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Organizadores

Roberta Schaun
Fabrizio Bon Vecchio
André Machado Maya
Francis Rafael Beck
Alexandre Torres Petry

Compliance, Governança Corporativa e ESG: perspectivas e


desafios

Porto Alegre, 2023


Copyright © 2023 by Ordem dos Advogados do Brasil
Todos os direitos reservados

Organizadores
Roberta Schaun – Presidente da Comissão de Compliance da OAB/RS
Fabrizio Bon Vecchio – Vice-Presidente da Comissão de Compliance da OAB/RS
André Machado Maya – Membro da Comissão de Compliance da OAB/RS
Francis Rafael Beck – Membro da Comissão de Compliance da OAB/RS
Alexandre Torres Petry – Diretor de E-books e da Revista Eletrônica da ESA/RS

Projeto Gráfico e Capa


Victor Baldez Silva

Revisora
Dieniffer de Souza Silva Lemes

C735
Compliance, Governança Corporativa e ESG: perspectivas e desafios
[recurso eletrônico]. / Roberta Schaun, Fabrizio Bon Vecchio, André
Machado Maya. et al. (Org). – Porto Alegre, OABRS, 2023. p. 173.
ISBN: 978-65-88371-26-8
1. Compliance 2. Corporativa. Schaun, Roberta. II. Bom Vecchio,
Fabrizio. III. Título

CDU 35.073

Jovita Cristina Garcia dos Santos- CRB 10ª 1.517

A revisão de Língua Portuguesa e a digitação, bem como os conceitos emitidos em trabalhos


assinados, serão de inteira responsabilidade do(s) autor(es).

Escola Superior de Advocacia da OAB/RS


Rua Manoelito de Ornellas, 55 – Praia de Belas
CEP 91110-230 – Porto Alegre/RS
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DIRETORIA/GESTÃO 2022/2025

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ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SECÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL

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ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA

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Gerson Fischmann
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Diretor Administrativo: Otto Junior Barreto
Diretora Financeira: Claudia Regina de Souza Bueno
Diretor de Benefícios: Luiz Augusto Gonçalves de Gonçalves

COOABCred-RS

Presidente: Jorge Fernando Estevão Maciel


Vice-Presidente: Márcia Isabel Heinen
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO – Giovani Saavedra ............................................................................... 7


PREFÁCIO – Roberta Schaun ............................................................................................. 9
GESTÃO DA CADEIA STAKEHOLDER E OS CRITÉRIOS DA TERCEIRIZAÇÃO:
DUE DILIGENCE QUANTO A PRÁTICAS SUSTENTÁVEIS ENTRE EMPRESAS –
Amanda Israel Fraga e Juliana Müller Brezolin .................................................................. 11
O RIPD E GOVERNANÇA E REGULAÇÃO DA PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS –
Ariel Augusto Lira de Moura, Bernardo Leandro Carvalho Costa e Leonel Severo Rocha 22
ESTUDO INTERPRETATIVO E COMPARADO DAS DIRETRIZES NACIONAIS E
INTERNACIONAIS SOBRE PROGRAMAS DE COMPLIANCE – Henrique Starck
Malghosian Cantaforo e Bruno Galvão Ferola .................................................................... 37
ESG E DIREITOS HUMANOS: A APLICAÇÃO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO –
Caroline Alburquerque Cabrera........................................................................................... 58
COMPLIANCE E LGPD – ASPECTOS CONEXOS E RELEVANTES – Fábio Böckmann
Schneider ............................................................................................................................. 71
O COMPLIANCE COMO ALIADO À MULHER NO MERCADO DE TRABALHO –
Jordana Isse e Pauline Amaral Antunes .............................................................................. 82
GOVERNANÇA E COMPLIANCE: DOS BONS PROPÓSITOS ÀS AÇÕES
RESPONSÁVEIS – Josué Emilio Möller e Letícia Ludwig Möller ................................... 94
PRÁTICAS CORPORATIVAS NO CONTEXTO DA RELAÇÃO DE ATENDIMENTO
AOS CLIENTES APLICADA ÀS ORGANIZAÇÕES E ESPECIAL ÊNFASE AOS
ESCRITÓRIOS DE ADVOCACIA COM VISTA À TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO
– Leandro Barbosa de Araújo e Francineide Barbosa de Araújo Costa ............................ 112
A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA E DA MORAL NA RESPONSABILIZAÇÃO POR
PRÁTICAS DELITUOSAS NAS EMPRESAS PELO COMPLIANCE OFFICER: UMA
ABORDAGEM JURÍDICA EMPRESARIAL – Luís Augusto Antunes Rodrigues ........ 127
COMPLIANCE E GOVERNANÇA CORPORATIVA COMO MECANISMOS DE
CONFORMIDADE TRABALHISTA – ASPECTOS SOCIAIS E VALORES – Murilo Reis
Sena ................................................................................................................................... 138
GOVERNANÇA CORPORATIVA E A RESPONSABILIDADE SOCIAL E
AMBIENTAL: UMA ANÁLISE DA LEI ALEMÃ DE DUE DILIGENCE DA CADEIA
DE SUPRIMENTOS – Tainara Carozzi de Carvalho e Jéssica Maria Dias de Souza ...... 158
7

APRESENTAÇÃO

Foi uma grande alegria receber o convite para a apresentação desta obra. Em especial, porque
ela é iniciativa da Comissão de Compliance, de cuja criação, no âmbito da OAB-RS fui
responsável, juntamente com o colega Marcos Eberhardt, e que contou com o apoio
incondicional do nosso ex-Presidente Ricardo Breier. Fiquei à frente dessa comissão nos
dois mandatos do Presidente Breier (2017-2022) e fico feliz e muito orgulhoso de ter
participado de todo o processo histórico de criação desta inovadora comissão, bem como de
todos os projetos que ali foram feitos. Importante ressaltar o pioneirismo da iniciativa: hoje,
parece claro e óbvia a necessidade de uma comissão dessa temática, mas, na primeira gestão,
quando se discutia o tema, a comissão teve de ser intitulada Comissão de Prevenção à
Corrupção, porque ainda não havia tradição a esse respeito no sistema OAB, nem se entendia
ainda muito bem ainda o termo compliance. Foi somente, na segunda gestão do Presidente
Breier que foi possível nomearmos a comissão com o nome que leva hoje, Comissão de
Compliance e, somente no início deste ano, a Comissão de Compliance do Conselho Federal,
da qual também faço parte, iniciou um processo de uniformização da temática em nível
nacional, o que demonstra também a importância do trabalho realizado.
No marco desse trabalho, foi-me confiado pelo ex-Presidente Breier também a função de
criar uma comissão para tratar dos temas de privacidade e proteção de dados. Foi, então, que,
a partir da Comissão de Compliance, foi criada a Comissão de Privacidade e Proteção de
Dados da OAB/RS, cujo primeiro presidente, foi escolhido dentre um dos membros da
Comissão de Compliance, o colega Andre Pontin. Ele assumiu essa tarefa e o trabalhos das
comissões sempre foi desenvolvido de maneira integrada, tendo em vista que Compliance e
Proteção de Dados devem ser pensados de maneira alinhada e conjunta. Por tudo isso, ser
lembrado para participar dessa iniciativa, demonstra toda a grandeza da nova gestão também
e reconhecer o legado e a importância dos projetos realizados. Nesse sentido, agradeço à
Presidente e a nova diretoria pela lembrança e pelo convite, que muito me honra.
Outra grande razão de alegria, é o que a responsável pelo convite foi própria Presidente atual
da Comissão, a colega Roberta Schaun, que conheci ainda quando era professor da PUCRS
na faculdade de direito. Ela foi aluna de uma das primeiras turmas nas quais lecionei nessa
instituição e é uma alegria vê-la brilhando a frente da Comissão de Compliance da OAB/RS.
O presente trabalho é prova da sua capacidade incrível de mobilização e de liderança e, nesse
sentido, parabenizo-a pela organização da obra e aproveito para estender as congratulações
aos demais organizadores da obra, os colegas Fabrizio Bon Vecchio, André Machado Maya,
Francis Rafael Beck e Alexandre Torres Petry pelo excelente trabalho realizado.
A obra traz a lume textos sobre os três eixos de debate mais relevantes da área de na
atualidade: Governança Corporativa e ESG, Sistema de Gestão de Compliance e Proteção
de Dados, que têm tido uma importância tão grande no cenário internacional, que muitos
autores, autoridades e organismos internacionais já os estão considerando parte de uma
mudança de paradigma no capitalismo contemporâneo, o Capitalismo Stakeholder1. Nesse

1
Ver, a esse respeito: Saavedra, Giovani. Compliance. São Paulo: Thompson Reuters, 2022, cap. 1; Saavedra,
Giovani. Capitalismo Stakeholder e a ética de mercado: ESG como forma de concretização dos direitos
8

sentido, são novas diretrizes organizacionais que têm raiz muito mais profunda do que a sua
exteriorização prática na forma de técnica de gestão ou de uma mera definição de políticas.
Elas fazem parte de um processo muito mais amplo de repensar a maneira como se faz
negócios: ficam para trás as formas de gestão focadas no curto prazo e passa-se a pensar no
desenvolvimento a longo prazo.
A palavra que une os três temas, portanto, é sustentabilidade. E é sob essa ótica, que o livro
deve ser lido, tanto a parte reservada aos temas de Governança, quanto aos de Compliance,
de ESG e de Proteção de dados, dado que eles visam incorporar o raciocínio de ética e
proteção aos direitos fundamentais e humanos no âmbito organizacional e de negócios e
representam a consolidação de um progresso moral civilizacional, que é incorporado pelo
mercado.
Se, por um lado, porém, o lado positivo de todo esse processo é indiscutível, os desafios são
vários: como gerenciar riscos da cadeia de terceiros? Como conciliar as diversas diretrizes e
normas internacionais sobre os temas? Como lidar com a pluralidade de fontes de obrigações
de compliance? Como conciliar as diretrizes de ESG e Direitos Humanos com a legislação
trabalhista pátria? Esses são temas complexos que merecem uma abordagem que concilia os
estudo acadêmico com uma análise das práticas de mercado. A presente obra tem o mérito
de enfrentar esses desafios ao longo de suas páginas.
Mas, para além disso, o presente livro tem o mérito também de enfrentar os reflexos desses
temas também para a advocacia. E essa é a principal função da OAB, capacitar a advocacia,
dando elementos para que os(as) advogados(as) possam prestar o serviço essencial à justiça,
que é a advocacia, de maneira sempre mais qualificada e com a excelência que dela se espera.
A presente obra, portanto, contribui a um só tempo para o desenvolvimento do debate e, mas
também traz para o profissional iniciante nesse mercado, a possibilidade de a ampliar seus
conhecimentos sobre o tema, bem como para a difusão da Integridade nos negócios
brasileiros.

E, por isso, é uma obra que vale a pena ser lida! Ficam aqui os votos de sucesso, a todos(as)
organizadores(as) e autores(as) do livro.

Prof. Dr. Giovani Saavedra


Universidade Presbiteriana Mackenzie – SP
Doutor em Direito e Filosofa pela Johann Wolfgang Goethe – Universidade de Frankfurt
Mestre em Direito pela PUCRS
Advogado

humanos/fundamentais. In: Nascimento, Juliana. Esg - O Cisne Verde e o Capitalismo de Stakeholder. São
Paulo: Thompson Reuteres, 2023.
9

PREFÁCIO

Cara leitora,
Caro leitor,

É com grande satisfação que a Comissão de Compliance da OAB/RS apresenta a você este
e-book abrangente sobre Compliance, Governança Corporativa e ESG. Em um contexto
global cada vez mais complexo e interconectado, as organizações estão sendo desafiadas a
repensar suas abordagens tradicionais e adotar práticas responsáveis e sustentáveis que
impulsionem o crescimento a longo prazo, alinhando o sucesso dos negócios com o bem-
estar da sociedade e a preservação do meio ambiente.
A tríade Compliance, Governança Corporativa e ESG emergiu como um conjunto de
princípios e diretrizes que transcendem as fronteiras dos setores econômicos e geopolíticos,
estabelecendo-se como pilares fundamentais para as empresas que desejam prosperar em um
mundo em constante mudança. A integridade, transparência e responsabilidade são valores
essenciais que permeiam a essência dessas disciplinas e sustentam a confiança dos
stakeholders, sejam eles investidores, colaboradores, clientes ou a sociedade como um todo.
Neste e-book, convidamos você a explorar as diferentes dimensões e facetas desses temas
cruciais. Ao longo das páginas que se seguem, você encontrará insights valiosos e
orientações para implementar essas práticas em sua própria organização. Nosso objetivo é
fornecer uma base sólida de conhecimento para que você possa compreender o contexto
atual e, assim, contribuir para um futuro mais justo, resiliente e sustentável.
A jornada rumo à sustentabilidade corporativa não é uma tarefa fácil, mas é uma jornada que
deve ser abraçada com determinação e comprometimento. Juntos, podemos moldar um
mundo de negócios mais ético e responsável, onde o sucesso econômico ande de mãos dadas
com o bem-estar das pessoas e a proteção do nosso planeta.
Com este projeto pronto, é necessário o agradecimento à Escola Superior da Advocacia, que
fazemos na pessoa do Dr. Alexandre Petry, Diretor de E-books e da Revista Eletrônica da
ESA/RS. A CECOM (Comissão de Compliance da OAB/RS) agradece a paciência e
generosidade do Dr. Alexandre. Sua orientação e apoio foram fundamentais para a
concretização deste projeto, permitindo-nos alcançar um nível de excelência que não seria
possível sem sua participação e visão inspiradora. Suas contribuições enriqueceram cada
página deste e-book, e somos imensamente gratos por tê-lo como parceiro nessa jornada.
Que sua dedicação ao trabalho de Ordem e expertise na área acadêmica continuem a
impulsionar o trabalho da Escola Superior da Advocacia. Seu comprometimento é uma fonte
de inspiração para todos nós, e estamos honrados por termos aprendido com alguém tão
respeitado e admirado em sua área de atuação.
Também não podemos deixar de expressar nossa profunda gratidão ao Presidente da
OAB/RS, Dr. Leonardo Lamachia, que tem liderado a OAB com maestria e dedicação
incomparáveis. Seu apoio incondicional aos projetos da CECOM foi fundamental para o
sucesso deste e-book. Seu compromisso com a excelência profissional tem sido uma
10

inspiração para todos nós. Agradecemos sinceramente pela confiança e pelo contínuo
suporte, e estamos honrados por trabalhar em colaboração com uma liderança tão exemplar.
Sua dedicação ao avanço da advocacia e ao fortalecimento da instituição é verdadeiramente
notável.
Gostaríamos, ainda, de expressar nossa profunda gratidão aos autores que generosamente
contribuíram com seus textos para este e-book. Em especial, queremos agradecer aos autores
que fazem parte da Comissão Especial de Compliance, cujo conhecimento e experiência
foram essenciais para enriquecer as páginas deste trabalho. Suas contribuições substanciais
e perspicazes permitiram que explorássemos diversos aspectos do compliance de forma
abrangente e atualizada. Estamos imensamente gratos pela dedicação e pela qualidade dos
textos que compartilharam conosco. Sua participação é um reflexo do comprometimento da
Comissão Especial de Compliance em promover boas práticas e disseminar conhecimento
na área. Muito obrigada a todos os autores pelo valioso e significativo trabalho que
realizaram.
Por fim, mas não menos importante, gostaríamos de estender nossos sinceros
agradecimentos a você, cara leitora/caro leitor. Sem sua curiosidade, interesse e dedicação
em explorar este e-book sobre Compliance, Governança Corporativa e ESG, nosso esforço
em compartilhar conhecimento e promover práticas responsáveis no mundo dos negócios
não teria sentido. Esperamos que este conteúdo seja enriquecedor e inspirador para você,
assim como foi para nós ao criar este material.
À medida que seguimos adiante nesta jornada rumo à sustentabilidade corporativa, contamos
com você para levar esses princípios e diretrizes para suas organizações, compartilhar com
seus colegas e colaborar para um futuro mais ético e consciente. Juntos, podemos moldar
uma realidade empresarial que contribua para o bem-estar de todos e a preservação de nosso
planeta.
Agradecemos por nos acompanhar nesta trajetória e esperamos que este e-book possa ser um
guia valioso para suas iniciativas e práticas. Que nossos esforços conjuntos tragam impactos
positivos e duradouros para a sociedade e o meio ambiente.
Boa leitura e muito obrigada.

Roberta Schaun
Presidente da Comissão de Compliance da OAB/RS
11

GESTÃO DA CADEIA STAKEHOLDER E OS CRITÉRIOS DA


TERCEIRIZAÇÃO: DUE DILIGENCE QUANTO A PRÁTICAS SUSTENTÁVEIS
ENTRE EMPRESAS

Amanda Israel Fraga2


Juliana Müller Brezolin3

Resumo: A terceirização da atividade fim é prática permitida pela legislação trabalhista,


desde que observados os direitos do trabalhador. O uso de terceirização na cadeia de
fornecimento e na gestão de stakeholders é polêmica, pela ausência de fiscalização. Crises
de imagem relacionadas à cadeia de suprimentos são corriqueiras e devem ser suprimidas
através de procedimentos de avaliação dos riscos de contratação e de monitoramento dos
fornecedores para cumprimento de normas ambientais e trabalhistas, visando a negócios
mais sustentáveis e responsáveis ambiental e socialmente. O procedimento de due diligence
é forte aliado para análise de fornecedores e o monitoramento constante do cumprimento de
critérios ESG se faz necessário às empresas.

Palavras-chave: Terceirização. ESG. Cadeia de fornecimento. Stakeholder. Due Diligence.

INTRODUÇÃO
As alterações legislativas de 2017 permitiram a terceirização da prestação de serviços
nas empresas, inclusive das suas atividades fim. Essa possibilidade legislativa não desonerou
as partes do cumprimento das legislações trabalhistas, nem de outras regras previstas no
ordenamento jurídico.

A aceleração produtiva e a terceirização, abriram espaço para crises de imagem na


cadeia produtiva, que impacta diretamente em todos os negócios e repercute negativamente
no tomador de serviços. O empoderamento dos consumidores, especialmente pela
possibilidade de se expressarem através de mídias sociais, permite que sejam mais exigentes
com as marcas que os cercam, esperando não apenas melhores produtos ou serviços, mas
também expectativa acerca de um comportamento ético, atitudes ambientais sustentáveis e
socialmente impactantes.

2
Advogada inscrita na OAB/RS sob o nº 98.818. Especialista em Direito Civil e Processual Civil. MBA em
Auditoria e Compliance. Graduada em Direito. Membro das Comissões Especiais de Privacidade e Proteção
de Dados e de Compliance OAB/RS. E-mail: amandaif92@gmail.com.
3
Advogada inscrita na OAB/RS sob o nº 98.714. Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Graduada
em Direito. E-mail: juliana-brezolin@hotmail.com.
12

Com isso, os critérios ESG ganham espaço, e procedimentos como a due diligence
se tornam protagonistas para avaliação da cadeia de suprimentos, com desenvolvimento e
avaliação de questões ambientais e sociais, que impactam em toda a sociedade. Inciativas
como a Agenda 2030 da ONU e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, assim como
a criação de normas internacionais para avaliação destes indicadores se tornam cada dia mais
comuns e necessários ao mercado.

2 LEI DA TERCEIRIZAÇÃO E SUAS CARACTERÍSTICAS

As relevantes alterações legislativas publicadas em 2017 acarretaram o elastecimento


da licitude dos contratos de prestação de serviços entre empresas, as chamadas
terceirizações, levando à abrangência da “atividade fim” nas hipóteses do texto legal. Com
o advento das Leis 13.429/2017 (terceirização) e 13.467/2017 (alterações da CLT/reforma
trabalhista) restou fixada a possibilidade da terceirização de qualquer atividade, incluindo a
atividade fim da empresa contratante. Apesar das eventuais controvérsias das alterações
legislativas da época, a constitucionalidade do referido texto legal restou declarada pelo
julgamento da ADPF nº 324 pelo STF.

Enfatiza-se, ainda, que a Lei 6.019/1974 manteve a redação do artigo 13 quanto às


ocorrências dos artigos 482 e 483 da CLT que configuram justa causa para rescisão do
contrato do trabalhador. Ou seja, é defeso a submissão do trabalhador às seguintes
circunstâncias (artigo 483 da CLT): a) forem exigidos serviços superiores às suas forças,
defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato; b) for tratado pelo
empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo; c) correr perigo
manifesto de mal considerável; d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato; e)
praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da
honra e boa fama; f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em
caso de legítima defesa, própria ou de outrem; g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo
este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.

Superada a admissibilidade pela legislação atual quanto à terceirização da atividade


fim, ou seja, vinculada ao objeto social daquela pessoa jurídica contratante, quanto aos
princípios base daquela com relação à contratada, é necessário, ainda, que estejam alinhadas
quantos aos preceitos de atuação?
13

Sim, toda a empresa deve possuir um mapeamento de riscos vinculado a um


alinhamento de condutas e disciplinas vinculadas ao segmento de atuação para projeção de
objetivos e resultados:

O mapeamento dos riscos é caminho crítico para a criação de um programa de


compliance ou integridade efetivo, bem como para sua implantação, seu
desenvolvimento e sua manutenção. Em geral, as empresas e as organizações têm
objetivos a serem alcançados e, naturalmente, vão encontrar obstáculos para
atingi-los. (NEVES, 2018, p. 31-32).

Ou seja, ainda que a legislação admita a terceirização, inclusive, da atividade fim da


empresa contratante, essa não pode adotar conduta negligente ou omissa com relação à
empresa “terceira” contratada, se faz necessária postura diligente da contratante para ter
certeza quanto à atuação da contratada de forma convergente aos princípios e valores da
empresa (NEVES, 2018, p. 47).

3 DAS CONSIDERAÇÕES SOBRE CONTRATAÇÃO DE FORMA TERCERIZADA

Com legislação específica implementando os critérios e possibilidades dos contratos


por terceirização entre empresas, a efetivação pode ser benéfica na organização do processo
produtivo, a empresa contratante opta por terceirizar determinadas atividades secundárias
como: limpeza, segurança, transporte e alimentação, para focar na execução do seu objeto
social (atividade-fim) (MARTINEZ, 2020, p. 466).

Da mesma forma, mensurado o impacto gerencial na efetivação da terceirização da


atividade fim, ou seja, do objeto para o qual a pessoa jurídica se propõe, atividades
vinculadas à sua prestação principal também podem ser ramificados para empresas
especializadas (MARTINEZ, 2020, p. 471).

Para Corrêa e Caon a percepção do cliente quanto ao que lhe for entregue na relação
de consumo não se aprofunda às ramificações da cadeia produtiva estruturada pela empresa
e, sim, limita-se ao momento que atendido. Assim, enfatizam a necessidade da
uniformização de valores entre empresa contratante e terceirizadora de mão de obra:

Com a crescente tendência de as empresas focalizarem-se nas atividades que


consideram como centrais e terceirizarem atividades poucos centrais, é cada vez
mais frequente que atividades até de linha de frente sejam terceirizadas. Um erro
frequente é ter padrões de tratamento muito diferenciados para funcionários
terceirizados. Não se esqueça: não é problema do cliente se o funcionário que o
está atendendo trabalha para a empresa de quem é cliente ou não! Ela vai formar
sua percepção de satisfação também levando em conta o momento da verdade em
contato com o funcionário terceirizado e, portanto, via gestão direta e via exigência
14

contratual. O funcionário terceirizado deve merecer exatamente o mesmo grau de


preocupação, quanto ao recrutamento (atitude mais que habilidades), treinamento
(para habilidades), motivação, recompensa e outros aspectos (CORRÊA; CAON,
2012, p. 239).

A avaliação da opção pela terceirização deve ter crivo gerencial quanto à criação de
valor para a rede, além da mera alteração na apropriação do valor criado. Ou seja, para alguns
stakeholders a opção pela terceirização pauta-se na opção por uma renegociação de formas
de contratação somente, porém a opção pode ser mais produtiva, focando na busca de melhor
performance com empresas especializadas que possuam boas práticas (CORRÊA; CAON,
2012, p. 371).

Por outro lado, Child refere que entre os riscos da má administração da terceirização
de uma atividade pode ocorrer a perda de controle. Explica que “confiar nas cláusulas de
um contrato talvez não seja suficiente para garantir que a atividades terceirizada esteja sob
controle para ser realizada satisfatoriamente” (CHILD, 2012, p. 279).

A manutenção de um gerenciamento interno com o fornecedor é necessária, pois


terceirizar uma atividade não se constitui no ato de abdicar da administração sobre ela,
principalmente quanto tal atividade é elemento central na cadeira de valor de um serviço
(CHILD, 2012, p. 279).

4 CRISES DE IMAGEM E SEU IMPACTO PARA O NEGÓCIO

Dentre os significados da palavra “reputação” se encontram o conceito obtido por


uma pessoa a partir do público ou da sociedade em que vive e a característica de possuir
prestígio e renome. Ao se avaliar “pessoa”, tem-se que também se enquadra aos organismos
jurídicos, constituídos com uma razão social e que se denominam empresas.

A construção da reputação empresarial é tarefa que investiga os elementos que


promovem uma sociedade desigual, verificando efeitos da opinião pública. Visa a
compreender o quanto as organizações podem ser sensíveis a pressões sociais, especialmente
quando incorrem em riscos às operações, com exposição da liderança ao escrutínio público
de um grupo social que não tolera práticas que ferem a sociedade (SENADOR;
JOSGRILBERG, 2021, p. 253).

As mais recentes crises reputacionais vivenciadas por grandes marcas estão


relacionadas ao seu descomprometimento com questões sociais e ambientais e que, quando
15

acontecem quebram a confiança depositada pelo consumidor naquela empresa, que se


identifica com as causas, consume mais responsavelmente, pensando na sustentabilidade da
cadeia produtiva e da vida útil daquele produto. Ao nos expressarmos, mostramos as coisas
que gostamos, nossa forma de pensar, o que desejamos e projetamos ao mundo nossa
imagem. As dimensões da imagem de uma empresa, não são distintas e demonstram como
ela se percebe e se projeta ao mercado (SENADOR; JOSGRILBERG, 2021, p. 256). O
consumidor não quer mais se aliar a organizações que não reflitam a sua imagem.

A criação da imagem é uma ponte que interliga a relação com os outros. Numa cadeia
produtiva, todos os envolvidos projetam um pouco de si na concepção daquele produto que
chega à prateleira para ser adquirida pelo consumidor final. Nessa trajetória podem existir
empresas que participam e que não estão alinhadas àquilo que a organização principal deseja
transmitir ao mercado. Isso fica evidente quando avaliamos as grandes crises de imagem de
empresas que foram denunciadas por utilização de trabalho análogo ao escravo e que se
enquadram em diversos segmentos como vestuário e até mesmo vinícolas. Nenhuma delas
se utilizava diretamente desta mão de obra indecente, e todas alegaram o desconhecimento
de sua utilização, mas se aliaram a terceirização para redução de custos, sem avaliar a forma
como essas terceirizadas se comportavam.

A reputação é formada por um conjunto de atitudes desenvolvidas ao longo do tempo


e demonstra como somos reconhecidos. As organizações são observadas diariamente e
produzem efeitos sobre sua própria imagem, conforme seu comportamento e suas ações. O
somatório desses incidentes – positivos ou negativos – ensejará determinada reputação. A
coerência e a transparência ao longo do tempo, atitudes e expressões consolidam a estima
(SENADOR; JOSGRILBERG, 2021, p. 256). Isso fica muito claro quando avaliamos as
mais recentes crises de imagem nos diversos segmentos, pelo uso de mão de obra análoga à
escravidão. As crises de imagem afetaram diretamente as terceirizadoras, com boicotes pelos
consumidores, mas não especificamente as terceirizadas, pois essas não dependem da
reputação para continuidade das suas atividades, diferentemente de marcas que buscam
conquistar cada vez mais consumidores e que, os perdem pelo deslize de não conhecer e
acompanhar sua cadeia de fornecimento.

A gestão de stakeholders na cadeia produtiva é tema que surge com grandes


expectativas, especialmente pela avaliação de critérios ESG nas organizações e pelo
mercado e que tem por objetivo justamente identificar desvios de conduta de todos os
16

envolvidos no desenvolvimento do produto, desde a extração da matéria prima, até o


momento que chega à casa do consumidor final.

Com as grandes crises vivenciadas mundialmente todos os funcionários das empresas


são cobrados a cada dia para entregar produtos não apenas de melhor qualidade, mas também
por seguir padrões de sustentabilidade. De forma coerente, marcas sustentáveis e de
reputação admirável passam a emanar prestígio a uma grande rede de interlocutores,
atingindo não só o consumidor (GAULIA, 2019, p. 189).

5 MONITORAMENTO DA CADEIA DE FORNECIMENTO E O PROCEDIMENTO


DE DUE DILIGENCE

A incorporação de métricas ESG nas metas corporativas impacta nos bônus


executivos, e reforçam a importância do tema, deixando cristalino que a tomada de decisões
vai além dos interesses de gerar resultadas financeiros, mas reflete em um diferencial
competitivo relevante não apenas para a sustentabilidade dos negócios, mas para a sociedade
como um todo e contribuindo com o capitalismo consciente e sustentável (MALARA, 2021,
p. 385).

Na cadeia de fornecimento, grandes empresas já desenvolvem programas que


avaliam seus fornecedores, observando padrões de integridade, cuidados com o meio
ambiente e responsabilidade social, com medidas adequadas de controle desta linha que
adentra o negócio. Análises reputacionais dos fornecedores, adesão de boas práticas de
transparência e responsabilidade socioambiental, disposições contratuais e certificações
periódicas são alguns dos exemplos de monitoramento da cadeia produtiva na realidade atual
(MALARA, 2021, p. 386).

Partindo da consciência ASG ou ESG (sigla em inglês), a capacidade de uma empresa


gerar impactos ambientais e sociais positivos, ocasiona uma vantagem competitiva dessa
com relação às demais. Para elucidar os pontos de mapeamento de riscos com relação a ESG,
podemos citar:
Ambiental: Riscos de mudança climática, fornecimento de água e matéria-prima,
poluição e gerenciamento de resíduos, energia renovável;
Social: Saúde e segurança do trabalho, segurança do produto, rede de fornecedores
e parceiros, iniciativas de impacto social;
Governança: Metodologia de remuneração dos executivos, direitos dos acionistas
e ética empresarial, diversidade da força de trabalho, transparência nos relatórios
da empresa (NETO, 2022, p. 20).
17

Ou seja, com o fortalecimento da observância dos critérios ESG para valoração de


empresas, o desalinhamento na atuação ética e responsável, inclusive de empresas
terceirizadas, pode acarretar consideráveis prejuízos à empresa contratante, visto que a
repercussão de mídias sociais e das autuações dos órgãos fiscalizadores recaem sobre o
tomador de serviços e não do prestador, que normalmente é pequena ou média empresa
(MALARA, 2021, p. 387). A avaliação de métricas que identifiquem o comprometimento
da cadeia produtiva com questões socioambientais e de governança são tópicos que têm
ganhado espaço no cenário mundial e passam a ser requisitos para firmar negócios e devem
observar a dimensão dos três eixos.

No eixo ambiental, avaliar os fornecedores em seu comprometimento com a extração


da matéria prima, uso de recursos naturais e forma de realização de descarte de resíduos são
algumas das medidas a serem adotadas, assim como, em alguns casos, a compensação de
emissões de carbono. Consultas públicas acerca de processos judiciais que envolvam
violações ambientais, ou até mesmo sobre autuações do IMABA, de empresas embargadas4.

Já no pilar social, cada empresa deve avaliar as pautas que fazem sentido para seus
objetivos e metas a serem alcançados. Incentivos a redução das desigualdades de gênero e
oportunidades para populações carentes, negras, LGBTQIA+ e de pessoas com deficiência,
benefícios ofertados aos colaboradores, impactos na comunidade inserida e principalmente
o cumprimento mínimo da legislação trabalhista, são algumas das questões a serem
avaliadas.
A governança corporativa, por sua vez, é o pilar transversal aos demais e que apoia
o desenvolvimento de toda a estrutura socioambiental organizacional. Avaliação sobre
transparência, existência de código de conduta ética, políticas anticorrupção e de integridade,
gestão de riscos, controles internos, suporte da alta administração à responsabilidade
corporativa e à equidade entre todos os stakeholders. É importante destacar que, não existe
um modelo padrão de governança corporativa, mas é certo que, quanto maior for a
instituição, mais complexa será sua estrutura e, igualmente complexa sua governança
(PORTO, 2020, p. 99).

Não menos importante, o comprometimento das empresas em apoiar a Agenda 2030


da ONU e implementar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) no dia a dia de

4
Consulta pública disponível em:
<https://servicos.ibama.gov.br/ctf/publico/areasembargadas/ConsultaPublicaAreasEmbargadas.php>
18

trabalho, são formas de avaliar e monitorar o engajamento da cadeia de fornecimento com


critérios relacionados à sustentabilidade corporativa. Para tanto, o desenvolvimento de
procedimentos de due diligence, ou seja, de avaliação criteriosa dos fornecedores é prática
que tem sido utilizada por diversas empresas e pode demonstrar os riscos de contratação de
terceirizados.

Na tradução literal, o termo “due diligence” pode ser entendido como Diligência
Prévia. Sua origem remonta ao Decreto Americano “US Securities Act”, de 1933, que
permitiu aos intermediários de negociações a avaliação prévia de informações e documentos
dos comerciantes, para repasse de esclarecimentos aos investidores (VAZ; MORENO, 2021,
p. 632). Nesse procedimento são analisadas questões jurídicas, financeiras, contábeis,
previdenciárias e tecnológicas da empresa, com a possibilidade de critérios específicos,
conforme a necessidade e objetivo do contratante. Esse procedimento dá segurança ao
tomador de serviços, com avaliação dos riscos da contratação e a criação de eventual plano
de ação para mitigação destes. No entanto, é importante destacar que não basta a diligência
prévia. Essa avaliação da cadeia de fornecimento deve ser realizada de forma periódica, a
fim de garantir que as condições avaliadas na contratação seguem sendo cumpridas e
melhoradas.

Alinhado a este propósito, a Alemanha aprovou, em julho de 2021, a Lei de


Diligência nas Cadeias de Fornecimento. Tal legislação vigorará a partir de janeiro de 2023
e impõe obrigação de procedimentos de due diligence visando a prevenir violações de
direitos humanos das cadeias de fornecimento, corrigir práticas inadequadas e, inclusive, dar
fim a práticas ilegais com a ruptura de relações negociais com empresas que descumpram
exigências mínimas. A lei alemã dispõe sobre a necessidade de Compliance com enfoque
para coibir práticas como trabalho infantil e análogo ao escravo, desrespeito à liberdade de
associação, discriminações ou tratamentos desiguais baseados em raça, gênero,
nacionalidade, idade, origem racial ou crenças religiosas, bem como prejuízos causados por
poluição ambiental e violações de obrigações ambientais (SASSON; EMMERRICH, 2022).

Ademais, a recente norma publicada pela ABNT, a PR 2030, traz conceitos, diretrizes
e modelo de avalição para direcionamento das organizações em relação aos tópicos de ESG,
e em sua extensa redação cita, por diversas vezes a relação com os fornecedores, a
necessidade de fomentar a sustentabilidade na cadeia de suprimentos, a observância a outras
normas regulatórias e a realização de procedimentos de due diligence como sugestões de
19

práticas que direcionam uma empresa para desenvolvimento destes critérios e a garantia de
uma organização economicamente, socialmente e ambientalmente sustentável e responsável.

O normativo trouxe exemplos de práticas para o relacionamento saudável com os


fornecedores em toda a cadeia de suprimento, recompensando e incentivando fornecedores
que trabalhem na prevenção, mitigação e remediação de impactos negativos. A norma deixa
muito clara a necessidade de realização de análise de riscos dos fornecedores e outras partes
da cadeia de suprimento, utilizando os critérios ESG, potencializando impactos positivos e
mitigando aqueles negativos (ABNT, PR 2030, p. 102).

Como exemplos de práticas, a PR 2030 recomenda a seleção de fornecedores


utilizando critérios ESG como a observância de regras trabalhistas e demais legislações
vigentes; selecionar, sempre que possível, empresas que realizem mensuração de seu
impacto e sejam transparentes; incentivar o desenvolvimento técnico e gerencial de
fornecedores locais para geração de valor nas comunidades das redondezas; implantar
mecanismos de avaliação dos fornecedores; criar canal de comunicação específico para
receber informações dos fornecedores; priorizar fornecedores que tenham práticas
socialmente responsáveis; e incentivá-los a adotar compromissos públicos com o
desenvolvimento sustentável, como a adesão ao Pacto Global (ABNT, PR 2030, p. 103).

Para além das práticas prévias de contratação, é de suma importância monitorar


constantemente a cadeia de fornecimento, realizando diligências para identificar se a
empresa mantém as atividades sustentáveis e socialmente responsáveis. Observar e fomentar
um canal de relatos de desvios de conduta também é fundamental, com investigações
corporativas idôneas sobre eventuais denúncias, com punições não apenas aos
colaboradores, mas também a terceiros envolvidos em atos que não sejam reflexos de ações
sustentáveis.

CONCLUSÃO

Com o advento da legislação específica quanto a admissibilidade da terceirização de


mão de obra, com a liberalidade de terceirizar até mesmo a atividade fim da empresa
contratante, ou seja, mesmo que regulada a possibilidade da adoção da prática de
terceirização, ainda assim, não é admissível a abdicação da administração daquele processo
fornecedor. O alinhamento entre boas práticas da contratante deve se estender na busca dos
seus parceiros comerciais. Ainda que as atividades vinculadas ao contrato de terceirização,
20

por vezes, podem ser exercidas em localidades diversas às dependências da contratante, o


gerenciamento de riscos prévio, ou seja, avaliação de boas práticas e índices da empresa
contratada é de extrema importância para proteção da empresa contratada.

A globalização permitiu uma abertura exponencial das possibilidades de negócios,


possibilitando, por exemplo, o remanejo de partes de um setor produtivo para fornecedores
em outros países. Ainda assim, necessária a cautela da contratante na pactuação de contratos
de terceirização, sopesando boas práticas, índices de performance e qualificação.

As recentes crises de imagem, envolvendo diversos segmentos, especialmente quanto


ao uso de mão de obra análoga à escravidão e o desconhecimento das empresas
terceirizadoras sobre sua ocorrência, demonstra a ausência de gestão da cadeia de
fornecimento por parte dessas empresas, o que não é mais admissível na atualidade. A falta
de monitoramento da cadeia produtiva acarreta em perdas irreparáveis, visto que, as crises
reputacionais afetam diretamente o negócio tomador do serviço terceirizado, com perda de
clientela, que não quer mais se aliar a marcas que não representem seus ideias e crenças,
acarretando boicotes e protestos contra essas empresas.

Nesse sentido, nota-se a importância de avaliação da cadeia de suprimentos e da


gestão adequada dos stakeholders, com adoção de práticas sustentáveis e socialmente
responsáveis para evitar exposições negativas. O monitoramento constante da cadeia de
fornecimento gera resultados de médio e longo prazo, garantindo, ou pelo menos,
remediando impactos significativos aliados à reputação das empresas, que devem, a cada
dia, observar práticas mais responsáveis e sustentáveis.

REFERÊNCIAS

ABNT. PR 2030. Prática Recomendada Ambiental, Social e Governança (ESG) –


Conceitos, Diretrizes e Modelo de Avaliação e Direcionamento para organizações, 2022.

BRASIL. Lei da Terceirização. 13.467/2017. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm>.

BRASIL. Lei sobre Trabalho Temporário. Lei 13.429/2017. Disponível em:


<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13429.htm>.

CHILD, John. Organização: Princípios e Prática Contemporâneas. 1ª edição. Editora


Saraiva, 2012. E-book. ISBN 9788502142862. Disponível em:
<https://app.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788502142862/>. Acesso em: 26 fev. 2023.
21

CORRÊA, Henrique L.; CAON, Mauro. Gestão de serviços: lucratividade por meio de
operações e de satisfação dos clientes. [São Paulo/SP]: Grupo GEN, 2012. E-book. ISBN
9788522479214. Disponível em:
<https://app.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788522479214/>. Acesso em: 26 fev. 2023.

DOS NETO, João A.; ANJOS, Lucas Cardoso; JUKEMURA, Pedro K.; et al. ESG
Investing: um novo paradigma de investimentos? Editora Blucher, 2022. E-book. ISBN
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GAULIA, Luiz Antonio. Relações públicas, comunicação empresarial, marca e reputação.


In: ASHLEY, Patricia Almeida (Org.). Ética, Responsabilidade Social e Sustentabilidade
nos negócios – (des)construindo limites e possibilidades. São Paulo: Saraiva Educação,
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MALARA, Tamara Ginciene. ESG e o monitoramento desses valores na cadeia de


fornecimento. In: NASCIMENTO, Juliana Oliveira (coord.). ESG O Cisne Verde e o
Capitalismo de Stakeholder. A Tríade Regenerativa do Futuro Global. São Paulo:
Thomson Reuters, 2021.

MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho. 11ª edição. São Paulo: Saraiva
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NEVES, Edmo C. Compliance Empresarial - o tom da liderança, 1ª edição. Editora


Trevisan, 2018. E-book. ISBN 9788595450332. Disponível em:
<https://app.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788595450332/>.

PORTO, Éderson Garin. Compliance & Governança Corporativa. Uma abordagem


prática e objetiva. Lawboratory, Porto Alegre, 2020.

SASSON, Jean Marc. EMMERICH, David. Gestão da cadeia de fornecimento, o


calcanhar de Aquiles de toda agenda ESG. JOTA. Disponível em:
<https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/regulacao-e-novas-tecnologias/gestao-da-
cadeia-de-fornecimento-o-calcanhar-de-aquiles-de-toda-agenda-esg-29102022?amp>.

SENADOR, André. JOSGRILBERG, Fábio B. ESG, Reputação e “a razão da simpatia, do


poder, do algo mais e da alegria. In: NASCIMENTO, Juliana Oliveira (coord.). ESG O
Cisne Verde e o Capitalismo de Stakeholder. A Tríade Regenerativa do Futuro Global.
São Paulo: Thomson Reuters, 2021.

VAZ, Larissa S. Mocelin; MORENO, Laura Carréa de. ESG: Panorama da Due Diligence e
M&A. In: NASCIMENTO, Juliana Oliveira (coord.). ESG O Cisne Verde e o Capitalismo
de Stakeholder. A Tríade Regenerativa do Futuro Global. São Paulo: Thomson Reuters,
2021.
22

O RIPD E GOVERNANÇA E REGULAÇÃO DA PROTEÇÃO DE DADOS


PESSOAIS

Ariel Augusto Lira de Moura1


Bernardo Leandro Carvalho Costa2
Leonel Severo Rocha3

Resumo: O presente artigo objetiva analisar o Relatório de Impacto a Proteção de Dados na


cultura das redes a partir do questionamento sobre que de pontos pode-se observar de modo
a conectá-lo à um contexto maior de transformações da sociedade contemporânea. A
metodologia utilizada é a pragmático-sistêmica de Leonel Severo Rocha, unida a técnica de
pesquisa bibliográfica. De início, disserta-se sobre os modos de governança e regulação da
proteção de dados pessoais diante da cultura das redes. Após, observa-se o Relatório de
Impacto à Proteção de Dados Pessoais a partir de sua inspiração regulatória europeia.
Conclui-se, preliminarmente, que esse instrumento é, em realidade, parte do processo de
reestruturação dos modos de regulação e governança das e nas organizações e que o foco em
sua obrigatoriedade não revela sua potencialidade para o re-desenho das organizações e a
efetivação do direito fundamental a proteção de dados.
Palavras-chave: Governança. Regulação. Proteção de Dados Pessoais. Cultura das Redes.
Relatório de Impacto a Proteção de Dados (RIPD).

1 INTRODUÇÃO
A proteção de dados pessoais é um dos temas centrais para se pensar as novas
configurações da sociedade contemporânea. No Brasil, isso se reforça pela entrada em vigor
da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, que se insere no contexto de uma nova geração
de investidas regulatórias ao redor do globo e passa a reorganizar o contexto dos processos
jurídicos, políticos, econômicos diante da crescente digitalização e aplicação de novas
tecnologias.

Como um tema “prático” atual no contexto brasileiro, têm-se a necessidade de


“adequação” à essa nova lei em conjunto com todo o arcabouço regulatório em constante
mutação. O Relatório de Impacto a Proteção de Dados Pessoais, nesse sentido, apresenta-se
como um instrumento-chave. Diante disso, questiona-se sobre a partir de que pontos pode-

1
Advogado (OAB/SP nº 480.161). Data Protection Officer e Information Security Officer (EXIN). Mestrando
em Direito Público e Graduando em Filosofia pela UNISINOS, bolsista PROEX/CAPES, membro do Grupo
de Pesquisa Teoria do Direito (CNPq). E-mail: ariel.moura@digitalattractor.com.br.
2
Advogado (OAB/RS nº 108.164). Delegado da ESA (Escola Superior da Advocacia) da OAB/RS.
Doutorando em Direito Público (UNISINOS e Paris 1 Panthéon-Sorbonne), bolsista PROEX e PDSE CAPES,
membro do Grupo de Pesquisa Teoria do Direito (CNPq). E-mail: bernardo@digitalattractor.com.br.
3
Professor titular UNISINOS e URI. Doutor pela École des Hautes études en Sciences Sociales. Bolsista de
Produtividade em Pesquisa do CNPq – Nível 1D. Coordenador do Grupo de Pesquisa Teoria do Direito
(CNPq). Lattes: http://lattes.cnpq.br/3283434447576859. E-mail: leonel@unisinos.br.
23

se observar o relatório de impacto de modo a conectá-lo à um contexto maior de


reestruturação da sociedade na cultura das redes. Objetiva-se, dessa forma, analisar o
Relatório de Impacto a Proteção de Dados na cultura das redes.

A metodologia utilizada é a pragmático-sistêmica de Leonel Severo Rocha, unida a


técnica de pesquisa bibliográfica. (ROCHA, 2013). De início, disserta-se sobre os modos de
governança e regulação da proteção de dados pessoais diante da cultura das redes. Após,
observa-se o Relatório de Impacto à Proteção de Dados Pessoais a partir de sua inspiração
regulatória europeia. Conclui-se, preliminarmente, que esse instrumento é, em realidade,
parte do processo de reestruturação dos modos de regulação e governança das e nas
organizações e que o foco em sua obrigatoriedade é apenas o início de desenvolvimento de
uma cultura de proteção de dados pessoais.

2 NOTAS SOBRE REGULAÇÃO E GOVERNANÇA DA PROTEÇÃO DE DADOS


PESSOAIS
De início, ressalta-se que a potencialidade da União Europeia ser o grande modelo
de regulação da proteção de dados. Para a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) brasileira,
a justificativa se reforça dada a clara inspiração no modelo europeu do RGPD (Regulamento
Geral de Proteção de Dados). (UNIÃO EUROPEIA, 2016) (BRASIL, 2018).

Adiciona-se a isso as décadas (histórico) de desenvolvimento teórico e prático, que


permitiu a consolidação de inúmeros mecanismos de proteção de dados, e, ainda, pelo fato
de o bloco ser um excelente objeto de estudo para a regulação e governança em rede, já que
se caracteriza por uma simbiose de dimensões – “semi-hierarquia” jurídica (regional e
nacional); “triangulação” política entre Conselho, Comissão e Parlamento; e infraestrutura
administrativa “hybrida” de estruturas de governança. (KJAER, 2019).

Ainda a título de introdução, têm-se que, no Brasil, a proteção de dados fora


reconhecida como um direito fundamental (autônomo), com enfoque de fundamento na
autodeterminação informacional, seguindo o exemplo alemão-europeu, pelo Supremo
Tribunal Federal no “caso IBGE”, sendo positivada, posteriormente, por meio da Emenda
Constitucional 115. (BRASIL, 2020; 2022a).

A revelia da tradição norte-americana, na Europa, desde a Carta de Direitos


Fundamentais (artigo 8º), consolidou-se o entendimento sobre a independência do direito à
24

proteção de dados em relação à privacidade (como uma “liberdade positiva”, e não


“negativa”). (UNIÃO EUROPEIA, 2000).

A “autodeterminação informacional”, nessa perspectiva, deve ser entendida como


um direito procedimental de “controle” das pessoas sobre o fluxo de seus dados no meio em
que eles circundam, já que eles (os dados) figuram, hoje, como o elemento primordial de “tradução”
(construção) da subjetividade (“personalidade”) nos meios digitais. (VESTING, 2018a).
(NISSENBAUM, 2010).

Para além da reestruturação da sociedade-de-organizações e dos meios de


comunicação eletrônicos (de massa) – que reorganizaram a sociedade liberal à grupos-
plurais e passaram a introduzir a especialidade técnica dos conhecimentos – a internet (e
suas redes), possibilitada pelo computador (e as “novas tecnologias”), passa a figurar cada
vez mais como o Outro com o qual o indivíduo se relaciona. (VESTING, 2016b).

Por essa razão, deve-se observar a estruturação de novos modos de governança e


regulação da proteção de dados pessoais. No RGPD, a dimensão autorregulatória da proteção
de dados por meio das organizações privadas, como medidas de compliance, seguem o
princípio da accountability, previsto no seu artigo 5(2). Esse princípio, lido em conformidade
com o artigo 32 (segurança do tratamento de dados), consubstancia diversos outros
mecanismos (cor)regulatórios, como os códigos de conduta (artigo 40), os mecanismos de
certificação do nível de proteção de dados pessoais (artigo 42-43) e, tema principal, aqui, o
relatório de impacto a proteção de dados (artigo 35), entendido como uma medida prévia
para tratamentos de alto risco a lesão aos direitos dos titulares. (UNIÃO EUROPEIA, 2016).

Fala-se, nesse sentido, em um modelo de autorregulação regulada, na qual a


autorregulação das organizações segue parâmetros procedimentais estabelecidos na
regulação estatal. A regulação da proteção de dados segue, nesse sentido, uma forma de
direito “proceduralizado”, no qual “[...] procedimentos sejam criados para compreender a
incerteza e gerar conhecimento sobre a persecução de certos objetivos e interesses públicos
estabelecidos”. (ABBOUD; CAMPOS, 2018, p. 35).

O principal direcionamento deste modo de regulação é encontrar parâmetros para


“[...] regras de monitoramento e de avaliação de resultados mais específicas, de estímulo de
geração e de mantimento de conhecimento novo [...]”. (LADEUR, 2016, p. 161). É que na
base das problemáticas que envolvem a governança e regulação da proteção de dados
25

pessoais está na ausência de um conhecimento comum (compartilhado) e na incapacidade


de se centralizar as respostas em apenas um “ponto”. (VESTING, 2016a).

Após a constatação da “morte do conhecimento comum”, diante dos pressupostos


técnicos e cognitivos da cultura das redes, e a correlata dependência para com conhecimentos
especializados, pode-se apontar, como direcionamento de resposta, justamente a busca pela
(re)construção (constante) de sentidos comuns. Isto pode-se realizar via experimentações de
novas formas de regulação, orientadas pelos diretos fundamentais, e projetadas
conjuntamente com a (re) organização dos modos de governança (em rede). Nessa
perspectiva, explica-se que:

O campo das novas tecnologias complexas [...] se baseia em um tipo de


conhecimento que se distanciou do conhecimento geral acessível à experiência,
[e] coloca, nesse sentido, limites à capacidade de autocorreção espontânea de
decisões erradas. Isso justifica, especialmente, a criação de deveres
procedimentais e deveres de prestar informações que, por sua vez, devem ser
simultaneamente ancorados na atuação da auto-organização do sistema técnico.
(LADEUR, 2016, p. 160)

Isso quer dizer que o direito na cultura das redes, diante das novas tecnologias e dos
correspondentes novos modos de organização das práticas sociais, não pode garantir a
eficácia do direito à proteção de dados pessoais, assim como não o pode o Estado, de modo
isolado. O princípio da accountability orienta, neste sentido, não só uma série de
mecanismos regulatórios, como acima descritos, como também representa um ponto de
observação sobre o modo de “governar” a proteção de dados pessoais.

A fiscalização e as pressões exercidas para que as empresas “se adequem” às


legislações que tratam de dados pessoais não vem apenas de órgãos estatais com poderes
específicos para tal função – como a Agência Nacional de Proteção de Dados Pessoais no
Brasil ou as “autoridades independentes” na Europa – como também de outras empresas –
por exemplo, de diversas organizações que fazem parte de uma cadeia de suprimentos – e
pelos próprios titulares de dados.

Ademais, destaca-se que a Lei Geral de Proteção de Dados (2018) brasileira têm
sua origem em um extenso debate multissetorial (governo, academia, sociedade civil,
iniciativa privada) desde a primeira década deste século, assim como o Marco Civil da
Internet (2014). Há, nesse sentido, uma transdisciplinaridade que é inerente ao próprio
26

desenvolvimento da governança não só brasileira como global da internet. (ROCHA;


MOURA, 2020).

Contudo, a promulgação e entrada em vigor da LGPD se encontra em um contexto


global de “convergência” de processos (autor)regulatórios jurídicos, políticos e econômicos
globais para enfrentamento das novas dinâmicas da sociedade e economia movida à dados,
algo que remete sua origem ao processo transnacional de construção de regulamentações
sobre o tema impulsionado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) desde o século passado com seus recentes “estímulos” ao governo
brasileiro com relação à matéria. (MOURA; ROCHA, 2022b).

Da complexidade envolvida entre a conexão entre diversos atores envolvidos em


um contexto de governança global da proteção de dados e a sua inerente
transdisciplinaridade, destaca-se, nessa sequência, a dimensão técnica (e tecnológica) de sua
governança e regulação. No direito europeu, pode-se citar o exemplo da Seção 2 do RGPD
(“Segurança dos dados pessoais”) e, no direito brasileiro, na Seção I do Capítulo VII da
LGPD (Da Segurança e do Sigilo de Dados”). (UNIÃO EUROPEIA, 2016) (BRASIL,
2018).

Em ambas as legislações se prescreve ao responsável pelo tratamento de dados


pessoais (“controlador”) e ao subcontratante (“operador”) a aplicação de medidas técnicas e
organizativas (“administrativas”) para garantir o tratamento inadequado ou ilícito. Na
LGPD, essas prescrições estão no capítulo junto às boas práticas e governança e, no RGPD,
junto aos procedimentos de notificação da violação às autoridades de controles e da
comunicação aos titulares de dados – os dois graus da escala de impacto de incidentes de
dados pessoais aos direitos e liberdades dos titulares. (KUNER; BYGRAVE; DOCKSEY,
2020). (BRASIL, 2018).

Nessa sequência, têm-se, no artigo 32 do RGPD a expressa menção de que as


medidas são destinadas a “assegurar um nível de segurança adequado ao risco”. Há um
extenso debate sobre possíveis tensões entre a perspectiva de regulação do risco (e
“risquificação”) na proteção de dados pessoais (e suas conexões com a regulação ambiental
e das novas tecnologias) e a observação centrada nos direitos fundamentais (da construção
alemã-europeia da auto-determinação informativa). (ZANATTA, 2017). (MENKE, 2019).
27

Contudo, neste momento, quer-se ressaltar que a interrelação entre a segurança da


informação e a gestão do risco mostram a dimensão técnica da governança e regulação de
dados pessoais. Há uma necessária complementariedade entre as observações jurídicas (e
dos juristas) com as observações das ciências da tecnologia (e os cientistas) para o necessário
aprendizado recíproco e enfrentamento das problemáticas envoltas à sociedade em rede.
(GRABER, 2021). Algo que deve ser incorporado à reflexão sobre a proteção de direitos
fundamentais – e à própria teoria constitucional. (MOURA; ROCHA, 2022a). (VESTING,
2016b).

Neste ponto, encontra-se uma abertura para introdução de inúmeros padrões e


frameworks globais que estruturam o contexto técnico-organizacional da proteção de dados
pessoais. Na perspectiva aqui desenvolvida, eles representam justamente formas de
conhecimentos técnicos, práticos e organizacionais necessários à regulação e governança da
proteção de dados pessoais diante dos pressupostos técnicos e cognitivos da cultura das
redes. (VESTING, 2018).

Isso porque na atual cultura das redes, as “forças” que orientam as transformações
sociais também dependem, não só de conhecimentos teóricos, como antes já lecionava
Daniel Bell (1976), mas também incluem uma espécie de “[...] conhecimento implícito que
é inconscientemente assimilado em contextos práticos e passado horizontalmente entre as
pessoas, e.g. programadores”.4 (VESTING, 2022, p. 185, tradução nossa)

Com relação à gestão de risco, de um modo geral, para as organizações, e, de um


modo específico, para a segurança da informação, têm-se, por exemplo, as normas ISO/IEC
27005:2022 e ISO/IEC 31000:2018, que fazem parte da estruturação de um sistema de
gestão de segurança da informação (ISO/IEC 27001:2022), assim como do sistema de gestão
da privacidade (ISO/IEC 27701:2019). (ISO, 2022). (KYRIAZOGLOU, 2016). (ITGP,
2020).

A ISO/IEC 27701:2019, de gestão da privacidade, por exemplo, é reconhecida não


só no âmbito europeu, como também no Brasil a partir do ressente entendimento consolidado
pelo TCU no TC 039.606/2020-1 – com o diagnóstico do grau de implementação da lei geral
de proteção de dados na administração pública federal. (BRASIL, 2022b).

4
“[...] implicit knowledge that is unconsciously assimilated in practical contexts and passed on horizontally
between people, e.g. programmers”.
28

Ressalta-se que esses standards adentram a regulação e governança do fluxo global


de dados pessoais, principalmente após os julgamentos dos casos Schrems pelo Triubnal de
Justiça da União Europeia, no qual invalidou-se os acordos de transferências internacionais
entre União Europeia e Estados Unidos. (MOURA; ROCHA, 2022b).

Quando não há uma decisão de adequação que autorize a transferência internacional


de dados entre países e regiões com legislações protetivas “equivalente”, a certificação de
empresas nessas normas técnicas garantem a adoção de “medidas suplementares” para a
proteção do direito à privacidade. (EDPB, 2021).

No contexto brasileiro, em que ainda não se sabe sobre a regulação de esses e outros
mecanismos para transferência internacional, como as denominadas “cláusulas contratuais-
padrão” e as “normas corporativas vinculantes”, essas certificações são um bom ponto de
ancoragem para garantir que os dados estão sendo protegidos quando transferidos – ainda
mais se se pensar que boa parte das operações de tratamento de dados pessoais, hoje,
compreendem a transferência internacional, desde a contratação de serviços em nuvem até
questões mais simples relacionadas ao uso de serviços de streaming e videochamadas.

Por fim, além das normas ISO, destaca-se, ainda que existem diversos outros
frameworks que orientam a construção da governança da Tecnologia e da Informação (e.g.
COBIT 2019) e/ou da governança de dados (e.g. DAMA-DMBOK) nas organizações, sem
as quais a proteção de dados pessoais não pode ser facilmente orquestrada, ainda mais se se
pensar que eles agregam valor (econômico) aos processos de sustentação das legislações
pelo fato das empresas se reestruturarem em acordo com os novos modos de geração de lucro
na economia de dados.

3 O RELATÓRIO DE IMPACTO À PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS EM


PERSPECTIVA
As autoridades independentes têm um papel fundamental diante das características
acima descritas sobre a regulação e governança da proteção de dados pessoais. A partir
desses tipos de órgãos públicos (e.g. agência reguladoras Autoridade Nacional de Proteção
de Dados e ANS) pode-se estruturam uma rede na qual o Estado regulamenta os pressupostos
da (autor)regulação de organizações (e.g. hospitais, clínicas) e os modos de governança de
setores específicos (e.g. saúde) com relação à proteção de dados.

Isso não só para consolidação de conhecimentos especificamente jurídicos, como


também para a sua interlocução com os conhecimentos técnicos necessários à atuação de
29

inúmeros outros tipos de organizações. Veja-se, por exemplo, as Guidelines on Data


Protection Impact Assessment (DPIA) and determining whether processing is “likely to
result in a high risk” for the purposes of Regulation 2016/679 do Working Party 29.
(EUROPA, 2017).

As situações obrigatórias para o DPIA segundo o artigo 35(3) do RGPD são:

a) Avaliação sistemática e completa dos aspetos pessoais relacionados com


pessoas singulares, baseada no tratamento automatizado, incluindo a definição de
perfis, sendo com base nela adotadas decisões que produzem efeitos jurídicos
relativamente à pessoa singular ou que a afetem significativamente de forma
similar;
b) Operações de tratamento em grande escala de categorias especiais de dados a
que se refere o artigo 9º, nº 1, ou de dados pessoais relacionados com condenações
penais e infrações a que se refere o artigo 10º; ou
c) Controlo sistemático de zonas acessíveis ao público em grande escala.

Porém, as Guidelines não apenas ressaltam que o rol não é taxativo, como
recomendam que ele seja feito caso exista dúvida sobre determinada atividade de tratamento,
já que é um dos instrumentos chaves para o compliance, mas também elencam os 9 critérios
para serem levados em consideração para avaliação do “elevado risco”. Esses 9 critérios
acabam por superar o engessamento das denominadas Black and White Lists e os exemplos
dados pré-estruturam as tomadas de decisões nas organizações.

O Relatório de Impacto à Proteção de Dados Pessoais, desta forma, apresenta-se


como um procedimento que deve ser utilizado pelas organizações em um contexto técnico-
organizacional de governança mais amplo. Dentro de um “projeto” de “adequação”,
pensando-se na noviça situação brasileira, esse relatório é feito apenas após as grandes
atividades de desenhar os fluxos e realizar o mapeamento dos dados nas organizações.
(KYRIAZOGLOU, 2016). (ITGP, 2020). Contudo, ele vai além da dimensão de “projeto”
para ser um mecanismo de constante controle constante diante de mudanças – dentro de um
sistema de governança efetivo, o antigo ciclo de Deming (PDCA) da melhoria contínua ainda
se aplica sem grandes modificações. (DEMING, 1990).

Desta forma, o próprio planejamento do projeto, antes de se chegar a esta etapa,


compreende a movimentação de diversos tipos de conhecimentos na preparação para as
mudanças desejadas. A pré-analise de leis, regulamentos e normas, a análise do negócio e o
levantamento dos principais processos gerenciais, o levantamento de ativos de informação e
a estruturação da comunicação com todas as partes interessadas (“steakholders”), a
30

exemplos, são fases anteriores ao próprio relatório que preparam o caminho para uma
transformação da organização em diversos outros sentidos para além da proteção de dados
pessoais – desde questões relacionadas a inovação, eficiência e redução de custos
operacionais até a mudança de estratégias mais amplas, como àquelas relacionadas ao ESG.

Destaca-se que o Relatório de Impacto a Proteção de Dados (RIPD) é uma inovação


jurídica na legislação brasileira e inspira-se no DPIA – Data Protection Impact Assessment,
o qual, por sua vez, remonta a ideia de (co)regulação do risco no direito ambiental. Contudo,
diferentemente do exemplo Europeu, a própria LGPD não prescreve de forma sistemática
este tipo de relatório.

Em seu artigo 5º, inciso XVII, a lei brasileira o define como uma documentação do
controlador de dados que “contém a descrição dos processos de tratamento de dados pessoais
que podem gerar riscos às liberdades civis e aos direitos fundamentais, bem como medidas,
salvaguardas e mecanismos de mitigação de risco”. Não se prevê, aqui, a questão do
“elevado risco”. Apenas que este é um documento que poderá ser exigido pela ANPD (artigo
38, caput e parágrafo único, LGPD), principalmente nos casos de tratamentos de dados com
fundamento no legítimo interesse (artigo 10, § 3º, LGPD), e que deve conter:

“no mínimo, a descrição dos tipos de dados coletados, a metodologia utilizada para
a coleta e para a garantia da segurança das informações e a análise do controlador
com relação a medidas, salvaguardas e mecanismos de mitigação de risco
adotados”. (BRASIL, 2018).

Contudo, diante de todos os princípios elencados no artigo 6º da LGPD,


principalmente o da “transparência” e da “responsabilização e prestação de contas”, ele é um
instrumento que vai além do cumprimento à legislação, como já ressaltado. Nesse sentido,
explica-se que:

[...] o relatório de impacto à proteção de dados na LGPD vem da organização


sistemática das operações de tratamento de dados, a fim de viabilizar a
visualização de processos e procedimentos internos, bem como o tratamento de
dados existentes, para que seja possível através dele realizar a prevenção de riscos
e a mitigação desses, caso eles já sejam existentes. (GOMES, 2019, p. 175-176).

Ele é direcionado ao diagnóstico e estruturação organizacional da proteção de dados,


de forma que a “prevenção” de riscos (e.g. regulatório-jurídicos) tem um sentido mais
profundo no modo de tratamento das incertezas futuras que (re)formulam os parâmetros de
governança das organizações em uma sociedade movida à dados. O relatório, que informa
31

tomadas de decisões específicas sobre, por exemplo, quais controles técnicos e


organizacionais são necessários para proteção de dados, tornam-se premissas para futuras
decisões, momento em que, por exemplo, os problemas são diferentes ou já se reformulou
os parâmetros teóricos e práticos.

Pode-se usar a forma risco/perigo de Luhmann, nesse sentido, para explicar que o
risco das tomadas de decisão denota uma reintrodução interna desta distinção para questões,
por exemplo, de “gerenciamento de riscos”, em relação as consequências futuras da própria
decisão, e em relação ao perigo, danos externos, isto é, referente as “causas” ambientais.
(LUHMANN, 1993). O risco, desse modo, não adentra a descrição da sociedade como um
todo, mas apenas como uma forma (risco/perigo) de observação extremamente útil para a
tomada de decisão em uma sociedade indeterminada. (ROCHA; AZEVEDO, 2012).

O sucesso das organizações está justamente em como tratar as incertezas,


especificando-as (e.g. proteção de dados, segurança da informação, governança), reduzindo
seus custos (e.g. análise de custo/benefício para implementação de medidas só é possível
após conhecer e especificar os “riscos”) e, paradoxalmente, aumentando-a (e.g. como é claro
na dispendiosa construção de um RIPD). (LUHMANN, 2010).

O relatório, inserido em um contexto mais complexo de governança, como já


referido, pode-se servir como um “epicentro” que desencadeia não só reestruturações
internas – e.g. criação de novas funções, como o DPO/Encarregado de Dados e o
CISO/Diretor de Segurança da informação, ou até remodelação de uma “gestão por
processos” – mas tem o efeito de (re)estruturar o ambiente externo das organizações (social,
psíquico/indivíduo e natural).

O design da organização é justamente uma categoria luhmanniana que descreve


como a organização consegue manter sua autopoiese (de suas decisões) em condições de
“fascinação”, “orientação” e “compromisso” dos sistemas psíquicos que percebem seu
“desenho” como uma característica perceptível do sistema social.

Na hodierna cultura das redes, o “re-desenho” é orientado pela relação entre a


ampliação de tecnologias de governança e gestão e a adoção de formas mais “sutis” de
comunicação organizada. Mas o ganho comunicacional e tecnológico só tem seu sucesso se
consegue incluir a percepção. Isso fica claro quando se pensa na relação entre o privacy (and
security) by design e o correspondente aumento de capacidade de inclusão (“participação” e
32

“controle”) dos indivíduos (“titulares de dados”) na (auto)regulação (regulada) e


(auto)governança (“responsável”) dos processos comunicacionais. (CAVOUKIAN, 2006).

Assim, ressalta-se que essa (re)organização só é conquistada, hoje, nas organizações,


mediante: a) a mudança dos pontos de referência, da “hierarquia” e o “ambiente” para
“redes” e “projetos”; b) a capacidade de lidar com os “riscos” por meio de conexões em
redes; c) e a de se amparar em um tipo de “inteligência” que, para além dos tradicionais
conhecimentos especializados (teórico e prático), seja capaz de gerar melhores conexões
entre o interno e o externo. (BAECKER, 2006).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proteção de dados é uma temática central para se pensar as problemáticas da atual
cultura das redes. Os novos modos de governança (em rede) e (autor)regulação (regulada)
contemporâneo, quando aplicados à temática da proteção de dados pessoais, mostram toda
a complexidade que a efetividade desse direito carrega. Revela-se, nesse sentido, não só a
intricada relação entre processos políticos, jurídicos e econômicos globais e digitais, como,
também, a dimensão técnica, prática e organizacional da proteção de dados. O Relatório de
Impacto a Proteção de Dados Pessoais pode ser observado como um exemplo de “epicentro”
da reformulação da regulação e governança das questões atuais, no qual a prestação de contas
e a gestão integrada de riscos (de negócios, da informação e dos dados) em sistemas de
governança nas organizações, em um contexto de reestruturação em rede de diversos atores,
pode sustentar não só a proteção de dados pessoais como diversos outros direitos.

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37

ESTUDO INTERPRETATIVO E COMPARADO DAS DIRETRIZES NACIONAIS


E INTERNACIONAIS SOBRE PROGRAMAS DE COMPLIANCE

Bruno Galvão Ferola1


Henrique Starck Malghosian Cantafaro2

Resumo: Nas diversas nações do globo o compliance é compreendido como um instituto


semelhante, mas com pequenas diferenças. Ao presente artigo cabe analisar as sutis
diferenças que existem nas diretrizes nacionais e internacionais sobre Programa de
Compliance com viés de integridade, principalmente em relação ao que dispõe a lei
anticorrupção, a nova lei de licitações, as legislações regionais de Brasília, bem como as
orientações da Controladoria Geral da União e Departamento de Justiça Norte Americano.

Palavra-chave: Programas de Compliance. Estruturação da Governança Corporativa. Ética


Empresarial. Estudo comparado. Diretrizes de implementação.

1 INTRODUÇÃO

O recém publicado Decreto nº 11.129/2022 reacendeu a necessidade de se discutir e


trouxe novamente à tona a importância de um Programa de Compliance. Embora não seja
novo na legislação brasileira, Programas de Compliance são interpretados e estruturados
pelas mais diversas formas guiadas por diretrizes metodológicas distintas. Busca-se com o
presente artigo interpretar e elucidar as entrelinhas das principais leis e diretrizes nacionais
e internacionais, sobre como estruturar um Programa de Compliance com viés de integridade
devidamente eficaz.

A análise finalíssima do artigo é trazer clareza a um tema de pouco entendimento e


de diretrizes claras, qual seja, as principais semelhanças, diferenças e previsões sobre
Programas de Compliance nas mais diversas doutrinas que dispões sobre o tema.

1
Advogado especializado em Compliance. Atuou em empresas relevantes como Banco do Brasil, Pinheiro
Neto, Ambev, Telefônica e PwC. Formado em Direito pela PUC/SP, pós-graduado em Compliance e
mestrando em Direito Público FGV/SP. Advogado inscrito na OAB/SP sob o nº 368.462. Com endereço de e-
mail: bruno.ferola@compliancepb.com.br.
2
Graduado em direito pela Faculdade Metropolitana Unida, Pós-graduando em Direito Empresarial pela
Fundação Getúlio Vargas. Lead Implementer ISO 37001 e 37301. Certificado na matéria pela LEC,
reconhecido CPC-A. Com endereço de e-mail: henrique.starck@compliancepb.com.br.
38

2 DESENVOLVIMENTO
2.1 LEI Nº 12.846/2014 E DECRETO Nº 11.129/2022

O recém publicado Decreto nº 11.129/2022, que regulamenta a Lei nº 12.846/2013


(Lei Anticorrupção), inserida no ordenamento jurídico com objetivo de responsabilizar, na
seara administrativa e civil, pessoas jurídicas pela prática de atos fraudulentos contra a
administração pública, nacional ou estrangeira, foi inserido no ordenamento jurídico com
objetivo de regulamentar matérias como, por exemplo, os parâmetros avaliativos dos
Programas de Integridade, além de estabelecer requisitos para a celebração de acordos de
leniência e a definição dos quesitos para o cálculo de aplicação de sanções.

Nos termos legais, o Programa de Integridade trata-se de um Programa de


Compliance com viés anticorrupção, voltado à prevenção, detecção e remediação de atos
lesivos praticados contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira. O art. 57 e
incisos do decreto elenca os parâmetros de avaliação do Programa de Integridade no tocante
a sua existência e aplicação.

O primeiro parâmetro estabelecido pelo Decreto nº 11.129/2022, refere-se ao


comprometimento da alta direção com relação ao Programa de Integridade (art. 57, inc. I).
O engajamento da alta gerência consiste em um pilar fundamental para que seja disseminada
uma cultura a qual os colaboradores pratiquem condutas éticas.

Observando a importância do respaldo da alta direção para o desenvolvimento do


Programa de Integridade, os seus membros devem adotar boas práticas objetivando
demonstrar o compromisso individual com o desenvolvimento do programa. Uma das ações
fundamentais a ser tomada pela alta gerência corresponde à incorporação nos discursos (para
agentes internos ou externos) sobre o conhecimento dos valores éticos e políticos que
norteiam a organização. Ainda, a alta gerência pode incluir nas pautas de reuniões o diálogo
sobre o Programa de Integridade, com intuito de solidificar sua existência. A alta direção
ainda deve garantir recursos financeiros, humanos e operacionais ao Programa para garantir
sua eficácia.

Os incisos II e III do art. 57 do Decreto nº 11.129/2022 estabelece sobre os padrões


de conduta, Código de Ética, políticas e procedimentos de integridade da organização. A
aplicabilidade dessas políticas e procedimentos atinge os colaboradores da organização e
terceiros (fornecedores, prestadores de serviço, terceirizados, agentes públicos etc.)
39

No que se refere aos padrões de ética e de conduta, é interessante que sejam


compilados em um documento que normalmente será denominado como Código de Ética ou
Código de Conduta. O Código de Conduta visa definir os valores e os princípios da
organização, além de prever condutas adequadas a serem seguidas pelos colaboradores. Essa
ferramenta deve ser clara, aplicável a todos (agentes internos e externos), e precisa ser
acessível ao público-alvo. Vale dizer que é o Código de Conduta que norteia a tomada de
decisões dos colaboradores da organização no desempenho das suas funções cotidianas.

Com relação às políticas e procedimentos de integridade, são mecanismos que visam


a mitigação de riscos e complementam o Código de Ética, também extensíveis a terceiros.
Exemplo destes procedimentos destaca-se a construção de uma política para o oferecimento
de brindes e presentes a um agente público e de relacionamento com a administração pública.

Considerando que no desdobramento do Programa de Integridade serão elaborados


documentos alusivos à conduta dos integrantes da organização, surge a necessidade de
capacitar os colaboradores para que se orientem com a documentação relacionada à
integridade. Logo, uma boa prática empresarial é a realização de treinamentos periódicos,
com o objetivo de comprovar o cumprimento do inciso IV do art. 57 do Decreto nº
11.129/2022.

Além da capacitação periódica dos colaboradores e terceiros, a organização deve


realizar uma análise de riscos periódicas a fim de adotar medidas que mitiguem os riscos
encontrados, nos termos do inciso V do art. 57, do Decreto nº 11.129/2022. O exame de
ameaças à integridade do negócio deve apreciar as especificidades do mercado em que a
organização está inserida, sob a ótica dos atos lesivos previstos no art. 5º da Lei
Anticorrupção. Ainda que seja elaborado um diagnóstico eficaz, os riscos mapeados devem
ser revistos periodicamente, eis que os fatores de riscos de uma organização são mutáveis
com o tempo. A exemplo desta mutabilidade, podemos citar o remanejamento de equipes na
estrutura interna da empresa ou a realização de um novo negócio com a Administração
Pública.

Considerando as múltiplas possibilidades de origem dos riscos, destacam-se os


processos licitatórios, fator de risco natural que traz grande perigo às empresas no que tange
a manutenção da integridade. Nesse sentido, o art. 57 em seu inciso VIII estabelece como
parâmetro de análise de eficácia do Programa de Integridade a adoção de procedimentos que
busquem prevenir fraudes e ilícitos relacionados às licitações. A adoção de medidas
40

preventivas se faz necessárias, vez que o art. 5º da Lei Anticorrupção prevê 7 (sete) hipóteses
de atos lesivos em processos licitatórios. Para tanto, é de suma importância que exista uma
constante fiscalização dos responsáveis por intermediar as ações da organização nesses
processos.

Sequencialmente, segundo o Decreto nº 11.129, a estruturação de um Programa de


Compliance exige que a empresa mantenha registros contábeis detalhados com o máximo
de informações possíveis para evitar irregularidades com relação à sua contabilidade,
evitando que atos lesivos passem despercebidos (art. 57, VI e VII). Para isso, a organização
pode eleger um responsável para monitorar os seus registros ou até mesmo realizar
procedimentos de auditoria externa.

Em relação ao inciso IX do art. 57 do Decreto, ele dispõe que a instância responsável


pelo Programa de Integridade deve ser independente, autônoma e ter acesso direto a alta
gerência. Além disso, determina que a alta direção disponha de recursos financeiros,
materiais e humanos para o pleno desenvolvimento e verificação da eficiência do Programa.

Tratando-se do sucesso do Programa de Integridade, o inciso X do art. 57 explicita a


importância de a organização elaborar um canal de denúncias para a identificação de novos
riscos de integridade. O canal de denúncia deve ser amplamente divulgado e acessível a
todos os colaboradores e terceiros, garantindo seu uso por todos. Não apenas, a organização
deve assegurar total anonimato ao denunciante (é indicado, inclusive, a criação de uma
política de proteção ao denunciante), estimulando o uso do canal por todos.

Observando a estruturação do Programa de Integridade, emerge a necessidade de


criação de medidas disciplinares. É importante instrumento de punição por fraudes, que
atribui ao Programa o valor ético de compromisso às regras, além de trazer efetividade e
aplicabilidade. Nesses termos, o art. 57, inc. XI, do Decreto 11.129 define que a existência
de medidas disciplinares como um parâmetro avaliativo do Programa de Integridade.

O Programa de Integridade também deve conter os procedimentos necessários para


a cessação de irregularidades. A empresa precisa realizar investigações internas para apurar
atos ilícitos, com função de cumprir os princípios do programa (prevenção, detecção e
remediação). A organização deve cooperar com a Administração Pública, comunicando ao
órgão ou ente competente quando encontrar fraudes à Administração através de
investigações, de acordo com o inciso XII do art. 57.
41

Sobre os negócios da organização com terceiros, a forma de mitigar os riscos de


integridade se dá pela realização de diligências prévias (art. 57, XIII, A, B, Decreto nº
8.420/2015). Diligência prévia, popularmente chamada de Due Dilligence, é um mecanismo
investigatório que permite que a organização avalie o histórico do terceiro em relação aos
atos lesivos previstos no art. 5º da Lei Anticorrupção.

Sobre essas diligências, o art. 57, inc. XIV, define como parâmetro de avaliação do
Programa de Integridade a existência e utilização de Due Diligece em processo de fusão,
aquisição ou reestruturação societária, a fim de analisar os antecedentes da pessoa jurídica
adquirida, fusionada ou reestruturada.

Por fim, como último parâmetro de avaliação, o monitoramento do Programa de


Integridade deverá ser realizado de maneira contínua, de acordo com o que prevê o inciso
XV do art. 57 do Decreto. Sendo assim, o acompanhamento deverá inspecionar a efetividade
do Programa, observando aspectos falhos que possam necessitar de ajustes. O controle eficaz
do Programa de Integridade possibilita que a empresa identifique novos fatores de riscos,
surgidos após o Compliance Risk Assessment.

Vale dizer que o antigo decreto anticorrupção (Decreto nº 8.420/2015), continha em


sua redação o inciso XVI, que trazia a necessidade de a empresa exteriorizar as suas doações
aos partidos políticos e candidatos. Essa exigência existia pelo fato de que a imagem da
organização está associada a quem recebe suas benesses, porquanto se cogita a existência de
interesses escusos por trás das doações. Logo, a transparência com políticos e partidos
políticos previnia que a imagem da organização esteja associada à partido ou candidato em
casos de fraude e corrupção.

Contudo, conforme Resolução nº 23.463/2015 do TSE, artigo 25, inciso I, alinhada


à decisão da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.650/DF julgada pelo STF, pessoas
jurídicas estão proibidas de realizar doações políticas, razão pela qual, a partir do ano de
2014, caiu em desuso a aplicação deste inciso e, quando da atualização do Decreto, deixou
de constar na redação legal.

2.2 CONTEXTO DA LEI Nº 12.846 E LEI Nº 14.133/2021 NO QUE TANGE


PROGRAMAS DE INTRGRIDADE

A corrupção é um mal que afeta integralmente a todos. Assola governos, cidadãos e


empresas diariamente, distorcendo a finalidade da melhor alocação de verbas públicas, além
42

de impactar diretamente a atividade empresarial com o superfaturamento de preços, restrição


de negócios, concorrência desleal etc.
Lamentavelmente a corrupção faz parte da cultura das nações, não é algo
exclusivamente brasileiro, em que pese atos de corrupção sempre estarem presentes nos
nossos noticiários.
Os noticiários brasileiros, nestes termos, tiverem importante papel para a
transformação social da realidade cultural brasileira em tratando-se de noções sobre
corrupção, porque foram condutores entre a divulgação massiva de notícias sobre atos
corruptos praticados pelo governo, para com a insatisfação generalizada da população sobre
o tema.
O estopim da insatisfação popular se deu com os Protestos no Brasil em junho de
2013, conhecida também como Insurreição de 2013. Pela visão histórica, estes protestos
eram um movimento popular caracterizado pela mobilização em massa ocorrida
simultaneamente em mais de 500 cidades brasileiras. Dentre as inúmeras reinvindicações
pautadas por estas manifestações, a exigência de uma forte luta governamental contra a
corrupção aparecia como sendo um dos principais temas.
Assim, à época, em regime de urgência, foi sancionada a Lei nº 12.846/2013,
popularmente conhecida como Lei Anticorrupção (“LAC”) ou Lei da Empresa Limpa. A
principal finalidade da lei foi a de estabelecer regras sobre a responsabilização administrativa
e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou
estrangeira.
A LAC prevê uma série de atos lesivos à administração pública nacional ou
estrangeira em seu artigo 5º que, se praticados pela pessoa jurídica, há a sua
responsabilização judicial como manda o art. 18º c.c o art. 19º, além da aplicação de sanções
administrativas previstas no artigo 6º.
Dentre as sanções administrativa, aplicadas via Processo Administrativo
Sancionador, estão previstas a coima de multa entre 0,1% e 20% do faturamento bruto do
último exercício da PJ e a publicação da decisão condenatória em meio de comunicação de
grande circulação.
A previsão legislativa sobre a aplicação de acentuadas multas originou a necessidade
de as pessoas jurídicas implementarem um programa de integridade empresarial. Isto porque,
a LAC dispõe sobre parâmetros que devem considerados pelo órgão sancionador para
dosimetria da pena, atinente à redução, dentre eles “a existência de mecanismos e
43

procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades


e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica”.
Vê-se que a redação contida no art. 7º, inc. VIII, da Lei Anticorrupção, trouxe pela
primeira vez a preocupação do legislador em prever legalmente mecanismos de prevenção e
detecção de atos de corrupção pelas empresas. Este instrumento de prevenção e detecção
trata-se de uma ideia importada da ‘FCPA - Foreign Corrupt Practices Act’ e ‘FCPA –
Resourse Guide’, chamada de Programa de Integridade empresarial, denominado
internacionalmente como ‘Compliance Program’.
A definição brasileira sobre o que é um Programa de Integridade está prevista no art.
56 do Decreto nº 11.129/2022, sendo: “(...) no conjunto de mecanismos e procedimentos
internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação
efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes, com objetivo de: I - prevenir,
detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a
administração pública, nacional ou estrangeira; e II - fomentar e manter uma cultura de
integridade no ambiente organizacional..”
A Lei Anticorrupção Brasileira não estabelece a obrigatoriedade de as empresas
implementarem um programa de integridade, mas recomenda que a tenham. Contudo, há
outras legislações, devidamente mais atualizadas, que taxam a obrigatoriedade das empresas
em implementarem um programa de Compliance robusto e efetivo.
É o caso da Lei nº 14.133/2021, que estabelece as regras gerais para as licitações e
contratos administrativos públicos. A Lei nº 14.133/2021 é a nova lei de licitações, sucessora
da antiga Lei nº 8.666/93.
Sobre ela, a obrigatoriedade da implementação de programas de integridade está
prevista em seu art. 25, §4º, o qual leciona que os editais de licitações de obras, serviços e
fornecimentos de grande vulto3, devem estabelecer que a empresa vencedora implemente
um programa de integridade no prazo de 6 (seis) meses, contado da celebração do contrato
com a administração pública.
Conforme o art. 60, inc. IV, da Lei de Licitações, a existência de Programas de
Integridade também é utilizada como critério de desempate em licitações.

3
Editais de licitação de grande vulto são aqueles com valor estimado igual ou superior a R$ 200 milhões.
44

Além disso, em eventual sanção administrativa, a lei de licitações prevê parâmetros


a serem considerados para a dosimetria das penas pelo órgão sancionador, um deles é a
existência e implementação de um programa de integridade, à luz do art. 156, §1º, inc. V.
Nestes termos, vê-se que a primeira previsão legal sobre Programas de Integridade
foi pelo advento da Lei nº 12.846/2013, de forma não obrigatória. Porém, com o advento da
nova lei de licitações (Lei nº 14.133/2021), esta trouxe a obrigatoriedade de implementação
de Programas de Integridade nas hipóteses de contratação pública de grande vulto. Além
disso, a nova lei de licitações também previu a utilização de Programa de Integridade como
atenuantes de sanções administrativa, de desempate em licitações públicas, entre outras
benesses legais.

2.3 ORIENTAÇÕES DA CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO SOBRE


PROGRAMAS DE INTEGRIDADE

A Controladoria Geral da União – CGU é um órgão do Governo Federal encarregado


de, no âmbito do Poder Executivo Federal, auxiliar diretamente e indiretamente a
administração pública para temas de defesa do patrimônio público e de incremento de
transparência na gestão pública. A CGU realiza atividades eminentemente fiscalizatórias,
estabelecendo controle internos sobre os atos da administração federal de demonstrações
contábeis, além de demandar de forma ampla sobre a auditoria pública, ouvidoria, correição
e de prevenção e combate à corrupção.

Criada em 02 de abril de 2001, a CGU teve seu nome alterado em 2016, chamando-
se de Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União. Atualmente
o órgão retomou o seu nome original, Controladoria-Geral da União.

A Lei n° 10.683/2003, que dispõe sobre a organização da Presidência da República


e dos Ministérios, estabelece no art. 18 a competência funcional da CGU. Dentre as
competências, constam, especialmente, a sua responsabilidade pelo desenvolvimento de
mecanismos de prevenção à corrupção, a atuação em procedimentos e processos
administrativos para exame de suas regularidades, o poderio de decidir sobre representações
e denúncias que receber e, ainda, a possibilidade de proposição de medidas legislativas ou
administrativas com intuito de evitar novas irregularidades por que por ela anteriormente
constatadas.
45

De forma sintetizada, a principal competência da CGU é a de combate a corrupção e


de irregularidade praticadas pela Administração Pública Federal, que se dá através de
auditorias buscando sempre integridade e transparência à gestão pública.

Após a entrada em vigor da Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), a competência


de combate à corrupção da Controladoria Geral da União foi definitivamente consolidada.
Isto porque a lei dispôs que a CGU tem competência concorrente para instaurar Processos
Administrativos de Responsabilização (PAR), para avocar os processos instaurados, além
de corrigir irregularidades aos PARs instaurados e examinar seu andamento (art. 8º, §2º).

A lei também traz como competência da CGU a responsabilidade de instauração de


PARs para ilícitos praticados contra a administração pública estrangeira (art. 9º, caput).
Elenca também a exclusiva competência para celebração de acordos de leniência no âmbito
da administração pública federal e para os atos lesivos praticados contra a administração
pública estrangeira (art. 16, §10º).

A bem verdade é que em tratando-se de combate à corrupção, a CGU é referência


nacional e internacional no tema. Por ser o órgão referendado por lei como gestor do
movimento anticorrupção brasileiro, a CGU também atua como orientador da sociedade e
das autoridades públicas sobre temas relacionados a implementação de um Programa de
Integridade, tanto para empresas públicas quanto privadas, definindo regras sobre o
Programa de Integridade para pequenos negócios, definindo também a metodologia para
avaliação de multas a serem aplicadas no Processo Administrativo Sancionador etc.

Em relação as orientações da Controladoria Geral da União sobre Programas de


Integridade destacam-se o ‘Manual do Programa de Integridade – Diretrizes para empresas
privadas’ e o ‘Manual Prático de Avaliação de Programa de Integridade em PAR’, ambos
construídos com base nas disposições da Lei nº 12.846/2013, do Decreto regulamentador da
Lei Anticorrupção (Decreto nº 8.420/2015 – atual Decreto nº 11.129/2022), Portaria CGU
nº 909/2015, do guia ‘Evaluation of Corporate Compliance Programs’ do United States
Department of Justice – DOJ, e demais diretrizes e normas nacionais e internacionais sobre
o tema.

Em relação ao Manual do Programa de Integridade da CGU, ele estabelece critérios


e diretrizes para que as Empresas Privadas elaborem ou aperfeiçoem os seus Programas de
Integridade. Por tratar-se de uma cartilha educadora, o documento contém explicações sobre
conceitos básicos e avançados sobre o tema de integridade.
46

O Manual define quais são os cinco pilares de um Programa de Integridade sob a


ótica da CGU, elencado como principais o: i) Comprometimento e apoio da alta direção, ii)
Instância responsável pelo Programa de Integridade, iii) Análise de perfil e riscos, iv)
Estruturação das regras e instrumentos, v) Estratégias de monitoramento contínuo.

Sobre os pilares, o guia discorre o Comprometimento da alta direção é fator crucial


para que o Programa de Integridade seja efetivo, porquanto o real compromisso dos C-
LEVEL para com o programa gera uma reação em cadeia em toda a organização, engajando
todos os colaboradores a participarem, colaborarem, e se compromissarem com a
propagação de um ambiente ético e integro, independente do seu nível hierárquico.

Em sequência, o manual descreve que a existência de uma instância responsável pelo


Programa de Integridade é o segundo pilar do programa. Isto pois a imprescindibilidade de
um setor voltado a integridade na empresa é crucial para vitalidade e eficiência do próprio
programa. A CGU entende que para que o Programa de Integridade seja eficaz, a organização
deve garantir autonomia e independência ao agente responsável pelo programa, bem como
que o setor interno designado para manutenção do programa seja munido de recursos
financeiros e humanos suficientes para o bom andamento dos trabalhos de compliance.

Em relação à análise de perfil e riscos, terceiro pilar do Programa de Integridade, a


CGU entende é método mais eficiente para a organização possua autoconhecimento sobre
suas falhas, sobre os seus negócios e, principalmente, sobre os riscos de integridade que está
exposta. A metodologia para realização da análise de riscos, segundo órgão, deve ser baseada
na probabilidade relacionada ao impacto do risco acontecer. A análise deve ser feita de modo
periódico para que o sistema de integridade se retroalimente com informações de melhora e
de como precaver os riscos.

A CGU menciona riscos inerentes a maioria das organizações, como: a) participação


em licitações, b) obtenção de licenças, autorizações e permissões, c) contato com agente
público ao submeter-se a fiscalização, d) contratação de agentes públicos, e) contratação de
ex-agentes públicos, f) oferecimento de hospitalidades, brindes e presentes a agentes
públicos, g) estabelecimento de metas inatingíveis e outras formas de pressão, h)
oferecimento de patrocínios e doações, i) contratação de terceiros, j) fusões, aquisições e
reestruturações societárias.

Sobre a estruturação das regras e instrumentos de um Programa de Compliance,


para melhor entendimento do leitor a CGU divide o tema em subtópicos, sendo: a) Padrões
47

de ética e de conduta; b) Regras, políticas e procedimentos para mitigar os riscos; c)


Comunicação e Treinamento, d) Canais de denúncias, f) Ações de remediação.

O Padrões de ética e conduta são as regras que estabelecem a missão, visão e valores
da organização, são os procedimentos que estabelecem quais condutas são toleradas e quais
são contrárias às diretrizes morais e princípios éticos da empresa, bem como aquelas
contrárias ao ordenamento jurídico nacional e internacional. A materialização destes padrões
se dá, em regra, pela elaboração de um Código de Conduta, que deve ser escrito de forma
clara, concisa e revisado periodicamente para corresponder ao apetite à riscos da
organização, bem como para se atualizar com novas legislações.

As Regras, políticas e procedimentos para mitigar os riscos, também conhecidos


como controles internos, são instrumentos cujo objetivo é a mitigação dos riscos encontrados
após a confecção do risk assessment. Servem para prevenir, detectar e remediar fraudes e
ilícitos que possam prejudicar uma organização. A CGU estabelece que estes instrumentos
devem possuir fácil leitura e acesso, bem como precisam ser adequados a realidade da
organização, a fim de que, postos em prática, sejam cumpridos de modo rígido por todos os
colaboradores.

A CGU sugere a implementação de uma série de políticas, de acordo com as


especificidades de uma organização, como: a) Política de relacionamento com o setor
público, b) Política relativa ao oferecimento de hospitalidade, brindes e presentes a agente
público nacional ou estrangeiro, c) Política relativa a registros e controles contábeis, d)
Política de contratação de terceiros, e) Política sobre fusões, aquisições e reestruturações
societárias, f) Política sobre patrocínios e doações.

Nos termos da CGU, a Comunicação e Treinamento trata-se de elemento essencial


para eficácia concreta do Programa de Integridade. Comunicação e Treinamento são
processos de propagação da cultura de integridade, de ensinamento sobre normas internas e
externas, e direcionamento de condutas para todos os colaboradores e terceiros relacionados
a uma organização. Com a utilização desta metodologia os agentes de integridade garantem
maior eficiência relacionada à diminuição de riscos de integridade da organização, eis que
são as pessoas que praticam condutas ilícitas ou contrárias às diretrizes empresariais.

Por sua vez, os Canais de denúncias, Medidas disciplinares e Ações de remediação


tratam de mecanismos essenciais para fortificar as diretrizes básicas do Programa de
Integridade (Prevenção, Detecção, Remediação). Conforme a CGU, os canais de denúncia
48

devem ser estruturados para que todos os colaboradores e terceiros possam encaminhar
denúncias contra irregularidades, fraudes ou qualquer outra informação que explicite
condutas ilícitas que possam acarretar danos à imagem e reputação da organização. O canal
deve garantir sigilo ao denunciante e prever medidas de não retaliação, garantindo a
confiança e incentivando o público-alvo a sua utilização.

O recebimento de denúncias não pode ser exercido por um único canal de


comunicação. A organização deve tomar conhecimento por outros meios, como: resultados
de auditorias, investigações internas, pelo próprio resultado do programa, denúncias etc.

Após recebida as sanções, a organização deve analisar, avaliar, julgá-las e, sendo o


caso, aplicar penalidades ao infrator, processo conhecido como aplicação de medidas
disciplinares. A aplicação de penalidades é forma de garantir a rigidez e seriedade do
Programa de Integridade, pois se inexistisse a previsão de sanções o seu efeito prático se
esvaziaria.

Por fim, como último pilar do Programa de Integridade, a CGU elenca a estratégia
de monitoramento contínuo. As organizações devem monitorar continuamente o seu
Programa de Integridade como forma de identificar falhas e pontos de melhoria. É
recomendável a realização de uma análise de eficácia de todos os pilares, a fim de que sejam
definidos métricas da real funcionalidade dos controles internos, fato conhecido como KPI
(Key Performance Indicator), em livre tradução: indicador-chave de desempenho.

Retornando a estudo principal, a Controladoria Geral da União também elaborou o


Manual Prático de Avaliação de Programa de Integridade em Processos Administrativos de
Responsabilização. O Manual foi criado para auxiliar os servidores federais, principalmente
aos que comporem a Comissão do PAR (CPAR), a avaliar o programa de integridade da
organização indiciada.

Originalmente, o Decreto nº 8.420/2015, sucedido pelo Decreto nº 11.129,


regulamentou que a existência de um Programa de Integridade é um fator atenuante no
cálculo de sanções administrativas e multas, bem como estabeleceu como sendo concorrente
a competência da autoridade máxima dos órgãos e entes lesados para a instauração do PAR.
Desse modo, existindo elevado número de possíveis julgadores, os critérios avaliativos
poderiam ser subjetivo e desiguais, fazendo-se necessária a criação desse manual pela CGU.
49

O Manual estabelece critérios avaliativos específicos de Programas de Integridade,


baseados nas especificidades do art. 57, incisos, do Decreto 11.129/2022 e na Portaria nº 909
da CGU, que dispõe sobre a avaliação de programas de integridade de pessoas jurídicas.

A metodologia de avaliação da CGU separa três blocos de perguntas categorizadas


por temas relacionados a aspectos do Programa de Integridade, sendo: a) Cultura
organizacional de integridade (COI); b) Mecanismos, políticas e procedimentos de
integridade (MPI); c) Atuação da pessoa jurídica em relação ao ato lesivo (APJ).

Sobre o tema cultura organizacional, as perguntas avaliativas elaboradas visam


entender se o ambiente interno da organização fomenta uma cultura íntegra e que promova
o engajamento de todos os colaboradores em relação ao programa. Em geral, as perguntas
estão relacionadas aos parâmetros estabelecidos pelos incisos I, II, III, IV e IX do artigo 57
do Decreto nº 11.129/2022.

As perguntas relacionadas aos mecanismos, políticas e procedimentos de integridade


possibilitam que a CGU qualifique se os instrumentos de prevenção, detecção e remediação
de atos lesivos à lei anticorrupção foram devidamente aplicados pela organização. Neste
tema as perguntas estão relacionadas aos parâmetros estabelecidos pelos incisos V, VI, VII,
VIII, X, XI, XIII, XIV e XV do artigo 57 do Decreto nº 11.129/2022.

Ao final, para avaliação do Programa de Integridade a GCU averigua a atuação da


pessoa jurídica em relação ao ato lesivo. As perguntas buscam entender a atuação do
Programa de Integridade para prevenir, detectar ou remediar atos lesivos, ainda buscam
entender se a organização sanou as falhas no seu programa que possibilitaram a ocorrência
do ato lesivo. As perguntas que direcionam este tema final estão relacionadas ao parâmetro
estabelecido pelo inciso XII do artigo 57 do Decreto nº 11.129/2022.

2.4 ORIENTAÇÕES DO DEPARTAMENTO DE JUSTIÇA DOS ESTADOS UNIDOS


SOBRE PROGRAMAS DE INTEGRIDADE

O United States Department of Justice – DOJ (em livre tradução: Departamento de


Justiça dos Estados Unidos), é um dos quinze Departamentos Executivos Federais dos
Estados Unidos. O DOJ é chefiado pelo Procurador-geral, indicado pelo Presidente e
confirmado pelo Senado.
50

A competência do DOJ é a de administração da justiça, possuindo o dever de


fiscalização e execução de leis federais, estaduais e municipais. Em regra, o par brasileiro
do DOJ é o Ministério Público.

Com intuito de otimização e ganho técnico em seu trabalho, a DOJ subdivide-se em


setores. Dentre os inúmeros setores4, podemos citar o setor fiscal (tax division), de condutas
anticoncorrenciais (antitrust division), de proteção aos direitos civis (civil rights division),
de repressão às drogas (drugs enforcement division), o criminal (criminal division) etc.

No contexto de combate a corrupção internacional, tratando-se das regras abarcadas


no 15 U.S. CODE § 78dd–1, que é a emenda legal americana conhecida como FCPA -
Foreign Corrupt Practice Act., entende-se que a competência do DOJ para fiscalizar e
executar a referida lei cabe ao criminal division, precisamente ao seu subsetor denominado
Seção de Fraude (Fraud Section – FRD)5.

No ano de 2021, apenas a ‘Fraud Section’ acusou 26 pessoas, além de obter êxito
condenatório em 19 casos relacionados às infrações previstas no FCPA, seja por confissão
ou por julgamento. Vale mencionar o estudo realizado pela KPMG6 concluiu que 30% das
penas aplicadas pelos EUA com base na FCPA, entre os anos de 2016 e 2018, foram
direcionadas a empresas brasileiras, sendo que o valor total dessas multas ultrapassa R$ 7
bilhões, o que reflete a importância do tema para as empresas brasileiras.

Nesse interim, tem-se que competência principal do ‘Fraud Section’ é a de execução


de penas previstas nas leis criminais, em especial aquelas previstas no FCPA. Portanto,
decorrente do natural competência sancionadora surge a necessidade de o ‘criminal division’
parametrizar os critérios avaliativos de um Programa de Compliance, em razão da U.S
Sentencing Guidelines7 determinar que a existência de um Programa de Compliance efetivo
é um fator a ser considerado para a dosimetria das sanções aplicadas com base no FCPA.

O estabelecimento de critérios avaliativos de um Programa de Compliance pelo DOJ


advêm da conjuntura estadunidense que garante poder discricionário ao promotor em
promover o ‘agreement’. Uma das modalidades destes acordos denomina-se ‘non-

4
https://www.justice.gov/agencies/chart.
5
https://www.justice.gov/criminal-fraud.
6
https://appkpmg.com/news/4789/em-linha-com-o-doj.
7
O U.S Sentencing Commission, desde 1984, estabelece critérios de dosimetria de sanções a serem utilizados
pelos juízes e promotores. Este aglomerado de recomendações é compilado no U.S. Sentencing Guidelines
Manual. Os critérios avaliativos de um Programa de Compliance estão contidos no índice § 8B2.1 do manual.
51

prosecution agreement - NPA’, instituto pelo qual permite que o promotor escolha em não
prosseguir com acusações fundamentadas nas infrações ao FCPA, para os casos em que a
empresa investigada tenha admitido a sua responsabilidade pela conduta/fraude, bem como
possua um Programa de Compliance efetivo e conforme às diretrizes do DOJ e U.S
Sentencing Guidelines.

Há, ainda, a possibilidade de celebração de um DPA (Deferred Prosecution


Agreement) ou Plea Bargain8 para as situações em que o DOJ já tenha oferecido uma
acusação formal no tribunal. Nessas modalidades de acordo, o promotor também pode
avaliar a efetividade do Programa de Compliance do acusado com intuito de estabelecer uma
sanção, ou para que determine alterações no Programa de Compliance Corporativo com base
nas diretrizes do DOJ.

Em resumo, as regras de avaliação do programa de compliance, em que pese não


obrigatórias, retiram a subjetividade interpretativa do Promotor, bem como balizam de forma
justa as métricas sancionadoras – redução da multa - e os motivos escolhidos para o não
prosseguimento de acusações relacionados à efetividade de um Programa de Compliance.

Nessa conjuntura, o Departamento de Justiça Americano publicou em 2013 o Guia


de Avaliação de Programas de Compliance Corporativo, denominado ‘Evaluation of
Corporate Compliance Programs’. O referido guia foi atualizado consecutivamente em
2019 e 2020 pelo DOJ.

A recente atualização de 01 de junho de 2020, deu-se com o cunho de aprimorar os


critérios avaliativos de um Programa de Compliance com base nas experiências vivenciadas
pelos promotores do DOJ em investigações criminais por fraudes ao FCPA. Não apenas, a
publicação do guia possui o dissimulado objetivo de orientar as empresas a implementarem
um Programa de Compliance moldado às expectativas e aos requisitos entabulados pelo
DOJ.

O Guia prevê três questões fundamentais a serem analisadas pelo promotor quando
da avaliação de um programa de Compliance, sendo elas: (i) O programa de Compliance foi
bem planejado? (ii) O programa de Compliance está sendo implementado de forma sincera

8
Instituto originado pelo common law. Trata-se de um acordo privado entre a acusação e a defesa. É utilizado
quando após a existência de uma denúncia formal pelo DOJ. Além disso, sua utilização se dá para que o
acusado aceite em se declarar culpado em troca recebendo vantagens, como redução da pena, reduzir número
de crimes imputados, pena alternativa etc.
52

e de boa-fé? Foi implementado de forma eficiente? (iii) O Programa de Compliance é


adequado e funciona na prática?

As perguntas tratam-se de diretrizes interpretativas e, por isso, com intuito de definir


critérios objetivos para avaliação de um Programa de Compliance, o DOJ categorizou
subtemas atinentes à análise, a saber: 1) Avaliação de Riscos; 2) Políticas e Procedimentos;
3) Treinamento e Comunicações; 4) Estrutura para Relatórios Confidenciais e Processo de
Investigações; 5) Gerenciamento de Terceiros; 6) Fusões e Aquisições (M&A); 7)
Compromisso da Administração (Sênior e Intermediária); 8) Autonomia e Recursos; 9)
Incentivos e Medidas Disciplinares; 10) Aprimoramento Contínuo, Testes Periódicos e
Revisão; 11) Investigação de Condutas Não-Apropriadas; 12) Análise e Remediação de
Condutas Não-Apropriadas Subjacente.

As diretrizes elencadas no guia do DOJ consideram os princípios do Compliance


(prevenção, detecção e remediação) como critérios finalísticos para avaliação de um
Programa de Compliance. As perguntas que estruturam o procedimento avaliativo utilizado
pelos promotores estruturam os pilares de um Programa de Compliance.

O ‘Evaluation of Corporate Compliance Programs’ possuiu importante papel de


influência sobre a elaboração de normas brasileiras sobre o tema anticorrupção,
principalmente sobre a elaboração do Decreto nº 8.420/2015, que regulamentou a Lei
Anticorrupção nº 12.846/2013, porquanto o art. 42 da norma utilizou parâmetros
estritamente similares aos determinados pelo DOJ para avaliação de um Programa de
Integridade de empresas sob a lei brasileira.

O guia também motivou a elaboração de cartilhas que tratam sobre a Implementação


do Programa de Compliance, bem como a Portaria da CGU nº 909/2015, que dispõe sobre a
avaliação dos Programas de Integridade da Controladoria Geral da União - CGU.

2.5 LEI Nº 6.112, DE 02 DE FEVEREIRO DE 2018, DECRETO Nº 40.388, DE 14 DE


JANEIRO DE 2020 E PORTARIA DISTRITAL Nº 157, DE 1º DE OUTUBRO DE
2020
O Distrito Federal destaca-se como sendo uma das principais unidades federativas
brasileiras quando o tema é combate à corrupção. O DF detém ampla estrutura técnica e
funcional direcionada ao combate à corrupção, além de possuir diversas regulamentações
53

estaduais que orientam e especializam a unidade, sobressaindo-a em relação às demais


unidades federativas brasileiras no combate à fraude contra a administração pública.

Como exemplo de especialização no assunto cita-se o Departamento de Repressão à


Corrupção – DRCOR, da Polícia Civil do Distrito Federal, autoridade com exímia
experiência investigativa no combate à corrupção. Além disso, merece destaque a
subcontroladoria de Governança e Compliance (SUGOV), vinculada a Controladoria-Geral
do Distrito Federal – CGDF, órgão responsável pelo assessoramento, implementação e
disseminação de diretrizes de governança e compliance na administração pública do Distrito
Federal, e do Fundo de Combate à Corrupção (FDCC), cuja finalidade é de financiar
programas que combatam as práticas ilícitas previstas no art. 1º c.c 5º da lei nº 12.846/2013
(Lei anticorrupção).

No campo legislativo o Distrito Federal foi pioneiro e estritamente rígido quanto à


corrupção. Essa rigidez é demonstrada pela leitura do art. 1º da Lei Distrital nº 6.112, de 02
de fevereiro de 2018, a qual dispôs que qualquer pessoa jurídica que celebrar “contrato,
consórcio, convênio, concessão, parceria público-privada e qualquer outro instrumento ou
forma de avença similar, inclusive decorrente de contratação direta ou emergencial, pregão
eletrônico e dispensa ou inexigibilidade de licitação, com a administração pública direta ou
indireta do Distrito Federal em todas as esferas de poder, com valor global igual ou
superior a R$ 5.000.000,00”, deve obrigatoriedade implementar um Programa de
Integridade.

Os requisitos obrigatórios a constarem em um Programa de Integridade estão


previstos no art. 6º da citada lei, trata-se de previsão que garante a efetividade do Programa
de Integridade conforme às exigências da administração pública.

Doravante, em relação ao art. 7º, é estabelecido que a avaliação do Programa de


Integridade pela administração pública dar-se-á através da análise do ‘Relatório de Perfil’ e
do ‘Relatório de Conformidade do Programa’, a ser apresentado pela pessoa jurídica (art.
7º). Por sua vez o art. 13, inc. I, dispõem sobre a competência funcional do órgão ou ente
responsável pela contratação pública, conferindo-o a competência de fiscalizar de forma
tempestiva, efetiva e conforme às normas a implementação de um Programa de Integridade.

Em que pese o seu poderio executivo, interpretando unicamente a lei nº 6.112/2018,


percebe-se que há uma delimitação às diretrizes gerais dos Programas de Integridade no
54

âmbito do Distrito Federal, permanecendo uma lacuna legal interpretativa quanto aos
parâmetros avaliativos destes programas.

Portanto, com a necessidade do Distrito Federal de regulamentar de forma específica


e menos abrangente as regras avaliativas dos Programas de Integridade, sobreveio a
publicação do Decreto nº 40.388, de 14 de janeiro de 2020, que dispôs sobre os parâmetros
de avaliação dos Programas de Integridade das pessoas jurídicas que celebraram contrato
com a administração pública acima do teto valorativo estabelecido, nos termos da Lei nº
6.112/2018.

Em sua essência, o Decreto determinou como as pessoas jurídicas contratadas pela


administração pública devem elaborar o ‘Relatório de Perfil’ e o ‘Relatório de Conformidade
do Programa’. O decreto estabelece como sendo de competência da Controladoria Geral do
Distrito Federal – CGDF a avaliação dos Programas de Integridade (art. 2, parágrafo único,
art. 3º, parágrafo único e art. 4º do Decreto nº 40.388/2020).

O Anexo I do Decreto indica os tópicos que devem ser abordados pela pessoa jurídica
para elaboração do seu Relatório de Perfil, citamos como principais: a) Indicação dos setores
do mercado em que a Pessoa Jurídica atua; b) apresentação da estrutura organizacional
(hierarquia, competência de todos os seus setores e níveis e processo decisório); estrutura de
governança em forma de organograma; informar se as suas operações precisam de
autorizações de outra pessoa jurídica; informar se já foi condenada administrativamente ou
civilmente por atos de corrupção; c) descrição das suas participações societárias
(controladora, controlada, coligada ou consorciada); d) descrever as interações com a
administração pública, e) informação do quantitativo de colaboradores, f) se utiliza
intermediários para interação com agente público, g) data da instituição do Programa de
Integridade.

Já o Anexo II elenca os tópicos exigidos em um Relatório de Conformidade, sendo


os principais: a) Descrição sobre a cultura organizacional de integridade (Há uma estrutura
de integridade na empresa?); b) Comprometimento da alta direção (Os membros da alta
direção são escolhidos adotando critério de integridade?); c) Informar se a pessoa jurídica
possui uma instância interna responsável pelo Programa de Integridade; d) O código de
conduta existe? É divulgado? São realizados treinamento sobre? e) São realizados
treinamentos? Eles são planejados? Quais os conteúdos dos treinamentos? f) Já foi elaborada
uma matriz de riscos? g) Há políticas específicas destinadas a evitar ilícitos contra a
55

administração pública? Ela é acessível? Há treinamento? h) Ha precisão e a clareza dos


registros contábeis? Quais mecanismos são utilizados para assegurar?

No contexto de evolução legislativa, sequencialmente foi proferida a Portaria nº 157,


em 1º de outubro de 2020, com intuito de indicar e estabelecer os parâmetros e critérios a
serem utilizados pelo servidor da Subcontroladoria de Governança e Compliance da
Controladoria Geral do Distrito Federal – CGDF para avaliar as informações prestadas pela
Pessoa Jurídica no Relatório de Perfil e Relatório de Conformidade.

A Portaria determina que a avaliação do Programa de Integridade deve ser feita por
pontuação. A pontuação máxima de um programa é de 100 (cem) pontos, dividida em 6
(seis) áreas. Sendo 25 pontos para o: a) Comprometimento da Alta Direção e Compromisso
com a Ética; b) 20 pontos para Políticas e Procedimentos; c) 15 pontos para Comunicação e
Treinamento; d) 15 pontos para Análise de Risco e Monitoramento; e) 15pontos para
Transparência e 10 pontos para Canais de Denúncia e Remediação.

A pontuação exigida para que o Programa de Compliance seja considerado adequado


à norma legal é de 70 pontos, ou 40% de pontuação em cada área (art. 4º, §3º).

Em regra, os parâmetros determinados nos Anexos I e II da Portaria assemelhasse


aos estabelecidos no Decreto. Há, todavia, um quadro que se utilizada da metodologia ‘check
the box’ para que o servidor público possa utilizar para avalizar o Programa de Integridade.

3 CONCLUSÃO

Nos termos exposto, percebe-se que a estruturação de Programas de Compliance


pelas normas brasileiras e pelas demais orientações nacionais e internacionais seguem a
mesma linha mestra de estruturação de um Programa. Assim, para que a estruturada de um
Programa de Compliance seja reconhecida peles entes e órgãos públicos ele
obrigatoriamente deve possuir: (i) apoio da alta direção, (ii) avaliação de riscos, (iii)
autonomia e independência do responsável pelo compliance, (iv) controles internos que
mitiguem riscos de suborno, fraude e corrupção, (v) treinamentos a internos e externos, (vi)
avaliação dos riscos de integridade de colaboradores e terceiros, (vii) canal de denúncia e
medidas disciplinares com objetivo de retroalimentar o Programa de Compliance com
indicação de melhorias, e punir qualquer tipo de prática não conforme com a ética, (viii)
56

avaliação de riscos de integridade em processos de fusão e aquisição, e, por fim, (ix)


monitoramento contínuo e retroalimentação de todas as etapas anteriores.

As diferenças encontradas no estudo se convergem na faculdade e obrigatoriedade


de implementação de um Programa de Compliance pelas pessoas jurídicas. A regra geral é
a faculdade de implementação de um Programa, contudo a regionalização das leis que
debandam sobre a contratação com a administração pública, torna obrigatória a
implementação de Programas de Compliance caso a contratação pública exceda
determinados valores.

REFERÊNCIAS

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INTEGRIDADE. [S. l.], 2020. Disponível em: <https://clickcompliance.com/papel-alta-
direcao-compliance/#:~:text=A%20cultura%20de%20compliance%20fica,
a%20Organiza%C3%A7%C3%A3o%2C%20de%20forma%20inequ%C3%ADvoca>.
Acesso em: 25 out. 2022.

FACHINI, Tiago. Due diligence: o que é, tipos e como fazer. [S. l.], 17 jan. 2022.
Disponível em: <https://www.projuris.com.br/o-que-e-due-diligence/>. Acesso em: 25 out.
2022.

GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. Lei nº 6.308, de 13 de junho de 2019. Altera a


Lei nº 6.112, de 2 de fevereiro de 2018, que dispõe sobre a obrigatoriedade da implantação
do Programa de Integridade nas empresas que contratarem com a Administração Pública do
Distrito Federal, em todas esferas de Poder, e dá outras providências. [S. l.], 13 jun. 2019.
Disponível em: <http://www.sinj.df.gov.br/sinj/Norma/a451f853649a4ecc8931491b970bc
149/Lei_6308_2019.html#txt_bc752e56ee514c8528021f910b00029a>. Acesso em: 25 out.
2022.

GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. Decreto nº 40.388, de 15 de janeiro de 2020.


Dispõe sobre a avaliação de programas de integridade de pessoas jurídicas que celebrem
contratos, consórcios, convênios, concessões ou parcerias público-privadas com a
administração pública direta ou indireta do Distrito Federal, de acordo com a Lei nº 6.112,
de 02 de fevereiro de 2018. [S. l.], 15 jan. 2020. Disponível em:
<http://www.sinj.df.gov.br/sinj/
Norma/086e6cf411324809973472ec9f54060a/Decreto_40388_14_01_2020.html>. Acesso
em: 25 out. 2022.

GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. Portaria nº 157, de 15 de outubro de 2020.


Dispõe sobre os procedimentos e diretrizes de avaliação quanto à aplicação e efetividade dos
programas de integridade das pessoas jurídicas que celebrem contrato, consórcio, convênio,
concessão, parceria público-privada e qualquer outro instrumento ou forma de avença
57

similar, inclusive decorrente de contratação direta ou emergencial, pregão eletrônico e


dispensa ou inexigibilidade de licitação, com a administração pública direta ou indireta do
Distrito Federal em todas as esferas de poder, de acordo com a Lei nº 6.112, de 2 de fevereiro
de 2018, e dá outras providências. [S. l.], 15 out. 2020. Disponível em:
<http://www.sinj.df.gov.br/sinj/
Norma/c9595a7c6e3c4d73ba1059db9a6388bf/cgdf_prt_157_2020_rep.html>. Acesso em:
25 out. 2022.

GUIA anual de conformidade e tendências de aplicação da FCPA Foreign Corrupt Practices


Act. [S. l.], 7 abr. 2017. Disponível em:
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Disponível em: <https://www.paulhastings.com/insights/client-
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com o U.S DOJ (NPA, DPA, Plea Agreement). [S. l.], 18 ago. 2021. Disponível em:
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PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA SECRETARIA-GERAL. Decreto nº 11.129, de 11 de


julho de 2022. Regulamenta a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, que dispõe sobre a
responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a
administração pública, nacional ou estrangeira. [S. l.], 11 jul. 2022. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/Decreto/D11129.htm>.
Acesso em: 25 out. 2022.

WIKIPEDIA. Departamento de Justiça dos Estados Unidos. [S. l.], 202?. Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Departamento_de_Justi%C3%A7a_dos_Estados_Unidos>.
Acesso em: 25 out. 2022.
58

ESG E DIREITOS HUMANOS: A APLICAÇÃO NAS RELAÇÕES DE


TRABALHO

Caroline Albuquerque Cabrera1

Resumo: O artigo em questão analisa a relação entre os Direitos Humanos e a governança


global das empresas, especialmente através do conceito de Environmental, Social and
Corporate Governance (ESG). O objetivo é compatibilizar os princípios de ESG com o
Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 8 da Agenda 2030 da ONU, que aborda o
trabalho decente e o crescimento econômico. O texto destaca a importância da evolução
constante dos Direitos Humanos para a manutenção de uma sociedade justa e sustentável,
com foco na proteção da vida humana e no trabalho. Nesse sentido, a aplicação dos
princípios de ESG pode garantir aprimoramento das condições de trabalho, a proteção dos
trabalhadores e o investimento em soluções que reduzam os riscos físicos, morais e
psicológicos.
Palavras-chave: Sustentabilidade. ESG, Direitos Humanos. Relações de trabalho.

INTRODUÇÃO

As relações de trabalho têm sido objeto de observação e estudo ao longo da história,


dada a sua importância na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. As condições
de trabalho e as relações entre empregadores e empregados têm um impacto direto na
qualidade de vida dos trabalhadores, na produtividade e competitividade das empresas e,
consequentemente, no desenvolvimento econômico e social do país.

O art. 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos traz como um direito do ser
humano a liberdade de escolher o que irá exercer, desde que em condições equitativas e
satisfatórias e protegido contra o desemprego.

De tal comando podemos perceber que é direito do trabalhador receber tratamento


respeitoso e digno, de auferir remuneração justa e adequada, de trabalhar em condições
saudáveis e seguras e de ter acesso a oportunidades de desenvolvimento pessoal e
profissional. Por outro lado, é uma obrigação da sociedade garantir que esses direitos sejam
respeitados e promovidos em todas as esferas da vida econômica e social e é de
responsabilidade das empresas a adoção de práticas de gestão responsáveis, respeitando os

1
Advogada inscrita na OAB/RS nº 109.622 e tutora de pós-graduação, pós-graduada em Direitos Difusos e
Coletivos. Cursando pós-graduação em Direito Trabalhista e Direito Processual Trabalhista. E-mail:
carolinealbc@gmail.com.
59

direitos trabalhistas e promovendo a diversidade, a inclusão e a participação dos


trabalhadores em todas as etapas do processo produtivo.

A integração econômica, social, cultural e política resultante da globalização - um


processo histórico decorrente da inovação humana e do avanço tecnológico - aumentou a
complexidade dos negócios e fomentou uma maior competitividade entre as empresas.

A globalização, como um processo histórico decorrente da inovação humana e do


avanço tecnológico, trouxe à tona as lacunas resultantes da exploração ambiental e de um
sistema desigual de distribuição de riquezas, demandando novas abordagens para o
desenvolvimento econômico-social. A conjuntura econômica global atual, aliada a esses
fatores, evidencia a necessidade de novos referenciais na gestão dos negócios e de uma
abordagem mais inovadora, que possa ser aplicada na contemporaneidade.

Cada vez mais as empresas estão reconhecendo que as boas práticas ambientais,
sociais e de governança (ESG) podem trazer resultados positivos e estão incorporando esses
conceitos em seus planos de gestão. O objetivo é melhorar a competitividade, uma vez que
as grandes companhias não podem mais ignorar o impacto ambiental e social de suas
atividades e devem tomar decisões considerando esses fatores além do lucro.

A adoção de práticas ESG pelas empresas tem impactos significativos nas relações
trabalhistas, uma vez que a empresa passa a desempenhar um papel social importante ao
contribuir para a promoção do desenvolvimento sustentável e para o fortalecimento da
legislação trabalhista.

1 ESG e a Responsabilidade Social Empresarial

A sigla ESG teve origem em 2004, em uma publicação intitulada "Who Cares Wins",
produzida pelo Pacto Global em conjunto com o Banco Mundial. A ideia surgiu a partir de
um desafio lançado por Kofi Annan, secretário-geral da ONU, a 50 CEOs de grandes
instituições financeiras para integrar fatores sociais, ambientais e de governança no mercado
de capitais.

Nessa mesma época, a UNEP-FI divulgou o relatório Freshfield, que destacava a


importância da incorporação de fatores ESG na avaliação financeira. Em 2006, foi lançado
o PRI (Princípios do Investimento Responsável), que hoje conta com mais de 3 mil
60

signatários e gerencia ativos que ultrapassam USD 100 trilhões. Desde a sua criação, o PRI
registrou um crescimento de cerca de 20% em 2019.

A base teórica e a justificativa conceitual de grande parte dos estudos de ESG é a


Responsabilidade Social Empresarial (RSE) ou Responsabilidade Social Corporativa (RSC).

A implantação de práticas de responsabilidade social empresarial é sempre


desafiadora, devido à diversidade de questões que envolvem direitos, obrigações e
expectativas de diferentes públicos internos e externos à empresa. Além disso, diferentes
perspectivas sobre a relação da empresa com a sociedade e o meio ambiente podem
complicar ainda mais a situação. Tudo isso é realizado simultaneamente com as atividades
econômicas da empresa, que visam alcançar resultados favoráveis. Para lidar com essa
complexidade, uma abordagem bem-sucedida tem sido a desagregação dos componentes do
problema, conforme proposto por Carroll, um dos principais defensores da responsabilidade
social empresarial, cuja obra tem sido uma fonte inesgotável de inspiração.2

A responsabilidade social empresarial é uma abordagem na qual as empresas levam


em consideração as expectativas da sociedade em relação a sua atuação, e incorporam
práticas e políticas que vão além do simples cumprimento da lei e da maximização dos
lucros. Essas práticas e políticas podem abranger questões ambientais, sociais e de
governança, que fazem parte do conceito mais amplo de ESG.

De acordo com a lição de Barbieri3:

A definição de responsabilidade social empresarial compreende as expectativas


econômicas, legais, éticas e discricionárias que a sociedade tem em relação às
organizações em dado período.

A justificativa conceitual para a RSE se baseia na ideia de que as empresas têm um


papel importante na sociedade e que devem contribuir para o bem-estar social e para a
sustentabilidade do planeta. Além disso, a RSE pode trazer benefícios para a própria
empresa, como a melhoria da imagem e reputação, a atração e retenção de talentos, a
fidelização de clientes e a redução de riscos e custos operacionais.

A RSE é uma abordagem que evoluiu ao longo do tempo, e hoje é vista como uma
forma de gerenciamento estratégico que pode contribuir para a criação de valor a longo

2
BARBIERI, José Carlos Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável: da teoria à prática / José
Carlos Barbieri, Jorge Emanuel Reis Cajazeira. - 3. ed. - São Paulo: Saraiva, 2016, p. 66.
3
BARBIERI, José Carlos Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável: da teoria à prática / José
Carlos Barbieri, Jorge Emanuel Reis Cajazeira. - 3. ed. - São Paulo: Saraiva, 2016, p. 66.
61

prazo, tanto para a empresa como para a sociedade em geral. A integração de práticas ESG
nas empresas é uma das principais formas de implementar a RSE na prática.

Embora a ideia só tenha se popularizado nos últimos anos, a pesquisa sobre o tema
foi iniciada em 1953 por Howard Bowen, além das fundações caritativas criadas pelos
empresários John D. Rockefeller, Henry Ford e Andrew Carnegie na década de 1920.

Howard Bowen em "Social Responsibilities of the Businessman"4 definiu a


responsabilidade social das corporações como a obrigação de perseguir políticas, tomar
decisões e seguir linhas de ação que estejam em consonância com os objetivos e valores
desejáveis pela sociedade. Ele estabeleceu a associação entre as operações em larga escala
das corporações e seus diversos impactos na sociedade como um todo.

A partir daí a discussão sobre a responsabilidade social das empresas evoluiu e


expandiu para além da filantropia, abrangendo questões como ética nos negócios, meio
ambiente, direitos humanos, diversidade e inclusão, entre outras. Atualmente, a
responsabilidade social das empresas é vista como uma dimensão importante da
sustentabilidade empresarial, que envolve não apenas a gestão de riscos, mas também a
busca por oportunidades de criar valor compartilhado para a empresa e a sociedade.5

2 ESG e os objetivos de Desenvolvimento Sustentável para as relações de trabalho

Ao longo da história, o trabalho foi visto como uma relação desigual em que o mais
forte explorava o mais fraco. Essa visão foi perpetuada pelo significado original da palavra
"trabalho", que está associado ao sofrimento e à escravidão. No entanto, com a evolução dos
direitos humanos e a conscientização da importância do ser humano para a natureza e a
sociedade, o respeito à pessoa e aos seus direitos tornou-se um valor universal. Isso garante
uma existência digna dentro da sociedade estabelecida.6

Em 2015, a ONU estabeleceu a Agenda 2030 como uma nova proposta de


desenvolvimento sustentável para os próximos 15 anos. Essa agenda é uma iniciativa

4
BOWEN, H. Social Responsabilities of the Businessman New York, 1953.
5
BITTENCOURT, Epaminondas. Carrieri, Alexandre. Responsabilidade social: ideologia, poder e discurso
na lógica empresarial. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0034-75902005000500001>. Acesso em 19
fev. 2023.
6
ALECRIM, Renata Gondim. A conciliação entre trabalho decente e crescimento econômico na agenda 2030
da ONU: a responsabilidade das empresas privadas em tempos de modernidade líquida. Revista FIDES:
Revista de Filosofia do Direito, do Estado e da Sociedade, Natal, v. 11, n. 1, 16 jul. 2020. Disponível em:
<http://www.revistafides.ufrn.br/index.php/br/article/view/469/483>. Acesso em: 20 fev. 2023.
62

conjunta que envolve países, empresas, instituições e sociedade civil. Os 17 Objetivos de


Desenvolvimento Sustentável (ODS) foram criados para promover o respeito aos direitos
humanos, combater a pobreza, a desigualdade e a injustiça, promover a igualdade de gênero
e o empoderamento feminino, enfrentar as mudanças climáticas e superar os maiores
desafios de nossa época. O setor privado, como principal detentor do poder econômico e
impulsionador de inovações e tecnologias, tem um papel fundamental nesse processo,
atuando como influenciador e engajador de diversos públicos, como governos, fornecedores,
colaboradores e consumidores.7

As metas de sustentabilidade delineadas pela ONU em 2015 representam o principal


roteiro que as empresas devem seguir atualmente para incorporar práticas ESG. Essas metas
condensam os dilemas socioambientais e de governança da nossa época, os quais só poderão
ser resolvidos com a participação ativa das empresas.8

A Agenda 20309 da ONU representa um marco na evolução da busca por um mundo


mais justo e sustentável, composta por 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável que
visam erradicar a pobreza e garantir uma vida digna para todos, sem prejudicar o planeta. A
agenda promove valores como o trabalho decente e o crescimento econômico sustentável,
buscando garantir a qualidade de vida não apenas da atual, mas também das próximas
gerações.

A implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da


Organização das Nações Unidas (ONU) é um dos fundamentos das relações internacionais
e dos direitos humanos. O objetivo 8 dos ODS destaca a necessidade de promover um
crescimento econômico sustentável, inclusivo e duradouro, que se reflita no emprego pleno
e produtivo de trabalho decente para todos. Isso requer uma importante integração entre
educação e geração de renda.10

As empresas desempenham um papel crucial na geração de riqueza, desenvolvimento


e progresso de uma nação. Embora a teoria microeconômica neoclássica sustente a produção

7
PACTO GLOBAL. Entenda melhor os ODS. São Paulo: Pacto Global, 2023. Disponível em:
<https://www.pactoglobal.org.br/ods>. Acesso em 10 fev. 2023.
8
<https://www.pactoglobal.org.br/pg/esg>. Acesso em 10 fev. 2023.
9
<https://www.pactoglobal.org.br/ods>. Acesso em 10 fev. 2023.
10
Szczepanik, Dayanne Marciane Gonçalves. Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 8: Trabalho Decente
e Pleno Emprego. Disponível em:
<http://anpad.com.br/uploads/articles/120/approved/ae3a12e662884604c069b4dfc5a13afd.pdf>. Acesso em
20 fev. 2023.
63

racional para maximização dos resultados, a visão sobre a empresa atualmente vai muito
além de uma perspectiva meramente econômica. A sustentabilidade empresarial não se
limita a questões financeiras, mas também envolve responsabilidades sociais e ambientais.
Ao adotar práticas sustentáveis, as empresas podem contribuir para a realização dos ODS,
além de garantir sua própria longevidade e sucesso a longo prazo.11

No que tange ao Brasil, é necessário realizar uma análise conjuntural que leve em
conta as potencialidades, bem como a recente crise financeira e as possíveis consequências
das novas políticas aplicadas desde 2016, para prever as chances do país atingir os ODS da
Agenda 2030 da ONU. As condições para cumprir os compromissos assumidos ficaram
bastante comprometidas, principalmente após a adoção de uma política de austeridade que
impôs um rígido teto para gastos sociais, resultando em cortes orçamentários superiores a
50% em diversas áreas e reformas que agravaram a exclusão social e aumentaram as
desigualdades.12

Um exemplo concreto da política de austeridade implantada é a Emenda


Constitucional (EC) nº 95, aprovada em 2016, que estabeleceu um novo regime fiscal por
20 anos, até 2036 (BRASIL, 2016). Essa EC limitou os gastos e investimentos públicos,
especialmente na área social. O governo da época defendeu a aprovação da medida como a
única capaz de impulsionar o crescimento econômico no país, alegando que a economia teria
quebrado devido ao comportamento fiscal irresponsável do governo anterior.13

No entanto, dados do IBGE (2022)14 sobre o desemprego no terceiro trimestre de


2022 mostram que essas medidas ainda não produziram o efeito desejado: 9,5 milhões de
brasileiros seguem desempregados, com uma taxa de desocupação de 8,7%.

11
FILHO, Hélio Afonso de Aguilar. FILHO, Hermógenes Saviani. A EVOLUÇÃO DA MACROECONOMIA
MODERNA ENTRE PERSPECTIVAS: EM BUSCA DE UMA SISTEMATIZAÇÃO. Disponível em
<https://doi.org/10.1590/198055272121>. Acesso em 10 fev. 2023.
12
VIEIRA, Igor Laguna; AIRES, Christiane Florinda De Cima; MATTOS, Ubirajara Aluizio de Oliveira;
SILVA, Elmo Rodrigues da. As condições de trabalho no contexto dos Objetivos do Desenvolvimento
Sustentável: os desafios da Agenda 2030. Disponível em: <http://osocialemquestao.ser.puc-
rio.br/media/OSQ_48_Art_13.pdf >. Acesso em 10 fev. 2023.
13
MARIANO, Cynara Monteiro Mariano. Emenda constitucional 95/2016 e o teto dos gastos públicos: Brasil
de volta ao estado de exceção econômico e ao capitalismo do desastre. Disponível em:
<https://doi.org/10.5380/rinc.v4i1.50289>. Acesso em 10 fev. 2023.
14
IBGE. Desemprego. Disponível em: <https://www.ibge.gov.br/explica/desemprego.php>. Acesso em 26 fev.
2023.
64

3 ESG, direitos humanos e as relações de trabalho

Os direitos humanos e o direito do trabalho estão intimamente relacionados. Os


direitos humanos são fundamentais para garantir a dignidade da pessoa humana e devem ser
respeitados em todas as áreas da vida, incluindo o ambiente de trabalho. O direito do
trabalho, por sua vez, é responsável por regular as relações trabalhistas e garantir que os
direitos dos trabalhadores sejam protegidos.

Conforme preleciona Goudinho15 “o Direito do Trabalho é, pois, produto cultural do


século XIX e das transformações econômico-sociais e políticas ali vivenciadas”, com o
objetivo de melhorar a condição social do trabalhador, equilibrando as disparidades entre o
capital e o trabalho e, acima de tudo, protegendo a dignidade humana dos trabalhadores.
Ademais, enfatizou-se a importância dos valores sociais do trabalho como alicerce para uma
sociedade justa e solidária.

Os valores sociais do trabalho são tão importantes no ordenamento jurídico que sua
proteção não engloba somente o trabalhador celetista, mas se estende ao autônomo e ao
empregador, enquanto empreendedor do crescimento do país.16

No âmbito laboral podemos afirmar que há uma estreita relação dos Direitos
Humanos com relação aos trabalhadores. Essa relação pode ser analisada por perspectivas
interseccionais: constitucional, filosófica e sociológica. Em todas elas podemos afirmar que
partimos sempre de um elemento central: o conceito de dignidade da pessoa humana.

Na lição de Plá Rodriguez17 o fundamento do princípio protetor:

está ligado à própria razão de ser do Direito do Trabalho. Historicamente, o Direito


do Trabalho surgiu como consequência de que a liberdade de contrato entre
pessoas com poder e capacidade econômica desiguais conduzia a diferentes
formas de exploração. Inclusive as mais abusivas e iníquas. O legislador não pôde
mais manter a ficção de igualdade existente entre as partes do contrato de trabalho
e inclinou-se para uma compensação dessa desigualdade econômica desfavorável
ao trabalhador com uma proteção jurídica a ele favorável. O Direito do Trabalho
responde fundamentalmente ao propósito de nivelar desigualdades.

O princípio da dignidade da pessoa humana é um valor fundamental que se aplica


como uma norma geral indiscutível para todos os direitos, portanto é um princípio do Direito,

15
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da
reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores—Mauricio Godinho Delgado. — 18.
ed.— São Paulo: LTr, 2019, p. 99.
16
SCHIAVi, Mauro. Proteção jurídica à dignidade da pessoa humana do trabalhador. Disponível em:
<https://www.lacier.com.br/cursos/artigos/periodicos/protecao_juridica.pdf >. Acesso em 10 fev. 2023.
17
RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 3. Ed.- São Paulo, LTr, 2000, p. 85.
65

estando presente nas Constituições de diversos países. Trata-se de um conceito amplo e


complexo, que envolve a ideia de que todas as pessoas possuem um valor intrínseco, que
deve ser respeitado e protegido em todas as esferas da vida. A dignidade da pessoa humana
está diretamente ligada aos direitos humanos, à liberdade e à igualdade, e implica no
reconhecimento da autonomia e da individualidade de cada ser humano.

Conforme preleciona Alexandre de Morais18:

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta


singularmente na autodeterminação Consciente e responsável da própria vida e
que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, construindo-
se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo
que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos
direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que
merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

No contexto empresarial e das relações de trabalho, a dignidade da pessoa humana é


um dos pilares do programa ESG, sendo essencial para a promoção de uma cultura
organizacional que valorize o bem-estar dos colaboradores, fornecedores e demais partes
interessadas. Isso envolve a promoção de condições de trabalho justas e equitativas, a
eliminação de práticas discriminatórias, a proteção dos direitos humanos, entre outras
medidas que visem a garantir a dignidade de todas as pessoas envolvidas na cadeia produtiva.

A dignidade da pessoa humana esta diretamente relacionada à responsabilidade


social das empresas, uma vez que estas têm o dever de contribuir para o desenvolvimento
econômico e social das comunidades em que estão inseridas, de forma a garantir o bem estar
e a qualidade de vida das pessoas. Para isso, é necessário que as empresas sejam sensíveis
às demandas sociais e estejam comprometidas com a promoção da justiça social, da
igualdade e da solidariedade, valores que são intrinsecamente ligados à dignidade da pessoa
humana.

Enquanto há apoiadores da desregulamentação do Direito do Trabalho e de áreas


correlatas, outros propõem uma nova interpretação desse ramo do Direito, fundamentada nos
direitos fundamentais para assegurar a dignidade humana dos trabalhadores.19

É nesse ponto que a aplicação de um conceito ESG demonstra sua importância. É


através da agenda ESG que podemos vislumbrar a possibilidade de aprimorar as condições

18
Moraes, Alexandre de Direitos humanos fundamentais : teoria geral, comentários aos arts. 1" a 5" da
Constituição da Republica Federaliva do Brasil, doutrina e jurisprudência / Alexandre de Moraes. - 5. ed. - Sao
Paulo : Atlas, 2003, pag. 59.
19
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2019.
66

do ambiente de trabalho, através da proteção adequada dos trabalhadores, com investimento


em soluções que reduzam os riscos físicos, morais ou psicológicos. 20

Além disso, a aplicação da agenda ESG pode promover a diversidade cultural, étnica,
social e de gênero dentro do ambiente corporativo, que também se demonstra fundamental.
Essas são apenas algumas das diversas medidas que podem ser adotadas para melhorar o
ambiente de trabalho.

De acordo com o IBGE21 em 2019, as mulheres receberam 77,7% ou pouco mais de


¾ do rendimento dos homens.

E não é só com relação ao gênero que a desigualdade permanece, a questão racial


segue sendo um problema enraizado no país de acordo com o IBGE22:

A desagregação por cor ou raça mostra que, dentre o total de pessoas ocupadas, a
proporção da população de cor ou raça branca era 45,2%, e a de preta ou parda
53,8%, resultados próximos aos encontrados para a população na força de
trabalho. (Tabela 1.1). Entretanto, o olhar por atividades econômicas revela a
segmentação das ocupações e a persistência da segregação racial no mercado de
trabalho. A presença de pretos ou pardos é mais acentuada na Agropecuária
(59,5%), na Construção (66,2%) e nos Serviços domésticos (66,8%), justamente
atividades que possuíam rendimentos inferiores à média em todos os anos da série.
Já Informação, atividades financeiras e outras atividades profissionais e
Administração pública, educação, saúde e serviços sociais, cujos rendimentos
foram bastante superiores à média, foram os agrupamentos de atividades que
contaram com maior participação de pessoas ocupadas de cor ou raça branca.

Assim sendo, considerando a persistência de problemas sociais amplamente


discutidos e a necessidade de medidas para superá-los, fica o convite para que todos os
membros da sociedade contribuam para uma convivência saudável, duradoura e socialmente
responsável. O trabalho deve continuar por meio do diálogo, da visibilidade e da luta pela
implementação dos direitos humanos.

Assim, é nítido que a adoção de medidas fundamentadas no princípios ESG ajudam


na efetivação de direitos constitucionais e humanos. O artigo 1º, incisos III e IV, da
Constituição Federal estabelece a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do
trabalho como fundamentos do Estado Democrático de Direito. Já o artigo 3º, III e IV, define

20
SANTOS, Filipe C. P.; CASTRO, Fabrício; ARAÚJO, Thiago P. Responsabilidade social empresarial,
governança corporativa e ESG: uma revisão da literatura. Revista Eletrônica de Ciência Administrativa
(RECADM), v. 19, n. 2, p. 235-254, 2020. Disponível em:
<http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/recadm/article/view/53395/30429>. Acesso em: 27 fev. 2023.
21
IBGE. Estatísticas de Gênero, indicadores sociais das mulheres no Brasil. Disponível em:
<https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101784_informativo.pdf >. Acesso em 25 fev. 2023.
22
IBGE. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2022 /
IBGE, Coordenação de População e Indicadores Sociais. - Rio de Janeiro: IBGE, 2022.
67

como objetivos da República Federativa do Brasil a erradicação da pobreza e da


marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de
todos, sem qualquer tipo de preconceito, seja ele de origem, etnia, sexo, cor, idade ou
qualquer outra forma de discriminação.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os Direitos Humanos são fundamentais para a construção de uma sociedade justa e


equitativa, que respeita e promove a dignidade humana em todas as suas formas. Dessa
forma, eles estão em constante evolução e exigem o comprometimento de todos os atores
sociais na sua concretização e proteção ao longo do tempo, incluindo o direito ao trabalho.

Com o objetivo de promover a sustentabilidade empresarial e a responsabilidade


social corporativa, foi desenvolvido o conceito de Environmental, social and Corporate
Governance (ESG), que busca avaliar a performance das empresas em relação a critérios
ambientais, sociais e de governança corporativa. Esses critérios buscam assegurar a
sustentabilidade e a justiça social nas atividades empresariais, visando ao desenvolvimento
sustentável.

Nesse contexto, é importante destacar a relação entre os direitos humanos e o ESG.


A proteção dos direitos humanos está diretamente relacionada aos critérios de governança
corporativa, pois empresas que adotam práticas responsáveis e sustentáveis têm maior
probabilidade de respeitar os direitos humanos em suas atividades. Isso significa que
empresas que se preocupam com questões ambientais, sociais e de governança corporativa,
geralmente promovem um ambiente de trabalho mais seguro e justo para seus colaboradores.

Dessa forma, a implementação de práticas ESG nas empresas pode contribuir


significativamente para a garantia dos direitos sociais, especialmente o direito ao trabalho,
previsto no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 8 da Agenda 2030 da ONU. Além
disso, a adoção dessas práticas pode ajudar a promover a equidade social e a proteção do
meio ambiente, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e sustentável.
68

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http://osocialemquestao.ser.puc-rio.br/media/OSQ_48_Art_13.pdf. Acesso em 25 Fev.
2023.
71

COMPLIANCE E LGPD – ASPECTOS CONEXOS E RELEVANTES

Fábio Böckmann Schneider Ph.D1

Resumo: O artigo discorre sobre Compliance e LGPD, abordando aspectos conexos e


relevantes para a gestão e governança das empresas, instituições e organizações quando
implementados de forma consistente, continua e customizada, diminuem os riscos de
insucesso, rentabilizam os resultados, colaboram com a obtenção dos objetivos, com a
perenidade das atividades, e com a boa reputação empresarial, institucional e das
organizações, e geram impactos sociais e ambientais positivos.
Palavras-chave: LGPD. Compliance. Governança. Ética. Reputação.

Abstract: The article discusses compliance and LGPD, addressing related and relevant
aspects for the management and governance of companies, institutions and organizations
when implemented in a consistent, continuous and customized way, they reduce the risks of
failure, monetize the results, collaborate with the achievement of objectives , with the
continuity of activities, and with a good corporate, institutional and organizational
reputation, and generate positive social and environmental impacts.
Keywords: LGPD, compliance, management, governance, ethics, reputation.

INTRODUÇÃO

Os negócios e os investimentos no século 21, estão cada vez mais condicionados a


padrões éticos, ambientais e de governança. Tais padrões decorrem de uma série fatores
sociológicos, históricos, jurídicos, políticos, e complexidades contextuais que não serão
esmiuçadas nesse artigo. Em apertada síntese, em nível introdutório, pode – se afirmar a
existência de um consenso de que padrões de boa governança, éticos e socialmente
inclusivos quando aplicados aos investimentos e as empresas, diminuem os riscos de
insucesso, rentabilizam os investimentos, colaboram com a boa reputação empresarial, com
a perenidade dos negócios, e geram impactos sociais positivos. O conceito ESG2, destaca –

1
Doutor em Ciência Política pela UFRGS, Advogado, Professor Universitário, Conferencista, Escritor.
Membro das Comissões de Relações Internacionais da OAB, e do IAB, veja mais em
http://lattes.cnpq.br/2747660806042611.
2
O termo ESG, a sigla em inglês “Environmental, Social and Governance“, representa uma mudança de
paradigma nas relações entre as empresas e seus investidores, já que as melhores práticas tradicionalmente
associadas à reputação, meio ambiente, impacto social e sustentabilidade passaram a ser consideradas como
parte da estratégia empresarial.
72

se socialmente pela sua importância para os negócios, e os investimentos, em síntese, agir


com ética seria um compromisso incontornável.

Importante destacar que o ESG, vem se ampliando e permeando variadas relações,


não somente entre as empresas e investidores, no âmbito privado, mas também nas relações
entre os entes públicos e privados, e nos tratados e acordos internacionais. Somente para
exemplificar no Acordo comercial de livre comercio MERCOSUL – UE, subsistem diversas
disposições acerca da boa governança, da preservação do meio ambiente, e da necessidade
de impactos sociais positivos. É sabido, e bem documentado em diversas épocas, diversos
países, em variados contextos, as graves repercussões negativas que as agressões ao meio
ambiente, a corrupção, e atividades empresariais sem boa governança e compromisso social
são extremamente danosos. No Brasil, existem exemplos notórios e recentes, infelizmente
em grande quantidade, seja de casos, como das elevadas quantias envolvidas. São diversos
fatores, que podem levar aos desvios éticos, dentre os pessoais, o excesso de
poder/autonomia, ganância, deslealdade, que podem criar a oportunidade de cometimento
da fraude/dano, até a fragilidade legal/institucional de um país, e/ou organização/empresa.

O aspecto cultural seja do indivíduo, como da sociedade, é de grande relevância, haja


vista que as inter-relações entre a moral, cultura e ética, são estudas a milênios, e tema
constante da filosofia universal. No tocante ao aspecto legal e institucional no Brasil,
impende referir a Lei Anticorrupção nº 12.846/2013, que prevê dentre outros aspectos a
prevenção e punição dos atos lesivos contra a Administração Pública seja em esfera nacional
ou estrangeira, e responsabilizando civil e administrativamente as pessoas físicas e jurídicas
que praticarem de atos de corrupção.

As ações realizadas pela pessoa física, podem ser diferenciadas da pessoa jurídica, e
tanto uma quanto a outra serem responsabilizadas objetivamente, pelos atos de corrupção.
No escopo de evitar os atos danosos e suas repercussões, a grande ferramenta é adoção de
programas de integridade/conformidade, de fiscalização e controle das atividades, em todos
os níveis das organizações e empresas.

Os programas de integridade – Compliance, além propiciar uma melhor gestão


empresarial/organizacional, visam impedir/minimizar o cometimento de fraudes, de desvios
na gestão empresarial/organizacional, que normalmente é cometido de forma secreta,
imprevisível, um ato não formal, muitas vezes não documentado em prejuízo da empresa,
e/ou organização e de terceiros intervenientes. Para o cometimento da fraude/desvio é
73

necessário ter acesso a informações normalmente privilegiadas, e um nível de poder


decisório.

O ambiente virtual criou uma realidade, e suas redes que se hospedam na rede
internacional de computadores, a internet. Esse ambiente é recente em termos históricos, são
poucas décadas. Ainda existe um número importante de pessoas que não participam dele, os
“excluídos digitais”. Por outro lado, a maioria da população global dele participa, e muitos
fazem desse ambiente a sua principal atividade diária, seja trabalhando e/ou outras
atividades, estudos, compras, lazer. As empresas e organizações dependem para desenvolver
as suas atividades de forma direta desse ambiente virtual, vale referir que as empresas mais
valiosas em nível global estão empresas desse setor, e/ou vinculadas.3

É inegável a importância exponencial do ambiente virtual, que ficou totalmente


evidente no ano 2020, o ano do vírus letal e pandêmico, denominado pela OMS, de COVID
– 19. Infelizmente milhões de seres humanos perderam as suas vidas para o vírus nesses dois
anos, e felizmente a vacinação em massa das populações controlou a pandemia, nesse ano
de 2022, levantando a maioria das restrições existentes anteriormente.

A atividade das pessoas no ambiente virtual deixa registros, que podem ser
minerados, classificados, e utilizados das mais diversas formas lícitas, e ilícitas, para a
obtenção de vantagens, proveitos sejam econômicos, financeiros, políticos, estratégicos,
militares. Somente para exemplificar a extensão, gravidade, e o potencial da utilização dos
dados/informações digitais, cita – se, o caso NSA, National Security Agency, - Edward

3
74

Snowden, e o caso da Cambrigde Analytica, Christopher Wylie4. Os programas de


integridade – Compliance, que buscam um controle eficaz de atos fraudulentos, devem
necessariamente ter um o sistema de informações, seguro. A Lei Geral de Proteção de Dados,
dispõe sobre a segurança das informações e sobre os procedimentos de monitoramento.
Algumas das funcionalidades do sistema de informações devem ter uma captação central das
informações para o gestor da organização, e o controle de risco e identificação dos
setores/ações de maiores riscos, e que essa informação seja compartilhada com o
gestor/gestores para prevenir uma possível ocorrência de um ato de inconformidade/fraude
desvio.

Dessa forma, a melhor compreensão das normas expostas na LGPD, e suas conexões
com os programas de integridade – Compliance, estão dentre os objetivos desse artigo que
irá destacar além das conexões entre os temas, aspectos relevantes para reflexão e
implementação de sistemas de informação aderentes a novel legislação e das boas práticas
de gestão, ambiental e social.

1 ASPECTOS RELEVANTES DA LGPD NO BRASIL

Configurada a relevância do ambiente virtual, e dos dados/informações existentes


nele, e a inexistência de legislação específica para fazer incidir o direito nessas relações,
vários países recentemente promulgaram legislações especificas sobre o tema. O Brasil
promulgou sua legislação geral para a proteção de dados em 14.08 2018, Lei n° 13.709, que
teve um vacatio legis, longo, haja vista que a sua vigência somente se deu em 18.09. 2020.

Vale referir que a LGPD, normatiza aspectos do Marco Civil da Internet no Brasil, a
Lei Federal nº. 12.965/2014, que combinados com outras legislações incidentes,
regulamentam o ambiente virtual no Brasil. No âmbito da LGPD, constam os seus
fundamentos dispostos no artigo 2°, o respeito à privacidade; a autodeterminação
informativa; a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião; a
inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem; o desenvolvimento econômico e
tecnológico e a inovação; a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e

4
<https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/03/empresa-que-ajudou-trump-roubou-dados-de-50-milhoes-
de-usuarios-do-facebook.shtml>.
<http://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/07/entenda-o-caso-de-edward-snowden-que-revelou-espionagem-
dos-eua.html>.
75

os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da


cidadania pelas pessoas naturais.

Tramitou no Congresso Nacional, EC, emenda constitucional5 , que alçou a proteção


dos dados individuais, à condição de direito humano fundamental, por todas essas razões, e
ainda muitas outras que poderiam ser elencadas, fica demonstrada a atualidade e importância
do tema.

No artigo 1º da LGPD, consta o seu propósito, qual seja, dispor sobre o tratamento
de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de
direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade,
e de privacidade, e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.

Para um melhor entendimento cumpre referir os conceitos legais de dados, que são
três, e estão expostos no artigo 5°, dado pessoal: informação relacionada a pessoa natural
identificada ou identificável; dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou
étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter
religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou
biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural, dado anonimizado: dado relativo a
titular que não possa ser identificado, considerando a utilização de meios técnicos razoáveis
e disponíveis na ocasião de seu tratamento.

Existem exceções previstas na legislação para sua incidência que são objeto de
controvérsias, dentre as quais a localização/nacionalidade do operador do tratamento dos
dados. Apesar das controvérsias, a lei dispõe das exceções, em seu artigo 4°, afirmando que
a lei não se aplica ao tratamento de dados pessoais, realizado por pessoa natural para fins
exclusivamente particulares e não econômicos; e/ou realizado para fins exclusivamente,
jornalísticos, artísticos e acadêmicos.

Também está excepcionada a proteção, do tratamento dos dados para fins de


segurança pública; defesa nacional; segurança do Estado; e/ou atividades de investigação e
repressão de infrações penais. Essa proteção dos dados, e a utilização desses dados será
regida por legislação específica, baseada nos princípios da existência somente das medidas

5
https://www.camara.leg.br/noticias/565439-PEC-TRANSFORMA-PROTECAO-DE-DADOS-PESSOAIS-
EM-DIREITO-FUNDAMENTAL>.
76

proporcionais e estritamente necessárias ao atendimento do interesse público, observados o


devido processo legal.

No aspecto da competência territorial, estão excluídos da incidência da legislação os


provenientes de fora do território nacional, e que não sejam objeto de comunicação, uso
compartilhado de dados com agentes de tratamento brasileiros ou objeto de transferência
internacional de dados com outro país que não o de proveniência, desde que o país de
proveniência proporcione grau de proteção de dados pessoais adequado ao previsto na
legislação Brasileira. Além do objeto da LGPD, e das suas exceções, também é necessário
referir os conceitos expostos na lei, as partes que se utilizam dos dados.

O controlador que é a pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, a


quem competem as decisões referentes ao tratamento de dados pessoais. O operador pessoa
natural ou jurídica, de direito público ou privado, que realiza o tratamento de dados pessoais
em nome do controlador. Tanto o controlador como o operador, são considerados agentes
de tratamento de dados. O encarregado pessoa indicada pelo controlador e operador para
atuar como canal de comunicação entre o controlador, os titulares dos dados, e a Autoridade
Nacional de Proteção de Dados (ANPD). A extensão da responsabilização no tratamento
indevido dos dados pode variar, mas a regra geral é da solidariedade entre os agentes. Em
linha com o exposto impende referir o conceito legal de tratamento de dados, toda operação
realizada com dados pessoais, como as que se referem a coleta, produção, recepção,
classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento,
arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação,
modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração.

O conceito legal de banco de dados, é o conjunto estruturado de dados pessoais,


estabelecido em um ou em vários locais, em suporte eletrônico ou físico. Exsurge nesse
momento a questão nodal da novel legislação, qual a principal alteração para os usuários do
ambiente virtual, sejam os titulares dos dados, ou para os usuários dos dados de terceiros?
A necessidade do consentimento do titular dos dados, que deverá ser outorgado ao
controlador, e/ou operador, e/ou encarregado do tratamento dos dados. A forma do
consentimento está prevista na lei, e caberá a quem utiliza os dados de terceiro, comprovar
a existência do consentimento do titular dos dados.

O conceito legal do consentimento; prevê que é uma manifestação livre, informada e


inequívoca pela qual o titular concorda com o tratamento de seus dados pessoais para uma
77

finalidade determinada. No aspecto da caracterização, validade, e extensão do


consentimento também se vislumbram interpretações jurídicas, e possíveis quezílias
judiciais. Conforme já referido, na hipótese de incidir uma das exceções previstas na
legislação p. ex., utilização para fins jornalísticos, ainda assim na utilização e tratamento dos
dados será necessário seguir os princípios da legislação.

Dentre eles, destaca – se, a finalidade, qual seja, a realização do tratamento para
propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular. A adequação, que é a
compatibilidade do tratamento com as finalidades informadas ao titular, de acordo com o
contexto do tratamento. A necessidade da utilização estritamente vinculada às finalidades do
tratamento de dados. A existência do livre acesso aos titulares, dos seus dados. A garantia
da qualidade dos dados dos titulares, da transparência das informações, sobre o tratamento,
e os agentes de tratamento. A segurança na utilização e na proteção dos dados pessoais de
acessos não autorizados, e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração,
comunicação ou difusão. A prevenção, a existência da prova do usuário de dados de terceiro,
da adoção de medidas para prevenir a ocorrência de danos em virtude do tratamento de dados
pessoais. A não discriminação, vedação do tratamento para fins discriminatórios ilícitos ou
abusivos. E ao final deste tópico, vale citar a responsabilização, a prestação de contas, por
parte do agente/usuário de dados de terceiro, de que não foi omisso, imperito e/ou negligente
no uso, guarda, transferência e tratamento dos dados de terceiros. Repete – se, o ônus da
prova tanto do consentimento do titular dos dados, quanto do uso, guarda e
compartilhamento dos dados de boa – fé, e o uso dos dados dentro dos princípios, e
disposições das legislações incidentes, cabendo ao agente que se utiliza dos dados de
terceiro.

2 ASPECTOS CONEXOS E RELEVANTES ENTRE COMPLIANCE E LGPD NAS


EMPRESAS, ORGANIZAÇÕES E INSTITUIÇÕES

Partimos do conceito clássico de instituição, qual seja; são organizações, e/ou


estruturas, e/ ou mecanismos informais, e/ou formais/legais de ordem social, que regulam o
comportamento de um conjunto de indivíduos dentro de uma determinada comunidade,
identificadas com uma função social, que transcende os indivíduos, e as suas intenções,
mediando/impondo as regras que governam as ações, e o comportamento humano.
78

Fica claro que as Instituições que possuírem banco de dados, e/ou efetuarem o
tratamento de dados, ou ainda utilizarem/compartilharem dados de terceiros estão abrangidas
na legislação, e são responsáveis pelas ações e pelos agentes, pela higidez e qualidade desses
dados, e necessitam possuir uma política do tratamento/utilização desses dados, assim como
necessitam da autorização de cada um dos titulares de dados, sejam pessoais, sensíveis ou
anonimizado.

Nesse momento vale referir algumas sanções, sejam administrativas, civis, e/ou
penais previstas na LGPD, em caso de descumprimento da lei, previstas no artigo 52; que
vão desde a advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas; a
aplicação de multa simples, de até 2% (dois por cento) do faturamento da pessoa jurídica de
direito privado, grupo ou conglomerado no Brasil no seu último exercício, excluídos os
tributos, limitada, no total, a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) por infração; ou
multa diária, observado o limite total a que se refere o inciso II; e ainda a publicização da
infração após devidamente apurada e confirmada a sua ocorrência.

Vale refletir sobre a publicização da infração, haja vista que essa publicização traz
danos importantes à reputação da Instituição infratora, podendo em alguns casos gerar danos
irreparáveis para sua atividade, ou em casos extremos levar até a sua extinção. A LGPD,
prevê a possibilidade da suspensão das atividades por tempo determinado, seja a suspensão
parcial do funcionamento do banco de dados a que se refere a infração pelo período máximo
de 6 (seis) meses, prorrogável por igual período, até a regularização da atividade de
tratamento pelo controlador. Ou ainda, a suspensão total do exercício da atividade de
tratamento dos dados pessoais a que se refere a infração, pelo período máximo de 6 (seis)
meses, prorrogável por igual período; e/ou a proibição parcial ou total do exercício de
atividades relacionadas a tratamento de dados.

De maneira objetiva, a Empresa, Organização ou Instituição que infringir a LGPD,


assume o risco de ser sancionada administrativamente, pagar multas milionárias, sofrer
persecução civil e penal, e ainda pode ser excluída do ambiente virtual. A aplicação, e a
dosimetria da aplicação das penalidades leva em consideração a gravidade e a natureza das
infrações, a relevância e natureza dos direitos pessoais afetados; a boa-fé do infrator; a
vantagem auferida ou pretendida pelo infrator; a condição econômica do infrator; a
reincidência; o grau do dano; a cooperação do infrator; e a adoção reiterada e demonstrada
de mecanismos, e procedimentos internos capazes de minimizar o dano, voltados ao
79

tratamento seguro e adequado de dados, a adoção de política de boas práticas e governança;


a pronta adoção de medidas corretivas; e a proporcionalidade entre a gravidade da falta, e a
intensidade da sanção.

Cabe a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), recentemente


transformada em autarquia de natureza especial6, processar e julgar os procedimentos
administrativos decorrentes da incidência da LGPD, que possui um corolário de
competências previstas no artigo 55 – J, as quais denotam a alta complexidade, e o grau de
celeridade e especialidade que podem ser determinantes para o cumprimento da legislação,
ou não.

Dentre as competências estão, zelar pela proteção dos dados pessoais, pela observância
dos segredos comercial e industrial, elaborar diretrizes para a Política Nacional de Proteção
de Dados Pessoais e da Privacidade; fiscalizar e aplicar sanções em caso de tratamento de
dados realizado em descumprimento à legislação; promover na população o conhecimento
das normas e das políticas públicas sobre proteção de dados pessoais e das medidas de
segurança. E ainda, promover ações de cooperação com autoridades de proteção de dados
pessoais de outros países, de natureza internacional ou transnacional. Ao encetar o derradeiro
tópico, no qual são expostas algumas conclusões acerca desse tema, impende mais uma vez
referir que o presente artigo visa propiciar o debate e o conhecimento desse tema relevante,
instigante e poderoso na sua influência seja governança e na gestão, e nos aspectos social,
ambiental, institucional e empresarial.

CONCLUSÃO

O artigo discorreu acerca das conexões entre os programas de integridade –


Compliance, e a LGPD, sobre aspectos relevantes para a gestão e governança das empresas,
instituições e organizações, relacionando e aquilatando a relevância dos sistemas
informatizados, e do ambiente virtual para a reputação e perenidade das empresas,
instituições e organizações. Sistemas de informação e ambientes virtuais combinados com
programas de integridade bem estruturados e seguros torna o ambiente organizacional mais
favorável ao sucesso empresarial, e ao êxito das finalidades institucionais e das

6
Lei nº 14.460, converteu a Medida Provisória nº 1.124/22 em lei ordinária. A Autoridade Nacional de
Proteção de Dados - ANPD é transformada, definitivamente, em autarquia de natureza especial, mantidas a
estrutura organizacional e as competências.
80

organizações. O tratamento e compartilhamento da informação de forma segura e estruturada


deve estar clara para todos os níveis hierárquicos empresariais e organizacionais

Com efeito, tais medidas de Compliance, podem não evitar de forma definitiva as
fraudes, os desvios e atos inapropriados, contudo minimizam os riscos, e possibilitam
minorar danos, inclusive reputacionais, haja vista que pode – se demonstrar, que foram
adotadas as melhores práticas, sociais, ambientais e de governança e gestão inclusive dos
dados e do ambiente virtual.

Portanto, a adoção por parte das empresas, instituições e organizações de padrões


elevados de governança, de gestão e de conformidade com a LGPD, e as melhores práticas
no âmbito social e ambiental é uma realidade impostergável. A toda evidencia que cada
empresa, instituição e organização, possui as suas necessidades, e tipo de atuação e escopo
diferenciados, sendo relevante customizar para cada caso o programa de integridade, o
treinamento dos colaboradores, a contratação de serviços que podem combinar o jurídico
com tecnologias de informação para obter os melhores resultados na instalação e execução
da gestão e governança de conformidade, e na consolidação da cultura organizacional dessa
práticas, que não devem ser vistas apenas como custo operacional, mas sim como importante
geração de valor.

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81

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Pretti. OCDE: uma janela com grades ao Brasil e os impactos da LGPD para o rompimento
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Direito na Economia Digital, Belo Horizonte, v. 4, n. 6, p. 9-22, jan./jun. 2020.
82

O COMPLIANCE COMO ALIADO À MULHER NO MERCADO DE TRABALHO

Jordana Isse1
Pauline Amaral Antunes2

Resumo: O presente artigo tem como objetivo dar visibilidade às principais barreiras
existentes para as mulheres adentrarem no mercado de trabalho e manterem-se nele, bem
como analisar algumas das melhores práticas no mercado atual no Brasil e no mundo, para
que sejam mitigados ou anulados alguns entraves, dentro das possibilidades. No mesmo
sentido, o artigo apresenta a implementação do sistema de Compliance pelas organizações
como uma alternativa para as mulheres no mercado laboral, com a finalidade de constituir
um meio ambiente digno e acessível, sem causar conflitos de escolha. Portanto, esse trabalho
intui viabilizar que a igualdade de gênero seja uma realidade, para todas as pessoas que ali
pertençam. Por fim, o artigo traça sugestões de medidas a serem implementadas, através de
um programa de Compliance. Os recursos utilizados para a realização deste trabalho foram
revisão bibliográfica e análise documental por meio de acesso a banco de dados públicos.

Palavras-chave: Mulher. Feminino. Barreiras. Mercado de Trabalho. Compliance.

INTRODUÇÃO

A multitarefada mulher depara-se, em grande medida, com obstáculos que parecem


intransponíveis no mercado de trabalho, seja no momento de adentrá-lo, seja na manutenção
do emprego. Tal afirmação, pode ser constatada através de inúmeras pesquisas que
enfrentaram a temática e publicaram os resultados, as quais são uniformes, ou seja, trazem,
de modo uníssono, o desafio acentuado da vida real que pode ser constatado na jornada diária
feminina ao redor do mundo, em detrimento do vivenciado pelo masculino.

Não parece demais a tratativa do assunto, pois, passada a análise profunda dos
desafios, as possíveis propostas de melhora do cenário estão na mesa: são questões de
decisão. E esta decisão deve partir de quem tem o poder para assim o fazer. Desse modo, o
desenvolvimento profissional da mulher deve ser reconhecido como parte essencial na

1
Advogada inscrita na OAB/RS sob n° 117.553, Graduada pela Universidade do Vale dos Sinos, Pós-
Graduanda em Direito Internacional do Mar pela Universidade de Caxias do Sul e empreendedora. E-mail:
jordanaisse@hotmail.com.
2
Advogada inscrita na OAB/RS sob nº 89.664 e Consultora de Compliance (CPC-A). Pós-graduada em Direito
Constitucional pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Graduada em Direito pela UPF. E-mail:
paulineaantunes@gmail.com.
83

economia de um país, por ser peça chave no quebra-cabeça que, muitas vezes, é
embaralhado, trazendo conflitos de escolhas entre a vida profissional e a maternidade, com
o peso das questões de desigualdade de gênero, diferenças salariais, preconceitos, assédios,
etc.

Historicamente, o assunto do presente artigo é retratado com inúmeras vertentes, e


em diversas áreas do conhecimento. Entretanto, nos últimos anos, entraram componentes
novos, que revigoram os ânimos, que são os pactos firmados por organizações internacionais
e os sistemas complexos e transversais a serem aplicados nas empresas, que têm o cunho de
implementar a integridade em seu sentido amplo, bem como mitigar, ou até mesmo eliminar,
os entraves existentes. Quanto mais a mulher deve suportar?

Por tudo isso, a modernidade trouxe em seu bojo o Compliance, que foi se
ressignificando com o tempo, e hoje vem como parceiro dos sistemas de meio ambiente,
sociais e de governança corporativa (do inglês, environmental, social, and corporate
governance), na premente necessidade de melhora da ética das relações laborais. No mais,
as bases legais, até então existentes, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e
a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, devem ser premissas básicas para
o verdadeiro cumprimento das normas.

2 A MULHER E O MERCADO DE TRABALHO

Atravessamos um momento na história onde a mulher vivencia certa autonomia nas


práticas diárias, após diversas ondas em que o movimento feminista enfrentou. No Brasil, o
direito ao voto feminino foi conquistado no, não muito distante, ano de 1932, somando-se
ao direito à educação pública, ao direito de ter propriedades em seu nome e ao trabalho. A
mulher trabalhadora sempre existiu na humanidade, como a que trabalhava no comércio, a
prostituta, a que trabalhava em restauração e nas artes, a que cuidava das casas dos Senhores,
a que cozinhava, etc. Através do movimento sufragista, mulheres das classes mais elevadas
se rebelaram e expressaram o desejo pela justiça, que alcançasse a todas.

Nos anos 60, eclodiram os movimentos pacifistas, que questionavam a transposição


do capitalismo industrial, surgindo a célebre “queima de sutiã”, a qual observava relações
entre moda, corpo e feminismo.
84

Ao longo da história, observa-se que as relações entre moda e corpo constituem-se


elementos de subordinação e de libertação das mulheres, ao estabelecer estereótipos
femininos adequados aos sistemas de dominação patriarcal, mas também, exprimir
insubordinação quando as mulheres usam as roupas e o corpo para contestar padrões
de beleza que representavam a submissão. O final dos anos 1960, contexto histórico
da manifestação, foi palco de mudanças na posição social das mulheres e nos valores
culturais, tendo emergido um feminismo libertário que problematizou a autonomia
das mulheres sobre seu próprio corpo. Os seios estão ligados à maternidade e à
sedução, papéis manipulados pela cultura patriarcal e seus estereótipos femininos
contra os quais as feministas contestavam e pretenderam realizar um protesto para
queimar os sutiãs e outros objetos símbolos do estereótipo de beleza com uma
fogueira pública que não existiu, mas que ficou conhecido como a “Queima dos
Sutiãs”. (CORDEIRO, 2022)

Outro movimento crescente é eco feminismo, o qual conecta a luta pela igualdade
não apenas de direitos, mas também de oportunidades entre os gêneros, com a defesa e a
preservação da natureza, tomando forma desde 1970. São organizações empenhadas na luta
pela preservação tanto dos direitos da mulher quanto da natureza. Esse movimento apresenta
soluções para alcançarmos uma sociedade mais igualitária e sustentável. Além disso, a
valoriza, mostrando que ela não deve ser subordinada ou ficar em segundo plano, mas ser
colocada em primeiro lugar. Examina o equilíbrio entre o ser humano e a natureza e o
respeito a todas as formas de vida. (BERNAL, 2021)

Através desses movimentos, surge a discussão sobre o direito da mulher em ter uma
vida plena, não mais pré-determinada ao papel de esposas e mães, modelo constituído pós-
guerras mundiais, onde o homem trabalhava fora de casa, enquanto ela atentava-se aos
serviços domésticos e da família. No mundo laboral, as hierarquias foram bem definidas:
quais são as profissões de homem e quais as de mulher, onde verificamos hoje, por exemplo,
no ensino brasileiro, mulheres são maioria absoluta no ensino escolar e os homens são
maioria no ensino universitário, estabelecendo os papéis de gênero e reiterando esse lugar
social. A partir dessa ótica dualista, enxergamos essa diferença, sendo ele a razão e a mente,
e ela o corpo e a natureza, assim, a humanidade se torna superior a natureza, justificando seu
uso e exploração.

Na busca pelo emprego, o direito ao voto, certa representatividade política, muitos


caminhos foram galgados, e esse cenário aponta avanços. Especialistas em desenvolvimento
esperam ver mais mulheres na política e no governo, com a ideia de que elas possam fazer
pelos países o que fazem em suas casas. Há países que reservam algumas posições para
mulheres, geralmente algumas cadeiras no parlamento, para impulsionar sua participação
85

política. É o chamado "efeito feminino”, referindo-se aos cromossomos femininos, a


“solução XX”.

Apontam dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que

O número de mulheres superou em 4,8 milhões o de homens no Brasil. A população


estimada em 2021 é de 212,7 milhões de pessoas. Desse total, 108,7 milhões
(51,1%) são mulheres. Mais presentes e bem-sucedidas que os homens em todo o
programa escolar brasileiro, as mulheres ainda não desfrutam da justa
representatividade do seu desempenho dentro das empresas, principalmente entre os
cargos de liderança. (MACIEL, 2022)

Atualmente, há também países com mulheres como líderes máximos, e um dos


motivos dessa presença política, é que a mulher, supostamente, tem boa empatia e são mais
conciliadoras, resultando em líderes mais pacíficos e colaborativos do que os homens. Ainda
que, em posição de autoridade, são julgadas de modo mais exigente, até mesmo por outras
mulheres. Estima-se que, nos círculos de desenvolvimento, em posição de autoridade elas
fazem diferença em termos locais, como prefeitas ou membros dos comitês escolares.
E na iniciativa privada não é diferente,

80% dos empregados nas linhas de montagem do litoral da China são mulheres, e a
proporção no cinturão fabril do leste da Ásia é de, pelo menos, 70%. A explosão
econômica na Ásia foi, em grande parte, um resultado da capacitação econômica das
mulheres. “Elas têm dedos menores e são mais hábeis com as agulhas”, explicou o
gerente de uma fábrica de bolsas. “Elas são obedientes e trabalham mais que os
homens”, disse o chefe de uma fábrica de brinquedos. “E nós podemos pagar menos
a elas. (KRISTOF; WUDUNN. 2011. p. 23)

Como exemplo, podemos ver a mulher no centro da estratégia de desenvolvimento


da região do leste da Ásia. Países que usam as jovens,

que anteriormente pouco tinham contribuído para o produto interno bruto (PIB),
inserindo-as na economia formal, aumentando em muito a força de trabalho. A
fórmula básica foi diminuir a repressão, educar as meninas assim como os meninos,
dar às meninas a liberdade de mudar para as cidades e trabalhar nas fábricas. Depois
se beneficiam de um dividendo demográfico ao se casar, mais tarde, diminuindo o
número de filhos. Em decorrência, as mulheres financiaram a educação dos parentes
mais jovens e pouparam bastante para impulsionar. (KRISTOF;WUDUNN. 2011.
p.23)

Ao final do século XX, as Nações Unidas e o Banco Mundial começaram a perceber


o recurso potencial e a sua representatividade, evidenciando que o investimento na educação
das meninas pode gerar retorno em grande escala para os países, recurso este que estará
86

disponível para o mundo em desenvolvimento. Ou seja, não educar as meninas traz mais
custo para os países arcarem do que se não o fizerem (KRISTOF;WUDUN, 2011).

Em 2001, o Banco Mundial realizou um estudo estimulando o desenvolvimento por


meio da igualdade entre os sexos quanto a direitos, recursos e voz. Para aumentar a eficácia
do desenvolvimento, as questões de gênero devem ser parte integrante da análise, elaboração
e implementação de políticas, e medidas ativas para promover maior igualdade entre
gêneros, uma vez que a igualdade entre os sexos é crucial para combater a pobreza global.
Conforme resumo das pesquisas realizado pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD), “a capacitação das mulheres ajuda a elevar a produtividade
econômica e a reduzir a mortalidade infantil, contribui para melhorar a saúde e a nutrição, e
aumentar as chances de educação para a geração seguinte”. (KRISTOF; WUDUNN, 2011,
p. 24)

Sobre a questão delas no mundo, verificam-se diversas formas abusos frequentes,


entre elas, o tráfico de mulheres e prostituição forçada; a violência com base no sexo,
incluindo assassinatos em defesa da honra e estupros em massa; a mortalidade materna; além
de todas as outras formas de assédio, sejam dentro do núcleo familiar, sejam no mercado de
trabalho.

A Organização Internacional do Trabalho, um órgão das Nações Unidas, estima que,


em qualquer momento, existam 12,3 milhões de pessoas envolvidas em trabalhos
forçados de todos os tipos, não só servidão sexual. Um relatório das Nações Unidas
estima que um milhão de crianças, apenas na Ásia, são mantidas em condições de
escravidão.

Notório é que a violência vem sendo o mecanismo que destrói e diminui a mulher. É
meio de controle, mantendo-as em um lugar que não é o seu.

Com todos estes desafios, estatísticas sugerem que sua força de trabalho é melhor. E
um dos primeiros a concluir isso foram as instituições bancárias, ao contratarem mais
mulheres. Atualmente, muitas empresas aderem a este tipo de contratação, também
estimulado por programas de Compliance, que vem como grande aliado para absorver, dar
visibilidade, inclusão a mão de obra feminina, algumas vezes desvalorizada. Assim, como
nas famílias, elas que administram as situações, na maioria dos casos, geralmente investem
seu dinheiro em bens duráveis e têm taxas de poupança mais altas, diferentes dos homens
que, além de serem mais orientados para o consumo, tendem a ter mais vícios, maior
envolvimento em acidentes e gastam mais em pequenos prazeres.
87

Contudo, para a mulher o sustento da família é primordial, e a

“economia nuclear”, e vem em primeiro lugar todos os dias, sustentando o essencial


da família e da vida social com os recursos humanos universais de tempo,
conhecimento, habilidade, cuidado, empatia, ensino e reciprocidade. E se você
realmente nunca pensou nisso antes, então é hora de conhecer a sua dona de casa
interior (pois todos temos uma). Ela vive nas tarefas diárias, como preparar o café
da manhã, lavar os pratos, arrumar a casa, fazer compras na mercearia, ensinar as
crianças a andar e compartilhar, lavar a roupa, cuidar dos pais idosos, pôr o lixo para
fora, pegar as crianças na escola, ajudar os vizinhos, fazer o jantar, varrer o chão e
escutar. Ela realiza todas essas tarefas – algumas de braços abertos, outras rangendo
os dentes – que caracterizam o bem-estar pessoal e familiar e sustentam a vida social.
(RAWORTH, 2019, p. 90)

Com toda essa força e eficiência de trabalho, cumprindo todos os papéis: filha, irmã,
amiga, mãe, esposa, algumas vezes, recatada e do lar, outras à frente de grandes negócios,
gerindo empresas, riscos, muitas são as dificuldades diárias que as impedem de ter a
igualdade de salários, a paridade de vozes em cargos políticos, a representatividade nas
tomadas de decisões, a simetria nos cargos de alto escalão, ademais, neste ínterim, verificam-
se todas formas de assédio.

Projetos sociais com o mote de integrá-las, ensiná-las sobre economia e educá-las na


gestão dos filhos e da casa, contribuindo para a educação das próximas gerações, além da
participação na erradicação da desnutrição infantil, diminuição da mortalidade materna, são
boas estratégias no combate à pobreza, entendendo-se que a igualdade entre os sexos eleva
não só as mulheres, mas também seus filhos e a comunidade, a exemplo do que ocorre no
projeto “Mães da Favela”, criado pela CUFA (Central Única das Favelas), em que objetiva
levar renda para as mães “solo” que residem em 17 favelas dos estados e do Distrito Federal,
com o fim de auxiliá-las contra os impactos causados de forma intensa pela pandemia da
COVID-19 (UNESCO, 2020).

Na busca pela dignidade no ambiente de trabalho, precisamos estar atentas ao futuro,


sem esquecermos do nosso passado, parafraseando Bob Marley, “In this great future, you
can't forget your past. So dry your tears, I say And no, woman, no cry” (MARLEY, 1974).

Dentre tantas questões, crescente são os movimentos que potencializam a presença


da mulher nos espaços de trabalho públicos e privados. Portanto, seria o Compliance a
ferramenta para a eficaz igualdade de gênero dentro do mercado de trabalho?
88

3 O COMPLIANCE COMO ALIADO À MULHER

No contexto das relações pessoais no trabalho e na sociedade aqui citados, muitas


são as lutas existentes na prática diária, para tanto, alguns mecanismos foram criados com o
fim de tornar a convivência melhor para todos. Um deles é o Compliance, o qual pode ser
denominado de modo muito mais amplo do que apenas o método de conformidade com as
normas internas e externas das organizações. Pode-se compreender

que o compliance integra um sistema complexo e organizado de procedimentos de


controle de riscos e preservação de valores intangíveis que deve ser coerente com a
estrutura societária, o compromisso efetivo da sua liderança e a estratégia da
empresa, como elemento, cuja adoção resulta na criação de um ambiente de
segurança jurídica e confiança indispensável para a boa tomada de
decisão.(CARVALHO, 2021)

Os princípios basilares de um sistema de Compliance são fundados na prevenção, na


detecção e na sanção em relação a fraudes e demais atos ilícitos que possam ocorrer ou que
foram praticados dentro de uma organização, utilizando-se do nome da pessoa jurídica e/ou
em benefício desta. Entretanto, das inúmeras possibilidades de atos irregulares e ilícitos que
podem ocorrer em uma empresa, uma das que têm demandado maior atenção são os casos
de assédio, em todas as suas formas, que atingem na maioria das vezes a mulher. Em vista
disto, quando um programa de Compliance começa a ser estruturado, deve-se considerar, a
partir de uma detalhada análise de riscos, as questões que atingem de forma direta as pessoas
- lembrando que é sobre pessoas que se trata nesse sistema –, pois fala-se primordialmente
em análise da cultura existente e sua eventual mudança.

Uma pesquisa realizada pela empresa Mindsight (BARRETO, 2022) ouviu 11 mil
pessoas em todo o Brasil, mostrou que a mulher sofre três vezes mais assédio sexual do que
o homem nos ambientes de trabalhos, destacando que 97% das vítimas sequer denunciam o
crime.

No entanto, questões de assédio, apesar da extrema relevância, são uma parte diante
dos enormes contratempos enfrentados pela mulher no mercado de trabalho. Não se pretende
ignorar os enormes avanços sociais ocorridos nos últimos anos no mundo neste cenário, mas
cabe salientar que ainda restam diversas temáticas a serem levantadas com o fim de combater
os vieses existentes, sejam eles conscientes ou inconscientes, que ainda impactam a atividade
econômica da mulher em seu sentido mais amplo, e que merecem total observação.
89

O contexto deste artigo observa especialmente a relação do Compliance com as


questões femininas, considerando as metas de números 5, 8 e 10 constantes dos 17 Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas, pacto global ratificado
por seus Estados integrantes, no ano de 2015, quais sejam, respectivamente: i. Igualdade de
gênero; ii. Trabalho decente e crescimento econômico e; iii. Redução das desigualdades
(NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL).

Para cumprir com tais metas, empresas devem, antes de tudo, implementar um
sistema de Compliance que olhe para todas as vertentes apuradas na análise de riscos, sem
descuidar das questões de meio ambiente, sociais e de governança corporativa (ESG).

Considerando o baixo índice feminino em cargos de liderança nas empresas


brasileiras, mesmo elas constituindo mais de 50% da população, é necessário que os homens
detentores de posições de comando, bem como as mulheres que ali estejam, mesmo que de
forma minorizada, integrem as melhores práticas do mercado para evitar os preconceitos e
dilemas, que por diversas vezes causam os conflitos de escolha – conhecidos também como
trade-off -, oportunizando, assim, a mulher estar no mercado de trabalho com qualidade,
equidade e dignidade.

Alguns exemplos das questões que geram barreiras para o mercado de trabalho e as
diversas e complexas questões com elas relacionadas, que muitas vezes se traduzem como
verdadeiras discriminações sistêmicas, são a maternidade, a ausência de capacitação formal,
má condição menstrual, assédios, diferenças salariais, falta de oportunidades, dentre outras.

O Movimento Mulher 360 (2022) menciona que as mulheres representam menos de


40% da força de trabalho no mundo, após levantamento feito pela empresa de consultoria
Bain & Company, demonstra que existe a estereotipização da escolha da profissão pela
mulher, a falta de flexibilidade no emprego e vieses inconscientes nos locais de trabalho.

Diversas empresas apresentam estruturas e comportamentos onde o preconceito


está enraizado. Isso leva a um tratamento diferenciado para as colaboradoras, que
muitas vezes acabam por assumir apenas trabalhos administrativos ou não têm
visibilidade para promoções e projetos estratégicos.

Em razão disso, diversos movimentos femininos levantam bandeiras com essas e


outras causas, como por exemplo, institutos de pesquisas e meios de comunicação que
atentam para questões que dificultam a inserção delas no mercado de trabalho. Nesse
contexto, com a maior percepção das empresas diante dos requisitos impostos através de
90

pactos firmados, como o da agenda ESG e os programas de Compliance, tendo em voga os


índices relacionados ao crescimento econômico, à perenidade e à reputação das
organizações, surgem modelos de boas práticas nas atividades, contribuindo com a redução
ou, até mesmo, a eliminação de diferenças.

O primeiro e mais importante pilar de um programa de Compliance, que é o apoio da


Alta Direção – conhecido também como tone from the top – indica que, independentemente
de qual rumo decisório que vier acontecer, quem dá o tom é a chefia. Por isso, antes de tudo,
a liderança precisa estar atenta às demandas sociais, às queixas de seus colaboradores, ao
meio ambiente organizacional, levando em conta os índices, uma vez que se trata de um
investimento importante para manutenção dos negócios, especialmente, no que tange à
reputação das empresas perante seus investidores nacionais, internacionais e consumidores.

Portanto, é urgente a implementação de diversidade na alta direção e nos conselhos


de administração, como uma agenda positiva (IBGC, 2020). Desse modo, com maior
diversidade nas posições de liderança, visando a igualdade de gênero, demonstrará o
comprometimento da empresa com esta agenda, oportunizando que novas e melhores
soluções possam surgir. E mais do que isso: a equidade de gênero deve ser vista como
estratégia organizacional.

Superado o primeiro desafio, que é o apoio da liderança, dispondo de recursos


materiais, físicos, tecnológicos e humanos para desenvolvimento dos trabalhos, existem,
ainda, diversas medidas que poderão ser adotadas, verificadas quando da análise de riscos.

Quanto ao preconceito de gênero e ao assédio, as empresas devem implementar


dentro de um dos pilares deste programa, a comunicação e o treinamento, prevenindo
condutas, elencadas em um código de ética, integrante das políticas internas, havendo
punição em caso de descumprimentos, sendo necessário que os preceitos sejam reforçados,
de forma periódica.

Outro pilar fundamental, aliado nesta jornada ética na empresa, é a constituição de


um canal de denúncias efetivo e anônimo, que garanta a confidencialidade e que seja
amplamente divulgado, para que a ocorrência possa ser investigada e que as medidas
cabíveis possam ser tomadas. Importante que a mulher se sinta confortável para relatar os
acontecimentos, assim como todos os demais empregados, pois a ética deve imperar em um
ambiente de trabalho, combatendo locais tóxicos.
91

Outra questão tema de debate nacional, dentro e fora das empresas, é a equiparação
salarial entre homens e mulheres, com mesmo cargo e currículo similar. Segundo o IBGE
(OLIVEIRA, 2019), as mulheres ganham em média 20,5% a menos do que os homens em
todas as funções, ainda que, a população feminina detenha maior nível de escolaridade em
comparação a eles (GRANDA, 2018). Uma boa forma de solucionar esse problema, seria a
empresa instituir uma política de equiparação salarial, considerando a função e currículo, de
modo a oportunizar crescimento profissional da mesma forma entre gêneros.

Considerando as questões abordadas, é premente que, antes de tudo, sejam criados


programas que incentivem a reinserção da mulher no mercado de trabalho, e que abram as
portas para a qualificação, para um primeiro emprego, por meio de medidas afirmativas
como programas de trainee, programa de cotas, incentivos a bolsas de estudos, sem deixar
de implementar um efetivo e eficiente programa de inclusão.

Contudo, tais medidas favorecem a transformação do cenário em que vivemos, com


tamanhas desigualdades. Mais do que isso, poderá ser peça fundamental dessa engrenagem,
o movimento necessário para que as presentes e futuras gerações possam ter a presença
feminina em posições de lideranças, encorajando meninas a perseguirem seus objetivos e
seus sonhos, alcançando a representatividade almejada.

CONCLUSÃO

Diante da história da posição da mulher na sociedade, com suas múltiplas, complexas


e, muitas vezes, extenuantes jornadas, pode-se observar que a temática merece cada vez mais
atenção, especialmente quando a atividade profissional remunerada passou, por mérito
feminino, a constituir mais uma ocupação somada às diversas outras, não remuneradas, que
tomam o dia a dia da mulher, no seu contexto pessoal e social.

Com esta análise, podemos pensar que educar as meninas é uma vantagem para a
sociedade, pois, além do crescimento pessoal, contribui para a economia global, por serem
elas a maior parcela da população. O impacto positivo se reflete através de suas habilidades
e conhecimentos, podendo ser o meio para auxiliar o desenvolvimento laboral. Todavia, o
fechamento das oportunidades por líderes à mulher, é uma decisão baseada em valores
outros, que são desconectados com as melhores práticas mundiais.
92

Quando são ofertadas oportunidades para a mulher, os resultados são inúmeros e


positivos. Entretanto, quando é negado esse acesso, a sociedade e a economia perdem o
potencial que ela traz em si, marginalizando-a. Ao infligir em sua saúde física e psicológica,
a violência contra a mulher, encontrada em diversos ambientes, sob a inércia de não alterar
essa realidade, é fator decisório para o bom (ou mau) desenvolvimento social.

Para tanto, as metodologias criadas, como a implementação de um sistema de


Compliance no ambiente de trabalho, que contemple a igualdade de gênero no mercado,
mitigando diferenças, surge como salvaguarda para alteração do cenário, possibilitando a
construção de espaços mais éticos e ordenados, diversos, inovadores e inclusivos.

Mais do que uma atitude respaldada nos princípios constitucionais, incluir a mulher
e reduzir as desigualdades de gênero no mercado de trabalho, compreendendo as
peculiaridades existentes, é um meio para alcançar uma sociedade mais paritária. As
decisões tomadas hoje, possibilitará às meninas e às mulheres, desta e das futuras gerações,
alçarem voos mais altos, e chegar onde antes parecia – e era – impossível, afinal, “as
mulheres sustentam metade do céu” (provérbio chinês).

REFERÊNCIAS

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do que os homens. 2021. Disponível em:
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sustentabilidade. Você RH, São Paulo. 2021. Disponível em:
<https://vocerh.abril.com.br/coluna/ana-bernal/ecofeminismo-conheca-o-movimento-que-
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GRANDA, Alana. IBGE: mulheres ganham menos que homens mesmo sendo maioria com
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03/pesquisa-do-ibge-mostra-que-mulher-ganha-menos-em-todas-ocupacoes>. Acesso em:
20 out. 2022.
93

IBGC – INSTITUTO BRASILEIRO DA GOVERNANÇA CORPORATIVA: Agenda


Positiva de Governança: Medidas para uma governança que inspira, inclui e transforma.
2020. Disponível em: <https://www.agendapositivadegovernanca.com/>. Acesso em: 20
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opressão em oportunidades para as mulheres do mundo todo. SP, 2011, Ed. Novo Século.

LOBO CORDEIRO, Luiza Helena; DE BRITO MOTA, Maria Dolores. A “queima de


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Disponível em:
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MACIEL, Daniela. Mulheres ainda são minoria nos cargos de liderança. Diário do
Comércio. Belo Horizonte, 2022. Disponível em:
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Braisl, 2022. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/sdgs>. Acesso em: 20 out. 2022.

RAWORTH, Kate. Economia Donut – Uma alternativa ao crescimento a qualquer custo;


tradução George Schlesinger. 1ª Ed – Rio de Janeiro: Zahar, 2019.

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<https://pt.unesco.org/fieldoffice/brasilia/projects/maes-da-favela>. Acesso em: 04 nov.
2022.
94

GOVERNANÇA E COMPLIANCE: DOS BONS PROPÓSITOS ÀS AÇÕES


RESPONSÁVEIS

Josué Emilio Möller1


Letícia Ludwig Möller2

Resumo: A importância que verificamos na atualidade em relação aos temas da boa


governança e de compliance no âmbito das organizações afirma-se como o reflexo de um
amplo e significativo movimento. A centralidade dos propósitos organizacionais encontra
importantes marcos históricos em posicionamentos de líderes empresariais no início do
século XX. O movimento engendrado a partir de então vivencia atualmente um estágio de
consolidação, ocasião em que se evidencia um novo paradigma social, relacional e
empresarial, elevando a novos patamares compromissos éticos e jurídicos assumidos por
diversos agentes e atores sociais, com grandes repercussões no campo prático da
responsabilização, em termos éticos e jurídicos. A assunção dos propósitos como central
para o desenvolvimento das organizações, bem como de parâmetros de boa governança, se
constituem como condições que explicam a relevância contemporânea das exigências e
medidas de compliance, ao mesmo tempo em que evidenciam conexões entre propósitos e
valores, compromissos e obrigações, ações e responsabilizações, implicando interessantes
perspectivas de integração entre os sentidos da ética e do direito. A cultura organizacional
afirma-se não apenas como a expressão de um conjunto de boas práticas, mas se define
principalmente como a expressão de termos éticos e jurídicos que deve ser de fato
incorporada para a concretização dos propósitos organizacionais, razão pela qual se ancora
na força normativa de programas de integridade e compliance estabelecidos pelas
organizações.

Palavras-chave: Governança. Compliance. Integridade. Ética. Direito.

INTRODUÇÃO

A importância que verificamos na atualidade em relação aos temas da boa


governança e de compliance no âmbito das organizações afirma-se como o reflexo de um
amplo e significativo movimento, ao qual corresponde a afirmação de um abrangente
paradigma organizacional e corporativo vinculado à estruturação das ações empresariais e
dos negócios de acordo com propósitos, implicando maior compromisso com a geração de

1
Professor e Coordenador do Curso de Direito da ULBRA/Guaíba. Advogado (OAB/RS 56.526). Doutor em
Sistemas Jurídicos e Político-Sociais Comparados pela Università degli Studi del Salento/Itália e Mestre em
Direito. Membro CEE ABNT 309 - Governança das Organizações. E-mail: josuemoller@axiosconsultoria.com
2
Doutora em Sistemas Jurídicos e Político-Sociais Comparados pela Università degli Studi del Salento/Itália
e Mestre em Direito pela Unisinos. Advogada (OAB/RS 56.407). E-mail: leticiamoller@axiosconsultoria.com
95

valores e com a exigência de prestação de contas e responsabilização. Os propósitos


organizacionais passaram a ser reconhecidos como centrais, não havendo mais espaço para
a mera instrumentalização de slogans, de belas bandeiras e missões que despontam como
discursos retóricos, muitas vezes permanecendo como letras frias nos documentos
institucionais ou em belas placas colocadas nas paredes de setores e departamentos.
Vivenciamos um tempo em que a reputação e o sucesso das organizações perpassa pelo
reconhecimento não apenas da qualidade inerente de produtos e serviços, eis que depende
da adoção de boas práticas e da promoção de ações responsáveis. A abordagem voltada a
favorecer a compreensão básica do relacionamento entre propósitos e boa governança, das
iniciativas de compliance como correspondentes a uma perspectiva integrada entre ética e
direito, e do sentido relacionado à estruturação de programas de integridade para orientar o
desenvolvimento de ações responsáveis se afiguram como objetivos deste breve texto.

1 A CENTRALIDADE DOS PROPÓSITOS, VALORES COMPARTILHADOS E


BOA GOVERNANÇA

A centralidade dos propósitos organizacionais afirmada na atualidade, implicando


maior compromisso com a geração de valores e com a exigência de prestação de contas e
responsabilização, encontra importantes marcos históricos em posicionamentos de líderes
empresariais no início do século XX, que davam conta de visões pela quais os objetivos
empresariais não se limitavam e mediam simplesmente pela apuração dos resultados
financeiros diretamente alcançados e pela distribuição de lucros e dividendos entre os sócios,
mas se relacionavam à persecução de um leque mais abrangente de interesses; interesses
estes voltados a atender conjuntamente as demandas de consumidores, dos usuários de
serviços, dos trabalhadores, das comunidades, das sociedades empresariais e de seus sócios,
das sociedades organizadas politicamente e dos cidadãos. Em tal sentido, se destacaram
posicionamentos como o de um administrador de uma empresa de navegação alemã chamada
Norddeutscher Lloyd, que por volta de 1917, declarou a acionistas que a sociedade não
existia para distribuir dividendos, mas para que navegassem os barcos do Reno, aludindo à
promoção da conexão de cidades e ao transporte de pessoas e mercadorias como propósito
principal da empresa; e também de Henry Ford, que em 1919 declarou que a principal missão
da corporação era a de produzir automóveis cada vez melhores, satisfazendo as demandas
de uma clientela cada vez mais exigente, e, para tanto, anunciou a pretensão de aumentar
96

salários, e, consequentemente, aumentar a produção, com o objetivo de abaixar os preços e


tornar o automóvel como produto final acessível a todos, começando pela acessibilidade aos
operários de sua fábrica. A expressão "os barcos do Reno" acabou por se tornar, a partir de
então, uma fórmula no âmbito do direito empresarial e societário, indicando uma diferença
entre os 'interesses sociais' compreendidos como interesses da empresa em si (do
empreendimento concebido como instituição) e os 'interesses pessoais dos sócios de capital
e acionistas'. Em relação ao posicionamento de Henry Ford, tornou-se célebre a repercussão
do caso a partir de ação judicial movida por dois acionistas, John F. Dodge e Horace E.
Dodge, em que sustentavam que os dividendos deveriam ser integralmente distribuídos aos
acionistas e não desviados em razão de objetivos altruístas. Não obstante tenha sido a decisão
judicial prolatada pela Suprema Corte do Estado de Michigan à época contrária a Henry
Ford, tal caso tornou-se um paradigma de posicionamento empresarial diferenciado, a partir
do qual se começou a falar de fato, além dos interesses dos sócios e acionistas
(shareholders), de 'partes interessadas' (stakeholders). No mesmo sentido de afirmação de
uma diferença nítida quanto aos propósitos organizacionais, cabe destacar também como
marco histórico o posicionamento de John K. Keynes, que em 1926 destacou a tendência já
então verificada de as empresas se socializarem progressivamente na medida do estágio de
seu desenvolvimento, ocasião em que a estabilidade geral da instituição e a sua reputação
passam a ser mais importantes para a administração do que a produção de grandes lucros,
que se torna de fato secundária - eis que este objetivo passa a ser percebido como
consequencial -, uma vez que, além de distribuir dividendos adequados aos acionistas, o
interesse direto da administração consistirá em evitar críticas do público e dos clientes da
empresa, razão pela qual o interesse de todos os envolvidos deve ser considerado no
estabelecimento de políticas e decisões.

A consideração destes posicionamentos históricos é importante para


compreendermos as origens de um movimento que não é novo, que se identifica com a
afirmação progressiva da responsabilidade social como indissociavelmente ligada ao
desenvolvimento das empresas como instituições e da governança organizacional; com a
evolução e o desenvolvimento gradativo das funções do Estado na modernidade; com
conscientização crescente sobre as consequências e impactos das ações e decisões das
'organizações' nas comunidades locais (compreendidas nessa expressão instituições,
empresas, corporações, etc.), no meio ambiente e também na ampla teia de relações que
caracterizam um espaço interconectado de atuação e do mercado no contexto de um mundo
97

marcado pelo fenômeno da globalização, quando preocupações relacionadas ao


desenvolvimento sustentável - das empresas, comunidades e sociedades - ganham cada vez
mais atenção. O movimento que se erigiu em torno destes pressupostos na atualidade
vivencia um estágio de consolidação muito relevante, quando aquilo que até algumas
décadas atrás poderia ainda ser visto e retratado como um conjunto de boas ideias, como
expressão de idealismo por parte de teóricos ou de boas intenções de alguns líderes
empresariais que se destacavam dos demais até mesmo pela defesa de ideias percebidas
como inovadoras e um tanto excêntricas, contemporaneamente se torna expressão de um
novo paradigma a um só tempo social, relacional e empresarial (negocial), elevando a novos
patamares compromissos éticos e jurídicos assumidos por diversos agentes e atores sociais,
com grandes repercussões no campo prático da responsabilização (em termos éticos e
jurídicos). É justamente o espírito deste novo paradigma que explica a relevância alcançada
por temas, iniciativas e procedimentos ligados à boa governança e ao compliance no âmbito
das organizações, assim como também por políticas e legislações relacionadas a medidas
anticorrupção e à promoção do desenvolvimento sustentável nos âmbitos de atuação e
organização estatal e internacionais. É sintomático perceber o nível de comprometimento
alcançado hoje em torno deste novo paradigma que é impulsionado por iniciativas que
envolvem um ímpeto transformador que podemos identificar com os princípios e metas do
Pacto Global proposto pela Organização das Nações Unidas para encorajar empresas a
adotar políticas de responsabilidade social corporativa e de desenvolvimento sustentável em
2000; a força de declarações como a que em 2019 simbolicamente reuniu assinaturas de
cerca de 180 CEO's que fazem parte de um grupo de grandes corporações norte-americanas
(Business Roundtable - BRT) em um documento pelo qual se afirmaram que suas empresas
não querem mais gerar apenas lucros, mas gerar valores compartilhados para todas as 'partes
interessadas' em torno dos interesses das quais se justifica o empreendimento; e o modo
como as mudanças relacionais e negociais foram identificadas como expressão de uma nova
configuração do capitalismo no âmbito do Fórum Econômico Mundial em 2020, um
capitalismo de partes interessadas (stakeholders), que se faz acompanhar de grande avanço
no campo da regulamentação, da adequação privada e voluntária das organizações por meio
da promoção de cultura ética, do estabelecimento boas práticas de normas e procedimentos
internos, e da observância de normas técnicas em busca de maiores garantias e certificações,
além de avanços jurídico-normativos estatais. Em palavras simples e diretas, podemos hoje
afirmar que não se trata de fogo de palha, idealismo ou de romantismo de posições isoladas,
98

nem tampouco de algo que até bem pouco tempo atrás podia restar superficialmente
mascarado sob a pátina reluzente de iniciativas dos setores de marketing, mas de
transformações substanciais que estão a exigir compromissos e responsabilizações
concretas, quando não adequações e reposicionamentos significativos das organizações, sob
pena de ficarem para trás e deixarem de poder operar e existir. Um outro aspecto relevante
que deve ser destacado para a compreensão do movimento que se consolida diz respeito ao
impulso motriz partir preponderantemente de uma mobilização crescente e cada vez mais
consciente das 'partes interessadas' (stakeholders), envolvendo pessoas e organizações, que
se articulam em torno de seus propósitos próprios e de propósitos compartilhados, elevando
o nível das exigências e compromissos comuns, e consequentemente de regulamentações e
responsabilizações, inclusive implicando e influenciando decisivamente o
redimensionamento das relações público-privadas e da forma como operam agentes,
instituições e organismos nacionais e internacionais. Portanto, trata-se de um movimento
fortemente ancorado na livre-iniciativa, no exercício da autonomia e na autorregulação das
relações privadas, ainda que mantenha forte e relevante conexão com instâncias de regulação
de relações públicas, de acordo com parâmetros da legislação estatal e de normatização
internacional.

A busca de bons propósitos é afirmada como uma condição fundamental para as


organizações, sendo a boa governança identificada com o cumprimento dos propósitos
organizacionais de forma a preservar um comportamento ético, a alcançar um desempenho
eficaz e a conduzir a administração de um modo responsável - estas três dimensões básicas
da boa governança podem ser também identificadas como seus resultados-chave. A boa
governança implica e se baseia no exercício proativo e comprometido da liderança, na
geração e na preservação de valores compartilhados e na adequação de um conjunto de
estruturas, mecanismos e processos adequados, sempre com vistas à adoção de medidas, de
políticas organizacionais e tomadas de decisão ancoradas no desenvolvimento do caráter e
da cultura, assim como em comportamentos e normas que sejam reconhecidos como
orientadores de boas práticas pela organização. Os benefícios da boa governança são ligados
aos seus propósitos organizacionais e relacionados aos interesses da organização, aos
interesses das partes interessadas que dela fazem parte como membros (gestores,
colaboradores, acionistas, investidores, etc.), e aos interesses de outras partes interessadas
(consumidores, fornecedores, parceiros de negócios, membros de comunidades locais,
cidadãos, etc.). A persecução de propósitos organizacionais alinhados ao desenvolvimento
99

de boa governança depende do comprometimento: com a geração de valores compartilhados;


com o delineamento de estratégias; com a realização de supervisão; e com a
responsabilização vinculada à prestação de contas por parte dos gestores e colaboradores
responsáveis por ações, tomadas de decisões, iniciativas, processos e procedimentos. A
persecução de resultados-chave que decorrem da boa governança implica ainda outros
princípios, dentre os quais se destacam: a consideração e o envolvimento das partes
interessadas; o comprometimento efetivo e a proatividade evidenciada daqueles que ocupam
posições de liderança; a consideração de dados nos processos de tomadas de decisão; a
consideração, avaliação, monitoramento e gestão de riscos; a preservação da viabilidade e
do desempenho ao longo do tempo. A persecução de propósitos organizacionais depende,
assim, do comprometimento com a geração de valores compartilhados; com o delineamento
de estratégias; a realização de supervisão; e com a responsabilização vinculada à prestação
de contas por parte dos gestores e colaboradores responsáveis por ações, tomadas de
decisões, iniciativas, processos e procedimentos. Em linha de síntese, pode-se dizer que os
valores compartilhados que inspiram um empreendimento organizacional e que servem para
moldar e definir os seus propósitos devem ser de fato objeto da geração de valores
compartilhados desenvolvidos e evidenciados tanto nas ações, atitudes, processos e
procedimentos realizados pelas pessoas que na organização atuam ou com ela interagem,
como nos produtos que engendra e nos serviços que presta, sendo esta conexão definida em
termos de comprometimento e responsabilização com o objetivo que permeia o
desenvolvimento de uma boa governança, de modo a implicar o estabelecimento de políticas
de governança organizacional; planos estratégicos para a organização; políticas de gestão
para orientar a execução; e planos de ações específicos para o exercício competente de cada
uma das funções. Nesse sentido, os propósitos assumidos no âmbito das organizações,
especialmente por aqueles que atuam em cargos e exercem funções em níveis de gestão em
Conselhos, Alta Direção e Direção, evidenciam-se como compromissos efetivos com a
geração de valores compartilhados, compromissos estes que devem orientar e dirigir todas
as iniciativas, políticas e ações organizacionais, de todos gestores, colaboradores e parceiros
de negócios, observando interesses de todas as partes interessadas, de modo que o ímpeto
empresarial e proposicional engendra um movimento que, além de ser eminentemente
cultural, é também obrigacional, tanto no que diz respeito ao que se afirma como expressão
de um conjunto de compromissos e obrigações que são assumidos voluntariamente e
vinculados à própria vocação, natureza e cultura ética das organizações consideradas
100

particularmente, quanto no que diz respeito ao que se afirma como expressão de um elevado
comprometimento das organizações com obrigações mandatórias que publicamente se lhe
impõe pela força jurídica da legislação e das normas jurídicas internacionais.

2 COMPLIANCE, CONEXÕES E PERSPECTIVAS DE INTEGRAÇÃO ENTRE


ÉTICA E DIREITO

A assunção dos propósitos como central para o desenvolvimento das organizações,


bem como de parâmetros de boa governança que se ligam diretamente ao cumprimento dos
propósitos para preservar comportamentos éticos, desempenho eficaz e administração
responsável em todas as suas iniciativas, processos e ações, sobretudo quando consideramos
que estes fatores se consolidam como o núcleo de um novo paradigma - social, relacional e
empresarial -, constituem-se como condições que por si só explicam a emergência e a
relevância contemporânea das exigências e medidas de compliance no âmbito das
organizações, ao mesmo tempo em que evidenciam conexões entre propósitos e valores,
compromissos e obrigações, ações e responsabilizações, implicando interessantes
perspectivas de imbricação e integração entre os sentidos da ética e do direito. A importância
que tem sido cada vez mais conferida nas últimas décadas, no âmbito da governança das
organizações e de desenvolvimento das sociedades, ao alinhamento de iniciativas, ações,
práticas e relações econômicas e negociais e produtivas com propósitos, valores e princípios
éticos reconhecidos pelas pessoas como ligadas às motivações incidentes nas formas de
trabalho, consumo, empreendedorismo, escolha e de processos de tomada de decisão
(individual ou coletiva), importância esta que se projeta pelo reconhecimento público de
marcas e reputações, identifica-se com um autêntico movimento social tendente a se ampliar
cada vez mais, que procura integrar o âmbito mais abstrato e geral das aspirações ao âmbito
mais concreto e particular das realizações pessoais e coletivas, e também acaba por reintegrar
os campos da ética e do direito pelo viés prático da atuação, principalmente em razão do
reconhecimento da importância dos compromissos assumidos e da concretização de
obrigações, quer sejam elas notadamente éticas e voluntariamente assumidas, quer sejam
jurídicas e mandatórias. As relações potencialmente fortes que vêm sendo afirmadas entre
os sentidos da ética pública e da ética empresarial, da prevenção e do combate à corrupção
e de alinhamento de questões de governança nos âmbitos das relações de governança pública
e nos âmbitos das relações de governança das organizações privadas (instituições, empresas,
101

corporações, etc.), encontram atualmente um campo de convergência em torno do sentido


de compliance, cujo alcance segue uma propensão de ampliação de um sentido restrito pelo
qual o seu significado é tomado como expressão mais fria da situação de conformidade de
condutas em função de previsões expressas de normas éticas e de normas jurídicas
estabelecidas, para um sentido mais amplo pelo qual se destaca um significado mais alargado
de adequação ética das ações (condutas e processos), além do horizonte estrito das previsões
taxativas contidas nas regras, de modo que sejam avaliadas em função de princípios, valores,
padrões de comportamento e boas práticas reconhecidas como importantes para as pessoas,
organizações, comunidades e sociedade. É nesse sentido mais amplo que se pode
compreender adequadamente a ligação entre o sentido de compliance, que pode ser traduzido
num primeiro momento como sinônimo de uma situação de 'conformidade', com os
horizontes mais significativos que apontam para a relevância da 'adequação', tal como se
verifica quando se destaca hoje também a importância de programas de integridade e de
preocupações com a sustentabilidade, mormente com a responsabilidade de iniciativas e
ações em relação a questões ambientais, sociais e de governança (ESG - Environmental,
Social and Governance).

É importante logo notar que a perspectiva de compliance que se afirma


contemporaneamente como eticamente e socialmente promissora, do ponto de vista da ética,
relaciona-se com conteúdos éticos reconhecidos publicamente como parâmetros normativos
importantes para orientar a convivência em sociedade (expressão do que vige no campo
próprio que podemos designar como 'ética pública') e também com conteúdos éticos
reconhecidos privadamente como parâmetros normativos importantes para orientar condutas
e ações de pessoas que trabalham e exercem funções de gestão no âmbito das organizações
(expressão do que vige em campos próprios que podemos designar como espécies de 'ética
privada' ou 'ética particular', ou, de modos mais específicos considerando o âmbito de
afirmação como espécies de 'ética empresarial', 'ética nos negócios', 'ética corporativa', etc.).
Além disso, importante notar que o entrelaçamento entre parâmetros normativos da 'ética
pública' e parâmetros normativos de uma expressão da 'ética particular' como a 'ética
empresarial' ganha, no que diz respeito à perspectiva e ao objetivo concreto de compliance,
especial configuração a partir do reconhecimento de parâmetros normativos afirmados
juridicamente - tanto no horizonte de desenvolvimento de sentidos jurídicos públicos na
sociedade (ocasião em que os parâmetros jurídicos remetem à valência de obrigações e
normas jurídicas estabelecidas e reconhecidas num determinado ordenamento jurídico),
102

quanto no horizonte de desenvolvimento de sentidos jurídicos privados a partir de relações


contratuais e negociais (ocasião em que os parâmetros jurídicos remetem à valência de
obrigações e normas jurídicas estabelecidas por partes específicas mediante contratos
determinados). A adoção de uma perspectiva de compliance implica, assim, a assunção de
comprometimento por parte de organizações com a conformidade e a adequação ética e
jurídica de ações por gestores, colaboradores e parceiros de negócio (stakeholders) em
relação aos propósitos, valores e normas aplicáveis; comprometimento este que implica o
cumprimento tanto de 'obrigações mandatórias' (obrigações compulsórias em razão de serem
ligadas a imposições normativas oriundas e previstas no ordenamento jurídico), quanto de
'obrigações voluntárias' (obrigações assumidas particularmente pelas 'organizações' e
publicizadas em razão das relações que estas estabelecem com consumidores, fornecedores,
colaboradores, gestores, comunidades e sociedade). Não é difícil compreender a relevância
prática do instituto de compliance quando posto em prática e quando dá corpo efetivamente
à cultura ética e justa no âmbito particular das organizações também no que diz respeito ao
favorecimento do desenvolvimento e da incorporação de uma cultura ética e justa na
sociedade. O movimento ligado à institucionalização de compliance no âmbito da ética
particular das 'organizações' corrobora a afirmação da ética pública e do direito no âmbito
público da sociedade, ao mesmo tempo em que fortalece o sentido de cidadania incorporado
pelas pessoas e ao desenvolvimento de iniciativas de 'controle social' no contexto das
sociedades democráticas bem organizadas. Atualmente, o que estamos caracterizando como
expressão da consolidação de um movimento implica uma importante mudança de
paradigma no âmbito de desenvolvimento das organizações, ao mesmo tempo em que
corresponde a uma mudança na forma como as pessoas de um modo geral enxergam e
concebem as relações econômicas e sociais, sendo cada vez mais críticas diante de situações
de injustiça, corrupção e tratamento desigual, assim como cada vez mais atentas em relação
a questões que envolvem sustentabilidade, preservação do meio ambiente, mitigação de
riscos, prevenção de acidentes e consumo consciente. Inúmeras normativas do ponto de vista
da autorregulação das organizações tem se desenvolvido ao longo do tempo, destacando-se,
dentre estas, normas ISO com orientações sobre Governança nas Organizações (ABNT NBR
ISO 37000:2022) e sobre implementação de Sistemas de Gestão Antissuborno (ABNT NBR
ISO 37001:2017) e Sistemas de Gestão de Compliance (ABNT NBR ISO 37301:2021). No
âmbito jurídico dos Estados Nacionais este ímpeto ganha força também ao longo das últimas
décadas, cabendo destacar, no caso do Brasil, avanços relacionados ao estabelecimento de
103

normas anticorrupção no âmbito federal (Lei n. 12.846/2013 e Decreto n. 11.129/2022) e


também no âmbito dos Estados e Municípios. É interessante notar que, pelo viés de
desenvolvimento e aplicação de compliance na atualidade, talvez seja já possível postular
uma resposta afirmativa à preocupação tantas vezes manifestada por pensadores e tão bem
sintetizada por Z. Bauman quanto à indagação de a ética ainda ser possível num mundo de
consumidores. Ainda que tal resposta possa parecer modesta por depender sempre do apelo
e do progresso da educação e da conscientização de pessoas e organizações, é importante
reconhecer a força motriz colocada em movimento, que se conecta diretamente à
potencialidade de que pessoas e organização efetivamente transformem esta conscientização
na afirmação de propósitos, valores compartilhados, compromissos e obrigações,
comportando significativos parâmetros de responsabilização que integram sentidos éticos e
jurídicos, e se revelem engajamentos duradouros. Em que pese os desafios, não se pode
olvidar a potência deste novo paradigma, sobretudo pelos avanços práticos que têm
implicado a promoção e a sustentação de valores e relações orientadas pela preservação da
integridade e, consequentemente, a construção de sociedades bem organizadas e de um
mundo melhor.

3 A CULTURA ORGANIZACIONAL DEFINIDA EM TERMOS ÉTICOS E


JURÍDICOS, AÇÕES RESPONSÁVEIS E PROGRAMAS DE INTEGRIDADE

As conexões entre propósitos e valores, compromissos e obrigações, ações e


responsabilizações assumidas no âmbito das organizações, assim como as perspectivas de
integração entre sentidos éticos e jurídicos que estas engendram e procuram realizar,
encontram nos objetivos, nas pretensões de incorporação e no desenvolvimento de uma
cultura organizacional efetiva seu principal ponto de convergência, ao mesmo tempo em que
são objeto de organização, normatização e especificação de condutas e de modos de
tratamento de situações nos programas de integridade e compliance, por vezes também
chamados como sistemas de gestão de compliance ou de anticorrupção, a depender do
escopo de atuação e aplicação. A cultura organizacional afirma-se não apenas como a
expressão de um conjunto de boas práticas, mas se define principalmente como a expressão
de termos éticos e jurídicos que deve ser de fato incorporada para a concretização dos
propósitos organizacionais, razão pela qual se ancora na força normativa de programas de
104

integridade estabelecidos e implementados pelas organizações, a partir dos quais normas,


procedimentos e mecanismos procuram assegurar e concretizar o cumprimento de condições
e requisitos considerados fundamentais, tenham sido eles assumidos como compromissos
em função de normas jurídicas aplicáveis (legislação) às organizações em decorrência de sua
área de atividade, de padrões éticos mínimos reconhecidos como importantes
voluntariamente pelas organizações ou por exigências multilaterais de parceiros de negócios
que fazem parte de segmentos e setores específicos de atuação, de ideais éticos e modelos
de comportamento e conduta para o exercício de determinados ofícios e funções e de
compromissos assumidos com as diversas partes interessadas (stakeholders). Nesse sentido,
é importante compreender como a relação que envolve a cultura organizacional e a
implementação de programas de integridade não se adstringe ao âmbito de orientações e
decisões internas, podendo ser caracterizada como complexa e dinâmica, eis que implica
dimensões de relacionamento e responsabilização ética e jurídica que correspondem na
prática ao cumprimento de compromissos e obrigações por força de medidas de
internalização decorrentes de normas externas - relacionadas a previsões constantes em
normas jurídicas e de normas éticas de parceiros de negócios -, assim como também
correspondem às formas externas pelas quais as organizações desejam ser consideradas e
vistas por terceiros - parceiros de negócios, clientes, fornecedores e comunidades com as
quais interage e onde atua -, quando lidam com determinadas situações, como problemas e
questionamentos, sobretudo quando presente uma preocupação com a imagem projetada e
com a reputação numa dimensão de reconhecimento público.

A clareza quanto aos propósitos, a perseverança quanto ao que é necessário e se está


disposto a fazer com o objetivo de alcançá-los e o reconhecimento dos riscos envolvidos
constituem-se como pressupostos fundamentais. E convém logo dizer que se é verdade, por
um lado, que expressões como 'programas de integridade' e 'sistemas de compliance'
apresentam-se atualmente como termos que estão na moda e afirmam-se como tendências
relacionadas ao aperfeiçoamento da governança das organizações e das práticas de gestão,
por outro lado, deve-se também logo reconhecer que o seu objeto não consiste numa
novidade, pois implica o enfrentamento de um problema muito antigo para as organizações,
assim como para segmentos de atuação e grupos específicos, comunidades e sociedades. O
escopo principal de programas de integridade e compliance relaciona-se com a adoção e a
promoção de uma cultura ética e juridicamente responsável no âmbito das organizações, com
o desenvolvimento de ações responsáveis por gestores, colaboradores e parceiros de
105

negócios, com a pretensão de eliminação ou redução de atos ilícitos, de práticas de corrupção


e criminosas, assim como de outros comportamentos que possam ser considerados antiéticos
(imorais) e lesivos aos interesses de outras pessoas físicas e jurídicas, de comunidades e
sociedades, além de contrários aos interesses notadamente comuns e públicos. A maior
evidência que programas de integridade possuem hoje deve-se a muitos fatores, dentre os
quais podemos destacar a maior consciência em relação à sua importância, a uma mais ampla
compreensão das implicações, interdependências e desdobramentos de práticas antiéticas e
antijurídicas, desonestas e ilícitas de gestores, de colaboradores e de parceiros de negócios
sobre a forma de atuação e reconhecimento das organizações, de modo que se percebe
nitidamente que afetam, prejudicam e podem até mesmo comprometer definitivamente os
propósitos da organizações e os negócios na medida em que têm o potencial de atingir as
suas reputações. A consideração dos interesses de todas as partes interessadas não se
constitui mais como algo que pode se resumir a objeto de slogans, pois a preservação da
palavra e dos compromissos assumidos publicamente pelas organizações conta cada vez
mais para a tomada de decisões pelas pessoas, comunidades e sociedades, envolvendo desde
as coisas mais simples que têm relação com hábitos de consumo e aquisições, como também
em relação ao objeto de escolha de empresas por parte dos colaboradores que nela
identificam ou não oportunidades interessantes para trabalhar. A questão é que as escolhas
na atualidade se relacionam cada vez mais com projetos de vida, de modo que interessa às
pessoas e comunidades saber, por exemplo, se os produtos que pretendem adquirir foram de
fato fabricados por empresas que se comprometem com práticas ambientalmente e
socialmente sustentáveis; se a elaboração de tais produtos não envolveu em nenhuma das
etapas da cadeia produtiva mão de obra infantil, escrava ou em condições análogas à
escravidão; se as operações e resultados das organizações envolvidas nessa cadeia de
produção ou de venda revertem de algum modo e contribuem ao desenvolvimento local das
comunidades e sociedades, respeitando as suas particularidades e condições de diversidade
e privilegiando o desenvolvimento local, regional e nacional; se tais organizações se
configuram de fato como bons lugares para trabalhar, em que o objeto do trabalho possa ser
relacionado também pelos colaboradores como algo a respeito do qual se orgulhar, como
algo que faz sentido, como algo comprometido com um projeto de futuro para as pessoas e
para as próximas gerações. O escopo dos programas de integridade mantém, desse modo,
uma evidente relação com os propósitos que as organizações pretendem realizar, e na prática
estes programas implicam a constituição de normas, mecanismos, procedimentos e
106

instâncias voltados à realização dos compromissos assumidos pelas organizações, sendo de


fundamental importância para a preservação da viabilidade econômica dos negócios, para a
eficiência na administração de recursos voltados à geração de valores compartilhados e para
a promoção de comportamentos éticos e juridicamente responsáveis que corroboram à
manutenção das atividades e à mitigação de riscos.

A utilização do vocábulo 'integridade' em relação às organizações comporta a


apropriação de uma noção ética utilizada habitualmente para descrever comportamentos
individuais, ocasiões em que sentidos evocados alcançam conotações muito abrangentes. A
aplicação da noção de 'integridade' no âmbito das organizações implica um significativo
redimensionamento semântico, uma vez que comporta uma delimitação de sentidos
utilizados em torno de condutas esperadas e ações consideradas responsáveis, em termos
éticos e jurídicos, por pessoas ou grupos de pessoas no contexto do exercício de
determinadas funções, do desempenho de ofícios e ocupações, o que depende de definições,
posicionamentos e compromissos assumidos efetivamente pelas organizações, quer sejam
elas empresas, corporações, entidades representativas de classe como associações e
sindicatos ou ordens profissionais. As definições de integridade em programas ou sistemas
organizacionais aplicam-se nos arranjos institucionais como espécies de recortes específicos
de amplos quadros jurídicos, legais e regulatórios, os quais passam a ser reconhecidos como
obrigações (exigências de cumprimento) éticas não apenas pela força obrigacional de normas
imperativas que podemos identificar com os sentidos mais abrangentes da ética pública que
se cruzam com o teor das normas jurídicas, mas também pela força obrigacional de padrões
de conduta e de normas consensualmente estabelecidas no âmbito das organizações, quando,
utilizando-se do amplo espaço de autonomia que possuem, procuram a um só tempo
introjetar normas externas que se lhe impõe, incorporar normas que consensualmente
estabelecem e reconhecem em conjunto com outras organizações, e projetar normas internas
que correspondem ao cumprimento de propósitos organizacionais que almejam realizar, a
fim de gerar valores compartilhados. Os programas de integridade afirmam-se e
desenvolvem-se, assim, como espaços privilegiados para o encontro de valências normativas
da ética pública e do direito público, ao mesmo tempo em que se configuram também como
expressões propriamente privadas da ética particular de determinadas organizações -
expressões de perspectivas que bem podem ser designadas como ética empresarial, ética
corporativa ou ética nos negócios - e das obrigações jurídicas de ordem privada que assumem
107

como compromissos perante todas as partes interessadas em relação ao desenvolvimento ou


impacto de suas atividades.

A particularidade, a especialidade e a aplicabilidade de disposições, procedimentos


e normas de programas de integridade constituem-se como requisitos que não podem passar
inobservados, eis que a adequação e efetividade destes depende de sua conexão com a
realidade das organizações, dos desafios e das especificidades de relações, condutas e ações
que procuram orientar e regular. A aplicação de "receitas" e de "soluções prontas" que, ainda
que se apresentem como eminentemente técnicas, não levem em consideração as condições
dos "ingredientes" e diversos componentes e fatores envolvidos em sua execução - incluindo
ferramentas, treinamento das pessoas, diálogo e interação entre diversas partes interessadas
que podem contribuir e supervisão para o controle e o aperfeiçoamento de práticas -, parece
fadada a não funcionar. A implementação de programas de integridade ancora-se, em
princípio e como ponto-base de realização, num decisivo comprometimento por parte de
quem, nas mais altas instâncias de governança organizacional, exerce os papéis de liderança
e é responsável pelas mais importantes decisões, porém depende, nas etapas sucessivas, da
instauração de um amplo processo de reconhecimento e adequação que envolve gestores,
colaboradores, parceiros de negócios e as partes interessadas, e relaciona-se com diversos
aspectos que devem ser considerados, dentre os quais se destacam: - o conhecimento da
realidade da organização, dos requisitos éticos e jurídicos que deve atender e que se propõe
a realizar; - o diagnóstico quanto ao reconhecimento e incorporação de compromissos e
obrigações éticas e jurídicas aplicáveis no âmbito da cultura organizacional, tanto ao nível
de pessoal, quanto ao nível documental, bem como quanto à identificação dos principais
riscos de acordo com a percepção dos agentes e com a avaliação das instâncias de
governança; - o estabelecimento de documentos, fluxos e procedimentos internos em função
dos propósitos para orientar a realização de condutas e ações responsáveis, que considerem
toda a gama de implicações (desdobramentos e repercussões de decisões, riscos envolvidos,
benefícios concretos almejados, custos e viabilidade prática), inclusive o suporte para a
adequada avaliação e encaminhamento de situações em processos que demandem tomadas
de decisão mais complexas; - o estabelecimento de políticas de treinamento contínuo
voltadas à difusão dos requisitos da cultura organizacional e ao aperfeiçoamento de práticas,
assim como também de procedimentos de acompanhamento e investigação interna para a
apuração e correção de desvios e falhas, inclusive com a aplicação de sanções disciplinares
e outros encaminhamentos, quando cabíveis. A via de implementação e de efetividade de
108

programas de integridade não admite atalhos, simplificações e pseudo-soluções mágicas, eis


que comprometimentos éticos e jurídicos com os princípios de governança definidos e com
práticas adequadas em termos de compliance exigem conscientização e engajamento de
acordo com os propósitos, necessidades e demandas específicas das organizações, razão pela
qual se deve estar muito atento aos problemas e limitações de programas que se configuram
como propostas e soluções prontas, muitas vezes destinadas a restarem apenas belos
programas de papel, ao mesmo tempo em que são disfuncionais diante das necessidades e
particularidades das organizações.

A estruturação de programas de integridade efetivos desdobra-se em aos menos duas


dimensões e direções, que para todos os efeitos são complementares no que concerne ao
escopo e resultados, sendo uma voltada para a promoção da cultura organizacional em
termos de prevenção e a outra voltada para o acompanhamento e supervisão das atividades
e para a correção de desvios e falhas na prática em termos de reação, com a resolução de
problemas verificados, de modo a procurar garantir que condutas e ações sejam responsáveis
no exercício de funções e ocupações, que desvios sejam desestimulados, que falhas sejam
corrigidas, que processos sejam aperfeiçoados e riscos mitigados, ao mesmo tempo em que
aqueles que pratiquem atividades ilícitas e antiéticas possam ser adequadamente
identificados e responsabilizados. Em termos de prevenção, os programas de integridade
cingem-se em torno de mecanismos institucionais que, dentre outros aspectos: - promovam
um ambiente relacional, de trabalho e de negócios em que a cultura organizacional oriente o
desenvolvimento de atividades e a integridade sejam motivacionalmente estimuladas e
recompensadas, ao mesmo tempo em que comportamentos antiéticos e antijurídicos sejam
desencorajados; - promovam a redução da capacidade e influência daqueles que poderiam
ter maiores interesses ou facilidades para o envolvimento em práticas de corrupção e mais
suscetíveis a tentativas de suborno; - promovam a redução de oportunidades para
comportamentos antiéticos e antijurídicos; - promovam a identificação de potenciais
conflitos de interesse e a exposição de comportamentos antiéticos e antijurídicos, de modo
a viabilizar o adequado tratamento de desvios, falhas e problemas. Em termos de reação, os
programas de integridade cingem-se em torno de mecanismos institucionais que, dentre
outros aspectos: - estabeleçam procedimentos e fluxos adequados para o encaminhamento
de situações, de dúvidas e relatos de problemas, queixas ou desvios; - estabeleçam canais
para a recepção de relatos diversos, com a documentação e encaminhamento para agentes
ou setores responsáveis pela preservação da integridade e compliance; - estabeleçam
109

procedimentos e fluxos adequados para o tratamento de situações e relatos de problemas,


queixas ou desvios, com a clara estipulação de papéis individuais ou em comissões, formas
de apuração e investigação internas, bem como procedimentos específicos para sindicâncias
e para a aplicação de sanções disciplinares, quando cabíveis, considerando-se sempre o
quadro normativo interno e legal.

CONCLUSÕES

A importância de compromissos relacionados à boa governança e ao compliance no


âmbito das organizações afirma-se como o reflexo de um amplo e significativo movimento
que atualmente se consolida pela afirmação de um abrangente paradigma organizacional e
corporativo, porém que, para além dos confins organizacionais, se apresenta e reveste
também como um novo paradigma social, relacional e empresarial. A afirmação da
centralidade dos propósitos organizacionais no âmago deste movimento se constitui
historicamente e na contemporaneidade como uma espécie de ponto-base e núcleo de uma
força motriz destinada a fazer com que os propósitos organizacionais deixem de configurar-
se apenas no espaço da mera instrumentalização de slogans e missões, muitas vezes
permanecendo como letras frias nos documentos institucionais. A busca de bons propósitos
tornou-se condição fundamental para as organizações, sendo a boa governança identificada
com o cumprimento dos propósitos organizacionais de forma a preservar um comportamento
ético, a alcançar um desempenho eficaz e a conduzir a administração de modo responsável.
O novo paradigma que se erigiu nos conduz do horizonte dos bons propósitos ao horizonte
das ações responsáveis, elevando a novos patamares compromissos éticos e jurídicos
assumidos por diversos agentes e atores sociais, com grandes repercussões no campo prático
da responsabilização, em termos éticos e jurídicos. Segundo o viés deste novo paradigma
social, relacional e empresarial - organizacional e de governança num sentido abrangente -,
é fundamental considerar que existem importantes conexões e perspectivas de integração
entre a ética e o direito, e que programas de integridade e compliance efetivos conectam-se
e correspondem sempre ao um amplo quadro normativo constituído por sentidos derivados
da ética pública e do direito público, aplicando-se à realidade das organizações como uma
espécie de recorte, ao mesmo tempo em que correspondem a um quadro normativo
específico constituído por sentidos da ética privada e do direito privado que se erige no
âmbito particular das organizações, conformando-se como uma espécie de simbiose
110

normativa que radica sua força própria nos propósitos das organizações e nas pretensões
vinculadas à promoção de boa governança, implicando sentidos éticos e jurídicos destinados
a orientar comportamentos, condutas e ações de gestores, colaboradores, fornecedores e
parceiros de negócios das organizações, considerando sempre todas as partes potencialmente
interessadas em relação às atividades que engendra socialmente e aos valores compartilhados
que gera como resultados.

REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. ABNT NBR ISO 37000:


Governança de Organizações - Orientações. Rio de Janeiro: ABNT, 2022.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. ABNT NBR ISO 37001:


Sistemas de gestão antissuborno - Requisitos com orientações para uso. Rio de Janeiro:
ABNT, 2017.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. ABNT NBR ISO 37301:


Sistemas de gestão de compliance - Requisitos com orientações para uso. Rio de Janeiro:
ABNT, 2021.

ASHLEY, Patrícia Almeida (Org.). Ética e responsabilidade social nos negócios. 2.ed. São
Paulo: Saraiva, 2005.

BAUMAN, Zygmunt. A ética é possível num mundo de consumidores? Rio de Janeiro:


Zahar, 2021.

CORTINA, Adela (Org.) Construir Confiança: Ética da empresa na sociedade da


informação e das comunicações. São Paulo: Edições Loyola, 2003.

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GHILLYER, Andrew. Ética nos negócios. 4.ed. Porto Alegre: AMGH, 2015.

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millenio. Milano: Il Saggiatore, 2001.

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Vozes, 2021.

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www.pactoglobal.org.br. Acesso em: 08.11.2022.

PELLEGRINO, Gianfranco. Etica Pubblica. Una piccola introduzione. Roma: LUISS


University Press, 2015.
111

ROE, Mark. Dodge v. Ford: what happened and why? Disponível em:
<https://corpgov.law.harvard.edu/2021/12/01/dodge-v-ford-what-happened-and-why>.
Acesso em: 08 nov. 2022.

ROSSI, Guido. Il gioco delle regole. Milano: Adelphi, 2006.


112

PRÁTICAS CORPORATIVAS NO CONTEXTO DA RELAÇÃO DE


ATENDIMENTO AOS CLIENTES APLICADA ÀS ORGANIZAÇÕES E
ESPECIAL ÊNFASE AOS ESCRITÓRIOS DE ADVOCACIA COM VISTA À
TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO

Leandro Barbosa de Araujo1


Francineide Barbosa de Araújo Costa2

Resumo: A tecnologia da informação aplicada no contexto das organizações tem ganhado


cada vez mais importância e destaque na sociedade. Muitas corporações, e demais entidades,
estão aderindo de forma mais efetiva aos meios de comunicações, oportunizados pela
evolução tecnológica, em especial, para fins comerciais. Contudo, em que pese haver
interesse corporativo e do poder público em tornar mais acessível a tecnologia para os
cidadãos, parcela considerável destes ainda têm dificuldades de acesso às ferramentas
digitais, restando mais responsabilidade social por parte das entidades para com a inclusão
dos mais necessitados. Diante disso, o papel da gestão organizacional se faz importante e
requer uma dinâmica de tratamento voltada, tanto para o atendimento pessoal, ou seja, físico,
quanto para o atendimento via mecanismo digital. O presente estudo verificou como essa
dinâmica está sendo aplicada no contexto das organizações, com ênfase para os escritórios
de advocacia. Conforme os resultados obtidos, as organizações, em especial, os escritórios
de advocacia, têm buscado intensificar o atendimento por meio digital, buscando o incentivo
e a amplitude de atendimento, porém, mantendo atendimentos de forma física, buscando,
com isso, garantir um equilíbrio com fins sociais em relação aos cidadãos menos
favorecidos. Para a presente análise foi utilizada a doutrina, jurisprudência, normas do
ordenamento jurídico pátrio e estrangeiro, assim como matérias informativas publicadas em
sítios da internet.

Palavras-chave: Gestão organizacional. Atendimento físico e digital. Fidelização.

Abstract: Information technology applied in the context of organizations has gained


increasing importance and prominence in society. Many corporations, and other entities, are
adhering more effectively to the means of communication, made possible by technological
evolution, especially for commercial purposes. However, despite corporate and government
interest in making technology more accessible to citizens, a considerable portion of them
still have difficulties in accessing digital tools, leaving more social responsibility to the
entities for the inclusion of the needy. In view of this, the role of organizational management
1
É Bacharel em Direito pelo Centro Universitário UniProjeção - Unidade Taguatinga/DF, Graduado em
Licenciatura em Sociologia pelo Centro Universitário UniFAVENI. Pós-graduado em Direito Trabalhista e
Previdenciário pelo Centro Universitário União das Américas Descomplica, UniAmérica. Advogado. E-mail:
leandrodireitoejustica@gmail.com.
2
Graduada em Licenciatura em Educação Física pela Universidade Federal do Piauí-PI. Graduada em
Licenciatura Plena em Pedagogia pela Faculdade Intervale, FI, Brasil. Graduanda em Bacharelado em
Administração pela Universidade Estadual do Piauí, UESPI, Teresina, Brasil. Pós-graduada em Gestão Pública
pela Faculdade Focus, Brasil. Pós-graduada em Educação Especial, Inclusiva e Libras. Pós-graduada em
Psicopedagogia Clínica e Institucional pela Faculdade Intervale, FI, Brasil. Pós-graduada em Processos de
Aprendizagem, Desenvolvimento e Alfabetização pela Faculdade Focus, Brasil. Professora na Educação
Básica na disciplina de Educação Física. E-mail: franzinha25@outlook.com.
113

is important and requires a dynamic of treatment, both for personal care, i.e., physical, and
for care via digital mechanisms. The present study verified how this dynamic is being applied
in the context of organizations, with emphasis on law firms. According to the results
obtained, organizations, especially law firms, have sought to intensify their services through
digital means, seeking to encourage and broaden the scope of their services, but still
maintaining physical services, thus seeking to ensure a balance with social purposes in
relation to the less fortunate citizens. For this analysis we used the doctrine, jurisprudence,
rules of the domestic and foreign legal system, as well as informative materials published on
websites.

Key words: Organizational management. Physical and digital customer service. Loyalty.

1 INTRODUÇÃO

As organizações com fins lucrativos ou simplismente de interesses sociais, no


decorrer do tempo têm buscado mecanismos cada vez mais ousados para gerar uma boa
conexão com os seus clientes e atendidos, em especial, por meio digital.

Essa relação, que muitos entendem como um dos fenõmenos da globalização, onde
a aproximação com as pessoas se mostra mais necessária nas organizações via sistema digital
de comunicação, gera efeitos práticos e imediatos, tanto favoráveis, como, a depender das
medidas adotadas pelas organizações, desfavoráveis.

Nesse contexto, a gestão de uma organização é de suma importância para ajudar a


preparar o corpo físico e estrutural desta, e para que possa prestar um ótimo atendimento às
pessoas, facilitando a efetivação de vinculos para além de um simples agrado.

Por esta razão, a tecnologia da informação, principalmente pelos meios digitais de


comunicação, tem ganhado importância a níveis globais e a perspectiva é que se torne cada
vez mais comum a interação das pessoas para com as organizações.

No Brasil, as cidades localizadas em áreas urbanas tendem a ser mais comum e


acessíveis os meios de comunicação informatizada. Importante destacar que essa realidade
já se faz presente também em muitas áreas rurais, por meio de tecnologias próprias,
destinadas a essas áreas, onde requer uma melhor aplicação dos meios tecnológicos, visando,
a curto prazo, as necessidades mais urgentes, como, por exemplo, o acesso à educação
escolar por meio de plataformas digitais.

No campo do trabalho, importante observar que a tecnologia digital já é uma


realidade e essa é cada vez mais necessária, devido aos avanços tecnológicos mundiais,
114

porém, nem sempre essa mesma tecnologia estará disponível para todas as pessoas, isso
devido a fragilidade de recursos de muitas dessas, necessitando de uma melhor e mais efetiva
inclusão social tecnológica por parte do mercado de trabalho.

Por essa razão, e levando em consideração a aderência por parte das organizações no
atendimento aos clientes, e demais indivíduos pela modalidade virtual, o presente estudo
visa analisar as principais peculiaridades da gestão organizacional com foco no atendimento,
aplicada por órgãos, entidades, e com ênfase aos escritórios de advocacia.

2 SÍNTESE DAS PRINCIPAIS PECULIARIDADES ENVOLVENDO AS


ORGANIZAÇÕES NO CONTEXTO DO ATENDIMENTO AOS CLIENTES

No Estado brasileiro, importante observar que, com a Constituição da República


Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), as organizações que têm como finalidade atendimento
a clientes, com vistas a prestação de serviços de cunho consumerista, devem respeitar o
consumidor, conforme dispõe o artigo 5º, inciso XXXII, da referida Carta, vejamos: XXXII
- o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor (BRASIL, 1988).

Esse regulamento trazido pelo CF/88, embora necessitando de complemento, já dá a


ideia de que é preciso um cuidade inclusivo, sem distinção pessoal, permitindo que todos
tenham um atendimento que observe a dignidade humana. Razões essas que permitiram a
entrada em vigor da lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, que trata especificamente da
proteção do consumidor (BRASIL, 1990).

Nesse contexto, a título de exemplo, quanto às balizas que norteiam a dignidade da


pessoa humana, previstas na CF/88, o Código de Defesa do Consumidor (CDC/1990)
acrescenta no seu artigo 4º que:

A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das
necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a
proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem
como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes
princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995).

No âmbito das normas internacionais, importante mencionar o Pacto San José da


Costa Rica, que foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro por meio da Convenção
115

Americana de Direitos Humanos (1969), promulgada pelo Decreto no 678, de 6 de novembro


de 1992 (BRASIL, 1992).

Conforme disposto no referido decreto, a citada Convenção (BRASIL, 1992)


disciplina no seu artigo 5º, caput e item 1, o direito à integridade pessoal (artigo 5º); e toda
pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral (Item 1). Assim,
os produtos e serviços, conforme previstos no CDC/1990, devem observar a qualidade
necessária para respeitar e garantir a integridade física, psíquica e moral do consumidor
(BRASIL, 1990).

Diante disso, observando-se, que, a fim de propiciar proteção e respeito ao


consumidor, o legislador resolveu inserir em normas, tais previsões, visando não só prevenir,
mas também penalizar possíveis violações de direitos do consumidor, verifica-se a aplicação
prática de penalidades, conforme entendimento exarado pelo Egrégio Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul, vejamos:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. TRANSPORTE AÉREO DE PASSAGEIROS.


DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. EXTRAVIO
TEMPORÁRIO DE BAGAGEM. LEGITIMIDADE PASSIVA
CONSAGRADA. COMPANHIAS AÉREAS INTEGRANTES DO MESMO
GRUPO ECONÔMICO. TEORIA DA APARÊNCIA. SENTENÇA DE
PROCEDÊNCIA RATIFICADA. DANOS MATERIAIS E MORAIS
CORROBORADOS. PRECEDENTES. ILEGITIMIDADE PASSIVA NÃO
CONFIGURADA. APLICADA À ESPÉCIE A TEORIA DA APARÊNCIA.
DEMANDADA QUE INTEGRA O MESMO CONGLOMERADO
ECONÔMICO AO QUAL PERTENCE A WHITEJETS TRANSPORTES
AÉREOS, EMPRESA CONTRA A QUAL INICIALMENTE FORA
DIRECIONADA A PRESENTE DEMANDA. DESCUMPRIMENTO DO
CONTRATO DE TRANSPORTE OU FALHA NA PRESTAÇÃO DO
SERVIÇO CONTRATADO DÁ ENSEJO AO DEVER DE INDENIZAR O
DANO MORAL E DANO MATERIAL CAUSADO AO PASSAGEIRO.
COROLÁRIO LÓGICO É A RATIFICAÇÃO DOS DANOS MATERIAIS E
DOS MORAIS, NOS TERMOS FIXADOS NA SENTENÇA RECORRIDA,
POIS ADEQUADOS ÀS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO E À
PRÁTICA JURISPRUDENCIAL EM SITUAÇÕES SIMILARES.
HONORÁRIOS. APLICAÇÃO DO ART. 85, § 11, DO CPC. APELAÇÃO
IMPROVIDA.(Apelação Cível, Nº 50116487320138210001, Décima Primeira
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Guinther Spode, Julgado em:
12-12-2022); (Grifo do autor).

A má prestação de serviços pode gerar condenações ao causador dos danos e por


conseguinte determinar que este pague pelos prejuízos causados, seja materiais e morais.
Essa, além de ser uma previsão normativa, é o entendimento majoritário aplicado pela
jurisprudência dos Tribunais.
116

Cumpre ressaltar, entretanto, a visão atual por parte do mercado não está ligada tão
somente na perspectiva de punição por má qualidade na prestação de seus serviços, mas,
principalmente, na perda de seus clientes, o que faz haver uma maior preocupação com a
fidelização destes e a melhora na qualidade do atendimento.

Mas, ainda que a preocupação com os clientes sejam mais destacadas no atual cenário
global, a concepção de que as normas representam uma garantia ao cidadão é reflexo social,
e o Estado deve buscar dar mais garantias quanto ao que necessita cada indivíduo,
observando, em especial, a individualidade de cada um, conforme ensina Mendes & Branco
(2021).

Não obstante, em que pese haver normativos de convivência pacífica e respeitosa na


sociedade, cabe destacar que a norma por si só não é a solução dos conflitos sociais, pois
necessita de uma conscientização de cidadania e bem-estar coletivo para que haja, de fato, a
paz social. Nesse sentido, Severino (1994, p. 98) diz que:

é a qualidade da sociedade que assegura a seus integrantes a condição de


cidadania. Ainda que diferentes entre si, por tantos outros aspectos, numa
sociedade efetivamente democrática, os homens tornam-se iguais sob o ponto de
vista da condição comum de cidadãos.

A organização da sociedade é pressuposto de seu sucesso ou fracasso. Diante disso,


e ao se referir a vivência e comportamento ético por parte dos indivíduos, Boff (2003, p.11)
ensina que a “ética” representa “um conjunto de valores e princípios, de inspirações e
indicações que valem para todos, pois estão ancorados na nossa própria humanidade”. Já Valls
(2006) complementa no sentido dela representar pesquisa de atividades passadas, com relação à
própria manifestação comportamental. A esse respeito, Vásquez (2001, p. 20) diz que ela pode:

contribuir para fundamentar ou justificar certa forma de comportamento moral.


Assim, por exemplo, se a ética revela uma relação entre o comportamento moral
e as necessidades e os interesses sociais, ela nos ajudará a nos situar no devido
lugar a moral efetiva, real, de um grupo social que tem pretensão de que seus
princípios e suas normas tenham validade universal, sem levar em conta
necessidades e interesses concretos.

A ética na prestação de serviços por parte de empresas e demais setores econômicos, tem
uma linha muito tênue, entre a satisfação do cliente para fins de fidelização, ou não. Isso se deve,
pois, conforme a prestação dos serviços por parte das organizações, o cliente tende a retornar
por mais vezes, caso sinta-se realizado. Embora haja a perspectiva prática da concepção relativa
117

a valores pessoais, ou sociais, estes podem serem direcionados para atos ruins, como, por
exemplo, vender produtos defeituosos sem conhecimento do cliente, ou seja, há uma faculdade
de quem presta o serviço e oferece os produtos, conforme entendimento extraído dos
ensinamentos de Chauí (2008), porém, devem ser praticados com fins à honestidade e ao próprio
bem, pois isso é fundamental para uma organização de sucesso.

E para o êxito, há uma necessidade latente da ação participativa no mundo dos


negócios. Levando em consideração os entraves ainda existentes por parte da legislação e
demais dificuldades no setor produtivo, em seus mais variados aspectos, driblar as
dificuldades provocadas por “burocracia”, tornando o empreendimento sólido e voltado a
ascensão sob o ponto de vista econômico e financeiro, requer mais cooperativismo e
integração no ambiente da organização, conforme direciona o entendimento de Vieira (2004,
p. 116).

3 GESTÃO DE PESSOAS NA BUSCA PELO ATENDIMENTO EFICAZ

Nos dias atuais, há uma grande preocupação em como agradar as pessoas, em


especial, com vistas a vínculos mais duradouros, isso vale tanto para vida pessoal como
profissional. A esse respeito, é importante compreender o funcionamento da sociedade no
contexto em que se encontra, e para ilustrar essa necessidade, Vergara (1998, p. 48) define
o coletivo de pessoas como “um conjunto de elementos (empresas, produtos, pessoas, por
exemplo)”.

Ao observar as relações profissionais sob a ótica organizacional, o mercado busca


deixar na pessoa, conhecida no mundo dos negócios como cliente, a ideia e a segurança de
que sempre poderá voltar a contar com aquela organização que o atendeu e isso reflete
diretamente como consequência de um atendimento eficaz.

Mas, até chegar a esse ponto, ou seja, atendimento eficaz, há um longo processo. A
organização precisa se mostrar preparada para os anseios do cliente, visando economia de
tempo, excelência no atendimento e qualidade do serviço e produto. Para isso, é necessária
uma boa gestão, que perpassa por uma administração com objetivos de sucesso. Diante disso,
no contexto da administração, Bergue (2007, p. 17) a define como “um processo complexo
com várias definições possíveis. Uma delas, e provavelmente a mais simples, é: realizar de
modo constante e notável o processo administrativo”.
118

Ainda a respeito da administração, que dentre as suas funções, visa adequar as


organizações nos seus processos internos e externos, observado a economia e eficiência na
prestação dos serviços, têm como parâmetros de realização efetiva do atendimento, a
cumplicidade de todos os integrantes da organização, sendo de cunho mais participativo,
conforme ensina Chiavenato (2004).

Cabe destacar, esse processo de aprimoramento ocorre desde a revolução industrial,


onde as forças de trabalho, com base na industrialização, passava a objetivar avanços muito
além da economia puramente familiar. Nesse sentido, Knapik (2014, p. 51), ao se referir a
“gestão de recursos humanos” diz que esta deve olhar, “tendo a preocupação com a
motivação e com o desenvolvimento de seus colaboradores. Tem que ser tudo muito
estratégico e administrar com parcerias”.

Com isso, observa-se que a gestão de recursos humanos tem um papel fundamental
na organização, pois não está preocupada só com o contexto interno da organização, mas em
prestar uma adequada assistência para o aprimoramento das políticas de efetivação de
objetivos voltados para o resultado.

Por essa razão, empresas de capital estritamente privado, empresas públicas,


sociedades de economia mista e escritórios advocatícios, por exemplo, têm buscado cada
vez mais o aprimoramento e aperfeiçoamento com base em gestão de pessoas, somado a
busca pela qualidade, com objetivo de fidelização dos clientes.

4 PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PELA MODALIDADE REMOTA POR


PARTE DE ÓRGÃOS E ENTIDADES FRENTE À NECESSÁRIA INCLUSÃO
SOCIAL DIGITAL, OBSERVADOS OS PRECEITOS ÉTICOS E MORAIS

A crise provocada pela pandemia Covid-19 fez com que setores da sociedade
empresarial, entidades de classe, órgãos da justiça, entre outros, necessitassem de
implementação tecnológica para atendimento ao público, isso, devido ao período em que as
restrições à presença física das pessoas eram mais limitadas, como forma de combater a
transmissão do referido vírus.
Essa situação despertou de forma mais acentuada o interesse por manter o sistema de
atendimento remoto, aperfeiçoando-o para que pudesse dar mais abrangência ao público e
com mais opões de serviços. Diante disso, observa-se, por exemplo, a Resolução nº 337 de
119

29/09/2020, emanada do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que determina no seu artigo
1º que:

Cada tribunal deverá, no prazo máximo de 90 (noventa) dias, a contar da entrada


em vigor desta Resolução, adotar um sistema de videoconferência para suas
audiências e atos oficiais, devendo comunicar ao Conselho Nacional de Justiça o
nome da solução adotada e o endereço eletrônico em que pode ser acessada. Art.
3º O sistema de videoconferência deverá garantir a segurança, a privacidade e a
confidencialidade das informações compartilhadas (BRASIL, 2020).

A partir desse normativo, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios


(TJDFT), conforme divulgado no seu site, através do pregão eletrônico nº 060/2020
contratou a plataforma de colaboração Microsoft Office 365, isso para aprimorar os seus
sistemas atuais, tornando-os mais práticos e eficientes. Destaca-se, também, o teletrabalho
adotado pelo referido Tribunal, conforme dispositivos da resolução nº 14/2021(BRASIL,
2021).
Diante desse contexto, os Tribunais de Justiça, mantiveram o atendimento remoto,
sendo este utilizado para peticionamento e, inclusive, para atendimentos virtuais da
comunidade, em geral. E, a título de exemplo, ferramentas bastante usadas é o Cisco Webex
e Microsoft Teams, que são utilizadas para audiências virtuais e atendimento de balcão
virtual, conforme publicado no sitio do TJDFT (2020).
Importante ressaltar que essa busca por melhores tecnologias não se dar de forma
isolada, é uma busca conjunta, visando a economicidade e eficiência. A esse respeito, o
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) por meio do ato nº 030/2019-P,
regulamentou serviços na modalidade de teletrabalho, conforme o artigo 1º, vejamos:

As atividades dos servidores dos órgãos do poder judiciário podem ser executadas
fora de suas dependências, de forma remota, sob a denominação de teletrabalho,
observadas as diretrizes, os termos e as condições estabelecidas nessa resolução e
demais atos administrativos expedidos pela administração (BRASIL, 2019).

De outro lado, no que se refere à advocacia e suas principais peculiaridades, a


tecnologia tem sido bem incorporada e recepcionada pelos advogados. A partir da Covid-
19, conforme acima citado, muitos desafios foram enfrentados pela advocacia, dentre os
quais, o atendimento a clientes, que foi muito prejudicado por conta do referido vírus, mas
que foi mitigado os prejuízos por conta da utilização do trabalho na modalidade Home
Office, dentre outras.
Nesse sentido, conforme divulgado na plataforma online do Migalhas, a
receptividade da nova modalidade de trabalho foi alta por parte dos advogados, ao ponto de
120

mesmo com a crise da Covid-19 chegando ao fim, escritórios mantiveram, e até aumentaram
o modelo de trabalho na forma remota (REDAÇÂO, 2020).
Aliado a essa modalidade de trabalho adotada pelos escritórios de advocacia, o
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios implantou o Juízo 100% digital,
conforme dispõe a portaria conjunta nº 21 de 18 de março de 2021, que diz no seu artigo 1º
que cabe a este Tribunal “instituir e regulamentar o "Balcão Virtual", no âmbito do TJDFT,
destinado ao atendimento de partes, de advogados ou de qualquer interessado nos processos
em tramitação nas unidades judiciárias, durante o horário de expediente, por meio da
ferramenta de videoconferência Microsoft Teams” (BRASIL, 2021).
Quanto à segurança das informações, sejam elas diretamente ligadas aos servidores
do poder judiciário ou advogados, demais órgãos e entidades, com a evolução tecnológica
manifestada por meio de alguns mecanismos, a título de exemplos, os acima citados, foi
criado ferramentas que possibilitam maior segurança para transferência de informações.
Com isso, cita-se, a assinatura digital, que confere autenticidade a assinatura de documentos,
conforme publicado no site do CNJ (2023).
Ainda a esse respeito, a lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, que é destinada a
proteção de dados (BRASIL, 2018), diz no seu artigo 1º que “esta lei dispõe sobre o
tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa
jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais
de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural”.
Diante disso, observa-se, que, aquelas pessoas que estão incumbidas de funções das
quais devam guardar dados de terceiros, e vierem a fazer mau uso, inclusive agindo sem as
precauções necessárias a evitar danos, podem sofrer penalidades, esse entendimento já está
sendo aplicado por meio da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,
vejamos:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE


INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ALEGAÇÕES DE
DESAPARECIMENTO DE VEÍCULO SOB A GUARDA DE DEPÓSITO
FISCALIZADO PELO DETRAN/RS. EVIDENCIADA A OCORRÊNCIA DOS
FATOS E DO DANO, BEM COMO O NEXO DE CAUSALIDADE. DANOS
MATERIAIS E DANOS MORAIS COMPROVADOS. 1) Trata-se de ação
indenizatória proposta contra o DETRAN-RS, Depósito de Veículos KF Resgate
Ltda e Tabelionato de Notas de Barrros Cassal, na qual a parte autora objetiva a
condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos materiais e morais,
sob o fundamento de ter sido vítima de estelionato e ter tido veículo de sua
propriedade indevidamente alienado após ser retirado do Depósito de Veículos KF
Resgate Ltda., onde estava depositado para realização de perícia criminal,
asseverando que“tanto o Detran-RS quanto o depósito KF resgate, liberaram o
121

veículo com documentação apresentada falsa” e que a “retirada e transferência de


propriedade do veículo fora efetuada com documentos falsos onde não fora
verificada a veracidade por parte dos demandados, julgada parcialmente
procedente na origem. 2) Vislumbra-se no caso telado que o veículo em questão
foi liberado, através de documento fraudado por terceiro, segundo afirmado pela
testemunha Delegado Marco Antônio Arruda Guns (evento 13, vídeo 6, 12min),
assim vislumbra-se que a própria demandada também foi vítima de fraude por
terceiros, e como bem observado na r. sentença de origem, em que pese, deveria o
Detran/RS fornecer, em geral, treinamento mais técnico para a liberação de
veículos, não existem elementos nos autos indicando ter sido a falta de treino dos
empregados do depósito a causa da incorreta liberação do veículo. Ademais, o
veículo em questão foi liberado única e exclusivamente pelo depósito demandado,
não havendo qualquer chancela por parte do DETRAN/RS, devendo a ré Depósito
de Veículos KF Resgate Ltda., arcar com os danos advindos do ato ilícito, eis que
depositária do bem, nos termos do disposto no art. 629 do Código Civil. [...] 5) No
que refere ao dano extrapatrimonial, é inegável que o fato da parte autora ter sido
privada do seu veículo e não obter qualquer informação acerca do mesmo
constituem fatos mais do que suficientes à caracterização dos danos
morais.[...].Sentença parcialmente reformada para o fim de determinar a
condenação a título de danos materiais. APELAÇÃO PARCIALMENTE
PROVIDA (Apelação Cível, Nº 50800690820198210001, Sexta Câmara Cível ,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Niwton Carpes da Silva, Julgado
em: 31-03-2022); (Grifo do autor).

Essas normatizações, somadas à jurisprudência, servem de base legal para que as


organizações, entidades e demais setores da sociedade, ao lidar com dados pessoais e
profissionais de terceiros, tenham zelo para que não haja mau uso dos referidos dados. Nesse
contexto, a fim de deixar em evidência o dever de zelo por parte do profissional da advocacia,
a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por meio da lei nº 8.906/1994, que regulamenta
o exercício da advocacia, diz no seu artigo 34, caput, e inciso XXIV que “constitui infração
disciplinar (art. 34): XXIV - incidir em erros reiterados que evidenciem inépcia
profissional”.
Diante disso, fica evidente o elevado grau de responsabilidade profissional, em
especial, do advogado. Razões essas, que faz com que haja uma melhor buscar da gestão
organizacional dos escritórios de advocacias, pois isso evita ocorrência de danos passíveis
de punições aos advogados. Para ilustrar essa possibilidade, cita-se, por exemplo, a perda de
prazos que podem ocasionar prejuízos aos clientes. No intento de evitar isso, muitos
escritórios de advocacia contratam estagiários e dentre suas atribuições, direciona-os ao
acompanhamento de prazos processuais para que haja mais efetividade por parte dos
referidos escritórios no cumprimento de prazos.
Ao se referir às organizações e a responsabilização que estas podem sofrer em caso
de falhas na prestação dos serviços, Almeida (2002) alerta para importância de haver
122

organização no ambiente de trabalho, que esta seja propositiva, com fins de melhorar a forma
como são realizados os serviços para que surta um resultado mais qualitativo.
Colaborando com o entendimento do citado autor, Guimarães (2012) manifesta seu
posicionamento de forma que fica subentendido a necessidade de líderes propositivos, tendo
por objetivos alcançar resultados qualitativos, porém, o autor deixa entendido que para isso
se faz necessário uma organização, ou seja, estratégia para alcançar os fins desejados.
Importante observar, conforme já mencionado, as organizações precisam ter um
direcionamento voltado para a implementação tecnológica, mas sem esquecer que nem todas
as pessoas tem acesso aos meios digitais de comunicação, e por isso, é relevante haver um
equilíbrio na prestação dos serviços, seja pela modalidade virtual ou atendimento físico,
respeitando assim, o princípio da dignidade da pessoa humana e inserido nesse, a inclusão
social. Acrescenta-se, conforme ensinamentos de Gorga (2004), que as organizações
precisam analisarem o caso em concreto, ou seja, levando em consideração cada setor
regional.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, foi possível observar que há uma tendência natural das
organizações em padronizar os seus trabalhos, aliando a tecnologia da informação aos
anseios sociais, voltados para a economia e qualidade de produtos e serviços, entretanto,
buscando manter um adequado atendimento para aquelas pessoas que ainda não dispõe de
tecnologias digitais por conta de suas condições financeiras precárias.

Cabe destacar, entretanto, as organizações precisam agir sempre de forma


responsável, observando todos os parâmetros legais, sejam eles para fins de atendimentos
presenciais ou físicos, pois assim como há regulamentação no sentido de prevenção, também
há penalização, caso descumprido algum preceito legal. Contudo, essa preocupação precisa
ser superada pelo desejo de boas práticas no campo do atendimento e da qualidade deste.

Nesse processo de construção de confiança para fidelização do cliente, as


organizações precisam ser organizadas e por isso, uma estrutura organizacional baseada na
administração, gestão e participação ativa dos seus integrantes é de fundamental importância
para o sucesso desta, com fins a manter o interesse das pessoas em seus produtos e serviços.
123

Com vistas a isso, está sendo aprimorada a tecnologia digital, que já está presente em
órgãos da administração pública, cita-se, por exemplo, o poder judiciário, onde a estrutura
organizacional deste, visa a economia material e processual, celeridade, acesso a serviços
por meio eletrônico e físico, assim como a eficiência, inclusive, permitindo o acesso seguro
por meio de assinatura digital.

Importante destacar, a referida tecnologia já está sendo utilizada em organizações de


cunho privado e, em especial, adotadas por escritórios de advocacia, que, em busca de
economia e eficiência, têm aderido a esta, com vistas ao atendimento de clientes por meio
de plataformas digitais, a exemplo, chamadas de vídeos, que podem serem realizadas por
aplicativos de WhatsApp, Microsoft Teams, dentre outros.

Essa nova realidade, qual seja, tecnológica com vistas ao mundo digital, é tida por
muitos como a revolução do futuro, mas já está presente, o que significa dizer que as
organizações que não se adequarem a esse novo cenário poderão ficar estagnadas e perderem
seus engajamentos, possibilidade, com isso, perda de demandas, o que pode gerar menos
receita.

Por fim, a tecnologia aplicada no mercado e usada de forma mais constante por conta
do período da pandemia Covid-19, tem despertado muito interesse do mercado, sendo a nova
tendência, porém, há a necessidade de manter serviços básicos de atendimento na
modalidade física para aquelas pessoas que ainda não tem acesso aos meios digitais de
comunicação de forma efetiva, devendo ser aperfeiçoado o sistema digital, com vistas a
ampliação do atendimento e qualidade deste, para todas as pessoas, o que requer também
uma política de inclusão social voltada para o setor economico, ou seja, empregos, trabalhos
e rendas.

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125

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materiais e morais corroborados. Precedentes[...]. (Apelação Cível, Nº
50116487320138210001, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Guinther Spode, Julgado em: 12-12-2022).

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dos fatos e do dano, bem como o nexo de causalidade. Danos materiais e danos morais
comprovados (Apelação Cível, Nº 50800690820198210001, Sexta Câmara Cível, Tribunal
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A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA E DA MORAL NA RESPONSABILIZAÇÃO POR


PRÁTICAS DELITUOSAS NAS EMPRESAS PELO COMPLIANCE OFFICER:
UMA ABORDAGEM JURÍDICA EMPRESARIAL

Luís Augusto Antunes Rodrigues1

Resumo: A Criminal Compliance consiste no desenvolvimento interno nas corporações de


instrumentos de combate e prevenção a atos potencialmente criminosos que ocasionam as
suas responsabilizações ou de seus agentes. O artigo informará sobre a relevância jurídica
empresarial desta iniciativa, enfocando os aspectos éticos e morais que norteiam a
implementação e as responsabilidades do Compliance Officer. O objetivo primordial é
encontrar a incidência de responsabilizações penais de pessoas naturais e jurídicas,
adequando as práticas empresariais individuais e institucionais às leis e regulamentos que
regem as atividades desenvolvidas pelas empresas. Demonstrar-se-á que a Criminal
Compliance, com seus Compliance Officers pode surgir como uma estratégia bem elaborada
para driblar os tentáculos da lei, livrando empresas/ empresários criminosos, atribuindo toda
responsabilidade em alguns poucos culpados profissionais, os famosos “testas de ferro”,
devidamente bem remunerados, mantendo assim intacta a imagem da empresa e de seus
diretores. O Compliance Officer assumindo o cargo exerce funções extremamente
complexas e arriscadas, pois fica exposto a responsabilização criminal por dolo, culpa ou
omissão. No entanto, não pode este eximir-se de suas responsabilidades facilmente, pois
segundo ordenamento jurídico pátrio, nos termos do artigo 13, § 2º, alíneas “a” e “b” do
Código Penal, ele assume a posição de garante. Por fim, se busca expor as diretrizes ético-
morais que devem orientar o instituto da Criminal Compliance apontando o grave perigo de
que uma “ética moralista” venha a dominar este instituto, mas que uma vez maculado por
estes males apenas será mais um acréscimo à decadência moral que assola a sociedade atual.

Palavras-chave: Criminal Compliance. Compliance Officer. Ética. Moral.

INTRODUÇÃO

Com o advento da Lei 12.846/2013 denominada Lei Anticorrupção, que trata da


responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas, empresas, pela prática de atos
de corrupção contra a administração pública, nacional ou estrangeira, atendendo ao pacto
internacional firmado pelo Brasil, o combate à possíveis atos lesivos praticados por empresas
aos entes públicos, principalmente no tocante às licitações e contratos, passaram a ser
combatidos de forma mais efetiva e precisa.

Nesta esteira, surge então a necessidade de falar sobre a Criminal Compliance que
faz referência ao Direito Penal Econômico ganhando destaque na seara empresarial,

1
Advogado. Pós-Graduando em Compliance Contratual. Pós-Graduado em Direito Empresarial com Ênfase
em Direito Tributário. Mestrando em Direito Tributário. OAB/RS: 96.082. e-mail:
luisaugustoantunes@gmail.com.
128

principalmente nos grandes conglomerados que passaram a se preocupar com as sanções


impostas pela lei e por isto começaram a desenvolver e aprimorar estruturas internas de
prevenção e responsabilização de seus agentes por práticas delituosas.
Para isto contrataram pessoas especializadas neste tipo de trabalho, os denominados
Compliance Officers – pessoas encarregadas de elaborar programas específicos de
prevenções internas – que ao mesmo tempo poderiam assumir eventuais responsabilizações
por práticas delituosas nas corporações, eximindo assim a pessoa jurídica e seus
administradores/diretores de qualquer responsabilidade.

1 Surgimento dos Programas de Criminal Compliance

Os programas de Criminal Compliance surgem na intervenção do Estado na esfera


privada, representando um entre vários instrumentos de autorregulação, repassando à
iniciativa privada funções de regulamentação, próprias do Estado, em conformidade com o
aumento da complexidade social, da profissionalização dos sistemas e consequente
globalização das estruturas empresariais.
Com o intuito de desenvolver regras de autocontrole e prevenção de riscos pela
própria empresa, os programas são mais conhecidos no direito penal, como medidas
necessárias e integrativas entre as empresas e os entes estatais, de controle da criminalidade,
sob a percepção de que as empresas, no decorrer de sua atividade, possam gerar atitudes
criminosas sujeitas à sanção criminal.
Nesta toada, o surgimento destes programas se dá no campo das práticas de
prevenção de crimes econômico-financeiros, especialmente no tocante ao incremento da
ética nas relações empresariais por meio de práticas de anticorrupção e diametralmente
opostas aos delitos que afetam o mercado financeiro.
Assim, estes programas materializam métodos de controle e de cumprimento de lei
alicerçados pelas próprias empresas, assegurando que não serão elas que criarão os riscos
para os bens jurídicos, mediante condutas dos seus membros e/ou colaboradores.2
Nos EUA, desde 1977, a Foreign Corrupt Pratices Act - FCPA3, lei americana de
combate a corrupção, é a principal referência nos deveres das empresas americanas, ao

2
BRITO, Teresa Quintela de. Relevância dos mecanismos de “compliance na responsabilização penal das
pessoas colectivas e de seus dirigentes In Anatomia do Crime – Revista de Ciências Jurídico-Criminais. N.O.
jul-dez. Almedisa, 2014. p.80.
3
A FCPA é a gênese da política criminal moderna contra a corrupção, “es decir de la exigência del sector
privado de que se implique y responsabilice em la lucha contra la corrupción. El rasgo más conocido de esta
129

inserir na gestão dos mesmos o fomento de práticas baseadas na ética e nos mecanismos de
cumprimento de normas.4

Já na Itália, em 2001, por meio do Decreto-Lei 231, artigo 61 e no Chile em 2009


(Lei 20.393, art. 4) foram introduzidas previsões iguais de controle e prevenção empresarial.
Em 2010 o Bribery Act, no Reino Unido, cria um tipo penal de corrupção que seria praticado
pelo meio empresarial com o intuito de evitar o pagamento em nome das empresas de
subornos por meio de seus colaboradores.

Na Austrália, o artigo 12.3 (1) do Código Penal também prevê a inculpação da


empresa quando esta não evita o cometimento de delitos através de programas de controle,
cujos padrões vêm estabelecidos pela AS 3806-2006. Na Espanha, a reforma do Código
Penal introduziu em seu artigo 31 a responsabilização penal de entes coletivos,
evidenciando, entre os critérios de imputação, a inexistência por parte da empresa de
mecanismos de Due Diligence.

2 Criminal Compliance no Brasil

No Brasil com o projeto de Lei nº 6.826/2010 procurou-se responsabilizar empresas


por atos de corrupção bem como outros lesivos praticados contra a Administração Pública
nacional ou estrangeira, trazendo igualmente em seu escopo dispositivo expresso que
estabelece como fator a ser levado em consideração na aplicação de sanções “a existência
de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo a denúncia de
irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa
jurídica”5
Referido projeto foi transformado na Lei Ordinária 12.846/2013 que dispõe sobre a
responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a

norma es que se aplica unicamente a la corrupción realizada por el empresário, pero no por el funcionario
publico que há cometido o delito. Aunque es uma ley destinada a la represión dela corrupción internacional,
em realidade au influencia se há estendido a todo tipo de corrupción”, vide: NIETO MARTIN, Adám. La
privatización de la lucha contra la corrupción ...) op. Cit., p. 194.
4
NIETO MARTIN, Adan. La responsabilidade penal de las pessoas juridicas: um modelo legislativo. Madrid:
Iustel, 2008. p.221
5
Artigo 9º, inciso VIII, conforme texto do segundo dispositivo apresentado pelo Deputado relator de Comissão
Especial destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei nº 6.826/2010. Disponível em
<HTTP:www.camara.gov.br/proposicoesweb`prop_mostrarintegra?codteor=982072&filename=SBT+27PL6
826107%3D%eE7PL+6826/2010> acessado em 31/10/2022.
130

administração pública, nacional ou estrangeira. Criada essencialmente pra combater mais


aos lesivos praticados por empresas aos entes públicos em licitações e contratos.
Com o advento desta lei o Brasil obteve importante ascensão quanto ao movimento
de conformidade (Compliance). “Embora não vinculativo e dispenso de obrigatoriedade, o
Programa de Integridade, previsto pela lei diretamente para organizações promoventes de
atividades para com o setor público passou a ter expressa previsão legal e assim ensejar
atenção das organizações como um todo, vinda daquelas cujas atividades sejam exclusivas
na esfera privada.6

A lei traz em seu bojo uma importante inovação, qual seja, a responsabilidade
objetiva, civil ou administrativa de empresas que praticam atos lesivos contra a
Administração Pública Nacional ou Estrangeira. Assim, a empresa responderá pelos danos
causados sem que precise comprovar culpa ou dolo das pessoas físicas que agiram por meio
da instituição, bastando ser comprovados os nexos de causalidade entre a conduta e o dano
ocorrido.

A lei pode, e deve, ser aplicada para Sociedades Empresárias, Sociedades Simples,
personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário
adotado, Fundações, Associações de Entidades ou Pessoas e Sociedades Estrangeiras
devidamente representadas em solo brasileiro.

Em âmbito administrativo a lei pode ser aplicada pelos Estados, União, Distrito
Federal e Municípios. Após o processo administrativo de responsabilização poderá incitar
as seguintes sanções: a) multa de 0,1% a 20% do faturamento bruto da empresa ou instituição
e b) publicação extraordinária da decisão condenatória.

Ainda no âmbito administrativo existe o Acordo de Leniência. Por meio do mesmo é possível
as empresas obterem uma atenuação ou isenção de sanções desde que colaborem com as
investigações e com o processo administrativo.

Já na esfera judicial, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios


juntamento com o Ministério Público podem promover ações contra as organizações
infratoras baseando a aplicação das seguintes sanções: A) Perdimento dos bens, direitos e
valores que tenha sido obtidos direta ou indiretamente pelos laços de corrupção; B)

6
Artigo – Pressupostos de Compliance: Lei Anticorrupção, Imputação de Responsabilidade e Investigação
Corporativa Interna. FANTE, Leuza e SAAVEDRA, Giovani in Governança Corporativa, Compliance e
Proteção de Dados. Editora Eseni.Vol. 3, 1ª ed. 2022. p. 140.
131

Suspensão ou interdição parcial das atividades; C) Dissolução compulsória da Pessoa


Jurídica e D) Proibição de receber incentivos, subsídios, doações, subvenções ou
empréstimos de órgãos ou entidades públicas ou controladas pelo Poder Público pelo prazo
de 1 a 5 anos.

Importante asseverar que a Lei Anticorrupção não é a única norma que coíbe práticas
empresariais ilegais, sendo igualmente possível a condenação de pessoas jurídicas por atos
de improbidade administrativa, infração à lei de licitações e contratos a e Lei de Prevenção
e Repressão contra Infração da Área Econômica (CADE).

3 Funções do cargo de Compliance Officer e suas responsabilidades

Os Compliance Officers são “profissionais contratados pelas empresas para que


realizem investigações e assegurem o cumprimento geral (interno e externo) das nossas
éticas e legais, informando mudanças a serem adotadas aos órgãos de direção”7

Assumem assim uma função que excede a um mero encarregado responsável pela
vigilância, uma vez que passa a ter obrigações com a formação de seus subordinados, além
de supervisioná-los, tendo seus desempenho regulado pela Resolução nº 24 do COAF.

Cabe destacar que nos dias atuais o Compliance Officer é responsável por um número
expressivo de definições e atribuições em razão do cargo que ocupa. Podemos definir este
profissional como “o profissional responsável pela avaliação de riscos empresariais,
incumbindo a ele a elaboração de controles internos com o objetivo de evitar ou diminuir os
riscos de uma futura responsabilização civil, administrativa ou penal.8

Seguindo esta linha de raciocínio, o sujeito que comandará todo o processo de


implantação e capacitação do programa de compliance precisa ser muito capacitado, ter um
ótimo conhecimento da legislação, possuir autonomia com o aval da alta direção da empresa
e experiência na área, sob o risco de gerar ainda mais problemas do que aqueles que
originalmente fora contratado para solucionar.

7
BENEDETTI,Carla Rahal – Op. Cit. 2013. 315/316. Nota-se que as propostas de correção apontadas pelo
compliance officer e que, porventura não atendidas pelos seus superiores não devem ser dirigidas/denunciadas
a autoridades (disclosure). Para Silva Sánchez, um caminho viável será informar Onbudsman interno e/ou
advogados externos”.(LEUTERIO,Alex Pereira. Criminal Compliance e o pensamento penal de Silva-Sanchez.
Conteúdo Jurídico, Brasília – DF: 17 de maio de 2014. Disponível em: <HTTP://www.conteudo-
juridico.com.br/?artigo&ver=2.48120&seo=1>. Acesso em: 04 nov. 2022.
8
SAAVEDRA, Giovani A. Reflexões iniciais sobre criminal compliance. In Boletim IBCCRIM. São Paulo.
IBCCRIM, ano 18, n.218, p. 11-12, jan 2011.
132

Mister que ele se encontre, preferencialmente, afastado dos demais setores da


empresa, a fim de que não se envolva com problemas e ambientes já contaminados. Atos de
omissão por sua parte ou mesmo conivência poderá prejudicá-lo e/ou até mesmo
responsabilizá-lo na esfera penal ou a qualquer outro risco a que a empresa esteja submetida.

Portanto, incumbe ao Compliance Officer em conjunto com o departamento de


compliance interno ou externo da empresa o desenho de um programa de compliance
economicamente exequível, devendo ser aprovado pela direção da empresa, satisfazendo os
níveis de qualidades de identificação, controle, informação e prevenção de riscos na
empresa. Incumbe ainda a implementação do programa e sua concretização, e por fim o
controle e seguimetno correto das normas oriundas do programa.

4 Responsabilidade penal do Compliance Officer

A questão pertinente e muito discutida nos dias atuais é saber se o Compliance


Officer assumiu originalmente o dever de impedir que crimes fossem cometidos na empresa,
caso em que sua omissão ou comissão tornaria responsável pelo crime cometido, ou se esta
situação se encontra fora do escopo de sua posição contratualmente aceita.

Sobre este tema Luciano Souza e Regina Ferreira referem que: Muito mais do que
um meio de propagação da ética e da correção no mundo dos negócios, forçoso observar
expressamente que a criminal compliance é a porta de ntrada para mais intervenção do direito
penal no âmbito econômico, de modo ainda pouco seguro e amadurecido. A inicial louvável
adoção de boas práticas mediante códigos internos escritos, a serem controlados por
compliance officers, pode transfigurar-se na fixação de posição de garantidores do
cumprimento de tais deveres. Com isso, a um só tempo, facilitar-se-ia a questão probatória
de autoria em estruturas empresariais complexas, recaindo-se a atribuição de
responsabilidades sobre o garantidor, bem como abstrairia da necessidade de identificação
de qualquer lesividade concreta”.9

No Brasil existe uma questão de equivalência no artigo 13, § 2º do Código Penal que
dispõe: A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar
o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei a obrigação de cuidado,

9
SOUZA, Luciano Andersos, FERREIRA,Regina Cirino Alves. Op. Cit.2013, p. 296. Criminal Compliance e
as Novas Funções do Direito Penal Econômico. Revista do Direito Bancário e do Mercado de Capitais. Ano
16. Vol. 59. p. 281-302. São Paulo. Revista dos Tribunais. Janeiro-Março 2013.
133

proteção ou vigilância; b) de outra forma assumiu a responsabilidade de impedir o resultado


e c) com seu comportamento anterior, criou o risco de ocorrência do resultado.

Em razão deste artigo o Compliance Officer pode sim ser enquadrado como
“garante” nas funções e deveres que tenha assumido. Portanto é de suma importância que
todas as funções, deveres e responsabilidades do Compliance Officer sejam claramente
informadas e definidas em contrato formal e escrito, já que eventual responsabilização estará
condicionada às atribuições que lhe foram delegadas e sua real capacidade de agir.

Na Ação Penal 470, instaurada em 12 de novembro de 2007, o STF discutiu acerca


da responsabilidade do Compliance Officer Vinícius Samerane, que exercia a função no
Banco Rural, sendo este condenado por gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. Ele foi
acusado porque teria ajudado a omitir do Banco Central os nomes dos beneficiários dos
recursos do mensalão sacados das contas de outro condenado no caso. Quanto à concessão
dos empréstimos fraudulentos não ficou comprovada a sua participação, mas foi alegado que
ele teria alterado os registros do banco relativo ao compliance e descumprido com seu dever
jurídico de ao menso reportr os ilícitos que chegaram ao seu conhecimento à Alta Direção
do banco. Ao final do julgamento foi condenado como coautor dos crimes. Assim,fica
evidenciado que o Compliance Officer está sujeito à responsabilidade penal. Todavia, os
pormenores desta responsabilidade ainda não são alvos de muitas discussões e sempre
dependerão das circunstâncias de cada caso.

5 A ética e moral nas decisões tomadas pelo Compliance Officer

Cada vez mais as organizações alicerçam seus programas de compliance e assim os


Compliance Officers trabalham no sentido de motivar uma tomada de decisão de forma ética
por parte de todos, desde o funcionário no chão da fábrica aos altos cargos de diretoria. Ainda
terá a responsabilidade de auxiliar na correção de fatos estranhos ao bom comportamento da
organização.

A ética e a moral tornam-se vetores importantíssimos para o desenvolvimento desta


atividade, uma vez que o mesmo auxilia na resolução de conflitos internos e ainda dispõe
orientações sobre os mais variados temas, estando sempre em destaque nas organizações, o
que muitas vezes pode causar inúmeros dissabores e questionamentos sob sua conduta ética
e moral.
134

Cabe destacar a relação entre ética e moral, pois são conceitos muito estreitos e
supletivos, mas que nem por isto podem se confundir. Existem muitas vertentes teóricas
sobre estes conceitos, mas todos tendem a confluir para um conceito fundamental: a ética é
uma atitude de reflexão sobre a moral convertida. A ética proporciona uma certa inquietação
sobre a orientação moral.”Com cuidadosa atenção, o que se deve considerar nesta relação
entre ética e moral, em linhas gerais, é o seguinte: a ética afirma-se como teoria da prática
moral responsável”.(MIETH, 2017, p.31)

Nesta linha de pensamento podemos questionar qual seria o propósito ético-moral da


tríade jurídico-ética-penal do Compliance Officer. Cientes de que o instituto da Criminal
Compliance colabora, de fato, na prevenção de ilícitos penais nas empresas, principalmente,
em uma era onde se destaca o poderio econômico-financeiro destas, sendo dotado de um
incontestável fundamento ético e uma base forte, teórica para a moral, estimulando ações
não delitivas como poderia/deveria agir o Compliance Officer em suas responsabilidades
sem ferir os princípios da boa conduta, da moral e da ética e assim evitar futuras sanções
penais.

Esta questão, nos parece não tem uma reposta única padronizada, mas sim algumas
hipóteses que julgamos relevantes para o bom desempenho de suas funções, quais sejam: a)
O dever de impulsionar uma análise eficaz de riscos, onde terá o papel de fomentador, com
o intuito dos mesmos serem devidamente administrados, viabilizando assim a atuação da
empresas visando o lucro e realizando negócios, sempre de maneira ética, assegurando que
exista a preocupação com adoção de políticas e procedimentos. b) Precisará garantir que seja
feita a apuração do “modus operandi” destes processos e como estão sendo cumpridos,
através de monitoramento ou auditorias.

Em outras situações, trabalhando em parceira com o departamento de Recursos


Humanos o Compliance Officer precisa assegurar que os colaboradores tenham os meios
ignotos para relatar atuações indevidas. Estas ferramentas conhecidas como hotline ou help
line10, são de extrema valia no sentido de garantir a livre comunicação de latentes
preocupações internas, assim como pedidos de ajuda ou mesmo de preocupações sobre
eventuais retaliações. E neste sentido o profissional precisa e deve ser o mais ético possível
a fim de evitar constrangimentos entre colaboradores e a alta administração, até mesmo para

10
Termos comumente utilizados para demonstrar o canal de contato para realização de denúncias ou pedidos
de ajuda, geralmente anônimos.
135

que ele próprio não seja tachado de “dedo-duro”, “cagueta” e outros termos pejorativos, que
de alguma forma, possa desacreditar sua imagem.

O fato é que o reconhecimento de sua responsabilidade de Compliance Officer, nada


mais é do que admitir que sua função exige dever moral. Em uma ética de responsabilidade
não importam apenas os fins bons, mas também que os meios sejam retos para atingi-los. O
que não se pode perder de vista é que os fins assim como os meios necessitam de uma
avaliação seguindo os mesmos critérios pois, “caso contrário, facilmente se cai na armadilha
moral de que os fins justificam os meios (MIETH, 2007, p. 107).

Busca-se, nos dias atuais um princípio plausível para uma regra básica de responsabilidade.
(GEWIRT, 1978, p. 31-33).

Esse princípio tem sido proposto com o seguinte teor: “atue sempre em consonância
com os direitos e deveres, tanto de sua própria pessoa quanto de todos os demais atores
atingidos pela sua ação! (STEIGLEDER, 1999, p. 110).

CONCLUSÃO

A Criminal Compliance ganha a cada dia uma visibilidade ímpar no mundo


empresarial, principalmente nos grandes conglomerados, desenvolvendo estruturas internas
cada vez mais complexas de prevenção e responsabilização por práticas delituosas,
contratando profissionais conhecidos como Compliance Officers – pessoas responsáveis por
estas práticas e que assim poderiam assumir eventuais responsabilidades penais sobre as
mesmas, eximindo a pessoa jurídica e seus administradores/diretores de qualquer
responsabilização.

Estaria esta prática dentro do campo ético e moral? Ao longo do artigo procuramos
responder a estes questionamentos, analisando o instituto da Criminal Compliance no mundo
e no Brasil, as funções do Compliance Officer bem como suas responsabilidades penais e
por fim a influência da ética e da moral nas responsabilidades deste profissional.

Concluímos portanto que os Compliance Officers tem sim uma obrigatoriedade de


seguir padrões ético-morais e comportamentais em suas decisões com o firme propósito de
não ser incriminado exclusivamente no lugar da pessoa jurídica ou da alta administração por
infrações penais que estes venham a cometer.
136

Por fim é inviável apresentar a adoção de um programa de Criminal Compliance na


esfera empresarial simplesmente a um cálculo de receitas e despesas, custos e lucros, e não
com um propósito sério de manter esta nobre atividade dentro de padrões ético e morais.

A moral e a ética devem e precisam caminhar juntas com o caráter do Compliance


Officer para que este seja realmente o instrumento decisivo na implantação de um programa
sério e eficaz de Criminal Compliance nas organizações e assim tornar o futuro no meio
empresarial mais responsável, ordeiro e promissor.

REFERÊNCIAS

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Criminal Corporativa e Transparência de Responsabilidade Penal. Revista do Direito
Bancário e do Mercado de Capitais.Vol. 59 / 303-324. São Paulo. Revista dos Tribunais.
Janeiro-Março, 2013.

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Empresariais. Boletim IBCCRIM. n. 234, p. 17 – 18.

COCA VILA, Yvó. 2013.Programas de Cumplimiento como Forma de Autoregulación


Regulada? In: Criminalidad de Empresa y Compliance. Jesús Maria Silva Sánchez (Dir.)
e Raquel Montaner Fernández (Coord.). Barcelo. Atelier.

COMTE- SPONVILLE. André.2011. O Capitalismo é Moral? Sobre algumas coisas


ridículas e as tiranias do nosso tempo. Tradução Eduardo Brandão. São Paulo.2ª edição.
Martins Fontes.

FURTADO, Regina Helena Fonseca Fortes. Junho 2012. A Importância do Compliance


no Novo Direito Penal Espanhol. Boletim IBCCRIM. n. 235, p. 11.

GEWIRT, Alan. Reason and Morality. Chicago: University of Chivcago – Press.. New
York: Oxford University Press. 1978.

GRANDIS, Rodrigo de. Considerações sobre o dever do advogado de comunicar atividade


suspeita de “lavagem” de dinheiro. Boletim IBCCRIM, 2012 n.237, p. 9-10.

HOME, David. Uma investigação sobre os princípios da moral. Tradução José Oscar de
Almeida Marques. São Paulo. Unicamp. 1995.

LEUTÉRIO, Alex Pereira. Criminal Compliance e o pensamento penal de Silva-Sánchez.


Conteúdo Jurídico. Brasília-DF. Disponível em
<http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.481208&/seo=1>. Acesso em: 17
mai. 2014.
137

MIETH, Dietmar. Pequeno estudo de ética. Tradução Nélio Schneider. Aparecida. Ideias e
Letras. 2007.

RIBEIRO, Bruno Salles Pereira. A importância do “Criminal Compliance”. Disponível


em www.migalhas.com.br. Acesso em 04 out. 2022.

RODRIGUES, Antônio Gustavo. Agosto 2012. O COAF e as mudanças na Lei 9.613/1998.


Boletim IBCCRIM. n. 237, p. 14-15.

SAAVEDRA, Giovane A. Janeiro 2011. Reflexões iniciais sobre Criminal Compliance.


Boletim IBCCRIM. n.218, p. 11.

SANDEL, Michael J. Justiça: o que é fazer a coisa certa. Tradução: Heloísa Matias e Maria
Alice Máximo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2011.

STEIGLEDER, Klaus. Die bergrindung der normativen etchick: der Ansatz von Alan
Gewirth. Ruhr; Universitãt Bochun. 1999.

TOLEDO, Cláudia; MOREIRA, Luiz. Ética e Direito. São Paulo. Editora Loyola. 2002.
138

COMPLIANCE E GOVERNANÇA CORPORATIVA COMO MECANISMOS DE


CONFORMIDADE TRABALHISTA – ASPECTOS SOCIAIS E VALORES

Murilo Reis Sena1

Resumo: O presente artigo busca analisar o advento do compliance trabalhista e da


governança corporativa, frente ao mercado de trabalho e as suas modulações e aspirações
em âmbito nacional e internacional. Para isto, compreender a governança corporativa e o
compliance em seus aspectos iniciais, objetivos e ferramentas internas são o ponta pé inicial,
não se afastando dos objetivos de combate a corrupção, da equidade e transparência. Para
que a compreensão sobre os temas seja alcançada, fatos históricos, legislações e opiniões
serão trabalhadas. Também é alvo a movimentação da mão de obra e das empresas
transnacionais na busca por melhor posição competitiva no mercado globalizado,
visualizando o mercado de trabalho como objeto principal, suas dificuldades e a precarização
do mercado de trabalho. Passado estes momentos introdutórios, analisaremos o compliance
no enfoque trabalhista, seus pilares e valores, seus objetivos intrínsecos ao labor e, como
mecanismo de alinhamento as normas nacionais e transnacionais, além de atender as
aspirações sociais do mercado de trabalho. Pontuadamente se observará os posicionamentos
jurisprudenciais, sobre alguns reflexos da aplicação do compliance. Encerrando o trabalho
sobre uma abordagem da ferramenta como mecanismo de redução de judicializações na
seara trabalhista.

Palavras-chave: Governança corporativa. Compliance. Capitalismo. Precarização.


Compliance Trabalhista. Pilares. Desafios. Judicialização.

INTRODUÇÃO

O mercado de trabalho sofre diretamente com as modulações da economia e das


formas de produção, tendo que se adequar em velocidade, frente as correntes de validação
das adequações normativas ao mercado capitalista e globalizado. Tendo fortes embates entre
a flexibilização da mão de obra, novos modelos de negociação e imposição de normas
internas, e aos preceitos sociais da iniciativa privada pautada em um modelo justo de
exploração.

Com o advento da reforma trabalhista pela Lei nº 13.467/2017, o cenário nacional se


aproxima cada vez mais de outros modelos de mercado, afastando-se passo a passo, das
aspirações em que se devotavam a Consolidação das Leis Trabalhistas do último ciclo. Não

1
Bacharel em Direito formado nas Faculdades Integradas do Tapajós. Pós graduado em Direito e Processo
do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes. Advogado inscrito pelos registros OAB/PA 24.426 e
OAB/RS 126.143-A. E-mail: muriloreissena@outlook.com.br.
139

sendo inverdade que a adequação satisfaz uma nova sede de consumo global, mas longe de
imprimir juízo de valor inadequado, faz-se necessário compreender como ferramentas
inicialmente utilizadas para o combate a corrupção, se casam tão bem com a aplicação
moderna da legislação laboral e ao avanço para um modelo mais justo e adequado ao
trabalhador comum.

Neste artigo, como veremos, os movimentos sociais são importantes para ditar como
devemos nos portar e quais culturas devemos escolher adotar em mecanismos de
conformidade e integridade.

GOVERNANÇA CORPORATIVA, COMPLIANCE E SUAS HISTÓRIAS

O termo compliance, remete em muitas vezes ao cumprimento da lei, devido ser


trazido do inglês “to comply”, que significa, cumprir ordens, ou, um conjunto de regras. Mas
a verdade é que a configuração do termo supera, em muito, a simplicidade que esta
conceituação pode aparentar. Para um melhor posicionamento, precisamos primeiro
entender conceitos de governança corporativa para então passar a identificar e responder o
que aquele termo significa.

Nesta linha, precisamos apontar em que momento o compliance surge no mundo e


no Brasil. MACHADO e SCANDUZZI (2020 apud ALESSI, 2008), apontam que em 1977,
os Estados Unidos adotaram por meio de uma lei federal, Foreign Corrupt Practices Act
(FCPA) cunharam o termo “to comply” promovendo a anticorrupção, com diretrizes que,
inclusive, possuíam afetação internacional. Seguindo a postura americana o Reino Unido em
2010, promulgou o UK Bribery Act, podendo desde logo dizer que, o mundo passou a olhar
mais atentamente à conformidade.

Estas medidas não foram adotadas pelo acaso, o Congresso americano tomou esta
iniciativa visando sua imagem após o escândalo de Watergate, onde foi detectado um
esquema de fundos, em corporações transnacionais, que tinham várias finalidades escusas e,
dentre elas influenciar eleições, incluída a de Richard Nixon, MARTINS (2021).

Doutra banda, os efeitos da globalização diversificam os empreendimentos


internacionais e nacionais a cooperarem entre si e com os entes públicos, visto que, o
interesse do capital e a corrida pelo desenvolvimento não param, e tem de se adequar as
normas transnacionais que vinham e vem surgindo.
140

Partindo daí, a Governança Corporativa é pensada como modelo que resolve o


desempenho da empresa aproximando investidores, sócios, empregados e demais
interessados, voluntariamente cumprindo regras de interesse comum, adotando medidas de
“transparência, sustentabilidade financeira e adotando um modelo de autorregulação”,
SILVA e PINHEIRO (2020).

Os autores SILVA e PINHEIRO (2020), também citam o relatório Cadburry


(Caduburry Report), como sendo um dos primeiros documentos sobre governança
cooperativa no mundo, definindo responsabilidades que devem ser observadas pelo conselho
empreendedor e pelos executivos, a fim de deixar as claras seus movimentos aos interesses
legítimos dos acionistas, ressaltando dois valores fundamentais, a prestação de contas
responsável e a maior transparência.

Para entender melhor este relatório, precismos visitar a sua história, ressaltando que
sua criação em 1991, se dá devido uma crescente desconfiança na honestidade dos
investidores, impulsionado pelos colapsos financeiros de duas empresas grupo de papel
Coloroll e consórcio Polly Peck2.

Visível é, que tanto para a criação de mecanismos de conformidade, nos EUA, quanto
na Inglaterra, foram provocadas por fortes pressões para solucionar um ambiente de
desconfiança fruto de corrupção e vantagens obtidas de forma escusa em afeto ao mercado.
Isto demonstra um movimento de reação, que gerou um novo comportamento antecipatório.

GOVERNANÇA E COMPLIANCE, NO ENFOQUE NACIONAL

No Brasil, apesar de já existirem diversos mecanismos legais que buscavam este


mesmo propósito, o ápice de visibilidade se dá, com a Operação Lava Jato, onde a
cooperação internacional, munida de normas transnacionais, pôde trazer a tona a sua eficácia
em solo tupiniquim.

Nesta linha citam os autores BECHARA e SMANIO (2019), a cooperação


equilibrada da operação, com outros países com o fornecimento de informações por via de
mão dupla, em esforços conjuntos no combate à lavagem de dinheiro.

Mas na verdade o cenário nacional vem se alinhando a este movimento há bastante


tempo, como aponta SOUZA e BELLINETTE (2020), o Brasil ratificou vários mecanismos

2
The Cadbury Report. Disponível em: <https://cadbury.cjbs.archios.info/report>. Acessado em: 20 fev. 2023.
141

internacionais, dos quais cita-se a Convenção Interamericana Anticorrupção. Neste plano,


BECHARA e SMANIO (2019) ressaltam vários acordos bilaterais entre o Brasil e outros
países, tais como Portugal, Itália, Estados Unidos da América, Coreia do Sul, dentre outros.

Ressalta-se ainda a Lei nº 9.613/98, que cria o Conselho de Controle de Atividades


Financeiras (COAF), tendo uma reestruturação por meio da Lei nº 13.974, de 7 de janeiro
de 2020 e, como aponta seu material de publicações informa possui como atribuição receber,
examinar e identificar a ocorrência de atividades ilícitas, previstas pela Lei 9.613/98, sobre
lavagem de dinheiro e ocultação de bens.

Com a publicação da Lei nº 12.846/2013, renovou-se as normativas de


responsabilização administrativa de pessoas jurídicas diante de atos lesivos a administração
pública nacional e também estrangeiras, conforme dedicado é, o art. 1º da referida norma.
Chamada de Lei de Combate a Corrupção e também de Lei da Empresa Limpa, houve a
redução de sanções a título pecuniário, para as empresas que adotassem programas de
integridade, SILVA e PINHEIRO (2020), por meio de seu art. 7º:

Art. 7º Serão levados em consideração na aplicação das sanções:


[…]
VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade,
auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos
de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica;

Já com o Decreto nº 8.420/2015, se formatava a regularidade de programas de


integridade dentro da esfera particular das pessoas jurídicas e, mesmo esta normativa tendo
sido revogada pelo novíssimo Decreto nº 11.129/2022, deixou suas marcas como é possível
verificar da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho em que, proferiu decisão
impondo a administração pública, na posição de tomadora de serviços, possuía
responsabilidade de fiscalizar empresa terceirizada, sobre o cumprimento de legislações
trabalhistas dos seu empregados.3

A renovação dada pelo decreto substituto (11.129/2022) em seu art. 56, impõe
adicionais ao antigo texto, como a prevenção e a criação de uma cultura de integridade em
um ambiente organizacional, contemplando pilares, estes que serão tratados mais adiante.

3
Jurisprudência 1000910112021502048. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Disponível em:
<https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=TRT-2+1000910-11.2021.5.02.0481> Acessado em:
17 fev. 2023.
142

Seguindo neste caminho, ressaltemos que o Instituto Brasileiro de Governança


Corporativa (IBGC) traz sobre a definição de governança corporativa:

Governança corporativa é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações


são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre
sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e
demais partes interessadas. As boas práticas de governança corporativa convertem
princípios básicos em recomendações objetivas, alinhando interesses com a
finalidade de preservar e otimizar o valor econômico de logo prazo da organização,
facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da
organização, sua longevidade e o bem comum4

Toda essa formação da governança corporativa, se dá envolta da filosofia liberal, que


abre espaço para investimentos e crescimento econômico, participação de entidades
privadas, quebra das fronteiras nacionais e, para o cumprimento da lei, evitando assim
passivos, litígios e cuidando da imagem e função social da empresa, SILVA e PINHEIRO
(2020).

Segundo o Código de Melhores Práticas e Governança Corporativa do IBG, a


transparência não se atrela somente ao que a lei e normas internas impõem, mas sim a sanar
os interessados, buscando além do ideário econômico, ampliando a ideia de valores da
organização. Observa-se ainda que a transparência é um requisito que a corporação deve
adotar, sobre questões relevantes, transmitindo ao mercado “uma imagem de
respeitabilidade e confiabilidade” (SILVA e PINHEIRO 2020, pag. 40).

Sobre o tema ressalto o Código de Melhores Práticas e Governança Corporativa do


IBGC:
Caracteriza-se pelo tratamento justo e isonômico de todos os sócios e demais
partes interessadas (stakeholders), levando em consideração seus direitos, deveres,
necessidades, interesses e expectativas.5

Em último, temos o princípio da conformidade (compliance) que, dentre outras coias,


se dedica a desenvolver o entendimento de que possui objetivo de “promover uma cultura
organizacional de ética, transparência e eficiência de gestão” SILVA e PINHEIRO (2020,
pag. 42).

Isto, pois, quando lançam mão da criação de uma cultura ética, abraçam a ideia de
que a norma, por assim, é um bem a ser perseguido, mas não é o único, tendo os princípios,

4
IBGC – Instituto de Governança Corporativa, 2023. Página institucional. Disponível em:
<https://www.ibgc.org.br/conhecimento/governanca-corporativa>. Acesso em: 15 fev. 2023.
5
Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa - 5ª Edição. Instituto Brasileiro de Governança
Corporativa - São Paulo, SP: IBGC, 2015, p. 21.
143

como base, devem ser garantidos por meio de um comportamento já instalado dentro da
corporação. Assim, observemos a essência da ética e do direito aos olhos de Immanuel Kant:

Toda obrigação é um tipo de coerção. Desde que essa coerção não seja efeito de
uma necessidade bruta, ela é moral e pode ser dividida em interna e externa. No
primeiro caso, somos coagidos internamente apenas por meio de nosso próprio
arbítrio. Como exemplo, podemos citar o dever de ajudar o outro. Eu não posso
ser coagido pelo outro a realizar esse dever, pois isso descansa em meu próprio ato
discricionário. É possível falar, por outro lado, de uma obrigação externa na qual
a necessitação acontece por meio do arbítrio do outro na medida em que sou
coagido relutantemente a realizar uma ação, embota ainda a partir de motivos
morais. A título de exemplo, menciona-se, nesse caso, a obrigação de reparar uma
ofensa ao próximo.[…] Se o motivo pelo qual eu realizo uma ação é interno, posso
dizer que realizo a ação por dever, mas se esse motivo é exclusivamente externo,
eu realizo por coerção.6

Ainda sobre a ética, as empresas devem atuar de forma sustentável participando da


comunidade, sendo necessário uma análise ética dos negócios que “opera transformações no
modo de relação dos participantes entre si, com a tecnologia, com stakeholders, com o
entorno e com os processos de trabalho e da tomada de decisões” RIBEIRO e DINIZ (apud
PATRUS-PENA; CASTRO, 2010, p. 149).

COMPLIANCE, ASPECTOS INICIAIS

CARLOTO (2020) aponta que a Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD, que possui
preceito aos princípios da dignidade humana, direito a privacidade e não discriminação,
casa-se perfeitamente com a Convenção 111 da OIT, que versa sobre a discriminação em
matéria de emprego e profissão.

CARLOTO (2020) aponta que uma das principais funções do compliance trabalhista,
é a redução de ações judiciais entre empregado e empregador. Mas trataremos do empenho
na redução da judicialização mais adiante, para neste momento olharmos segundo SILVA e
PINHEIRO (2020) para a ferramenta como “um conjunto de procedimentos e boas práticas”.

Oportunamente ressalta-se que o compliance possui outras definições, como o termo


conformidade, que julgo ser acertada. Este pode ser visualizado no trabalho de Valdir Melo,
Técnico de planejamento e pesquisa na Diretoria de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas
e Ambientais (Dirur) do Ipea, que trouxe ao debate o seguinte:

Para resolver certos problemas internos de organizações, surgiram três caminhos


institucionais ao longo do tempo: programa de gestão de risco, programa de

6
Lições de Ética. Immanual Kant. Traduzido por Bruno Leonardo Cunha, Charles Feldhaus. São Paulo. Editora
Unesp Digital – 2018, p. 20.
144

conformidade (compliance) e programa de integridade. Diferenciam-se por


escopos e por ênfases, embora haja considerável interseção de conteúdo entre
eles.7

Atenção também se dá ao termo integridade, que para além da doutrina, se encontra


na denominação do capítulo V do Decreto nº 11.129, de 11 de julho de 2022, e que possui
mesma conotação ao termo compliance, por isso, aqui serão tratados com mesmo peso.

COMPLIANCE E MERCADO DE TRABALHO

Voltando o olhar ao compliance com ênfase ao direito e ao mercado de trabalho, se


faz necessário ainda, somar a todos os dados difundidos até o momento, do movimento de
globalização do mercado de trabalho, onde empresas transcricionais têm, adotado de forma
intensivada a produção manufaturada em países com custos mais baixos e, deixando em solo
natal apenas os trabalhos intelectuais e de inovação. Movimento que acaba por precarizar o
marcado de trabalho em países subdesenvolvidos (SILVA e PINHEIRO 2020).

Para entendermos melhor este movimento do mercado de trabalho, precisamos


observar o próprio movimento das empresas transnacionais, assim, observando sua evolução
ao longo dos tempos. CAMPOS e CANAVEZES (2007, apud DUNNING 1993) remonta a
evolução das empresas transnacionais, desde o colonialismo até ao que chama de capitalismo
globalizante, que passa por um período mercantil e colonialista (1500-1800); capitalista
empresarial e financeiro (1800-1875); capitalismo internacional (1875-1945); capitalismo
multinacional (1945-1960) e; capitalismo globalizante de 1960 até os dias atuais8.

Esta movimentação pode ser visualizada, em sua última fase, pelo deslocamento da
produção e, acesso a matérias-primas e, por dois fatores, a redução de obstáculos, criando
maior competitividade internacional e um novo paradigma técnico-econômico, favorecendo
fases do processo produtivo e a sua dispersão e segmentação (CAMPOS e CANAVESES
2007).

Ponto crucial para a globalização da mão de obra, o avanço tecnológico e a redução


dos custos com transportes, casa-se com a era e da velocidade da informação que torna

7
Texto para discussão / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.- Brasília : Rio de Janeiro : Ipea , 2019.
Disponível em: <https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9246/1/TD-2475.pdf>. Acessado em: 17 fev.
2023.
8
CAMPOS, Luís. CANAVEZES, Sara. Introdução à globalização. p. 40. Disponível em:
<https://dspace.uevora.pt/rdpc/handle/10174/2468> Acessado em: 16 fev. 2023.
145

possível transmitir dados e conhecimento necessários para a produção de produtos, bem


como controlá-los. A exemplo temos a denominação Made In Word, citado por (CAMPOS
e CANAVAZES 2007), performando a desintegração vertical do processo produtivo, onde
a matéria-prima é colhida em um país, mas a linha de montagem é realizada em outro.

A este fenômeno CAMPOS e GANAVAZES (2007) destacam que há a


deslocalização de serviços, de processos produtivos e de mão de obra, esta não só de mão de
obra indiferenciada, mas dela, de forma cada vez mais qualificada. Ao passo que em sua
detida análise sobre o mercado de trabalho globalizado, aponta que este movimento não é
linear e depende do desenvolvimento de cada país, inclusive de forma econômica.

A este propósito, o ideário neoliberal fala em ajustamentos estruturais ao processo


de Globalização, o que significa aceitar determinados custos inerentes na
perspectiva de que tenderão a desaparecer à medida que as economias se forem
ajustando às novas realidades. Este presumido optimismo não consegue, porém,
evitar a dolorosa experiência sentida por todos e cada um dos trabalhadores que,
em certos sectores de actividade económica, vão sendo cilindrados por
despedimentos colectivos, ou os que se encontram já no desemprego e vão
perdendo vida e esperança, ou ainda os que vivem as tensões decorrentes de um
futuro incerto devido a uma maior exposição à crescente competição global. 9

Neste cenário, um sinal de alerta se acende e já possui nome, o Dumping Social. Que
para além de muitos conceitos, foi traduzido por CAMPOS e GONAVAZES (2007, pag. 57)
como um nivelar os salários por baixo e os regimes de proteção social, fazendo as sociedades
periféricas competirem entre si na busca por investimentos estrangeiros.

Para visualizarmos o fenômeno de precarização do trabalho, os autores CAMPOS e


GONAVAZES (2007) utilizando de dados compilados, apontam que na UE houve um
aumento das taxas de desemprego enquanto que e em Portugal, houve um aumento da
flexibilização de empregos, marcadamente por contratos de tempo parcial, falso trabalho
independente e outras formas de trabalho precário.

Para LEITE (2019), a flexibilização do trabalho é trazida por um discurso sedutor,


tratando da autonomia sobre a gestão do trabalho e do tempo, fenômeno que deságua em
várias formas de contratação, dentre as quais se destacam a pejotização e o trabalho part
time. Tratando sobre o mesmo tema, POCHMANN (2012), aponta que a qualidade dos
postos de trabalho estão intrinsecamente ligados a tecnologia, organização do trabalho e as
condicionantes impostas pelas regulações do mercado de trabalho.

9
CAMPOS, Luís. CANAVEZES, Sara. Introdução à globalização. p. 57. Disponível em:
<https://dspace.uevora.pt/rdpc/handle/10174/2468>. Acessado em: 16 fev. 2023.
146

Reforçando a importância do conhecimento apresentado, SILVA e PINHEIRO


(2020), compreendem que o manejo do compliance trabalhista, voltado a observância da
legislação trabalhista, representa fator imprescindível na condução de empresas e, no
relacionamento destas com seus funcionários, objetivando ganhos e prevenindo perdas.

PILARES DO COMPLIANCE, SOB O ENFOQUE DO DIREITO TRABALHISTA

O primeiro destes pilares, refere-se ao suporte da alta administração, BLOCK (ano,


pag. 53) cita este pilar como “comprometimento da alta administração”, e discorre que este
é imprescindível ao sucesso, ou, fracasso de um programa de compliance, na medida em
que, se não houver a participação efetiva em marcos éticos, e que garantam autonomia ao
programa, o processo e o aperfeiçoamento estarão sobre bases nada sólidas.

O termo “tone fron the top” representa bem o comprometimento e o exemplo que
será dado pela administração da empresa, que deve além de segui-la, garantir sua efetividade
alocando os recursos necessários e, compreendendo suas virtudes.

Dito de outra forma, sem o “walk the talk”, tal programa de integridade
representará somente um custo (não um investimento) e/ou uma tratativa
dissimulada de aparentemente cumprir os ditames legais. Na ausência de uma
fonte de inspiração que cumpra e pratique, na “vida real”, o que fala e transmite a
Alta Administração, os stakeholders não terão a quem seguir e em quem se
inspirar, sendo o programa de integridade, lamentavelmente, um programa no
papel e cujas práticas conflitantes na teoria e na prática vão desmoronar. 10

A avaliação de riscos, leva em conta a necessidade que a empresa possui em relação


a sua finalidade e aos seus processos. Em melhor juízo, há a necessidade de se observar
ramos de atividade, relacionamentos com empresas sobre fornecimento e capitação de
recursos humanos e materiais, terceirização ou contratação de autônomos, relatórias e
instrumentos de fiscalização. Basicamente este pilar, tem função avaliativa de todos os riscos
legais, morais e éticos aos quais a empresa perpassa, como uma fase de preparação e
destinação de esforços.

As políticas e códigos de condutas, serão tratados novamente devido sua importância,


mas representam passo imprescindível na medida em que, representam ato normativo que
direcionará a empresa e dará publicidade sobre valores, ética, sanções, medidas e processos
de forma concreta, inclusive, para aqueles que se relacionam com o empreendimento, como

10
BLOC, Marcella. Compliance e Governança Corporativa. 3 Edição. Rio de Janeiro. 2020, p. 54.
147

clientes e organismos públicos, sendo um ponto de relação interna e externa do compliante


trabalhista;

Não distante, o quarto pilar (treinamento e comunicação), se dedica a capacitar todos


os colaboradores, incluindo ali, pessoal de alto escalão e mesmo os terceirizados, para que
todos usufruam do mesmo nível de conhecimento, ainda que, diferentes abordagens sejam
dispensadas, dado os diferentes tipos de pessoal envolvidos no empreendimento e, a
depender do relacionamento e ramos de atividade, sendo estendido aos clientes.

Ao canal de denúncias, quinto pilar, opera possibilitando que empregados,


fornecedores, clientes e terceiros possam auxiliar no desenvolvimento do empreendimento,
não só, para que condutas desalinhadas com normas, ética e outros valores sejam conhecidas
e corrigidas, mas para que uma resposta seja sentida e percebida. SILVA e PINHEIRO
(2020) ressaltam a importância do canal ser funcional e autônomo, além de velar pela
transparência a todos os interessados, em nível de importância que inclusive pode ser
operado por terceirizados exclusivos para este fim.

Ligado ao citado, o pilar de investigação (quinto), conforme citam SILVA e


PINHEIRO (2020) observa a necessidade de um manual de procedimentos investigatórios,
além de um comitê, para que seja possível a apuração das denúncias e aplicação de sanções,
quando necessário. Mas observando sempre os limites definidos legalmente.

Neste sentido o Tribunal Regional da 3ª Região, possui julgado que versa:

PROGRAMA DE COMPLIANCE. MONITORAMENTO DA CONTA


CORRENTE DO EMPREGADO. VIOLAÇÃO AO ART. 5º, INCISO X, DA
CF/88. A adoção de programa de compliance, pelo empregador, não institui, em
seu beneplácito, carta branca que autorize o monitoramento diuturno da vida
bancária/financeira do empregado e auditoria em sua conta bancária. […] As
empresas que praticam esse método de gestão devem cuidar de estabelecer os
critérios ou parâmetros do programa de compliance de modo a preservar a
intimidade e a vida privada do empregado, tal como assegurado pela CF, no art.
5º, inciso X. [...] (TRT-3 - RO: 02230201400803001 MG 0002230-
94.2014.5.03.0008, Relator: Emerson Jose Alves Lage, Primeira Turma, Data de
Publicação: 01/07/2016.)11

Para bem estabelecer um conceito e aclarar os parâmetros sobre o sétimo pilar


vejamos o que descrevem SILVA e PINHEIRO (2020, pag. 98): “A auditoria trabalhista é o
procedimento de análise de documentos, rotinas, realização de cálculos e conferências,

11
Tribunal Regional da 3ª Região. 0002230-94.2014.5.03.0008. Disponível em:
<https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/trt-3/1112642325>. Acessado em: 24 fev. 2023.
148

objetivando a conformidade com a legislação vigente e melhoria de processos de uma


determinada empresa.”. Não sendo uma fase estática, percorrendo outras fases, a exemplo a
auditoria de cumprimento, avaliando os procedimentos que devem ser realizados e as normas
as quais a empresa está exposta; auditoria de compra e de venda (due diligence); auditoria
de recursos humanos (SILVA e PINHEIRO 2020).

Já o último pilar, avaliação de fornecedores e due diligence, é tratada pela maioria


dos autores trabalhista sobre a ótica da terceirização, mas, dada sua importância no cenário
atual da movimentação do mercado de trabalho, partiremos dos conceitos básicos.

Explicam os autores SALES e ALVARES (2016, apud LAJOUS e ELSON 2010),


que o due diligence vem do direito romano “diligentia quam suis rebus”, que seria a
diligência que um cidadão possui em gerenciar suas coisas. Mas advertem que este pilar,
como o conhecemos hoje, vem da legislação americana “Securities Exchange Act”, e que
este por sua vez, possui o intento de responsabilizar empresas que atuavam nos mercados de
capitais com informações falsas.

Continuam os autores (ibdem, apud MARTINS et al 1999), apontando que o due


diligence é uma ferramente multidisciplinar, que atua para a verificação de compradores
empresariais, apurando possíveis informações que não fossem públicas daquelas que
estavam sendo ofertadas, como mecanismos antecipatório a compra.

Já o due diligence na terceirização, é apontado por SALES e ALVARES (2016),


atuando na verificação dentro da própria empresa, e mesmo realizada por um terceiro.

Primeiramente deve ser verificado o cumprimento de algumas obrigações


trabalhistas por parte do empregador, que são tarefas consideradas internas e que
são cumpridas pelo departamento de pessoal, como por exemplo: salário, INSS,
PIS entre outros. A due diligence deverá averiguar ainda, a regularidade da
escrituração trabalhista e a manutenção e arquivamento das guias de recolhimento
de taxas e contribuições, recibos de pagamento, livros de registro e outros. Outro
ponto de grande importância é a análise dos contratos de terceirização, que visam
à redução de custos e melhoria na qualidade do serviço sendo possível a ocorrência
de fraudes, quando encontrada a subordinação, como se existisse uma relação entre
empregado e empregador, conforme expõe o Enunciado nº 331 do Tribunal
Superior do Trabalho.12

Como iniciado, a empresa tomadora se responsabiliza pelos direitos trabalhistas dos


empregados da empresa terceirizada, este entendimento está consolidado por meio do

12
SALES, Émerson Nogueira. ALVARES, Adilson. A Importância Da Due Diligence Trabalhista Nos
Processos De Fusão E Aquisição. Disponível em: <https://liceu.fecap.br/LICEU_ON-
LINE/article/view/1735/1068>. Acessado em: 25 fev. 2023.
149

julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324, julgada


pelo STF, in verbis:

1. É licita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se


configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada.
Na terceirização , compete à contratante: i) verificar a idoneidade e capacidade
econômica da terceirizada; ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento
das normas trabalhistas, bem como, pelas obrigações previdenciárias, na forma do
art. 31 da Lei 8.212/1993. 13
Até esta decisão, segundo a súmula 331 do TST, somente seriam legitimas as
terceirizações de atividade-meio, o que importou em importantíssimo marco para a atuação
trabalhista (SILVA e PINHEIRO 2020).

Tão logo, utilizar do due diligence como mecanismo que investigará o cumprimento
de legislação trabalhista e, as capacidades da empresa terceirizada, se tornou imprescindível
para a manutenção da relação contratual e, objetivamente, redução dos riscos e prejuízos.

DESAFIOS DO COMPLIANCE TRABALHISTA

Existe a necessidade de se ter o cuidado de observar que a falha na implementação,


ou mesmo, a falsa implementação de um programa de compliance, pode gerar sérios danos
a imagem da empresa. Exemplo claro disto é o chamado bluewashing (compliance de
fachada) e, ressaltando que o termo tem peso sinônimo ao greenwashing, este sobre a falsa
demonstração de virtudes ambientalistas, aquele quando há a desobservância de legislações
trabalhistas reiteradamente, mas construindo uma imagem de cumprimento fidedigno
(SILVA e PINHEIRO 2020).

Nesta toada, WAKAHARA (2017) trata do tema, observando que algumas empresas
utilizam do marketing social, no intuito de criar a imagem de lealdade entre consumidor e
empresa, para, agregar valor e status, que culminam em um atrativo movido pelo sentimento
social do consumidor. “[…] por meio do comprometimento da empresa com uma demanda
social, de modo que os consumidores façam a associação entre a marca, a empresa e o projeto
social automaticamente”. (WAKAHARA apud DUBEUX e KAMLOT, 2017. pag. 4)

Neste caminho, tribunais trabalhistas começam a perceber a disparidade entre o


marketing social e a realidade, fundamentados, obviamente, no basilar princípio trabalhista

Superior Tribunal Federal – ADPF 324 de 30 de agosto de 2018. Disponível em:


13

<https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4620584>. Acessado em: 25 de fevereiro de 2023.


150

do contrato realidade. Observemos que em decisão, o TRT2, apontou que houve a detecção
de conduta que se amolda ao bluewashing, em determinado caso, desacortinando que a
prática possuía a função de ativar os sentimentos dos consumidores, para assim, obter lucros.

A conduta patronal, em síntese, assemelha-se ao "bluewashing", isto é, uma prática


corporativa na qual uma companhia se autodenomina socialmente responsável
para criar a falsa percepção nos consumidores/colaboradores, enquanto, na prática,
suprime até mesmo o aviso prévio proporcional ao serviço, direito de índole
constitucional. E, se é direito do consumidor se ver protegido em face de
propaganda enganosa (art. 6º, IV, 30 e 37 do CDC), com mais razão deve estar
protegido o trabalhador, que é justamente o destinatário da gratificação em tela. 14

SILVA e PINHEIRO (2020) apontam ainda, como cuidado a ser observado


inicialmente, o excesso no exercício do poder empregatício. Posto que, a legislação confere
ao empregador os poderes diretivo, regulamentar, fiscalizatório e disciplinar (art. 2º da CLT).

Nesta linha ARAÚJO e COIMBRA (2021), destaca que o poder diretivo, é uma
prerrogativa do empregador, mas faz-se um destaque, que este seja para atender as
finalidades do empreendimento.

Para ARAÚJO e COIMBRA (2021), o poder diretivo, possui enlace na medida em


que o dever de subordinação do empregado se estabelece e, para além disto, os dois institutos
estão fundados na propensão econômica. Eis que, o empregado, se submete por dependência
econômica em subsistência própria e de sua família. Este paradigma possui grande
importância na medida em que a legislação e as políticas públicas em níveis nacionais e
internacionais também possuam este entendimento.

Para destacar a relevância internacional do tema, ZHOU (2020 apud LIU e LI 2017)
aponta que trabalhadores de plataforma não são mais empregados, ainda que em certos
termos possuam subordinação, mas que esta não se alinha a subordinação trabalhista, posto
que persiste a autonomia na prestação dos serviços.

Para a governança corporativa e o compliance, compreender que o abuso de direito,


no caso do poder diretivo, importa em risco que pode ser minimizado, momento em que é
possível se adotar postura desenhada para evitar possíveis desvios, ou equívocos e, como
veremos um pouco mais adiante, uma importante ferramenta do compliance, se dedica

Tribunal Regional do Trabalho 2ª Região, 3ª Vara. ATOrd 1000812-59.2021.5.02.0373 – Sentença de


14

15/12/2021. Disponível em: <https://juris.trt2.jus.br/jurisprudencia/>. Acessado em: 23 fev. 2023.


151

justamente para que, excessos sejam sanados, contando com a participação do empregado,
o que importa em reconhecimento de sua importância.

Ao poder de controle e fiscalização está destinado a criar e manter mecanismos


destinados a resguardar o empreendimento, ao cumprimento de normas internas ou mesmo
a legislação externa, podendo ser adotado por mecanismos tecnológicos, ou meios físicos,
sempre respeitando seus limites em observância aos direitos do empregado. Já o poder
disciplinar advém da possibilidade do empregador aplicar punições aos empregados faltosos,
indo desde a advertência até mesmo a rescisão contratual por justa causa (ARAÚJO e
COIMBRA (2021).

A criação e implantação de compliance trabalhista, como ferramente que melhore o


empreendimento, tanto em grau de mercado, quanto em grau empregatício, observado o
poder diretivo, é uma faculdade que o empregador possui. Como bem visualizado na divisão
acertada dos autores logo acima, deste poder decorrem também e, como mecanismo para
resguardar o empreendimento, poderes disciplinares, que podem fazer parte do compliance,
ou, de estatutos internos, tais como regulamentos ou códigos.

Detalhe importante é que, os regulamentos da empresa que tragam benefícios aos


trabalhadores, como pode ser o caso do compliance, não podem, em posterior, ser alterado
sem a anuência deste caso venham a suprimir o direito elevado. Devido a sua aderência ao
próprio contrato de trabalho e, devido ao princípio da condição mais benéfica, como aponta
o ARAÚJO e COIMBRA (2021), decorre da garantia constitucional do direito adquirido,
previsto pelo art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, bem como, ao princípio de vedação
ao retrocesso social, vez que, o mercado de trabalho faz parte de um mecanismo de melhorias
sociais trabalhistas, que não pode ser alterado em seu prejuízo para a satisfação do mercado
empreendedor.

Assim, podemos inclusive visualizar não só o efeito pós regulamento, mas também,
passamos a observar que anteriormente a qualquer implementação, já se faz necessário
compreender as condições trabalhistas que são imutáveis e aquelas que necessitam de
maiores graus de negociação. Justamente pensando nisso ASSI (2018), alerta que é
imperioso antes de preparar a redação do compliance ou mesmo sua publicação, avaliar os
riscos no cotidiano da operação, tanto interna como externamente, ou seja, na condição de
compliance trabalhistas, há a necessidade de avaliação dos direitos do empregado afetos as
152

novas condições, para que, prevendo risco, não infira alterações que possam repercutir danos
ao empreendimento e aos trabalhadores.

Também os autores SILVA e PINHEIRO (2020), estabelecem diferenças entre


Código de Ética e Código de Conduta, sendo o primeiro, alinhado aos valores que darão
orientação as diretrizes da empresa, apontando como “deveriam” agir os indivíduos. Já o
código de conduta, será uma lista de prescrições e suas sanções, tendo um caráter impositivo
de norma a ser seguida e, sendo uma complementariedade as obrigações que decorrem de
lei.

SILVA e PINHEIRO (2020) também estabelecem entre os códigos de ética e de


conduta e, o Regulamento Interno, uma diferença, sendo este um conjunto de atos jurídicos,
interno, que ditam regras, tratando de direitos, deveres e obrigações em questões concretas
do cotidiano da empresa, como exemplo o uso de uniformes, manejo de equipamentos,
procedimentos sobre faltas e atrasos.

Neste ponto, o compliance trabalhista deve atuar em conjunto com os valores que o
empreendimento busca, alinhando-os, a legislação vigente, e neste, amparando sua
atualização, bem como, a maleabilidade do tempo e dos anseios sociais, posto que, para além
da legislação, conceitos de moral e ética sofrem alterações ao passo que a sociedade avança.

COMPLIANCE E A REDUÇÃO DA JUDICIALIZAÇÃO DE DEMANDAS


TRABALHISTAS
A redução da judicialização de demandas trabalhistas é tema discutidos em diversas
frentes e, não poderia deixar de ser, principalmente após a reforma da legislação dada pela
Lei nº 13.467/2017. Logo e, para melhor juízo na implementação e formação do compliance,
se faz necessário discutir temas que circundam objetivos e afetos a ferramenta.

FERREIRA (2020) discorre sobre um ponto de extrema importância, qual seja, a


possibilidade de o empregado que adentrar com demandas trabalhistas, possa responder
pelos prejuízos causados em caso perca sua pretensão. Dentre outra mudança destacada, a
gratuidade de acesso à justiça, modulada pela reforma trabalhista, agora prevendo que os
custos processuais poderão ser suportados pela parte autora, é impulsionada pelos custos
processuais perante ao PIB, representando estes o patamar de 1,3% do todo (ibidem , apud
SPERANDIO, 2019).
153

Demonstra-se que a busca pela redução de judicializações com a reforma dos direitos
trabalhistas, teve seu êxito. Os motivos e, os pontos de apoio são vastos, DIAS e SILVA
(2017), apontam que a terceirização é uma das portas para a melhoria da crise econômica e
estagnação da economia que o país vivenciava, frente a terceira revolução industrial em que
pouco a legislação nacional avançou.

Apontam como motivações sobre a reforma BIAVASCHI (et al, 2018, apud KREIN,
GIMENEZ, SANTOS, 2018), que a modulação dos direitos do trabalho, estão alinhadas ao
capitalismo, retirando a rigidez e reduzindo a judicialização, posto que, como já mencionado,
há a retirada de obstáculos antes previstos pela legislação laboral, insuflando mecanismos
atrativos de investimentos privados externos.

Observando este cenário e, ao já citado tema da precarização do mercado de trabalho,


podemos apontar, em acordo com o trabalho de OLIVEIRA (2019, apud FLORES, 2014), o
compliance deve servir como um ponto de resiliência, estando afrente das mudanças e,
conversando diretamente com o direito trabalhista, com uma visão superior ao advento das
leis. Ressalta ainda, de forma bastante acertada, que o compliance, como mecanismo de
redução da judicialização, deve estar sempre alinhado a legislação constitucional e as
vigentes demandas da sociedade contemporânea, sempre pensando na modernização.

Como também ressaltado anteriormente, o compliance deve manter contato com


normativas externas e com a criação de uma cultura que vá em encontro a legislação e as
aspirações de instituições internacionais, e como bem cita CARLOTO (2021), focar na
efetividade de direitos humanos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o avanço do capitalismo moderno, globalizado e, mais voltado para um novo


modelo de mercado de trabalho, sentido como precarização dos postos de trabalho, há um
abalo da confiança dos empreendimentos. Com isso, os desafios da governança corporativa
e do compliance, perpassam pelo entendimento deste cenário, para além da aplicação da
norma, como modelo de uma cultura arraigada por valores éticos, morais e sociais.

De certo é, que a governança corporativa como mecanismo de combate a corrupção,


equidade e transparência, se mostra imprescindível no avanço de pequenos, médios e
154

grandes empreendimentos, visto o vasto volume de normas, nacionais e transnacionais. Na


medida em que a globalização avança sobre os modelos de legislações trabalhistas.

No fim, e avaliando a história do direito laboral, é possível compreender que esta,


sempre buscará corrigir tendências do mercado trabalhista que deságuem em precarização
ou mesmo em declínio social. Ainda que este movimento demore, empreendimentos que
buscam estabilidade não podem ser pegos de surpresa, ao passo que sua imagem importa em
valorização ou desvalorização, dada a forma como trata o tema.

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158

GOVERNANÇA CORPORATIVA E A RESPONSABILIDADE SOCIAL E


AMBIENTAL: UMA ANÁLISE DA LEI ALEMÃ DE DUE DILIGENCE DA
CADEIA DE SUPRIMENTOS

Tainara Carozzi de Carvalho1


Jéssica Maria Dias de Souza2

Resumo: A governança é um instrumento fundamental para a promoção da transparência e


da ética nos negócios e hoje é central para uma boa gestão de negócios, necessária para
garantir a sustentabilidade à longo prazo. As tensões geopolíticas promovem mudanças
culturais que fazem com que a sociedade e as empresas se adequem às novas realidades.
Assim, a responsabilidade social e ambiental tem ganhado cada vez mais espaço nas agendas
empresariais, partindo de uma demanda social, mas também de adequação à novas diretrizes
de governança corporativa. Este ensaio apresenta uma análise comparativa entre a
governança corporativa no Brasil e Alemã e parte para a análise da Lei Alemã de Due
Diligence da Cadeia de Suprimentos, em vigor em janeiro de 2023, que estabelece
obrigações de due diligence na cadeia de fornecimento para empresas que aperam na
Alemanha, a fim de identificar e prevenir violações aos direitos humanos e danos ambientais.
A pesquisa disserta sobre os modelos de governança dos dois países, bem como, os
mecanismos legais brasileiros que existem em relação aos riscos apontados na nova
legislação alemã. Foi possível encontrar elementos que confirmam uma preocupação legal
difusa do sistema jurídico brasileiro em relação aos direitos humanos e ambientais, mas
também as lacunas existentes nos padrões de governança corporativa estabelecidos no país,
por não contar com uma legislação específica para regular o tema.
Palavras-chave: Governança Corporativa. Due Diligence de Fornecedores.
Responsabilidade Social. Responsabilidade Ambiental.

GOVERNANÇA CORPORATIVA E A RESPONSABILIDADE SOCIAL E


AMBIENTAL: UMA ANÁLISE DA LEI ALEMÃ DE DUE DILIGENCE DA CADEIA
DE SUPRIMENTOS
A governança corporativa teve um destaque exponencial após escandalos
corporativos no início dos anos 2000 envolvendo grandes empresas americanas 3, e ficou
vinculada à boas práticas de anti corrupção, transparência e ética em relação aos negócios,
atuando para garantir a conformidade dos negócios em relação à regulamentações e

1
Advogada, mestra em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, OAB n º 102.546.
2
Advogada, mestranda em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, OAB nº 124.571.
3
A governança corporativa como a conhecemos hoje em dia só começou a ganhar mais atenção nas décadas
de 1980 e 1990, com os escândalos financeiros envolvendo empresas como Enron e WorldCom, que levaram
a um aumento da regulamentação e fiscalização das práticas corporativas nos Estados Unidos e em outros
países.
159

fiscalizações. Ao longo dos anos, o tema evoluiu e hoje é central para uma boa gestão de
negócios, necessária para garantir a sustentabilidade à longo prazo.

Para a Comissão De Valores Mobiliários - CVM, governança corporativa:

é o conjunto de práticas que tem por finalidade otimizar o desempenho de uma


companhia ao proteger todas as partes interessadas, tais como investidores,
empregados e credores, facilitando o acesso ao capital. [...] envolve,
principalmente: transparência, eqüidade de tratamento dos acionistas e prestação
de contas. (CVM, 2002, p. 1)

O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) é uma organização sem


fins lucrativos fundada em 1995 que tem como objetivo promover a cultura da governança
corporativa no Brasil, amplia um pouco o conceito de governança corporativa e estende à
relação com as partes interessadas "o sistema pelo qual as organizações são dirigidas,
monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre proprietários, Conselho
de Administração, Diretoria e órgãos de controle" (IBCG, 2022).

Ainda, os Princípios de Governança Corporativa da OCDE dos quais o Brasil é


signatário desde 2016, estipulam que a estrutura de governança corporativa deve assegurar
a orientação estratégica da empresa, o monitoramento efetivo da direção executiva pelo
conselho e a responsabilidade do conselho com a empresa e os acionistas (OCDE, 2004).

Nesse sentido é possível perceber que a governança é um instrumento fundamental


para a promoção da transparência e da ética nos negócios - o que é essencial para o
fortalecimento do ambiente empresarial e a confiança dos investidores e da sociedade em
geral - assegurando que a empresa tenha uma estrutura de gestão que promova a criação de
valor a longo prazo, preservando os interesses de todos os envolvidos.

Por ser considerada um fator crítico para o sucesso empresarial a governança


corporativa têm recebido mais atenção à medida que evoluiu para além de prezar pela
transparência, responsabilidade, equidade e prestação de contas, passando a olhar para a
sustentabilidade dos negócios também do ponto de vista da responsabilidade social e
ambiental.

A pandemia de COVID-19 e seus impactos na saúde, economia e relações


internacionais, a crise migratória na Europa e as tensões políticas em torno da questão da
imigração, os conflitos armados em países como Síria, Iêmen e Líbia, os conflitos entre Israel
e a Palestina, as mudanças políticas no Afeganistão, com a tomada de poder pelo Talibã em
2021, a guerra entre Rússia e Ucrânia e as tensões entre os Estados Unidos e a China em
160

relação a questões comerciais, tecnológicas e de segurança, são apenas alguns exemplos de


tensões geopolíticas que afetam a sociedade como um todo, e portanto, as dinâmicas dos
negócios. Ao mesmo tempo, a cada evento que passamos enquanto sociedade, novas regras
são criadas, culturas são alteradas e é necessário que todos se adaptem para a nova realidade.

As tensões acima citadas dizem respeito principalmente à direitos humanos e


ambientais, nas suas mais abrangentes definições, e estamos aos poucos percebendo quais
são as mudanças durante ou depois de cada evento para a sociedade. Alguns têm efeito
imediato, como por exemplo, a mudança nos hábitos de consumo desde o início da pandemia
da COVID-19, seja pela ampliação da atratividade do e-commerce, seja pela valorização
crescente de uma cadeia de suprimentos respeitosa com os aspectos ambientais e sociais.

Outras tensões tem efeito a médio e longo prazo, e um exemplo é a aprovação da


“Lei de Due Diligence da Cadeia de Suprimentos”4, também chamada de LkSG ou “Lei da
Cadeia de Suprimentos”, que foi introduzida pelo governo alemão em 2021 e que entrou em
vigor em 01 de janeiro de 2023, que iremos analisar no presente ensaio.

A Lei faz parte de uma tendência global mais ampla em direção à responsabilidade
corporativa pelos direitos humanos, e a Alemanha é um dos vários países que introduziram
uma legislação específica para mensurar a adequação das empresas. A Lei estabelece
obrigações de due diligence para empresas com operações na Alemanha em suas cadeias de
fornecimento, a fim de identificar e prevenir violações aos direitos humanos e danos
ambientais.

Ela prevê a responsabilidade de divulgação dos resultados da due diligence e prevê


responsabilizações caso as empresas não tomem as medidas adequadas para resolver
quaisquer problemas que descobrirem. As medidas abrangem toda a cadeia de suprimentos
das empresas, incluindo fornecedores, subfornecedores e quaisquer outros atores envolvidos
na produção de bens e serviços, e é aplicável a partir de 1 de janeiro de 2023 para empresas
com mais de 3.000 trabalhadores e, a partir de 1 de janeiro de 2024, às com mais de 1.000
trabalhadores na Alemanha. No entanto, independentemente do tamanho ou localização, as
empresas menores também deveriam se familiarizar com a Lei da Cadeia de Suprimentos.

4
No original, Lieferkettengesetz de onde se origina a sigla LkSG, que será utilizada no ensaio para referir a
legislação.
161

As obrigações dizem respeito à riscos relacionados aos direitos humanos e ao meio


ambiente e incluem:

● Proibição das piores formas de trabalho infantil;


● Proibição do emprego de pessoas em trabalhos forçados, incluindo tráfico de
pessoas;
● Proibição de todas as formas de escravidão, tortura e outras formas de opressão;
● Proibição do descumprimento das obrigações trabalhistas;
● Proibição de retenção de salário, mantendo-se o pagamento de no mínimo um salário
mínimo;
● Proibição de violar a liberdade de associação;
● Proibição de discriminação, incluindo a exclusão de grupos vulneráveis, como
mulheres, pessoas LGBTQIA+ e pessoas com deficiência;
● Violações dos direitos à saúde e segurança no trabalho, incluindo a exposição a
produtos químicos perigosos (como por exemplo, produtos com adição, uso e
tratamento de resíduos de mercúrio), falta de equipamento de proteção e condições
de trabalho perigosas;
● Proibição de exportação e importação de certos resíduos perigosos;
Ao considerar esses riscos, as empresas devem adotar medidas para mitigá-los e
garantir que suas cadeias de suprimentos sejam gerenciadas de forma responsável, e as
obrigações incluem:
a) Implementar um sistema de gerenciamento de risco em suas cadeias de
suprimentos que leve em conta os impactos sobre os direitos humanos e o meio ambiente;

b) Identificar e avaliar riscos em sua cadeia de suprimentos em relação a violações


de direitos humanos e normas ambientais, usando critérios como país de origem, setor de
atividade e práticas de negócios;

c) Tomar medidas para mitigar os riscos identificados, como estabelecer políticas e


processos para prevenir, remediar e compensar violações de direitos humanos e ambientais;

d) Fornecer informações transparentes e claras sobre suas cadeias de suprimentos,


incluindo suas políticas, riscos identificados e medidas tomadas;

e) Estabelecer um mecanismo de reclamações para que as partes interessadas possam


reportar violações de direitos humanos e ambientais na cadeia de suprimentos; e
162

f) Fornecer treinamento adequado aos funcionários e outras partes interessadas sobre


a importância da due diligence da cadeia de suprimentos e dos direitos humanos e
ambientais.

Além dessas ações, a Lei exige que as atividades da due diligence sejam
documentadas continuamente, possibilitando o acompanhamento da evolução das ações
tomadas, e sejam armazenadas por sete anos, como prova da adequação e eficácia da
diligência. Ainda, é uma obrigação legal a disponibilização do relatório anual sobre os
direitos humanos e os riscos ambientais identificados e a eficácia das medidas tomadas. As
medidas e obrigações serão acompanhadas pela autoridade supervisora alemã, o Escritório
Federal Alemão para Assuntos Econômicos e Controle de Exportação (BAFA).

Se constatado o não cumprimento das obrigações da due diligence, o BAFA pode


aplicar as seguintes penalidades de acordo com a violação: a) multas até 800.000€, ou até
2% do seu volume de negócios global médio anual; b) exclusão de contratos públicos na
Alemanha por até três anos.

Sem dúvida, as penalidades foram pensadas para incentivar a mais rápida adequação
das empresas, causando um impacto direito e quase imediato em toda a cadeia de
fornecedores do país. Uma vez que as grandes empresas são incentivadas a agir, buscando
melhores práticas de mercado, uma empresa fizer parte da cadeia de suprimentos de uma
empresa maior com sede na Alemanha direta ou indiretamente, começa a prestar atenção na
governança do seu próprio negócio e busca adequação independentemente do tamanho ou
localização, porque certamente será solicitada a cumprir a Lei mais cedo ou mais tarde.

A LkSG vem também de uma demanda cultural forte da Alemanha, cujo modelo de
operacionalização depende de elaboração legislativa que materialize os costumes e os
princípios em lei. O modelo de governança corporativa adotado pela Alemanha é nipo-
germânico, ou seja, conta com uma parcela grande de investidores que possuem uma parcela
significativa de ações e administração, adotando um sistema com um forte envolvimento dos
acionistas e um alto nível de transparência e responsabilidade (SLOMSKI, 2008).

A governança corporativa alemã, nesse sentido, preza pelo de equilíbrio dos


interesses dos stakeholders em um cenário de industrialização muito regulamentado e
controlado pelo estado:
163

Na Alemanha, berço das teorias institucionalistas, que entendem o interesse social


não como a comunhão dos interesses dos sócios, mas como o interesse da própria
sociedade (stricto sensu), que é distinto do interesse dos sócios e a este se
sobrepõe, a governança corporativa foi interpretada, desde o início, como um
sistema de proteção não só dos minoritários, mas de todos os demais interessados
direta ou indiretamente na sociedade anônima (stakeholders), como os
fornecedores, clientes, empregados, e também a comunidade a que a empresa
serve. (SOUZA, 2005, p. 11).

O modelo é regulado por diversas leis e normas, incluindo a "Lei Alemã das
Sociedades Anônimas" (Aktiengesetz) e o "Código Alemão de Governança Corporativa"
(Deutscher Corporate Governance Kodex). O código alemão de governança corporativa
descreve os regulamentos legais para administração e supervisão de empresas alemãs
listadas, que se referem principalmente à Lei Alemã das SAs, e “visa aumentar a
transparência e a compreensão do sistema de governança corporativa alemão, a fim de
fortalecer a confiança de investidores nacionais e internacionais, clientes, funcionários e
público em geral na gestão e supervisão de empresas cotadas na Alemanha” (DCGK, 2023).

No Brasil, o modelo de governança corporativa adotado é o anglo-saxão, onde as


estruturas são voltadas para os acionistas, também chamados de shareholders. As principais
características do modelo incluem a ênfase na criação de valor para os acionistas, a
importância do papel do mercado de capitais como um mecanismo de disciplina para as
empresas, a transparência na divulgação de informações financeiras e a regulamentação das
empresas pelos órgãos reguladores. Essas são algumas razões pelas quais no Brasil não há
um equivalente ao Código Alemão de Governança Corporativa, a regulamentação da
governança corporativa fica ao cargo de instituições voltadas à mercados específicos como,
por exemplo, a B3 (Bolsa de Valores de São Paulo) e a CVM (Comissão de Valores
Mobiliários).

Isso não significa que não há legislação sobre o assunto no ambiente jurídico
brasileiro. A Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76) e a Lei de Proteção de Dados
Pessoais (Lei nº 13.709/18) são exemplos de normativas que fazem a conexão entre o público
e o privado. Ainda, há legislações que são voltadas para o setor público que são referência
para empresas privadas, como a Lei de Conflito de Interesses (Lei nº 12.813/13) que define
situações de conflito de interesses e veda a participação de servidores públicos em decisões
que possam beneficiar interesses próprios ou de terceiros; a Lei Anticorrupção (Lei nº
12.846/13) que responsabiliza as empresas por atos lesivos contra a administração pública,
estabelecendo a obrigação de implementação de programas de compliance e a possibilidade
164

de aplicação de multas e outras sanções e a Lei das Estatais (Lei nº 13.303/16) que estabelece
regras para a governança corporativa das empresas estatais, incluindo regras para a
composição dos órgãos de administração, divulgação de informações, transparência e
controle social.

Além disso, verifica-se um esforço da legislação em abarcar normativas legais sobre


os riscos elencados na LkSG, prevendo inclusive que as empresas podem ser objetivamente
responsabilizadas por danos causados aos direitos humanos ou meio ambiente,
administrativo, civil e criminalmente. É o que é possível constatar do levantamento
normativo realizado para o presente ensaio:

Proibição das piores formas de trabalho ➔ Constituição Federal de 1988: estabelece que é
infantil; proibido o trabalho noturno, perigoso ou insalubre
para menores de 18 anos e o trabalho em qualquer
atividade que comprometa a saúde, a segurança e a
moralidade dos menores de idade.
➔ Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): O ECA
estabelece a proteção integral dos direitos das
crianças e dos adolescentes, incluindo o direito à
educação, saúde, lazer, cultura, profissionalização e
proteção contra todas as formas de violência,
exploração, abuso e negligência e a probição do
trabalho infantil em todas as suas formas.
➔ Lei do Aprendiz (Lei nº 10.097/2000): estabelece
que as empresas de médio e grande porte devem
contratar jovens aprendizes com idade entre 14 e 24
anos, para trabalhar em atividades compatíveis com
a formação escolar, sob a orientação de um
supervisor e com direito a salário e benefícios
trabalhistas.
➔ Código Penal Brasileiro: estabelece penalidades para
quem explorar o trabalho infantil, com pena de
reclusão de dois a quatro anos e multa, além de outras
penalidades previstas em lei

Proibição do emprego de pessoas em trabalhos ➔ Constituição Federal de 1988: estabelece que é


forçados, incluindo tráfico de pessoas; proibido o trabalho forçado em todas as suas formas,
Proibição de todas as formas de escravidão, bem como a submissão das pessoas a condições
tortura e outras formas de opressão; degradantes de trabalho.
➔ Código Penal Brasileiro: estabelece penalidades para
quem submeter alguém a trabalhos forçados ou a
condições análogas à de escravo, com pena de
reclusão de dois a oito anos e multa, além de outras
penalidades previstas em lei.
➔ Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017): estabelece
medidas de proteção aos migrantes em território
nacional, proibindo a sua submissão a trabalhos
forçados, degradantes ou em condições análogas à de
escravo.
➔ Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): proíbe
o tráfico de crianças e adolescentes para o trabalho
forçado, exploração sexual e outras formas de
165

exploração.
➔ Além disso, o Brasil ratificou diversas convenções
internacionais que proíbem o trabalho forçado, tais
como a Convenção 29 da Organização Internacional
do Trabalho (OIT) sobre o Trabalho Forçado e a
Convenção 105 da OIT sobre a Abolição do
Trabalho Forçado, a Convenção sobre a Escravatura
de 1926 e a Convenção sobre a Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação Racial de 1965.

Proibição do descumprimento das obrigações ➔ Constituição Federal de 1988: no artigo 7º,


trabalhistas; consolidou os direitos dos trabalhadores urbanos e
Proibição de violar a liberdade de associação; rurais e outros que visem à melhoria de sua condição
social, listou também os direitos assegurados à
categoria dos trabalhadores domésticos, estabeleceu
a liberdade sindical; e, o direito de greve.
➔ Consolidação das Leis do Trabalho (CLT):
estabelece diversas obrigações trabalhistas que
devem ser cumpridas pelos empregadores, tais como
pagamento de salário, jornada de trabalho, férias, 13º
salário, entre outros.
➔ Lei de Combate ao Trabalho Escravo (Lei nº
13.434/2017): prevê penalidades para quem
submeter trabalhadores a condições análogas à de
escravo, incluindo multa e pena de reclusão.
➔ Lei de Imigração (Lei nº 13.445/2017): estabelece as
condições em que trabalhadores estrangeiros podem
ser contratados no Brasil, bem como as obrigações
dos empregadores em relação a esses trabalhadores.
➔ Lei do Trabalho Temporário (Lei nº 6.019/1974):
estabelece as regras para a contratação de
trabalhadores temporários, incluindo as obrigações
dos empregadores em relação a esses trabalhadores.
➔ Lei de Greve (Lei nº 7.783/1989): estabelece os
direitos e deveres dos trabalhadores e empregadores
durante o exercício do direito de greve, incluindo a
proibição de práticas antissindicais, como a
demissão de grevistas.
➔ Lei da Organização Sindical (Lei nº 7.783/1989):
dispõe sobre o exercício do direito de greve, define
as atividades essenciais e estabelece os requisitos
para a prestação dos serviços durante a greve.
➔ Decreto nº 540/2004 (a “lista suja”): o decreto cria
uma lista pública de empregadores considerados
culpados de explorar trabalhadores sob condições
abusivas e coercitivas.
➔ Além dessas leis, existem outras regulamentações
que estabelecem as obrigações trabalhistas das
empresas, tais como normas regulamentadoras
(NRs) do Ministério do Trabalho e Previdência,
convenções coletivas de trabalho, entre outras.

Proibição de retenção de salário, mantendo-se ➔ Constituição Federal de 1988: estabeleceu o salário


o pagamento de no mínimo um salário mínimo como remuneração mínima devida ao
trabalhador, capaz de atender às suas necessidades
básicas e às de sua família, com moradia,
alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário,
higiene, transporte e previdência social.
166

mínimo; ➔ Lei nº 13.152/2015: estabelece a política de


valorização do salário mínimo no Brasil, prevendo
que o valor seja reajustado anualmente com base na
inflação do ano anterior e no crescimento do PIB de
dois anos anteriores.
➔ Anualmente um decreto promulgado pelo Presidente
da República em exercício fixa o valor do salário
mínimo para o próximo ano;
➔ Lei nº 12.382/2011: dispõe sobre a correção do
salário mínimo, determinando que o reajuste seja
calculado pela variação do Índice Nacional de Preços
ao Consumidor (INPC) do ano anterior acrescido do
crescimento real do PIB de dois anos anteriores.

Proibição de discriminação, incluindo a ➔ Constituição Federal: estabelece que todos são iguais
exclusão de grupos vulneráveis, como perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
mulheres, pessoas LGBT+ e pessoas com garantindo a inviolabilidade do direito à vida, à
deficiência; liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
➔ Lei nº 7.853/1989: dispõe sobre o apoio às pessoas
com deficiência e estabelece medidas para a sua
integração social. Ela determina que as pessoas com
deficiência têm direito à educação, à saúde, ao
trabalho, à acessibilidade, à cultura, ao esporte e ao
lazer, entre outros direitos.
➔ Lei nº 9.029/1995: proíbe a prática de discriminação
de trabalhadores em razão de sexo, origem, raça, cor,
estado civil, situação familiar ou idade, inclusive a
discriminação de gênero no ambiente de trabalho e
em processos seletivos de emprego. Ela estabelece
que é proibido exigir teste de gravidez, estabelecer
diferenças salariais entre homens e mulheres que
desempenham a mesma função e restringir o acesso
de mulheres a determinados cargos.
➔ Lei nº 10.678/2003: estabelece medidas de promoção
da igualdade racial e combate à discriminação,
prevendo a criação de programas para a promoção da
igualdade racial, ações afirmativas para a inclusão de
negros em cargos públicos e privados e o combate ao
racismo.
➔ Lei nº 12.288/2010: institui o Estatuto da Igualdade
Racial e estabelece medidas para a promoção da
igualdade de oportunidades para a população negra.
Ela prevê a criação de políticas públicas para a
inclusão social e econômica da população negra, a
promoção da educação para a valorização da
diversidade étnica e o combate ao racismo e à
discriminação.
➔ Lei nº 13.146/2015: Essa lei institui a Lei Brasileira
de Inclusão da Pessoa com Deficiência e estabelece
medidas para a inclusão social das pessoas com
deficiência. Ela prevê a promoção da acessibilidade
em todos os espaços e serviços públicos e privados,
a reserva de vagas para pessoas com deficiência em
concursos públicos e a garantia do direito à
educação, saúde, trabalho e outros direitos.
➔ Lei nº 13.709/2018: Essa lei estabelece a Lei Geral
de Proteção de Dados Pessoais e estabelece medidas
para proteger a privacidade e a liberdade dos
167

indivíduos em relação aos seus dados pessoais. Ela


prevê que os dados pessoais devem ser tratados de
forma transparente, segura e respeitando os direitos
fundamentais dos indivíduos.

Violações dos direitos à saúde e segurança no ➔ Constituição Federal de 1988: garante o direito à
trabalho, incluindo a exposição a produtos saúde como um direito fundamental e prevê a
químicos perigosos (como por exemplo, redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de
produtos com adição de mercúrio, uso de normas de saúde, higiene e segurança.
mercúrio e tratamento de resíduos de ➔ Consolidação das Leis do Trabalho (CLT):
mercúrio), falta de equipamento de proteção e estabelece as normas e os direitos trabalhistas,
condições de trabalho perigosas; incluindo a proteção à saúde e à segurança do
Proibição de exportação e importação de certos trabalhador.
resíduos perigosos; ➔ Normas Regulamentadoras (NRs): são
regulamentações criadas pelo Ministério do
Trabalho e Emprego (atualmente Ministério da
Economia) que estabelecem requisitos e
procedimentos mínimos para garantir a segurança e
a saúde dos trabalhadores em diversos setores.
➔ Lei nº 8.213/91: dispõe sobre os Planos de
Benefícios da Previdência Social e estabelece as
normas para a avaliação da incapacidade laboral
decorrente de acidentes de trabalho e doenças
ocupacionais.
➔ Lei nº 12.645/12: dispõe sobre a obrigatoriedade de
notificação de acidentes de trabalho e doenças
ocupacionais.
➔ Portaria nº 3.214/78: aprova as Normas
Regulamentadoras relativas à segurança e à saúde no
trabalho.

No âmbito formal e normativo, resta evidente que o Brasil têm uma preocupação com
a proteção social e ambiental, inclusive contando com os esforços da Associação Brasileira
de Normas Técnicas (ABNT)5, que ao longo dos anos coordenou a elaboração de normas
que se relacionam e muito, com os riscos elencados pela LkSG, como por exemplo, a NBR
16001 sobre a responsabilidade social, a NBR ISO 26000, diretrizes sobre responsabilidade
social, a NBR ISO 9001, sobre sistemas de gestão da qualidade, a NBR ISO 14001, acerca
dos sistemas de gestão ambiental, a NBR ISO 31000, sobre a gestão de riscos, a NBR ISO
37000 sobre governança de organizações, e a ISO 4500, norma para o Sistema de Gestão de
Saúde e Segurança Ocupacional (SGSSO).

No entanto, no Brasil, ainda não há uma lei específica sobre due diligence de
fornecedores, prevendo expressamente a resposabilização objetiva como a LkSG, mas há
um movimento em que as empresas e organizações estão cada vez mais reconhecendo a

5
Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) é responsável por coordenar os processos de elaboração,
revisão e atualização das normas técnicas brasileiras em diversas áreas.
168

importância de respeitar os direitos humanos no contexto da proteção ambiental. Muitas


adotaram políticas e práticas para lidar com essas preocupações, como a realização de
avaliações de impacto sobre os direitos humanos, o envolvimento com as comunidades
afetadas e a implementação de mecanismos de reclamação.

No entanto, ainda há muito trabalho a ser feito para garantir que os direitos sejam
efetivamente protegidos no contexto da vida cotidiana e não apenas no papel. As iniciativas
globais podem inspirar a realidade brasileira a buscar o seu próprio caminho de adequação
e cuidado com o meio ambiente e direitos humanos, uma vez que há um aspecto crucial do
desenvolvimento sustentável, que busca alcançar um equilíbrio entre economia, sociedade e
meio ambiente.

A LkSG é um exemplo recente, para ficarmos atentos a própria área de negócios, às


ações de um parceiro contratual e às ações de outros fornecedores (indiretos). No mesmo
caminho, já existem normas internacionais, como os Princípios Orientadores das Nações
Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos6, que recomendam que as empresas realizem
due diligence para identificar e prevenir impactos negativos em direitos humanos em suas
cadeias de fornecimento.

A due diligence, nesse contexto, envolve uma avaliação sistemática e contínua dos
riscos de violações de direitos humanos em suas cadeias de fornecimento, incluindo a
avaliação dos fornecedores e subfornecedores, buscando a identificação de questões
relevantes de direitos humanos, a avaliação dos riscos, a implementação de medidas de
prevenção e correção, e a monitoração contínua dos impactos e das ações tomadas. Isso
envolve a consulta a grupos afetados, a avaliação da conformidade com leis e normas
internacionais de direitos humanos e a cooperação com parceiros externos.

A implementação efetiva da due diligence de fornecedores de acordo com os


Princípios pode ajudar as empresas a garantir a conformidade com as normas internacionais
de direitos humanos, a melhorar a responsabilidade em suas cadeias de fornecimento e sem
dúvidas reduzir o risco reputacional vinculado à escândalos acerca dos temas relacionados
aos direitos humanos e sustentabilidade.

6
Os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos são um conjunto de
diretrizes adotadas pelas Nações Unidas em 2011, que estabelecem as responsabilidades das empresas no que
diz respeito ao respeito aos direitos humanos. Os Princípios são amplamente reconhecidos como o padrão
global para a responsabilidade das empresas em relação aos direitos humanos e são utilizados como referência
para a elaboração de políticas e regulamentos em diferentes países e setores.
169

Além disso, há códigos de conduta e iniciativas setoriais que incentivam as empresas


a adotarem práticas responsáveis em suas cadeias de fornecimento. Embora não seja
diretamente ligado às leis e regulamentações de governança corporativa no Brasil, o Sistema
B tem forte relação com a transparência e responsabilidade das empresas em relação ao seu
impacto social e ambiental. Considerar o impacto social e ambiental nas decisões
empresariais, já é considerado uma forma de implementar uma governança corporativa mais
responsável e sustentável.

O Sistema B, é um movimento global de empresas que buscam solucionar problemas


sociais e ambientais por meio de suas atividades econômicas, e que certifica empresas
engajadas em jornadas de conformidade com a Certificação B, a partir da análise de 5
dimensões de impacto: comunidade, clientes, meio ambiente, governança e trabalhadores.
Ou seja, essa pode ser um mecanismo mobilizado para fornecer maior transparência e
prestação de contas das empresas brasileiras em relação aos seus impactos sociais e
ambientais, que se alinham com os princípios de transparência e prestação de contas que são
fundamentais na governança corporativa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A governança corporativa é um tema cada vez mais relevante na sociedade


contemporânea, apresentando um crescimento exponencial nas últimas decadas. Apesar do
Brasil e da Alemanha terem modelos diferentes de governança, ambos os países reconhecem
a importância da governança corporativa para garantir a sustentabilidade dos negócios e a
proteção dos direitos humanos. No Brasil, vemos uma atuação constante do mercado de
capitais para orientação de conformidade para as empresas. Já na Alemanha, o controle da
conformidade se dá através de edição de leis, transparência e fiscalizações intensas do poder
público.

Nesse sentido, é a publicação da Lei de Due Diligence da Cadeia de Suprimentos que


tem como objetivo proteger os direitos humanos e o meio ambiente em toda a cadeia de
valor, exigindo que as empresas alemãs implementem medidas para identificar, prevenir e
mitigar riscos aos direitos humanos em suas cadeias de suprimentos. A LsKG já é
considerada uma das leis mais abrangentes em relação à responsabilidade corporativa e pode
ser considerada uma resposta ao aumento da conscientização sobre a importância da
proteção dos direitos humanos e do meio ambiente em toda a cadeia de fornecimento. A lei
170

alemã é uma das primeiras iniciativas na Europa nesse sentido e já influenciou a adoção de
legislação semelhante em outros países, incluindo a França e os Países Baixos.

No Brasil, há várias leis que protegem os direitos humanos, incluindo o Código Penal
e a Constituição Federal. Além disso, o país tem leis específicas que proíbem o trabalho
infantil, o trabalho escravo e outras formas de opressão. As empresas brasileiras também são
incentivadas a adotar práticas de governança corporativa e responsabilidade social.

A lei alemã reflete uma tendência global em direção à responsabilidade corporativa


e à promoção da sustentabilidade em empresas e organizações, e pode ajudar a garantir que
as empresas cumpram suas responsabilidades sociais e ambientais, respeitando os direitos
humanos e contribuindo para o desenvolvimento sustentável.

As empresas, ao seu turno, não precisam esperar a edição de novas leis para analisar
os riscos de adotar uma cadeia de suprimentos que não esteja em conformidade com práticas
de governança corporativa e de responsabilidade social. A adoção de práticas de governança
corporativa é fundamental para garantir a sustentabilidade dos negócios, além de ser uma
forma de contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e sustentável, ao mesmo
tempo que acrescenta valor na sua marca e operações ao promover a diversidade e a inclusão,
e respeitar os direitos humanos e ambientais.

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