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COMPLIANCE

EM PERSPECTIVA
ORGANIZADORAS:
NADIALICE FRANCISCHINI DE SOUZA
ZULENE BARBOSA GOMES

COMPLIANCE
EM PERSPECTIVA

Álvaro Pereira Protásio da Silva Neto


Cleonice de Souza Lima
Edson Ribeiro Saldanha Neto
Fábio S. Santos
Fabíola Morais de Figueiredo Grimaldi
Jamile Souza Calheiros dos Santos
Josenaldo Luiz da Silva Lima
Luana Costa de Senna
Luzia Samantha Silva Vicente
Maria Rosa Santos
Nadialice Francischini de Souza
Rubens Sérgio dos Santos Vaz Junior
Vera Mônica de Almeida Talavera
Viviane Cardoso Lacerda Pacheco
Zulene Barbosa Gomes
Coordenação Editorial
Pedro Camilo de Figueirêdo Neto

Conselho Editorial
DOUTORES: MESTRES:
Cláudia Moraes Trindade Bruno Barbosa Heim
Jessica Hind Ribeiro Costa Cleonice de Souza Lima
José Rômulo de Magalhães Filho Fábio S. Santos
Luciano Sérgio Ventim Bomfim Isan Almeida Lima
Nadialice Francischini de Souza Marcelo Politano de Freitas
Régia Mabel da Silva Freitas Pedro Camilo de Figueirêdo Neto
Ricardo Maurício Freire Soares Rubens Sérgio dos Santos Vaz Junior
Sheila Marta Carregosa Rocha Vera Mônica de Almeida Talavera
Urbano Félix Pugliese do Bomfim Yuri Ubaldino Rocha Soares

Programação Visual de Capa Revisão


Fernando Campos Adriano Mota Ferreira
Renaielma Suzart

Diagramação
Alfredo Barreto

A reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer modo, somente


será permitida com autorização da editora.
(Lei nº 9.610 de 19.02.1998)

CIP – Brasil. Catalogação na fonte


____________________________________________________________
Souza, Nadialice Francischini de.
Compliance em perspectiva / organização Nadialice
Francischini de Souza e Zulene Barbosa Gomes – Salvador, Ba:
Editora Mente Aberta, Novembro, 2019.

152 p.
ISBN: 978-85-66960-54-9
1. Compliance. 2. Perspectivas. 3. Direito. I Souza, Nadialice
Francischini de. II Gomes, Zulene Barbosa. III Título.
CDD 340

Impresso no Brasil Presita en Brasilo


SUMÁRIO
Prefácio, 7

1 A adoção de compliance como forma de desenvolver uma cultura


ética de cumprimento de normas e valorização da empresa pública, 9
Cleonice de Souza Lima
Vera Mônica de Almeida Talavera

2 Compliance como ferramenta de redução de passivo trabalhista nas


empresas, 17
Edson Ribeiro Saldanha Neto
Álvaro Pereira Protásio da Silva Neto

3 A importância do compliance na governança das Instituições de


Ensino Superior privadas, 31
Fábio S. Santos
Luzia Samantha Silva Vicente
Josenaldo Luiz da Silva Lima

4 A importância e responsabilidades do programa compliance na Lei


Geral de Proteção de Dados nas empresas privadas, 45
Fabíola Morais de Figueiredo Grimaldi

5
6 | Diversos Autores

5 Programas de compliance e sua implementação na Administração


Pública brasileira, 61
Jamile Souza Calheiros dos Santos

6 Integridade governamental para o legislativo brasileiro: melhores


práticas, 73
Luana Costa de Senna

7 Compliance e a fraude do dono da empresa nas EIRELIs e nas


Sociedades Limitadas Unipessoais, 89
Nadialice Francischini de Souza

8 Utilização dos Programas de Compliance em busca de um


desenvolvimento sustentável, 101
Rubens Sérgio dos Santos Vaz Junior

9 Análise doutrinária da aplicação do sistema de compliance no setor


da saúde, 115
Viviane Cardoso Lacerda Pacheco

10 Cultura de integridade e instrumentos regulatórios estaduais: Lei


Anticorrupção, programas de integridade nas contratações públicas e
compliance público, 135
Zulene Barbosa Gomes
Maria Rosa Santos
PREFÁCIO
COMPLIANCE EM PERSPECTIVA

Fazer o prefácio desta obra – Compliance em perspectiva – é um imenso


prazer. Primeiro, por ter coordenado, ao lado de Zulene Barbosa Gomes,
grande amiga e entusiasta sobre o tema, este projeto. Também por ter tido
a oportunidade de reunir pessoas renomadas na área de compliance e novos
nomes.
A ideia do projeto surgiu da necessidade que eu observava, como
professora de Direito, de um espaço para que profissionais novos e
renomados pudessem estar lado a lado dentro de uma obra que tivesse
qualidade de prestígio, divulgando os mais diversos trabalhos. Isso porque
a maioria dos livros que tratam do tema, atualmente, somente oferecem
espaços para profissionais que estão inseridos na área há muito tempo, sem
muito acesso a esse diálogo.
Criar um espaço onde profissionais, estudiosos e entusiastas do tema
pudessem publicar o seu trabalho, independente de novo ou renomado, foi
então o principal norte desta obra.
Outra questão que buscamos contemplar neste trabalho foi o caráter
multidisciplinar do compliance. Ao contrário do que muitos tratam e
pensam, o compliance não é uma ciência ou mesmo ramo do Direito, está em

7
8 | Diversos Autores

conformidade com as normas é uma necessidade de toda a sociedade e como


consequência de todas as ciências e ramos do Direito.
Independente de qual o seu objeto de estudo ou trabalho – direito,
medicina administração, TI, computação, enfermagem, entre muitas outras;
se é um vendedor, um mecânico ou, ainda, se não trabalha com nada –, você
e toda a sociedade tem que ser cumpridora das normas e deve agir com
integridade e em conformidade. Por esse motivo, privilegiamos convidar,
para compor o quadro de autores desta obra, não só juristas, mas também
enfermeiros, administradores, contadores, compliance officer, cientista de
computação. Com isso, conseguimos assegurar uma visão múltipla sobre
um tema tão atual e necessário.
Conseguimos também assegurar diversidade nos temas abordados,
pois ainda que tratem do mesmo assunto macro, cada abordagem é diferente.
Com isso, é possível encontrar artigos com conteúdo teórico e prático que
tratam, na área pública, de questões como: a implantação do compliance na
administração pública, a cultura do compliance em si mesmo, a necessidade
de adoção de atitudes éticas, a integridade no Legislativo e o compliance
para o desenvolvimento sustentável.
No setor privado, há artigos que estudam de questões trabalhistas,
como a redução do seu passivo, bem como da realidade empresarial, com
artigo que fala sobre a fraude societária. Abordase-se, também, a Lei
Geral de Proteção de Dados, e estuda-se o tema sob o foco da atividade
desenvolvida pelo setor de saúde e sua incidência sobre as Instituições de
Ensino Superior.
Com isso, atingimos o objetivo, não de ser uma obra longa e cansativa,
mas multidisciplinar e diversificada. Esperamos, Zulene e eu, que vocês
gostem e aproveitem todo o conteúdo deste livro, que tivemos muito prazer
em organizar.

Nadialice Francischini de Souza


1
A ADOÇÃO DE COMPLIANCE COMO
FORMA DE DESENVOLVER UMA
CULTURA ÉTICA DE CUMPRIMENTO DE
NORMAS E VALORIZAÇÃO DA EMPRESA
PÚBLICA
Cleonice de Souza Lima1
Vera Mônica de Almeida Talavera2
1
Procuradora de Justiça (Ministério Público Estadual da Bahia). Mestre em Direito
pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Direito Processual pela Fundação
Faculdade de Direito da Bahia e em Metodologia do Ensino Superior pela Faculdade
de Educação da Bahia. Já lecionou em diversas Instituições de Ensino Superior,
participando ativamente na orientação de trabalhos científicos. Concentra os seus
estudos e pesquisas na grande área do Direito Processual Civil e Direito Civil.
2
Mestre em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos, São Paulo (2006).
Doutoranda em Direito pela Universidade Católica do Salvador Bahia. Atuou como
professora titular do curso de Direito nas disciplinas de Direito do Trabalho, Processo
do Trabalho e Prática Jurídica Trabalhista na Universidade Guarulhos – UNG (2003-
2006). Assessora jurídica/procuradora da Fundação Agência da Bacia Hidrográfica
do Alto Tietê (FABHAT), em São Paulo, atuando no campo do Direito Privado e
Público (2005-2017). Sócia do Lapa Góes e Góes Advogados Associados em Salvador
– Bahia. Professora na graduação do Curso de Direito do Centro Universitário Jorge
9
10 | Cleonice Lima & Vera Talavera

As empresas públicas submetem-se a regime jurídico especial pela


presença do capital público, mas continuam dependentes do capital humano
para cumprir os princípios insculpidos no artigo 37 da Constituição Federal,
Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 e Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016.
As singularidades das empresas públicas impõem aos seus gestores
desafios de ordem ética e jurídica para superar a tradição de se fazer a
gestão com vistas aos interesses individuais e políticos partidários.
No presente trabalho serão analisados o conceito, caracteres e a
viabilidade de um programa de compliance nas empresas públicas como
processo permanente de adequação e obrigatoriedade de cumprimento
das normas de ordem pública, além de comportamentos éticos aptos a
possibilitar a sobrevivência das empresas no mercado, uma vez que se
tornaram, no Brasil, canais para a corrução e práticas abusivas com os
recursos públicos.
O tema é atual e instigante no momento histórico-econômico que o
Brasil atravessa, que vem adotando como única saída para as empresas
públicas a privatização, sem avaliar o interesse público em manter empresas
importantes para assegurar os serviços exclusivos, como de fornecimento
de água e luz, além de outros necessários para a segurança das comunicações
e soberania nacional.

1 O SISTEMA CAPITALISTA E AS EMPRESAS PÚBLICAS COMO


ATUAÇÃO EXCEPCIONAL DO ESTADO

Grosso modo, é possível definir o capitalismo como um sistema


econômico e social, cujo principal objetivo é o lucro e a acumulação
de riquezas, através dos meios de produção. É o sistema de gestão
político‑ideológico mais adotado no mundo porque respeita a propriedade
privada dos bens e dos meios de produção. Vale repetir, no sistema capitalista
os meios de produção e de distribuição dos bens são de propriedade privada,
e o capital e o trabalho são fundamentais para o desenvolvimento das
pessoas e seus empreendimentos. Isto equivale a dizer que a produção de
riquezas ainda depende da qualidade e do comprometimento do trabalho
humano.
Algumas atividades são indispensáveis para a paz e harmonia social,
para a qualidade de vida e, inclusive, para a segurança e soberania das nações.
Amado (UNIJORGE), em Salvador, Bahia. Professora na pós-graduação do Curso de
Direito da Universidade Salvador (UNIFACS – Laureate International Universities),
em Salvador Bahia, BR. E-mails: v-monica@uol.com.br e vera@lgg.adv.br.
Compliance em perspectiva | 11

Essas atividades, em regra, eram ou ainda são exploradas pelo Estado. É


possível indicar brevemente as mais importantes, quais sejam: fornecimento
de água, energia, comunicação social, educação, saúde e bancos. Estes
se destacam pela maior rentabilidade e também pelo modelo jurídico de
economia mista. Evidente que não se defende a exploração exclusiva por
parte do Estado, mas assegurar ao destinatário desses serviços a mínima
concorrência entre o capital privado e a participação de controles a serem
exercidos pelo Poder Público.
Importa contextualizar as razões da existência e o conceito de empresa
pública na lição de Cavalcanti (1973):

O processo de criação de empresas estatais mais de natureza jurídica de


direito privado já vem de longe. Pode-se dizer que foi uma manifestação
não digo do Estado intervencionista, mas do Estado se apresentando no
setor da vida industrial ou comercial, competindo com a livre iniciativa.
Para isso, foi necessário que a estrutura das entidades assim criadas
se desintegrasse da estrutura do Estado para se incorporarem a um
regime jurídico próprio às empresas privadas, mais flexível, obedecendo
a preceitos da legislação privada.

Os motivos que justificaram a criação das empresas públicas e


participação de capital privado na composição de seu patrimônio, devido à
escassez dos recursos públicos, ainda subsistem, porém essas empresas se
transformaram em meios para desvios de recursos, destino de empregados
tecnicamente despreparados, indicados por políticos e seus partidos,
prática recorrente de nepotismo, ou seja, um campo fértil para a gestão
desqualificada e a corrupção.
A empresa pública encontra seu fundamento mais importante no
artigo 173 da Constituição Federal que assim dispõe:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição,  a


exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será
permitida quando necessária aos imperativos da segurança
nacional ou a relevante interesse coletivo , conforme definidos em
lei. (BRASIL, 1988. Grifou-se).

Com efeito, o insucesso das empresas públicas brasileiras se deve,


sobretudo, à má gestão e à corrupção, tal como é notório nos casos
paradigmáticos dos Correios e Petrobras.
Dessa forma, o modelo de governança adotado pelas empresas públicas
brasileiras se afastou dos mecanismos de controle interno e externo.
12 | Cleonice Lima & Vera Talavera

Diretrizes e normas para gerir as relações internas e externas


devem orientar qualquer sociedade. Entre essas diretrizes, destacam-se
transparência, responsabilidade e prestação de contas. Os responsáveis por
zelar pelos valores e boas práticas corporativas devem colocar os interesses
da empresa acima de qualquer interesse pessoal ou político.
Na verdade, a sobrevivência da empresa, seja ela pública, seja ela privada,
depende da conduta de toda a cadeia de indivíduos com ela envolvidos,
atribuindo-se a todos os deveres e obrigações como gestores e sócios.
Os sócios de uma empresa pública não são simples observadores de suas
atividades, confiando nas decisões que são tomadas pelos administradores,
supondo que agem no interesse da sociedade.

2 O COMPLIANCE COMO INSTRUMENTO PARA O CONTROLE DA


LEGALIDADE ESTRITA E RESPONSABILIZAÇÃO DOS DESVIOS DE
CONDUTA NA EMPRESA PÚBLICA

Necessário lembrar a definição do instituto quando se defende sua


implantação nas empresas públicas brasileiras.

Comply, em inglês, significa “agir em sintonia com as regras”, o que


já explica um pouquinho do termo. Compliance, em termos didáticos,
significa estar absolutamente em linha com normas, controles internos e
externos, além de todas as políticas e diretrizes estabelecidas para o seu
negócio. É a atividade de assegurar que a empresa está cumprindo à risca
todas as imposições dos órgãos de regulamentação, dentro de todos os
padrões exigidos de seu segmento. E isso vale para as esferas trabalhista,
fiscal, contábil, financeira, ambiental, jurídica, previdenciária, ética, etc.
(SOFTWARE AVALIAÇÃO).

Como se vê pela definição do termo, adotar o compliance numa empresa


pública equivale a observar a Constituição e as normas infraconstitucionais
– normas gerais e normas internas –, de modo que evitem a manipulação
política e corrupção.
Contudo, em tese, parece que a adoção de práticas de compliance nas
empresas públicas brasileiras confrontam com interesses e práticas não
republicanos, de forma que a privatização soa como única saída para elas,
colocando em mãos do particular e do capital estrangeiro áreas estratégicas
para o Estado e sua defesa.
Vale lembrar a opinião da Associação Brasileira de Bancos
Internacionais (ABBI) e da Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN)
Compliance em perspectiva | 13

sobre a função do compliance e talvez se possa compreender sua ausência


nas empresas públicas no Estado brasileiro.

Para que a “Função de Compliance” seja eficaz, é necessário o


comprometimento da Alta Administração e que esta faça parte da
cultura organizacional, contando com o comprometimento de todos
os funcionários. Todos são responsáveis por compliance. Um programa
de compliance eficaz pode não ser o suficiente para tonar uma empresa
à prova de crises, mas certamente aprimorará o sistema de controles
internos e permitirá uma gestão de riscos mais eficiente. (ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE BANCOS INTERNACIONAIS, 2009)

Partindo da hipótese de que as empresas públicas que desenvolvem


atividades e fornecem serviços da maior importância para o Estado
brasileiro e seus cidadãos são valiosas, importa mantê-las funcionando de
maneira eficiente e lucrativa em vez de privatizá-las.
Com mais razão se justifica a adoção de compliance nesse segmento a
partir da edição da Lei Anticorrupção Empresarial Brasileira, que entrou em
vigor em 29 de janeiro de 2014, que, expressamente, estabelece que empresas,
fundações e associações passarão a responder civil e administrativamente
sempre que a ação de um empregado ou representante causar prejuízos
ao patrimônio público, ou infringir princípios da administração pública
ou compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e inova quando
atribui responsabilidade objetiva pela lesão ao patrimônio da empresa, ou
seja, aplica sanções nela previstas aos envolvidos em atos de corrupção
independente de dolo ou culpa.
O Código Civil adotou como princípios a função social do contrato e
boa‑fé objetiva, evidenciando a necessidade de um comportamento humano
individual e socialmente compatível com a ética necessária à produção de
riqueza sem violação de princípios inarredáveis insculpidos no artigo 37 da
Constituição Federal.
Nessa senda, a adoção de compliance nas empresas públicas como
um pilar para sua sobrevivência encontra o ambiente adequado para ser
implantado e se consolidar como garantia de conduta proba.
Não se alegue a impossibilidade ou dificuldade de implantação de
compliance, porquanto o artigo 42 do Decreto nº 8.420, de 18 de março de
2015, é expresso em traçar as diretrizes facilitadoras.
De uma análise apurada deste artigo 42 é possível afirmar que se
trata de verdadeiro programa de compliance que poderá ser adotado pelas
empresas públicas do estado brasileiro.
Nesse diapasão o artigo 7º, da Lei nº 12.846, determina o quanto segue:
14 | Cleonice Lima & Vera Talavera

Art. 7º Serão levados em consideração na aplicação das sanções: [...]

VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de


integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a
aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa
jurídica [...]. (BRASIL, 2013).

Efetivamente, a Lei Anticorrupção estabelece a necessidade de as


empresas públicas adotarem a autorregulamentação para prevenir e
combater a corrupção que, em tese, justifica politicamente a privatização.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em síntese, o compliance já integra a legislação brasileira, e para


o Estado resta a necessária implantação de uma cultura de honestidade
e eficiência tão necessárias para a sobrevivência de um novo modelo de
gestão pública.
Sendo assim, a defesa das empresas públicas estratégicas se impõe
para garantir aos cidadãos serviços permanentes de qualidade e com preços
acessíveis às suas necessidades de consumo.

REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE BANCOS INTERNACIONAIS (ABBI).


Função de Compliance. 2009. Disponível em: <http://www.abbi.com.br/
download/funcaodecompliance_09.pdf>. acesso em: 30 ago. 2019.
BRASIL. Decreto n. 84250, de 18 de março de 2015. Regulamenta a Lei nº
12.846, de 1º de agosto de 2013, que dispõe sobre a responsabilização
administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a
administração pública, nacional ou estrangeira e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/
decreto/d8420.htm>. Acesso em: 30 ago. 2019.
CAVALCANTI, Themístocles. Empresas públicas e sociedades de
economia mista. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.
php/rcp/article/viewFile/59260/57700>. Acesso em: 22 ago. 2019.
DELGADO, José Augusto. O princípio da moralidade administrativa e
a Constituição Federal de 1988. Boletim de Direito Administrativo,
São Paulo, v. 8, n. 5, p. 298-309, maio de 1992. Disponível em: <http://
dspace/xmlui/bitstream/item/18161/geicIC_FRM_0000_pdf.
pdf ?sequence=1>. Acesso em: 21 mai. 2015.
Compliance em perspectiva | 15

ENDEAVOR BRASIL. Prevenindo com o compliance para não remediar


com o caixa. Endeavor Brasil. Disponível em: <https://endeavor.org.br/
pessoas/compliance/>. Acesso em: 24 set. 2019
HASSAN, Eduardo Amin Menezes. Associação dos Procuradores do
Município de Salvador em revista. Edição Especial Comemorativa 10
anos: organização Eduardo Amin Menezes Hassan e Tercio Roberto
Peixoto Souza – Salvador: Mente Aberta, 2018.
SOFTWARE AVALIAÇÃO. Compliance: ética e legalidade como vitrine da
sua empresa. Disponível em: <https://blog.softwareavaliacao.com.br/
compliance/>. Acesso em: 17 set. 2019.
2
COMPLIANCE COMO FERRAMENTA DE
REDUÇÃO DE PASSIVO TRABALHISTA
NAS EMPRESAS

Edson Ribeiro Saldanha Neto3


Álvaro Pereira Protásio da Silva Neto4

3
Advogado. Bacharel em Ciências Econômicas. Sócio do escritório Saldanha e Vilas
Advogados. Professor de direito constitucional da Faculdade 2 de Julho, da pós-
graduação do Cejas e Estácio, especialista em Direito Constitucional Aplicado pela
Faculdade Damásio, Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Baiana de Direito;
em Direito Civil pela Faculdade Baiana de Direito. Mestre em Direito, Governança e
Políticas Públicas pela Universidade Salvador.
4
Bacharel em Ciências da Computação, pós-graduado em Gerenciamento de Projetos
pela Faculdade Ruy Barbosa e pós-graduando em Compliance, Governança e Riscos
pela Faculdade Baiana de Direito. Certificado Privacy and Data Protection Essentials,
Information Security Foundation e ITIL Foundation in IT Service Management pela
EXIN. Certificado Lead Assessor SIG ISO 19600:2014 e ISO 37001:2106 – Compliance
e Antissuborno – pela ATSG. Membro do Instituto Brasileiro de Direito e Ética
Empresarial. Gerente de Compliance e de Tecnologia da Propeg Comunicação.
17
18 | Edson Saldanha Neto & Álvaro Silva Neto

Contemporaneamente, as relações de trabalho são caracterizadas por


um emaranhado de atos que revelam uma complexidade que permeia a
própria atividade laboral.
A necessidade de se estabelecer novos paradigmas na construção de
um ambiente laboral saudável requer que ações e procedimentos sejam
apresentados de forma clara para todos os atores sociais envolvidos nesta
relação.
Encontrar o equilíbrio adequado entre uma melhor produtividade
– e consequentemente uma melhor saúde financeira da empresa – e um
ambiente de trabalho digno e responsável passou a ser o objetivo maior
daqueles que pretendem construir uma sociedade mais justa.
Deste modo, a utilização do compliance como modo de se efetivar
condutas empresariais adequadas à legislação e comportamentos éticos se
tornou uma necessidade premente da nossa contemporaneidade.
Neste escopo, a aplicação do compliance à área trabalhista nada mais é do
que uma necessidade de adequação das relações de trabalho aos conteúdos
disciplinar e ético.
Este artigo tem como objetivo demonstrar como os programas de
integridade são capazes também de mitigar riscos na área trabalhista,
ajudando a minimizar o passivo das empresas, evidenciando a pertinência
dos principais instrumentos da engrenagem do compliance na prevenção das
demandas trabalhistas.

1 CONCEITO CONTEMPORÂNEO DE TRABALHO

Conceituar trabalho requer, antes de tudo, uma necessária abordagem


social, econômica e histórica que permita a compreensão acerca do papel
desta atividade.
Neste sentido, é preciso entender que nem sempre o trabalho humano
encontrou uma real definição por meio de expressões que traduzissem a
capacidade de revelar seu escopo econômico.
Independentemente da dinâmica conceitual que queira se atribuir ao
papel do trabalho na sociedade, esta atividade sempre foi responsável por
promover a riqueza das diversas nações nos diversos momentos históricos.
Deste modo, o esforço humano, mediante o trabalho, e a
sociedade construíram uma espécie de relação simbiótica marcada pela
interdependência de ambos.
Dessa forma, Aimoré Woleck (2002, p. 3) apresenta o trabalho humano
como um esforço cujo propósito maior é a transformação da natureza:
Compliance em perspectiva | 19

O trabalho não está, necessariamente, contido no ciclo repetitivo vital


da espécie. É por meio do trabalho que o homem cria coisas a partir do
que extrai da natureza, convertendo o mundo num espaço de objetos
partilhados. Diferencia-se, então, o labor do trabalho. O primeiro é um
processo de transformação da natureza para a satisfação das necessidades
vitais do homem. O segundo, é um processo de transformação da natureza
para responder àquilo que é um desejo do ser humano, emprestando-lhe
certa permanência e durabilidade histórica.

O trabalho precisa ser compreendido como um real esforço humano


que de alguma forma realiza transformações no ambiente social.
Assim, cada indivíduo atua na sociedade como elemento responsável
pela transformação do seu entorno por meio da prática desta atividade.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) – agência ligada
à Organização das Nações Unidas (ONU), cuja missão é promover as
oportunidades de trabalho decente para os indivíduos – conceitua o
trabalho como esforço com características de produtividade e qualidade
em condições de equidade, liberdade, segurança e dignidade humana, com
um propósito maior de desenvolvimento sustentável, governabilidade
democrática, redução de desigualdades sociais e superação da pobreza.
Logo, trabalhar, muito mais do que uma mera atividade, passou a ter
uma compreensão marcada pela capacidade de se manter apto a interagir e
reagir ao seu ambiente, tendo-se neste fenômeno um real fator de mudança.
O trabalho, que antes permitia a sobrevivência, diante das incertezas
constantemente apresentadas pelo ambiente hostil, tanto pela natureza
quanto por outros indivíduos da mesma espécie, encontrou na própria
dinâmica social um novo objetivo, que é a identificação do status social
através da atividade laboral.
A correlação entre as transformações econômicas e históricas com
aquela estabelecida entre estas e a atividade laboral exige uma compreensão
da dependência e entrelaçamento entre estas disciplinas que permanecem
numa espécie de diálogo constante.
O trabalho humano, que surgiu, sob esse aspecto, como atividade
necessária ao homem como meio de subsistência diante das adversidades
de um mundo hostil que lhe impunha uma capacidade de adequação
às intempéries e aos desafios diários para a manutenção da vida, toma
contornos diferentes à medida que a sociedade encontra modelos de
organização mais elaborados.
20 | Edson Saldanha Neto & Álvaro Silva Neto

A própria etimologia da palavra trabalho sempre foi objeto de discussão


quanto à sua definição com relação aos diversos termos utilizados como
sinônimos.
O sentido de aviltamento dado ao trabalho permaneceu durante um
longo período, conforme apresenta Guerreiro Ramos (2008, p. 1): “Todavia,
uma conjugação de fatores deu, em nosso tempo, uma alta categoria moral
ao trabalho emancipando-o, por assim dizer, do aviltamento em que
permaneceu na Antiguidade e na Idade Média”.
O entendimento da complexidade que envolve o confronto entre
a etimologia da palavra trabalho e seus sinônimos, conforme pode ser
observado no texto de Aimoré Woleck (2002, p. 3), deixa explícito
a diferenciação, que alguns doutrinadores tentam manter, entre as
terminologias labor e trabalho:

Na Antigüidade [sic], distinguia-se trabalho de labor. Essas palavras


têm etimologia diferente para designar o que hoje se considera a
mesma atividade. Ambas conservam seu sentido, a despeito de serem
repetidamente usadas como sinônimos. O trabalho, além do labor e
da ação, é um dos elementos da vida ativa. O labor é a atividade que
corresponde ao processo biológico do corpo humano. O trabalho é a
atividade correspondente ao artificialismo da existência humana. A ação
corresponde à condição humana. (ALBORNOZ: 1988, p. 23).

Apesar desta discussão acerca da diferenciação terminológica


apresentada entre labor e trabalho, há uma opção, neste texto, pela
manutenção dessas palavras como sinônimos.
É imperioso compreender que, para o ser humano, utilizando como
referencial histórico a Antiguidade, trabalhar, mais do que uma simples
atividade, consiste numa necessidade premente, enfrentada por cada um
dos indivíduos, pela incessante busca pela manutenção da interação e reação
com o seu entorno e, consequentemente, capaz de lhes permitir sobreviver
diante das incertezas constantemente apresentadas, tanto pela natureza e
sua improbabilidade de previsibilidade quanto pela sua própria dinâmica
que sempre permeou as relações sociais.
Partindo, deste ponto, para uma observação sob o enfoque econômico,
o trabalho passa a ter um papel de suma importância no desenvolvimento
das relações sociais.
A economia encontrou na evolução das relações de trabalho humano
um grande catalisador de mutação capaz de transformá-la a cada mudança
socioeconômica, própria da dinâmica das relações travadas entre o homem,
sofrida pelo mundo.
Compliance em perspectiva | 21

Nesse sentido, apresenta George Borjas (2009, p. 3):

Os tipos de trocas econômicas entre trabalhadores e empresas são


limitados pelo conjunto de regras fundamentais que o governo impõe
para regulamentar as transações no mercado de trabalho. As mudanças
nessas regras e regulamentos levariam a resultados diferentes. Por
exemplo, a lei que rege o salário mínimo proíbe as trocas que pagam
menos que uma quantia específica por hora trabalhada; os regulamentos
de segurança ocupacional impedem que as empresas ofereçam condições
de trabalho insalubres para os trabalhadores. As negociações acordadas
entre os trabalhadores e as empresas determinam os tipos de emprego,
as qualificações dos trabalhadores, a rotatividade da mão de obra, a
estrutura do desemprego e a distribuição de ganhos. Dessa forma, a
História nos proporciona teoria, estrutura para o entendimento, análise
e previsão de uma série de resultados do mercado de trabalho.

Deste modo, é imperioso observar que a dinâmica social impõe novas


compreensões sobre as relações laborais que sofrem, invariavelmente, a
ação do modo de vida implementado naquele momento.

2 UMA ABORDAGEM HISTÓRICA DO COMPLIANCE

Compliance pode ser definido como estar de acordo com a legislação


e condutas éticas e morais de uma sociedade, aliado às melhores práticas
de governança empresarial, visando a uma atuação de forma íntegra e
transparente.
A história do compliance pode parecer atual, mas teve seu início em
1913, quando o Federal Reserve System – FED, sistema de bancos
centrais dos Estados Unidos, editou e publicou normas sobre atuação no
sistema financeiro. Posteriormente, em 1960, houve a exigência da Securities
and Exchange Commission (Comissão de Valores Mobiliários dos Estados
Unidos) – SEC – da contratação de compliance officers dedicados à garantia
da realização de procedimentos em conformidade com a legislação e as
diretrizes internas.
Em 1977, ainda nos Estados Unidos, visando a criminalizar a prática
de suborno por companhias norte-americanas ou seus representantes a
oficiais públicos estrangeiros, foi promulgada a conhecida FCPA – Foreign
Corruption Practices Act (Lei de Práticas de Corrupção no Exterior) –, que
é considerada um importante marco no combate à corrupção mundialmente.
Em seguida, motivado por uma série de escândalos financeiros e casos
de fraudes envolvendo grandes empresas norte-americanas durante os
anos 1990, o Congresso aprovou, em 2002, o Sarbanes-Oxley Act (SOX),
22 | Edson Saldanha Neto & Álvaro Silva Neto

que tem como principal objetivo aprimorar a governança corporativa e a


prestação de contas como informações sobre receitas, despesas, balanço
patrimonial e total de ativos e passivos.
Em 2010, a Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico – OCDE – emitiu o Guia de Boas Práticas,
incentivando as empresas a promoverem um sistema abrangente de ética
e uma cultura de integridade. Após a inclusão da pauta na OCDE pelos
norte-americanos, outros países, principalmente na Europa, aprovaram
legislações de combate à corrupção, sendo a mais conhecida delas o UK
Bribery Act (Lei de Antissuborno do Reino Unido – 2010).
No Brasil, após o escândalo de corrupção no Governo Federal (no caso
mensalão de 2003) e forte clamor social, o Congresso Nacional aprovou a
Lei n. 12.846/2013, que no mesmo espírito do “FCPA” e do “UK Bribery
Act” estabelece mecanismos para tentar prevenir e reprimir a prática de
atos de corrupção por empresas brasileiras.

3 ESTRUTURA DO COMPLIANCE

Dentro deste cenário, tomando como ponto de referência a faceta


preventiva do compliance, pode-se afirmar que o estabelecimento dos
programas de integridade junto com o seu arcabouço jurídico e dogmático
vem, em bom momento, ajudar não só as empresas a atuarem de forma
íntegra, mas também transforma culturalmente toda a sociedade brasileira
no combate às práticas de corrupção, e evitando assim seus efeitos nefastos.
Cabe destacar que, antes de qualquer medida ser tomada para a
implantação de um programa de integridade, é condição fundamental
para o sucesso e efetividade o apoio irrestrito da alta administração da
organização. É o conhecido “tone from the top”, ou seja, o tom da liderança.
Sem esse apoio, todo o sistema estará fadado a fracassar.
Após o inequívoco apoio da alta administração, faz-se necessária
uma profunda imersão no modelo de negócio da organização, bem como
entender a cultura já sedimentada entre os colaboradores, visando a mapear
com precisão os riscos aos quais os negócios estão sujeitos e de que forma
eles podem ser mitigados, eliminados ou transferidos para um terceiro. Por
exemplo, empresas que trabalham com significativa utilização de mão de
obra, a exemplo da construção civil, deverão se preocupar muito mais com
os riscos referentes a acidentes de trabalho, insalubridades e periculosidades
do que um escritório de contabilidade.
Antes de adentrar nas vicissitudes do compliance nas relações
trabalhistas, vale discorrer sobre os institutos que configuram um programa
Compliance em perspectiva | 23

de integridade em sua essência. Tais institutos são mais conhecidos pelo


nome de “pilares do programa de compliance”, que consistem em três:
prevenção, detecção e resposta.
Na prevenção, os mecanismos fazem com que uma sociedade empresária
não seja surpreendida por fatores de riscos (internos e externos) que
possam comprometer sua perenidade ou sua reputação. Como exemplo de
ferramentas de detecção tem-se o estabelecimento de código de conduta,
políticas, procedimentos, treinamentos para que os funcionários possam
internalizar os princípios e valores que nortearão a conduta profissional
desejada pela organização.
No pilar detecção são estabelecidos os mecanismos que ajudam
a encontrar o desvio dentro da rotina empresarial, implementação de
procedimentos específicos, canal de denúncia, e investigações e auditorias
internas e externas são os instrumentos básicos que ajudam a detectar
vícios e condutas indesejadas que podem pôr em risco a saúde e a reputação
da empresa.
Por fim, tem-se o pilar resposta, o qual deve ser implementado e colocado
em prática através de estabelecimento de sanções e correções das condutas
indesejadas, retreinamentos, advertência, suspensão, acompanhamento
de casos, informativos acerca das consequências em caso de reincidência,
podendo até mesmo levar ao desligamento do colaborador.
A conjugação e aplicação bem-sucedida desses três pilares básicos
de um programa de integridade podem criar um ambiente de confiança,
transparência, e ainda aumento da produtividade e rendimento da equipe,
impulsionados pela crença de que a empresa atua de forma transparente,
séria, íntegra e comprometida não apenas com seu lucro, mas também com
o bem-estar dos seus colaboradores e da sociedade.

4 COMPLIANCE TRABALHISTA NAS ORGANIZAÇÕES

É bem verdade que o compliance ganhou notoriedade principalmente


após sucessivos escândalos de corrupção que assolaram o país, em especial
em 2013, após constantes e calorosos movimentos populares, quando foi
promulgada a Lei 12.846, conhecida como Lei Anticorrupção Brasileira ou
Lei da Empresa, e também após o início da maior e mais longa operação de
combate à corrupção da Polícia Federal, a Operação Lava Jato.
Um estudo realizado pela Câmara Americana de Comércio
(AMCHAM) – com 130 executivos de diversas empresas – identificou que
59% investiram em compliance impulsionados pela Operação Lava Jato para
minimizar fraudes em suas corporações.
24 | Edson Saldanha Neto & Álvaro Silva Neto

Ocorre que os benefícios de um programa de compliance efetivo


não se restringem somente à mitigação de riscos referentes a fraudes e
corrupção. Além de gerar valor agregado às empresas que possuem o
programa funcionando, é ainda possível reduzir significativamente o
passivo trabalhista das empresas, que atualmente é um dos grandes vilões
das organizações.
De acordo com o Tribunal Superior do Trabalho, em 2018, mesmo
com a significativa diminuição no volume de novas ações (redução de cerca
de 46%) devido às alterações introduzidas na CLT decorrentes da Reforma
Trabalhista (Lei 13.467/2017), mais de 56 mil ações envolvendo assédio
moral foram ajuizadas na Justiça do Trabalho e este número poderia ter
sido maior, visto que muitas pessoas têm receio de denunciar práticas
abusivas e sofrerem algum tipo de retaliação.

4.1 COMPLIANCE PARA CONHECER PREVIAMENTE SEU


EMPREGADO E/OU PRESTADOR DE SERVIÇO

Uma importante atividade de um programa de compliance buscando


atuação de forma mitigadora de riscos é a realização do processo de due
diligence. Esse processo busca a obtenção de informações prévias sobre
determinadas pessoas físicas ou jurídicas com as quais a organização
pretende realizar algum negócio. Sob a égide do compliance trabalhista, é
importantíssimo que a empresa realize esse procedimento, a fim de conhecer
melhor o candidato que fará parte de sua equipe.
Durante essa checagem são analisadas informações coletadas por
meio de diversas bases de dados públicas ou privadas, referentes a aspectos
financeiros, de reputação e jurídicos que ajudam ao departamento de
recursos humanos na tomada de decisão no momento da contratação e que
podem evitar ou minimizar as chances de um possível problema trabalhista.
É importante ressalvar que essas diligências devem observar os limites do
poder de direção dos empregadores, bem como os direitos fundamentais do
trabalhador, como dignidade da pessoa humana, privacidade, presunção de
inocência etc.
Ademais, devem ser observados precedentes do TST sobre o tema,
a exemplo do que foi definido no INCIDENTE DE RECURSO DE
REVISTA REPETITIVO. TEMA Nº 0001, no qual foram firmadas as
seguintes teses:
Compliance em perspectiva | 25

1. Não é legítima e caracteriza lesão moral a exigência de Certidão


de Antecedentes Criminais de candidato a emprego quando traduzir
tratamento discriminatório ou não se justificar em razão de previsão em
lei, da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido.

2. A exigência de Certidão de Antecedentes Criminais de candidato a


emprego é legítima e não caracteriza lesão moral quando amparada
em expressa previsão legal ou justificar-se em razão da natureza do
ofício ou do grau especial de fidúcia exigido, a exemplo de empregados
domésticos, cuidadores de menores, idosos ou deficientes (em creches,
asilos ou instituições afins), motoristas rodoviários de carga, empregados
que laboram no setor da agroindústria no manejo de ferramentas de
trabalho perfurocortantes, bancários e afins, trabalhadores que atuam
com substâncias tóxicas, entorpecentes e armas, trabalhadores que
atuam com informações sigilosas.

3. A exigência de Certidão de Antecedentes Criminais, quando ausente


alguma das justificativas supra, caracteriza dano moral in re ipsa, passível
de indenização, independentemente de o candidato ao emprego ter ou
não sido admitido.

A abrangência dos programas de integridade, conforme já explanado


anteriormente, não se limita apenas às relações com os empregados da
empresa, englobando também outras partes interessadas na relação
organizacional, a exemplo dos prestadores de serviços. Neste caso, deve-se
atentar que a due diligence precisa ser realizada em relação à empresa a ser
contratada, e não aos empregados dela, sob risco de ter reconhecido vínculo
direto do empregado terceirizado com a tomadora do serviço.
Logo, percebe-se que os programas de integridade devem se preocupar
também com a fiscalização desses prestadores, buscando assegurar o
respeito à legislação trabalhista deste terceiro e não ser responsabilizado
juridicamente. Desta forma, é necessário o monitoramento constante, bem
como due dillegences aprofundadas, exigência periódica de comprovantes
de pagamentos de verbas trabalhistas durante à execução do contrato, em
vistas a garantir que a legislação trabalhista vem sendo cumprida por todos
os stakeholders da organização.

4.2 NORMAS, POLÍTICAS E PROCEDIMENTOS

As normas políticas e procedimentos são importantes ferramentas


para um programa de integridade e consequentemente para a mitigação
de passivo trabalhista, pois devem exprimir as condutas que a organização
espera de seu colaborador, bem como a conformidade com a legislação.
26 | Edson Saldanha Neto & Álvaro Silva Neto

O código de ética e conduta empresarial, documento principal do


arcabouço de integridade, além de refletir valores éticos e culturais da
organização de forma clara e inequívoca, deve também definir as regras de
comportamento que devem ser seguidas por todos indiscriminadamente.
Cada empregado deve receber o seu código e se comprometer a cumpri-lo,
além de ser responsável por comunicar qualquer violação que presencie ou
de que tenha ciência.
Regras, normas, políticas e procedimentos bem estruturados ajudam
a mitigar o passivo trabalhista, visto que os colaboradores passam a pautar
suas atividades dentro de um padrão predefinido pela organização e, por
conseguinte, em conformidade com a CLT.

4.3 TREINAMENTOS

Diante da estrutura normativa de um programa de integridade,


é de vital importância a realização de treinamentos regulares com os
empregados e partes interessadas da organização, a fim de consolidar o
entendimento e dirimir possíveis dúvidas de interpretação acerca do
conteúdo, aplicabilidade e abrangência do dele.
Palestras sobre respeito ao próximo, diversidade, bullying, liberdade
de culto, assédio moral e sexual devem ser temas constantes do plano de
treinamento do programa de integridade, uma vez que a organização pode
figurar no polo passivo de uma lide trabalhista, em virtude da prática de
tais condutas por seus colaboradores. Treinamentos sobre utilização e
manuseio de equipamentos ou EPIs também são de vital importância para
a educação dos empregados e redução do número de incidentes e eventuais
demandas judiciais.
Com isso, percebe-se a importância de treinamentos constantes
visando à redução de eventual passivo trabalhista.

4.4 CANAL DE DENÚNCIAS

Outra ferramenta importante em um programa de integridade é o canal


de denúncias, instrumento utilizado pelos empregados, fornecedores ou
terceiros para auxiliar a fiscalização sobre violações ou possíveis violações
à lei ou às normas da organização.
Para maior eficácia do supracitado canal, é recomendado que ele seja
terceirizado, independente, auditável e que possibilite ao denunciante
Compliance em perspectiva | 27

realizar a denúncia de forma anônima, caso queira, pois assim transmitirá


confiança e credibilidade a todos na organização.
Insta ressaltar que o canal também pode ajudar na detecção de
oportunidades de melhorias na organização, uma vez que o empregado
pode relatar um problema antes dele ocorrer de fato. Neste sentido, o
canal de denúncias torna‑se a ultima ratio antes da judicialização e auxilia
a organização a resolver possível demanda trabalhista em sua própria
estrutura, de forma extrajudicial, mediante a atuação dos comitês de ética
que são formados por gestores da empresa e possuem como principal
atribuição a apuração e aplicação de penalidades aos desvios relatados no
canal. A criação dessa “instância” pré‑processual importa em solução prévia
de conflitos, evitando a acumulação de passivo e posterior demanda, mas
sempre observando a horizontalidade dos direitos fundamentais, ensejando
o contraditório e a ampla defesa ao denunciado.

4.5 AUDITORIA INTERNA

As auditorias internas do programa de integridade devem abarcar


toda e qualquer violação às normas, políticas e procedimentos da
organização, bem como a legislação vigente. Tendo em vista o foco
trabalhista deste artigo, cabe ressaltar que a auditoria interna regular pode
ser uma importante ferramenta na identificação de fraudes, contratações ou
pagamentos trabalhistas equivocados.
Checagem periódica nas documentações tanto dos empregados
como dos prestadores de serviço deve ser uma prática adotada visando à
redução da litigiosidade entre empresa e empregados, como também junto
a terceiros.
Verificação do controle de jornada, do cumprimento de convenções
coletivas, cumprimento de cotas de PNE, revisão de contratos e registros
dos trabalhadores, recolhimentos de FGTS, uso dos EPIs são outros
redflags importantes da atuação do compliance na área trabalhista.
 
4.6 MONITORAMENTO, AVALIAÇÃO, RETROALIMENTAÇÃO E
MELHORIA CONTÍNUA

Em decorrência do monitoramento constante, detectam-se problemas,


falhas, lacunas que podem ser transformados em oportunidades de
melhorias no programa de integridade principalmente advindas do canal
28 | Edson Saldanha Neto & Álvaro Silva Neto

de denúncias. A partir disto, o programa deve ser constantemente avaliado


e retroalimentado com as lições aprendidas em busca de melhoria contínua.
Ações corretivas implementadas e aliadas à forte programa de
treinamentos ajudam a propugnar a cultura da ética, integridade e
transparência, e consequentemente refletem nas relações interpessoais dos
empregados, gerando assim um ambiente mais justo, honesto, leal, igual,
próspero para todos e menos litigioso, refletindo diretamente no passivo
trabalhista e na saúde da organização.
 
5 CONCLUSÃO

Após tudo que apresentado, constata-se que um programa de


integridade deve ser capaz de prevenir também não conformidades na
seara trabalhista, pois criará um clima organizacional mais ético, integro,
transparente e produtivo para seus colaboradores, mitigando demandas
judiciais especialmente na área trabalhista, a exemplo do assédio moral,
além de fortalecer a gestão empresarial por meio de indicadores de
conformidade, reduzindo custos com pagamentos de verbas trabalhistas
equivocados e riscos de não estar em conformidade com a legislação vigente.
Por fim, conclui-se que os instrumentos do programa de integridade
são importantes ferramentas na prevenção/redução do passivo trabalhista
das organizações, contudo, ainda assim não impedem a ocorrência delas,
devendo a empresa estar sempre vigilante e atuando de forma proativa nos
treinamentos internos, buscando o processo da promoção e consolidação da
cultura ética na organização.
 

REFERÊNCIAS

AMCHAM. Lava jato e Lei Anticorrupção impulsionaram compliance


em 60% das empresas, aponta pesquisa AMCHAM. Disponível
em: <https://www.amcham.com.br/noticias/competitividade/lava-jato-e-lei-
anticorrupcao-acelerou-compliance-em-60-das-empresas-aponta-pesquisa-
amcham-3525.html>. Acesso em: 26 ago. 2019.
BORJAS, George. Economia do Trabalho. São Paulo: AMGH Editora,
2009
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho 16. ed. São
Paulo: LTr, 2017.
RAMOS, Alberto Guerreiro. Uma introdução ao histórico da organização
racional do trabalho. Brasília: Conselho Federal de Administração, 2008.
Compliance em perspectiva | 29

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Primeiro ano de Reforma


Trabalhista: efeitos. Disponível em: <http://tst.jus.br/noticia-destaque/-/
asset_publisher/NGo1/content/primeiro-ano-da-reforma-trabalhista-
efeitos?inheritRedirect=false>. Acesso em: 1º set. 2019
__________. TST lança cartilha e vídeos sobre assédio moral. Disponível em:
<http://www.tst.jus.br/noticia-destaque/-/asset_publisher/NGo1/content/tst-
lanca-cartilha-e-videos-sobre-assedio-moral?inheritRedirect=false.>. Acesso em:
1º set. 2019
WOLECK, Aimoré. O trabalho, a ocupação e o emprego: uma perspectiva
histórica. Revista Leonardo Pós-Instituto Catarinense de Pós-
Graduação, v. 1, 2002.
3
A IMPORTÂNCIA DO COMPLIANCE NA
GOVERNANÇA DAS INSTITUIÇÕES DE
ENSINO SUPERIOR PRIVADAS
Fábio S. Santos5
Luzia Samantha Silva Vicente6
Josenaldo Luiz da Silva Lima 7
5
Doutorando em Direito Público pela UFBA. Mestre e doutorando pela Universidade
Salvador (UNIFACS) e bolsista CAPES. Bacharel em Direito pela UESC. Especialista
em Direito Público e em Docência do Ensino Superior. Membro do Grupo de
Pesquisa em Análise Econômica do Direito (UFBA), Grupo de Pesquisa em Educação
e Desenvolvimento e Grupo de Pesquisa em Cidades, Urbanismo e Urbanidades,
pesquisador do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. Líder do Grupo de Pesquisa
em Direitos Humanos, Violência e Minorias Invisíveis (UNIRUY). Professor dos
cursos de graduação e pós-graduação de Direito, Metodologia Científica e Pesquisa
Jurídica do Centro Universitário Ruy Barbosa (UNIRUY Wyden Educacional), da
Faculdade Nobre de Feira de Santana (FAN), da Unidade de Ensino Superior de Feira
de Santana (UNEF), da Universidade Católica do Salvador (UCSAL) e da Faculdade
de Tecnologia e Ciências – FTC. E-mail: fabiosantosdireito@gmail.com.
6
Advogada e professora de Direito. Especialista em Psicopedagogia pela Universidade
Católica do Salvador (UCSal).
7
Mestre em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica do Salvador (UC-
Sal) Especialista em Gestão Estratégia de Pessoas pela Faculdade de Administração e
Negócios de Sergipe (FANESE).
31
32 | Fábio Santos, Luzia Vicente & Josenaldo Lima

Compliance é um termo da língua inglesa que significa “o ato de


obedecer a uma ordem, regra ou pedido”.8
No âmbito corporativo e institucional, o compliance adquire uma
significação mais ampla, no sentido de ser:

[...] compreendido como um conjunto de disciplinas ou procedimentos


destinados a fazer cumprir as normas legais e regulamentares, bem
como as políticas e as diretrizes institucionais, além de detectar, evitar e
tratar qualquer desvio ou inconformidade que possa ocorrer dentro da
organização. (SILVA e COVAC, 2015, p. 3).

A origem do compliance no Brasil deu-se inicialmente a partir do


mercado financeiro. Neste sentido, já em 1998 o Banco Central do Brasil
(BACEN), por exemplo, determinou às instituições financeiras e demais
instituições por ele autorizadas a funcionar que adotassem sistema de
controles internos voltados para as atividades por elas desenvolvidas.
Essa resolução foi seguidamente modificada até chegar à sua versão
atualmente vigente, sob nº 4.595-2017, que: “Dispõe sobre a política
de conformidade (compliance) das instituições financeiras e demais
instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil”.
Ainda em 1998, o Congresso Nacional sanciona a Lei nº 9.613, “que
dispõe sobre crimes de lavagem e/ou ocultação de bens, prevenção da
utilização do sistema financeiro nacional, para atos ilícitos previstos na
referida lei e criação do conselho de controle de Atividades (COAF)”.
Havia o interesse do Estado brasileiro em manter a ordem econômica
e política do sistema financeiro, aliado à promoção de políticas de combate
à corrupção contra a administração pública.
Mesmo antes de 1998, o Estado brasileiro já buscava preservar seus
interesses e algumas leis foram sancionadas com o objetivo de impor
responsabilização às pessoas jurídicas envolvidas em corrupção e suborno.
Como exemplos podemos citar a Lei nº 6.385/76, que regulou o mercado
de valores mobiliários; a Lei 8.666/93, que regulou as licitações, e a Lei
nº 8.884/91, que transformou o Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (CADE) em Autarquia e dispõe sobre a prevenção e a repressão
às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências.
Foi um percurso longo, e, finalmente, em 2013, foi publicada a Lei
nº 12.846, conhecida como Lei Anticorrupção. Esta lei dispõe sobre a

8
“The act of obeying an order, rule, or request”. Disponível em: <https://dictionary.
cambridge.org/pt/dicionario/ingles/compliance>. Acesso em: 20 set. 2019.
Compliance em perspectiva | 33

responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas que cometam


ato ilícito contra a administração pública nacional ou estrangeira.
A lei refletiu em todos os setores economicamente regulados pelo
Estado e alcançou o setor educacional. Lembrando que o setor educacional
é bastante regulado, do que falaremos com mais rigor no próximo tópico.
Não há na lei nenhuma determinação expressa de que deve ser
implantado o programa, há, em verdade, uma mitigação dos atos ilícitos
cometidos pela pessoa jurídica contra a administração pública se for o
programa implantado.
Isso não quer dizer que não seja importante implantar o programa de
compliance, pelo contrário, diante das exigências do mercado, adequar as
normas e as condutas a um critério rígido ajuda a evitar riscos e problemas
administrativos.
Para Candeloro et al. (2012), a definição de compliance está incompleta
e ele acrescenta:

Não pode ser entendido como mero ato descumprimento de


regulamentos por parte do agente, mas como verdadeira linha mestra de
orientação da gestão da sociedade empresária. Seu alcance deve ter esse
viés mais amplo, delimitando-se contornos que permitem a identificação
de um compliance em sentido moderno, atrelado naturalmente à ideia de
contenção de riscos e segurança jurídica.

Ao fortalecer o sistema de controles internos e externos da instituição,


os riscos de acordo com sua complexidade são mitigados. São também
controlados a difusão da cultura e o cumprimento das leis e regulamentos
internos e externos das instituições.
Quando tratamos dos regulamentos internos e externos, encontramos
a auditoria interna como instituto importante da governança da empresa.
Segundo Porta (2011), a auditoria interna e o compliance se diferenciam,
visto que, enquanto o compliance regulamenta todo processo do organismo
empresarial (normas, regulamentos, diretrizes educacionais e etc.),
a auditoria interna tem a função de confirmar, por meio de testes, o
cumprimento dessa regulamentação.
Podemos dizer que a auditoria interna certifica se o programa de
compliance foi implementado corretamente, seguindo todos os critérios
estabelecidos na norma de referência.
Ao adotar o programa de compliance na empresa, a pessoa jurídica cuida
de proteger sua organização. Afinal, seus atos são regulados e fiscalizados
pelo Estado, que dispõe do poder de intervir na atividade econômica
34 | Fábio Santos, Luzia Vicente & Josenaldo Lima

quando há lei que incentiva, regula e planeja; e pelos consumidores que


estão dispostos a rescindir contratos ou deixar de consumir (produtos ou
serviços) de empresas envolvidas em atos escusos (SILVA E COVAC, 2015).
Percebemos a busca pela ética empresarial que deve estar entre os
objetos principais de uma empresa íntegra. Ter ética profissional é fator
preponderante para o desenvolvimento e crescimento de uma organização
na atualidade.
Silva e Covac (2015, p. 7) também comungam da mesma opinião e
destacam que:

Nesse cenário, a ética se destaca como insumo determinante no


desenvolvimento e no crescimento de empresas e organizações, tornando-
se um selo de combate e dilemas morais no ambiente corporativo. Em
sua função de compliance, a conduta ética constitui uma verdadeira mais-
valia das empresas no intricado universo corporativo, uma vez que
resguarda a integridade das instituições, garantindo decisões cada vez
mais perenes e aceitáveis.

Fica clara a necessidade da empresa ou da organização governar


obedecendo a padrões éticos de excelência, uma vez que a ética é o valor
mais precioso dentro das premissas intangíveis de uma empresa.
Portanto, quando uma empresa se alinha ao programa de compliance,
ela assegura que as normas serão cumpridas e, ao seguir o padrão ético
exigido pelo mercado, assegura boa relação com os clientes e com os
colaboradores. A disseminação das informações e a transparência dos atos
de governança contribuem de forma direta para evitar atos fraudulentos ou
outras inconformidades. Assim, entende-se que o programa de compliance
é de suma importância nas empresas e organizações empresariais,
independentemente de ser pequena, média ou grande, privada ou pública.
Vale ressaltar, ainda, que o compliance é o instrumento valoroso para as IES,
pois sendo setor regulado e fiscalizado, faz-se valoroso ter implantado o
programa.

1 REGULAÇÃO LEGAL E CARACTERÍSTICAS PREPONDERANTES


DO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL

O assim denominado Sistema de Ensino Superior Brasileiro (SESB),


estritamente, compreende um “agregado de entidades formais, públicas e
privadas (universidades, centros universitários, instituições isoladas) junto
ao aparato do Ministério da Educação” (SAMPAIO, 2011, p. 28).
Compliance em perspectiva | 35

Assim entendido, esse sistema está organizado sob duas formas


principais: setor público e gratuito, com instituições mantidas pelas três
esferas do poder nacional (federal, estadual e municipal), nos seus respectivos
âmbitos; e o “setor constituído por estabelecimentos de natureza jurídica
privada – laicos e confessionais – subordinados a uma legislação federal,
condição que lhe assegura uma unidade formal” (SAMPAIO, 2011, p. 28).
Não obstante, a mera categorização do SESB em público ou privado
é insuficiente para compreender quão complexos e heterogêneos são esses
setores quando observados per se.
Nesse sentido, a complexidade compreende, por exemplo, uma extensa
legislação de regência, cuja norma ápice está no texto constitucional,9
escoltado por uma miríade de normas extravagantes,10 vocacionadas a
regular estritamente praticamente tudo que diz respeito ao credenciamento
ou descredenciamento das instituições de ensino superior (IES), bem como
a oferta ou encerramento da oferta dos cursos nelas disponibilizados, entre
outros aspectos.
A heterogeneidade, por sua vez, pode ser identificada na diversidade
interna de cada uma das categorias administrativas. O sistema público
compreende instituições federais, estaduais e municipais, bem como
estabelecimentos universitários e não universitários, por exemplo.
Já as instituições privadas de ensino superior são constituídas por
estabelecimentos laicos, confessionais, comunitárias, mercantis ou de caráter
non-profit (filantrópico), entre outros aspectos. Todas essas instituições têm
características institucionais, regionais e vocacionais peculiares, malgrado
ostentem o mesmo rótulo de IES.
Está aí apresentada o que seria a espinha dorsal da legislação de
regência do ensino superior brasileiro, cuja observância é obrigatória para
as instituições públicas e privadas, indistintamente. No entanto, há ainda
uma infinidade de outras leis, decretos, resoluções, portarias etc.11 que
regulam o funcionamento das IES e a oferta de cursos superiores.

9 Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB): TÍTULO VIII, CAPÍTULO


III, Seção I.
10
Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 9.394-1996), Lei do Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Superior (Lei n. 10.861-2004), Lei do Programa Universidade
para Todos (Lei n. 11.096‑2005), decreto que dispõe sobre o exercício das funções
de regulação, supervisão e avaliação das instituições de educação superior e cursos
superiores de graduação e de pós-graduação (Decreto n. 9.235-2017) etc.
11
No portal do Ministério da Educação há um link denominado “Legislação e Normas”
sobre o ensino superior no Brasil. A pesquisa pode ser feita por: Tipo de Norma,
Assunto, Ano, Palavra-chave e Busca. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/
36 | Fábio Santos, Luzia Vicente & Josenaldo Lima

Essa regulação se dá por meio dos denominados atos autorizativos


(artigo 10, § 1º, do Decreto n. 9.235-2017), que dispõem acerca do
credenciamento e recredenciamento de IES, bem como autorização,
reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos superiores, além
das modificações respectivas.
Os atos autorizativos sempre terão caráter precário, a fim de que se
possa periodicamente aferir e garantir o padrão de qualidade prescrito
pelo mandamento constitucional (artigos 206, VII, e 209, II, da CRFB),
por meio de avaliações regulares dos estabelecimentos de ensino e cursos
superiores respectivos (artigos 1º e 4º da Lei n. 10.861-2004), conforme
ciclos avaliativos do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
(SINAES).
Esses atos administrativos autorizativos são explicados pelo MEC da
seguinte forma:12

• Credenciamento – para iniciar suas atividades, as instituições de


ensino superior privadas devem solicitar credenciamento junto ao MEC.
O credenciamento é feito a partir da análise documental e avaliação in
loco do INEP.

• Recredenciamento – ao final de cada ciclo avaliativo do SINAES, as


instituições privadas e as instituições federais de ensino superior devem
solicitar a renovação de seu credenciamento junto ao MEC. Além da
avaliação documental, o processo de recredenciamento leva em conta
os indicadores de qualidade resultantes dos processos de avaliação
do SINAES. Resultados insatisfatórios podem motivar supervisão do
MEC. Nesse caso, o pedido de recredenciamento fica suspenso até o
encerramento do processo.

• Autorização – quando uma faculdade deseja abrir um novo curso


[isso também vale para os primeiros cursos abertos pela instituição],
precisa requerer autorização ao MEC. Na análise, o ministério
avalia a organização didático-pedagógica, o corpo docente e técnico-
administrativo e as instalações físicas. Universidades e centros
universitários, que são instituições com autonomia, não precisam
requerer autorização (exceto para os cursos de Medicina, Odontologia,
Psicologia e Direito, que necessitam de autorização prévia, e cursos que
funcionarão em campi situados fora do município-sede da instituição).
conaes-comissao-nacional-de-avaliacao-da-educacao-superior/legislacao-e-normas>.
Acesso em: 20 set. 2019.
12
Informações extraídas do Livreto da Qualidade da Educação Superior,
elaborado pelo Ministério da Educação (MEC). Disponível em: <http://portal.
mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=4316-
livretoqualidadeducacao&category_slug=abril-2010-pdf&Itemid=30192>. Acesso
em: 21 set. 2019.
Compliance em perspectiva | 37

• Reconhecimento – quando a primeira turma do novo curso completa


entre 50% e 75% de sua carga horária, a instituição deve solicitar seu
reconhecimento ao MEC. É feita então uma segunda avaliação para
verificar se foi cumprido o projeto apresentado para autorização. O
reconhecimento de curso é condição necessária para a validade nacional
dos respectivos diplomas.

• Renovação de reconhecimento – essa avaliação é feita de acordo


com o ciclo do SINAES, ou seja, a cada três anos. Na análise, o MEC
considera os resultados obtidos pelo curso nas avaliações. Cursos que
obtiverem Conceito Preliminar de Curso 1 ou 2 serão avaliados in loco.
Se o conceito insuficiente for confirmado pela avaliação in loco, o MEC
poderá dar início a processo de supervisão.

A maioria desses procedimentos administrativos é formalizada por


meio do “Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação Superior
– Cadastro e‑MEC”, hospedado no portal oficial do Ministério da Educação
(MEC),13 no qual, inclusive, deve ser anexada toda a documentação da IES
para análise da Secretaria de Educação Superior (SESU).
Não obstante, há situações que exigem o comparecimento de comissões
de avaliação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP) para a verificação in loco das “condições concretas
de funcionamento da instituição ou curso”, conforme previsto nos artigos
14 a 17 da Portaria Normativa n. 40, de 12 de dezembro de 2007, que
“institui o e-MEC, sistema eletrônico de fluxo de trabalho e gerenciamento
de informações relativas aos processos de regulação da educação superior
no sistema federal de educação”. Por exemplo, haverá necessidade de
avaliação in loco nos casos de credenciamento de novas IES, ou quando um
determinado curso superior obtiver Conceito Preliminar de Curso (CPC)
1 ou 2.
Toda essa sistemática administrativa anteriormente referida está
estruturada para viabilizar o cumprimento de funções institucionais do
Ministério da Educação voltadas para a melhoria da qualidade do SESB.
Essas funções estão divididas em três: avaliação, regulação e supervisão.14
A função de avaliação é disciplinada, basicamente, pela Lei n. 10.861,
de 14 de abril de 2004, que institui o SINAES. Esse sistema estabelece
indicadores de qualidade para o ensino superior, envolvendo diversos
aspectos relevantes, tais como: ensino, pesquisa, extensão, desempenho
13
Disponível em: <http://emec.mec.gov.br/>. Acesso em: 20 set. 2019.
14
Livreto da Qualidade da Educação Superior elaborado pelo MEC. Disponível em: <http://
portal.mec. gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=4316-
livretoqualidadeducacao& category_ slug=abril-2010-pdf&Itemid=30192>. Acesso
em: 21 set. 2019.
38 | Fábio Santos, Luzia Vicente & Josenaldo Lima

de alunos, gestão da instituição, corpo docente e infraestrutura do


estabelecimento. Após a implantação do SINAES, ocorrida em 2007, a
renovação dos atos autorizativos do MEC passou a ser condicionada às
avaliações positivas das IES e dos cursos superiores.
A função de regulação é exercida por intermédio da SESU, que tem
competência15 para expedir os atos autorizativos anteriormente explicitados,
exceto em relação às instituições estaduais e municipais do nível superior
da educação, que observam a legislação de regência do respectivo sistema.16
A terceira e última função é a de supervisão dos cursos superiores do
SESB, com o escopo de fazer cumprir a legislação educacional. Assim, a
Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (SERES) busca
induzir a elevação da qualidade do ensino por meio do estabelecimento de
diretrizes para a expansão de cursos e instituições, de conformidade às
diretrizes curriculares nacionais e de parâmetros de qualidade de cursos
e instituições, entre outras relevantes atribuições (artigo 25 do anexo I do
Decreto n. 9.665-2019).
Como se pode perceber claramente, a atual complexidade normativa
do SESB não permite amadorismos na gestão das IES. Os gestores dessas
instituições precisam contar com um programa confiável de governança
corporativa que certifique o estrito cumprindo dos deveres das IES para
com todos os seus stakeholders,17 esse programa será abordado na sequência.

2 A IMPORTÂNCIA DO COMPLIANCE NA GOVERNANÇA DAS IES


PRIVADAS

Os programas de compliance vêm sendo implementados há muitos


anos e com considerável êxito no mercado financeiro, atividade esta que
é densamente regulada pelo Estado, inclusive por meio de resoluções do
BACEN, como vimos anteriormente.

15
As instituições de ensino superior reguladas e supervisionadas pelo MEC são as
compreendidas no Sistema Federal de Ensino, conforme disposto nos artigos 9º, IX, e
16 da Lei n. 9.394-1996 (LDB).
16
As instituições públicas de ensino superior vinculadas aos governos estaduais e
municipais são da competência do sistema estadual de ensino, a teor do artigo 17 da
Lei nº 9.394-1996 (LDB).
17
Junção das palavras inglesas stake (pedaço, fatia) e holder (aquele que segura, possui),
definindo que um stakeholder é um indivíduo que, metaforicamente (em alguns casos
também literalmente), possui uma parte do negócio. De modo genérico, dentre os
stakeholders pode-se citar os fornecedores, clientes, funcionários, investidores e, entre
outros, a sociedade e o governo (TORRES, 2013).
Compliance em perspectiva | 39

Apesar de também ser massivamente regulado pelo Poder Público, o


setor educacional superior ainda não despertou para a prática do compliance
como instrumento exitoso de governança institucional.
Nesse sentido, temos as palavras do douto advogado Daniel Cavalcante
Silva, o qual ressalta:

A análise do risco de compliance no setor educacional serve de instrumento


para a tomada de decisão por parte do mantenedor, visando melhorar o
desempenho da instituição pela identificação de oportunidades de ganhos
e de redução de probabilidade e/ou impacto de perdas, indo muito além
do cumprimento de demandas regulatórias ou legais. Essa é uma nova
perspectiva do setor educacional diante do incremento regulatório
havido nos últimos anos […]. (SILVA, 2014).

É oportuno gizar que as IES estão geralmente configuradas como


entidade mantenedora, que é pessoa jurídica que provê os recursos
necessários ao funcionamento da instituição de ensino e a representa
legalmente; e a entidade mantida, que é a instituição de ensino superior
que realiza a oferta da educação superior.
Um programa de compliance para IES deve envolver ambas as entidades
– mantenedora e mantida –, pois essas formam um todo harmônico e
indissociável, com uma missão comum.
Após a publicação da chamada Lei Anticorrupção (Lei n. 12.846-2013)
e seu decreto regulamentar (Decreto n. 8.420-2015), pode-se dizer até
que é temerário para um gestor de IES não implementar um programa de
compliance ou similar, visto que a referida lei passou a criminalizar a pessoa
jurídica – no caso, a entidade mantenedora – na hipótese de ser flagrada em
ato de corrupção contra a administração pública (art. 5º).
A pessoa jurídica estará sujeita a penalidades gravíssimas que podem
culminar em multas e diversos impedimentos administrativos, até mesmo
a cassação do CNPJ. A legislação, no entanto, possibilita a mitigação das
penalidades para as entidades que possuam procedimentos de integridade
(compliance), auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades,
incentivando que as entidades promovam atitudes éticas, legais e que
objetivem preservá-las contra atos de seus gestores ou qualquer pessoa
que tenha agido em nome desta.
É importante deixar claro que a lei foi criada com a intenção de
responsabilizar no âmbito civil, penal e administrativamente, os atos
ilícitos e lesivos cometidos pela pessoa jurídica contra a administração
pública brasileira e estrangeira. Antes da lei, só havia criminalização aos
40 | Fábio Santos, Luzia Vicente & Josenaldo Lima

atos cometidos pela pessoa que recebia propina, ou seja, o corrupto. Agora
a empresa responde pelos atos cometidos em seu nome, assegurando a
proteção do sistema público.
Se a finalidade da Lei n. 12.846/13 é estabelecer a ordem jurídica
responsabilizando e punindo a pessoa jurídica quando comete ato de
corrupção, o compliance tem como finalidade “monitorar e assegurar que
todos os envolvidos com uma empresa estejam de acordo com as práticas
de conduta da mesma”. A padronização da conduta é importante, pois
gera segurança e diminui o risco de erros administrativos, financeiros e
fiscais, além de dificultar atos ilícitos por seus colaboradores e dirigentes,
o que vai refletir diretamente na credibilidade junto aos consumidores, aos
fornecedores e aos órgãos que regulam e fiscalizam suas atividades, afinal de
contas, “no atual cenário não há espaço para a simplicidade administrativa
do passado”.
Atingido o objetivo inicial, por consequência, há melhoria na
governança, refletindo diretamente na qualidade dos serviços ofertados.

REFERÊNCIAS

CANDELORO, Ana Paula P. RIZZO, Maria Balbina Martins de. PINHO,


Vinícius. Compliance 360º: riscos, estratégias, conflitos e vaidades no
mundo corporativo. São Paulo: Trevisan Editora, 2012.
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agosto de 2017. Dispõe sobre a política de conformidade (compliance)
das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar
pelo Banco Central do Brasil. Diário Oficial [da] República Federativa
do Brasil, Brasília, DF, 30 ago. 2017. Disponível em: <https://www.bcb.
gov.br/pre/normativos/busca/download Normativo.asp?arquivo=/
Lists/Normativos/Attachments/50427/Res_4595_v1_O.pdf>. Acesso
em: 20 set. 2019.
BERNARDINO, Albuquerque. Conceituação, finalidades e princípios
da Licitação – Lei 8666/93, 2012. Disponível em: <https://www.
direitonet.com.br/artigos/exibir/7547/Conceituacao-finalidades-e-
principios-da-Licitacao-Lei-8666-93>. Acesso em: 19 set. 2019.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do
Brasil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF,
05 out. 1988. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/ ConstituiçãoCompilado.htm>.
Acesso em: 20 set. 2019.
Compliance em perspectiva | 41

__________. Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976. Dispõe sobre o


mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários.
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 9 dez.
1976. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/
L6385.htm>. Acesso em: 20 set. 2019.
__________. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art.
37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações
e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário
Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 6 jul. 1994.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8666cons.
htm>. Acesso em: 20 set. 2019.
__________. Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994. Transforma o Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em Autarquia, dispõe sobre
a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá
outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, 13 jun. 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Leis/L8884.htm>. Acesso em: 20 set. 2019.
__________. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: <https://
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de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da
utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria
o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, e dá outras
providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília,
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Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES e dá outras
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[da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 14 jan. 2005. Disponível
42 | Fábio Santos, Luzia Vicente & Josenaldo Lima

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a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, que dispõe sobre a
responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática
de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira e dá
outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, 25 mai. 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
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__________. Decreto n. 9.235, de 15 de dezembro de 2017. Dispõe
sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação das
instituições de educação superior e cursos superiores de graduação e de
pós-graduação no sistema federal de ensino. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 18 dez. 2017. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/decreto/D5773
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__________. Decreto n. 9.665, de 2 de janeiro de 2019. Aprova a
Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em
Comissão e das Funções de Confiança do Ministério da Educação,
remaneja cargos em comissão e funções de confiança e transforma cargos
em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS e
Compliance em perspectiva | 43

Funções Comissionadas do Poder Executivo - FCPE. Diário Oficial [da]


República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 2 jan. 2019. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Decreto/
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da Educação Superior, elaborado pelo Ministério da
Educação (MEC). Disponível em: <http://portal.mec.gov.
br/index.php?option=com_docman&view=download&alias
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GEWEHR, Elson Dérin. Compliance na Função de Investimento,
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INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS
EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Portaria Normativa nº
40, de 12 de dezembro de 2007. Institui o e-MEC, sistema eletrônico
de fluxo de trabalho e gerenciamento de informações relativas aos
processos de regulação, avaliação e supervisão da educação superior no
sistema federal de educação, e o Cadastro e-MEC de Instituições e Cursos
Superiores e consolida disposições sobre indicadores de qualidade, banco
de avaliadores (Basis) e o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes
(ENADE) e outras disposições Disponível em: <http://download.
inep.gov.br/educacao_superior/censo_superior /legislacao/2007/
portaria_40_12122007.pdf>. Acesso em: 20 set. 2019.
PORTA, Flaviano Carvalho Dalla. As diferenças entre Auditoria interna
e Compliance, 2011. Disponível em: <https://lume.ufrgs.br/bitstream/
handle/ 10183/35445/000788473.pdf ?sequence=1&isAllowed=y>.
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SAMPAIO, Helena Maria Sant’Ana. O setor privado de ensino superior
no Brasil: continuidades e transformações. In: Revista Ensino
Superior Unicamp. 9. ed., n. 11, out. 2011. Disponível em: <http://
www.gr.unicamp.br/ceav/revistaensinosuperior/edicoes/ed04_
outubro2011/05_ARTIGO_PRINCIPAL.pdf>. Acesso em: 21 set. 2019.
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educacional. 10 abr. 2014. Disponível em: <https://www.leiaja.com/
coluna/2014/04/10/educacao-e-compliance-uma-nova-perspectiva-no-
setor-educacional>. Acesso em: 21 set. 2019.
44 | Fábio Santos, Luzia Vicente & Josenaldo Lima

TEIXEIRA, Juliana e TEIXEIRA, Ana Luiza Silva. A Importância da


Comissão de Valores Mobiliários no Controle do Mercado de Capitais,
2016. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/48547/a-importancia-
da-comissao-de-valores-mobiliarios-no-controle-do-mercado-de-capitais>.
Acesso em: 19 set. 2019.
TORRES, Lucas Hoerlle. Teoria do Stakeholder: um estudo da aplicação
do princípio de equidade do Stakeholder. Disponível em: <https://lume.
ufrgs.br/handle/10183/72781>. Acesso em: 20 set. 2019.
4
A IMPORTÂNCIA E
RESPONSABILIDADES DO PROGRAMA
COMPLIANCE NA LEI GERAL DE
PROTEÇÃO DE DADOS NAS EMPRESAS
PRIVADAS
Fabíola Morais de Figueiredo Grimaldi18

O presente trabalho visa a apresentar uma abordagem sobre o conceito


do programa compliance dentro de uma empresa do setor privado, bem
como o seu desenvolvimento e suas obrigações para adotar as disciplinas
e estratégias necessárias para que se faça satisfazer as normas legais e

18
Bacharela em Direito pela Faculdade Estácio de Sá. Especialista em Direito e
Controle em Proteção de dados pela PUC-SP. Pós-graduanda em Direito Corporativo
e Compliance pela Escola Paulista de Direito. MBA em gestão em Administração
Empresarial na FGV. MBA marketing pela ESPM. Curso Exin Privacy and Data
Protection Essentials. Curso EXIN ISO 27001 Fundamentos de Segurança da
Informação.
45
46 | Fabíola Moraes de Figueiredo Grimaldi

regulamentares de atividade empresarial junto à Lei Geral de Proteção de


Dados
Diante da análise desse cenário, buscou-se em seguida compreender
a origem da Lei brasileira que trata da proteção de dados, suas diretrizes
e seus princípios, e como esse tema de grande interesse social terá sua
aplicabilidade na proteção de dados pessoais e da privacidade pelas empresas
do setor privado.
O próximo passo abordado neste trabalho é a avaliação compliance junto
à Lei Geral de Proteção de dados pessoais nas empresas do setor privado.
Isso aliado às obrigações do programa compliance e o seu propósito de fazer
cumprir a predominância normativa em conjunto com conteúdo ético.
A sociedade mundial atual enxerga a proteção de dados pessoais
com importante direito dos indivíduos, que vai além de uma obrigação
regulamentar a ser cumprida.
Ante o exposto, fez-se necessário fazer uma análise dessa nova
realidade de proteção de dados pessoais para as empresas privadas em
relação à cultura do compliance no Brasil.

1 PROGRAMA COMPLIANCE

O conceito de compliance, em resumo, de forma literal, foi importado do


direito americano, como explana Vanessa Alessi Manzi:

O termo compliance origina-se do verbo inglês to comply, que significa


cumprir, executar, satisfazer, realizar algo imposto. compliance é o ato
de cumprir, de estar em conformidade e executar regulamentos internos
e externos, impostos às atividades da instituição, buscando mitigar o
risco atrelado à reputação e ao regulatório/legal. (COIMBRA; MANZI.
2010, p.15).

A partir dessa preliminar tentativa de conceituar compliance, acabaria


por entender que nesse sentido o compliance officer funcionaria como um
garantidor cuja principal função é assegurar que a empresa permaneça
dentro dos limites da legalidade.
Sendo assim, verifica-se que definir compliance, portanto, é uma tarefa
um tanto árdua, principalmente porque, na prática, nem sempre o compliance
pode ser definido como um conceito único. Essa dificuldade de clareza do
conceito compliance advém de que a prática desse programa no Brasil.
Nesse compasso, os professores Renato Mello Silveira e Eduardo Saad
assim se referem ao termo compliance:
Compliance em perspectiva | 47

Orienta-se, em verdade pela finalidade preventiva, por meio da


programação de uma série de condutas (condução de cumprimento) que
estimulam a diminuição dos riscos da atividade. Sua estrutura é pensada
para incrementar a capacidade comunicativa da pena nas relações
econômicas ao combinar estratégia de defesa da concorrência leal e justa
comas estratégias de prevenção de perigos futuros. (SILVEIRA; SAAD-
DINIZ, 2015, p 255).

Desse modo, podemos entender que o papel do compliance nas empresas


privadas integra um sistema complexo e extremamente organizado de
procedimentos de controle de risco e prevenção de valores intangíveis que
devem ser coerentes com a estrutura da empresa, cuja adoção resulta na
criação de um ambiente de segurança jurídica e confiança indispensável
para orientar um comportamento e manter um estado de compliance.
Outro ponto é a conscientização da importância de uma cultura de
compliance no Brasil e no ambiente corporativo das empresas do setor
privado. Essa tendência ultrapassa as nossas fronteiras e passa a ser uma
premissa global. A adesão aos programas de compliance de conformidade se
intensificou seja em caráter voluntário ou em caso de adoção de programas
obrigatórios por lei.
Como analisado, muito embora o compliance trate a fundo o cumprimento
de leis e normas, é mais apropriado sinalizar que ele se refira, em sentido
macro, ao conjunto de esforços voltados a fazer com que uma organização e
seus membros assumam comportamentos virtuosos ou desejáveis. Assim, a
conformidade não se atinge tão simplesmente pela observância de leis, dá-
se também por meio da adoção de um conjunto de disciplina e estratégias
voltadas a que se façam cumprir as normas legais e regulamentares a que
se sujeita uma organização.
Neste cenário, o compliance tem ganhado destaque no Brasil e no cenário
mundial. Agora, surge uma nova fase do compliance que vai além de combater
a corrupção e visa ao uso seguro e ético dos dados pessoais, dos direitos
fundamentais de liberdade e de privacidade, e o livre desenvolvimento da
personalidade da pessoa natural.

2 ADOÇÃO DO COMPLIANCE PARA MELHORIA DO DESEMPENHO


DAS EMPRESAS

O compliance com a responsabilidade corporativa, junto à transparência,


equidade e proteção de dados, é o novo pilar para empresas privadas e
tornou-se indispensável às organizações que visam à perenidade.
48 | Fabíola Moraes de Figueiredo Grimaldi

O mundo corporativo percebeu que não basta uma excelente gestão:


é preciso inspirar confiança no ambiente de negócios. Há de considerar,
também, a tendência mundial de redução do nível de tolerância com os
praticantes de corrupção.
A implantação de programa de integridade compliance significa
dispêndio de recursos, implica dentro da empresa a necessidade de uma
nova área, com custo e despesas próprias.
Nesse cenário de despesas de compliance, surgem os questionamentos
em relação ao real benefício e importância do programa. O compliance
realmente traz algo de produtivo e eficaz para o mundo das empresas
privadas? E qual seu benefício quando se trata da proteção dos dados
pessoais e da privacidade?
Começamos a análise com o fato de que a não conformidade carrega
como consequência um ambiente permissivo e nocivo, criado pela ausência
de ética e cuidado corporativo, e isso gera um custo social que tem grande
relevância.
Assim, o que deve ser decidido é se o ganho obtido com a coibição e
diminuição dos riscos e seus danos superam a perda que seria sofrida pelo
corruptor com a interrupção dos atos corruptos.

O programa Compliance, mas também a Governança Corporativa


funciona com um selo de qualidade: a primazia da ética, como
somatório de honestidade, integridade, responsabilidade, e demais
valores consentâneos, atribui à organização a visão de longo prazo e
a preocupação legítima com os impactos que as suas atividades podem
vir a causar, isto é pressuposto para a perpetuidade dos seus negócios.
(INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA,
2015, p. 16).

O não compliance cria um ambiente empresarial fraco, sem estímulos,


elevação de custos e elimina a conveniência das negociações pela falta de
transparência e ética. O custo de não possuir mecanismos de compliance,
portanto, incorre no consentimento de infrações. Na opinião de Paula
Forgioni:

O investimento em Compliance sequer deve ser encarado como gasto,


mas como economia, pois reverte positivamente em favor de todos
(agentes e mercado), diminuindo os custos de transação, devido à
elevação nos níveis de certeza e previsibilidade. (FORGIONI, 2003,
p.29-30).
Compliance em perspectiva | 49

O compliance é prevenção e remédio contra o mal da escassez da


ética, é investimento. A responsabilidade e integridade corporativas são
indispensáveis tanto quanto outros padrões exigidos dentro de uma
empresa.

3 LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS, LEI 13.709/18

Inicialmente, cabe registrar que é evidente que a matéria de proteção de


dados pessoais e privacidade é de alta complexidade e está constantemente
caracterizada e pressionada pelas rápidas transformações sociais e
tecnológicas do nosso tempo.
Para compreender a magnitude da Lei Geral de Proteção de Dados,
Lei nº 13.709/18, é necessário discorrer no contexto histórico para a sua
concepção.
Nesse tópico será abordado o Regulamento 2016/679 da União
Europeia (General Data Protection Regulation – GDPR), que foi a lei base
para a concepção da Lei Geral de Proteção de Dados brasileira e é a lei de
maior relevância no cenário internacional acerca do assunto.
Com a criação da Internet, a informação foi rompendo o modelo fordista
de produção para instaurar um novo padrão econômico baseado em fluxo
informacional. Tal conjuntura estabelece uma nova dinâmica para a geração
de riqueza. A economia passou a ser conectada por um sistema nervoso
eletrônico e virtual, o mercado criou um novo commodities chamado dados
pessoais, “e, nesse sentido, as informações sobre os hábitos de consumo dos
cidadãos, afora outros dados pessoais, permitem empreender de forma mais
eficiente no mercado” (BIONI, 2019, p. 12).
No âmbito nacional, antes da Lei Geral de Proteção de Dados, eram
aplicáveis outros diplomas em conjunto para abordar a temática, como o
Código Civil – dispondo, por exemplo, sobre a proteção à personalidade,
imagem e intimidade –, a Lei de Acesso à Informação (LAI), o Código de
Defesa do Consumidor (CDC), o Marco Civil da Internet (MCI), a Lei de
Cadastro Positivo e a Lei de Delitos Informáticos.
Desta forma, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) surge como
marco regulatório específico para a proteção de dados e foi inspirada pela
quantidade avassaladora de dados coletados na era digital e do elevado
grau de organização e inteligência empregado sobre eles.
Assim como na lei de proteção de dados brasileira, o regulamento
europeu, conhecido por General Data Protection Regulation (GDPR), dispõe
em sua ementa que é “relativo à proteção das pessoas singulares no que diz
50 | Fabíola Moraes de Figueiredo Grimaldi

respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados”.


(BRUXELAS, 2016, p. 1).
Eis que com a vigência do GDPR sobre o tratamento de dados, a União
Europeia mostrou ao Brasil a necessidade de uma legislação vinculativa
sobre o assunto. Ademais, o regramento europeu dispõe que só pode haver
fluxo internacional de dados se o outro país tiver uma lei adequada de
proteção da privacidade semelhante ao GDPR.
Com isso, o Brasil se viu na tendência global de se juntar a diversos
outros do mundo que já possuem legislação específica sobre o tema. Com
a sanção do presidente Michel Temer, a Lei Federal nº 13.709, de 14 de
agosto de 2018, entrará em vigor em agosto de 2020, tratando de diversos
pontos que não possuíam previsão legal até então.
A leitura do art. 1° da Lei nº 13.709/18, a Lei Geral de Proteção de
Dados, enfatiza a busca pela proteção de direitos e garantias fundamentais
da pessoa natural, de forma equilibrada, mediante a harmonização e
atualização de conceitos de modo a mitigar riscos e estabelecer regras bem
definidas sobre o tratamento de dados pessoais.

Art. 1° Esta Lei dispões sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive


nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito
público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais
de liberdade e de privacidade e livre desenvolvimento da personalidade
da pessoa natural. (BRASIL, 2018).

A lei estimula a transparência das empresas e organizações que lidam


com os dados pessoais. Em seu teor, obriga-as a estarem “aptas a comunicar
sua responsabilidade sobre o ciclo de vida dos dados: coleta, tratamento,
compartilhamento, armazenamento e descarte” (SOPRANA, 2018).
Assim, resta claro que o regime de proteção de dados abordado pela
lei não tem por finalidade apenas tutelar a privacidade dos usuários, e sim,
em análise profunda, o seu objetivo diz respeito a proteger os direitos
fundamentais de liberdade e de privacidade, e o livre desenvolvimento da
personalidade da pessoa natural.
Por fim, a Lei Geral de Proteção de Dados brasileira é mais do que uma
modificação legislativa, deve representar uma mudança cultural no âmbito
da proteção de dados pessoais no país, proporcionando instrumentos mais
claros e eficazes para com os dados dos indivíduos.
Compliance em perspectiva | 51

3.1 A PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS E SEUS PRINCÍPIOS

Conforme as lições de Braga e Souza (2016, p. 177):

Em uma frase: proteção de dados pessoais se refere ao conjunto de


regras que visam impedir o tratamento inadequado, injusto ou antiético
de dados pessoais, entendendo-se por dados pessoais, os que digam
respeito a uma pessoa identificada ou identificável.

Assim, a aplicação da LGPD é voltada a pessoas físicas e naturais,


cujos dados pessoais estejam tendo o tratamento feito por pessoas naturais,
empresas privadas ou órgãos públicos, aplicável aos dados tratados no
território brasileiro.
A nova economia tem como principal eixo a vigilância, caracterizada
pela observação permanente do comportamento dos indivíduos que a
movimentam, sendo suas informações pessoais o principal insumo a ser
explorado para a geração de riqueza.
Por sua vez, a nova lei de proteção de dados traz uma série de princípios
norteadores para essa regulação, que espelham os principais fundamentos
do mencionado regramento europeu. A proteção de dados pessoais tem
como função resguardar-se contra os abusos e mau usos dos dados ou
informações que dizem respeito a cada indivíduo.
Desta forma, as organizações devem adotar as diretrizes dos princípios
conhecidos como Fair Informatios Privacy Principles (FIPPs), quando se
propuserem a coletar e tratar dados pessoais.
Segundo os princípios de finalidade, adequação e necessidade, os dados
pessoais devem ser adequados e limitados a fins específicos para os quais
esses são processados.
Conforme o princípio da limitação da coleta e transparência, as
organizações deverão providenciar obter os dados pessoais por meios legais
e justos, informando e pedindo de forma concisa, transparente e inteligível
o consentimento do sujeito dos dados.
Os princípios da segurança e prevenção, por sua vez, determinam
que os dados devem ser protegidos contra riscos de forma a garantir a
segurança adequada, incluindo proteção contra perdas, destruições ou
danos acidentais, modificação ou divulgação desautorizada de dados.
Sobre o princípio do livre acesso, além de poder obter uma cópia
gratuita dos seus dados coletados, o titular também tem o direito de saber
a forma pela qual seus dados estão sendo processados pelo controlador.
52 | Fabíola Moraes de Figueiredo Grimaldi

Sendo assim, compreender os FIPPs equivale a compreender os


fundamentos e o sistema complexo do regime geral de proteção de dados
pessoais.

4 DADOS PESSOAIS COMO DIREITO FUNDAMENTAL

Deter conhecimento e controle de seus próprios dados é expressão


direta de sua própria personalidade. Por esse motivo que a proteção de
dados pessoais vem sendo tratada e considerada como algo essencial para a
proteção humana e como direito fundamental.
A sentença proferida pelo Tribunal Constitucional alemão criou um
marco ao reconhecer o direito à autodeterminação informativa, tornando-
se determinante para as normas nacionais e europeias que vieram na
sequência sobre o tema “reconhecer um direito subjetivo fundamental e
alçar o indivíduo a protagonista no processo de tratamento de seus dados”
(MENDES, 2014, p. 31).
Assim, a busca pela proteção de dados encontra-se entrelaçada com
o direito fundamental da privacidade, que vem embasado pelos direitos de
igualdade, da liberdade e da dignidade da pessoa humana reconhecido na
Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU.
Diversos autores e artigos a respeito do tema discorrem sobre o bem
jurídico tutelado pelas normas de proteção de dados pessoais serem de
nível constitucional. Basicamente porque o direito à proteção de dados
e à privacidade exprimem como direito da personalidade, figurado como
direito fundamental da pessoa humana.
A proteção de dados pessoais nada mais seria do que a extensão da
pessoa, o corpo eletrônico mencionado por Rodotá, já que os dados pessoais
fazem parte de sua personalidade e, portanto, de sua intimidade.

A Carta coloca a pessoa no centro de suas atividades e a partir deste


prisma, o direito à proteção de dados pessoais toma força de direito
fundamental autônomo, sendo esta uma das mais significativas
conquistas desta trajetória.

Estamos diante da verdadeira reinvenção da proteção de dados – não


somente porque ela é expressamente considerada como um direito
fundamental autônomo, mas também porque se tornou uma ferramenta
essencial para o livre desenvolvimento da personalidade. A proteção
de dados pode ser vista como a soma de um conjunto de direitos que
configuram a cidadania do novo milênio. (RODOTÁ, 2008, p. 17).
Compliance em perspectiva | 53

A falta de proteção aos dados pessoais reputa potencialidade e ameaças


à dignidade, individualidade e autonomia da pessoa humana. Isso porque
muitos dos dados processados e tratados dizem respeito às pessoas, o
que implica sérios riscos à privacidade e a direitos fundamentais de cada
indivíduo.

O grande jurista italiano aponta que “a proteção de dados contribui


para a “constitucionalização da pessoa”, e se configura como um recurso
para o “o livre desenvolvimento da personalidade”, podendo ainda ser
vislumbrada como “um conjunto de direitos que configuram a cidadania
do novo milênio”. (RODOTÀ, 2008, p. 17).

Nesse sentido, o plenário do Senado aprovou recentemente a Proposta


de Emenda à Constituição (PEC) 17/2019, que inclui a proteção de
dados pessoais disponíveis na lista das garantias da Constituição Federal
brasileira.
De acordo com a relatora, senadora Simone Tebet, a PEC 17/2019
esclarece que é competência da União legislar sobre a proteção de dados
pessoais:

Constitucionalizar a questão significa o Estado dizer que reconhece


a importância do tema, classificando esse direito à proteção de dados
como fundamental. Ou seja, o Estado, a sociedade, o cidadão, podem
ter direito, como regra geral, ao conhecimento do outro, desde que
haja realmente necessidade. Do contrário, é preciso preservar ao
máximo a intimidade e a privacidade dos dados. (TEBET, 2019).

Portanto, conforme exposto, a história dos direitos da privacidade


e intimidade está evoluindo para um entendimento que compactua com
a realidade mundial que resulta em resguardar a privacidade de dados
em âmbito constitucional, de modo a assegurar a inviolabilidade das
informações dos cidadãos. Sendo assim, a Lei Geral de Proteção de Dados
é bem clara ao tratar os dados pessoais como direito fundamental, na
medida em que pretende proteger o usuário-cidadão plenamente, em todos
os aspectos da sua autonomia pública e privada.

5 OS IMPACTOS DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS PARA


EMPRESAS DO SETOR PRIVADO

A nova Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) se insere no mercado


privado para disciplinar a proteção dos dados das pessoas naturais coletados
tanto no modo on-line quanto no off-line.
54 | Fabíola Moraes de Figueiredo Grimaldi

Assim, todas as empresas do setor privado que coletam e tratam dados


pessoais deverão se adequar à lei, sendo elas as responsáveis pelos dados
coletados. Para isso, será de suma importância a criação de uma política
interna de normas e diretrizes para proteção de dados e segurança da
informação na sua atividade empresarial.
A LGPD passa a garantir aos cidadãos a titularidade sobre suas
informações pessoais. Para isso, exige das empresas um novo posicionamento
para coleta, tratamento e descarte dos dados pessoais, ou seja, a lei determina
que as empresas informem sobre quais dados pessoais serão recolhidos e
qual a finalidade da atividade envolvendo-os.
O objetivo da LGPD é garantir a privacidade dos indivíduos e assegurar
a segurança jurídica, a transparência, o consentimento e a adequação dos
dados fornecidos e coletados.
Para se enquadrar nas exigências da lei, as empresas terão que fazer
a implementação de uma estrutura e uma política interna de compliance
digital acerca do tratamento de dados de seus clientes ou de terceiros na
sua rede, minimizando os riscos de vazamento de informações.
Um ponto que merece destaque é o de que a LGPD força as organizações
privadas e públicas a indicarem um data protection officer (encarregado) para
o tratamento de dados pessoais que, com apoio de softwares especializados,
deverá gerenciar se as informações armazenadas e o procedimento de coleta
estão completamente em conformidade com a lei.
É importante ressaltar que as empresas do setor privado ainda
precisarão de um relacionamento e comunicação com a Autoridade Nacional
de Proteção de Dados (ANPD), agência reguladora criada para estruturar
e fiscalizar as normativas da LGPD. Ou seja, as empresas, juntamente
com o seu data protection officer (encarregado), terão como novas funções
aceitar reclamações e comunicações dos titulares, prestar esclarecimentos
e adotar providências, receber comunicações da autoridade nacional e
adotar providências, e orientar os funcionários e os contratados da entidade
a respeito das práticas a serem tomadas em relação à proteção de dados
pessoais.
Outro impacto no setor será a fiscalização e aplicação de sanções em
hipóteses que indiquem um descumprimento da legislação vigente, pois
do contrário pode estar sujeito a altas multas que podem chegar até R$
50.000.000,00 ou 2% do faturamento anual da pessoa jurídica de direito
privado, grupo ou conglomerado no Brasil.
Noutro prisma, os dados pessoais de terceiros (dependentes dos
colaboradores) e os dados do departamento de recursos humanos também
Compliance em perspectiva | 55

deverão estar inclusos nas regras de boas práticas de proteção de dados


de acordo com LGPD.
A Lei Geral de Proteção de Dados marca uma mudança enorme nas
práticas de privacidade de dados, sinalizando o início de uma supervisão
e de uma fiscalização mais agressivas em uma era de avanço rápido da
tecnologia.
No entanto, trouxe também um benefício enorme para o relacionamento
com cliente, uma vez que a transparência será uma marca de credibilidade
para as empresas do setor privado preocupadas com controle dos dados
pessoais.

6 A FUNÇÃO DO PROGRAMA DE COMPLIANCE JUNTO À LEI


GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS

Como visto, compliance é um termo incorporado à nossa realidade


que se traduz da melhor forma como “conformidade”. No entanto, essa
conformidade não atende tão somente a observância da lei como também
a sua aplicabilidade, implantação e monitoramento, para que se façam
cumprir as normas e regulamentações nas empresas do setor privado.
Assim, apesar do compliance estar ligado ao cumprimento de leis e
normas, é mais apropriado referi-lo como conjunto de esforços voltados
a fazer com que as empresas do setor privado e seus membros assumam
comportamentos virtuosos ou desejáveis. Não podemos esquecer, ainda,
que o compliance não se afasta da ética como condição dos seus objetivos.
Desta forma, o compliance junto à Lei Geral de Proteção de Dados
formam um casamento perfeito que surge com muita naturalidade. Se há leis
e normas no direito à proteção de dados que exigem conformidade, estudos,
formas e métodos, nada mais natural que aliar o programa compliance à sua
eficiência, diminuição de riscos e ética.
Atualmente, existe dentro do programa de compliance uma preocupação
com a proteção de dados e os riscos de privacidade para deixar a empresa
em conformidade com questões regulatórias, uma vez que a nova
regulação considera dados pessoais como propriedade do indivíduo, não de
controladores de dados.
Resta claro que a conduta do programa de compliance toma especial
relevo nos aspectos éticos e comportamentais associados às leis do direito
digital, no caso à privacidade e à proteção dos dados pessoais.
Um dos grandes desafios do compliance na proteção de dados é prevenir
e evitar punições severas aos órgãos reguladores, além de consequências
56 | Fabíola Moraes de Figueiredo Grimaldi

graves que a desconformidade pode gerar para a imagem e reputação da


empresa.
Assim, é evidente que a proteção de dados e a sua normatização
são de alta complexidade e se caracterizam por estarem constantemente
pressionadas pelas transformações sociais e tecnológicas do setor, o que
fortifica o compliance junto à LGPD, pois este irá monitorar e delimitar os
princípios associados à lei junto com o seu tratamento justo e adequado.

7 A RESPONSABILIDADE DO COMPLIANCE EM FACE DA LEI


GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS

Lembra Martins (2014, p. 62) que:

Como visto, cada vez mais uma parte expressiva do ser humano está
no ambiente digital, reduzindo a distinção entre a vida on-line e a off-
line. A quantidade de informações pessoais disponibilizadas na internet
representa quem nós somos, o reflexo direto da nossa personalidade.
(MARTINS, 2014, p. 62).

Com efeito, nota-se que as empresas do setor privado tendem a investir


e a se preocupar muito mais em segurança para a proteção dos dados quando
estão sujeitas ao dever de reparação civil por eventuais danos decorrentes
da sua falha.
Os arts. 37 e 38 da LGPG dispõem sobre o controlador e operador de
dados, instituindo uma nova obrigação de registrar o processamento de
dados, sendo uma das obrigações que possivelmente irão gerar dever de
indenizar no cenário da proteção de dados.

Art. 37. O controlador e o operador devem manter registro das operações


de tratamento de dados pessoais que realizarem, especialmente quando
baseado no legítimo interesse.

Art. 38. A autoridade nacional poderá determinar ao controlador que


elabore relatório de impacto à proteção de dados pessoais, inclusive de
dados sensíveis, referente a suas operações de tratamento de dados, nos
termos de regulamento, observados os segredos comercial e industrial.
(BRASIL, 2018).

A responsabilidade do compliance officer, no âmbito da proteção de


dados, é uma obrigação demonstrável, entenda-se que seria a exigência
de que as empresas assumam o papel central e maior responsabilidade no
processo de tratamento dos dados pessoais. Sendo assim, presume-se que
Compliance em perspectiva | 57

o setor privado junto com seus compliance officers que pretendam controlar
dados se responsabilizem de forma demonstrável ao órgão regulador pela
utilização e processamento adequados, justos e éticos dos dados pessoais.
Neste contexto, entende-se que o compliance na proteção de dados
vai além de ser apenas classificado como medidas de mitigação de riscos
atrelado às práticas de corrupção, é um novo paradigma de conformidade
no Brasil.
Assim, o compliance officer tomará todas as medidas e disporá de todos
os meios que detém para assegurar o processamento ético e justo dos dados
pessoais da empresa titular.
Pelo conceito de responsabilidade demonstrável, uma organização
responsável (accountable e compliant) transparece comprometimento com
sua responsabilidade, implementa políticas de privacidade de dados ligadas
a critérios externos reconhecidos e estabelece mecanismos de desempenho
para garantir tomadas de decisões responsáveis sobre o gerenciamento de
dados que estejam de acordo com as políticas da organização.
A avaliação de impacto irá verificar se a providência tomada pela
empresa em termos de segurança era ou não suficiente, pois esse grau
de cautela exercerá uma influência determinante na caracterização de
responsabilidade civil das partes envolvidas, o que pode gerar dever
de indenizar a cada vez que a violação comprometer a integridade,
disponibilidade, confidencialidade dos dados.
A LGPD tem uma redação na qual o titular dos dados se equipara ao
consumidor nas relações de consumo, sobre a responsabilidade civil pelo
fato do produto ou do serviço e as excludentes de responsabilidade dos
agentes nos casos em que a ação não existiu, a conduta não é ilícita, ou o
dano é decorrente de culpa exclusiva do titular dos dados ou de terceiros.
Por seu turno, a LGPD traz também cláusula geral da responsabilidade
civil prevista no art. 186 do Código Civil Brasileiro, no qual quem causa
dano tem o dever de repará-lo. Além de uma obrigação solidária do operador
para as hipóteses em que ele próprio descumprir as regras de proteção de
dados, ou não cumprir as determinações do controlador.
Por outro lado, a Lei Geral de Proteção de Dados determina quando
haverá ato ilícito, nas hipóteses em que as empresas não observarem a
legislação ou quando a segurança oferecida falhou, não era suficiente ou
adequada, a conduta da empresa pode ser enquadrada como passível de
responsabilização nessa esfera civil.
Vale ressaltar que a LGPD não tem critério para aferir tamanho de
indenização. Assim, a autoridade nacional deverá e poderá dispor sobre
58 | Fabíola Moraes de Figueiredo Grimaldi

esses padrões técnicos mínimos como diretrizes ou práticas de governança


corporativa, as sanções podem ir desde advertência, multa simples até
2% (dois por cento) do faturamento das pessoas jurídicas limitada a R$
50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) por infrações, sendo ainda
permitidas multas diárias de até o limite descrito acima.
Em relação à responsabilidade do programa de compliance é motivo de
diversas posições doutrinárias, não havendo um consenso para o cabimento
ou não da posição de garante, e a consequente imputação da responsabilidade
penal por omissão imprópria.
O mero descumprimento dos deveres de compliance não tem previsão
na legislação brasileira, assim como não há normativos que definam ou
regulamentem a profissão de compliance officer. Contudo, com a edição do
Decreto nº 8.420, de 18 de março de 2015, no seu art. 42, Inciso IX, veio à
baila a figura do “responsável pela aplicação do programa de integridade”
(Brasil, 2015).
Nesse diapasão, caberia ao programa de compliance e ao compliance
officer minimizar os riscos da atividade na tentativa de garantir a proteção
dos dados pessoais de acordo com a atividade empresarial, uma vez que
nenhum tipo de segurança consegue cobrir todos os riscos da atividade.
O comprometimento do programa de compliance junto à Lei Geral de
Proteção de Dados resta evidentemente, na medida em que esse risco não
pode ser zerado, mas a ausência de mecanismos de controle pode ensejar a
responsabilidade civil por esse descuido das partes envolvidas.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da apresentação das questões analisadas no presente estudo


sobre a importância do programa de compliance e a problemática da
proteção dos dados pessoais, foi possível chegar a algumas considerações
importantes.
Transcorreu que a sociedade ainda não tem visão e nem consciência
plena de todos os potenciais benefícios e riscos desse novo cenário mundial
que une a hiperconectividade.
Com a evolução digital, o crescimento exponencial e a criação de novos
modelos de negócios, serviços e produtos alteram a cada dia a relação entre
produtor e consumidor, o que faz com que uma enorme quantidade de
dados pessoais seja coletada e tratada sem qualquer reflexão por ambas as
partes envolvidas.
Compliance em perspectiva | 59

No entanto, observa-se uma mudança nesse cenário, principalmente


nas posturas governamentais, seja pela atualidade do tema, seja pelos
constantes escândalos de vazamentos e abusos de dados pessoais que o
mundo vem sofrendo pelas inovações tecnológicas trazidas pela sociedade
em rede.
Nesse sentido, a tendência mundial é buscar modelos de regulamentações
sobre o tratamento de dados pessoais, tendo em vista o papel essencial que
essas disposições exercem na garantia dos direitos fundamentais para a
proteção da dignidade da pessoa humana.
Sendo assim, a criação da Lei geral de Proteção de Dados (LGPD) é um
avanço legislativo que se une ao programa de compliance para que promova a
conscientização, implantação e monitoramento para garantir a efetividade à
proteção de dados e à segurança para todas as partes envolvidas. O programa
de compliance se une à LGPD a partir do pressuposto de que a segurança
dos dados pessoais é tão importante quanto a liberdade individual.
Resta claro que a Lei Geral de Proteção de Dados é a realidade que
consolida a necessidade do uso ético, seguro e responsável dos dados
pessoais com direito fundamental constitucional.
Assim, o compliance, como prática empresarial para setor privado, tem a
figura de garantir o conjunto de esforços, disciplinas e estratégias voltadas
a que se façam cumprir as normas legais e regulamentares a que se sujeitam
as organizações do setor privado para garantir a proteção dos dados
pessoais, impedir o tratamento inadequado e assumir comportamentos
virtuosos e éticos.

REFERÊNCIAS

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do consentimento. Rio de Janeiro: Forence, 2019.
BRAGA, Renialdo; SOUZA, Filipe (Org.). Compliance na Saúde – presente
e futuro de um mercado em busca da autorregulação. Salvador: Sanar,
2016. Disponível em: <https://issuu.com/diagnosticodigital/docs/livro_
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_na_sa_de.>. Acesso em: 22 jul. 2019.
COIMBRA, Marcelo de Aguiar; MANZI, Vanessa Alessi. Manual de
Compliance: preservando a boa governança e a integridade das
organizações. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
FORGIONI, Paula. A interpretação dos negócios empresariais no novo Código
Civil Brasileiro. 2003.
60 | Fabíola Moraes de Figueiredo Grimaldi

INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA.


Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa. 5. ed. São
Paulo: IBGC, 2015.
MARTINS, Guilherme Magalhães. Direito Privado e Internet. São Paulo:
Atlas, 2014.
MENDES, Laura Schertel. Privacidade, proteção de dados e defesa do
consumidor: linhas gerais de um novo direito fundamental. São Paulo:
Saraiva, 2014.
RODOTÀ, Stefano. A vida na sociedade da vigilância – a privacidade hoje.
Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge; SAAD-DINIZ, Eduardo. Compliance,
direito penal e Lei Anticorrupção. [S.l: s.n.], 2015.
SOPRANA, Paula. O que é a GDPR, a lei de proteção de dados europeia, e
por que ela importa. Disponível em: <https://gizmodo.uol.com.br/lei-
proteca-dados-gdpr.>. Acesso em: 25 jul. 2019.
TEBET, Simone. 2019. Proteção de dados pessoais deverá entrar na
Constituição... Migalhas. Disponível em: <https://www.migalhas.com.
br/Quentes/17,MI305569,101048-Protecao+de+dados+pessoais+devera
+entrar+na+Constituicao+como+direito.>. Acesso em: 25 jul. 2019.
5
PROGRAMAS DE COMPLIANCE E SUA
IMPLEMENTAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA BRASILEIRA
Jamile Souza Calheiros dos Santos19

O presente trabalho tem o objetivo de apresentar o cenário de como


está sendo incorporado o compliance no âmbito da administração pública e
a expectativa para a efetividade dos processos. Para tanto, esse texto irá
apresentar alguns conceitos, explicar certos fatos históricos, bem como
lançará reflexões acerca do tema que não se esgotará nas próximas páginas.
Assim sendo, cumpre ressaltar que a Constituição Federal de 1988,
no capítulo VII, que trata da administração pública, isto é, do conjunto
de órgãos, serviços e agentes públicos do Estado, que visam, em linhas
gerais, a satisfazer as necessidades da sociedade, tais como saúde, educação,
cultura, segurança, moradia, dentre outros, procurou ao máximo dar
19
Advogada e internacionalista. Sócia do Escritório Ribeiro e Calheiros Advogados
Associados. Especialista em Direito Público Municipal, Política e Planejamento
Estratégico. Assessora parlamentar. Membro da Comissão de Direito Internacional
da OAB-Bahia. E-mail: jamilecalheirosadv@gmail.com
61
62 | Jamile Souza Calheiros dos Santos

efetividade aos princípios norteadores da atuação do Estado, contudo, como


não poderia deixar de ser, no tocante à moralidade dos gastos públicos ela
não exauriu o tema.
De lá para cá, buscou-se por intermédio de leis infraconstitucionais
imprimir maior rigor aos gastos governamentais, tendo como exemplo
a Lei Federal de Licitações e Contratos (Lei nº 8.666/93), a Lei de
Responsabilidade Fiscal (Lei nº 101/2000) e a Lei das Estatais (Lei nº
13.303/2016), só para citar alguns exemplos.
Por sua vez, o pleito dos gestores e órgãos públicos sempre foi por
maior celeridade e desburocratização dos procedimentos exigidos nas
contratações com o Poder Público, sob o argumento de que o excesso de
exigências legais inviabilizava as políticas públicas em prol da coletividade.
Entretanto, diante dos recentes casos de corrupção vivenciados no
país, o que se vê é uma busca pela transparência e bom uso do dinheiro
público, mesmo que, para muitos, isso represente um retrocesso à eficiência
pública tão almejada por todos.
Neste contexto, surge a ideia de incorporar os mandamentos do
compliance na administração pública, instituto típico das empresas privadas
que agora permeia as discussões sobre a malversação dos recursos públicos.
Afinal, o que é compliance?
Esse termo apresentado na Língua Inglesa tem sua origem no verbo to
comply, que significa “estar em conformidade com”, obedecer, satisfazer o
que foi imposto, comprometer-se com a integridade. Ele é o assunto da vez
da agenda das empresas, notadamente aquelas que possuem relação com a
administração pública. Porém, vale ressaltar que esse ainda não é o conceito
do que é compliance.
No bojo da recente História do Brasil, programas de integridade
começaram a ser adotados pelas empresas, principalmente após terem seus
nomes envolvidos em escândalos, como o que ocorreu com a conhecida
Operação Lava Jato,20 que é considerada a maior investigação de corrupção
e lavagem de dinheiro já vista no país.

20
A Operação Lava Jato é a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro
que o Brasil já teve. Estima-se que o volume de recursos desviados dos cofres da
Petrobras, maior estatal do país, esteja na casa de bilhões de reais. Soma-se a isso a
expressão econômica e política dos suspeitos de participar do esquema de corrupção
que envolve a companhia. O nome do caso, “Lava Jato”, decorre do uso de uma rede de
postos de combustíveis e lava a jato de automóveis para movimentar recursos ilícitos
pertencentes a uma das organizações criminosas inicialmente investigadas. Embora a
investigação tenha avançado para outras organizações criminosas, o nome inicial se
consagrou.
Compliance em perspectiva | 63

Mas, por que uma empresa, depois de tais acontecimentos, se motivaria


a criar um programa de compliance21 ou programa de integridade22? Para
que possa resgatar sua credibilidade perante o mercado, os investidores
e principalmente entre seus clientes, já que o sistema tem a finalidade de
monitorar e assegurar que todos os envolvidos de uma empresa estejam
de acordo com as suas práticas de conduta, que são organizadas através da
elaboração de um código.
Na atual conjuntura, é preciso que empresa e colaboradores estejam
alinhados com esse código e convictos da eficácia do programa. Infelizmente,
ainda é preciso “ensinar” por meio de um “guia prático” as pessoas a agirem
corretamente, conscientizando-as dos prejuízos de práticas ilegais e
irregulares no ambiente corporativo e governamental.
Os benefícios são inestimáveis, como o aumento da eficiência, ganhos de
produtividade, importante estratégica de competitividade, preservação da
integridade civil e criminal, só para citar alguns exemplos já comprovados
com a implementação de um programa desses nas empresas.
Assim, apesar da sua comprovada importância e atestadas suas
vantagens, lamentavelmente os programas de integridade ainda não são
obrigatórios. Mesmo com a publicação da Lei nº 12.846/2013,23 a conhecida
Lei Anticorrupção, que dispõe sobre a “responsabilização administrativa,
21
Conjunto de procedimentos para o cumprimento de regras gerais, como se fosse o
passo a passo para a organização de todas as atividades. Significa atender as exigências
legais, normativas e éticas, bem como as políticas de cada negócio, envolvendo
as áreas de controles internos e gestão de riscos, entre outras. Portanto, além de
interpretar as regras que regem as suas atividades, a empresa precisa ter um eficiente
controle interno, além de estar atenta para os riscos operacionais. Ou seja, em linhas
gerais, é uma política interna, responsável por garantir o cumprimento de todas as
regulamentações externas, além das regras internas da própria empresa. Observa e
aplica os processos determinados pelos órgãos reguladores, além de evitar, detectar e
tratar qualquer desvio ou inconformidade que possa ocorrer.
22
Consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e
procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de
irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e
diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos
ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira, segundo
conceito previsto no Decreto nº 8.420/2015.
No Brasil, por exemplo, a Lei nº 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção,
abriu espaço para uma forma de compliance mais específica, voltada para implantação
de medidas anticorrupção, o chamado programa de integridade.
23
Inspirada em normas internacionais anticorrupção, como a Lei de Práticas Corruptas
no Exterior (FCPA) dos Estados Unidos, a Lei nº 12.846 integra um microssistema
legal protetivo da administração pública e de combate à corrupção. Pode ser considerada
de maior alcance do que suas correspondentes estrangeiras, na medida em que dispõe
sobre a responsabilidade objetiva.
64 | Jamile Souza Calheiros dos Santos

e civil das pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração


pública, nacional ou estrangeira”, muitas corporações não adotam um
programa desse tipo, correndo riscos de desvirtuamento de seus negócios
para fins ilícitos.
Mas cumpre ressaltar que o arcabouço e as inovações legislativas com
a inserção do compliance no Brasil não se inicia nem se esgota na Lei nº
12.846/2013 e do seu Decreto Regulamentador nº 8.420/2015.
O Brasil, neste contexto, é signatário da Convenção das Nações
Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687/2006, da
Convenção Interamericana contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº
4.410/2002 e da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários
Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, chamada
de convenção da OCDE, promulgada pelo Decreto nº 3678/2000. Os
referidos tratados dispõem e obrigam que cada país deverá tomar as
medidas necessárias ao estabelecimento das responsabilidades de pessoas
jurídicas pela corrupção, por exemplo, de funcionário público.
No ano de 2016, o Estatuto Jurídico das Empresas Estatais, a Lei
Federal nº 13.303 impôs legalmente o termo compliance, exigindo que fossem
observadas pelas empresas do Estado as regras de convivência dentro da
própria empresa, no que tange à sua transparência e de suas estruturas,
bem como suas práticas de gestão de riscos e de controle interno, além
da composição da administração e, havendo-se acionistas, quais serão os
mecanismos para a sua proteção.
É inegável que a Lei anticorrupção e a Lei das Estatais, como são
comumente chamadas, foram marcos legais importantíssimos na área
de disseminação de políticas e mecanismos de prevenção e combate à
corrupção, ficando com a Lei das Estatais a função de fincar a concepção do
compliance público (public compliance) no Brasil.
Contudo, vale destacar que a introdução do compliance no Brasil não
se inicia nem se esgota nas legislações federais mencionadas. Antes delas,
já existia no ordenamento jurídico pátrio normas que inseriram critérios
de busca pela integridade e transparências nos processos, procedimentos e
relações.
Entre essas leis, destacam-se: o Código de Ética Profissional do Servidor
Público Civil do Poder Executivo Federal, Decreto nº 1.171/1994; a Lei
de Responsabilidade Fiscal nº 101/2000; a Lei de Acesso à Informação nº
12.527/2011; a Lei de Conflitos de Interesses nº 12.813/2013 e o Decreto
nº 8.793/2016, que dispõe sobre a Política Nacional de Inteligência.
Compliance em perspectiva | 65

Além desses diplomas legais, novas leis e atos normativos vem sendo
publicados pela administração pública com o intuito de exigir que as
instituições públicas se adéquem e determinem que empresas privadas
também assumam o compromisso de combate à corrupção.
Exemplo disso foi a edição da Portaria nº 57/2019 da Controladoria
Geral da União (CGU), que alterou a Portaria nº 1.089/2018, que
regulamentou a implementação dos Programas de Integridade do Governo
Federal, exigindo que os órgãos e as entidades da Administração Pública
Federal direta, autárquica e fundacional instituam seus próprios programas
de integridade.
Essas normas são um claro demonstrativo de que a administração
pública, a partir de então, quer ser modelo, dando seu próprio exemplo,
exterminando o mal “de dentro para fora”, já que por intermédio dessas
atitudes demonstra que está alerta no combate a este grande mal que assola
todas as sociedades: a corrupção.
Assim, com todos esses instrumentos legais, o que se nota é que o setor
público vem demonstrando que o comprometimento da alta administração
tem que ser compatível com a sua natureza, porte, complexidade, estrutura
e área de atuação tendo em vista que o exemplo deve ser dado de “cima para
baixo”, ou seja, da alta direção do órgão, autarquia, estatal ou fundação para
baixa hierarquia e de “dentro para fora”, ou seja, do público para o privado.
No tocante à obrigatoriedade da implementação de programas de
integridade nas empresas privadas, ou seja, “de fora para dentro”, se elas
forem relacionar-se com a administração pública, o que se vê são inúmeras
discordâncias alegando-se que há inconstitucionalidade da exigência no
que tange à obrigação da empresa ter um programa de integridade.
Os que defendem a inconstitucionalidade baseiam-se na ideia de que
a exigência constante dos programas de integridade estariam violando
a competência privativa da União para dispor sobre normas gerais de
licitações e contratos, ou seja, afirmam que inovações normativas como
essa estariam criando uma condição especial mais restritiva à assinatura
de contratos administrativos, o que, segundo eles, só poderia ser veiculado
através de norma geral.
Entretanto, o que se nota é que a corrente majoritária em relação a
esse embate defende que a exigência de compliance nas contratações com
o Poder Público é constitucional tendo, em vista que a exigência está em
plena conformidade com as diretrizes básicas da Lei Geral de Licitações,24
24
A Lei nº 8.666 de 21 de junho de 1993, que regulamenta o art. 37, Inciso XXI,
da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da administração
pública e dá outras providências, foi aprovada após dois anos de intensa e profunda
66 | Jamile Souza Calheiros dos Santos

que, como norma geral, privilegia os princípios norteadores da moralidade


e da probidade, que deve nortear todas as relações do Poder Público e com
o Poder Público.
Mas o ponto crucial é que a implementação dos programas de compliance
nas relações com a administração pública é uma obrigação contratual, e não
uma condição de habilitação.
Assim sendo, cumpre enfatizar que esses programas são verdadeiros
conjuntos de providências destinadas a prevenir, detectar e sancionar as
condutas administrativas corrompidas, fraudulentas e desviantes, além de
serem instrumentos cruciais para proteger o direito fundamental à boa
administração pública e o princípio constitucional do desenvolvimento
sustentável.25
O conceito de desenvolvimento sustentável, por sua vez, usado neste
texto vai além do mencionado em nota de rodapé. Cumpre ressaltar que
desenvolvimento sustentável é a promoção do desenvolvimento nacional
sustentável que não se resume apenas a questões ambientais.
Além disso, esse conceito não se resume a questões sociopolíticas
ou financeiras, sendo importante vertente da agenda de contratações
sustentáveis à integridade como pilar da sustentabilidade sociopolítica e
também econômica.
Assim, a integridade está intrinsecamente ligada ao desenvolvimento
sustentável, tendo em vista que a sustentabilidade irá buscar equilibrar aquilo
que é socialmente necessário, economicamente desejável e ecologicamente
saudável, ou seja, os conceitos são interligados.
Dessa forma, é por isso que se deve analisar o conceito de
sustentabilidade de forma ampla, já que para garantir a sustentabilidade da
economia, da própria evolução da sociedade e inclusive do meio ambiente é de
fundamental importância que o mercado e o Estado possuam compromisso
com mecanismos aptos no combate à corrupção, tendo-se em vista que suas
consequências afetam todas as camadas sociais, mais notadamente aquelas
que mais dependem de serviços públicos essenciais, de um meio ambiente
saudável e de uma economia em ascensão.
discussão no Congresso Nacional, envolvendo os estudiosos, os conhecedores do
assunto e aqueles atingidos pelos despercebidos mecanismos de corrupção ensejados
pela legislação anterior, o Decreto-Lei 2.300.
25
A definição mais aceita para desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento capaz
de suprir as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade de atender
as necessidades das futuras gerações. É o desenvolvimento que não esgota os recursos
para o futuro. Essa definição surgiu na Comissão Mundial sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento, criada pelas Nações Unidas para discutir e propor meios de
harmonizar dois objetivos: o desenvolvimento econômico e a conservação ambiental.
Compliance em perspectiva | 67

O combate à corrupção vem ocupando papel de destaque não só no


contexto brasileiro, mas em todo o mundo, haja vista que é constante a
divulgação de casos envolvendo fraudes, subornos e falta de ética por parte
das empresas e do poder público.
Este é um fenômeno complexo, cujo conceito não é universal e possui
reflexos incalculáveis. Muitos o consideram como o oposto da democracia,
já que suas consequências são tão nocivas que acarretam impactos sociais
decorrentes dos seus atos além de alarmantes impactos econômicos.
Entretanto, é importante destacar que não existe um conceito geral e
universal de corrupção. O que existe é um certo consenso na doutrina do
que é corrupção (CASTRO, 2019). Esta é uma atividade nociva, que atinge
todos os países, independentemente de seu grau de desenvolvimento, e
consiste em práticas como obtenção de vantagem indevida, abuso de poder,
desvio de recursos e condutas típicas de corrupção disciplinadas. A exemplo
do crime, lavagem de dinheiro, pagamentos de propina, direcionamento de
licitação, superfaturamento de contratos públicos, nepotismo, entre tantas
outras condutas.
Apesar de ser uma conduta tão nefasta, um levantamento26 realizado
pela Organização das Nações Unidas (ONU) demonstra exatamente que
nenhum país está imune à prática da corrupção, além de apresentar que
todos os anos 1 trilhão de dólares é pago em propinas e outros 2,6 trilhões
de dólares são roubados por meio deste tipo de crime. Vale ressaltar que
esse valor equivale a mais de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) de todo
o mundo.
Nesse compasso, o anseio por mudanças culturais são a fonte de
inspiração para a criação e o fortalecimento de ferramentas capazes de
monitorar, controlar e reprimir a atuação imoral e antiética que ocasiona
prejuízos notadamente à economia, agravando de forma substancial
a desigualdade social, além de impedir o adequado desenvolvimento
econômico, social e sustentável, sobretudo de países em desenvolvimento,
como é o caso do Brasil.
Dando início a uma nova ordem na gestão pública, alguns governos
têm tomado suas providências no caminho da legalidade. O governo do
Distrito Federal, por exemplo, exige que todas as empresas e instituições que
possuem contratos vigentes ou que desejam participar dos procedimentos
licitatórios estabeleçam um programa de compliance, programa mais amplo
que contém o programa de integridade.
26
O custo da corrupção: trilhões de dólares são perdidos anualmente. Disponível em:
<https://news.un.org/pt/story/2018/12/1651051>. Acesso em: 2 set. 2019.
68 | Jamile Souza Calheiros dos Santos

Outros estados como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Mato


Grosso, Espírito Santo já saíram na frente e têm seguido o caminho do
compromisso com a integridade e transparência, já que implementaram ou
estão implementando seus programas de compliance.
O Rio de Janeiro, por exemplo, editou a Lei Estadual nº 7.753/2017, que
em seu artigo 1º determina de forma expressa a exigência de implementação
de programas de compliance nas empresas que mantêm relações com a
administração pública direta, indireta e fundacional do estado.
O estado do Rio Grande do Sul também sancionou uma lei, a Lei
Estadual nº 15.228/2018, que regulamentou no estado a Lei Anticorrupção,
Lei nº 12.846/2013, estabelecendo também a exigência de programa
de integridade para empresas como requisito à celebração de contratos,
consórcio, convênio, concessão ou parceria público-privada com a
administração pública estadual.
O Mato Grosso do Sul, embora não obrigue que as empresas
implementem seus programas de compliance para manter relação com a
administração pública, exige a assinatura de um termo anticorrupção pelas
empresas contratadas, que na realidade obriga que essas empresas adotem
políticas e procedimentos semelhantes aos exemplos anteriores dos estados
já mencionados.
O estado do Espírito Santo superou os estados citados já que, além
de editar a Lei Estadual nº 10.793/2017, criou a Secretaria de Estado
de Controle e Transparência (SECONT), que tem como uma de suas
finalidades implementação de procedimentos de prevenção e de combate à
corrupção.
Além disso, essa secretaria inovou criando a Subsecretaria de
Estado de Integridade Governamental e Empresarial (SUBINT),27 que é
responsável pelo planejamento e execução de ações de prevenção e combate
à corrupção, supervisionando as investigações que apurem os atos lesivos à
administração pública, praticados por pessoas jurídicas.
Outro estado que está despontando neste cenário é Santa Catarina.
O governo catarinense criou recentemente a Secretaria Executiva de
Integridade e Governança (SIG), que terá a função principalmente do
controle interno, governança, combate à corrupção, entre outros.
Vale ressaltar que os estados do Espírito Santo e Santa Catarina
optaram por um compliance de “dentro para fora”, como já foi citado no
presente trabalho, enquanto os estados do Rio de Janeiro, Rio Grande
27
A Subint é o órgão, dentro da Secont, especializado em apurar as ilicitudes previstas
na Lei de Anticorrupção Empresarial (Lei nº 12.846/2013) e, se for o caso, aplicar as
sanções cabíveis.
Compliance em perspectiva | 69

do Sul, Mato Grosso do Sul e o Distrito Federal optaram primeiramente


por um compliance de “fora para dentro”. A Bahia ainda está recente nesse
debate e tem propostas legislativas tramitando na Assembleia Legislativa
do estado, proposições em ambos sentidos.
Como se vê, as experiências dos estados relatados fazem todo o
sentido com a nova ordem da conjuntura atual do Brasil. Os programas
de compliance são recentes, mas vieram para ficar devido a sua urgência e
oportunidade diante do recente cenário brasileiro e mundial.
Ações como essa têm a função de proteger a administração pública
dos atos lesivos de seus agentes que resultem em prejuízos ao dinheiro
público, causados por irregularidades, falta de ética e de conduta, coibindo
em grande medida as fraudes contratuais e garantindo a execução dos
contratos conforme a legislação, para que as contratações atinjam sua
finalidade precípua, qual seja, promoção de benefícios para a coletividade.
Assim, é necessário ressaltar o conceito do que venha a ser compliance.28
Esta é uma ferramenta complexa ou um processo sistemático contínuo que
implica a implantação de inúmeros pilares para estruturação de um efetivo
sistema de prevenção de práticas ilegais, irregulares de conduta.
Ressalte-se que os pilares implementados deverão guardar adequação
e proporcionalidade à realidade da corporação. Incorpora aspectos éticos
à tomada de decisões e também em todas as suas relações e atividades,
permeando assim a missão, a visão e os valores das corporações e trazendo
uma reflexão sobre o impacto de suas decisões, haja vista o conjunto de suas
partes interessadas, a sociedade em geral e o meio ambiente.
Apesar de ser um tema bem contemporâneo, a busca por integridade e
combate à corrupção remonta ao Foreign Corrupt Practices Act (FCPA),29
editado nos Estados Unidos no ano de 1977, considerado este o marco
histórico da matéria.
Assim, o compliance faz parte de um fenômeno de americanização que
os ordenamentos jurídicos europeus estão experimentando. O instituto
nasce e se desenvolve nos Estados Unidos da América.
28
Conceito fornecido por Roberta Carneiro Foppel na palestra Governança e
Compliance, em Salvador, em agosto de 2019.
29
O  Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), a Lei Americana Anticorrupção no
Exterior, é uma lei estadunidense promulgada pelo Congresso dos EUA no ano de 1977
e destina-se a criar sanções cíveis, administrativas e penais no combate à corrupção
comercial internacional. É aplicada a pessoas e empresas americanas que, em atividade
comercial no exterior, utilizam de corrupção no Poder Público estrangeiro para
obter ou reter transações comerciais naquele país. Da mesma forma, esta lei criou
uma estrutura administrativa para combater a prática de corrupção em transações
comerciais internacionais.
70 | Jamile Souza Calheiros dos Santos

Mas, com o passar do tempo, os escândalos foram tornando-se


acontecimentos cada vez mais recorrentes, os crimes e as falcatruas
cometidas mais sofisticadas. Dessa maneira, as fraudes corporativas
ocorridas no início dos anos 2000 nos Estados Unidos com a empresa Enron,
seguido de casos similares com a WorldCom, Tyco e Adelphia, fizeram com
que o sentido da implementação de programas de conformidade com a Lei
ganhasse uma orientação mais punitiva.
A resposta legislativa ao escândalo com a Enron veio com a Lei
Sarbanes‑Oxley (SOX) do ano de 2002, com o intuito de promover reformas
nas práticas comerciais norte-americanas, bem como implementar a
exigência de programas de avaliação dos riscos e controles internos nas
empresas. Desse modo, essa lei trouxe uma mudança geral no sentido de
que os controles voluntários passaram a ser, agora, obrigatórios.
Assim, a consequência que se pleiteia é que o programa público de
integridade, nascido com o objetivo de contribuir com a sociedade, por
meio do fiel cumprimento da legislação, busca, em sua essência, uma melhor
distribuição dos recursos públicos, que devem ser destinados a todos os
cidadãos.
Espera-se que essa novidade traga bons frutos na esfera governamental,
com efetivas vantagens para toda a nação, fazendo com que a prática seja
replicada e aprimorada em todos os estados federados do Brasil.
Dessa forma, conforme afirmou o ministro Luís Roberto Barroso,30 o
que vem ocorrendo no país é um novo business, uma nova área de atividade
que são os profissionais e os departamentos de compliance, e é bom que seja
assim, pois se espera que seja o prenúncio de um novo tempo, em que a ideia
de integridade seja um vetor fundamental do comportamento humano.
Os programas de integridade não são só importantes para evitar
escândalos envolvendo corrupção, fraudes, subornos entre outros ilícitos
no âmbito das empresas e principalmente da administração pública, mas
porque são importantes instrumentos de proteção do Poder Público e
consequentemente dos seus gestores.
Contudo, destaca-se ainda que cada vez mais o mercado vem
valorizando empresas e as administrações públicas comprometidas com a
integridade, e estas passam a ter uma vantagem competitiva diante dos
concorrentes e critérios diferenciais na obtenção de investimentos, créditos
ou financiamentos. Pensar em um ambiente de negócios íntegro possibilita
30
É um jurista, professor e magistrado brasileiro, atualmente ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sendo vice-
presidente dessa corte.
Compliance em perspectiva | 71

evoluir para um mercado em que características éticas das empresas


tornam-se um diferencial no mundo corporativo.
Por fim, pode-se concluir que a adequação de públicos e privados aos
valores da ética e da integridade é compromisso que permanecerá na pauta
e na agenda do país. Dessa forma, as empresas que desejam continuar
contratando com a administração pública terão que adequar-se às novas
exigências.
Essas exigências, cumpre ressaltar, não são objeto de
inconstitucionalidade, tendo-se em vista que foram editadas de acordo
com os parâmetros legais, notadamente a Lei de Licitações e Contratos e o
Estatuto Jurídico das Estatais.

REFERÊNCIAS

AS INVESTIGAÇÕES CORPORATIVAS NO CONTEXTO DA LEI


FEDERAL Nº 12.846/2013 E DO DECRETO FEDERAL 8.420/2015.
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al.ba.gov.br/>. Acesso em: 1º set. 2019.
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inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações
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Brasília, DF, junho 1993, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
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__________. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada
em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
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__________. Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Estabelece
normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade
na gestão fiscal e dá outras providências. Brasília, DF, maio 2000.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm>.
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e antecedentes dos programas de integridade. Canal Ciências Criminais.
Disponível em: <https://canalcienciascriminais.com.br/anticorrupcao-
e-criminal-compliance-origens-e-antecedentes-dos-programas-de-
integridade/.>. Acesso em: 20 ago. 2019
72 | Jamile Souza Calheiros dos Santos

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Compliance nas contratações públicas: exigências e critérios normativos.
Belo Horizonte: Fórum, 2019.
__________. Exigência de compliance nas contratações com o poder público
é constitucional. Revista Consultor Jurídico. Disponível em: <https://
www.conjur.com.br/2018-dez-03/pironti-constitucional-exigir-
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CUEVA, Ricardo Villas Bôas; FRAZÃO, Ana (coord.). COMPLIANCE:
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de Licitações, 8.666 e da deformação, o RDC. Disponível em: <https://
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WWF-BRASIL. O que é desenvolvimento sustentável? Disponível em:
<https://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/questoes_ambientais/
desenvolvimento_sustentavel/>. Acesso em: 28 ago. 2019.
6
INTEGRIDADE GOVERNAMENTAL PARA
O LEGISLATIVO BRASILEIRO: MELHORES
PRÁTICAS
Luana Costa de Senna31

O escopo do presente trabalho é, por meio do estudo normativo e de


cases, analisar a possibilidade de instituição de programas de integridade
específicos para o Poder Legislativo brasileiro. Serão analisadas as melhores
práticas para a transparência e inserção de valores éticos nas câmaras,
assembleias e no Congresso, e assim proporcionar maior eficácia na gestão
e no cumprimento das funções parlamentares.
Busca-se compreender o que é um programa de integridade
governamental, seus conceitos e delimitações, mediante breve análise
do histórico internacional do surgimento do que hoje se denomina de
compliance. Também serão estudados cases relevantes e a legislação que
usualmente sucede às crises ocasionadas por fraudes, corrupção, lavagem

31
Advogada, pós-graduanda em Compliance, Governanças e Riscos – Faculdade Baiana
de Direito.
73
74 | Luana Costa de Senna

de dinheiro e desvios de conduta, bem como o contexto que demandou a


importação desses conceitos para o cenário nacional.
Proceder-se-á um estudo sobre a administração pública, especificamente
sobre a estrutura do Poder Legislativo, com a compreensão de noções
essenciais do Estado e do sistema político brasileiro. Nessa linha, serão
analisadas questões relacionadas à gestão legislativa, no contexto da
gestão pública gerencial, com a reflexão administrativa estratégica sobre a
estrutura do gabinete parlamentar.
Será exposto o contorno teórico da responsabilização do parlamentar
e assessores por suas ações, incluído o estudo sobre a legislação penal, civil
e administrativa.
Em seguida, após a identificação dos eixos do programa de integridade
governamental, serão elencadas algumas das melhores práticas para a
inserção de valores éticos no âmbito do exercício da atividade parlamentar
e objetivos desenvolvidos especialmente para o gabinete legislativo.
Assim, será verificado se o programa de integridade é uma ferramenta
capaz de auxiliar o agente político a exercer seu mandato parlamentar de
forma mais ética e contribuir para o pleno exercício da cidadania por todos
os brasileiros.

1 INTEGRIDADE GOVERNAMENTAL

A preocupação com a ética nem sempre esteve no foco da atividade


empresarial ou da administração pública, mas tem ocupado posição
de destaque, quase sempre como uma resposta a crises envolvendo
corrupção, fraudes, entre outros. Seja no cenário internacional ou nacional,
seja no âmbito privado ou público, tem-se o constante crescimento da
regulamentação visando a coibir tais práticas.
O maior dinamismo na comunicação moderna ocasiona maior
visibilidade dos atos das organizações para a sociedade, demandando maior
comprometimento ético dos envolvidos, bem como maior reflexão sobre
quais as melhores práticas para fomentar um ambiente íntegro, mais justo
e harmonioso (LAMBOY, 2018, p. 3‑5).
Conforme ensinado por Cortella (2014), ética é definida como o
conjunto de valores e princípios utilizados para decidir as três grandes
questões da vida: quero, devo, posso (apud LAMBOY, 2018, p. 17). Pauta
regras de conduta do indivíduo, sendo assim ciência do comportamento e
dos costumes (ZENKNER 2019, p. 40) e nas organizações deverá pautar as
decisões das entidades públicas ou particulares.
Compliance em perspectiva | 75

A moral, por sua vez, tem natureza deontológica e se diferencia da


ética já que “um juízo ético se refere àquilo que as pessoas devem fazer
para viverem bem: aquilo que a que devem aspirar ser e conseguir nas suas
próprias vidas. Um juízo moral faz uma afirmação sobre como as pessoas
devem tratar os outros” (DWORKIN apud ZENKNER 2019, p. 42).
De outro lado, o que motiva o desvio comportamental muitas vezes
ultrapassa o pesar do custo ou o benefício da infração, mas se relaciona
com a possibilidade de racionalização – o nível de trapaça que nos deixa
confortável, denominado por Dan Ariely como a teoria da margem de
manobra (2012). Nessa linha, a corrupção, em sentido amplo, refere-se ao
“abuso do poder investido para ganhos privados”, conforme a transparência
internacional (apud ZENKNER 2019, p. 74).
Não é possível compreender esse fenômeno sem realizar uma breve
reflexão histórica sobre a ética corporativa, por meio da análise de cases
relevantes e a legislação que lhes sucederam.
O primeiro marco dessa discussão é 1929, no contexto da Grande
Depressão, com a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, nos Estados
Unidos. Como decorrência da crise da superprodução, Flôres (2019, p.
8-9) indica que o evento resultou na edição da Securities Act em 1933 e na
criação da agência reguladora Securities and Exchange Commission (SEC)
em 1934, com o Securities Exchange Act.
Da mesma forma, o escândalo do Watergate, o qual identificou que
empresas americanas usualmente realizavam pagamentos ilegais de propina
no exterior, inclusive para campanhas de políticos, ensejando promulgação
da Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) de 1977. A legislação visa a
coibir práticas de corrupção no exterior, que serviu de base para convenções
internacionais sobre o tema (FLÔRES, 2019, p. 14-5), assegurando um
ambiente concorrencial mais igualitário.
Ato contínuo, extremamente significativo foi o case da Enron, gigante
do ramo da energia, que figurava como um exemplo de gestão moderna
e com aparente ambiente inovador nos negócios. Em verdade, a empresa
utilizava-se de fraude contábil para agregar volume de receitas e inflar o
seu valor de mercado. A descoberta da fraude pela SEC causou a falência da
empresa e grande abalo na confiança da população com mercado de capitais,
que passou a exigir, para empresas listadas na bolsa, mais mecanismos de
controles (GONSALES, 2016), com a edição da Lei Sarbanes-Oxley (SOX).
Gonsales ensina que, embora o mencionado diploma legal não tivesse o
objetivo de combater a corrupção, é a primeira legislação a promover o
desenvolvimento do compliance (2016).
76 | Luana Costa de Senna

Zenkner indica que, no âmbito das convenções internacionais, a


prevenção à corrupção se tornou uma preocupação, sendo as normas mais
relevantes a Convenção da OCDE sobre o Combate à Corrupção de 1997
(2019, p. 97) e a Convenção da ONU contra a Corrupção (UNCAC) de 2003
(2019, p. 101).
Note-se que a internacionalização do Direito penal é uma tendência
ante ao desejo de solução para os problemas que afetam a humanidade, a
exemplo da corrupção. Embora não se possa ter uma imposição efetiva de
obrigações, é certo que a influência do soft law é cada vez mais presente
(SILVEIRA; DINIZ, 2015, p. 31-34).
Assim, buscando inicialmente assegurar que empresas privadas
estavam de acordo com as normas e regulamentos de modo a evitar
prejuízos patrimoniais decorrentes da violação de uma conduta íntegra,
surge o termo compliance, que para além da sua tradução literal, que significa
conformidade, engloba:

[...] um sistema de gestão de riscos composto de uma série de


mecanismos metodologicamente estabelecidos, posicionado na segunda
linha de defesa do ambiente corporativo, que auxilia uma empresa, órgão
ou entidade, pública ou privada, e seus respectivos gestores, a prevenir,
detectar e responder a irregularidades, ilegalidades e desvios de conduta
que são ou poderão ser praticadas por colaboradores, administradores,
acionistas, representantes ou terceiros, em seu nome e que, em razão
disso, podem trazer a responsabilização ou exposição da imagem e
reputação da pessoa jurídica e dos dirigentes a ela relacionados, com
atuação evolutiva pautada pela melhoria contínua e pela disseminação
de valores (v.g., conduta ética e integridade) ao ambiente corporativo.
(CUNHA, 2019, p. 363-364).

Embora o termo estrangeiro compliance tenha sido incorporado no


vocabulário nacional, especialmente no âmbito privado, a opção legislativa
brasileira do artigo 41 do Decreto nº 8.420 (BRASIL, 2015) foi pela
adoção do termo “integridade”. Mesmo utilizado como sinônimo, é certo
que a integridade vai além da conformidade, já que figura como o “valor
fundamental que não só orienta o programa de compliance, mas constitui a
sua razão de ser” (LAMBOY, 2018, p. 13). Segundo a Controladoria-Geral
da União (CGU), o programa de integridade governamental refere-se ao
sistema que visa a garantir “a prevenção, detecção, punição e remediação de
fraudes e atos de corrupção” (BRASIL, 2017, p. 5).
Na esfera nacional, Zenkner resume o microssistema brasileiro de
prevenção e combate à corrupção como o conjunto normativo sobre a matéria,
Compliance em perspectiva | 77

com a aplicação de sanções penais e administrativas, cujo fundamento de


validade é o artigo 37 da CF (2019, p. 197). Destaca-se para o presente
trabalho as leis: do Regime Jurídico dos Servidores Públicos (BRASIL,
1990), de Defesa da Probidade Administrativa, nº 8.429 (BRASIL, 1992),
de Acesso à Informação, nº 12.527 (BRASIL, 2011).
Por fim, importa ressaltar que os parlamentares que optarem por adotar
uma cultura de integridade no exercício das suas funções não apenas estarão
de acordo com os mandamentos constitucionais de moralidade pública e em
conformidade com as normas infraconstitucionais, mas também agregarão
capital político à sua atividade.

2 NOÇÕES SOBRE O PODER LEGISLATIVO, CIDADANIA E GESTÃO


PÚBLICA

O conceito clássico de Estado refere-se a “uma pessoa instituída, pelos


atos de uma grande multidão, mediante pactos recíprocos [...] de modo a
poder usar a força e os meios de todos, da maneira que achar conveniente,
para assegurar a paz e a defesa comum” (HOBBES, 1909, p. 70, tradução
nossa). E a opção brasileira foi por consagrar a teoria da separação entre
poderes capitaneada por Montesquieu (1748), diferenciando assim as
atividades legislativa, executiva e jurisdicional, expressas no artigo 2º da
Constituição Federal (BRASIL, 1988).
O Poder Legislativo encontra-se dentro da noção de administração
pública no seu sentido subjetivo, que “designa os entes que exercem a
atividade administrativa; compreende pessoas, jurídicas, órgãos e agentes
públicos incumbidos de exercer uma das funções em que se triparte a
atividade estatal” (DI PIETRO, 2005, p. 54).
Nessa linha, o artigo 37 da CF delimita que “a administração pública
direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência” (BRASIL, 1988),
assegurando que o agir ético encontra-se em consonância com o interesse
público, sendo essa regra imposta a todos.
Embora seja recorrente o debate sobre a construção de um programa
de integridade para a administração pública no âmbito do Poder Executivo,
não se pode olvidar que pouco se discute sobre os mecanismos de controle
destinados à atividade parlamentar, ocasionando assim um ambiente
propício a desvios de conduta.
78 | Luana Costa de Senna

Com efeito, mesmo com a incidência do regime jurídico-administrativo,


o segmento dos gabinetes parlamentares é muito carente no que se refere a
instrumentos de transparência e parâmetros de atuação, posto que gozam
de ampla liberdade de contratação, remuneração e gestão de pessoal,
utilização de verbas, entre outros.
É certo que o Poder Legislativo é aquele que detém maior legitimidade
democrática, uma vez que são escolhidos com o objetivo exclusivo de
representar os interesses da população de forma direta, devendo atuar de
forma próxima aos seus eleitores. Entretanto, há uma grande desconfiança
do cidadão, seja pelos recorrentes casos de corrupção e fraudes, seja pela
desinformação sobre as atividades exercidas, gerando afastamento e
desgaste deste relacionamento.
Frise-se que o Poder Legislativo íntegro é pressuposto para o pleno
desenvolvimento da cidadania, entendida como “um conjunto de direitos
que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo
de seu povo” (DALLARI, 1998, p. 14), já que reflete escolhas conscientes e
legítimas da população.
A cidadania brasileira seguiu uma lógica inversa, na medida em que:

[...] primeiro vieram os direitos sociais, implantados em período de


supressão dos direitos políticos e de redução dos direitos civis por um
ditador que se tornou popular. Depois vieram os direitos políticos, de
maneira também bizarra. A maior expansão do direito do voto deu-se
em outro período ditatorial, em que os órgãos de representação política
foram transformados em peça decorativa do regime. Finalmente, ainda
hoje, muitos direitos civis, a base da sequência de Marshall, continuam
inacessíveis à maioria da população. A pirâmide dos direitos foi colocada
de cabeça para baixo. (CARVALHO, 2001, p. 219-220).

Sendo assim, a adoção de medidas de integridade governamental no


gabinete parlamentar é ferramenta capaz de auxiliar o agente político a
exercer seu mandato parlamentar de forma mais ética e contribuir para o
pleno exercício da cidadania.
Para o sucesso na funcionalidade e desenvolvimento das atividades
parlamentares, é importante inserir no gabinete uma gestão pública
gerencial (BRASIL, 1995, p. 21-24), distanciando-se do ainda tão atual
modelo patrimonialista, com práticas de nepotismo, empreguismo e da
corrupção (BRESSER-PEREIRA, 1996, p. 4).
Nessa linha, Bresser-Pereira (1996, p. 7) trata da reforma gerencial
do Estado que incluiu a eficiência entre os princípios constitucionais e
levou a gestão pública para perto das práticas privadas, resguardando-
se, certamente, os princípios administrativos de utilidade e supremacia
Compliance em perspectiva | 79

do interesse público, assim como se pretende fazer com um programa de


integridade especifico para o Poder Legislativo.
Da mesma forma que a eficiência, outros aspectos da gestão
administrativa privada podem e devem ser incorporados na estrutura
do gabinete parlamentar, desde que respeitada a natureza de ente
eminentemente político, visando a uma estrutura para planejamento e
execução de projetos (ARAÚJO, 2001, p. 139).
Assim, é necessário que haja processos bem delimitados tanto para
a gestão dos projetos, de pessoas, de qualidade, de processos decisórios,
como também para divisão da equipe responsável pelo processo político,
legislativo, orçamentário, de comunicação, administrativo, de atendimento
ao público, entre outros, promovendo assim o planejamento estratégico do
gabinete parlamentar (NEVES JÚNIOR, 2009, p. 89).

3 DA RESPONSABILIZAÇÃO DO PARLAMENTAR E ASSESSORES

É consequência do sistema da separação de poderes não apenas a


existência de garantias para o pleno exercício da atividade de forma
independente, mas também a existência de um mecanismo de sanções
efetivas para os desvios identificados.
A regulamentação da matéria que revela interesse para o gabinete inclui
aspectos cíveis, penais e administrativos, presentes inclusive em legislação
extravagante, que deve sempre pautar o planejamento de integridade
parlamentar.
O artigo 53, caput, da CF garante que os parlamentares “são invioláveis,
civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”
(BRASIL, 1988), visando assim a assegurar a liberdade de expressão,
no âmbito material, como garantia ao pleno exercício e desempenho do
mandato parlamentar. Tal prerrogativa garante os freios e contrapesos
necessários, em face de eventuais “abusos, ataques e pressões” do Executivo
ou do Judiciário (KURANAKA, 2002, p. 116-118). A imunidade formal
(processual), prevista nos parágrafos 2º ao 5º do mesmo diploma legal,
relaciona-se à prerrogativa de “não poderem ser presos, desde a expedição
do diploma, salvo em flagrante de crime inafiançável, bem como, em se
tratando de crime ocorrido após a diplomação, na possibilidade de sustação
do andamento da ação”, ante iniciativa do partido e pelo voto da maioria
dos seus membros. (KURANAKA, 2002, p. 176). Registre-se ainda que a
imunidade formal não abrange os vereadores, por expressa opção legislativa
do artigo 29, VIII (BRASIL, 1988).
80 | Luana Costa de Senna

A despeito da garantia supramencionada, o parlamentar deverá, na


esfera da análise de risco, refletir sobre o potencial impacto de reputação
que se utilizar da sua imunidade pode ocasionar, seja no âmbito material,
seja no formal.
O Código Penal tipifica a corrupção passiva no artigo 317 como o ato de
“solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda
que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem
indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem” (BRASIL, 1940). O artigo
333 enquadra a corrupção ativa como “oferecer ou prometer vantagem
indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou
retardar ato de ofício” (BRASIL, 1940).
Contudo, é valido ressaltar que no âmbito prático é muito complexo
comprovar tanto a materialidade (ocorrência) como também a autoria da
corrupção ativa e/ou passiva, posto que são usualmente camufladas e sem
visibilidade (NUCCI, 2015, p. 13)
Incluem-se também no interesse do parlamentar entre os crimes
contra a administração pública (BRASIL, 1940) o peculato (artigo 312 e
313), a concussão (artigo 316), a prevaricação (artigo 319), condescendência
criminosa (artigo 320), advocacia administrativa (artigo 321), violação de
sigilo funcional (artigo 325).
Embora extremamente relevante para coibir desvios de conduta, a
Lei nº 8.112 (BRASIL, 1990), que regulamenta na, esfera federal, o regime
jurídico dos servidores públicos civis, não se aplica aos parlamentares,
pois que são agentes políticos; aplica-se, tão somente, aos seus assessores,
ocupantes de cargo em comissão.
O parlamentar deverá agir pautando-se pelo princípio da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, além de buscar sempre
o cumprimento da supremacia e da indisponibilidade do interesse público,
já que o agente político é espécie de agente público. O conceito de agente
público encontra‑se no artigo 2º da Lei nº 8.429, que engloba “todo aquele
que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição,
nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura
ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função” (BRASIL, 1992). Tem-se
assim a aplicabilidade das sanções da Lei de Improbidade aos parlamentares,
como também aos seus assessores.
Nessa linha, o mencionado diploma legal define como condutas
ilícitas os atos que gerem enriquecimento ilícito (artigo 9º), aqueles que
causam prejuízo ao erário (artigo 10) e atentem contra os princípios da
administração pública (ZENKNER, 2019, p. 150). Não se aplicam as regras
Compliance em perspectiva | 81

do foro por prerrogativa de função, em razão da sua natureza não penal


(ZENKNER, 2019, p. 148). A Lei nº 8.429 figura assim como uma das
maiores ferramentas de controle das atividades parlamentares, demandando
extrema atenção na busca pela conformidade do Poder Legislativo.
A Lei nº 12.527 (BRASIL, 2011) assegurou ferramenta de controle
da atuação pública, garantindo o acesso à informação, capaz de promover
a transparência. Há, inclusive, previsão de responsabilização pelo seu
descumprimento, autorizando até a classificação da conduta como
improbidade administrativa.
É importante frisar que a Lei de Integridade das Pessoas Jurídicas
(BRASIL, 2013), embora seja um relevante instrumento do microssistema de
combate à corrupção, não tem aplicação direta sobre a atuação parlamentar.
Embora suas sanções sejam direcionadas para pessoas jurídicas de direito
privado, o parlamentar deverá se preocupar com o efeito indireto que um
escândalo de corrupção pode causar.
O parlamentar também está submetido ao regulamento interno de
cada Casa Legislativa, sendo possível a abertura de processo administrativo
disciplinar para apuração de eventual violação do decoro parlamentar, que
poderá ocasionar inclusive a perda do mandato, conforme o artigo 55, inciso
II da CF. Embora traga conceito subjetivo e aberto (KURANAKA, 2002,
198), o decoro é intimamente relacionado com a ausência de integridade na
conduta do congressista no exercício da função. Na prática, não é utilizado
como deveria na valorização da ética.
O parlamentar está submetido ainda aos crimes previstos no Código
Eleitoral, a exemplo da compra de votos, artigo 41-A da Lei 9.504 (BRASIL,
1997); boca de urna, artigo 39, parágrafo 5º, I e II, da Lei 9.504 (BRASIL,
1997), entre outros.
Conclui-se que, embora o parlamentar goze de ampla liberdade no
exercício do Poder Legislativo e seja evidente a carência regulatória e de
fiscalização efetiva da atividade parlamentar, o microssistema brasileiro de
combate à corrupção já atinge a atuação parlamentar, seja cível, penal, seja
administrativamente, inclusive com alto impacto de reputação, o que torna
o estudo específico das medidas de prevenção, detecção e resposta ainda
mais relevante.

4 EIXOS DO PROGRAMA DE INTEGRIDADE E MELHORES PRÁTICAS

A Controladoria-Geral da União (CGU) vem exercendo protagonismo


no cenário nacional no que se refere à atuação preventiva do combate à
82 | Luana Costa de Senna

corrupção e desenvolvimento de uma cultura de integridade. A entidade


propõe medidas a serem observadas pelas entidades públicas, com o
objetivo de promover os “arranjos institucionais que visam a fazer com que
a Administração Pública não se desvie de seu objetivo precípuo: entregar
os resultados esperados pela população de forma adequada, imparcial e
eficiente” (BRASIL – CGU, 2015, p. 5). Embora direcione apenas à atuação
federal, as diretrizes elencadas podem ser utilizadas nas outras esferas e
fundamenta a construção do modelo para os gabinetes legislativos.
Registre-se que a natureza política do gabinete não deve ser empecilho
para a incorporação dos valores e medidas desse sistema, exigindo apenas
maior cuidado na análise das suas peculiaridades, até porque é ferramenta
capaz de conferir ao ente público “legitimidade e confiabilidade” e
“eficiência” (BRASIL – CGU, 2017, p. 6), figurando como meio hábil de
ampliar o capital político do parlamentar.
O programa de integridade pública deverá ser pautado por quatro
eixos centrais.
Primeiramente, tem-se o comprometimento e apoio da direção
(BRASIL – CGU, 2017, p. 10), que no caso do gabinete parlamentar por
óbvio deverá ser liderado pelo próprio congressista. Ou seja, o interesse
em criar as ferramentas necessárias para cultivar um meio íntegro exige a
vontade do parlamentar e sem esse requisito é inviável tal desenvolvimento.
Entretanto, nem sempre esse interesse será motivado por valores de
integridade, podendo também surgir por demanda popular, ao se empoderar
e exigir dos seus representantes um comportamento transparente e íntegro,
como ocorre no caso das empresas privadas que adotam o compliance por
exigência de mercado.
O segundo ponto central do programa de integridade é a designação
de uma instância responsável pelo “acompanhamento, monitoramento e
gestão das ações e medidas de integridade a serem implementadas” (BRASIL
– CGU, 2017, p. 11). Assim, como o gabinete parlamentar deverá contar com
o auxílio de profissionais de comunicação, jurídico, administração de pessoas
etc., é importante que se tenha alguma estrutura para buscar prevenir,
detectar e responder dilemas éticos, seja pela contratação direta, seja por
consultorias externas especializadas. É claro que essa função, considerando
as pequenas proporções do gabinete parlamentar, pode ser assumida por
um funcionário que já se encontre na estrutura, quer pelo jurídico, quer
pelo chefe de gabinete, desde que sejam devidamente capacitados.
Outro eixo importante é a preocupação com a análise de riscos,
uma vez que o programa de integridade deverá ser guiado pela “contínua
Compliance em perspectiva | 83

identificação, análise e avaliação” (BRASIL – CGU, 2017, p. 12), sendo


uma parte estrutural do planejamento estratégico para identificar as
vulnerabilidades do gabinete parlamentar.
Por fim, o último elemento é o monitoramento contínuo (BRASIL
– CGU, 2017, p. 14), na medida em que para implantação de um sistema
efetivo é essencial o acompanhamento constante para garantir o dinamismo
e atualização das medidas.
A cultura de integridade deve sempre buscar identificar as melhores
práticas observadas no setor e os cases que conseguiram efetivamente afastar
os desvios de comportamento no seu segmento. No Poder Legislativo não
seria diferente, motivo pelo qual serão analisados em conjunto com algumas
práticas já identificadas como melhores no âmbito do gabinete parlamentar.
Destarte, a formação da equipe do gabinete parlamentar é um ponto
crítico que irá determinar o sucesso ou insucesso da implementação do
programa de integridade e goza de algumas medidas capazes de orientar a
redução da corrupção.
Nesse aspecto, é importante observar que, diferentemente da iniciativa
privada, é inerente à atividade parlamentar a indicação de pessoas de
confiança para cargos estratégicos, como também por motivação política,
seja pelo reconhecimento de lideranças comunitárias, seja por identificação
pessoal com o trabalho do parlamentar. Todavia, não se pode olvidar que
a escolha de parte da equipe por meio de processo seletivo é meio capaz
de garantir tanto a competência técnica para realização de atividades
específicas (como a comunicação) como para assegurar que os assessores
tenham interesse em promover a cultura de integridade no gabinete.
Essa prática vem sendo adotada por alguns congressistas egressos de
movimentos de renovação política (FOLHA, 2018) e já se tem inclusive
entidades destinadas exclusivamente a realizar o processo seletivo, a
exemplo do Legisla Brasil. O alinhamento ideológico, o exercício de liderança
comunitária e a experiência na atuação em gabinetes parlamentares podem
ser avaliados no momento da seleção.
De outro lado, ainda no âmbito da formação da equipe, por meio de
processo seletivo ou não, a realização de uma investigação prévia, ou due
diligence, sobre a vida pregressa do assessor também é fator de controle
apto a mitigar os riscos de corrupção. Deverá ser considerado que o assessor
muitas vezes será a “extensão” do próprio parlamentar em certos espaços
e qualquer violação ética praticada por ele ocasiona imediato impacto
negativo no agente político (G1, 2019).
84 | Luana Costa de Senna

É essencial que se busque conhecer a estrutura do gabinete e investi-


lo de uma gestão pública gerencial, implantando medidas para otimização
administrativa. Com efeito, no planejamento estratégico é necessário
elaborar a estrutura de processos e pessoas do gabinete, para que todos
os assessores tenham atribuições bem delimitadas – até mesmo de forma
semelhante a um plano de cargos e salários –, inclusive com indicação de
atividades desempenhadas e carga horária. É importante atentar-se para
aqueles assessores que desenvolvem atividades externas, o que pode ser
inerente à atividade política, e é essencial que haja controle da sua efetiva
realização, com eventual elaboração de relatórios.
A transparência deverá ser pauta da integridade governamental
e, nesse contexto, também se identificam diversas medidas de controle
bastante eficazes para proporcionar ao eleitor maior conhecimento sobre a
atividade parlamentar. Primeiramente, a divulgação da lista de assessores
e seus salários. Essa é uma medida que tem o condão de mitigar um desvio
ético usualmente identificado no gabinete parlamentar envolvendo a
“rachadinha”, situação na qual o assessor somente recebe parte do salário
e a outra parte é retida pelo congressista. (ÉPOCA, 2019). Embora haja
discussão sobre a tipicidade da conduta, é certo que ela não se enquadra no
conceito de integridade que se busca implantar no gabinete.
Outro risco de reputação para os parlamentares que está frequentemente
associado a casos polêmicos (FOLHA, 2019) é a utilização das emendas
parlamentares numa forma de apropriação, remanejamento ou cancelamento
de despesas previstas no projeto de lei orçamentária, ensejando assim
diversas denúncias de barganha com o Executivo. Nessa linha, é salutar a
recente prática adotada com a realização de editais públicos para emendas
parlamentares (CAPTADORES, 2019), permitindo o direcionamento pela
população das verbas, conferindo transparência ao processo.
A valorização da participação popular é um elemento do programa
de integridade governamental, uma vez que instituído com o objetivo
de garantir a legitimidade democrática e na prática atual vem sendo
concretizado por meio da tecnologia e inovação. É o que se observa com
a criação e utilização do aplicativo “Nosso Mandato”, permitindo que os
eleitores consultem e opinem sobre matérias em votação, relatem problemas
na cidade, inclusive com o envio de fotos, e ainda marquem encontros com
seu representante (LIVRES, 2019).
Conclui-se que as práticas apontadas encontram-se em consonância
com os “pontos de atenção” utilizados para basilar a estruturação da
integridade governamental pela Controladoria-Geral da União: “conhecer
Compliance em perspectiva | 85

a instituição” (2015, p. 7), “estimular um comportamento íntegro” (2015,


p. 16), “investir na seleção e formação” (2015, p. 21), “definir regras claras
na interação público privada” (2015, p. 26), “ser transparente” (2015, p.
31), “escutar e envolver as partes interessadas” (2015, p. 36), “gerenciar os
riscos e controles” (2015, p. 40), “identificar e punir os desvios” (2015, p.
47), e “instituir uma instância interna de integridade” (2015, p. 51).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A concepção de integridade organizacional tem origem privada,


surgindo como um sistema de gestão de riscos para prevenir, detectar e
responder desvios de conduta, resguardando os entes e seus envolvidos de
eventual exposição dela decorrente.
No âmbito do Poder Legislativo, a Constituição Federal vincula a atuação
da administração pública aos princípios da legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência, assegurando que o agir ético encontra-
se em consonância com o regime jurídico-administrativo. Ato contínuo,
para concretizar esses valores, a gestão de um gabinete parlamentar deverá
buscar uma gestão pública gerencial, norteando-se por princípios da
administração privada como a busca por resultados.
O parlamentar e seus assessores estão ainda sujeitos à responsabilização
cível, administrativa e penal por seus atos, motivo pelo qual devem sempre
buscar alinhar a sua conduta com o microssistema brasileiro de combate a
corrupção.
Para tanto, é importante desenvolver um programa de integridade
governamental especialmente para gabinetes parlamentares, sempre
considerando aspectos inerentes à cultura política do setor, garantindo um
meio ético e rogado a valores. É possível inspirar-se nas melhores práticas
já identificadas no meio, bem como pautar-se nas diretrizes elencadas pela
Controladoria-Geral da União.
Conclui-se assim que a instituição de um programa de integridade
específico para o Legislativo brasileiro com a implantação de práticas
capazes de proporcionar maior transparência e valores éticos nas câmaras,
assembleias e no congresso é uma ferramenta capaz de aumentar a eficácia
na gestão, conferindo ainda ao agente político o pleno exercício das suas
funções legislativas, de forma a ampliar o capital político dos parlamentares.
E, ao proporcionar mais transparência e eficácia na gestão do mandato
parlamentar, o programa de integridade tem ainda o condão de contribuir
para o pleno exercício da cidadania por todos os brasileiros.
86 | Luana Costa de Senna

REFERÊNCIAS

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7
COMPLIANCE E A FRAUDE DO
DONO DA EMPRESA NAS EIRELIS
E NAS SOCIEDADES LIMITADAS
UNIPESSOAIS
Nadialice Francischini de Souza32

O compliance está em foco e sob muitos holofotes, principalmente depois


dos escândalos de corrupção, como as operações da Lava Jato e outras que
colocaram os esquemas de suborno entre políticos e grandes empresas na
ordem da mídia e dos noticiários. Entretanto, o compliance não é feito desde
hoje e continuará existindo, ainda que deixe de ter essa ênfase toda.
O termo compliance significa cumprir as normas, fazer o certo, não
somente em relação às normas de natureza penal, mas em relação a todas
as normas. Isso tem feito surgir vários ramos do compliance: o trabalhista, o
tributário, o público, o penal, entre outros.

32
Advogada. Professora. Doutora em Relações Socais e Novos Direitos pela UFBA.
Mestre em Direito Privado e Econômico pela UFBA.
89
90 | Nadialice Francischini de Souza

Seja qual for o ramo de compliance que a empresa vai adotar, a questão
da adequação às normas da criação ao tipo de empresa e o entendimento
de que o empresário e a empresa não se confundem são essenciais para o
sucesso de qualquer política de compliance. Não basta apenas criar-se um
código de conduta e de ética, treinar os funcionários, gerentes, se os sócios
praticam atos que são contrários a tudo o que é implantado. O compliance
deve ser praticado com esmero por todos dentro de uma sociedade.
Nessa perspectiva, o problema do “dono da empresa” sempre aparece
como discussão e elemento prejudicial para a implantação do compliance. E
isso fica pior quando se estuda a Empresa de Responsabilidade Limitada –
EIRELI e a recentemente criada sociedade limitada unipessoal.
Quando se tem dois ou mais sócios em uma sociedade, já há o problema
de aquele que é majoritário se sentir o “dono” de tudo, o criador, o idealizador.
Quando se tem somente um membro ou um sócio, esse problema se
intensifica, pois não há quem o questione, e a confusão patrimonial é quase
certeza.
Dentro dessa problemática é que serão estudados o compliance e a
questão da fraude do “dono da empresa” nas EIRELIs e nas sociedades
limitadas unipessoais. Para tanto, o presente artigo foi dividido em três
capítulos de conteúdo.
No primeiro capítulo será estudado o estatuto do compliance. É
necessário entender o conceito, a finalidade e o objetivo do compliance para
desvincular o instituto da corrupção clássica e vinculá-lo às regras de
qualquer natureza, como elemento de evitar e coibir a fraude institucional.
No segundo capítulo de conteúdo serão apresentadas as estruturas
internas das EIRELIs e da sociedade limitada unipessoal, que, apesar de
parecidas, são diferentes na formação, nos interesses e nos requisitos legais.
Por fim, no último capítulo, será feita a análise de como o compliance
pode ajudar a coibir a fraude do “dono da empresa” e qual a importância da
correção dessa fraude.

1 FUNDAMENTOS DO COMPLIANCE

A origem do termo compliance derivada da expressão inglesa to comply,


cujo significado é cumprir, executar, estar em conformidade com as normas,
com as regras, sendo bastante difundido e praticamente unânime entre os
estudiosos sobre o tema. Há um pouco de dificuldade na delimitação do seu
conceito, quando traduzido e verificada a sua aplicação prática.
Compliance em perspectiva | 91

Segundo João Roberto Peres e Nilson Brizoti (2019, p. 8), o compliance,


na prática, representa um conjunto de atos, processos e ações que devem
ser tomados e executados pelas empresas para garantir que sejam aplicadas
as normas de regulação e cumpridas as leis. Entretanto, nesse processo não
se deve perder a conexão com a missão e os valores internos da empresa,
nem com as melhores práticas de mercado.
Nessa mesma linha de pensamento, Ilana Martins Luz (2019) aponta
que a noção de compliance deve estar relacionada ao “conjunto de medidas
adotadas por uma sociedade empresarial com o fim de se ajustar às prescrições
éticas e legais, evitando riscos de reputação e jurídicos decorrentes da
atividade empresarial”. Verifica-se, desta forma, que o compliance não é um
mero cumprimento de regras legais e não legais, formais ou informais, mas
um conjunto de medidas amplas dentro da empresa.
Sendo assim, “discutir compliance é compreender a natureza e a
dinâmica da corrupção e fraude nas organizações, independentemente de
seu ramo de atividade” (SANTOS. 2019, p. 33), é buscar ações que impeçam
ou dificultem ao máximo o uso das empresas para finalidade diversa daquela
para a qual ela foi estruturada.
A finalidade de um programa de compliance deve ser assegurar que,
dentro de uma organização, não existam fraudes, corrupção, práticas
ilícitas, mediante a adoção de uma série de medidas de autorregulação
intraempresarial, tudo com o intuito de que a confiança depositada no
empresário pela sociedade, pelos funcionários e outros parceiros não seja
rompida.
Para atingir esse objetivo, um bom programa de compliance deve
ter como premissa a correta adequação de implementação, usando de
instrumentos dentro da empresa, a exemplo dos códigos de conduta e
ética, políticas de brindes, documentação de processos, mas respeitando a
sua estrutura societária, a extensão e capacidade, a missão e os valores do
empresário, bem como o marco legal a que está vinculado (LUZ, 2019).
Isso significa que não há como importar programas de compliance e estes
serem eficientes. O programa de compliance eficiente deve nascer dentro da
organização, deve ser montado para aquela empresa e empresário, levando
em consideração a sua realidade dentro do mercado no qual está inserido.
Todas as empresas e empresários devem ter um programa de compliance,
uma série de medidas e ações a fim de evitar fraudes. A menor das fraudes,
a menor das corrupções gera impacto de imagem. Um pequeno suborno
a um agente sanitário ou fiscal, o não pagamento de verbas trabalhistas, a
confusão entre o patrimônio da empresa e do sócio, a ausência de liderança
92 | Nadialice Francischini de Souza

de forma ativa, tudo gera impacto na forma como os pares veem aquela
organização e vai influenciar no seu crescimento direto e indireto.
Grandes ou pequenas empresas, todas devem estar preocupadas com
a implantação de um sistema de compliance, pois os ganhos oriundos deste
é a elevação da imagem e reputação da organização. Ademais, também tem
como consequência a “redução de perdas invisíveis por desvios operacionais,
erros involuntários, corrupção e fraudes ocupacionais, entre outros fatores
que contribuem com a redução do desempenho dos negócios” (PERES;
BRIZOTI. 2019, p. 11).
Para uma efetiva implantação de um programa de compliance, este deve
está apoiado em quatro pilares:

Comprometimento: aqui se inclui o alinhamento estratégico da política


de compliance com os negócios da organização, o endosso do corpo
diretivo, a identificação e avaliação das demandas referentes à gestão
tributária;

Implementação: envolve toda a formação de equipes, alinhamento


das responsabilidades e necessidades de resultados e fomento de
comportamentos que favoreçam o compliance;

Monitoramento e medição: avaliação, mensuração e report do programa;

Melhoria contínua: por fim, o programa é analisado criteriosamente,


tendo em vista uma melhoria contínua dos processos de gestão tributária.
(OLIVEIRA; SOUZA FILHO. 2019).

Desse modo, o compliance é uma série de medidas e ações que devem ser
adotadas pela empresa e empresário, a fim de assegurar a não ocorrência de
fraudes e corrupção e/ou minimizar os riscos. Com isso há a manutenção
da credibilidade, imagem e confiança nas organizações e perdas de valores
em desvios de operações são evitados.

2 ESTRUTURA DAS EIRELIS E DAS SOCIEDADES LIMITADAS


UNIPESSOAIS

No estudo das pessoas jurídicas, sempre se discutiu que elas nasceram


da necessidade do homem, da pessoa natural, conjugar esforços em
virtude de não conseguir concretizar grandes empreendimentos sozinho.
Desta forma, a união de um com outros homens permite a realização de
determinadas tarefas, polarizando as atividades em torno de um grupo
reunido (VENOSA. 2013, p. 237).
Compliance em perspectiva | 93

Nesse sentido também são os ensinamentos de Maria Helena Diniz


(2012, p. 264) ao afirmar que a “pessoa jurídica é a unidade de pessoas
naturais ou de patrimônios, que visa à consecução de certos fins, reconhecida
pela ordem jurídica como sujeito de direitos e obrigações”, e de Flávio
Tartuce (2014, p. 181) ao conceituar as pessoas jurídicas como “conjuntos
de pessoas ou de bens arrecadados, que adquirem personalidade jurídica
própria por uma ficção legal”.
Contudo, esse pensamento de que a pessoa jurídica necessitava de
pluralidade começou a se modificar na segunda metade do século XX com
o surgimento das pessoas jurídicas unipessoais, deixando as legislações de
exigir duas ou mais pessoas para a constituição destas. Nesse contexto,
merece destaque a lei francesa n. 85.697/1985 – que alterou o artigo 1.832
do Código Civil Francês – e a Directiva 2009/102/CEE, que permitem a
criação de sociedade de responsabilidade limitada com único sócio.
No Brasil, a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada –
EIRELI, criada em 2011 pela Lei n. 12.441, inseriu no ordenamento
a possibilidade de constituição de pessoa jurídica unipessoal, com a
concentração de todo o capital social em poder de uma única pessoa física
ou jurídica. Ela tinha como finalidade permitir que o empresário individual
efetivasse a separação patrimonial, mas também tornar desnecessária a
presença do sócio de palha.
À época da sua criação, a EIRELI se alinhava com o novo pensamento
de constituição de empresário e de pessoa jurídica. Ela era um empresário
que fica no meio do caminho entre o empresário individual e as sociedades
empresariais, pois era constituída por uma única pessoa, mas se beneficiando
da separação patrimonial da pessoa jurídica sob as regras das sociedades
limitadas.
E, nessa linha de desnecessidade de pluralidade de pessoas para a
constituição da pessoa jurídica, em abril de 2019, a MP 881 – Estatuto da
Liberdade Econômica –, acrescentando o parágrafo único ao artigo 1.052
do Código Civil, permitiu a criação de sociedade limitada por uma única
pessoa. Ou seja, não há mais a necessidade de duas ou mais pessoas para a
formação de uma sociedade limitada, mas uma pessoa sozinha, agora, pode
ser sócia desse tipo societário.
Atualmente, no ordenamento jurídico brasileiro, existem dois
institutos que permitem a constituição de pessoas jurídicas unipessoais: a
EIRELI e a sociedade limitada unipessoal. Contudo, eles não são iguais,
diferenciando-se na forma de constituição.
94 | Nadialice Francischini de Souza

A EIRELI, disposta no artigo 980-A do Código Civil, exige para a sua


constituição um capital social mínimo de 100 salários mínimos, a formação
do nome empresarial com a expressão EIRELI e, sendo o membro pessoa
natural, somente pode figurar em uma pessoa jurídica dessa modalidade. É
uma série de regras criadas a fim de gerar segurança jurídica para quem
contrata com a EIRELI.
Por sua vez, a sociedade limitada unipessoal pode ser criada sob as
mesmas regras de uma sociedade limitada pluripessoal. Isso significa que
não há nenhuma exigência de capital social mínimo, bem como não há
limitação para a quantidade de sociedades limitadas unipessoais que podem
ser criadas pelo mesmo sócio.
Apesar de aparentemente a possibilidade de constituição de uma
sociedade limitada unipessoal diminuir muito a constituição das EIRELIs,
há que se ter em mente que há mais segurança com quem contrata com
estas do que com aquelas. Isso porque, a título de hoje, a formação de uma
EIRELI exige um capital social mínimo de R$ 99.800,00 (noventa e nove mil
e oitocentos reais), já a constituição de uma sociedade limitada unipessoal
pode ser feita com qualquer valor, inclusive R$ 100,00 (cem reais).
A formação diferenciada do capital social cria uma segurança maior
para quem lida com a sociedade, pois este é o primeiro patrimônio de uma
sociedade ou pessoa jurídica. É ele que, em última instância, garante o
pagamento das dívidas. Desta forma, em tese e principalmente nas pessoas
jurídicas recém-formadas, o capital social é o que irá garantir e dará
segurança ao pagamento dos débitos.
Assim, apesar de aparentemente não haver diferença entre a EIRELI
e a sociedade limitada unipessoal, estruturalmente elas são diferentes, e
a constituição de cada uma delas depende do interesse da pessoa que a
cria, do membro/sócio. Elas, entretanto, aproximam-se no fato de serem
formadas por uma única pessoa, física ou jurídica, que será a detentora de
cem por cento do capital social.

3 A FRAUDE DO DONO DA EMPRESA É UMA QUESTÃO DE


COMPLIANCE

Quando da EIRELI e/ou da sociedade limitada unipessoal, há a


formação de uma pessoa jurídica, que começa com o registro no órgão
competente. Isso significa que, constituída a pessoa jurídica, a EIRELI e
a sociedade limitada unipessoal é que serão os sujeitos de direito e que
praticarão os atos perante terceiros em seus próprios nomes.
Compliance em perspectiva | 95

O membro da EIRELI e o sócio na sociedade limitada unipessoal


“manterão relações jurídicas [...] com a nova pessoa jurídica constituída”
(FAZZIO JÚNIOR. 2013, p. 115), mas não se confundem com ela. Fábio
Ulhoa Coelho (2014, p. 80) aponta que essa regra é uma forma de segregação
de risco e tem como consequência o fato de que “os bens, direitos e as
obrigações da sociedade, enquanto pessoa jurídica, não se confundam com
os dos seus sócios”.
A problemática começa quando o sócio pensa que é o “dono” da pessoa
jurídica. Ou seja, “aquele que criou a sociedade ou mesmos seus herdeiros
– naturais ou intelectuais –, tem a sensação de que a sociedade é um bem
dele, uma propriedade construída por eles e que o servem” (SOUZA. 2016,
p. 115‑116).
A questão do “dono da empresa”, apontado como mito por John
Kenneth Galbraith (2004, p. 47-50), já é um problema quando há
pluralidade de sócios, pois, segundo o autor, as assembleias são somente
instrumentos para a implantação da vontade e dos interesses dos sócios
majoritários e/ou controladores. Dentro de uma pessoa jurídica unipessoal,
essa problemática é instalada em uma proporção muito maior, pois não há
interesses conflitantes internos no plano das relações entre sócios, uma vez
que estes inexistem.
Nas EIRELIs e nas sociedades limitadas unipessoais essa questão,
colocada em proporção muito maior, reflete no dogma da separação
patrimonial entre o patrimônio da pessoa jurídica e o do membro/sócio.
Este, entendendo ser o “dono” de tudo, já que é o único detentor do capital
da pessoa jurídica, usa dos bens da pessoa jurídica como seus e, inclusive,
compra através da pessoa jurídica patrimônio que efetivamente é seu.
Tal atitude é configurada como confusão patrimonial, prevista no § 2º,
artigo 50, do Código Civil, e conceituada como a “ausência de fato entre os
patrimônios” do sócio ou membro e a pessoa jurídica. Isso caracterizado
pelo:

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do


administrador ou vice-versa;

II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações,


exceto o de valor proporcionalmente insignificante; e

III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.


(BRASIL. 2019).
96 | Nadialice Francischini de Souza

Como consequência, a confusão patrimonial acarreta a desconsideração


da personalidade jurídica, para responsabilizar a pessoa que praticou o
ato por tal atitude. Nesse sentido, o artigo 50 do Código Civil prevê que
haverá a desconsideração da personalidade jurídica “em caso de abuso da
personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio da finalidade ou pela
confusão patrimonial”.
A confusão patrimonial, além de um ilícito civil, é, antes de tudo, uma
prática que macula a imagem e a reputação da pessoa jurídica. Aquele
que contrata com a EIRELI ou com a sociedade limitada unipessoal não
contrata com o seu membro ou sócio, mas sim com a pessoa jurídica, pois
é esta quem assume as obrigações. O uso desses institutos empresariais da
forma incorreta acarreta um desvio de imagem, além de configurar um erro
em termos de compliance.
O compliance exige a conformidade com as normas, e a primeira delas
que se deve seguir é a da constituição empresarial. A EIRELI e a sociedade
limitada unipessoal formam pessoas jurídicas independentes das pessoas
que a criaram, ainda que com apenas uma pessoa em seu quadro societário,
implicando a separação patrimonial. Se o intuito do membro/sócio é
a confusão patrimonial, é o uso dos bens da atividade empresarial como
sendo seus, deve iniciar atividade diretamente como a forma de empresário
individual, para as pessoas físicas, ou mantendo a sua estrutura, para as
pessoas jurídicas.
Quando se faz um plano de compliance, a primeira coisa que se deve
verificar é se a estrutura societária está adequada à finalidade pretendida
por aqueles que a compõem. Se, por exemplo, houve a constituição de uma
EIRELI, mas o intuito do membro, pessoa física, é usar o seu patrimônio
e o da sua atividade como se fossem um só, essa constituição está errada.
Assim, deve-se readequar o regime empresarial para empresário individual.
A implantação de um programa de compliance não é generalizado, mas
sim deve ser individualizado, com base nas necessidades de particularização
e adequação de cada empresário que irá adotá-lo, sendo imprescindível a
correta análise não só do ambiente interno e dos interesses deste, mas de
todos os agentes que o circundam, como da pessoa que o compõe. (LUZ.
2019)
A fraude combatida pela compliance, segundo Renato de Almeida dos
Santos (2019, p. 25), obedece à triangulação descrita por Cressey, em 1953:
racionalização, necessidade ou pressão e oportunidade.

A racionalização está relacionada com o conhecimento entre o certo e o


errado, sobre a pessoa saber se sua atitude está fundamentada ou não em
Compliance em perspectiva | 97

questões de ordem ética, moral e/ou jurídica. A necessidade ou pressão


tem relação com o contexto no qual o fraudador está situado, ou seja,
leva em consideração o tempo e espaço. E, por fim, a oportunidade tem
vinculação com a fragilidade do objeto e o acesso aos meios e capacidade
para cometer a fraude.

No caso da fraude do “dono da empresa” nas EIRELIs e na sociedade


limitada unipessoal, esta é desencadeada pelos três fatos.
No plano da racionalidade, o desconhecimento do que é certo ou errado
é um fator importante. Muitas vezes a pessoa que constitui uma EIRELI
ou uma sociedade limitada unipessoal desconhece o fato de que não pode
fazer confusão patrimonial, de que não pode usar o patrimônio. Nesse caso,
a educação, treinamentos, conscientização do membro/sócio são essenciais
para romper a fraude e desfazer o mito.
No plano da necessidade, tem-se que muitas vezes, mesmo sabendo
que a prática é errada, por pressão interna ou externa, o membro/sócio
acaba confundindo o patrimônio. Uma pressão familiar das relações sociais,
ou mesmo de dívidas pessoais ou da empresa, pode conduzir a essa situação.
Nesse caso, o compliance, por meio dos instrumentos de fiscalização, é que
irá fazer o papel de barreira, impedindo ou coibindo a prática.
Por fim, o plano de oportunidade está relacionado com as pessoas que
efetivamente usam a pessoa jurídica com o intuito de cometer as fraudes.
Nesse ponto, pode haver uma racionalização de que o compliance não tem
muita efetividade. Entretanto, deve-se pensar que relacionados a essa
pessoa há outras pessoas físicas ou jurídicas vinculadas por força de uma
ordem econômica, como os fornecedores, consumidores e trabalhadores, e
nesse ponto o compliance é importante para garantir segurança jurídica ao
sistema.
Ao entender-se os motivos que criam a fraude do “dono da empresa”,
é possível, mediante análise de risco, estabelecer um programa de
compliance que coíba o membro/sócio de praticar a confusão patrimonial.
É imprescindível fazer com que ele entenda que a pessoa jurídica não se
confunde consigo e tem vida independente da sua, e isso é possível com
uma correta e boa política de compliance, implantada da forma correta.

4 CONCLUSÕES

Entender compliance pode ser uma coisa da moda, mas não é. É algo
necessário para que as empresas consigam vencer na atual economia. Estar
alinhado com as regras, cumprir todas as determinações, fazer o correto
são os objetivos de uma boa política de compliance.
98 | Nadialice Francischini de Souza

É uma política que atinge todos dentro de uma empresa. Desde o mais
baixo nível da estrutura organizacional até os sócios, todos devem estar
alinhados com o objetivo de efetivá-la. Qualquer fraude, por menor que
seja, macula todo o programa.
De nada adianta ter-se um ótimo código de ética, uma política de
brindes ou outro documento que estabeleça ações e punições se não há
treinamento, se todos não estiverem engajados com a aplicação destes. Ao
falar-se em todos, insere-se também o “dono da empresa”.
O “dono da empresa” é aquele que, por ter feito aportes financeiros ou
ter sido o autor material ou intelectual da pessoa jurídica, confunde-se com
a pessoa jurídica. Ele não visualiza que a pessoa jurídica é distinta da sua
pessoa, não consegue fazer a separação patrimonial.
Isso se intensifica nas EIRELIs e nas sociedades limitadas unipessoais,
dois tipos de empresas existentes no ordenamento jurídico brasileiro, que
têm em comum o fato de que são constituídas por uma única pessoa, física
ou jurídica. Desta forma, não há o conflito interno de sócios, não há a figura
do outro sócio para fazer a fiscalização. O membro na EIRELI e o sócio na
sociedade limitada unipessoal se sentem, por serem só eles, os verdadeiros
“donos da empresa”.
Entretanto, isso não passa de uma fraude, causada por diversos
motivos, mas que deve ser coibida e afastada, principalmente quando da
implantação de um programa de compliance. Não há como uma política de
compliance ser eficiente se o membro/sócio usa os bens da pessoa jurídica
como seus, se o membro/sócio desfalca o patrimônio e não se importa com
as consequências.
Em suma, para uma política de compliance eficiente é necessário
primeiro combater a fraude do “dono da empresa”, somente depois haverá
condições de implantar políticas anticorrupção, de aplicação correta de
normas trabalhista, de minimização de passivo tributário.

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8
UTILIZAÇÃO DOS PROGRAMAS DE
COMPLIANCE EM BUSCA DE UM
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Rubens Sérgio S. Vaz Junior33

Desde o advento do ser humano inserindo-se na sociedade, existe a


necessidade de normas, ética, respeito, moralidade e princípios, inclusive à
liberdade do outro como cidadão. O convívio em sociedade requer de seus
componentes uma conduta ética e moral que vise a atender não somente
33
Advogado. Sócio do Escritório André Medeiros. Doutorando na condição de
aluno especial na Universidade Católica do Salvador (UCSal). Doutorando em
Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Católica Argentina (UCA). Mestre em
Planejamento Ambiental pela UCSal. Especialista em Processo Civil pela Universidade
do Salvador. Especialista em Direito Público do Estado realizado em parceria entre o
Instituto de Educação Superior (UNYAHNA – IESUS) de Salvador e o Centro de
Estudos Jurídicos de Salvador (Cejus). Possui graduação em Direito pela Faculdade
Baiana de Ciências (2007). Atualmente é professor titular do Centro Universitário Jorge
Amado. Professor da Escola de Magistratura do Estado da Bahia (Emab). Professor do
curso Centro de Estudos José Aras (CEJAS). Autor dos livros: Responsabilidade Civil
pela não inclusão de critérios ambientais nas licitações públicas, Multidireitos I, II, III e IV e
Diálogos Jurídicos II, III e IV.
101
102 | Rubens Sérgio S. Vaz Júnior

os interesses próprios, mas também as pretensões da comunidade que os


permeia. Para assegurar o suporte de cada indivíduo, o Direito é formado,
além de outros mecanismos, por um conjunto normativo que gerencia a
vida em comunidade.
Essa conjuntura normativa deve ser cumprida em sua totalidade,
pois apenas assim haverá um equilíbrio entre a vida individual e a vida
em sociedade. Cumprir o conjunto de normas é uma obrigação de cada
indivíduo e um direito a ser exigido por toda sociedade. Com a globalização
e com a busca descontrolada pelo lucro, sucesso e competição por um lugar
no mercado cada vez mais capitalista, o homem tem se distanciado de seus
princípios morais e éticos, trazendo a necessidade de agentes e setores
de regulação, fiscalização e incentivo ao cumprimento normativo e aos
princípios corporativos do mercado atual.
Ora, a questão é preambular tendo-se em vista a necessidade de se
preservar o meio ambiente para as presentes e as futuras gerações, tudo
conforme previsão constitucional, assim como a melhoria da qualidade
de vida daqueles que vivem na Terra. Segundo essa premissa é que será
abordada a relevância da introdução duradoura do tema sustentabilidade
ambiental nas instituições e da sua inerente relação com os sistemas de
integridade.
Na mesma perspectiva, será abordado o acréscimo do entendimento
social acerca da denominada crise ambiental, atrelado a um crescimento
qualitativo das leis protetivas, com penalidades cada vez mais rigorosas,
que fazem com que a sistematização de ações de prevenção voltadas para a
redução do consumo, riscos e impactos ambientais mereçam instrumentos
próprios de governança e também sejam parte imprescindível de um
adequado programa de compliance.
O presente artigo detém o objetivo de apresentar o comportamento
atual das empresas e suas respectivas técnicas de controle com a
implementação do programa de compliance, tendo como propósito o
acelerado desenvolvimento tecnológico, assim como o interesse coletivo
para o chamado consumo sustentável, que parece incentivar tanto as
pessoas físicas como as jurídicas na busca por condutas que preservem o
meio ambiente.

1 CONCEITO E SURGIMENTO – COMPLIANCE NO BRASIL

A expressão compliance tem sua etimologia do verbo em inglês to comply,


que significa cumprir, executar, realizar o que é proposto, agir de acordo
Compliance em perspectiva | 103

e estar em conformidade. Assim, pode-se entender que compliance não é


apenas um setor, repartição ou segmento em um mercado, mas sim uma
ação empregada pelas empresas e pessoas de um determinado segmento,
que visa muito mais a estar em compliance, tendo em vista que este é também
um investimento na transparência de pessoas e empresas no cumprimento
das leis, normas, códigos de éticas, missões e objetivos. Segundo Muzilli:

Assim, em termos de boa governança corporativa, fica muito clara a


necessidade de disseminar em cada membro da organização e pessoas
relacionadas, o conceito e o dever de estar em cumprimento às normas
internas, leis e regulamentos a que a organização está submetida, ou
seja, estar em compliance. (MUZILLI, 2011, p. 1).

O compliance teve sua aparição no Brasil na década de 90, quando o


país abriu o mercado nacional na tentativa de ajustamento com o cenário
internacional. Assim, como o mercado internacional já estava adaptando-se
com a fiscalização e transparência no conceito normativo, principalmente
no setor econômico, quando da crise bancária americana de 1931 a 1933,
paralisando o conjunto bancário, surgindo a criação do comitê de Basileia
na década de 70, que visava à cooperação entre os bancos centrais de
países desenvolvidos. Deste modo, a definição de compliance, utilizada por
Candeloro, Rizzo e Pinho “é um conjunto de regras, padrões, procedimentos
éticos e legais, que, uma vez definido e implantado, será a linha mestra que
orientará o comportamento da instituição no mercado em que atua, bem
como a atitude dos seus funcionários” (CANDELORO; RIZZO; PINHO,
2012, p. 30).
Dessa forma, o compliance é mais do que apenas um campo dentro de
uma empresa, ele passa a ser uma conduta aderida pelos funcionários de
uma corporação, seja ela em qualquer setor, inclusive ambiental, tendendo
a execução da norma com transparência, atenção aos códigos de ética
empresariais, ao cumprimento e adequação das normas jurídicas.
O compliance é um instrumento que deve estar atrelado diretamente à
alta gerência de uma instituição, pois não pode ter empecilhos pessoais e
formais que impeçam o exercício da busca pelo cumprimento de normas de
condutas dentro de uma instituição, uma vez que na adoção da legislação e
de normas internas podem ser identificados parceiros que atuam e cargos
de gerências e chefias que possuam uma postura contestável à legislação
e normas internas, devendo ser orientados e/ou até dispensados pelo não
cumprimento normativo.
104 | Rubens Sérgio S. Vaz Júnior

Assim, na busca de um desenvolvimento sustentável, pode-se concluir


que este está totalmente ligado ao desenvolvimento social, econômico e
ambiental, sendo eles interligados e dependentes um do outro. Segundo
Barbosa:

O termo “desenvolvimento sustentável” surgiu a partir de estudos da


Organização das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas, como
uma resposta para a humanidade perante a crise social e ambiental pela
qual o mundo passava a partir da segunda metade do século XX. Na
Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o Revista Visões, 4ª edição,
nº 4, volume 1 - Jan/Jun 2008 Desenvolvimento (CMMAD), também
conhecida como Comissão de Brundtland, presidida pela norueguesa Gro
Haalen Brundtland, no processo preparatório a Conferência das Nações
Unidas – também chamada de “Rio-92” foi desenvolvido um relatório
que ficou conhecido como “Nosso Futuro Comum”. Tal relatório contém
informações colhidas pela comissão ao longo de três anos de pesquisa e
análise, destacando-se as questões sociais, principalmente no que se refere
ao uso da terra, sua ocupação, suprimento de água, abrigo e serviços
sociais, educativos e sanitários, além de administração do crescimento
urbano. Neste relatório está exposta uma das definições mais difundidas
do conceito: “O desenvolvimento sustentável é aquele que atende as
necessidades do presente sem comprometer as possibilidades de as
gerações futuras atenderem suas próprias necessidades”. (BARBOSA,
2008, p. 1-2).

Desse modo, o Direito Ambiental tem evoluído de forma considerável


na tentativa de atingir um desenvolvimento sustentável na gestão
corporativa, visando sempre ao atendimento integral da norma ambiental,
com a finalidade de reconhecer, reparar e até punir empresas que tenham
feito alguma infração perante as leis socioambientais. Na área econômica,
há tempos já vem modificando-se a definição da sustentabilidade, conforme
já dito, com três pilares, ambiental, social e econômico. Segundo Garcia:

A sustentabilidade aparece, assim, como um critério normativo para


a reconstrução da ordem econômica, como uma condição para a
sobrevivência humana e um suporte para se chegar a um desenvolvimento
duradouro, questionando as próprias bases da produção. Ela deve,
portanto, estar alicerçada em três importantes dimensões: a ambiental, a
social e a econômica. (GARCIA, 2016, p. 137).

Sendo assim, deve-se ter a consciência de que a proteção do meio


ambiente é um dever de toda coletividade e todos devem agir pela
preservação dele. A importância da função de compliance objetiva adaptar
os atos corporativos para que os seus responsáveis não fiquem surpresos
Compliance em perspectiva | 105

com um tipo de sanção civil e/ou criminal por possíveis danos causados ao
meio ambiente em razão das atividades da empresa.
Nota-se que o progresso ecológico, como um dos princípios do Direito
Ambiental, é nesse momento assumido pelo compliance ambiental, que, ao
adaptar as práticas das empresas, tenta agregar uma compatibilidade com
a utilização insuficiente de recursos naturais para não causar danos ao
meio ambiente e/ou, na pior das possibilidades, atenuar os impactos dessa
atividade no ecossistema.
Dessa forma, no Brasil o compliance ambiental age dentro de uma
corporação de diversas maneiras, tanto no critério de prevenção quanto de
correção, além de uma constância na conservação da imagem da empresa
como “sustentável” e “ambiental” perante a sociedade.

2 CONCEITO DE MEIO AMBIENTE

Não obstante a doutrina tratar de delimitar o conceito de meio


ambiente, o legislador infraconstitucional tratou também de conceituar e
dedicou um inciso do artigo 3º da Lei 6.938/81 para a temática, conforme
transcrição: “O conjunto de condições, leis, influências e interações de
ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em
todas as suas formas”.
Ora, devido à importância do conceito, é de bom uso analisar a
doutrina através dos ensinamentos de Guilherme Purvin Figueiredo, que
trata a expressão meio ambiente conforme transcrição: “Aqui, será utilizada
a expressão ‘meio ambiente’ (em lugar de ‘ambiente’). A opção deverá ser
esclarecida. A doutrina não ignora que a expressão meio ambiente guarda
redundância” (FIGUEIREDO, 2013, p. 65).
Resta claro que tanto a doutrina como o legislador infraconstitucional
trataram de pontos que são elementares. Primeiro, o legislador tratou das
interações nas suas mais diversas modalidades, levando em consideração
os aspectos não só biológicos, como também os aspectos físicos e químicos.
Posteriormente a doutrina de Purvin que trata da redundância legal trazida
no referido conceito, ao tratar das palavras meio e ambiente.
Nesse diapasão, deve ser feita uma análise, ainda que breve, da questão
ambiental no Brasil e no mundo. Inicialmente se percebe que há bastante
tempo se demonstra premente a necessidade do uso consciente dos recursos
naturais, evitando-se assim o desperdício e a utilização irracional do meio
ambiente.
106 | Rubens Sérgio S. Vaz Júnior

Por sua vez, o legislador constitucional imbuído de proteger o meio


ambiente para as presentes e futuras gerações dedicou atenção especial
ao tratar do tema no artigo 225 e seus parágrafos e incisos do texto
constitucional, no entanto, tem deixado a desejar principalmente no que
tange à efetividade do referido artigo, com lapsos na aplicação das regras
sobre as medidas cabíveis para que essa proteção seja efetivada.
Cabe então fazer-se uma digressão da sociedade após a revolução
industrial ao se instalar no seio social e também sobre as políticas voltadas
ao consumo, quando se deve passar a ter um ponto de vista sobre aquela
sociedade e de como ela vem comportando-se diante do consumismo
propagado pelos países ditos “desenvolvidos”. A cada dia o consumo é feito
de forma irracional, tendo-se em vista as agressões já praticadas contra o
meio ambiente e como que é feito até a modernidade, conforme preceitua
Giddens, in verbis:

Ninguém duvida de que em poucas décadas as ações humanas terão tido


um impacto muito maior sobre o mundo natural do que em qualquer
época anterior, e o ambientalismo, tendo sido uma preocupação adicional,
passará a ser algo que todos os observadores levam a sério. (GIDDENS,
1996, p. 231).

Ora, o consumismo ganha uma nova roupagem sem haver uma


responsabilidade social. Pode-se citar alguns exemplos de recursos naturais
que são gastos sem o devido cuidado, e entre eles temos as seguintes linhas:
o uso de energia elétrica, uso de água e madeira, além do material de
escritório, como copos plásticos, papel e outros materiais de expediente,
temas estes de bastante relevância para o cenário nacional. Salienta-se que
tais recursos estão em plena escassez e em uma crescente degradação.
A “sociedade do descartável” subestimou a capacidade de absorção
da natureza, quando estudiosos afirmavam até pouco tempo que o meio
ambiente iria se recompor naturalmente; contudo, o que se tem hoje é
uma sociedade que consome muito e produz uma quantidade absurda de
resíduos, e pior, sem a preocupação de políticas de reciclagem.
No plano em decorrência da necessidade do uso racional dos recursos
naturais, as pessoas físicas e jurídicas têm como dever e obrigação buscar
alternativas e meios para se efetivar a manutenção do meio ambiente
ecologicamente equilibrado e um desenvolvimento sustentável, então
esculpido no texto constitucional; assim, as corporações podem inserir
métodos e medidas sustentáveis no seu cotidiano, tendo como primeira
alternativa a exigência de critérios ambientais.
Compliance em perspectiva | 107

Um projeto de compliance ambiental que possa coordenar e integrar


a gestão ambiental da instituição, ponderando eventuais riscos, lucros,
economias adquiridas, comprometimento, normas, o meio ambiente e o
indivíduo, nos seus vínculos morais e correlatos, pode colaborar muito para
introduzir as corporações e nosso país nessa nova onda de desenvolvimento
que se alinha.
Ao se tratar da questão da efetividade da norma e corroborando esse
entendimento tem-se a doutrina de Luís Roberto Barroso, que conceitua a
efetividade como a realização do Direito, o desempenho concreto de função
social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos
legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever
ser normativo e o ser da realidade social.
Ora, o caput do artigo 225 da Constituição Federal é cristalino em
afirmar que é “dever do Poder Público e da coletividade a manutenção
do meio ambiente equilibrado”, logo, a efetividade da norma deverá ser
cumprida na sua integralidade para que possa garantir o preconizado no
referido artigo.
Sendo assim, pode-se constatar que tanto as empresas como o cidadão
comum necessitam consumir bens e utilizar serviços que atendam as
normas de sustentabilidade para que assim se possa realizar um consumo
sustentável. Em apertada síntese, as corporações deverão se valer de
produtos e serviços que reduzam ou até mesmo eliminem impacto ao meio
ambiente.
Novamente, cabe salientar que a manutenção e a preservação do meio
ambiente estão intimamente ligadas a questões do consumo humano e
do desenvolvimento, porém devem ser utilizadas com responsabilidade e
moderação.
O desenvolvimento e o consumo existem do mesmo modo que os
avanços tecnológicos, contudo não adiantar ter um desenvolvimento
avançado e um consumo desordenado sem a devida proteção ambiental ou
pior, que gerem uma degradação ambiental intensa. Nesse sentido, os dois
pontos devem dar passos simétricos com o meio ambiente, evitando assim
o consumo ou desenvolvimento desordenado pelas corporações, obrigando
assim que respeitem o equilíbrio ecológico.
É importante que o compliance crie um programa que seja absorvido
de forma ética por dirigentes e empregados, tendo em vista o fator humano
que é passível de erros, pois não existe a possibilidade de realizar total
controle sobre as ações praticadas pelas pessoas. Contudo, em conjunto
com a atuação do compliance, os dirigentes das empresas devem atrair seus
108 | Rubens Sérgio S. Vaz Júnior

funcionários por meio de objetivos que os estimulem a ajudar no crescimento


da instituição até o limite permitido pela legislação vigente em seu âmbito
de atuação, consolidando a posição da empresa e, consequentemente, de
cada um de modo individual.

2.1 PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

A questão do desenvolvimento sustentável vem sendo debatida desde


1972, quando da Convenção de Estocolmo, que travou um embate entre os
países ricos e os países pobres, em decorrência do poder econômico, que
tinha como instrumento de promoção de desenvolvimento o meio ambiente.
Aqui merece esclarecer que os embates criados eram pelas degradações
ambientais de cada um dos países e pela forma de consumir de cada um
deles.
Antes de se adentrar no mérito do desenvolvimento sustentável, faz-
se necessário um adendo sobre o conceito da palavra sustentabilidade, que
se trata de um modelo de sistema que tem condições para se manter ou
conservar. Atualmente as palavras vêm sendo usadas de forma tão genérica,
sem as devidas considerações que trazem no seu bojo de significado, assim
como os critérios e os pressupostos que são pertinentes para sua correta
utilização. Em outro giro, o que se observa é a displicência no uso da palavra
sem as devidas observâncias imputadas no seu sinônimo.
A própria doutrina com fito de corrigir e buscando ratificar tal
entendimento trata do conceito de sustentabilidade, o qual está diretamente
relacionado ao desenvolvimento econômico e material sem agredir o meio
ambiente, usando os recursos naturais de forma inteligente para que eles se
mantenham no futuro.
Por conseguinte, a melhor definição para o desenvolvimento sustentável
deverá ser o seguinte:

A definição mais aceita para desenvolvimento sustentável é o


desenvolvimento capaz de suprir as necessidades da geração atual,
sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das futuras
gerações. É o desenvolvimento que não esgota os recursos para o futuro.
Corroborado por Freitas, que afirma que: como um novo valor indutor
na recente marcha para o desenvolvimento que importa (medido com
novos indicadores, em lugar limitadíssimo PIB). (FREITAS, 2011, p.
28,29).

Aliando a nova perspectiva da palavra sustentabilidade e dos entornos


trazidos sobre o desenvolvimento, surgiu a necessidade de uma nova
Compliance em perspectiva | 109

conjugação e ocorreu na edição da Conferência das Nações Unidas sobre o


Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), mais conhecida como
ECO-92, o conceito de desenvolvimento sustentável ganha uma grande
repercussão no ordenamento pátrio, tendo em vista que a essência do
instituto não é criar “barreiras ao crescimento”, e sim que este seja coerente
com as questões ambientais. Salienta-se que muitos políticos e gestores
criticaram o novo conceito de desenvolvimento, afirmando que era um
entrave para o país.

Corroborando com quanto exposto, o desenvolvimento se torna


sustentável se conseguir atender as necessidades para todas as pessoas
(princípio da inclusão), o que exige um sentido de equidade e de
sensibilidade humanitária para com as demandas de seus semelhantes.
(BOFF, 2012, p. 139).

No entanto, a busca por desenvolvimento está pautada nas questões


atuais do meio ambiente e com a preocupação ambiental, e ganhou um eixo
central devido às questões ambientais apontarem como ápice da pirâmide e
ganharem um enfoque e repercussão mundial.

3 COMPLIANCE AMBIENTAL

O bom resultado dos programas de compliance acabou por dar estímulos


para que outros campos aderissem à tal organização, buscando a garantia na
execução das normas vigentes em consonância com o campo de atividade,
bem como manter a reputação da corporação e torná-la adequada para o
mercado atual, que tem como intuito equilibrar o crescimento econômico
com a preservação ambiental. As empresas necessitam cada vez mais se
preocupar com a preservação do meio ambiente, assim como adotar práticas
sustentáveis, que visem a diminuir os possíveis impactos na natureza.
Nesse sentido, perante o número cada vez maior de legislações para
a proteção ambiental, assim como o aumento da busca por mercadorias e
empresas ambientalmente disciplinadas, as corporações são impulsionadas
a ter cautela sobre suas ações e atividades, para se adequar às leis vigentes,
assumindo uma conduta de prevenção de riscos advindos da não observância
às normais ambientais.
No Brasil, as normas ambientais são amplas e com constituição que
favorece o meio ambiente. Nesse sentido, a quantidade de normas acaba
por desanimar muitas empresas que mantêm um pensamento antiquado ao
considerar que investir nesta seara é algo dispendioso, dispensável e não
110 | Rubens Sérgio S. Vaz Júnior

oferece resultado, visando somente ao lucro. Por outro lado, há corporações


que possuem a consciência da importância de respeitar a legislação
ambiental e adotam condutas no sentido de cumprimento das leis vigentes,
garantindo assim sua imagem perante consumidores e fornecedores.
Ademais, objetivam aumentar seu valor de mercado em consequência
de práticas sustentáveis, elevando seu conceito junto ao público com as
estratégias de marketing, tornando-se adequadas ao negócio sustentável.
Tal objetivo tende a juntar o desenvolvimento econômico à preservação do
meio ambiente, evitando futuras ações judiciais decorrentes de eventuais
danos ambientais por meio da prevenção de riscos próprios das empresas.
Nesse cenário, nasce o termo compliance ambiental, que tem o
objetivo de monitorar e garantir que as corporações estejam cumprindo
pontualmente as normas e leis ligadas ao meio ambiente aplicáveis a cada
ramo, assegurando e comedindo riscos inerentes. Por meio do compliance,
qualquer possível transvio ou a mínima desarmonia em relação à legislação
ambiental são apresentados, moderados e devidamente evitados ou
minimizados.

4 RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL

A responsabilidade socioambiental pode ser denominada como um


conjunto de atos que promovam o desenvolvimento sem compromisso com
o meio ambiente e as áreas sociais.
Na doutrina da responsabilidade social, segundo Antônio C. Amaru
Maximiano (2007, p. 371):

As organizações são instituições que usam recursos da sociedade, logo


tem responsabilidades com a mesma, gerando valores, por exemplo. No
entanto outra visão doutrinaria está sujeita a perspectiva do interesse do
acionista, que visa apenas maximizar o seu próprio lucro, afirmando que
a responsabilidade de melhorar a sociedade é do governo e dos cidadãos.

As pessoas jurídicas devem atuar interna e externamente, no


sentido de propagar e aplicar técnicas que configurem a responsabilidade
socioambiental de diversas formas, como: estímulo à educação; suporte
na inclusão social; reciclagem; implantação de princípios ambientalistas;
diminuição da poluição e aderência a novas tecnologias envolvendo
sustentabilidade; reutilização de recursos naturais e a otimização do uso
de energia.
Compliance em perspectiva | 111

Dessa forma, as instituições terão vantagens como diminuição de custos


e aumento dos lucros, possível melhoria de imagem ante a opinião pública e
dos consumidores, progresso de capital humano, evolução de novos modelos
de negócios envolvendo parcerias entre os diversos campos da sociedade e
o avanço para as pesquisas de novas tecnologias ecologicamente corretas.
A responsabilidade socioambiental relaciona-se a muito mais do
que as pessoas que precisam efetivamente daquilo que é sustentado ou
oferecido por lei. Uma empresa ou instituição socioambiental, em resumo,
é a corporação que busca o bem-estar dos indivíduos ou de grupos, cujo
conceito denominou-se “Responsabilidade Social”, que na maioria das vezes
é voltada a projetos de áreas educacionais, ambientais ou de outra natureza.
As instituições possuem uma relação diferente do meio social nas ações
de responsabilidade social. É exigência básica a condução de atos de forma
ética por meio de ações que apresentem uma cultura organizacional voltada
aos princípios de solidariedade e compromisso social.
A corporação deve estar envolvida e conscientizada sobre as vantagens
da sustentabilidade. Entre outros atos, precisa praticar o consumo
sustentável, a utilização apropriada dos recursos naturais, adoção de
programas de reciclagem, tratamentos de materiais para evitar a degradação
do meio ambiente, consumo de produtos não poluentes, conscientização
dos empregados para que participem e conheçam a importância da
sustentabilidade. Essas são algumas medidas possíveis que contribuem para
o bem coletivo, afinal as ações de sustentabilidade permitem a preservação
e manutenção da vida.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com tanta tecnologia e tantos aspectos ligados ao mundo, faz-


se necessária a implementação de políticas públicas voltadas ao meio
ambiente, em especial a fauna brasileira. O Brasil é conhecido por ser um
país com uma diversidade biológica enorme, logo essa preservação precisa
ser implementada de forma pontual e rápida.
Defensores do consumo vêm desenvolvendo formas inventivas para
atender as necessidades das pessoas de uma forma que possam reduzir os
impactos ambientais. Sendo o meio ambiente uma entidade da vida social,
não é uma empreitada fácil; estar-se-á, sempre e necessariamente, em
face de tema atrelado a aspectos diversos, investidos das mais diferentes
naturezas, que por não raras vezes se revelam, ao menos aparentemente,
contraditórios entre si.
112 | Rubens Sérgio S. Vaz Júnior

A par dessas medidas, com atenção especial à administração, o


consumo deve ser repensado e melhor visto pela sociedade, pois que, se
as corporações adotarem o programa de compliance com o intuito de não
degradar o meio ambiente, a tendência é que a sociedade em geral também
siga a mesma linha.
As corporações se mostram como agentes eficientes e capazes de
importantes e específicas transformações por meio de sua atuação diante
do mercado de consumo, fato que aprimora sua responsabilidade em face
da influência social.
Desse modo, o compliance manifesta-se como uma via eficiente para a
associação das pessoas físicas e jurídicas, visando a alcançar um propósito
comum, transpassando a efetiva contribuição para a preservação do meio
ambiente por meio de ações reais que contribuirão para a subtração
dos impactos ambientais, garantindo assim a tão almejada harmonia
entre o progresso humano e a preservação da natureza, almejando um
desenvolvimento sustentável.

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TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São
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9
ANÁLISE DOUTRINÁRIA DA APLICAÇÃO
DO SISTEMA DE COMPLIANCE NO
SETOR DA SAÚDE
Viviane Cardoso Lacerda Pacheco34

No âmbito institucional, conceitua-se compliance como um conjunto de


normas, regras e princípios, políticas e procedimentos usados para fazer
valer os regulamentos de uma organização, além de prevenir, detectar e
punir não conformidades.
No início, o termo usado exclusivamente no âmbito corporativo atingiu
outros setores, não perdendo, contudo, o seu significado. Na verdade, ele
acabou sendo ampliado para outros segmentos, a exemplo do setor de
saúde. Segundo a Legal Ethics Compliance – LEC (2019), “compliance é um
34
Advogada graduada em Direito na Faculdade de Tecnologia e Ciências – FTC.
Pós-graduanda em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário pela Estácio. Pós-
graduanda em Compliance, Governanças e Riscos pela Faculdade Baiana de Direito.
Enfermeira graduada pela Universidade Católica do Salvador – UCSal. MBA em
Auditoria em Serviços de Saúde pela IBPEX. especialista em UTI pela Universidade
Castelo Branco. E-mail: vivianeclacerda@hotmail.com.
115
116 | Viviane Cardoso Lacerda Pacheco

conjunto de disciplinas e práticas que visam ao cumprimento de normas de


uma instituição, procurando investigar, evitar e solucionar qualquer desvio,
risco ou inconformidade”.
Na área hospitalar, verificam-se condutas incompatíveis com a
ética, tais como realização de procedimentos ortopédicos desnecessários,
desperdício de medicamentos, conflitos de interesse, entre outros. Dessa
maneira, surge a necessidade da implantação de um programa efetivo de
compliance, a fim de realizar ações de prevenção e combate à corrupção e
outras fraudes, sobretudo evitar encargos substanciais com prováveis
processos administrativos e/ou judiciais.
Em virtude disso, a cultura de integridade surge como mecanismo
eficiente, a partir do momento em que as instituições hospitalares buscam
maior sustentabilidade e perenidade. Assim, os resultados esperados com
sua implantação são: transparência, economicidade, mudança cultural e
comportamental, melhoria do clima organizacional, aumento de reputação
da empresa, qualidade da assistência aos pacientes, diminuição da prática de
atos ilícitos e de transgressões as condutas éticas.
O presente estudo tem como escopo a análise doutrinária da
implantação de um sistema de compliance na saúde do Brasil diante da
evolução legislativa.

1 PONDERAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE A ORIGEM DO COMPLIANCE

É imperiosa a necessidade de tratar-se sobre a origem do compliance, já


que este instituto surgiu precipuamente na cultura norte-americana, mas
se dissipou para todo o mundo organizacional.
Inicialmente, apresenta-se o Office of The Inspector General (OIG),
Serviço de Inspeção Geral do Governo Federal, inaugurado em 1976,
responsável pela investigação de fraudes na saúde, além de parametrizar
requisitos ideais ao programa de compliance no setor de saúde.
Seguindo, destaca-se o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), Lei de
Práticas de Corrupção no Exterior, de origem americana, promulgada
em 1977 pelo Congresso dos EUA. O escopo é punir os casos de suborno
transfronteiriços a agentes públicos estrangeiros, evitar a corrupção do
território norte-americano, além de regular as relações comerciais de
empresas americanas com estados estrangeiros. Desse modo, as empresas
devem manter livros e registros fidedignos, a fim de confirmar as transações
e os sistemas de controles internos.
Compliance em perspectiva | 117

Para a concretização deste estudo, verifica-se a importância de


destacar fatos que aconteceram durante o século XX, nos Estados Unidos
da América (EUA), quais sejam: a criação das agências reguladoras e o
surgimento dos programas de compliance.
Em princípio, em 1906, ocorre a publicação da Pure Food and Drugs
Act, a Lei dos Alimentos e Medicamentos Puros, responsável por criar
as agências reguladoras de saúde: Food and Drugs Administration (FDA)
e Agência Federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos
Estados Unidos, incumbidas da proteção, promoção da saúde pública,
além da regulação de atividades relacionadas à indústria de alimentos,
medicamentos e cosméticos.
Seguindo, no ano de 1991, publicam-se os primeiros parâmetros
necessários para a implantação de programa de compliance corporativo
dos EUA, o U.S. Federal Sentencing Guideline. O Manual de Diretrizes para
Sentenças Federais traz, expressamente, no capítulo oitavo, a “Condenação
das Organizações”. Em suma, prevê justa punição para a instituição e seus
agentes, bem como incentiva a manutenção dos mecanismos internos de
prevenção, detecção e punição de condutas criminosas.
Por conseguinte, a Organização dos Estados Americanos (OEA)
realiza a Convenção Interamericana contra a Corrupção, no mês de março
de 1996, instrumento jurídico internacional responsável por reconhecer
a importância supranacional da corrupção e promover a cooperação dos
Estados-membros.
Posteriormente, em 1997, sucede-se a Convenção de Combate
à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações
Comerciais Internacionais, em Paris, apoiada pela Organização para
a Cooperação Econômica (OCDE). Evento importante, sobretudo, no
relacionamento com funcionários públicos estrangeiros no território de um
Estado signatário. Convém ressaltar que ela só foi publicada pelo governo
brasileiro no ano de 2000.
De acordo com o entendimento de Giovani Saavedra (2016), a
convenção “possui caráter sancionador e determina que qualquer pessoa
jurídica ou física, independentemente da cidadania, estará sujeita às
proibições antissuborno”.

As recomendações da OCDE, e o FCPA passaram a regular prática


anticorrupção, dispondo também acerca da obrigatoriedade de prática de
contabilidade (accounting provisions), que seriam os controles e registros
financeiros de todas as operações de empresas de capital aberto. Desta
forma, caso as empresas mantenham a accounting provisions, tal prática
118 | Viviane Cardoso Lacerda Pacheco

serve como atenuante ou até excludente de pena da empresa em face


do ilícito praticado por um de seus colaboradores. (ROSENBERG;
KAUFMANN; PLOCHOKI, 2014).

Ainda, corroborando com a evolução histórica, faz-se alusão ao


Department of Health and Human Services Office of Inspector General –
HHS‑OIG (Escritório do Inspetor Geral do Departamento de Saúde e de
Serviços Humanos dos Estados Unidos, em português), em síntese objetiva
velar pela integridade dos programas de saúde, além de elencar os elementos
para a implantação dos programas de compliance abaixo enumerados.

1. Implementar políticas escritas de conformidade, procedimentos e


padrões de conduta; 2. Designar um compliance officer e um comitê de
compliance, que serão responsáveis pelo monitoramento; 3. Conduzir
treinamentos e educação eficazes sobre as políticas de conformidade,
procedimentos e padrões de conduta; 4. Desenvolver linhas de
comunicação eficazes e permitir mecanismos de denúncia anônima; 5.
Realizar monitoramento interno e auditorias periódicas; 6. Reforçar
os padrões de conduta para os funcionários por meio de diretrizes
disciplinares bem divulgadas; 7. Responder prontamente a detecção
de ofensas e desenvolver planos de ação corretiva. (FEDERAL
SENTENCING GUIDELINE, 1991).

De fato, esses parâmetros foram os mesmos inicialmente previstos para


o compliance corporativo, publicados pelo U.S. Federal Sentencing Guideline.
Logo, de acordo com esse manual, o programa de compliance no setor de
saúde também é formado por aqueles sete pilares que certamente servem
como guia de melhores práticas em todos os países.
Em virtude disso, no Brasil, em junho de 2009, a Controladoria-Geral
da União (CGU) e o Instituto Ethos publicaram o documento intitulado de
“A Responsabilidade Social das Empresas no Combate à Corrupção”, cujo
escopo é orientar as ações das empresas, a fim de construir um ambiente
íntegro, ético e livre de corrupção.
Neste contexto, lança-se em 2010 o Good Practice Guidance on
Internal Controls, Ethics and Compliance – Guia de Boas Práticas da OCDE
–, composto por requisitos necessários para comprovar a efetividade do
programa de compliance. Embora não obrigatórios, servem de parâmetros
para as autoridades e as empresas em todo mundo.
Com o propósito de consagrar informações detalhadas sobre o FCPA,
em 2012, ocorre a publicação do Resourse Guide to the U.S.Foreign Corrupt
Practices Act (Guia dos Recursos para a Lei de Práticas de Corrupção no
Compliance em perspectiva | 119

Exterior dos EUA), elaborado pelo Departamento de Justiça (DOJ89) e


pela Comissão de Títulos e Câmbio (SEC90).
Além disso, nele consta também o Principles of Federal Prosecution
of Business Organizations, conhecidos como “Os Princípios do Ministério
Público Federal das Organizações Empresariais”. Essas normas servem
para auxiliar os procuradores do DOJ na tomada de decisão contra as
corporações e levam em consideração os seguintes fatores:

(i) a natureza e gravidade da violação; (ii) a extensão da prática irregular


dentro da empresa (incluindo a conivência ou omissão da administração
da empresa); (iii) o histórico de violações semelhantes; (iv) a cooperação
da empresa com as autoridades na investigação da violação; (v) a
existência prévia de um programa de Compliance e sua efetividade; e
(vi) os esforços e medidas para corrigir falhas, incluindo os esforços
para a implementação de programa de Compliance (ou a melhoria de
um Programa de Compliance existente) e medidas disciplinares contra a
administração ou empregados envolvidos na violação.

Em virtude das pressões internas e externas, publicou-se no Brasil a


Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, conhecida como Lei Anticorrupção.
Aprovada pelo Congresso Nacional sobretudo para atender compromissos
internacionais assumidos pelo país, além de sanar lacunas do ordenamento
jurídico brasileiro ao tratar diretamente sobre a conduta dos corruptores.
Inegavelmente, cresce o escândalo envolvendo a Operação Lava
Jato, datada de 17 de março de 2014, com mais de 61 fases operacionais.
A investigação visava a apurar um esquema de lavagem de dinheiro que
movimentava bilhões de reais em propina.
Ademais, a Lei Anticorrupção necessitava de regulamentação. Para
tanto, em 18 de março de 2015, publicou-se o Decreto nº 8420, responsável
pela criação dos programas de integridade. Este é o marco de surgimento
do compliance no Brasil.
Da mesma forma, em 2015, iniciaram-se as investigações da “Máfia das
Próteses”, escândalo que envolvia médicos corruptos, os quais realizavam
cirurgias desnecessárias e superfaturavam o valor de próteses.
Sem dúvidas, a existência do programa gera um elemento atenuador
de sanções penais contra empresas e organizações privadas que contratem
com a administração pública.
Inegavelmente, diante dos escândalos de corrupção no Brasil, os
sistemas de compliance se tornaram muito importantes. Dessa maneira,
inicia‑se uma nova era de combate à corrupção, que até então parecia não
ter precedentes no Brasil.
120 | Viviane Cardoso Lacerda Pacheco

Entretanto, ainda se percebe que poucos gestores hospitalares têm


consciência da necessidade de sua implantação, além disso, eles associam
o compliance apenas às questões anticorrupção. Logo, deixam de lado os
pilares fundamentais, quais sejam: detectar, prevenir e punir condutas
ilegais.
Com o propósito de uniformizar a avaliação dos programas de
compliance, a Controladoria-Geral da União (CGU) publica a Portaria nº
909 de 2015, com os requisitos a seguir expostos:

Inicialmente, a empresa deverá comprovar que o programa de


integridade foi construído de acordo com o seu tamanho, perfil de
atuação e posicionamento no mercado. Também deverá ficar comprovado
o histórico de aplicação do programa com resultados alcançados
anteriormente na prevenção de atos lesivos. A terceira linha de avaliação
será a demonstração de que o programa foi aplicado no próprio ato
lesivo em questão, tendo funcionado como prevenção contra um dano
maior ou na reparação do prejuízo causado. (OLIVEIRA, 2018).

Ainda nesse sentido, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica


(CADE), no início de 2016, publica o “Guia de Programas de Compliance”,
composto por diretrizes para estruturar os programas de compliance
concorrencial. Em suma, objetiva “reduzir o risco da ocorrência de violações
específicas à Lei de Defesa de Concorrência, bem como oferecer mecanismos
para a empresa detectar e lidar com eventuais práticas anticoncorrenciais,
que não tenham sido evitadas num primeiro momento” (CADE, 2016).
Em síntese, as organizações almejam evitar os principais riscos
elencados pelo CADE, quais sejam: cartéis, cartéis em licitações, associações
e standarts setting organizations (SSOs), condutas unilaterais e contratos
associativos, joint ventures, fusões e aquisições.
De acordo com Mânica (2018), “deve-se apontar que há significativa
exposição ao risco de corrupção, no âmbito de saúde, sobretudo em face da
intensa relação dos prestadores privados de saúde com o poder público”.
Além disso, este setor é bastante vulnerável a atos ilícitos, pois está cercado
de incertezas.
Da mesma forma, é importante destacar a existência do Acordo
Setorial de Dispositivos Médicos (2014), hoje denominado Instituto Ética
Saúde, que possui o escopo de criar e publicar normativas sobre regras de
governança, procedimentos e compliance aplicáveis ao setor de saúde.35
35
Segundo a Instrução Normativa, nº 02, do Instituto Ética Saúde (2015), os requisitos
de um programa de compliance na saúde são: I. Comprometimento da liderança e
política anticorrupção; II. Implementação de políticas e procedimentos por escrito;
Compliance em perspectiva | 121

Certamente todas essas legislações devem ser observadas na


implantação de um programa de compliance no setor de saúde. Por este
motivo, ainda convém informar sobre a tramitação de relevantes projetos
de lei no Congresso Nacional Brasileiro. São eles: Projeto de Lei da Câmara
dos Deputados nº 2452/201536 e o Projeto de Lei do Senado Federal nº
225/201237. Ambos preveem o combate das ilegalidades praticadas na área
da saúde
Logo, de acordo com Saavedra (2016), o conhecimento e aplicação da
legislação apresentam características relevantes, quais sejam: “primeiro, a
ação das instituições passa a ser coordenada e, portanto, muito mais efetiva”.
Segundo, “em função disso, as consequências para os investigados também
são mais sérias e o impacto das investigações já se fazem sentir muito antes
das punições judiciais”.
Por conseguinte, também existem outros motivos para a implantação
dos sistemas de compliance, como o desenfreado aumento das demandas
judiciais, que transcorre pela crescente judicialização dos problemas da
saúde entre pacientes, profissionais e instituições de saúde. Além disso, a
visão negativa das instituições, cuja ocorrência se dá pela publicidade das
inconformidades ocorridas nos setores hospitalares, causa enormes danos à
reputação, visibilidade e julgamento perante todos.
Destarte, diante de tantos motivos o compliance na área de saúde tem
sido usado como um mecanismo efetivo para prevenir, detectar e punir
III. Designação de um responsável pela de integridade da empresa; IV. Realização
de programa de treinamento e educação eficaz; V. Manutenção de registros escritos
que comprovem a divulgação e o treinamento do programa de integridade; VI.
Criação de um Comitê de Ética interno da empresa, independente e autônomo;
VII. Desenvolvimento de plano de comunicação; VIII. Implementação de padrões
de conduta, código de ética, políticas e procedimentos de integridade; IX. Adoção
de padrões de conduta, código de ética e políticas de integridade; X. Realização de
avaliações de risco, monitoramento e auditorias internas XI. Desenvolvimento de
padrões de execução do programa; XII. Tomada de ação rápida quando problemas
forem detectados e a realização de ações corretivas e/ou sanções disciplinares; XIII.
Realização (due diligence) em suas relações com terceiros; XIV. Implementação de canal
de denúncias; XV. Auditorias e monitoramentos internos; XVI. Adoção de medidas
disciplinares; XVII. Implementação de procedimentos de punição, desenvolvimento de
procedimentos específicos para prevenir fraudes.
36
CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2019. Projeto de lei nº 2452/2015 prevê a
criminalização das condutas perpetradas pela “Máfia das Órteses e Próteses”.
37
CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2019. Projeto de Lei nº 221/2015 torna obrigatória
a inserção, no Código de Ética Médica, de disposições para proibir os médicos e as
sociedades médicas de receberem quaisquer tipos de incentivos dos setores da indústria
e do comércio de produtos para a saúde, de forma a garantir a autonomia profissional
na prescrição ou indicação desses produtos.
122 | Viviane Cardoso Lacerda Pacheco

condutas não éticas, sobretudo para se evitar possíveis riscos financeiros,


jurídicos e de gestão.
A pesquisa em pauta é relevante, já que os escândalos de corrupção
estão cada vez mais frequentes nos noticiários. Diariamente ouvimos sobre
graves condutas de infrações éticas, fraudes, conflitos de interesse, quebra
de sigilo e publicidade de informações em desconformidade com as normas.

2 CONCEITOS

No âmbito organizacional, podemos conceituar compliance como um


conjunto de normas, regras e princípios, políticas e regulamentos usados
para, eficazmente, fazer valer as diretrizes de uma organização, além de
prevenir, detectar e punir inconformidades.
O termo compliance vem do verbo inglês to comply, que significa
concordar, adequar-se, cumprir, executar, satisfazer o que lhe foi imposto
(WIKIPÉDIA, 2019).

Compliance é o dever de cumprir e estar em conformidade com diretrizes


estabelecidas na legislação, normas e procedimentos determinados
interna e externamente para uma empresa, de forma a mitigar riscos
relacionados à reputação e aos aspectos regulatórios da empresa.
(COIMBRA & MANZI 2010).

O compliance no mundo corporativo nada mais é do que a organização


ou a empresa “estar em conformidade com a lei, diretrizes, princípios
e regulamentos internos e externos que envolvem a sua atividade”
(BARBOSA, 2003).
O sistema de compliance é o instrumento que busca viabilizar e garantir
a integridade, assim sendo, compliance é um ecossistema que visa a atuar em
conformidade com os preceitos legais. Dessa forma, cada indivíduo deve
incorporar voluntariamente o espírito do compliance, ser íntegro e conforme
for, tornando-o foco principal para todas as situações e elemento formador
de identidade.

Tal programa pode ser entendido como um mecanismo atrelado às


práticas de governança corporativa, ou seja, atrelado ao sistema em
que as organizações e as empresas são administradas, monitoradas e
incentivadas, abrangendo o relacionamento entre todos os integrantes,
desde os sócios e empregados até as demais partes interessadas. (IBGC,
2017).
Compliance em perspectiva | 123

Ademais, a governança corporativa, segundo Andrade (2009), é um


sistema pelo qual as empresas são dirigidas, monitoradas ou incentivadas,
com o escopo de permanecer em conformidade com os seus valores e
diretrizes.
Em outras palavras, governança é sinônimo de gerir a empresa,
é o modo pelo qual as suas práticas são transformadas em normas que
estabelecem a qualidade de gestão das organizações.

Coadunando com este conceito, destaca-se ainda que: “Governança


Corporativa é o conjunto de normas, consuetudinárias e escritas, de
cunho jurídico e ético, que regulam os deveres de cuidado, diligência,
lealdade, informação e não intervir em qualquer operação em que
tiver interesse conflitante com o da sociedade; o exercício das funções,
atribuições e poderes dos membros do conselho de administração, da
diretoria executiva, do conselho fiscal e dos auditores externos, e o
relacionamento entre si e com a própria sociedade, seus acionistas e o
mercado em geral”. (LOBO, 2015).

Assim, complementa Oliveira (2018), o programa de compliance “surge


como o instrumento capaz de efetivar as políticas internas das empresas
estabelecidas por meio da governança corporativa”.

A postura ética, a governança e a sustentabilidade já fazem parte do


discurso das organizações. Sem um efetivo programa de compliance
que envolva e integre esses temas, dando lhes coerência, consistência e
efetividade prática, corre-se o risco desse discurso se esvaziar, afetando
a reputação destas organizações em razão de uma postura que pode ser
vista como não íntegra pelos seus stakeholders. (COIMBRA & MANZI,
2010).

Considerando os aspectos da legislação em vigor no Brasil, o termo


programa de integridade foi expresso em 2013, na Lei nº 12.846/13,
regulamentada pelo Decreto nº 8.420/15, nos termos do artigo 41.

Art. 41. Para fins do disposto neste Decreto, programa de integridade


consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e
procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia
de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta,
políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes,
irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública,
nacional ou estrangeira. (BRASIL, 2016).

Em suma, o programa de compliance está descrito no artigo 41 do


Decreto nº 8.420/2015, sendo o único conceito expresso no ordenamento
124 | Viviane Cardoso Lacerda Pacheco

jurídico brasileiro. Assim, a sua existência gera um elemento atenuador da


aplicação de sanções penais contra empresas e organizações privadas que
contratem a administração pública.

Este conceito é mais abrangente que o primeiro, pois estabelece a


necessidade de fazer o certo por convicção e não por imposição da lei.
Ser íntegro pressupõe alinhamento com caráter, honestidade, ética,
moral. Portanto, um mecanismo de integridade vai além do que cumprir
normas e códigos, sendo desta forma mais amplo que o compliance.
(GIOVANINI, 2015).

Nunca se falou tanto no país em sistemas de compliance, não obstante a lei


brasileira está baseada na integridade. Ademais, o termo usado inicialmente
no âmbito corporativo expandiu-se para outros setores, mantendo o seu
significado e ampliando-se para outros segmentos, a exemplo do setor de
saúde.
Segundo a Legal Ethics Compliance – LEC (2019), o sistema de
compliance é “transformação de um conjunto de disciplinas e práticas que
visam o cumprimento de normas de uma instituição, além de investigar,
evitar e solucionar qualquer desvio, risco ou inconformidade”.
No Brasil, muitas empresas visam à governança corporativa adequada
e o programa eficaz de conformidade, com a finalidade de alcançar um
ambiente laboral equilibrado, a dignidade dos seus colaboradores e a
sustentabilidade da própria empresa. Sobretudo, buscam evitar a falta de
integridade e a perda de confiança das organizações.
Tal anseio pode e deve ser alcançado por intermédio de um mecanismo
que regule e maneje satisfatoriamente os ideais e as normas éticas e
comportamentais da empresa. É aqui que surge o programa de compliance
(OLIVEIRA, 2018).

3 O COMPLIANCE NO ÂMBITO DA SAÚDE

O setor de saúde revela-se bastante vulnerável a atos ilícitos, pois é


acompanhado de incertezas: não existe a previsão de quem irá adoecer,
quando irá adoecer, onde irá adoecer ou qual será o profissional responsável
pelo tratamento.
Birdeman e Avelino (2013), por sua vez, descrevem outra situação
peculiar das instituições de saúde, que são “os diversos atores envolvidos
durante o processo de adoecimento, quais sejam: pacientes, profissionais de
Compliance em perspectiva | 125

saúde, governo, planos e sistemas de saúde, hospitais e clínicas, fornecedores


e terceiros”.
Ademais, essa situação ainda se agrava, devido às dificuldades de
mensurar dimensões e impactos da corrupção na área hospitalar. Pesquisa
realizada pela FGV-EAESP (2013) afirma que “o setor de saúde é um dos
principais alvos da corrupção em todo mundo”.
Dessa maneira, a procura inicial por procedimentos adequados visa
a, segundo Dadalto (2013), “simplesmente minimizar a manifestação
de fraudes e corrupção, de variadas formas, objetivando evitar perdas
financeiras”. Todavia, percebe-se que, com a implantação correta dos
sistemas de compliance, evidenciam-se também outros pontos positivos,
quais sejam: a melhora da reputação e o aumento do comprometimento dos
colaboradores.
Seguindo, verifica-se que a finalidade primordial das organizações
hospitalares é tutelar a vida, a saúde e a integridade física, direitos
constitucionalmente protegidos. Assim, para alcançar tal propósito e
manter a relação de confiança entre o prestador e o tomador de serviço,
elas devem mitigar riscos das atividades profissionais e evitar atos de não
conformidade.
O compliance é uma discussão relativamente nova, que precisar evoluir,
portanto as organizações de saúde devem se adaptar à legislação. Segundo
Oliveira (2018), o grande problema é “a complexidade normativa a qual
está sujeita à área da saúde, visto que se encontra baseada em vários
instrumentos legais esparsos”.
Apesar de algumas áreas serem mais propensas à corrupção, nenhuma
está protegida desta situação, sendo assim devem se mapear todos os riscos
associados à atividade da empresa, sobretudo analisar com cuidado os que
terão maior repercussão negativa.
Convém que a organização analise os riscos de compliance, considerando
as causa e fontes de não cumprimento e a gravidade de suas consequências,
bem como a probabilidade de que os não cumprimentos e consequências
associadas possam ocorrer (ISO 19600, 2014).
Ademais, a InternationaI Organization Standardization – ISO
19600 (2014) elenca consequências, quais sejam: “[...] danos pessoais e
ambientais, perda econômica, danos à sua reputação e responsabilidade
civil e administrativa”. Além de tratar sobre “os riscos de compliance, que
são caracterizados pela possibilidade de ocorrência e consequências da não
conformidade às obrigações de compliance”.
126 | Viviane Cardoso Lacerda Pacheco

Logo, a implantação e a execução do sistema de conformidades


hospitalares provocam uma mudança sensível na cultura ética organizacional,
ocasionando melhora no gerenciamento dessas empresas.

4 PERSPECTIVAS DO COMPLIANCE NO ÂMBITO DA SAÚDE

A “saúde é um direito de todos e dever do Estado”, de acordo com o


artigo 196º da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), de
1988. Logo, todos têm direito ao acesso à saúde no Brasil.
Igualmente, nesse sentido, o artigo 25 da Declaração Universal dos
Direitos Humanos da ONU, de 1948, prevê que “o direito à saúde tem a
natureza jurídica de direito fundamental”.
Nesse diapasão, na Lei nº 9.658 de 1998 destaca-se o direito da
assistência à saúde, que abrange todas as “ações necessárias à prevenção
da doença e à recuperação, manutenção e reabilitação da saúde”. Ademais,
o artigo 197 da Carta Magna afirma que a assistência à saúde é atividade
de relevância pública, portanto o Estado tem o dever de prestar assistência
integral à saúde.
De acordo com o artigo 199 da CFRB, de 1988, in verbis: “A assistência
à saúde é livre à iniciativa privada”. Por este motivo, o cidadão brasileiro
pode escolher entre os tipos de prestação de assistência à saúde.
Segundo Amaral (2012), a Constituição de 1988 é clara ao definir que
“o modelo de saúde adotado no Brasil é um sistema misto, pois permite
que a saúde seja fornecida pelo Estado através do Sistema Único de Saúde
(SUS) e também pela iniciativa privada”.
De acordo com o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS),
nos anos de 2014 e 2015, “o porcentual de gastos com fraudes e desperdícios
estava entre 12% e 18% das contas hospitalares”. Do mesmo modo, “manteve-
se em 18,7%, durante os anos de 2016 e 2017 e continuou evoluindo para
19%”. Em síntese, existe uma evolução das despesas assistenciais de planos
médico‑hospitalares, “as despesas evoluíram de R$ 108 bilhões, em 2014, para
R$ 145 bilhões em 2017”.
O resultado da pesquisa publicada pelo IESS só confirma a necessidade
da implantação de um sistema efetivo de compliance no setor de saúde, a fim
de realizar ações de prevenção e combate à corrupção e fraudes, e garantir
segurança, transparência e economicidade nos atendimentos de saúde.
Similarmente, o IESS também publicou outra pesquisa, agora com ênfase na
solicitação dos exames laboratoriais indevidos. Observou-se que percentagem
manteve-se entre 25% a 40%. Existe, por conseguinte, gasto indevido na saúde
Compliance em perspectiva | 127

de aproximadamente 15 bilhões de reais, com fraudes em contas hospitalares, e


12 bilhões de reais em pedidos de exames laboratoriais não necessários. 
Assim sendo, a implantação e a execução do sistema de compliance
hospitalar provocam uma mudança sensível na cultura ética organizacional,
de modo que promovem uma consciência institucionalizada da importância
do dever de transparência, economicidade e segurança.
Apesar de o setor de saúde ser fiscalizado pelos órgãos responsáveis, do
Estado ou da gestão hospitalar, destaca-se a dificuldade em detectar corrupção
e outras fraudes nesta área, visto que a cadeia produtiva dela é muito complexa,
contempla diversos segmentos e particularidades, inclusive com distinção entre
os sistemas públicos e privados.
Ademais, existe a dificuldade do controle nesses setores, em vários
momentos, por exemplo: solicitação excessiva de exames, procedimentos, e
tratamentos prescindíveis, além de fraudes na comercialização de medicamentos
e dispositivos médicos.

Nesse sentido, a implantação e execução de conformidades hospitalares


é um salto à humanização e gerenciamento do tratamento médico.
Porém, é preciso deixar claro que para haver adaptação e cumprimento
das normas de condutas estabelecidas deve ocorrer o comprometimento
e envolvimento de todos os setores. Apenas as definições formal e
documental não asseguram uma boa gestão de compliance, mas sim
com a criação de conformidades com envolvimento e consulta de cada
departamento, realização de treinamentos, criação de um relacionamento
organizacional e a definição de regras com clareza e transparência.
(DADALTO, 2019).

A importância da implantação de um sistema de compliance em


hospitais, clínicas, farmácias é tão necessária e emergente quanto em
qualquer outra empresa, seja na esfera pública, seja na esfera privada.
Além disso, é importante que as organizações identifiquem e
avaliem os riscos de compliance, a fim de ter uma efetiva implantação,
imprescindível para prevenção das práticas de corrupção e redução de
penalidades aplicáveis às instituições (ISO 19600, 2014).
Outra importante razão para implantar-se o sistema de compliance
é o aumento desenfreado de ações judiciais no setor da saúde, situação
ocasionada pelos conflitos entre pacientes, profissionais e instituições da
área. Logo, a efetiva implantação desse sistema irá prevenir detectar e punir
condutas não éticas, bem como dar soluções a possíveis riscos jurídicos
existentes em hospitais e clínicas.
Segundo o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), a correta estruturação
do sistema de compliance, aliada às boas práticas de governança
128 | Viviane Cardoso Lacerda Pacheco

corporativa, trará benefícios às empresas, tanto no setor público quanto


no privado, pois que:

Reduz o risco de prejuízos derivados diretamente das práticas de


corrupção; traz benefícios legais, como por exemplo, atenuação
de penalidades, às empresas que se virem envolvidas em processos
de responsabilização regulados pela Lei Anticorrupção; por fim,
as empresas em compliance passam a ser percebidas de modo mais
positivo, pelo ganho de imagem corporativa, pelo mercado nacional
e internacional.

Dessa maneira, existem vários pontos positivos do sistema de


compliance, que são: o aumento da credibilidade da empresa, a valorização da
marca da empresa, elevada reputação empresarial, maior respeitabilidade
e confiança no mercado, reduções de multas e indenizações, facilidades nos
requerimentos de financiamentos, aumento no retorno de investimentos,
ganhos em efetividade organizacional.
Destarte, convém às instituições hospitalares aderir ao sistema de
compliance, monitorar melhor sua governança, seus controles internos e
seus riscos, a fim de se tornarem referências no mercado brasileiro.
E, visando a melhorar a elaboração e controle de uma gestão interna
dentro das instituições hospitalares, deve-se iniciar um mapeamento de
riscos, pelo fato de que, neste mercado hospitalar, qualquer organização
estará lidando com a saúde, a qual geralmente traz informações sensíveis,
particulares e de cunho extremamente pessoal aos seus consumidores.
Nesse sentido, existem diretrizes específicas para o programa de
compliance no setor da saúde. Tanto nos EUA quanto aqui no Brasil,
utilizam‑se os sete pilares previstos inicialmente no U.S. Federal Sentencing
Guideline (1991) e mantidos pelo EIG e a HHS-OIG, como parâmetro para
a inserção desses sistemas através da publicação “OIG Compliance Program
for Individual and Small Group of Physician Practices”. 
Ao comparar com a regulamentação dos demais programas de
compliance corporativos nos EUA, amparados pelo U.S. Sentencing
Guidelines, que é um documento oficial, um repositório de boas práticas
para um efetivo programa de compliance, percebe-se que estes não estão
muito distantes dos healthcare.
Em síntese, o Evaluation of Corporate Compliance Programs é uma
avaliação dos programas de compliance corporativo, o mais recente
guia do Departamento de Justiça norte-americano, e com certeza estão
Compliance em perspectiva | 129

contempladas nele as melhores práticas de compliance; ainda assim, devemos


adequá-lo às necessidades da área de saúde.
Dessa maneira, de acordo com o Office of The Inspector General – OIG,
o sistema de compliance no setor de saúde permanece com os sete pilares
anteriormente citados.
Ademais, é importante destacar o Affordable Care Act, lei da saúde
americana de 2010, que exige a existência do programa de compliance dos
medicare and medicaid providers, sistemas de seguros de saúde. Portanto,
tornou-se uma imposição necessária para os prestadores de serviços
médico‑hospitalares e para as empresas farmacêuticas.
Além destas, existem as agências especializadas em auditar e fiscalizar
as Healthcare, são empresas de saúde como o Department of Health and
Human Services Office for Civil Right (OCR), principais responsáveis pelo
cumprimento da Health Insurance Portability and Accountability Act (HIPAA),
a Lei da Portabilidade e Responsabilidade dos Serviços de Saúde.
Por fim, é importante salientar a tramitação no Congresso Nacional
Brasileiro de inúmeros projetos de lei que preveem o recrudescimento no
combate das ilegalidades praticadas na área da saúde, como a criminalização
da solicitação ou obtenção de vantagens pelos profissionais de saúde
através da indicação de produtos médicos (PL nº 2452/2015); a proibição
do recebimento de incentivos dos setores da indústria e do comércio da área
da saúde por médicos e sociedades médicas (PL nº 225/2012); a aplicação
de multas às empresas ou profissionais da área da saúde caso recebam ou
paguem comissões pela prescrição de dispositivos médicos (PL nº 17/2015),
entre outros.
Outrossim, a implantação de um efetivo sistema de integridade nas
empresas será exigido tanto no setor privado, pelos planos de saúde,
devido à ocorrência frequente de fraudes, quanto no setor público, pela
administração pública, como requisito necessário para a participação em
licitações e contratações.

5 CONCLUSÃO

O compliance na área da saúde é um mecanismo efetivo para prevenir,


detectar e punir condutas não éticas, corrupção e outras fraudes, conflitos
de interesses, bem como evitar sanções jurídicas, sanções contratuais, danos
à imagem e à reputação, por consequência evitando-se perdas financeiras e
diminuição de valor patrimonial dos hospitais e clínicas.
130 | Viviane Cardoso Lacerda Pacheco

Nessa perspectiva, verificou-se que a implantação e execução dos


sistemas de compliance ocasionam acesso, qualidade e humanização nos
atendimentos da saúde, visto que o seu objetivo primordial é a tutela
de direitos constitucionalmente protegidos, quais sejam: vida, saúde e
integridade física. Ademais, sua atuação deve ser pautada na relação de
confiança entre prestadores e tomadores de serviços, reduzindo os riscos
de fraudes e corrupção, evitando-se assim os atos de não conformidade.
Nessa concretização, percebeu-se, por fim, pilares ou parâmetros que
devem orientar a implantação de um efetivo sistema de compliance no setor
da saúde e foram considerados guias de melhores práticas no país.

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operadoras de saúde pelos danos causados aos pacientes. Dissertação de
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2019.
Compliance em perspectiva | 131

__________. DECRETO Nº 8.420/2015, de 18 de Março de 2015.


Regulamenta a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, que dispõe sobre
a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de
atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira e dá outras
providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
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__________. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 221/2015. Torna
obrigatória a inserção, no Código de ética Médica, de disposições para
proibir os médicos e as sociedades médicas de receberem quaisquer tipos de
incentivos dos setores da indústria e do comércio de produtos para a saúde,
de forma a garantir a autonomia profissional na prescrição ou indicação
desses produtos. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/propostas-
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10
CULTURA DE INTEGRIDADE E
INSTRUMENTOS REGULATÓRIOS
ESTADUAIS: LEI ANTICORRUPÇÃO,
PROGRAMAS DE INTEGRIDADE
NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS E
COMPLIANCE PÚBLICO
Zulene Barbosa Gomes38
Maria Rosa Santos39
38
Graduada em Administração em Marketing. Atuou como pregoeira no Ministério
Público do Estado da Bahia (2012-2014). Advogada, pesquisadora no Grupo de Análise
Econômica do Direito – UFBA. Pós-graduada em Advocacia Pública. Pós-graduanda
em GRC. Atua em licitações, orçamento público e execução em processo coletivo.
E-mail: zulene.gomes.adv@gmail.com.
39
Compliance Officer em concessionária de rodovias. Docente em MBAs nas Disciplinas
de Riscos de Compliance, Governança Corporativa e Auditoria. Co-fundadora do
Compliance Nordeste. Administradora com mais de dezoito anos de experiência em
projetos relacionados a Gestão de Riscos, Compliance, Governança Corporativa,
Auditoria, Controles Internos, SOX, Instruções CVM e Normas ISO em multinacionais
e empresas de grande porte. Entre suas experiencias, atuou como Gerente de Riscos
e Controles Internos no Grupo Ser Educacional. Ex-membro colaborador do Comitê
135
136 | Zulene Gomes & Maria Santos

O Decreto nº 5.687/2006 (Convenção das Nações Unidas contra


a Corrupção), a Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos), a Lei
nº 9.613/98 (Lei Lavagem de Dinheiro), a Lei nº 13.303/2006 (Lei das
Estatais), Resolução CMN nº 4.595/2017 (Compliance – Instituições
Financeiras Bacen), a Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), a Portaria
Conjunta CGU/AGU nº 004 de 8 de agosto de 2019 (Acordo de Leniência),
o Decreto nº 9.986 de 26 de agosto de 2019 (Conselho de Transparência
Pública e Combate à Corrupção) e a Resolução COAF nº 31 de 7 de junho
de 2019 prevenção à lavagem de dinheiro) são alguns normativos que visam
ao enfrentamento da corrupção no contexto nacional e supranacional.
Há também paradigmas internacionais de combate à corrupção de
pessoa jurídica, com destaque para EUA e Reino Unido, notadamente em
razão da edição da Lei das Práticas Corruptas em Países Estrangeiros,
de 1977 (FCPA), e da Lei Antissuborno do Reino Unido, de 2010 (U.K.
Bribery Act – UKBA).
No tocante à função regulatória das contratações públicas, destaca-se a
Lei 13.303/16 (Lei das Estatais), que exige a elaboração e a divulgação do
código de conduta e integridade no âmbito das empresas estatais.
Nesse diapasão, a Instrução Normativa CGU nº 13, de 8 de agosto 2019,
definiu procedimentos para a apuração da responsabilidade administrativa
de pessoas jurídicas de que trata a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, a
serem observados pelos órgãos e entidades do Poder Executivo Federal. Já
o Decreto nº 9.901/2019 trata da política de governança da administração
pública federal.
A lei em comento trouxe um incentivo às empresas que contratem com
a administração pública federal a implantarem programas de integridade,
um conjunto de mecanismos e procedimentos internos de aperfeiçoamento
de controle, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades, bem como
aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes
que, se presentes, tendem a atenuar a sanção imposta, relação que tem sido
objeto de questionamentos doutrinários.
Por seu turno, a Lei Federal nº 12.846/2013, denominada Lei
Anticorrupção, segue regulamentada pelo Decreto nº 8.420/2015 e
possui preponderante caráter sancionatório, especialmente pela previsão
do Processo Administrativo de Responsabilização (PAR), o que implica
responsabilidade objetiva imposta à pessoa jurídica e demais procedimentos,
como o desenvolvimento de inquérito.

de Governança Corporativa da OAB-PE. Tem experiência internacional no Canadá,


Itália, Chile e Argentina.
Compliance em perspectiva | 137

Em determinados contextos, a regulamentação da Lei nº 12.846/2013


resta preterida em relação à exigência de programa de integridade para
empresas contratarem com o ente público. Sucede que as disposições
regulamentares são unânimes em restringir a exigência ora ao volume
contratado, ora ao prazo da avença. Ao revés, os atos lesivos que resultem
em prejuízos materiais ou financeiros causados por irregularidades, desvios
de ética e de conduta e fraudes independem de valor.
Daí por que é indispensável compreender o comportamento de compras
do governo, ou seja, é vital diagnosticar formas de relacionamento entre
público e privado que incrementam riscos das contratações para que tais
legislações sejam adequadas à realidade e, mais ainda, cumpram com o fim
a que se propuseram, enfrentamento a corrupção.
Portanto, este artigo pretende apresentar o comportamento de compras
do Executivo Federal, a partir de dados consolidados do portal Compras
Governamentais (https://www.comprasgovernamentais.gov.br/), entre
2013 a 2019, uma vez que os estados reproduzem o modelo federal, e a
partir daí demonstrar pontos não enfrentados pelos regulamentos que
podem imunizar riscos à integridade no âmbito das contratações.
Destarte, contextualiza-se cronologicamente em âmbito estadual
as regulamentações: Lei Anticorrupção, procedimentos de apuração de
responsabilidade, exigência de programa de integridade em contratações
e implantação de compliance público, matérias que se complementam no
tocante à construção da cultura de integridade.
Diante do exposto, o problema de pesquisa é de que modo os requisitos
constantes nos regulamentos que exigem de determinados fornecedores
implantação de programas de integridade para contratação reforçam o
enfrentamento seletivo da corrupção?

1 REGULAMENTAÇÕES DA LEI ANTICORRUPÇÃO, EXIGÊNCIA


DE PROGRAMAS DE INTEGRIDADE NAS CONTRATAÇÕES E
COMPLIANCE PÚBLICO – DISTINÇÕES ESSENCIAIS

A regulamentação da Lei Anticorrupção exterioriza modelos de


governança e de demanda para efetivar-se além do papel, a criação de
estruturas orgânicas de apuração de responsabilidade, definição de
competência para instaurar o julgamento do Processo Administrativo de
Responsabilização (PAR) e aplicação de multas em empresas envolvidas em
corrupção e fraudes.
138 | Zulene Gomes & Maria Santos

O PAR é o procedimento de responsabilização de pessoas jurídicas em


face de atos lesivos ao erário, sob o espectro da responsabilidade objetiva.
Assevere-se que a ausência normativa local impede que os estados e
municípios o apliquem. Frise-se que há 6 anos de promulgação, somente 18
estados e 9 capitais regulamentaram a Lei Anticorrupção.
Com efeito, no âmbito federal, a Controladoria-Geral da União – CGU
tem competência concorrente para instaurar e julgar PAR e exclusiva para
avocá-lo, para exame de sua regularidade ou para corrigir-lhe o andamento,
inclusive promovendo a aplicação da penalidade administrativa cabível.
No contexto estadual, o cenário de regulamentação é bem heterogêneo.
Paraná, Tocantins e São Paulo foram os primeiros estados a regulamentar
a Lei Anticorrupção, embora o Distrito Federal e o Rio de Janeiro sejam os
normativos mais reproduzidos por grande parcela de estados.
Acrescente-se que alguns estados foram além, exigindo dos
fornecedores como condição de contratação a implantação de programas
de integridade. Mais além tem sido a estruturação normativa do compliance
público, a exemplo do Espírito Santo, Goiás, Distrito Federal, Rio de
Janeiro e Santa Catarina, cujo normativo destaca-se pela preponderância
na análise de riscos.
O Rio Grande do Sul e Pernambuco normatizaram duas matérias
(anticorrupção e exigência de programa de integridade nas contratações),
sendo que o RS é o único estado a consolidar as duas matérias através da
Lei nº 15.228/18. Ao revés, há estados em fase de proposições legislativas
de exigência de programas de integridade, bem como de compliance público
para a administração pública, sem contudo regulamentarem a própria Lei
Anticorrupção, a exemplo da Bahia.
Abaixo, seguem escopos em relação à normatização local da Lei
Anticorrupção, exigência de programas de integridade e implantação de
compliance público (dentro da estrutura da administração pública):

1º ESCOPO – APENAS HÁ REGULAMENTAÇÃO DA LEI


ANTICORRUPÇÃO

Estado Legislação Anticorrupção


Tocantins Decreto nº 4.954/13
São Paulo Decreto nº 60.106/14
Rio Grande do Norte Decreto nº 25.177/15
Minas Gerais Decreto nº 46.782/15
Maranhão Decreto nº 31.251/15
Pará Decreto nº 2.289/18
Compliance em perspectiva | 139

Decreto nº 48.326/16
Decreto nº 52.555/2017
Alagoas Regulamenta regras de governança para
empresas públicas e sociedades de economia
mista.

Ceará Lei nº 16.192/16


Mato Grosso do Sul Decreto nº 14.890/17
Paraíba Decreto nº 38.308/18
Lei nº 16.309/18
Define os procedimentos para apuração da
Pernambuco responsabilidade administrativa da Lei Estadual
Anticorrupção.
Rondônia Decreto Estadual nº 23.907/2019

Destaca-se que São Paulo possui o cadastro próprio de empresas


punidas, o CEEP, para fins de inscrição advinda da imputação de sanções
do PAR.

2º ESCOPO – REGULAMENTOU TRÊS MATÉRIAS


(ANTICORRUPÇÃO, EXIGÊNCIA DE PROGRAMA DE
INTEGRIDADE EM CONTRATAÇÕES E IMPLANTAÇÃO DE
COMPLIANCE PÚBLICO)

Distrito Federal
Lei Programa de Integridade para Compliance Público
anticorrupção empresas

Decreto nº 10.271/14 Decreto nº 39.736/2019


Decreto nº Revogado pela
37.296/16 Lei nº 6.112/18 (revogada)
Atualmente em vigor Lei nº
6.308/2019

Goiás
Programa de Integridade para
Lei Anticorrupção empresas Compliance Público

PL 52/18 convertido em PL 51/18


Lei nº 18.672/14 Lei Estadual nº 20.489/2019 Decreto nº
9.406/2019

Rio de Janeiro
Lei Anticorrupção Programa de Integridade Compliance Público
para empresas
Decreto nº 46.366/18 Lei nº 7.753/17 Decreto Estadual nº 46.745
DE 22.08.2019
140 | Zulene Gomes & Maria Santos

Esses são os estados mais avançados em termos de regulamentação,


trazendo conceitos que são comuns à iniciativa privada, como due diligence,
análise de risco, sendo os modelos de textos mais reproduzidos nos demais
entes. Ressalve-se que o DF modificou recentemente a legislação sobre
exigência de programas de integridade, cuja tendência é de arrastar a
modificação dos normativos dos demais estados.

3º ESCOPO – LEI ANTICORRUPÇÃO E COMPLIANCE PÚBLICO

Paraná e Santa Catarina destacam-se por implantar programa de


compliance antes de exigência às empresas em contratações, com conceitos
lastreados em análise de riscos, planos de integridade e desenvolvimento de
cultura ética no âmbito interno da administração.

Regulamenta Lei Anticorrupção Programa de Integridade e


Compliance Público
Decreto nº 10.271/14 revogado pelo LEI ESTADUAL (PR) Nº 19.857, DE
Decreto nº 11.953, DE 10.12.2018 29.05.2019 (Programa de Integridade
(Lei Anticorrupção - Regulamentações e Compliance Público)
Estaduais) Institui o Programa de Integridade e
Compliance da Administração Pública
Estadual e dá outras providências.

Santa Catarina
Regulamenta Lei Anticorrupção Programa de Integridade e Compliance
Público
Decreto nº 1.106/17 Lei nº 17.715, DE 23.01.2019

4º ESCOPO – LEI ANTICORRUPÇÃO E EXIGÊNCIA DE


PROGRAMA DE INTEGRIDADE EM CONTRATAÇÕES

Espírito Santo
Lei Anticorrupção Programa de Integridade
Para empresas
Decreto nº 3.956-R/16 Lei nº 10.793/17

Destaque-se que o Espírito Santo é paradigma a ser seguido


notadamente de efetivação da Lei Anticorrupção, sendo o primeiro estado
a instaurar PAR, com a maior quantidade de procedimentos de apuração de
responsabilidade, tendo inclusive criado estrutura dentro da organização
Compliance em perspectiva | 141

administrativa do Executivo para fins de adequação e otimização de


resultados quanto à efetividade da regulamentação.
Como se vê na pesquisa empírica, não basta a regulamentação formal
sem atribuições de competência, responsabilização, ações como cadastro de
empresas no CNEP, criação de fundo para fins de enfrentamento à corrupção,
medidas que denotam o perfil de governança implementado. Registre-se
que a efetividade do PAR induz a efeitos econômicos à coletividade, que
advém da aplicação de multas, além do caráter sancionatório há também
uma mensagem de construção por valores éticos nas relações entre público
e privado.

Rio Grande do Sul Lei nº 15.228/18


Dispõe sobre as duas matérias.
Mato Grosso Decreto nº 522/16 (Lei Anticorrupção)
Portaria 08 -2016
Fixa critérios técnicos para a avaliação
de existência, aplicação e efetividade de
programas de integridade de pessoas
jurídicas.

5 º ESCOPO – SÓ PROGRAMA DE INTEGRIDADE PARA


EMPRESAS

Amazonas Lei nº 4.730/18

6º ESCOPO – FASE DE PROPOSIÇÃO LEGISLATIVA – EXIGÊNCIA


DE PROGRAMA DE INTEGRIDADE

Bahia PL 22.614/17
Tocantins PL 8/18
Minas Gerais PL 5.227/18
São Paulo PL 5.498, de 2018
Santa Catarina Projeto de Lei n. 262/2019

No tocante ao âmbito municipal, a Prefeitura do Rio de Janeiro, por


meio do Decreto 45.385/18, institui o Sistema de Integridade Pública
Responsável e Transparente (Integridade Carioca), bem como o Sistema
de Compliance da Prefeitura do Rio de Janeiro (Compliance Carioca).
No município de Curitiba há a proposição de que, se a empresa possuir
programa de integridade, seja critério de pontuação e desempate nos
certames licitatórios, do mesmo modo que o Projeto de Lei 01-00723/2017
da Administração Pública Municipal de São Paulo, que prevê a preferência
de contratação para empresas que adotem programas de integridade em
sua estrutura interna.
142 | Zulene Gomes & Maria Santos

2 PROGRAMAS DE INTEGRIDADE – CARACTERÍSTICAS E


CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO

O Distrito Federal é o paradigma em relação à exigência de programas


de integridade para contratações. Segundo a redação do artigo dada pela
Lei nº 6308, de 13 de junho de 2019, a exigência se aplica a todas as
pessoas jurídicas que celebrem contrato, consórcio, convênio, concessão,
parceria público-privada e qualquer outro instrumento ou forma de avença
similar, inclusive decorrente de contratação direta ou emergencial, pregão
eletrônico e dispensa ou inexigibilidade de licitação, com a administração
pública direta ou indireta do Distrito Federal em todas as esferas de poder,
com valor global igual ou superior a R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de
reais).
No Rio de Janeiro aplica-se a contratos superiores a R$ 1.500.000,00
(um milhão e quinhentos mil reais) para obras e serviços de engenharia e
R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais) para compras e serviços,
mesmo que na forma de pregão eletrônico, e o prazo do contrato seja igual
ou superior a 180 (cento e oitenta) dias.
No Estado da Bahia, a proposição só incide em contratações superiores
a R$ 1.400.000,00 (um milhão e quatrocentos mil) para compras ou serviços
e R$ 3.300.000,00 (três milhões e trezentos mil) para obras e serviços de
engenharia e o prazo do contrato seja igual ou superior a 120 (cento e
vinte) dias.
No DF, microempresas e empresas de pequeno porte, não se exigindo
especificamente o cumprimento de todas as disposições aplicáveis aos demais
portes. Importa asserir que em janeiro de 2019, a Controladoria-Geral da
União (CGU) publicou a Portaria nº 57/2019, que traz procedimentos para
estruturação, execução e monitoramento de programas de integridade em
órgãos e entidades do Governo Federal (ministérios, autarquias e fundações
públicas).
No Distrito Federal, a empresa avaliada tem de apresentar relatório
de perfil e relatório de conformidade do programa. Com efeito, o avaliador
pode realizar entrevistas, que devem ser documentadas, e solicitar novos
documentos para fins da avaliação. Todavia, não há indicação de quem seja
a autoridade responsável, sendo inclusive uma avaliação que demandaria
equipe especializada e parecer jurídico.
Acrescente-se que a redação anterior dispunha que a avaliação seria feita
pelo gestor do contrato, texto que é preponderantemente reproduzido nas
Compliance em perspectiva | 143

proposições legislativas locais. Frise-se que a empresa precisa demonstrar


o apoio da alta direção, o que abarca conselhos, quando aplicado.
Destarte, exige-se comprovação de código de ética e políticas e
procedimentos de integridade da empresa, realização de capacitação
periódica sobre os temas relacionados com o programa de integridade,
análise periódica de riscos, desenvolvimento de controles internos.
A empresa tem que demonstrar que o programa de integridade
desenvolve ações que previnem fraudes no processo licitatório, na execução
de contrato e demais instrumentos ou em qualquer interação com o setor
público, ainda que intermediada por terceiros, além de demonstrar a
estruturação e independência da instância responsável pela aplicação do
programa de integridade e fiscalização do seu cumprimento.
A implantação de canais de denúncia é obrigatória, admitido
individualmente pela pessoa jurídica ou de forma compartilhada, podendo
ser terceirizado ou operacionalizado por entidade de classe à qual esteja
associada. Ademais, é necessário demonstrar que desenvolve due diligence
de terceiros, que monitora o programa de integridade visando ao seu
aperfeiçoamento na prevenção, detecção e combate dos atos lesivos referidos
no art. 5º da Lei Federal nº 12.846, de 1º de agosto de 2013.
Com efeito, a avaliação documental, incluindo correios eletrônicos,
cartas, declarações, correspondências, atas de reunião, relatórios, manuais,
imagens capturadas da tela de computador, gravações audiovisuais, notas
fiscais, registros contábeis ou outros documentos, preferencialmente em
meio digital, pode conduzir a um compliance de fachada, uma vez que a
cultura de integridade demanda tempo, engajamento e ações firmes de
construção coletiva de um ambiente ético.
Ressalve-se que há previsão de multa equivalente a 0,08% por dia,
incidente sobre o valor atualizado do contrato, limitado a 10% deste, que só
cessa com a aplicação do programa de integridade. Há expressa disposição
para deduzi-la do valor contratado, se houver previsão contratual nesse
sentido.
Um dos aspectos polêmicos é que, mesmo que o fornecedor pague
a multa, ainda assim ficará impedido de contratar com a administração
pública do Distrito Federal, de qualquer esfera de poder de implementação
do programa de integridade até que o implante.
O pagamento imtempestivo enseja inscrição em dívida ativa, em nome
da pessoa jurídica sancionada, sujeição a rescisão unilateral da relação
contratual, a critério do órgão ou entidade contratante.
144 | Zulene Gomes & Maria Santos

3 COMPORTAMENTO DE COMPRAS GOVERNAMENTAIS E RISCOS À


INTEGRIDADE

De acordo com a Portaria MDR Nº 1.927, de 12.08.2019, risco à


integridade é qualquer vulnerabilidade que pode favorecer ou facilitar a
ocorrência de práticas de corrupção, fraudes, irregularidades e/ou desvios
éticos e de conduta, podendo comprometer os objetivos da instituição.
Nas contratações públicas, destacam-se conflito de interesses,
corrupção, compras superfaturadas, editais com cláusulas anticompetitivas,
cartéis, manipulação de documentos, fraudes, propostas inexequíveis, ações
judiciais, dever de indenizar, falha na execução contratual, agente público
corrupto etc.
De acordo com o Painel de Compras do Governo Federal, de 2013
a 2018 foram objeto de contratação R$ 264.223.488.483,64 (duzentos e
sessenta e quatro bilhões, duzentos e vinte e três milhões, quatrocentos
e oitenta e oito mil, quatrocentos e oitenta e três reais e sessenta e quatro
centavos).
Do volume exposto, R$ 169.153.930.518,68 foram homologações para
contratações imediatas, sendo 71 % por dispensa e inexigibilidade, o que
totalizou R$ 120.300.036.474.70.
No tocante ao registro de preços, o volume objeto de contratação
representou R$ 95.182.984.659,7. Destes, 73% por pregão, ou seja, R$
95.069.557.964,88 e R$ 113.426.694,91 por concorrência.40
Em relação às caronas às atas de registro de preços federais, tais dados
não são publicados no referido portal. Contudo, através do pedido de acesso
à informação, estimou-se o total de R$ 12 bilhões contratados por adesões
às atas entre 2013 e 2016.
Com efeito, em 2019, o comportamento de compras federal manteve o
mesmo padrão de preponderância de dispensas, inexigibilidade e registro
de preços, em que se sagraram vencedoras empresas de grande porte, como
abaixo se vê:

Tabela 1 – Diagnóstico de compras governamentais – Ano 2019


Modalidade de Compras Valor das Compras (em R$)
Pregão 6.771.946.318,37
Concorrência 102.791.345,04
Tomada de preços 38.870.929,82
40
Vide portal SIASG em: <http://www.comprasgovernamentais.gov.br.>.
Compliance em perspectiva | 145

Convite 3.827.207,83
Concorrência internacional 371.430,97
Concurso 106.500,00
Dispensa de licitação 3.388.239.215,04
Inexigibilidade de licitação 1.296.213.614,97
Fonte: Tabela elabora pela autora, a partir dos dados disponíveis em:
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Em relação à modalidade de licitação em cotejo com o porte do


fornecedor, destaca‑se a preponderância de compras realizadas sem
licitação, por meio de dispensas e inexigibilidades, mercado dominante das
empresas de grande porte.
O total homologado até 22 de agosto foi de R$ 11.602.366.562,04,
sendo R$ 4.684.452.830,01 por dispensa e inexigibilidade (40 % do total), e
R$ 4.466.616.847,44 para empresas de grande porte.

Tabela 2 – Total homologado por porte do fornecedor e modalidade de compras


Modalidade de Porte do
Ano compras fornecedor Valor da Compra (em R$)
Dispensa de
2019 licitação Microempresa 69.862.320,67
Dispensa de
2019 licitação Outros portes 3.240.468.186,95
Dispensa de
2019 licitação Pequena empresa 77.908.707,42
Inexigibilidade de
2019 licitação Microempresa 43.698.684,02
Inexigibilidade de
2019 licitação Outros portes 1.226.148.660,49
Inexigibilidade de
2019 licitação Pequena empresa 26.366.270,46
Fonte: Tabela elabora pela autora, a partir dos dados disponíveis em:
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Cite-se que o Ministério da Educação, Saúde, Transportes e Defesa


totalizaram R$ 4.354.589.731,44, R$ 3.731.781.870,21, R$ 1.190.360.707,51,
R$ 899.074.583,28 respectivamente, representando aproximadamente 70%
do volume global homologado no período.
Ressalve-se que de todo o volume homologado até 22 de agosto de
2019, R$8.954.326.008,53 destinaram-se às empresas de grande porte,
como abaixo se vê:
146 | Zulene Gomes & Maria Santos

Tabela 3 – Total homologado por porte empresas de outros portes


Modalidade de Forma da Porte do Valor da compra
Ano compras compra fornecedor (em R$)
2019 Tomada de preços SISPP Outros portes 6.466.440,90
2019 Concorrência SISPP Outros portes 52.277.754,65
2019 Convite SISPP Outros portes 218.953,20
2019 Pregão SISPP Outros portes 2.053.247.203,76
2019 Pregão SISRP Outros portes 2.375.392.308,58
2019 Dispensa de licitação SISPP Outros portes 3.240.468.186,95
Inexigibilidade de
2019 licitação SISPP Outros portes 1.226.148.660,49
2019 Concurso SISPP Outros portes 106.500,00
Fonte: Tabela elabora pela autora, a partir dos dados disponíveis em:
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As microempresas e empresas de pequeno porte, a despeito das


disposições da LC 123/2006, não possuem competitividade diante do poder
econômico de grandes grupos econômicos.

Tabela 4 – Total homologado para micro e pequenas empresas


Forma da
Ano Modalidade de compras compra Valor da compra (em R$)
2.648.040.553,52
2019 Tomada de preços SISPP 32.404.488,92
2019 Concorrência SISPP 50.513.590,39
2019 Convite SISPP 3.608.254,63
2019 Concorrência internacional SISPP 371.430,97
2019 Pregão SISPP 753.034.154,05
2019 Pregão – registro de preços SISRP 1.590.272.651,98
2019 Dispensa de licitação SISPP 147.771.028,09
2019 Inexigibilidade de licitação SISPP 70.064.954,48
Fonte: Tabela elabora pela autora, a partir dos dados disponíveis em:
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Destarte, 34% foram realizadas através do registro de preços, ou seja,


R$ 3.965.664.960,56, sendo R$2.375.392.308,58 para empresas de grande
porte.
Compliance em perspectiva | 147

Tabela 5 – Volume Financeiro – Caronas em Atas Federais


Ano Volume (em R$)

2012 2.776.301.974,85
2013 1.660.908.829,62
2014 2.541.959.966,35

2015 2.379.073.940,55
2016 3.119.067.234,17

Fonte: Elaborado pela autora.

Diante do exposto, vê-se que a disposição de vincular a exigência de


implantação de programas de integridade ao valor e prazo do contrato
é um risco de integridade, porquanto imuniza empresas que contratem
sucessivamente com a administração pública em valores inferiores aos
limites fixados, notadamente por dispensa, inexigibilidade, registro de
preços e caronas.
Os regulamentos exigem da empresa como condição para contratação
a implementação de programa de integridade em 120 dias, ou até 180
dias, coincidindo com a execução do contrato. A implantação de programa
de compliance durante a execução contratual tende à formalização de
programas de prateleira, sem engajamento organizacional e, portanto, de
baixa efetividade ao enfrentamento à corrupção.
Assim, empresas que forem contratadas por dispensas e inexigibilidades
com valores inferiores aos estabelecidos pelos regulamentos não estarão
obrigadas a implantar programas de integridade. A seguir são demonstrados
alguns tipos de riscos de contratações que não são contemplados na
exigência de programas de integridade.

4.1 CONTRATAÇÕES QUE TRANSGRIDAM PRINCÍPIOS DA


ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

As empresas detentoras das atas de registro de preços entregam bens e


serviços à medida que os itens ou prestação de serviços são requeridos, em
até 12 meses, por múltiplas requisições.
Por seu turno, o registro de preços possibilita a carona, extensão da
proposta vencedora a mais de um órgão ou todos, admite-se o quíntuplo
do valor da ata para programas de governo e o dobro. Em determinados
estados e municípios não há limites quantitativos ao uso da carona.
148 | Zulene Gomes & Maria Santos

A carona, apesar de ser considerada célere, afronta o princípio do


controle, impessoalidade, moralidade, da probidade administrativa,
igualdade, publicidade, eficiência, eficácia, motivação, vinculação ao
instrumento convocatório, julgamento objetivo, segurança jurídica,
razoabilidade, competitividade, proporcionalidade, da economicidade e da
sustentabilidade.
Empresas vencedoras em procedimento de registro de preços estão
obrigadas a implantar programas de integridade, uma vez que o registro
de preços não impõe a obrigatoriedade de compra à administração? Assim,
empresas contratadas por caronas em registro de preços estarão obrigadas
a implantar programas de integridade?
Portanto, se cada estado possui regras próprias de integridade para
contratação, cada empresa que fornece sem licitação com o carona terá que
atender aos regulamentos de exigências de todos os entes envolvidos ou
basta atender ao regulamento do gerenciador? Segundo, a extensão do
total contratado será quantificado para exigir a implantação de programa
de integridade pelo órgão gerenciador, participante, o carona ou todos? São
questões silentes nos regulamentos e que são riscos à integridade. Qual
o limite para aplicação de sanção pelo descumprimento à implantação de
programa de integridade?
Outro ponto é atribuir ao gestor do contrato a tarefa de fiscalizar a
implantação do programa de integridade da pessoa jurídica, o que envolve
garantir a aplicabilidade da lei e informar ao ordenador de despesas sobre
o não cumprimento da exigência.
Nessa senda, a aproximação entre o fiscal e a empresa pode promover
conflito de interesse, de modo que seria mais razoável uma equipe autônoma
à atividade de contratação, uma vez que mitigaria a interferência de gestores
corruptos na escolha de empresas a serem contratadas e, por consequência,
seria um desestímulo ao pagamento de vantagem indevida.
Os regulamentos não ensejaram a transparência dos resultados da
avaliação do programa de implantação para os demais licitantes e para
a sociedade, o que é um equívoco, uma vez que não há como o tratar de
compliance prescindir o amplo acesso à informação pública.

5 CONCLUSÃO E PROPOSIÇÕES

À luz do comportamento de compras públicas, é preciso ampliar a


exigência de implantação de programas de integridade para empresas de
Compliance em perspectiva | 149

grande porte que contratem por dispensa e inexigibilidade, registro de


preços e caronas, independentemente de faixa de volume e prazo contratual.
A exigência apenas no momento da contratação de que a empresa que
contrate com a administração púbica desenvolva um programa de compliance
não é medida apta a obstar a contratação antieconômica por parte do Estado.
Ademais, a fixação de limites por volume contratado não é medida razoável
de enfrentamento à corrupção, uma vez que há contratações antieconômicas
em valores abaixo da modalidade concorrência.
Propõe-se preliminarmente a regulamentação da Lei Anticorrupção,
de compliance público e, por fim, de exigência às empresas. O estudo sugere
que a exigência de programa de integridade deve ser estruturado, aplicado
e atualizado independentemente de volume a ser contratado e prazo da
avença, mas que sejam relacionados ao comportamento de compras de cada
ente, com foco nos riscos do processo de contratação em si, com controles
mais rígidos sobre dispensas, inexigibilidades, caronas em registro de
preços e uso anômalo do registro de preços fora das hipóteses.
Daí por que o compliance público como expressão de governança tende
à efetividade com desenvolvimento de ações estratégicas associadas à
Internet, às coisas, ao monitoramento informatizado, à gestão de informação.
Ter um programa de integridade não elide a corrupção, o conflito
de interesses, o dano ao erário, de modo que só a regulamentação desta
matéria sem desenvolver estruturas de responsabilização trazidas pela
Lei Anticorrupção é insuficiente. É preciso ressalvar que, infelizmente, há
avaliações e controles alegóricos orquestrados por organizações criminosas.
Por seu turno, sugere-se coordenação entre estruturas de controle
que incluam agentes ligados ao compliance público, PAR e avaliação de
programas de integridade de terceiros por equipes autônomas ao órgão
demandante, e não à autoridade interessada na contratação, sem autonomia
e independência necessária.
Destaque-se o papel desempenhado pela Controladoria-Geral do
Estado (CGE) na maior parte dos estados, impactando na estruturação o
programa de integridade e compliance, visando ao cumprimento de todas
as regras, leis e regulamentos aplicados aos órgãos e secretarias, sendo
indispensável um diálogo entre Tribunal de Contas, Procuradorias-
Gerais de Justiça, associações, universidades, órgãos de persecução penal,
corregedorias, de modo ao constante movimento crítico de enfrentamento
à corrupção fundados em dados empíricos, a partir da realidade de compras,
para além de discursos pautados em mercadores da ética que tendem ao
incremento à corrupção, e não ao seu efetivo embate.
150 | Zulene Gomes & Maria Santos

Por fim, não há que se falar em compliance público de fachada, sendo


indispensável o fomento à transparência ativa e ao acesso à informação,
visando à ampla divulgação das avaliações dos programas de integridade,
com metodologia, de modo a mitigar conflitos de interesses e nepotismo,
além de tratamento tempestivo de denúncias, monitoramento de controles
internos, grau de cumprimento de recomendações do Tribunal de Contas,
implementação de procedimentos de responsabilização.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37,


inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e
contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário
Oficial da União, Brasília, 22 jun. 1993. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm>. Acesso em: 20 jul. 2019.
__________. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a
responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de
atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras
providências. Diário Oficial da União, Brasília, 2 ago. 2013. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12846.
htm>. Acesso em: 27 jun. 2019.
PAINEL DE COMPRAS GOVERNO FEDERAL. <http://paineldecompras.
planejamento.gov.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=paineldecompras.
qvw&lang=en-US&host=QVS%40srvbsaiasprd04&anonymous=true>.
Disponível em comprasgovernanmentais.gov.br. Acesso em: 22 ago. 2019.

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