diz respeito aos itens III, IV e, por
arrastamento, quanto à expressão “bem assim a informação da pes-
soa jurídica de direito público referida no inciso IV desta Resolu-
ção”, contida na parte final da alínea c do item VIII, e, ainda, ao
item XII da IN 11/97, por afronta ao artigo 100, §§ 1º e 2º, da Carta da
República;
c) julgo a ação procedente em parte quanto ao item VIII, b, do ato
impugnado, somente para dar interpretação conforme à Constituição,
de modo que fique explícito que a referida correção diz respeito a er-
ros materiais ou inexatidões nos cálculos dos valores dos precatórios,
não alcançando, porém, o critério adotado para a sua elaboração nem
os índices de atualização monetária utilizados na primeira instância.
É o meu voto.

ANEXO B

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 305 2/5/2005, 16:04


306 PRECATÓRIOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

JURISPRUDÊNCIA

Precatórios - Parte 3 - Anexo B.pmd 306 2/5/2005, 16:04

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