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Revisora
Dieniffer de Souza Silva Lemes
R342
Responsabilidade civil em pauta//, Alexandre Torres Petry, Eduardo
Lemos Barbosa, Fernanda Pimentel da Silva (Organizadores). –
Porto Alegre: OAB/RS, 244p.
ISBN: 978-65-88371-27-5
1. Responsabidade civil – Brasil. I. Título
CDU: 347.51
Bibliotecária Jovita Cristina Garcia dos Santos – CRB 10º 1.5717
DIRETORIA/GESTÃO 2022/2025
CONSELHO PEDAGÓGICO
CORREGEDORIA
OABPrev
COOABCred-RS
PREFÁCIO
E com muita honra, satisfação que escrevo esse brevíssimo prefácio dessa obra, pioneira
de responsabilidade civil, organizada pela Comissão Especial.
Foi em meados de 2022, que abordei o Presidente Leonardo Lamachia, e propus a
criação da Comissão Especial de Responsabilidade Civil, da OAB/RS.
Como sempre, o Presidente Leonardo, sempre solicito e sensível às necessidades da
advocacia gaúcha, determinou a criação da referida comissão.
E assim, em 28 de setembro de 2022, foi realizada a primeira reunião da Comissão, que
até então não existia.
Após, logo vieram dois Simpósios.
O primeiro, foi em 22/11/2022, realizado no auditório Cubo da ESA/RS, em Porto
Alegre, com enorme sucesso de público, e com palestrantes locais e de fora do Estado.
Após, em 01 de junho de 2023, foi realizado o segundo Simpósio, na cidade de Caxias
do Sul, que contou com público expressivo da serra gaúcha (e na via on-line, de todo o Estado)
e palestrantes do Rio Grande do Sul, e de fora.
E agora, seguindo nesta trajetória de sucesso, vem o primeiro ebook da Comissão, onde
desde já agradeço ao Alexandre Petry e à Fernanda Pimentel pela dedicação nesta obra, que
sem dúvida, agregará como importante contribuição ao estudo da responsabilidade civil.
A obra é composta de 14 artigos, tratando dos mais diversos temas, com os mais diversos
autoras e autores. Os quais, desde já, eu deixo meu agradecimento a todos vocês.
E ao Presidente Leonardo Lamachia, que tão exitosa e marcante gestão, deixo meus
mais sinceros votos de gratidão, por ter oportunizado a criação desta Comissão.
Por fim, meus sinceros agradecimentos e a todos os integrantes da Comissão Especial
de Responsabilidade Civil da OAB/RS (Gestão 2022/2024).
Segue ilustre nominata dos membros:
APRESENTAÇÃO
Na seara consumeirista, o e-book conta com artigo escrito pela professora e advogada
Pavlova Perizzollo Leonardelli em conjunto com seu aluno e orientando da graduação em
direito Renato de Almeida. Eles trouxeram ao debate a responsabilidade civil das instituições
bancárias diante de golpes sofridos por clientes.
O advogado Ulisses Soares Passos, escreve texto de suma importância, trazendo a
responsabilidade civil em decorrência de racismo religioso contra advogados no âmbito do
Poder Judiciário. Seu artigo analisa dispositivos existentes e ao mesmo tempo remete para
reflexão de caminhos necessários para a proteção da advocacia, nas suas diferentes e
pluralidades.
Os autores Leandro Barbosa de Araújo e Francineide Barbosa de Araújo Costa,
apresentam estudos acerca da responsabilização civil e o dever de reparação de danos ocorridos
durante a utilização de estacionamentos, comparando o contexto de locais públicos e privados.
O e-book conta também com artigo escrito pelos advogados e professores de direito
Cláudio Daniel de Souza e Luan Christ Rodrigues, em conjunto com a graduada em Direito
Angela Cristina de Sales Parra. No texto, os autores apresentam posicionamento do Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo em demandas envolvendo a responsabilidade civil por danos
causados pelo tratamento indevido de dados pessoais.
As advogadas Nayane Santana de Oliveria e Laís Santana de Oliveira apresentam estudo
que analisa a responsabilidade civil de provedores de internet, especialmente a partir de
ensinamentos do STF envolvendo os direitos fundamentais.
Circulando pelos desafios da atualidade, a autora Marcelle Blanche, participa da obra,
com artigo acerca da imagem post mortem. No texto, ela apresenta implicações da
responsabilidade civil, diante de reconstruções de imagem com uso de ferramentas de
inteligência artificial.
As autoras Iara Sabina Zamin, Bruna Laís da Veiga Kazmirczuk e Solange Beatriz Billig
Garces, fomentam o debate acerca da responsabilidade civil e o mero dissabor, tratando de
casos envolvendo pessoas idosas que sofrem com descontos não autorizados em benefícios de
prestação continuada.
Nosso e-book conta ainda com a participação das advogadas Giórgia de Lima Sberse e
Andressa Brum Gibicoski, abordando a publicidade digital e questionando como se dá a defesa
dos consumidores na sociedade digital, especialmente quando comparamos impactos
publicidade e reflexos na responsabilidade civil.
Observando as obras apresentadas visualizamos as diferentes conexões realizadas, e
entregas inovadoras através dos artigos ora publicados. Com isso, a prova da importância da
temática e também o universo de possibilidades que a responsabilidade civil oferece para os
que de dela se aproximam.
RESUMO
A cirurgia assistida por robô é uma das mais recentes inovações tecnológicas no campo médico,
trazendo promessas de procedimentos mais precisos e menos invasivos. No entanto, a adoção
dessa tecnologia também apresenta desafios legais relacionados à responsabilidade civil, tanto
do médico quanto do fabricante do robô cirúrgico. Este artigo examina os aspectos da
responsabilidade civil nessas cirurgias, considerando a perspectiva do direito do consumidor e
do direito médico. Serão abordados os fundamentos teóricos e a jurisprudência relevante para
analisar a responsabilidade do médico e do fabricante em casos de danos decorrentes de
cirurgias assistidas por robôs. Além disso, o artigo discute medidas para mitigar riscos e garantir
a segurança do paciente. O tema é inovador e abrangente, pois envolve tecnologia, direito do
consumidor, direito médico, responsabilidade civil do médico que irá utilizar o produto e
responsabilidade civil do fabricante.
1 INTRODUÇÃO
A cirurgia assistida por robô é uma área em rápido crescimento na medicina, com
sistemas robóticos cada vez mais presentes em hospitais e centros cirúrgicos ao redor do mundo.
Essa tecnologia oferece vantagens significativas, como maior precisão nos procedimentos e
menor tempo de recuperação para os pacientes. No entanto, com o aumento do uso desses
dispositivos, surgem preocupações sobre a responsabilidade civil em casos de complicações e
danos ao paciente. Neste sentido, a discussão apresentada é direcionada para analisar aspectos
relevantes da responsabilidade civil do fabricante por dano em cirurgia assistida por robô.
1
Mestre e Doutoranda em Ciência e Tecnologia pela UFSCar (pesquisa na área de Proteção de Dados e Inteligência
Artificial), pesquisadora voluntária do CEDIS-IDP e da Universidade de Lisboa (NELB). OAB/SP nº 228.974. E-
mail: anamahleadv@gmail.com.
2
Mestre em Desenvolvimento pela UNIJUÍ/RS, Doutoranda em Direito pela UC/PT Universidade de Coimbra,
Data Protection Officer pela ITCERTS, Gestora, Consultora e Auditora em Privacidade e Proteção de Dados,
Advogada inscrita na OAB/MT nº 13.575B. E-mail: kemer.adv@gmail.com.
12
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé
oupelos bons costumes.
(...)
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa,
nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo
autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Para que a responsabilidade civil seja estabelecida em relação a um produto robô, alguns
elementos devem ser considerados, tais como o defeito do produto, em que a caracterização do
robô como "defeituoso" é fundamental para estabelecer a responsabilidade do fabricante ou
fornecedor. Um defeito pode surgir de várias maneiras, incluindo falhas no projeto, fabricação
ou informações insuficientes sobre o uso adequado. Outro elemento é a causalidade, pois é
necessário comprovar que o defeito do robô foi a causa direta ou contribuinte para o dano
ocorrido. Caso contrário, a responsabilidade não será atribuída ao fabricante ou fornecedor.
No entanto, a rápida adoção desses dispositivos traz consigo uma série de desafios e
14
Pesquisas realizadas por Bianchi (2019), Carvalho e Santos (2020), Fonseca e Oliveira
(2021), Silva e Lima (2019) e Oliveira e Sousa (2020) apresentam análises sobre a
responsabilidade civil do fabricante de dispositivos médicos e a responsabilidade do médico e
do hospital em procedimentos cirúrgicos assistidos por robôs. Essas obras examinam casos reais
e jurisprudências brasileiras relacionadas à tecnologia médica e oferecem subsídios valiosos
para a compreensão das implicações legais e éticas dessa prática médica inovadora.
No Brasil, um hospital foi condenado por infecção contraída por idoso operado por um
robô não esterilizado, juíza Ana Paula Amaro da Silveira, atuando na 4ª Vara Cível da comarca
de Florianópolis, proferiu uma decisão condenatória contra um hospital localizado em São
Paulo, reconhecido como a unidade de saúde privada mais avançada da América Latina. A
condenação se refere a uma indenização por danos morais concedida a um idoso residente em
Florianópolis, vítima de um erro médico durante um procedimento cirúrgico realizado na
referida instituição.
O paciente, que sofria de um tumor renal, foi submetido a uma nefrectomia no renomado
hospital, sendo informado pela equipe médica de que a cirurgia, realizada com o auxílio de um
robô, havia sido bem-sucedida. Entretanto, após um dia e meio da alta hospitalar, o idoso
retornou à sua cidade natal apresentando intensas dores abdominais e febre alta. Diante da
ausência de melhora em seu quadro clínico, ele foi internado novamente, desta vez em um
hospital na capital de Santa Catarina.
Conforme constatado nos exames mais detalhados, o paciente estava com uma infecção
urinária causada pela presença da bactéria "complexo burkholderia cepácia". O responsável
médico apontou que a infecção ocorreu devido à falta de esterilização adequada do robô
utilizado durante a cirurgia. O prontuário médico registrou que o idoso apresentava anemia,
falta de ar, calafrios, sudorese noturna e febre vespertina.
é uma questão médica, e, portanto, não poderia ser responsabilizado. Argumentou ainda que
não havia provas que o ligassem ao problema de saúde do requerente, buscando a realização de
perícia e a improcedência do pedido. A seguradora não apresentou manifestações ao longo do
processo.
Com base nas provas apresentadas no processo, a juíza concluiu que a bactéria
"burkholderia cepácia" foi adquirida nas dependências do hospital durante o procedimento
cirúrgico, estabelecendo assim o nexo causal necessário para a responsabilização da instituição.
A magistrada destacou que caberia ao hospital desconstituir essa premissa, mas como o ônus
da prova foi invertido em benefício do consumidor, a demandada não conseguiu comprovar sua
inocência. Por essa razão, a juíza proferiu a sentença condenatória, passível de recurso.
(SANTA CATARINA, 2019).
É importante destacar que, embora a cirurgia assistida por robôs represente um avanço
significativo no campo da medicina, a responsabilidade civil tanto do fabricante, do hospital e
do médico, é real e deve ser analisada diante do caso concreto.
É fundamental, para que ocorra uma regulamentação adequada, todos os fatores devem
ser considerados e ainda que seja feito de forma ética e transparente por parte dos envolvidos
para garantir a segurança e a eficácia desses procedimentos, protegendo assim os interesses dos
pacientes e da sociedade como um todo.
(...)
Isso significa que o requerente deve demonstrar que o prestador de serviço agiu com
imprudência, imperícia ou negligência, como por exemplo, não seguiu os padrões de segurança
adequados, não teve o treinamento necessário ou que descumpriu obrigações legais.
Em outra situação, um médico operou um robô cirúrgico sem ter tido o devido
treinamento e aconteceu um erro médico durante a cirurgia. Nesse contexto, com a
comprovação desse fato, o médico será considerado responsável, isentando o fabricante da
responsabilidade nos termos do art. 14, § 3º, inciso II do CDC. Nesse caso, o hospital poderá
ser responsabilizado juntamente com o médico, se deixou de adotar as diligências necessárias
sobre a confirmação da qualificação do profissional.
As obras de Carvalho e Santos (2020), Fonseca e Oliveira (2021), Silva e Lima (2019)
e Oliveira e Sousa (2020) têm abordado questões sobre a responsabilidade do médico e do
fabricante de dispositivos médicos, incluindo os robôs cirúrgicos. A análise dessas publicações
19
nos permite observar como a responsabilidade tem sido atribuída em casos reais e como a
obrigação de informar o paciente tem sido tratada pela justiça brasileira.
forma competente e responsável. Isso inclui obter o treinamento adequado para operar o
dispositivo e entender seus limites e capacidades. Casos em que o médico demonstrou
negligência ou falta de habilidade no uso do robô cirúrgico, como o mencionado, têm resultado
em sua responsabilização por danos causados ao paciente.
O consentimento informado é uma parte crucial do processo, pois permite que o paciente
tome decisões conscientes sobre sua saúde. Decisões judiciais têm demonstrado que a falta de
informação adequada ou a obtenção do consentimento informado de forma insatisfatória podem
levar à responsabilização do médico por danos resultantes do procedimento.
Em que pese, o judiciário brasileiro tem levado em consideração esse tipo de abordagem
em casos específicos envolvendo procedimentos cirúrgicos com uso de robôs. Algumas dessas
decisões, o médico foi considerado responsável quando ficou comprovado que ele não informou
adequadamente o paciente sobre os riscos envolvidos no procedimento com o robô cirúrgico.
A falta de consentimento livre informado ou a omissão de informações relevantes foram fatores
determinantes para a responsabilização do médico.
Outras decisões judiciais têm apontado a responsabilidade civil do médico por utilizar
a tecnologia sem o treinamento apropriado, resultando em erros durante o procedimento e danos
ao paciente. Situações que ilustram como a competência do médico na utilização da tecnologia
médica e a obrigação de informar adequadamente o paciente têm sido critérios cruciais na
atribuição de responsabilidade, que pode eventualmente afastar ou mitigar a responsabilidade
civil do fabricante.
da ética médica e que deve ser considerada relevante em decisões judiciais envolvendo
procedimentos cirúrgicos assistidos por robôs. É crucial que os médicos recebam treinamento
adequado, compreendam os limites da tecnologia e forneçam informações transparentes aos
pacientes para garantir uma prática médica segura e responsável, e que o fabricante possa dar
essas condições.
5 CONCLUSÃO
aplicação dos princípios da responsabilidade civil, é fundamental para garantir uma prática
médica responsável, segura e inovadora. A busca por regulamentações adequadas, o constante
debate jurídico e a atualização dos padrões de segurança são passos necessários para garantir
odesenvolvimento ético e responsável dessa tecnologia, proporcionando benefícios reais aos
pacientes e à sociedade como um todo.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor edá
outras providências. Brasília: Presidência da República, 1990.
DONEDA, D. A proteção dos dados pessoais como um direito fundamental. Espaço Jurídico
Journal of Law [EJJL], Chapecó, v. 12, n. 2, p. 91-108, 2011. Disponível em:
<https://periodicos.unoesc.edu.br/espacojuridico/article/view/1315>. Acesso em: 31 jul. 2023.
SANTA CATARINA. Hospital condenado por infecção contraída por idoso operado por robô
não esterilizado. Poder Judiciário de Santa Catarina, 2019. Disponívvel em:
<https://www.tjsc.jus.br/web/imprensa/-/hospital-condenado-por-infeccao-contraida-por-
idoso-operado-por-robo-nao-esterilizado>. Acesso em: 1 ago. 2023.
1 INTRODUÇÃO
1
Graduada em Direito pela Universidade do Estado de Mato Grosso. E-mail: angela_c_sales@hotmail.com.
2
Professor do curso de Direito do Centro Universitário Ritter dos Reis - UniRitter. Doutorando em Direito e
Sociedade pela Universidade La Salle com bolsa CAPES/PROSUC. Mestre em Direito e Sociedade pela
Universidade La Salle. Graduado em Direito pela Universidade La Salle. Advogado – OAB 105.110/RS. E-mail:
claudio.daniel.adv@gmail.com.
3
Professor do curso de Direito da Universidade do Estado de Mato Grosso. Doutorando em Direito, Estado e
Constituição pela Universidade de Brasília (UnB). Mestre em Direito e Sociedade pela Universidade La Salle.
Graduado em Direito pela PUCRS. Advogado – OAB 105.390/RS. E-mail: luan.christ@unemat.br.
24
Civil da Internet – Lei nº 12.965/2014, bem como pela Lei Geral de Proteção de Dados ou
LGPD – Lei n.º 13.709/2018.
Na conjuntura dos desdobramentos normativos dessa área, a LGPD passa a ter vigência
e eficácia plena ano de 2021. Levando em consideração esse aspecto, o problema de pesquisa
do presente trabalho é o seguinte: qual foi o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo sobre a responsabilidade civil por danos causados pelo tratamento indevido de dados
pessoais no ano de 2021?
Por fim, realizou-se a análise jurisprudencial para verificar de que forma o TJSP
interpreta e aplica a LGPD no contexto da responsabilidade civil em casos concretos
envolvendo o tratamento indevido de dados pessoais.
Com o intuito de garantir maior proteção às informações dos indivíduos, muitos países
inseriram ao longo do tempo o direito à autodeterminação informativa em suas constituições,
como Áustria em 2018, ou em legislações específicas de proteção de dados, como no caso da
Alemanha, Portugal e Brasil. O que ambas as legislações têm em comum é a previsão expressa
do direito de cada cidadão controlar e proteger de forma autônoma e consentida os seus dados
pessoais. Nesse sentido:
O Marco Civil da Internet, em seu art. 3º inciso III, prevê a proteção dos dados como
um dos princípios essenciais na utilização da internet no Brasil. Nos incisos VII, VIII e IX do
art. 7º do mesmo diploma são assegurados os seguintes direitos: a) o direito ao consentimento
livre, expresso e informado; b) o direito às informações claras e completas sobre coleta, uso,
armazenamento, tratamento e proteção de seus dados; c) a proibição do fornecimento a terceiros
dos dados pessoais.
No mesmo sentido, a recente Lei Geral de Proteção de Dados consolidou no artigo 2º,
inc. II, a autodeterminação informativa como um de seus fundamentos, fortalecendo a
necessidade do livre acesso e da transparência em relação aos titulares dos dados, proibindo o
tratamento de dados pessoais sem o consentimento específico de seu titular, nos termos do art.
11, caput e inciso I da referida lei.
Assim, DONEDA (2011) explica que o “dado” apresenta conotação um pouco mais
primitiva e fragmentada, isto é, uma informação em estado potencial. Nesses aspectos, o dado
estaria associado a uma espécie de “pré-informação”, anterior à interpretação e ao processo de
elaboração. A informação, por sua vez, refere-se, na visão do autor, a algo além da
representação contida no dado, chegando ao escopo da cognição.
Segundo o artigo 5º, inciso XII, da LGPD, o consentimento é caracterizado como “[...]
manifestação livre, informada e inequívoca pela qual o titular concorda com o tratamento de
seus dados pessoais para uma finalidade determinada”.
Como dispõe BIONI (2021, p. 188), “[...] o adjetivo livre nos remete à ideia de uma
ação espontânea que não é objeto de pressão, mas, pelo contrário, de livre-arbítrio caracterizado
pela tomada de uma escolha em meio a tantas outras que poderiam ser feitas por alguém”.
Diante desse cenário, TEFFÉ & TEPEDINO (2020) referem que o consentimento deve
ser interpretado de forma restritiva e que o autorizado não pode estender a autorização de
tratamento de dados concedida a outros meios que não o acordado com o titular, por exemplo
para uma finalidade ou um contexto diferente do que foi pactuado e informado ao titular. Além
disso, o titular deve expressar seu consentimento antes que a informação seja processada.
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3 RESPONSABILIDADE CIVIL
Acerca da responsabilidade civil, ela pode ser classificada como objetiva ou subjetiva.
STOLZE & PAMPLONA (2023) descrevem que a responsabilidade subjetiva decorre do dano
culposo ou doloso, já a responsabilidade civil objetiva é aquela em que não é necessário sequer
caracterizar a culpa, sendo dolo ou culpa irrelevante juridicamente, tendo apenas que haver
causalidade entre o dano e a conduta do agente responsável pelo ato.
Quer dizer que a responsabilidade civil objetiva via de regra se baseia na teoria do risco
inerente à atividade praticada, enquanto a responsabilidade civil subjetiva é fundamentada pela
comprovação de culpa do agente pela prática de uma conduta ilícita ensejadora de dano.
operador. Tanto o controlador quanto o operador podem ser pessoas físicas ou jurídicas, de
direito público ou privado, mas se diferenciam em suas funções operacionais. O controlador é
responsável por tomar as decisões relacionadas ao processamento de dados pessoais quanto às
finalidades, condições e métodos a serem utilizados. Por sua vez, o operador é encarregado de
executar o processamento dos dados em nome do controlador, seguindo as instruções fornecidas
por ele.
A LGPD impõe obrigações aos agentes de tratamento de dados pessoais, dentre elas
destacam-se: a) ter uma base legal para o tratamento dos dados; b) fornecer informações claras
aos titulares dos dados; obter consentimento válido quando necessário; c) implementar medidas
de segurança adequadas para proteger os dados; d) respeitar os direitos dos titulares dos dados;
e) garantir o cumprimento das regras ao compartilhar dados com terceiros e notificar a
Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e os titulares em caso de incidentes de
segurança.
Existe também uma terceira interpretação minoritária, segundo a qual a LGPD não teria
adotado nem a responsabilidade civil objetiva, nem a responsabilidade civil subjetiva. De
acordo com essa corrente doutrinária, a intenção da LGPD é sobretudo evitar que ocorram
danos. Esse seria o regime de responsabilidade proativa.
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As autoras destacam que o Capítulo VII da LGPD, que aborda as regras de conduta a
serem seguidas pelos agentes de tratamento de dados em relação à segurança, sigilo, boas
práticas e governança, seria a base para o reconhecimento da responsabilidade subjetiva.
[...] de uma regulação que tem como um de seus fundamentos principais a diminuição
do risco, levando-se em conta que o tratamento de dados apresenta risco intrínseco
aos seus titulares. Assim justifica-se o legislador optar por um regime de
responsabilidade objetiva no art. 42, vinculando a obrigação de reparação do dano ao
exercício de atividade de tratamento de dados pessoais (DONEDA & MENDES,
2018, p. 477).
Compartilhando da mesma visão que MENDES & DONEDA, NOVAKOSKI & NASPOLINI
(2020), ao analisarem a natureza da responsabilidade civil estabelecida pela LGPD, observam que a
expressão "em razão do exercício de atividade de tratamento de dados pessoais", presente no artigo 42
da LGPD, não pode ser interpretada de forma isolada. De acordo com esses autores, o referido artigo
reconhece que a atividade de tratamento de dados pessoais envolve riscos, os quais são explicitamente
admitidos, em diferentes graus, em diversos outros dispositivos da lei, como o art. 5º, XVII; art. 38, §
único; art. 44, II; art. 48, caput c/c § 1º, IV; art. 50, caput c/c §1º; art. 55, XIII.
De maneira diversa das duas teorias adotadas, MORAES (2019) defende a teoria da
responsabilidade civil ativa ou proativa. Parte-se do pressuposto de que a responsabilidade civil
precisa ser vista de forma positiva, que os agentes de tratamento precisam adotar uma atitude
protetora e preventiva e que a obrigação de indenizar é uma medida excepcional.
Neste capítulo, será realizada uma análise de conteúdo dos acórdãos julgados no âmbito
do Tribunal de Justiça de São Paulo durante o ano de 2021, no período de 01/01/2021 a
31/12/2021. O objetivo dessa análise é verificar como a LGPD foi aplicada nos casos julgados
e se houve de fato responsabilização pelos danos decorrentes do tratamento indevido de dados
pessoais. Além disso, será investigada a natureza da responsabilização adotada nessas decisões.
O ano de 2021 foi escolhido por representar um marco significativo para a proteção de
dados e privacidade no Brasil. Foi um período inicial da vigência e eficácia plena da LGPD,
bem como o consequente início da construção jurisprudencial relacionada à privacidade e
proteção de dados no país.
Dois outros acórdãos foram desconsiderados da análise, pois, apesar de tratarem do uso
indevido de dados, não estavam diretamente relacionados ao tema em questão. Ademais, foram
identificados seis acórdãos que abordavam a mesma causa de pedir, pedido e réu, que
envolviam o vazamento de dados e a solicitação de indenização por danos morais devido a esse
vazamento, com a empresa Eletropaulo Metropolitana Eletricidade de São Paulo S.A,
atualmente conhecida como Enel Distribuição São Paulo, como ré. Diante da divergência de
entendimento nos acórdãos repetidos, optou-se em selecionar apenas dois deles, descartando os outros
quatro. Portanto, restam quatro acórdãos que serão efetivamente utilizados para a análise. São eles:
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A análise das decisões judiciais foi realizada por meio de método qualitativo. Nesse
processo, foram examinados registros de arquivo e coletados documentos originais, visando
compreender e caracterizar cientificamente os dados analisados. O principal objetivo foi
entender o contexto e a interpretação dos dados (MOURA & FERREIRA, 2005).
O primeiro caso a ser analisado nesta pesquisa cuida de uma Apelação Cível interposta
por Hugo Leonardo Figueiredo Bezerra contra uma decisão parcialmente procedente julgada
pela 12ª Vara da Comarca de São Paulo. O apelado nesse caso é a Telerisco Informações
Integradas de Riscos S.A.
A referida decisão se deu em sede de ação de obrigação de fazer com pedido de tutela
provisória c/c indenização por danos morais e materiais proposta por E.T.S. Nesse conflito, o
autor alega ter sido exposto no ambiente de trabalho devido a informações confidenciais
relacionadas à sua infecção pelo vírus HIV. Esses dados foram acessados por seu superior
hierárquico no site da prefeitura, utilizando apenas o CPF e a data de nascimento, sem a
necessidade de senha. Por esse motivo, foi posteriormente demitido da empresa.
Vale salientar que o pedido de tutela provisória de urgência para a exclusão dos dados
pessoais do portal do município na Internet foi deferido liminarmente,para que o requerido
providenciasse, imediatamente, a exclusão do acesso indiscriminado dos dados pessoais
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Em suas razões, a apelante E.T.S sustenta a existência de dano material em razão de sua
demissão. Alega que deve se aplicar ao caso a responsabilidade civil objetiva, pois estão
presentes todos os elementos para sua configuração, além de requerer a majoração da
indenização por dano moral.
Nesta Apelação Cível interposta por Alessandra Tonelli Villapiano Garcia contra
decisão proferida que julgou improcedente os pedidos da autora. A parte apelada é Enel
Distribuição São Paulo S/A.
A decisão se deu no âmbito da ação de obrigação de fazer c/c danos morais, fundada em
alegada ocorrência de vazamento de dados pessoais da autora. Vale salientar que o incidente
atingiu milhões de consumidores no âmbito do Estado de São Paulo.
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Arguiu a relatora que logo após a ocorrência do vazamento dos dados, a empresa ré
tomou as seguintes precauções: a ) se prontificou em adotar as medidas de segurança
necessárias a fim de evitar danos aos titulares dos dados; b) que os dados vazados não se
enquadram como dados sensíveis, pois podem ser facilmente encontrados em outros meios; c)
que a autora não comprovou nos autos que os dados vazados foram efetivamente utilizados de
modo a acarretar danos; d) que apesar da LGPD e do CDC preverem situações relacionadas à
inversão do ônus da prova, isso não exime a autora de ao menos alegar os danos causados em
decorrência do vazamento de dados.
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O último caso a ser analisado cuida da Apelação Cível interposta pela Debora de Moura
Quintela Lima contra a sentença proferida em sede da 2ª Vara Cível de Osasco – SP. O apelado
é Eletropaulo Metropolitana Eletricidade de S.P.
Ação de indenização por dano moral. Apropriação por terceiros de dados pessoais
do consumidor, extraídos dos cadastros de concessionária de energia elétrica.
Ocorrência versada nas Leis nºs 12.414/2011, 12.965/2014 e 13.709/2018.
Responsabilidade dos controladores e operadores que é objetiva, mas dela se
eximem se não houve violação à legislação de proteção de dados ou o dano decorreu
de culpa exclusiva de terceiro. Artigo 43 da LGPD. Caso emque inexistia base para
se reconhecer que a empresa deixou de adotar medida de segurança recomendada
pela Ciência ou determinada pela ANPD de modo a com isso ter dado causa a que
terceiros tivessem acesso àqueles dados. Ação improcedente. Recurso não provido.
(TJ-SP - Apelação Cível nº: 1025180- 52.2020.8.26.0405 Relator: Arantes
Theodoro, Data de Julgamento: 26/08/2021, 36ª Câmara de Direito Privado, Data de
Publicação: 26/08/2021).
O relator trouxe em seu relatório os dispositivos da LGPD, tais como: artigo 42,
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referente à responsabilidade dos representantes; artigo 46, que dispõe sobre as medidas de
segurança a serem tomadas no tratamento; o disposto no artigo 7º da Lei nº 12.965/2014, que
se refere à não divulgação de seus dados pessoais a terceiros; Lei nº 12.414/2011, que disciplina
a formação e consulta a bancos de dados com informações de adimplemento, de pessoas
naturais ou de pessoas jurídicas, para formação dehistórico de crédito, bem como dispositivos
do CDC.
Verificou-se que essa proteção se acentua em casos de violação dos dados sensíveis,
onde a exposição de tais, reflete prejudicialmente a intimidade a vida privada a honra e a
imagem de seus titulares, sendo assim considerado dano in re ipsa.
A natureza da responsabilidade entendida em sua maioria pelo TJSP foi a objetiva, com
base no risco administrativo (art. 42, LGPD) e a necessidade de cumprir dispositivos legais
concernentes ao tratamento dos dados (art. 46, LGPD).
Ainda que a LGPD tenha sido aplicada em todos os casos analisados, foi notado que
essa aplicação ocorreu de forma subsidiária a outras legislações também aplicadas nos casos
julgados. Essas leis incluem o Código de Defesa do Consumidor, o Código Civil, a Lei nº
12.965/2014, a Lei 13.787/2018, entre outras. Esse fato pode ser explicado pela recente
implementação da LGPD, que, embora tenha gerado uma produção doutrinária intensa, sua
efetiva aplicação para responsabilizar os envolvidos ocorreu de forma limitada no primeiro ano
de vigência e eficácia plena do referido diploma.
Outro elemento digno de nota é a natureza regulamentadora da lei, alicerçada pelo seu
núcleo essencial revestido de critérios e fundamentos para uma possível responsabilização
civil. Destaca-se o viés preventivo na proteção dos direitos dos titulares dos dados,
garantindo maior segurança e privacidade no tratamento de informações pessoais, que envolve
uma revisão e ajuste de políticas e práticas internas das organizações, além da implementação
de medidas técnicas e organizacionais para a proteção de dados pessoais.
5 CONCLUSÃO
dizer que tais agentes são considerados responsáveis pelos danos decorrentes do tratamento
inadequado dos dados, independentemente da existência de culpa.
Em que pese se constate a aplicação da LGPD nos casos analisados, observou-se que
sua aplicação ocorreu de forma subsidiária em relação a outras legislações, tais como o Código
de Defesa do Consumidor, o Código Civil, a Lei nº 12.965/2014 e a Lei 13.787/2018, entre
outras. Isso pode ser explicado pela recente vigência e eficácia plena da LGPD, mas também
indica que a lei já está influenciando o cenário jurídico brasileiro. A tendência é que sua
aplicação seja cada vez mais abrangente e efetiva, especialmente a partir da conscientização
sobre a importância da proteção de dados para preservação dos direitos de personalidade.
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v.3. Editora Saraiva, 2023.
RESUMO
Este artigo analisou a prova do dano imaterial à luz da necessidade, ou não, da comprovação
da dor, da humilhação, do sofrimento, permitindo concluir que a necessidade reside, apenas e
tão somente, na demonstração da violação a direitos da personalidade. Caso aqueles fatos
venham a ser comprovados, terão influência na fixação do valor arbitrado.
ABSTRACT
This article analyzed the proof of non-pecuniary damage in the light of the need, or not, to
prove the pain, humiliation, suffering, leading to the conclusion that the need resides, only and
solely, in demonstrating the violation of personality rights. If those facts are proven, they will
influence the setting of the arbitrated amount.
Keywords: Immaterial damage. Proof. Personality rights. Need. Pain, humiliation, suffering.
INTRODUÇÃO
Por outro lado, muitos acontecimentos acabam por ocasionar diversos conflitos entre as
pessoas. Muitos desentendimentos acabam por dar entrada no Poder Judiciário, sob o prisma
de um pedido de reparação de danos, estes, que podem ser os mais variados possíveis, tal e qual
os danos materiais (emergentes, lucros cessantes). Também os danos imateriais (dano estético,
dano existencial), dentre outros. Contudo, quando a discussão tem como causa de pedir uma
1
Mestre em Direito Privado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, especialista em Direito Processual
Civil e Direito Civil com ênfase em Direito Processual Civil, professor, advogado, parecerista. E-mail:
felipecunhaprofessor@gmail.com.
43
condenação por danos extrapatrimoniais, nossa experiência no cotidiano forense revela que, por
muitas vezes, a parte sente-se ofendida, humilhada; alega ter passado por um vexame em
determinada situação ocasionada por alguém e, em sua subjetividade, entende ser merecedora
de uma compensação a título de danos morais.
O contexto acima trazido, como o título destas linhas já revela, mostra-nos um contexto
fático de reparação por danos imateriais dentro do estudo da responsabilidade civil. De sorte
que a pergunta a ser feita e respondida é a seguinte: deve a vítima de um dano extrapatrimonial
comprovar a existência da dor, humilhação, sofrimento, como situações essenciais à reparação
ou, em contrapartida, demonstrar ao juiz, à magistrada que julgará a sua pretensão, uma ofensa
a direitos da personalidade? Ainda, caso a ofensa aos mencionados direitos da personalidade
esteja comprovada, mas somada a dor, humilhação, sofrimento, estas situações terão alguma
influência do julgamento?
Bem, as indagações supra trazidas serão objeto de estudo no presente trabalho. De sorte
que, para a boa resposta às perguntas feitas, em termos da técnica jurídica, dividiremos o estudo,
inicialmente, analisando a responsabilidade civil à luz da dignidade da pessoa humana. Em um
segundo momento, a abordagem envolverá o dano imaterial em sua previsão constitucional e
infraconstitucional, ao passo que, etapa seguinte, estudaremos as correntes que analisam o dano
extrapatrimonial também à luz das lições sobre o ônus da prova para, aí então, identificarmos a
questão da dor, da humilhação, com reflexos na quantificação do dano, formando, então, a
conclusão sobre a pesquisa ora desenvolvida.
Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho, ao ensinar sobre a evolução da reparação dos
danos imateriais, observa que se trata de um tema “[...] que se revelou, senão o maior, um dos
maiores desafios da teoria da responsabilidade civil desde as últimas décadas do século XX
[...].” (2023, p. 71).
De sorte que, como observa Paulo Lôbo, se nem todo o dano é objeto de reparação, ou
seja, nem todo o dano se ocupa o Direito é justamente pelo fato de que a vida em sociedade tem
justamente como uma de suas características as perdas e danos. (2019). Havendo, segundo o
mestre, “[...] um limite do suportável, que é variável e adaptável pelo direito aos valores da
sociedade segundo as vicissitudes do tempo. (LÔBO, 2019, p. 346). Mas, por outro lado, como
leciona Carlos Alberto Bittar, não podemos perder de vista que, em “Havendo dano, produzido
injustamente na esfera alheia, surge a necessidade de reparação, como imposição natural da
44
vida em sociedade e, exatamente, para a sua própria existência e para o desenvolvimento normal
das potencialidades de cada ente personalizado. (2015, p. 20).
Falar sobre a dignidade da pessoa humana não é tarefa das mais fáceis. Afinal o que
seria, em termos de definição, ou de conceito, aquele princípio previsto constitucionalmente? 2
E mais: como contextualizá-lo à responsabilidade civil e aos danos imateriais, haja vista que a
reparação de tais danos também é prevista constitucionalmente?3
Pois bem, para melhor responder a indagação inserida acima, no início desta seção, o
ser humano, como explicam Nelson Nery Jr. e Georges Abboud se tornou o centro de atuação
do Direito, deixando de ser simplesmente um objeto do Direito (2019). Tais lições miram a
proteção |à dignidade da pessoa humana no seguinte sentido:
Esse princípio não é apenas uma arma de argumentação, ou uma tábua de salvação
para a complementação de interpretações possíveis de normas postas. Ele é a razão de
ser do Direito. Ele se bastaria sozinho para estruturar o sistema jurídico. Uma ciência
que não se presta para prover a sociedade de tudo quanto é necessária para permitir o
desenvolvimento integral do homem, que não se presta para colocar o sistema a favor
da dignidade humana, que não se presta para servir ao homem, permitindo-lhe atingir
seus anseios mais secretos, não se pode dizer Ciência do Direito. (NERY JR.;
ABBOUD, 2019, p. 163).
2
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;
3
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à
imagem;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
45
De sorte que completam os mestres que a correta aplicação dos direitos e garantias
fundamentais previstos no art. 5º da Carta configura-se como “[...] elemento indispensável à
realização do princípio da dignidade da pessoa humana”. (NERY JR.; ABBOUD, 2019, p. 163).
[...] decorre logicamente que a unidade do ordenamento é dada pela tutela à pessoa
humana e à sua dignidade, como já exposto, portanto, em sede de responsabilidade
civil, e, mais especificamente, de dano moral, o objetivo a ser perseguido é oferecer a
máxima garantia à pessoa humana, com prioridade, em toda e qualquer situação da
vida social em que algum aspecto de sua personalidade esteja sob ameaça ou tenha
sido lesado. (MORAES, 2017, p. 182).
Das lições doutrinárias trazidas nesta parte, não há dúvidas de que em havendo a
violação a um interesse jurídico da vítima, o dano em sede de reparação à luz da
responsabilidade civil vem em proteção à dignidade da pessoa humana. Sendo que, como ensina
Flávio Tartuce, a finalidade do dano moral é a de compensar a vítima “[...] pelos males e lesões
suportados. (2023, p. 351).
A seção supra nos trouxe a previsão constitucional da reparação por danos imateriais. O
Código Civil, por sua vez, prevê aquela espécie de danos em seu artigo 1864 sendo que, como
consequência dos pressupostos da responsabilidade civil surge então a obrigação de reparação
do dano.5 Dano que, segundo as lições de Caio Mário Pereira da Silva, é a “[...] circunstância
elementar da responsabilidade civil. (2015, p. 53).
Sobre o artigo 186, do Código Civil, presente está a figura do ato ilícito, que compreende
a culpa ou o dolo do agente, a existência de um dano e também a presença do nexo de
causalidade justamente entre a conduta e o dano verificado (2019). E, sobre o ilícito a que se
refere a norma ora em estudo, Nelson Rosenvald e Felipe Braga Netto ensinam que: “O ilícito
é um conceito fundamental. Conceito fundamental é aquele sem o qual não há condição de
possibilidade de um sistema jurídico. (2020, p. 273).
Em relação à previsão contida no artigo 927, também da legislação civil, Carlos Alberto
Menezes Direito e Sergio Cavalieri Filho lecionam que:
4
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano
a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
5
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em
lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os
direitos de outrem.
47
Anderson Schreiber nos remete à previsão constitucional acerca da reparação dos danos
imateriais conforme texto do art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal.6 No tocante ao
tema, observa que há duas correntes sobre o dano imaterial: a corrente subjetiva e a corrente
objetiva. (2018). E segue:
Voltando aos direitos da personalidade, Pontes de Miranda assevera que como base do
dever de reparação “[...] está o interesse do ofendido, isto é, a pessoa cujo patrimônio ou
personalidade sofreu o dano [...]”. (2002, p. 240). Daniela Courtes Lutzky, por sua vez, ensina
que pela violação aos direitos da personalidade é que dá “[...] ensejo à reparação por danos
imateriais [...]”. (LUTZKY, 2012, p. 73).
As lições trazidas até este momento servirão de fundamento para o estudo do julgamento
mais abaixo proferido pelo Superior Tribunal de Justiça. No julgamento anterior (acima
trazido), percebemos a fundamentação no sentido da desnecessidade de análise de questões de
foro íntimo, desde que provada a violação a direitos da personalidade da vítima.
6
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à
imagem;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
7
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AREsp 2288177.Rel. Min: João Otávio de Noronha. Disponibilizado em:
19/05/2023. Acesso em:
https://processo.stj.jus.br/processo/dj/documento/mediado/?tipo_documento=documento&componente=MON&s
equencial=182247268&tipo_documento=documento&num_registro=202300285048&data=20230519&formato
=PDF. Acesso em: 28 mai. 2023.
48
Na próxima seção vamos trazer a discussão do dano imaterial para o âmbito das regras
do direito processual civil enquanto necessidade da abordagem à luz do ônus da prova.
Revistando aquele tema, mas agora aplicado ao objeto das presentes linhas,
perguntamos: para a procedência do pedido de condenação por danos extrapatrimoniais deve o
interessado, à luz do ônus da prova previsto no inciso I, do art. 373, do Código de Processo
Civil, alegar e provar: a) tão somente a violação a direitos da personalidade; b) tão somente a
presença da dor, de uma humilhação ou vexame; ou c) ambas as hipóteses (a) e (b)?
Pois bem, para bem responder as indagações acima, os fatos discutidos em determinado
processo civil sobre a ocorrência de danos imateriais passarão, necessariamente, pelo ônus da
prova, nos termos das regras previstas pelo Código de Processo Civil8 naquele sentido.
Quando o CPC é expresso no sentido de que cabe ao autor alegar e comprovar os fatos
constitutivos do seu direito a doutrina leciona que:
A palavra ônus vem do latim onus, que significa carga, fardo, peso, gravame. Não
existe obrigação que corresponda ao descumprimento do ônus. O não atendimento do
ônus de provar coloca a parte em desvantajosa posição para a obtenção do ganho da
causa. A produção probatória, no tempo e na forma prescrita em lei, é ônus de
condição de parte. (NERY JUNIOR; NERY, p. 1.081).
Os danos imateriais em sede de sua reparação também são previstos pelo Código de
Defesa do Consumidor, inclusive, como direito básico.9 A doutrina ressalta ser o consumidor
um titular de direitos fundamentais, como explicam Claudia Lima Marques, Antonio Herman
V. Benjamin e Bruno Miragem, (2019), além ser o consumidor “[...] um sujeito de direitos
especiais [...]”. (MARQUES; BENJAMIN; MIRAGEM, 2019, p. 333). De sorte que:
8
Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
9
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
49
Enfrentada a questão do ônus da prova, o próximo tópico irá analisar o fato dor,
sofrimento e humilhação e o seu contexto com o dano imaterial.
Quantificar o dano imaterial não é tarefa fácil. Nesse sentido a doutrina nos ensina que:
“[...] os danos extrapatrimoniais têm-se constituído em um dos temas mais controvertidos na
responsabilidade civil, sendo que, até recentemente, discutia-se sua própria indenizabilidade”.
(SANSEVERINO, 2010, p. 257).
Mas, em (in) existindo dor, humilhação, por exemplo, como fica o dano imaterial em
termos de sua comprovação? Aqueles critérios influenciam na prova do dano extrapatrimonial?
Sobre o critério da dor, em especial, Anderson Schreiber ressalta que:
Gustavo Tepedino, Aline de Miranda Valverde Terra e Gisela Sampaio da Cruz Guedes
ponderam que a reparação do dano imaterial deve ser vista de forma objetiva, ou seja: “[...]
surgindo a partir da lesão a direito da personalidade, independentemente do impacto que tenha
causado nos sentimentos da vítima”. (TEPEDINO; TERRA; GUEDES, 2020, p. 43).
corrente subjetiva do dano extrapatrimonial deve existir para aquele tipo de violação.
(ALMEIDA, 2021, p. 134).
Para a caracterização do dano moral, impõe-se seja a vítima do ilícito abalroada por
uma situação tal que a impinja verdadeira dor e sofrimento, sentimentos esses capazes
de incutir-lhe transtorno psicológico de grau relevante. O vexame, humilhação ou
frustração ― se é que existiram ― devem interferir de forma intensa no âmago do
indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. [...].
(BRASIL, 2023).
5 CONCLUSÃO
Além do direito material tratado nestas linhas, quando se fala na configuração do dano
imaterial, se fala, no aspecto do direito processual civil, em causa de pedir e pedido,10 e também
em ônus da prova como mencionado anteriormente.
Ingo Wolfgang Sarltet pondera que, se no direito positivo constitucional de nosso país
a inserção positiva do princípio da dignidade da pessoa humana veio com demora (2019),
entendemos que não pode o sistema da responsabilidade civil exigir, por si só, uma dor, uma
humilhação acima da normalidade para a vítima ser reparada a título de danos
extrapatrimoniais, justamente sob pena violação à dignidade da pessoa humana do ofendido.
Fernando Noronha, por sua vez, nos remete ao passado a título de tramitação do
Anteprojeto do atual Código. Observa o mestre que a legislação de 2002 não veio formada por
muitas inovações (2013). Ainda, afirma o mestre que:
A doutrina acima nos inspira, sob nossa conta e risco, a se entender que, se a humilhação,
a dor ou o vexame, por exemplo, forem essenciais à caracterização dos danos imateriais,
oriundas de uma interpretação muito antiga, cujos danos extrapatrimoniais não eram bem vistos,
o direito de danos em sua atualidade restará comprometido. Nesse sentido acentua Yussef Said
Cahali: “Na reciclagem periódica do tema da reparação do dano moral, a presente fase é de
superação de antinomias anteriores, com sua consagração definitiva, em texto constitucional e
enunciado sumular que o asseguram”. (2011, p. 17).
10
Art. 319. A petição inicial indicará:
III - o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;
IV - o pedido com as suas especificações;
52
A pesquisa nos mostrou que dor, humilhação, vexame, não são critérios que, segundo a
doutrina, formam os danos imateriais, mas, sim, efeitos que, muitas vezes, podem se configurar.
Por tal razão, entendemos que a análise do caso concreto passa pelo estudo da violação a direitos
da personalidade como configuração do dano extrapatrimonial. Passo seguinte é a checagem se
fatores como a dor, a humilhação, o vexame, estão inseridos na mencionada violação. De sorte
que, sem eles, não podem objetivamente ver improcedente um pedido de condenação por danos
imateriais quando, no caso, verificar-se a ofensa a direitos da personalidade como visto ao longo
destas linhas.
53
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RESUMO
Este artigo analisou o estudo do tema relativo à prescrição da pretensão envolvendo as ações
que têm como pedido a condenação por danos morais e os prazos previstos pelo Código de
Defesa do Consumidor (cinco anos) e pelo Código Civil (especificamente, três e dez anos) à
luz das diferentes causas de pedir, estas, que terão influência decisiva na análise e incidência
do respectivo prazo enquanto fundamento para a ação e para a decisão judicial que os apreciar.
Abstract: This article analyzed the study of the subject related to the prescription of the
pretension involving the actions that have as a request the condemnation for moral damages
and the deadlines foreseen by the Consumer Protection Code (five years) and by the Civil Code
(specifically, three and ten years) in light of the different causes of action, these, which will
have a decisive influence on the analysis and incidence of the respective term as a basis for the
action and for the judicial decision that assesses them.
Keywords: Moral damage. Prescription. Deadlines. Consumer Protection Code. Civil Code.
INTRODUÇÃO
A afirmativa acima ganha maio relevo quando nos deparamos com o Código Civil e
seus diversos prazos prescricionais conforme veremos mais adiante. Afinal de contas, qual e
1
Mestre em Direito Privado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, especialista em Direito Processual
Civil e Direito Civil com ênfase em Direito Processual Civil, professor, advogado, parecerista. E-mail:
felipecunhaprofessor@gmail.com.
2
Acadêmica do curso de Direito das Faculdades Integradas de Taquara – FACCAT. E-mail:
emilysartori@sou.faccat.br.
57
como saber o prazo que vamos lidar no caso concreto? Três anos, dez anos? Ou, cinco anos,
como prevê o Código de Defesa do Consumidor?
Pois bem, as palavras de Pontes de Miranda, “[...] o valor do objeto que foi ofendido é
o do momento em que se deu a perda, destruição ou não-prestação”. (2003, p. 258).
O Código Civil prevê que, violado o direito, surge a pretensão da reparação,3 apontando
os respectivos prazos prescricionais, nos termos dos arts. 2054 e 206.5
Nesta seara, pode-se definir o dano moral, de acordo com a doutrina contemporânea,
como uma lesão ao direito de personalidade e, portanto, uma reparação se mostra necessária
3
Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que
aludem os arts. 205 e 206.
4
Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.
5
Art. 206. Prescreve:
§ 1º Em um ano:
I - a pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de víveres destinados a consumo no próprio estabelecimento, para
o pagamento da hospedagem ou dos alimentos;
II - a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo:
a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de
indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador;
b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;
III - a pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários judiciais, árbitros e peritos, pela percepção de
emolumentos, custas e honorários;
IV - a pretensão contra os peritos, pela avaliação dos bens que entraram para a formação do capital de sociedade
anônima, contado da publicação da ata da assembléia que aprovar o laudo;
V - a pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou acionistas e os liquidantes, contado o prazo da
publicação da ata de encerramento da liquidação da sociedade.
§ 2º Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem.
§ 3º Em três anos:
I - a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos;
II - a pretensão para receber prestações vencidas de rendas temporárias ou vitalícias;
III - a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias, pagáveis, em períodos não
maiores de um ano, com capitalização ou sem ela;
IV - a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;
V - a pretensão de reparação civil;
VI - a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé, correndo o prazo da data em que foi
deliberada a distribuição;
VII - a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por violação da lei ou do estatuto, contado o prazo:
a) para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da sociedade anônima;
b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço referente ao exercício em que a
violação tenha sido praticada, ou da reunião ou assembléia geral que dela deva tomar conhecimento;
c) para os liquidantes, da primeira assembléia semestral posterior à violação;
VIII - a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as disposições
de lei especial;
IX - a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de
responsabilidade civil obrigatório.
§ 4º Em quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das contas.
§ 5º Em cinco anos:
I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular;
II - a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores judiciais, curadores e professores pelos seus
honorários, contado o prazo da conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos contratos ou mandato;
III - a pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo.
58
para compensar a lesão sofrida, não sendo o seu objetivo o de trazer acréscimos ao patrimônio.
Isso ocorre porque o dano não é contra o patrimônio, ou seja, um dano material, mas trata-se de
um prejuízo imaterial, contra a honra, à imagem, à privacidade, à dignidade e etc.
Desta forma, como qualquer outro instituto presente em nosso ordenamento jurídico,
existem prazos a serem observados, seja para a propositura da ação ou demais atos relativos à
matéria. É neste ponto que um cuidado maior deve ser tomado, pois pode-se encontrar possíveis
divergências.
Entretanto, conforme demonstrado até o fim do presente artigo, a questão principal deste
assunto está na identificação da causa de pedir, elemento fundamental na propositura de
qualquer ação. Desta forma, passa-se a análise dos quesitos essenciais para a compreensão do
tema.
Pode-se dizer que ele é um complemento do que já estava previsto no Código Civil,
simultaneamente que preenche aquilo que não era tratado em seu texto.
Mas um fato é que com as mudanças ocorridas no novo Código Civil de 2002, ambos
os textos legais passaram a tratar os direitos de personalidade com mais preocupação e clareza.
Agora, à luz da Constituição cidadã, elevaram o princípio da dignidade da pessoa humana ao
patamar mais alto, principalmente por meio dos institutos que estão sendo trabalhados, a saber
responsabilidade civil e danos morais, além é claro dos danos materiais e patrimoniais.
personalidade dignidade, para que o que está escrito nos textos legais seja de fato efetivo em
seu propósito, conforme continuaremos observando e compreendendo.
Como regra geral, devemos ter presente que a inexistência de dano é óbice à pretensão
de uma reparação, aliás, sem objeto.
Ainda mesmo que haja a violação de um dever jurídico e que tenha existido culpa e
até mesmo dolo por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, uma vez que
não se tenha verificado prejuízo. (ALVIM, 1980, p. 181).
Portanto, o dano nada mais é do que um dos pressupostos da responsabilidade civil, pois
sem ele não existe o que responsabilizar e consecutivamente o que reparar por meio da
indenização. O dano causado pode ser patrimonial ou material (prejuízos de natureza
econômica) ou moral (prejuízos de natureza não econômica).
De maneira mais ampla, pode-se afirmar que são danos morais os ocorridos na esfera
da subjetividade, ou no plano valorativo da pessoa na sociedade, alcançando os
aspectos mais íntimos da personalidade humana (“o da intimidade e da consideração
pessoal”), ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (“o da
reputação ou da consideração social”).3 Derivam, portanto, de “práticas atentatórias
à personalidade humana”.4 Traduzem-se em “um sentimento de pesar íntimo da
pessoa ofendida”5 capaz de gerar “alterações psíquicas” ou “prejuízo à parte social
ou afetiva do patrimônio moral” do ofendido. (THEODORO JÚNIOR, 2016, p. 1)
No que tange ao dano moral no âmbito dos direitos inerentes ao consumidor, dentre as
situações que podem ser consideradas como danos morais na relação de consumo identifica-se
a venda de produtos com defeito, a prestação de serviços inadequados, a propaganda enganosa,
a violação da privacidade do consumidor, a cobrança indevida, o descumprimento de prazos e
condições de entrega, entre outras, além, é claro, de inscrição no Serviço de Proteção ao Crédito
– SPC ou na SERASA, seja de forma indevida ou por motivos vexatórios e de constrangimento.
(THEODORO JÚNIOR, 2016).
Os elementos da ação são os seguintes: (i) partes (o autor, que pede a tutela
jurisdicional, e o réu, em face de quem tal tutela é pedida); (ii) pedido (que
corresponde ao bem da vida pretendido pelo autor, geralmente denominado de pedido
mediato, e à providência jurisdicional apta a outorgá-lo, usualmente chamado de
pedido imediato); e (iii) causa de pedir (que corresponde às razões de fato e de direito
que embasam o pedido, usualmente denominadas, respectivamente, de causa de pedir
remota e causa de pedir próxima). (BUENO, 2022, p. 44)
Neste sentido o pedido não existe sem a causa de pedir, ele se torna inócuo, tendo em
vista que um pedido não acompanhado de seus devidos fundamentos jurídicos e motivo fático
não possui nenhuma consistência ou força.
O estudo da causa de pedir como veremos mais adiante é de muita importância para se
concluir sobre o prazo adequado a título de prescrição da pretensão de reparação por danos
imateriais. É que se a causa de pedir reside em um acidente de trânsito entre particulares, por
exemplo, o Código Civil apresenta um determinado prazo prescricional. Por outro lado, se a
causa de pedir tiver como fundamento um acidente de consumo, a matéria será regida pelo
Código de Defesa do Consumidor, que apresenta outro prazo.
Ainda, se não houver prazo estabelecido em lei, a reparação terá como prazo a regra
geral estabelecida pelo Código Civil.
Mas, se por um lado os fatos podem apresentar causas de pedir diferentes como acima
afirmado, a um aspecto todas elas se sintonizam, ou seja: que o pedido será o da condenação
do réu por danos morais.
3 PRESCRIÇÃO
Segundo a doutrina:
Ao nos deparamos com uma ação contendo pedido de reparação por danos imateriais
e/ou materiais, como visto na introdução deste artigo, vimos que, dentre os vários prazos que o
Código Civil apresenta, a pretensão pode prescrever em 10 anos, em três anos e, na sistemática
do Código de Defesa do Consumidor, em cinco anos. Para fins de direito, seja qual for o prazo,
se o juiz entender prescrita a pretensão do demandante, o Código de Processo Civil é muito
claro quanto ao resultado da ação “Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: [...]II -
decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição;”
(BRASIL, 2015).
Paulo Lôbo, por sua vez, alerta que: “A pessoa tem de exercer e exigir seu direito em
tempo razoável, máxime quando se tratar de bens econômicos”. (2017, p. 354). De sorte que,
em determinada ação ou omissão acarretar na violação a bem jurídico de cunho não patrimonial,
como no caso da violação a direitos da personalidade, faz-se necessário estudo e aplicação da
prescrição de formas diferentes, pois previstos prazos distintos como vimos até aqui e
seguiremos sustentando.
O prazo da prescrição, como se sabe, é o espaço de tempo existente entre seu termo
inicial e final. Como antes demonstrei, ao contrário da codificação anterior, o Código
Civil de 2002 optou por um critério simplificado de dez anos para o prazo
prescricional geral, tanto para as ações pessoais como para as reais, salvo quando a lei
lhe tenha fixado prazo menor (art. 205).
63
Em relação ao prazo prescricional de dez anos, o STJ entende ser aplicável às relações
contratuais (responsabilidade civil contratual, portanto):
Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por
fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a
contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria. (BRASIL,
1990).
Pode-se observar que o prazo estabelecido diz respeito aos casos que envolvem as
hipóteses de fato do produto ou do serviço, o que significa que não existe um prazo específico
para tratar de situações nas quais uma parte não cumpre suas obrigações contratuais, por
exemplo.
Portanto, percebe-se que este é o único prazo previsto no CDC, o qual deve ser
observado em relação ao pedido e à causa de pedir, abrindo margem para que nos demais casos
inerentes ao direito do consumidor sejam aplicados os prazos previstos no Código Civil, tendo
em vista o respeito às regras gerais estabelecidas em seu texto.
66
De sorte que deve estar atento o operador do Direito na questão trazida nesta seção
conforme o entendimento doutrinário e do STJ trazido.
5 CONCLUSÃO
De sorte que a pergunta que trouxemos na introdução deste trabalho, para ser
tecnicamente bem respondida, além da causa de pedir, vai nos levar à discussão sobre a
responsabilidade contratual e extracontratual também, como pudemos ter a oportunidade de
analisamos anteriormente.
67
REFERÊNCIAS
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 5 ed. São Paulo:
Saraiva, 1980.
BRASIL. Código Civil. Lei n. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. DF, 01 jan. 2002. Disponível
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BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. DF, 11 jan. 1973.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5869.htm>.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Segunda Seção. REsp n. 1.303.374/ES. Rel. Min: Luis
Felipe Salomão. Julgado em: 30/11/2021. Disponível em:
<https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequenc
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22 jul. 2023.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Quarta Turma. AgInt no AREsp n. 2.019.649/SP. Rel.
Min: Raul Araújo. Julgado em 08/08/2022. Disponível em:
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numero=202200140229&publicacao_data=20220826&formato=PDF>. Acesso em: 22 jul.
2023.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp n. 521.484/SP. Quarta Turma. Rel.
Min: Marco Buzzi. Julgado em: 11/11/2014. Disponível em:
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ial=1364034&num_registro=201401165524&data=20141117&peticao_numero=2014003640
86&formato=PDF>. Acesso em: 22 jul. 2023.
BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 8 ed. São Paulo: SaraivaJur,
2022.
FARIAS, Cristiano Chaves de; NETTO, Felipe Peixoto Braga; ROSENVALD, Nelson. Novo
tratado de responsabilidade civil. 1 ed. São Paulo: Atlas, 2015.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:
responsabilidade civil. v. 3. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
LÔBO, Paulo. Direito civil: parte geral. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2013.
TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de.
Código civil interpretado conforme a constituição da república: parte geral e obrigações (arts.
1º a 420). v. I. 3 ed. Rio-São Paulo: Renovar, 2014.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Dano moral. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
SILVESTRINI, João Pedro; NETO, Zaiden Geraige; VILELA, Thiago Ribeiro Franco. A
Contribuição do Código de Defesa do Consumidor na Tutela de Interesses Individuais e
Coletivos. In: Revista Direito e Justiça: Reflexões Sociojurídicas, Santo Ângelo, v. 19. 34 ed,
p. 97-112, 2019. Disponível em: <https://core.ac.uk/download/pdf/322640973.pdf>. Acesso
em: 28 jul. 2023.
69
RESUMO
Os dados são considerados de elevado valor em nosso contexto, visto que permitem não apenas
entabular relações, mas também gerar efeitos. A partir da relevância do tema e constantes
debates acerca da proteção de dados e a responsabilidade civil surgiu o presente trabalho para
analisar o comportamento dos julgados sobre a temática no Tribunal de Justiça do Estado do
Rio Grande do Sul. A partir de estudo do acervo jurisprudencial produzido no período de junho
de 2022 à maio de 2023, observa-se que não há unanimidade das decisões, mas a comprovação
de adequação por parte da empresa, pode ser fator importante para ações serem julgadas
procedentes.
1 INTRODUÇÃO
O panorama atual das decisões do Poder Judiciário foi relevante para a escolha desse
assunto, bem como a relação da Responsabilidade Civil e o vazamento de dados pessoais. A
partir da pesquisa jurisprudencial é possível conhecer não apenas correntes majoritárias, mas
ainda elementos que se repetem nas lides. Pensando em tal aprendizado, através do repertório
jurisprudencial foi elaborado o presente estudo que analisa os julgados publicados pelo Tribunal
de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, envolvendo vazamento de dados e responsabilidade
1
Advogada. Mestre em Direito pela UFSM. Professora universitária. Coordenadora de Curso. Membro da CERC
OAB/RS. Delegada da ESA/RS – Caxias do Sul. E-mail: baltazaradv@hotmail.com.
2
Acadêmica do Curso de Bacharelado em Direito pela UNIFTEC. E-mail: janinemassing@gmail.com.
70
civil, durante o período de primeiro de junho do ano de dois mil e vinte e dois até trinta e maio
de dois mil e vinte três.
O objetivo é verificar, nos julgados recentes de nosso tribunal, como está figurando a
responsabilidade civil, a partir da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (2018), ordenamento
inspirado no conjunto normativo da Europa, e que surgiu da evolução do Marco Civil da
Internet (2014), que até então era uma área sem normatização específica no cenário brasileiro.
Justamente ante a utilização massificada da internet, seja por parte da pessoa natural ou
não, a exposição de dados passou a ser evidente nas relações econômicas. Isso ocorre posto
que, é imprescindível para as interações sociais que ocorrem através de redes, seja para
utilização de plataformas, interações em aplicativos, contratação de um serviço ou mesmo a
compra de um determinado produto. O fornecimento de informações privadas de si, suas
preferências e dados íntimos passa a ser chave para acesso e atuação na vida pessoal ou mesmo
em atividades profissionais.
Por ser uma temática relativamente nova, muitas variáveis são levadas em consideração
para que a compensação ocorra ao titular dos dados. A submissão das empresas aos critérios
estabelecidos na LGPD torna-se um fator preponderando no cunho compensatório da lei, tal
como a extensão do dano sofrido pelo titular. Difícil, porém a identificação de estudos acerca
dos julgados já existentes, leitura importante para quem pretende trabalhar na prevenção.
2 DESENVOLVIMENTO
em 2016, a Internet era utilizada em 69,3% dos domicílios permanentes do País e este
percentual aumentou para 74,9%, em 2017. Importante considerar que essa estimativa abrangeu
o acesso à Internet para as pessoas de 10 anos ou mais de idade.
LXXIX - é assegurado, nos termos da lei, o direito à proteção dos dados pessoais,
inclusive nos meios digitais.
Tal como, outro direito amparado pelo artigo 5º, inciso X “são invioláveis a intimidade,
a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano
material ou moral decorrente de sua violação” (BRASIL, 1988).
Em que pese a norma constitucional seja recente, pode-se afirmar que a proteção de
dados pessoais de forma geral, não é tema novo no Brasil, conforme afirma TEIXEIRA e
GUERREIRO, 2022, a exemplo disso destacamos as menções na CF/88 (art. 5º, X, XI, XII, LV
e IX), Código Civil (arts. 20 e 21) e no Marco Civil da Internet, cujos artigos foram alterados
pela LGPD.
A preocupação pela tutela de tal bem se justifica. Afinal, inegável que os dados são
informações naturalmente importantes e vulneráveis no espaço digital (PINHEIRO, 2020), e
isso se dá, pois “não há limites materiais e fronteiriços na rede virtual, permitindo que uma
informação pessoal – muitas vezes confidencial e privada – possa ser transferida de um local
ao outro de forma ágil e difícil de ser combatida.” (PINHEIRO, 2020, p. 31)
Nesse cenário, surge a importância da lei especial para dispor sobre o tratamento dos
dados pessoais, inclusive nos meios digitais e validar as especificidades e conceitos que ensejam
a temática. Posto isso, é crucial falarmos da Lei Geral de Proteção de Dados pessoais nº 13.709
72
de agosto de 2018, norma concebida sob influência do regulamento europeu, amparando sobremaneira
a intimidade, conforme afirma TARTUCE, 2022.
O objetivo principal da referida lei, em seu artigo 1º, que visa proteger os direitos
fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da
pessoa natural.
Nota-se elevada semelhança (LIMA, 2021) com o Regulamento Geral sobre a Proteção
de Dados (RGPD) da UE, mais conhecido como GDPR (General Data Protection Regulation),
disposto no artigo 9º, inciso I.
Ocorre que, os dados pessoais podem ser considerados mais robustos pela doutrina, no
que se refere a intimidade a ser exposta, esses dados não se limitam a nome, sobrenome, mas
sim podendo incluir dados de localização, placas de automóvel, perfil e histórico de compras
(GARRIDO, 2023).
Na prática, o dado anonimizado é aquele dado, pessoal ou sensível, incluído num bando
de dados, seja virtual ou físico, em que não é possível vincular ao titular dos dados as
informações coletadas do mesmo indivíduo, por meio de uma ocultação parcial dos elementos
que compõem aquele conteúdo.
73
Desse modo, observa-se que LGPD foi proposta como um “sistema protetivo de dados
pessoais” (TEIXEIRA, GUERREIRO 2022, p. 7), que, como afirma o autor ela “estabelece
princípios que devem nortear a coleta, o compartilhamento e o tratamento dos dados pessoais,
direitos básicos dos titulares dos dados pessoais, obrigações impostas aos controladores e
responsáveis pelo tratamento de dados pessoais” (TEIXEIRA, GUERREIRO 2022, p. 7).
Dada evidente proteção aos dados pessoais, é imprescindível que haja uma
conformidade e especial atenção no manuseio desses dados, pelos agentes de tratamento.
Ocorre que o tratamento de dados pode estar vulnerável, tanto na sua esfera física, quanto
digital, pois sua circulação alcança esferas gigantescas, dada proporção das relações humanas
existentes.
Nesse ambiente, torna-se crucial a temática de incidentes aos quais, todos de alguma forma
estão sujeitos, ao manusear esse ativo tão protegido, que são os dados pessoais.
“se conectar em uma rede de dados, seu computador troca informações com outros
computadores ou servidores, podendo obter informações externas. Nessa troca, não
há necessariamente um armazenamento das informações; há, porém, a possibilidade
de interceptá-las ou gravá-las, verificando o conteúdo trocado no momento em que
ocorrem”. (SOUZA, Bernardo de Azevedo e. 2023. p. 33)
X - tratamento: toda operação realizada com dados pessoais, como as que se referem
a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução,
transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento,
eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação,
transferência, difusão ou extração;
Elas podem ser voluntárias ou acidentais, e são chamadas de Incidentes de Segurança com
dados pessoais, conforme ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados).
O conceito de incidente de Segurança com dados pessoais se caracteriza dessa forma:
Ações
Voluntárias e/ou Acidentais Intencionais
Negligência no tratamento dos dados Condutas ilícitas; subdivididas em
(art. 42 caput, art. 43, I) físicas e virtuais (art. 42, §1, I, art. 43, I (segunda
ex.: perda de documentos, envio de e-mails ao parte))
destinatário errado. ex.; furto, roubo, sequestro (ransomware), ataque
Não conformidade com a LGPD (art. 42 caput) hacker.
Ex.: sem medidas técnicas, inobservâncias das boas
práticas, sem SGSI.
Tabela 1 - Elaborado pelas autoras
Para cada comportamento listado acima, deve-se adotar uma medida de correção, ou
medida preventiva, com o intuito de minimizar a exposição indevida de um ambiente, seja ele
físico ou virtual e promover a devida segurança na proteção dos dados pessoais.
O agente que realiza o tratamento de dados possui uma responsabilidade ampla, pois ele
responde em casos de violação a LGPD e em condutas ilícitas, tópico esse que será abordado
no decorrer desse estudo. A não observância no procedimento de tratamento de dados, poderá
incorrer num incidente de segurança com dados pessoais, o qual estará sujeito a sanções
administrativas pelo órgão regulador, a ANPD.
Ante esse incidente, a depender da situação fática, haverá exposição indevida desses
dados num ambiente aberto, a qual é chamada de vazamento de dados pessoais, nesse sentido,
a ANPD, em cartilha, conceitua essa ocorrência:
Superada a exposição preliminar acerca dos dados pessoais e a LGPD, necessário voltar
o estudo para a responsabilidade Civil. A responsabilidade civil emerge dessa sociedade que
promulga a ideia de castigar como forma de punição ao causador do dano (TARTUCE, 2022).
Num conceito demonstrado por FILHO, 2011, a Responsabilidade Civil é um dever jurídico
sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico
originário.
A Responsabilidade Objetiva não exige a prova de culpa do agente que causou o dano
para que esse seja obrigado a repará-lo, nessa teoria a culpa é prescindível, pois está fundada
no risco (GONÇALVES, 2023).
Sendo a culpa elemento dispensável para a configuração do dever de indenizar, uma vez
que nesse caso, observa-se a relação de causalidade, entre a ação e o dano, não sendo possível
responsabilizar quem não tenha dado causa ao evento (GONÇALVES, 2023).
77
Afirma TATUCE, 2022, que o ato ilícito mencionado nos artigos do parágrafo anterior
é elemento objetivo e somente com a concretização dele, haverá o direito de indenizar, além da
configuração do ato ilícito, sem a presença do dano, não será reconhecido a responsabilidade
civil da parte (TARTUCE, 2022 p. 65).
Com a utilização da tecnologia a todo instante, por meio da internet, torna-se inequívoco
a existência de mais um amplo campo originário para novas interrelações, com isso, a sujeição
a novas responsabilidades. Referindo-se a isso, TARTUCE, 2022, vem entendendo pela
aplicação da cláusula geral da responsabilidade objetiva, pelo artigo 927, parágrafo único do
Código Civil (BRASIL, 2002), por oferecer uma série de riscos aos usuários.
Nessa senda, outros autores têm colaborado para essa ideia, assim como PINHEIRO,
2021, na seara digital, a teoria do risco tem maior aplicabilidade, e sua consideração baseia-se
apenas no campo da internet, que é mídia e veículo de comunicação, assim sendo, o potencial
de danos indiretos é muito maior que de danos diretos, e a possibilidade de causar prejuízo a
outrem, mesmo que sem culpa, é real, afirma a autora.
O panorama jurídico acerca do tema, até a surgimento da Lei 12.965/2014 - Marco Civil
da Internet, era entendido e aplicado pela teoria do risco, porém com o advento da referida
legislação, em seus artigos 18 e 19, pode-se identificar um possível afastamento, quando ao
entendimento dessa teoria.
Nesse contexto, ainda como requisito para reparação do dano, está previsto nos
dispositivos seguintes, que é necessário o descumprimento as obrigações impostas pela
legislação de proteção de dados ou ainda existir a negligência quanto as orientações internas e
lícitas propostas pelos agentes de tratamento.
No artigo 44, preceitua o modo que será avaliado a irregularidade no tratamento dos
dados, os quais serão circunstâncias relevantes a serem consideradas numa eventual
indenização, é necessário que os agentes observem a LGPD e forneçam segurança ao titular dos
dados, serão observados, o modo, os riscos esperados e as técnicas para tratamento dos dados
pessoais (BRASIL, 2018).
Vejamos na íntegra o parágrafo único do artigo 44: Responde pelos danos decorrentes
da violação da segurança dos dados o controlador ou o operador que, ao deixar de adotar as
medidas de segurança previstas no art. 46 desta Lei, der causa ao dano (BRASIL, 2018), ou
seja, menção da responsabilidade sem culpa diante da cláusula geral de responsabilidade
objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, segunda parte, do Código Civil (TARTUCE,
2022).
Por fim, o artigo 45 prescreve que as hipóteses de violação do direito do titular no âmbito
das relações de consumo permanecem sujeitas às regras de responsabilidade contidas na
legislação pertinente, quer seja, à responsabilidade objetiva e solidária prevista no CDC.
Outro dilema exteriorizado pelo autor e muito pertinente ao presente estudo, diz respeito
aos danos morais suportados no âmbito da LGPD, especialmente no vazamento de dados,
conforme abordado por TARTUCE, 2022 “seriam eles presumidos (in re ipsa) ou dependentes
de prova pelo usuário que os alega.”
TARTUCE, 2022.Tema esse que será tratado no próximo tópico, por meio da análise das
decisões no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
Fazem parte dessa análise, nove decisões, que de forma direta buscam a reparação e/ou
ressarcimento de danos sofridos pela exposição de dados pessoais. A observância dos julgados
ensina que a discussão em suma, está baseada em vincular o nexo de causalidade entre o dano
e a comprovação para incidência da LGPD, no que se refere a inobservância de medidas de
segurança para o tratamento de dados e o próprio vazamento de dados.
Nesse sentido, a decisão acima versa sobre vazamento de dados pessoais, sinalizando
que os julgadores valoram os atos praticados pelo consumidor na situação fática, para a
configuração do dano material e posterior análise de procedência de pedido de ressarcimento.
Ainda ao observarmos o acervo jurisprudencial estudado, observa-se a dificuldade de um
conjunto probatório eficiente para configuração de vazamento de dados, de igual modo torna-
se impossível para o prestador de serviço apresentar prova de fato negativo, ou seja, provar que
não houve vazamento de dados.
A adequação a LGPD é uma medida a ser adotada por todas as empresas, esse critério
possui relevância para as decisões a serem proferidas, é o que fica demonstrado na ementa
colacionada abaixo:
82
Como observa-se na decisão exposta, há forte indício de vazamento de dados por meio
de contrato celebrado entre as partes, pois ao informar o número de CPF aos estelionatários,
esses tiveram acesso às informações relativas as cláusulas contratuais e conseguiram dessa
forma concretizar o golpe e efetivar o dano aos autores.
Importante destacar que 100% das ações analisadas versam sobre a exposição indevida
de dados de natureza pessoal, conforme rol apresentado pela LGPD.
3 CONSIDERAÇÃO FINAIS
Essa breve análise permite identificar requisitos e importantes critérios que o judiciário
gaúcho tem aplicado nas ações que buscam na responsabilidade civil o amparo na violação do
mais novo bem jurídico, o direito a proteção dos dados pessoais. Permite também identificar o
mesmo percentual das decisões que fixaram indenização com as decisões que apresentaram indícios
de inobservância dos critérios de tratamento de dados pessoais ou de vazamento de dados.
Dado o novo contexto e comportamento social, a Lei Geral de proteção de dados figura
em papel fundamental, regulando o tratamento desses dados pessoais, protegendo-os da
85
REFERÊNCIAS
BRASIL. Emenda Constitucional 15, de 10 de fevereiro 2022. Diário Oficial da União. Brasília,
DF, 11 fev. 2022. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc115.htm#art1>.
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DF 15 ago. 2018. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2018/lei/l13709.htm>. Acesso em: 26 abr. 2023 às 11h40min.
BRASIL. Marco Civil da Internet, 24 abril de 2014. Diário Oficial da União. Brasília, DF 24
abr. 2014. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 26 abr. 2023 às 11h40min.
Brasil ocupa 12º lugar no ranking de vazamento de dados. Próximo Nível, 2022. Disponível
em: <https://proximonivel.embratel.com.br/brasil-ocupa-12o-lugar-no-ranking-de-vazamento-
de-dados/>. Acesso em: 14 de jul. de 2023.
CORACCINI, Raphael. Fotos e até salários estão entre os dados vazados de 223 milhões de
brasileiros. CNN BRASIL, 2021. Disponível em:
<https://www.cnnbrasil.com.br/economia/fotos-e-ate-salarios-estao-entre-os-dados-vazados-
de-223-milhoes-de-brasileiros/>. Acesso em: 14 de jul. de 2023.
FILHO, Sergio C. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Grupo GEN, 2011.
GARCIA, Lara R. Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD): Guia de implantação. São Paulo:
Editora Blucher, 2020.
GRIVOT, Débora C H.; ABEL, Henrique; ARAUJO, Marjorie A. História do direito. Porto
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PEREIRA, Caio Mário da S. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2022.
PINHEIRO, Patricia P. Segurança Digital - Proteção de Dados nas Empresas. São Paulo: Grupo
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PLAZA, R. Wiliam. Quase metade dos dados vazados no mundo são brasileiros, indica estudo.
Hardware.com.br, 2023. Disponível em: <https://www.hardware.com.br/noticias/2023-
05/quase-metade-dos-dados-vazados-no-mundo-sao-brasileiros-indica-estudo.html>. Acesso
em: 14 de jul. de 2023.
SOUZA, Bernardo de Azevedo e. Manual Prático de Provas Digitais. São Paulo: Thomson
Reuters Brasil, 2023.
RESUMO
O presente trabalho tem o objetivo de analisar a função da publicidade digital nos dias de hoje
e como ela deve ser observada tendo-se em vista os direitos fundamentais dos consumidores a,
também a LGPD. Dessa forma, aborda-se o conceito e definição legal de publicidade, bem
como o seu comportamento dentro da sociedade digital. A partir disso, há a revisão alguns dos
direitos fundamentais dos consumidores, de modo que, a partir deles, foi conferido se e como
a responsabilidade civil pode atuar em defesa dos consumidores lesados por publicidades
digitais abusivas. Além disso, compreende-se que o Judiciário está caminhando no sentido de
preservar a privacidade através da aplicação do instituto da responsabilidade civil.
1 INTRODUÇÃO
Se, antigamente, utilizávamos televisão, revistas e jornais para nos informarmos, hoje
temos na tela do celular um arsenal infinito de conteúdos sendo arremessados em nossa direção,
mesmo sem solicitação ou intenção de acesso a tais informações.
Mudou também a forma com que as empresa, marcas e negócios se comunicam com o
público consumidor. Redes sociais, banners cibernéticos e o poder do algoritmo são essenciais
1
Giorgia de Lima Sberse, graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Rio Grande do Sul, pós-graduada em
Direito Contratual, Responsabilidade Civil e Direito Imobiliário pela PUCRS e pós-graduanda em Direito do
Consumidor pela Legale Educacional, advogada com a OAB/RS 123095. E-mail: sbersegiorgia@gmail.com.
2
Andressa Brum Gibicoski, graduada em Direito pela Universidade Franciscana, pós-graduada em Direito Público,
Advocacia Extrajudicial, Direito Empresarial e LGPD pela Faculdade Legale. Pós-graduanda e Direito do
Consumidor pela Faculdade Legale, advogada com a OAB/RS 95784. E-mail: andressabg.adv@gmail.com.
89
O presente estudo, a partir da reflexão acima, busca verificar como a publicidade digital
atual se porta com relação aos direitos dos consumidores, em especial no que diz respeito à
perturbação do sossego e liberdade de escolha. A partir disso, almeja conferir como o instituto
da responsabilidade civil pode atuar para assegurar os direitos dos consumidores dentro de uma
sociedade digital que, cada vez mais, aparenta não ter barreiras ou limites.
O presente artigo apresenta tema de suma importância para o Direito atualmente, eis que
aborda questões que atingem à sociedade como um todo, uma vez que é praticamente
impossível passarmos alheios à internet e circulação de dados e informações. Além disso,
abordam-se questões que concernem à direitos fundamentais dos indivíduos, como o direito à
privacidade e ao sossego.
90
Humberto Teodoro Junior (2020, p. 189) indica que existem dois sujeitos envolvidos na
publicidade: o fornecedor e o órgão divulgador da propaganda. Esses sujeitos são,
respectivamente, aqueles que dispõem do produto ou serviço e o emissor do anúncio, da
publicação. Do outro lado, está o receptor, ora consumidor, sendo a pessoa que recebe esta
publicidade. Por sua vez, a livre iniciativa seria o alicerce daqueles que exercem atividade no
mercado, pois correm os riscos do empreendimento.
3
Art. 6º. São direitos básicos do consumidor: [...] IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos
comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento
de produtos e serviços. (BRASIL, 1990)
91
As estratégias de marketing dentro internet estão cada vez mais aperfeiçoadas, sendo a
rede mundial de computadores o maior experimento psicológico de todos os tempos. Isto,
porque, é um mercado psicológico em que, todos os dias, milhões de designs, fotos e imagens
são lançados e testados com base em milhões de reações comportamentais: cliques. Prova disto
é que as alterações comportamentais provocadas por elas alteraram também as relações de
consumo (BRIDGER, 2018, p. 15).
A publicidade enganosa, definida pelo art. 37 do CDC4, refere-se ao meio pelo qual o
consumidor é induzido ao erro quanto às especificações do produto ou do serviço, visto que a
informação ou a comunicação não foi íntegra e leal ao que fora anunciado. A publicidade
4
Artigo 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. § 1° É enganosa qualquer modalidade de informação
ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por
omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade,
propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
92
enganosa deve ser vista, objetiva e independentemente da boa-fé do anunciante, como um fator
carregado de alegações ambíguas, parcialmente verdadeiras ou verdadeiras; porém, enganosas,
dada a ausência de informação. Sendo assim, para o autor a enganosidade não segue um modelo,
podendo variar em cada espécie, a depender do tipo de consumidor (BENJAMIN; MARQUES;
BESSA, 2013, p. 263).
5
Art. 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique
como tal. Parágrafo único. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para
93
publicidade. Exemplo prático e atual é prevenir e evitar que famosos e subcelebridades com
milhões de seguidores divulguem, por meio de postagens nas redes sociais, a utilização e os
benefícios de determinado produto sem, contudo, alertar que o conteúdo é publicitário
E é dentro deste contexto em que os consumidores estão inseridos que se deve atentar,
em especial, para uma possível violação do direito à privacidade que pode estar ocorrendo
diariamente, sem que se perceba nesse emaranhado de informações e publicidades veiculados.
informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem.”
(BRASIL, 1990)
94
ter o seu documento de identificação em sua posse. Por um lado, as pessoas são observadas
vinte e quatro horas por dia e temem por sua esfera privada. Por outro, a exposição gera riqueza
e movimenta a economia. Por isso, o direito fundamental à privacidade deve coexistir com os
interesses da sociedade
A Constituição Federal de 1988 prevê em seu artigo 5º, inciso X, que a vida privada e a
intimidade são invioláveis6. Logo, é preciso estabelecer limites e interpretar as garantias
constitucionais de acordo com a cenário atual da sociedade. Nessa perspectiva, recentemente,
o Plenário do Senado aprovou a Emenda à Constituição nº 17, de 20197, a qual altera o artigo
5º da Constituição Federal de 1988 para incluir no rol dos direitos e das garantias fundamentais
a proteção de dados pessoais, inclusive nos meios digitais. Com a aprovação da Emenda, resta
nítida a preocupação normativa, reconhecendo a real relevância do tema.
Destarte, a eficácia das normas fundamentais ante as relações privadas deve ser indireta,
a partir da criação ou da aplicação de legislações específicas de direito privado. Desta forma,
cabe ao Estado promover ferramentas que concretizem os direitos fundamentais das pessoas
(BASAN, 201, p. 90). O Estado é, portanto, um garantidor dos direitos e deve reger as
ferramentas para tanto. Por esse motivo, o artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor8 é
6
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. (BRASIL,
1988).
7
Proposta de Emenda à Constituição n. 17, de 2019. Acrescenta o inciso XII-A, ao art. 5º, e o inciso XXX, ao art.
22, da Constituição Federal para incluir a proteção de dados pessoais entre os direitos fundamentais do cidadão e
fixar a competência privativa da União para legislar sobre a matéria. (BRASIL, 2019).
8
Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros,
fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.
§ 1° Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil
95
considerado pela doutrina um dos marcos normativos que verifica, neste texto legal, princípios
de proteção de dados pessoais no ordenamento brasileiro.
Ademais, a Lei Geral de Proteção de Dados, norma que regulamenta o uso de dados
pessoais, vai de encontro à Emenda Constitucional nº 17 de 2019 e à inviolabilidade da
intimidade e da vida privada, já presentes na Carta Magna. A lei visa, também, proteger os
direitos fundamentais e, expressamente, prevê sua aplicabilidade no tratamento de dados
pessoais seja por pessoa natural seja por pessoa jurídica de direito público ou privado. Por isso,
é imprescindível assentar a aplicabilidade dos direitos fundamentais às relações privadas,
principalmente no tocante às publicidades virtuais de consumo, que, atualmente, são capazes
de perturbar o direito à privacidade e ao sossego dos indivíduos expostos ao mercado
(BASSAN, 2021, p. 82). Arthur Pinheiro Basan (2012, p. 85) elucidou que a aplicação dos
direitos fundamentais nas relações privadas se justifica pelas seguintes razões:
Neste intuito, o CDC, como lei de ordem pública e de interesse social, aliado à Lei Geral
de Proteção de Dados, que dentre suas finalidades busca evitar a prática empresarial abusiva, a
violação de direitos fundamentais e a transgressão da autonomia privada, buscam a efetivação
compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos. [...].”
(BRASIL, 1990)
96
do direito do consumidor, a fim de manter o respeito por sua esfera privada. Essas garantias
fundamentais visam limitar e orientar as novas necessidades da sociedade. Logo, não é possível
admitir a banalização dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, dado que o
Direito Constitucional e o direito privado se complementam e se relacionam, proporcionando
o diálogo de fontes (BASSAN, 2021. p. 83/89).
A questão da privacidade hoje é mais do que o simples direito à intimidade. Isto, porque,
ela não está adstrita apenas ao direito de não ter sua vida íntima e particular violadas. Na era da
tecnologia, a privacidade transcende a esfera doméstica e alcança qualquer cenário onde os
dados pessoais do indivíduo estejam circulando, ou seja, qualquer informação que possa
identificar a pessoa através de suas características físicas, sua orientação sexual e religiosa, seu
código genético, dentre outras (SCHREIBER, 2014, p. 220). Logo, o respeito à vida privada
atualmente é um mecanismo de proteção dos dados pessoais. Dessa forma, Stefano Rodotà
(2008, p. 17) explicou que é um tipo de proteção dinâmica, pois segue o dado em todos os seus
movimentos. Nesta direção, o autor complementou que “a proteção de dados pode ser vista
como a soma de um conjunto de direitos que configuram a cidadania do novo milênio”.
Diante disso, o direito ao respeito à privacidade não está somente conectado ao sigilo
da vida intima, mas também e, principalmente, ao controle da pessoa acerca dos seus dados.
Portanto, pode ser definida “como o direito ao controle da coleta e da utilização dos próprios
dados pessoais” (SCHREIBER, 2014, p. 139). Neste sentido,
A privacidade, nas últimas décadas, passou a se relacionar com uma série de interesses
e valores, o que modificou substancialmente o seu perfil. E talvez a mais importante
dessas mudanças tenha sido essa apontada por Stefano Rodotà, de que o direito à
privacidade não mais se estrutura em torno do eixo “pessoa-informação-segredo”, no
paradigma da zero-relationship, mas sim no eixo “pessoa-informação-circulação-
controle. (RODOTÁ, 1995 apud DONADE, 2020, p. 39)
Por sua vez, no atual panorama, Anderson Schreiber (2014, p. 141) divide a
problemática da privacidade em duas dimensões: uma dimensão procedimental e outra
dimensão substancial. Nesse sentido, a dimensão procedimental estaria atrelada ao modo como
o dado pessoal é captado e tratado. O autor defende que a vida da sociedade contemporânea é
assinalada por uma troca de dados, pois operações cotidianas, como o uso do cartão de crédito,
check-in em um hotel, abertura de uma conta corrente e cadastro em um aplicativo, tornaram a
coleta de um conjunto mínimo de dados pessoais necessária.
97
Já a dimensão substancial diz respeito ao próprio uso que se faz do dado pessoal
coletado, ou seja, trata-se do seu próprio emprego. Logo, toda pessoa deve ter o direito a
controlar a representação de si, construída a partir de seus dados pessoais. Por esta razão, a
pessoa terá o direito de exigir que tal representação reflita a realidade, impedindo seu uso para
caráter discriminatório. De acordo com Stefano Rodotà, (2008, p. 109) o poder de controlar as
informações que dizem respeito a cada indivíduo é denominado de right of privacy, que se
manifesta como um direito negativo. Por exemplo, o direito de excluir da própria esfera uma
determinada categoria de informação, tal como a opção pela remoção do número de telefone de
cadastros comerciais. Para o autor, “a privacidade especifica-se assim como o direito de
controlar o fluxo de informações relativas a uma pessoa, tanto na saída, como na entrada”
(RODOTÀ, 2008, p. 109).
Por isso, ao consumidor que já está habituado a fornecer seus dados para realizar
compras ou contratar serviços, e, por vezes, não percebe a exposição da esfera privada do seu
perfil, a preocupação deve ser voltada ao direito de ser deixado em paz e à tutela da privacidade
(BLUM, 2018).
sua disciplina tende a se conjugar com outra, mais geral, de um “direito à informação”,
também esse encarado em uma versão ativa e dinâmica: não mais, portanto, como
simples direito de ser informado, mas como o direito de ter acesso direto a
determinadas categorias de informações, em mãos públicas e privadas.
98
Para tanto, as empresas devem respeitar os limites impostos pelo Código de Defesa do
Consumidor e pela Lei Geral de Proteção de Dados, vez que a liberdade de escolha do
consumidor está limitada àquilo que lhe é oferecido. Nesse sentido, poderá optar por escolher
o preço mais barato, as condições de pagamento, mas a restrição é dada pela própria condição
material do mercado (NUNES, 2018, p. 74). Embora haja uma liberdade limitada, as empresas
que detêm os dados do consumidor, de forma legal ou ilegal, não podem utilizá-los para fins de
discriminação ou de limitação de escolha. Sendo assim, a liberdade envolve a opção do
consumidor em adquirir determinados produtos e serviços. Ocorre que, comumente, as
necessidades são projetadas pelos fornecedores, que são cada vez mais detentores dos dados
dos indivíduos. E, por conseguinte, conseguem gerar os serviços e os produtos futuros voltados
ao perfil do consumidor. Sérgio Cavalieri Filho (2019, p. 112) explicou que
Com efeito, o consumidor não tem conhecimento algum sobre o produto ou serviço
de que necessita; detentor desse conhecimento é o fornecedor, que tem o domínio do
processo produtivo. Este sim sabe o que produziu, como produziu, por que e para
quem produziu, aspectos em que o consumidor é absolutamente vulnerável. Logo, a
informação torna-se imprescindível para colocar o consumidor em posição de
igualdade. Só há autonomia da vontade quando o consumidor é bem informado e pode
manifestar a sua decisão de maneira refletida.
Por outro lado, o consumidor está sujeito a tomar decisões de forma inconsciente, pois
está constantemente influenciado pela economia comportamental e psicológica da sociedade.
Portanto, é passível de ser levado a escolhas, que, por vezes, precisava ou não desejava. Os
principais motivos que os leva a comprar, independentemente da necessidade e/ou do desejo, é
o status, a conduta do fornecedor e as estratégias psicológicas.
Nesse sentido, por mais que a relação jurídica costume depreender uma declaração de
vontade livre e consciente, não se pode deixar de observar que o imperativo de justiça impõe a
proteção das pessoas que “inconscientemente, foram levadas a praticar determinados atos,
99
acreditando que estes eram fruto de sua vontade, quando, na verdade, foram induzidas a certos
comportamentos” (SCHMIDT NETO; FACCHINI NETO, 2018, p. 65-88).
Para proteger a vida privada do consumidor e permitir sua liberdade de escolha sem
interferência externa ou discriminação, a legislação brasileira e o Poder Judiciário devem
utilizar as diretrizes limitadoras de poderes dos fornecedores.
4.1 A Lei Geral de Proteção de Dados no Brasil e seus contornos sob o viés do Código de
Defesa do Consumidor
Por meio da Lei Geral de Proteção de Dados, todos os dados pessoais estão sujeitos à
regulamentação e, além disso, deverão ser tratados e utilizados para o fim a que se destinam,
sejam estes dados físicos ou digitais. Contudo, para garantir este direito básico do consumidor,
é necessário o controle do fluxo dos dados que lhe dizem respeito. Da mesma forma, este
controle é necessário para que o tratamento destes dados ocorra de forma leal, não frustrando o
9
Art. 1º. Esta Lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou
por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade
e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural. (BRASIL, 2018)
100
i) quais os dados pessoais são tratados e para quais finalidades; ii) se os dados pessoais
são transmitidos para terceiros; iii) para quais países os dados pessoais são
transmitidos, se for o caso; iv) qual é o período de conservação de dados; e v) quais
os mecanismos de segurança utilizados para garantir a segurança dos dados pessoais
(MENDES, 2013, p. 215).
Dessa forma, um dos pontos chaves é o dever de informar. Ele sempre deverá ser
cumprido de forma correta, clara, precisa, ostensiva e em língua portuguesa (BRASIL, 1990).
Além disso, o tratamento de dados pessoais deve respeitar o fim para o qual se destinam11.
Logo, não podem ser utilizadas para finalidades incompatíveis com aquelas às quais foram
coletadas (MENDES, 2013, p. 216). Outrossim, deve ser garantido ao titular o acesso aos seus
dados, o direito de retificá-los, além de do direito de cancelar aqueles que foram indevidamente
armazenados ou que o consentimento tenha sido revogado.
Sendo assim, é oportuno questionar outro elemento chave: de que forma se dá o controle
sobre o fluxo de dados, ponto crucial no tocante ao direito do consumidor? Pois bem, o referido
controle ocorre a partir do consentimento livre do consumidor, requisito essencial para gerar
legitimidade para o processamento dos dados pessoais. Portanto, isto significa que o indivíduo
tem o direito de autodeterminar suas informações pessoais. Em outras palavras, o consumidor
limita o acesso aos seus dados, emitindo autorizações sobre o fluxo das suas informações
(BIONI, 2019, p. 179). Segundo Danilo Doneda (2020, p. 293), o consentimento é o poder
10
Art. 6º. As atividades de tratamento de dados pessoais deverão observar a boa-fé e os seguintes princípios: VI -
transparência: garantia, aos titulares, de informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre a realização do
tratamento e os respectivos agentes de tratamento, observados os segredos comercial e industrial. (BRASIL, 1990)
11
Art. 6º. As atividades de tratamento de dados pessoais deverão observar a boa-fé e os seguintes princípios: I -
finalidade: realização do tratamento para propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular, sem
possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível com essas finalidades; II - adequação:
compatibilidade do tratamento com as finalidades informadas ao titular, de acordo com o contexto do tratamento.”
(BRASIL, 2018)
101
atribuído à pessoa para modificar sua esfera jurídica, com assento na expressão de sua vontade.
Além disso, o autor acrescentou que há dois aspectos especiais acerca do consentimento
O primeiro é que esse se apresenta como um elemento acessório, sempre ligado a uma
determinada situação que o fundamenta – que pode ser a realização de um contrato, a
inscrição em um concurso ou tantas outras situações. O confronto com situações reais
revela que, em tais situações, a alternativa a não revelação dos dados pessoais pelo
seu titular costuma ser uma – por vezes, brutal – renúncia a determinados bens ou
serviços. A disparidade de meios e de poder entre a pessoa de quem é demandado o
consentimento para utilização dos dados pessoais em contemplação da realização de
um contrato e aquele que os pede faz com que a verdadeira opção que lhe reste seja,
tantas vezes, a de “tudo ou nada”, “pegar ou largar”. Outro fator é que o consentimento
para o tratamento de dados pessoais pode se apresentar como um procedimento
aparentemente inócuo – as consequências que dele podem advir podem ser pouco
nítidas e difíceis de serem identificadas.
(i) se o consentimento para o tratamento de dados era uma condição para a aquisição
de um serviço essencial; (ii) se o consentimento foi dado em uma relação continua de
dependência, como em um contrato cativo de longa duração; (iii) quando o
consentimento estiver formulado em um contrato de adesão e não puder ser separado
das demais cláusulas contratuais. Ademais, o consentimento somente é valido se o
consumidor tiver sido informado de todas as condições do tratamento de dados: quem
é o responsável, qual a finalidade do tratamento, como os dados serão usados etc.
Nesse sentido, conclui-se que o consentimento deve ser o elemento normativo central
para a proteção de dados pessoais. Por outro lado, cabe ao fornecedor agir dentro da boa-fé
objetiva, utilizando-se dos dados restritivamente, a fim de cumprir tão somente o propósito para
o qual foram coletados (BIONI, 2019, p. 131).
Sendo assim, cabe observar que haverá situações em que o consentimento do titular de
dados não será protagonizado e tampouco será uma situação de excepcionalidade. Nesse caso,
haverá responsabilidade pelo fornecedor, conforme será analisado a seguir.
O uso indevido dos dados pessoais dos consumidores acarreta inúmeros danos, como:
exposição, discriminação, violação da esfera privada, importunação ao sossego, dentre outros.
Assim, é necessário analisar o instrumento jurídico de tutela vigente no sistema brasileiro.
12
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos
causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações
insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (BRASIL, 1990)
13
Art. 7°. Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções
internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas
autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia,
costumes e eqüidade. Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela
reparação dos danos previstos nas normas de consumo. (BRASIL, 1990)
104
que recebeu excessivas ligações e mensagens por uma operadora de telefonia14. Segundo os
autos, o autor chegou a receber mais de 28 ligações da empresa em uma única manhã. Estas
ligações se tratavam de cobranças de débitos contraídos por terceiro – mãe do autor. Por conta
disto, o órgão julgador entendeu que não havia prova capaz de caracterizar a legitimidade das
cobranças, pois não existia relação contratual entre o autor e a operadora de telefônica e
tampouco comprovação do cadastro da linha telefônica do demandante no sistema interno da
operadora. Sendo assim, a empresa foi condenada a indenizar o autor no montante de R$
1.500,00 a título de danos morais pela violação de sua intimidade, sua privacidade e da
perturbação ao sossego.
5 CONCLUSÃO
O atual contexto de sociedade amplamente conectada com as novas projeções e, além disso,
cada vez mais virtualizada, carrega também novos problemas, expondo os indivíduos a novos
riscos. Diante deste panorama, importante revisitar os conceitos de publicidade e de proteção
ao consumidor já dispostos no Código de Defesa do Consumidor e verificar como o
ordenamento jurídico brasileiro vem prospectando caminhos positivos para lidar com as
demandas atuais.
14
Ementa: RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (Terceira Turma Recursal
Cível, Turmas Recursais). Recurso Cível nº 71010045805. RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. AÇÃO
INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. Sentença que extinguiu o feito, sem julgamento de mérito, nos
termos do art. 485, VI, do CPC. Interesse processual que existe. Necessidade de ir a juízo para alcançar a tutela
pretendida. Julgamento de mérito do pedido conforme art. 1.013, §3º, I, do CPC. Cobrança indevida. Relação
contratual não evidenciada. Excesso de ligações e mensagem de texto demonstrado nos autos. Dano moral
configurado excepcionalmente ante a perturbação de sossego que ultrapassa a esfera do mero aborrecimento.
Precedentes. Quantum indenizatório arbitrado em r$ 1.500,00, observando os princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade. Sentença reformada. Recurso parcialmente provido. Relator: Giuliano Viero Giuliato. Julgado
em: 30/09/2021. (RIO GRANDE DO SUL, 2021).
105
Foi possível verificar-se que a privacidade não se limita à forma material de não ter sua
intimidade violada, mas que também há de se reconhecer sua expansão quanto às relações
virtuais. Para tanto, considera-se que o acesso aos dados pessoais dos indivíduos, possibilitado
através da internet, é utilizado a todo instante para inúmeras situações. Neste caso, por exemplo,
é utilizado para identificar o estilo do consumidor, seus objetivos, suas escolhas, seus desejos
e, até mesmo, suas relações, ou seja, para traçar seu perfil.
Nesse ponto, importante frisar que o direito deve se adequar às novas situações
decorrentes da sociedade tecnológica e aos novos conflitos advindos do ambiente digital. Sendo
assim, a importunação ao sossego, por meio da inadequada utilização dos dados pessoais das
pessoas, é uma nova situação de conflito no ordenamento brasileiro. Tal situação deve ser
enfrentada à luz dos direitos fundamentais. E, assim, a partir do diálogo das fontes, deve-se
aplicar Lei Geral de Proteção de Dados em conjunto com o Código de Defesa do Consumidor.
Todas essas reflexões são essenciais para confirmar que, visando a mais ampla tutela da
pessoa humana, a perturbação provocada pelas publicidades de consumo, atreladas às novas
tecnologias, deve ser enfrentada pela proteção dos dados pessoais, um dos principais
instrumentos para garantir o devido sossego as pessoas. Com efeito, o caminho para garantir a
proteção de dados pessoais e o reconhecimento do direito ao sossego deve ser percorrido com
a colaboração da parte da sociedade que se encontra envolvida na relação, qual seja consumidor
e empresas. Por um lado, o consumidor deve possuir o mínimo de zelo nas suas escolhas e na
divulgação dos seus dados. Por outro lado, as empresas devem seguir as diretrizes impostas
pela Lei Geral de Proteção de Dados e, portanto, comprometer-se a utilizar os dados dos
consumidores para os fins que se destinam, agindo de acordo com a boa-fé objetiva e sempre
promovendo a informação ao consumidor de maneira clara e ostensiva. Em casos de não
obediência aos limites impostos pelo ordenamento jurídico, as empresas deverão reparar os
danos causados aos consumidores, consoante a responsabilidade civil a ser aplicada. Inclusive,
este vem sendo o atual entendimento do Poder Judiciário brasileiro, conforme analisado nos
julgados demonstrados neste trabalho.
REFERÊNCIAS
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Manual de Direito do Consumidor. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
BLUM, Rita Peixoto Ferreira. O Direito à Privacidade e à Proteção dos Dados do Consumidor.
São Paulo: Almedina, 2018. Disponível em:
<https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788584933181/>. Acesso em: 05 jun.
2023.
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(LGPD). Brasília, DF: Presidência da República, 2017. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm>. Acesso em: 15
jul. 2023.
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de direito do consumidor. 5. ed. São Paulo: Atlas,
2019. Disponível em: <https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597022414/>.
Acesso em: 05 out. 2021.
______. Da privacidade à proteção de dados pessoais. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters
Brasil, 2020, p. 39.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. A informação como Direito Fundamental do Consumidor. Revista de
Direito do Consumidor, São Paulo, v. 37, p. 59-76, jan/mar, 2001.
______. Decisão histórica do STF reconhece direito fundamental à proteção de dados pessoais.
Jota, São Paulo, 10 maio 2020. Disponível em:
<www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/decisao-
historica-do-stf-reconhece-direito-fundamental-a-protecao-de-dados-pessoais-10052020>.
Acesso em: 12 out. 2021.
MENDES, Laura Schertel; FONSECA, Gabriel C. Soares da Proteção de Dados para além do
consentimento: Tendências contemporâneas de materialização. Revista Estudos Institucionais,
Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, p. 507-533, maio/ago 2020.
NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva Jur, 2018. Disponível
em: <https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553607532/>. Acesso em: 05 out.
2021.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Terceira Turma
Recursal Cível. Recurso Cível nº 71010045805. Anderson Camargo Neimayer x Hipercard
Banco Multiplo SA. Relator: Giuliano Viero Giuliato. Porto Alegre, 30 set. 2021.
SCHMIDT NETO, André Perin; FACCHINI NETO, Eugênio. Ensaio jurídico sobre a
racionalidade humana: maiores, capazes e irracionais. Revista Brasileira de Políticas Públicas,
Brasília, v. 8, n. 2, ago. 2018, p. 65-88. Disponível em:
<https://www.publicacoes.uniceub.br/RBPP/article/view/5313/3992>. Acesso em: 12 jun.
2023.
THEODORO Junior, Humberto. Direitos do Consumidor. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2020. Disponível em <https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/tendencias-na-
publicidade-digital,ce588321d1a3e510VgnVCM1000004c00210aRCRD>. Acesso em: 27 jun.
23.
RESUMO
1 INTRODUÇÃO
1
Graduada em Direito pelas Faculdades Integradas Machado de Assis (2016). Discente do Mestrado em Práticas
Socioculturais e Desenvolvimento Social na Unicruz - Direito, Cruz Alta/RS. Inscrita na OAB/RS 103.471. E-
mail:iarazaminn@hotmail.com.
2
Graduada em Direito pela Universidade de Cruz Alta - Unicruz. Discente do curso de Mestrado do Programa de
Pós-Graduação em Práticas Socioculturais e Desenvolvimento Social da Unicruz, Cruz Alta/RS. Inscrita na
OAB/RS 125.748. E-mail: kazmirczukbruna@gmail.com.
3
Doutora em Ciências Sociais; Pesquisadora do GIEEH-Grupo Interdisciplinar de Estudos do Envelhecimento
Humano. Docente do Programa de Pós-Graduação (PPG) em Práticas Socioculturais e Desenvolvimento Social -
Unicruz, Cruz Alta/RS. E-mail: sgarces@unicruz.edu.br.
110
número de pessoas idosas, em comparativo às outras faixas etárias ter aumentado, a qualificação
financeira passa a mudar conjuntamente.
Dessa forma, o presente artigo tem por objetivo analisar a situação atual das pessoas
idosas, com ênfase naqueles indivíduos idosos que estão recebendo benefício assistencial de
prestação continuada, e que, com as mudanças nas legislações, possam ter a possibilidade de
realizar o empréstimo consignado diretamente no benefício.
Ocorre que, a hipótese de haver uma divergência no que tange ao consumidor pedir, está
bem distante do efetivo fato dele ser solicitado, gerando assim uma responsabilidade civil sobre
as instituições financeiras que possuem os dados dos seus clientes, e os utilizam de forma
indevida.
Destaca-se que a responsabilidade civil está prevista nas legislações vigentes, tendo
como principal o Código de Defesa do Consumidor - CDC, que fora incluso nas decisões que
versam sobre contratos financeiros há pouco tempo, o que demonstra haver um impasse nas
decisões que, até o momento, não ocorrem de forma congruente e continua existindo uma
discrepância nos resultados processuais, a depender de cada caso.
Esta pesquisa é qualitativa, com método dedutivo, no qual buscou-se analisar os direitos
dos consumidores idosos, mais especificadamente, a abusividade em contratos de consignados
não contratados realizados em benefícios de prestação continuada, submetidos indevidamente
às pessoas idosas, sendo que, os instrumentos técnicos utilizados para a pesquisa foram
bibliográficos e doutrinários.
Nesse sentido, no presente artigo, buscou-se trazer uma prévia da situação atual da
pessoa idosa no Brasil, com a evolução legislativa do BPC, no qual busca verificar como é
analisada a responsabilidade civil das instituições financeiras quando há cobranças indevidas
de consignados nos benefícios previdenciários.
111
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 A situação atual da pessoa idosa no Brasil
Segundo pesquisa realizada no ano de 2021, pelo IBGE, a população brasileira está mais
velha, sendo que, na atualidade, são 31,2 milhões de pessoas idosas presentes no país, com
crescimento de 39,8% entre o ano de 2012 e 2021. Em razão da mudança na estrutura etária no
Brasil, associada à vulnerabilidade social, a pessoa idosa enfrenta dificuldades no acesso ao
BPC de forma célere e efetiva (IBGE, 2021).
Entretanto, no geral, Marchi Neto (2004) diz que, após completar a idade de 60 anos, as
pessoas passam por processos biológicos distintos, os quais acarretam uma maior visibilidade
112
na pele mais ressecada, com linhas de expressão aparentes, o cabelo perde a pigmentação, ficam
esbranquiçados e tendem a cair com maior facilidade, da mesma forma a estrutura óssea, que
passa a ser enfraquecida, sucedendo curvaturas na coluna, pernas e ombros.
Dessa forma, ao identificar a pessoa idosa, Rocha (2018, p. 79) diz que “o
envelhecimento é constituído de um conjunto de modificações fisiológicas irreversíveis e
inevitáveis acompanhadas de mudança do nível de homeostasia do corpo”, o que individualiza
cada ser humano de forma única.
O processo de envelhecimento envolve alterações que vai desde o nível dos processos
mentais, da própria personalidade, das motivações que a pessoa tem, das aptidões
sociais, ou seja, o envelhecimento, do ponto de vista psicológico, vai depender de
fatores de ordem genética, patológica (doenças e/ou lesões), de potencialidades
individuais (processamento de informação, memória, desempenho cognitivo, entre
outras); com interferência do meio ambiente e do contexto sociocultural (ROCHA,
2018, p. 80).
Azeredo (2016, p. 21) diz que “o desenvolvimento humano se faz ao longo de todo o
ciclo vital, porém não de forma uniforme”, no qual o período adulto se faz a partir das
capacidades físicas e psíquicas do ser humano, que estabilizam a partir dos 30 anos e que
decaem a partir dos 60 anos, em uma fase de declínio, gerando modificação das habilidades.
113
Deve-se ressaltar que, envelhecer é também, a busca diária por fazer valer o direito de
cidadania daquelas pessoas que converteram seu período de vitalidade maior em trabalho e,
agora, ao final deste ciclo vital, necessitam de maior descanso, com qualidade de vida e
dignidade, para poder usufruir de momentos de lazer, prazer e ócio.
famílias, a questão do endividamento se torna grave problema que merece a atenção do Estado.
O superendividamento é o excesso de endividamento da pessoa idosa, o qual compromete a
dignidade do devedor (BRASIL, 2021).
Dessa forma, é possível entender que a razão para o superendividamento das pessoas
idosas se dá pela excessiva oferta de crédito com juros exorbitantes, pelo sistema bancário e de
crédito, aliado à ausência de educação financeira dos cidadãos, à exposição à publicidade
abusiva e à falta de políticas públicas efetivas com relação a informação.
Nesse sentido, a preocupação maior está presente nas pessoas idosas que recebem o
BPC, visto que buscam um auxílio governamental com o intuito de assegurar os seus direitos
na sociedade, através do recebimento de um benefício fixo e mensal. Isso porque, a pessoa idosa
que busca perceber um benefício assistencial, nessa etapa da vida, já não dispõe de um aparo
institucionalizado anterior.
Isso quer dizer que, durante toda a jornada da sua vida, a pessoa idosa pode até ter
trabalhado com carteira assinada por algum período e contribuído para a previdência social,
mas não conseguiu atingir um limite de tempo necessário para ser beneficiário de uma
aposentadoria. Ou ainda, sequer o indivíduo teve a oportunidade de trabalhar de forma
regulamentada, laborando em atividades extraordinárias, sem amparo trabalhista, através de
meios diversos, para garantir um meio de sobrevivência na sociedade (BRASIL, 1993).
Apesar desses fatos, restou previsto na Constituição Federal do Brasil, que o Estado
deverá garantir amparo à saúde e assistência social destas pessoas idosas que, ao atingir os 60
anos, buscam o recebimento de um benefício para sobrevivência, que não possuem meios de se
autossustentar, tornando essa situação um desafio continuo desses indivíduos para ter inclusão
perante a sociedade (BRASIL, 1988).
Nesse viés, a Lei nº 8.742 de 1993, em seu artigo 2º, alínea “e”, destacou que a
assistência social tem por objetivo, proteger e amparar as pessoas idosas, com “a garantia de 1
(um) salário-mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem
115
não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”
(BRASIL, 1993, p. 1).
As políticas públicas de proteção social visam resguardar a sociedade dos efeitos dos
riscos inerentes da vida humana e que causam dependência e insegurança, como doença,
velhice, invalidez, desemprego e exclusão. Atualmente, no Brasil, o BPC é garantido como
direito constitucional, previsto no artigo 203 da Constituição Federal vigente, o qual estabelece
que: “A Assistência Social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social [...]” (BRASIL, 1988, p. 122).
Assim, os requisitos principais para recebimento do BPC atualmente são: possuir idade
de 65 (sessenta e cinco) anos ou mais; renda familiar deve ser igual ou menor que ¼ do salário-
mínimo, por pessoa do grupo familiar; possuir cadastro atualizado no CadÚnico do governo
federal. Em casos de pessoas portadoras de doenças, pode receber o benefício em qualquer
idade, desde que cumprido os critérios de renda e cadastro. Ainda, o BPC não poderá ser
cumulado com outro benefício da Seguridade Social (como, por exemplo, o seguro-
desemprego, a aposentadoria e a pensão) ou de outro regime, a não ser com a assistência médica,
pensões especiais de natureza indenizatória e a remuneração do contrato de aprendizagem
(GUEDES; ARAÚJO, 2009).
Por fim, o BPC não está vinculado à exigência de cotizações ou de vinculação passada
ao mercado de trabalho, o que possibilita atingir pessoas de maior vulnerabilidade, uma vez que
alcança indivíduos que não contribuíram com a previdência durante a vida por qualquer razão,
inclusive pela incapacidade física ao trabalho e à vida independente (GUEDES; ARAÚJO,
2009).
Os chamados empréstimos consignados estão se tornando cada vez mais comuns entre
os consumidores idosos, em razão da sua forma célere e promessas de juros baixos, motivo pelo
qual acaba atraindo a atenção de fraudadores, e o assédio por parte de instituições de créditos,
que acabam manipulando pessoas idosas a autorizarem tais serviços.
Inicialmente a norma possuía validade de 120 dias e, para que a regra continuasse em
vigor, a medida provisória passou por votação na Câmara dos Deputados, no Senado Federal e,
por fim, pela sanção presidencial, sendo publicada a Lei nº 14.431/2022, estabelecendo a
liberação do consignado para BPC por tempo indeterminado. Dessa forma, desde março de
2022, os titulares BPC estavam com acesso à modalidade de crédito pessoal que é uma das mais
comuns e baratas do mercado.
Silva e Cerewuta (2022, p. 81) dizem que “O Código de Defesa do Consumidor, Lei nº
8078 de 1990 reconhece a relação de consumo no setor bancário, definindo como uma
119
instituição financeira, em seu artigo 3º, §2, como fornecedora de serviços”. Assim, a
responsabilidade objetiva identifica a hipótese de que há a presunção da culpa do fornecedor,
exigindo ainda o nexo de causalidade.
Tão logo, essa responsabilidade está percebida no momento em que houver qualquer
divergência nos atos ou fatos, cabendo à instituição financeira o ônus da prova, ou seja, tendo
em vista que consumidor é o elo mais fraco da relação, neste caso, tratando-se de pessoas idosas,
caberá à pessoa jurídica apresentar todas as provas necessárias para comprovar que o
consumidor idoso contratou os serviços, de forma independente e voluntária, sem qualquer
imposição da parte contrária, nos termos do artigo 373, no qual ressalta que o ônus da prova é
do “réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor”
(BRASIL, 2021, 78).
[...] Poder-se-ia ter que a concessão de crédito pelo banco encerra atividade de risco?".
Explica o autor que considerando a importância da atividade bancária na sociedade
haverá sempre um controle por parte do Poder Público em face à discricionariedade
do banco decorrente da livre-iniciativa e que por isso estaria a instituição financeira
em posição privilegiada para observar e colher informações das empresas, exigindo
maior rigor de diligência profissional, boa fé e lealdade. Considera o banco como "ator
principal no gerenciamento privado do dinheiro no corpo social, também é o
responsável ideal do ponto de vista jurídico e econômico.
Nesse sentido, deve-se ressaltar que, tratando de responsabilidade civil das instituições,
o princípio da boa-fé dos consumidores deve ser zelado e tratado com prioridade, isso porque
as relações de consumo são tratadas com deveres implícitos, no qual a instituição assume o
risco quando se trata de relação contratual, devendo haver confiança e lealdade na relação.
Portanto, deve-se deixar claro que as instituições financeiras que infringem o Código de
Defesa do Consumidor e o Código Civil, através da imposição de contratos consignados
indevidamente, deverão ser punidas com aplicação de multa e indenização em danos morais
pela responsabilidade civil que lhe compete, sendo que as decisões judiciárias possuem
embasamento jurídico completo para tal decisão.
121
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ocorre que, a partir dessa liberação do crédito consignado, também vieram outros
fatores que, tratando-se de pessoas idosas, não estão inseridas no mercado, que a
hipervulnerabilidade expõe um lado civil que não está inserida no campo desses segurados, que
se tratam de cobranças indevidas e/ou não contratadas.
Este fato apresenta-se como abuso das instituições financeiras, constatados como uma
falha no dever de informação do fornecedor ao consumidor, no qual impostos às pessoas idosas
com condições desvantajosas e indevidas, resultado em uma contratação induzida, diversa
daquela pretendida.
122
Com tais fatores, percebe-se que o fornecedor buscar se aproveitar das pessoas idosas e
não verificar as condições expressas descritas nas legislações, expondo o consumidor ao abalo
moral e psíquico, trazendo uma prática abusiva em condições desvantajosas.
Assim, destaca-se que as medidas eficientes a serem tomadas para auxiliar o consumidor
idoso e a tentativa de acabar com as práticas abusivas é a busca pelo Poder Judiciário, aplicando
a responsabilidade civil das instituições financeiras frente aos consignados não contratados,
ressarcindo a pessoa idosa dos danos morais e financeiros causados, trazendo a tutela
jurisdicional do Estado como um meio para resolver o problema gerado.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código civil e normas correlatas. – 5. ed. –
Brasília : Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2014. 5200 KB ; PDF
123
BRASIL. Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm>.
Acesso em: 24 mai. 2022.
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil e normas correlatas.
– 14. ed. – Brasília, DF: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2021.
FARIAS, Cristiano Chaves de. Novo tratado de responsabilidade civil. São Paulo, SaraivaJur,
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ROCHA, Jorge Afonso da. O envelhecimento humano e seus aspectos psicossociais. Revista
FAROL – Rolim de Moura – RO, v. 6, n. 6, p. 77-89, jan/2018. ISSN Eletrônico: 2525-5908.
RODRIGUES M, Ayabe NH, Lunardelli MCF, Canêo LC. A preparação para a aposentadoria:
o papel do psicólogo frente a essa questão. Rev Bras Orientac Prof. 2005.
RESUMO
1 INTRODUÇÃO
1
Pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP).
Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). E-mail:
karina.larruscaim@acad.pucrs.br.
2
Pós-graduada em Direito Médico e da Saúde pela Faculdade do Desenvolvimento do Rio Grande do Sul
(FADERGS). Pós-graduada em Ciências Criminais pela Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP).
Pós-graduada em Direito de Família e Sucessões pela Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP).
Graduada em Direito pela Universidade La Salle, advogada inscrita na OAB/RS sob o nº 86.580, e-mail:
sslarruscaim@gmail.com.
3
Doutora em Direito Privado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestra em Direito pela
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (PUCRS). Professora da Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do SUL (PUCRS), advogada inscrita na OAB/RS sob o nº 50.105, e-mail: lívia.pithan@pucrs.br.
126
O presente artigo tem por objetivo analisar a responsabilidade civil do médico no código
de defesa do consumidor. Para tanto, será necessário identificar sua aplicabilidade na atividade
médica, bem como verificar a responsabilidade civil do médico e o dever de indenizar, quando
ocorrer ausência ou falha na informação prestada ao paciente.
que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual),
subordinando-se, dessa forma, às consequências do seu ato (obrigação de reparar).”
Cabe ressaltar que para que ocorra o dever de indenizar é preciso verificar os
pressupostos que caracterizam a responsabilidade civil, quais sejam: a ação ou omissão, a culpa
ou o dolo, o dano e o nexo de causalidade. Entende-se por ação ou omissão a prática do ato em
si ou a sua omissão; considera-se culpa quando o agente não tem a intenção de causar o dano e
dolo quando o agente intencionalmente o causa; contudo dano é o prejuízo causado a outrem.
E por sua vez o nexo de causalidade é o liame entre a conduta lesante e o efetivo prejuízo.
(Gonçalves, 2018)
A responsabilidade civil contratual ocorre quando uma das partes causa dano à outra
pelo inadimplemento da obrigação firmada em contrato; a segunda não deriva de um contrato,
surge em virtude de um ato ilícito. (GONÇALVES, 2018)
Entretanto a responsabilidade civil subjetiva tem previsão legal no código civil nos
artigos 186 e 187 e tem como fundamento o elemento culpa, onde aquele que sofreu um dano
deverá provar que o agente causador do dano agiu com culpa ou dolo. Assim, configurado o
agir culposo e estando presente o nexo causal surge o dever indenizatório. (GONÇALVES,
2018). A responsabilidade subjetiva também, encontra amparo legal na Lei 8.078/90, art.14,
§4º que trata da responsabilidade civil dos profissionais liberais, por falhas na prestação de
serviços.
129
O médico ao realizar sua atividade exerce em regra uma obrigação de meio, exceto no
caso do cirurgião plástico que assume uma obrigação de resultado. Almeida (2007, p.18-19)
revela que “a obrigação que o médico contrai é de meio, pois não se compromete a curar, mas,
sim, o de prestar os seus serviços de acordo com as regras e as técnicas consagradas pela
literatura médica, incluindo os cuidados e os conselhos.” Nesta espécie de obrigação só haverá
responsabilização se comprovada à culpa do médico, cabendo ao paciente o ônus de provar que
o profissional agiu com imprudência, negligência ou imperícia. Deste modo, verifica-se na
prática que a obrigação de meio “não reflete apenas no direito material, mas dita regras de cunho
processual também [...]” (Prado, 2023, p. 8872), pois o ônus probatório recai sobre quem alega,
assim o “paciente que recorre ao judiciário para ser indenizado em suposto inadimplemento
médico ou erros deve provar os fatos constitutivos de seu direito”. (PRADO, 2023, p. 8872)
O código de defesa do consumidor, embora tenha adotado a teoria objetiva como regra,
excepcionou expressamente a responsabilidade dos profissionais liberais, como
responsabilidade subjetiva, baseada na verificação da culpa do profissional. De acordo com o
parágrafo 4º do art.14 da Lei 8.078/90, a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será
apurada mediante a verificação de culpa. (BRASIL, 1990).
A referida lei no art. 2° define consumidor como “toda pessoa física ou jurídica que
adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. (BRASIL, 1990). Desta forma,
o paciente é considerado um consumidor por utilizar serviços médicos como destinatário final.
Além disso, o art. 3° da lei consumerista destaca a definição de fornecedor, como sendo
toda pessoa que fornece produtos ou presta serviços a terceiros. Sendo considerado serviço, de
acordo com o parágrafo 2º do referido artigo, “qualquer atividade fornecida no mercado de
consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e
securitária”, exceto as de caráter trabalhista. (BRASIL, 1990). Assim, o médico é considerado
um fornecedor de serviços.
os riscos que apresentam, constitui um direito básico do consumidor.” (Brasil, 1990). O código
de defesa do consumidor também regula a informação como oferta nos artigos 30 e 31.
Nunes (2017, p. 292) ressalta que: “[...] a informação passou a ser elemento inerente ao
produto e ao serviço, bem como a maneira como deve ser fornecida. Repita-se que toda a
informação tem de ser correta, clara, precisa, ostensiva e no vernáculo.” França (2017) destaca
que o paciente tem direito à informação, através de uma linguagem acessível ao seu nível de
conhecimento e compreensão.
Cavalieri Filho (2012, p. 411) considera que “a falta de informação pode levar o médico
ou hospital a ter que responder pelo risco inerente, não por ter havido defeito do serviço, mas
pela ausência de informação devida, pela omissão em informar ao paciente os riscos reais do
tratamento.” Para este doutrinador o médico responde pela ausência de informação, por deixar
de informar o paciente e não pelo defeito no serviço.
Melo (2023, p. 143) enfatiza que “sendo o código de defesa do consumidor norma de
ordem pública, portanto de cumprimento obrigatório, o descumprimento do dever de informar,
por si só, caracterizará falha na prestação do serviço e, na ocorrência de dano, ensejará o dever
indenizatório”. O direito a informação é um direito básico do consumidor, devendo, portanto,
ser observado, visto que a inobservância deste configura inadimplemento contratual,
132
A vontade do paciente deve ser respeitada sempre, uma vez que ninguém pode ser
obrigado a submeter-se a tratamento médico ou intervenção cirúrgica salvo nos casos de risco
de vida, conforme estabelece o art.15 do código civil brasileiro: “ninguém pode ser
constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.”
(BRASIL, 2002).
A Resolução nº 1.931/2009 do CFM em seu art.34 determina que seja vedado ao médico
“deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do
133
tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso,
fazer a comunicação ao seu representante legal”. (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA,
2009) Ainda na mesma resolução no art.31 é vedado ao médico “desrespeitar o direito do
paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas
diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte”. (CONSELHO
FEDERAL DE MEDICINA, 2009).
Dessarte, o médico tem o dever de informar seu paciente de forma clara e precisa, sobre
sua doença, procedimentos e possíveis tratamentos, a fim de que este possa manifestar
livremente sua vontade. Ocorrendo falha ou ausência nas informações prestadas acarretará
defeito no serviço e consequentemente surgirá o dever indenizatório em caso de dano.
Facchini Neto e Eick (2015, p. 57) salientam que há situações onde o dever de informar
é mais acentuado, por exemplo, no caso dos “tratamentos experimentais, técnicas novas,
procedimentos que possam acarretar sérios riscos à saúde ou consequências definitivas”, ou
quando se tratar apenas de alcançar uma melhoria estética. Nesses casos “o paciente deverá ser
informado exaustivamente sobre o seu quadro clínico, as alternativas terapêuticas existentes, as
eventuais complicações ou os efeitos colaterais de cada tipo de intervenção, devendo ser
esclarecido quanto às dúvidas que suscitar”, para posteriormente prestar o seu consentimento.
Segundo Diniz (2017, p. 843), “o paciente tem o direito de opor-se a uma terapia, de
optar por tratamento mais adequado ou menos rigoroso, de aceitar ou não uma intervenção
cirúrgica, de mudar ou não de médico ou de hospital”, sendo a obtenção do seu consentimento
um direito de autodeterminação. Facchini Neto e Eick (2015, p. 60) completam: “a referida
autonomia na decisão implica uma devida troca de informações e entendimento entre o médico
e o seu respectivo paciente”.
Cavalieri Filho (2012, p. 412) ensina que somente o consentimento informado afastará
a responsabilidade civil do médico pelos riscos inerentes a sua atividade, e que o ônus da prova
quanto ao cumprimento do dever de informar caberá sempre ao médico ou hospital. Sobre o
assunto, Barros Júnior (2011, p. 110) afirma:
Convém ressaltar que o paciente tem o direito de ser informado e também de escolher o
tratamento, procedimentos e exames, bem como recusá-los, exceto nos casos de urgência.
Contudo, a ausência de consentimento esclarecido apenas gera o dever de indenizar quando
devidamente demonstrado o nexo de causalidade entre o descumprimento do dever de
informação e os danos sofridos pelo paciente.
135
Dantas (2014, p. 79) complementa que “o ato de consentir, não significa uma liberação
automática das responsabilidades profissionais quanto ao dever de informação, como se poderia
pressupor, uma vez que ainda responderia o médico pela incompleta informação”.
Desta forma, quando o profissional médico deixar de informar o seu paciente estará
descumprindo o princípio da boa-fé objetiva, as regras deontológicas do código de ética médica,
além de violar um direito básico do consumidor. Portanto, ocorrendo falha ou ausência de
informação que venha a resultar em dano ao paciente, caberá a este ser indenizado pelos
eventuais danos materiais e/ou morais sofridos. Este é o entendimento majoritário da doutrina
e jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
A pesquisa foi realizada através da consulta online à base de dados do site do Tribunal
de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, utilizando-se o seguinte termo de busca:
“responsabilidade do médico por falha na informação”. Como resultados foram encontrados
546 julgados, correspondentes ao período de 2001 a 2023, sendo analisadas somente
jurisprudências do período de 2019 a 2023, totalizando 149 decisões judiciais.
Gráfico 1 – Análise comparativa dos últimos 5 anos sobre a falha no dever de informação do
médico.
136
50
40
Configurada a falha no dever
30 de informação
Não configurada a falha no
20 dever de informação
Outros
10
0
2019 2020 2021 2022 2023
E por fim, em 2023 até o dia 25 de julho, foram analisados 12 acórdãos, contudo apenas
um acórdão versou sobre o tema, mas não foi configurada a falha no dever de informação. As
demais 11 decisões versaram sobre os mesmos temas que as anteriores.
137
Total 149
Outros 128
No período de cinco anos, foram verificados 149 acórdãos, sendo que 128 versaram
sobre outros temas. Em 12 casos analisados não foi configurada a falha no dever de informação,
situação em que os magistrados entenderam que os médicos informaram adequadamente os
pacientes; casos de laqueadura tubária, cirurgia reparadora mamária, erro de sexo do bebê na
gravidez e erro de diagnóstico. Em 10 casos houve a condenação do profissional médico por
violar o dever de informação.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
desta forma seja considerado como prova no caso de futura ação judicial, desconstituindo assim
qualquer demanda indenizatória fundamentada no descumprimento do dever de informação.
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<https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs/index.php/BRJD/article/view/57692/42117>. Acesso
em: 19 jun. 2023.
141
ANEXO
Acórdãos Analisados:
Ano 2019:
70077912467. 70083403626. 70083443622. 70083222083.70082539818. 70082613399.
70083086173. 70082465196. 70082289851. 70082481763. 70082736174. 70082949074.
70080218472. 70082222860. 70081426785. 70081643686. 70080014772. 70082495003.
70081937153. 70082598947. 70082322785. 70081879074. 70081713539. 70081669244.
70080412141. 70081572497. 70081568438. 70081713174. 70080913940. 70081872293.
70081040412. 70080671142. 70081533754. 70080619778. 70080203201. 70080966971.
70080790470. 70080853336. 71008412330. 71008319667. 70079116596. 70079449534.
70079185492. 70080667868. 70080744667.70080227515. 70080000227. 70079806220.
71007915622. 71007957962. 70079829743.
Ano 2020:
50841943720208217000. 50000807120198210091. 70083934158. 70083124362.
70083903468. 70083897272. 50008124020198210095. 71009700105. 70084470350.
70084347715. 50464092320198210001. 70083362079. 70083722751. 70082567108.
70083533349. 70083348961. 70083734756. 70084068048. 70084007095. 70082963075.
71009333907. 70083222794. 70083608091. 70083471136.
Ano 2021:
50016543020208210048.5003216892021821064.50004173420158210048.500466590201682
10021.71010227080.50001779420148210140.70085204428.70084078724.70085113645.
50056040920118210001. 70085155612.
50005431120198210124.50034623120188210019.50006016020198210044.70085193522.50
522162420198210001.70085077386.50005874020138210027.50005051120148210015.5016
3422220128210001.50000951720138210005. 50004438320148210010. 70083654616.
50003189820088210019.
Ano 2022:
50062336520218210022.50000280220088210046.50024055120218210090.50004502720158
210144.50004502720158210144.50920451220198210001.50261270320158210001.5000667
1320168210087.50007727220088210021.50000730420128210163.50109442120178210001.
50001057420148210054.50034974320228210021.50021273120198210022.50007143220088
210001.50138003320208210039.50240412520168210001.50000327320198210007.5001188
0420168210007.50002809720178210075.50020081220158210022.50050990320208210001.
50152437020208210022.50008299020138210029.50011191320148210016.51051388920228
217000.50011350220178210035.50030373420138210001.50000490820128210023.5004813
3820158210021.50017529420148210025.50208238620168210001.50291915520148210001.
50014644020148210028.50030541420178210039.50084627320178210010. 70085203222.
50274610420178210001.
142
Ano 2023:
50000113620128210139.50054619420198210015.50134232320188210010.50000552520198
210102.50171554420158210001.50002840320168210033.50005725520188210008.5000798
8420148210013.51914186320228217000. 50065235920208210008.
50008133320188210039. 50065235920208210008.
143
RESUMO
1 INTRODUÇÃO
1
Graduado em Direito pelo Centro Universitário UniProjeção - Unidade Taguatinga/DF. Graduado em
Licenciatura em Sociologia pelo Centro Universitário UniFAVENI. Pós-Graduado em Direito Civil e Processual
Civil. Advogado, OAB/DF nº 52.265. E-mail: leandrodireitoejustica@gmail.com.
2
Bacharelanda em Administração pela Universidade Estadual do Piauí-UESPI, Brasil. Graduada em Licenciatura
em Educação Física pela Universidade Federal do Piauí- UFPI, Brasil. Graduada em Licenciatura Plena em
Pedagogia pela Faculdade Intervale. Pós-Graduada em Gestão Pública. E-mail: franzinha25@outlook.com.
144
relação. Essa preocupação mais acentuada é fruto de uma longa jornada que teve influência do
direito internacional no sistema normativo brasileiro, com especial ênfase, a partir da
promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos-DUDH em 10 de dezembro de
1948.
Diante dessa nova realidade, qual seja, maior proteção aos consumidores, muitos
estabelecimentos comerciais e repartições públicas passaram a ter um maior zelo para com a
comodidade desses, assim como com a segurança. No caso dos estabelecimentos particulares,
em síntese, visando também a fidelização de clientes.
Contudo, em que pese haver todo esse cuidado legal em dar mais proteção aos
consumidores, muitos ainda experimentam dissabores em suas vidas, são problemas em relação
a dificuldades na comodidade ainda enfrentados e a necessidade de maior segurança, nesse
contexto, os crimes patrimoniais, sejam eles caracterizados como roubos e furtos tem assustado
muitos cidadãos por todo o Brasil. Cabe destacar, entretanto, essas modalidades de crimes tem
ocorrido com mais frequência em áreas de estacionamentos, sejam eles públicos ou privados,
provocando danos patrimoniais, e a depender, morais aos consumidores e usuários.
Assim sendo, a pergunta que se faz é até onde pode ir à responsabilização dos
estabelecimentos comerciais por danos causados a terceiros em perímetros abrangidos por seus
estacionamentos? Com essas considerações, o presente estudo tem o objetivo de responder à
pergunta supracitada e para isso será utilizado o método de estudo bibliográfico, recorrendo-se
a doutrina, normas de cunho nacional e de direito internacional, jurisprudências, assim como
matérias informativas disponíveis em sítios da internet.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
De acordo a breve síntese introdutória, foi possível observar que o objetivo desse
estudo é responder a uma pergunta que é de interesse não só dos estabelecimentos comerciais,
145
mas da própria administração pública, e para isso a pesquisa será fundada no uso de doutrinas,
normas de contexto nacional e internacional, jurisprudências e matérias disponíveis na
internet. Diante disso, a partir do tópico seguinte se passará a discorrer fundamentadamente
sobre o tema proposto.
Em sintonia com o citado autor, importante salientar que essa ótica de que o ser humano
nasce com um senso de desenvolver-se para a responsabilidade pode ser observado no próprio
artigo 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, onde diz que “todos os seres humanos
nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir
em relação uns aos outros com espírito de fraternidade” (UNICEF BRASIL, online).
Essa alta no número de crimes patrimoniais no Estado de São Paulo reflete a ineficiência
do poder público em dar proteção a população. Corroborando com essas informações, segundo
trecho de publicação disponível no site do Sindicado dos Médicos do Ceará (2023) um
“Médico” teve um “veículo tomado de assalto no estacionamento do posto de saúde Anísio
Teixeira, em Fortaleza; Sindicato reforça pedido de segurança”.
Casos semelhantes aos apresentados acima se repetem por todo o Brasil. Em razão disso,
especialmente no tocante às garantias voltadas à proteção patrimonial, a Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988- CF/88 possibilitou a responsabilização do Estado em
face a danos a terceiros. Contudo é preciso que se observe em quais situações isso pode
acontecer.
Diante disso, importante mencionar, nos termos do artigo 37, caput e parágrafo 6º, da
citada Carta (BRASIL, 1988), no que se refere a responsabilidade do Estado, esse responderá
por danos provocados a terceiros pela modalidade objetiva. A esse respeito, os citados
dispositivos disciplinam explicitamente que:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998); § 6º
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços
públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou
culpa.
Importante destacar que o artigo 43 do Código Civil de 2002- CC/2002 também discorre
sobre o assunto, segundo o qual diz que “as pessoas jurídicas de direito público interno são
civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros,
ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa
ou dolo” (BRASIL, 2002).
É possível observar que o artigo 927 do CC/2002 dispõe ainda que “aquele que, por ato
ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Acrescenta ainda no
parágrafo único que “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos
casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do
dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem” (BRASIL, 2002). O citado
artigo 927, caput abre a possibilidade para a responsabilidade objetiva, já o seu parágrafo único,
na segunda parte é possível observar a flexibilização da norma, mitigando a responsabilidade.
147
De acordo o citado acórdão, o Estado responde de forma objetiva sempre que um agente
público ou investido em função pública provoque danos a terceiros, e nessa seara, aplicando-se
a teoria do risco administrativo. Cavaleiro Filho (2015, p. 216) ao tecer comentários sobre a
teoria do risco administrativo diz que “[...]a doutrina do risco pode ser, então, assim resumida:
todo o prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou,
independentemente de ter ou não agido com culpa[...]”.
exemplificar, cita-se trecho do acórdão nº 1362951 nos autos de apelação cível 0004031-
05.2016.8.07.0011 julgada pela 7ª Turma cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e
Territórios, vejamos:
Faz-se necessário enfatizar que a responsabilização por danos a terceiros, pode se dar
tanto por omissão quanto por ação, contudo, para que isso fique evidenciado é primordial que
haja, de fato, danos, nesse sentido ensina Rafael Quaresma Viva (2013). Corroborando ainda
com esse entendimento, Cavalieri Filho (2003, p. 35) ensina que “o dano causado pelo ato ilícito
rompe o equilíbrio jurídico-econômico anteriormente existente entre o agente e a vítima”, e em
razão disso deve essa ser ressarcida dos seus danos, se possível, na sua integralidade quanto ao
status antes dos danos sofrido. Cavalieri Filho (2015, p. 102) menciona ainda que “alguém
pratica ato ilícito e causa dano a outrem” tem a obrigação de ressarcimento do ofendido.
No caso de ocorrência de danos de cunho moral, Bittar (2015, p. 44) ensina no sentido
de que esse está ligado a “valores da moralidade pessoal ou social” da pessoa do ofendido. Em
outras palavras, esse tipo de dano atinge o estado de espírito do ofendido, provocando danos de
cunho sentimental, que pode se estender drasticamente para a vida profissional.
Ainda no tocante aos danos morais, cabe ressaltar que é possível a administração pública
ser penalizada em danos morais no contexto da responsabilidade objetiva, e a título de exemplo
cita-se trecho de acórdão nº 1394500 nos autos de apelação cível nº 0707813-
16.2020.8.07.0018 julgada pela 5ª Turma cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e
Territórios, vejamos:
O caso em tela, diz respeito a um veículo que foi roubado enquanto estava na posse do
manobrista em área de estacionamento, e nesse caso o Egrégio Tribunal de Justiça entendeu
que por conta do risco da atividade, nos termos da súmula 130 do STJ, a empresa responsável
pelo estacionamento deve ser responsabilizada pelo roubo do veículo. Nesse sentido, a referida
151
súmula diz que “a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de
veículo ocorridos em seu estacionamento”.
de construção foi condenada a indenizar um consumidor por esse ter sofrido furto em seu bem
em área de estacionamento da empresa, vejamos o que diz a jurisprudência:
Entretanto, o ponto que mais chama a atenção, em especial dos responsáveis por áreas
de estacionamentos, diz respeito a uma decisão recente (2023) emanada pelo Egrégio Superior
Tribunal de Justiça- STJ onde esse reconheceu o direito de indenização de um indivíduo que
foi roubado em frente uma portaria de acesso a um estacionamento de um shopping, contudo,
sem ter completado o ingresso para o perímetro físico do estacionamento. Vejamos trecho da
jurisprudência:
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE
REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022
DO CPC/15. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO,
OBSCURIDADE OU ERRO DO ACÓRDÃO EMBARGADO. AUSÊNCIA.
VIOLAÇÃO DO ART. 489, § 1º, DO CPC/15. NÃO OCORRÊNCIA.
RESPONSABILIDADE CIVIL. SHOPPING CENTER E UNIDADE GESTORA
DO ESTACIONAMENTO. ROUBO A MÃO ARMADA NA CANCELA.
ABRANGÊNCIA DA PROTEÇÃO CONSUMERISTA. ÁREA DE PRESTAÇÃO
DO SERVIÇO. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ OBJETIVA E DA PROTEÇÃO
CONTRATUAL DO CONSUMIDOR. BARREIRA FÍSICA IMPOSTA PARA
BENEFÍCIO DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL. LEGÍTIMA
EXPECTATIVA DE SEGURANÇA. DEVER DE FISCALIZAÇÃO.
POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO. ROUBO A MÃO ARMADA.
FATO DE TERCEIRO INCAPAZ DE EXCLUIR O NEXO CAUSAL. NEXO DE
IMPUTAÇÃO VERIFICADO. FORTUITO INTERNO. RESPONSABILIDADE
DO SHOPPING CENTER. SÚMULA 130/STJ. LEGÍTIMA EXPECTATIVA DE
SEGURANÇA AO CLIENTE. ACRÉSCIMO DE CONFORTO
(ESTACIONAMENTO) AOS CONSUMIDORES EM TROCA DE BENEFÍCIOS
FINANCEIROS INDIRETOS. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DESTA CORTE.
RESPONSABILIDADE DO ESTACIONAMENTO. CIRCUNSTÂNCIAS
OBJETIVAMENTE CONSIDERADAS A INDICAR A EXISTÊNCIA DE
RAZOÁVEL EXPECTATIVA DE SEGURANÇA. CONTROLE DE ENTRADA E
SAÍDA. CANCELA. RISCO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL. HIPÓTESE EM
QUE O CONSUMIDOR FOI VÍTIMA DE ROUBO À MÃO ARMADA AO PARAR
O VEÍCULO NA CANCELA PARA INGRESSO NO ESTACIONAMENTO DE
153
A referida decisão cria precedente para situações semelhantes que possam acontecer, e
por conta disso, provavelmente, as empresas privadas que detenham responsabilidades sobre
áreas de estacionamentos, ou a própria administração pública, a partir da citada decisão,
passarão a criar mais mecanismos de segurança, ou aperfeiçoar os já existentes com o intento
de evitar possíveis responsabilizações futuras.
Importante ressaltar que para fundamentar a decisão emanada pelo STJ, conforme acima
citada, a Ministra Nancy Andrighi, relatora do Recurso Especial nº 2031816 / RJ, entre suas
fundamentações para conceder o direito a indenização ao indivíduo que sofreu o roubo,
argumentou no sentido de que empresas estão inseridas na teoria do risco da atividade
empresarial.
A citada relatora manifestou ainda no sentido de que o fato de o motorista estar na frente
da portaria representa uma circunstância objetivamente considerada a indicar maior sentimento
de segurança a ele, o que representa, segundo o entendimento emanado no citado recurso, um
nexo de causalidade, somado aos demais requisitos, o que torna os responsáveis pelo
estacionamento passíveis de responsabilização pelo roubo sofrido pelo indivíduo.
3 CONCLUSÃO
Diante o exposto, foi possível observar que desde a influência do direito internacional
no sistema de normas brasileiro, especialmente com a Declaração Universal de Direitos
Humanos, da qual, muitos mecanismos semelhantes foram inseridos na CF/88, há uma busca
em oferecer maior segurança e proteção aos cidadãos brasileiros, especialmente no contexto de
proteção a seus bens materiais, objeto desse estudo.
Contudo, foi possível observar também que mesmo com muitos mecanismos
normativos há elevado número de casos de roubos e furtos de veículos, gerando grandes
prejuízos materiais a seus donos, que acabam, em muitos casos, suportando todo o prejuízo.
Diante disso, desde a CF/88, assim como em aprimoramentos através do CC/2002 e CDC/1990,
muitas normas de proteção e defesa de indivíduos, em especial no contexto das relações de
consumo passaram a se tornar mais evidenciadas, trata-se da possibilidade de reparação civil
por parte do Estado, assim como por parte dos particulares em caso de danos provocados a
terceiros.
Importante destacar também, no que se refere aos danos provocados no contexto dos
estacionamentos públicos, conforme as doutrinas, normas e jurisprudências apresentadas,
verificou-se ser possível a responsabilização da administração pública. E no caso da
responsabilidade objetiva dessa se caracteriza quando o particular que tenha sofrido o dano não
necessita provar a culpa, mas comprovando o nexo causal e o dano. Também foi possível
observar que o Estado pode responder por danos morais em relação a danos provocados a
terceiros, assim como pode deixar de ser responsabilizado quando a culpa for exclusiva da
155
Ressalta-se, um dos principais pontos de atenção nesse estudo, pode ser atribuído a
decisão recente do STJ (2023) em reconhecer direitos a indenização a motorista que em frente
a portaria de um Shopping sofreu roubo, antes de adentrar o veículo no estacionamento. Nesse
contexto, a relatora do recuso especial que tratava da matéria em discussão entendeu que o fato
dele está em frente a portaria transmitia maior sentimento de segurança a ele, o que pode
representar um nexo de causalidade, assim como apresentou outros argumentos, entre os quais
o risco da atividade, no qual o estabelecimento assume os riscos inerentes aos serviços
prestados.
Por fim, esse estudo possibilitou uma reflexão sobre o campo normativo e sua estrutura
lógica, que encontra complemento nos Tribunais de Justiça e em Cortes Superiores,
responsáveis por interpretar as normas no caso em concreto. Além disso, possivelmente, a partir
da decisão do STJ muitos estabelecimentos comerciais e a própria administração pública
tomarão mais medidas de segurança ou aprimoramento nas já existentes, na tentativa de evitar
danos patrimoniais a terceiros dentro de áreas de estacionamentos sobre suas responsabilidades,
a fim de evitarem penalizações em situações futuras.
REFERÊNCIAS
BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade civil nas atividades perigosas. In: CAHALI,
Yussef Said (Coord.). Responsabilidade civil – doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva.
1984. p. 85-103, p. 87.
______. Reparação Civil por Danos Morais. 4. Edição rev. aum. e mod. Por Eduardo C. B.
Bittar. São Paulo: Saraiva, 2015.
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mai. 2023.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 130. A empresa responde, perante o cliente,
pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento (SÚMULA 130,
SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 29/03/1995, DJ 04/04/1995, p. 8294).
Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram
com a Sra. Ministra Relatora (REsp 2031816 / RJ, relatora: Ministra Nancy Andrighi, órgão
julgador: T3 - Terceira turma, publicação em 16/03/2023).
______. Programa de responsabilidade civil. 12. Edição São Paulo: Atlas, 2015. pp. 215-216.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, v. 7,
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REALE, Miguel. Estudos de filosofia e ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 1978.
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VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. Vol.4. 16.Edição rev. atual.
e ampl. São Paulo: Atlas, 2016.
159
VIVA, Rafael Quaresma. Responsabilidade civil objetiva: código civil versus código de defesa
do consumidor. 2ª edição Belo Horizonte: Arraes Editores, 2013. p. 10
160
Marcelle Blanche1
RESUMO
O uso da IA generativa tem permitido a recriação realista de personalidades falecidas,
levantando questões éticas e legais sobre o direito de imagem após o óbito. O direito de imagem
é garantido constitucionalmente e requer consentimento ou autorização para divulgação. No
entanto, a legislação atual não previu a utilização da IA para recriar imagens pós-morte do
indivíduo, assim, a responsabilidade civil inerente aos usos indevidos da tecnologia é um
desafio nesse contexto. Assim, a aplicação da IA na recriação de imagens pós-morte tem sido
mais frequente, especialmente na indústria do entretenimento, levantando debates sobre a
dignidade humana e o respeito à imagem dos falecidos. Surgem então, necessidades de reavaliar
as leis e regulamentações sobre o uso da IA para reconstrução de imagens post mortem, visando
proteger os direitos fundamentais e preservar a dignidade das pessoas falecidas. As implicações
éticas e morais também merecem atenção, pois a ressurreição digital pode suscitar debates sobre
a manipulação da história, personalidade do indivíduo recriado e exploração comercial não
autorizada ou inadequada. Em conclusão, o uso da IA para reconstrução da imagem post
mortem apresenta desafios que requerem abordagens cautelosas das leis e princípios éticos.
Proteger o direito de imagem e abordar a responsabilidade civil são fundamentais para preservar
os valores da sociedade em meio à revolução digital da inteligência artificial.
1. INTRODUÇÃO
1
Pós-graduada em Processo Civil. Encarregada de Dados com certificações ISO 27.001, ISO 27.005, LGPD e
GDPR Foundation. Inscrita na OAB/SE 10.084 e OAB/RJ 209.714. E-mail: marcelle.blanche@outlook.com.
161
comportamentos de uma pessoa após a sua morte levanta uma série de perguntas: Como a
permissão para uso dessa imagem é obtida? Como isso se estende após a morte do indivíduo?
E, em casos de uso indevido, quais são as consequências no âmbito da responsabilidade civil?
Este artigo tem como objetivo explorar esses dilemas à luz da legislação brasileira,
procurando fornecer uma visão do quadro jurídico atual e avaliar se, e em que medida, ele pode
acomodar tais avanços tecnológicos. Ademais, pretende-se analisar se a regulamentação atual
protege adequadamente o direito de imagem, e qual a responsabilidade daqueles que infringem
tal direito, em particular no que tange ao uso de imagens para gerar novos conteúdos por IA
após a morte do titular do direito.
A inteligência artificial (IA) é uma área da ciência da computação que visa simular a
inteligência humana, permitindo que as máquinas realizem tarefas que tradicionalmente
requerem habilidades cognitivas humanas, como aprendizado, percepção e criatividade. O
campo da IA tem progredido a passos largos, tornando possível a realização de tarefas cada vez
mais sofisticadas, desde análises de dados complexas até a criação de obras de arte originais.
Uma aplicação cada vez mais comum dessa tecnologia é a reconstrução da imagem. Os
algoritmos de IA podem usar imagens e informações existentes para criar representações visuais
162
hiper-realistas de indivíduos. Tal tecnologia tem sido usada para recriar a imagem de pessoas
que já faleceram, resultando em simulações incrivelmente precisas e reais, que vêm sendo
amplamente utilizado no meio artístico e jornalístico com um todo.
Inicialmente, vale ressaltar que a reconstrução digital de imagem e/ou voz não ser um
fenômeno tão recente. Um caso pioneiro ocorreu no filme “O Corvo” de 1994, onde o ator
Brandon Lee, que interpretava o protagonista do filme, faleceu abruptamente em 1993 durante
as gravações do longa. Para finalizar a produção, foi utilizado o corpo de um dublê, juntamente
com a reprodução digital do rosto do falecido sobreposta ao seu.
No entanto, há uma distinção clara entre utilizar a tecnologia para completar um projeto
que um ator começou enquanto estava vivo e utilizar sua imagem para criar conteúdos diversos
como, filmes, propagandas e músicas novas, com base nas imagens do falecido em
empreendimentos que, muitas vezes, nem mesmo existiam ou poderiam ser imaginados pelo
titular antes de sua morte. A despeito disso, o titular de tais imagens jamais teria a opção de
2
SADOVSKI, Roberto. Como a tecnologia criou um dilema insolúvel ao reviver artistas mortos. UOL. 07 jul.
2023. Disponível em: <https://www.uol.com.br/splash/colunas/roberto-sadovski/2023/07/07/como-a-tecnologia-
criou-um-dilema-insoluvel-ao-reviver-artistas-mortos.htm>. Acesso em: 23 jul. 2023.
163
Os avanços nas ferramentas digitais, que vão desde imagens geradas por computador
até deep fakes, aliados à aplicação da inteligência artificial generativa, criaram um cenário no
qual qualquer indivíduo, esteja ele vivo ou falecido, pode ser replicado.
Um exemplo conhecido desta prática para a criação de conteúdo inédito, se deu no filme
Em “Rogue One – Uma História Star Wars”, que “ressuscitou” o ator Peter Cushing, morto em
1994, para interpretar o governador Moff Tarkin. No mesmo filme, a Princesa Leia, interpretada
pela estrela Carrie Fisher também teve seu rosto e feições reconstruído digitalmente para
sobrepor ao corpo de dublês, retratada, porém anos mais jovem, neste último caso, a atriz ainda
estava viva durante a produção.3
No cenário musical, quase uma década após sua morte, cantora Whitney Houston, foi
recriada mediante o uso de hologramas para uma nova turnê, o show "An Evening With Whitney:
The Whitney Houston Hologram Concert", estreou em 2020 em Las Vegas com a recriação digital
da artista4. A apresentação, que pode até ser considerada ‘assombrosa’ em vista do nível de
realismo transmitido, foi envolvida em diversas problemáticas éticas e jurídicas, chegando a ser
cancelada várias vezes, porém segue com ingressos à venda para as exibições do ano 2023 até
o encerramento deste estudo.5
3
CAFÉ COM NERD. Rogue One: como o deepfake poderia ter melhorado o CGI da Princesa Leia.
CafeComNerd.com.br. Disponível em: <https://cafecomnerd.com.br/rogue-one-como-o-deepfake-poderia-ter-
melhorado-o-cgi-da-princesa-leia/>. Acesso em: 23 jul. 2023.b
4
UOL. Holograma de Whitney Houston une perfeição técnica a imagem idealizada. UOL Entretenimento. 05 mar.
2020. Disponível em: <https://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2020/03/05/holograma-de-
whitneyhouston-une-perfeicao-tecnica-a-imagem-idealizada.htm>. Acesso em: 23 jul. 2023.
5
ENTRADAS.COM. Whitney Houston Hologram Tour. Disponível em:
<https://www.entradas.com/en/artist/whitney-houston-hologram-tour/>. Acesso em: 23 jul. 2023.
164
com a sua filha Maria Rita6. Ocorre que, neste caso particularmente, gerou-se uma grande
discussão sobre a personalidade da pessoa falecida, bem como, se ela, em vida, aceitaria realizar
tal ação publicitária, eis que os ideais defendidos pela cantora poderiam divergir dos da marca
em questão, levando-se em conta acontecimentos da época em que a cantora estava viva.
Faz-se necessário ainda, memorar que a Lei Geral de Proteção de Dados - LGPD, define
dados pessoais como informações relacionadas a um indivíduo identificado ou identificável, o
que inclui imagem, traços faciais e a voz, que são consideradas dados pessoais, e
consequentemente são protegidos por esta legislação. No contexto em discussão, a manipulação
dos dados pessoais para a recriação digital, via de regra, exige o prévio consentimento do titular
(artigo 7°, inciso I da LGPD).
No Brasil, permissão para o uso da imagem de uma pessoa, viva ou morta, é um direito
protegido constitucionalmente e a necessidade de consentimento para a utilização da imagem
de uma pessoa é clara durante a sua vida, mas após a sua morte, as coisas tornam-se mais
complexas. Entretanto, como se sabe, o consentimento, deve ser específico e está vinculado à
finalidade determinada para o qual foi coletado (artigo 5°, XII da LGPD).
a) Robin Williams7: em seu testamento, o ator proibiu o uso de sua imagem por até
25 anos após sua morte, deixando instruções específicas para não ser digitalmente
inserido em nenhum filme ou propaganda contra a sua vontade até a data
6
SADOVSKI, Roberto. Como a tecnologia criou um dilema insolúvel ao reviver artistas mortos. UOL. 07 jul.
2023. Disponível em: <https://www.uol.com.br/splash/colunas/roberto-sadovski/2023/07/07/como-a-tecnologia-
criou-um-dilema-insoluvel-ao-reviver-artistas-mortos.htm>. Acesso em: 23 jul. 2023.
7
EL PAÍS. Por que os hologramas emocionam tanto? El País Brasil. 31 mar. 2015. Disponível em:
<https://brasil.elpais.com/brasil/2015/03/31/cultura/1427813184_083287.html>. Acesso em: 23 jul. 2023.
165
A princípio, cumpre destacar que o direito de imagem e a proteção dos dados pessoais
são direitos fundamentais protegidos pela Constituição Brasileira. O artigo 5º, inciso X, da
8
R7. Madonna atualiza testamento, divide herança bilionária e proíbe uso de hologramas após morte. R7 Famosos
e TV. 11 jul. 2023. Disponível em: <https://entretenimento.r7.com/famosos-e-tv/madonna-atualiza-testamento-
divide-heranca-bilionaria-e-proibe-uso-de-hologramas-apos-morte-11072023>. Acesso em: 23 jul. 2023.
9
ESTADÃO. Testamento de Whoopi Goldberg diz que ela não pode ser transformada em holograma após a morte.
Estadão. Disponível em: <https://www.estadao.com.br/emais/gente/testamento-de-whoopi-goldberg-diz-que-ela-
nao-pode-ser-transformada-em-holograma-apos-morte-nprec/>. Acesso em: 23 jul. 2023
166
Constituição estabelece que: "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem
das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação", já o inciso LXXIX assegura que “é assegurado, nos termos da lei, o direito à proteção
dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais”. Tais direitos são inerentes a todos os
indivíduos, independentemente de serem celebridades ou cidadãos comuns.
Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa medida,
em ordem preferencial: I - o cônjuge sobrevivente, ou o convivente; II - qualquer
parente em linha reta, ou na linha colateral até o quarto grau
Sendo assim, caberia a estes, nos casos de recriação de imagem sem o devido
consentimento, os eventuais pleitos jurídicos para cessação das divulgações de imagens e
demais conteúdos criados a partir dos dados da pessoa falecida e até mesmo a reparação prevista
167
no caput do artigo 12 do Código Civil, com fundamento em direito dos próprios herdeiros, eis
que a personalidade se extingue com a morte, conforme alude artigo 6° do CC.
Além disso, a decisão de usar a imagem de uma pessoa após a morte não deve ser tomada
levianamente, posto que uso da imagem de uma pessoa, mesmo após a morte, tem implicações
éticas e morais significativas. Pode-se argumentar que o uso de uma imagem pós-morte sem o
consentimento expresso do indivíduo é uma violação da dignidade humana e do respeito devido
à pessoa após a morte.
para proteger o direito de imagem mesmo após a morte, ao mesmo tempo que permite o
progresso e a inovação na área da IA.
Para tentar sanar esta questão, conforme apontado em estudo sobre o tema, é interessante
ponderar alguns critérios, tais como: a previsão expressa em contrato em vida e autorização da
família; a finalidade da reconstituição da imagem e; a adequação da imagem criada post mortem
à imagem-atributo construída em vida pela pessoa. (MEDOM, 2021).
Além disto, recentemente, estes recursos vêm sendo empregados em diversos vídeos na
internet para que pessoas falecidas em mortes trágicas ou violentas venham a contar a história
do evento que lhes ceifou a vida, o que traz sérios problemas relacionados à memória do de
cujus e aos sentimentos dos entes queridos, que necessitam de tutela relativa à responsabilização
decorrente da criação e propagação de tais conteúdos.10
Entretanto, até lá, é importante notar que a legislação brasileira atual não foi
desenvolvida com a IA em mente. Embora os princípios gerais da responsabilidade civil possam
ser aplicados a essa nova tecnologia, eles não são necessariamente adequados para abordar suas
particularidades. Portanto, é evidente que os intérpretes da lei e tribunais brasileiros enfrentarão
desafios significativos ao aplicar a legislação existente a esses casos.
10
TILT. Em tendência macabra no TikTok, mortos retornam para contar seu fim. UOL. 28 jun. 2023. Disponível
em: <https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2023/06/28/em-tendencia-macabra-no-tiktok-mortos-
retornam-para-contar-seu-fim.htm>. Acesso em: 23 jul. 2023.
169
Como resultado, é essencial um maior debate sobre como a lei deve evoluir para
acomodar eficazmente a interação entre a IA, os direitos fundamentais e personalíssimos do ser
humano e as responsabilidades advindas de tal interseção. Este é um tema de extrema relevância
e urgência, que requer uma análise cuidadosa, educação digital dos titulares e uma abrangente
discussão ético-social e jurídica.
4. CONCLUSÕES
Na era moderna, onde a inteligência artificial tem cada vez mais capacidade de recriar
a imagem e a personalidade humanas, o conceito de direito de imagem e a responsabilidade
inerente a esta prática ganha novas dimensões. Este artigo explorou a problemática do uso da
IA para recriar a imagem de uma pessoa após a sua morte, analisando questões relacionadas à
obtenção de permissão para esse uso e à responsabilidade civil resultante da violação desse
direito, tudo isso à luz da legislação brasileira.
Pela análise feita, fica evidente que estamos diante de um desafio jurídico. Os avanços
da IA generativa na recriação da imagem de uma pessoa, mesmo após a morte, criam desafios
únicos e sem precedentes para o direito de imagem e a responsabilidade civil no Brasil.
A lei brasileira, tal como muitas outras ao redor do mundo, foi escrita em uma época em
que tais tecnologias não existiam, apesar do esforço do legislador em abarcar um vasto conjunto
de situações, não se poderia prever a emergência e o desenvolvimento da IA e suas aplicações,
170
Diante dessas questões, parece claro que precisamos reavaliar e talvez reformular nossa
compreensão e aplicação do direito de imagem no contexto da inteligência artificial. Os avanços
da tecnologia estão reformulando nossa sociedade e, consequentemente, exigem uma revisão
de nossas leis e regulamentos. O desafio para o legislador é equilibrar o avanço tecnológico
com a proteção de direitos humanos fundamentais, como o direito de imagem e a
responsabilização inerentes aos casos das aplicações de inteligência artificial.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União,
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Rodrigo Pacheco. Senado Federal, Brasília, DF. Disponível em:
<https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/157233>. Acesso em: 30 jul.
2023.
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Leia. CafeComNerd.com.br. Disponível em: <https://cafecomnerd.com.br/rogue-one-como-o-
deepfake-poderia-ter-melhorado-o-cgi-da-princesa-leia/>. Acesso em: 23 jul. 2023.
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em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2015/03/31/cultura/1427813184_083287.html>. Acesso
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holograma após a morte. Estadão. Disponível em:
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pode-ser-transformada-em-holograma-apos-morte-nprec/>. Acesso em: 23 jul. 2023.
MEDON, Filipe. O direito à imagem na era das deepfakes. Revista Brasileira de Direito Civil
- RBDCivil, Belo Horizonte, v. 27, p. 251-277, jan./mar. 2021, p. 269.
172
R7. Madonna atualiza testamento, divide herança bilionária e proíbe uso de hologramas após
morte. R7 Famosos e TV. 11 jul. 2023. Disponível em:
<https://entretenimento.r7.com/famosos-e-tv/madonna-atualiza-testamento-divide-heranca-
bilionaria-e-proibe-uso-de-hologramas-apos-morte-11072023>. Acesso em: 23 jul. 2023.
SADOVSKI, Roberto. Como a tecnologia criou um dilema insolúvel ao reviver artistas mortos.
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sadovski/2023/07/07/como-a-tecnologia-criou-um-dilema-insoluvel-ao-reviver-artistas-
mortos.htm>. Acesso em: 23 jul. 2023.
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macabra-no-tiktok-mortos-retornam-para-contar-seu-fim.htm>. Acesso em: 23 jul. 2023.
UOL. Holograma de Whitney Houston une perfeição técnica a imagem idealizada. UOL
Entretenimento. 05 mar. 2020. Disponível em:
<https://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2020/03/05/holograma-de-
whitneyhouston-une-perfeicao-tecnica-a-imagem-idealizada.htm>. Acesso em: 23 jul. 2023.
173
RESUMO
O presente trabalho visa discutir a responsabilidade civil dos provedores de internet diante do
cenário atual a respeito de um trecho do conhecido Marco Civil da Internet, o artigo 19 da
referida Lei de nº 12.965/2014. Tal lei disciplina os princípios, as garantias, bem como os
direitos e deveres para o uso da internet no país, tendo o seu teor um relevante impacto social,
principalmente com reflexos nos Direitos Fundamentais, no Estado Democrático de Direito, a
exemplo da livre manifestação, do pluralismo e da livre manifestação. O dispositivo determina
que os provedores de internet, websites e redes sociais somente terão a responsabilidade civil
por postagens e mensagens que contenham teor ilícitos, caso não tomem providências para a
remoção desses conteúdos após decisão judicial, o que na visão de especialistas, o teor desse
artigo geraria conflitos e danos irreparáveis a terceiros afetados por publicações, que somente
no caso de descumprimento da decisão judicial, a lei autoriza a responsabilização do provedor,
excetuando-se somente a divulgação de material de cunho sexual ou que envolva nudez, ambos
em caráter privado, estes não necessitam de decisão judicial. O tema tem se mostrado cada vez
mais relevante no decorrer dos anos, principalmente quando se analisa a evolução da internet e
seu poder de transmissão de informações, consequentemente a Corte máxima debate formas de
coibir a circulação de material impróprio, de caráter golpista ou criminoso, através da análise
do dispositivo citado. Desde 2020, casos como estes vem sendo analisados e debatidos pelo
plenário do STF, a exemplo dos temas de repercussão geral de nº 987 e 533.
1 INTRODUÇÃO
1
Nayane Santana de Oliveira. Advogada e Consultora Jurídica, nº 14.124, Seccional Sergipe. especialista em
Direito Público (UNIAMÉRICA/2021); especialista em Direito Tributário (UNIAMÉRICA/2022); especialista
em Advocacia Cível (ESA/2023). E-mail: nayanesantana.adv@gmail.com.
2
Laís Santana de Oliveira. Advogada e Consultora Jurídica, com inscrição nº 15.185, Seccional Sergipe. Pós-
graduanda em Direito Civil e Processo Civil; Pós-graduanda em Penal e Processo Penal. E-mail:
laissantana.adv@gmail.com.
174
diversas facilidades, bem como também enormes desafios para os titulares de direitos autorais,
que nela encontraram um ambiente de fácil violação e de difícil controle, o que ocasionou um
ambiente crítico quando se fala de eficácia no âmbito jurídico. (LIMA, 2019).
Essas são algumas das reflexões que esta dissertação vai procurar indicar posições
doutrinárias e jurisprudenciais que apontem para um esclarecimento desses questionamentos.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 Breves considerações acerca da evolução da internet e dos provedores de internet
A internet chegou ao Brasil no ano de 1988, com o fito primário da utilização da rede
mundial de computadores somente para fins acadêmicos, ou seja, o intuito principal da vinda
da internet era fomentar a pesquisa nacional, razão pela qual esse novo ambiente virtual foi
nomeado de “Internet Acadêmica” pelos seus usuários. Posteriormente com o crescente uso da
tecnologia e tendo resultados positivos diante da evolução da efetiva troca eletrônica de dados,
o Estado brasileiro designou a empresa Embratel para que o acesso à rede pudesse ser explorado
com um intuito comercialmente, consequentemente foram adquiridos outros pontos de acesso
da tecnologia originária do exterior, de modo que assim fosse possibilitada à comunicação
brasileira estar também interligada com o tráfego de dados internacional.
No decorrer dos anos, a internet evoluiu para o que pode ser vista nos dias atuais, uma
ferramenta de uso indispensável no dia a dia, com a popularização do uso dos smatphones, seu
uso se faz cada vez mais comum, sendo um dispositivo que auxilia todas as áreas de atuação,
seja privada ou estatal, usada em residências, hospitais, tribunais, bancos, empresas de pequeno
e grande porte, dentre muitos outros estabelecimentos, ela pode ser utilizada em qualquer lugar
e por qualquer pessoa.
176
Para nossa pesquisa, o provedor que se destaca são os Provedores de acesso e conexão,
estes provedores possuem um importante papel no que se chama de cadeia de transporte de
dados eletrônicos, influindo diretamente na possibilidade de rastreamento do ponto de origem
utilizados para propagar os ilícitos cometidos na internet, permitindo a adoção das medidas
legais cabíveis pelas pessoas que se sentirem ofendidas.
Tal provedor é de tamanha importância, pois o usuário, para acessar a rede mundial de
computadores, precisa, necessariamente, ser autorizado por um provedor de acesso, como aduz
(MELO e GUTIERREZ, 1999), ficando assim necessário somente que uma empresa forneça o
acesso à internet a um usuário para ser considerada um provedor de acesso, não restando
necessário oferecer nenhum outro produto. (LEONARDI, 2005).
De acordo com o artigo 186 do Código Civil vigente, “Aquele que, por ação ou omissão
voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
O conceito de ato ilícito, inclusive seus elementos essenciais de tipificação, aduz, como
exposto acima, que todo aquele que causar dano a outrem estará obrigado a reparar o dano a
este causado, se presentes os elementos classificadores da responsabilidade, que são: a ação e
a omissão; culpa ou dolo do agente, relação de causalidade e o dano sofrido pela vítima.
Como medida que obriga uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a
terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou
de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal.
Segundo Monteiro (apud GONÇALVES, 2020), o requisito da culpa contido no art. 186
do Código Civil vigente, deve ser considerado em sentido amplo, para abranger e incluir tanto
a culpa stricto sensu, que consiste na violação de um dever que o agente podia conhecer e
observar, segundo o padrão de comportamento médio, e ainda no entendimento do autor, o
dolo, é o pleno conhecimento do mal e perfeita intenção consciente de praticá-lo, ou ao menos
a aceitação do risco de produzi-lo.
A responsabilidade objetiva irá ocorrer mediante a prática de algum ato ilícito ou diante
da violação do direito pertencentes a terceiros e que, para ser comprovada, independerá da
comprovação de culpa ou dolo do agente causador do dano ou da lesão. Assim, o agente que
causou o dano deverá ser responsabilizado independente de culpa. É tido a título de exemplo,
o exposto nos artigos 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor, basta comprovar o prejuízo
causado e a conexão (nexo de causalidade) com os produtos ou serviços prestados para que haja
178
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa,
nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo
autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
encontrou respaldo em decisões jurídicas que identificaram a figura do provedor como mero
intermediário entre o usuário que causou a ofensa e a vítima do dano, não tendo relação com o
ofensor, sendo somente o mero provedor. De modo que, nesses casos não haveria conduta do
provedor na ação ilícita, não estaríamos diante de responsabilidade deste pela conduta de
outrem, restando somente ao provedor apenas colaborar com a vítima para a identificação do
agente causador do dano, conforme leciona Souza. (SOUZA, 2014).
Art. 927, parágrafo único do Código Civil: “Haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para
os direitos de outrem”.
Avalia-se que havia uma quantidade massiva de entendimentos dos tribunais julgadores
acerca da responsabilização dos provedores. Cada ideia se sobrepondo as demais,
entendimentos contrários aos anteriormente utilizados, ocasionando uma incerteza de
julgamentos dispersos e dissemelhantes.
Posteriormente, o Superior Tribunal de Justiça, em sua análise, entendeu que não cabe
ao provedor de internet, o exame prévio de todo o conteúdo do material que transita pelo site,
já que o provedor é somente um intermediador, ou seja, apenas disponibiliza as informações
inseridas por terceiros. Desta forma, conforme o egrégio Tribunal, não haveria que se falar em
responsabilidade objetiva do provedor pelo conteúdo ilegal incluído pelo usuário, avaliando
que não se pode obrigar o provedor a exercer um prévio monitoramento das informações
incluídas por terceiros que inviabilizaria a atividade econômica em questão.
Diante disso, o provedor deverá dispor de meios que permitissem a identificação dos
usuários, de forma a coibir qualquer forma de anonimato, sob pena de ser responsabilizado
subjetivamente pelo que se entende por ‘culpa in omittendo’, onde o agente tinha a obrigação
181
de intervir em uma atividade, mas nada faz. Até o advento da Lei 12.965/2014, era está a
posição da jurisprudência brasileira.
Superadas as dúvidas nos conceitos iniciais, o foco da pesquisa volta ao universo virtual,
à Lei nº 12.965, de 23 de abril 2014. Conhecida como o Marco Civil da Internet, esta lei foi
criada com a participação de diversos setores da sociedade “empresas, organizações da
sociedade civil, ativistas e comunidade técnica" (SOUZA e LEMOS, 2016) tendo como escopo
a garantia e preservação dos direitos dos usuários, bem como proteger suas liberdades no âmbito
da internet (SOUZA e LEMOS, 2016). Essa lei não apresenta caráter repressivo, mas sim,
caráter de natureza principiológica com o propósito da aplicabilidade de seus artigos não se
esvaírem com o tempo (SOUZA e LEMOS, 2016).
Assim, mesmo estando em vigor a poucos anos, a Lei continua causando demasiados
conflitos e debates doutrinários, sobretudo no que tange a responsabilização dos provedores de
internet.
o Marco Civil faz uma distinção entre provedores de conexão (os que dão acesso à
rede) e os de aplicações (como pesquisa, hospedagem, redes sociais e etc). Os
primeiros não respondem pelos atos de seus usuários (art. 18) e os segundos apenas
182
se não cumprirem ordem judicial (com exceção dos direitos autorais e de materiais de
"pornografia de vingança”, conforme os artigos 19 e seguintes).
Após essa análise, entende-se que somente o provedor de conexão não será
responsabilizado pelo conteúdo, mesmo que este conteúdo seja disponibilizado por terceiro
através das redes. Segundo entendimento dos professores supracitados, ao provedor de
aplicações de internet, em regra, como foi estabelecido em texto legal, foi-lhe atribuída a
responsabilidade subjetiva, conforme o artigo 19 do Marco Civil da Internet.
Também responderá objetivamente o provedor que não remover, assim que notificado,
mesmo que extrajudicialmente, os vídeos relacionados a conhecida prática de “pornografia de
vingança”, sob pena de ser responsabilizado pelos danos causados à vítima, conforme disposto
no art. 21 da Lei do Marco Civil.
Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por
terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade
decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de
vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter
privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu
representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites
técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo.
responsabilidade dos provedores de aplicações por conteúdos criados por terceiros parecia
tomar um rumo a responsabilidade objetiva, pois se atrelava a simples notificação extrajudicial.
Os prejuízos causados às vítimas e a violação aos seus direitos fundamentais parecem evidentes,
conforme aduz João Quinelato de Queiroz.
Através das críticas tecidas ao Art. 19 da Lei nº 12.965/14, persistem ainda, brechas para
um debate quanto à sua inconstitucionalidade, não somente pelo excesso de ressalvas,
principalmente pela exigência de que a notificação para a retirada de conteúdo seja feita por
meio de ordem judicial específica, sob a menção de que acaba por proteger de forma exacerbada
os interesses dos provedores do internet, enquanto adormece a ideia de tutela dos direitos dos
usuários, possibilitando a ocorrência de uma ausência de responsabilização. Além disto, o
aguardo pela interrupção do dano após notificação judicial específica é de decorrência
naturalmente lenta, o que prolonga os danos e lesões ocasionados em uma rede em que as
informações se espalham rapidamente. Quando se avalia o contexto, percebe-se que é
preocupante, sobretudo no que tange à violação de direitos fundamentais como a dignidade, a
honra, a privacidade e a imagem de um indivíduo que carrega os danos causados pela
morosidade do Direito, e a rapidez da internet.
Diante do exposto trazido pelo Art. 19 do Marco Civil da Internet, Anderson Schreiber
(SCHREIBER, 2015), aduz que existe a defesa de que o dispositivo é inconstitucional,
considerando-se minuciosamente três aspectos para avaliar a questão: a violação à garantia
constitucional da reparação integral e plena por danos à honra, à privacidade e à imagem,
conforme Art. 5º, X da CF/88; a violação à dignidade da pessoa humana, Art. 1º, III da CF/88,
com foco na prevalência da tutela conferida ao direito patrimonial do autor em detrimento da
tutela da pessoa humana; e a violação ao princípio de livre acesso à justiça, Art. 5º, XXXV da
CF/88, em razão da instituição de regime compulsório de acesso ao judiciário para a retirada de
material ofensivo da rede.
CONCLUSÃO
O Supremo Tribunal Federal, que através do julgamento, poderia aclarar esses pontos
controvertidos com a análise da inconstitucionalidade do Art. 19 do Marco Civil da Internet,
prolonga por anos o julgamento da questão, ficando cada vez mais distante o aclaramento da
demanda, o que definiria os rumos da responsabilização dos provedores. É necessário promover
formas de equilibrar a liberdade de expressão com os demais direitos fundamentais, sempre
187
visando evitar ameaças de lesões a direitos e garantias fundamentais e com atenção aos
mandamentos constitucionais.
De qualquer modo, conclui-se que ainda nesse ponto, o Marco Civil da Internet expresse
uma sensação de não cumprimento de finalidade, deixando de proteger adequadamente os
direitos da personalidade, compensatoriamente, é evidente que há maior preocupação com o
direito à informação e com a liberdade de expressão. Diante do exposto, resta-nos observar e
aguardar a solução de casos concretos que estão à espera de julgamento pelo Judiciário para
podermos avaliar se as alterações realizadas serão, na prática, positivas ou negativas em uma
visão ampla do tema abordado.
REFERÊNCIAS
DINIZ, Maria Helena. Curso De Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. São Paulo:
Saraiva, 2006.
LEMOS, Ronaldo & WAISERG, IVO. Conflitos sobre nomes de domínio e outras questões
jurídicas da Internet. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais Ltda, 2003.
SOUZA, Carlos Affonso; LEMOS, Ronaldo. Marco Civil da Internet: Construção e Aplicação.
Juiz de Fora, MG: Editar Editora Associada Ltda, 2016; p. 13.
SOUZA, Carlos Affonso Pereira de. Responsabilidade civil dos provedores de acesso e de
aplicações de internet: evolução jurisprudencial e os impactos da Lei n° 12.695/2014 (Marco
Civil da Internet). In: LEITE, George Salomão; LEMOS, Ronaldo (coords.). Marco Civil da
Internet. São Paulo: Atlas, 2014, p. 791-816.
TEIXEIRA, Tarcísio. Direito digital e processo eletrônico. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.
188
LIMA, Cíntia Rosa Pereira de. A responsabilidade civil dos provedores de aplicação de internet
por conteúdo gerado por terceiro antes e depois do Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/14).
Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 110, p. 157, jan./dez. 2015.
NETO, Leonardo Lima Mota. Responsabilidade civil dos provedores de internet diante da
ameaça de lesão a direitos fundamentais. 2022. 126. Dissertação (mestrado em Direito) –
Universidade Federal de Alagoas. Faculdade de Direito de Alagoas. Programa de Pós-
Graduação em Direito. Maceió, 2022.
189
RESUMO
O tema apresentado aborda a responsabilidade civil das instituições bancárias em relação aos
golpes sofridos por seus clientes, os excludentes de responsabilidade, bem como quem são os
responsáveis pelos danos patrimoniais e extrapatrimoniais advindos desta situação. Da mesma
forma, demonstra a aplicação da responsabilidade civil objetiva e a incidência do Código de
Defesa do Consumidor nessa relação. A abordagem dos conceitos é realizada através da revisão
bibliográfica e a análise dos dados é baseada em acórdãos advindos do Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul, tanto das Câmaras Cíveis quanto das Turmas Recursais Cíveis. As decisões
analisadas abordam os golpes mais comuns, tais como o golpe do motoboy, WhatsApp, troca
do cartão do cliente, falso leilão, PIX e falsa central de atendimento e qual o entendimento dos
tribunais acerca da responsabilidade das instituições bancárias diante desses golpes.
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho visa analisar a responsabilidade civil bancária diante dos golpes que os
clientes têm sofrido por terceiros. A análise consiste em conceituar a responsabilidade civil das
entidades bancárias, qual a relação entre clientes e bancos e a incidência do Código de Defesa
do Consumidor, bem como qual a responsabilidade envolvida nos diversos tipos de golpes
aplicados por terceiros.
Nota-se que o avanço tecnológico é inegável e tem trazido muitas facilidades e conforto
para os clientes com o internet banking, o mobile banking e os meios de pagamentos como
cartão de crédito, débito e PIX. Tais facilidades proporcionam a diminuição dos custos
operacionais das instituições bancárias e aumentam a sua lucratividade, diminuem a circulação
de numerário, contudo, também trazem o ônus operacional dos danos causados por terceiros.
1
Mestra em Direito (UCS). Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho (UNINTER). Graduada em Direito
e Administração de Empresas (UCS). Advogada e Professora do Curso de Direito (UNIFTEC). Inscrita na
OAB/RS sob nº 80.539. E-mail: pavlova@ppladvocacia.com.br
2
Pós-graduado em Gestão de Pessoas (UNISUL). Graduado em Processos Gerenciais (UNIVERSIDADE
CASTELO BRANCO). Graduando em Direito (UNIFTEC). E-mail: renato.almeida.falconi@gmail.com
190
Mesmo com a tecnologia trazendo facilidades através dos meios de pagamento, não
havendo movimentação de dinheiro em espécie, existem outros problemas, tais como os crimes
cibernéticos, golpes e fraudes, que acabam por trazer prejuízos tanto para os clientes, quanto
para as instituições bancárias.
2 A RESPONSABILIDADE CIVIL
Para que se possa aferir se o cliente do banco tem direito à indenização quando da
ocorrência de golpes bancários, necessário que se verifique a existência de responsabilidade
civil.
Conforme afirma Cavalieri Filho (2021), a violação de um dever jurídico é o ilícito que
acarreta um novo dever jurídico, ou seja: a violação de um dever jurídico pode gerar um dano,
seja moral, seja estético ou material, criando um direito de reparação do dano causado.
No que diz respeito à responsabilidade objetiva, refere-se que para que se configure o
dever de indenizar com base na responsabilidade objetiva, basta que se demonstre o dano e o
nexo de causalidade, sendo esse último a relação entre o dano e o fato. A culpa somente deverá
ser aferida quando houver excludente de responsabilidade, como é o caso de ocorrência de culpa
exclusiva da vítima ou concorrente, bem como culpa exclusiva de terceiros.
Importante ressaltar que a responsabilidade pode se dar por culpa de outrem, quando de
forma omissiva este deixar de cumprir com seu dever de guarda, vigilância e custódia. Tal
responsabilidade pode ser atribuída às instituições bancárias em relação aos golpes sofridos
191
pelos clientes nos ambientes da instituição bancária, por estarem sob a proteção do dever de
guarda e vigilância desta.
Pereira (2022) apresenta o fato de terceiro como responsabilidade pelo evento culposo,
ou seja, o terceiro será exclusivamente culpado pelo fato, atraindo para si a responsabilidade e
por consequência afastando do agente a responsabilidade e excluindo a responsabilidade
desse. Assim, quando for provado qualquer pessoa além do agente ou da vítima der causa ao
dano, será considerado fato de terceiro, excluindo a responsabilidade civil.
Além desta forma de exclusão, Pereira (2022) aduz sobre a culpa exclusiva da vítima,
caso em que exclui qualquer responsabilidade do causador do dano, tendo a vítima que arcar
com o dano sofrido. Se a vítima contribuir para o resultado danoso e ficar provada a sua culpa
exclusiva, inexiste o dever de indenizar, rompendo-se o nexo causal do agente e atraindo para
a vítima a responsabilidade civil.
O caso fortuito externo é entendido por Cavalieri Filho (2021) como um fato que não
guarda causalidade com a atividade do fornecedor do produto ou serviço, absolutamente
estranho a esses, e nem poderia ser examinada como defeito do serviço. Pode ser utilizado e
analisado como excludente de responsabilidade civil nos serviços prestados pelas instituições
bancárias.
O caso fortuito interno, por sua vez, é fato imprevisível, mas que se liga à organização
da empresa, integra a atividade desenvolvida pelo fornecedor do serviço, e porquanto não pode
ser usado como excludente de responsabilidade civil nos serviços prestados pelas instituições
bancárias, critério este utilizado pelos magistrados para fundamentar suas decisões e sentenças.
A Súmula nº 479 do Superior Tribunal de Justiça é clara quanto ao caso fortuito interno nas
fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito bancário.
No que diz respeito à culpa concorrente, Pereira (2022) afirma que esta atenua a
responsabilidade, atraindo para a vítima parte dessa responsabilidade. Assim, pode-se entender
que, se a vítima contribui para o resultado, é de se imputar a ela parte da responsabilidade,
compensando as perdas e danos, haja visto que não seria justo o agente arcar com todo o
prejuízo da vítima.
192
Nesta atividade tão importante que as instituições bancárias têm de gestão dos meios de
pagamento, disponibilizar facilidades tecnológicas a fim de acompanhar a modernização dos
serviços, custodiar os recursos financeiros dos clientes e disponibilizá-los de forma segura com
a prestação de serviços diversos, também estão incluídas as responsabilidades que tais
instituições têm para com seus clientes. Vale ressaltar que Para Abrão (2019, p. 44) “Banco é:
a) uma organização empresária; b) que se utiliza de recursos monetários próprios, ou de
terceiros; c) na atividade creditícia (toma e dá emprestado)”.
Com as modernidades tecnológicas, smartphones, aplicativos bancários para efetuar
transações financeiras, cartão de crédito e de débito, transferências bancárias, TED, PIX,
WhatsApp, Telegram, sites fraudulentos, phishing3, entre tantas outras tecnologias existentes e
que estão por vir, como aplicar o direito nos possíveis danos que possam advir destas
tecnologias?
Pelo olhar de Rosenvald et al. (2019), o Brasil é conhecido internacionalmente por ter
um sistema bancário com tecnologia bastante avançada, sendo conveniente tanto para os
clientes que utilizam os meios digitais, quanto para as próprias instituições bancárias que
conseguem minimizar custos e otimizar os lucros.
3
Técnica de engenharia social usada na internet para obter informações.
193
Pelo entendimento de Tartuce (2022), no que diz respeito à responsabilidade dos bancos
em razão da súmula supracitada, pode-se afirmar que os bancos respondem pelas fraudes
praticadas por terceiros em casos de clonagem de cartão, clonagem da conta do cliente e ilícitos
praticados pela internet que podem gerar dano. Todavia, a Corte Superior não reconhece casos
de golpes ou fraudes envolvendo a apresentação do cartão físico original e a senha pessoal do
cliente.
Percebe-se que alguns golpes não foram citados, tais como o golpe do motoboy, o golpe
do falso boleto e do link falso. Esses golpes ainda estão sendo aplicados com variações e
aperfeiçoamentos, inclusive devido às novas tecnologias.
Por outro lado, em outro julgado que aborda o mesmo tipo de golpe, as provas não são
contundentes quanto à falha na prestação do serviço, mas desconstituem a culpa exclusiva da
vítima e declaram a culpa concorrente, mantendo a responsabilidade civil da instituição quanto
ao dano material e excluindo o dano moral. Observa-se tal situação na ementa da decisão
advinda da Vigésima Terceira Câmara Cível do TJRS:
Analisando os casos dos golpes do falso leilão, a vítima, por livre iniciativa, acaba
comprando algum objeto móvel em site de leilão virtual e deposita voluntariamente o valor
exigido pelo golpista em alguma conta bancária aberta em nome deste.
A princípio, o banco emissor não tem responsabilidade pelo golpe, sendo tão somente
custodiante do dinheiro depositado e com o dever de disponibilizar para o cliente os meios de
pagamento do valor solicitado.
Em análise ao voto do relator e às ementas dos acórdãos a seguir colacionados, conclui-
se que a instituição financeira que recebe o depósito em nome do estelionatário pode ser
acionada judicialmente como parte legítima da demanda, atribuindo-lhe a essa a
197
responsabilidade objetiva pela falha na prestação do serviço. A instituição financeira pode ter
aberto uma conta corrente com documentos falsos e liberado os serviços bancários.
Nessa seara, outros julgadores encaram a situação fática como culpa exclusiva da
vítima, excluindo a responsabilidade civil da instituição financeira, como infere-se do
entendimento do desembargador relator Ricardo Pippi Schmidt, da Vigésima Quinta Câmara
Cível do TJRS, no julgado a seguir colacionado.
De toda a forma, há uma lacuna na legislação quanto aos bancos digitais, quando
recebedores dos recursos onde o estelionatário abriu conta com documentos de terceiros ou
falsos, através de selfies,4 ilegíveis ou não.
Embora os bancos digitais tenham as mesmas exigências para abertura de contas,
conforme o que estabelece a Resolução nº 2.025 do Banco Central do Brasil, tais exigências
parecem não ser atendidas por algumas instituições que abrem contas digitais.
No Art. 3º, § 2º, da Resolução nº 2.025, consta a expressão “conheça seu cliente”. De
tal termo depreende-se o entendimento de que as instituições financeiras devam conhecer o seu
cliente, a fim de prevenir práticas ilícitas ou fraudulentas. Considerando a falta de contato
4
Fotografias de si mesmo segurando o documento de identidade.
201
Em comento, alguns acórdãos aduzem que, pelo “risco proveito” da atividade, ou seja,
pelo fato das instituições lucrarem com as contratações facilitadas dos serviços, devem fornecer
um sistema ou serviços à prova de fraudes. Não bastando, para as instituições cumprirem com
5
É um artifício intelectual capaz de enganar e induzir as pessoas ou vítimas a fornecer informações sigilosas, não
utilizando necessariamente tecnologia, mas sim meios de comunicação.
202
o dever de informação, devem também se cercar de todos os meios possíveis para evitar falhas
na prestação dos serviços.
Em análise dos julgados que tratam do golpe da falsa central de atendimento, menciona-
se posicionamento do relator Luis Antonio Behrensdorf Gomes da Silva, que aduz não haver
prova do vazamento de informações pessoais por parte da instituição bancária, e que mesmo
invertendo o ônus da prova seria inviável a constituição negativa da prova, imputando ao autor
a responsabilidade pelo golpe e lhe atribuindo “ingenuidade” ao acreditar na ligação e que os
procedimentos solicitados seriam mesmo da instituição financeira. Eis a ementa e trecho do
acórdão em comento, advindo da Quarta Turma Recursal Cível do TJRS:
correntistas, que não devem fornecer senhas, tampouco efetuar operações por
telefone, pois funcionários não ligam para clientes.
O autor, aliás, afirma ser correntista do réu há 40 anos, o que exige que tenha
conhecimento da forma como as transações são efetuadas. É cliente Itaú
Personalité.[...] Voto do Relator. (Recurso Cível, Nº 71009823105, Quarta Turma
Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Luis Antonio Behrensdorf Gomes da
Silva, Julgado em: 24-09-2021) (grifo nosso).
Quanto aos golpes de troca de cartão, a ementa da decisão proferida pela Décima
Segunda Câmara Cível do TJRS demonstra que o tribunal ratifica o entendimento dos juízes a
quo e que o caso se deu por culpa exclusiva da vítima, a qual não demonstrou minimamente a
possível responsabilidade da instituição financeira.
No mesmo sentido, decisão exarada pela Terceira Turma Recursal Cível do TJRS:
No que diz respeito ao golpe do cartão virtual, onde é ativado o aplicativo no aparelho
de telefone celular do estelionatário, a instituição normalmente demandada é a da vítima, na
qual mantém a conta corrente.
O entendimento é de que a vítima contribuiu diretamente para a ativação do cartão
virtual, em alguns casos dirigindo-se até um caixa eletrônico para efetuar os procedimentos que
os estelionatários estão orientando. A vítima autoriza o aplicativo ou cartão virtual no
dispositivo de celular dos golpistas, os quais passam a transferir os valores através de PIX ou
outro meio disponível para isso, bem como realizam empréstimos automatizados, pagamento
de contas e compras, entre outras formas de desviar os recursos da conta corrente da vítima.
Considerando a forma como o golpe é engendrado, configura-se a culpa exclusiva da
vítima, conforme demonstrado através das ementas de julgados proferidos pela Décima
Segunda e Vigésima Quarta Câmaras Cíveis do TJRS:
5 CONCLUSÃO
As instituições financeiras, a partir do alto índice de golpes e ações deste tipo, tomam
medidas junto aos setores de Tecnologia da Informação, desenvolvimento de softwares,
compliance, gestão de risco, auditoria, setor jurídico, entre outros, numa ação conjunta,
objetivando de todas as formas proteger os clientes.
A quebra do nexo causal é a base para que não se configure a responsabilização das
instituições bancárias em relação aos golpes. Quando o cliente tem responsabilidade exclusiva
pelo golpe ou quando é fato exclusivo de terceiros, ocorre o afastamento da responsabilidade
civil das instituições, deixando de atrair a responsabilidade civil objetiva elencada na Súmula
nº 479 do STJ.
O caso fortuito interno, por sua vez, é constantemente mencionado nos acórdãos para
que seja aplicada ou não a Súmula nº 479 do STJ, a qual determina a responsabilidade civil
objetiva da instituição financeira diante da falha na prestação do serviço. Contudo, o caso
fortuito interno, como falha na prestação do serviço, em alguns casos, surge como
responsabilidade concorrente, dividindo a responsabilidade entre a vítima e a instituição
financeira, elidindo o dano moral.
financeira e pela vítima, ou seja, ambos respondem pelo caso fortuito interno, porque sem a
ajuda da vítima o golpe não se concretiza.
Nessa seara, nota-se uma “insegurança” dos julgadores quanto ao seu livre
convencimento, eis que, aparentemente, não tiveram clareza e elementos necessários para
decidir sobre as responsabilidades dos atores da demanda, dividindo a responsabilidade como
forma de compensação.
Apesar de decisões pouco pacificadas e dos julgados às vezes controversos, o TJRS tem
preocupação com a proliferação e a facilidade de abertura de contas correntes para
estelionatários de forma pouco segura, com documentos e informações pouco consistentes.
Enseja que em virtude da facilidade em abrir contas virtuais com poucas exigências, pode-se
abrir um precedente para aumento de golpes e por consequência o aparecimento de um
problema social.
A tecnologia é algo irrefreável e está na vida das pessoas, bem como inegavelmente as
contas de depósito digitais e os arranjos de pagamento vieram para ficar e os golpes estarão
presentes no cotidiano e nas ações contenciosas, levando os operadores do direito a se
aperfeiçoarem neste assunto. A minúcia de detalhes de cada caso, a construção do processo e a
produção de provas, bem como defesas bem elaboradas, levam a sentenças distintas, contudo
não previsíveis por não ser um assunto pacificado pelos julgadores.
208
REFERÊNCIAS
ABRÃO, Nelson. Direito Bancário. 18. ed.. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. Disponível na
Base de Dados Minha Biblioteca.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 15. ed.. Barueri: Atlas,
2021. Disponível na Base de Dados Minha Biblioteca.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 13. ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2022.
Disponível na Base de Dados Minha Biblioteca.
209
ROSENVALD, Nelson, et al. Novo Tratado de Responsabilidade Civil. 4. ed.. São Paulo:
Saraiva Educação, 2019. Disponível na Base de Dados Minha Biblioteca.
TARTUCE, Flávio. Responsabilidade Civil. 4. ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2022. Disponível
na Base de Dados Minha Biblioteca.
210
RESUMO
Este ensaio científico tem por objetivo responder ao seguinte problema de pesquisa: quais as
pretensões indenizatórias poderão ser exercidas pela vítima de um delito? O tema do artigo
recai sobre os interesses da vítima e/ou de seus sucessores em obter a reparação de danos diante
da ocorrência de um crime. A hipótese de pesquisa relaciona-se aos sistemas legais de reparação
de danos à vítima no ordenamento jurídico brasileiro, conjugados com o tema da
responsabilidade civil. O método de abordagem será o hipotético-dedutivo, adotando-se como
procedimento o bibliográfico. Estruturalmente o texto se divide da seguinte forma: em primeiro,
propõe uma leitura sobre a sentença penal condenatória e ação civil ex delicto para, ao depois,
analisar a indenização mínima na sentença penal condenatória; ao final serão tecidas as
considerações finais da pesquisa.
1 INTRODUÇÃO
1
Doutora em Direito pela PUCRS. Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS. Advogada Criminalista – OAB/RS
nº 92.658B. Professora de Criminologia e Introdução ao Direito na Faculdade Dom Alberto. Professora de Direito
na ESCOOP. Advogada Criminalista inscrita na OAB/RS nº 92.658B. E-mail: roberta@poll.adv.br.
2
Doutoranda e mestre em Ciências Criminais pela PUCRS. Especialista em Política Criminal e Direitos Humanos
pela UFRGS. Pós-graduada pela Ajuris. Professora Titular de Direito Penal e Psicologia Jurídica na UNIFTEC.
Professora convidada do CJED – Centro de Estudos do Poder Judiciário. Pesquisadora e Funcionária Pública do
TJRS. E-mail: alinepirescastilhos@gmail.com.
211
Em Direito Civil, por outro lado, existe um dever legal de não lesar, a que corresponde
a obrigação de indenizar sempre que de um comportamento contrário ao disposto no artigo 186,
do Código Civil “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, surta
algum prejuízo a outrem, seja moral seja material. Na mesma esteira, por força do art. 927, do
Código Civil “aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a
repará-lo” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2019, p. 58-59), impõe-se um dever de
compensação pelos prejuízos advindos de uma conduta lesiva a esfera individual alheia.
Como se vê, o convívio social demanda posições de não ataque a bens e direitos que
constituem o patrimônio indisponível tutelado pela ordem jurídica; é, portanto, direito do ser
humano, se manter livre de ataques ou moléstias, assim como preservar a incolumidade de sua
personalidade. Existe, portanto, uma relação natural e evidente entre a configuração de um
ilícito penal e o possível prejuízo patrimonial que dele poderá advir à vítima, facultando-lhe o
direito à reparação. Não por outro motivo, que ao tratar dos efeitos automáticos da condenação,
o próprio Código Penal assegura que um deles é o de tornar certa a obrigação de indenizar o
dano causado pelo crime (art. 91, inciso I).
Nesse passo, o presente estudo pretende abordar a temática dos efeitos da condenação
criminal na esfera da responsabilidade civil, seja por meio da ação de execução ajuizada pelo
ofendido, na esfera cível, para a obtenção da indenização anteriormente imposta pelo
magistrado, via sentença penal condenatória, (art. 387, inciso IV, do CPP), denominada de ação
3
O Código de Processo Penal informa que são sucessores da vítima o cônjuge, ascendente, descendente ou
irmão – art. 31.
212
civil ex delicto, seja via da ação de responsabilidade civil própria, a fim de apurar efetivamente
os danos causados pela infração penal – art. 927, do CC (TARTUCE, 2018, p. 986).
Com base nessas considerações, aponta-se que o texto enfrentará o tema lançado em
dois tópicos, partindo-se, inicialmente da sentença penal condenatória e da ação civil ex delicto
para, ao depois, analisar a indenização mínima que poderá ser concedida pelo juízo da
condenação criminal. Serão abordados, assim, os fundamentos da responsabilidade civil e sua
evolução histórica, contextualizando-a no âmbito dos crimes e delitos. Ademais, analisaremos
as particularidades e requisitos previstos no Código de Processo Penal, Código Civil e Código
de Processo Civil em relação à reparação dos danos causados às vítimas, considerando, por
exemplo, a responsabilidade objetiva e subjetiva, o nexo de causalidade e a extensão da
reparação.
Por fim, a expectativa é que este estudo possa contribuir para uma melhor compreensão
do sistema jurídico brasileiro no que tange à responsabilidade civil em casos de crimes,
oferecendo subsídios para aprimorar as práticas judiciais e, consequentemente, proporcionar
uma maior proteção às vítimas, alinhando-se aos princípios da justiça e do Estado de Direito.
São quatro os sistemas que dispõe sobre a relação entre a ação civil para a reparação dos
danos e a ação penal para a punição do autor de um crime: sistema da confusão, sistema da
solidariedade, sistema da livre escolha e sistema da independência.
O sistema da confusão atribuía a própria vítima a busca pela reparação civil e punição
do autor do delito, sendo aplicado na antiguidade [fase de vingança privada].
Na antiguidade, antes da evolução dos sistemas jurídicos formais que conhecemos hoje,
a vingança privada era uma prática comum aplicada aos crimes. Essa forma de justiça era
caracterizada pela ausência de um sistema de justiça institucionalizado, cabendo aos próprios
indivíduos ou grupos afetados a responsabilidade de fazer justiça por conta própria.
Hoje, a vingança privada é considerada ilegal na maioria dos países, uma vez que vai
contra o Estado de Direito e os princípios fundamentais do sistema judicial moderno. A justiça
passou a ser tratada como uma responsabilidade coletiva do Estado, garantindo que os crimes
sejam investigados, os infratores sejam julgados por um tribunal imparcial e, quando
condenados, cumpram suas penas de acordo com a lei.
Em suma, a fase de vingança privada na antiguidade reflete uma época em que o poder
do Estado para impor a lei e a ordem ainda não estava estabelecido. Com o passar do tempo e
a evolução das sociedades, a vingança privada foi gradualmente substituída por sistemas de
justiça mais estruturados, garantindo uma abordagem mais racional e justa para a punição dos
crimes e a reparação dos danos causados.
Pois bem.
O segundo sistema que visa estabelecer a relação entre a ação civil para a reparação dos
danos é o sistema da solidariedade, no qual recairia sobre o ofendido a obrigação de ajuizar
perante o juízo criminal uma ação de natureza penal e outra de natureza civil na busca de suas
pretensões.
Veja-se que a solidariedade no Direito Civil é vista de forma diferente, eis que se refere
a uma forma de responsabilização conjunta de mais de uma pessoa pela reparação dos danos
causados a terceiros. Nesse contexto, a ação civil para a reparação de danos busca
responsabilizar todos os envolvidos na causa do dano, de forma solidária, ou seja, cada um deles
pode ser obrigado a arcar integralmente com a reparação ou apenas parte dela, mas a vítima tem
o direito de exigir o cumprimento da obrigação de qualquer um dos responsáveis.
215
Esse sistema é aplicado quando várias pessoas contribuem de alguma forma, para a
ocorrência de um mesmo dano, sendo consideradas coautoras ou participantes do evento
danoso. Dessa maneira, a solidariedade busca evitar que a vítima fique desamparada na busca
pela reparação, permitindo que ela escolha quem responsabilizar pela reparação, ou até mesmo
acionar todos os envolvidos em conjunto.
No Código Civil Brasileiro, a solidariedade é tratada nos artigos 942 a 945. O artigo
942, por exemplo, estabelece que "são também responsáveis pela reparação civil: I - os pais,
pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II - o tutor e o
curador, pelos pupilos e curatelados que se acharem nas mesmas condições; III - o empregador
ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes
competir, ou em razão dele".
Desta forma, quando há mais de um responsável pelo dano, seja por ação direta ou
indireta, o prejudicado pode ingressar com a ação civil contra qualquer um deles ou contra todos
simultaneamente, buscando a reparação do prejuízo sofrido. É importante ressaltar que, em caso
de pagamento por um dos responsáveis, este terá o direito de buscar o ressarcimento dos demais,
para que não seja prejudicado ao cumprir a obrigação em nome do grupo.
Além disso, o sistema da solidariedade não impede que a vítima, uma vez ressarcida
pelo prejuízo, exija a respectiva quota-parte de cada um dos responsáveis, evitando que haja
um enriquecimento injusto de qualquer um deles. Em outras palavras, o sistema da
solidariedade estabelece que, em casos de danos causados por mais de uma pessoa, todos os
envolvidos podem ser responsabilizados de forma conjunta, permitindo que a vítima escolha
quem acionar para obter a devida reparação. Trata-se de uma importante ferramenta do direito
civil que busca garantir o ressarcimento adequado aos prejuízos sofridos, evitando que a vítima
fique desamparada na busca por justiça.
O sistema da livre escolha, por sua vez, assegura à vítima um poder de escolha, ou seja,
poderá ou não promover a ação de reparação dos prejuízos na esfera civil, devendo, no entanto,
o processo cível permanecer suspenso até a decisão final do juízo criminal, evitando-se, desta
forma, decisões conflitantes (TARTUCE, 2018, p. 986-987).
Por força do art. 63, do CPP o ordenamento jurídico brasileiro adotou o sistema da
independência das instâncias; isto significa dizer que o ofendido poderá ajuizar ação civil, que
verse sobre questão de direito privado, em face do suposto autor do crime, ao mesmo tempo em
que o Ministério Público (titular da ação penal pública – art. 129, inciso I, da CF) oferece
216
denúncia em face do mesmo indivíduo (LIMA, 2017, p. 314). Note-se, neste sentido e
corroborando as disposições do Código de Processo Penal, o disposto no art. 935, do Código
Civil: “A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais
sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem
decididas no juízo criminal”.4
Não obstante, o § único do art. 63, do CPP prevê que uma vez transitada em julgado a
sentença penal condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do
inciso IV, do caput, do art. 387, do CPP, sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano
efetivamente sofrido. De seu turno, a redação do art. 387, assegura que, por ocasião da prolação
da sentença penal condenatória, deverá o juiz fixar valor mínimo para reparação dos danos
causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pela vítima (REIS; GONÇALVES,
2018, p. 125-126).
Ou seja, o Código de Processo Penal prevê que a sentença penal condenatória servirá de
título executivo líquido, permitindo à vítima ou seus sucessores procederem, de imediato, à
execução por quantia certa, sem prejuízo de ulterior liquidação para apuração do dano
efetivamente suportado. Para tanto, deverá o ofendido ingressar com a ação de execução ex
delicto no juízo cível, exigindo do réu condenado o pagamento do quantum arbitrado na
sentença penal (AVENA, 2018, p. 380).
4
Como primeira e principal explicação doutrinária sobre o sentido da norma, o Enunciado nº 45 da I Jornada de
Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal no ano de 2002, estabelece que, “no caso do art. 935,
não mais se poderá questionar sobre a existência do fato ou sobre quem seja o seu autor se estas questões se
acharem categoricamente decididas no juízo criminal”.
217
apurado na sentença penal como indenização mínima (já objeto de execução) e o valor total do
que foi apurado em liquidação civil. Nesse caso, a nova execução será movida em relação aos
R$ 25.000,00 (vinte e cindo mil reais) remanescentes.
Veja-se, portanto, que por força do regramento constante nos arts. 63 e 64 do CPP a
vítima tem duas formas alternativas e independentes de buscar o ressarcimento do dano causado
pela infração penal: a) ação de execução ex delicto, com fundamento no art. 63, do CPP, esta
ação de natureza executória, pressupõe a existência de título executivo, consubstanciado na
sentença penal condenatória com trânsito em julgado; b) Ação civil ex delicto, por força do art.
64, do CPP, independentemente do oferecimento da denúncia em face do suposto autor do fato
delituoso ou da fase em que se encontrar eventual processo penal. Neste caso, a vítima, seu
representante legal ou sucessores podem promover, no âmbito cível, uma ação de natureza
cognitiva, objetivando a formação de um título executivo cível consubstanciado em sentença
condenatória cível transitada em julgado (TAVORA; ALENCAR, 2017, p. 342).
O Código Penal ainda complementa, asseverando no art. 91, inc. I, que um dos efeitos
da condenação é tomar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo delito. Cuida-se,
portanto, de efeito extrapenal obrigatório (ou genérico), aplicável por força de lei,
independentemente de expressa declaração por parte da autoridade jurisdicional, uma vez que
é inerente à condenação, qualquer que seja a pena imposta – privativa de liberdade, restritiva
de direitos ou multa – (NUCCI, 2016, p. 227).
Desta feita, caso o juiz não tenha elementos suficientes para fixação desse montante,
sequer em seu mínimo legal, poderá deixar de fazê-lo, devendo constar da sentença
condenatória fundamentação expressa quanto aos motivos que o impossibilitaram de fixar o
218
valor mínimo a título de indenização como, por exemplo, a complexidade da causa, a ausência
de provas em relação ao dano, entre outros (LIMA, 2017, p. 324).
Ocorre que, para que esse montante seja fixado pelo juízo criminal, devem constar dos
autos elementos probatórios comprovando o prejuízo sofrido pela vítima e a relação desse dano
com a conduta imputada ao acusado na peça acusatória (LIMA, 2017, p. 325). Em fiel
observância à garantia da razoável duração do processo, o ideal é que a fixação do valor mínimo
referente a indenização dos danos causados pelo delito seja objeto de capítulo próprio da
sentença penal condenatória. Nesse caso, na hipótese de o réu e a vítima entenderem ser
indevido o montante arbitrado pelo juízo criminal, poderão recorrer apenas contra este capítulo
da sentença. Isso significa dizer que, transitando em julgado o capítulo da sentença que versa
219
sobre a pena, será possível a expedição imediata de guia definitiva da execução, com o
subsequente início do cumprimento da pena. Lado outro, caso o capítulo referente à condenação
seja impugnado em eventual recurso de apelação, não será possível a imediata execução do
quantum fixado pelo juízo a título de indenização. Isso porque a execução desse montante está
condicionada ao trânsito em julgado da sentença condenatória (LIMA, 2017, p. 325-326).
Durante o processo penal, são apresentados provas e argumentos tanto pela acusação
quanto pela defesa, e, ao final, o juiz avalia todos os elementos para determinar se o acusado é
culpado ou inocente. Caso a decisão seja pela condenação, o juiz proferirá a sentença penal
condenatória, que impõe ao réu a pena correspondente ao crime de estupro cometido [Pena:
220
reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. A pena poderá variar conforme a gravidade do delito,
podendo incluir reclusão em regime fechado, semiaberto ou aberto, de acordo com o que dispõe
o Código Penal.
Ao dispor que na sentença penal condenatória o magistrado fixará o valor mínimo para
reparação dos danos causados pelo crime, considerando os prejuízos sofridos pela vítima o art.
387, inc. IV, do CPP não restringiu essa indenização tão somente aos danos patrimoniais,
referindo-se, ao contrário e genericamente, à “reparação dos danos”.
Nesse contexto, não há razão para excluir do juízo penal a possibilidade de arbitrar valor
destinado à reparação, também, de danos de ordem moral, eventualmente causados pela
infração penal (TARTUCE, 2018, p. 991). Afinal, não há dúvidas de que o legislador,
permitindo ao juízo criminal, por ocasião da sentença condenatória, estabelecer indenização
mínima devida à vítima, objetivou possibilitar a esta ter satisfeito o prejuízo que lhe foi causado
pela conduta criminosa com maior prontidão, sem a necessidade de aguardar as delongas de
uma fase liquidatória prévia ao ajuizamento da ação executória. Tal arbitramento, então, apenas
visa antecipar, em parâmetros mínimos, o valor que, em liquidação de sentença, seria apurado
no juízo cível. E, no juízo cível, pela exegese do art. 186 do Código Civil, fica evidente que
tanto o dano moral quanto o patrimonial sujeitam-se à reparação.
CP, a decisão penal condenatória faz coisa julgada na esfera cível quanto à obrigação de
indenizar. Logo, se, no âmbito penal, for estabelecida indenização mínima em decisão
transitada em julgado, isso não poderá, mais tarde, ser questionado na órbita civil. Em outras
palavras, estará vinculado o juízo cível ao dano reconhecido em sede de condenação criminal,
cabendo-lhe, então, no máximo, considerar suficiente o valor imposto ao acusado no juízo
penal, mas não isentá-lo de tal obrigação ou quantificar o dano em montante inferior ao que foi
decidido na esfera criminal (LIMA, 2017, p. 332-333).
Quanto à legitimidade ativa para pleitear a reparação dos danos: somente a vítima ou
também o Ministério Público, atuando em seu nome; ou ainda, o juiz agindo ex ofício, parece-
nos que somente a vítima poderia solicitar a indenização e o juiz não teria condições de fixá-la
de ofício, sem nenhum pedido. Afinal, não tendo havido requerimento expresso, inexistiria
discussão nos autos em relação ao valor, motivo pelo qual seria incabível a fixação de um
montante qualquer, que não foi objeto de debate entre as partes interessadas (NUCCI, 2016, p.
227-228). Há posição em contrário, nos seguintes termos:
“entendemos que não há necessidade que este pedido venha expresso na denúncia ou
queixa, pois o dever de reparar é um dos efeitos da sentença, de modo que o juiz está
autorizado na sentença condenatória a estipular o valor mínimo da reparação,
bastando para tal que, ao fundamentar a sua decisão, demonstre os elementos
objetivos que o levaram ao valor da condenação” (SANTOS, 2008, p. 299).
Sobre tal entendimento, duas considerações básicas: a) o pedido não poderia vir
expresso na denúncia, oferecida pelo Ministério Público, pois inexiste legitimidade para o
Parquet se manifestar em nome da vítima com fundamento em interesse puramente civil, como
é a indenização pleiteada; b) o dever de reparar o dano, em virtude do crime, é consagrado pelo
art. 91, inc. I, do CP; porém, o montante da indenização sempre foi discutido sob o crivo do
contraditório, permitindo-se a ampla defesa.
Se o juiz da condenação, sem prévio debate das partes, simplesmente, fixar um valor
qualquer, ter-se-á rompido o tradicional e indeclinável devido processo legal (LOPES Jr., 2014,
p. 302). Nesse sentido, muito bem decidiu o STJ no REsp 1.185.542/RS, Relatoria do Ministro
Gilson Dipp. Quinta Turma. DJe 16/05/2011.
Igualmente, qual seria a solução a ser conferida no caso de a vítima ou quem de direito
já tivesse interposto a ação civil reparatória no juízo cível (art. 64 do CPP) antes da fixação do
valor mínimo de reparação no âmbito penal? Se por ocasião da sentença condenatória, já houver
decisão definitiva proferida no juízo cível, estabelecendo no âmbito de ação ordinária de
222
indenização o quantum devido pelo autor da infração penal à vítima, restará prejudicada a
aplicação, no juízo penal, do art. 387, inc. IV, do CPP.
Contudo, se naquela sede (civil) ainda não houver decisão definitiva, a superveniência
do trânsito em julgado da sentença penal condenatória não obstará, necessariamente, o
prosseguimento da demanda cível, o que pode se justificar, por exemplo, na hipótese de o seu
autor (a vítima do crime), na petição inicial, ter postulado a condenação do réu ao pagamento
de quantia certa, superior à fixada na condenação penal a título de valor indenizatório mínimo.
Outra parcela da doutrina entende que diante do que dispõe o inc. IV do art. 387, do
CPP, a verificação quanto à existência de um dano indenizável e a quantificação de seu valor
mínimo deverá ocorrer a partir da instrução normal do processo penal, independente da
instauração de contraditório voltado especificamente a esse fim. Portanto, o contraditório
facultado ao réu em relação a tais aspectos é o mesmo que lhe é inerente em relação às demais
provas do processo, mesmo porque o art. 387, inc. IV, do CPP, estabelece a fixação da
223
indenização como parte integrante da sentença condenatória, vale dizer, um de seus requisitos
(AVENA, 2018, p. 384).
Observe-se, por fim, que não é a primeira vez que a previsão de indenização no âmbito
de sentença penal condenatória aparece no ordenamento jurídico brasileiro. Com efeito, na lei
dos crimes ambientais (Lei nº 9.605/1998), o art. 20 preceitua que “a sentença penal
condenatória, sempre que possível, fixará o valor mínimo para a reparação dos danos causados
pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido ou pelo meio ambiente”. E,
neste enfoque, compreende-se que a fixação de valor mínimo destinado à reparação, sempre
que possível, deverá ser interpretada como uma regra a ser observada pelo magistrado, enquanto
a não fixação seria uma exceção, uma vez que a responsabilidade civil, em matéria ambiental,
possui um enfoque bem mais amplo que a noção a ela atribuída na esfera do direito civil,
constituindo, na realidade, um importante corolário da tutela constitucional à vida e à qualidade
de vida, conforme disposto no art. 225 da CF.
Por tal razão, ao estipular um valor pecuniário destinado à reparação, o juízo criminal
não esgota a discussão em torno da responsabilidade civil, mas, tão somente, garante a
efetivação dos primeiros passos tendentes à reparação do dano ambiental. Ora, a nosso ver,
idêntico raciocínio deve ser aplicado em matéria penal, já que também, nesta órbita, a legislação
é taxativa ao dispor que a sentença penal transitada em julgado importa em reconhecimento
irrefutável da obrigação de indenizar de parte do réu, conforme se infere dos arts. 91, inc. I, do
CP; 515, inc. VI, do CPC; e 63 do CPP.
jurídico. Essa reparação tem como propósito trazer compensação e justiça para a vítima, além
de cumprir importantes funções no contexto de combate à impunidade, prevenção de novos
delitos e reconhecimento da dignidade humana. A seguir, apresentamos alguns dos principais
objetivos da reparação de danos em dinheiro para a vítima de um crime de estupro:
4 CONCLUSÃO
A ação civil ex delicto é regida pelo Código Civil Brasileiro, que estabelece as normas
sobre responsabilidade civil e reparação de danos. O artigo 186 do Código Civil dispõe que
aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, causar dano a outrem,
fica obrigado a repará-lo. No caso do crime de estupro, o dano causado à vítima é evidente, o
que legitima o ajuizamento da ação civil para buscar a devida compensação pelos prejuízos
sofridos.
Ao ingressar com a ação civil ex delicto, a vítima pode pleitear indenização por danos
morais, que visam compensar as consequências emocionais e psicológicas do crime, e por danos
materiais, que abrangem prejuízos financeiros decorrentes do estupro. A indenização tem o
propósito de proporcionar à vítima uma compensação justa pelos danos sofridos, buscando
também reestabelecer, na medida do possível, a sua dignidade e integridade.
É importante ressaltar que a ação civil ex delicto não depende da sentença penal
condenatória para ser ajuizada, uma vez que é um processo independente com objetivos
próprios. Mesmo que o acusado seja absolvido no processo criminal, a vítima ainda pode buscar
reparação por meio da ação civil, desde que comprove a ocorrência do dano e a relação de
causalidade com o crime de estupro.
dano. Isso não significa, por si só, que haja um título executivo cível. Especificamente no
tocante ao conteúdo civil, na sentença penal condenatória há uma mera declaração do dever de
reparar o dano, sem que haja a imposição de uma sanção civil. Tal dispositivo, porém, é
complementado pelo art. 63 do CPP e pelo art. 784, inc. XII, do CPC, que atribuem à sentença
penal condenatória transitada em julgado a natureza de título executivo judicial.
Verificou-se que existe independência entre as instâncias penal e civil, desta forma o
autor de um dano poderá ser responsabilizado, cumulativamente, na jurisdição civil e penal. No
entanto, o juízo penal poderá fixar um valor mínimo para reparação dos danos na sentença
condenatória, que após o trânsito em julgado, constituirá título executivo judicial na esfera
cível, de maneira que a parte interessada (vítima, seu representante legal ou sucessores) poderá
ajuizar ação de execução na jurisdição cível – denominada de ação de execução ex delicto (art.
63, do CPP). Poderá, no entanto, a vítima proceder a uma ação ordinária de indenização, movida
na esfera cível e que, no âmbito penal, recebe a nomenclatura de ação civil ex delicto. Tal
modalidade reparatória encontra guarida no art. 64, do CPP. Neste último caso a vítima não
precisará aguardar o desiderato do processo crime, propondo imediatamente a ação ordinária
de indenização para a obtenção de um título executivo civil. Todavia, o magistrado da vara
cível poderá suspender o curso desta ação até o julgamento definitivo daquela.
Em suma, não há qualquer reflexo dos efeitos penais e dos efeitos extrapenais
específicos com a obrigação de indenizar o dano causado pelo réu à vítima, em razão da prática
criminosa. O que releva neste aspecto é tão somente o efeito extrapenal genérico previsto no
art. 91, inc. I, do CP, ao estabelecer que a condenação criminal torna certa a obrigação de
indenizar o dano causado pelo crime. Em decorrência das regras incorporadas aos precitados
dispositivos, é possível concluir que, uma vez condenado por sentença penal imutável, estará o
acusado obrigado a indenizar o dano provocado pelo crime, não podendo se esquivar desta
obrigação.
REFERÊNCIAS
AVENA, Norberto. Processo penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2018.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.185.542/RS, Relatoria do Ministro Gilson Dipp.
Quinta Turma. DJe 16/05/2011.
227
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.585.684/DF, Relatoria Ministra Maria Thereza
de Assis Moura. Sexta Turma. DJe 24/08/2016.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Vol.
3. Responsabilidade civil. 17. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Comentários às
reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2008.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2017.
LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 13. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2016.
REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito processual
penal esquematizado. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
SANTOS, Leandro Galluzzi dos. As reformas no Processo Penal. In: MOURA, Maria Thereza
Rocha de Assis. (coord). As Reformas no Processo Penal - As novas Leis de 2008 e os Projetos
de Reforma: Júri (Lei 11.689/2008), Provas (Lei 11.690/2008), Procedimentos (Lei
11.719/2008), Recursos (Projeto de Lei 4.206/2001), Medidas Cautelares (Projeto de Lei
111/2008). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
TARTUCE, Flávio. Manual de responsabilidade civil: volume único. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: Método, 2018.
TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 12. ed.
Salvador: JusPodivm, 2017.
228
RESUMO
O presente estudo examina a responsabilidade civil em decorrência de racismo religioso contra
advogados(as) no âmbito do Poder Judiciário. Nesse contexto, são abordados os conceitos e os
impactos da intolerância religiosa e racismo religioso, evidenciando a importância de se
prevenir e combater tais práticas discriminatórias como garantia da livre atuação da advocacia,
função indispensável a uma democracia plena e essencial ao Estado Democrático de Direito. A
partir de casos concretos vivenciados por advogados(as) discute-se os impactos negativos que
essas experiências podem trazer ao exercício profissional, entre eles os danos emocionais,
morais, profissionais e psicológicos. Além disso, o estudo se propôs a analisar resoluções
existentes da Ordem dos Advogados do Brasil e do Conselho Nacional de Justiça sobre a
temática, identificando as diretrizes e normativas adotados no enfrentamento do racismo
religioso no ambiente jurídico. Por fim, através da análise bibliográfica, o estudo examina as
possibilidades de responsabilização civil do Estado em decorrência de atos de racismo religioso
contra advogados(as).
Palavras-chave: Racismo Religioso; Responsabilidade Civil; Advocacia; Poder Judiciário.
1 INTRODUÇÃO
1
Advogado OAB/BA 34.509. Mestrando em Direito na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Membro da
Comissão Especial de Combate à Intolerância Religiosa e da Comissão Especial de Relações África e Diáspora,
ambas da OAB/BA. Especialista em Direito e Processo Civil (LEGALE). E-mail: ulisses_soares@hotmail.com.
229
analisadas resoluções da OAB e do CNJ que podem servir como direcionamento tanto para
promoção de construção de um ambiente jurídico mais inclusivo e igualitário quanto para
fundamentar os pleitos de ressarcimento por via judicial.
O racismo religioso pode ser manifestado por meio de ofensas verbais, agressões físicas
e exclusão de oportunidades profissionais com base na religião ou aparência física relacionada
à fé. Todavia, sua manifestação mais perversa consiste na limitação da individualidade plena
do indivíduo em toda sua potencialidade.
São os negros – primeiros africanos, depois criolos, em seguida pretos, por último
pardos – que têm conformado o que entendemos por ralé, gentinha, povão. São eles
os destituídos de individualidade e, portanto, de direitos. Ora, é exatamente esta a
expressão mais perversa do racismo, que consiste em negar, a uma parcela dos
nacionais, a igualdade e a individualidade plenas desfrutadas por outras, segregando-
230
A supremacia branca é uma ideologia que busca afirmar a superioridade da raça branca
sobre outras raças, perpetuando uma hierarquia racial injusta, por meio do disfarce de ideias,
teorias e conceitos europeus como universais, normais e naturais (MAZAMA, 2009). Essa
mentalidade influencia toda a sociedade de modo determinando como certos grupos religiosos
são tratados em todos os espaços, favorecendo certas crenças e desfavorecendo outras.
2
A defesa da neutralidade racial parece algo muito razoável para inúmeros juristas brancos, mas a vasta maioria
das pessoas negras a compreende como mais uma estratégia para a manutenção de uma ordem social baseada na
hegemonia branca (MOREIRA, 2019, p. 187)
231
Por outro lado, a Constituição Federal de 1988 consagra o exercício da advocacia como
um dos pilares fundamentais da democracia brasileira em seu artigo 133, reconhecendo a
advocacia como uma profissão essencial para a garantia dos direitos e a busca pela justiça. No
entanto, a intolerância religiosa e o racismo religioso representam sérios obstáculos ao pleno
exercício da advocacia por profissionais que são alvos de discriminação por sua fé e cultura.
Não há advocacia livre com o impedimento de advogados(as) de utilizarem elementos culturais
e religiosos que expressem sua identidade, tais atos discriminatórios desrespeitam os princípios
constitucionais da dignidade humana, da igualdade e da liberdade religiosa.
No primeiro deles, ocorrido em março de 2019, um advogado foi impedido pela Polícia
Militar e por um funcionário do Poder Judiciário do Estado da Bahia de acessar dois fóruns
diferentes, na presença do seu cliente: o Ruy Barbosa, em Salvador/BA, e o João Mendes, em
Lauro de Freitas/BA, por utilizar um terno branco e um eketé4. O caso foi noticiado pelo jornal
de maior circulação no estado da Bahia:
3
VIDA, 2023, p.1
4
Eketé é uma indumentária religiosa, de origem africana, utilizada, em determinadas situações religiosas, por
homens de religiões de matrizes africanas no Brasil.
5
São colares utilizados, em determinadas situações, nas religiões africanas e de matrizes africanas no Brasil por
homens e mulheres.
233
Embora o caso tenha sido amplamente noticiado pela mídia, não foi objeto de qualquer
manifestação oficial por parte da OAB/DF. Por outro lado, o acolhimento do profissional vítima
de racismo institucional ocorreu por meio de outra seccional, a OAB/BA, que através do seu
site divulgou uma nota pública:
Por sua vez, apesar da ampla cobertura, em ambos os casos, os respectivos tribunais não
se manifestaram oficialmente. É importante demarcar que essas ações discriminatórias não
apenas afetam a vida profissional dos advogados, mas também têm reflexos na sua saúde mental
e emocional, além de atentarem contra o direito à igualdade e ao devido processo legal.
Primeiro a saia dela não era curta e caso fosse isso não era um problema. A quem cabe
julgar? Não foi uma apenas violação da prerrogativa profissional, porque o advogado
tem direito a entrar em qualquer recinto e a quem cabe dizer a vestimenta da advocacia
pela Lei, é a Ordem dos Advogados do Brasil. Esse ato, acima de tudo, foi uma
discriminação por ela ser mulher, disse o presidente da OAB-CE. (DE MELO, 2022)
Além disso, o próprio CNJ editou a Resolução 440 de 2020, a qual institui a Política
Nacional de Promoção à Liberdade Religiosa e Combate à Intolerância no âmbito do Poder
Judiciário e em que no art. 3º, inciso IV, dispõe entre seus princípios norteadores:
Apesar da recomendação expedidas pelo CNJ aos presidentes dos tribunais em 2014 e
da Resolução nº 440 de 2020, que buscam promover um ambiente mais inclusivo e respeitoso
à diversidade religiosa, os casos de racismo religioso relatados neste estudo evidenciam que
ainda há desafios e obstáculos a serem superados. O resultado tem se mostrado ineficaz à
preservação da dignidade do exercício da advocacia, como ficou explícito nos casos de racismo
religioso elencados nesse estudo.
De acordo com o cenário atual, observa-se que a maioria das seccionais da OAB não
estabeleceu normas ou resoluções específicas para proteger os advogados(as) contra o racismo
religioso e a intolerância religiosa no âmbito do poder judiciário. Quando houve ações por parte
das seccionais, estas se limitaram a flexibilizar o uso de paletó e gravata para homens e blazers
para mulheres, adotando normas de vestimenta mais "elásticas"6, que já foram implementadas
por alguns tribunais. Essas medidas indicam uma postura ainda insuficiente e cunhada no
universalismo, diante da gravidade dos casos de racismo religioso enfrentados pelos(as)
profissionais do Direito nos tribunais.
6
Referência a expressão utilizada pela Conselheira Relatora em seu voto no Pedido de Providências nº 0004431-
53.2013.2.00.0000
237
Jurista brancos não reconhecem algo de extrema importância para a análise das formas
de reprodução da subordinação negra. Eles argumentam que medidas universais
podem promover a inclusão de todos os grupos raciais (...). Eles não reconhecem que
a convergência de fatores de discriminação situa membros desses grupos em situações
inteiramente distintas. (...) eles não sofrem danos psíquicos decorrentes da
representação universal de dos membros do seu grupo como inferiores. (MOREIRA,
2019, p. 97)
Por fim, cabe comentar que, embora o Conselho Federal da OAB tenha Comissões
Especiais dedicadas à liberdade religiosa e às prerrogativas dos(as) advogados(as), ainda não
existe uma resolução específica dessa instância que estabeleça medidas de proteção contra o
racismo religioso no âmbito do Poder Judiciário.
Por fim, é possível concluir que, além de crime, a intolerância religiosa é também
analisada sob a ótica do direito civil, por violar direito garantido na Constituição da
República Federativa do Brasil e afrontar, notadamente, os Direitos Humanos.
(RAGASINI, 2019)
A responsabilidade civil do Estado é uma medida essencial para garantir que as vítimas
desses atos sejam devidamente indenizadas pelos danos emocionais, profissionais e
psicológicos causados, bem como para incentivar a implementação de políticas e práticas
institucionais que promovam um ambiente jurídico mais inclusivo, respeitoso e igualitário.
Nos casos citados de racismo religioso contra advogados(as), houve uma clara violação
dos princípios constitucionais da igualdade perante a lei e da liberdade religiosa, assegurados
pela Constituição Federal de 1988. O Estado, enquanto detentor do poder e responsável por
garantir o acesso à justiça e a igualdade de tratamento a todos os cidadãos, deve zelar para que
seus agentes ajam de forma imparcial, respeitosa e inclusiva, sem praticar qualquer forma de
discriminação.
diversas formas e podem ter um impacto duradouro na saúde mental, no bem-estar emocional
e no desempenho profissional da vítima. Alguns aspectos importantes a serem considerados são
o sofrimento psicológico, estresse e trauma, impacto na saúde mental e prejuízos nas relações
interpessoais.
Por fim, a responsabilização civil do Estado nos casos de intolerância religiosa e racismo
religioso reveste-se de essencialidade não somente para a reparação das vítimas, mas também
para fomentar uma transformação estrutural no âmbito jurídico. Por meio do reconhecimento e
enfrentamento dos atos discriminatórios, o Estado evidencia seu comprometimento com a
salvaguarda dos direitos fundamentais e a consolidação de um sistema de justiça mais inclusivo
e equitativo.
3 CONCLUSÃO
O presente estudo buscou examinar a responsabilidade civil do Estado diante dos casos
de intolerância religiosa e racismo religioso contra advogados(as) nos tribunais. Através da
análise de casos concretos, observou-se como essas experiências discriminatórias refletem a
perpetuação de estereótipos e preconceitos arraigados na sociedade, impactando negativamente
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reparados, contribuindo assim para a construção de uma sociedade mais justa e respeitosa com
a diversidade cultural e religiosa de seu povo.
REFERÊNCIAS
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candomblé. CNN Brasil, São Paulo, 02 de jul de 2023. Disponível em:
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