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JUR0234_V2.

TEMAS ESPECIAIS I
2

Carolina Uzeda

TEMAS ESPECIAIS I
1ª edição

São Paulo
Platos Soluções Educacionais S.A
2021
3

© 2021 por Platos Soluções Educacionais S.A.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


_______________________________________________________________________________________
Uzeda, Carolina
U99t Temas especiais I / Carolina Uzeda, – São Paulo:
Platos Soluções Educacionais S.A., 2021.
81 p.

ISBN 978-65-89965-48-0

1. Processo. 2. Família. 3. Societário. I. Título.

CDD 346.015
____________________________________________________________________________________________
Evelyn Moraes – CRB: 8 SP-010289/O

2021
Platos Soluções Educacionais S.A
Alameda Santos, n° 960 – Cerqueira César
CEP: 01418-002— São Paulo — SP
Homepage: https://www.platosedu.com.br/
4

TEMAS ESPECIAIS I

SUMÁRIO

Apresentação da disciplina____________________________________ 05

Convenções processuais______________________________________ 06

Processo societário ___________________________________________ 25

Ações de família ______________________________________________ 48

Controle concentrado de constitucionalidade ________________ 69


5

Apresentação da disciplina

A disciplina abrange temas muito amplos. Na primeira aula, tratamos


das convenções processuais que, embora não sejam uma novidade
no ordenamento jurídico brasileiro, assumiram papel muito relevante
nos debates e discussões doutrinárias, a partir da autorização para
as partes realizarem negócios jurídicos processuais atípicos. Para
tanto, abordamos, além de temas gerais, seus limites e requisitos para
validade, bem como exemplos de convenções processuais típicas e
atípicas.

A segunda aula versa sobre direito processual societário e aborda,


dentre outros temas, a ação de dissolução parcial de sociedade e a
desconsideração da personalidade jurídica, em todos os seus aspectos.

A terceira aula versa sobre ações de família e interdição. Tratamos


das ações de família previstas no CPC, da ação de alimentos, do
reconhecimento de paternidade e da interdição, considerando a
legislação posterior ao CPC/15.

A quarta e última aula aborda o controle concentrado de


constitucionalidade e ações constitucionais, como ADC, ADIN e ADPF.
Tratamos da legitimidade, do cabimento e dos efeitos de tais ações que,
cada vez mais, assumem papel de grande relevância na manutenção do
Estado Democrático de Direito.
6

Convenções processuais
Autoria: Carolina Uzeda
Revisora teórica: Lais Giovanetti

Objetivos
• Aspectos gerais das convenções processuais.

• Introdução ao tema.

• Critérios para determinação dos limites das


convenções processuais.

• Negócios processuais típicos e atípicos.


7

Introdução

A negociação sobre poderes, ônus, deveres e faculdades processuais das


partes não é novidade no ordenamento jurídico brasileiro. Há muito já
se admitia, por exemplo, negócio jurídico para escolha do perito, eleição
de foro, etc.

José Carlos Barbosa Moreira, nos anos 1980, defendia a possibilidade de


as partes negociarem sobre poderes, deveres e faculdades processuais,
tratando de distinguir as convenções processuais com eficácia plena,
daqueles atos que dependem de homologação judicial. Ressaltou que,
para estes últimos, a eficácia é da decisão que homologa e não da
convenção em si1.

Então, por que os negócios jurídicos processuais se tornaram tema em


destaque com o advento do CPC/15?

Embora Barbosa Moreira já sustentasse a possibilidade da formalização


de convenções processuais diferentes das expressamente previstas na
legislação processual2, o artigo 190 autoriza expressamente a realização
de negócios atípicos. As partes poderão livremente, com autorização
legal, convencionar sobre seus poderes, deveres, ônus e faculdades
processuais, submetendo o acordo ao juiz, que deverá respeitá-lo
independentemente da sua homologação3. Ou seja, os negócios jurídicos
processuais, tão logo juntados aos processos, dispensam qualquer ato
do magistrado para que passem a surtir todos os efeitos neles previstos.

É o que a doutrina tem chamado princípio do respeito autorregramento


da vontade no processo. Para Fredie Didier Jr., tal princípio se baseia
especialmente na liberdade, enquanto fundamento de um Estado
1
Convenções das partes sobre matéria processual. In: Temas de Direito Processual Civil: Terceira Série. São
Paulo: Saraiva, 1984.
2
Por exemplo, o compromisso das partes de não indicarem assistentes técnicos.
3
En 133 do FPPC: (art. 190; art. 200, parágrafo único) Salvo nos casos expressamente previstos em lei, os negó-
cios processuais do art. 190 não dependem de homologação judicial. (Grupo: Negócios Processuais)
8

Democrático do Direito e no processo, como exercício de poder dos


indivíduos4. Em suas palavras:

“Um processo que limite injustificadamente o exercício da liberdade não


pode ser considerado um processo devido. Um processo jurisdicional
hostil ao exercício da liberdade não é um processo devido, nos termos da
Constituição brasileira.”

E isso, para o professor baiano, não significa abrir mão das conquistas
realizadas pelo publicismo, lançando sobre o processo uma
característica privatística, muito comum, por exemplo, na arbitragem.

É na ponderação entre os poderes do juiz e o das partes, consciente


de que o processo serve a elas e ao direito material, que se encontra o
resultado dos limites do exercício dessa liberdade.

Ora, argumenta com frequência, se é dado às partes comporem sobre


o direito material levado ao Judiciário – e isso, inclusive, é uma norma
fundamental do CPC/15 – mais ainda devem poder regrar o processo de
acordo com sua vontade, recebendo do Estado a tutela que lhes pareça
mais efetiva.

Para identificar o que, de fato, pode ser considerado um negócio jurídico


processual, precisamos ultrapassar o estudo do fato jurídico processual,
retomando as premissas da teoria geral e formando a base que nos
permitirá formar – e esse é o objetivo aqui – nossas próprias conclusões
acerca da limitação dos negócios processuais, que é um dos maiores
dilemas do estudioso e do aplicador do CPC/15.

1. Teoria do fato jurídico processual

O processo é um conjunto de atos organizados com um objetivo final:


a entrega da tutela jurisdicional pelo Estado. Os atos praticados no
processo são chamados atos processuais.
4
DIDIER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e pro-
cesso de conhecimento. 18 ed. Salvador: Ed. Juspodivm, 2016, p. 133.
9

Para Fredie Didier Jr., o procedimento seria um ato-complexo,


de formação sucessiva, isto é, os atos processuais comporiam o
procedimento ato-uno5.

Em se tratando do fato jurídico processual, para manter as premissas


teóricas já desenvolvidas acerca do fato jurídico, pode-se cindi-lo em fato
jurídico em sentido estrito e fato jurídico em sentido amplo.

Os fatos jurídicos processuais em sentido estrito são aqueles que


ocorrem independentemente de um agir humano, como, por exemplo,
a morte da parte, o parentesco entre parte e juiz ou o falecimento do
advogado. Todos esses fatos possuem efeitos diretos no processo, mas
não é possível atribuir a causa deles a qualquer conduta das partes ou,
ainda, exigir homologação do juiz para que surtam efeitos6.

Já os fatos jurídicos processuais em sentido amplo abrangem os atos


jurídicos processuais em sentido estrito e os atos-fatos processuais.

Fredie Didier Jr. apresenta alguns exemplos de atos-fatos processuais


que dispensam a discussão acerca da existência da vontade:
adiantamento de custas, revelia e o que chama de atos-fatos
indenizativos (por ex., execução provisória que causar prejuízo ao
executado)7.

Já os atos processuais são aqueles que efetivamente integram o


desenrolar de atos que corporificam o processo e podem ser praticados
pelas partes, pelo juiz, por terceiros e por auxiliares da justiça.

5
DIDIER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo
de conhecimento. 18 ed. Salvador: Ed. Juspodivm, 2016, p. 376.
6
Veja-se, por exemplo, que a suspensão do processo na hipótese de morte da parte tem efeitos imediatos e não
depende do reconhecimento, por decisão, pelo juiz. Assim, o processo estará automaticamente suspenso e a deci-
são judicial apenas terá o efeito de reconhecer a suspensão já ocorrida.
7
DIDIER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e pro-
cesso de conhecimento. 18 ed. Salvador: Ed. Juspodivm, 2016, p. 377.
10

Pedro Henrique Nogueira classifica os atos jurídicos processuais, no


que aqui nos interessa, conforme o efeito e conforme a finalidade,
apresentando o seguinte quadro sintético8:

Quadro 1 – Classificação dos atos jurídicos


Conforme o efeito Conforme a finalidade
Fatos processuais constitutivos Ato processual facultativo
Fatos processuais extintivos Negócios processuais
Circunstâncias processuais impeditivas Provimentos processuais
Circunstâncias processuais modificativas Cumprimentos processuais
Atos processuais ilícitos

Fonte: adaptado de Nogueira (2016).

Negócios processuais ou convenções processuais são, portanto, uma


espécie de ato processual, conceituado como “fato jurídico voluntário, em
cujo suporte fático se reconhece ao sujeito o poder de regular, dentro dos
limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas
processuais ou alterar o procedimento”9.

2. Requisitos de validade

As convenções processuais sujeitam-se a regime misto para aferição da


sua validade. Sabe-se que no direito processual a nulidade apenas será
reconhecida na hipótese de demonstração de prejuízo. Tal regra não se
aplica literalmente às convenções processuais, que podem – e devem –
ter sua validade controlada pelo magistrado.

Barbosa Moreira sustentou que, para ser válida, a convenção processual


deveria ser firmada por agente com capacidade para ser parte, sendo
desnecessária a capacidade civil, salvo para a convenção firmada

8
NOGUEIRA. Pedro Henrique. Negócios jurídicos processuais. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 100.
9
DIDIER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e pro-
cesso de conhecimento. 18 ed. Salvador: Ed. Juspodivm, 2016, p. 377
11

extraprocessualmente, prévia à existência de um processo judicial, que


se subordina aos mesmos requisitos atinentes ao negócio a que adere.

A forma, insistiu Barbosa Moreira, pode ser livre, pressupondo-se,


também, a exigência de objeto lícito e possível de ser negociado. No
caso, o direito material em litígio deve ser disponível10.

Por fim, os atos processuais negociais, em regra, não poderiam ser


praticados sob condição ou a termo. Para Barbosa Moreira, “isso
atentaria contra a exigência de certeza e segurança no desenvolvimento
do processo”.

Já quanto aos efeitos dos negócios, ponderou ainda que:

“Os efeitos obrigatórios são, basicamente, extraprocessuais e subordinam-


se, em linha de princípio, à disciplina civilística. Não se equiparam aos
efeitos do próprio ato processual que qualquer das partes se haja
comprometido a realizar. Assim, por exemplo, enquanto a desistência total
do recurso, validamente manifestada, produz a extinção do procedimento
recursal e, inexistindo outro obstáculo, faz transitar em julgado a decisão
recorrida, semelhante efeito não é capaz de surti-lo, por si só, a convenção
pela qual o recorrente se obrigue a desistir. Em todo caso, na Alemanha,
doutrina e jurisprudência, com fundamentação variável têm admitido aí
que o órgão ad quem, mediante provocação da outra parte, deva declarar
inadmissível o recurso e negar-lhe conhecimento; a solução seria extensiva
a casos análogos.”

O controle da validade dos atos processuais de ofício é admitido


expressamente pelo art. 190, do Código de Processo Civil, que,
simultaneamente, limita as hipóteses nas quais o juiz poderá recusar sua
aplicação:

Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam


autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças
10
Na verdade, recentemente, admite-se até a indisponibilidade do direito material, desde que admita composição:
En. 135 do FPPC: (art. 190) A indisponibilidade do direito material não impede, por si só, a celebração de negócio
jurídico processual. (Grupo: Negócios Processuais)
12

no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar


sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou
durante o processo.

Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade


das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente
nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão
ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de
vulnerabilidade.

A decisão que reconhece a invalidade da convenção processual, parcial ou


total, porém, deve ser objeto de contraditório prévio, na forma do art. 1011.

3. Negócios processuais típicos

O CPC prevê uma série de negócios processuais típicos. São exemplos


a convenção de arbitragem e da cláusula de eleição de foro. Em se
tratando de negócios processuais típicos trouxe, porém, uma grande
novidade: a calendarização do procedimento.

A hipótese, prevista no art. 191, admite que as partes convencionem


com o juiz um calendário para a prática de atos processuais. Poderão
indicar, por exemplo, as datas em que serão apresentadas as defesas,
requerimentos de prova, realização de audiências e até o momento de
prolação da sentença:

Art. 191. De comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para
a prática dos atos processuais, quando for o caso.

§ 1o O calendário vincula as partes e o juiz, e os prazos nele previstos


somente serão modificados em casos excepcionais, devidamente
justificados.

11
En. 259 do FPPC: (arts. 190 e 10). A decisão referida no parágrafo único do art. 190 depende de contraditório
prévio. (Grupo: Negócios Processuais)
13

§ 2o Dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual


ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no
calendário.

Aqui, por ser um negócio do qual o magistrado faz parte, todos estarão
vinculados, em que pese não seja possível aplicar qualquer penalidade
ao juiz pelo descumprimento do calendário, especialmente nas situações
em que a demora da prestação se dê em razão de motivos alheios à sua
vontade.

Também não é possível que, em razão da calendarização do procedimento,


o processo seja retirado da ordem cronológica prevista no art. 12.
Admitir que assim ocorresse seria o mesmo que tornar inócua a norma,
viabilizando que, a critério das partes e do juiz, determinados processos
sejam tratados de forma diferenciada, em evidente violação à isonomia.

4. Negócios processuais atípicos

A grande novidade no ordenamento jurídico, acerca dos negócios


processuais, se deu com o art. 190:

Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam


autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças
no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar
sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou
durante o processo.

Trata-se de uma cláusula geral, que admite que as partes realizem


negócios processuais não previstos em lei, independentemente de
homologação judicial. Caberá ao juiz exclusivamente o controle da
validade do negócio, na forma do parágrafo único do art. 190, sendo
certo que as partes poderão convencionar sobre todos os seus poderes,
ônus, faculdades e deveres processuais.
14

PARA SABER MAIS


Sobre o tema, é leitura obrigatória a obra do Professor
Antonio do Passo Cabral (UERJ). O livro, versão comercial
da sua tese de livre docência (USP), aborda de forma ampla
as convenções processuais, sua origem e aplicação no
direito brasileiro. CABRAL, Antonio do Passo. Convenções
processuais. Salvador: Juspodivm, 2016.

A grande dúvida permanece quanto aos limites dessa convenção,


sendo certo que ainda não há qualquer indicativo de que a questão seja
analisada pelo STJ nos próximos anos.

Remetemo-nos, por exemplo, à aula sobre legitimidade na execução.


Naquela oportunidade, traçamos as seguintes considerações acerca da
possibilidade de as partes convencionarem sobre legitimidade:

É possível, ainda, a realização de negócio jurídico processual sobre a


legitimidade (ativa ou passiva). Trata-se de legitimidade extraordinária
negociada.

A possibilidade de negociação sobre legitimidade não é novidade no


processo civil brasileiro e era admitida pela doutrina na égide do CPC de
1939. Isto porque aquele Código dispunha em seu artigo 2º que “para
propor ou contestar ação é necessário legítimo interesse, econômico ou
moral”. Não havia qualquer restrição expressa à convenção acerca da
legitimidade.

O CPC/73 alterou a disposição e passou a afirmar que “ninguém poderá


pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado em lei”.
Diante da exigência expressa de autorização legal para a legitimidade
extraordinária, a doutrina de forma praticamente unânime passou a
15

entender pela impossibilidade de negócio jurídico que versasse sobre


legitimidade.

Assim foi o entendimento do professor Arruda Alvim, em Impossibilidade


de substituição processual voluntária face ao código de processo civil, no
qual defende a ilegalidade, pois contra legem, de cláusula contratual
que disponha acerca da legitimidade12. Todavia, o próprio professor
argumenta que a lei, “no art. 6º, deve ser entendida como sistema, no
que compreende decreto-lei, lei complementar, etc.” em entendimento
encampado por Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, que afirmam que as
hipóteses de substituição devem estar expressas na lei ou decorrerem
do sistema13.

A necessidade de previsão legal está intimamente atrelada ao princípio


da legalidade. O referido princípio, em sua acepção moderna, porém,
assumiu feição mais ampla e para cumpri-lo faz-se necessário que nosso
atuar esteja de acordo com o direito, com o ordenamento jurídico14.

O ordenamento jurídico, por sua vez, tem alcance muito mais amplo que
a lei propriamente dita. Ele inclui a jurisprudência, doutrina e todas as
normas que integram o conjunto de fontes que formam o Direito. Estar
de acordo com o ordenamento jurídico é estar de acordo com o Direito.

A evolução de tal entendimento culminou com a redação do artigo 18 do


CPC/15, que dispõe que: “ninguém poderá pleitear direito alheio em nome
próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico”.
12
“Assim, a cláusula que obriga a Mitra Arquidiocesana de São Paulo a mover ação judicial contra as ocupantes
do imóvel não pode produzir efeitos, porque celebrada “contra legem” (art. 6º). Em nosso comentário à nova lei
processual, deixamos claro que inexiste possibilidade da chamada substituição processual voluntária na lei, verbis:
“O Direito brasileiro, à semelhança do Direito italiano vigente, conquanto tenha acolhido o instituto da substituição
processual o fez negativamente, de forma a que a ocorrência efetiva da substituição será sempre excepcional, só
nos casos em que a lei expressamente o admita. Consequentemente, advirtamos liminarmente, há que se afastar
a ideia da chamada substituição processual voluntária” (v. Arruda Alvim, Código de Processo Civil Comentado, v.
1, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, n. 3, p. 426, comentários ao art. 6º).”
13
Código de processo civil comentado. 11. ed. São Paulo: RT.
14
Neste sentido WAMBIER, Teresa Arruda Alvim... [et al]. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo
Civil. – 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015: “À luz do princípio da legalidade, o que se espera é que o
juiz encontre no direito a solução a ser aplicada ao caso sob seu julgamento. No sentido de direito é que o legisla-
dor usou a expressão ordenamento jurídico. Hoje, se entende que o juiz está vinculado ao direito, e, não, ao texto
da lei. Assim deve ser compreendido o princípio da legalidade, contemporaneamente.”
16

Vejamos que o próprio novo Código, em algumas circunstâncias, nas


quais quis fugir de um entendimento amplo, optou por não utilizar o
termo ordenamento jurídico, como, por exemplo, o art. 966, que afirma
ser possível ação rescisória quando a decisão violar a norma jurídica, o
que autoriza vermos o “ordenamento” em sua expressão mais ampla no
que diz respeito à legitimação extraordinária.

A norma jurídica integra o ordenamento jurídico, que tem um conceito


mais amplo que a primeira. São normas jurídicas as regras e os
princípios. Ordenamento jurídico encampa além destes, o direito,
consubstanciado pela jurisprudência, doutrina e, também, contratos e
decisões judiciais.

Ele abrange todas as fontes do direito que juntas, em regra, devem


conviver harmonicamente entre si. Nesse diapasão incluem-se aquelas
normas que Kelsen chama de normas jurídicas individualizadas, como,
por exemplo, a sentença e o negócio jurídico.

Os negócios jurídicos são, portanto, fonte criadora de direito, normas


jurídicas individualizadas que devem ser observadas dentro do quadro
das normas gerais15.

Tudo isso para concluir que, no âmbito do CPC/15, é plenamente


possível a realização de negócio jurídico processual, com a finalidade de
transferir a legitimidade ativa, para cobrança judicial do crédito cedido.

Outra grande controvérsia é a discussão sobre a possibilidade de


as partes negociarem que determinada prova não será produzida
15
“Num contrato as partes contratantes acordam em que devem conduzir-se de determinada maneira, uma em
face da outra. Este dever-ser é o sentido subjetivo do ato jurídico-negocial. Mas também é o seu sentido objetivo.
Quer dizer: este ato é um fato produtor de Direito se e na medida em que a ordem jurídica confere a tal fato esta
qualidade; e ela confere-lhe esta qualidade tornando a prática do fato jurídico-negocial, juntamente com a con-
duta contrária ao negócio jurídico, pressuposto de uma sanção civil. Na medida em que a ordem jurídica institui
o negócio jurídico como fato produtor de Direito, confere aos indivíduos que lhe estão subordinados o poder de
regular as suas relações mútuas, dentro dos quadros das normas gerais criadas por via legislativa ou consuetu-
dinária, através de normas criadas pela via jurídico-negocial. Estas normas jurídico negocialmente criadas, que
não estatuem sanções mas uma conduta cuja conduta oposta é o pressuposto da sanção que as normas jurídicas
gerais estatuem, não são normas jurídicas autônomas. Elas apenas são normas jurídicas em combinação com as
normas gerais que estatuem as sanções.” (Kelsen, Teoria Pura do Direito, p. 179)
17

no processo, impedindo, assim, que o juiz determine sua produção


de ofício. Pensamos que o juiz, enquanto destinatário da prova
(não o único, já que modernamente as partes também são assim
consideradas)16 não pode ter seu poder limitado pela convenção das
partes. Especialmente porque o CPC expressamente autorizou que
determine a produção de prova de ofício.

Em matéria probatória entendemos, portanto, que as partes até podem


negociar que determinada prova não será requerida, porém, não é
possível que convencionem pela impossibilidade de o magistrado
determinar sua realização de ofício.

Por fim, podem servir como ponto de partida, para a exemplificação


daquilo que pode ser objeto de negociação pelas partes, os Enunciados
nºs 19, 21, 262, 490, 579 e 580 do Fórum Permanente de Processualistas
Civis:

• pacto de impenhorabilidade;

• acordo de ampliação de prazos das partes de qualquer natureza;

• acordo de rateio de despesas processuais;

• dispensa consensual de assistente técnico;

• acordo para retirar o efeito suspensivo de recurso17;

• acordo para não promover execução provisória;

• pacto de mediação ou conciliação extrajudicial prévia obrigatória,


inclusive com a correlata previsão de exclusão da audiência de
conciliação ou de mediação prevista no art. 334;
16
CARVALHO, Nathalia Gonçalves de Macedo. Admissibilidade de provas: os limites ao indeferimento da pro-
dução da prova cível. 2017. 231 f. Dissertação (Mestrado em Direito)–Programa de Estudos Pós-Graduados em
Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017.
17
Na redação original, o enunciado se referia exclusivamente à apelação, passando o texto a conter a expressão
“de recurso”.
18

• pacto de exclusão contratual da audiência de conciliação ou de


mediação prevista no art. 334;

• pacto de disponibilização prévia de documentação (pacto de


disclosure), inclusive com estipulação de sanção negocial, sem
prejuízo de medidas coercitivas, mandamentais, sub-rogatórias ou
indutivas;

• previsão de meios alternativos de comunicação das partes entre si;

• acordo de produção antecipada de prova;

• a escolha consensual de depositário-administrador no caso do art.


866;

• convenção que permita a presença da parte contrária no decorrer


da colheita de depoimento pessoal;

• acordo para realização de sustentação oral;

• acordo para ampliação do tempo de sustentação oral;

• julgamento antecipado do mérito convencional;

• convenção sobre prova;

• redução de prazos processuais;

• dispensa de caução em cumprimento provisório de sentença;

• pacto de inexecução parcial ou total de multa coercitiva;

• pacto de alteração de ordem de penhora;

• pré-indicação de bem penhorável preferencial (art. 848, II);


19

• pré-fixação de indenização por dano processual prevista nos arts.


81, §3º, 520, inc. I, 297, parágrafo único (cláusula penal processual);

• negócio de anuência prévia para aditamento ou alteração do


pedido ou da causa de pedir até o saneamento (art. 329, inc. II);

• contagem dos prazos processuais dos negociantes em dias


corridos;

• alegação de existência de convenção de arbitragem por simples


petição, com a interrupção ou suspensão do prazo para
contestação.

De acordo com as conclusões do FPPC, não seriam admissíveis negócios


jurídicos processuais (Enunciado nº 20):

• modificação da competência absoluta;

• supressão da primeira instância;

• afastar motivos de impedimento do juiz;

• criação de novas espécies recursais;

• ampliação das hipóteses de cabimento de recursos18.

PARA SABER MAIS


O Fórum Permanente de Processualistas Civis é
uma iniciativa do Prof. Fredie Didier Júnior, que
reúne processualistas do Brasil inteiro para discutir,
elaborar e votar enunciados sobre o CPC. Todos os
enunciados passam por intenso debate, realizado por

Redação original “(art. 190): Não são admissíveis os seguintes negócios bilaterais, dentre outros: acordo para
18

modificação da competência absoluta, acordo para supressão da primeira instância”.


20

grupos temáticos e, após, são submetidos à votação


pela plenária. Apenas são aprovados enunciados por
unanimidade. Para maiores informações: <http://
fpprocessualistascivis.blogspot.com/>.

LINK
O livro Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen, está
disponível na internet, no link: <https://portalconservador.
com/livros/Hans-Kelsen-Teoria-Pura-do-Direito.pdf>.

VAMOS PENSAR
Faça uma reflexão sobre negócios jurídicos pré-processuais
possíveis de serem incluídos em contratos de locação e
consumo.

5. Pontuando
• Convenções processuais

1. Cláusula geral de negociação;


2. Negócios típicos e atípicos;
3. Vinculação do juiz; e
4. Desnecessidade de homologação das convenções atípicas.
21

Glossário
• Negócio processual: Ato jurídico no qual as partes compõem
sobre ônus, poderes, deveres e faculdades processuais.

• Cláusula geral de negociação: Art. 190, que permite a realização


de negócios processuais atípicos.

• Calendário processual: Negócio realizado entre partes e juiz, na


forma do art. 191.

Verificação de leitura

1. José Carlos Barbosa Moreira, nos anos 1980, defendeu


a possibilidade de as partes realizarem convenções
processuais. Para ele:

a. as convenções processuais dependem de


homologação judicial;
b. a homologação atribui eficácia à convenção
processual;
c. apenas é possível a realização de convenções
processuais típicas;
d. basta a capacidade postulatória, salvo nas hipóteses
em que o negócio seja formalizado antes do
ajuizamento da demanda;
e. não é possível a formalização de convenção
processual prévia à existência de um processo.

2. Sobre o princípio do autorregramento da vontade no


processo, assinale a assertiva incorreta:
22

a. Baseia-se especialmente na liberdade, enquanto


fundamento de um Estado Democrático do Direito, e
no processo como exercício de poder dos indivíduos.
b. Para Fredie Didier Jr., admitir a existência do
princípio não significa abrir mão das conquistas
realizadas pelo publicismo, lançando sobre o
processo uma característica privatística, muito
comum, por exemplo, na arbitragem.
c. Consubstancia-se na preponderância do interesse
das partes sobre os poderes do juiz, dado que o
processo serve a elas e ao direito material.
d. Considerando que é dado às partes comporem
sobre o direito material levado ao Judiciário – e isso,
inclusive, é uma norma fundamental do CPC/15
– mais ainda devem poder regrar o processo de
acordo com sua vontade, recebendo do Estado a
tutela que lhes pareça mais efetiva.
e. Todas as alternativas estão corretas.

3. Para Pedro Henrique Nogueira, os atos processuais


classificam-se também conforme o efeito e a finalidade.
Pode-se afirmar que, conforme a finalidade, os atos
processuais podem ser facultativos, constitutivos,
negócios processuais, provimentos processuais,
cumprimentos processuais e atos processuais ilícitos.
( ) V ( )F
4. São admissíveis os seguintes negócios jurídicos
processuais típicos, salvo:

a. calendário processual;
b. convenção de arbitragem;
c. eleição de foro;
d. escolha do perito;
23

e. não promoção de execução provisória.

5. Não são admitidos negócios processuais sobre:

a. legitimidade extraordinária;
b. incompetência absoluta;
c. disclosure;
d. intimação por aplicativo de mensagens;
e. redução de prazos.

Referências biblliográficas
ARRUDA ALVIM. Código de Processo Civil Comentado, v. 1, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1975, n. 3, p. 426, comentários ao art. 6º).
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Convenções das partes sobre matéria processual.
In: Temas de Direito Processual Civil: Terceira Série. São Paulo: Saraiva, 1984.
CARVALHO, Nathalia Gonçalves de Macedo. Admissibilidade de provas: os
limites ao indeferimento da produção da prova cível. 2017. 231 f. Dissertação
(Mestrado em Direito)–Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito, Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017.
DIDIER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito
processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 18 ed. Salvador: Ed.
Juspodivm, 2016, p. 133.
NOGUEIRA, Pedro Henrique. Negócios jurídicos processuais. Salvador: Juspodivm,
2016, p. 100.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros Comentários ao Novo Código de
Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

Gabarito

Questão 1 – Resposta: D

Resolução: Barbosa Moreira sustentou que, para ser válida,


a convenção processual deveria ser firmada por agente com
24

capacidade para ser parte, sendo desnecessária a capacidade civil,


salvo para a convenção firmada extraprocessualmente, prévia à
existência de um processo judicial, que se subordina aos mesmos
requisitos atinentes ao negócio a que adere.

Questão 2 – Resposta: C

Resolução: O Princípio do Autorregramento defende a


ponderação entre o interesse das partes e os poderes do juiz,
balanceando o caráter público do processo com a necessidade de
compor o conflito levado ao judiciário.

Questão 3 – Resposta: F

Resolução: A assertiva é falsa. Os fatos processuais constitutivos


integram a classificação conforme o efeito e não conforme a
finalidade do ato.

Questão 4 – Resposta: E

Resolução: A não promoção de execução provisória é hipótese de


negócio processual atípico.

Questão 5 – Resposta: B

Resolução: Não é admissível negócio processual sobre


incompetência absoluta, por se tratar de matéria de ordem
pública atrelada ao princípio do juiz natural.
25

Processo societário
Autoria: Carolina Uzeda
Revisora teórica: Lais Giovanetti

Objetivos
• Aspectos processuais dos processos em que se
discutem questões societárias.

• Desconsideração da personalidade jurídica.

• Dissolução parcial da sociedade.

• Notas introdutórias à arbitragem.


26

Introdução

O CPC/15 incluiu, dentre as hipóteses de intervenção de terceiros


típicas, a desconsideração da personalidade jurídica. Os artigos 133 a
137 disciplinam o incidente que há muito tempo exigia maior atenção,
sobretudo, em razão do abuso do instituto por exequentes e juízes.

Chegou-se ao ponto de realizarem-se bloqueios em contas bancárias de


sócios, sem qualquer aviso prévio e sem que este pudesse defender-se.

1. Desconsideração da personalidade jurídica


Em primeiro lugar, há de se ter em mente que a desconsideração da
personalidade jurídica pode ocorrer sempre que houver abuso da
personalidade, não tendo relação com a existência/inexistência de bens
em nome da pessoa jurídica.

Isto porque o art. 50 do Código Civil ressalta que a desconsideração


será possível sempre que haja “(...) abuso da personalidade jurídica,
caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial
(...)”. Ou seja, não exige a falta de bens ou a inefetividade da execução.
No mesmo sentido, é o PL 69/2014 que trata especificamente sobre a
desconsideração da personalidade jurídica. O projeto, aprovado pelo
Senado.

Este entendimento foi recentemente ratificado pelo STJ, nos autos do


Recurso Especial nº 1.729.554/SP, de relatoria do Min. Luis Felipe Salomão:

RECURSO ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.


CPC/2015. PROCEDIMENTO PARA DECLARAÇÃO. REQUISITOS PARA
A INSTAURAÇÃO. OBSERVÂNCIA DAS REGRAS DE DIREITO MATERIAL.
DESCONSIDERAÇÃO COM BASE NO ART. 50 DO CC/2002. ABUSO
DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESVIO DE FINALIDADE. CONFUSÃO
PATRIMONIAL. INSOLVÊNCIA DO DEVEDOR. DESNECESSIDADE DE SUA
COMPROVAÇÃO.
27

1. A desconsideração da personalidade jurídica não visa a sua anulação,


mas somente objetiva desconsiderar, no caso concreto, dentro de
seus limites, a pessoa jurídica, em relação às pessoas ou bens que
atrás dela se escondem, com a declaração de sua ineficácia para
determinados efeitos, prosseguindo, todavia, incólume para seus
outros fins legítimos.
2. O CPC/2015 inovou no assunto prevendo e regulamentando
procedimento próprio para a operacionalização do instituto de
inquestionável relevância social e instrumental, que colabora com a
recuperação de crédito, combate à fraude, fortalecendo a segurança
do mercado, em razão do acréscimo de garantias aos credores,
apresentando como modalidade de intervenção de terceiros (arts.
133 a 137)
3. Nos termos do novo regramento, o pedido de desconsideração não
inaugura ação autônoma, mas se instaura incidentalmente, podendo
ter início nas fases de conhecimento, cumprimento de sentença e
executiva, opção, inclusive, há muito admitida pela jurisprudência,
tendo a normatização empreendida pelo novo diploma o mérito de
revestir de segurança jurídica a questão.
4. Os pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica
continuam a ser estabelecidos por normas de direito material,
cuidando o diploma processual tão somente da disciplina do
procedimento. Assim, os requisitos da desconsideração variarão de
acordo com a natureza da causa, seguindo-se, entretanto, em todos
os casos, o rito procedimental proposto pelo diploma processual.
6. Nas causas em que a relação jurídica subjacente ao processo for
cível-empresarial, a desconsideração da personalidade da pessoa
jurídica será regulada pelo art. 50 do Código Civil, nos casos de abuso
da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou
pela confusão patrimonial.
7. A inexistência ou não localização de bens da pessoa jurídica não
é condição para a instauração do procedimento que objetiva
a desconsideração, por não ser sequer requisito para aquela
declaração, já que imprescindível a demonstração específica da
prática objetiva de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.
8. Recurso especial provido.
28

2. Procedimento

A desconsideração da personalidade jurídica (ou inversa) se dará, em


regra, por meio de incidente, cuja instauração se dará a pedido da parte
ou do Ministério Público.

Não é possível que a desconsideração ocorra de ofício, como, inclusive,


menciona expressamente o PL 69/2014. A desconsideração é demanda
e, como tal, está sujeita ao princípio da inércia1.

A desconsideração poderá ser requerida em qualquer fase do processo,


inclusive recursal2. O art. 134 deixa o cabimento claro, ressaltando que
é possível, ainda na fase de conhecimento, a instauração do incidente
(o que indica, também, a desnecessidade de esgotamento de vias
executivas):

Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do


processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução
fundada em título executivo extrajudicial.

Instaurado o incidente, o processo será imediatamente suspenso3,


ou seja, não é necessária decisão do juiz neste sentido. Recebida a
petição, o julgador avaliará se estão presentes os pressupostos para seu
recebimento e determinará a citação do sócio ou da pessoa jurídica para
apresentar manifestação e requerer provas no prazo de quinze dias.

1
CINTRA, Lia Carolina Batista. Intervenção de terceiro por ordem do juiz. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2017, p. 165.
2
“É possível, inclusive, que o incidente se instaure perante os tribunais, seja nos processos de competência
originária, seja em grau de recurso, como se extrai do disposto no parágrafo único do art. 136, que prevê a
possibilidade de decisão do incidente por relator.” (CÂMARA, Alexandre Freitas. Comentário ao art. 134 do Código
de Processo Civil. In: Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. Coordenação WAMBIER, Teresa
Arruda Alvim et. al. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 428.
3
Cassio Scarpinella Bueno defende que a regra “deve ser interpretada de maneira a não comprometer o anda-
mento do processo em face da parte original e, se for o caso, da prática de atos executivos contra o seu patri-
mônio sem prejuízo da instauração e desenvolvimento do incidente.” (Comentários ao código de processo civil
– volume 1 (arts. 1º a 317). São Paulo: Saraiva, 2017, p. 577). Isto é, sustenta que a suspensão do processo seria
apenas “parcial”, evitando-se atos constritivos em face daqueles que se pretende sejam incluídos na demanda, e
não do devedor principal.
29

Nada impede, quando a fase procedimental autorize, que seja designada


audiência de conciliação e/ou mediação, na forma do art. 334, com a
prorrogação do início do prazo para contestar para após a audiência.

O CPC foi omisso quanto à forma de defesa do sócio ou da pessoa


jurídica na fase executiva. A dúvida é posta por Felipe Augusto de Toledo
Moreira e Rafael de Arruda Alvim Pinto:

Por fim, cabe dizer que o Novo Código foi omisso quanto à qualidade
processual e ao meio de defesa adequado em relação ao sócio na fase
executiva após a desconsideração da personalidade jurídica: se, como
responsável patrimonial secundário, continuaria a ser um terceiro e, por
isso, deveria se valer dos embargos de terceiro no curso da fase executiva;
ou se se tornaria parte e, com isso, deveria utilizar para a sua defesa os
embargos à execução ou a impugnação ao cumprimento de sentença.4

A dúvida é mais que pertinente, dado que uma ou outra via implicam
consequências jurídicas distintas. Pensamos que não é o caso de manter
– genericamente–o entendimento consolidado no CPC/73, no sentido da
necessidade de oferecimento de embargos ou impugnação.

A hipótese é, a nosso ver, quando requerida incidentemente, de


contestação. Se, porém, a desconsideração for requerida na petição
inicial (ou no requerimento de cumprimento de sentença), o devedor-
litisconsorte deverá, aí sim, oferecer embargos ou impugnação, meios
de defesa gerais nas execuções. Isto, claro, sem prejuízo da utilização de
exceção de pré-executividade, quando cabível.

Concluída a instrução, o incidente será resolvido por decisão interlocutória


e, por se tratar de julgamento de mérito, estará sujeito à interposição de
agravo de instrumento ou agravo interno, se proferida a decisão pelo
relator. É possível, ainda, como aventa Flávio Luiz Yarshell5, que o pedido de
desconsideração da personalidade jurídica se resolva por sentença, o que é
4
MOREIRA, Felipe Augusto de Toledo; e PINTO, Rafael de Arruda Alvim. Brevíssimas notas ao CPC/2015. 5
ed. atual., rev. e ampl. Santa Cruz do Sul: Essere nel Mondo, 2018, p. 59.
5
Comentário ao art. 136 do Código de Processo Civil. In: Comentários ao novo Código de Processo Civil.
CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo [organizadores]. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 241.
30

possível ocorrer com frequência nas hipóteses de requerimento na inicial.


Nesses casos, certamente, o recurso será o de apelação.

O art. 137 ressalta, ainda, que acolhido o pedido de desconsideração, a


alienação ou oneração de bens será ineficaz em relação ao requerente.

Caso, por alguma falha, o sócio não seja citado e sofra constrição em seu
patrimônio, decorrente de desconsideração à personalidade jurídica,
poderá fazer uso de embargos de terceiro, como autoriza o art. 674, §2º, III6.

É possível, também, que a desconsideração da personalidade jurídica


seja requerida na petição inicial. Nesse caso, não se dará a suspensão
do processo e o sócio será citado para contestar ambos os pedidos (de
desconsideração e o pedido principal).

Isto porque, como corretamente menciona Cassio Scarpinella Bueno:

Não há, destarte, nenhuma discussão “incidental” nos moldes disciplinados


pelos arts. 133 a 137, mas, diferentemente, cumulação de pedidos e/ou
causas de pedir que justificam, como já se sustentava mesmo antes do
CPC de 2015, a formação de litisconsórcio passivo, ainda que eventual ou
subsidiário, consoante o caso.7

3. Ação de Dissolução Parcial de Sociedade

A previsão da ação de dissolução parcial de sociedade é uma inovação do


CPC/15, que trouxe a demanda societária para os procedimentos especiais.
6
Art. 674. Quem, não sendo parte no processo, sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre bens que
possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constritivo, poderá requerer seu desfazimento ou
sua inibição por meio de embargos de terceiro. § 1o Os embargos podem ser de terceiro proprietário, inclusive
fiduciário, ou possuidor. § 2o Considera-se terceiro, para ajuizamento dos embargos: I–o cônjuge ou companheiro,
quando defende a posse de bens próprios ou de sua meação, ressalvado o disposto no art. 843; II–o adquirente
de bens cuja constrição decorreu de decisão que declara a ineficácia da alienação realizada em fraude à execu-
ção; III–quem sofre constrição judicial de seus bens por força de desconsideração da personalidade jurídica, de
cujo incidente não fez parte; IV–o credor com garantia real para obstar expropriação judicial do objeto de direito
real de garantia, caso não tenha sido intimado, nos termos legais dos atos expropriatórios respectivos.
7
Comentários ao código de processo civil – volume 1 (arts. 1º a 317). São Paulo: Saraiva, 2017, p. 576/577.
31

Na forma do art. 599, a ação de dissolução parcial de sociedade pode


ter por objeto: (i) a resolução da sociedade empresária contratual ou
simples em relação ao sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito
de retirada ou recesso; (ii) a apuração dos haveres do sócio falecido,
excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso; ou (iii) somente
a resolução ou a apuração de haveres.

Poderá ser, portanto, constitutiva ou declaratória, sem prejuízo de o


autor buscar, nos próprios autos a quantia a que tenha direito.

A petição inicial deverá cumprir os requisitos previstos em lei e trazer


cópia do contrato social consolidado.

São legitimados a propor a demanda, na forma do art. 600: (i) o espólio


do sócio falecido, quando a totalidade dos sucessores não ingressar na
sociedade; (ii) os sucessores, após concluída a partilha do sócio falecido;
(iii) a sociedade, se os sócios sobreviventes não admitirem o ingresso
do espólio ou dos sucessores do falecido na sociedade, quando esse
direito decorrer do contrato social; (iv) o sócio que exerceu o direito de
retirada ou recesso, se não tiver sido providenciada, pelos demais sócios,
a alteração contratual consensual formalizando o desligamento, depois de
transcorridos 10 (dez) dias do exercício do direito; (v) a sociedade, nos casos
em que a lei não autoriza a exclusão extrajudicial; (vi) o sócio excluído; e
(vi) o cônjuge ou companheiro do sócio cujo casamento, união estável ou
convivência terminou, apenas para a apuração dos haveres.

Recebida a petição inicial, os sócios serão citados para responderem


em 15 dias. Nada impede que, dependendo da situação concreta, o
magistrado designe audiência de conciliação/mediação, aplicando o
art. 334 do CPC e, por consequência, postergando o início do prazo de
defesa para após a realização do ato.

O art. 601, em seu parágrafo único, traz uma hipótese de extensão dos
efeitos da coisa julgada a terceiro, uma vez que dispensa a citação da
sociedade se todos os seus sócios o forem. Esta, por sua vez, poderá, no
32

prazo para defesa, formular pedido de indenização, compensável com o


valor dos haveres a apurar.

Havendo concordância dos réus com a dissolução da sociedade, o juiz


a decretará de pronto. Nesta hipótese, não haverá condenação em
honorários advocatícios.

Controvertido o pedido, o processo seguirá pelo procedimento comum.

Em ambos os casos, dissolvida parcialmente a sociedade, iniciará a


segunda fase: de liquidação, na qual os haveres serão apurados.

A segunda fase, prevista no art. 604, do Código de Processo Civil, de


apuração dos haveres, tomará por premissa os critérios identificados no
contrato social ou, na omissão, na decisão do juiz8. Em qualquer caso,
o juiz fixará, também, a data da resolução da sociedade9 e nomeará o
perito. A perícia seguirá o procedimento comum, com a possibilidade de
apresentação de quesitos e indicação de assistente técnico.

Os valores incontroversos serão depositados em juízo pelos sócios e,


após, o pagamento dos haveres apurados se dará na forma do contrato
social ou nos termos do art. 1031, §2º do Código Civil. Não sendo realizado
espontaneamente, é possível o início da fase de cumprimento de sentença.

4. Notas introdutórias à Arbitragem

A arbitragem hoje é bastante difundida no Brasil e, com o CPC/15,


ganhou ainda maior relevância ao ser alçada, junto com as demais
técnicas de resolução alternativa de conflitos, às normas fundamentais
8
Art. 606. Em caso de omissão do contrato social, o juiz definirá, como critério de apuração de haveres, o valor
patrimonial apurado em balanço de determinação, tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se
bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser apurado de igual
forma.
9
Que será (a) no caso de falecimento do sócio, a do óbito; (b) na retirada imotivada, o sexagésimo dia seguinte
ao do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio retirante; (c) no recesso, o dia do recebimento, pela
sociedade, da notificação do sócio dissidente; (d) na retirada por justa causa de sociedade por prazo determinado
e na exclusão judicial de sócio, a do trânsito em julgado da decisão que dissolver a sociedade; e (e) na exclusão
extrajudicial, a data da assembleia ou da reunião de sócios que a tiver deliberado.
33

(art. 3º). Nela, uma técnica de heterocomposição, as partes entregam


a solução do seu conflito a um terceiro, dispensando a atuação do
Judiciário.

PARA SABER MAIS


O Brasil é o quarto país do mundo com mais usuários em
arbitragem. Nossas equipes sempre pontuam bem nos
moots internacionais e há competições internas de grande
relevância, envolvendo alunos de graduação de todo o país.
Uma delas é a da CAMARB.

A escolha da arbitragem como método para resolução do conflito,


via de regra, possui, dentre suas motivações, o desejo das partes de
terem como julgador um indivíduo com expertise na relação litigiosa.
Assim, com frequência, buscam-se árbitros especialistas no tema, que
efetivamente disponham de conhecimento técnico específico capaz de
viabilizar uma melhor compreensão da controvérsia e promover, por
isso, um julgamento mais célere e qualificado. Esse elemento volitivo
raras vezes se desvincula do desejo de contar com um árbitro de notório
saber jurídico, o que leva à frequente indicação de juristas renomados.

Diferentemente dos juízes estatais, submetidos a um concurso


público que se propõe a analisar conhecimentos genéricos sobre
Direito, os árbitros costumam ser profissionais que se destacam
em suas respectivas áreas, transmitindo às partes a confiança de
que se submeterão a um julgamento de qualidade, seja na área de
conhecimento específica e sujeita à arbitragem, seja na correta aplicação
e interpretação do ordenamento jurídico10.

10
CÂMARA, Alexandre Freitas. Arbitragem lei n.º 9307/96. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2009. p. 41.
34

Em função de tais características, há uma tendência natural de que


os árbitros sejam previamente conhecidos pelas partes e tenham
um histórico de manifestações, profissionais ou acadêmicas, que
indicam sua linha de raciocínio e metodologia. Isso sem mencionar as
necessárias relações que ocorrem no ambiente profissional e impõem
um aproximado convívio entre partes, advogados e árbitros, que com
frequência se alternam entre uma e outra posição.

O árbitro, portanto, nunca será absolutamente neutro e isento. Longe


de pretender discutir as inúmeras implicações do conceito de absoluto,
tarefa mais afeta à filosofia, parece-nos que tal característica, isso é, a
existência de uma permanente zona cinzenta de neutralidade e isenção
do árbitro, é premissa da própria arbitragem e da vontade das partes ao
optar por ela. Diferente do juiz estatal, que se põe sob o falso manto da
neutralidade11, o árbitro sempre estará mais exposto no que se refere às
suas posições acadêmicas e profissionais12.

Isso, todavia, não pode jamais implicar qualquer prejuízo à


independência e à imparcialidade do árbitro13. Ao contrário, a
investidura do árbitro também decorre, e talvez com maior razão, de tais
fatores e da confiança que as partes depositam em seu julgamento14.
Enquanto no juízo estatal a confiança se impõe a partir da investidura
do magistrado no cargo público, na arbitragem é justamente a confiança
pessoal, privada e, portanto, volitiva, que leva à sua escolha e à

11
KENNEDY, Duncan. Izquierda y derecho: ensayos de teoria jurídica critica. Buenos Aires: Siglo XXI Editores,
2010.
12
“At the same time, the fact that arbitrators have themselves been involved in an industry means that they do not
come “cold” to the dispute; instead, they bring to bear their own preconceptions, and possibly even prior involve-
ment with (or at least knowledge of) the parties.” STONE, Susan A.; WON, Jen C. Arbitrator impartiality in the con-
text of a tripartite tribunal. Disponível em http://www.americanbar.org/content/dam/aba/administrative/litiga-
tion/materials/2013_corporate_counselcleseminar/9_2_arbitration_impartiality_in_context.authcheckdam.pdf.
Acesso em: 28 jan. 2017. No mesmo sentido, LEMES, Selma Ferreira. O papel do árbitro. Disponível em <http://
selmalemes.adv.br/artigos/artigo_juri11.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2017.
13
Em se tratando de arbitragem, é possível falar de dois sentidos distintos. Aqui, tratamos da independência inter-
na, voltada ao julgamento do árbitro por sua consciência, livre de qualquer interferência externa”. LESSA NETO,
João Luiz. Arbitragem e Poder Judiciário: a definição da competência do árbitro. Salvador: JusPodivm, 2016, p.
35.
14
GIORGETTI, Chiara. The arbitral tribunal: selection and replacement of arbitrators in Litigating International
Investment Disputes: A practitioner´s Guide 143-172 (2014).
35

investidura no poder de julgar1516. Naquele, a confiança é imposta, nesta,


disposta17.

Essa diferença entre o juiz estatal e o árbitro também implica tratamento


distinto da independência e da imparcialidade de um e de outro.
Enquanto no juízo estatal os critérios (im)postos são objetivos, públicos,
indisponíveis e sua inobservância pode levar, inclusive, à rescisão da
sentença, na arbitragem é admissível que, presentes, por exemplo,
causas de impedimento, as partes considerem o árbitro sujeito imparcial
e merecedor de sua confiança, o que afastará qualquer risco de
questionamento ou nulidade. É o caso, por exemplo, de árbitro que, em
virtude de sua notoriedade e conhecimento em determinada matéria,
tenha relação comercial com as partes.

A maior maleabilidade das causas de impedimento presente na


arbitragem decorre, em grande medida, da ampla disponibilidade na
gestão do processo arbitral pelas partes, que, infelizmente, ainda não
foi alcançada pelo processo público, em que pese a cláusula geral de
negociação processual, agora positivada de maneira louvável pelo artigo
190 do CPC.

E não é só. A ciência das partes, a priori, acerca da causa de


impedimento permite que elas assumam conscientemente os riscos

15
“Mais importante, pois, do que a qualificação possuída pelo sujeito, importa que nele convirja a confiança dos
sujeitos que pretendem submeter certo litígio à arbitragem. Essa característica é essencial à própria função da
arbitragem. De fato, a renúncia à jurisdição tradicional e mesmo a impossibilidade de insurgir-se contra a decisão
arbitral (pela inexistência, no processo arbitral, da figura do recurso) faz com que se ponha sobre os ombros do
árbitro severa responsabilidade, que somente pode ser bem desenvolvida se essa pessoa tiver a plena confiança
das partes.” ARENHART, Sérgio Cruz. Breves observações sobre o procedimento arbitral. Disponível em https://
jus.com.br/artigos/7161/breves-observacoes-sobre-o-procedimento-arbitral. Acesso em: 18 jan. 2017.
16
ABBOUD, Georges. Jurisdição constitucional vs. Arbitragem: os reflexos do efeito vinculante na atividade do
árbitro. Revista de Processo | vol. 214 | p. 271 | Dez / 2012DTR\2012\450922
17
Como leciona Tércio Sampaio Ferraz Junior, “enquanto o Estado julgador goza de uma presunção forte de ser
um terceiro neutro, independente e imparcial em face dos interesses em conflito”, a voluntariedade presente na
arbitragem, “quer pela opção pelo procedimento, quer pela escolha dos julgadores pelos que vão ser julgados,
parece repousar numa expectativa de que a personalização da instituição (função jurisdicional personalíssima),
conquanto menos apta a agasalhar os atributos do agente estatal, é conduzida por mecanismos do ethos social
que, justamente ao contrário, garantem até mais fortemente aqueles atributos” Suspeição e impedimento em arbi-
tragem sobre o dever de revelar na Lei 9.307/1996. Revista de Arbitragem e Mediação | vol. 28/2011 | p. 65–82 |
Jan–Mar / 2011.
36

decorrentes da escolha do árbitro18 sem qualquer mácula ao elemento


volitivo elementar do ato. Justamente por isso, o artigo 14, da Lei
9.307/96, impõe, na esteira do que ocorre em todo o mundo, o dever
de revelação do árbitro, o qual deverá ser cumprido “antes da aceitação
da função” ou caso superveniente a causa comprometedora da
imparcialidade e da independência, tão logo tome conhecimento dela.

A pessoa indicada para funcionar como árbitro deverá, assim, revelar


às partes toda e qualquer circunstância que possa interferir em
sua imparcialidade e independência, dando a elas a oportunidade
de recusarem sua participação e promoverem sua substituição. O
cumprimento do dever de revelação permitirá às partes verificar se,
de fato, o árbitro preenche a independência e imparcialidade que
entendem necessárias para julgamento de seu conflito19.

5. Imparcialidade e independência do árbitro e


dever de revelação

Como visto acima, a chave para um tribunal arbitral ser considerado


independente e imparcial está justamente no dever de revelação20.
Isso porque, sem dúvida alguma, os conceitos de impedimento e
imparcialidade na arbitragem são deduzidos a partir das situações
reveladas pelo árbitro e da análise dessas situações pelas partes.

18
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Atlas, 2007,
p. 216.
19
“Ocorre que ao eleger a arbitragem as partes levam ao árbitro a incumbência de resolver o litígio, isto se dá
porque as partes têm confiança na figura do árbitro, justamente por ele ser um indivíduo imparcial e alheio à
causa. Por tal motivo, antes de aceitar o encargo o árbitro tem o dever de revelar, se possui qualquer das causas de
impedimento e suspeição ulterior alegadas. Nesta senda a Lei não se cala e positiva o dever de revelação do árbitro
no parágrafo 1º do art. 14, seguindo o já disposto pelo Código de Processo Civil como um dever do magistrado.”
PRADO, Thaysa; GOLDENSTEIN, Alberto Israel Barbosa de. A arbitragem no ordenamento jurídico brasileiro.
Cad. Esc. Dir. Rel. Int. (UNIBRASIL), Curitiba-PR | Vol. 1, nº 24, jan/un 2016, p. 98-111.
20
RUBINS, Noah; LAUTERBURG, Bernhard. Independence, impartiality and duty of disclosure in investment
arbitration. Investment and Commercial Arbitration – Similarities and Divergences, Netherlands: Eleven Interna-
tional Publishing, 2010. p. 153-180
37

O árbitro sempre deverá revelar tudo aquilo que, na opinião dele, pode
ser relevante para a gestão de riscos a ser realizada pelas partes acerca de
sua independência e imparcialidade. Ou seja, todas aquelas circunstâncias
que, em algum grau, podem contribuir para que seu julgamento tenda
em favor de alguma das partes. Isso não quer dizer, em hipótese alguma,
que no cumprimento do dever de revelação o árbitro esteja admitindo
sua imparcialidade, mas sim, apenas fornecendo todos os elementos
necessários para uma avaliação adequada da sua pessoa e da viabilidade
(ou não) de sua manutenção como julgador21.

Os fatores que devem ser revelados estão intrinsicamente ligados com os


conceitos de independência e imparcialidade que, muito embora inter-
relacionados, não podem ser considerados sinônimos. É possível ter um
árbitro independente, que seja imparcial (e que, portanto, deverá ser
rejeitado) e um árbitro que, muito embora não possa ser considerado
independente, seja dotado de imparcialidade e apto a prolatar julgamento
sem tender indevidamente a favorecer uma das partes22.

A independência parte de um juízo objetivo, inerente à pessoa do


árbitro e suas relações com as partes. Ela é facilmente identificável, uma
vez que decorre de uma situação de fato23. A imparcialidade, por sua
vez, é eminentemente subjetiva e consiste em uma predisposição por
determinado resultado. É, portanto, “de difícil aferição, pois externa um
estado de espírito (state of mind)”24. Em ambos os casos, caberá ao árbitro

21
“É da maior importância perceber que a revelação não implica por parte do árbitro a admissão da existência de
qualquer conflito de interesses. Muito pelo contrário: se o árbitro não se considerasse independente e imparcial
não teria aceite o encargo e, consequentemente, não teria procedido à revelação. o objetivo da revelação é
permitir às partes (e aos co-árbitros) determinarem se concordam com a avaliação feita pelo árbitro e, sendo
necessário, obterem mais informação. Esta é aliás uma das razões por que, na dúvida sobre a relevância da
informação, o árbitro deve optar pela revelação.” MIRANDA, Agostinho Pereira. Dever de revelação e direito de
recusa de árbitro. Considerações a propósito dos arts. 13.º e 14.º da Lei de Arbitragem Voluntária. Disponível em
https://portal.oa.pt/upl/%7B2dd90b44-649c-4fab-88e1-144d2f26fe75%7D.pdf. Acesso em: 30 jan. 2017
22
RUBINS, Noah; LAUTERBURG, Bernhard, op. cit.
23
MIRANDA, Agostinho Pereira, op. cit.
24
LEMES, Selma Maria Ferreira. O dever de revelação do árbitro e o conceito de dúvida justificada quanto
a sua independência e imparcialidade (art. 14, §1º, da Lei 9.307/1996). A ação de anulação de sentença
arbitral (art. 32, II, da Lei 9.307/1996). Disponível em: http://selmalemes.adv.br/artigos/Parecer%20%20O%20
dever%20de%20revela%C3%A7%C3%A3o%20do%20%C3%A1rbitro%20e%20o%20conceito%20de%20d%-
C3%BAvida%20justificada.pdf. Acesso em: 20 jan 2017.
38

demonstrar a existência de situações que possam comprometer tanto


a sua independência quanto sua imparcialidade, passíveis de produzir
dúvidas justificadas. E fará isso “pelos olhos das partes” uma vez que
apenas a elas competirá a gestão de riscos sobre a sua escolha25.

A falta de critérios para definir aquilo que efetivamente deve ser


revelado (evitando-se, portanto, a subjetividade do árbitro) é um
problema corriqueiro na regulamentação da arbitragem, que se
socorre, em regra, dos Códigos de Ética das instituições arbitrais e,
especialmente, das Guidelines da IbA, constituídas em listas (vermelha,
laranja e verde) que apontam situações dignas de observação e
que podem, a depender do caso, importar o reconhecimento do
impedimento/imparcialidade do árbitro26.

Em todo caso, a lei traçou parâmetros objetivos ao relacionar as causas


de impedimento e suspeição do arbitro àquelas voltadas ao juiz estatal,
as quais, teoricamente, são capazes de afetar sua independência e
imparcialidade e que, portanto, devem necessária e minimamente ser
reveladas. Claro que os artigos 144 e 145 CPC não são suficientes a
esgotar todas as informações que devem ser reveladas pelo árbitro,
todavia, constituem, sem dúvida, um juízo mínimo amparado em lei.
Compreendem aquilo que, essencialmente, caso omitido, poderá levar à
anulação da sentença arbitral, independentemente da avaliação da boa-
fé do árbitro em sua omissão27.
25
MIRANDA, Agostinho Pereira, op. cit.
26
Noah Rubins e Bernhard Lauterburg resume muito bem os critérios espelhados em cada uma das listas: “Green
list – “give rise to a reasonable perception of dependence or partiality need not be disclosed.” Orange list – may
give rise, should normally ne disclosed. Red list is divided into waivable and non-waivable. Waivable red, circum-
stances are sufficiently grave that they must normally ne disclosed and expressly accepted by all parties before an
arbitrator may accept an appointment. Non-waivable red situations reflect a relationship between the arbitrator and
a party that are so close as to prevent the acceptance of an appointment outright, based upon the overriding princi-
ple that one may not be a judge in his own cause.” (Independence, impartiality and duty of disclosure in investment
arbitration. Investment and Commercial Arbitration – Similarities and Divergences, Netherlands: Eleven Internation-
al Publishing, 2010. p. 153-180)
27
Para Selma Maria Ferreira Lemes, “somente a ausência de revelação de fato notório e importante que impediria
o árbitro de atuar com independência e imparcialidade poderia constituir violação ao principio da confiança (art.
13 da Lei 9.307/1996)”. LEMES, Selma Maria Ferreira. O dever de revelação do árbitro e o conceito de dúvida
justificada quanto a sua independência e imparcialidade (art. 14, §1º, da Lei 9.307/1996). A ação de anulação de
sentença arbitral (art. 32, II, da Lei 9.307/1996). Entendemos, sem dissentir, que o conceito de fato notório, aqui,
abrange necessariamente todas as causas de impedimento e suspeição previstas na lei processual.
39

Frise-se que, mesmo nesses casos, as partes podem reputar que a


causa de impedimento e suspeição não é relevante ao ponto de levar à
dispensa do árbitro, uma vez que tais circunstâncias, ainda que objetivas
e baseadas em situações de fato, comportam graus de intensidade
distintos28. Por exemplo, é hipótese de impedimento do árbitro (por
violar sua independência), a participação deste no quadro societário
de uma das partes. Apenas esta informação não é suficiente, contudo,
para afirmar que será necessariamente imparcial, já que o árbitro pode
ser desde o proprietário de algumas ações de uma sociedade anônima
(adquiridas no mercado financeiro), até efetivo sócio administrador de
sociedade limitada.

6. Arguição de convenção de arbitragem

Cândido Rangel Dinamarco29, Cassio Scarpinella Bueno30 e Fredie Didier


Jr.31 admitem a convenção de arbitragem como pressuposto processual
negativo, eis que se trata de circunstância externa ao processo, que
impede tenha seu mérito julgado. Suzana Santi Cremasco acrescenta,
tratando a arbitragem por outra perspectiva, outro pressuposto
processual negativo: o reconhecimento de competência pelo juízo
arbitral32.

Com a devida vênia, não parece ser a posição mais acertada. Isto
porque, no caso, ao apreciar a existência de competência do juízo

28
TRAKMAN, Leon. The impartiality and Independence of arbitrators reconsidered. International Arbitration
Law Review, Sweet & Maxwell, Vol. 10 Int. ALR p. 999, 2007.
29
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil: vol. III. 7. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2017, pp. 158/159.
30
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito proces-
sual civil, 1. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2014, pp. 384/385.
31
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e pro-
cesso de conhecimento. 19. ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2017, p. 384.
32
CREMASCO, Suzana Santi. A interpretação extensiva da hipótese de cabimento de agravo de instrumento
prevista no art. 1.015, III, do NCPC: o reconhecimento de competência do árbitro como pressuposto processual
negativo no processo judicial. In: Recursos no CPC/15: perspectivas, críticas e desafios. Coordenadoras Bea-
triz Magalhães Galindo e Marcela Kohlbach. Salvador: Editora Juspodivm, 2017.
40

arbitral, o juízo estatal não faz outra coisa além de reconhecer sua
incompetência para apreciar a lide. O critério permanece, como a
própria autora–que parte de premissas diferentes das nossas–afirma,
extrínseco, não sendo necessário que o juízo, na aferição da existência
do pressuposto processual, volte os olhos para a causa de pedir e o
pedido apresentados.

Outro ponto que merece atenção é o fato de que é possível, no caso,


ocorrer tanto a sanabilidade do vício pela ausência de manifestação
expressa do réu, quanto aplicação do art. 488. Basta supor que o autor,
ao arrepio da competência do juízo arbitral, proponha a demanda
perante o juízo estatal. Será possível – e válido – o julgamento de
improcedência do pedido, ainda que o réu tenha, em preliminar, arguido
a incompetência e requerido a extinção do processo, na forma do art.
485, III do CPC.

Também, diferente dos pressupostos processuais em geral, sobretudo


os negativos, a competência do juízo arbitral não poderá ser conhecida
de ofício, exigindo, portanto, manifestação do réu neste sentido, em
preliminar de contestação, para que ocorra a extinção do processo.
Por tais motivos, não entendemos possível encartar a convenção de
arbitragem ou o reconhecimento de competência pelo juízo arbitral
como pressupostos processuais negativos, em que pese sua aferição se
assemelhe aos referidos requisitos de admissibilidade.

VAMOS PENSAR
A discussão é antiga, mas é sempre bom refletir sobre a
relação entre a arbitragem e o direito de ação. É possível
dizer que a convenção de arbitragem implica renúncia ao
direito constitucional à tutela jurisdicional?
41

7. Pontuando
• Desconsideração da personalidade jurídica.

• Incidente processual ou;

• Petição inicial.

• Arbitragem.

• Técnica de resolução alternativa de conflitos.

• Heterocomposição.

• Dissolução parcial de sociedade.

• Procedimento em duas fases.

• Liquidação.

Glossário
• Desconsideração inversa: Responsabilização da sociedade por
débito do sócio.

• Dever de revelação: Manifestação do árbitro indicando causas de


possível imparcialidade.

• Haveres: Montante devido a sócio que se retira.

Verificação de leitura

1. Pedro foi citado em incidente de desconsideração da


personalidade jurídica e, portanto, deverá apresentar
42

sua defesa no prazo de quinze dias. A defesa deverá


impugnar tanto os requisitos para desconsideração
quanto o pedido principal, dado que a instauração do
incidente de desconsideração é meio para formação de
litisconsórcio passivo ulterior.
( ) V ( )F
2. Sobre a desconsideração da personalidade jurídica, é
correto afirmar:

a. Pode ocorrer sempre que houver abuso da


personalidade, desde que esgotados os meios
executivos para obtenção do crédito em face da
empresa.
b. A desconsideração da personalidade jurídica não visa
a sua anulação, mas somente objetiva desconsiderar,
no caso concreto, dentro de seus limites, a pessoa
jurídica, em relação às pessoas ou bens que atrás dela
se escondem, com a declaração de sua ineficácia para
determinados efeitos, prosseguindo, todavia, incólume
para seus outros fins legítimos.
c. O pedido de desconsideração inaugura ação
autônoma e limita-se às fases executivas, podendo
ser formulado em conjunto com a petição inicial ou
incidentemente.
d. A desconsideração da personalidade jurídica (ou
inversa) se dará exclusivamente a pedido da parte.
e. É possível o requerimento de desconsideração em
fase recursal, hipótese em que o incidente será
remetido ao juízo de origem, que determinará a
citação do réu.

3. Sobre o procedimento da desconsideração da


personalidade jurídica, assinale a alternativa incorreta:
43

a. O incidente de desconsideração é cabível em


todas as fases do processo de conhecimento, no
cumprimento de sentença e na execução fundada
em título executivo extrajudicial.
b. Instaurado o incidente, o processo será
imediatamente suspenso, ou seja, não é necessária
decisão do juiz neste sentido. Se a desconsideração
for requerida em petição inicial, a suspensão do
processo atingirá apenas os corréus contra os quais
foi formulada a demanda [de desconsideração].
c. Recebida a petição, o julgador avaliará se estão
presentes os pressupostos para seu recebimento e
determinará a citação do sócio ou da pessoa jurídica
para apresentar manifestação e requerer provas no
prazo de quinze dias.
d. Concluída a instrução, o incidente será resolvido por
decisão interlocutória e, por se tratar de julgamento
de mérito, estará sujeito à interposição de agravo
de instrumento ou agravo interno, se proferida a
decisão pelo relator.
e. Caso, por alguma falha, o sócio não seja citado e
sofra constrição em seu patrimônio, decorrente de
desconsideração à personalidade jurídica, poderá
fazer uso de embargos de terceiro, como autoriza o
art. 674, §2º, III.

4. Sobre a ação de dissolução parcial de sociedade, é


incorreto afirmar que:

a. Pode ter por objeto somente a resolução ou a


apuração de haveres.
b. Pode ser proposta pelos sucessores do sócio
falecido, independentemente do encerramento do
inventário, judicial ou extrajudicial.
44

c. Pode ser proposta pelo companheiro do sócio cujo


casamento, união estável ou convivência terminou,
apenas para a apuração dos haveres.
d. Traz uma hipótese de extensão dos efeitos da coisa
julgada a terceiro, uma vez que dispensa a citação
da sociedade se todos os seus sócios o forem.
e. Havendo concordância dos réus com a dissolução
da sociedade, o juiz a decretará de pronto. Nesta
hipótese, não haverá condenação em honorários
advocatícios.

5. Sobre arbitragem e o dever de revelação do árbitro, é


incorreto afirmar que:

a. A arbitragem é técnica de heterocomposição, na


qual as partes entregam a solução do seu conflito a
um terceiro, dispensando a atuação do Judiciário.
b. Diferentemente dos juízes estatais, submetidos
a um concurso público que se propõe a analisar
conhecimentos genéricos sobre Direito, os árbitros
costumam ser profissionais que se destacam em
suas respectivas áreas, transmitindo às partes a
confiança de que se submeterão a um julgamento
de qualidade, seja na área de conhecimento
específica e sujeita à arbitragem, seja na correta
aplicação e interpretação do ordenamento jurídico.
c. Enquanto no juízo estatal a confiança se impõe
a partir da investidura do magistrado no cargo
público, na arbitragem é justamente a confiança
pessoal, privada e, portanto, volitiva, que leva a sua
escolha e à investidura no poder de julgar.
d. Na arbitragem é admissível que, presentes,
por exemplo, causas de suspeição, as partes
45

considerem o árbitro sujeito imparcial e merecedor


de sua confiança, o que afastará qualquer risco de
questionamento ou nulidade. O mesmo não se dá
com relação às hipóteses de impedimento, que
sempre ensejarão a nulidade da sentença arbitral.
e. A pessoa indicada para funcionar como árbitro
deverá revelar às partes toda e qualquer
circunstância que possa interferir em sua
imparcialidade e independência, dando a elas a
oportunidade de recusarem sua participação e
promoverem sua substituição.

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p. 153-180.
47

TRAKMAN, Leon. The impartiality and Independence of arbitrators


reconsidered. International Arbitration Law Review, Sweet & Maxwell, Vol. 10 Int.
ALR p. 999, 2007.

Gabarito
Questão 1 – Resposta: F

Resolução: A assertiva é falsa. A impugnação simultânea dos


requisitos para desconsideração e do pedido principal apenas
deverá ocorrer quando a desconsideração seja requerida na
petição inicial. Na hipótese de instauração de incidente, a defesa
[no incidente] deverá ocorrer apenas quanto ao preenchimento
dos requisitos previstos no art. 50 do CC.

Questão 2 – Resposta: B

Resolução: A desconsideração não anula a pessoa jurídica, mas


apenas se volta à solução do abuso naquele caso contrato, quando
presentes os requisitos previstos no art. 50.

Questão 3 – Resposta: B

Resolução: A desconsideração requerida na petição inicial não


leva à suspensão do processo, em nenhuma hipótese.

Questão 4 – Resposta: B

Resolução: Os sucessores poderão propor a demanda, desde que


encerrada a partilha. Caso contrário, o legitimado será o Espólio
do sócio falecido.

Questão 5 – Resposta: D

Resolução: As partes podem aceitar o julgamento por árbitro, ainda


que exista causa de impedimento, sem qualquer prejuízo ou nulidade
da sentença arbitral, desde que a causa seja previamente revelada.
48

Ações de família
Autoria: Carolina Uzeda
Revisora teórica: Lais Giovanetti

Objetivos
• Ação de alimentos.

• Ação de interdição.

• Ações relacionadas ao casamento e à união estável.

• Ação de reconhecimento de paternidade.


49

Introdução

O CPC/15 trouxe, dentre os procedimentos especiais, previsão específica


para as ações de família, aplicáveis, na forma do art. 693 aos processos
contenciosos de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de
união estável, guarda, visitação e filiação.

LINK
Sobre litígios de família, vale a pena conhecer a página da
Professora Fernanda Tartuce na plataforma.

1. Ações de família

O rol do art. 693 não é taxativo, podendo ser aplicável a outros conflitos
de família de caráter litigioso, conforme Enunciado nº 72 do Fórum
Permanente de Processualistas Civis:

72. (art. 693) O rol do art. 693 não é exaustivo, sendo aplicáveis os
dispositivos previstos no Capítulo X a outras ações de caráter contencioso
envolvendo o Direito de Família. (Grupo: Procedimentos Especiais)

A disposição legal limita aos processos contenciosos porque, em se


tratando de situações amigáveis, os dispositivos são desnecessários,
já que as partes apresentam a situação a juízo, desde logo, de forma
voluntária e com os parâmetros pré-estabelecidos.

Nada impede, porém, que um processo iniciado como consensual torne-


se total ou parcialmente litigioso, oportunidade em que os arts. 693 e
seguintes passam a ser aplicáveis.
50

A ação de alimentos, embora regulada por lei específica, também


recebe tutela no CPC, na forma do art. 27, da Lei 5478/68 e do art. 693,
parágrafo único:

Parágrafo único. A ação de alimentos e a que versar sobre interesse


de criança ou de adolescente observarão o procedimento previsto em
legislação específica, aplicando-se, no que couber, as disposições deste
Capítulo.

2. Preferência pela solução consensual da


controvérsia

A preferência pela solução consensual da controvérsia é norma


fundamental do CPC/15. O art. 3º prevê, em seus parágrafos 2º e 3º,
que “O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual
dos conflitos” e “A conciliação, a mediação e outros métodos de solução
consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados,
defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso
do processo judicial”.

No mesmo sentido, o art. 139, V indica como dever do magistrado


“promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente
com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais”.

Com mais razão nas ações de família as técnicas de resolução


consensual precisam ser estimuladas. Bem se sabe que nos litígios
que envolvem relações familiares dificilmente uma sentença servirá
à pacificação do conflito. Seja pelas emoções envolvidas, seja pela
necessidade de – especialmente quando o casal tem filhos – convívio
contínuo das partes.

Assim, o art. 694 ratifica as normas fundamentais do Código ressaltando


que:
51

Art. 694. Nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para
a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio
de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e
conciliação.

Parágrafo único. A requerimento das partes, o juiz pode determinar a


suspensão do processo enquanto os litigantes se submetem a mediação
extrajudicial ou a atendimento multidisciplinar.

Essa prevalência das técnicas de resolução de conflito sobre o litígio fica


clara também no art. 695 que dispõe que o mandado de citação nas
ações de família não será acompanhado da petição inicial:

Art. 695. Recebida a petição inicial e, se for o caso, tomadas as


providências referentes à tutela provisória, o juiz ordenará a citação do
réu para comparecer à audiência de mediação e conciliação, observado o
disposto no art. 694.

§ 1o O mandado de citação conterá apenas os dados necessários à


audiência e deverá estar desacompanhado de cópia da petição inicial,
assegurado ao réu o direito de examinar seu conteúdo a qualquer tempo.

Isto porque a lei pressupõe que a entrega da petição inicial ao réu


gerará um aumento da animosidade entre as partes, implicando maior
dificuldade na resolução consensual do conflito.

A medida nos parece inócua, dado que o art. 695, §4º, exige a
participação de advogados na audiência. Se a parte necessita constituir
advogado para a prática do ato, é evidente que o profissional, antes da
audiência, lhe dará ciência dos termos da petição inicial.

Aqui a figura do advogado assume maior relevância na solução


consensual do conflito, dado que caberá a ele minimizar os impactos
da informação prestada à parte, servindo como “filtro” entre a petição
inicial e o réu.
52

3. Procedimento

A petição inicial deve preencher os requisitos do art. 319, sendo


possível a cumulação de pedidos, inclusive com relação a demandas
não previstas no art. 693. Poderá, por exemplo, haver cumulação entre
alguma das ações de família e a ação de alimentos, o que é plenamente
admitido pelo art. 327, §2º:

Art. 327. É lícita a cumulação, em um único processo, contra o mesmo réu,


de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão.

§ 2o Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de


procedimento, será admitida a cumulação se o autor empregar o
procedimento comum, sem prejuízo do emprego das técnicas processuais
diferenciadas previstas nos procedimentos especiais a que se sujeitam
um ou mais pedidos cumulados, que não forem incompatíveis com as
disposições sobre o procedimento comum.

No caso, o enunciado 672 do FPPC deixa claro, ainda, que é possível,


apesar da cumulação, utilizar técnicas específicas do procedimento
especial. Ou seja, cumulada ação de alimentos com alguma das previstas
no art. 693 (divórcio, por ex.), nada impede que a parte faça uso da
técnica prevista para concessão de tutela provisória prevista na Lei de
Alimentos:

Arts. 327, §2º e 693, parágrafo único. É admissível a cumulação do pedido


de alimentos com os pedidos relativos às ações de família, valendo-se o
autor desse procedimento especial, sem prejuízo da utilização da técnica
específica para concessão de tutela provisória prevista na Lei de Alimentos.
(Grupo: Gratuidade da Justiça, petição inicial, contestação e fase de
organização e saneamento).

Recebida a petição inicial, o juiz determinará a citação do réu (cujo


mandado não será acompanhado de cópia da petição inicial) para
comparecer à audiência.
53

A citação deverá ocorrer com até 15 dias úteis de antecedência,


aplicando-se à audiência os mesmos critérios estabelecidos no
procedimento comum. Ou seja, na forma do art. 696, “a audiência de
mediação e conciliação poderá dividir-se em tantas sessões quantas
sejam necessárias para viabilizar a solução consensual, sem prejuízo de
providências jurisdicionais para evitar o perecimento do direito”.

Veja-se que, também aqui, apesar da omissão legal, deve incidir o


previsto no art. 334, viabilizando-se que as partes, com maior razão,
optem por não comparecer à audiência, o que deve ser expressamente
indicado pelo autor na petição inicial e pelo réu em até dez dias de
antecedência.

Não realizado o acordo, iniciará o prazo previsto no art. 335 para


apresentação de contestação e o processo seguirá pelo procedimento
comum.

4. Alimentos

A ação de alimentos está prevista na Lei nº 5.478 de 1968 que


permanece regulando seu procedimento, sem prejuízo da utilização, no
que couber, da disciplina voltada às ações de família, prevista no CPC.

Os requisitos da petição inicial estão previstos no art. 2º da Lei de


Alimentos, que exige como documento indispensável a prova do
parentesco ou da obrigação alimentar do devedor:

Art. 2º. O credor, pessoalmente, ou por intermédio de advogado, dirigir-


se-á ao juiz competente, qualificando-se, e exporá suas necessidades,
provando, apenas o parentesco ou a obrigação de alimentar do devedor,
indicando seu nome e sobrenome, residência ou local de trabalho,
profissão e naturalidade, quanto ganha aproximadamente ou os recursos
de que dispõe.
54

§ 1º Dispensar-se-á a produção inicial de documentos probatórios;

I. quando existente em notas, registros, repartições ou


estabelecimentos públicos e ocorrer impedimento ou demora em
extrair certidões.
II. quando estiverem em poder do obrigado, as prestações alimentícias
ou de terceiro residente em lugar incerto ou não sabido.

Uma característica importante da ação de alimentos é a possibilidade


de concessão de ofício da tutela provisória, devendo o magistrado, ao
despachar o pedido, fixar desde logo os alimentos provisórios, “salvo se
o credor expressamente declarar que deles não necessita”.

A tutela provisória em ação de alimentos possui algumas outras


peculiaridades. A urgência, por certo, é presumida, dado a característica
do débito alimentar.

Os alimentos são irrepetíveis1-2, de tal forma que, julgado improcedente


o pedido, o credor não precisará restituir o valor consumido. Porém,
1
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. ALIMENTOS. IRRE-
PETIBILIDADE. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE FIDELIDADE. OMISSÃO SOBRE A VERDADEIRA PATER-
NIDADE BIOLÓGICA DE FILHO NASCIDO NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO. DOR MORAL CONFIGURADA.
REDUÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO.
1. Os alimentos pagos a menor para prover as condições de sua subsistência são irrepetíveis.
2. O elo de afetividade determinante para a assunção voluntária da paternidade presumidamente legítima pelo
nascimento de criança na constância do casamento não invalida a relação construída com o pai socioafetivo ao
longo do período de convivência.
3. O dever de fidelidade recíproca dos cônjuges é atributo básico do casamento e não se estende ao cúmplice de
traição a quem não pode ser imputado o fracasso da sociedade conjugal por falta de previsão legal.
4. O cônjuge que deliberadamente omite a verdadeira paternidade biológica do filho gerado na constância do ca-
samento viola o dever de boa-fé, ferindo a dignidade do companheiro (honra subjetiva) induzido a erro acerca de
relevantíssimo aspecto da vida que é o exercício da paternidade, verdadeiro projeto de vida.
5. A família é o centro de preservação da pessoa e base mestra da sociedade (art. 226 CF/88) devendo-se preser-
var no seu âmago a intimidade, a reputação e a autoestima dos seus membros.
6. Impõe-se a redução do valor fixado a título de danos morais por representar solução coerente com o sistema.
7. Recurso especial do autor desprovido; recurso especial da primeira corré parcialmente provido e do segundo
corréu provido para julgar improcedente o pedido de sua condenação, arcando o autor, neste caso, com as despe-
sas processuais e honorários advocatícios.
(REsp 922.462/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/04/2013,
DJe 13/05/2013).
2
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDEN-
CIÁRIO. RECEBIMENTO VIA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA. DEVOLUÇÃO. REALI-
NHAMENTO JURISPRUDENCIAL. HIPÓTESE ANÁLOGA. SERVIDOR PÚBLICO. CRITÉRIOS.
CARÁTER ALIMENTAR E BOA-FÉ OBJETIVA. NATUREZA PRECÁRIA DA DECISÃO.
RESSARCIMENTO DEVIDO. DESCONTO EM FOLHA. PARÂMETROS.
1. Trata-se, na hipótese, de constatar se há o dever de o segurado da Previdência Social devolver valores de benefício
55

na mesma hipótese, não poderá cobrar os valores arbitrados em tutela


provisória e não pagos:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ALIMENTOS PROVISÓRIOS.


SENTENÇA DEFINITIVA. EXTINÇÃO DA DÍVIDA. ART. 13, § 2º, DA LEI DE
ALIMENTOS. EFICÁCIA EX TUNC. IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA.
VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.

1. Cinge-se a controvérsia a definir se é possível a extinção da execução


dos alimentos provisórios por ausência de título executivo diante de

previdenciário recebidos por força de antecipação de tutela (art. 273 do CPC) posteriormente revogada.
2. Historicamente, a jurisprudência do STJ fundamenta-se no princípio da irrepetibilidade dos alimentos para isentar os
segurados do RGPS de restituir valores obtidos por antecipação de tutela que posteriormente é revogada.
3. Essa construção derivou da aplicação do citado princípio em Ações Rescisórias julgadas procedentes para cassar
decisão rescindenda que concedeu benefício previdenciário, que, por conseguinte, adveio da construção pretoriana
acerca da prestação alimentícia do direito de família. A propósito: REsp 728.728/RS, Rel. Ministro José Arnaldo da
Fonseca, Quinta Turma, DJ 9.5.2005.
4. Já a jurisprudência que cuida da devolução de valores percebidos indevidamente por servidores públicos evoluiu
para considerar não apenas o caráter alimentar da verba, mas também a boa-fé objetiva envolvida in casu.
5. O elemento que evidencia a boa-fé objetiva no caso é a “legítima confiança ou justificada expectativa, que o be-
neficiário adquire, de que valores recebidos são legais e de que integraram em definitivo o seu patrimônio” (AgRg no
REsp 1.263.480/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 9.9.2011, grifei). Na mesma linha quanto à
imposição de devolução de valores relativos a servidor público: AgRg no AREsp 40.007/SC, Rel. Ministro Teori Albino
Zavascki, Primeira Turma, DJe 16.4.2012; EDcl nos EDcl no REsp 1.241.909/SC, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima,
Primeira Turma, DJe 15.9.2011;
AgRg no REsp 1.332.763/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28.8.2012; AgRg no REsp
639.544/PR, Rel. Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargador Convocada do TJ/PE), Sexta Turma, DJe
29.4.2013; AgRg no REsp 1.177.349/ES, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJe 1º.8.2012; AgRg no RMS
23.746/SC, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 14.3.2011.
6. Tal compreensão foi validada pela Primeira Seção em julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, em situação na qual
se debateu a devolução de valores pagos por erro administrativo: “quando a Administração Pública interpreta erronea-
mente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores rece-
bidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público.”
(REsp 1.244.182/PB, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 19.10.2012, grifei).
7. Não há dúvida de que os provimentos oriundos de antecipação de tutela (art. 273 do CPC) preenchem o requisito da
boa-fé subjetiva, isto é, enquanto o segurado os obteve existia legitimidade jurídica, apesar de precária.
8. Do ponto de vista objetivo, por sua vez, inviável falar na percepção, pelo segurado, da definitividade do pagamento
recebido via tutela antecipatória, não havendo o titular do direito precário como pressupor a incorporação irreversível da
verba ao seu patrimônio.
9. Segundo o art. 3º da LINDB, “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”, o que induz à pre-
missa de que o caráter precário das decisões judiciais liminares é de conhecimento inescusável (art. 273 do CPC).
10. Dentro de uma escala axiológica, mostra-se desproporcional o Poder Judiciário desautorizar a reposição do princi-
pal ao Erário em situações como a dos autos, enquanto se permite que o próprio segurado tome empréstimos e consig-
ne descontos em folha pagando, além do principal, juros remuneratórios a instituições financeiras.
11. À luz do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e considerando o dever do segurado de devol-
ver os valores obtidos por força de antecipação de tutela posteriormente revogada, devem ser observados os seguintes
parâmetros para o ressarcimento: a) a execução de sentença declaratória do direito deverá ser promovida; b) liquidado
e incontroverso o crédito executado, o INSS poderá fazer o desconto em folha de até 10% da remuneração dos bene-
fícios previdenciários em manutenção até a satisfação do crédito, adotado por simetria com o percentual aplicado aos
servidores públicos (art. 46, § 1º, da Lei 8.213/1991.
12. Recurso Especial provido.
(REsp 1384418/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/06/2013, DJe 30/08/2013)
56

posterior sentença definitiva de improcedência do pedido na ação de


alimentos.
2. À luz da jurisprudência desta Corte, a sentença definitiva exoneratória
da obrigação de pagamento de alimentos retroage com eficácia ex
tunc independentemente do caso.
3. Uma vez demonstrado em sede de juízo exauriente, observado o
contraditório e a ampla defesa, que a obrigação imposta liminarmente
não deve subsistir, resta vedada a cobrança dos denominados alimentos
provisórios, sob pena de enriquecimento sem causa.
4. A Segunda Seção, no julgamento do EREsp nº 1.181.119/RJ, ao
interpretar o art. 13, § 2º, da Lei nº 5.478/1968, concluiu, por maioria,
que os alimentos provisórios não integram o patrimônio jurídico
subjetivo do alimentando, podendo ser revistos a qualquer tempo,
porquanto provimento rebus sic stantibus, já que não produzem
coisa julgada material (art. 15 da Lei nº 5.478/1968).
5. A sentença exoneratória que redimensiona o binômio necessidade-
possibilidade segue a mesma lógica das ações congêneres revisionais,
devendo seus efeitos retroagir à data da citação.
6. Recurso especial provido.

(REsp 1426082/MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA


TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 10/06/2015)

Uma prerrogativa da ação de alimentos pouco utilizada na prática é a


possibilidade de o juiz oficiar, antes mesmo da audiência, o empregador
do réu, solicitando o envio de informações sobre salário e vencimentos
(art. 5º, §7º).

A audiência, por sua vez, é disciplinada pelos artigos 6º a 11 da Lei


de Alimentos3, sendo certo que nada obsta a aplicação de medidas
3
Art. 6º Na audiência de conciliação e julgamento deverão estar presentes autor e réu, independentemente de intima-
ção e de comparecimento de seus representantes.
Art. 7º O não comparecimento do autor determina o arquivamento do pedido, e a ausência do réu importa em revelia,
além de confissão quanto à matéria de fato.
Art. 8º Autor e Réu comparecerão à audiência acompanhados de suas testemunhas, 3 (três no máximo, apresentando,
nessa ocasião, as demais provas.
Art. 9º Aberta a audiência, lida a petição ou o termo, e a resposta, se houver, ou dispensada a leitura, o juiz ouvirá as
partes litigantes e o representante do Ministério Público, propondo conciliação. (Redação dada pela Lei nº 6.014, de
27/12/73)
§
1º. Se houver acordo, lavrar-se-á o respectivo termo, que será assinado pelo juiz, escrivão, partes e representantes do
Ministério Público.
57

que viabilizem a autocomposição. Assim, poderá ser designada,


previamente, audiência de conciliação/mediação ou, ainda, em qualquer
fase do processo, desde que se identifique a possibilidade da solução
consensual.

Na audiência de “conciliação e julgamento”, autor e réu deverão se


fazer acompanhados das suas testemunhas, ato que culminará com a
realização de alegações finais e com a própria sentença.

A sentença produz efeitos imediatamente, uma vez que a apelação


interposta contra ela será recebida apenas no efeito devolutivo (art. 14
da LA e 1012, §1º do CPC). Caso o devedor de alimentos pretenda obter
efeito suspensivo ao recurso de apelação, deverá realizar o requerimento,
tão logo interposto o recurso, diretamente ao Tribunal. O requerimento
de efeito suspensivo deve ser formulado por petição simples e tornará
prevento o juízo para conhecimento e julgamento da apelação.

A execução do débito alimentar far-se-á pelos arts. 528 a 533 do


CPC, podendo o exequente optar pelo procedimento comum do
cumprimento de sentença das obrigações de pagar quantia ou pelo
especial, que poderá culminar com a prisão do devedor.

Será sempre possível, ainda, que o pagamento do débito, provisório ou


definitivo, inclusive valores atrasados, se faça por meio de desconto em
folha de pagamentos:

ALIMENTOS. Prestações vencidas. Desconto em folha.

O art. 17 da Lei 5478/68 (Lei de Alimentos) permite que as prestações


alimentícias sejam cobradas mediante desconto em folha de pagamento
§
2º. Não havendo acordo, o juiz tomará o depoimento pessoal das partes e das testemunhas, ouvidos os peritos se
houver, podendo julgar o feito sem a mencionada produção de provas, se as partes concordarem.
Art. 10 A audiência de julgamento será contínua; mas, se não for possível, por motivo de força maior, conclui-la no mes-
mo dia, o juiz marcará a sua continuação para o primeiro dia desimpedido, independentemente de novas intimações.
Art. 11 Terminada a instrução, poderão as partes e o Ministério Público aduzir alegações finais, em prazo não exceden-
te de 10 (dez) minutos para cada um.
Parágrafo único. Em seguida, o juiz renovará a proposta de conciliação e, não sendo aceita, ditará sua sentença, que
conterá sucinto relatório do ocorrido na audiência.
58

do devedor, e esse modo pode ser usado tanto para o desconto das
prestações vincendas como das vencidas, desde que em quantitativo
suportável pelo alimentante e recomendado para as hipóteses de
dificuldade de executar-se o débito de outra maneira.

No caso, já alcançada a maioridade pelo alimentando, o desconto


correspondente às parcelas vencidas continuará sendo feito mensalmente,
no mesmo quantitativo, até a satisfação total do débito.

Recurso conhecido e provido.

(REsp 254.047/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA,


julgado em 03/08/2000, DJ 25/09/2000, p. 108)

Por fim, é importante ressaltar que, em que pese o que dispõe o art. 15 da
LA, no sentido de que “A decisão judicial sobre alimentos não transita em
julgado e pode a qualquer tempo ser revista, em face da modificação da
situação financeira dos interessados”, não é possível afirmar que a decisão
de alimentos não transita em julgado ou não faz coisa julgada material.

Os alimentos poderão ser revistos a qualquer tempo apenas em


face da modificação da situação financeira dos interessados. Isto é,
é imprescindível quer ocorra modificação da situação fática e, por
consequência, da causa de pedir. Assim, não há qualquer óbice à coisa
julgada formada anteriormente.

5. Interdição

Antes de tratar da interdição em si, prevista nos arts. 747 a 758 do CPC,
precisamos atentar para a disciplina da Lei 13.146/2015, a qual trouxe
grandes alterações no regime e no tratamento da incapacidade civil.

O Estatuto considera “pessoa com deficiência aquela que tem


impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
59

ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode


obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas”.

Ressalta, ainda, que a existência de deficiência não afetará a plena


capacidade civil dos indivíduos4, trazendo questão relevante sobre
quem, efetivamente, estará sujeito à interdição.

O art. 84 trata do tema, mas continua sem esclarecer a dúvida:

Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de


sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.

§ 1o Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à


curatela, conforme a lei.

[...]

§ 3o A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida


protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias
de cada caso, e durará o menor tempo possível.

§ 4o Os curadores são obrigados a prestar, anualmente, contas de sua


administração ao juiz, apresentando o balanço do respectivo ano.

Art. 85. A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos
de natureza patrimonial e negocial.

§ 1o A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo,


à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao
trabalho e ao voto.

4
Art. 6o  A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para: I–casar-se e constituir união
estável; II–exercer direitos sexuais e reprodutivos; III–exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter
acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; IV–conservar sua fertilidade, sendo
vedada a esterilização compulsória; V–exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e VI–exer-
cer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades
com as demais pessoas.
60

§ 2o A curatela constitui medida extraordinária, devendo constar da


sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os
interesses do curatelado.

§ 3o No caso de pessoa em situação de institucionalização, ao nomear


curador, o juiz deve dar preferência a pessoa que tenha vínculo de
natureza familiar, afetiva ou comunitária com o curatelado.

[...]

Art. 87. Em casos de relevância e urgência e a fim de proteger os


interesses da pessoa com deficiência em situação de curatela, será lícito
ao juiz, ouvido o Ministério Público, de oficio ou a requerimento do
interessado, nomear, desde logo, curador provisório, o qual estará sujeito,
no que couber, às disposições do Código de Processo Civil.

Fato é que o Estatuto revogou os incisos do art. 3º do Código Civil,


excluindo do rol de incapazes, os que, por enfermidade ou deficiência
mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses
autos e aqueles que, mesmo por causa transitória, não puderem
exprimir sua vontade.

Pablo Stolze, tratando do tema, ressalta que o objetivo do Estatuto foi

[...] fazer com que a pessoa com deficiência deixasse de ser “rotulada”
como incapaz, para ser considerada–em uma perspectiva constitucional
isonômica–dotada de plena capacidade legal, ainda que haja a necessidade
de adoção de institutos assistenciais específicos, como a tomada de
decisão apoiada e, extraordinariamente, a curatela, para a prática de atos
na vida civil5.

Isto quer dizer que, em que pese não se possa cogitar o fim da
interdição, ela será sempre medida excepcional, voltada exclusivamente
aos atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial.

5
É o fim da interdição. Disponível em <https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/304255875/e-o-fim-da-inter-
dicao-artigo-de-pablo-stolze-gagliano>. Acesso em: 30 maio 2018.
61

Ainda Pablo Stolze afirma que o advento do Estatuto pôs fiz, não ao
procedimento de interdição, mas ao

[...] standard tradicional da interdição, em virtude do fenômeno da


“flexibilização da curatela”, anunciado por Célia Barbosa Abreu[9].

Vale dizer, a curatela estará mais “personalizada”, ajustada à efetiva


necessidade daquele que se pretende proteger6.

6. Procedimento

São legitimados para propor interdição, na forma do art. 747 do


CPC, (i) o cônjuge ou companheiro; (ii) os parentes ou tutores; (iii) o
representante da entidade em que se encontra abrigado o interditando;
e (iv) o Ministério Público.

Além dos requisitos comuns a toda e qualquer petição inicial, o


requerente da interdição deverá especificar os fatos que demonstram
a incapacidade do interditando e o momento em que a incapacidade se
revelou.

Recebida a petição inicial, mediante requerimento, o juiz poderá nomear


curador provisório, especificando quais atos estão sujeitos à medida.

A petição inicial deverá ser acompanhada de laudo médico indicando a


condição, além de declarações dos demais colegitimados concordando
com a concessão da curatela ao requerente. Assim, por exemplo, para
que um dos pais requeira a medida, é necessária concordância expressa
do outro. O mesmo se dá entre filhos, cônjuges e companheiros.

O interditando será citado para comparecer perante o juiz, em entrevista


que pode ser (e preferencialmente será) acompanhada por especialista,

6
Op. cit.
62

sem prejuízo da realização de prova pericial, quando necessária. Poderá,


ainda, contestar o pedido, no prazo de quinze dias.

A sentença que decreta a interdição deverá conter, além dos limites


da curatela, a indicação do curador de pessoa incapaz sob guarda e
responsabilidade do interdito, alcançando, portanto, terceiros que não
participaram do processo (art. 755).

Cessada a causa, levantar-se-á a curatela, mediante pedido que pode ser


formulado tanto pelo interdito quanto pelo curador ou pelo Ministério
Público.

VAMOS PENSAR
Faça uma reflexão sobre como, nas ações de família, a
intervenção do Estado parece ser maior. Há realmente uma
justificativa para isso?

7. Pontuando
• Ações de família
• Procedimento especial previsto no CPC
• Admitem cumulação
• Prioridade das técnicas de solução consensual de conflitos
• Alimentos
• Procedimento especial previsto em lei especial
• Admite cumulação com ações de família
63

• Interdição
• Procedimento especial previsto no CPC

• Medida excepcional e voltada a atos de natureza patrimonial e


negocial

Glossário
• Prioridade por técnicas de solução consensual: norma
fundamental que rege, com maior força, as ações de família.

• Irrepetibilidade: Impossibilidade de, julgado improcedente o


pedido, ser condenado o alimentando a restituir os valores ao
alimentante.

Verificação de leitura

1. Está compreendida nas ações de família, exceto:

a. a ação de alimentos;
b. a separação;
c. a extinção de união estável;
d. a demanda contenciosa envolvendo litígio de
família, ainda que não prevista no art. 693 do CPC;
e. o divórcio litigioso.

2. Maria Clara propôs ação de divórcio contencioso em


face de Ricardo. Na petição inicial cumulou pedidos de
guarda e de alimentos, em favor da filha do casal, Catarina.
Distribuída a petição inicial, o juiz da 1ª Vara de Família da
64

Comarca de Curitiba determinou fosse o ato emendado,


em razão da impossibilidade de cumulação das demandas.
Sobre a situação concreta, assinale a alternativa correta:

a. Maria Clara agiu corretamente ao formular a


cumulação dos pedidos de divórcio e alimentos,
porém, em razão da possibilidade de concessão
de busca e apreensão de menor, não é possível a
cumulação do pedido de guarda.
b. Todas as ações de família são cumuláveis, na
forma do art. 327, §2º, devendo, nesses casos, o
procedimento seguir pelo rito comum.
c. É possível a cumulação de ações de família com
ação de alimentos, sem prejuízo da utilização
da técnica específica para concessão de tutela
provisória prevista na Lei de Alimentos.
d. Agiu corretamente o magistrado, uma vez que em
razão da especificidade da ação de alimentos, não
é possível sua cumulação com qualquer outra sem
prejuízo da reunião dos processos, em razão da
conexão.
e. NRA.

3. Sobre a preferência pela solução consensual da


controvérsia nas ações de família, é incorreto o que se
afirma na alternativa:

a. Exclusivamente nas ações de família, o Estado


promoverá, sempre que possível, a solução
consensual dos conflitos” e “A conciliação, a
mediação e outros métodos de solução consensual
de conflitos deverão ser estimulados por juízes,
advogados, defensores públicos e membros do
65

Ministério Público, inclusive no curso do processo


judicial”.
b. O art. 139, V indica como dever do magistrado
“promover, a qualquer tempo, a autocomposição,
preferencialmente com auxílio de conciliadores e
mediadores judiciais”.
c. Nas ações de família, todos os esforços serão
empreendidos para a solução consensual da
controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de
profissionais de outras áreas de conhecimento para
a mediação e conciliação.
d. A requerimento das partes, o juiz pode determinar
a suspensão do processo enquanto os litigantes
se submetem à mediação extrajudicial ou ao
atendimento multidisciplinar.
e. A prevalência das técnicas de resolução de conflito
sobre o litígio fica clara, no que tange às ações de
família, no art. 695, que dispõe que o mandado de
citação não será acompanhado da petição inicial.

4. Sobre a ação de alimentos, é correto afirmar:

a. O CPC/15 revogou a Lei nº 5.478 de 1968.


b. A juntada de documento que comprove parentesco
é requisito da petição inicial.
c. O credor poderá requerer a tutela provisória,
sempre que presentes os requisitos para concessão
de tutela de urgência.
d. Julgada improcedente a demanda, o devedor, ora
réu, poderá cobrar nos mesmos autos a restituição
dos valores pagos a título de alimentos provisórios.
e. Os alimentos são irrepetíveis, sendo direito
adquirido do credor a cobrança dos valores devidos
66

em razão da concessão de tutela provisória, ainda


que julgado improcedente o pedido.

5. Sobre a interdição, assinale a alternativa incorreta:

a. A Lei 13.146/2015 considera pessoa com deficiência


aquela que tem impedimento de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial,
o qual, em interação com uma ou mais barreiras,
pode obstruir sua participação plena e efetiva
na sociedade em igualdade de condições com as
demais pessoas.
b. A interdição será medida excepcional, voltada a
atos de natureza patrimonial, negocial e, ainda, ao
casamento.
c. São legitimados para propor interdição, na forma
do art. 747 do CPC, (i) o cônjuge ou companheiro;
(ii) os parentes ou tutores; (iii) o representante
da entidade em que se encontra abrigado o
interditando; e (iv) o Ministério Público.
d. Recebida a petição inicial, mediante requerimento,
o juiz poderá nomear curador provisório,
especificando quais atos estão sujeitos à medida.
e. A petição inicial deverá ser acompanhada de laudo
médico indicando a condição, além de declarações
dos demais colegitimados concordando com a
concessão da curatela ao requerente.

Referências bibliográficas
SCARPINELLA BUENO, Cassio. Manual de direito processual civil: inteiramente
estruturado à luz do novo CPC. São Paulo: Saraiva, 2015.
67

CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas,
2015.
DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno;
OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução. 7 ed.
Salvador: Juspodivm, 2017.
ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de. Código de Processo Civil Comentado.
Revista dos Tribunais, São Paulo, 1975, vol. I, n. 3, p. 426. (comentários ao art. 6º)
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. et al. Primeiros comentários ao novo código de
processo civil. 1. Ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.

Gabarito

Questão 1 – Resposta: A

Resolução: O rol previsto no art. 693 é meramente


exemplificativo. A disposição legal não alcança, porém, a ação de
alimentos, que é regulada por lei própria.

Questão 2 – Resposta: C

Resolução: Não há qualquer prejuízo na cumulação das


demandas, bem como será possível a utilização da técnica
específica para concessão da tutela provisória.

Questão 3 – Resposta: A

Resolução: A preferência por soluções alternativas dos conflitos


é norma fundamental do CPC, alcançando todos os litígios e não
apenas os de família.

Questão 4 – Resposta: B

Resolução: Na forma da Lei de Alimentos, apenas exige-se prova


do parentesco para a formulação da demanda.
68

Questão 5 – Resposta: B

Resolução: A interdição alcança exclusivamente atos de natureza


patrimonial e negocial.
69

Controle concentrado de
constitucionalidade
Autoria: Carolina Uzeda
Revisora teórica: Lais Giovanetti

Objetivos
• Características das ações de controle concentrado
de constitucionalidade.

• ADC como ação declaratória.

• ADIN como ação constitutiva necessária.

• Legitimação.

• Aspectos procedimentais.

• Tutela de urgência.
70

Introdução
A CF é a norma fundamental, que dá unidade e validade às normas
jurídicas. A partir dela é que se estrutura o sistema, o ordenamento
jurídico. Tanto assim o é que a pirâmide de Kelsen tem a Constituição
em seu ápice. Dela se estruturam todas as demais normas que
compõem o sistema.

Em razão dessa relevância, o controle de constitucionalidade tem dois


pressupostos: a rigidez constitucional e supremacia da Constituição.

Rigidez constitucional: A regra constitucional não pode ser alterada pelo


legislador ordinário, tendo em vista a fixação de critérios formais e
materiais mais rigorosos para sua previsão.

Supremacia da Constituição: Diz respeito à posição hierárquica mais


elevada no ordenamento jurídico, o que constitui o fundamento de
invalidade das normas declaradas inconstitucionais.

Ambos os fundamentos são fundamentos estão inter-relacionados,


interligados.

Há dois tipos de inconstitucionalidade: Inconstitucionalidade material


e Inconstitucionalidade formal. Como o próprio nome indica, há
inconstitucionalidade formal quando a CF estabelece, por exemplo,
competência, quórum, procedimentos específicos para a produção
de normas – são as regras referentes ao processo legislativo. Se essas
regras não são observadas, existe um vício de forma.

PARA SABER MAIS


Sobre o tema, vale conhecer o livro do Min. Luis Roberto
Barroso: Controle de Constitucionalidade no Direito
Brasileiro, 2ª ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2006.
71

Por exemplo, uma lei cuja iniciativa cabia ao Executivo e foi do Legislativo;
uma norma que deveria ter sido aprovada por um quórum especial
(lei complementar) e não foi; uma norma que deveria ter, em razão de
uma emenda alterando seu conteúdo, retornado para a Câmara e foi
encaminhada diretamente pelo Senado à sanção presidencial.

A inconstitucionalidade material é aquela do conteúdo – o conteúdo


da norma é incompatível com o conteúdo da norma constitucional. Se
a norma constitucional proíbe determinada coisa, não pode a norma
infraconstitucional permitir o que diz proíbe a CF.

A inconstitucionalidade pode ocorrer, ainda, por ação ou por omissão.


Pode decorrer do ato do legislador (inconstitucionalidade por ação) ou
quando este permanecer inerte, apesar da determinação constitucional
para que legisle (exemplo clássico citado pela doutrina é o direito de
greve do servidor público).

A inconstitucionalidade por ação é aquela que resulta


da incompatibilidade de um ato normativo com a CF. A
inconstitucionalidade por omissão pressupõe a inobservância de um
dever constitucional de legislar.

Controle de constitucionalidade é o juízo sobre a compatibilidade formal


e material de uma lei ou de um ato estatal, com a Constituição – de
modo a verificar a sua validade e, em sendo o caso, retirar-lhe a eficácia.

1. Modalidades de Controle Concentrado de


Constitucionalidade

LINK
O site do STF disponibiliza dados estatísticos das ações
de controle concentrado de constitucionalidade, com
indicativo de processos autuados, baixados e julgados.
72

A Constituição de 1988 ampliou significativamente os mecanismos de


proteção judicial e também os controles da constitucionalidade das leis,
principalmente com relação ao controle abstrato, sendo suas principais
modificações com relação ao regime anterior:

• Supressão da representação para interpretação;

• Ampliação da legitimação pra ADI (art. 103);

• Introdução de mecanismos de controle da omissão


inconstitucional (ação direta de inconstitucionalidade por omissão,
mandado de injunção);

• Criação da Ação Direta em âmbito estadual, embora mantendo


o nome de representação de inconstitucionalidade – não é
representação, mas ação direta; e

• Criação da ADPF, deixando a sua regulamentação para lei


ordinária.

Os instrumentos do controle concentrado de constitucionalidade, que


agora passaremos a estudar são:

• Ação Declaratória de Inconstitucionalidade;

• Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão;

• Ação Declaratória de Constitucionalidade; e

• Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

2. Legitimados

Os legitimados para propor ADIN, ADO, ADC e ADPF são os mesmos e


estão previstos no art. 103 da CF:
73

• Presidente da República.

• Mesa do Senado Federal.

• Mesa da Câmara dos Deputados.

• Mesa da Assembleia Legislativa ou da Câmara do DF.

• Governador de Estado ou do DF.

• Procurador Geral da República.

• Conselho Federal da OAB.

• Partido político com representação no Congresso Nacional.

• Confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.1

Inicialmente, os legitimados para propor ADC eram diferentes daqueles


previstos para a ADIN. Tal se dava, inclusive, pela diferença na
finalidade política das ações diretas. Enquanto a ADC é um instrumento
originalmente criado para a ‘situação’, a ADIN volta-se à oposição e às
minorias, evitando, assim, que a maioria no Congresso leve à sanção de
normas inconstitucionais.

Há de se ter em mente que, embora tenham resultados semelhantes


(a ADI julgada procedente é igual a ADC julgada improcedente), a ADC,
por ser instrumento a ser utilizado pela situação, tem seu cabimento
limitado e exige a demonstração da grave controvérsia judicial, sem a
qual não se pode propor uma ADC.

1
Para Gilmar Mendes, estão excluídos do conceito de entidade de classe: (a) organização formada por asso-
ciados pertencentes a categorias diversas; (b) pessoas jurídicas de direito privado, que reúnam, como membros
integrantes, associações de natureza civil e organismos de caráter sindical; (c) organizações que congregando
pessoas jurídicas, apresentam-se como verdadeiras associações de associações. (Controle abstrato de constitu-
cionalidade: ADI, ADC e ADO: comentários à Lei n. 9.868/99. São Paulo: Saraiva, 2012, pp.106/108).
74

Quanto à ADPF, o STF, interpretando o art. 2º da Lei 9882/99, já ressaltou


que a remissão ao rol de legitimados à propositura da demanda atrai
também a taxatividade do rol do art. 103 da CF2.

Alguns desses legitimados podem propor ação, independentemente de


qualquer outra justificativa. São os chamados legitimados universais.
Quer dizer, a legitimidade é pressuposta. É o caso do Procurador Geral
da República, por exemplo.

Já quanto às confederações sindicais e as entidades de âmbito nacional,


precisam demonstrar, à luz da situação concreta, na ação proposta, a
pertinência temática.

Ou seja, aquele tema tratado naquela ADI tem que ter uma ligação com
a sua atividade institucional.

O mesmo se dá com relação aos Governadores de Estado ou do DF:

Legitimidade – Governador de Estado – Lei do Estado – Ato normativo


abrangente – Interesse das demais Unidades da Federação – Pertinência
temática. “Em se tratando de impugnação à diploma normativo a
envolver outras Unidades da Federação, o Governador há de demonstrar
a pertinência temática, ou seja, a repercussão do ato considerados os
interesses do Estado.” (ADI 2.747, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em
16-5-07, DJ de 17-8-07).

3. Aspectos procedimentais

O art. 3º da Lei 9.868/99 estabelece os requisitos da petição inicial da


ADIN:
2
DECISÃO ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL – PREFEITO – ILEGITIMIDA-
DE ATIVA – NEGATIVA DE SEGUIMENTO AO PEDIDO. [...] 2. O rol de legitimados para propositura de arguição
de descumprimento de preceito fundamental consta do artigo 2º, inciso I, da Lei nº 9.882, de 3 de dezembro de
1999, e é taxativo: apenas podem formalizá-la os legitimados constantes do artigo 103 da Carta, a tratar da ação
direta. Nele não consta a figura do Chefe do Executivo municipal. (ADPF 327, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO,
julgado em 17/10/2014, publicado em DJe-212 DIVULG 28/10/2014 PUBLIC 29/10/2014).
75

Art. 3o A petição indicará:

I. o dispositivo da lei ou do ato normativo impugnado e os fundamentos


jurídicos do pedido em relação a cada uma das impugnações;
II. o pedido, com suas especificações.

É importante ressaltar que, em sede de controle abstrato, a causa


de pedir é aberta. Ou seja, embora a parte fundamente os motivos
pelos quais a norma é inconstitucional, o STF não está adstrito a tal
fundamentação. Se, na análise do dispositivo, o Supremo entende
que a norma é inconstitucional por outros motivos, poderá declarar
a inconstitucionalidade sem qualquer violação ao princípio da
congruência.

Da mesma forma, as ações diretas de inconstitucionalidade (inclusive a


por omissão) não admitem desistência. Como o processo é objetivo e se
presta a um fim maior, o legitimado é considerado apenas um veículo
para a sua instauração (arts. 5º e 12-D da Lei 9.868/99).

Recebida a inicial da ADIN, a autoridade da qual emanou o ato deve


prestar informações no prazo de 30 dias. Decorrido tal prazo, será
aberta vista ao Advogado-Geral da União, que atua exclusivamente em
defesa do ato impugnado, bem como o Procurador-Geral da República,
que age como fiscal da lei para manifestação em até quinze dias.

Havendo necessidade de esclarecimento quanto à matéria de fato, ou


de notória insuficiência das informações existentes nos autos, poderá
o relator requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão
de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou fixar data para,
em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e
autoridade na matéria.

Já a ADC possui requisito diferenciado, uma vez que exige, na forma do art.
14, a demonstração da “existência de controvérsia judicial relevante sobre
a aplicação da disposição objeto da ação declaratória”. Tal requisito deixa
76

claro que não existe a possibilidade do ajuizamento de uma ADC tão


logo a lei entre em vigor. A existência de controvérsia na interpretação da
norma pressupõe a vigência por tempo suficiente a gerar o ajuizamento de
demandas e o posicionamento controvertido dos tribunais.

No caso da ADC, recebida a petição inicial, os autos serão encaminhados


ao Procurador-Geral da República para manifestação em 15 dias.

Por fim, a ADPF foi regulamentada pela Lei nº 9.882/99 e se presta a


evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do
Poder Público. E o ato, no caso, é em sentido amplo.

Tudo aquilo que não puder ser objeto de ADIN ou ADC, nem por outro
meio específico (recurso, por exemplo), poderá ser questionado por meio
da ADPF, que assume um papel notadamente subsidiário, especialmente
considerando que possui os mesmos legitimados que a ADIN3.

4. Decisão

Dispõe o art. 26 que o acórdão que declara a constitucionalidade ou


inconstitucionalidade de lei ou ato normativo é irrecorrível, salvo a
oposição de embargos de declaração. Não será possível, também, o
ajuizamento de ação rescisória.

Embora a lei mencione que em ambos os casos o que o STF faz é


“declarar” a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de ato
normativo, fato é que, em razão do poder que lhe é outorgado pela CF,
o Supremo, ao declarar a lei inconstitucional em controle concentrado,
imediatamente a retira do ordenamento jurídico. A natureza da decisão,
no caso, é constitutiva e não meramente declaratória.
3
Art. 4o A petição inicial será indeferida liminarmente, pelo relator, quando não for o caso de arguição de
descumprimento de preceito fundamental, faltar algum dos requisitos prescritos nesta Lei ou for inepta.
1 Não será admitida arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro
§ o

meio eficaz de sanar a lesividade.


77

É possível (e aconselhável), ainda, que o STF module os efeitos da


decisão, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional
interesse social, desde que o faça por maioria de dois terços de seus
membros.

No caso, poderá o STF restringir os efeitos da declaração ou decidir que


ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro
momento que venha a ser fixado.

Considerando a tese da mutação constitucional do art. 52, X da


CF, que indica uma objetivação também do controle difuso de
constitucionalidade, é importante que o STF adote a modulação também
nesses casos, especialmente porque o CPC/15, em seu art. 525, § 12
reconhece como:

[...] inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado


em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal
Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo
tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição
Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.

5. Tutela provisória em controle abstrato

O art. 102, I, p da CF afirma que cabe ao STF o julgamento de “pedido de


medida cautelar das ações diretas de inconstitucionalidade”. A Lei 9.868/99,
sem qualquer indício de inconstitucionalidade, amplia a possibilidade de
concessão de tutela provisória também em sede de ADC:

Art. 10. Salvo no período de recesso, a medida cautelar na ação direta


será concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do
Tribunal, observado o disposto no art. 22, após a audiência dos órgãos
ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado, que
deverão pronunciar-se no prazo de cinco dias.
78

Art. 12. Havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da


relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a
segurança jurídica, poderá, após a prestação das informações, no prazo de
dez dias, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-
Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, submeter
o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar
definitivamente a ação.

Art. 21. O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta


de seus membros, poderá deferir pedido de medida cautelar na ação
declaratória de constitucionalidade, consistente na determinação de
que os juízes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que
envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu
julgamento definitivo.

Isto porque, é evidente que a competência para o conhecimento


de medidas liminares é inerente à própria competência para a ação
principal. Podendo o STF julgar ações diretas, poderá, por consequência,
avaliar a necessidade de, consoante o caso concreto, deferir medidas
provisórias, destinadas a sanar periculum in mora.

O mesmo se dá com relação à ADPF, consoante art. 5º da Lei 9.882/99:

Art. 5.º O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de


seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na arguição de
descumprimento de preceito fundamental (...). § 3.º A liminar poderá consistir
na determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento de
processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que
apresente relação com a matéria objeto da arguição de descumprimento de
preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada.

Em todos os casos, a concessão de medida liminar pressupõe a


relevância dos fundamentos e o periculum in mora, sendo certo que,
como leciona Eduardo Arruda Alvim4:
4
Apontamentos Sobre as Liminares na Ação Direta de Inconstitucionalidade, na Ação Declaratória de Constitucio-
nalidade e na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Disponível em: http://www.bdr.sintese.com/
AnexosPDF/RJ%20381%20-%20Doutrina%20Civil.pdf. Acesso em: 30 maio 2018.
79

Na ação direta de inconstitucionalidade, a liminar poderá levar à


suspensão da eficácia do ato normativo impugnado pela ação; já na
ação declaratória de constitucionalidade, a liminar haverá de resguardar
a presunção de legitimidade do ato normativo objeto da ação até o
julgamento final.

Nada obsta que a liminar seja deferida inaudita altera pars. Em qualquer
caso, o quórum do deferimento da medida liminar é a maioria absoluta.
Concedida, a decisão será publicada no D.O. e, em 10 dias contados do
julgamento, terá efeitos erga omnes e em princípio ex nunc.

A liminar, quando o caso, terá, igualmente efeitos repristinatórios,


fazendo com que a lei revogada (norma que existia antes daquela cuja
constitucionalidade está sendo questionada) retome sua vigência.

O descumprimento da decisão liminar prolatada em controle abstrato


dá ensejo ao ajuizamento de reclamação, na forma do art. 988, II do CPC.

VAMOS PENSAR
Reflita sobre como o controle de constitucionalidade pode
ser um meio de controle político, pelo STF, dos demais
Poderes.

6. Pontuando
• ADIN.

• Declaração de inconstitucionalidade.

• Decisão constitutiva.
80

• ADC.

• Declaração de constitucionalidade.

• Declaratória.

• ADPF.

• Caráter subsidiário.

• Atos do Poder Público.

Glossário
• Efeito repristinatório: Retomada de vigência da lei revogada por
aquela cuja inconstitucionalidade é declarada pelo STF

• Modulação: Estabelecimento, por decisão, dos efeitos da


declaração (parcial ou total) de inconstitucionalidade no tempo.

Verificação de leitura

1. Sobre o controle de constitucionalidade, é incorreto


afirmar que:

a. Tem dois pressupostos: a rigidez constitucional e


supremacia da Constituição.
b. Há rigidez constitucional quando esta não pode
ser alterada pelo legislador ordinário, tendo em
vista a fixação de critérios formais e materiais mais
rigorosos para sua previsão.
81

c. A inconstitucionalidade formal ocorre quando as


regras referentes ao processo legislativo, previstas
na CF, são descumpridas.
d. A inconstitucionalidade pode ocorrer apenas
por ação, uma vez que, em razão do princípio da
separação dos poderes, o Judiciário não pode
controlar as omissões do Legislativo.
e. Entende-se por controle de constitucionalidade o
juízo sobre a compatibilidade formal e material de
uma lei ou de um ato estatal, com a Constituição –
de modo a verificar a sua validade e, em sendo o
caso, retirar-lhe a eficácia.

2. Dentre as medidas inovadoras da CF/88, incluem-se


(a) a supressão da representação para interpretação;
(b) criação da ADIN; (c) criação da ação direta de
inconstitucionalidade por omissão; e (d) a criação da
Ação Direta em âmbito estadual.
( ) V ( )F
3. Sobre a legitimidade para ajuizamento de ADIN e ADC, é
correto o que se afirma na alternativa:

a. O Prefeito de Município é legitimado apenas para


propor ADPF.
b. São legitimados para propor ADC: as Mesa do
Senado e da Câmara dos Deputados e o Procurador
Geral da República.
c. Não há diferença entre os legitimados da ADIN e da
ADC.
d. O rol do art. 103 da CF é taxativo.
e. Organização formada por associados pertencentes a
categorias diversas não é legitimada a propor ADIN.
82

4. Sobre o procedimento das ações abstratas, é incorreto


afirmar que:

a. Ainda que a parte fundamente os motivos pelos


quais a norma é inconstitucional, o STF não está
adstrito a tal fundamentação.
b. Se, na análise do dispositivo, o Supremo entende
que a norma é inconstitucional por motivos
diferentes daqueles apontados pelo autor, poderá
declarar a inconstitucionalidade sem qualquer
violação ao princípio da congruência.
c. As ações diretas de inconstitucionalidade não
admitem desistência, salvo com expressa
concordância do réu.
d. Recebida a inicial da ADIN, a autoridade da qual
emanou o ato deve prestar informações no prazo de
30 dias.
e. Em qualquer caso, o AGU e o Procurador-Geral da
República serão intimados a se manifestarem no
prazo de quinze dias.

5. Na forma da Lei 9868/99, o acórdão que declara a


constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei ou
ato normativo é irrecorrível e tem natureza declaratória.
( ) V ( )F

Referências bibliográficas
ARRUDA ALVIM, Eduardo. Apontamentos Sobre as Liminares na Ação Direta
de Inconstitucionalidade, na Ação Declaratória de Constitucionalidade e na
Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Disponível em: http://
www.bdr.sintese.com/AnexosPDF/RJ%20381%20-%20Doutrina%20Civil.pdf. Acesso
em: 30 maio 2018.
83

BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro.


2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
CAPPELLETTI, Mauro. Trad. Aroldo Plínio Gonçalves. O controle judicial de
constitucionalidade das leis no direito comparado. 2. ed. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris, 1992.
MENDES, Gilmar Ferreira. Controle abstrato de constitucionalidade: ADI, ADC e
ADO: comentários à Lei n. 9.868/99. São Paulo: Saraiva, 2012.

Gabarito

Questão 1 – Resposta: D.

Resolução: É possível o controle da inconstitucionalidade


por omissão, o que se dá por meio da Ação Declaratória de
Inconstitucionalidade por Omissão.

Questão 2 – Resposta: F

Resolução: A ação declaratória de inconstitucionalidade é prévia à


CF/88, que apenas ampliou seus legitimados.

Questão 3 – Resposta: A

Resolução: Os legitimados para propor ADPF são os mesmos de


ADIN e ADC, rol previsto no art. 103, que não inclui Prefeito de
Município.

Questão 4 – Resposta: C

Resolução: As ações diretas não admitem desistência. Ainda que


o réu concorde com a desistência considerando a sua natureza
objetiva, a demanda será julgada.
84

Questão 5 – Resposta: F.

Resolução: Embora a lei afirme que a natureza é declaratória,


quando é reconhecida a inconstitucionalidade, a decisão tem
natureza constitutiva, dado que retira a norma do ordenamento
jurídico.
85

BONS ESTUDOS!

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